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Daniel Pennac

Como um
romance

Tradução de Joaquín Jordá

EDITORIAL ANAGRAMA BARCELONA


Título da edição original: Comme un roman @
Éditions Gallimard Paris, 1992

Desenho da coleção:
Julho vivo
Ilustração: fotografia @ Jan Saudek (detalhe)

Primeira edição: abril 1993


Segunda edição: junho de 1993
Terceira edição: outubro de 1993
Quarta edição: abril de 1995
Quinta edição: novembro de
1996 Sexta edição: outubro de
1998 Sétima edição: dezembro
de 1999 Oitava edição:
novembro de 2001

EDITORIAL ANAGRAMA, SA, 1993 Pedró de la


Creu, 58
08034 Barcelona

ISBN: 84-339-1367-0 Depósito legal: B. 45683-2001

Impresso na Espanha

Liberduplex, SL, Constitució, 19.08014 Barcelona


Para Franklin Rist,
um grande leitor de
romances e um leitor
de ficção.

Em memória do meu pai e


na memória do dia a dia
por Frank Vlieghe.
I. Nascimento do alquimista ......................................... 7
1 ................................................. ................................
8
dois................................................. ..............................
10
3 .................................................
..............................onze
4 ................................................. ..............................
13
5 .................................................
..............................quinze
6 ................................................. ..............................
16
7 ................................................. ..............................
19
8 .................................................
..............................vinte e um
9 ................................................. ..............................
24
10 ................................................. ............................
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onze................................................. ............................
27
12 ................................................. ............................
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13 ................................................. ............................
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14 ................................................. ............................
30
quinze.................................................
............................ 33
16 ................................................. ............................
36
17 ................................................. ............................
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18 ................................................. ............................
38
19 ................................................. ............................
39
vinte................................................. ............................
42
vinte e um............................................... ..
............................ Quatro. Cinco
22 ................................................. ............................
47
2. 3 ............................................... .. ............................
48
24 ................................................. ............................
52
II. Você tem que ler (o dogma) ................................... 53
25 ................................................. ............................
54
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56
27 ................................................. ............................
58
28 ................................................. ............................
59
29 ................................................. ............................
61
30 ................................................. ............................
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31 ................................................. ............................
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32 ................................................. ............................
69
33 ................................................. ............................
71
3. 4 ............................................... .. ............................
73
35 ................................................. ............................
75
36 ................................................. ............................
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37 ................................................. ............................
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38 ................................................. ............................
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39 ................................................. ............................
83
40 ................................................. ............................
84
41 ................................................. ............................
85
III. Dar para ler ........................................................... 89
42 ................................................. ............................
90
43 ................................................. ............................
94
44 ................................................. ............................
97
Quatro cinco............................................... ..
............................ 98
46 ................................................. ..........................
100
47 ................................................. ..........................
102
48 ................................................. ..........................
106
49 ................................................. ..........................
108
cinquenta.................................................
.......................... 110
51 ................................................. ..........................
111
52 ................................................. ..........................
113
53 ................................................. ..........................
115
54 ................................................. ..........................
120
55 ................................................. ..........................
122
56 ................................................. ..........................
124
57 ................................................. ..........................
130
IV. Como ler (ou direitos imprescritíveis leitor) ...... 131
1 ................................................. ............................
132
dois................................................. ............................
135
3 ................................................. ............................
139
4 ................................................. ............................
142
5 ................................................. ............................
143
6 ................................................. ............................
146
7 ................................................. ............................
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8 ................................................. ............................
151
9 ................................................. ............................
152
10 ................................................. ..........................
156
I. Nascimento do alquimista
1
O verbo ler não apóia o imperativo. Aversão que
partilha com outros verbos: o verbo «amar» ..., o verbo
«sonhar» ...
Claro que você sempre pode tentar. Vá em frente:
"Jamame!" "Parece!" "Leitura!" "Leitura! Mas leia uma
vez, eu ordeno que você leia, droga! "
-Vá para o seu quarto e leia!
Resultado? Nenhum.
Ele adormeceu no livro. A janela de repente parecia
escancarada para algo desejável. E é para lá que ele
fugiu para escapar do livro. Mas é um sonho vigilante:
o livro ainda está aberto à sua frente. Assim que
abrimos a porta de seu quarto, o encontraremos sentado
à sua mesa, formalmente ocupado lendo. Embora
tenhamos subido, da superfície de seu sonho ele deve
ter nos ouvido chegando.
-Que você gosta?
Ele não vai nos dizer não, seria um crime contra a
majestade. O livro é sagrado, como é possível que não
gostemos de ler? Não, isso nos dirá que as descrições
são muito longas.
Tranquilizados, voltaremos à TV. É até possível
que esta reflexão provoque um excitante debate
coletivo ...
- As descrições parecem muito longas. Você tem
que entender, é claro que estamos no século do
audiovisual, os romancistas do século XIX tiveram que
descrever tudo ...
"Isso não é motivo para deixar você pular metade das
páginas!"
Não vamos nos cansar, ele voltou a adormecer.
dois
Muito mais inconcebível, essa aversão à leitura, se
pertencemos a uma geração, a uma época, a um
médium, a uma família em que a tendência era antes
nos impedir de ler.
-Vamos, pare de ler, você vai perder de vista! - É
melhor você sair e brincar, o tempo está ótimo.
- Apaga a luz! É tarde!
Sim, o tempo sempre estava bom demais para ler e
estava muito escuro à noite.
Notemos que se trata de ler ou não ler, o verbo já
estava conjugado no imperativo. A mesma coisa
aconteceu no passado. Então, ler era um ato subversivo.
Somada à descoberta do romance estava a excitação da
desobediência familiar. Esplendor duplo! Ah, a
lembrança daquelas horas de leitura clandestina sob os
cobertores à luz da lanterna elétrica! Com que rapidez
Ana Karenina galopava em direção ao seu Vronsky a
esta hora da noite! Já era lindo que aqueles dois se
amavam, mas que se amavam contra a proibição da
leitura era ainda mais lindo! Eles se amavam contra a
mamãe e o papai, se amavam contra o dever da
matemática de terminar, contra a "redação" de entregar,
contra a sala a ser ordenada, se amavam em vez de
sentar à mesa, se amavam outro antes da sobremesa,
e como o romance era curto.
3
Sejamos justos: não nos ocorreu imediatamente
impor-lhe a leitura como um dever. No início pensamos
apenas no seu prazer. Seus primeiros anos nos
trouxeram ao estado de graça. O êxtase absoluto diante
dessa nova vida nos deu uma espécie de talento. Por
meio dele, nos tornamos contadores de histórias. Desde
a sua iniciação na língua, contamos histórias para você.
Era uma qualidade que não conhecíamos em nós
mesmos. Seu prazer nos inspirou. Sua felicidade nos
encorajou. Através dele, multiplicamos os personagens,
encadeamos os episódios, inventamos novas armadilhas
... Como o velho Tolkien para seus netos, inventamos
um mundo para ele. Na fronteira do dia e da noite, nos
tornamos seu romancista.
Si no tuvimos ese talento, si le contamos las
historias de los demás, e incluso bastante mal,
buscando nuestras palabras, deformando los nombres
propios, confundiendo los episodios, juntando el
comienzo de un cuento con el final de otro, no tiene
importancia.. . E incluso si no contamos nada en
absoluto, incluso si nos limitamos a leer en voz alta,
éramos su novelista, el narrador único, por quien, todas
las noches, se metía en los pijamas del sueño antes de
fundirse debajo de las sábanas de a noite. Além disso,
éramos o Livro.
Lembre-se dessa intimidade, tão pouco comparável.
Como gostávamos de assustá-lo pelo simples prazer
de confortá-lo! E como aquele susto nos conquistou!
Tão pouco ingênuo, já, e ainda tremendo dos pés à
cabeça. Um verdadeiro leitor, em suma. Era esse o
casal que formamos então, ele o leitor, ai que vigarista,
e nós o livro, ai, que cúmplice!
4
Em suma, ensinamos a ele tudo sobre o livro
quando ele não sabia ler. Nós o abrimos para a infinita
diversidade de coisas imaginárias, nós o iniciamos nas
alegrias da jornada vertical, nós o dotamos de
ubiqüidade, libertamos de Cronos, mergulhamos na
solidão fabulosamente povoada do leitor ... As histórias
que lemos para ele estavam cheios de irmãos, de irmãs,
de parentes, de ideais duplos, esquadrões de anjos da
guarda, coortes de amigos guardiões encarregados de
suas dores, mas que, lutando contra seus próprios
ogros, também encontraram refúgio nas batidas
inquietas de seus corações. Ele havia se tornado seu
anjo recíproco: um leitor. Sem ele, seu mundo não
existia. Sem eles, ele permaneceu preso na sua própria
densidade. Assim, ele descobriu a virtude paradoxal da
leitura, que consiste em nos abstrair do mundo para
encontrar um sentido para ele.
Dessas viagens, ele voltou mudo. Era de manhã e
havia outras coisas a fazer. Verdade seja dita, não
estávamos tentando descobrir o que ele tinha ali. Ele
inocentemente cultivou esse mistério. Era, como se
costuma dizer, o seu universo. Seus relacionamentos
privados com Branca de Neve ou com qualquer um dos
sete anões pertenciam à ordem da intimidade, que exige
sigilo. Muito prazer para o leitor, esse silêncio após a
leitura!
Sim, ensinamos tudo sobre o livro.
Despertamos tremendamente o apetite do seu leitor.
Direto ao ponto, lembre-se, ao ponto em que eu
estava com pressa para aprender a ler!
5
Que pedagogos éramos quando não nos
preocupávamos com a pedagogia!
6
Ainda meia hora até o jantar. Um livro é algo
extraordinariamente compacto. Não está esgotado.
Também parece que arde com grande dificuldade. Nem
mesmo o fogo consegue entrar entre suas páginas. Falta
de oxigênio. Todas as reflexões feitas à margem. e suas
margens são imensas. Um livro é grosso, é compacto, é
denso, é um objeto rombudo. Qual é a diferença entre a
página quarenta e oito e cento e quarenta e oito? A
paisagem é a mesma. Lembre-se dos lábios do
professor ao pronunciar o título. Ouça a pergunta
unânime dos companheiros:
-Quantas páginas?
-Três ou quatrocentos ...
(Mentiroso ...)
-Para quando?
O anúncio da data fatídica desencadeia um
concerto de protestos:
-Quinze dias? Quatrocentas páginas (quinhentas)
em quinze dias! Mas é impossível, senhor!
O senhor não negocia.
Um livro é um objeto contundente e um bloco de
eternidade. É a materialização do tédio. É o livro.
"O livro." Ele nunca nomeia de outra forma em suas
dissertações: o livro, um livro, os livros, alguns
livros.
«No livro Pensamentos, Pascal diz-nos que ...»
Por mais que a professora proteste no vermelho,
lembrando que esse não é o nome correto, que é preciso
falar de um romance, de um ensaio, de uma coleção
de contos, de poemas, que a palavra "livro", por si só,
em sua aptidão para designar tudo, não expressa nada
de concreto, que uma lista telefônica é um livro, assim
como e aí está ele, um adolescente trancado em seu
sala, na frente de um livro que ele não lê.
Todos os seus desejos de estar em outro lugar criam
uma tela glauca entre ele e as páginas abertas que
confundem as linhas. Ele está sentado à janela, a porta
fechada atrás dele. Página 48. Você não ousa contar as
horas gastas esperando por esta página quarenta e oito.
O livro tem exatamente quatrocentos e quarenta e seis.
Ou seja, quinhentos. 5OO páginas! Se eu tivesse
diálogo, entre. De jeito nenhum! Páginas cheias de
linhas comprimidas entre pequenas margens,
parágrafos pretos empilhados e, aqui e ali, o favor de
um diálogo: um roteiro, como um oásis, indicando que
um personagem está falando com outro personagem.
Mas o outro não responde. Segue-se um bloco de doze
páginas! Doze páginas de tinta preta! Você se afoga!
Oh como você se afoga Puta merda, merda! Largue os
tacos. Ele sente isso, mas perde pregos. Puta, foda-se,
livro merda de buceta! Página quarenta e oito ... Se ao
menos ele se lembrasse do conteúdo dos primeiros
quarenta e sete! Você nem mesmo ousa fazer a
pergunta a si mesmo, que, inevitavelmente, será feita a
você. A noite de inverno caiu. Do fundo da casa, as
notícias chegavam até ele.
Nada a fazer, a palavra será imposta novamente à
sua caneta com a seguinte redação:
"Em seu livro Madame Bovary, Flaubert nos diz
que ..."
Porque, do ponto de vista de sua solidão atual, um
livro é um livro. e cada livro pesa o peso de sua
enciclopédia, aquela enciclopédia de capas de papelão,
por exemplo, cujos volumes escorregavam para baixo
de suas nádegas quando ele era criança para ficar na
altura da mesa da família.
E o peso de cada livro é um daqueles que puxam
para trás. Ele se sentou em sua cadeira relativamente
leve um momento atrás: a leveza das decisões tomadas.
Mas, depois de algumas páginas, ele se sentiu invadido
por aquele peso dolorosamente familiar, o peso do
livro, o peso do tédio, o fardo insuportável do esforço
inatingível.
Suas pálpebras anunciam a iminência do naufrágio.
O obstáculo na página 48 abriu um canal abaixo de
sua linha de resoluções.
O livro arrasta
você. Eles viram.
7
Enquanto isso, abaixo, em torno da televisão, o
argumento da televisão corrupta ganha seguidores:
- A estupidez, a vulgaridade, a violência dos
programas ... É incrível! Você não pode mais conectar
a TV sem assistir ...
- Desenhos japoneses ... Você já viu desenhos
animados japoneses?
-Não é só uma questão de programa ... É a própria
TV ... aquela facilidade ... aquela passividade do
telespectador ...
-Sim, você liga, você se senta ...
- Você zap ...
- Essa dispersão. "
-Pelo menos permite evitar os anúncios.
- Nem mesmo isso. Eles sincronizaram os programas.
Você deixa um anúncio para cair em outro.
-Às vezes na mesma!
Silêncio repentino: descoberta abrupta de um daqueles
territórios "consensuais" iluminados pelo fulgor
deslumbrante de nossa lucidez adulta.
Então alguém, em voz baixa:
-Ler, claro, é outra coisa, ler é uma atuação!
- O que você acabou de dizer é muito bom, ler é um
ato, "o ato de ler", é muito verdade ...
-Enquanto a televisão, e até o cinema se pararmos
para pensar ..., no filme tudo é dado, nada se conquista,
tudo se mastiga, a imagem, o som, os cenários, a
música de fundo no caso de o a intenção do diretor não
foi compreendida ...
- A porta que range para indicar que é hora de
morrer de medo ...
-Na leitura você tem que imaginar tudo isso ... Ler é
um ato de criação permanente.
Novo silêncio.
(Entre "criadores permanentes", desta
vez.) Então:
- O que me surpreende é o número médio de horas que
uma criança passa na frente da televisão em
comparação com as horas de linguagem na escola. Eu li
algumas estatísticas sobre isso.
"Deve ser assustador!"
- Um para cada seis ou sete. Sem contar as horas que
passa no cinema. Uma criança (não estou me referindo
à nossa) passa em média (média mínima) duas horas
por dia em frente à TV e de oito a dez no final de
semana. Isso é um total de trinta e seis horas para
cinco horas de idioma por semana.
- Obviamente, a escola não funciona. Terceiro
silêncio.
O dos abismos insondáveis.
8
Em suma, muitas coisas poderiam ser ditas para
medir a distância entre ele e o livro.
Dissemos todos eles.
Que a televisão, por exemplo, não é a única culpada.
Que as décadas que se passaram entre a geração de
nossos filhos e nossa própria juventude como leitores
tiveram o efeito de séculos.
Portanto, embora nos sintamos psicologicamente
mais próximos de nossos filhos do que nossos pais
estavam de nós, ainda estamos, intelectualmente
falando, mais próximos de nossos pais.
(Aqui, polêmica, discussão, esclarecimento do
advérbios "Psicologicamente" e
"Intelectualmente." Reforço de um novo advérbio):
- Efetivamente mais perto, se preferir.
- De fato?
- Eu não disse efetivamente, eu disse afetivamente.
- Em outras palavras, estamos emocionalmente mais
próximos de nossos filhos, mas na verdade mais
próximos de nossos pais, não é?
- É um «fato social». Um acúmulo de
"Fatos sociais" que poderiam ser resumidos em que
nossos filhos também são filhos e filhas de seu tempo,
enquanto éramos filhos únicos de nossos pais.
-...?
-Claro que sim! Como adolescentes, não éramos os
clientes
de nossa sociedade. Comercial e culturalmente falando,
era uma sociedade adulta. Roupas comuns, pratos
comuns, cultura comum, o irmão mais novo herdava os
trajes do mais velho, comíamos o mesmo cardápio, nos
mesmos horários, na mesma mesa, fazíamos os
mesmos passeios aos domingos, a televisão unia a
família em um único e mesmo corrente (muito melhor,
aliás, que todas as de hoje), e, em termos de leitura, a
única preocupação de nossos pais era colocar certos
títulos em estantes inacessíveis.
- Quanto à geração anterior, a dos nossos avós,
proibia pura e simplesmente as meninas de ler.
-É certo! Principalmente o dos romances: dê
imaginação, a louca da casa ». Isso é ruim para o
casamento ...
-Até hoje ... os adolescentes são clientes plenos de
uma sociedade que os veste, os distrai, os alimenta, os
cultiva; onde os macdonalds, hambúrgueres e butiques
da moda florescem. Íamos aos guateques, eles às
discotecas, líamos um livro, rodeavam-se de cassetes ...
Gostávamos de comungar sob os auspícios dos Beatles,
eles se fechavam no autismo do walkman ... Pode até
ver aquela coisa incrível de bairros inteiros confiscados
por adolescentes, gigantescos territórios urbanos
entregues às suas andanças.
_Aqui, evocação do Beaubourg.1

1
Beaubourg: em sentido estrito o Centre National Pompidou e, em
sentido lato, o bairro que o acolhe; o RER: linha de metrô que liga o
centro à periferia; e Les Halles: antigo Mercado Central de Paris, o
Beaubourg ...
La Barbarie-Beaubourg ...
Beaubourg, a visão formigante, Beaubourg-a
vagabundagem-a droga-a violência ... Beaubourg e a
ferida RER ... o buraco de Les HallesP
-Onde as hordas de analfabetos surgem ao pé da
maior biblioteca pública da França!
Novo silêncio ... um dos mais bonitos: o da
"Anjo paradoxal."
- Seus filhos frequentam o Beaubourg?
- Rara vez. Felizmente vivemos nos Quinze. Silêncio
silêncio ...
- De qualquer forma, eles não lêem mais.
-Não.
- Muito procurado por outras coisas.
-Sim.

nome anterior do bairro. (N. de T.)


