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Saneas SUMÁRIO

ISSN 1806-4779
4 APRESENTAÇÃO
Saneas é uma publicação técnica quadrimestral
da Associação dos Engenheiros da Sabesp
5 EDITORIAL
AESABESP
DIRETORIA EXECUTIVA
Eliana Kazue Irie Kitahara / Presidente
6 CARTAS
Amauri Pollachi / Vice-Presidente
Cecília Takahashi Votta / 1ª. Secretária
Aram Kemechian / 2º. Secretário
PONTO DE VISTA
Choji Ohara / 1º. Tesoureiro 7 Sustentabilidade e transdisciplinaridade
Emiliano Stanislau de Mendonça / 2º. Tesoureiro

DIRETORIA ADJUNTA 9 O engenheiro que o futuro demanda


Carlos Alberto de Carvalho / Diretor de Marketing
Gilberto Alves Martins / Diretor Técnico Cultural
Ivan Norberto Borghi / Diretor de Esportes MEIO AMBIENTE
Ivo Nicolielo Antunes Junior / Diretor de Pólos
Hiroshi Ietsugu / Diretor de Pólos da RMSP
11 Projeto de Educação Ambiental
Viviana Marli N. Aquino Borges / Diretora Social Gleba do Pêssego
CONSELHO DELIBERATIVO
Alípio Teixeira dos Santos Neto, Antônio Augusto de LEGISLAÇÃO
Fonseca, Cid Barbosa Lima Jr., Getúlio Martins, Gilberto Alves 15 O impacto da nova resolução CONAMA 20/86
Martins, Ivo Nicolielo Antunes Jr., José Márcio Carioca, Luiz
Henrique Peres, Luiz Yukishigue Narimatsu, para o setor de saneamento
Magali Scarpelini Mendes Pereira, Nelson Luiz Stábile, Nizar
Qbar, Paulo Eugênio Correia, Reynaldo Eduardo Young
Ribeiro, Viviana Marli N. Aquino Borges MATÉRIA DE CAPA
17 Engenharia: profissão antiga, perspectivas novas
CONSELHO FISCAL
Benedito Felipe Oliveira Costa, Luciomar Santos Werneck,
Luis Henrique Werebe ARTIGOS TÉCNICOS
FUNDO EDITORIAL 23 Setor Santana: um caso de sucesso na redução
Equipe responsável pela Saneas: de perdas de água e con sumo de energia elétrica
Getúlio Martins (Coordenador)
Ana Lúcia Silva, Armando Flores, Cláudia Nakamura,
Corina Ribeiro, Darcy Brega Filho, Jairo Tardelli Filho, 26 Modelagem em sistemas de controle operacional
José Antônio Oliveira de Jesus, Luiz Carlos Helou e
Paulo Ernesto Marques da Silva. em tempo real no Sistema Adutor Metropolitano
Odair Marcos Faria (fotógrafo colaborador) de São Paulo
JORNALISTA RESPONSÁVEL: Ana Holanda Mtb 26.775,
Reportagem (matéria de capa): Ana Cláudia Cruz 32 Compensação ambiental em atividades poluidoras
ARTE E PRODUÇÃO GRÁFICA:
Formato Artes Gráficas (formato@uol.com.br) do ar atmosférico
IMPRESSÃO: Editora Parma
TIRAGEM: 2.500 exemplares
38 Aumento da capacidade das ETE pela aplicação
AESABESP de produtos químicos
Associação dos Engenheiros da Sabesp
Rua 13 de maio, 1.642 – casa 1
01327-002 - São Paulo, SP ENTREVISTA
Fone (11) 3284 6420 – 3263 0484
Fax (11) 3141 9041 44 De olho na gestão ambiental – Maurício Reis
www.aesabesp.com.br
aesabesp@aesabesp.com.br
HISTÓRIA DO SANEAMENTO
46 Arqueologia da água – parte II

48 RESENHAS

RECONHECIMENTO
50 José Medaglia

51 AESABESP

Foto-montagem
a partir de fotos
de Odair Faria

Saneas / abril 2005 – 3


apresentação

Além da especialização
N esta edição de abril de 2005, nossa matéria
de capa complementa os principais assun-
tos das quatro edições anteriores. “Engenharia:
com outras áreas de conhecimento para ter re-
sultados efetivos. O Projeto de Educação Am-
biental Gleba do Pêssego é um bom exemplo
profissão antiga, perspectivas novas” discute a de como isso acontece na prática.
formação do engenheiro necessária para ven- Os impactos positivos, no setor Saneamen-
cer os desafios ambientais, sociais, econômicos to, causados pela revisão da Resolução CONA-
e políticos atuais. MA 20, são mostrados pela Engenheira Paula,
Nessas edições tratou-se do paradoxo do sa- em Legislação. Indicadores com limites mais
neamento, que leva benefícios às pessoas, mas adequados às nossas realidades, certamente,
que pode degradar o meio ambiente, pelo lan- irão contribuir para a legalização da conformi-
çamento de efluentes sem tratamento. As mu- dade dos efluentes em muitas localidades.
danças climáticas globais e seus efeitos regionais Os artigos técnicos, bastante diversificados
e locais também foram discutidos, na tentativa e com muita qualidade, são direcionados aos
engenheiros que lidam com água, esgotos, ar e
eficiência energética.
A entrevista desta edição foi feita com Mau-
rício Reis, Diretor da Cia. Vale do Rio Doce, e
trata da questão ambiental. Se no passado esse
setor era considerado impeditivo para o suces-
so de muitas empresas, atualmente represen-
ta oportunidade de negócios, com grande po-
tencial de expansão. Aí também o engenheiro
é personagem fundamental, com conhecimen-
tos nas áreas ambiental, econômico-financeira
e social, além da sua especialização, como rela-
ta nosso entrevistado.
A segunda parte da “Arqueologia da água”,
na seção História do Saneamento, conta fatos
históricos que comprovam a importância de
práticas transdisciplinares nos projetos de en-
Reunião da equipe do Fundo Editorial da AESABESP genharia, que muitas vezes se transformam em
verdadeiros projetos sociais.
de se entender a razão da acentuada escassez de Finalmente, na seção Reconhecimento, é
água nos mananciais, no início deste século. Na prestada uma homenagem ao Engenheiro José
seqüência, o assunto principal foi a qualidade da Medaglia, pioneiro na implantação de siste-
água e sua relação com a saúde pública. A últi- mas de fluoretação de água, para a redução da
ma edição contemplou o desenvolvimento sus- prevalência de cáries na população dos muni-
tentável, como um ideal possível e necessário. cípios do Estado de São Paulo, na década de
Agora, o que se deseja saber é quais são, afinal, 1980. Atualmente, está comprovado que esse
os conhecimentos e habilidades que devem ter os é um dos maiores benefícios que o saneamen-
engenheiros, para lidar com essas questões. to leva, principalmente, para a população mais
Para isso, convidamos os professores da USP, carente, que não tem acesso ao dentista.
Nelson Nucci e Ubiratan D´Ambrosio, para a Reforçamos o convite às empresas parceiras,
seção Ponto de Visita. Vale a pena conferir as para que anunciem em nossa revista. Em face da
abordagens desses mestres, de várias gerações excelência que se está buscando, certamente seus
de engenheiros e cientistas, sobre o “construtor produtos chegarão aos formadores de opinião e o
de soluções” e sobre a “transdisciplinaridade” retorno será maior do que o investimento.
tão necessária para viabilizar essas soluções, na Certos de contar com sugestões e críticas
maioria das vezes. para melhoria da nossa publicação e melhor
Na seção Meio Ambiente, é mostrado como atender às expectativas dos nossos leitores, de-
um projeto de engenharia precisa de parcerias sejamos boa leitura a todos. ■

4 – Saneas / abril 2005


editorial

Engenharia, política e sociedade


Eng. Eliana Kazue I. Kitahara
Presidenta da AESABESP

O tema dessa edição é superimportante, pois


está clara a necessidade de complemen-
tações no perfil do engenheiro. Atualmente o
Além de efetuar pesquisas e desenvolvimen-
to de novas tecnologias e concepções, estabe-
lecendo planos de ação e metodologia de im-
profissional deve ter visão sistêmica, entenden- plantação, devemos contar com profissionais
do como suas ações, atividades e atitudes po- capazes de discutir e defender o saneamento
dem influenciar ou interagir com outras áreas. ambiental em fóruns tripartites, ou seja, com a
O engenheiro deve entender o dinamismo participação dos municípios, sociedade civil e
da prestação de serviços, avaliando todo o con- outras entidades do governo estadual.
Um problema, na minha opinião, que deve
ser urgentemente considerado é a falta de di-
retriz e capacitação das pessoas envolvidas no
planejamento e na gestão dos recursos hídri-
cos. Nós “sabespianos” não podemos esquecer
que nossa matéria prima é a Água. É funda-
mental a participação e presença dos profissio-
nais da Sabesp nas discussões e estudos desen-
volvidos nos Comitês e Subcomitês das Bacias
Hidrográficas do Estado de São Paulo.
É importante a participação de profissio-
nais competentes nos processos de observação
dos mananciais, avaliação do ambiente, gestão
da operação dos recursos hídricos, articulação
institucional ou representação.
A gestão integrada da ciência e tecnologia
com conhecimentos sócio-econômicos, bio-
A Engenheira Eliana, no centro, coordena reunião mensal da AESABESP lógicos e ambientais pode ser a chave para a
sustentabilidade do desenvolvimento do nos-
texto político, econômico e social em que sua so país.
empresa está inserida. Mais do que nunca os conhecimentos, ha-
O profissional que centraliza seu esforço bilidades e atitudes do engenheiro têm que
para elaborar projetos/planilhas e foca somen- incluir práticas transdisciplinares, sem privi-
te as normas técnicas, regulamentações, sem légios para nenhuma disciplina. Isso torna as
considerar as condições ambientais e sociais do metodologias de avaliação de desempenho dos
local, irá apresentar um projeto que, sem dúvi- profissionais mais complexas, nas empresas
da nenhuma, em pouco tempo de implantação, que adotam essa sistemática. Essa dificulda-
deverá registrar freqüentes ocorrências de ma- de, entretanto, não pode inibir o exercício sau-
nutenção. Essas despesas com certeza oneram dável de troca de informações entre gerentes e
a previsão orçamentária do setor. colaboradores. Isso afinal faz parte da prática
Na busca e no alcance de resultados positi- transdisciplinar.
vos, o engenheiro operacional, que lida dire- O profissional para ser avaliado como com-
tamente com o cliente, precisa ter a capacida- petente ou incompetente pela chefia precisa de
de de negociação. Ele deve saber argumentar diretrizes e acompanhamento contínuo.
e convencer quanto a assuntos diversos, com O sucesso das empresas e a motivação dos
clientes, fornecedores e terceiros. É fundamen- colaboradores dependem fundamentalmente
tal o desenvolvimento dessa habilidade de ne- de um modelo de gestão que leve em conta to-
gociação pelo profissional. das essas questões. ■

Saneas / abril 2005 – 5


Cartas ■ Recebi a revista Saneas de de- e de calha, as descargas de po- com muitas chuvas.
zembro de 2004. Achei as maté- luentes industriais e domésticos 10. Enfim, pelo apresentado não
rias publicadas sérias e bem fun- muito contribuem para um pro- consegui perceber nenhuma con-
damentadas. cesso de aumentar a criticidade tradição. De fato, ocorreu uma
Com os melhores votos hídrica da bacia. No entanto, seqüência de cerca de sete anos
Leonardo Boff mesmo que tais problemas fos- com poucas chuvas na região. Tal
sem restritos a níveis mais acei- ocorrência pode estar localizada
■ Em atendimento à solicita- táveis, ainda haveria uma de- em dois cenários: (i) um cenário
pendência dos reservatórios de em que a bacia tem uma tendên-
ção de esclarecimentos do leitor
regularização. Isto é, precisaria cia de diminuição de pluviosio-
Darcy Brega Filho, vimos deixar dade média; (ii) um cenário es-
guardar o excesso de água dos
claro que: meses chuvosos para uso nos tacionário, onde são observados
1. A região sudeste sofreu com meses de estiagem. ciclos anuais, sem tendência.
um longo período de poucas 7. Mas voltando ao item 3... Atenciosamente,
chuvas anuais, que acabaram quando do retorno da norma- Paulo Canedo (UFRJ/Coppe)
deixando os reservatórios das hi- lidade pluviométrica média da
drelétricas em situação precária região sudeste, a região do al- ■ Estamos montando uma sala
(baixo volume armazenado). tíssimo Paraíba não recebeu as “verde” na Secretaria de Meio
2. Assim, em 2001, houve a ne- chuvas que caíram por quase
cessidade de iniciar um processo Ambiente de Osasco e precisa-
todo o sudeste. Com isso, a bacia mos urgentemente de revistas,
de racionamento de energia, de não conseguiu reservar o exces-
modo a evitar o colapso dos re- livros, etc. Seria muito importan-
so de água do período chuvoso e
servatórios. te que tivéssemos uma assinatura
os reservatórios do Paraíba não
3. Com o retorno da normali- conseguiram recuperar sua acu- da revista Saneas… Há possibili-
dade pluviométrica, os reserva- mulação para níveis aceitáveis. dade dessa doação?
tórios da região sudeste recupe- Ao contrário, continuaram em Um grande abraço,
raram parcialmente seu nível de estado crítico, com tendência Corina Ribeiro
reservação de água, com exceção negativa.
dos reservatórios da cabeceira do 8. Em, resumo: (i) A bacia do Pa- Infelizmente não fazemos doa-
Paraíba do Sul. Vale ressaltar que raíba do Sul vem sendo maltra- ções, mas o conteúdo da revista
houve chuvas normais no médio e tada ao longo das últimas déca- está disponível no endereço www.
baixo Paraíba, mas nesses trechos das pela ação antrópica, gerando aesabesp.com.br
não há importantes reservatórios uma crônica e crescente critici-
de acumulação e não se consegue dade hídrica para a região. (ii) A ■ Antes de mais nada gostaria
estocar água para a estiagem. bacia sofreu uma aguda e severa de parabenizá-los pela Revista,
4. A bacia do Paraíba do Sul tem (e longa) falta de chuvas nas ca- creio que o primeiro periódico
uma demanda de água superior beceiras. nacional realmente dedicado ao
à disponibilidade natural do rio. 9. Eu não tive acesso ao referi-
Isto é, essa demanda pode ser su- desenvolvimento sustentável. A
do trabalho do pesquisador do próxima edição vai abordar um
prida nos meses de chuva (de no- INPE. É possível que sua análise
vembro à março) e não pode ser tema muito importante, e creio
refira-se a estacionaridade da sé-
suprida nos demais meses. que, claro, para poucos: a impor-
rie temporal de chuvas. Se assim
5. Portanto, a bacia do Paraíba for, talvez a conclusão do pes- tância do engenheiro para o de-
depende dos reservatórios de quisador seja de que não há ten- senvolvimento sustentável (esse
regularização, que estão locali- dências de diminuição de chuvas seria inclusive um tema impor-
zados numa pequena região do na bacia. O que não implica em tante para um seminário).
altíssimo Paraíba. impedimentos de haver ciclos de Encaminho em anexo minha
6. Infelizmente, o desmatamento anos com pouca chuvas e anos tese de doutorado, sobre deen-
da bacia, as erosões superficiais volvimento sustentável, apresen-
tada à Escola de Engenharia de

Saneas
São Carlos/USP, para eventual
publicação.
Antecipadamente agradeço e
coloco-me à disposição para os
As solicitações de assinatura da revista SANEAS deverão ser encaminhadas
possíveis esclarecimentos/altera-
para a Associação dos Engenheiros da Sabesp (AESABESP) no endereço
ções/correções.
aesabesp@aesabesp.com.br. Deverão constar nome, e-mail, endereço, CEP, Atenciosamente,
cidade e estado do assinante. Valor: R$ 90,00 por 6 edições. Eng. Geisa Paganini De Mio

Envie seus comentários, críticas ou sugestões para o Fundo Editorial da Agradecemos o envio do ma-
AESABESP pelo endereço aesabesp@aesabesp.com.br terial. Ele será submetido à
avaliação da equipe do Fundo

6 – Saneas / abril 2005


OPINIÃO
PONTO DE VISTA

Sustentabilidade e
transdisciplinaridade
Apelo a cientistas e engenheiros
para lograr sociedades sustentáveis

Ubiratan D’Ambrosio 

A organização não gover-


namental INES [Inter-
national Network of Scientists
dos de conhecimento, transcendendo as cultu-
ras e as disciplinas.
Os engenheiros e cientistas signatários da
and Engineers for Global Res- Declaração da INES fazem um apelo para que
ponsibility] publicou, no seu seus colegas desenvolvam ações com esse foco.
Newsletter de Outubro de O texto da declaração pode ser encontrado no
2004, uma Declaração que é site http://www.inesglobal.org.
um apelo aos engenheiros e
cientistas para se lograr socie- Sistemas de conhecimento
dades sustentáveis. Neste trabalho vou examinar o conceito de
A Declaração começa re- análises e práticas reducionistas e fazer uma
conhecendo que o conceito proposta na direção apontada como necessária.
de sustentabilidade é baseado O sistema de conhecimentos dominante,
 Doutor em Matemática pela
em valores e no sistema de co- denominado Ciência Moderna e que se desen-
Universidade de São Paulo e Professor nhecimentos que deve focali- volveu a partir das culturas mediterrâneas, ca-
Emérito da Universidade Estadual de zar harmonia com a natureza e racteriza-se por ter aprofundado uma percep-
Campinas não domínio sobre a natureza. ção do cosmos, do planeta e da natureza que
Qualquer análise global do es- vê os seres humanos como uma espécie privile-
tado do mundo nos mostra que giada, detentores de razão. Esse conhecimento
a prática corrente de domínio sobre a natureza é acarreta um comportamento ditado por privi-
falida e conduz ao colapso total do planeta. légios. Os vários corpos de conhecimento, es-
Um processo de desenvolvimento objeti- truturados segundo a dimensão racional, pas-
vando sustentabilidade deve tomar em consi- saram a ser denominados ciências, que acabou
deração os seguintes pontos: sendo identificada com conhecimento. As de-
• Proteção da integridade da biosfera; mais dimensões comparecem no que são cha-
• Uso eficaz de recursos; madas as tradições.
• Auto-dependência; A civilização ocidental tem privilegiado o
• Democracia participativa; existencial e o factível e construído sistemas de
• Comércio justo; conhecimento visando sua sobrevivência.
• Paz e não-violência. As próprias ciências e a tecnologia, que é
hoje chamada tecnociência, criaram os instru-
Paradoxalmente, ciência e tecnologia ofere- mentos que possibilitam antever o perigo de
cem os instrumentos que permitem atingir to- extinção da espécie. A alternativa de uma es-
dos esses pontos, mas temos visto que a ciência pécie modificada, que tem sido contemplada
e a tecnologia têm tido conseqüências opostas. na ficção, é hoje uma possibilidade.
A que se atribui isso? As ciências e, conse- Pergunta-se porque esse roteiro na busca do
qüentemente, a tecnologia atingiram seu está- conhecimento ocidental chegou a perspectivas
gio de desenvolvimento graças a análises e prá- tão assustadoras? Pura e simplesmente, porque o
ticas reducionistas, favorecendo, assim, uma caminho da humanidade não tem tido sucesso?
percepção selecionadora dos problemas e, por-
tanto, a especialização. O que se nota é que as Das disciplinas à transdisciplinaridade
soluções propostas não atingem a meta essen- É na história do conhecimento que vamos
cial de um enfoque integrado. Faz-se necessá- identificar as distorções e os novos caminhos
ria uma reorientação das ciências e da tecnolo- possíveis. Obviamente, essa história não pode
gia, baseada numa integração dos vários mo- se restringir a uma visão parcial, epistemolo-

Saneas / abril 2005 – 7


Ponto de Vista

gicamente comprometida. Torna-se ilusão de omnipotência e de omnis- naridade e da interdisciplinaridade.


assim necessário o diálogo que co- ciência. Exigem uma visão transdisciplinar
meça a se abrir entre as ciências e as Há limites para o conhecimento? do conhecimento.
tradições. Haverá a possibilidade de um siste-
A primeira lição que aprendemos ma total de conhecimento ou, como A transdisciplinaridade leva o
da história é que a busca de sobre- costumam dizer os físicos, de uma indivíduo a tomar consciência da
viver se complementa com a busca teoria de tudo? essencialidade do outro e da sua in-
de transcender o existencial (passa- Mas mesmo na prática interdis- serção na realidade social, natural e
do e futuro) e o factível (explicável ciplinar, que hoje, com raras ex- planetária, e cósmica. Uma conse-
e inexplicável). A busca de compre- ceções, está presente na pesquisa qüência imediata da essencialida-
ensão do mundo na sua integrali- científica, e que procura explicações de é que a inserção só pode se dar
dade exige que as dimensões de so- finais, não se supera a angústia da através de um relacionamento de
brevivência e de transcendência se ameaça de extinção que pesa sobre respeito, solidariedade e coopera-
complementem. a humanidade. ção com o outro, conseqüentemen-
A organização atual dos diversos Haverá a possibilidade de outras te com a sociedade, com a natureza
corpus de conhecimento repousa opções além da interdisciplinari- e com o planeta, todos e tudo inte-
nas disciplinas, caracterizadas pelo dade? Não se pode excluir a pos- grados na realidade cósmica. Esse é
desenvolvimento de métodos espe- sibilidade de existirem outros sis- o despertar da consciência na aqui-
cíficos para conhecer objetos de es- temas de conhecimento nos quais sição do conhecimento. A grande
tudo bem definidos. a fragmentação do saber não tenha transformação pela qual passa a hu-
Rapidamente, o conhecimento sido tão rígida quanto o que vemos manidade é o encontro do conheci-
disciplinar mostrou-se insuficiente no sistema de conhecimento oci- mento e da consciência.
para lidar com os complexos fenô- dental. Esses sistemas de conheci-
menos da realidade e pratica-se um mento, sobreviventes em algumas A proposta da
modelo multidisciplinar, no qual sociedades, muitos aprimorados, transdisciplinaridade
se procura reunir resultado obti- outros desfigurados pela exposição Qual a oportunidade que a aca-
dos mediante o enfoque disciplinar com a civilização ocidental, encon- demia tem tido de refletir sobre
para lidar com situações mais com- tram-se nas tradições. É bem pos- essas questões? É possível que o
plexas. Igualmente, o enfoque mul- sível que esses sistemas poderão “Fórum de Ciências e Cultura da
tidisciplinar foi incapaz de explicar contribuir para a superação do im- UNESCO”, que se reuniu em Vene-
e de lidar com o crescente reconhe- passe existencial. za em 1986, tenha sido a primeira
cimento da complexidade dos fenô- Do encontro das ciências e das grande oportunidade de se propor
menos naturais e sociais. tradições resultam transformações uma visão transdisciplinar. O tema
É curioso notar que a partir de profundas dos sistemas de expli- do fórum, “Encontro das Ciências
uma visão global dos fenômenos foi cações. Essas transformações têm e das Tradições”, e a composição de
proposta a organização disciplinar sido notadas no desenvolvimento sua participação foram, inegavel-
dos conhecimentos e imediatamente científico e tecnológico, nos siste- mente, fatores essenciais para uma
a multidisciplinar. Esse próprio en- mas de comunicação e de transpor- nova postura com relação ao co-
foque criou a possibilidade de se re- te, nos meios de produção e no pró- nhecimento. A Declaração de Ve-
conhecer a complexidade dos fenô- prio conceito de propriedade. Um neza, que foi um resultado do Fó-
menos, que resistiam aos métodos questionamento freqüente se refe- rum, abriu as possibilidades de re-
das várias disciplinas isoladamente. re à universalidade dessas transfor- flexões transdisciplinares.
Surge então a interdisciplinari- mações. Há indicadores de que esse Claro que a transdisciplinarida-
dade, na qual não apenas se trans- encontro é efetivamente um mo- de não constitui uma nova filoso-
ferem e se combinam resultados de vimento planetário, prenúncio de fia, nem uma nova metafísica, nem
algumas disciplinas, mas também uma civilização planetária. uma ciência das ciências e, muito
se combinam métodos de várias O conhecimento é então encara- menos, uma nova postura religiosa.
disciplinas e, conseqüentemente, do como modos, estilos, técnicas de Nem é, como muitos insistem em
se identificam novos objetos de es- explicar, de conhecer, de lidar com a mostrá-la, um modismo. O essen-
tudo. Chega-se assim a possibilida- realidade como ela se manifesta em cial na transdisciplinaridade reside
des de explicações de inúmeros fe- distintos ambientes naturais e cul- numa postura de reconhecimento
nômenos e de realizações notáveis. turais. Obviamente, esses modos, que não há espaço e tempo culturais
Os espantosos avanços das ciências estilos e técnicas não se realizam privilegiados que permitam julgar e
e da tecnologia, produto da inter- no modelo disciplinar, nem mesmo hierarquizar, como mais correto ou
disciplinaridade, dão ao homem a nos seus variantes da multidiscipli- mais certo ou mais verdadeiro, com-

