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Memórias de mulheres

fotógrafas do Cariri
Emanoella Callou Belém (org.)
Memórias de mulheres
fotógrafas do Cariri
Emanoella Callou Belém (org.)

Cariri-CE
2020
Dados sobre a publicação
Organização: Emanoella Callou Belém Emanoella Callou

Projeto Gráfico e Diagramação: Paulo Anaximandro Georgia Nunes

Projeto Editorial: Emanoella Callou Belém, Maria Laís dos Jade Luiza
Santos Leite
As histórias importam. Muitas Lícia Maia
Revisão Textual: Maria Laís dos Santos Leite
1. ADICHIE, Chima-
histórias importam. As histórias Lívia Monteiro
manda Ngozi. Os
perigos de uma
foram usadas para espoliar e Foto de capa: Wennyta Pinheiro
Maria Macêdo
história única. caluniar, mas também podem Fotografias:
Tradução: Julia
Romeu. São Paulo: ser usadas para empoderar e Nívia Uchôa
Companhia das
Camille Alex
Letras, 2019. humanizar”. Pollianna Jamacaru
Carlene Cavalcante
(Chimamanda Ngozi ADICHIE, Rejane Lima
Cecília Sobreira
2019, n.p.) 1. Samara Calixto
Constance Pinheiro
Wennyta Pinheiro
Cristina Carneiro
Williana Silva
Elane Abreu
Yasmine Morais
Elida Maria
Sumário

Prefácio .........................................................................................................10 Cristina Carneiro ...................................................................................36 Maria Macêdo .........................................................................................74 Wennyta Pinheiro ............................................................................... 94

Apresentação ...........................................................................................13 Elane Abreu ..............................................................................................40 Nívia Uchôa ..............................................................................................78 Williana Silva ............................................................................................ 96

I Mostra de Mulheres Fotógrafas do Cariri ....................17 Elida Maria ................................................................................................. 46 Pollianna Jamacaru ........................................................................... 82 Yasmine Morais ..................................................................................102

As fotógrafas ............................................................................................21 Emanoella Callou .................................................................................52 Rejane Lima ............................................................................................. 86 Posfácio .....................................................................................................109

Camille Alex ..............................................................................................22 Georgia Nunes ...................................................................................... 56 Samara Calixto ......................................................................................90

Carlene Cavalcante ............................................................................26 Jade Luiza ...................................................................................................60

Cecília Sobreira .....................................................................................30 Lícia Maia ................................................................................................... 64

Constance Pinheiro ............................................................................32 Lívia Monteiro ........................................................................................ 70


Prefácio
por Yasmine Moraes

Oásis. É a primeira palavra que me vem quando penso o ápice da compreensão da cultura da mulher e também na performance existencial da realidade
mulher e cariri cearense. O outro sentido que me rebate, uma cultura negroíndia no Cariri cearense. caririense.
depois de um oásis, é a água. Dessa vez, a água conduz
Pensar em memória é adentrar em um universo oriundo O Cariri é o universo divinal e fértil, de todas
meu pensamento em abundância, brotando a terra,
de fotografias evocadas das lembranças. Como uma as cachoeiras e águas doces, de mulheres
verde, azul e cintilante, ora dourada-cor-de-barro.
avalanche de matéria viva, cores e corpos perpetuam grandes e fortes. Ainda há vários nomes a se
Memórias das mulheres na fotografia no Cariri cearense
nas imagens presentes. Lembranças carregam ações escrever nas páginas da memória documental
condizem com um respeito mútuo às mães que
nas quais o corpo é o responsável por transformar da Região. Ainda muito a ver, enxergar
percorreram a história dual do sertão. Um sertão de seca,
estas tantas informações em sentido. E a memória e perceber sobre o universo profundo
mas também de chuva, sertão profundo, de extensos
recria as ações do corpo para que elas possam cometer imagético das mulheres no Cariri, do Cariri.
caminhos até a chegada ao mar. Mais uma vez, falar de
significado. As mulheres fazem parte de um universo
feminino rompe barreiras estereotípicas em que, no seu Nestas escritas, deu-se um grande passo à
cultural profundo e simbólico, porém, a fotografia foi a
presente divinal de vida, as mulheres aparecem como frente já que os espaços foram ocupados
escolhida como meio de transmissão da memória para a
refúgio para quebrar paradigmas a fugir do silêncio da com obras centrais de arte e documento.
documentação e compreensão deste universo cultural.
sua própria existência. Suspiros de contentamento podem ser
A fotografia é arquivo vivo, portador de memória, e ainda Esta memória, presente neste livro, contém realizações ouvidos por nós, mulheres, ao fim destas
objeto político e analítico, constituindo o tempo narrado de mulheres ocupando espaços por onde, comumente, linhas, em uma urgência poética de resistir.
por ela. As imagens aqui são memórias vivenciadas o homem como valor, costumava permear. Decifrar o Porque corpo e memória nunca deixam de
tanto pela pesquisadora como também pelas suas mãos valor feminino na fotografia, tanto documental, artística, ser um eterno processo de transformação. E
agregadoras, confinadas pelo seu clique e modo de algumas até sem pretensões, mas com valor estimável, é sem água não há mulher e nem vida.
ver, de existir e resistir. Discutir e apresentar a memória a questão central destas páginas. Ler nomes de mulheres
cultural desenvolvida pela fotografia feminina é chegar fotógrafas nas folhas de um livro em tempos modernos
ao potencial do processo semiótico a ela atribuído como é lembrar a importância e abundância destas mulheres

Foto: Emanoella Callou


Apresentação

A
estudo de caso de minha dissertação apresentada
partir da minha atuação no campo da fotografia
ao Mestrado Profissional em Biblioteconomia da
e da observação das atividades realizadas nesta
Universidade Federal do Cariri – UFCA.
área na Região do Cariri cearense me sensibilizou
Neste livro, que representa o encerramento deste
a pouca visibilidade das fotógrafas no território, enquanto
ciclo de nossa formação, há ainda a função devolutiva
autoras e curadoras de exposições e ministrante em
para as participantes. Nele, apresentamos as obras
cursos, eventos, coletivos, projetos e grupos.
e as fotógrafas que participaram da I Mostra com a
Leituras, conversas com outros e outras fotógrafas, e expectativa que esta seja uma contribuição para a
especialmente vivências profissionais e acadêmicas, construção de memórias do território, no qual também
mobilizaram reflexões acerca das questões de gênero estejam presentes a história das mulheres e seus olhares
que estão inseridas na experiência de “ser fotógrafa” e sobre a sociedade e o cotidiano.
o impulso para propor a construção de uma exposição
fotográfica coletiva, a primeira Mostra de Mulheres
Foto: Emanoella Callou

Fotógrafas do Cariri, acontecimento que rememoramos Bons olhares, boa leitura,


a partir deste registro, outrora também escolhida como
A autora.

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Essas fotógrafas e suas obras representam,
neste trabalho, a história da fotografia de
mulheres do Cariri, as histórias e trabalhos
de mulheres que nunca foram contados ou
destacados anteriormente. Dessas autoras,
buscamos compreender os processos criativos
e a posição de ser mulher e fotógrafa no
Cariri, colocando-as assim como sujeitas
fundamentais da história e memória local.

Foto: Emanoella Callou, abertura da Mostra de Mulheres Fotógrafas do Cariri, no CCBNB, 29 de agosto de 2018.

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I Mostra de Mulheres
Fotógrafas do Cariri
sua primeira edição, quando fui convidada para integrar

A
primeira Mostra de Mulheres Fotógrafas do Cariri uma mesa com projetos de fotografia da UFCA. Nessa
teve sua abertura no dia 29 de agosto de 2018, época, coordenava o Projeto Diálogos com a Fotografia,
na galeria do Centro Cultural Banco do Nordeste que tinha como objetivo trazer conversações em torno
Cariri – CCBNB, em Juazeiro do Norte – Ceará. do campo de atuação da fotografia para a universidade.
A exposição foi promovida pela Universidade Federal do De 2015 a 2017, o projeto recebeu concessão de bolsas
Cariri – UFCA, por meio do curso de Jornalismo e da Pró- da Procult/UFCA para o desenvolvimento das atividades,
Reitoria de Cultura – Procult em parceria com o CCBNB. as quais já se realizavam desde 2014, ainda que sem
A exposição integrou a programação do IV Foto Síntese, cadastro oficial ou estudantes atuando como bolsistas.
evento de fotografia realizado pela UFCA desde 2015. Após quatro anos de evento sendo realizado com
uma programação conduzida predominantemente
A Mostra é concebida no Cariri Cearense, território que por homens, a quarta edição do evento buscou dar
se destaca por sua religiosidade, manifestações artístico- visibilidade às mulheres fotógrafas – mesmo que ainda
culturais e também pelo desenvolvimento econômico não trazendo a mulher como temática principal do
registrado nas últimas décadas. A Região atrai evento, a programação foi composta por convidadas de
fotógrafas(os) do mundo afora para registrar romarias em maioria feminina – culminando com a abertura de uma
Juazeiro do Norte e festas populares como a de Santo exposição, a primeira Mostra de Mulheres Fotógrafas do
Antônio, na cidade de Barbalha. Tais manifestações Cariri.
podem ser observadas também entre as imagens A referida Mostra, realizada em 2018, em Juazeiro do
presentes na Mostra. Norte-CE, buscava promover um espaço de exposição
Peça de divulgação da Estive nas quatro primeiras edições como integrante da para fotógrafas profissionais ou amadoras da Região
Chamada Pública da Mostra Comissão Organizadora e participei do evento desde a do Cariri. As mulheres ocuparam o espaço do IV Foto
Foto: Abertura da Mostra de Mulheres Fotógrafas do Cariri,
no CCBNB, 29 de agosto de 2018

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Síntese, seja como artistas, autoras de suas obras ou
como observadoras que retratam suas semelhantes com
um olhar de uma proximidade que talvez não pudesse
ser captada por um homem, ou ainda como convidadas
discutindo outros temas relacionados ao feminismo no
evento.

