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Esquizofrenia

INTRODUÇÃO

A esquizofrenia é o transtorno maior de que tratam os psiquiatras. Aco-


mete pessoas precocemente com relação à idade, conduzindo a alterações
graves do pensamento, afeto e vontade. Muitas delas são conduzidas a um
longo afastamento da realidade externa (autismo), com enorme desgaste emo-
cional e econômico para os pacientes, suas famílias e a sociedade. Os gran-
des avanços da bioquímica, genética e terapêutica psicofarmacológica vêm
reforçando a crença na etiologia biológica da esquizofrenia. Sabemos, entre-
tanto, que fatores psicossociais influenciam o início, o tratamento, as reca-
ídas e o prognóstico, alterando todo o curso da enfermidade.

HISTÓRICO

O interesse pela esquizofrenia no curso do tempo se confunde com a


própria história da psiquiatria . O que o senso comum chamou sempre de
"louco" é o que os psiquiatras hoje chamam de esquizofrênico.
A esquizofrenia começa em 1852 como démence précoce, na descri-
ção do psiquiatra Benedict Morei (1809-1873). Referia-se a certas formas
especiais de demência que surgem na adolescência, com distúrbios do
pensamento e do afeto, e manifestações delirantes. Seguiram-se as descri-
ções de quadros semelhantes feitas por Ewald Hecker e denominados de
hebefrenia (1863). K. Kahlbaum, em 1874, descreveu o grupo de sintomas
da catatonia. Emil Kraepelin (1856-1926) , na quinta edição de seu Tratado
de Psiquiatria (1896) reuniu a dementia praecox (Morei, Hecker), a cata-
tonia (Kahlbaum) e a demência paranóide (Kraepelin) sob uma rubrica

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geral de doenças do metabolismo, junto co~ 0 mixedema e o cretinismo
Foi só em 1899 (sexta edição) que a dementia praecox ganhou autono . ·
para se contrapor à "loucura maníaco-depressiva" que também apan~nta
com autonomia , pela primeira vez, no índi~e do li~ro. Eugen Bleuler (19 1~~•
psiquiatra suíço, introduziu o termo esquizofrenia para substituir dem" '
eia precoce porque considerava que ~s distúrbios e~am de natureza d~~:
rente dos processos clemenciais descntos por Alzheimer ou de outras de-
mências orgânicas. Por outro lado, nem sempre eram precoces. O objetivo
de Bleuler era procurar um distúrbio fundamental em que pudesse basea
o diagnóstico sem fixá-lo no curso ou nos _q ua~ro~ finais . O termo esqui~
zofrenia ("mente cindida") expressava a d1ssoC1açao do pensamento do
afetos e da expressão motora . O novo conceito de Bleuler que o nom:
simbolizava ganhou enorme repercussão. Bleuler descreveu sintomas fun-
damentais que incluíam os distúrbios na associação do pensamento, os
distúrbios afetivos, a ambivalência e o autismo . Estes sintomas ficaram
conhecidos como os quatro "as' de Bleuler. Falava também de sintomas
acessórios como as alucinações e delírios .
Os critérios de Bleuler estão resumidos na Tabela 10.1:

Tabela 10.1

Sintomas Fundamentais de Bleuer

1 - Distúrbios da associação do pensamento


2 - Distúrbios do afeto
3 - Ambivalência
4-Autismo
5 - Distúrbios da experiência subjetiva do EU
6 - Distúrbios da vontade e do comportamento

Sintomas acessórios de Bleuler

1 - Distúrbios da percepção (ilusões e alucinações)


2 - Delírios
3 - Transformação da personalidade.
5 - Alterações da palavra falada e escrita
6 - Sintomas catatônicos

,Eugen
. Bleuler
. .e Karl
. .Jaspers , e s te u, Ituno
· ·
introdutor do método fenome-
0?10gico em ps,iquiatna, influenciaram toda a psiquiatria a partir da segunda
decada
.d deste seculo · O . esforço
_ d os 1eenomenolog1stas• no sentido de procu-
rai
K escrever
s h .d com precisao as exp ·" · · ·
enencias vividas pelos pacientes teve em
urt e_ ne,i ber o redsultado mais bem-sucedido do ponto de vista clínico. Ao
renunciar
. . a usca . o transtorno
. funda menta l , encaminhou-se
· · ·
para d1stm-
gulf sintomas de pnmelfa e d e segunda ordens .. .
diagnóstico d e modo mais sim . . que permltlram organ:zar o
. f' . .d . . P1es e mais preciso. Em outras palavras e bem
mais ac11 1 ent1f1car com acordo entre d :c .
uerentes examinadores • ' · ·
(f1ded1gm-

