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ANDRÉ ÁLCMAN OLIVEIRA DAMASCENO

O ANCHIETA MODERNISTA: A TRAJETÓRIA MUSICAL-


PEDAGÓGICA DE VILLA-LOBOS (1930-1959)

Campinas

2014

i
ii
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA

ANDRÉ ÁLCMAN OLIVEIRA DAMASCENO

O ANCHIETA MODERNISTA: A TRAJETÓRIA MUSICAL-PEDAGÓGICA DE


VILLA-LOBOS (1930-1959)

Orientadora: Profª. Drª. Elide Rugai Bastos

Tese apresentada ao curso de Doutorado em


Sociologia da Universidade Estadual de
Campinas como pré-requisito parcial para a
obtenção do título de Doutor.

Este exemplar corresponde à


versão final da tese defendida pelo
aluno André Álcman Oliveira
Damasceno, orientada pela Profª.
Drª. Elide Rugai Bastos e aprovada
em 01/12/2014.

Campinas

2014

iii
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
Paulo Roberto de Oliveira - CRB 8/6272

Damasceno, André Álcman Oliveira, 1972-


D18a DamO Anchieta modernista : a trajetória musical-pedagógica de Villa-Lobos
(1930-1959) / André Álcman Oliveira Damasceno. – Campinas, SP : [s.n.], 2014.

DamOrientador: Elide Rugai Bastos.


DamTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia
e Ciências Humanas.

Dam1. Villa-Lobos, Heitor, 1887-1959. 2. Canto orfeônico. 3. Modernismo. 4.


Música brasileira. 5. Brasil - Política e governo. I. Bastos, Elide Rugai,1937-. II.
Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: The modernist Anchieta: the musical-pedagogical trajectory of


Villa-Lobos (1930-1959).
Palavras-chave em inglês:
Orpheonic singing
Modernism
Brazilian music
Brazil - Politics and government
Área de concentração: Sociologia
Titulação: Doutor em Sociologia
Banca examinadora:
Élide Rugai Bastos [Orientador]
Fernando Antonio Lourenço
Marisa Trench de Oliveira Fonterrada
André Pereira Botelho
Márcia Regina Tosta Dias
Data de defesa: 01-12-2014
Programa de Pós-Graduação: Sociologia by

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Dedico este trabalho aos meus filhos Ana Gabriela e Roan
Cadmus.

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AGRADECIMENTOS
Ao apoio constante de meus pais, Joaquim Damasceno e Maria de
Lourdes.
Aos meus irmãos Alice, Alden e Alexandre e às suas respectivas famílias.
A Ana Lídia, na difícil tarefa de educação de nossos filhos.
In memorian: Tio Evangelista - * 26/09/1940 + 17/01/2014.

A todos os colegas da turma de pós-graduação da UNICAMP (doutorado


e mestrado) – 2009, em especial, a Daniela Santos e Gabriel Rezende – e aos de
outros programas, Delano Pessoa (Sociologia-UFC), Flávia Sousa (Educação-
USP) e Ana Tófoli (Antropologia-UNICAMP).
Aos secretários do Programa, Cris Faccioni e Daniel Cardoso.
A todos do Museu Villa-Lobos, em especial a Pedro Belquior e Marcelo
Rodolfo.
Aos professores que de formas distintas tornaram este doutorado
possível: André Botelho (UFRJ), André Haguette (UFC), Dilmar Miranda (UFC),
Fernando Lourenço (UNICAMP), George Paulino (UFC), Heloisa Pontes
(UNICAMP), Irlys Barreira (UFC), Isabel Pontes (Luciano Feijão), Léa Carvalho
(UFC), Lindomar Albuquerque (UNIFESP), Leopoldo Waizbort (USP), Marcelo
Ridenti (UNICAMP), Márcia Dias (UNIFESP), Mariana Chaguri (UNICAMP),
Marisa Fonterrada (UNESP), e, em especial, a Elide Rugai Bastos (UNICAMP).
A todos os colegas professores e alunos do Departamento de Ciências
Sociais da Universidade Regional do Cariri (URCA), em especial, as alunas Érica
Figueirêdo, Elma Santos e Carlijaniele Soares que atuaram no projeto de pesquisa
PIBIC/URCA "Sob a batuta de Villa-Lobos: uma análise sociológica do percurso
pedagógico (1937-1959)" e a todos os participantes do GRUDARS (Grupo de
Discussão em Artes e Sociedade/NERE/URCA).
À amizade dos professores: Cláudio Mappa (UFCA), Cristina Dunaeva
(URCA), Diocleide Ferreira (UVA), Jeferson de Aquino (UVA), Joana Tolentino (D.
Pedro II), João Bittencourt (UFAL), Rubens Venâncio (URCA), Roberto Cunha
(UFCA) e Valdetônio de Alencar (UFCA).
Às amizades de Adam Coble, Adriana Davanzzo, Danilo Monteiro,
Patrícia Andrade, Silvia Barreira, Violeta Barreira, nas valorosas estadas em
Campinas e São Paulo.

A Juliana Gondim que pavimentou este trabalho, através de seu amor e


apoio.

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x
“Ora, já que é a mesma Vontade que se objetiva tanto nas ideias quanto na
música, embora de maneira bem diferente em cada uma delas, deve haver entre música e
ideias não uma semelhança imediata, mas um paralelismo, uma analogia, cujo fenômeno
na pluralidade e imperfeição do mundo visível”.

(SCHOPENHAUER)

xi
xii
SUMÁRIO

OUVERTURE ....................................................................................................... 1

1 I ATO: IDA AO POVO ............................................................................... 21


1.2 O artista como participante da intelligentsia ........................................ 21
1.3 A intelligentsia e o folclore ..................................................................... 28
1.3 Intelligentsia à brasileira? ....................................................................... 34
1.4 A construção da visão de mundo modernista ...................................... 45

2 II ATO: A REINVENÇÃO DE VILLA-LOBOS ............................................ 59


2.1 O amargo retorno após a consagração ................................................ 59
2.2 Mário de Andrade e Villa-Lobos: entre distanciamentos e aproximações
......................................................................................................................70
2.3 Os primeiros anos do Anchieta Modernista ......................................... 81

3 III ATO: O GUIA FOLCLÓRICO E EDUCACIONAL ................................. 95


3.1 O manuscrito do Guia Prático ................................................................ 95
3.2 As fontes dos temas musicais do Guia Prático.....................................106
3.3 O lugar simbólico do Guia no Projeto Pedagógico...............................118

4 IV ATO: UM CANTO PARA GETÚLIO?....................................................121


4.1 A ampliação do Projeto............................................................................121
4.2 O conteúdo didático.................................................................................130
4.3 O Estado Novo e a Música.......................................................................136

5 V ATO: DO ESTADO NOVO À SISTEMATIZAÇÃO DA MÚSICA


BRASILEIRA: SOB AS BÊNÇÃOS DE ANCHIETA, DE BACH E DE
VARGAS.................................................................................................................57
5.1 Villa-Lobos e a música popular urbana..................................................157
5.2 O sentido social da Série Bachianas Brasileiras...................................167
5.3 Os anos derradeiros de Villa-Lobos.......................................................182

FINALE..................................................................................................................191
REFERÊNCIAS.....................................................................................................195
REFERÊNCIAS VILLA-LOBOS ...........................................................................195
REFERÊNCIAS EM GERAL ................................................................................211
CRONONOLOGIA.................................................................................................221
ANEXOS ...............................................................................................................225

xiii
xiv
ANEXOS

Anexo A Temas musicais adotadas no Canto Orfeônico de 225


1937............................
Anexo B Jornal informando do triunfo de Villa-Lobos, em Buenos Aires, em
1935........................................................................................................... 228
Anexo C Matéria do jornal A Noite de 03 de novembro 1925.................................. 229
Anexo D Carta de Villa-Lobos para Carlos Guinle................................................... 230
Anexo E Notícia do ensaio da Exortação Cívica...................................................... 231
Anexo F Escola Getúlio Vargas inaugurada pelo próprio presidente...................... 232
Anexo G Jornal descreve a estreia do bailado Uirapuru (*1917)............... 233
Anexo H Jornal O Globo, do dia 05 de dezembro de
1935........................................................................................................... 234
Anexo I Coluna de Oscar Guanabarino no Jornal do Commercio.......................... 235
Anexo J Anísio Teixeira indica Villa-Lobos para coordenar curso......................... 236
Anexo K Homenagem a Francisco Campos por parte do Orfeão............................ 237
Anexo L Cobertura sobre o Congresso de Praga ................................................. 238
Anexo M Participação de Villa-Lobos no centenário de Pereira Passos.................. 239
Anexo N Envio de funcionários da SEMA ao estado de Sergipe............................. 240
Anexo O Renato Almeida sobre a Comissão de Folclore........................................ 241
Anexo P Revista Fon-Fon publicando parte do manuscrito do Guia Prático...... 242
Anexo Q Capa do livro A Música no Brasil (1908)................................................... 243
Anexo R Primeira página do Quadro 244
Sinótico.....................................................................................................
Anexo S Capa do livro Os Nossos Brinquedos (1909)............................................ 245
Anexo T Capa da primeira edição do Guia Prático (1941)...................................... 246
Anexo U Jornal informa a comissão que analisaria o Hino Nacional....................... 247
Anexo V Comissão que analisaria os “erros” do Hino Nacional.............................. 248
Anexo W Capa da obra O Orfeão na Escola Nova (1937)....................................... 249
Anexo X Documento no qual Villa-Lobos é indicado como Superintendente......... 250
Anexo Y Documento no qual o Ministro Capanema agradece a Villa-Lobos.......... 251
Anexo Z Solicitação de Villa-Lobos ao Ministro Capanema.................................... 252
Anexo AA Documento oficiais solicitando passaportes para Villa-Lobos.................. 253
Anexo AB Convite para que Villa-Lobos compussese o 254
ISEB...............................................
Anexo AC Carta do maestro Eleazar de Carvalho a Villa-Lobos............................... 255

xv
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LISTA DE FIGURAS E GRÁFICOS

FIGURA 1 – Capa do jornal A Noite do dia 08 de junho noticiando o 7° Congresso


de Educação ........................................................................................................ 88
QUADRO 1 – Origem dos temas coletadas pelo Guia Prático.............................107
QUADRO 2 - Quantificação referente à “ambientação”, ao “arranjo”, ao “texto” e à
“execução” instrumental por parte da “autoria” dos temas musicais coletados pelo
Guia Prático......................................................................................................... 110
QUADRO 3 – Temas musicais do Guia Prático classificados como “Formas com
característicos”......................................................................................................111
QUADRO 4 – “Gêneros” musicais coletados do Guia Prático..............................112
QUADRO 5 – “Finalidades” dos temas coletados do Guia Prático.......................114
QUADRO 6 – “Andamento” dos temas coletados do Guia Prático.......................114
QUADRO 7 – “Caráter” nacional e continental, a “origem e a finidade étnica das
melodias” coletadas do Guia Prático....................................................................115
FIGURA 2 – Quadro “étnico musical” publicado na 1° Edição do Guia Prático de
1941......................................................................................................................117
QUADRO 8 – “Indicação” do nível de escolaridade à qual se destinam os temas
musicais coletados do Guia Prático......................................................................117
FIGURA 3 – Documento assinado por Mário de Andrade endereçado a Villa-
Lobos....................................................................................................................154
FIGURA 4 – Recorte do Jornal do Correio da Noite de 13 de janeiro de 1939
noticiando o evento Danças Brasileiras................................................................161
FIGURA 5 – Capa Do LP Native Brazilian Music.................................................163
FIGURA 6 – Fragmentos de partituras: Suíte N° 2, de Bach, e transfiguração para
uma modinha........................................................................................................178
FIGURA 7 – Fragmentos de partituras: o Introdutório da Ária das Bachianas
Brasileiras N°6 e do Chorinho Atraente de Chiquinha Gonzaga..........................178

xvii
xviii
LISTA DE SIGLAS

AIB – AÇÃO INTEGRALISTA BRASILEIRA


ALN – ALIANÇA LIBERTADORA NACIONAL
CPDOC – CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA
CONTEMPORÂNEA DO BRASIL
DNP – DEPARTAMENTO NACIONAL DE PROPAGANDA
DIP – DEPARTAMENTO DE IMPRENSA E PROPAGANDA
DPDC – DEPARTAMENTO DE PROPAGANDA E DIFUSÃO CULTURAL
E.M.B – ENSAIO DA MÚSICA BRASILEIRA
FUNARTE – FUNDAÇÃO NACIONAL DE ARTES
HVL – HEITOR VILLA-LOBOS
INCE – INSTITUTO NACIONAL DE CINEMA EDUCATIVO
IPHAN – INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO
IEB – INSTITUTO DE ESTUDOS BRASILEIROS
ISEB – INSTITUTO SUPERIOR DE ESTUDOS BRASILEIROS
LSN- LEI DE SEGURANÇA NACIONAL
SEMA – SECRETARIA EDUCAÇÃO MUSICAL E ARTÍSTICA
SPHAN – SERVIÇO DE PATRIMÔNIO HISTÓRICO ARTÍSTICO NACIONAL
MPB – MÚSICA POPULAR BRASILEIRA

xix
xx
RESUMO

Este trabalho discorre sociologicamente sobre o percurso musical e pedagógico


do compositor Villa-Lobos, dentro do recorte temporal de 1930 (ano da ascensão
de Getúlio Vargas ao poder) a 1959 (ano do falecimento do musicista). Nosso foco
analítico está inserido na articulação entre a produção musical de Villa-Lobos no
período - especialmente a Série Bachianas Brasileiras (1930-1945), o projeto
pedagógico do Canto Orfeônico (1932-1959) e o processo mais geral da
modernização brasileira capitaneada pelo Estado. Assim, articulamos as ideias de
Lahire (2002, 2004, 2006) sobre as disposições sociais de Villa-Lobos
desenvolvidas em seu duplo convívio entre o erudito e o popular, que o
condicionaram tanto em termos estéticos quanto pedagógicos a institucionalizar o
Modernismo – este interpretado como uma visão de mundo, de acordo com a
perspectiva metodológica de Goldmann (1959, 1979). Nesse cenário, o
Modernismo – na articulação entre os tipos romântico e programático, tornar-se-ia
uma prática apoiada pelo Estado a partir de 1930. Desta forma, a trajetória de
Villa-Lobos foi analisada através de pesquisa envolvendo documentos de época
(oficiais, jornais e cartas), além de trabalhos biográficos e estéticos sobre o
compositor. Amparado neste material, a pesquisa aponta o sentido social da
trajetória de Villa-Lobos, para além dos propósitos políticos e culturais previstos
pelo projeto do Canto Orfeônico, que dialogaria fortemente com o pensamento
autoritário - notadamente o de Oliveira Viana (1930, 1939), durante o Estado Novo
(1930-1945). Desta forma, a produção musical villalobiana se comprometia com o
processo de sistematização da música brasileira liderada pela música popular
urbana. Nesta direção, o processo musical é visto no aperfeiçoamento da
linguagem musical (tanto erudita quanto popular), da temática própria da música
brasileira e no estabelecimento de seu público que o Canto Orfeônico irá garantir a
partir de sua rotinização nas escolas brasileiras.

Palavras-chaves: Canto Orfeônico; Modernismo; Música Brasileira; Política; Villa-


Lobos.

xxi
xxii
Abstract

This work discusses the musical and pedagogical thought of Villa-Lobos. In


particular, we analyze the following period of time: 1930 (beginning of the era
Getúlio Vargas) - 1959 (Villa-Lobos has died). We discuss three related topics: the
production music by Villa-Lobos in that period – especially Bachianas Brasileiras
sequence (1930-1945) –, the pedagogical project of the Orpheonic Singing (1932-
1959) and the general process of modernization led by the Brazilian State. We
employ the ideas of Lahire (2002, 2004, 2006) on the social dispositions of Villa-
Lobos. These were developed in its dual interaction between the classical and the
popular. They have conditioned to institutionalize the modernism in an aesthetic
and a pedagogical ways – according to the methodological perspective Goldmann
(1959, 1979), modernism should be interpreted as a worldview. In this scenario,
modernism, the articulation between the romantic and programmatic types, would
become a practice supported by the state since 1930. The trajectory of Villa-Lobos
was analyzed by documents (official, newspaper and letters), biographical and
aesthetic works on the composer. In addition to the political and cultural purposes
provided by the Orpheonic Singing project, the research shows the social sense of
the path of Villa-Lobos that discusses strongly with the authoritarian thought -
notably Oliveira Viana (1930, 1939). Thus, the musical production by Villa-Boas
was committed to the process of systematization of Brazilian music led by urban
popular music. In this direction, this process is seen in the improvement of musical
language (classical and popular), the unique issue of Brazilian music and the
establishment of your audience. Orpheonic Singing ensures that because it will be
in Brazilian schools routinely.

Keywords: Brazilian Music; Modernism; Orpheonic Singing; Politics; Villa-Lobos.

xxiii
xxiv
OUVERTURE

No trato el problema desde el punto de vista netamente estético. Por el


momento creo firmemente en la necessidad de socializar la música.
Harcela adaptable al porcentage elevado de la masa humana, esequible
ao espiritu simple. De este modo, la música tendrá paulatinamente, un
significado superior. No el sonido por el sonido, sino por la ideia por la
ideia.
(Villa-Lobos, em 1935, no El Pueblo)

1
A estreia do bailado indígena Uirapuru (*1917) - em 25 de maio de
1935, no célebre Teatro Cólon, em Buenos Aires, foi um momento de triunfo de
Villa-Lobos, durante estada da comitiva oficial brasileira, liderada pelo presidente
2
Getúlio Vargas, na abertura do Congresso Pan-Americano de Commercio. Na
3
ocasião, o Jornal El Pueblo, por exemplo, baseado no trecho da entrevista do
compositor exposta acima (dez dias antes da citada estreia), exaltou tanto a arte
4
do compositor quanto as suas iniciativas na esfera da educação musical. Sendo
assim, nesse momento, a imprensa internacional tributava ao musicista não
apenas suas virtudes estéticas, mas igualmente sua missão pedagógica.
Na imprensa brasileira, durante as décadas de 1930 e 1940, Villa-Lobos
do mesmo modo será saudado como o grande missionário destinado a elevar e
formar o gosto musical brasileiro. No ano de 1935, por exemplo, os jornais da
época exaltaram a consagrada estreia do bailado Uirapuru (*1917), na Argentina,
e a primeira regência da Missa em Si Menor (1724), de Johan Sebastian Bach, no
Brasil. Neste momento, Villa-Lobos já desempenhava seu trabalho oficial de
pedagogo musical alicerçado no Canto Orfeônico e no trabalho de coleta musical
popular. No ano de 1932, o compositor das Bachianas Brasileiras (1930-1945) já
era reconhecido socialmente como um autêntico compositor brasileiro e um

1
As datas das composições que estiverem com o asterisco indicam a dúvida quanto a real
composição da obra, conforme discutiremos ao longo do trabalho.
2
O enviado especial do Correio da Manhã, de 01 de dezembro de 1935, descreveu: “O maestro
Villa-Lobos, bem sercundado pela orquestra, obteve uma versão rica em rythmo e em côr”.
3
Cf. Anexo B, p. 228.
4
Outro Jornal argentino, La Democracia, de 11 de junho de 1935, irá intitular sua matéria com o
comentário do compositor: “La Misión de los Artistas es Educar a Los Escuchas”.

1
excepcional músico comprometido com a educação musical do povo brasileiro,
especialmente das crianças.
O mito do Uirapuru trata de um jovem guerreiro que se transforma em
um pássaro possuidor do mais lindo dos cantos da floresta. A lenda narra uma
transmutação resultado de um encantamento. Neste trabalho, trataremos da
mudança de um compositor - reconhecido como o maior em seu tempo no Brasil -
em um pedagogo musical responsável pela implantação de um projeto de
educação musical existente até 1971 (12 anos após a morte do músico em 1959)
5
.
Destarte, analisaremos a transformação do músico e compositor Villa-
Lobos, que, no final dos anos 20, dissera “não sou folclorista” 6, em um músico-
educador que mobiliza o folclore nacional como base de instrução e composição.
Essa mudança irá proporcionar voos maiores ao musicista que respaldam cada
vez mais a produção musical do compositor carioca. A partir de então é impossível
dissociar a face de educador da de criador musical.
Diante disso é inevitável para qualquer pesquisador sobre a obra de
Villa-Lobos se defrontar com as seguintes indagações: quais foram as estratégias
do compositor para que tal transformação fosse possível? Como foi possível que
um músico reconhecido como autodidata e com pouca educação formal liderasse
o plano de educação musical mais audacioso visto no Brasil? Qual foi o impacto
nas composições de Villa-Lobos desta experiência pedagógica e vice-versa?
Essas indagações nos levaram a outras mais densas do ponto de vista
sociológico: qual o papel do Estado frente a tal projeto pedagógico? Ou melhor,
Villa-Lobos se deixou cooptar pelo Estado ou se aproveitou do mesmo? É
bastante afirmado do papel decisivo dos intelectuais e artistas na legitimação da

5
Apesar da mudança do Canto Orfeônico para a educação musical nos anos 60, as bases do
projeto pedagógico ainda eram praticamente as mesmas, já que os professores eram basicamente
os mesmos, cf. Fonterrada (2008, p. 214). Observação esta que pode ser constatada em Joppert
(1966).
6
E continua “O folclore não domina o meu pensamento. Minha música é como eu a sinto. Não saio
à caça de temas com a intenção de usá-los. Componho com o espírito de quem faz a própria
música. Abandono-me totalmente ao meu temperamento” (PEPPERCORN, 2000 [1972], p. 102).

2
7
modernização conservadora gestada no período “getulista”. Portanto, temos que
indicar qual o lugar da obra do musicista, tanto pedagógica quanto estética, nessa
legitimação.
Desta forma, o propósito deste trabalho é abordar o percurso
pedagógico e musical de Villa-Lobos em busca de reconhecimento social para a
sua obra educacional e estética a partir de 1930.
A trajetória de Villa-Lobos normalmente é dividido em quatro etapas
8
pelos seus principais estudiosos : a primeira inicia-se em seus primeiros
concertos em Nova Friburgo, em 1915; a segunda é demarcada a partir de sua
participação da Semana de Arte Moderna de 1922; a terceira é relacionada, desde
1932, à sua adesão ao projeto cultural do período getulista; e, por fim, a quarta se
refere ao período quando sua música penetra nos EUA, a partir de 1944.
Um dos grandes problemas para quem estuda o percurso de Villa-
Lobos é precisar quando foi o grande momento de conversão do compositor à
estética nacional, na saída de sua primeira fase impressionista com a marcante
influência de Debussy. A grande maioria dos biógrafos ou estudiosos indica este
momento marcado pela Semana de 1922: Andrade (1991[1939]); Mariz (2005
[1949]); Kiefer (1981) e Wisnik (1982 e 1983). Noutra vertente, Guérios (2003)
aponta a partir da primeira viagem de Villa-Lobos à Europa, em 1923,
especificamente a Paris, quando o compositor carioca ouve Stravinsky,
notadamente a Sagração da Primavera (1913). De acordo com Guérios (2003), a
9 10
polirritmia e a politonalidade utilizada pelo compositor russo seria a porta de
entrada para a invenção de uma estética musical brasileira na ótica, ou melhor, de
acordo com a escuta de Villa-Lobos. Em setembro de 1924, em sua chegada,
afirma a Manuel Bandeira que ouvir a Sagração fora a maior emoção de sua vida

7
Ou “Modernização pelo Alto”, já que parte do aperfeiçoamento administrativo do Estado, cf.
D’Araújo (2000, p.30).
8
Cf. Mariz (2005[1949]).
9
Polirrítmico: “A superposição de diferentes ritmos ou métricas; é característica de algumas
polifonias medievais e comum na música do séc. XX” (SADIE, 1994, p. 733).
10
“Uso simultâneo de duas ou mais tonalidades diferentes” (SADIE, 1994, p. 733).

3
11
– tal declaração foi publicada na Revista Ariel . Esta escuta teria levado o
compositor a datar as suas composições mais ousadas, como, por exemplo,
Amazonas (*1917) e Uirapuru (*1917) – apresentadas ao público,
respectivamente, em 1927 e 1935 – antes de sua primeira ida à Europa. Assim a
semelhança seria vista, no máximo, como coincidências estéticas na criação dos
dois gênios musicais 12.
Inserimo-nos nesta discussão numa vertente alternativa com o trabalho
de dissertação intitulado Villa-Lobos: negociações simbólicas na formação da
13
moderna música brasileira (2007) . Aliamo-nos à ideia não de uma conversão,
seja em 1922 ou 1923, afastando-se de uma perspectiva “etapista”, mas sim de
momentos de negociação estética e social de acordo com as condições de
formação da música brasileira 14.
Dito de outra maneira, desde as primeiras apresentações de Villa-
Lobos, há uma negociação constante em sua música de uma estética nacional,
nos moldes modernistas, em diálogo intenso com uma estética internacional,
primeiramente com a música de Debussy e depois com a de Stravinsky. Veja-se
também a presença de um viés mais tradicional - vide suas inflexões na música
sacra, que renderam vários elogios, por exemplo, de um dos críticos do
Modernismo, Oscar Guanabarino. Essa negociação ocorria da mesma forma na
escolha do repertório: quanto mais tradicional o público, mais convencional era
sua música e vice-versa. Seu grande trunfo para os ávidos por uma inovação
estética em termos nacionais era Danças Características Africanas (1914-1915),
executada regularmente desde 1915. As Danças foram apresentadas ao pianista
Arthur Rubinstein, em 1918. Esta obra dialogava com a música popular urbana
11
Cf. Bandeira (1924).
12
Esta tese encontra-se muito bem fundamentada nos trabalhos de Guérios (2003) e Peppercorn
(2000 [1972]).
13
A banca foi constituída pelas Profª. Drª. Irlys de Alencar Firmo Barreira (orientadora, UFC), pelo
Prof. Dr. Dilmar Santos de Miranda (UFC) e pela Profª. Drª. Marisa Trench de Oliveira Fonterrada
(UNESP).
14
A concepção de negociação simbólica que desenvolvemos nessa dissertação foi alicerçada em
Bourdieu (1974, 1989, 1996a, 1996b e 1997), já que as condições de legitimação social da música
brasileira eram condicionadas pela dinâmica de força entre determinados atores sociais, no caso,
agrupados entre “modernistas” e “parnasianos”.

4
15 16
devido às leves síncopes incorporadas . Ao mesmo tempo, Villa-Lobos
mesclava músicas bem próximas ao romantismo tardio de Saint-Saëns,
exemplificado, na semelhança de O cisne (da sinfonia O carnaval dos animais, de
1886) com a peça O canto do cisne negro (1915), de Villa-Lobos 17 .
Dessa forma, o que ocorreu em 1923 não foi uma mudança de
percurso, como diz Guérios (2003, p. 128-140), mas sim um aprofundamento de
tal negociação em prol do nacional com as possibilidades rítmicas e harmônicas
abertas pelo compositor da Sagração da Primavera (1913), respectivamente, no
uso da polirritmia, da síncope e da politonalidade.
Na pesquisa de mestrado apontamos uma angústia estética de Villa-
Lobos que tenta a todo custo afirmar-se como um artista autenticamente nacional.
Essa angústia gerou uma desleitura estética das fontes stravinskyanas e
debussyanas que possui certos parâmetros com a teoria da angústia da influência
de Harold Bloom (2002[1973]), que indica processos de desleitura poética de um
18
poeta sob seu predecessor, como Shakespeare fizera em relação a Marlowe .
Conforme afirmamos, essa desleitura só fora possível devido à dupla socialização
de Villa-Lobos entre o meio erudito e a música popular urbana, especialmente o
19
choro . De acordo com a perspectiva teórica de Lahire (2002, 2004, 2006), a
pluralidade da ação individual decorre de múltiplos habitus advindos da
convivência em diferentes ambientes de socialização – que implementaria uma
desleitura sob as referências não apenas brasileiras 20.
De acordo com as condições específicas, ditadas pelo Modernismo,
de formação da música brasileira de seu tempo, em que o popular era visto como
um substrato a ser lapidado, Villa-Lobos buscou apoio junto à oligarquia dos Prado

15
“O deslocamento regular de cada tempo em padrão cadenciado sempre no mesmo valor à
frente ou atrás de sua posição normal no compasso” (SADIE, 1994, p. 868).
16
A parte rítmica da música do compositor é exclusivamente analisada em Andrade (1998).
17
Cf. Damasceno (2007).
18
A teoria da angústia da influência foi verificada na música por Molina (2001), em sua análise da
ascendência de Malher em Schoenberg.
19
Cf. Mariz (2005[1949]).
20
A Angústia da Influência nos termos de Bloom (2002[1973], p.24-25) é uma metáfora para se
referir a uma “apropriação poética” ou a uma “apropriação criativa” de um poeta sobre outro.

5
e dos Guinle, que o ajudou em concertos em terras brasileiras e estrangeiras,
junto a músicos brasileiros renomados na Europa, como a intérprete brasileira
Vera Janacopoulos e o pianista polonês Arthur Rubinstein. Quando Villa-Lobos
retorna ao Brasil, em meados de 1930, sua estética já era reconhecida como
verdadeiramente brasileira. O polo modernista liderado por Oswald de Andrade,
21
Mário de Andrade, Ronald de Carvalho , dentre outros, já tinha vencido a luta
simbólica de dizer o que seria ou não brasileiro frente aos “parnasianos”, como
Monteiro Lobato, e, em termos musicais, frente a Oscar Guanabarino (considerado
o grande algoz da música villalobiana). Entretanto, a sua consagração só fora
construída a partir de Paris, entre 1923 e 1930. O que tal polo modernista fez foi
difundir tal conquista pela imprensa nacional, locus de legitimidade social
22
disputado pelos críticos de arte, assim como fizera com a repercussão das
23
apresentações de Villa-Lobos antes e depois na Semana de 22 .
Uma das reviravoltas na trajetória de Villa-Lobos foi sua reinvenção
como pedagogo musical após a revolução de 1930. Até então o compositor não
dava sinal de que iria efetuar tal inflexão. Sua grande pretensão era o
reconhecimento externo e, consequentemente, interno, o que de fato ocorrera em
1923 e, principalmente, em 1927, em Paris, abrindo ainda mais seu espaço no
Brasil. Durante a década de 1930, especificamente, do ano de 1931 - quando
realiza seus “ensaios orfeônicos” em São Paulo - até o final do governo de Getúlio
Vargas, em 1945, Villa-Lobos esteve comprometido com as iniciativas

21
A respeito da trajetória de Ronald de Carvalho, cf. Botelho (2001).
22
Na ocasião, tivemos acesso a mais de 2.000 recortes de jornais e revistas da época, no Museu
Villa-Lobos - localizado na capital fluminense no bairro de Botafogo - onde coletamos 250 recortes,
destacando-se as dezenas colunas do “Pelo Mundo das Artes” de Oscar Guanabarino, lançadas
pelo Jornal do Comércio, e as matérias assinadas por Manuel Bandeira na Revista Ariel, cf.
Damasceno, 2007.
23
Conforme a análise de Miceli: “Não havendo, na República Velha, posições intelectuais
autônomas em relação ao poder político, o recrutamento, as trajetórias possíveis, os mecanismos
de consagração, bem como as demais condições necessárias à produção intelectual sob suas
diferentes modalidades, vão depender quase que por completo das instituições e dos grupos que
exercem o trabalho de dominação. Em termos concretos, toda vida intelectual era dominada pela
grande imprensa, que constituía a principal instância de produção cultural da época e que fornecia
a maioria das gratificações e posições intelectuais”
(MICELI, 2001, p. 17).

6
nacionalistas culturais em sintonia com a modernização conservadora
implementada durante o período “getulista”. E mais, o compositor não abandonou
as atividades pedagógicas após a destituição do Estado Novo, durante e depois
do governo de quinze anos de Getúlio Vargas, suas atividades foram intensas na
composição musical, justificando o recorte temporal desta pesquisa, ou seja, 1930
a 1959 24.
É do domínio acadêmico nas ciências sociais ressaltar o envolvimento
dos intelectuais e dos artistas brasileiros nas diretrizes culturais do Estado
brasileiro após Revolução de 1930, principalmente em torno do Ministério da
Cultura e Saúde durante o exercício do Ministro Gustavo Capanema. Esse
envolvimento não se verificou apenas no nível federal, destaca-se da mesma
forma a participação do estrato intelectual em políticas públicas na área da cultura
nos níveis estadual e municipal. Ou seja, os intelectuais e os artistas – entre eles,
obviamente, Villa-Lobos - não se omitem à missão de participar das iniciativas
modernizadores do Estado nacional.
Nesse projeto, Villa-Lobos constrói sua trajetória de educador-musical:
desde a criação do Serviço Técnico e Administrativo de Música e Canto Orfeônico
(1932) – em que foi convidado a dirigir o ensino orfeônico por Anísio Teixeira,
então Secretário de Educação e Cultura do Distrito Federal; na direção da SEMA
(Superintendência de Educação Musical e Artística), em 1933; na ampliação de
seu projeto educativo, dentro das iniciativas do Ministério da Educação e Saúde,
de Gustavo Capanema, durante o Estado-Novo (1937-1945) e à frente do
Conservatório Nacional de Canto Orfeônico (de 1942 até sua morte em 1959).
Nessa mesma perspectiva, esse período da trajetória de Villa-Lobos é
visto, nesta pesquisa, como um novo momento de reconhecimento social no qual
a oligarquia deixa de ser o único mecenas dos projetos culturais na
institucionalização das proposições modernistas do período “getulista” em diante,
a partir das iniciativas do próprio Estado. A bifurcação entre cultura e política

24
Nosso recorte temporal na dissertação de mestrado foi do nascimento de Villa-Lobos, 1887, até
o final da década de 1920, cf. Damasceno (2007).

7
minimiza-se a partir desse tempo, as políticas culturais são comandadas pelo
Estado, tendo o apoio de intelectuais e artistas. A partir de então, parte
considerável da intelectualidade brasileira, junto à outrora protointelligentsia
modernista, tornar-se-á uma intelligentsia sob a proteção estatal, específica à
realidade brasileira, verificada na ambiguidade, por vezes na angústia, de seu
papel e de sua consciência política, ora servidora da esfera estatal, ora
questionadora impotente das ações desse mesmo Estado.
Nesse ambiente, Villa-Lobos se apresentará como um moderno Padre
Anchieta, que, em vez de evangelizar os índios, ensinará as bases da “boa
música”, da “música elevada”, “civilizada” e nacionalizada às crianças brasileiras.
A analogia não é à toa, afinal, o padre jesuíta adentrou o sertão, aprendeu o tupi,
organizou uma gramática tupi-guarani e catequizou através da musicalização em
língua nativa de poemas com motivações cristãs, tornando-se um símbolo da
25
cristianização durante as primeiras décadas da colonização brasileira . Villa-
Lobos referir-se-á a si mesmo como uma espécie de “sertanista musical”, atento à
música profunda do Brasil que seria “elevada” dentro dos cânones tonais
adaptados à realidade nacional. Dessa forma, esta moderna catequese estaria
comprometida com o civismo. Sob a direção de Villa-Lobos, o Canto Orfeônico
teria a missão de nacionalizar a música brasileira de acordo com uma ampla
engenharia de invenção de uma cultura nacional tendo como patrono o Estado
brasileiro.
Villa-Lobos tinha os pré-requisitos sociológicos para comandar tal
projeto pedagógico, afinal, o convívio entre os “mundos” erudito e popular, desde a
sua infância, o dispuseram socialmente para tal atividade. Assim, estas podem ser
analisadas de acordo com as ideias de Lahire (2004) sobre a sociologia
26
disposicional , que aponta, à trajetória de um ator social, a assimilação
diacrônica de uma série de disposições sociais vivenciadas em sua história de
vida.
25
Cf. Pereira (2006). Além de se servir da poesia musicada, o padre Anchieta utilizou o teatro para
a catequese, cf. Salviani (2000, p.46).
26
Cf. Lahire (2002, 2004, 2006).

8
A base da pedagogia musical defendida pelo compositor seria os
temas musicais populares coletados no meio urbano e rural, devidamente
harmonizados, mas abertos a dissonâncias próprias da música brasileira. Esse
projeto pedagógico visava interiorizar nas crianças princípios civilizatórios e
nacionalistas que reproduziriam valores sociais relacionados à disciplina, ao
27,
civismo e à educação artística conforme as próprias palavras do compositor
contidas em sua obra pedagógica. Em relação a esta, de todos os seus livros
didáticos, o Guia Prático: estudo folclórico musical (1941) foi o que mais nos
chamou a atenção. Afinal, nas felizes palavras de Guérios (2003, p. 187), “Villa-
Lobos desejava não só fazer um compêndio ‘total’ da música brasileira ao longo
da história (...). Descrever e educar toda nação para a música, esse era o projeto
do Guia prático”. Nessa obra, desde o seu rascunho escrito de 1932 a 1936, estão
presentes os elementos raciais, geográficos, sociais e musicais constitutivos do
ideário villalobiano.
Dessa forma, pretendemos articular a produção musical de Villa-Lobos,
envolvendo aspectos musicais mais gerais, com os projetos pedagógicos na área
musical, especialmente o Canto Orfeônico, relacionando-os com o papel ativo da
28
intelligentsia brasileira no período . Um dos aspectos de nossa tese, é que a
perspectiva pedagógico-musical de Villa-Lobos dialogava tanto com as
proposições políticas do “idealismo orgânico” - de autores como Oliveira Viana,
especialmente no Estado Novo - quanto com a reflexão estética de Mário de
Andrade. Para chegar a esse posicionamento, refletimos sobre a análise da
relação entre intelectuais, artistas e os projetos políticos que constituíram a
intelligentsia no Brasil, naquele período, a partir de cinco autores: Brandão (2010),

27
Cf. Villa-Lobos (1937a, p. 382; 1937b, p. VIII; 1937c, p. 23).
28
Nossa proposta inicial de pesquisa apresentada no formato de projeto tinha a pretensão de
analisar o percurso musical de Villa-Lobos e o quadro político-cultural a ele circundante, o período
“getulista”, a partir do estudo da forma musical da Série Bachianas Brasileiras, compostas entre
1930-1945. Depois que começamos a ter acesso ao rico material envolvendo o projeto
pedagógico-musical capitaneado pelo compositor da Série Choros, resolvemos mudar o foco da
pesquisa para uma análise do percurso musical-pedagógico do musicista, deste período até sua
morte, em 1959, junto aos dilemas que afligiam os intelectuais e artistas em meio aos projetos
pedagógico-culturais patrocinados pelo Estado.

9
Martins (1987), Miceli (1985, 2001), Ortiz (1986, 1988), Pècault (1990) e
Schwartzman (1983 e 1984).
Entretanto, antes de analisar os condicionantes culturais, ideológicos,
institucionais e políticos tratados por esses autores que estudam a constituição de
uma intelligentsia no Brasil, torna-se necessário encontrarmos as motivações em
seu conjunto, a visão de mundo – expressão aqui utilizada como recurso
heurístico à moda de Goldmann (1959 [1955] e 1979 [1970]) - que respaldam a
ação dos intelectuais e dos artistas daquele momento frente aos problemas
culturais e políticos disponibilizados pelo processo de modernização brasileira.
Devemos ter a precaução de não interpretarmos de maneira homogênea as
perspectivas desses intelectuais e artistas.
Desta feita, tratamos o Modernismo como uma visão de mundo. A base
de tal visão de mundo é a ida ao povo de acordo com as especificidades
brasileiras. Uma espécie de ida ao povo à brasileira tal qual a reflexão de Martins
(1987) a respeito do processo. Na visão de mundo modernista vislumbramos uma
tipologia composta de cinco modernismos: o modernismo esteticista associado à
conduta “desinteressada” e “individualista” de Anita Malfatti frente ao normativo
Modernismo; o modernismo polemicista relacionado à face irônica e iconoclasta
de Oswald de Andrade; o modernismo ufanista que seria a base do nacionalismo
extremo do integralismo de Plínio Salgado; o modernismo programático associado
a Mário de Andrade a partir de sua obra Ensaio sobre a música brasileira, de
1928, na qual o escritor normativa o papel do artista frente à gestação da cultura
nacional e o modernismo romântico associado à postura ou à adesão de Villa-
Lobos diante do movimento modernista, visualizada em sua fixação pela natureza
brasileira e na sua própria “genialidade”. Conforme aprofundaremos adiante, o
primeiro tipo estaria próximo do formalismo da “arte pela arte”, o segundo se
caracterizaria pela face corrosiva do Modernismo em relação a alguns movimentos
da “tradição” (como o Parnasianismo) e o terceiro apresentando-se quase como
uma réplica tropical dos fascismos europeus. Essa tipologia nos indicou que os
dois últimos modernismos, o programático e o romântico se institucionalizaram, do

10
“getulismo” em diante, na obra pedagógica liderada por Villa-Lobos. Por isso, é
inevitável ao longo do trabalho a interlocução do último com Mário de Andrade. E
não apenas: durante, principalmente, o Estado Novo, a pedagogia subjacente ao
Canto Orfeônico travará um diálogo intenso com os chamados autores
autoritários: Francisco Campos (1940), Azevedo do Amaral (1934) e,
especialmente, Oliveira Viana (1930 e 1939).
O que a pesquisa apontou é que esse diálogo além de servir aos
propósitos imediatos dos meios políticos estava comprometido ou vinha se
comprometendo com a sistematização da música brasileira – que possui certos
parâmetros com a reflexão de Antonio Candido (2010 [1965] e 2012 [1959]) sobre
a literatura. Sistematização esta vista na complementação ao tema nacional (já
dada desde Carlos Gomes), com desenvolvimento da linguagem musical - já
delineada nos anos 10 em diante com a música popular urbana e com a própria
música de Villa-Lobos – e com a ampliação do público, que o projeto pedagógico
do Canto Orfeônico serviu como um dos seus esteios junto à emergência de uma
indústria fonográfica no Brasil 29.
Esse novo momento da trajetória de Villa-Lobos marca uma nova
posição no imaginário nacional de educador musical que, inclusive, transcenderia
as relações com o governo autoritário. Ou seja, para muitos, suas iniciativas iriam
beneficiar a música brasileira, independentemente do momento histórico no qual o
projeto pedagógico estava inserido. Essa era a opinião, por exemplo, do pianista
Homero Magalhães no Jornal do Brasil, na ocasião da comemoração dos 100
anos do nascimento do compositor das Cirandas (1926 apud PAZ, 2004[1987], p.
30
28) : “Considero uma ideia barata associar o nome de Villa-Lobos ao
totalitarismo, ele tinha a cabeça muito cheia de música para pensar em outra
coisa”.

29
Nesta pesquisa preferimos trabalhar com Candido (2010[1965], 2012[1959]) e a sua ideia de
sistematização ao invés de Bourdieu (1974, 1989, 1996a, 1996b, 1997) e a concepção de campo
devido à nossa analogia realizada em relação à formação da música brasileira no que concerne à
literatura nacional.
30
O pianista gravou as Cirandas (1926), cf. As 16 Cirandas de Heitor Villa-Lobos (2000 [1960]).

11
Sendo assim, devemos explicitar, justamente, o que em geral se
procura ocultar, as relações entre cultura e política a partir do projeto pedagógico
que Villa-Lobos chefiou, sem cair na tentação reducionista de colocar as iniciativas
culturais como simples reflexo dos ditames políticos de então. Em outras palavras,
procuraremos explicitar como o modernismo romântico de Villa-Lobos se tornou
cultura política em sua associação com o modernismo pragmático
marioandradiano e o pensamento autoritário – este, especialmente, durante o
Estado Novo – que irá defender a intervenção dos homens de cultura, em especial
dos compositores, para a construção de uma cultura nacional.
Em termos teóricos, o grande desafio da pesquisa é articular os
preceitos pedagógicos e o processo social, em duas esferas: a primeira, de acordo
com as peculiaridades próprias da formação da música brasileira e a segunda, de
acordo com a articulação com a visão de mundo do grupo de homens da cultura
que participaram do projeto de modernização do país. Dessa forma, é fundamental
estabelecer uma mediação entre esse ideário modernizador e as condições de
formação da música no Brasil. Ou seja, havia uma simultaneidade na concepção
de tais princípios educacionais tanto em relação às condições de estruturação da
música brasileira quanto diante da visão de mundo modernista que defendia a
edificação de uma cultura nacional alicerçada na manifestação popular. Em outras
palavras, em nosso enfoque, propomos a existência de homologia entre a visão de
mundo modernista, as condições de estruturação da música brasileira e o projeto
modernizador liderado pelo Estado.
O que nosso trabalho procura evidenciar é o novo momento de
reconhecimento social na trajetória de Villa-Lobos, em termos de ampliação. No
que se refere à produção musical desse autor, nesse período, destaca-se a Série
Bachianas Brasileiras (1930-1945). Como o próprio nome da Série indica, subjaz a
intenção em tais obras de expressar uma síntese da música folclórica e popular
brasileira tendo como base a estética de Bach, da qual Villa-Lobos se referia como
“fundo folclórico universal” (HORTA, 1987, p. 69). Dessa forma, revela-se no
discurso do compositor o uso da música de Bach, do contraponto tonal, como um

12
instrumento de harmonização da música brasileira, no quadro de uma visão
“civilizatória” que elevaria a música pertencente à terra e ao povo brasileiro à
condição de universal, protagonizando-a no “concerto internacional da civilização”.
De outra maneira, há uma afinidade eletiva entre a concepção totalizante da
proposta estética presente na referida Série composta em homenagem a Bach e a
perspectiva educacional oficial capitaneada pelo compositor, já que também se
ampara num tipo de perspectiva tonal aberta a algumas especificidades rítmicas e
harmônicas da música brasileira.
Villa-Lobos reivindicava para si o mito maior de compor a síntese das
31
possibilidades sonoras no Brasil . Por isso, em seu discurso, “natureza”, “gênio”,
“raça” e “nação” formam um quadripé mitológico, que inclusive será traduzido em
termos pedagógicos, reafirmando tais elementos numa síntese. O sentido de sua
obra musical, em especial as Bachianas Brasileiras (1930-1945), era de se
construir uma obra totalizadora e positiva sobre o Brasil em sintonia com o desejo
de unificar nacionalmente as manifestações musicais do país no cenário do
projeto educacional, que teve no Guia Prático (1941) sua expressão
paradigmática. Tal projeto totalizante estava em plena sintonia com o clima
intelectual numa época de outras grandes sínteses ensaísticas históricas e
32
sociológicas, como fizeram Gilberto Freyre, em Casa Grande & Senzala , de
1933, Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, de 1936, e Caio Prado
33
Júnior, em Formação do Brasil Contemporâneo, de 1942 . É desse momento um
amadurecimento da literatura brasileira, em especial os romances e os contos que
enfocavam os dramas sociais, ambientados tanto no meio rural quanto urbano, de
um povo que passava por uma impactante modernização, vista nas obras de

31
Quando ele dizia que não dava atenção à querela entre “modernistas” e “passadistas”, na
verdade, ele buscava a legitimidade de estar acima dos confrontos entre “vanguarda” e “tradição”.
32
A relação entre o autor de Casa Grande & Senzala (2002[1933]) e Villa-Lobos sempre foi muito
amistosa. Eles divergiam em temos étnicos das contribuições do “negro” e do “índio” para a
formação da cultura nacional. O literato daria mais atenção ao “negro”, ressentia-se amigavelmente
o compositor. Os elogios eram mútuos, cf. França, 1983 e Freyre, 1987.
33
Cf. Freyre (2002[1933]); Holanda, (2002[1936]) e Prado Júnior (2002[1942]).

13
autores tão díspares como Graciliano Ramos, Raquel de Queiroz e José Lins do
Rêgo 34.
O objetivo principal dessas considerações é indicar a homologia que
existe entre o ethos totalizante da música villalobiana e o pathos nacionalista da
sociedade de sua época. Quanto ao leitmotiv dessa homologia, não se trata de um
“reflexo” da realidade social pela música de Villa-Lobos, mas de uma
convergência. Em outras palavras, de uma consubstancialização entre a
linguagem musical, o desenvolvimento temático, que se desenvolvem de maneira
relativamente autônoma, e a estrutura social mais geral, relacionada ao contexto
no qual o compositor produziu, contexto este que ainda possibilitou a formação de
um amplo público apreciador da música nacional. Por meio de tal convergência,
podemos vislumbrar que tanto a música quanto o Canto Orfeônico se tornaram
cultura política dentro do processo maior de modernização da sociedade brasileira
35
.
Amparada principalmente na reflexão teórica dos autores citados:
Candido (2010 [1965]; 2012 [1959]); Goldmann (1959 [1955]; 1979 [1970]), Lahire
(2002; 2004; 2006) e Martins (1987), a operacionalização da pesquisa decompõe-
se em procedimentos distintos de uma consulta bibliográfica e de coleta de
arquivos, que logicamente serão articuladas, na perspectiva da construção
metodológica. Assim, esta pesquisa dividiu-se em cinco vetores:
No primeiro vetor, analisamos os projetos educacionais e políticos de
governo e a inserção por parte do musicista em ambos. Nessa etapa, dividimos
nossa coleta de dados em dois momentos. No primeiro deles, realizamos uma
pesquisa junto aos arquivos do Museu Villa-Lobos (localizado na capital
fluminense). Desta forma, articulamos, além dos princípios da política cultural da
época, o envolvimento do compositor com os projetos pedagógicos ligados ao

34
Cf. Portela (1983).
35
É inevitável a analogia desta perspectiva com a análise da obra de Gilberto Freyre feita por Elide
Rugai Bastos (2006). Essa autora indica ao pensamento freyriano a condição de cultura política
nos anos 30 em diante e do concomitante protagonismo do autor de Casa Grande & Senzala
(2002) na sistematização da sociologia brasileira.

14
Estado brasileiro pós-Revolução de 1930, com a música popular e folclórica e com
os intelectuais que atuavam junto às iniciativas estatais (como Francisco Campos
e Anísio Teixeira). Tais documentos foram organizados em dois períodos: o
primeiro, desde a instituição obrigatória do Canto Orfeônico nas escolas, com o
Decreto nº 19.890 de 18 de abril de 1931, passando pela implementação,
respectivamente, do Serviço Técnico e Administrativo de Música e Canto
Orfeônico, em 1932, e do SEMA (Superintendência de Educação de Educação
Musical e Artística), em 1933. E já sob a influência do Ministro da Educação
Gustavo Capanema, de 1934 até 1945, englobando o Estado-Novo (1937-1945).
Uma segunda etapa de coleta analisou o período pós-Estado Novo, do
Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, até a morte de Villa-Lobos, em 1959.
Para tanto, nesta pesquisa analisamos os documentos pessoais e os oficiais,
como os ligados ao Departamento de Educação do Distrito Federal (a partir de
1934), os relacionados ao Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) (a
partir de 1938, em pleno Estado Novo) e os relacionados ao Ministério de
Educação e Saúde, a quem o Conservatório Nacional de Canto Orfeônico era
subordinado, após o Estado Novo.
No segundo vetor, desenvolvemos um estudo sobre a formação da
intelligentsia, compreendendo artistas e intelectuais nas ações do Estado. Sobre a
vasta obra dos autores que tratam da formação da intelligentsia, destacam-se:
Berlin, 1988[1978]; Benda, 2007[1927]; Bobbio (1997, 1999); Bourdieu (2004),
Gramsci (1982[1948]), Hobsbawm (1997) e Mannheim (1968[1929], 1974[1932]),
entre outros. Em relação à literatura pesquisada sobre o Modernismo brasileiro
foram consultados os seguintes autores: Ávila (2002); Brito, (1964); Gonçalves
(2012); Lafetá (1974); Schwartz (2013) e Teles (1992[1972]). Entre as obras que
abordamos, relacionadas ao folclore, destacamos: Almeida (1974[1957]),
D’Assumpção (1967); Fernandes (2013[1977]) e Travassos (1997). A análise do
processo social do “getulismo”, em especial, as políticas culturais do Estado
brasileiro e a adesão dos intelectuais e artistas às iniciativas burocráticas nesse
setor - incluindo a participação direta de Villa-Lobos - foi desenvolvida junto aos

15
autores que trabalharam com os arquivos do Centro de Pesquisa e Documentação
de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) - subordinado à Fundação Getulio
Vargas - e com outros que desenvolveram suas pesquisas a partir de outras
fontes. São várias as obras que analisamos sobre o período especificado e que
serviram de base para o entendimento do Brasil a partir da Revolução de 30 no
que se referem aos procedimentos do Estado na esfera cultural com apoio dos
intelectuais e artistas, obras estas como Bastos (2003), Bomeny (2001),
Herschmann e Pereira (1994), Lorenzo Costa (1998), Miceli (2001), Ortiz (1986,
1992), Pècault (1990), Schwartzman (1983, 1984). Neste mesmo vetor,
realizamos uma análise sobre os conteúdos políticos das obras dos chamados
autores autoritários - Francisco Campos (1940), Azevedo do Amaral (1934) e,
principalmente Oliveira Viana (1930 e 1939) – relacionando-a com a obra
pedagógica do Canto Orfeônico.
No terceiro vetor, enfocamos analiticamente a formalização estético-
musical dos ideais culturais-políticos – que, no caso de Villa-Lobos, foi verificado
em seu percurso pedagógico, na Série Bachianas Brasileiras (1930-1945) e em
outras obras do período - por meio da interpretação de seu conteúdo musical e
pedagógico em termos sociais. Para tanto, recorremos aos estudos da
musicologia e pedagogia musical que analisaram a trajetória villalobiana
(biógrafos, críticos, historiadores, pedagogos, sociólogos etc): Andrade (1998),
Azevedo (1956), Contier (1998), Fonterrada (2008), Guimarães (1972), Gilioli,
(2008), Heitor (1956), Horta (1985, 1987), Jardim (2005), Kiefer (1981), Lisboa
(2005), Mariz (1997, 2000, 2005[1946]), Mendes (1975), Moraes (1983), Naves
(2001), Nóbrega (1971), Paz (1989, 2000a, 2000b, 2004[1987], Peppercorn
(2000[1972]) Tarasti (1987), Toni (1987), Verhaalen (2001), Villa-Lobos (1989,
36
2009d) e Wisnik (1982 e 1983). Neste vetor, um autor se destaca devido a sua
forte interseção junto à trajetória de Villa-Lobos: Mário de Andrade (s/d[1933],
1990[1942], 1991[1939], 1999[1984-89], 2003[1943], 2006[1928]).

36
Dois dos Catálogos oficiais das obras musicais de Villa-Lobos.

16
No quarto vetor, analisamos as obras assinadas por Villa-Lobos,
publicações estas de propaganda e de fundamentação e prática de educação
musical: Programa de música (1937b); SEMA (Superintendência de Educação
Musical Artística): relatório geral dos serviços realizados de 1932 a 1936 (1937c);
O ensino popular da música no Brasil (1937a); A música nacionalista no governo
Getúlio Vargas (1940b); Canto orfeônico - 1º volume: marchas, canções e cantos
marciais (1940a); Solfejos: originais e sobre temas de cantigas populares, para o
ensino de canto orfeônico vol.1 (1940c); Solfejos: canto orfeônico vol. 2. (1946);
Educação musical (1991[1946]) e Canto orfeônico - 2º volume: marchas, canções,
cantos: cívicos, marciais, folclóricos e artísticos (1951). A uma obra demos
especial atenção: Guia Prático: estudo folclórico musical (1941). Tal deferência
justifica-se pela ênfase na análise qualitativa e quantitativa das fontes teóricas e
dos temas musicais coletados nesta obra. Essa análise se realizou desde o seu
rascunho escrito entre 1932 e 1936, passando pelo único volume publicado em
37
1941 até se chegar à reedição de 2009 e de outras obras pedagógicas e de
música que se relacionavam com as publicações do compositor, como, por
exemplo, Acquarone (1944), Barreto (1932), Beuttenmüller (1937), Melo (1908),
Pinto (1908) e Schewerké (1927) 38 .
No quinto vetor, debruçamo-nos sobre as revistas (Ariel, Fon-Fon e Rio
Musical) os jornais da época - como o Jornal do Commercio e a sua coluna Pelo
Mundo das Artes, de Oscar Guanabarino, Mário de Andrade e a coluna Mundo
Musical da Folha da Manhã, O Globo etc – para acompanharmos os
desdobramentos públicos das iniciativas musicais e educacionais de Villa-Lobos.
A análise de tais desdobramentos evidenciou um dos indicadores de
39
reconhecimento social da trajetória do compositor .

37
Cf. Villa-Lobos (2009a, 2009b e 2009c).
38
Grande parte dessas obras foi foto-digitalizadas no Arquivo de Mário de Andrade presente no
instituto de Estudos Brasileiros (IEB).
39
Pesquisamos milhares de arquivos no Museu Villa-Lobos nas inúmeras visitas que realizamos a
essa instituição. A maior parte desses arquivos era de jornais de época, os outros foram
documentos oficiais de estado e cartas. No Museu, selecionamos mais de duzentos arquivos
digitalizados que estão presentes em parte nesta tese.

17
Assim, os passos da pesquisa relatados acima resultaram nos
seguintes capítulos:

 Ato I: Ida ao Povo, em que analisamos a inserção dos intelectuais


e artistas nos projetos políticos da intelligentsia tanto em nível
geral quanto nacional. O Modernismo é analisado e tipificado a
partir do uso metodológico da visão de mundo;

 Ato II: A reinvenção de Villa-Lobos, no qual tratamos do retorno


de Villa-Lobos da Europa no contexto da revolução de 1930, das
relações fundamentais do compositor com Mário de Andrade e os
primeiros anos do musicista à frente do projeto pedagógico;

 Ato III: O Guia Folclórico e Educacional, em que realizamos uma


análise qualitativa e quantitativa dos temas musicais que
compõem o Guia Prático: estudo folclórico musical (1941) e de sua
centralidade no projeto educacional do Canto Orfeônico;

 Ato IV: Um canto para Getúlio?, no qual evidenciamos a relação


do período autoritário do Estado Novo com a música no Brasil e
com o projeto pedagógico de Villa-Lobos, por meio: das iniciativas
estruturais do Estado (como na Inauguração da Rádio Nacional),
do Canto Orfeônico (principalmente com concentrações
orfeônicas) e da relação da obra pedagógica do compositor com
certos aspectos das obras dos autores autoritários – Campos
(1940) e Vianna (1930, 1939);

 Ato V: Do Estado Novo à sistematização da música brasileira:


sob as bênçãos de Anchieta, de Bach e de Getúlio, neste
último capítulo realizamos uma análise do papel de Villa-Lobos na

18
sistematização da música brasileira, na composição da Série as
Bachianas Brasileiras (1930-1945) e no momento derradeiro da
trajetória musical e pedagógica de Villa-Lobos após o Estado
Novo até a sua morte em 1959, quando parte de sua obra musical
adentrará o mercado norte-americano, concomitantemente à
ascensão da música popular brasileira nos cenários nacional e
internacional;

 Por último, em Finale, realizaremos uma reflexão sobre o


significado social da trajetória de Villa-Lobos de acordo com a
conclusão desta pesquisa.

19
20
1 I ATO: A IDA AO POVO

“Nós, os humanistas, temos todos uma veia pedagógica... Meus


senhores, o laço histórico entre o humanismo e a pedagogia é a prova do
laço psicológico que existe entre ambos. Não convêm privar os
humanistas de sua função educadora... Não se lhes pode arrebatar essa
função, porque só entre eles se encontra a tradição da dignidade e da
beleza do Homem. Um dia o humanista substituiu o sacerdote, que numa
época sombria e misantrópica ousara arrogar-se a direção da juventude.
Desde então, senhores, não surgiu mais nenhum tipo de educador”.
(MANN, 1980[1929], p. 77)

1.1 O artista como participante da intelligentsia

Neste I Ato, abordaremos o conceito e a condição histórica da formação


da intelligentsia, apontando as diferenças interpretativas e contextuais... Para isso,
evidenciaremos o lugar dos artistas, em especial o de Villa-Lobos na constituição
da intelligentsia no Brasil e do seu lugar na construção da visão de mundo
Modernista e as suas respectivas correntes: modernismo pragmático; modernismo
ufanista; modernismo individualista, modernismo polemicista e o modernismo
romântico. Antes disso, buscamos entender, em termos conceituais, a relação
entre os artistas e intelectuais e a formação de uma intelligentsia – e de sua
relação com o folclore – a partir de casos clássicos para entendermos a
especificidade brasileira.
É impossível pensar na formação de uma intelligentsia sem refletir
sobre a própria condição do intelectual na modernidade. Tal inquietação surge no
final do século XIX, no engajamento dos escritores franceses, como Zola, no
julgamento considerado injusto do capitão Alfred Dreyfus, acusado de
espionagem. Estamos nos referindo ao famigerado “Caso Dreyfus”, divisor de
águas em termos do reconhecimento social da ação dos intelectuais em grandes
temas públicos e, por isso mesmo, onipresente na literatura especializada. Os
intelectuais, a partir de então, serão reconhecidos socialmente como os
declamadores dos valores universais, afirmando-se como autoridades morais das
questões públicas, como no caso do julgamento do oficial francês.

21
Num contexto histórico de adesão de vários intelectuais ao
nazifascismo e ao totalitarismo stalinista, Julien Benda (2007[1927]) faz a
denúncia mais profunda da condição intelectual na modernidade, no final dos anos
20, acusando os intelectuais de renunciarem à reflexão, à crítica e à busca do belo
artístico em prol da submissão política ao racismo, ao partido, à nação e ao
Estado. Seu conceito de intelectual expressa bem o ideal do intelectual indiferente
às paixões políticas. Dessa forma, seriam:

Todos aqueles cuja atividade, por essência, não perseguem fins práticos,
e que, obtendo sua alegria do exercício da arte ou da ciência ou da
especulação metafísica, em suma, da posse de um bem não temporal,
dizem de uma certa maneira: ”meu reino não é deste mundo” (BENDA,
2007[1927], p. 117).

Essa definição é mais uma idealização do que deve ser um intelectual


numa perspectiva normativa e deontológica. Há uma ampla literatura que
problematiza tal idealização do “intelectual na torre de marfim” 40
, baseado na
atuação do intelectual como ator político que pretende se inserir nas discussões e
nas transformações sociais de seu tempo, fundamentado ou não na emancipação
social, alicerçada na sua missão diante da sociedade 41.
É o caso de Mannheim (1968[1929], p. 180), que define a intelligentsia
como “este estrato desamarrado, relativamente sem classe, para usar uma
terminologia de Alfred Weber, na ‘intelligentsia socialmente desvinculada’
(freischwebende intelligenz)”. Mais tarde, esse autor, ponderaria sua definição:

40
Inclusive nacional, cf. Bastos; Rego (1999); Bastos; Ridenti; Rolland (2003) e Pires (2003).
41
Nesta perspectiva da politização e do dirigismo atribuído aos intelectuais, mas dentro de uma
perspectiva marxista, o autor italiano Gramsci (1982[1948]), por exemplo, considera o intelectual,
na modernidade, fadado a ter uma condição política por ser um intelectual “orgânico” (por ter uma
função organizativa e diretiva), ligado às “massas” e às classes sociais que o identifica. A relação
umbilical entre classe e os intelectuais é sentenciada pelo autor: “cada grupo social, nascendo no
terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao
mesmo tempo, de um modo orgânico, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão
homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também
no social e no político” (GRAMSCI, 1982, p. 3). A busca da hegemonia política, por parte dos
intelectuais que anseiam por uma transformação social, é sua missão diretiva e organizativa na
construção de um consenso, possibilitando uma contra-hegemonia frente à ideologia dominante.

22
Os intelectuais não constituem um estrato elevado sobre as classes e
não são de modo algum mais dotados que outros grupos para superar
seus próprios engajamentos de classe. Em uma análise anterior desse
estrato, usei o termo ‘intelligentsia relativamente desvinculada’ (relativ
freischwebende intelligenz), que aceitei de Alfred Weber, sem pretender
sugerir um grupo completamente desligado e livre das relações de
classe. O epíteto relativ não é uma palavra vazia. A expressão
simplesmente alude ao fato reconhecido que os intelectuais não reagem
diante de determinadas situações de modo tão coeso como por exemplo
os empregados ou os operários. Até mesmo estes últimos, de tempos em
tempos, demonstram variações em suas relações a dados assuntos, mais
ainda as chamadas classes médias; porém o menos uniforme é o
comportamento político da intelligentsia (MANNHEIM 1974[1932], 81-82).