Curadoria
Para a curadoria da Mostra de Mulheres Fotógrafas do
Cariri convidei a arquiteta e fotógrafa Constance Pinheiro
(perfil na página 30) para que pudéssemos juntas
organizar a Chamada Pública e a curadoria da exposição.
O regulamento para a primeira Mostra de Mulheres
Fotógrafas do Cariri foi divulgado no dia 10 de julho
de 2018, e o resultado final com os nomes das obras e
fotografas selecionadas foi apresentado no dia 15 de
setembro do mesmo ano.
Recebemos inscrições de 25 mulheres, naquele
momento esse número foi para nós mesmas uma
surpresa, pois não esperávamos essa adesão. Das 25, 20
tiveram trabalhos selecionados para a exposição. Dentre
as inscritas, uma variedade de mulheres, encontramos
fotógrafas que estudam, que trabalham e não
necessariamente tem a fotografia como uma profissão,
mas cada uma, de um modo singular, nos surpreendeu
com suas histórias e imagens.
Convidamos as leitoras e leitores a, nas próximas
páginas, conhecerem e se encantarem por estas imagens
e histórias.

Foto: Nívia Uchôa, Romaria Candeias - Juazeiro do Norte – CE, 2 de fevereiro de 2006

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A ideia de visibilizar o trabalho de mulheres
fotógrafas no evento onde surgiu a Mostra
de Mulheres Fotógrafas do Cariri, veio da
necessidade de levar trabalhos de mulheres
a espaços como museus e galerias de arte,
As fotógrafas
que são locais que até hoje ainda possuem
maioria masculina em exposições.

20 21
Camille Alex

A
lessandra Camille Araújo de Oliveira, natural imagens e textos. O desejo despertado na época era de Instagram: https://
de São Paulo-SP, reside no Cariri há nove www.instagram.
realizar fotografias além de selfies ou exclusivamente com/camillealexfo-
anos onde cursa a graduação em Artes de mim. Gostaria de retratar outras pessoas, atmosferas, tografia/?hl=pt-br
Visuais na Universidade Regional do Cariri – URCA. A criar o meu próprio mundo. Fui envelhecendo e o desejo Youtube: https://
fotógrafa começou a exercer a profissão no campo sempre comigo. Percebi que aquele era definitivamente www.youtube.com/
do fotojornalismo, e ao migrar para o Cariri passou a o meu propósito. E assim, fui atrás dos recursos channel/UCtDUsP-
ZOn58o3Shdpdwe-
explorar diversos outros segmentos, como ensaios necessários para a execução dos meus trabalhos. Hoje 4cg/featured
e eventos fotografando casamentos, batizados e sou especialista em fotografia de família e ensaios
aniversários. Ela mantém ainda um canal no Youtube femininos.
onde dá dicas de fotografia e criatividade.
Camille conta que começou a fotografar em 2012, ao
falar de suas motivações para ter começado a fotografar: Sobre a série:

[...] meu interesse por fotografia surgiu cedo, por volta Na mitologia grega as Ninfas são espíritos naturais
dos 15/16 anos. Havia uma rede social muito comum na femininos. A série aborda a interação de mulheres com
época chamado: Fotolog. Onde as pessoas publicavam elementos da natureza.

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Quando fotografo outra mulher, também está em jogo o que/quem eu sou.
Acredito que somente outra mulher possui a real perspectiva de outra. Mulheres
que fotografam mulheres são capazes de uma verdadeira retratoterapia, porque
vivem, sentem e são. Nenhum homem conseguiria entender, vivenciar e captar
verdadeiramente uma essência feminina, simplesmente porque não é e não o
vive. Fotografamos com a perspectiva do que somos e vivemos” (Camille Alex).

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Carlene Cavalcante

C
arlene Cavalcante Batista, natural de Juazeiro do rituais da umbanda e danças que envolvem o sagrado Flickr: https://www.
Norte – CE, é estudante do Curso de Licenciatura flickr.com/pho-
feminino. tos/140167998@N06/
Plena em Artes Visuais pela Universidade Regional
A fotógrafa desenvolve processos artísticos nas artes Instagram: https://
do Cariri – URCA. A artista, professora e pesquisadora instagram.com/carle-
visuais por meio da fotografia desde 2013. Já participou
afirmou no documento submetido à Mostra que busca ne.cavalcante?igshi-
da exposição coletiva “Nossos Olhares”, com o coletivo d=1bh8m38r872d4
ampliar uma relação entre as artes visuais e a educação,
Quadrilha fotográfica, pelo GeoPark Araripe no SESC
não apenas através das investigações nas pesquisas Currículo Lattes:
Juazeiro do Norte –CE, e também foi contemplada http://lattes.cnpq.
acadêmicas, mas também através das práticas e
em 2016 no Concurso de fotografia com proposta de br/4281996295007675
experimentos artísticos, estabelecendo como tema de
homenagear as mulheres, em que resultou em uma
pesquisa corpo, imagem e cidade.
exposição coletiva na Cidade de Camaçari - Bahia com
Em resposta ao formulário eletrônico, Carlene conta que
o tema: Universo Feminino Singular e Plural. Também
começou a fotografar em 2011 após participar de um
desenvolve projetos artísticos na área do audiovisual,
curso de fotografia. A fotógrafa, em sua atuação, tem
produções entre elas, cinematográficas, documentários
interesse em diversos temas: Pessoas, Cidade, Natureza,
e animação, como o documentário “A Cultura Presente
Cultura e Sociedade, Eventos. No seu portfólio estão
no Mestre Noza”, e animação: “Aviãozinho”, em que
fotos de reisado, romarias e cidades do Cariri. Carlene
participou no festival de animação Cine Ceará em
também tem desenvolvido uma série de imagens sobre
Fortaleza – CE, em 2018.

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A arte se dá na questão da sua escrita com o
corpo em movimento. As artes, portanto, que
envolvem o trabalho com o corpo também
possuem seu plano de composição, criando
seus blocos de sensação. Os blocos sensação
se conservam, ou seja, permanecem nos
corpos, e na memória dos sujeitos que as
experienciam. Enfim, a arte é essa escrita com
o corpo que se fixaria a um trabalho perceptivo
do puro presente de sensações. Neste ato
criador ocorre a autenticidade do corpo, e há
uma notação do movimento em partituras que
fixam o processo de composição não é apenas
uma transferência de si para o mundo, há uma
criação de sentido e de sensações em sua
expressão autêntica do corpo. Na criação com o
corpo feminino existe o ato de sentir e se sentir
ao mesmo, elaborando assim um imaginário a
partir das sensações”. (Carlene Cavalcante)

28 29
Cecília Sobreira

C
ecilia de Oliveira Sobreira, natural de Juazeiro do
Norte, graduou-se em jornalismo pela Universidade
Federal do Cariri. A empresária que fotografa
por hobby desde 2015 elegeu como seus temas
Arte se torna interpelação.
cidade, objetos, cultura e sociedade, especialmente as Política se torna estética.
manifestações da cultura popular caririense. Atualmente A presença abrangente
desenvolve trabalhos de audiovisual voltados para a
documentação e resgate histórico cultural.
da performance e os usos
As obras da jornalista que foram selecionadas para a
múltiplos do corpo não só nas 2. HOLLANDA,
Heloisa Buarque de.
Mostra de Mulheres são da Série Finados, descritas por artes visuais, mas também na Explosão Femi-
nista: Arte, Cultura,
ela: poesia, no teatro, na música, e, Política e Univer-
sidade. São Paulo:
O anoitecer do dia 02 de novembro no Cemitério do sobretudo, no comportamento, Companhia das
Socorro tem uma atmosfera carregada de simbolismos.
O hábito de visitar “os mortos” no dia de finados faz
denunciam a necessidade Letras, 2018.

parte da cultura de Juazeiro e revela muito da fé de seus imperativa de uma expressão


habitantes. As imagens desse ambiente único transmitem que se vê como inadiável”.
um ar de mistério e podem traduzir sentimentos diversos
(Trecho encaminhado por Cecília Sobreira por ocasião da (Heloisa Hollanda, 2018, p. 76) 2.
submissão na referida Mostra).

