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MIGRAÇÕES

HISTÓRICAS
E RECENTES

Apoio:
Realização: PPG em Educação - UCS
Associação Nacional de Pesquisadores da História das Comunidades Teuto-brasileiras Instituto Superior de Educação Ivoti - ISEI
PPG em Ambiente e Desenvolvimento - Univates Instituto Histórico e Geográco do Vale do Taquari
Curso de História - Univates Instituto Histórico de São Leopoldo
Tiago Weizenmann
Rodrigo Luis dos Santos
Caroline von Mühlen
(Orgs.)

Migrações históricas e recentes

1ª Edição

Lajeado, 2017
Centro Universitário UNIVATES
Reitor: Prof. Me. Ney José Lazzari
Vice-Reitor e Presidente da Fuvates: Prof. Dr. Carlos Cândido da Silva Cyrne
Pró-Reitora de Pesquisa, Extensão e Pós-Graduação: Profa. Dra. Maria Madalena Dullius
Pró-Reitor de Ensino: Prof. Dr. Carlos Cândido da Silva Cyrne
Pró-Reitora de Desenvolvimento Institucional: Profa. Dra. Júlia Elisabete Barden
Pró-Reitor Administrativo: Prof. Me. Oto Roberto Moerschbaecher

Editora Univates
Coordenação e Revisão Final: Ivete Maria Hammes
Editoração e capa: Glauber Röhrig e Marlon Alceu Cristófoli

Conselho Editorial da Editora Univates


Titulares Suplentes
Adriane Pozzobon Fernanda Rocha da Trindade
Marli Teresinha Quartieri Ieda Maria Giongo
Rogério José Schuck João Miguel Back
Fernanda Cristina Wiebusch Sindelar Alexandre André Feil

Avelino Talini, 171 – Bairro Universitário – Lajeado – RS, Brasil


Fone: (51) 3714-7024 / Fone/Fax: (51) 3714-7000
editora@univates.br / http://www.univates.br/editora

M636

Migrações históricas e recentes / Tiago Weizenmann, Rodrigo Luis dos


Santos, Caroline von Mühlen (Orgs.) - Lajeado : Ed. da Univates, 2017.

654 p.

ISBN 978-85-8167-204-5

1. Migração. 2. Imigrantes. 3. História. I. Título

CDU: 314.7
Catalogação na publicação – Biblioteca da Univates

AS OPINIÕES E OS CONCEITOS EMITIDOS, BEM COMO A EXATIDÃO,


ADEQUAÇÃO E PROCEDÊNCIA DAS CITAÇÕES E REFERÊNCIAS, SÃO DE
EXCLUSIVA RESPONSABILIDADE DOS AUTORES.
Associação Nacional de Pesquisadores da História das
Comunidades Teuto-Brasileiras – ANPHCTB

Diretoria – Gestão 2016-2017


Presidente: Rodrigo Luis dos Santos (ISEI)
Vice-presidente: Caroline von Mühlen (Colégio Sinodal)
Primeiro Secretário: Welington Augusto Blume (UNISINOS)
Segunda Secretária: Samanta Ritter (UNISINOS)
Primeiro Tesoureiro: Tiago Weizenmann (UNIVATES)
Segundo Tesoureiro: José Edimar de Souza (UCS)
Conselho Fiscal: Nilza Huyer Ely, Cristiano Nicolini (UFSM) e Olavo Black
Conselho Fiscal Suplente: Rosane Marcia Neumann (UPF), Marlise Regina
Meyrer (UPF) e Isabel Cristina Arendt (UNISINOS/ISEI)

Contatos:
E-mail: anph.teutobrasileiras@gmail.com
Blog: <http://anphcomunidadesteutobrasileiras.blogspot.com.br>
Página no Facebook: Assoc. Nac. Pesquisadores da História das Comunidades
Teuto-Brasileiras