8 – Saneas / abril 2005


Ponto de Vista

plexos de explicação e convivência cimento incontestável do poder as- perspectiva de futuro para a huma-
com a realidade que nos cerca. Ao sociado a detentores desses conheci- nidade, através de uma ética total.
reconhecer que não se pode atingir mentos fragmentados, podendo as-
um conhecimento final e, portanto, sim agravar a crescente iniqüidade O princípio essencial: restabe-
dever estar em permanente evolu- entre indivíduos, comunidades, na- lecer a integridade do homem e do
ção, a transdisciplinaridade repou- ções e países. Além disso, o conhe- conhecimento, integrando sensorial
sa sobre uma atitude aberta, de res- cimento fragmentado dificilmente + místico + emocional + intuitivo +
peito mútuo e, mesmo, humilda- poderá dar a seus detentores a capa- racional na totalidade mente + cor-
de, com relação a mitos, religiões e cidade de reconhecer e enfrentar os po + cosmos mediante a ética da di-
sistemas de explicações e conheci- problemas e as situações novas que versidade: respeito, solidariedade e
mentos, rejeitando qualquer tipo de emergem de um mundo cuja com- cooperação.
arrogância e prepotência. A trans- plexidade natural acrescenta-se a
disciplinaridade é, na sua essência, complexidade resultante desse pró- Para ler mais:
transcultural. Exige a participação prio conhecimento transformado • Ubiratan D’Ambrosio; Transdisci-
de todos, vindo de todas as regiões em ação, que incorpora novos fatos à plinaridade, Editora Palas Athe-
do planeta, de tradições culturais e realidade, por meio da tecnologia. na, São Paulo, 1997.
formação e experiência profissional Eliminar arrogância, inveja, pre- • Ubiratan D'Ambrosio (organiza-
as mais diversas. potência e adotar respeito, solidarie- dor): Declarações dos Foruns de
A essência da proposta transdis- dade, cooperação é a idéia de base Ciência e Cultura da UNESCO
ciplinar parte de um reconhecimen- na busca do conhecimento trans- (Veneza, Vancouver e Belém e a
to que a atual proliferação das disci- disciplinar. Busca-se um pacto mo- Carta da Transdisciplinaridade),
plinas e especialidades acadêmicas e ral entre todos os homens definiti- Textos Universitários, Editora da
não-acadêmicas conduz a um cres- vamente interessados numa nova Universidade de Brasília, 1994. ■

O engenheiro que o futuro demanda


Construtor de sonhos incorporado
ao desenvolvimento sustentável

Nelson Luiz Nucci 

N as primeiras lições relativas


ao ambiente aprende-se que o
ambiente é composto de três seg-
Até recentemente, e por razões
que muitas dissertações e teses aca-
dêmicas poderão explicar (e até já
mentos: o físico, o biológico e o podem ter explicado) – todas elas
sócio-econômico (assim mesmo, o subordinadas à cultura então con-
social e o econômico agrupados). temporânea – o que se constata há
Original e até etimologicamente mais de um século e provavelmen-
o profissional de engenharia sem- te ainda como um reflexo da eco-
pre foi tido como alguém capaz de nomia industrial, é a vigência de
 Professor aposentado da Escola usar o engenho na solução dos pro- um padrão mundial de formação e
Politécnica da USP e diretor da JNS blemas que enfrenta. Porém, mes- de atuação do engenheiro, voltadas
Engenharia Consultoria e Gerenciamento.
mo sem ter a exclusividade do uso para a aplicação de seu engenho ao
do engenho, do engenheiro espe- ambiente físico. Não por acaso essa
ra-se que esteja entre os profisio- formação baseia-se muito no inten-
nais mais habilitados para utilizá- so aprendizado em ciências exatas,
lo sistematicamente nos seus encar- obviamente sob o pressuposto par-
gos de construir soluções. Assim foi cial, oportunista, talvez, e hoje re-
no passado, assim continua sendo e conhecidamente errôneo, que os
assim deve permanecer no futuro, fenômenos e processos do meio fí-
tanto mais quanto mais complexas sico pudessem ser entendidos e as
se tornem as soluções a construir. ações nele implementadas pudes-

Saneas / abril 2005 – 9


Ponto de VIsta

sem ocorrer independentemente de bora esta tendência esteja em parte Esse novo engenheiro estará então
processos com origem e explicação presente em algumas das reformas inaugurando uma nova época para
nos meios biológico e sócio-econô- de curriculos mais recentes(como é a engenharia, aquela em que atua-
mico. o caso por exemplo da Escola Poli- rá respeitando as restrições e bene-
Esse padrão de formação e de técnica da USP). No campo da re- ficiando-se das facilidades do meio
atuação teve sucesso enquanto as gulamentação da profissão do en- ambiente tratado na sua integrali-
reações dos ambientes biológico e genheiro anda-se mais lentamente dade. Será então coerente com as
sócio-econômico, em resposta aos e há um longo caminho a percorrer conceituações da cultura contem-
impactos de intensidade crescente para permear a engenharia das con- porânea da busca de sustentabilida-
que sofriam, não foram suficientes quistas da consciência da integrali- de da biosfera, mas com um desta-
para inviabilizar os resultados obje- dade ambiental. que de importância transcendental:
tivados pela engenharia. Na busca de maiores avanços há os fatores que põem em risco essa
Mede-se em décadas o perío- duas considerações adicionais que, sustentabilidade, ou seja, os pro-
do em que essas reações começa- podendo ser consideradas utopias, venientes do segmento sócio-eco-
ram a criar massa crítica para ge- possivelmente são apropriadas ao nômico, estarão sendo gerencia-
rar a institucionalização de balisas espírito exploratório e instigador de dos em conjunto com os demais e
restritivas às ações comprometedo- uma seção como este Ponto de Vista. a construção das soluções feitas sob
ras do ambiente na sua integralida- A primeira é otimista e vem de esta nova égide.
de. Iniciadas mais claramente pelas uma sensação com pretensões de Dessa utopia atual à realidade
reações às agressões ao meio bioló- profecia. A atuação do novo enge- a ser construída há um longo ca-
gico, tornaram-se tão ou mais im- nheiro que virá, continuará sendo minho a percorrer. Como enge-
portantes ao atingir o meio sócio- solidamente alicerçada no segmen- nheiros podemos ajudar a cons-
econômico, mercê da extensão das to físico, se estendará ao segmento truí-la identificando necessida-
conquistas do regime democrático biológico já após nele ter concluido des e instrumentos para supri-las.
a contingentes maiores da huma- o seu atual estágio de noviciado e, Mais imediatamente no campo da
nidade. Da postura restritiva foi-se inexoravelmente, vai ter que aden- formação do engenheiro. Em con-
evoluindo até os estágios de formu- trar e aprofundar-se no sócio-eco- junto com a sociedade, participan-
lação crescentemente mais sólidos e nômico. do das discussões, visando as ava-
consequentes do “desenvolvimento A segunda é desafiante e consti- liações e todas as demais etapas de
sustentável”, que hoje ocupa tanto tui-se em um alerta para as decor- sua implementação.
espaço na mídia. rências da ausência do profissional O maior estímulo para percor-
As respostas da sociedade a essa com o perfil adequado para a cons- rer esse caminho sempre será o dos
consciência que levou-a à bandei- trução de soluções em uma conjun- compromissos de cidadania. Há
ra do desenvolvimento sustentável tura de crescentes complexidades também um outro, bem próximo de
já se concretizaram sobre diferen- para construi-las. Ou o profissional nossa realidade diária: o provenien-
tes formas: dispositivos constitucio- que sempre cumpriu esse papel se te das crescentes frustrações e sen-
nais e legais, políticas públicas, no- adapta a elas ou então tende a sumir timentos de impotência vividos na
vos referenciais de gestão e uma sé- e perder importância e a ser subs- implantação de empreendimentos
rie de instrumentos como os RAP’s, tituido por um outro, improvisado essenciais da engenharia sanitária
os EIA/RIMA’s, etc.. As decorrên- para cumprir uma função tradicio- ao serem obstaculizados pelos equí-
cias dela no âmbito do ensino e for- nalmente delegada ao engenheiro e vocos trazidos de sua própria ori-
mação do profissional de engenha- hoje exercida precariamente devido gem ou gerados durante o processo
ria também se concretizaram, em às insuficiências de sua formação e de sua discussão pública e licencia-
dois momentos diferentes, há quase aptidão. mento, por abrangerem de forma in
três décadas com a criação de dis- No exercício de sua função de suficiente aspectos do mundo bio-
ciplina obrigatória de introdução à construtor de soluções, o novo en- lógico e especialmente sócio-eco-
engenharia ambiental, há meia dé- genheiro estará dependendo essen- nômico (neste incluido, obviamen-
cada com a discussão dos primeiros cialmente de uma aptidão também te, o político). São vários e doloro-
cursos de graduação em engenha- nova: atuar com o meio sócio-eco- sos os exemplos em nossas memó-
ria ambiental. Porém não chegaram nômico. Aí, a par da eficácia e de- rias recentes, para que esqueçamos
ainda à focalização global do ensino sembaraço que a sociedade lhe re- dos sistemas produtores, dos siste-
à totalidade dos conhecimentos en- conhece a tempos para lidar com o mas de tratamento e disposição, etc,
volvidos na necessidade de construir meio físico, dele também serão exi- etc., que não “emplacaram” ou que
soluções abrigando adequadamente gidas a capacidade de lidar com o demandaram prazos de “emplaca-
os três segmentos ambientais, em- meio biológico e sócio-econômico. mentos” insuportáveis. ■

10 – Saneas / abril 2005


MEIO AMBIENTE

Projeto de Educação Ambiental


Gleba do Pêssego
Engenheiros: Célia Maria Machado Ambrozio; César Lima de Paula; Paulo Roberto
Bonanno; Biólogo John Emílio Tatton; Administradora Marta Amélia de Oliveira
Campos; Geógrafo Renato Benito Felippe Junior; Publicitária Vasti Ribeiro Facincani

Aerofoto da Gleba do Pêssego, zona leste da Região Metropolitana de São Paulo.

A habitual depredação dos equipamentos


assentados para saneamento básico em re-
giões de baixa renda, aliada à necessidade de
Pêssego, compreendido na 2ª etapa do Plano
de Despoluição do Rio Tietê, na Região Me-
tropolitana de São Paulo. A medida pretende
cumprimento das exigências ambientais dos compensar os impactos gerados ao meio bi-
órgãos de licenciamento, propiciou a parceria ótico na fase de implantação do empreendi-
da Sabesp com a Associação de Moradores da mento, como supressão de vegetação nativa e
Gleba do Pêssego para a implementação do intervenção em Área de Preservação Perma-
Projeto de Educação Sanitária e Ambiental. nente. Aprovado pela Coordenadoria de Pla-
Este projeto nasceu como medida de compen- nejamento Ambiental Estratégico e Educação
sação ambiental proposta pela Sabesp e apro- Ambiental (CPLEA), o projeto foi desenvolvi-
vada pelo Departamento Estadual de Proteção do entre maio e outubro de 2003 e contou com
de Recursos Naturais do Estado de São Paulo a parceria dos representantes da comunidade
(DEPRN), no processo de licenciamento do antes, durante e depois da implantação do em-
Sistema de Esgotamento Sanitário Gleba do preendimento.

Saneas / abril 2005 – 11


Meio Ambiente

importância da preservação da APA do Car-


mo, por meio de educação sanitária e ambien-
tal, durante as diversas fases da implantação do
sistema de esgotamento.

Público Pretendido
A comunidade do Loteamento Profilurb Gle-
ba do Pêssego, por meio de 60 multiplicadores.

Conteúdo e Metodologia
O projeto abordou temas ambientais direta-
mente associados ao saneamento básico, des-
tacando aspectos específicos da comunidade
atendida.
Após a identificação dos agentes multipli-
cadores, foi formado um grupo composto por
Vista da Área pessoas inseridas nas atividades comunitárias
de Proteção Situado na porção leste do município de São do bairro, como: voluntários, conselheiros,
Ambiental do Paulo, em Área de Proteção Ambiental (APA), o gestores de saúde, diretoria da AMGP e téc-
Carmo, onde se loteamento da Gleba do Pêssego é fruto de luta nicos responsáveis pelos diversos equipamen-
localiza a Gleba
do Pêssego
organizada por conquista de moradia na capital tos sociais ali instalados, como escola, creche,
paulista. A ocupação, ocorrida nos anos de 1982 Infocentro e unidade básica de saúde. Supe-
e 1983, foi o local encontrado pela Cohab para rando as expectativas, o projeto teve compa-
assentar as 800 famílias despejadas do Jardim recimento médio de 70 agentes. Os multipli-
São Paulo, no extremo leste do município. As cadores construíram uma rede de comunica-
cerca de 150 famílias foram assentadas em mo- ção para disseminar as informações repassa-
radias construídas por mutirão. As demais, após das pela Sabesp e captar as dificuldades e fa-
a urbanização da área e o recebimento dos lotes, lhas durante a realização do projeto, permi-
construíram suas residências por conta própria. tindo intervenções rápidas.
Em 2003, a Gleba do Pêssego era constituída por O projeto foi estruturado em seis encontros
1.672 famílias, totalizando 6.517 habitantes. mensais, com duração de duas horas cada, to-
Conforme determina a lei estadual nº talizando 12 horas de atividades, distribuídas
6.409/89, regulamentada pelo decreto nº em nove horas de palestra, uma hora de práti-
37.678/93, a Gleba do Pêssego está compreen- ca de campo e duas horas de visita técnica. Nos
dida na “Zona E” da APA Parque e Fazenda do encontros foram utilizados recursos audiovi-
Carmo, ora denominada APA do Carmo. suais, distribuído material institucional e ins-
A forte articulação e conscientização da co- trucional e aplicados questionários de avalia-
munidade são evidenciadas na Associação dos ção de reação. A partir do segundo encontro,
Moradores da Gleba do Pêssego (AMGP), que o resultado da avaliação do encontro anterior
integra o Conselho Consultivo da APA do Car- passou a ser apresentado antes da palestra. O
mo e o Fórum para Desenvolvimento da Zona cronograma foi estabelecido em parceria com
Leste. As implantações do planetário no Par- os agentes multiplicadores. Em cada encontro,
que do Carmo e do campus da Universidade de um engenheiro do Departamento de Empreen-
São Paulo na região leste são lutas das quais a dimentos da Sabesp, responsável pela fiscaliza-
Associação participou. Também entre as rei- ção da obra, dirimia as dúvidas da comunidade
vindicações, constava o projeto de sistema de sobre o andamento do empreendimento.
esgotamento sanitário para o bairro, que com- Resultados
preende 5.320 m de rede coletora com diâme- A implantação do projeto atingiu as expec-
tro de 150 mm, em PVC; 1.940 m de linha de tativas da Sabesp referentes ao atendimento às
recalque; 6 estações elevatórias e 750 ligações exigências ambientais e à sensibilização para
domiciliares com diâmetro de 100 mm. a conservação do empreendimento implanta-
do. O projeto foi divulgado em diversos canais
Objetivos de comunicação interna da Companhia, na pá-
Demonstrar à comunidade como utilizar gina eletrônica e também constou do Balanço
o bem público recebido e sensibilizar sobre a Social da Sabesp, ano de 2003.

12 – Saneas / abril 2005


Meio Ambiente

Avaliação de Processo
Foi realizada a partir da tabulação das ava-
liações de reação respondidas pelos agentes
multiplicadores ao término de cada encontro.
Foram avaliados: o desempenho do palestran-
te, o conteúdo e a duração da palestra, os re-
cursos didáticos utilizados e os pontos fortes
e fracos do trabalho. As sugestões de melhoria
foram incorporadas no decorrer do processo.
Os resultados obtidos na avaliação de reação
de cada encontro foram repassados ao público
na palestra subseqüente. A média de aprovação
do projeto ficou acima de 80 %.

Avaliação de Eficácia
Será realizada por meio da avaliação da
quantidade de desobstruções dos ramais do-
miciliares e da rede coletora em quatro datas, Reunião dos moradores

Atividades Realizadas
Data e Local Tema e Responsável Conteúdo
1º (mai/2003) Palestra: A Importância do SES e a • Ganhos ambientais e de saúde pública decorrentes das obras de
Proteção da APA do Carmo. saneamento.
SESC Itaquera • Visão sanitária e ambiental da bacia hidrográfica do Alto-Tietê.
John E. Tatton, Sabesp • Proteção das Áreas de Restrição à Ocupação, determinadas pelo
zoneamento da APA do Carmo.
2º (jun/2003) Palestra: PURA: Programa do Uso • Conscientização sobre a necessidade de conservação da água
Racional da Água. disponível para garantir o abastecimento da população da Região
Sede da AMGP Metropolitana de São Paulo, visando mudança de hábitos e vícios de
Kleberson Alves Gomes e José desperdício.
Aparecido da Silva, Sabesp
3º (jul/2003) Palestra: PURE: Programa de Uso • Utilização correta das redes coletoras e respectivos ramais
Correto da Rede de Esgoto. domiciliares de esgoto.
Sede da AMGP • Conservação das estações elevatórias de esgoto.
Marta Amélia de Oliveira Campos,
Sabesp
4º (ago/2003) Palestra: Relação Custo-Benefício: • Relação custo-benefício entre investimento em saneamento e a
Esgotamento Sanitário e qualidade de vida.
Sede da AMGP Qualidade de Vida • Programas de promoção à saúde: impactos diretos dos
investimentos em saneamento para saúde pública.
Dr. Afonso C. Neves e Dr. Nacime • Coleta e reciclagem de lixo.
Salomão Mansur, Escola Paulista • Programa de qualidade ambiental em hospitais
de Medicina e Associação Popular
de Saúde
5º (set/2003) Palestra: Paisagismo nas Estações • Atendimento à solicitação do órgão ambiental para revegetação
Elevatórias de Esgoto. da área objeto da intervenção.
SESC Itaquera • Funções da vegetação nativa e sua importância ecológica.
Prática de Campo: Visita ao Viveiro • Instrução para plantio e manutenção de espécies nativas utilizadas
de Mudas. no paisagismo das estações elevatórias de esgoto.
• Aula prática de plantio de espécie nativa em área do viveiro de
Célia M. M. Ambrosio, Sabesp mudas.
e Coordenação de Gestão
Ambiental, Sesc Itaquera.
6º (out/2003) Visita Monitorada: Estação de • Importância e funcionamento de uma Estação de Tratamento
Tratamento de Esgoto de Esgoto.
ETE Parque Novo
Mundo Paulo Roberto Bonanno, Sabesp Observação: este encontro foi incluído por solicitação da Associação
dos Moradores da Gleba do Pêssego durante a execução do projeto.

Saneas / abril 2005 – 13


Meio Ambiente

xão sobre a relação existente entre saneamento


ambiental, saúde pública e preservação dos re-
cursos naturais.

