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1.

º Ano - II Semestre

FINANÇAS PÚBLICAS

Unidade I

O FENÓMENO FINANCEIRO

Instituto Superior Monitor


Fevereiro 2010
Copyright
Este manual é propriedade do Instituto Superior Monitor (ISM), sendo que todos os direitos
para o seu uso, por estudantes e docentes, lhe estão reservados. É proibido fazer cópias ou
usar este material sem autorização prévia do ISM.

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Moçambique

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FINANÇAS PÚBLICAS

Índice

ACERCA DESTA UNIDADE I 3


ESTRUTURA DA UNIDADE I....................................................................................... 3
RESULTADOS DE APRENDIZAGEM.......................................................................... 5
DURAÇÃO ....................................................................................................................... 5
TÉCNICAS DE ESTUDO ................................................................................................ 5
PRECISA DE AJUDA? .................................................................................................... 7
TRABALHOS .................................................................................................................. 7
AVALIAÇÕES ................................................................................................................. 7

UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS) 9


CAPÍTULO I - CONCEITO DE FINANÇAS PÚBLICAS ............................................. 9
OBJECTIVOS ......................................................................................................... 9
FINANÇAS PÚBLICAS E FINANÇAS PRIVADAS ........................................... 9
ACEPÇOES DE «FINANÇAS PÚBLICAS» ....................................................... 10
O FENÓMENO FINANCEIRO ............................................................................ 11
A ECONOMIA DO FENOMENO FINANCEIRO (ECONOMIA PRIVADA,
SOCIAL E PÚBLICA) .......................................................................................... 11
A ACTIVIDADE FINANCEIRA ......................................................................... 18
A OPTIMIZAÇÃO SOCIAL E SEUS CRITÉRIOS TEÓRICOS ........................ 21
CAUSAS DE INCAPACIDADE DO MERCADO .............................................. 28
A PROVISÃO PÚBLICA DE BENS ................................................................... 34
A ACTIVIDADE FINANCEIRA E SEUS CRITERIOS FINALISTAS ............. 41
EXERCÍCIOS PRÁTICOS I ................................................................................. 44
CORRECÇÃO DE EXERCÍCIOS ........................................................................ 45
CAPÍTULO II - FINANÇAS, DOUTRINAS E SISTEMAS ECONÓMICOS ............. 46
2. 0 SISTEMA CAPITALISTA ............................................................................ 49
3. OS REGIMES ECONÓMICOS E AS DOUTRINAS ...................................... 50
4. O LIBERALISMO E AS FINANÇAS NEUTRAS .......................................... 52
5. A TRANSIÇÃO PARA AS FINANÇAS INTERVENCIONISTAS................ 57
6. O INTERVENCIONISMO FINANCEIRO E AS FINANCAS ACTIVAS ..... 60
7. FINANÇAS PÚBLICAS E SISTEMAS COLECTIVISTAS ........................... 67
EXERCÍCIOS PRÁTICOS ................................................................................... 71
CORRECÇÃO DE EXERCÍCIOS ........................................................................ 72
CAPÍTULO III - A ACTIVIDADE FINANCEIRA COMO FENOMENO POLÍTICO 73
OBJECTIVOS: ...................................................................................................... 73
ESTADO E ACTIVIDADE FINANCEIRA ......................................................... 73
ESTADO E OUTRAS ENTIDADES SOCIAIS ................................................... 91
CAPÍTULO IV -FACTOS E NORMAS NA ACTIVIDADE FINANCEIRA............... 93
OBJECTIVOS ....................................................................................................... 93
AS FINANÇAS PÚBLICAS E 0 DIREITO FINANCEIRO ................................ 93
AUTONOMIA E NATUREZA DO DIREITO FINANCEIRO ........................... 95
EXÉRCICIOS PRÁTICOS ................................................................................... 99
CORRECÇÃO DOS EXERCÍCIOS ................................................................... 100
SUGESTÕES DE LEITURA .............................................................................. 102
ii Índice

QUADRO SINÓPTICO ...................................................................................... 102


AVALIAÇÃO DE FINANÇAS PÚBLICAS ............................................................... 104
FINANÇAS PÚBLICAS

ACERCA DESTA UNIDADE I

Estas notas de ensino constituem a primeira unidade da disciplina


de Finanças Públicas leccionada no primeiro semestre no Instituto
Superior Monitor (ISM). É uma disciplina pertencente ao curso de
Direito, servindo de ferramenta essencial para a compreensão e
melhor abordagem das disciplinas tais como, Direito Fiscal,
Finanças Públicas, Direito Comercial, Direito Bancário, Direito
Financeiro, Direito Económico, Direito Internacional Económico.
Como facilmente poderá se depreender, a Economia Política serve
como disciplina vestibular, para o estudo das disciplinas acima
referidas.

Com efeito, o estudante dificilmente poderá entender a essência da


obrigação dos cidadãos em pagar os impostos, a política do Estado
na defesa do emprego, nas decisões do governo em agravar as taxas
de poluição do meio ambiente, sem que tenhamos abordado a
problemática da redistribuição de rendimentos, conceitos que serão
tratados na disciplina de Economia Política.

ESTRUTURA DA UNIDADE I

Presente unidade tem como tema central o fenomeno finaceiro esta


dividada em quatro capítulos nomeadamente: o conceito de
finanças públicos; finanças, doutrinas e sistemas; a actividade
financeira como fenómeno político e os factos e normas da
actividade financeira.
Com estas matérias pretendemos dotar os nossos esttudantes de
conhecimentos necessários para percebeer como é que a economia
se encontra organizada e as formas que o Estado optou para
ordenar, intervir e actuar no seio da economia de modo a evitar
desequilíbrios;

Recomendamos que leia atentamente as generalidades desta


unidade antes de iniciar os seus estudos.

GENERALIDADE DO CURSO
Caro Estudante

Seja Bem-vindo(a) à Unidade 1- introdução à Economia Política


do ISM!

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4 Índice

Para ter sucesso nesta Unidade I, você precisa de estudar


cuidadosamente o material apresentado nesta Unidade, os recursos
auxiliares disponíveis e apresentar as suas dúvidas ao tutor.

Esta é uma disciplina que apesar de nova em alguns aspectos,


muitos aspectos, sendo pressupostos, o estudante deve trazer do
ensino geral. Dos que não é preciso ter conhecimento anterior são
os ligados com a ciência económica, entretanto, o domínio da
história universal, geografia económica, e filosofia, disciplinas
leccionadas no ensino geral, constituirá uma base para melhor
compreender os conceitos dados na presente unidade, o contrário,
constituindo um constrangimento.

A dificuldade esperada que o estudante experimentar nesta Unidade


poderá ser de natureza filosófica, onde certa terminologia se torna
indigesta. É preciso compreender por outro lado que esta a
introdução às finanças públicas versa essencialmente parte teórica
destacando-se sobre ela o pensamento, concepções, doutrinas
económicas.

RECURSOS
Se você estiver interessado em aprender mais acerca desta matéria,
nós providenciamos uma lista de recursos adicionais no fim desta
unidade. Estes recursos incluem títulos bibliográficos e de artigos,
websites da Internet e a biblioteca virtual do ISM.

SEUS COMENTÁRIOS
Agradecíamos que após a conclusão desta unidade nos enviasse os
seus comentários sobre os seguintes aspectos:

 Conteúdos e estrutura da unidade;

 Materiais de leitura e recursos da unidade;

 Trabalhos da unidade;

 Avaliações da unidade;

 Duração da unidade;

 Apoio ao estudante (tutores atribuídos, apoio técnico, etc.);

 Outros aspectos que achar pertinente.

Os seus comentários ajudar-nos-ão a melhorar e reforçar esta


unidade.

4
FINANÇAS PÚBLICAS

RESULTADOS DE APRENDIZAGEM

Ao concluir esta unidade você será capaz de:

 Distinguir dentre várias concepções o objecto da Economia


Política;

 Utilizar numa perspectiva histórica, a génese e evolução da


Resultados conceito da Economia Política entanto que ciência diferentes das
outras ciências;

 Demonstrar o domínio dos melhores métodos de investigação de


fenómenos económicos;

 Delimitar o âmbito da ciência económica;

 Argumentar situações económicas de forma clara e lógica

DURAÇÃO

Tempo para leitura da unidade: 10 horas

Tempo para trabalhos de pesquisa: 14 horas

Tempo para a realização de exercícios práticos: 2 horas


Duração da unidade:
Tempo para a realização de avaliação: 2 horas
28 Horas

TÉCNICAS DE ESTUDO

Por você ser um estudante universitário as suas técnicas de


aprendizagem serão diferentes das que usava nos tempos da escola
secundária e na presença de um professor.

Neste curso você terá uma grande autonomia, isto é,


Técnicas de Estudo RESPONSABILIDADE. Acima de tudo, você fará uma gestão
responsável do seu tempo. Faça um programa de estudos realista e
cumpra-o rigorosamente. Escolha horas e locais tranquilos para os
seus estudos. Faça uso dos demais recursos referenciados na
unidade e mobilize a sua motivação profissional e/ou pessoal para

5
6 Índice

adequar as suas actividades de estudo a outras responsabilidades


profissionais, sociais e pessoais. Partilhe as suas aprendizagens
com os outros.

Usufrua das várias formas de apoio disponíveis, mas


fundamentalmente, você tomará controlo do seu ambiente de
aprendizagem.

Recomendamos que consulte alguns sites da Internet, em inglês,


com informações importantes sobre a melhor forma de estudar de
maneira autónoma:

 http://www.how-to-study.com/

 http://www.ucc.vt.edu/stdysk/stdyhlp.html

 http://www.howtostudy.org/resources.php

Bons Estudos!

6
FINANÇAS PÚBLICAS

PRECISA DE AJUDA?

Os materiais deste curso estão na página seguinte da Internet:

Www.monitor.co.mz
Ajuda Você vai precisar de uma senha para poder ter acesso a estes
materiais. No caso de ter problemas de acesso à página que tem
materiais desta unidade, por favor contactar o Instituto Superior
Monitor pelo e-mail monitor.ism@gmail.com.

No caso de dúvidas sobre o material desta unidade, por favor


contactar o seu tutor através do e-mail monitor.ism@gmail.com.
Também poderá contactá-lo por telefone ou telemóvel cujos
números são disponibilizados pelo Departamento de Apoio ao
Estudante.

TRABALHOS

Depois de estudar cada capítulo desta unidade o estudante deve


resolver todos os exercícios de aplicação como forma de
consolidação das matérias nela vertidas. Os exercícios de aplicação
não seram submetidos ao Instituto Superior Monitor. O Instituto
Superior Monitor fornece as soluções dos trabalhos de auto-
Trabalhos avaliação para lhe ajudar nos estudos. Mas Atenção Caro
Estudante, você deve resolver os exercícios de auto-avaliação antes
de consultar as soluções fornecidas.

AVALIAÇÕES

Você deve fazer uma avaliação nesta unidade. A avaliação


encontra-se no final da unidade. A avaliação deve ser
submetida ao Instituto Superior Monitor até ao 28 de Março de
Avaliações 2010. Você pode submeter a avaliação por e-mail, fax, entregar
directamente na instituição ou usando outros meios de
comunicação.

O docente irá corrigir as avaliações e lhe atribuirá uma nota com


base no seu desempenho. A média aritmética das avaliações de
cada Unidade vai ditar a sua nota de frequência. Depois, você terá
que fazer um exame presencial para poder ter a avaliação final da
disciplina. São admitidos ao exame presencial, os estudantes que

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8 Índice

tiverem uma nota de frequência igual ou superior a 10 valores.


NÃO HÁ DISPENSAS. Para poder concluir a disciplina, os
estudantes devem ter uma média final igual ou superior a 10
valores e com uma classificação igual ou superior a 10 valores no
exame presencial.

8
FINANÇAS PÚBLICAS

UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E


NORMAS)

CAPÍTULO I - CONCEITO DE FINANÇAS


PÚBLICAS

OBJECTIVOS

Ao concluir este capitulo os estudantes terão o domínio sobre


matéria referentes ao:
• Ao conceito de Finanças Públicas;

• Aos vários sentidos em que as Finanças Públicas podem ser


entendidas;

• Fenómeno Financeiro, que representa o estado das relações


económicas entre as pessoas e instituições sociais, por um
lado e o Estado, do outro lado;

• Entender o que é a economia privada;

• O que é a economia social;

• O que é a economia pública;

• Terá também a capacidade de entender as causas de


incapacidade do mercado, a provisão pública de bens e os
princípios doutrinários e políticos da actividade financeira;

FINANÇAS PÚBLICAS E FINANÇAS PRIVADAS


Uma primeira aproximação ao conceito de finanças públicas exige
a sua separação de outra noção com que anda muitas vezes
confundido e de que e rigorosamente distinto: as finanças privadas.

Enquanto por finanças privadas se entendem os aspectos


tipicamente monetários do financiamento de uma economia ou de
um agente económico, abrangendo os problemas da moeda e do
crédito (ou, mais restritamente, os «mercados financeiros» onde se
transaccionam activos representados por títulos a médio e a longo
prazo), as finanças públicas designam a actividade económica de

9
10 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

um ente público tendente a afectar bens a satisfação de


necessidades que lhe estão confiadas.

Trata-se de uma mera similitude vocabular, com razões históricas,


que leva a utilização do mesmo termo para designar duas realidades
distintas. Preferimos qualificar de financeiro quanto diga respeito
as Finanças Públicas, e de financial o respeitante as finanças
privadas, incluídas na teoria económica da Moeda e do Crédito;
mas isto não é ainda do consenso.

ACEPÇOES DE «FINANÇAS PÚBLICAS»


A expressão finanças públicas pode ser utilizada em três sentidos
fundamentais:

(a) Sentido orgânico - Fala-se de finanças públicas para designar o


conjunto dos órgãos do Estado ou de outro ente público (incluindo
a parte respectiva da Administração Publica) a quem compete gerir
os recursos económicos destinados a satisfação de certas
necessidades sociais (p. ex. Ministério das Finanças).

(b) Sentido objectivo - Designa a actividade através da qual o


Estado ou outro ente público afecta bens económicos a satisfação
de certas necessidades sociais.

(c) Sentido subjectivo - Refere a disciplina cientifica que estuda os


princípios e regras que regem a actividade do Estado com o fim de
satisfazer as necessidades que lhe estão confiadas.

No segundo e no terceiro sentidos, tende-se modernamente a


designar por Economia Pública, quer esta forma de actividade
económica, quer o ramo da Economia que a estuda, sobretudo
quando o faz de uma perspectiva predominantemente dedutiva,
teórica ou analítica e em termos reais. Preferimos designar por
Finanças Públicas o estudo deste fenómeno, quando e feito numa
óptica de economia aplicada, fundamentalmente segundo métodos
indutivos e institucionais e em valores monetários (não reais)1

1
A família pode ter uma organização institucional, mas a sua
dimensão e forma exterior de actuação não se diferenciam das dos
indivíduos em sociedades como a nossa; por isso e aqui tomada
como instituição privada.

10
FINANÇAS PÚBLICAS

O FENÓMENO FINANCEIRO
Como aspecto da realidade e objecto científico das Finanças, há
que caracterizar, pois, o fenómeno financeiro. Ele representa, talvez
do modo mais significativo e expressivo, o estado das relações
económicas entre as pessoas e instituições sociais, por um lado, e o
Estado, do outro; como o seu estudo contem a visão mais concreta
e insofismável das tarefas e das funções que, com prioridade, o
poder público concretamente desenvolve numa sociedade, por
vezes bem diferente das proclamações políticas, das concepções
ideológicas e, até, de certas visões superficialmente científicas.
Poucos campos melhor do que este são um verdadeiro termómetro
das relações concretas entre o poder e a sociedade que o integra,
bem como das tarefas e funções que esta leva o poder a
desempenhar, e do modo como os grupos, estratos ou classes
sociais se situam perante o poder, beneficiando dos seus gastos ou
suportando o respectivo custo.

A ECONOMIA DO FENOMENO FINANCEIRO


(ECONOMIA PRIVADA, SOCIAL E PÚBLICA)
A actuação económica das pessoas, dos grupos e da sociedade pode
ser exercida de diversas formas.

Em alguns casos, achamo-nos perante indivíduos, famílias ou


organizações de base contratual que, na produção, no consumo, na
repartição ou na circulação, actuam como unidades individuais ou
como organizações de mera base contratual, na satisfação das
respectivas necessidades, segundo critérios predominantemente
individuais.

Trata-se da economia privada, em regra contratual2

Outras vezes, deparamos com organizações que visam satisfazer


necessidades segundo uma lógica cooperativa ou colectiva,
recorrendo a disciplina institucional interna do grupo, mas sem a
possibilidade de recorrer a mecanismos coactivos externos. As
tradicionais formas de comportamento económico comunitário, as
novas modalidades de unidades cooperativas ou autogestionárias,
as instituições sociais não contratualistas constituem exemplos
desta economia comunitária, cooperativa ou colectiva (social, «hoc
sensu»).

2
Não se esquece que nem tudo que e hoje publico será politico;
toma-se todavia o politico como forma matricial, dirigente e
predominante do público

11
12 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

Enfim, as pessoas podem associar-se em organizações políticas, as


quais têm por fim o interesse geral de sujeitos indeterminados, indo
assim para além da simples satisfação de necessidades comuns
sociais. Para isso se socorrem de poderes de autoridade - no duplo
sentido da produção de preceitos sociais obrigatórios, mesmo para
quem não participou na respectiva elaboração, e da possibilidade de
recorrer, se necessário, a coacção por parte dos órgãos da
instituição. Temos então uma economia pública, que iremos estudar
primeiramente em referência ao seu sujeito actual mais típico e
importante: o Estado.
• A economia privada baseia-se no livre comportamento dos
agentes económicos e em equilíbrios, parciais e gerais, por
eles livremente estabelecidos, de acordo com os seus
interesses próprios confrontados com transparência e
medidos por referenciais comuns - os preços formados em
mercado. Tem como instrumentos fundamentais os
contratos e como instituição básica de apropriação dos bens,
produtivos ou de consumo, a propriedade privada.

• A economia social assenta na solidariedade, organizada em


grupos de diversa dimensione nível económico, na
liberdade de comportamento das pessoas e dos grupos, na
combinação da propriedade privada com a propriedade
social e comunitária, na cooperação organizada (mais
livremente ou com maior peso dos interesses sociais); ela
pode integrar instrumentos de racionalidade e solidariedade
orgânica diversificados, que combinam 0 individualismo
com o solidarismo, nos seus diversos matizes.

Por seu lado, a economia pública assenta, a partida, na existência


de uma solidariedade organizada e dotada de poder politico
portanto, da coacção social máxima - a escala da colectividade ou
de subsistemas do sistema social, numa lógica de direcção
económica mais ou menos planeada, com formas de apropriação
dos bens pela sociedade através dos seus órgãos políticos e juízos
colectivos de utilidade; estes impõem-se do centro (órgãos de
decisão politica) para a periferia (membros da sociedade), seja qual
for a forma de designação e o critério de funcionamento interno da
entidade pública considerada.

Até ao presente, não conhecemos sociedades - fora algumas


pequenas comunidades primitivas ou, pelo menos, atrasadas - que
concretizem a sua organização global segundo princípios
comunitários ou solidaristas: este apenas tem vincado em pequenas
comunidades ou sectores delimitados das grandes sociedades.

12
FINANÇAS PÚBLICAS

A economia privada e a economia pública até hoje dominantes


constituem dois princípios opostos de estruturação e funcionamento
da sociedade económica, que podem situar-se fundamentalmente
em dois planos distintos;

- O da definição do sistema económico, caracterizando assim,


consoante seja globalmente dominante um ou outro destes
princípios, diversos tipos de sistemas económicos;

O fenómeno financeiro - actos e normas

Adopção dos respectivos modelos ou critérios de comportamento,


dentro de um ou outro dos sistemas económicos, por sectores,
órgãos sociais ou agentes económicos.

Embora pudesse ser mais lógica a ordem inversa, vamos começar


por nos situar no plano de um sistema económico dominado pelos
princípios de economia privada: no plano sociocultural (filosofias e
ideologias individualistas, sistemas sociais e políticos parcialmente
descentralizados), no das instituições e instrumentos económicos
fundamentais (propriedade e iniciativa privada dominantes,
ajustamentos económicos pelo mercado e pelos princípios da
máxima utilidade individual, tomada em si ou reflectida nos
grupos) e no plano dos comportamentos sociais (motivação egoísta
predominante, dinamismo competitivo ou conflitual). São estes os
sistemas e as estruturas historicamente dominantes atem ao
presente, e é no seu modelo que se integra Moçambique, tal como
os países que nos são mais próximos.

PODER E A ECONOMIA: ORDENAÇÃO, INTERVENÇÃO


E ACTUAÇÃO ECONOMICAS

a) Noções prévias

Vejamos então quais os principais tipos de relações entre o poder


político - podem tomar como sua forma protótipos de organização
o Estado, sem prejuízo do que adiante se dirá - e a actividade
económica, entendida como o processo orgânico de satisfação de
necessidades humanas mediante" a afectação de bens materiais
raros a fins alternativos (individuais ou sociais; privados,
comunitários ou públicos).

Parece-nos que essa relação pode ser de três tipos principais: a


ordenação económica, a intervenção económica e a actuação
económica pública. Vejamo-las sucessivamente.

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14 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

b) A ordenação Económica

1. Cabe aos poderes públicos estabelecer os quadros gerais em que


toda a actividade económica tem de se desenvolver (por mais
liberal que seja a sua filosofia económica e Social): da constituição
económica e da legislação económica, as próprias directivas e
decisões concretas da administração económica... A máquina
político-administrativa, em larga parte, procede assim a definição
do enquadramento da vida económica, designadamente de natureza
jurídica e social; Assim estrutura a actividade económica e
condiciona a actuação dos sujeitos económicos.

Cumpre desde já acentuar que não e apenas no domínio jurídico


que esta forma de actuação do poder político sobre a actividade
económica se concretiza. Ela decorre também da modelação, no
domínio extra-jurídico, das diversas instituições sociais (hábitos,
formas de comportamento, grupos inorgânicos ou organizados de
forma não jurídica, etc.).

Tal forma de actuação constitui o que pode chamar-se domínio de


ordenar; ao da actividade económica (ou ordenação económica)3.

II. Um primeiro aspecto desta ordenação resulta naturalmente da


definição e execução de uma doutrina ou politico económico-social
seguida pelo Estado: abstencionista, liberal, socialista a, comunista,
etc. A doutrina económica do Estado explícita ou implícita,
constitui uma primeira forma de ordenação genérica da actividade
económica e social, a qual há-de conformar-se as suas actuações
políticas e as dos sujeitos privados.

III. As doutrinas e políticas económicas de índole geral podem


especificar-se, tanto em normas como numa prática jurídico-
política (com a qual estão, alias, interdependentes). Então
formulam-se princípios gerais, aos quais deve obedecer toda a vida
económico-social, e também a produção e normas jurídicas ou as
situações e relações jurídicas a ela pertinentes. Este conjunto de
disposições fundamentais, expressão concretizada de uma doutrina
ou filosofia social, que pode designar-se por constituição
económica4.

3
Sobre as noções de ordem económica: VITAL MOREIRA, A
ordem jurídica do capitalismo, 1973.
4
Note-se que doutrina (como ideologia e politica, decorrentes
dela) e constituição são realidades interferentes, mas não
hierarquizáveis: diversas constituições podem convergir numa
mesma doutrina; e diversas doutrinas podem executar-se a sombra
de uma constituição (veja-se o debate entre as interpretações
Liberais e as interpretações dirigistas da Constituição de 1933 nos

14
FINANÇAS PÚBLICAS

IV. 0 Estado pode ainda, ao abrigo da sua função ordenadora da


vida económica, definir normas gerais, que não demarcam Já os
quadros fundamentais de toda a vida económica, mas a eles se
subordinam, seja para toda a actividade económica, seja para certos
sectores, tipos de actividade ou de relações económico-sociais
gerais e permanentes antes referidos, regulando de forma directa,
por exemplo, um sector, um tipo ou uma área de actividade: será
legislação ou regulamentação económica. Ela pode abranger as
instituições económicas gerais nas áreas da produção, do consumo,
dos instrumentos reguladores - mercados e plano -, da circulação de
bens - moeda e crédito -, dos mercados de factores de produção, da
repartição do rendimento e das relações internacionais) e as
específicas, nomeadamente sectoriais (agricultura, industria,
comercio, outros serviços...).

De uma forma jurídica ou por via política, através da


Administração activa ou dos Tribunais, a administração e
jurisdição económica constituem ainda, em seus critérios
constantes, uma forma de ordenação jurídica (paredes-meias já com
a intervenção): prevalecerá a vinculação na função ordenadora, a
discricionariedade na intervenção. Por elas o Estado desempenha
uma função ordenadora da vida económica, definindo e executando
padrões e quadros mais ou menos concretos, no âmbito dos quais
tanto o seu próprio comportamento como o dos sujeitos
económicos vão livremente desenvolver-se. Condiciona-se e
ordena-se então o comportamento dos diversos sujeitos; mas não se
visa interferir directamente sobre ele.

c) A intervenção económica

I. Não se esgotam aqui a relação entre político e a actividade


económica. Um seu outro modelo e o que visa alterar
Concretamente o que seria a actividade livre e norma dos sujeitos
económicos. Assim, Suponhamos que o Estado considera
indesejável que se produzam mais tecidos de fibras sintéticas:
poderá evitar que abram mais fábricas, poderá baixar os preços dos
têxteis, levando algumas unidades a falência e outras a retraírem a
produção, podem restringir o crédito ao sector, poderá fixar quotas
de mercado ou limitar por contingentes a produção de cada fábrica
ou empresa, etc. Em tal caso, o Estado recorre ao seu poder para
modificar o comportamento de sujeitos económicos (embora não
altere os quadros gerais da actividade económica); isso pode
resultar de disposições directamente limitativas, como de restrições
financeiras, do agravamento de impostos, de simples movimentos
de forte persuasão ou coacção psicológica (particularmente usados

anos setenta; ou o debate entre as interpretações socializantes e as


liberalistas do texto constitucional de 1976).

15
16 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

quando existem crises graves), ou de muitas outras formas


indirectas.

II. Este tipo de comportamento que se designará, em sentido


próprio, por intervenção económica do Estado a qual tem como
forma mais racionalizada a política económica. Ela pode ser directa
ou indirecta, e representa a relação mais flexível, diversificada e
variada entre o Estado e a actividade económica. O que a
caracteriza é que o Estado visa alterar o comportamento dos
produtores ou dos consumidores (em suma, dos sujeitos
económicos) que dispõem de uma certa margem de liberdade: a
intervenção estadual tenta modificar a forma natural como esses
agentes actuariam, de modo genérico (teremos então politicas
económicas) ou em termos casuísticos (por actuações
individualizadas). Fá-lo, porem, sem modificar os quadros gerais
da actividade económica, e sem tão-pouco tomar ele próprio
decisões relativas a utilização de bens e satisfação de necessidades
sociais ou estaduais, isto é, sem ser ele próprio sujeito económico).

d) A actuação económica do Estado

1. 0 Estado pode, porém, desenvolver ele próprio - como «forma»


política da sociedade - uma actividade de sujeito económico
colectivo ou social. Sabemos de sistemas sociais em que todas as
necessidades económicas, em sociedades primitivas ou
integralmente socialistas, são satisfeitas pela própria sociedade
política (que terá, para uns, necessidades próprias, como organismo
que e; que apenas «interpreta» necessidades individuais; ou que
actua num e noutro plano).

Em todos os tempos, contudo, zonas da actividade económica,


conexas com os fins e as funções do Estado, foram por este
exercidas; pois a prossecução de fins de segurança, justiça e bem-
estar implica a administração de diversos bens raros, a qual, de per
si, e actividade económica.

Em tais casos - de actuação económica do Estado - este dispõe de


bens económicos, cuja gestão e disposição lhe esta atribuída, para
os afectar a necessidades sociais que lhe cumpre satisfazer. Pela
disposição ou administração desses bens que ele actua
economicamente, fazendo também politica ou administração.

II. Todos sabemos que há serviços que o Estado e só ele podem


prestar numa sociedade evoluída: a administração da justiça, a
defesa e a segurança a interna, certas zonas de administração civil.
Para tanto, ele haverá de dispor de bens, de utilizar meios de
financiamento, de remunerar o trabalho e outros factores
produtivos...

Mas sabemos igualmente que há serviços que o Estado, por razões


diversas chamou a Se prestar (embora pudesse não fazer; e o faça

16
FINANÇAS PÚBLICAS

nuns países e não em outros): dos correios e telecomunicações, de


certas modalidades de crédito da rádio e televisão e certos países
(por vezes em concorrência com os particulares)...

Também estes bens e serviços têm uma natureza económica bem


evidente. O Estado, ao produzi-los, e um produtor como outro
qualquer: quer seja monopolista, quer se integre num esquema
concorrencial; quer aja em regime de preços livres, quer se socorra
de preços dirigidos; tanto se tiver organizações de tipo empresarial,
como se sujeitar a critérios, as vezes pouco económicos, de gestão
dos serviços públicos com carácter estritamente político.