9
E quando não é o processo da televisão ou do
consumo normal, é o da invasão eletrônica; e quando
não é culpa dos brinquedos hipnóticos, é da escola: a
aberrante aprendizagem da leitura, o anacronismo dos
programas, a incompetência dos professores, a
antiguidade das instalações, a falta de bibliotecas.
O que mais está faltando?
Ah sim, o orçamento do Ministério da Cultura ... uma
ninharia! E a parte infinitesimal reservada para o
"Livro" nesta dotação microscópica.
Como você espera que, nessas condições, meu
filho, minha filha, nossos filhos, jovens, leitura?
-Além disso, os franceses lêem cada vez menos ...
- É verdade.
10
É assim que se desenrolam nossas conversas, a
vitória perpétua da linguagem sobre a opacidade das
coisas, silêncios luminosos que expressam mais do que
são. Vigilantes e informados, não somos vítimas de
nosso tempo. O mundo inteiro está naquilo que
dizemos ... e inteiramente iluminado pelo que
silenciamos. Estamos lúcidos. Em vez disso, possuímos
a paixão da lucidez.
De onde, então, vem essa vaga tristeza pós-
conversa? Esse silêncio da meia-noite, na casa que se
torna dona de si mesma? É apenas a perspectiva de
louça para lavar? Vejamos ... A poucas centenas de
metros daqui -luz de trânsito-, nossos amigos estão
presos no mesmo silêncio que, depois da embriaguez
da lucidez, apodera-se dos casais, a caminho de casa,
em seus carros imobilizados. É como um gosto residual
de ressaca, o fim de uma anestesia, uma lenta
recuperação da consciência, o retorno a si mesmo e a
sensação vagamente dolorosa de não nos
reconhecermos no que dissemos. Nós não estávamos lá.
Havia todo o resto, sim, os argumentos estavam
corretos - e dessa perspectiva estávamos certos - mas
não éramos. Sem a menor dúvida, mais uma noite
sacrificada à prática anestesiante da lucidez.
É assim que ... você pensa que volta para casa, e
volta, na verdade, para você mesmo.
O que dizíamos há pouco, em volta da mesa, era o
contrário do que nos diziam. Estávamos falando sobre a
necessidade de ler, mas
estávamos lá em cima, no quarto dele, perto dele, que
não lê. Enumeramos as boas razões que o tempo
oferece para não gostarmos da leitura, mas procuramos
salvar o livro-parede que dela nos separa. Falamos
sobre o livro quando apenas pensamos nele.
Ele, que não melhorou descendo à mesa no último
segundo, sentando-se sem uma palavra de desculpas
seu peso adolescente, não fazendo o menor esforço
para participar da conversa, e que finalmente se
levantou sem esperar o sobremesa:
-Desculpe, eu tenho que ler!
onze
A intimidade perdida ...
Visto agora neste início de insônia, aquele ritual de
leitura, todas as noites, ao pé de sua cama, quando ele
era pequeno - tempo fixo e gestos imutáveis - parecia
um pouco uma prece. Aquele armistício que se seguiu
ao alarido do dia, aquele reencontro independentemente
de qualquer contingência, aquele momento de silêncio
reunido antes das primeiras palavras da história, a
nossa voz afinal semelhante a si mesma, a liturgia dos
episódios ... Sim, o A história lida todas as noites
cumpria a mais bela função da oração, a mais
desinteressada, a menos especulativa e que só atinge os
homens: o perdão das ofensas. Lá nenhum pecado foi
confessado, nem se buscou alcançar um pedaço de
eternidade, foi um momento de comunhão entre nós, a
absolvição do texto, um retorno ao único paraíso que
vale a pena: a intimidade. Sem saber,
O amor adquiriu uma nova pele ali. Foi grátis.
12
Gratuito. É assim que ele entendeu. Um presente.
Um momento fora dos momentos. Incondicional. A
história noturna o livrou do peso do dia. Ele soltou suas
amarras. Ele partia com o vento, imensamente aliviado,
e o vento era a nossa voz.
Quanto ao preço da viagem, nada foi pedido a ele,
nem um centavo, a menor indenização não foi exigida
dele. Não foi nem um prêmio. (Hah, os prêmios ... os
prêmios tinham que ser conquistados!) Aqui, tudo
aconteceu na terra da gratuidade.
Gratuidade, que é a única moeda da arte.
13
O que aconteceu, então, entre aquela intimidade de
então e ele agora, encalhado contra um penhasco de
livro, enquanto tentamos entendê-lo (isto é, nos
acalmamos) acusando o século e sua televisão que
talvez tenhamos esquecido de desligar ?
É culpa da TV?
O século 20 é muito "visual"? O XIX muito descritivo?
E por que não o 18º muito racional, o 17º muito
clássico, o 16º muito renascentista, Pushkin muito
russo e Sófocles muito morto? Como se a relação entre
o homem e o livro demorasse séculos para se espalhar.
Alguns anos são suficientes. Algumas
semanas. A hora de um mal-entendido.
Na altura em que, aos pés da sua cama, evocávamos o
vestido vermelho do Chapeuzinho Vermelho, e, nos
mínimos detalhes, o conteúdo do seu cesto, sem
esquecer as profundezas do bosque, os ouvidos da avó
tão estranhamente peludo De repente, a cavilha e a
fechadura, não me lembro de que nossas descrições
pareciam muito longas.
Não que séculos tenham se passado desde então. Já
passaram os momentos que se chamam de vida, aos
quais é conferido um aspecto de eternidade por força de
princípios intangíveis: "Você tem que ler".
14
Nisto, como em outras coisas, a vida se manifestou
pela erosão de nosso prazer. Um ano de histórias de
cabeceira, sim. Dois anos, ok. Três, se não houver outra
escolha. Eles somam mil e noventa e cinco histórias, ao
ritmo de uma por noite. 1.095, são histórias! E se fosse
apenas o quarto de hora da história ... mas há aquela
que a precede. O que eu vou te dizer esta noite? O que
vou ler para ele?
Conhecemos a angústia da inspiração.
No começo, isso nos ajudou. O que seu arrebatamento
exigiu de nós não foi uma história, mas a própria
história.
-Outra vez! Thumbelina de novo! Mas, querida, não
é só Thumbelina, nossa, ele é ...
Thumbelina, nada mais.
Quem poderia imaginar que um dia teríamos
saudades da época feliz em que sua floresta era
povoada exclusivamente por Thumbelina? Não
demorou muito para que amaldiçoássemos ter ensinado
a ele a diversidade e lhe oferecemos a escolha.
"Não, você já me disse isso!"
Sem se tornar uma obsessão, o problema da escolha
tornou-se um enigma. Com breves resoluções: vá aos
sábados numa livraria especializada e consulte a
literatura infantil. No sábado de manhã deixamos para
o sábado seguinte. O que ainda era uma expectativa
sagrada para ele havia entrado no campo das
preocupações domésticas para nós. Menor
preocupação, mas que se soma às outras, de dimensões
mais respeitáveis. Menor ou
não, uma preocupação herdada de um prazer é algo a
ser observado de perto. Nós não.
Vivemos momentos de rebelião.
-Porque eu? Porque não você Desculpe, esta noite é
você quem conta a história!
- Você sabe que eu não tenho imaginação ...
Assim que a ocasião se apresentou, delegamos outra
voz para ficar ao seu lado, prima, prima, babá, tia de
passagem, uma voz até então virgem, que ainda gostava
de fazer exercícios, mas logo se desencantou com os
amigos. público.
-Não é assim que você responde a sua avó!
Também fizemos armadilhas vergonhosas. Mais de
uma vez, tentamos converter o preço que ele deu à
história em moeda de troca.
-Se continuar assim, esta noite não vou te contar a
história! Ameaça que raramente executamos. Gritar ou
deixá-lo sem sobremesa não importava. Mandá-lo para
a cama sem contar sua história era mergulhar seu dia
em uma noite muito negra. E era abandoná-lo sem tê-lo
reencontrado. Castigo insuportável, tanto para ele como
para nós.
O fato é que viemos lançar esta ameaça ... bem,
algum dia ... a expressão soterrada de cansaço, a
tentação mal confessada de usar aquele quarto de hora
uma vez em outra coisa, outra emergência doméstica,
ou em ter um momento de silêncio, mente ... em uma
leitura para si mesmo.
O narrador, dentro de nós, não estava disposto a
desistir da tocha.
quinze
A escola chegou muito na hora. Ele
pegou o futuro em suas mãos.
Leia, escreva, conte ...
No início, ele entregou com entusiasmo genuíno.
Que lindo que todos aqueles paus, aquelas curvas,
aqueles círculos e aquelas pequenas pontes, reunidos,
letras! E essas letras juntas, sílaba:. e aquelas sílabas,
uma após a outra, palavras, não saíram de seu espanto.
E que algumas dessas palavras eram tão familiares para
ele, era mágico!
Mãe, por exemplo, mãe, três pequenas pontes, uma
rodada, uma curva, três outras pequenas pontes, uma
segunda rodada, outra curva, resultado: mãe. Como se
recuperar dessa maravilha?
Você tem que tentar imaginar isso. Ele se levantou
cedo. Saiu, acompanhado justamente pela mãe, debaixo
de uma garoa de outono (sim, uma garoa de outono e
uma luz de aquário abandonada, não descuidemos da
dramatização atmosférica), foi para a escola
completamente rodeado pelo calor da sua cama, e gosto
residual de chocolate na boca, apertando com força
aquela mão que fica acima da cabeça, andando rápido,
rápido, dois passos quando a mãe só dá um, a bolsa
balançando nas costas, e a porta da escola, o beijo
apressado, o pátio de concreto e seus castanheiros
negros, os primeiros decibéis ... ela se amontoou
embaixo do galpão ou imediatamente começou a
dançar, dependendo, depois todo mundo tinha
Encontrou sentado atrás das mesas liliputianas,
imobilidade e silêncio, todos os movimentos do corpo
forçados a domar o único movimento da caneta naquele
corredor de teto baixo: a linha! Língua para fora, dedos
dormentes e punho cerrado ... pequenas pontes, paus,
curvas, arredondamentos e pequenas pontes ... agora
está a cem léguas da mamãe, atolado naquela estranha
solidão chamada esforço, rodeado por todas aquelas
outras solidões. com a língua de fora ... e aqui está o
encontro das primeiras letras ..., versos de «a» ...,
versos de «m» ..., versos de
"T" ... (não confortável o "t", com aquele travessão,
mas bobo em comparação com a dupla revolução do
"f", com a incrível bagunça que sai da curva do
«K» ...), todas as dificuldades, no entanto, vão-se
superando passo a passo ..., a tal ponto que,
magnetizadas umas pelas outras, as letras acabam por
se juntar em sílabas ..., versos de «Ma» .. ., linhas de
«pa» ..., e as sílabas por sua vez ...
Enfim, um bom dia, ou uma tarde, ainda com o
zumbido do barulho da cantina nos ouvidos, ele assiste
ao surgimento silencioso da palavra no lençol branco,
ali, à sua frente: mãe.
Ele já tinha visto na lousa, claro, já tinha
reconhecido várias vezes, mas ali, sob seus olhos,
escrito com os próprios dedos ...
Em uma voz incerta no início, ela balbucia as duas
sílabas separadamente: "Ma-ma."
e de repente:
-Mamãe!
Este grito de alegria celebra o culminar do mais
gigantesca jornada intelectual imaginável, uma espécie
de primeiro passo na lua, a passagem da mais total
arbitrariedade gráfica à significação mais carregada de
emoção! Está escrito ali, na frente de seus olhos, mas é
algo que sai dele! Não é uma combinação de sílabas,
não é uma palavra, não é um conceito, não é uma mãe,
é sua mãe, uma transmutação mágica, infinitamente
mais expressiva que a mais fiel das fotografias, apenas
com rodadas, porém , com pequenas pontes ..., mas
que, de repente - e para sempre! - eles deixaram de ser
isso, de ser nada, de se tornarem aquela presença,
aquela voz, aquele perfume, aquela mão, aquele colo,
aquela infinidade de detalhes, aquele todo, tão
intimamente absoluto, e tão completamente alheio ao
que ali se desenha, nos trilhos da página, entre as
quatro paredes da sala de aula ...
A pedra filosofal.
Nem mais nem
menos.
Você acabou de descobrir a pedra filosofal.
16
Ninguém está curado dessa metamorfose. Ninguém
sai ileso dessa jornada. Por mais inibida que seja,
qualquer leitura é dominada pelo prazer da leitura; e,
pela sua própria natureza - o gozo deste alquimista - o
prazer da leitura não teme a imagem, nem mesmo a
televisão, mesmo quando esta chega em forma de
avalanche diária.
Mas se o prazer de ler se perdeu (sim, como dizem,
meu filho, minha filha, os jovens não gostam de ler),
não é muito longe.
Simplesmente se
perdeu. É fácil
recuperar.
Claro, você tem que saber quais caminhos está
procurando e, para fazer isso, relacionar algumas
verdades que não têm relação com os efeitos da
modernidade na juventude. Algumas verdades que só
se referem a nós ... A nós, que afirmamos que
“gostamos de ler” e que pretendemos partilhar este
amor.
17
Assim, sob o efeito do clarão, ele volta da escola,
bastante orgulhoso de si mesmo, até bastante feliz.
Mostre suas manchas de tinta como se fossem
decorações. As teias de aranha da caneta de quatro
cores são para ele um ornamento de orgulho.
Uma felicidade que continua a compensar as
primeiras torturas da vida escolar: dias absurdos,
exigências do professor, comoção na cantina, primeiros
distúrbios emocionais ...
Ele chega, abre a carteira, expõe suas façanhas,
reproduz as palavras sagradas (e se não for "mãe", será
"papai", ou "doce, ou" gato ", ou o nome dele ...).
Na cidade, torna-se o dobrador incansável da
grande epístola publicitária ... RENAULT,
SAMARITAINE, VOLVIC, CAMARGUE, the
palavras caem do céu, suas sílabas coloridas explodem
em sua boca. Nem uma única marca de detergente pode
resistir à sua paixão:
- «La-va-mas-blan-co», o que quer dizer
"Cal"?
Porque chegou a hora das questões essenciais.
18
Ficamos cegos por esse entusiasmo? Será que
pensamos que apenas gostar de palavras era o
suficiente para uma criança dominar os livros? Será que
pensamos que aprender a ler nos era dado, como a
marcha vertical ou a linguagem ..., mais um privilégio
da espécie, enfim? Em qualquer caso, é a hora que
escolhemos para terminar nossas leituras noturnas.
A escola o ensinou a ler, ele era apaixonado por
isso, foi uma virada na vida dele, uma nova autonomia,
outra versão do primeiro passo, isso é o que a gente
contava, muito confuso, sem falar pra gente mesmo,
então " natural "parecia-nos o evento, uma etapa como
a outra em uma evolução biológica suave.
Já estava "mais velho", já sabia ler sozinho,
caminhar sozinho no território dos signos ...
e finalmente devolvemos nosso quarto de hora de
liberdade.
Seu novo orgulho não contribuiu muito para nos
contradizer. Ele se arrastava para a cama, o BABAR
totalmente aberto sobre os joelhos, uma ruga de
concentração feroz entre os olhos: ele estava lendo.
Tranquilizados por essa pantomima, saímos de seu
quarto sem entender -ou sem querer confessar- que o
que uma criança começa aprendendo não é a ação, mas
o gesto da ação, e que, embora possa ajudá-la a
aprender, essa ostentação visa fundamentalmente para
tranquilizá-lo, agradando-nos.
19
Isso não significa que nos tornamos pais indignos.
Não o abandonamos na escola. Pelo contrário, estamos
monitorando de perto seu progresso. A professora
considerou-nos pais atentos, presentes em todas as
reuniões, "abertos ao diálogo".
Ajudamos o aprendiz a fazer o dever de casa. E
quando ele deu os primeiros sinais de cansaço da
leitura, insistimos bravamente que ele lesse sua página
diária em voz alta e entendesse seu significado.
Nem sempre é fácil.
Uma entrega de cada sílaba.
O sentido da palavra se perde no próprio esforço de
sua composição.
O significado da frase atomizado pelo número de
palavras.
Voltar.
Repetir.
Incansavelmente.
-Vamos ver, o que você acabou de ler agora? Oque quer
dizer?
E isso, na pior hora do dia. Tanto no retorno da
escola quanto no retorno do trabalho.
Em outras palavras, no auge do cansaço, ou no vazio de
nossas forças.
-Você não faz nenhum esforço!
Nervosismo, gritos, renúncias espetaculares, portas
batendo ou teimosia:
-Repetir tudo, repetir tudo desde o início! Y
ele repetiu, desde o início, distorcendo cada palavra
com o tremor de seus lábios.
-Não seja uma farsa!
Mas essa infelicidade não estava tentando nos
enganar. Foi uma infelicidade real e incontrolável que
nos expressou a dor, precisamente, de não podermos
controlar nada, de não cumprirmos o papel a nosso
contento, e que se alimentava muito mais da fonte de
nossa inquietação do que das manifestações de nossa
impaciência.
Porque estávamos inquietos.
Com uma preocupação que não demorou muito em
compará-lo com outros meninos de sua idade e
questionar outros amigos cuja filha, não, não, ia muito
bem na escola, e devorava livros, sim.
Ele era surdo? Disléxico, talvez? Você seria uma
estrela em um
"fracasso escolar"? Você acumularia um atraso
irrecuperável?
Consultas diversas: audiograma mais normal.
Diagnósticos tranquilizadores de ortofonistas.
Psicólogos serenidade ...
Então que?
Vago?
Apenas preguiçoso?
Não, ele ia no seu próprio ritmo, só isso, e não é
necessariamente o de outra pessoa, e não é
necessariamente o ritmo uniforme de uma vida, o seu
ritmo de aprender a ler, que conhece as suas
acelerações e súbitas regressões, o seu períodos de
bulimia e seus longos cochilos digestivos, sua sede de
progresso e seu medo da decepção ...
Só que nós, "pedagogos", somos ávidos usurários.
Detentores do conhecimento, nós o emprestamos a
juros. Tem que funcionar. E rápido! Porque senão,
duvidamos de nós mesmos.
vinte
Si, como se dice, mi hijo, mi hija, los jóvenes no
aman la lectura -y el verbo es exacto, porque se trata de
una herida de amor-, no hay que acusar a la televisión,
ni a la modernidad, ni a a escola. Ou tudo isso, se
quiser, mas só depois de nos colocarmos uma questão
fundamental: o que pensamos do leitor ideal que existia
na época em que interpretávamos o papel do narrador e
do livro ao mesmo tempo?
Grande traição!
Formamos, ele, a história e nós, uma Trindade a cada
noite reconciliada; agora ele está sozinho, diante de um
livro hostil.
A leveza de nossas frases o libertou do peso; o
formigamento indecifrável das letras afoga até suas
tentações de dormir.
Começamos você na jornada vertical; ele foi
esmagado pelo estupor do esforço.
Nós o dotamos de onipresença; agora ele está preso
em seu quarto, em sua classe, em seu livro, em uma
linha, em uma palavra.
Onde estão, então, todos aqueles personagens
mágicos, aqueles irmãos, essas irmãs, aqueles reis,
aquelas rainhas, aqueles heróis escondidos, tão
perseguidos por tantos malfeitores, e que o aliviaram de
sua preocupação consigo mesmo, chamando-o em seu
auxílio? Eles poderiam ter algo a ver com aquelas
marcas de tinta brutalmente esmagadas chamadas
letras? É possível que esses semideuses tenham sido
desintegrados a esse ponto, reduzidos a
que: tipos de impressoras? O livro se transformou nesse
objeto? Metamorfose curiosa! O oposto de magia. Seus
heróis e ele sufocados juntos na espessura silenciosa do
livro!
E não é a menor das metamorfoses que essa
teimosia de mamãe e papai em amar, como a
professora, liberta esse sonho aprisionado.
-Vamos, o que aconteceu com o príncipe, hein?
Estou esperando!
Aqueles pais que nunca, nunca, quando liam um
livro para ele, se preocupavam em saber se ele havia
entendido que Bella dormia na floresta porque se picou
com a roda de fiar, e Branca de Neve porque havia
mordido a maçã. (Além disso, nas primeiras vezes ele
não tinha entendido nada. Havia tantas maravilhas
nessas histórias, tantas palavras bonitas e tanta emoção!
Ele se esforçou ao máximo na espera de sua passagem
favorita, que ele mesmo recitaria dentro de si quando
chegasse a hora. Depois vieram os outros, mais
sombrios, onde todos os mistérios se enredavam, mas
aos poucos foi entendendo tudo, absolutamente tudo, e
sabia perfeitamente que se Bela dormia, era por causa
do roda giratória e Branca de Neve por causa da maçã
...)
-Eu repito a pergunta: o que aconteceu com o
príncipe quando seu pai o expulsou do castelo?
Nós insistimos, nós insistimos. Meu Deus, não é
concebível que esse menino não tenha entendido o
conteúdo dessas quinze linhas! Quinze linhas não são a
travessia do deserto!
Éramos seu contador de histórias, nos tornamos
seu contador.
-Bem, sem televisão agora!
Uau, sim ...!
Sim ... A televisão elevada à dignidade de
recompensa ... e, como corolário, a leitura rebaixada ao
papel de dever de casa ... Essa ideia é nossa ...
vinte e um
«Ler é o flagelo da infância e praticamente a única
ocupação que sabemos dar. (...) A criança não sente
muita curiosidade em aperfeiçoar um instrumento com
o qual se atormenta; mas faça com que esse
instrumento sirva ao prazer dele e não demorará muito
para se aplicar a ele, apesar de você.
Encontrar os melhores métodos para ensinar a ler
torna-se uma grande preocupação, inventam-se
secretárias, cartão, o quarto da criança torna-se uma
prensa (...) Que pena! Um meio mais seguro do que
todos estes, e sempre esquecido, é o desejo de aprender.
Dê esse desejo para a criança e depois deixe a carteira
para ele (...); qualquer método parecerá bom para você.
O presente interesse; esse é o grande motivo, o
único que nos leva longe com segurança.
(...)
Acrescentarei uma única frase que é uma máxima
importante: o que normalmente se consegue com
grande segurança e pressa não tem pressa. ”

Ok, ok, Rousseau não devia ter voz no assunto, ele, que
jogou os filhos junto com a água da banheira da
família! (Canto idiota ...)
Não importa ..., ele intervém para nos lembrar que o
A obsessão adulta por "saber ler" não data de ontem ...
nem a idiotice das invenções pedagógicas feitas contra
o desejo de aprender.
e além disso (oh, a risada zombeteira do anjo
paradoxal!) acontece que um mau pai possui excelentes
princípios educacionais e um execrável bom pedagogo.
Assim é a vida.
Mas se Rousseau não está apresentável, o que
pensar de Valéry (Paul) - que nada tinha a ver com
Assistência Pública - ao dirigir o discurso mais
edificante e respeitoso possível às jovens da austera
instituição escolar Légion d'honneur. vai ao essencial
do que pode ser dito em matéria de amor, de amor ao
livro:

