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Fritjof Capra: A pandemia vista de 2050

por Fritjof Capra e Hazel Henderson / CSR Wire /


Tradução Bruno Mattos - 13.07.2020 | Fritjof Capra|
#Ciência , #Física

As ideias que movem o mundo em um único lugar.


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Vamos supor que temos a possibilidade de
despertar em 2050 e visualizar o mundo e
suas transformações pós-pandemia, já bem
definidas.

O que temos a dizer sobre o que ocorria no


passado, sobre as falhas e condições da
humanidade, e quais mudanças seriam
percebidas?

Esta é a proposta do artigo escrito pelo físico


Fritjof Capra e pela futurista Hazel Henderson,
juntar indícios que temos com perspectivas
imagináveis.

O Fronteiras do Pensamento 2020 debate a Reinvenção


do humano, e o físico austríaco Fritjof Capra é um dos
conferencistas que contemplarão o tema e as novas
realidades da pandemia no mundo.

Autor de best-sellers sobre as mudanças conceituais na


ciência relacionadas às mudanças de visão de mundo e
valores da sociedade, Capra é reconhecido
mundialmente pela obra O Tao da Física. É, também,
aclamado por seu trabalho na promoção da educação
ecológica.

>> O físico teórico austríaco Fritjof Capra é um


dos grandes pensadores que debate a
Reinvenção do humano no Fronteiras do
Pensamento 2020.

Garanta o seu acesso à plataforma digital.

Confira o artigo:

Imagine que estamos em 2050, olhando em


retrospecto para a origem e a evolução da
pandemia de coronavírus nas últimas três
décadas.
Extrapolando a partir de eventos recentes,
oferecemos o seguinte cenário para essa visão
desde o futuro.

Conforme adentramos a segunda metade do


século XXI, finalmente somos capazes de
interpretar os sentidos da origem e do
impacto do coronavírus que atingiu o mundo
em 2020 a partir de uma perspectiva
evolucionária sistêmica.

Hoje, em 2050, olhando em retrospecto para


os últimos 30 anos de turbulência em nosso
planeta natal, parece óbvio que a Terra
assumiu a tarefa de ensinar uma lição à nossa
família humana.

O planeta nos mostrou a importância


primordial de compreendermos nossa
situação a partir de sistemas inteiros,
identificados por alguns pensadores
visionários já em meados do século XIX.
Essa maior consciência humana revelou como o planeta
funciona de fato, com sua biosfera viva extraindo poder
sistemicamente do fluxo diário de fótons de nossa
estrela mãe, o sol.

No fim das contas, essa consciência expandida


ajudou a separar as limitações cognitivas e os
pressupostos e ideologias equivocados por
trás das crises do século XX.

Falsas teorias sobre o progresso e o


desenvolvimento humano, medido de forma
míope a partir de preços e métricas baseadas
apenas no dinheiro, como o PIB, culminaram
em perdas sociais e ambientais cada vez
maiores: poluição do ar, da água e da terra,
destruição da diversidade biológica e perda de
funções do ecossistema, todos exacerbados
pelo aquecimento global, pela elevação do
nível dos oceanos e por gigantescas alterações
climáticas.
Essas políticas míopes também geraram
colapso social, desigualdade, pobreza,
doenças mentais e físicas, vícios, a perda de
confiança nas instituições (incluindo a mídia, a
academia e a própria ciência) e também uma
redução da solidariedade comunitária.

Elas também provocaram as pandemias do


século XXI: SARS, MERS, AIDS, influenza e os
muitos coronavírus surgidos em 2020.

Durante as últimas décadas do século XX, a


humanidade havia excedido a capacidade
regenerativa da Terra.

A família humana crescera até atingir os 7,6


bilhões de indivíduos em 2020 e dava
continuidade à mesma obsessão por
crescimento econômico, corporativo e
tecnológico que havia dado início à crescente
crise existencial que ameaçava a mera
sobrevivência da humanidade.
Ao alimentar esse crescimento excessivo com
combustíveis fósseis, a humanidade aquecera
a atmosfera a tal ponto que o consórcio de
ciências climáticas da Organização das Nações
UNIDAS (ONU), o IPCC, observou em sua
atualização de 2020 que a humanidade
dispunha de apenas mais dez anos para
reverter essa situação de crise.