Referência Bibliográfica
1. Estudos de Concepção e Elaboração de Pro-
jeto Básico das Redes Coletoras de Esgotos da
Gleba do Pêssego – Hydraplane Planejamento
e Consultoria S/C Ltda - Volume 1 – Outubro
de 1999.
2. Compêndio das Ações em Educação Am-
biental da Vice-Presidência Metropolitana de
Distribuição - Sabesp - São Paulo - 2002.
3. Orientador para Educação Ambiental - Su-
perintendência de Planejamento Técnico e
Meio Ambiente - Sabesp - São Paulo - 2002.
4. Orientações Técnicas para Formulação e
Moradores
preenchem a partir do início de operação do sistema: 60, Detalhamento de Projetos de Educação Am-
questionário de 120, 180 e 240 dias. Esses dados deverão ser biental – Coordenadoria de Educação Am-
avaliação das extraídos do Relatório Operacional da Unida- biental – SMA – São Paulo – 2003.
atividades de de Negócio Leste da Diretoria Metropoli- 5. Termo de Referência para a Elaboração de
tana da Sabesp e apresentados aos multiplica- Programas e Detalhamento de Projetos de
dores por meio da Unidade de Negócio Leste Educação Ambiental junto ao FEHIDRO - Co-
e da AMGP. Pretende-se com isso identificar ordenadoria de Educação Ambiental – SMA –
junto à comunidade os problemas existentes e São Paulo – 2003.
dar subsídio à realização das melhorias diag- 6. Extrato do documento entregue à Faculda-
nosticadas. de de Saúde Pública pela gerente da Unidade
de Saúde da Família “Vicente Fiuza da Costa”,
Conclusões por ocasião da avaliação da participação no
A educação ambiental, a exemplo do projeto curso para Gerentes de Unidades do SUS.
realizado na Gleba do Pêssego, pode ser adota- 7. Termo de Referência para Execução do Pro-
da em demais obras de saneamento, pois com- grama Prosanear – Projeto Educação Ambien-
provou ser importante instrumento de partici- tal e Social junto a Caixa Econômica Federal
pação e de sensibilização da comunidade para – São Paulo.
Plantio de a valorização, conservação e correta utilização 8. Programa de Educação Ambiental da APA
árvore: uma do bem recebido. A experiência também com- do Carmo – EducAPA.
das atividades provou a eficácia da educação ambiental na
do projeto sensibilização da comunidade para uma refle- Agradecimentos
 Wilson Fiúza, da Associação dos Morado-
res da Gleba do Pêssego – AMGP;
 Associação Popular de Saúde – APS;
 Adoración de Castro, do Programa Saúde
da Família Vicente Fiúza da Costa – Equipes
de Saúde da Família;
 Núcleo de Educação Ambiental da Diretoria
Metropolitana da Sabesp – NEAM.
 Kleberson Alves Gomes e José Aparecido
da Silva, Sabesp – Unidade de Negócio Leste
 Nacime Salomão Mansur e Afonso C. Ne-
ves, Escola Paulista de Medicina e Associação
Popular de Saúde;
 Conselho Gestor da APA do Carmo
 Eng. Cláudio Hissashi Kuada, Sabesp – De-
partamento de Empreendimentos ■

14 – Saneas / abril 2005


OPINIÃO
LEGISLAÇÃO

O impacto da nova resolução


CONAMA 20/86 no setor
saneamento
Paula Márcia Sapia Furukawa 
José Lavrador Filho 

A pós dois anos de discussão, o Conselho


Nacional de Meio Ambiente (CONAMA)
aprovou a revisão da Resolução Conama nº
o objetivo de definir o nível de qualidade (clas-
se) que se deseja alcançar ou manter em um de-
terminado corpo d´água, visando assegurar os
20/86, que foi substituída pela Resolução Co- usos atuais e futuros do mesmo, independente-
nama nº 357 de 17 de março de 2005. mente do seu estado de qualidade atual.
A nova Resolução dispõe sobre a classifica- Até a estruturação do sistema de recursos hí-
ção dos corpos d´água e diretrizes ambientais dricos (Políticas Nacional e Estadual de Recur-
para o seu enquadramento, bem como estabe- sos Hídricos), a competência por essas ativida-
lece as condições e padrões de lançamento de des (classificação, padrões e enquadramentos)
efluentes. Dentre as novidades, destacam-se: era exclusiva do sistema de meio ambiente.
• o conceito de metas progressivas intermedi- Com as Políticas de Recursos Hídricos foram
árias de melhoria da qualidade dos corpos introduzidas algumas diferenças conceituais em
d´água, possibilitando a otimização da apli- relação às Políticas de Meio Ambiente, em es-
cação dos recursos financeiros disponíveis pecial, a determinação da bacia hidrográfica
nos programas de recuperação das bacias como unidade de planejamento, com gerencia-
hidrográficas; e mento integrado, descentralizado e participati-
• a revisão de alguns parâmetros dos padrões vo, visando a compatibilização dos usos da água
de emissão e de qualidade, de forma a melhor com o desenvolvimento regional e a proteção
adequá-los à realidade sócio-econômica do do meio ambiente, garantindo o uso prioritário
país (em especial do setor de saneamento). para o abastecimento público, entre outros.
Entende-se ainda que esta Resolução represen- Essas diferenças evidenciaram a necessida-
ta um marco para a compatibilização da legisla- de de compatibilização entre a legislação am-
ção ambiental e recursos hídricos, principalmen- biental e de recursos hídricos, constituindo-se
te quanto às competências pelo enquadramento e o enquadramento dos corpos d´água, uma das
pela definição das metas de recuperação de quali- principais interfaces entre a gestão ambiental e
dade dos corpos d´água, conforme segue. de recursos hídricos.
Nesse contexto, foi promulgada a Resolução
Enquadramento dos corpos d´água: CNRH nº 12/2000, estabelecendo que o pro-
principal interface entre as legislações cesso de enquadramento dos corpos de água se
ambiental e de recursos hídricos dá no âmbito da bacia hidrográfica, devendo
Para melhor efetividade das ações de preven- estar em consonância com os Planos de Recur-
ção e controle da poluição do meio ambiente, sos Hídricos.
estabeleceu-se, em 1976 no âmbito da legisla- Entende-se, portanto, que a Resolução Co-
ção ambiental, um sistema de classificação dos nama nº 357/05 está intimamente vinculada à
corpos d´água, segundo os usos preponderan- Resolução CNRH nº 12/00, cabendo ao:
tes e associado a condições de qualidade. Ao ato • sistema de meio ambiente: a definição do sis-
de se classificar um corpo d´água denominou- tema de classes e dos padrões de qualidade e de
se de “enquadramento dos corpos d´água”, com lançamento, necessários ao desenvolvimento
 Mestre em Engenharia pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Atua na Sabesp desde
1994 em atividades de planejamento e gestão ambiental.
 Mestre em Engenharia (1987) pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Gerente Corpo-
rativo de Meio Ambiente da Sabesp.

Saneas / abril 2005 – 15


Legislação

sustentável dos recursos naturais; pliações, previstos para esse perío- sável por fontes potencial ou efeti-
• sistema de recursos hídricos: o pro- do. Ainda segundo essa mesma Re- vamente poluidoras, até o dia 31 de
cesso de enquadramento dos corpos solução, o órgão ambiental pode- março de cada ano. O órgão am-
d´ água de forma a assegurar os usos rá, excepcionalmente, autorizar o biental poderá dispensar dessa de-
atuais e previstos, incluindo a defini- lançamento de efluentes acima das claração os empreendimentos de
ção das metas de qualidade para re- condições e padrões estabelecidos, menor potencial poluidor, situação
cuperação dos corpos d´água. desde que observados os requisitos em que se espera que sejam enqua-
constantes dos incisos I a V do arti- drados os empreendimentos de sa-
Novidades da CONAMA go 25 dessa Resolução; neamento, tornando-se importante
357/05 e implicações para o Padrões de qualidade dos cor- a articulação do setor;
setor de saneamento pos receptores de água doce: de Procedimentos até a aprovação
uma forma geral foram incluídos dos enquadramentos: as águas doces
Classificação das águas doces, critérios de toxicidade nas classes serão consideradas classe 2, as salinas
salinas e salobras: houve alteração de água doce 1, 2 e 3 , sendo altera- e salobras classe 1, exceto se as con-
do número de classes, da denomi- dos os limites de alguns metais e or- dições de qualidade atuais forem me-
nação das mesmas e de alguns dos gânicos. Para os rios de classe 4 não lhores, o que determinará a aplicação
usos preponderantes inicialmente houveram alterações. Ainda sobre da classe mais rigorosa corresponden-
previstos; as classe 1 a 3, foi incluído o con- te. Entende-se, portanto, que o proce-
Metas progressivas intermediá- ceito de ambientes lênticos, lóticos e dimento a ser adotado no Estado de
rias: constituí-se na principal inova- intermediários, com alterações nos São Paulo dependerá de interpreta-
ção desta Resolução, devendo ser de- limites de fósforo, passando os limi- ção legal do disposto nessa Resolu-
finidas pelo órgão competente para a tes de nitrogênio amoniacal a serem ção, já que os enquadramentos são de
respectiva bacia hidrográfica e para definidos em função do pH do cor- 1977 (Decreto Estadual 10.755/77).
aqueles casos em que a condição de po receptor;
qualidade dos corpos de água esteja Lançamento de poluentes orgâ- Conclusão
em desacordo com os usos prepon- nicos persistentes (POPs): vetado Com as Resoluções Conama
derantes pretendidos, excetuados os o lançamento dos poluentes men- nº 357/05 e CNRH nº 12/00 estão
parâmetros que excedam aos limites cionados na Convenção de Estocol- aprovados os procedimentos para
devido às condições naturais. Essas mo; enquadramento dos corpos d´água
metas vêm ao encontro das necessi- Zona de mistura: incluído esse e para definição das metas de pro-
dades do setor de saneamento, uma conceito, ou seja, região do corpo gressivas intermediárias, funda-
vez que poderão possibilitar a im- receptor onde ocorre a diluição ini- mentais para otimização da apli-
plantação das Estações de Tratamen- cial de um efluente e na qual o ór- cação dos recursos financeiros nos
to de Esgotos (ETEs) em etapas, des- gão ambiental competente pode- programas de recuperação de ba-
de que aprovadas pelos Comitês de rá autorizar valores em desacordo cias hidrográficas, incluído investi-
Bacia e compatíveis com os demais com os estabelecidos para a respec- mentos em saneamento básico. No
usos da água; tiva classe de enquadramento, des- entanto, a efetiva implementação
Padrões de emissão de efluen- de que não comprometam os usos dessas Resoluções dependerá de
tes: as maiores alterações foram a previstos para o corpo de água; forte articulação do setor de sane-
inclusão de critérios de toxicida- Vazão de referência: incluído amento junto aos Comitês de Bacia
de e a flexibilização do limite de esse conceito em substituição à va- para a elaboração dos Programas
nitrogênio amoniacal que passou zão Q7,10 prevista na versão anterior; de Efetivação de Enquadramento e
de 5 mg/l para 20 mg/l, viabilizan- Prazo para se adequação às no- no acompanhamento dos trabalhos
do assim a implantação de proces- vas normas: até três anos, a crité- do CONAMA para revisão dos pa-
sos convencionais de tratamento de rio do órgão ambiental competen- drões de lançamento de efluentes.
esgotos amplamente utilizados no te, para os empreendimentos que ti- No Estado de São Paulo, em es-
país, como lagoas de estabilização. verem Licença de Instalação ou de pecial, serão ainda necessárias ações
No entanto, o CONAMA, no prazo Operação, podendo esse prazo, ex- para compatibilização da legislação
máximo de um ano, complemen- cepcional e tecnicamente motiva- estadual às novas regras, a destacar
tará, onde couber, condições e pa- do, ser prorrogado por até dois anos, a revisão do sistema de classes e a
drões de lançamento de efluentes. por meio de Termo de Ajustamento adaptação dos padrões de emissão e
A possibilidade de alteração des- de Conduta; de qualidade ao conceito de metas,
ses padrões gera incertezas quan- Declaração Anual de Carga Po- juntamente com a revisão dos en-
to aos níveis de tratamento a serem luidora: a ser apresentada ao órgão quadramentos previstos na legisla-
adotados nos novos projetos e am- ambiental competente pelo respon- ção vigente. ■

16 – Saneas / abril 2005


OPINIÃO DE CAPA
MATÉRIA

Engenharia: profissão
antiga, perspectivas novas
Liderança e boa comunicação estão entre as habilidades exigidas para o
engenheiro em formação e para aqueles que já ocupam postos de trabalho,
dizem especialistas e profissionais da área. Mas, apesar da competição acirrada
por uma vaga e da necessidade de um profissional com conhecimento amplo
–técnico e humanístico–, a engenharia ainda se mostra um curso completo
para aqueles que querem atuar em frentes diversas, como gerenciamento
administrativo, marketing e mercado financeiro.

F
acilidade de comunicação com a equi- profissional ter uma visão humanística da sua
pe e com seus superiores, espírito de atividade. Ou seja, é necessário ter desenvol-
liderança, desenvoltura para apresentar tura para lidar com questões multidiscipli-
trabalhos, projetos e resultados e habilidade nares. Trata-se de uma situação diferente da
para ser um bom gestor, seja de projetos ou de vista tradicionalmente no setor. Há duas dé-
pessoas. Essas são algumas das características cadas, o engenheiro atuava mais isoladamente
que o mercado vem buscando nos engenhei- e tratava quase que exclusivamente do projeto
ros, independentemente da sua especializa- em si, sem maior envolvimento com as outras
ção, além da forte formação na área técnica. áreas relacionadas.
Especialistas em mercado de trabalho e enge- O engenheiro civil Alceu Guérios Bittencourt,
nheiros com mais experiência vão mais longe diretor da Cia. Brasileira de Projetos e Empreen-
e afirmam que hoje é importante, também, o dimentos (Cobrape) e com grande experiência

Saneas / abril 2005 – 17


Matéria de Capa

em abastecimento de água e saneamento, afir- Além disso, aconteceu um aumento na par-


ma que há alguns anos tudo o que não estava ticipação da sociedade na gestão das políticas
ligado ao projeto diretamente era considerado públicas e que levou às transformações nessa
uma ‘interferência’ – desde uma linha de trans- direção. Bittencourt, que dedicou muitos anos
missão de energia a ser removida até populações de carreira ao setor público, afirma que essa
próximas. “Nos dias atuais, essa situação é mui- experiência o ajudou a ter uma visão ampla da
to diferente”, afirma ele, explicando que, ao lon- sua atividade e a aprender a trabalhar os pro-
go dos últimos anos, os profissionais de enge- jetos de maneira mais aberta, respeitando to-
nharia tiveram de passar a interagir muito mais dos os seus desdobramentos e discutindo isso
com outras áreas, como sociólogos, assistentes com os envolvidos em cada segmento. Nos
sociais, advogados, além dos profissionais técni- seus 25 anos de profissão – primeiro na em-
cos, como arquitetos e geólogos, por exemplo. presa de abastecimento de água e de esgoto de
Osasco, depois como consultor do programa
de saneamento ambiental da Represa de Gua-

Vantagem competitiva para rapiranga –, ele conta que teve a oportunida-


de de atuar em projetos de urbanização de fa-

atuar em outras áreas velas e lidar com solução de problemas, como


a ocupação irregular de terrenos, pobreza ur-
bana, entre outros. E que esta experiência prá-

N a década de 80, uma lanchonete localizada na aveni-


da Paulista ficou famosa, mas não pelo que servia. O
nome, O Engenheiro que virou Suco, sobrevive ao próprio
tica enriqueceu sua formação.
A integração com outras áreas aumen-
ta, também, a necessidade de os engenhei-
estabelecimento, que há muito encerrou suas atividades, e ros aprenderem a trabalhar em equipe. O en-
dá uma pista importante sobre uma realidade vista no mer- genheiro e diretor metropolitano da Sabesp,
cado de trabalho dos profissionais de engenharia. Ou seja, Paulo Massato Yoshimoto, lembra que atual-
eles são muito requisitados por empresas dos mais variados mente ninguém mais pode realizar um traba-
tipos, inclusive bancos e consultorias, para trabalhar nos lho ou encontrar soluções sozinho e depende
departamentos comercial, financeiro ou administrativo. sempre de uma equipe. “Por isso, para ser um
Ao mesmo tempo em que o mercado procura por pes- bom profissional é preciso saber se inter-rela-
soas com um perfil um pouco diferente do convencional cionar, saber se colocar no lugar do outro”, ex-
e que tenha desenvolvido outras habilidades que não ape- plica Yoshimoto.
nas as técnicas, muitas empresas valorizam justamente O diretor da Sabesp lembra que o próprio
esse conhecimento mais específico que as faculdades de ambiente dos grandes centros urbanos dificul-
engenharia dão. A facilidade natural e o desenvolvimento ta que o profissional comece a desenvolver es-
do raciocínio lógico e seqüencial, estimulado pelos cur- sas habilidades ainda na faculdade. “Nas gran-
sos de engenharia, acabam representando uma vantagem des cidades até o relacionamento com os cole-
competitiva para os profissionais da área. gas é difícil, porque um mora em Santo Ama-
De acordo com o consultor na área de recursos huma- ro, na zona sul, outro na Vila Maria, na zona
nos Robert Wong, essas habilidades fazem com que o en- norte”, afirma. Para ele, os alunos de faculdades
genheiro seja muito requisitado no mercado de trabalho, localizadas no interior às vezes têm mais opor-
principalmente por ter feito um curso forte na área téc- tunidade de experimentar o trabalho em equi-
nica na graduação e que facilmente pode ser completado pe e treinar seu relacionamento com as pesso-
com especializações em administração, finanças ou eco- as, principalmente quando mora com outros
nomia. “A engenharia tem muito da ciência exata, por isso colegas. Isso porque, nesta situação, é preciso
o profissional tem facilidade para tomar decisões sobre si- aprender a dividir tarefas e respeitar o espaço
tuações concretas, baseadas em fatos”, explica o consultor. do outro.
Wong afirma ainda que essas habilidades podem ser facil-
mente completadas com um curso de pós-graduação ou Função social e ambiental
de especialização e que a intuição é outro ponto que tam- Mas essas questões não fazem parte ape-
bém vem sendo valorizado, independente da área de atua- nas das discussões corporativas. Estão na esfe-
ção. “O caminho inverso não é possível, ou seja, um advo- ra acadêmica também. A ampliação da atuação
gado ou economista não consegue, apenas com um curso do engenheiro do ponto de vista social é uma
de especialização de dois anos, se tornar um engenheiro”, das bandeiras que vem sendo defendida, por
comenta. exemplo, pelo diretor da Escola Politécnica da
Universidade de São Paulo (Poli-USP), Vahan

18 – Saneas / abril 2005


Matéria de Capa

Foto: Odair Marcos Faria


Agopyan. Para ele, o engenhei-
ro do futuro tem de se preocu-
par mais com as questões so-
ciais e ambientais, tem de bus-
car o aprendizado contínuo
e manter uma postura ética.
“A sociedade brasileira exige
cada vez mais atitudes éticas
dos profissionais de todas as
áreas”, explica Agopyan.
De fato, a Poli-USP, uma
das melhores escolas de en-
genharia do país, vem imple-
mentando mudanças na sua
estratégia de atuação justa-
mente para estimular em seus
alunos essa participação soc
ial. De acordo com o dire-
tor da Poli, na segunda meta-
de do século XX se valorizou demais o enge- Além disso nos últimos anos, a preocupação Novo
nheiro especialista, mas, agora, essa situação com o meio ambiente –e sua preservação– ga- currículo:
conhecimento na
está mudando. “O mercado continua exigin- nhou importância econômica dentro das em- área técnica e na
do os conhecimentos técnicos, mas ele agora presas. E os profissionais, em especial aque- gestão ambiental
tem de se conscientizar da sua função social e les que atuam nas diferentes esferas da enge- fazem parte da
ambiental”, afirma Agopyan. E, independente- nharia, precisam se adaptar a esta realidade. formação do
mente da área da engenharia escolhida, qual- Como? Por meio de cursos de especialização, profissional da
engenharia
quer atividade está sempre interagindo com leitura, se mantendo presente em palestras e
o meio ambiente, que precisa ser respeitado. simpósios da área.

“Na escola ganhei a base técnica, mas foi no meu até hoje defendo muito do que
primeiro emprego que ganhei a prática” aprendi com eles em termos hu-
manísticos. Na escola ganhei a
“Estou formado do de hoje. Havia mui- base técnica, mas foi no meu pri-
em Engenharia Ci- ta oferta de emprego. meiro emprego que ganhei a prá-
vil há 31 anos. Des- Quando me formei na tica. Tive oportunidade de par-
de o segundo grau Escola de Engenharia ticipar de projetos inovadores,
eu já havia escolhi- de Lins tinha umas oito que têm reflexos até hoje na vida
do fazer exatas. Ti- ofertas diferentes de tra- da região metropolitana, como
nha vocação natu- balho. Havia até a opção a elaboração da Lei de Proteção
ral para essa área, de fazer uma pós-gradu- dos Mananciais e os projetos de
mas a vontade era ação no exterior. drenagem da Bacia do Alto Tietê.
de trabalhar na área Acabei escolhendo A criação dos piscinões para re-
de Geologia e Minas. Ainda du- não a melhor proposta financeira, duzir os problemas de enchentes
rante o científico, acabei optando mas aquela que eu acreditava me é uma idéia que já era discutida
pela Engenharia Civil para aten- proporcionaria grande experiência naquela época, em 1976.
der os desejos familiares. Meu e o maior desafio. Fui trabalhar na Depois de sete ou oito anos,
pai queria os filhos engenheiros. Empresa Metropolitana de Planeja- acabei entrando na Sabesp onde
Não me arrependo da escolha. mento da Grande São Paulo, que na sempre trabalhei em atividades
A engenharia é uma área muito época possuía profissionais de alta muito ligadas às questões am-
boa para quem gosta de criar so- competência técnica e que tinham bientais e operacionais. Come-
luções. Além disso, quando ter- grande preocupação em ajudar na cei na empresa na área de plane-
minei a graduação, o mercado formação dos recém-formados. jamento.”
de trabalho era muito diferente Eles foram verdadeiros gurus e Paulo Massato Yoshimoto

Saneas / abril 2005 – 19


Matéria de Capa

Nova visão estratégica e O Poli 2015 é um planeja-


mento de mudanças que devem

reformulação do currículo acontecer dentro da Escola com


o objetivo de melhorar a quali-
dade das atividades de pesqui-

A s mudanças no mercado de
trabalho fazem surgir novos
cursos de graduação e especiali-
Em 1998, foram promovidas al-
terações no currículo, com redução
no número de aulas; retorno do ci-
sa, ensino e extensão. Essas mu-
danças devem ser implementa-
das nos próximos dez anos. “A
zação dentro da engenharia. Um clo básico de matérias, que conti- questão da educação continuada
dos mais recentes é o de Meio nuou com dois anos de duração e começou a ser discutida na USP
Ambiente. As faculdades estão passou a ter apenas as matérias in- em 1973. Na época o conheci-
constantemente fazendo altera- trodutórias do curso, e reforço nas mento se duplicava a cada oito
ções no currículo em razão da disciplinas básicas de ciências da anos, hoje, em algumas áreas da
preocupação de estarem sempre engenharia, como matemática, físi- engenharia isso ocorre a cada 18
atualizadas em relação à realida- ca e química. Em razão da discus- meses”, explica Agopyan, defen-
de das corporações. Na Escola são do novo planejamento estraté- dendo que a universidade tem
Politécnica da USP, por exemplo, gico da Poli, o Poli 2015, está para de estar continuamente se reno-
vêm acontecendo muitas mu- começar o debate a respeito do que vando para acompanhar as no-
danças. é ensinado aos alunos. vidades.

Mais comunicação duação, para ganhar desenvoltura para fazer


O presidente da construtora paulista Mé- uma apresentação, gestão de projetos e para
todo Engenharia, Hugo Marques da Rosa, de- se comunicar. “A questão da comunicação é
fende que os engenheiros têm de melhorar fundamental, porque o colaborador tem de se
sua formação para trabalhar em equipe, lide- comunicar com fornecedores, clientes, par-
rar um grupo ou um projeto. “Muitos não es- ceiros, equipe de trabalho e superiores”, expli-
Mercado em tão preparados para isso quando saem da fa- ca o presidente da Método. Ele lembra ainda
expansão: as culdade”, afirma. Ele explica que quando o en- que em 80% do seu tempo, qualquer profis-
mulheres não
apenas ocuparam
genheiro chega a uma empresa fica claro que sional passa em atividades de comunicação,
as cadeiras há um conjunto de habilidades que não foram lendo, escrevendo ou ouvindo.
na escola de desenvolvidas na escola. Para o empresário O consultor na área de recursos humanos
engenharia seria desejável que o profissional de engenha- da P&L Partnership & Learning e graduado
como também ria tivesse mais conteúdo da área de huma- em engenharia, Robert Wong, também de-
nos postos de
trabalho
nas, mesmo antes de iniciar o curso de gra- fende que aqueles que atuam na área têm de
melhorar seu desempenho na
comunicação. Ele diz que o
Foto: Odair Marcos Faria

engenheiro sempre acha que


por ter um raciocínio lógico
todo mundo entende o que
ele está dizendo, mas isso não
é verdade.

