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Resumo
Constantemente tem sido adotada por profissionais de saúde a expressão estilo de vida. Pes-
soas falam de comportamentos, hábitos e atitudes, entre outros aspectos. A proposta deste
artigo é de uma concepção de estilo de vida como modalidade de relação social (com seus
jogos de poder e alienação), a qual podemos mobilizar em sua malha institucional-discursiva
por meio de análises. Como crivo, uma escuta político-institucional constitui essa perspecti-
va de compreensão da Psicanálise na clínica das modalidades de existência.
Na verdade só sabemos quão pouco sabemos Afinal, o que é estilo de vida? A expres-
– com o saber cresce a dúvida. são é polissêmica, pois dela pode emergir
Goethe uma multiplicidade de sentidos. Se tomar-
mos, por exemplo, a norma do estilo de vida
saudável, hoje tão legitimada e difundida
ESTILO DE VIDA: A POLISSEMIA DA
pelos meios de comunicação, às vezes apro-
EXPRESSÃO
ximada da “boa forma” ou “estética perfeita”
É temática de relevância no campo da (conforme os ditames culturais), pensemos:
saúde o estilo de vida. Na contemporaneida- com qual conceito de saúde se opera em tal
de, por exemplo, ouvimos frequentemente posicionamento? Muitas vezes, uma noção
falar de comportamentos, hábitos e atitudes de saúde é pulverizada, quase que inexisten-
dos seres humanos, suas diferenças confor- te, em reflexões sobre o estilo de vida saudá-
me nichos familiares e contextos culturais. vel. Assustador!
Também ouvimos assinalamentos sobre a No discurso científico, genética, gênero,
insalubridade dos modos de existir. faixa etária, peso, morbidades médicas, rede
São acenadas por muitos autores como de suporte social, história individual e fami-
importantes motivos de problemáticas de liar, estresse e outras dimensões psicológi-
saúde, ou até de óbito, as chamadas doen- cas, sedentarismo, tabagismo, consumo de
ças do estilo de vida. De acordo com Straub álcool ou drogas lícitas e ilícitas, condições
(2005, p.37), elas são doenças que “podem socioculturais, econômicas e políticas das
ser amplamente prevenidas, mas cujas cau- pessoas e grupos populacionais, caracterís-
sas não são facilmente identificáveis.” ticas dos planos e serviços de saúde, tam-
1 Psicólogo pela USP, mestre e doutor pela USP (Área: Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano).
Especialista em Psicologia Hospitalar pelo CEPSIC da divisão de Psicologia da FMUSP. Psicanalista, mem-
bro do Círculo Psicanalítico de Sergipe e do Círculo Brasileiro de Psicanálise. Editor da revista Estudos de
Psicanálise (referente à Diretoria do Círculo Brasileiro de Psicanálise no biênio 2008-2010). Tem experiência
de treinamento no Butler Hospital (RI-USA). Professor titular da Universidade Tiradentes (UNIT), onde
ensina nos cursos de Psicologia, Medicina e Odontologia.
bém considerações sobre o papel da mídia como psicanalistas, podemos constatar por
e muito mais, podem estar relacionados no meio de análises.
que tange aos modos de existir. Enfatiza-se Os estilos de vida são assim compreen-
ainda que muitas dimensões do estilo de didos como instituições ou entrecruzamen-
vida são reversíveis. O que impede, então, tos e superposições institucionais: a vida
suas mobilizações? familiar (não apenas no sentido usual do
Discussão ampla. Pensemos acerca das romance edípico), as práticas escolares, as
relações entre História e estilo de vida. Quantas relações entre pares ou em grupo, etc. São
transformações do ser humano da Idade da lugares ou posições sociais de existência
Pedra ao homem/mulher pós-moderno(a)? que (se) instituem em topografias institu-
Diferenças entre culturas teocêntricas e cionais constituídas e cenograficamente di-
antropocêntricas no decorrer dos tempos? namizadas.
Particularidades, se nos referirmos ao Em aproximação construída neste tex-
Ocidente ou Oriente? O crivo atual do to, identifiquemos em nossa concepção de
neoliberalismo em nossas casas, escolas e estilo de vida o atravessamento do concei-
diversas instituições brasileiras? Comenta-se to de instituição de Albuquerque, de tal
hoje o fato de existirmos em uma sociedade modo definido por Guirado (2010, p.45):
depressiva e panicada, em um mundo de “conjunto de relações sociais que se repe-
adições... de consumismos... e da imagem. tem e, nessa repetição, legitimam-se”. Essa
Mas todos nós? legitimação ocorre por meio de efeitos de
As generalidades engolfam e impedem o reconhecimento e desconhecimento das
pensar singular. Os desenhos variados e suas relações.
combinações possíveis contornam posturas Em nossa perspectiva, ressaltemos a di-
de trabalho ímpares acerca do estilo de vida mensão de conhecimento e alienação (não
com as especificidades de suas ancoragens saber), indissociável da política, do jogo
teórico-metodológicas. de forças, na constituição, manutenção e
mobilização do estilo de vida. Encontra-se
[...] como é possível que a política do conhe- aí, ou aqui, a rebeldia da dinâmica entre
cimento seja a possibilidade mesma de fazer a inconsciente e consciente, tão cara à Psi-
própria crítica do conhecimento produzido? canálise.
Como escapar desta prisão imposta pela políti-
ca do conhecimento? Não há saídas possíveis?
PSICANÁLISE E ANÁLISE
Devemos nos sujeitar resignados à implacável
força do poder e à irresistível sedução dos dis- INSTITUCIONAL DO DISCURSO: O
cursos, em especial os inscritos no domínio da TRABALHO COM O ESTILO DE VIDA
Psicologia? (ADORNO, 2010, p.23).
Pensemos nas posições que (se) insti-
Atentos à dialética entre conhecimento tuem nas cenas enunciativas, mesmo que
e poder na Psicologia ou Psicanálise, por levantemos hipóteses, fundamentadas em
medo não deixemos de ousar e resistir em conceitos e postulados psicanalíticos, a se-
uma acepção política, ao falarmos de estilo rem investigadas e corroboradas ou não.
de vida. De modo insubmisso, ou até sub- Nessa perspectiva, com base em Guira-
versivo, aos discursos e às abordagens mais do (2000), a clínica psicanalítica faz-se pela
clássicos, parcimoniosamente pensemos em transferência nas sombras dos movimentos
estilos de vida como modalidades de relação discursivos como cenas enunciativas e a
social e seus jogos de poder/alienação. Rela- Análise Institucional do Discurso (GUIRA-
ção social essa passível de mobilização, em DO, 2010, p.25), método psicológico criado
sua malha institucional-discursiva, o que, pela autora, que estabelece interfaces com a
Referências
Tramitação
Recebido: 07.09.2010
Aprovado: 12.10.2010
Nome do autor: Ricardo Azevedo Barreto
Endereço: Avenida Gonçalo Prado
Rollemberg, 211 Centro de Saúde
Prof. José Augusto Barreto, sala 606,
Bairro São José CEP: 49010-410 Aracaju - SE
E-mail: ricardobarreto@saolucas-se.com.br