Já em 2000, todos os meios estavam


disponíveis: possuíamos o conhecimento
necessário e já havíamos desenvolvido
tecnologias renováveis eficientes e sistemas
econômicos cíclicos baseados nos princípios
ecológicos da natureza.

Em 2000, as sociedades patriarcais estavam


perdendo o controle sobre as populações
femininas em razão das forças da urbanização
e da educação.

As próprias mulheres haviam começado a


assumir controle sobre seus corpos, e as taxas
de fertilidade começaram a despencar antes
mesmo da virada para o século XXI.

Revoltas disseminadas contra o modelo


econômico da globalização, imposto de cima
para baixo, e suas elites masculinas
dominantes levaram ao colapso da rota
insustentável do desenvolvimento baseado
em combustíveis fósseis, poderio nuclear,
militarismo, lucro, ganância e lideranças
egocêntricas.

Os orçamentos militares, que haviam


suprimido os recursos de saúde e educação
necessários para o desenvolvimento humano,
foram redirecionados gradualmente de
tanques e navios de batalha para guerras mais
baratas e menos violentas calcadas na
informação.

No início do século XXI, a disputa


internacional pelo poder estava mais voltada
para a propaganda social, as tecnologias de
persuasão, a infiltração e o controle global da
Internet.

Em 2020, a pandemia do coronavírus


disputava a prioridades nos estabelecimentos
médicos com as vítimas das salas de
emergência, fossem elas vítimas de ferimento
por armas de fogo ou pacientes com outras
condições que ameaçavam sua sobrevivência.
Em 2019, um movimento de estudantes
escolares em todo os Estados Unidos havia se
aliado a profissionais da área médica para
protestar contra a violência armamentista,
vista por eles como uma crise de saúde
pública.

Não demorou para que surgissem leis mais


estritas de controle de armas, acompanhadas
pelo boicote dos fundos de pensão aos
fabricantes de armamentos e o decorrente
enfraquecimento dos lobbys armamentistas.
Em muitos países, as armas foram
recompradas dos proprietários pelo governo e
destruídas, como já havia ocorrido na
Austrália no século XX.

Isso levou a uma grande queda das vendas


globais de armamentos, fenômeno
acompanhado por leis internacionais que
exigiam licenças anuais e seguros de alto
custo dos proprietários, enquanto a taxação
global reduziu as dispendiosas corridas
armamentistas vistas nos séculos anteriores.

Hoje, os conflitos entre nações são em grande


parte regidos por tratados internacionais e
pela transparência. Em 2050, os conflitos
raramente envolvem recursos militares – eles
migraram para a propaganda de Internet, a
espionagem e as guerras cibernéticas.

Em 2020, essas revoltas trouxeram à tona


todos os problemas subjacentes às sociedades
humanas: o racismo e a ignorância, passando
por teorias conspiratórias, xenofobia e do
“outro” enquanto bode expiatório, até chegar
às diversas pré-disposições cognitivas, como o
determinismo tecnológico, a cegueira de base
teórica e um fatal e corriqueiro erro de
compreensão que confundia dinheiro com
riqueza.

O dinheiro, como todos sabemos hoje, foi


uma invenção útil: as moedas são
simplesmente protocolos sociais (marcadores
físicos ou virtuais de confiança) que operam
em plataformas sociais com efeito em rede,
cujos preços flutuam conforme o nível de uso
e confiança de seus muitos usuários.