4 MIGRAÇÕES HISTÓRICAS E RECENTES SUMÁRIO


Apresentação

A Associação Nacional dos Pesquisadores da História das Comunidades


Teuto-Brasileiras promove, desde 1997, em parceria com diferentes instituições,
seminários que estimulam a discussão sobre o tema da imigração. A partir
desses momentos, criaram-se espaços para socializar pesquisas que são
desenvolvidas por diferentes públicos, e interessados pela temática.
O resultado, ao longo do tempo, é visível, pela publicação sistemática
dos trabalhos apresentados. Na 13ª edição do evento, realizado em 2017,
retornou-se às origens da primeira edição do evento. Com apoio da Univates,
em especial, do Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Desenvolvimento
e do Curso de História, o seminário ocorreu na cidade de Lajeado/RS, local
ligado a migrações históricas, pela presença da imigração alemã e italiana,
bem como a migrações recentes, com um número expressivo de haitianos e
senegaleses no município.
A obra que se apresenta é resultado das discussões que estão presentes
em diferentes campos das Humanidades, promovendo a reflexão e o debate
sobre os diferentes processos de migrações ocorridos no decorrer dos últimos
três séculos (XIX, XX e XXI), realizando uma análise crítica tanto no tocante
histórico quanto da relação com outros campos, como a Antropologia e
Sociologia. Enfim, este diálogo interdisciplinar colabora de forma extremamente
profícua para o alargamento das compreensões acerca destes processos
sociais, sejam estes de caráter interno, no interior do território brasileiro, sejam
externos, com a vinda de uma massa considerável de grupos de imigrantes
diversificados para o país.

Caroline von Mühlen


ANPHCTB/Colégio Sinodal

Tiago Weizenmann
ANPHCTB/Univates

5 MIGRAÇÕES HISTÓRICAS E RECENTES SUMÁRIO


O SENTIDO DA EXISTÊNCIA NA BUSCA PELA VIDA SUSTENTÁVEL: ECOVILAS E SOCIEDADE
NA HISTÓRIA ORAL DA ARCA VERDE...............................................................................................258
Giovan Sehn Ferraz
Beatriz Teixeira Weber

DIFERENTES MODOS DE SER: AS RELAÇÕES DOS GUARANI E JESUÍTAS COM O AMBIENTE


OCUPADO EM TERRITÓRIOS DAS BACIAS HIDROGRÁFICAS DOS RIOS TAQUARI E JACUÍ
(SÉCULO XVII)....................................................................................................................................269
Tuani de Cristo
Luís Fernando da Silva Laroque
Neli Teresinha Galarce Machado

6 HISTÓRIA DO CRIME, DA POLÍCIA, DAS PRÁTICAS DE JUSTIÇA E SUAS FONTES

CONFLITOS E DESENTENDIMENTOS EM ESPAÇOS DE LAZER E SOCIABILIDADE: A VIOLÊNCIA


EM UMA REGIÃO DE IMIGRAÇÃO ALEMÃ DO SUL DO BRASIL.......................................................280
Caroline von Mühlen

ENTRE CALÚNIAS, TERRAS E VIZINHOS: O CRIME DENTRO DA COMUNIDADE TEUTO-


BRASILEIRA DE SANTA CRUZ DO SUL NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX............................293
Jéssica Fernanda Arend

7 PATRIMÔNIO CULTURAL

CRIÚVA: UMA LEITURA DO PATRIMÔNIO LOCAL ATRAVÉS DA MEMÓRIA E DA ORALIDADE.......304


Alvoni Adão Prux dos Passos

CASARÃO DOS VERONESE: RESTAURO E REAPROPRIAÇÃO...........................................................318


Edegar Bittencourt da Luz
Sayonara Guaresi
Cristina Seibert Schneider

DANÇAS FOLCLÓRICAS ALEMÃS NO BRASIL E O IMAGINÁRIO CULTURAL TEUTO-


BRASILEIRO: ENTRE O SAUDOSISMO E A TRADIÇÃO......................................................................330
Gustavo José dos Santos