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dade) o que é um delírio ou uma alucinação (ver Tabela 10.2), do que ocor-
rer acordo diagnóstico quanto a distúrbios do afeto ou retraimento social
(ver Tabela 10.1)

Tabela 10.2
Critérios de Kurt Shneider

Sintomas de Primeira Ordem

1- Ouvir os próprios pensamentos falados de fora {Gedankenlautwerden)


2- Alucinações que comentam atos do paciente
3- Roubo do pensamento ou outras experiências de influência externa
4- Experiências de ações controladas de fora
5- Percepções delirantes
6- Experiências somáticas de passividade
7- Publicação do pensamento
8- Outras experiências que envolvam imposição de afetos, ações ou pensamentos

Sintomas de Segunda Ordem

1- Perplexidade
2- Idéias delirantes repentinas ou eventuais {ocorrências delirantes)
3- Sentimento de empobrecimento emocional
4- Alterações depressivas e eufóricas do humor
6- Sintomas catatônicos
5- Vários outros

A psiquiatria, nos Estados Unidos, permaneceu bleuleriana até a DSM-


III, em 1980. Até então eram chamados de esquizofrênicos numerosos paci-
entes com quadros depressivos e outros transtornos mentais. Foi a desco-
berta dos neurolépticos-antipsicóticos e dos antidepressivos, exigindo maior
precisão diagnóstica com objetivo terapêutico, que forçou o salto na preci-
são diagnóstica da DSM-II para a DSM-III.
A DSM-IV estabelece critérios que incorporam os postulados de Kurt
Schneider, que a CID-10 consagra de modo mais claro (Tabela 10.3).

Tabela 10.3
Diretrizes Diagnósticas da CID-1 O para Esquizofrenia

Características Essenciais {Primeira Ordem)


Presença de pelo menos um dos seguinte sintomas, durante pelo menos um mês:

a) Eco do pensamento, inserção ou roubo do pensamento, irradiação do pensamento;


b) Delírios de controle, influência ou passividade claramente referindo-se ao corpo ou
movimentos dos membros ou pensamentos específicos, ações ou sensações; per-
cepção delirante;

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_,1
c) Vozes alucinatórias comentando o comportamento do paciente ou discutindo entre
elas sobre o paciente ou outros tipos de vozes alucinatórias vindo de alguma parte do
corpo;
d) Delírios persistentes de outros tipos que são culturalmente inapropriados e comple-
tamente impossíveis. tais como identidade política ou religiosa ou poderes e capaci-
dades sobre-humanas (p. ex., ser capaz de controlar o tempo ou de se comunicar
com alienígenas de outro planeta) .

Pre sença de sintomas de pelo menos do,s dos segu intes


subgrupos, durante o período mínimo de um mês (Segunda Ordem)

e) Alucinações persistentes de qualquer modalidade. quando acompanhadas por delíri-


os "superficiais" ou parciais, sem claro conteúdo afellvo , ou por idéias sobrevaloriza-
das persistentes ou quando ocorrem todos os dias durante semanas ou meses con -
tinuamente:
f) lntercepções ou interpolações no curso do pensamento resultando em discurso inco-
erente ou neologismos:
g) Comportamento catatón ico, tal como excitação. postura inad equada ou tlex1b1hdade
cérea, negativismo , mutismo e estupor:
h) Sintomas "negativos·. tais como apatia marcante, pobreza do discurso e embotamen-
to ou incongruência de respostas emocionais. usualmeme resultand o em retraimen1o
social e diminuição do desempenho social : deve ficar claro que esses sintomas não
são decorrentes de depressão ou medicação neuroléptica.
Ausência de sintomas depressivos ou maníacos nítidos.
Ausência de doenças cerebrais. intoxicações por drogas ou síndromes de abstinência.

A CID- 1O. no que respe ita ao c urso . propõe que ~e use os seguintes
códigos d e c inco caracte res:
f20 .xO - Cont ínuo
F20 .xl - Episódico com déficit progress i\·o
f 20.x2 - Episódico com d é fic it estáYel
F20.x3 - Episódico re m ite nte
F20.x4 - Re missé1 o incomple ta
F20 .x5 - Re missào comple ta
F20.x
Outro F20 .x9
Períod o d e observação me n o r d o que um a n o

EPIDEMIOLOGIA

A esquizo fre nia ocorre e m todo o mundo . não hJ.,·e ndo dife rem.":ls qu:imo
ao sexo , classes socia is, e ntre países d esen\·o h ·ido s e e m d es~m·o h·imento.
e e ntre á reas urbana e rur;il.
A prevalê ncia p o r tod a a , ·icb está e ntre l ºó e 1. .:;~o....\pl:'.sa r d e :tco meter
ig u alme nte os d o is sexos, a id:id e d e início no se xo nuscul in o (e ntre 15 e 25
a nos) é e m mé dia um pouco inferio r :'.l d o sexo fem inino (.~ntre 25 e 35 a n 05).
O início a ntes d os 1O :ino s d e idade o u ap ó s os .:;o :m os de idad e é extreffi3-
m e nce ra ro .

