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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GENÉTICA E BIOLOGIA MOLECULAR

Metabolização do álcool em leveduras e humanos:


similaridades e diferenças
Mestranda: Gabriele Marisco da Silva
Orientador: Cristina Pungartnik

A glicose é o principal combustível da maioria dos organismos e ocupa uma posição central no
metabolismo. O processo de glicólise difere de uma espécie para outra apenas em detalhes da sua
regulação e no destino metabólico subseqüente do piruvato formado. O piruvato formado pela glicólise
tem rotas metabólicas alternativas: ser oxidado até entrar no ciclo de Krebs, redução a lactato, ou a
etanol. E ainda na gliconeogênese o piruvato é convertido em oxalacetato (Nelson e Cox, 2002). Há dois
tipos de fermentação: aeróbica (fermentação acética) e anaeróbica (fermentação alcoólica, malática,
lática, butírica). A levedura Saccharomyces cerevisiae, é conhecida por ser um bom modelo eucariótico
de estudo tendo seu ciclo de vida bem caracterizado. Quando crescida em condições experimentais de
laboratório, passa por um breve período de adaptação (chamada de fase lag); então, as células começam
a se dividir com energia proveniente da fermentação da glicose (crescimento em fase exponencial),
produzindo etanol como subproduto principal. Quando a concentração de glicose diminui para menos de
0.2%, as células param de se dividir por poucas horas (fenômeno conhecido como troca diaúxica)
alterando a expressão de seus genes (Pon and Schatz, 1991; Maris et al, 2001). As células passam a
utilizar o etanol formado a partir do catabolismo da glicose, passando a respirar (fase pós-diaúxica). A
diminuição ou escassez de nutrientes seguintes, passa a ser um sinal extra-celular para diminuição do
número de divisões celulares e as células entram na chamada fase estacionária (Fuge and Werner-
Washburne, 1997).Em leveduras durante a fermentação alcoólica (degradação anaeróbica da glicose ou
de outros nutrientes orgânicos em vários produtos para obter energia conservada na forma de ATP), a
glicose é convertida a duas moléculas de piruvato, o qual é convertido a acetaldeído pela piruvato
descarboxilase, que é convertido a etanol pela enzima álcool desidrogenase 1 (adh1). O etanol é, então,
convertido a acetaldeído pela álcool desidrogenase 2 (adh2), sendo esse convertido a acetato pela
enzima aldeído desidrogenase, entrando no ciclo de Krebs, o qual é convertido até CO2. Em humanos a
oxidação do etanol, quando o consumo é agudo, quer ele seja ingerido, quer ele seja produzido por
microrganismos intestinais, é convertido a acetaldeído pela álcool desidrogenase 2 (adh2), sendo esse
convertido a acetato pela aldeído desidrogenase, entrando no ciclo de Krebs (Nelson e Cox, 2002).
Cerca de 90 a 98% do álcool ingerido é metabolizado a acetaldeído. O restante é eliminado pelos rins,
pulmões e pele. Os elevados níveis de acetaldeído no plasma são responsáveis por sintomas
desagradáveis como náuseas, palpitação, vômito, taquicardia, convulsão, hipotensão, anorexia e
vertigem (Rossi et al., 2006; Font et al, 2005; Shen et al, 2000; Suh J et al, 2006; He et al., 2001). O
sistema oxidativo microssomal do álcool (MEOS), incluindo a CYP2E1, é responsável pela
metabolização do etanol em humanos quando o consumo é considerado crônico (periodicamente). Esta
enzima também está envolvida no metabolismo de xenobióticos, incluindo alguns pro-carcinogênicos
(por exemplo, alguns agrotóxicos, medicamentos ou conservantes alimentares). A indução da CYP2E1
resulta no aumento dos danos hepáticos (Seitz et al, 1998; Lieber, 1999). Assim, a ingestão de álcool em
humanos, pode levar a formação de acetaldeído, e o possível acúmulo de acetaldeído em longo prazo
pode causar deficiência no sistema de reparo de DNA, pois este pode provocar danos do tipo cross-links
entre proteínas, alterações cromossomais e câncer (Mechilli et al, 2007; Wang et al, 2000). Um dos
medicamentos amplamente utilizados há mais de 50 anos no tratamento de dependência de álcool é o
dissulfiram. É considerado um tratamento do tipo aversivo, pois quando o paciente ingere álcool
concomitantemente com dissulfiram provoca sintomas leves como náuseas, vômitos, dor de cabeça
podendo levar até ao coma e morte. Por fim, pode-se perceber que as enzimas que participam do
processo de metabolização do álcool tanto em humanos como em leveduras, são conservadas e que há a
semelhança na atividade bioquímica da enzima adh2. No entanto, também há muitas diferenças, como
por exemplo, em leveduras o álcool é uma possível fonte de nutrientes para formar energia; já em
humanos, o álcool embora também fonte de carbonos armazenado sob a forma de gorduras, quando ele é
metabolizado pode ser capaz de induzir danos celulares, principalmente quando em excesso. Os danos
celulares são passíveis de serem reparados, mas podem ser cumulativos, e há evidencias de que o
produto da metabolização, o acetaldeído, esteja envolvido no processo de danos do tipo cross-links no
DNA, alterações cromossômicas que podem levar a formação de carcinogênese hepática, de faringe ou
larofaringe.

Referências Bibliográficas

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