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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

ESCOLA DE MÚSICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA

KEDSON SILVA DE JESUS

ESTRATÉGIAS ORQUESTRAIS NAS OBRAS SINFÔNICAS


DE MARIO FICARELLI

Salvador
2018
KEDSON SILVA DE JESUS

ESTRATÉGIAS ORQUESTRAIS NAS OBRAS SINFÔNICAS


DE MARIO FICARELLI

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


música, Escola de Música, Universidade Federal da Bahia, como
requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Música.
Área de concentração: Composição

Orientador: Prof. Dr. Wellington Gomes da Silva

Salvador
2018
Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema Universitário de Bibliotecas (SIBI/UFBA),
com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).

de Jesus, Kedson Silva


Estratégias Orquestrais nas Obras Sinfônicas de
Mario Ficarelli / Kedson Silva de Jesus. -- Salvador,
2018.
116 f. : il

Orientador: Wellington Gomes da Silva.


Dissertação (Mestrado - Música - Composição) --
Universidade Federal da Bahia, Escola de Música, 2018.

1. Composição. 2. Orquestração. 3. Mario Ficarelli.


4. Teoria da Música. 5. Análise. I. da Silva,
Wellington Gomes. II. Título.
KEDSON SILVA DE JESUS

ESTRATÉGIAS ORQUESTRAIS NAS OBRAS SINFÔNICAS


DE MARIO FICARELLI

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em


Composição, Escola de Música, Universidade Federal da Bahia.

Aprovada em 25 de Julho de 2018.

Prof. Wellington Gomes da Silva – Orientador ____________________________


Doutor em Música pela Universidade Federal da Bahia

Prof. Ângelo Tavares Castro ___________________________________________


Doutor em Música pela Universidade Federal da Bahia

Prof. Paulo Costa Lima _______________________________________________


Doutor em Artes pela Universidade de São Paulo, Brasil
Aos meus pais,
Juscelino Batista e Maria Salomé (In Memorian),
por concederem a minha existência, e por se manterem
próximos a mim, através das belas memórias
que deixaram por aqui.
AGRADECIMENTOS

A Deus, mantenedor de todas coisas, por me conceder as faculdades cognitivas necessárias para
desenvolver esta pesquisa, e por sempre guiar os meus passos.

À minha amada Angelica Lopes, que se tornou minha esposa durante o processo desta pesquisa,
por me apoiar em tempo integral, por estar comigo nos momentos alegres e por me dar a chance
de compartilhar os meus anseios — amo-te.

À minha família, em especial meus tios e também pais, Reginaldo Nemézio, Maria Celsa, e
Marta Matos, por apoiarem e incentivarem a minha carreira musical, desde os meus seis anos
de idade até o presente momento. Sem vocês, eu não chegaria até aqui, minha eterna gratidão.

A Wellington Gomes, meu orientador, que com muita propriedade e paciência me ensinou os
caminhos teóricos e práticos para a realização desta pesquisa.

À querida Silvia de Lucca, viúva do compositor Mario Ficarelli, que gentilmente nos apoiou,
cedendo materiais e informações preciosíssimas para a realização desta dissertação.

À Academia Brasileira de Música (ABM), especialmente ao assessor Alessandro de Morais


pela disponibilização das partituras orquestrais de Mario Ficarelli.

Ao amigo e compositor Marcos de Paula, que gentilmente me auxiliou na obtenção de algumas


partituras.

Ao maestro Roberto Duarte, amigo pessoal de Mario Ficarelli, pelas valiosas informações a
respeito da obra orquestral do compositor.

Aos professores Guilherme Bertissolo, Paulo Costa Lima, Diana Santiago e Conceição Perrone,
pelos ensinamentos dados nos seminários ao longo desta pesquisa.

Aos professores Pedro Kroger, Flávio de Queiroz e Marcos Sampaio, pelos incentivos de
sempre.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela viabilização


financeira desta pesquisa.

À Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Música (PPGMUS) – UFBA, pelo estímulo


proporcionado pela seleção do meu projeto.

Muito obrigado por possibilitarem esta experiência enriquecedora e gratificante, da maior


importância para meu crescimento como ser humano e profissional.
Só se pode alcançar um grande êxito quando nos mantemos
fiéis a nós mesmos.

Friedrich Nietzsche
JESUS, Kedson Silva de. Estratégias orquestrais nas obras sinfônicas de Mario Ficarelli. 116
fl. 2018. Dissertação (Mestrado) – Escola de Música, Universidade Federal da Bahia, Salvador,
2018.

RESUMO

Este estudo tem como objetivo analisar a relação entre estratégias orquestrais e processos
composicionais em obras de Mario Ficarelli, entre os anos de 1976 e 2012, sob uma perspectiva
analítica em torno da manipulação timbrístico-orquestral. Dividimos esta abordagem em duas
estratégias gerais: a manipulação do contraste timbrístico e a sua relação com a compreensão
formal das obras; e combinações timbrísticas — procedimentos de homogeneidade,
heterogeneidade e combinação de sons emergentes — relacionadas à ideia composicional
dessas obras. A partir desta pesquisa, uma obra orquestral intitulada Spero foi composta com
base nos resultados obtidos, aplicando novas diretrizes a partir de nossas perspectivas
composicionais aqui expostas.

Palavras-chave: Orquestração. Mario Ficarelli. Composição Musical. Análise Composicional.


JESUS, Kedson Silva de. Orchestral strategies in symphonic works by Mario Ficarelli. 116 pp.
2018. Master Dissertation – Escola de Música, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018.

ABSTRACT

This study aims to analyze the relationship between orchestral strategies and compositional
processes in works by Mario Ficarelli, between the years of 1976 and 2012, from an analytical
perspective around the orchestral-timbre manipulation. We divided this approach into two
general strategies: the manipulation of the timbre contrast and its relation with the formal
understanding of the works; and timbre combinations — procedures of homogeneity,
heterogeneity, and combination of emerging sounds — related to the compositional idea of
these works. From this research, an orchestral work entitled Spero, have been composed based
on the results obtained, applying new guidelines from our compositional perspectives to be
exposed.

Keywords: Orchestration. Mario Ficarelli. Musical Composition. Compositional Analysis.


LISTA DE EXEMPLOS

Exemplo 1 Zyklus II (c. 32–34) – Três blocos orquestrais contrastantes .................. 36


Exemplo 2 Transfigurationis (c. 1–8) – Três blocos orquestrais contrastantes ........ 39
Exemplo 3 Transfigurationis (c. 47–56) – Dois blocos orquestrais contrastantes .... 42
Exemplo 4a Transfigurationis (c. 48) – Redução orquestral motívica ....................... 43
Exemplo 4b Transfigurationis (c.55) – Redução orquestral motívica ........................ 43
Exemplo 5 Epigraphe 1990 (c. 48–54) – Contraste entre 2 blocos orquestrais ........ 44
Exemplo 6 Sinfonia No. 2, ‘Mhatuhabh’ (c. 81–84) – Contraste entre 2 blocos
orquestrais ............................................................................................... 48
Exemplo 7 Parasinfonia (c. 1–12) – Contraste entre 2 blocos orquestrais ............... 50
Exemplo 8a Sinfonia No. 2, ‘Mhatuhabh’ (c. 35–43) – Análise formal e motívica feita
por Ficarelli ............................................................................................. 56
Exemplo 8b Sinfonia No. 2, ‘Mhatuhabh’ (c. 67–73) – Análise formal e motívica feita
por Ficarelli ............................................................................................. 57
Exemplo 9 Parasinfonia (c. 88–101) – Relação entre contraste orquestral e estruturas
formais ..................................................................................................... 59
Exemplo 10 Sinfonia No. 2, ‘Mhatuhabh’ (c. 35–43) – Timbragem homogênea ....... 62
Exemplo 11 Zyklus II (p. 23) – Combinações timbrísticas homogêneas ..................... 64
Exemplo 12 Sinfonia No. 3 (c. 73–77) – Timbragens heterogêneas ........................... 66
Exemplo 13 Sinfonia No. 2, ‘Mhatuhabh’ (c. 155–164) – Timbragens heterogêneas 67
Exemplo 14 Sinfonia No. 2, ‘Mhatuhabh’ (c. 106–109) – Sons emergentes .............. 69
Exemplo 15 Parasinfonia (c. 131–139) – Sons emergentes ........................................ 71
Exemplo 16 Sinfonia No. 2, ‘Mhatuhabh’ (c. 99–105) – Sons emergentes ................ 72
Exemplo 17 Spero (c. 91–111) – Contraste entre três blocos orquestrais ................... 76
Exemplo 18 Spero (c. 119–129) – Sobreposição de blocos timbrísticos contrastantes
.................................................................................................................. 77
Exemplo 19 Spero (c. 1–35) – Densificação e meta orquestral ................................... 79
Exemplo 20 Spero (c. 49–65) – Contraste máximo entre três blocos orquestrais ........ 81
Exemplo 21 Spero (c. 57–68) – Combinações timbrísticas homogêneas e heterogêneas
.................................................................................................................. 83
Exemplo 22 Spero (c. 91–101) – Combinação timbrística homogênea ....................... 84
Exemplo 23 Spero (c. 54) – Combinações timbrísticas ................................................ 84
Exemplo 24 Spero (c. 96) – Combinação timbrística heterogênea .............................. 85
Exemplo 25 Spero (c. 127–134) – Combinações timbrísticas homogêneas e
heterogêneas ........................................................................................ .... 87
Exemplo 26 Spero (c. 142–153) – Sons emergentes .... ............................................... 88
Exemplo 27 Spero (c. 86–101) – Sons emergentes ..................................................... 89
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Instrumentação dos blocos contrastantes em Zyklus II (c. 32–34) ........... 37


Tabela 2 Famílias da orquestra utilizadas nos blocos contrastantes em Zyklus II
(c. 32–34) ................................................................................................ 37
Tabela 3 Instrumentação dos blocos contrastantes em Transfigurationis (c. 1–8) 40
Tabela 4 Famílias da orquestra utilizadas nos blocos contrastantes em
Transfigurationis (c. 1–8) ....................................................................... 41
Tabela 5 Classificação organológica dos instrumentos musicais .......................... 61
Tabela 6 Agrupamentos instrumentais utilizados nos blocos contrastantes em Spero
(c. 91–111) .............................................................................................. 75
Tabela 7 Agrupamentos instrumentais utilizados em contraste máximo em Spero (c.
49–65) ...................................................................................................... 80

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 Sinfonia No. 2, ‘Mhatuhabh’ (c. 8 –90) – estudo quantitativo do fluxo


instrumental .............................................................................................. 54
Gráfico 2 Sinfonia No. 2, ‘Mhatuhabh’ (c. 62 –73) – estudo quantitativo do fluxo
instrumental .............................................................................................. 55
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 14
2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA .................................................................... 17
2.1 ORQUESTRAÇÃO E ANÁLISE .................................................................. 17
2.2 VIDA E OBRA ORQUESTRAL DE MARIO FICARELLI ......................... 25
2.2.1 Aspectos biográficos ..................................................................................... 25
2.2.2 Obras orquestrais ......................................................................................... 28
3 ANÁLISES DE OBRAS DE MARIO FICARELLI .................................. 32
3.1 RELAÇÕES ENTRE CONTRASTE ORQUESTRAL E ESTRUTURAS
FORMAIS ...................................................................................................... 34
3.1.1 Contraste orquestral na obra de Mario Ficarelli ....................................... 34
3.1.2 Aspectos formais em perspectiva do contraste timbrístico ....................... 52
3.2 ESTRATÉGIAS ORQUESTRAIS EM TORNO DE COMBINAÇÕES
TIMBRÍSTICAS ............................................................................................ 60
3.2.1 Combinações timbrísticas homogêneas e heterogêneas ............................ 61
3.2.2 Combinações timbrísticas que resultam em sons emergentes .................. 68
3.3 BREVES COMENTRÁRIOS CONCLUSIVOS SOBRE AS ANÁLISES ... 73
4 MEMORIAL ANALÍTICO DA OBRA SPERO ........................................ 74
4.1 RELAÇÕES ENTRE CONTRASTE ORQUESTRAL E FORMA ............... 74
4.1.1 Contraste orquestral na obra Spero ............................................................ 75
4.1.2 Relações entre contraste orquestral e estruturas formais ......................... 78
4.2 ESTRATÉGIAS DE COMBINAÇÃO TIMBRÍSTICA ................................ 82
4.2.1 Combinações timbrísticas homogêneas e heterogêneas ............................ 82
4.2.2 Combinações timbrísticas que resultam em sons emergentes .................. 87
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................... 90
REFERÊNCIAS ............................................................................................ 92
APÊNDICE A – PARTITURA COMPLETA DE SPERO ....................... 95
14

1 INTRODUÇÃO

A composição de música orquestral está entre as atividades mais complexas na carreira


de um compositor. As grandes orquestras sinfônicas do mundo têm se mantido em
funcionamento ao longo dos últimos séculos, e a sonoridade timbrístico-orquestral tem sofrido
constantes mudanças, em adaptação ao tempo e aos fenômenos culturais. Entender como e para
que motivo essas mudanças acontecem não é uma tarefa simples, principalmente se levarmos
em consideração o repertório dos séculos XX e XXI e sua enorme diversidade. O autor
Wellington Gomes (2002) escreve sobre o desafio de estudar a arte da orquestração moderna:

Não são muitas as obras que tratam do estudo específico da orquestração com uma
visão mais atualizada. As que se dedicaram à realização desta tarefa ainda estão longe
de realizá-la de forma significativa, tendo em vista um número considerável de
problemas a serem enfrentados. Um deles é a diversidade de obras escritas no século
XX, que refletem uma enorme quantidade de procedimentos orquestrais, sem falar
que, basicamente cada obra possui seu universo sonoro próprio, dificultando em
grande parte as comparações analíticas. A área ainda é muito carente de fontes
específicas que tratem do contexto orquestral de forma mais abrangente, através de
uma farta exemplificação e uma visão mais atualizada da arte de orquestrar (GOMES,
2002, p. 12).

Muitos campos teóricos da composição estão fundamentados sobre a estruturação da


obra, levando em consideração a classificação dos seus diferentes níveis, como as análises
motívicas, harmônicas, formais, temporais, e ainda outras baseadas em lógicas analíticas afins.
Desta forma, o estabelecimento de análises voltadas para um certo estruturalismo da
obra se tornou fundamental para a compreensão de procedimentos composicionais utilizados
pelos compositores. Todavia, nota-se uma ausência, nestas abordagens, de um conteúdo ligado
diretamente à arte da orquestração.
Os avanços tecnológicos dos séculos XX e XXI proporcionaram ao homem moderno
novas formas de enxergar o mundo e, consequentemente, de entender e criar arte. As
diversificadas formas de expressão, representadas pelas correntes composicionais destes
séculos, revelaram a necessidade de expandir os campos teóricos da composição musical. Nos
dias de hoje, temos conhecimento de diversas abordagens teóricas para compreensão dessas
variadas formas de compor. No entanto, poucas têm enfoque no desvelamento de processos
ligados diretamente à manipulação timbrístico-orquestral.
Nossa pesquisa se inicia pela assertiva de que a compreensão das estratégias
composicionais, em relação à manipulação da massa sonoro-orquestral é muito importante para
que haja avanços teóricos e práticos no campo da orquestração. Não mais nem menos
importante que qualquer outra abordagem teórica da composição musical, o estudo da
15

orquestração se debruça sobre questões subjetivas e de pouco suporte teórico, visto que são
escassas as fontes relevantes sobre o assunto.
Para o desenvolvimento desse contexto, escolhemos o compositor Mario Ficarelli, por
acreditarmos que sua obra sinfônica é construída não só por procedimentos estruturalistas
tradicionais, mas também pela minuciosa manipulação timbrístico-orquestral. Escolhemo-lo
também por considerarmos sua importante trajetória e influência no movimento da música de
concerto entre os séculos XX e XXI.
Mario Ficarelli foi um compositor e educador musical paulista, nascido em 4 de julho
de 1935. Destacou-se no cenário musical brasileiro, sobretudo por sua proficiência em compor
musica orquestral. Autodidata, Ficarelli compunha através de caminhos intuitivos, como deixa
claro:

Nosso procedimento composicional fundamenta-se no aspecto intuitivo apoiado


evidentemente no conhecimento técnico. Acreditamos poder aplicar os resultados
satisfatórios obtidos, a partir do intenso trabalho realizado anteriormente com a
análise cuidadosa de partituras dos grandes mestres quando no exercício diário como
autodidata ao longo de vários anos e posteriormente como docente. (FICARELLI
1995, p. 28)

Ficarelli (1995) aponta para o exercício de análise anterior à criação de suas obras. Esse
exercício pode se tornar muito subjetivo, se o analista não dispor de experiência prévia, suporte
teórico, ou simplesmente não ter sensibilidade suficiente para aprender diretamente com
análises de partituras orquestrais. Ficarelli certamente possuía tal sensibilidade e obtinha as
ferramentas necessárias para compor suas obras orquestrais, visto que as compunha
basicamente de forma intuitiva. Esta pesquisa terá como foco central compreender essas
ferramentas, as quais chamaremos de estratégias orquestrais.
As questões que nos motivaram para o desenvolvimento desta pesquisa foram: quais
são as principais estratégias orquestrais utilizadas pelo compositor Mario Ficarelli? E de que
maneira elas estão interligadas com o fazer compositivo estrutural? Essas estratégias são
recorrentes em suas obras? Existe suporte teórico que contemple esse conjunto de estratégias?
É possível criar uma obra original onde essas estratégias se apliquem?
No primeiro e no segundo capítulos desta pesquisa, realizamos uma revisão
bibliográfica sobre o campo teórico da orquestração, onde criamos paralelos com outras
propostas analíticas elaboradas por teóricos da área. Em seguida fizemos uma revisão
bibliográfica sobre a vida e a obra sinfônica do compositor Mario Ficarelli. Essas duas revisões
bibliográficas são destinadas à contextualização da nossa dissertação. O terceiro capítulo foi
destinado à apresentação das análises, metodologias e constatações feitas a partir de um
16

conjunto de obras sinfônicas de Ficarelli. E o quarto capítulo foi composto pelo memorial
analítico da obra Spero, obra criada durante o desenvolvimento desta pesquisa. Esse memorial,
finalmente, propôs um paralelo analítico entre a obra Spero e as obras sinfônicas de Ficarelli.
Assim como Ficarelli relata ter desenvolvido sua técnica composicional a partir da
análise de obras primas de grandes mestres da história da música, esta pesquisa surge, também,
pelo interesse em aprofundarmos o nosso conhecimento prático e aprimorar nossas técnicas
composicionais, a partir da análise das obras de Ficarelli, considerando tais análises como um
ponto de partida para novas diretrizes composicionais, assumindo que “A verdadeira arte da
orquestração é inseparável do ato criativo de compor música” (PISTON, 1988, p.7, tradução
nossa)1. Para tanto, obtivemos melhores resultados dos fenômenos composicionais a partir das
análises realizadas. Deixando de lado a separação entre os termos “processos composicionais”
e “orquestração”, buscamos o entendimento da integração entre essas duas vertentes.

1
no original: “The true art of orchestration is inseparable from the creative act of composing music.”
17

2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Neste capítulo apresentaremos um panorama geral do campo teórico da orquestração,


levando em consideração os escritos de diversos autores influentes no ramo. Por entendermos
que o estudo da orquestração está em constante construção, abordaremos diversos pontos de
vista, com a intenção de mostrar os caminhos que o campo teórico da orquestração tem tomado,
principalmente entre a segunda metade do século XX e os dias atuais.