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-
~ ?bservaç~o, i?teressante é que grande número de pacientes esquizo-
fremcos com m1e1o tardio (após os 30 anos de idade) nasceu no inverno
ou no início da primavera. Várias hipóteses foram levantadas com base
nessa observação, como a possível etiologia virai (um vírus de ação retar-
da~a _9ue_seria a~~uirido nesse período), fatores ligados à temperatura ou
def1c1enc1as nutnc1onais.
. O suicídio é uma causa freqüente de morte entre esquizofrênicos. Apro-
ximadamente 50% dos pacientes tentam ao menos uma vez o suicídio, e
entre 10% a 15% se suicidam em 20 anos de acompanhamento. Os fatores
principais que aumentam o risco de suicídio incluem: presença de sin-
tomas depressivos, idade jovem e nível elevado de funcionamento pré-
mórbido.

DIAGNÓSTICO

Formas Clínicas

A CIDl0 segue a orientação européia clássica e mantém as quatro for-


mas de esquizofrenia, acrescentando outras a seguir descritas:

Esquizofrenia Paranóide (F20.0)

É o tipo de esquizofrenia mais comum em muitas partes do mundo. O


quadro clínico é dominado por delírios relativamente estáveis, usualmente
acompanhados por alucinações, sobretudo auditivas, além de outras altera-
ções perceptivas. Distúrbios do afeto, volição, discurso e sintomas catatôni-
cos não são proeminentes.
A CID-10 exemplifica como sintomas paranóides mais comuns:
- delírios de perseguição, referência, ascendência importante, missão
especial, mudanças corporais ou ciúmes;
- vozes alucinatórias que ameaçam o paciente ou lhe dão ordens; aluci-
nações auditivas sem conteúdo verbal, tais como assobios, zunidos ou risos;
- alucinações olfativas ou gustativas, de sensações sexuais ou corpo-
rais de outra natureza; alucinações visuais e sintomas "negativos" como em-
botamento afetivo e comprometimento da volição podem ocorrer, mas não
costumam ser dominantes.

Esquizofrenia Hebefrênica (F20.l)

As alterações afetivas são dominantes. Os delírios e alucinações são fu-


gazes e fragmentários. O paciente se desliga da realidade interna e assume
comportamentos imprevisíveis. O afeto é inadequado e , muitas vezes, acom-
panhado por risos imotivados, caretas, maneirismos e queixas hipocondría-
cas. O pensamento está desorganizado e o discurso é cheio de divagações
e incoerente, parecendo aos observadores vazio de sentido e sentimento.

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Uma preocupação superficial e pseudofüosófic-a com religião e outros ten12s
abstratos aumenta a dificuldade que tem o obserY3dor comum p3ra .1corr.-
panhar o curso do pensamento desses pacientes.

Esquizofrenia catatô11ica (F20.2)

Distúrbios psicomotores dominantes são aspectos essenci;.1is e podem


se alternar entre extremos. tais como hipercinesia (com agit:iç:lo freqüen-
te) e estupor ou obediência automática e negati\·ismo. _-\tirudes e postllr:ls
forçadas podem ser mantidas por longos períodos. O tratamento psicofar-
macológico e o melhor ambiente dos hospitais psiqudtricos modemos fazem
com que os quadros com essa sintomatologia cl:.íssic1 sejam \-iscos rJr:l-
mente.
Os sintomas cata tônicos podem ser Yistos em doenças infeccio~1s. como
a sífilis ou intoxicações várias, assim como em outras fonn~1s de esquizo~
nia. Um ou mais dos seguintes comportamentos de\·e domi1ur o qu~1dro
clínico:
- estupor (diminuição marcante da reati\·id:1de ao meio ~unbiente e de
movimentos e atividades espontâneos):
- excitação (acentuada atividade motora, aparentemente sem sentido.
não influenciável por estímulos externos);
-posturas inadequadas (assunção Yoluntá1ia e manutenç~lo de po..,ru-
ras inapropriadas, estranhas ou bizarras):
- negativismo (uma resistência aparentemente imotivad:1 em seguir as
indicações dos observadores ou fazer exatamente o conrr::í.rio do que seja
sugerido - negativismo ativo) ou mutismo;
- rigidez (manutenção de uma posiçélo rígida contra todos os esfor~-os
feitos para alterá-la);
-flexibilidade cérea (manutenção dos membros, em posições incômo-
das, externamente impostas);
- outros sintomas, tais como obediência automática (realiz~1çjo auto-
mática de instruções) e estereotipias (repetição aparentemente sem sentido
de palavras, frases ou movimentos).