30 31
Constance Pinheiro

A
arquiteta, designer, fotógrafa e professora Site profissional:
Constance Pinheiro Cardoso de Brito Gonçalves se (Iphan), a festa do Pau da Bandeira em Barbalha, Ceará, https://www.behance.
caracteriza como nascida e criada em Crato – CE. reúne por ano mais de 200 mil pessoas. Pessoas do net/estudiocaravelas

Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade país inteiro assistem, além da programação folclórica e Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.
de Fortaleza, Constance é sócia fundadora do Estúdio artística, homens carregando por todo o dia um tronco br/6413223701899007
Caravelas, organização que completa oito anos de de aproximadamente trinta metros de comprimento.
existência. Ela afirma buscar através de sua atuação O processo que antecede o espetáculo visto por todos
enaltecer e fomentar a arte e cultura do Cariri cearense é a concentração dos homens que carregam o pau
dentro de uma linguagem universal e contemporânea. no sítio onde ele foi cortado. Por cerca de três horas,
Em 2007, durante a graduação, começou a fotografar os carregadores bebem cachaça, comem churrasco e
por se identificar com a linguagem da imagem, tanto “brincam” uns com os outros, num ato de comunhão e
desenho como fotografia, dentro do curso de arquitetura preparação para o longo dia de procissão que terão pela
e urbanismo. Entre os temas que fotografa, Constance frente. Esse momento é visto por poucos e os poucos
destaca: Cidade, Natureza, Cultura e Sociedade, que se encontram, homens.
Campanhas publicitárias e Produtos. Enquanto docente Diante desse contexto, como se dá a presença de
da Faculdade de Juazeiro do Norte, ela continua se uma mulher dentro de um ambiente essencialmente
dedicando ao ensino e à pesquisa, aliando fotografia de masculino? Como se comportam os corpos masculinos
cidades e arquitetura. na presença de uma mulher que os observa? Essas
As obras submetidas à I Mostra de Mulheres Fotógrafas e outras questões são levantadas e analisadas na
do Cariri integram a série Paus que a autora descreve: experiência fotográfica que resultou no ensaio “Paus”,
ensaio que compila uma impressão feminina de quem
Reconhecida como Patrimônio Cultural Brasileiro pelo seria o principal ator do cortejo do Pau da Bandeira.
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

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À medida que chegamos ao fim de um século no qual as mulheres tiveram
enormes ganhos, ainda carecemos de um sentido do passado feminista.
3. RAGO, Margareth. Outros grupos celebram suas figuras heroicas, mas as mulheres não têm
A aventura
de contar-se: feriados nacionais, dias de celebração de nascimento e mortes de grandes
feminismos, escrita
de si e invenções heroínas. [...] necessitamos conhecer melhor os padrões de nossa própria
da subjetividade.
Campinas: Editora
tradição intelectual, comprometer-se e debater com as escolhas feitas por
Unicamp, 2013. mulheres cujas vidas icônicas, incansáveis, aventureiras, fazem delas nossas
heroínas, nossas irmãs, nossas contemporâneas”.
(Margareth RAGO, 2013, p. 42) 3.

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Cristina Carneiro

C
ristina Carneiro de Menezes nasceu na cidade cargo de Diretora de Comunicação institucional da Currículo Lattes:
de Sobral-CE e mora no Crato há quatro anos. referida Universidade, de 2016 a 2018, e atualmente http://lattes.cnpq.
br/3001379248551712
Graduou-se em Comunicação Social/Jornalismo desenvolve suas atividades como jornalista na Diretora
pela Universidade Federal do Ceará em 2005, e em 2018 de comunicação – DCOM/UFCA.
ingressou no mestrado em Estudos sobre as Mulheres Em resposta ao formulário, a jornalista afirma que
na Universidade Nova de Lisboa. Desde 2014 atua como fotografa por hobby e esporadicamente porque gosta de
jornalista na Universidade Federal do Cariri – UFCA, registrar as pessoas na cidade.
passando pela Pró-Reitoria de Cultura onde realizou
As fotografias submetidas à Mostra foram feitas durante
ações na área de comunicação, produção cultural
o carnaval em Triunfo, em Pernambuco, no ano de 2018.
e relações institucionais. De 2014 a 2016, assumiu o

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4 FAJARDO-HILL, Há séculos as mulheres têm sido sistematicamente excluídas ou
Cecília; GIUNTA,
Andrea. Mulheres apresentadas de formas estereotipadas ou tendenciosas, o que criou uma
radicais: arte-latino
americana, 1965-
situação difícil de solucionar, pois, as oportunidades para fazê-lo ainda são
1980. São Paulo:
Pinacoteca de São
muito limitadas e várias das mesmas estruturas de preconceito e exclusão
Paulo, 2018 (p. 21). ainda prevalecem”.
(Cecília FAJARDO-HILL & Andrea GIUNTA, 2018, p. 21) 4.

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Elane Abreu
Elane Abreu de Oliveira, radicada há um ano e meio em
Juazeiro do Norte – CE, e natural de Fortaleza – CE, começou apresentou como fotógrafa nas horas livres e professora
a fotografar em 2002 pela afinidade com os processos da área de Imagem e Comunicação Visual no curso de
fotográficos durante a graduação em Comunicação Social Jornalismo da UFCA. A professora realizou e expôs em
- Publicidade e Propaganda em 2005 pela Universidade grupo trabalhos fotográficos, instalação e intervenção
de Fortaleza. Dentre os temas que gosta de fotografar ela urbanas em cidades do Nordeste, como Fortaleza e
destaca pessoas, cidade, cultura e sociedade. Salvador, e explora o interesse por fotografia e cidade em
suas pesquisas acadêmicas e na percepção cotidiana dos
Elane tem se dedicado à fotografia desde o início de sua
lugares que conhece e habita.
trajetória acadêmica, em seu trabalho de conclusão de
curso fez uma análise sobre as fotografias de José Guedes, O ensaio encaminhado para a Mostra tem como título
Beatriz Fiúza, Haroldo Sabóia e Drawlio Joca sobre a Íntima cidade, descrito pela autora como:
cidade. Em 2007, durante a especialização em Teorias da O sentimento de lar e intimidade na cidade grande foi
Comunicação e da Imagem na Universidade Federal do a condução do pequeno ensaio realizado com duas
Ceará, estudou a estética da ruína nas fotografias de Josef amigas em Nova York. Numa temporada na cidade
Koudelka. No Mestrado em Comunicação na Universidade durante o outono de 2012, suas casas e companhia
Federal de Pernambuco, defendeu em 2009 a dissertação foram acolhimento para mim. Kimberly (Kim), natural de
A fotografia como ruína. Em 2014, defendeu sua tese Baltimore (EUA), e designer de moda, dividiu comigo seu
Cidades esfaceladas: fotografia, decadência e vida urbana, apartamento no Hamilton Heights; e Agnese, nascida
no Doutorado em Comunicação e Cultura na Universidade em Gênova (Itália), estudante e professora, me recebeu
Federal do Rio de Janeiro. no Morningside Heights. Ambas me apresentaram a
No perfil encaminhado por ocasião da seleção de diferença da metrópole por fora e por dentro. As imagens
imagens para exposição tema desta dissertação, Elane se são do lado de dentro.

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O ensaio que realizei tem relação com
minhas próprias memórias, uma espécie de
biografia inscrita nas imagens que captei. O
nome que dei, “Intimacidade”, busca tocar na
minha relação com a cidade em que morei,
através de pessoas especiais que conheci e
que aceitaram estar diante da minha lente,
naquele determinado espaço-momento.
Fotografá-las e fotografar alguns objetos
de suas casas significou entrega e conexão
com o vivido. A câmera analógica e o filme
preto-e-branco me permitiram matar um
pouco a saudade desse tipo de fotografia.
Pude também presentear cada uma com
algumas imagens, o que elas podem ter até
hoje como recordação”. (Elane Abreu).

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Elida Maria

É
lida Maria Pereira Gomes, natural da cidade de O ensaio Apegar vem, a partir dessas mãos, segurar
Juazeiro do Norte-CE, é graduanda em Arte Visuais o tempo junto comigo. Pois cada uma dessas mãos
pela Universidade Regional Cariri – URCA, onde pertencem a pessoas que me importam bastante na
integra o grupo de pesquisa “Uaná - fotografia, pesquisa, vida, sendo elas: a sua mão a segurar a da sua mãe, de
poéticas”. A artista vem desenvolvendo trabalhos em uma forma que lembra os momentos da sua infância nos Currículo Lattes:
torno de temas como memória e esquecimento, a partir quais eu andava com ela apenas segurando pelo dedo http://lattes.cnpq.
br/0471166482231463
da fotografia e entre outras linguagens. Fotografa há seis mindinho; o meu pai a segurar a sua mão, em um gesto
anos, tendo como principais motivações a experiência na que, para mim, é como se me sustentasse; a sua irmã a
universidade e o interesse por arquivos de família. ser levada por mim, o oposto do que realmente acontece;
Além da I Mostra de Mulheres Fotógrafas do Cariri, expôs o meu irmão e eu a segurar um ao outro neste mais
fotografias no Festival de Fotografia de Paranapiacaba perto conviver; e a sua vó em um gesto a me abençoar.
em Santo André – SP e na exposição “Cubo Branco” Ao levantar, ao levar, ao guiar, a caminhar, a estar, e a
no Centro de Artes da Universidade Regional do Cariri vivenciar, eles ficam guardados neste meu apegar, nesse
– Crato/CE. Em seu Portfólio estão as séries: Retrato tempo que faz com que o apego nos faça interligar.
recordação, Elo de memórias, Vou Estar, Mãos a segurar Neste ensaio, utilizado a técnica de scanner art para
o tempo junto a mim que contém as duas coleções produzir as imagens, onde trago este estar perto
Apegar e Rebobinar, e Ausência do permanecer. permitido pelo scanner e, também, desse registro como
O ensaio encaminhado por Élida para a Mostra chama-se forma de guardar um pouco de cada um presente na sua
Apegar, descrito pela autora do seguinte modo: vida.