É fácil! Compreender a atribuição de carácter intrinsecamente


económico a produção deste tipo de bens (coisas como serviços)
pelo Estado; já será, contudo, mais difícil compreender O carácter
económico da polícia ou da defesa nacional, por exemplo. Contudo,
também eles constituem serviços, «pagos» pela colectividade, por
via dos impostos (ou das taxas); e ao presta-los, o Estado suporta
custos, formulando decisões acerca da afectação de bens
económicos raros a fins específicos de carácter social.

Nestas situações, que poderemos designar por actuação económica


em sentido próprio, o Estado age por si mesmo como sujeito ou
agente económico, formulando escolhas ou opções económicas no
interesse da comunidade (ou da sua maquina ou aparelho estadual).

e) Exemplos; ralações entre estas modalidades

Como formas de ordenação, podem referir-se as disposições


constitucionais que se referem a actividade económica; a legislação
sobre os sectores institucionais de produção; a legislação sobre
sociedades comerciais...

A situação de intervenção corresponde, por exemplo, a realização


de compras pelo Estado para facilitar o combate a depressão
económica; a constituição de empresas públicas com o fim de
promover o desenvolvimento económico; 0 tabelamento de preços,
no fito de lutar contra a inflação: a acção psicológica da persuasão
dos industriais para estimular o aparecimento de novas indústrias;

A aprovação de um plano económico-social pelo Parlamento e pelo


Executivo...

Na sua actuação económica, o Estado cobra impostos e realiza


despesas de edifícios públicos, de parques e de matas; tem acções e
obrigações de que e titular; contrai e reembolsa empréstimos;
vende o património; etc.

Os próprios exemplos demonstram o evidente carácter não


exclusivo desta tipologia. Nenhum destes tipos de comportamento
exclui, em concreto, o outro; são antes cumuláveis. Assim, a

17
18 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

actuação do Estado pode ser uma forma de intervenção (mas


também pode não o ser); a ordenação da vida económica pode
assumir-se como mera forma de intervenção generalizada, e ate
pode ser tomada como meio de criação de bens...

A ACTIVIDADE FINANCEIRA
I. 0 Fenómeno financeiro é um tipo cientificamente definido de
fenómeno social. Em concreto, faz parte da vida social e pode ser
objecto de uma análise segundo a óptica própria das diversas
ciências sociais: do Direito, se for encarado na perspectiva dos
valores de justiça e' das normas que intentam defini-los; da
Economia, se encarado como forma de afecta ao de meios
objectivamente raros a fins a alternativos; a ciência Politica ou
Politologia, se for toma o como forma de exercício do poder (em
geral; ou politico em especial) da psicologia, se for encarado nos
aspectos de psicologia individual e social que envolva; da
Sociologia, se for concebido na sua essência pura e mais geral de
fenómeno social. Não pensamos, pois, que seja adequado distinguir
nele elementos - o fenómeno social e uno - nem destacar
fenómenos sociais que são financeiros e fenómenos sociais que o
não são.

II. Parece-nos antes que a actividade financeira corresponde a


utilização de meios económicos (meios objectivamente raros
susceptíveis de aplicações alternativas) por entidades públicas ou
pela própria comunidade, a fim de satisfazer necessidades comuns.
A análise destes conceitos que resultará a sua melhor
caracterização: onde tais caracteres se verifiquem, sempre haverá
finanças públicas.

III. Tomemos um exemplo. Imaginemos que há uma praga de


mosquitos, portadores de malária, numa colectividade, e que os
membros desta pretendem exterminar os insectos. Para isso, as
alternativas possíveis são as seguintes

(I) Não sair de casa para não ser atingido por nenhum mosquito.
Excepto se algum mosquito entrar em casa, a solução será
eficiente; tem porém o inconveniente de os habitantes da área não
poderem deslocar-se fora de casa. O custo directo desta alternativa
e quase nulo; mas ela tem o grande contra de impedir a actividade
normal das pessoas, envolvendo assim custos bem maiores.

(2) Ficando em casa, seria possível instalar condicionado, e assim


ter melhores condições de existência e trabalho. O custo seria mais
elevado e o mesmo inconveniente perdura.

18
FINANÇAS PÚBLICAS

(3) Pode-se sair de casa, usando cremes ou outros processos, mais


ou menos falíveis, de protecção contra os mosquitos. O incómodo
pode ser grande, e a eficácia da solução duvidosa, mas ela é barata
e permite as pessoas fazerem a sua vida fora de casa.

(4) Pode-se utilizar um nebulizador ou extintor no jardim da casa


de cada um, afastando um pouco mais os mosquitos infectados. A
eficácia e duvidosa e o custo mais elevado:

(5) Nenhuma destas soluções elimina o mal na origem: os


mosquitos continuarão a existir e a multiplicarem-se. A única
solução totalmente eficiente será a pulverização aérea dos seus
viveiros com pesticidas adequados: ela custará, por hipótese, (frete
do avião e produtos químicos).

A escolha entre estas diversas soluções técnicas - que não são


equivalentes, mas todas resolvem o problema minimamente -
depende das possibilidades orçamentais (constrangimento
orçamental) de cada pessoa e dos inconvenientes pessoais de cada
uma delas. Para a generalidade, a alternativa e seria desejável, mas
estaria acima das possibilidades orçamentais de cada um. As outras
quatro alternativas seriam escolhidas consoante o custo e os
orçamentos de cada um (que fixaria a parcela dos recursos afectada
a satisfação deste tipo de necessidades, em concorrência com
outras): os mais pobres teriam acesso apenas a alternativa; outros
disporiam de outras alternativas.

A acção individual apenas tem, em regra, acesso as quatro


primeiras soluções. Na verdade, a quinta solução, ainda que
estivesse ao alcance dos recursos económicos de algum particular
muito rico, sempre possibilitaria a «boleia» ou a «borla» de todos
os outros: estes tirariam o mesmo proveito que o financiador da
iniciativa, mas de graça, enquanto este a pagou por inteiro. Ou
então, para ela poderão associar-se os vizinhos, empreendendo uma
acção comum: mas quem garante que todos queiram contribuir,
admitindo que algum tome por si a iniciativa, de modo
parcialmente altruísta? A verdade e que, sem fazer nada, os
vizinhos que nada gastarem tiram o mesmo beneficio da extinção
dos mosquitos; mesmo ficando mal vistos, podem não gastar nada,
utilizando - por «boleia» ou «a borla» - os benefícios gerados pelas
acções dos outros. Pode suceder que os poucos que aceitem pagar
ou cooperar de outra forma, acabem por achar o custo tão elevado
que os levara a desistir por não poderem financiar a acção
necessária.

Sabendo como é difícil levar o «borlista» a pagar alguma coisa pelo


benefício que tira, o rico não estará disposto a custear sozinho um
benefício para todos; alguns poderão querer fazê-lo, mas só com a
garantia de que todos contribuirão. A não ser que o façam por
altruísmo (caridade, filantropia, vaidade, ambição social...) ou que
tenham forte interesse individual (apesar da aversão as «borlas»)

19
20 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

em conseguir os benefícios individuais resultantes da solução 5... O


vizinho rico ou o pequeno grupo promotor normalmente proporão
ao conjunto dos vizinhos uma acção colectiva: se todos pagarem
uma parcela igual, a iniciativa far-se-á. Estão então sujeitos a
recusas e, ou assumem o encargo de preencher as faltas, ou não
haverá obra comum... Os indivíduos juntar-se-ão em grupo ou
clube - com fins temporários e permanentes - se o custo de se
associarem for inferior aos benefícios que tiram do «clube» C).

Da associação em «clube» podem mesmo advir economias de


escala ou a cobertura de outras utilidades imprevistas (sinergia). Ou
pode suceder que a acção colectiva seja oligárquica: apenas alguns
dos beneficiários - e não todos - se associarão para conseguir o
efeito social pretendido. Neste caso, o custo individual será
superior -- mas o benefício de cada um pode ainda ser maior do que
se não se empreendesse a iniciativa.

IV. A acção colectiva mais elaborada e a acção pública - a que e


empreendida por entidades públicas: entidades dotadas de poder de
autoridade, obrigadas a prossecução de fins gerais da colectividade
e representativas dos seus membros, com base institucional que não
e necessariamente a da voluntariedade de associação (embora possa
'sê-lo em associações publicas livres). Este conjunto de actividades
que constitui o cerne da economia pública (em sentido amplo,
abrangendo as actividades de ordenação, intervenção ou actuação
económica publica); ou, em sentido restrito, abrangendo apenas
esta ultima (ou tão-só o seu lado de obtenção de recursos - finanças
públicas estrito senso -, ou a sua expressão monetário-financial-
finanças publicas em sentido institucional).

A natureza das formas não publica de acção colectiva e diversa da


das formas públicas. Nas primeiras, o indivíduo põe abandonar o
grupo; nas segundas só pode deixa-lo se fizer sacrifícios pessoais
muito onerosos (deixa de ser sócio de um clube escrevendo uma
carta: mas só cessa de ser munícipe se deixar de residir no território
do concelho). Nas primeiras, o indivíduo participa na elaboração do
estatuto e tem acesso directo aos órgãos; nas segundas, aceita uma
constituição preestabelecida e põe não ter controlo dos órgãos
(autocracia), ou tem-no só de forma indirecta (democracia
indirecta). Nas primeiras não existe em princípio (com muitas
restrições históricas e actuais) o uso potencial da coacção para
impor as decisões tomadas e o cumprimento das normas (embora
possam existir sanções privadas judicialmente executórias); nas
segundas, todo o comportamento social é marcado pela
possibilidade de recurso a coacção para impor as decisões por via
de autoridade.

Podem a este respeito fazer-se várias perguntas. Porque são certas


actividades prosseguidas pela acção colectiva privada e outras pela
acção colectiva pública? Como se decide sobre a quantidade do

20
FINANÇAS PÚBLICAS

bem colectivo público a produzir e sobre a quantidade de recursos a


afectar-lhe? Como distribuir os custos da provisão de bens
colectivos entre os membros da colectividade? Como são tomadas
as decisões colectivas, a partir das preferências individuais? Como
são distribuídos os benefícios e os custos? Estes os problemas-
chave da decisão financeira - que estudaremos, primeiro, quanto ao
conteúdo, e depois na forma e nos órgãos.

A OPTIMIZAÇÃO SOCIAL E SEUS CRITÉRIOS


TEÓRICOS

a) Critérios gerais

I. Porque e que há necessidades que são satisfeitas pela


comodidade (ou pelo Estado), ao passo que outras o são pelas
pessoas e pelos grupos?

O problema central da economia pública prende-se com os critérios


de satisfação das necessidades dos indivíduos e da comunidade.
Numa economia baseada no principio da liberdade de
comportamentos descentralizados, que princípios e critérios
determinam ai as necessidades que são satisfeitas pelos indivíduos
e pela colectividade? Fundamentalmente, o mercado. Nele as
pessoas confrontam entre si as respectivas possibilidades e
necessidades: oferecem aquilo de que dispõem, procuram aquilo de
que necessitam e confrontam o valor relativo através da licitação
em público, mediante critérios que resultam na formação de
equilíbrios de mercado (preços e quantidades), de equilíbrios
internos do consumidor e do produtor, em relação a certos tipos de
bens, bem como nos equilíbrios por sectores ou da economia em
geral (equilíbrios parciais, equilíbrio económico geral).

Num sistema de economia de mercado a existência de bens


produzidos fora do mercado resulta daquilo a que pode chamar-se
incapacidade ou falha do mercado (market failure). Trata-se dos
bens que, ou não são produzidos, ou para o serem em condições
eficientes necessitam de uma actuação não movida pela lógica do
mercado.

II. O Estudo teórico dos critérios de provisão pública de bens parte,


como toda a teoria, de um certo número de pressupostos de base:

(a) Que nos encontramos numa sociedade politicamente organizada


- isto e, na qual existe o Estado (ou outras entidades dotadas de
poder politico);

(b) Que essa sociedade e constituída por indivíduos e grupos cujos


padrões culturais são essencialmente competitivos (isto e, livres e

21
22 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

rivais, buscando a satisfação individual e a eficiência), e não


cooperativos, comunitários, solidários ou de outros tipos;

(c) Que, por isso, a atitude fundamental do Estado em relação a


provisão de bens disponíveis será passiva e não activa;

(isto e, tratar-se-á de uma sociedade e uma economia


descentralizada, cujas normas e instituições hão-de garantir a
apropriação privada dos bens, a liberdade individual e as decisões
descentralizadas (ao invés dos sistemas totalmente centralizados,
em que toda a actividade seria - ou tenderia a ser - pública,
integrando-se no publico o social, e no social o pessoal);

(d) Que nessa sociedade a afectação dos recursos se faz através dos
mercados livres - tendencialmente em concorrência pura e perfeita,
ou com formas de concorrência limitada -, e ainda que o mercado
assegura a melhor satisfação possível dos consumidores (equilíbrio
óptimo do produtor).

A melhor afectação dos recursos materiais raros susceptíveis de


aplicações alternativas (bens económicos, incluindo coisas,
realidades imateriais apropriáveis e serviços) resultará da liberdade
de motivações dos agentes e do confronto livre dos seus interesses
em mercado. Pressupõe-se ainda que os preços se fixem em níveis
tais que o ajustamento da oferta a procura e feito automaticamente
em cada momenta para todos os mercados, e que os agentes
económicos oferecem os factores de produção (trabalho, recursos
naturais, capital, factores imateriais) e obtêm assim um rendimento
aplicável no consumo dos bens finais produzidos ou na aquisição
de factores para novas produções futuras. Admitindo as leis
técnicas da produção, uma dada estrutura de repartição dos recursos
entre as pessoas e padrões de comportamento moderadamente,
egoístas e racionais, e possível demonstrar que do funcionamento
dos mercados resulta um conjunto de afectações de recursos - a
produção e ao consumo pelo menos tão satisfatório para todos (se
não mais) como qualquer outro conjunto de aplicações. Isto e,
demonstra-se que o mercado tende a optimizar a afectação dos
recursos - ou, o que e o mesmo, realiza a satisfação geral de todos e
cada um, com o melhor nível possível de utilidade, nas condições e
com os bens disponíveis (I).

III. Poderá dizer-se que esta teorização só e aplicável as economias


de mercado: mas não se esqueça que, se estas condições de algum
modo sintetizam a essência de capitalismo, delas também fluem as
regras do planeamento e a lógica colectiva de um socialismo
hedonista, inteiramente racional e industrial (I): o essencial da
teoria e mais a sociedade hedonista do que o capitalismo. A sua
estrutura pressupõe um sistema de economia de mercado - que não
pode confundir-se com um qualquer sistema livre, em que o Estado
se limita a mera garantia da ordem social e). Ora, este sistema tem,
como se sabe, diversas limitações:

22
FINANÇAS PÚBLICAS

(a) Desigualdade na distribuição da riqueza;

(b) instabilidade no conjunto de economia e em sectores


específicos;

(c) custo crescente dos serviços públicos;

(d) situações monopolísticas abundantes e crescentes;

(e) actividades económicas que por reflexo beneficiam ou


prejudicam outras (exterioridades: «externalidades»);

(f) provisão inadequada (insuficiente ou incorrecta) de bens


públicos (nomeadamente colectivos);

(g) ma distribuição dos recursos entre presente e futuro (3).

A afectação de recursos neste sistema e dominada pelo principio de


que os sujeitos não produzem nem obtêm por troca bens cujo custo
de produção (desutilidade da sua obtenção) seja superior a utilidade
que auferem. É possível demonstrar que a mais eficiente afectação
de recursos e, como regra, a que tendencialmente se situa no ponto
de igualdade entre o preço de cada bem e o seu custo marginal. A
fixação de preços afastados deste nível terá como consequência
que, se o preço for inferior ao custo marginal, isso maximizara o
benefício do consumidor - mas a consequência e que a procura
aumentará e fará subir os preços. Ao invés, se o preto for superior
ao custo marginal, isso tendera a maximizar o benefício do
produtor - mas a procura diminuirá e, sendo a oferta excessiva, o
preto tendera a descer. Esta simples regra que explica o
ajustamento das quantidades e dos valores, definindo o equilíbrio
do produtor, o do consumidor e os dos mercados dos vários bens, e
dai o equilíbrio económico geral5

b) A economia de bem-estar

1. A esta luz, a economia de bem-estar (com seus pressupostos de


individualismo, racionalismo e hedonismo) fornece a melhor base
de analise das situações em que o mercado não e capaz de
satisfazer o melhor possível os interesses de todos os membros de
uma comunidade. Ela explica teoricamente as regras para a

5
O quadro teórico do raciocínio e o da economia neoclássica,
como se recordara do estudo da Economia; ele constitui 0 melhor
quadro de racionalidade nos sistemas de economia de mercado: cf.
O nosso artigo Neoclássica (escola), em Polis - Enciclopédia
Verbo da Sociedade e do Estado, vol. IV, S.V., 1986.

23
24 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

formulação de juízos de valor (que nunca podem derivar


directamente e apenas de juízos de realidade: regra de Hume) sobre
situações globais e finais de economia. Não se trata de dizer que «e
melhor aumentar os impostos, porque...», ou que «estas despesas
deve subir, senão...»; trata-se de dizer que uma certa situação
global, para a colectividade ou para os seus membros - numa
concepção de equilíbrio que não e mecanicista nem moralista
(Rawls 6chamou-lhe de equilíbrio reflexivo e) - e, segundo critérios
de bem-estar, melhor do que aquela outra situação. Nesse sentido,
ao integrar fins, estas teorias chamar-se-ão normativas (ou melhor:
teleológicas), em contraste com as meras análises descritivas,
explicativas ou de «economia positiva».

II. A. C. PIGOU 7aplicou critérios de bem-estar ao estudo da


distribuição de recursos entre sector publico e sector privado -
como entre os sujeitos da economia em geral, partindo do principio
de que cada individuo recebe utilidades da utilização (consumo)
dos bens público, e que o pagamento de impostos para financiar
esses

Esses bens e uma desutilidade para os indivíduos (pois e medido,


em tem os de «custo de oportunidade», pelo consumo privado que
ele e obrigado a sacrificar para pagar o imposto). Para cada pessoa,
o ponto óptimo de oferta de bens públicos é o ponto em que a
utilidade marginal dos bens públicos e igual a hostilidade marginal
do imposto: se pagasse mais impostos, a sua utilidade marginal
implicava mais sacrifício de que o beneficio obtido dos bens
públicos; se pagasse menos impostos, então a utilidade do último
bem privado corresponderia a desutilidade marginal do bem
público que obtinha. Este princípio, aplicado - a todos os
indivíduos, regera a afectação óptima dos recursos individuais entre
bens privados e públicos: até ao equilíbrio imposto-bem público, há
interesse em pagar mais impostos; depois, em receber menos bens
públicos e não pagar mais impostos...

Esta concepção tem limitações. Toma a utilidade em termos


cardinais e não apenas ordinais. Admite que as apreciações
subjectivas são comparáveis. Não fornece nenhum mecanismo de
agregação dos óptimos individuais para determinar um óptimo
social. Ora, se a sociedade for tratada como se tratasse de um
indivíduo, a igualdade entre a utilidade social do total dos bens
públicos e, a desutilidade social de todos os impostos será o ponto
da sua maior utilidade social - mas pode ou não coincidir com o

6
J. RAWLS, A theory of Justice, 1971, § 4.
7
A. C. PIGOU, The economy of welfare (antes com o titulo Wealth
and Welfare), J.a ed., 1912; 4." ed., 1940; A study inpublicjinance,
I." ed., 1928; 3." ed., 1930.

24
FINANÇAS PÚBLICAS

ponto de maior utilidade (igualdade marginal individual) de cada


indivíduo. Pode haver equilíbrio na sociedade sem que haja
necessariamente equilíbrio individual.

Então, para PIGOU, a distribuição do sacrifício entre os indivíduos


assentaria em duas ideias: o máximo de bem-estar social resultaria
da igualdade entre todos, porque só então seriam iguais todas as
satisfações marginais de todos os indivíduos; mas tal igualdade não
pode existir, pois colocaria em risco a liberdade e tornaria
impossível a manutenção de níveis elevados de poupança, que são
essenciais para prolongar o bem-estar económico pelo crescimento
e pela estabilização das flutuações económicas e). A distribuição da
carga fiscal deve basear-se nos princípios de que os desiguais
devem ser tratados desigualmente e que a redução das
desigualdades aumenta o bem-estar geral: dai que o sacrifício fiscal
deva ser repartido de acordo com a capacidade de cada um para
pagar e que as despesas devam ser usadas pelo estado para
redistribuir o bem-estar de forma mais igualitária.

III. PIGOU forneceu as bases para a tentativa, algo ambiciosa, de


tentar definir os critérios de um óptimo social (máximo de bem-
estar social), precisando em que condições e que da perda de
utilidades para alguns membros da sociedade resultava uma
melhoria de bem-estar social do conjunto. Menos ambiciosamente,
iria construir-se (a partir da pesquisa de V. PARETO) uma
explicação para a mera definição de critérios de melhoria do bem-
estar (eficiência económica) em relação a situações anteriores,
como efeito de decisões económicas pontuais (óptimo relativo ou
óptimo de Pareto).

A definição de critérios de eficiência, analisando as situações da


economia a luz dos critérios de bem-estar, e o campo próprio da
economia de bem-estar. Para os clássicos, o bem-estar comum era a
mera soma das utilidades individuais: quanto maiores estas fossem,
maior seria o bem-estar. Na falta de um critério de medição comum
das utilidades e desutilidades ou de comparação intersubjectiva das
satisfações - inevitável escolho das concepções subjectivistas da
economia, V. PARETO8 e E. BARONE e) formularam uma

8
Pela ordenação do bem-estar social Bergson-Samuelson. Cf. em
geral: PARETO, Manual d'Economie Politique, ·I909; A.
BERGSON, «A reformulation of certain aspects of welfare
economics», em Quarterly Journal of Economics, vol. 66 (1938),
pp. 366--384; P. SAMUELSON, Foundations of economic analysis,
1947, «Reaffirming the existence of «reasonable» Bergson-
Samuelson social welfare funcctionsf>, em Economic Journal,
1960, pp. 197-265; R. SUGDEN, The political economy of public
choice, 1981, cap. 3.

25
26 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

concepção de bem-estar relativo, segundo a qual, numa situação


dada, a determinação do bem-estar assentaria nos seguintes
pressupostos:

- Cada pessoa é o melhor juiz possível do seu próprio bem-estar;

- O bem-estar social (Ug) e função apenas do bem-estar de cada um


dos membros da sociedade: Ug = f (U1,U2, U3)... Un);

- Se o bem-estar de uma pessoa (i) É melhor na situação x do que


na situação y, e se o bem-estar de todos os outros não é menor em
nenhuma das duas, então 0 bem-estar social e maior na situação x
do que na y.

Generalizando este critério, pode dizer-se que e «Pareto-efficient» -


relativamente eficiente em termos paretianos - qualquer melhoria
de bem-estar que não afecte a situação dos restantes membros da
sociedade; uma situação (que correctamente não pode dizer-se
«óptima») e eficiente quando não for possível/ nenhuma melhoria
na situação de qualquer dos membros sem prejudicar os restantes
C).

IV. As melhorias de bem-estar paretianas baseiam-se em dois


teoremas fundamentais, que enunciaremos apenas:

1.0 – Se: a) as famílias e empresas actuarem de forma


perfeitamente competitiva, tomando os preços como dados; b)
houver um conjunto completo de mercados; c) houver perfeita
informação: então um equilíbrio competitivo será eficiente em
termos paretianos.

2.° - Se: a) as famílias e as curvas de indiferença; a dos


consumidores e das empresas forem normais (convexas); b) houver
um conjunto completo de mercados; c) houver perfeita informação;
d) os impostos de soma fixa (isto e, aqueles que não podem sofrer
qualquer influencia do comportamento dos contribuintes) e as
transferências forem realizadas sem custos: então, qualquer
afectação de recursos os eficiente em termos paretianos pode ser
realizada em equilíbrio competitivo, com impostos e transferências
adequadas e).

Nestes termos, uma melhoria paretiana e qualquer transformação


que me/hora o bem-estar de pelo menos um individuo sem diminuir
o dos demais; e uma situação é eficiente (óptimo relativo ou óptimo
de Pareto) se não forem possível qualquer melhoria em termos
paretianos.

26
FINANÇAS PÚBLICAS

0 Estado tem para a teoria neo-clássica uma função própria de


utilidade ou de preferência, da qual pode deduzir-se uma função de
comportamento racional (função de reacção para a teoria dos
jogos); Pareto veio estabelecer que aquela função de preferência
colectiva se baseia exclusivamente nas funções de utilidade
individuais, dando assim uma solução sua ao problema das relações
entre o individual e o colectivo (problema da agregação).

É ainda possível definir as condições necessárias para um óptimo


de Pareto. Tomemos como conceito prévio o de taxa marginal de
substituição de um bem X por um bem Y, que e a quantidade de Y
que um consumidor tem de sacrificar para compensar o ganho de
uma utilidade (unidade marginal) de X, substituindo X por Y, de
modo a manter o mesmo nível de satisfação do conjunto dos dois
bens (o conceito e generalizável a n bens). As condições de Pareto
são: Iº a taxa marginal de um dado par de bens deve ser idêntica
para todos os consumidores que consomem esses bens: 2.° - a taxa
marginal de substituição de um dado par de factores de produção
deve ser a mesma para todos os bens em que esses factores são
empregues; 3." - a taxa marginal de substituição de um dado par de
bens para qualquer consumidor e a mesma que a taxa marginal de
transferência desses dois bens na produção (isto e, a quantidade de
um bem que e necessária para produzir uma unidade marginal de
outro bem). Em concorrência perfeita, estas três condições devem
verificar-se, existindo então um «óptimo de Pareto em 1.0 grau».

Fala-se, designadamente na elaboração da política económica, de


óptimos de segundo grau (second best): quando, por virtude de um
constrangimento, limitação ou dado de politica económica, não e
possível realizar uma das condições de Pareto, então a melhor
posição que pode atingir-se poderá determinar também a violação
de outra ou todas as condições: estas, ainda que possam ser
atingidas, podem deixar então de ser desejáveis9.

9
Podem distinguir-se diversos critérios de aferição do bem-estar
igualitário (definindo condições mais restritivas, mas em termos
bem diversos das de Pigou), dos quais o mais generalizado e o do
maximin de Rawls, que define o nível óptimo, em cada situação,
pela melhor situação possível para o menos favorecido dos sujeitos
em confronto. Cf. RAWLS, A theory of Justice, 1972; R. NOZICK,
Anarchy, State and Utopia, 1974; J. BUCHANAN, The limits of
liberty, 1975; Para uma critica e mais bibliografia, SUGDEN, The
political economy of public choice, 1981. A teoria do bem-estar e
frequentemente omissa nos cursos de economia professados nas
Faculdades de Direito: por isso se remete a exposição feita em
MFP, I, 1974. Por outro lado, ela também o aspecto processual da
tomada de decisões, desembocando então num terreno próximo da
ciência politica: cf. inira § 4.°, p. 53.

27
28 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

V. Com base nas concepções dos paretianos, tem sido possível


avançar mais, integrando na definição do bem-estar, em simples
termos de eficiência, a determinação das condições de justiça
social. Assim, sem abandonar os pressupostos individualistas da
analise de Pareto, e possível defender que 0 bem-estar depende, não
apenas das preferências reveladas por cada um dos membros da
sociedade, mas também da visão que ele tem das condições gerais
de bem-estar, em consequência de a posição social das pessoas e
dos grupos resultar como que de um novo contrato social, em que
as pessoas negoceiam a sua entrada na sociedade em condições de
desconhecimento concreto das condições sociais (véu de
ignorância: Rawls), mas pressupondo uma certa ordenação da
sociedade.

Em termos paretianos, e possível dizer que a situação w e melhor


do que x, e y melhor do que z; mas não e possível comparar as
restantes, o que significa que nenhuma solução e em absoluto a
melhor de todas. Admitindo critérios de comparação
intersubjectiva, que levam a projectar no bem-estar a concepção
que cada um tem da melhor distribuição - entendida esta como a
mais igualitária -, e possível então entender que w e melhor do que
x, que e melhor do que y, que e melhor do que z. Passa-se então a
considerar que não interessa apenas a afectação dos bens, mas
também a sua distribuição óptima (logo, igualitária), para medir 0
bem-estar C).

CAUSAS DE INCAPACIDADE DO MERCADO


a) Razão de ordem

A esta luz que podem pesquisar-se os casos em que o mercado não


e eficiente para criar a optimização em certas áreas. Importa, então,
ou prescindir da respectiva utilidade, ou buscar outras formas de
produzir os bens em causa. A primeira alternativa tomaria
impossível a vida em sociedade; pois renunciaria as normas
jurídicas, a defesa, a segurança, a ordem social bens sem os quais
todos os outros não poderiam ser produzidos. Antes de ver como
podem eles ser oferecidos, vejamos melhor quais as situações mais
típicas de incapacidade de mercado e observemos que, muito
provavelmente, as categorias mencionadas não se excluem,
podendo cumular-se, em algum caso concreto, características de
virias delas (').

b) Os bens colectivos

O primeiro caso é o dos bens colectivos (ou bens «puramente


públicos» ou «públicos por natureza»), que são aqueles em que,
para um determinado nível de existência ou provisão de bens, a

28
FINANÇAS PÚBLICAS

utilização por uma pessoa não prejudica minimamente a utilização


por qualquer outra: e 0 caso de um farol, da defesa nacional, do
serviço de patrulha costeira, do funcionamento geral dos órgãos de
soberania. Ao invés, os bens individuais - ou «puramente privados»
- se são consumidos por uma pessoa em determinada quantidade,
não podem ser consumidos por outra: o pão que A come não pode
ser comido por B.