Ainda assim, países e elites ao redor do


mundo se deslumbraram com o dinheiro e as
apostas no “cassino financeiro global”,
estimulando ainda mais os sete pecados
capitais em detrimento de valores tradicionais
como cooperação, compartilhamento, ajuda
mútua e a ética da reciprocidade.
Cientistas e ativistas ambientais haviam alertado para as
terríveis consequências dessas sociedades não
sustentáveis e esses sistemas de valor retrógrados
durante décadas, mas até a pandemia de 2020 os líderes
políticos e corporativos, bem como outras elites, haviam
resistido com teimosia a esses alertas. Antes incapazes
de romper com o estado ébrio derivado do poder
político e do lucro financeiro, seus próprios cidadãos os
forçaram a redirecionar o foco para o bem estar e a
sobrevivência da humanidade e da comunidade da vida.
As indústrias fósseis lutaram para manter subsídios e
isenções tributárias em todos os países conforme o
preço do petróleo e da gasolina despencavam, mas já
não tinham a mesma capacidade para comprar favores
políticos e apoio aos seus privilégios. Foi necessária a
reação global de milhões de jovens, “ambientalistas
raiz” e povos indígenas que entendiam os processos
sistêmicos de nosso planeta Gaia – uma biosfera
regulada e organizada de forma autônoma que, durante
bilhões de anos, havia gerenciado toda a evolução
planetária sem a interferência de seres humanos
cognitivamente limitados.

Nos primeiros anos de nosso século XX, Gaia respondeu


de forma inesperada, como já fizera tantas vezes
durante a longa história da evolução. Os humanos
derrubaram amplas áreas de florestas tropicais e se
intrometeram de forma massiva em outros ecossistemas
ao redor do mundo, fragmentando esses ecossistemas
autorregulatórios e fraturando a rede da vida. Uma das
muitas consequências dessas ações destrutivas foi que
alguns vírus que até então viviam em simbiose com
determinadas espécies animais “saltaram” dessas
espécies para outras e, então, para o corpo dos
humanos, onde eram muito tóxicos ou até mesmo
mortais. Pessoas de muitos países e regiões,
marginalizadas pela limitada globalização econômica
voltada para o lucro, mitigavam sua fome comendo
animais silvestres dessas regiões recém-expostas,
matando macacos, gatos-do-mato, gambás, roedores e
morcegos para utilizá-los como fontes adicionais de
proteína. Essas espécies selvagens, portadoras de
diversos vírus, também eram vendidas vivas em
“mercados frescos”, expondo ainda mais as populações
urbanas aos novos vírus.

Nos anos 1960, por exemplo, um vírus obscuro saltou de


uma espécie rara de macacos utilizado na alimentação
de humanos na África Ocidental. De lá ele se espalhou
para os Estados Unidos, onde foi identificado como o
vírus HIV e causou a epidemia de AIDS. Ao longo de
quatro décadas, ela causou a morte de um número
estimado em 39 milhões de pessoas ao redor do mundo,
cerca de 0,5 por cento da população mundial. Quatro
décadas mais tarde, o impacto do coronavírus foi rápido
e dramático. Em 2020, o vírus pulou de uma espécie de
morcegos para os humanos na China, de onde se
espalhou rapidamente pelo mundo, deixando um
número estimado em 50 milhões de mortos em uma
única década e dizimando assim a população mundial.

Do privilegiado ponto de vista de 2050, podemos olhar


em retrospecto para essa sequência de vírus: SARS,
MERS e o impacto global das diversas mutações do
coronavírus iniciadas em 2020. Essas pandemias
acabaram sendo estabilizadas, em parte através da
proibição estrita de “mercados vivos” em toda a China
em 2020. Essa proibição foi replicada por outros países e
mercados globais, dando fim ao comércio de animais
silvestres e reduzindo vetores. Ao mesmo tempo, os
sistemas públicos de saúde, cuidados preventivos e o
desenvolvimento de vacinas e medicamentos eficazes
foram aprimorados.

As lições básicas para os seres humanos nesses trágicos


50 anos de crises globais auto infligidas – os martírios
das pandemias, cidades inundadas, florestas queimadas,
secas e outros desastres climáticos cada vez mais
violentos – eram simples, muitas delas baseadas nas
descobertas de Charles Darwin e de outros biólogos dos
séculos XIX e XX:
- Nós humanos somos uma espécie com muito pouca
variedade de DNA.
- Evoluímos ao lado de outras espécies da biosfera do
planeta através da seleção natural, respondendo a
mudanças e perturbações em nossos vários ambientes e
habitats.
- Somos uma espécie global, que migrou do continente
africano para todos os outros, competindo com outras
espécies e levando várias delas à extinção.
- Nossa colonização planetária e nosso sucesso na Era do
Antropoceno do século XXI deveu-se em grande parte à
nossa capacidade de nos aproximarmos, cooperarmos,
compartilharmos e evoluirmos em populações e
organizações cada vez maiores.
- A humanidade cresceu a partir de grupos errantes de
nômades e passou a viver em vilarejos agrícolas
estáticos, depois em cidadezinhas, depois nas grandes
metrópoles do século XX, onde vivia mais de 50% de
nossa população. Até a crise climática e as pandemias
dos primeiros anos do século XXI, todas as previsões
apontavam para o crescimento dessas metrópoles e
uma população humana de 10 bilhões nos dias hoje, em
2050.

