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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

RENAN NEGRÃO DE QUEIROZ

PRODUÇÃO ARTÍSTICA E VISUAL DO PERÍODO COLONIAL E BARROCO


BRASILEIRO

CURITIBA, 2021

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


RENAN NEGRÃO DE QUEIROZ

PRODUÇÃO ARTÍSTICA E VISUAL DO PERÍODO COLONIAL E BARROCO


BRASILEIRO

Trabalho apresentado ao Curso de


Artes Visuais, Setor de Artes,
Comunicação e Design, da
Universidade Federal do Paraná, como
parte das exigências para a obtenção
de nota na Disciplina de Introdução à
História da Arte do Brasil.

Professora: Dr.ª Juliana Gisi Martins de


Almeida

CURITIBA, 2021
Introdução

Para discutirmos a produção artística e visual do Brasil Colônia sob a


perspectiva da fatura e produção do período, devemos observar o
desenvolvimento e organização das corporações (de formato lusitano) do
século XVI e como essas estruturas estamentais vão sendo redefinidas até a
transferência da corte portuguesa para as terras brasileiras em 1808. A figura
do artista é o eixo que conduz nossa discussão, e que deixa transparecer em
suas obras as qualidades que atribuem ao Barroco brasileiro seu caráter
distintivo do restante da Europa e América.

O artista, inicialmente organizado em corporações aos moldes portugueses,


trilha um longo caminho até alcançar, já próximo do século XVIII sua posição
autônoma de criador. Houve sim nomes que se destacaram neste processo,
mas, fundamentalmente, o exercício da arte pode ser entendido como
empreitada organizada a partir de Portugal, transferida e adaptada aos moldes
e mão-de-obra disponíveis no Brasil em que uma encomenda era feita à uma
oficina (palavra adequada para designar local laboral de ofício de artesãos) em
que trabalhavam mestres, assistentes, aprendizes e uma série de outras
funções - muitas vezes especializadas em determinados serviços ou
acabamentos. Neste percurso, observamos uma transição do artesão para o
artista.

O mercado artístico que começa a se desenvolver na colônia também tem em


seus clientes os agentes que determinarão o estilo, assim como as
encomendas e temas mais difundidos. Tudo isso tendo o ciclo do ouro como
pano de fundo para a emersão da exuberante arte cristã (sendo a Igreja
Católica sua principal cliente) que se desenvolve nos principais centros da
colônia (São Salvador, Rio de Janeiro e Minas Gerais). A estrutura social
escravocrata do Brasil da época cria condições para que os elementos
compositivos trazidos de Portugal sejam cruzados com temáticas nativas e de
origem afro-brasileira, o que potencializa a força da criação colonial e a riqueza
do Barroco brasileiro.
A corporação - artesão e artista

A produção artística brasileira se inicia importando de Portugal mão-de-obra


especializada e sistema de produção. Jaelson Bitran Trindade afirma que “no
Brasil da virada do século XVIII para o XIX, mais tardiamente que em Portugal,
os artistas atuantes - jovens e velhos, de renome ou não - eram frutos tão
somente da formação tradicional da oficina, escola e fábrica dirigida por um
artífice mestre de ofício. É como artesão, portanto, que o artista entra no século
XIX.” (1994, p.7).

Seguindo essa linha, observamos que “o Antigo Regime se organizava


corporativamente na sua estrutura social, política e econômica.” (1994, p.8).
Essa organização do trabalho tinha como objetivo final a obra, a entrega da
encomenda, e não a independência do artista enquanto ser criador.

Havia, além dos mestres, assistentes, aprendizes e oficiais especializados em


determinadas atividades, um mecanismo que funcionava sob demanda de
mercado: “a busca de qualidade e o prazo de fatura da encomenda criavam a
necessidade de mais um artífice. (...) Nesse sentido, o artífice trabalhava e o
que importava era o coletivo.” (Trindade, 1994, p.8-9).

Além das demandas de prazos e encomendas rigidamente determinadas


(incluindo cópias da arte europeia), “a estrutura do mercado condicionava, de
certo modo, a liberdade de criação do artista, impondo limites.” (Trindade,
1994, p.12). Neste ponto, cabe observar que o artista ainda era anônimo, as
características tecnicistas e de exaltação do pensamento - distintivos da figura
do artista como concebemos atualmente - aflorarão com maior intensidade com
o advento do Iluminismo, e, portanto, o sistema de corporações funciona como
empreendimento capaz de cumprir como essa função e produzir trabalhos
artísticos. O contexto que encontramos no Brasil no período entre os séculos
XVI e XVIII é de uma colônia totalmente dependente de Portugal, em que a
importação de bens era dificultada pela distância e monopólio econômico.
Dessa forma, podemos observar como a produção artística se deu de forma
heterogênea entre todos os polos populacionais desse período e como a
organização do trabalho dependia desse modo de fazer português.
Ciclo do ouro, Igreja Católica e economia escravocrata: três chaves para
entender o Barroco brasileiro

O ciclo do ouro foi determinante para o desenvolvimento do Barroco brasileiro,


assim como foi responsável pelo desenvolvimento do território de Minas
Gerais, povoação distante do litoral e do eixo Salvador - Rio de Janeiro. “O
Barroco fora introduzido no Brasil na Bahia e se estendeu por toda a faixa
litorânea do Nordeste, onde foram erguidos os primeiros templos de
suntuosidade típica do novo estilo.” (Quagliato, 2007, p.2), mas foi em Minas
Gerais que encontrou seu mais absoluto esplendor. A mineração possibilitou o
aumento populacional, o que ampliou a presença da Igreja neste local: “a
riqueza do ouro modificou e acrescentou o comércio, o território e a população
do Brasil. E gerou uma profusão de obras de pintura, escultura, talha, e
arquitetura em quantidade e qualidade jamais vistas até então.” (Trindade,
1994, p.8).