2.1 ORQUESTRAÇÃO E ANÁLISE

É certo que o corpo sonoro orquestral passou por constantes modificações, até que
chegasse à sonoridade moderna que apreciamos nos dias de hoje. Tais modificações não se
deram apenas por razões peculiares e claras, mas também por motivações subjetivas e pouco
discutidas entre os teóricos da composição musical em geral.
O autor Adam Carse (1964) demarca fatos históricos importantes, para a compreensão
dos avanços sonoro-orquestrais. Em seu livro The history of orchestration, o autor propõe uma
divisão em dois períodos da história, como citado:

A evolução se divide amplamente em dois períodos, o primeiro terminando após a


metade do século XVIII com a morte dos dois grandes mestres da harmonia
polifônica, Bach e Handel; a segunda iniciando com a ascensão da orquestração
moderna através das mãos de Haydn e Mozart. A transição é abrangida
cronologicamente pelo trabalho de Gluck e um grupo de compositores secundários,
dentre os quais provavelmente os mais notáveis sejam Philipp Emanuel Bach e Hasse.
(CARSE, 1964, p. 1, tradução nossa). 2

Ao propor esses períodos históricos da orquestração, Carse nos leva a refletir sobre as
características composicionais de dois períodos: o barroco e o clássico. Apesar de apresentarem
várias similaridades composicionais — por estarem incluídos no período da prática comum, ou
período tonal —, a música dos períodos barroco e clássico são inconfundíveis em sua
sonoridade geral. Não nos resta dúvidas de que, além dos diferentes procedimentos
composicionais e formas, o que diferencia esses dois períodos está também no domínio do
timbre, da manipulação sonoro-orquestral. Os períodos barroco e clássico são comumente
estudados em nível de graduação e pós-graduação, para melhor compreensão das estratégias
composicionais criadas pelos mestres da composição musical. No entanto, apesar de existirem

2
No original: “The evolution divides itself broadly into two periods, the first ending soon after the middle of the
eighteenth century with the death of the two great masters of harmonic polyphony, Bach and Handel; the second
beginning with the rise of modern orchestration in the hands of Haydn and Mozart. The transition is
chronologically spanned by the work of Gluck and a group of secondary composers of which perhaps the best
remembered are Philipp Emanuel Bach and Hasse.”
18

muitas correntes analíticas voltadas para o repertório tonal, poucas são especificamente
relacionadas à arte da orquestração de forma aprofundada.
Sabemos que a prática do compor está diretamente ligada aos campos de análise e
pesquisa. No entanto, é intrigante perceber que a prática e a pesquisa da orquestração não se
desenvolvem com a mesma intensidade. Sobre a relação entre orquestração e pesquisa, Gomes
afirma:

Ao longo de mais de 24 anos trabalhando na área da Composição Musical em nível


superior [ensino (graduação e posteriormente pós-graduação), pesquisa e extensão], o
que eu tenho observado tanto nos discursos escritos quanto nos orais é que há uma
valorização predominante dos procedimentos estruturantes da composição sempre
deixando de lado, ou passando de raspão, o campo da orquestração. Provavelmente
estejamos pisando no campo menos teorizado e analisado da composição musical,
onde as experiências e procedimentos técnicos tenham se formado quase que
exclusivamente da prática em si (mesmo com o que já foi escrito sobre o assunto até
o final do século XX...). (GOMES, 2016, p. 112)

Gomes retrata, nesse trecho, um parecer geral sobre pesquisa e orquestração, e continua
o seu texto em um trabalho de meta-análise, na tentativa de tornar clara a deficiência teórica
que o campo apresenta nos dias atuais. Este tipo de exercício é de extrema importância, uma
vez que sentimos falta de visões teóricas esclarecedoras sobre o tema. Muitos trabalhos
existentes desse campo teórico quase nunca propõem uma metodologia específica para análises
orquestrais que tenham aplicabilidade para o repertório moderno e contemporâneo.
A partir da citação de Gomes, podemos refletir sobre a hierarquização de campos
teóricos, pois o autor relata ter observado uma supervalorização de análises relacionadas aos
procedimentos estruturantes da composição. Não é estranho que se observe maior quantidade
de trabalhos ligados à análise de estruturas organicistas, uma vez que décadas de pesquisa e
análise foram dedicadas a esses tipos de enfoques teóricos, tornando-os efetivos para o
repertório tonal. Como exemplo, podemos citar as análises criadas por Schenker, além das
análises motívicas e formais.
Não há dúvidas quanto à relevância das teorias existentes que se relacionam à estrutura
organicista da obra. Porém, o modernismo e o pós-modernismo levaram os compositores e
teóricos a assumir novos discursos expressivos. Griffths (1978) compara o panorama da
composição musical do século XX com o século anterior, e sua perspectiva nos proporciona o
entendimento de quão variadas são essas correntes composicionais:

Pode-se argumentar que a atividade artística parece sempre incoerente e multiforme


aos olhos dos contemporâneos, e que os traços comuns definem-se apenas mais tarde,
como se deu em Stravinsky e Schoenberg, que nos anos 20 pareciam ser os pólos
opostos da música. Ainda assim, é difícil fugir à conclusão de que o período moderno
assistiu a uma inédita diversificação dos estilos musicais, de que os compositores de
19

hoje não se apresentarão à posteridade tão identificados entre si quanto seus


antecessores do século anterior: Wagner, Brahms, Liszt, Dvořák, Bizet, Verdi,
Mussorgsky, Grieg. Por diversificada que fosse a música destes, todos respeitavam os
mesmos princípios fundamentais, em especial os da harmonia diatônica. Na década
de 1970, já não existem verdades comuns. (GRIFFTHS, 1978, p. 183)

Com a implementação de novos discursos poético-musicais, a partir do início do século


XX, a composição musical e os campos analíticos se expandiram em busca de novos horizontes.
Essas diversas perspectivas analíticas estão situadas em locais cada vez mais específicos e
parecem seguir uma direção contrária à monocultura organicista estabelecida há anos nos
campos teóricos tradicionais, segundo afirma Lima:

Sabemos muito bem do incrível processo de diversificação de enfoques analíticos


construídos nas últimas décadas, afastando-nos da monocultura do paradigma
estrutural-organicista. Diversificação tão ampla que nos põe a refletir sobre o futuro
desse universo, continuará se expandindo em campos e campos de literatura analítica?
Mais importante ainda: a que forças (políticas) responde? Estamos em transição de
paradigma, em plena emergência de uma nova episteme? Dará origem a sínteses
capazes de ancorar a diversidade recém-produzida?... (LIMA, 2015, p. 141)

Considerando que existe um afastamento notório dos enfoques analíticos tradicionais,


conforme propõe Lima, existirá também uma síntese capaz de ancorar a teoria da orquestração?
Os questionamentos que nos movem são: como chegamos à diversa realidade sonoro-
orquestral do século XXI? Quais atitudes composicionais diferenciam o repertório orquestral
moderno do repertório clássico? Que visões de mundo levaram os compositores a seguir por
caminhos tão distintos? Como construir teorias que possam sintetizar as estratégias orquestrais
modernas?
A metodologia mais usada pelos teóricos da área da orquestração é explicar as mudanças
do timbre orquestral, a partir dos avanços tecnológico-instrumentais, entre o século XV e os
dias atuais. Sabemos que com os avanços tecnológicos, os instrumentos musicais passaram a
ter maior quantidade de recursos, e melhor qualidade de timbre como afirma Aaron Copland:

Como os instrumentos são, afinal, máquinas, sujeitas a melhoria como qualquer outra
máquina, qualquer compositor contemporâneo está mais bem situado do que
Beethoven no que se refere ao colorido tonal. O compositor de hoje tem novos
recursos para o seu trabalho, além de que dispõe da experiência dos que o precederam.
Isso é especialmente verdadeiro na utilização da orquestra. Não é de admirar que
alguns críticos que são extremamente severos diante da música contemporânea
admitam, não obstante, que o compositor moderno maneja a orquestra com
brilhantismo e imaginação. (COPLAND 2011, p.70)

Temos consciência de que o mundo artístico moderno proporciona liberdade expressiva


e recursos técnicos que os mestres da orquestração tradicional não podiam sequer imaginar. No
entanto, é relevante a reflexão sobre a real importância dessas inovações tecnológicas frente à
20

grandiosa obra dos orquestradores antigos e em relação às tendências tomadas pelos


compositores nas últimas décadas de produção. Será que a arte da orquestração se resume
apenas à utilização dos recursos que os instrumentos possuem? Existem atitudes que possam
garantir a proficiência da obra em relação à sua sonoridade orquestral? Na busca por encontrar
tais respostas, fez-se necessária uma revisão bibliográfica dos manuais de orquestração
tradicionais, bem como dos mais atuais. Em grande maioria, o que percebemos é a preocupação
primordial dos autores em mostrar os recursos instrumentais de forma detalhada, o que revela
o fato de que o estudo da instrumentação é muito mais tangível e simples do que os estudos da
orquestração propriamente dita e de forma mais aprofundada.
Autores como Clarke (1888), Widor (1906), Forsyth (1914; 1982), Casella (1950),
Adler (1989), Berlioz (1991), Blatter, (1997)3, entre outros, desenvolveram seus manuais de
orquestração a partir da descrição técnica dos instrumentos usados na orquestra, até o período
em que viveram, classificando-os sempre por famílias orquestrais e pela forma de produção do
som. O enfoque desses autores geralmente é a observação da diferenciação de timbre em cada
região da tessitura, efeitos, combinações usuais e atípicas, técnicas expandidas, dentre outros.
É de grande importância que um compositor saiba lidar, de forma prática e fluente, com as
questões abordadas por esses autores, uma vez que terá de lidar com as particularidades de cada
instrumento em seu dia a dia.
Casella afirma que os manuais podem ajudar bastante no aprendizado da orquestração.
No entanto tal prática não é o suficiente para a formação de um bom orquestrador:

Nós tentamos oferecer o máximo de idéias práticas dadas por quem consultamos para
o compositor jovem que inicia o difícil estudo da orquestração. No entanto isso pode
não ser o suficiente. É necessário manter contato com os professores mais
conhecedores da orquestra, tirar dúvidas, aprender com suas práticas, com suas
competências específicas e com suas habilidades. (CASELLA, 1950, p. 265)

Relacionando a afirmação de Casella com a carência de teorias voltadas especificamente


para processos orquestrais, podemos vislumbrar de forma crítica um pouco do pensamento
sobre o aprendizado da orquestração arraigado na mente de grande parte dos teóricos da música
e, consequentemente, no sistema de ensino de composição musical em geral. Isso se dá, pois,
seu manual de orquestração, apesar de muito útil para questões referentes à instrumentação, não
se aprofunda na análise de processos orquestrais. O autor está preocupado com a técnica que o
compositor precisa ter ao compor para os instrumentos específicos, e em como combina-los

3
A maioria destes autores usaram exemplos musicais de orquestradores tradicionais renomados como Mozart,
Haydn, Beethoven, Berlioz e Korsakov em seus livros.
21

estrategicamente a fim de garantir boa sonoridade. No entanto, os questionamentos de padrões


estéticos pré-estabelecidos, por parte dos compositores modernos, fizeram com que a ideia de
“boa sonoridade” se tornasse muito relativa. Por isso, muitas vezes as estratégias abordadas
por esses manuais de orquestração mais antigos não são tão úteis para o repertório dos séculos
XX e XXI.
Nossa pesquisa leva em consideração os ensinamentos dos manuais tradicionais, por
entender que estes autores têm conhecimento específico de alto nível sobre o assunto. No
entanto, como Casella (1950, p. 265) afirma, o estudo da orquestração por meio de um manual
pode não ser suficiente para o “compositor jovem que inicia o difícil estudo da orquestração”,
e sim a aproximação com professores que tenham maior conhecimento sobre a orquestra,
podendo assim obter conhecimento através de suas práticas.
Não é nosso objetivo menosprezar a importância do processo de aprendizado
acompanhado por um mestre da orquestração, seja ele por meio acadêmico ou informal. No
entanto, esse tipo de afirmação pode distanciar ainda mais o jovem compositor aprendiz de seu
êxito na composição orquestral, uma vez que assumamos a assertiva de que a única forma de
aprender a arte de orquestrar é tendo vivência prática com compositores já experientes.
Esta problemática nos remete à famosa afirmativa feita por Korsakov, um dos mais
reconhecidos orquestradores da história:

Um tratado de orquestração pode demonstrar como se produz um acorde de boa


sonoridade com uma certa qualidade tímbrica, uniformemente distribuído, como
destacar uma melodia de seu composto harmônico, progressão correta das partes,
além de resolver todos os problemas semelhantes, mas nunca será capaz de ensinar a
arte da poética orquestral. Orquestrar é criar, e esta é uma coisa que não pode ser
ensinada. (KORSAKOV, 1964, p. 1-2)

Se Korsakov, compositor memorável por dominar a arte de orquestrar, pôde


compartilhar este pensamento em seu tratado de orquestração, como se portar diante de tal
afirmativa?
Nos dias atuais, temos o privilégio de ter conhecimento dos fatos histórico-musicais
subsequentes aos que os românticos puderam presenciar, e podemos levantar uma reflexão
acerca do peso que essas palavras puderam ter sobre os compositores e teóricos, que estavam
em produção aproximadamente nesse período. Sobre isso, Gomes afirma:

É possível que as palavras de Rimsky-Korsakov, autor tão respeitado nesse campo,


possam ter reverberado por muito tempo, pelo menos no âmbito do desenvolvimento
de abordagens desta natureza, pois é notável no panorama dos manuais subsequentes
a carência de aprofundamento reflexivo no nível da orquestração propriamente dita.
(GOMES 2016, p. 115)
22

O tratado de orquestração de Rimsky Korsakov, é um dos recursos bibliográficos mais


recorridos pelos estudiosos da arte da orquestração em todo mundo. Reconhecemos sua
importância para o ensino e para a prática de compor música orquestral. No entanto, assumir
que esta afirmação de Korsakov está correta seria o mesmo que negar a importância não só
desta pesquisa, como também de várias outras existentes, ou que estão em pleno
desenvolvimento. Poderíamos, a partir disso, sugerir algumas reflexões: o que então estariam
fazendo as universidades e os professores que se propõem a ensinar composição musical? O
que seria do campo teórico que investiga a manipulação do timbre orquestral? Como a prática
de orquestrar progrediria sem a pesquisa, a análise, e a crítica? A afirmação de que o
conhecimento em torno da arte de orquestrar não pode ser transmitido através de uma boa
metodologia não nos satisfaz e parece ultrapassada aos dias de hoje.
O autor Walter Piston (1955) estruturou seu conhecido tratado de orquestração sob duas
perspectivas. A primeira parte trata do estudo da instrumentação como estamos habituados a
encontrar nos manuais tradicionais, enquanto que a segunda parte traz análises de texturas
orquestrais, dividindo-as em sete maneiras: uníssono orquestral, melodia acompanhada,
melodia secundária, condução de vozes, textura contrapontística, acordes e textura complexa.
O estudo das texturas orquestrais é deveras importante para qualquer orquestrador, uma
vez que, ao compor musica orquestral, escolhemos o tempo todo quais texturas usar ou quais
reservar para outro momento; a textura nos auxilia também no entendimento da forma musical
por conter níveis de contraste entre elas, conforme veremos mais adiante no capítulo destinado
a contraste orquestral e forma.
O entendimento da textura musical pode nos auxiliar na compreensão cronológica da
história da música, uma vez que os compositores de uma mesma época tendem a utilizar
texturas semelhantes para compor. Isso acaba por caracterizar, juntamente a outros fatores, as
marcas de um estilo ou estética musical. Um exemplo disso é o canto gregoriano, o organum
paralelo e o coral de uma missa renascentista, os quais são marcados não apenas pelos avanços
rítmicos, textuais e harmônicos, mas também pelas diferenças de texturas contidas em grande
parte das obras.
Visto que a compreensão das texturas orquestrais é de extrema importância para o
desenvolvimento de uma metodologia eficaz, nossa pesquisa se fundamenta também no
trabalho de Piston (1955). Vale ressaltar que a metodologia de Piston não se fez suficiente para
esta pesquisa, pois sentimos carência de aprofundamento em questões não inerentes ao estudo
da textura. Entenda-se ainda que esta pesquisa não se concentra apenas na compreensão textural
de uma determinada obra, e sim de processos orquestrais que possam nos revelar estratégias
23

voltadas à manipulação do timbre orquestral, sendo a construção textural uma dessas


estratégias.
Na busca de suportes teóricos mais abrangentes e mais aprofundados no nosso campo,
encontramos o autor Wellington Gomes, que tem realizado pesquisa sobre processos
orquestrais e sobre o ensino da orquestração, nas últimas décadas. Em 2001, o autor publicou
um importante trabalho, como tese de doutorado, sobre as correlações entre estratégias
orquestrais e processos composicionais em obras criadas pelo grupo de compositores da Bahia.
Sendo trabalho de grande importância para a pesquisa em orquestração, sobretudo para a
realidade musical brasileira, a tese foi posteriormente editada como livro (GOMES, 2002).
Tendo como objeto de estudo principal, o grupo de compositores da Bahia, Gomes
certamente se deparou com problemáticas novas dentro do campo, já que o grupo, atuante entre
o final da década de 60 e o início da década de 70, tinha como premissa ideológica a fuga de
estilos de compor já sistematizados. A autora Ilza Nogueira utiliza as palavras de um dos
fundadores do grupo para expor tal premissa:

Uma premissa paradoxal serviu de lema ao grupo: “Principalmente estamos contra


todo e qualquer princípio declarado.” Com sentido “aparentemente sem rumo”, como
dizia Widmer, o lema definia um firme propósito de não defender “escolas” ou
tendência musical específica; revelava um esforço consciente de assumir uma postura
não-dogmática valorizando a diversidade idiossincrática, e de evitar tolhimento
oriundo de técnicas e estilos já sistematizados. (WIDMER, 1985:69).” (NOGUEIRA
1999, p. 28-35)

A partir da compreensão desse pensamento ideológico, podemos refletir sobre as


dificuldades analíticas e metodológicas que Gomes encontrou, já que a literatura de suporte
teórico é escassa, até mesmo para os estilos já sistematizados. Podemos afirmar que, quanto
mais distante estilisticamente do repertório tonal a obra estiver situada, mais diversas e
subjetivas as estratégias orquestrais parecem ser, considerando que se adotem os métodos
tradicionais de análise orquestral, como por exemplo os de Walter Piston, anteriormente
explanados.
Gomes parte da assertiva de que a arte da orquestração não está ligada apenas a aspectos
de natureza técnico-instrumental, mas a concepções artísticas determinantes no processo
composicional da obra:

Limitar a linguagem orquestral a aspectos de natureza técnico-instrumental ou de


equilíbrio orquestral, puro e simplesmente, ou até mesmo à simples escolha de uma
instrumentação, é como guilhotinar parte da concepção musical desenvolvida pelo
compositor. É possível que possamos até nos confrontar com situações onde existam
estas limitações, pela intenção proposital do compositor ou pela ausência de uma
realização orquestral, que transcenda meras possibilidades de preestabelecer uma
24

instrumentação, decorrente de uma imaturidade ou até mesmo da falta de capacidade


técnica e criativa do compositor. (GOMES, 2002, p. 8)

Sob a perspectiva do espírito inovador do grupo de compositores da Bahia e da assertiva


de que as estratégias orquestrais se relacionam diretamente com os processos composicionais
de uma obra, Gomes (2002) estrutura sua pesquisa em cinco partes de grande importância para
a análise do repertório proposto, respectivamente: Considerações a respeito de orquestração e
previsibilidade; Aspectos de distribuição e combinação: Estratégias ambíguas; Aspectos de
distribuição e combinação: Estratégias transcendentais; Aspectos da organização das distintas
seções instrumentais no corpo orquestral; e Aspectos de natureza instrumental.
Publicou no ano de 2016 um capítulo no primeiro livro da série Paralaxe (GOMES,
2016). No livro, o autor aponta para possíveis problemáticas que criaram uma enorme lacuna
entre a orquestração e a pesquisa (análise). Uma das problemáticas levantadas pelo autor é a de
que a orquestração é uma prática de múltiplas tarefas, consequentemente um exercício que
requer do praticante boa compreensão de um conjunto de códigos (símbolos e significados;
recursos e efeitos decorrentes) e de uma série de pré-requisitos básicos (estudos preliminares
de harmonia, contraponto e forma) para que exista a orquestração propriamente dita. A partir
dessa perspectiva, Gomes (2016) formula um conjunto de sínteses baseado em opções ou
escolhas inerentes às múltiplas tarefas da arte de orquestrar. São elas:
• Linhas horizontais: linhas melódicas horizontais, linhas melódicas diagonais ou
coloridas e capacidades horizontais de equilíbrio e ressonância;
• Compostos verticais: dobramentos, superposições, hierarquia orquestral, equilíbrio
orquestral, texturas cordais, homofônicas e polifônicas, e densidade sonora;
• Elementos de natureza instrumental: natureza técnica dos instrumentos, possibilidades
e potenciais específicos de cada instrumento, capacidades técnico-fraseológicas,
relações de registro e ressonância;
• Elementos de natureza multi-instrumental: diálogos entre instrumentos ou entre
famílias, procedimentos de homogeneidade, heterogeneidade e sons emergentes,
capacidades acústicas e de ressonâncias, e transparência orquestral;
• Recursos timbrísticos e efeitos idiossincráticos: artefatos instrumentais, contrastes e
fusões tímbricas, idiossincrasias étnicas ou culturais e possibilidades tímbricas não
ortodoxas;
• Procedimentos estruturais formais: blocos orquestrais, módulos orquestrais, partes
estruturais e estruturas gestuais: todos delineados por procedimentos timbrísticos e
graus de contrastes;
25

• Elementos estilísticos e de conteúdos conceituais: caráter, escolas, tendências,


características estilísticas de época e gênero, conceitos filosóficos e poéticos musicais.
As sínteses criadas por Gomes nos ajudaram a nortear nossas análises e,
consequentemente, a nossa forma de compor o produto desta pesquisa, visto que a metodologia
proposta pelo autor contempla o nosso objeto de estudo, por ser atual e suficientemente ampla.
O campo teórico da orquestração necessita de aprofundamento para que, assim, haja estímulos
para a produção orquestral consciente e progressiva; os enfoques precisam cada vez mais
contemplar as propostas criativas musicais dos séculos XX e XXI. Esta pesquisa se desenvolve
a partir de tal necessidade, visto que temos como enfoque central as estratégias orquestrais do
compositor Mario Ficarelli, sobre quem dissertaremos a partir do próximo tópico desta
dissertação.