Podem enunciar-se assim as características típicas dos bens


colectivos:

1. ° - Prestam, pela sua própria natureza, utilidades indivisíveis e


proporcionam satisfação passiva (independente da procura em
mercado: esta caracteriza a satisfação activa).

2.° - São bens não exclusivos, já que não é possível (em regra; pode
haver, com maior ou menor custo, exclusão ou limitação artificial)
privar alguém da sua utilização.

3. - São bens não emulativos: os utilizadores não entram em


concorrência para conseguir a sua utilização.

Por força deste conjunto de circunstâncias pode afirmar-se que os


bens colectivos nunca serão oferecidos em mercado por um
particular: só serão criados, sustentados e oferecidos por sujeitos
desinteressados e tendencialmente dotados de autoridade, que
definam e imputem as utilidades que eles prestam e possam cobrar
coactivamente o respectivo montante. Na verdade, se não for assim,
quem custeia a provisão do bem não pode impedir que qualquer
outro beneficie dele, e de graça (a «boleia», de «borla»: «free
rider». Só um benemérito ou alguém que possa excluir os outros do
acesso, ou forçar todos a pagar, já que todos podem beneficiar, o
poderão oferecer.

c) Os custos decrescentes e o efeito de monopólio

A produção dos bens é normalmente regida pela lei das proporções


definidas, segundo a qual existe um ponto óptimo nas combinações
de factores produtivos em que o custo de produção por unidade é o
mais baixo possível (exceptuados casos de melhoria por alteração
da própria combinação produtiva ou de melhor técnica e/ ou
produtividade, como as economias de escala). Até ao ponto óptimo,
os custos de produção são normalmente decrescentes: isto é, o
aumento de uma unidade de um factor de produção diminui o
respectivo custo (marginal e médio). Alcançado ele, entra-se na
fase dos custos crescentes, isto é, o custo da unidade marginal - e
portanto o custo médio de cada unidade - vai aumentando com a
adição de novas unidades do factor de produção.

Existem, todavia, certos tipos de actividades produtivas em que as


coisas se não passam assim. Neles os custos diminuem sempre -

29
30 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

uniformemente ou não, consoante a função de produção respectiva


-, tornando-se assim mais eficiente ter uma empresa a produzir 100
unidades do que 10 empresas produzindo 10 unidades. Assim
sendo, o número de empresas no sector tende a diminuir – porque a
empresa maior pode sempre oferecer os bens a custo inferiores aos
das restantes; as empresas tendem então a possuir um poder de
monopólio ou oligopólio, que pode levar a situação de mercado a
identificar-se com a própria situação de monopólio (de facto, se
resultar simplesmente da falta de acesso das demais; legal, se
resultar de obstáculos legais a entrada de outros competidores; ou
natural, se resultar de só a empresa que oferece dispor do bem
natural ou da tecnologia que condiciona a sua oferta). Havendo
vários produtores, as empresas menos eficientes ver-se-ão
obrigadas a descer o seu preço ate ao nível da mera cobertura do
custo médio de produção (e, a médio prazo, tenderão a retirar-se do
mercado por falta de poder competitivo, se o preço descer abaixo
do custo médio, ou menor poder financeiro, se as perdas se
prolongarem). Então, se houver poucos produtores concertados ou
um só produtor - a situação estável final tendera a ser esta -, os
preços tenderão a situar-se acima do nível normal do preço em
concorrência (a diferença é o que teoricamente se chama «renda do
monopolista»); e as empresas farão um sobre-lho, teoricamente
apenas limitado pela sua capacidade de produção e pelas condições
de elasticidade da procura. Ora, esse nível de produção é
ineficiente, no sentido de não corresponder aos critérios de
optimização geral da economia (que são definidos pela estrutura
concorrencial do mercado), pois limita anormalmente o consumo. E
em termos políticos, o prejuízo causado aos consumidores e a
posição tendencial de monopólio exprimem essa ineficiência,
concretizando-a em situações privadas que se não pautam pelas
regras normais do mercado.

Estas situações ilustram uma concreta incapacidade do mercado:


para restabelecer as regras do óptimo no mercado o Estado deve
intervir, ou chamando a si a actividade, para baixar os preços em
relação aos de um monopolista privado, ou limitando o preço por
intervenção administrativa (fazendo-o baixar tendencialmente ao
nível do custo marginal, definidor do equilíbrio em mercado
concorrencial)·.

d) As exterioridades e a actividade pública

A interdependência entre as pessoas em sociedade gera situações


difíceis de regular: na verdade, as decisões de um consumidor ou
de um produtor reflectem-se por vezes - positiva ou negativamente
sobre outras pessoas que com elas nada têm que ver: ora
proporcionando-lhes utilidades externas (benefícios resultantes de
comportamento alheio), ora impondo-lhes desutilidades externas
(custos resultantes de comportamento alheio). Se eu ouvir musica
muito alto em casa, tanto posso proporcionar aos vizinhos o

30
FINANÇAS PÚBLICAS

benefício de me ouvirem (se tiverem 0 mesmo gosto que eu...),


como impor-lhes o custo de renunciarem aos bens do silêncio e do
sossego. Os tais efeitos chamam exterioridades (externalidades).10

Estes efeitos externos da interdependência social são bem


diversificados. Eles assumem importância porque não podem
limitar-se a definição dos limites do direito de propriedade e da
liberdade individual, se não forem eles próprios objecto de uma
negociação entre particulares (caso em que se tornam bens
mercantis) e se não houver um processo legal e abstracto de regular
a produção e apropriação de certos efeitos externos (no caso
referido, pode haver direitos pessoais de intimidade a respeitar).
Seria impossível estabelecer uma regulamentação social tão
minuciosa que tentasse disciplinar todas as formas de efeito externo
- ela suprimiria, na prática, a própria liberdade e diversidade
humana.

Vejamos melhor.

Algumas actividades de consumo ou produção podem ter efeitos


positivos (proporcionarem utilidades) sobre pessoas diversas das
que as desenvolvem (benefícios externos); outras podem ter efeitos
negativos (imporem sacrifícios), traduzindo-se então em custos
externos e é claro que tanto podem afectar relações entre dois
agentes sociais - pessoas ou grupos - como podem envolver
múltiplas relações externas. Se a função de utilidade do senhor i for
Ui e se A, B, etc., representarem actividades de produção ou
consumo diversas, haverá uma exterioridade quando:

Ui X f (Ai, Bi, Aj)

Porque a utilidade de independe de actos seus. (Ai, Bi) de actos do


senhor j (Aj).

Estes fenómenos de interdependência, extremamente frequentes,


são fonte de desperdício para o seu produtor e criam bens mistos
(em parte próprios, em parte de utilidade partilhada com outrem,

10
I) As exterioridades podern ainda ser tecnológicas (quando a
produção ou o consumo de um agente económico se ref1ectem na
produção ou no consumo de outro agente económico) ou
pecuniárias (quando um comportamento influencia os preços e,
por via destes, o bem-estar de outros produtores ou consumidores:
a subida dos preços de uma empresa sobe os custos das outras ou
altera o rendimento real dos consumidores): cf. BROWN e
JACKSON, Public sector economics, cap. 2, por urna sintese.

31
32 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

determinado ou indeterminado); assim geram benefícios sociais ou


custos sociais.

Estes benefícios ou custos apenas redundam num problema de


incapacidade do mercado quando não São tornados como objecto
de negócio entre particulares, porque as pessoas envolvidas
entendem que tal negociação seria excessivamente custosa para os
intervenientes: os benefícios que resultariam de formar um
mercado não seriam equivalentes aos custos de o formar. Perante
esta situação, tanto pode suceder que a comunidade nada decida e
os produtores da exterioridade tenham de resignar a vê-la
aproveitada por outrem (um espectáculo que é observado de graça
pelos vizinhos) como que os seus pacientes tenham de a suportar (o
ruído de uma fábrica suportado pelos vizinhos). Ou pode suceder
que o Estado ou a comunidade as tentem regular, estabelecendo
regras gerais (é o caso das normas de Direito Civil em situações de
vizinhança, por exemplo), regulações específicas (intervenção
estadual) ou actuações estaduais (tributações do impositor do custo
externo ou do beneficiário do proveito externo, despesa
compensatória do paciente do custo extremo ou do produtor do
beneficio extremo). E porque deve o Estado ou a comunidade
intervir? Porque pode suceder que sem a sua intervenção se não
realizem as condições do óptimo social: se a fábrica que polui não
for tributada, em compensação do custo extremo da deterioração do
ambiente que ocasiona a colectividade, produzirá a um nível que
não é óptimo (produz demais, porque não contabiliza o custo social
da poluição). E assim por diante...

A comunidade, ou o Estado, podem pois resolver estas situações de


diversas formas: quando o fazem, não pela simples regulação de
interesses entre os intervenientes, mas pela socialização da
exterioridade (impondo custos compensadores do beneficio
apropriado ou apropriando proveitos gerados), então tem cabimento
a actividade financeira: financiando a educação de todos, que dá
proveitos a sociedade, e não só ao próprio; impondo contribuições
à empresa poluidora, que tira benefícios do custo que impõe a
comunidade (quem polui, paga). São as exterioridades fortes, que
tendem a tomar-se públicas.

e) Incerteza e risco na actividade económica

Não é apenas nas exterioridades puras que se geram caracteres não


mercantis indesejáveis (1). Também em situações de risco e
incerteza deparamos com casos deste tipo. Os riscos previsíveis da
vida podem ser objecto das transacções mais diversas. Com efeito,
quase não há contrato sem uma dose de risco (risco contratual, de
crédito, cobertura do risco: seguro), ou em que o risco é elemento
essencial (contratos aleatórios) ou importante (especulação
financeira). Em todos estes casos, o risco é integrado pelos
mecanismos do mercado. Todavia, há casos em que os riscos se

32
FINANÇAS PÚBLICAS

tomam tão elevados, ou tão desproporcionados com as


compensações ou os prémios pagos para segurar o risco, que não
serve o método normal dos comportamentos livres: apesar de haver
na população «arrisca dores» e «generosos do risco»; apesar de os
riscos poderem ser assumidos individual ou colectivamente,
reduzindo assim a probabilidade e o custo da compensação
(fenómenos de mutualidade, por exemplo); apesar de as
companhias de seguros poderem, com base no cálculo da
probabilidade de riscos estatisticamente aferidos, aceitar assumir,
em contrapartida de prémios de seguro, riscos objectivos (isto é,
previsíveis por critérios de cálculo de probabilidades; quer
assumindo os riscos na totalidade, quer partilhando-os com os
segurados, para aumentar a sua atitude de responsabilidade e
prevenção do risco)...

Há casos em que podem acorrer em massa à seguradora pessoas


cujas condições objectivas são tão más que, pela multiplicação dos
riscos, a forçam a elevar os prémios: então, os bons segurados
podem fugir da companhia, assumindo por si os riscos; isto pode
reduzir de tal maneira a procura que a companhia desistirá de
segurar esse risco. É o caso, por exemplo, do seguro de reforma
generalizado. Em outros casos, poderá haver uma incerteza, cuja
probabilidade de verificação não pode ser aleatoriamente prevista:
ela na será coberta pelas empresas seguradoras.

Sucede assim que as incertezas não cobertas pelo mercado; ou que


o mercado apenas cobre por prémios muito elevados os riscos mais
fortes para muitos membros da colectividade, que não podem ou
não querem pagar esses prémios (doença, invalidez, velhice)
cobrindo por prémios baixos os riscos menores. Existe aqui
claramente incapacidade do mercado: e então - para alem das
razoes distributivas e de justiça - a optimização só e possível se for
assumida a cobertura dos riscos por entidades estranhas ao mercado
(pense-se nas pensões de reforma da segurança social: quanto
maior e a necessidade, maior será o preço das seguradoras: e os
mais necessitados, que são os mais pobres, não poderão pagar esse
seguro).

Hipótese análoga poderá ser a de um empreendimento produtivo


socialmente útil, mas tão arriscado que nenhuma empresa ousa
enfrentar a sua elevada incerteza: é esta a razão por que o Estado
assume, só ou em associação, a iniciativa produtiva em muitas
empresas de rendibilidade extremamente aleatórias

f) Outras situações

Podem conceber-se outros tipos de incapacidade do mercado, Um


deles é a incapacidade macroeconómica. O equilíbrio económico
geral não é sempre alcançado pelo simples funcionamento dos
mercados em sociedades concretas; ainda que o fosse, não esta
provado que o equilíbrio económico realize sempre o óptimo

33
34 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

social. Então, a estabilidade (preços estáveis, emprego, equilíbrio


externo) resultará, como KEYNES demonstrou, de uma acção
sobre os agregados da economia, a qual só é possível através de
políticas globais: definem-se então condições para a estabilização
dos agregados globais, para a luta contra a desigualdade na
distribuição do rendimento, para a qualidade da vida, o
desenvolvimento ou a independência nacional (1). E então a
incapacidade do mercado - agora em termos globais - que se revela.
E a ela responde a política económico-social, produtora, ela própria
de exterioridades (comportamentos obrigatórios em beneficio
alheio) e de bens colectivos (alterações benéficas para todos na
estrutura e na conjuntura económica) como resultado da acção do
Estado. Um caso típico é o das políticas de redistribuição, que
visam objectivos inalcançáveis pelo mercado.

De natureza semelhante, mas com sentido e instrumentos opostos, e


a intervenção nas situações de doença ou morte dos requisitos
constitutivos do próprio mercado, que também determinam a sua
incapacidade, mas de formas que normalmente podem resolver-se
por acções de reposição dos condições de mercado. O caso das
coligações entre empresas para prejudicarem os consumidores, cuja
inclusão na incapacidade de mercado (como causa de poder
monopolista, em sentido amplo) tem dado origem a interessantes
aprofundamentos; ou da insuficiente informação dos consumidores,
por exemplo. Então, as deficiências do funcionamento do mercado
suscitam acções do Estado tendentes a recriar condições normais de
mercado, as quais tanto podem consistir em intervenções sobre o
comportamento dos sujeitos individuais (defesa da concorrência,
v.g.) como na sua actividade económica própria (finanças
públicas).

A PROVISÃO PÚBLICA DE BENS


a) Formas de suprir as incapacidades do mercado

1. As incapacidades do mercado obrigam pois, para haver níveis


aceitáveis de bem-estar social, a actuações correctivas e supletivas
de sujeitos económicos não dominados pela lógica do mercado.
Tomemos, por exemplo, o caso do farol, bem colectivo que nunca
poderá ser produzido para mercado (pondo agora de lado as
situações, menos claras, em que há «bens públicos impuros», cujo
uso não é necessariamente colectivo, porque a exclusão se torna
possível e a consequente imputação individual das satisfações
também: auto-estradas com portagem). A sua criação e
funcionamento é incompatível com as regras do mercado e, no
entanto, a necessidade do farol é sentida por todos os que fazem
navegação costeira. As utilidades que ele presta não podem ser
imputadas a um deterrninado sujeito económico que possa como tal

34
FINANÇAS PÚBLICAS

pagar a sua criação ou funcionamento, mas são sentidas por todos.


Todos o podem usar, sem se prejudicarem uns aos outros nem
poderem ser obrigados a pagar para isso.

Suponhamos que um particular resolve - apesar do elevadíssimo


custo - construir o farol, porque tem navios que precisam de o
utilizar. Ele vai então financiá-lo sozinho, e não pode obter sequer
compensação de todos os que o usam: porque o uso do farol é livre
para todos os que o vêem e assim o utilizam, à boleia» do
construtor do farol. Este só poderia ressarcir-se do custo que
suportou para criar este bem disponível para toda a comunidade (ou
para número indeterminado de sujeitos) se dispusesse de poder de
autoridade, cobrando taxas dos navios que passassem junto da costa
ou vedando-lhes o acesso à zona de visibilidade; ora, os
particulares não o podem fazer. Ou, então, o mero interesse egoísta
chega para financiar o uso do bem: o caminho municipal que
conduz à quinta do Sr. Alberto financiado pelo dono da quinta é
acessível a todos: pode ser usado por todos, mas o Sr. Alberto além
de ser considerado benemérito, fica compensado pelo proveito que
tira do caminho. Todavia, isto só sucederá, em regra, com pessoas
altruístas e com bens cujo custo de produção ou provisão não seja
excessivamente elevado, Pode ainda suceder que vários
interessados se associem para construir o caminho de acesso às
suas quintas: mas não poderão, se tratar de vias públicas, vedar a
utilização a outros, pelo que alguns se sentirão tentados a não
participar, beneficiando da obra comum; ou então tentarão cobrar
um pedalo ou portagem, ou vedar o acesso aos outros - o que só o
poder público pode consentir ou Impor.

Assim, sucederá que bens úteis e necessários não estejam


disponíveis, admitindo que todos se motivam pela lógica egoísta da
maximização da utilidade individual (se introduzirmos a lógica do
benfeitor, ele poderá produzir bens úteis a outros e doá-los ou
colocá-los a disposição de outrem; se o benfeitor for ditador...
então poderá servir de «modelo elementar» da actuação do Estado).
Em tais casos, todos podem cooperar na criação do bem, porque o
custo da cooperação é inferior ao de ficarem sem o bem; mas basta
que um deles recuse cooperar para que não exista o bem, pelo que a
sua provisão ocorrerá raramente. Ou o bem será transformado (ou
substituído por) em um bem privado, oferecido apenas aos que
cooperem para a sua disponibilidade e de cujo uso estão excluídos
outros: caso de uma brigada de bombeiros que apenas socorra os
acidentes ocorridos em prédios dos seus contribuintes (é então
necessário que a contribuição seja proporcional a utilidade
recebida). Ou pode ainda suceder que o bem seja transformado
num acessório de um bem puramente privado, fornecido
conjuntamente com aquele bem colectivo (um sindicato pode dar
segurança aos seus membros, no emprego, por exemplo, e por
causa disso prestar outras utilidades. comuns: estas são, em

35
36 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

princípio, sempre acessórias e dificilmente dissociáveis da utilidade


principal).

Na maior parte dos casos estas fórmulas não são satisfatórias.


Então, resta apenas a cooperação ou a coacção (legítima ou de
facto; efectiva ou potencial). Assim, fora dos casos em que seja
possível a cooperação ou a exclusão do grupo, há que recorrer ao
uso da autoridade para produzir os bens necessários.

II. 0 Problema não surge apenas no momento da produção do bem,


mas no da utilização (ambas formas de provisão para uso público).
É célebre o exemplo da relva comum, dado por DAVID HUME.
Os proprietários de uma relva comum podem utilizá-la em comum,
isto é, sem recorrerem a qualquer forma societária (que admitiria
que alguém cedesse a sua posição a outrem). Sucederá então que
todos ou alguns usem excessivamente a relva: não existe uma
autoridade (excepto por imposição de lei que dê tal poder aos
condóminos) capaz de restringir o acesso, salvo acordo de todos
nesse sentido (mais que não seja, acordando na regra da maioria
para assegurar a gestão). Pode suceder que, se todos quiserem usar
excessivamente a relva (o mau usa do bem comum também faz
parte da noção teórica de «boleia» nos bens públicos), esse
interesse a curto prazo prejudique o interesse a longo prazo de
dispor da relva. É evidente então a necessidade de uma autoridade -
ou dimanada do grupo utilizador ou exterior a ele (2).

III. Os exemplos dados demonstram os limites do altruísmo. Eles


servem também para mostrar até onde pode, no âmbito do sistema
capitalista, confiar-se nas soluções cooperativas (contratuais ou
institucionais; cooperativas de produção ou de serviços;
associações de utilidade colectiva - «clubes», etc.), que não dão
suficiente lugar ao egoísmo nem dispõem de poder bastante para
ultrapassarem dimensões modestas e problemas relativamente
simples, não pertinentes as áreas fundamentais da vida em
comunidade. Estas só são resolvidas pelo mercado ou pelo poder11,
enquanto não mudar, se puder mudar, o comportamento humano...

IV. Por outro lado, o poder de iniciativa e auto organização é


também, nas sociedades massificadas do mundo moderno,
limitado: a sociedade produz mais facilmente bens imateriais (bens
de cultura e civilização); no domínio dos bens materiais e dos actos

11
A teoria económica das formas de associação avançou do Estado
e das coligações para a teoria económica dos clubes - formas de
cooperação organizada que os membros aceitam ou rejeitam em
bloco: cf. J. BUCHANAN, «An economic theory of clubs», ern
Economica, 1965, pp. 1-14; e o artigo citado supra.

36
FINANÇAS PÚBLICAS

de força, é em regra do Estado que se socorre para resolver


problemas mais complexos, inacessíveis ao mercado.

b) O Estado e os bens públicos

Os casos de incapacidade do mercado geram pois situações que,


normalmente, e apenas a intervenção de entidades públicas, das
quais tomaremos o Estado como protótipo, que permite realizar o
bem-estar social, em termos que todos achem desejáveis (2).

É necessário que haja condições sem as quais não existiria a


própria colectividade: os serviços políticos, legislativos e de justiça,
a defesa, a segurança, certos serviços administrativos gerais, a
diplomacia e política extrema, certas infra-estruturas materiais e
imateriais. Eis casos de bens colectivos. E necessário gerir, no
interesse de todos, os bens cuja provisão tem custos uniformemente
decrescentes, que são em regra bens de utilização indivisível, nos
quais não existe um problema de superlotação (dentro de certos
limites técnicos, fornecer mais um ou menos um é indiferente;
embora possa haver imputação dos benefícios individuais, para
possibilitar a cobertura dos custos, para limitar o acesso, ou por
outros motivos): e o caso do saneamento básico, das vias de
comunicação (estradas, pontes), da electricidade e água, de outras
infra-estruturas urbanas, de grandes obras de infra-estrutura rural
(canais e barragens de rega), etc. É imperativo que o Estado
intervenha para socializar as exterioridades, custeando a educação
dos mais pobres, financiando a saúde, defendendo o ambiente,
cultivando as florestas, etc. É necessário que o Estado assuma
riscos de diversos tipos: lançando empreendimentos industriais de
grande risco ou criando sistemas de segurança social. Só ele tem
meios para traçar e executar politicas económico-sociais e defender
o mercado da concorrência destruidora.

A provisão destes bens públicos pode e deve ser feita pelo Estado
por diversas razões:

(1) Ele tem uma perspectiva de interesse geral, ou, pelo menos, os
seus órgãos e os detentores do poder confrontam-se com o conjunto
da sociedade à luz de critérios de interesse geral.

(2) Tem uma perspectiva temporal ilimitada e uma capacidade de


risco superior à dos outros grupos ou associações contratuais.

(3) Dispõe de poder de autoridade para impor regras de utilização


dos bens e seu financiamento (coacção, no seu aspecto
sociológico).

(4) Tem por via de regra, em cada comunidade, dimensão que lhe
possibilita empreender esforços que não estão ao alcance de
instituições ou pessoas privadas e que a comunidade
inorganicamente não pode resolver com êxito.

37
38 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

c) Formas de actuação financeira

Existem assim situações em que há bens públicos (puros ou mistos)


que são objecto de actuações económicas do Estado destinadas a
criar condições de maior bem-estar económico e social. Estas
actuações têm dois momentos distintos:

I) A provisão do bem nas condições adequadas a obtenção da


satisfação óptima: isso faz-se prestando serviços públicos ou
colocando bens a disposição da colectividade, com carácter
duradouro (património estadual) ou em cada ano (despesas
públicas). Observar-se-á que em alguns casos se trata de
actividades sem as quais não haveria Estado; a defesa do prestígio e
autoridade do Estado pode levar a proibir a existência de exércitos
privados (mas porventura não de serviços privados de segurança -
hoje em expansão, concorrendo com os policiais ou suprindo-os, e
fornecendo bens privados a par do bem público da segurança). Mas
isso demonstra, por um lado, que os critérios de decisão do Estado,
sendo economicamente racionais, são fundamentalmente
polípticos: aqui se pode entender que o ensino deve ser todo
público, ali predominantemente privado, além concorrencial (inter-
sectores). Demonstra, por outro lado, como própria lógica do
liberalismo leva, em sociedades industriais, ao aparecimento de um
aparelho estadual forte, por razões inerentes ao processo complexo
de satisfação das necessidades sociais, ainda que se concentre num
número restrito e pouco ponderosa de actividades.

2) A obtenção dos recursos necessários a assegurar a provisão dos


bens (financiamento: receitas públicas), tanto no que se refere a sua
obtenção originária como a manutenção dos bens e a prestação dos
serviços públicos.

O recurso à coacção é a forma mais normal de financiar a provisão


pública de bens: a imposição, a todos os cidadãos, segundo critérios
diversos, de um sacrifício patrimonial para financiar os bens de
que, em principio, todos podem beneficiar (individualmente ou por
grupos; efectiva ou potencialmente) e o modo típico de obter
recursos, que é acessível apenas ao Estado e outras entidades
públicas.12A forma mais normal será recorrer a receitas que têm
como único fundamento - ou contrapartida - a possibilidade de ter
acesso ao uso dos bens públicos: tributos ou impostos. Os bens e
serviços podem ser pagos por preços ou receitas equivalentes. Ou
podem ser financiados por donativos ao Estado. Ou podem - então
como mera antecipação de receitas futuras - ser financiados pelo
recurso ao crédito. Estas são as principais fontes de financiamento

12
Dai a ligação entre finanças públicas, autoridade e coacção
(MAFFEO PANTALEONI; cf. SOUSA FRANCO, MFP (r), pp. 20 e
55.).

38
FINANÇAS PÚBLICAS

da provisão de bens públicos - e a importância da sua problemática


é evidente nas finanças públicas.

d) Bens públicos e bens privados

A provisão de bens por entidades públicas e privadas não


corresponde, no actual e complexo modelo social, a uma relação
rígida de correspondência entre tipos de bens e entidades que os
produzem. Assim, quanto aos bens colectivos13:

(a1) Os bens colectivos são normalmente fornecidos por entidades


públicas;

(a2) Pode haver bens colectivos excepcionalmente produzidos por


entidades privadas como tais (1), por altruísmo ou interesse próprio
(utilidade individual conjunta; mecenato);

(a3) Pode haver provisão conjunta ou por iniciativa comum de bens


colectivos por entidades públicas e privadas, caso em que, em
regra, a decisão fundamental será pública, contando com a
colaboração privada.

E quanto a provisão de bens individuais:

(b I) Pode haver bens individuais oferecidos por entidades públicas:


ou por pura lógica política (certas empresas publicas) ou porque a
sua produção é necessária para socializar exterioridades ou obviar a
outras causas de incapacidade do mercado;

(b2) Pode haver bens individuais objecto de provisão mista (caso


muito frequente), paralela ou comum;

(b3) A generalidade dos bens individuais tende a ser objecto de


provisão privada14.

13
Isto é, sem agirem como mandatários ou executores de entidades
públicas.
14
E, quando assim deixar de ser - pelo acesso ao consumo de
massa, conjugada com a alteração das prioridades e teor das
necessidades, pela concentração das empresas e generalização dos
custos decrescentes, pela generalizada substituição do mercado
pelos planos, pela expansão do poder económico, que pode criar
exteriormente negativas - então o próprio sistema da economia de
mercado esta em causa. A análise de J. K. GALBRAITH tem
demonstrado a existência de alguns dos factores acima referidos:
The affluent society, 1958, The new industrial state, 1967,
Econoomics and the public purpose, 1970; cf. «Galbraith J. K.)),

39
40 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

Consoante a entidade que oferece os bens, falaremos de bens


públicos, nos casos de bens oferecidos por entidades públicas (a1l e
b1); de bens privados, nos casos de bens oferecidos por entidades
privadas (a2 e b2); e de bens mistos nos casos (a3 e b3), excepto
quando a cooperação entidade privada não retire ao bem a natureza
pública (então, o bem será em regra público; e, quando a cobertura
pública de certos custos não alterar o carácter privado do bem e do
agente, será privado).

Sublinhe-se enfim que ao considerar a actividade tendente a


satisfação de necessidades pelas entidades públicas, e outras a elas
equiparadas, fala-se de sector público (infra, cap. III), o qual
constitui objecto essencial, no conjunto das suas actuações
económicas, da actividade financeira e da Ciência das Finanças.

R. MUSGRAVE usou a expressão bens de mérito para designar os


bens privados destinados a utilização individual e oferecidos por
entidades públicas, devido a elevadas exterioridades de consumo e
por ser importante que exista um elevado nível de consumo
individual desses bens. Nestes casos, o juízo dos governantes pode
facilmente divergir do próprio juízo dos interessados.

