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Ana Luiza de Souza Nobre

Fios cortantes:
Projeto e produto, arquitetura e design no
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410548/CA

Rio de Janeiro (1950-70)

TESE DE DOUTORADO

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
Programa de Pós-Graduação em
História Social da Cultura

Rio de Janeiro
Abril de 2008
Ana Luiza de Souza Nobre

Fios cortantes:
Projeto e produto, arquitetura e design no
Rio de Janeiro (1950-70)
38&5LR&HUWLILFDomR'LJLWDO1ž&$

Tese de Doutorado

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


História Social da Cultura do Departamento de História
da PUC-Rio como parte dos requisitos parciais para
obtenção do título de Doutor em História.

Orientador: Prof. Ronaldo Brito Fernandes

VOLUME I

Rio de Janeiro
Abril de 2008
Ana Luiza de Souza Nobre

Fios cortantes:
Projeto e produto, arquitetura e design no
Rio de Janeiro (1950-70)
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410548/CA

Tese de Doutorado

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


História Social da Cultura do Departamento de História
da PUC-Rio como parte dos requisitos parciais para
obtenção do título de Doutor em História.

Orientador: Prof. Ronaldo Brito Fernandes

VOLUME II

Rio de Janeiro
Abril de 2008
Ana Luiza de Souza Nobre

Fios cortantes:
Projeto e produto, arquitetura e design no
Rio de Janeiro (1950-70)

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


História Social da Cultura do Departamento de História da
PUC-Rio como parte dos requisitos parciais para obtenção
do título de Doutor em História.
Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Profº Ronaldo Brito Fernandes


Orientador
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410548/CA

Departamento de História - PUC-Rio

Profº Renato Luiz Sobral Anelli


Co-orientador
Departamento de Arquitetura e Planejamento
Escola de Engenharia de São Carlos – USP

Profº João Masao Kamita


Departamento de História – PUC-Rio

Profº José Tavares Correia de Lira


Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - USP

Profº Roberto Luís Torres Conduru


Instituto de Artes - UERJ

Profº Cesar Augusto Coelho Guimarães


Ciência Política - IUPERJ

Profº Nizar Messari


Vice-Decano de Pós-Graduação do Centro de Ciências Sociais
PUC-Rio
Rio de Janeiro, 25 de abril de 2008
Todos os direitos reservados. É proibida a
reprodução total ou parcial do trabalho sem
autorização da universidade, da autora e do
orientador.

Ana Luiza de Souza Nobre


Arquiteta, nascida em 1964 no Rio de Janeiro.
Formada pela Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Federal do Rio de
Janeiro em 1986. É mestre em História pela PUC-
Rio e professora do Curso de Arquitetura e
Urbanismo da PUC-Rio.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410548/CA

Ficha Catalográfica

Nobre, Ana Luiza de Souza

Fios cortantes : Projeto e produto, arquitetura


e design no Rio de Janeiro (1950-70) / Ana Luiza
de Souza Nobre ; orientador: Ronaldo Brito
Fernandes. – 2008.
2 v. 358 f.: il. ; 30 cm

Tese (Doutorado em História Social da


Cultura)–Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.
Inclui bibliografia

1. História – Teses. 2. Arquitetura moderna.


3. Design. 4. Projeto. 5. Industrialização. 6. Bill,
Max. 7. Bernardes, Sergio. 8. Mindlin, Henrique. I.
Fernandes, Ronaldo Brito. II. Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Departamento de História. III. Título.

CDD: 900
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meu infinito.
Para O.,
Agradecimentos

Muitas pessoas e instituições contribuíram de algum modo para a realização deste


trabalho. Sou particularmente grata pela assistência, informações, sugestões e
críticas que recebi de Abilio Guerra, Affonso de Escobar Bevilacqua, Alberto
Xavier, Aline Coelho, Alfredo Britto, Almir Mavignier, Ana Paula Khoury, Ana
Paula Pontes, Andrés Pássaro, Augusto Carlos de Vasconcellos, Baby e Jeorgino
Nobre, Berenice Cavalcante, Carlos Eduardo Dias Comas, Carlos Fragelli, Cecilia
Cotrim, Claudia Araújo, Davino Pontual, Denise Chini Solot, Dionisio Souza,
Elisabeth Bottamedi, Fernando Aguirre, Flavia Brito, Flavia Eyler, Geraldo
Filizola, Gabriel Patrocínio, Günter Weimer, Haifa Sabbag, Hans-Jörg Fuchsloch,
Hélia Nacif Xavier, Isa Bisaggio, Jayme Mason, Joaquim Soares Mello da Cunha
e Sra., João de Souza Leite, João Honório de Melo Filho, João Masao Kamita,
João Pedro Backheuser, João Walter Toscano, José Correa Tavares Lira, José
Mindlin, Juliano Pereira, Karl-Heinz Bergmiller, Kátia Mindlin Leite Barbosa,
Kykah Bernardes, Laís Bronstein, Ligia Saramago, Luciana Andrade, Luis
Reznik, Luiz Costa Lima, Luiz Felipe Machado, Luiz Felipe Nobre, Marcia
Furriel, Maria Cristina Cabral, Maria Elisa Costa, Maria Gabriela Carvalho, Maria
Lidia Kruel, Maria Ligia Sanches Gomes, Maria Ribeiro, Marina Simmonot,
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Martina Merklinger, Mauro Almada, Miguel Stábile, Monica Paciello Vieira,


Nelson Kon, Osmar Penteado, Paulo Bruna, Pedro Teixeira Soares, Raphael de
Almeida Magalhães, Ricardo Benzaquen de Araújo, Roberto Barbato, Roberto
Conduru, Roberto Segre, Rubens Biotto, Ruy Pauletti, Sergio Rodrigues, Sophia
Telles, Teresa Pontual, Veronica Rodrigues e Walmyr Amaral.

Em Goebel Weyne tive a felicidade de encontrar o interlocutor exigente e


solidário que me deu a medida do rigor ulmiano.

Michel Masson, Alexandra Aguirre e Felipe Ney foram colaboradores preciosos


em momentos distintos da pesquisa e do processo de elaboração da parte gráfica.
E Caio Calafate cuidou, com dedicação e competência exemplares, do design do
volume II.

Doris Offenhaus, meine geliebte Lehrerin, me fez vencer o difícil idioma alemão.
E Paulo Becker, Jorge Spitz e Ricardo Amorim me ajudaram a manter minhas
tensões internas no limite do suportável.

Igualmente imprescindível foi o apoio cotidiano, dentro da PUC-Rio, de Edna


Maria Timbó, Cleuza Ventura, Anair Oliveira e Cláudio Santiago, da secretaria do
Departamento de História, de Consuelo da Silva Carvalho, do Curso de
Arquitetura e Urbanismo, e dos bibliotecários e funcionários da Divisão de
Bibliotecas e Documentação, em especial de Franceschina Chinelli e Marta Bela
Reis.

No exterior, contei com a incrível disponibilidade de Dagmar Rinker e Marcela


Quijano (HfG Archiv-Ulm), Polly Armstrong (Stanford University Libraries),
Jens Holley (R.M. Cooper Library, Clemson University) e Angela Molenaar
(Buckminster Fuller Institute), além da acolhida calorosa de Pedro Moreira e Nina
Nedelykov em Berlim, e do socorro amigo de Martha Telles, presença estratégica
em Nova York.

Do CNPQ/Conselho Nacional de Pesquisa Científica, recebi uma bolsa de estudos


que foi fundamental para a conclusão do trabalho, e dos professores Antonio
Edmilson Rodrigues, Otavio Leonidio e Luiz Antônio Coelho, o apoio necessário
para que pudesse dedicar-me integralmente à tese ao longo do ano de 2007.

