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REVISTA

Sapientia
nº 40 Ano 09 – Março / Maio 2021

Embaixadora
Vitoria Cleaver
“A inclusão de mais
mulheres certamente
enriquecerá a formulação
e execução da política
externa brasileira e
tornará o Itamaraty mais
representativo da população
brasileira, afinal, somos
cerca de 50% da população
do Brasil. As vozes de mais
mulheres precisam ser
ouvidas e os seus
rostos, conhecidos.”

IMPACTO DA PANDEMIA ENTUSIASMO, TRANSFORMAÇÃO UM SOLIDÁRIO


SOBRE A DIPLOMACIA E ESVAZIAMENTO: OS 30 ANOS TREZE DE MAIO: OS
MUNDIAL E NO BRASIL DO MERCOSUL AFRO-BRASILEIROS E O
TÉRMINO DA ESCRAVIDÃO

(Paulo Roberto de Almeida) (Arthur Murta) (Rodrigo Goyena Soares)

Fonte: Wilson Dias


EDITORIAL

EDITORIAL
A você que está nos lendo agora, seja muito bem-vindo à 40ª edição
da Revista Sapientia.

Nesta edição, começamos nossa revista com uma entrevista com


a embaixadora Vitoria Cleaver, que discute a questão de gênero e os
desafios das mulheres na carreira diplomática brasileira.

Sobre Diplomacia, o diplomata Paulo Roberto de Almeida nos


apresenta uma reflexão sobre o impacto da pandemia sobre a diplomacia
mundial e no Brasil.

Já em Espaço Aberto, o doutor em Relações Internacionais e


professor da PUC-SP, Arthur Murta, faz uma análise sobre os 30 anos do
Mercosul.

EXPEDIENTE Depois, em Perspectivas da Política Externa, a professora de


Relações Internacionais, Tatiana Berringer, fala sobre as Relações Brasil-

Direção Geral
Estados Unidos ao longo dos anos.
Priscila Canto Dantas do Amaral Zillo
Por fim, em Professor Sapientia Comenta, o professor de História
Coordenadora e Editora-Chefe
Fernanda Magnotta do Brasil do Sapientia, Rodrigo Goyena Soares, traz uma breve resenha
sobre os afro-brasileiros e o término da escravidão.
Revisão
Tg3 Design e Conteúdo
E não se esqueça de conferir, também, as Iniciativas Sapientia,
Agradecimentos com tudo que aconteceu por aqui nos últimos meses, e as indicações
Arthur Murta
Fernanda Magnotta especiais dos nossos professores em Sapientia Indica.
Mayara Ribeiro
Paulo Matiazi
Boa leitura!
Paulo Roberto de Almeida
Rodrigo Goyena Soares
Tatiana Berringer
Todd Marshall
Vitoria Cleaver Equipe Sapientia
Sapientia Aedificat

ADVERTÊNCIA
A Revista Sapientia é uma publicação do Curso Sapientia, preparatório
para o Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata (CACD).
Seu conteúdo tem cunho estritamente acadêmico, sem nenhuma
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relação oficial com o Ministério das Relações Exteriores ou quaisquer
outros órgãos do governo. Tampouco as opiniões dos entrevistados e
autores dos artigos publicados expressam ou espelham as opiniões da
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Sala 110, Torre Rouxinol opiniões sobre um mesmo tema. Nosso maior objetivo é fomentar
Vila Hamburguesa - São Paulo - SP o debate, salutar à democracia e à construção do conhecimento
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e dos artigos, desde que previamente autorizada por escrito pela
www.revistasapientia.com.br Direção da Revista Sapientia, com crédito da fonte.

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SUMÁRIO

SUMÁRIO

06 ENTREVISTA DE CAPA 25 PERSPECTIVAS DA POLÍTICA EXTERNA


Embaixadora Vitoria Cleaver Relações Brasil-Estados Unidos
Diplomata de carreira, foi embaixadora do Brasil Tatiana Berringer
em postos como Hanói e Manágua, além de ter
Professora de Relações Internacionais da UFABC
atuado como Cônsul-Geral em Zurique. Também
e autora do livro “A burguesia brasileira e a
foi presidente da Associação dos Diplomatas
política externa nos governos FHC e Lula”,
brasileiros.
Editora Appris, 2015.
Fernanda Magnotta

28 PROFESSOR SAPIENTIA COMENTA

16 SOBRE DIPLOMACIA Um solidário Treze de Maio: os afro-


brasileiros e o término da escravidão
Impacto da pandemia sobre a
diplomacia mundial e no Brasil Rodrigo Goyena Soares
Paulo Roberto de Almeida Professor de História do Brasil no Curso Sapientia e
professor colaborador no Departamento de História
Diplomata de carreira desde 1977, é Doutor em
da Universidade de São Paulo (USP).
Ciências Sociais (Université Libre de Bruxelles,
1984), Mestre em Planejamento Econômico
(Universidade de Antuérpia, 1977), Licenciado
em Ciências Sociais pela Université Libre de 34 INICIATIVAS SAPIENTIA
Bruxelles, 1975). Serviu em diversos postos O Curso Sapientia agora é pós-graduação. Saiba
no exterior e exerceu funções na Secretaria mais sobre a Trilha Regular Extensiva nesta edição
de Estado, geralmente nas áreas de comércio, da Revista Sapientia. Conheça, também, nossa nova
integração, finanças e investimentos. Foi websérie: Grandes Nomes da Diplomacia.
professor de Sociologia Política no Instituto Rio
Branco e na Universidade de Brasília (1986-87)
e, desde 2004, é professor de Economia Política
no Programa de Pós-Graduação (Mestrado e
38 SAPIENTIA INDICA
Os professores do Curso Sapientia, Todd Marshall e
Doutorado) em Direito do Centro Universitário
Mayara Ribeiro, fazem indicações de conteúdos para
de Brasília (Uniceub). De agosto de 2016 a
complementar os estudos para o CACD.
março de 2019 foi Diretor do Instituto Brasileiro
de Relações Internacionais (IPRI), afiliado à
Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), do
Ministério das Relações Exteriores. 41 CHARGE
Representatividade em jogo
Paulo Matiazi
20 ESPAÇO ABERTO
Entusiasmo, transformação e
esvaziamento: os 30 anos do Mercosul
Arthur Murta
Doutor em Relações Internacionais pela USP
e professor da PUC-SP.

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ENTREVISTA

EMBAIXADORA
VITORIA CLEAVER

Por Fernanda Magnotta

É ainda pequeno o número


de candidatas do sexo feminino
ao concurso de admissão
à carreira de diplomata e é
também pequena a proporção
das que são aprovadas no
concurso, apesar de as mulheres
apresentarem bom desempenho
acadêmico e de o seu número
exceder o dos homens nos
bancos universitários, de onde
são tradicionalmente
recrutados os diplomatas.
Vitoria Cleaver - Fonte: Acervo Pessoal

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ENTREVISTA

Vitória Cleaver é pernambucana e diplomata anos da posse e entrada no quadro de funcionários


de carreira. Foi a primeira mulher a ganhar a diplomáticos do Itamaraty. Minha turma celebrou a
medalha de ouro do prêmio Rio Branco, concedida ao criação do Primeiro Dia do Diplomata, o 20 de abril,
primeiro colocado na classificação final do Curso de criado em homenagem ao “Patrono da Diplomacia
Preparação à Carreira de Diplomata do Instituto Rio Brasileira”, José Maria da Silva Paranhos Júnior, mais
Branco - IRBr. Foi Embaixadora do Brasil em postos conhecido como Barão do Rio Branco, e participou
como Hanoi e Manágua, além de ter atuado como da inauguração oficial do novo Palácio Itamaraty,
Cônsul-Geral em Zurique. Também foi presidente em Brasília.
da Associação dos Diplomatas Brasileiros - ADB.
Nessa entrevista, ela compartilha um pouco de sua Meu primeiro posto no exterior foi Londres.
experiência e discute, por sua perspectiva, a questão Dada minha experiência em reuniões internacionais
de gênero e os desafios das mulheres na carreira nas Nações Unidas, fui lotada no setor econômico
diplomática brasileira. multilateral da Embaixada, que além das grandes
negociações com café, açúcar e cacau, que ocorreram
Revista Sapientia - Embaixadora, poderia naquela época, ocupava-se também das reuniões da
compartilhar conosco um pouco de sua trajetória Organização Internacional do Trigo, do Estanho, da
profissional como diplomata? Como foi a escolha Comissão Internacional da Baleia e da Organização
para essa carreira? Internacional Marítima (IMO).

Vitoria Cleaver - Meu interesse pela carreira Quiseram, as circunstâncias, que eu cumprisse
diplomática se deveu à influência de minha mãe, cabalmente à promessa feita ao meu falecido pai. Ao
que muito me estimulou a estudar e a me tornar acompanhar o então Embaixador Roberto Campos,
independente. Costumava guardar recortes em 1975, à sua apresentação de credenciais, entrei
com notícias do Itamaraty e assuntos de política no Palácio de Buckingham, segundo o protocolo do
internacional e sempre me falava da possibilidade de Palácio, numa carruagem – eram três as carruagens, a
conhecer outros povos e culturas e de trabalhar pela do Embaixador e duas reservadas ao seu staff – e fui
paz e melhor entendimento entre as nações. apresentada à Rainha Elizabeth II.

Foi assim, natural, a minha escolha, embora meu Minha trajetória profissional, de quase meio
pai se opusesse ao meu desejo, pois acreditava que, século, foi muito diversificada. Em Brasília, fui
por ser filha de um estrangeiro (meu pai era inglês) assessora na Divisão das Nações Unidas, chefiei
e de não pertencer a uma família de quatrocentos a Divisão de Cooperação Técnica, a Divisão da
anos de São Paulo, eu não teria a menor chance de América I do Itamaraty e a Assessoria Internacional
ser aprovada no concurso de admissão à carreira do Gabinete do Ministro da Educação. No exterior,
de diplomata. além de Londres, trabalhei no setor econômico da
embaixada em Tóquio e chefiei o setor econômico-
Infelizmente meu pai faleceu, em 1967, antes comercial da embaixada em Assunção; fui Ministra
de minha aprovação no concurso, mas lembro-me Conselheira em Buenos Aires e Quito; e Embaixadora,
bem de haver-lhe prometido, quando o vi inerte, na em Manágua e Hanói, além de Cônsul Geral do Brasil
nossa sala no Recife, onde era velado, que não só seria em Zurique.
aprovada, mas serviria em sua terra. Pude cumprir
minha promessa. Em seguida à aposentadoria em 2014, ao
haver completado 70 anos, candidatei-me e fui eleita
Minha turma do Instituto Rio Branco (IRBr) Presidente da Associação de Diplomatas Brasileiros
formou-se em 1970 e começou a trabalhar em março (ADB). Durante minha gestão de dois anos, com
de 1971, diretamente em Brasília (nunca trabalhamos reeleição por mais dois, foi criado o Sindicato
na sede do Itamaraty no Rio de Janeiro). No ano dos Diplomatas Brasileiros, de que me tornei a
em curso, no mês de março, comemoramos 50 primeira Presidente.