Cursos mudam em
função das demandas
e do avanço do
conhecimento
Para acompanhar esses
mudanças no mercado de tra-
balho, a faculdade tem tenta-
do adaptar seus currículos e
cria novos cursos e especiali-
zações. No caso da Poli, por
exemplo, há dois anos foi ini-

20 – Saneas / abril 2005


Matéria de Capa

ciado o curso de Engenharia Ambiental. A pri- E, dentro da escola, os futuros engenheiros


meira turma se forma em 2006. Esse curso faz são estimulados a desenvolver a comunicação
parte da área de Engenharia Civil, na qual o verbal, escrita e gráfica. Isso porque já se foi o
aluno pode escolher habilitação em Civil ou tempo em que os estudantes podiam apenas
em Ambiental. fazer um desenho para apresentar seu traba-
Na sala de aula, o foco são as questões relacio- lho. Atualmente, é preciso elaborar uma des-
nadas com a gestão do meio ambiente. O aluno crição detalhada, com justificativas das solu-
é preparado para fazer análises, projetos e cons- ções e conclusões.
truções de sistemas com o objetivo de reduzir Para o engenheiro Alceu Bittencourt é pos-
o impacto ambiental, conter os resíduos. Além sível perceber o esforço que as faculdades têm
disso, é dirigido para ter uma atuação com base feito para adaptar seus cursos à realidade do
em qualidade, segurança, funcionalidade, eco- mercado, mas ele acredita que ainda é preciso
nomia e respeito ao ambiente a seu redor. fazer mais. Hugo Rosa, da Método, concorda:
Agopyan afirma que a direção da Poli tem “As escolas têm de estar mais voltadas para in-
uma postura de incentivar uma formação serir o aluno na comunidade para formar mais
mais generalista dos seus alunos, como acon- cidadãos do que técnicos”.
tece em outros países, mas por causa das pró-
prias características do mercado de trabalho Presença feminina
no Brasil, temos de ter os cursos segmenta- As mulheres ocupam, hoje, cerca de 45%
dos. A Escola Politécnica forma, atualmente, dos postos de trabalho, de acordo com dados
engenheiros em 14 disciplinas diferentes, en- do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísti-
tre elas: Minas, Petróleo, Mecatrônica, Meta- ca (IBGE). Mas apesar de ter galgado melhores
lurgia e Computação. oportunidades no mercado, elas ainda brigam
Além da criação de novas disciplinas, a es- por igualdade na remuneração. Na região me-
cola de engenharia tem procurado modificar tropolitana de São Paulo e do Distrito Federal,
como essas matérias são abordadas em sala localidades com os maiores rendimentos mé-
de aula. Por exemplo, o aluno é incentivado dios por hora, elas recebem 22% a menos que
a fazer trabalhos em equipe desde o primei- os homens, em média.
ro ano de faculdade e é convidado a elaborar Na engenharia, esse perfil não é muito di-
um projeto de conclusão de curso no âmbito ferente. Há duas décadas, eram poucas as mu-
social. Para isso são feitos convênios com or- lheres no setor: nas salas de aula e nos escritó-
ganizações não governamentais e instituições. rios. Hoje, só no estado de São Paulo, o Con-

“Enfrentei resistência, por ser mulher, quando tinha to bloqueio por parte deles. Eles
não gostavam muito de atender
de comandar a linha de produção na fábrica” minhas instruções para mudar al-
“Na Engenha- Nesses seis anos de guma coisa na produção ou fazer
ria de Alimentos carreira já trabalhei ajustes para chegarmos ao produ-
normalmente tem em algumas indústrias to que queríamos. No começo, me
muita mulher, por de alimentos em dife- sentia um pouco intimidada, mas
isso nunca enfren- rentes áreas, desde o com a prática, acabamos apren-
tei problemas rela- desenvolvimento de dendo a lidar com isso.
cionados com isso novos produtos até o Além disso, essa situação terá
para arrumar em- marketing. Só enfren- de mudar porque a quantida-
prego. Ao contrário, tei um pouco de resis- de de mulheres no setor é cada
a área está domina- tência, por ser mulher, vez maior. O que sinto que ain-
da por elas. Quando quando tinha de co- da precisa passar por um proces-
terminei o curso na mandar a linha de pro- so de transformação dentro das
Unicamp, em 1999, minha turma dução na fábrica. empresas é nos cargos de che-
era bem equilibrada, metade era A operação de máquinas, supervi- fia. Ainda tem pouca mulher nos
homem e, a outra metade, mulher. são e gerência de produção normal- cargos de diretoria.”
Hoje, cerca de 80% dos alunos de mente são tarefas realizadas por ho-
Alimentos são mulheres. mens e algumas vezes sentia um cer- Tatiana Gomes

Saneas / abril 2005 – 21


Matéria de Capa

Só dá para saber do que se trata o curso tei em relação à fa-


culdade foi com o
depois que entramos na universidade” conteúdo técnico.
“Termino a faculdade de En- Gostei do cur- A tecnologia anda
genharia Elétrica com ênfase em so e acho que ele dá tão rapidamente
Sistemas Eletrônicos este ano. boa ênfase ao traba- que alguns assun-
Minha expectativa é fazer o es- lho em equipe duran- tos que imaginei
tágio no segundo semestre e de- te os quatro primeiros que seriam aborda-
pois conseguir um emprego na anos. Só estranhei que dos, não são. Mas
área. Meus pais, entretanto, es- o trabalho de conclu- isso é assim mes-
tão sempre me lembrando que o são tenha de ser in- mo, quando a gente
fato de estudar na Poli pode abrir dividual. Acho que o está de fora da fa-
boas oportunidades de emprego resultado seria mais culdade não conse-
em outras áreas, principalmente rico se fosse em grupo mesmo, por- gue ter uma idéia muito clara do
em bancos. Mas espero não ter de que é assim que vamos atuar no que vai encontrar no curso.”
aceitar um convite fora da área de mercado.
Engenharia. O único problema que enfren- Luiz Henrique Teixeira Balloti

selho Regional de Engenharia, Arquitetura e crata. Aquele que ficar amarrado no texto, nos
Agronomia de São Paulo (Crea-SP) tem mais conceitos mais cartesianos da ciência exata vai
de 16,1 mil engenheiras registradas. ter mais dificuldade em alcançar sucesso na
Os números do Crea-SP mostram, entre- profissão”, analisa. Para ele, uma das maneiras
tanto, que ainda há muita discrepância: os ho- do profissional ‘cultivar’ a criatividade é ten-
mens somam mais de 141,1 mil profissionais tar se desenvolver em todos os aspectos da sua
em todo o estado. O ponto positivo é que as vida e não apenas no trabalho. “Tem de buscar
mulheres estão ganhando espaço na engenha- um certo equilíbrio com a vida pessoal, fazer
ria e mudando a forma de atuar do profissio- esportes e exercer outras atividades para ajudar
nal. Como isso é possível? “Elas podem usar a ampliar sua visão do mundo”.
sua criatividade e intuição para dar um aspec-
to mais humano ao setor, ainda muito domi- Mercado de trabalho
nado por seu lado técnico”, afirma o consultor Mas, afinal, como os novos engenheiros de-
Robert Wong. Mas ainda é preciso que elas es- vem se preparar para atender essas mudanças
tejam mais presentes na direção das empresas, no mercado de trabalho? Continuar estudando
onde praticamente só existem homens – elas e procurar se manter sempre atualizado é uma
respondem por apenas 15,87% das presidên- das principais recomendações de quem já está
cias das empresas. no mercado há muito tempo.
O presidente da Método, Hugo Rosa, con- Segundo Yoshimoto, o acesso à formação
firma o crescimento da presença de mulheres universitária era mais elitizado quando estu-
no setor e diz que isso foi bom, porque elas es- dou. “Hoje, com a ampliação desse acesso, au-
tão mais preparadas para interagir em equipe menta a concorrência entre os profissionais,
e se comunicar. “Há uma melhora da qualida- por isso, se o engenheiro quer ter uma carrei-
de da gestão dos projetos quando há mulheres ra de sucesso tem de gostar muito do que faz
na equipe. Além disso, o homem é muito fo- e procurar fazer outros cursos para completar
cado na atividade em si e a mulher consegue sua formação e para se manter atualizado”.
distribuir sua atenção em várias coisas e com Consultores na área de recursos huma-
isso consegue enxergar seus projetos como um nos defendem, ainda, que os engenheiros que
todo”, explica. têm interesse em fazer cursos de especializa-
O engenheiro e diretor metropolitano da ção para aprimorar sua formação acadêmica
Sabesp, Paulo Massato Yoshimoto, também deveriam estudar psicologia, ou fazer alguma
defende o uso da criatividade para que os pro- especialização voltada para isso. O comporta-
fissionais tenham um bom desempenho, inde- mento humano, para esses profissionais, tem
pendentemente se do sexo feminino ou mas- se mostrado tão importante quanto a forma-
culino. “O engenheiro não pode ser um buro- ção técnica. ■

22 – Saneas / abril 2005


ARTIGO TÉCNICO
OPINIÃO

Setor Santana: um caso de sucesso


na redução de perdas de água e
consumo de energia elétrica
Mario Alba Braghiroli 

O setor de abastecimento Santana localiza-


se na Zona Norte do município de São
Paulo e pertence ao Sistema Produtor Canta-
tituída por um reservatório de 16.000 m3, e a
alta, constituída por uma elevatória e um re-
servatório torre de 500 m3.
reira. A vazão média de consumo do setor é A figura ao lado ilustra o sistema hidráuli-
da ordem de 700 l/s, para abastecer 136.500 co do setor antes da implantação do projeto. A
pessoas através de 44.000 ligações e 320 km de foto abaixo mostra a antiga configuração das
redes de distribuição de água. bombas na Estação Elevatória.
Em termos de zoneamento piezométrico, o Essa configuração operacional não se base-
setor tem duas zonas de pressão: a baixa, cons- ava em um estudo mais criterioso, no sentido
de se buscar uma otimização energética e uma
redução de perdas no setor.
Antes
Alternativas e Integração
Em Abril de 2003 existiam três propostas de
adequação do setor, cada uma envolvendo par-
tes diferentes do sistema:

1 Adequação da Macromedição, proposta pela


Unidade de Negócio de Produção de Água,
com foco na melhoria da medição e no con-
trole de perdas.
2 Adequação da Pressão na Zona Alta do Sis-
tema de Distribuição, proposta pela Unida-
de de Negócio Norte, com foco em redução
de perdas reais.
3 Adequação da Estação Elevatória de Água,
proposta pela Superintendência de Manu-
tenção Estratégica, com foco em redução
do consumo de energia elétrica, utilizando
recursos do programa de combate ao des-
perdício da ANEEL (Agência Nacional de
Energia Elétrica).

Todas as propostas eram importantes, e vi-


savam ao controle e redução de custos opera-
cionais, e provavelmente se viabilizariam, po-
rém foram concebidas de forma individual e
desvinculadas uma da outra.
Neste momento estava identificada uma
oportunidade de melhoria; as unidades envol-
vidas poderiam desenvolver um único projeto,
enxergando o sistema como um todo e apro-
 Mário Alba Braghiroli, Tecnólogo, Gerente de

Configuração antiga Controle de Perdas da Unidade de Negócio Norte

Saneas / abril 2005 – 23


Artigos Técnicos

veitando os recursos disponíveis nos contratos


Depois e convênios para execução das intervenções
em curto espaço de tempo.

Implantação
O projeto desenvolvido pode ser observado
na figura ao lado que ilustra o sistema hidráu-
lico depois da implantação. A foto abaixo mos-
tra a atual configuração da elevatória.
Essa nova configuração operacional, resul-
tado da implantação das intervenções propos-
tas, apresentou diversas vantagens, que podem
ser visualizadas no quadro resumo a seguir.

Recursos
As intervenções implantadas podem ser di-
vididas pela origem dos recursos financeiros:
1 Recursos Próprios: Projetos e obras das de-
rivações e implantação de macromedido-
res da ordem de R$ 340.000,00 (Trezentos e
quarenta mil reais).
2 Recursos do Convênio: Projetos, obras e
equipamentos da Estação Elevatória de
Água da ordem de R$ 660.000,00 (Seiscen-
tos e sessenta mil reais).
O convênio firmado com a Bandeirantes
Energia SA é proveniente da resolução 394, de
17/09/2001, da ANEEL - Agência Nacional de
Energia Elétrica que, em seu artigo 1º, Inciso
1, estabelece que, para o desenvolvimento de
projetos objetivando incrementar a eficiência
no uso final de energia elétrica, as concessioná-
rias e permissionárias deverão observar entre
outros critérios, a “aplicação anual de, no mí-
nimo, 0,50% (cinqüenta centésimos por cen-
to) da receita operacional líquida, calculada de
Configuração atual acordo com a resolução ANEEL nº 185, de 21
de Maio de 2001”.
Quadro comparativo
Antes Depois Vantagens
Macromedição inadequada Macromedição adequada através Maior confiabilidade na contabilização dos volumes
através de um venturi de dois medidores eletromagnéticos medidos, com possibilidade de controle de perdas
de 900mm de 500mm por zona de pressão
Estação elevatória com Estação elevatória com Conjuntos iguais, mais modernos, com melhor
2 conjuntos de 200cv e 4 conjuntos de 100 cv desempenho e maior rendimento, facilidade de
3 conjuntos de 100cv reposição de peças
Não existia inversor Inversor de freqüência instalado no Correção fator de potência, balanceamento das
de freqüência painel novo fases e otimização do funcionamento dos conjuntos
Demanda de 480kW na ponta Demanda de 180kW na ponta e Redução do consumo de energia elétrica
e 500kw fora de ponta 270kW fora de ponta
Operação da estação com Operação da estação com Redução do consumo de energia elétrica
4 conjuntos e 1 reserva 3 conjuntos e 1 reserva
Abastecimento da zona Abastecimento da zona alta durante o Redução de perdas como conseqüência
alta pela EEA dia pela EEA e a noite por gravidade do rebaixamento da pressão noturna

24 – Saneas / abril 2005


Artigos Técnicos

Volume comprado
3,0

Volume Comprado Mensal Operação do Novo Sistema


2,5

2,0
Volume (106m³)

1,5

1,0

0,5
3

4
03

04

4
03

04
03

04
3

4
03

03

04

04
3

4
03

04
3

4
t/0

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l/0

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n/

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ai

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ar

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ju

ju
ou

ou
ab

ab
no

no
fe

se

fe

se
de

de
ju

ju
ag

ag
ja

ja
m

m
m

Resultados
Os resultados podem ser avaliados da se-
guinte forma: Antes

1 Redução do consumo de energia elétrica em


100.000 kWh/mês.

2 Redução de perdas aparentes (diminuição


dos erros da macromedição) e redução de
perdas reais (rebaixamento da pressão no-
turna da Zona Alta em 18 mca) em 283 Li-
tros/Ligação/Dia.
Depois
Perdas por Ligação
Antes Depois
853 Litros/Ligação/Dia 570 Litros/Ligação/Dia

A redução do Plano Piezométrico Noturno


pode ser observada no mapeamento da pres-
são estática, mostrada nos dois mapas ao lado.
A redução do volume de água macromedida
no setor de abastecimento é um ótimo indicati-
vo do sucesso do projeto (gráfico acima).
Numa avaliação simplificada da relação Custo/ Considerações Finais
Benefício foram levantados os seguintes valores: O setor Santana é um caso de sucesso, onde
intervenções estruturais alteraram a forma de
Custo operação, que resultou na redução de perdas de
Recursos Próprios . . . . . . . . . . . . . . . R$ 340.000,00
Recursos Financiados . . . . . . . . . . . . R$ 660.000,00
água no sistema e na redução do consumo de
Total . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . R$ 1.000.000,00 energia elétrica da estação elevatória de água.
Para que isso fosse possível, foi fundamental
Benefício a integração de diversos profissionais da Uni-
Redução no consumo mensal de energia .R$28.600,00 dade de Negócio Norte, Unidade de Produção
Redução na compra mensal de água . R$ 253.333,00 de Água e Superintendência de Manutenção
Total . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . R$ 281.933,00
Estratégica da SABESP, com os parceiros:
Custo/Benefício
• Bandeirantes Energia S/A
R$ 1.000.000,00 = 4 meses • Earth Tech Brasil Ltda.
R$ 281.933,00 • Vitalux Eficiência Energética Ltda. ■

Saneas / abril 2005 – 25


ARTIGO TÉCNICO
P&D

Modelagem em sistemas de controle


operacional em tempo real no Sistema
Adutor Metropolitano de São Paulo
Viviana M. N. de Aquino Borges 
Kamel Zahed Filho 

RESUMO
O presente trabalho propõe uma metodologia de operação em centros de
controle operacional para abastecimento de água, em tempo real, implantan-
do um modelo de operação para uma melhoria na performance operacional.
O modelo de operação acopla um modelo matemático de previsão de consu-
mo de água horário e outro, simulador hidráulico. O “estado da arte” em mo-
delos de previsão de consumo de água é apresentado. Uma interface foi desen-
volvida entre um modelo simulador de rede hidráulica e um modelo de pre-
visão de demanda de água. Com a aplicação dos modelos em um estudo de
caso no Sistema Adutor da Região Metropolitana de São Paulo, pôde-se con-
cluir que é possível estabelecer regras operacionais mais eficientes reduzindo
o número de mudanças de posição de válvula e estado de bombas, bem como
a redução do custo de energia elétrica.

Introdução Segundo Zahed (1990), o controle operacio-


Os sistemas adutores, em regiões metropo- nal evoluiu de uma forma local, em que as lei-
litanas, são grandes, flexíveis e complexos, exi- turas das medições e o controle dos sistemas
gindo um monitoramento e controle do fluxo, eram feitas por operadores locais, para siste-
para superar as dificuldades no atendimento mas centralizado e automáticos, em que as me-
adequado da demanda. A operação desses sis- dições são obtidas por telemetria e as opera-
temas de forma otimizada é um problema ma- ções feitas remotamente, com apoio de mode-
temático grande e complexo, com uma série los de simulação, previsão de consumos e oti-
numerosa de equações. mização.
A simulação hidráulica é importante para Os modelos simuladores hidráulicos são
um melhor projeto de redes de adução, mas bastante divulgados há um bom tempo. Já os
não é suficiente para uma melhor operação na modelos de previsão de demanda de água para
distribuição da água. Diversos autores, como aplicação na operação de sistemas adutores es-
Zessler e Shamir (1989), Zahed (1990) e Ler- tão evoluindo e são pouco divulgados. Sobre
tpalangsunti et al. (1999), entre outros, desta- modelos que definem regras operacionais ou
cam que há necessidade de um sistema auto- modelos otimizadores para sistemas adutores,
matizado, com o apoio de softwares de análi- conhece-se ainda muito pouco sobre aplica-
se, previsão de consumos e otimização para a ções práticas.
melhoria da operação de distribuição, em sis- Um marco no desenvolvimento de softwa-
temas adutores. res na modelagem de redes hidráulicas se deu
Quando a operação de rotina é automática, com o modelo computacional de simulação hi-
a equipe de controle pode voltar maior atenção dráulica de Shamir & Howard (1968). Depois
a programação da operação, buscando maior disso, um programa computacional de grande
eficiência. A experiência e senso de decisão referência foi desenvolvido, em 1972, pela Uni-
dos controladores são indispensáveis para in- versidade de Kentucky (EUA), apresentado por
tervenções não rotineiras no sistema. Wood e Charles, apud Cesário (1995).
 Mestre em Engenharia, Escola Politécnica, USP, e-mail: viviana.borges@poli.usp.br
 Professor Doutor, Escola Politécnica, USP, e-mail: kamel@usp.br

26 – Saneas / abril 2005


Artigos Técnicos

A “arte de modelar” é uma tarefa que exi- que no sistema de Sevilha conseguiram uma
ge habilidade e conhecimento de especialista e redução de 25% de economia nos custos de
não chega a oferecer um obstáculo para a in- energia elétrica.
terpretação dos resultados. Entretanto, as fer- Avalia-se que exista muita investigação pela
ramentas de atalho e outras facilidades fazem descoberta da melhor técnica ou combinação
com que o especialista ganhe tempo, principal- dessas para se construir um modelo de previsão
mente aqueles que possuem interfaces de en- de curto prazo. Entretanto, isso não é essencial
trada e saída de dados com outros modelos ou para aplicações em tempo real onde podem-se
sistemas. fazer ajustes dinâmicos. Conseqüentemente, a
Para a simulação de um sistema adutor em condição de se estabelecer uma regra de ope-
tempo real, torna-se imprescindível o conheci- ração com a utilização de qualquer modelo é
mento de dados cadastrais para a definição da sempre melhor do que uma operação baseada
topologia do sistema, de dados operacionais, apenas da experiência dos operadores.
como os limites de operação e consumos ob- Alguns autores vêm trabalhando no desen-
servados ou previstos (Cesário, 1995). Existem volvimento de modelos de otimização de re-
poucos trabalhos sobre o uso de modelos pre- gras operacionais para sistemas de abasteci-
visionais de demanda de água em nível diário mento de água. Destacam-se: Coulbeck & Orr
(Zhou et al. – 2000) e menos ainda sobre os de (1990); Alperovits & Shamir (1977) com um
nível horário (tempo real). método de Programação Linear Gradiente;
Williams & Coulbeck (1987) utilizaram um Zessler & Shamir (1989), com a aplicação da
modelo de previsão de demanda de água - GI- Programação Dinâmica; e Lippai et al. (1999),
DAP para horizonte de 24 horas ou de sete dias com a aplicação de algoritmos inteligentes.
no sistema de abastecimento de Wolverhamp- Em geral, a Função Objetivo desses mode-
ton (UK). Atualmente está sendo evoluído den- los é a minimização dos custos de energia. En-
tro do projeto WaterCIME (2002), que envol- tretanto, no caso do Sistema Adutor Metropo-
ve um consórcio entre oito entidades de cinco litano, outro fato ainda de maior preocupação
países europeus. é o melhor atendimento à demanda, apesar da
Lertpalangsunti et al. (1999) desenvolve- limitação da oferta.
ram um modelo para previsões diárias utili- Neste estudo, propõe-se a aplicação de um
zando uma combinação de sistemas inteligen- modelo de operação em um sistema de contro-
tes como redes neurais, lógica fuzzy, knowled- le, criando uma interface entre um modelo si-
ge-based e case-based reasoning. Zhou et al. mulador, um de previsão de consumo de água
(2000) desenvolveram modelos de previsão de e um sistema de controle automático (otimiza-
demanda de água baseados numa função poli- dor), avaliando os resultados e a melhoria na
nomial pelo tempo. performance da operação.
O modelo utilizado neste trabalho foi de-
senvolvido a partir de Zahed (1990). O modelo Metodologia
é baseado na Série de Fourier (21 harmônicos) Utilizou-se os dados operacionais da Com-
utilizando dados de sete dias anteriores ao iní- panhia de Saneamento Básico do Estado de
cio da operação. O horizonte de previsão é de São Paulo – (Sabesp), tais como dados do Sis-
24 horas, com cálculos parciais a cada seis ho- tema de Controle Operacional Adutor (SCOA)
ras. Foi aplicado na operação de parte do Sis- e dados cadastrais para montar a topologia da
tema Adutor Metropolitano de São Paulo. As rede adutora.
premissas mais importantes foram a elimina- Para o desenvolvimento do modelo de ope-
ção do efeito do dia da semana, pela introdu- ração foi escolhido o modelo simulador (USE-
ção do dia móvel, erros medidos em termos de PA 2001) que possui seu código fonte aber-
desvios de volumes acumulados e associação to e disponível pela internet e o de previsão
com dados históricos recentes para se evitar de demanda de água desenvolvido por Zahed
utilizar outros modelos auxiliares (previsão de (1990).
temperatura).
Os ganhos com a utilização de modelos de Modelo de Operação
previsão de demanda de água foram confirma- O modelo operacional importa e transmite
dos por Oshima & Kosuda (1998) que obtive- os dados de consumo e operacionais consistidos
ram uma redução no número de manobras e do sistema de controle ao modelo de previsão
transientes hidráulicos e por Leon et al. (2000), de demanda, que por sua vez alimenta o modelo