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O falar não se restringe ao ato de emitir palavras, mas de poder existir. Pensamos
lugar de fala como refutar a historiografia tradicional e a hierarquização de saberes
5 RIBEIRO, consequente da hierarquia social. Quando falamos de direito à existência digna, à voz,
Djamila. O que
é lugar de fala? estamos falando de lócus social, de como esse lugar imposto dificulta a possibilidade
Belo Horizonte:
Letramento, 2019. de transcendência. Absolutamente não tem a ver com a visão essencialista de que
somente o negro pode falar sobre racismo, por exemplo. E, mesmo sobre indivíduos
do mesmo grupo, Collins salienta que ocupar localização comum em relações de
poder hierárquicas não implica em se ter as mesmas experiências”.
(Djamila RIBEIRO, 2018, p. 64) 5.

50 51
Emanoella Callou
E
manoella Callou Belém, natural de Crato- realizou ainda um curso de fotografia digital para os
CE, pesquisa e atua na área de Jornalismo, estudantes do segundo ano da EEEP Maria Violeta Arraes
especialmente com fotografia, memória e gênero. de Alencar Gervaiseau em Crato-CE. De dezembro de
Graduou-se em 2009 em Comunicação Social pela 2016 a março de 2018 atuou como Gerente da Divisão de
Universidade Estadual da Paraíba e concluiu em 2014 Fotografia na Diretoria de Comunicação da Universidade
a especialização em Artes Visuais: Cultura e Criação Federal do Cariri-UFCA, ocupou o cargo de coordenadora
pelo SENAC-CE, dedicada ao tema O Nu Feminino e a de Jornalismo Institucional de abril de 2018 a abril de
Fotografia. Em sua dissertação apresentada ao Programa 2020, e, atualmente, é gerente do Núcleo de Divulgação
e Difusão da Extensão, na Pró-Reitoria de Extensão da Currículo Lattes:
de Pós-Graduação em Biblioteconomia da Universidade http://lattes.cnpq.
Federal do Cariri – UFCA (2020) dedicou-se à discussão UFCA. br/8506976304365020
teórico-epistemológica entre Memória, Fotografia Rememorando suas motivações para ter começado
e Feminismos na Contemporaneidade e à reflexão a fotografar, a jornalista resgata lembranças de sua
acerca da experiência da primeira Mostra de Mulheres infância em que junto de sua irmã e primas(os) era
Fotógrafas do Cariri e sua relevância para a memória da fotografada, seja em momentos de família, nos passeios
produção fotográfica de artistas do território. nas praças do município ou nos tradicionais estúdios
Em julho de 2012, Emanoella ingressou no serviço público do Crato, como o de Thelma Saraiva ou Sandra, e
no cargo de técnica do laboratório de fotojornalismo ainda em fotógrafos que passavam de porta em porta.
na Universidade Federal do Ceará que se autonomizou Ela começou a fotografar em 2005 e ressalta entre
como Universidade Federal do Cariri – UFCA em 2013. os temas que fotografa: pessoas, cultura e sociedade,
Coordenou de 2014 a 2018 o Projeto Diálogos com a eventos. Em seu portfólio está a série “Liberte seu corpo”
Fotografia vinculado à Pró-Reitoria de Cultura – Procult/ desenvolvida como produto de trabalho de conclusão
UFCA, o qual realizou diversas palestras e oficinas, de pós-graduação, em que fotografou mulheres nuas e
além outras atividades com fotógrafas e fotógrafos discutiu a questão do nu feminino na fotografia.
convidados, tendo como participantes as(os) estudantes Foram selecionadas para este livro imagens de nus
da UFCA, mas aberto ao público externo. O projeto femininos realizadas pela autora em diversas épocas.

52 53
Quando você posa para fotos ou se expõe dessa maneira, ainda existe muito
julgamento. Eu falo isso por experiência própria, pois já posei nua para o fotógrafo
Allan Bastos, e ouvi muitos comentários inapropriados - ou em tom de piada - ou
negativos, mesmo de pessoas que de alguma forma acharam aquilo algo absurdo
(ao mesmo tempo em que compartilhavam com outros). Quando fotografei
mulheres nuas, algumas tiveram mais resistência que outras. Desde o início, para se
sentir confortável em tirar a roupa e se expor à câmera, ao final do processo com a
criteriosa seleção do que eu poderia divulgar, acho que essa na verdade ainda é a
maior preocupação, pois todas sabemos como as mulheres ainda são julgadas pela
forma como expõe seus corpos. Por mais que haja todo um discurso de liberdade,
a realidade, falando por mim mesma, é que ainda tenho medo do julgamento e
vontade de poder realmente exibir de forma livre o que quiser de si mesma sem ser
condenada por isso. Esse é um fator importante na motivação da pesquisa atual e
de trabalhos anteriores, como fotógrafa ou modelo”. (Emanoella Callou).

54 55
Georgia Nunes

G
Geórgia Pinheiro Lima Nunes, natural de Fortaleza,
idade trazia e por dentro uma vitalidade incrível. Hoje em
residiu na cidade de Crato durante seis anos, mas
dia meu trabalho passa por um trabalho de autoestima
no ano de 2019 mudou-se para Portugal. Sua
e a fotografia está presente em cada aspecto da sua
relação com a fotografia começou com uma curiosidade,
vida e eu tenho muito orgulho em dizer que eu sou uma
lembra-se de na adolescência ter ganhado uma primeira
fotógrafa.
câmera fotográfica (analógica) e que aquilo a fascinara.
E não bastava aprender a operar a câmera, ela quis Uma de suas motivações para fotografar foi o intuito de
aprender a fotografar, assim “a curiosidade virou hobby. contar histórias por meio da fotografia, ela aponta que
O hobby virou paixão. E a paixão virou profissão”. seu trabalho no Crato também está relacionado com
Desde 2017 atua profissionalmente e tem buscado a valorização da cidade, e que considera um cenário
através de seu olhar mostrar a rotina, as personagens e incrível que se perde dentre sua modernização. Sobre
as paisagens do Cariri. Seus primeiros trabalhos foram o ensaio cujas fotos foram submetidas e selecionadas
realizados com adolescentes e seus sonhos de serem para exposição na Mostra, ela salienta na resposta ao
modelos e ganhou diversidade à medida que seu nome formulário que:
ficava mais conhecido. Em entrevista, Georgia recorda Fotografei a dançarina Valeska nas ruas da nossa linda
que: Praça da Sé. Fotos em movimento em um cenário meio
retrô combinando cores e vibração. Um trabalho não só
[..] um projeto despertou dentro de mim desde que fiz
baseado na valorização feminina em todo o contexto,
meu primeiro ensaio fotográfico de uma mulher madura,
mas também mostrar o que o Cariri tem de belo.
uma mulher real. Em seu rosto e todas as marcas que a

56 57
O campo das experiências históricas consideradas dignas de serem narradas
6. RAGO, Margareth.
Epistemologia ampliou-se consideravelmente e juntamente com a emergência dos novos
feminista, gênero e
história. In: PEDRO,
temas de estudo, isto é, com a visibilidade e dizibilidade que ganharam inúmeras
Joana Maria; práticas sociais, culturais, religiosas, antes silenciadas. Novos sujeitos femininos
GROSSI, Miriam
Pilar. Masculino, foram incluídos no discurso histórico, partindo-se inicialmente das trabalhadoras e
Feminino,
Plural: gênero na militantes, para incluir-se, em seguida, as bruxas, as prostitutas, as freiras, as parteiras,
interdisciplinaridade.
Florianópolis-
as loucas, as domésticas, as professoras, entre outras. A ampliação do conceito de
SC: Editora das
Mulheres, 1998.
cidadania, o direito à história e à memória não se processavam apenas no campo
Masculino, feminino, dos movimentos sociais, passando a ser incorporados no discurso, ou melhor, no
plural. Florianópolis:
Ed. Mulheres, 1998. próprio âmbito do processo da produção do conhecimento”.
pp. 25-37.
(Margareth RAGO, 1998, p. 14) 6.

58 59
Jade Luiza

Currículo Lattes:

J
ade Luiza Andrade nasceu em Juazeiro do Norte, é séries pessoais e acompanha a banda caririense Sol na http://lattes.cnpq.
br/8200309284928548
professora, graduada em História pela Universidade Macambira em shows e ensaios. Atualmente ministra
Instagram: https://
Regional do Cariri, fotógrafa, escritora, membro do aulas de História, Fotografia e Cinema em escolas da www.instagram.com/
Grupo Sétima de Cinema e integrante do Coletivo de rede pública do Cariri. jadizafotografia
Mulheres Carcará. Jade começou a fotografar em 2015
após ser selecionada para uma bolsa em projeto de Sobre as fotografias de sua autoria expostas na I Mostra
pesquisa, chamado A cor da devoção: Africanidade e de Mulheres Fotógrafas do Cariri, ela enfatiza:
Religiosidade na Cultura Romeira no Cariri Cearense. A
Celebram a diversidade presente nas romarias da cidade
partir desta experiência ela fotografou as romarias de
onde nasceu, Juazeiro do Norte, e fazem parte do projeto
Juazeiro durante dois anos.
A COR DA DEVOÇÃO – Africanidade e Religiosidade
Jade salienta entre seus temas fotográficos favoritos:
na Cultura Romeira no Cariri Cearense, coordenado
pessoas, cidade, cultura e sociedade e eventos. Além
pela professora Dra. Maria Telvira da Conceição (URCA)
de séries relacionadas à pesquisa acadêmica, ao longo
(Trecho encaminhado por Jade Luiza por ocasião da
de sua trajetória enquanto fotógrafa ela também já fez
submissão na referida Mostra).