Esquizofrenia Indiferenciada (F20.3)

São condições que satisfazem os critérios diagnósticos gerais para a es-


quizofrenia, mas que não se adequam a nenhum dos subtipos (F20.0-F20.2)
ou apresentam aspectos de mais de um deles, sem possibilidade de inclus~lo
em uma das três categorias precedentes. Essa rubrica deve ser usada apenas
para condições psicóticas - a esquizofrenia residual (F20. 5) e a depress~1o
pós-esquizofrênica (F20.4) são excluídas.

Depressão Pós-Esquizofrênica (F20.4)

Um episódio depressivo , que pode ser prolongado, surgindo após 0


início do transtorno esquizofrênico. Alguns sintomas esquizofrênicos de-

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vem ainda estar presentes, mas não dominam o quadro clínico. Predomi-
nam os sintomas negativos. Raramente os sintomas depressivos são sufi-
cientemente intensos para preencher os critérios de um episódio depres-
sivo grave (F32.2 e F32.3). Esse estado depressivo está associado a um
risco maior de suicídio. Freqüentemente é difícil decidir se os sintomas
são devidos à depressão ou a medicações neurolépticas ou, ainda, ao em-
botamento afetivo da própria esquizofrenia.

Esquizofrenia Residual (F20.5)

Um estágio crônico no desenvolvimento de um transtorno esquizofrênico,


no qual houve uma progressão clara de um estágio inicial (compreendendo
um ou mais episódios com sintomas psicóticos que satisfazem os critérios
gerais para a esquizofrenia) para um estágio mais tardio, caracterizado por
sintomas "negativos" de longa duração, embora não necessariamente irrever-
síveis.

Esquizofrenia Simples (F20.5)

Um quadro raro no qual há desenvolvimento insidioso mas progressivo


de conduta estranha, incapacidade para atender às exigências da sociedade
e um declínio no desempenho total. Delírios e alucinações não são eviden-
tes, e o transtorno é menos obviamente psicótico do que os subtipos para-
nóide, hebefrênico e catatônico da esquizofrenia. Os sintomas negativos se
desenvolvem sem serem precedidos de nenhum sintoma francamente psi-
cótico.
Na classificação americana - DSM-IV-, a esquizofrenia simples é con-
siderada um transtorno de personalidade (transtorno de personalidade es-
quizotípico).

SINTOMAS POSITIVOS E NEGATIVOS

Muitos clínicos têm acentuado a importância de distinguir dois subgrupos


de esquizofrenia: os de dominância de sintomas positivos, tais como alu-
cinações, delírios e acentuados distúrbios de pensamento (incoerência ,
descarrilamentos, tangencialidade etc.), e sintomas negativos (pobreza da
fala , embotamento afetivo, retração social). T.J. Crow (ver Tabela 10.4)
propõe os subtipos I e II como uma divisão mais adequada, no momento
atual por levar em conta a natureza do curso, a resposta ao tratamento e
o prognóstico da enfermidade.
Liddle propõe três subsíndromes distintas : uma caracterizada por empo-
brecimento afetivo e volitivo (sintomas negativos), outra por distorção da
realidade com delírios e alucinações, e finalmente uma terceira, marcada
por distúrbios formais do pensamento e incoerência afetiva.

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Tabela 10.4
Classificação da Esquizofrenia segundo T.J. Crow (1985)

Resposta
Subtipo Sintomas Principais aos Fármacos Etiologia

Positivos: delírios, Boa Fatores bioquímicos


alucinações, distúrbios
da forma do pensamento

li Negativos: embotamento Ruim Alteração estrutural


afetivo , retraimento social ,
distúrbio da vontade,
conteúdo pobre do
pensamento

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Como a esquizofrenia é um transtorno crônico, que apresenta diferentes


formas clínicas , e estas se alte rnam com a e volução natural do transtorno,
todas as condições psiquiá tricas e uma série de condições clínicas podem
apresentar manifestações similares (ver Tabela 10.5).

