O sistema nervoso periférico é dividido em Sistema Nervoso Somático
(controla o movimento, musculatura esquelética) e Sistema Nervoso Autônomo (dividido em parassimpático e simpático, controla a musculatura lisa, músculo cardíaco, glândulas e células endócrina e tecido adiposo). Uma das principais funções do sistema nervoso autônomo é a manutenção do ambiente interno, ou seja, a manutenção da homeostase. Quando estímulos internos sinalizam a necessidade de uma determinada regulação, o SNC ativa o sistema autônomo, que realiza as ações compensatórias. O sistema nervoso autônomo não responde apenas a estímulos internos; ele está apto também a participar de respostas apropriadas e coordenadas a estímulos externos. Como exemplo, o sistema nervoso autônomo atua na regulação do tamanho de pupila, em resposta a diferentes níveis de exposição à luz. Outro exemplo extremo de interação do sistema nervoso autônomo e o meio externo, está caracterizado na resposta de “luta ou fuga (fight or fly)”, quando uma ameaça ativa intensamente o sistema nervoso simpático.
Sistema Colinérgico
A farmacologia colinérgica trata das propriedades do neurotransmissor
acetilcolina (ACh). As funções das vias colinérgicas são complexas, mas envolvem, em geral, a junção neuromuscular (JNM), o sistema nervoso autônomo e o sistema nervoso central. Apesar das numerosas ações fisiológicas importantes da ACh, as aplicações terapêuticas atuais dos fármacos colinérgicos e anticolinérgicos são limitadas, devido à natureza ubíqua e complicada das vias colinérgicas e, portanto, à dificuldade inerente em efetuar uma intervenção farmacológica específica sem provocar efeitos adversos. Todavia, os medicamentos com atividades colinomiméticas e anticolinérgicas apresentam aplicação clínica disseminada em virtude de seus efeitos sobre o cérebro (particularmente sobre a cognição e o comportamento), a junção neuromuscular, o coração, os olhos, os pulmões e os tratos geniturinário e gastrintestinal. Os efeitos colinérgicos são obtidos pelos seguintes meios: 1. Estímulo dos sítios receptores específicos. Muitos dos agentes colinérgicos empregados na clínica agem por este mecanismo; 2. Inibição da acetilcolinesterase. Diversos fármacos agem por este mecanismo, levando a acetilcolina a acumular-se em sítios de transmissão colinérgica. Figura 1 – Estrutura da Aceticolina
A acetilcolina é o neurotransmissor responsável pela transferência de
impulsos dos neurônios colinérgicos para células nervosas colinoceptivas e para células de tecido inervados. O sistema colinérgico possui um importante papel nos processos de memória e aprendizado. Os agentes colinérgicos são fármacos que direta ou indiretamente produzem efeitos similares aos causados pela acetilcolina. Os agentes colinérgicos são usados especialmente para tratar de distúrbios gastrintestinais e da bexiga. Alguns deles são empregados no tratamento de glaucoma e myasthenia gravis. Os colinomiméticos são administrados tópica, oral ou subcutaneamente. A via intravenosa não é recomendada, porque aumenta a toxicidade do fármaco, além de acarretar perda na sua seletividade de ação
História
Durante séculos as sementes maduras da fava de Calabar, Physostigma
venenosiim, foram usadas pelos nativos da África Ocidental como veneno de provação durante julgamentos (ordálio, ou juízo de Deus). Desta fava, trazida à Inglaterra em 1840, Jobst e Hesse (1864) isolaram um alcaloide, que denominaram fisostigmina. Foi usado pela primeira vez no tratamento do glaucoma, em 1877. Em 1925, Stedman e Barger determinaram sua estrutura e, em 1935, Julian e Pikl obtiveram-no por síntese total. A manipulação molecular deste alcaloide por dissociação e associação resultou nos diversos anticolinesterásicos. A observação de que a mastigação de folhas de Pilocarpus jaborandi por indígenas sul-americanos produzia salivação suscitou interesse por esta planta. Em 1875, isolou-se destas folhas um alcaloide, a pilocarpina. A substância foi farmacologicamente estudada por Weber, em 1876, A ação fisiológica da acetilcolina, sintetizada pela primeira vez por Baeyer, em 1867, foi descoberta no início do século XX. A descoberta da ação farmacológica da acetilcolina derivou do trabalho efetuado com glândulas suprarrenais. Sabia-se que os extratos suprarrenais