Agora sabemos por que as populações humanas


atingiram seu ápice de 7,6 bilhões em 2030, conforme
previsto no cenário mais otimista do IPCC, bem como
nas pesquisas urbanas globais realizadas por cientistas
sociais que documentavam o declínio da fertilidade em
Empty Planet (2019). Os “ambientalistas raiz”
atualizados com novos conhecimentos, as multidões de
estudantes escolares, os ecologistas ao redor do mundo
e as mulheres empoderadas se uniram a investidores e
empreendedores mais éticos e preocupados com a
natureza para tornar os mercados mais locais. Milhões
de consumidores passaram a ser atendidos por
cooperativas de pequenas redes movidas a energia
renovável. Somavam-se a elas os empreendimentos
corporativos do mundo todo que, mesmo em 2012,
empregavam mais pessoas do que todas as empresas de
fins lucrativos somadas. Essas empresas já não
utilizavam falsas métricas orientadas pelo dinheiro ou
pelo PIB: a partir de 2015, passaram a orientar suas
atividades segundo diretrizes da ONU, o conjunto de 17
metas de sustentabilidade e regeneração de todos os
ecossistemas e da saúde humana.

Essas novas métricas e metas sociais focavam sempre na


cooperação, no compartilhamento e em maneiras mais
sábias de desenvolvimento humano, empregando
recursos renováveis e maximizando a eficiência. A
sustentabilidade de longo prazo, se distribuída de forma
igualitária, beneficia todos os membros da família
humana a partir de uma lógica de tolerância com as
outras espécies de nossa biosfera. A concorrência e a
criatividade florescem com boas ideias, tornando
obsoletas aquelas de menor utilidade, e andam de mãos
dadas com padrões éticos baseados na ciência,
qualificando a informação em sociedades mais
autossuficientes e conectadas em todos os níveis, do
local ao global.

Quando o coronavírus surgiu em 2020, de início as


primeiras respostas humanas foram caóticas e
insuficientes, mas logo se tornaram mais coesas e
mudaram drasticamente. O comércio global encolheu,
limitando-se ao transporte de bens raros e migrando
para o intercâmbio de informações. Ao invés de enviar
bolos, balas e biscoitos de um ponto a outro do planeta,
passamos a enviar suas receitas, bem como outras
receitas para criar comidas e bebidas de base vegetal. A
nível local, implementamos tecnologias ecológicas:
fontes de energia solar, eólica e geotérmica, iluminação
de LED, veículos, barcos e até mesmo aeronaves
elétricos.

As reservas de combustível fóssil permaneceram em


segurança debaixo do solo, pois o carbono passou a ser
visto como um recurso precioso demais para ser
queimado. O excesso de CO2 na atmosfera proveniente
da queima de combustíveis fósseis foi capturado por
bactérias orgânicas do solo, plantas de raízes profundas,
bilhões de árvores recém plantadas e em um
reequilíbrio geral dos sistemas alimentares humanos,
até então amparados no agronegócio, nas indústrias
bioquímicas, na publicidade e no comércio global de
alguns poucos vegetais provenientes da monocultura.
Essa hiperdependência de combustíveis fósseis,
pesticidas, fertilizantes e antibióticos em dietas cuja
base era a carne de animais criados em cativeiro
dependia das reservas minguantes de água potável e se
mostraram insustentáveis. Hoje, em 2050, nossa comida
é produzida localmente, incluindo muitos vegetais
nativos e selvagens, agricultura em água salgada e
outras plantas alimentícias afeitas ao sal (halófitas),
cujas proteínas inteiras são mais saudáveis para as
dietas humanas.