60 61
Somos geracionalmente ensinadas a não
nos compreender como relevantes. É
preciso escrever sobre nós, cantar sobre nós,
nos desenhar, nos registrar. Nossas vidas,
corpos, desejos e memórias importam. Que
a fotografia seja um meio de despertar uma
visão empática e sororizada sobre nós e
entre nós mesmas, que é algo urgente” (Jade
Luíza)”.

62 63
Lícia Maia

L
ícia Maia Barbosa nasceu em Iguatu, interior do Dentre as séries que ela já se dedicou cita uma sobre
Ceará, mas veio encontrar sua paixão no Cariri: a bandas de rock caririenses, uma sobre os penitentes de
fotografia. Morando em Juazeiro do Norte há seis Barbalha no desfile do Pau da Bandeira e uma sobre
anos, mesmo tempo que entrou no curso de Jornalismo religiosidade. A fotografia de Lícia exposta na Mostra
na UFCA, tem um apreço especial pelo fotojornalismo. integra a série Note-me, definido por ela como:
Afirma que nunca imaginou aproximar-se da fotografia
antes de ingressar na graduação. Durante um [...] um ensaio político-poético que expressa reações
intercâmbio, em 2017, na cidade de Faro em Portugal, femininas após o sexo. Algumas faces emanam
teve contato com a fotografia analógica, aprendendo satisfação, outras nem tanto. A ideia das fotografias
sobre rolos de filme e revelação em laboratório. surgiu a partir de depoimentos femininos sobre relações
Formada, teve como Trabalho de Conclusão de Curso o sexuais fracassadas, onde os próprios parceiros não
audiovisual “Junina Raiz”, que trata das relações culturais pareciam tão preocupados com a satisfação das
e interpessoais em uma quadrilha junina profissional de mulheres. Em contrapartida, também são retratados
Juazeiro do Norte. Trabalha desde 2018 no Portal Badalo momentos de plenitude do ato, sendo um ensaio de
como repórter e hoje é chefe de redação. mão dupla. Deixem-se levar pelas expressões, sintam
A jornalista fotografa desde 2015 e dita entre seus temas as fotos e, se calhar a si, relembrem algumas das que já
favoritos: pessoas, cidade, cultura e sociedade e eventos. presenciaram.

64 65
[...] eu nunca sentia que o meu trabalho era profissional o suficiente pra eu dizer que era
profissional,[...] após assistir à mulher lá falando, da cineasta falando, é... eu pensei e eu até
compartilhei com as mulheres lá no local que nós somos sim profissionais e nós temos que
nos colocar nesse lugar de profissional, porque a gente nunca se sente o suficiente pra isso,
acho que é um sentimento feminino colocado pela sociedade. [...] a gente nunca se sente, eu
não creio que seja da mulher, eu creio que seja da sociedade olhar para as mulheres e dizer
você tem que provar mais, você tem que fazer mais, você tem que ter uma câmera melhor
pra você se dizer profissional”. (Lícia Maia).

66 67
Nesse novo contexto, algumas linguagens
e procedimentos recorrentes podem
ser identificados na produção artística
7 HOLLANDA, das mulheres. A primeira é a presença
Heloisa Buarque de.
Explosão Feminis-
flagrante da performance da auto
ta: Arte, Cultura,
Política e Univer-
exposição e do uso do corpo como
sidade. São Paulo: principais plataformas de expressão. Há
Companhia das
Letras, 2018. uma vasta literatura sobre o uso do corpo
na performance como uma alternativa à
ordem simbólica do discurso, identificada
como impermeável para autorepresentação
feminina”.
(Heloisa Hollanda, 2018, p. 75) 7

68 69
Lívia Monteiro

de artes, é apaixonada por séries, filmes, literatura e

L
ívia Monteiro de Carvalho, natural de Iguatu – CE, é fotografia. Sobre seus temas fotográficos favoritos
graduada em jornalismo pela Universidade Federal sublinha em resposta à nossa pesquisa: pessoas, cidade,
Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.
do Cariri – UFCA. Entre 2015 e 2017 atuou como natureza e objetos. br/5001567148415836
estagiária de jornalismo na Pró-Reitoria de Cultura A fotografia Loneliness exposta na primeira Mostra de
(Procult/UFCA) e na Diretoria de Comunicação (Dcom/ Mulheres Fotógrafas do Cariri foi realizada em 2015, na
UFCA), onde era responsável pela produção de pautas cidade de Viña del Mar, Chile. A jornalista afirma que
jornalísticas, cobertura de eventos, fotografia e produção a imagem retrata a solidão cotidiana de cada um e de
de conteúdo. todos nós. Pela perspectiva de observadora, observa
Lívia afirma que já tinha interesse pela fotografia, um rapaz sozinho com seus pensamentos, envolto num
mas apenas na faculdade teve os primeiros contatos mundo de questões que só ele sabe. A paisagem de
com a história e técnicas fotográficas e começou a fundo e a escolha pelo preto e branco ajudam a compor
fotografar. Considera a fotografia algo pessoal e afirma a dureza de um sentimento, reforçando a pequenez do
que fotografa para si mesma. Após a graduação, Lívia ser humano que avista o mar como refúgio. Para Lívia,
fez intercâmbio durante o ano de 2018 na cidade de esta fotografia trata-se da reflexão de um estado, de um
Dublin, Irlanda, onde além de estudar inglês, fotografou sentimento e de um espelho sobre nós mesmos e nossa
paisagens e pessoas nas viagens pela Europa. Gosta solitude.

70 71
[...] o feminismo incorpora, portanto, outras frentes
de lutas, pois além das reivindicações voltadas para
a desigualdade no exercício de direitos – políticos,
8 ALVES, Branca trabalhistas, civis –, questiona também as raízes
Moreira; PITAN-
GUY, Jacqueline. O
culturais destas desigualdades. Denuncia, desta
que é Feminismo.
São Paulo: Abril
forma, a mística de um “eterno feminino”, ou seja, a
Cultural/Brasiliense, crença na inferioridade “natural” da mulher, calcada
2005.
em fatores biológicos”.
Branca ALVES; Jacqueline PITANGUY, 2005, p. 54 8.

72 73
Maria Macêdo
M
aria Claudineide Alves Macêdo é natural de É um trabalho de investigação das coisas do mundo a
Lavras da Mangabeira-CE e atualmente reside partir da busca por outros olhares/ângulos que não os
em Juazeiro do Norte. É licenciada em Artes convencionais, que chamo de alomorfia.
Visuais pela Universidade Regional do Cariri-URCA, onde Ela não estabelece o ano que iniciou a fotografar, mas
também atuou como bolsista de Iniciação à Docência, diz que lembra de fazer alguns poucos clicks usando
ministrando oficinas de artes visuais por dois anos uma máquina analógica, mas que não a pertencia. Na
na rede básica de educação de Juazeiro. Atualmente, adolescência teve o seu primeiro celular com câmera
pesquisa e desenvolve trabalhos acadêmicos e e na faculdade conseguiu comprar uma câmera
artísticos voltados para a produção feminina negra semiprofissional. Seus temas favoritos são: pessoas,
contemporânea, buscando visibilizar e legitimar artistas cidade, natureza, objetos, cultura e sociedade. Sobre suas
que foram excluídas da história da arte pela supremacia motivações para ter começado a fotografar, ela enfatiza:
branca.
Curiosidade de síntese do mundo, das coisas e
A artista desenvolve trabalhos em diversas linguagens, momentos. Depois pelo desejo de ressignificação das
dentre elas a fotografia. Sobre essa diversidade em coisas que via. Assim como o processo de desconstrução
sua obra, ela explica durante a participação em nossa vivido com o desenho e a pintura, entendi que a
pesquisa: fotografia para mim não poderia ser apenas a capacidade
O que quero fazer e o conceito do trabalho são os de apreender a realidade tal qual eu via.
propulsores para buscar qual a linguagem melhor
se adéqua com a proposta. Tenho trabalhos com Maria Macêdo já participou de exposições na Região
fotoperformance, trabalho sobre memória – onde a do Cariri e em Salvador-BA. Participou de residência
fotografia é de fato o foco da pesquisa, onde revisito os artística em Fortaleza-CE, apresentou performances
álbuns de família e me utilizo das fotografias analógicas. em Salvador, e no I Festival de Performance Urbana