«Senhoras, não é na forma de vocabulário e sintaxe


que a Literatura começa a seduzir-nos. Basta lembrar
como as cartas entram em nossa vida. Na mais tenra
idade, assim que deixamos de cantar a canção que faz
o recém-nascido sorrir e adormecer, começa a era das
histórias. A criança bebe enquanto bebia seu leite.
Exige continuação e repetição de maravilhas; É um
público excelente e implacável. Só Deus sabe quantas
horas desperdicei alimentando bruxos, monstros,
piratas e fadas para os pequeninos que gritavam:Mais!
para seu pai exausto. "
22
"É um público excelente e implacável."
Ele é, a princípio, o bom leitor que permaneceria se os
adultos ao seu redor alimentassem seu entusiasmo em
vez de testar sua competência, se estimulassem seu
desejo de aprender em vez de impor-lhe o dever de
recitar, se o acompanhassem em sua vida. . esforço sem
se contentar em esperar por ele na esquina, se
concordassem em perder as noites em vez de tentar
ganhar tempo, se fizessem o presente vibrar sem
brandir a ameaça do futuro, se se recusassem a
transformar o que era um prazer em árdua tarefa se
nutrissem esse prazer até que se transmutasse em dever,
se sustentassem esse dever na gratuidade de qualquer
aprendizado cultural e recuperassem eles próprios o
prazer dessa gratuidade.
2,3
Agora esse prazer está muito próximo. É fácil
recuperar. Basta não deixar os anos passarem. Basta
esperar o anoitecer, abrir novamente a porta do quarto,
sentar-se à cabeceira da cama e retomar nossa leitura
comum.
Leitura.
Em voz alta. Grátis. Suas
histórias favoritas.
O que acontece então merece uma descrição. Para
começar, não acredite no que está ouvindo. O gato
escaldado dos contos foge! Com o cobertor puxado até
o queixo, fique alerta; espere pela armadilha:
- Bem, o que eu acabei de ler? Você entendeu?
Mas eis que não fazemos essas perguntas. Nem
qualquer. Acabamos de ler. Livre. Ele vai relaxando
aos poucos. (Nós também.) Lentamente, ele recupera a
concentração sonhadora que era seu rosto à noite. e
acaba nos reconhecendo. Por nossa voz recomposta.
É possível que, sob o choque, adormeça já nos
primeiros minutos ..., o alívio.
Na noite seguinte, reuniões idênticas. E a mesma
leitura, provavelmente. Sim, é possível que exija de nós
a mesma história, para provar que o dia anterior não foi
um sonho, e que nos faz as mesmas perguntas, nos
mesmos lugares, apenas pela alegria de nos ouvir dar-
lhe as mesmas. respostas. A repetição é reconfortante.
É prova de intimidade. É a sua própria respiração. Você
precisa recuperar o fôlego:
-Mais!
"Mais, mais ..." significa aproximadamente:
"Temos que nos amar muito, você e eu, para nos
contentarmos com esta única história, infinitamente
repetida!" Reler não é se repetir, é oferecer uma prova
sempre nova de um amor infatigável.
Então, nós relemos.
Sua jornada está atrás de você. Estamos aqui,
finalmente juntos, finalmente em outro lugar. Ele
recuperou o mistério da Trindade: ele, o texto e nós (na
ordem que você quiser, pois toda a felicidade vem
precisamente de nosso fracasso em ordenar os
elementos dessa fusão!).
Até que o último prazer do leitor seja permitido,
que é se cansar do texto, e nos pedir para passar para
outro.
Quantas noites perdemos abrindo assim as portas do
imaginário? Alguns, não muitos mais. Bem, mais
alguns, vamos enfrentá-lo. Mas o resultado valeu a
pena. Agora está aberto a todas as histórias possíveis
novamente.
Enquanto isso, a escola continua ensinando. Se você
não está progredindo em tagarelice sobre as leituras da
escola, não vamos entrar em pânico, o tempo corre a
nosso favor a partir do momento em que desistimos de
ganhá-lo para você.
O progresso, o famoso "progresso", se manifestará
em outro terreno, em um momento inesperado.
Uma noite, porque teremos pulado uma linha,
vamos ouvi-lo gritar:
-Você comeu um pedaço!
-Perdão?
-Você pulou, você comeu um pedaço!
-Não, eu te garanto ...
-Dê para mim!
Ele arrancará o livro de nossas mãos e, com um dedo
vitorioso, designará a linha devorada. Que ele vai ler
em voz alta.
É o primeiro sinal.
Os outros o seguirão. Ele terá o hábito de
interromper nossa leitura:
-Como se soletra isso?
-O que?
-Prehistórico.
-PREIS ..
-Deixe-me ver!
Não tenhamos esperanças, esta curiosidade abrupta tem
a ver com a sua muito recente vocação de alquimista, é
verdade, mas sobretudo com a sua vontade de
prolongar a noite.
(Vamos prolongar, vamos prolongar
...) Outra noite, ele vai decidir:
-Eu li com você!
Com a cabeça acima do nosso ombro, seus olhos
seguirão as linhas que lemos para ele por um
momento.

O bem:
-Eu começo!
e vai lançar no ataque do primeiro parágrafo.
Leitura cara, certo, ofegante, certo ... Deixa pra lá, paz
recuperada, leia sem medo. E ele vai ler cada vez
melhor, cada vez mais ansioso.
-Eu li esta noite!
Obviamente, o mesmo parágrafo - virtudes de repetição
-, depois outro, sua "peça favorita", e depois textos
inteiros. Textos que você sabe quase de cor, que
reconhece mais do que lê, mas em todo caso lê com a
alegria de reconhecê-los. Não está longe o momento
em que iremos surpreendê-lo, em um momento ou
outro do dia, com Contos do Gato no Telhado de
joelhos, e pintando os animais da fazenda com
Delphine e Marinette.
Há alguns meses, ele não conseguiu superar o
espanto ao reconhecer a "mãe"; Hoje, é toda uma
história que emerge da chuva de palavras. Ele se tornou
o herói de suas leituras, aquele a quem o autor havia
delegado desde a eternidade para libertar os
personagens presos na trama do texto para que eles
próprios o afastassem das contingências do dia. Nós
vamos. Ganhamos.
E se quisermos experimentá-lo pela última vez,
bastará adormecermos enquanto ele lê para nós.
24
"Jamais faremos um menino entender que, à noite,
está imerso em uma história cativante, jamais o
faremos entender por uma demonstração limitada a si
mesmo de que deve interromper a leitura e ir para a
cama."

É Kafka quem diz isso em seu diário, o pequeno


Franz, cujo pai teria preferido que ele passasse todas as
noites de sua vida fazendo números.
II. Você tem que ler (o dogma)
25
Siga o problema do homem mais velho escada
acima em seu quarto.
Ele também precisaria se reconciliar com "os
livros"!
Casa vazia, pais na cama, televisão desligada, ele
ainda está sozinho ... na frente da página 48 e do
"cartão de leitura" que sai amanhã ...
Manhã...
Cálculo mental breve:
446 - 48 = 398.
Trezentas e noventa e oito páginas para engolir em
uma noite!
Ele se entrega bravamente. Uma página empurra a
outra. As palavras do "livro" dançam entre os fones de
ouvido de seu walkman. Mirthless. As palavras têm pés
de chumbo. Eles caem um após o outro, como cavalos
no topo. Nem mesmo o solo de bateria pode trazê-los
de volta à vida. (Um bom baterista, porém, Kendall!)
Ele continua sua leitura sem se virar para olhar os
cadáveres de palavras. As palavras perderam o sentido,
descanse suas letras em paz. Esta hecatombe não o
assusta. Leia como quem avança. O dever o empurra.
Página 62, página 63.
Leitura.
O que leu?
A história de Emma Bovary.
A história de uma jovem que leu muito:

"Emma tinha lido Pablo e Virginia e tiveram


sonhava com a casa de bambu, com o Domingo negro,
com o cachorro Fiel, mas acima de tudo com a doce
amizade de um irmãozinho, que subia para procurar
seus frutos vermelhos nas grandes árvores, mais altas
que os campanários,ou correr descalço pela areia,
trazendo para ele um ninho de pássaros. "

O melhor é ligar para Thierry, ou Stéphanie, para


que amanhã de manhã dêem a ele seu cartão de leitura,
e ele o copie em um instante, antes de entrar na aula,
dito e feito, eles devem a eles mais do que o suficiente.

“Quando ela tinha treze anos, seu pai a levou à


cidade para colocá-la em um internato. Eles se
hospedaram em uma pousada no bairro de Saint
Gervais, onde colocaram pratos pintados para o jantar
com a história de Mademoiselle de La Valliere. lendas
explicativas, recortadas aqui e ali pelos arranhões de
facas, toda religião glorificada, as delícias do coração
e a pompa da Corte ”.

A fórmula: "Colocam pratos pintados para o jantar ...»


o faz sorrir de cansaço: ... Eles te deram alguns pratos
vazios para o jantar? Fizeram estragar a história
daquele La Valliere? " Ele os entrega prontos. Ele
pensa que não está lendo. Erro, sua ironia acertou em
cheio. Porque seus infortúnios simétricos vêm daí:
Emma é capaz de ver seu prato como um livro, e ele
seu livro como um placa.
26
Enquanto isso, no instituto (como dizem os
quadrinhos belgas de sua geração em itálico), os pais:
-Sabe, meu filho ... minha filha ... os livros ...
O professor de línguas compreendeu: o aluno em
questão “não gosta de ler”.
- e o mais estranho é que quando criança ele lia
muito ... ele até devorava né, querida, o que você pode
dizer que ele devorava?
Querida opina: devorada.
- É preciso dizer que o banimos da televisão! (Outra
versão possível: a proibição absoluta da TV. Resolva o
problema suprimindo sua afirmação, um conhecido
truque pedagógico!)
- É verdade, sem televisão durante o ano letivo,
É um princípio que nunca abrimos mão!
Sem televisão, mas piano das cinco às seis, violão
das seis às sete, dança na quarta-feira, judô, tênis,
esgrima no sábado, esqui cross-country desde os
primeiros flocos, curso de vela desde os primeiros
raios, modelagem em dias de chuva, viagem para a
Inglaterra, ginástica rítmica ...
Nem a menor possibilidade oferecida ao menor
quarto de hora de reencontro consigo mesmo.
Pare os sonhos!
Abaixo o tédio! O belo
tédio ... O longo tédio ...
Isso permite qualquer criação ...
- Tentamos nunca ficar
entediados. (Coitado dele ...)
-Tentamos, como diria? Procuramos dar-
lhe uma formação completa ...
- Eficaz, acima de tudo, querida, diria bastante eficaz.
- Se não, não estaríamos aqui.
- Por sorte, suas notas de matemática não são ruins ...
- Claro que o idioma ...
Ai coitados, os tristes, o esforço patético que impomos
ao nosso orgulho indo assim, burgueses de Calais e
daqui, com as chaves do nosso fracasso pela frente, a
visitar o professor de línguas ... que escuta, e quem diz
sim-sim, e quem gostaria de ter uma ilusão, pelo menos
uma vez em sua longa vida como professor, de ter uma
pequena ilusão ..., mas não:
-Você acha que uma falha em francês pode ser um
motivo para você repetir?
27
É assim que funciona a nossa existência: ele na
busca da leitura das cartas, deparamo-nos com o
fantasma da repetição, o professor de línguas na sua
matéria injuriada ... E viva o livro!
28
Leva muito pouco tempo para um professor se
tornar um professor antigo. Não é que o trabalho se
esgote mais do que o outro, não ... é por ouvir tantos
pais falarem de tantos filhos - e, ao fazê-lo, falarem
deles mesmos - e ouvir tantas histórias de vida, tantos
divórcios, então tantas histórias de família: doenças
infantis, adolescentes que já não dominam, filhas
amadas cujo afeto nos escapa, tantos fracassos
chorados, tantos sucessos proclamados, tantas opiniões
sobre tantos temas, e sobre a necessidade de ler,
sobretudo a necessidade absoluta para ler, que alcança
a unanimidade.
O dogma.
Há quem nunca leu e tem vergonha disso, quem já não
tem tempo para ler e se arrepende, quem não lê
romances, mas livros úteis, ensaios, obras técnicas,
biografias, livros de história, há quem leia tudo sem
perceber o que, aqueles que "devoram" e cujos olhos
brilham, há aqueles que só lêem os clássicos, meu
amigo, "porque não há melhor crítica do que a peneira
do tempo", aqueles que passam a maturidade a "reler" ,
e os que leram o último assim e o último que, porque,
meu amigo, você tem que estar atualizado.
Mas tudo, tudo, em nome da necessidade de ler. O
dogma.
Inclusive aquele que, embora já não leia mais, afirma
que é porque leu muito antes, só que agora está com a
carreira encerrada e com a vida “montada”, graças a
ele, claro (é um do "quem não deve nada para
ninguém »), mas reconhece de bom grado que aqueles
livros de que já não necessita lhe foram muito úteis ...
indispensáveis, até, sim, indisponíveis!
"Então o garoto deveria colocar isso na cabeça!"
O dogma.
29
Bem, "a criança" tem isso em mente. Nem por um
segundo isso coloca o dogma em questão. Isso é, pelo
menos, o que fica claro em sua redação:

Tema: O que você acha do conselho de Gustave


Flaubert para sua amiga Louise Collet: "Leia para
viver!"

O menino concorda com Flaubert, o menino e seus


companheiros, e seus companheiros, todos concordam:
«Flaubert estava certo! ' Uma unanimidade de trinta e
cinco obras: você tem que ler, você tem que ler para
viver, e isso é mesmo - essa necessidade absoluta de ler
- o que nos distingue da besta, do bárbaro, do bruto
ignorante, do sectário histérico, do ditador triunfante,
materialista bulímico, você tem que ler! você tem que
ler!
- Para aprender.
- Para realizar nossos estudos.
- Para nos informar.
- Para saber de onde viemos.
- Para saber quem somos.
- Para conhecer melhor os outros.
- Para saber para onde vamos.
- Para preservar a memória do passado.
- Para iluminar nosso presente.
- Para aproveitar as experiências anteriores.
- Para não repetir as bobagens de nossos ancestrais.
- Para ganhar tempo.
- Para nos fugir.
- Para encontrar um sentido para a vida.
- A fim de Compreendo a
fundamentos a partir de nosso
civilização.
- Para satisfazer nossa curiosidade.
- Para nos distrair.
- Para nos informar.
- Para nos cultivarmos.
-Para comunicar.
- Para exercitar nosso espírito crítico.

e o professor aprova à margem: «sim, sim, B, MB!,


BB, exato, interessante, aliás, muito correto», e tem que
se conter para não exclamar: «Mais! Mais! ”, Ele, que
no átrio do instituto esta manhã viu o
"Kid" copia rapidamente sua ficha de leitura de
Stéphanie, ele, que sabe por experiência própria que a
maioria das citações encontradas nestes ensaios
sensatos vêm de um dicionário especial, ele, que sabe à
primeira vista que os exemplos selecionados ("citar
exemplos tirados da nossa experiência pessoal ") vêm
de leituras feitas por outros, ele, cujos ouvidos
continuam a ecoar os uivos que ele soltou quando
impôs a leitura do seguinte romance:
-Como? Quatrocentas páginas em quinze dias!
Mas nunca vamos terminar, senhor!
-Há um teste de matemática!
-E na próxima semana temos que entregar a redação
econômica!
E embora eu saiba o papel que a televisão
desempenhou na adolescência de Mathieu, de LeIla, de
Brigitte, do Camelo de Cédric, o professor continua a
aprovar, com todo o vermelho de sua caneta-tinteiro,
quando Cédric, Camel, Brigitte, LeIla ou Mathieu
afirmam que a TV ("Não quero abreviaturas no seu
trabalho!") É o inimigo Número Um do livro, e
também o cinema se você pensar bem, já que ambos
representam a passividade mais amorfa, quando a
leitura depende de um ato responsável. (MB!)
Aqui, no entanto, o professor abaixa a caneta, olha
para cima como um estudante egocêntrico e se
pergunta
“Oh, apenas para si mesmo!” Se certos filmes, de
qualquer maneira, não deixaram memórias de livros.
«Quantas vezes você "releu" Hunter's Night, Amarcord,
Manhattan, Room with a View, Babette, Fanny e
Alexander Feast? Suas imagens pareciam-lhe carregar
o mistério dos sinais. Claro, não são frases
especializadas - ele não sabe nada de sintaxe
cinematográfica e não entende o léxico dos cinéfilos -
são apenas frases de seus olhos, mas seus olhos lhe
dizem que há imagens cujo significado não se esgota e
cuja tradução ele renova a cada vez a emoção, e até as
imagens da televisão, sim: o rosto do avô Bachelard, há
muito tempo, em Lectures pour tous ..., o bloqueio de
Jankélévitch em Apostrophes2 aquele gol de Papin
contra os milaneses de Berlusconi ...

Mas o momento passa. Volte para suas correções.


(Quem vai contar a solidão do revisor?) A partir de
algumas obras, as palavras
dois
Ambos os programas de televisão famosos dedicados a
livros. (N. de T.)
eles começam a dançar sob seus olhos. Os argumentos
tendem a se repetir. Os nervos o invadem. O que seus
alunos recitam é um breviário: você tem que ler, você
tem que ler! A infindável ladainha da palavra
educativa: Você tem que ler ..., quando cada uma de
suas frases mostra que nunca leram!
30
"Mas por que você está tão chateado, minha
querida?" Seus alunos escrevem o que você espera
deles!
-Quero dizer?
-O que ler! O dogma! Eu acho que você não
esperava encontrar uma tonelada de empregos
elogiando autos-da-fe?
-O que espero é que desliguem os walkmans e
comecem a ler imediatamente!
-Não é nada ... O que tu esperas é que te dêem
fichas de boa leitura sobre os romances que te impõe,
que "interpretem" correctamente os poemas que
escolheste, que no dia do vestibular analisem com
destreza os textos de sua lista, que eles "comentem"
judiciosamente, ou "sintetizem" de forma inteligente o
que o tribunal colocará debaixo de seus narizes naquela
manhã ... Mas nem o tribunal, nem você, nem os pais
querem especialmente que essas crianças leiam. Eles
também não querem o oposto, veja bem. Eles querem
que eles façam seus estudos, ponto final! Além disso,
eles têm outras coisas para cuidar. Além disso, Flaubert
tinha outras coisas para fazer! Se ele mandou Louise
ver seus livros, foi para deixá-lo sozinho, para deixá-lo
trabalhar em paz em seu Bovary, E não para ter um
filho. Essa é a verdade, e você sabe disso muito bem.
Sob a pena de Flaubert quando escreveu a Louise 'Leia
para viver', ele realmente quis dizer: 'Leia para que me
deixe viver', você já disse isso aos seus 'alunos? Não?
Por quê?
Ela sorri. Ela põe a mão na dele:
- Você tem que se acostumar com a ideia, querida: o
culto ao livro depende da tradição oral. E você é o
sumo sacerdote.
31
«Não encontrei nada estimulante nos cursos
ministrados pelo Estado. Mesmo que o material
didático fosse mais rico e estimulante do que
realmente era, o pedantismo taciturno dos
professores bávaros teria me mantido longe das
matérias mais interessantes. »...
"Toda a cultura literária que tenho, adquiri fora da
escola." ...
«As vozes dos poetas confundem-se na minha
memória com as vozes dos primeiros que me
comunicaram: há algumas obras-primas da escola
romântica alemã que não posso reler sem ouvir de
novo a entonação da voz comovente e bem-
intencionada de Mielen . Durante todo o tempo em que
éramos crianças com dificuldade de ler sozinhas, ela
tinha o hábito de ler para nós. ”

(...)

«« E, no entanto, ouvimos com ainda maior


recordação a voz serena do Mago ... Os seus autores
preferidos eram os russos. Lia-nos os casacos de
Tolstói e as parábolas estranhamente infantis, de uma
didáctica simplista, do seu último período. Nós ouvi as
histórias de Gogol e até uma peça de Dostoiévski ...
aquela farsa perturbadora chamada Uma história
ridícula. "

(...)
"Sem a menor dúvida, as belas horas da noite
passadas no escritório de nosso pai estimularam não
apenas nossa imaginação, mas também nossa
curiosidade. Uma vez que o encanto bruxo da grande
literatura e o conforto que ela proporciona, gostaria de
conhecer cada Mais mais ... mais "histórias ridículas",
e parábolas cheias de sabedoria, e contos de múltiplos
significados, e estranhas aventuras. E é assim que se
começa a ler por si mesmo ... ,, 3

Assim escreveu Klaus Mann; filho de Thomas, o


Mago, e de Mielen, aquele com a voz comovente e bem
treinada.

