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I- O Autor:
Enquanto nos apresenta o monarca dos pampas, personagem épica na conquista e defesa da
terra, Cyro fornece a outra visão do gaúcho: o trabalhador descapitalizado, pobre,
desempregado, que substitui o trabalho do campo por um subemprego na cidade - o gaúcho a
pé. Não há nada de épico, portanto, nas personagens de Cyro Martins. O Autor morre em
1995.
'Quero salientar que nunca quis contribuir com a ampliação da mentira do monarca das
cochilas. Nunca trarei o gaúcho como personagem em estilo ufanista. Pelo contrário, procurei
ser realista, para poder ser útil de alguma forma' [Cyro Martins].
A temática do gaúcho a pé, cujo aspecto nuclear é a lenta expulsão dos peões da estância e
sua inexorável pauperização nos cinturões da miséria das cidades da campanha, não foi
apenas um achado casual. A temática surgiu a partir de um modo de viver os problemas, da
sua circunstância social. Como médico em São João Batista do Quaraí, cenário de todos os
seus romances, conheceu de perto e muito cedo as diferenças sociais e a miséria instituída
pelos latifúndios.
Deste modo, na trilogia do gaúcho a pé, composta de Sem rumo, Porteira fechada e Estrada
nova, Cyro Martins faz uma operação dolorosa, um corte vertical e profundo nos problemas
sócio-econômicos que afligem a campanha a partir de 1910/20 e que vêm se avolumando.
1. Porteira fechada
Em 1944, Cyro Martins retoma a sua trilogia do gaúcho a pé, com Porteira fechada.
Apesar de ser um romance autônomo, que pode ser lido separadamente dos demais, continua
a temática do gaúcho sem terra, iniciada em Sem rumo, e que vai terminar com Estrada nova.
Décio Freitas, na introdução que faz à Porteira fechada, comenta a consciência aguda de Cyro
Martins em pintar com talento determinadas relações sociais de produção, uma das 'mais
belas tentativas de romance social já realizadas entre nós'. Décio Freitas, neste mesmo
prefácio, situa Cyro Martins entre os maiores romancistas rio-grandenses. Exige do Autor, no
entanto, um passo à frente na construção do romance, na penetração psicológica, ou seja,
realização integral das suas possibilidades: 'já tem experiência e equilíbrio em tal grau, que o
que lhe falta em vigor artístico talvez venha a ser complementado quando Cyro Martins
acertar de todo na sua vida sociológica da campanha sul-riograndense.
Na trilogia do gaúcho a pé, Cyro Martins detecta e passa a analisar o problema da gradativa
marginalização do gaúcho, sua expulsão da estância e seu servilismo. As causas vêm à tona
aos poucos. Em Sem rumo o autor opõe de modo muito simples a idéia de um campo
agradável e protetor, ainda que pobre, e de uma cidade desumana. Já em Porteira fechada, a
crise econômica é causa direta dos desequilibrados, conflitos e traumas, da miséria de toda a
família de João Guedes. Os personagens permanecem num total servilismo em relação ao
sistema que lhes foi imposto.
As personagens que por ventura possamos extrair das entranhas do processo histórico a que
estão subordinadas possuem uma estrutura mental primária, tanto que nem se capacitam da
própria desgraça. E como essas coroas de miséria que circundam as cidades constituem uma
população doente, desnutrida, conseqüentemente, desanimada, não possuem nem sequer o
elã do protesto.
Poucos são os escritores que possuem uma visão tão clara de sua obra, dos limites e de suas
potencialidades. Caro Martins recriou um mundo, uma época de crise e de intensas
transformações. Resgatou-a com empenho e talento e tornou-a viva para sempre. Além de
perseverança e talento, Cyro Martins teve sorte: a vida deu-lhe cancha. E ele soube
aproveitá-la.
III- Resumo:
A marginalização do gaúcho a pé, o gaúcho pobre que foi obrigado a refugiar-se, sem eira
nem beira, nos arredores das cidadezinhas. Ali perde o interesse pelo trabalho, o gosto de
viver, emborracha-se, adoece e morre na miséria. Esse gaúcho desenraizado, inconforme,
encurralado no rancherio miserável, é apresentado na figura de João Guedes que encarna
todos os sem-rumos da campanha que vêm dar nos arrabaldes das grandes cidades, onde eles,
aos poucos, sentem que não encontrarão maneiras de subsistir.