Você está na página 1de 3

Conto: O destino da Esperança

Era uma vez uma criança que ao nascer, recebeu o nome "Esperança".
Seu pai, o Pessimismo, a abandonou juntamente com sua mãe Bondade logo
que ela nasceu e no final das contas, isso foi um benefício para a Esperança, pois
ela pôde crescer totalmente apoiada em sua nobre mãe e praticamente se esqueceu
que suas origens estavam fincadas num aspecto negativo da vida.
Ainda criança, a Esperança teve problemas com outra menina, a Soberba. A
Soberba realmente não lhe dava uma chance sequer de aproximação, tratando-a
como alguém indesejável. Para piorar a situação, vivia na companhia de um garoto
chamado Preconceito que perseguia a Esperança implacavelmente.
Foi por muito pouco que a Esperança, nesta época, não se afastou do
convívio social, isolando-se em seu próprio mundo. A menina só conseguiu
perseverar graças ao apoio e aos conselhos de sua tia Tolerância, uma mulher
madura e sábia, sempre tranqüila e equilibrada.
Quando se tornou uma bela jovem, em seu período mais importante de
instrução, a Esperança teve um mestre a quem admirou profundamente e que
passou a ser sua inspiração. O seu mestre Amor ensinou-lhe os caminhos secretos
do coração e apresentou-lhe um jovem chamado Objetivo, o qual viria a apaixonar-
se pela Esperança e tentar convencê-la a viver a seu lado, acreditando que juntos
poderiam conquistar coisas inimagináveis. O Objetivo acreditava que norteado pela
Esperança seria invencível.
Foi aí que o Objetivo se viu envolvido por uma jovem ardilosa chamada
Arrogância e através dela, Objetivo e Esperança acabaram por ficar frente a frente
com seu irmão mais velho, o Despotismo.
O Despotismo tinha o Egoísmo por Conselheiro e este, percebendo as
qualidades da Esperança e a capacidade que tinha de influenciar os que estavam à
sua volta, mais do que depressa o aconselhou a tomá-la só para si, tornando-a
cativa de forma sutil, sem que a mesma se apercebesse de suas intenções.
Para isso, Despotismo mandou encarcerar o Objetivo na sua mais fétida e
escura masmorra e ali, lentamente, ele foi perdendo a sanidade até se esquecer
completamente quem era. Enquanto isso Despotismo, que era extremamente
inteligente, fazendo-se de solidário convenceu a Esperança de que o Objetivo havia
partido de braço dado com a Arrogância.

1
O sentimento da Esperança, que era uma mulher jovem, pura e ingênua, se
partiu como um espelho em milhões de cacos, enquanto o Despotismo sentia um
verdadeiro prazer no dano que causava afinal, mantinha Maquiavel como leitura de
cabeceira.
Esperança começou então a sofrer intensamente uma vez que sua mãe, a
Bondade, já não vivia mais naquele reino há muito tempo e que seu mestre o Amor,
fora misteriosamente exilado logo após o sumiço do Objetivo.
Para piorar a situação, surgiu seu pai não se sabe de onde e passou a lhe dar
pretensos conselhos. O Pessimismo não cansava de afirmar para a Esperança que
o melhor que ela tinha a fazer era se entregar ao Despotismo, uma vez que ele
vinha conquistando imenso poder naquele reino. E já que o Despotismo não fosse
alguém capaz de despertar a admiração e o respeito dos outros, ao menos o
Pessimismo achava que Esperança estaria segura sob a sua proteção. E foi o que
ela fez.
A Esperança entregou-se completamente ao Despotismo que se tornou
senhor absoluto daquele reino. Sua palavra era Lei. E se a Esperança não tinha
liberdade, ao menos ia vivendo a vida.
Mas infelizmente a Esperança viveu por muito tempo com o Despotismo. E
ano após ano, todos os dias, num processo altamente destrutivo, o Despotismo
chegava em casa e se alimentava da Esperança. Fartava-se de sua juventude, de
sua beleza, de sua doçura, como se fosse Cronus comendo sua própria cria. Talvez
ela soasse como uma ameaça, assim como os filhos do Titã. Talvez algum oráculo
tivesse previsto que ela poderia representar a sua destruição. Enfim, depois de
consumi-la, regurgitava dentro dela como um monstro decrépito. E despejava na
pobre desprezo, indiferença, desrespeito e agressividade. Esse era o único alimento
que ele lhe dava, e parecia que isso a envenenava lentamente. A Esperança
proporcionava ao Despotismo imenso prazer, uma vez que a despeito de tudo,
sempre se regenerava e como uma fênix, era uma fonte inesgotável de doçura, de
suavidade. Ela não percebeu o que estava acontecendo, mas o restante da
população, por debaixo da opressão do tirano, observava atentamente.
E todos passaram a torcer pela Esperança, desejando que ela conseguisse
se livrar do Despotismo. E era comum ver as pessoas pelas ruas reunidas em
pequenos grupos a falar em voz baixa, e claro que havia de ser em voz baixa, pois
Despotismo não podia sonhar que falavam de sua vida. Comentavam as pessoas

2
que aquele tirano não seria capaz de aniquilar com a Esperança, que ela era mais
forte e que estava acima dele.
A certa altura da estória, a Esperança acabou por descobrir que o Despotismo
já havia matado a Liberdade, a Alegria, a Tranqüilidade e a Fraternidade. Que todas
tinham sido suas mulheres, as quais ele havia conquistado utilizando os mais torpes
métodos persuasivos. O Despotismo era um autêntico “Barba Azul”.
Esperança passou a recorrer ao Amor insistentemente. Mandava-lhe
inúmeras mensagens, mas não compreendia porquê o Amor não dava sinais. Na
verdade suas cartas nem saíam dos domínios do Despotismo.
Bem, enfim a Esperança foi enfraquecendo. Foi se esgotando até não
levantar mais de seu leito. Mas ela não deixava de acreditar que no fundo seu
companheiro tinha por ela apreço. Quando a Esperança encontrava-se já quase
completamente exaurida de sua vitalidade, o Despotismo chegou à beira de sua
cama e ela, com uma pequena chama nos olhos, procurou por seu olhar. Tudo que
recebeu foi um olhar frio e lancinante, recheado de desprezo, como a lâmina afiada
de uma navalha que cortou secamente o precário fio que ainda ligava Esperança ao
desejo de viver.
Foi aí que o herói desta nossa estória surgiu.
O Futuro, que já vinha ouvindo estórias sobre a Esperança, contadas pelo
mestre Amor, apaixonou-se perdidamente por ela sem ao menos conhecê-la
pessoalmente. E convencendo o Amor a lhe contar os segredos dos caminhos do
coração, conseguiu esboçar um mapa para chegar ao reino do tirano Despotismo.
Foi assim que o Futuro resgatou a Esperança e levou-a para viver bem longe
do Despotismo, deixando que ele pensasse que ela estava morta.
E nunca mais se viu nem sombra de Esperança neste reino despótico.
Moral desta estória: Não há Esperança que sobreviva ao Despotismo, mas
somente a certeza de que há Futuro pode manter a Esperança viva.

(Carmem L Marcos)
www.feminaliterata.com

Você também pode gostar