2.2 VIDA E OBRA ORQUESTRAL DE MARIO FICARELLI

A obra de Mario Ficarelli é reconhecida nacionalmente e internacionalmente, tendo


ganhado diversos prêmios durante sua carreira como compositor de música de concerto. Neste
capítulo abordaremos a trajetória composicional de Ficarelli, levando em consideração fatos
biográficos e profissionais que possam não apenas contextualizar a criação de sua obra,
sobretudo as suas obras orquestrais sinfônicas, mas também ajudar no entendimento da escolha
deste compositor como protagonista do nosso trabalho de pesquisa.

2.2.1 Aspectos biográficos

Paulista, nascido em 4 de julho de 1935, Mario Ficarelli iniciou seus estudos musicais
ao piano, com a professora Maria de Freitas Moraes, entre seus 16 e 19 anos de idade. Assim
que pôde dominar alguns recursos técnicos, gostava de improvisar nos estilos dos grandes
mestres da composição. Aos 18 anos, começou a se interessar pela composição musical e
escrever suas primeiras peças. No entanto, suas necessidades financeiras o afastaram do âmbito
profissional da música por um tempo, levando-o a trabalhar em diversas funções não musicais
(ZANDONADE, 2011, p. 62).
Ficarelli teve a primeira orientação formal com um professor de composição aos 33
anos de idade, Olivier Toni, o qual foi seu mentor por 14 meses intensivos de estudos em
composição. Anteriormente, Ficarelli tinha hábito de estudar por conta própria as obras primas
dos grandes mestres da composição musical europeia. Sobre os anos de composição como
autodidata, Ficarelli relata:
26

Eu ainda não tinha nenhum orientador de composição...


Então, quando muitas vezes me perguntam: quem foram os seus grandes mestres? Eu
respondo: foram e continuam sendo Beethoven, Wagner, Bach, Vivaldi,
Shostakovich, Stravinsky. Foram eles que me deram a grande base, a música coerente,
a música com lógica. (RYDLEWSKY, 2007, p. 156-157)

É provável que todo compositor se depare com essa realidade criativa em um momento
de sua carreira: seguir os procedimentos composicionais dos compositores com os quais se
identifique. Visto que a orientação em composição oferecida por Olivier Toni se deu de forma
tardia em sua carreira, podemos afirmar que Ficarelli deu seus primeiros passos na composição
de forma intuitiva, a partir das análises por ele realizadas anteriormente.
Por volta do final dos anos 60 e início dos anos 70, o panorama brasileiro de música de
concerto tinha dois grandes nomes em vigência: Camargo Guarnieri e H. J. Koellreutter. Esses
divergiam em suas ideologias musicais, representando duas correntes estéticas muito
diferenciadas: o Nacionalismo e o Serialismo Dodecafônico, este último proposto pela segunda
escola de Viena. Justamente neste período, Ficarelli sente a necessidade de buscar orientação
em sua carreira como compositor.

Era o momento de buscar conselhos para a composição. Já havia alguns anos, parte
dos compositores brasileiros insistia na estética proposta pela escola de Viena e outra,
mais conservadora, firmava-se, principalmente em São Paulo, ao fazer uma música
voltada ao nacionalismo. (FICARELLI, 1997, p. 9-10)

Ao buscar orientação composicional, Ficarelli evitou qualquer tipo de direcionamento


estético-musical que pudesse influenciar estilisticamente a sua obra, evitando assim orientação
de compositores como Guarnieri e Koellreutter, conhecidos por direcionarem estilisticamente
a produção de seus alunos. Sobre a polarização da música de concerto brasileira no fim dos
anos 60 e sobre a busca de um orientador imparcial, Zandonadi afirma:

Vivendo em um tempo de grande polarização na música brasileira de concerto, em


que Guarnieri e Koellrreuter eram os principais líderes, Ficarelli buscou preservar
suas convicções criativas: “Eu tinha a possibilidade de estudar tanto com Koellrreuter
quanto com Guarnieri, mas não quis estudar com nenhum dos dois por que ambos
direcionavam estilisticamente.” Ao buscar uma terceira via em Oliver Toni, Ficarelli
permitiu-se trilhar um caminho particular e criterioso, em que o rigor da orientação e
a liberdade artística foram igualmente considerados. (ZANDONADE, 2011, p. 65-
66)

Olivier Toni desempenhou grande importância na vida e obra de Ficarelli, pois sua
“sensibilidade em não interferir, e sim orientar, preservou e incentivou uma das características
mais importantes de seu discípulo: a liberdade” (RYDLEWSKI, 2007, p. 10). O
posicionamento de Ficarelli, alheio aos movimentos da música contemporânea brasileira, é de
27

certa forma curioso. Apesar de não adentrarmos em discussões políticas ou filosóficas sobre tal
atitude, podemos mencionar que Ficarelli foi reconhecido tanto por críticos como por autores
como “o mais independente dos compositores brasileiros... não aceita rótulos, nem se julga
filiado a nenhuma corrente estética... quando Ficarelli se atém à matéria sonora tradicional,
realiza com ela coisas mais avançadas do que muita pretensa música de vanguarda” (MARIZ,
1981, p. 313-314).
A difícil padronização analítica da obra de Ficarelli, frente aos movimentos de
nacionalistas e de vanguarda vigentes na época, o fez ser conhecido como um compositor
pluralista, uma vez que sua obra se relaciona com diversas correntes estéticas da composição
musical. “Em recentes abordagens, Mario Ficarelli é apontado frequentemente como um
compositor pluralista ou pós-moderno” (ZANDONADE, 2011, p.70).
O pluralismo é compreendido como uma característica da criação musical pós-moderna,
onde um mesmo compositor pode optar, em sua obra, pela utilização de processos bastante
diversificados. O uso mutualístico de dois ou mais estilos em uma mesma obra, já não parece
ser novidade nos dias atuais. Muitas obras criadas nas últimas décadas parecem estar em
completude com elas mesmas, e não com um movimento ideológico, ou até mesmo com a obra
inteira do compositor. Essas são características do que conhecemos como forma-processo.
Apesar desses traços pós-modernistas estarem presentes na obra de Ficarelli,
Rydlewsky afirma que “Não podemos fazer qualquer afirmação no sentido de haver elementos
suficientes que possam qualificá-la como tal. Pelos mesmos motivos também não há como
negar que não possa haver” (RYDLEWSKY 2007, p. 144-145). É certo que a obra de Ficarelli
está construída sobre fortes pilares da tradição musical europeia. Provavelmente Rydlewsky
não considere a obra de Ficarelli como sendo pós-moderna em sua totalidade, justamente por
essa forte herança tradicionalista que a remete ao neoclassicismo, mas podemos afirmar que
sua obra é tão inventiva e inovadora quanto as demais correntes estéticas de sua época,
sobretudo quando a analisamos sob perspectiva da manipulação do timbre orquestral.
É notório que a partir do momento da orientação dada por Olivier Toni, Ficarelli passou
a produzir cada vez mais, além de ser reconhecido como compositor e ganhar vários prêmios
nacionais e internacionais de destaque, principalmente entre as décadas de 70, 80 e 90, como
menciona o próprio:

Incentivado e apoiado pelo mestre, inscrevi uma destas obras, “Cinco Retratos de Um
Tema” para orquestra de cordas (escrita em fins de 1969 e início de início de 1970),
no II Festival da Guanabara, Concurso Interamericano de Composição (1970- RJ). A
obra foi classificada como uma das vinte e quatro semifinalistas entre as cento e
oitenta concorrentes das Américas que se inscreveram. Isto significou o real início da
28

minha carreira como compositor, pois, a partir daí, dada a grande divulgação do
evento, tive meu nome conhecido nos centros musicais do país. (FICARELLI 1997,
p. 11)

Ficarelli dedicou 38 anos de sua vida ao ensino de composição, análise e outras matérias
no Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo
(RYDLEWSKY, 2007, p. 11). Além de orientar vários compositores, regentes e intérpretes,
Ficarelli elaborou sua tese de doutorado sobre as sete sinfonias de J. Sibelius, além de sua tese
para livre docência, sobre a sua Sinfonia no 2, ‘Mhatuhabh’, onde descreve os processos
composicionais elaborados por ele para a construção da obra. Por isso, esta tese se tornou de
grande importância para o desenvolvimento de nossa pesquisa, uma vez que assumimos essa
sinfonia como a obra mais relevante e de maior expressão na carreira de Ficarelli.
Esta pesquisa tem foco na análise das estratégias orquestrais presentes num seleto grupo
de obras sinfônicas de Mario Ficarelli: Zyklus II (1976), Transfigurationis (1981), Epigraphe
(1990), Sinfonia No. 2, ‘Mhatuhabh’ (1991), Sinfonia No. 3 (1993), e Parasinfonia (2012).
Selecionamos estas obras como objeto de estudo por entendermos sua relevância técnico-
orquestral e histórica, além de que o período delimitado pela criação dessas obras representa
praticamente todo o período de composição orquestral do compositor.

2.2.2 Obras orquestrais

Mario Ficarelli compôs para diversas formações durante sua carreira, deixando uma
variada obra, diversa e independente como afirma Martins (2014): “O catálogo de Mario
Ficarelli é extenso, a abranger mais de 150 obras para formações instrumentais as mais diversas,
como sinfônica, cênica, vocal, coral e camerística. Sua obra deverá permanecer pela qualidade
e independência.” Como já dito anteriormente, foi a partir do reconhecimento crítico de uma
obra orquestral que Ficarelli iniciou de fato sua carreira como compositor, com a classificação
de sua obra Cinco Retratos de Um Tema (1969–1970) para as finais do II Festival Guanabara.
Apesar de ter ganhado vários prêmios em composição, com obras de diversas formações
instrumentais, Ficarelli se destacou na composição de musica orquestral sinfônica, tendo
composto obras que revelam muito de sua identidade musical e qualidade técnica como
orquestrador.
No ano de 1976, compôs a obra Zyklus II, para orquestra sinfônica, estreada dois anos
mais tarde pela Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP), sob a regência do
maestro Eleazar de Carvalho. Em 1979 compôs a Abertura para Orquestra, que foi estreada no
mesmo ano, pelo mesmo maestro. Em 1981 recebeu encomenda para compor para a OSESP, e
29

para tal ocasião compôs a obra Transfigurationis, para grande orquestra, que viria a ser
premiada como a melhor obra de 1981 no gênero sinfônico, pela Associação Paulista de Críticos
de Arte (APCA). Sete anos mais tarde, em junho de 1988, teria a oportunidade de presenciar a
estréia de sua obra, Transfigurationis, executada pela Orquestra Sinfônica Tonhalle de Zurique,
Suíça, sob regência do maestro Roberto Duarte. As manifestações do público e da crítica foram
positivas e animaram Ficarelli a continuar se dedicando a composição de novas obras. Ao
retornar para o Brasil, compôs Epigraphe, para orquestra sinfônica e Sinfonia No. 1, para
instrumentos de sopro, ambas sob encomenda da Secretaria do Estado da Cultura de São Paulo.
No início dos anos 90, Ficarelli recebeu talvez a mais importante encomenda de sua
carreira, o que resultaria na criação de sua obra sinfônica mais relevante, a Sinfonia No.2,
‘Mhatuhabh’.

Em fins de 1990 um fato que se sobressai em minha carreira: a Orquestra Sinfônica


Tonhalle de Zurique envia-me um comunicado encomendando-me uma obra com
duração em torno de trinta minutos, para ser estreada em junho de 1992... Era o
resultado da apresentação de “Transfigurationis”, executada por aquela orquestra em
1988. O trabalho a realizar apresentava-se como gigantesco, em virtude da
responsabilidade do pedido aceito... Lembraria que, desde os dezesseis anos, sonhara
em ser um compositor sinfônico e a Sinfonia parecia-me algo paradigmático. Agora
o futuro tornara-se presente. Em Dezembro de 1991 assinava a partitura
encomendada... (FICARELLI, 1997, p. 17)

A segunda sinfonia de Ficarelli foi estreada em junho de 1992 sob regência do maestro
Roberto Duarte, a quem dedicou a obra. A sinfonia, de 42 minutos de duração, teve tão boa
aceitação que o último movimento precisou ser bisado. A obra recebeu bons elogios, pela crítica
local:

O sucesso de Ficarelli — precisa-se acentuar em se tratando de um compositor


brasileiro não é alicerçado na tão popular integração de citações folclóricas.
Outrossim, o sugestivo e programático esoterismo da Sinfonia não facilita o acesso à
música, pelo contrário, o texto sobre a destruição do distante planeta “Mhatuhabh” e
a fuga de alguns seres para a Terra, inspirado pelo capítulo “II Trattato de Ithacar” do
“I Nostri Amici Extraterrestri” de Germana Grosso e Ugo Sartorio, levou Ficarelli a
nomear os movimentos que, no entanto, mais distrai em vista da própria autonomia
musical, pois o desenvolvimento musical interno não necessita de nenhum indício,
logo se emancipa do espírito sonoro neo-romântico da Introdução, para encontrar o
equilíbrio em cinco movimentos com o campo de tensão da tonalidade e (agressiva)
atonalidade dentro dos limites eruptivos da massa sonora, compacta delineação e
vibrante plano sonoro. (FICARELLI, 1995, p. 46)

A temática da Sinfonia No.2, ‘Mhatuhabh’, é baseada no primeiro capítulo do livro I


Nostri Amici Extraterrestri de Germana Grosso e Ugo Sartorio, o qual chamou a atenção de
Ficarelli por conter “fluência e naturalidade da narrativa e da sequência das partes que
apresentava, bem como pelo tema tratado, tendo-se em vista seu ponto central que condena as
30

experiências atômicas, a escolha deu-se imediatamente dada a afinidade” (FICARELLI, 1995,


p. 6 e 7). Ficarelli simplifica o texto escolhido com a finalidade de sintetizar a temática
escolhida para a obra:

O texto simplificado sobre o qual a Sinfonia está fundamentada, diz-nos o seguinte:


“O planeta Mhatuhabh, de um sistema solar distante, é destruído em virtude de
explosões atômicas levadas a efeito por seus habitantes. Os remanescentes são salvos
e transportados para um novo mundo — o planeta Terra, há milhares de anos, para aí
reconstruírem sua civilização” (FICARELLI, 1995, p. 7)

A escolha desta temática é certamente um posicionamento crítico aos avanços e testes


de tecnologias bélicas nucleares. O compositor dividiu a segunda sinfonia em uma introdução
e cinco movimentos: Introdução — O Paraíso; 1o Movimento — O uso negativo do átomo e a
destruição; 2o Movimento — O Salvamento; 3o Movimento — O Novo Mundo — A Terra; 4o
Movimento — O Arrependimento e a Prece; 5o Movimento — A Reconstrução.
Mhatuhabh está em conexão com outras duas obras importantes de Ficarelli, Zyklus II
(1976) e Transfigurationis (1981), tanto por estarem compostas a partir de uma proposta
descritiva cósmica-espiritual, como por seguirem uma linha técnico-orquestral de bastante
coerência 4 . Podemos ainda especular que Zyklus II serviu de base para a criação de
Transfigurationis, que por sua vez, serviu de base para a criação da Sinfonia No.2,
‘Mhatuhabh’5. Além da já citada conexão entre as obras, podemos relacionar Transfigurationis
a Mhatuhabh pela coexistência de outra proposta temática cósmica. Sobre essa temática de
Transfigurationis, Rydlewsky afirma:

Transfigurationis — do latim transfiguratione – transfiguração, transformação —


significa: “mudança radical na aparência, no caráter, na forma”. Baseada nas teorias
do astrônomo Johann Kepler (1571-1630), que em sua terceira lei determina que os
planetas produziriam determinados sons quando de seus movimentos no espaço,
Ficarelli construiu como motivo-base de toda a obra uma segunda menor (fá-mi). As
notas correspondem às duas frequências que caracterizam a terra segundo a teoria
kepleriana. O primeiro movimento sugere a terra em transformação, pessimista,
decadente, contraditória, e o segundo, a terra em ascensão, otimista, em busca de
unidade. (RYDLEWSKY, 2007, p. 60)

Ficarelli optou também pelo uso do motivo-base (fá-mi) na Sinfonia No.2, fato que
proporciona força e coerência ao seu discurso temático.

4
As estratégias orquestrais que relacionam as três obras serão abordadas no próximo capitulo, onde as
analisaremos.
5
Esta relação entre as obras Zyklus II (1976), Transfigurationis (1981) e a Sinfonia No. 2, ‘Mhatuhabh’ (1991) foi
sugerida por Silvia de Lucca, compositora e viúva do compositor Mario Ficarelli, em conversa informal via email
em 12/03/2017.
31

A segunda sinfonia foi executada pela primeira vez no Brasil, em maio de 1994,
novamente regida pelo maestro Roberto Duarte. Em 1995 recebeu o prêmio de “Melhor Obra
Experimental” pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte).
Em 1992 Ficarelli recebeu convite da Escola de Música de Wattwil (Suíça), para
ministrar uma série de seminários sobre música brasileira e orientar os alunos que passassem
pelos seminários. Enquanto trabalhava na Europa, compôs a Sinfonia No.3 com recurso
financeiro da Bolsa Vitae de Artes, que obtivera mediante submissão em concurso de projetos.
Ficarelli seguiu compondo inúmeras obras para diversas formações, enquanto
desempenhava função de professor na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São
Paulo (ECA – USP). Em 2012 compôs sua última obra sinfônica, a Parasinfonia, atendendo ao
Prêmio de Encomendas de Obras, realizado pela FUNARTE:

...considerando o tempo máximo determinado pela FUNARTE, optou em compor


uma sinfonia “extraordinária”, ou seja, de duração mais curta do que as sinfonias
convencionais. Ainda para justificar a excepcionalidade da forma da obra em relação
ao seu título, depois de concluída o compositor percebeu que suas características
gerais compreendiam na verdade um Concerto para Orquestra e não exatamente uma
Sinfonia, daí a idéia jocosa de ter escrito uma “Parasinfonia”. Como o gênero
sinfônico sempre o atraiu em especial, acabou por transformar o título sugestivo em
uma homenagem indireta: Para Sinfonia.6

A Parasinfonia foi estreada pela Orquestra Petrobras Sinfônica, sob regência do


maestro Roberto Duarte em 2012, obra de sonoridade riquíssima. Como em suas outras obras,
podemos notar grande relevância do naipe de percussão. Apesar da curta duração, a obra tem
energia e pungência de uma grande sinfonia. Por questões de saúde, Ficarelli não pôde
presenciar a estreia dessa obra, mas se agradou ao assistir ao vídeo-gravação.7
Através desses fatos biográficos e profissionais, compreendemos a importância, a
qualidade e o tamanho da obra de Ficarelli, não nos restando dúvidas sobre a relevância de
análises aprofundadas e moldadas para a sua obra, sobretudo a de cunho sinfônico — objeto de
análise desta pesquisa. O próximo capítulo desta dissertação se propõe ao reconhecimento
analítico das estratégias orquestrais criadas por Ficarelli, bem como dos processos
metodológicos que formulamos para a obtenção dos resultados que iremos expor.

O texto antecede a partitura da obra Parasinfonia, editada pela FUNARTE.