AS SOCIEDADES DE CANTO DE IGREJINHA .....................................................................................343


Lana Martiéli Schröer

EDUCAÇÃO NAS ESCOLAS DE CAMPO: RESGATANDO O PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL ..354


Shirlei Alexandra Fetter
Daniel Luciano Gevehr

A PRODUÇÃO DE OBRAS LITERÁRIAS COMO PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL DAS


COMUNIDADES JAPONESAS..............................................................................................................362
Tomoko Kimura Gaudioso
André Luís Ramos Soares

8 POLÍTICA, SOCIEDADE E ECONOMIA

OS DISCURSOS EM TORNO DOS REASSENTAMENTOS DA USINA HIDRELÉTRICA DE SALTO


CAXIAS/PR..........................................................................................................................................372
Fernando Marciniak
Ancelmo Schörner

10 MIGRAÇÕES HISTÓRICAS E RECENTES SUMÁRIO


A PRODUÇÃO DE OBRAS LITERÁRIAS COMO PATRIMÔNIO
CULTURAL IMATERIAL DAS COMUNIDADES JAPONESAS

Tomoko Kimura Gaudioso1

André Luís Ramos Soares2

Introdução
Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan),
os bens culturais de natureza imaterial dizem respeito àquelas práticas e
domínios da vida social que se manifestam em saberes, ofícios e modos de
fazer além de celebrações, formas de expressão cênicas, plásticas, musicais
ou lúdicas e os lugares onde esses saberes e manifestações ocorrem. A
Constituição Federal de 1988, em seus artigos 215 e 216, ao ampliar a noção
de patrimônio cultural, passou a reconhecer a existência de bens culturais de
natureza material e imaterial, a fim de salvaguardar e assegurar a permanência
da memória de diversos saberes culturais que se manifestam nas comunidades
formadoras do povo brasileiro.
Assim, a manifestação cultural que ocorre na literatura como a literatura
de cordel também deve ser reconhecida como patrimônio de caráter imaterial.
De fato, em 2010, o Iphan recebeu o pedido de Registro da Literatura de Cordel
como patrimônio cultural de natureza imaterial – pedido este apresentado pela
Academia Brasileira de Literatura de Cordel – ABLC. Este pedido, conforme
publicado na página da assessoria de imprensa da Universidade Federal de
Campina Grande (UFCG), em 26 de abril de 2012, foi julgado pertinente pelo
Departamento de Patrimônio Imaterial do Iphan e pela Câmara de Patrimônio
Imaterial do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural para dar início ao
procedimento do registro junto ao Iphan.
O Patrimônio Cultural Imaterial é constantemente recriado pelas
comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a
natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade
como ocorre com essa manifestação literária – o cordel. Do mesmo modo, há
outra manifestação literária no Brasil desde primeira metade do século XX, que
é a composição do poema haicai, de origem japonesa, conhecido mundialmente
como estilo de poema mais curto que se tem conhecimento, cuja origem data
de mais de quinhentos anos. O presente trabalho pretende apresentar como
o poema haicai se manifestou no Brasil e o situá-lo como Patrimônio Cultural
Imaterial enquanto o saber fazer cultural de cunho literário.

1 Universidade Federal de Santa Maria/Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail:


tomokogaudioso@yahoo.com.br
2 Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: alrsoaressan@gmail.com