74 75
do Ceará- Imaginários Urbanos- Fortaleza. Em 2019
participou das exposições: Salão de Artes Visuais Vesta
Viana no 36º Festival de Arte de São Cristóvão-FASC
em São Cristóvão-SE; Outros mundos, outros sertões
– QXAS- Festival de fotografia do Sertão Central em
Quixeramobim-CE, Corpos Furiosos no Festival Nacional Não me sinto contemplada como artista, visto que faço várias outras coisas além de fotografias.
Trovoa do Instituto Cultural de Arte - UFC – em Fortaleza- Assim como os outros espaços de arte, aqui se mantém a tradição de legitimar e reconhecer
CE. Insurgências no Centro de Artes da Universidade
Regional do Cariri em Crato-CE, Casa Gino no Memorial apenas algumas pessoas, enquanto se anula e contribui para o esquecimento de outras.
Antônio Conselheiro em Quixeramobim-CE, SERILUSORA Até quando se tem mulheres fotógrafas nesses espaços, é preciso questionar a cor, a
na Galeria Maria Célia Bacurau em Crato-CE. classe social e de que lugar essas mulheres vêm. Sou extremamente contra o fato de
No ano de 2018 participou das exposições: Ser Tão doce algumas pessoas serem tidas como as “proprietárias” dos espaços” (Maria Macêdo).
na Dureza Individual de Renata Felinto, Quilombo Urbano
Aparelha Luzia em São Paulo-SP, Fossílis: Olhares sobre
a Chapada no Museu de Paleontologia Plácido Cidade As imagens que fiz com este teor [de nudez] foram minhas. Ainda pode ser vista como tabu,
Nuvens em Santana do Cariri-CE, a Mostra Mulheres
Fotógrafas no IV FotoSíntese- Corpo&Imagem no Centro dada a perpetuação da mulher como propriedade de uma sociedade patriarcal, machista e
Cultural Banco do Nordeste Cariri em Juazeiro do Norte- misógina. A quem se destina as imagens também é um fator importante para a discussão.
CE, o Fórum Obirin no Centro Cultural da Barroquinha Não esquecemos que na história das imagens existem inúmeros nus de mulheres,
em Salvador- BA, RASTROVESTIGIUM na Galeria Maria
Célia Bacurau em Crato-CE, ExposiAção Mulheres porém sempre feitas por homens. Além de que as mulheres representadas serem
Pensantes, Presentes! na Galeria Maria Célia Bacurau em brancas. A compreensão sobre os corpos, e a representação dos mesmos, tem avançado
Crato-CE, no II Encontro Arte, Cidade e Urbanidade na em diversos aspectos, mas precisamos pensar que corpos femininos ainda são retratados.
Galeria Cañizares- EBA/UFBA em Salvador-BA e Casa
Gino no SESC em Juazeiro do Norte-CE. E em 2017 no Ainda estamos falando apenas de mulheres brancas e cis?” (Maria Macêdo).
ORGANON– Renegociações Estratégicas de Identidade
na Galeria Maria Célia Bacurau em Crato- CE.

76 77
Nívia Uchôa
A
urenívia Morais Uchôa, natural de Aracati – CE, Desde criança brincava com irmãos, fazíamos cinema
fotógrafa desde os anos 90, cineasta, realizou em casa com nossas fotos de monóculos, meus irmãos
exposições e curadorias, participa de festivais e Carlos e Wellington projetavam os slides na parede de
coletivos fotográficos, produzi e dirige curtas-metragens casa em um lençol pendurado e cobravam entradas para
e documentários e é um dos nomes mais reconhecidos que as crianças vizinhas pudessem participar.
na fotografia da Região. Em contato com a fotografia Dentre os seus projetos fotográficos, estão exposição
desde a infância, a artista é graduada em geografia pela Gentes do Cariri (2000 e 2014), o livro Água pra que te
Universidade Regional do Cariri – URCA. quero! (2011) e a exposição A beleza dos Dias (2015).
Instagram: https://
O gosto pela fotografia já corria na família. Ainda década Recebeu o prêmio de Melhor fotógrafa de Juazeiro do www.instagram.com/
de 80, Nívia recebeu do irmão mais velho, Uchôa, uma Norte – CE no ano 2000, foi semifinalista do Prêmio niviauchoa/

câmera do modelo Love, com a qual faziam fotos da da Agência Nacional das Água, na categoria Água e
casa e das viagens em família, dentre outros. No início Patrimônio em 2013, foi primeiro lugar no Prêmio Hebert
da década de 90, Carlos e sua namorada Conceição Sousa, na categoria Educação, com o projeto Imagem,
passaram a trabalhar em Fortaleza em uma casa de Cotidiano e Cidadania anos 1997/1998; em 2016 recebeu
show como fotógrafos, usando câmeras Polaroid. Nívia homenagem do Sindicato dos Artistas e Técnicos em
também tinha tios fotógrafos e uma tia a quem deve Espetáculos de Diversão do estado do Ceará pela
os registros da família e da infância. Na universidade contribuição à cultura cearense em audiovisual e
fotografava as aulas com câmeras Kodak portáteis fotografia e recebeu a Comenda Arco-íris Jonathan Kiss
emprestadas, e, no final da década de 90 adquiriu sua pelo ativismo e contribuição para o Movimento LGBT em
primeira câmera profissional, uma Zenit DF 300. Assim Juazeiro do Norte-CE, em 2018.
pôde iniciar sua carreira como fotógrafa e um dos seus As imagens enviadas pela fotógrafa para a mostra
primeiros trabalhos foi fotografar um casamento. foram O Lobo do Homem, em filme fotográfico colorido,
realizada na Procissão dos Carroceiros, em 1998, na
Sobre sua relação com a arte na infância, ela recorda
cidade de Juazeiro do Norte, e, Careta, em filme preto e
que:
branco, na cidade de Jardim – CE, no ano de 2006.

78 79
Os saberes produzidos pelos indivíduos de
9 RIBEIRO,
grupos historicamente discriminados, para
Djamila. O que
é lugar de fala?
além de serem contra discursos importantes,
Belo Horizonte: são lugares de potência e configuração do
Letramento, 2018.
mundo por outros olhares e geografias”.
(Djamila RIBEIRO, 2018, p. 75) 9.

80 81
Pollianna Jamacaru
P
ollianna Jamacaru de Aquino Souza é professora, fotos comerciais - que ela busca dar seu toque e ir
jornalista e fotógrafa freelancer. Graduou-se em além exposição comercial - e fotos autorais. Em seu
porfólio, destaca-se uma exposição em P&B realizada
Letras pela Universidade Regional do Cariri – URCA
na UFCA chamada “Sentimentos Ocultos” na qual fez
e em Jornalismo pela Universidade Federal do Cariri- fotos de homens e mulheres expressando inicialmente
UFCA, possui especialização em Língua Portuguesa determinados sentimentos, mas que o público ficava a
e Literaturas brasileira e africana também pela URCA. livre interpretação através da observação e interação Flickr: https://www.
Tendo uma família imersa na cultura e no fomento das com as imagens. flickr.com/pho-
tos/strange_girl/
artes na região do Cariri, desde pequena teve contato with/49427390211/
As fotos encaminhadas para nossa exposição contam
com a música, a literatura e a fotografia. Seu contato com um pouco do Cariri, a primeira delas é intitulada “Pecado” Currículo Lattes:
a arte da fotografia começou primeiramente da influência (Bananas Verdes) e é definida pela sua autora: http://lattes.cnpq.
de seu tio Pachelly Jamacaru, fotógrafo profissional já br/1973981382714157
conhecido na Região do Cariri. Sou apaixonada por cores vibrantes. A foto “Pecado” Instagram: https://
inicialmente começou com a ideia de captar as cores www.instagram.com/
Sua primeira câmera foi uma Olympus D490 de em frutas tropicais com a cara do Brasil. Depois pensei polliannajam/
segunda mão, doada pelo irmão nos idos de 2000. no contexto que rodeia a banana. Temos a questão
Sua experiência com a fotografia veio do manuseio alimentar, a questão de identificação com esse ar
da câmera e das descobertas intuitivas dos conceitos “brasilis”, tem a questão fálica da fruta e de lembrar que
fotográficos puramente autodidatas. Pollianna tem existe uma teoria de que não foi a maçã a ser usada
como temas de interesse: pessoas, cidade, natureza, na passagem bíblica, o primeiro pecado, mas sim, uma
objetos, modelos, campanhas publicitárias e produtos. banana. Se é verdade eu não sei, mas é uma fruta icônica.
Atualmente, entende a fotografia não apenas como um A outra foto recebeu o nome de “Esquadros” (Porta
viés profissional, mas como uma arte democrática e que Vermelha):
pode compartilhar os múltiplos olhares do mundo, sem
necessariamente ser algo que siga uma determinada Foi daquelas fotos completamente espontâneas. Ao fim
plasticidade, experiência ou equipamento. Para ela, da tarde na faculdade deparei-me com aquele contraste
o fazer fotográfico é mais que captura de instantes, de luz/cores geometricamente postos e fiquei encantada.
mais que estética exibicionista, é, portanto, um ato de Sou amante de arquitetura, pareceu poesia cubista tudo
construção entre a sensibilidade, o meio e as pessoas. junto. O sol naquele enquadramento, as cores da porta,
a sombra do sol, tudo geométrico e em perfeita junção.
Pollianna declara que seu trabalho se divide em
Não tinha como não fotografar.

82 83
A fotografia feminina na Região é uma bolha
intimista, que não busca fama, mas catarse,
a meu ver” (Resposta da fotógrafa Pollianna
Jamacaru).