Por fim, quero agradecer muito especialmente aos professores Ronaldo Brito e
Renato Anelli, que deram o melhor de si, para que eu não desse menos de mim.
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Resumo

Nobre, Ana Luiza de Souza; Fernandes, Ronaldo Brito (orientador). Fios


Cortantes: Projeto e produto, arquitetura e design no Rio de Janeiro
(1950-70). Rio de Janeiro, 2008, 358 p. Tese de Doutorado. Departamento de
História, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

O trabalho discute a produção projetual em arquitetura no ambiente cultural


carioca das décadas de 1950 e 1960, período que coincide com a emergência da
arte concreta, a estruturação do meio do design no Brasil e a construção da nova
capital federal, em meio a uma disputa cada vez mais acirrada em torno de
diferentes políticas de desenvolvimento econômico para o país. A partir da
investigação de dois momentos-chave - a polêmica desencadeada pela crítica de
Max Bill à arquitetura brasileira, em 1953, e a criação da Esdi/Escola Superior de
Desenho Industrial, em 1963 – verificam-se especialmente as tensões, os limites e
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possíveis desdobramentos da vertente construtiva da arte moderna na arquitetura


brasileira, em particular no que diz respeito à concepção de projeto radicada na
Hochschule für Gestaltung (HfG), escola de design criada em Ulm, Alemanha, no
segundo pós-guerra. No quadro em questão, examina-se mais minuciosamente a
obra projetual dos arquitetos Sergio Bernardes (1919-2002) e Henrique Mindlin
(1911-1971), procurando observar em que medida e de que maneira cada um
deles lida com os procedimentos e conceitos básicos implicados na
correspondência - do ponto de vista ulmiano, fundamental - entre raciocínio
projetual e lógica de produção industrial, apontando inclusive para um
rompimento com o fio condutor definido desde os anos 1930 para a arquitetura
brasileira por Lucio Costa.

Palavras-chave
História; Arquitetura moderna; Design; Projeto; Industrialização; Max
Bill; Sergio Bernardes; Henrique Mindlin.
Abstract

Nobre, Ana Luiza de Souza; Fernandes, Ronaldo Brito (orientador). Razor-


edge: Design and product, architecture and design in Rio de Janeiro
(1950-70). Rio de Janeiro, 2008, 358 p. Ph.D Dissertation - Departamento de
História, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

The aim of this dissertation is to bring out key-issues related to the architectural
practice in Rio de Janeiro during the 1950’s and 1960’s. This period comprises
the emergence of Brazilian concrete art, the establishment of industrial design as a
discipline and the building of Brasília, the country’s new capital, accompanied by
a political dispute between different perspectives for the country’s development.
By concentrating the analysis upon the polemics raised by Max Bill’s critique of
brazilian architecture, in 1953, and the creation, ten years later, of Esdi/Escola
Superior de Desenho Industrial (College of Industrial Design, Rio de Janeiro), it
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is possible to verify the tensions, limits and different interpretations of the


construcivist trend in architectural practice in Brazil, especially in regard to a
concept of design deeply rooted in the Hochschule für Gestaltung (HfG), school
of design created in Ulm, Germany, in the 1950’s. According to this perspective,
the works of architects Sergio Bernardes (1919-2002) and Henrique Mindlin
(1911-1971) are more closely examined, as they tend to carry out the challenge to
explore the link between design procedures and industrial production, thus
indicating a significant dissent in brazilian architectural circle, since the 1930’s
largely defined and supported by Lucio Costa.

Keywords
History; Modern Architecture; Industrial Design; Design;
Industrialization; Max Bill; Sergio Bernardes; Henrique Mindlin.
Sumário

Volume I
1. Formulação do problema 19

2. A gute Form de Max Bill 40


2.1. Form e Gestaltung 48
2.2. Boa Forma e Tipificação na Deutsche Werkbund 52
2.3. Limites da Boa Forma 59

3. Questão de projeto: Ulm e Rio 65


3.1. O design no impasse 93
3.2. A democracia pelo desenho 100

4. Sergio Bernardes: o mundo como projeto 106


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4.1. A cidade de Sergio Bernardes 112


4.2. “Bairros verticais” 118
4.3. Jogo de helicoidais 124
4.4. Flor rara e banalíssima 133
4.5. Malhas, redes, cabos e triângulos 141
4.6. Brasília, industrialização e planejamento 154

5. Henrique Mindlin: o projeto na cadeia de produção 166


5.1. Economia de guerra 176
5.2. Sheer size 185
5.3. Disciplina projetual 196

6. Epílogo 208

Volume II
7. Caderno de imagens 226

8. Referências bibliográficas 334

9. Anexos 354

10. Crédito das imagens 358


Relação de imagens

1. Manchete número 60, 13 de junho de 1953


2. Max Bill | Unidade Tripartida | 1948-9
3. Manchete número 62, 27 de junho de 1953
4. Manchete número 63, 04 de julho de 1953
5. Tribuna da Imprensa, 7 de junho de 1953
6. Affonso Eduardo Reidy, Conjunto Habitacional Prefeito Mendes de
Moraes (Pedregulho) | Rio de Janeiro | 1946-7
7. Oscar Niemeyer | Casa das Canoas | Rio de Janeiro | 1952
8. Oscar Niemeyer | Conjunto da Pampulha | Belo Horizonte | 1940
9. MASP | a “vitrine das formas” na Pinacoteca da primeira sede do
museu | 1950
10. MASP | exposição de Max Bill | 1950
11. Antonio Maluf | cartaz da I Bienal de São Paulo | 1951
12. Geraldo de Barros | cartaz do IV Centenário de São Paulo | 1954
13. Alexandre Wollner | cartaz da IV Bienal de São Paulo | 1957
14. Antonio Maluf | mural para edifício projetado por Fábio Penteado | São
Paulo | 1962
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15. Antonio Maluf | estampa de tecido para a Rhodia | 1968


16. Waldemar Cordeiro | jardim | São Paulo | década de 1960
17. Maurício Nogueira Lima | capa da revista Noigandres número 2 | 1955
18. Willys de Castro e Hércules Barsotti | logotipos da Galeria Seta,
Galeria Novas Tendências e Mobília Contemporânea | 1963-4
19. Lygia Clark | Construa você mesmo o seu espaço a viver | 1960
20. Amilcar de Castro | projeto gráfico do Manifesto Neoconcreto,
publicado no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil | 1959
21. Max Bill | die Gute Form | 1ª montagem em Basel | 1949
22. Max Bill | die Gute Form | painel da exposição
23. Max Bill | Form | 1952
24. Max Bill | Form | 1952
25. Max Bill | Form | 1952
26. Max Bill | HfG-Ulm | vista aérea, 1955 | Foto: Otl Aicher
27. Max Bill | HfG-Ulm | 1950-3
28. Max Bill | HfG-Ulm | 1950-3
29. Max Bill | HfG-Ulm | 1950-3
30. Max Bill | HfG-Ulm | 1950-3
31. Max Bill | HfG-Ulm | 1950-3
32. Max Bill | HfG-Ulm | 1950-3
33. Max Bill e Ernst Moeckel | Maçaneta | 1955
34. Max Bill | Relógio de parede | 1956
35. Max Bill e Hans Gugelot | Banco HfG | 1954
36. Max Bill | Edifício residencial | Zurique | 1950
37. Max Bill | Edifício residencial | Zurique | 1950
38. Max Bill | Casas pré-fabricadas | Israel | 1947-8
39. Max Bill | Casas pré-fabricadas | Israel | 1947-8
40. Max Bill | Casas pré-fabricadas | Israel | 1947-8
41. Max Bill | Pavilhão Suíço | Exposição Universal de Nova York | 1939
42. Max Bill | Pavilhão Suíço | Exposição Universal de Nova York | 1939
43. Max Bill | Pavilhão de Exposições | Expo 64, Lausanne | 1961-4
44. Max Bill | Pavilhão de Exposições | Expo 64, Lausanne | 1961-4
45. Max Bill | Quinze variações sobre um mesmo tema | 1934-8
46. Esquema pedagógico da Bauhaus | 1922
47. Esquema pedagógico da HfG-Ulm | 1951
48. Walter Gropius e Adolf Meyer | Casa Sommerfeld | Berlim | 1920-1
49. Manifesto da Bauhaus | texto de W.Gropius, xilogravura de L.
Feininger | 1919
50. Günter Weimer | projeto de compasso | prof.: Ulrich Burandt |
Departamento de Desenho Industrial, HfG-Ulm | 1965-6
51. Gerhard Curdes e Karl-Heinz Allgayer | sistema construtivo em
plástico para fachada de edifícios de escritórios | projeto final | prof.
orientador: Rudolf Doernach | Departamento de Construção, HfG-
Ulm | 1963
52. Bernd Meurer e Herbert Ohl | sistema modular de concreto para
edifícios residenciais | HfG-Ulm | 1961
53. HfG-Ulm | Departamento de Construção, HfG-Ulm | 1958-9
54. HfG-Ulm | construção de cúpula com módulos tubulares de PVC |
prof.: Rudolf Doernach | 1962-3
55. Günter Schmitz | Fundamentos de Gestaltung para arquitetos |
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exercício 1: transição entre redes | HfG-Ulm | 1967