Segundo Mannheim (1974[1932]), os artistas (poetas, músicos e,


principalmente, os literatos) formariam grupos importantes para a constituição
42
histórica da intelligentsia . No medievo, os poetas primitivos, os menestréis
andarilhos, os comediantes que seguem a tradição, o antigo mímico, já
constituíam um grupo diferenciado. Os trovadores se destacariam por fazerem
parte da hierarquia feudal, composto por cavaleiros marginalizados, mas
respeitados pelo cultivo cultural, que descenderiam dos nobres ou dos
43.
ministeriales Os trouvères cultuariam o canto popular, a exemplo do cavaleiro
44
marginal Walter Von der Vogelwide e de seus seguidores . De 1500 em diante,
dois grupos se destacariam na formação da intelligentsia literária: os humanistas e
os mestres cantores. Os primeiros teriam uma maior independência diante da
Igreja devido aos favores dos mecenas e os segundos eram compositores da
chamada canção medieval popular (Mastersong). Os mestres cantores formariam
certa elite cultural que procuraria aperfeiçoar as formas populares no formato da
língua alemã.
Após o advento das revoluções de classes médias e do Renascimento,
tipos como o artista, o funcionário e principalmente o político teriam maior espaço
social com a proeminência citadina propiciada pelos principados alemães, de

42
Nesse quadro do desenvolvimento de grupos sociais, no medievo, que compõem a intelligentsia,
destaca-se o clero, grupo dominante de letrados que seria aberto aos homens de diversas origens
sociais, cf. Mannheim (1974[1932], p. 101-104).
43
“Servos empregados como homens de confiança na casa do senhor (N. do T.).” (MANNHEIM,
1974[1932], p. 99).
44
Cf. Mannheim (1974, p. 97-101).

23
45
acordo com o que já ocorrera nas monarquias centralizadas, como a francesa .
As Sociedades Literárias – na Itália, Alemanha, Suíça e Holanda – possibilitara
que esses tipos típicos da intelligentsia pudessem formar seu público. Os Salões,
especialmente os das cortes francesas, se tornaram locus de convivência entre
intelectuais e artistas. Mannheim (1974[1932]), baseado no estudo de Tinker
(1915), enumera as várias características dos Salões: “ambiente íntimo”; “o papel
secundário da riqueza”; “a conversão literária, filosófica ou crítica, usualmente
entretida como prosseguimento a peças, sermões, ou à leitura de poemas e
ensaios”; “o amor platônico”; “papel proeminente da mulher”; e o “oportuno papel
mediador entre vida e literatura” (MANNHEIM, 1974[1932], p. 108-109). O Salão
como habitat de intelectuais e artistas independentes das camadas superiores e
inferiores da sociedade “impedirá a desintegração social da intelligentsia criativa”
(MANNHEIM, 1974[1932], p. 109). Porém, os Salões ainda eram círculos fechados
em comparação ao surgimento dos Cafés, que aglutinaram a dispersão dos
intelectuais e artistas por todo o século XIX. Os Cafés já existiam na Europa desde
1652, em Londres, constituindo-se em “clubes políticos” que tiveram papel
preponderante em contextos outros, como na Revolução Francesa 46.
No mundo contemporâneo, para Mannheim (1974[1932]), os
intelectuais são os expositores de sínteses históricas, oriundos de estratos sociais
de classes que se sentem ameaçadas. Em termos dinâmicos, essa nova ordem
deve permear a maior parte da sociedade para que possa colocar em ação seu
poder de transformação. O vínculo sociológico da formação desse estrato é a
educação secularizada, que minimiza os demais vínculos sociais. Portanto, para o
autor não devemos confundi-los com as classes médias, que tanto podem
vincular-se a algumas das classes antagônicas quanto podem tentar cumprir sua
missão de defender o interesse de todos. Num primeiro momento, os intelectuais
defenderam os interesses do proletariado para depois ter uma posição totalizante,
agregando-se, portanto, entre as classes sociais, e não acima delas.

45
Op. Cit., p.105-106.
46
Op. Cit., p.110.

24
O processo de secularização ocorrido desde o Renascimento
possibilitou ao intelectual moderno que deixasse de se constituir numa casta
fechada, admitindo indivíduos das mais diversas origens. O esquema escolástico
fechado de outrora dava lugar a um aberto, ao mesmo tempo em que há uma
separação cada vez maior entre o conhecimento cotidiano e esotérico. Sendo
assim, a educação tornar-se-ia o alicerce do processo de empatia intelectual num
processo multipolar a partir de um ceticismo que desnaturaliza a realidade social.
Por isso, a intelligentsia mais recente inclina-se para uma visão sociológica 47.
A ideia do intelectual comprometido com as transformações sociais, que
fere a definição de Benda (2007), só poderá ser entendida à luz do conceito de
intelligentsia ancorada na definição de Gella de “um estrato social alienado de sua
própria sociedade e possuidor de um sentimento de responsabilidade no mínimo
pela liderança moral da nação” (1976 apud MARTINS, 1987, p. 02). Noutro
momento, o autor define a característica da intelligentsia como:

Uma forma objetiva de alienação, que resulta ao mesmo tempo numa


atitude negativa ou revolucionária com respeito
ao establishment dominante, e numa atitude de rejeição ao modo de vida
e aos papéis tradicionalmente conservadores das classes média e inferior
(GELLA 1976 apud MARTINS, 1987, p.03).

Gella (1976 apud MARTINS, 1987) diz que os membros da intelligentsia


não são advindos em sua maioria das classes menos favorecidas; pelo contrário,

47
A questão da vinculação dos intelectuais ou não às classes sociais dominantes ou às dominadas
será discutida por outro prisma por Bourdieu (2004). Esse autor francês defende, amparado na
teoria do processo de autonomia relativa dos campos sociais, que este sentimento de
desvinculação social por parte dos intelectuais nasce das próprias condições de formação e de
autonomia dos campos culturais. Em sua ótica, os campos relacionados à produção cultural são
subordinados na hierarquização mais ampla do espaço social aos campos políticos e econômicos.
Todavia, produtores culturais não necessariamente são marionetes dos dominantes do espaço
social como um todo. Eles podem, de acordo com a lógica do campo em questão (como, por
exemplo, o literário), ter uma posição a favor dos dominados. Por isso, a fragilidade da homologia
das posições dentro deste tipo de campo. Em outras palavras: “os interesses específicos dos
produtores culturais, na medida em que estão ligados a campos que, pela própria lógica de
funcionamento, estimulam, favorecem ou impõem a superação do interesse pessoal no sentido
comum, podem levá-los a ações políticas, ou intelectuais, que pode se chamar universais”
(BOURDIEU, 2004, p. 176).

25
beneficiam-se de um capital cultural propiciado pelo status quo. Seus membros
gravitam em torno das classes superiores, na chamada classe média, ou advêm
diretamente das primeiras. Todavia, ocorre, por parte desses privilegiados, um
“desligamento” diante dos privilégios e uma “alienação” referente à sociedade
como um todo, na rejeição aos papéis convencionalmente atribuídos a si, que
resulta numa atitude missionária baseada na necessidade de transformações
sociais profundas. De acordo com esse ethos, analisado por Luciano Martins
(1987), o autor diz haver uma espécie de imperativo categórico na atividade
intelectual que traz para si:

Um espírito de descoberta e de invenção, isto é, de um questionamento


permanente de tudo que é instituído. É esta atitude intelectual, aliás, que
distinguiria aqueles que Lipset chama os "intelectuais criativos", dos quais
proviria a intelligentsia (MARTINS, 1987, p.03) 48.

Sem dúvida, tais perspectivas tratadas até aqui politizam a condição do


intelectual na modernidade. Inclusive, em termos históricos, a construção do
próprio conceito de intelligentsia antecede ao “Caso Dreyfus”. Sendo assim, Isaiah
Berlin (1988) amplia o significado social e histórico do conceito ao dizer:

Intelligentsia é uma palavra russa inventada no século XIX, e desde


então adquiriu significado universal. O fenômeno em si, com suas
consequências históricas e literalmente revolucionárias é, segundo
suponho, a maior contribuição isolada russa à mudança social no mundo.
O conceito de intelligentsia não deve ser confundido com a noção de
intelectuais. Seus membros se consideram unidos por algo mais que o
simples interesse pelas ideias; concebiam-se como uma nova ordem
delicada, quase como um sacerdócio secular, devotado à divulgação de

48
Por outro lado, Bobbio (1997) apresenta a necessidade da distinção entre as esferas do “ser” e
do “deve ser” por parte do intelectual, isto quer dizer que algumas questões precisam ser
diferenciadas: “do ponto de vista descritivo – ‘quem são os intelectuais? ’ e fenomenológico –
‘quantos são os tipos de intelectuais? ’ -, distinto do ponto de vista prescritivo e optativo – ‘qual o
meu ideal de intelectual? ’” (BOBBIO, 1997, p. 15). Dentro de uma análise fenomenológica, Bobbio
aponta uma tipologia dos intelectuais alicerçada na diferenciação entre as suas ações racionais
orientadas por valores e as orientadas para um fim, de acordo com uma perspectiva weberiana,
que estabelecerá dois tipos de intelectuais: os “ideólogos” e os “expertos”, em que os primeiros
pautaram suas ações de acordo com a “ética da convicção” e os segundos, de acordo com a “ética
da responsabilidade”. Mas esse autor também não se esquiva em apontar o seu tipo de “intelectual
mediador” pautado na racionalidade e na tolerância, dimensionado o intelectual para uma conduta
mais ética do que propriamente política. Também cf. Bobbio (1997) e Pires (2003).

26
uma análise específica em relação à vida, algo como um Evangelho
(BERLIN, 1988[1978], p. 126).

Isaiah Berlin (1988) indica a especificidade da formação da


intelectualidade russa, de seu ethos revolucionário, desde a “década notável” (de
1838 a 1848) até as portas da Revolução de 1917. Os membros da intelligentsia
russa foram os responsáveis, em termos estéticos, pela invenção da crítica social
na literatura – na qual “a fronteira entre a vida e a arte obedece a um firme
propósito, não muito claramente delimitado” (1988, p. 126) 49
– vista em autores
tão díspares como Dostoiévsky, Tolstoi e Turgueniev. As condições históricas
desta cisma entre esta camada instruída e as massas russas remontam às
reformas instituídas por Pedro, o Grande, no final do século XVII, que enviara
vários jovens com o intuito de se atualizarem das benesses do desenvolvimento
científico e artístico do Ocidente. Entretanto, esta abertura fora freada por
Catarina, a Grande - que já tinha dado antes sinais de liberalização - no vácuo dos
efeitos da Revolução Francesa, na passagem dos séculos XVIII para o XIX. Esse
espírito de desconfiança com os ventos das revoluções liberais do Ocidente
também esteve presente no reinado de Alexandre I e de Nicolau I. Este último
tentou restringir ao máximo a ida de seus súditos à França, especialmente depois
de 1830. Em vão. Essa classe letrada e francófona assimilava o quanto podia os
ideais políticos do extremo oeste europeu, a filosofia alemã (especialmente o
idealismo alemão de Fichte, Schelling e, principalmente, Hegel) e o Romantismo.
A maioria dos homens letrados russos foi indiferente às dores da
população até a invasão de Napoleão. Tal acontecimento despertou um
sentimento nacionalista entre os intelectuais da Rússia, que, na perspectiva
romântica, assimilam a ideia do nacionalismo organicista e teleológico – dentro do
entendimento que as nações são organismos unitários e que possuem uma
50
finalidade universal . A assimilação do Romantismo pode ser verificada na

49
No enfoque do autor: “até o ‘esteta’ Turgueniev está inteiramente empenhado na crença de que
os problemas sociais e morais são questões centrais da vida e da arte, inteligíveis apenas em seu
próprio contexto histórico e ideológico específico” (BERLIN, 1988 [1978], p.138-139).
50
Cf. Berlin, 1988[1978], p. 128.

27
transformação do camponês em um símbolo nacional e, mais tarde, no fato de que
as comunidades aldeãs são tidas como alternativa ao modo de vida ocidental.
Esse sentimento nacionalista trouxe, entre os mais letrados, um sentimento de
culpa e de comprometimento com as massas deserdadas da Rússia. Num cenário
de convivência de uma fria e opressora nobreza e a maioria de um campesinato
miserável, essa classe culta assume para si a responsabilidade, ou melhor, a
missão de alterar o quadro político de seu país.
Essa primeira geração da intelligentsia russa, de 1838 a 1848 (este
último ano profundamente conturbado na maior parte da Europa), era marcada
pela influência do liberalismo europeu. Os anos de repressão (1848-1856) marcam
a clivagem entre os ideais eslavófilos, hostis ao Ocidente, e os ideários liberais e
socialistas, ou seja, entre direita e esquerda. Na sequencia, a clivagem entre
socialistas e liberais tende a se acentuar nas figuras paradigmáticas de Bakunin e
Herzen. A respeito dos primeiros, a influência do marxismo só se deu a partir da
década de 1890, até então era principalmente Proudhon que dava o tom no
pensamento socialista russo. Por fim, a influência crescente do marxismo irá
demarcar a separação entre socialistas-revolucionários e os socialdemocratas e,
na Revolução de Outubro, entre bolcheviques e os mencheviques. Dessa forma, a
intelligentsia russa não pode ser vista como um “sujeito coletivo” 51
político
monolítico. Seu processo histórico de constituição mostra-nos justamente o
contrário.

1.2 A intelligentsia e o folclore

A idealização do camponês como símbolo na nacionalidade russa se


52
estenderá à música, por exemplo, com “O Grupo dos Cinco” (que se diferenciou
do “nacionalismo ocidentalizado” de Tchaikovsky), que teve em Balakirev o

51
Esse termo é utilizado por Martins (1987, p. 4).
52
Composto pelos compositores Aleksandr Borodin, César Cui, Mily Balakirev, Modest Mussorgsky
e Nikolai Rimsky-Korsakov.

28
53
colecionador de canções populares e o compositor da sinfonia Rússia (1861) .
Esse compositor fundou a Escola Livre de Música influenciado pelas ideias do
54
revolucionário russo Tchernichevski, defensor de uma espécie de socialismo
agrário55, que segundo Berlin (1988, p. 227) foi “a maior figura populista de sua
época” 56. Esse trabalho de coleta de temas musicais populares é continuado pelo
57
outro membro do “Grupo dos Cinco”, Rimsky-Korsakov , que mantém acesa a
luz nacionalista da música de Mussorgsky, considerado “Gogol em música” por
Carpeaux (2001, p. 289).
58
A “questão nacional” tornou-se um dos terrenos por excelência dos
59
intelectuais e artistas, entre os séculos XIX e XX . Diante de tal constatação,
uma pergunta é fundamental: qual a função de um intelectual ou de um artista
60
para a formação de uma nação? Evidentemente são múltiplas, tanto em seus
aspectos culturais quantos políticos. Dependendo do contexto sócio-histórico em
questão, tanto uma esfera quanto a outra podem ter a ação mais incisiva por parte
61
da intelligentsia . No contexto alemão do século XVIII e em grande parte do XIX
(mesmo sob o ambiente da Unificação Alemã em 1871), intelectuais como, por

53
Em relação aos principais nomes da música russa, cf. Calvocoressi e Abraham (1944).
54
Cf. Carpeaux (2001, p. 287).
55
Cf. Berlin (1988[1978], p. 97).
56
Segundo Berlin: “As aspirações mais profundas de Tchernichevski foram apresentadas em Que
Fazer?, uma utopia social que, embora grotesca como obra de arte, exerceu sobre a opinião russa
um efeito que literalmente marcou época. Esse romance didático descrevia os “homens novos” da
comunidade socialista cooperativa do futuro, livre e moralmente pura” (1988, p. 231).
57
Cf. Markévitch (1935).
58
Cf. Bastos e Ianni (1985).
59
Benedict Anderson (1998) conceitua as nações como comunidades imaginadas a partir de suas
análises sobre o desenvolvimento do capitalismo editorial que inclui tanto a formação da literatura
quanto da música pátria. Conforme esta passagem: “E não se deve esquecer de que essa mesma
época assistiu à popularização de outra forma de página impressa: a partitura. Depois de
Dobrovský veio Smetana, Dvorák e Janácek, depois de Aasen, Grieg; depois de Kazinczy, Béla
Bartók; e assim por diante pelo nosso século adentro” (ANDERSON, 1998, p. 86).
60
Mesmo os intelectuais socialistas em determinados momentos históricos convergiram para o
nacionalismo, a exemplo de Otto Bauer, que considerava plenamente possível a conciliação dos
sentimentos nacionalistas com os ideais do socialismo, sendo uma das características dos autores
austromarxista que assistiram ao fim do Império Austro-Histórico e o início da Primeira República
Austríaca, cf. Bauer (2000[1924]).
61
Apesar dessa importância, ainda não tivemos acesso a uma das teorias da nação que
aprofundasse um estudo sobre o lugar dos intelectuais e artistas no processo de formação dos
Estados Nacionais, cf. Balakrishnan (2000).

29
exemplo, Jacob Burckhardt (1961[1905]), tinham reservas em abordar assuntos
políticos dentro do espírito despolitizado, até então, associado ao termo Kultur. A
cena mudou a partir do momento em que a intelligentsia nacionalista da classe
média foi gradativamente tornando-se mais forte frente aos setores humanistas,
politizando, consequentemente, o termo Kultur. Wagner, por exemplo, evoca, por
meio de seus “dramas musicais” - na concepção da “Obra de arte total” - uma
mitológica Alemanha, como em Os mestres cantores de Nuremberg (1867) - bem
62
ao gosto do nacionalismo impulsionado pelo II Reich de Bismarck anos depois .
Será essa politização da Kultur que, acentuada na passagem dos séculos XIX
para o XX, leva mais tarde a Alemanha a se constituir como a grande protagonista
das duas grandes guerras que marcaram a primeira metade do século XX 63.
Foi nesse amplo contexto que os intelectuais nacionalistas das classes
médias da Europa inventaram as suas tradições culturais, incluindo as musicais.
De acordo com Hobsbawm (1997), as canções folclóricas foram modificadas de
acordo com os interesses nacionais. A partir do exemplo do nacionalismo suíço
estudado por Rudolf Braun (1965), Hobsbawm discorre:

Às canções folclóricas tradicionais acrescentaram-se novas canções na


mesma língua, muitas vezes compostas por mestres-escola e
transferidas para um repertório de conteúdo patriótico-progressista
(“Nation, Nation, wie voll klingt der Ton”), embora incorporado também da
hinologia religiosa elementos poderosos destes repertórios sob o aspecto
do ritual (vale apena estudar a formação destes repertórios de novas
canções, especialmente os escolares). Segundo os estatutos, o objetivo
do Festival Federal da Canção – isso não lembra os congressos anuais
de bardos galeses? – é “desenvolver e aprimorar a canção popular,
despertar sentimentos mais elevados por Deus, pela liberdade e pela
Nação, promover a união e a confraternização entre os amantes da arte e
da Pátria”. (A palavra aprimorar indica a nota de progresso característica
do século XIX) (HOBSBAWM, 1997, p. 14).

Dessa forma, este espírito de aprimoramento característico da invenção


das tradições, tendo-se em vista a normatividade cívica, é vislumbrado na
experiência moderna do canto coletivo que surgiu na Europa no decorrer do

62
Cf. Millington (1995).
63
Cf. Elias (1997, p. 158).

30
64
século XIX . A perspectiva da instituição coletiva do canto coral se alicerçava no
aperfeiçoamento dos costumes, na vivência do sentimento pátrio e no
disciplinamento social das massas. Assim, civilização, nação e civismo formariam
o tripé do Canto Orfeônico 65.
O termo orphéon surgiu na França, no ano de 1831, para se referir ao
conjunto de alunos que compunham uma sociedade coral e cantavam sem
acompanhamento e sob a orientação de Guillaume Louis Bocquilon-Wilhem (1781-
1842). Essa sociedade coral fundada pelo Barão Joseph Marie de Gerando (1772-
1842), em 1819, visava a instituir o canto nas escolas da França. Mais tarde, em
1835, o Conselho Comunal de Paris tornou obrigatório o ensino da música nas
escolas francesas, nomeando o Barão como Diretor-inspetor Geral 66.
Entretanto, a experiência coletiva do canto popular não se restringirá à
França, durante o século XIX, apenas receberá outras denominações Apollo Club
(Estados Unidos), Liedertafel (Alemanha) e Glee (Inglaterra). Tais experiências
serão expandidas a outros países da Europa, como a Espanha (em especial na

64
Beauttenmüller (1937, p. 17-23) se refere à formação dos coros na Antiguidade grega e bíblica
para, depois, analisar o desenvolvimento do canto coral. Entretanto, preferimos nos referir à
perspectiva da origem moderna do canto coral tal qual é realizada por Gilioli (2003, p. 32-72).
65
Essa perspectiva apolínea do Canto Orfeônico é muito bem apresentada por Gilioli (2003, p. 32-
72). O personagem Orfeu se justifica da seguinte forma: “ORFEU: Personagem mitológico
considerado na Grécia como o representante mais antigo do canto, acompanhado com a lira. Os
gregos personificaram nele a tradição das origens de sua música que, segundo ele, vinha da
Tessália, região situada na parte setentrional do país. Supunha-se que Orfeu tinha nascido em
Pieria, Olimpo. A congregação de cantores e sacerdotes dos Eumolpides, relacionadas com os
mistérios de Elêusis, acreditava ser descendente de Eumolpos, filho de uma discípula de Orfeu
que se chamava Musaios. Atribuía-se a Orfeu alguns poemas conservados até hoje, cujo
verdadeiro autor foi o sacerdote Onomácritos” (PENA; ANGLÉS, 1954 apud, GILIOLI, 2003, p. 40,
Tradução Livre do Autor).
66
O coral resultante do ensino obrigatório apresentou-se em diversas ocasiões: “a primeira
audição pública realizou-se no Hotel-de-Ville, na antiga Sala São João, em 1836. Sala repleta,
achando-se presentes representantes oficiais, da ciência e da arte. Entre outras coisas, o coro
executou um trecho de Mozart e um solfejo a quatro vozes. Já em 1839, o orphéon conseguia
agremiar 4.000 crianças e 1.200 adultos. Salvandy, entusiasmado, deseja introduzir o ensino de
canto na Universidade e nomeia Wilhem “Delegado geral do ensino universitário em França”. Esta
nova função, porém, não pôde ser exercida pelo fundador do Orphéon porque este, a 26 de abril
de 1842, expirava nos braços de um filho, tendo estado, horas antes, a compor um hino à memória
de Cherubini para ser cantado pelos seus coros” (BEVILACQUA, 1933 apud GILIOLI, 2003, p. 52).

31
região da Catalunha) e os eslavos (destacando os ucranianos e húngaros), a
Suíça (alemã) e a Itália 67.
A ideia do canto coletivo do orfeão do século XIX tem uma afinidade
eletiva com as ideias do folclore igualmente desenvolvidas naquele século. A
coleta dos cânticos populares que seriam usados como base para os orfeões
precisa ser sistematizada. Tal sistematização só fora possível com a criação de
uma ciência que estudaria justamente as práticas e os hábitos do povo. Essa
ciência será denominada como Folk (povo) / lore (saber), a partir de um artigo
escrito, em 1846, pelo arqueólogo William Thoms. Renato Almeida (1974, p. 21-
27) aponta os quatro aspectos conceituais ligados ao conceito do Folclore: o
estudo tanto dos aspectos materiais quanto espirituais da vida plena de um povo;
o fato folclórico se caracteriza como formas de pensar, agir e sentir de um povo,
mantidos pela tradição; as observações sobre os fenômenos tradicionais que
sejam essencialmente populares e a análise dos fatos folclóricos a partir de
métodos próprios. Segundo esse autor, o locus da pesquisa folclórica será o
primitivo e o povo 68. Para além do caráter polifônico da palavra “povo”, esse autor
irá sentenciar:

No tocante ao sentido de folk, conquanto a palavra povo possa possuir


várias acepções – nação, comunidade, multidão, etc. -, há em geral
concordância em lhe dar o sentido do vulgus latino, isto é, das camadas
social, economicamente e intelectualmente mais baixas de uma
sociedade, quase o fundo popular, como chamou Raffaele Corso
(ALMEIDA, 1974[1957], p. 29).

De acordo com Renato Almeida, a música desempenhará um papel


fundamental entre as iniciativas de nacionalização do folclore:

A importância do folclore na música, tanto na erudita quanto na popular,


vem sendo de há pouco mais de um século muito sensível. O folclore
nacionalizou as diferentes músicas, não pelo simples aproveitamento
temático, mas por terem os músicos procurado interpretar a alma lírica
dos povos nas forças criadoras das suas melodias, de seus ritmos, de

67
Cf. Beauttenmüller (1937, p. 17-23) e Gilioli (2003, p. 32-72).
68
Cf. Almeida (1974[1957], p. 28).

32
seus processos peculiares de cantar e harmonizar, nos sons
instrumentos típicos, em suma, nessa imensa confluência de valores
69
artísticos que o folclore expressa (ALMEIDA, 1974[1957], p. 287) .

O folclore musical teve grande desenvolvimento com as iniciativas de


Béla Bartók, tornando-o uma referência obrigatória dentro da musicologia, com o
recolhimento e o estudo de duas mil e quinhentas melodias de temas musicais
70
húngaros, romenas e de outros povos do Leste Europeu . Com base em um
estudo comparado, seu método visava identificar as culturas nacionais que
originariam os temas pesquisados. Em 1919, durante a rápida experiência do
governo socialista de Béla Kun, na Hungria, tanto Bartók quanto Kodály
participaram do Diretório de Música até a derrubada do regime pelos
conservadores. Antes disso, entre 1915 e 1917, no Salão de Emma Gruir (depois,
esposa de Kodály), Bartók, o próprio Kodály, Georg Lukács, o poeta Béla Bálzs
(librerista dos trabalhos cênicos de Bartók), Arnauld Hause e Karl Mannheim se
reuniam no denominado Círculo de Domingo para criticarem aspectos da vida
71
moderna, como a “arte pela arte”, o positivismo e o mecanicismo . Por isso,
72 73
foram chamados de “tradicionalistas revolucionários” por Mary Gluck .
O exemplo húngaro é tido como um dos marcantes no século XX do
envolvimento da intelligentsia com a causa folclórica. Entretanto, este não foi um
caso isolado. Como atesta Florestan Fernandes: “as tendências que têm
prevalecido, na intelligentzia moderna, nas elucubrações que tomam o folclore
como objeto da reflexão ou da atividade intelectual” (FERNANDES, 2003[1977], p.
257).

69
E continua “Intenso e sugestivo exemplo, pela riqueza da criação e pela sua universalidade, é a
música moderna no Brasil. Villa-Lobos, Luciano Gallet, Lorenzo Fernandez, Francisco Mignone,
Camargo Guarnieri, Radamés Gnatalli, Guerra Peixe, Claudio Santoro e outros mais realizaram, na
trilha aberta por Alexandre Levy e Alberto Nepomuceno, uma música de caráter nacional inspirada
nas vozes quentes e coloridas do canto folclórico” (ALMEIDA, 1974[1957], p. 287).
70
A adesão de Bartók a experiência socialista não foi imune às suas críticas, como frente à
obrigatoriedade do canto da Internacional Socialista antes das Óperas, cf. Travassos (1997, p.
131).
71
Cf. Travassos (1997, p. 15).
72
Op. Cit., p. 15.
73
Mary Gluck é professora de História da Brown University, nos EUA.

33
O folclore institucionalizou-se ao longo do século XX por meio de
74
órgãos de pesquisa estatais compostos por intelectuais e artistas , estes,
voltados para a invenção e institucionalização do folclore, trazendo-o para o centro
da ação da intelligentsia. Desta feita, o discurso da intelligentsia ficará marcado
pela bifurcação entre nacionalismo versus internacionalismo.

1.3 Intelligentsia à brasileira?

No Brasil, desenvolveu-se uma intelligentsia? Para José Guilherme


75
Merquior (1981), não . O já falecido diplomata e crítico literário, acreditava que
não existiria uma intelligentsia brasileira porque os intelectuais brasileiros estariam
presos às benesses do Estado, ancorados em termos corporativos, não sendo
párias frente à sociedade, nem no sentido econômico, nem no cultural. Realmente,
quem se restringir à abordagem histórica da intelligentsia russa terá sérios
problemas em analisar o caso brasileiro e, provavelmente, concordará com o
ensaísta. Afinal, a Rússia passou por um brusco processo de modernização,
transitando de uma estrutura social agrária e semi-feudal para uma socialista, na
qual a intelligentsia teve um papel ativo na direção política devido à ausência de
outras forças sociais que a assumissem.
De todo modo, os conceitos não podem ser ressignificados sem sua
inserção num determinado contexto sócio-histórico. Dessa forma, acreditamos ser
plenamente possível analisar uma intelligentsia à brasileira, malgrado as objeções
de Merquior (1981).
74
Em termos globais, o folclore é incentivado pela UNESCO, cf. D’Assumpção (1967, p. 14).
75
Segundo o critico literário: “No Brasil, há uma intelectualidade, mas não uma intelligentsia. A
diferença entre uma coisa e outra é a mesma que distingue o gênero da espécie. A intelligentsia é
um tipo de intelectualidade, um tipo cujo modelo histórico foram os intelectuais da Europa oriental
no século passado, sobretudo no império czarista. O que a caracteriza é a separação em que os
intelectuais vivem em relação à sociedade. São párias, até pela situação de sua renda e seu
status. Os intelectuais brasileiros mais radicais não são párias de nossa sociedade, nem pela
renda nem pelo status. Se disserem que são, eu respondo com uma gargalhada. Eles se
beneficiaram do progresso econômico, subiram socialmente nos últimos anos como o resto da
classe média. Por isso, têm uma retórica muito radical. Fingem que são uma intelligentsia. Mas, na
prática, se comportam como um setor do salariado, têm impulsos corporativistas” (MERQUIOR,
1981).

34
Para realizar a análise da relação entre intelectuais e os projetos
políticos, ou a própria constituição de uma intelligentsia no Brasil, cinco autores
serão analisados nos parâmetros desta pesquisa: Daniel Pècault (1990) e seu
argumento doutrinário-politicista; Simon Schwartzman (1984) e seu argumento
organizacional-institucionalista; Sérgio Miceli (2001) e seu argumento sociológico-
76
culturalista ; Luciano Martins (2009) que transita entre as argumentações
institucional, cultural e política; Ortiz (1986 e 2008) que analisa a politização da
cultura em sincronia coma a emergente indústria cultural no país e, por fim, Gildo
M. Brandão (2010) e sua teoria das linhagens do pensamento político brasileiro.
Daniel Pècault (1990) publicou um tour de force que analisa o caráter
missionário por parte dos intelectuais brasileiros diante dos caminhos políticos da
nação, indo desde a geração dos anos 20 até a dos anos 80 (a obra foi publicada
77
pela primeira vez em 1989) . O tom é mannheimiano, já que atribui aos
intelectuais um posicionamento de dirigismo em relação à sociedade,
possibilitando ser elite ou povo quando convier. Desta maneira, há uma
identificação a favor ou contra o Estado (responsável por sua organização).
Quanto à condição política do intelectual brasileiro, o autor sentencia:

A ambivalência em relação ao político, por mais fecunda que seja, não


deixa, porém, de ser teórica. Com efeito, os intelectuais brasileiros se
entregam à ação política sem nenhuma hesitação e como se tivessem
qualificação especial para fazê-lo. Em muitas ocasiões, eles se tornam
protagonistas políticos centrais. Além disso, arrogam-se uma
competência particular para sumir a responsabilidade pela dimensão
mais política do fenômeno político: a ideologia. Na “realidade brasileira”,
mais uma vez, encontram boas razões, tantas quantas queiram, para
justificar a importância de sua intervenção (PÉCAULT, 1990, p. 07-08).

76
Estas três primeiras classificações dos argumentos de Pècault (1990), Schwartzman (1984) e do
próprio Miceli (2001) foram criadas pelo último, cf. Miceli (2001, p. 369-396).
77
Suas análises sobre a ação dos intelectuais durante o Modernismo apontam que: “O
modernismo mostrou ainda que o plano cultural e político são indissociáveis: transformar uma
nação latente em nação sujeito supõe um empreendimento em ambos os níveis” (PÉCAULT, 1990,
p. 27).

35
Schwartzman (1984) conduz sua análise em várias obras ligadas ao
78
CPDOC, nas fronteiras de um enfoque institucionalista . O protagonismo dos
intelectuais, em especial a partir dos anos 30, está inserido no processo de
modernização conservadora que, no processo de racionalização e centralização
das instituições políticas e culturais no plano estatal, seleciona novos quadros,
possibilitando certa cooptação dessas novas lideranças. Ou seja,

O que ocorria na área da educação e da cultura naqueles anos fazia


parte de um processo muito mais amplo de transformação do país, que
não obedecia a um projeto predeterminado nem tinha uma ideologia
uniforme, mas que tem sido estudado, mais recentemente, como um
processo de ”modernização conservadora”. É um processo que permite a
inclusão progressiva de elementos de racionalidade, modernidade e
eficiência em um contexto de grande centralização do poder, e leva à
substituição de uma elite política tradicional por outra mais jovem, de
formação cultural e técnica atualizada. É natural que os membros desta
nova elite, que vêem seus espaços se largarem, se identifiquem com as
virtudes do novo regime, mesmo que percebendo e, freqüentemente
criticando, muitas de suas limitações. (SCHWARTMAN, 1984, p.19)

Noutra perspectiva, e talvez a mais controversa de todas, Miceli (2001)


analisa a afirmação social dos intelectuais no Brasil, como ele próprio categoriza,
79
sob um prisma sociológico e culturalista . Sua tese de doutorado Intelectuais e
classe dirigente em São Paulo (1979), concluída dez anos antes da publicação de
Pècault (1989), indica os condicionantes sociais e as transformações no mercado
dos bens culturais que alicerçam as ações e os discursos voluntaristas dos
intelectuais. Nesta visão, não existiria um projeto político comum, homogêneo,
descolado de seu piso social, mas sim disputas envolvendo os homens da cultura
em direção de sua legitimação social, tendo o Estado como grande patrocinador,
para promover seus bens simbólicos. Isto quer dizer que não existe uma
intelligentsia brasileira? Não. Para Miceli existe uma intelligentsia, mas, de acordo
com a especificidade brasileira, sem o dirigismo atribuído por Pècault. A este
respeito, o autor é explícito:

78
Cf. também Schwartzman (1983).
79
Cf. Miceli (2001, p. 372).

36
Há razões estruturais e institucionais suficientes para a postura altiva e
distante de inúmeros segmentos da intelligentzia à brasileira, e também
para esse ideal ou essa missão política que ela atribui a si própria. A
intelligentzia brasileira – é preciso dizer com todas as letras – tem
condições sociais para se atribuir elevadas e dignificantes missões
políticas. Mas parece-me que a discussão sobre a relação entre os
intelectuais começa nas condições sociais de existência destes mesmos
intelectuais e não do conteúdo doutrinário da missão que eles atribuem.
Dificilmente, o sistema político tem, como no Brasil, um ator que assume
uma missão tão importante como a de fazer prognósticos e impor
diretrizes, nas principais arenas de luta: a economia, a política e a cultura
(MICELI, 1985, p. 127).

Os autores citados acima analisaram o papel dos intelectuais a partir de


perspectivas distintas, entretanto, vão demarcar o período “getulista” como o ponto
de inflexão na participação direta da intelligentsia do país na política brasileira,
principalmente em seus aspectos institucionais. Todavia, Elide R. Bastos (2003)
pondera, em sua análise sobre a influência de Ortega y Gasset na Revista Cultura
e Política, se estes setores tinham o controle do processo político, em especial
durante o Estado Novo, constituindo “uma República de Intelectuais? Nem tanto!
Mas vale lembrar a reflexão de Bobbio sobre intelectuais e política. Ressalta o
autor que numa sociedade funcional, resultado do atraso, atribui-se aos
intelectuais a missão organizativa” (2003, p. 170-171).
Luciano Martins (1987) articula tais matrizes analíticas, em uma
abordagem que transita pelos vetores políticos, sociológico-culturais e
institucionais. É com este autor que dialogamos com mais força neste trabalho, já
que a profundidade de sua abordagem consegue, até o momento, suprir eventuais
lacunas e levantar outros questionamentos, apesar do caráter ensaístico e breve
de seu texto.
O autor traça um fio condutor entre a “geração de 1870” impregnada
pelo positivismo comteano e pelo liberalismo, que desembocará na Proclamação
da República e que rapidamente decepcionará boa parte dos intelectuais
republicanos. A partir de então, irá se desenvolver entre a intelectualidade
brasileira - como nos autores como Lima Barreto e Euclides da Cunha - uma
autêntica indignação moral como caminhos traçados pelo país, mas que não

37
consegue teorizar, efetivamente, um projeto ou um modelo de uma nova
sociedade, apresentando a característica central de constituição da intelligentsia
brasileira:

Ela reivindica a liderança moral da nação, mas mostra-se incapaz de


pensar uma nova sociedade. Tudo o que fazia força da intelligentsia
russa está ausente aqui: trata-se de uma intelligentsia desprovida de
pensamento utópico. A utopia é substituída por uma esperança, relegada
a um futuro impreciso: os mitos do “país do futuro” e do “gigante
adormecido”; ou, então, toma a forma mistificada de louvores patrióticos a
um país idealizado e imaginário (o ufanismo). Contudo, não existia
nenhum constrangimento ou obstáculo (sob a forma de uma situação
autocrática ou da censura) suscetível de impedir a expressão de idéias
críticas e novas. Ademais, se era relativamente grande a "porosidade"
nesse mundo muito elitista, por contraditório que isso possa parecer,
somente a cooptação da intelligentsia pela classe dominante é
manifestamente insuficiente para explicar a ausência de um pensamento
utópico. Não há, de resto, motivo para supor (salvo por um reducionismo
à maneira de um certo "funcionalismo marxista") que as crenças nascidas
a partir de uma determinada classe sirvam necessariamente aos
interesses dessa classe, incluindo-se aí aquilo que diz respeito às
classes dominantes (ver, por exemplo, a brilhante crítica de Elster, 1983,
cap. IV). Na verdade, mais propriamente do que
a sociedade, é a nação que constitui o eixo das preocupações dos
intelectuais (MARTINS, 1987, p. 10).

Em outras palavras, falta à intelligentsia brasileira daquele momento, ao


contrário da russa, uma teoria e uma utopia de uma sociedade numa época em
que essa mesma intelectualidade ainda não era possuidora de meios de
consagração que angariassem um reconhecimento social.
Descobrir primeiramente o que é ser brasileiro - contrariando o
pessimismo bem típico das primeiras décadas do século XX, oriundo dos
determinismos geográfico e racial - vai marcar as preocupações dos modernistas,
que constituíram, na visão de Martins (1987), o estabelecimento pleno de uma
intelligentsia que se propõe missionária. Essa descoberta do que é ser brasileiro,
da busca da unidade cultural, requeria uma ida ao povo, sem utopia, mas com

38
muita ironia, da qual o livro Macunaíma (2004[1928]), tornar-se-ia exemplo
paradigmático 80.
Desta forma, o imperativo ético que moverá as ações dos intelectuais
no Brasil, neste tempo, será o de se construir esta identidade nacional através de
uma reforma institucional e social, daí a angústia de estabelecer esta relação entre
81
a modernidade e a modernização no Brasil . Como realizar tal empreendimento
sem uma utopia, uma teoria, um telos, que desse um horizonte à ação destes
homens? Nesse vazio, o voluntarismo, apesar do discurso da esperança, dará o
tom das ações dos “homens de cultura” do Brasil daquele momento. Estes
intelectuais são conscientes dos limites de suas ações – confessadas através de
cartas privadas 82
– principalmente quando participam diretamente das ações
oficiais do Estado nos anos do “getulismo”. De outro modo, estes homens não
queriam se furtar diante da oportunidade de participarem deste momento de
mudança – “não queriam fechar suas janelas aos inevitáveis ventos da
modernização” – mas tinham uma descrença junto às forças políticas que as
liderariam. Afinal, a intelligentsia brasileira, ao contrário da russa, não atribuía para
si o dirigismo da modernização do país.
O principal paradoxo que Martins (1987) apresenta em seu texto, pelo
menos no que se refere aos propósitos desta pesquisa, é a ambiguidade da
angústia da ação dos intelectuais se firmar exatamente num momento em que o
processo de constituição do campo cultural, com seus instrumentos de

80
Esse autor sentencia: “Trata-se, antes, de uma espécie de “ir ao povo” à maneira brasileira: sem
utopia, ou teoria da sociedade, com humor e malícia. O protótipo é o livro de Mario de Andrade
Macunaíma, o herói sem caráter. O que eles querem: voltar as raízes, desmascarar a ‘lustração’,
sem renegar a erudição. Evidentemente, isso não exclui uma grande ambiguidade. Mas é
justamente da ambiguidade que esses escritores retiram sua força” (MARTINS, 1987, p. 14).
81
Na perspectiva de Le Goff (1996, p. 191), a modernização é um impactante processo de
desenvolvimento econômico e tecnológico, ligado às sociedades que percorrem industrialização.
Para este autor, a modernidade é um tipo de consciência de ruptura com o passado, através da
antinomia moderno/antigo, verificada desde a Renascença. Nesta mesma linha, Giddens (1991,
p.11) situa: “’modernidade’ refere-se ao estilo, costume de vida ou organização social que
emergiram na Europa a partir do século XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos
mundiais em sua influência”.
82
Entre, por exemplo, Anísio Teixeira e Monteiro Lobato, cf. Martins (1987, p.13).

39
consagração (Universidades, Institutos etc.), poderia disponibilizar uma condição
política mais atuante a essa intelligentsia.
O autor dá conta do porquê, pelo menos em parte - há de se levar, mais
uma vez, em conta, o caráter ensaístico e, talvez, inconclusivo de suas ideias.
Primeiro ao abordar a subordinação dos meios políticos “ao princípio abstrato da
organização” (1987, 16) – por isso a especial atenção à educação, incluindo a
técnica. É uma pena que Martins não tenha desenvolvido mais este tema,
fundamental para entendermos, por exemplo, a união sob o mesmo teto estatal de
intelectuais tão díspares como Anísio Teixeira e Francisco Campos, e da tentativa
de conciliação de teorias como a das circulações de elites com as ideias
democráticas e liberais ligadas à Escola Nova 83.
A segunda parte da explicação é realizada com mais fôlego pelo autor,
quando se refere à politização do campo cultural que se inicia antes mesmo da
criação das instituições e quando tenta conciliar “tendências opostas” (de acordo
com SCHWARTZMAN, 1984), como durante a autoritária Reforma Campos, de
1931, que deixava em aberto o ensino religioso, abrindo um conflito entre católicos
e a Escola Nova durante todo este período – mas, ao mesmo tempo, questionava
a autonomia da Universidade, com a Criação do Conselho Nacional da Educação.
Esta subordinação “ao principio abstrato da organização”, talvez, se explique pela
valorização da intelligentsia nacional à centralização das ações políticas por parte
do Estado brasileiro, que fará que Anísio Teixeira adapte à realidade pátria suas
concepções liberais 84.
No momento, teremos que saltar boa parte desta querela entre a direita
católica e os adeptos da Escola Nova para apontar a motivação da angústia dos

83
Cf. Boneny (2003).
84
De acordo com esta perspectiva Saviani (2000, p.226) discorre sobre a influência liberal de
Dewey em Anísio Teixeira: “Portanto, embora seguindo Dewey, estava atento às condições
brasileiras e não transplantava, simplesmente, o sistema americano. Por isso, diferentemente da
experiência americana, advogou em nosso país a reorganização de serviços centralizados de
apoio ao ensino. Em outros termos: se Dewey nunca se preocupou com o sistema nacional de
ensino de aprendizagem e do rendimento escolar, Anísio Teixeira tinha essa preocupação e
procurou, a partir das condições brasileiras, encaminhar a questão da educação pública na direção
da construção de um sistema articulado”.

40
85
intelectuais inseridos nos projetos estatais: o malogro de uma idealizada
renovação cultural modernista frente ao processo político. Em outros termos:

A proposição central deste ensaio é a de que uma intelligentsia se


constitui no Brasil, no início dos anos 20, num contexto de renovação e
aspiração a reformas econômicas, sociais e políticas. Ela revoluciona os
cânones estéticos, contesta a cultura dominante, busca suas raízes,
valoriza o que é brasileiro, desespera-se pelo "atraso" cultural do país,
interroga-se sobre as estruturas da sociedade, procura sua identidade
social e tenta estabelecer uma ponte entre a modernidade e a
modernização do país. Ela clama por reformas sociais que não sabe
definir muito claramente, mas o que a atrai mais é a construção de
uma nação moderna. Ela fala em seu próprio nome, "adverte" a nação,
reivindica o direito de "ensinar, pregar e interpretar o mundo" ("teach,
preach and interpret the world"), como dizia Mannheim a propósito das
intelligentsias. E ela fracassa no momento de estruturar um campo
cultural, a partir do qual poderia definir suas relações com a política
(MARTINS, 1987, p. 23).

Em síntese, Martins (1987) não desenvolve uma perspectiva por vezes


voluntarista atribuída, por Pècault (1990), à ação dos intelectuais, já que este
politiza a argumentação de Schwartzman (1984) e de Miceli (2001) ao afirmar a
cooptação pelo Estado dos quadros mais criativos da intelligentsia em um
momento de formação do campo intelectual. De outro modo, a análise de Martins
evidencia a impotência dos intelectuais diante de um Estado que condena, devido
à própria absolvição da esfera cultural, suas instituições, aos ditames da política.
Mas a quais intelectuais Martins (1987) está se referindo? Os
angustiados, sem dúvida, que não se filiam ao autoritarismo político estadonovista,
visto, por exemplo, em nomes como Anísio Teixeira e Carlos Drummond de
Andrade. Por outro lado, temos uma série de intelectuais e artistas convictos de
seu papel durante o processo de modernização vivenciado no período “getulista”,
especialmente os que constituem o chamado “pensamento nacionalista autoritário”
86
: Azevedo Amaral, Francisco Campos e Oliveira Viana. Os dois últimos tiveram

85
A qual será abordada no II Ato.
86
Cf. Fausto (2001).

41
funções administrativas destacadas e obras (anteriores ao período, diga-se) 87 que
legitimavam o autoritarismo getulista 88.
Neste momento, alertamos para o perigo de uma visão homogeneizada
da intelligentsia, como se esta fosse um todo monolítico que possui uma
“consciência para si” em termos de seu protagonismo social. Dois autores nos
instigaram neste sentido. Primeiro, Antonio Candido (apud MICELI, 2001), em seu
célebre prefácio da obra Intelectuais e classes dirigentes no Brasil, de Sérgio
Miceli, quando pondera as proposições do autor ao problematizar:

O papel social, a situação de classe, a dependência burocrática, a


tonalidade política – tudo entra na constituição do ato e do texto de um
intelectual. Mas nem por isso vale como critério absoluto para os avaliar.
A avaliação é uma segunda etapa e não pode decorrer mecanicamente
da primeira. Apesar da cautela metodológica e do esforço para ver com
clareza, Miceli incorre por vezes nessa contaminação hermenêutica.
Talvez porque eu tenha a devida perspectiva, que só se forma de uma
geração para outra, como disse, sinto falta de distinção mais categórica,
e sobretudo teoricamente fundamentada entre os intelectuais que
“servem” e os que “se vendem”.
Com efeito são duas modalidades de dependência (e há graus de
combinação entre elas); (...) Mas o fato é que no processo estão
envolvidos homens, com sua carne e a sua alma, de modo que conviria
acentuar que um Carlos Drummond de Andrade “serviu” o Estado Novo
como funcionário que já era antes dele, mas não a alienou por isso a
menor parcela de sua dignidade ou autonomia mental. Tanto assim que
suas ideias contrárias eram patentes e foi como membro do gabinete do
ministro Capanema que publicou os versos políticos revolucionários de
Sentimento do mundo e compôs os de Rosa do povo. Já um Cassiano
Ricardo se enquadrou ideologicamente e apoiou pela palavra e pela
ação, porque o regime correspondia a sua noção de democracia
autoritária e nacionalista, devido a motivos que Miceli aponta muito bem
no capitulo 1 (CANDIDO apud MICELI, 2001, p. 73-74).

Outro autor importante, nesta perspectiva de categorização da ação de


autores sociais do período, que aderiram ou não às iniciativas estatais, é Renato
87
Entre as obras podemos destacar em Francisco Campos, O Estado Nacional (1940). Em
Azevedo Amaral, O Estado Autoritário e a realidade nacional (1938) e O Brasil na crise actual
(1934). Por fim, em Oliveira Viana, O Ocaso do Império (1990), Populações meridionais do Brasil
(2002) e Problemas de política objetiva (1930).
88
Francisco Campos foi em 1930, Ministro de Educação e Saúde; em 1933, foi nomeado Consultor
Geral da República; em 1935, foi nomeado Secretário da Educação; e, em 1937, Ministro da
Justiça (redigindo a Constituição daquele ano). Azevedo Amaral foi essencialmente um jornalista,
cf. Fausto (2000, p. 28-29). Já Oliveira Viana, após a Revolução de 30, tornou-se consultor da
Justiça do Trabalho e, em 1940, foi convidado pelo presidente Getúlio Vargas a exercer a função
de Ministro do Tribunal de Contas da União, cf. Torres (1956).

42
Ortiz (1986 e 1988) que é taxativo a respeito da relação entre cultura e política no
Brasil:
É interessante ressaltar que a problemática da cultura brasileira tem sido,
e permanece até hoje, uma questão política. Como o leitor poderá
perceber, eu procuro mostrar que a identidade nacional está
profundamente ligada a uma reinterpretação do popular pelos grupos
sociais e à própria construção do Estado brasileiro (ORTIZ, 1986, p. 8).

Esta politização da esfera da cultura é que irá fundamentar a


combinação específica entre tradição e modernidade no Brasil a partir do Estado
Novo, combinação esta que servirá de base para a formação de uma cultura de
massa fomentada por uma indústria cultural nacional cada vez mais
internacionalizada e exportadora do “internacional popular” (ORTIZ, 1988, p. 182-
206), fundamental para a sistematização da música.
Nessa categorização dos atores e grupos sociais pertencentes à época,
recorremos à tese das “famílias intelectuais”, conforme Gildo M. Brandão (2010),
que estruturariam a luta política e ideológica no Brasil. Não temos condições de
concordar ou não, em termos gerais, com tal tese e nem seria o momento para tal
posicionamento; o importante é afirmarmos que a pesquisa vem indicando que
uma destas “famílias intelectuais” se institucionalizou nas iniciativas do período
getulista, indicando o valor heurístico desta teoria para a nossa pesquisa. Sendo
assim, qual destas “famílias” intelectuais realmente se institucionalizou naquele
período? Responde o autor: o “idealismo orgânico”, que tem Oliveira Viana como
seu grande protagonista. Entre as principais proposições do “idealismo orgânico”
estão: 89

89
A outra perspectiva é a do “idealismo constitucional” que apresenta as seguintes características:
“Do lado liberal, trata-se de buscar, como na Nova Inglaterra, “o maior progresso de sociedade pela
maior expansão da liberdade individual” (TAVARES BASTOS, 1976, p.31-32), o que, no caso de
país paradoxal como o nosso, exige um projeto claro de reconstrução do Estado, sem o qual esta
não se implementa. Todo o dilema tem a ver com a distinção entre centralização política e
descentralização administrativa em um país que sempre teve dificuldades em separá-las, com as
relações que devem ser estabelecidas entre o poder central e os poderes provinciais a serem
revigorados, entre as instituições eletivas e as nomeadas, entre um Legislativo soberano de um
lado e um Executivo responsável de outro, com o papel que deve caber a um Judiciário forte em
uma ordem política encimada por um– explícito, como no Império, ou implícito, como em quase
toda a República – Poder Moderador. Nesta ótica, a questão determinante é, pois, a da forma do

43
A predominância da autoridade sobre a liberdade resultaria também, e
principalmente, da inorganicidade e atomização da sociedade: sem um
Estado forte, tecnicamente qualificado, imune à partidocracia e à política
dos políticos, capaz de subordinar o interesse privado ao social, controlar
os efeitos diruptivos do individualismo possessivo, do mercado etc.,
ambas não sobrevivem. Além disso, em um território cuja geografia
conspira contra a política, a nação só tem chance sobre os escombros da
federação. Liberdade civil, unidade territorial e nacional garantida pela
centralização político-administrativa, e Estado autocrático e pedagogo,
eis o programa conservador (BRANDÃO, 2010, p. 47- 48).

Uma das grandes observações, não desenvolvidas, de Martins (1987),


conforme mencionamos, é a da subordinação dos intelectuais brasileiros ao
“princípio abstrato da organização”, dentro de seu desencanto com os meios
políticos. Aqui acreditamos que se poderá encontrar parte da explicação, isto é,
talvez os temas da “organização e da unidade nacional”, além da necessidade de
consolidar um campo intelectual, tenham feito que os intelectuais não autoritários,
como Anísio Teixeira e Mário de Andrade, se curvassem, até onde pudessem
suportar, aos ditames da fria racionalidade dos meios políticos existentes e se
vissem, na ausência de uma sociedade civil organizada, na missão de
implementar tais reformas através do Estado. O problema poderia ser outro, ou
seja, a questão não seria a desconfiança ou a descrença no Estado em si, mas
sim no tipo de Estado que se estruturou no período e sua relação autoritária com
grande parte da intelectualidade envolvida no processo de modernização.
Conforme já apontamos, nem todos tiveram esta posição angustiada
com o processo de modernização a comando do Estado. Durante o percurso
institucional de Villa-Lobos, à frente do projeto de educação infantil - conforme
veremos a partir do II Ato -, na verdade, encontramos uma simbiose entre os
ditames políticos dos autores autoritários, relacionados ao “idealismo orgânico” –
principalmente durante o Estado Novo – e as proposições culturais defendidas
pelos modernistas, relacionados à organização e a construção de uma unidade

governo, sem cuja resolução a democracia brasileira continuará um lamentável mal-entendido”


(BRANDÃO, 2010, p. 48).

44
cultural brasileira. Obviamente que tais ditames estavam relacionados com todo o
processo de modernização que no Brasil foi capitaneado pelo Estado nacional.
No Brasil, a questão da construção da unidade cultural brasileira, ou,
em outros termos, a da chamada identidade nacional será a preocupação básica
da intelligentsia brasileira, formada a partir das iniciativas modernistas de nomes
como Mário de Andrade, Nina Rodrigues, Renato Almeida, dentre outros.
Dentre as ações culturais de Estado, o folclore será institucionalizado
no país, a partir da década de 1930, com a participação decisiva de Mário de
Andrade, a criação das seguintes instituições: em 1936, a Sociedade de
Etnografia e Folclore; em 1937, a fundação do Serviço de Patrimônio Histórico
90
Artístico Nacional (SPHAN) ; em 1940, o Instituto Brasileiro de Folclore e, em
1941, a Sociedade Brasileira de Folclore. A Comissão Nacional de Folclore foi
fundada a partir da iniciativa de Renato Almeida. Desta forma, tanto Mário de
Andrade quanto Renato Almeida tiveram preocupações formais com a
institucionalização do folclore no Brasil, que tiveram óbvias ressonâncias nos
trabalhos folclóricos 91.

1.4 A construção da visão de mundo modernista

O modernismo brasileiro foi, para além de sua iconoclastia estética,


uma resposta cultural, durante os anos vinte, ao processo de modernização
brasileira.. Afinal, o Brasil vinha passando, desde a Abolição da Escravatura e da
Proclamação da República, por mudanças sociais que foram aprofundadas após a
Primeira Guerra Mundial. Na última década da Primeira República, cidades como
Rio de Janeiro e, principalmente, São Paulo tinham uma configuração
diferenciada, devido ao surgimento de um operariado urbano, derivado do surto
industrial verificado nos anos de guerra, que obrigou a oligarquia cafeeira à

90
Atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
91
Cf. Fonseca (2012, p.128-136).

45
92.
aplicação de grande parte de seus capitais na produção industrial Tal
reorientação deu-se tanto pela demanda interna não atendida pelas grandes
indústrias ocidentais quanto pelo refluxo do mercado internacional de café, que se
93
estende até a crise de 1929 . Em outros termos, a década de 1920 se
caracterizou por uma profunda transição social que assistiu a uma maior
urbanização das cidades brasileiras, ao aumento das migrações (especialmente a
94
italiana), ao próprio aumento da população brasileira , à insurreição tenentista,
ao surgimento do Partido Comunista Brasileiro (PCB), às atividades do movimento
anarquista e às greves que marcaram aqueles tempos.
Após a Revolução de 1930, com o aprofundamento deste processo de
modernização tardia à brasileira, o Modernismo se politizará através da adesão de
muitos modernistas às políticas culturais, especialmente, no famigerado “Ministério
95
Capanema” . Mas não apenas. Como já comentamos, outros modernistas não
irão se esquivar de criticar o comando do Estado neste processo de modernização
(como, por exemplo, Mário de Andrade), gerando um mal-estar frente à
resignação dos intelectuais que não poderiam liderar o processo político. A
respeito deste novo momento do Modernismo, Lafetá (1974) discorre sobre a
produção estética do período:

“A politização” dos anos trinta descobre ângulos diferentes: preocupa-se


mais diretamente com os problemas sociais e produz os ensaios
históricos e sociológicos, o romance de denúncia e de combate. Não se
trata mais, nesse instante, de “ajustar” o quadro cultural do país a uma
realidade moderna; trata-se de reformar ou revolucionar essa realidade,
de modificá-la profundamente, para além (ou para aquém...) da
proposição burguesa: os escritores e intelectuais esquerdistas mostraram

92
Em 1900, o Rio de Janeiro tinha 691565 habitantes e chegou a 1930 com 1.505.595, enquanto
São Paulo partiu de 239.820, em 1900, para 887.810 habitantes, em 1930. Ou seja, o aumento
populacional em termos proporcionais foi bem maior em São Paulo, o que também vai se verificar
junto à produção industrial que, já em 1920, aponta à cidade de São Paulo um índice de 31,5% e
no Rio de Janeiro 20,8% de tudo que foi produzido pelas indústrias brasileiras. Ao contrário do
início do século XX, em que o Rio de Janeiro respondia por um terço da produção industrial
nacional e São Paulo 16,5%, cf. Ávila (2002, p. 19).
93
Cf. Luz (1978).
94
No começo do século, a população brasileira era de mais de 17 milhões, no final dos anos 20, já
passava dos 37 milhões, cf. Ávila (2002, p. 19).
95
Cf. Bomeny (2001).

46
a figura do proletariado (Jubiabá, por exemplo) e do camponês (Vidas
Secas) instando contra as estruturas que os mantêm em estado de sub-
humanidade; por outro lado, o conservadorismo católico, o
tradicionalismo de Gilberto Freyre, as teses do integralismo, são
maneiras de reagir contra a própria modernização (LAFETÁ, 1974, p. 18-
19).

No período “getulista”, as ideias modernistas, gestadas na década de


1920 e baseadas no compromisso da edificação de cultura nacional, foram
institucionalizadas, tornando-se cultura política. Mas que tipo de modernismo fora
institucionalizado? Nos termos desta pesquisa, qual tipo de perspectiva
modernista fundamentou o projeto educacional-musical capitaneado por Villa-
Lobos? Para respondermos a estas perguntas, é fundamental recorrermos à visão
de mundo modernista.
Em termos metodológicos, o recurso à visão de mundo visa a entender
o “chão comum” – no compartilhamento de valores, ideais, sentimentos etc – no
qual o literato e o musicista caminhavam. De acordo com a concepção de
Goldmann (1959[1955], 1979[1970]):

Uma visão de mundo é precisamente esse conjunto de aspirações, de


sentimentos e de ideias que reúne os membros de um grupo (mais
frequentemente de uma classe social) e os opõem aos outros grupos.
[Ou ainda] Atitudes globais do homem diante dos problemas
fundamentais colocados pelas relações entre os homens e a natureza,
atitudes globais. (1979[1970], p. 20 e 94) 96.

Se o Modernismo foi uma resposta cultural aos problemas oriundos do


processo de modernização ocorrido no Brasil, esta resposta foi elaborada, nos
termos desta pesquisa, na forma da visão de mundo. Mas qual é então a visão de
97
mundo dos modernistas ? Em outros termos, qual o substrato que iremos

96
Cf. Lowy e Nair (2008) e Lowy e Sayre (1993).
97
A divisão tipológica do Modernismo foi inspirada na própria obra de Goldmann (1959[1955]) em
sua divisão em correntes da visão trágica, especificando a corrente jansenista, a filosofia de Pascal
e o teatro de Racine. Outra obra que nos influenciou foi a de Lowy e Sayre (1993) em sua tipologia
do romantismo anticapitalista em seis tipos: “restitucionista”, conservador, fascista, resignado,
liberal e revolucionário e/ou utópico, este último subdivido em jacobino-democrático, populista,
utópico-humanista, libertário e marxista. A obra de Herf (1993) também foi uma referência
importante na sua especificação do tipo ideal do Modernismo, na Alemanha nazista, como de um
modernismo reacionário que segundo o autor era constituída por “modernistas de duas maneiras.

47
encontrar nas mais variadas formas dos modernismos brasileiros? Qual sua
98
estrutura significante? Sem dúvida é a ida ao povo, seja o urbano ou,
principalmente, o rural idealizado - dentro dos cânones ocidentais que
fundamentam o folclore. Esta ida busca construir a cultura nacional a partir dos
elementos populares “depurados” de acordo com uma visão ocidentalizada de
“elevação” artística em consonância com a arte contemporânea. Em outras
palavras, tal programa possibilitaria a invenção de uma “autêntica” cultura pátria. A
diferença básica em relação ao Romantismo é que esta busca deveria se basear
na realidade nacional. Nada das “idealizações” e “sentimentalismos” típicos do
Romantismo que desembocaram na “esterilidade” parnasiana que, inclusive, foi
combatida de maneira irônica.
Entretanto, o que ocorreu não foi simplesmente uma “ida ao povo” por
parte dos modernistas, ou seja, antes de inventar a nação, o próprio povo teria
que ser inventado, ou, como escreveu Mário de Andrade, o povo deveria sair de
seu estado de inconsciência. Mas quem “elevaria” o povo ao estado de
consciência? Os intelectuais e os artistas comprometidos com a nação, ou como
afirmou Andrade (2006[1928], p. 13): “uma arte nacional já está feita na
inconsciência do povo. O artista tem só que dar pros elementos já existentes uma
transposição erudita que faça da música popular, música artística, isto é:
imediatamente desinteressada”.
Mário de Andrade definiu, no melhor trabalho retrospectivo de um
modernista sobre o movimento O Movimento Modernista, de 1942 - a essência
das ações dos intelectuais e artistas comprometidos com o Modernismo: “o direito
permanente à pesquisa folclórica; a atualidade da inteligência artística brasileira; e

Primeiro, e mais obviamente, eram modernizadores tecnológicos; isto é, queriam que a Alemanha
fosse mais, em vez de menos industrializada; tivesse mais em vez de menos aparelhos de rádio,
trens, rodovias, automóveis e aviões. Viam-se como libertadores das forças dormentes da
tecnologia capitalista vinculada à democracia parlamentar. Segundo, davam vez a temas
associados com a vanguarda modernista...” (HERF, 1993, p.24).
98
De acordo com o autor: “Representa ao mesmo tempo uma realidade e uma norma,
precisamente porque ele define simultaneamente o motor real e o objetivo para qual tende essa
totalidade que é a sociedade humana, totalidade da qual fazem parte ao mesmo tempo a obra a
examinar e o pesquisador que a estuda” (GOLDMANN, 1979[1979], p. 97).