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ENTREVISTA

Revista Sapientia - Quais foram suas experiências raízes em 1942, quando o Protocolo do Rio de Janeiro
mais marcantes? Que momentos destacaria? redefiniu fronteiras, após a invasão peruana de 1941.
Dadas divergências na fase demarcatória, o Equador
Vitoria Cleaver - Minha carreira teve muitas declarou nulo aquele Tratado em 1960, alegando que
experiências marcantes, pois não há dúvida de que sofrera pressão das tropas peruanas, que ainda se
o trabalho no Itamaraty permite o acompanhamento encontravam em seu território. O foco de tensão em
dos temas de política externa de maneira privilegiada. 1995 se deu exatamente numa pequena faixa de 78 km
Assim foi no início de minha carreira quando, embora de fronteira ainda não demarcada.
trabalhasse com questões das Nações Unidas, pude
testemunhar, na década de 1970, as últimas grandes Os Países Garantes do Protocolo (Argentina,
discórdias, que presidiram as relações entre o Brasil e a Brasil, Chile e EUA) agiram rapidamente para o
Argentina: as questões da construção de Itaipu, com as apaziguamento da situação e foi adotada uma
alegações argentinas sobre a suposta incompatibilidade Declaração da Paz, pela qual o Equador voltou a
dos projetos de Itaipu e Corpus, e da competição pelos aceitar a vigência do Protocolo do Rio de Janeiro e, por
projetos nucleares, que mais tarde, ao serem superadas, conseguinte, a atuação dos Países Garantes. O Peru,
permitiram o nascimento do Mercosul, em 1991. por sua vez, reconheceu, pela primeira vez, a existência
de impasses subsistentes na aplicação do Protocolo.
O golpe que levou à deposição do ditador
paraguaio Alfredo Stroessner, em 1989, foi momento A Declaração de Paz foi seguida pela instalação
marcante, com várias situações difíceis, cercadas da Missão de Observadores Militares (MOMEP), cuja
de suspense, como o deslocamento ao aeroporto coordenação coube ao Brasil durante os cinco anos de
para receber o chefe do posto, que se afastara com funcionamento, tendo logrado obter um cessar fogo, a
autorização telefônica de Brasília, para assinar, do separação de forças no terreno e a desmilitarização da
outro lado da fronteira, uns documentos de caráter zona de conflito.
particular. Obrigado a voltar rapidamente ao posto,
em consequência do golpe, utilizou um pequeno avião Estreita coordenação foi mantida durante todo
da Itaipu binacional. A embaixada, instruída a respeito, o período entre as Embaixadas dos Países Garantes e
não logrou obter a autorização de sobrevoo pertinente, a MOMEP, cujo quartel-general pude visitar com os
pois não havia autoridades paraguaias em seus postos. embaixadores dos Países Garantes. Não posso negar
Assim mesmo, o avião decolou e eu temia que pudesse que a experiência em Quito foi uma oportunidade bem
ser abatido, mas aterrissou a salvo. concreta de, em um conflito armado, trabalhar pela paz
em nosso continente.
Stroessner rendeu-se na manhã do dia 3 de
fevereiro de 1989. O General Rodriguez assumiu o Mas foi certamente o meu posto em Tóquio,
governo provisório, obtendo de imediato o apoio como jovem segunda secretária, o meu grande desafio
da Igreja Católica e dos EUA, que anteriormente como diplomata mulher. Naquela época, não existia
apoiavam o regime Stroessner por considerá-lo um nenhuma mulher no corpo diplomático acreditado
aliado na luta contra o comunismo. Depois vieram as junto ao governo nipônico e tampouco havia
negociações para a concessão de asilo a Stroessner diplomatas mulheres na chancelaria japonesa.
no Brasil.
Lembro-me do dia em que o chefe da Divisão
O posto em Quito foi também uma experiência das Américas do Gaimusho comunicou ao embaixador
ímpar na medida em que tive a oportunidade de Ronaldo Costa, durante um jantar na Residência do
acompanhar de perto e também de participar das Brasil, que tinha sido aprovada a primeira diplomata
negociações para o restabelecimento da paz entre o mulher no serviço exterior do Japão e comentara: “ela
Equador e o Peru. Logo que cheguei a Quito, aconteceu era tão preparada, mas tão preparada, que não houve
um incidente de fronteira, na região do Alto Cenepa, na como reprová-la”. Inicialmente os japoneses não
Cordilheira do Condor. A disputa fronteiriça tinha suas me aceitaram.

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ENTREVISTA

Notei que os executivos de empresas, que tinham intercâmbio de visitas de alto nível), acabaram por
marcado entrevista comigo, não compareciam, tão se convencer de que era possível trabalhar com
logo descobriam que era uma mulher que os receberia. uma mulher diplomata.
Em seguida, o próprio embaixador me pedia insumos
sobre os assuntos tratados. Fui assim perguntar-lhe Ao sair do Japão, recebi provas de reconhecimento
porque recebia, em meu lugar, os visitantes japoneses e admiração. Havia vencido a batalha. Isto, porém, é
e ele respondeu que era para me proteger, pois o hoje história, pois as questões de gênero evoluíram
ambiente no Japão era demasiadamente machista. positivamente no Japão, nestes últimos 50 anos, muito
Fiquei contrariada e pedi-lhe seis meses durante os mais do que no Brasil.
quais os interlocutores japoneses deveriam tratar os
assuntos da competência do setor econômico apenas Revista Sapientia - A questão de gênero foi um
comigo e com mais ninguém. gargalo em algum momento de sua trajetória?

Obrigados a me procurar (as relações Vitoria Cleaver - As dificuldades foram


bilaterais eram excelentes e a pujança do maiores no início de minha carreira. Concluído o curso
desenvolvimento econômico do Japão no período no IRBr, eu queria trabalhar na Divisão das Nações
permitia o desenvolvimento de muitos projetos Unidas. Embora fosse uma praxe deixar os primeiros
conjuntos importantes, além de ser intenso o de turma escolher sua lotação e, naquela época, essa

Embaixadora Vitoria Cleaver em apresentação de credenciais ao então Presidente Truong Tan Sang, em Hanói, no ano de 2012 - Fonte: Acervo Pessoal

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ENTREVISTA

escolha recaísse quase sempre no Departamento buscava fazer o tradicional pé de meia, que lhe
de Organismos Internacionais (DOI), eu fui selecionada permitisse voltar ao Brasil com uma situação financeira
para o Cerimonial, divisão certamente importante, mas mais estável.
que não era minha preferência.
No caso de Zurique, numa primeira fase, além
Queixei-me ao Chefe da Administração e acabei desses profissionais mais qualificados e de um grupo de
sendo lotada no DOI onde, entretanto, não fui recebida mulheres, que se transferiu para a Suíça por casamento
com entusiasmo. O Chefe disse-me em tom pouco legal com suíços, acresceu-se um contingente de
amistoso: “embora nos últimos anos os primeiros de mulheres que buscavam melhores condições de vida,
turma tenham sido lotados no meu Departamento, em empregos que lhes eram oferecidos, como babás,
só quero ver se a senhora corresponderá”. Os meus governantas e empregadas domésticas, mas que, ao
expedientes eram examinados com lupa e lembro-me chegarem, encontravam a dura realidade de serem
de um, devolvido com um bilhete malcriado, porque inseridas numa cadeia de prostituição.
havia esquecido o preenchimento da distribuição com
a sigla DNU. Com o passar do tempo, entretanto, Geralmente, aliciadas por donos suíços de
acabei por ser aceita. bordéis com a promessa de empregos, que lhes dariam
a independência financeira, essas mulheres viam seus
Ao longo da carreira, se a diplomata for passaportes apreendidos e eram obrigadas a pagar as
funcionária competente e dedicada, em geral não terá despesas com a viagem internacional, comida e tudo
grandes dificuldades em ascender. Os problemas têm mais de que necessitassem, sendo verdadeiras escravas
início quando se começa a competir com os colegas desse ofício.
homens. As dificuldades voltaram assim quando
comecei a disputar os postos mais altos, seja para O problema dessas mulheres está presente na
lotação ou promoção. maioria dos postos na Europa, mas em um Encontro
Regional de Cônsules Brasileiros, realizado em Berlim,
Sempre foi um desafio a ascensão funcional a questão da proteção dessas mulheres só foi levantada
da mulher na diplomacia, tendo-se tornado, nos dias por dois cônsules, por mim e por outra diplomata
atuais, um problema de complexidade crescente, na mulher. Para a maioria dos colegas homens, parecia
medida em que o fluxo de carreira é hoje mais difícil que o problema não existia.
para todos, homens e mulheres diplomatas, dada a
decisão de aumentar, alguns anos atrás, os quadros em Mais de dez anos se passaram. Imagino que a
400 diplomatas sem o prévio estudo sobre o impacto situação tenha evoluído para melhor com as numerosas
desse aumento para a progressão funcional. A atual medidas tomadas pela área consular do Itamaraty
estrutura da carreira estava desenhada para receber até para proteção dos brasileiros no exterior, inclusive a
30 novos integrantes por ano. distribuição das cartilhas, que alertam para os perigos
da aceitação de um trabalho no exterior.
Revista Sapientia - Houve alguma situação em
que ser mulher fez a diferença na atuação diplomática, A convocação das Conferências de Brasileiros
positivamente falando? no Mundo, por sua vez, deu origem ao Conselho de
Representantes Brasileiros no Exterior e instituiu
Vitoria Cleaver - Sim, no consulado em Zurique, a política consular brasileira para as comunidades
onde a maior parte dos problemas tratados decorre brasileiras no exterior. Tive a oportunidade de
da situação da mulher brasileira naquela cidade. participar da formação do primeiro Conselho de
Lembro que, na década de 1970 e início dos anos 1980, Cidadãos na Suíça e das três primeiras conferências
praticamente não existiam comunidades brasileiras no entre 2008 e 2010.
exterior. A diáspora brasileira teve sua origem durante
as crises econômicas. De um lado, havia procura por Revista Sapientia - Em sua opinião, o que
profissionais brasileiros para empregos especializados explicaria o número baixo de diplomatas mulheres nos
e melhor remunerados e, de outro, o brasileiro mais altos cargos da carreira?

10
ENTREVISTA

Vitoria Cleaver - Apesar dos progressos masculina, refletindo o quadro geral da estrutura do
alcançados, dois gargalos principais, a meu mercado de trabalho brasileiro, em que as funções
ver, permanecem no Ministério das Relações executivas ainda são majoritariamente ocupadas pelo
Exteriores para que se alcance a igualdade de elemento masculino.
tratamento entre homens e mulheres, assegurada
pela Constituição de 1988: de um lado, a pequena É ainda pequeno o número de candidatas do
participação e aprovação feminina no concurso de sexo feminino ao concurso de admissão à carreira
admissão à carreira de diplomata e, de outro, as de diplomata e é também pequena a proporção
dificuldades de ascensão funcional, que explicam a das que são aprovadas no concurso, apesar de as
baixa taxa de ocupação dos postos de chefia e dos mulheres apresentarem bom desempenho acadêmico
mais altos cargos na hierarquia do Ministério pela e de o seu número exceder o dos homens nos
mulher diplomata. bancos universitários, de onde são tradicionalmente
recrutados os diplomatas.
Quando ingressei no Itamaraty, apenas 6,6%
dos diplomatas eram mulheres. Lembro-me bem Essa situação traz desafios para o Itamaraty,
desse dado estatístico, pois uma de minhas primeiras que não controla os fatores que podem afastar ou
tarefas, na Divisão das Nações Unidas, foi responder aproximar o interesse feminino pela carreira. Caberia,
a um questionário da ONU sobre o percentual de entretanto, atuar junto às mídias sociais para projetar
mulheres no serviço público. Cinquenta anos depois, a imagem da carreira como receptiva ao público
as mulheres correspondem apenas a 23% do número feminino e buscar sensibilizá-lo com foco na mulher
total de diplomatas. universitária, a exemplo de campanha “Itamaraty
quer mais mulheres diplomatas”, desenvolvida
Não obstante a não discriminação no no canal oficial do MRE no YouTube em que, pela
recrutamento em seu formato impessoal e anônimo primeira vez, por meio de depoimentos de grupo
hoje adotado (a fase de entrevistas foi eliminada do de mulheres diplomatas, buscou-se desfazer mitos e
concurso e as provas orais também), a carreira de motivar mais mulheres a prestarem o concurso para a
diplomata ainda permanece predominantemente carreira diplomática.