Saneas / abril 2005 – 27


Artigos Técnicos

FIGURA 1
Topologia do ARUJÁ

sistema Alto 97

Tietê

VILA INDUSTRIAL

BOOSTER BONSUCESSO
15
1577

15 8 PINHEIRINHO
ERMILINO
MATARAZZO
21 SÃO MIGUEL TABOÃO (MOGI)
ITAIM DER-CR4
23
24

96

96
ITAQUAQUECETUBA

POÁ
BOOSTER
5
ITAQUERA 22 E.E. LESTE 14 94
GUAIANAZES
LEGENDA:
BRAS CUBAS
9

25 95 BOOSTER BRAS CUBAS


92 RESERVATÓRIO

167
GUAIANAZES FERRAZ DE
VASCONCELOS 90
ESTAÇÃO
SUZANO
ELEVATÓRIA
PASSAGEM
FUNDA Z.A. 153 93 STA.
ETELVINA ETA TAIAÇUPEBA
PASSAGEM 156 99 ESTAÇÃO DE
FUNDA Z.B. R.D. ALTO TIETÊ TRATAMENTO

SISTEMA VÁLVULA
ALTO TIETÊ
91

E.E.STA.ETELVINA ESTRUTURA
93

E.E.PASSAGEM FUNDA DE CONTROLE

OUT-2001
E.C.137

simulador (EPANET 2.0), através de uma inter- ESTUDO DE CASO


face escrita no ambiente Visual Basic.
Neste estudo, optou-se pelos consumos pre- Características Locais
FIGURA 2 vistos para as primeiras seis horas e as médias A RMSP possui cerca de 18 milhões de ha-
Sistema de
transmissão
históricas das últimas quatro semanas como bitantes, abrangendo 39 municípios (F. Seade,
dos dados de sendo os consumos previstos para as demais 2000). A Sabesp opera, através do SAM, em 29
campo para o horas, a fim de gerar uma única regra opera- municípios e vende água “ao atacado” para ou-
SCOA cional por dia. tros seis. O sistema integrado da RMSP produz
cerca de 63 m3/s, dividindo-se em oito grandes
Telemetria Sistemas Produtores, que são parcialmente in-
terligados pelo SAM.
Elemento de Elemento de Elemento de A parte do sistema Alto Tietê utilizado nes-
medição no
campo
medição no
campo
medição no
campo te estudo (figura 1), contém 10 reservatórios
com volume total nominal de aproximada-
mente 111.000 m3, distribuindo cerca de 8,5
m3/s com quatro estações de bombeamento,
Controladores por cerca de 75 km de adutoras, de até 2.500
mm de diâmetro.
A capacidade de reservação do sistema Alto
Tietê é insuficiente, se for admitido uma reser-
SCOA vação mínima necessária equivalente a 1/5 do
Computador Chaveador de Computador
consumo diário.
de controle periféricos back up

Sistema de Controle
O controle do sistema adutor é centraliza-
do, utilizando o processo SCADA para o acio-
Computadores com acesso Computador
a Intervenções no sistema de supervisão namento à distância e válvulas através de 168
estações remotas de telemetria, 514 válvulas e
bombas, 704 pontos de medição (vazão, pres-

28 – Saneas / abril 2005


Artigos Técnicos

são, nível, temperatura) e 216 variáveis calcula-


das (consumo e vazão calculada). Previsto x Medido - SCOA 022
2400
O sistema de controle operacional do SAM
(figura 2) é composto pelo Sistema de Teleme- 2000
tria e pelo Sistema Informático denominado
SCOA – Sistema de Controle da Operação de 1600

Vazão (L/s)
Adução.
A equipe de controle opera o sistema, base- 1200

ando-se na experiência, sem se preocupar com


800
os custos envolvidos nas tomadas de decisão.
Medido
Existe a intenção de ampliar o escopo de suas 400
Previsto
atividades, estabelecendo critérios sustentados
por modelos matemáticos, visando a redução 0
de custos. 0 4 8 12 16 20 24
Tempo (h)

Resultados FIGURA 3 – Consumo observado e consumo previsto do reservatório


No processo de calibração, as diferenças Itaquera
máximas entre pressões observadas e calcula-
das foram em torno de 10% com um máximo
absoluto de 4 mH2O. Acionamento de bombas - SCOA 093
A figura 3 apresenta um exemplo dos resul-
Ligada
tados da relação entre os consumos observados
B03
e as demandas previstas pelo modelo de pre- Desligada

visão.
Nota-se que as demandas previstas mos- Ligada
tram-se próximas dos consumos observados B02 Desligada
durante as seis primeiras horas, quando é uti-
lizado o modelo harmônico (Fourier). As de-
mandas previstas entre sete e 24 horas se mos- Ligada

tram mais distantes dos consumos observados, B01 Desligada


apresentando um consumo atípico, porque foi
utilizada apenas uma estimativa, a partir de va- 00:00 02:24 04:48 07:12 09:36 12:00 14:24 16:48 19:12 21:36 00:00
lores médios de consumo dessas horas. Tempo
Horário de ponta de energia
Os resultados poderiam ser melhorados,
caso fossem utilizados fatores de correção so- FIGURA 4 – Operação real do booster Santa Etelvina
bre as influências climáticas, sazonais e ou-
tras, bem como se a qualidade dos dados fos-
se melhor.
As condições de operação do sistema são Análise do número de manobra de válvula
controláveis, porém não são otimizáveis por- sem modelo de previsão - SCOA 023
24
que o sistema não suporta o atendimento das
vazões das derivações “em marcha” e para as 22
demandas médias dos setores, sem causar res-
Abertura de Válvula (%)

20
trições de abasecimento em alguns setores.
A figura 4 apresenta um exemplo de funcio- 18
namento das bombas do booster Santa Etelvi-
16
na e a figura 5 apresenta um exemplo das ma-
nobras na válvula do reservatório São Miguel, 14
na primeira condição considerada, que é aque-
12
la feita pelo Centro de Controle. A faixa desta-
cada nas figuras indica o período de custo de 10
energia mais alto (ELETROPAULO, 2003). 00:00 02:24 04:48 07:12 09:36 12:00 14:24 16:48 19:12 21:36 00:00
Tempo
A segunda condição de operação conside-
ra um modelo de previsão de demanda perfei- FIGURA 5 – Operação real da válvula de entrada do reservatório São
to, ou seja, considera como demandas futuras Miguel

Saneas / abril 2005 – 29


Artigos Técnicos

TABELA 1 – Regras operacionais utilizando o modelo de previsão de previstas aqueles valores passados observados.
demanda Essa condição serviu para otimiar as mano-
Itaim Feche a válvula quando o nível do reservatório atingir bras de abertura de válvula e de acionamento
7,60 m de bombas e ainda restringir a permanência de
À 1h acione a válvula para uma vazão de adução de bombas ligadas no período de “ponta” de ener-
1150 l/s
Às 8h acione a válvula para uma vazão de adução de
gia, por um processo manual, sem a intenção
1280 l/s de se alcançar o resultado ótimo de eficiência.
Itaquaquece- Feche a válvula quando o nível do reservatório atingir A terceira condição de operação foi utilizar
tuba 7,90 m o modelo de previsão de demandas e as regras
À 1h acione a válvula para uma vazão de adução de de operção definidas na segunda condição para
1180 l/s programar uma operação diária. As regras de
Quando o nível do reservatório atingir 0,90 m acione a operação e os cálculos hidráulicos para os con-
válvula para uma vazão de adução de 1260 l/s
sumos previstos são apresentados na tabela 1.
Poá Feche a válvula quando o nível do reservatório atingir 5m
As figuras 6 e 7 apresentam exemplos dos
À 1h acione a válvula para uma vazão de adução de
320 l/s
resultados da simulação hidráulica com as re-
Quando o nível do reservatório atingir 0,70 m acione a
gras operacionais estabelecidas com o modelo
válvula para uma vazão de adução de 400l/s de previsão (mesmas regras utilizadas com o
Booster Desligue a bomba 1 às 17h30 modelo de previsão perfeita). A tabela 2 apre-
Sam Leste Ligue a bomba 1 às 18h30 senta a inclusão de uma nova regra às 14 horas,
Desligue a bomba 2 às 17h30 que se mostra em negrito.
Ligue a bomba 2 às 18h30 As tabelas de 3 a 6 apresentam um resumo
comparativo entre as três condições de opera-
Programação da Operação com
ção do sistema analisado quanto às manobras
Modelo de Previsão - Itaim de válvulas e aos acionamentos das bombas do
1.800 8 Booster Sam Leste.
1.600 7

1.400
Conclusões
6
O modelo de previsão de demanda de água
Demanda / Vazão (l/s)

1.200
5 se justifica, pois os perfis de consumo se alte-
Nível (m)

1.000
4 ram muito rapidamente, inviabilizando previ-
800
3
sões estatísticas com modelos clássicos que uti-
600 lizem série histórica de consumo de longo pe-
400
2
ríodo, onde se exigiria incessantes análises dos
200 1 dados. A avaliação do estudo de caso demons-
0 0
trou a viabilidade de implantação de um mo-
0 4 8 12 16 20 24 delo de previsão de água ao SCOA, com a pos-
Tempo (h)
sibilidade de melhoria das regras de operação.
Figura 6 – Operação simulada com modelo de previsão no Itaim Observou-se que a introdução de um mo-
delo de previsão de demanda de água acoplado
Programação da Operação com a um modelo simulador hidráulico, em tempo
Modelo de Previsão - Itaquaquecetuba real, oferece um ganho significativo na redu-
1.400 9 ção de manobras de bombas e válvulas, dimi-
1.200
8 nuindo a formação de transientes hidráulicos e
7
conseqüentemente no custo de manutenção.
Dem anda / Vazão (l/ s)

1.000 A utilização de modelos matemáticos na


6
operação de sistemas de controle reduz consi-
800
Nível (m )

5
deravelmente o custo de energia elétrica no ho-
600
4 rário de ponta, de custo mais elevado. A pro-
3 gramação da operação, também reduz o acio-
400
2
namento de bombas em intervalos curtos e a
200 exigência de altas potências, que gera um ga-
1
nho na vida útil dos equipamentos e possibili-
0
0 4 8 12 16 20 24
0
ta uma disponibilidade de demanda de energia
Tem po (h) elétrica contratada menor.
Figura 7 – Operação simulada com modelo de previsão no Poá Uma análise da massa de dados operacio-

30 – Saneas / abril 2005


Artigos Técnicos

nais do ano de 2002 mostrou a necessidade de TABELA 2 - Regra operacional adicional, utilizando o modelo de
se garantir a qualidade dos dados cadastrais e previsão de demanda com alterações durante a operação diária
operacionais para se ter uma melhor efetivida- Itaim Feche a válvula quando o nível do reservatório atingir 7,60 m
de do processo. À 1h acione a válvula para uma vazão de adução de 1150 l/s
Às 8h acione a válvula para uma vazão de adução de 1280 l/s
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Às 14h acione a válvula para uma vazão de adução de 1110 l/s
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Saneas / abril 2005 – 31


ARTIGO TÉCNICO

Compensação ambiental em
atividades poluidoras do ar
atmosférico
Elio Lopes dos Santos 
Nemésio N. Batista Salvador 

RESUMO
O presente estudo faz uma avaliação do Conceito Bolha, critério de compensação ambiental usado pela Agência de
proteção Ambiental do Estados Unidos e pela Agência Ambiental da CETESBΣ emNOx
Cubatão = 100kg/d
AB(SP), para regular a implan-
tação de novos empreendimentos industriais e ampliações. Esse artigo sugere diversas alterações no “Conceito Bolha”,
com a finalidade de aperfeiçoar o seu uso na prática. Σ NOx ABC = 100kg/d

Introdução tem por objetivo a preservação, melhoria e recu-


A existência de zonas saturadas de poluição peração da qualidade ambiental propícia à vida,
do ar no Estado de São Paulo, como é o caso visando assegurar, no País, condições ao desen-
do Município de Cubatão, se deve a um mode- volvimento sócio-econômico, ao interesse da
lo de desenvolvimento econômico aplicado ao segurança nacional e à proteção da dignidade
Brasil até bem pouco tempo, sob o lema prega- da vida humana.
do pelas autoridades governamentais de que tí- Desta forma, incumbe ao Órgão Ambiental
nhamos “muito que poluir”, cujos efeitos dele- exigir dos novos empreendimentos e suas fon-
térios ainda estamos colhendo e tentando cor- tes de poluição do ar, que pretendam se instalar
rigir (FERREIRA, 2001). ou funcionar em áreas saturadas, a comprova-
A implantação pela CETESB do plano de ção sempre prévia, não somente do não aumen-
controle da poluição de Cubatão, em julho de to nos níveis de poluentes que as caracterizam
1983, estabeleceu um novo conceito para li- como tal, mas que proporcionem redução nos
cenciamento das ampliações e implantações de níveis desses poluentes (FERREIRA 2001).
novos empreendimentos industriais em zonas
saturadas de poluentes atmosféricos. O Conceito Bolha
Esse novo conceito, conhecido como “Bub- Conforme descreve LANDAU (1985) o
ble Concept” (Conceito Bolha), já vinha sendo “Conceito Bolha” é o limite imaginário coloca-
aplicado nos Estados Unidos da América pela do como artifício acima das fontes de poluição
“EPA - Environmental Protection Agency”, do ar. Ao invés de regulamentar uma só fonte
desde 1979, em alguns estados americanos, em uma planta industrial, passa a fixar um li-
sendo que, em 25 de junho de 1984, a Suprema mite máximo de emissão para diversas fontes
Corte dos Estados Unidos da América do Nor- existentes numa planta, ou grupo de plantas,
te confirmou a autoridade da EPA e das Agên- do mesmo empreendimento, como se estas es-
cias de Controle de Poluição dos Estados para tivessem sob uma grande bolha, com uma úni-
facilitar o uso do “Bubble Concept” em âmbito ca abertura no topo. Este conceito surgiu nos
nacional, no cumprimento da Lei de Limpeza Estados Unidos na década de 70 e a Agência de
do Ar, dando mais rapidez na implantação de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (USE-
processos industriais e ampliações das unida- PA - Environmental Protection Agency), obte-
des existentes. ve permissão da suprema corte para aplicar em
De acordo com a Lei nº 6938, de 31 de agosto âmbito nacional a partir de 1984.
de 1981, a Política Nacional do Meio Ambiente O desenho esquemático da Figura 1 demons-

 Químico e Engenheiro Industrial. Mestre em Engenharia Urbana. Consultor Ambiental do Ministério


da Saúde e Professor da Universidade Santa Cecília – Santos SP.
 Engenheiro Civil, Doutor em Saneamento. Professor da Universidade Federal de São Carlos.

32 – Saneas / abril 2005


Artigos Técnicos

NOx

80 kg/d 20 kg/d ?

NOx NOx NOx

A B C

FIGURA 1 – Desenho Esquemático da Bolha.

tra o “Conceito Bolha” aplicado na proporção terizava pela participação intensa da população
1:1 de troca de poluentes. Exemplifica a ope- nas decisões governamentais, o que aumentou a
ração de duas fontes (A e B) de poluição do ar pressão no sentido do desenvolvimento indus-
já controladas, cujo inventário apresenta uma trial, pois na área se encontravam indústrias de
emissão total de 100 Kg/d (ΣA,B = 100kg/d) de base, que sempre atraem empresas satélites.
um determinado poluente tido como saturado. Como nos Estados Unidos, a Agência de
Neste caso, a ampliação de uma nova unidade Proteção Ambiental (EPA), no final da déca-
(C), necessita compensação das taxas de emis- da de 80, já havia implantado o Conceito Bo-
são desse poluente. lha, como mais uma alternativa de desenvol-
Para atingir esse objetivo, a empresa deverá vimento em áreas consideradas saturadas, e a
compensar esse acréscimo de emissão da Uni- administração por Bacias Aéreas adotadas na-
dade (C), reduzindo emissões provenientes das quele país já era realidade em Cubatão, a CE-
unidades (A e B) existentes dentro da bolha, ou TESB passou a adotar a mesma política, ten-
emissões de unidades externas à bolha. do nos engenheiros Fernando Guimarães, João
Baptista Galvão Filho e Benedito da Conceição
Aplicação do Conceito Bolha Filho, seus grandes idealizadores. O Conceito
no Estado de São Paulo Bolha foi adotado com um conjunto de nor-
No Brasil, o Estado de São Paulo foi pioneiro mas que objetivavam evitar os erros cometidos
na aplicação do Conceito Bolha, cujo início data pela EPA, pioneira no assunto.
de 1985 no Município de Cubatão, em plena vi- Recentemente a CETESB, consciente da ne-
gência do Programa de Controle de Poluição de- cessidade de considerar uma compensação com
senvolvido pela CETESB. A expectativa era que ganho ambiental, propôs alterações no Regu-
as reduções significativas das cargas poluido- lamento da Lei 997/76 de 31 de Maio de 1976
ras nas fontes emissoras diminuiriam, na mes- aprovado Decreto 8468 de 8 de setembro de
ma proporção, as concentrações dos poluentes 1976. Essas alterações somente foram introdu-
na atmosfera, permitindo o enquadramento da zidas em 2 de março de 2004 através do Decre-
qualidade do ar da Região aos padrões legais vi- to nº 48.523 que incluiu um índice de 110% de
gentes. Essa hipótese ganhou corpo entre as en- compensação da taxa de emissão de poluentes.
tidades da sociedade civil, levando os empresá- Entretanto haveria necessidade de se veri-
rios a pleitear a introdução de novos empreen- ficar, na prática, se este índice que apresenta
dimentos industriais ou ampliações dos exis- somente 10% de ganho na taxa de emissão é
tentes. O momento político da época se carac- adequado e suficiente para efetivamente se ob-

Saneas / abril 2005 – 33


Artigos Técnicos

to e manuseio, gerando problema de poluição


Fig. 2 – Qualidade do ar - Ozônio difusa, principalmente pelo arraste de poeiras
90 fugitivas (fontes áreas) e emanações.
80
70 Centro  Incremento da poluição difusa, representa-
60
da pela emissão de poluentes provenientes do
V. Nova
aumento do número de caminhões, operando
50
DIAS

no recebimento de matérias primas, insumos


40
básicos e expedição de produtos elaborados.
30
20  Aumento do número de paradas e partidas
10 das unidades, que comprovadamente nessa
0 fase emitem mais poluição.
1984 1986 1988 1990 1992 1994 1997 1999 2001
ANO Outro aspecto a ser considerado é a não uti-
lização de créditos de emissões fugitivas para
FIGURA 2 ter um ganho ambiental, tendo em vista que as aumentar a emissão de fontes pontuais, o que
Número de dias considerações seguintes não estão incluídas no poderia agravar a situação de controle, ou mes-
em que houve
ultrapassagem
inventário de emissões, quais sejam: mo a troca de poluentes de mesma natureza,
do padrão de como, por exemplo, material particulado com
ozônio na Região  Se, antes, a indústria operava com uma uni- diâmetros diferentes de partículas (como mais
de Cubatão dade, na ampliação passa a operar com duas, o grosseiros por inaláveis) ou poluentes menos
Centro. que representa um incremento no potencial po- tóxicos por outros mais tóxicos.
(CETESB, 2002)
luidor devido ao aparecimento de problemas de
operação e manutenção, inerentes aos equipa- Estudos de caso
mentos de processo e de controle da poluição. Com base na metodologia proposta por
SANTOS (2003), foram realizados três estudos
 Ao operar com duas unidades, a indústria de caso envolvendo licenciamentos ambien-
passou a receber mais matérias primas, insu- tais, sendo descrito no presente artigo o da ter-
mos básicos e expedição de uma maior quanti- melétrica prevista para ser instalada no Muni-
dade de produtos elaborados, o que represen- cípio de Cubatão.
ta um novo acréscimo de emissão de poluentes
(fontes áreas). Usina Termelétrica da Central de Cogeração
de Energia da Baixada Santista
 Aumento da capacidade de armazenamen- O presente estudo de caso refere-se ao proje-
to da usina de cogeração de energia com capa-
cidade para produzir 950 MW e prevista para
Fig. 3 – Estimativa de emissão ser implantada na área da Petrobrás RPBC, no
350 município de Cubatão (SP). O local previsto
para esse empreendimento está situado na ba-
300
cia aérea de Cubatão centro, região considera-
da como saturada por ozônio.
EMISSÃO (kg/dia)

250
200
Analisando a figura 3 observa-se que o ga-
nho na taxa de emissão ocorreria somente com
150 o poluente dióxido de enxofre, ficando os po-
100 luentes de maior interesse na análise da com-
pensação ambiental, como óxidos de nitrogê-
50
nio e hidrocarbonetos, ambos precursores da
0 formação do ozônio, sem nenhum ganho na
caldeiras Term. F1 Term. F2
taxa de emissão.
FONTES DE POLUIÇÃO Para o poluente material particulado e óxi-
MP SO₂ NOx CO HC HCNM dos de nitrogênio, a compensação ocorreria na
proporção 1:1, não atendendo aos dispositivos
FIGURA 3 – Emissões da termelétrica e caldeiras da Petrobrás da Lei Federal 6938 que prevê a melhoria e re-
(Adaptado EIA/ RIMA CCBS, 2000). cuperação do meio ambiente. Para as outras

