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AINDA SOBRE O INCONVENIENTE LIVRO “O FIM DOS

TEMPOS E SETE AUTORES MODERNOS", DO PE.


ALFREDO SÁENZ, SJ
estudostomistas.com.br/2020/06/ainda-sobre-o-inconveniente-livro-o-fim.html

Carlos Nougué

Em um texto anterior, referi-me criticamente ao livro citado no título deste texto. Agora
devo explicá-lo, devo aprofundá-lo.
1) Antes de tudo, este é o único livro do Padre Sáenz que li, razão por que obviamente me
é impossível falar do conjunto de sua vasta obra. Falarei pois aqui somente do livro em
questão, publicado pelo Centro Dom Bosco.
2) O título do livro é autoexplicativo. Mas seus problemas começam pela escolha mesma
dos autores de que trata.
a) Entre os sete autores de que trata, está o literato russo Dostoiévski. Ora, não só é
inconveniente invocar a literatura para tratar qualquer tema filosófico e sobretudo
teológico, e ainda mais se se trata de tema tão árduo como o fim dos tempos, senão que o
escritor russo é furibundamente anticatólico. Defensor de um pan-eslavismo de todo
contrário a Roma e à cristandade ocidental, seus romances não raro destilam seu ódio à
Igreja Católica. Independentemente, pois, dos méritos literários deste russo, como incluí-
lo neste livro, que se quer católico?
b) Algo – digamos – não tão grave, mas igualmente problemático, é a inclusão entre os
sete autores de outro russo, Vladimir Soloviev. Este não odeia a Igreja Católica, mas,
prevendo a reunificação dela e da ortodoxa para o fim dos tempos, diz que cada uma tem
algo que acrescentar à outra. Ora, se algo se acrescenta a outro, é porque este outro não é
perfeito, ou seja, porque lhe falta algo. Mas isto é herético. E o interessante é que o
próprio Papa João Paulo II, ainda que imbuído do espírito do Vaticano II, disse isto
mesmo ao dirigir-se à Assembleia Plenária da Congregação para a Doutrina da Fé: “Para
dar remédio a esta mentalidade relativista, é necessário, antes de tudo, afirmar o caráter
definitivo e completo da revelação de Cristo. […] É, portanto, contrária à fé da Igreja a
tese que afirma o caráter limitado da revelação de Cristo, a qual encontraria seu
complemento nas outras religiões. […] É, portanto, errado considerar a Igreja como um
caminho de salvação junto aos propostos por outras religiões, os quais seriam
complementares à Igreja, ainda que convergentes com ela para o Reino escatológico de
Deus [exatamente o que diz Soloviev]. Deve-se, pois, excluir certa mentalidade
indiferentista ‘marcada por um relativismo religioso que termina por pensar que uma
religião equivale a outra’ (Redemptoris missio, 36)” (“Sólo la Iglesia Católica es

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sacramento universal de salvación”, Discurso a los participantes de la Asamblea Plenaria
de la Congregación para la Doctrina de la Fe, 28/01/00, 02/02/00, em
www.noticiasglobales.org).
c) E o que dizer da inclusão do Padre Leonardo Castellani, que fora um dos alvos do
decreto do Santo Ofício (da década de 1940) assinado por Pio XII segundo o qual “o
sistema do milenarismo mitigado não pode ser ensinado sem perigo [para as almas]”?
Pois é exatamente este sistema o que o Padre Castellani sustenta no texto incluso no livro
do Padre Sáenz, que chega a dizer que a doutrina milenarista de Castellani não cai sob a
interdição do referido decreto... Tanto cai, que Mons. Juan Straubinger, grande tradutor
da Bíblia e companheiro de milenarismo de Castellani, deixou de sustentar esta doutrina
assim que saiu o decreto (como se pode ler em nota à sua mesma tradução da Bíblia). É
verdade que o prefaciador do livro lançado pelo CDB, Leonardo Penitente, diz ali mesmo
que o milenarismo mitigado é um erro e que a obra por ele prefaciada deve ser lida com
cautela. Muito bem. Mas haveria que acrescentar que deve ser lida com cautela por
teólogos – e simplesmente não deve ser lida pelo público em geral, que não tem armas
para defender-se intelectualmente diante de um autor brilhante mas defensor de algo
interditado como o é o Padre Castellani. Mas é o que eu já disse no outro texto:
infelizmente, multidão de importantes bispos, padres, juristas, etc., hispânicos tem em
Castellani uma referência, mesmo quando sustenta algo, repita-se, interditado, e despreza
assim o magistério da Igreja.
3) Poder-me-ão porém retrucar: Mas o Cardela Joseph Ratzinger elogia o livro em carta
(publicada na edição do CDB) ao Padre Sáenz. Respondo: Ele o faz como doutor privado,
não como Magistério. Pio XII, porém, ao assinar o referido decreto do Santo Ofício, fê-lo
como Magistério supremo, como Papa, “in persona Christi”, e portanto com assistência do
Espírito Santo. A conclusão impõe-se.
NOTA FINAL. Não tenho a menor ideia de se o CDB é milenarista. Mas está à vista de
todos que publicou um livro inconveniente, este do Padre Sáenz. E isso me basta: é só o
que eu queria dizer.

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