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Crianças Cidadãs (parte 1)

Lugar de criança é no “meio da rua”! É essa a aposta da Rede OCARA,


iniciativa latino-americana que promove experiências urbanas com crianças em
diversos países da América do Sul e Central. Estimular a vivência da rua
construindo uma relação mais próxima com a cidade em trajetos comuns ao
universo infantil como ir à escola, ir à creche e etc... Essa vivência faz parte de
uma construção cidadã saudável e que tende a afastar preconceitos e
antagonismos sociais. É o que conclui essa Rede, que funciona desde 2013 no
Brasil.
Caminhar e reconhecer novos rostos, novas raças, novas formas de se
vestir e de falar, estimula nas crianças uma maneira mais direta de interação
com a cidade e com as pessoas. É desafiador imaginar, como se daria uma
interação assim, por exemplo, numa cidade como Recife. O paradigma da
caminhada urbana como algo natural do dia a dia, e não eventual de uma
“domingueira”, é o que traz de fato urbanidade e consciência cidadã para as
pessoas. Levar essa consciência para as crianças recifenses, permitiria a elas
um crescimento com um olhar comum a cidade, dentro da cidade, usando a
cidade, e com mais empatia aos cidadãos e a um pertencimento partilhado no
espaço público. Estamos criando gerações trancadas em condomínios e
“consumidoras” de espaços particulares transformados em coletivos – desde
que você possa pagar para acessá-los.
Há alguns exemplos de projetos, pelo Brasil, como o A pezito (RS),
Carona a Pé (SP) e A pé para Escola (RJ) que demonstram como implementar
essa cultura de pertencimento e empatia na cidade entre os cidadãos. A
caminhada nos arredores da escola com outras crianças, valorizando o que
existe de bom no entorno e destacando o que pode ser melhorado sempre
valorizando o olhar e a percepção das crianças, é uma atividade prática que
ocorre na maioria desses projetos. A segurança, obviamente, é considerada, e
para tal as rotas contam com pontos de apoio que consistem em parcerias com
espaços comerciais ao longo do percurso envolvendo comerciantes e
pequenos empresários.
Eu gosto de pensar, não sei se passei a pensar assim depois de ser pai,
que as crianças não são apenas o nosso futuro...elas são o nosso presente
continuum. Nunca interrompidas, sempre presentes. (Esse artigo tem uma 2ª
parte).
Crianças Cidadãs (parte 2)
No artigo anterior, concluí alertando que as crianças elas são do nosso
“sempre”. Seu futuro se constrói desde já, e continuamente, sobretudo no que
diz respeito a sua capacidade de empatia e de socialização dentro da cidade. E
há no Recife, na imensa maioria da sua população, quem utilize a cidade
caminhando não por opção, mas por necessidade, por exclusão. Se colocar no
lugar de crianças nesse contexto social é outra face desse processo de projetar
caminhadas e interações delas com as cidades.
À estas em que os passos são calejados, não cabe aos pais decidir como
levar e aonde. E justamente por isso são estas que mais usam os espaços
públicos de verdade, reconhecendo as pessoas existentes neles. Incluir essas
crianças em um processo de urbanismo cidadão em que elas não se sintam
alijadas por não ter um carro, por exemplo, mas que se sintam valoradas e
honradas em caminhar com dignidade nas ruas de onde nasceram – em bairros
com desenhos urbanos de passeios públicos adequados, mobiliários e
arborização adequados em seus percursos.
Muitos projetos públicos executados em bairros periféricos, quando
ocorrem, são de natureza de infra-estrutura (abastecimento d’água,
esgotamento sanitário, contenção de barreiras...).Esquece-se
consideravelmente de trabalhar uma proposta urbanística de auto-estima por
caminhar em seu próprio bairro. É preciso prover equipamentos públicos com
excelente padrão de qualidade - comparados as melhores cidades com IDH
altos – e gerir as escolas, para que as crianças, possam ocupar o seu bairro com
diversas atividades nas ruas. A partir daí é possível - e exeqüível - pensar em
um desafio de como fazê-las caminhar sem temer a vulnerabilidade existente
na sua periferia. Periferia nesse caso não só excêntrica na geografia, por que
ela ocorre também em áreas centrais da cidade – Coelhos, Pilar e etc. Periferia
no sentido de ser deixada ao lado das decisões, a parte do que se chama de
“qualidade”.
No entanto, as crianças continuam andando. Continuam fiando e
desafiando nas ruas aquilo que lhe der esperança em alcançar dias melhores,
sonhos maiores. Em um projeto chamado “Muro dos Sonhos” na Vila Santa
Inês, zona leste de São Paulo, crianças dessa comunidade eram instigadas a
preencher lacunas da frase: “Quero que Sta. Inês tenha ...” E os pedidos eram
os mais simples – flores, parques, brinquedos. Ou seja, para mudar as
realidades mais íntimas dessas crianças, precisa-se compreender, mas
principalmente ouvir seus sonhos e parir suas expectativas.

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