34 – Saneas / abril 2005


Artigos Técnicos

emissões de poluentes indicadas, como no caso se nota é a manutenção das taxas de emissão de
dos hidrocarbonetos não metano e monóxido poluentes tidas como saturadas, sem qualquer
de carbono, a compensação das taxas de emis- avanço no sentido de reduzi-las dentro da bo-
são também não ocorreria. lha imaginária.
A análise do processo de licenciamento da
Termelétrica Central de Cogeração da Baixa- Conclusão e Recomendações
da Santista revela uma série de falhas técni- O processo de licenciamento ambiental pelo
cas, legais e conceituais que seriam determi- Poder Público deve atender às necessidades
nantes para impedir a implantação do empre- de todos os segmentos da sociedade, titulares
endimento ou condicionar seu licenciamento do direito constitucional a um meio ambiente
à compensação das taxas de emissão dos po- ecologicamente equilibrado, fazendo-os crer,
luentes, quais sejam: que esse sistema preventivo e corretivo seja su-
ficiente para garantir-lhes qualidade de vida,
 Não foi adotado na íntegra o critério de com- função precípua da administração (CARRA-
pensação ambiental (Conceito Bolha) aplicado MENHA, R. 2001)
anteriormente pela Agência Ambiental da CE- Neste aspecto o Estudo Prévio e o Relató-
TESB em Cubatão, no licenciamento de novas rio de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), assim
unidades industriais. como as Análises de Licenciamento Ambien-
tal (Licença de Instalação), são instrumentos
 A região central de Cubatão é legalmente sa- legais preventivos que devem compatibilizar o
turada por ozônio e entre as emissões de po- desenvolvimento sócio-econômico com a pre-
luentes previstas na operação da termelétrica servação do meio ambiente, portanto sujeito a
encontram-se os óxidos de nitrogênio e hidro- regras claras, recomendações e exigências téc-
carbonetos não-metano, ambos precursores de nicas que permitam as suas mais perfeita ade-
oxidantes fotoquímicos. quação.
A ausência de critérios ou até mesmo o cri-
 O projeto da termelétrica foi concebido para tério de compensação ambiental das taxas de
operar com turbinas de baixa emissão de NOx, emissão de poluentes, através da aplicação dos
porém sem os necessários equipamentos de con- fundamentos do “Conceito Bolha”, no licencia-
trole de poluentes para as emissões subseqüentes, mento de novos empreendimentos industriais,
largamente empregados nos Estados Unidos. na forma em que se apresenta, não atende aos
objetivos preconizados na Legislação Ambien-
 As estimativas das emissões de monóxido tal Federal n. º 6938, de 31 de agosto de 1981,
de carbono das turbinas e das caldeiras de re- que dispõe sobre a política Nacional do Meio
cuperação da Termelétrica, são superiores as Ambiente. A recuperação do meio ambiente é
emissões das caldeiras que seriam desativadas o objetivo maior da Política Nacional de Meio
na área da Petrobrás. Ambiente e deve ser conseguida através de re-
gras claras e bem definida.
 As emissões de óxidos de nitrogênio apresen- Neste aspecto, os autores do presente traba-
tadas pelo empreendedor foram questionadas lho entendem como necessário à adoção de um
pelo Ministério Público por terem sido obtidas critério único para licenciamento de novos em-
dos fabricantes das turbinas. Somente as demais preendimentos industriais, com base no “Con-
emissões (monóxido de carbono, hidrocarbo- ceito Bolha” acrescido das seguintes propostas:
netos, material particulado e dióxido de enxo-
fre) foram estimadas através de dados oficiais da  A implantação de novas fontes de poluição
Agência Ambiental dos Estados Unidos. do ar, em região saturada ou em via de satura-
ção, deverá compensar os poluentes na razão
 No geral, observa-se que o critério adotado superior à proporção 1:1 (por exemplo, para
pela CETESB em Cubatão com base no Con- região saturada alterar de 1:1 para 1:2, onde
ceito Bolha, mesmo que fosse aplicado na ín- cada nova unidade de emissão somente será
tegra, trocaria as taxas de emissão de poluentes aceita se houver uma redução acima de duas
na proporção de 1:1, deixando de atender a Le- unidades de emissão já existente na indústria).
gislação Brasileira (Lei Federal n. º 6938 de 31 Essa redução poderá ser feita em fontes de po-
de agosto de 1981), que dispõe sobre a política luição da mesma empresa ou em fontes de ou-
Nacional do Meio Ambiente. Em síntese, o que tras empresas situadas na mesma bacia aérea,

Saneas / abril 2005 – 35


Artigos Técnicos

desde que haja similaridade entre os poluen- por emissões pontuais (chaminés, descargas,)
tes industriais e deverão levar em consideração de fontes existentes, pelo fato de estas últimas
as deficiências do Conceito Bolha, garantindo apresentarem partículas de menor granulome-
a redução progressiva e contínua do inventário tria e, portanto, prejudiciais à saúde pública.
das fontes de poluição.
 O Conceito Bolha somente poderá ser apli-
 A Bolha imaginária deverá ser considera- cado em fontes que apresentem emissões de
da sobre o empreendimento como todo (in- poluentes similares.
ventário global). Porém, o controle da polui-
ção deverá ser exercido de forma individuali-  Não serão permitidas as trocas de emissões
zada, trocando taxa de emissão fonte por fonte, de poluentes com maior toxicidade de fontes
como forma de evitar a troca de um poluente novas, por emissões de fontes existentes com
não tóxico por um poluente tóxico, ou deixar menor toxicidade. Essa regra deverá se limitar
sem controle as fontes mais significativas (fon- aos poluentes saturados ou que estejam iden-
tes primárias) de poluição do ar. tificados, comprovadamente, como fitotóxi-
cos (material particulado, amônia, fluoretos e
 No controle da fonte de poluição já existente Compostos Orgânicos Voláteis).
ou a ser implantada em área não saturada de-
verá ser adotado equipamento de melhor tec- A administração ambiental das bacias aére-
nologia prática disponível internacionalmente. as das regiões saturadas ou em vias de satura-
ção deverão incluir o Conceito Bolha associa-
 No controle da fonte de poluição já existen- do a outras propostas:
te ou a ser implantada em área saturada deverá
ser utilizada tecnologia de controle que atenda  Melhoria razoável e progressiva na qualida-
aos padrões de emissão mais restritivos. Na au- de do ar.
sência desses padrões deve-se proibir a entrada
de fontes novas.  Diminuição progressiva do inventário de
fontes.
 O empreendedor deverá operar e manter em
perfeitas condições de funcionamento os equipa-  Proibição da entrada de novas fontes de po-
mentos ou sistemas de controle de poluição do ar. luentes comprovadamente saturados na bacia
ou fitotóxicos (material particulado, amônia,
 A troca de poluentes deve ser feita por fontes fluoretos e Compostos Orgânicos Voláteis).
com os mesmos poluentes, por exemplo: mate-
rial particulado x material particulado, óxidos  Poluentes que não estejam saturados, mas que
de nitrogênio x óxidos de nitrogênio, monóxido sejam precursores de poluentes saturados ou em
de carbono x monóxido de carbono e assim por vias de saturação, deverão ser considerados na
diante em relação aos demais poluentes. compensação das taxas de emissão. Exemplo:
Óxidos de Nitrogênio e Hidrocarbonetos, que
 Não deve ser permitida a troca de emissões comprovadamente contribuem para formação
de material particulado de menor granulome- do Ozônio na baixa camada da atmosfera.
tria por emissões com maior granulometria.
 O empreendedor deverá desenvolver pro-
 As apresentações das propostas de controle das gramas contínuos de operação e manutenção
fontes de poluição devem ser acompanhadas dos dos equipamentos e sistemas de controle de
respectivos cronogramas de obras e os equipa- poluentes implantados.
mentos de controle deverão atender aos padrões
de emissão exigidos pelo Órgão Ambiental.  Haverá necessidade da criação de um ban-
co de emissões, que promova a negociação e
 Não pode haver aumento da carga de poluen- guarda dos créditos das taxas de emissões de
tes tóxicos dentro da bolha. A negociação pode poluentes atmosféricos.
ser aceita, se houver redução de toxicidade.
 O comércio de emissões deve ser evitado
 Não deverão ser permitidas as trocas de po- entre bacias aéreas, principalmente, entre áreas
eiras fugitivas (poluição difusa) de novas fontes saturadas, pois poderia não representar um ga-

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Artigos Técnicos

nho ambiental, dependendo da situação. ba II - Departamento de Ciências Atmosféricas da


Universidade de São Paulo – São Paulo, 2000.
 O Conceito Bolha somente deverá ser apli- CARRAMENHA, R. – O futuro do Contro-
cado entre fontes de poluição que apresentem le da Poluição e da Implementação Ambiental:
equipamentos de controle baseado no padrão Natureza Jurídica das Exigências Formuladas no
de emissão de poluentes. Licenciamento Ambiental, : Anais do 5º Congresso
Internacional de Direito Ambiental IMESP – São
Paulo, 2001. p. 193 - 208.
 Os equipamentos de controle de poluentes CEPA - CALIFORNIA ENVIRONMENTAL
deverão dispor de monitoramento contínuo, PROTECTION AGENCY – AIR RESOURCES
“On Line”, em tempo real, com a Agência de BOARD. Guidance for Power Plant Siting and
Controle Ambiental, permitindo, assim, a re- Best Available Control Technology - Stationary
gularidade das emissões e, portanto, uma me- Source Division Issued - California, 1999. 56p.
lhor aplicação do “Conceito Bolha”. CETESB - COMPANHIA DE TECNOLOGIA
DE SANEAMENTO AMBIENTAL - Relatório da
 Estudos adicionais detalhados, para refor- Qualidade do Ar no Estado de São Paulo - Série
mulação do Artigo 42 do Regulamento da Lei Documentos – São Paulo, 2002.
997/76 que considere: CETESB - COMPANHIA DE TECNOLOGIA
DE SANEAMENTO AMBIENTAL – Relatório da
 O licenciamento ambiental de novos empre- Ação da CETESB em Cubatão – São Paulo, 1994.
CETESB - COMPANHIA DE TECNOLOGIA
endimentos industriais, ou ampliações de em-
DE SANEAMENTO AMBIENTAL Diagnóstico da
preendimentos industriais em regiões saturadas Contaminação e Plano de Recuperação de uma
de poluentes atmosféricos ou em vias de satura- Mata Ciliar Degradada por Efluentes Industriais
ção, para efeito de compensação deverão levar em Paulínia – São Paulo, 1993.
em consideração o balanço das taxas de emissão CETESB - COMPANHIA DE TECNOLOGIA
dos poluentes das respectivas fontes emissoras. DE SANEAMENTO AMBIENTAL Relatório tri-
mestral do Programa de Controle da Poluição
 Na inclusão de novas fontes de poluição do Ambiental em Cubatão São Paulo, 1986.
ar, as compensações das taxas de emissão de- EIA/RIMA - CCBS – Estudo de Impacto Am-
verão ocorrer na proporção acima de 1:1, e que biental e Relatório de Impacto Ambiental da Cen-
efetivamente comprove um ganho ambiental tral de Cogeração de Energia da Baixada Santista
que garanta uma melhoria e recuperação da – São Paulo, 2000.
qualidade ambiental, conforme previsto na Le- FERREIRA, L. G. – A incompatibilidade da
gislação Federal 6938/81. existência de zonas saturadas de poluição do ar
com o direito fundamental de todos ao meio am-
biente ecologicamente equilibrado e o licencia-
 Considerar as taxas de emissão das fontes fixas mento de atividades potencialmente poluidoras
e móveis nos cálculos das estimativas de emis- nessas áreas no estado de São Paulo – 5º Congres-
são de poluentes existentes no empreendimento so do Ministério Público do Estado de São Paulo, 6º
a ser licenciado. Tal fato se faz necessário tendo Encontro Anual dos Grupos Especiais de Promoto-
em vista que via de regra, a inclusão de uma nova res de Justiça do Meio Ambiente. Caderno de Teses
unidade, representa aumento no recebimento de 2001, São Paulo. p. 223-235.
matéria prima e produtos elaborados. LANDAU, J. L. Chevron USA v. NRDC: The
Supreme Court declines to burst EPA`s Bubble
 Poluentes que não estejam saturados, mas que Concept - Copyright (c) 1985 Environmental Law
sejam precursores de poluentes saturados ou em Northwestern School of Law Lewis & Clarck Col-
vias de saturação, deverão ser considerados na lege – vol. 15, page 285. Winter, 1985.
compensação das taxas de emissão. Exemplo: M.P.E.S.P - MINISTÉRIO PÚBLICO DO ES-
Óxidos de Nitrogênio e Hidrocarbonetos que TADO DE SÃO PAULO, Ação Civil Pública
Ambiental contra a Central de Cogeração da
comprovadamente contribuem para formação Baixada Santista - Promotoria de Justiça do Meio
do Ozônio na baixa camada da atmosfera. Ambiente da Comarca de Cubatão - Cubatão, São
Paulo, 2001a.
Referências Bibliográficas REITZE, J. R e ARNOLD W. - Overview and
ANDRADE, M. F. – Parecer sobre a aplicação Critique: A Century of air Pollution Control
de modelo RPM-IV na avaliação do potencial de Law: Environmental Law. Northwestern School
formação de ozônio resultante das emissões de of Law of Lewis & Clark College. Vol. 21, page 1549.
seus precursores pela Usina Termelétrica Cario- (Summer 1991). ■

Saneas / abril 2005 – 37


ARTIGO TÉCNICO

Aumento da capacidade das ETE


pela aplicação de produtos químicos
Geraldo Julião dos Santos 
Iara Regina Soares Chao 

RESUMO
O presente trabalho teve por objetivo avaliar a tecnologia CEPT – Chemically Enhancend Primary Treatment ou
“Tratamento Primário Aprimorado Quimicamente” visando o aumento da capacidade das estações de tratamento de
esgotos (ETE), da Região Metropolitana de São Paulo de forma a maximizar a sua vazão com investimentos menores
em relação às outras técnicas. Efetuou-se primeiramente um diagnóstico de cada uma das cinco estações de tratamento
de esgotos da RMSP, o que possibilitou o levantamento de parâmetros importantes, tais como folgas operacionais por
unidade, pontos críticos de estrangulamento, e os impactos e os custos da utilização desta tecnologia em comparação
com o sistema convencional de lodos ativados.
No caso específico das estações de tratamento de esgotos da RMSP, o presente trabalho mostra que a otimização do
processo com implantação de tecnologia CEPT, pode não ser aplicável, pelo menos isoladamente, pois além do alto cus-
to de produtos químicos, a adoção desta tecnologia implicaria em necessidade de ampliação da fase sólida (construção
de digestores e filtros prensa), pois apesar de estarem com algumas unidades de processo com capacidade superior à da
estação, têm em sua fase sólida o ponto crítico de estrangulamento, pois praticamente em todas as ETE a fase sólida está
dimensionada para a mesma capacidade nominal da estação.
Portanto, avaliou-se que a tecnologia CEPT para “turbinamento” (ampliação da capacidade da estação com investi-
mentos reduzidos), nem sempre é alternativa mais econômica, em comparação à opção de expansão convencional mo-
dular, tanto em função do alto custo operacional derivado da utilização de produtos químicos como em função da maior
produção de lodo primário que esta alternativa gera, e conseqüente necessidade de ampliação da fase sólida.

INTRODUÇÃO de processo dimensionadas para fase futura, têm


As cinco ETE da RMSP tem capacidade no- a fase sólida como ponto crítico de estrangula-
minal de 18,0 m3/s, e capacidade efetiva insta- mento do processo de tratamento. Devido ao fato
lada superior a capacidade nominal. Essa varia- de que os digestores e filtros prensa estão sub di-
ção entre capacidade efetiva instalada e capaci- mensionados para as vazões atuais em todas as
dade nominal ocorre porque, durante a fase de ETE´s, a tecnologia CEPT (Chemichally Enhan-
planejamento e posterior dimensionamento das ced Primary Treatment) não se torna economica-
unidades, são avaliadas as conveniências técni- mente atraente em relação ao sistema convencio-
co-econômicas tendo em vista as futuras expan- nal, em função da maior produção de lodo pri-
sões. Como resultado, algumas unidades apre- mário que esta alternativa gera e, principalmente,
sentam-se com capacidade efetiva instalada su- dos altos custos referentes a produtos químicos.
perior à capacidade nominal, ou seja, a capaci- Portanto a tecnologia CEPT para turbina-
dade nominal não implica que todas as unida- mento (ampliação sem grandes investimentos),
des de processo tenham tal capacidade. não é aplicável as ETE´s da RMSP, pois o custo
O presente trabalho teve por objetivo ve- de produtos químicos é elevadíssimo, isso além
rificar a capacidade efetiva de tratamento das de que a tecnologia CEPT implicaria em am-
cinco ETE´s da RMSP, folgas operacionais e os pliação da fase sólida através da construção de
pontos críticos de estrangulamento por unida- digestores, filtros prensa, bem como obras civis
de do processo de tratamento. A partir desse para instalação destes novos equipamentos.
levantamento, avaliou-se a utilização de tecno-
logias para a otimização das unidades e maxi- OBJETIVO
mização da capacidade de tratamento das esta- • Verificar a capacidade efetiva de tratamento
ções com o mínimo de ampliação. das cinco ETE´s da RMSP, operadas pela Uni-
Este trabalho mostra que as cinco estações da dade de Negócio de Tratamento de Esgotos;
RMSP, apesar de estarem com algumas unidades • Avaliar a folga operacional de cada ETE e os

 Engenheiro da Sabesp, e-mail: ichao@sabesp.com.br


 Engenheira da Sabesp.

38 – Saneas / abril 2005


Artigos Técnicos

QUADRO 1 – Efeito dos polímeros na eficiência de remoção de DBO dos decantadores primários
Produto Químico Eficiência dos decantadores primários Eficiência total da planta
Remoção antes da Remoção depois da Remoção antes da Remoção depois da
adição de polímeros adição de polímeros adição de polímeros adição de polímeros
(%) (%) (%) (%)
Purifloc A-21 26 48 83 90

Purifloc A-23 31 46 79 83

pontos críticos de estrangulamento do proces- líquida, com redução de consumo de energia


so de tratamento; do sistema de aeração. O aumento de eficiência
• Avaliar as possibilidades de aumento da capa- de remoção de sólidos nos decantadores pri-
cidade das ETE´s através da tecnologia CEPT; mários é diretamente proporcional ao aumento
• Comparar custos de tratamento por CEPT e de sólidos removidos (em torno de 20% a 40%
por lodos ativados convencionais. no CEPT a mais do que o processo convencio-
nal, dependendo da concentração de produtos
METODOLOGIA químicos utilizados que vai variar em função
A metodologia de trabalho adotada foi de- da composição do esgoto da ETE em estudo),
senvolvida em duas etapas de estudos divididas porém esse não é o único fato a ser computa-
da seguinte forma: Na primeira etapa foi feito do na quantificação do aumento de lodo desse
uma revisão bibliográfica da tecnologia CEPT, processo. O Quadro 2, a seguir, ilustra bem o
e um levantamento das capacidades nominais aumento de lodo gerado nos adensadores por
e efetivas de cada unidade da estação, avaliou- gravidade devido a adição química de sólidos
se a folga operacional de cada ETE e o ponto de nos decantadores primários por CEPT.
estrangulamento para a máxima capacidade de O acréscimo de lodo primário no processo
tratamento de vazão. Com isso foi possível ava- CEPT corresponde a somatória de três parcelas
liar a possibilidade de aumento da capacidade distintas; introdução de produtos químicos adi-
por utilização de tecnologias de otimização de cionados ao processo, acréscimo de sólidos pro-
processo para cada uma das ETE´s da RMSP. venientes da melhoria de remoção, e uma ter-
Na Segunda etapa, de posse deste levantamen- ceira parcela referente a remoção de partículas
to, avaliou-se a possibilidade de uso da tecno- coloidais não removíveis, por processo conven-
logia CEPT nas ETE’s da RMSP. Foi excluída cional nessa fase; totalizando, portanto, um in-
nessa avaliação, a ETE Parque Novo Mundo cremento em torno de 64% de sólidos em peso.
que não possui decantadores primários. É importante ressaltar que esse incremento
é altamente variável em função da dosagem re-
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA querida; o manual de operação da agência de
A tecnologia CEPT – Chemically Enhancend proteção ambiental americana, MOP-8, relata
Primary Treatment ou “Tratamento Primário faixas entre 50% e 100% (WEF,1992). Tais re-
Aprimorado Quimicamente” consiste na adi- sultados irão interferir no dimensionamento
ção de sais férricos e polímeros orgânicos na das unidades de tratamento da fase sólida, cor-
unidade de decantação primária. Nos traba- respondentes aos lodos primários; adensadores
lhos relatados com a utilização da tecnologia por gravidade e digestores. Em compensação,
CEPT, tais produtos têm sido aplicados como com a diminuição da carga de sólidos enviada
pré-precipitantes para diminuir ou equalizar para os tanques de aeração, há redução de mas-
a carga afluente à etapa biológica resultando sa a ser enviada para os decantadores secundá-
em melhorias de remoção de sólidos suspen- rios, com conseqüente redução de lodos para
sos totais e DBO particulada, atingindo níveis os adensadores por flotação, reportados na lite-
de 50% de remoção de carga orgânica medida ratura em torno de 20% (WEF,1992) e até 50%
em termos de DBO nos decantadores primá- (CHAUDHARY, R 1991). Porém, no cômputo
rios, contra 30% do tratamento convencional. geral, o acréscimo total de produção de lodo na
O Quadro 1 ilustra a eficiência de remoção, planta varia de 5% a 25% (WEF,1992).
com a utilização de polímeros nos decantado- É importante ressaltar que há um acrésci-
res primários. mo muito significativo na fase sólida referente
Com essa melhoria de eficiência, obtém-se as unidades de tratamento das áreas dos aden-
aumento da capacidade de tratamento da fase sadores por gravidade e dos digestores, re-