3Klaus Mann. A vez


32
Um tanto deprimente, de qualquer maneira, essa
unanimidade ... Como se, das observações de Rousseau
sobre a aprendizagem da leitura, às de Klaus Mann
sobre o ensino das Letras pelo Estado da Baviera,
passando pela ironia da jovem esposa do professor,
culminando nas lamentações de Para os alunos aqui e
agora, o papel da escola será sempre e em toda parte
limitado ao aprendizado de técnicas, ao dever de
comentar, e cortará o acesso imediato aos livros,
abolindo o prazer da leitura. Parece estabelecido desde
tempos imemoriais, e em todas as latitudes, que o
prazer não tem que figurar no programa escolar e que o
conhecimento só pode ser fruto de um sofrimento bem
compreendido.
É defensável, é claro. Os argumentos não faltam.
A escola não pode ser uma escola de prazer, o que
supõe uma grande dose de gratuidade. É uma fábrica
necessária de conhecimento que exige esforço. Os
assuntos ensinados nele são os instrumentos da
consciência. Os professores encarregados dessas
disciplinas são seus iniciadores, e não podem ser
obrigados a cantar a gratuidade da aprendizagem
intelectual quando tudo, absolutamente tudo na vida
escolar - programas, notas, provas, classificações,
ciclos, orientações, seções -, afirma o competitivo
finalidade da instituição, induzida pelo mercado de
trabalho.
Que o aluno, de vez em quando, encontre um
Professor cujo entusiasmo parece considerar a
matemática em si, que a ensina como uma das belas-
artes, que a ama pela própria vitalidade e graças à qual
o esforço se transforma em prazer, depende da
oportunidade do encontro, não o espírito da Instituição.
O típico dos seres vivos é fazer a vida amar, mesmo
na forma de uma equação de segundo grau, mas a
vitalidade nunca foi registrada no programa escolar.
A função está aqui.
Vida em outro lugar.
A leitura é aprendida na escola. Adoro ler ...
33
Você tem que ler, você tem que ler ...
E se, em vez de exigir leitura, o professor decidisse de
repente compartilhar sua própria alegria de ler?
A alegria de ler? Qual é a alegria de ler? Perguntas que
supõem, com efeito, um grande retorno para si mesmo.
E, para começar, a confissão de uma verdade que
vai radicalmente contra o dogma: a maioria das leituras
que nos formaram, não o fizemos a favor, mas contra
ele. Lemos (e lemos) como se fôssemos parapeito,
como se recusássemos ou como se nos opuséssemos.
Se isso nos dá ares de fugitivos, se a realidade se
desespera em nos alcançar por trás do "encanto" da
nossa leitura, somos fugitivos ocupados em construir-
nos, fugitivos em vias de nascer.
Cada leitura é um ato de resistência. Resistência a quê?
Para todas as contingências. Tudo:
-Social.
- Profissionais.
- Psicológico.
- Afetivo.
-Clima.
- Parentes
- Doméstico.
-Gregarias.
- Patológico.
- Pecuniário.
- Ideológico.
-Cultural.
-Ou umbilicais.
Uma leitura bem lida salva tudo, inclusive a si mesmo.
E, acima de tudo, lemos contra a morte.
É Kafka lendo contra os projetos mercantis do pai, é
Flannery O'Connor lendo Dostoiévski contra a ironia
da mãe ("O idiota? Você não pode nem pedir um livro
com título semelhante!"), É Thibaudet lendo Montaigne
nas trincheiras de Verdun, ele é Henri Mondar
mergulhado em seu Mallarmé na França da Ocupação e
do mercado negro, ele é o jornalista Kauffmann relendo
indefinidamente o mesmo volume de Guerra e Paz nas
masmorras de Beirute, é isso paciente, operado sem
anestesia, do qual Valéry nos conta que "encontrou
algum alívio, ou melhor, uma certa renovação das suas
forças, e da sua paciência, recitando, entre a dor e a
dor, um poema de que gostava". é, claro, a confissão de
Montesquieu, cuja deformação pedagógica levou a
tantas redações:"O estudo tem sido para mim o remédio
soberano contra as angústias, nunca tendo sofrido dores
que uma hora de leitura não tenham aliviado."
Mas é, de forma mais cotidiana, o refúgio do livro
contra o crepitar da chuva, o deslumbramento
silencioso das páginas contra a cadência do metrô, o
romance enfiado na gaveta da secretária, a breve leitura
do professor quando os alunos, e o aluno do fundo
lendo secretamente, enquanto esperam para entregar o
branco ...
3. 4
É difícil ensinar as Cartas Bonitas, quando a leitura
exige tanto retiro e silêncio!
Leitura, ato de comunicação? Outra piada hilária
dos comentaristas! O que lemos, ficamos quietos. Na
maioria das vezes preservamos o prazer do livro lido no
segredo de nossa treliça. Ou porque não vemos nada a
dizer nele, ou porque, antes que possamos dizer uma
palavra, temos que deixar o tempo fazer seu delicioso
trabalho de destilação. Esse silêncio é a garantia de
nossa privacidade. O livro foi lido, mas ainda estamos
nele. Sua evocação é suficiente para abrir um refúgio à
nossa rejeição. Ele nos preserva do Grande Exterior.
Oferece-nos um observatório elevado acima das
paisagens contingentes. Nós lemos e estamos em
silêncio. Ficamos quietos porque lemos. Seria bom se
uma emboscada estivesse esperando por nós no canto
da nossa leitura para nos perguntar: O que? Está bem?
Você entendeu? Um relatório!"
Às vezes, é a humildade que move nosso silêncio.
Não a gloriosa humildade dos analistas profissionais,
mas a consciência íntima, solitária, quase dolorosa de
que esta leitura, este autor, acaba de, como dizem,
"mudar a minha vida"!
Ou, de repente, aquele outro atordoamento, que nos
deixa perplexos: como é possível que o que acabou de
me perturbar até aqui não tenha mudado a ordem do
mundo em nada? É possível que nosso século tenha
sido o que foi depois de Dostoiévski
escreveu Los demons? De onde Pol Pot e os outros vêm
quando imaginam o personagem de Pyotr
Verkhovensky? E o terror dos campos, quando
Chekhov escreveu Sakhalin? Quem foi iluminado pela
luz branca de Kafka onde nossas piores evidências
foram recortadas como placas de zinco? E, no
momento em que o horror se desenrolava, quem
prestou atenção em Walter Benjamin? E como é
possível que, depois de tudo passado, toda a terra não
tenha lido As Espécies Humanas, de Robert Antelme,
nem que seja para libertar o Cristo de Cario Levi,
definitivamente detido em Éboli?
Que alguns livros podem alterar nossa consciência a
tal ponto e deixar o mundo continuar de mal a pior, é
algo que nos deixa sem palavras.
Silêncio então ...
Exceto, é claro, para os formuladores de frases do
poder cultural.
Ah, aquelas conversas de sala de aula em que, como
ninguém tem o que dizer a ninguém, a leitura adquire o
lugar de possível tema de conversa. O romance
reduzido a uma estratégia de comunicação! Tantos
uivos silenciosos, tanta gratificação obstinada para
aquele cretino correr para se ligar àquela garota blues:
"Como, você não leu a Jornada para o Fim da Noite?"

Ele se mata por menos do que isso.


35
No entanto, embora a leitura não seja um ato de
comunicação imediata, é, em última análise, o objeto
de distribuição. Mas um elenco há muito esperado e
ferozmente seletivo.
Se pensarmos na parte das grandes leituras que
devemos à Escola, à Crítica, a todas as formas de
publicidade, ou, pelo contrário, ao amigo, ao amante,
ao colega, ou às vezes até à família - Quando você não
coloca os livros na estante educacional, o resultado é
claro: as coisas mais bonitas que lemos quase sempre
devemos a um ente querido. E um ente querido será o
primeiro com quem falaremos sobre eles. Talvez
justamente porque o sentimento típico, como a vontade
de ler, seja preferir. Afinal, amar é dar nossas
preferências àqueles que preferimos. E essas
distribuições povoam a cidadela invisível de nossa
liberdade. Somos habitados por livros e por amigos.
Quando um ente querido nos dá um livro para ler,
inicialmente o procuramos nas suas falas, nos seus
gostos, nos motivos que o levaram a colocar aquele
livro nas nossas mãos, os sinais de uma fraternidade.
Então o texto nos domina e esquecemos aquele que nos
lançou nele; essa é precisamente a força de uma obra,
Varra essa contingência também!
Porém, com o passar dos anos, a evocação do texto
traz a memória do outro; alguns títulos tornam-se caros
novamente.
E, para ser totalmente justo, nem sempre a cara de
um ente querido, mas (oh, raramente!) de um crítico ou
professor.
É o caso de Pierre Dumayet, com o seu olhar, com a
sua voz, com os seus silêncios, que, nas Conferências
pour tous da minha infância, exprimiam todo o seu
respeito pelo leitor que, graças a ele, eu me tornaria. É
o caso daquele professor cuja paixão pelos livros soube
dar-lhe paciência e até lhe darmos a ilusão do amor.
Ele tinha que nos preferir - ou nos valorizar - seus
alunos, para que pudéssemos ler o que era mais querido
por ele!
36
Na biografia dedicada ao poeta Georges Perros,
Jean-Marie Gibbal cita esta frase de um estudante de
Rennes onde ensinou Cães:

«Ele (os cães) chegava na terça de manhã,


desgrenhado pelo vento e pelo frio na sua mota azul
enferrujada. Curvado, com casaco de marinheiro,
cachimbo na bocaou na mão. Ele estava esvaziando
uma sacola de livros sobre a mesa. E era a vida. "

Quinze anos depois, a maravilha maravilhosa


continua a contar. Com seu sorriso na xícara de café,
ela pensa, lentamente reúne suas próprias memórias, e
então:
-Sim, era vida: meia tonelada de livros, cachimbos,
tabaco, um exemplar do France-soir ou L'Equipe,
chaves, identidades, faturas, uma vela de ignição para
sua motocicleta ... Tirou um livro de esta bagunça. Eu
olhei, dei uma risada que nos deixou com fome e
comecei a ler. Caminhava enquanto lia, uma mão no
bolso, a outra, a que segurava o livro, um pouco tensa,
como se, lendo, o oferecesse para nós. Todas as suas
leituras eram presentes. Ele não nos pediu nada em
troca. Quando a atenção de um ou de alguns de nós
fraquejava, ele parava de ler por um segundo, olhava
para o homem adormecido e assobiava. Não foi uma
reprimenda, foi um alegre retorno à consciência. Ele
nunca nos perdeu de vista. Mesmo nas profundezas de
sua leitura, ele nos contemplou nas linhas. Ele tinha
uma voz alta e brilhante, um pouco
aveludado, que enchia perfeitamente o volume das
aulas, da mesma forma que teria enchido um anfiteatro,
um teatro, o campo de Marte, sem que uma palavra
soasse mais alto que a outra. Ele assumiu
instintivamente as medidas do espaço e de nossos
cérebros. Era a caixa de ressonância natural de todos os
livros, a personificação do texto, o livro feito homem.
Pela sua voz, de repente descobrimos que tudo isso
havia sido escrito para nós. Essa descoberta veio após
uma escolarização interminável em que o ensino da
Literatura nos manteve a uma distância respeitosa dos
livros. Então, o que ele estava fazendo que outros
professores não fizeram? Nada. Em certos aspectos, ele
estava fazendo ainda menos. Só, olha, ele não estava
nos dando a literatura em um conta-gotas analítico, Ele
nos serviu em doses generosas ... e entendemos tudo o
que ele leu para nós. Nós entendemos isso. Não havia
explicação do texto mais luminosa do que o som de sua
voz quando antecipou a intenção do autor, revelou uma
segunda intenção, revelou uma alusão ..., tornou
impossível a contradição. Absolutamente inimaginável,
depois de ouvi-lo ler La doble inconstancia, ir
delirando do kitsch e vestir de 'rosa' as bonecas
humanas naquele teatro de dissecação. A precisão de
sua voz nos introduziu em um laboratório, a lucidez de
sua dicção nos convidou à vivissecção. E, ao mesmo
tempo, nada exagerava a esse respeito e não fazia de
Marivaux um prelúdio de Sade. Não importou, ao
longo do tempo que foi lida, tivemos a sensação de
contemplar o trecho do e entendemos tudo o que ele leu
para nós. Nós entendemos isso. Não havia explicação
do texto mais luminosa do que o som de sua voz
quando antecipou a intenção do autor, revelou uma
segunda intenção, revelou uma alusão ..., tornou
impossível a contradição. Absolutamente inimaginável,
depois de ouvi-lo ler La doble inconstancia, ir
delirando do kitsch e vestir de 'rosa' as bonecas
humanas naquele teatro de dissecação. A precisão de
sua voz nos introduziu em um laboratório, a lucidez de
sua dicção nos convidou à vivissecção. E, ao mesmo
tempo, nada exagerava a esse respeito e não fazia de
Marivaux um prelúdio de Sade. Não importou, durante
todo o tempo em que foi lida, tivemos a sensação de
estar contemplando o trecho do e entendemos tudo o
que ele leu para nós. Nós entendemos isso. Não havia
explicação do texto mais luminosa do que o som de sua
voz quando antecipou a intenção do autor, revelou uma
segunda intenção, revelou uma alusão ..., tornou
impossível a contradição. Absolutamente inimaginável,
depois de ouvi-lo ler La doble inconstancia, ir
delirando do kitsch e vestir de 'rosa' as bonecas
humanas naquele teatro de dissecação. A precisão de
sua voz nos introduziu em um laboratório, a lucidez de
sua dicção nos convidou à vivissecção. E, ao mesmo
tempo, nada exagerava a esse respeito e não fazia de
Marivaux um prelúdio de Sade. Não importou, durante
todo o tempo em que foi lida, tivemos a sensação de
estar contemplando o trecho do Não havia explicação
do texto mais luminosa do que o som de sua voz
quando antecipou a intenção do autor, revelou uma
segunda intenção, revelou uma alusão ..., tornou
impossível a contradição. Absolutamente inimaginável,
depois de ouvi-lo ler La doble inconstancia, ir
delirando do kitsch e vestir de 'rosa' as bonecas
humanas naquele teatro de dissecação. A precisão de
sua voz nos introduziu em um laboratório, a lucidez de
sua dicção nos convidou à vivissecção. E, ao mesmo
tempo, nada exagerava a esse respeito e não fazia de
Marivaux um prelúdio de Sade. Não importou, durante
todo o tempo em que foi lida, tivemos a sensação de
estar contemplando o trecho do Não havia explicação
do texto mais luminosa do que o som de sua voz
quando antecipou a intenção do autor, revelou uma
segunda intenção, revelou uma alusão ..., tornou
impossível a contradição. Absolutamente inimaginável,
depois de ouvi-lo ler La doble inconstancia, ir
delirando do kitsch e vestir de rosa as bonecas humanas
naquele teatro de dissecação. A precisão de sua voz nos
introduziu em um laboratório, a lucidez de sua dicção
nos convidou à vivissecção. E, ao mesmo tempo, nada
exagerava a esse respeito e não fazia de Marivaux um
prelúdio de Sade. Não importou, durante todo o tempo
em que foi lida, tivemos a sensação de estar
contemplando o trecho do tornou a contradição
impossível. Absolutamente inimaginável, depois de
ouvi-lo ler La doble inconstancia, ir delirando do kitsch
e vestir de rosa as bonecas humanas naquele teatro de
dissecação. A precisão de sua voz nos introduziu em
um laboratório, a lucidez de sua dicção nos convidou à
vivissecção. E, ao mesmo tempo, nada exagerava a esse
respeito e não fazia de Marivaux um prelúdio de Sade.
Não importou, durante todo o tempo em que foi lida,
tivemos a sensação de estar contemplando o trecho do
tornou a contradição impossível. Absolutamente
inimaginável, depois de ouvi-lo ler La doble
inconstancia, ir delirando do kitsch e vestir de rosa as
bonecas humanas naquele teatro de dissecação. A
precisão de sua voz nos introduziu em um laboratório, a
lucidez de sua dicção nos convidou à vivissecção. E, ao
mesmo tempo, nada exagerava a esse respeito e não
fazia de Marivaux um prelúdio de Sade. Não importou,
durante todo o tempo em que foi lida, tivemos a
sensação de estar contemplando o trecho do a lucidez
de sua dicção nos convidava a uma vivissecção. E, ao
mesmo tempo, nada exagerava a esse respeito e não
fazia de Marivaux um prelúdio de Sade. Não importou,
durante todo o tempo em que foi lida, tivemos a
sensação de estar contemplando o trecho do a lucidez
de sua dicção nos convidava à vivissecção. E, ao
mesmo tempo, nada exagerava a esse respeito e não
fazia de Marivaux um prelúdio de Sade. Não importou,
durante todo o tempo em que foi lida, tivemos a
sensação de estar contemplando o trecho do
Cérebros de Arlequim e Silvia, como se fôssemos os
próprios assistentes de laboratório daquela experiência.
»Ele nos deu uma hora de aula por semana. Aquela
hora foi como sua mochila: um movimento. Quando ele
nos deixou no final do ano, contei: Shakespeare,
Proust, Kafka, Vialatte, Strindberg, Kierkegaard,
Moliere, Beckett, Marivaux, Valéry, Huysmans, Rilke,
Bataille, Gracq, Hardellet, Cervantes, Laclos, Cioran,
Chejov, Henri Thomas, Butor ... Eu os cito fora de
ordem e esqueço muitos. Em dez anos, ele não tinha
ouvido um décimo!
"Ele nos falava sobre tudo, lia tudo para nós,
porque presumia que tínhamos uma biblioteca em
nossas cabeças." Foi o grau zero de má-fé. Ele nos
considerou o que éramos, jovens formandos do ensino
médio sem educação que mereciam saber. E sem falar
no patrimônio cultural, segredos sagrados colados às
estrelas; no caso dele, os textos não caíram do céu, ele
os pegou do chão e deu para a gente ler. Tudo estava
ali, ao nosso redor, cheio de vida. Lembro-me de nosso
desapontamento, a princípio, quando ele se aproximou
das grandes figuras, aquelas de quem nossos
professores, apesar de tudo, nos falaram, as
pouquíssimas que pensávamos conhecer bem: La
Fontaine, Moliere ... Em uma hora, perderam seu status
de divindades, colegiais para nos tornar íntimos e
misteriosos ... isto é, indispensáveis. Os cães
ressuscitaram os perpetradores. Levante-se e caminhe:
de Apollinaire a Zola, de Brecht a Wilde, todos vieram
para a nossa aula, totalmente vivos, como se saíssem do
chez Michou, o café do outro lado da rua. Café onde
nós às vezes
ofereceu uma segunda parte. Ele não jogava, porém, o
colega-professor, não era o seu estilo. Ele estava pura e
simplesmente seguindo o que chamou de seu "curso de
ignorância". Com ele, a cultura deixou de ser uma
religião oficial e o balcão do bar passou a ser uma
cadeira apresentável como um estrado. Nós mesmos,
quando ouvíamos, não sentíamos vontade de entrar na
religião, de usar o hábito do conhecimento. Queríamos
ler, ponto final ... Então ele ficou quieto, nós
saqueamos as livrarias em Rennes e Quimper. E quanto
mais lemos, mais ignorantes, de fato, nos sentimos
sozinhos na areia de nossa ignorância, e de frente para
o mar. Só que, com ele, não tínhamos mais medo de
nos molhar. Estávamos imersos em livros, não
perdendo tempo com respingos de frio. Não sei quantos
de nós se tornaram professores ... não muitos, sem
dúvida, e talvez seja uma pena, no fundo, porque, como
quem não quer a coisa, nos deixou com muita vontade
de transmitir. Mas para transmitir aos quatro ventos.
Ele, que ria muito no ensino, sonhava com uma
universidade itinerante, rindo: "E se formos passear ...
se formos ver Goethe em Weimar, colocar Deus como
um trapo com o pai de Kierkegaard, para nos engolir
As noites brancas na perspectiva de Nevsky ... "
37
"Leitura, ressurreição de Lázaro, levantando a laje
de palavras."