56. Günter Schmitz | Fundamentos de Gestaltung para arquitetos |
exercício 4: aresta espacial (Raumecke) | Departamento de
Construção, HfG-Ulm | 1967
57. Günter Schmitz | Fundamentos de Gestaltung para arquitetos |
exercício 3: conexão tridimensional | HfG-Ulm | 1967
58. Anthony Fröshaug | exercícios de Metodologia Visual | sistema
constituído de pontos e conexões entre pontos | Curso Fundamental,
HfG-Ulm | 1959
59. Anthony Fröshaug | exercícios de Metodologia Visual | construção de
redes bidimensionais e tridimensionais | Curso Fundamental, HfG-
Ulm | 1959
60. Anthony Fröshaug | exercícios de Metodologia Visual | análise da
residência Curutchet, de Le Corbusier | Curso Fundamental, HfG-
Ulm | 1959
61. Bruce Archer | esquema do processo de design | 1963
62. Klaus Franck | esquema do processo de design | 1957
63. Claude Schnaidt | organograma de projeto de hotel | 1985
64. Henry Moeller | capa da revista Módulo 1 | março 1955
65. Athos Bulcão | capa da revista Módulo 3 | dezembro 1955
66. Glauco Campello | capa da revista Módulo 10 | agosto 1958
67. Arthur Lício Pontual | capa da revista Módulo 13 | abril 1959
68. Goebel Weyne e Arthur Lício Pontual | capa da revista Módulo 15 |
outubro 1959
69. Goebel Weyne | capa da revista Módulo 17 | abril 1960
70. Goebel Weyne e Arthur Lício Pontual | capa da revista Módulo 16 |
dezembro 1959
71. Otl Aicher | jardim em Brasília | Módulo 16 | 1959
72. Goebel Weyne, Arthur Lício Pontual e Marcos Vasconcellos | catálogo
da exposição Casa Individual pré-fabricada, de Sergio Rodrigues |
MAM-RJ | 1960
73. Sergio Rodrigues | Casa pré-fabricada em exposição no MAM-RJ | no
térreo, painéis projetados por Goebel Weyne, Arthur Lício Pontual e
Marcos Vasconcellos | 1960
74. Sergio Rodrigues | Casa pré-fabricada em exposição no MAM-RJ |
1960
75. Sergio Rodrigues | Casa pré-fabricada em exposição no MAM-RJ |
sala com móveis da Oca | 1960
76. Sergio Rodrigues | Casa pré-fabricada | maquete| 1960
77. Sergio Rodrigues | Casa pré-fabricada | planta | 1959
78. Goebel Weyne, Arthur Lício Pontual e Aloísio Magalhães | selos
comemorativos da inauguração de Brasília | 1960
79. Arthur Lício Pontual e João Maria dos Santos | exposição no Pavilhão
do Brasil em Bruxelas | 1958
80. Arthur Lício Pontual | exposição de Brasília | montagem em Paris |
1958
81. Arthur Lício Pontual | exposição de Brasília | montagem em Genebra |
1958
82. Arthur Lício Pontual | exposição de Brasília | montagem em Londres |
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1958
83. Arthur Lício Pontual | exposição permanente de Brasília | Ministério da
Educação e Cultura | Rio de Janeiro | 1958
84. Arthur Lício Pontual, Ricardo Cruz, Davino Pontual e Arlindo Facioli |
Mesa e Poltrona Pontual | 1963
85. Arthur Lício Pontual | Loja do Bom Desenho | Rio de Janeiro | 1963
86. Arthur Lício Pontual | logotipo da Loja do Bom Desenho | 1963
87. Magalhães + Noronha + Pontual | logotipos da M+N+P e Cobe | 1962-
3
88. Magalhães + Noronha + Pontual | exposição itinerante de arquitetura
brasileira na Europa | 1963
89. Arthur Lício Pontual e Davino Pontual | três casas em Búzios | 1969
90. Arthur Lício Pontual e Davino Pontual | três casas em Búzios | 1969
91. Arthur Lício Pontual, Davino Pontual e Arlindo Facioli | edifício-sede da
Shell | Rio de Janeiro | 1967
92. Arthur Lício Pontual e Carlos João Juppa | residência Fracalanza | Rio
de Janeiro | 1964
93. Arthur Lício Pontual | edifício Mal.Deodoro da Fonseca | Rio de
Janeiro | 1969
94. Arthur Lício Pontual, Davino Pontual, Paulo de Souza Pires, Sergio
Porto e Flávio Ferreira | Rio Othon Palace | Rio de Janeiro | 1967-8
95. Arthur Lício Pontual | residência na Rua Joaquim Campos Porto | Rio
de Janeiro | 1970
96. Arthur Lício Pontual | residência Sergio Lacerda | Rio de Janeiro |
1969
97. Arthur Lício Pontual e Davino Pontual | edifício-sede da Datamec | Rio
de Janeiro | 1971-2
98. Lucio Costa | “Arthur Lício Pontual” | 1972
99. Edgard Decurtins | planejamento de conjunto habitacional segundo
sistema construtivo padronizado | projeto final | prof. orientador:
Herbert Ohl | Departamento de Construção, HfG-Ulm | 1960
100. Edgard Decurtins | trabalhos de alunos | disciplina: Metodologia
Visual | Esdi | 1964
101. Arthur Lício Pontual, Karl-Heinz Bergmiller e Norman Westwater |
trabalhos de alunos | disciplina: Projeto de Desenho Industrial | Esdi |
1964-5
102. Karl-Heinz Bergmiller | sistema de mobiliário escolar para a Conesp |
1978-82
103. Daisy Igel | trabalhos de alunos | disciplina: Metodologia Visual | Esdi
| 1967
104. Daisy Igel e Jon Maitrejean | centro de distribuição da Ultragás | São
Paulo | 1955
105. Lina Bo Bardi | exposição Civilização do Nordeste | Museu de Arte
Popular | Salvador | 1963
106. Carlos Scliar | capa da revista Senhor 1 | 1959
107. Eugenio Hirsch | capa de livro para editora Civilização Brasileira |
1964
108. Rogério Duarte | capa de disco | 1968
109. Sergio Rodrigues | Poltrona Mole | 1957
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110. Sergio Bernardes | O Rio do Futuro | 1965


111. Sergio Bernardes | O Rio do Futuro | 1965
112. Sergio Bernardes | O Rio do Futuro | 1965
113. Sergio Bernardes | O Rio do Futuro | 1965
114. Sergio Bernardes | O Rio do Futuro | mapa geral | 1965
115. Lucio Costa | Plano Piloto para a Baixada compreendida entre a
Barra da Tijuca, o Pontal de Sernambetiba e Jacarepaguá | mapa
geral | 1969
116. Konstantinos Doxiadis | Guanabara. A plan for urban development
(Plano Doxiadis) | mapa geral | 1965
117. Sergio Bernardes | O Rio do Futuro | 1965
118. Antonio Sant’Elia | Cidade Nova | Estação central com estrutura em
A (Terrassenhauser) | 1914
119. Sergio Bernardes | O Rio do Futuro | 1965
120. Kisho Kurokawa | Cidade helicoidal | Tóquio | 1961
121. Sergio Bernardes | O Rio do Futuro | 1965
122. Le Corbusier | plano para o Rio de Janeiro | 1929
123. Sergio Bernardes | Hotel Tropical | Recife | 1968
124. Sergio Bernardes | Aeroporto Internacional | Brasília | 1958
125. Sergio Bernardes | Superquadra para IBC-Instituto Brasileiro do Café
| Brasília | 1959
126. Rino Levi e equipe | plano-piloto para Brasília | 1957
127. Yonna Friedman | Estrutura espacial elevada para Nova York | 1960-
2
128. Yonna Friedman e Eckhard Schulze-Fielitz | Ponte-cidade sobre o
canal de Ärmel | 1963
129. Sergio Bernardes | Casa Alta | Rio de Janeiro | 1963
130. Sergio Bernardes | Casa Alta | Rio de Janeiro | 1963
131. Sergio Bernardes | Mastro da bandeira nacional | Brasília | 1972
132. Sergio Bernardes | Mausoléu de Castello Branco | Fortaleza | 1968
133. Sergio Bernardes | Bairro Vertical na Barra da Tijuca | Rio de Janeiro
| c.1983
134. Peter Cook, Archigram | Plug-in City | 1967
135. Ron Herron, Archigram | Walking City (Cidade Ambulante) | 1964
136. Kisho Kurokawa | Cidade flutuante | Kasumigaura | 1961
137. Kiyonari Kikutake | Marine City (Cidade-marina) | 1958-62
138. Warren Chalk e Ron Herron, Archigram | Gasket Homes (Casas
Veda-junta) | 1965
139. Kisho Kurokawa | Torre Nakagin | Tóquio | 1970
140. Kisho Kurokawa | LC-30X | 1972
141. Kisho Kurokawa | Centro comercial e hotel | Um-Al-Kanzaheer | 1975
142. Sergio Bernardes | Res. Lota de Macedo Soares | Petrópolis | 1951-6
143. Sergio Bernardes | Country Clube | Petrópolis | 1946
144. Sergio Bernardes | Res. Emílio Staub | Petrópolis | 1950
145. Sergio Bernardes | Res. Lota de Macedo Soares | Petrópolis | 1951-6
146. Charles e Ray Eames | Case Study House 8 | Pacific Palisades,
California | 1949
147. Sergio Bernardes | Pavilhão da CSN | Parque Ibirapuera | São Paulo
| 1954
148. Jayme Luna dos Santos | Pavilhão do Rio Grande do Sul | Parque do
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Ibirapuera | São Paulo | 1954