Saneas / abril 2005 – 39


Artigos Técnicos

QUADRO 2 sideração sobre possíveis alterações da qualida-


Efeito do CEPT no acréscimo de lodo dos decantadores primários de dos biossólidos. Com o aumento de eficiência
Origem do acréscimo de lodo no decantador primário % na remoção de metais e orgânicos da fase líqui-
Adicional de lodo devido a captura de 90% de sólidos 38 da, e devido ao fato de nossas estações recebe-
Adicional de lodo próprio a adição química 11 rem contribuições industriais poderá haver um
Adicional próprio a captura coloidal 15 aumento de concentração de constituintes espe-
Total de lodo gerado por CEPT 64 cíficos e indesejáveis. O acréscimo de lodo pri-
mário gerado no processo CEPT corresponde a
QUADRO 3 – Quantidade de Lodo a ser Digerido – ETE Barueri somatória de três parcelas distintas; introdução
Tratamento de esgotos por (kg/dia) (m³/dia) de produtos químicos adicionados ao proces-
lodos ativados convencional so (+11%), acréscimo de sólidos provenientes
Sem Cept 356.151 13.160 da melhoria da eficiência de remoção (+38%)
Com Cept 569.943 23.200 e uma terceira parcela referente a remoção de
Acréscimo percentual com Cept 60,0% 76,3% partículas coloidais não removíveis por proces-
so convencional nesta fase; totalizando portanto
QUADRO 4 – Resumo da capacidade efetiva das ETE da RMSP um incremento de 64% de sólidos em peso.
ETE Capacidade Capacidade Unidades
nominal efetiva limitantes Avaliação da situação atual
(m³/s) (m³/s) das ETE da RMSP
ABC 3,0 3,8 Decantadores secundários As cinco Estações de Tratamento de Esgotos
Barueri 9,5 9,5 Decantadores primários; da Região Metropolitana de São Paulo (RMS)
Decantadores secundários; têm capacidade nominal de 18,0 m3/s, mas a ca-
Filtros prensa
pacidade efetiva instalada de algumas unidades
Parque Novo 2,5 2,6 Filtros prensa
Mundo
do processo é superior a capacidade nominal da
estação. Esta variação entre capacidade efetiva
São Miguel 1,5 1,5 Adensadores por gravidade;
Digestores instalada de unidades do processo e capacidade
Suzano 1,5 1,5 Bombas da elevatória final; nominal da Estação de Tratamento de Esgotos
Decantadores primários ocorre porque, durante a fase de planejamento
Total 18,0 18,9 e posterior dimensionamento das unidades, são
avaliadas as conveniências técnico-econômicas
QUADRO 5 – Número de unidades a implantar nos cenários avaliados tendo em vista as futuras expansões. Como re-
Simulação da ETE Barueri - Vazão afluente de 19 m3/s. sultado, algumas unidades apresentam-se com
Unidades adicionais Sem CEPT Com CEPT Com CEPT capacidade efetiva instalada superior à capaci-
sem by-pass com by-pass dade nominal da ETE, ou seja, a capacidade no-
Decantadores Primários 08 08 08 minal da estação não implica que todas as uni-
Tanques de Aeração 08 05 0 dades de processo tenham tal capacidade. Man-
Decantadores Secundários 16 10 02
tidas as condições de projeto, ou seja, sem alte-
ração do processo atual, estão descritas abaixo
Adensadores 0 01 01
as situações de cada ETE quanto a sua capacida-
Flotadores 0 0 0 de total, bem como as capacidades das unidades
Digestores 03* 04* 04* de processo. O Quadro 4, ao lado, apresenta, re-
Filtro prensa 04 06 06 sumidamente, a capacidade nominal e efetiva de
* Número de digestores aquecidos adicionais aos oito digestores existentes cada uma das ETE, bem como as unidades que
limitam a capacidade efetiva.
portados na literatura numa faixa de variação
de 64% (6 ) e, na área dos filtros prensa, esse Simulação da utilização
acréscimo diminui para 5% a 25%, percentual de CEPT na ETE Barueri
que corresponde exatamente ao acréscimo glo- A utilização da tecnologia CEPT permite a
bal da planta. O Quadro 3 ilustra o aumento da duplicação da capacidade nominal do trata-
quantidade de lodo a ser digerido para a vazão mento primário. Para efeito ilustrativo, apre-
de 24,2 m3/s para a ETE Barueri, simulado pelo sentamos um desenho esquemático na Figura
programa GPS-X – Geral Plant Simulation, uti- 1, sobre a utilização do CEPT, e no Quadro 7,
lizado nos estudos de alternativas do Plano Di- as necessidades de ampliação das demais uni-
retor de Esgotos da RMSP. dades do processo para a vazão de 19,0 m3/
O outro ponto crítico desse processo é a con- s, com e sem a utilização de CEPT. É impor-

40 – Saneas / abril 2005


Artigos Técnicos

FIGURA 1
Desenho esquemático da opção 0,7Q=6,7m³/s
com CEPT e by-pass

2Q=19 m³/s Tratamento 2Q=19 m³/s 1,3Q=12,3m³/s Tratamento 2Q=19 m³/s


Primário Secundário
(T. A + D.S)

tante ressaltar que nessa simulação não foram taxas de escoamento superficial de até 33 m3/
computados rearranjos hidráulicos para aten- m2 x dia nos decantadores secundários, supe-
der essa vazão, já que há uma limitação física riores as taxas projetadas para um sistema con-
imposta pela capacidade hidráulica dos canais vencional (estabelecidas em 25 m3/m2 x dia).
afluentes ao tratamento primário, com valor Para aumentar a capacidade efetiva das ETE,
em torno de 14,5 m3/s.Para adequação do tra- seja qual for a tecnologia escolhida, é necessá-
tamento secundário à vazão nominal de 19,0 rio solucionar seus pontos críticos de estrangu-
m3/s, podem ser aplicáveis duas concepções di- lamento. Se estes fossem apenas na fase líquida
ferenciadas, quais sejam, o tratamento de toda (decantadores primários, tanques de aeração
a vazão duplicada, ou a utilização de uma com- e/ou decantadores secundários), a tecnologia
binação com by-pass que garanta a qualidade CEPT, isoladamente, poderia ser uma alterna-
exigível no efluente final, conforme legislação. tiva atraente.
A pesquisa desenvolvida considerou uma com-
binação de tratamento para a vazão adicional Consumo e custo de produtos químicos
(de + 9,5 m3/s), sendo 70% desta vazão adicio- Apresenta-se no quadro a seguir um cálculo
nal apenas com nível primário e 30% com tra- estimativo de custos de produtos químicos por
tamento secundário (tanques de aeração e de- utilização de CEPT para a vazão de 19,0m3/s.
cantação secundária). Nesta situação, a dupli- Na ETE Barueri, foram realizados alguns
cação do tratamento primário na ETE Barueri ensaios para obtenção das dosagens neces-
de 9,5 m3/s para 19 m3/s, implicaria em tratar sárias de polieletrólitos e cloreto férrico (SE-
com nível primário o total de 19,0 m3/s e em BESP/AEOB, 2001), visando avaliar a utiliza-
direcionar 12,3 m3/s para o tratamento secun- ção de CEPT. Baseado nesse estudo, que resul-
dário (2,8 m3/s +9,5 m3/s), sendo que 6,7 m3/s tou em dosagens bem similares às encontra-
não teriam tratamento secundário (correspon- das na literatura, confirma-se que o custo dos
dente à parcela desviada para o by-pass). produtos químicos pode inviabilizar o investi-
O Quadro 5 mostra a necessidade incre- mento. Este custo foi avaliado em torno de R$
mental de unidades do processo para a vazão 250.000/mês, para a vazão atual de 7,0 m3/s,
de 19,0m3/s, para os três cenários avaliados: valor aproximadamente equivalente ao custo
• pelo processo convencional biológico (sem atual de energia elétrica da estação.
CEPT)
• com CEPT e by-pass Cotejamento econômico
• com CEPT e sem by-pass (tratamento se- Apresentam-se a seguir, os quadros de com-
cundário de toda a vazão duplicada) paração econômica entre a tecnologia CEPT x
A utilização do processo CEPT resultaria em Tratamento Biológico Convencional, elabora-
diminuição da carga de sólidos enviada para dos no Estudo da Revisão e Atualização do Pla-
os tanques de aeração, havendo com isso ga- no Diretor de Esgotos da RMSP, para as vazões
nho de área de até 20%. Os tanques de aeração de fim de plano, os quais mostram que a tecno-
da ETE Barueri, que comportam atualmente a logia CEPT nem sempre é a mais econômica,
vazão de 10,4 m3/s ( processo convencional), devido aos grandes investimentos necessários
atenderiam a vazão de 12,3 m3/s decorrente do na fase sólida.
cenário “ CEPT com by-pass”.Quanto ao pro- A ETE Parque Novo Mundo não foi avaliada
cesso de decantação secundária, o Quadro 7 na revisão citada, em relação à otimização de
indica menor necessidade de tanques em rela- processo através de CEPT, por não possuir de-
ção ao processo convencional, porque a utiliza- cantadores primários, visto que tal otimização
ção da tecnologia CEPT permite trabalhar com é exclusiva para estas unidades.

Saneas / abril 2005 – 41


Artigos Técnicos

(a) Polímeros (b) Cloreto Férrico CONCLUSÃO


Q=19,0 m3/s Q=19,0 m3/s O presente trabalho mostra que a otimiza-
C = 0,26 mg/L C = 35 mg/L ção das ETE da RMSP com implantação de tec-
q1 = 0,26 x 19,0 x 86,4 = 426,82 kg/d q2 = 35 x 19,0 x 86,4 = 57.456 kg/d nologia CEPT, isoladamente, nem sempre é al-
Custo aproximado do polieletrólito = 5 Custo aproximado do cloreto férrico =
R$/kg 350 R$/ton
ternativa mais econômica, em comparação à
Custo da aplicação do polímero Custo da aplicação do cloreto férrico opção de expansão convencional modular, tan-
C1 = 5 x 426,82 = 2.134 R$/d C2 = (350/1000) x 57.456 = 20.109,6 to em função do alto custo operacional deri-
R$/d vado da utilização de produtos químicos como
Custo Total = 20.109,6 + 2.134 = 22.244 R$/d (ou R$ 667.308 / mês) em função da maior produção de lodo primá-
rio que esta alternativa gera, e conseqüente ne-
O Quadro 8 mostra que a tecnologia CEPT cessidade de ampliação da fase sólida.
para a ETE ABC não requer investimentos ex- Para aumentar a capacidade efetiva das ETE,
pressivos. Isto porque nesta estação já foi cons- seja qual for a tecnologia escolhida, é necessá-
truída boa parte das instalações da fase sóli- rio solucionar seus pontos críticos de estran-
da prevista para a segunda etapa do plano, ou gulamento, apresentados como unidades li-
seja, a ETE ABC, com exceção dos filtros pren- mitantes no Quadro 6. Se o estrangulamento
sa, tem a fase sólida superdimensionada em re- fosse apenas na fase líquida (decantadores pri-
lação à fase líquida, o que vem ao encontro do mários, tanques de aeração e/ou decantadores
conceito já exposto neste documento de que a secundários), a tecnologia CEPT, isoladamen-
tecnologia apresenta vantagens para estações te, poderia ser uma alternativa atraente. Por-
em que a fase sólida esteja capacitada para va- tanto, a tecnologia CEPT para “turbinamento”
zão superior à vazão nominal da ETE. (ampliação da capacidade da estação com in-
O Quadro 7 mostra que a tecnologia CEPT vestimentos reduzidos), pode não ser aplicá-
para a ETE Barueri apresenta aumento signifi- vel as ETE da RMSP, pelo menos isoladamente,
cativo de investimentos em relação à alterna- pois além do alto custo de produtos químicos,
tiva convencional, isso porque esta tecnologia a adoção desta tecnologia implicaria em neces-
exige aumento de capacidade de 60% dos di- sidade de ampliação da fase sólida (construção
gestores e 20% de aumento de capacidade dos de digestores e filtros prensa).
filtros prensa. De acordo com a conclusão do A ampliação da capacidade das ETE da
Plano Diretor de Esgotos – Volume 4 – Propo- RMSP pela otimização do processo (“turbi-
sições para Ampliação da ETE Barueri, o nú- namento”), seja através da alternativa CEPT
mero total de filtros prensa necessário para ou em associação com outras alternativas
o fim de plano é de 16, quando se considera tecnológicas, representa uma opção que não
a utilização da tecnologia CEPT, ou seja, seis deve ser descartada, pois há experiências in-
unidades a mais do que o considerado na al- ternacionais similares bem sucedidas. Reite-
ternativa convencional. O custo anual com dis- ramos que a presente sugestão está baseada
posição de lodo para o ano 2020 salta de US$ em dados e informações técnicas existentes,
20.536.409 para US$ 32.598.113, com a utiliza- que se não apresentam a profundidade re-
ção de CEPT. querida para conclusões finais, são suficien-
O Quadro 8 mostra que a tecnologia CEPT tes para justificá-la. Ainda que venha a ser
para São Miguel, apesar de apresentar melho- proposta meta de aumento de capacidade no-
res condições econômicas, não é porém tecnica- minal das ETE da RMSP para valor superior
mente a melhor, devido às características dos es- a 25,0 m3/s, indicaríamos as ETE ABC e Ba-
gotos industriais peculiares àquela estação (Ni- rueri para objeto de estudo de ampliação de
troquímica), como já foi expresso no ítem “Ava- capacidade. Neste contexto, a AE preparou
liações preliminares da ETE São Miguel”. Por especificação técnica para a contratação de
este motivo, não foi escolhida como a melhor “turbinamento” da ETE Barueri, de 9,5 m3/s
alternativa, apesar de ser a mais econômica. para 15,0 m3/s, e da ETE ABC, de 3,0 m3/s
O Quadro 9 mostra que a tecnologia CEPT para 4,5 m3/s, expansões estas que prelimi-
para a ETE Suzano apresenta aumento signifi- narmente se pode considerar de baixo inves-
cativo de investimentos em relação à alterna- timento. Os estudos citados permitiriam ava-
tiva convencional. Isto porque esta tecnologia liar com precisão os custos envolvidos para
implica em ampliação da capacidade de diges- um incremento de 7,0 m3/s na capacidade
tores e de implantação de novas unidades de nominal atual das ETE da RMSP, que seria
filtros prensa. ampliada portanto, para 25,0 m3/s.

42 – Saneas / abril 2005


Artigos Técnicos

QUADRO 6 – Comparação de custos entre as alternativas – ETE ABC


Alternativas estudadas ETE ABC Q=7,7 m3/s (2020)
Valor presente de Valor presente do Valor presente
despesa com O&M e custo de disposição de despesa total
de investimento final do lodo (US$1000)
(US$1000) (US$1000)
sem produtos químicos* 400.016 74.504 474.520
com produtos químicos 362.943 115.600 478.543

QUADRO 7 – Comparação de custos entre as alternativas – ETE BARUERI


Alternativas estudadas ETE Barueri Q=24,2 m3/s (2020)
Valor Presente de Valor Presente do Valor Presente
Despesa com O&M e Custo de Disposição de Despesa Total
de investimento Final do Lodo (x US$1000)
(x US$1000) (x US$1000)
sem produtos químicos* 2.328.156 202.202 2.530.358
com produtos químicos 2.800.400 329.435 3.129.835

QUADRO 8 – Comparação de custos entre as alternativas – ETE São Miguel


Alternativas estudadas ETE São Miguel Q=7,0 m3/s (2020)
Valor presente de Valor presente do Valor presente
despesa com O&M custo de disposição de despesa total
e de investimento final do lodo
(US$1000) (US$1000) (US$1000)
sem produtos químicos* 1.685.619 77.036 1.762.655
com produtos químicos 1.570.241 92.798 1.663.039

QUADRO 9 – Comparação de custos entre as alternativas – ETE Suzano


Alternativas estudadas ETE Suzano Q=3,0 m3/s (2020)
Valor presente de Valor presente do Valor presente de
despesa com O&M e custo de disposição despesa total
de investimento final do lodo
(US$1000) (US$1000) (US$1000)
sem químicos* 403.174 36.969 440.143
com produtos químicos 419.573 48.126 467.699
*opção escolhida no Plano Diretor

Referencias Bibliográficas latório Final do Estudo de Assistência Téc- Suzano”, São Paulo, Brasil, jan., 2000.
nica as Estações de Tratamento de Esgotos SABESP/TD “A Tecnologia CEPT no
CHAUDHARY, R; SHAO, Y..J; CROSSE, da RMSP”, São Paulo, outubro, 1999. Tratamento de Esgotos – Pesquisa Apli-
J; SOROUSHION, F “Evaluation of che- MORRISSEY, S.P; HARLEMAN D.R.F cada” Diretoria Técnica e Meio Ambien-
mical Addition” Water Environment & “Retrofitting Conventional Prima- te, Relatório Interno, dez., 1996.
Technology. 3 (2): 66-71, Feb., 1991. ry Treatment Plants for Chemically SLODCZYK,S ; JASINA,D “Low Dose
ENGEVIX / LATIN CONSULT “Revi- Enhanced Primary Treatment in the Chemical Pretreatment and Its Impli-
são e Atualização do Plano Diretor de USA”, s.l, s.d. cation on Biological Treatment Plants”.
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HARLEMAN, D.R.F; MURCOTT, S.E – Relatório Interno, 2001. Treatment: 375-383, 1998.
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cally Enhanced Primary Treatment”. ation, Optimization Demonstration – Chemical Pretreatment”. In: Chemi-
World Bank Report, 1992. Project at the ETE Barueri”, São Paulo, cal Water and Wastewater Treatment:
HIDROSERVICE “Estudo e Análise do Brasil, june, 1999. 351-362, 1998.
Processo da ETE Barueri para Opera- SABESP/ Environment Canadá – Wa- WEF – Water Environment Federa-
ção com Vazão Média de 9,5 m3/s”, São tershed Management 2000 Project, tion, “Design of Municipal Wastewater
Paulo, dez, 1992. “Resultados do Programa de Avaliação Treatment plants” Manual of Practice
METCALF & EDDY, Inc. / SABESP “Re- abrangente de Desempenho da ETE of Operation - MOP – 08, 2 v, 1992. ■

Saneas / abril 2005 – 43


P&D
ENTREVISTA MAURÍCIO REIS

De olho na gestão ambiental


A os 49 anos, o carioca Maurício José Lima Reis, ocupa um cargo
que exige conhecimentos múltiplos. Ele é diretor do Departamento
de Gestão Ambiental e Territorial da Companhia Vale do Rio Doce, a
mais importante companhia mineradora do país. Para ocupar esta ca-
deira, Maurício precisou unir conhecimentos de economia e, principal-
mente, de gestão ambiental. Para isso ele acumula no currículo títulos
como Delegado junto ao World Business Council for Sustainable De-
velopment; Delegado junto ao Conselho Empresarial Brasileiro para o
Desenvolvimento Sustentável; Membro do Conselho Executivo da As-
sociação Internacional de Comércio de Carbono, com sede em Genebra
(Montreal); e Coordenador da Câmara Técnica de Meio Ambiente da
AMCHAM-RJ; entre outros títulos. Além de ser autor do livro “Ges-
tão Ambiental – Um Fator de Sobrevivência para as Empresas”; Edito-
ra Qualitymark, 1996. Em entrevista a Saneas, o diretor da Companhia
Vale do Rio Doce fala sobre gestão ambiental e, principalmente, da im-
portância em ser um profissional multifacetado.

O senhor concorda que o papel do ais profissionais e também naque- E como se manter atualizado diante
engenheiro mudou nas últimas dé- les que estão há décadas no mer- de um mercado em que se exige um
cadas? cado. O engenheiro não tem mais profissional tão completo?
Sem dúvida. Um engenheiro de suas funções centradas apenas na É preciso investir em capacita-
qualquer área, seja ele sanitarista produção, mas também na quali- ção. E isso não deve ser uma pre-
ou engenheiro eletrônico, indepen- dade plena. Tem que ser um profis- ocupação apenas da empresa, mas
dente da área em que atue, preci- sional completo: produção visando também do profissional para con-
sa unir os conhecimentos técnicos resultado e também qualidade, que seguir se manter no mercado. Tem
com o ambiental. E, hoje, ele tam- inclui a não degradação. que estudar todos os dias. Vale revi-
bém precisa saber gerenciar, coor- rar a internet, ler as notícias diárias
denar trabalhos. É uma realidade Estas são preocupações apenas das –políticas, econômicas e de meio
bem diferente do que era há uma grandes empresas ou faz parte de ambiente–, procurar cursos de reci-
década, por exemplo. Atualmen- toda a cadeia de produção? clagem. É um vestibular diário. Não
te, quando se apresenta um proje- As pequenas e médias empresas dá para achar que a formação termi-
to para um novo tipo de sistema, é também passam pelas mesmas di- nou no dia da formatura da faculda-
preciso considerar como parte in- ficuldades que as grandes empre- de de engenharia. Aqui na Compa-
tegrante disso um projeto de con- sas. E a participação delas no mer- nhia Vale do Rio Doce, por exem-
trole ambiental. Isso tem que estar cado está aumentando. Hoje, inde- plo, todos os engenheiros passam
intrínseco, porque a poluição é vis- pendente do seu tamanho é preci- por processos de capacitação a cada
ta como um efeito indesejável no so estar atento as normas interna- seis ou oito meses. Nesses proces-
processo. Não é interessante para cionais. É isso que garante ou não sos, tentamos manter nossos profis-
a empresa produzir resíduos que sua presença no mercado interna- sionais não apenas atualizados com
irão poluir, porque isso gera gastos cional. Lá fora, não se negocia com as novas tendências de mercado e
extras em um futuro próximo. São empresas que não sejam social e tecnologias como também passar
despesas provenientes desta degra- ambientalmente responsáveis. Faz para eles o que a empresa espera de
dação. Ou seja, na visão empresa- parte do valor agregado. E os pro- seu trabalho. Este tipo de feedback
rial de hoje, não incluir, em qual- fissionais –e os engenheiros estão é importante, independente da área
quer sistema de produção, um pro- incluídos aí– precisam estar ante- em que se atua. É um compromis-
jeto ambiental, de redução de im- nados com esta tendência. É preci- so que a empresa precisa ter com o
pacto, é dinheiro jogado fora. Essa so estar atualizado nas tendências empregado e a sua empregabilida-
é a visão moderna, que precisa es- de mercado a curto, médio e lon- de. Esses cursos de capacitação têm
tar inserida na formação dos atu- go prazo. duração de uma semana. Se não es-