GEORGES DOGS (decotes)


38
Esse professor não instilou conhecimento, ele
ofereceu o que sabia. Ele não era tanto professor, mas
trovador, daqueles menestréis de palavras que
frequentavam as hospedarias da estrada de Compostela
e recitavam cantigas de escritura para peregrinos
analfabetos.
Como tudo precisa de um começo, a cada ano ele
reunia seu pequeno rebanho em torno das origens orais
do romance. Sua voz, como a dos trovadores, dirigia-se
a um público que não sabia ler. Ele abriu os olhos. Ele
acendeu lâmpadas. Ele guiou seu mundo ao longo da
rota dos livros, uma peregrinação sem fim ou certeza,
uma marcha de homem a homem.
-O mais importante é que ele leu tudo em voz alta
para nós! A confiança que depositou em nosso desejo
de aprender ... O homem que lê em voz alta nos eleva
ao ápice do livro. É realmente uma leitura!
39
Em vez disso, nós, que lemos e pretendemos
difundir o amor pelo livro, muitas vezes preferimos
comentaristas, intérpretes, analistas, críticos, biógrafos,
exegetas de obras que foram silenciadas pelo piedoso
testemunho que prestamos de sua grandeza. Preso na
fortaleza do nosso conhecimento, a palavra dos livros
dá lugar à nossa palavra. Em vez de deixar que a
inteligência do texto fale pela nossa boca, confiamo-
nos à nossa própria inteligência e falamos do texto. Não
somos os emissários do livro, mas os guardiães
juramentados de um templo cujas maravilhas
proclamamos com palavras que fecham as suas portas:
«Devemos ler! Você tem que ler! "
40
Leitura:é uma petição de princípio para ouvidos
adolescentes. Tão brilhantes quanto nossos argumentos
são ... apenas implorando a questão.
Nossos alunos que descobriram o livro por outros
canais simplesmente continuarão a ler. Os mais
curiosos guiarão suas leituras pelos faróis de nossas
explicações mais luminosas.
Entre os "que não lêem", os mais espertos saberão
aprender, como nós, a falar sobre isso: vão se
sobressair na arte inflacionária do comentário (leio dez
linhas, escrevo dez páginas), a cabaça prática de o
cartão (percorro 400 páginas, reduzo-as a cinco), a
pesca do citado judicioso (nesses manuais de cultura
congelada que todos os mercadores de sucesso
possuem), saberão manejar o bisturi da análise linear e
eles vai se tornar especialistas na cabotagem sábia entre
os "fragmentos selecionados", o que certamente leva ao
ensino médio, pós-graduação, quase oposição ... mas
não necessariamente o amor pelos livros.
Os outros alunos permanecem.
Aqueles que não lêem e logo ficam apavorados com
as irradiações de sentido.
Aqueles que pensam que são tolos ...
Para sempre privado de livros ... Para sempre sem
respostas ...
E logo nenhuma pergunta foi feita.
41
Vamos sonhar.
É a chamada prova de sujeito, na oposição de
Literatura.
Título do assunto: Os registros da consciência
literária em "Madame Bovary".
A jovem está sentada em sua mesa, bem abaixo dos
seis membros da corte instalados no alto de seu estrado.
Para aumentar a solenidade da coisa, imaginemos que
aconteça no grande anfiteatro da Sorbonne. Um cheiro
de séculos e de madeira sagrada. O profundo silêncio
do conhecimento.
Uma pequena plateia de parentes e amigos
espalhados pelas arquibancadas ouve seu coração bater
ao ritmo do medo da jovem. Imagens todas de baixo
para cima, e a jovem no fundo, esmagada pelo terror de
toda a ignorância que resta.
Ligeiros estalos, tosses sufocantes - é uma
eternidade antes do teste.
A mão trêmula da jovem arruma suas anotações à
sua frente; abre sua partitura de conhecimento: Os
registros da consciência literária em "Madame
Bovary".
O presidente do tribunal (é um sonho, vamos
dar a este presidente uma toga sangue de boi, velhice,
ombros de arminho e um cocker spaniel para acentuar
suas rugas de granito), o presidente do tribunal, bom,
ele se volta para a direita , ele levanta a peruca do
colega e sussurra duas palavras em seu ouvido. O
adjunto (mais jovem, maturidade rosa e sábio, idêntico
toga, cocar idêntico) balança a cabeça gravemente. Ele
comunica ao vizinho enquanto o presidente murmura à
sua esquerda. O consentimento se espalha para as duas
pontas da mesa.
Os registros da consciência literária em
"Madame Bovary." Perdida em suas anotações,
assustada com a desordem abrupta de suas idéias, a
jovem não vê que o tribunal se levanta, não vê que o
tribunal desce da plataforma, não vê que o tribunal se
aproxima dela, ela não vê que a corte a cerca. Ela
levanta os olhos para refletir e se vê presa na armadilha
de seus olhares. Você deveria estar com medo, mas está
muito ocupado com o medo de não saber. Ele
dificilmente se pergunta: o que eles estão fazendo tão
perto de mim? Mergulhe de volta em suas anotações.
Os registros da consciência literária ... Você perdeu o
contorno do seu assunto. Um contorno tão límpido,
entretanto! O que você fez com o esboço do seu tema?
Quem lhe devolverá os passos claros de sua
argumentação?
-Senhorita...
A jovem não quer ouvir o presidente. Ele não para
de procurar os contornos de seu assunto, desaparecido
no turbilhão de seu conhecimento.
-Senhorita...
Pesquise e não encontre. Os registros da consciência
literária de "Madame Bovary" ... Pesquise e encontre
tudo o mais, tudo o que ela sabe. Mas não o esboço do
seu tema. Não é o esboço do seu tema.
-Senhorita por favor ...
É a mão do presidente que pousou em seu braço? (E
desde quando os presidentes do
Os tribunais de oposição põem a mão no braço dos
candidatos?) É o apelo infantil, tão inesperado naquela
voz? É o fato de os adjuntos começarem a se mexer em
suas cadeiras (já que cada um deles trouxe sua cadeira e
todos estão sentados ao seu redor)? .. A jovem
finalmente ergue os olhos.
-Senhorita, por favor esqueça os registros de
consciência ...
O presidente e seus deputados retiraram as perucas.
Eles mostram os cabelos desgrenhados de crianças,
olhos arregalados, impaciência faminta.
-Senhorita ... Diga-nos Madame Bovary!
-Não, não! ... Melhor nos contar seu romance favorito!
-Sim, a balada do café triste! Você realmente gosta de
Carson McCullers, senhorita, conte-nos The Ballad of
Sad Coffee!
- E depois nos faça querer ler A Princesa dos Onze de
novo, certo?
-Faça a gente querer ler, senhorita!
-Você realmente venceu!
-Fala Adolphe!
-Leia Dedalus, o capítulo sobre óculos!
-Kafka! Qualquer coisa do seu diário ...
- Svevo! Consciência de Zenão!
-Leia-nos o manuscrito encontrado em Saragoça!
-Os livros que você mais gosta! -Ferdydurke!
-A conjuração dos ceciuos!
-Não olhe para o relógio, temos tempo!
-Por favor .... -Diga-nos! -Senhorita. ..
-Leia-nos!
-Os três Mosqueteiros!
-A rainha das maças ... -Jules e Jim ...
-Charlie e a fábrica de chocolate! "O Príncipe de
Motordu!"
-Manjericão!
III. Dar para ler
42
Imagine uma classe de adolescentes, com cerca de
trinta e cinco anos. Ah, não daqueles alunos
cuidadosamente classificados para passar correndo
pelas varandas altas das grandes escolas, não, os outros,
aqueles que foram expulsos dos institutos do centro da
cidade porque seu boletim escolar não prometia nota
em seletividade, se não seletividade.
É o início do curso. Eles caíram aqui.
Nesta escola.
Na frente desse professor.
"Caído" é a palavra certa. Abandonados na praia,
quando seus companheiros de ontem embarcaram nos
barcos-pacotes dos institutos a caminho das grandes
corridas. Destroços abandonados pela maré da escola.
É assim que eles se descrevem no tradicional início da
ficha do curso.
Sobrenome, nome, data de nascimento
... Várias informações:
«Sempre fui um nulo em matemática» ... «As línguas
não me interessam» ... «Não consigo concentrar-me»
... «Não sou bom a escrever» ... « Há muito
vocabulário nos livros » (Sic! Bem, sim!
Sic!) ... «Não entendo nada de física» ... «Sempre fui
um vazio na grafia» ... «Na história não ia correr mal,
mas não guardo as datas». .. «Acho que não trabalho
muito» ... «Não consigo perceber» ... «Tenho falhado
muitas coisas» ... «Gostaria de desenhar muito mas não
sou muito dotado para isso »...
muito difícil para mim »...« Não tenho memória »...
«A minha base está a falhar» ... «Não tenho ideias» ...
«Não tenho vocabulário» ...
Acabamentos ...
É assim que eles são apresentados.
Terminado antes de começar.
É claro que eles exageram um pouco na nota. O
gênero quer assim. O arquivo individual, como o diário
pessoal, prefere a autocrítica: escurece-se
instintivamente. E então, acusando-se de todos os
ângulos, você se coloca sob a cobertura de muitas
demandas. Pelo menos a escola terá ensinado isso a
eles: o conforto da desgraça. Nada tão reconfortante
quanto um zero perpétuo em matemática ou ortografia:
ao excluir a eventualidade de progresso, você remove
as desvantagens do esforço. E a confissão de que os
livros contêm "vocabulário demais", quem sabe?
Talvez te coloque na capa da leitura ...
Porém, o retrato que esses adolescentes fazem de si
mesmo não é correto: eles não têm o rosto do mau
aluno com a testa estreita e o queixo cúbico que um
mau cineasta imaginaria ao ler seus telegramas
autobiográficos.
Não, eles têm as cabeças de seu tempo: topete e
jaquetas para o roqueiro de plantão, Burlington4 e
Chevignon5 para os amantes da moda, jaquetas de
couro para o motociclista sem moto, cabelo comprido
ou escova de acordo com as tendências da família ...
menina aí flutuador
4
Marca de meias muito na moda entre os jovens na França. (N. de T.)
5Marca de roupas também muito na moda entre os jovens. (N. de T.)
Dentro da camisa de seu pai que bate nas joelheiras
rasgadas de sua calça jeans, o outro inventou a silhueta
negra de uma viúva siciliana ("Não tenho nada a ver
com o mundo"), quando sua vizinha loira, pelo
contrário, tudo está em jogo na estética: corpo do
anúncio e rosto cuidadosamente coberto de gelo.
Eles acabaram de sair da caxumba e do sarampo e
têm idade suficiente para engolir a moda.
E alto, principalmente! É como comer a sopa na
cabeça do professor! E fortes, os meninos! E as
meninas, já algumas belezas!
Parece ao professor que sua adolescência foi mais
imprecisa ..., ele, mais canalha ..., a porcaria do pós-
guerra ... leite em pó do plano Marshall ..., naquela
época o professor estava passando reconstrução, como
o resto da Europa ...
Eles têm a cabeça do resultado.
A saúde e a fidelidade à moda dão-lhes um ar de
maturidade que pode ser intimidante. Seus estilos de
cabelo, suas roupas, seus walkmans, suas calculadoras,
seu vocabulário, sua atitude reservada, até sugerem que
eles poderiam ser mais
"Adaptado" ao seu tempo do que o professor. Saiba
muito mais que ele ...
Muito mais sobre o quê?
É o enigma do seu rosto, precisamente ... Nada
mais enigmático do que um ar de maturidade.
Se não fosse veterano, o professor poderia se sentir
privado do presente indicativo, um pouco inútil .. Só ...
os pirralhos e adolescentes que ele viu em vinte anos de
aulas ..., mais de três mil ..., o das modas que tem visto
acontecer ..., a ponto, inclusive, de
Não voltes!
A única coisa que permanece inalterada é o
conteúdo do token individual. A estética "decadente",
em toda a sua ostentação: sou preguiçoso, sou burro,
não sou nada, já tentei de tudo, não me esforço, o meu
passado não tem futuro ...
Em suma, eles não se amam. E eles proclamam uma
convicção ainda infantil.
Em suma, eles estão entre dois mundos. E eles
perderam contato com os dois. "Estamos no papagaio",
sim,
"Legal" (e como!), Mas a escola "toca nossas bolas",
exige "comer o pote", não somos mais crianças, mas
"temos uma cadela" na eterna espera de sermos adultos
...
Eles gostariam de ser livres e se sentir abandonados.
43
E obviamente eles não gostam de ler. Muito
vocabulário em livros. Muitas páginas também. Para
dizer tudo, muitos livros.
Não, eles definitivamente não gostam de ler.
Isso é, pelo menos, o que a floresta de dedos erguidos
indica quando o professor faz a pergunta:
-Quem não gosta de ler?
Há uma certa provocação, até, nessa quase
unanimidade. Porque os poucos dedos que não sobem
(entre outros o da viúva siciliana), é por decidida
indiferença à questão colocada.
"Bem", diz a professora, "já que você não gosta de
ler ... sou eu que lerei os livros para você."
Sem transição, ele abre seu portfólio e tira dele um
livro enorme, uma coisa cúbica realmente enorme, com
uma capa brilhante. A coisa mais impressionante que
você pode imaginar em termos de livros.
- Você está pronto?
Eles não acreditam em seus olhos ou ouvidos. Esse
cara vai ler tudo isso para você? Mas vai demorar o ano
todo! Perplexidade ... Uma certa tensão, até ... Não há
uma única professora que pretenda passar o ano lendo.
Ou ele é um vagabundo sangrento ou há um gato preso.
Uma armadilha está à nossa espera. Vamos para a lista
de vocabulário diário, para a escrita de leitura
permanente ...
Eles olham um para o outro. Alguns, por precaução,
colocam uma folha à sua frente e colocam as canetas na
bateria.
- Não, não, é inútil fazer anotações. Tente ouvir, só
isso.
Então surge o problema de atitude. O que se torna
um corpo em uma sala de aula se não tem mais o álibi
da caneta e da folha em branco? O que fazer com você
em tal circunstância?
-Sente-se confortavelmente, relaxe
... (Isso é bom ..., relaxe ...)
Por curiosidade, Tupé y Camperas acaba perguntando
de qualquer maneira:
"Você vai ler todo o livro para nós ... em voz alta?"
- Eu não consigo ver como você poderia me ouvir se eu
ler em voz baixa ...
Riso baixo. Mas a jovem viúva siciliana não está
disposta a comprá-lo. Em um murmúrio alto o
suficiente para ser ouvido por todos, ele deixa escapar:
- Não somos mais velhos.
Preconceito comummente difundido ...
especialmente entre aqueles que nunca receberam o
verdadeiro dom da leitura. Os outros sabem que não há
idade para esse tipo de presente.
-Se em dez minutos você ainda achar que não tem
mais idade, levante o dedo e passamos para outra coisa,
ok?
-Que tipo de livro é esse? Burlington pergunta, no
tom de quem está de volta.
- Uma novela.
-Que conta?
- É difícil dizer antes de você ler. Nós vamos,
Preparar? Fim das negociações. Vá em frente.
Preparado. '"cético, mas preparado. -Capítulo Um:
"No século XVIII, um dos homens mais brilhantes e
abomináveis viveu na França numa época em que não
havia falta de homens abomináveis e brilhantes."
44
(...) «Na época em questão havia um mau cheiro nas
cidades dificilmente concebível para o homem
moderno. As ruas cheiravam a estrume, os pátios
cheiravam a urina, as escadas cheiravam a madeira
podre e fezes de rato; as cozinhas, ao repolho podre e à
gordura de carneiro; as salas sem ventilação fediam a
poeira mofada; os quartos, lençóis engordurados,
edredons úmidos e o cheiro adocicado e pungente dos
mictórios. As chaminés cheiravam a enxofre; curtumes,
a alvejantes cáusticos; matadouros, ao sangue
coagulado. Homens e mulheres cheiravam a suor e
roupas sujas; suas bocas cheiravam a dentes infectados,
seu hálito cheirava a cebola e seus corpos, quando não
eram mais jovens, queijo rançoso, leite azedo e tumores
malignos. Os rios fediam, as praças fediam, igrejas
fediam, e o fedor era igual sob pontes e em palácios. O
camponês fedia como o clérigo; o oficial artesão, como
esposa do professor; toda a nobreza fedia e, sim, até o
rei fedia como bicho açougueiro e a rainha como cabra
velha, tanto no verão como no inverno ... »6!

6
Patrick Süskind, O perfume (Seix Barral). Traduzido por Pilar Giralt
Gorina. (N. de T.)
Quatro cinco
Caro Sr. Süskind, obrigado! Suas páginas exalam
um aroma que dilata o nariz e provoca risos. Seu
perfume nunca teve leitores mais entusiasmados do que
aqueles trinta e cinco, tão relutantes em lê-lo. Por favor,
acredite que, após os primeiros dez minutos, a jovem
viúva siciliana descobriu que ele tinha sua idade. Todas
aquelas pequenas caretas para evitar que sua risada
sufocasse sua prosa eram ainda pungentes. Os olhos de
Burlington se arregalariam como orelhas e "psst, foda-
se, cale a boca!" como algum companheiro deixou
escapar sua hilaridade. Perto da página trinta e dois,
naquelas linhas em que compara seu Jean-Baptiste
Grenouille, então aposentado na casa de Madame
Gaillard, a um carrapato perpetuamente emboscado
(lembra? A árvore, cego, surdo e mudo, e apenas fareja,
cheirar por anos e quilômetros de distância o sangue de
animais errantes ... '), bem!, no meio dessas páginas,
onde descemos pela primeira vez nas profundezas
úmidas de Jean-Baptiste Grenouille, Tupé e Camperas
adormeceu , com a cabeça entre os braços cruzados.
Um sono profundo com respiração regular. Não, não,
não o acorde, nada melhor do que uma boa soneca
depois de uma canção de ninar, ainda é o primeiro dos
prazeres da ordem da leitura. Tupé y Camperas voltou a
ser muito pequeno, muito confiante ... e já não é muito
mais velho quando, quando chega a hora, exclama: com
a cabeça entre os braços cruzados. Um sono profundo
com respiração regular. Não, não, não o acorde, nada
melhor do que uma boa soneca depois de uma canção
de ninar, ainda é o primeiro dos prazeres da ordem da
leitura. Tupé y Camperas voltou a ser muito pequeno,
muito confiante ... e já não é muito mais velho quando,
quando chega a hora, exclama: com a cabeça entre os
braços cruzados. Um sono profundo com respiração
regular. Não, não, não o acorde, nada melhor do que
uma boa soneca depois de uma canção de ninar, ainda é
o primeiro dos prazeres da ordem da leitura. Tupé y
Camperas voltou a ficar muito pequeno, muito
confiante ... e já não é muito mais velho quando,
quando chega a hora, exclama:
"Merda, adormeci!" O que aconteceu em casa
de la Gaillard?
46
E obrigado também a vocês, Srs. García Márquez,
Calvino, Stevenson, Dostoevski, Saki, Amado, Gary,
Fante, Dahl, Roché, vocês estão vivos ou mortos! Nem
um único, desses trinta e cinco refratários à leitura,
esperou que o professor chegasse ao fim de um de seus
livros para terminar antes dele. Por que deixar para a
próxima semana um prazer que podemos nos oferecer
em uma noite?
-Quem é este Süskind?
-Ele vive?
-Que outras coisas você escreveu?
-O perfumé está escrito em francês? Parece que foi
escrito em francês. (Obrigado, obrigado, Sr.
Lortholary7, senhoras e senhores da tradução, línguas
pentecostais, obrigado!)! e com o passar das semanas ...
-Formidável, Crônica de uma morte anunciada! E cem
anos de solidão, senhor, do que se trata?
-Oh! Fante, senhor, Fante! Meu cachorro idiota!
A verdade é que é super divertido!
-Vida antes dele, Entreaberto ... bem, Gary ... Super ,!
"Esse Roald Dahl é demais!" A história da mulher que
mata sua empresa com uma perna de carneiro
congelada e faz com que a polícia coma as evidências
do crime me fez morrer de tanto rir!
Ok, ok ... julgamentos críticos não são

7
Lortholary traduziu O perfume para o francês. Da mesma forma, a
tradutora espanhola, Pilar Giralt Gorina, deve estar de parabéns. (N. de T.)
ainda bem sintonizado ..., mas vai chegar ... deixa que
leiam ..., vai chegar ...
'No fundo, senhor, todos aqueles livros, The
Viscount Too Much, Doutor Jekyll e Mister Hyde, The
Picture of Dorian Gray, tratam um pouco do mesmo
assunto: bem, mal, duplo, consciência, tentação,
moralidade social, tudo isso , direito?
-Sim.
- Pode-se dizer que Raskolnikov é um personagem
"Romântico"?
Venha? .., está vindo.
47
No entanto, nada de milagroso aconteceu. O mérito
do professor é praticamente nulo nesta história.
O prazer da leitura estava muito próximo,
sequestrado naqueles celeiros de adolescentes por um
medo secreto: o medo (muito, muito antigo) de não
entender.
Eles simplesmente haviam esquecido o que era um
livro, o que ele tinha a oferecer. Eles haviam esquecido,
por exemplo, que um romance conta essencialmente
uma história. Eles não sabiam que um romance deve
ser lido como um romance: fundamentalmente, sacie
nossa sede de contar histórias.
Para satisfazer essa gazuza, eles há muito se
dedicavam à televisão, que funcionava em rede,
juntando desenhos, séries, novelas e thrillers em uma
sequência interminável de estereótipos intercambiáveis:
nossa lógica de ficção. Algo que enche a cabeça da
mesma forma que incha a barriga, satisfaz, mas não
aproveita o corpo. Digestão imediata. A pessoa se sente
tão só depois como antes.
Com a leitura pública de Perfume, encontraram
Süskind: uma história, sem dúvida, uma boa história,
divertida e barroca, mas também uma voz, a de Süskind
(mais tarde, num ensaio, será chamado de "estilo") .
Uma história, sim, mas contada por alguém.
- Incrível, esse princípio, senhor: 'Os quartos são
horríveis ... os homens e as mulheres são horríveis ...
os rios fediam, as praças fediam, as igrejas fediam ... o
rei fedia ... »,Estamos proibidos de fazer repetições! É
bom, não é? É divertido, mas também é bonito, certo?
Sim, o charme do estilo aumenta a graça da
narrativa. Voltando a última página, o eco daquela voz
continua a nos acompanhar. E, além disso, a voz de
Süskind, mesmo através do duplo filtro da tradução e
da voz do professor, não é a de García Márquez, “já dá
para ver!” Nem a de Calvino. Daí esta estranha
impressão de que, onde quer que o estereótipo fale a
mesma língua a todos, Süskind, García Márquez e
Calvino, cada um falando a sua língua, falam só
comigo, só me contam a sua história, jovem viúva
siciliana, Jaqueta de couro sem um motocicleta, Tupé e
Camperas, e eu, Burlington, que não confundi mais
suas vozes e me permito ter preferências.

