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Original Research
Artículo de Investigación
Patrícia FerraccioliI
Eliane Augusta da SilveiraII
RESUMO
RESUMO: A compreensão do comportamento alimentar habitual brasileiro é indispensável para o êxito das atividades
educacionais em saúde. A culinária brasileira transmitida por várias gerações advém basicamente da mescla étnica adaptativa
indígena, lusitana e africana. Culturalmente adotadas, as preferências palatáveis persistem no conhecimento tácito dos
brasileiros. Definiu-se como objetivo identificar a influência cultural alimentar sobre as recordações palatáveis na culinária
habitual dos brasileiros. Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa e cultural e de natureza exploratória delineada
através de pesquisa bibliográfica cuja trajetória metodológica percorrida apresenta um eixo temático apoiado em especialis-
tas, muitos deles acessados no acervo do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea da Fundação
Getúlio Vargas. Concluiu-se que as preferências gustativas e a seleção alimentar transmitida ao longo de gerações interiorizaram
hábitos e fixaram sabores. Constatou-se a predisposição pela mistura, pela textura gelatinizada do amido, sob cocção,
agregado às gorduras, pelo alimento socialmente aceito que transmite saciedade, repleção e prazer.
Palavras-Chave
Palavras-Chave: Alimentação; culinária brasileira; influência cultural; educação em saúde.
ABSTRACT
ABSTRACT: The comprehension of the Brazilian usual feeding behavior is essential to the success of health education.
The Brazilian cuisine has been basically inherited through generations from the adaptive ethnical combination of
indigenous, Portuguese, and African origins. Culturally adopted, palatable preferences persist in Brazilian tacit knowledge.
The aim of this research was to identify cultural feeding influences on palative memories in the usual Brazilian cuisine.
This is a piece of exploratory and cultural research based on bibliographic data, whose methodological process shows
a theme axis based on expert writing and selected articles from the collection of Center for Research and Documentation
of Foundation Getulio Vargas. Conclusions show that gustative preferences and food selection inherited through generations
have generated habits and fixed flavors. A predisposition for mixes, for starch jelly texture under cooking gathered to fat,
for food socially accepted, which provides satiation, repletion, and pleasure.
Keywords
Keywords: Feeding; brazilian cuisine; cultural influence; health education.
RESUMEN
RESUMEN: La comprensión de la conducta habitual de alimentación brasileña es indispensable para el éxito de las
actividades de educación em salud. La culinaria brasileña transmitida a través de varias generaciones proviene principal-
mente de la mezcla étnica de adaptación indígena, lusitana y africana. Culturalmente adoptada, las preferencias palatables
persisten en el conocimiento tácito de los brasileños. Se ha definido como objetivo identificar la influencia cultural
alimentar sobre los recuerdos palatables en la culinária habitual de los brasileños. Esta es una investigación de caracter
cualitativo y cultural y de naturaleza exploratória delineada a través de una búsqueda bibliográfica cuya trayectoria
metodológica se basa en expertos, muchos de ellos pertenecientes a la Fundación Getúlio Vargas. Se confirmó que las
preferencias de gusto y selección de los alimentos transmitidas a lo largo de varias generaciones internalizaron hábitos y
establecieron sabores. Fue demonstrado entonces, la predisposición por la mezcla, por la textura gelatinizada del amido,
sob cocción, añadido a grasas, por alimento socialmente acepto que transmite saciedad, plenitud y placer.
Palabras-Clave
Palabras-Clave: Alimentación; culinária brasileña; influencia cultural; educación en salud.
INTRODUÇÃO
Poucas são as percepções entre comida e Histó- necessidade básica, inerente ao desenvolvimento dos
ria, a interpretação de que as receitas culinárias nada valores vitais, comum a todo ser humano1.
mais são que retratos fiéis do contexto no qual surgi- Na história humana, o ato de comer e beber é
ram, ou seja, de sua origem. O ato de comer é uma constante e indispensável para a subsistência, deter-
I
Acadêmica de Enfermagem, aluna do 8 o período do curso de Enfermagem da Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro. Brasil. E-mail:
ferracciolip@gmail.com.
