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Cadernos de Educação de Infância

Abr./Jun. 2004
Prática

Prática Situada...

Encontro de Gerações - Trabalho de parceria


crianças/idosos
Ana Paula Jorge e Maria Adelina Roque
Educadoras de Infância

A prática que aqui apresentamos faz parte de um Projecto de Investigação:


“Encontro de Gerações – Partilha de Saberes”, do Curso de Complemento de
Formação em Educação Especial da Escola Superior de Educadores de Infância
Maria Ulrich.
Este projecto nasceu do desejo de aproximar duas gerações: idosos do Centro de
Convívio do Arneiro e crianças da Creche do Arneiro (Santa Casa da Misericórdia de
Cascais).
Muitos dos idosos que frequentam o Centro de Convívio estão reformados e sentem-
se desocupados, passando os dias sem grandes objectivos e projectos de vida.
Quanto às crianças da Creche do Arneiro, embora umas mantenham contacto
directo com os avós, outras estão privadas do convívio diário com os mesmos.
A ideia de colocar duas gerações, lado a lado, a partilhar saberes e afectos, no
espaço Jardim de Infância, surgiu porque:
- acreditamos no valor dos avós e na sua disponibilidade quase
incondicional;
- acreditamos que quem viveu uma vida tem muito para dar a quem nela
começa a dar os primeiros passos;
- acreditamos que é urgente educar para a aceitação da “diferença”.
Conscientes do desafio, decidimos fazer a experiência, com o objectivo claro, de que
este projecto teria de ser positivo para todos.
E assim começou…
Em Setembro, soubemos que, na comunidade, havia um Centro de Convívio da
Terceira Idade e decidimos contactá-los para os conhecer.
Convidámos os idosos e a Técnica de Serviço Social a conhecer a nossa creche.
Deu-se o primeiro encontro entre crianças e idosos. As crianças descobriram que no
grupo de idosos havia avós de outras crianças da creche.
Depois da visita surgiram algumas dúvidas: saber quem eram aqueles senhores e
senhoras e o que vieram fazer. Esclarecidas as dúvidas combinámos que podíamos
convidá-los para assistir a um teatro de fantoches, lanchar e conviver, para nos
conhecermos melhor.
Enviámos um convite.
No dia do encontro fizemos os bolos e preparámos tudo para receber os “avós”. Em
conjunto, assistimos ao teatro…

…lanchámos e no recreio convivemos com os “avós”. Com alegria e entusiasmo


ouvimos histórias, cantámos canções conhecidas e fizemos jogos.
Em grupo, avaliámos este segundo encontro, quanto às atitudes, à forma de estar e
ao relacionamento crianças/idosos. O balanço foi positivo, algumas crianças criaram
laços de afecto com alguns elementos do grupo. Tivemos mais uma prova de que os
avós são importantes na vida da criança.

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Prática

Estas visitas dos “avós de empréstimo” levou as crianças a mostrarem interesse, em


