Você está na página 1de 3

Hoje eu descobri o chat #desabafo desse discord, então resolvi da uma olhada nas coisas que o pessoal anda

dizendo, nesse tempo de pandemia imaginei que teriam vários textos sobre o assunto. Vendo as mensagens eu
percebi que os sentimentos que mais aparecem nesses textos de desabafos são a depressão, solidão e inutilidade.
Frases como: A vida não faz sentido, nada mais me diverte e outras como: me sinto só ou me sinto sem proposito,
frequentemente aparecem no mesmo desabafo. Então comecei a analisar mais a fundo os depoimentos, encontrei
então um que me chamou atenção onde a pessoa relata que, mesmo tendo vários amigos virtuais, se sente mal por
não poder velos e nem ter a perspectiva de um dia encontrá-los. Depois de ler isso eu cheguei à conclusão de que
talvez a depressão, a solidão e o sentimento de inutilidade, todos estejam relacionados ao uso excessivo de internet
(Eu sei que estou parecendo um velho dizendo isso, mas eu juro que vai fazer sentido).

A maioria das pessoas que fazia o relato aparentava ter entre 13 e 18 anos, mas um adolescente nessa idade não
deveria ter nenhuma outra preocupação se não ir a escola e estudar. Então, por que eles têm esse sentimento de
inutilidade? A resposta pode estar no próprio sistema de ensino. Uma das definições de inútil é aquilo que não produz
nada. Na escola nós é passado uma informação do tipo “O fígado produz a bile”, e depois de umas semanas eles
entregam uma prova com a pergunta “Quem produz a bile?” e você responde “o fígado”. Você adquiriu um novo
conhecimento e esse foi testado e comprovado, mas de maneira objetiva esse conhecimento não produziu
absolutamente nada. Você aprendeu quem produz a bile e provou isso, mas não fez nada com esse conhecimento.
Assim como no exemplo, o restante das coisas que aprendemos na escola não nós fazem produzir nada de forma
objetiva, então alguém que resume sua rotina em acordar, ir para escola, voltar pra casa e passar o resto do dia na
internet claramente não vai se sentir útil. “Ah mas tem muitas pessoas que usam a internet de maneira útil”. Sim. Nós
temos programadores, desenhistas e editores, mas você tem certeza de que faz parte de algum desses grupos? Eu
mesmo já usei essa desculpa de que eu poderia usar a internet de forma mais efetiva, mas eu nunca fiz isso de fato.
Estou ciente de que eu não sou todo mundo, no entanto, a meu ver, alguém que já se acostumou à passar o dia na
internet vendo animes e mangás dificilmente vai largar isso e produzir algo do dia pra noite. Animes e mangás são
fascinantes e passam várias histórias e lições de vida, mas, se você não produz nada com esse conhecimento, voltamos
a situação da escola, onde você aprende algo, mas por não produzir nada com isto você se sente inútil.
A solidão pode ser um dos maiores medos da humanidade, afinal de contas, humanos são animais sociáveis, feitos
para viver em bando e realizar atividades em grupo. A nossa própria biologia nós impede de dizer coisas como: Não
preciso de ninguém ou odeio todos que se aproximam de mim. Então, como explicar pessoas antissociais? Na minha
opinião pessoas que se dizem antissociais são assim por um motivos: Ego. Contando um pouco da minha própria
experiencia, eu sempre tive uma mãe muito superprotetora, como consequência, me tornei uma criança mimada.