84 85
Rejane Lima
R
ejane de Sousa Lima, natural de Juazeiro do Norte- passou. Alguns anos depois, com uma câmera digital
CE, graduou-se em Comunicação Social - Jornalismo emprestada, aprendeu novas possibilidades. Anos depois,
pela Universidade Federal do Cariri- UFCA. A morando em Fortaleza, fez um curso de fotografia
produtora e artista afirma que fotografa desde os oito para aprender a revelação manual de fotos, ampliando
anos, mas que só utilizou uma câmera profissional com seus conhecimentos sobre materialidade da foto e
aproximadamente uns 20 anos quando trabalhou em um manipulação química. Em um período que passou na Currículo Lattes:
estúdio fotográfico, após isso decidiu pegar uma câmera Europa, conheceu a fotografia artística em museus http://lattes.cnpq.
br/9303127865842839
analógica compacta da família e tirar algumas fotos em e sentiu que tinha que estudar mais. Ela conta que a
aniversários. Sobre sua relação com a fotografia, Rejane fotografia a mobilizou a escolher cursar o bacharelado
destaca que: em Jornalismo.
Por muitos anos não tinha a fotografia como profissão, Com a graduação mudou sua forma de olhar a fotografia,
mas uma forma de observar e pensar o mundo em sua especialmente quando transferiu seu curso para
volta e sobre meu lugar de mundo. Era meu exercício Juazeiro do Norte. Estudando em Fortaleza, organizou
preferido da sensibilidade. Usei a fotografia para muitas uma exposição coletiva de fotografias com alunos da
coisas, me expressar artisticamente, sem pretensão universidade. Em Juazeiro do Norte, na UFCA, facilitou
de ser conhecida ou ganhar dinheiro... Só depois na oficinas de fotografia e realizou pesquisas na área da
adolescência fui trabalhar com a fotografia. imagem (fotografia e cinema). Rejane afirma que na
UFCA foi encorajada pelas(os) professor as(os) a investir
Na adolescência, Rejane trabalhou em estúdios
em pesquisa e produzir.
fotográficos, na produção. Com seu primeiro salário
comprou a primeira câmera profissional, ainda Entre os temas que fotografa destaca pessoas, cultura
analógica. Autodidata, aprendeu a fotografar sozinha, e sociedade. Entre os ensaios que já desenvolveu
passando a ser uma das fotógrafas dos estúdios onde evidencia um sobre a Ocupação da UFCA, outro sobre

86 87
Meninos de rua e um mais artístico experimental sobre
seus dias na graduação retratando seu cotidiano do
mundo universitário, que depois gerou um documentário
e Memórias do coração, série cujas fotografias foram Como todas e todos defensores
escolhidas para a Mostra.
das políticas feministas sabem, a
Sobre a série Memórias do coração Rejane informa que: maioria das pessoas não entende
A ideia é retratar essas mulheres num ângulo que foque o sexismo, ou, se entende, pensa
seu coração e aquilo que ela carrega em sua memória que ele não é um problema. Uma
afetiva como um elo do que elas eram fora do abrigo.
Em cada objeto segurado por elas, uma infinidade de
multidão pensa que o feminismo
significações de vida. O gesto de segurar é o de agarrar a é sempre e apenas uma questão
vida que levaram. de mulheres em busca de serem
10 hooks, bell. O O asilo é de homens e mulheres, mas, depois de ouvir as iguais aos homens. E a grande
feminismo é para
todo mundo: polí-
histórias, percebi uma peculiaridade nas mulheres, um maioria desse pessoal pensa
sentimento de desproteção maior. Como se os homens
ticas arrebatadoras.
Rio de Janeiro: Rosa já aceitassem a vida que “Deus deu”. As mulheres, a partir
que feminismo é anti-homem. A
dos Tempos, 2019 de suas lembranças (sempre ligados ao afeto saudosista), incompreensão dessas pessoas
(pp. 17-18).
deixam escapar a ausência de afeto e proteção sobre sobre políticas feministas reflete a
um lugar que não lhe pertence por inteiro. Essa
“inconformação” mostra a fragilidade da mulher, mas,
realidade que de a maioria aprende
especialmente sua capacidade de transformar lugares sobre feminismo na mídia de massa
vazios em sentimentos. O mais importante aqui é patriarcal”
ressaltar o meu desejo de valorizar essas mulheres, que
têm histórias lindas e que muitas vezes são desprezadas. (bell hooks, 2019, pp. 17-18) 10.
No asilo, temos guerreiras, trabalhadoras, artistas...
grandes mulheres da nossa história caririense.

88 89
Samara Calixto

Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.
br/7200323974044991

S
amara Calixto Gomes nasceu em Várzea Alegre- mestra em Enfermagem tornou-se doula e cada vez mais
CE, e além de fotógrafa é professora, enfermeira e próxima ao mundo das gestantes, partos e nascimentos.
doula. Em 2016 defendeu sua dissertação Quem Atualmente, Samara realiza registros fotográficos com
Faz Parto é a Natureza: Memórias de Parteiras do Cariri, gestantes (incluindo fotografia de parto) e crianças
Ceará, no mestrado em Enfermagem da Universidade (especialmente recém-nascidos e acompanhamento
Regional do Cariri-URCA. Durante a trajetória da mensal).
pesquisa fez registros fotográficos focados nas mãos As fotografias encaminhadas por Samara são Dona
das parteiras. Samara, atua desde 2016 como professora Mocinha, registro da parteira, residente no Município de
na Universidade Regional do Cariri na Unidade Crato – CE, que em suas mãos, carrega muitas histórias
Descentralizada de Iguatu - URCA/UDI. de sucesso em seus partos domiciliares, realizados na
A paixão pela fotografia se intensificou por meio do Região. E Nascença, um registro da chegada de Victor
projeto de pesquisa sobre as parteiras da Região do Cariri Miguel, primogênito de Cristiane durante um parto
em 2015. Por conta da área de atuação, a bacharela e prematuro e com complicações, na Maternidade de
Várzea Alegre.

90 91
As parteiras, em especial, estão cada vez
mais desacreditas e um ensaio sobre sua
importância e cultura fortalece a eternização
da memória dessas mulheres guerreiras. Foi
tão especial que busquei algum lugar para
expor esse lindo trabalho” (Samara Calixto).

92 93
Wennyta Pinheiro

W
ennyta Pinheiro de Lima, fotógrafa, natural
de Barbalha é graduanda em Arquitetura e
Urbanismo na Faculdade de Juazeiro do Norte,
Currículo Lattes:
FJN. Fotografa desde 2017 e tem como preferências de Apenas mulheres sabem e http://lattes.cnpq.
temas: pessoas, cidade, eventos, modelo. Sobre suas br/7122757652116466
motivações para ter iniciado a fotografar, Wennyta conta reconhecem a vivência do Site: https://clickwenny.
que: ser feminino nas cidades. wixsite.com/fotografia
Instagram: https://
Desde sempre tive interesse pela fotografia, a partir Fotografar mulheres é fazê- www.instagram.com/
clickwenny/
de cursos na área conheci fotógrafos que se tornaram las sentir-se belas, é um
amigos e modelei para eles. Com o incentivo, me
interessei por estar do outro lado das lentes. Comprei
processo de desconstrução
meu equipamento e eles me apoiaram e me ajudaram e reconstrução da imagem
muito no início dessa jornada pelo mundo da fotografia e percepção pessoal”
(Resposta de Wennyta ao formulário).
(Wennyta Pinheiro).
O ensaio encaminhado para a Mostra, segundo a autora,
é proveniente de alguns trabalhos pessoais com modelos
femininas que também é o seu público em ensaios
pessoais. A obra encaminhada pela fotógrafa tem como
título “Movimento”:

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Williana Silva
W
illiana da Silva Maciel, natural de Barbalha-CE, Editorial e da Curadoria da revista CALIOPE: Escritas e
reside atualmente em Juazeiro do Norte-CE. Visualidades.
Graduada em Licenciatura em Artes Visuais
Sobre suas fotografias selecionadas para compor a I
pela Universidade Regional do Cariri-URCA, atuou de
Mostra de Mulheres Fotógrafas do Cariri, Williana explicita
2015 a 2017 enquanto bolsista de Iniciação Cientifica no
que fazem parte do ensaio Ontologia, realizado em 2018
projeto PAIRAR_paisagem e prática artística. Em 2018, Currículo Lattes:
na Chapada do Araripe e que: http://lattes.cnpq.
fez Residência Artística em Corpo, Gênero e Cidade na
Escola Porto Iracema das Artes em Fortaleza-CE. Em [...] tem como busca investigativa o corpo- o corpo br/7166212465031060

2017, participou da mostra/ação Código> Fala> Ruído na feminino, o corpo natureza, o corpo pedra, o corpo
Galeria Célia Bacurau-URCA em Crato- CE. Participou terra. A paisagem e os corpos estão consumados a
do 1º Salão Universitário de Artes Visuais do Instituto se fundirem enquanto coisas orgânicas existentes no
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará - mundo. Essas duas questões se confrontam e encontram
IFCE no Museu da Cultura Cearense – MCC que integra entre a natureza e o ser humano, mas o ser o humano
o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura em Fortaleza- é também natureza: voltaremos à unidade reflexiva
CE. Participou de uma exposição na Galeria Incubadora do corpo humano que se faz presente na paisagem.
de Artistas intitulada O Nu na fotografia em Atibaia-São O corpo é paisagem e a paisagem também é corpo. O
Paulo. Participou de uma coletiva no Instituto de Cultura debruçar sobre o corpo feminino permanece confinado
e Arte – ICA da Universidade Federal do Ceará- UFC. a sua pesquisa e a política de memórias estruturantes
de uma sociedade- o corpo feminino é paisagem que
Em 2020, Williana iniciou o Mestrado em Artes sacode as transmissões das viagens inabaladas e extrai
Visuais na Universidade Federal da Bahia- UFBA. uma unidade política explosiva dentro da própria Arte. A
Vem realizando pesquisa a respeito das relações paisagem e o corpo perpassam um misto de territórios,
de gênero e sexualidade, com foco no feminismo construindo narrativas hibridas e mestiças. Se o corpo
no âmbito teórico e prático da arte. Tem trabalhado é templo de complexidade de vida e o trânsito do
como artista independente dedicando-se à produção tempo afeta ele com um ar simpaticamente flutuante, a
de performances, instalações, vídeo-arte, bordados, paisagem poderia acompanhar o movimento do tempo
fotografias e intervenção urbana. Participa do Conselho desses corpos?