convidar os próprios avós, a passar com eles uma tarde na creche.
As crianças contaram o que habitualmente fazem quando estão com os avós e o que
mais gostam de fazer. Fizeram o retrato dos avós e expusemos na sala.
Fizemos um convite e enviámos aos avós.
No dia combinado, os avós lancharam connosco, estiveram na sala a ver os nossos
trabalhos e a ler o que tínhamos contado sobre eles.
Sem nunca esquecer os “avós do Clube”,que rapidamente denominaram como tal,
voltámos a reflectir e, com a colaboração de todas as crianças, fizemos uma
listagem de actividades possíveis para desenvolver com os “avós” no Jardim-de-
infância.
Escrevemos a carta aos “avós”, onde as crianças pediam que lhes ensinassem
“coisas” concretas e que estavam ao seu alcance.
Os “avós” responderam à carta aceitando a proposta e referiam-se às crianças como
“netinhos”.
Enviámos um quadro de dupla entrada com datas marcadas, escolhemos as
quartas-feiras para as visitas, onde cada idoso se poderia inscrever, colocando, no
dia por ele escolhido, a actividade que gostaria de desenvolver com as crianças.
O quadro foi-nos devolvido e as visitas regulares vieram de seguida. Sozinhos ou em
pares, cumpriam a missão de trazer saber e ensinar a fazer.
Nestas tardes de quarta-feira, muitas foram as actividades por eles desenvolvidas:
- Contaram histórias de vida e histórias tradicionais;
- fizeram jogos tradicionais;
- fizeram culinária;
- plantaram flores;
- fizeram velas;
- ensinaram a fazer ponto cruz;
- fizeram colares de missangas;
- falaram dos moinhos;
- ensinaram canções.
Desta partilha de saberes e troca de conhecimentos, algumas das actividades foram
provocadoras de outras, que se vieram a fazer nas salas:
- iniciou-se o estudo dos moinhos, fomos visitar um moinho, fizemos pão e
bolos para comermos ao lanche e para vender aos pais;
- fizemos uma história para a sala a partir de um conto de uma “avó”;
- na festa de Natal focámos o trabalho com os “avós do Clube” dando a
conhecer aos pais o que aprendemos com estas visitas.

Em cada dia que vinham, os “avós do Clube” traziam o que sabiam e deixavam e
levavam “brilho nos olhos” porque sentiam que ainda tinham algo para dar e para
receber, sentiam a alegria encher-lhes o coração.
De Outubro a Dezembro, todos os “avós do Clube” inscritos passaram pela Creche
do Arneiro. Estes encontros terminaram antes do Natal com os “avós” a contarem
como era o Natal deles quando tinham a idade das crianças. Estas mostraram-se
sensibilizadas e reconheceram a diferença que marca as duas gerações.
Em Janeiro fomos visitar os “avós” ao Clube, cantámos-lhes as Janeiras e eles não
esconderam a alegria deste encontro.

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Nestes pequenos mas grandes encontros criaram-se laços de afecto e as crianças


mostraram desejo em presentear os “avós”, pelos bons momentos passados em
conjunto.
Todos participaram de acordo com a idade:
- Pintámos frascos de vidro;
- fizemos trabalhos de plástica para forrar capas e álbuns de fotografia
(oferecemos com uma foto do(a) avô(ó) a fazer a actividade);
- fizemos quadros para oferecer ao Centro de Convívio;
- fizemos o Jogo do Galo para todos os idosos do Centro;
- fizemos um calendário;
- contámos o que sentíamos dos “avós”;
- fizemos bolos para o lanche e…
…no dia combinado apareceram com as lembranças.
Entregámos o que tínhamos para os “avós” que nos visitaram, demos as lembranças
para o Centro e os bolos para o lanche…

…cantámos algumas canções tradicionais portuguesas, ensinámos o Jogo do


Galo…

…e deixámos novas propostas de trabalho:

- Continuar uma história começada por um grupo de crianças;


- fazer os fantoches para outra história inventada por outro grupo de
crianças.

No fim, uma das “avós” contou uma história em rima, e tal foi a emoção que
carregou, que os seus olhos irradiavam um “brilho” de alegria tão contagiante, que
crianças e idosos a ouviram pregados a cada movimento e a cada palavra.

Por todos estes momentos “ricos” e “cheios” de vida valeu a experiência vivida.
Esperamos não ficar por aqui porque decerto criaria um vazio dentro de nós. É que
os afectos levam tempo a construir e não queremos perdê-los.
Conseguimos quebrar isolamentos e, nestas trocas entre crianças e idosos, todos
saíram a ganhar. Trocaram-se saberes, construíram-se afectos e aprendeu-se o
respeito mútuo.

Quem sabe se um dia estas crianças não irão lembrar estes momentos e estes
“avós” com carinho.
Se não estaremos nós a contribuir para que de futuro sejam “cidadãos” conscientes,
sensíveis e respeitadores, lembrando e honrando os idosos para que ocupem um
lugar importante na nossa sociedade.

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