362 MIGRAÇÕES HISTÓRICAS E RECENTES SUMÁRIO


O poema
O haicai surgiu a partir da sonoridade de primeiros três versos de
waka, um estilo de poema que surgiu em meados do século VIII, recitado
em forma encadeada dentro da aristocracia japonesa como forma de jogo de
poemas. O estilo de poema waka, individualmente, é constituído de trinta e
uma sílabas e dividido em sete versos. Dentre esses versos, a partir do século
XVI, Matsunaga Teitoku (1571-1653) passa a compor poemas com apenas
três primeiros versos do waka, introduzindo o tom humorístico e livre de
formalidades exigidas no waka. Mais tarde, através do Matsuo Bashô (1644-
1694), estes três versos passaram a ser um poema de estilo próprio, chamado
haicai, de três versos, primeiro e terceiro versos pentassílabos e o segundo
heptassílabo. Este estilo possui na sua essência o elemento wabi, que pode se
traduzir como simplicidade e sobriedade, o próprio conceito do zen.
Um poema de caráter singular, ele possui no seu estilo uma profunda
ligação com a natureza. A partir da abertura dos portos do Japão em 1868,
pela Restauração Meiji, este novo estilo poético difundiu-se pela Europa e
pelas Américas através de emissários diplomáticos e por outros ocidentais que
estavam sedentos em conhecer uma nova cultura oriental. Para os falantes
da língua portuguesa, o haicai foi introduzido inicialmente por Wenceslau
de Moraes (1854 – 1929) como correspondente de Portugal e no Brasil, em
1919, por Afrânio Peixoto (IURA, 2000) entre outros. No período entre o fim
do século XIX e início do século XX, surgiu no ocidente um fervor pela cultura
japonesa, o que passou a ser chamado japonismo, influenciando inclusive os
modernistas da Semana da Arte Moderna de 1922, no Brasil.
Desde que Matsuo Bashô (1644-1694) começou a brincar com a
sonoridade das primeiras 17 sílabas do waka, esse estilo poético chamado
haicai (em japonês diz-se haiku) passou a ser praticado por pessoas de diversas
idades e camadas sociais. Ao recolher uma nova linguagem coloquial ao estilo
clássico da poesia tornando visível o flash do momento da vida através das
palavras, pode-se dizer que o poema se equipara com a fotografia que é o
congelamento da imagem por imagem.
Durante o período em que surgiu o poema haicai, entre os séculos XII e
XVII, o Japão esteve em constantes guerras internas por conflitos políticos e
de poderes dos senhores feudais. Na vida conturbada, o poema haicai foi uma
das formas de buscar a tranquilidade da alma, abstraída do mundo social para
fazermos de nós mesmos parte do mundo. Segundo Grêmio Haicai Ipê, um
bom haicai deve ter concisão, ser impessoal na sua forma, apresentar termo
que aluda a estação do ano como flora, fauna, eventos sociais ou fenômenos
naturais além de ser um sketch do momento e, manter métrica de dezessete
sílabas distribuídas em três versos e, não adotar o título propriamente dito.
Um dos haicais mais famosos do mestre Bashô simplesmente relata o
pular da rã num velho lago cheio de musgo onde o som d’água quebra o
silêncio. Octavio Paz assim o traduziu:
Silencioso lago / O sapo salta / Tchá.

