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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE

JANEIRO

CLA - Centro de Letras e Artes - Maio, 2021


Departamento de Estética e Teoria do Teatro – UNIRIO
Trabalho referente a Escrita Cênico Dramatúrgica do século XX e XXI (ECDS)
Docente: Marina Vianna
Discente: Elisa Tavares de M. O. de Menezes - 201414130007

Questão: Em "A invenção da teatralidade", o teórico J.P. Sarrazac afirma a


existência - a partir de meados do sec. XX - de um palco que se caracteriza
por ser "um espaço virgem, um espaço vazio, uma página em branco em que
vão se inscrever os hieróglifos em movimento da representação teatral".
Comente.

Teatro e sociedade dividem uma mesma e plural história. À medida que a humanidade age,o
artista é atravessado, o espectador muda a direção do olhar e a cena se transforma.. O teatro já
fora dos heróis, dos reis, da rua ele nunca deixou de ser, bateu na porta dos lares para
conhecer a burguesia em forma de drama. A cena tira e bota a roupa, o espaço, o tom, a voz, a
língua, às vezes deixa somente uma boca, organiza e desarruma os sentidos. Tanto história
quanto teatro são acumulativos, não lineares, mas ocorrem de maneira paralela em suas
pluralidades e uma vez que inaugura-se uma questão ou elemento, estes nunca deixarão de
existir, mesmo que como forma de explicar a sua própria ausência, Em “A invenção da
teatralidade” Sarrazac nos convida a refletir sobre esse período em que não só a forma de
fazer era questionada, mas sim o próprio direcionamento do fazer teatral da perspectiva
européia, mudava de configuração.

“[...] Estaria tentado a dizer que a ribalta e a cortina vermelha foram, de facto, abolidas a partir
do momento em que o espectador passou a ser convidado pelos actores ou por um outro mentor do
jogo [...] a interessar-se não tanto pelo acontecimento do espetáculo mas sobretudo a forma que
aparece o próprio teatro no coração da representação- pelo aparecimento daquilo que chamamos
teatralidade.”SARRAZAC, Jean Pierre p.17

Apesar da história não ser linear, e sim uma conjuntura de acontecimentos múltiplos, um
marco importante para a transformação do pensamento teatral está no final do século XIX,
chegada do século XX com o surgimento do teatro moderno. Resultante de muitas
transformações tecnológicas, científicas e sociais, tal período proporcionou formas de
realizar, concretizar o pensamento artístico de maneiras inovadoras. A iluminação elétrica por
exemplo permitiu-nos a transformação atmosférica, o recorte cênico do espetáculo,
inclinando o fazer artístico em diversas propostas. Com a chegada de ferrovias as fronteiras
foram se encurtando, as referências começaram também a chegar de longe. O mundo
encurtou, as cidades aumentaram de tamanho e o homem urbano dava seus primeiros e
caóticos passos. Interessante refletir que todas as questões da chegada de um novo
pensamento nos levam para o caminho da pluralidade, do isto e aquilo, do conhecimento de
um tempo que corre para muitos lados e direções. Com o teatro não poderia ser diferente, a
cena se liberta de servir unicamente ao texto e começa a pensar fora dos padrões literários.
Junto com a consciência de vários fazeres artísticos a favor do espetáculo, eis que chegamos
quase que em um slogan do surgimento do teatro moderno: O advento do encenador. A
necessidade de seu surgimento é a prova concreta da perspectiva moderna de enxergar a cena
como arte em si. Sarrazac cita Gouhier em A Invenção da Teatralidade em que este diz ser a
representação um fim, nos dois sentidos da palavra. Deste modo, podemos enxergar de
maneira nítida o processo de mudança de ponto de vista central não apenas do executar uma
obra, começa-se a se pensar no porquê do fazer teatral. O encenador surge como uma espécie
de maestro altamente proponente, como uma figura responsável por dar unicidade, defender e
gerar reflexões sobre todo o argumento da cena.

“Reconhecemos o encenador pelo fato de que a sua obra é outra coisa- e é mais- do que a
simples definição de uma disposição em cena, uma simples marcação das entradas e saídas ou
determinação das inflexões e gestos dos intérpretes. A verdadeira encenação dá um sentido
global, não apenas a peça representada, mas a prática do teatro em geral. ”ROUBINE, Jean
Jacque, p. 24

Com a chegada do encenador, o teatro passou a pertencer, até mesmo excessivamente, a tal
figura. A cena libertou-se do texto, porém concentrou-se em uma figura central. O espetáculo
não era mais sobre ilustrar palavras escritas e sim, um mosaico de ofícios,- da qual o
encenador monta a sua forma- em prol da cena teatral, da chamada teatralidade. Ao chegar
em tal termo pretendo dar passos mais avançados no tempo para chegar finalmente no
período que nos é mais interessante para essa questão.
“O teatro como polifonia de signos” famosa reflexão de Roland Barthes sobre o pensamento
da cena teatral nos conduz não apenas o que se vê, mas de onde se olha. Na segunda metade
do século XX com aglomerados de tais questões em maturação, entre naturalistas e
simbolistas, tablados e salões, cenários arquitetônicos ou vazios iluminados, o pensamento
teatral volta-se também para a figura do espectador. A busca do que, e de quem se vê é
também uma busca sobre dar sentido ao espetáculo. O pensamento sobre a teatralidade- que
para Barthes se definem porém não se reduz, como “ o teatro menos texto”- ganha força e o
texto é apenas o primeiro a se emancipar, pois ao pensar teatro sobre essa polifonia de
sentidos, - ao assumir o espetáculo como algo do tempo, do corpo e do lugar presente- texto,
interpretação e espaço se emancipam também. A sociedade se emancipa de um
comportamento social uno, o capitalismo vigora e com ele a desigualdade, as guerras, os
experimentos científicos, O tempo do homem urbano transforma-nos em seres fragmentados
porém parte de um conjunto social desigual. O veículo para o real deixa de ser ilusão
comportamental, as realidades são muitas e relativas. Brecht, como muitos outros pensadores,
fora uma figura crucial para o pensamento deste teatro que se pensa fora de si, que deseja
assumir que é teatro e, nada mais real do que o lugar presente do qual se diz e se movimenta,
que se olha e se escuta o barulho das passadas dos atores, a tosse do espectador, o presente
instante da ação. A história que se conta é sobre o mundo que dividimos, sobre o permanecer,
o existir como ser social, filhos de um bruto capital. Deste modo teatro torna-se chão, palco
de madeira ou asfalto, o teatro transforma-se em uma caixa vazia produtora de diversos
sentidos e perspectivas suscetíveis a múltiplas experiências. Para finalizar, penso que a
história do teatro se assemelha ao universo, que está constantemente em expansão, e que é
esse ato de expandir que nos faz refletir sobre o todo. Nada mais bonito do que uma multidão
de fragmentos.

Bibliografia

- SARRAZAC, Jean-Pierre- A Invenção da Teatralidade 2013

- ROUBINE, Jean Jacques- Linguagem da Encenação Teatral 1998

- DORT, Bernard- A Representação Emancipada 2013

- MONTEIRO, Gabriela Lírio Gurgel- As obras de Appia e Craig: Contribuições Artísticas


para um Teatro Cinético 2017

- ARTAUD, Antoin- O Teatro e seu Duplo, 1938

- ROSINFIELD, Anatol - O Teatro Épico

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