Quando eu era pequeno além de ser posto em um pedestal só por saber ligar o DVD eu ainda tinha boas notas e
aprendia as coisas rápido, o que gerava mais elogios. Esse excesso de bajulação fez com que eu me tornasse alguém
egocêntrico. Eu sou melhor que meus colegas, se eles não gostam de mim é porque tem inveja, eu sou muito
inteligente para ser amigo deles. Coisas desse tipo passavam pela minha cabeça. Lógico que isso não gerou um clima
bom entre meus “coleguinhas” e eu. Durante uma discussão sobre quem ia brincar com o caminhãozinho
(Logicamente eu achava que deveria ser eu uma vez que eu queria e eu me achava mais merecedor que ele)
aconteceu... EU LEVEI UM SOCÃO. Foi um soco bem dado na cara, mas ao invés de chorar eu achei aquilo uma afronta,
como ele ousou fazer aquilo, logo em seguida dei um gancho de direita no queixo do infeliz. Eram crianças de 5-6 anos
brigando, mas na minha cabeça aquele soco foi quase um fatality do Mortal Kombat. O garoto então virou para a
professora e disse: “ele me bateu”. Como uma boa professora ela veio me repreender, eu me defendi dizendo que ele
havia começado, mas ela disse que mesmo que ele tenha começado eu não tinha o direito de bater nele. Isso para
mim foi um choque, primeiro eu levei um soco e agora sou tirado do meu pedestal e chamado de o errado da situação.
A partir desse momento acho que começou a minha fase antissocial movida pelo Ego e pelo Medo. Durante minha
adolescência eram frequentes pensamentos como “Se eles não tem o mesmo gosto musical que eu eles são sem
cultura” “Se eles não gostam de animes e jogos como eu é porque tem preconceito ou por que não são evoluídos o
suficiente pra entender”. Isso fazia com que eu me fechasse a novas experiencias, se alguém me apresentava algo fora
daquilo que eu já tinha definido como bom, eu nem dava bola e só queria saber das minhas coisas, fora que odiava
conversar com os outros garotos por medo de que eu fosse apanhar como o último fez. Acabei me isolando do resto
da turma e alguém solitário e sem amigos facilmente se torna vítima de bullying. Assim foi todo o meu ensino
fundamental, até que no ensino médio eu conheço duas pessoas que mudariam isso, vamos chamá-los de Tico e Teco.
OS DOIS CARAS MAIS IRRITANTES DESSE LADO DO PLANETA. Tico se sentava atrás de mim, durante toda a aula ele me
cutucava porque estava entediado e queria alguém para se distrair. Por alguma razão ele me achava interessante e
gostava de contar vantagem sobre as meninas com que saia ou sobre o relógio que tinha comprado. Logo Tico
começou a me obrig... convidar para sair com ele aparecendo na porta da minha casa com mais um grupo de amigos.
Foi com esse grupo que eu bebi pela primeira vez. Não sei se foi pelo fato dele amar falar de si mesmo, mas eu
comecei a cultivar admiração pelo Tico e pelo restante dos garotos do grupo, invés de ficar bravo quando o Tico me
cutucava durante a aula passei a naturalmente me virar para conversar com ele durante as aulas e com aqueles ao
meu redor, mas ainda não podia dizer que eu era sociável. Até que no segundo ano do ensino médio eu e Tico fomos
para salas diferentes. Isso foi um golpe fatal, agora estava em uma nova sala com pessoas que eu não conhecia e pior,
o cara que se sentava do meu lado era do tamanho de UM ARMARIO. Fora o cidadão ser gigante, ele ainda era
popular, eu me sentei no fundo por falta de opção e ficou claro que ele era o líder daquele grupinho. Nos primeiros
dias me sentia muito deslocado uma vez que parecia que todos ali eram melhores amigos e eu era um objeto estranho
naquele sistema. Já no segundo mês de aula recebemos nossa primeira prova e os primeiros trabalhos. Eu tirei uma
nota alta, nada de especial, mas acima da média. Depois que comecei a andar com o Tico e passar a aula conversando
com ele minhas notas caíram, porém quando Teco viu aquela nota ele logo veio me perguntar como eu consegui tirar
aquilo tudo e me perguntando coisas sobre a matéria. Na minha antiga escola era muito incomum alguém me pedir
ajuda, normalmente eles preferiam competir comigo. Mas dessa vez estava lá Teco o líder do fundão pedindo para eu
ensinar pra ele, por alguma razão senti que eu não tinha opção. Então dei meu melhor para ensinar tudo o que podia e
ele prestou atenção como se estivesse vendo a final da copa. Depois me fez umas perguntas, agradeceu e voltou a se
sentar.