O crescimento da colônia esteve sempre condicionado aos grandes ciclos


econômicos, mas com a extração de ouro mineiro - culminando com o período
do Barroco europeu - a arte no Brasil encontrou um espaço apropriado e
frutífero, tendo a Igreja da contrarreforma como sua principal cliente. A Igreja
acompanhava o crescimento dos centros populacionais, e detinha quase
exclusividade sobre as encomendas de obras de arte em uma expansão que
demandava iconografia devocional capaz de sensibilizar os espectadores. Arte
e arquitetura criavam os elementos cênicos característicos do Barroco, com
intenção de impressionar pelas emoções afloradas e teatralidade de suas
composições. O estilo Barroco se desenvolve, no início, na cópia de trabalhos
vindos de Portugal - dando destaque para as esculturas de santos - mas ao
chegar em terras brasileiras se desdobra em uma amálgama de referências,
que, por vezes, não acompanha cronologicamente os estilos europeus em
voga; há sobreposições do Barroco e do Rococó em criações únicas,
mescladas com influências lusitanas remanescentes - perceptíveis na
imagética da arte importada de Portugal no século XVI. Sendo a escultura um
dos principais campos de desenvolvimento da arte Barroca no Brasil,
observamos que:
O estudo da escultura colonial brasileira abrange dois setores fundamentais: a
‘talha’, termo que designa a escultura dos retábulos de madeira e demais
relevos ornamentais empregados na decoração das igrejas, e a ‘imaginária’,
termo genérico para designação das imagens religiosas, esculpidas na madeira
(Figura 1) ou modeladas em barro cozido. A esses soma-se um terceiro, a
escultura monumental em pedra (Figura 2), que atinge importância decisiva a
partir de meados do século XVIII, com a utilização de pedra sabão em relevos
decorativos e obras de estatuária pelo maior de nossos artistas coloniais,
Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho.

Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, nos apresenta uma produção robusta


e sintética deste momento:

O estilo de Aleijadinho pertence ao Barroco, no sentido mais amplo do termo. O


espírito do Barroco era o da universalidade católica e imperial e, nesse
aspecto, o Aleijadinho foi um verdadeiro mestre desse estilo. Ele captou
instintivamente as noções básicas do Barroco em termos de movimento,
ausência de limites e espírito teatral, bem como a ideia de que todas as artes,
arquitetura, escultura, talha, douramento, pintura e até mesmo espetáculos
efêmeros.... deveriam ser usados como elementos que contribuíssem
harmoniosamente para um grandioso efeito ilusório. (Bury, 2006, p.46-47)

Analisando a constituição populacional da colônia, composta majoritariamente


por negros escravizados e mestiços, fica clara a participação e influência
afrodescendente na construção do Barroco brasileiro. Retomando às
corporações, temos o sistema escravagista integrado à produção artística e
arquitetônica - essa última muito mais exigente de força de trabalho. Ainda
sobre a arquitetura Barroca e a forma como se organizavam os trabalhos,
analisamos que “a presença maciça de mestres-de-obras portugueses nos
canteiros de obras das igrejas construídas no Brasil no século XVIII é outro
fator demonstrativo da continuidade arquitetônica e artística entre Portugal e
sua antiga colônia americana.” (Oliveira, 2003, p.298).

Nosso olhar contemporâneo para a produção artística deste período precisa


levar em consideração o recorte racial em que artesãos e artistas negros
construíram o Barroco como conhecemos. Trindade afirma que: “não é
novidade indicar a presença de artistas mulatos (sic) no Brasil colonial. O que é
novo, como informação, é que a partir da década de 1790 os homens pardos
(sic) e livres começarem a predominar já como oficiais, e logo, como mestres.
(...) A maioria dos mestres e oficiais da arte da pintura no Brasil na virada do
século XVIII para o XIX é mestiça.” (1994, p.15). Aleijadinho, nosso principal e
mais célebre artista da época, era negro.

Figura 1: Detalhe do Cristo carregando a Cruz, na Via Sacra de Congonhas, Antônio Francisco
Lisboa, o Aleijadinho, 1796-9
Figura 2: Detalhe do Profeta Isaías, Congonhas, Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho,1800-
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Conclusão

A forma de organização do trabalho artístico no Brasil colônia nos oferece uma


possibilidade de leitura e entendimento - através das relações sociais - de
como a produção artística se desenvolveu, bem como suas aproximações e
distanciamentos de Portugal na criação de um estilo caraterístico. O Barroco se
destaca como a pérola do Brasil colônia, e seu contexto histórico demonstra os
principais fatores que propiciaram seu desenvolvimento: as corporações na
organização do trabalho artístico, o ciclo do ouro e o desenvolvimento
econômico somado ao aumento populacional (sobretudo em Minas Gerais), a
presença da Igreja Católica como grande fomentadora da arte Barroca e a
mescla de influências da produção realizada pela população que constituía a
colônia, sobretudo negros escravizados.

Referências

BURY, John. "Os doze Profetas de Congonhas do Campo". In Bury, John &
Oliveira, Myriam Andrade Ribeiro de (org.). Arquitetura e Arte no Brasil
Colonial. IPHAN / Monumenta, 2006, pp. 46-47
OLIVEIRA, Myriam Ribeiro. O Rococó religioso no Brasil e seus antecedentes
europeus. São Paulo: Cosac & Naify, 2003
QUAGLIATO, Adriana Novaes. "Mostra do Redescobrimento: arte barroca e
espetacularização". Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-graduação
em Artes do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas, 2007
TRINDADE, Jaelson Bitran, A corporação e as artes plásticas: o pintor, de
artesão a artista. Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo, 1994

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