II. Note-se que a economia pública não interessa tanto quem


produz ou cria os bens, quem os oferece no mercado, quando
começam a ser utilizados - mas quem os coloca a disposição da
entidade utilizadora, que em principio e a colectividade (provisão
dos bens), e quem promove o respectivo financiamento.

A produção dos bens pode resultar da intervenção de diversos tipos


de entidades públicas, como intérpretes de necessidades da
colectividade ou portadoras de necessidades próprias. No âmbito da
escolha por critérios de decisão social, ela pode fazer-se por
diversas formas: pela provisão do bem por uma entidade pública
(ainda que o tenha adquirido a uma entidade privada) ou pela
provisão de entidades privadas que actuam como representantes,
executoras ou mandatárias de entidades públicas. As empresas
privadas concessionárias de bens públicos actuam como se fossem
entidades públicas (como o seriam as entidades concessionarias da
gestão de empresas públicas): para a colectividade e os particulares
elas sã órgãos do Estado, ainda que possuam, na relação com o
Estado ou a entidade concedente, interesses privados e tenham
internamente uma estrutura privada.

em EnciclopMia Verba, S.V. e W. BAUMOL e A. BUNDER,


Economics: principles and policy, 1979, pp. 818-824.

40
FINANÇAS PÚBLICAS

As formas de publicitação de actividades podem ser totais ou


parciais: na actividade de educação de haver publicação parcial na
concessão de subsídios a escolas privadas ou na constituição de
entidades mistas responsáveis por escolas, tornando assim pública
parte do custo (correspondente a exterioridade forte do bem
educação, entendido como criação capital humano para a
colectividade); ou pode ser prestada integralmente por uma
entidade pública (escola pública, financiada com preços, taxas ou
impostos...).

Neste sentido, o próprio pão - cujos preços foram largamente


mantidos de forma artificial para concessão de diversos subsídios
do Fundo de Abastecimento e outras fontes públicas - pode ser um
bem em cuja composição entraram custos (tornados) públicos,
porque financiados pela colectividade em função de um critério de
benefício social (exterioridade resultante da política de
abastecimento público a baixo preço dos bens essenciais ou de
subsistência).

Observe-se, enfim, que até a produção de normas gerais -


ordenação e a interferência no comportamento dos sujeitos
económicos - intervenção podem constituir criação de bens
públicos: quer porque se trata de bens colectivos (típico é o caso da
norma jurídica), quer porque se trata de exterioridades positivas de
comportamentos impostos aos sujeitos (caso da intervenção
económica com constrangimento imposto ao comportamento de
particulares).

A ACTIVIDADE FINANCEIRA E SEUS


CRITERIOS FINALISTAS
a) Os princípios doutrinários e políticos da actividade
financeira

Sujeita que está a estes critérios fundamentais numa economia


descentralizada de mercado, a actividade financeira nem por isso
deixa de ser regida por critérios essencialmente políticos: é de
decisões política - embora não subtraídas a uma racionalidade
económica - que em última instância se trata.

Estas estão, pois, submetidas a critérios doutrinários e ideológicos


acerca do desenvolvimento da vida social, designadamente no
campo económico, mesmo em sistemas capitalistas; são
profundamente influenciadas pela época histórica em que ocorrem
Por outro lado, sempre se sujeitam a um princípio de equilíbrio
entre bens públicos e bens privados, tendente a definir, em cada
sociedade os óptimos sociais de provisão relativa dos bens públicos

41
42 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

e de dimensão global do sector público (nomeadamente o sacrifício


imposto pelo Estado através da tributação, que e nas sociedades
modernas melhor índice sintético da relação público-privado).

Elas implicam ainda uma opção de sistema, conexa com os do


problemas da concepção doutrinaria político-económica e da
dimensão do sector publico - bem como das respectivas escolhas
cone tas. Autores como MILTON FRIEDMAN, F. YON HAYEK e
outros têm demonstrado como a socialização operada pelo
crescimento do sector público e das necessidades satisfeitas de
forma pública põe e risco os valores liberais, entendidos, em muitos
casos, como o conjunto indissociável das concepções juízos
políticos, económicos sociais do liberalismo. Já SCHUMPETER
mostrou como a evolução da organização empresarial se orientava
no sentido da instauração evolutiva de uma certa forma de
socialismo, pela gradual transformação interna do capitalismo.
Mas, ao invés, é evidente que os critérios usados, para além de
respeitarem o princípio da supletividade pública, integram um
preconceito implícito favorável ao sector privado, que é regra e
fornece os padrões de normal funcionamento em economias de
mercado.

Tudo depende, pois, de opções de princípio e de fins gerais que elas


ditam a actividade financeira; a pretensão de apresentar explicações
científicas compatíveis com o comportamento do Estado na
sociedade industrial não dispensa de ter isto bem claro, como
enquadramento doutrinário ou ideológico de uma teoria que, não
obstante, e a mais ajustada a uma dada realidade. Há, por certo,
argumentos teoricamente fundados (v.g. 0 mercado orienta a
produção com eficiência, mas não distribui a riqueza com justiça);
as soluções globais são, porém, sempre doutrinárias no plano das
ideias e politicas no dos actos.

b) Funções do sistema financeiro

1. O sistema financeiro exerce funções que podem constituir fins


possíveis da sua gestão, mas sobretudo configuram grandes tipos de
efeitos objectivos resultantes do respectivo funcionamento. Claro
que a análise das funções globais do sistema financeiro
compreenderia, de forma mais ou menos discriminada, uma
referência as funções sociais do Estado, que lhe cumpre prosseguir.

"II. Parece útil limitar a análise ao domínio económico. Uma


contribuição decisiva que a tal perspectiva foi dada deve-se a
RICHARD MUSGRAVE. Restringindo-se a actividade orçamental
(recursos de rendimento do Estado - receitas e despesas; mas a
teoria poderia generalizar-se porventura, com formulação diversa,
ao património), distinguiu este autor três «sub-orçamentos» ou
ramos de actividade em que ela assumiria relevância. As questões
suscitadas pela gestão e efeitos do sistema financeiro seriam, para
MUSGRAVE, de três ordens: afectação de recursos, distribuição da

42
FINANÇAS PÚBLICAS

riqueza, estabilização económica. A primeira função seria


constituída pela satisfação de necessidades públicas ou, mais
precisamente, pela realização dos necessários ajustamentos a
afectação de recursos operada pelo mercado. A segunda traduzir-
se-ia na alteração da repartição da riqueza entre os diversos sujeitos
e sectores da economia, consoante os padrões de justiça adoptados.
A função de estabilização, por seu lado, consistiria na obtenção de
um alto nível de utilização dos recursos da economia, uma
estabilidade razoável do nível geral de preços e o equilíbrio externo
da economia.

A primeira seria a função clássica - sobre ela nos temos debruçado


sobremaneira; as duas últimas foram focadas sobretudo em tempos
mais recentes. Cada função tem seus princípios próprios, ditados
por objectivos específicos e pelas regras que regem o ajustamento
do sistema financeiro a economia global: O orçamento, na
totalidade das receitas e despesas, obedece a dados princípios e
produz certos efeitos sobre a afectação dos recursos; mas também
ele, na sua totalidade, produz efeitos diferentes sobre a distribuição
e a estabilização. O planeamento das receitas e despesas haverá de
ser feito, em referência a cada função, com pressuposição do
equilíbrio neutral das outras duas; os efeitos de afectação,
distribuição e estabilização produzem-se sempre quando há
actividade financeira, embora possam ser deliberadamente
provocados ou resultem apenas da própria estrutura do orçamento.
O orçamento provoca sempre efeitos estabilizadores ou
desestabilizadores; mas pode ser objecto da busca deliberada de um
efeito estabilizador, ou omitirá porventura tal efeito.

III. A visão de MUSGRAVE e particularmente relevante para o


entendimento das relações da actividade financeira com o
funcionamento da economia e do sistema social. Pelo simples facto
de existir - e, globalmente, é a prossecução de uma finalidade de
afectação de bens que antes de mais a justifica - ela terá de exercer
estas funções, com os correspondentes efeitos (fortes ou fracos,
positivos ou negativos) sobre a economia. Ela pode ser criticada
por não integrar o crescimento da economia - mas e possível incluir
este numa ampla noção de estabilização. Pode entender-se que na
prática, a distinção entre as três funções não pode fazer-se com
clareza. É possível reconduzi-las teoricamente a duas categorias:
eficiência (afectação óptima dos recursos) e «equidade», ou melhor
justiça (ajustamento a um padrão predeterminado de repartição
entre sujeitos ou sectores) - sendo a primeira própria de uma
concepção explicativa e a segunda de uma concepção teleológica
(normativa). Pode entender-se, com BUCHANAN, que ela assenta
em critérios contraditórios.

IV. O Critério, todavia, permite utilmente distinguir os seguintes


grandes efeitos ou ópticas relevantes em relação a actividade
financeira:

43
44 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

(I) Afectação de recursos: atribuição eficiente de recursos sociais


apropriados pelo Estado a provisão de bens públicos, incluindo a
função de segurança do Estado.

(2) Distribuição de recursos: repartição, em conformidade com


critérios dados, dos recursos existentes entre os membros da
sociedade.

(3) Objectivos macroeconómicos, designadamente:

- Estabilização: manutenção de um nível satisfatório de actividade


económica, assegurando a expansão em equilíbrio, a plena
utilização dos recursos e a estabilidade da moeda.

- Crescimento e reformas estruturais: aumento do potencial


produtivo nacional, garantindo assim a manutenção ou
intensificação da expansão em períodos longos, e outras formas de
remodelação das estruturas económico-sociais.

c) Funções financeiras e extra financeiros

A actividade financeira pode prosseguir funções financeiras -


atinentes a mais eficiente satisfação possível das necessidades
resultantes da incapacidade do mercado, e necessidades
extrafiinanceiras, os que se prendem com os outros fins públicos
gerais que podem ser prosseguidos tomando como meio a
actividade financeira e seus instrumentos e instituições, ao serviço,
designadamente, das políticas económico-sociais do Estado. O
aproveitamento e a gestão deliberada das outras funções
caracterizam as finanças funcionais; e a redução ao mínimo dos
efeitos caracteriza as finanças neutrais. Assim, o Estado constrói
pontes, ministra ensino, adquire armas para satisfazer necessidades
públicas; mas novas necessidades públicas, de segundo grau -
passarão a ser satisfeitas se ele se propuser, ao mesmo tempo que
constrói a estrada, criar emprego; ou se reduzir as despes as
militares para travar a inflação... Se, globalmente, as funções
existirão sempre, parece que a gestão mais intencional dos
orçamentos segundo óptica redistributiva ou estabilizadora
determina uma diversificação e alargamento do seu conteúdo; e,
considerando cada decisão de per si, muitas despesas e receitas
poderão ser determinadas exclusivamente por fins de estabilização
ou redistribuição correctiva - embora também produzam
necessariamente efeitos em sede de afectação de recursos.

EXERCÍCIOS PRÁTICOS I
1) “A expressão Finanças Públicas pode ser utilizada em três
sentidos fundamentais.”

44
FINANÇAS PÚBLICAS

a) Diga quais são e fale resumidamente sobre cada um


deles.

2) Estabeleça a diferença entre Economia Privada e a


Economia Pública, tendo como base o conhecimento sobre
o conceito de Economia Social.

3) “ A actividade econômica, entendida como o processo


orgânico de satisfação de necessidades humanas mediante a
afectação de bens materiais raros afins alternativos, a sua
relação pode ser de três tipos principais.”
a) Diga quais são os tipos de relações existentes e suas
diferenças.

4) Enuncie as características típicas dos bens colectivos.

5) “A provisão de bens públicos pode e deve ser feita pelo


estado por diversas razoes que se perdem com o interesse
geral.” Comente esta afirmação.

CORRECÇÃO DE EXERCÍCIOS
1. A expressão Finanças Públicas pode ser entendida em três
sentidos, que são:

a) Sentido Orgânico

b) Sentido Objectivo

c) Sentido Subjectivo

2. A economia privada é o sistema que se baseia no livre


comportamento dos agentes económicos e em equilíbrios,
por eles, livremente estabelecidos, de acordo com os seus
próprios interesses, mas conformados com transparência, e
tem como instrumentos fundamentais, os contratos e como
instituição básica de apropriação dos bens produtivos ou de
consumo, a propriedade privada.

Enquanto a economia pública assenta, na existência de uma


solidariedade organizada e dotada de poder político, numa
lógica de direcção económica mais ou menos planeada, com
formas de apropriação dos bens pela sociedade através dos
órgãos políticos e juízos colectivos de utilidade.

45
46 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

3. A actividade económica entendida, como acima se refere,


pode ser entendida como:

• Ordenação económica;
• Intervenção económica;
• Actuação económica

4. As características típicas dos bens colectivos são as


seguintes:

Prestam, pela sua própria natureza, utilidades indivisíveis e


proporcionam satisfação passiva (independentemente da
procura no mercado: esta caracteriza a satisfação activa).

São bens não exclusivos, já que não é possível privar


alguém da sua utilização.

São bens não emulativos, isto é, os utilizadores não entram


em concorrência para conseguir a sua utilização.

5. Dizer que é um facto que a provisão dos bens públicos tenha


que ser realizado pelo estado, porque ele tem como
perspectiva o interesse geral, ou, pelo menos, os seus órgãos
e os detectores do poder confrontam-se com o conjunto da
sociedade a luz de critérios de intervenção geral; Dispõe
também de poder de autoridade para impor regras de
utilização e funcionamento dos bens, e ter por via de regra,
em cada comunidade, uma dimensão que lhe possibilita
empreender esforços que não estão ao alcance de instituições
ou pessoas privadas e que a comunidade inorgânica não pode
resolver com êxito.

CAPÍTULO II - FINANÇAS, DOUTRINAS


E SISTEMAS ECONÓMICOS

Neste capitulo o estudante será capaz de:

• Entender as relações existentes entre finanças públicas e


os sistemas económicos – sociais, tomando em
consideração, que pela sua própria definição a
actividade financeira configura-se de forma diferente,
consoante o sistema económico em que se concretiza.

46
FINANÇAS PÚBLICAS

1. AS FINANÇAS PÚBLICAS E OS SISTEMAS


ECONÓMICO-SOCIAIS

a) Sistemas e estrutura

I. Pela sua própria definição a actividade financeira configura-se de


forma diferente, consoante o sistema económico-social em que se
concretiza.

II. Importa precisar - muito brevemente - o que se entende por


sistema económico abstracto, estrutura económica e sistema
concreto,

Temos de partir, para os definir, da noção fundamental de sistema -


um conjunto de elementos unidos por um conjunto de relações. Os
sistemas económicos, em geral, são formas típicas e globais de
organização e funcionamento da sociedade em geral (sistemas
sociais) e da sua actividade económica em especial. Os sistemas
socioeconómicos são inspirados por concepções valorativas da
sociedade (doutrinas ou, na sua versão sintética e orientada para a
pratica social, ideologias) e são condicionados pelas estruturas
sociais (naturais, socioculturais, políticas, económicas), cujos
modelos de organização são bem diversos.

Por sistema abstracto entendemos um tipo ideal de organização e


funcionamento de uma sociedade, que pode estruturar-se, em
princípio, de harmonia com duas ideias distintas: a ideia de
economia descentralizada livre e a de direcção central total. Tanto
uma com outra correspondem, em qualquer caso, a princípios
abstractos puros, já que nunca existirá uma economia
completamente livre de qualquer orientação ou intervenção central;
nem, por outro lado, há uma total direcção estatal. Os sistemas
abstractos confrontam – se precisamente com realidades concretas,
que são as estruturas sócio -económicas.

Por estruturas socioeconómicas entendemos a forma como


configuram numa dada economia, quer os seus elementos extra-
económicos (condições geográficas, demográficas, institucionais,
etc.), quer os elementos económicos permanentes: as estruturas da
produção, da repartição, da circulação e do consumo (estruturas
económicas).

Um último conceito a reter é o do sistema concreto - tipo de


organização e funcionamento da actividade económica,
suficientemente diferenciado dos outros e aplicável em diferentes
estruturas.

Trata-se aqui de escolher um determinado número de


características que se consideram suficientemente típicas para
caracterizar o sistema e, no entanto, suficientemente genéricas para
serem aplicáveis a várias economias concretas.

47
48 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

É neste sentido que se pode falar em economias capitalistas (ou de


mercado), usando um conceito que cobre uma gama de situações
muito distintas, mas que tem de comum um certo tipo de
instituições típicas e leis económicas fundamentais.

Definido o sistema económico, importa ver como se caracterizam


os fenómenos financeiros nos grandes sistemas concretos.

b) Sistemas pré-industriais e sistemas da sociedade industrial

Para efeitos de delimitação dos sistemas económicos concretos, a


rotura fundamental estabelece-se em torno da revolução industrial,
que constitui um marco de separação histórica para a sociedade
moderna, na medida em que veio introduzir profundas alterações
nas instituições, nas técnicas e até na forma vital e psicológica
como as pessoas encaram a actividade económica15.

Temos de optar aqui em exclusivo pelos sistemas saídos da


revolução industrial, embora se aconselhe vivamente o estudo dos
sistemas prê-industriais16; o da economia dominial, com caracteres
de arcaísmo social e cultural e de direcção central do processo
económico (patentes quer na economia tribal quer na feudal) e o da
economia urbana (tanto no modelo de economia greco-latina como
nas economias nacionais do século XV ao século XVIII europeus e
em diversas economias mais evoluídas extra-europeias·.

A revolução industrial produziu modificações fundamentais nas


técnicas de produção, nas mentalidades, nos comportamentos e nas
instituições económicas. É a partir dela que pode falar-se nos
actuais sistemas económicos dominantes: capitalismo e
colectivismo - os quais, apesar de todas as suas diferenças têm,
entre si, alguns traços comuns, que correspondem aos caracteres da
sociedade industrial17: trata-se de sistemas dominados pela
predominância de idênticos factores fundamentais, como a sujeição
a uma tecnologia complexa, evoluía, dinâmica e integrada com o
saber científico, a existência de motivações hedonísticas e
materialistas nos agentes económicos e a adopção de atitudes

15
Sobre o conceito e as modalidades de sistemas económicos cfr.,
por todos, SOUSA FRANCO, Noções de Direito da Economia, I,
1982-83, pp. 94 sS. AVELAS UNES, OS sistemas económicos,
1975; SOUSA FRANCO, «Capitalismo», em Enciclopedia poliss,
s.y., e «Sistema», «Liberalismo) e «Intervencionismo», em
Enciclopedia Verbo, S.Y. (com abundante bibiiografia).
16
Veja-se SOUSA FRANCO, MFP (r), pp. 149-161
17
Conceito aprofundado por autores tao diversos como Max
Weber, Daniel Bell, Raymond Aron e Herbert Marcuse

48
FINANÇAS PÚBLICAS

económicas activas (predomínio da indústria e dos serviços sobre o


sector primário.

Diferentes embora no espírito e na ideologia, sistema capitalista e


sistema colectivista·. São ambos modelos saídos da revolução
industrial: não serão gémeos, mas São irmãos...

Entre 1917 (revolução russa) e a «descolonização», que pode datar-


se de 1989, o capitalismo foi dominante e o colectivismo quis ser
sua alternativa global. Hoje há ainda economias nacionais
colectivistas e economias mistas (de transição para o mercado);
mas o mundo e dominado, mais do que nunca o foi, por uma
economia de mercado diferente (com forte presença do Estado em
todos os países).

2. 0 SISTEMA CAPITALISTA
a) Razão de ordem

Trata-se do mais antigo dos dois sistemas directamente emergentes


da revolução industrial. A sua caracterização pode ser feita por uma
serie de traços individualizadores:

(1) Existência de um conjunto de instituições juridico-sociais


típicas.

(2) Um conjunto de princípios e leis económicas fundamentais, que


regulam o funcionamento da vida económica.

(3) Um móbil específico das actividades económicas.

b) As instituições sociais

As instituições típicas do capitalismo são, no domínio da produção,


o capital e a empresa. Ao mesmo tempo, um conjunto de direitos
fundamentais vai integrar o quadro essencial de organização e
funcionamento deste sistema - propriedade privada e iniciativa
privada.

A ideia de propriedade privada começa por ser entendida em


termos absolutos, dela decorrendo o predomínio do capital dentro
da empresa, sem que haja praticamente qualquer possibilidade de
intervenção do Estado no sentido de limitar os poderes do
proprietário.

Também a iniciativa privada se concretiza numa série de


princípios, entre os quais assumem particular destaque:

49
50 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

- Liberdade de contratar - total autonomia da vontade individual


como reguladora dos contratos, e destes como principal
instrumento regulador da actividade económico-social;

- Liberdade de trabalho - segundo a qual cada um exerce a


profissão que deseja e dispõe do seu trabalho, contratando ele
próprio com total liberdade as condições em que vai trabalhar;

- Liberdade de empresa - a qual e o poder de criar livremente


quaisquer unidades de produção e o direito de as gerir e delas
dispor.

c) Princípios económicos fundamentais

d) Motivações Típicas

O elemento mais profundamente característico encontra-se aqui. O


sistema pode ser caracterizado como uma economia de lucro ou de
ganho. Os sujeitos económicos são dominados pela intenção de
obter ganhos, ao contrário do que sucedia nos sistemas anteriores,
em que se pode dizer que havia no essencial apenas uma ideia de
sobrevivência e moderação regendo o funcionamento dos
mecanismos económicos.

3. OS REGIMES ECONÓMICOS E AS
DOUTRINAS
a) Os regimes económicos

O conceito de sistema económico pode cobrir realidades muito


diversas.

Por um lado, as próprias estruturas em que o sistema é aplicado são


profundamente diferentes entre si (pense-se na Europa, no Japão,
nos Estados Unidos da América, em países da América Latina
como o Brasil, em Taiwan ou na Coreia do SUL). Por outro lado, a
articulação entre o poder político e a actividade económica pode
fazer-se de maneiras distintas, que vão provocar diferentes modos
de funcionamento do sistema, os quais podem ser designados por
regimes económicos18

No sistema capitalista podemos distinguir dois regimes económicos


fundamentais:

18
Embora o conceito de regime seja bem mais amplo, podendo
designar todas as formas de articulacao estrutural do poder com a
actividade económica

50
FINANÇAS PÚBLICAS

-liberalismo, caracterizado por um reduzido peso do poder politico


na actividade económica, que se desenrola sobretudo em
obediência ao princípio da liberdade dos múltiplos sujeitos
individuais;

- Intervencionismo «lato senso», que se caracteriza pelo


importante papel de ordenação e intervenção económica do poder
político que, no entanto, continua a respeitar os princípios
fundamentais do sistema (ou seja, a propriedade privada e a
iniciativa privada).

A configuração da actividade financeira nestes dois tipos de


regimes e bastante diversa. E em função disso que se costuma falar
em finanças clássicas - que seriam as características do liberalismo
e finanças modernas - as finanças dos Estados intervencionistas;
ou, destacando apenas um dos seus caracteres definidores, finanças
nébulas (as quais, em Estados politicamente liberais ou autoritários,
são marcados pelo critério da não perturbação da actividade
económica pela actividade financeira) ou finanças activa
(dominadas pelo critério da intervenção sobre a actividade
económico-social).

b) As doutrinas económicas

As grandes doutrinas acerca da sociedade inspiraram os sistemas


económicos e projectam-se no entendimento de cada um dos seus
aspectos, designadamente o fenómeno financeiro. As principais
doutrinas que tem inspirado a ciência e a pratica social desde o sec.
XIX parece-nos que podem agrupar-se em quatro grandes famílias.
O Individualismo, que integra a forma mais corrente da ideologia
liberal, concebe o sistema social como uma simples rede de
relações entre os indivíduos e o Estado como um meio de
prossecução dos fins individuais agregados contratualmente; ou
pode negar 0 Estado (anarquismo). Nas concepções solidaristas,
diversamente, já se entende que a solidariedade social determina a
existência de relações criadoras entre as pessoas, as quais dão
origem ao aparecimento de instituições com orgânicas, fins e
fun~6es próprios (institucionalizo), ou determinam 0 aparecimento
de relações de cooperarão que transcendem o individualismo
(corporativismo), ou visam fazer prevalecer interesses ou valores
sociais na organização da sociedade (socialismos não marxistas de
diversa inspiração). As doutrinas organicistas concebem a
sociedade, ou 0 Estado, como dotados de entidade própria na sua
organização, quer se trate de organização baseada em estratos
sociais (corporativismo), quer na prevalência do Estado como
forma social e entidade suprema (estatismos de diverso tipo).
Enfim, os personalismos sociais encaram a organização social e do
Estado como expressão de realidades que transcendem a sociedade,
quer se trate das ideias - idealismo - quer se trate da matéria -

51
52 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

imaterialismo, que encontra no marxismo a sua expressão mais


importante.

O individualismo liberal inspira, evidentemente, o sistema da


economia de mercado, enquanto o marxismo constitui a principal
fonte de inspiração dos colectivismos ainda existentes no mundo.
Para além destes dois tipos, outros modelos ideais de sistemas
existem (o cooperativismo, o socialismo autogestionário, a social-
democracia avançada, o comunitarismo terceiro-mundista, na linha
do solidarismo; o corporativismo, o nazismo, na linha organicista,
etc.). Mas nenhum deles se concretizou em sistemas dominantes na
organização concreta das sociedades dos nossos dias; por isso os
pomos de lado (sem excluir que possam vir a inspirar sistemas
económicos novos). O modelo doutrinário do sistema de economia
de mercado pode designar-se por capitalismo, o da economia
integralmente planeada (planificação, em sentido próprio) por
colectivismo, forma de socialismo alternativa a social-democracia
(que e apenas uma politica correctiva do capitalismo, assente na
justiça e na concertação sociais). E no âmbito deles que as
doutrinas podem inspirar as politicas e as praticas sociais ou
determinar a configuração de regimes económicos concretos.

4. O LIBERALISMO E AS FINANÇAS NEUTRAS


a) Caracterização geral

A primeira fase do regime capitalista, inspirada pelo pensamento da


escola clássica e dominada pela necessidade de consolidar um
crescimento assente na liberdade económica das empresas,
consumidores e detentores de factores de produção, e na economia
privada, corresponde ao modelo doutrinário das financias liberais e
ao modelo pratico das finanças neutras. Distinguiremos quatro
perspectivas fundamentais: o lugar e função das finanças públicas;
as suas relações com a economia privada; as instituições jurídico-
políticas; e a configuração dos instrumentos financeiros.

b) Lugar e função das finanças públicas

A este respeito o pensamento e a prática das finanças liberais são


dominados por quatro princípios essenciais.

Todos eles decorrem de as finanças clássicas corresponderem a


fase do puro liberalismo económico e reflectirem as suas
necessidades e preocupações, designadamente a restrição do papel
do Estado e a actuação da iniciativa privada como instrumento
fundamental de progresso na actividade económica. As modernas
teorias neoclássicas e marginalistas vieram, alias, retomar em

52
FINANÇAS PÚBLICAS

muitos pontos este tipo de análise (bem como os monetaristas e a


escola financeira da «escolha publica»).

1.0 - A privatização da economia

A primeira grande característica do modelo e a regra da


privatização da economia, entendendo-se que ao Estado apenas
compete criar as condições que permitam a sociedade manter-se
organizada e estável, a propriedade privada defender-se e a
iniciativa privada prosperar. No quadro liberal, ao Estado cumpre
estritamente remeter-se a funções como a defesa, segurança,
administração geral e manutenção da ordem; ou apenas a outros
serviços que não interessem a iniciativa privada, que detém o
capital e toma todas as grandes decisões relativas a produção, ao
consumo e a repartição. Economia privada, administração e
autoridade públicas: eis a regra de ouro.

2. ° - Sector público reduzido

Por esta razão, o sector publico e reduzido substancialmente em


relação a anteriores períodos históricos, desfazendo-se o Estado de
muitas actividades que ate ai desenvolvia. Geralmente os sectores
públicos no liberalismo não iam além dos 10 a 15 por cento do
produto nacional.

Entendendo que era a iniciativa privada que devia deixar-se a


prossecução do bem-estar geral, nomeadamente no domínio
produtivo, o Estado abandonou ate actividades produtivas que
tradicionalmente vinha exercendo e reduziu o seu património, que
aumentará durante o mercantilismo.

3.° - O princípio do mínimo

Critério prático de dimensão ideal da actividade económica pública


perfila-se como fundamental o princípio do mínimo. Segundo ele,
qualitativa e quantitativamente, a actividade financeira deve
reduzir-se ao mínimo imprescindível, absorvendo a menor parcela
possível do rendimento nacional.

4. ° - A simplicidade das finanças públicas

Da exiguidade das suas funções decorre, pois, uma extrema


simplicidade da administração financeira dos seus instrumentos.
Ela cobre apenas a administração tradicional, de uma maneira
uniforme e homogénea, não se justificando então a existência de
empresas públicas, de administra~6es autónomas ou complexos
regimes de especializarão financeira. Administração central
(federal ou estadual) e local, com fun~6es c1aras e delimitadas e
instrumentos simples e uniformes, eis quanto basta para as fun~6es
financeiras. E isto e acentuado pelo carácter racionalista,
uniformizador e universalista do pensamento liberal.

53
54 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

c) Relações entre actividade financeira e economia privada

Este domínio, que decorre do anterior e com ele integra a


caracterização sócio económica das finanças públicas, pode ser
sintetizado em três ideias simples.