Fonte: mentalmind/Shutterstock.com

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ENTREVISTA

Um número maior de mulheres na carreira Por ocasião da maternidade, minha experiência


ocupando altos cargos contribuirá certamente para foi negativa. Como tive meus filhos mais tarde, quando
influenciar o próprio quadro de promoções. era conselheira e chefe de divisão, ouvi do Diretor de
Departamento que não seria possível me esperar por
Revista Sapientia - Quais os principais desafios seis meses, período da licença maternidade. Para não
em ser mulher na diplomacia? perder meu cargo, nunca fiz uso da licença maternidade.
Tirei um mês de férias por ocasião do nascimento de
Vitoria Cleaver - Creio que o principal desafio cada um de meus dois filhos. Inexistia, naquela época,
é encontrar um equilíbrio entre a vida pessoal e uma rotina para assegurar a substituição de servidores
profissional. Não se pode esquecer que a carreira impõe em licença maternidade/paternidade.
certas obrigações de mobilidade e disponibilidade
no que tange a missões no exterior e trabalho fora Apesar das dificuldades enfrentadas, todo
do horário de expediente, que eventualmente podem sacrifício valeu a pena. Não creio que existam vantagens
representar um ônus para a mulher, que ainda é vista ou desvantagens para qualquer dos dois gêneros que
como principal responsável pelo cuidado e educação levem a maior êxito ou insucesso na carreira. Cada caso
dos filhos. é diferente e não se deve desistir da carreira imaginando
os problemas que se poderia vir a enfrentar.
Aspectos como o casamento, a maternidade
e os encargos familiares, que muitas vezes levam a Acredito que o Itamaraty, se houver mudança
afastamentos por vários meses do serviço, podem crescente de mentalidade, poderá atuar positivamente
informalmente penalizar a mulher. No meu caso, não só para elevar a participação feminina na carreira
passei 25 anos mantendo meu casamento no que chamo por meio de campanhas que projetem uma melhor
de “ponte aérea” entre o Brasil, o Equador e os lugares imagem da carreira como receptiva às mulheres, mas
onde trabalhei nesse período, porque era impossível realizando algumas reformas para tornar o ambiente de
ao meu cônjuge advogado equatoriano revalidar o trabalho mais amigável à empregabilidade da mulher,
diploma a cada três ou quatro anos para poder trabalhar motivando-a a reduzir as ausências durante o período
nos países de minha lotação no exterior. da criação dos filhos como, por exemplo, a introdução

Escada helicoidal no interior do Palácio do Itamaraty, em Brasília - Fonte: Diego Grandi/Shutterstock.com

12
ENTREVISTA

de uma creche no Ministério (já existe um embrião de servir juntamente com seu cônjuge no mesmo
com a instalação de uma sala de aleitamento materno país. Em 1996, foi removido o último tratamento
nas dependências do Ministério), a flexibilização discriminatório, com a aprovação da lei que estabeleceu
de horários e a adoção do trabalho remoto, quando que, quando trabalham juntos, ambos percebem
necessário, que a pandemia já provou serem não só salários equivalentes. Por muito tempo, porém,
possíveis, mas produtivos e eficientes. quando removida juntamente com o marido, a mulher
diplomata só tinha direito a 60% do salário.
Revista Sapientia - Como vê, do ponto de vista
institucional do Itamaraty, a evolução de políticas para Hoje persistem apenas barreiras que eu chamo
lidar com as questões de gênero? de individuais ou de atitude, mais fáceis de vocalizar e
que exigem, a meu ver, uma mudança de mentalidade
Vitoria Cleaver - Somente após a vigência nas instituições, da mentalidade dos homens e das
da Constituição de 1988 as mulheres diplomatas próprias mulheres, para que estas passem a ocupar
passaram a desempenhar suas atividades sob a os imensos espaços que lhes foram abertos pela
égide da igualdade jurídica entre os sexos, embora, Constituição de 1988.
na prática, a desejada igualdade plena necessite
ainda ser alcançada. Revista Sapientia - O que ainda seria preciso
fazer para garantir maior representatividade e
Todas as barreiras legais, que prejudicaram as igualdade de gênero na carreira?
mulheres diplomatas de minha geração, sobretudo
aquelas que se casavam com colegas diplomatas, Vitoria Cleaver - Em 2014, o Itamaraty criou o
foram eliminadas. Comitê Gestor de Gênero e Raça, que funciona como
órgão consultivo de caráter permanente, que tem a
No caso dos casais de diplomatas, quando função de coordenar no âmbito do Ministério das
entrei para o Itamaraty, em 1970, a subordinação à Relações Exteriores “programas e políticas voltadas à
carreira do marido obrigava a mulher a “agregar”, promoção da efetiva igualdade de gênero e raça” e foi
isto é, a sair da lista de antiguidade para acompanhar resultado da mobilização de um grupo, inicialmente
o cônjuge, quando este era removido para o informal, de mulheres diplomatas, que passou a discutir
exterior até o seu regresso à Secretaria de Estado. iniciativas para melhorar o ambiente de trabalho com
A diplomata era penalizada com perda de tempo vistas a torná-lo amigável para as mulheres do serviço
de serviço, o que impactava diretamente sua exterior brasileiro.
promoção e a levava a se aposentar prematuramente.
Esse grupo enviou, em 2014, uma carta que
Vale lembrar que na gestão do chanceler Mario foi subscrita por 203 mulheres, ao então chanceler
Gibson Barbosa houve um chefe de gabinete que Luiz Alberto Figueiredo, contendo várias propostas
propôs que a agregação, uma vez solicitada, dever-se- concretas, entre as quais a criação de um Comitê
ia tornar definitiva. O Congresso, entretanto, aprovou Gestor de Gênero e Raça, a criação de uma creche
emenda à proposta do chefe de gabinete - apresentada, nas dependências do Itamaraty, a flexibilização do
de maneira muito discreta, por um grupo de mulheres horário de trabalho, medidas de apoio à adaptação da
diplomatas de minha geração, pois temiam ser família aos postos no exterior e de empregabilidade
penalizadas e inclusive prejudicar seus cônjuges caso a dos cônjuges, atenção à saúde e à educação dos
autoria da proposta transpirasse - no sentido de tornar dependentes, critérios de avaliação do mérito para
obrigatória a contagem de tempo de serviço durante o assegurar transparência, objetividade e isonomia
período de agregação. Foi certamente um grande revés nos processos de remoção e promoção de pessoal,
para os que se posicionavam contra a permanência da entre outros.
mulher na carreira diplomática.
Esta foi certamente a maior mobilização política
Este aspecto foi superado a partir de 1985, das mulheres diplomatas na história do serviço exterior
quando a mulher diplomata conquistou o direito brasileiro, cuja agenda de 14 pontos estava alinhada às

13
ENTREVISTA

recomendações da literatura existente sobre equidade vem solicitando objetividade, transparência e isonomia
de gênero no mercado de trabalho e inspirada nas nos processos de promoção.
demandas, apresentadas dois anos antes, em 2012,
por um comitê equivalente existente no serviço Interessante é também verificar em que tipo de
exterior da França. área as mulheres atuam quando conseguem chegar a
posições mais altas na hierarquia, de modo a identificar
O Comitê Gestor tem a responsabilidade de se há trajetórias diferentes de ascensão funcional entre
continuar a manter o tema da igualdade de gênero homens e mulheres no serviço exterior brasileiro.
firmemente em pauta e atuar como importante via de Observo que há uma tendência a indicar as mulheres
pressão junto aos canais competentes do Ministério para a área de administração e pessoal, ademais da
para a manifestação e a concretização das demandas das consular e jurídica, em detrimento das áreas política
mulheres diplomatas dentro do ambiente profissional. e econômica do MRE. A tendência é antiga. Recorde-
se que com a reforma Mello Franco no Itamaraty, em
Revista Sapientia - Existem, no plano de 1931, que suprimiu a carreira de oficiais da Secretaria
carreira, critérios subjetivos que desfavorecem de Estado e incorporou seus funcionários às duas
mulheres nos processos de promoção? outras carreiras em que se dividia o serviço exterior
à época, transferiu todas as funcionárias mulheres
Vitoria Cleaver - Observando a trajetória da exclusivamente para o Serviço Consular e nenhuma
mulher diplomata, nota-se que, apesar de ter o mesmo para o Serviço Diplomático.
perfil de formação educacional, de colocação na lista
de antiguidade, de tempo de classe e de serviço no Revista Sapientia - Que conselhos daria para
exterior, de posições de chefia ocupadas, ela nem jovens interessadas em prestar o CACD e seguir
sempre é recompensada com a devida promoção. nessa carreira?

Infelizmente, sempre prevaleceu a utilização dos Vitoria Cleaver - Diria à jovem, que deseja
critérios subjetivos que abrem espaço para as conexões prestar o CACD, que deve analisar primeiramente se
políticas e favorecem a discricionariedade existente no é dona de uma personalidade adequada para ingressar
sistema de promoções dos diplomatas, que tem criado na carreira diplomática: deve ter interesse por política
barreiras para o acesso das mulheres diplomatas internacional, estar aberta a conhecer outros povos,
às classes mais altas na hierarquia da carreira. A costumes e culturas, ser emocionalmente equilibrada,
implantação de cotas informais de gênero no processo ter um perfil negociador, além de ter facilidade para
de promoção durante a gestão do chanceler Celso se comunicar e capacidade de adaptação a diferentes
Amorim foi eficiente, mas acabou descontinuada. Aqui realidades. Estas são as melhores ferramentas para
também se trata da vontade política do órgão. vencer na carreira diplomática.

A utilização de critérios transparentes e objetivos Certamente não é fácil se tornar uma diplomata,
de avaliação de desempenho muito contribuiria para pois o concurso é difícil e muito competitivo, mas
que as promoções de todos os diplomatas se dessem nenhuma carreira lhe oferecerá campo tão amplo e
por mérito. Vários desses critérios, na verdade, foram interessante de ação. Ao representar o Brasil junto
pensados no passado e utilizados, tais como ter sido o a outros países e organismos internacionais poderá
diplomata aprovado no Curso de Aperfeiçoamento de trabalhar numa vasta gama de áreas.
Diplomatas (CAD) e no Curso de Altos Estudos (CAE),
contar com tempo mínimo de permanência na sua O Itamaraty precisa de mais mulheres na carreira
classe (entre dois e três anos), ter exercido chefias no e as jovens devem aproveitar todas as oportunidades
Brasil e no exterior, haver servido em postos C e D, ser que a Constituição de 1988 abriu para a mulher. A
detentor de diploma de mestrado ou doutorado ou de minha geração enfrentou muitas barreiras legais para
outros cursos, além de ter livros escritos e ser proficiente progredir. Apesar de 100 anos já completados desde
em diversas línguas. Tais critérios, porém, são poucas que a primeira mulher ingressou no Itamaraty, somos
vezes lembrados. O Comitê Gestor de Gênero e Raça hoje menos de 25% dos diplomatas. A inclusão de

14
ENTREVISTA

mais mulheres certamente enriquecerá a formulação


e execução da política externa brasileira e tornará o
Itamaraty mais representativo da população brasileira,
afinal, somos cerca de 50% da população do Brasil. As
vozes de mais mulheres precisam ser ouvidas e os seus
rostos, conhecidos. Ademais, uma maior proporção
de mulheres no topo da hierarquia certamente
será indicador importante do progresso na área da
igualdade entre homens e mulheres no Itamaraty.

Finalmente, diria que não devem se preocupar


ou amedrontar diante da perspectiva de futuras
dificuldades. Não é impossível constituir uma família.
As situações são particulares de cada casal na carreira e
as soluções serão encontradas, no momento oportuno,
para cada caso.