363 MIGRAÇÕES HISTÓRICAS E RECENTES SUMÁRIO


Podemos traduzir assim:
Velho lago. / O saltar da rã n’água, / Silêncio quebrado.
Neste poema, a presença da palavra “rã” identifica a estação de
primavera, quando o poema foi composto. O ambiente é um jardim japonês,
sem movimento de pessoas. Assim, pode-se imaginar no poema um jardim
sem presença de pessoas em que uma rã pula no lago, quebrando o silêncio e
rompendo igualmente a tensão superficial da água do lago.
Os primeiros contatos diplomáticos do Japão com os países do ocidente
iniciaram-se em meados do século XIX. Em 1868, o Japão decreta abertura
total de portos com o ocidente e, assim, a cultura japonesa passa a influenciar
a cultura ocidental. KUNIYOSHI (1998), em seu livro “Imagens do Japão –
uma utopia dos viajantes”, descreve bem esse japonismo que passa a assolar
o mundo cultural do ocidente a partir daquela época, inclusive no Brasil.
A introdução do haicai em língua japonesa no Brasil se deu com a chegada
dos primeiros imigrantes japoneses ao Brasil a bordo do navio Kasato-Maru
que aportou em Santos - SP, em 18 de junho de 1908. Este navio a vapor trazia
793 imigrantes do Japão que viajaram por 52 dias a partir do porto de Kobe,
no Japão. Segundo VERÇOSA (1995), de 1924 até 1941 já havia entrado no
Brasil mais de 150 mil pessoas vindas do Japão. Conforme Masuda Goga, há
registro da chegada de um haicaísta de nome Shuhei Uetsuka (1876-1935),
mais conhecido como Uetsuka Hyôkotsu que, ainda a bordo do navio Kasato-
Maru que trouxe primeiros imigrantes japoneses ao solo brasileiro em 1908,
compôs seu primeiro haicai como segue:
Karetaki wo /miagete tsukinu / iminsen
O navio imigrante / vê-se lá no alto infinito / a cascata seca. (Tradução
da autora)
O haicai em língua portuguesa foi introduzido pela primeira vez por
Oliveira Lima, em 1903, cinco anos antes da chegada dos imigrantes. O
novo estilo do poema foi incorporado pela comunidade literária brasileira
influenciando vários escritores tais como Oldegar Franco Vieira, Paulo
Franchetti, Afrânio Peixoto entre outros (GAUDIOSO, 2003).
Atualmente, há mais de mil haicaístas e mais de uma dezena de grupos
próprios no Brasil. Entre eles, destacam-se o Grêmio Haicai Ipê e associação
dos Haicaístas Brasileiros e tantas outras associações de poetas que mantêm
intercâmbio com vários outros grupos de todo o Brasil e do mundo, tanto em
língua japonesa como em língua portuguesa.
O haicai, por ser um estilo que é passível de ser ensinado e transmitido a
outrem, passou a ser composto e apreciado no Brasil, inclusive faz-se presente
nas salas de aula do ensino fundamental em que os professores realizam
atividade de criação poética em horário da disciplina de português, como a
seguir:
Após a leitura de diferentes haicais nas aulas de Língua Portuguesa,
estudantes do 7º ano EF fotografaram algo que lhes chamou a atenção

364 MIGRAÇÕES HISTÓRICAS E RECENTES SUMÁRIO


na nova biblioteca da escola e, inspirados na fotografia, produziram seus
próprios textos. Depois de escritos, eles foram expostos em um varal na
Biblioteca (Colégio Marista Rosário, Porto Alegre, RS).

O projeto de leitura do primeiro trimestre começou quando apresentei o


livro “Haicais animais” ao grupo na nossa roda da leitura. Neste momento
explorei a capa, o autor e as ilustrações, questionando se alguém conhecia
este tipo de texto. (Haicai: poema de origem japonesa, de forma fixa,
constituído por dezessete sílabas distribuídas em três versos). Em um
outro momento trouxe para a nossa roda o livro “Hai – quintal”, quando os
alunos puderam fazer uma comparação com o texto anterior (semelhanças
e diferenças), o que foi registrado em cartaz (Centro Educacional Pioneiro,
São Paulo, SP).

Pode-se observar, assim, que o haicai tomou o caráter nacional,


extrapolando a comunidade japonesa e foi incorporado na sociedade brasileira
como um dos elementos da formação da cultura do país.