O turismo em massa – e as viagens em geral – passaram


por uma retração radical, bem como o tráfego aéreo e o
uso obsoleto de combustíveis fósseis. As comunidades
ao redor do mundo se estabilizaram em centros
populacionais de tamanho pequeno ou médio, que se
tornaram bastante autossuficientes graças à produção
local e regional de comida e energia. O uso de
combustíveis fósseis praticamente desapareceu, pois
mesmo em 2020 ele já não era capaz de competir com o
desenvolvimento acelerado de fontes renováveis de
energia e as correspondentes novas tecnologias, nem à
reutilização de recursos, antes desperdiçados, por uma
economia circular que temos hoje.
Devido ao risco de infecções em grandes aglomerações,
os sweat shops, as grandes redes de lojas e os eventos
esportivos ou de entretenimento em grandes arenas
desapareceram gradualmente. Os políticos democráticos
se tornaram mais racionais, pois os demagogos já não
podiam reunir milhares de pessoas para ouvi-los em
seus grandes comícios. Suas promessas vazias também
foram refreadas pelas redes sociais após a quebra
desses monopólios voltados para o lucro em 2025; hoje,
em 2050, eles são regulados como utilidades públicas,
servindo ao bem público em todos os países.

O cassino global dos mercados financeiros entrou em


colapso, e as atividades econômicas se deslocaram do
setor financeiro para as cooperativas de crédito e os
bancos públicos, dando origem aos setores
colaborativos que conhecemos hoje. A manufatura de
bens e nossas economias baseadas em serviços
resgataram as permutas, o voluntariado informal e as
moedas locais, bem como diversas transações não
monetárias surgidas no ápice da pandemia. Como
consequência da grande descentralização e do
crescimento de comunidades autossustentáveis, a
economia de 2050 é menos extrativa e mais
regenerativa, e os abismos de renda e a desigualdade
dos modelos de exploração obcecados pelo lucro
desapareceram em sua maioria.
Ao levar os mercados globais à bancarrota, a pandemia
de 2020 enfim derrubou a ideologia do dinheiro e do
fundamentalismos de mercado. As ferramentas dos
bancos centrais já não funcionavam, então o “helicopter
money’ e os pagamentos diretos em espécie para
famílias necessitadas, dos quais o Brasil foi pioneiro,
tornaram-se os únicos meios para manter o poder de
compra e suavizar a transição econômica ordenada para
sociedades sustentáveis. Isso levou os políticos
europeus e estadunidenses a criar dinheiro novo. Essas
políticas de estímulo substituíram a “austeridade” e
foram logo investidas em todos os recursos renováveis
de infraestrutura em seus respectivos planos de Green
New Deal.

Quando o coronavírus se espalhou para animais


domésticos, gado e outros ruminantes, ovelhas e cabras,
alguns desses animais se tornaram portadores da
doença sem demonstrarem qualquer sintoma.
Consequentemente, a matança e o consumo dessas
espécies despencou no mundo todo. As pastagens e a
criação industrial de animais correspondia a quase 15%
das emissões globais de gases causadores do efeito
estufa a cada ano. As grandes corporações
multinacionais produtoras de carne foram apontadas
por hábeis investidores como novo conjunto de “ativos
ociosos”, na esteira das companhias de combustíveis
fósseis. Algumas redirecionaram toda a sua estrutura
para alimentos de base vegetal com diversos análogos
de carne, peixe e queijo. Bifes se tornaram muito caros e
raros, e as vacas passaram a ser propriedade das
famílias, como a antiga tradição, em pequenas fazendas
para produção de leite, queijo e carne, e também de
ovos das galinhas.

Depois que vacinas caras e subsidiadas contra a


pandemia foram desenvolvidas, as viagens globais
passaram a ser permitidas somente com os atuais
certificados de vacinação, usados, sobretudo, por
comerciantes e pessoas ricas. Agora a maior parte da
população mundial prefere os prazeres da comunidade,
dos encontros e da comunicação virtual, bem como
viagens locais com transporte público, carros elétricos e
os veleiros movidos pelo vento e por luz solar que tanto
amamos. Por consequência, a população do ar caiu
drasticamente em todas as principais cidades do mundo.