Tabela 10.5
Diagnóstico Diferencial da Esquizofrenia

Transtornos Psiquiátricos:
- episódio depressivo com sintomas psicóticos
- mania com sintomas psicóticos
- outras psicoses : transtorno delirante , psicoses atípicas, transtorno esquizofreni-
forme etc;
- transtorno obsessivo-compulsivo
- transtorno esquizoafetivo
- farmacodependência : alcoolismo, maconha, alucinógenos, cocaína, anorexíge-
nos, etc.
- transtornos de personalidade: paranóide, esquizóide, esquizotípico
Medicamentos: corticóides , 1-dopa, bromocriptina, estimulantes (efedrina, metilfeni-
dato, etc.), anticolinérgicos (biperideno, atropina), .antimaláricos etc.
Condições Clínicas: infecções do SNC (sífilis, Aids, tuberculose etc.), tumores do
SNC, doenças degenerativas (doença de Wilson, coréia de Huntington etc.) , epilepsia
psicomotora, traumatismo crânio-encefálico, doenças desmielinizantes, partirias, doen-
ças auto-imunes (p. ex., lúpus eritematoso sistêmico) , endocrinopatias, deficiências vita-
mínicas (tiamina, folato etc.) , distúrbios metabólicos, insuficiência renal etc.

1
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EXAMES COMPLEMENTARES

Não existem exames complementares que possam confinnar o diagnósti-


co de esquizofrenia. O diagnóstico é realizado com base no quadro clínico e
na evolução (história). A anamnese, o exame físico e neurológico ponnenori-
zados fazem parte da boa prática médica e devem estar sempre presentes. Os
exames complementares diversos são necessários para ajudar no diagnóstico
diferencial com doenças do SNC, metabólicas, endócrinas, epilepsia etc.

HIPÓTESES ETIOLÓGICAS

Apesar dos grandes avanços que vêm sendo feitos , a etiologia da esqui-
zofrenia continua desconhecida. Não há dúvida sobre a base biológica, que
por si só não explica todos os fatores envolvidos. O modelo freqüentemente
usado da diátese-estresse postula que se pode ter uma vulnerabilidade es-
pecífica (diátese) que , pressionada por fatores ambientais estressantes, per-
mite o desenvolvimento dos sintomas esquizofrênicos. Sem a dimensão bi-
ológica (base), não há esquizofrenia. O componente ambiental pode ser
biológico (por exemplo, infecção, intoxicação) ou psicológico (perda de
pessoa significativa) ou estados estressantes de qualquer natureza.

Aspectos Bioquímicos

Quarenta anos de relativo sucesso no tratamento da esquizofrenia com


drogas antipsicóticas têm conduzido a numerosas hipóteses sobre seus
possíveis fatores causais. A mais importante delas é ligada ao neurotrans-
missor dopamina (Carlson,1988; Davis, 1991). Evidências mostram que a
potência das drogas antipsicóticas está vinculada à capacidade maior ou
menor de bloquear os receptores de dopamina D2. Alguns investigadores
sugerem que a atividade dopaminérgica é reduzida na região pré-frontal
e aumentada nas regiões subcorticais e límbicas. Essa atividade reduzida
no córtex cerebral seria responsável pelos sintomas negativos como falta
de prazer e de motivação para as tarefas habituais da vida. Ao contrário,
o aumento dos níveis subcorticais estaria relacionado com os sintomas
positivos, tais como as alucinações e os delírios. Foram identificados cin-
co tipos de receptores da dopamina (de D1 até D5). Os receptores D3, D4 ,
D5 recentemente identificados ainda não têm funções claramente defini-
das. Há indicações de que o problema esteja nos receptores e não nos
transmissores, uma vez que não tem sido possível detectar aumento dos
produtos finais de degradação da dopamina (principalmente o àcido ho-
movanílico) nem no plasma nem no líquor cerebrospinal.
Outros transmissores podem estar envolvidos na neuroquímica da es-
quizofrenia: norepinefrina, serotonina, glutamato e Gaba parecem também
exercer um papel modulador nos sintomas da esquizofrenia.
Alterações no sistema imunoendócrino também têm sido associadas à
esquizofrenia. A presença de anticorpos, interleucinas e interferons anor-
mais, deficiências imunológicas facilitando durante a gestação a entrada de
vírus no SNC estão entre as hipóteses mais estudadas.

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Aspectos A11atomopatológicos