6
7
Curiosidade revelada pelo maestro Roberto Duarte em conversa informal via Skype no mês de Abril de 2018.
A gravação está disponível no link: <https://www.youtube.com/watch?v=Gbx03jC97Fs>.
32

3 ANÁLISES DE OBRAS DE MARIO FICARELLI

Como visto no capítulo anterior, Mario Ficarelli foi um proficiente compositor do


gênero orquestral, tendo sido reconhecido ainda em vida no Brasil e na Europa. Apesar desse
grande reconhecimento — que se mantém até os dias atuais —, percebemos a existência de
pouquíssimos trabalhos relacionados à sua vida e obra. Dessa forma, suas obras sinfônicas, em
grande maioria, ainda não se encontram analisados, e as poucas pesquisas já publicadas que
pudemos encontrar não contemplam de forma aprofundada o campo da orquestração.
Na busca de suportes teóricos que pudessem nos proporcionar embasamento histórico
e metodológico-analítico, encontramos a tese para livre docência de Mario Ficarelli, que propõe
um memorial analítico de sua Sinfonia No. 2 – Mhatuhabh. Essa tese nos foi bastante
esclarecedora em se tratando da perspectiva estrutural que do compositor, pois nela está contida
uma análise aprofundada de todo o desenvolvimento motívico e sua relação com a forma da
obra. Para a análise dessa sinfonia, Ficarelli se baseia no método adotado por Stokowski (1942),
o que justifica sua perspectiva analítica.
Dentre os autores que publicaram pesquisas diretamente ligadas a Ficarelli, podemos
citar Rydlewsky (2007) e Zandonade (2011). O primeiro aborda o processo composicional de
Ficarelli a partir da análise da obra Concertante para sax alto e orquestra, enquanto que o
segundo aborda a relação entre Mario Ficarelli e a música de concerto brasileira, além de
realizar um estudo analítico sobre o Concerto para viola e orquestra.
Dos dois autores, o primeiro se dedica com mais profundidade sobre questões
orquestrais. Ele emprega cinco termos inerentes à orquestração de Ficarelli: Instrumentação,
Caráter e tratamento orquestral, Recursos sonoros (técnica empregada), Equilíbrio, e Relação
com a forma musical. Não mais importante que os outros termos supracitados, a afirmação de
que a orquestração de Ficarelli influi diretamente na concepção formal da obra nos é de grande
relevância, uma vez que nossas análises perpassam diretamente por esse pensamento, isto é, o
de que o autor realiza “A divisão da obra em seções orquestrais diversas, de acordo com seu
objetivo musical e expressivo, utilizando-se para isso principalmente de dois elementos
musicais: textura e densidade.” (RYDLEWSKY 2007, p. 135)
Rydlewsky traça também algumas características que se justapõem às nossas análises
orquestrais:

A técnica de instrumentação e orquestração de Ficarelli utiliza-se de muitos dos


recursos modernos no tratamento orquestral, como: blocos dinâmicos e estáticos,
jogos de timbre, grandes massas e contraste sonoro entre seções, efeitos instrumentais
variados e um naipe ampliado de percussão. (RYDLEWSKY, 2007, p.133)
33

Não nos resta dúvidas de que o autor foi muito feliz em sua conclusão a respeito da
orquestração de Ficarelli. Apesar de analisar apenas duas obras (Concertante para sax alto e
orquestra e Transfigurationis), é claramente perceptível, ao analisarmos outras obras sinfônicas
de Ficarelli, que esses recursos da orquestração moderna citados são recorrentes e podem nos
ajudar a delinear um perfil estratégico para a criação de músicas orquestrais.
O segundo autor parece se preocupar primariamente com questões inerentes à
performance da obra. Apesar de tratar de algumas questões ligadas à orquestração, não
percebemos, em seu trabalho, aprofundamento ou aplicações metodológicas que pudessem
elucidar sobre os processos orquestrais presentes na obra. No entanto, Zandonade faz algumas
afirmações interessantes sobre a orquestração da obra por ele analisada, como a ideia de que a
orquestração pode gerar expectativa (2011, p. 118), e de que a orquestração da obra é leve
quando em sua função de acompanhamento (2011, p. 81).
Obviamente essas pesquisas sobre as quais discorremos não estão fundamentados
primariamente sobre perspectivas do nosso campo teórico, e sim sobre outros enfoques
analíticos, também de grande relevância para a compreensão de uma obra sinfônica. Dessa
forma, somos pioneiros no exercício de analisar a obra de Mario Ficarelli sob perspectiva da
manipulação timbrístico-orquestral, visto que o repertório moderno e pós-moderno não é
contemplado por uma teoria que fundamente de forma ampla a prática da composição de música
orquestral.
Esta empreitada é deveras desafiadora pela falta de suporte técnico e estudos anteriores
que possam se justapor ou contrapor às nossas convicções analíticas. A partir desta necessidade,
fez-se necessário identificar, de forma intuitiva, atitudes em relação à manipulação sonoro-
orquestral que fossem recorrentes e que estivessem atreladas de alguma forma à poética da obra.
Neste capítulo analisaremos as estratégias orquestrais presentes na obra de Mario
Ficarelli. Para tanto, selecionamos um conjunto de obras sinfônicas, sem solistas, de grande
relevância na carreira do compositor. São elas: Zyklus II (1976), Transfigurationis (1981),
Epigraphe (1990), Sinfonia No. 2, ‘Mhatuhabh’ (1991), Sinfonia No. 3 (1993) e Parasinfonia
(2012). Apesar de essa amostragem não contemplar a obra de Ficarelli em sua totalidade,
entendemos que esse conjunto de obras é suficiente para tomarmos os caminhos analíticos que
se seguirão, uma vez que nesse grupo estão contidas obras que representam quatro décadas de
produção ativa do compositor.
Para melhor compreensão e organização das análises, propusemos a divisão deste
capítulo em subtópicos, estando presente em cada um deles uma estratégia orquestral
diferenciada, as quais podem ser encontradas em uma ou mais obras dentre as selecionadas.
34

Poderíamos também subdividir este capítulo a partir da análise de cada música de forma
isolada; no entanto, essa subdivisão não proporcionaria uma conexão coerente entre as obras.
Em resumo iremos analisar trechos das obras em função da estratégia orquestral em questão.

3.1 RELAÇÕES ENTRE CONTRASTE ORQUESTRAL E ESTRUTURAS FORMAIS.

3.1.1 Contraste orquestral na obra de Mario Ficarelli

O termo contraste está associado à diferenciação ou oposição de graus marcantes entre


coisas da mesma natureza, suscetíveis de comparação. Não diferente do cotidiano, o emprego
desse termo é deveras comum no campo da análise musical, e não temos dúvida quanto à
importância da existência de contraste no processo criativo musical, “não só por ser um
caminho para adicionar interesse à obra, mas por ser essencial para a ilusão estética da resolução
do conflito dramático” (LANEY; SAMUELS; CAPULET, 2015, p. 1).
É enorme a variedade de maneiras com as quais os compositores de música se
expressam. Consequentemente, procedimentos composicionais dos mais variados tipos
possíveis se encontram em suas obras, não sendo diferente quando analisamos os tipos de
contraste musical existentes. Apesar da possível subjetividade implícita a cada obra, é possível
encontrar similaridades técnicas e expressivas até mesmo entre peças de correntes estéticas
diferentes. Um exemplo disso é o contraste temático usado na forma sonata do período clássico,
na qual o primeiro tema, geralmente com caráter mais imponente e heroico, exposto sempre no
I grau do campo harmônico, contrastava com o segundo tema, que em geral se apresentava de
forma mais dolce e cantabile, exposto através de uma modulação para o V ou III grau a
depender da tonalidade original8. Esse contraste harmônico-temático caracterizou, sem sombra
de dúvidas, um procedimento composicional e uma clara tendência estética inerente à poética
musical vigente, de forma tal que esse mesmo procedimento seguiu se desenvolvendo ao longo
das décadas através de Concertos e Sinfonias.9
É comum que encontremos não apenas contraste harmônico-temático, mas também
outros tipos, como o contraste rítmico, melódico, de dinâmica e de articulação em uma obra,
entre outros. O contraste entre materiais musicais induz o ouvinte a perceber e compreender

8
Em geral, na exposição do segundo tema da Sonata Clássica, os compositores faziam modulações para o V grau
do campo harmônico quando a tonalidade original da peça era do modo maior, e modulações para o III grau quando
a tonalidade original da peça era do modo menor.
9
Concertos e Sinfonias são gêneros musicais que, ao longo dos períodos Clássico e Romântico, preservaram as
características harmônico-temáticas da sonata tradicional, acompanhando obviamente os avanços estilísticos
inerentes à época.
35

novas informações que estão se colocando à disposição. Sob perspectiva do compositor,


podemos afirmar que compor uma obra musical significa também dominar e manipular
estrategicamente essas formas de contraste, entendendo seus diferentes níveis e variantes.
Outros termos estão relacionados a palavra contraste, como: Estratificação, justaposição
e interpolação. Também é comum encontrarmos processos composicionais com o objetivo de
conectar materiais musicais, dentre os quais podemos citar a gradação e a dissolução, termos
que estarão associados e exemplificados em nossas análises.10
Dentre os variados tipos de contraste, um se tornou muito relevante para a nossa
pesquisa: o contraste timbrístico. Entendemos como timbre a peculiaridade física do som que
garante, por exemplo, a diferenciação auditiva de uma mesma frequência, executada por
instrumentos diferentes. Uma das primeiras preocupações entre as multitarefas inerentes à arte
de orquestrar é a de lidar com a enorme diversidade timbrística que uma orquestra sinfônica
dispõe. Como combinar os instrumentos? Como obter a sonoridade desejada? Como contrastar
sonoridades? Estas questões permeiam, com constância, o ato de orquestrar.
É possível perceber que a obra de Mario Ficarelli é rica em contraste orquestral. Esta
parte da pesquisa destina-se à análise de passagens musicais que demonstrem diferentes tipos
de contraste timbrístico-orquestral, buscando sempre compreender como diferentes níveis de
contraste podem influenciar na criação de estruturas formais da obra. Vale salientar que
pequenas mudanças de timbre podem ser pouco perceptíveis quando o contexto sonoro é
sinfônico, mas uma mudança mais abrupta pode se tornar tão impactante quanto o fim de um
movimento, ou até mesmo o término de uma obra. Entendemos que o contraste orquestral
acontece a partir da manipulação do corpo sonoro, através da combinação dos instrumentos
usados em cada passagem, bem como as mudanças desses agrupamentos, sejam elas mais ou
menos abruptas.
A partir das análises das seis obras já mencionadas, pudemos chegar a um parecer mais
amplo sobre as estratégias orquestrais de Ficarelli. Desta forma, podemos afirmar que a
recorrência de certos tipos de contraste orquestral encontra-se em todas as obras analisadas,
tornando-as imprescindíveis para a coerência e a identidade da obra sinfônica do compositor.
Apesar de Zyklus II ser uma de suas primeiras obras sinfônicas de destaque, Mario
Ficarelli, parece se preocupar bastante com os efeitos gerados pelo contraste timbrístico-
orquestral. No Exemplo 1, está exposto um trecho que está situado no início do segundo
movimento da obra. Nesse trecho podemos observar a sucessão de três blocos orquestrais

10
Os termos, estratificação, justaposição, interpolação, gradação e dissolução foram sugeridos em um verbete
sobre contraste musical encontrado no link: <https://en.wikipedia.org/wiki/Contrast_(music)>.
36

contrastantes: o primeiro demarcado pela cor vermelha, o segundo pela cor azul e o terceiro
pela cor verde. Integrando o primeiro bloco, temos os instrumentos: flauta, clarinete baixo,
trombone baixo, tuba, cellos e contrabaixos; o segundo bloco é um tutti, integrado por
praticamente todos os instrumentos da orquestra, exceto pelos trompetes, que estão reservados
para integrar o terceiro bloco, juntamente com os tímpanos, como mostra a Tabela 1.
Exemplo 1 – Zyklus II (c.32–34) – Três blocos orquestrais contrastantes.

Fonte: Ficarelli (1976), com destaques nossos.


37

Tabela 1 – Instrumentação dos blocos contrastantes em Zyklus II (c. 32–34)

BLOCO 1 BLOCO 2 BLOCO 3


Piccolo Piccolo Trompetes (Bb) 1,2,3 e 4
Clarinete Baixo Flautas 1 e 2 Tímpanos
Trombone Oboés 1 e 2
Tuba Clarinetes (Bb) 1 e 2
Violoncelos Clarinete Baixo
Contrabaixos Fagotes 1 e 2
Trompas 1,2,3 e 4
Trombones 1 e 2
Trombone baixo
Violinos 1 e 2
Violas
Violoncelos
Contrabaixo
Fonte: Elaborado pelo autor (2018).
Tabela 2 – Famílias da orquestra utilizadas nos blocos contrastantes em Zyklus II (c. 32–34)

BLOCO 1 BLOCO 2 BLOCO 3

Madeiras Madeiras
Metais
Metais Metais
Percussão
Cordas Cordas
Fonte: Elaborado pelo autor (2018).
Podemos afirmar que esse pequeno exemplo, apesar de conter apenas três compassos,
possui grande variedade de contraste orquestral, por encontrarmos agrupamentos instrumentais
distintos, colocados em sucessão pelo compositor.
Podemos perceber que o contraste entre os blocos 1 e 2 se dá de forma um pouco mais
abrupta do que entre os blocos 2 e 3. É perceptível ainda uma estratégia em torno da
continuidade dos materiais, visto que, apesar do contraste acentuado de timbre entre os blocos,
Ficarelli usa alguns instrumentos para dar continuidade e fluidez ao trecho, por exemplo na
antecipação do material dos tímpanos no bloco três. Nesse trecho o tímpano funciona como
timbre de ligação entre dois blocos. Podemos perceber essa estratégia como um atenuante de
contraste.
É importante mencionar que os materiais musicais estão expostos por meio de
timbragens heterogêneas, misturando instrumentos de sonoridades díspares, as quais
dissertaremos nos próximos tópicos desta dissertação. Diferentemente das outras passagens que
analisaremos, o compositor reserva os trompetes a uma função especial, que é a exposição do
material motívico em desenvolvimento ao longo da peça. Esse tipo de contraste contido no
Exemplo 1 acontece com certa recorrência na obra, o que nos leva a acreditar que essa é uma
38

das estratégias responsáveis pela unificação coerente da obra. A recorrência dessa estratégia
aponta para um certo delineamento formal, sobre o qual dissertaremos no próximo tópico.
A obra Transfigurationis foi composta sob encomenda e estreada pela Orquestra
Sinfônica de São Paulo em 1981. Como já dito anteriormente, Transfigurationis tem relação
direta com Zyklus II e Sinfonia No. 2 não só pela temática, mas também por ser possível
encontrar elementos recorrentes nessas três obras, tais como motivos, procedimentos de
desenvolvimento, texturas similares, além das mesmas estratégias em torno do contraste
orquestral. Transfigurationis se inicia com grande grau de contraste orquestral, embora os
primeiros gestos musicais sejam muito curtos em duração, o que demonstra o quão cuidadoso
foi o compositor ao manipular o timbre. Vejamos no Exemplo 2 como esse processo acontece.11

11
A análise do Exemplo 2, assim como no Exemplo 1, foi feita a partir da visualização de três blocos contrastantes.
O primeiro está demarcado pela cor vermelha, o segundo pela cor azul e o terceiro pela cor verde. Seguiremos
analisando blocos contrastantes dessa mesma forma, não se fazendo necessárias novas notas explicativas.
39

Exemplo 2 – Transfigurationis (c. 1–8) – Três blocos orquestrais contrastantes

Fonte: Ficarelli (2003), com destaques nossos.


40

A partir do conteúdo analítico do Exemplo 2, percebemos a recorrência da estratégia


contida no Exemplo 1, o contraste timbrístico-orquestral, exposto de forma sucessiva. No
entanto, no Exemplo 2 esses blocos são ainda menores em duração, sendo necessário apenas o
espaço de um compasso ternário para a exposição desses três blocos contrastantes. Os três
blocos orquestrais desse trecho são, quase que em sua totalidade, formados por agrupamentos
de instrumentos diferentes, exceto o xilophone e o vibraphone, que integram os blocos 1 e 3, o
que nos permite afirmar a intenção por parte do compositor em criar agrupamentos timbrísticos
heterogêneos, como mostra a Tabela 3:
Tabela 3 – Instrumentação dos blocos contrastantes em Transfigurationis (c. 1–8)

BLOCO 1 BLOCO 2 BLOCO 3


Flautas 1 e 2 Clarinete Baixo Trompas (F) 1,2,3 e 4
Oboés 1 e 2 Fagotes 1 e 2 Trombones 1 e 2
Corne Inglês Contrafagote Xilophone
Clarinetes (Bb) 1 e 2 Trombone baixo Vibraphone
Trompetes (Bb) 1,2 e 3 Tuba
Slapstick Violoncelo
Prato suspenso Contrabaixo
Xilophone
Vibraphone
Violinos 1 e 2
Violas
Fonte: Elaborado pelo autor (2018).
Outra estratégia que podemos observar nesse trecho é a direcionalidade do gesto em
questão. Ficarelli utiliza esses três blocos timbrísticos-orquestrais com a intenção não apenas
de contrastar o timbre, mas também de contrastar registros orquestrais, visto que o bloco 1 está
situado no registro agudo e o bloco 2 no registro mais grave da orquestra sinfônica. A forma
rápida com que esses blocos se sucedem acentuam mais ainda o contraste a que estamos nos
referindo.
O entendimento do timbre orquestral a partir da síntese em famílias é muito útil para a
compreensão do contraste empregado entre os blocos. A Tabela 4 mostra que, em cada bloco,
o compositor utiliza agrupamentos diferentes. Além disso, pode-se perceber também o
esvaziamento gradativo da massa sonoro-orquestral, atrelado ao contraste de timbre.
Podemos fazer um paralelo entre as estratégias supracitadas tanto em Zyklus II quanto
em Transfigurationis. Uma das marcas que nos chamaram atenção foi justamente o fato de que
o compositor tende a reservar instrumentos para gerar contraste, com a chegada de novos blocos
sonoros. Nos dois casos, percebemos o uso de instrumentos das famílias dos metais e percussão,
em contraste ao tutti. Sabemos que essas duas famílias foram as últimas a serem exploradas em
41

sua plenitude, enquanto famílias, de forma efetiva pelos mestres da composição de música
orquestral, quando considerados até o classicismo.
Tabela 4 – Famílias da orquestra utilizadas nos blocos contrastantes em Transfigurationis (c. 1–8)

BLOCO 1 BLOCO 2 BLOCO 3


Madeiras Madeiras Metais
Metais Metais Percussão
Percussão Cordas
Cordas
Fonte: Elaborado pelo autor (2018).
O uso estratégico de contraste orquestral é recorrente durante toda a obra, algumas vezes
de forma mais abrupta do que em outras. O Exemplo 3 demonstra mais uma passagem em que
a mudança abrupta do timbre orquestral é empregada pelo compositor. Devemos levar em
consideração a mudança do timbre, a partir da sucessão dos agrupamentos no primeiro
momento em uma seção mais vazia (c. 48–53) e, posteriormente, o agrupamento de sonoridade
mais densa (c. 54–56), como podemos visualizar em destaque no Exemplo 3.
O contraste timbrístico causado pela chegada do segundo bloco é inesperado, por não
haver elementos que possam oferecer prenúncio dos eventos musicais seguintes. Mesmo com
o desaparecimento do material melódico do corne inglês, percebemos que os materiais musicais
não mudam completamente com a chegada do segundo bloco timbrístico, visto que o motivo
apresentado no primeiro bloco segue exposto no segundo bloco, com as mesmas características
intervalares, mas com timbragem diferente. Isso aponta para o desenvolvimento timbrístico
como processo composicional no trecho, conforme mostra a redução contida nos Exemplos 4a
e 4b.
42

Exemplo 3 – Transfigurationis (c. 47–56) – Dois blocos orquestrais contrastantes

Fonte: Ficarelli (2003), com destaques nossos.


43

Exemplo 4a – Transfigurationis (c. 48) – Redução Exemplo 4b – Transfigurationis (c. 55) – Redução
orquestral motívica orquestral motívica

Fonte: Elaborado pelo autor (2018). Fonte: Elaborado pelo autor (2018).
É notório que o compositor mantém o controle dos dobramentos usando instrumentos
que soam nos registros médios e graves. Além disso, mesmo dentro desses registros, o
compositor consegue criar grande diferenciação timbrística no trecho. O Exemplo 4b mostra
que o motivo exposto no compasso 55 é bem mais colorido do que quando exposto no compasso
48.
Além das questões inerentes ao equilíbrio sonoro, podemos afirmar que o maior número
de dobramentos do motivo em questão tende a ressignificá-lo em relação à sua importância no
trecho, tendo em vista que uma maior quantidade de dobramentos de um mesmo material lhe
proporciona maior volume sonoro. Esse é um dos princípios físicos básicos da orquestração.
Sendo assim, como o compositor usa esses dobramentos na estruturação da passagem
musical? Para entender completamente a estratégia por trás desse contraste timbrístico,
precisamos entender os elementos acompanhantes, visto que o contraste acentuado não se deu
apenas pelo maior dobramento do motivo principal, mas sim da mudança de todo o plano
sonoro em forma dos blocos. Além do motivo principal, podemos constatar que o material
acompanhante muda de timbre de forma acentuada na passagem (ver Exemplo 3).
A obra Epigraphe 1990 tem muito em comum com as outras obras analisadas em
relação ao contraste orquestral. O agrupamento dos instrumentos da família dos metais, em
oposição ao agrupamento das cordas e madeiras, é uma estratégia recorrente nessa e nas outras
obras analisadas de Ficarelli. Isso diz respeito a uma intenção estratégica em torno da
homogeneidade, mesmo que usando misturas de famílias instrumentais, diferentemente de
outros trechos analisados onde o contraste não se dá basicamente pela alternância entre famílias.
Esta troca de sonoridade, quando exposta de forma abrupta, traz grandes níveis de contraste à
obra. O Exemplo 5 mostra uma passagem de Epigraphe que exemplifica bem o contraste
através do agrupamento das famílias orquestrais.
44

Mais uma vez podemos observar a reserva dos metais, com a finalidade de criar
contraste timbrístico. A sonoridade dos metais conciliada à dinâmica em fortissimo acentua o
contraste do trecho, e o timbre predominante do bloco 2 pertence à família dos metais, uma vez
que esses instrumentos possuem um poder sonoro superior ao das cordas, que os acompanham
na passagem. O compositor está claramente criando sonoridades contrastantes de forma
elaborada. O uso dessa estratégia permitiu a Ficarelli manipular o corpo sonoro orquestral de
forma organizada, coerente e criativa, além de gerar expectativa pela mudança do material.
Exemplo 5 – Epigraphe 1990 (c. 48–54) – Contraste entre 2 blocos orquestrais

Fonte: Ficarelli (2009), com destaques nossos.