1.0 - Separarão entre finanças e economia

A primeira e que - no plano teórico como no plano pratico a


separação entre finanças e economia e radical.

Separação científica: a ciência das finanças, dominada por


princípios opostos, mais jurídico-administrativa e politica que
económico-social, e autonomizada de raiz em relação a ciência
económica, mais económico-social. Separação no plano dos seus
princípios inspiradores, que são - como viu - opostos. Quando há
autores que tratam as finanças públicas integrando-as numa teoria
geral da economia - e o caso, antes de mais, de WICKS ELL -,
então as finanças c1assicas «cientifica» estão caminhando para o
fim (o qual, note-se, corresponde a um esforço de integração, que já
encontramos nas obras de ADAM SMITH e RICARDO).

Separação, também, entre a gestão financeiros a actividade


económica, entre os instrumentos financeiros e a actividade dos
particulares que com eles se relacionam.

2.0 - A neutralidade das finanças

Com mais profundidade, o critério que essencialmente preside a


relação entre actividade financeira e actividade económica geral e o
da neutralidade.

Quer isto dizer que a actividade financeira deve ser organizada de


forma a não perturbar (ou perturbar no mínimo) a actuação livre
dos sujeitos económicos.

Da ideia de neutralidade derivam duas consequências:

- A actividade financeira deve decorrer de forma que não cause


distorções da actividade económica privada (deve «deixar a
economia como estava antes» de pagar o imposto ou suportar a
despesa, ou o mais perto possível...);

- As instituições e actividade financeira não devem propor-se


qualquer finalidade de alteração ou comando da actividade
económica privada (a única «politica financeira» e que não deve
haver politicas financeiras, no sentido intervencionista e
voluntarista).

3.° - Abstenção económica do Estado

54
FINANÇAS PÚBLICAS

Outro principio fundamental que preside ao relacionamento entre o


Estado e a actividade económica e, naturalmente, o da abstenção.

O Estado tendera então a não exercer funções de regulamentação e


intervenção sobre a actividade económica, para deixar agir
'espontaneamente a livre concorrência. Toda a sua orientação
económica e dominada pela preocupação de não modificar o
comportamento normal dos sujeitos económicos privados,
abstendo-se quanto possível de interferir sobre eles ao desenrolar o
seu comportamento económico próprio (actividade financeira).

d) Estruturação jurídico-política das finanças

Dado o papel fundamental de garantia que cabe as instituições


financeiras e o modelo de Estado demoliberal em que as finanças
liberais se situam, são essenciais os caracteres institucionais das
finanças e enorme a sua, importância científica e prática.
Acentuemos em quais aspectos principais.

1.° - Importância da participação democrática parlamentar na


actividade financeira

A actividade financeira e uma actividade que por essência e


regulada normativamente, decidida na aplicação concreta
(orçamento), controlada na execução e objecto de prestação de
contas por parte do Governo: nisto tudo, cabe papel primordial a
instituição parlamentar, primeiro como defensora dos cidadãos,
depois também como sua representante. A existência do sufrágio
censitário limita esta participação aos proprietários, ate a lenta
adopção do sufrágio universal (sufragismo, etc.). E o carácter
essencialmente representativo limita as formas de participação
directa dos cidadãos (acção popular, referendo, v.g., que nos
últimos anos se difundem e ganham vigor teórico e doutrinário)19

2. ° - A actividade financeira e os direitos do homem

A actividade financeira decorre constantemente no âmbito da


arbitragem entre o poder público e o direito privado; dai que, para
os liberais, ponha em causa direitos fundamentais, designadamente
o direito de propriedade (concebido como direito fundamental, não
como mero «direito económico e social»).

19
) 0 Princípio contratual, desde a origem, as democracias
representativas: a regra «no taxation without representatioll»
consta do art. 14.0 da Magna Carta (1215) e e alargada no «Bill
(1628) e na «Petition of Rights» (1648).

55
56 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

No domínio jurídico-político pode dizer-se que foi o liberalismo


que criou ou aperfeiçoou a generalidade das instituições financeiras
modernas, sobretudo daquelas que se orientam pela defesa dos
direitos individuais - maxime, do direito de propriedade.

Entre os princípios e instituições para isso criado pelo liberalismo,


podem citar-se o princípio da legalidade em matéria de impostos, a
autorização legal da emissão de empréstimos públicos, a aprovação
anual do orçamento pelas Câmaras legislativas, a apreciação das
questões financeiras litigiosas pelos tribunais financeiros (maxime,
fiscais) e a tomada de contas públicas pelo Parlamento.

Estas instituições foram criadas sobretudo na perspectiva global de


limitação do aumento das despesas públicas e dos encargos que
recaiam sobre os contribuintes - proprietários que, através dos seus
representantes na Assembleia Parlamentar (eleita, na primeira parte
do século XIX, por sufrágio censitário), poderiam defender 0 seu
património; e ainda para garantir 0 respeito concreto pela
propriedade privada.

3.° - Princípio da legalidade

Dos dois anteriores fundamentos decorre o entendimento estrito do


princípio da legalidade, tanto como garantia dos cidadãos -
proprietários como enquanto reserva de competência parlamentar.
Do mesmo passo, deles provem a natureza estrita do próprio
orçamento e a aplicação rigorosa e com o mínimo de limitações das
regras orçamentais.

e) Configuração dos instrumentos financeiros

Dos princípios do liberalismo económico e político, no âmbito de


uma estrutura capitalista amadurecida ou em crescimento, decorre
uma certa configuração dos instrumentos financeiros. Qual?

1.0 - A importância primordial do imposto

O imposto e a receita típica do liberalismo: pode mesmo falar-se do


período das finanças clássicas como o tempo das finanças
tributárias.

O peso do imposto explica-se por diversos factores: redução do


património do Estado; aumento da importância da riqueza
mobiliária no conjunto do rendimento nacional, acompanhado da
abstenção do Estado neste domínio; e ainda a generalização da
ideia da «contribuição» como dever de cidadania, consentido livre
mente pelo Parlamento.

Os sistemas fiscais típicos do liberalismo assentam numa ideia de


justiça meramente formal, já que se entende que, para que seja
justo o sistema, lhe cabe apenas assegurar a igualdade formal de

56
FINANÇAS PÚBLICAS

cada contribuinte perante a lei e manter um nível moderado de


tributação. Não existe, portanto, a ideia da utilização do imposto
como instrumento que visa a redistribuição da riqueza ou outros
fins de política economico-socia1.

Os impostos atingem sobretudo as classes agrárias tradicionais


(impostos prediais) e os consumidores (impostos aduaneiros e
impostos sobre a despesa), começando a expandir-se a tributação
das formas mais «capitalistas» de riqueza a medida que o processo
de consolidação do modelo da sociedade industrial se aprofunda
(impostos sobre os lucros, sobre os juros, sobre o rendimento do
trabalho acima de mínimos de subsistência; tributação do conjunto
do rendimento - «income tax» - no sistema inglês).

2.0 - 0 Equilíbrio orçamental

O equilíbrio orçamental aparece como 0 ultimo grande princípio


das finanças liberais.

Para os clássicos, «equilíbrio orçamental» significa que as


despensas totais devem ser cobertas pelas receitas normais ou
rendimentos do Estado; ou sejam, os impostos e as receitas
patrimoniais que ainda existam - excepcionando-se assim 0 recurso
aos empréstimos, que só era possível numa situação de guerra ou
calamidade pública (como recursos de «finanças extraordinárias»).

A ideia - base era a de que, sempre que existisse um défice, o


Estado iria recorrer ou a empréstimos ou a criação de moeda; tal
recurso tinha consequências negativas, porque representava um
desvio para o sector público de aforro do sector privado, único que
se entendia ser produtivo, e porque abria um processo inflacionista,
pelo excesso de emissão de moeda, bem como poderia conduzir o
Estado ate uma situação de bancarrota (impossibilidade de cumprir
os seus compromissos). É evidente que o equilíbrio, assim
entendido, limita também o crescimento do sector público - pois os
parlamentos têm naturais limitações quanto ao nível máximo de
impostos que podem votar; e o credito esta vedado, como ilegítima
absorção pelos cidadãos presentes dos impostos que, no futuro,
outros cidadãos terão de suportar para pagar as dívidas herdadas.

5. A TRANSIÇÃO PARA AS FINANÇAS


INTERVENCIONISTAS
a) Principais factores de mutação

I) - A evolução interna das economias liberais

57
58 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

No domínio dos factos ocorreu uma serie de acontecimentos que


foram determinando ou justificando um maior papel do Estado na
direcção da vida económica, como sejam: 0 aumento da
intervenção política das classes mais desfavorecidas e das próprias
classes médias, pelo sufrágio universal e o aparecimento dos
partidos trabalhistas e socialistas; a crescente concentração de
empresas e 0 capital cada vez mais elevado que e necessário para
produzir; a larga diversificação dos modelos sociais de
desenvolvimento; e a necessidade de intervenções militares por
forcas armadas profissionais crescentemente caras. Posteriormente,
0 Estado e chamado a satisfazer novas necessidades sociais e
económicas, a rentabilizar actividades privadas não lucrativas, a
prosseguir objectivos gerais relativos a vida económica e social20

II) - Os movimentos doutrinários e teóricos

Podem também ser apontadas como causas de abandono do


liberalismo as correntes ideológicas antiliberais que começaram a
desenvolver-se, quer se trate de correntes socialistas, quer de
doutrinas de outra natureza (como a doutrina social da Igreja ou as
varias doutrinas intervencionistas).

Surgiram, por outro lado, teorias económicas tendentes a


demonstrar que 0 equilíbrio não era um dado nem uma tendência
natural da economia, mas que existiam, pelo contrário, factores
permanentes e fundamentais de desequilíbrio, que só a intervenção
do Estado poderia contrariar. Entre estas teorias foram
particularmente marcantes, as de KEYNES e WICKSELL (escola
de Estocolmo): a primeira mais orientada para 0 uso intensivo dos
instrumentos financeiros como meio de lutar contra 0 desemprego,
a segunda tendente a reforçar 0 papel dos instrumentos de política
monetário como forma de lutar, alternativamente, contra a
depressão e a alta inflacionista.

III) - Factos marcantes da evolução económica do século xx

A intervenção do Estado foi também determinada por toda uma


serie de acontecimentos que originaram roturas mais ou menos
profundas com 0 liberalismo:

- A guerra de 1914-1918, que representou um enorme esforço


militar em economia de guerra e forçou o Estado a assumir a
orientação da economia em termos ate ai desconhecidos, além de
provocar roturas e acelerações dos movimentos sociais, como
sucede com todas as guerras;

20
Na óptica marxista, esta fase será a do capitalismo monopolista
de Estado; em SCHUMPETER ela e a da socializll9lio crescente

58
FINANÇAS PÚBLICAS

- O primeiro pós-guerra, caracterizado por uma situação de grande


depressão e instabilidade, sobretudo na Europa;

- A crise de 1929 e a consequente depressão, com deflação, enorme


volume de desempregados e subaproveitamento dos factores de
produção;

- A segunda guerra mundial, ainda mais exigente e destruidora do


que a primeira;

- O segundo pós-guerra, com o «reforço do bloco socialista» e a


necessidade de uma intervenção económica para a reconstrução das
economias abaladas, após 0 que se seguiu duradoura expansão
social nas sociedades de consumo (1950-1970);

- Os anos setenta e oitenta, com toda uma seriem de perturbações


no plano interno e internacional e a abertura, após as crises
monetárias e os «choques do petro1eo», de uma profunda crise
estrutural que ainda dura21.

- O final dos anos oitenta e os aos noventa, com o afundamento do


«bloco socia1ista» e as tendências de privatização, neo-liberalismo
e nacionalismo.

IV) - As transformações ocorridas no exterior do capitalista

No século XIX dominou uma tendência para identificar, política e


economicamente, o mundo com o sistema capitalista. Durante cem
anos, que se prolongaram por mais cinquenta de lenta regressão, o
«mundo» era 0 sistema capitalista mundial, que integrava, por via
do comércio internaciona1, da colonização ou da dominação
económica, as estruturas não - capitalistas, subordinando-se aos
seus princípios de funcionamento e integrando-as na periferia da
sua estrutura mundial. No século xx começou a deixar de ser assim.
Primeiro. Com o aparecimento do colectivismo marxista da URSS
(1917), progressivamente extensivo a diversos países do mundo e).
Fa1haram, porque derrotadas, as tentativas do nazismo e do
fascismo de criar sistemas corporativistas ou de dirigismo integral,
sendo os seus sucedâneos absorvidos no sistema capitalista
mundial. Surgiram, experiencias de novos sistemas económicos no
Terceiro Mundo, em particular após 0 movimento dos nao-
a1inhados nascido em Bandoeng (1954) e reforçado pe1as
descolonizações do pós-guerra (ate 1975: Portugal). A estratégia

21
25 paises, Segundo o criterio de J. WILCZYNSKY, An
encyclopedic dictioonary of Marxism. Socialismo and Comunismo,
1981, antes da descolectivização do final dos anos oitenta.

59
60 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

dos produtores de petro1eo (OPEP) provocou as duas crises do


petróleo e demonstrou a necessidade de uma Nova Ordem
Económica Internacional. Com raras excepções (China, Cuba,
Estados indochineses) 0 co1ectivismo democratiza-se, gera 0
renascer dos nacionalismos e transforma-se numa economia mista
de transi9ao (para 0 sistema de mercado): assiste-se a hegemonia
mundial dos Estados Unidos, seguidos, como «potências
económicas», do Japão e da Alemanha unificada, ao progresso de
alguns «novos países industrializados» (N.1. C. 's), ao
aprofundamento da integra9ao da Europa Ocidental e a continuada
deteriora9ao das regiões subdesenvolvidas (África, Ásia do Sul,
América Latina), com agravamento do fosso Norte-Sul22

b) Traços fundamentais da evolução registada

Traço comum da evolução registada ate aos anos setenta foi a


substancial alteração do relacionamento entre 0 Estado e a
Economia. 0 Estado passa a ter um maior peso e as formas de
intervenção são quantitativa e qualitativamente diversas. Surge
assim 0 que podemos designar por intervencionismo <dato senso»,
abrangendo 0 intervencionismo «estrito senso» e 0 dirigismo.
Foram diferentes as finalidades com que 0 Estado interveio, mas
todas reforçaram o papel e o peso do próprio Estado; entre essas
finalidades, podem destacar-se a premência de fazer face a
necessidades de carácter social (características das funções dos
modernos Estados de bem-estar), a estabilização da conjuntura, o
crescimento e 0 desenvolvimento económico e as correcções
estruturais. Após a depressão dos anos setenta, a privatização e uma
certa desregula9ao reduz 0 papel do Estado na produ9ao, mas não 0
peso da sua interven9ao (anos 80-90).

6. O INTERVENCIONISMO FINANCEIRO E AS
FINANCAS ACTIVAS
a) O Intervencionismo e o dirigismo

22
Sobre estes factos da história económica recente recomenda-se a
leitura de uma história economica: CARLO M. CIPOLLA (ed.),
The Fontana economic history of Europe, 2 vols., 1976 (reed.);
ANDRE e LOIC PHILIP, Histaria dosfaclOs econamiicos e sociais
de 1800 aos nossos dias, trad., 2." ed., 1980; no aspecto
financeiro, cr. SOUSA FRANCO, MFP (r), 187-231. Como obra
exaustiva, vejam-se os volumes resspectivos de Histaria econamica
e social do Mundo, dirigida por PIERRE LEON, tract., ed. Sa da
Costa, Lisboa, vanos anos.

60
FINANÇAS PÚBLICAS

. Na fase do «capitalismo tardio» (WERNER SOMBART) 0


conceito de intervencionismo estadual corresponde a uma doutrina
e uma prática segundo as quais o Estado, sem por em causa os
princípios fundamentais do sistema de mercado procura corrigir os
aspectos do seu funcionamento que se mostraram particularmente
ineficazes injustos ou inconvenientes.

(I) Cr., de entre a abundante bibliografia recente, a síntese muito


acessível de A. GELEDAN e outros, Les mutations de economia
mundial e -1975-/99/, Paris, 1991.

No intervencionismo «stricto sensu» 0 funcionamento da economia


continua a basear-se essencialmente no livre comportamento dos
sujeitos económicos; mas, no caso de não resultar da sua actuação 0
progresso e 0 bem-estar geral, 0 Estado intervém correctivamente,
alargando consequentemente as suas formas de actuação e
assumindo objectivos próprios.

No dirigismo económico o Estado propõe-se determinar objectivos


globais, que há-de presidir a sua actuação económica e também as
dos próprios sujeitos económicos privados, cuja actividade deve
enquadrar-se nos objectivos fixados para toda a economia.

Embora 0 dirigismo possa conduzir a criação de um sector publico


maior do que aquele que caracteriza um Estado intervencionista, 0
certo e que a diferença entre estas duas formulas e sobretudo
qualitativa. Num caso - intervencionismo - há apenas uma ideia de
correcção, enquanto no outro - dirigismo - haja uma ideia de
direcção da economia.

Vejamos agora os caracteres essenciais das finanças


intervencionistas.

b) Lugar e função das finanças públicas

1.0 - Autonomia do sector público e SUDS funções Diversamente


do princípio da privatização - no seu sentido de subordinação do
sector público ao privado e no de subalternidade quantitativa - pode
dizer-se que as finanças públicas ganham aqui autonomia. Para
além da supletiva satisfação das necessidades tradicionais, cabem-
lhes novas funções, tanto na satisfação de novas necessidades
colectivas como na realização de objectivos de política económica
e social.

2.0 - Equilíbrio entre economia pública e economia privada Segue-


se que, no âmbito de um sistema económico que tende a ser misto -
sem subordinar a economia pública a privada, como nas finanças
liberais, nem a privada a pública, como nas finanças colectivistas -,
o lugar das finanças públicas se situa em posição de equilíbrio com
o das finanças privadas. Equilíbrio parcial do sector da economia
pública e equilíbrio geral da economia privada e da economia

61
62 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

pública, tanto no plano pratica como no dos princípios (teóricos ou


doutrinados).

3.° - A regra do óptimo

Em vez da regra do mínimo, o critério definidor do sector público


estabelece-se em obediência a regra do óptimo: são a melhor
satisfação das necessidades públicas e o possível óptimo social que
inspiram o lugar das finanças públicas no conjunto da actividade
económica23

4.° - Dimensão crescente do sector público

Da anterior regra qualitativa decorre quantitativamente que e


crescente a dimensão do sector publico, que passa a absorver
parcelas que se situam entre os 30 e os 50 por cento do rendimento
nacional. O Problema que daqui resulta, na actualidade, e claro: ou
se muda de sistema que trava o crescimento do sector público.

5.° - Pluralidade e complexidade do sector público

O património estadual alarga-se consideravelmente, multiplicam-se


as empresas públicas, cresce 0 peso dos impostos e aumenta
também o recurso aos empréstimos públicos: as finanças estaduais,
que eram simples, assumem crescente complexidade, pelas novas
funções que assumem.

E surgem zonas crescentemente diferenciadas, ou mais autónomas,


no sector público (serviços e fundo os autónomos, empresas
publicas, segurança social, regiões, organizações supranacionais): 0
que era uniforme, torna-se múltiplo e plural.

c) Relações entre actividade financeira e economia privada

I. ° - Integração entre economia e finanças

Ao contrário do que sucedia com o liberalismo, que assentava na


ideia de separação entre actividade económica e finanças públicas,
as politicas e as teorias intervencionistas passam a orientar-se pelo
princípio da integração entre economia e finanças: uma e outra
fazem parte do mesmo conjunto económico-social e estão sujeitas a

23
Sobre a caracterização financeira do liberalismo e do
intervencionismo vejam-se, por todos e com bibliografia
abundante: MAURICE DUVERGER, Finanças Publiques, cap. I;
F. EM YOlO OA SILVA, Conceptions classique et moderne des
jinances publiques, 1950; A. L. SOUSA FRANCO, MFP (r), pp.
176-231 (a completar com: MFP, I, pp. 498-508).

62
FINANÇAS PÚBLICAS

interacção das mesmas forças e princípios (sociais, económicos ou


políticos).

(I) Verguemos melhor ao estudar o óptimo das despes as publicas e


o nível óptimo da tributação.

2. ° - As finanças funcionais

As finanças públicas abandonam o ideal de neutralidade e passam a


visar o aproveitamento pleno de todos os seus efeitos, a fim de
influenciar o comportamento dos sujeitos económicos privados e a
economia global.

Passam, designadamente, a ser utilizadas como instrumentos de


políticas económicas e sociais - ou seja, surgem as políticas
financeiras.

Pode assim dizer-se C) que as finanças públicas são agora


dominadas pela funcionalidade, sendo a sua estrutura e gestão
determinadas pelos fins sociais que elas visam realizar (fins extra
financeiros, para alem dos financeiros).

3.0 - Finanças activas

As finanças passam, por outro lado, a ser marcadas por uma atitude
e uma politica intervenientes. O Estado abandona a sua posição de
abstenção e quer assumir um papel muito diverso na economia,
restringindo a actividade privada e assumindo fins autónomos:
passa, pois, a ser activo, e nao passivo ou abstencionista.

d) A evolução das instituições jurídico-políticas

Alguns dos aspectos jurídico-políticos que tinham caracterizado o


liberalismo e que se orientavam pelas ideias de garantia individual
e predomínio parlamentar, vão conhecer alterações significativas,
tendentes a tomar preponderantes a eficácia e a justiça substanciais.

1.0 - Declínio da instituição parlamentar e formas de


participação diversificada

Sem que isso represente uma intenção de muitos dos seus


defensores (embora 0 seja de alguns), as finanças intervencionistas
marcam um certo declínio da instituição parlamentar (e originam-
no também). A concentração de poderes nos Governos, a
tecnocratizacao e burocratização das decisões, originam uma certa
decadência dos Parlamentos, reforçada pelo predomínio dos
instrumentos de planeamento e programação e pela importância das
políticas monetárias, tratadas pela cooperação técnica Governo-
banco central

63
64 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

Por outro lado, a existência de formas mais diversificadas de


participação e intervenção social dos grupos de interesses leva a
uma larga pluralidade das formas de decisão e controlo da política
financeira, convertida em uma das vertentes da política econ6rnico-
social. E a possibilidade de divergências entre estes agentes
oligopolistas e os reais interesses dos cidadãos leva ao multiplicar
de formas de intervenção e participação directa destes, quer sob o
ângulo dos direitos de intervenção individual, quer na forma da
opinião pública mediatizada pelos meios de comunicação social,
quer através do recurso aos referendos em matéria financeira
(designadamente sobre o nível dos impostos e a afectação dos
recursos por via das despesas).

2.° - Afirmação predominante dos direitos económicos e sociais

Sem que os direitos, liberdades e garantias do tipo c1assico sejam


necessariamente subalternizados (embora possam sê-lo, quando as
finanças intervencionistas se integram numa estrutura de Estado
autoritária, ou ate totalitária), surgem todavia, com crescente
expressão financeira, direitos econ6rnico-sociais. Assim, o direito a
segurança social, 0 direito ao trabalho e ao emprego, o direito a
assistência médica, o direito a educação, a nova dimensão da
igualdade de oportunidades e a qualidade de vida, exprimem-se em
numerosas pretensões, que determinam prestações por parte do
Estado, da Administração Publica ou de outras entidades públicas -
portanto, aumento das despesas e do sector público em geral.

3.° - Limitações ao princípio da legalidade

Das duas causas antes referidas decorre que o princípio da


legalidade pode assumir sentidos amplamente pervertidos, se
coincidir com a concepção «governamentalista» do Governo como
fonte do poder legislativo, que surge com os Estados autoritários e
totalitários e vai alastrando com a componente tecno-burocratica
dos Estados modernos. Pode assumir um sentido mais limitado,
com a partilha de muitos poderes financeiros entre Parlamentos e
Governos (finanças e para finanças; tributos e receitas parafiscais),
competência legislativa do Governo concorrente ou subordinada a
do Parlamento, abuso das autorizações legislativas, transferência do
crédito público (nomeadamente externo) para instituições
monetário -financiais imunes ao controlo público, alastramento de
empresas públicas e «para -empresas» subtraídas a controlos não
governamentais. e) As instituições financeiras

1.0 - O Ressurgir do património

64
FINANÇAS PÚBLICAS

As finanças intervencionistas são caracterizadas por um importante


ressurgimento do património e das receitas patrimoniais, sobretudo
das provenientes do património mobiliário; assume então o Estado
cada vez mais uma posição de empresário (criando empresas
publicas) ou mesmo de capitalista em empresas mistas, obtendo
receitas provenientes de empreendimentos produtivos, etc.

2.0 - A saturação fiscal

Ao mesmo tempo, a importância do imposto e grande, como o era


nas finanças clássicas. Mas ele passa a ser utilizado, numa
perspectiva extra fiscal, como instrumento de política económica
ou de política social (servindo, por exemplo, para redistribuir a
riqueza ou para combater a inflação); e a carga fiscal (real e
psicológica) sobe continuamente, atingindo Limites sociais e
políticos e levando a por 0 problema da saturação fiscal.

3.0 - Abandono ou limitações do principio do equilíbrio


orçamental

Também o principio do equilíbrio orçamental e abandonado, ou


pelo menos deixa de ser unanimemente aceite e praticado com
tanto rigor, passando 0 desequilíbrio a ser defendido em
determinadas circunstancias, como forma de 0 Estado combater os
aspectos mais negativos da conjuntura (desemprego, depressão), e
sendo em outras tolerado como consequência da expansão do
sector publico e das suas novas responsabilidades.

(') Sobre a caracterização financeira do liberalismo e do


intervencionismo vejam-se, por todos e com bibliografia
abundante: MAURICE DUVERGER, Finanças Publiques, Cap. I;
F. EM YOlO OA SILVA, Conceptions classique et moderne des
jinances publiques, 1950; A. L. SOUSA FRANCO, MFP (r), pp.
176-231 (a completar com: MFP, I, pp. 498-508).

1) Momento actual das doutrinas e das políticas

Tal como já se referiu a prop6sito da evolução recente no domínio


dos factos (supra, n.O 1.15), os anos oitenta representam uma certa
viragem - alguns dirão inversão - da tendência dominante das
décadas anteriores. Assiste-se ao declínio do marxismo e, em geral,
dos socialismos colectivistas; ao fim do dirigismo e a crise do
planeamento; a superação das duas gerações do keynesianismo por
correntes neo-liberais e/ou monetaristas (v. HAYEK, v. MISES,
Milton FRIEDMAN); a revalorização do mercado e do lucro, no
âmbito de valores, politicas e instituições crescentemente
individualistas; a um certo predomínio da liberdade, da propriedade

65
66 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

e da iniciativa privada, em detrimento da igualdade, da


solidariedade e da justiça social; a desregularão e as privatizações,
em vez da direcção (panificadora ou burocrática) e das
estatizações; a uma certa crise do papel e da função do Estado,
combinando abertura internacional e reforço do predomínio das
economias fortes dos grandes grupos e dos mercados e instituições
financiais com nacionalismos e regionalização.

No domínio das finanças publicas, daqui resultam importantes


consequências. Torna-se central a discussão das fronteiras e dos
critérios de escolha entre os sectores público e privado,
prevalecendo a aceitação de uma vocação produtiva do segundo e
da vocação infra-estrutural e redistributiva do primeiro. Reabilitam-
se os critérios de contenção do crescimento e de busca da
neutralidade na configuração e gestão dos instrumentos financeiros:
busca-se o equilíbrio ornamental, tenta-se conter a divida (ate pela
dimensão da divida nacional externa de muitos países do Terceiro
Mundo... e dos Estados Unidos), visa-se limitar a burocracia e a
despesa publica corrente, procura-se aliviar a carga fiscal para
estimular a despesa e a produção, reduz-se a progressividade e
duvida-se da eficiência e da justiça do imposto de rendimento,
desvaloriza-se a politica orçamental e revaloriza-se a politica
monetária, tenta-se limitar a despesa social (saúde, educação,
segurança social), privatizam-se empresas, participações e bens
patrimoniais estatais, reforça-se a orçamentação, 0 controlo
parlamentar e o controlo externo jurisdicional ou independente da
receita e da despesa, tenta-se devolver aos contribuintes 0 poder de
«consentir os impostos» corrigindo por referendo os abusos da
tributação. O plano monetário e o orçamento reafirma-se como o
instrumento por excelência da intervenção do Estado...

Estas tendências reafirmam valores das finanças clássicas - tanto os


que caracterizam instituições e regras de democracia financeira
como os que garantem a economia privada e 0 mercado. O
económico, ao menos nos anos oitenta, afoga um tanto 0 social;
pessoas, regiões e grupos tornam-se, uns, mais pobres e, outros,
mas ricos, dentro e fora das fronteiras dos Estados. Mas a verdade e
que, se mudam ideias, critérios e valores, se há uma certa alteração
de sentido, continua predominante 0 intervencionismo financeiro: a
despesa pública não decresce, as empresas públicas tendem a
«passar de moda»; mas reforçam-se regiões (municípios), o
intervencionismo da Comunidade Europeia tende a crescer e, nela,
afirma-se um dirigismo regulamentador que os Estados abrandam,
a reestruturação da Europa de Leste e a unificação alemã são
factores de enorme gasto público de cooperação e intervenção, 0
keynesianismo foi impugnado mas continua florescente na teoria e
na prática; sem esquecer que a agudização do subdesenvolvimento
e 0 crescimento da injustiça social e das desigualdades nos países
mais ricos não torna muito ousado prever, para os anos noventa,
um reforço das despesas sociais (cujo nível nos Estados do Norte se

66
FINANÇAS PÚBLICAS

manteve, alias, sempre elevado: Portugal esta, neste como em


outros domínios de bem estar, muito abaixo dos padrões médios
europeus).