Os psiquiatras , d esde Kraepelin, tentaram descob!·ir alterações de algu-


ma natureza no cérebro de esquizofrênicos . O aparecimento ele técnicas d
t_omografia computadorizada (TC), ressonância magnética (RM) e tornogra~
fia com emissão de pósitrons (PET) vem trazendo dados novos que sugere,
anormalidades, embora esses estudos necessitem ainda de maior desenvo:
vimento. O achado mais consistente mostra um alargamento dos ventrículos
cerebrais . Esse alargamento está associado com um funcionamento cogniti-
vo deficiente pré-mórbido, sintomas negativos e resposta pouco significati-
va aos tratamentos . As alterações na TC que ocorrem em 40% dos esquizo-
frênicos aparecem também na doença ele Alzheimer e mesmo no alcoolismo.
As investigações com RM prometem melhores achados pelo menor risco
envolvido. As pesquisas com PET sugerem uma hipofrontalidade para a qual
muitos sintomas apontam. Parece haver, na esquizofrenia , uma incapacida-
de dos lobos pré-frontais de se ligarem durante uma tarefa psicológica .
Os estudos eletroencefalográficos mostram alterações freqüentes, nào-
específicas, uma atividade alfa diminuída e atividades delta e teta aumenta-
das . Os potenciais evocados, que pretendem medir como a córtex responde
a um determinado estímulo, têm amplitude aumentada dos primeiros com-
ponentes e diminuída dos componentes tardios. Existem associações entre
distúrbios do hemisfério cerebral esquerdo e esquizofrenia. Estes achados
são apoiados na incidência aumentada de psicose nos epilépticos temporais
com foco no lado esquerdo, nas anormalidades de linguagem dos esquizo-
frênicos e no maior número de canhotos entre esquizofrênicos.

ASPECTOS GENÉTICOS

Desde os estudos de Rudin tem sido acentuada a incidência maior de


esquizofrenia na família de pacientes. Os gêmeos monozigóticos são os que
mostram a incidência maior. Os estudos com gêmeos criados por pais ado-
tivos têm a mesma taxa dos que foram educados pelos pais biológicos, o
que sugere a maior importância dos fatores biológicos (ver Tabela 10.6).

Tabela 10.6
Prevalência da Esquizofrenia na Família de Esquizofrênicos

O risco de desenvolver a esquizofrenia é de 1% na população geral se nenhum


parente é afetado.
Irmão gêmeo dizigótico ou irmão comum: 8%-12%.
Um dos pais esquizofrênico: 12%.
Pai e mãe esquizofrênicos: 40%.
Irmão gêmeo monozigótico: 47%.
O fato de que a concordância entre os gêmeos monozigóticos não beira os 100%
sugere a importância de outros fatores ambientais de natureza física ou psicológica.

100
TRATAMENTO

O trata_mento correto para os pacientes esquizofrênicos é a união de far-


macoterap1a e estratégias psicossociais, incluindo diferentes formas de psi-
coterapia. Não são tratamentos antagônicos, mas complementares, na tenta-
tiva de melhorar o quadro sintomatológico, aliviar as tensões existentes e
fortalecer a parte saudável do paciente.
As hospitalizações sào raras hoje em dia, mesmo para os episódios de
crise. Quando se fazem necessárias (risco para o paciente ou para outrem)
devem ser por período breve ou em esquema de emergência. Visam apenas
ham1onizar o do paciente com a família e com os serviços terapêuticos ex-
tra-hospitalares.

FARMACOTERAPIA

A intervenção medicamentosa no tratamento dos pacientes esquizofrê-


nicos é feita com a utilização de substâncias conhecidas como neurolépti-
cos-antipsicóticos (ver Tabela 1O.7). São assim chamados porque atuam pre-
ferencialmente no receptor dopaminérgico D2 e induzem efeitos colaterais
distônicos e discinéticos.
O objetivo da terapia medicamentosa é o tratamento da sintomatologia
produtiva ou positiva (delírios, alucinações, distúrbios da forma do pensa-
mento e psicomotores), de modo a reduzir drasticamente o período agudo
e crítico, permitindo que o paciente se trate dentro de sua comunidade, be-
neficiando-se de outras intervenções terapêuticas que visam a reintegração
familiar, social e laborativa.
Os antipsicóticos clássicos são ineficazes sobre os sintomas negativos
(distútrbios do afeto, da vontade e da atenção). Os antipsicóticos atípicos
(risperidene e clozapina) parecem apresentar resultados favoráveis, mas
parciais, na sintomatologia negativa, necessitando de maiores estudos para
qualquer tipo de afirmação mais segura. O médico deve definir criteriosa-
mente os sintomas-alvo no tratamento e dar sempre preferência a utilizar
apenas um antipsicótico, por um período mínimo de quatro semanas em
dose eficaz. A troca do antipsicótico antes desse período não permite afir-
mar que o paciente seja refratário aos efeitos terapêuticos. A manutenção
após o período de crise também deve ser criteriosa, julgando sempre as
vantagens e desvantagens, utilizando a menor dose eficaz e tolerada. Apesar
de alguns pacientes usarem os antipsicóticos por toda a vida, muitos po-
dem ficar sem antipsicóticos quando já apresentam um risco mínimo de
fases de reagudização.
O uso concomitante de medicamentos anticolinérgicos (biperideno ou
prometazina) pode ser justificado em pacientes ambulatoriais, com pouca
colaboração ao tratamento e nos quais o surgimento de uma síndrome
extrapiramidal possa ser prejudicial. Entretanto, tal associação não se jus-
tifica em pacientes hospitalizados ou com acompanhamento próximo à
equipe de saúde mental. Essa associação farmacológica aumenta o risco
de discinesia tardia , não assegura completamente que o paciente não terá
o efeito extrapiramidal indesejável, aumenta o número e a gravidade dos
efeitos anticolinéroicos
b
e encarece o tratamento. Devemos ressaltar ainda