Influência da cultura
No Brasil, ao decorrer do tempo, o haicai sofreu influências locais, teve
seus temas renovados, adquirindo novas identidades com elementos brasileiros
identificando os termos que referentes às estações do ano – que não podem
deixar de ser mencionadas no corpo do poema. Assim, em 1996, foi editado e
publicado o livro “Natureza – berço do haicai”, organizado por Masuda Goga
e Teruko Oda, contendo termos brasileiros para se referir às estações e uma
antologia de haicai para servir de guia para composição do poema (GOGA e
ODA, 1996, pp. 13-16). Os haicaístas brasileiros adquiriram a essência do
poema e têm se publicado os poemas realmente primorosos.
Por sua vez, os imigrantes japoneses, além de tê-lo como forma de
expressão poética, tornaram-no instrumento de identificação e de interação
social. As obras dos imigrantes, neste sentido, estão carregadas de memória,
identificando cada momento de vida desses imigrantes como objeto passível de
estudo historiográfico. Nelas, pode-se constatar a evolução dos temas dentro
do contexto histórico. Certamente, o primeiro haicai composto de Uetsuka
Hyôkotsu, no dia 18 de junho de 1908, ao aproximar-se do porto de Santos e
descrever a terra como cascata seca difere-se do haicai composto meio século
mais tarde por Sato Nenpuku – considerado um dos dez melhores haicaistas
do mundo em 1995 – como vemos a seguir:
Chove tão triste / Noite lá fora e eu aqui / Enchendo a cara (trad.:
Maurício de Arruda Mendonça)
Com o passar do tempo, pode-se perceber também a ocorrência de
simbiose da cultura nipônica com a brasileira, como surgimento de haicais
que passam a apresentar vários temas de natureza local. Os termos brasileiros
passam a aparecer com maior frequência ao longo dos anos, sem serem
traduzidos para o japonês, sobretudo nos termos que envolvem a vida do
cotidiano, com influência de sotaque nipônico. Por outro lado, a diversidade

365 MIGRAÇÕES HISTÓRICAS E RECENTES SUMÁRIO


geográfica brasileira também passa a influenciar na elaboração do poema,
respeitando, contudo, a forma poética do haicai.
São alguns exemplos:
Português Sotaque em japonês Tradução
Crochê kurochiê kagi-bari-ami
Sandália sandaria sandaru
Leque reike sensu
Geladeira jiradêra reizõko

Os haicais escritos pelos imigrantes japoneses e seus descendentes


refletem saudosismo da época difícil dos primeiros tempos de desbravamento
como a descrição de velho galpão tomado pela erva de São João. Outro tema
mais atual refere-se aos eventos sociais envolvendo netos mestiços ou festas
brasileiras. Pode-se fazer o haicai como “Bem-te-vi na cerca / Sem arames
farpados / Galpão em ruína” e outro, retratando a geração já mestiça compondo
haicai como “Dia do Imigrante / Meu neto de olhos verdes / Come o tofu”
(GAUDIOSO, 2013).
Entre os poetas brasileiros, em 1903, cinco anos antes da chegada dos
primeiros imigrantes japoneses, Oliveira Lima apresenta o haicai ao mundo
literário. Na Semana da Arte Moderna de 1922, muitos poetas como Luís
Aranha e Mário de Andrade entre outros foram influenciados por novo estilo
de escrever.
Eis alguns exemplos:
Pardas gotas de mel / Voando em torno de uma rosa. / Abelhas! (Luís
Aranha)
Pois não vês? / As estrelas são as abelhas / Para a colméia da lua.
(Mário de Andrade)
Mais tarde, surgiram outros haicaístas como Waldomiro Siqueira, Jorge
Fonseca Jr., Guilherme de Almeida, Paulo Leminski, Oldegar Franco Vieira e
Paulo Franchetti entre outros. No Rio Grande do Sul, destacam-se os poetas
Ricardo Silvestrin e Alice Ruiz que, entre outras produções literárias, são
conhecidos como haicaístas renomados.
O saudoso Mário Quintana deixou haicais, alguns bem interessantes
como “Em meio a ossaria / Uma caveira piscava-me…/ Havia um vaga-lume
dentro dela” e “O sol derrama / Na calçada a sua bela, / Matinal urinada!”,
uma verdadeira descrição do momento com palavras singelas e curtas, como
um bom haicai requer.
Citando gerações mais novas, Ricardo Silvestrin, referindo-se ao mestre
Bashô escreveu sua antologia poética com o título idêntico ao seu poema,
editado em 1988, “Bashô / Um santo / Em mim” (SILVESTRIN, 1988).