48
a estabilização de uma consciência criadora nacional” (ANDRADE, 1990[1942], p.
26).
Veremos que a noção de ida ao povo será diferente entre Villa-Lobos e
Mário de Andrade. Os modernistas referem-se ao saber popular como substrato a
ser lapidado, modernizado, nacionalizado e “elevado” ao nível da “grande arte”,
sempre com uma ironia corrosiva frente às imitações baratas das fontes
estrangeiras.
Tal visão de mundo tem que ser contextualizada a partir de um mundo
perplexo com o resultado da I Guerra Mundial, com a Revolução Russa, com o
99
declínio dos ideais de superioridade da civilização e do liberalismo europeus .O
modernismo brasileiro não pode deixar de ser visto como uma variante desta
perplexidade diante do nascente século XX, apesar de sua especificidade em
relação aos modernismos europeus 100.
Entretanto, o Modernismo brasileiro não é uniforme; na verdade, ele
pode ser visto como um caleidoscópio com várias vertentes e várias
características, nesta valorização da cultura popular, que às vezes se chocam 101.
102
Nesta perspectiva, a produção do chamado “grupo dos cinco” (Anita Malfatti,

99
Antes da guerra, este sentimento já era vivenciado no meio artístico, conforme a análise do
historiador Hobsbawm (2004, p. 178): “Em 1914, praticamente tudo que se pode chamar pelo
amplo e meio indefinido termo de ‘modernismo’ já se achava a postos: cubismo; expressionismo;
abstracionismo puro na pintura, funcionalismo e ausência de ornamentos na arquitetura; o
abandono da tonalidade na música; o rompimento da tradição na literatura”.
100
O Modernismo no sentido mais amplo é entendido aqui como uma espécie de consciência
artística da crise cultural da modernidade (cf. KARL, 1988). Nesse enfoque: “O modernismo é a
nossa arte: é a única arte que responde à trama do nosso caos. É a arte decorrente do ‘princípio
da incerteza’ de Heisenberg, da destruição da civilização e da razão na Primeira Guerra Mundial,
do mundo transformado e reinterpretado por Marx, Freud e Darwin, do capitalismo e da contínua
aceleração industrial, da vulnerabilidade existencial á falta de sentido ou ao absoluto. É a literatura
da tecnologia. É a arte derivada da desmontagem da realidade coletiva e das noções
convencionais de causalidade, da destruição das noções tradicionais sobre a integridade do
caráter individual, do caos lingüístico que sobrevém quando as noções públicas da linguagem são
desacreditadas e todas as realidades se tornam subjetivas. O modernismo é, pois, a arte da
modernização – por mais absoluta que possa ser a separação entre o artista e a sociedade, por
mais oblíquo que possa ser seu gesto artístico”. (BRADBURY; MACFARLANE, 1999, p. 19). O
autor David Harvey (2000. p.97) sintetiza: “O modernismo é uma pertubada e fugidia resposta
estética a condições de modernidade produzidas por um processo particular de modernização”.
101
As obras que fundamentaram nossa pesquisa sobre o Modernismo foram: Ávila (2002), Brito
(1964), Gonçalves (2012), Lafetá (1974), Schwartz (2013) e Teles (1994[1972]).
102
Cf. Schwartz (2013, p. 13).

49
Mário de Andrade, Menotti Del Picchia, Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral)
não pode ser vista como homogênea. Imagine se incluirmos Villa-Lobos nesta
seleta lista.
Depois deste importante adendo, quais os tipos de modernismo que
habitam a visão de mundo dos modernistas brasileiros durante os anos da década
103
de 1920 (denominado de “heróico” por Mário de Andrade) ? No momento,
identificamos cinco correntes: o modernismo romântico, o modernismo
programático, o modernismo polemicista, o modernismo ufanista e o modernismo
esteticista. Claro que aqui nos referimos a cinco tipos ideais de modernismos, com
suas personalidades paradigmáticas. Isto quer dizer que, em diversos momentos,
Villa-Lobos, Mário de Andrade e outros modernistas percorreram boa parte destes
tipos de modernismos, se não todos estes. Mas o que caracteriza cada um deles?
O modernismo polemicista é o que mais chamou a atenção da
imprensa. As polêmicas, a ironia, a crítica e até o insulto foram armas muito bem
usadas pelos modernistas. O protótipo deste modernista polemicista é Oswald de
Andrade. Foi o autor dos Manifestos do Pau Brasil (1992[1924]) e do Manifesto
Antropófago (1992[1928]) que colocava a arte brasileira na órbita dos grandes
manifestos artísticos da década de 1920 – por exemplo, o Manifesto Surrealista
(1992[1924]) de André Breton 104. De acordo com o Modernismo polemicista, a ida
ao povo seria para atacar o elitismo refratário ao popular por parte dos
“parnasianos”. Oswald de Andrade comprou as mais célebres brigas durante a
Semana de Arte Moderna de 1922, quando, por exemplo, execrou Carlos Gomes,
como fizera antes com José de Alencar, e defendeu o quanto pôde Villa-Lobos e
Mário de Andrade dos ataques de um enfurecido Oscar Guanabarino em suas
colaborações no Diário Popular e no Jornal do Commercio. O autor de O
escaravelho de ouro (1946) foi um autêntico esgrimista na fabricação de
polêmicas, inclusive, na sua autorrotulação e do próprio Modernismo como uma
espécie de Futurismo (rótulo rechaçado tanto por Mário de Andrade quanto por

103
Cf. Andrade (1990[1942], p. 21).
104
Cf. Teles (1992[1972], p. 326-331; 353-360; 174-208).

50
Villa-Lobos) - na exaltação das grandes cidades, como a São Paulo de então, por
exemplo. Assim, as influências externas aqui, especialmente da vanguarda
comandada por Marinetti, são exaltadas como uma estratégia de ataque aos
setores parnasianos. O que é tratado pejorativamente é a “macaqueação” do
estrangeiro, como ocorrera, de acordo com esta ótica, no Romantismo brasileiro,
que foi julgado de maneira impiedosa pela lâmina afiada da ironia
oswaldandradiana 105, tornando-se um mestre neste quesito 106..
O modernismo ufanista abusava no uso de palavras em tupi, na
exaltação das qualidades nacionais, inclusive naturais, do meio rural contra o
cosmopolitismo contemporâneo, e na defesa aberta de posturas xenófobas. Desta
forma, a ida ao povo dos ufanistas não poderia deixar de ser mais idealizada e
exagerada. O Movimento Verde Amarelo e o Grupo Anta formaram a ala direita da
força modernista, tornando-se a semente do Integralismo, que tem nas figuras de
Plínio Salgado, Cassiano Ricardo e de Menotti Del Picchia seus nomes mais
107
marcantes . O terceiro, autor de Juca Mulato, de 1917, já esboçou nesta obra
um dos fundamentos dos modernistas ufanistas: o culto do caipira pátrio e da vida
rural brasileira em detrimento à decadência da vida urbana e moderna. Cassiano
Ricardo desenvolveu tais fundamentos numa verdadeira apologia ufanista de
Martim Cererê, de 1928. Já na época, no final dos anos 1920, esta vertente do
Modernismo irá flertar com as ideias dos pensadores autoritários, como Oliveira
Viana, na sua desconfiança com os ideais liberais e na confiança da saída

105
Cf. Ramos (2008).
106
Outro nome de destaque na propagação das ideias modernistas que talvez possa ser
classificado dentro da faixa de polemicista é Graça Aranha. Um dos organizadores da Semana de
1922, com Paulo Parado, Graça Aranha foi um dos grandes defensores dos novos intelectuais e
artistas ligados ao movimento Modernista. As conferências A emoção estética na arte moderna, de
1922, e Espírito Moderno, de 1924 (apud TELES, 1994[1972], p. 280-286; 331-325), e as
coletâneas de ensaios A Estética da vida (ARANHA, 1921) foram trabalhos importantes para a
defesa e aceitação no meio intelectual brasileiro das ideias modernistas. Aranha viveu até 1921, na
Europa, como diplomata, quando chegou ao Brasil e tornou-se um dos maiores defensores do
Modernismo e de sua necessidade de acompanhar o momento iconoclasta da arte
contemporânea. Para isso, inclusive, se indispôs, em 1924, com a Academia de Letras devido à
má vontade da mesma com os novos escritores, cf. Aranha, 1968.
107
Cf. Campos (2007).

51
autoritária para a política nacional, que, inclusive iria aproximá-los dos fascismos
da Europa.
O modernismo esteticista foi aquele tipo de modernismo mais
preocupado com a arte em si mesma, não chegando obviamente ao formalismo
estético da “arte pela arte”, o qual o contexto brasileiro não permitia. Assim, sua
ida ao povo foi mais formal, em sintonia com as vanguardas europeias, sem se
envolver tanto nas querelas com os “parnasianos” e nem assumindo uma postura
tão acentuada, naquilo que o período concedia, de defesa do Modernismo. O
protótipo é Anita Malfatti que, sendo considerada a heroína ou a mártir do
movimento devido ao conflito com Monteiro Lobato, abriu publicamente a disputa
entre “modernistas” e “parnasianos” pela diretriz dos caminhos da cultura nacional.
Na verdade, Anita Malfatti assustara-se com toda a confusão e viveu o tempo que
pôde longe de tais conturbações, fosse nos longos períodos que vivera no
exterior, fosse no exercício do ensino escolar ou na vida reclusa, em Diadema,
108
após a morte de Mário de Andrade e de sua mãe . Desde os quadros a óleo
como A Estudante, de 1915-16, é evidente a sua preocupação acentuada em
dialogar com os movimentos artísticos europeus, como foi o caso de sua primeira
fase expressionista que retrata a profundidade de seus personagens pictóricos.
Outro nome que pode ser inserido nesta vertente é o de Osvaldo Goeldi. Em suas
xilografias sombrias, está mais preocupadas em evidenciar a solidão da vida
moderna do que em defender uma estética com base no popular – como na
xilogravura Briga de Rua, de 1930 (que retrata a luta dos artistas numa rua mal
109
iluminada) . A ida ao povo destes dois artistas, na verdade, foi bem subjetiva e
angustiada, caracterizando a linhagem esteticista.
O quarto modernismo, programático, se refere diretamente ao nome de
Mário de Andrade. Este poderia ser associado ao modernismo polemicista por
obras como Paulicéia Desvairada (1920) ou mesmo por não se ausentar dos
momentos de discussão pública travados, por exemplo, através de suas
108
Apenas no final de sua vida foi que Anita Malfatti teve uma preocupação maior com a arte
popular, cf. Aparecida (2004), Cardoso (2007) e Gomes (2012).
109
Cf. Dória (1998) e Corsi (2013).

52
colaborações em O Estado de São Paulo e nas revistas modernistas, como em
Ariel. Quase todos os modernistas foram irônicos em algum momento de suas
trajetórias ou na construção de algumas de suas mais conhecidas obras.
Entretanto, a ironia e a polêmica no modernismo programático sempre foi mais
instrumental. As influências externas não eram desprezadas por este tipo de
modernismo, como no “ufanista”, contanto que as mesmas fossem abrasileiradas.
Mas se evitava a filiação direta aos movimentos estrangeiras, como fizera Oswald
de Andrade, junto ao Futurismo. O grande programa deste modernismo era
emancipar a cultura nacional para longe do exotismo estético ao gosto externo.
Para isso, a cultura popular era vista como uma esfera inconsciente e cabe ao
pesquisador e ao artista comprometido com a nação “elevar” ao plano da alta
cultura, conforme comentaremos, no II Ato, sobre o livro Ensaio sobre a música
brasileira (2006[1928]).
Desta maneira, no modernismo programático, a ida ao povo seguiria um
projeto muito bem fundamentado teoricamente. A outra face deste modernismo é
a da reflexão sobre os caminhos culturais brasileiros, inclusive, do próprio
Modernismo como um todo, e nesta esfera ninguém daquela geração supera
Mário de Andrade, que refletiu a respeito do mais importante movimento de
renovação da cultura brasileira até a porta de sua morte. Além de Mário de
Andrade, os nomes da Intelligentsia que flertavam com o folclore como Renato
110
Almeida , Nina Rodrigues, Luciano Gallet, dentre outros podem ser
111
enquadrados na linha programática do Modernismo , apesar de que, na década
de 1920, o folclore não possuía instituições no Brasil. Afinal como “ir ao povo” sem
o folclore?

110
Mariz (1983) analisou as iniciativas de Mário de Andrade, Renato Almeida e Luiz Heitor Correia
de Azevedo, evidenciando a sintonia de ideias entres os três musicólogos.
111
Cf. Almeida (1974 [1957], p. 298). Também podem ser considerados modernistas
programáticos, compositores que se inspiraram nas ideias de Mário de Andrade: Claudio Santoro,
Camargo Guarnieri, Francisco Mignone, Guerra-Peixe e Lourenzo Fernández.

53
Por fim, o modernismo romântico tem em Villa-Lobos sua figura
112
emblemática . Este compositor jogou em ambos os lados modernista e
113
parnasiano conforme relatamos em Damasceno (2007) . De acordo com a
negociação estética e social construída em torno de seu percurso, Villa-Lobos
“aderiu” aos modernistas quando estes já estavam ganhando a hegemonia na
discussão da crítica estética veiculada pela imprensa da época e ainda assim
sempre se dizia acima do que era tido como “vanguarda” ou “tradição”. Esta
aparente ambiguidade de sua trajetória, na verdade, espelha um forte diálogo, que
Villa-Lobos jamais vai abandonar, com o Romantismo, inclusive o brasileiro. Em
seu discurso e na sua música, encontramos uma série de referências ao
Romantismo: no sentimentalismo, no exotismo (tanto na música quanto nas suas
narrativas inacreditáveis nas selvas brasileiras), na apologia ao índio e à natureza
114
brasileira e nas referências estéticas do romantismo tardio europeu . A ida ao
povo de Villa-Lobos deu-se junto à música popular urbana, - fundamentando o seu
modernismo - especialmente o choro, que, através de seu conhecimento do
contraponto, ele conseguiu relacionar com o contraponto barroco de Bach na
concepção das Bachianas Brasileiras (1930-1945). Sem esquecermos, é claro,
que, em termos educacionais, a sua perspectiva nacional-civilizatória possui
muitos aspectos próximos do Romantismo, conforme explicitaremos ao longo da
pesquisa.

112
A pintura de Tarsila do Amaral pode ser aproximada, em termos estéticos ao modernismo
romântico. Afinal, Tarsila do Amaral estava longe do exagerado discurso romântico de Villa-Lobos.
Nos anos 20, autora de Abapuru, de 1928, ficará marcada na história da pintura nacional com as
suas representações com cores tropicais da fauna e flora brasileira ou retratando de maneira idílica
a gente brasileira como A Negra (1923) ou ainda contextos urbanos como em São Paulo (1924) e
Morro da Favela (1924) - em um diálogo direto com o cubismo, cf. Cardoso (2006). Entretanto, os
traços de sua pintora, não utilizavam o: “’simultaneísmo’, uma vez que as figuras aparecem em sua
totalidade, eliminando assim as quebras e justaposições dramáticas, próprias ao movimento nessa
época” (SCHWARTZ, 2013, p. 19). Assim, afirmou Schwartz (2013, p. 24): “Os anos vinte serão o
momento no qual a pintura de Tarsila estará mais em sintonia com o “sentimento de brasilidade”
expressada pelo Manifesto Pau Brasil (1924) de Oswald de Andrade no qual a “geometria, ‘bichos
nacionais’, cortes meridianos e outros elementos pertencentes à tradição brasileira são
encontrados em profusão nessa etapa da obra tarsiliana”.
113
Desde a defesa da dissertação, em 2007, compartilhamos os resultados parciais de nossa
pesquisa sobre o percurso de Villa-Lobos através de apresentação de trabalhos e publicações. Cf.
Damasceno (2009a, 2009b, 2009c, 2011, 2013a, 2013b, 2013c, 2014).
114
Segundo Murillo Araújo (1982, p. 167): “Villa-Lobos foi de certo o índio branco encantado...”.

54
Diferentemente do modernismo ufanista, Villa-Lobos deu pouca ênfase
ao discurso da xenofobia quando fazia apologia às qualidades brasileiras. Já nos
referimos ao quadripé mitológico do compositor: “nação”, “raça”, “natureza” e
115
“gênio” . O músico abordou com liberdade o mito do espírito de uma nação
inconsciente que poderia ganhar voz através do “gênio”, atribuído, obviamente a si
116
mesmo . Por isso, é uma constante em seu discurso frases do tipo “o folclore
sou eu”.117 Porém, esta era a estratégia utilizada pelo compositor de ser
reconhecido pela esfera intuitiva e de se legitimar como um aventureiro que
118
mergulhou na alma profunda do Brasil . Como é relatado pelo próprio
compositor ao diretor do Teatro Cólon 119, de Buenos Aires, Cirilo Grassi Diaz,

“Sou filho da natureza” –120 continuou Villa-Lobos: “Sempre senti a


necessidade de enfrentá-la, de aprofundar-me nela, de sondá-la.
Abandonei a casa aos 15 anos para aliviar minha inquietude que me fez
um passeante noturno, cantando serenatas. Viajei muito. Muitíssimo.
Andei por todos os rincões de minha terra fascinante. Escutei os
tambores dos índios nas noites cheias de mistério. Vivi com os
aborígenes, em regiões que quase escapam às cartas geográficas. Andei
em canoas primitivas. Conheci o desconhecido do Amazonas, quando fiz
parte de uma expedição científica. Naufraguei várias vezes e, sempre,
salvei meus instrumentos musicais” (DIAZ, 1982, p. 44).

115
Brasílio Itiberê situa a produção musical de Villa-Lobos como “expressão genial de uma raça”
(1937 apud 1969, p. 62-68).
116
Para Villa-Lobos: “O criador original é aquele que, embora demonstrando na sua obra o
conhecimento exato da diversidade de estilo da Música e empregando de uma maneira elevada
motivos folclóricos do país onde tem vivido e formado sua mentalidade, deixa transparecer nas
suas composições as tendências naturais de sua predestinação e influência étnica de seu feitio,
formando, assim, o traço característico de sua personalidade e do país onde nasceu, cuja terra
marcará um ponto distante entre todas as nações do universo” (VILLA-LOBOS, 1969a, p. 104).
117
Que sempre gerou críticas dos “modernistas programáticos”, a exemplo de Guerra-Peixe: “Villa-
Lobos nem sabia o que era folclore. Ele não tinha noção de folclore. Dizia ‘eu sou o folclore’. Por aí
já se vê que ele não sabia o que é folclore” (FARIA, BARROS, SERRÃO, 2007, p.231).
118
Villa-Lobos sempre dizia frases como a que se segue “conheço o Brasil do sertão, do interior,
onde existe os beri-beri, onde existem a febre, os mosquitos, os jacarés, as onças, os bichos, em
fim, os irracionais. Deste Brasil, que o Brasil grande, que é o Brasil original...” (VILLA-LOBOS,
1969b, p. 111).
119
Diretor do Teatro tanto em 1925, data da primeira viagem de Villa-Lobos à Argentina, quanto na
estreia do bailado Uirapuru (*1917), em 1935. Cf. Diaz (1982, p.43-48).
120
O compositor também vai se autorreferir em outros momentos como um pássaro, por isso há
certa obsessão temática na composição de nomes de pássaros cujo maior exemplo está no
Uirapuru (*1917), cf. Nóbrega (1971, p. 14).

55
Mas esta imagem não era cultivada apenas por Villa-Lobos. Vários
121
intelectuais contribuíram para esta construção . O depoimento de Caldeira Filho
(1981) é bem figurativo:

Villa-Lobos revelou à música contemporânea um mundo sonoro


inteiramente novo na sua concepção, na sua formulação estética, na sua
invenção temática, na disposição formal, e tudo isso com base objetiva,
com um ponto de partida concreto, isto é, sua música não é complicada
sonorização de nebulosas teorias nem misteriosos ‘ismos’ e sim a
transposição sonora do Brasil. É uma música que deriva do chão do
Brasil, da sua natureza, do homem que habita, do homem que o levou a
grandeza hoje, sem esquecer os plasmadores históricos da
nacionalidade – o ibérico, o ameríndio e o africano – presentes em sua
obra (CALDEIRA FILHO, 1984, p. 32).

Em resumo, esta tipologia acerca da variedade modernista na década


122
dos 1920 , construída nesta pesquisa, visa entender quais destas cinco
variações do modernismo se institucionalizaram de acordo como projeto de
educação musical e estético de Villa-Lobos: de acordo com esta pesquisa, os tipos
romântico e programático, conforme evidenciamos ao longo deste trabalho. As
bases sociais que possibilitaram que a visão de mundo modernista, especialmente
os últimos tipos apontados, se institucionalizasse a partir da trajetória pedagógica
e musical de Villa-Lobos, deram-se a partir da homologia estrutural entre as
iniciativas políticas e culturais desenvolvidas a partir da Revolução de 1930, que,
inclusive, aproximou estes modernismos do pensamento autoritário, mas que se

121
Ou, como diria Ronald De Carvalho (1923 apud 1982, p. 186-187): “A música de Villa-Lobos é
uma das mais perfeitas expressões da nossa cultura. Palpita nela a chama da nossa raça, do que
há demais belo e original da raça brasileira. Ela não representa um estado parcial de nossa psiché.
Não é da índole portuguesa, africana ou indígena, ou simples simbiose dessas quantidades étnicas
que percebemos nela. O que ela nos mostra é uma entidade nova, o caráter especial de um povo
que principia a se definir livremente, num meio cósmico digno dos deuses e dos heróis. Para que
Villa-Lobos pudesse realizá-la, tornava-se, mister, justamente, que possuísse esse dom da
humanidade, ou melhor, de universidade, próprio do criador”.
122
Outros importantes nomes ligados ao Modernismo não foram analisados nesta tipologia, mas
deveremos fazê-lo em um futuro trabalho, que, inclusive, poderá estender tal classificação a outros
importantes artistas. Afinal, nomes como Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Murilo
Mendes, Di Cavalcante, Cecília Meireles, Candido Portinari, Ronald de Carvalho, dentre outros,
evidenciam o quanto esta pesquisa ainda tem por revelar.

56
diferenciou do ufanista – “filtrando” deste os exageros xenófobos e a fixação rural
123
.
Em suma, tal homologia estrutural permitiu, dentro do processo de
sistematização da música brasileira, um aprofundamento temático, e da linguagem
musical, além do início do surgimento de um público mais amplo, para a música
reconhecida socialmente como brasileira, que o próprio projeto pedagógico
musical villalobiano propiciou.

123
Isto não quer dizer que o a xenofobia não fosse compactuada durante a institucionalização
destes modernismos, porém essa tinha uma características instrumental, principalmente durante o
Estado Novo. De acordo com Rolland (2003, p.110): “No Brasil do Estado Novo, enquanto a cultura
nacional está fortemente enquadrada segundo normas voluntariamente importadas dos modelos
europeus, as culturas estrangeiras podem ser amplamente instrumentalizadas, conforme as
necessidades internas (da gestão da opinião), mas do que quaisquer objetivos de política externa”.

57
58
2 II ATO: A REINVENÇÃO DE VILLA-LOBOS

“A readaptação ao Brasil que eu deixara quando menino ao


qual eu voltava enquanto homem feito, foi uma readaptação
difícil, dificílimo até. Senti-me por vezes mais estrangeiro no
Brasil do que jamais me senti estrangeiro em outros países”.
(Gilberto Freyre sobre a sua volta ao Brasil em 1924 - apud
Documentário Casa Grande & Senzala, 2001)

2.1 O amargo retorno após a consagração

Há um percurso de construção da “brasilidade” estética de Villa-Lobos,


que vem sendo processada desde Danças características africanas (1914) e a
Prole do bebê (1918), “brasilidade” esta já evidenciada nas primeiras Canções
típicas brasileiras (1919) – concebidas, em grande parte, a partir do material
recolhido pelas expedições indigenistas de Roquete Pinto; no Trio p/
oboé/clarinete e fagote (1921); e no Noneto (1923), até se chegar aos poemas
sinfônicos Amazonas (*1917) e Uirapuru (*1917), que teriam sidos recompostos à
124
luz do contato de Villa-Lobos com a música stravinskyana . A respeitabilidade
internacional do compositor se configuraria na Série Choros, composta ao longo
da década de 1920, cujo desenvolvimento se deve ao impacto do Trio e do Noneto
no país de Debussy.
As doze Cirandinhas (*1925) e, principalmente, as dezesseis Cirandas
125
(1926) – esta composta por sugestão de Mário de Andrade, conforme veremos
126
adiante - constituem-se passos fundamentais na consolidação de seu

124
Como afirmam Guérios (2003) e Peppercorn (2000[1972]).
125
A primeira apresentação ocorreu no dia 13 de agosto de 1929, no Teatro Lírico, no Rio de
Janeiro, com interpretação do pianista Tomás Terán, cf. Villa-Lobos (1989, p. 131).
126
Estranhamente a estreia das Cirandinhas (1925) ocorreu um ano depois (1930) das Cirandas
(1926), apesar daquelas terem sido compostas, segundo Villa-Lobos, um ano antes. Talvez a
composição das primeiras tenha ocorrido após a das segundas. Tal suposição ocorre em virtude
da disposição de Villa-Lobos em despistar a sugestão de Mário de Andrade na composição das
dezesseis Cirandas, fazendo-o datar as quatorze Cirandinhas para um ano antes, assim como
fizera junto aos bailados Amazonas e Uirapurú, para 1917 e assim minimizar para todos a sombra
da influencia de Stravinsky sobre sua obra, já que a música do compositor russo, segundo Guérios
(2003), só seria conhecida em sua primeira ida à Europa, no começo dos anos vinte. A primeira
apresentação das Cirandinhas ocorreu no dia 30 de julho de 1930, no Salão Nobre da Escola
Normal, no Rio de Janeiro, cf. Villa-Lobos (1989, p. 130-131).

59
reconhecimento interno e na formação do compositor empenhado na valorização
da música popular. Afinal, as Cirandinhas e as Cirandas são compostas sobre a
influência de temas infantis, bebendo diretamente em suas fontes populares,
127
incluindo as suas dissonâncias em sua harmonia e as proezas rítmicas .
Esta “brasilidade”, articulando o popular e o erudito, se desenvolveu na
trajetória de Villa-Lobos, no seio das próprias disposições sociais potencializadas
ao longo de sua vida, de acordo com as ideias de Lahire (2004, p. 27): “a
sociologia disposicional está ligada fundamentalmente a uma sociologia da
128
educação, no sentido amplo do termo, isto é da socialização” . A partir deste
foco analítico, Lahire (1994) desenvolve a ideia da Metáfora do “estoque”, que
seriam repertórios de esquemas de ações (de habitus) como sínteses de
experiências sociais que não são utilizados em sua plenitude, estando à
disposição de acordo com o contexto. Desta forma, Villa-Lobos utilizava o
“repertório” popular de acordo com as circunstâncias.
Até os doze anos, Villa-Lobos teve uma severa educação musical
erudita, através do ensino do violoncelo, ministrada pelo seu pai - o funcionário da
129
Biblioteca do Senado Federal, Raul Villa-Lobos . Na juventude, Villa-Lobos
conviveu musicalmente com vários músicos populares, como Catulo da Paixão
Cearense, Sátiro Bilhar e concomitantemente teve acesso à música de Bach
através de sua tia Zizinha. Durante a sua formação musical, ele não teve um
aprendizado alicerçado nos conservatórios, desenvolvendo um reconhecido
130
autodidatismo - o seu único registro como um estudante formal do Instituto

127
Segundo Estrella (1965, p. 25), Villa-Lobos gostaria que o pianista Tomás Terán, seu intérprete
favorito, a gravasse de maneira integral.
128
E continua mais à frente: “a noção de disposição supõe que seja possível observar uma série
de comportamentos, atitudes e práticas que seja coerente; ela proíbe a possibilidade de deduzir
uma disposição a partir do registro ou da observação de apenas um acontecimento” (LAHIRE,
2004, p. 27).
129
O pai de Villa-Lobos chegou a publicar, em vida, algumas obras historiográficas (cf. VILLALBA,
1897; VILLA-LOBOS, 1890).
130
Segundo Nóbrega (1971, p. 14), acerca do autodidatismo do compositor: “Afora o estudo do
violoncelo e o curso ginasial no Colégio São Bento, foi um autêntico autodidata. Não que não tenha
feito tentativas para o metódico. Em 1906, por exemplo, matriculou-se na cadeira de harmonia de
Frederico Nascimento, no Instituto, experiência mal sucedida porque, inconformado com a rigidez e
o convencionalismo do ensino, abandonou as aulas. Apelou, então, para Francisco Braga, mas o

60
Nacional de Música é 1904. Contudo, o jovem Villa-Lobos obteve aulas de
violoncelo com Brenno Niederberger, quando aprendeu um repertório amplo de
operetas e óperas e casou-se, em 1913, com a pianista e professora Lucília
Guimarães (formada pela Escola Nacional de Música em Solfejo, canto coral e
piano), que harmonizava e corrigia algumas das primeiras composições do
musicista, além de ensiná-lo a tocar piano 131.
132
Estas disposições sociais múltiplas , aliadas à sua adesão ao
Modernismo, o condicionaram a dar sequência à “brasilidade”, tanto em termos
musicais quanto educacionais. Frente aos últimos, Villa-Lobos não dava nenhum
indicativo de ter o desejo de encampar um projeto de educação musical. Em 1925,
por exemplo, após a sua primeira viagem à França, ele voltou entusiasmado com
as experiências pedagógicas da Alemanha e da França e falou da necessidade da
educação das crianças brasileiras, mas, na matéria do jornal Da Noite de 03 de
novembro 1925, não há nenhuma referência clara de que o compositor gostaria de
133
comandar tal projeto . Neste período de viagens à Europa, segundo Orlando
134
Leite e Homero Magalhães (dois posteriores alunos de Villa-Lobos) , o
compositor ficou muito impressionado com o método do húngaro Zoltán Kodály,
que trabalhava com material folclórico através do canto coral 135.

resultado foi o mesmo, pois um dia, ao comunicar ao professor que ia viajar, o autor de Marabá lhe
fêz ver que deveria escolher entre estudar e viajar. Villa-Lobos escolheu ... e viajou, deixando
definitivamente o Instituto. Mas tarde, costumava dizer, aludindo à ausência das escolas na sua
formação profissional: ‘Eu me formei pelo Conservatório de Cascadura’. Contudo, daqueles
contatos com Frederico Nascimento e Francisco Braga, conservaria sempre inequívoca admiração
pelos mestres. Alias declarou-me, em 1955, que ouviu e aproveitou muito o conselho que lhe
deram Alberto Nepomuceno, Henrique Oswald e Francisco Braga. Anos depois, o dr. Leão Veloso
lhe trouxe da Europa o Curso de Composição de Vicent D’Indy. Com a sua leitura, encerrou-se o
ciclo de formação profissional do Compositor. Tanto que em 1923, ao chegar pela primeira vez a
Paris, interrogando sobre com que pretendia estudar, respondeu corajosamente: ‘Com ninguém.
Vim mostrar o que fiz’”. Porém, esta possibilidade de Villa-Lobos ter estado como ouvinte na
disciplina de harmonia do exigente professor Frederico Nascimento não está documentada, cf.
Guérios (2003, p. 58 e 215).
131
As disposições sociais são múltiplas devido a pluralidade de socializações que os indivíduos
adquirem ao longo de suas vidas, cf. Lahire, 2002, 2004 e 2006.
132
Cf. Damasceno (2007) e Mariz (2005[1949]).
133
Cf. Anexo C, p. 229.
134
O primeiro, músico e ex-professor da UnB, já o segundo, pianista e ex-docente do Instituto de
Artes da UNESP, cf. Fonterrada (2008, p. 212).
135
Cf. Fonterrada (2008, p. 212-213).

61
Cinco anos depois da matéria do jornal Da Noite, quando Villa-Lobos
voltou de Paris, em 1930, ele estava num dilema: voltar para a Europa para mais
uma temporada ou ficar no Brasil? O melhor seria voltar, ele queria isso, afinal a
sua consagração ocorrera em terras francesas foi, inclusive, propagada em solo
136
brasileiro, pela imprensa escrita, como uma conquista nacional . Sem dúvida, o
compositor da Série Choros conquistou uma notoriedade que o fez ser
reconhecido como o maior compositor brasileiro vivo.
Sim, vivo, afinal, o espectro de Carlos Gomes sempre rondou Villa-
Lobos, para o “bem” e para o “mal”. De modo positivo, já que o compositor de
Amazonas (*1917) seguiu a mesma trilha do primeiro, conquistou o
reconhecimento externo, que, no caso de Carlos Gomes, foi na Itália (templo da
ópera internacional). Villa-Lobos fez o mesmo, só que, em vez de Milão, investiu
em Paris, locus do reconhecimento de dois dos maiores compositores da música
erudita de seu tempo: Debussy e Stravinsky.
Carlos Gomes, inclusive, foi o primeiro compositor a passar a sensação
de certa “brasilidade”, pelo menos em termos literários, à música feita no Brasil
137
com a ópera O Guarany, pois trabalha com texto reconhecidamente nacional .
Quando esta ópera estreou em 1870, no dia do aniversário de D. Pedro II, o
compositor foi condecorado com a promoção de Oficial da Ordem da Rosa,
condecoração maior do Brasil na época imperial. O mais relevante na nossa

136
Conforme o título da crônica “A nossa música em Paris”, publicada pelo Rio Musical, em 16 de
novembro de 1927, na qual foi dito: “Uma audição de música brasileira em Paris é sempre um
motivo de exaltação patriótica e de jubilo artístico para nós. (...) A primeira demonstração de valor
das composições de Villa-Lobos está na circunstância de terem figurado num concerto promovido
por “La Revue Musicale”, um dos órgãos artísticos mais conceituados da Europa (...) teremos
depois o juízo crítico que aquella prestigiosa publicação parisiense proferirá sobre a concepção e a
technica da obra de Heitor Villa-Lobos, juízo que devemos prever consagrador, já pelo mérito do
ilustre musicista, já pelo facto de ter sido admittido num círculo de authenticas notabilidades
artísticas”.
137
Antes de Villa-Lobos, foram considerados, pela historiografia musical, outros grandes
compositores brasileiros, como, por exemplo, José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita,
considerado o maior músico do século XVIII, e o Padre José Maurício Nunes Garcia, maior músico
da corte de Dom João VI. Ambos não haviam flertado com temas nacionais. O caso de Francisco
Manuel da Silva se difere, por ele ter composto o hino do país em plena monarquia, em 1831, que
não fora modificado pelos republicanos, cf. Mariz (2000, p.31-72; 2002, p.19-51).

62
perspectiva, é ressaltar a dependência do compositor da estética musical
europeia, em especial à ópera de Verdi 138.
Como nos mostra Antonio Candido (2010, 1012), ao contrário dos
musicistas, os literatos brasileiros já tinham a consciência de sua missão da
afirmação de uma literatura nacional, construída socialmente, num amplo arco
histórico na relação dinâmica do triunvirato “autor-obra-público”, na passagem dos
séculos XVIII para o XIX. Nesta abordagem, a literatura nacional, constituída como
139
um sistema , seria formada da síntese de tendências “universalistas” e
“particularistas”, na dialética entre “localismo” (“substância da expressão”) e
“cosmopolitismo” (“formas da expressão”), de acordo com uma angústia da
herança de uma tradição europeia, por vezes imitada ou violentamente negada,
que deveria gerar uma nova tradição nacional comprometida com os cânones
140 141
universais . Tal tradição processou-se historicamente , com várias idas e

138
As influências de Carlos Gomes foram, além das italianas, a de Wagner, através do uso de
Leimotiv em momentos de Fosca (1873). Porém, despontou uma nova interpretação diferenciada
na historiografia musical brasileira, através do pesquisador e músico Bruno Kiefer, que apontou
motivações populares na peça para piano A cayumba. Cf. LP Lopes (1981) e Mariz (2000, p. 95-
96).
139
De acordo com esse autor: “Consideradas aqui um sistema de obras ligadas por
denominadores comuns, que permitem reconhecer as notas dominantes de uma fase. Estes
denominadores são, além das características internas (língua, temas, imagens) elementos de
natureza social e psíquica, embora literalmente organizados, que se manifestam historicamente e
fazem da literatura aspecto orgânico da civilização. Entre eles se distinguem: a existência de um
conjunto de produtores literários, mais ou menos conscientes do seu papel, um conjunto de
receptores, formando os diferentes tipos de público, sem os quais a obra não vive; um mecanismo
transmissor (de modo geral, uma linguagem, traduzida em estilos), que liga uns aos outros. O
conjunto dos três elementos dá lugar a um tipo de comunicação inter-humana, a literatura, que
aparece, sob este ângulo como sistema simbólico, por meio do qual as veleidades mais profundas
do indivíduo se transformam em elementos de contacto entre homens, e de interpretação das
diferentes esferas da realidade” (CANDIDO, 2012[1959], p. 25).
140
Assim: “A nossa literatura, tomando o termo no sentido restrito quanto amplo, tem, sob este
aspecto, consistindo numa superação constante de obstáculos, entre os quais o sentimento de
inferioridade que um país novo, tropical e largamente mestiçado, desenvolve em face de velhos
países de composição étnica estabilizada, com uma civilização elaborada em condições
geográficas bastantes diferentes. O intelectual brasileiro, procurando identificar-se a esta
civilização, se encontra todavia ante particularidades de meio, raça e história nem sempre
correspondente aos padrões europeus que a educação lhe propõe, e que por vezes se elevam em
face deles como elementos divergentes aberrantes. A referida dialética e, portanto, grande parte
da nossa dinâmica, se nutrem deste dilaceramento, que observamos desde Gregório de Matos no
século XVII, ou Cláudio Manuel da Costa no século XVIII, até o sociologicamente expressivo ‘Grito
imperioso de brancura de mim’ de Mário de Andrade, que exprime, sob forma de um desabafo

63
142
vindas, primeiramente com o arcadismo , com a disponibilização temática do
Indianismo, e, depois, consolidado, em termos de linguagem (forma), com o
143
Romantismo em sua abordagem sobre a realidade brasileira . O público seria o
terceiro elemento do “sistema literário brasileiro”, já que se constituiu na base
acolhedora de tal literatura “engajada”, mesmo com as restrições de amplitude
dentro da chamada “tradição de auditórios” 144.
Em sua obra História da Música: da Idade Média ao Século XX, Otto
Maria Carpeaux (2001, p. 134), faz um interessante comentário no início do
capítulo “A Música Clássica”, no tópico “Os Filhos de Bach”, sobre o atraso da
música feita durante o barroco tardio de Bach e Handel em relação ao avanço da
literatura e das artes plásticas. O ensaísta, inclusive, remete-se a Nietzsche para
145
fundamentar tal tese . Não podemos categoricamente confirmar que este
processo de desenvolvimento das formas musicais possui esta teleologia
universal. De todo modo, há indicações que a música aqui se afirmou bem depois

individual, uma ânsia coletiva componentes europeus em nossa formação” (CANDIDO, 2010[1965],
p. 117-118).
141
Afinal: “Quando as atividades dos escritores de um dado período se integram em tal sistema,
ocorre outro elemento decisivo: a formação da continuidade literária, - espécie de transmissão da
tocha dos corredores que assegura no tempo o movimento conjunto, definindo os lineamentos de
um todo. É uma tradição, no sentido completo do termo, isto é, transmissão de algo entre homens,
e o conjunto de elementos transmitidos, formando padrões que se impõem ao pensamento ou ao
comportamento, e aos quais somos obrigados, a nos referir, para aceitar ou rejeitar. Sem esta
tradição não há literatura, como fenômeno da civilização” (CANDIDO, 2012 [1959], p.25-26).
142
Esta fase literária formou-se a partir da Academia dos Renascidos, de 1759, fundada, na Bahia,
pelo desembargador José Mascarelhas Pacheco Pereira Coelho de Melo. Os nomes mais
representativos são o iconoclasta Sousa Neto da Academia dos Seletos (fundada, em 1752, no Rio
de Janeiro), Cláudio Manoel da Costa (inflexão “localista” em seu apego à terra), Basílio da Gama,
Tomaz Antonio Gonzaga, Silva Alvarenga, cf. Candido (2012[1959], p. 77-160).
143
A abordagem da fase romântica é a mais intrigante por ser a mais exaustiva, indo do “pré-
romantismo franco-brasileiro” até a consolidação crítica com Álvares de Azevedo, José de Alencar,
Franklin Távora, Francisco Otaviano, Bernardo Guimarães, Gonçalves Dias e Machado de Assis,
cf. Candido (2012, p. 281-684). O próprio Antonio Candido reconhece o equívoco de não ter
analisado as obras de ficção do autor de Brás Cubas, cf. Candido (2012[1959], p. 14).
144
Acrescenta o autor: “se as edições eram escassas, a serenata, o sarau e a reunião
multiplicavam a circulação de versos recitado ou cantado. Desta maneira, românticos e pós-
românticos penetravam melhor na sociedade, graças a públicos receptivos de auditores”
(CANDIDO, 2010[1965], p. 94).
145
Explicitada, por exemplo, pelo filósofo alemão neste trecho “entre todas as artes que crescem
no solo de determinada cultura, a música aparece como a última planta, talvez porque é a mais
interior e, portanto, a que chega mais tarde – no outono, no fenecer da cultura que lhe é própria.
(...) toda música vera, toda música original é o canto do cisne” (NIETZSCHE, 1999[1888], p. 57).

64
em relação à literatura e um pouco depois das artes plásticas. O caso da música
de Carlos Gomes, em plena desvantagem em termos de consciência nacional, é
exemplar. O Guarany foi uma adaptação de um tema literário com o intuito de se
passar um espírito de “brasilidade” sem, entretanto, uma linguagem musical
reconhecida como nacional. O mesmo ocorrerá com a geração posterior à do
compositor campineiro, que será tratada como “pré-nacionalista” - Brasílio Itiberê,
Alexandre Levy, Alberto Nepomuceno, dentre outros.146 Uma forma musical
legitimada como brasileira só começou a ser reconhecida como nacional com o
modernismo musical de Villa-Lobos e com o paulatino reconhecimento do valor da
música popular urbana e através da invenção de um fundo folclórico musical
brasileiro.
Villa-Lobos conhecia o lado escuro da história de Carlos Gomes, que
147,
morreu em meio a dissabores inclusive financeiros, sendo, posteriormente,
alvo da ironia, especialmente a modernista, proferida, principalmente, por Oswald
148
de Andrade . Sendo assim, o compositor carioca não tinha como projeto um
reconhecimento datado e por isso mesmo instantâneo. Seu projeto era mais
audacioso, ele queria ficar cravado no imaginário nacional como o descobridor da
estética musical pátria e entrar para a “primeira divisão” da música erudita
internacional junto aos nomes de Bach, Beethoven, Chopin e tantos outros. Este
desejo não era fruto de um delírio artístico, era legitimado por uma geração de
intelectuais, como Manuel Bandeira, que chegara a afirmar: “Era um gênio mesmo
(...) o mais autêntico que já tivemos, se é que algum dia tivemos outro” (Horta,
1987, p. 7). Assim, quando Villa-Lobos chegou a Paris, pela primeira vez, em 1923
146
Cf. Mariz (2000, p. 111-134).
147
Villa-Lobos, nos anos do projeto educacional, sempre incluía peças musicais de Carlos Gomes
na regência de obras nacionais, participando, inclusive, ativamente das festas do centenário do
nascimento do compositor paulista.
148
Como nesta declaração à época da Semana de 1922: “Carlos Gomes é horrível. Todos nós o
sentimos desde pequeninos. Mas como se trata de uma glória de família, engolimos a cantalorice
toda do ‘Guarani’ e do ‘Schiavo’, inexpressiva, postiça, nefanda toda” (1922 apud WISNIK, 1983, p.
71). Mário de Andrade foi menos severo mas também não poupou críticas ao compositor
campineiro no primeiro número da revista Klaxon: “Mas a música de Carlos Gomes passou. Hoje
sua música pouco interessa e não corresponde às exigências musicais do dia nem à sensibilidade
moderna. Representá-lo ainda seria proclamar o bocejo uma sensação estética” (apud, WISNIK,
1983, p. 81).

65
- em entrevista ao poeta - declara: “Não vim aprender; vim mostrar o que fiz. Se
gostarem, ficarei; se não, voltarei para minha terra” (Horta, 1987, p. 44).
Nesta mesma linha de afirmação da genialidade de Villa-Lobos, de
acordo com o espírito da “substituição das importações culturais”, já apontado por
Miceli (2003) no período, Manuel Bandeira irá descrever, na Revista Ariel, na volta
ao Brasil do compositor: “Villa-Lobos acaba de chegar de Paris, quem chega de
Paris espera-se que venha cheio de Paris. Entretanto Villa-Lobos chegou de lá
cheio de Villa-Lobos” (BANDEIRA, 1924) 149.
Naquele ano, 1930, Villa-Lobos ainda não conseguira firmar em
definitivo tal projeto de reconhecimento estético de sua música. O dilema de voltar
ou não ocorrera exatamente num momento crucial da história brasileira. Afinal, tal
dúvida ocorrera em meio ao desenvolvimento da Revolução de 1930. O
depoimento de Francisco Mignone igualmente aponta para a indefinição de Villa-
Lobos 150:

Imagine a solidão (e até o medo) do Villa que voltava da Europa em


1930. Ele não tinha nada, rigorosamente nada - sobretudo em termos de
Brasil. Fora para a Europa por conta de uns mecenas. Deveria (ou
poderia) continuar dependendo deles? (HORTA, 1985, p. 63).

Esta situação de indefinição fez Villa-Lobos escrever para Carlos


Guinle, um dos seus principais mecenas, que, inclusive, emprestara seu
apartamento nas estadas parisienses durante os anos 20. Nesta carta, o
compositor diz:
Por um acaso li o vosso nome, numa lista que veio parar em minhas
mãos, por ocasião de uma reunião de artistas concertistas de S. Paulo
para um memorial a ser apresentado ao presidente da República.

149
E continua: “A ardente fé, a vontade tenaz, a fecunda capacidade de trabalho que o
caracterizam, renovam em torno dele aquela atmosfera de egotismo tão propícia às criações
verdadeiramente pessoais. A maioria dos artistas estrangeiros que vão estudar ou trabalhar em
Paris, quase nada logram fazer nos primeiros tempos, se é verdadeiro o depoimento de muitos
deles. Fica-lhes a sensibilidade como que desnorteada pelo tumulto de todo um mundo novo de
sensações. A sensibilidade de Villa-Lobos, porém, resistiu ao choque traumático de Paris. Lá ele é
o mesmo Villa-Lobos que vivesse toda sua vida em Cascadura. Cascadura ou Paris, tudo serve.”
(BANDEIRA, 1924).
150
A respeito da trajetória de Francisco Mignone, cf. Mariz (1997).

66
Assim fique sabendo que o senhor já está no Rio e naturalmente
passando bem de saúde e etc. Porque, tendo escrito ao Arnaldo, pedindo
notícias suas e de sua Exma. Família, elle respondeu-me outras questão
se esquecendo desta ultima.
Por conseguinte, ofereço-me em desejar com mais satisfação um
proximo ano feliz para o Senhor e para Exma. Familia.
Quanto a mim, vivo lutando como um leão, para subsistir deste terrível
que escolheu o nosso paiz.
Armei-me de um violoncello, vivo concerto por todas as cidades de S.
Paulo, até obter o necessário para partir para e Europa.
No mais, com toda consideração e sempre muito reconhecimento por
tudo que o Senhor fez por mim, sou vosso respeitoso amigo e patrício
(Carta de Villa-Lobos para Carlos Guinle em 27 de dezembro de 1930)
151
.

Pouco depois do recebimento da carta acima, em janeiro de 1931,


Carlos Guinle sugeriria que “Villa-Lobos ficasse “de olho” nos caminhos da
Revolução, que poderia trazer compensações por seus esforços” (apud, Guérios,
2003, p. 170). Mesmo assim, em fevereiro, Villa-Lobos, insistiu junto ao irmão de
Carlos, Arnaldo Guinle: “farei todo o possível para poder viajar à Europa tão rápido
quanto possível, pois você bem sabe que eu tenho que trabalhar com
tranquilidade” (apud GUÉRIOS, 2003, p. 174).
Conforme já comentamos, no início dos anos 30, nas cartas de Villa-
Lobos, é notada sua intenção de voltar à Europa o quanto antes, inclusive se
referindo em um artigo no Diário da Noite (datado em 30 de dezembro de 1930) à
necessidade da contratação de um técnico estrangeiro, que poderia ser um
152
alemão, para difundir o ensino da música . Porém, a partir deste tempo, o
compositor notara as oportunidades que o novo momento político poderia lhe
proporcionar, momento este que apresentava o Estado como principal mecenas
das atividades culturais. Neste caso, a possibilidade da efetivação de um projeto
educacional poderia render-lhe um prestígio que provavelmente consolidaria a sua

151
Cf. Anexo D, p. 230.
152
Conforme as suas palavras: “de acordo com meu plano, o estudo da música brasileira deveria
ser completo, começando pela harmonia, passando pelo ritmo, a melodia, o contraponto, até
chegar às razões étnicas e mesmo a certo fundamento filosófico que o caracteriza. Para esse
estudo, por poder olhá-la fria e analiticamente – seria conveniente o governo contratar um técnico
estrangeiro, um alemão, por exemplo. Compreendida a música brasileira, que indiscutivelmente, se
apoia em bases europeias, compreenderíamos a grande música do Velho Mundo” (VILLA-LOBOS,
1930 apud GUÉRIOS, 2003, p. 170).

67
consagração no Brasil. O malogro de Carlos Gomes estava relacionado ao
desconhecimento popular, ou melhor, ao seu despreparo em assimilá-lo como um
compositor erudito e, principalmente, à mudança de perspectiva das elites
culturais do país, que naquele momento defendiam de um compositor
comprometido com uma estética musical brasileira.
Villa-Lobos sabia que uma pedagogia musical deveria formar ouvintes,
um público acima de tudo, obviamente atualizado com a necessidade de
propagação de uma cultura nacional, assim como fizeram, em seus respectivos
países, os húngaros Zoltán Kodály e Béla Bartók e o tcheco Leos Janácek. Todas
estas experiências pedagógicas destes compositores do Leste europeu chamaram
a atenção de Villa-Lobos, especialmente as do primeiro153.
No Brasil, a educação da música desde o Império até a Primeira
República foi marcada pela ausência do ensino de uma estética reconhecida como
154
brasileira . Após toda a reviravolta modernista, Villa-Lobos legitimou-se
socialmente como o pioneiro artista patrício a “lapidar” a música popular e
folclórica, além de traduzir musicalmente a natureza brasileira, de acordo com o
formato erudito e o ideário modernista. Luiz Heitor Correa de Azevedo, por
exemplo, em sua obra sobre a formação da música erudita brasileira, dá o título ao
capítulo que trata do musicista de “Vila-Lôbos e a Descoberta do Brasil” (1956, p.
249-272). Desta forma, o compositor terá o respaldo de implantar uma educação
musical, dos anos 30 em diante, de acordo com a normatização modernista de se
edificar uma identidade nacional.

153
Cf. Fonterrada (2008, p.312-313).
154
A comprometida estrutura de tal ensino foi sentida nos poucos conservatórios, como o Imperial
Conservatório de Música do Rio de Janeiro - criado em 1833 através de Francisco Manuel – que
mudou seu nome durante a República para Instituto Nacional de Música. Neste panorama, no
Brasil, eram incomuns os instrumentos de boa qualidade. No século XIX, não houve uma coleta de
temas musicais folclóricos. O primeiro deles, de Silvio Romero, publicado em 1883, não foi
musicado na ocasião. Na segunda metade do século XIX, a Imperial Academia de Música e Ópera
Nacional, foi organizada pelo espanhol José Amat. Este apesar de ter instituído o canto português
nas óperas, não teve o cuidado de treinar adequadamente os cantores estrangeiros na língua
portuguesa, o que gerou o desentendimento por parte do público durante as apresentações, cf.
Mariz (2005, 63-110).

68
A Revolução de 30 significará uma maior centralização política e o
consequente fortalecimento do Estado, dentro de um novo pacto oligárquico e da
expansão das classes médias, de acordo com uma maior participação de
intelectuais e artistas brasileiros no centro da orientação política e cultural. Neste
contexto, literatos, juristas, músicos e vários outros segmentos irão participar com
entusiasmo deste novo momento histórico, formando um grupo heterogêneo em
termos do posicionamento na sociedade, mas que possuía uma coesão mínima -
uma visão de mundo modernista - a respeito dos caminhos da modernização
brasileira, principalmente diante da necessidade da unificação cultural e política da
nação.
Villa-Lobos via na Revolução de 30 e, posteriormente, no Estado Novo,
a possibilidade de efetivação de uma perspectiva “civilizatória”. Seu alinhamento
educacional, naquela altura, tinha a pretensão de construir no povo brasileiro um
gosto pela “música de alto nível artístico”, conforme a descrição a seguir que
relata a missão educacional, contribuindo para a formação de uma “consciência
nacional elevada” por meio da música, que se concretizaria no ensino dos cantos
orfeônicos nas escolas e nas grandes concentrações orfeônicas. Vejamos suas
palavras sobre o momento decisivo da Revolução de 1930 e do projeto
educacional no período:

Precisamente naquele momento o Brasil acabava de passar por uma


transformação radical; já se esboçava uma nova era promissora de
benéficas reformas políticas e sociais. O movimento renovador de 1930
traçara novas diretrizes políticas e culturais apontando ao Brasil rumos
decisivos, de acordo com seu processo lógico de evolução histórica.
Cheio de fé na força poderosa da música, sentimos era chegado o
momento de realizar uma alta e nobre missão educadora dentro da
minha pátria. Tinha o dever de gratidão para com esta terra que me
desvendara generosamente tesouros inigualáveis de matéria-prima e de
beleza musical. Era preciso por toda a nossa energia a serviço da Pátria
e da coletividade, utilizando a música como um meio de formação e de
renovação moral, cívica e artística de um povo. Sentimos que era preciso
dirigir o pensamento às crianças e ao povo. E revolvemos iniciar uma
campanha pelo ensino de energia cívica vitalizadora e um poderoso fator
educacional. Com o auxílio das forças coordenadoras do atual Governo,
essa campanha lançou raízes profundas, frutificou e hoje apresenta
aspectos iniludíveis de sólida realização (VILLA-LOBOS, 1991[1946], p.
10).

69
De acordo com esse projeto político e cultural desencadeado desde a
Revolução de 1930, Villa-Lobos construiu sua trajetória de educador-musical: a
partir da criação do Serviço Técnico e Administrativo de Música e Canto Orfeônico
– em que foi convidado a dirigir o ensino orfeônico por Anísio Teixeira, então
Secretário de Educação e Cultura do Distrito Federal; em fevereiro de 1932 e, com
a ampliação do arco do projeto ao nível nacional, em 1934, quando dirigiu a
SEMA, subordinado ao Ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema.

2.2 Mário de Andrade e Villa-Lobos: entre distanciamentos e aproximações

O que pretendemos desenvolver neste momento é a relação do


compositor e educador musical Villa-Lobos com o escritor e orientador estético
Mário de Andrade, como um recorte paradigmático da constituição da intelligentsia
brasileira, que, nos anos 20, se afirmou no plano cultural e, nos anos 30, ampliou
sua ação dentro do plano estatal a partir da Revolução de 30. Sendo assim, tal
intelligentsia estendeu suas iniciativas de construção de uma estética nacional
para a sua inserção nas políticas educacionais e culturais dirigidas pelo Estado
brasileiro no período “getulista”. Assim, transitaremos, a partir de uma comparação
de trajetória, na visão de mundo que alicerçava as ações dos homens que
ansiavam em modernizar o país, tendo Villa-Lobos e Mário de Andrade como os
principais protagonistas no plano musical e cultural, respectivamente.
Desta forma, abordaremos os modernismos programático e romântico,
na própria ação social de seus principais protagonistas: Mário de Andrade e Villa-
Lobos, e, as leituras diferenciadas do literato e do musicista a ida ao povo,
compartilhada desde a década de 1920 na esfera estatal durante o “getulismo”.
Estas iniciativas nem sempre harmoniosas entre Estado e estes intelectuais e
artistas que, de acordo com a investigação, deveremos analisar como uma
questão fundamental, comum aos dois protagonistas, que integravam o grupo dos
homens da cultura naquele tempo: houve uma cooptação ou adesão às iniciativas

70
do Estado por parte de Villa-Lobos e de Mário de Andrade? Postulamos que esta
questão requer uma análise que não deságue em uma resposta simplificadora.
Convencemo-nos cada vez mais de que é impossível realizar uma
pesquisa acerca de Villa-Lobos sem considerar a tensa relação entre este e Mário
de Andrade. Acreditamos que haja conexões inesperadas que foram pouco ou mal
trabalhadas, para não falar do silêncio ou da omissão. O que estamos
interpretando é que havia um diálogo não necessariamente explícito entre o
musicista e o literato, que diz muito da trajetória villalobiana e talvez da do próprio
Mário de Andrade. O sentido da trajetória de Villa-Lobos, na ótica adotada nesta
pesquisa, deve muito a este diálogo, por vezes conflituoso, é verdade, com Mário
de Andrade - especialmente a partir do Ensaio sobre a música brasileira, de 1928 -
visto na sua própria música desde então e nos textos pedagógicos oficiais,
escritos e divulgados nas décadas de 1930 e 1940. O autor de Macunaíma
(2004[1928]) - inclusive do mesmo ano do Ensaio, 1928 - vai afirmar, a partir da
última, a necessidade de se ir à música popular para extrair subsídios estéticos de
nacionalização a partir de um “refinamento” estético dentro dos parâmetros da
música erudita ocidental. No Guia Prático (1941) e em todas as obras
pedagógicas de Villa-Lobos, está presente a ideia do “aperfeiçoamento” das
formas populares para se chegar ao patamar artístico, erudito e nacional, dentro
dos cânones ocidentais tradicionais de não questionamento do sistema tonal,
apesar do reconhecimento de se dar atenção a vários aspectos harmônicos e
rítmicos da música brasileira.
Contudo, este “aperfeiçoamento” estético vem acompanhado de
processos de disciplinamento cívico, por meio da exaltação ao líder político
Getúlio Vargas, gerando resistências de Mário de Andrade à inserção do
compositor ao projeto educacional oficial. Desta forma, o escritor não é visto,
nesta perspectiva, apenas como um personagem importante de interlocução, mas
como uma esfera ou uma instância de negociação em busca de reconhecimento
social a que o compositor das Bachianas Brasileiras não poderia se furtar e ao
qual de fato, não se furtou.

71
Mário de Andrade e Villa-Lobos podem ser inseridos na classificação
dos “primos pobres” do modernismo - ao contrário de Oswald de Andrade, que era
um destes “homens sem profissão”, que podia ser vanguardista devido à fortuna
155
que herdara - de acordo com a classificação de Miceli (2002, p. 105-106) .
156
Ambos possuíam tais características: não vinham de famílias influentes -
mantendo uma relativa distância do centro político dirigente, que, no caso de Villa-
Lobos, verificou-se até a morte de seu pai, quando o compositor tinha doze anos
157
- e não possuíam uma formação acadêmica formal – daí seus autodidatismos.

155
Ao contrário, os “homens sem profissão”: “eram herdeiros nascidos em famílias que
monopolizavam havia muito tempo as posições de prestígio no interior das classes dirigentes”
(MICELI, 2001, p. 104).
156
Vejamos a origem social do literato: “Mário de Andrade constituiu o protótipo do ‘primo pobre’
que também chegou a exercer uma liderança intelectual mas por vias distintas, propiciadas, de um
lado, por seus amplos investimentos em capital cultural e de outro, pela expansão das instituições
culturais da oligarquia. Na verdade, Mário só podia contar com o capital social do ramo materno de
sua família pra contrabalancear outras desvantagens familiares e escolares. Era uma espécie de
caçula indesejado, de ‘uma feiúra singular, com ‘tremores nas mãos’; seu pai e outros membros da
família não conseguiam conter o ímpeto de culpabilizá-lo, de modo meio atravessado, pela morte
de seu irmão mais moço, o rebento favorito e cheio de dotes, bonito, louro, ‘inteligente’, ‘sensível’”
(MICELI, 2001, p. 103-104).
157
Em 05 de março de 1887, nasceu Heitor Villa-Lobos. Sua mãe, Noêmia Villa-Lobos, era filha de
um músico popular, conhecido em saraus e em clubes. O avô de Villa-Lobos compôs Quadrilha
das moças, que repercutiu na época. Seu pai, Raul Villa-Lobos, era filho de modestos imigrantes
espanhóis, em Sant’ana do Livramento no Rio Grande do Sul. Raul Villa-Lobos foi levado ao Rio
de Janeiro pelo político e seu parente Silveira Martins, que o matriculou no Instituto de Meninos
Desvalidos (centro de educação destinado a crianças pobres apadrinhadas por políticos). Nesta
instituição obteve uma bolsa de estudos, conquistada após vencer um concurso literário. Neste
momento, o pai de Villa-Lobos tornou-se amigo dos futuros maestros Francisco Braga e Luís
Moreira. Também teve apoio do político Alberto Brandão para a conclusão de seus estudos
secundários. Com todas estas oportunidades, Raul Villa-Lobos tornou-se um típico homem dos
setores médios da sociedade carioca. As suas atividades profissionais foram iniciadas como
professor. Foi frustrada a tentativa de cursar medicina, já no segundo ano, devido aos altos custos.
Em 1890, tornou-se um dos funcionários da Biblioteca Nacional, ocupando por dois anos o cargo
de auxiliar de bibliotecário. Publicou livros de história, didáticos e traduziu outras obras - cf. Villa-
Lobos (1890) - e através de pseudônimo Villalba (1897). Depois de criticar o presidente Floriano
Peixoto, Raul Villa-Lobos, com receio de ser preso, fugiu para Minas Gerais com toda família. Lá, o
pequeno Villa-Lobos teria ouvido as primeiras modas de viola que não sairiam de sua memória
musical. Logo depois da queda do presidente, o Sr. Villa-Lobos e foi convidado para a chefia da
Biblioteca do Senado. Na casa dos Villa-Lobos, era muito comum a escuta da música de câmara.
O pai do compositor também era músico e um grande incentivador de apresentações musicais.
Deu grande apoio na formação de um conjunto de música de câmara, entre 1894 e 1897, com
Manuel Vitorino (futuro Vice-Presidente no governo de Prudente de Moraes). Participou da
fundação da Sociedade de Concertos Sinfônicos do Rio de Janeiro. A precoce morte do pai de
Villa-Lobos, aos 37 anos, por varíola em 1899, interrompeu este ambiente musical. O pequeno
Villa-Lobos estava com doze anos. Devido às dificuldades financeiras, a mãe de Villa-Lobos teve
que vender o acervo da biblioteca de seu marido para a Biblioteca do Senado. A partir de então, o

72
Bem diferenciados, é verdade, o que se vê na maior amplitude de saberes de
158
Mário de Andrade relacionados à História, à Literatura etc .
Durante a década de 1910 (especialmente nos últimos anos) e quase
toda a de 1920, Mário de Andrade esteve, incontestavelmente, ao lado de Villa-
Lobos, sempre tentando trazê-lo para próximo das iniciativas do polo “modernista”
(junto a Ronald de Carvalho, Oswald de Andrade e aos mecenas das famílias
Prado e Guinle), já antes, inclusive, da Semana de 1922, visto que o compositor
também flertava com o lado “parnasiano”, através de suas incursões na música
sacra.
Na volta de sua primeira viagem à Europa, foi Mário de Andrade quem
pediu a Manuel Bandeira que faça um relato sobre sua chegada, num célebre
artigo veiculado pela revista Ariel. Na segunda viagem de Villa-Lobos à França (de
1926-1930), a que mais lhe trouxe reputação no país de Debussy e em terras
brasileiras, inicia-se um novo momento na relação entre o compositor e Mário de
Andrade. Na imprensa e no Ensaio sobre a música brasileira (2006[1928]), o
literato iniciou uma nova avaliação com o compositor das Bachianas, após tomar
conhecimento das fantasiosas estórias do músico relatadas aos europeus ávidos
pelo exotismo de suas narrativas. Villa-Lobos traveste-se de um “indianista
folclorista”, como um Rondon musicista, que mergulha em nossas florestas
pesquisando os índios, os caboclos, a fauna, a flora e extraindo destes elementos
uma “autêntica” música brasileira.
O próprio Mário de Andrade ajudou a legitimar a música de Villa-Lobos
de acordo com os princípios “gênio/natureza/raça/nação”, por outro prisma,
reforçando a imagem romântica do compositor. Após a volta do musicista de Paris,
em 1924, o escritor confessou a Manuel Bandeira:

jovem Villa-Lobos teve que trabalhar para ajudar a sua família a arcar com as despesas. Cf.
Damasceno (2007), Guérios (2003), Mariz (2005[1949]) e Kiefer, 1981.
158
Mário de Andrade não chegou a terminar o Conservatório Dramático e Musical e Villa-Lobos, de
acordo com já vinculamos, talvez tenha frequentado algumas disciplinas no Instituto Nacional de
Música, cf. Miceli (2001, p. 104) e Guérios (2003, p. 58 e 215).