provocavam elevação da pressão arterial por causa de seu conteúdo de adrenalina. Em 1900, Reid Hunt constatou que, após remoção de adrenalina desses extratos, estes provocavam a queda da pressão arterial, em vez de elevá-la, como era observado antes. Atribuiu a queda da pressão ao conteúdo de colina; entretanto, concluiu posteriormente que um derivado mais potente da colina deveria ser o fator responsável. Hunt testou vários derivados de colina e descobriu que a acetilcolina era 100.000 vezes mais potente do que a colina na redução da pressão arterial de coelhos (RANG & DALE, 2004). Estudos posteriores revelaram sua utilidade como agente terapêutico. A modificação molecular, especialmente a baseada nos princípios do isosterismo e latenciação, resultaram na introdução, em 1932, de análogos da acetilcolina, tais como betanecol, carbacol e metacolina, que são mais resistentes à hidrólise do que a acetilcolina e, portanto, melhores agentes parassimpatomiméticos. Os compostos organofosforados com atividade anticolinesterásica foram desenvolvidos durante a Segunda Guerra Mundial como agentes químicos bélicos potenciais, os chamados gases nervosos. O primeiro deste grupo, o tetraetilpirofosfato, foi sintetizado pela primeira vez em 1854. Aproximadamente três dúzias de organofosforados atualmente usados, especialmente como inseticidas, resultaram da triagem de mais de 50.000 compostos organofosforados. A descoberta de Wilson, em 1951, de que a hidroxilamina reativa a acetilcolinesterase inibida por compostos organofosforados levou à introdução terapêutica dos reativadores da colinesterase, inicialmente os ácidos hidroxâmicos e posteriormente as oximas, tais como a pralidoxima.
Figura 2 – Reid Hunt
Caso
Este fato aconteceu em 1744. Os colonos da Virgínia capturam
Opechancanough, Chefe Guerreiro dos powhatanos e tio de Pocahontas. Openchancanough é considerado um mestre estrategista e tema reputação de ser um guerreiro impiedoso. Entretanto, um correspondente da colônia fornece um retrato bem diferente do chefe capturado: “As fadigas excessivas que ele enfrentou debilitaram o seu organismo; sua carne tornou-se flácida; os tendões perderam o seu tônus e a sua elasticidade; e suas pálpebras estavam tão pesadas que ele não conseguia enxergar, a não ser que fossem levantadas pelos seus ajudantes.. era incapaz de andar; porém o seu espírito, erguendo-se acima de seu corpo destroçado, ainda comandava [seus seguidores] da maca em que era transportado pelos seus índios.” Enquanto Opechancanough ainda se encontrava numa prisão em Jamestown, descobre-se que, depois de um período de inatividade, ele consegue levantar-se sozinho do chão e ficar em pé. Acredita-se que a história de Opechancanough fornece a primeira descrição documentada da miastenia grave, uma doença neuromuscular decorrente da produção de anticorpos de auto-imunidade dirigidos contra os receptores colinérgicos na junção neuromuscular. Em 1934, quase dois séculos depois, a médica inglesa Mary Broadfoot Walker encontra vários pacientes com sintomas semelhantes de fraqueza muscular, que a fazem lembrar dos sintomas de pacientes com envenenamento por tubocurare. Confiante em seus achados, a Dra. Walker administra um antídoto, a fisostigmina, aos seus pacientes imobilizados. Os resultados são surpreendentes — em poucos minutos, os pacientes são capazes de levantar-se e de andar pelo quarto. A Dra. Walker descobre, assim, a primeira medicação verdadeiramente efetiva para a miastenia grave. Apesar da importância dessa sua descoberta, ela é ridicularizada pela maior parte da comunidade científica, porque o tratamento melhora os sintomas da miastenia grave de modo muito mais rápido e efetivo do que se poderia acreditar. Somente muitos anos depois é que a comunidade científica aceita os seus achados.
Figura 3 – Dra Mary Broadfoot Walker
O NEURÔNIO COLINÉRGICO
A fibra pré-ganglionar que termina na suprarrenal, o gânglio autônomo
(tanto parassimpático como simpático) e as fibras pós-ganglionares da divisão parassimpática usam ACh como neurotransmissor. A divisão pós-ganglionar simpática das glândulas sudoríparas também usa ACh. Além disso, neurônios colinérgicos inervam os músculos do sistema somático e também desempenham função importante no sistema nervoso central.