149. Joseph Paxton | Palácio de Cristal | Londres | 1851
150. Vladmir Grigorevich Shukhov | Pavilhão da Exposição de Artes e
Indústria | Nizhny-Novgorod | Rússia | 1896
151. Karl Ioganson | Construções Espaciais | 1920-21
152. Buckminster Fuller | “Mastro Tensegridade” (Tensegrity Mast) |
c.1950
153. HfG-Ulm | exercício didático | professor: Josef Albers | 1953-4
154. Cedric Price | Aviário | Londres | 1963
155. Frei Otto | cobertura do Estádio Olímpico de Munique (proj. arq.
Günther Behnisch) | 1972 156. Sergio Bernardes | Pavilhão do Brasil
| Exposição Internacional de Bruxelas | 1958
157. Sergio Bernardes | Pavilhão do Brasil | Exposição Internacional de
Bruxelas | 1958
158. Pavilhão da Pan American Airways | Exposição Internacional de
Bruxelas | 1958
159. André Waterkeyn, A. e J. Pollak | Atomium | Exposição Internacional
de Bruxelas | 1958
160. Victor Lundy e Walter Bird | Pavilhão da Comissão de Energia
Atômica dos Estados Unidos | montagem no Rio de Janeiro | 1960
161. Sergio Bernardes | Pavilhão de São Cristóvão | Rio de Janeiro |
1957-8
162. Paulo Fragoso | projeto estrutural para o Pavilhão de São Cristóvão
163. Paulo Fragoso | projeto estrutural para o Pavilhão de São Cristóvão
164. Paulo Fragoso | projeto estrutural para o Pavilhão de São Cristóvão
165. Sergio Bernardes | Pavilhão de São Cristóvão | Rio de Janeiro |
1957-8
166. Sergio Bernardes | Pavilhão de São Cristóvão | Rio de Janeiro |
1957-8
167. Sergio Bernardes | Pavilhão de São Cristóvão | Rio de Janeiro |
1957-8
168. Sergio Bernardes | Pavilhão de São Cristóvão | Rio de Janeiro |
1957-8
169. Matthew Novicki | Arena de Raleigh | 1951-2
170. Affonso Eduardo Reidy | MAM-RJ | 1953
171. John Roebling | Ponte do Brooklyn | Nova York | 1869-75
172a. Sergio Bernardes | bloco cerâmico vazado 10x0x10 cm e telha
meio-tubo de fibrocimento (Res. do arquiteto, 1960) | puxador (Res.
Clara Joppert, década de 1970) | cadeira-rampa (década de 1970) |
carro (década de 1960)
172b. Sergio Bernardes | Estádio do Corintians | São Paulo | 1968
173. Sergio Bernardes | Indústrias químico-farmacêuticas Schering | Rio
de Janeiro | 1974
174. Sergio Bernardes | Espaço Cultural da Paraíba | João Pessoa | 1979
175. Alexander Graham Bell | croquis de sistema estrutural | início do
século XX
176. Konrad Wachsmann | sistema estrutural para aeroportos | 1950-53
177. Mies van der Rohe | Teatro de Manheim | 1952
178. Jorge Wilhem e Miguel Juliano | Parque Anhembi | São Paulo | 1957
179. Sergio Bernardes | Hotel Tropical | Manaus | 1963-70 | primeira
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versão
180. Sergio Bernardes | Hotel Tropical | Manaus | 1963-70 | segunda
versão
181. Sergio Bernardes | Hotel Tropical | Manaus | 1963-70 | quartos
182. Warren Chalk | Plug-in Capsule Homes | 1964
183. Hans Eger e Gregori Warchavhick | estrutura da cúpula do Conjunto
Nacional (projeto arq. de David Libeskind) | São Paulo | 1956
184. Jayme Mason | projeto estrutural para cúpula do Hotel Tropical em
Manaus | década de 1960
185. Walter Bauersfeld e Franz Dischinger | Zeiss Dome | Jena, Alemanha |
1922-3
186. Buckminster Fuller | cúpula sobre Manhatan | 1962
187. Buckminster Fuller | Pavilhão dos Estados Unidos na Expo 67 |
Montreal | 1967
188. Alexander Graham Bell | torre de observação | Canadá | 1907
189. Wladimir Tatlin | Monumento para III Internacional | 1919-20
190. Louis Kahn | Torre municipal | Filadélfia | 1952-7
191. Max Bill | Construção | 1939
192. Frei Otto | Pavilhão da Alemanha na Expo 67 | Montreal | 1967
193. Sergio Bernardes | Condomínio Cabo Dois Irmãos | montagem da
estrutura | Rio de Janeiro | 1970-1
194. Sergio Bernardes e Rolf Hüther | Senado Federal | Rio de Janeiro |
1955
195. Lucio Costa | edifício-sede do Jockey Club | Rio de Janeiro | 1956
196. Affonso Eduardo Reidy | IPEG | Rio de Janeiro | 1957
197. Oscar Niemeyer | Brasília Palace Hotel | Brasília | 1957
198. Oscar Niemeyer | Ministérios | Brasília | 1958
199. Konrad Wachsmann e Walter Gropius | Packaged House (Casa
Empacotada) | General Panel System | década de 1940
200. Oscar Niemeyer | Casas pré-fabricadas | Brasília | 1962
201. Oscar Niemeyer e João Filgueiras Lima | escritório técnico do Ceplan |
UnB, Brasília | 1962-3
202. Oscar Niemeyer e João Filgueiras Lima | Instituto Central de Ciências |
UnB, Brasília | 1962-3
203. João Filgueiras Lima | alojamento da Colina | UnB, Brasília | 1963
204. Oscar Niemeyer | Escola primária | 1963
205. Henrique Mindlin | Ministério das Relações Exteriores | Rio de
Janeiro | 1942
206. SEMTA | cartaz | desenho de Jean Pierre Chabloz
207. Pouso do Prado | SEMTA | desenho de Jean Pierre Chabloz
208. Álvaro Vital Brazil | Pouso do Prado | SEMTA/Serviço Especial de
Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia | Fortaleza | 1943
209. MM Roberto | edifício na Rua do Lavradio | Rio de Janeiro | 1939
210. MMM Roberto | edifício MMM Roberto (“edifício Mamãe”) | Rio de
Janeiro | 1945
211. Henrique Mindlin | primeiras impressões dos Estados Unidos | 1943
212. Casas pré-fabricadas Sears | página do catálogo | 1934
213.Casas pré-fabricadas Aladdin | capa do catálogo | 1949
214. Casas pré-fabricadas Lustron, produzidas por Carl Strandlund |
1947-50
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215. Buckminster Fuller | Dymaxion Deployment Unit (Unidade de