73
que o colocava como gênio acima de Stravinsky (...) a obra do russo é
genial mas se apóia numa cultura imensa; ao passo que Villa achava
tudo por intuição, e suas colocações eram verdadeiramente golpes de
gênio (BANDEIRA, 1965, p. 146) 159.

Mesmo à época de tais declarações fantasistas a respeito das


aventuras de Villa-Lobos, tal alinhamento da música do compositor à natureza e à
intuição não cessara por parte do autor de Paulicéia Desvairada (1920). O texto de
Mário de Andrade sobre o poema sinfônico Amazonas (*1917) é uma verdadeira
160
apologia musical , justamente esta música que consagrou definitivamente o
compositor na França, numa apresentação dividida, em sua estreia, no dia 30 de
maio de 1929, com a música Ameriques, de Edgar Varèse. Senão, vejamos:

E paro exausto sem ter enumerado todas as belezas e particularidades


que julgo ver e pude amar neste poema. Todo ele é duma lógica musical
estupenda e de uma qualidade alta que não desfalece, todo tão
habilissimo que atinge a virtuosidade de composição. Me sinto feliz por
demais em saudar obra tão bonita pra estar agora lascando algumas
indiretas pesadas aos que negam a Vila Lobos a ciência de composição.
Não vale a pena. Ele tem antes de mais nada a presciência, que poucos
podem ter...Fossem os compositores que possuirmos agora outros tantos
Vila Lobos e a música brasileira seria a melhor do mundo, isso é o que
sei (ANDRADE, s/d[1933], p. 160-161).

159
Noutro momento ele diz: “Villa-Lobos e o Brasil tornaram-se uma coisa só na compreensão do
mundo. Se é certo que essa espécie de juízo crítico é por muitas partes falso, pois há na obra do
grande compositor um número enorme de invenções exclusivamente pessoais, que são dele e não
do Brasil, ou por outra: que são do Brasil apenas porque são exclusivamente de Villa-Lobos e ele
mesmo – não tem dúvida que essa unificação absoluta da obra de Villa-Lobos e do Brasil veio
beneficiar imenso como propaganda. Propaganda que incontestavelmente jamais nenhum outro
artista brasileiro realizou com tanta eficácia a favor do Brasil” (ANDRADE, 1982[1930], p. 144).
160
Renato de Almeida fez jus as palavras de Mário de Andrade, conforme as suas palavras:
“Aquelas dissonâncias, violências, aqueles ritmos bárbaros, ao mesmo tempo que transcendem de
imenso atropelo das coisas uma magia de grande ingenuidade e um fremente ardor sensual, tudo
isso, que a música quis sintetizar na virgem e no monstro, tudo isso que não tem solução e acaba
projetando-se no abismo, é o ambiente amazônico. Villa-Lobos o transpoz para a música. Esta
será, porventura, agreste e chocante, mas nisso está a sua grande sinceridade. Como obra
musical, o seu valor é irrecusável, na riqueza dos timbres, no prodígio dos ritmos, na soberba
orquestração. São massa sonoras que se sobrepõem numa arquitetura audaz e atrevida” (apud
GUIMARÃES, 1972, p. 201).

74
Mário de Andrade queria posicionar adequadamente a música
161
villalobiana, inclusive no que se refere ao “exotismo” de sua música “indígena”
162 163
, de acordo com o apetite parisiense . Tal atitude de Mário de Andrade
164
iniciou-se a partir de 1927, frente aos comentários da crítica francesa, que
165
tratava a música e as estórias de Villa-Lobos sob a ótica do “exotismo” .

161
Depois Villa-Lobos irá se posicionar sobre o “exotismo”: ”ninguém tem mais devoção por Béla
Bartók do que eu. Foi um homem admirável. Entretanto, não agüento sua música. Há alguma coisa
nela que me choca. O quê? Seu exotismo. A música de Bartók é sempre exótica... e... voltando a
minha idéia – que nossos jovens não se empenhem em ser originais, avançados e modernos... é
isso: que não tratem de ser ‘modernos’. Quando um artista encontra seu estilo verdadeiro, é
sempre original e avançado, ainda que ele não tenha consciência disso” (CARPENTIER, 2000,
p.18).
162
Segundo Waizbort (2014), Villa-Lobos apresenta em sua música vários tipos musicais
indígenas, uma espécie de meio-termo entre os indianismos dos românticos e dos modernistas.
Assim, as modalidades de representação musical seriam estas: um estraviskyano (junto aos seus
Bailados como o Uirapuru (*1917)); outra baseada na apropriação de melodias indígenas
recolhidas por antropólogos (como na canção dos índios Parecis (Nozani-ná), trazida por Roquete
Pinto), utilizada nos Choros N°3; uma terceira modalidade relacionada aos lendas amazônicas
publicadas por Barbosa Rodrigues em língua nheengatu, como em Mandú-Çárárá (1940) e uma
baseada na catequese jesuíta, que gerará obras como a Sinfonia N° 10, Ameríndia, com o
subtitulada de Sumé, o pai dos indígenas (1952). Além destas, o autor considera a possibilidade do
levantamento de outros tipos que estão em fase de levantamento, cf. Waizbort (2014, p.138-141).
A Sinfonia N°10 (1952), estreou em 4/4/57, em Paris, no Théâtre des Champs Elysées, durante o
Festival Heitor Villa-Lobos. A execução coube a Orchestre Radio-Symphonique de Paris; Choeur
de la Radiodiffusion-Television Française; Jean Giradeau (tenor), Camille Maurane e Jacques
Chalude (baixo), solistas; Heitor Villa-Lobos (regente), cf. Villa-Lobos (1989, p.65).
163
O compositor Guerra-Peixe (1988) sempre tratou com extrema ironia a suposta influência da
música indígena sobre parte da obra de Villa-Lobos.
164
Esta visão romântica sobre o reflexo das viagens de Villa-Lobos sobre sua música ganhará o
mundo através da lente francesa, vista nas biografias, por exemplo, de Beaufils (1967) e Schic
(1987). Vejamos um trecho do primeiro: C'est pour Villa Lobos une rafale d'impressions primitives:
chants de sorciers, de pêcheurs nègres, chants de vachers, danses dramatiques à grand
spectacle, Capoeiras, ‘chansons de défi’. Villa Lobos fait as moisson de rythmes, de thêmes, mais
de bien plus encore: um univers de paysages, de types humains, de bariolages, - habitus affectifs,
échelles sonores, modes d’émission et timbres d’instruments: une pallete et dês lumières. Pour
noter s’invente une sténographeie; le rythmenu d’abord, et son multiple temps, puis les notes”
(BEAUFILS, 1967, p.36).
165
Vejamos sua indignação neste comentário: “Todas essa viagens de Vila Lobos através de
sertões botocudissimos, seguindo pacientes missões germânicas, me lembraram mais uma vez a
apaixonada imaginativa da sra. Delarue Mardrus, que uma feita, espaventada com as aventuras de
Vila Lobos, em Paris, escreveu sobre êle um artigo tão furiosamente possuído da água
possivelmente alcoólica de Castalia, que o nosso músico virou plagiario de Hans Staden. Foi
pegado pelos índios e condenado a ser comido moqueado. Prepararam as índias velhas a famosa
festa da comilança (o artigo não diz si ofereceram primeiro ao Vila a índia mais famosa da maloca)
e o coitado, com grande dansa, trons de maracás e roncos de japurutús, foi introduzido no lugar do
sacrifício. Embora não tivesse no momento nenhuma vontade pra dansar, a praxe da tribu o
obrigou a ir maxixando até o poste de sacrifício. E a indiada apontava pra ele dizendo:” – Lá vem a
nossa comida pulando!” e as dansas mortuarias principiaram. Era uma ronda horrifica

75
Esta revisão marioandradiana encontra-se no Ensaio sobre a música
brasileira (2006[1928]), que, dentre outros assuntos, trata da apropriação de Villa-
Lobos na “música indígena” de acordo com o ouvido francês. O autor de
Macunaíma (2004[1928]) 166 significa o uso do recurso estético do “exotismo”, de
acordo com a relação assimétrica entre as nações, ou seja, uma serviria à outra,
da mesma forma que as metrópoles vinham buscar especiarias nas colônias. A

prodigiosamente interessante que, devido ao natural estado de nervos em que o músico se


achava, se ia gravando inalteravelmente na memória dele. Felizmente pra nós e infelizmente pra
etnografia brasílica, a dansa parou no meio. Simplesmente porquê por uma necessidade histórica,
os membros da missão alemã, já muito inquietos com as quatro semanas de ausência do jovem
violoncelista, deram de chofre na maloca, arrasaram tudo e salvaram uma ilustre glória do Brasil.
Tudo isso é apaixonadamente curiosos, não tem dúvida, porêm ando temendo que mais tarde, da
mesma forma como sucedeu com a biografia de Berlioz na França, os pesquisadores históricos
terão que refazer inteiramente a biografia vilalobesca e botar friamente os ponto nos is (ANDRADE,
s/d[1933], p. 143-144).
166
Depois de termos acesso as estórias mirabolantes de Villa-Lobos tornou-se difícil não ler
Macunaíma (2006[1928]) e não imaginarmos que estas não inspiraram na escrita da obra Se não
vejamos: “No outro dia Macunaíma pulou cedo na ubá e deu uma chegada até a foz do rio Negro
pra deixar a consciência na ilha de Marapatá. Deixou-a bem na ponta dum mandacaru de dez
metros, pra não ser comida pelas saúvas. Voltou pro lugar onde os manos esperavam e no pino do
dia os três rumaram pra margem esquerda da Sol. Muitos casos sucederam nessa viagem por
caatingas rios corredeiras, gerais, corgos, corredores de tabatinga matos-virgens e
milagres do sertão. Macunaíma vinha com os dois manos pra São Paulo. Foi o Araguaia que
facilitou-lhes a viagem. Por tantas conquistas e tantos feitos passados o herói não ajuntara um
vintém só mas os tesouros herdados da icamiaba estrela estavam escondidas nas grunhas do
Roraima lá. Desses tesouros Macunaíma apartou pra viagem nada menos de quarenta vezes
quarenta milhões de bagos de cacau, a moeda tradicional. Calculou com eles um dilúvio de
embarcações. E ficou lindo trepando pelo Araguaia aquele poder de igaras, duma em uma
duzentas em ajojo que-nem flecha na pele do rio. Na frente Macunaíma vinha de pé, carrancudo,
procurando no longe a cidade. Matutava roendo os dedos agora cobertos de berrugas de tanto
apontarem Ci estrela. Os manos remavam espantando os mosquitos a cada arranco dos remos
repercutindo nas duzentas igaras ligadas, despejava uma batelada de bagos na pele do rio,
deixando uma esteira de chocolate onde os camuatás pirapitingas dourados piracanjubas uarus-
uarás e bacus se regalavam” (ANDRADE, 2006[1928], p.39). O biógrafo finlandês Eero Tarasti
propõe que: “é preciso levar em conta que as categorias estéticas européias não são válidas no
mundo sul-americano. É um outro universo, é preciso reler Macunaíma!” (TARASTI, 2006, p. 47).
Por isso, o biografo chega a indicar uma comparação na composição estética do personagem
principal de Macunaíma (2004[1928]) e o do método de composição de Villa-Lobos. Tarasti diz:
“Mario de Andrade’s language, particularly in Macunaíma, often reaches the limits of
incomprehensibility and he also likes to quote directly from the vulgar style. In Villa-Lobos’s music
we find a counterpart os this feature in the equally shameless use of ‘banal’ effects, a deliberate
adoption of grotesque and shrill timbres, like the use of a saxofone, the glissandi of the brass,
dissonant, illogical tones suddenly penetrating through the orquestra – Cf. Choros No. 10 or
Amazonas. If the narrative structure of Macunaíma and let us say Villa-Lobos’s rudepoema were to
be compared, using some estrutural method – in the same way as Harold de Campos has analysed
the narrative structures of the aforementioned novel – one would assuredly find amazing parallels
between the constructions of these two artists” (TARASTI, 1995, p. 69-70).

76
perspectiva de seu modernismo programático buscaria justamente rever tal
relação deletéria à nação 167.
Mário de Andrade visualizava de maneira evolutiva os momentos de
construção de uma identidade musical brasileira, observada em Evolução Social
da Música no Brasil, de 1939, publicada na obra Aspectos da música brasileira
(1991). A primeira fase é nomeada de “Internacionalismo Musical”, tendo a figura
de Carlos Gomes como o principal personagem desta etapa. Um segundo período
intermediário é igualmente denominado “Internacionalista”, porém já anunciando
um nacionalismo musical (por exemplo, Alexandre Levy e Alberto Nepomuceno)
ainda florescente. A Semana de Arte Moderna de 1922 representa uma profunda
reviravolta, através da passagem de Villa-Lobos de suas marcantes influências
“francesas” 168
, e, finalmente, da geração alinhada ao modernismo programático
de Mário de Andrade: Francisco Mignone, Camargo Guarnieri, Frutuoso Viana e
Radamés Gnatalli. O autor do Ensaio acreditava especialmente no
comprometimento dos dois primeiros 169.

167
Eis o cerne do programa de Mário de Andrade: “A Europa completada e organizada num
estádio de civilização, campeia elementos pra se liberar de si mesma. Como a gente não tem
grandeza social nenhuma que nos imponha ao velho Mundo, nem filosófica que nem a Ásia, nem
econômica que nem a América do Norte, o que a Europa tira da gente são elementos de exposição
universal: exotismo divertido. Na música, mesmo os europeus que visitam a gente perseveram
nessa procura do exquisito apimentado. (...) Um dos conselhos europeus que tenho escutado bem
é que a gente si quizer fazer música nacional tem que campear elementos entre os aborigenes
pois que só mesmo estes é que são legitimamente brasileiros. Isso é uma puerilidade que inclui
ignorância dos problemas sociológicos, étnicos psicológicos e estéticos. Uma arte nacional não se
faz com escôlha discricionária e diletante de elementos: uma arte nacional já está feita na
inconsciência do povo. O artista tem só que dar pros elementos já existentes uma transposição
erudita que faça música popular, música artística, isto é: imediatamente desinteressada. O homem
da nação Brasil hoje, está mais afastado do ameríndio que do japonês e do húngaro. O elemento
ameríndio no populario brasileiro está psicologicamente assimilado e praticamente já é quasi nulo”
(ANDRADE, 2006[1928], p. 10-11).
168
Outros nomes desta etapa seriam Luciano Gallet, Lourenço Fernadez, Francisco Braga e
Barroso Neto. Estes dois últimos pertecentes a geração de outrora, mas adaptados ao novo
momento.
169
Mário de Andrade comenta as virtudes melódicas de Guarnieri comparando-as com as de Villa-
Lobos: “As melodia de Camargo Guarnieri se caracterizam mesmo pela compridez. A inspiração
melódica de Villa-Lobos, por exemplo, na sua fase moderna, é curta. Se caracteriza muito mais no
motivo ou quando muito na frase de poucos compassos. Nesse ponto-de-vista, Camargo Guarnieri
está, em relação ao grande compositor, como Mozart estava para Haydn, ou Beethoven para
Mozart: um passo na frente, como elasticidade melódica” (ANDRADE, 1993[1935], p. 294). Bem
distinta da posição de Mendes (2000, p.132): “Uma peça como ‘Canção Sertaneja’, de Camargo

77
Os adeptos do modernismo programático, Francisco Mignone, Camargo
Guarnieri e, principalmente, Mário de Andrade e mais tarde Guerra-Peixe e
Claudio Santoro, irão construir uma relação ambígua com Villa-Lobos. O “gênio”
individual de grande compositor não será negado, mas sim sua falta de
comprometimento com a causa nacionalista de acordo com as proposições
contidas no Ensaio. Afinal, esse projeto tinha como meta substituir a música
urbana, especialmente a mais comercial e de nível “duvidoso” – inclusive a
estrangeira, especialmente a “yanke”, propagada pelo rádio - por outra “superior”,
já que elevaria as formas populares para o nível artístico e/ou erudito. Esta,
porém, deveria estar longe da sedução fácil do “exotismo”.
A partir deste momento, Mário de Andrade irá se referir a Villa-Lobos
como um grande artista brasileiro, mas despossuído de um comprometimento
nacional, apesar de aqui e ali o compositor ter alcançado proezas estéticas dignas
do elogio do esteta. Na perspectiva deste, esses feitos musicais seriam muito mais
por intuição do musicista ou até pelo próprio estímulo do autor de Macunaíma
(2004[1928]). Em uma carta publicada em Toni (1987), Mário de Andrade aborda o
assunto da sua cômica sugestão para que Villa-Lobos compusesse as Cirandas
(1926), que irão mais tarde impulsionar sua adesão formal à perspectiva folclórica:

As Cirandas e em consequência as Cirandinhas, sem dúvida das coisas


mais geniais do Villa, ele as deve a mim. Fui eu que observando certa
resistência no Villa em aceitar o aproveitamento folclórico, observando a
dificuldade de construção formal dele e outras coisas assim, escrevi uma
carta de pura mentira pro Villa, me dizendo encantado com as obras de
Allende, um chileno que eu fingia descobrir no momento, observava as
peças em forma A-B, uma aproveitando um tema popular, outra de
criação livre, quando muito se servindo de constâncias folclóricas, coisas
assim, e está claro fingindo uma admiração danada do homem, que ia
escrever sobre ele, coisa que, eu sabia, deixavam o Villa sangrando em
sua imensa vaidade. Mas esperteza maior foi, em seguida, fingindo
amizade subalterna, pedir a ele que me escrevesse umas peças de meia-
força pros meus alunos de piano. Como sempre: nenhuma resposta, o

Guarnieri, composta em 1928, apesar de bela e comovente em seu gênero, poderia ter sido escrita
em fins do século passado. Tem a mesma construção que encontramos em Grieg, em Fauré. É
nada de brasileira (matéria estrutural e forma novas aqui inexistem), pois a harmonia é puramente
francesa, a forma é a canção clássica-romântica. Já Villa-Lobos, em 1918, numa peça igualmente
para piano – o conhecido ‘Polichinelo’ – apresenta de cara um bitonalismo (dó-mi-sol em trêmulo
contra mi bemol, si bemol e ré bemol) comparável ao de ‘Petruchka’, de Stravinsky”.

78
Villa só escreve carta precisando da gente. Mas poucos meses depois
vim no Rio, não me lembro mais onde, era uma festa, havia muita gente,
creio que no intervalo de concerto me encontro com Villa numa roda. E
ele imediatamente: ‘Olhe, vá lá em casa! Tenho umas coisas para você.
Bem! Não é nada daquilo que você pediu’ e sorriu com um arzinho
superior meio depreciativo. Eu fui e eram as Cirandas, e era exatamente
o que pedira, o que tivera a intenção de provocar no Villa, embora
estivesse longe de imaginar Cirandas (Apud TONI, 1987, p. 45).

Esse sugestionamento aponta que para além das divergências, há


algumas afinidades que podem indicar um contato ainda não bem explorado pelos
comentadores na relação entre os dois maiores protagonistas do modernismo
musical brasileiro. Outro exemplo, Mário de Andrade insiste no Ensaio sobre a
necessidade do uso do coral, não apenas por motivações estéticas. De acordo
com as palavras do escritor:

Ora eu insisto no valor que o coral pode ter entre nós. Musicalmente isso
é obvio. Sobretudo com a riqueza moderna em que a voz pode ser
concebida instrumentalmente, como puro valor sonoro. O Orfeão
Piracicabano empregando sílabas convencionais adquire efeitos
interessantes de pizicato, de destacado breve ou evanescente. E em
boca-fechada obtém efeitos duma articulação e fusão harmônica
absolutamente admiráveis. Ainda aqui o exemplo é Villa-Lobos é
primordial. Se aproveitando do cacofonismo aparente das falas
ameríndias e africanas e se inspirando nas emboladas ele trata
instrumentalmente a voz com uma originalidade e eficácia que não se
encontra na música universal (‘Sertaneja’, ‘Noneto’, ‘Rasga Coração’ eds.
cits.) Mas os nossos compositores deviam de insistir no coral por causa
do valor social que ele pode ter. Pais de povo desleixado onde o conceito
de Pátria é quasi uma quimera a não ser pros que se aproveitam dela;
país onde um movimento mais fraco de progresso já desumanisa os
homens na vaidade dos separatismos; pais de que a nacionalidade, a
unanimidade psicológica, uniformes e comoventes independeram até
agora dos homens dele que tudo fizeram para disvirtua-las e estraga-las;
o compositor que saiba ver um bocado além dos desejos de celebridade,
tem uma função social neste país. O côro umanimisa os indivíduos. (...) a
música não adoça os caracteres, porém o côro generaliza sentimentos. A
mesma doçura molenga, a mesma garganta, a mesma malinconia, a
mesma ferocia, a mesma sexualidade pequenta, o mesmo choro de amor
rege a criação da música nacional de norte a sul. (...) E possível agente
sonhar que o canto em comum pelo menos conforte uma verdade que
nós estamos não enxergando pelo prazer amargoso de nos estragarmos
pro mundo (ANDRADE, 2006[1928], p. 50-51).

Noutro trecho desta mesma obra, Mário de Andrade sugere que o


caminho da construção de uma harmonização brasileira está no uso simultâneo do

79
contraponto e da polifonia, caminho que Villa-Lobos já tinha usado, mas que foi
aprofundado nas Bachianas Brasileiras. Citemos o autor:

Onde os processos de simultaneidade sonora podem assumir maior


caracter nacional é a polifonia. Os contracantos e variações temáticas
superpostas empregadas pelos nossos flautistas seresteiros, os baixos
melódicos do violão nas modinhas em certas, tudo isso desenvolvido
pode produzir sistemas raciais de conceber a polifonia. E de fato está
sendo como a gente vê das Melodias Populares harmonizadas por
Luciano Gallet, das Serestas, Choros e Cirandas de Villa-Lobos. Numa
Sonatinha inda inédita desse moço de futuro Mozart Camargo Guarnieri,
o Andante vem contrapondo com eficiência nacional magnificante
(ANDRADE, 2006[1928], p. 41).

Mesmo com todas as suas críticas a Getúlio Vargas e a adesão cega de


170
Villa-Lobos ao projeto do ditador gaúcho , Mário de Andrade, em um texto
adequadamente intitulado “Distanciamentos e Aproximações”, vai afirmar:

A lição mais profundamente humana que podemos colher da obra de um


Villa-Lobos (e não a toa que o grande artista dedicou grande parte da sua
atividade á formação de massas corais...), de um Luciano Gallet, de um
Francisco Mignone ou Camargo Guarnieri ou Lourenço Fernandez ou
Gnattali, não é o nacionalismo patriótico, mas uma sadia e harmônica
fusão entre a arte erudita e o povo. (...) os mais legítimos compositores
brasileiros, dentro da mais completa erudição técnica e sem a menor
concessão ao gosto popular desvirtuado por interesses classistas,
procuram diminuir as distâncias sociais, hoje tão graves e falsificadoras
entre arte erudita e povo.
Como significação nacional (e não “nacionalista”) certa “Bachianas” de
Villa-Lobos, a recente admirável “Sonata” de Francisco Mignone, tantos
“Ponteios” de Guarnieri, são da maior importância, a meu ver. Livres, arte
erudita, criações esplendidas, isentas de qualquer “populismo”
condescendente, essas obras perseveram, no entanto, como concepção

170
Segundo Toni (1987), Mário de Andrade também se desapontara com a indiferença de Villa-
Lobos junto à Revolução Constitucionalista. Citemos a autora: “Talvez por uma causalidade
histórica, a época escolhida por Heitor Villa-Lobos para morar em São Paulo foi de grande
efervescência política. Os intelectuais paulistas tinham tornado, em grande maioria, posições de
combate à política imposta por Getúlio Vargas. Em 1932, eclodiu a Revolução Constitucionalista. O
compositor carioca não tomou para si as dores dos ultrajados, atitude que foi se evidenciando
pouco a pouco aos olhos de Mário de Andrade: um concerto e um hino em homenagem a Julio
Prestes, o mesmo hino reformulado para homenagear seu opositor, uma ‘tournée’ pelo interior do
estado financiada pelo interventor João Alberto... Mas, se para os amigos Manuel Bandeira e
Prudente de Moraes Neto, Mário de Andrade contou a magoa que lhe causara o comportamento
do compositor, em suas críticas deu conta, com lealdade, de tudo o que ouviu enquanto Villa-
Lobos esteve em São Paulo” (TONI, 1987, p.65).

80
e realização, junto das formas populares da vida nacional (ANDRADE,
s/d [1933], p. 364-365).

Estes distanciamentos e aproximações entre Mário de Andrade e Villa-


Lobos que a pesquisa vem apontando demonstram-nos a riqueza de possibilidade
analítica nas conexões até aqui estabelecidas. De todo modo, deveremos nos
afastar da sedução da fácil explicação da influência de um sobre o outro, afinal “a
influência não explica muita coisa, demanda ser explicada” (LOWY; NAIR, 2008, p.
57). O uso metodológico da visão de mundo modernista, especificamente das
variações romântica e programática, deverá dar chão tanto às afinidades quanto
às divergências entre o literato e o musicista.
Sendo assim, do próximo tópico em diante, deveremos indicar como o
modernismo programático e o modernismo romântico se institucionalizaram no
projeto educacional-musical ao qual Villa-Lobos estava comprometido. Para isso,
um dos processos que deveremos analisar é de que forma ambos os
modernismos foram formalizados em termos metódicos, para fins pedagógicos,
nos anos autoritários em que Getúlio Vargas esteve no poder.

2.3 Os primeiros anos do Anchieta Modernista

O projeto pedagógico-musical comandado por Villa-Lobos não foi o


pioneiro no Brasil. Beuttenmüller (1937) aponta experiências desenvolvidas desde
1892, pelo professor Fertin de Vasconcelos, no Rio de Janeiro. Entretanto, em
termos de método, os pioneiros na implantação do Canto Orfeônico no Brasil
foram, em São Paulo, os professores Carlos A. Cardim e João Gomes Junior, que
anteciparam o uso da monossolfa como complemento ao ensino do solfejo
realizado décadas depois 171.

171
Conforme as palavras do autor: “observando os dados estatísticos na Escola Normal de São
Paulo, desde 1910 se emprega o método analítico para o ensino da música nas escolas. esse
método foi organizado por Carlos A. Gomes Cardim e João Gomes Junior. De preferência ao
processo de Chevé Gallin, que é o método cifrado no ensino natural da música, e por saber que
este método é improfícuo, porque é necessário aplicar primeiramente os números para chegar a

81
A experiência orfeônica paulista, em especial a de Fabiano Lozano, é
172
da mesma forma destacada por Beuttenmüller (1937) , que fundou em 1925 o
Orfeão Piracicabano, alvo da admiração modernista, em especial de Mário de
Andrade, como apontamos no tópico anterior. Na verdade, o estado de São Paulo
desenvolveu um projeto pedagógico musical de fôlego, entre as décadas de 1910
e 1920, de acordo com o estudo de Renato Gilioli (2003). Todavia, a
nacionalização do ensino da música ocorre de fato com Villa-Lobos, a partir de
1932.
Retornemos ao começo de 1930. Os primeiros compromissos de Villa-
Lobos no Brasil, naquela década, foram algumas apresentações em Recife, nos
dias 06 e 10 de junho, no Teatro Santa Isabel. Depois ele regeu a Orquestra da
Sociedade Sinfônica de São Paulo e, já depois da Revolução, o compositor
comprometeu-se com o interventor de São Paulo, Alberto Lins de Barros, a
realizar uma “Excursão Artística” pelo interior do estado, quando foram percorridas
cinquenta e quatro cidades, com o intuito de levar a música erudita para lugares
173
nos quais ela pouco ou nunca penetrara . Além de Villa-Lobos, participaram
desta excursão a sua esposa Lucília Guimarães, o maestro Sousa Lima, o
violinista Maurice Raskim, as cantoras Nair Duarte Nunes e Anita Gonçalves e as
174
pianistas Antonieta Rudge e Guiomar Novaes . O trabalho destes foi tido como
civilizatório, já que se levara música erudita ao interior do país. Como ocorreu em

resultados das notas, adotaram Cardim e Gomes o método mais simples, da main musicale, que
não é mais do que nosso manosolfa, como complemento analítico de solfejo, e cujos resultados
foram surpreendentes; a percentagem do ensino do desenvolvimento na Escola Normal da Praça
da Republica atingiu, em 1914, a 91% e 91,2%. Estas aulas práticas eram auxiliadas por um
harmonium portátil, de duas oitavas, com fim exclusivo da educação do ouvido. Não tinha limites a
dedicação dos professores Cardim e Gomes, tanto que para este fim têm editado livros e músicas
relativas ao orfeão: Método Analítico de Cardim e Gomes – Orfeão Infantil – Côros – Aulas de
Monosolfa de João Carlos Junior, cognominado e com justiça, o fundador do canto orfeônico no
Brasil” (BEUTTENMÜLLER, 1937, p. 25-26). Esta informação é confirmada na reedição do Guia
Prático: “segundo Ceição Barros Barreto (1938), João Gomes Júnior foi o introdutor no Brasil da
técnica do ‘monossolfa’” (LAGO, 2009c, p. 46)
172
Conforme indica esta autora, Lozano, em 1930, orientou, a pedido do governo de Pernambuco,
o ensino musical nas escolas, tendo seu trabalho continuado pela professora Ceição de Barros
Barreto, um dos grandes nomes do projeto de Villa-Lobos, cf. Beuttenmüller (1937, p.26-27).
173
Cf. Guimarães (1972, p. 175-176).
174
Cf. Chechim Filho (1987).

82
São Paulo, a analogia com os bandeirantes foi imediata 175. Em relação ao
programa musical da excursão, as peças mais executadas durante a excursão
foram: Élégie (1812), de Massenet; O Cisne (1896), de Saint-Saëns; Canção triste
(1878), de Tchaikovsky; Polonaise em lá bemol maior (1842), de Chopin;
Chaconne em ré menor (1717-1723, transcrição de 1892), de Bach-Busoni;
Rapsódias Húngaras (1846-1853), de Franz Liszt176; La Campanella (1851,
transcrição de 1915), de Liszt-Busoni; Dança dos Negros (1924), de Fructuoso
Vianna. As composições mais apresentadas por Villa-Lobos foram: As Bachianas
Brasileiras N°2 – Tocata, O trenzinho do caipira (1930) - Sonhar (1914), Alegria na
Horta (1918) e Caixinha de música quebrada (1931).
O gran finale desta excursão correu na organização da “Exortação
Cívica Villa-Lobos”, que foi a apresentação de um grande coral, composto por
177
alunos das escolas dos mais diversos níveis - além de militares, padres etc -
que cantariam músicas nacionalistas em referência à Revolução de 30, como “Pra
frente, ó Brasil” 178, além do Hino Nacional e as composições de Carlos Gomes 179.
O ensaio correu no Teatro Municipal, com a presença de milhares de vozes - com
180
ampla cobertura da imprensa - e o espetáculo no campo do São Bento com
reunião de mais de doze mil vozes 181.
O plano de se instituir o ensino do Canto Orfeônico nas escolas
brasileiras não nasceu com Villa-Lobos, mas sim através da Reforma Francisco
Campos que realizou, através de diversos decretos, uma série de reformas em
todos os níveis educacionais do Brasil. O Decreto n° 19.852 de 18 de abril de
1931 tratava da organização do ensino secundário, tornando obrigatório o ensino
175
Conforme o trecho: “podemos comparar a fibra destes artistas a epopeia dos bandeirantes”
(GUIMARÃES, 1972, p. 176).
176
O programa não diz quais das dezenove peças que compõem a obra foram executadas naquela
apresentação.
177
Um dos que ajudaram Villa-Lobos na Exortação foi Camargo Guarnieri, cf. Guarnieri (1981, p.
35).
178
“Vale dizer que não tem nada a ver com a música da copa de 1958”. (CHECIM FILHO, 1987, p.
130).
179
As de Carlos Gomes foram a Protofonia do II Guarany e o Hino universitário e ainda teve outra
composição de Villa-Lobos: Na Bahia, cf. Guérios (2003, p. 175).
180
Cf. Anexo E, p.231.
181
Cf. Lisboa (2005, p. 25) e Mariz (2005[1949], p. 143).

83
do Canto Orfeônico, através da instituição de uma disciplina, nos três primeiros
anos do ensino fundamental. Sendo assim, quando em 01 de fevereiro de 1932,
foi publicado o Decreto Municipal n° 376, determinando a criação do Serviço
Técnico e Administrativo de Música e Canto Orfeônico, o ensino do Canto
Orfeônico já havia sido previsto antes da posse de Villa-Lobos.
Antes de ser indicado ao cargo, neste mesmo mês, segundo Guérios
(2003, p. 176-177), Villa-Lobos escreveu para Getúlio Vargas um apelo público,
veiculado no Jornal do Brasil de 12 de fevereiro de 1932, intitulado “Apelo ao
Chefe do Governo Provisório da República” que neste trecho diz “mostrar a Vossa
Excelência o quadro horrível em que se encontra o meio artístico brasileiro, sob o
ponto de vista da finalidade educativa”. Depois deste apelo, o convite para chefiar
o ensino do Canto Orfeônico no Distrito Federal (Rio de Janeiro) logo veio,
partindo do educador Anísio Teixeira, então diretor Geral de Educação do Distrito
Federal. Vejamos relato do biógrafo Vasco Mariz a respeito do encontro entre o
musicista e o educador:

Estava no meio do ensaio da orquestra, quando um jovem franzino tentou


interrompê-lo. O Villa acenou para que não incomodasse, mas ele não se
retirou. Ficou, tímido, observando a exuberância do maestro, que se
irritava visivelmente com sua presença. Terminado o ensaio, Anísio
Teixeira apresentou-se: ‘Sou o Secretário de Educação e gostaria muito
que o senhor me concedesse dez minutos de sua atenção!’ foi a vez de
Villa-Lobos ficar embaraçado (MARIZ, 2005[1949], p. 144).

No ano de 1932, Anísio Teixeira participou da publicização do Manifesto


dos Pioneiros da Educação Nova – redigido por Fernando Azevedo e assinado por
vinte seis educadores brasileiros – que defendia uma educação leiga e
182
patrocinada pelo Estado a todos os cidadãos . O educador disponibilizou apoio
e respaldo para que Villa-Lobos desenvolvesse o ensino do Canto Orfeônico da
capital federal.
Neste mesmo ano, 1932, apenas com cinco meses de trabalho, Villa-
Lobos criou o Instituto de Educação e Orfeão dos Professores, que, no dia do

182
Cf. Bomeny (2003) e Teixeira (1956).

84
aniversário da Revolução de 1930, em 24 de outubro, reuniu quinze mil vozes de
183
crianças de escolas primárias e secundárias no estádio do Fluminense . Daí
seguiram-se a criação do Curso de Pedagogia de Música e Canto Orfeônico e,
também, do Orfeão de Professores (criado por Constança Teixeira Bastos).
A aceitação do nome de Villa-Lobos para tamanha empreitada
pedagógica não foi unânime. Oscar Guanabarino foi impiedoso diante da escolha
do compositor para liderar tal projeto educacional. O notório autodidatismo do
autor do Uirapuru (*1917) foi tratado de maneira extremamente pejorativa pelo
crítico musical:

tendo sido reprovado em concurso para provimento de cadeira de


música e solfejo nas escolas primárias, vai agora encontrar-se, como
superior hierárquico, já se vê, dos seus reprovadores. (...)
Villa-Lobos não percebe quando um conjunto está afinado, isso porque o
seu ouvido está educado na dissonância constante dos seus arranjos
musicais; póde, portanto, berrar à vontade a meninada, porque para o sr.
Diretor tudo está certo, sempre mesmo. (apud GUIMARÃES, 1972, p.
186, grifo do autor)

Em 1933, todo este esforço possibilitou a criação da SEMA


(Superintendência de Educação Musical e Artística), na qual Villa-Lobos seria
nomeado como superintendente, através do Decreto Municipal n° 4.387 de 8 de
setembro de 1933. Neste mesmo ano, fundou-se a Orquestra Villa-Lobos que,
junto ao Orfeão de Professores, realizou uma série de cinco concertos a partir de
12 de abril. Os programas eram, em sua maioria, de compositores eruditos
estrangeiros, brasileiros e religiosos. Como Beethoven, com a Missa Solene
184
(1819-23) no 1° concerto , Bach, Rameau, Monteverdi, Mozart, Haydn, Chopin,
Verdi, Wagner, Palestrina, Cherubini, Glück, Mendelssohn, Mussorgsky,
Schumann, Brahms, Haendel, Barroso Neto e o próprio Villa-Lobos - Pátria (1932),
185 186
Concerto Brasileiro (1933), As costureiras (1933) , A floresta , O gravador

183
Que teve, como presidente honorário da Instituição, Roquette Pinto. Cf. Beuttenmüller (1937, p.
29-30).
184
O programa não aponta qual das cinco partes foi executada, já que dificilmente seria
apresentada a missa como um todo devido à duração de 70 a 80 minutos da obra.
185
Dedicado a Ceição de Barros Barreto, cf. Villa-Lobos (1989, p. 216).

85
(1933), P’ra frente, ó Brasil (1931) - Carlos Gomes, Henrique Oswald, Lorenzo
Fernandez, Alberto Nepomuceno, Padre Martini, Padre José Maurício, Francisco
Braga, Velásquez e a então esposa de Villa-Lobos Lucília Guimarães Villa-Lobos -
Hino ao Sol (1932), além de cantos ambrosianos e gregorianos. As duas únicas
atrações “populares” seriam “Trechos incógnitos dos índios Parecis de Mato
Grosso” (s/d, recolhidos por Roquette Pinto) e os “Trechos incógnitos dos índios
brasileiros” 187.
A partir de 1934, o projeto pedagógico baseado no Canto Orfeônico
ampliou-se com o envio de professores para outros Estados da União ou da vinda
dos docentes destes Estados (Ceará, Minas Gerais, Paraíba, Pará Pernambuco e
Rio Grande do Norte) para o Rio de Janeiro e do apoio maior à SEMA pelo
Ministério dos Negócios, da Educação e Saúde Pública que, a partir daquele ano,
188
seria comandada por Gustavo Capanema , principalmente, no que se refere à
organização das concentrações orfeônicas que, conforme veremos adiante, não
precisaram esperar pelo Estado Novo para que ocorressem. Um exemplo foi a
organização de uma gigantesca concentração orfeônica, no campo de São
Januário, com a formação de um coro com sessenta e quatro mil vozes (composto
por crianças, escoteiros, professores, militares, operários) e o sobrevoo de cem
aviões em sincronia com a execução de Legenda Mecânica 189.
Além da atmosfera de apologia cívica e política, imperaria em tais
concentrações um “voluntarismo” não comum às práticas pedagógicas, no caso,
sustentado no carisma de Villa-Lobos. As palavras da professora Marisa
Fonterrada (2008) são bem elucidativas:

O canto orfeônico, embora inspirada em Kodály, dele diferia em seus


modos de implantação. Os procedimentos básicos eram os mesmos, mas

186
Não encontramos nenhuma referência deste tema nos catálogos de Villa-Lobos, cf. Villa-Lobos
(1989 e 2009d).
187
Como não há especificação de origem, existe a possibilidade de esta peça ser apenas uma
renomeação da peça “dos índios Parecis do Mato Grosso”, cf. Guimarães (1972, p. 196-198).
188
O próprio Villa-Lobos, em 1934, partiu junto com o professor Sylvio Salema para atividades
relacionadas ao Canto Orfeônico, Cf. Guimarães (1972, p. 203).
189
Cf. Guérios (2003, p. 192).

86
não havia rigor em sua aplicação. Ao contrário, a ênfase era colocada no
incentivo à experiência musical, levada a um número impressionante de
estudantes, que lotavam os estádios de futebol para cantar, em conjunto,
música brasileira (...) A vivencia musical e o carisma de Villa-Lobos
substituíam o rigor do método (FONTERRADA, 2008, p. 213-214).

Ainda no ano de 1934, foram abertas as inscrições para os Cursos de


Orientação e Aperfeiçoamento do Ensino de Música e Canto Orfeônico, para
professores de outras disciplinas que ainda não tinham tido a oportunidade de
conhecer os princípios do Canto Orfeônico e para os demais docentes já iniciados
190
. A adesão verificou-se na matrícula de 1.265 professores nos quatro cursos
191
ofertados . O alcance de tais cursos foi bem maior no decorrer dos anos: “nos
cursos de Declamação rítmica e de Preparação ao ensino do Canto Orfeônico
inscreveram-se 2.762 professores de classe nos anos de 1933, 34, 35, 36 e 39”
(VILLA-LOBOS, 1991[1946], p.19).
O ano de 1935 foi intenso e decisivo para Villa-Lobos e para o projeto
pedagógico do Canto Orfeônico. Em termos de atividades da SEMA, além dos
cursos de Orientação e de Aperfeiçoamento, foram realizados uma série de
ensaios, concertos educativos, missas, o VII Congresso de Educação, a III
Conferência Pan-Americana da Cruz Vermelha. Ainda se destaca uma série de
festividades em homenagem à Bandeira, à Pátria, à Música e a inauguração de
192
escolas na Venezuela, Paraguai, Argentina e Honduras . A respeito da
inauguração destas escolas, destaca-se numa delas a presença de Getúlio Vargas
193
que teve ampla cobertura da imprensa . Do mesmo modo, contou com ampla
divulgação a atuação da SEMA no 7° Congresso de Educação, no dia 07 de junho
de 1935, no estádio de São Januário de propriedade do time do Vasco da Gama.

190
Contratou-se, neste ano, o professor francês Edmond Dutro (especialista em instrumentos de
madeira e, no Rio de Janeiro, o professor Alvibar Nelson Vasconcelos), cf. Villa-Lobos (1937a, p.
392).
191
Cf. Villa-Lobos (1937c, p. 390).
192
Cf. Villa-Lobos (1937c, p. 394).
193
Como a Escola Getúlio Vargas inaugurada pelo próprio presidente. Cf. Anexo F, p. 232.

87
FIGURA 1 – Capa do jornal A Noite do dia 08 de junho noticiando o 7° Congresso de Educação.

Fonte: Arquivos do Museu Villa-Lobos

Todos os jornais e revistas em que pesquisamos se referem, visto no


recorte acima, ao número de vinte mil crianças que se teriam apresentado naquela
tarde de junho, ao contrário das publicações oficias da SEMA que indicariam a
194
quantidade de trinta mil vozes infantis . Assim, Villa-Lobos é saudado pela
imprensa como o grande missionário destinado a elevar e formar o gosto musical
brasileiro.
Naquele ano, 1935, como apontamos no início deste trabalho, os
relatos exaltados da imprensa brasileira não se referem apenas aos eventos
pedagógicos. O Jornal do Commercio e outros jornais da época descrevem o
195
triunfo da estreia do bailado Uirapuru (*1917) , nas terras do país do Rio da

194
Por exemplo, cf. Villa-Lobos (1937c, p. 394).
195
Cf. Anexo G, p. 233.

88
196
Prata , na referida viagem oficial, no dia 27 de maio de 1935, na abertura do
evento Pan Americano do Comércio que teve a presença dos presidentes
brasileiro e argentino Agustín Pedro Justo e de outras autoridades brasileiras e
197
argentinas . Ao final daquele ano, em 30 de dezembro, no Teatro Municipal do
Rio de Janeiro, em comemoração ao 250° aniversário de Johan Sebastian Bach,
Villa-Lobos regeu, pela primeira vez no Brasil, a Missa em Si Menor (1724), que
rendeu palavras elogiosas de seu antigo algoz Oscar Guanabarino, no dia 04 de
dezembro daquele ano em sua célebre coluna Pelo Mundo das Artes do Jornal do
Commercio 198.
A regência da missa de Bach ocorreu poucos dias após o sufocamento,
por parte do governo de Getúlio Vargas, do levante liderado por Luis Carlos
Prestes conhecido como “Intentona Comunista”, que ocorreu de 23 a 27 de
novembro daquele ano.
Em nossa pesquisa, constatamos um fato curioso que nós ainda não
tínhamos constatado em outras pesquisas e biografias sobre Villa-Lobos: a quase
demissão do compositor no final de 1935. No começo de dezembro, ocorreu na
imprensa brasileira uma campanha para que o pedido de demissão de Villa-Lobos
não fosse aceito pelo prefeito do Distrito Federal, Pedro Ernesto, como no Globo
de 05 de dezembro, que intitula sua matéria: “Em Nome da Arte Brasileira:
expressivo appello ao prefeito para que não conceda a demissão de Villa-Lobos”
199
. O jornal apresenta nesta matéria as realizações pedagógicas de Villa-Lobos

196
A música erudita brasileira gerava interesse na Argentina, inclusive através de publicações, a
exemplo de Muricy, França, Azevedo e Mariz (1952).
197
A respeito do Bailado o Jornal Argentino Ultima Hora publica em 26/05 de 1935: “Su trabajo en
“Uirapurú” esencialmente logrado a parque maravilhoso. Es sugestion de La selva mysteriososa y
plena de extranos ruídos, esa ansiedad de lós aborígenes la espera de La metamorfosis del pajaro
legendário, son tradusidos com uma realidad de evocacion tan impresionantemente elocuente y
descriptiva que solo um temperamento de la concepcion em forma tan perfecta”.
198
Conforme suas palavras no Jornal do Commercio, 1935: “Nunca nos passará pela ideia da
execução da grande Missa em Si Menor no Rio de Janeiro, mesmo por ter assistido à sua
execução na Europa, isso depois de prolongados ensaios durante seis meses. Não foi, pois, sem
grande surpresa não há muito tempo, não há muito tempo, ter o maestro Villa-Lobos resolvido
executar aqui aquella colossal partitura. Era e foi um arrojo deste homem que não mede sacrifícios
e nem recúa diante das maiores difficuldades. Neste dia deliberamos esquecer seus pequenos
desmandos e suas originalidades, pra não dizer exquisitizes e colocarmo-nos ao seu lado”.
199
Cf. Anexo H, p. 234.

89
desde 1931 e faz um apelo pela permanência de Villa-Lobos respaldando-se em
um abaixo assinado de uma centena de nomes de peso da cultura nacional que
não foram especificados na reportagem. Após o incidente, Oscar Guanabarino, em
sua coluna “Pelo Mundo das Artes”, no dia 18 de dezembro de 1935, comemorou
o não aceite do pedido de demissão de Villa-Lobos 200:

Quando se deram os lamentáveis acontecimentos que sobresaltaram os


habitantes desta capital, houve naturalmente um movimento de reacção
por parte das autoridades; e foi assim que o Sr. Anisio Teixeira
compromettido com os enredos daquellas tristissimas ocorrências foi
afastado do alto cargo de departamento de instrução pública dirigida pela
Prefeitura. Houve naquella ocasião uma natural decisão por parte dos
funcionários contratados pelo funccionário demittido, entre elles,
noticiaram os jornaes, o maestro Villa-Lobos requerera a exoneração do
alto cargo que exercera.
Era um novo desastre que se annunciava. Villa-Lobos, com todos os
seus defeitos, reúne, em todo caso, qualidades apreciáveis, raríssimas
em nossos músicos. Além disso dispõe do coros dos Orpheão de
Professores e do prestígio que lhe conferem as altas autoridades do
Districto Federal.
Foi, pois, com geral satisfação que lemos em vários jornaes que o
requerimento de Villa-Lobos, pedindo a exoneração do cargo que occupa
no departamento de Cultura foi indeferido.

Esta demissão a pedido de Villa-Lobos, que não foi acatado pelo


201
prefeito Pedro Ernesto , ocorreu após a destituição de Anísio Teixeira da
Secretaria Geral de Educação e Cultura. Tal destituição não foi resultado apenas
202
da “caça às bruxas” em decorrência da Intentona Comunista . Na verdade,
havia um conflito nos caminhos da pedagogia brasileira entre católicos, liderados

200
Cf. Anexo I, p. 235.
201
No ano de 1936, seria a vez do prefeito ser detido pela polícia de Getúlio “por suspeitas” de seu
envolvimento em atividades subversivas.
202
As palavras de Anísio Teixeira sobre a sua satisfação com o projeto pedagógico e a sua
deferência frente a Villa-Lobos: “De tudo que estávamos tentando no antigo Distrito Federal, nada
me parecia mais importante do que esta integração da arte na educação popular. [...] O que foram
aqueles quatro anos não é fácil de contar. Villa-Lobos fez-se educador de professores e crianças
[...] Ensinou músico e canto coral a quem jamais tivera qualquer iniciação musical [...] Um
compositor de primeira grandeza, expressão genuína de seu povo e seu continente, saíra das
salas de concerto e dos teatros e fora para as escolas, para a rua, para as praças fazer as crianças
participarem do próprio trabalho de criação da música de um povo. Não sei de esforço maior para
nossa integração de uma cultura própria e autóctone. E não sei de iniciativa jamais fosse mais
bem-sucedida quanto esta de confiar a um gênio da música a tarefa aparentemente modesta de
ensinar crianças a cantar” (TACUCHIAN, 2009a, p. 09).

90
por Alceu Amoroso Lima, e os adeptos da Escola Nova do qual fariam parte o
203
próprio Anísio Teixeira e Fernando Azevedo . A acusação absurda de que
Anísio Teixeira teria alguma relação com ALN (Aliança Libertadora Nacional) seria
uma desculpa para que as ideias de ensino laico e público da Escola Nova não
triunfassem. Antes disso, Anísio Teixeira, em 20 de agosto, então reitor da
Universidade do Distrito Federal, iria designar Villa-Lobos para coordenar as
atividades do curso “de formação de professor secundário de música e canto
orfeônico” no Instituto de Artes 204.
A nomeação de Francisco Campos, que tanto agradara aos católicos,
em substituição a Anísio Teixeira para a Secretaria Geral de Educação e Cultura
estava em sintonia com os propósitos de Getúlio Vargas de consolidar seu apoio
junto à direita católica contra os seus dois inimigos comuns: os liberais e os
comunistas. Isto não quer dizer que a guinada à direita excluísse os renovadores
da Escola Nova. Na verdade, a estratégia política de Getúlio Vargas seria a do
equilíbrio entre as duas frentes. Ora pendendo para um equilíbrio “tenso” ou para
um “harmonioso” 205.
No ano de 1936, no dia 30 de agosto, ocorreu uma homenagem ao
secretário Francisco Campos com a presença do Orfeão dos Professores, com a
apresentação de um programa religioso, incluindo algumas partes da Missa de São
Sebastião (1936-37) de Villa-Lobos 206.
A relação do compositor com a música sacra era bem frutífera. Grande
parte dos programas que pesquisamos eram compostos por música religiosa,
incluindo, orações ligadas diretamente à liturgia, como o Pai Nosso. Nesta época,
203
Cf. Bomeny (2003).
204
Cf. Anexo J, p.236.
205
De acordo com a avaliação de Saviani (2010, p.271): “Em suma, no período analisado,
compreendido entre 1932 e 1947, as ideias pedagógicas no Brasil foram marcadas por um
equilíbrio entre a pedagogia tradicional, representada dominantemente pelos católicos e a
pedagogia nova. Um equilíbrio tenso, em algumas circunstâncias, quando eram assacadas
virulentas acusações de modo especial por parte de católicos contra os escolanovistas; ou quando
se tramavam nos bastidores políticos indicações e vetos de nomes para compor os quadros de
pessoal docente e administrativo. Em outras circunstâncias, um equilíbrio harmonioso quando o
avanço dos métodos renovados penetrava nas próprias fileiras das organizações tradicionais
revestindo de roupagem progressista a doutrina da educação católica ...”.
206
Cf. Anexo K, p.237.

91
207
afirmava-se a importância do catolicismo , como muitos intelectuais brasileiros –
como em Gilberto Freyre - como uma questão de identidade nacional. Por isso,
208
Villa-Lobos se definiu como “católico por princípio” . O interessante é apontar
que não encontramos nenhum sinal de insatisfação por parte de Anísio Teixeira
diante da escolha do repertório religioso, incluindo o litúrgico, de Villa-Lobos. Tal
insatisfação poderia perfeitamente ocorrer dentro do contexto de conflito
209
pedagógico entre os adeptos da Escola Nova e os conservadores católicos ,
afinal, tais músicas seriam ensinadas em um ambiente pedagógico público e,
obviamente, poderia reforçar o desejo dos católicos de que o ensino religioso
fosse obrigatório nas escolas brasileiras pela pressão de eminentes figuras do
210
catolicismo (Alceu Amoroso Lima - Tristão de Ataíde , Arlindo Vieira, Leonel
Franca) 211.
O ano de 1936 ficou marcado pela ida de Villa-Lobos ao Congresso
212
Musical de Praga . Este acontecimento foi saudado com entusiasmo pela
imprensa nativa, assim como ocorrera em 1924 e 1927, quando o compositor fora
ovacionado em virtude de sua recepção em Paris. A imprensa brasileira deu
ampla cobertura antes, durante e depois da chegada de Villa-Lobos da
Tchecoslováquia. A cobertura foi desde a viagem do compositor, quando esta
ocorreu através do dirigível Hidenburg, à própria estada do musicista em outras
grandes cidades europeias (Berlim, Viena e Barcelona). Estas coberturas, como a
do Correio da Noite de 17 de junho de 1936, intitulada “Villa-Lobos no Velho
Mundo: o que foi a excursão artística do representante oficial do Brasil, no

207
E acrescenta: “Considero a arte uma segunda religião” (VILLA-LOBOS, 1969b, p. 99).
208
A respeito da música religiosa do compositor, cf. Schubert (1988, p. 70).
209
Cf. Bomeny (2003).
210
Pseudônimo utilizado por Alceu Amoroso Lima entre os anos de 1919 a 1929 (ano de sua
conversão ao catolicismo) quando exercia a crítica literária, cf. Lafetá, 1974, p. 57-86.
211
Para compreender melhor o pensamento conservador católico, cf. Villaça (1975).
212
Durante esta viagem à Europa, Villa-Lobos assumiu publicamente seu romance com Arminda
Neves de Almeida, sua secretária, e enviou uma carta a Lucília Guimarães comunicando o seu
desejo de se separar.

92
213
Congresso de Praga” , enfatizavam o reconhecimento externo dos feitos do
compositor tanto em termos estéticos quanto pedagógicos.
Em Praga, apesar de chegar um dia após o término do Congresso,
Villa-Lobos destacou vários pontos em conferência sobre a educação nos níveis
primário, secundário e superior; a educação popular; a educação musical como
meio cívico; os métodos pedagógicos de ensino; a preparação, em seis volumes,
do Guia Prático e os seus propósitos; métodos específicos tendo-se em vista o
aperfeiçoamento do espírito crítico da criança diante da arte musical; exemplos de
“músicas atléticas brasileiras”; a melodia das montanhas e jogos pedagógicos que
desenvolveriam o espírito de composição melódica nas crianças; trecho de música
popular brasileira, tratados de maneira “ingênua” pelas crianças e de maneira
artísticas pelo processo de educação da SEMA.
Além desta conferência apresentada para os delegados de mais de
vinte nações, Villa-Lobos realizou na capital tcheca uma demonstração
improvisada, com crianças daquele país, da monossolfa. No repertório
apresentado estariam: Alegria de viver (s/d, de Martim Capistrano) e Hymno ao sol
do Brasil (1932, de Lucília Guimarães Villa-Lobos), esta cantada em tcheco. Em
Berlim, segundo o relato do maestro, as ideias do projeto pedagógico liderado por
ele e as suas próprias composições despertaram grande interesse dos alemães -
214
em especial, o do diretor geral da Reichs-Rundfunck-Gesellschaft (RRG) , Von
Westermann. Em Barcelona, os serviços da SEMA foram alvo do interesse do
deputado catalão e conselheiro de Cultura do governo da Catalunha, Ventura
Gassol. Em Paris, Villa-Lobos não indicou nenhum interesse francês por suas
atividades pedagógicas, mas sim pelas estreias de seus bailados Uirapuru
(*1917), Jurupari (1926) e Curupira (1937), que seriam combinados com a Ópera
de Paris 215.

213
Cf. Anexo L, p. 238.
214
Espécie de órgão estatal de radiodifusão, fundada na Alemanha em 1925, mas que se tornou
um veículo de propagação nazista até a derrocada alemã na 2° Guerra Mundial. O curioso é que,
na reportagem do Correio da Noite, está escrito como “Reichs-Lunderfunk”.
215
Dos três bailados apenas Jurupari estreia em Paris no dia de março de 1936, com a presença
da Orchestre Symphonique, do Corpo de Baile da Ópera de Paris, a coreografia de Serge Lifar e a

93
Assim, Villa-Lobos estava agregando a sua trajetória a imagem de
“embaixador da música brasileira” em um trabalho análogo ao realizado pelo
diplomata Ronald de Carvalho ao divulgar na Europa os ganhos modernizadores
216
do Brasil com a Revolução de 30 e seus desdobramentos .
No ano de 1936, a SEMA participou de todos os grandes festejos
cívicos daquele ano: o aniversário da Revolução de 1930, em 24 de outubro; a
217
Semana da Pátria (durante os festejos da Independência) , o Dia da Raça, em
12 de novembro; a Semana da Criança (em torno do dia 12 de outubro) e os
218
centenários de Pereira Passos e de Carlos Gomes . Além de atuar em tais
comemorações, os serviços da SEMA se ampliaram com o envio de seus
219
funcionários para os Estados do Pará e Sergipe . Destaca-se, em Minas Gerais
a concentração orfeônica de quatro mil vozes no estádio Otacílio Negrão e, em
São Paulo, o envio de programas de músicas da SEMA por solicitação do Diretor
de Cultura e recreação do Estado de São Paulo 220.
Em suma, de 1932 a 1936, em apenas cinco anos de existência, o
projeto do Canto Orfeônico já tinha destaque nos primeiros anos do período
“getulista”. Porém, este projeto pedagógico musical teria um alcance maior de
acordo com as ressonâncias políticas do Estado Novo. Tal ampliação educacional
teve um de seus alicerces na obra pedagógica musical, principalmente o Guia
Prático (1941), conforme veremos no próximo Ato.

regência de J. E. Szyfer. Já Currupira está datado estranhamente para 1937, em seu catálogo, ou
seja, um ano após esta viagem. Segundo tal catalogação, este bailado nunca estreou e a partitura
de Currupira está perdida (VILLA-LOBOS, 1989, p. 49 e 53).
216
Em relação ao trabalho realizado pelo diplomata, vejamos as palavras de Botelho (2001, p. 92):
“Ronald De Carvalho procurou sistematicamente se aproximar dos círculos intelectuais parisienses
para divulgar, através de sua obra e de várias conferências proferidas no período, uma certa
representação do Brasil como país que, tendo vencido os impasses políticos da Primeira República
através da revolução de 30 e, sobretudo, da forma de Estado por ela consolidada, modernizava,
enfim, a vida econômica, social e cultural nacional”.
217
No dia da Pátria, 07 de setembro, reuniu-se um coro de mais de vinte mil vozes infantis, que se
apresentaram na Esplanada do Castelo, cf. Villa-Lobos (1937c, p. 403).
218
Cf. Anexo M, p. 239.
219
Cf. Anexo N, p.240.
220
Cf. Villa-Lobos (1937c, p. 404).

94
3 III ATO: O GUIA FOLCLÓRICO E EDUCACIONAL

“Música folclórica não é, na verdade, arte, mas natureza. O compositor


que se debruça sobre o material folclórico é como um artista de paisagem
que pinta fora do estúdio: ambos rejeitam o artificial pelo natural; eles
iniciam não com que o é inventado, mas o que é fornecido pela
realidade”.
(ROSEN, 2000, p. 553)

3.1 O manuscrito do Guia Prático

De todas as obras pedagógicas assinadas por Villa-Lobos, a que mais


chamou nossa atenção, pela sua audácia, é sem dúvida o Guia prático: um estudo
folclórico musical (1941) - onde se encontram temas musicais baseados num
amplo material folclórico harmonizado, em especial os infantis (colhidos pelo
próprio compositor, pelos funcionários da SEMA e selecionados nas obras de
outros autores).
A deferência que damos ao Guia é a mesma dada à Série Bachianas
Brasileiras, tanto pelo valor efetivo da repercussão da publicação quanto da
intenção do conjunto da obra (prevista inicialmente para seis volumes) de se
formar um guia da produção musical brasileira, de acordo com os critérios de
seleção dos funcionários da SEMA e, principalmente, de Villa-Lobos, servindo de
base para o ensino do Canto Orfeônico. Destarte, sua perspectiva era totalizadora,
assim como foi a da composição das Bachianas Brasileiras. Para isso, o Guia
estabelece um sistema de classificação e categorização alicerçado numa visão de
mundo que dizia que a música popular deveria ser “refinada”, de acordo com os
cânones ocidentais (com algumas concessões às formas populares), para se
chegar ao estatuto erudito ou artístico. Mais, o Guia evidencia o intuito de
sistematizar metodicamente o modernismo romântico e programático. Inclusive,

95
em relação aos adeptos do último, folcloristas como Renato Almeida reconhecem
a importância da obra 221:

Alguns folcloristas discutem se, na aplicação do folclore na educação (...)


não se trata, quero repetir, de ensinar o folclore na escola primária e
secundária, mas vale-se proveitosamente de seus elementos de ensino,
de inspiração e técnica. (...) Por exemplo, no sentido da música, creio ser
do maior interesse, mesmo para educação do ouvido e até das vocações,
que as crianças se habituem às melodias e aos ritmos folclóricos, mas
não quer dizer que se lhes vai ensinar a cantar como o povo canta e o
que o povo canta, e sim tirar da folcmúsica elementos básicos, essências,
para favorecer o ensino. Nesse sentido, o Guia Prático de Villa-Lobos me
parece um modelo dessa forma que o folclore deve entrar na escola
(ALMEIDA, 1974[1957], p. 297).

O Guia Prático não é apenas uma obra formal que busca vincular a
chamada pesquisa folclórica com o ensino musical. Nele encontramos uma visão
de mundo subjacente, que diz muito sobre o próprio projeto pedagógico
villalobiano, que evidencia como os cânones do modernismo romântico de Villa-
Lobos - a nação, a raça, a natureza, o gênio - deveriam se metodizar
222
pedagogicamente . Vejamos suas premissas rascunhadas desde os primórdios
do projeto pedagógico até a sua primeira publicação no início da década de 1940.