7. FINANÇAS PÚBLICAS E SISTEMAS


COLECTIVISTAS
a) Generalidades

I. Os sistemas colectivistas do século xx podem caracterizar-se por


três grandes traços: a apropriação pública dos meios de produção
(com desaparecimento tendencial da propriedade privada), a
subordinação vinculativa ao plano e a existência de motivações
dominantes de interesse estatal, solidariedade social ou bem-estar
colectivo C).

Restringiremos o nosso estudo apenas ao mais importante dos.


Modelos do socialismo colectivista – o soviético.

II. Uma primeira questão a levantar em relação as finanças públicas


neste sistema e a de saber se efectivamente existem; isto e, se, na
medida em que cabe ao Estado desenvolver a actividade produtiva,
faz sentido manter a fronteira entre actividade financeira e de
economia de poderio. Para maiores desenvolvimentos remete-se
para: SOUSA FRANCO, MFP, 1 (1974), pp. 508-532.

Actividade económica privada. Não aprofundaremos 0 problema.


Verificaremos apenas que 0 que e certo e que se tem mantido tal
diferenciação, e por duas razoes básicas.

A primeira e que, enquanto se justificar a existência do Estado, será


necessário que este disponha de alguns meios económicos para
realizar certos fins específicos inerentes a sua actividade (defesa,
burocracia, etc.). Ora, uns e outros são bem diversos dos meios e da
gestão das empresas públicas ou sociais.

A segunda ordem de razoes e esta: motivos de eficácia económica e


administrativa justificam a distinção entre sector público
administrativo e sector público produtivo, entre orçamento e
actividade empresarial do Estado ou colectiva.

A actividade financeira decorre portanto, numa economia de tipo


soviético, segundo regras e instituições cuja forma se aproxima da
das sociedades ocidentais (Orçamento, Contas do Estado, receitas e
despesas semelhantes as capitalistas, etc.); só que a função que
exercem e profundamente diferente da das economias capitalistas -
e a função acaba por transformar o órgão...

b) Funções dos instrumentos financeiros

67
68 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

Na fase revolucionaria de implantação do socialismo, o papel dos


instrumentos financeiros e mais importante do que depois de
estabelecido 0 socialismo, já que os instrumentos financeiros se
apresentam como um meio idóneo para desapropriar a classe
anteriormente dominante em beneficio de uma nova classe que
toma 0 poder. E nomeadamente este o caso dos impostos, que
podem atingir os que anteriormente possuíam rendimentos
elevados para lhes confiscar a propriedade; ou podem visar
desfavorecer a actividade produtiva na burocratização das decisões
originam uma certa decadência dos Parlamentos, reforçada pelo
predomínio dos instrumentos de planeamento e programação e pela
importância das políticas monetárias, traçadas pela cooperação
técnica Governo -banco central -publica.

Numa segunda fase - de transição evolutiva - são outras as funções


dos instrumentos financeiros:

1.0 - Eles asseguram 0 exercício de certas actividades essenciais


para a sobrevivência da colectividade, que não são consideradas
directamente produtivas - como sejam 0 ensino, a administração
pública, a segurança social, etc.

2.0 - Garantem o equilíbrio na distribuição dos recursos por


sectores e por regiões, permitindo um desenvolvimento equilibrado
da economia, através do desvio dos excedentes criados em algum
ID empresas ou regiões para outras menos favorecidas.

3. ° - O Orçamento e um relevante instrumento de execução do


plano, na parte referente a infra-estruturas, serviços e equipamento
sociais. O orçamento resulta do plano, integrando o seu programa é
financeiro; a sua função e importante mas, como instrumento de
politica económica, menor que nas economias de mercado.

4. () - Uma outra função das finanças publicas será a de desviar


recursos, que de outra forma se manteriam estéreis, para o
financiamento de certas actividades socialmente úteis, através da
existência de empréstimos públicos e impostos indirectos ou sobre
o rendimento, que continuam a existir neste tipo de «economias de
transi9ao para o socialismo colectivista» (mas ainda não
comunista).

c) Características fundamentais dos instrumentos financeiros

1.° - Integração entre o sector financeiro e o planeamento global,


no domínio da preparação como no da execução, sendo 0
orçamento um meio relevante de execução do plano pela
Administração Publica, preparado pelo Ministério das Finanças e
pelo órgão politico de planeamento (Gosplan na U RSS) e
aprovado pelo órgão para lamentar juntamente com o plano e a este
subordinado.

68
FINANÇAS PÚBLICAS

2. ° - Existência de receitas e despesas semelhantes as das


economias de mercado, sendo a diferença mais significativa o
relevo assumido pelas receitas patrimoniais, dado o peso da
produção do Estado e do respectivo património.

3.° - Cerca de dois terços do rendimento nacional (na óptima


socialista) passa pelo orçamento, que assim pesa mais do que nas
economias capitalistas (este valor desce para valores da ordem de
50 % nos Estados federais, como a URSS e a Jugoslávia, e também
na China).

4.° - Pressão fiscal relativamente reduzida, sobretudo no que toca


aos impostos directos sobre os particulares, em virtude da
apropriarão colectiva dos meios de produção dominantes.

5.° - Equilíbrio orçamental, com 0 sentido de evitar a necessidade


de o Estado recorrer ao credito ou emitir moeda, perturbando a
actividade económica, e de restringir a actividade administrativa
em proveito da actividade produtiva

d) Evolução recente

Embora no essencial, os princípios fundamentais encarados


continuem aplicáveis aos modelos de organização social
colectivista, os países em que esse modelo se encontra
efectivamente implantado são hoje muito menos do que no
momento originário deste texto. Com efeito, a transformação
resultante da prossecução na URSS da política baseada em dois
princípios (glasnost - transparência e perestroika - reestruturação,
reforma profunda), efectivada por MIKHAIL GORBATCHOV
desde que assumiu as responsabilidades de Secretário-geral do
Partido Comunista da União Soviética (1988), depois a função de
Presidente da União Soviética, determinaram uma evolução
profunda, ainda em curso no momento em que se escreve esta nota.
No que se refere as finanças públicas, essa evolução situa-se na
confluência de três factores distintos: por um lado, uma concepção
mais aberta e pluralista da vida social (incluindo a realidade
politica); por outro, a transposição desse pluralismo para o domínio
da propriedade, conduzindo a um movimento, mais rápido nos
países da Europa Oriental, mas lento na União Soviética e nos
países fora da Europa, no sentido de privatizações com efectiva
repercussão na transformação do modelo de sistema económico e
da organização social, e admitindo (pode mesmo dizer-se que
fomentando estrategicamente) a propriedade privada dos meios de
produção; e, enfim, 0 funcionamento crescentemente desregulado
da economia, abandonando os instrumentos de planeamento e
confiando em ajustamentos de mercado, muitas vezes tradutores,
mais que de uma efectiva liberdade economia, de dolorosos
reajustamentos a verdade dos custos e a irracionalidade de «preços
administrativos».

69
70 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

As transformações dai resultantes conduzem, desde já, a integração


em economias de modelo capitalista pouco acentuadamente
estatizado (como e 0 caso da integração da chamada «Republica
Democrática Alemã» na Alemanha unificada, formalmente operada
em 3/10/1990). Em outros casos, 0 objectivo estratégico e o
processo que se desenvolve apontam claramente (em alternativa,
porque duvidas são legitimas sobre a sua concepção e sobre 0
resultado real estável a que se chegara) para uma verdadeira
economia de mercado ou para economias mistas (em configurações
diversas), nuns casos mais abertas a simultaneidade dos
instrumentos de mercado e da propriedade privada, noutros com
funcionamento nem sempre muito coerente de instrumentos de
liberdade económica, tendencialmente mercantis, combinados com
fortes propriedade privada e iniciativa empresarial externa, fracos
níveis de propriedade e iniciativa interna e manutenção de
subsistemas públicos e sociais de organização produtiva, embora
em crise. Em qualquer destas situações, o papel dos instrumentos
financeiros (e também dos instrumentos monetário - cambiais) será
certamente reforçado, devido ao abandono ou a restrição da
regulamentação directa, tanto por via do plano como por via do
dirigismo administrativo. Isto significa que a configuração
qualitativa e quantitativa dos instrumentos financeiros sofrera pro-
fundas transformações em relação ao que se afirmou antes, quer
venha a prevalecer uma pura óptica de mercado, quer uma óptica
de economia mista. Apontam-se, entre essas transformações: a
necessidade de reformas fiscais que criem impostos directos sobre
os rendimentos, impostos sobre os lucros das empresas e impostos
indirectos mais importantes; 0 renascimento do crédito público,
tanto externo como interno, e quer para satisfazer necessidades de
financiamento como para funcionar como instrumento auxiliar da
criação de mercados financeiros internos; a possibilidade da
existência de políticas conjunturais de receita como de despesa
pública; a emergência, nuns casos pelo fim da sua ocultação, em
outros por efectivo desequilíbrio resultante de aumento de despesas
e quebra de receitas, de verdadeiras situações de défice orçamental,
quer corrente (o que significaria substancialmente mais um dos
aspectos do aumento do consumo, ao menos expresso em termos
monetários, que acompanhou esta «revolução do mercado»), quer
em termos globais, então com expressão relativamente próxima da
das necessidades brutas de financiamento do sector administrativo;
e, ainda, porventura, a emergência de um sector publico mais
complexo e descoordenado, com componentes regionais e locais,
com um novo posicionamento das componentes empresariais, mais
marcadamente flexíveis e orientadas pelo lucro, com 0
aparecimento de instituições semelhantes as ocidentais no domínio
da segurança social e do financiamento da satisfação de
necessidades sociais (ate ao momento assegurado pela combinação
da gratuitidade do uso de bens e da prestação de serviços ou do seu
custo de utilização quase simb6lico com agravadas despesas
publicas orçamentais ou para orçamentais).

70
FINANÇAS PÚBLICAS

Em Setembro de 1990 decorreu na Rússia (mas com envolvimento


do Governo da U RSS) 0 que foi, porventura, a mais importante
discussão ate ao presente acerca da transição de uma economia
«colectivista» para uma economia (regulada?) de mercado
(socialismo de mercado). Em contraste com a orientação tímida do
Governo da URSS e do economista L. ABALKINE, o Governo
russo defendia 0 plano de ST ANISLA v CHAT ALINE para uma
mudança acelerada e faseada em 500 dias. Este previa a
propriedade privada dos bens de produção, a reforma dos impostos,
do sistema bancário, da bolsa e da segurança social em três meses.
Depois, uma ampla privatização, a venda das casas de habitação e
dos terrenos afectos a agricultura. E, enfim, a compensação social
pelo controlo dos preços e por politicas de estabilização. Tudo isto
ilustra a importância das reformas financeiras e dos instrumentos
financeiros nesta transição, cuja programação na URSS permanece
por fazer, apesar da clara assunção do objectivo da transformação
em economia de mercado (GORBATCHOV, Julho de 1991) (I).

A verdade, porem, e que a transforma9ao politica - no sentido da


democracia pluralista e do principio das nacionalidades - tem sido
mais profunda e nítida na Rússia e na confedera9ao que lidera (a
URSS) do que a evolu9ao económica; a de mora nas privatizações
e no restabelecimento do mercado nesta que foi a primeira
economia colectivista do século (revolução de Outubro/Novembro
de 1917) tem agravado a ajuda internacional, agravado a
ineficiência e os traços caóticos da estrutura e do funcionamento da
economia soviético. As economias da Europa Oriental - e outras do
chamado «bloco socialista» - tem evoluído na via da transição para
0 mercado, gerando estruturas mistas de natureza varia, em boa
parte sob 0 impulso da perestroika (embora 0 processo polaco tenha
causas e ritmos anteriores e autónomos); em todas 0 ressurgir de
estruturas financeiras de carácter democrático marca decisivamente
a mutação em curso (revalorização do orçamento como autorização
parlamentar; desvaloriza9ao do plano; responsabilidade financeira
dos Governos e Administra90es perante os Parlamentos
democratizados e os Tribunais de Contas que foram criados ou
restaurados; renascimento do credito publico; reformas fiscais e
or9amentais, ao menos iniciadas).

EXERCÍCIOS PRÁTICOS
1) Diga o que entende sobre a expressão “Sistemas
Económicos”.

2) No sistema capitalista podemos distinguir dois regimes


económicos fundamentais.

a) Diga quais são e defina-os.

71
72 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

3) Diga qual é a importância da participação democrática


parlamentar na actividade financeira.

4) “Sendo o imposto a receita típica do liberalismo e podendo


mesmo falar-se do período das finanças clássicas como o
tempo das finanças tributarias.”

a) Diga como se explica o peso do imposto nestes


sistemas.
5) Diga o que entende sobre a regra do equilíbrio orçamental.

6) Diga o que entende por intervencionismo financeiro.

7) Estabeleça a diferença entre intervencionismo estadual e


dirigismo económico do Estado.

CORRECÇÃO DE EXERCÍCIOS
1. Sistemas económicos são formas típicas e globais de
organização e funcionamento da sociedade em geral
(sistemas sociais) e da sua actividade económica em
especial.

Os sistemas socioeconómicos são inspirados por


concepções valorativas da sociedade (doutrinas, na sua
versão sintética e orientada para a pratica social, ideologias)
e são condicionadas pelas estruturas sociais (naturais,
socioeconómicas, políticas e económicas), cujos modelos de
organização são bem diversos.

2. Os dois regimes económicos que se podem distinguir no


sistema capitalista são os seguintes: Liberalismo e o
Intervencionismo.

3. A importância da participação democrática parlamentar na


actividade financeira, reside no facto desta ser uma
actividade que por essência é regulada normativamente,
decidida na aplicação concreta (orçamento), controlada na
execução e objecto de prestação de contas por parte do
governo;

Nisto tudo cabe o papel fundamental a instituição


parlamentar, primeira como defensora dos cidadãos, depois
também como sua representante.

4. O peso do imposto nestes sistemas explica-se por diversos


factores que são:

A redução do património do Estado;

72
FINANÇAS PÚBLICAS

Aumento da importância da riqueza mobiliária no conjunto


do rendimento nacional, acompanhado da abstenção do
Estado neste domínio;

E ainda a generalização da ideia da contribuição como


dever de cidadania, consentido livremente pelo parlamento.

5. A regra do equilíbrio orçamental significa que as despesas


totais devem ser cobertas pelas receitas normais ou
rendimentos do Estado.

6. O conceito de intervencionismo do Estado na economia


corresponde a doutrina e a uma prática segundo as quais o
Estado, sem pôr em causa os princípios fundamentais do
sistema do mercado, procura corrigir os aspectos do seu
funcionamento que se mostraram particularmente
ineficazes, injustos ou inconvenientes.

7. A diferença existente entre estes dois conceitos é, sobretudo


qualitativa, num caso, intervencionismo, há apenas uma
ideia de correcção de aspectos económicos, no dirigismo há
uma ideia de direcção da economia.

CAPÍTULO III - A ACTIVIDADE


FINANCEIRA COMO FENOMENO
POLÍTICO

OBJECTIVOS:
Neste capítulo, pretende-se que o estudante entenda que a
actividade financeira do Estado é sobretudo um fenómeno de
natureza politica, e que, a actividade financeira vária
profundamente em função da sua componente política e da forma
de organização do Estado em que se integra

ESTADO E ACTIVIDADE FINANCEIRA


I. A actividade financeira varia profundamente em fun9ao da sua
componente politica e da forma de organiza9ao do Estado em que
se integra. De facto, desde que o Estado, e de todos os tempos a
existência de formas politicas diversas de ordena9ao económica, de
interven9ao económica e de actividade financeira. Vejamos alguns
aspectos principais.

II. No tocante a análise da actividade financeira, o Estado tanto


pode designar o aparelho de poder, constitucionalmente
organizado, e externa; c) reforma da propriedade, envolvendo a

73
74 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

nítida privatização do comercio de retalho e das pequenas


empresas, bem como a «comercialização. Das grandes empresas
estatais. É curioso confrontar com a experiencia de
«descentralização limitada» seguida por Deng Xiaoping na China:
cf. BIRD (Country studies) - China - between plan and market,
1990 que representa e governo um povo, e bem assim as
organizações administrativas que dele dependem; como apenas 0
nível central deste poder político-administrativo (Estado central),
contraposto as entidades descentralizadas (Estados federados,
regiões, autarquias locais...).

Podemos distinguir quatro concepções típicas de Estado:

a) O Estado soberano, entidade autónoma, que toma macro -


decisões, «garante e gestor dos interesses da não, concebidos como
distintos dos interesses dos cidadãos e superiores a estes» e
«interprete natural do interesse geral que se impõe a todos»
(HEGEL; jacobinismo francês; escola da coação - A.
WOLFENSPERGER).

b) O Estado - republica (republica), organização de gestão colectiva


dos interesses comuns dos cidadãos, que definem os objectivos,
escolhem os meios e seleccionam os seus representantes e
responsáveis (tradições democrática e institucional; teoria
económica neoclássica, que atribui funções próprias de utilidade e
preferência).

c) 0 Estado de classe, concebido como um instrumento de coação


publica da classe dominante que 0 utiliza para manter e reforçar o
seu domínio e explorar as restantes classes (marxismo).

d) 0 Estado - aglomerado, organização em que se defrontam grupos


com interesses conflituais e meios de acção diferentes, uns internos
e outros externos a organização; a organização não tem uma
verdadeira função de comportamento comum e estável, mas
situações resultantes dos jogos estratégicos dos principais
jogadores e equilíbrios mais ou menos estáveis deles resultantes
(escola da public choice) 24

24
Veja-se em geral, sobre as diversas formas de Estado: JORGE
MIRANDA, Manual de DireilO Constitucional, tomo III, caps. I e
VI; Luis SA, Introdução o leoria do Eslado, 1986, caps. 4 a 7.
Sobre a evolução das finanças públicas em função das tipologias
de Estados, cf. 0 nosso citado artigo «Finanças Publicas», em
Enciclopédia Polis, III, s. v.

74
FINANÇAS PÚBLICAS

III. Também os principais tipos históricos de Estado determinam


formas diversas de actividade financeira - quanto as suas
instituições fundamentais, quanto aos recursos e sua afectação,
quanto as decisões financeiras e seus fins (necessidades sociais a
satisfazer).

Assim, na nossa civilização, O Estado escravista corresponde a


uma certa forma de atrofia financeira; O Estado urbano ou urbano -
imperial - de que temos entre nos da, um bom exemplo nas
civilizações greco-romanas - cortlbina finanças de base privatística
(contratual ou patrimonial) com finanças de base publicista
(impostos e grandes despesas publicas); O Estado feudal e
senhorial faz assentar a actividade financeira na riqueza patrimonial
fundiária (rendas senhoriais, direitos reais ou pessoais relativos a
terra e direitos relativos as respectivas actividades produtivas). O
Estado moderno ressurge como Estado patrimonial - agora assente
nas indústrias e actividades comerciais, em regime de monopólio
ou concessão, típicas da Idade Moderna; assiste-se então ao nascer
do instrumento fiscal, que se torna típico dos Estados modernos de
matriz democrática (liberal ou social) e mesmo de variantes
autoritárias que, conquanto numerosas, se configuram como suas
formas «pervertidas». Os Estados socialistas, por seu lado,
regressam a componente patrimonial, agora concebida em termos
globalizantes (propriedade publica e/ou de todo o povo) e apenas
completada pelos impostos, concebidos como instrumento
complementar de ajustamento macroeconómico e de execução do
plano C).

IV. Também as formas doutrinárias do Estado influenciam a


actividade financeira, designadamente nas tocantes as funções do
Estado e aos objectivos e prioridades que os seus órgãos definam
no campo da respectiva actuação. E uma constante da história a
ordenação, a intervenção e a actuação económica do Estado: mas
elas podem assumir níveis e formas bem diferenciados.

O nosso Estado moderno começou por ser patrimonial, transferindo


para o aparelho estadual centralizado e racionalizado e' para novas
modalidades de actividades produtivas (industriais e comerciais) a
estrutura patrimonial pessoal e fundiária que era típica do
feudalismo.

O liberalismo atacou o Estado patrimonial, reduzindo o papel do


Estado a defesa da ordem e das instituições jurídico-económicas
fundamentais: Estado - policia, Estado guarda-nocturno...

O intervencionismo social fez o Estado intervir na prestação de


serviços sociais (Estado de serviços), completar a garantia da
liberdade com a promoção da segurança individual e colectiva
(Estado-

75
76 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

-providencia), adaptar-se a crescente complexidade das técnicas


produtivas e organizativas modernas (Estado de tecnologia),
prosseguir políticas económicas e sociais que visam a prosperidade
(Estado de bem-estar), prosseguir o desenvolvimento económico e
a afirmação nacional nos novos Estados do «Terceiro Mundo»
(Estado de desenvolvimento). Os totalitarismos fizeram o Estado
reclamar-se da promoção de valores próprios seus ou da
comunidade racial, nacional ou social que serve de base (Estado
ético do fascismo, por exemplo), ser portador de uma ideologia
global de organização social (socialismo de Estado) ou elemento
agregador de toda a organização social (corporativismo de Estado),
vincando assim a tendência estadista omnipresente no século xx.

A sujeição do Estado ao Direito determina o predomínio de


critérios de legalidade e regularidade na actividade financeira
(Estado de Direito, o qual tanto pode ser democrático como
autocrático). O predomínio da função redistributiva e da finalidade
de satisfação dos grupos sociais leva a subordinação a critérios
sociais (Estado Social), que se combinam com 0 recente relevo de
critérios tecnológicos na apreciarão substancial da boa gestão
finança ira, seja no domínio militar, no das infra-estruturas ou no
das despesas produtivas (Estado TeenoI6gieo).

Nos anos setenta e oitenta, a crise do Estado - providencia, do novo


Estado patrimonial e dos estatismos foi encarada tanto pelo
neoliberalista (defendendo «menos Estado, para haver melhor
Estado») como por diversas outras correntes de pensamento.
Naturalmente, 0 reflexo desta problemática no nível, forma
qualitativa e funções da actividade financeira e evidente, e
ressaltara da evolução que se desenha no sentido de um Estado de
cultura típico da sociedade (HABERMAS) C).

Mas não só em função dos principais tipos históricos de Estados


varia a configuração da actividade financeira. Ela diferencia-se dos
fenómenos da mera economia privada ou social, de índole
contratual ou dominial, por exigir o recurso - efectivo ou potencial,
aos poderes de autoridade, pela subordinação a uma avaliação de
interesses e necessidades que ultrapassa a esfera individual e a dos
grupos (tanto no domínio dos poderes e instituições financeiras,
como no dos actos, bens e necessidades económicos envolvidos) e
pelo recurso a formas de coação. O poder que se exerce no domínio
financeiro pode ser político (traçando as orientações gerais) ou
administrativo (resolvendo os problemas específicos ou de
pormenor, em subordinação ao primeiro.

O Estado pode concentrar as decisões - que são políticas e


administrativas - ou partilha-las com outras entidades, no plano
politico como no administrativo; a actividade financeira localiza-se
também no plano política como no administrativo.

76
FINANÇAS PÚBLICAS

No primeiro nível, cabe aos órgãos políticos do Estado, de forma


relativamente especializada desde que apareceu 0 moderno
aparelho estadual moderno, embora com concentração de poderes;
ou então de modo coerente com a divisão de poderes que exista em
cada estrutura estadual (decisões próprias do Executivo, do
Legislativo ou do Judicial). Se no interior de um Estado soberano
existirem diversas organizações políticas, caberá ao poder supremo
resolver as potenciais conflitos e repartir adequadamente as
competências financeiras.

No plano administrativo, o Estado pode criar organizações que


prossigam interesses específicos ou reconhecer organizações
naturais, disciplinando a sua actividade e subordinando-as a formas
de disciplina ou controlo estadual. No primeiro caso, ele recorre da
desconcentração da actividade administrativa, na sua componente
financeira. É o que sucede com a criação de serviços autónomos
(institutos públicos, se personalizados: fundos, se tiverem fins
exclusivamente ou predominantemente financeiros), dotados de
poderes financeiros meramente administrativos (autonomia). Ele
pode ainda criar (ao apropriar-se de) empresas destinadas a
produzir actividades produtivas de teor, em princípio, semelhante
ao de empresas privadas; ou ainda, num misto de empresa e serviço
que tem surgido no nosso século, poderá criar instituições que
combinem o interesse público com actividades exercidas segundo
critérios de racionalidade afins dos da produção privada (e o caso
da segurança, a social ou de certas actividades de intervenção
económica, como a dos organismos de intervenção económica, em
vias de transformação em verdadeiros institutos públicos). Estes
fenómenos são frequentes na grande complexidade do Estado
contemporâneo.

Todavia, 0 Estado pode ainda reconhecer ou atribuir poderes


financeiros a entidades que, alem de formalmente autónomas dele,
representam interesses diferenciados dos seus: e o caso das
associações publicas e dos municípios. A descentralização
territorial e a forma descentralizadora mais frequente e importante
nos Estados modernos, dando origem as finanças locais. Estas, em
sentido estrito, prosseguem finalidades de natureza meramente
administrativa. O processo de descentralização territorial (local)
pode, porem, atingir níveis político-administrativos (é o caso das
nossas regiões autónomas: regionalização) ou níveis estritamente
políticos (os estados federados, «Estados dentro do Estado»).

Desde a idade moderna, o conceito de soberania do Estado inspira


as noções de descentralização e desconcentração do Estado, para
dentro de si mesmo ou de cima para baixo. Todavia, hoje e
frequente uma certa descentralização (ou desconcentração) para
fora do Estado, nomeadamente mediante a criação de organizações
internacionais, do tipo tradicional ou de natureza supra nacional.

77
78 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

Por outro lado, esbate-se a rígida distinção entre formas públicas e


formas de poder puramente privadas ou mistas (por exemplo, nas
empresas publicas: ainda mais nitidamente, nas empresas
participadas); e as entidades privadas podem integrar-se no
domínio financeiro, quer por integração numa actividade pública
(concessionárias de serviço publico ou da exploração de empresas
publicas), quer pela assunção de poderes de autoridade, quer ainda
por utilizarem fundos públicos, sendo assim, responsáveis por uma
quota-parte do interesse público (entidades subvencionadas pelo
Estado ou, por exemplo, pelas Comunidades Europeias;
associações ou fundações privadas com financiamento publico).

VI. Com esta distinção não deve confundir-se a relação a


estabelecer entre as diversas formas de organização do Estado e a
actividade financeira e suas instituições.

Por um lado, existe estreita conexão entre a forma estrutural de


Estado e a actividade financeira. Quando 0 Estado tem forma
federal, e normal a existência de estruturas político-administrativas
de decisão financeira, correspondentes a uma constituição
financeira federal. O modelo nasceu historicamente da experiencia
norte-americana, em que, de uma confederação de Estados
formalmente independentes, se evoluiu para uma estrutura de
Estado nacional com Estados nela integrados (da confederação it.
federação). Existem assim duas ordens de poderes política -
financeiros - a da federação e as dos Estados federados -, que são
relativamente autónomas entre si. A Constituição federal só pode
ser alterada com participação dos Estados federados e as finanças
federais - no seu aspecto constitucional, no institucional e no dos
meios financeiros - não apenas prevalecem sobre as financias
federadas, como definem em última insuficiência os critérios de
coordenação, dependência ou resolução - de conflitos entre umas e
outras, ou entre os diversos estados federados. Todavia, as finanças
dos Estados federados são também autónomas, nos seus
fundamentos e mecanismos, embora sujeitam a um poder supremo.
Este modelo e 0 do federalismo financeiro; mas a expressam
aplica-se a estruturas financeiras que não são federais no sentido
jurídico - constitucional (1)

Existem, por outro lado, Estados complexos, que dão origem a


finanças também complexas. Nuns casos existe uma clara
subordinação de sistemas financeiros diferenciados e autónomos a
um sistema financeiro central: nos impérios, as finanças imperiais
subordinam sistemas financeiros diversos, tendo sido frequentes as
situações de império colonial (finanças coloniais, derivadas das
diferenças de cultura, civilização e nível de desenvolvimento sócio
económico entre metrópole imperial e colónia); mas a história
conhece também situações de aliança subordinada (protectorados,
Estados vassalos ou «aliados imperialistas»), em que a autonomia
histórica dos Estados ou estruturas subordinadas justifica uma

78
FINANÇAS PÚBLICAS

maior diferenciação entre as estruturas financeiras dos dois poderes


ou espaços integrados. E deixam de corresponder a hipóteses de
subordinação financeira situações tão complexas e diferenciadas
como a da ocupação (finanças em que, por virtude de uma anterior
situação de guerra, um Estado domina politicamente a estrutura
politico -financeira de outro Estado ocupado), entre outras.