Embaixadora Vitoria Cleaver em apresentação de credenciais ao então Presidente Truong Tan Sang, em Hanói, no ano de 2012 - Fonte: Acervo Pessoal

15
SOBRE DIPLOMACIA

Fonte: rozdemir/Shutterstock.com

IMPACTO DA PANDEMIA
SOBRE A DIPLOMACIA
MUNDIAL E NO BRASIL
Por Paulo Roberto de Almeida1

16
SOBRE DIPLOMACIA

O mundo pós-pandemia da covid-19 não será mundo do século XV e o mundo da terceira década
muito diferente do que esse que tínhamos antes, salvo do século XX não conheceram mudanças significativas
em aspectos marginais, ainda que temporariamente no comportamento das pessoas, dada a tendência a
relevantes, como pode ser o ressurgimento de certo afastar os horrores vividos, esquecer os mortos e passar
nacionalismo econômico. Tendências estruturais a tratar dos sobreviventes e dos que estão chegando.
ou sistêmicas não mudam de maneira significativa, A humanidade tende a esquecer grandes tragédias,
mesmo sob o impacto de fatores conjunturais de certa como ocorreu, talvez, no final imediato do Holocausto,
magnitude. O mundo pós-peste negra, no século XIV, que só começou verdadeiramente a ser objeto de
não foi muito diferente daquele que existia no cenário memoriais duas décadas depois. Antes disso, cabe
pré-pandemia, que dizimou, ao que parece, entre 25% relembrar que não ocorreu nenhum tribunal de crimes
e 30% da população da Europa ocidental em suas de guerra ao final da Grande Guerra, como se fez em
diversas ondas. O que ocorreu, de forma até “positiva” Nuremberg, mas as condenações proclamadas em 1946
numa certa maneira de ver, foi que, com a diminuição não suscitaram a criação de instituições permanentes
da oferta abundante de mão de obra (que vinha sendo de julgamento de criminosos de guerra, pelo menos
garantida por progressos lentos, mas reais, na produção até o Estatuto de Roma e o surgimento do Tribunal
de alimentos ao longo do período final da Idade Média), Penal Internacional.
tanto o custo do trabalho quanto a produtividade do
trabalho registraram ganhos expressivos, provocando, As mudanças foram mais significativas no
portanto, certa “redistribuição” de renda. campo das relações internacionais. A diplomacia da
segunda metade do século XX deu grandes passos para
Tampouco o mundo pós-gripe “espanhola” aprofundar a nova modalidade do multilateralismo,
– que na verdade era americana em sua origem – foi mas essa já era uma tendência que vinha sendo
muito diferente daquele que existia antes da Grande reforçada desde as grandes conferências do final do
Guerra, talvez apenas um pouco mais propenso século XIX – propriedade intelectual, comunicações,
a acelerar as pesquisas científicas que levaram, direito internacional da guerra e da paz, acordos
alguns anos depois, a novas vacinas e ao milagroso setoriais, etc. – e que conheceu um grande impulso
antibiótico, assim como a melhores cuidados com com o surgimento da Liga das Nações. Mas esta foi
saneamento básico e medidas associadas a tratamentos mais o resultado dos 14 pontos de Wilson do que da
preventivos e curativos. Surpreendentemente, poucos gripe espanhola, que começou a se propagar desde
historiadores econômicos trataram da mortandade que os soldados americanos chegaram à França em
por ela provocada, que vitimou, segundo algumas 1917; o presidente Wilson foi, aliás, uma provável
estimativas, entre 50 e 100 milhões de vítimas.
Tendências anteriores na direção do protecionismo
comercial, controles de fluxos migratórios e controle
estatal sobre políticas setoriais foram reforçadas, tanto 1
Paulo Roberto de Almeida é Doutor em Ciências Sociais (Université
que provocaram novo conflito 20 anos depois. Libre de Bruxelles, 1984), Mestre em Planejamento Econômico
(Universidade de Antuérpia, 1977), Licenciado em Ciências Sociais
pela Université Libre de Bruxelles, 1975. É diplomata de carreira, por
O mundo, tal como existe em suas estruturas concurso direto, desde 1977; serviu em diversos postos no exterior
“braudelianas” de longa duração, não se altera e exerceu funções na Secretaria de Estado, geralmente nas áreas
de comércio, integração, finanças e investimentos. Foi professor de
radicalmente como resultado das pandemias; Sociologia Política no Instituto Rio Branco e na Universidade de
tampouco as diplomacias nacionais conhecem Brasília (1986-87) e, desde 2004, é professor de Economia Política no
mudanças significativas, mas determinadas tendências Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em Direito
do Centro Universitário de Brasília (Uniceub). É editor adjunto da
existentes são aceleradas, ao passo que outras podem Revista Brasileira de Política Internacional, colabora com várias
ser relegadas a segundo plano. A peste negra trouxe iniciativas no campo das humanidades e ciências sociais, e participa
de comitês editoriais de diversas publicações acadêmicas. De
várias mudanças nas relações de trabalho e nas
agosto de 2016 a março de 2019, foi diretor do Instituto Brasileiro
inovações técnicas, assim como a gripe espanhola de Relações Internacionais (IPRI), afiliado à Fundação Alexandre
gerou progressos gerais nos serviços de saneamento de Gusmão (Funag), do Ministério das Relações Exteriores.

básico e nas instituições estatais cuidando da saúde


Contatos: www.pralmeida.org;
pública. Mas, no plano da psicologia coletiva, o http://diplomatizzando.blogspot.com; pralmeida@me.com.

17
SOBRE DIPLOMACIA

vítima dessa gripe, quando retornou de dois meses de a Europa ocidental conhece sua fulgurante ascensão
estada na Europa. para a hegemonia mundial. Mas, já no final da Guerra
da Secessão, uma nova potência ascendente marca sua
O desafio ao principal ponto de seu plano de presença dominante no contexto da segunda Revolução
paz, a própria Liga, veio mais do Senado americano do Industrial. O mundo tinha sido europeu do século XVI
que da pandemia, e assim parte do grande exercício ao XIX, e passa a ser americano, a partir do século XX,
de “pacificação” das relações internacionais no pós- talvez desde 1898, e mais acentuadamente a partir de
Grande Guerra se perdeu, inclusive porque surgiram 1917, quando os boys desembarcam pela primeira vez
problemas para acomodar os interesses das grandes nos campos de batalha do velho mundo.
potências militaristas e fascistas – Itália mussoliniana,
Alemanha hitlerista, Japão expansionista e União O século americano, inclusive na diplomacia,
Soviética stalinista – e o ambiente de crises e depressões teve uma vigência de apenas um século, e o século XXI
econômicas tampouco ajudou no restabelecimento começa pela fulgurante ascensão da China, retomando
de relações de cooperação entre os principais atores posições que ela já tinha tido num passado distante.
das relações internacionais. Foi preciso uma nova e O impacto dessa ascensão será sentido pelo resto do
devastadora guerra, impulsionada por essas mesmas século, mas sua influência nas relações internacionais, e
potências desafiadoras para que, a partir de Ialta, nas práticas diplomáticas, tem muito mais a ver com as
Potsdam e San Francisco, se desenhasse uma espécie dinâmicas econômicas do que com os efeitos sistêmicos
de “paz cartaginesa”, com a derrota completa, a da pandemia. Esta será superada em relativamente
destruição da máquina de guerra e a ocupação física breve tempo, graças aos avanços fantásticos das
das potências agressoras, o que permitiu o surgimento tecnologias farmacêuticas, e ela terá consequências
de um arranjo neo-westfaliano capaz de impor a paz sobretudo na aceleração de tendências já presentes
e a segurança internacional com base em mecanismos anteriormente na economia e na política mundiais,
oligárquicos (como aliás já tinha sido o caso dos arranjos não tanto em mudanças estruturais de grande monta.
do século XVII, na Viena de 1815 e na conferência de Ou seja, o mundo não será muito diferente no pós-
Paris de 1919). pandemia, a não ser que diversas atividades – inclusive
a diplomacia – terão continuidade no terreno virtual,
Depois de Bretton Woods, os progressos do o que antes seguia um ritmo de tartaruga, dadas as
multilateralismo foram realmente vários e relevantes, facilidades de transportes e comunicações. A partir
embora o processo decisório nas grandes agências de agora, contatos, reuniões e viagens serão mais
do sistema multilateral das Nações Unidas tenha facilmente substituídos pela versão digital, aliás, com
permanecido mais ou menos oligárquico entre 1945 menos despesas e maior frequência.
e 1980. Apenas na terceira onda da globalização, as
novas dinâmicas econômicas, a partir da consolidação Uma grande consequência tem a ver com a nova
do processo de convergência – depois de quase dois geopolítica do restante do século XXI, mas ela depende
séculos da Grande Divergência –, criaram uma mais da postura americana no “enfrentamento” da
abertura nos processos decisórios, embora tenha ascensão chinesa do que propriamente das novas
sido apenas dez anos atrás que o “resto do mundo” modalidades de práticas diplomáticas. Aquela que
superou, pela primeira vez na história, o pequeno vem sendo chamada de segunda Guerra Fria tem
pelotão das economias mais avançadas na formação um caráter sobretudo econômico, mas já parece ter
do PIB global. Esse processo começou nos anos 1960, sido vencida pela China, que tem uma estratégia
quando a industrialização das nações periféricas correta, assim como foi a estratégia da Grã-Bretanha
aumenta a participação do Terceiro Mundo na oferta de no estabelecimento de sua hegemonia no século XIX,
produtos manufaturados. que foi a globalização e o livre comércio, assim como a
exportação de capitais, assim como a consolidação de
Desde então, graças sobretudo à Ásia Pacífico, meios e instrumentos de pagamentos que mantiveram
em especial à China, que tinha sido a maior economia Londres no centro das relações econômicas mundiais
mundial até o século XVIII, e a mais avançada durante um século e meio. O eixo financeiro só se
cientificamente até o início da era moderna, quando deslocou de Londres para Nova York com o deslanchar

18
SOBRE DIPLOMACIA

da Segunda Guerra Mundial, embora desde a Grande suas enormes dificuldades políticas para vencer
Guerra os EUA já fossem um grande credor e investidor obstáculos estruturais – educação, produtividade, nova
internacional. Esse eixo vai ter uma base sólida na Ásia industrialização e redução das desigualdades sociais
Pacífico, em especial na China, inclusive por meio de e regionais – que se opõem à sua inserção econômica
criptomoedas que vão oferecer concorrência ao dólar, global. Na verdade, o Brasil exibe uma não inserção
dominante neste século americano (e ainda influente na interdependência mundial, dado seu renitente
pelas próximas décadas). A própria pandemia revelou protecionismo e a introversão típica de um país dotado
enormes fragilidades do sistema americano de saúde, de elites tacanhas e mesquinhas (não fosse assim não
inclusive pelo efeito acrescido da grande desigualdade teriam demorado tanto tempo para extinguir o tráfico
social que ainda caracteriza o gigante norte-americano, e abolir a escravidão).
comparativamente a estruturas mais igualitárias em
outros países. No plano diplomático, aliás, o Brasil é um dos
raros países no mundo a ter perpetrado uma espécie de
A China, por sinal, acaba de proclamar a suicídio diplomático, ao ter deliberadamente escolhido
eliminação da miséria em seu território, o que é um ser pária no contexto da pandemia, um pouco como
feito extraordinário para um país que tinha falhado a Coreia do Norte e Mianmar. É algo realmente
sua inserção nas duas primeiras revoluções industriais vergonhoso para um país que tinha construído, ao
e que só se encaixou realmente na globalização no longo dos quase dois séculos de independência, uma
decurso da quarta revolução industrial. O mundo do diplomacia tida por excelente, e que teve um papel
futuro não será necessariamente chinês, mas ele será decisivo na construção da nação, como já argumentou
forçosamente mais diversificado, inclusive com a o embaixador Rubens Ricupero em sua obra clássica
ascensão do segundo gigante asiático, a Índia, embora “A diplomacia na construção do Brasil, 1750-2016”
ela continua persistentemente protecionista, a ponto (2017). Mas, imagino que sua leitura, atualmente,
de ter preferido não integrar o RCEP, o grande bloco teria o dom de provocar depressão em boa parte do
comercial liderado pela China. Quanto ao Brasil, ele é corpo diplomático profissional, assim como na quase
a grande decepção mundial nas últimas três ou quatro totalidade dos analistas e estudiosos das relações
décadas, e não parece perto de ser capaz de superar internacionais do Brasil.