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Se a nudez é marcada, na nossa cultura, por uma herança teológica tão pesada, se é
somente o obscuro e inapreensível pressuposto da veste, então compreendemos
melhor porque não podia deixar de falar ao encontro na performance de
Vanessa Beecroft. Aos olhos tão profundamente (ainda que inconscientemente)
11 AGAMBEN, Gior-
gio. Nudez. Lisboa:
condicionados pela tradição teológica, o que aparece quando se tiram as vestes
Relógio D’Água Edi- (a graça) não é mais do que uma sombra delas, e libertar totalmente a nudez dos
tores, 2009 (p. 81).
esquemas que nos permitem concebê-la apenas de modo privativo e instantâneo
é uma tarefa que requer uma lucidez fora do comum”.
(Giorgio AGAMBEN, 2009, p. 81) 11.

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Yasmine Morais
Y
asmine Moraes Alves de Lacerda, 33 anos, Tesouro da Memória, enquanto instalação para o 15º Site: https://yasmine-
natural de Mauriti-CE, graduou-se em Letras pela moraes.carbonmade.
Salão Ubatuba de Artes Visuais no ano de 2018. Em 2015, com/
Universidade Regional do Cariri – URCA, e seu expôs junto ao Coletivo Café com Gelo no SESC Juazeiro Currículo Lattes:
trabalho de conclusão de curso teve como título: Não do Norte a série Liquidez. Foi uma das fotógrafas da série http://lattes.cnpq.
se bebe a alma: Os descaminhos do corpo na estética Desmame do Coletivo Café com Gelo exposta em 2013 br/6149161080806163
no conto ele me bebeu de Clarice Lispector. Em 2018, após ser selecionada no edital do FotoRio, cuja exposição Instagram: https://
concluiu o mestrado em Comunicação e Semiótica pela www.instagram.com/
integrou o acervo fotográfico do evento nacional e yasminemoraes/?hl=p-
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo- PUC/ foi exposta no mesmo ano na modalidade instalação t-br
SP onde defendeu a dissertação Fotografia e memória na Mostra SESC Cariri de Culturas. Em 2012, expôs na
no corpo divino: Orixá encarnado. Atualmente trabalha Universidade Regional do Cariri – URCA a série Javalu:
como professora de língua portuguesa vinculada à rota ngoma Kariri sobre religiões de matrizes africanas
Secretaria da Educação do Amazonas - SEDUC-AM. no Cariri cearense, tema relacionado a exposição AGÔ!
Em resposta à nossa pesquisa, Yasmine rememora que realizada em 2012 no SESC Crato.
começou a fotografar em 2009 e que sua motivação foi Dentre as fotos, de séries distintas de trabalhos autorais,
a compreensão que: a primeira tem como título “os cavalos são tristes” e a
segunda integra a série Tesouro da memória. Sobre a
[...] a linguagem fotográfica foi um meio para expandir o
última, Yasmine destaca que:
que as palavras não dizem. Como uma forma imagética
de construir uma realidade fora de estereótipos. Tesouro da Memória são imagens criadas do escapismo
no exercício de criação, estudo de recortes, estudo de
Tem experiência em produção artística fotográfica, cores, linguagens das mais variadas, palavras, texturas,
projetos e exposições. Idealizou e integrou o Coletivo narrativas, culto a natureza. Esta instalação é a partilha
Café com Gelo como escritora e fotógrafa. Dentre as de comunicar sensações guardadas como tesouro
exposições coletivas e individuais e premiações que escondido.
recebeu destacamos: a seleção da série de sua autoria

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A história única cria
12. ADICHIE, Chima-
estereótipos, e o problema
manda Ngozi. Os
perigos de uma
com os estereótipos não é
história única. que sejam mentira, mas que
Tradução: Julia
Romeu. São Paulo: são incompletos. Eles fazem
Companhia das
Letras, 2019. com que uma história se torne
a única história”.
(Chimamanda Ngozi ADICHIE,
2019, n.p.) 12.

104 105
Tabu? acho pouco dizer que seja somente
um tabu. O corpo da mulher ainda é vestido
de formas cruéis de interpretação. O corpo nu
feminino visto e fotografado infelizmente abre
porta para crimes como o assédio” (Yasmine
Morais).

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Posfácio
Laís Leite

A
missionárias(os), pesquisadoras(es) e tantas(os) que por
obra em tela é, entre outras, um livro de memórias
aqui passaram desde seu repovoamento ou souberam
das mulheres autoras e fotógrafas caririenses, do
deste território se encantaram por suas paisagens, por
território e porque não dizer, da própria autora.
seus personagens, suas rochas carregadas de história,
Percebo que o aprofundamento nas leituras e reflexões
no entanto, por algum tempo a maior parte de suas e
acerca das epistemologias feministas e os estudos de
seus habitantes não percebia a riqueza cultural, social e
gênero por ocasião do Mestrado potencializaram a
ambiental que estava diante de nossos sentidos.
trajetória de estudo e atuação profissional que Emanoella
Callou Belém realizou e realiza e que fazem-nos associar Destarte, por algumas décadas, foram
seu nome à fotografia na Região do Cariri. predominantemente outros olhos e vozes – notadamente
de homens, brancos, do Sul e Sudeste do Brasil e até
Como este livro é composto de memórias e muitas
mesmo estrangeiros - que nos disseram o quanto
ainda foram evocadas durante a leitura, buscarei neste
éramos singulares e quanto valor historiográfico e
pequeno texto mencionar as que considero mais
acadêmico-científico, de modo geral, havia no Cariri.
relevantes na pretensão que estas possam se unir as de
Deste modo, se antes dizíamos que no Cariri começamos
quem aqui chegar.
tardiamente a escrever sobre nós, a refletir sobre nosso
Uma das lembranças é que por muito tempo o Cariri se
passado e presente, e a agir e decidir sobre ele, temos
notabilizou por suas belezas naturais, sua religiosidade

Foto: Emanoella Callou


de modo crescente, reivindicado nossos saberes, nossas
e manifestações culturais, pelas construções que
riquezas culturais e naturais, e buscamos reescrever
remontam à colonização do país, questões que pareciam
nossa história, de modo plural, complexo, afetivo.
mais à mostra, aspectos que parecem mais facilmente
identificáveis por quem visita este lugar. Muitas(os) As mudanças econômicas, políticas e sociais que temos
folcloristas, paleontólogas(os), historiadoras(es), vivenciado no Cariri e que fizeram esta ser considerada

108 109
uma Região Metropolitana, foram também atravessadas interiorização das universidades, a oferta/acesso a cursos
por alterações nas identidades e pertencimento das(os) de pós-graduação no Cariri, a inserção de políticas de
caririenses. Isso se dá ainda em um momento em que cotas e tantos outros direitos que conquistamos nos
se popularizam discussões de interseccionalidades, últimos anos.
marcadores sociais das diferenças, estudos de gênero,
entre outras concebidas a partir de uma forte interação Pela relevância do tema e riqueza de informações Considero o livro uma contribuição à
universidade-sociedade. compartilhadas pela autora, e as memórias trazidas historiografia do território a partir do
por meio da apreciação da obra, avalio que esta
Assim, vejo esta obra como uma contribuição a
publicação representa uma relevante contribuição sobre olhar e das expressões das mulheres,
este novo tempo, primeiro pela ecologia de saberes
aqui representada pelo diálogo entre universidade e
a articulação entre fotografia e memória e questões compondo outras narrativas e de algum
de gênero envolvidas nesta temática e, notadamente, modo fomentando a construção de uma
sociedade de maneira ampliada, e especialmente porque
sobre o acontecimento Mostra de Mulheres Fotógrafas
é uma das oportunidades em que podemos escutar
do Cariri e as mulheres que atuam a partir de diferentes historiografia mais plural e complexa de
mulheres falando sobre si mesmas. Sinto que iniciativas
como estas nos fazem (re)construir nossa história, (re)
inserções na fotografia de nossa Região. nossa Região”.
significar nosso território e nosso povo. Por fim, parabenizo Emanoella pela publicação do
livro, feito que considero uma conquista, ainda mais (Laís Leite)
Entre os fatores psicossociais decorrentes da num país com profundas desigualdades econômicas,
transformação vivenciada neste espaço e que educacionais e sociais como o nosso e em um momento
produziram este avanço e ampliação das produções de recrudescimento do conservadorismo e ataques à
sobre nós, sinto-me ainda impelida a mencionar o maior Universidade, à ciência e à educação de modo geral.
acesso e permanência de nosso povo à Universidade,
pelo aumento do número de vagas, a implantação e

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INFORMAÇÕES TÉCNICAS
Dimensões (L x A): 258 x 230

Quantidade de páginas: 114

Cor principal (Marrom): CMYK 47 77 77 74

Cor secundária (Branca): CMYK 0 0 0 0

Tipografias utilizadas: Megan June (título), Mosk


(corpo de texto) e Dysfunctional (números de página)
Diagramado com Adobe InDesign v. 14.0.2

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