II
Mestre em Enfermagem. Professora do Departamento de Enfermagem da Universidade Gama Filho. Rio de Janeiro, Brasil. E-mail:
elianeaugusta@clinenf.com.
p.198 • Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2010 abr/jun; 18(2):198-203. Recebido em: 04.12.2009 – Aprovado em: 30.01.2010
Artigo de Pesquisa Ferraccioli P, Silveira EA
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minando trajetórias históricas e acomodações de soci- ças em suas técnicas culinárias. Para que se aprove
edades. Necessariamente, uma sociologia da alimen- qualquer alteração, é necessário um longo período de
tação deriva, de maneira lógica, dos próprios funda- experiências. “Não há, na cozinha comum e normal,
mentos do fato social. É uma atividade indispensável a improvisação. Existe a combinação de elementos
à vida e valorizada na história humana2. antigos em nova proporção”2:394.
Ressaltando a importância do aspecto sociocul- A elaboração consecutiva conduz à fidelidade ao
tural na determinação dos hábitos individuais, o pre- paladar, definido através de séculos no prosseguimen-
sente estudo teve por objetivo identificar a influencia to alimentar. “[...] é uma permanente tão profunda,
cultural alimentar sobre as recordações palatáveis na arraigada, já possivelmente biológica, como a cor dos
culinária habitual dos brasileiros. olhos, a disposição do cabelo, o índice facial”2:373.
As recordações palatáveis nada mais são que re-
REFERENCIAL TEÓRICO tratos fidedignos do complexo sensitivo acumulado ao
longo da história alimentar de cada indivíduo, das re-
O ato de comer significa não somente ingerir cordações da infância, da comida compartilhada com
e absorver nutrientes, está diretamente associado às familiares próximos, das investidas sobre novos sabores.
relações sociais, às escolhas inseridas em cada indi- A nutrição humana abrange padrões de comporta-
víduo através de gerações e às sensações proporcio- mento que frequentemente fogem do controle dos seus
nadas pelos sentido. próprios agentes, educados para considerá-los natural-
Alimento é aquilo que pode ser ingerido para a mente aceitos6. A memória estimulada através de odo-
manutenção do homem vivo; comida é tudo que se res projeta algum momento vivenciado, como também
ingere prazerosamente, conforme as normas da comu- sabores que remetem a determinados momentos e que
nhão e comensalidade. Entre outras palavras, o alimen- influenciam diretamente a seleção dos alimentos a se-
to é como uma grande moldura; a comida é aquilo que rem ingeridos. Portanto, a comida, mantendo os mes-
é preferido e selecionado entre os alimentos; deve ser mos sabores, estimularia o hábito e este, criaria a ima-
observado e saboreado com o apoio dos órgãos dos sen- gem da escolha e da preferência alimentar2.
tidos — os olhos, o paladar e o olfato, complementado Logo, entende-se que o processo cultural ali-
com boa companhia e satisfação3. mentar está associado a um minucioso seguimento
de elementos interiorizados, de difícil desmitificação
As preferências visuais e gustativas são
em relação às mudanças comportamentais de ali-
construídas de acordo com o que a sociedade e parti-
mentação.
cularidades culturais estabelecem como aceitáveis4.
A cozinha de um povo é criada em um processo O conhecimento de significados e práticas, decor-
histórico que articula um conjunto de elementos rentes das visões do mundo, de estrutura social, dos va-
referenciados na tradição, no sentido de criar algo lores culturais, do contexto ambiental e dos usos da lin-
único – particular, singular e reconhecível4:27. guagem é imprescindível para orientar a enfermagem e
suas ações, na prestação do cuidado cultural coerente7.