«Muitos anos depois, perante o pelotão de


fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía teve de
recordar aquela tarde remota em que o seu pai o
levava para ver o gelo. Macondo era então uma vila de
vinte casas de barro e cañabrava construída na
margem de um rio de águas límpidas que descia por
um leito de pedras polidas, brancas e enormes como
ovos pré-históricos ”.

- Sei de cor a primeira frase de Cem anos de solidão!


Com essas pedras, enormes como ovos pré-históricos ...
(Obrigado, Sr. García Márquez, você é a causa de
um jogo que durará o ano todo: capture e retenha as
primeiras frases ou fragmentos favoritos de um
romance de que gostamos.)
- Para mim é o começo do Adolphe, sobre a
timidez, sabe: «Não sabia que, mesmo com o filho, o
meu pai era tímido, e tantas vezes, depois de ter
esperado muito de mim por sinais de carinho que sua
aparente frieza parecia me proibir, ele me deixou com
lágrimas nos olhos e queixou-se aos outros de que eu
não o amava. "
"Exatamente o mesmo que meu pai e eu!"
Ficamos quietos, diante do livro fechado. Agora nos
movemos no presente exibido em suas páginas.
É verdade que a voz do professor interveio nesta
reconciliação: evitando o esforço de decifrar,
desenhando com clareza as situações, plantando os
cenários, encarnando as personagens, sublinhando os
temas, acentuando as nuances, realizando, da forma
mais limpa possível, a sua obra de revelador
fotográfico. Mas logo a voz da professora atrapalha ...
um prazer parasita de uma alegria mais sutil.
- Ajuda-nos a ler para nós, senhor, mas gosto, mais
tarde, de me encontrar a sós com o livro.
O facto é que a voz da professora -uma narrativa
oferecida- reconciliou-me com a escrita e, com ela,
devolveu-me o sabor da minha voz secreta e silenciosa
de alquimista, a mesma que, uns dez anos antes,
maravilhava que a minha mãe no papel corresponderia
a
mãe na vida.
O verdadeiro prazer do romance reside na descoberta
desta intimidade paradoxal: o autor e eu ... A solidão
desta escrita exige a ressurreição do texto pela minha
própria voz silenciosa e solitária.
O professor é apenas um casamenteiro aqui. É hora
de você sair na ponta dos pés.
48
Além da obsessão de não entender, outra fobia que
deve ser superada para conciliar este pequeno mundo
com a leitura solitária é a da duração.
Hora da leitura: o livro visto como uma ameaça à
eternidade!
Quando viram o perfume sair do portfólio do
professor, de repente acreditaram que um iceberg havia
aparecido! (Vamos especificar que o professor em
questão teve
-voluntariamente- escolheu a edição normal de Fayard,
tipos grandes, paginação espaçada, margens largas, um
livro enorme aos olhos daqueles refratários à leitura, e
que prometia provação sem fim.)
Agora, vejam só, você começa a ler e eles veem o
iceberg derreter em suas mãos!
O tempo não é mais tempo, os minutos se
desfazem em segundos e quarenta páginas foram
lidas antes que a hora tivesse passado.
O professor vai a quarenta por hora.
Então, 400 páginas em dez horas. A uma taxa de
cinco horas de idioma por semana, eu poderia ler 2.400
páginas em um quarto! 7.200 por ano escolar! Sete
romances de 1.000 páginas! Em cinco horas de leitura
semanal apenas!
Maravilhosa descoberta que muda tudo! Afinal, um
livro lê rápido: em uma única hora de leitura por dia da
semana, termino um romance de 280 páginas! Isso só
consigo ler em três dias se me dedicar um pouco mais
de duas horas! 280 páginas em três dias! Isso é 560 em
seis dias úteis. Por pouco
que o livro está mesmo “enrolado” - “O vento levou
senhor, está mesmo“ enrolado ”! Os pais de Tupé e
Campera ronca e Burlington levam-no para ficar
entediado ao país) já temos mais 160 páginas: total de
720 páginas ! Ou 540, se você for a trinta por hora, uma
média bem razoável. e 360, se eu andar a vinte por
hora.
-360 páginas por semana! E você?
Conte suas páginas, crianças, conte-as ... os
romancistas fazem o mesmo. Imperdível quando
chegarem à página 100! A página cem é o Cabo Horn
do romancista! Ele descobre uma garrafa interna, dança
uma dança discreta, bufa como um cavalo de carga e
então mergulha de volta em seu tinteiro para iniciar a
página 101. (Um cavalo de carga afundando em um
tinteiro, imagem poderosa!)
Conte suas páginas ... Começa-se por se surpreender
com a quantidade de páginas lidas, e então chega a hora
de se assustar com as poucas que faltam ler. Apenas 50
páginas! Você verá ... Nada tão delicioso quanto aquela
tristeza: Guerra e Paz, dois volumes enormes ..., e
faltam apenas 50 páginas para ler.

Você vai devagar, vai devagar, nada pra fazer ...


Natacha acaba casando com Pedro Bezujov, e é o fim.
49
Sim, mas a que parte da minha distribuição de
tempo devo dedicar aquela hora de leitura diária? Para
amigos? Na TV? Para os deslocamentos? Para as noites
de família? Para o dever de casa?
Onde encontrar tempo para ler? Problema sério.
Isso não é.
A partir do momento em que surge o problema do
tempo de leitura, é que você não sente vontade. Bem,
visto com atenção, ninguém nunca tem tempo para ler.
Nem os mais pequenos nem os mais velhos. A vida é
um obstáculo permanente à leitura.
-Leitura? Eu gostaria, mas o trabalho, os filhos, a
casa, não tenho tempo ...
"Como invejo você por ter tempo para ler!"
E por que ela, que trabalha, faz compras, educa os
filhos, dirige seu carro, ama três homens, vai ao
dentista, muda-se na próxima semana, encontra tempo
para ler, e aquele casto e solteiro inquilino não?
Hora de ler é sempre tempo roubado. (Como a hora
de escrever, por outro lado, ou a hora de amar.)
Roubado de quê?
Digamos o dever de viver.
Sem dúvida, essa é a razão pela qual o medidor -
um símbolo arraigado desse dever - acaba sendo a
maior biblioteca do mundo.
O tempo de ler, assim como o tempo de amar,
prolonga o tempo de viver.
Se tivéssemos que considerar o amor do ponto de
vista de nossa distribuição de tempo, o que
arriscaríamos? Quem tem tempo para se apaixonar? Já
se viu, porém, que um amante não encontra tempo para
amar?
Nunca tive tempo de ler, mas nada jamais me
impediu de terminar um romance que eu amava.
Ler não depende da organização do tempo social, é,
como o amor, uma forma de ser.
O problema não é saber se tenho tempo para ler ou
não (tempo que ninguém também me dá), mas se me
dou ou não a felicidade de ser leitor.
Discussão que Tupé y Camperas resume em um
slogan arrebatador:
-A hora de ler? Eu tenho no bolso!
Em vista do livro que ele extraiu dele (Jim
Harrison's Legends of Autumn, 1918, brochura),
Burlington cuidadosamente aprova:
-Sim ... quando você compra uma jaqueta, o
importante é que os bolsos tenham um formato
adequado!
cinquenta
Na gíria, a leitura é chamada de ligoter (= amarrar).
Em linguagem figurada, um livro grosso é um pavé
(= paralelepípedo).
Solte os laços, o paralelepípedo se transforma em
uma nuvem.
51
Uma condição é suficiente para essa reconciliação
com a leitura: não pedir nada em troca. Absolutamente
nada. Não construa uma parede de conhecimento
preliminar em torno do livro. Não faça a menor
pergunta. Não pedindo o menor serviço. Não
acrescente uma palavra às páginas lidas. Sem
julgamento de valor, sem explicação de vocabulário,
sem análise de texto, sem indicação biográfica ...
Proibir totalmente "falar sobre".
Dom de leitura.
Leia e espere.
A curiosidade não é forçada, ela é despertada.
Leia, leia e confie nos olhos que se abrem, nos rostos
que se alegram, na pergunta que vai nascer e que vai
arrastar outra pergunta.
Se o pedagogo dentro de mim é ofuscado por não
«Apresentar o trabalho no seu contexto», persuadir o
referido pedagogo de que o único contexto que
interessa, de momento, é o desta turma.
Os caminhos do conhecimento não convergem
nesta aula: devem partir dela!
No momento, estou lendo romances para um
público que pensa que não gosta de ler. Não poderei
ensinar nada sério até que tenha dissipado essa ilusão,
feito meu trabalho de casamenteiro.
Tão logo esses adolescentes se reconciliem com os
livros, eles percorrerão com prazer o caminho que vai
do romance ao autor, do autor ao seu tempo e da
história lida em seus múltiplos sentidos.
O segredo é estar preparado.
Esperando com os pés firmes a avalanche de perguntas. -
Stevenson é inglês?
- Escocês.
- De que época?
. Século 19, na época da Rainha Vitória.
- Parece que reinou muito tempo, a tia ...
-64 anos: de 1837 a 1901.
-64 anos!
- Ela reinava por 13 anos quando Stevenson
nasceu, e ele morreu 7 anos antes dela. Você agora tem
quinze anos, ela está no trono e fará 79 no final do
reinado dela! (Numa época em que a idade média
estava na casa dos trinta.) E ela não era a mais
engraçada das rainhas.
"É por isso que Hyde nasceu de um pesadelo!"
O observação procede a partir de a viúva
Siciliano. Burlington Stupefaction.
-Como você sabe
disso? A viúva,
enigmática:
-Um, que é relatado ...
Então, com um sorriso discreto:
- Posso até te dizer que foi um pesadelo engraçado.
Quando Stevenson acordou, foi se trancar em seu
escritório e escreveu a primeira versão do livro em dois
dias. Sua esposa o fez queimá-la imediatamente porque
ela estava na pele de Hyde, roubando, estuprando e
massacrando tudo que estava à sua frente! A grande
rainha não teria gostado disso. Então, ele inventou
Jekyll.
52
Mas não basta ler em voz alta, é preciso também
contar, oferecer nossos tesouros, soltá-los na praia da
ignorância. Ouça, ouça e veja como é bela uma
história!
Não há melhor maneira de despertar o apetite
do que dar a si mesmo uma farra de leitura para cheirar.
De Georges Perros, o surpreso aluno também disse:
- Ele não se contentava com a leitura. Ele estava
nos contando! Dom Quixote estava nos contando!
Madame Bovary! Fragmentos enormes de inteligência
crítica, mas que ele nos apresentou desde o início como
meras histórias. Sancho, em sua boca, tornou-se o odre
da vida, e o Cavaleiro da Triste Figura um grande feixe
de ossos armado de certezas dolorosamente dolorosas!
Emma, como ele nos contou, não era apenas uma idiota
corroída pela "poeira das velhas salas de leitura", mas
um saco de energia fenomenal, e, na voz de Perros,
ouvimos Flaubert rir daquele desastre! Enorme!
Caros bibliotecários, guardiães do templo, que sorte
que todos os títulos do mundo tenham encontrado seus
alvéolos na perfeita organização de suas memórias (o
que eu faria sem você, eu, cuja memória é um lote não
construído?), É prodigioso que esteja em dia com todos
os materiais encomendados nas estantes que o cercam
..., mas seria bom, também, ouvi-lo contar seus
romances favoritos aos visitantes perdidos na floresta
das leituras
possível ... que bom seria se você desse a eles suas
melhores memórias de leitura! Contadores de histórias,
magia sedenta e livros pularão direto de suas prateleiras
para as mãos do leitor.
É tão fácil contar um romance ... Às vezes, três
palavras bastam.
Memória de verão da infância. A hora do NAP. O
irmão mais velho em seu rosto em sua cama, seu
queixo nas palmas das mãos, engolfado em um enorme
Livro de bolso. O pequeno, pairando: "O que você está
lendo?"
O MAIOR: As chuvas vieram.
O MENINO: Tudo bem? O
MAIOR: Ótimo!
O PEQUENO: O que conta.,?
O MAIS ANTIGO: É a história de um cara: no
começo ele bebe muito uísque, e no final bebe
muita água!
Não precisei de mais nada para passar o final
daquele verão ensopado até os ossos pelas chuvas do
Sr. Louis Bromfield, roubadas do meu irmão, que
nunca terminou.
53
Tudo isso é muito bonito, Süskind, Stevenson,
García Márquez, Dostoievski, Fante, Chester Himes,
Lagerlof, Calvino, todos aqueles romances lidos em
desordem e sem contrapartida, todos esses contos
contados, aquele banquete anárquico da leitura pelo
prazer da leitura. .. mas o programa, meu Deus, o
programa! As semanas vão passando e ainda não
tocamos no show. Terror do ano corrente, espectro do
programa inacabado ...
Sem pânico, o programa será sobre, como dizem,
aquelas árvores que dão frutos classificados.
Ao contrário do que imaginou Tupé y Camperas, a
professora não vai passar o ano inteiro lendo.
Ai ai! Por que o prazer da leitura silenciosa e solitária
teve que despertar tão cedo? Assim que começa um
romance em voz alta, ele corre para as livrarias para
pegar "o resto" antes da próxima série. Assim que ele
contar duas ou três histórias -
"... o fim não, senhor, não conte o fim!" - eles devoram
os livros dos quais você os tirou.
(Unanimidade que, por outro lado, não deve ser
confundida. Não, não, o professor não se
metamorfoseou apenas com um golpe da varinha
mágica em leitores cem por cento, alguns refratários ao
livro. No início do curso todos lê Claro, superado o
medo, lê-se sob o impulso do entusiasmo, da emulação
.É possível, gostemos ou não, que se leia um pouco
para agradar ao professor ..., que, no por outro lado,
não deve adormecer no
louros ... nada esfria mais rápido do que queimar, você
já viu isso muitas vezes! Mas por enquanto é lido por
unanimidade, sob a influência daquele coquetel cada
vez mais especial que faz uma classe confiante se
comportar como um indivíduo, mantendo suas trinta
individualidades diferenciadas. Isso não significa que,
quando forem mais velhos, todos esses alunos vão
"gostar de ler". Outros prazeres talvez prevaleçam
sobre o prazer do texto. Mas o fato é que nessas
primeiras semanas do curso, o ato de ler - o famoso
"ato de ler"! - não assusta mais ninguém, eles leem, e
às vezes muito rapidamente.)
Além disso, o que esses romances têm para ser lidos
tão rapidamente? Fácil de ler? O que você quer dizer
com "fácil de ler>? A Lenda de Gasta Berling é fácil de
ler? Fácil de ler Crime e Castigo? Mais fácil do que O
Estranho, do que Vermelho e Preto? Não, para começar
eles não são no programa, uma qualidade inestimável
para os jovens companheiros da viúva siciliana,
dispostos a qualificar de "mormo" qualquer obra
escolhida pelo magistério para o aumento
fundamentado de sua cultura. Pobre "programa". É
claro que o programa não não tem nada a ver com isso.
(Rabelais, Montaigne, La Bruyere, Montesquieu,
Verlaine, Flaubert, Camus, "vamos morrer"? Não, por
favor ...) Só o medo pode transformar textos de
programas em "morremos". compreensão, medo de
responder errado, medo de quem se eleva acima do
texto, medo da linguagem entendida como matéria
opaca; nada mais adequado para confundir as falas,
para afogar o sentido no leito da frase.
Couro Burlington e Sucker sem motocicleta são os
primeiros a se surpreender quando o professor anuncia
que Salinger's Catcher in the Rye, que eles acabaram de
curtir, está na lista negra de seus colegas americanos
pelo único motivo de que eles o têm em seu Programa.
Portanto, é possível que haja um Texan Leather Sucker
se aproximando sorrateiramente de Madame Bovary
enquanto seu professor sai correndo de Salinger!
Aqui (pequeno parêntese) intervenção da viúva siciliana:
-Senhor, não há texano que lê.
-Ah não? Onde você conseguiu aquilo?
- De Dallas. Você já viu um único personagem de
Dallas com um livro nas mãos?
(Vamos fechar os parênteses.)
Em suma, planejando em todas as leituras, viajando
sem passaporte por obras estrangeiras (principalmente
estrangeiras: esses ingleses, esses italianos, esses
russos, esses americanos, têm aula suficiente para ficar
longe do "programa"), os alunos, reconciliados Com o
que é lido, aproximam-se das obras a serem lidas em
círculos concêntricos, e logo caem neles, como quem
não quer a coisa, pela simples razão de A Princesa dos
Onze ter se tornado um romance "Mais", tão bom como
outro ... (Melhor do que os outros, mesmo esta história
de um amor protegido do amor, tão curiosamente
familiar aos adolescentes de hoje que rapidamente
imaginamos dominado por fatalidades devoradoras.)
Cara Sra. De Lafayette,
No caso de a notícia poder interessar a você, conheço
uma turma de segundo grau considerada pouco
"literária" e razoavelmente "dissipada", onde sua
Princess of Eleves alcançou a "parada de sucessos" de
tudo o que foi lido nela naquele ano.
Assim, será tratado o programa, as técnicas de
redação, de análise de texto (grelhas legais, ah, que
metódico), de comentário, de resumo e de discussão,
devidamente transmitidos, e toda essa mecânica
perfeitamente filmada para dar a entender os
competentes autoridades, no dia dos exames, que não
nos limitamos a ler para nos distrair, mas também
compreendemos, que fizemos o famoso esforço da
compreensão.
A questão de saber o que "entendemos" (a questão
final) tem interesse. Compreendeu o texto? Sim, sim,
obviamente, mas compreendeu sobretudo que uma vez
reconciliado com a leitura, tendo o texto perdido o seu
estatuto de enigma paralisante, o nosso esforço para
chegar ao seu sentido torna-se um prazer que, uma vez
vencido O medo de não compreender , as noções de
esforço e prazer agem poderosamente a favor do outro,
porque, neste caso, meu esforço me assegura de
aumentar meu prazer, e o prazer de compreender se
soma à minha embriaguez na solidão ardente do
esforço.
E também entendemos outra coisa. Com alguma
diversão, entendemos "como funcionam as coisas",
incluindo a arte e a forma de "falar sobre",
para se afirmar no mercado de exames e oposições.
Inútil esconder que era um dos objetivos da operação.
Em termos de exame e emprego, "compreensão"
significa entender o que se espera de nós. Um texto
"bem compreendido" é um texto inteligentemente
negociado. Os dividendos dessa disputa são o que o
jovem candidato procura no rosto do examinador
quando ele olha furtivamente para ele depois de ser
servido por um astuto - mas não muito ousado - retrato
de um alexandrino com uma reputação enigmática.
"Ele parece satisfeito, vamos continuar neste caminho,
conduza a cabeça da nota primeiro.")
Desse ponto de vista, uma escolaridade literária
bem conduzida depende tanto da estratégia quanto de
uma boa compreensão do texto. E, com mais frequência
do que você pensa, um "mau aluno" é uma criança
tragicamente sem habilidades táticas. Só que, em seu
pânico de não oferecer o que esperamos dele, logo
confunde escolaridade com cultura. Deixado de lado
pela escola, ele imediatamente se considera um pária da
leitura. Ele imagina que "ler" é em si um ato elitista e
se priva dos livros ao longo da vida porque não soube
falar sobre eles quando questionado.
Portanto, ainda há algo mais para "entender".
54
Resta "entender" que os livros não foram escritos
para meu filho, minha filha, o jovem comentarem, mas
para que, se o coração os disser, eles possam lê-los.
Nosso conhecimento, nossa escolaridade, nossa
carreira, nossa vida social são uma coisa. Nossa
privacidade como leitor e nossa cultura outra. É preciso
fabricar diplomados, graduados, professores e
quadros8, a sociedade exige, e é algo que não se discute
..., mas é muito mais essencial abrir todas as páginas de
todos os livros.
Ao longo de seu aprendizado, escolares e alunos são
obrigados a glosas e comentários, e as modalidades
dessa função os assustam a ponto de privar de livros a
grande maioria da companhia. Por outro lado, nosso
final de século não conserta as coisas; o comentário o
domina como senhor absoluto, a ponto, muitas vezes,
de tirarmos o objeto comentado de vista. Este zumbido
cegante carrega um nome eufemístico: comunicação ...
Falar sobre um trabalho para adolescentes e exigir
que eles falem sobre ele pode ser muito útil, mas não é
um fim em si mesmo. O fim é o trabalho. O trabalho
em suas mãos. e o primeiro de seus direitos, em relação
8
. Refere-se aos alunos da ENA (École National d'Administration),
da qual provém boa parte da classe dominante francesa. (N. de T.)
ler, é o direito de calar a boca.
55
Nos primeiros dias do ano letivo, geralmente peço
aos meus alunos que descrevam uma biblioteca para
mim. Não uma biblioteca municipal, não, mas os
móveis, uma livraria.
Aquele onde coloquei meus livros. E eles descrevem
uma parede para mim. Um penhasco de
conhecimento, rigorosamente ordenado,
absolutamente impenetrável, uma parede contra a
qual você só pode quicar ...
-E um leitor? Descreva-me um leitor.
-Um verdadeiro leitor?
-Se quiser, embora eu não apenas "saiba o que você
chama de um verdadeiro leitor"
Os mais "respeitosos" me descrevem o próprio
Deus Pai, uma espécie de eremita antediluviano,
sentado desde o início dos tempos em uma montanha
de livros cujo significado ele teria absorvido até que
entendesse o motivo de qualquer coisa. Outros esboçam
para mim o retrato de uma pessoa profundamente
autista, tão absorta em livros que bate contra todas as
portas da vida. Outros fazem um retrato negativo de
mim, dedicando-se a enumerar tudo o que um leitor não
é: ele não é um atleta, não está vivo, não é engraçado e
não gosta de "caxumba" ou
"Rags", não "bugas", não televisão, não música, não
amigos ... e outros, enfim, mais "estrategistas",
levantam diante de seu professor a estátua acadêmica
do leitor atento aos meios de comunicação colocados à
sua disposição. para livros para aumentar seu
conhecimento e aguçar sua clareza. Existem aqueles
que misturam esses diferentes registros, mas nenhum,
nem um entre todos, se descreve, nem descreve um
membro de sua
família ou um daqueles inúmeros leitores que você
encontra todos os dias no metrô.
e quando lhes peço que descrevam "um livro" para
mim, o que entra na sala de aula é um OVNI: um
objeto tremendamente misterioso e praticamente
indescritível dada a perturbadora simplicidade de suas
formas e a multiplicidade proliferante de suas funções,
um "corpo estranho" , dotado de todos os poderes e
também de todos os perigos, um objeto sagrado,
infinitamente mimado e respeitado, depositado com os
gestos de um oficiante nas prateleiras de uma livraria
impecável, para aí ser venerado por uma seita de
devotos de olhos enigmáticos.
O Santo Graal. Nós vamos.
Procuremos profanar um pouco essa visão do livro
que lhes pusemos na cabeça, por meio de uma
descrição mais "realista" da maneira como os que
gostam de ler tratam nossos livros.
56
Poucos objetos como o livro despertam tal
sentimento de propriedade absoluta. Depois de caírem
nas nossas mãos, os livros tornam-se nossos escravos ...
escravos, sim, porque são feitos de matéria viva, mas
escravos que ninguém pensaria em libertar, porque são
folhas mortas. Como tal, eles sofrem o pior tratamento,
fruto dos amores mais selvagens ou da fúria terrível. E
eu dobro as páginas para vocês (ah, que ferida, cada
vez, a visão da página dobrada!, "Mas é saber onde
estou!") E coloco a xícara de café na tampa, aquelas
auréolas, aquelas brindes brindes, aquelas manchas de
óleo solar ..., e deixo-te um pouco por todo o lado a
marca do meu polegar, o dedo com que aperto o meu
cachimbo enquanto te leio ... e aquela Rléiade9 secando
miseravelmente no radiador depois de ter caído em seu
banho «seu banho, querida, mas meu Swift! 10») ...