Manifestantes abrem “covas” na praia de Copacabana contra mortes pela Covid-19 - Fonte: Jorge hely veiga/Shutterstock.com

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ESPAÇO ABERTO

Fonte: Butenkov Aleksei/Shutterstock.com

ENTUSIASMO, TRANSFORMAÇÃO
E ESVAZIAMENTO: OS 30
ANOS DO MERCOSUL

Por Arthur Murta2

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ESPAÇO ABERTO

Redemocratizações na América Latina, Comum (TEC), para facilitar as trocas comerciais entre
fim da Guerra Fria, crise da dívida, ajustes os países. Em virtude da lista de exceções à TEC, tem-
estruturais, incertezas econômicas e reorganização se a percepção de que o bloco se converteu em uma
do comércio internacional durante a Rodada união aduaneira imperfeita. Esse modelo de integração
Uruguai do GATT. Nesse cenário multifacetado e de ficou conhecido na literatura como regionalismo
transformação, nascem as discussões em torno da aberto, amplamente difundido ao redor do mundo,
integração no Cone Sul. nos anos 1990, priorizando a liberalização econômica
e buscando implementar reformas pró-mercado nos
Apesar da assinatura do Tratado de Montevidéu países. À época, o modelo de regionalismo aberto
que cria a ALADI, em 1980, o processo de integração no seguia toda a cartilha do Consenso de Washington,
Cone Sul ganha força com a aproximação e superação que envolvia menor intervenção estatal, privatizações
das rivalidades entre Brasil e Argentina. O marco e desregulamentações financeiras.
inicial da cooperação regional ocorre, em 1985, com a
Declaração de Iguaçu, celebrada por ambos os países. No entanto, a ausência da pauta social sempre
Ainda assim, os respectivos legislativos estavam foi evocada por centrais sindicais, em que se destaque
preocupados em resolver majoritariamente questões a ação da Coordenadoria de Centrais Sindicais do
domésticas. Apenas com a assinatura do Tratado Cone Sul (CCSCS), que, ainda nos anos 1980, se
de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, em constituiu como importante fórum de debate. Apenas
1988, o processo de integração regional assume maior com a assinatura do Protocolo de Ouro Preto (1994)
ressonância entre os congressistas dos dois países. e a consequente criação de espaços institucionais
de participação social, abre-se algum espaço para
Impulsionado pelo momento global de participação de atores não estatais no bloco. Os
articulações regionais para maximização do comércio rumos majoritariamente comerciais do bloco, nos
exterior, a integração se concretiza com a instituição anos 1990, foram contestados pelas centrais sindicais,
formal do Mercosul, no dia 26 de março de 1991, pelo que buscaram ampliar a sua influência no processo
Tratado de Assunção, assinado por Argentina, Brasil, decisório do Mercosul, conquistando avanços como
Paraguai e Uruguai. o Acordo Multilateral de Seguridade Social (1997) e
a Declaração Sociolaboral (1998). Hoje, as recentes
A ampliação do bloco tem sido conturbada: reformas de austeridade empreendidas por Argentina
desde 2006, a Venezuela esteve em processo de adesão, e Brasil colocam esses textos em xeque.
sofrendo resistência do congresso paraguaio. Em uma
inesperada reviravolta, em 2012, durante a suspensão Já na primeira década dos anos 2000, vários
do Paraguai do Mercosul por violar o Protocolo governos progressistas (de esquerda e de centro-
de Ushuaia sobre Compromisso Democrático, a esquerda) assumiram o poder na região dando novos
Venezuela foi incorporada formalmente ao bloco. No contornos à política regional. Soma-se a isso a crise do
ano seguinte, o Paraguai retornou ao Mercosul com modelo neoliberal amplamente difundido na região
a realização das eleições presidenciais de 2013 e, em pelos governos na década de 1990, que ampliou a
2016, a Venezuela foi suspensa por não cumprir com desigualdade, os níveis de pobreza e de exclusão
as normas de adesão ao bloco – em 2017, foi suspensa social. Assim, no âmbito do Mercosul, houve um
novamente por violar também o Protocolo de Ushuaia. deslocamento do bloco da pauta unicamente econômica
Já a Bolívia está em processo de adesão desde 2015. Os e comercial para uma ampliação em torno da agenda
demais países sul-americanos são estados associados. social e política – em temas como participação social,
políticas sociais e direitos humanos, com ampla criação
Conforme enunciado no Tratado de Assunção, de normativas, políticas e instâncias – culminando no
o Mercosul nasceu com o propósito de estabelecer um nascimento do Mercosul Social em 2005.
espaço de livre circulação de bens, serviços e fatores
produtivos entre os Estados-parte, flexibilizando
direitos aduaneiros e restrições de livre-comércio. 2
Arthur Murta é Doutor em Relações Internacionais pela USP e
Posteriormente, em 1994, foi criada uma Tarifa Externa professor da PUC-SP.

21
ESPAÇO ABERTO

Por conta do Mercosul Social, abre-se margem Esse aprofundamento não ocorreu apenas em
para uma discussão conjunta de luta contra a pobreza, âmbito estatal, mas também com a previsão de acesso
estabelecendo-se que a consolidação da democracia aos atores não estatais em diversos órgãos e instâncias
depende da construção de sociedades equitativas, do Mercosul, sendo a Reunião Especializada da
por meio de políticas públicas focadas em proteção Agricultura Familiar (REAF) considerada um modelo
e promoção social. Buscando aprofundar o processo de mecanismo participativo. Ainda assim, predomina
de integração, foi criado, em 2007, o Instituto uma cultura política elitista em matéria de política
Social do Mercosul (ISM), sediado em Assunção, externa e de integração regional nos executivos
visando a formulação de políticas sociais regionais, nacionais, o que limita uma democracia participativa
promovendo mecanismos de cooperação horizontal e potencializa o déficit democrático no Mercosul. A
e em busca de fontes de financiamento para fortalecer partir dessa compreensão, entende-se que a redução do
a dimensão social do bloco. Já em 2009, foi criado o déficit democrático em nível doméstico é fundamental
Instituto de Políticas Públicas de Direitos Humanos para sua projeção supranacional, o que ampliaria não
(IPPDH), sediado em Buenos Aires, para desenhar e só a participação da sociedade civil, mas também
harmonizar políticas públicas regionais em Direitos dos congressos nacionais no processo de tomada
Humanos, consolidando-os como eixo fundamental de decisão. Ademais, esse hiperpresidencialismo
da identidade e do desenvolvimento do Mercosul. existente na construção e negociação do bloco tem
sido um entrave em sua credibilidade, que ao longo
É importante ressaltar que os novos contornos desses 30 anos tem se mostrado bastante vulnerável
do Mercosul podem ser vistos, de maneira mais aos redirecionamentos domésticos dos Estados-parte
discreta, ainda em 1998, com a assinatura do nas mudanças de governo.
Protocolo de Ushuaia, que inaugura a ideia de um
Mercosul Político, consolidando institucionalmente Ainda sobre as conquistas do bloco, em tempos
o papel das democracias para a região. O quase de pandemia de covid-19 vale destacar as ações
golpe de Estado ocorrido pouco antes no Paraguai empreendidas em saúde. Em 2015, durante a 37ª
foi o principal elemento para que os países do Cone Reunião de Ministros da Saúde do Mercosul, o Brasil
Sul se unissem em torno da proteção democrática. apresentou uma proposta para criar uma plataforma
Desde então, parte da literatura especializada de compra conjunta de medicamentos de alto custo,
é crítica à inexistência de uma definição ou buscando garantir o acesso a produtos que oneram
identificação mínima do que é democracia na o orçamento dos países, ajudando a ampliar o acesso
Cláusula Democrática do Mercosul – o que abriria aos tratamentos e a sustentabilidade dos sistemas de
margem para um uso estratégico e eventual saúde por meio de um maior poder de negociação
discricionariedade pelos membros do bloco. dos países, com compras públicas de maior escala,
para conseguir o menor preço. Assim, no mesmo ano
Esse novo momento do bloco, no início do houve a primeira compra conjunta de Darunavir,
século XXI, alinha-se com o chamado período do medicamento antirretroviral para o tratamento de
regionalismo pós-liberal ou pós-hegemônico, que HIV/Aids. Essa primeira compra conjunta resultou em
versa por processos de integração que buscam maior uma economia de até 83% para os países do Mercosul,
proteção regional, previsibilidade e mecanismos reduzindo em mais de US$ 20 milhões o custo total.
de institucionalização. Um exemplo disso é a No caso da hepatite C, negociações para a compra
criação do Sistema de Solução de Controvérsias do de um novo tratamento de ponta fizeram com que
Mercosul, aprimorado pelo Protocolo de Olivos, Argentina, Chile, Venezuela e Uruguai (que haviam
em 2002, entrando em vigência, em 2004, com a desistido da aquisição dos medicamentos pelo alto
criação dos Tribunais Arbitrais Ad Hoc (TAHM) custo) retomassem o projeto de compra por meio da
e inspirado no modelo da OMC, o Tribunal ação mercosulina.
Permanente de Revisão (TPR), para resolver
questões e divergências que venham a surgir dos Também no âmbito da saúde, foi criado
Estados-parte e proferir medidas provisórias e o Registro Mercosul de Doação e Transplante
compensatórias nas disputas. (Donasur), em 2010, com o objetivo inicial de troca

22
ESPAÇO ABERTO

de informações e experiências, para posteriormente demais países no processo decisório, melhorando a


firmar acordos futuros como transferência de imagem do Brasil ante seus parceiros comerciais.
tecnologia. A experiência tem se ampliado para além
dos Estados-parte e associados, estendendo-se a outros Além disso, a América do Sul conta com baixa
países da América Latina e Caribe, buscando ainda complementariedade econômica e carece de um
harmonizar as normativas no que tange ao transplante veículo que estimule a cooperação entre os países. Não
e doação de órgãos. obstante isso, o principal beneficiado do Mercosul é
o Brasil, já que hoje 85% das exportações brasileiras
Vale ressaltar que o Brasil foi o escolhido para o bloco são produtos industrializados, que geram
para liderar as ações como reconhecimento aos seus mais investimento em tecnologia, emprego, renda e
esforços em torno da manutenção do Sistema Único de arrecadação tributária do que os produtos primários
Saúde (SUS), referência mundial em equidade e acesso que o país exporta para a China, principal parceiro
universal à saúde e que vem sofrendo duros cortes comercial. Segundo dados da Confederação Nacional
desde a implementação da Emenda Constitucional 95 da Indústria (CNI), entre 2011 e 2020, o saldo comercial
em 2016, aprofundando seu subfinanciamento crônico. entre Brasil e Mercosul foi positivo em US$ 54,9 bilhões.
Ainda assim, na opinião pública nacional o bloco vem
O histórico papel do Brasil de principal promotor sendo mobilizado – especialmente após as eleições de
do Mercosul contrasta com os dias atuais. O bloco 2014 – como um impeditivo no crescimento econômico.
sempre foi um importante ativo da política externa
brasileira para a América do Sul, já que enfrenta, dos Desde o início do governo Bolsonaro, o
países vizinhos, desconfiança e resistência – vide as Mercosul vem sendo reorientado para seu propósito
consecutivas acusações por parte do Paraguai de que o fundamentalmente econômico, o que se expressa no
Brasil seria subimperialista na região, limitando o seu fato de que o bloco só recebeu destaque no âmbito
crescimento e desenvolvimento. da assinatura do acordo com a União Europeia e
na proposta de revisão da TEC. Esse processo de
A ação via organismos multilaterais é estratégica, reorientação também se apresenta ainda em 2019 com
por trazer maior transparência e participação dos a saída do país da União de Nações Sul-Americanas

Fonte: Dana.S/Shutterstock.com

23
ESPAÇO ABERTO

(Unasul) e com a sua retirada do Setor Educacional


do Mercosul (SEM). Na reunião comemorativa de
30 anos do bloco, o chefe do executivo nacional não
permaneceu durante toda a cúpula presidencial,
reforçando a falta de prioridade que o bloco tem hoje
para a política externa brasileira.