O ser humano, somente observado sob a leitura
fisiológica, provavelmente será remetido a uma leitu- Desse modo, considerar os diferentes usos e cos-
ra insuficiente da real influência da alimentação sobre tumes socioculturais possibilita ao profissional de saú-
a organização das sociedades e da sua cultura. de o modo de pensar e agir das pessoas ante seus pro-
blemas de saúde, favorecendo a comunicação, o cui-
A alimentação, além de uma necessidade biológi- dado coerente e as intervenções de saúde8. A enfer-
ca, é um elemento cultural que se manifesta em hábi- magem apresenta, por essência, a motivação educaci-
tos, ritos e costumes, demarcados por uma relação com onal como instrumento agregador de saberes técnico-
o poder. As normas alimentares se revelam na diferen- científicos ao senso comum, sistematizando-os para o
ciação social através do gosto, na definição “dos papéis cuidar individualizado.
sexuais e das identidades étnicas, nacionais e regionais,
e também nas proscrições e prescrições religiosas”5:176. Considerando que a educação implica a respon-
sabilidade das pessoas sobre seus hábitos e modos de
Valorizar os aspectos antropológicos e sociais apre- vida, ressalta-se a relevância da enfermagem como
senta fundamental importância. Os grupos sociais se ca- profissão comprometida com a sociedade, seus pro-
racterizam por um perfil alimentar, que mantém certos tra- blemas e direitos humanos, e como ciência que pro-
ços característicos. “A cozinha dos povos colonizadores não cura novos métodos para melhorar a qualidade de
erradicou a cozinha dos povos colonizados”2:373. vida e da assistência, valorizando a educação em saú-
A preferência palatável inicia-se pela escolha por de e intervenções apropriadas. É indispensável que o
determinado alimento e sua combinação dosada com enfermeiro realize atividades educativas em saúde ao
outros elementos, culminando no sabor eleito. oferecer cuidados à comunidade, a fim de que os in-
A cozinha, local de preparo de alimentos, como divíduos alcancem melhor bem-estar, participação e
um processo histórico contínuo, aceita raras mudan- empoderamento de suas ações9.
Recebido em: 04.12.2009 – Aprovado em: 30.01.2010 Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2010 abr/jun; 18(2):198-203. • p.199
A Influência cultural nas recordações palatáveis Artigo de Pesquisa
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p.200 • Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2010 abr/jun; 18(2):198-203. Recebido em: 04.12.2009 – Aprovado em: 30.01.2010
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feijão, decisivos na predileção cotidiana. ‘Acompa- regado a iguarias tipicamente lusas, o açúcar, sabor de
nhantes’ indispensáveis”2:155. creme, primórdios das receitas de bolos brasileiros
Cumpre ainda lembrar que a mandioca passou a com leite de vaca e gema de ovo. Instalando-se para
ser a base alimentar que, ainda hoje, é consumida pelo ficar definitivamente no Brasil, o português arraigou
brasileiro, de diferentes classes sociais e etnias4. também seus hábitos e costumes, absorvendo cultu-
ralmente as práticas locais.
Herdamos do índio a predileção gustativa pela
comida densa à mastigação, que transmite saciedade, Afrodescendência Culinária
caracterizando a base da nutrição popular: a mandio-
ca, o milho, a batata e o feijão, predileção cotidiana Muitas foram as origens africanas que desem-
na culinária habitual brasileira. barcaram no Brasil, capturados de vários pontos da
África sob o manto do tráfico negreiro para satisfazer
Miscibilidade do Luso Colonizador a postura ditatorial do mercantilismo.
Após o descobrimento, não houve interesse ime- Esses negros eram presos em comboios, junta-
diato por parte dos portugueses no território da colô- dos nos calabouços insalubres das feitorias, aperta-
nia, pois as atenções estavam voltadas para o Oriente, dos entre os conveses de navios fétidos, muitas vezes
para o comércio de especiarias. Durante três décadas separados de seus parentes ou de suas tribos, ou até
após a chegada dos lusos ao território colonial portu- daqueles que falavam a mesma língua15.
guês, o interesse predominante era o exploratório, sem [...] entregues à perplexidade acerca de seu presen-
qualquer esforço de continuidade e estabilidade. Por- te e seu futuro, despojados de todas as prerrogativas
tugal, embora uma península devastada pela fome, epi- de status ou classe social (pelo menos no que
demias e guerras, conseguiu desenvolver, a partir da concernia aos senhores) e homogeneizados por um
sistema desumanizante, que os via como seres sem
Idade Média, uma habilidade colonizadora.
rosto e essencialmente intercambiáveis15:65.