A situação mais frequente de subordinação financeira nas últimas


dezenas de anos tem sido a do regionalismo financeiro. Em tais
casos, existe uma subordinação político-administrativa das regiões
ao Estado, sendo certo que os poderes das regiões são
qualitativamente diferentes dos das organizações de índole
municipal, mas são também qualitativamente distintos dos Estados
federados (o Estado regional e um Estado politicamente unitário,
como se sabe). As situações de base que dão origem a constituição
de Estados regionais são distintas das dos Estados federados.
Normalmente, ou se trata de regiões cuja gestão financeira tem de
ser, por motivos geográficos, diferente da do Estado e da das forma
normais e mais mitigadas de descentralização; ou estamos perante a
regionalização territorial do Estado, que tende a criar um escalão
intermédio de decisão, entre o Estado e as tradicionais autarquias
(regiões territoriais); ou se trata de regiões dentro do Estado
dotadas de especial idades geográficas, sociais ou culturais (nesse
caso existem algumas regiões, mas o Estado não e, todo ele,
regionalizado na sua organização); ou se trata de grandes
autarquias locais ou associações de autarquias que, devido aos
problemas gerados pelo gigantismo urbano, tem uma forma
especial de gestão (regiões metropolitanas, no sentido urbanístico
de «metrópole»). Estas situações de base podem dar origem a
criação de regiões político-administrativas, distintas dos Estados
(mesmo federados), mas também diferentes das regiões meramente
administrativas, quando existem poderes financeiros como tal
caracterizados; todavia, não o determinam necessariamente. A
indagação das fronteiras entre estas formas de organização do
Estado, que tem nos aspectos institucionais de ordem financeira um
dos traços mais marcantes, embora se integrem em estruturas
político-administrativas coerentes com a mesma opção
organizativa, nasce de uma realidade recente e ainda em
movimento, carecendo de ser mais aprofundada (1).

Enfim, a descentralização puramente administrativa (hoje; no


passado foi político-administrativa, quando não - como na «polis»
cidade- estado grega - substancialmente politica) da origem a
crivação de diversas entidades de poder próprio, no plano
institucional e no dos recursos, mas sem qualquer base política ou
consistência normativa e, portanto, inteiramente subordinadas ao
poder politico que as constitui, cria ou extingue. As «autarquias»,
em sentido amplo (usado ainda no Brasil), podem ser de diverso
tipo, mas as mais tradicionais são as que se baseiam em relações de
vizinhança - por vezes muito alargada e diluída, designadamente

79
80 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

em virtude do fenómeno da urbanização de massas típico do século


xx, as autarquias territoriais ou locais de base municipal (quer
sejam, entre nos, freguesias, concelhos - que a constituição designa
por «municípios» em sentido estrito - Note-se bem que ao referir
esquematicamente estes tipos de organizações financeiras
adoptamos um critério puramente dependente do tipo de
organização institucional dos Estados: ao falar de dependência, por
exemplo, temos em vista a dependência expressa nas relações
politicas de poder e nas relações normativas de Direito; não nos
referimos a uma analise substancial da «dependência» como
fenómeno de estrutura económica.

VII. Enfim, uma última ordem de distinções entre os Estados


modernos permite contrapor «grosso modo» Estados autocráticos a
Estados democráticos, sendo os primeiros aqueles que não
respeitam, de modo julgado satisfatório, os direitos do homem e
não asseguram a direcção pelo povo (mediante certas formas de
decisão politica politico -financeira), ao passo que os segundos
serão aqueles que respeitam satisfatoriamente os direitos do homem
e asseguram a participação directa possível e a participação
representativa do povo, mediante o voto, na tomada das decisões
políticas (e politico -financeiras) fundamentais. E claro que, como
tudo na vida, a distinção tem graus diversos de afirmação: os
Estados podem ser mais ou menos democráticos, mais ou menos
autocráticos; existem mesmo situações de transição difíceis de
qualificar. O nosso século, ao construir o conceito e ao viver a
experiencia do totalitarismo (v.g., teorizado por HANNAH
ARENDT), abriu uma distinção capital entre os Estados
autoritários em sentido estrito (que, recusando a democraticidade
do poder e violando alguns direitos do homem de modo
qualitativamente grave, permitem certa autonomia das instituições
da sociedade civil e toleram certas zonas de liberdade individual ou
certas formas de pluralidade cultural ou social) e os Estados
totalitários (que se assumem como instrumento de uma ideologia,
cultura ou sistema de valores potencialmente universal ou
totalizaste, visando moldar toda a vida social económica e cultural
segundo essa visão única e dominante do mundo e da vida). 0
Sistema capitalista tem coexistido com Estados democráticos (de
doutrina liberal, intervencionista ou «socializante» -social-
democracia, socialismo democrático), simplesmente autoritários ou
totalitários. As experiencias recentes de sistemas colectivistas,
embora procurem recuperar 0 conceito de democracia
identificando-o com 0 seu conceito de socialismo, não tem
coexistido, ate ao presente, com formas tradicionais de democracia
representativa25

25
Também se situam antes do domínio do político - aqui por nos
adoptados com exc1usividade - as concepçes marxistas sobre 0

80
FINANÇAS PÚBLICAS

DECISÃO POLÍTICA E DECISÃO FINANCEIRA

a) A economia da política

I. 0 Fenómeno financeiro e, pois, uma decisão política sobre um


objecto económico. Não admira então que, aliado ao facto de a
ciência económica moderna tender a cobrir a totalidade dos
fenómenos de raridade social com 0 seu estudo (economia do amor,
do direito, do crime ou da ciência, por exemplo...), haja surgido do
seu estudo uma teoria económica da política, que veio a alargar 0
seu campo para alem do domínio estrito das finanças públicas,
embora as condicione e delas tenha nascido cientificamente.

Assim, e possível debater o próprio conceito económico de Estado,


desde a visão individualista a visão marxista e a conceitos
orgânicos do Estado como entidade dotada de vontade própria,
acentuando 0 papel dos órgãos e governantes (na sua globalidade
ou nas suas relações internas, nomeadamente na articulação
fundamental Governo-Parlamento) ou os critérios objectivos de
definição do bem comum ou do interesse geral (consoante a
Conceição filosófica que se tenha dos critérios valorativos da
escolha politica) [supra, n.o 1.l8-b)].

O grau de autonomia que se atribua ao Estado relativamente aos


indivíduos, grupos e classes não permite esquecer que as decisões
são tomadas também em função de interesses: os governantes (que
buscam um «apoio» ou «suporte politico» -A. DOWNS), os
administradores (ou «burocratas», cuja decisão assenta no critério
da maximização do seu poder, em termos de regulação da
economia, de aumento do pessoal ou dos seus orçamentos - teoria
iniciada com originalidade por NOZICK), os grupos de interesse da
sociedade e os próprios cidadãos eleitores (e a concepção da escola
da «publica choice»: BUCHANAN, TULLOCK, OLSON,
MUELLER; entre nos, A. PINTO BARBOSA)26.

carácter necessariamente autoritário da democracia capitalista


(identificando socialismo com democracia real), bem como os
argumentos do liberalismo moderno que se reportam forçosa
coerência dos sistemas político e económico: economia de
mercado e democracia política seriam modelos de organizaao
social dotados de uma relaçao de necessária interconexão, ao
passo que o socialismo seria por força autoritário, qualquer que
fosse a sua forma.:.

26
0 Estudo da economia de bem-estar e da sua relação com a
teoria da escolha pública, nos pianos te6rico e institucional, foi
abordado em duas dissertações policopiadas de mestrado
apresentadas na Faculdade de Direito de Lisboa: C. PINTO

81
82 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

Pessoalmente considera-se que a decisão financeira, como opção


económica, melhor pode ser interpretada na sua racionalidade
essencial (abstraindo da multiplicidade concreta das suas
motivações e objectivos) adoptando uma concepção neo-clássica,
que corresponderia ao «Estado republica»: os governantes buscam
alcançar 0 bem-estar geral (absoluto ou de segundo grau: secund
best), sintetizando nele os vários interesses sociais que representam
(incluindo os deles próprios); ou, pelo menos, visam fazer a melhor
aplicação relativa dos bens públicos (óptimo paretiano). A decisão
financeira, por outras palavras, e uma decisão económica que tem a
particularidade de ser colectiva, mas obedece a lógica fundamental
da escolha económica: comparar funções de utilidade ou de
preferência com curvas de possibilidade ou «de constrangimentos».
Mas ela não e imune a disputa do poder pelas pessoas e grupos,
sobretudo nos sistemas democráticos.

II. No plano político, sobretudo, a análise, mais individualista e


desagregada, da public choice ilumina, a partir de outro modelo,
aspectos novos da mesma realidade - a decisão financeira.

Segundo ela, todos os agentes visam, essencialmente, maximizar o


seu interesse individual no campo político. A lógica do eleitor
votante leva-o a escolher 0 voto para tal mais eficiente,
encontrando-se no mercado do voto e no âmbito dos sistemas
eleitorais, com as propostas concorrentes dos partidos, que
oferecem os seus serviços de representação (legislativa ou
governativa), fazendo o seu marketing e publicidade e procurando,
de umas formas em fase pré-eleitoral e de outras logo após (ciclos
políticos), realizar os seus interesses próprios, os dos grupos de
interesse que os apoiam e os dos eleitores, «apanhando» os votos e
fazendo as coligações necessárias a maioria.

A «public choice» nasceu dos estudos da «matemática dos votos»,


já iniciados nos secs. XVIII e XIX (CONDORCET, BORDA,
LAPLACE, LEWIS CARROL) e teve 0 seu começo real com
BLACK ('), analisando os sistemas de voto (unanimidade, maioria;
referendo; «voto tácito», «voto com os pés» % emigração).

Destacando eleitores, parlamentares e governantes, a teoria


económica da política procurou analisar as relações, essenciais na
democracia representativa (não na teoria económica do Estado
autoritário, que, alegam os neoliberais, pode ser interpretado a luz
do conceito de «déspota», borne ou mau...), entre governantes e
parlamentares, de um lado, e eleitores e governados, por outro; bem

CORREIA, «A teoria da escolha pública - sentido, limites e


implicções», 1986; J. COSTA SANTOS, «Bem-estar social e
decisivo financeira», limites e implicações», 1986; refere mais
bibliografia.

82
FINANÇAS PÚBLICAS

como, no seu âmbito, as articulações entre as diversas facções ou


partidos, que se comportam, a semelhança dum mercado, como
concorrentes de oferta relativamente a uma procura expressa no
voto dos eleitores, tendo em conta as coligações de partidos
(sistemas bipartidários e pluripartidários) e a disputa do poder
governativo, que e sempre um monopólio (com complexidades - as
vezes esquecidas pelos autores anglo-saxónicos - diferentes se
atentarmos nos sistemas presidencialistas ou nos de base
parlamentar). Importa não esquecer ainda a estrutura política dos
órgãos de decisão (relação Governamental; legislativo unicameral
ou bicameral). Em particular, os governantes pretenderiam
conquistar os votos do eleitoral sobretudo o voto flutuantes,
susceptíveis de mudar de campo, no centro estatístico do espectro
político: «eleitor mediano», decisivo segundo A. DOWNS - e para
isso praticam, antes das eleições; politicas susceptíveis de
corresponderem as suas funções de preferência (expansão do
rendimento real, redução da inflação ou criação de emprego);
depois das eleições praticariam então politicas impopulares
(redução do rendimento real, desemprego), quando necessárias.
Resulta daqui que se tem defendido existirem «ciclos político-
económicos» - flutuações económicas cuja regularidade, derivada
da fixação, mais ou menos flexível, dos períodos eleitorais, viria
afinal substituir os tradicionais ciclos médios da economia,
derivados da regularidade de uma economia livre e, para alguns,
suprimidos ou reprimidos pelas politicas anticiclónicas de
inspiração keynesiana (dos anos trinta ate hoje). Tem-se estudado
então, por via dedutiva ou indutiva, 0 modo como se tomam as
decisões de voto, a relação entre sistemas eleitorais e decisões
financeiras, as determinantes da função de preferência dos eleitores
e da função de popularidade dos governantes... Em suma, a
componente idealista - valores abstractos que inspiram a escolha
financeira - contrapõe-se a componente realista da dimensão
financeira no meio político, analisando os interesses próprios dos
governantes e parlamentares e os dos eleitores relativamente a
decisão financeira. Se o mercado nem sempre era racional e tinha
incapacidades, também assim se evidenciam incapacidades e
irracionalidades do Estado.

Por outro lado, também esta componente realista leva! A discernir


os critérios de decisão impostos pelos interesses permanentes e
independentes dos prazos eleitorais (fixos ou flexíveis), como os da
burocracia, da tecnocracia e dos interesses e parceiros sociais, e os
que se ligam directamente a cronologia eleitoral (partidos,
governos, parlamentos...)27

27
Muitas prendem-se com a constituição económico-social- a1em
do que se dispõe sobre a forma das decisões políticas; com razão
apontou BUCHANAN que o equilíbrio orçamental era uma regra

83
84 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

Particularmente importante, no dormindo financeiro, e 0 estudo da


burocracia (ou, ate, tecnoburocracia), que não e eleita mas
condiciona decisivamente 0 fenómeno financeiro (em geral no
sentido do aumento da sua dimensão, que e sempre acréscimo do
poder dos burocratas): os burocratas condicionam mais, pelo saber
e pela execução, as decisões dos políticos (governantes e
parlamentares) do que são mandados por eles: pois «dão» a
informação, levantam os problemas, traçam as alternativas (poder
de agenda») e comandam a execução. Os seus interesses básicos
consistem em manter 0 emprego, ganhar mais e subir na carreira,
por um lado; em ganhar poder (ascender a chefia, ter mais poderes
- «sub-regulamentação burocrática» - com expressão, sobretudo,
em mais pessoal e maior orçamento); em trabalhar menos; e em
ganhar influencia (o publico como cliente, como patrão e como
aliado, pois o burocrata também e eleitor...)28.

b) Democracia, consenso social e decisões institucionais

I. Interessa-nos particularmente o caso da democracia - primeiro,


porque e esse o sistema de organização politica (com sua projecção
institucional ou jurídica) que existe em Portugal; segundo, porque e

não escrita do orçamento norte-americano; e os critérios de


repara"ao dos impostos e as actividades que certas constituições
imp5em ao Estado desenvolver directamente, produzem 0 mesmo
efeito. A par da constituirão, a legislação definidora dos quadros
de actuarão condiciona decisivamente as decisões financeiras, que
não são instantâneas, ocasionais ou conjunturais, antes se
inspiram num processo histórico: a actividade financeira depende
essencialmente da ordena1ao económica., como esta, da estrutura
económico-social/, que por ela esta também estavelmente
condicionada - 0 que já e bem diverso problema.

28
Cr., por todos, CLUB JEA MOULIN, Pour une democratie
economique, 1964, para uma visao socialista que privilegia as
transforma~5es sociais tendentes a maior igualdade, justiça e
participaçao; os autos res neo1iberais (VON HAYEK), para uma
identificaçao com a liberdade, a propriedade e 0 mercado; e sobre
a identificaçao com economia de participaçao (democracia
industrial, como caso limite, na empresa), BRUNO FREY,
Democratic economy policy, cap. 3; merece leitura a ref1eexao
radicalmente libertária de R. NOZICK, Anarchy, state and utopia,
1976.

84
FINANÇAS PÚBLICAS

O modelo que mais tem permitido avançar na teoria da politica


económica.29

Deve notar-se que não partimos aqui da noção, algo equivoca, de


democracia económica e), mas apenas do quadro da democracia
política como pressuposto e elemento informador da política
económica. Ela caracterizar-se-á essencialmente pela existência de
um consenso livre - isto e, um entendimento ou acordo implícito
entre a generalidade (não necessariamente a totalidade) dos
cidadãos, grupos, correntes de opinião e estratos sociais sobre certo
tipo de instituições e normas de organização. Nem todas as
constituições beneficiam desse consenso - embora seja socialmente
desejável que 0 consigam - e nem tudo 0 que integra esse consenso
se esgota na formulação jurídica da constituição. A voluntariedade
e a unanimidade do consenso social aumentam a segurança e a
produtividade do funcionamento da sociedade: em princípio, 0
consenso deve existir sobre 0 processo para tomar decisões, mas
não sobre 0 seu conteúdo - a solução a dar a casos particulares (e
sobre a «regra das regras» que ele se exige; não sobre as decisões
subordinadas e concretas). Ele poderá resultar da espontaneidade
com que grupos sociais actuam em conformidade com os seus
interesses individuais e colectivos; mas e também possível que o
consenso seja provocado, no sentido de que se procure que haja
procedimentos e instituições que estabeleçam um acordo entre os
grupos e as pessoas numa certa colectividade

II. De qualquer das formas, um consenso social tem três


características essenciais incidem sobre aspectos fundamentais ou
básicos da vida em sociedade, indo para além das questões de curto
prazo e do dia-a-dia;

Deriva de situações de incerteza relativamente ao futuro CJ: para


que ele exista e necessário que as pessoas não saibam em que
situação se encontrarão no futuro - pois, se 0 souberem, tenderão a
sobrevalorizar a sua posição e a dificultar 0 acordo ou

29
E evidente, parece-nos, que seria possível uma teoria econ6mica
da autocracia (tirania, despotismo, ditadura - sem curar agora das
diferenças hist6ricas entre estes conceitos), fundamentalmente
consoante se trate de uma estrutura de poder pessoal ou de poder
de grupo (estratocracia - militar; oligarquia - grupo reduzido com
critérios pr6prios de se1ecçao; plutocracia - grupo se1eccionado
pelo dinheiro; regime de partido unico ou dominante); consoante
ela vise interpretar necessidades sociais gerais (despotismo
esclarecido, ditadura progressiva) ou necessidades egoístas da
pessoa ou grupo dominante; consoante seja mais ou menos
limitada por factores democráticos (pura ou impura).

85
86 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

impossibilita-lo; e voluntario, espontâneo, livre e tendencialmente


unânime no que toca as pessoas como aos grupos e estratos sociais
envolvidos (o que não quer dizer que não existam discordâncias
pouco significativas ou irrelevantes). 30

Quanto mais consensual e uma sociedade (e mais largo 0 seu


consenso básico) maior eficiência e bem-estar pode alcançar no seu
funcionamento, segundo regras clarificadas. Tendencialmente, e
este o aspecto mais essencial da democracia; por em causa pontos
essenciais do consenso significa impossibilitar o funcionamento do
sistema, e traduz, portanto, uma atitude «subversiva)}
(revolucionaria, neste sentido), seja qual for o conteúdo da opção
em nome da qual se contraria o consenso - ou ate a inexistência de
opção real.

C) Todavia, não e de excluir a democracia como expressão de


certas formas de confronto ou imposição; resta saber se, sendo
estas totais e incapazes de gerarem consensos, a democracia pode
subsistir

Por exemplo: só e possível que haja aceitação generalizada do


princípio segundo o qual através de impostos se deve financiar o
pagamento de pensões ou prestações aos deficientes e
desempregados, se as pessoas não souberem se serram
contribuintes ou desempregados; se alguns o souberem, os que
sabem que serram contribuintes e não serão desempregados
bloquearão ou contrariarão o consenso.

III. O Consenso pode -ser implícito ou explicitar-se,


nomeadamente através de um processo que para alguns tende a
identificar-se com um «contrato constitucional» C); parece-nos
preferível entender que tal consenso pode abranger acordos não
explícitos nem escritos, num conceito de constituição tradicional ou
consuetudinária. Por outro lado, a hipótese do contrato - que vem
de J. J. ROUSSEAU, Do contrato social (1762) - racionaliza uma
serie de factores que não são necessariamente de ordem racional;
explicita na hipótese contratual comportamento que ou são inatos
ou tem fundamentos não exclusivamente voluntários; e mesmo se
estendida a grupos e não só a indivíduos (o que não e já a lógica
essencialmente individualista dos seus seguidores), parte de

30
O caso de terrorismo na navegação aérea e um bom exemplo: se
todas as nações harmonizarem os seus comportamentos (extraditar
sempre, por exemplo), a luta contra ele será mais eficaz; mas se
alguns paises importante o recusar, a eficiência ou a produtividade
do acordo acaba...

86
FINANÇAS PÚBLICAS

hipóteses individualistas e hedonismos sobre o comportamento


social que estamos longe de ter por aceitáveis. Esta e todavia uma
hipótese individualista, racional e sensualista do comportamento;
como tal pode ser provisória e limitadamente acolhida.

IV. A análise económica do sistema democrático note-se que


formula o conceito de constituição diferentemente da sua
concepção jurídica. Assim, para BUCHANAN e TULLOCK uma
constituição e um modo de intervenção dos agentes na vida
económica e), distinguindo-se como tal três tipos de constituições:
a' acessão individual; a constituição cooperativa, que se traduz no
entendimento para determinado número de agentes individuais
actuar como grupos de interesse, ou seja, como uma associação de
agentes constituída com o fim de favorecer os seus interesses
comuns. E a acção colectiva, expressa pelo processo colectivo de
voto e pelas instituições e regras de direito positivo que dele
decorrem (neste sentido encontrarmos a base da formalização
jurídica da constituirão). De cada uma decorre uma distinta lógica
de sistema económico.

Enquanto para BUCHANAN e TULLOCK a constituição e uma


instituirão, que sanciona a vontade do indivíduo, de um grupo ou
da Colectividade, para ARROW e a regra fundamental de
agregação, isto é, da passagem de n vontades individuais a uma
vontade colectiva, que permite determinar as preferências sobre
situações sociais a partir de preferências individuais. Será, de
qualquer forma, com base na constituição - e na lógica económica
que dela deriva ou que ela incorpora (consoante as concepções) -
que e possível tomar as decisões politicas correntes, então por
simples maioria.

O consenso democrático exprime-se normalmente por uma serie


típica de instituições e regras C) que tentaremos caracterizar no
domínio financeiro (constituição financeira).

V. Os consensos sociais podem assim ser espontâneos, quando as


vantagens das respectivas regras e instituições são óbvias, ou
podem resultar de acções inovadoras, tendentes a provoca-los. Os
níveis de acordo numa sociedade podem ainda ser bem diversos por
exemplo: a) umas situações sem nenhuns consensos; b) uma
situação em que existem acordos feitos com base no que RAWLS
chamou de o «véu da ignorância» - a incerteza absoluta sobre a
própria posição no futuro, que e condição de adesão a certos
acordos; c) ou processo social de decisão corrente, em que existem
regras básicas de convivência social e as pessoas conhecem a sua
posição na sociedade: então as decisões correntes serão tomadas
num estado de certeza, quanto as regras e quanto a posição
essencial das pessoas e).

(3) Por exemplo: é admissível que cada um dos membros da


sociedade desejasse uma ditadura se fosse ele o ditador; mas todos

87
88 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

estão incertos sobre quem o se tido de que se procure que haja


procedimentos e instituições que estabeleçam um acordo entre os
grupos e as pessoas numa certa colectividade (I). Caso ele seja
determinado, o ditador preferia sê-lo, e os restantes não; e haverá
decisão se ele tiver força para a impor. No segundo caso, havendo
um consenso de recusa do ditador baseada no «véu de ignorância»
(os olhos estão velados, porque ninguém sabe quem será ditador...).
Decisão corrente falará adiante; ela afasta-se da decisão sobre as
regras e instituições fundamentais da sociedade.

Os acordos de consenso social apenas serão possíveis quando (nos


dois primeiros níveis referidos) houver incerteza sobre a sua
posição futura na sociedade ou no processo politico-econ6mico;
caso contrário, vigoraria a lei da forca e prevaleceria a vontade do
mais forte.

VI. Algumas circunstâncias favorecem, portanto, a formulação de


consensos: uma assembleia constituinte (BUCHANAN), em que os
constituintes pensam que ganharão no futuro com as regras que
formulam; a capacidade de prever a situação dos descendentes, que
pode justificar sacrifícios actuais para beneficio deles; a igual
possibilidade de cada um se encontrar na situação do outro; a
existência de um período de tempo antes da entrada em vigor da
regra (tomando provável que os ganhadores agora sejam
beneficiados daqui por dois anos, por exemplo).

Teoricamente formularam-se duas regras de decisão nestas


circunstâncias:

1) – O principio (formulado como regra básica por J. RAWLS) do


Maximino, segundo o qual, em condições de incerteza, o consenso
mais provável parte deste conceito; por prudência, as pessoas
tendem a concentrar-se na hipótese pior; e tendera a ser escolhida a
solução que seja a melhor de entre as alternativas piores.

Suponham-se quatro situações possíveis (A, B, C, D) e três


alternativas de decisão (I, II, III) cujas utilidades constam do
seguinte quadro:

O critério de escolha de uma pessoa prudente será, para RAWLS,


mão o de procurar a solução em que ganha mais (a alternativa II,
com utilidade 110. na situação A), mas aquela em que pode perder
menos (I, com um mínimo de 20), por uma razão de prudência (').

2) – O consenso social exige, para se manter, a regra da


unanimidade (ou melhor: a unanimidade politica, isto e, ausência
de discordâncias significativas). Aqui não como critério corrente de
decisão financeira - que a ideia de unanimidade formulada por
WICKSELL tem sentido. Para demonstrar que um consenso exige,
para ser mantido, que todos os sujeitos sociais relevantes estejam

88
FINANÇAS PÚBLICAS

de acordo em mante-lo, pode recorrer-se ao caso de teoria dos


jogos designado por dilema do prisioneiro C).

Tomemos dois agentes, A e B, considerados por hipótese em


situações idênticas. O numero em cima e a esquerda de cada
quadrado representa a utilidade de A e 0 de baixo a direita a
utilidade de B; no quadrado central indica-se a utilidade total (isto
e, a soma das utilidades de cada um deles). A pode aumentar a sua
utilidade de IO para 13. Violando as regras (por exemplo actuando
como contrabandista); mas apenas se B observar as regras e só
nesse caso, caso em que a utilidade de B, que observa as regras
sozinhas, desce radicalmente (na sociedade a posição de quem
cumpre e pior se houver incumprimento generalizado...). Mas se B
deixar de cumprir as regras, anula a utilidade de A - e também a
sua: ambos ficam então na pior situação possível. Logo, ambos têm
interesse em cumprir as regras, porque essa e a maior utilidade
estável de ambos do ponto de vista social: 0 maior incentivo ao
incumprimento, num jogo com muitos intervenientes, e a existência
de castigos ou sanções para os incumpridores.

VII. Qual e, então, o âmbito do consenso mínimo necessário? Pode


dizer-se que ele deve abranger (considerando sobretudo uma
economia de mercado) as regras fundamentais e instituições da
saciedade:

- Direitos individuais (em especial liberdade económica e


propriedade privada);

- Os limites da área individual e colectiva da sociedade;

- A estruturação do Estado, que pode recorrer a forca para


prosseguir os bens colectivos constitucionalmente acordados (mas
e limitado pelos direitos individuais, a divisão de poderes e a
descentralização);

- Enfim, a participação da população (democracia económica e


financeira) em variados níveis: a decisão directa (democracia
directa); 0 referendo e a iniciativa legislativa popular (democracia
semi-recta); a codecisão em certas decisões económicas (co-gestão,
autogestão, planeamento participado, etc.) e).

VIII. Estas concepções, como já se apontou, são individualistas,


voluntaristas e relativamente racionalistas. N a politica, 0 grau de
determinação dos indivíduos e dos grupos e bem menor - podendo,
no limite, entender-se que ele e determinado necessariamente pela
evolução da infra-estrutura económica (como entendem os
marxistas). De qualquer modo, os fundamentos voluntários das
instituições e regras de decisão, em relação a liberdade das pessoas,
ficam relativamente (mas não absolutamente) esclarecidos pelo
recurso a este tipo de análise - dedutiva quanto ao método,
neoliberal quanto a inspiração.

89
90 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

c) Decisões financeiras concretas

Designamos por decisões financeiras as opções relativas a


satisfação pública de necessidades e ao nível do sector público em
confronto com o privado, bem como as respectivas afectasses de
recursos e fontes ou processos de financiamento e) o seu conteúdo
concreto ser definido em fundamentais:

(i) Quais os critérios da decisão financeira?

(ii) Qual a forma da decisão financeira (processos de decisão,


execução e controlo)?

A primeira pergunta já responde; quanto a segunda, brevíssimas


palavras apenas.

As decisões financeiras são tendencialmente bilaterais - abrangem a


provisão de bens como o seu financiamento.

Os bens mercantis ou privados são produzidos para mercado e nele


avaliados; os bens colectivos ou públicos são produzidos a margem
do mercado e avaliados fora dele, por critérios de valor aplicados
pelo próprio poder político.

Com razão se tem acentuado o papel dos mecanismos institucionais


na escolha dos bens públicos: eles não resultariam, ao menos nos
Estados com constituições democráticas, da pura imposição do
Estado ou dos governantes; resultariam antes de um processo de
formação da vontade colectiva, por formas institucionais adequadas
e segundo a constituição e a organização social de cada país (escola
da «public choice» ou escolha publica). Mesmo nos Estados
autocríticos os meios de pressão social (opinião publica, pressões
politicas, dinâmica revolta repressão) existem e influenciam as
decisões.