Distribuição Dymaxion) | 1940
216. Henrique Mindlin | Núcleo Habitacional da Cia. Siderúrgica
Mannesmann | Barreiro, MG | 1953
217. Henrique Mindlin, Giancarlo Palanti e equipe | Plano-Piloto de
Brasília | 1957
218. Henrique Mindlin | Modern Architecture in Brazil | 1956 | design da
sobrecapa: H.P.Doebele
219. Henrique Mindlin | Residência George Hime | Petrópolis | 1949
220. Henrique Mindlin (sentado, à direita) em apresentação do projeto do
Hotel Copan | Nova York, década de 1950
221. Henrique Mindlin, Giancarlo Palanti e equipe | Edifício-sede do Bank
of London and South America | São Paulo | 1959
222. Henrique Mindlin e equipe | Edifício Av. Central | Rio de Janeiro |
1957
223. Henrique Mindlin e equipe | Edifício Av. Central | Rio de Janeiro |
1957
224. Henrique Mindlin, Giancarlo Palanti e equipe | Edifício-sede do
BEG/Banco do Estado da Guanabara | Rio de Janeiro | 1963
225. Frank Lloyd Wright | Edifício Larkin | Buffalo | 1906
226. Louis Kahn | Laboratórios Richards | Philadelphia | 1957-65
227. SOM | Lever House | Nova York | 1951-2
228. SOM | John Hancock Center | Chicago | 1970
229. SOM | Inland Steel Co. | Chicago | 1956-8
230. SOM | Sears Tower | Chicago | 1974
231. Mies van der Rohe | Edifício Seagram | Nova York | 1954-8
232. Mies van der Rohe | Apartamentos Lake Shore Drive | Chicago |
1951
233. Henrique Mindlin, Giancarlo Palanti e Walmyr Amaral | estudos para
o Pavilhão do Brasil na Bienal de Veneza | 1959
234. Henrique Mindlin, Giancarlo Palanti, Walmyr Amaral e Nino A.
Marchesin | Pavilhão do Brasil na Bienal de Veneza | 1964
235. Henrique Mindlin | Sinagoga de Botafogo | Rio de Janeiro | 1958
236. Henrique E.Mindlin-Giancarlo Palanti arquitetos | carimbo do
escritório | 1960
237. Henrique E.Mindlin, Giancarlo Palanti arquitetos associados |
carimbo do escritório | 1965
238. Rino Levi | prancha detalhe porta veneziana edifício Prudência | 1945
239. Rino Levi | carimbo do escritório | 1945
240. Rino Levi | prancha detalhe corta sol sala de estar Res. Olivo Gomes
| São José dos Campos | 1950
241. Rino Levi | prancha pavimento-tipo Banco Sul-Americano | São Paulo
| estudo preliminar | 1960
242. Henrique Mindlin | “o Plá” | final da década de 1960
243. ABNT/Associação Brasileira de Normas Técnicas | NBR 6492 |
instituída em 1994
244. Henrique Mindlin em anúncio dos elevadores Otis | 1963
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Ulm escancara mil janelas


a um luminoso vento fresco:
a um vento limpo, com a leveza
de um sol lavado de setembro,

por uma chuva que deixasse


seu cristal em metal brumido,
seu metal com o fio cortante,
luminar, do canto do grilo.

João Cabral de Melo Neto, A Escola de Ulm


1
Formulação do problema

Comparado ao escrito seminal da década de 1930 (Razões da Nova


Arquitetura), o texto Muita construção, alguma arquitetura e um milagre (1951),
também de Lucio Costa, contém inequívocos sinais do elevado grau de auto-
satisfação de que se nutre a produção arquitetônica brasileira na virada dos anos
1940-501. Afinal, não é mais movido pela urgência de fazer um “chamado à
razão” mas pelo que já pode ser lido como um pronunciado sentimento de orgulho
que o enunciador da arquitetura moderna no Brasil se vê naquele momento em
condições de afirmar que “a arquitetura brasileira de agora, como então [Idade
Média e Renascimento] as européias, já se distingue no conjunto geral da
produção contemporânea e se identifica aos olhos do forasteiro como
manifestação de caráter local”.2 Quase uma década depois da organização da
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exposição Brazil Builds pelo MoMA/Museum of Modern Art de Nova York,


Lucio Costa volta a falar em “milagre”, só que agora apontando não para
Brunelleschi, Le Corbusier e Mies van der Rohe (como em Razões), mas para
Oscar Niemeyer, cujo conjunto da Pampulha, em Belo Horizonte, já surgia como
ícone-máximo da prestigiada produção arquitetônica brasileira. [fig.8]
Em que pese a voz dissonante e ideologicamente aparelhada de Vilanova
Artigas, que por volta dos mesmos anos introduz uma espécie de nota crítica na
arquitetura brasileira3, o primeiro abalo efetivo na construção historiográfica de
Lucio Costa só ocorreria, a bem dizer, em 1953, com as duras críticas endereçadas
à produção arquitetônica brasileira – e niemeyeriana, em particular - pelo mais
eminente representante da arte concreta, o suíço Max Bill. Em permanência de

1
Para um tratamento contemporâneo dessa condição de “bem-estar”, já problematizada por Argan
em texto de 1954 (“Arquitetura moderna no Brasil”), veja-se Leonidio, Otavio. Carradas de
Razões.
2
Costa, Lucio. “Muita construção, alguma arquitetura e um milagre” (1951, também conhecido
como “Depoimento de um arquiteto carioca” ). in: Xavier, A. Depoimento de uma geração, p. 95.
3
No começo dos anos 1950, já plenamente engajado no Partido Comunista, Artigas abre fogo
contra a arquitetura moderna – nela incluindo, de maneira genérica, de Wright a Le Corbusier –
acusando-a de ser “arma de opressores contra oprimidos”. Assume assim uma posição incômoda
no panorama triunfante da arquitetura brasileira, exigindo dos arquitetos brasileiros “uma atitude
crítica em face da realidade”. Em termos projetuais, essa postura confirma-se no seu esforço por
rever o programa da tradicional casa burguesa. Ver, em especial, os textos de Artigas “Le
Corbusier e o Imperialismo” (1951) e “Os Caminhos da Arquitetura Moderna” (1952) in: Artigas,
Vilanova. Caminhos da Arquitetura.
20

cerca de três semanas no Brasil a convite do Ministério das Relações Exteriores,


este ex-aluno da Bauhaus não só condenou o edifício-sede do Ministério da
Educação pela “falta de sentido e proporção humana”, o “partido adotado no
projeto”, os azulejos ditos “inúteis”, como afirmou preferir - ainda que apenas
“sob o aspecto funcional” - o vizinho e coetâneo Ministério da Fazenda (projeto
de Luis Eduardo Frias de Moura), justamente o objeto de repúdio máximo por
parte dos modernistas cariocas, que viam aí a expressão mais acabada do que
consideravam o gosto equívoco do ecletismo4. Como se não bastasse, Bill se disse
ainda “estupefato” por constatar que no Brasil, “país onde acontecem congressos
internacionais de arquitetura moderna, uma revista como a Habitat é publicada e
onde se realiza uma Bienal de Arquitetura” irrompesse a “barbárie” dos “pilotis de
formas barrocas de Niemeyer”, equivalentes à “floresta virgem no pior sentido”.5
Ou seja, se por um lado Bill valorizava os espaços por onde a arte concreta
começava a circular no Brasil - como a recém-criada Bienal de São Paulo e a
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revista Habitat, dirigida por Lina Bo Bardi – não deixava de colocar em questão o
fato de que aí também houvesse lugar para o “supra-sumo da anarquia na
construção” identificado com as formas livres de Niemeyer (e não esqueçamos
que a própria Bienal, em sua segunda edição, estava prestes a ser inaugurada em
edifício assinado por este6).
Diante desse quadro – e considerando a expectativa gerada pela primeira
vinda de Max Bill ao Brasil, dois anos após a premiação da sua Unidade
Tripartida na I Bienal de São Paulo [fig.2] - compreende-se o ressentimento que
suas apreciações acerca da produção mais em evidência de arquitetura no país
logo provocaram entre alguns dos mais destacados arquitetos brasileiros. Carlos
Leão, no Rio, e Eduardo Corona, em São Paulo, não tardaram a manifestar
publicamente a irritação que rapidamente se disseminou pelo meio da arquitetura
local em função das declarações de Bill, as quais foram julgadas “sem sentido”,

4
Em entrevista concedida a Flávio de Aquino na revista Manchete, em junho de 1953, Max Bill
afirmou: “Não concordo com o partido adotado no projeto [do Ministério da Educação], que
preferiu condenar o pátio interno construindo o prédio sobre pilotis. O pátio interno seria mais
adaptável ao clima, criaria correntes de ar ascendente que produziriam melhor ventilação
refrescando o ambiente. Sob o aspecto funcional prefiro o Ministério da Fazenda, embora sob os
demais aspectos ele não exista para mim”. Bill, M. Max Bill critica a nossa moderna arquitetura.
5
Bill, Max. O arquiteto, a arquitetura, a sociedade.
6
As Bienais de 1953 e 1955 foram realizadas nos Palácios das Nações e dos Estados, no Parque do
Ibirapuera. Mais tarde a mostra passou a ocupar o Palácio das Indústrias, também projeto de
Niemeyer no Parque do Ibirapuera.
21