A neurotransmissão nos neurônios colinérgicos
A neurotransmissão nos neurônios colinérgicos envolve seis etapas sequenciais: 1) síntese de Ach: A colina é transportada do líquido extracelular para o citoplasma do neurônio colinérgico por um sistema carregador dependente de energia que cotransporta sódio e pode ser inibido por hemicolínio. (a colina tem um nitrogênio quaternário e carrega permanentemente uma carga positiva; dessa forma, não consegue difundir-se através da membrana.) A captação da colina é o passo limitante da síntese de ACh. A colina-acetiltransferase catalisa a reação da colina com a acetilcoenzima A (CoA) para formar ACh (um éster) no citosol. 2) armazenamento da Ach em vesículas: A ACh é empacotada em vesículas pré-sinápticas por um processo de transporte ativo acoplado ao efluxo de prótons. A vesícula madura contém não só ACh, mas também trifosfato de adenosina (ATP) e proteoglicano. A cotransmissão nos neurônios autônomos é uma regra, e não exceção. Isso significa que a maioria das vesículas contém o neurotransmissor primário (neste caso, a ACh) e o cotransmissor que aumenta ou diminui o efeito do neurotransmissor primário. 3) liberação da ACh: Quando um potencial de ação, propagado por canais de sódio voltagem-dependentes, chega ao terminal nervoso, abrem-se canais de cálcio voltagem-dependentes na membrana pré-sináptica, causando um aumento na concentração de cálcio intracelular. Níveis elevados de cálcio promovem a fusão das vesículas sinápticas com a membrana celular e a liberação do seu conteúdo no espaço sináptico. Essa liberação pode ser bloqueada pela toxina botulínica. Em contraste, a toxina da aranha viúva-negra provoca a liberação de toda a ACh armazenada nas vesículas, esvaziando-a na fenda sináptica. 4) ligação da ACh ao receptor: A Ach liberada das vesículas sinápticas difunde-se através do espaço sináptico e se liga a receptores pós-sinápticos na célula-alvo, ao receptor pré-sináptico na membrana do neurônio que liberou a Ach ou a outros receptores-alvo pré-sinápticos. Os receptores pós-sinápticos colinérgicos na superfície dos órgãos efetores são divididos em duas classes: muscarínicos e nicotínicos. A ligação ao receptor leva a uma resposta fisiológica no interior da célula, como o início de um impulso nervoso na fibra pós-ganglionar ou a ativação de enzimas específicas nas células efetoras mediadas por moléculas segundas mensageiras. 5) degradação do neurotransmissor na fenda sináptica (ou seja, o espaço entre os terminais nervosos e os receptores adjacentes localizados nos nervos ou órgãos efetores): A Ach liberada das vesículas sinápticas difunde-se através do espaço sináptico e se liga a receptores pós-sinápticos na célula- alvo, ao receptor pré-sináptico na membrana do neurônio que liberou a Ach ou a outros receptores-alvo pré-sinápticos. Os receptores pós-sinápticos colinérgicos na superfície dos órgãos efetores são divididos em duas classes: muscarínicos e nicotínicos. A ligação ao receptor leva a uma resposta fisiológica no interior da célula, como o início de um impulso nervoso na fibra pós-ganglionar ou a ativação de enzimas específicas nas células efetoras mediadas por moléculas segundas mensageiras. 6) reciclagem de colina e acetato: A colina pode ser recaptada por um sistema de captação de alta afinidade acoplado ao sódio que transporta a molécula de volta para o neurônio. Ali, ela é acetilada em ACh, que é armazenada até a liberação por um potencial de ação subsequente.
Figura 3 – Síntese e liberação da acetilcolina do neurônio colinérgico.
AcCoA, acetilcoenzima A.
RECEPTORES COLINÉRGICOS (COLINOCEPTORES)
A síntese, o armazenamento e a liberação de acetilcolina obedecem a
uma sequência semelhante de etapas em todos os neurônios colinérgicos. Os efeitos específicos da ACh em determinada sinapse colinérgica são determinados, em grande parte, pelo tipo de receptor de ACh presente nessa sinapse. Os receptores colinérgicos são divididos em duas grandes classes. Os receptores colinérgicos muscarínicos (mAChR) estão ligados à proteína G e são expressos nas sinapses terminais de todas as fibras pós- ganglionares parassimpáticas e de algumas fibras pós-ganglionares simpáticas, nos gânglios autônomos e no SNC. Os receptores colinérgicos nicotínicos (nAChR) consistem em canais iônicos regulados por ligantes, que estão concentrados pós-sinapticamente em numerosas sinapses excitatórias. A acetilcolinesterase (AChE), a enzima responsável pela degradação da acetilcolina, também representa um importante alvo farmacológico. Eles recebem esses nomes, pois estas foram as drogas utilizadas para se descobrir a existência destes receptores. Já se sabe, atualmente, que existem os receptores M1, M2, M3, M4, M5. Entre os nicotínicos existem os receptores N1, N2. Uma vez liberada na fenda sináptica, a ACh liga-se a uma de duas classes de receptores, localizados habitualmente sobre a superfície da membrana da célula pós-sináptica. Os receptores muscarínicos (mAChR) são receptores acoplados à proteína G com sete domínios transmembrana, enquanto os receptores nicotínicos (nAChR) são canais iônicos regulados por ligantes. Embora os receptores muscarínicos sejam sensíveis ao mesmo neurotransmissor dos receptores nicotínicos, essas duas classes de receptores colinérgicos compartilham pouca semelhança estrutural.