Outros acentuam de preferência o uso de mecanismos coactivos na


selecção dos bens produzidos pela autoridade pública, embora
admitam formas diversas de os financiar (relacionadas com 0 tipo
de utilidade individual que, alem da colectiva, também pode
prestar).

Em alguns casos funcionariam um princípio de troca ou de justiça


comutativa: cada um financiaria os bens colectivos (ou o seu
custo), participando nos encargos públicos consoante as utilidades
recebidas (paga taxas se beneficia de um serviço; paga impostos em
função da utilidade geral que recebe do funcionamento da maquina
estadual, etc.). Para outros, prevaleceria a justiça distributiva: em
vez de haver uma troca não mercantil, repartir-se-iam encargos em
proporção dos recursos distribuídos e das utilidades percebidas,
utilizando a justiça fiscal, não como mera troca, mas como uma
maneira de distribuir benefícios e custos entre cidadãos (pagam

90
FINANÇAS PÚBLICAS

mais os mais ricos e menos os mais pobres), entre gerações, entre


regiões, etc. Encaram outros, enfim, 0 financiamento dos bens
colectivos como uma forma de politica e justiça social e um
instrumento para criar condições de:

Igualdade e transformar a sociedade pela politica financeira: então,


distribuem-se os encargos, tendo em conta a repartição que se julga
ser mais justa entre os diversos grupos existentes na sociedade e os
fins gerais da política.

Os problemas da decisão financeira têm haver, ainda, com 0 papel


das estruturas de decida. Que sistemas de votação? Que órgãos - e
sob que controlo - as tomarão? A que critérios obedecerem as
decisões dos órgãos e a interpretação da escolha social que
pretendem interpretar (unanimidade, maioria, maioria qualificada)?
Como concorrem entre si, não apenas os órgãos do Estado, mas as
diversas estruturas de decisão e poder política --designadamente os
partidos? Como se repartem os poderes de decisão entre classes e
entre grupos funcionais (governantes, burocracia, tecnocracia),
sujeitos a quais formas de poder? C).

ESTADO E OUTRAS ENTIDADES SOCIAIS


I. E legitimo perguntar se ao Estado se limita a actividade
financeira. Sem prejuízo do estudo da realidade portuguesa, deve
responder-se que não. Vejamos.

II. Existem no âmbito das comunidades religiosas fenómenos que


podem assemelhar-se, pelo menos formalmente, aos fenómenos
financeiros. Numa dupla perspectiva: satisfação de necessidades
colectivas e financiamento de instituições sociais de interesse geral.
Todavia, pelo menos no caso dos Estados como Portugal, em que
vigoram os princípios da separação entre Igreja e Estado e da
liberdade religiosa, não parece existir um elemento necessário a
caracterização desta actividade como financeira: a coação
pública31.

Existem, e certo, formulas, em relação a Igreja Católica, de


comparticipação dos fiéis, através de doações espontâneas ou do

31
Cf. SOUSA FRANCO, Introdução apolítica Financeira, cit., cap.
II; ADRIA 0 MOREIRA, Ciencia Politica; 1979; ATKI SON e
STIGLITZ, Lectures; BROW e JACKSON, op. cil., M. LAVER, The
politics of private desires; WHYNES e BOWLES, The economic
theory of the State; SOUSA FRANCO, M FP, I, pp. 55-77; e infra,
cap. IX (2.0 vol.).

91
92 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

pagamento de determinadas taxas em troca de serviços, reguladas


exclusivamente pelo Direito Canónico: ora, este move-se num
domínio de entidade pura e de cooperarão, sempre sem recurso a
coação.

_____________

III. Problema de particular actualidade e 0 de saber se 0 fenómeno


financeiro se restringe ao âmbito estadual ou se existem para alem
do Estado actividades financeiras próprias da comunidade
internacional, nomeadamente nas organizações internacionais.

A indagação sobre a existência de fenómenos financeiros extra-


estaduais não se confunde com o reconhecimento forçoso de que
existem regras internacionais que se repercutem sobre a actividade
financeira interna do Estado, como sejam os tratados e convenções
internacionais relativos a tributação. Trata-se aqui de saber se na
vida das organizações internacionais existem fenómenos realmente
financeiros.

Em princípio, pela sua própria existência e funcionamento, as


Organizações Internacionais implicam que haja formas de
financiamento e processos de gestão que podem aproximar-se
daqueles que politica corrente nos Estados. Enquanto esse
financiamento for assegurado através das contribuições associativas
dos Estados, como sucede na Organização das Nações Unidas e na
generalidade destas instituições, não existem traços típicos do
fenómeno financeiro no financiamento, mas apenas na afectação a
que sejam criados - e são-no - bens públicos.

O moderno desenvolvimento de organizações supranacionais veio,


no entanto, introduzir novos elementos, na medida em que em
alguns casos se atribui a essas organizações um poder que se exerce
dentro das fronteiras dos Estados membros e lhes permite entrar em
relação com os cidadãos de cada país membro. É o que veremos a
respeito das Comunidades Europeias.

IV. Enfim, seria impensável que o Estado chamasse a si a


totalidade da satisfação das necessidades públicas; mais ou menos
em todos os países existem algumas zonas que estão afectas a
outros entes públicos, seja aqueles que tem uma mera
personalidade jurídica distinta da do Estado, seja aos que tem uma
base territorial diferente. Basta dizer que, nos Estados modernos,
encontramos, para além do Estado, múltiplas outras entidades que
exercem uma verdadeira actividade financeira pública.

92
FINANÇAS PÚBLICAS

CAPÍTULO IV -FACTOS E NORMAS NA


ACTIVIDADE FINANCEIRA

OBJECTIVOS
Neste capitulo o estudante deverá ser capaz de entender que:
1. A actividade financeira é regulada por normas jurídicas que
determinam a existência de instituições, situações e relações
jurídicas.

2. O conceito de direito financeiro e o significado da


autonomia e natureza de um ramo de direito, sobretudo do
direito financeiro.

AS FINANÇAS PÚBLICAS E 0 DIREITO


FINANCEIRO
1. A actividade financeira envolve complexas arbitragens de
interesses e uma estruturação institucional, articulada em razão de
fins públicos e do exercício do poder político ou da autoridade
pública; por força tem então de ser regida por normas jurídicas e
determina a existência de instituições, situações e relações
jurídicas. Dai que, tomando-a imediatamente como objecto de uma
regulação jurídica, ela de origem ao aparecimento de um complexo
jurídico (ordem normativa e ordenamento concreto) e de uma
disciplina da ciência jurídica, designados todos por Direito
Financeiro.

As normas jurídicas que regulam a actividade financeira em função


de valores fazem-no fundamentalmente em dois pianos:

I) - O da organização e funcionamento interno da actividade


financeira do Estado e demais entidades públicas; 2) das relações
financeiras entre o Estado e outras entidades, nomeadamente os
particulares.

No primeiro plano, que também engloba diversas normas de


Direito Constitucional e Direito Administrativo, estão incluídas
matérias que se reportam, nomeadamente, a competência para a
aprovação do Orçamento e a autorização política que lhe é inerente,
além de todos os domínios relacionados com a fiscalização
financeira (quer esta seja efectuada por entidades administrativas,
judiciais ou politicas) e com a execução do orçamento (que inclui o
regime das despesas), bem como o direito patrimonial e da
tesouraria. Apenas para exemplificar...

93
94 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

No segundo plano, trata-se sobretudo de matérias respeitantes ao


direito das receitas, ou seja, a regulamentação dos processos pelos
quais o Estado ou outros entes públicos obtêm os meios necessários
ao financiamento das necessidades públicas. Neste aspecto o
Direito Financeiro e particularmente marcado pelas suas origens
hist6ricas e dominadas por uma preocupação de dar garantias aos
particulares contra os possíveis abusos do Estado (no domínio dos
impostos e outros tributos, no credito publico, etc.).

O Direito Financeiro e assim 0 ramo do Direito que regula,


mediante um regime próprio, nascido no século XVIII, a actividade
financeira. Para 0 definir relevam esta matéria e aquela forma
específica.

II. O conteúdo destas normas parece-nos que abrange as seguintes


áreas normativas principais:

a) O Direito Constitucional Financeiro, que integra as normas


relativas aos princípios fundamentais de organização e exercício do
poder politica em matéria financeira e aos princípios gerais
orientadores da estrutura e da actividade financeira do Estado;

b) O Direito da Administração Financeira, que rege a organização


interna da Administração financeira (e que nada repugna
considerar, como as demais normas relativas a organização e
funcionamento de qualquer parte do aparelho administrativo,
normas de Direito Administrativo);

c) O Direito Patrimonial, que integra as normas financeiras


relativas ao patrim6nio do Estado;

d) O Direito Orçamental, que integra o regime geral do orçamento


e da sua execução - incluindo, portanto, o «direito das despesas» ou
normas relativas a realização de despesas correspondente as áreas
da contabilidade publica e controlo financeiro e integrando as
normas relativas a tesouraria do Estado;

e) O Direito das Receitas, em que podemos ainda distinguir duas


áreas bem significativas: 0 Direito Tributário (ou, mais
restritamente, o Direito Fiscal, relativo apenas ao regime jurídico
dos impostos), que rege todas as receitas tributarias e se subordina
ao principio geral de garantir a propriedade privada contra as
execuções arbitrarias ou excessivas; o Direito do Credito Publico,
que regula o conjunto das operações de crédito com regime
especial de direito público praticara pelas entidades públicas.

f) 0 Direito Processual Financeiro, que regula a organização e


funcionamento processual da Administração e dos Tribunais
financeiros (fiscais ou de contas).

94
FINANÇAS PÚBLICAS

III. É evidente que, como esferas institucionais autónomas,


podemos distinguir um Direito Financeiro Internacional e um
Direito Financeiro Interno; podemos distinguir direitos financeiros
próprios das principais zonas institucionais internas (local,
regional, da segurança social, etc.), Obviamente como delimitações
institucionais do Direito Financeiro Geral.

IV. A matéria é, desde logo, suficientemente ampla - como objecto


estritamente jurídico - para justificar o seu estudo autónomo e o
ensino separado (autonomias disciplinar e didáctica). É importante
delimitar o seu âmbito formal da realidade financeira, de tal modo
que, no plano institucional jurídico, económico, administrativo,
etc.), Se justifique o seu estudo interdisciplinar em articulação com
o das Finanças Publicas. Mas qual a sua autonomia real (objectiva)
e cientifica (subjectiva)?

AUTONOMIA E NATUREZA DO DIREITO


FINANCEIRO
I. A questão da autonomia substancial do Direito Financeiro tem
sido bastante discutida e, apesar de não atribuirmos importância
capital, ela justifica uma breve reflexão. Partimos do princípio de
que o problema da autonomia dos ramos de Direito, colocado em
termos objectivos (autonomia como conjunto de normas, relações e
instituições distintas das demais e dotadas de um espírito e de
regimes comuns e próprios) e em termos subjectivos (autonomia da
disciplina jurídica que as tem como objecto), tem muitas
consequências práticas. Não apenas na definição dos problemas e
princípios próprios de cada ramo de Direito. Também, por
exemplo, na abordagem das respectivas fontes, na definição dos
critérios de interpretação e aplicação das respectivas normas, na
definição do Direito subsidiário quando se trate de integrar lacunas
da lei, na formulação do mecanismo da garantia jurídica e da
aplicação pelos tribunais... Partimos, por outro lado, do principio de
que, se homogénea e a realidade social, una e integra e a ordem
jurídica: por isso os ramos de Direito não são estanques, e a mesma
norma, situação ou instituto podem ter uns aspectos regidos por
certo ramo de Direito e outros ordenados por um outro. E é
particularmente nítido o caso das normas constantes da
Constituição, que definem bases fundamentais -e por vezes mais do
que isso - dos diversos ramos de Direito. Nada obsta a que o direito
Constitucional as tome como suas, num plano de generalidade; mas
elas há-de ser também apropriadas pelas disciplinas respectivas: a
proibição do confisco ou a punição dos crimes e matéria de Direito
Penal, como a existência obrigatória do recurso contencioso se
situa no campo do Direito Administrativo...

II. Em nosso entender, um ramo de Direito caracteriza-se por:

95
96 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

a) Exercer uma forma específica de regulação social, orientada por


uma função própria;

b) Estruturar o exercício dessa função através de regimes jurídicos


autónomos e coerentes, que formem um subsistema axiológico e
normativo, com sua projectarão em relações e situações jurídicas
diferenciadas das demais:

c) Conformar assim uma área da realidade jurídica em termos


diferenciados, isto e, específicos e próprios (instituíres próprias de
cada ramo de Direito);

d) Determinar a existência de uma disciplina jurídica, em sentido


subjectivo, suficientemente autonomizada, designadamente no
plano da realidade social e no da metodologia cientifica.

A esta luz o Direito Financeiro tem as características que delimitam


um ramo de Direito autónomo, ao menos nos sistemas jurídicos de
tipo ocidental (e, fundamentalmente, no sistema românico). Exerce
uma função essencial da regulação social: a arbitragem concreta
entre os bens económicos atribuídos ao estado e os dos particulares,
não só numa perspectiva estática (direito de propriedade, direitos
reais administrativos, etc.), mas também numa óptica dinâmica de
rendimento. Como pode o Estado obter recursos as custa do sector
privado garantias são dadas a este, nomeadamente na óptica de
defesa a propriedade da iniciativa privada a e da liberdade
económica? Que instituições vão ordenar a adequada ilimitada
gestão desses recursos e a sua aplicarão, de forma a garantir 0
controlo social sobre os bens apropriados pelo Estado? O Direito
Financeiro seria constituído exclusivamente por normas de
organização e internas se elas se limitassem ao património, a
administração financeira, a tesouraria, por exemplo; mas não e
assim desde que o preocupa essencialmente a arbitragem nas
receitas - tributárias e creditícias - entre o interesse público e os
direitos patrimoniais privados, e porque 0 controlo politico -
participativo da colectividade se exerce sobre a afectação dos
recursos e sua gestão (ornamento, contabilidade publica). Regular a
actividade financeira significa fazer a arbitragem concreta entre
propriedade -actividade do Estado e propriedade -actividade
privadas, em cada período de tempo: no plano das relações entre
Estado e particulares, como no plano do controlo politico -
participativo da actividade dos órgãos do Estado pelos
representantes do povo, ou ate por este directamente (acção
popular, referendos financeiros). Nesta perspectiva, a expropriação
e a requisição exercem com lógica funções de Direito Financeiro e
manifestam ate - veja-se a intervenção prévia dos tribunais - alguns
dos seus caracteres estruturais; todavia, nada obsta a que continuem
a considerar-se de Direito Administrativo, na medida em que 0
Direito Financeiro tendeu a restringir-se as relações pecuniárias
entre 0 Estado e os particulares, e 0 carácter não pecuniário da

96
FINANÇAS PÚBLICAS

relação económica e naquele caso fundamento para 0 seu


tratamento fora do plano do Direito Financeiro (alias, figuras
disputadas e de fronteira existem sempre...).

III. Da sua função própria decorrem conteúdos normativos próprios


e regimes específicos de Direito Financeiro, como conjunto de
regras e princípios do Estado moderno, constitucional, liberal e
democrático C). Estes foram, alias, em boa parte formulados a
partir do sec. XVllI, antes da existência do tipo de Estado que
inspirou 0 aparecimento do Direito Administrativo nos Estados de
modelo francês (napoleónico) ou germânico: O Direito Financeiro
e um produto do Estado demo -liberal e, sobretudo, do seu modelo
parlamentar anglo-saxónico. Alguns dos seus regimes próprios são
importantes: a vigência anual das opções orçamentais de receitas e
de despesas; os caracteres próprios da legalidade ornamental; a
aprovação das opções financeiras concretas da Administração pelos
Parlamentos e não pela Administração (como e próprio do Direito
Administrativo); a inexistência do privilégio de execução prévia e o
recurso aos tribunais comuns, ou a tribunais fiscais ou financeiros,
mas nunca aos tribunais administrativos para a resolução de litígios
financeiros efectivos ou potenciais; a decisão parlamentar ou
directa sobre as receitas e as despesas, na fase de autorização como
na tomada de contas; os exercícios das formas de responsabilidade
financeira dos agentes responsáveis pelos dinheiros públicos - tudo
isto são princípios que projectam o Direito Financeiro para alem
das simples normas internas e de organização, por um lado, e que o
relacionam com mais garantias para os particulares, maior
vinculação governamental e administrativa, critérios próprios de
autorização, legalidade, controlo e intervenção judicial, diferentes
dos do Direito Administrativo. Os poderes financeiros são, pois,
diversos dos administrativos. Mas também se afastam da simples
aplicação do Direito Civil ou Comercial: desde o regime próprio do
empréstimo público, dominado pelo poder de autoridade do Estado,
ate regras especiais de prescrição das dívidas do Estado... Tudo isto
demonstra também que se trata de um ramo de Direito Publico, em
que o interesse público releva, embora constantemente ponderado
em confronto com o privado, e que por ele se exercem poderes de
autoridade. Ocioso se torna exemplificar que o Direito Financeiro
informa instituições próprias (o imposto, o ordenamento, etc.) e
tem vida jurídica autónoma (profissões financeiras, v.g.).

IV. Poderá, e devera, reconhecer-se particular homogeneidade e


importância pratica do Direito Fiscal - sub-ramo cuja autonomia e
evidente e crescente. Mas isso não impede a identificação de fundo
do Direito Fiscal com os princípios acima definidos e a existência
de uma unidade subjacente a todo o Direito Financeiro. Quanto ao
grau de heterogeneidade dai resultante, querer-se-á conceber maior
heterogeneidade que a do Direito Civil? Por outro lado, o
argumento que tende a identificar as clássicas funções do Estado
com cada um dos ramos do Direito Publico interno (Politico ou

97
98 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

Constitucional; J judiciário e Processual; Administrativo), omite


importantes ramos do Direito Publico (como o Direito Penal) e
atribui ao Direito Administrativo um carácter residual e
heterogéneo que não nos parece correcto. Nada obsta a que certos
princípios gerais do Direito Administrativo se apliquem também -
por integração ou aplicação directa - as relações e instituições de
Direito Financeiro, quer pela íntima articulação entre actividade
financeira e actividade administrativa em geral, quer por se tratar
de princípios gerais do Direito Publico. Mas como integrar no
Direito Administrativo, por exemplo, o Orçamento, cuja essência e
precisamente vincular a Administração a execução de opções
concretas e (lato senso) administrativas, que sac tomadas pelo
Parlamento, controladas por este e objecto de responsabilização
perante este? Nada obsta, porem, a que se considere que o Direito
da Administração Fazendaria se integra no âmbito do Direito
Administrativo. Sem fronteiras enganadoramente' rígidas, a
distinção entre Direito Financeiro e Direito Administrativo não
pode deixar de passar pelo reconhecimento de que a actividade
financeira e uma actividade política e administrativa, mas que são
completamente diferentes as perspectivas de um ramo de Direito
como o Administrativo, marcado geneticamente pelo poder e
autoridade administrativos, e de um ramo como o Financeiro,
nascido da preocupação de delimitar os poderem da Administração
em relação aos particulares e do primado do Parlamento, A sua
origem histórica e também bem distinta:

O Direito Financeiro nasce na Inglaterra nos séculos XVII e XVIII,


o Direito Administrativo é um produto do liberalismo continental
do século XIX.

Para separar o Direito Financeiro do Direito Privado bastará


recordar que só existe fenómeno financeiro quando estamos perante
a satisfação pública de necessidades a cargo de um ente que pode
recorrer aos seus poderes de autoridade e a coacção para definir
quais as necessidades a satisfazer e o modo como o vai fazer. Desta
particular coercibilidade de que é dotado o fenómeno financeiro
resultam inúmeras especificidades de regime, que permitem a sua
qualificação como Direito Publico. Note-se, no entanto, que anda
assim o Direito Financeiro vai buscar ao Direito Privado um apoio
importante recorrendo, por exemplo, ao Direito das Obrigações
para estruturar as relações decorrentes do imposto ou do
empréstimo público, ou ao Direito Processual Comum para as
normas que regulam o contencioso fiscal.

Quanto ao Direito Constitucional, não cabem dúvidas de que uma


importante parte do Direito Financeiro se situa em nível
infraconstitucional, apesar de ser evidente que muitas das suas
normas fundamentais (como a existência de votação dos impostos
ou de aprovação parlamentar dos Orçamentos) há-de constar da

98
FINANÇAS PÚBLICAS

própria Constituição, por envolverem poderes e processos jurídico-


políticos ou direitos fundamentais.

V. A solução preferível parece ser assim a de considerar este ramo


do Direito como dotado de autonomia, embora admitindo que
muitas das suas normas estão intimamente relacionadas com (ou
pertencem mesmo a) outros ramos de Direito, o que nem sequer e
uma situação especifica do Direito Financeiro. A autonomia deste
ramo do Direito Publico e hoje, de resto, admitida pela doutrina
estrangeira dominante, e também o e em Portugal (embora não
exista, particularmente entre nos, um tratamento didáctico e
cientifico global correspondente a importância actual do Direito
Financeiro, com excepção do Direito Fiscal). /Z-

Acentue-se, enfim, a importância histórica do Direito Financeiro,


em cujo tratamento se distinguiram notáveis especialistas de
Direito Publico, e as suas especialidades metodológicas em relação

Ao Direito Administrativo. Anote-se apenas a maior relevância dos


conceitos contabilísticos e económicos (sem confundir disciplinas,
métodos e campos de saber diversos, como por vezes fizeram os
autores que defenderam, desde GRIZIOTI, uma excessiva
interligação entre o Direito Financeiro e a Ciência das Finanças.

EXÉRCICIOS PRÁTICOS
1. Diga o que entende sobre actividade financeira do Estado.

2. “ As finanças públicas referem-se a aquisição e utilização


de meios financeiros pelas entidades públicas

- Queira, por favor, comentar esta afirmação, tendo em


consideração o conceito de finanças públicas.
3. “ As finanças públicas diferem radicalmente das finanças
privadas

a) Estabeleça a diferença entre estas duas figuras.

4. Estabeleça a diferença entre intervenção económica e


actuação económica.

5. De exemplos elucidativos de intervenção do Estado na


economia.

6. Explique o que entende sobre abstenção económica do


Estado.

99
100 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

7. Diga o que entende sobre princípio de mercado.

CORRECÇÃO DOS EXERCÍCIOS


1. A actividade financeira do Estado e aquela que visa
satisfazer necessidades colectivas ou alcançar outro tipo de
objectivos económicos, políticos e sociais e que se
concretiza na arrecadação de receitas e na realização de
despesas.

2. Comentando esta afirmação direi que e um facto que as


finanças publicas referem-se a aquisição e utilização de
meios financeiros pela entidades publicas, porque esta
aquisição e utilização de meios financeiros referem-se a
arrecadação das receitas com vista a efectuar respectivas
despesas do Estado; porque o Estado tem como finalidade a
satisfação de necessidades colectivas, tais como, a
segurança, a ordem publica, a defesa nacional, a
administração da justiça, o acesso a educação e saúde, a
existência de infra-estruturas económicas e sociais e a
estabilidade macroeconómica, tem também como objectivo
atingir certos objectivos de politica económica e social,
como a redução da pobreza, a redistribuição do rendimento
e o desenvolvimento económico e para alcançar tais
objectivos, o Estado vê-se obrigado a despender recursos, a
efectuar despesas, e para conseguir financiar as suas
despesas recorre a arrecadação de receitas, tais como, os
impostos, as taxas, as receitas patrimoniais, os donativos e
os empréstimos públicos.

3. Estabelecendo a diferença entre finanças publicas e finanças


privadas direi o seguinte:

o Os impostos constituem um meio de


financiamento do Estado, que não se encontra ao
dispor de nenhuma empresa privada.

o As despesas públicas ao contrário das privadas,


não são determinadas pelas receitas. O Estado
visa satisfazer necessidades colectivas e alcançar
objectivos económicos e sociais, enquanto as
empresas procuram a maximização dos seus
lucros.

10
0
FINANÇAS PÚBLICAS

4. Estabelecendo a diferença entre intervenção económica e


actuação económica podem afirmar que a intervenção
económica refere-se a acções do Governo visando alterar a
actuação ou o comportamento dos agentes económicos, sem
contudo o modificar o quadro geral da actividade
económica, na actuação económica o Estado assume-se
como agente económico, dispondo neste Caso de bens
económicos, afectando-os a necessidades sociais que
pretende ver satisfeitas.

5. Os exemplos de intervenção do Estado na economia são os


seguintes: A subida dos impostos sobre as actividades
poluidoras, com vista a fazer com que as empresas reduzam
a emissão de resíduos poluentes; a redução dos direitos
aduaneiros sobre as importações de bens de capital, para
estimular o investimento na economia; e também o caso de
um subsídio aos preços dos produtos básicos, a fim de
reduzir a inflação e os níveis de pobreza; de uma
desvalorização da moeda, com vista a aumentar as
exportações e diminuir as importações; ou de uma expansão
da oferta monetária, com objectivo de reduzir as taxas de
juro e incentivar o investimento.

6. A abstenção económica do Estado e um outro princípio


fundamental que preside ao relacionamento entre o Estado e
a actividade económica, neste princípio, o Estado tendera a
não exercer funções de regulamentação e intervenção sobre
a actividade económica, para deixar agir espontaneamente a
livre concorrência. Toda a sua orientação económica e
dominada pela preocupação de não modificar o
comportamento normal dos sujeitos económicos privados,
abstendo-se quanto possível de interferir sobre elas no
desenrolar do seu comportamento económico próprio
(actividade financeira)

7. Princípio de mercado define, em relação a cada tipo de


bens, quais vão ser produzidos, em que quantidades o vão e
a que preços, resolvendo-se através da livre licitação da
oferta e da procura em mercado todos os problemas
económicos fundamentais, sejam de produção, de consumo,
de repartição ou de circulação. O principio do mercado e
dominado peça lei da oferta e da procura.

10
1
102 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

SUGESTÕES DE LEITURA
Sousa Franco, A.L (1996), Finanças Públicas e Direito Financeiro,
Vol. 1, p.3; pp.50-68

Teixeira Ribeiro, J.J. (1991), Lições de Finanças Públicas, capítulo


1.

Adriano Moreira, Ciência Politica, (1979).

Sousa Franco, Introdução a Política Financeira

QUADRO SINÓPTICO
Actividade financeira: é regida
por normas jurídicas e determina
a existência de instituições,
situações e relações jurídicas – Dá
origem ao aparecimento de um
complexo jurídico (ordem
normativa ordenamento concreto
e de um disciplina da Ciência
Jurídica, designada por Direito
Financeiro).

O conteúdo das normas do Direito


Financeiro abrange as seguintes
áreas normativas:
• Direito da Administração
Finanças Públicas e Direito
Financeira
Financeiro
• Direito Patrimonial

• Direito Orçamental

• Direito das Receitas

• Direito Processual
Financeiro

10
2
FINANÇAS PÚBLICAS

Esferas institucionais autónomas:


• Direito Financeiro
Internacional

• Direito Financeiro Interno

10
3
104 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

AVALIAÇÃO DE FINANÇAS PÚBLICAS

Avaliação
ATENÇÃO – TESTE DE AVALIAÇÃO
NOME: ___________________________________________________________

Nº DE MATRÍCULA ________________ NOTA _________________

N.B: Envie-nos este teste já resolvido, para correcção.

Teste da 1ª Unidade – Duração 2 horas


Leia atentamente as questões apresentadas neste teste. Resolva-
o na folha de teste em anexo e envie ao ISM para correcção. A
cotação para cada questão está entre parênteses.

1. “ As finanças públicas existem porque existe a necessidade


do Estado realizar despesas e consequentemente arrecadar
receitas.

a) Diga qual e a finalidade desta actividade do Estado,


tomando em consideração o conceito de finanças
publicas.
2. Quais são os tipos de receitas que o Estado arrecada para a
realização das suas despesas.

3. “ A alienação de empresas estatais tem por detrás objectivos


que não se cingem a mera arrecadação de receitas, tais
como o aumento da eficiência económica, a transformação
do papel do Estado na economia, a expansão do
investimento e a melhoria dos serviços públicos”.

a) Diga que tipo de receita e a alienação do património do


Estado e define-a.
4. “ E através desta que o Estado estabelece os princípios
gerais que norteiam a sua intervenção na economia. Ela
compreende a definição de um quadro geral – de balizas –
dentro das quais o Estado e os sujeitos económicos
desenvolvem livremente a sua actividade, ou seja, e através

10
4
FINANÇAS PÚBLICAS

dela que se delimita o campo da acção do Estado e dos


diferentes agentes económicos. E a definição da doutrina
económica e social e a sua concretização na constituição e
legislação económicas”.

a) Diga de que figura jurídico - financeira se trata e


explique o que entende sobre a mesma.
5. Diga quais são as características que delimitam a autonomia
do direito financeiro.

6. Faca a destrinça entre o direito financeiro e o direito


privado, tomando em consideração que o direito financeiro
e um direito de natureza púbica.

Fim

Bom Trabalho!

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5

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