221
Villa-Lobos não participou do movimento folclorista que deu origem à Comissão Nacional do
Folclore, criada em 1947 por iniciativa de Renato Almeida (1974). Entretanto, encontramos dois
arquivos que indicam a tentativa de Renato Almeida de trazer Villa-Lobos para perto da Comissão
através do envio de documentos, cf. Anexo O, p.241. A respeito da relação de Villa-Lobos com as
iniciativas folclóricas no Brasil, cf. Fonseca (2012, p.128-136).
222
É importante o depoimento do musicólogo e amigo do compositor, Eurico Nogueira França, para
situar a importância do Guia para o imaginário nacionalista da época: “Uma obra fundamental da
música brasileira, o Guia Prático de Villa-Lobos está sendo agora reeditado pela Casa Irmãos
Vitale, que já pôs em circulação o seu primeiro volume. Vasto repositório de nossos temas
populares, que o grande compositor patrício harmonizou para coro, para voz, com
acompanhamento instrumental, ou para piano – o Guia Prático é um verdadeiro acervo rapsódico
que está na base do movimento musical nacionalista, processado no Brasil. Confere, a esse
movimento, reconhecível legitimidade, pois demonstra a existência entre nós de um precioso filão
folclórico-musical, com características próprias e cuja estupenda força expressiva impunha que a
nossa música, trabalhada pela técnica e a imaginação criadora dos compositores que têm em Villa-
Lobos um chefe de escola, alcançasse um elevado plano artístico. E, ao mesmo tempo, traça as
origens da inspiração do músico que é hoje de renome universal e que, no entanto, com
significativa modéstia (há de fato essa espécie de modéstia em quem foi insistentemente
qualificado de cabotino), com a mais pura humildade diante do documento popular, assina essas
páginas singelas que denomina, não sem um voluntário prosaísmo, de Guia Prático. Por que Guia
Prático? A encantadora coletânea nos oferece, sem dúvida, uma tríplice significação. Além de fixar
o folclore, transporta-o a uma fase que está por assim dizer a meio caminho entre a criação

96
O manuscrito do Guia Prático provavelmente deve ter sido escrito entre
223
os anos de 1932 e 1936 . Este manuscrito possui setenta e duas páginas com
três versões entrelaçadas. Nele encontramos comentários que serão aproveitados
nas publicações oficiais e em outros meios, como na revista Fon-Fon de 21 de
224
dezembro de 1935 , em alguns jornais como o Correio da Manhã de 4 de
agosto de 1936 e, por duas vezes, no O Jornal, respectivamente, em 14 de
fevereiro de 1937 e 14 de março de 1937.
Neste manuscrito evidencia-se como o modernismo romântico de Villa-
Lobos dialoga com o modernismo programático, através de sua inflexão na
educação musical e no estudo do folclore, já que, na visão do compositor, a
pesquisa sobre o segundo deve alicerçar o primeiro. Tal inflexão foi possível a
partir da reviravolta no ensino da música iniciada por Émile Jaques Dalcroze
(1869-1950) que preconizava que se desse relevo à intuição no processo de
aprendizagem, portanto, fora das perspectivas excessivamente teóricas, e pouco
práticas, dos conservatórios. A rítmica, nominada de “Eurritimia”, na perspectiva
desse pedagogo, seria um método que utilizaria o próprio corpo como veículo
fundamental de aprendizado e desenvolvimento musical 225.

anônima e a obra musical artística; além de nos desvendar as raízes da espontaneidade, da


fecundidade musical de Villa-Lobos – pois se ele se tornou um manancial de música -, deve-o, em
grande parte, a um íntimo e aprofundado contato com as expressões da musicalidade popular; tem
tido, essa profusa série de melodias harmonizadas, uma função educacional importante, servindo
de guia pedagógico a professores e alunos dos conjuntos de canto orfeônico. (...) Não considerarei
o Guia Prático um trabalho de ciência folclórica – plano que de certo ele transcende -, embora nos
traga propósitos de sistematização, com seus amplos índices e quadros sinóticos – textos, porém,
precedidos de notas explicativas onde se lêem períodos assim: ‘Causas e efeitos históricos da
sincretização da música nativa das raças que influíram na formação característica musical
brasileira, criando o ‘tipo-molde’ que, paralelamente a uma cultura geral com tendência a
especialização vocacional, servirá de elemento primordial para as grandes realizações de arte
regional, em caminho da universidade da Grande Arte’. É esse, aliás, um aspecto pitoresco do
Guia Prático, onde, porém, não poucas das mais belas melodias brasileiras estão cristalizadas em
criações de densidade emocional e originalidade poderosas” (apud PAZ, 1989, p. 24-25, grifos do
autor).
223
Cf. Tacuchian (2009a, p. 08).
224
Cf. Anexo P. p. 242.
225
Villa-Lobos (1982, p. 83) relaciona diretamente o “músico como o médico são profissionais que
se destinam a curar a humanidade. O médico – pelo diagnóstico, e o músico – pela sugestão
psíquica”.

97
Muitas destas proposições, que tinham como base o método de
Dalcroze, já encontramos no Rascunho preparado por Villa-Lobos para o Guia
Prático. A obra Le Rythme, la Musique et L’Éducation (edição original de 1920) é a
base das concepções mais gerais que tratam do papel da intuição e do corpo no
aprendizado musical. Inclusive, nos manuscritos do Guia encontramos uma longa
citação dessa obra aqui referenciada. Nesta citação, é defendida uma concepção
intuitivo-corporal do aprendizado musical que viria desde a educação auditiva das
crianças, passando por exercícios métricos dos dedos até se chegar à
harmonização entre corpo e espírito através da rítmica musical.
Neste ponto, encontramos toda uma concepção de controle corporal
exercido pela música na reeducação das faculdades nervosas. Mais ainda, são
ressaltados tanto a reeducação individual quanto o controle das massas através
da música a serviço de uma sociedade futura. Ou como este trecho traduzido no
manuscrito:

Sob o ponto de vista artística, prevejo que os esforços individuais


continuam a interessar a opinião pública, mas que me parece que o
anceio de união e de coletivismo forçará muito as personalidades
aparentemente afastadas da arte, a se agruparem para expressão dos
seus sentimentos comuns. (...)
E é precisamente o conhecimento aprofundado de nossas sinergias e
antagonismo corporaes que nos dará a formula da arte futura, de
expressão dos sentimentos pela multidão. Será a musica que fará o
milagre de agrupar a multidão, dissocial-a, animal-a como pacifical-a,
“instrumental-a”, segundo os princípios de uma rithmica natural. Uma
educação dos sentimentos inferiores, lhe permitirá exteriorizal-os em
comum, ao preço de numerosos sacrifício individuais. E as novas
musicas nascerão, que hão de poder animar as massas (apud VILLA-
LOBOS, 1932-36).

Em resumo, podemos inferir que o método defendido por Dalcroze se


alicerça num tipo de concepção organicista que concebe a multidão ou as massas
dos tempos modernos como um objeto que poderia ser ordenado a partir da
reorientação do ensino disponibilizado na escala individual. A partir do controle do
corpo-indivíduo seria possível manobrar o corpo-massa.

98
Além da influência citada, Dalcroze, é evidente a influência do músico e
pedagogo Zoltán Kodály (1882-1967), que realizou, como já apontamos, um amplo
recolhimento do folclore húngaro juntamente com Béla Bartók para fins
pedagógicos. Além do enfoque vocal, sua pedagogia atribui uma perspectiva
lúdica através do uso de brincadeiras e com o uso teórico reduzido. Ou seja, é um
método direto, intuitivo, que também se utiliza do folclore e, como veremos,
226
desenvolve um método de “solfejo relativo” que irá influenciar Villa-Lobos no
227
desenvolvimento da manossolfa , conforme discutimos no IV Ato.
Ademais, neste rascunho do Guia, se destacam vários exageros e
fantasias sobre a história musical (desde os egípcios, gregos e fenícios) da
constituição das escolas musicais alemãs, italianas, francesa, russa e espanhola,
desta última, na sua influência na formação musical brasileira e outras divagações
sobre a decadência da modernidade - dando ênfase aos males do individualismo
(comum ao pensamento da época) - e do lugar da arte frente aos tempos
modernos, sem se esquecer da necessidade da formação de um público
apreciador da “grande arte”. De acordo com o documento, era previsto ser um
compêndio de seis volumes: 1º “recreativo musical”, 2º “cívico musical”, 3º
“recreativo artístico”, 4º “folck-lorica musical”, 5º “para livre escolha dos alumnos” e
6º “artístico musical”. Mas só o 1° volume foi publicado em 1941. Porém, seu
conteúdo já era em parte conhecido do público desde 1936 através das
publicações já citadas 228.
No manuscrito encontramos uma narrativa histórica que visa a indicar
os caminhos da música nas civilizações humanas. A proposta de divisão do Guia
em seis volumes serviria ao propósito maior de se formar uma escola musical
brasileira de acordo com o desenvolvimento da história universal da música, numa
perspectiva teleológica. Os professores que aderissem ao projeto de educação

226
“Que parte da função dos graus dentro contexto tonal bimodal todavia, em lugar dos números,
utiliza-se dos nomes das notas” (PAZ, 2000a, p. 263-264).
227
Cf. Fonterrada (2008, p. 213).
228
Ocorreram também edições na série Presença de Villa-Lobos, cf. Guérios (2003, p. 187).

99
musical capitaneado pela SEMA teriam tal missão e a “bíblia” desta iniciativa
229
civilizadora ficaria a cargo do Guia Prático .
O manuscrito inicia suas linhas de maneira bem clara quanto ao seu
objetivo: “orientar a todos aquelles que se interessam, com sinceridade, pelo
problema da educação artística musical, como base de uma nova e suave
implementação da disciplina colectiva ás futuras gerações” (VILLA-LOBOS, 1932-
36).
Os objetivos iniciais do programa do Canto Orfeônico baseado em tal
material folclórico eram divididos em oito pontos que seriam desenvolvidos pelas
230
crianças inseridas em tal método :

1° Como se deve aprender, escrever, descorar e sentir uma phrase


melódica; 2° discernir e mostrar através de vários processos, o gosto
estético segundo o próprio temperamento e de accôrdo com o grau de
educação e conhecimentos; 3° para aplicação methodotizada dos cantos
populares ou originaes, banaes, accessíveis ou elevados (...); 4°(...)
despertar o senso de admiração pelo valor dos casos artíticos, com
insistência do ensino musical em conjunto, para com isso se habituarem
a mais desejar e unirem-se ao próximo, como principio de PAZ (...); 5°
para servir á educação physica e recreação e jogos e para formação da
consciência ruthmica dos movimentos physicos e pshysicos (sic); 6° um
programa regularizado de ensino de musica instrumental ou vocal de um
Conservatorio como exercícios e lições de solfejo, dictado, analyses para
pequenos conjuntos intrumentaes e também para methodo de ensino de
piano desde as primeiras lições, 7° para auxiliar á organização de uma
simples serie de canções seleccionadas, de caracter regional ou não, em
forma de Suite, para orchestra ou Banda de Musica, afim de servirem de
repertorio, para as Bandas escolares executarem nas suas
determinações retretas educativas; 8° para estudos estheticos,
scientificos, históricos e ethinicos, porque estas canções poderão servir
de provas exemplos de demonstrações práticas e theoricas, de formas,
de formulas, escolas, estylos, etc.; 9° para auxiliar a comprehensão
directa ou a forma de composição approximada da verdadeira
modalidade da musica nacional (VILLA-LOBOS, 1932-36).

229
Esta analogia ocorria na época, conforme as palavras de F. Acquarone (1944, p. 29): “Basta ver
o ‘Guia Prático’ realizado por Villa-Lobos. É uma coletânea, em seis volumes, de peças educativas
para o canto orfeônico, que já mereceu de alguém o subtítulo de ‘Bíblia Musical’”.
230
Está indicada no manuscrito a coleta de cento e vinte cinco temas musicais para o 1° Volume
Recreativo Musical, com uma correção de caneta para cento e trinta e cinco (135). Quando
publicado, foram indicados cento e trinta sete temas.

100
Para que tal empreitada pedagógica fosse possível, seria necessário a
231
instituição de uma escola superior preparatória para os professores . Villa-Lobos
ressalta o caráter missionário desta tarefa pedagógica na constituição de uma
Escola do Povo. Esta teria a missão de formar professores que teriam o duplo
papel de atuarem tanto na educação dos músicos quanto na dos ouvintes,
formando um público. Villa-Lobos divaga alertando sobre a situação dos músicos
que cada vez mais estão sem trabalho, devido ao avanço do rádio e da escuta das
vitrolas, além das grandes manifestações esportivas (“o exagero do Foot-Ball”) 232.
Desta forma, a educação musical defendida por Villa-Lobos teria duas
finalidades interdependentes: servir à causa cívica e artística na formação de um
gosto “elevado” musicalmente que, consequentemente, garantia um mercado de
trabalho aos músicos. A consciência da necessidade da formação de um sistema
musical - análogo ao literário de acordo com a apreciação mais tarde desenvolvida
por Antonio Candido à literatura brasileira sobre a formação de seus elementos
básicos (tema, linguagem e público) - é latente no pensamento do compositor.
Este trecho é bem elucidativo:

Nem a arte, nem o artista, nem o espectador, elementos que dão a vida
ás recreações humanas, podem julgar um pelos outros, inferiores ou
imcomprehensiveis.
É apenas uma questão de reajustamento de valores de cada um, a um
certo nível que somente três factores principaes podem concorrer nesse
caso, que são: affinidade de temperamento, cultura ou o tempo (VILLA-
LOBOS, 1932-36).

Mesmo sem aprofundar a relação entre tema e linguagem, na


perspectiva do compositor, é notório que estas duas esferas seriam desenvolvidas
no “aperfeiçoamento” dos músicos brasileiros por meio do ensino musical.
Todavia, a maior preocupação do sistema educacional deveria ser com o público

231
No manuscrito o compositor destaca valores como “afeição (ou amor, de acordo com sua
correção a caneta) á patria, á arte, á sciencia (grafado de caneta), ás crenças, á religião e a vida”
(VILLA-LOBOS, 1932-36).
232
Conforme este trecho: “Por um ou outro motivo o importante é que, dia a dia, os artistas têm
menos público e por tanto escassos probabilidades de trabalho. Dahi a absoluta necessidade de
educar o público afim de ter capacidade de gastar e julgar a arte musical” (VILLA-LOBOS, 1932-
36).

101
ou o expectador, que, para Villa-Lobos, estaria defasado nas condições da
apreciação da grande arte musical.
O método defendido pelo Guia deveria interiorizar nos praticantes seis
consciências: de ritmo (a mais importante), de som, de timbre, de dinâmica, de
intervalo e a do acorde. É notória, como apontamos, a influência do pedagogo
Dalcroze devido ao lugar dado ao ritmo. Primeiro, é assimilado através do
metrônomo, que traria a compreensão da unidade do tempo dos fenômenos
biológicos, dividindo o tempo em dois, quatro, no contratempo com o metrônomo,
até se chegar à compreensão da síncope, fundamental para se entender a
singularidade rítmica da música brasileira. Entendimento este que estaria para
além do aspecto estético dado na atenção especial do ritmo, de acordo com
perspectiva pedagógica de controle corporal, aliado à submissão do individuo à
massa. Esta, conforme veremos, submissa ao Estado através do Canto Orfeônico.
Nos comentários históricos, encontramos uma visão eurocêntrica do
desenvolvimento da música - inclusive países como Portugal e dos vizinhos do
Brasil da América Latina ficaram fora do esboço da história universal da música
escrita por Villa-Lobos neste manuscrito. As escolas musicais são para o
compositor o “estilo, a maneira, os procedimentos que caracterizam as
composições musicais de uma nação” (VILLA-LOBOS, 1932-36). As três principais
seriam a italiana (pela melodia do canto), a alemã (pela relação íntima entre
melodia e harmonia) e a francesa (pela síntese nacional exercida sobre as duas
escolas anteriores). As outras duas escolas citadas, mas que não são
aprofundadas em suas características, são a russa e a espanhola. As três
primeiras escolas seriam as inspiradoras das demais nações devido aos cantos e
danças de seus povos e a originalidade rítmica vivenciada em tais escolas.
No tópico das “Ligeiras apreciações sobre a História da Música”, é
estabelecida aquela teleologia própria do desenvolvimento da música erudita
ocidental – comum aos livros de história da música - que vai dos cantos primitivos
da igreja cristã dos primeiros séculos, até desembocar, ao final desta apreciação e
muito sucintamente, na época modernista (impressionista e simbólica) - na qual

102
ocorre o predomínio harmônico livre e da polifonia instrumental - como a nascida no
início do século XX.
Após esta apreciação, o tópico é finalizado com a afirmação do grande
perigo para a Grande Arte: a moda. Esta não pouparia grandes metrópoles
“artísticas”, como Paris, que estariam entregues às modas “bizarras”, nem aos
brasileiros diante dos exageros da expansão popular. Em síntese: “infelizmente
quem mais sofre em conseqüência destes estados sociais anormaes que se pode
chamar de moléstia chronica de contágio universal, é a grande arte” (VILLA-
LOBOS, 1932-36).
No tópico histórico da música no Brasil “Argumentos Baseados em
Documentos e Informações Históricas para provar a grande Superioridade da
Influência da Música Espanhola sobre a Portuguesa no Brasil”, Villa-Lobos tenta
convencer sobre a predominância da influência ítalo-espanhola em todo mundo,
inclusive na América do Sul. Para ele, a influência espanhola teria predominância
sobre a portuguesa devido ao domínio daqueles sobre estes, já que no início da
colonização brasileira Portugal estava sob o julgo da Coroa de Castela. O
233
compositor chega a dizer que não é preciso dar maiores detalhes históricos ,
mas destina algumas páginas para uma descrição da sucessão dos reinados na
Espanha e em Portugal para depois citar Guilherme de Mello, em A Música no
234
Brasil (1908) , como fonte que provaria a maior influência hispânica na
constituição do ethos musical brasileiro. Entretanto, as passagens citadas do autor
relativizam as afirmações do compositor das Bachianas, ao afirmar que as três
grandes matrizes eram de origem africana, espanhola e portuguesa. De acordo
com a citação:

Pois bem, foi sob a influência da fusão dos costumes e do sentimento


musical destas três raças com a dos indígenas, que começaram a se

233
Vamos a sua explicação: “e naturalmente como a dinastia dos países ibéricos era de origem
espanhola e a própria Espanha ainda se resentia de influencia exageradamente característica da
invasão Moura, os primeiros homens que vieram de Portugal e desceram no Continente
desconhecido, só deveria entoar, por uma questão de ativismo racial, musicas de maior influência
espanhola. Não há necessidade de dar aqui outras rasões históricas...” (VILLA-LOBOS, 1932-36).
234
Cf. capa da obra, Anexo Q, p.243.

103
caracterizar os três typos populares da arte musical brasileira: o lundú, a
tyranna e a modinha; dos quaes o primeiro foi importante pelo africano, o
segundo pelo espanhol e o terceiro pelo portuguez. (apud VILLA-LOBOS,
1932-36).

Nas “Notas explicativas sobre as Denominações que se Encontram no


Esquema”, são realizados comentários muito interessantes sobre a concepção
harmônica e melódica de Villa-Lobos. No tópico sobre a Melodia, apesar de ter
tido um amplo comentário no manuscrito, não foi contemplado nas publicações
oficiais do Quadro Sinótico e do próprio Guia. Porém é fundamental uma análise
deste tópico para tratarmos da perspectiva harmônica proposta pelo Guia e do
processo pedagógico defendido por Villa-Lobos.
As melodias populares seriam para o compositor um elemento a ser
pesquisado, coletado e aperfeiçoado pelo processo pedagógico. As melodias
seriam de origem imprecisa, anônima. Estas seriam de reminiscências europeias
(húngara, austríaca etc.) O compositor reconhece que muitas delas têm autoria
reconhecida, porém, de autores sem popularidade. A qualidade de tais melodias
seria, para o musicista, de caráter duvidoso, mas precioso para a educação
musical, pois, assim como o elemento rítmico, a melodia:

Serve para controlar os movimentos físicos em relação aos psíquicos e


despertar com estes exercícios a intuição do compasso, como acontece,
por exemplo, em certos casos, no problema de educação física,
recreação e jogos infantis. (VILLA-LOBOS, 1932-36).

O compositor aborda dois processos de coleta das melodias. Um que


poderíamos chamar de “espontâneo” e outro de “induzido”. No primeiro, haveria
relação com a coleta das melodias populares e, no segundo, estas seriam criadas
de acordo com os sons da natureza, as formas geográficas etc.
Em relação à maneira “induzida”, Villa-Lobos parte da concepção
235
geométrica da estrutura melódica de Ernst Toch , para idealizar a estruturação
de melodias puras a partir dos desenhos geográficos da natureza brasileira, como

235
Cf. Toch (1989[1923]).

104
236
das montanhas do Rio de Janeiro . Para o compositor, este sentimento em
relação à terra natal é que irá inspirar Alberto Nepomuceno na composição da
237
Suíte Brasileira (1888-1896) , na qual irão conviver melodias de origem incerta
com as compostas pelo compositor cearense.
Em relação à primeira maneira, “espontânea”, Villa-Lobos irá subordiná-
la à harmonia erudita da escala temperada e a “induzida” à captação dos sons da
natureza, dos cantos e dos ruídos musicais da vida cotidiana das grandes e
pequenas cidades. Como fenômenos a serem notados, ele cita:

Phenomenos sonoros da natureza: a) bater no bambuzal, penetração da


ventania na chaminé de um antigo fogão domestico, uma goteira, queda
d’água numa cachoreira. Canto dos pássaros: a) sabiá, b) Uirapuru,
Coleiro, Bemtevi, Chão-chão. Ruídos Musicaes: a sirene, b) busina de
automóvel, apito de locomotiva, chiar das rodas de um carro de bois,
motor de avião, motor de bens elétricos, murmurio da multidão (VILLA-
LOBOS, 1932-36).

Ao se referir aos “phenomenos sonoros da natureza”, Villa-Lobos dá o


exemplo de três melodias que poderiam ser executadas baseando-se na harmonia
da teoria do quarto de tom: “canto arrastado e dolente, a boca fechada” (1932-36).
O manuscrito possui trechos bem elucidativos que evidenciam a
perspectiva do musicista em relação ao processo pedagógico, como na
consideração a seguir:

O principal critério de se criar uma phrase melódica para a educação do


bom gosto da arte musical é o seguindo obedecer os moldes da musica
seria embora usando alguns intervalos estranhos e afastados como os de
2ª, 4ª, 5ª, 7ª, maiores e menores e diminutos e de 9ª maior ou menor,
conforme os modelos das melodias populares, folk-loricas e contrarias as

236
A partir de tal inspiração foi composto As Melodias das Montanhas ([1] Corcovado (Capital
Federal) (1934); [2] Montanha de Tatus (em Praga) (s.d.); [3] Pão de Açúcar (Capital Federal)
(1935); [4] Serra da Piedade (Belo Horizonte) (1937); [5] Serra dos Órgãos (1940);[6] Tijuca (s.d.)),
cf. Villa-Lobos (1989, p. 349). Villa-Lobos também irá compor a Sinfonia n° 6 - Montanhas do Brasil
(1944) a partir do mesmo processo de sugestão estética. A primeira apresentação deu-se em
29/4/50, Rio de Janeiro, no Theatro Municipal, sob a Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal,
Heitor Villa-Lobos (regente), cf. Villa-Lobos (2009d, p.45).
237
Esta obra de Alberto Nepomuceno é dividida em quatro partes: I. Alvorada na serra, 1892;
II. Intermédio, 1891; III. A sesta na rede, 1896; IV. Batuque, 1888. A respeito da produção do
compositor cearense na transição do II Império para a República, cf. Pereira (1995).

105
regras tradicionais da theoria melódica europeia, feitos propositalmente e
conscientemente (VILLA-LOBOS, 1932-36).

A passagem acima evidencia que Villa-Lobos gostaria de fazer uma


harmonização à brasileira, na assimilação de dissonâncias próprias do cancioneiro
popular, dando-lhe uma especificidade, mas que não chegaria a romper com o
sistema tonal ocidental e nem chegaria às radicalizações sonoras que foram feitas
238
, por exemplo, por Bartók junto ao material folclórico húngaro 239.

3.2 As fontes dos temas musicais do Guia Prático

O material folclórico e popular pesquisado, catalogado e publicado foi


nominado de Quadro Sinótico, estando tanto no Programa do Ensino de Musica:
Jardim de Infância, Escolas Elementar e Experimental e técnica Secundária e
Cursos de Especialização (1937b) quanto na publicação oficial do Guia Prático,
em 1941, e na sua reedição de 2009 240.
Este Quadro Sinótico possui dados muito esclarecedores se articulados
com os aspectos mais gerais com os dados coletados e quantificados do Quadro
241
. No material publicado, é importante apontar indicações bem curiosas sobre a
origem, a “harmonização”, a “execução” etc de tais temas musicais que
quantificamos em separado de acordo com os quadros que se seguem 242..
Vejamos o primeiro quadro abaixo e o articulemos com as observações
do compositor encontradas no manuscrito. Quanto à origem dos temas musicais
coletados:

238
A respeito deste processo, cf. Weber (1995[1921]).
239
Adorno aponta: ”Os melhores trabalhos de Béla Bartók, que em certos aspectos procurou
conciliar Schoenberg e Stravinsky, são provavelmente superiores aos de Stravinsky em densidade
e plenitude” (ADORNO, 2004[1958], p. 14). Villa-Lobos, provavelmente, não concordaria com o
filosofo alemão.
240
Cf. Villa-Lobos (2009a, 2009b e 2009c).
241
Cf. a primeira página do Quadro Sinótico, Anexo R, p. 244.
242
Não poderíamos deixar de destacar a grande contribuição quanto ao levantamento destes
dados realizados pela aluna Érica Tenório Figueirêdo, bolsista do projeto Sob a batuta de Villa-
Lobos: uma análise sociológica do percurso pedagógico (1937-1959), financiada pelo
PIBIC/URCA.

106
QUADRO 1 – Origem dos temas musicais coletados pelo Guia Prático
ONDE E POR QUEM FOI RECOLHIDO QUANTIDADE
Rio de Janeiro SEMA 68
Do livro “Nossos Brinquedos” Icks 30
Recife SEMA 02
Rio de Janeiro SEFRJ 03
Do livro “Ciranda Cirandinha” J. G. Junior e J. Julião 14
Do livro E. M. B de M. de Andrade Rio 01
Do livro E. M. B de M. Andrade (Bragança S. Paulo) 01
Do livro E. M. B de M. de Andrade (Pernambuco) 01
Paraíba do Norte SEMA 06
Paraíba do Norte do livro E. M. B de M. Andrade 01
Do livro E. M. B de M. de Andrade (Cananéa S. Paulo) 01
Maranhão SEMA 02
Do livro E. M. B de Mario de Andrade. Taubaté S. Paulo 01
Do livro “Cancioneiro Popular” de B. de Carvalho 01
Ceará SEMA 01
Do livro “A Música no Brasil” G. de Mello Baía 01
Do livro “Sant’Anna Nery”. Norte do Brasil 01
Do livro E. M. B de M. de Andrade Minas Gerais 01
S. Paulo SEMA 01
Do livro “Cinha” J. G. Junior, J. B. Julião 01

No que se refere aos pesquisadores e às fontes das coletas do material


publicado, alguns pontos merecem nosso destaque. Dos cento e trinta e sete
temas publicados, sessenta e oito foram recolhidas por Villa-Lobos e pelos
funcionários da SEMA do Rio de Janeiro. Coletados pelos funcionários da SEMA
243
fora do Rio de Janeiro, encontramos ainda seis na Paraíba do Norte , dois em
Recife, dois no Maranhão, um no Ceará e um em São Paulo. Os relacionados aos
temas musicais coletados em outras publicações, que somam quarenta e quatro,
destacam-se os coletados por Mário de Andrade na obra Ensaio da Música
Brasileira (E.M. B), que somam sete, coletados em diferentes lugares:
Pernambuco – “João Cambuetê”, Paraíba do Norte (SP) – “Nigue Ninhas”, Rio de
Janeiro – “Canoinha Nova”, Cananeia (SP) – “Padre Francisco”, Taubaté –
“Pombinha Voou” (SP), Bragança (SP) – “Higiene” e Minas Gerais - “Sôdade”. O

243
Antiga nomeação de João Pessoa, capital da Paraíba.

107
curioso é que o tema Sambalelê, coletado por Mário de Andrade em Laranjal (São
Paulo) foi creditado em termos de recolhimento à SEMA do Rio de Janeiro 244.
Há de se destacar a coleta de trinta temas do livro publicado em
Portugal, Os Nossos brinquedos (1909), de uma das pioneiras no estudo do
245
“folclore infantil”: Alexina de Magalhães Pinto . Esta autora catalogou, na citada
obra, quarenta e um temas divididos em duas partes, obedecendo a primeira à
246
seguinte ordem de secções: Brinquedo de Roda ; Brinquedo de Roda, ou de
Fileira; Brinquedo de Marchar, Brinquedo de Fileira; Brinquedo de Pular;
Brinquedo de Correr; Brinquedo de Fileira e de Correr, Brinquedo de Palmas;
Brinquedo Gymnastico; Brinquedo de Roda Assentada; Brinquedos Menos
Ruidosos; Brinquedos Silenciosos. Na segunda parte, a ordem foi esta: Cantigas
de Ninar; Cantigas d’Entreter; Brinquedos, Crendices e Crenças. A despeito do
Quadro Sinótico indicar trinta canções como fonte no livro de Alexina de
Magalhães Pinto, outras nove peças – “Caranguejo”, “Carneirinho, Carneirão”, “A
Roseira”, “Viuvinha da Banda D‘ Alem”, “Ficarás Sozinha”, “Vem Cá Siriri”, “Café”
e “Uma Duas Angolinhas” – foram creditas ao recolhimento da Sema do Rio de
247
Janeiro , apesar da obra de Pinto anteceder em mais duas décadas o trabalho
chefiado por Villa-Lobos 248.
As outras obras que serviram de fonte para o Guia foram a de Música
no Brasil, de Guilherme de Melo (uma peça) - utilizado, de acordo com que vimos

244
Não estamos afirmando aqui que tal omissão foi proposital, afinal, não podemos ser sumários a
este respeito por nos faltarem elementos que o justificassem, apesar de considerarmos a nossa
estranheza de o crédito não ter sido conferido a Mário de Andrade, já que era do conhecimento da
SEMA o livro do autor paulista (visto na referência das demais sete canções infantis do Ensaio).
245
Cf. Carnevali (2009) e capa da obra, Anexo S, p.245.
246
Segundo Mário de Andrade, o termo Brinquedo: “no Nordeste é sinônimo de canto e de dança.
Empregado especialmente como nome genérico das danças dramáticas (Pastoris), Cheganças,
Bois, Congos, Caboclinhos, etc. Também se usa no mesmo sentido brincadeira, brincar”. Já a
Roda é tido como “Canto e dança em circulo, geralmente em compasso binário, que servem como
jogo infantil” (ANDRADE, 1999[1984-89], p. 71 e 441).
247
O mesmo argumento em relação à omissão da SEMA frente ao nome de Mario de Andrade vale
junto a Alexina de Magalhães Pinto.
248
A outro livro, citado na edição de 2009 do Guia, de Alexina Magalhães Pinto, Cantigas de Ninar
e do povo (1911), que não encontramos referência do Quadro Sinótico. O mesmo correu com a
obra Folclore Pernambucano de Pereira da Costa e Os meus brinquedos de Fernando Pimentel, cf.
Lago (2009a, p. 27-28).

108
nas explanações teóricas do manuscrito, Folklore brésilien de Santa-Anna Nery
249
(uma) , Cancioneiro Popular (1924) de Branca de Carvalho Vasconcelos e
250
Arduino Bolívar (uma) , Ciranda, cirandinha (coleção de cantigas populares e
brinquedos) de João Gomes Júnior e João Batista Julião (treze).
A soma total dos temas nestas obras corresponde a quarenta e quatro,
entretanto, os pesquisadores Manoel Aranha Corrêa do Lago e Sérgio Barboza
251
afirmam que os cinquenta temas da obra Ciranda, Cirandinha foram
incorporados ao Guia, assim como tínhamos indicado, a quase totalidade (trinta e
nove das quarenta temas) da obra Nosso brinquedos. Assim, conclui-se, que a
coleta do Guia baseou-se muito mais nos trabalhos destes autores do que no
próprio trabalho de campo do estudioso da SEMA.
252
Vejamos, agora, a quantificação referente à “ambientação” , ao
“arranjo”, ao “texto” e à “execução instrumental” por parte da “autoria”:

249
Frederico de Santa-Anna Nery (1841-1901) foi um destacado intelectual amazonense com
atuação política e cultural na segunda metade do século XIX.
250
Branca de Carvalho Vasconcelos (1886-1971) “foi uma das primeiras referências mineiras na
música escolar. Foi professora de música na Escola Normal de Música de Belo Horizonte e
escreveu diversos artigos para a Revista de Ensino nas décadas de 20 e 30” (IGAYARA-SOUSA,
2001, p. 60) e Arduino Bolívar (1873-1952), professor da Escola Normal de Belo Horizonte
(IGAYARA-SOUSA, 2011, p. 154).
251
Cf. Villa-Lobos (2009d, p. 27-28).
252
Na Introdução: um guia para o guia da edição de 2009a, no 1° volume (Separata), do Guia
Prático (1941), explicita-se porque Villa-Lobos utiliza o termo ambientação: “para qualificar aqueles
arranjos que não se limitam a uma harmonização direta do tema, mas que procuram inseri-lo em
um contexto musical especifico, senão típico. Esse termo não é utilizado de forma rigorosa,
podendo alternadamente descrever e/ou caracterizar: - o transplante ‘cultural’ em relação ao
contexto de origem da melodia: por exemplo, a Cantiga de ninar é descrita como ‘melodia de
origem saxônica, do século XVIII, com ambientação ameríndia”; – um estilo: a melodia Vamos,
maninha, na peça Chamados para brinquedos – A Praia é ambientada no genêro embolada; - um
caráter nacional: o arranjo de Pai Francisco I está descrito como ambiente europeu, por oposição
ao de Pai Francisco II, descrito como ambiente brasileiro” (LAGO, 2009a, p. 26-27).

109
QUADRO 2 – Quantificação referente à “ambientação”, ao “arranjo”, ao “texto” e à “execução”
instrumental por parte da “autoria” dos temas musicais coletados pelo Guia Prático
AUTORIA QUANTIDADE
Música
Ambientado:
HVL 57
Temas não definidos 80
Arranjado
HVL 80
Francês trad. deturpado em português 01
Temas não definidos 46
Texto:
Original:
Anônimo 130
HVL 02
Temas não definidos 05
Adaptação:
Trad. e adapt. Francês 01
Temas não definidos 136
EXECUÇÃO
Instrumentos:
Piano 01
Conjunto instrumental 02
Conjunto instrumental ou com piano 123
Temas não definidos 11
SOLOS:
Piano 75
Temas não definidos 62

Vale salientar que oitenta dos cento e trinta e sete temas são
creditados, em termos de harmonização para “execução”, ao próprio Villa-Lobos
(HVL). Em termos de ambientação e de arranjo, notamos uma predominância de
Villa-Lobos, cinquenta e sete no primeiro caso e oitenta no segundo item. O texto
em sua maioria, cento e trinta, é categorizado como “anônimo” e apenas um é tido
como “adaptação do francês”. No que se refere à “execução”, o dado que nos
chama mais atenção sem dúvida é a maioria, cento e vinte e três, é classificado
como “conjunto instrumental” ou como “piano”, evidenciando tanto a preocupação
tonal quanto a execução do instrumento na falta de indicação dos típicos
populares, como o violão.

110
Prestemos atenção agora ao “ambiente”, que indica o padrão mais geral
no qual tais temas foram compostos e logo abaixo a curiosa classificação “Formas
com característicos”:

QUADRO 3 – Temas Musicais do Guia Prático classificados como “Formas com característicos”
AMBIENTE QUANTIDADE
Clássico tradicional 93
Moderno tradicional 05
Meio clássico trad. e regional 05
Meio clássico mod. Trad. e nacional 03
Popular nacional 02
Meio clássico moderno tradicional 05
Meio clássico moderno tradicional e regional 03
Meio moderno clássico tradicional 09
Meio clássico tradicional 02
Temas não definidos 10
FORMAS COM CARACTERÍSTICOS:
Popular civilizado estrangeiro 64
Nacional estilizado 34
Elevado original 17
Meio clássico tradicional 01
Meio clássico trad. baseado num tema
01
litúrgico de carrilhões sacros da Alemanha
Meio clássico tradicional e nacion. estili. 01
Popular estrangeiro estilizado 03
Popular estilizado estrangeiro 02
Meio clássico moderno tradicional e nacional 01
Meio nacional estilizado 01
Mixto estrang. Nacional estilizado 06
Temas não definidos 06

O “Ambiente” no qual os temas foram compostos é classificado em sua


maioria como “clássico tradicional” (noventa e três). Há categorizações intrigantes
como “Moderno Tradicional” e “Meio Clássico Tradicional” (os dois com cinco
catalogações cada um), o “Meio Moderno Clássico” e o “Meio Clássico Moderno
Tradicional” com, respectivamente, a quantificação de cinco e nove temas
musicais e a “Meio Clássico Tradicional” com dois temas coletados.
No que se refere às “Formas com Característico”, as categorizadas
como “Popular Civilizado Estrangeiro” (sessenta e quatro) formam a maioria, logo
após, o “Nacional Estilizado” com trinta e quatro temas selecionados e a “Elevado

111
Original” com dezessete temas coletados. Encontramos neste tópico uma curiosa
e precisa categorização: “Meio Clássico Tradicional Baseado num Temas Litúrgico
de Carrilhões Sacros da Alemanha”.
À primeira vista, apresentam-se como obscuras as nominações que
compõem as classificações tanto no que se refere ao “ambiente” quanto às
“Formas com Característico”. Mas, se submetermos tais classificações à visão de
mundo subjacente ao Guia torna-se evidente a intenção arbitrária da supremacia
da origem clássica e tradicional dos temas e sua forma popular europeia
(qualificada como civilizada no Quadro). O quadro a seguir indica os “gêneros”
coletados no Quadro Sinótico:

QUADRO 4 – “Gêneros” musicais coletados no Guia Prático


GÊNEROS QUANTIDADE
03
Peça de salão/ Divertimento/ Sardana/ Polca
dialogada/ Dansa Inglesa/ Berceuse/ Canção
Marcial/ Valsa/ Cançoneta italiana/ Marcha
tradicional/ Embolada/ Sertanejo (original) /
Galope canção/ Canção sertaneja/ Quase
batucada/ Quasi schottisch/ Do lundú ao
sertanejo/ Dansa canção camponesa 253/
01 de cada
Batuque/ Barcarola/ Canção oriental/ Samba
canção do norte/ Polca Alegretto/ Lundú canção/
Cantiga do norte sertaneja/ Tarantela/ Um pouco
quadrilha/ Um pouco mazurca/ Um pouco coco/
embolada/ Um pouco batuque/ Lundú/ Dansa/
Pouca canção Moderado/ Marcha canção/
Mazurca canção
Samba do Norte/ Coco canção/ Habanera/ Canção
e dansa/ Polca ligeira/ Minueto/ Mixto de
02 de cada
marzurca com schottisch/ Um pouco canção
sertaneja/ Catira
Marcha/ Canção dolente/ Quadrilha/ Samba
03 de cada
canção
Polca canção/ Marcha de rancho 04 de cada
Mazurca/ Canção regional 05 de cada
Dansa canção 06
Canção 20
Cantiga 23

253
Reproduzimos nas categorizações a mesma grafia de época, por isso “dansa” ao invés de
“dança”. O mesmo procedimento ocorreu ao longo da construção deste texto, em suas citações,
em relação aos outros termos escritos diferentemente do procedimento ortográfico atual.

112
Os “gêneros” são muito díspares, tendo uma maioria para “cantiga”
254
(vinte e três) e para “canção” (vinte) , “gêneros” estes populares urbanos,
cantados e acompanhados por instrumentos populares. Gêneros típicos do
255
Nordeste, como o “Coco Canção” foram pouco referenciados na coleta ,
evidenciados nos poucos temas coletados: três em Recife, um no Ceará e dois no
Maranhão. Destaca-se que gêneros de origem africana como o “Lundú Canção”, o
256 257
próprio “Lundú” , ”Batuque” e o “Quase Batuque” foram coletados com uma
unidade cada um, demonstrando que o critério de pesquisa deu pouca ênfase às
peças de influência dos povos oriundos da África. Os gêneros estrangeiros
também foram apontados na coleta, cada um com uma indicação, como as
italianas “Tarantela”, e “Bacarola” e “Cançoneta”; a “dansa inglesa”; a espanhola
“Sardana”; polonesa “Mazurca”, a cubana “Habanera”.
Já a classificação abaixo, “finalidades”, direciona-se à função que
cada tema deve ter durante a sua execução:

254
A primeira para Mário de Andrade como “poesia cantada em versos” e a segunda como
“composição em verso” (ANDRADE, 1999 [1984-89], p. 87 e 103).
255
A pouca importância disponibilizada na coleta ao coco contrasta com a opinião de Mário de
Andrade acerca da importância do mesmo para a utilização coral: “Dança popular de roda, de
origem Alagoana, disseminada pelo Nordeste (...) Sob o ponto de vista exclusivamente musical, o
coco tem um interesse enorme. Das formas populares, é a que tem mais uma importância coral
enorme. Se é certo que nas danças dramáticas, bois, maracatus, todos os reisados, congos, o coro
entre obrigatoriamente, das formas musicais pura o coco é a única que obriga o coro. É pela
variedade que o coral se manifesta nele se vê que tesouro ele oferece pros nossos compositores
desenvolverem não só em música vocal como instrumental também” (ANDRADE, 1999[1984-89],
p. 146-147).
256
“Canto e dança populares do Brasil durante o século XVIII, introduzidos provavelmente pelos
escravos de Angola, em compasso 2/4 onde o primeiro tempo é frequentemente sincopado”
(ANDRADE, 1999[1984-89], p. 291).
257
“É geralmente considerado proveniente de Angola ou do Congo onde alguns viajantes
portugueses o encontraram com as mesmas características que apresenta entre nós” (ANDRADE,
1999[1984-89], p. 53).

113
QUADRO 5 – “Finalidades” dos temas musicais coletados do Guia Prático
FINALIDADES QUANTIDADE
Cantiga de ninar (acalanto) 01
Brinquedos e peça de salão 01
Canção e brinquedo de roda 119
Peça de concerto 01
Canção humor e brinquedo de roda 01
Canção e chamado para brinquedo 01
Forma de embolada e brinquedo de roda 02
Acalanto 03
Brinquedo cantado 03
Canção e brinquedo de roda (em forma de
01
mazurca)
Bailado 02
Temas não definidos 02

Quanto a “finalidades”, ou seja, ao emprego que teriam os temas


musicais, a maioria é para “canção e brinquedo de roda” (cento e dezenove), com
o objetivo de fazer as crianças cantarem bem de acordo perspectiva lúdica e
intuitiva do método desenvolvido por Villa-Lobos influenciado por Kodály. Assim,
haveria uma ampla predominância da coleta de temas alegres e adequados ao
brincar em detrimento à pouca coleta dos mais “introvertidos” do Acalanto (quatro)
e da Canção de Ninar (uma). No que se refere ao “Andamento”, o quadro seguinte
indica:

QUADRO 6 – “Andamento” dos temas coletados do Guia Prático


ANDAMENTO (METRONOMO) QUANTIDADE
Moderato 05
Allegro 11
Allegretto 27
And. quasi mov. de marcha/ Marcha
Imponente/ Allegro gracioso/ Andante
quase andantino/ Marcial/
Movimento de marcha de rancho/
Tempo de marcha moderto/ Mazurca/
Allegretto em marcha/ Andante
Allegretto/ Allegro non molto vivace/
01 cada uma
Allegro moderato/ Poco moderato
vivace/ Vivace allegro non tropo/
Andante moderato/ Molto animato/
Movimento de marcha/ Allegretto
moderato/ Marcha de rancho/ Poco
lento/ Poco allegretto/ Allegretto
quasi allegro/ Andantino quasi

114
andante/ Moderato lento
Habanera/ Quasi allegretto/ Tempo de
marcha/ Allegro vivo/ Vivo/ Lento/
02 cada
Allegretto quasi allegro/ Allegro
vivace/ Marcha
Animato/ Vivace/ Poco moderato 03 cada
Allegro non tropo/ Poco animato/ 06 cada
Andante/ Andantino quasi allegretto/ 08 cada
Andantino 15

258 259
O “Andamento” predominante é o “Allegretto” com vinte e sete
260
indicações. O “Andantino” vem logo atrás com quinze indicações e o “Andante”
261
e o curioso “Andantino quasi allegretto” com oito cada um.
Vejamos os aspectos relacionados ao “caráter” nacional e continental, a
gênese e a proximidade étnica das melodias coletadas:

QUADRO 7 – “Caráter” nacional e continental, a “origem e afinidades étnicas das melodias”


coletadas do Guia Prático
CARÁTER QUANTIDADE
Europeu 80
Regional 04
Mixto estrangeiro nacional 48
Típico regional 04
Mixto estrangeiro 01
ORIGEM E AFINIDADES ÉTNICAS DA MELODIA
Hispano-Negro/ Anglo-Saxônio/ Franco-Lusitano/
Hispano-Luso-Africano/ Saxônio-Slavo/ Amerindio
01 cada
Italiano/ Espanhol/ Amerindio-Hispano-Lusitano/
Mouro-Hispano-Francês
Italo-Saxonio/ Italo-Franco-Espanhol/ Franco-Italiano/
02 cada
Saxônio-Hispano-Africano/ Franco-Saxônio/ Afro-

258
“Indicação de velocidade em que uma peça musical deve ser executada. O compositor pode
especificar o andamento em termos de unidades métricas por unidade de tempo, o que pode ser
aferido por um metrônomo, antes da invenção deste, utilizava-se como referencia um pendulo, a
pulsação cardíaca, nos outros meios. Desde o barroco tardio, o andamento passou a ser indicado,
em geral, pelo uso de modelos italianos de instrução de instrução de andamento, tais como allegro,
andante, adágio etc. (alguns dos quais podem sugerir também a atmosfera emocional em que a
peça deve ser executada). Em períodos anteriores, as fórmulas de compasso utilizadas na notação
proporcional davam alguma indicação de velocidade. Um outro recurso para indicar o andamento
pretendido para uma peça podia ser a relação desta com o andamento de alguma dança que lhe
servia de modelo” (SADIE, 1994, p. 28-29).
259
“Alegre, rápido; um movimento em andamento animado” (SADIE, 1994, p. 22).
260
“Um pouco mais rápido do que ou mais alegre do que andante” (SADIE, 1994, p. 29).
261
“Moderadamente lento, um movimento nesse andamento” (SADIE, 1994, p. 29).

115
Espanhol
Mouro-Espanhol /Italo-Francês/ Hispano-Lusitano/ Luso-
03
Africano
Luso-Italiano 04
Italiano/ Hispano-Italiano/ Hispano-Francês 06 cada
Franco-Espanhol 07
Italo-Espanhol 14
Hispano-Africano 15
Saxônio 18
Francês 28

O “Caráter” de origem, em sua maioria, é “Europeia” (oitenta e quatro) e


logo após temos, no número de quarenta e oito, o “Mixto Estrangeiro Nacional”.
Ou seja, em concordância com os outros quadros anteriores, fica evidente a
supremacia externa, em especial da Europa “civilizada”, quanto à origem das
melodias.
A “Origem e Afinidades Étnicas da Melodia” é bem variada, mas se
sobressai as de origem europeia, em especial a dos países ocidentais: “Francês”
(vinte oito), “Saxônio” (dezoito) e os países latinos: “Italo-Espanhol” (quatorze). O
elemento africano é indicado, porém nunca fica isolado, inclusive, o que é
catalogado em maior número (quinze) e tido como “hispano-africano”. Neste
quadro, é evidente a consideração da miscigenação como fator essencial na
caracterização étnica da música brasileira. Entretanto, esta miscigenação não é
paritária, o quadro evidencia bem a estruturação hierárquica que aponta o
europeu, em especial, o dos países ocidentais e latinos como predominantes
nesta miscigenação, bem de acordo com a visão civilizadora e norteadora dos
ideais do Guia Prático.
O compositor chegou a publicar no Guia a miscigenação musical em
termos étnicos a partir da sua divisão continental e, respectivamente, racial:
Europa Central, “raça branca” - lugar das influências religiosas (Vaticano), da
formação da cultura musical (Grécia e Itália) e centro da cultura universal; Ásia –
“raça amarela” (lugar da origem da música); África – “raça negra” (influência
rítmica) e as Américas do Norte (influenciou na música social), Central e do Sul –
onde se destaca a presença de aborígenes (Brasil).

116
FIGURA 2 - Quadro “étnico musical” publicado na 1° Edição do Guia Prático de 1941

Fonte: Instituto Estudos Brasileiros (Arquivo Mário de Andrade)

Por fim, apresentaremos a indicação do nível de escolaridade à qual se


destinam os temas coletados:

QUADRO 8 – “Indicação” do nível de escolaridade à qual se destinam os temas coletados do Guia


Prático
INDICAÇÃO QUANTIDADE
J. Inf. 1° e 2° anos primários 24
4° e 5° anos prim. e sec. Técnicos 03
3° 4° e 5° anos primários 01
Escolas primárias 09
2° 3° anos primários 01
1° 2° anos primários 03
Escolas primárias e secundarias técnicas 61
J. Inf. 1° 2° 3° anos primários 05
Escolas secundárias 02
Escolas prim. e secundarias 04
2° 3° 4° e 5° anos prima. e secund. Técnicas 03
2° 3° e 4° anos prima. e tec. Secund 08
1° 2° e 3° anos prima 01
J. Inf. Escolas primárias 06

117
J. Inf. Escolas Sec. Técnicas 04
J. Inf. Escolas Primárias e Sec. Técnicas 01
Temas não definidos 01

A maior parte da “indicação” (sessenta e um) é para crianças das


“escolas primárias e secundárias técnicas”. Logo após vem “o Jardim Infantil e os
1° e 2° anos primários” que apontam para vinte e quatro temas musicais. Assim,
nota-se que o destino dos temas seria prioritariamente para as primeiras séries do
ensino fundamental e as conclusivas do antigo nível técnico.

3.3 O lugar simbólico do Guia no projeto pedagógico

Assim, reinteramos que o Guia Prático (1941) não foi apenas uma obra
didática que serviu como base pedagógica para o Canto Orfeônico e o projeto de
educação musical infantil. Foi bem mais do que isso. É considerado, em nossa
pesquisa, como uma obra paradigmática para as pretensões civilizatórias do
projeto pedagógico, mesmo que o Guia não tenha sido editado no formato
262
idealizado para seis volumes .

262
O interessante é que muitos apontam que os seis volumes não teriam sido alcançados por causa da
disparidade entre o que realmente Villa-Lobos realizava e o que ele imaginava realizar. Assim como
ocorrera frequentemente na música - ao exemplo dos Choros que foi projetado para além dos onze
gravados (por isso é tão difícil enumerar as músicas realmente compostas pelo compositor, que para
muitos chega a mil composições). Vejamos as palavras de Paz (1989) a este respeito: “Um dos aspectos
que mais nos incitaram a curiosidade quando fizemos esta pesquisa foi investigar a possível existência
dos seis volumes do Guia Prático, conforme atestam as informações do próprio autor. As indicações
dadas por Villa-Lobos quanto à cronologia de suas obras não são suficientemente esclarecedoras, até
geram mais dúvidas. Sabemos perfeitamente que ele antedatava ou retroagia as datas em função, única
e exclusivamente, de considerar a concepção da obra mais avançada ou não para a época. Quanto à
possível existência de algumas delas, é algo que até hoje não se pode certificar. No catálogo de obras
aparece algumas vezes a palavra extraviada, que poderia significar perdida, ou até mesmo uma obra que
não tivesse tido uma existência material, mas que estivesse em sua mente. Villa-Lobos, por outro lado,
compôs sem parar, até quando lhe foi possível, e uma frase a ele atribuída por David Nasser (seu parceiro
nas serestas), no depoimento por este gravado no Museu da Imagem e do Som, atesta claramente a
angústia de quem tem um turbilhão de idéias musicais ainda por concretizar: “David, é triste a gente
morrer, ter alguns dias de vida e séculos de música na cabeça! Você sabe que eu tenho séculos de
música na minha cabeça?”Segundo testemunho de pessoas íntimas, Villa-Lobos trabalhava 16 a 18
horas por dia, com o intuito de fazer mais músicas para deixar como legado à sociedade” (PAZ, 1990, p.
31-32, grifos do autor).

118
Apesar de já vir sendo anunciado desde 1935, o conteúdo da obra foi
publicado em separatas e nominado como Collecção Escolar – publicada pela casa
Arthur Napoleão 263. Como já afirmamos, o Guia Prático só foi publicado, em 1941, em
um único volume através da Editora dos Irmãos Vitale 264. Segundo Paz (1990, p. 33),
os demais volumes tiveram seus conteúdos dispersados em outras obras de Villa-
Lobos, visto a presença do que era para ser o conteúdo do segundo, terceiro, quarto e
quinto volumes presentes nos dois volumes do Canto Orfeônico (1940 e 1951). Já o
sexto volume teria parte do repertório publicado na própria Collecção Escolar 265.
Quanto à análise do material musical presente no Guia, através de suas
partituras 266, fica evidente a harmonização que assimila dissonâncias de segunda e de
sétima em grande número. Há temas musicais com dezenas delas, como Pai
Francisco (2° versão) que contem dezenas de dissonâncias de segunda e de sétima.
Apenas três temas - das setenta nove apresentadas em partituras - não indicam
dissonâncias, possuindo uma harmonização tonal tradicional. São eles: A roseira (2ª
versão); Rosa amarela (1ª versão) e Vai abóbora. Desta forma, a maioria estariam de
acordo com a perspectiva já delineada no manuscrito da assimilação dos intervalos de
2ª, 4ª, 5ª, 7ª, maiores e menores e diminutos e de 9ª maior ou menor. Estes intervalos
são estranhos para o ouvido tonal, quanto a harmonização, mas bem de acordo com o
padrão sonoro popular, que se distinguiria da tradição harmônica europeia, tal qual era
anunciado no manuscrito.
O Guia Prático tornou-se com o tempo uma importante referência de trabalho
pedagógico, especialmente hoje, depois da aprovação da obrigatoriedade do ensino da
música no ensino básico com a homologação da lei 11.769 de 2008. Neste ambiente, a
Academia Brasileira de Música e a FUNARTE (Fundação Nacional das Artes) reeditaram,

263
Cf. Paz (1990, p. 20).
264
Cf. capa da obra, Anexo T, p.246.
265
Guérios aponta outra peça intitulada Meu Brasil que a descrição se enquadraria no quarto volume do
Guia (cf. GUÉRIOS, 2003, p. 246).
266
Não poderia deixar de reafirmar a valorosa contribuição, na leitura destas partituras, da aluna
Carlijaniele dos Santos Silva Soares, bolsista do projeto Sob a batuta de Villa-Lobos: uma análise
sociológica do percurso pedagógico (1937-1959), financiado pela PIBIC/URCA e que contou com a nossa
orientação.

119
de maneira bilíngue, em 2009 267 - dentro das homenagens aos cinquenta anos de morte de
Villa-Lobos - o primeiro volume do Guia Prático, através de três separatas. Além do conteúdo
presente na publicação de 1941 (O Quadro Sinótico e as setenta e oito partituras), este
volume traz um excelente trabalho de levantamento das fontes de pesquisa do Guia Prático
268
. Entretanto, dos cento e trinta e sete temas musicais presentes no Quadro Sinótico do
Guia, setenta e nove foram publicados, através de suas partituras, nesta nova edição 269.
Assim, o Guia vem sendo ressignificado com o passar do tempo 270, tornando-se
referência obrigatória para os pedagogos musicais mesmo que os ideais do tempo, no qual
a obra tenha sido escrita, hoje soem fora de contexto pedagógico - como, por exemplo, as
classificações raciais - para aqueles que lecionam música. De todo modo, a harmonização
proposta pelo Guia Prático é ainda aceita e ensinada por boa parte dos docentes que a
consultam 271.

267
Cf. Villa-Lobos (2009a, 2009b e 2009c).
268
Foi uma feliz coincidência esta edição nos ter chegado às mãos após o início do nosso trabalho de
catalogação das fontes do Guia. Assim, poderíamos realizar uma comparação dos dois trabalhos feitos
em termos quantitativos, já que nossa análise teria que ir além da quantificação em virtude do caráter
sociológico da pesquisa.
269
São elas: Acordei de Madrugada (2ª versão); Sonho de uma Criança, Ó Ciranda, ó Cirandinha;
Espanha; A Mamãe Estava Doente; Manda tiro, tiro, lá; Carambola; Ba, be, bi, bo, bu; O pião;
Cachorrinho; Constante; A cotia; A feira; Os pombinhos (2° versão); A roseira (2° versão); Machadinha;
Senhora dona Sancha (3° versão); O castelo; Quando eu era pequenino; Pai Francisco (1° versão); Pai
Francisco (2° versão); Vida formosa; Você diz que sabe tudo; Sambalelê; A maré encheu; Pirolito; No
fundo do meu quintal; A velha que tinha nove filhos; Na corda da viola; O limão (2° versão); Brinquedo
(olha aquela menina); Fui no Itororó (1° versão); Mariquita muchacha; Rosa amarela (1° versão); Meninas,
ó meninas; Olha o passarinho, Dominé; Constância; Carneirinho, carneirão; Passe, passe, gavião;
Passarás, não passarás; Pobre peregrino; O corcunda; A pombinha voou; Garibaldi foi à missa; O Bastão
ou mia gato; O pobre e o rico; Xô! Passarinho; Vem cá siriri; Sinh’Aninha; Pombinha rolinha; O gato; João
Cabuête; Manquinha; Vestidinho branco; Vai abóbora; Laranjeira pequenina; Meu pai marrou meus olhos,
cf. Villa-Lobos (2009b).
270
Conforme as palavras proferidas, na introdução desta última edição, por Ricardo Tacuchian
(Presidente da Academia Brasileira de Música e Professor Titula do Instituto Villa-Lobos (UniRIO):
“Independente de possível colaboração política que a prática do canto orfeônico pudesse adquirir mais
tarde, com a proclamação do Estado Novo, em 1937, o Guia Prático, em novo contexto histórico a partir
de 1945, mostrou-se inigualável instrumento pedagógico e com nova dimensão simbólica” (TACUCHIAN,
2009c, p. 09).
271
O primeiro volume do Guia foi interpretado por muitos pianistas, a exemplo do LP de Szidon
(1965).

120
4 IV ATO: UM CANTO PARA GETÚLIO?

“Cada homem que eu encontro no Brasil representa uma forma estética


na concepção musical”
(VILLA-LOBOS apud CARVALHO, 1998, p. 82)

“O canto orfeônico é uma das mais altas cristalizações e o verdadeiro


apanágio da música. Porque, com o seu enorme poder de coesão,
criando um poderoso organismo coletivo, êle integra o indivíduo ao
patrimônio social da Pátria. Entretanto, o seu mais importante aspecto
educativo é, evidentemente, o auxílio que o canto coletivo veio prestar à
formação moral e cívica da infância brasileira” (VILLA-LOBOS, 1940b, p.
10).

4.1 A ampliação do Projeto

A expansão do Canto Orfeônico ocorre antes do Estado Novo e não


após como normalmente se pensa. Desta feita, a lógica de intervenção do Estado
já vinha se desenvolvendo antes de novembro de 1937. Voltemos ao ano de 1935
e vejamos as reformas pretendidas por Villa-Lobos para que a música no Brasil
fosse aperfeiçoada.
No dia 05 de janeiro de 1935, o Jornal do Commercio realiza uma
entrevista com Villa-Lobos que expõe seus balanços das atividades da SEMA até
então e as expectativas para o ano:

O facto mais importante de actuação do ensino de musica e canto


orpheonico, é constatamos, nos relatórios que recebemos de todas as
escolas do Districto Federal, públicas e particulares, a incontestável
transformação dos hábitos e attitudes escolares.
As musicas do carnaval, os programas de radio, as gravações dos
discos, tudo isso, embora seja muita coisa, ha-de de soffrer, fatalmente, a
influencia elevação do gosto popular. Os resultados, que já se vem
colhendo, fazem esperar que dentro de 3 a 4 annos a musica popular,
mesmo a que se canta nos dias de carnaval, será uma verdadeira
manifestação de arte do povo.

Nesta mesma matéria, ele acrescenta informações sobre a criação do


Instituto de Educação Popular Musical e de seu objetivo:

121
O Instituto de Educação Popular Musical, cujo o programma não posso
aqui detalhar, além de sua alta finalidade artístico-educativo, dará aos
compositores populares as luzes para se orientarem através da
orientação constante do folklore estrangeiro. Com a organização deste
Instituto, a SEMA lançará a principal base de educação do povo, dando-
lhe habilitação absoluta para discernir e julgar em matéria de arte. Esse
Instituto virá completar justamente com o ensino instrumental já applicado
nas escolas technicas o programa de desenvolvimento musical traçado
pela SEMA.

De acordo com tais citações, fica claro que o projeto pedagógico do


Canto Orfeônico tinha em vista o “aperfeiçoamento” artístico do povo, intervindo
em suas diversas manifestações, desde o carnaval até a gravação de discos que
nesta época estava ganhando força no país 272.
Mas as reformas pretendidas por Villa-Lobos não ficariam por aí. O ano
de 1937 começa com uma grande controvérsia noticiada amplamente pela
imprensa: a intenção de Villa-Lobos de reformar o Hino Nacional Brasileiro -
273
composto por Francisco Manuel, em 1822, e adotado oficialmente em 1831 .
Villa-Lobos teria anotado uma série de imprecisões na execução do Hino. No
274
jornal A Noite de 01 de março de 1937 , Villa-Lobos confirma que a comissão
que analisaria o Hino Nacional seria comandada pelo ministro da Educação
275
Gustavo Capanema . Com a presença do próprio compositor carioca e de
outros cinco membros, indicados, respectivamente, pelo ministro da Guerra
Gaspar Dutra, pelo Ministro da Marinha, pelo próprio Capanema, pelo prefeito do
Distrito Federal Pedro Ernesto. Houve resistência. O ensaísta, Agripino Grieco, por
exemplo, disse no jornal Correio da Noite, do dia 02 de julho de 1937: “Acho que
ninguém tem o direito de mexer nos compassos do Hymno Nacional. Acaso
toleraríamos que um poeta qualquer de má morte fosse corrigir as rimas dos
‘Lusíadas’ por achá-las pobres ou sem brilho?”.
Poucos dias depois, no dia 08 de julho, no Jornal do Brasil, a comissão
formada por Villa-Lobos, pelo Maestro Osvaldo Cabral (professor de bandas de
272
Sobre o desenvolvimento da indústria fonográfica no país, cf. Dias (2000) e Ortiz (1988).
273
A respeito de Francisco Manuel e da composição do Hino Nacional, cf. Mariz (2005[1949], p.
63-72).
274
Cf. Anexo U, p. 247.
275
Conforme o despacho do Ministro Gustavo Capanema, cf. Anexo V, 248.