No dia seguinte eu fui para a escola sem nenhuma motivação (como de costume), mas ao entrar na sala algo
incomum aconteceu, o Teco lá do fundo começou a gritar meu nome, a gente estava a 5M um do outro, mas daria
para ouvir os gritos a pelo menos 50. Eu o cumprimentei e antes que eu pudesse me sentar, a turma do fundão já
estava toda a minha volta. O Teco espalhou a notícia de que o menino caladão da sala era inteligente e sabia ensinar
qualquer matéria. Minha rotina de ficar sentado na sala o dia todo questionando o sentido da vida passou a ser
frequentemente interrompida por alguém me perguntando sobre a matéria ou pedindo para ver meu dever de casa,
alguns me dava biscoitos e balas como agradecimento. Dos poucos as coisas começaram a mudar, as pessoas me
cumprimentavam sempre que me viam e começaram a me pedir opinião sobre coisas além daquelas relacionadas aos
estudos. Como já era de se esperar quando foi passado o primeiro trabalho em grupo da nossa sala o Teco decidiu por
conta própria que eu estava no grupo dele. Nosso grupo era formado por Teco, dois garotos, duas garotas e eu. O
trabalho ia ser na casa de uma das garotas que morava na outra ponta da cidade. Eu cheguei lá quase tendo um
infarto depois de andar tanto e estava meio puto por pensar que iria ter que fazer um trabalho enorme depois de
andar tanto. No entanto quando eu entro na sala vejo Teco embaralhando um baralho de truco enquanto um dos
garotos tocava violão e o terceiro servia refrigerante. Quando me viu Teco fez alguma piada, como já era de costume e
me mandou sentar na frente dele. Os outros dois garotos do grupo se sentaram na mesa também e antes de eu
perceber tinha um garoto gritando TRUCO na minha orelha esquerda. Naquele momento eu poderia ter pensado em
várias coisas como: Que era irresponsável jogar baralho quando deveria estar fazendo o trabalho, que eu não deveria
deixar as duas garotas responsáveis pelo trabalho, que se eu não estivesse supervisionando o trabalho algo sairia
errado. Mas tudo que eu vi foi o Zap na minha mão. Então juntei toda minha força e gritei: SEIS FILHA DA PUT*. No
final do dia era obvio que o trabalho não estava pronto, de vez em quando eu trocava de lugar com uma das meninas
para fazer o trabalho, mesmo assim só terminamos ¼ do trabalho. Eu fui chamado para mais 3 desses encontros onde
a desculpa era o trabalho, mas a gente só comia e jogava baralho. Conforme eu fui conhecendo melhor aquelas
pessoas eu novamente cultivei admiração por elas, eu poderia lotar uma página só com elogios sobre meus novos
amigos do ensino médio, enquanto o meu eu do fundamental faria a mesma coisa com os defeitos. Quando eu
comecei a tentar ver as qualidades das pessoas eu comecei a gostar de estar ao lado deles e a poder me expressar
melhor. Eu não sou melhor do que ninguém, então não tem problema se eu estiver falando besteira, não tem
problema se eu passar vergonha ou se falar algo errado é só pedir desculpas depois. Meus amigos são incríveis cada
um a sua maneira então eu prestava atenção em tudo que eles diziam por que eu os admirava. Claro eles diziam coisas
idiotas as vezes, mas até isso eu admirava, como um comentário idiota rendia tantas risadas e brincadeiras. Com o
tempo passei a ver eles mais e mais fora da escola. Ao invés de acordar revoltado com o mundo, eu acordava ansioso
para chegar na escola e falar do novo filme dos Vingadores, ou para ficar cantando poesia acústica no recreio.
Naturalmente eu fiquei mais sociável que antes, mas quando olho para trás percebo que o motivo pelo qual eu ficava
sozinho nunca foi o mundo me rejeitar e sim o fato de que eu rejeitava o mundo.

Você também pode gostar