O estudo do movimento, ou de como os fenômenos musicais se movem em música,
pode ser uma alternativa para a compreensão das estratégias em torno do contraste timbrístico-
orquestral. Sobre isso, Bertissolo (2013) levanta um questionamento pertinente:
45

Não há música sem movimento. Ouvimos o movimento na música e imaginamos a


música no movimento. Essas duas noções estão de tal forma imbricadas que é até
difícil imaginar uma destituindo-a do poder significante da outra. Na música ouvimos
o movimento. Movimento que se desdobra no tempo. Diversos aspectos dinâmicos
são experienciados no fazer e no pensar musicais hodiernos por diversos
compositores, intérpretes e pesquisadores da música em diversas áreas. A música se
move? Como ela se move? Existe movimento em música? O que é movimento em
música? Essas questões têm sido importantes fontes para investigações em diversos
discursos sobre música. (BERTISSOLO, 2013, p.1)

Por estar em constante mudança, temos a percepção de que música se move também,
por contraste timbrístico, como um impulso que leva o ouvinte a se concentrar e compreender
um novo ambiente sonoro. Dessa forma, a música guia o ouvido por sucessivas variações e
transformações estruturantes.
O que seria da análise musical sem a autoridade da percepção? Vários campos teóricos
da composição têm reconhecido a importância da compreensão cognitiva do ouvinte. Um
exemplo disso está em compreender a maneira com que o espectador recebe, processa, e
relaciona os sons musicais. Podemos imaginar que, de forma comum, o contraste é um dos
fenômenos mais atraentes ao ouvido humano. Podemos comparar o contraste musical ao
contraste causado de uma buzina em meio ao trânsito, ou à percepção do silêncio, provocado
pelo desligamento de um refrigerador de ar de uma sala de aula, após várias horas de
funcionamento contínuo. Esses são exemplos do cotidiano que podem nos levar a uma reflexão
sobre como ouvimos e percebemos variações de timbre.
Em música, podemos afirmar que o ouvinte se acostuma com uma sonoridade estática
e tende a projetar a sua continuidade, como uma forma de previsão do que acontecerá em
seguida. A quebra desse sistema resulta na surpresa e, consequentemente, em um maior nível
de atenção por parte do ouvinte com a finalidade de fazê-lo compreender a nova sonoridade e
conectá-la de forma lógica com a sonoridade anterior.
David Huron afirma em seu livro Sweet antecipation que “as propriedades estatísticas
da sequência são aprendidas como um subproduto da exposição simples, sem qualquer
percepção consciente pelo ouvinte.” (HURON, 2006, p.71). 12 A partir dessas reflexões,
podemos propor um paralelo entre a ideia de Huron, Bertissolo e o processo contrastante de
Ficarelli. A maneira como os blocos se contrastam contribui para a efetiva movimentação da
sonoridade da obra, e isso faz com que o ouvinte se torne ativo e busque uma nova compreensão
a cada mudança.

12
No original: “The statistical properties of the sequence are learned as a by-product of simple exposure without
any conscious awareness by the listener.”
46

A Sinfonia No. 2, ‘Mhatuhabh’, é provavelmente a obra de maior relevância composta


por Mario Ficarelli, e nossa pesquisa se delongará na análise dessa obra por termos notado nela
grande recorrência dos processos orquestrais encontrados nas obras analisadas até então. Além
disso, tivemos conhecimento do trabalho escrito por Ficarelli em 1995, uma tese13 em formato
de memorial descritivo da sinfonia em questão. Nessa publicação, Ficarelli expõe análises da
obra, feitas por ele, complementando-as com comentários particulares, o que nos proporcionou
o conhecimento de vários dos seus processos criativos, além da estruturação da obra. De forma
clara e direta, Ficarelli organiza suas análises em cinco tópicos de perspectivas diferentes,
porém complementares, são elas: Proposta artístico-ideológica, Linguagem, Temática,
Aspectos Formais e Orquestração.
Continuaremos analisando os níveis de contraste orquestral da obra, relacionando-os
com os escritos do compositor em sua tese de 1995. Visto que nossa pesquisa se atém a questões
timbrísticas, levamos em consideração, primariamente, o que Ficarelli escreve sobre a
orquestração de sua obra. Abaixo temos uma citação, onde o compositor descreve um pouco
do ambiente sonoro do primeiro movimento:

Na Introdução e I. Movimento, as cordas participam com evidência em vários


momentos de contraponto, cabendo aos metais os destaques sonoros característicos
deste naipe. As madeiras oferecem apoio às cordas para ganho de volume e
brilhantismo destas. Os Fagotes têm importante papel na primeira exposição da Seção
A, quando dobram os contrabaixos num contraponto em divisi a dois a descoberto.
Ficarelli (1995, p. 43).

A recorrente estratégia de reservar os metais para os destaques sonoros se confirma com


esse escrito, sendo Mhatuhabh a quarta obra analisada nesta pesquisa em que encontramos tal
estratégia. Até então temos a diferença de 15 anos entre a criação das obras Zyklus II e a Sinfonia
No 2, ‘Mhatuhabh’, o que nos leva a acreditar que essas estratégias são imprescindíveis para a
obra sinfônica de Ficarelli.
A partir da análise contida no Exemplo 6, percebe-se mais uma vez a intenção do
compositor em contrastar blocos de timbres diferenciados, sendo o primeiro integrado por
cordas, madeiras, e tímpanos, e o segundo bloco por metais combinados com percussão e cordas
graves. Os metais até então estavam reservados, processo esse que se repete na obra de diversas
maneiras. Podemos, portanto, afirmar que essa estratégia orquestral está diretamente ligada aos
processos composicionais desse compositor e relacioná-la aos escritos de Ficarelli em relação
a reserva de grupos timbrísticos para funções específicas em sua obra.

13
Esta tese foi destinada ao departamento de música da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São
Paulo.
47

É provável que, dentre os exemplos analisados até o momento, o contraste timbrístico


orquestral em blocos contido no Exemplo 6 seja o mais impactante, visto que, além da mudança
abrupta do timbre orquestral, o material musical também muda drasticamente, sendo o primeiro
bloco mais movimentado, com sonoridade mais delicada (cordas em pizzicato + madeiras em
staccato), e o segundo bloco com a estaticidade das notas longas, aliada ao poderoso e brilhante
timbre predominante da família dos metais.
48

Exemplo 6 – Sinfonia No. 2, ‘Mhatuhabh’ (c. 81–84) – Contraste entre 2 blocos orquestrais

Fonte: Elaborado pelo autor (2018) a partir de Ficarelli (1991).


Após nos debruçarmos analiticamente sobre a Segunda Sinfonia de Ficarelli, podemos
afirmar que os comentários encontrados em sua tese, sobre os processos orquestrais, são de
grande importância, e estão diretamente relacionados as nossas análises, mas não são
suficientes para demonstrar a relevância da orquestração da obra, tendo em vista que o seu
objetivo era analisa-la baseado no “traçado de um mapa da macro estrutura formal, onde
previamente determina-se as partes principais, a seguir a detecção dos motivos temáticos, suas
posições no contexto de acordo com suas peculiaridades inter-relacionadas...” (FICARELLI
1995, p. 9). A partir desta compreensão, nos sentimos confortáveis em acrescentar informações
49

analíticas às que Ficarelli nos deixou em sua tese.14


Parasinfonia é a ultima obra sinfônica composta por Mario Ficarelli em 2012, sob
encomenda da FUNARTE, para integrar a tradicional Bienal da Música Contemporânea. O
Exemplo 7 mostra o início da obra, onde encontramos dois blocos timbrísticos contrastantes.
Vale a pena ressaltar novamente a reserva de vários instrumentos para a chegada do segundo
bloco. Além do contraste de timbre, a passagem contém grande contraste na direcionalidade
das alturas, sendo o primeiro bloco construído na região superaguda dos instrumentos usados,
e o segundo bloco atingindo subitamente a região grave e subgrave. Nesse trecho, Ficarelli opta
por agrupar os instrumentos dos blocos 1 e 2 não apenas por suas características organológicas
e timbrísticas, mas separando-os também entre agudos e graves, inclusive entre os instrumentos
de percussão, o que aponta para uma provável intenção em criar combinações timbrísticas
heterogêneas.
É importante observar o cuidado que o compositor tem ao usar os instrumentos da
família da percussão não apenas como instrumentos de apoio rítmico e harmônico, mas como
instrumentos imprescindíveis para a integração e caracterização dos blocos sonoros em questão.
É interessante perceber que o contraste dessa passagem não se dá apenas pela reserva de
instrumentos de uma mesma família orquestral, visto que o objetivo de contrastar blocos
sonoros parece ter sido alcançado da mesma maneira.
Outra estratégia importantíssima que podemos destacar a partir da análise do bloco 2 é
a degradação ou esvaziamento do timbre orquestral. O compositor vai reservando alguns
instrumentos no decorrer dos compassos, restando apenas alguns que serão responsáveis por
executar a transição para o próximo gesto orquestral, contido nos Exemplo 8a e 8b (vistos mais
à frente). Podemos ainda destacar que Ficarelli opta por utilizar o processo inverso, ao
densificar a textura de forma gradual, para preparar a chegada do clímax da passagem no
compasso 17. A fluidez com que o compositor conecta os instrumentos é impressionante,
principalmente pelo efeito construído no compasso 16.

14
As análises da Sinfonia No. 2, Mhatuhabh, não estão dispostas em um único tópico, mas em todos os tópicos
deste capítulo.
50

Exemplo 7 – Parasinfonia (c. 1–12) – Contraste entre 2 blocos orquestrais


51

(continuação do Exemplo 7)

Fonte: Ficarelli (2012), com destaques nossos.


52

A partir das análises expostas podemos concluir que, a obra de Mario Ficarelli é rica em
contraste timbrístico-orquestral, sendo tal recurso uma estratégia recorrente em suas obras
sinfônicas, não apenas em relação ao simples colorido orquestral, mas também como atitudes
estruturantes da ideia musical. Entendemos que o estudo do timbre de uma obra sinfônica é
uma atividade importantíssima, não só para a compreensão do próprio timbre, mas para a
compreensão geral da obra, visto que os processos composicionais que envolvem contraste
orquestral tendem a mover a obra para novos planos sonoros.
Talvez seja muito óbvio afirmar que contrastes timbrísticos possam ser notados mais
facilmente do que contrastes harmônicos ou melódicos. Apesar de a escuta ser muito particular
e subjetiva, é mais óbvio pensar que os ouvintes confundam mudanças harmônicas do que
timbres de instrumentos diferentes, a exemplos de piano e violino, ou flauta e harpa. Se o timbre
pode proporcionar essa forte relação com os ouvintes, de forma geral, por que esse tipo de
abordagem teórica ainda é carente na literatura?15
Independentemente das possíveis respostas e indagações que esse questionamento possa
nos proporcionar, temos a convicção de que os grandes compositores do gênero orquestral
compreenderam e compreendem muito bem a relação entre o timbre e a percepção auditiva.
Suas obras são compostas, portanto, com relevantes estratégias timbrísticas criativas, as quais
relancionam-se a sua poética musical.
O próximo tópico desta dissertação relaciona os diferentes níveis de contraste orquestral
encontrados na obra de Ficarelli às suas estruturas formais.

3.1.2 Aspectos formais em perspectiva do contraste timbrístico

Muitas são as possibilidades de contraste timbrístico em uma orquestra sinfônica.


Imaginamos que, ao se escolher essa formação para iniciar a composição de uma obra, o
compositor já tenha em vista essas inúmeras possibilidades instrumentais e de recursos do
próprio instrumental. É fácil compreender que o repertório orquestral vem se expandindo
timbristicamente desde o período barroco, visto que os instrumentos musicais têm passado por
constantes evoluções mecânicas ao longo do tempo. Dito isso, podemos imaginar que a arte da
orquestração está em pleno desenvolvimento técnico e poético.
Visto que nossa pesquisa é fundamentada na análise de estratégias orquestrais na obra
sinfônica de Mario Ficarelli, chegamos naturalmente até as análises de contraste timbrístico,
relacionando-as à compreensão formal das obras. Já no tópico anterior pudemos notar indícios

15
Este assunto já foi anteriormente dissertado, mas sentimos que a reflexão reiterada se fez necessária.
53

de que os blocos sonoros são delineados por graus de contraste timbrístico-orquestral.


Wennerstron (1975) afirma que o entendimento do timbre pode contribuir para a compreensão
formal na música do século XX:

O entendimento da música do século XX requer primeiramente um entendimento do


material que está sendo empregado. O ouvinte deve iniciar com a idéia de que
qualquer evento, em qualquer parâmetro (altura, duração, timbre, dinâmica) pode ter
uma função formativa na música e pode contribuir para a forma resultante da peça.
(WENNERSTRON, 1975, p.2, tradução nossa)16

Wennerstron teoriza um conceito muito importante para o desenvolvimento da nossa


pesquisa, visto que não encontramos muitas fontes referenciais que demonstrem uma
metodologia efetiva para o tipo de investigação que estamos realizando. Faz-se necessária,
portanto, a aplicação de métodos experimentais para a exemplificação das análises. Como
exemplo, a análise de estruturas formais da obra em perspectiva da manipulação do timbre pode
ser viabilizada pela criação de gráficos que contenham o estudo quantitativo do uso dos
instrumentos na obra.
O Gráfico 1 a seguir demonstra o nível acentuado de contraste timbrístico criado por
Ficarelli no primeiro movimento da Sinfonia No. 2, bem como sua influência na percepção
formal. Esse trecho representa uma estratégia recorrente na obra, e até mesmo em outras obras
do compositor. A estrutura do gráfico é organizada na mesma ordem que uma partitura
orquestral, onde cada linha horizontal representa um instrumento e as cores17 representam as
famílias da orquestra.
Através da visualização desse gráfico, podemos ter ideia do controle que o compositor
tem sobre o corpo sonoro-orquestral, visto que o contraste causado pela reserva e uso dos metais
com percussão, entre os blocos orquestrais, recorre em espaços equidistantes durante o trecho,
de maneira abrupta, sendo o primeiro contraste (c. 84) muito mais abrupto que os outros (c. 86
e 90), uma vez que os dois últimos contrastes são atenuados pela diminuição da quantidade de
metais e pela continuidade dos instrumentos de cordas, o que aponta para uma gradual transição
de textura nos compassos conseguintes. A manipulação da densidade sonoro-orquestral está
presente nas estratégias orquestrais relacionadas ao delineamento estrutural da obra, não só

16
No original: “The understanding of twentieth-century music requires first an understanding of the materials
which are being employed. The listener must start with the ideia that any event in any parameter (pitch, duration,
timbre, dynamics) can have a formative function in the music and can contribute to the resultant shape of the
piece.”
17
O Gráfico 1 foi elaborado a partir da análise do fluxo instrumental dos compassos 82–90 do primeiro
movimento. As madeiras foram representadas pela cor verde, os metais em amarelo, percussão em preto e cordas
em marrom.
54

através da sucessão abrupta de blocos sonoros, mas na gradual densificação e esvaziamento do


timbre orquestral.
Gráfico 1 – Sinfonia No. 2, ‘Mhatuhabh’ (c. 8 –90) – estudo quantitativo do fluxo instrumental

c. 82 c.84 c.86 c.88 c.90


Fonte: Elaborado pelo autor (2018).
As análises de contraste orquestral nos proporcionaram visualizar duas estratégias
básicas quanto à estruturação formal das obras. Apesar de as maneiras existentes de contraste
timbrístico na obra de Ficarelli serem muitas, pudemos traçar essas estratégias e sintetizá-las
em dois caminhos gerais. O primeiro abrange os procedimentos de contraste abrupto como
representado pelo Gráfico 1. Esse tipo de tratamento do timbre orquestral está relacionado a um
processo de ruptura e reiteração em curta escala. Já o segundo caminho sugere o alongamento
da estrutura formal do trecho, através da densificação ou esvaziamento gradual da massa sonora
orquestral. Esse caminho pode funcionar em grande escala, visto que existe a possibilidade de
o compositor adicionar instrumentos pouco a pouco até a chegada a uma meta orquestral onde
a densificação máxima seja um tutti orquestral. O mesmo pode ocorrer em uma sonoridade cujo
esvaziamento aconteça de forma gradual, saindo de um tutti até a chegada a uma meta onde o
esvaziamento máximo seja a sonoridade de um instrumento solo.
As estratégias em torno do agrupamento instrumental e do contraste timbrístico-
orquestral têm o poder de gerar grande relevância a simples materiais temáticos. Como exemplo
podemos citar o famoso Boléro, de Maurice Ravel. Na obra, o processo composicional não se
dá por desenvolvimento motívico ou por variação temática, mas por um impulso orquestral,
que se torna o processo mais importante da obra, gerando expectativa ao conduzir pouco a
pouco a sonoridade de um instrumento solista até um grande aglomerado sonoro que resulta no
55

tutti final da peça. Essa simples estratégia garante que o ouvinte se mantenha atento ao “mantra”
que se desenvolve através de modulações timbrísticas ao longo de seus aproximadamente 15
minutos de duração. A questão é que esse simples exemplo pode nos dar a ideia de quão efetiva
uma estratégia de densificação gradual da textura pode ser efetiva e influenciar na compreensão
formal da obra.
Afirmamos que a densificação sonora está ligada à expansão da forma, por percebermos
que as passagens onde identificamos este tipo de estratégia estão alongados. Todo o primeiro
movimento da Sinfonia No.2, ‘Mhatuhabh’, apresenta essa estratégia, com exceção da segunda
parte (c.75–103), onde a sonoridade orquestral se desenvolve em blocos contrastantes.
Lembremos que estamos abordando dois tipos diferenciados de manipulação do timbre
orquestral: a densificação gradual gerada pelo agrupamento dos instrumentos e o contraste
gerado pela sucessão de blocos orquestrais contrastantes. A análise contida no Gráfico 218,
demonstra o processo de densificação gradual criado pelo compositor.
Gráfico 2 – Sinfonia No. 2, ‘Mhatuhabh’ (c. 62 –73) – estudo quantitativo do fluxo instrumental

c. 62 c. 63 c. 64 c. 65 c. 66 c. 67 c. 68 c. 69 c. 70 c. 71 c. 72 c. 73
Fonte: Elaborado pelo autor (2018).
Após compararmos os dois gráficos, podemos concluir que ambos representam
estratégias comuns na obra de Mario Ficarelli. Apesar de essas estratégias estarem ligadas ao
agrupamento de instrumentos, podemos afirmar que cada uma desenvolve uma função diferente
nos trechos analisados.
Na análise formal da Sinfonia No. 2, feita pelo próprio autor em sua tese de livre-
docência, podemos perceber a importância que Ficarelli dava ao desenvolvimento motívico.
Ele demarca a primeira sessão do primeiro movimento e a analisa sob perspectiva das operações

18
O Gráfico 2 foi elaborado a partir da análise do fluxo instrumental dos compassos 62–73 do primeiro movimento
da Sinfonia No.2, ‘Mhatuhabh’. As madeiras foram representadas pela cor verde, os metais de amarelo, percussão
de preto e cordas de marrom.
56

motívicas presentes no trecho. Acreditamos que, apesar de o compositor não ter esclarecido as
estratégias orquestrais desse trecho, a densificação orquestral que representamos no Gráfico 2
se inicia desde o primeiro compasso do movimento (c. 35), e termina onde o compositor indica
ter finalizado a primeira sessão do movimento (c.73), conforme mostram os Exemplos 8a e 8b.
Exemplo 8a – Sinfonia No. 2, ‘Mhatuhabh’ (c. 35–43) – Análise formal e motívica feita por Ficarelli

Fonte: Ficarelli (1995).


57

Exemplo 8b – Sinfonia No. 2, ‘Mhatuhabh’ (c. 67–73) – Análise formal e motívica feita por Ficarelli

Fonte: Ficarelli (1995).


58

Nota-se nos Exemplos 8a e 8b a presença de uma grande letra A circulada, que


representa o início da sessão (Exemplo 8a), e a chegada à meta orquestral (Exemplo 8b). Pode-
se perceber uma grande diferença na densidade sonora entre o início e o final desse gesto. A
partir disso, podemos afirmar que o compositor é detalhista em criar uma grande meta
orquestral a partir da densificação gradual, iniciando-a com uma timbragem mais rarefeita, até
a chegada à sua meta, onde se encontra maior densidade sonora, representada por um grande
tutti. Embora os desenvolvimentos motívico e fraseológico tendam a garantir a coerência de
alturas ou temática da obra, podemos também afirmar que sua compreensão formal passa por
essa estratégia de manipulação do timbre orquestral. A partir dessas análises, entendemos que
esse grande gesto orquestral é o principal delineador formal da passagem em questão.
O Exemplo 9 contém um trecho que representa o final de uma sessão e o início de uma
outra, na Parasinfonia. Além de os materiais musicais serem diferentes entre si, a textura e a
densidade sonoro-orquestral esvaziam-se completamente com a chegada da nova sessão.
Podemos notar a preocupação do compositor em criar um ponto estratégico de elisão entre as
duas partes. Esse ponto está em destaque na cor preta, no Exemplo 9, onde podemos notar que
a última nota do tutti se torna a primeira nota da nova sessão, que por sua vez tem caráter mais
camerístico.
O Exemplo 9 mostra mais uma passagem musical, onde a manipulação do timbre
orquestral influencia diretamente na compreensão da estrutura formal do trecho. Podemos
ressaltar que esse contraste não se deu pela reserva dos instrumentos usados no segundo bloco,
pois o contraste acontece entre um tutti e um trecho camerístico, onde os fagotes e os
contrabaixos são responsáveis por dar seguimento ao segundo trecho do fragmento, e estes
vinham sendo utilizados desde o bloco sonoro anterior.
Após análise dos trechos escolhidos nas obras de Mario Ficarelli, com a finalidade de
observar possíveis implicações entre manipulação timbrístico-orquestral e estrutura formal,
pudemos observar que essas atitudes corroboram o trabalho de desenvolvimento motívico e
fraseológico que ele emprega em suas obras. Novamente, essas atitudes não estão apenas
localizadas nos trechos escolhidos, mas pudemos observar que, evitando demais
exemplificações, essa correlação é significativamente recorrente no restante das obras.
59

Exemplo 9 – Parasinfonia (c. 88–101) – Relação entre contraste orquestral e estruturas formais

Fonte: Ficarelli (2012), com destaques nossos.