Figura 4 – Tipos de receptores colinérgicos.
Receptores muscarínicos
A classe muscarínica de receptores de acetilcolina é distribuída
extensamente por todo o corpo e desempenham diversas funções vitais no cérebro e no sistema nervoso autônomo. Esses receptores, além de se ligarem à ACh, reconhecem a muscarina, um alcalóide que está presente em certos cogumelos venenosos. Porém, os receptores muscarínicos apresentam baixa afinidade pela nicotina. Há cinco subclasses de receptores muscarínicos. Contudo, somente os receptores M1, M2 e M3 foram caracterizados funcionalmente. A primeira evidência farmacológica forte para a existência de subtipos do receptor muscarínico foi em 1980 quando as propriedades da pirenzepina, um antagonista muscarínico seletivo, foram descritas. Este composto estava sendo usado na Europa como uma droga antiulcerosa e ao contrário de outros antagonistas muscarínicos, obstruiu a secreção gástrica em doses que praticamente não afetaram a motilidade intestinal, secreção salivar, e a freqüência cardíaca. Mostrou-se que a pirenzepina inibe com eficácia uma das subclasses do receptor muscarínico que era abundante no cérebro e nos gânglios periféricos. Esses receptores se localizam em gânglios do sistema nervoso periférico e em órgãos efetores autônomos, como coração, músculos lisos, cérebro e glândulas exócrinas. Embora os cinco subtipos sejam encontrados nos neurônios, receptores M1 também são encontrados nas células parietais gástricas; M2, nas células cardíacas e nos músculos lisos; e M3, na bexiga, nas glândulas exócrinas e no músculo liso. (Nota: fármacos com ações muscarínicas preferencialmente estimulam receptores muscarínicos nesses tecidos, mas, em concentrações elevadas, podem mostrar alguma atividade em receptores nicotínicos.)
Mecanismos de transdução do sinal pela Ach
Inúmeros mecanismos moleculares diferentes transmitem o sinal gerado
na ocu-pação do receptor pela ACh. Por exemplo, quando os receptores M1 ou M3 são ativados, o receptor sofre uma mudança conformacional e interage com uma proteína G, designada Gq, a qual, por sua vez, ativa a fosfolipase C. Isso leva à produção de segundos mensageiros trifosfato (1,4,5) de inositol (IP3) e diacilglicerol (DAG). O IP3 causa aumento no Ca2+ intracelular. O cálcio, então, pode estimular ou inibir enzimas ou causar hiperpolarizacão, secreção ou contração. O DAG ativa a proteinocinase C, uma enzima que fosforila inúmeras proteínas no interior da célula. Em contraste, a ativação do subtipo M2 no músculo cardíaco estimula a proteína G, denominada Gi, a qual inibe a adenililciclase e aumenta a condutância do K+. O coração responde diminuindo a velocidade e a força de contração.
Receptores nicotínicos
A transmissão colinérgica nicotínica resulta da ligação da Ach ao
nAChR. Esse fenômeno é conhecido como condutância direta regulada por ligante. A ligação simultânea de duas moléculas de ACh ao nAChR deflagra uma alteração na conformação do receptor que, por sua vez, cria um poro seletivo para cátions monovalentes através da membrana celular. Os receptores nicotínicos, além de ligarem a ACh, reconhecem a nicotina, mas têm baixa afinidade pela muscarina. O receptor nicotínico é composto de cinco subunidades e funciona como um canal iônico disparado pelo ligante. A ligação de duas moléculas de ACh provoca uma alteração conformacional que permite a entrada de íons sódio, resultando na despolarização da célula efetora. A nicotina em concentração baixa estimula o receptor; em concentração alta, o bloqueia. Os receptores nicotínicos estão localizados no SNC, na suprarrenal, nos gânglios autônomos e na junção neuromuscular (JNM) nos músculos esqueléticos. Aqueles localizados na JNM algumas vezes são designados N M, e os outros, NN. Os receptores nicotínicos dos gânglios autônomos diferem daqueles situados na JNM. Por exemplo, os receptores ganglionares são bloqueados seletivamente pela mecamilamina, ao passo que os receptores da JNM são bloqueados especificamente pelo atracúrio.