Ainda que muito se fale sobre uma saída do


Brasil do Mercosul, o amplo processo institucional
feito pelo bloco nesses 30 anos certamente constrange
o Brasil a não denunciar o Tratado de Assunção, como
fez com a Unasul. No entanto, vale ressaltar que o
processo de saída de uma organização internacional
é um dispositivo do executivo federal, sem análise
de outros poderes. Por conta disso, tramita hoje no
Senado um Projeto de Decreto Legislativo (PDL
692/2019) que versa sobre o Mercosul, propondo
uma alteração no Decreto Legislativo 197/1991, que
incorporou o Tratado de Assunção ao ordenamento
jurídico brasileiro. A mudança exigiria que o Congresso
Nacional aprove qualquer ato que resulte em revisão ou
denúncia do Tratado.

O Mercosul chega aos 30 anos fragilizado e


relativamente esvaziado, mas com marcos históricos
para uma região subordinada e dependente como a
América do Sul. Se a discussão hoje capitaneada por
Brasil e Uruguai gira em torno de uma flexibilização
do bloco, Argentina busca reforçar temas como
democracia, meio ambiente (principal entrave no
acordo com a União Europeia) e violência de gênero.
O cálculo imediatista de alguns países da região
em matéria de política externa, que visa ganhos
pretensamente instantâneos, já se mostrou insuficiente
no passado. A integração produtiva, com objetivos de
médio e longo prazo que fortalecem diversas políticas
setoriais, é uma das possibilidades que a América do
Sul tem para superar a profunda crise que a pandemia
de covid-19 traz. Os mecanismos existem, mas precisam
de impulso político para sobreviverem.

24
PERSPECTIVAS DA POLÍTICA EXTERNA

Fonte: fredex/Shutterstock.com

RELAÇÕES
BRASIL-ESTADOS UNIDOS

Por Tatiana Berringer³

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PERSPECTIVAS DA POLÍTICA EXTERNA

A política externa brasileira do século XX e XXI desenvolvimento nacional desse, o que fez adotar, em
é marcada pela relação com os Estados Unidos, isto muitos casos, uma política de barganha, buscando apoio
porque este foi o primeiro a reconhecer a proclamação de outros Estados-potência como a Alemanha, em 1930,
da República em 1889, tornou-se o principal comprador para a construção da siderúrgica nacional e, em 1970,
do café brasileiro criando laços de dependência com para a construção das usinas nucleares de Angra. Houve
a burguesia comercial e exportadora, e ao longo das pontos também de divergência na política regional, em
primeiras duas décadas suplantou o lugar de principal especial, a posição do Estado brasileiro de defesa do
credor brasileiro no lugar da Inglaterra, iniciando princípio da autodeterminação dos povos e a posição
também investimentos diretos e em infraestrutura dos Estados Unidos de invasão e embargo à Cuba. E
como a formação da Fordlândia e a vinda da Swift no âmbito multilateral, a contradição maior foi tanto
para o país. Esse processo foi conformando o nas negociações de comércio, dívida e investimentos
chamado alinhamento do Brasil aos Estados Unidos internacionais, primeiro no GATT e depois na OMC,
cuja expressão política maior é a entrada do Estado como nas questões de segurança internacional como
brasileiro nas duas guerras mundiais ao lado dos o Tratado de Não-proliferação de Armas (TNP) que
Estados Unidos, que resultou em um acordo militar o Estado brasileiro se negou a assinar por 29 anos,
entre 1952 e 1977. entre 1968 e 1997.

A relação de subordinação se inscreve em uma Nos anos 1990 e 2000, ambos estiveram
correlação de forças maior: a relação dos Estados envolvidos nas rodadas de negociação da Área de Livre
Unidos com a América do Sul. Neste ponto, o Estado Comércio das Américas, que acabou sendo arquivado
brasileiro jogou durante um século (até 1979 pelo em 2005. Tiveram também embates sobre acesso ao
menos) o papel de intermediador ou representante medicamento e à propriedade intelectual de fármacos
dos interesses dos Estados Unidos na região. Buscando na OMC, bem como a questão dos protecionismos
incorporar os demais Estados a aliança que mantinha agrícolas dos EUA, que levaram o Estado brasileiro
com o imperialismo estadunidense, o maior exemplo é a obter vitória no painel sobre algodão. Além disso,
a formação do Tratado Interamericano de Assistência em 2000 foi firmado um protocolo de cessão da base
Recíproca (TIAR) e da Organização dos Estados de Alcântara do Maranhão, que foi arquivado por
Americanos (OEA) em 1948, que levou toda a região, Lula em 2003.
com exceção de Cuba, após a Revolução de 1959, ao
alinhamento aos Estados Unidos na Guerra Fria. Nos governos Dilma, apesar do aumento de
Paralelo a isso, o Estado brasileiro atuou nos golpes cooperação científica e educacional, e da facilitação
militares do Chile, Uruguai e Bolívia, e participou de obtenção de vistos, a descoberta da espionagem
da Operação Condor. Cabe também destacar as dos EUA à então Ministra da Casa Civil e à Petrobrás
intervenções e ações políticas dos Estados Unidos no levou ao cancelamento de uma viagem da presidenta
Brasil ao longo do século XX visando garantir governos à Washington e estremeceu as relações entre os dois
e regimes políticos que garantissem de maneira mais Estados, que só voltaram a ter encontros formais na
passiva seus interesses no interior da formação social Copa do Mundo de 2014, quando o vice-presidente dos
brasileira: a Revolta da Armada, o apoio à candidatura EUA veio ao Brasil. É bastante evidente que, durante
de Júlio Prestes, em 1930, a apoio à contra-Revolução os governos PT, não houve uma ruptura formal das
de 1932, a operação Brother Sam, em 1964, entre outras. relações, mas a estratégia do Estado brasileiro de
se aproximar de Estados dependentes, de investir
Apesar de estrategicamente nunca ter havido na integração regional latino-americano e de criar
uma ruptura das relações entre os dois Estados e nem coalizões multilaterais envolvendo, especialmente,
mesmo ter se colocado a possibilidade de alteração com os Estados chinês e indiano, primeiramente
da dependência estrutural do Estado brasileiro ao
imperialismo estadunidense, houve muitos conflitos e
distanciamentos ainda que conjunturais e/ou pontuais.
3
Tatiana Berringer é professora de Relações Internacionais da
Os principais pontos de conflito entre os Estados Unidos UFABC e autora do livro “A burguesia brasileira e a política
e o Estado brasileiro estiveram ligados à estratégia de externa nos governos FHC e Lula”, Editora Appris, 2015.

26
PERSPECTIVAS DA POLÍTICA EXTERNA

como o G-20 e o Fórum IBAS, depois com o BRICS, ideológico “tradicionalista” de construção da aliança
acabou resultando em ganho de relativa margem contra o globalismo e de defesa da família e de Deus
de manobra para o Estado brasileiro em relação ao e da fé, contra a modernidade e contra a cooperação
imperialismo, que esteve por trás da motivação dos internacional. O resultado concreto dessa subordinação
interesses dos Estados Unidos no impeachment da foi a assinatura do acordo de salvaguardas tecnológicas
presidenta, em 2016, e na realização da Operação para a cessão da base de Alcântara do Maranhão,
Lava Jato que acabou levando Lula à prisão, em 2018. que implica em perda da soberania e da capacidade
O resultado é que, após o golpe de 2016, as relações de desenvolvimento tecnológico do Brasil. Além
Brasil-Estados Unidos retomaram um patamar de disso, houve uma clara inflexão da posição do Estado
subordinação passiva, que no governo Bolsonaro brasileiro no sistema multilateral e na defesa dos
assumiu um caráter explícito, dado o discurso direitos humanos.

Atual presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, durante participação no UNICA Fórum 2018 - Fonte: Marcelo Chello/Shutterstock.com

REFERÊNCIAS

BERRINGER, Tatiana. A burguesia brasileira e a política externa nos governos FHC e Lula. Curitiba: Editora
Appris, 2015.

BERRINGER, Tatiana, et al. Governo Bolsonaro e os EUA: o nacionalismo às avessas. IN: Observatório da Política
Externa e Inserção Internacional do Brasil, 2019. Disponível em: http://opeb.org/2019/06/21/governo-bolsonaro-e-os-
eua-o-nacionalismo-as-avessas/

Berringer, Tatiana, et al. Relações Brasil-Estados Unidos face à pandemia do coronavírus. http://opeb.org/2020/06/11/
relacoes-brasil-estados-unidos-face-a-pandemia-do-coronavirus/

BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. A presença dos Estados no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
______. As relações perigosas Brasil-Estados Unidos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.

HIRST, Monica. Brasil-Estados Unidos: desencontros e afinidades. São Paulo: FGV, 2009.

PECEQUILLO, Cristina. As relações Brasil-Estados Unidos. Belo Horizonte: Fino Traço Editora, 2012.

PECEQUILLO, Cristina. As relações Brasil-Estados Unidos no governo Dilma Rousssef. Revista Conjuntura
Austral, UFRGS, 2014.

27
PROFESSOR SAPIENTIA COMENTA

Escravidão na África - Journal des Voyage, Travel Journal (1880-81) - Fonte: Morphart Creation/Shutterstock.com

UM SOLIDÁRIO TREZE DE MAIO:


OS AFRO-BRASILEIROS E O
TÉRMINO DA ESCRAVIDÃO

Por Rodrigo Goyena Soares4

28
PROFESSOR SAPIENTIA COMENTA

Resenha: Jeffrey D. Needell, The Sacred Cause: o caso, não teriam compreendido, o que talvez não
The Abolitionist Movement, Afro-Brazilian Mobilization, seja de todo justo, como o regime verdadeiramente
and Imperial Politics in Rio de Janeiro, Stanford: Stanford funcionava. Seria esse o mesmo – e suposto – defeito de
University Press, 2020. Angela Alonso (2015), malgrado o mérito de procurar
entender o movimento abolicionista em escala
Devido às contradições que os formam, nacional. A historiografia mais recente que se albergou
problemas históricos como a abolição da escravatura na ideia de agência escrava, quer Needell, tampouco
no Brasil são forçosamente de difícil resolução. teria feito melhor, porque, calcada nos indivíduos, não
Largo e plástico, o cativeiro moldou nossas relações teria assimilado o movimento em seu conjunto – mas
econômicas, nossas tramas políticas e nossas regras foi essa a vocação dos agenciais?
de convivência. O escravo tornou-se ao longo do
tempo, mas finalmente a um só tempo, mão de obra, Desejoso do inédito, Needell dividiu seu
mercadoria, insumo e derivativo financeiro. No campo texto em sete capítulos, que, à exceção do quadro de
político, fez das classes latifundiárias uma barreira socialização afro-brasileira composto no primeiro,
intransponível para as dirigentes, quando não as seguem a ordem cronológica dos acontecimentos. O
forjou em simbiose. Delimitou por extensão o padrão segundo traça o advento do movimento abolicionista,
de inserção internacional do país e regeu a vida social logo após a edição da Lei do Ventre Livre, em 1871,
a ponto de definir quem era quem, aliviando apenas até sua primeira derrota, em 1881. Vislumbrando
superficialmente os menos prósperos das misérias fases rápidas e movediças, Needell propõe no terceiro
hierárquicas próprias a uma sociedade, igualmente por capítulo o soerguimento do movimento entre 1882
causa do cativeiro, formada a partir de desigualdades. e 1883, particularmente em suas feições populares e
suas solidariedades racialmente amplas. No quarto,
Jeffrey D. Needell, professor na Universidade discute o governo de Sousa Dantas, a posição agora
da Flórida e também autor de A Tropical Belle Epoque mais contida, porque atenta à radicalização, de um
(1987) e The Party of Order (2006), reorientou em The monarca de claras tendências emancipacionistas e a
Sacred Cause sua já costumeira análise a partir das saída paliativa da Lei dos Sexagenários, editada em
elites políticas, de modo a avaliar o Treze de Maio 1885, com o retorno dos conservadores ao poder.
na perspectiva das inter-relações entre o movimento
abolicionista, pelo baixo, e a vida parlamentar, Daí em diante, Needell presta-se à análise da
pelo alto. Na complexidade multidimensional da resposta abolicionista à lei de 1885, procurando seu
escravidão, Needell autonomizou três variáveis e as objeto – como nos outros capítulos – na imprensa,
aplicou a um espaço apenas, a Corte, porque julgada nos diários, nas memórias, nos relatórios oficiais e na
berço e cova do abolicionismo. O recorte temático e troca de correspondências. Conclui o quinto capítulo
espacial atravessa o texto por inteiro e dá o tom dos com a implosão do bloco conservador e a decorrente
porquês do Treze de Maio. À pergunta como foi possível intervenção abolicionista do Imperador, articulada de
a abolição quando o Estado era dominado por escravocratas? maneira a preservar o país de uma desestabilização final.
Needell responde: por obra de duas forças congraçadas Diferentemente dos Estados Unidos, onde a abolição
– a saber, a solidariedade afro-brasileira e o movimento ocorreu após severa guerra civil, Needell sugere uma
abolicionista – contra um reduto parlamentar, pelo saída relativamente pacífica para o trabalho livre no
resto, também pressionado pela Coroa. Brasil – implicitamente também por obra de um poder
pessoal do monarca. Discutida a abolição propriamente
Com o estilo ríspido que por vezes lhe é dita no sexto capítulo, Needell argumenta no sétimo
característico, Needell põe em xeque boa parte da o resultante colapso da monarquia e, sobremaneira,
historiografia que tratou do movimento abolicionista. o fracasso do movimento em lidar com a inserção
Emília Viotti da Costa (1966), Robert Conrad (1972)
e Robert Toplin (1972) não teriam logrado integrar o
abolicionismo às urdiduras da alta política. Com os
4
Rodrigo Goyena é professor de História do Brasil no Curso
olhos voltados para os oprimidos e respaldados por Sapientia e professor colaborador no Departamento de História da
interpretações materialistas, o que nem sempre foi Universidade de São Paulo (USP).

29
PROFESSOR SAPIENTIA COMENTA

do negro na sociedade de classes, malgrado ter sido após a Lei Eusébio de Queirós (1850), não apenas
transversalmente afro-brasileiro. em razão da diversificação da malha societária, mas
sobretudo em consequência do aumento no preço do
Porque permanentes no relato, são as escravo. Sem recursos para diferenciar-se pela posse
três variáveis de Needell que interessam a esta cativa, a classe popular encontrou-se tão desamparada
resenha, e começaremos pela que talvez seja a quanto a igualmente afrodescendente classe média
mais polêmica: a solidariedade afro-brasileira na em suas expectativas de ascensão social, o que, sugere
formação, na radicalização e nos estertores do Needell, teria apenas redobrado a solidariedade racial.
movimento abolicionista.
Nesse enredo e à contracorrente do usualmente
Desde cedo, propõe Needell, escravos de acreditado, o movimento abolicionista teria surgido
diferentes nações encontraram meios para fazer afro-brasileiro desde o começo. A historiografia não
suas próprias comunidades. Angolas, benguelas, teria suficientemente percebido – sequer Rebecca
cabindas, congos ou moçambiques importaram Bergstresser, cuja tese sobre a participação da classe
divisões étnicas que somente se desfizeram com o média no movimento Needell apadrinha – um protocolo
tempo, mas especialmente após o término do tráfico relacional do Império moldado para acobertar origens
transatlântico, em 1850. Socializados em irmandades raciais, quando necessário. As plateias abolicionistas
religiosas e em confrarias políticas, os cativos eram afro-brasileiras, argumenta o brasilianista norte-
moldaram progressivamente uma identidade afro- americano, e a inclemência das fontes quanto a isso
brasileira, em primeira instância, por oposição a apenas ratifica uma etiqueta que impunha mudez
outrem e, em segunda, pela partilha de experiências sobre a descendência negra de homens e mulheres de
comuns – conceito que Needell, sem levá-lo até suas maior envergadura social – ou de potenciais lideranças
últimas consequências, parece tomar emprestado de abolicionistas, ainda que populares. É desses silêncios
E. P. Thompson. Transitando por uma Corte que não que emergem na análise de Needell novas figuras
formou guetos, pelo menos para o autor, os escravos abolicionistas, pouco ou nada conhecidas do público
relacionavam-se com o operariado em constituição, especializado. Para além dos famigerados André
também de origem negra. A troca teria amadurecido Rebouças, Joaquim Nabuco e José do Patrocínio,

Fonte: Bakhur Nick/Shutterstock.com

30
PROFESSOR SAPIENTIA COMENTA

tratados com rigor e à exaustão no texto, Vicente Ferreira classes imperiais, melhor revisitando suas respectivas
de Souza e Miguel Antônio Dias teriam sido lideranças instâncias de integração e interação social. Caberia
de proa, porque orgânicas – para retomar um conceito também avaliar seus espaços organizativos, como as
de Antonio Gramsci, ao qual Needell não recorre. entidades mutualistas que fundaram e as sociedades
Entre a novidade historiográfica e o embasamento políticas que compuseram. Assim, a identidade racial
material, o equilíbrio é por momentos imperfeito, expressaria sobremodo uma condição material que
visto que, especialmente no caso de Miguel Antônio serviu de fundamento para uma coligação abolicionista
Dias, as fontes parecem não ser satisfatórias o bastante socialmente larga. Parece-nos, pois, que a solidariedade
para lhe dar o mérito que parece ter. O problema, no do movimento não foi racial, mas antes socioeconômica
entanto, é pó de traque perto da imaginação que o bom e, efêmera como se mostrou, autorizada apenas pela
historiador conduz entre as frestas dos documentos. associação popularmente ressentida entre os que
possuíam escravos e os que dirigiam a economia
Mais quebradiço é o imediato pós-abolição política do Império.
de um autor que viu tanta solidariedade racial entre
afro-brasileiros. Em parte, o movimento abolicionista Nesses termos, a proposta conceitual de
teria fracassado em promover uma sociedade identidade afro-brasileira, para o Oitocentos, guarda
menos segregada após o Treze de Maio, porque, menos relevância do que a equivalente norte-americana,
contrariamente à percepção corrente, o racismo não mais rigorosa para uma sociedade amplamente
era vislumbrado pelos abolicionistas como barreira menos miscigenada e juridicamente, naquele então,
à mobilidade social ou como tema relevante em mais obstrutiva.
seu tempo. Se consentirmos com a interpretação,
como pôde então a raça, na avaliação do próprio Se o fracasso do movimento, após o Treze
Needell, ser tão matricial na formação do movimento de Maio, não se deveu ao suposto não-tema racial,
abolicionista? A incoerência, nos parece, poderia consideramos mais oportuna a hipótese de Needell
eventualmente ser melhor resolvida pela perspectiva que enxerga os tolhimentos ao reformismo do pós-
de classes, que o autor realça e embaça, a depender do abolição no advento de um regime de ambição política
instante argumentativo. e composição social, malgrado os ajustes, semelhantes
às do derrocado. Ocorre que, e assim passamos às
Por todas as evidências dadas no próprio variáveis parlamentar e real, Needell tendeu a omitir
texto, numa sociedade em que a imbricação das as forças que – também abolicionistas, não obstante
relações sociais nas econômicas, para recuperar um agendas e intensidades diferentes – remodelaram o
conceito de Karl Polanyi, expressava os pródromos país. Atento à atividade parlamentar e aos impactos
da formação capitalista brasileira, raça e classe, determinantes de movimento no desfecho da abolição,
assim como geração e gênero, combinaram-se traçando paulatina e seguramente as pressões
nas hierarquias coletivas daquele tempo – muito abolicionistas sobre o gabinete de Paranaguá, as
largamente constituídas pela renda. Sintomaticamente, alianças com o de Sousa Dantas e a radicalização
o negro que enriquecia embranquecia, o jovem posterior à Lei dos Sexagenários, Needell inclinou-se a
que fazia fortuna amadurecia e a mulher que ver nos debates legislativos a vida de todo o Império.
trabalhava empobrecia. Emascaradas em fontes oficiais que não as delatam por
inteiro, as movimentações dos cafeicultores paulistas, o
Se afro-brasileiros como Rebouças, Vicente calor da caserna e as apostas financeiras dos principais
de Sousa e Patrocínio, na recomendação de Needell, bancos do Império empalideceram frente a um decisivo
agitaram-se contra a pobreza e a opressão, urbana e movimento abolicionista.
rural, no lugar de se apegarem ao racismo, foi porque
os silêncios sobre a raça estavam encastelados na renda Quiçá excesso historiográfico de nosso
– que, antes de ser um critério, é um reflexo de um tempo, a análise das estruturas produtivas e
determinado lugar nas relações sociais que mercadorias financeiras, assim como as alianças esporádicas e
produzidas e consumidas materialmente expõem. arrivistas do grande capital com a tropa, costumam
Disso sucederia a necessidade de reposicionar as cheirar a naftalina. Ganham toda a atenção em

31
PROFESSOR SAPIENTIA COMENTA

consequência os movimentos subalternos, biografia, se presta em boa medida à ideia da força


quando em última instância não são variáveis pessoal do monarca.
relativamente autônomas, mas exteriorizações
das contradições políticas, sociais e econômicas Teria tido tanta influência emancipacionista
que os constituem. o Imperador, sem as contradições que caracterizam
o mundo escravista posterior à Guerra de Secessão
Um pouco pelas mesmas razões, a Coroa como (1861-1865) ou, ainda, sem àquelas que remodelaram
variável emerge com suas volições independentes na os eixos econômicos nacionais, produtivo e financeiro,
obra de Needell. Já havia sido o caso em The Party subsequentes à Guerra do Paraguai (1864-1870)?
of Order, quando o autor se amparou na retórica Quais os termos do poder imperial, se Needell viu
dos conservadores, nomeadamente dos ortodoxos, o monarca avançar e recuar, tanto em função do
para sugerir que eles teriam hostilizado o Ventre movimento abolicionista quanto em razão, num
Livre devido a sua suposta inconstitucionalidade. exame provavelmente mais próximo de Ilmar
Seria a lei, nessa leitura, obra da ingerência imperial. Rohloff de Mattos (1987), da constante representação
Needell estendeu a proposta de um poder pessoal latifundiária na Assembleia Geral do Império?
do Imperador à década de 1880, matizando-o
com as agitações abolicionistas, porém ao fim sem Seja como for, o caso é que certamente, para o
tirar-lhe o brilho. endosso ou a crítica, será custoso de agora em diante
produzir relato qualquer sobre a abolição sem recorrer
Na raiz da fórmula estão talvez as principais ao último livro de Jeffrey D. Needell – e a todos os
inspirações do autor: em linhas superpostas de outros que lhe serviram de fundamento ou ponto de
influência, Roderick J. Barman (1999), Sérgio Buarque partida. É uma obra de méritos, que, também voltada
de Holanda (1972), Heitor Lyra (1938) e Joaquim para o público norte-americano ou simplesmente
Nabuco (1897), cuja história do pai, não à toa uma estrangeiro, deverá encontrar no Brasil boa tradução.