60

Entendemos também que o contraste orquestral é fundamental na obra de Ficarelli, pois


o seu uso em vários níveis e de forma sistemática emula a ideia de movimento do timbre
orquestral, estratégia que pode ser vista como fundamental para gerar expectativa e interesse
na ideia musical.
A partir desta parte da pesquisa, seguiremos com o estudo em torno das combinações
sonoras criadas por Ficarelli em seu repertório, por entendermos que essa é outra estratégia
fundamental para a consistência de sua obra e para a complementação das análises e
constatações feitas até aqui.

3.2 ESTRATÉGIAS ORQUESTRAIS EM TORNO DAS COMBINAÇÕES


TIMBRÍSTICAS

A tarefa de compor obras destinadas à formações sinfônicas pode ser desafiadora, visto
que, entre as múltiplas tarefas do compor, o autor também terá de lidar rotineiramente com
escolhas de natureza instrumental. Compreender o timbre orquestral a partir do entendimento
das peculiaridades e idiossincrasias dos instrumentos, sozinhos ou agrupados, se faz necessário
para extrair o máximo do potencial sonoro da orquestra. Não é coincidência que a maioria dos
manuais e tratados de orquestração lidem com esse tema, exclusivamente por essa perspectiva.
Existem incontáveis maneiras de combinar os timbres de uma orquestra sinfônica. Em
geral, entendemos que o agrupamento de dois ou mais instrumentos gera um timbre composto.
A partir do estudo das obras analisadas19, pudemos perceber o uso de três estratégias orquestrais
em torno da fusão timbrística-orquestral. São elas: combinações homogêneas, combinações
heterogêneas e sons emergentes. Exemplificaremos essas três estratégias ao longo deste tópico,
na tentativa de tornar claras suas diferenciações. Podemos salientar que a subjetividade desses
termos é enorme, assim como suas variantes, além de que suas análises tendem a gerar opiniões
contrárias. Justamente por isso, em vários momentos demos relevância à nossa percepção
auditiva-analítica, deixando as nossas constatações sempre abertas a novas perspectivas de
análise.

19
As obras analisadas para a construção deste tópico são as mesmas do tópico anterior: Zyklus II,
Transfigurationis, Epigraphe 1990, Sinfonia No. 2, ‘Mhatuhabh’, e Parasinfonia.
61

3.2.1 Combinações timbrísticas homogêneas e heterogêneas

Para classificarmos as combinações timbrísticas, precisamos visitar a conceituação do


termo contraste novamente 20 . Podemos propor a comparação entre pares de instrumentos
musicais, de forma aleatória, e, sem muita dificuldade, perceberemos que existem níveis de
contraste sonoro entre eles. Um ponto de partida para essa compreensão é o estudo da
organologia, a qual nos sugere uma classificação para os instrumentos musicais a partir do
princípio físico-acústico que garante a sua produção sonora, conforme exemplificado a seguir
na Tabela 5.
Tabela 5 – Classificação organológica dos instrumentos musicais

Famílias Descrição
Aerofones Instrumentos que soam através da vibração de uma coluna de ar
Cordofones Instrumentos que soam através da vibração de uma corda
Membranofones Instrumentos que soam através de vibração de uma membrana
Idiofones Instrumentos que soam através da vibração do seu próprio corpo
Eletrofones Instrumentos que soam através de impulsos elétricos
Fonte: Elaborado pelo autor (2018).
É evidente que dois instrumentos de uma mesma família organológica possuam
timbragem mais homogênea do que dois instrumentos de famílias diferentes. No entanto,
existem controvérsias acerca desta afirmação. Podemos propor a timbragem de dois
instrumentos, um violoncelo e um berimbau, por exemplo. Apesar de sabermos que esses dois
instrumentos estão classificados na família dos cordofones, sabemos que os eles não apresentam
uma timbragem que possa ser classificada como homogênea. Um outro caso semelhante é a
timbragem de um acordeão e uma flauta; apesar de serem aerofones, esses dois instrumentos
não possuem sonoridade homogênea.
Um eficaz ponto de partida para a compreensão de homogeneidade e heterogeneidade
timbrística é a comparação de instrumentos de um mesmo registro de alturas. Como exemplo
podemos mencionar a timbragem entre um clarinete baixo e uma tuba. Os dois instrumentos
são aerofones, porém pertencem a famílias orquestrais diferentes, sendo o primeiro pertencente
à família das madeiras e o segundo, à família dos metais. Mesmo assim, consideramos a
timbragem entre esses dois instrumentos subgraves como sendo homogêneas.

20
O termo contraste pode ser definido como a “Diferença ou oposição fortes, marcantes, entre coisas análogas
ou que se apresentam no mesmo contexto de percepção.” (AULETE; VALENTE, 2017).
62

Em resumo, temos pontos norteadores para a análise de timbragens homogêneas e


heterogêneas, mas elas não são absolutas, pois entendemos que os instrumentos são muito
diversos. Isso é notório principalmente na família da percussão, que contém instrumentos de
praticamente todas as classificações organológicas.
A partir desta compreensão, seguiremos com nossas análises, a começar pelo Exemplo
10, que contém um trecho de Mhatuhabh. Nele, podemos visualizar o cuidado que o compositor
demonstra ter ao timbrar homogeneamente o tema exposto.
Exemplo 10 – Sinfonia No. 2, ‘Mhatuhabh’ (c. 35–43) – Timbragem homogênea

Fonte: Elaborado pelo autor (2018) a partir de Ficarelli (1991)


63

É interessante visualizar a passagem do Exemplo 10 sob a perspectiva de que, apesar da


enorme quantidade de combinações timbrísticas que uma grande orquestra sinfônica oferece, o
compositor opta por começar seu gesto musical de forma camerística e com uma timbragem
homogênea. O compositor demonstra a consistência de sua estratégia quando, no compasso 40,
opta pelo uso de mais uma linha melódica, tocada por mais um fagote, e reforça essa linha
através de divisi nos contrabaixos.
Por que não usar outro instrumento para o novo material que surge no compasso
40? Por que não usar os violoncelos no lugar do divisi de contrabaixos? Imaginamos que uma
das razões pela qual o compositor opta por essas escolhas reside em manter o controle e a
continuidade da combinação homogênea por todo o trecho. Se seguirmos analisando os
compassos subsequentes, veremos que Ficarelli utiliza essa estratégia para adicionar novos
timbres ao trecho, o que aponta para a valorização do controle entre homogeneidade e
heterogeneidade, visto que o compositor se concentra em tornar as combinações timbrísticas
cada vez mais heterogêneas e densas.
Apesar da segunda sinfonia de Ficarelli ter sido escrita quinze anos após a criação de
Zyklus II, podemos observar no Exemplo 11 o emprego da mesma estratégia orquestral. O
primeiro destaque, em cor preta, aponta para uma timbragem semelhante da analisada no
Exemplo 10, onde o compositor opta pelo timbre opaco, escuro e grave dos fagotes reforçados
pelos contrabaixos. Sabiamente, o compositor escolhe dois dos instrumentos de percussão mais
graves da orquestra para fazer os dobramentos. O detalhamento da “baqueta dura” a ser usada
pelo percussionista, ao tocar os tímpanos, é de extrema importância para a timbragem dessa
passagem.
O segundo destaque, em cor azul, do Exemplo 11 mostra a estratégia aplicada a maiores
proporções, visto que, apesar de não configurar um tutti orquestral, a passagem inclui um
numero bem maior de instrumentos do que nos exemplos até agora mencionados. As
timbragens destacadas pela cor azul, demonstram também o cuidado que o compositor tem em
definir articulações para melhor fusão da sonoridade, visto que os violinos e as violas articulam
sons basicamente com a fricção do arco em suas cordas, enquanto as madeiras articulam o sopro
com golpes de língua. A escolha da articulação em staccato ajuda esses dois grupos
instrumentais distintos a se conectar e formar uma sonoridade homogênea.
64

Exemplo 11 – Zyklus II (p. 23) – Combinações timbrísticas homogêneas

Fonte: Ficarelli (1976), com destaques nossos.


Percebemos que, além das combinações timbrísticas homogêneas, o compositor opta
por usar combinações heterogêneas em muitos momentos de suas obras, ou seja, dobramentos
que utilizam instrumentos com timbres em evidente disparidade, como nos exemplos dados no
inicio deste tópico. Seguiremos exemplificando como estas combinações timbrísticas
heterogêneas se formam, e em que contexto elas aparecem na obra.
65

O Exemplo 12 mostra uma passagem da Sinfonia No. 3, onde os agrupamentos são feitos
de forma camerística. É possível notar algumas combinações entre sonoridades díspares no
trecho, principalmente nos compassos 76 e 77, onde o compositor opta por combinar o piccolo
com 2 ou 3 violinos, destacados na cor preta, e o grupo formado por trombone, viola e
violoncelo, destacados na cor vermelha. Podemos notar também a combinação de clarinete com
fagote, os quais não se classificam como díspares por serem da mesma família orquestral, mas
possuem uma certa diferenciação timbrística por conta do tipo de embocadura.21 Apesar dessas
três combinações estarem em um mesmo registro sonoro, podemos afirmar que elas têm
diferentes potenciais de timbragem. Ainda, apesar de entendermos no tópico anterior que as
articulações em staccato ajudam o agrupamento a parecer mais homogêneo, constatamos
também que a timbragem entre trombone e viola é muito mais heterogênea que a timbragem
entre piccolo e violinos.
A família das madeiras é subdividida em três: os instrumentos de embocadura livre,
representados pelas flautas; os instrumentos de palheta simples, representados pelos clarinetes;
e os instrumentos de palheta dupla, representados pelos oboés, fagotes e seus auxiliares. Essas
subfamílias do naipe das madeiras possuem sonoridade muito peculiar pelo tipo de embocadura,
sendo esses instrumentos muito mais homogêneos quando timbrados entre si do que quando
timbrados com instrumentos de uma subfamília diferente. Visto isso, podemos considerar o
dobramento entre clarinete e fagote no Exemplo 12 como heterogêneo, visto que o compositor
poderia ter escolhido combinações mais homogêneas, como oboé e fagote, ou clarinete e flauta,
ou ainda oboé e corne inglês.
Podemos notar, ainda no Exemplo 12, que o compositor opta por gerar um contraste
timbrístico através da valorização entre combinações homogêneas (c. 74–75) e heterogêneas
(c. 76–77). O Exemplo 13 demonstra um outro tipo de agrupamento timbrístico heterogêneo,
onde o compositor usa instrumentos de todas as famílias de uma forma muito peculiar.

21
O clarinete possui palheta simples, enquanto o fagote possui palheta dupla, fato que diversifica bastante o timbre
dos dois instrumentos.
66

Exemplo 12 – Sinfonia No. 3 (c. 73–77) – Timbragens heterogêneas

Fonte: Ficarelli (2000), com destaques nossos


67

Exemplo 13 – Sinfonia No. 2, ‘Mhatuhabh’ (c. 155–164) – Timbragens heterogêneas

Fonte: Ficarelli (1991), com destaques nossos.


Podemos afirmar que o agrupamento sonoro feito pelo compositor entre os compassos
160 e 164 é uma combinação heterogênea, visto que as três flautas tocando notas longas em
flurato dificilmente se fundirão completamente às notas longas dos clarinetes, trompetes,
68

trompas e cordas, além do rufo contínuo nos tímpanos que contribuem ainda mais para a
heterogeneidade dessa passagem. Não esqueçamos, ainda, do contraste criado pelo uso da
bigorna na passagem, que tem grande importância temática,22 e que, em oposição aos outros
instrumentos que se encontram amalgamados pela estaticidade rítmica, executa um padrão
rítmico. Tanto esse padrão rítmico quanto o seu timbre atípico, pelo menos em um contexto
orquestral, trazem ao trecho uma sonoridade ainda mais exótica e heterogênea. Neste trecho
Ficarelli abandona o emprego do desenvolvimento motívico recorrente em toda sua obra e opta
por uma construção mais textural, podemos relacionar essa estratégia à construção formal da
obra, visto que a sonoridade está situada na coda e representa uma transição temática e
timbrística em direção ao segundo movimento.
Vistas essas combinações timbrísticas homogêneas e heterogêneas, seguiremos ao
próximo tópico, no qual dissertaremos sobre os sons emergentes encontrados na obra de Mario
Ficarelli.

3.2.2 Combinações timbrísticas que resultam em sons emergentes

A riqueza timbrística que uma orquestra sinfônica dispõe a transforma em uma


complexa rede de interação musical. Ao analisarmos a obra de Mario Ficarelli, percebemos
que, além da presença de combinações timbrísticas de sonoridade homogênea e heterogênea, o
compositor utiliza a estratégia de gerar combinações atípicas em vários trechos de sua obra.
Classificamos como sons emergentes o resultado sonoro de agrupamentos entre dois ou mais
instrumentos, que geram sonoridades não convencionais, muitas vezes resultantes do choque
entre harmônicos ou parciais dos timbres agrupados. Esses sons emergentes são comumente
confundidos com instrumentos que não estão sendo utilizados na passagem. Os sons emergentes
são importantes na obra de Ficarelli, visto que ele os utiliza em momentos estratégicos, criando
sonoridades que se diferenciam timbristicamente do restante da obra.
No Exemplo 14, está contida a redução de um trecho, onde o compositor opta por fazer
agrupamentos timbrísticos atípicos. Direcionemos nossa atenção analítica para os compassos
107 a 109, onde o compositor timbra as notas longas do prato suspenso, bombo e tam-tam à
técnica expandida de soprar dentro do tubo nas flautas, oboés, clarinete, trompete e trombone,
além da harmonia quartal no registro grave da orquestra. O compositor opta também por usar

22
A bigorna é usada na obra como referencial sonoro para simbolizar a reconstrução do planeta, pelos
sobreviventes de Mhatuhabh.
69

apenas instrumentos de percussão de altura indefinida — entre estes, o prato suspenso e o tam-
tam, instrumentos ricos em harmônicos.
Exemplo 14 – Sinfonia No. 2, ‘Mhatuhabh’ (c. 106–109) – Sons emergentes

Fonte: Elaborado pelo autor (2018) a partir de Ficarelli (1991).


Tamanha combinação timbrística resulta em sonoridades emergentes que tendem a estar
em evidência no trecho. Esses sons emergentes são de difícil compreensão quando não
experienciados em contexto presencial acústico. Por isso, sugerimos aos leitores desta
dissertação que tentem ouvir esses efeitos orquestrais que estamos analisando, para uma melhor
compreensão.
É possível notar, pelas escolhas das sonoridades, que o compositor se debruça sobre os
avanços técnicos e instrumentais outrora advindos da expansão sonora do século XX. O
indeterminismo contido na técnica expandida de soprar dentro do tubo do instrumento pode
reforçar a sonoridade modernista presente no trecho. Vale ainda ressaltar a importância temática
e sonora que a bigorna exerce nessa obra, pois ela remete à reconstrução do planeta pelos
sobreviventes da destruição de Mhatuhabh. O uso desse instrumento traz à passagem, uma
conotação ainda mais exótica, por ser pouco usado em contexto sinfônico.
Os trompetes na região aguda e em staccato exercem função de disparidade em meio a
esse agrupamento atípico, uma vez que os mesmos não irão se agrupar a nenhum dos
instrumentos da passagem. Parece-nos que o compositor procura, em meio a esses efeitos, criar
uma paisagem sonora de timbre destoante do restante da obra, apesar de reconhecermos a
recorrência de alguns desses materiais expostos na passagem.
Podemos afirmar que combinações contendo técnicas instrumentais expandidas não são
recorrentes entre as obras analisadas de Mario Ficarelli, sendo essa uma passagem de destaque
70

não apenas pela complexidade da sonoridade, mas porque o compositor opta pelo abandono do
desenvolvimento motívico como principal potencial estruturante para uma construção que
aponta para um desenvolvimento mais textural.
O Exemplo 15 demonstra outra passagem em que Ficarelli cria sonoridades emergentes
a partir de efeitos timbrístico-orquestrais. O trecho contém glissandos que, quando combinados
estrategicamente, proporcionam uma sonoridade ímpar ao trecho, visto que glissandos tendem
a ser ricos em harmônicos e representam uma certa aleatoriedade, tornando-se um recurso
moderno muito usado entre os orquestradores dos séculos XX e XXI. É muito interessante
analisar a direcionalidade dos glissandos do trecho e perceber que, enquanto alguns
instrumentos têm direção ao registro grave, outros se direcionam ao registro agudo
simultaneamente, o que gera um efeito diferente do que haveria se todos os instrumentos
estivessem escritos com a mesma direção. Combinado a isso, as madeiras e o piano reforçam o
efeito do glissando, por meio de figuração rítmica movimentada e com direcionalidade voltada
ao registro médio-agudo. Ficarelli parece aproveitar este efeito timbrístico-orquestral para
desenvolver o trecho de forma coerente, visto que os glissandos se tornam recorrentes durante
a passagem.
A passagem musical contida no Exemplo 16 contém agrupamentos timbrísticos, que
resultam na criação de sonoridades emergentes em grande escala, por estarem dispostas em
tutti. Os agrupamentos timbrísticos do trecho estão sobrepostos formando uma textura mais
complexa que as contidas nos exemplos anteriores. Os dobramentos em destaque, nas cores
vermelha e azul, estão todos combinados com a intenção de criar efeitos timbrísticos
orquestrais. Em vermelho estão destacados: contrabaixos, violoncelos, tímpanos, bombo e
trombone. Por outro lado, a timbragem destacada em azul mostra o dobramento entre 4 trompas,
vibraphone, violinos e violas.
Além da instrumentação atípica e bastante heterogênea, salientamos que os materiais
musicais reforçam as sonoridades emergentes na passagem, visto que o agrupamento em
vermelho combina diversos glissandos simultâneos, enquanto o agrupamento azul é construído
com trêmolos em todos os instrumentos. O uso dessas técnicas peculiares confere ao trecho
uma certa plasticidade sonora. As combinações timbrísticas desse trecho nos proporcionam a
compreensão de que o compositor evoca uma sonoridade diferenciada, visto que, em sua maior
parte, as combinações timbrísticas da obra resultam em sonoridades homogêneas e
heterogêneas. Os sons emergentes são utilizados em outros momentos da obra, apontando
sempre para uma atitude em torno do contraste timbrístico.
71

Exemplo 15 – Parasinfonia (c. 131–139) – Sons emergentes

Fonte: Ficarelli (2012), com destaques nossos.


72

Exemplo 16 – Sinfonia No. 2, ‘Mhatuhabh’ (c. 99–105) – Sons emergentes

Fonte: Ficarelli (1991), com destaques nossos.