“irresponsáveis”, “doentias e cheias de mágoa”, “pretensiosas”, “irrisórias” e “mal


intencionadas”7. Julgamento esse secundado também pelo crítico de arte Quirino
Campofiorito, que ainda fez questão de negar a Bill reconhecimento como
arquiteto, preferindo chamá-lo de “ornamentista” e “decorador”8.
O rebate mais incisivo veio, contudo, de Lucio Costa, que em texto
publicado logo em seguida na mesma revista Manchete que dera voz à Max Bill,
saiu em defesa do “barroquismo” pelo qual este julgara negativamente Niemeyer,
cuja obra, no entender de Costa, “bem mostra não descendermos de relojoeiros,
mas de fabricantes de igrejas barrocas”. Lucio Costa também fez questão de
incluir um pós-escrito justificando a decisão de incluir em seu artigo uma
perspectiva de um projeto recente “do mestre de Ulm” (edifício residencial em
Zurique, 1950) que, dizia ele, “dada a escassez da sua obra arquitetônica, deve ser
coisa importante”. E o tom irônico não parou aí; sem deter-se sobre o projeto,
Lucio Costa preferiu apenas sugerir: “Tire cada qual a sua conclusão”. Enfim,
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quer tenha se tratado de uma Oportunidade perdida (título sob o qual o texto foi
publicado originalmente) ou de um Desencontro (título que o mesmo texto
ganharia na versão editada – e suavizada - pelo autor em seu “livro-testamento”,
de meados dos anos 1990), tratava-se, para Lucio Costa, de desqualificar Max
Bill, ressaltando o fato de ser ele “a rigor, nem arquiteto, nem pintor ou escultor,
mas sim fundamentalmente um delineador de formas (designer)”9. [fig.4]
Sem dúvida poderíamos ler essas palavras à luz da interpretação de Luiz
Costa Lima com relação ao sistema intelectual brasileiro, o que nos levaria a
pensar, pelo viés da arquitetura, o que ainda hoje faz com que quase toda
formulação crítica no país seja, antes de tudo, “ressentida como ofensa pessoal”10.
Porém interessa-nos antes chamar a atenção, na argumentação de Lucio Costa,
para o lugar subalterno atribuído à atividade do design, em que se pode
reconhecer uma visão ainda presa à concepção tradicional de Belas-Artes, pela
qual se confere lugar hierarquicamente superior às artes ditas “maiores” –

7
ver Leão, Carlos. A arquitetura pode ser ‘hobby’ apenas para os diletante” e Corona, Eduardo.
O testamento tripartido de Max Bill. ver também A moderna arquitetura brasileira estará mesmo
desviada do verdadeiro sentido arquitetural? (respostas de Jorge Moreira, Aldary Toledo e do
estudante Sabino Machado).
8
Campofiorito, Quirino. Max Bill no Rio de Janeiro.
9
Costa, Lucio. Oportunidade perdida. Deve-se comparar esse texto com a versão publicada por
Lucio Costa nos anos 90, em que foram suprimidos os três parágrafos finais e o pós-escrito.
(Costa, Lucio. Registro de uma vivência, pp. 201-202).
10
Lima, Luiz Costa. Dispersa demanda. p.11
22

arquitetura, pintura, escultura. O veto então imposto por Lucio Costa à


equiparação do design à arquitetura torna-se particularmente intrigante, na
verdade, quando se considera a relação de complementaridade amplamente
difundida pelo Movimento Moderno, desde a Deutsche Werkbund (Liga Alemã do
Trabalho)11, pelo menos, entre aquelas duas atividades projetuais, em seu
engajamento comum num projeto mais amplo de transformação social. Ora,
conquanto aparentemente incoerente, é de se suspeitar que a postura de Lucio
Costa nesse episódio tenha sido guiada antes de tudo pelo propósito de abafar as
severas críticas de Max Bill e, com isso, atingir um duplo alvo: de um lado,
desautorizar a arte concreta (da qual Bill era um dos mais destacados expoentes),
e conseqüentemente esvaziar as primeiras reações contrárias à produção de
artistas integrados desde a primeira hora ao projeto costiano de modernização
cultural, como Portinari e Di Cavalcanti. De outro lado, manter o lustro com o
qual se apresentava coletivamente a arquitetura moderna no Brasil, bem como a
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aparência de coesão e consenso sustentada publicamente desde a decisão de


articular uma equipe para projetar o Ministério da Educação12. Quer dizer:
enquanto no plano da arte procurava-se assegurar hegemonia a uma produção que
vinha sendo sustentada como moderna (não obstante se mantivesse ainda presa a
esquemas até certo ponto tradicionais de representação, correspondentes, no meio
das artes visuais, à janela renascentista, e no meio da poesia, à unidade rítmico-
formal do verso), no plano da arquitetura os eventuais indícios de fissuras,
divergências internas ou incongruências, conquanto cada vez mais flagrantes,
seguiam sendo sistematicamente encobertos pela reiterada apresentação pública

11
Associação criada em 1907 na Alemanha, com o objetivo declarado em seu estatuto de “reunir
os melhores representantes da arte, da indústria e do artesanato e do comércio, de conjugar todos
os esforços para a produção de trabalho industrial de alta qualidade e de constituir uma plataforma
de união para todos aqueles que quisessem e fossem capazes de trabalhar para conseguir uma
qualidade superior.” Cf Pevsner, N. Os Pioneiros do Desenho Moderno: de William Morris a
Walter Gropius.
12
Estamos nos referindo à extrema habilidade política de Lucio Costa na condução do processo
que levou à constituição de uma equipe para projetar o edifício-sede do MES, após a rejeição do
resultado do concurso. Embora tenha recebido convite pessoal do ministro Capanema para
elaborar o novo projeto, Lucio Costa soube assim evitar que obra tão emblemática pudesse ser
apontada por seus opositores como um mero enunciado individual - e conseqüentemente pudesse
vir a ser enfraquecida como marco da renovação defendida pelos modernistas. Para detalhes ver
Lissovsky, Mauricio. Colunas da Educação.
23

de uma espécie de “frente única” elástica o suficiente para congregar do rigorismo


de Jorge Moreira à exuberância formal de Oscar Niemeyer13.
Sob esse aspecto, aliás, Max Bill provocaria ainda um segundo
desconforto, ao fazer grave distinção entre o Pedregulho de Reidy e o conjunto da
Pampulha de Niemeyer, avalizando o primeiro e desaprovando o segundo14.
Donde, também, a forte resistência à sua crítica, na medida em que esta não só
atacava referências já consagradas da modernidade arquitetônica no Brasil, como
“evidenciava diferenciações internas no movimento [moderno], a inexistência de
uma autocrítica e o gosto pelo silêncio crítico”15.
Parece pertinente, desse modo, tomar como ponto de partida o espocar da
crítica de Max Bill se se quer enfrentar o desafio de analisar a produção
arquitetônica que, no Brasil, se segue ao caráter dito heróico dos anos 1920-30 e à
carga de otimismo que preside os anos 1930-40. Pois a própria reação ao teor
daquelas críticas pode revelar muito, como veremos, do processamento pelo meio
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arquitetônico carioca das questões que mobilizam, de maneira mais ampla, o meio
artístico brasileiro em torno dos anos 1950.
Considerando-se a centralidade assumida pela produção carioca no quadro
da arquitetura no Brasil desde os anos 1930, e nela, o protagonismo dos
enunciados de Lucio Costa, que desdobramentos teria, a partir da crítica de Max
Bill, a produção de arquitetura no Rio de Janeiro? Até que ponto nesse mesmo
meio se insinua com esse episódio uma crise que, se não chega a se efetivar, torna
ainda mais densa de significado a manobra ágil pela qual se consegue rebaixar a
crítica estrangeira a deficiências derivadas de uma suposta incompreensão de seu
signatário? Em que medida a resistência à crítica de Bill denuncia uma
insubmissão a pressupostos universalizantes estabelecidos desde um ponto de
vista germânico – e como tal, estranho à “latinidade básica da cultura intelectual
das elites brasileiras”, conforme assinalou Gilberto Freyre16 - ou uma dificuldade
de seguir sustentando uma formulação de moderno que havia conseguido se impor