101
que os efeitos extrapiramidais (parkinsonismo,. distonia
. , . aguda e acatis•ta )
podem ser facilmente tratados; já a cliscines1a tare1ta e irreversível.
As principais cont1·a-indicações dos antipsicóticos são graves anormali-
dades cardíacas, alergias, interações com medicamento~ anticolinérgicos ou
sedativos, riscos de convulsões e sensibilidade aos efeitos anticolinérgicos
(retenção urinária, glaucoma etc).

Tabela 10.7
Principais Antipsicóticos

Fenotiazínicos
de cadeia alifática: clorpromazina, levomepromazina
- de cadeia fechada (piperazínicos ou piperidínicos): flufenazina, trifluoperazina, tiori-
dazina, pipotiazina
Butirofenônicos: haloperidol, droperidol, penfluridol, pimozide
Tioxantênicos: tiotixene
Dibenzodiazepínicos: clozapina, olanzapina
Benzoisoxazólicos : risperidona
Benzamídicos: remoxipiride*

Doses Mínima e Máxima Diária


(mg/dia)

Clorpromazina - 100 a 1.000


Levomepromazina - 25 a 500
Flufenazina - 1 a 30
Trifluoperazina - 3 a 30
Tioridazina - 50 a 900
Periciazina - 1O a 40
Haloperidol - 1 a 50
Pimozide - 1 a 16
Tiotixene - 1O a 60
Clozapina - 100 a 600
Risperidona - 1 a 6
Remoxipiride - 200 a 400**

Para condições especiais, quando o paciente não tem acesso ao especi-


alista ou recusa tratamento oral, utilizam-se os antipsicóticos de ação pro-
longada - "depositários" ou depot. São ésteres que, injetados no músculo,
garantem uma concentração plasmática eficaz por períodos de duas a seis
semanas (ver Tabela 10.8).

• Ainda não comercializado no Brasil.


•• Não comercia lizado no Brasil.

102
Tabela 10.8
Neurolépticos de Ação Prolongada

Penfluridol - VO - 20 a 40mg a cada 4-5 dias


Enantato de flufenazina - IM - 12,5 a 50mg a cada 14 dias
Palmitato de pipotiazina - IM - 50 a 200mg a cada 28 a 42
Diasdecanoato de haloperidol - IM - 50 a 200mg a cada 28 dias

Dois antipsicóticos atípicos merecem uma atenção especial pela sua re-
cente introdução no mercado:
- risperidona: apresenta efeito terapêutico nos sintomas positivos de
forma similar às demais drogas antipsicóticas, entretanto não é sedativa e os
efeitos extrapiramidais ocorrem com doses elevadas. Sua ação serotoninér-
gica sugere influência na sintomatologia negativa, mas ainda é muito cedo
para afirmações conclusivas. Seu uso nas emergências psicóticas é limitado,
já que nessas ocasiões o efeito sedativo é necessário, ficando sua indicação
maior para os pacientes ambulatoriais que não necessitam de efeito sedativo
ou têm sensibilidade aos efeitos extrapiramidais;
- clozapina: antipsicótico com efeitos similares aos demais, aliviando
o paciente de sintomas positivos. Apresenta maior chance de agranulocitose
que os demais, exigindo rigoroso acompanhamento hematológico. É muito
sedativa, hipotensora e diminui o limiar convulsivo. Tem a vantagem de não
apresentar sintomas extrapiramidais. Seu uso deve ficar reservado apenas
para os pacientes com sintomatologia muito exuberante e com ausência de
resposta favorável aos demais antipsicóticos ou sensibilidade extrema a efeitos
extrapiramidais. Não é uma droga para a prática clínica diária.

Principais efeitos colaterais dos antipsicóticos

Sistema nerooso: sedação, síndrome extrapiramidal (parkinsonismo, aca-


tisia, distonia aguda, discinesia tardia), convulsões, déficit de atenção, sín-
drome neuroléptica maligna.
Efeitos anticolinérgicos: constipação, boca seca, retenção urinária, visão
turva.
Sistema endócrino: galactorréia, ginecomastia, amenorréia, anorgasmia,
impotência, ganho de peso.
Outros: reações alérgicas, agranulocitose, hipotensão ortostática, dimi-
nuição da pressão arterial, hepatite colestática, alterações de EEG, fotossen-
sibilidade, depósitos oculares etc.