122
música da Marinha), tenente Arsenio Fernandes Porto (regente da Escola de
Guerra), Andrade Murici (professor da Universidade do Distrito Federal e grande
amigo de Villa-Lobos) e Francisco Braga (professor do Instituto Nacional de
Música e amigo do pai do compositor Raul Villa-Lobos e membro da SEMA),
apontou a existência de vinte e sete alterações de ritmos e trinta e duas notas
trocadas na matéria intitulada “Os Erros do Hino Nacional”.
Na ocasião, em paralelo aos serviços da comissão, Villa-Lobos baixou
um edital exigindo a correção da execução dos hinos patrióticos por parte dos
professores em alguns estados como Pará, Rio Grande do Sul e o território do
Acre - que segundo Villa-Lobos estariam sendo deturpados devido a influencia
regionalista 276.
O caso da reforma do Hino Nacional é bem sintomático de como a
temática da unidade cultural era importante nas iniciativas pedagógicas de Villa-
Lobos, assim como fora a maioria das políticas culturais do período. Desta forma,
a unidade nacional teria que ser assegurada com uma execução desregionalizada
277
do hino . Toda esta celeuma envolvendo o Hino foi resolvida em 1942, sem as

276
Conforme este trecho da obra: “Os hinos patrióticos que eram deturpados tanto na música como
na letra, bem como na concatenação de uma com a outra, alterados pelo imperfeito conhecimento
dos que os cantavam e sob influência regionalistas, como tive oportunidade de verificar
pessôalmente Estado por Estado, desde o Rio Gde. do Sul até o Pará e no Território do Acre -
apresentando-se de modo diferente do oficializado com a implantação do ensino de música, e com
o maior cuidado por parte dos encarregados do ensino do canto, estes hinos foram voltando,
pouco a pouco, a ter execução cada vez melhor, não só pela infancia das escolas como pelo povo
em geral. Diante dessa observação, a minha primeira preocupação ao chefiar o ensino de música
e canto orfeônico, foi baixar um edital, não permitindo que os hinos fossem cantados á entrada e
saída das escolas, até que se fizesse, por meio de reuniões de professores, um estudo
consciencioso dos mesmos, corrigindo-lhes as imperfeições. Logo depois de bem tratada a
declamação cuidei com o máximo interesse das respectivas músicas, verificando que os proprios
professores cantavam com os mesmos vícios de entoação e rítmo com que cantavam os
escolares. Tive a decepção de ver mal interpretada a minha resolução, havendo mesmo um jornal
se excedido em zelos mal impregados, atacando a minha orientação e se tornando critico injusto e
opositor sistemático de tudo quanto se fazia na SEMA. Respondi a essas criticas esclarecendo as
conveniencias das medidas adotadas e demonstrando a sua finalidade e necessidade, enviando
para os jornais, para o conhecimento dos brasileiros que se interessam por esse magno assunto
modêlos autenticos dos hinos, principalmente do Hino Nacional cuja deturpação mais do que dos
outros devia ser evitada” (VILLA-LOBOS, 1937c, p. 375).
277
Interessante é indicar que, mesmo com as reviravoltas institucionais que envolveram a
Proclamação da República e o Estado Novo, o Hino Nacional não sofreu nenhuma alteração. Cf.
Carvalho,1990, p.109-129.

123
alterações propostas. De todo modo esta controvérsia evidencia que Villa-Lobos
não queria se restringir ao projeto pedagógico do Canto Orfeônico e, como será
discutido à frente, o compositor das Bachianas Brasileiras se comportou como um
mediador fundamental para a sistematização da música brasileira.
O ano de 1937 ficou marcado no projeto pedagógico de Villa-Lobos como
decisivo na esfera das publicações em torno das realizações do Canto Orfeônico para
a cultura nacional. Assim, estas obras estão dentro da ampliação de seu projeto
educativo, dentro das iniciativas do Ministério da Educação e Saúde de Gustavo
Capanema durante o Estado-Novo (1937-1945).
Durante este primeiro período, Villa-Lobos publicou as seguintes obras
de propaganda e de fundamentação e prática de educação musical: Programa de
música: Jardim da Infância, Escolas Elementar Experimental e Técnica
Secundaria e Cursos de Especialização (1937b); SEMA (Superintendência de
Educação Musical Artística): relatório geral dos serviços realizados de 1932 a
1936 (1937c); O ensino popular da música no Brasil: o ensino da música e do
canto orfeônico nas escolas (1937a) 278.
O estilo de tais escritos não primava pela sistematização, muito próximo
da retórica extravagante do compositor adicionada à linguagem comum nos livros
oficiais, possibilitando, segundo Guérios (2003), a possível interferência externa
de outras pessoas envolvidas com o governo. Todavia, o valor de tais escritos não
está propriamente na autoria, mas sim em seu sentido de se instituir, a partir da
música, uma cultura nacional “elevada” de acordo com os ditames políticos da
época.
Em S.E.M.A (Superintendência de Educação Musical Artística): relatório
geral dos serviços realizados de 1932 a 1936 (1937c) – editado pelo Boletin Latino
Americano de Música, o compositor define o Canto Orfeônico como um:

278
Outra obra importante publicada com o aval da SEMA foi O Orfeão na Escola Nova (1937) da
Professora do Orfeão do Distrito Federal Leonila Linhares Beuttenmüller. A crítica de Guérios à
escrita dos textos assinados por Villa-Lobos não se aplica a esta obra devido a sua melhor
sistematização, cf. capa da obra, Anexo W, p.249.

124
Elemento educativo destinado a apurar o bom gosto musical, formando
elites, concorrendo para o levantamento do nível popular e
desenvolvendo o interesse pelos factos artísticos nacionais. É o melhor
fator de educação cívica, moral e artística. O canto orfeônico nas escolas
tem como principal finalidade colaborar com os educadores, para obter-
se disciplina espontânea e voluntária dos alunos, despertando ao mesmo
tempo, na mocidade um são interesse pelas artes em geral e pelos
grandes artistas.
Concluem-se, pois, de tudo isso, que tanto o canto lírico e o orfeônico,
apesar de diferentes entre si, não são mais ramos de um tronco único: o
canto em conjunto (VILLA-LOBOS, 1937c, p.370).

Villa-Lobos deixa claro que o Canto Orfeônico estaria para além de uma
função estética. Não apenas na passagem acima, mas em muitos outros
momentos de sua obra pedagógica o compositor firma a função moral e cívica
alinhada à artística do projeto pedagógico. Desta forma, a disciplina é um
elemento moral na conduta individual, cívica na submissão aos símbolos nacionais
e artística na correta apreciação e reprodução musical, disciplina esta considerada
instintiva que o projeto educacional deve despertar. Ou como afirma o compositor:

Nenhuma outra arte exerce sobre as camadas populares, influência tão


poderosa como a musica, que interessa até os espíritos mais retardados,
estendendo-se o seu domínio até os irracionais.
Em contraposição a isso, nenhuma outra arte tira de povo, maior soma
dos elementos de que necessita como matéria prima. Muitas belas obras
corais, profanas e litúrgicas, têm como fonte única de inspiração: o povo.
O movimento em favor do levantamento do nível artístico e da
independência da Arte no Brasil, foi iniciado por meio do canto orfeônico
sendo distribuídos prospectos, nos quais a finalidade prático-cívico-
artistica do orfeão era apresentada em frases curtas, incisivas e
exortativas, em linguagem clara e acessível.
Com o fim de despertar interesse, essas exortações eram dirigidas mais
ao civismo do povo brasileiro de que propriamente á sua cultura artística
atendendo não só ao nível ainda pouco elevado em que ela se encontra,
como ao indiferentismo que envolve nosso meio especial, excetuando
apenas pequenas elites que, ainda assim, consideram a musica simples
passa tempo ou agradável divertimento.
Na verdade, a Música só poderá ocupar o lugar que se valor lhe confere,
quando for devidamente apreciada a sua inestimável cooperação para a
educação social-civico-artistico e considerada indispensável á vida e
progresso de um povo (VILLA-LOBOS, 1937c, p. 370).

125
Nesta perspectiva, o povo - a massa, ainda em estado de
279
“aperfeiçoamento” civilizatório - é o objeto do Canto Orfeônico. O projeto
educacional deveria transformar o povo, pelo patriotismo, num organismo cívico,
em que as classes e outros grupos sociais conviveriam de maneira harmônica.
Vejamos o trecho abaixo:

Todos os povos fortes devem saber cantar em côro.


A massa coral é um símbolo da sociedade moderna, em que os
interesses humanos se confundem. Todos neles se figuram: velhos,
moços, crianças, homens, mulheres, operários, camponeses, soldados,
sábios, poetas e artistas. (...)
Propagado pelas Escolas Públicas, o canto orfeônico irradia entusiasmo
e alegria nas crianças, desperta na mocidade a disciplina espontânea, o
interesse sadio da vida, amor à Pátria e à Humanidade!
Considerando que o Brasil é um dos países mais privilegiados do mundo,
cuja natureza concentra todas as artes, possuindo um povo de absoluta
musicalidade, que vive cantando inconscientemente com a sua
passarada, seus ventos, seus mares, seus rios;
Que na teoria do aproveitamento das cousas e dos factos, o cantar de
um povo é o desabafo da Alma, das Dores, da Alegria;
Que entoar canções e hinos elevados de sua terra, é dar prova de
civismo e força de vontade para agregação das massas, estimulando a
disciplina instintiva que cria o respeito que deve haver entre os povos
civilizados (VILLA-LOBOS 1937c, p. 372).

Desta forma, o projeto pedagógico ajudaria na criação das condições


para a modernização alicerçada no trabalho comum ao mundo civilizado: “O
Orfeão adotado nos países de maior cultura, socializa as crianças, estreita os seus
laços afetivos e cria a noção coletiva de trabalho” (Villa-Lobos, 1937c, p. 382).
Este objetivo articula-se à concepção do trabalho cooperativo que será
desenvolvida mais amplamente um pouco depois pelo Estado Novo, embora já
presente anteriormente, na verticalização dos sindicatos em relação ao Estado.
Afinal, o período “getulista” se caracterizou pela modernização nas relações
280
trabalhistas, inclusive em termos jurídicos , como na Consolidação das Leis do

279
Conforme as palavras de Villa-Lobos: “nenhum povo pode viver sem a música, pela simples
razão de que a expressão artística é de natureza vital para o progresso intelectual de um povo”
(VILLA-LOBOS, 1969a, p. 119).
280
Com a ampla participação de Oliveira Viana que, após a Revolução de 30, tornou-se consultor
da Justiça do Trabalho. Em 1940, o intelectual foi convidado pelo presidente Getúlio Vargas a
exercer a função de Ministro do Tribunal de Contas da União. Neste período sua reflexão em

126
Trabalho (CLT) - em sintonia com sua inflexão econômica voltada para políticas
industriais destinada a gradativa substituição das importações 281. Neste sentido, o
projeto pedagógico villalobiano estava de acordo com a exaltação de uma
modernização urbana impulsionada pelo Estado brasileiro.
A obra em questão possui, como todas as demais, um balanço ano a
ano das atividades da SEMA e dos processos de seleção de professores, como os
secundaristas, que tiveram, entre outras provas, a de “Conhecimento para
discernir os diversos estilos e gêneros de música” – incluindo “a Fuga de Bach;
Samba ou Tango de Ernesto Nazareth; Valsa de Chopin; valsa brasileira; Minuetto
de Beethoven; Gavotta; Schottisch; marcha” (Villa-Lobos, 1937c, p. 396). Assim
como nas outras obras, parte da alta cúpula da SEMA tem seus feitos citados:
Lorenzo Fernandez, Andrade Muricy, Frei Pedro Sinzig, José Vieira Brandão,
Arminda Neves de Almeida (esposa de Villa-Lobos a partir de então). Contudo,
apesar do registro extremamente positivo dos feitos da SEMA, este relatório
comporta críticas à situação estrutural das escolas nas quais o projeto do Canto
Orfeônico não pode ser executado – ressalvando o compromisso dos professores,
de acordo com esta passagem:

O serviço de música e canto orfeônico não poude se estender a todas a


escolas pela grande falta de professores, de instalações adequadas para
ensaios de conjunto, quadros convenientemente pautados, etc. Embora
lutando-se com todas essas dificuldades, houve este ano maior difuzão e
aproveitamento de ensino pela abnegação incalculável dos professores
que operam verdadeiros milagres, havendo mesmo professores, que
atendem a 3, 4 escolas com real aproveitamento de todas elas (Villa-
Lobos, 1937c, p. 401).

Já a obra O ensino popular da música no Brasil: o ensino da música e


do canto orfeônico nas escolas (1937a) reproduz boa parte dos trechos da obra
S.E.M.A (Superintendência de Educação Musical Artística): relatório geral dos
serviços realizados de 1932 a 1936 (1937c). Alguns trechos da primeira devem ser
destacados e comentados. O primeiro deles é da própria divisão funcional da

termos do papel do Estado frente aos sindicatos está presente nas obras: Problemas de direito
corporativo (1938); Problemas de direito sindical (1943), cf. Torres (1956).
281
Cf. Schwartzman (1983).

127
SEMA. A primeira seção formada por orientadores do ensino primário, ensino
técnico secundário, ensaio de banda; do teatro escolar (que abordaremos adiante)
e dos bailados e cenografia. Esta seção era responsável pela organização dos
planos de ensino, da “Radio Difusão”, aos cursos de “aperfeiçoamento” dos
professores do Canto Orfeônico e das parcerias frente à área de educação física e
do desenho e artes aplicadas do Distrito Federal. A segunda divisão era composta
pelos professores do Orfeão dos Professores que atuaram na Escola José Pedro
Varela (escola denominada de “elementar”) e nas demais escolas municipais
subdivididas em doze escolas intermediárias, duzentos e sete elementares, quatro
jardins de infância e cinco experimentais. Disponibilizou também subsídios
artísticos para os teatros municipais e para o ensino musical da Universidade do
Distrito Federal. A terceira seção era ligada diretamente à segunda pela parte
técnica, sendo responsável pela composição da Escola de Banda e Orquestra que
atuou na rádio difusão. A quarta seção estaria diretamente ligada ao gabinete do
superintendente (Villa-Lobos), na cópia e mimeogravação de músicas e letras. A
quinta seção ficaria responsável pela impressão e gravação das músicas. O
núcleo do poder seria a superintendência, com um gabinete composto de um
superintendente, de um assistente técnico, de um encarregado do ensino
instrumental e de um orientador assistente 282.
Esta obra indicaria a formação de um Teatro Escolar, idealizado por
Ceição Paula Barros em sintonia com os mesmos princípios disciplinadores do
283
Canto Orfeônico . Dentro desta mesma ótica, os chamados Bailados Artísticos

282
Cf. Villa-Lobos (1937a, p. 5-6).
283
Segundo C. Paula Barros: “O teatro infantil é um meio em que a creança amplia a percepção,
estimula a inteligência, desenvolve a sensibilidade e a memória, exercita a vida em coletividade,
treina e disciplina, fortalece o animo e adquire a calma e a presença do espírito” (VILLA-LOBOS,
1937a, p. 29).

128
tipicamente brasileiros284 – categorizado por Villa-Lobos 285
como “gênero
286
Diaghilew” - deveriam ser formados sob a supervisão atenta da SEMA 287.
Outro tópico a se destacar é a seleção de discos pelos funcionários da
SEMA que serviriam ao “aperfeiçoamento” artístico do ouvinte, com a inclusão de
diversos gêneros, como o popular e o erudito. Entretanto,

A música popular entra na coleção de discos escolhidos, apenas, para


prender a atenção dos ouvintes e servir-lhes de preparação, pois sem
essa gravação, dificilmente, se consegue despertar pelas músicas sérias
(grifo nosso – VILLA-LOBOS, 1937a, p. 32).

Nesta obra, Villa-Lobos faz um apelo aos outros estados da União para
que solicitem os serviços da SEMA, o que de fato ocorre, conforme relatamos no
288
Ato II, em estados como Sergipe e Minas Gerais . Outro dado importante é o
conteúdo de uma das duas palestras apresentadas por Villa-Lobos, intitulada de
“A música como veículo da Paz Universal”, na qual o compositor aponta – tal
289
como fez no manuscrito do Guia Prático e na imprensa - a vitrola, o cinema, o
carnaval e o esporte como responsáveis pelo declínio do gosto popular desde o
final da Primeira Guerra Mundial. A perspectiva elitista é vista na criação dos
Orfeões Artísticos Escolares com a seleção de setenta alunos, cabendo à direção
290
da regência aos próprios discentes . Em suma, esta obra comporta a primeira
publicação oficial do Quadro Sinótico do Guia Prático 291.

284
A respeito da formação do balé no Brasil e da importância dos bailados compostos por Villa-
Lobos, cf. Pereira (2003).
285
Cf. Villa-Lobos (1937a, p. 41).
286
O russo Serguei Pavlovich Diaguilev foi o mais importante empresário de balés na primeira
metade do século XX, criador do famoso Balé Russo que teve uma parceria lendária com Igor
Stravinsky, como, por exemplo, em O Pássaro de Fogo (1909) e A Sagração Da Primavera (1913),
cf. Craft (2002).
287
A partir de 1939, Villa-Lobos tentará institucionalizar o Teatro Escolar dentro de uma reforma
mais ampla do Canto Orfeônico. Cf. V Ato.
288
Villa-Lobos em tom de lamentação aborda as dificuldades de se levar o projeto de educação
musical para as escolas rurais. Dificuldades estas relacionadas ao ordenado reduzido e aos
problemas de locomoção por parte dos docentes. Os concertos musicais em torno da Semana
Rural serviram para atenuar tais dificuldades, cf. Villa-Lobos (1937a, p. 38-39).
289
Cf. III Ato.
290
A respeito dos alunos, Villa-Lobos comenta: “Entre os casos de precocidade artística nas
escolas, merecem citação especial crianças de 8, 9 e 10 anos de idade, com aptidões especiais
para composição e regência, dentre as quais destacou-se um menino de 10 anos, que, sem ter

129
4.2 O conteúdo didático

No rascunho da obra do Guia Prático, encontramos e já discutimos no


III Ato os aspectos principais relacionados à proposta didática do Canto Orfeônico,
entretanto foi na obra Programa do Ensino de Música: Jardim de Infância, Escolas
Elementar experimental e Técnica Secundária e Cursos de Especialização e
Cursos de Orientação e Aperfeiçoamento do ensino de música e Canto Orfeônico
292
(1937b) que o projeto parece, pela primeira vez, melhor sistematizado.
A obra se inicia tratando logo do triunvirato normativo do projeto do
Canto Orfeônico baseado nas três finalidades: “disciplina, civismo e educação
artística". No tópico que trata da “Disciplina” são afirmados os propósitos da
293
saudação orfeônica que é a disseminação de um ambiente de controle . No
294
Civismo que é baseado no “estudo dos hinos e canções nacionais” e a
295
Educação Artística na “seleção, classificação e colocação de vozes” .
Sobre os principais aspectos pedagógicos do Canto Orfeônico, Villa-
Lobos irá destacar a “Califasia” e da “Califonia”, respectivamente, como as
296
ciências do “bem falar” e do “bem cantar” ; a “Declamação Rítmica”, “não só o
sentido do texto a ser estudado, como valor de cada palavra dentro do ritmo da
297
musica” ; a “Exortação” tida como talvez o aspecto mais importante, já que
298
“representa uma Prece ao Brasil” ; a atitude dos orfeões baseada na correta
respiração e emissão do som, em que é “compreendido que a disciplina é a base

sido anteriormente qualquer iniciação artístico-musical, revelou-se, nas aulas de canto orfeônico, o
1° regente do orfeão artístico da escola” (VILLA-LOBOS, 1937a, p. 37).
291
Conforme apontamos no III Ato.
292
Esta obra tem um depoimento elogioso da pianista e educadora Marguerite Long ao Orfeão de
Professores do Distrito Federal: “Na França não existe um orfeão que tenha conseguido tão
rapidamente o progresso do Orfeão de Professores, cantando com tanta perfeição” (VILLA-
LOBOS, 1937a, p. 43).
293
Além de seus propósitos de ser “um exercício especial de ginástica para dilatação dos órgãos
respiratórios” (VILLA-LOBOS, 1937b, p. IX).
294
Cf. Villa-Lobos (1937b, p. IX).
295
Op. cit., p. IX.
296
Op. cit., p. 13.
297
Op. cit., p. 13.
298
Op. cit., p. 14.

130
299
do canto orfeônico” ; a “Respiração” realizada ritmicamente como preparo da
voz, dividindo-se em seis modalidades: “Descanso”, “Disciplina”, “Com a mesma
disciplina” – “Emitindo som, mas sem cantar (suspiro)”, “Com ritmo e entoação”,
“Definindo a nota e entoando” e “Entoação artística” que” só é empregado para se
observar os alunos que tenham belas vozes artísticas, impostadas naturalmente,
reservando-se, para esses alunos, um cuidado especial” (VILLA-LOBOS, 1937b,
300
p. 16) ; Classificação e Seleção de Vozes, em que o professor seleciona vozes
afinadas e desafinadas 301. A “Saudação Orfeônica” assim foi definida:

É um gesto simbólico de mão aberta, colocada á altura do ombro e da


cabeça, numa contingência rápida que serve para precisar o início da
rigorosa disciplina que requerem todos os conjuntos vocais nas escolas
(VILLA-LOBOS, 1937b, p. 16) 302.

299
Op. cit., p. 15.
300
Op. cit., p. 15-16.
301
Op. cit., p. 16.
302
Conforme as palavras do compositor: “Pelas circunstâncias em que foi creado, o sinal da mão
espalmada tem varias significações: 1° - Sob o ponto de vista técnico, é um sinal de solfejo mímico
(monosolfa), que representa a nota sol. 2° - Mostra sinceramente a generosidade brasileira,
sempre ‘mão aberta’, 3° - Mostra que todos têm a inicial da palavra ‘Musica’, que na palma da mão.
4° - É um gesto eu simboliza uma apoteose ao Sol. A saudação ao Representante de alguma
nação que dê o nome à escola, é feita do modo contrario: a bandeira na mão esquerda e a
saudação com a mão direita. Da Saudação orfeônica, surgiu a Saudação à Alegria, que é um
movimento simultâneo dos dois braços levantados, após a primeira saudação, agitando as mãos
no alto da cabeça como azas de pássaros. É um bom exercício de ginástica, de real vantagem
para a ampliação do fôlego dos cantores dos cantores. A Saudação com Efeitos Plasticos
Orfeônicos é feita com frases curtas, cujas silabas são distribuídos em grupos de 4 aplicadas
separadamente em cada naipe de 4 vôzes, que formam o processo de ‘afinação orfeonica’. As
frases podem ser compostas em homenagem a fatos, e pessoas ilustres, sendo pronunciadas num
ritmo vago, sílaba por silaba, destacadamente no começo, aumentando pouca a pouco de
movimento e sonoridade, até se unir seguidamente, deixando perceber, com clareza, o sentido das
frases, em regular movimento rítmico, com grande sonoridade e muito entusiasmo. Na ultima silaba
de cada frase, para terminar, faz-se um efeito exagerado de ‘sirene’, com muita alegria ou
discretamente, segundo o sentido das frases. Devem ser efeitos simultaneamente, com diversos
movimentos de braços, seguindo com a máxima atenção os de regente. São esses movimentos
plásticos dos braços, representados da seguinte maneira: a) (Referente á Bandeira) – Braços
levantados verticalmente, mãos abertos e dedos bem unidos, formando em seguida com as mãos
em ângulo sobre os braços, gesticulando com presteza, dando a impressão de bandeiras. b)
Levantar subitamente os braços firmes, com as mãos e dedos bem abertos, voltados para dentro,
abaixando os braços lentamente, com uma pequena oscilação dos dedos (impressão de terror). c)
Levantar os braços naturalmente e gesticula-los em fôrma de cruz, de lado a lado, sempre
acompanhado a dinâmica” (VILLA-LOBOS, 1937b, p. 17-18).

131
Ainda são destacados na obra a “Afinação Orfeônica” feita a partir da explicação
do docente do uso do diapasão, no qual a afinação dos alunos sem conhecimento
musical era realizada “em uníssono, repetida vezes, com vogais e boca fechada, o
303
mais pianíssimo possível” e para os que detêm mais de conhecimento musical
afinação realizada através de acordes304; nos “Efeitos de Timbres Diversos do
305
Orfeão” ocorrem as imitações, por exemplo, do vento ; “Música por Audição”, na
qual se desenvolve a atenção auditiva frente às diferentes harmonias vocais e a
reprodução em pianíssimo do que fora escutado, evitando assim “o velho vicio da
306
gritaria, tão comum entre a petizada” ; a “Teoria Musical Aplicada”, que, para os
alunos com nenhum conhecimento musical, é feita de maneira breve e acessível
e, para aos alunos com algum conhecimento musical, o professor deve ensinar de
307
maneira prática os termos técnicos (clave, notas, compassos etc) ; a
308
Manossolfa dividida em: “falado, entoado, simples e desenvolvido” ; e, por fim,

303
Segundo o compositor: “o pianíssimo, na afirmação orfeônica, tem por fim obrigar o aluno a
desenvolver seus órgãos auditivos para mais clara percepção da qualidade do som e nome da
nota” (VILLA-LOBOS, 1937b, p. 18).
304
Estes alunos seriam divididos da seguinte forma “nos conjuntos orfeônicos masculinos, os
baixos darão a fundamental, os barítonos a 3°, os tenores a 5° e os tenorinos a 8° acordes. Nos
conjuntos infantis, havendo apenas contratinos e sopratinos, afinação orfeônica poderá ser feita do
seguinte modo: dividem-se os contratinos e sopratinos em dois grandes grupos cada um, sendo
que o primeiro grupo entoará a fundamental (que poderá ser no Maximo o sol grave do 3° espaço
inferior da clave de sol); o 2° grupo a 3°; o 1° grupo dos sopratinos a 5° e o 2° a 8° do acorde. Nos
conjuntos femininos de adultos, a afinação poderá ser feita de dois modos: os contraltos se
dividirão em 1° e 2°, dando a 1° fundamental, o 2° a 3°, meio-soprano a 5° e 6° soprano a 8°
acorde; ou então: os contraltos a fundamental; meio sopranos graves a 3°; meios- sopranos a 8°
do acorde” (VILLA-LOBOS, 1937b, p. 18-19).
305
Cf. Villa-Lobos (1937b, p. 19).
306
E continua “Para o professor, é de particular vantagem, atendendo-se a que sons emitidos em
pianíssimo não prejudicam os órgãos vocais. Sob o ponto de vista da finalidade e interpretação dos
hinos e canções patrióticas, em todos os cursos, o professor deverá observar os critérios na fôrma
de ensinar estes gêneros de composição musical: 1°- quando forem interpretados como uma
oração cívica-patriotica, os côros cantarão em unissimo a principal melodia. 2° - quando o forem
como demonstração artística, estas mesmas musicas serão cantadas a duas vozes, sendo a
segunda em contracanto” (VILLA-LOBOS, 1937b, p. 20).
307
Cf. Villa-Lobos (1937b, p. 21).
308
Segundo o compositor, a monossalfa: “deve ser empregado para reter os nomes das notas e
nomeá-las disciplinarmente a um determinado movimento da mão do professor. O seu fim é
principalmente acostumar os alunos á disciplina do conjunto. Logo que eles conheçam, mais ou
menos, os nomes correspondentes aos sinais da mão, o professor passará à entoação das notas,
empregando, assim, a monosalfa entoado. O monosalfa é simples quando o solfejo é um unissimo.
É desenvolvimento quando é feito a duas e três vozes, empregando-se sinais convencionais para

132
os “Dados Simples da História da Música” que são ministrados desde “as classes
elementares” 309, através dos fatos interessantes da vida dos compositores.
Os principais elementos do ensino do Canto Orfeônico no curso
secundário técnico seriam os mesmos do primário, sem, entretanto, o emprego
dos procedimentos pedagógicos próprios para as crianças desta faixa de
aprendizado. O ensino dos conhecimentos teóricos mais aprofundados seria
sempre ministrado de forma prática, dentro do “programa teórico seja conhecido
por um processo intuitivo e aplicação aos hinos e canções em estudo” (Villa-
Lobos, 1937b, p. 23).
Outros dados importantes a respeito do método pedagógico do Canto
Orfeônico no ensino elementar e secundário dizem respeito ao procedimento de
escolha do repertório musical e da seleção estética dos alunos. Em relação ao
primeiro, a escolha do repertório ficaria a cargo da aprovação da SEMA e a escuta
através de rádios e concertos educativos (banda, coro e orquestra). Já em relação
à seleção estética dos alunos, a mesma ocorria na separação entre “melhores
310
elementos”, “menos hábeis”, “desafinados” e “ouvintes” , cabendo ao professor
a seleção dos melhores que assistiram aos espetáculos artísticos ocorridos nos
311
teatros de acordo com a orientação da SEMA .
Para melhor compreensão da visão de mundo compactuada por Villa-
Lobos, é fundamental observarmos o tópico da História da Música e a sua
classificação, com algumas nominações bem curiosas:

1°. Musica Primitiva; 2°. Musica Grega até a Idade Média; 3°. Música
Litúrgica; 4°. Música Antiga; 5°. Música Clássica incluindo o Romantico e
Poetico (Schumann como seu iniciador da Escola Romantica e Chopin
com a Poetica); 6°. Música Típica (Mussorgsky); 7°. Música de Câmara:
Pura (Mozart e Haendel); Simbolista (G. Fauré, Chausson, Debussy e
outros na maioria franceses), Impressionista (Florent Schmitt Richard
Strauss), Expressionista (Poulenc, Tailleferre, Debussy e outros), Néo-
classicista (Milhau, Honnegger, Strawinsky etc.); Realista; Super-Realista;

determinar acidentes, escalas ascendentes e descendentes, repetição de notas, etc” (VILLA-


LOBOS, 1937b, p. 22).
309
Cf. Villa-Lobos (1937b, p. 22).
310
Op. cit., p. 51.
311
Op. cit., p. 53.

133
Mecanica e Matematica (Schoenberg, Mac Jacob, Ferroud, Edgard
Varèse, etc.) 312 e o Néo-Retro-Primitivista (Bela Bartók); 8°. Música
Sinfonica e de Pequenos Conjuntos: Futurismo (apresentada por
Marinetti, continuada e sustentada por Pratella, Casella, e outros, sendo
seus adeptos me sua maioria, italianos e hungaros); 9°. Música de
Dilatente (gênero de musica especial para concertos ou recitais que são
frequentados por uma elite dos auditórios que apreciam a musica elevada
accesivel, segundo o gráu de educação musical, formado por um habitual
frequência e interesse a essas reuniões artísticas. Creado e introduzido
por Franz Listz); 10°. musica de Bailados (uma das maiores
manifestações de arte musical);11°. Música de Opereta (cômica, trágica,
dramática e bulesca); 12°. As Sub-Artes: Córos patrioticos e civicos,
hinos, canções estilizadas, operetas, revistas e generos afins (VILLA-
LOBOS, 1937b, p. 34-35).

No mesmo tópico, igualmente curiosa é a “Arvore Genealógica dos Genios


313
Creadores de Tecnicas e Orientações Originais da Música” , vindo do século
XVII ao XX: Bach (tronco máximo), Haydn, Mozart, Beethoven, Wagner, Chopin,
Debussy e Stravinsky 314.
Ao final desta obra, encontramos um quadro acerca do repertório
trabalhado em sala de aula. Reproduzimos as principais linhas do quadro
publicado com “algumas obras musicais adotadas no ensino de canto orfeônico no
315
ano de 1937” : o repertório era composto por hinos, marchas, canções,
cantigas, peças sacras e eruditas. Além dos tradicionais Hino Nacional (de
Francisco Manuel) e o da Independência (de D. Pedro I), o repertório continha
hinos compostos pelo próprio Villa-Lobos - a exemplo do Meus pais e Brasil Novo.
As letras destes dois hinos são atribuídas ao Zé do Povo, um pseudônimo
316
atribuído a si mesmo por Villa-Lobos ou por alguém próximo . Dos doze hinos
coletados, um tem um arranjo seu, o Hino Acadêmico, de Carlos Gomes e o

312
Villa-Lobos compôs peças próximas do formato atonal de Schoenberg, visto no Pierrot Lunaire
(1912), através dos Epigramas Irônicos e Sentimentais (1921) que tinham o texto de Ronald de
Carvalho, cf. Villa-Lobos (1989, p.175).
313
Desta forma: “A denominação de ‘Arvore Genealógica’ foi dada, tendo em vista o incontestável
parentesco, formado por sensíveis influencias da época, nas formas e estilos desses compositores”
(VILLA-LOBOS, 1937b, p. 35).
314
Cf. Villa-Lobos (1937b, p. 35).
315
Excluirmos a seção “vozes” por julgar desnecessária de acordo com a análise que estamos
desenvolvendo. Cf. Villa-Lobos (1937b, s/p), Anexo A, p. 225.
316
Cf. Villa-Lobos (1989, p. 222 e 271).

134
maestro Francisco Braga que assina o Hino à Bandeira (com letra de Olavo Bilac)
e o Hino à Confraternização Americana (com letra de Goulart de Andrade). Todos
os hinos são categorizados em termos de “caráter educativo” como “cívico”,
apenas o Hino Nacional para duas vozes é nominado como “cívico-artistico”. A
“indicação” de tais hinos são em sua maioria tanto para ensino elementar quanto
para secundário. Apenas o Hino Meu País seria executado exclusivamente no
secundário.
317
Os temas musicais de “caráter educativo” seriam: machas (seis) ou
canções (dois). Dos oito indicados, Villa-Lobos assinaria dois: Dia de Alegria e
Quadrilha Brasileira (dois machas); e faria o arranjo da canção de J. B. Julião,
Abelhinha. O maestro Francisco Braga seria responsável pela composição da
macha A Infância.
Dos temas musicais tipificados de folclóricas, onze no total, a maioria é
categorizado como “folclore ameríndio” (quatro). Os demais são “folclore mestiço”
(três), “Folclore fetichista” (um) e “folclore estrangeiro” (três). Em relação ao
“folclore mestiço”, é interessante apontar que as letras são de indicação “popular”,
tidas como incógnitas quanto à autoria da composição e presumivelmente de
origem afro-brasileira pela nominação: Um canto que saiu das senzalas (“canção
de rede”), Papai Carumiassú (“canção”) e Gavião de Penacho (“canção” composta
por Francisco Braga e com letra de Afonso Arinos). Também de origem afro-
brasileira, a “canção” Xangô é classificada quanto ao gênero de “folclore
fetichista”. As “canções” de “folclore estrangeiro” seriam adaptadas pela SEMA e
seriam tidas como incógnitas quanto à autoria da composição. Todos os temas
seriam indicados tanto para as escolas elementares quanto para as secundárias, à
exceção de Ena-Mô-Kô-Cê (“folclore ameríndio”), Um canto que saiu das senzalas
e Papai Carumiassú e Xangô, que seriam para as escolas secundárias.
Destaca-se neste quadro o número de peças na seção de “música
religiosa”, dezenove no total. Destas, sete canções são brasileiras, sendo cinco de

317
Uma destas canções era classificada quanto ao gênero como Macha-Quadrilha, cf. Villa-Lobos
(1937b, s/p), Anexo A, p. 225.

135
318
Villa-Lobos – destacando o Oratório VidaPura , uma do Padre José Maurício e
319
outra de Glauco Velásquez . A maioria é classificada quanto ao gênero de
“sacro” (14), as outras classificações se referem, por exemplo, ao “canto
ambrosiano”, Padre Nosso-Creador, e ao “clássico religioso”, Moteto (de
Palestrina com arranjo de Villa-Lobos) e Ecce Sacerdos (de Vitoria-45). Outra
peça arranjada por Villa-Lobos foi Ave Maria de Franchescini. Todas as peças
eram indicadas para a “escola secundaria”.
Quanto às “músicas artísticas”, foram indicadas seis peças: Revérie
(Schumann, “melodia”), Orféo (Monteverdi, ópera) Iphigénie en Aulide (Gluck,
arranjo de Villa-Lobos, “ópera”) Ave Maria, Colombo (ópera de Carlos Gomes,
320
arranjo de Villa-Lobos) , Bucolica (Lorenzo Fernandez, “canção”) e Preces sem
palavras (Villa-Lobos, “canção”). Todas seriam indicadas para “escola secundária”,
à exceção de Revêrie.
Em suma, toda esta construção didática estaria voltada para fins
pedagógicos sintetizados no tripé “disciplina, civismo e educação artística”, cuja
utilização política seria mais visível nas concentrações orfeônicas realizadas,
especialmente, durante o Estado Novo.

4.3 O Estado Novo e a Música

É impossível entendermos o percurso de Villa-Lobos e do próprio Canto


Orfeônico sem dimensionarmos o período do Estado Novo e de suas
consequências políticas e culturais para o país. O Estado Novo aprofundou as
iniciativas institucionais em prol da invenção de uma cultura nacional, ao mesmo
tempo em que ampliou o autoritarismo político tanto à esquerda quanto à direita.
Assim, o Estado Novo tornou ainda mais próximas as esferas políticas e culturais
que já vinham em processo de estreitamento desde o início do “getulismo”, após a
Revolução de 1930.
318
Cf. Villa-Lobos (1989, p. 160).
319
Respectivamente Kyrie e Padre Nosso, cf. Villa-Lobos (1937a, s/p), Anexo A, p.226.
320
Sem indicação de execução das quatro partes que compõem a ópera.

136
Entretanto, não podemos compreender as razões do golpe de 1937
sem deixarmos de afirmar que o mesmo já estava delineado na lógica do
comportamento político antes de seu ocorrido. Inclusive, antes da Intentona
Comunista 321, o governo baixara a Lei de Segurança Nacional, ainda em abril de
1935, com o intuito de centralizar, numa legislação à parte, os crimes contra o
Estado. Em 1936, a LSN seria aperfeiçoada com a criação de um Tribunal de
Segurança Nacional que teria o intuito de julgar com mais eficácia e agilidade
processual os “crimes” contra a nação 322.
O primeiro acontecimento justificador para o posterior golpe de estado,
em novembro de 1937, teria sido a Intentona Comunista, 1935, comandada pela
ANL (Ação Nacional Libertadora), liderada por Luis Carlos Prestes e rapidamente
323
sufocada pelas forças repressivas do governo . O segundo teria sido o Plano
Cohen, uma peça de ficção anticomunista e antissemita criada pelo AIB (Ação
Integralista Brasileira), em 1932, e apropriada pelos militares, que o “entregaram” -
na figura do general Góis Monteiro – ao presidente Getúlio Vargas que autorizou a
divulgação do plano à imprensa que a propagou com ampla cobertura. Desta
maneira, o golpe se justificaria frente ao “perigo vermelho e judaico” alardeado
pela imprensa. 324
Com este ambiente criado, o golpe ocorreu em 10 de novembro de
1937, através do fechamento do Congresso Nacional, sem grandes resistências, e

321
Vejamos este trecho de Neto (2013, p.313) acerca do uso político da insurreição por Getúlio
Vargas nos anos que se seguiram ao ocorrido: “De inicio agendada para 19 de novembro – o Dia
Da bandeira -, o evento na praia do Russell precisou ser adiado por causa das chuvas que caíram
naquela data sobre o Rio de Janeiro. Aproveitou-se a ocasião para fazê-lo coincidir, a 27 de
novembro, com o terceiro aniversário do levante comunista de 1935. ‘A Bandeira do Brasil e os que
morreram em seu holocausto: duas datas que se encontram diante do Altar da Pátria’, exaltou a
manchete de A Noite. Após a missa, um contrito Getúlio Vargas deixou o palanque e, mais
expansivo, encaminhou ao mastro central onde hastearia um grande bandeira do Brasil (...) Como
determina o protocolo, o hasteamento coletivo foi feito ao som do Hino Nacional, executado por
bandas militares e cantado pelo coral infantil regido por Villa-Lobos. Ao final da execução, fogos de
artifício arremessados por girândolas armadas à beira-mar explodiram no céu e, durante a queima,
deixaram cair sob a plateia um miríade de bandeirinhas verde-amarelas, que desceram lentamente
até o chão, amparadas por minúsculos paraquedas”.
322
Cf. Schwartzman (1983).
323
Resultando na prisão de Luis Carlos Prestes e na deportação de sua esposa grávida, Olga
Benário, para a Alemanha nazista em 1936.
324
Cf. Bomeny (2001), D’Araújo, (2000); Schwartzman, (1983, 1984).

137
325
da outorgada Constituição escrita por Francisco Campos naquele mesmo ano .
A ampliação do poder de Getúlio Vargas deu-se à direita com a proibição da
existência dos partidos políticos no Brasil, inclusive a AIB de Plínio Salgado, que
posteriormente tentou um golpe conhecido como “putsch integralista”, em maio de
326
1938, mas contornado pelas forças leais ao ditador gaúcho .
Em nossa pesquisa, não tivemos acesso a nenhum comentário pontual
de Villa-Lobos ao golpe de 1937. Na verdade, o Estado Novo foi tratado como
estágio natural dentro das mudanças ocorridas no Brasil desde 1930. O
compositor ia além, afirmando haver uma relação de propósitos entre a catequese
indígena capitaneada pelos jesuítas e a nova educação popular ocorrida durante o
novo regime político. Assim, o Estado Novo não se iniciaria em 1937, através de
um golpe de Estado, mas sim desde a Revolução de 1930.
A obra A Música Nacionalista no Govêrno Getulio Vargas (1940b) era
apologética do nacionalismo do Estado Novo. Nela encontramos uma
fundamentação que insere as realizações da SEMA dentro dos caminhos traçados
pelo Governo de Getúlio Vargas, a qual no ano da publicação desta obra fazia dez
anos. Como é destacado por Villa-Lobos:

Examinando atentamente algumas realizações definitivas que se


processaram no decênio do Presidente Getúlio Vargas, sentimos que a
intenção do Chefe do Govêrno não foi a de legar somente ao Brasil uma
nova estrutura política, social e econômica.
Pressentindo que as circunstâncias que envolvem a evolução de um
povo jovem, como o nosso, merecem carinhos especiais, os atos
administrativos passaram a ser concebidos num planos de grande
espiritualidade, analisando a gênese dos fenômenos sociais, para poder
chegar às sínteses construtoras.
Um programa de vastas e complexas proporções foi inicialmente traçado
e vem sendo cautelosamente elaborado, no sentido de incentivar a vida
espiritual do povo brasileiro.
Ao contrário dos antigos regimes, cuja máxima preocupação eram as
campanhas políticas estéreis, o atual Govêrno procurou coordenar tôdas
as forças diretrizes e sistematizar tôdas as energias num bom sentido
nacionalista (VILLA, LOBOS, 1940b, p. 13).

325
Segundo Silveira e Morais Neto (1990, p. 55), a Constituição de 1937 foi copiada da polonesa
então governada por Josef Beck.
326
Cf. Bomeny (2001), D’Araújo (2000), Neto (2013) e Schwartzman (1983, 1984).

138
Noutro momento, Villa-Lobos situa a música e a educação no projeto
maior de construção de uma nova nação:

Aproveitar o sortilégio da música como um fator de cultura e de civismo e


integrá-la na própria vida e na conciência nacional - eis o milagre
realizado em dez anos pelo Govêrno do Presidente Getúlio Vargas.
Porque a verdade é que a música no Brasil viveu sempre mais ou menos
divorciada da sua verdadeira finalidade social e do seu objetivo
educacional (VILLA-LOBOS, 1991[1946], p. 07).

A questão étnica e racial, de nossa especificidade mestiça, como base


da formação da nacionalidade é ressaltada na obra, dentro da propaganda racial
do Estado Novo:

Enquanto que o problema da fixação da conciência musical brasileira - tal


como foi encarado no atual regime - apresentava aspectos muito mais
complexos, ligados a fatores importantes de ordem social, remontando às
pròprias gêneses da raça em formação e implicando, de maneira geral,
quase que na determinação dos seus caracteres étnicos (VILLA-LOBOS,
1940b, p. 08).

Neste estágio “evolutivo da raça brasileira”, a música teria um papel a


cumprir. Mais do que a música, o Canto Orfeônico teria uma função a
desempenhar dentro nas iniciativas abertas pelo movimento político de 1930.
Vejamos o que diz Villa-Lobos:

Os caracteres psicológicos da nossa raça, e os seus processos de


evolução histórica, indicavam claramente o caminho a seguir: só a
implantação do ensino musical na escola renovada, por intermédio do
canto coletivo, seria capaz de iniciar a formação de uma consciência
musical brasileira (VILLA-LOBOS, 1940b, p. 09).

Desta forma, caberia aos “homens de cultura” guiar as massas para o


seu “aperfeiçoamento” cultural. No discurso da obra, é constante a ideia de
missão, dentro das características atribuídas à ação de uma intelligentsia, frente
ao ostracismo cultural no qual o Brasil se encontrava antes de 1930. Citemos Villa-
Lobos:

139
Não se pode desejar que um país adolescente, em estado de formação
histórica, se apresente, desde logo, com todos os seus aspectos étnicos
e culturais perfeitamente definidos.
Entretanto, o panorama geral da música brasileira, há dez anos atrás, era
deveras entristecedor. Por essa época, de volta de uma das minhas
viagens ao Velho Mundo, onde estive em contacto com os grandes meios
musicais e onde tive a oportunidade de estudar as organizações
orfeônicas de vários países, volví o olhar em tôrno e percebi a desoladora
realidade.
Sentí com melancolia que a atmosfera era de indiferença ou de absoluta
incompreensão pela música racial, por essa grande música que faz a
fôrça das nacionalidades e que representa uma das mais altas aquisições
do espírito humano.
Percebí que o mal-estar dos intelectuais e dos artistas não era apenas o
fruto de um desequilíbrio político e social - mas se originava, em grande
parte, de uma crescente materialidade das multidões, desinteressadas de
qualquer espécie de cultura e divorciadas da grande e verdadeira arte
musical (VILLA-LOBOS, 1940b, p. 17).

Villa-Lobos remeterá à sua missionária descendência aos padres


327
Manuel da Nóbrega e José de Anchieta, especialmente o último , a imagem de
328
arquétipos a serem seguidos na educação musical da SEMA . Como é dito
abaixo:

Como nos mistérios medievais, os autos religiosos dos padres Anchieta e


Nóbrega eram representados pelos índios e pelos sacerdotes, de comum
acôrdo, nos palcos que se elevavam junto às igrejas.
E de tal maneira se afeiçoaram à prática dêsses cânticos e autos
religiosos, que êles acabaram por ser levados nas próprias escolas dos
indígenas, pois os sacerdotes compreenderam que êles constituíam um
estímulo ao estudo e ao trabalho.
Quase que se pode afirmar, assim, que os padres Anchieta e Nóbrega
lançaram os fundamentos do canto orfeônico no Brasil. E com essa
admirável intuição de catequistas foram, até certo ponto, os precursores
do aproveitamento da música como fator de disciplina coletiva (VILLA-
LOBOS, 1940b, p. 24).

O compositor futuro de Magnificat Aleluia (1958), irá construir o mito de


que a educação religiosa dos padres jesuítas, implementada nos primórdios da

327
Cf. Villa-Lobos (1970, p. 113-114).
328
Entretanto, a referência ao Padre Anchieta como grande pedagogo musical é muito mais
mitológica do que fatual, cf. Holler (2010).

140
colonização brasileira, já teria os germes da educação chefiada séculos depois
pela SEMA. Desta forma:

Quase se pode afirmar, assim, que os padres Anchieta e Nóbrega


lançaram os fundamentos do canto orfeônico no Brasil. (...) E não será,
também, noutra esfera da cultura, uma obra de legítima catequese, essa
que empreendeu o Estado Novo (VILLA-LOBOS, 1940b, p. 23).

Indo além, a missão civilizatória, aqui confundida com a da catequese, seria


processada pelo Estado Novo e que a música, a “mais atrasada” em termos da
cristalização das características nacionais, tinha muito a ganhar de acordo com o
novo momento político: Assim sentenciava o compositor:

E não será, também, noutra esfera de cultura uma obra de legítima


catequese, essa que empreendeu o Estado Novo, quatro séculos mais
tarde, lançando as bases do canto orfeônico nas escolas brasileiras e
procurando, por meio dessa catálise musical, e dêsse renascimento do
canto coletivo, despertar as energias raciais e fortalecer o sentimento de
civismo?
Tudo leva a crer que sim. Porque a verdade é que a música no Brasil
esteve durante quase quatro séculos num estado de letargia, sofrendo
uma evolução lenta e retardatária.
Quando nas outras artes, na literatura sobretudo, já surgiam
manifestações legítimas do espírito de brasilidade, a música nacional
ainda não apresentava caracteres étnicos definidos.
Só no final do século passado, foi que apenas a música folclórica
começou a revestir-se de características mais nitidamente nacionais
(VILLA-LOBOS, 1940b, p. 24-25).

Certamente haveria certo nível de subordinação das iniciativas do


projeto pedagógico do Canto Orfeônico, em especial das práticas burocráticas da
SEMA ao DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), este chefiado por
Lourival Fontes. O outro nível de subordinação era frente ao Ministério de
Educação e Saúde, na pessoa de Gustavo Capanema. Homem de confiança de
Getúlio Vargas, assim como Gustavo Capanema, Lourival Fontes foi o
responsável pela construção do Mito Vargas já desde 1934, ano em que dirigiu o
Departamento Nacional de Propaganda e Difusão Cultural (DPDC), que veio a
substituir o antigo Departamento Oficial de Publicidade, criado em 1931. Lourival
de Fontes também comandou o Departamento Nacional de Propaganda (DNP). O

141
DIP teve uma configuração diferente, de acordo com o Decreto N° 1.049 de 27 de
dezembro de 1939, adequado aos tempos do Estado Novo, já que seria
subordinado diretamente ao presidente da República e não mais ao ministro da
Justiça como era o caso do DNP. Assim, caberia ao DIP:

centralizar, coordenar, orientar e superintender a propaganda nacional,


interna e externa, e servir, permanentemente, como elemento auxiliar de
informação dos ministros e entidades públicas e privadas, na parte que
interessa à propaganda nacional; superintender, organizar, fiscalizar os
serviços de turismo interno e externo; estimular a produção
cinematográfica nacional e classificar os filmes; coordenar e incentivar as
relações da imprensa com os Poderes Públicos no sentido de maior
aproximação das mesmas os fatos ligados aos interesses nacionais;
colaborar com a imprensa estrangeira no sentido de evitar que se
divulguem informações nocivas ao credito e à cultura do país; promover
intercâmbios com escritores, jornalistas e artistas nacionais e
estrangeiros; estimular as atividades espirituais, colaborando com artistas
e intelectuais brasileiros, no sentido de incentivar uma arte e uma
literatura genuinamente brasileira, podendo, para isso, estabelecer
prêmios; incentivar a tradução de livros de autores brasileiros etc
(SCHWARTZMAN, 1983, p. 63).

O DIP seria separado em cinco divisões atuando: no turismo, na


329
divulgação, na radiodifusão, no cinema e teatro, e na imprensa . O controle
prévio da censura seria exercido principalmente nas três últimas divisões. A parte
musical teria interferência na radiodifusão, através do controle sobre os programas
de rádio e das letras das músicas executadas e na organização de espetáculos
330
públicos, como nas apresentações de balé e das escolas de samba . O
programa A Hora do Brasil, diretamente subordinada ao DIP, veiculava muitas
peças eruditas do próprio Villa-Lobos e de Carlos Gomes e os sambas que
estariam de acordo com os ditames políticos, censurando a execução daqueles
que não estavam 331.
O autoritarismo foi constitutivo de várias iniciativas culturais, como as
relacionadas ao cinema, através da instituição do Instituto Nacional de Cinema
Educativo (Ince) para a “difusão cultural”. Este instituto teve a direção de Roquete-

329
Cf. Schwartzman (1983, p. 63).
330
Cf. Garcia (2009, p. 09-10).
331
Cf. Contier (1998, p. 54).

142
Pinto, através do Decreto-lei n° 21.240 de 4 de abril de 1932, depois se
subordinado ao Ministério de Educação e Saúde, em maio de 1936, junto aos
festejos que envolviam o Mês do Cinema Brasileiro. Apenas naquele ano, 1936,
foram gravados, em sua maioria, mais de 30 filmes escolares no formato de 16
mm. Um dos grandes nomes do instituto foi do cineasta Humberto Mauro, que
talvez tenha dirigido o mais sintomático dos filmes do período: Descobrimento do
332
Brasil . Este filme teve a trilha sonora composta por Villa-Lobos e, para além do
valor histórico de retratar as condições do Descobrimento, a película expressa
bem em termos cinematográficos a ideia de conciliação e de harmonização étnica
333
que a propaganda de Estado queria divulgar no país , na sua retratação idílica
do encontro dos portugueses com os índios.
A transferência do DIP do Ministério da Educação para o da Justiça, em
1939, garantiu a centralidade de censura, transformando-o no “grande irmão” das
produções culturais concomitantemente ao processo de sistematização de várias
destas linguagens artísticas, evidenciado, por conseguinte, que não podemos
dissociar o autoritarismo daquele processo.
O viés autoritário está presente nos escritos de educação musical de
Villa-Lobos. Várias passagens das obras pedagógicas do compositor citadas têm
uma grande simetria com as proposições de Oliveira Viana (1930), que afirma a
necessidade do “aperfeiçoamento” cívico do povo e da seleção de elites
nacionalizadas a partir da ação do Estado, proposições estas presentes, por
exemplo, em Problemas de Política Objetiva (1930).
Outros autores nacionalistas autoritários, como Francisco Campos
(1940) e Azevedo do Amaral (1934), vão colocar, assim como Oliveira Viana
(1939), a necessidade de se fundir a nação a partir de um Estado forte e
centralizado, no qual, posteriormente, a figura carismática de Getúlio Vargas seria
o símbolo da unidade nacional. Nesta perspectiva, contra a ideia de um partido
único, Oliveira Viana irá afirmar:

332
Cf. Sousa (2001, p. 153-182).
333
Cf. CD Villa-Lobos (1991[1956]).

143
Do que precisamos é do Presidente Unico. Isto é, do Presidente que não
divida com ninguém a sua autoridade: do Presidente, em quem ninguém
mande; do Presidente soberano, exercendo, summa, o seu poder em
nome da Nação, só a ella subordinado e só dela dependente. (...)
Ora, do que precisamos era justamente sahir deste absurdo – do absurdo
provincionalista do Presidente Plurismo para a lógica nacionalista do
Presidente Único. O Presidente do Plurismo era a consagração do
estadualismo, do regionalismo, do separatismo, do anti-nacionalismo. O
Presidente Único será a affirmação da unidade e da personalidade da
Nação, a sua expressão definitiva e resplancedente (VIANA, 1939, p.
209).

De acordo com os autores autoritários a emergência do Estado Novo,


ao contrário de se constituir em um golpe, foi na verdade um acontecimento
necessário à evolução política da nação. Nas palavras decisivas de Francisco
Campos (1940):

O Estado Novo nasceu da ambiência social e política em que vínhamos


vivendo. Permitiu-o e permitiu-lhe o estado de incerteza em que estava o
Brasil, insatisfeito com a solução das suas instituições e desassossegado
frente as soluções agressivas e extremas que se propunham ao seu
caso, nenhuma delas com raízes no passado, justificativas no presente e
perspectivas para o futuro (CAMPOS, 1940, p. 316).

Nessa perspectiva, o nacionalismo autoritário estadonovista moldaria a


nação brasileira e o chefe de governo seria a personificação do poder estatal e o
elemento mediador junto ao povo, dispensando a intermediação institucional dos
partidos políticos. Imbuídos nesta crença, tanto os pensadores autoritários quanto
Villa-Lobos participaram diretamente do governo Vargas em cargos oficiais.
Francisco Campos, inclusive, foi quem assinou, em 1937, pouco antes de ser
nomeado Ministro da Justiça, como Secretário Geral da Educação e Cultura, a
nomeação de Villa-Lobos como superintendente de educação musical e artística
da SEMA 334 .
A centralização das ações musicais na SEMA, no que se refere à
própria concepção do projeto, ocorre na escolha do repertório musical e na
escolha dos responsáveis pelo comando do projeto. A elitização do projeto é

334
Cf. Anexo X p. 250.

144
evidente na seleção dos “melhores” alunos, ou seja, os “mais afinados”, os “com
melhor ouvido para música”, os mais aptos para a regência etc. Desta forma, a
perspectiva estava para além de se formar uma consciência musical, mas
justamente selecionar aqueles que deveriam expandir tal ideal, seja como
músicos, seja como pedagogos. A apologia a Getúlio Vargas ocorre na última obra
didática comentada, A Música Nacionalista no Govêrno Getulio Vargas (1940),
entretanto o culto ao presidente se torna mais explicito nas concentrações
orfeônicas durante o Estado Novo, tal como analisaremos nos próximos
parágrafos.
No enfoque da pesquisa, a análise dos textos pedagógico-musicais de
Villa-Lobos está sendo articulada com o processo mais amplo de formalização de
princípios culturais e políticos dentro de um “projeto civilizatório”, de acordo com a
335
modernização conservadora: “disciplina, civismo e educação artística” ,
princípios estes estruturados de acordo com as especificidades da formação da
música brasileira, na relação entre erudito e popular, na concepção de uma obra
grandiosa que harmonizasse as duas esferas, na subordinação da segunda em
relação à primeira. Sendo assim, Villa-Lobos - de acordo com o projeto cultural,
especificamente da educação musical - aprofundou mais a relação entre cultura e
política, dentro de uma perspectiva autoritária, durante o Estado Novo. Assim, a
SEMA agiria dentro de um sistema maior do poder estatal.
As concentrações orfeônicas, o lado político mais visível do Canto
Orfeônico, ocorreram de acordo com este espírito nacionalista. A organização do
evento partia diretamente do Ministro Gustavo Capanema, se dispondo a levantar
o financiamento junto ao Ministério da Fazenda. O conteúdo da concentração era
concebido pelo próprio Villa-Lobos e pelos altos funcionários da SEMA, como na
336
grande concentração ocorrida na Semana da Pátria de 1941 .
No ano anterior, 1940, o compositor, inclusive, reuniu quarenta e duas
mil vozes infantis e mil músicos para saudar o presidente, no dia 07 de setembro,

335
Cf. Villa-Lobos (1937, p. viii; 1937a, p. 382).
336
Cf. Anexo Y, p.251.

145
na solenidade batizada de Hora da Independência, no estádio de São Januário do
time de futebol do Vasco da Gama, constituindo-se numa verdadeira apologia
estética ao ditador gaúcho, com o agito de bandeiras e um uníssono coro que
337
cantava ao presidente . O apoteótico espetáculo ainda contava com o “efeito
orfeônico”, que consistiria na imitação de sons naturais e na representação cênica,
por parte dos alunos da SEMA, de um “coqueiral” que “balançaria” ao som dos
ventos. Além da apologia ao presidente, seria apresentada pelo compositor a
Evocação à metalúrgica e à música brasileira, na qual sons dissonantes eram
emitidos na forma de ruídos, simulando o trabalho metalúrgico. Vale lembrar que
dois anos depois, em 1942, durantes os Acordos de Washington – para que o
Brasil entrasse na guerra ao lado dos aliados, foi previsto a construção da CSN
(Companhia Siderúrgica Nacional) e a Companhia Vale do Rio Doce.
De acordo com a manifestação cívica, a saudação orfeônica, criada por
Villa-Lobos, consistiria numa performance cênica que expressaria ordem e coesão
através da saudação das crianças com os braços esticados na frente do corpo e
338
com as palmas das mãos visíveis . Este sinal de disciplina era regido pelo
musicista do alto de uma bancada, metáfora da relação de um líder, no caso, o
presidente Getúlio Vargas, e a massa (representação pelos alunos do projeto
pedagógico). Segundo Contier (1998), o programa assim foi constituído:

Hino Nacional (Bandas), Oração do Presidente da República, Hino


Nacional (bandas e coros) e Hino à Independência; Oração Cívica
(saudação da Juventude Brasileira ao seu Guia: Presidente Getúlio
Vargas), Hino à Bandeira, Invocação à Cruz (cívico-religioso); Coqueiral
(efeitos Orfeônicos), Meu Jardim (canção cívico-folclórico), a de autoria
de Ernesto dos Santos e David Nasser, solista Francisco Alves); Ondas e
Terror Irônico (efeitos orfeônicos); P’ra frente, ó Brasil! (canção cívica) e o
Hino Nacional (bandas e coros). No final do espetáculo os escolares
saíram do estádio marchando e cantando (regente: Heitor Villa-Lobos)
(CONTIER, 1998, p. 67-68).

337
O músico Guerra-Peixe lembra, em tom de lamentação, de tais concentrações, devido ao
exagero das homenagens a Getúlio Vargas, cf. o documentário Villa-Lobos: um índio de casaca
(1987).
338
Cf. Guérios (2003, p. 192-194).

146
Ao observarmos o programa, fica evidente o caráter apologético e
nacionalista, principalmente em relação ao líder Getúlio Vargas que teria dois
temas musicais só para ele (Oração do Presidente da República, Oração Cívica).
Este clima nacionalista não ficou restrito às concentrações orfeônicas,
O Canto Orfeônico 1° Volume – Marchas, Canções e Cantos Marciais para
339
Educação Consciente da “Unidade de Movimento” , obra esta destinada às
escolas e aos cursos especializados da SEMA. Dos quarenta e um temas
musicais publicados na obra, a divisão temática assim ficou posta: dez infantis,
três militares, sete de exaltação à nação, duas regionais, duas raciais, uma para
Getúlio Vargas, duas ameríndias e quatro referentes ao trabalho. Todos estes
temas tinham diretamente ou não uma conotação nacionalista.
A imensa maioria dos temas musicais foram arranjados por Villa-Lobos
e pelo menos quinze compostos pelo músico. Há ainda dois deles de Francisco
Braga - Verde Pátria (Canção Cívica) e Deodoro (Canção Militar) - e um de Alberto
Nepomuceno, Canção do Norte (ao Ceará) 340. Os temas sobre o trabalho também
chamam atenção: Canto do Lavrador, Canção do Trabalho, Canção do Operário e
341
a Canção do Marcineiro , canções estas categorizadas como “Canção de
Ofício” e de acordo com a ideologia de exaltação ao trabalho que caracterizava o
corporativismo sindical do Estado Novo. A música popular só é representada no
formato “folclórico ameríndio”, O Canto do Pagé e Nozani-ná (canto dos Índios
342,
Parecis) A música popular urbana é representada por Ernesto Nazaré em
Canção Cívica do Rio de Janeiro, e com o próprio Villa-Lobos na composição do
343
samba Meu Brasil .

339
Também neste período foi lançado Solfejo – Originais e Sobre Têmas de Cantigas Populares
para o Ensino de Canto Orfeônico (1940c), outra obra didática ligada ao programa pedagógico da
SEMA.
340
Também arranjada por Villa-Lobos, cf. Villa-Lobos (1940a, p. 31).
341
Cf. Villa-Lobos (1940a, p. 60-66 e 70).
342
O primeiro foi composto genericamente como “baseado na música primitiva brasileira do
aborígine brasileiros com fragmentos de ritmos da musica popular hespanhola” (VILLA-LOBOS,
1940a, p. 34). Já o segundo foi recolhido por Roquette Pinto, cf. Villa--Lobos (1940a, p. 69).
343
Cf. Villa--Lobos (1940a, p. 69).

147
Uma destas canções, Brasil Novo, com a composição de Villa-Lobos e
a letra do Zé do Povo, a referência ao novo momento político do país é exaltada.
Um trecho da letra diz:

Tanto heroísmo na dura prova


Mostrou que és bravo ó triunfador
Teu sangue esparso na Pátria Nova
Fez que nascesse o Brasil Maior!
Canta vitória da tua luta homérica!
O’ brasileiro! O’ herói viril.
Vê: mais do que nunca na livre América
tributa ao mundo glória ao Brasil!
Côro:
Sus brasileiros ! Avante! etc.
(VILLA-LOBOS, 1940a, p. 32)

Já em Meus Pais (Canção Patriótica Brasileira), a referência é frente


aos ícones do nacionalismo brasileiro:

Olha o passado: heróis ardentes


saltam das tumbas, brilham quaes soes
Barroso, Anchieta e Tiradentes,
Caxias, Dumont... Quantos heróis!
Que povo póde, por toda terra,
mostrar tais feitos, pode um povo ser tão viril?
E nosso ardor, na paz da luta
exalta a glória do nosso Brasil!
Côro:
Brasil! Brasil! etc.

Pátria! Em teu seio, calma e contente


O último sonho hei de dormir...
Si tão rizonho é o seu presente
inda mais bello é teu porvir
Por isso ecoas almo e fagueiro, no céu, meu canto primaveril
e, com orgulho brasileiro
exalto a glória do Brasil!
Côro:
Brasil! Brasil! etc
(VILLA-LOBOS, 1940a, p. 48).