9
La Pléiade, prestigiosa coleção de obras completas de autores
clássicos, ou consagrados como tal por terem sido publicados desta forma.
(N. de T.)
10Coleção de livros de bolso. (N. de T.)
aquela pilha de Folios11 abandonada ao molde do
celeiro ... aqueles livros infantis miseráveis que
ninguém mais lê, exilados numa casa de campo onde
ninguém mais vai ..., e todos aqueles outros no cais
liquidados aos traficantes de escravos .. .
Tudo, fazemos os livros sofrerem tudo. Mas a
forma como os outros os maltratam é a única que nos
entristece ...
Não faz muito tempo, vi com meus próprios olhos
como uma leitora jogou um grande romance pela janela
de um carro que rodava a toda velocidade: foi porque
ela pagou caro, convencida de críticos competentes e se
sentiu muito decepcionada. O pai da novelista Tonina
Benacquista chegou a fumar Platão! Um prisioneiro de
guerra algures na Albânia, com um resto de tabaco no
fundo do bolso, um exemplar do Crátilo (que diabo ele
estava a fazer ali?), Um fósforo ... e merda!, Uma nova
forma de falar com Sócrates ... por sinais de fumaça.
Outro efeito da mesma guerra, ainda mais trágico:
Alberto Moravia e EIsa Morante, forçados a se refugiar
por vários meses em uma cabana de pastor, só
conseguiram salvar dois livros, A Bíblia e Os Irmãos
Karamazov. Daí um terrível dilema:
Qual dos dois monumentos usar como papel higiênico?
Por mais cruel que seja, uma escolha é uma escolha.
Com grande dor de cabeça, eles escolheram.
Não, tão sagrado quanto a fala distorcida
onze
Refere-se aos bouquinistes, estantes instaladas nas margens
do Sena. (N. de T.)
Em torno dos livros não nasceu ninguém que impedisse
Pepe Carvalho, personagem preferido de Manuel
Vázquez Montalbán, de acender uma boa fogueira
todas as noites com as páginas de suas leituras
favoritas.
É o preço do amor, a contrapartida da intimidade.
Assim que um livro chega às nossas mãos, é nosso,
tal como dizem as crianças: "É o meu livro" ..., parte
integrante de mim. Sem dúvida, essa é a razão pela qual
é tão difícil para nós devolver os livros que eles nos
emprestam. Não é propriamente um roubo ... (não, não,
nós não somos ladrões, não ...), digamos um
deslizamento de propriedade, ou melhor, uma
transferência de substância: o que estava sob o seu
olhar, é isso torna-se meu quando meu olho o come; E,
diabos, se eu gostei do que li, tenho alguma dificuldade
em "devolver".
Estou apenas me referindo à maneira como nós,
indivíduos, tratamos os livros. Mas os profissionais não
fazem isso melhor. E vou guilhotinar o papel rente com
as palavras para que minha coleção de bolso seja mais
rentável (texto sem margens com as letras
desproporcionais do puro apertado), e vou explodir esse
novelinho pra vocês como um balão para fazer o leitor
acreditar que vale a pena o dinheiro que paga por isso
(texto afogado, com as frases assustadas de tanta
brancura), e ponho umas "bandas" cujas cores e cujos
títulos gigantescos cantam a até cento e cinquenta
metros de distância:
Você me leu? Você me leu? E eu vou fazer cópias
"club" em papel esponja e capa de monumentos para
usar como papel higiênico? Para cruel
Seja como for, uma escolha é uma escolha. Com
grande dor de cabeça, eles escolheram.
Não, por mais sagrado que seja o discurso trançado
em torno dos livros, não nasceu ninguém que impeça
Pepe Carvalho, personagem preferido de Manuel
Vázquez Montalbán, de acender todas as noites uma
boa fogueira com as páginas de suas leituras favoritas.
É o preço do amor, a contrapartida da intimidade.
Assim que um livro chega às nossas mãos, é nosso,
tal como dizem as crianças: "É o meu livro" ..., parte
integrante de mim. Sem dúvida, essa é a razão pela qual
é tão difícil para nós devolver os livros que eles nos
emprestam. Não é propriamente um roubo ... (não, não,
nós não somos ladrões, não ...), digamos um
deslizamento de propriedade, ou melhor, uma
transferência de substância: o que estava sob o seu
olhar, é isso torna-se meu quando meu olho o come; E,
diabos, se eu gostei do que li, tenho alguma dificuldade
em "devolver".
Estou apenas me referindo à maneira como nós,
indivíduos, tratamos os livros. Mas os profissionais não
fazem isso melhor. E vou guilhotinar o papel a Fas das
palavras para que minha coleção de bolso seja mais
rentável (texto sem margens com as letras
desproporcionalmente de puro amontoado), e te encho
como um balão esse novelinho para fazer o leitor
acreditar que dinheiro que paga por isso (texto afogado,
com as frases assustadas por tanta brancura), e coloco
algumas "bandas" cujas cores e cujos títulos
gigantescos cantam a até cento e cinquenta metros de
distância:
Você me leu? Você me leu? e eu faço cópias "club" em
papel fofo e capa de papelão ondulado adornadas com
ilustrações deprimentes, e pretendo fazer algumas
edições "luxuosas" sob o pretexto de que adorno uma
pele falsa com uma orgia de douramento ...
Produto de uma sociedade hiperconsumista, o livro
é quase tão estragado quanto uma galinha alimentada
com hormônios, muito menos do que um míssil
nuclear. Frango com hormônio de crescimento
instantâneo não é, por outro lado, uma comparação
gratuita quando aplicada aos milhões de livros "de
circunstâncias" que se escrevem em uma semana sob o
pretexto de que, naquela semana, a rainha prejudicou
ou o presidente perdeu o trabalho dele.
Assim, visto desta perspectiva, o livro não é nem
mais nem menos que um objeto de consumo, e tão
efêmero como qualquer outro: imediatamente destruído
se não funcionar, muitas vezes morre sem ter sido lido.
Quanto à forma como a própria universidade trata
os livros, seria bom pedir a opinião dos autores. Aqui
está o que Flannery O'Connor escreveu sobre isso no
dia em que descobriu que os alunos estavam sendo
obrigados a estudar seu trabalho:
“Se os professores de hoje têm como princípio
abordar uma obra como se fosse um problema de
pesquisa para o qual qualquer resposta seja útil, desde
que não seja óbvia, temo que os alunos nunca
descubram o prazer de ler um romance. .. »
57
Até agora, o "livro".
Vamos passar para o
leitor.
Porque, ainda mais instrutivo do que a maneira como
tratamos nossos livros, é a maneira como os lemos.
No que diz respeito à leitura, nós, “leitores”, nos
permitimos todos os direitos, a começar pelos que
negamos aos jovens que pretendemos iniciar na leitura.

1) O direito de não ler.


2) O direito de pular as páginas.
3) O direito de não terminar um livro.
4) O direito de reler.
5) O direito de ler qualquer coisa.
6) O direito ao bovarismo.
7) O direito de ler em qualquer lugar.
8) O direito de navegar.
9) O direito de ler em voz alta.
10) O direito ao silêncio.

Vou me limitar arbitrariamente ao número 10,


primeiro porque é um número redondo, e depois porque
é o número sagrado dos famosos Mandamentos e é
divertido vê-lo usado uma vez para uma lista de
autorizações, ou
Porque se queremos que meu filho, minha filha, o
jovem leia, é urgente que lhes concedamos os direitos
que nos permitimos.
IV. Como ler (ou os
direitos imprescritíveis de
leitor)
1
O direito de não ler

Como qualquer lista de direitos que se preze, o dos


direitos de leitura deve ser aberto pelo direito de não
usá-lo - neste caso o direito de não ler-, sem o qual não
seria uma lista de direitos, mas uma armadilha
perversa.
Para começar, a maioria dos leitores se concede o
direito de não ler diariamente. Embora afete nossa
reputação, entre um bom livro e um péssimo filme para
a TV, o último vence o primeiro com muito mais
frequência do que gostaríamos de confessar. Além
disso, não lemos continuamente. Nossos períodos de
leitura são freqüentemente alternados com dietas
prolongadas nas quais a simples visão de um livro
desperta o miasma da indigestão.
Mas o mais importante é outra coisa.
Estamos cercados por um número de pessoas
totalmente respeitáveis, às vezes com títulos e até
"eminentes" - algumas das quais têm bibliotecas muito
interessantes - mas que nunca leram, ou tão pouco que
nunca pensaríamos em lhes dar um livro de presente.
Eles não lêem. Ou porque não sentem necessidade, ou
porque têm muitas coisas para fazer além da leitura
(mas dá no mesmo, é que aquele apartado os preenche
ou os turva), ou porque alimentam outro amor e vivem
de uma forma absolutamente exclusiva. Em suma,
essas pessoas não gostam de ler. Não por isso são
menos tratáveis, e são até muito
prazeroso. (Pelo menos não nos perguntam em nenhum
momento nossa opinião sobre o último livro que lemos,
evitam suas reservas irônicas sobre nosso romancista
favorito, e não nos consideram retardados por não nos
apressarmos no último Tal, que acaba de sair na
imprensa. Editorial Cual e que o crítico do Enterado
mais elogia.) São assim
"Humano" como nós, absolutamente sensível aos
infortúnios do mundo, preocupado com os "direitos do
homem" e dedicado a respeitá-lo na sua esfera de
influência pessoal, que já é muita, mas vejam só, não
leem .não faça isso.
A ideia de que ler "humaniza o homem" é justa no
geral, embora experimente algumas exceções
deprimentes. É sem dúvida outra coisa
"Humano", e com isso queremos dizer algo mais
solidário com a espécie (algo menos "feroz"), depois de
ter lido Tchekhov do que antes.
Mas evitemos acompanhar este teorema com o
corolário segundo o qual qualquer indivíduo que não lê
deve a priori ser considerado um bruto em potencial ou
um cretino teimoso. Porque, do contrário, faremos da
leitura uma obrigação moral, e este é o início de uma
escalada que nos levará em breve a julgar, por
exemplo, a "moralidade" dos próprios livros com base
em critérios que não respeitarão outra liberdade
inalienável: a liberdade de criar. Daí em diante,
seremos os brutos, por mais "leitores" que sejamos. E
Deus sabe muito bem que no mundo não faltam brutos
deste tipo.
Em outras palavras, a liberdade de escrever não pode
ir
acompanhado do dever de ler.
Em última análise, o dever de educar consiste,
ensinando as crianças a ler, aos iniciados na Literatura,
em dar-lhes os meios para julgarem livremente se o
sentem ou não.
"Necessidade de livros." Porque, embora se possa
admitir perfeitamente que um indivíduo rejeite a
leitura, é intolerável que ele seja - ou se acredite que
seja - rejeitado por ela.
É imensamente triste, uma solidão na solidão, ser
excluído dos livros ... mesmo daqueles que podem ser
dispensados.
dois
O direito de pular as páginas

Li Guerra e paz pela primeira vez quando tinha


doze ou treze anos (em vez disso, treze, estava na
quinta série e nem um pouco avançado). Desde o início
das férias de verão, vi meu irmão (o mesmo de The
Rains Came) envolvido em um enorme romance, e seu
olhar ficou tão distante quanto o do explorador que há
muito perdeu a noção de sua pátria.
-É muito bom?
-Formidável!
-O que isso explica?
- A história de uma garota que ama um cara e se casa
com um terceiro.
Meu irmão sempre teve o dom de resumos. Se os
editores o contratassem para escrever suas
"contracapas" (aquelas exortações patéticas para ler que
aparecem no verso dos livros), isso nos pouparia de
muito blefe.
-Me empresta?
- Dou.
Estudei estágio, foi um presente inestimável. Dois
grandes volumes que me manteriam aquecido durante
todo o semestre. Cinco anos mais velho que eu, meu
irmão não era um idiota completo (e nem é agora) e
sabia muito bem que Guerra e paz não podia ser
reduzida a uma história de amor, por mais bem
encenada. Eu só conhecia o meu
predileção por paixões sentimentais, e soube despertar
minha curiosidade com a formulação enigmática de
seus resumos. (Um 'pedagogo', em minha opinião.)
Acho que 'foi o mistério aritmético de sua frase que me
fez mudar temporariamente minha Bibliotheque verte,
rouge et or e outras Signes de piste para me lançar
naquele romance. "Uma garota que ama um cara e que
se casa com um terceiro" ... Não vejo como poderia ter
resistido. Na verdade, não fiquei desapontado, mesmo
que ele estivesse errado em seus cálculos. Na prática,
éramos quatro que amavam Natacha: o príncipe André,
aquele Golfo de Anatole (mas será que isso se chama
amor?), Pedro Bezujov e eu. Já que eu não tive chance,
eu tive que
"Identifique-se" com os outros. (Mas não com Anatole,
Um verdadeiro porco!)
Leitura muito mais deliciosa na medida em que se
desenrolava à noite, à luz de uma tocha de bolso e sob
meus cobertores plantada como uma tenda no meio de
um quarto de cinquenta sonhadores, roncadores e
outros brutamontes. A tenda do vigia onde crepitava a
lamparina ficava muito perto, mas não importava,
apaixonado ele é sempre tudo para tudo. Ainda sinto a
espessura e o peso desses volumes em minhas mãos.
Era a versão de bolso, com o lindo rosto de Audrey
Hepburn olhando para um principesco Mel Ferrer com
as pálpebras pesadas de um raptor apaixonado. Pulei
três quartos do livro para me interessar apenas pelo
coração de Natacha. Eu senti pena de Anatole de
qualquer maneira quando eles amputaram sua perna eu
amaldiçoei o cara estúpido
Príncipe André por ter ficado na frente daquela bala de
canhão, na batalha de Borodino ... "<Mas deita, pelo
amor de Deus, deita, ela vai explodir, você não pode
fazer isso com ela, ela te ama!" ) ... Passei a me
interessar pelo amor e pelas batalhas e pulei as questões
de política e estratégia ... Como as teorias de
Clausewitz estavam muito acima do meu entendimento,
confesso, pulei as teorias de Clausewitz ... Continuei
muito de perto os problemas conjugais de Pedro
Bezujov e sua esposa Helena
'Inamigável', Helena, eu realmente a achei
"Desagradável" ...) e deixou Tolstoi sozinho para dar
uma palestra sobre os problemas agrários da Rússia
eterna.
Eu pulei páginas, uau. e todas as crianças deveriam
fazer o mesmo.
Fazendo isso, eles logo poderiam ser agraciados
com quase todas as maravilhas consideradas
inacessíveis para sua idade.
Se você deseja ler Moby Dick, mas fica
desconcertado com as dissertações de Melville sobre o
material e as técnicas de caça às baleias, não precisa
desistir de ler, mas apenas pular, pular aquelas páginas
e perseguir Achab sem se preocupar com o resto, assim
como ele persegue sua razão branca para viver e
morrer! Se eles querem conhecer Ivan, Dimitri,
Alyocha Karamazov e seu incrível pai, deixe-os abrir e
ler Os Irmãos Karamazov, é para eles, mesmo que
tenham que pular a vontade do starets Zosimo ou a
lenda do Grande Inquisidor.
Um grande perigo os espreita se não decidirem por si
próprios
para si mesmos o que está ao seu alcance pulando as
páginas que escolherem: outros farão isso em seu lugar.
Eles agarrarão as 150 grandes tesouras da imbecilidade
e cortarão tudo que considerarem "difícil" para eles.
Isso dá resultados terríveis. Moby Dick ou Os
miseráveis reduzidos a resumos de 150 páginas,
mutilados, estilhaçados, desmembrados, mumificados,
Reescrito para eles em uma linguagem faminta que
supostamente é deles! Algo como se eu desenhasse
Guernica de novo sob o pretexto de que Picasso fez
pinceladas demais para um olho de doze ou treze anos.
e então, mesmo quando somos "mais velhos", e
embora detestemos confessar, também seguimos uns
aos outros.
“Pular páginas”, por motivos que só nos dizem respeito
e ao livro que lemos. Pode ser também que nos
proibamos completamente, que leiamos tudo até a
última palavra, considerando que aqui o autor se
estende muito, que aqui um solo de flauta
razoavelmente gratuito é permitido, que em tal lugar
cai em repetição e em outro em idiotice. Diga o que
dizemos, este tédio teimoso que então nos impomos
não corresponde à ordem do dever, é uma categoria do
nosso prazer como leitor.
3
O direito de não terminar um livro