Escravos cortando cana-de-açúcar - William Clark (1823) - Fonte: British Library/Unsplash

32
PROFESSOR SAPIENTIA COMENTA

BIBLIOGRAFIA

ALONSO, Angela. Flores, votos, balas: o movimento abolicionista brasileiro (1868-1888). São Paulo: Companhia
das Letras, 2015.

BARMAN, Roderick J. Imperador cidadão. São Paulo: Editora UNESP, 2012.

CASTILHO, Celso Thomas. Slave Emancipation and Transformations in Brazilian Political Citizenship. Pittsburgh:
University of Pittsburgh Press, 2016.

CONRAD, Robert. The Destruction of Brazilian Slavery, 1850-1888. Berkeley and Los Angeles: University of
California Press, 1972.

COSTA, Emília Viotti da. Da senzala à colônia. São Paulo: Editora UNESP, 2012.

GOYENA SOARES, Rodrigo. Estratificação profissional, desigualdade econômica e classes sociais na crise do
Império. Notas preliminares sobre as classes imperiais. Topoi, Rio de Janeiro, vol. 20, n. 41, pp. 446-489, 2019.
http://dx.doi.org/10.1590/2237-101x02004108

GOYENA SOARES, Rodrigo. Racionalidade econômica, transição para o trabalho livre e economia
política da abolição. A estratégia campineira (1870-1889). História (São Paulo), São Paulo, vol. 39, 2020.
http://dx.doi.org/10.1590/1980-4369e2020032

HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). História Geral da Civilização Brasileira. Tomo II: O Brasil monárquico. Vol.
5: Do Império à República. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1992.

LYRA, Heitor. Dom Pedro II. Belo Horizonte: Editora Garnier – Itatiaia, 2020.

MARQUESE, Rafael e SALLES, Ricardo (orgs.). Escravidão e capitalismo histórico no século XIX. Cuba, Brasil,
Estados Unidos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.

NABUCO, Joaquim. Um estadista do Império. Nabuco de Araújo: sua vida, suas opiniões, sua época. Paris, Rio de
Janeiro: H. Garnier, Livreiro-Editor, 1898.

TOPLIN, Robert. The Abolition of Slavery in Brazil. New York: Atheneum, 1972.

YOUSSEF, Alain El. O Império do Brasil na segunda era da abolição, 1861-1880. Tese (Doutorado em História
Social). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019.

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INICIATIVAS SAPIENTIA

INICIATIVAS
SAPIENTIA

Queridos sapientes,

Após quase um semestre em 2021, que tal revisitarmos os acontecimentos mais


importantes para o Sapi e para vocês neste ano?

Para isso, nada melhor do que começarmos com a Trilha Regular Extensiva (TRE)
para o Concurso do Itamaraty, que é a nossa metodologia de estudos inovadora e planejada
minuciosamente com o objetivo de aumentar o foco e a produtividade durante a preparação
para o Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata, o famoso CACD.

Não podemos nos esquecer, também, da 6ª edição do CONACD, o nosso Congresso


Nacional dos Aspirantes à Carreira de Diplomata, que aconteceu no começo de 2021 e teve como
objetivo ensinar aos ceacedistas a forma certa de estudar para o concurso, de forma pragmática
e sem perda de tempo. Neste ano, o congresso durou 8 dias e contou com a participação de
nossos professores que são referência na preparação para o Concurso do Itamaraty. Ao todo,
foram realizados 8 painéis para mostrar aos candidatos quais são os fundamentos essenciais
para quem quer se preparar para o CACD e como estudar, de forma objetiva, as disciplinas
exigidas na prova.

Também lançamos vários novos episódios do SapiCast, o podcast do Sapientia, no qual


falamos sobre assuntos relevantes para a preparação para o CACD, como dicas de estudo,
compartilhamento de informações sobre os temas mais quentes dos editais, e muito mais.

Pensou que acabou? Que nada! No primeiro semestre do ano, já compartilhamos muitos
artigos interessantes no Blog Sapi, a nossa plataforma voltada para a publicação de indicações
de leituras importantes para o concurso, fatos históricos e atualidades, dicionários jurídicos e
de economia, entre outros temas que todo aspirante a diplomata deve saber.

34
INICIATIVAS SAPIENTIA

Tivemos, ainda, mais uma websérie publicada na Sapi TV, o nosso canal do YouTube.
Com entrevistas de alguns dos diplomatas mais importantes da história contemporânea, falamos
sobre os Grandes Nomes da Diplomacia do nosso país.

E caso você não tenha acompanhado as últimas edições do Iniciativas Sapientia, a


TRE também virou pós-graduação, oferecendo ainda mais conteúdos para você acrescentar
ao seu currículo.

Para saber mais sobre a nossa pós-graduação online e outras iniciativas, basta visitar o
nosso site (www.cursosapientia.com.br).

A TRILHA REGULAR EXTENSIVA


TAMBÉM É PÓS-GRADUAÇÃO

Quer saber como funciona a nossa Pós-Graduação? A gente explica. Basicamente, ao se


matricular na modalidade completa da Trilha Regular Extensiva para o CACD, você poderá
optar em participar do nosso programa de Pós-Graduação em Análise da Política Internacional
Contemporânea e Estudos Brasileiros.

O programa tem carga horária total de 360 horas e garante a emissão de certificado de pós-
graduação homologado pelo Ministério da Educação (MEC), mediante a aprovação em uma
avaliação final que será aplicada ao término das aulas.

“Mas por que fazer a Pós-Graduação do Sapientia?”. Os motivos são vários. Além de ser
um ótimo recurso de preparação para o concurso do Itamaraty, haja vista as aprovações de nossos
ex-alunos, a nossa pós também agrega experiência ao seu currículo. E, como você já deve saber,
títulos de pós-graduação fazem toda a diferença em qualquer oportunidade de trabalho, ainda
mais em concursos públicos.

Por isso, se você, futuro ceacedista, ainda não conhece a nossa Trilha Regular Extensiva, o
Sapi te convida a conhecê-la agora mesmo. Acesse o nosso site e saiba mais sobre essa oportunidade
de garantir a melhor preparação para o concurso da diplomacia, com o corpo docente que mais
contribuiu na aprovação de diplomatas nos últimos oito anos.

35
INICIATIVAS SAPIENTIA

TRILHA DE FRANCÊS DO ZERO

Lançamos a Trilha de Francês do Zero (TFZ), nossa metodologia de estudos da língua


francesa que aborda o conteúdo específico que é cobrado nas provas de francês do CACD,
possibilitando que nossos alunos aprendam não só a dominarem o idioma, como também a
focarem apenas no que é necessário para dominar de forma plena a estrutura da prova e as
exigências da banca examinadora. Resumindo, o foco da nossa TFZ não é a fluência, e sim, a
aprovação no concurso.

“E por que eu deveria estudar francês para o concurso com a Trilha de Francês do
Zero?”. Em primeiro lugar, porque o nosso professor Arthur Marra tem uma bagagem enorme
de conhecimentos e estudos sobre a língua, sem falar no fato de que ele já prepara candidatos
para a prova de francês do CACD há muitos anos. Depois, a nossa Trilha de Francês, diferente
de outros cursos, tem o conteúdo constantemente atualizado pelo professor para garantir que
você sempre receba o melhor material de estudos possível.

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CACD, uma orientação 100% online e gratuita, cujo objetivo é orientar candidatos iniciantes que
ainda não fazem ideia de como iniciar a preparação para o concurso.

Nossa intenção é ajudar você, futuro diplomata, que ainda não tem clareza de qual
estágio da preparação se encontra ou está com dificuldade de traçar seu planejamento
de forma estratégica, a encontrar um plano de estudos ideal considerando as suas maiores
necessidades e dificuldades.

36
INICIATIVAS SAPIENTIA

Que tal fazer o teste? Quanto antes você traçar o seu programa de estudos, com base no
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SAPIENTIA INDICA

PROFESSORES DO SAPIENTIA
DÃO DICAS PARA AJUDAR NA SUA
PREPARAÇÃO PARA O CACD

Por Todd Marshall e Mayara Ribeiro

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SAPIENTIA INDICA

Todd Marshall (Inglês)


Fonte: Suad Kamardeen/Unsplash

Hello, Hello! Venho hoje sugerir-lhes um material excelente para estudar a língua
inglesa. Sabemos que o exame do CACD é muito sério e de altíssimo nível, especialmente
na prova de inglês. Mas isso não significa que temos que sempre sofrer nos nossos
estudos, fazendo apenas provas antigas da primeira e da segunda fase. Há muitos
materiais excelentes e interessantes para estudar e que são muito acessíveis na própria
internet. Nesse sentido, uma das autoras que mais me chamou atenção nos últimos
tempos é a autora nigeriana, Chimamanda Adichie. A maneira dela de ver o mundo sob
um olhar heterogêneo e pluralista, de rejeitar estereótipos geográficos, especialmente o
termo “africana”, revela uma perspicácia não somente do mundo global, mas também a
seu próprio papel dentro desse mundo, utilizando as histórias dos acertos e dos erros
da própria vida para explicar como devemos abrir o nosso olhar para melhor enxergar o
mundo e compreender a necessidade da tolerância e da compaixão uns com os outros,
além de uma aprendizagem introspectiva ao melhor compreender o outro. Nas suas
apresentações fabulosas feitas no site do Ted Talks – The Danger of a Single Story e We
Should All Be Feminists – Chimamanda relata as histórias da própria experiência para o
espectador refletir sobre a sua própria visão do mundo e os estereótipos enraizados
no nosso subconsciente. É uma reflexão prazerosa e gratificante. Os textos transcritos
também são muito acessíveis na internet e contém uma variedade rica de vocabulário e
expressões idiomáticas na língua inglesa muito úteis, tanto para a primeira quanto para
a segunda fase. E se esses Ted Talks te inspirarem, podem também buscar os seus livros
de ficção – Half of a Yellow Sun e Americanah – onde o leitor também encontrará assuntos
importantes sobre a Nigéria/África, sobre o racismo norte-americano e sobre os principais
problemas da sociedade atual. É uma fonte muito rica e prazerosa para os seus estudos
da língua inglesa para o exame do CACD! Boas leituras!

39
SAPIENTIA INDICA

Mayara Ribeiro (Direito Interno)


Fonte: Shutterphu/Freepik

Olá, futuros e futuras diplomatas! Para complementar os estudos de vocês na preparação


do CACD, quanto ao Direito Constitucional recomendo a leitura do livro “A República que ainda
não foi: trinta anos da Constituição de 1988”. A obra celebra os 30 anos da Constituição Federal,
sendo uma importante vitória da democracia brasileira, com o firmamento de um Estado
Democrático de Direito. Vocês, ainda, encontrarão um contraponto e uma análise crítica ao
processo de redemocratização do Brasil, bem como, os entraves e dificuldades que temos
enfrentado ao longo dessas três décadas na proteção dos direitos fundamentais, dos direitos
humanos, e, ainda quanto à efetividade de direitos nela resguardados no ordenamento jurídico
interno. Trata-se de uma obra muito interessante que nos permite uma análise ampla quanto
à construção e estruturação do Estado Democrático de Direito no Brasil.

Referência bibliográfica:

BARROSO, Luís Roberto; MELLO, Patrícia Perrone Campos (Coord.). A República


que ainda não foi: trinta anos da Constituição de 1988 na visão da Escola de Direito
Constitucional da UERJ. Belo Horizonte: Fórum, 2018. 639p. ISBN 978-85-450-0582-7.

40
CHARGE

Por Paulo Matiazi

41

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