Quanto à miscibilidade, os colonizadores por-
tugueses superaram os demais. A mistura de brancos Aprisionado em guerra e conduzido ao cativei-
com mulheres negras gerou filhos mestiços, que pas- ro por seu soberano, o escravo recebia apenas a ração
saram a competir com os conquistadores no domínio oferecida irregularmente, uma prévia da alimentação
da colonização. A miscibilidade extrapolou a mobili- local, porém, o elemento dominante era a fome.
dade social e, desse modo, “os portugueses compensa- Os alimentos africanos tradicionais e sua cozi-
ram-se da deficiência em massa ou volume humano nha foram introduzidos no Brasil, marcando o siste-
para a colonização em larga escala e sobre áreas ma alimentar brasileiro4.
extensíssimas”13:83-4. A presença negra na casa-grande culmina com
Inúmeras foram as contribuições portuguesas, a infiltração da cultura alimentar nos pratos dos se-
destacando-se o predomínio do paladar pelo sal e pelo nhores de engenho e na vida doméstica.
açúcar, a população iniciava a forte atração pelo doce Os escravos vindos das áreas de cultura negra mais adi-
e pelo salgado. Frigir em azeite não fazia parte dos antada foram um elemento ativo, criador, e quase que
costumes nativos e dos negros, não conheciam a se pode acrescentar nobre na colonização do Brasil; de-
fritura, os lusos introduziram o azeite doce, importa- gradados apenas pela sua condição de escravos13:364.
do das oliveiras, como também o peixe salgado, ten- A variedade de sabores novos, dominados pelos
do o sal como elemento substancial de nutrição. Ali- africanos, enriquece a culinária colonial principalmen-
avam-se então os dois extremos de paladar: a comida te pela adição do azeite de dendê e da pimenta-
que deve ser salgada e a sobremesa real, o doce. As malagueta, também do quiabo, do uso da banana tanto
frutas, um tanto mais populares no Brasil, passam a
em pratos doces quanto em salgados, do constante ar-
gostosos passatempos no plano alimentício popular
roz e da miscelânea no preparo da galinha e do peixe.
sem regularidade de consumo.
Várias comidas portuguesas ou indígenas foram no
O português preferia o doce à fruta. A realeza Brasil modificadas pela condimentação ou pela téc-
consumia o doce como sobremesa. A fruta não era nica culinária do negro; alguns dos pratos mais ca-
considerada um alimento, mas uma gulodice, consa- racterísticos brasileiros são de técnica africana: a
grada pelo hábito milenar2. farofa, o quibebe, o vatapá16:193.
Alimento é comida de panela, com temperos. Comi- O negro escravizado por senhores abastados, em ri-
da de sal. [...] Parece-me, pela evidência que o uso
cas propriedades, alimentava-se basicamente de farinha
das frutas não seria comum e regular em Portugal e
Brasil, de tempos velhos. Sobremesa de frutas em de mandioca, feijão-preto, toucinho, carne-seca, laranjas,
Portugal é sobremesa fraca2:258. bananas e canjica. O bolo é muito valorizado na culinária
africana, cuja massa é preparada com inhame, milho, ar-
A mulher portuguesa adaptava seus pratos típi- roz ou farinha de mandioca, servido com molho; acom-
cos à nova realidade do trópico, o carimã, indígena panha alguma carne, constituindo uma refeição2.
Recebido em: 04.12.2009 – Aprovado em: 30.01.2010 Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2010 abr/jun; 18(2):198-203. • p.201
A Influência cultural nas recordações palatáveis Artigo de Pesquisa
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Artigo de Pesquisa Ferraccioli P, Silveira EA
Original Research
Artículo de Investigación
Recebido em: 04.12.2009 – Aprovado em: 30.01.2010 Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2010 abr/jun; 18(2):198-203. • p.203