13
A esse respeito, caberia ressaltar a correspondência com os objetivos dos Congressos
Internacionais de Arquitetura Moderna quanto à formulação de uma vertente única, ampla o
suficiente para enfrentar a oposição acadêmica e alargar a esfera de influência dos ideais do
Movimento Moderno em arquitetura.
14
Note-se que o conjunto do Pedregulho fora premiado na I Bienal de São Paulo (1951) por um
juri internacional presidido por Siegfried Giedion, secretário-geral do CIAM.
15
Conduru, Roberto. Ilhas da Razão. p.44.
16
Freyre, Gilberto. Nós e a Europa germânica.
24

nas duas décadas anteriores, mas não resolver seus próprios impasses e
contradições constituintes?
Para responder a tais questões seria preciso inicialmente reconhecer o
papel decisivo que coube a Max Bill tanto no sentido de abrir caminho para o
concretismo – lançado um ano antes em São Paulo, com o manifesto do Grupo
Ruptura17 - quanto por acionar uma discussão mais ampla em torno do problema
que constitui, no Brasil, a própria concepção de industrial design18 - i.e., o projeto
industrial, como um modo de pensar o projeto necessariamente reportado ao
modo de produção da indústria. E deve-se ressaltar que não só Max Bill
personificou, provavelmente pela primeira vez no país, a figura profissional do
designer, como foi dos seus contatos com a diretoria do recém-criado Museu de
Arte Moderna do Rio de Janeiro que ficou a semente da ETC/Escola Técnica de
Criação, a qual deveria funcionar no bloco-escola do museu segundo os moldes da
HfG/ Hochschule für Gestaltung - criada quase simultaneamente em Ulm,
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Alemanha, e em cuja concepção o próprio Bill encontrava-se já envolvido quando


de sua passagem pelo Brasil19. Na verdade, o projeto pedagógico da escola carioca
viria a ser traçado, em suas linhas gerais, pelo sucessor de Bill à frente da assim
chamada Escola Superior da Forma, ou Escola de Ulm, o argentino Tomás
Maldonado20. E mesmo que tal projeto não tenha chegado a se concretizar, foi
essa iniciativa que desencadeou todo um processo que mais adiante levaria à
criação, já na administração de Carlos Lacerda (1960-65) e sob seu patrocínio, da

17
O Grupo Ruptura surge em 1952 com um manifesto assinado por Lothar Charoux, Wlademar
Cordeiro, Geraldo de Barros, Kazmer Fejer, Leopold Haar, Luis Sacilotto e Anatol Wladislaw. ver
Cochiarale, Fernando. Abtsracionismo Geométrico e Informal. p. 219
18
Optamos por adotar daqui em diante o termo “design”, por concordamos com diversos autores
quanto à insuficiência da sua tradução para o português como “desenho”. Não poderíamos deixar
de notar, a propósito, que a própria denominação da Esdi foi amplamente debatida, tendo o termo
em português sido escolhido, segundo Flavio de Aquino, “por se tratar de estabelecimento estatal”.
Segundo seu relato, “na falta de uma expressão ou palavra que pudesse resumir os objetivos da
Escola, adotou-se ‘desenho industrial’, confiando-se que o futuro desenvolvimento da profissão
[viesse] a lhe dar uma configuração específica”. (Módulo 34, ago 1963, p.33) Ainda nos anos
1960-70 o assunto abriria tamanha polêmica que Aloisio Magalhães chegaria a procurar o filólogo
Antonio Houaiss, o qual teria sugerido o termo “projética”, nunca adotado. Em função dessa
imprecisão terminológica predomina hoje o uso do vocábulo em língua inglesa, o qual adotamos
aqui, na medida em que nos interessa manter em foco a noção aí implícita de projeto. De resto, no
nosso entender a própria instabilidade do termo e seus deslizamentos semânticos revelam-se, no
caso, sintomáticos: denunciam tanto a dificuldade de dar contornos ao campo do design no Brasil
quanto a fragilidade de seus próprios fundamentos.
19
A “Hochscule für Gestaltung” começou a funcionar em instalações provisórias em 1953, embora
seu edifício-sede, projetado por Max Bill, só tenha sido inaugurado em 1955.
20
A partir de 1958, com o afastamento de Max Bill da direção da HfG, a escola passou a ser
dirigida por um triunvirato integrado por Maldonado, que se tornou figura-chave na condução da
mesma. Ver Lindinger, Herbert. Ulm Design.
25

Esdi/Escola Superior de Desenho Industrial, instituição de molde pioneiro na


América Latina e reconhecida como peça-chave na estruturação do meio do
design no país21.
Conquanto as origens do desenho industrial no Brasil possam ser buscadas
no século XIX, não é antes da década de 1950 que se verifica a emergência de
uma discussão visando sua distinção das chamadas “artes aplicadas” ou
“decorativas”, por força da busca de sua correspondência com a meta mais ampla
de estetização do ambiente da vida moderna como um todo. Isso explica porque,
salvo algumas iniciativas isoladas e de pouca repercussão22, ou no mínimo
limitadas a um caráter eminentemente técnico23, até a criação da Esdi o ensino
formal do design no Brasil praticamente se restringia a duas iniciativas (ambas
paulistanas): a criação da seqüência de Desenho Industrial dentro da Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo de São Paulo, em 1962, e antes disso, do IAC/Instituto
de Arte Contemporânea, que funcionou no Museu de Arte de São Paulo entre
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1951 e 1954, encabeçado pelo casal Pietro e Lina Bo Bardi e Jacob Ruchti.
Chegada da Itália na década anterior, Lina Bo Bardi pautava-se então por uma
concepção de design que apostava na fusão dos limites da produção industrial e da
produção artística e se atribuía tarefa positiva na própria construção social. Seja
publicando artigos sobre o design de vitrines em sua própria revista, seja
realizando mostras de trabalhos publicitários no Masp, onde uma máquina de

21
Para uma descrição detalhada deste processo ver Souza, Pedro L. Pereira. Esdi: Biografia de
uma idéia. Para uma relação com outras escolas na América Latina ver Fernández, Silvia.“The
origins of Design education in Latin America: from the HfG in Um to Globalization.”
22
Entre as iniciativas pioneiras, pode-se mencionar a Gewerbeschule, escola fundada pelo
arquiteto alemão Theo Wiederspahn no Rio Grande do Sul, em 1914, sobre a qual até hoje bem
pouco se sabe, em virtude do desaparecimento dos seus arquivos no período da Segunda Guerra
Mundial. (Cf. Weimer, G. “Theo Wiederspahn, arquiteto”). Já na década de 1950, deve-se
considerar a iniciativa da Escola de Artes Plásticas e Arquitetura da UMA/Universidade Mineira
de Arte, que mais tarde deu origem à FUMA/Fundação Mineira de Arte, hoje incorporada à
Universidade do Estado de Minas Gerais. (ver Santos, Breno Pessoa dos. Design e mercado local:
formação e atuação profissional de design gráfico em Belo Horizonte).
23
Na verdade, o ensino do desenho industrial no século XIX era pensado com caráter mais técnico
que artístico, como desenho aplicado a fins práticos (englobando desenho geométrico, mecânico,
de perspectiva e de padrões e ornamentos). A discussão que emerge na década de 1950 levaria à
proposta de criação, já no início dos anos 1960, do Instituto Superior de Desenho Industrial, ligado
à Universidade de Brasília, que se queria coordenado por Mário Pedrosa. E, em 1962, à
implantação da seqüência de desenho industrial na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP,
como resultante de todo um redirecionamento do ensino da arquitetura que teve no arquiteto
Vilanova Artigas seu principal artífice. Denis, Rafael. “A Academia Imperial de Belas Artes e o
ensino técnico e Niemeyer, Lucy. Design no Brasil.
26

escrever podia ser encontrada entre uma tela de Cézanne e outra de van Gogh24
[fig.9], a arquiteta tomava então a dianteira no esforço de institucionalização do
design no país, do qual logo percebeu depender a conquista de um estatuto próprio
à atividade. É bem verdade que a mesma Lina acabaria esgrimando com a vertente
ulmiana dominante na Esdi, como veremos. Mas no começo dos anos 50, seria
justo na revista Habitat, criada e dirigida pelo casal Bardi, que surgiria – ainda
que sob o pseudônimo de Alencastro25 - uma defesa de Max Bill, criticando os
jornais e “até uma pessoa séria, como Lucio Costa”, por pretender desqualificá-lo
como “um simples industrial designer”.26
Tudo indica, pois, que sob o embate em torno da qualificação (ou
desqualificação) de Max Bill como designer reside um nó que revela o grau de
problema que naquele momento constitui, para o ambiente arquitetônico
brasileiro, o próprio círculo prescrito pelo projeto construtivo, e nele, a propalada
relação arte-indústria. As reações praticamente opostas à crítica de Max Bill, em
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todo caso, parecem tanto oferecer os primeiros traços de esgotamento de um ciclo