São trinta e seis mil motivos para abandonar um


romance antes do fim: a sensação de já ter lido, uma
história que não nos fisga, nossa total desaprovação da
tese do autor, um estilo que arrepia os cabelos, ou pelo
contrário, uma ausência de escrita que não seja
compensada por qualquer motivo para continuar ... É
inútil enumerar os restantes 35.995, entre os quais
devemos colocar, no entanto, as cáries dentárias, as
perseguições ao nosso chefe de escritório ou um
terramoto de amor que nos petrifica a cabeça .
O livro cai de nossas mãos?
Deixe cair.
Afinal, nem todos podem ser Montesquieu para se
oferecer por encomenda para o consolo de uma hora de
leitura.
Porém, entre todos os motivos que temos para
abandonar a leitura, há um que merece alguma
reflexão: o vago sentimento de derrota. Eu abri, li e não
demorou muito para me sentir submersa por algo que
parecia mais forte do que eu. Concentrei meus
neurônios, lutei com o texto, mas impossível, por mais
que tenha a sensação de que o que aí está escrito
merece ser lido, não entendo nada -ou tão pouco que
não vale nada-, Eu noto um
"Estranheza" que é impenetrável para
mim. Eu deixo estar.
OU, em vez disso, coloquei de lado. Eu coloquei no
meu
biblioteca com a vaga intenção de insistir um dia.
Petersburgo, de Andrei Biely, Joyce e seu Ulysses,
Under the Volcano, de Malcolm Lowry, esperaram por
mim durante anos. Há outros que ainda estão esperando
por mim, alguns dos quais provavelmente nunca
voltarei. Não é um drama, é a vida. A noção de
"maturidade" é estranha quando se trata de leitura. Até
uma certa idade, não temos idade para certas leituras,
ok. Mas, ao contrário das boas garrafas, bons livros não
envelhecem. Eles nos aguardam em nossas prateleiras e
somos nós que envelhecemos. Quando acreditamos em
nós mesmos o suficiente
"Maduros" para lê-los, nós os enfrentamos novamente.
Portanto, um de dois: ou o encontro ocorre ou é um
novo fiasco. Podemos tentar mais uma vez, talvez não.
Mas é claro que não é culpa de Thomas Mann eu não
ter conseguido, até agora, chegar ao topo de sua
montanha mágica.
O grande romance que nos resiste não é
necessariamente mais difícil do que outro ..., ele existe
entre ele - não importa o quão grande - e nós - não
importa o quão apto
"Entenda" que nós nos estimamos - uma reação
química que não funciona. Um belo dia, simpatizamos
com o trabalho de Borges, que até então nos mantinha à
distância, mas por toda a vida continuamos estranhos
ao de Musil ...
Portanto, temos duas opções: ou pensar que a culpa
é nossa, que está faltando uma caixa, que abrigamos
uma parte irredutível da estupidez, ou mergulhar no
lado da polêmica noção de gosto e tentar estabelecer o
mapa do nosso.
É sensato recomendar esta segunda solução
aos nossos filhos.
e ainda mais quando pode oferecer um prazer
excepcional: reler, finalmente entender porque não
gostamos. E outro prazer excepcional: escutar sem
emoção o pedante de plantão gritando ao nosso ouvido:
- Mas como você pode não gostar de
Stendhaaaaal?
É possível.
4
O direito de reler

Reler o que havia me assustado da primeira vez,


reler sem pular um parágrafo, reler por outro ângulo,
reler para verificação, sim ... nos concedemos todos
esses direitos.
Mas sobretudo relemos de graça, pelo prazer da
repetição, pela alegria dos reencontros, pela verificação
da intimidade.
"Mais, mais", dizia a criança que éramos ... Nossas
releituras adultas participam desse desejo: encantamos
com o que resta, e o achamos tão rico de novo
deslumbramento a cada vez.
5
O direito de ler qualquer coisa

Por falar em "gosto", alguns dos meus alunos


sofrem muito ao se depararem com o tema da escrita
arquicoclássica: "Você pode falar sobre bons e maus
romances?" Visto que sob o pretexto de "Não faço
concessões", são mais gentis, em vez de abordar o
aspecto literário do problema, tratam-no de um ponto
de vista ético e só consideram a questão do ângulo das
liberdades. Com isso, o conjunto de suas obras poderia
ser resumido com esta fórmula: "Não, não, cada um
tem o direito de escrever o que quiser e todos os gostos
dos leitores são naturais, seria mais!" Sim ... sim, sim ...
posição totalmente honrosa.
Isso não impede bons e maus romances. Os nomes
podem ser citados, as provas podem ser fornecidas.
Para ser breve, vamos direto ao ponto: digamos que
haja o que chamarei de "literatura industrial" que se
contenta em reproduzir ad nauseam os mesmos tipos de
histórias, despacha estereótipos em massa, negócios
com bons sentimentos e sentimentos fortes, se lança
sobre todos Os pretextos que o presente oferece para
dar origem a uma ficção de circunstâncias, é dado a
"estudos de mercado" para vender, dependendo da
"situação", este ou aquele tipo de "produto" que se
supõe excitar esta ou aquela categoria de leitores.
Sem dúvida, romances ruins.
Por quê? Porque eles não dependem da criação, mas
da reprodução de "formas" pré-estabelecidas, porque
são um empreendimento de simplificação (isto é, de
mentiras), quando o romance é uma arte de verdade
(isto é, de complexidade), porque apelando ao nosso
automatismo eles acalmam a nossa curiosidade e, por
fim, e sobretudo, porque o autor não está neles, bem
como a realidade que tenta descrever.
Resumindo, uma literatura de "pret a enjoy", feita
em moldes e que gostaria de nos colocar numa forma.
Não acreditamos que essas idiotices sejam um
fenômeno recente, vinculado à industrialização do
livro. Em absoluto. A exploração do sensacional, da
pequena obra engenhosa, do estremecimento fácil de
uma frase sem autor não é coisa de ontem. Para citar
apenas dois exemplos, tanto o romance de cavalaria
quanto, muito tempo depois, o romantismo ficaram
atolados ali. E como não há mal que não venha, a
reação a essa literatura desviante nos deu dois dos mais
belos romances do mundo: Dom Quixote e Madame
Bovary.
Portanto, existem romances "bons" e "ruins".
Na maioria das vezes, começamos a tropeçar no
último.
E, nossa, tenho a sensação de que superei isso
"Formidavelmente bem" quando tive que passar por
eles. Tive muita sorte: ninguém zombou de mim, nem
revirou os olhos, nem me tratou como um cretino.
Limitaram-se a colocar alguns "bons" romances no
meu caminho, tomando muito cuidado para proibir os
outros.
Eu chamo isso de sabedoria.
Por um tempo, lemos indiscriminadamente o que é
bom e o que é ruim, da mesma forma que não
desistimos das leituras de nossos filhos da noite para o
dia. Tudo está misturado. Saímos de Guerra e Paz para
voltar a mergulhar na Biblioteque para vê-lo. Passamos
da coleção Arlequim (histórias de médicos bonitos e
enfermeiras dedicadas) a Borís Pasternak e seu Doutor
Jivago ..., um médico bonito também, e Lara, uma
enfermeira muito dedicada!
e então, um dia, Pastemak vence. Sem perceber,
nossos desejos nos levam a freqüentar os "bons".
Procuramos escritores, procuramos escritos; os meros
companheiros acabaram, reivindicamos camaradas da
alma. A mera anedota não é mais suficiente para nós. É
chegada a hora de pedirmos ao romance algo mais do
que a satisfação imediata e exclusiva de nossas
sensações.
Uma das grandes alegrias do «pedagogo» é -
sempre que uma leitura é autorizada - ver um aluno
bater sozinho a porta da fábrica de Best-sellers para
subir para respirar na casa do amigo Balzac.
6
O direito ao bovarismo (doença
textualmente transmissível)

Isto é, grosso modo, bovarismo, a satisfação


imediata e exclusiva de nossas sensações: a imaginação
brota, os nervos se agitam, o coração dispara, a
adrenalina sobe, as identificações se produzem por toda
parte, e o cérebro confunde (momentaneamente) o que
todos os dias com o romântico.
É nosso primeiro status coletivo de leitor. Delicioso.
Mas bastante assustador para o observador adulto que,
quase sempre, se apressa a acenar um "bom título"
debaixo do nariz do jovem Bovarian, gritando:
"Bem, suponho que Maupassant seja 'melhor, certo?"
Calma ..., não vamos ceder ao bovarismo; Digamos
que, afinal, a própria Emma nada mais era do que uma
personagem de romance, isto é, o produto de um
determinismo em que as causas semeadas por Gustave
apenas engendraram os efeitos - por mais verdadeiros
que fossem - desejados por Flaubert.
Em outras palavras, não é porque uma jovem
coleciona romances de rosas ela vai acabar engolindo
uma concha de arsênico.
Forçar sua mão nesta fase de sua leitura significa que
nos separamos dela negando nossa própria
adolescência. E também privá-la do prazer
incomparável de desalojar amanhã, e sozinha, os
estereótipos que, hoje, parecem expulsá-la dela.
É aconselhável reconciliar-se com o nosso
adolescência; odiar, desprezar, negar ou simplesmente
esquecer o adolescente que fomos é em si uma atitude
adolescente, uma concepção da adolescência como uma
doença mortal.
Daí a necessidade de lembrar nossas primeiras
emoções como leitores e de construir um pequeno altar
às nossas antigas leituras. Incluindo a maioria
"Estúpido." Eles desempenham um papel inestimável:
comover-nos do que éramos, rir do que nos moveu.
Não há dúvida de que os meninos e meninas que
compartilham nossa vida ganham com ela no respeito e
na ternura.
e então também se diz que o bovarismo é - junto
com alguns outros - a coisa mais bem distribuída do
mundo: sempre o descobrimos no outro. Não é de
estranhar que, enquanto difamamos a estupidez da
leitura adolescente, colaboramos com o sucesso de um
escritor telegênico, de quem zombaremos assim que
sair de moda. As modas literárias são amplamente
explicadas por essa alternância de nossos entusiasmos
iluminados e nossos repúdios perspicazes.
Nunca crédulos, sempre lúcidos, passamos o tempo
nos vencendo, sempre convencidos de que Madame
Bovary é o outro.
Emma deve compartilhar esta convicção.
7
O direito de ler em qualquer lugar

Chalons-sur-Marne, inverno de 1971. Quartel da


Academia de Artilharia.
Na distribuição de tarefas matinais, o soldado de
segunda classe John Doe (Matrícula 14672/1, bem
conhecido por nossos serviços) é sistematicamente
apresentado como um voluntário para a tarefa menos
solicitada, a mais ingrata, distribuída quase sempre
como um castigo e aquele atencioso à mais alta honra:
a lendária, infame e indescritível tarefa das latrinas.
Todas as manhãs.
Com o mesmo sorriso. (Dentro) -Faena de latrinas?
Dê um passo à frente:
- Fulano de tal!
Com a gravidade máxima que antecede o assalto, ele
agarra a vassoura da qual pendura o pano, como se
fosse a bandeira da empresa, e desaparece, para grande
alívio da tropa. Ele é um (bravo: ninguém o segue. O
exército inteiro ainda está emboscado na trincheira de
tarefas honrosas.
As horas passam. Eles acreditam que ele está
perdido. Quase se esqueceram dele. Eles esquecem. Ele
reaparece, porém, no final da manhã, se preparando
para a brigada da companhia: "Latrinas impecáveis,
minha brigada!" A brigada recupera pano e vassoura
com um questionamento profundo em seus olhos que
ele nunca formula. (Forçado pelo respeito humano.) O
soldado saúda,
virando-se, ele recua, levando seu segredo com ele.
O segredo tem um peso considerável no bolso
direito de seu terno de trabalho: 1.900 páginas do
volume que a Plêiade dedica às obras completas de
Nicolás Gógol. Quinze minutos de pano em troca de
uma manhã Gogol ... Todas as manhãs durante os dois
meses de inverno, confortavelmente sentado no
banheiro trancado com sete chaves, o soldado Fulano
voa muito acima das contingências militares. All
Gogol! Das nostálgicas Noites Ucranianas aos
hilariantes Contos de Petersburgo, passando pelo
terrível Tarás Bulba, e o sarcasmo negro de Dead
Souls, sem esquecer o teatro e a correspondência de
Gogol, aquele incrível Tartufo.
Porque Gogol é um Tartufo que teria inventado
Moliere - algo que o soldado Doe nunca teria entendido
se tivesse deixado essa tarefa para outros.
O exército gosta de comemorar os feitos das armas.
Destes, restam apenas dois alexandrinos, gravados
na parte superior de uma cisterna, e que estão entre os
mais suntuosos da poesia francesa:

Oui je peux sans lie, assieds-toi, pedagogo,


Afirmativo avoir lu tout mon Gogol aux gogues. 112

(De sua parte, o velho Clemenceau, "o Tigre",


12
«Sim, posso sem mentir, sente-se, pedagoga, / afirma ter lido todo o
meu Gogol nas latrinas. " (N. de T.)
Ele também, um soldado famoso, dava graças a uma
constipação crônica, sem a qual, afirmava, nunca teria
tido a sorte de ler as Memórias de Saint-Simon.)
8
O direito de navegar

Eu navego, nós navegamos, deixo-os navegar. É a


autorização que nos concedemos para pegar qualquer
volume de nossa biblioteca, abri-lo em qualquer lugar e
mergulhar nele por um momento, porque só temos
precisamente esse momento. Alguns livros se prestam
melhor do que outros a serem folheados, porque são
compostos de textos curtos e separados: as obras
completas de Alphonse Allais ou Woody Allen, os
romances de Kafka ou Saki, os Papiers collés de
Georges Perros, que bom velho de La Rochefoucauld, e
a maioria dos poetas ...
Dito isso, você pode abrir a correspondência de
Proust, Shakespeare ou Raymond Chandler em
qualquer lugar, folheando aqui e ali, sem correr o
menor risco de se decepcionar.
Quando você não tem tempo nem meios para se
presentear com uma semana em Veneza,
Por que recusar o direito de ficar cinco minutos lá?
9
O direito de ler em voz alta

Pergunto-lhe:
-Liam para você histórias em voz alta quando você
era pequeno? Ela me responde:
-Nunca. Meu pai viajava muito e minha mãe estava
muito ocupada.
Pergunto-lhe:
- Então, de onde vem esse gosto pela leitura em voz
alta?
Ela me responde:
- Da escola.
Fico feliz em saber que alguém reconhece um mérito
para a escola, exclamo, cheia de alegria:
-Ah! Você vê?
Ela me disse:
- Em absoluto. Na escola, éramos proibidos de ler em
voz alta. A leitura silenciosa já era o credo da época.
Direto do olho para o cérebro. Transcrição instantânea.
Velocidade, eficiência. Com um teste de compreensão
a cada dez linhas. A religião da análise e do comentário
desde o primeiro momento! A maioria das crianças
tinha medo de cagar, e isso foi apenas o começo! Todas
as minhas respostas foram corretas, caso você queira
saber, mas, em casa, eu releria tudo em voz alta.
-Por que?
- Para me maravilhar. As palavras faladas
começaram a existir fora de mim, elas realmente
viveram. Y,
além disso, pareceu-me que foi um ato de amor. Que
era o próprio amor. Sempre tive a impressão de que o
amor ao livro passa simplesmente pelo amor. Eu
colocava minhas bonecas na minha cama, no meu
lugar, e lia para elas. Às vezes adormecia aos pés dele,
no tapete.
Eu a escuto ... eu a escuto, e parece-me Thomas,
bêbado como o desespero, poemas em sua voz de
catedral ...
Eu a escuto, e parece que vejo o velho Dickens, o
magro e pálido Dickens, muito perto da morte, subir ao
palco ... seu vasto público de analfabetos de repente
petrificado, silencioso a ponto de ouvir o livro aberto ...
. Oliver Twist ... a morte de Nancy ... ele vai ler para
nós a morte de Nancy! ...
Eu a escuto e ouço Kafka rindo até chorar lendo A
Metamorfose para Max Brod, que não tem certeza se
deve segui-lo ... e vejo a pequena Mary Shelley
oferecendo grandes fragmentos de seu Prankenstein
para Percy e seus companheiros encantados.
Eu a ouço, e Martin du Gard aparece lendo Gide
seu Thibault ... mas Gide não parece ouvi-lo ... eles
estão sentados perto de um rio ... Martin du Gard lê,
mas o olhar de Gide não está lá ... , Os olhos de Gide
vão para longe, onde dois adolescentes mergulham ...,
uma perfeição que a água veste de luz ... Martin du
Gard está furioso ..., mas não, ele leu corretamente ..., e
Gide leu entendeu tudo ... e Gide diz a ele todas as
coisas boas que ele pensa sobre suas páginas ... mas, de
qualquer maneira, talvez fosse conveniente modificar
isso e aquilo, aqui e ali ...
e Dostoiévski, que não se contentou em ler em voz
alta
alto, mas escrevia em voz alta ... Dostoiévski, sem
fôlego, uivando seu pedido contra Raskólnikov (ou
Dimitri Karamazov, não sei mais) ... Dostoiévski
perguntando a Anna Grigorievna, a mulher do
estenógrafo: 'O quê? Qual é a tua opinião? Ei?
Ei?"
ANNA: Culpado!
e o próprio Dostoiévski, depois de ter ditado o
argumento de defesa ...: «O quê? O que?"
ANNA: Inocente!

Sim...

O estranho desaparecimento da leitura em voz alta.


O que Dostoiévski pensaria disso? E Flaubert? Não
temos mais o direito de colocar palavras na boca antes
de enfiá-las na cabeça?
Não há mais audição? Sem mais música? Sem mais
saliva? As palavras não têm mais sabor? E que mais!
Flaubert não gritou seu Bovary? estourou os tímpanos?
Não é ele o melhor para saber que a compreensão do
texto passa pelo som das palavras das quais extraem
todo o seu significado? Ele, que tanto lutou contra a
intempestiva música das sílabas, a tirania das
cadências, não sabe como ninguém, que o sentido é
algo que se pronuncia? Como?
Textos silenciosos para espíritos puros? Pra mim,
Rabelais!
Para mim, Flaubert! Dosto! Kafka! Dickens, eu!
Gritos gigantescos de bom senso, aqui imediatamente!
Venha soprar em nossos livros!
Nossas palavras precisam de corpos! Nossos livros
eles precisam de vida!
A verdade é que o silêncio do texto é confortável ...,
você não corre o risco da morte de Dickens, a quem
seus médicos imploraram para finalmente silenciar seus
romances ..., o texto e a si mesmo ..., todas aquelas
palavras amordaçadas em a acolhedora cozinha da
nossa inteligência ... como se sente alguém nesta
elaboração silenciosa dos nossos comentários! ... e
então, julgando o livro por nós próprios, não corremos
o risco de sermos julgados por ele ... porque, de no
momento em que a voz se mistura, o livro diz muitas
coisas sobre o seu leitor ..., o livro diz tudo.
O homem que lê em voz alta fica totalmente
exposto. Se você não sabe o que lê, é ignorante em suas
palavras, é uma calamidade, e fica evidente. Se você se
recusa a habitar a sua leitura, as palavras não vão além
das letras mortas, e isso é sentido. Se você preencher o
texto com a sua presença, o autor se retrata, é um
número de circo, e você pode ver isso. O homem que lê
em voz alta está absolutamente exposto aos olhos que o
ouvem.
Se realmente lê, se nele põe seu conhecimento
controlando seu prazer, se sua leitura é um ato de
simpatia tanto pelo público quanto pelo texto e seu
autor, se consegue fazer com que a necessidade de
escrever seja compreendida despertando nossas
necessidades mais sombrias de entender, então os livros
são abertos, e a multidão daqueles que pensavam que
estavam excluídos da leitura corre atrás dele.
10

O direito de ficar em silêncio

O homem constrói casas porque está vivo, mas


escreve livros porque sabe que é mortal. Ele vive em
grupo porque é gregário, mas lê porque se conhece.
Esta leitura é para ele uma empresa que não substitui
nenhuma outra, mas que nenhuma outra poderia
substituir. Ele não oferece uma explicação definitiva de
seu destino, mas tece uma teia de conivência que
expressa a alegria paradoxal de viver enquanto ilumina
o trágico absurdo da vida. Portanto, nossas razões para
ler são tão estranhas quanto nossas razões para viver. E
ninguém tem o poder de nos responsabilizar por essa
privacidade.
Os poucos adultos que me deram para ler sempre se
apagaram diante dos livros e tiveram o cuidado de me
perguntar o que eu havia entendido neles. Para aqueles,
evidentemente, falei de minhas leituras. Morto ou vivo,
dedico estas páginas a você.

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