Com o crescimento de comunidades autossustentáveis,


despontaram em muitas cidades as assim chamadas
“vilas urbanas” – bairros remodelados que combinam
estruturas de alta densidade a amplas áreas verdes
comuns. Essas áreas fomentam economias significativas
de energia e um ambiente mais saudável, seguro e
voltado para as necessidades da comunidade, com níveis
muito reduzidos de poluição.
As cidades ecológicas de hoje incluem alimentos
produzidos em edifícios com terraços solares, jardins
vegetais e transporte público elétrico, pois os
automóveis foram em grande parte banidos das ruas
urbanas em 2030. As ruas foram reclamadas por
pedestres, ciclistas e pessoas em pequenas motocicletas
que perambulam por estabelecimentos comerciais de
pequeno porte, galerias de profissionais autônomos e
mercados onde é possível comprar direto do produtor.
Os veículos elétricos solares para viagens
intermunicipais costumam descarregar as baterias à
noite para fornecer eletricidade para as casas de uso
unifamiliar. Carregadores de uso livre para veículos
solares estão disponíveis em todas as regiões, reduzindo
o uso de eletricidade de base fóssil das obsoletas usinas
centralizadas, muitas das quais faliram antes de 2030.

Após todas as mudanças profundas que nos trouxeram


aqui, percebemos que agora nossas vidas são menos
estressantes, mais saudáveis e mais satisfatórias. Hoje,
nossas comunidades orientam seus planos para o futuro
de longo prazo. Para garantir a sustentabilidade de
nossos novos modos de vida, percebemos que era
crucial recuperar os ecossistemas do mundo todo para
que vírus perigosos para a vida humana permanecessem
confinados em outras espécies, contra as quais são
inofensivos. Para recuperar os ecossistemas a nível
mundial, nossa migração global para uma agricultura
orgânica e regenerativa prosperou, assim como os
alimentos e bebidas de base vegetal, as comidas criadas
em água salgada e os pratos com algas de que tanto
gostamos. Os bilhões de árvores plantadas ao redor do
mundo após 2020, assim como as melhorias da
agricultura, levaram à recuperação gradual os
ecossistemas.

Como consequência de todas essas mudanças, o clima


global finalmente se estabilizou, e hoje as concentrações
atmosféricas de CO2 estão de volta às 350 partes por
milhão, um índice seguro. A elevação dos oceanos
permanecerá assim por um século, e agora muitas
cidades prosperam em locais mais seguros e elevados.
Hoje as catástrofes climáticas são raras, embora muitos
eventos climáticos continuem a perturbar nossas vidas,
como já faziam em séculos anteriores. As muitas crises e
pandemias globais, causadas por nossa antiga ignorância
em relação aos processos planetários e ciclos viciosos
teve consequências trágicas e de grande amplitude para
os indivíduos e comunidades. Ainda assim, nós,
humanos, aprendemos muitas lições dolorosas. Hoje,
em 2050, ao olharmos em retrospecto, percebemos que
a Terra é nossa maior professora, e suas terríveis lições
podem ter salvado da extinção não só a humanidade,
mas também muitas das comunidades vivas que
compartilham o planeta conosco.
(Via CSRWire)

Fritjof Capra, Ph.D., físico e teórico de sistemas, é autor


de diversos best-sellers internacionais, incluindo O Tao
da Física (1975) e A Teia da Vida (1996). É coautor, ao
lado de, Pier Luigi Luisi, do texto multidisciplinar A Visão
Sistêmicas da Vida. Capra oferece um curso on-line
baseado nesse livro.

Hazel Henderson, D.Sc.Hon., membro da Royal Society


of Arts, futurista, analista de sistemas e de políticas
científicas, é autora de “The Politics of the Solar Age”
(1981, 1986) e outros livros que incluem “Mapping the
Global Transition to the Solar Age” (2014). Henderson é
CEO da Ethical Markets Media Certified B. Corporation,
dos Estados Unidos, editor da Green Transition
Scoreboard ® e também do livro e série de TV
“Transforming Finance”, a serem lançados em breve.

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