44 – Saneas / abril 2005


Entrevista

tiver atento a isso, o profissional fica passando a ser vista como um bem baseada no carvão, que gerou a de-
defasado para o mercado. econômico. Porque é sabido que, se vastação de suas florestas. Mas a so-
não cuidar, um dia, ela acaba. ciedade também aprendeu com isso,
E dentro desta noção de emprega- mesmo que o custo ambiental tenha
bilidade, a área ambiental é vista É possível ter desenvolvimento sus- sido alto. Seja no Brasil, seja na Eu-
como um setor em crescimento? tentável e crescimento econômico? ropa, a questão ambiental não tem
Com certeza. A área ambiental É possível, sim, conciliar qualida- fronteiras. Existe a universalida-
está hoje inserida na área de negó- de ambiental e crescimento econô- de dos princípios. E acredito que o
cios da empresa. É preciso entender mico. Investir em projetos que pre- Brasil está maduro nessa matéria.
sobre ecossistemas e estar sempre servem o meio ambiente e evitem a Nas negociações internacionais, nas
atento ao aprimoramento de tec- degradação da área no entorno das convenções, nós temos nos destaca-
nologias para evitar a degradação. empresas faz parte, hoje, do capi- do com projetos e iniciativas. Somos
Além disso, o profissional também tal intangível de uma organização. proprietários no que tange a biodi-
precisa estudar para inovar, porque Para conseguir parceiros fora do versidade. Precisamos praticar pro-
muitas soluções para antigos ou ve- país, isso conta e muito. Não é inte- gramas nesta área e ter também apa-
lhos problemas ainda necessitam de ligente para uma empresa degradar ratos legais para isso. Temos malhas
soluções viáveis. Para isso, o profis- a natureza. Em algum momento, ela hídricas, biomas fabulosos. Mas é
sional precisa ter um pé na acade- terá que pagar esta conta, seja por- necessário explorar tudo isso de ma-
mia e outro na área científica, que que não consegue fazer negócios lá neira sábia. Ainda temos muito o
é onde se geram as grandes idéias, fora ou porque ela passa a ser mal que aprimorar, mas estou positivo.
onde surgem as soluções, onde es- vista dentro do próprio país. No dia em que não tivermos nada
tão as tendências de pesquisas, as para aprimorar, estaremos indo na
novas tecnologias. É preciso desa- O senhor acredita que teremos um contra mão do desenvolvimento.
fiar na busca de novas soluções. futuro com processos de produção Hoje, acredito que governos, ongs
que gerem um menor impacto na e empresas querem a mesma coisa:
O ecomercado é uma tendência no natureza? um desenvolvimento baseado no tri-
Brasil? A história tem uma curva de pé do crescimento econômico, social
Não apenas no Brasil, mas tam- aprendizado. Veja o exemplo da Eu- e ambiental. E eu acredito, sim, em
bém no mundo. Tivemos uma evo- ropa. Eles tiveram uma economia um futuro promissor. ■
lução brutal nessa área nos últimos
20 anos. A questão ambiental antes
era hermética. Na Rio 92, discutir o Mineração é atividade economicamente
meio ambiente deixou o campo da necessária, mas ainda precisa ter impacto
ecologia e veio para o da economia. ambiental controlado
Hoje a questão ambiental está evo-
luindo da economia abstrata para A extração, o processamento, o transporte e o consumo de bens
a real. É crescente, por exemplo, o minerais não se fazem sem o consumo de energia, a geração de resí-
consumo de produtos norteados duos e a emissão de poluentes. Os impactos de cada mina dependem
pela qualidade ambiental. Quando de sua localização, do tipo de minério extraído e da tecnologia empre-
uma pessoa vai comprar um móvel, gada. Todos estes impactos podem ser controlados com o uso de téc-
muitas vezes, se preocupa em veri- nicas bem conhecidas.
ficar se a madeira usada para fazer É obrigação de toda empresa de mineração recuperar o ambiente
aquela mesa ou cadeira é certifica- degradado, de acordo com um plano previamente aprovado por órgão
da. Nos supermercados já é possí- governamental de controle ambiental. Muitas empresas conseguem
vel ver a preferência pelos produ- bons resultados, plantando espécies nativas em áreas mineradas, evi-
tos orgânicos, que não têm adição tando a erosão e reduzindo o impacto visual. Mesmo assim, em algumas
de agrotóxicos. Isso fez com o que regiões mineiras, os danos causados por décadas de atividade (passivo
o mercado necessitasse de profissio- ambiental) ainda não foram devidamente recuperados, como a região
nais mais voltados para esta ques- carbonífera de Santa Catarina, a extração de rochas ornamentais no
tão. É por isso que digo que essa é Espírito Santo e os garimpos de ouro e cassiterita na Amazônia.
uma área de negócio. Não é só uma Vale lembrar que a extração e o processamento de bens minerais
declaração de amor a natureza. A são atividades importantes para a economia brasileira e corresponde a
sociedade reconhece hoje o valor cerca de 8,4% do produto interno bruto.
da qualidade e da preservação am-
Fonte: Almanaque Brasil Socioambiental, do Instituto Socioambiental de São Paulo.
biental. A água, por exemplo, está

Saneas / abril 2005 – 45


HISTÓRIA DO SANEAMENTO

Arqueologia da água – parte II


A evolução tecnológica no abastecimento
da cidade de São Paulo, do século XVI ao XIX

Dalmo Dippold Vilar 


Filomena Pugliese Fonseca 

a vinda dos imigrantes acentua-se a ocupação


desordenada do espaço urbano e o abasteci-
mento de água não acompanha as novas mu-
danças, tornando-se crítico.
O Governo da Província, então, realizou
uma obra inédita de substituição do antigo sis-
tema de telhas de coxa e de regos, por encana-
mentos de ferro. No dia da inauguração, des-
ta que parecia ser a obra do século, nenhuma
gota d’água chegou aos chafarizes: a situação
piorou ainda mais, o engenheiro equivocou-se

P apel relevante na tentativa de matar a sede


os paulistanos tiveram os chafarizes. A pre-
ferência para sua construção recaia em pontos
com o diâmetro da tubulação!
A população sedenta e também revoltada
com o recrutamento obrigatório para a Guer-
de encontro de um número razoável de pes- ra do Paraguai (1864-1870), se manifestava
soas e nesse particular as igrejas ao longo dos através da imprensa: “V. Excia. tem o direito
séculos XVII e XIX eram o centro de atração de mandar os paulistas morrerem no Paraguay
do núcleo urbano. Alguns ficaram marcados a ferro e fogo, mas não pode matá-los a sede.
na memória paulistana como o dos Frades de Água, água, água, por caridade sr. Presidente:
São Francisco, do Tebas, do Piques, do Rosário o povo morre de sede!”
e do Miguel Carlos. Nos períodos de estiagem Em 1869, diante de todos esses problemas,
suas torneiras não jorravam com abundância e o engenheiro militar Azevedo Marques, con-
as brigas pelo fio de água resultavam em jarros tratado pelo governo, inova no abastecimen-
partidos e cabeças quebradas. to quando emprega tubos de papelão revesti-
Durante o século XIX a crise no abasteci- dos de betume, sistema que durou aproxima-
mento se agrava, surgindo uma figura peculiar, damente oito anos, levando água do tanque do
a dos “aguadeiros”, em geral portugueses, que Reúno ao chafariz do Jardim da Luz com ra-
devido à dificuldade no transporte das águas mal para o Piques. A manufatura desses canos
dos rios Anhangabaú e principalmente do Ta- era feita na antiga “casa dos loucos”, ou Hos-
manduateí, as ofereciam à porta das casas em pício dos Alienados, situado na atual avenida
pipas puxadas por burros. São João, que em fase de desativação oferecia
Os moradores que não possuíam escravos ao engenheiro espaço e segurança. Em 2000,
compravam a água em potes e a cada barril ou escavações arqueológicas realizadas no Jardim
pote correspondia uma marca de carvão na pa- da Luz evidenciaram esses encanamentos.
rede. Ao final do mês, computavam-se as mar- Esgotadas todas as tentativas de erradicar
cas e a conta era paga, a preços que variavam a secular falta d’água, o Governo Provincial
de 40 a 80 réis o barril de 20 litros. transfere para a iniciativa privada a incumbên-
A partir de 1867 com a construção da São cia de implantar e explorar um sistema eficaz
Paulo Railway a cidade se transforma em en- de abastecimento público, o que ocorreu em
treposto exportador da produção cafeeira do 1877, com a criação da Companhia Cantareira
interior da província ao porto de Santos e com de Águas e Esgotos.

 Doutorando em Arqueologia (USP), professor do Instituto Mairiporã de Ensino Superior.


 Advogada, Mestre em Ciências (USP), doutoranda em Arqueologia (USP).

46 – Saneas / abril 2005


História do Saneamento

Em 1881, os prédios do centro da capital e


os chafarizes passaram a ser abastecidos com
as águas captadas na Serra da Cantareira e adu-
zidas através de encanamentos de ferro fundi-
do num percurso de aproximadamente 14 km,
até chegar por força gravitacional à recém inau-
gurada caixa d’água da Consolação. A cidade
passou a contar, então, com o melhor sistema
de água e esgotos do Brasil. Entrávamos, final-
mente, no período de “captação” e não mais de
“catação” de água.
A empresa, no entanto, não conseguia
acompanhar a demanda que a explosão demo-
gráfica e o surto desenvolvimentista da cidade
exigiam, levando as autoridades a encampar a Escavação no Jardim da Luz, local onde foi
companhia, em 1892, e, um ano depois, criar evidenciado o tubo de papelão
a Repartição de Águas e Esgotos, mandando
destruir todos os chafarizes. Isso forçou os mo-
radores a consumirem água canalizada, geran-
do revoltas e obrigando a intervenção da força
policial, sem que nenhuma campanha educa-
tiva orientasse a população sobre as melhorias
no saneamento, que seriam a partir daí imple-
mentadas.
Ainda neste ano, foram construídos novos
reservatórios e para levar os materiais neces-
sários às obras, o governo implanta uma linha
férrea que ficou conhecida como “Tramway da
Cantareira”, que partia dos galpões da R.A.E.
no Pari em direção ao alto da Serra.
Em 1894, o fornecimento de água atinge 32
milhões de litros, mas, nos dez anos que se se- No lado esquerdo, nota-se o encanamento de papelão
guiram, deficiências tecnológicas impediram próximo a um muro de arrimo.
um correto abastecimento. Captadas no re-
servatório de Acumulação, onde atualmente foram postas em prática como a construção de
se encontra o clube da SABESP, as águas dos três reservatórios ou lagos artificiais com a de-
mananciais eram aduzidas às caixas d’água sapropriação das cabeceiras dos córregos do
da R.A.E. espalhadas pela cidade. Porém, de- Engordador, Guaraú e Cabuçu, localizados na
vido a premência das obras, foram aproveita- Serra da Cantareira.
dos os antigos encanamentos da Cia. Cantarei- Ao longo dos anos, várias alternativas foram
ra, cujos diâmetros dos canos e os desníveis de sendo implantadas pela R.A.E. e sua sucessora, a
terreno, por onde a derivação corria, diminu- SABESP, que aliando especialização e tecnologia
íam a pressão da água, fazendo com que a dis- vem desenvolvendo projetos no sentido de me-
tribuição continuasse deficitária. lhor aproveitar os recursos hídricos, oferecen-
Entretanto, o prenúncio do novo século que do água em quantidade e qualidade à população
se aproxima traz uma nova configuração da or- paulistana, que pela facilidade ao seu acesso não
dem urbana e a serenidade do burgo paulista- imagina o esforço e a luta travada pelos nossos
no dá lugar a uma transição; transforma-se a antepassados para conseguí-la. A Arqueologia
cidade agrária e mercantil em metrópole in- da Água procura ouvir as vozes do passado, res-
dustrial e cosmopolita, passando a exercer ple- gatando a memória do abastecimento de água
namente todas as funções a ela destinadas, exi- na cidade de São Paulo, materializando-a, cola-
gindo das autoridades maior rapidez na execu- borando para uma reflexão preservacionista de
ção de obras de infra-estrutura com a conse- defesa e valorização deste patrimônio vital para
quente melhoria do saneamento básico. a sobrevivência dos seres vivos. Afinal, a água é
Diante desta contingência, outras medidas líquida mas não é certa. ■

Saneas / abril 2005 – 47


Resenhas
História e conceitos te presenteia Euclides com seu competente foi a ditadura militar
geométricos Waterloo. Começa a maior re- brasileira. Foi preso em 1969, e
Uma histó- volução em geometria desde os trocado pelo embaixador alemão
ria de tirar o fô- gregos!! Gauss revolve “entortar” em 1970, viajando para Argel,
lego para quem o espaço. Ele afirmava que não junto de um grupo de brasilei-
ama a geome- eram necessários os cinco postu- ros seletos que incluía Fernando
tria. Assim é o lados de Euclides, resolve que o Gabeira. Uma auto-biografia ex-
livro “A Janela quinto postulado era descartável. tremamente bem escrita, tocante,
de Euclides”, de Afinal, será que por um ponto, delicada, de um brasileiro que
Leonard Mlo- passa apenas uma reta paralela, viveu cada instante como se fosse
dinow (Ge- a uma reta dada? Esse postulado o último, que passou a vida equili-
ração Editorial). Do teorema de poderia ser violado de duas ma- brando-se no fio da navalha, mas
Pitágoras à teoria das supercordas. neiras: poderiam não existir retas que nada, absolutamente nada, o
Como Kepler conseguia evoluir paralelas, ou poderia existir mais removeu de suas convicções.
nos cálculos, tendo que proteger do que uma reta paralela passan- No livro, Apolônio conta como
sua mãe da acusação de bruxaria? do por algum ponto externo. em Marselha, ocupada pelos na-
Será que os postulados de Eucli- Gauss prova que não era só a zistas, colocou uma bomba para
des são suficientes para garantir geometria euclidiana que estava libertar companheiros presos. E
a harmonia geométrica em duas em xeque, mas a matemática como comandou a brigada guerrilheira
dimensões? Afinal, quando voa- um todo. Começava ali uma re- que libertou Toulouse.
mos de São Paulo a Paris, qual é volução. Einstein, duzentos anos Uma passagem de tirar o fô-
a “reta” mais econômica, ou, pelo depois, foi beber nessa fonte para lego: “Duas pessoas passam por
menos, a mais curta? Mas, o quê fazer com que o espaço se “curvas- mim no mesmo sentido: parecem
são dimensões? se” quando submetido à ação de apressadas, e para meu alívio logo
O primeiro mapa-mundi cria- uma força gravitacional intensa. as perco de vista. A presa chega
do pelos gregos foi desenhado No início da década de 1990, ao topo, e as janelas e portas em
por Anaximandro, aluno de Ta- a teoria das cordas era o sucesso redor não emitem sinal de vida
les, em 550 a.C. Esse mapa divi- do momento. Mas ela tinha um – é chegado o momento. Aperto
dia o mundo em dois: Europa, a problema: haviam cinco teorias o passo, aproximo-me, ponho-
deusa da Agricultura, e a Ásia. diferentes para uma idéia que me à altura do inimigo, mas não
O norte da África situava-se na tentava unir a mecânica quântica o quero agredir pelas costas. In-
Ásia. Era um começo. com a relativística. A unificação terpelo-o, como numa provoca-
Euclides pretendia criar uma veio com a teoria mais geral das ção, e ele, surpreso, leva a mão
estrutura matemática consistente supercordas. à cintura. Meu cassetete, porém,
baseada na geometria espacial. Luiz Carlos Helou já lhe desceu sobre a cabeça, im-
Mas o espaço tem realmente a pelido pelo máximo de minhas
estrutura descrita por Euclides e A saga de um forças – tenho aos pés uma pedra
quantificada por Descartes? Exis- herói brasileiro caída. Sem detença, apalpo-lhe o
tem outras possibilidades? Será que coldre, retiro a pistola, recolho
Descarte consegue integrar a existe algum um punhado de munição. De sú-
álgebra e a geometria num único brasileiro he- bito me entra pelos olhos a nova
conceito. Surge a geometria ana- rói de três pai- realidade: eu, que nunca matara
lítica. Dela se beneficiam, numa ses? Existe sim. corpo a corpo um homem, estre-
luta entre dois dos maiores egos Apolônio de meço, diante do sangue a cobrir
da época, cheia de brigas, futricas Carvalho lutou a têmpora do nazista. Penso que
e paixões e dois monstros sagra- na guerra civil posso ter matado um operário,
dos do cálculo integral e diferen- espanhola ao um trabalhador comum compul-
cial: Newton e Leibnitz. lado dos anti-fascistas, na resis- soriamente mobilizado. Percorre-
Isso, só isso, não foi suficien- tência francesa, onde conheceu me um frio agudo, e, esquecido
te. A Europa estava atrasada de- sua mulher, Reneé e, no Brasil, do resto da munição, surpreen-
mais, precisava crescer e crescer onde se bateu contra a ditadura do-me quase correndo ladeira
rapidamente. Nascia um gigante: militar. Essa é a história da obra abaixo. Ao atingir uma transver-
Carl Gauss. “Vale a pena sonhar” de Apolônio sal, busco conter-me e caminhar
Podem as linhas paralelas se de Carvalho (editora Rocco). normalmente, mais que tudo
cruzar no espaço? O prodígio Se, nem Franco, nem Hitler para poder discutir comigo mes-
favorito de Napoleão Bonapar- o prenderam, mais tristemente mo e tornar a ser uno. Tenho de

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me repetir verdades que pareciam Tem coisa mais bela? é uma das mudanças propostas
assimiladas fazia muito: a fome e Enfim, um brasileiro que é neste livro. Por exemplo, ela cita
a humilhação do povo francês; os herói em três nações: Espanha, um dado do Programa das Na-
dois milhões de prisioneiros nos França e Brasil, ainda que tardia. ções Unidas para o Desenvolvi-
stalags; os retirantes sob metralha Luiz Carlos Helou mento (PNUD), “uma estimativa
alemã; os judeus, os comunistas e de US$ 16 trilhões desse trabalho
demais patriotas fuzilados. En- Para além da voluntário social não pago, que
fim. Seja qual seja sua origem so- mundialização simplesmente não estavam inclu-
cial, o militar que acabo de abater Na contra- ídos no PIB global de 1995 que
traz o uniforme dos invasores, é, mão do pen- era de US$ 24 trilhões”. Trabalho
portanto, inimigo do povo fran- samento úni- social não pago é paternidade,
cês, participante ou cúmplice da co que impera cuidados aos anciãos e membros
pilhagem do país e dos crimes no mundo, a doentes da família, agricultura
nazistas. Respiro fundo. Ao en- escritora nor- para alimentar a família e atender
trar em casa, já novamente estou te-americana, necessidades comunitárias, manu-
senhor de mim”. Hazel Hender- tenção de lares, voluntariado dos
Em 1947, Apolônio regressa son, propõe, serviços comunitários, construir
ao Brasil junto com Portinari, que em seu livro “Além da Globali- sua própria casa e construção co-
aproveita uma exposição de arte zação – Modelando uma Econo- munitários. Ela também afirma:
para contactá-lo, em nome do mia Global Sustentável” (editora “As políticas macroeconômicas
Partido Comunista. É recebido Cultrix –Amaná-Key), um novo também devem contabilizar os
por artistas como Jorge Amado, olhar, um novo paradigma, en- valiosos bens e serviços públicos
Maurício Garabois, Davi Capis- fim, uma visão inovadora sobre que agregam valor à qualidade de
trano, Dinarco Reis, Aydano do a globalização. vida, mas cujo preço não é calcu-
Couto Ferraz e Armênio Guedes. Pensamento único que pode lado (por exemplo, serviços po-
Por um curtíssimo intervalo ser resumido na cantilena do de- liciais e dos bombeiros, agências
de tempo, o Partido Comunista senvolvimento, do crescimento, de saúde e de proteção ambiental,
é considerado legal. Posto na ile- do PIB, do superávit primário, etc.), sem as quais as complexas
galidade pelo governo Dutra, tem da privatização, da austeridade economias tecnológicas não po-
início a nova odisséia de Apolô- orçamentária… Contra esse can- dem funcionar”.
nio. Em primeiro de abril de 1964, tochão que já dói nos ouvidos, Enfim, o livro vai por esse
não era mentira, era uma doloro- mentes e corações é que Hazel se caminho com dados, diagnósti-
sa epidemia. O Golpe estava dado. bate. Essa receita prescrita pelo cos, reflexões e, principalmente,
Descia a cortina, matavam-se Fundo Monetário Internacional uma visão sistêmica da autora na
companheiros, desapareciam pa- e pelo Banco Mundial, braços busca de saídas e soluções para
rentes. O pessoal da resistência armados das grandes corpora- esses complexos problemas que
armada à ditadura reagiu, seqües- ções econômicas e financeiras, já afetam a todos nós. A visão é um
trando embaixadores estrangei- falhou em muitos casos (Rússia, tanto otimista, mas, de qualquer
ros. Primeiro foi o embaixador Argentina, por exemplo), mas forma, é uma leitura alentadora.
americano, depois o alemão, de continua a ser ditada e cumprida O filósofo Edgar Morin vai um
onde saiu Apolônio. Mário Alves, à risca pela maioria dos gover- pouco além, mas falaremos sobre
outro dirigente comunista tinha nos ocidentais (inclusive aqui no ele numa próxima vez.
sido brutalmente assassinado no Brasil, até mesmo com a mudan- Sérgio Galli
DOI-CODI carioca, por empala- ça de governo que na realidade
mento. Quando veio a anistia, no nada mudou em relação à polí-
governo do General Figueiredo, tica econômica acordada com o AGRADECIMENTOS
voltou também Apolônio. FMI, desde o governo Fernando Alceu Guérios Bittencourt
Em tempos de globalização, Henrique Cardoso). Entre outras Hugo Marques da Rosa
em que produtos e capitais estão coisas, a autora diz que esse mo-
Luiz Henrique Teixeira Balloti
por toda a parte, desconhecendo delo estatístico de contabilidade
fronteiras, há os que lutam para PIB/PNB está esgotado. Não dá Maurício Reis
que os ideais de justiça e igualda- para medir a riqueza de um país Paulo Massato Yoshimoto
de também se globalizem. Apolô- apenas do ponto de vista mone- Robert Wong
nio é um deles. tário, pois isso beneficia apenas o Tatiana Gomes
Como o próprio autor diz: “de capital financeiro. Vahan Agopyan
viver, a vida ainda não me fartou”. Inverter essa contabilidade

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RECONHECIMENTO

José Medaglia

U ma das dez medidas de maior impacto po-


sitivo na Saúde Pública no século XX foi a
fluoretação da água de abastecimento público.
çou a ser aplicada em larga escala no Estado
de São Paulo em 1985, quando a Sabesp ado-
tou essa prática.
Os seus benefícios se estendem às pessoas de No início, a implantação se deu nos municí-
todos as idades, nos mais diversos estratos so- pios autônomos. A maioria dessas cidades, no
ciais. Ajuda a prevenir dores de dente causadas entanto, não possuía nem cloração. Segundo o
pelas cáries e também a osteoporose nas idades Engenheiro Medaglia, um dos maiores bene-
mais avançadas. fícios indiretos, ao se adotar a fluoretação, foi
Por se tratar de um verdadeiro remédio dis- a instalação simultânea da cloração. Até essa
tribuído à população de forma indiscriminada, época, a água, nesses municípios, era consumi-
a implantação dos sistemas de fluoretação, as- da sem o cuidado da desinfecção. Isso era cau-
sim como o controle da concentração ideal de sa das altas taxas de doenças diarréicas.
flúor na água, devem ser feitos de forma rigo- Os primeiros convênios, entre as Prefeituras
rosa pelas empresas de saneamento básico. e a Secretaria de Estado da Saúde, foram aten-
É aí que entra o personagem principal des- didos pela Cetesb, onde nosso homenageado
ta edição. Ainda com muitas dúvidas, que aos começou a trabalhar. Em 1988, foi para a Sa-
poucos foram sendo desfeitas, em relação à efi- besp, onde atualmente trabalha na assessoria
cácia da redução da prevalência de cáries pela aos municípios não operados.
adição do flúor na água, o Engenheiro Meda- Há 26 anos no setor de saneamento básico,
glia, no início da década de 1980, foi um dos o Engenheiro Químico José Medaglia, com 62
pioneiros na implantação dos sistemas de flu- anos, tem três filhos e um casal de netinhos, e
oretação nos municípios do interior do Estado nem pensa em se aposentar.
de São Paulo. Pela sua dedicação e contribuição a essa
Apesar de ter sido adotada em alguns mu- causa, o reconhecimento e gratidão dos seus
nicípios já em 1953 e ser objeto de lei especí- colegas da Associação dos Engenheiros da
fica em 1967, a fluoretação da água só come- Sabesp. ■

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