366 MIGRAÇÕES HISTÓRICAS E RECENTES SUMÁRIO


Inseridos na prosa, também nosso saudoso mestre Érico Veríssimo
nos deixou valiosos haicais no seu romance Senhor Embaixador, onde se
percebem os três versos desse poema dentro do diálogo de duas personagens.
Destacamo-los assim: o primeiro, é “Moscardo verde / Fruta madura no chão
/ Ó mel da vida!” e o segundo, é “Com cartas brancas / O senhor cônsul solta
/ Pombas de papel”. (VERÍSSIMO, 1965)
Conforme GOGA,
O haicai é considerado uma espécie de diálogo entre o autor e o apreciador,
por isso não se deve explicar tudo por tudo. A emoção ou a sensação sentida
pelo autor deve ser apenas sugerida, a fim de permitir ao leitor o reconhecer
dessa emoção. Dessa forma, quem lê o haicai, poderá concluir, à sua
maneira o poema apresentado. Resumindo, o haicai não deve ser um poema
discursivo e acabado (GOGA, 2008, p. 15).

O haicai, portanto, é um estilo de poema que dialoga com o leitor,


considerando a cultura local e o meio ambiente, através da técnica de
composição passível de se adaptar preservando, assim mesmo a sua essência
singular num estilo único como o poema mais curto que se conhece.

O haicai como bem cultural imaterial


Como já havia mencionado, segundo o Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional (Iphan), os bens culturais de natureza imaterial dizem
respeito àquelas práticas e domínios da vida social que se manifestam em
saberes, ofícios e modos de fazer. A Carta Magna Brasileira de 1988, em
seus artigos 215 e 216, passou a reconhecer a existência de bens culturais
de natureza imaterial, a fim de salvaguardar e assegurar a permanência da
memória de diversos saberes culturais que se manifestam nas comunidades
formadoras do povo brasileiro.
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza
material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de
referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores
da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I – as formas de expressão;
II – os modos de criar, fazer e viver;
III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

Dentre as manifestações culturais ocorridas na literatura, a literatura de


cordel iniciou um movimento para que esta fosse reconhecida como Patrimônio
Imaterial junto ao Iphan no ano de 2010. Este pedido, encaminhado pela
Academia Brasileira de Literatura de Cordel – ABLC, foi julgado pertinente pelo
Departamento de Patrimônio Imaterial do Iphan e pela Câmara de Patrimônio
Imaterial do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural para dar início ao
procedimento do registro junto ao órgão responsável.
O Patrimônio Cultural Imaterial é constantemente reelaborado pelas
comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com
a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e

367 MIGRAÇÕES HISTÓRICAS E RECENTES SUMÁRIO


continuidade como ocorre com as manifestações literárias. Assim como a
literatura de cordel, outra manifestação artística literária, desde a primeira
metade do século XX, tem sido posta em prática e constantemente recriada
por comunidades e grupos no Brasil, que é a composição do poema haicai,
de origem japonesa, carregado de identidade cultural própria. O haicai, na
longa jornada de sua história de mais de quinhentos anos, continua gerando
o sentimento de identidade cultural através do saber, manifestado em forma
literária.
No Japão, em 22 de julho de 2016, surge o movimento para registrar o
haicai como Patrimônio Cultural Imaterial da humanidade, junto à UNESCO.
O movimento surgiu a partir das três maiores associações de haicai, a
Associação de Poetas Haicaístas, Associação de Haicai Moderno, Associação
de Haicai Clássico Japonês e, posteriormente, a Associação de Intercâmbio
Internacional de Haicai também passou a integrar esse movimento.
Conforme manifestação da Associação de Intercâmbio Internacional de
Haicai,
As you all know, haiku, perhaps the shortest poetry in the world, is an
art of Japanese literature with its proud history. Haiku has been gaining
popularity in many countries as well as in Japan. It is no exaggeration to say
that haiku provides people with a “reason for living.” Men and women, from
children to adults up to the great age of one hundred and over, are enjoying
making and reading haiku (ARIMA, 2017).

