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A BUSCA DO PRINCÍPIO NA FILOSOFIA ANTIGA

Nota: 08
Entre as diversas dúvidas que sempre circundaram a filosofia antiga, está a questão de
maior complexidade nas visões cosmológicas da sociedade pré-socrática: De onde e como
tudo surgiu? É em função desta e de muitas outras questões que os filósofos da Physis
buscaram incansavelmente a arche das coisas e a fundamentação da filosofia na idade antiga.
Desde quando o termo filosofia foi empregado por Pitágoras, definiu-se um princípio
claro, pelo qual todos os filósofos são imbuídos no amor pela sabedoria, este princípio é a
busca da verdade. Ao longo dos anos, a questão da verdade produziu diversas interpretações,
entre elas temos o mito da caverna de Platão. Junto ao anseio filosófico pela busca da
verdade, estão os anseios inerentes a natureza do próprio homem e a maneira com que este
questiona o mundo a sua volta. Por séculos os mitos foram usados para explicar diversos
acontecimentos no cotidiano do povo e vários deles se sustentaram perante os argumentos
contrários sendo que permanecem credíveis por muitos, ainda nos dias atuais, pois “quando
nos deparamos com a questão da origem de todas as coisas, podemos discernir uma clara
universalidade do pensamento humano.” (GLEISER, 1997, p.18). Dentre todas as tentativas
de busca pelas respostas a estas questões, alguns filósofos pré-socráticos a partir de Tales de
Mileto, buscaram explicações na observação do comportamento das coisas na realidade e na
interação delas com os demais elementos da natureza. E é neste contexto que os filósofos da
Physis deram suas contribuições pra a história da filosofia antiga.
Quando Tales de Mileto propôs o primeiro conceito de elemento primordial, a
filosofia tomou direções mais empíricas que em outras eras. Em simples linguagem, Tales não
apenas descreve uma hipótese de como as coisas surgiram e se mantem, mas deu um
fundamento lógico para suas afirmações. Como elemento primordial, a água teria todas as
características aparentes que indicam dinamismo e transcendência, principalmente se
observarmos que a água é fundamentalmente o elemento essencial para a existência de
organismos complexos. Com estas observações, Tales concluiu que da água todos os outros
elementos são formados. Mesmo com princípios puramente lógicos e racionais, a filosofia de
Tales foi influenciada pela religiosidade grega que diviniza os elementos da natureza
personificando deuses, ao mesmo tempo humaniza alguns deles com características da
decadência moral dos homens. No entanto, para Tales, a religiosidade está no fato de que a
agua como elemento originário não se encerra somente na representação do elemento químico
líquido que está presente na natureza, mas Tales vai além em sua reflexão e atribui a água a
condição de elemento divino, dessa forma a doutrina da physis não significa separação entre a
religião e a razão.
Com Anaximandro, a busca da arche é refinada por dois princípios, o elemento
primordial deve ser quantitativamente e qualitativamente infinito. Visto isso, logo a água não
pode ser considerada como elemento primordial e Anaximandro propõe uma nova arche a
qual denomina ápeiron. O ápeiron seria a representação do infinito, para ir totalmente de
encontro com os novos atributos da arche é quantitativamente e qualitativamente sem limites
em si mesmo: “Esse princípio abarca e circunda, governa e sustenta tudo, justamente porque,
como delimitação e determinação dele, todas as coisas geram-se a partir dele, nele consistem
e nele existem.” (REALE, 1990, p. 32). Em Anaximandro como em Tales a concepção do
elemento divino é a arche e os elementos derivados dela estão em um constante processo
cíclico de nascimento e perenidade dos universos, como se existissem antes depois e junto
com este mundo, outros derivados da mesma propriedade divina. Em outras palavras, quando
algo na natureza perece, dá origem a algo novo como um homem que morre e serve de adubo
a uma planta. Porém este princípio não se aplica ao divino que é imperecível. Para explicar
este mecanismo cósmico, Anaximandro propôs que isto se deve por uma injustiça originária e
a vida no mundo é expiação por esta injustiça. Essa ideia provém da influência da cultura
órfica que oferece como explicação para a vida no mundo a afirmação de que as criaturas
passam pelo processo expiatório mencionado acima para se purificarem da culpa originária,
reencarnando por muitas vezes até alcançar a recompensa divina.
Ao longo dos anos, outros buscaram solucionar o problema da arche. Do mesmo
modo que Anaximandro foi discípulo de Tales, Anaxímenes foi discípulo de Anaximandro e
assim como o mestre, Anaximandro de Mileto discordou da ideia de elemento proposta por
seus antecessores. Para Anaxímenes, "exatamente como a nossa alma (ou seja, o princípio que
dá a vida), que é ar, se sustenta e se governa, assim também o sopro e o ar abarcam o cosmos
inteiro." (REALE, 1990, p. 34). Em outras palavras, Anaxímenes acreditava que o ar, com
suas propriedades invisíveis abarca todo o cosmo e, portanto, é infinito, nesse ponto manteve-
se o princípio da infinitude imposto por Anaximandro para determinar a arche. Já em Éfeso,
Heráclito propõe outra concepção de arche, nesta o dinamismo universal das coisas é levado
em conta na determinação do elemento primordial e este ganha o atributo de ser
constantemente dinâmico, como se sintetizasse a realidade do cosmos que se renova pela
inconstância das substâncias e a transformação dos elementos. Esta ideia se resume a uma
guerra de opostos que põe o universo em marcha. O fogo, pela observação do movimento das
labaredas e da transformação do combustível em outro material, é visto como a substância de
maior dinamismo na natureza e por isso é concebido por Heráclito como a arche.
As cidades de Mileto e Éfeso foram fundadas pelos jônios e após terem se
transformado em grandes centros econômicos e culturais, propiciaram o encontro entre povos
de várias culturas que ali aportavam para diversas finalidades comerciais, este contato serviu
para remodelar a mentalidade da época. portanto é seguro dizer que essas influencias, de
muito serviram para a construção da base cultural em que os filósofos da physis formularam
suas doutrinas. A partir das contribuições da filosofia antiga, pode-se constatar que o homem,
embora limitado e finito, sempre buscará respostas para o que está além de sua razão e
embora esteja limitado em seu tempo, não é inerte em sua finitude, pois “a vida é
contradição.” (KIERKEGAARD, 1980, p.132).

Referências
REALE, Giovanni. História da Filosofia: Antiguidade e Idade Média. 3ª ed. São Paulo:
Paulus, 1990
GLEISER, Marcelo. A Dança do Universo: Dos mitos de Criação ao Big Bang. São Paulo :
Companhia das Letras, 1997
KIERKEGAARD, Søren Aabye. O Conceito de angústia. Trad.Álvaro L. M. Valls. São
Paulo: Editora Universidade São Francisco, 2010.

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