73

3.3 BREVES COMENTÁRIOS CONCLUSIVOS A RESPEITO DAS ANÁLISES

As análises de combinações timbrísticas, puderam nos revelar o cuidado que o


compositor demonstra ter ao agrupar os instrumentos da orquestra em suas obras. Desta forma,
pudemos entender que existem claras estratégias orquestrais em torno da formação de timbres
compostos. Entendemos também que a obra sinfônica de Mario Ficarelli é expressiva e revela
grande qualidade técnica de escrita por parte do compositor, estando claros os objetivos em
torno da criação de timbres compostos, sejam eles homogêneos, heterogêneos ou que resultem
em sons emergentes.
Podemos afirmar, após esse trabalho analítico, que as estratégias aqui constatadas estão
integradas, e não isoladas como ferramentas absolutas do compor. A maneira técnico-musical
com que Mario Ficarelli delimita e integra essas atitudes orquestrais torna sua obra fluida e
coerente, além de apontar para um certo domínio das possibilidades orquestrais existentes, pois
são muitas as atitudes estratégicas presentes na arte da orquestração, como propõe Gomes
(2016).
As análises de contraste timbrístico-orquestral, relações entre contraste timbrístico-
orquestral e forma, combinações homogêneas, heterogêneas e combinações que resultam em
sons emergentes, essas nos fizeram enxergar tanto a obra de Ficarelli quanto outras obras
sinfônicas sob uma outra perspectiva criativa. Isso nos motiva e nos impulsiona a elaborar de
maneira mais aprofundada as nossas obras orquestrais, levando em consideração e
aperfeiçoando o controle consciente de uma técnica mais apurada da arte da orquestração.
O próximo capítulo é integrado pelo memorial analítico da obra Spero, composta
durante o processo de análise e escrita desta dissertação.
74

4 MEMORIAL ANALÍTICO DA OBRA SPERO

A partir das análises feitas no capítulo anterior, pudemos constatar uma série de
estratégias criativas em relação à manipulação do timbre orquestral. Foi possível perceber que
essas estratégias estão, quase sempre, atreladas ao discurso poético da obra, bem como às
estruturas formais das obras analisadas.
A obra Spero, composta em 2018 para orquestra sinfônica, integra esta dissertação de
forma prática a partir da aplicação das estratégias orquestrais inspiradas no nosso trabalho
analítico desenvolvido sobre as obras sinfônicas de Mario Ficarelli. Spero foi criada a partir da
manipulação timbrístico-orquestral, na tentativa de valorizar, em primeiro grau, procedimentos
inerentes à arte de orquestrar. Para a formulação de seu memorial, apresentaremos análises da
obra, relacionando-as ao capítulo anterior, onde estão expostas as análises de contraste
orquestral e combinações timbrísticas.
O termo em latim spero quer dizer “esperança” e é uma resposta direta à temática
exposta por Ficarelli em suas obras Zyklus II, Transfigurationis e Sinfonia No. 2, ‘Mhatuhabh’.
O intervalo de segunda menor — oriundo das notas Fá e Mi que, segundo a teoria kepleriana,
correspondem às duas frequências que caracterizam a terra —, está presente também ao longo
da obra Spero. Assim como em Transfigurationis, quando apresentado em direção descendente,
esse intervalo representa o estado decadente do ser humano, salvo pela ultima aparição do
motivo (c. 165), onde a nota Mi é harmonizada com a expansão de um acorde de Mi maior, este
último representando a esperança e a salvação da humanidade.

4.1 RELAÇÕES ENTRE CONTRASTE ORQUESTRAL E FORMA

Traçamos o planejamento da obra Spero a partir da assertiva de que a manipulação do


contraste timbrístico-orquestral pode influenciar na percepção da estrutura formal da obra. Tal
estratégia foi usada diretamente no planejamento formal da obra, na construção dos tuttis e na
delimitação das sessões, através de metas orquestrais. Pudemos constatar, nas análises do
capítulo anterior, que a mudança abrupta do timbre orquestral está atrelada à formação e
sucessão de blocos contrastantes entre si, gerados por diferentes agrupamentos instrumentais,
enquanto as mudanças mais brandas e progressivas do timbre orquestral estão quase sempre em
função do alongamento do gesto musical, geralmente atreladas aos processos de densificação e
esvaziamento sonoro-orquestral.
Seguiremos com a exemplificação de trechos onde essas estratégias foram aplicadas e
subdividiremos nosso memorial em tópicos que irão nos remeter às análises anteriores.
75

4.1.1 Contraste orquestral na obra Spero

O Exemplo 17 contém um trecho da obra que foi composto com base na interpolação
entre blocos orquestrais contrastantes, como podemos notar nos blocos 1, 2 e 3, evidenciados
pelas cores vermelha, azul, e verde respectivamente. O contraste timbrístico do trecho acontece
através da abrupta mudança de agrupamentos instrumentais, conforme mostra a Tabela 6.
Tabela 6 – Agrupamentos instrumentais utilizados nos blocos contrastantes em Spero (c. 91–111)

BLOCO 1 BLOCO 2 BLOCO 3


Trompas em Fá 1, 2, 3 e 4 Triângulo Piccolo
Trombones 1 e 2 Violinos 1e 2 Flautas 1, 2 e 3
Violas Oboés 1, 2 e 3
Violoncelos Corne Inglês
Contrabaixos Clarinetes em Sib 1, 2 e 3
Clarinete baixo
Fagotes 1, 2 e 3
Contrafagote
Tímpano
Fonte: Elaborado pelo autor (2018).
É possível constatar, através da Tabela 6 e do Exemplo 17, que os blocos possuem
contraste timbrístico total entre eles, no diálogo sucessivo entre metais, cordas e madeiras, não
havendo uma repetição de instrumento sequer entre os agrupamentos da passagem analisada.23
A partir da construção timbrística deste trecho, pudemos experimentar um alto grau de
contraste, visto que os agrupamentos foram feitos respeitando-se também as famílias
orquestrais: o bloco 1, agrupado em sua totalidade com instrumentos da família dos metais, o
bloco 2, agrupado predominantemente por instrumentos da família das cordas, e o bloco 3,
agrupado predominantemente por instrumentos da família das madeiras, na busca de um
diálogo enfatizado por camadas sonoras homogêneas. Outra estratégia sutil, porém
importantíssima para o trecho, se encontra representada no vibrafone que, por sua vez, não está
agrupado a nenhum dos três blocos, mas desempenha função de ligação entre os dois primeiros
blocos, atenuando de forma branda o contraste, em toda sua plenitude, entre os blocos.

23
Salientamos que as análises desta obra não estão dispostas linearmente, motivo pelo qual começamos nossas
análises a partir do compasso 91.
76

Exemplo 17 – Spero (c. 91–111) – Contraste entre três blocos orquestrais

Fonte: Elaborado pelo autor (2018).


77

O Exemplo 18 mostra um trecho em que a aplicação de contraste não foi feita apenas
por blocos em sucessão, como no exemplo anterior, mas também em blocos expostos em
sobreposição. Os blocos timbrísticos destacados pelas cores, vermelha, azul, verde e amarela
se encontram em contraste harmônico, uma vez que todos soam ao mesmo tempo. Esses blocos
são recorrentes na obra, fato que pode proporcionar ao ouvinte a experiência de um déjà vu, já
que eles não estão sendo repetidos em um mesmo contexto timbrístico. Vale ainda salientar que
o contraste entre os blocos harmônicos do Exemplo 18 são potencializados pelas diferenciações
de articulação, dinâmica e registro de alturas.
Exemplo 18 – Spero (c. 119–129) – Sobreposição de blocos timbrísticos contrastantes

Fonte: Elaborado pelo autor.


78

Ainda no trecho do Exemplo 18, podemos notar o contraste timbrístico em blocos,


quando no compasso 127 o compositor muda quase que completamente os instrumentos usados
na passagem. Destacamos a continuidade do material musical e a importância que o contraste
timbrístico exerce no trecho, onde o bloco vermelho segue reduzido ao vibrafone, o bloco azul
é direcionado para as cordas em pizzicato e região aguda da marimba, e o bloco verde, que
mantém o contrabaixo, trocando apenas os tímpanos e a tuba pela região grave da marimba.
Esse câmbio de agrupamentos timbrísticos, aliados à continuidade dos motivos rítmicos e
melódicos, garante a fluidez musical do trecho analisado. A nossa intenção maior foi a de criar
um “contraponto sonoro orquestral” que, por sua vez, se sobrepõe à ideia de contraponto
motívico ou de alturas, levando em consideração o planejamento inicial de valorizar, sobretudo,
os procedimentos inerentes à arte da orquestração.
Vistos esses exemplos de contraste orquestral, continuaremos com a exposição das
análises seguintes, onde relacionaremos estratégias de contraste timbrístico à concepção das
estruturas formais da obra Spero.

4.1.2 Relação entre contraste orquestral e estruturas formais

As estruturas formais da obra Spero foram construídas a partir da aplicação de


estratégias que envolvem não apenas a manipulação do contraste timbrístico-orquestral, mas
também o controle da densidade sonora da orquestra. Como já discorrido anteriormente, as
estratégias que envolvem a manipulação do contraste timbrístico-orquestral são responsáveis
pela formação de blocos timbrísticos em sucessão, oriundos de agrupamentos instrumentais
diferenciados. Já as estratégias que envolvem o controle da densidade sonoro-orquestral estão
atreladas ao alongamento das estruturas formais da obra, através dos processos de densificação
e esvaziamento da massa sonora da orquestra.
Está representado no Exemplo 19 o primeiro grande gesto orquestral da obra (c.1–35),
onde é encontrada a estratégia de densificação do corpo sonoro-orquestral. Podemos notar que
o gesto se inicia apenas com um rufo de tímpano e, pouco a pouco, vai ganhando proporções
mais significativas em relação ao uso quantitativo dos instrumentos da orquestra, até a chegada
do clímax da meta orquestral24 no compasso 35, onde a textura musical se apresenta de forma
muito mais densa. Além da densificação gradual constatada, pudemos também analisar a
aplicação da direcionalidade de alturas no trecho, visto que o compositor controla o caminho

24
O clímax da meta orquestral a que nos referimos se encontra em destacado em preto, no Exemplo 19.
79

que se inicia no espectro grave da orquestra, até a chegada ao espectro médio-agudo de forma
gradual.
Exemplo 19 – Spero (c. 1–35) – Densificação e meta orquestral

Fonte: Elaborado pelo autor (2018).


80

O planejamento formal prévio de uma obra é uma boa forma de garantir o controle e a
consistência das estratégias a serem trabalhadas. No caso do Exemplo 19, podemos afirmar que
todo este trecho foi idealizado e arquitetado anteriormente à escrita de qualquer nota musical
no pentagrama, através da aplicação consciente de uma estratégia orquestral baseada no
controle da densidade sonora da orquestra.
Mais uma vez tentamos aqui o processo de valorização da massa sonoro-orquestral em
primeiro grau, na ideia composicional.
O Exemplo 20 contém uma passagem musical, estruturada a partir da construção linear
de três blocos timbrísticos-orquestrais, destacados nas cores vermelha, azul e verde,
respectivamente. Estes se sucedem de forma abrupta e caracterizam o que classificamos em
nossa pesquisa como contraste máximo, com a mínima excessão dos tímpanos que pertencem
aos blocos 1 e 2. O contraste timbrístico máximo acontece quando um bloco sonoro é sucedido
com total mudança de timbre, ou seja, sem a continuidade de nenhum dos instrumentos que
estavam sendo utilizados no bloco anterior, como podemos notar na Tabela 7. Vale ressaltar
que o fato de os fagotes estarem presentes nos blocos 1 e 3 não atenua as relações de contraste
desse exemplo, visto que esses blocos não se sucedem diretamente.
Tabela 7 – Agrupamentos instrumentais utilizados em contraste máximo em Spero (c. 49–65)

BLOCO 1 BLOCO 2 BLOCO 3


Fagotes 1,2 e 3 Piccolo Oboés 1, 2 e 3
Contrafagote Flautas 1, 2 e 3 Corne Inglês
Trompas 1, 2, 3 e 4 Clarinetes em Sib 1, 2 e 3 Clarinete Baixo
Trompetes 1, 2 e 3 Tímpano Fagotes
Trombones 1 e 2 Violinos 1 e 2 Tuba
Trombone Baixo Violoncelos Violas
Tímpano Contrabaixos
Woodblock
Tom-tom
Fonte: Elaborado pelo autor (2018).
O contraste entre os blocos contidos no trecho do Exemplo 20 é ainda mais
potencializado pela mudança radical dos materiais musicais, sendo esta a passagem de maior
contraste na obra Spero. Ela também representa o processo de interpolação de blocos sonoros,
presente em vários trechos da obra. Podemos também constatar com este exemplo que a
direcionalidade de alturas deste trecho é construída de forma consciente, a partir da distribuição
sonora do espectro orquestral, visto que o primeiro bloco está predominantemente situado na
região média, o segundo bloco predominantemente na região aguda, e o terceiro bloco está
predominantemente na região grave.
81

Exemplo 20 – Spero (c. 49–65) – Contraste máximo entre três blocos orquestrais

Fonte: Elaborado pelo autor (2018).


Com a composição da música Spero, pudemos confirmar a aplicabilidade do estudo do
contraste orquestral em relação à concepção de estruturas formais, estratégia que se tornou
fundamental e recorrente na obra. A compreensão dessa estratégia só foi possível, pelas diversas
análises realizadas no repertório sinfônico do compositor Mario Ficarelli. Podemos afirmar que
muitas obras orquestrais, clássicas ou modernas, possuem as estratégias sobre as quais
discorremos neste capítulo. No entanto, a possibilidade de criar música, assumindo como
82

perspectiva primária essas estratégias orquestrais, é algo muito pouco teorizado e exemplificado
entre os campos teóricos da composição musical.
Seguiremos aos próximos tópicos, onde dissertaremos sobre as combinações
timbrísticas presentes na obra Spero, tendo em vista a integração delas com as estratégias de
combinação timbrística.

4.2 ESTRATÉGIAS DE COMBINAÇÃO TIMBRÍSTICA

Este tópico aborda a aplicação das estratégias orquestrais ligadas diretamente às


combinações timbrísticas. São elas: combinações homogêneas, combinações heterogêneas e
combinações que resultam em sons emergentes. Como já dissertado em nosso terceiro capítulo,
essas diferentes classificações se tornaram viáveis através da análise de agrupamentos
instrumentais, com base na classificação organológica dos instrumentos25 e na classificação dos
instrumentos em famílias e subfamílias orquestrais. Portanto, seguiremos com a exemplificação
analítica dessas três espécies de combinações timbrísticas.

4.2.1 Combinações timbrísticas homogêneas e heterogêneas

Na obra Spero, há uma variedade de procedimentos relacionados às combinações


timbrísticas, baseados nos dois seguintes tipos de combinações: as que resultam em timbragens
homogêneas, e as que resultam em timbragens heterogêneas, ficando para o próximo tópico
apenas as combinações timbrísticas que resultam em sons emergentes.26
O Exemplo 21 contém duas combinações timbrísticas. A primeira está destacada pela
cor vermelha, onde podemos observar o motivo melódico exposto em uníssono pelo clarinete
baixo, agrupado ao fagote. Podemos afirmar que essa timbragem tem um certo nível de
heterogeneidade, visto que os dois instrumentos usados, apesar de pertencerem à família das
madeiras, não pertencem à mesma subfamília. 27 Essa combinação é sucedida por uma
combinação homogênea, destacada pela cor azul. O agrupamento oitavado, formado pelo corne
inglês e pelo oboé, tende a soar de forma equilibrada em relação ao timbre, visto que esses
instrumentos, além de fazerem parte da família orquestral das madeiras, fazem parte também
da mesma subfamília, no caso, dos instrumentos de palheta dupla. Ainda, esses instrumentos

25
A classificação organológica pode ser consultada na Tabela 5 (p. 72) do capítulo anterior.
26
Esta última é oriunda do Capítulo 3, onde analisamos uma obra de Ficarelli de mesma organização.
27
A família das madeiras é subdividida em três subfamílias: instrumentos com embocadura livre, instrumentos
com palheta simples e instrumentos com palheta dupla.
83

têm característica muito peculiar e bastante diferenciada em relação às outras subfamílias das
madeiras.
Exemplo 21 – Spero (c. 57–68) – Combinações timbrísticas homogêneas e heterogêneas

Fonte: Elaborado pelo autor (2018).


Vale ainda ressaltar que, no Exemplo 21, é possível observar a integração dessas duas
combinações timbrísticas, no compasso 65, onde os agrupamentos se sobrepõem, formando um
novo timbre composto um pouco mais heterogêneo que os primeiros, visto que a diversidade
de timbres agrupados é ainda maior que os anteriores. Em todo caso, aqui o compositor optou
por um grau de heterogeneidade mais discreto, de maneira consciente, almejando aplicar
contrastes timbrísticos entre uma única família orquestral — no caso, as madeiras.
Está contido no Exemplo 22 um trecho onde o agrupamento timbrístico foi pensado de
forma mais homogênea possível, uma vez que os instrumentos usados fazem parte da mesma
família e estão escritos em um mesmo registro de alturas. O quarteto de trompas tem fácil
timbragem com os trombones e essa homogeneidade é reforçada pela textura coral do trecho.
É certo que o timbre predominante, neste trecho, será o das trompas, visto que elas estão em
maior quantidade e possuem poder sonoro similar ao dos trombones. Podemos afirmar que o
trombone desempenha uma função timbrística de complementação ao timbre das trompas, no
84

trecho, como se fosse uma “quinta trompa”, na tentativa de alargar o ambiente sonoro via uma
fusão alcançada pelo tipo de registro.28
Exemplo 22 – Spero (c. 91–101) – Combinação timbrística homogênea

Fonte: Elaborado pelo autor (2018).


Os Exemplos 21 e 22 demonstram estratégias de combinação timbrística entre
instrumentos de uma mesma família orquestral — madeiras e metais, respectivamente. Já na
redução do Exemplo 23 apresentamos combinações timbrísticas homogêneas entre
instrumentos de famílias diferentes.
Exemplo 23 – Spero (c. 54) – Combinações timbrísticas

Fonte: Elaborado pelo autor (2018).


Nesse exemplo, podemos visualizar três combinações timbrísticas entre instrumentos
de famílias diferentes: flauta e violinos 1; clarinete (Bb) e violinos 2; contrabaixo, violoncelos
e tímpano. As combinações timbrísticas supracitadas soam de forma homogênea por conta de
algumas características básicas. A primeira delas é o registro de alturas nos quais os

28
É comum nos manuais de orquestração, a abordagem de mudanças de perspectiva sonora mediante registros,
até mesmo de instrumentos da mesma família, para obter maior ou menor grau de diferenciação sonora.
85

dobramentos se encontram dispostos. 29 Outra característica que garante a homogeneidade


dessas timbragens é a aplicação do mesmo tipo de articulação entre os instrumentos. Além
dessas timbragens já analisadas, podemos constatar que piccolo, flauta, violinos 1 e 2, clarinete
(Bb), todos se encontram dispostos em oitavas, fato esse que torna a timbragem geral do trecho
com um grau acentuado de homogeneidade (mesmo sendo esses instrumentos pertencentes a
famílias orquestrais diferentes), visto que as oitavas tendem a soar como timbres compostos em
um contexto orquestral. Além da compreensão dessas timbragens, podemos mudar a
perspectiva de análise ainda mais, a fim de compreender o timbre geral do trecho, visto que
existe um grande vazio no espectro sonoro-orquestral médio. Este, por sua vez, desempenha a
função de contrapor a ideia da timbragem homogênea, visto que esse vazio entre os
instrumentos graves e agudos fará com que as duas sonoridades sejam ouvidas de forma
heterogênea. Podemos, a partir desta compreensão, afirmar que existem planos de combinações
timbrísticas dessa natureza tanto no Exemplo 23, como em outros trechos da obra Spero.
A combinação entre cordas e triângulo, mostrada no Exemplo 24, é delicada o suficiente
para que a consideremos como heterogênea. Com sonoridade frágil e opaca, os harmônicos
artificiais das cordas dificilmente irão se misturar ao brilho timbrístico do triângulo.
Exemplo 24 – Spero (c. 96) – Combinação timbrística heterogênea

Fonte: Elaborado pelo autor (2018).

29
Os três agrupamentos timbrísticos estão dispostos em uníssono.
86

No entanto, a combinação entre cordas e triângulo não se deu de forma a contemplar o


agrupamento por famílias orquestrais, e sim pelo uso de duas sonoridades díspares que
pudessem ser complementares. O triângulo tem o ataque sonoro muito mais presente e veloz
que as cordas em harmônicos. Estas, por sua vez, terão muito mais release que o triângulo, fato
que garantirá a diversidade timbrística nessa combinação heterogênea, com a finalidade de
contrastar a sonoridade dos compassos anteriores (c. 91–95) e dos posteriores (c. 97–101), onde
o timbre é predominantemente dos instrumentos de metais.
O Exemplo 25 destaca duas combinações timbrísticas: a primeira representada pela
combinação de marimba e violinos 1 e 2, e a segunda por woodblock, violas e violoncelos.
Podemos perceber, ao analisarmos essa passagem, que existem níveis referentes à
homogeneidade do agrupamento desses instrumentos, visto que a combinação entre marimba e
cordas em pizzicato, destacada em vermelho, soará de forma homogênea, pela semelhança que
existe entre esses dois timbres. A opção de dispor esses instrumentos em uníssono e com o
mesmo ritmo surge, nesse contexto, como uma estratégia para reforçar ainda mais a
homogeneidade do timbre composto, levando também em consideração a técnica e a articulação
dispostas nos violinos 1 e 2, já que, se estes estivessem tocando em detaché,30 a timbragem não
aconteceria de forma homogênea.
A segunda combinação, entre woodblock, violas e violoncelos (em azul), se apresentará
de forma mais heterogênea que o primeiro agrupamento do Exemplo 25, uma vez que, por não
ter alturas definidas, o woodblock não poderá ser executado nas mesmas frequências que as
violas e os violoncelos. Além disso, podemos notar que os acentos adotados no ostinato rítmico
contido no instrumento percussivo não está em combinação com as cordas que desempenham
função de dobramento, fato que irá destacar a sonoridade deste instrumento.
A partir destas análises, pudemos perceber que apenas o dobramento em uníssono ou
oitava não é suficiente para garantir uma sonoridade homogênea, mas sim o cuidado e o
controle de outros fatores, tais como a dinâmica, a articulação, o registro sonoro-orquestral, a
natureza do instrumento, a técnica a ser usada, dentre outros. Seguiremos, no próximo tópico,
com as análises de combinações timbrísticas que resultam em sonoridades emergentes.