Este ambiente nacionalista na música não ficaria restrito às ações da


SEMA. Era a época de ouro do samba-exaltação, com canções apologéticas à

148
nação e ao trabalho, cujo nome mais conhecido é de Ary Barroso e de sua maior
criação Aquarela do Brasil (1939). Foi dentro deste espírito que o DIP, em 1940 –
mesmo ano de lançamento de A Musica Nacionalista no Governo Getúlio Vargas e
O Canto Orfeônico 1° Volume - realizou um concurso cuja temática era a
exaltação à Revolução de 1930. Em 1941, a escola de samba Portela ganha o
desfile de carnaval com o enredo Dez Anos de Glória. Na verdade, desde o
carnaval de 1937, ou seja, antes do Estado Novo, já eram exigidos os temas
nacionalistas 344.
Além da exigência nacionalista, a figura do malandro começa a ser
mitigada num amplo trabalho de censura de trezentos e setenta canções e cem
345
programas radiofônicos . Desta forma, o DIP estimularia a composição de
sambas que exaltassem a nação e o trabalho. O sambista Wilson Batista, por
exemplo, que compôs Lenço no pescoço (1933) - vetada posteriormente pelo DIP
- foi um dos sambistas que se adequaram aos ditames políticos, como de sua
346
parceria com Ataulfo Alves verificada no Bonde de São Januário (1940) . A
cultura popular que era incentivada pelo Estado Novo era amparada na ideia
positiva da mestiçagem como traço central da identidade cultural brasileira que era
festejada no Dia da Raça (12 de outubro) 347.
A temática nacionalista foi crescendo de acordo com a entrada do Brasil
na Segunda Guerra Mundial, em agosto de 1942. No carnaval de 1943, a Portela
ganhou novamente o desfile daquele ano chamado Brasil, com uma letra de
acordo com o momento bélico.

344
Cf. Tupy (1985).
345
Cf. Kraushe (1983, p. 31).
346
Prestemos atenção na letra de Lenço de pescoço (1934): “Meu chapéu do lado/Tamanco
arrastando/Lenço no pescoço/Navalha no bolso/Eu passo gingando/Provoco e desafio/Eu tenho
orgulho/Em ser tão vadio/Sei que eles falam/Deste meu proceder/Eu vejo quem trabalha/Andar no
misere/Eu sou vadio/Porque tive inclinação/Eu me lembro, era criança/Tirava samba-
canção/Comigo não/Eu quero ver quem tem razão/E eles tocam/E você canta/E eu não dou”.
Agora vejamos a letra do Bonde de São Januário (1940):”Vejamos Quem trabalha/É quem tem
razão/Eu digo/E não tenho medo/De errar/Quem trabalha.../O Bonde de São Januário/Leva mais
um operário/Sou eu/Que vou trabalhar/O Bonde São Januário.../Antigamente/Eu não tinha
juízo/Mas hoje/Eu penso melhor/No futuro/Graças a Deus/Sou feliz/Vivo muito bem/A boemia/Não
dá camisa/A ninguém/Passe bem!”, cf. Batista (1983).
347
Cf. Schwarez (1995).

149
Em sintonia com este nacionalismo que Villa-Lobos compõe junto com
Gustavo Capanema o Hino à vitória (1942) e a Invocação em Defesa da Pátria
(1943) 348, com a letra do poeta Manuel Bandeira. Esta última estrearia justamente
numa concentração orfeônica, em 07 de setembro de 1942, no estádio do Vasco
da Gama com a participação de quinze mil alunos da SEMA. Vejamos sua letra:

Oh natureza, do meu Brasil,


Mãe altiva de uma raça livre
Tua existência será eterna,
E teus filhos velam tua grandeza (x2)
Oh meu Brasil!
És a canaan,
És o paraíso para o estrangeiro
Amigos, clarins da aurora,
Cantai vibrantes,
A glória do nosso Brasil.
Oh divino onipotente!
Permiti que a nossa terra,
Viva em paz alegremente,
Preservai o horror da guerra.
Zelai pelas campinas,
Céus e mares do Brasil,
Tão amados de seus filhos.
Que estes sejam como irmãos
Sempre unidos, sempre amigos.
Inspirai-lhes o sagrado,
Santo amor da liberdade,
Concedei a essa pátria querida,
Prosperidade e fartura.
Oh divino onipotente!
Permiti que a nossa terra.
Viva em paz, alegremente,
Preservai o horror da guerra.
Clarins da aurora!
Cantai vibrantes,
A glória do nosso Brasil!
(VILLA-LOBOS, CD 19911[1956])

Desta maneira, o projeto pedagógico ganha ares bélicos com a entrada


brasileira na Guerra, acentuando o nacionalismo estadonovista que
paradoxalmente lutava ao lado das democracias liberais contra os totalitarismos
fascistas.

348
Cf. Villa-Lobos (1989, p. 244).

150
A consolidação do projeto pedagógico de Villa-Lobos ocorre justamente no
momento em que Villa-Lobos assume a direção do Conservatório Nacional de
Canto Orfeônico, através do Decreto-lei N° 4.933 de 25 de novembro de 1939. A
criação do Conservatório Nacional amplia, em termos formais, a atuação do Canto
Orfeônico para todo o Brasil 349.
Em termos formais, porque na prática o Canto Orfeônico já vinha em
pleno processo de expansão. De todo modo, foi importante tal formalização
jurídica. Com a demanda da direção do Conservatório Nacional, o comando oficial
350
passou paras mãos do homem da confiança do maestro, Sylvio Salema . Até
então, a SEMA contava com o Orfeão dos Professores, a Orquestra Villa-Lobos e
o Curso de Orientação e Aperfeiçoamento do Ensino de Música e Canto
Orfeônico.
Na sequência da criação do Conservatório Nacional de Canto
Orfeônico, Villa-Lobos começou a trabalhar pela criação do Departamento
Nacional de Educação pela Música, uma espécie de supra-orgão estatal que viria
a atualizar o seu desejo de ter formado outros órgãos, como, por exemplo, por
volta de 1936, o Instituto de Educação Musical Popular. A segunda tentativa
ocorreu em 1939, com a proposta do Departamento Nacional de Música,
constituindo a seguinte configuração de acordo com uma proposta: na base, oito
inspetores regionais submetidos à Inspetoria Geral de Canto Orfeônico, que seria
submetida a um Conselho Diretor (com quatro membros) os quais também seriam
responsáveis pela Escola Nacional de Música, a Escola de Professores e a Escola
de Estudos Superiores. Em 1941, um ano antes da composição da Bachianas
N°7, dedicada a Capanema, Villa-Lobos formalizou um pedido ao Ministro para a
constituição do Departamento de Música e Teatro Escolar. Assim como as demais

349
A professora Cacilda Guimarães Frós acompanhou todo este percurso: “Esta foi, a meu ver, a
maior contribuição de Villa-Lobos à Pátria, e que fez surgir à evidência, ao lado do artista e criador,
a fibra do mestre, do inovador, do excepcional dirigente do Ensino de Música e Canto Orfeônico do
Brasil. Como conseqüência desse esforço e do seu incrível dinamismo, surgiu a SEMA, o orfeão de
professores, as primeiras bandas infantis, o Conservatório Nacional de Canto Orfeônico e uma
infinidade de orfeões e bandas que, de 1932 a 1945, empolgaram o Rio com o brilho de suas
colossais apresentações” (FRÓES, 1982, p. 29).
350
Cf. Guérios, 2003, p.251.

151
iniciativas, esta não vingou. A última tentativa, igualmente malograda, partiu
novamente do próprio Villa-Lobos ao enviar um projeto em 30 de agosto de 1945
ao Ministro Gustavo Capanema, agora como Departamento Nacional de Educação
pela Música. Este projeto dividia o Departamento nas seguintes unidades:
Conservatório Nacional de Música, Conservatório Nacional de Canto Orfeônico,
Conservatório Nacional de Dança, Orquestra Nacional, Biblioteca Nacional de
Música e Teatro Nacional 351.
Todas estas tentativas não concretizadas indicam que mesmo com a
grande utilidade do projeto orfeônico para a ditadura de Getúlio Vargas, Villa-Lobos
não tinha “carta branca” para conseguir o que queria. Tinha que literalmente negociar
com os representantes do Estado ora tendo êxito, ora não.
Neste contexto, a clivagem entre Mário de Andrade e Villa-Lobos se
estendeu às iniciativas políticas dos dois durante os anos 30. No período
“getulista”, ocorreu o surgimento de uma série de ações educacionais e culturais,
principalmente durante a gestão de Capanema (1934-1945), visando à
modernização destas esferas.
Durante os anos 30, a relação manteve-se nesta oscilação entre
admiração e crítica de Mário de Andrade diante das posturas de Villa-Lobos, em
grande parte devido ao envolvimento quase que incondicional do segundo ao
Estado, especialmente ao executivo comandado por Getúlio Vargas,
estabelecendo uma relação contínua em relação às iniciativas estatais: desde a
criação do Serviço Técnico e Administrativo de Música e Canto Orfeônico, em
1932, até o fim de sua vida em 1959.
Mário de Andrade teve uma trajetória descontínua e muito tensa nas
suas inflexões durante o período “getulista”, criticando, inclusive, as atitudes
políticas de Getúlio Vargas - o oposto do que ocorreu com Villa-Lobos, que
também utilizou o Canto Orfeônico como instrumento de propaganda e apologia

351
Cf. Anexo Z, p. 252.

152
352.
política a serviço do presidente gaúcho durante o Estado Novo No percurso
político de Mário de Andrade, fosse assumindo a chefia do Departamento de
Cultura da Prefeitura de São Paulo, em 1936, fosse na criação do Serviço de
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), em 1937 - ou, ainda, quando
diretor do instituto de Artes da Universidade do Distrito Federal, em 1938, e, por
fim, no seu retorno ao SPHAN, em 1941 - nota-se um dilema entre ter que
participar da gênese e dos caminhos de sedimentação das instituições culturais e
do seu desapontamento com os caminhos políticos destas mesmas instituições.
As obras de Barbato Jr. (2001) e Helena Bomeny (2001) evidenciam, tanto em
São Paulo quanto no Distrito Federal, os conflitos de Mário de Andrade entre o
intelectual comprometido com os caminhos da modernização da cultura brasileira
versus o seu desapontamento com a racionalidade instrumental imposta pelo
Estado 353.
A superação da antítese na relação entre estes dois ilustres
personagens musicais ocorre com o próprio caminho de sistematização da música
brasileira. Afinal, tanto as pesquisas folclóricas quanto a música popular urbana
estavam em franca ascensão e tanto Mário de Andrade quanto Villa-Lobos
354
estavam diretamente envolvidos com esse processo de sistematização . Por
vezes, entre as críticas, Mário de Andrade reconhece o papel estético e
pedagógico de Villa-Lobos. Vejamos o documento que se segue:

352
Mário de Andrade tratava com extrema ironia a posição política de Villa-Lobos, conforme
escreveu, em 1944, em sua coluna Mundo Musical, ironicamente intitulada “O perigo de ser maior”:
“Villa-Lobos não é objeto de exportação diplomática, e eu preferia tombado pelo Serviço de
Patrimônio Histórico e Artístico. (...) Só teriam acesso ao monumento tombado, quer dizer Villa-
Lobos, funcionários do SPHAM adrede instruídos, com muitos exames no DASP, e aposentadoria
generosa depois de dois anos de trabalhos forçados” (apud TONI, 1987, p. 103). Outros escritos
importantes da coluna Mundo Musical forma publicadas por Coli (1998).
353
Outros trabalhos importantes que tratam de maneira bem distinta esta angústia na trajetória do
escritor são Castro (1989), Contier (2004), Santos (2004) e Sandroni (1988).
354
A obra organizada por Toni (2004) é um excelente demonstrativo do conhecimento de Mário de
Andrade referente a diversidade da música produzida no Brasil.

153
FIGURA 3 - Documento assinado por Mário de Andrade endereçado a Villa-Lobos

Fonte: Arquivo do Museu Villa-Lobos.

Assim, sob o prisma da sistematização da música brasileira, as


relações entre Mário de Andrade e Villa-Lobos podem ser vistas dentro de um
quadro mais amplo. A metáfora da relação entre a dissonância e a consonância
sonora dentro de uma escala musical (no caso, estruturada numa escala tonal)
parece-me a mais adequada para se entender a perspectiva de ambos os autores.
De outra forma, apesar das dissonâncias abertas entre os dois serem conhecidas

154
entre os especialistas, as consonâncias tornam-se visíveis se observarmos a
partitura de um ângulo mais amplo: visão de mundo, sistematização da música
brasileira, sincronicamente ao processo de modernização.
Para isso, a trajetória dos dois autores em questão deve ser articulada
sociologicamente com todo um projeto nacionalista e uma ação política e cultural
marcada por ambiguidades. Neste enfoque, as antinomias entre o pensamento
sócio-estético de Mário de Andrade e a música e o projeto educacional
capitaneado por Villa-Lobos podem ser consonantes em última instância.
Em suma, apesar de Villa-Lobos compactuar com as iniciativas
autoritárias no plano cultural, tais iniciativas tenderiam a superar o período mais
autoritário do período “getulista”, o Estado Novo, participando (também em termos
estéticos) do processo de sistematização que ganhou grande aporte nos anos
mais duros do governo de Getúlio Vargas e, principalmente, após o fim da ditadura
do líder gaúcho.

155
156
5 V ATO: DO ESTADO NOVO À SISTEMATIZAÇÃO DA MÚSICA
BRASILEIRA: SOB AS BÊNÇÃOS DE ANCHIETA, DE BACH E
DE GETÚLIO
“Os constituintes formais da música, no final de contas a sua lógica,
devem ser levados a falar em termos sociais”
(ADORNO, 1980[1959], p. 261).

5.1 Villa-Lobos e a música popular urbana

A visão de mundo do Modernismo, em suas vertentes romântica e


pragmática, a qual Villa-Lobos havia sincronizado durante a efetividade do projeto
pedagógico do Canto Orfeônico flerta com o autoritarismo de maneira mais
evidente durante o Estado Novo, numa época em que a cultura nacional, inclusive
a musical, estava em processo de sistematização.
Podemos indagar se tamanha tarefa pedagógica teria apenas serventia
política aos propósitos políticos de Getúlio Vargas? Não. Da mesma forma foi
fundamental para a sistematização da música brasileira, seu momento germinal de
355
valorização e ordenação, tendo o samba como seu “carro-chefe” ,
especificamente os sambas de Escola de Samba que logo teria a denominação do
samba de morro 356.
Essa sistematização teve a então capital da República, o Rio de
Janeiro, como o centro sonoro irradiador do que seria legitimado como música
brasileira - em seus gêneros (samba, choro etc) e formatos (folclórica, regional
etc). Nesta perspectiva, as atividades da SEMA deve ser visto como fundamentais
para que tal caracterização se propagasse a partir da capital fluminense.
Neste tempo, foi um dos pilares de sistematização da música popular,
em termos de sua divulgação e da concomitante formação do público da música

355
Assim: “A vitoria do samba era também a vitoria de um projeto de nacionalização e
modernização da sociedade brasileira. O Brasil saiu do Estado Novo com o elogio (pelo menos em
ideologia) da mestiçagem nacional, a companhia Siderúrgica Nacional, o Conselho Nacional de
Petróleo, partidos políticos nacionais, desde então, o Reino do Samba” (VIANA, 1995, p. 127). Cf.
também Siqueira (1978), Siqueira (2012), Tinhorão (1969, 1998, 2001), Tupy (1985).
356
Cf. Tinhorão (1998, p. 295-297) e Viana (1995, p. 122).

157
brasileira, tanto popular quanto erudita e de seu mercado consumidor. As
iniciativas radiofônicas de propagação da música brasileira se tornaram um
assunto de Estado antes, inclusive, do Estado Novo. Em 1935, a criação da Hora
do Brasil foi fundamental para evidenciar a unidade entre política e música, pois
intercalava músicas populares e eruditas nacionais (principalmente de Carlos
357
Gomes e Villa-Lobos) e os noticiários políticos . Em 1936, Villa-Lobos organizou
a parte musical de dois programas da Hora do Brasil que foram veiculados,
respectivamente, para a Itália (em 07 de maio, com a presença de Francisco
Campos) e a Alemanha (em 21 de maio). Em relação ao segundo, antes disso, no
dia 29 de janeiro, já havia sido organizado um programa com repertório popular
(no país da falácia da “superioridade ariana”), com nomes como Baiaco, Carlos
358
Cachaça, Cartola e Gradim . O próprio Villa-Lobos regeu mais de uma vez a
Orquestra da Rádio Nacional, locus radiofônico da emergente música urbana
brasileira 359, para cantores como Paulo Tapajós 360
.
Era comum nas viagens oficiais de Getúlio Vargas, a presença da
principal figura erudita no Brasil, Villa-Lobos, com músicos populares, como
Carmem Miranda, como na já relatada ida da comitiva liderada pelo presidente
brasileiro à Argentina, em 1935.
Assim a formação de um público através da rádio dava-se tanto a nível
internacional, na propagação externa da música brasileira, quanto na interna.

357
Antes, inclusive, que o Departamento de Estado dos EUA realizasse “A Voz da América”, cf.
Tinhorão (1998, p. 299).
358
Cf. Tinhorão (1998, p.199-300).
359
A incorporação da Rádio Nacional pelo Estado Novo, através do Decreto-lei n° 2.073 de 8 de
março de 1940, foi um passo fundamental para que a música popular urbana se firmasse
principalmente através dos nomes consagrados da “era do ouro do rádio brasileiro”, cf. Saroldi;
Moreira (2005).
360
Vejamos o depoimento de Paulo Tapajós de um de seus contatos junto ao Canto Orfeônico:
“Eram dez mil vozes. Um imenso coral que incluía alunos e alunas de várias escolas do Rio de
Janeiro, como o Instituto de Educação, a Escola Normal Carmela Dutra, o externato do Colégio
Pedro II, a Fundação Osório, o Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, além de professores
de canto orfeônico e do coro do Teatro Municipal. Não sei se havia mais gente. Não me lembro.
Lembro-me, sim, que tive de ensaiar com cada grupo separadamente, à medida que se fazia
necessária minha presença, como solista, para o entrosamento das vozes. Eu mesmo, estudava
música com o próprio Villa-Lobos, que me orientou bastante. Não houve jamais, um ensaio geral,
reunindo todo mundo” (apud CARVALHO, 1998, p. 90).

158
Desta forma, se repete na música popular o mesmo processo de reconhecimento
interno - no próprio Brasil, da música erudita, vide os casos de Carlos Gomes e do
próprio Villa-Lobos - dependente do exterior.
O caso emblemático foi o de Carmem Miranda, levada aos EUA a partir
de maio de 1939, dentro da Política da Boa Vizinhança do Governo Roosevelt
junto aos países latino-americanos, durante os anos da Segunda Guerra Mundial
– a entrada da música de Villa-Lobos no mercado norte-americano ocorreu dentro
de tal lógica diplomática, conforme veremos no terceiro tópico deste 5° Ato. Desta
forma, a música popular urbana, em especial, o samba, a exemplo do jazz norte-
americano, foi se tornando um produto de reconhecimento interno e de exportação
identitária promovida pelo Estado e pela indústria cultural.
A atuação das gravadoras internacionais junto à música popular urbana
vem desde o começo dos anos da década de 1920, com a gravação pela Odeon
dos maxixes de Sinhô. A entrada do Brasil no mercado fonográfico mundial ocorre
nos anos de 1930 - em sintonia com o quadro geral de fusão e expansão das
361
grandes empresas fonográficas - de gravadoras como a própria Odeon, da
362
Victor, Columbia e a Brunswick – com a atuação mais marcante junto à
contratação de intérpretes e compositores populares, que tinha em seu cast
363
nomes como Carmem Miranda, Silvio Caldas etc .
Todo este processo teve o envolvimento institucional de Villa-Lobos,
que, mesmo hierarquizando a música erudita como acima da popular, participou

361
Em 1929, com a instalação de uma concessionária da gravadora Brunswick, no Brasil, ocorreu
um fato inédito que foi uma companhia de discos trabalhar exclusivamente com a música popular
urbana brasileira: choro, maxixes, sambas, machas, canções etc, cf. Tinhorão (1998, p. 295).
362
De acordo com Dias (p.35-36): “As disputas entre as empresas pelo monopólio de mercado do
hardware-sofware, determinaram quem realmente participava deste mercado mundial,
principalmente entre as duas grandes guerras. O cenário é tomado pela sequencia de fusões que
expressam, elas mesmas, a interação da produção dos formatos e de seus reprodutores. Assim,
em 1929 a Victor Records passa para o controle da RCA e a Columbia para a CBS. Na Inglaterra,
a parte europeia da Columbia alia-se à Pathé em 1928 e depois à Gramophone inglesa, em 1931,
dando origem às Electric Music Industries, a EMI. Em 1937, a Deutsche Grammophon associa-se à
Telefunkem, sendo adquirida posteriormente pela Siemens, fazendo nascer a Polydor. A filial
francesa da Gramophone passou para o controle da Philips, empresa do setor elétrico, produtora
de hardware, originando a Phonogram, que se tornou o seu braço produtor de software,
reproduzindo, como em outras, a tendência apontada”.
363
Cf. Tinhorão (1998, p. 297-298).

159
ativamente da valorização da chamada música popular urbana. Afinal, o próprio
compositor foi um dos protagonizadores da assimilação oficial à manifestação
musical popular das ruas das grandes cidades brasileiras, principalmente, o Rio de
Janeiro, capital da República364. Várias foram suas iniciativas, como a organização
de espetáculos de danças com base na música popular, a gravação de músicos
populares numa coletânea organizada pelo maestro Stokowski, a organização do
bloco de carnaval Sôdade do Cordão e a participação dos músicos populares nas
concentrações orfeônicas.
A organização das Danças Típicas Brasileiras ocorreu durante uma
exposição do Estado Novo organizada por Negrão de Lima. A organização do
espetáculo coube a Villa-Lobos e ao musicólogo Luis Heitor Correa e teve a
participação de Jararaca, João Da Baiana, João Pernambuco, Pixinguinha, dentre
outros 365.

364
Cf. Carvalho (1988) e Paz (2004[1987]).
365
Cf. Paz (2004[1987], 25-32).

160
FIGURA 4 – Recorte do jornal do Correio da Noite de 13 de janeiro de 1939.

Fonte: Arquivos do Museu Villa-Lobos

A outra iniciativa de Villa-Lobos, a convite do maestro inglês radicado


nos Estados Unidos Leopold Stokowski, foi intermediar, através de uma seleção, a
gravação de um LP com o repertório que evidenciasse a diversidade da música
popular feita no Brasil. As gravações ocorreram e foram realizadas no navio
americano Liner Uruguai da Frota da Boa Vizinhança após dois concertos de
Stokowski no Teatro Municipal, Rio de Janeiro, nos dias 07 e 08 de agosto de

161
366
1940 . Já a seleção e gravação de trinta e oito músicas de artistas populares, a
pedido do maestro Stokowski, foram realizadas para um LP da gravadora
Columbia que seria intitulado Native Brazilian Music.
A divisão por gêneros assim ficou posta: Partido-alto, Samba de
breque, Toada, Batucada, Maxixe, Maracatu, Frevo e Desafio – um tema; Fantasia
sobre macumba, Modinha – dois temas; Embolada, Choro, Marcha-Rancho e
Cântico ameríndio (este com ambientação de Villa-Lobos) – três temas; Samba de
morro – quatro temas; Macumba – seis temas. Quanto aos compositores: João da
Baiana e José Gonçalves (parceria com Zé Zilda) – dois temas; Luis Americano e
Pixinguinha (um deles em parceria com Jararaca) – três temas; Cartola (um deles
em parceria com Aluisio Dias e a outro com Carlos Moreira de Castro – quatro
temas; Jararaca – cinco temas; Zé Espinguela – seis temas; Donga (uma parceira
com Cícero Almeida, uma com Mauro de Almeida e seis com David Nasser) – oito
temas.
Destas trinta e nove gravações, só dezesseis foram comercializadas em
dois álbuns duplos de 78 rpm, denominado Columbia Presentes: Native Brazilian
Music selected and recorded under the personal supervision of Leopold Stokowski.
Destas dezesseis, Villa-Lobos assina adaptação de duas com a execução do

366
Esta é ordem das faixas do LP, Vol: 01- Macumba de Oxóssi (compositor: Donga / Zé
Espinguela e Intérprete: Zé Espinguela e Grupo do Pai Alufá); 02- Macumba de Iansã (Compositor:
Donga / Zé Espinguela e Intérprete: Zé Espinguela e Grupo do Pai Alufá); 03- Ranchinho Desfeito
(Compositor: Donga / De Castro e Souza / David Nasser e Intérprete: Mauro César); 04- Caboclo
do Mato (Compositor: Getúlio Marinho da Silva ''Amor'' e Intérprete: João da Bahiana, Janir Martins
e Jararaca); 05- Seu Maná Luiz (Compositor: Donga e Intérprete: Zé da Zilda e Janir Martins); 06-
Bambo do Bambu (Compositor: Donga e Intérprete: Jararaca e Ratinho); 07- Sapo no Saco
(Compositor: Jararaca e Intérprete: Jararaca e Ratinho); 08- Que Quere Que Quê (Compositor:
João da Bahiana / Donga / Pixinguinha e Intérprete: João da Bahiana e Janir Martins). Vol. 2: 01-
Zé Barbino (Compositor: Pixinguinha / Jararaca e Intérprete: Pixinguinha e Jararaca); 02- Tocando
pra Você (Compositor: Luiz Americano e Intérprete: Luiz Americano); 03- Passarinho Bateu Asas
(Compositor: Donga e Intérprete: Zé da Zilda); 04- Pelo Telefone (Compositor: Donga / Mauro de
Almeida e Intérprete: Zé da Zilda); 05- Quem Me Vê Sorrir (Compositor: Cartola / Carlos Cachaça e
Intérprete: Cartola e Coro da Mangueira); 06- Teiru / Nozani-Ná (Compositor: Adapt.: Heitor Villa-
Lobos e
Intérprete: Quarteto do Coral Orfeão Villa-Lobos); 07- Cantiga de Festa (Compositor: Donga / Zé
Espinguela e Intérprete: Zé Espinguela e Grupo do Pai Alufá); 08- Canidé Loune (Compositor:
Adapt.: Heitor Villa-Lobos e Intérprete: Quarteto do Coral Orfeão Villa-Lobos). Cf. LP Stokowski
(1942).

162
367
Quarteto do Coral Orfeão Villa-Lobos . Entretanto, na edição original do LP,
conta a interpretação de um conjunto nominado como “Brazilian Indian Singers”
368
.
A capa do LP poderia muito bem ser utilizada como uma peça de
propaganda do Estado Novo, pelo enaltecimento dos três tipos étnicos ou raciais
brasileiros.

FIGURA 5 - Capa do Lp Native Brazilian Music (1942)

367
Cf. Paz (2004[1987], p. 47).
368
Segundo Paz (2004[1987], p.49): “No folheto da edição lançada no Brasil com data de agosto
de 1987, com a ficha técnica assinada por Ary Barroso, consta que foi um quarteto de professores
do orfeão Villa-Lobos”.

163
A organização do bloco Sôdade do Cordão foi uma iniciativa de Villa-
Lobos de reviver o carnaval antigo, no carnaval de 1940, precisamente do início
do século XX, mas que, para além da intenção nostálgica do compositor, serviu
369
para aproximar ainda mais Villa-Lobos dos músicos populares . Vejamos o
depoimento do jornalista Jota Efegê sobre o impacto do espetáculo:

A gente que em 1940 jamais havia visto um autêntico cordão ia conhecê-


lo, graças ao espírito revolucionário e audacioso de Heitor Villa-Lobos.
Então, no dinamismo com que sempre caracteriza seus
empreendimentos, o nosso famoso músico resolveu fazer ressurgir em
plenitude, na maior fidelidade possível, um verdadeiro cordão. Não
simples arremedo, uma boa ou perfeita imitação capaz de convencer e
de até agradar os não entendidos (apud PAZ, 2004[1987], p. 36).

As figuras que fizeram parte do desfile foram: o “grupo de índios e


caboclos”, “grupo dos velhos e velhas”, “palhaços”, “Rei do Diabo” e “Rainha dos
Diabos”, sargentos, 1º mestre de canto e bateria, 2º mestre e executantes de
bateria e coro. (PAZ, 2009[1987]). Dentre os músicos populares, se destaca a
participação de nomes como Zé Espinguela (um dos fundadores da Escola de
Samba Mangueira que também participou da gravação do maestro Stokowski). O
depoimento dos filhos de Espinguela, Wilson e Crim Gomes da Costa, situa a
convivência de Villa-Lobos com os músicos populares:

Os ensaios eram sempre aos domingos, das 16 às 22 horas. O maestro


vinha sempre aqui com a patroa dele (...) a nossa casa era muito
frequentada por Cartola, Paulo da Portela, Ary Barroso, Carlos Cachaça
e Villa-Lobos (PAZ, 2004[1987], p. 37).

Segundo consta, as despesas do evento ficaram a cargo do DIP, da


370
Prefeitura do Rio de Janeiro e do próprio bolso do compositor . Em resumo, o
desfile foi exaltado pela imprensa da época, como no jornal O Globo: “Como toda
gente esperava, o Sôdade do Cordão organizado pelo maestro Villa-Lobos
constituiu uma nota differente no Carnaval deste ano.” (apud PAZ, 2004, p. 41).

369
Cf. Paz (2000b).
370
Op. Cit., p. 32.

164
A relação de Villa-Lobos com os músicos populares era hierarquizada,
afinal neste período os maestros foram em grande parte responsáveis pela
consolidação formal da música popular desde o final dos anos 20. Neste
ambiente, os compositores semieruditos davam as cartas (Henrique Vogeler,
Heckel Tavares e Joubert de Carvalho) na passagem do samba maxixado, típico
371
dos anos 20, para os sambas do bairro Estácio , batucado marchado, dos anos
30 em diante. Este tipo de samba possuía uma riqueza orquestral e um
desenvolvimento melódico que se deve muito ao contato dos músicos de choro de
classe média, a exemplo de Villa-Lobos, com os sambistas advindos das classes
menos favorecidas.
As concentrações orfeônicas organizadas por Villa-Lobos tiveram ampla
participação de músicos populares, principalmente durante o Estado Novo – por
meio de nomes como de Augusto Calheiros, João da Baiana, João Pernambuco,
Pixinguinha e tantos outros. Francisco Alves, por exemplo, participou da
concentração do dia 07 de setembro de 1940, ao interpretar a música Meu Jardim.
Já no ano seguinte, 1941, também no feriado da Independência, que cantou a
372
canção Gondoleiro, foi Silvio Caldas , a quem Villa-Lobos considerava “o
professor natural da música de câmara vocal no Brasil” (CARVALHO, 1988, p. 53).
Villa-Lobos conviveu com vários destes músicos populares em sua
373 374
mocidade, inclusive, musicalmente - principalmente nas rodas de choros .

371
Cf. Tinhorão (1998, p. 291-294).
372
Em relação à formação da canção brasileira e a contribuição de Villa-Lobos, cf. Mariz
(1956[1948]) que situa: “Villa-Lobos já compôs perto de cem músicas e, como vimos, dos calibres
mais diversos. Sua obra vocal, importantíssima, genial por vêzes, embora imperfeita sob muitos
aspectos, bastaria para imortalizá-lo”.
373
Para Guerra-Peixe esta era a maior contribuição de Villa-Lobos. Vejamos o que diz o músico
fluminense: “Villa-Lobos não estudou folclore, não conhecia nada disso, mas ele estudou violão,
tocava bem violão, e se misturou com essa gente da cidade, chorões de alta qualidade, na fase
áurea da musica popular urbana do Rio de Janeiro. Ele absorveu tudo isso, e levou para a música,
tá certo, mas antes fez uma música romântica, afrancesada, e daí partiu para a música brasileira, o
choro” (FARIAS, BARROS, SERRÃO, 2007, p.232).
374
A respeito da relação mais formal de Villa-Lobos com os chorões e com o próprio choro, cf.
Cazes (2005). No livro O chôro: reminiscências dos chorões antigos (1978[1936]), de Alexandre
Gonçalves Pinto, o autor escreve sobre Villa-Lobos: “Esta celebridade, conheci quando elle era um
exímio chorão. Tocando em seu violino, tudo o que é muito nosso, com perfeição, e gosto, de um
exímio artista, em companhia do grande cantor e poeta dos Sertões, Catullo Cearense, de quem

165
Entretanto, sua relação com os músicos populares era assimétrica, já que o intuito
de Villa-Lobos era de formar “ouvidos civilizados”, a partir da pretenção de se
“elevar” esteticamente a música popular a um nível erudito ou artístico. Os
próprios músicos populares tinham uma deferência muito acentuada por Villa-
Lobos 375, conforme as palavras de Donga, reconhecendo tal “superioridade” 376:

ele é um dedicado amigo. Villa-Lobos é hoje uma glória do nosso amado Brasil. Sinto-me fraco
quando tenho que dizer qualquer coisa cousa de um personagem da esphera do grande maestro
Villa-Lobos, pois por mais que eu diga, ainda é muito pouco, pois gênio igual a elle, já por si
enaltecidos, como um pedestal, por elle levantado, que glorificou e elevou a nossa musica no
Brasil” (PINTO, 1978[1936], p. 145).
375
Pixinguinha: “Eu conheci Villa-Lobos muito antes de 1922. Como eu já disse, ele ia na minha
casa porque admirava os ‘chorões’. Às vezes até fazia acompanhamento no violão. Era bom no
violão. Mas o negócio era meio antigo e ele tinha uma formação moderna, por isso talvez não
acompanhasse bem, para nós. Mas ele gostava. Eu o considero um gênio. (...) Villa-Lobos, para
mim, é um Stravinsky, um Wagner, essa gente toda. Não é só questão de sentir, mas também do
efeito que ele tira, no conjunto. Considero isso uma grande arte”. (apud PAZ, 2004[1987], p. 79).
376
No O Paiz, do dia 02 de janeiro de 1927, o compositor revela sua relação com a música popular
urbanana tentativa de se diferenciar de Stravinsky: “Um exemplo frisante da ignorância européia,
está em uma afinidade flagrante entre nossa música, indígena e popular, e algumas composições
de Stravinsky, este pretende classificar este motu próprio como influência universal. Alguns críticos
cronistas europeus, ao ouvirem em Paris certa obra musical escrita por um brasileiro sobre temas
dos nossos índios e do tradicionalíssimo carnaval carioca, dos quais os últimos eram inteiramente
criados pelos nossos compositores populares, “Sinhô”, “Donga” e outros, que são felizmente
desconhecidos por completo à alta cultura musical européia, disseram, pela imprensa, ao lado de
alguns elogios à forma original reconhecida, que essa obra sofria influência de Stravinsky, porque
continha frases, processos e exagerados acentos rítmicos, peculiares ao compositor russo. Não é
absolutamente verdade e se eles tivessem mais um pouco de conhecimento da existência no
Brasil na terra fariam um simples confronto de partituras, como sempre fazem, em casos
semelhantes, ao se tratar de países que sabem fazer-se respeitar por uma boa propaganda e
verificariam o seu engano. Entretanto, o que na referida obra brasileira de fato observava-se de
pouco semelhante, era a finidade apenas. Porque justamente as frases parecidas que os críticos
vagamente notaram, eram na maior parte, ou melodias religiosas muito vagas dos nossos índios,
ou as melodias graves dos sambas de Sinhô ou as bárbaras (gênero macumba) do Donga, ou “Os
olhos d’ela” choro-schottisch de Anacleto, com letra de Catulo, às quais o compositor brasileiro deu
uma feição elevado, universalizando-as. Quanto aos processos rítmicos, também eram os dos
nossos mais conhecidos possíveis. Os processos eram baseados na espécie de contra-ponto e
harmonização livres e bizarros que muito usam os nossos seresteiros nos momentos dos choros,
tratados, porém, com muito equilíbrio e oportunidade, no aproveitamento da técnica musical
clássica; e os exagerados acentos rítmicos eram empregados nos mesmos sistemas das baterias
dos nossos cordões carnavalescos.É bem natural que os críticos estrangeiros assim julguem a
nossa originalidade, pois não temos até hoje, um perfeito sistema de propaganda que possa
mostrar a esses cronistas ignorantes de enorme parte do globo, esses detalhes de afinidade,
sobretudo artístico entre os povos, como fizeram os russos em Paris, por intermédio do grupo dos
cinco, que implantou música própria, formada dos elementos do seu folk-lore. Suas artes eram
também consideradas como simples continuação do espírito clássico italiano, impregnadas do
mourismo. Mas, atualmente, graças à sua lógica de propaganda, a orientação das suas artes,
puramente regionais, dominam todo o velho continente” (1927 apud GUIMARÃES, 1972, p. 136-
137).

166
Eu conheci o Villa-Lobos numa época em que o falecido Catulo Cearense
tinha uma escola na Rua Botafogo, no Encantado. Essa rua hoje tem
outro nome, tinha um colégio ali onde o Catulo era professor de línguas.
Esse China, irmão de Pixinguinha, era aluno dele. China morava na Rua
Gomes Serpa, e na Rua Gomes de Serpa o pai de Pixinguinha era
flautista. Lá reunia-se a fina flor dos músicos. Lá, como em outras casas:
na minha casa, na do Velho Viana, casas assim, de pessoas que davam
festas, choros, tudo isso. Pois bem. Tinha um cidadão na esquina dessa
Gomes de Serpa que se chamava Cintrão. Esse Cintrão reunia-se lá
depois das dez horas. Era uma casa comercial, ele fechava a casa lá
pelas oito ou nove horas. Todos os "chorões" iam para lá, pra casa desse
Cintrão: o Anacleto, o Kalut, o Macário, Caninha, Luiz de Souza (autor de
"Clélia"). O Pixinguinha nessa época estava aprendendo a tocar
cavaquinho. Antes de tocar flauta, tocava cavaquinho. Aprendeu com
esse grande cidadão que foi o Mário Alves. Esse Mário Alves foi uma
coisa notável,demais, uma coisa que só a gente tirando ele lá da cova e
dando uma surra nele. Então, vem daí meu conhecimento com Villa. Ele
era mais velho que eu. O choro imperava então. Eu tocava cavaquinho,
ele tocava violão. E sempre tocou bem. Acompanhava e solava. Se não
acompanhasse bem, naquela roda não podia se meter não. Naquele
tempo havia respeito. Esses sujeitos que andam por aí, não entravam
naquela roda, não. Nem entram. Porque choro é difícil, muito difícil. Villa-
Lobos sempre foi improvisador. Foi um grande solista de violão, grande,
grande. Sempre tocou clássicos difíceis, coisas com técnica. Sempre foi o
técnico, sempre procurou o negócio direito (apud CARVALHO, 1998, p.
30).

Sendo assim, neste contexto, não podemos conceber o apolíneo


projeto pedagógico liderado por Villa-Lobos sem a emergência desta dionisíaca
música popular urbana. Ocorreram diálogos ou negociações entre a esfera
educativa e da música popular, que trouxeram concepções para o processo
pedagógico em termos de material didático e para a própria estética musical do
compositor. Afinal, tais negociações não ocorriam apenas no plano público junto
às manifestações de Estado, conforme veremos adiante.

5.2 O sentido social da série Bachianas Brasileiras

A composição de obras musicais com o intuito de explicitar uma


identidade e uma unidade nacional, como as apresentadas pelas Bachianas
Brasileiras, vem sendo verificada desde o Romantismo, no século XIX, num
momento em que o mapa da maioria dos Estados-nacionais ainda estava por se
configurar, como ocorreu com o caso alemão bem antes de sua unificação em

167
1871, em que a primeira geração da música romântica alemã (Schubert,
Mendelssohn, Weber e Schumann) compôs dentro daquele espírito expresso pelo
termo Kultur (cultura), que indicava o desejo de extrair-se de sua pátria, através da
arte e da educação, o Volksgeist (espírito de um povo) 377.
378
Nas nações à margem da configuração da música erudita ocidental ,
a música instrumental alemã e a ópera italiana eram tidas como referências a
serem superadas. Compositores dessas nações tinham, como principais
referenciais estéticos, os três grandes músicos consagrados em Viena (Haydn,
Mozart e Beethoven). Ou seja, esse tipo de iniciativa cultural não ficaria restrita à
intelligentsia da classe média alemã. No afã de criar uma música com o suporte
nacional próprio, vários eram os compositores que desejavam criar de acordo com
o substrato popular e folclórico. Podemos apontar como exemplos: Uma vida pelo
Czar (1936), do russo Glinka; as dezesseis Polonaises, do polonês Chopin; as
dezenove Rapsódias Húngaras (1846), do húngaro Liszt.
No desfecho do século XIX, o referencial de diferenciação era a música
de Wagner, que levou a estruturação do sistema tonal - organizado por Bach e
Rameau - à beira da dissolução no famoso prelúdio da ópera Tristão e Isolda
(1859). Tal ideal de diferenciação à música de Wagner apresenta-se na Rússia,
principalmente, através de Mussorgsky que compôs uma obra baseada nas
antigas melodias populares russas, estranhas “ao ouvido tonal” – como em sua
obra prima Boris Godunov (1878). Este último compositor influenciou,
posteriormente, o impressionismo de Debussy, no uso de melodias modais, e,
sobretudo, as obras “russas”, de 1909 a 1913, de Stravinsky, que, em sua primeira
fase, radicalizaram as insinuações rítmicas propostas por Mussorgsky. Debussy e
Stravinsky anunciaram junto com Schoenberg (que aprofundou novas
possibilidades da linguagem musical, no impactante rompimento do sistema tonal)
o modernismo em termos musicais.

377
Cf. Elias (1997) e Guinsburg (2002).
378
Estamos nos referindo à relação desigual de poder dos compositores dessas nações frente às
“nações centrais”, que possuem uma hegemonia na constituição da música erudita ocidental.

168
Como o Brasil se situa dentro nesta busca da afirmação de uma música
nacional, própria do Romantismo, que desembocará no Modernismo? Sem dúvida,
379
segundo a historiografia musical brasileira, tardiamente , não obstante o
reconhecimento do talento de vários compositores nos séculos XVIII e XIX, como
Emerico Lobo de Mesquita, Padre José Maurício Nunes Garcia, Elias Lobo e
Antonio Carlos Gomes. Este último será tratado pelos historiadores da música
erudita brasileira, conforme já apontamos, a partir do Modernismo, como o
protótipo da dependência musical brasileira em relação às referências europeias
380
.
381
Esse foi o caso da geração posterior, a “pré-nacionalista” ,
denominada por Vasco Mariz (primeiro biógrafo de Villa-Lobos), como
“Precursores do nacionalismo musical” (2000, p. 111-134). Dois deles nos
interessam diretamente por terem composto algumas obras que procuraram uma
identidade musical nacional, tendo com base a música popular: Alexandre Levy e
Alberto Nepomuceno. O primeiro compôs Tango Brasileiro (1890), antecipando o
ritmo amaxixado ao piano que Ernesto Nazareth realizará posteriormente, e a
Suíte Brasileira (1890), na qual é destacada, por vários historiadores, a última
parte intitulada de Samba. O segundo trouxe à baila Galhofeira (1894), inspirada
no maxixe, e a Série Brasileira (1897), cuja última parte, denominada Batuque,
causou escândalos em plena belle époque tropical. Na verdade, esses autores
ousaram pouco devido às suas formações europeias e ao pouco contato com a
música popular no Brasil e, assim como Leopoldo Miguéz, compositor de Ave
Livertas! (1890), verdadeira ode à República, estavam mais em sintonia com o alto
379
Cf. Mariz (2000, p. 33-134).
380
Como diria Menotti Del Picchia (1982, p. 155-156): “algo nos resta no setor da arte? Ah! Carlos
Gomes! Carlos Gomes deu renome universal a música do Brasil. Alias, Carlos Gomes não tinha,
como tem este estranho revolucionário dos ritmos, aquele sangue cheio de Brasil, cheio de tropico,
cheio de inventiva e de originalidade. Metódico e verdiano, embora o temperamento ardente do
homem da América pusesse ainda mais eloquência na sua musica – o que é um mal – era com
tintas italianas pintava sinfonicamente a paisagem musical brasileira. E Villa-Lobos é cem por cento
Brasil. É modulamente autóctono, visceramente nacional. É essa marca viva da terra que torna
universal a sua incomparável música”.
381
É interessante apontar que uma classificação semelhante será exercida, pelos modernistas, na
formação do campo literário brasileiro entre uma literatura “pré-moderna”, exemplificada na figura
de Monteiro Lobato, e uma “moderna” expressa por Mário de Andrade, cf. Passiani (2003).

169
romantismo alemão de Liszt, Schumann e Wagner. Vale lembrar que Miguéz e
Nepomuceno foram, respectivamente, os dois primeiros diretores do Instituto
Nacional de Música, reformulação republicana do Imperial Conservatório do Rio
382 383
de Janeiro . A “Primeira Geração Nacionalista” se inicia com Villa-Lobos ,
legitimado socialmente como o pioneiro artista patrício a “lapidar” a música popular
e folclórica, além de traduzir musicalmente a natureza brasileira, dentro de um
formato erudito, de acordo com o ideário modernista.
As Bachianas Brasileiras foram compostas num momento em que as
propostas musicais do neoclassicismo - movimento moderno da música erudita
ocorrido a partir do final da Primeira Guerra Mundial - já estavam em pleno
desenvolvimento (desde a estreia de Pulcinella, de Stravinsky em 1920). A música
neoclássica apresentou-se de maneira extremamente diversificada,
ressignificando em termos modernos a música anterior ao Romantismo (de Bach a
Beethoven), fugindo do “sentimentalismo” romântico e tendo uma postura estética
mais objetiva e irônica, já que “revisitava” o tonalismo de maneira politonal, não
necessariamente como zombaria das formas do passado - como fizeram os
irreverentes do “Grupo dos Seis”, liderados por Satie. Por isso a marca maior do
movimento é a paródia, apresentando-se dentro de ecletismo estético. Tal
ressignificação não representou um simples “resgate” do passado. Pelo contrário,
as leituras sobre Bach, por exemplo, foram bem diferenciadas: Hindemith
restringiu o alcance harmônico, baseando em quartas, resultando na falta de um
repouso harmônico, em obras como Kammermusik n.1 (1921-27); Stravinsky, no
seu Octeto para Sopros (1922-23), descarta as cordas dentro de uma estrutura
quase bachiana, e Bartók (1881-1945) em Música para Cordas, Percussão e
Celesta (1936), baseou-se na fuga barroca, porém relida de acordo com suas
384
inflexões na música folclórica de seu país, a Hungria .
A produção das Bachianas deu-se ao longo de quinze anos, de 1930 a
1945, seguindo esta ordem de acordo com a numeração da série: As Bachianas
382
Cf. Pereira (1995).
383
Cf. Mariz (2000, p. 135-194).
384
Cf. Griffiths (1998, p. 62-79).

170
Brasileiras N° 1 - Introdução (Embolada) Prelúdio (Modinha) Fuga (Conversa),
1930 - a sua primeira apresentação em 12 de setembro de 1932, no Rio de
Janeiro 385. As Bachianas Brasileiras N° 2 - Prelúdio (O Canto do Capadócio); Ária
(O Canto da Nossa Terra); Dança (Lembrança do Sertão); Tocata (O Trenzinho do
Caipira), 1930 – a sua primeira apresentação deu-se em 3 de setembro de 1934
386
em Veneza . As Bachianas Brasileiras N° 3 - Prelúdio (Ponteio) Fantasia
(Devaneio) Ária (Modinha) Tocata (Pica-pau), 1938 – a primeira apresentação
387
ocorreu no dia 19 de fevereiro de 1947, em Nova York . As Bachianas
Brasileiras N° 4 - Prelúdio (Introdução), 1941; Coral (Canto do Sertão), 1941; Ária
(Cantiga), 1935; Dança (Miudinho), 1930 – a primeira apresentação ocorreu em 27
388
de novembro de 1939, Rio de Janeiro . As Bachianas Brasileiras N° 5 – Ária,
Cantilena (1938/Ruth Valadares Correa) e Dança, Martelo (1945/Manuel Bandeira)
389
– a primeira apresentação ocorreu em 25 de março de 1939 (Ária), no Rio de
390
Janeiro . As Bachianas Brasileiras N° 6 - Ária (Choro), Fantasia (1938) – a

385
“Orquestra Filarmônica do Rio de Janeiro. Heitor Villa-Lobos, regente. Concerto dedicado a
Burle Marx. Neste concerto, a 1a estante de violoncelos foi substituída por violas” (cf. VILLA-
LOBOS, 1989, p. 40).
386
A primeira execução ocorreu durante o II Festival Internacional de Veneza. O espetáculo teve
Alfredo Casella como regente. No dia 4 de maio de 1939, ocorre a primeira audição nos EUA, em
Nova York - no World‟s Fair Hall, ocorre a apresentação da Ária (O Canto da Nossa Terra) e da
Tocata (O Trenzinho do Caipira), com Orquestra Filarmônica de Nova York sob a regência de
Walter Burle Marx. No dia 31/8/1941, ocorre a primeira audição no Brasil, no Rio de Janeiro, sob a
regência de Eduardo de Guarnieri, cf. Villa-Lobos (1989, p. 41).
387
Sob a execução da Orquestra da CBS, tendo como solista José Vieira Brandão e Villa-Lobos
como regente, cf. Villa-Lobos (1989). A respeito da orquestração e regência do último, Francisco
Mignone (1969, p. 87), diz: “Villa-Lobos orquestrava à maneira dele. Nem sempre
instrumentalmente era perfeito ou cuidadoso”. Entretanto, se o compositor não era “preciso” nas
sutilezas da orquestração, a regência sob a sua batuta dava a música uma intensidade passional
e singular se compararmos com o resultado sonoro de outros regentes, cf. CD (1991[1956]).
388
A apresentação teve como solista José Vieira Brandão, cf. Villa-Lobos, 1989.
389
“Ária (Cantilena)" - adaptação para canto e violão; "Ária (Cantilena)" e "Dança (Martelo)" -
redução para canto e piano”, cf. Villa-Lobos (1989, p. 42).
390
Esta apresentação teve Ruth Valadares Correa, solista, e Villa-Lobos como regente. Outras
apresentações e estreias: “4/5/39, Nova York – World’s Fair Hall. “Ária (Cantilena)”. Orquestra
Filarmônica de Nova York; Bidu Sayão, solista; Walter Burle Marx, regente. [1a audição nos EUA] •
31/10/40, Buenos Aires - Teatro Colón. "Ária". Ruth Valadares Correa, solista; Heitor Villa-Lobos,
regente. 1a audição na Argentina • 1a 10/10/47, Paris. Integral. Hilda Ohlin, solista • 18/5/51,
Helsinki. Helsingfors Stadsorkester; Lea Pitti, solista; Heitor Villa-Lobos, regente • 17/1/56, New
Orleans. New Orleans Philharmonic-Symphony Orchestra; Heitor Villa-Lobos, regente • 8/7/57,
Nova York - Lewisohn Stadium. Stadium Symphony Orchestra; Bidu Sayão, solista; Aldo Parisot,
vlc; Heitor Villa-Lobos, regente • 11/57, Paris - Théâtre de la Maison Internationale. Concerto em

171
391
primeira apresentação ocorreu em 24 de setembro de 1945, no Rio de Janeiro .
As Bachianas Brasileiras N° 7 – Prelúdio (Ponteio), Giga (Quadrilha Caipira),
Tocata (Desafio), Fuga (Conversa), 1942 – a primeira execução ocorreu em 13 de
392
março de 1944, no Rio de Janeiro . As Bachianas Brasileiras N° 8 – Prelúdio;
Ária (Modinha); Tocata (Catira Batida); Fuga (Conversa), 1944 – a primeira
393
execução foi em 06 de agosto de 1947, em Roma . As Bachianas Brasileiras N°
9 - Prelúdio (Fuga), 1945 - a primeira apresentação ocorreu em 17 de novembro
de 1948, no Rio de Janeiro 394.
Gil Jardim (2005) aponta algumas características das Bachianas:
Primeiro, a dupla dominação, uma amparada na terminologia europeia (Ária,
Prelúdio) e outra na folclórica (Cantiga, Devaneio). As outras características são
que as peças musicais com os ritmos rápidos tendem a ser dominadas pelo ar de
“brasilidade”, enquanto que os movimentos mais lentos pela influência da música
de Bach. Este autor, além disso, indica que as nove Bachianas foram compostas

comemoração aos 70 anos do Autor, que contou com sua presença. Eda Pierre, solista; Pierre
Chaillé, regente • 10/12/58, Nova York - Town Hall. The Violoncello Society; Phyllis Curtin, solista;
Heitor Villa-Lobos, regente • 11/7/69, Rio de Janeiro - Theatro Municipal. Balé do Theatro
Municipal. Maria Lucia Godoy, solista; Helba Nogueira, coreógrafa.; Mario Tavares, regente.
Intitulada "Yara". Em comemoração ao 60o aniversário do Theatro Municipal • 1976, Leningrado.
"Ária" - Balé de T. Maly; L. Lebedov, coreógrafa” (VILLA-LOBOS, 1989, p. 42).
391
É interessante apontar a presença H. J. Koellreutter na flauta durante esta apresentação (cf.
Villa-Lobos, 1989, p. 43). Posteriormente, Koellreutter vai se tornar um dos maiores pedagogos
musicais no Brasil, cf. Fonterrada (2008, p. 215-217).
392
Esta apresentação foi executada pela Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal e sob a
regência de Villa-Lobos. Outras apresentações e estreias: “21/2/45, Boston - Sanders Theatre
(Universidade de Harvard). “Tocata (Desafio)” e “Fuga (Conversa)”. Orquestra Sinfônica de Boston;
Heitor Villa-Lobos, regente • 26/10/46, Buenos Aires. Orquestra do Teatro Colón; Heitor Villa-
Lobos, regente. 1a audição na Argentina • 28/7/53, Viena - Grosser Konzerthaussaal. Orquestra
Filarmônica de Viena; Heitor Villa-Lobos, regente • 29/11/56, Cleveland - Severance Hall.
Orquestra de Cleveland; Heitor Villa-Lobos, regente. 1a audição em Cleveland • 26/9/57, São
Paulo - Theatro Municipal. Semana Villa-Lobos (em homenagem ao 70o aniversário do
compositor). Orquestra Sinfônica Municipal; Heitor Villa-Lobos, regente • 23/4/59, Trieste - Teatro
Comunale Giuseppe Verdi. “Prelúdio (Ponteio)”, “Giga (Quadrilha Caipira)” e “Fuga (Conversa)”.
Orquestra Filarmônica Triestina; Heitor Villa-Lobos, regente • 1960, Rio de Janeiro. Balé do
Theatro Municipal; H. Lander, coreografia. Intitulada "Yara" • 1982, Cuba. Balé Nacional de Cuba;
R. Magalhães, coreografia. Intitulada "La Búsqueda"” (VILLA-LOBOS, 1989, p. 43).
393
Esta apresentação ocorreu na Basílica de Massenzio, sob a execução da Orquestra da
Academia de Santa Cecília de Roma e tendo Villa-Lobos como regente, cf. Villa-Lobos, 1989, p.
43.
394
Esta apresentação ocorreu no Teatro Municipal com a execução do Quinteto de Cordas da
Orquestra Sinfônica Brasileira e tendo Eleazar de Carvalho como regente (cf. VILLA-LOBOS, 1989,
p. 44).

172
395
dentro do formato da suíte barroca, de maneira binária ou ternária simples , não
396
desenvolvendo a forma sonata , o que fará na composição de suas doze
397
sinfonias . Entretanto, três Bachianas são quaternárias (3°, 4° e 7°), de com os
parâmetros do formato de uma suíte barroca.
Apesar de ter sido composta ao longo de todo período “getulista”, ou
seja, de 1930 a 1945, ocorreu um hiato na composição da série entre os anos de
1930 a 1938. Apenas as Bachianas N°1 e N°2 foram compostas em 1930, as
demais a partir de 1938. A justificativa para tal lapso de tempo, é atribuída ao
398
comprometimento do compositor com o projeto pedagógico . Entretanto,
catalogamos que foram compostas mais de vinte obras, no ano de 1932, que não
tinham relação direta com o projeto do Canto Orfeônico, a exemplo das Fugas
N.1°, 5°, 8° e 21° 399. Assim não nos parece razoável presumir que Villa-Lobos não
desse sequência à composição da Série por falta de tempo. De todo modo, o
intuito de se construir uma antítese à Série Choros ocorre antes do início da
Exortação Cívica, em 1931, e do projeto educacional do Canto Orfeônico, em
1932.
Por que a composição das Bachianas Brasileiras representaria uma
contraposição à Série Choros dentro da obra do compositor? Porque a
preocupação harmônica da Série Bachianas Brasileiras é mais acentuada, as
melodias são mais extensas e em vários momentos extremamente sentimentais,
além de o ritmo ser mais contido e regular - expressando uma perspectiva

395
Se referindo as formulas de compasso: “Sinal ou sinais colocados no inicio de uma composição,
após a armadura de clave, ou no decorrer de uma composição, para indicar a métrica do trecho
musical que se segue. No uso moderno, costumam se indicar dois números, um sobre o outro: o
de baixo indica a unidade de medida em relação à semibreve; o de cima indica o numero dessa
unidades em cada compasso” (SADIE, 1994, P.210).
396
“A forma principal do grupo que incorpora o ‘principio da sonata’, o mais importante na estrutura
musical do período clássico até o século XX: o de que o material exposto da tonalidade original. A
forma sonata aplica-se a um único movimento, na maioria das vezes parte de uma obra de muitos
movimentos, como sonata, sinfonia, ou quarteto de cordas; movimentos independentes (p.ex., uma
abertura ou poema sinfônico) também podem estar em forma sonata. A estrutura pode ser
considerada uma expansão da forma binária familiar nas danças barrocas, mas outros gêneros,
incluindo ária e concerto, também interferiam em seu desenvolvimento” (SADIE, 1994 p.337).
397
Cf. Jardim (2005, p. 87-100).
398
Cf. Nóbrega (1971, p. 17).
399
Cf. Villa-Lobos (1998, p. 153-154).

173
apolínea, devido às preocupações formais, e por vezes tonais, no plano da
harmonia, ao contrário da maioria dos Choros em que a politonalidade e, em
alguns momentos, a atonalidade se manifestam no plano harmônico, e as
“instabilidades” rítmicas dão uma sensação de caos sonoro. Desta feita, os Choros
(sinfônicos e de câmara) apresentam uma estética dionisíaca, devido a um diálogo
400
estético com as vanguardas do Velho Mundo , com a música popular urbana do
Brasil e indígena (através de temas adaptados a partir de transcrições e
fonogramas trazidos pelas expedições indigenistas da região norte do Brasil), que
resulta, no geral da série - a exceção explícita são os Choros N°1 (1920), por ser
um choro mais próximo de um formato tradicional, e o sentimental Choros N°5 -
Alma Brasileira (1925) - em timbres ousados que procuram imitar sons da fauna e
da flora, apresentando melodias que extrapolam, por vezes, o sistema tonal pela
impossibilidade de representação em tons e semitons, no uso da politonalidade,
401
da polirritmia, da síncope e de instrumentos de percussão de origem popular .
402
Assim, na imensa criação villalobiana , são ressaltados dois grandes
403
conjuntos de obras: as treze que compõem a Série Choros , composta entre
1920 e 1929 e a já citada Bachianas Brasileiras. São duas séries de obras que
404
acabam representando dois brasis . Entretanto, não podemos entender a
concepção estética de uma obra musical sem levarmos em conta as relações
entre o conteúdo técnico-musical e o seu significado social geral e as regras

400
Quando nos referirmos aos termos Dionisíaco e Apolíneo o fazermos metaforicamente como
momentos estéticos bem distintos na obra do compositor e não à maneira de Nietzsche, isto é,
como princípios ontológicos, metafísico ou da própria natureza, cf. Nietzsche, (2003[1873]). Assim,
nesta perspectiva estética, o Dionisíaco está associado aos “caos” sonoro da dissolução tonal (ou
quase dissolução) e o Apolíneo à “ordenação” musical tonal.
401
Cf. Andrade (1998). Conforme já apontamos, há outras obras associadas a esta estética
dionisíaca, como os poemas sinfônicos Amazonas (*1917) e O Uirapuru (*1917), o Trio p/ oboé,
clarinete e fagote (1921) e o Noneto (1923), cf. Villa-Lobos (1989).
402
Comenta-se que Villa-Lobos compôs cerca de mil músicas. Em uma contagem manual sob seu
catálogo contabilizamos um pouco mais de novecentas peças, cf. Villa-Lobos (1989).
403
Cf. Nóbrega (s/d).
404
Há uma discussão se as duas séries constituem ou não uma forma musical. O próprio Villa-
Lobos nunca se referiu aos Choros nem às Bachianas Brasileiras como tal. O sentido de forma
usado pelo compositor relacionasse à transfiguração dos elementos da música brasileira em
ambas as Séries. Vale a pena ouvir os Choros e as Bachianas regidas pelo próprio Villa-Lobos e a
sua explicação sobre o que são os primeiros. Cf. Villa-Lobos CD (1991[1956]).

174
sociais que substanciam a formação deste tipo de perspectiva musical, para, por
conseguinte, não ficarmos restritos ao discurso de afirmação estética dos próprios
compositores ou a uma leitura puramente formalista do conteúdo musical. Neste
sentido, o significado social de uma obra artística deve ser analisado para além do
discurso do compositor sobre a mesma, transcendendo-o, e apresentado uma
versão sobre um determinado momento sócio-histórico, materializando na música,
de acordo com a sua especificidade formal, ideias e valores de um tempo.
A análise aqui proposta, de uma sociologia da forma musical e do
processo social em relação à Série Bachianas Brasileiras, deve ter como foco a
formalização estética, condicionada à formação da música brasileira, de aspectos
sociais mais gerais que envolviam a sociedade brasileira, principalmente as
preocupações culturais e políticas referentes à unidade nacional, verificadas
durante o período “getulista”, que representou a institucionalização das iniciativas
dos modernistas, sua visão de mundo, propostas desde a década dos 1920,
iniciativas estas que visavam à racionalização e à modernização da sociedade
brasileira, através da implantação, a partir do Estado, de projetos nas áreas da
educação, da arquitetura, da saúde, dentre outras.
A institucionalização das iniciativas modernistas fez que Villa-Lobos
adequasse sua estratégia de reconhecimento social diante dos atores sociais dos
anos 30 em diante. Podemos vislumbrar nas dedicatórias da Série indícios de
estratégia social do compositor frente aos novos sujeitos, diferentemente da
utilizada na década anterior com a Série Choros.
Senão, vejamos: Bachianas Brasileiras: N° 1 - A Fuga (Conversa) foi
405
dedicada à memória de Sátiro Bilhar ; N° 4 - O Prelúdio (Introdução) foi
dedicado ao músico francês Tomás Terán; Coral (Canto do Sertão) foi dedicado
ao professor e músico José Vieira Brandão; Ária (Cantiga) foi dedicado ao cantor
brasileiro Sylvio Salema; Dança (Miudinho) foi dedicado a Antonieta Rudge Müller

405
Não há dedicatórias indicadas às Bachianas N° 2 e N° 3, cf. Villa-Lobos (1989, p. 40-41).

175
406
(esposa de Menotti Del Picchia) ; N° 5 Obra dedicada a Arminda Neves
407
d'Almeida (Mindinha, então esposa de Villa-Lobos) ; N° 6 - Obra dedicada ao
jornalista e músico Evandro Moreira Pequeno e Alfredo Martins Lage; N° 7-
dedicada ao Ministro Gustavo Capanema; N° 8 - Música dedicada a Mindinha; N°
9 - a partitura para coro foi dedicada ao músico norte-americano Aaron Copland.
Já as dedicatórias relacionadas à Série Choros foram: Choros: N° 1
(1920) – ao músico Ernesto Nazaré; N° 2 (1924) - Mário de Andrade; N° 3 (1925) –
Tarsila do Amaral e Oswald De Andrade; N° 4 (1926) – ao mecenas Calos Guinle;
N° 5 (1925) – ao mecenas Arnaldo Guinle; N° 7 – Arnaldo Guinle; N° 8 – ao
pianista francês Thomas Terán; N°10 (1926) – ao escritor Paulo Prado; N° 11
(1928) – ao pianista Arthur Rubinstein; N° 12 (1929) – ao musicólogo Andrade
408
Muricy e os Choros BIS (1928) a Tony Close e ao violinista belga Maurice
409
Raskin .
Ao se comparar o jogo das dedicatórias, nota-se, na Série Choros, a
presença marcante nas dedicatórias de mecenas e de ilustres modernistas, ao
contrário, das Bachianas que possui um espectro mais amplo de homenageados,
vide a presença de Gustavo Capanema e de vários músicos populares (nos

406
A outra versão das Bachianas Brasileiras N° 4 p/ piano: “Prelúdio, Introdução (1941); Coral -
Canto do Sertão (1941); Ária - Cantiga (1935); Dança (Miudinho) – a primeira apresentação foi no
dia 15 de julho de 1942, no Rio de Janeiro. Theatro Municipal. Orquestra Sinfônica do Theatro
Municipal; Heitor Villa-Lobos, regente” (VILLA-LOBOS, 2009d, p. 14).
407
Há outras versões da Bachianas brasileiras N° 5: “Ária (1938, RJ) (Ruth Valadares Correa)
Dança (1945, RJ) (Manuel Bandeira) /soprano e PF/DURAÇÃO: 11‟/PUBLICAÇÕES: IV e
AMP/COPYRIGHT: © 1947, 1948 by AMP e © 1978 by IV (somente para o Brasil)
/OBSERVAÇÕES: • Dedicada a Mindinha; • escrita originalmente para canto e orquestra de
violoncelos; • adaptação para canto e violão da “Ária (Cantilena)”. BACHIANAS BRASILEIRAS NO
5 (ÁRIA) / (1947) * (Ruth Valadares Correa) /canto e violão/AUTÓGRAFO (MVL): vegetal - 32 x 24
- 5 p./DURAÇÃO: 5/PUBLICAÇÕES: não publicada/COPYRIGHT: © 1952 by AMP e © 1978 by IV
(somente para o Brasil) /EXECUÇÕES: 1a 2/12/51, Nova York - Town Hall. Olga Praguer Coelho,
canto e violão */OBSERVAÇÕES: • Esta adaptação foi encomendada por Olga Praguer Coelho; •
escrita originalmente para canto e orquestra de violoncelos; • * informações retiradas do catálogo
"Villa-Lobos, Sua Obra", 2a edição”. (VILLA-LOBOS, 2009d, p. 16).
408
Autor de vários trabalhos sobre o compositor, cf. Muricy (1969).
409
Os Choros N°6 (*1926) e N°9 (*1929) foram dedicados a Arminda Neves D’Almeida (a
Mindinha), o que levanta a forte hipótese que ambos tenham sido compostos no final dos anos 30,
afinal as suas estreias ocorreram em 1942 em dois concertos distintos no teatro Municipal do Rio
de Janeiro. A Introdução aos Choros (*1929) também é dedicada à segunda esposa de Villa-
Lobos, mas na referência de estreia não consta a data. Já os Choros N° 13 (*1929) teve a partitura
perdida, cf. Villa-Lobos (1989, p. 45-50).