O haicai, segundo a comissão, possui os seguintes elementos: em


primeiro lugar, possui apelo à massa devido a sua simplicidade, isto é, pessoas
de todo o mundo, independentemente da idade e do sexo, podem desfrutar
criando haicais. Em segundo lugar, o haicai é universal como pode-se perceber
pelo surgimento de diversos poetas que compõem haicai em várias partes do
mundo como Allen Ginsberg, poeta americano, Thomas Tranströmer e Dag
Hammarskjöld, que são suecos, entre outros. Em terceiro lugar, o haicai trata
dos assuntos do cotidiano e de natureza de forma singela, elevando o espírito
para a paz e compreensão mútua das pessoas. Em quarto lugar, ensinando-
se a composição de poema haicai às crianças que são representantes das
gerações futuras, aprimora a capacidade de autoexpressão e treina a mente
para extrair os pensamentos de uma forma sucinta.
Assim, justifica-se o pedido do registro afirmando que haicai é a literatura
que preenche todos os requisitos para ser considerado Patrimônio Cultural
Imaterial merecedor de ser reconhecido pelo UNESCO como literatura de
suma importância para a humanidade. O movimento culminou na instituição
do Conselho de Promoção do Registro de Haicai como Patrimônio Cultural
Imaterial da Humanidade, em 24 de abril de 2017. (Jornal Mainichi Shinbun).

Considerações finais
O conceito do Patrimônio Imaterial é claramente definido na Constituição
Brasileira de 1988, sendo como bens de natureza material e imaterial,

368 MIGRAÇÕES HISTÓRICAS E RECENTES SUMÁRIO


tomados individualmente ou em conjunto e que são portadores de referência
à identidade e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira. Neste sentido, a literatura de cordel foi registrada como Patrimônio
Cultural Imaterial brasileiro, representativo de uma determinada cultura que
se manifesta no nordeste do país.
Do mesmo modo, há um movimento no Japão para o reconhecimento
do poema haicai como literatura passível de ser reconhecida como Patrimônio
Imaterial, numa dimensão maior, com base no fundamento que esse estilo
poético é atualmente praticado em diversos países e que é de grande interesse
para a humanidade.
Ainda não se sabe como esse tema se desenvolverá, de modo que exige
por parte dos pesquisadores o desafio de identificar diversos elementos
contidos nesse poema chamado haicai se, de fato poderá ser classificado como
patrimônio e, se sua prática é realmente é relevante para a humanidade.

Referências:
ARIMA, A. “Haiku” to Contribute to World Peace. In: For registration to
the UNESCO Intangible Cultural Heritage (ICH). Haiku International
Association, Japan. Disponível em: <http://www.haiku-hia.com/special/
unesco_en/>. Acesso em: 24 abr. 2017.
MAGNO, L. Projeto de leitura: Haicais. Centro Educacional Pioneiro, São
Paulo, 1 jun. 2015. Disponível em: <http://www.pioneiro.com.br/noticias/
projeto-de-leitura-haicais/>. Acesso em: 20 abr. 2017.
CLEMENT, R. História do Haicai Brasileiro. In: The Haiku Foundation.
Disponível em: <https://www.thehaikufoundation.org/omeka/files/
original/6922ed1691a22f4edd0aa3291f8017b9.pdf>. Acesso em: 24 abr.
2017.
Colégio Marista Rosário. Turmas do 7º ano EF escrevem haicais, Porto
Alegre, 14 abr. 2016. Disponível em: <http://colegiomarista.org.br/rosario/
sala-de-aula/turmas-do-7-ano-ef-escrevem-haicais>. Acesso em: 20 abr.
2017.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do
Brasil. Brasília, DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 24 abr. 2017.
GAUDIOSO, T. A presença dos primeiros japoneses no Brasil. Tecendo
relações – 200 anos de encontros entre Brasil e Japão: Caderno de Pós-
Graduação em Direito/UFRGS. Porto Alegre, v. 1, n. 3, nov. 2003.
GOGA, H.; ODA, T. Introdução ao haicai. São Paulo: Grêmio Haicai Ipê, 2ª
ed., 2008.
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