30
Detaché é a técnica mais convencional entre os instrumentos de cordas da orquestra, com a qual estes são
tocados com a fricção do arco, de forma alternada, sem acentuar as notas e de maneira “lisa".
87

Exemplo 25 – Spero (c. 127–134) – Combinações timbrísticas homogêneas e heterogêneas

Fonte: Elaborado pelo autor (2018).

4.2.2 Combinações timbrísticas que resultam em sons emergentes

Esta parte do memorial é destinada à compreensão de procedimentos práticos de


combinação timbrística, que resultam em sonoridades atípicas. Essas combinações de timbre
têm a interessante capacidade de projetar novas sonoridades a partir do choque entre suas séries
harmônicas e parciais, as quais classificamos como sons emergentes.31 Os sons emergentes
estão dispostos de forma sutil na obra Spero, quase sempre sobrepostos por combinações
timbrísticas mais comuns, como as já analisadas nos dois tópicos anteriores.
Podemos constatar, através do Exemplo 26, que a sonoridade progride de duas maneiras.
Na primeira, destacada na cor vermelha, podemos ver os glissandos entre as notas fá e mi.32 Já
a segunda, destacada na cor azul, progride a partir da densificação sonora causada pela

31
A concepção de que o som possui elementos integradores além de sua série harmônica é oriunda das pesquisas
sobre o espectro sonoro de Grisey, Murail e outros compositores espectrais. Para maior aprofundamento
bibliográfico recomendamos a leitura de Humięcka, (2009), Drott (2005), Griffiths (2011), Slonimsky (2004) e
Taruskin (2005).
32
Motivo principal da obra que remete à teoria kepleriana, conforme abordado no capítulo anterior.
88

sobreposição de quintas justas. Os glissandos, por si só, garantem um efeito orquestral que se
diferencia da sonoridade comum ao trecho e à obra de forma geral.
Exemplo 26 – Spero (c. 142–153) – Sons emergentes

Fonte: Elaborado pelo autor (2018).


89

Quando combinadas, essas duas maneiras de progressão sonora causam um choque


dinâmico entre seus parciais, visto que a estabilidade proporcionada pelas quintas justas em
sobreposição será abalada pela instabilidade trazida pelos glissandos. Esta justaposição entre
parciais estáveis e instáveis33 proporciona o surgimento de sonoridades emergentes.
O Exemplo 27 contém outro trecho onde a combinação timbrística, demarcada em
vermelho, acontece de forma atípica, visto que o efeito orquestral criado a partir da técnica
estendida nos metais não é convencional, apesar de já utilizada por alguns compositores
modernos. A ideia de combinar essa sonoridade ao rufo do vibrafone, surge como uma maneira
de trazer a sonoridade um exotismo timbrístico ainda maior, uma vez que esse instrumento tem
um timbre riquíssimo e conta ainda com o efeito de trêmolo, efeito que não é encontrado, de
forma natural, em nenhum outro instrumento da orquestra sinfônica tradicional.
Exemplo 27 – Spero (c. 86–101) – Sons emergentes

Fonte: Elaborado pelo autor (2018).

33
Entendemos que os parciais provenientes de notas longas estáticas são estáveis, enquanto que os parciais
oriundos das notas em glissando são instáveis e representam certa plasticidade sonora no trecho.
90

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreender a orquestração de uma obra não é um exercício simples, principalmente


quando a ela integra o diversificado repertório de atitudes compositivas dos séculos XX e XXI.
Na busca dessa compreensão, pudemos perceber, através de uma revisão bibliográfica, que as
fontes teóricas sobre o assunto são escassas, e as poucas existentes não contemplam essa parte
do repertório musical. Além disso, não há muitas linhas de pesquisa em desenvolvimento no
campo da orquestração, em se tratando do nível de pós-graduação no Brasil. No entanto,
encontramos os trabalhos de Gomes (2002, 2016), a partir dos quais pudemos compreender que
compor música orquestral é saber lidar com uma atividade que envolve múltiplas tarefas.
Essas duas referências se tornaram, sem dúvidas, um alento em meio ao mar de
carências teóricas sobre esse assunto. A partir das múltiplas tarefas sugeridas por Gomes (2002,
2016), pudemos concentrar nossa atenção analítica nos procedimentos orquestrais que
envolvem contraste timbrístico, densidade sonora, procedimentos estruturais delineados por
procedimentos timbrísticos e graus de contraste, bem como procedimentos de homogeneidade,
heterogeneidade e sonoridades emergentes.
Ter escolhido o repertório sinfônico de Mario Ficarelli como objeto de análise — tendo
em vista a manipulação timbrística sonoro-orquestral, bem como através de uma revisão
bibliográfica sobre sua vida e obra —, foi, sem dúvida, um dos fatores que nos estimularam a
realizar esta pesquisa. Dessa forma, traçamos um perfil analítico para a compreensão dessas
estratégias, na busca de uma proposta metodológica que norteasse a nossa pesquisa.
As análises nos levaram a constatar que a obra de Mario Ficarelli é baseada não apenas
em desenvolvimentos motívicos ou fraseológicos, mas também na manipulação estratégica do
timbre orquestral. Constatamos que o contraste timbrístico-orquestral abrupto está ligado à
formação de blocos sonoros, enquanto que os procedimentos de densificação sonoro-orquestral
estão diretamente ligados ao alongamento de gestos orquestrais, dentro de um pensamento mais
estruturante da ideia musical. Pudemos então afirmar que tanto a sucessão de blocos sonoros
quanto o alongamento dos gestos orquestrais são de extrema importância para a compreensão
das estruturas formais dos trechos analisados, ou até mesmo da forma geral das obras. Pudemos
também constatar que as combinações timbrísticas seguem três linhas básicas na obra de
Ficarelli — combinações homogêneas, combinações heterogêneas e combinações que resultam
em sons emergentes —, como fontes e capacidades sonoras à disposição do compositor.
Com esta pesquisa, pudemos também compor a obra Spero, para orquestra sinfônica.
Através dela, foi possível testar e aplicar as estratégias de forma prática, inspirando-nos nas
91

análises das obras sinfônicas de Mario Ficarelli. Spero não é a nossa primeira obra orquestral,
por isso pudemos compará-la às demais e notar um grande avanço em direção à consciência e
à exploração dos recursos timbrísticos da orquestra, de forma que, sem as constatações
provenientes das análises feitas, esta obra não teria tanta relevância, em relação às suas
estratégias orquestrais. Isso se daria mesmo que estivesse abordando o assunto, na criação dessa
obra com uma certa simplicidade textural, propositadamente enfatizando em primeiro grau
estratégias inerentes à arte da orquestração.
Esperamos que, com esta dissertação, novas perspectivas analíticas sejam discutidas e
implementadas em pesquisas posteriores, como também surjam métodos didáticos que possam
reforçar ou contrapor o nosso discurso. A partir disto, esperamos ainda que se desdobrem novas
aplicações práticas, as quais garantam a criação de novas obras. Esperamos também que esta
pesquisa desperte o interesse de compositores, para que eles possam formular propostas teóricas
baseadas na concepção cognitiva do ouvinte em relação à manipulação do timbre orquestral,
pois consideramos esse tipo de abordagem indispensável para a compreensão das estratégias
orquestrais de uma obra.
92

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95

Spero
(Em homenagem a Mario Ficarelli) Kedson Silva - 2018

q = 90
4 ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑
Piccolo &4

4 ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑
Flute &4

Oboe & 44 ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑

English Horn & 44 ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑

Clarinet in B b & 44 ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑

Bass Clarinet & 44 ∑ ∑ ∑ ∑ ∑


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Trombone 4

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Marimba
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4 ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑
Percussion 1 ã 4

Percussion 2 ã 44 ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑

Percussion 3 ã 44 ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑

Violin I & 44 ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑

4 ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑
Violin II &4

Viola B 44 ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑

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Cello 4 wæ
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Spero 96
2
∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑
9

Picc. &

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Spero 97
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Perc. 3 ã ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑

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Spero 98
4
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Spero 99
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Tuba
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Timp.

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Triangle

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Perc. 1 ã
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Spero 100
6

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Spero 101
7
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Timp.
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f
Vib. & ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ 43

∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ 43
49

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Mrb.
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4

∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ 3
49

Perc. 1 ã 4

∑ ∑ ∑ 3
Perc. 2 ã 4
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> > >tom-tom > > > > > > > > > >
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Perc. 3 ã ∑ ∑ ∑ ∑ 4
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P œ bœ œ bœ œ #œ nœ #œ nœ œ œ bœ nœ bœ nœ œ #œ œ œ #œ œ #œ
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∑ ∑ ∑ ∑ ∑ Ó 43
49

Vln. I &
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Vln. II & ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ œ bœ œ œ œ #œ nœ #œ nœ #œ nœ œ #œ 4
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B ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ 3
Vla. 4

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Vc.
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Cb.
œ œ wæ œœ ˙æ 4
f
Spero 102
8
3 ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑
57

Picc. &4

3 ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑
Fl. &4
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E. Hn.
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3 ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑
B b Cl. &4

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B. Cl.
ƒ p

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Bsn. 4 #œ nœ ˙. ˙. ˙.
ƒ p
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C. Bn. 4

& 43 ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑
57

Hn. 1

Hn. 2 & 43 ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑

C Tpt. & 43 ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑

Tbn.
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B. Tbn.
? 43 ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑

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4 ˙. ˙. b˙. ˙.
Tuba

f p
?3 ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑
57

Timp. 4

3 ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑
Vib. &4

3 ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑
57

&4
Mrb.
? 43 ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑

ã 43 ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑
57

Perc. 1

Perc. 2 ã 43 ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑

3 ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑
Perc. 3 ã 4

3 ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑
57

Vln. I &4

3 ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑
Vln. II &4

B 43 ∑ ∑ ∑ ∑
Vla.
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Vc. 4

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Cb. 4
Spero 103
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∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑
65

Picc. & æ
ƒ
œ #œ #œ #œ nœ
Fl. & ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ æ
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E. Hn. & #œ #œ nœ ˙. ˙. ˙. b˙. ˙.
ƒ p
B b Cl. & ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑

& #œ #œ #œ
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B. Cl.
ƒ p

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Bsn.
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ƒ p
C. Bn.
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65

Hn. 1 &

Hn. 2 & ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑

C Tpt. & ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑

Tbn.
? ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑

B. Tbn.
? ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑

? ∑ ∑
Tuba
˙. ˙. b˙. ˙. b˙. ˙.
f p
? ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑
65

Timp.

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& ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ #œ #œ nœ
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Vib.
ƒ

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∑ ∑ ∑ ∑ ∑ #œ ∑
65

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ƒ æ æ p
Mrb.
? ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑

∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑
65

Perc. 1 ã

Perc. 2 ã ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑

Perc. 3 ã ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑

∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑
65

Vln. I &

Vln. II & ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑

B .
Vla.
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f p
Vc.
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Cb.
? ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑
Spero 104
10
˙. ˙. ˙.
∑ ∑ ∑ ∑ ∑
73

Picc. & æ æ æ

p
˙. ˙. ˙.
Fl. & æ æ æ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑

Ob. & ∑ ∑ p ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑

E. Hn. & ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑

B b Cl. & ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑

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B. Cl.
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Bsn.
œ. œ œ. œ ˙.
ƒ
F F
C. Bn.
? ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑

∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑
73

Hn. 1 &

Hn. 2 & ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑

C Tpt. & ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑

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Tbn. .
F
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œ. œ. œ.
B. Tbn.

F
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œ. œ.
œ. œ.
Tuba

? ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ œ. œ. ∑ œ. œ.
73

Timp.
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œ #œ
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Vib.
ƒ
p
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∑ ∑ Ó ‰
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∑ Ó ‰
œ œ
73

f
œ œ œ œ
œ œ œ œ œ œ ‰ œ œ œ œ œ œ ‰ œ œ œ œ œ œ ‰ œ œ œ œ œ œ ‰
Mrb.
? ∑ ∑ ∑ ∑
œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ

∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑
73

Perc. 1 ã

∑ ∑ ∑ ∑ X. X.
high conga drum

Perc. 2 ã œ œ œ œ œ
æ æ
œ œ œ œ œ
æ æ
Snare drums (cross stick) F F
ã ∑ x x x x x X. ∑ ∑ x x x x x X. x x x x x
Perc. 3
æ æ æ æ æ
F
∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑
73

Vln. I &

Vln. II & ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑

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Vla.
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Vc.

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Cb.
F
Spero 105
11 œ #œ
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∑ ∑ ∑ ∑ ∑
81

Picc. & æ æ æ
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Fl. & ∑ #œ #œ nœ ˙. ˙. ˙. ∑ ∑ ∑
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E. Hn. & #œ #œ nœ ˙. ˙. ˙. b˙. ˙.
ƒ p

B b Cl. & #œ #œ #œ ∑ ∑ ∑ ∑
ƒ #œ nœ ˙. ˙. ˙. p

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B. Cl.
œ. œ. œ. . œ. œ. œ. .
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Bsn.
˙. ˙. ˙. ˙. ˙.
p ƒ p

C. Bn.
? ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑

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Soprar no tudo sem vibração labial

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81

Hn. 1 & œ. œ.
F p

Hn. 2 & ∑ œ. œ. œ. ∑ ∑ œ. œ. œ. ¬. ¬.
Soprar no tudo sem vibração labial
¬.
F p
∑ œ ¬. ¬. ¬.
Soprar no tudo sem vibração labial

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C Tpt.

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Soprar no tudo sem vibração labial

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p
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Soprar no tudo sem vibração labial

œ. œ.
œ. œ.
B. Tbn.

p
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Soprar no tudo sem vibração labial

œ. œ.
œ. œ.
Tuba

p
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81

Timp.
œ. œ.
œ #œ
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æ æ æ æ æ æ æ æ
Vib.
ƒ
p p

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81

&

œ œ œ œ œ œ œ œ
Mrb.
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œ œ œ œ œ œ

∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑
81

Perc. 1 ã

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æ æ æ æ æ
Perc. 2

Perc. 3 ã æX . x x x x x
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x x x x x
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81

Vln. I & ˙. ˙. ˙.
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Vln. II & ∑ #œ #œ nœ ˙. ˙. ˙. ∑ ∑ ∑
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ƒ p

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œ . œ .
œ. œ.
Vc.

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Cb. œ. œ.
Spero 106
12 q = 90
∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑
89

Picc. &

Fl. & ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑

Ob. & ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑

E. Hn. & ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑

B b Cl. & ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑

B. Cl. & ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑

Bsn.
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C. Bn.
? ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑

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Hn. 1
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Hn. 2
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ƒ ç ç ç

C Tpt. & ¬. ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑
ƒ
˙. ˙. ˙. ˙. ˙.
Tbn.
? ¬. ∑ ∑
ƒ ç ç ç
B. Tbn.
? ¬. ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑
ƒ
Tuba
? ¬. ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑
ƒ
? ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑
89

Timp.

& ˙. ˙. ∑ ∑ ∑ ˙. ˙. ˙.
æ æ æ æ æ
Vib.

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∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑
89

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Mrb.
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Triangle

∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑
89

Perc. 1 ã ˙.
F
Perc. 2 ã ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑

Perc. 3 ã ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑

Ȯ ..
∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑
89

Vln. I &
F
Vln. II & ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ # Ȯ ..
F
Ȯ ..
Vla. B ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑
F
Ȯ ..
Vc.
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F
Ȯ ..
Cb.
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F
Spero 107
13
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∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ œœ
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97

Picc. & 4
Ï
œ œ œ̆
∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ 2 Œ ∑
Fl. & 4
Ï
œ œ œ̆
∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ 2 Œ ∑
Ob. & 4
Ï
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E. Hn. & 4
Ï
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B b Cl. & ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ 24 œ Œ ∑
Ï
∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ 2 Œ
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B. Cl.

ß
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Bsn. 4 œ ˙
ß
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C. Bn.
œ ˙
ß
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97

Hn. 1 4
ç ç subito p Î
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Hn. 2

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subito
Î
C Tpt. & ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ 42 ∑ ∑

˙. ˙. ˙. ˙. ˙.
Tbn.
? ∑ 42 ∑ ∑
ç ç subito p Î
? ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ 2 ∑ ∑
B. Tbn. 4

? ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ 2 ∑ ∑
Tuba 4

? ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ 2 Œ
97

Timp. 4 œœ œ ˙
ß
Vib. & ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ 42 ∑ ∑

∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ 2 ∑ ∑
97

& 4
Mrb.
? ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ 42 ∑ ∑

∑ ∑ ∑ ∑ ∑ 42 ∑ ∑
97

ã
˙.
Perc. 1

F
Perc. 2 ã ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ 42 ∑ ∑

∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ 2 ∑ ∑
Perc. 3 ã 4
97

∑ ∑ ∑ ∑ ∑ Ȯ .. 2 ∑ ∑
Vln. I & 4
F
Vln. II & ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ # Ȯ .. 42 ∑ ∑
F

B ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ Ȯ .. 2 ∑ ∑
Vla. 4
F

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Vc. ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ 4 ∑ ∑
F
Ȯ ..
? ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ 2 ∑ ∑
Cb. 4
F
Spero 108
14
∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ 4 ∑
105

Picc. & 4

∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ 4 ∑
Fl. & 4

∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ 4 ∑
Ob. & 4

∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ 4 ∑
E. Hn. & 4

∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ 4 ∑
B b Cl. & 4

B. Cl. & ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ 44 ∑

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Bsn. 4 w

? ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ 4
C. Bn. 4 w

# ˙˙ œœ # œœ ˙˙ ˙˙ ˙˙ œœ Œ ∑ 4
105

& 4 # wÓ ˙
Hn. 1

ç ç ç F
4
Hn. 2 & # ˙˙ œ
œ œ
œ
˙
˙
˙
˙
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˙
œ
œ
Œ ∑ 4 ∑
ç ç ç
∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ 4 œ. b œ. œ. œ.
C Tpt. & 4 œ. œ. œ. œ.
˙ œ œ ˙ ˙ ˙ œ œ. œ. œ. b œ. œ. œ. œ. œ.
? Œ ∑ 4
Tbn. 4
ç ç ç
œ. œ. b œ. œ. œ. œ.
? 4 œ. œ.
B. Tbn. ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ 4

Tuba
? ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ 44 ∑

? ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ 44
105

w
Timp.
œ œ
f
∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ 4 ∑
Vib. & 4

∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ 4 ∑
105

& 4
Mrb.
? ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ 4 ∑
4

∑ ∑ ∑ ∑ ∑ 4 ∑
105

Perc. 1 ã 4
˙ ˙
F wood-block

∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ 4
Perc. 2 ã 4
œ œ œ œ œ œ œ œ
f> > >
Perc. 3 ã ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ 44 ∑

Ȯ Ȯ 44
∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑
105

Vln. I &
F
∑ ∑ ∑ ∑ ∑ 4
Vln. II & # Ȯ Ȯ 4 ∑
F
B ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ Ȯ Ȯ 4 ∑
Vla. 4
F
Ȯ Ȯ
? ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ 4 ∑
Vc. 4
F
Ȯ Ȯ
? ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ 4 ∑
Cb. 4
F
Spero 109
15 Moderato {q = c 108}
accel.
∑ ∑ ∑ ∑ œb œ œb œ œ # œn œ œn œ œ œb œ Œ œb œ œb œ œ # œn œ œn œ œ œb œ Œ ∑ ∑
113

Picc. &

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Fl. & ∑ ∑ Œ Œ Œ Œ ∑ ∑
F
œ bœ œ bœ œ #œ nœ œ nœ œ œ bœ œ bœ œ bœ œ #œ nœ œ nœ œ œ bœ #˙. œ ˙ ˙
Ob. & ∑ ∑ ∑ ∑ Œ Œ ˙. œ ˙ ˙
F ç ç ç
E. Hn. & ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑

# œ n œ œb œ œ# œn œ œ# œ œ œn œ #œ nœ œ bœ œ #œ nœ œ #œ œ œ nœ #œ nœ œ bœ œ #œ nœ œ #œ œ œ nœ # ˙˙ .. # œœ ˙˙ # ˙˙
B b Cl. & ∑ ∑ ∑ Œ Œ Œ
F ç ç ç
B. Cl. & ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑
œ. œ. œ. b œ. œ. œ. œ. œ. œ. œ. œ. b œ. œ. œ. œ. œ. œ. œ. œ. b œ. œ. œ. œ. œ. œ. œ. œ. b œ. œ. œ. œ. œ. œ. œ. œ. b œ. œ. œ. œ. œ. œ. œ. œ. b œ. œ. œ. œ. œ.
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F ƒ
∑ ∑
113

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w w Ó ˙ w w Ó ˙
Hn. 1
ƒ F ƒ

&w ∑ ∑ ∑ ∑
Hn. 2
Ó ˙ ww wÓ ˙ ww
ƒ ƒ
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C Tpt.

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œ. œ œ. œ. œ. œ. b œ. œ. œ. œ. œ. œ. œ. œ. b œ. œ. œ. œ. œ.
Tbn.
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B. Tbn.
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113

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Spero 110
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121

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Spero 111
17
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Perc. 2 ã 4

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Perc. 3 ã 4

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137

Vln. I

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Spero 113
19
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21
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161

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Senza sord.

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161

Vln. I &
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Spero 116
22
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