176
Choros, apenas Ernesto Nazaré foi homenageado no N°1). Ou seja, a estratégia
de Villa-Lobos durante a composição da Série Choros era a de homenagear os
modernistas e os mecenas, crucial para a sua ida e consagração em Paris,
resultando no reconhecimento no Brasil durante a década de 20. Dos anos 30 em
diante, não foi se tornando tão ou até mais importante uma negociação com as
esferas do Estado e com os músicos populares que substituem, respectivamente,
os mecenas - no patrocínio cultural - e os modernistas (à exceção daqueles que
estão a serviço do Estado) - que antes lhe conferiam legitimidade nacional - e que,
do “getulismo” em diante, será também legitimado nacionalmente pelos musicistas
da emergente música popular. Assim, tanto o projeto pedagógico musical quanto a
composição das Bachianas Brasileiras estavam dentro das estratégias do
compositor de busca mais ampla de reconhecimento social que o condicionavam a
negociar com o Estado e com os músicos populares. Em termos externos, a
negociação se estende aos músicos americanos, como Aron Coopland, mas a
tônica será a referência aos músicos populares e a nomeação popular das peças
musicais que tiveram, em boa parte da obra, dupla nomeação (erudita e popular,
exemplo da Ária – Modinha, das Bachianas N°3).
O grande desafio estético da Série é muito bem colocado na excelente
análise de Salles (2009) sobre o processo composicional de Villa-Lobos:

Esse retorno à tonalidade irá provocar alguns problemas interessantes à


poética villalobiana, já que na época em que inicia as Bachianas ele é um
compositor maduro, enfrentando o desafio de adaptar sua técnica
composicional, adquirida em um contexto sem restrições harmônicas e
contrapontísticas, em um contexto mais convencional sem soar como
Wagner, Pucinni e outras influências de seu período de formação?
(SALLES, 2009, p. 153).

A versão neoclássica de Villa-Lobos, quando o compositor tinha


completado quarenta e três anos de vida, ocorreu num contexto da construção de
síntese musical das diversas fontes folclóricas e populares alicerçada na polifonia

177
410
contrapontista de Bach . À primeira vista, realmente é notável a semelhança
entre aspectos da música de Bach e elementos da música brasileira. Nóbrega
(1971, p. 15) exemplifica tal proximidade - em seu estudo estético sobre as
Bachianas Brasileiras - através de dois fragmentos das partituras: a primeira, Suíte
N°2 (1738-39) para violoncelo de Bach, em seus primeiros compassos e a
segunda, logo ao lado, onde se vê uma modinha após uma pequena mudança das
barras de compasso, deixando as duas primeiras colcheias como anacruse.
Vejamos os trechos destas partituras:

FIGURA 6 – Fragmentos de partituras:

Suíte N°2 Transfiguração p/ uma modinha


Fonte: NÓBREGA (1971, p. 15)

O mesmo processo notamos neste outro exemplo: da Ária das


Bachianas N°6 temos um fragmento introdutório, onde se observa já nos primeiros
compassos do fagote, procedimentos muito próximos do contraponto do Choro,
como se vê, no trecho do Chorinho Atraente, da compositora Chiquinha Gonzaga
(1847-1935):

FIGURA 7 – Fragmentos de partituras:

Fragmento do Introdutório da Ária das Bachianas N°6 Atraente de C. Gonzaga


Fonte: NÓBREGA (1971, p. 15)

410
Segundo França (1965, p. 69): “e tenhamos ou não a presença do influxo folclórico na música
de Villa-Lobos – muitas de suas obras, como as próprias ‘Bachianas’, demonstram uma superação
do folclorismo – é certo que sua força resulta de nos comunicar o lirismo e os ímpetos ainda
bárbaros do nosso psiquismo racial”. Na mesma perspectiva afirma (Andrade Muricy, 1965): “As
ogivas e volutas da catedral bachiana revestiram-se, então, de um timbre jamais ouvido. Saiu um
Bach moreno e requeimado de trópico, enlanguescido de luares seresteiros, assentando em
bordões sonorosos, despedaçadores, de violão. Volutas e ogivas pré-clássicas estão ali
substituídas por sinuosos coletos de lianas e cipós bravos”. (Andrade Muricy, 1965).

178
No que se refere às análises estéticas, no momento, alguns
comentários são fundamentais. Já se tornou comum a interseção entre o formato
411
das Bachianas Brasileiras com a forma do choro , principalmente no uso do
contraponto. A Fuga (Conversa) da Bachianas Nº 1 é tida, por exemplo, como
412
composta à maneira do chorão Sátiro Bilhar . Miranda (2001, p. 264-266)
aponta diversas problematizações quando analisamos a forma choro dentro de
uma perspectiva tonal, devido à utilização de certos procedimentos modais que
fogem das finalizações cadenciais resultantes da relação tensão/repouso, dando
uma sensação de circularidade e liberdade harmônica (possibilitando inúmeras
improvisações).
Vários autores colocam a harmonização da forma musical da Série
Bachianas Brasileiras em primeiro plano quando se referem à mesma. Villa-Lobos
adere ao neoclassicismo, concomitantemente à sua transformação em educador
musical, nos anos 30. Santuza Naves (2001) interpreta a versão neoclassista do
musicista, na composição das Bachianas Brasileiras, a concretização da
perspectiva estética prevista por Mário de Andrade no Ensaio da Música
Brasileira. Afinal, o Ensaio defendia que a música popular, especialmente a
folclórica fosse “refinada” através de sua harmonização visando um padrão
musical “elevado”, e por consequência, nacionalizado, por meio da sofisticação
erudita. Este tipo “elevado” de música, denominada música artística, unificaria a
diversidade folclórica, na construção unidade nacional.
Nessa perspectiva, Naves (2001, p. 199) indica, na produção
neoclássica de Villa-Lobos, formas estéticas similares às encontradas na Europa,
durante o Romantismo, especialmente na esteira do Congresso de Viena. Esta
observação se aproxima da de Moraes (1983, p.74) que interpreta as Bachianas

411
Cf. Mariz (2005[1949], p. 180).
412
A este respeito Mariz discorre: “A fuga (Conversa), de acordo com o autor, foi composta à
maneira de Sátiro Bilhar, velho seresteiro carioca e companheiro de Villa-Lobos. O compositor
desejou pintar uma conversa de quatro chorões, cujos instrumentos disputam a primazia temática,
em perguntas e respostas sucessivas, num crescendo dinâmico” (MARIZ, 2005[1949], p.179-180).

179
Nº 1 como basicamente tonais, mesmo na Fuga, e as Bachianas Nº 2, Nº 3 e na
Nº 4 próximas do virtuosismo de Saint-Saëns e Rachmaninoff. As Bachianas Nº 4,
em seu Prelúdio é comparada, apesar de certos elementos barrocos, a Puccini e
as Bachianas Nº 9 presa ao “arcaico” tonalismo, longe da ampliação da linguagem
tonal das propostas no uso da politonalidade, típica nos outros compositores
neoclássicos.
Nas Bachianas Nº 1, na Embolada, o andamento dá-se em animato,
dando uma sensação rítmica brasileira (assim como o título propõe), numa
alternância de acordes até a fixação, desde o quinto compasso, junto a uma
harmonia resultante de um acorde da tônica. As melodias que surgem são longas,
como a que emerge a partir do sétimo compasso, dentro de uma atmosfera de
tensão/repouso sonoro, própria da linguagem tonal.
Por outro lado, é plenamente viável apontar alternativas às
considerações de Naves (2001) e de Moraes (1983) que aproximam a forma
musical das Bachianas Brasileiras como devedora exclusivamente do Romantismo
tardio. Por exemplo, Wisnik (1989, p. 42) e Mendes (2002, p. 131) indicam que as
Bachianas Nº 2, O Trenzinho caipira, dialoga com o vanguardismo de Honneger
com Pacific 1921 (1924), visto na sucessão de acordes que imitam o som de uma
locomotiva num crescente e decrescente harmônico, sustentado por percussões
populares (chocalhos, reco-reco etc), gerando uma imprevisibilidade não comum à
linguagem tonal.
É difícil escolhermos uma das Bachianas como síntese,413 que
contemple em si aspectos comuns encontradas nas outras obras da série. De todo
modo, concordamos com a análise de Nóbrega (1971) que aponta às Bachianas
414 415
Brasileiras N°5 tal característica. A Ária (Cantinela) e a Dança (Martelo) ,

413
Em nossa pesquisa de mestrado escolhemos os Choros N°10, cf. Damasceno (2007).
414
“Tarde uma nuvem rósea lenta e transparente./Sobre o espaço, sonhadora e bela!/Surge no
infinito a lua docemente,/Enfeitando a tarde, qual meiga donzela/Que se apresta e a linda
sonhadoramente,/Em anseios d'alma para ficar bela/Grita ao céu e a terra toda a Natureza!/Cala a
passarada aos seus tristes queixumes/E reflete o mar toda a Sua riqueza.../Suave a luz da lua
desperta agora/

180
416,
com versos respectivos atribuídos a Ruth Vasconcelos e Manuel Bandeira
criam uma ambientação sonora e poética que submete a natureza exuberante do
“sertão brasileiro”, o qual foi tão bem interpretado em termos de imagem
cinematográfica em Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) de Glauber Rocha.
Inclusive, estas Bachianas abriram os caminhos de Villa-Lobos nos EUA, obtendo
versões de músicos populares, como as verificadas em Joan Baez e do Modern
Jazz Quartet 417.
Em decorrência de tais análises, dentro da perspectiva deste trabalho,
uma indagação impera: que visão de mundo é expressa, em termos musicais, pela
Série Bachianas Brasileiras que deve ser interpretada sociologicamente?
Acreditamos que a Série responde ao problema colocado pela visão de mundo
dos homens de cultura do Brasil no que se refere a ser uma obra que “eleva” o
padrão civilizatório da cultura, de acordo com os ditames do modernismo
romântico e do modernismo programático da música brasileira.
Desta maneira, partimos do patamar analítico do estudo das condições
sociais da produção musical de Villa-Lobos em sincronia com algumas análises da
forma musical das Bachianas Brasileiras. 418 De acordo com esta perspectiva, as
formalizações no plano estético-musical são resultados das várias articulações
junto às condições de sistematização da música brasileira e com os aspectos

A cruel saudade que ri e chora!/Tarde uma nuvem rósea lenta e transparente/Sobre o espaço,
sonhadora e bela!” (NÓBREGA, 1971, p.87).
415
“Irerê, meu passarinho/Do sertão do Cariri,/Irerê, meu companheiro,/Cadê viola?/Cadê meu
bem?/Cadê Maria?/Ai triste sorte a do violeiro cantadô!/Sem a viola em que cantava o seu
amô,/Seu assobio é tua flauta de irerê:/Que tua flauta do sertão quando assobia,/A gente sofre
sem querê!/Teu canto chega lá do fundo do sertão/Como uma brisa amolecendo o coração./Irerê,
solta teu canto!/Canta mais! Canta mais!Pra alembrá o Cariri!/Canta, cambaxirra!/Canta,
juriti!/Canta, irerê!/Canta, canta, sofrê!/Patativa! Bem-te-vi!/Maria-acorda-que-é-dia!/Cantem, todos
vocês,/Passarinhos do sertão!/Bem-te-vi!/Eh sabiá!/Lá! Liá! liá! liá! liá! liá!/Eh sabiá da mata
cantadô!/Lá! Liá! liá! liá!/Lá! Liá! liá! liá! liá! liá!/Eh sabiá da mata sofredô!/O vosso canto vem do
fundo do sertão/Como uma brisa amolecendo o coração”.
416
Segundo a publicação do próprio Catálogo Oficial de Villa-Lobos: “Este autógrafo apresenta letra
original de Altamirando de Souza. No entanto, o texto de Ruth Valadares Correa está manuscrito a
lápis sobre a versão de Altamirando. Isto se deu porque Villa-Lobos adaptou o texto de ‘Fim de
Arte’ daquele poeta, que processou o compositor por apropriação ilegal”. (NÓBREGA, 1971, p. 88).
417
Cf. Paz (1998, p. 88).
418
Esta análise de uma sociologia em termos técnico-formais em relação à Serie Bachianas
Brasileiras deverá ser aprofundada, noutro momento, em virtude de suas especificidade e
complexidade.

181
sociais mais gerais que fundamentavam a formação de um Brasil moderno entre
os anos de 1930 e 1945.
Assim, em nossa interpretação, o sentido social da estética musical da
Série Bachianas Brasileiras se apresenta da seguinte maneira: primeiramente, não
nos alinhamos entre aqueles que consideram as Bachianas Brasileiras como
obras românticas tardias, dentro de um “tonalismo ortodoxo”, nem entre aqueles
que a concebem como obras nacionalistas, expressando a síntese entre as formas
folclórico-populares num formato erudito e, por fim, nem entre os que filiam a Série
como uma obra “universal”, dentro do espírito do Neoclassicismo.
Compreendemos que, na forma musical da Série, convivem, paradoxalmente,
elementos românticos tonais, aspectos politonais e contrapontuais (modernos e
tradicionais) em concordância com os paradoxos da modernização conservadora
brasileira. Sendo assim, o modernismo das Bachianas tem que ser compreendido
em articulação com o processo mais geral de modernização tardia ao qual a
sociedade brasileira vinha sendo submetida que também alicerçou o Canto
Orfeônico e a emergência da música popular urbana.

5.3 Os anos derradeiros de Villa-Lobos

Os anos de Villa-Lobos, após o período do Estado Novo até a sua


morte em 1959, foram marcados por uma intensa atividade de produção musical e
de serviços relacionados à SEMA, principalmente para quem descobrira que havia
419
desenvolvido câncer em 1948 . De todo modo, tais atividades, mesmo sem as
condições de saúde adequadas, foram fundamentais para a consolidação do
reconhecimento social do compositor como o maior músico erudito brasileiro, que
além de ser o grande protagonista da edificação de uma música autenticamente
brasileira, tornou-se o educador responsável pela disseminação de um projeto
pedagógico público que trouxe para a sala de aula o ensino da música,

419
O que lhe obrigou a uma intervenção cirúrgica nos Estados Unidos, onde foi “retirado a bexiga,
a próstata e parte do intestino grosso” (GUÉRIOS, 2003, p. 253).

182
especialmente as que fortaleciam a temática e a forma nacional dentro de uma
roupagem erudita ou popular.
Como esta pesquisa não ficou restrita ao período “getulista”,
constatamos que, durante o período no qual Villa-Lobos chefiou o Conservatório
Nacional de Canto Orfeônico até sua morte em 1959, ao contrário de que diz
Guérios (2003, p.98), os documentos coletados não indicam seu afastamento dos
caminhos da música no país, apesar de seus problemas com o câncer e as suas
constantes viagens aos EUA. Inclusive, numa delas, a viagem à América do Norte
é justificada por um dos documentos que coletamos do Ministério de Educação e
Saúde, datado de 1948, “sem ônus extraordinários para os cofres públicos,
atividades culturais de interesse do Ministério” (Museu Villa-Lobos, 1949). Desta
forma, mesmo após a derrocada do Estado Novo, em 29 de outubro de 1945,
420
Villa-Lobos continuará com atividades pedagógicas, como palestras , e
apresentações musicais, o que irá credenciá-lo, mais tarde, a compor o ISEB
(Instituto Superior de Estudos Brasileiros) - órgão de pesquisa criado em 1955 e
subordinado ao Ministério de Educação e Cultura 421.
Neste momento, livre dos compromissos burocráticos da SEMA, Villa-
Lobos pôde se dedicar a outros afazeres que seriam importantes tanto para o seu
reconhecimento quanto para a sistematização da música brasileira. Uma deles
seria a fundação da Academia Brasileira de Música, em 14 de julho de 1945, que,
a partir de 1947, foi reconhecida como órgão consultivo do governo federal,
422
através do Decreto Federal 23.160 de 6 de junho de 1947 . O primeiro patrono

420
Cf. Anexo AA, p. 253.
421
Cf. Anexo AB, p.254.
422
“Desde seus primórdios já passaram pela Academia mais de 100 acadêmicos, entre eles
Radamés Gnattali, Martin Braunwieser, José Siqueira, Lorenzo Fernândez, Cláudio Santoro, Luiz
Heitor Corrêa de Azevedo, Camargo Guarnieri, Francisco Mignone, Guerra-Peixe, Renato Almeida,
Cleofe Person de Mattos, Mario Tavares e José Maria Neves, para citar apenas alguns entre os já
falecidos. Dentre os membros intérpretes figuraram nomes como os de Guiomar Novaes,
Magdalena Tagliaferro, Antonieta Rudge, Arnaldo Estrella, Magdalena Lébeis, Paulina d'Ambrósio,
Iberê Gomes Grosso, Eugen Szenkar e Alice Ribeiro. A ABM possui, ainda, um prestigioso quadro
de membros correspondentes em várias partes do mundo. Entre os falecidos podemos citar os
nomes de Carleton Sprague Smith , Arthur Rubinstein e Mieczyslaw Horoszowski (USA); e Marcel
Beaufils, Florent-Schmitt, Margueritte Long e Michel Philippot (França)” (TACUCHIAN apud
<www.abmusica.org.br>).

183
foi o Padre Anchieta e o único músico relacionado à música popular e a ser
escolhido 28° patrono foi Ernesto Nazaré, e Mário de Andrade foi o 40°423. Todos
estes patronos de uma forma ou de outra se relacionam com a trajetória social de
Villa-Lobos.
Este período é identificado como o da entrada de Villa-Lobos no
mercado norte-americano dentro dos propósitos da Política da Boa Vizinhança dos
EUA. Entretanto, não devemos reduzir a ida do compositor da Bachianas N° 5
(1938/1945) apenas ao interesse norte-americano. O Estado brasileiro também
tinha a intenção de exportar os seus bens culturais dentro da lógica de
propaganda política do DIP e, consequentemente, do próprio Estado Novo.
A música de Villa-Lobos entrou nos EUA quando o mesmo participou,
424
como uma das atrações brasileiras, da Feira Mundial de Nova York em 1939 .
Em 1944 ocorreu, com o financiamento estatal, a primeira visita do compositor aos
EUA e, a partir daí, muitos vão considerar que se inicia uma nova fase estética na
425
obra do musicista , dentro dos cânones mais tradicionais da música erudita. Em

423
Os demais foram: “2º Luiz Alvares Pinto; 3º Domingos Caldas Barbosa; 4º J.J.E. Lobo de
Mesquita; 5º José Maurício Nunes Garcia; 6º Sigismund Neukomm; 7º Francisco Manuel da Silva;
8º Pedro I; 9º Thomáz Cantuária; 10°Cândido Ignácio da Silva; 11º Domingos R. Mossurunga; 12º
José Maria Xavier; 13º José Amat; 14º Elias Alvares Lobo; 15º Antônio Carlos Gomes; 16º
Henrique Alves de Mesquita; 17º Alfredo E. Taunay; 18º Arthur Napoleão; 19º Brasílio Itiberê da
Cunha; 20º João Gomes de Araújo; 21º Manoel Joaquim de Macedo; 22º Antônio Callado;
23º Leopoldo Miguez; 24º José Cândido da Gama Malcher; 25º Henrique Oswald; 26º Euclides
Fonseca; 27º Vincenzo Cernicchiaro; 28º Ernesto Nazareth; 29º Alexandre Levy; 30º Alberto
Nepomuceno; 31º Guilherme de Mello; 32º Francisco Braga; 33º Francisco Valle; 34º José de
Araújo Vianna; 35º Meneleu Campos; 36º J. A. Barrozo Netto; 37º Glauco Velásquez; 38º Homero
Sá Barreto e 39º Luciano Gallet” (TACUCHIAN apud <www.abmusica.org.br>)
424
Segundo Ribeiro (1981, p. 22): “A Feira construíra um imenso ‘Music Hall’ para grandes
concertos e convidara os países nelas representados a promover a execução das músicas
nacionais”. Entretanto, a entrada da música de Villa-Lobos nos EUA ocorrera desde os anos 20
com os concertos de Arthur Rubinstein.
425
Villa-Lobos teve como intérprete em suas viagens aos Estados Unidos o escritor Erico
Veríssimo que publicou um relato muito divertido desta experiência ao lado do irreverente
compositor. Vejamos uma destas situações em uma recepção ao maestro nos EUA no qual o
escritor atuou como tradutor: “uma loura balzaqueana, que também está sentada aos pés de Villa-
Lobos, olha para um ‘interprete’ que se encarapitou num dos braços da poltrona do homenageado,
e diz: ’Mr. Veríssimo (Ó Deus – penso – sou o verme dos vermes!) diga por favor ao maestro que
este clube tem recebido grandes personalidades com Toscanini, Stokowsky, Rachimaninoff e
outros... <<Traduzo a frase, e Villa-Lobos, mascando seu charuto, resmoneia: ‘Não me interessa...
não me interessa....>> <<A loura indaga: Que foi que êle disse?>> Torno a mentir: ,, O maestro
declara-se encantado!>> Sorrisos gerais. Prossegue a balzaqueana: << Diga também a Mr. Villa-

184
1948, Villa-Lobos compõe, para a Broadway, o musical Magdalena. Além de Nova
426
York, o espetáculo também foi visto em Los Angeles e em São Francisco . O
reconhecimento da música do compositor das Bachianas Brasileiras N° 5 na terra
de George Gershwin o animou tanto que ele chegou a cogitar se mudar para os
EUA427. Afinal, os Estados Unidos, a partir do final dos anos 40, seriam o grande
428
locus de reconhecimento musical internacional , o que ocorreu com a sua
música – assim como nos loucos anos 20 na França 429. Além da Broadway, Villa-
Lobos gravou para Hollywood, compondo o bailado Floresta do Amazonas (1958)
para o filme Green Mansions, que no Brasil foi lançado com o nome de A flor que
430
não morreu . Por problemas de sincronia entre a composição e as cenas, a
trilha não foi incluída na íntegra no filme, ocorrendo uma adaptação por parte do
431
arranjador Bonislaw Kaper . De todo modo, esta obra se tornou uma das
grandes peças do compositor, principalmente na voz da intérprete Bidu Saião 432.
Neste período, o compositor não estava muito preocupado com
algumas das polêmicas de seus pares, como na disputa travada por Koellreuter e
seus seguidores da Música Viva e os discípulos nacionalistas de Mário de

Lobos que nós o admiramos muito. Pouco importa que ele não fale inglês. O mero fato de
podermos olhar para ele nos basta>> << O maestro escuta a tradução dessas palavras e
exclama!>> <<Diga a essa senhora que não sou papagaio nem palhaço de circo!>> Engulo em
seco e torno a atraiçoar o meu compatriota: <<O Sr. Villa-Lobos diz que se sente felicíssimo por
estar aqui...>>” (VERÍSSIMO, 1969, p. 61).
426
Magdalena estreou no Los Angeles Civic Light Opera, em 26 de julho de 1948. Também foi
apresentado em San Francisco, no Teatro Curran (San Francisco Light Opera). A temporada do
espetáculo abriu em Nova Iorque, no Teatro Ziegfeld, em 20 de setembro de 1948, e se encerrou
em dezembro 4 daquele ano após 88 performances, cf. Villa-Lobos (2009d, p. 175).
427
Cf. o documentário Villa-Lobos: o índio de casaca (1987).
428
Neste período, tanto Stravinsky quanto Schoenberg viveram nos EUA. Inclusive, o último serviu
de inspiração a Thomas Mann, que também morou por lá neste preço, quando escreveu seu
romance Doutor Fausto (1994[1947]), cf. também Mann (2001[1949]).
429
O maestro Eleazar de Carvalho foi um dos grandes divulgadores da música de Villa-Lobos nos
Estados Unidos. O maestro cearense mantinha o compositor sempre informado sobre a
penetração da música do compositor das Bachianas Brasileiras, cf. Anexo AC, p.255.
430
O filme teve a direção de Mell Ferrer.
431
Segundo Guérios (2003, p. 254-255), baseado no depoimento de Miklos Rosza, tal
incompatibilidade ocorreu porque Villa-Lobos compôs a partir do roteiro sem ver as cenas do filme.
432
Entre as várias versões desta obra, uma merece destaque por contemplar autores da MPB,
como o CD Ney Matogrosso (1987).

185
Andrade (como Camargo Guarnieri), na crítica dos últimos ao dodecafonismo dos
primeiros433.
434
Na última fase de composição de Villa-Lobos , se destacaram as
435
músicas sacras e os quartetos de cordas . O compositor trabalhou ativamente
sob estas duas formas até morrer em 1959. Em referência aos segundos, aquele
que chegou a dizer “que um quarto de corda de Debussy valeria por todos de
436
Beethoven” , compôs um quarteto por ano (do oitavo em diante, de 1944 a
1957), completando seus dezessete quartetos, constituindo-se em um verdadeiro
437 438
capítulo à parte na obra do musicista , já que o primeiro é de 1915 ,
439
acompanhando, por conseguinte, toda a carreira do músico . Do mesmo modo,
as obras sacras sempre estiveram presentes por toda a trajetória de Villa-Lobos,
especialmente na última década de sua vida, destacando-se Bendita Sabedoria
440
(1958), estreada em dezembro daquele ano em Nova York , e Magnificat Aleluia
441
(1958), obra encomendada pelo próprio Vaticano , que teve na segunda
apresentação do dia 07 de setembro, a última presença do compositor em 1959.
Afinal, no dia 17 de novembro de 1959, Villa-Lobos morreu em virtude das
complicações decorridas do câncer.

433
Segundo Mariz: “A defesa dessa arte brasileira autêntica foi tomada alias com firmeza por
Guarnieri, em 1950, quando publicou uma Carta aberta aos músicos e críticos do Brasil. Revoltava-
se o compositor paulista contra a voga do atonalismo entre os jovens compositores, muito
influenciados por Koellreutter” (Mariz, 2000, p. 248).
434
No começo dos anos 50, Villa-Lobos compôs o Concerto para Violão e pequena Orquestra
(1951, que estreou no dia 6/2/56 em Houston (EUA), com a execução da Houston Symphony
Orchestra, tendo Andrés Segóvia como solista e o próprio Heitor Villa-Lobos como regente). Cf.
Villa-Lobos (1989, p. 76-77). As obras para violão estão entre as mais respeitadas do compositor.
Conferir a análise de Santos (1975) e o CD Santos (1999).
435
Cf. Villa-Lobos (1989, 2009d).
436
Cf. o documentário Villa-Lobos: o índio de casaca (1987).
437
Muitos consideram os últimos quartetos como as mais significativas obras do compositor, cf.
Safatle (2006, p. 28-31).
438
A estreia da obra ocorreu no dia 03/12/1915, na residência do compositor Homero Barreto, em
Nova Friburgo, cf. Villa-Lobos (1989, p.108).
439
Cf. o CD Quarteto Bessler-Reis (1991).
440
Cf. Villa-Lobos (1989, p. 209).
441
Op. Cit., p. 244.

186
Na década de 1950, como afirmamos, Villa-Lobos não vai se descuidar
442
do Canto Orfeônico. Em 1951, ele publica Canto Orfeônico 2° Volume . Ao
contrário da primeira publicação de 1941, este volume possui uma quantidade
maior do material popular. Dos quarenta e cinco temas musicais coletados e
selecionados, dezesseis seriam de fontes populares (como Um Canto que saiu
443
das senzalas) e apenas oito de temática cívica ou patriótica (duas delas
compostas depois da primeira edição, em 1941, como o Hino à Vitória (1942) e a
444
Invocação à Pátria (1943)) . O levantamento destes temas vocais do Canto
Orfeônico – 2° Volume indica como os temas “cívicos e nacionalistas” são menos
presentes do que os com temáticas populares, ao contrário dos do 1° volume de
1940. Desta forma, há uma clara indicação de como o projeto do Canto Orfeônico
estava em sintonia com os novos tempos na qual a sistematização da música
brasileira, naquele período, já não era tão dependente dos temas nacionalistas.
Um ano antes da publicação dessa obra didática, Villa-Lobos escreveu O samba
clássico (1950), para canto e orquestra, “em homenagem aos compositores
445 446
populares” , estreando em 1958, em Montreal (Canadá) - o texto seria do
447.
próprio compositor sob o pseudônimo de Epaminondas Villalba Filho A letra
possui um conteúdo apologético, ressaltando o samba como veículo musical que
comungaria pátria, povo e natureza brasileira. Eis a letra:

”Nossa vida vive/Nossa alma vibra/Nosso amor palpita/Na canção do


samba/É a saudade intensa/De uma vida inteira/É a lembrança
imensa/Que jamais se esquece/O! quanta beleza/que faz pensar/na
doçura de sua melodia!/O! faz viver um sofrimento esquisito/melancólico
e triste!/Também tem o sabor de alegria/de viver na comunhão/dos seres

442
Antes, em 1946, Villa-Lobos lança Solfejo – Originais e Sobre Têmas de Cantigas Populares
para o Ensino de Canto Orfeônico 2° Volume (1946).
443
Há outras canções compostas pelo próprio Villa-Lobos sob a inspiração popular, como As
Costureiras (1933), cf. Villa-Lobos (1989, p.216).
444
A presença de outras peças musicais eruditas, como Na risonha madrugada de Haydn -
adaptada por F. Haroldo, O tambozinho de Rameau – também adaptada por F. Haroldo e Terra
Natal de Mozart – adaptado H. Faustino, cf. Villa-Lobos (1951, p. 132).
445
Cf. Villa-Lobos (1989, p.200-201).
446
Op. Cit., p.200-201.
447
Porém, em Villa-Lobos (2009d, p.199) é informado: “Do manuscrito original para canto e
orquestra, consta C. Paula Barros (Carlos Marinho de Paula Barros) como autor do texto”.

187
da terra e do céu do Brasil/Tudo é bom e justo/tudo é belo enfim/cheio de
esplendor/Na grandeza infinda/é feliz quem vive/Nesta terra santa/que
não elege raça/nem prefere crença/O! Minha gente!/Minha terra!/Meu
paiz!/Minha pátria!/Parafrente!/A subir!/A subir!/Sambar” (PAZ,
2004[1987], p.51-52).

No ano de 1957, Villa-Lobos irá defender o ensino do Canto Orfeônico


através de um documento intitulado Argumentos Justificados do Ensino de Canto
Orfeônico, no qual diz que “A Criação do Conservatório Nacional de Canto
Orfeônico justifica-se nos mesmos argumentos das Faculdades Especializadas de
Filosofia, Química e Arquitetura” (VILLA-LOBOS, 1957, p. 3). Defendendo a
motivação e os resultados patrióticos do projeto pedagógico, o compositor foi
incisivo 448:

Para os que acreditam no real valor das iniciativas exclusivamente


nacionais, no sentido da formação sadia e superior compreensão do
nacionalismo de projeção universal de progressista, o ensino de Canto
Orfeônico, fundado nos argumentos já mencionados, é de fato e
inegavelmente bem brasileiro. Embora a arte musical seja de projeção
internacional, ela se afirma e eterniza quando é penetrada no
nacionalismo superior (VILLA-LOBOS, 1957, p. 2-3).

Na última década de sua vida, Villa-Lobos já presenciava uma diversa


música brasileira, estabelecida em diversos gêneros, tanto na esfera erudita
449
quanto na popular . Os músicos de formação erudita migraram e/ou transitaram
para a música popular, a exemplo dos maestros como Tom Jobim - orgulhava-se
de ser, na opinião do maestro Cláudio Santoro, “O Villa-Lobos da Música Popular”
450
. Os compositores e maestros Julio Medaglia, Gilberto Mendes e Rogério Duplat
451 452
se referem a Villa-Lobos com grande deferência – “o grande mestre” . Mas

448
Estarão também, dentro deste padrão, as outras obras que pesquisamos dos anos 50
relacionados ao trabalho do Canto Orfeônico, respectivamente, a escola secundária e o ensino
superior. Foram Arruda (1951) e Lima (1954) e Coleção Guias de Ensino e Livros de Texto (1955).
Apenas em Priolli (1955, 1° e 2° volumes) é que encontramos um formato de exposição que dava
menos ênfase à música folclórica e popular.
449
A respeito da última, é interessante apontar que quando o compositor faleceu, João Gilberto,
em 1959, gravou o disco Chega de saudade. Um dos maiores LPs da música brasileira.
450
Cf. Dias (2010, p. 108).
451
A apropriação destes da música de Villa-Lobos ocorre dentro da ótica das vanguardas musicais.
Medaglia (2003, p.142) ressalta o caráter universal da música villalobiana: “Um dos grandes

188
não apenas estes, no carnaval de 1966, a Escola de Samba Mangueira, com o
tema Exaltação a Villa-Lobos, se consagra, vencendo o desfile daquele ano.
Parecia mais um agradecimento de muitos músicos populares que conviveram
com o músico erudito 453.

equívocos que se comete, por exemplo, ao exaltar-se o trabalho de Villa, é o provincianismo de


tentar justificar seu valor em consequência das características nitidamente ‘brasileiras’ de sua
composição”. Gilberto Mendes vai ainda mais longe ao afirmar: “Debussy, como Villa-Lobos, Ives e
outros, cada um a seu modo, ajudaram a destruição do sistema tonal e consequentemente da
predominância das melodias, dando origem à música desta segunda metade do século, feita à
base de ruído, do som eletroacústico, microtonal, não discursiva, feita de momentos” (MENDES,
2002, p. 133).
452
Esta deferência a Villa-Lobos também se deve à imagem propagada por muitos grandes
incentivadores da música popular, como a do poeta Hermínio Bello de Carvalho, uma das fontes
deste trabalho, que diz “Se vocês não conhecem Heitor Villa-Lobos pessoalmente, poderei traçar-
lhes o retrato. Havia em sua figura a surpresa de um anjo maldito e a dimensão do demônio
abençoado. O resultado dessa dualidade era a figura magnífica e imponente de Villa, seus olhos
incendiados, seus cabelos de cor indefinível, mescla de nuvem prateada com espuma de lago
cinzento. Assim, jamais conseguirei explicar sua existência senão como um fato milagroso, porque
tudo o que encontrei em Villa-Lobos fazia supor milagres, e, em todos os momentos em que o vi,
parecia aureolado de magicismo” (CARVALHO, 1998, p. 21).
453
Em 1999, foi a vez da escola de Samba Mocidade. Entretanto, desta vez a Escola de Samba
que bancou um tema sobre Villa-Lobos não ganhou o desfile daquele ano – colocando-se em 4°
lugar – mas, sim, a Imperatriz Leopoldinense.

189
190
FINALE

“Ninguém percebe que o país mais musical que existe sobre a


terra deixa passar, vagamente, indiferentemente, essa música tão
pura, música da alma, música do coração. Que importa que haja
duas espécies de música: a música da manifestação espontânea,
a música popular, e a música da alma elevada, da alma intelectual,
a música da arte”.
(Villa-Lobos in conferência em João Pessoa, Paraíba, 1951 apud
CARVALHO, 1998, p. 82)

Em 1944, o historiador e crítico de arte Francisco Acquarone lançou


454
uma edição da História da Música Brasileira . Este livro apresenta em suas
linhas a mesma teleologia evolutiva atribuída pelo Modernismo à emergência da
música nacional. Ou seja, da música erudita universal – incluindo a sua
assimilação no Brasil desde a colônia até a República - para a nacional, esta era
455
tributária do aperfeiçoamento das formas populares e folclóricas miscigenadas .
456
Sendo assim, o marco evolutivo estaria na música de Villa-Lobos , que,
inclusive, confessara o autor, foi a sua inspiração para escrever uma obra com tal
envergadura, afinal o próprio autor era questionado: “Após haver escrito a ‘História
da arte no Brasil’, alguém me perguntou: - e a historia de nossa música, também
está Lá?” (ACQUARONE, 1944, p.18) 457.
A música brasileira não poderia deixar de estar. Afinal, Villa-Lobos foi um
dos principais protagonistas do processo de legitimação social do reconhecimento
da música composta no país como brasileira, conforme evidenciamos ao longo do

454
Esta obra é divida nos seguintes capítulos: Os três grandes da música brasileira (Villa-Lobos,
Lorenzo Fernandez e Francisco Mignone); Do internacionalismo ao nacionalismo musical;
Contribuições do índio e do negro; a música no Brasil colonial; a música no Brasil Imperial, A
música no Brasil republicano; folclore e música popular e A dansa e o virtuosismo no Brasil.
455
Tratadas no mesmo capítulo do livro. Figurativo de como estas eram confundidas até aquele
tempo, cf. Acquarone (1944, p. 265-316).
456
Apesar dos questionamentos a Villa-Lobos por parte de Mário de Andrade, conforme
evidenciamos.
457
Em outro momento o autor diz: “Que Diabo! A literatura musical, derramada no país, é das mais
abundantes. Controversa é verdade, mas cheia de monografias interessantes e aproveitáveis.
Seria trabalho de concatenação, de pesquisa, de seleção” (ACQUARONE, 1944, p. 18).

191
458
trabalho . Assim, no I Ato, trabalhamos a ideia de aperfeiçoamento das formas
musicais populares dentro da lógica da ação política da intelligentsia,
especialmente, de sua variante folclórica, que no Brasil apresentou-se através da
ida ao povo (MARTINS, 1987) dos modernistas – tratado como visão de mundo
(GOLDMANN, 1959[1955], 1979[1970]) institucionalizada do “getulismo” em diante
- em especial em suas variantes romântica e programática, relacionadas, na
perspectiva adotada na pesquisa, respectivamente, à inserção de Villa-Lobos e de
Mário de Andrade ao movimento. No II Ato, discutimos como Villa-Lobos estava
predisposto socialmente, através do conceito de disposição social (LAHIRE, 2002,
2004) para articular a música popular e a erudita de acordo com os cânones da
última. Nesse capítulo, relacionamos, de maneira mais direta, Villa-Lobos e Mário
de Andrade, já que a associação entre os modernismos romântico e programático
ocorrera no percurso do primeiro já na experiência paulista, em 1931, e nos
primeiros anos da experiência pedagógica (1932-1936). No III Ato, analisamos a
centralidade da obra Guia Prático (1941) - e de seu Rascunho escrito entre 1932 e
1936 - como obra paradigmática dentro dos valores estéticos e sociais
norteadores do projeto pedagógico do Canto Orfeônico. No IV Ato, abordamos a
ampliação do projeto antes e durante o Estado Novo, além de uma análise das
obras pedagógicas do período. Por fim, no V Ato analisamos a relação de Villa-
Lobos diante da emergência da música popular urbana, como a concepção
harmônica da Série Bachianas Brasileiras se relacionava com o projeto
pedagógico do Canto Orfeônico e o papel decisivo de Villa-Lobos, que, mesmo
enfermo, atuou diretamente nos anos decisivos para a sistematização da música
brasileira, através da consolidação temática e formal, além da formação de um
cativo público.

458
Villa-Lobos é o compositor brasileiro que mais rende em termos de direitos autorais no exterior.
Os herdeiros de tais diretos foram a Academia Brasileira de Música (50%, com parte dos proventos
para a sua segunda esposa) e Lucília Guimarães (primeira esposa do compositor beneficiada com
os outros 50%). Após a morte de Lucília Guimarães, a metade dos diretos autorais passou para as
mãos de seu único irmão. O inventário dos direitos autorais de Villa-Lobos se estendeu até 1997 e
pela lei n° 9.610 de 19/02/98 as obras de Villa-Lobos estão protegidas pela legislação até 2030.
Após esta data, suas obras passarão a ser de domínio público, cf. Gandeman (1999, p. 58-61).

192
A publicação da obra História da música brasileira (1944), de Francisco
Acquarone, era um indicativo de que a música feita no Brasil já era considerada
pelos próprios brasileiros como brasileira e de elevado valor estético, que já
poderia fazer frente às grandes escolas musicais nacionais. Entretanto, uma
consequência não antecipada do projeto modernista que se institucionalizou a
partir do período “getulista” foi o impacto da música popular urbana do país, em
especial a do Rio de Janeiro, no imaginário cultural nacional, consolidando-se em
vários gêneros - choro, samba (e suas derivações: canção, enredo, breque e
459
choro), bossa nova, baião, frevo etc , que, anos depois, durante a Ditadura
Militar, teve um papel fundamental como veículo cultural de resistência. Talvez
este tenha sido um dos motivos, além da motivação tecnocrático-pedagógica, para
que os militares retirassem a educação musical das salas de aula 460.
Mesmo sem prever a presença marcante da música popular urbana na cultura
nacional, Villa-Lobos muito contribuiu em tal processo, tanto em termos estéticos e,
principalmente, através do projeto pedagógico do Canto Orfeônico. A deferência dos músicos
populares a Villa-Lobos é bem sintomática. Obviamente que tal deferência se entende não
apenas nas várias gravações de músicos populares, mas também na própria pedagogia
musical, principalmente em tempos em que a Lei 11.769/2008 garante a obrigatoriedade do
ensino da música nas escolas brasileiras. No contexto atual, o ensino musical e muito menos a
música brasileira já não se constituem como expressões orgânicas das ações culturais do
Estado - mesmo com a dependência de grande parte destas expressões das instituições
estatais, mas, sim como manifestação de uma complexa e plural sociedade.
Em suma, o sentido do legado do maior compositor erudito brasileiro foi de ter
expressado através de sua trajetória o desejo da consolidação de um processo social. Em outras
palavras, a aspiração de Villa-Lobos em expressar a unidade das manifestações musicais
brasileiras era a própria vontade de configuração de um sistema musical gestado no contexto da
formação de uma sociedade de acordo com os desígnios modernizadores do Estado nacional.

459
Cf. Tinhorão (1991).
460
Todavia, mesmo sem mais constar a educação musical como disciplina obrigatória,
constatamos que obras pedagógicas da década dos 70 ainda eram muito devedoras da
metodologia do Canto Orfeônico, a exemplo Brasil (1978).

193
Desta forma, este sistema musical brasileiro não nasceu da obra de um só homem, no caso
Villa-Lobos, mas, sim, em grande parte, através de seu protagonismo frente às condições sociais
que permitiram emergir esta vontade coletiva, vivenciada no percurso de muitos outros
personagens que, de maneira direta ou não, interagiram com o compositor das Bachianas
Brasileiras em sua trajetória musical e pedagógica.

194
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compositor para participar da comissão que analisaria os erros do Hino Nacional.
Fonte Arquivo do Museu Villa-Lobos.

______. [Ministro de Educação e Saúde] Rio de Janeiro, 16 mai 1941 [para]


VILLA-LOBOS, Heitor. Documento no qual o Ministro agradece ao maestro pela
organização musical da Semana da Pátria de 1940. Fonte Arquivo do Museu Villa-
Lobos.

CARVALHO, ELEAZAR. [Carta] 09 jul 1949, Nova York [para] VILLA-LOBOS,


Heitor. Divulgação e recepção da música do compositor nos EUA. Fonte Arquivo
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1937 [para] VILLA-LOBOS, Heitor. Documento no qual Francisco Campos assina,
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CORBISIER, Roland. [Gabinete do Ministro da Educação e Cultura] Rio de


Janeiro, 15 agost 1955 [para] VILLA-LOBOS, Heitor. Convite para que Villa-Lobos
fizesse parte do conselheiro consultivo do Instituto Brasileiro de Estudos
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[para] VILLA-LOBOS, Heitor. Documento que designa o diretor do Conservatório
Nacional de Canto Orfeônico para realiar atividades culturais no estrangeiro. Fonte
arquivo Museu Villa-Lobos.

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Itamaraty. Solicitação de passaportes para Villa-Lobos e Arminda Neves. Fonte
Arquivo do Museu Villa-Lobos.

VILLA-LOBOS, Heitor. [carta] 27 dez 1930, São Paulo [para] GUINLE, Carlos. O
compositor informa sua intenção de retornar à Europa após apresentações no
Brasil. Fonte Arquivo do Museu Villa-Lobos.

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220
CRONONOLOGIA

1887: Nascimento de Villa-Lobos.


1889: Proclamação da República.
1892: Família de Villa-Lobos se muda para Minas Gerais devido às críticas de
Raul Villa-Lobos ao presidente Floriano Peixoto.
1893: Volta da família Villa-Lobos ao Rio de Janeiro.
1899: Morte de Raul Villa-Lobos.
1903: Villa-Lobos entrou em contato com o mundo dos chorões quando foi morar
com sua tia Zizinha.
1905-1912: Entre inda e vindas ao Rio de Janeiro, as supostas viagens de Villa-
Lobos Brasil adentro, algumas comprovadas.
1913: Casamento de Villa-Lobos com Lucília Guimarães.
1914: Inicio da I Guerra Mundial.

1915: Primeiras apresentações de Villa-Lobos em Friburgo (RJ).


1918: Villa-Lobos conheceu Arthur Rubinstein. Final da I Guerra Mundial.
1921: Inicio da composição da Série Choros.
1922: Participação de Villa-Lobos na Semana de Arte Moderna de 1922.
1923: Primeira viagem de Villa-Lobos à Europa.
1924: Em Paris, Villa-Lobos conhece o proprietário da editora Max Eschig que
adquiriu os direitos sobre sua obra.
1926: Segunda ida à Europa.
1929: Termino da composição da Série Choros.
1930: Revolução que empossou Getúlio Vargas no poder e inicio da composição
da Série Bachianas Brasileiras.
1931: “Excursão Artística” de Villa-Lobos pelo interior de São Paulo e finalização
da turnê por São Paulo com a “Exortação Cívica”.
1932: Villa-Lobos foi convidado por Anísio Teixeira para assumir a superintendência do
Serviço Técnico e Administrativo de Música e Canto Orfeônico.

221
1933: Criação da SEMA.

1934: Início da gestão de Gustavo Capanema à frente do Ministério da Educação e Saúde


1935: Estreia do bailado Uirapuru (*1917) em Buenos Aires.
1936: Viagem oficial de Villa-Lobos à Argentina e a Praga (então capital da
Tchecoslováquia). Publicização da relação de Villa-Lobos com Arminda Neves de
Almeida.
1937: Golpe político que levou o Brasil ao Estado Novo.
1938: Lançamento do Filme Descobrimento do Brasil.
1939: Início da II Guerra Mundial.
1940: Publicação do I Volume do Canto Orfeônico, formação do bloco de carnaval
Bloco Sôdade do Cordão e concentração orfeônica com a reunião de mais de
quarenta mil vozes em homenagem a Getúlio Vargas.
1941: Publicação do Guia Prático.
1942: Entrada do Brasil na II Guerra Mundial e formação do Conservatório
Nacional de Canto Orfeônico.
1944: Primeira viagem de Villa-Lobos aos EUA.

1945:Conclusão da composição das Bachianas Brasileiras, fundação da


Academia Brasileira de Música, Final da II Guerra Mundial e do Estado Novo.
1946: Villa-Lobos lançou Solfejo – Originais e Sobre Têmas de Cantigas
Populares para o Ensino de Canto Orfeônico (2° Volume).
1947: Criação da Comissão Nacional do Folclore por Renato Almeida
1948: Foi diagnostico um câncer em Villa-Lobos.
1950: Composição de O samba clássico.
1951: Publicação do II Volume do Canto Orfeônico.
461
1952: Lançamento de Música Sacra 1° Volume .
1953: Composição do Concerto para Harpa e Orquestra 462.
1954: “ “ Concerto N° 5 para Piano e Orquestra (último da série) 463.

461
Cf. Villa-Lobos (1989, p. 285).
462
A primeira apresentação ocorreu em 14/1/55, Filadélfia (EUA), com a execução da Orquestra da
Filadélfia; Nicanor Zabaleta (solista) e Heitor Villa-Lobos (regente), cf. Villa-Lobos (2009d, p.60).

222
1955: “ “ Concerto para Harmônica e Orquestra 464.

1956: Rerência de Villa-Lobos e gravação de sua obra junto à Orquestra Nacional


de Radiofusão Francesa.
1957: Composição do Quarteto de Cordas N°17 (último da série) 465.
1958: “ “ Bailado Floresta do Amazonas (1958) para o filme Green Mansions.

1959: Falecimento de Villa-Lobos

463
A estreia ocorreu em 8/5/55, Londres (Inglaterra), no Royal Festival Hall, com a execução da
Orquestra Filarmônica de Londres, Felicja Blumental (solista) e Jean Martinon (regente), cf. Villa-
Lobos (2009d, p.59).
464
A primeira apresentação ocorreu em 27/10/59, Jerusalém (Israel), no Edison Hall, execução da
Kol Israel Orchestra, John Sebastian (solista) e Georg Singer (regente), cf. Villa-Lobos (2009d,
p.59).
465
A estreia ocorreu em 16/10/59, Washington, D.C (EUA), na Library of Congress, com a
execução do Quarteto Budapeste, cf. Villa-Lobos (2009d, p. 100). O Quarteto de Cordas N°18
possui apenas um autografo, cf. Villa-Lobos (1989, p.114).

223
224
ANEXOS

ANEXO A - ALGUMAS OBRAS MUSICAIS ADOTADAS NO ENSINO DE


CANTO ORFEÔNICO NO ANO DE 1937.

(Teoria aplicada, civismo recreativo, folclore, religioso e instrumental)


AUTORES AUTORES CARÁTER
TÍTULO GÊNERO INDICAÇÃO
MÚSICAS LETRAS EDUCATIVO
Francisco Escola elementar e
Hino Nacional O. D. Estrada Hino Cívico
Manuel secundária
Hino à Francisco Escola elementar e
Olavo Bilac Hino Cívico
Bandeira Braga secundária
Francisco Escola elementar
Hino Nacional O. D. Estrada Hino Cívico Artístico
Manuel e secundária
Hino à Evaristo da Escola elementar e
D. Pedro I Hino Cívico Artístico
Independência Veiga secundária
Hino da Leopoldo Medeiros Escola elementar e
Hino Cívico Artístico
República Miguez Albuq. secundária
Brasil Novo Villa-Lobos Zé Povo Hino Cívico Escola secundária
Escola elementar e
Meu País Villa-Lobos Zé Povo Hino Cívico
secundária
Cultura e Afeto Ernesto Escola elementar e
M. M. Teixeira Hino Cívico
às Nações Nazareh secundária
Carlos
Hino Gomes/ Bittencourt Escola elementar e
Hino Cívico
Acadêmico arranjo Sampaio secundária
Villa-Lobos
Hino às J. Gomes Escola elementar e
Arlindo Leal Hino Do Plantio Cívico
Árvores Júnior secundária
Hino à
Francisco Goulart de Escola elementar e
Confraternizaç Hino Do Plantio Cívico
Braga Andrade secundária
ão Americana
Thiers Dr. Obertal Marcha Escola elementar e
7 de setembro Do Plantio Cívico
Cardoso Chaves Heróica secundária
Francisco Azevedo
A' Infância Marcha Recreativo Escola Elementar
Braga Júnior
Catarina
Dia de Alegria Villa-Lobos Marcha Recreativo Escola Elementar
Santoro
Silvio
Soldadinhos Narbal Fontes Marcha Recreativo Escola Elementar
Salema
Quadrilha Jaime P. Marcha-
Villa-Lobos Recreativo Escola Elementar
brasileira Baptista Quadrilha
Antes de tudo, Sebastião Sebastião
Marcha Recreativo Escola Elementar
saúde! Barroso Barroso
J.J. Santos
Inconstância Tito Galba Canção Recreativo Escola Secundária
Lima
Gumercind Gumercindo
Brasil Marcha Recreativo Escola Elementar
o Jaulino Jaulino

225
J. B.
Julião/arran Antonio
Abelhinha Canção Recreativo Escola Elementar
jo Villa- Peixoto
Lobos
Folclore Escola Elementar e
Teirú Ameríndia Ameríndia Cantiga
ameríndio Secundária
Folclore Escola Elementar e
Nozani-ná Ameríndia Ameríndia Cantiga
ameríndio Secundária
AUTORES AUTORES CARÁTER
TÍTULO GÊNERO INDICAÇÃO
MÚSICAS LETRAS EDUCATIVO
Folclore Escola Elementar e
Canide-Ioune Ameríndia Ameríndia Cantiga
ameríndio Secundária
Cant. de Folclore
Ena-Mô-Kô-Cê Ameríndia Ameríndia Escola Secundária
rede ameríndio
Um canto que
Cant. de
saiu das Incógnito Popular Folclore mestiço Escola Secundária
rede
senzalas
Papai
Incógnito Popular Canção Folclore mestiço Escola Secundária
Carumiassú
Xangô Incógnito Popular Canção Folclore fetichista Escola Secundária
Gavião de Francisco Escola Elementar e
Afonso Arinos Canção Folclore mestiço
Penacho Braga Secundária
Cantigas
Folclore Escola Elementar e
infantis de Incógnito Adapt. SEMA Canção
estrangeiro Secundária
Praga
Canções Folclore Escola Elementar e
Incógnito Adapt. SEMA Canção
italianas estrangeiro Secundária
Canções Folclore Escola Elementar e
Incógnito Adapt. SEMA Canção
alemãs estrangeiro Secundária
Canticos do Frei Pedro
Sacro Religioso Esc. Secundaria
manual Cecilia Sing
Padre Nosso-
Canto
Creador alma Incógnito Artístico ,, ,,
amb.
siderum
Palestrina
Clássico
Ecce Sacerdos (arr. H. V. Liturgica Sacro ,, ,,
relig.
L.)
O Felix Anima Vittoria-45 Sacro ,, ,, ,,
C.
Caríssimi
Ave Maria Franceschi ,, Religioso ,, ,,
ni (arr. H.
V. L.)
Et incarnatus
Vittoria Zé Povo ,, ,, ,, ,,
est
Padre José
Kyrie ,, ,, ,, ,,
Mauricio
Intellectum tibi Orlando di
,, ,, ,, ,,
dabo Lasso
S. E.
Stabat Mater ,, ,, ,, ,,
Pergolesi
Requiem Padre S. B.
,, ,, ,, ,,
aeternum Martini

226
Ed In popolo Benedetto
Girolano ,, ,, ,, ,,
eletto Marcello
Oh cosi
Ascanio
sempre ABBI ,, ,, ,, Artistico ,, ,, ,,
Giustinlani
di me pletá
Oratório H. Villa- Sacro-
Liturgica ,, ,, ,,
“Vidapura” Lobos Artist.
Missa S.
,, ,, ,, ,, Sacro ,, ,, ,,
Sebastião
Memorare ,, ,, ,, ,, ,, ,, ,, ,,
Ave Maria ,, ,, ,, ,, ,, ,, ,, ,,
AUTORES AUTORES CARÁTER
TÍTULO GÊNERO INDICAÇÃO
MÚSICAS LETRAS EDUCATIVO
Glauco
Padre Nosso ,, ,, ,, ,, ,,
Velasques
H. Villa-
Padre Nosso ,, ,, ,, ,, ,,
Lobos
Esc. Elem. e
Revérie Schumann Melodia Artístico-Romantico
Secundaria
C.
Orféo Opera Artíst.-Lírico ,, ,,
Monteverdi
Iphigénie em Gluck (arr.
Du Rollet ,, ,, ,, ,, ,,
Aulide H. V. L.)
Ave Maria Carlos
,, ,, ,, ,, ,,
(Colombo) Gomes
Lorenzo Ronald de
Bucolica Canção Artístico ,, ,,
Fernandez Carvalho
Preces sem H. Villa-
,, Artístico-Romantico ,, ,,
palavras Lobos

FONTE: VILLA-LOBOS (1937b, s/p).

227
ANEXO B - TRIUNFO DE VILLA-LOBOS, EM BUENOS AIRES, EM 1935.

Fonte: Arquivo do Museu Villa-Lobos.

228
ANEXO C – MATÉRIA DO JORNAL DA NOITE DE 03 DE NOVEMBRO 1925.

Fonte: Arquivo do Museu Villa-Lobos.

229
ANEXO D - CARTA DE VILLA-LOBOS PARA CARLOS GUINLE, DE 27 DE
DEZEMBRO DE 1930.

Fonte: Arquivo do Museu Villa-Lobos.

230
ANEXO E - NOTICIA DO ENSAIO DA EXORTAÇÃO CÍVICA.

Fonte: Arquivo do Museu Villa-Lobos.

231
ANEXO F - ESCOLA GETÚLIO VARGAS INAUGURADA PELO PRÓPRIO
PRESIDENTE.

Fonte: Arquivo do Museu Villa-Lobos.

232
ANEXO G - O JORNAL DO COMMERCIO DESCREVE A ESTREIA DO
BAILADO UIRAPURU (*1917).

Fonte: Arquivo do Museu Villa-Lobos

233
ANEXO H - O JORNAL O GLOBO, DO DIA 05 DE DEZEMBRO DE 1935.

Fonte: Arquivo do Museu Villa-Lobos

234
ANEXO I - OSCAR GUANABARINO, EM “PELO MUNDO DAS ARTES”, DO DIA
18 DE DEZEMBRO DE 1935.

Fonte: Arquivo do Museu Villa-Lobos.

235
ANEXO J - ANÍSIO TEIXEIRA IRÁ DESIGNAR VILLA-LOBOS PARA
COORDENAR AS ATIVIDADES DO CURSO “DE FORMAÇÃO DE PROFESSOR
SECUNDÁRIO DE MÚSICA E CANTO ORFEÔNICO”.

Fonte: Arquivo do Museu Villa-Lobos.

236
ANEXO K - HOMENAGEM A FRANCISCO CAMPOS, NO DIA 30/08 DE1936,
COM A PARTICIPAÇÃO DO ORFEÃO DOS PROFESSORES.

Fonte: Arquivo do Museu Villa-Lobos.

237
ANEXO L - COBERTURA DO JORNAL CORREIO DA NOITE, DO DIA 17 DE
JUNHO DE 1936, SOBRE O “CONGRESSO MUSICAL DE PRAGA”.

Fonte: Arquivo do Museu Villa-Lobos.

238
ANEXO M - PARTICIPAÇÃO DE VILLA-LOBOS NO CENTENÁRIO DE
PEREIRA PASSOS.

Fonte: Arquivo do Museu Villa-Lobos

239
ANEXO N - ENVIO DE FUNCIONÁRIOS DA SEMA PARA O ESTADO DE
SERGIPE.

Fonte: Arquivos do Museu Villa-Lobos.

240
ANEXO O - TENTATIVA DE RENATO ALMEIDA DE TRAZER VILLA-LOBOS
PARA PERTO DAS AÇÕES DA COMISSÃO DE FOLCLORE.

Fonte: Arquivo do Museu Villa-Lobos.

241
ANEXO P - REVISTA FON-FON, DE 21/12/ 1935.

Fonte: Arquivo do Museu Villa-Lobos.

242
ANEXO Q - CAPA DO LIVRO A MÚSICA NO BRASIL (1908) DE GUILHERME
DE MELLO.

Fonte: IEB (Arquivo Mário de Andrade).

243
ANEXO R - PRIMEIRA PÁGINA DO QUADRO SINÓTICO.

FONTE: GUIA PRÁTICO (2006[1941]).

244
ANEXO S - CAPA DO LIVRO OS NOSSOS BRINQUEDOS (1909) DE ALEXINA
DE MAGALHÃES PINTO.

Fonte: IEB (Arquvo Mário de Andrade).

245
ANEXO T - CAPA DA PRIMEIRA EDIÇÃO DO GUIA PRÁTICO (1941).

Fonte: IEB (Arquivo Mário de Andrade).

246
ANEXO U - NO JORNAL A NOITE DE 01 DE MARÇO DE 1937, VILLA-LOBOS
CONFIRMA QUE COMISSÃO QUE ANALISARIA O HINO NACIONAL.

Fonte: Arquivo do Museu Villa-Lobos.

247
ANEXO V - DOCUMENTO ASSINADO PELO MINISTRO GUSTAVO
CAPANEMA QUE INDICA VILLA-LOBOS À COMISSÃO QUE ANALISARIA OS
ERROS DO HINO NACIONAL.

Fonte: Arquivo do Museu Villa-Lobos.

248
ANEXO W -- CAPA DA OBRA O ORFEÃO NA ESCOLA NOVA (1937) DA
PROFESSORA DO ORFEÃO DO DISTRITO FEDERAL LEONILA LINHARES.

Fonte: IEB (Arquivo Mário de Andrade).

249
ANEXO X - DOCUMENTO NO QUAL FRANCISCO CAMPOS ASSINA, EM 1937,
A NOMEAÇÃO DE VILLA-LOBOS COMO SUPERINTENDENTE DE
EDUCAÇÃO MUSICAL E ARTÍSTICA.

Fonte: Arquivo do Museu Villa-Lobos.

250
ANEXO Y - DOCUMENTO NO QUAL O MINISTRO CAPANEMA AGRADECE
AO MAESTRO VILLA-LOBOS PELA ORGANIZAÇÃO MUSICAL DA SEMANA
DA PÁTRIA DE 1940.

Fonte: Arquivo do Museu Villa-Lobos.

251
ANEXO Z - SOLICITAÇÃO AO MINISTRO CAPANEMA À FORMAÇÃO DO DEP.
DE MÚSICA E TEATRO ESCOLAR.

------
---

Fonte: Arquivo do Museu Villa-Lobos.

252
ANEXO AA - DOCUMENTO DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E SAÚDE AO
ITAMARATY, DE 1949, SOLICITANDO PASSAPORTES PARA VILLA-LOBOS E
ARMINDA NEVES.

Fonte: Arquivo do Museu Villa-Lobos.

253
ANEXO AB - CONVITE PARA QUE VILLA-LOBOS COMPUSSESE O
CONSELHEIRO CONSULTIVO DO ISEB.

Fonte: Arquivo do Museu Villa-Lobos.

254
ANEXO AC - CARTA DO MAESTRO ELEAZAR DE CARVALHO A VILLA-
LOBOS SOBRE A DIVULGAÇÃO E RECEPÇÃO DA MÚSICA DO
COMPOSITOR NOS EUA.

Fonte: Arquivo do Museu Villa-Lobos.

255

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