ESTRATÉGIAS PSICOSSOCWS

A atuação da equipe multidisciplinar tem sua forma plena através de dife-


rentes estratégias psicossociais. A psicoterapia, a terapia ocupacional, os grn-
pos operativos, a orientação familiar e o treinamento de habilidades trazem
benefícios que vão muito além de apenas aumentar a adesão do paciente ao
tratamento medicamentoso. Tentam recuperar os pacientes para si mesmos e
para a sociedade, melhorando a qualidade de vida dessas pessoas.

103
Psicoterapias
Contrariamente ao que muitos psiq~iatr~s ~ psicanalistas supõem, Freud
nunca aconselhou psicanálise de esqu1zofremcos. So~~e sempre dos limi-
tes da psicanálise e tinha a intuição das causas somat1cas da esquizofre-
nia . Em 1917, escreveu : "Como vocês sabem, nossa t~rapêutica psiquiátri-
ca não é até agora capaz de influenciar os delírios. E talvez possível qu
- d
a psicanálise possa fazê-lo , graças à compreensao os mecanismos desses
e
sintomas? Não, senhores, ela não pode." Em suas Novas conferências in-
trodutórias (1932), refletindo sobre os limites da psicanálise, Freud acen-
tuou: "Isso é verdadeiro no que respeita às psicoses. Nós as compreende-
mos suficientemente para saber o ponto em que as alayancas devem ser
aplicadas; mas essas NAO são capazes de remover o peso. E aqui , na verdade
que nossa esperança de futuro repousa: a possibilidade de que o conhe~
cimento da ação dos hormônios (vocês sabem o que são eles) possa dar-
nos os meios mais bem-sucedidos de combater o fator quantitativo da
doença; estamos longe disso ainda hoje' (nossos os grifos) .
A psicoterapia de esquizofrênicos deve sempre fazer-se como tratamen-
to paralelo à medicação. Pretender tratar psicóticos apenas com psicotera-
pia é exercício de onipotência que contraria o ensinamento freudiano . Cin-
qüenta anos após a morte de Freud, a psicoterapia continua incapaz de
modificar a estrutura delirante. Os "hormônios" com que sonhava Freud estão
se tornando realidade. Isso não afasta a necessidade de acompanhar os
pacientes esquizofrênicos com uma psicoterapia que os ajude no caminho
de retorno à realidade que a medicação vem tornando possível.

PROGNÓSTICO

Com a definição atual de esquizofrenia como um transtorno crônico, sem


períodos assintomáticos, apenas com melhora relativa e curso deteriorante,
podemos afirmar que o prognóstico global é sombrio. Entretanto, dentro das
diversas formas do transtorno e em cada paciente em particular, podemos
observar casos de um prognóstico mais favorável e casos de prognóstico
muito reservado. Na Tabela 10.9 listamos fatores usualmente envolvidos no
prognóstico.

Tabela 10.9
Fatores que melhoram o prognóstico

Início tardio e de forma aguda.


Boa adaptação pré-mórbida.
Sintomas afetivos e reativos.
Sintomas positivos.
Bom sistema de apoio social e familiar.

Fatores que pioram o prognóstico

104
Início precoce e insidioso. _
Má adaptação pré-mórbida.
Isolamento social, autismo.
Sintomas negativos.
História familiar de esquizofrenia.
Episódios de reagudização sintomatológica.

Segundo estimativas recentes, 10% a 20% dos pacientes apresentam curso


gravemente deteriorante com cronificação irreversível e incapacidade para
atividades psicossociais; 15% a 25% dos pacientes apresentam melhora par-
cial, permitindo alguma readaptação social; e 50% a 700/o apresentam um
prognóstico mais favorável que, junto ao tratamento correto, favorecem uma
reinserção social relativa, com ganhos na qualidade de vida.
É interessante observar que 25% dos pacientes com prognóstico mais
favorável e com tratamento correto apresentam reinternações freqüentes
(mais de 2 por ano), contra 78% dos pacientes não adequadamente tratados.

BIBLIOGRAFIA

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sorders. 4th edition. (DSM-IV). American Psychiatric Press, Washington, 1994.
2. Casey DE., Hansen TE. Schizophrenia Psychopharmacology. ln:Jefferson]W. & Greist
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Willims & Wilkins, Baltimore, 1995.
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1995.
5. Mayer-Gross W ., Slater E. , Roth M. Psiquiatria clínica. Mestre Jou, São Paulo, 1972.
6. Portella Nunes Filho E. Psicoterapia nas neuroses e psicoses. Jornal Brasileiro de
Psiquiatria, 29(3): 157-164, 1980.
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8. World Health Organization. Classificação de transtornos mentais e de comportamento
(CID-10). Artes Médicas, Porto Alegre, 1993.

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