canônico centrado em Lucio Costa, tal como sugere A. Gorelik27, quanto indicar
diferenças significativas na maneira pela qual se concebe o design nos anos 1950
no Brasil. Enquanto em São Paulo Lina Bo Bardi anseia por acionar uma possível
circularidade entre arte-arquitetura e indústria, no Rio de Janeiro Lucio Costa
parece mais propenso a desacreditar justamente um dos tópicos próprios à
formulação da modernidade em arquitetura, anunciando o que poderia ser
entendido como um certo desprendimento da produção local com relação às suas
raízes européias. Pelo menos na medida em que, de acordo com a contra-
argumentação de Costa, uma obra de arquitetura deveria ser julgada, antes de
tudo, em correspondência com o ambiente cultural específico em que emerge – e
não, como queria Bill, condicionada a uma aspiração de cunho universalizante
baseada em inflexíveis critérios de eficiência e economia e pensada sob o ponto de
vista mais estrito da lógica da operação industrial.

24
Em 1950 o Masp provoca surpresa ao expor, em meio a seu acervo, a máquina de escrever da
Olivetti, design do italiano Marcelo Nizzoli. ver Bandeira, João (org). Arte concreta paulista.
25
Conforme Renato Anelli, “Alencastro” era o pseudônimo usado por Lina Bo Bardi em artigos
publicados na revista “Habitat” com tom particularmente crítico. ver Anelli, Renato. Interlocuções
com a arquitetura moderna italiana na constituição da arquitetura moderna em São Paulo. p.68.
26
crônica assinada sob o pseudônimo “Alencastro” na Revista Habitat n. 12, 1953. apud Bandeira,
João (org). Arte Concreta Paulista, p.36.
27
Gorelik, A. Tentativas de comprender uma ciudad moderna.
27

É preciso, claro, buscar compreender esses enfrentamentos no quadro


histórico do segundo pós-guerra, em que o meio das artes acusa a crise do
racionalismo e da confiança irrestrita na tecnologia que, no campo mais específico
da arquitetura, levaria à formulação crítica do chamado Team 10 e à própria
dissolução dos CIAM/Congrès Internationaux d’Architecture Moderne
(Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna) em meados da década de
1950. Ao mesmo tempo emerge uma visão crítica que aponta para os limites do
programa reformista sintetizado na Bauhaus, na medida em que este vai se
revelando passível de apropriação pelo próprio sistema social que em princípio se
propusera reformar28. Por outro lado, há que considerar a oportunidade que se
apresenta, com os planos de reconstrução europeus, de retomar e ampliar a escala
das experiências de industrialização da construção promovidas em décadas
anteriores e praticamente interrompidas com a guerra.29
Com relação ao meio brasileiro, tampouco se pode ignorar o novo ritmo
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conferido à produção nacional em função do freio à importação de materiais como


cimento e aço durante o conflito mundial. Na verdade, a exígua oferta de produtos
industrializados no Brasil já levara muitos arquitetos atuantes no país a desenhar,
quando não produzir mesmo, de esquadrias a azulejos, quebra-sóis a combogós,
bem como equipamentos dos espaços construídos – mobiliário incluso. Donde a
interpretação de Julio Katinsky, para quem o estabelecimento do design como
atividade profissional no país se dá na esteira do êxito da produção de arquitetura
brasileira dos anos 1930-4030.
Mesmo que tal interpretação possa ser discutida, intriga-nos que se tenha,
via de regra, constituído duas histórias separadas para a arquitetura e o design no
Brasil, como se fosse possível ignorar a relação entre o momento em que o design
se coloca como questão no Brasil com o próprio curso da arquitetura moderna no
país, em suas não poucas versões e inversões31. Quando muito, essa relação

28
Um dos mais ferrenhos críticos do caráter corrompível do desenho industrial é Giulio C. Argan,
conforme se vê em seus textos dos anos 1950-60 reunidos em “Projeto e Destino”, os quais
anunciam um amargor que se confirmaria em seu prólogo para o livro de Tomás Maldonado (El
diseño industrial reconsiderado) e mais adiante (1981) no artigo “A crise do design” (in: História
da Arte como História da Cidade, pp.251-267 ).
29
Pode-se destacar como exemplo as casas de Mies van der Rohe e Walter Gropius em Stuttgart
(1927). Ou, indo mais além, as exposições internacionais do séc XIX. Cf Bruna, Paulo.
Arquitetura, Industrialização e Desenvolvimento.
30
Katinsky, Julio. “Desenho industrial.” In: Zanini, W. História Geral da Arte n Brasil. p. 933.
31
Podemos tomar como exemplo os estudos de Yves Bruand, Hugo Segawa e Rafael Cardoso
Denis. Cada um à sua maneira, todos se dispõem a fazer uma leitura da arquitetura – ou do design
28

costuma aparecer sob a forma de uma interlocução indireta, determinada por


fatores meramente cronológicos – donde a tendência em liquidar a questão
apelando-se, tout court, para a contemporaneidade da I Exposição Nacional de
Arte Concreta com o Plano Piloto de Brasília32.
A nosso ver, uma das conseqüências disso tem sido, justamente, a
manutenção de uma visão distorcida do design – sempre empobrecido quando
visto sob uma ótica excludente, quando não corporativista - tanto quanto da
arquitetura – que, com relação ao período que nos ocupa, costuma ser considerada
de maneira apressada e simplista, como um mero empalidecimento, quando muito,
do vigor manifestado em anos anteriores (no período dito “heróico” e nos anos de
otimismo que se seguiram). Ou ainda resumida a Brasília, cidade reconhecida,
sem maiores problemas, como “obra-símbolo” e “momento culminante” do
projeto construtivo no Brasil33. Ora, não teríamos uma chance de melhor
compreender esta mesma produção se buscássemos pensá-la também na sua
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complexa dialética com as seguidas tentativas de afirmação e institucionalização


do meio do design no Brasil?
Deve-se começar por observar o quanto a relação arquitetura-indústria,
ponto-chave do projeto moderno em arquitetura, assume contornos
particularmente problemáticos num solo pouco ou nada preparado para a atividade
industrial. É algo que, a rigor, já se anuncia claramente no Brasil em fins dos anos
1920, quando Gregori Warchavchik se vê forçado a desenhar e confeccionar, uma
a uma, as portas, ferragens e móveis da sua própria casa, sacrificando assim o
regime de economia defendido em seu texto-manifesto de 1925 (Acerca da
Arquitetura Moderna)34. Se examinarmos, por exemplo, os móveis da sala de
estar da chamada Casa Modernista da rua Itápolis, em São Paulo (1929-30)
veremos o quanto Warchavhik se esforçou por contornar as dificuldades
encontradas confeccionando mesas e cadeiras que à primeira vista parecem saídas
das oficinas de metal da Bauhaus, mas são, na verdade, produzidas em madeira

- no Brasil ao longo do século XX, sem atentar para as possíveis relações entre arquitetura e
design neste contexto.
32
Conforme sugerido na exposição “Concreta ’56: a raiz da forma”, realizada no Museu de Arte
Moderna de São Paulo em 2006, com curadoria de Lorenzo Mammì (artes plásticas), André
Stolarski (design) e João Bandeira (poesia).
33
ver Freitas, Grace de. Brasília e o projeto construtivo no Brasil. Rio, Jorge Zahar, 2007 e Souza,
Eneida Maria de. Crítica cult. Belo Horizonte, UFMG, 2002.
34
apud FERRAZ, Geraldo. Warchavchik e a introdução da nova arquitetura no Brasil: 1925 a
1940. p. 28.
29

prateada a duco (espécie de resina vegetal), revelando, no seu verso, toda a


manualidade e as imperfeições do seu processo de produção35. A esse respeito,
lamentou-se o arquiteto de origem russa em relatório para o III CIAM (1930),
enviado ao seu secretário-geral, Siegfried Giedion: “eu mesmo tive que montar
ateliês para que fossem executadas janelas, portas de madeira lisa, móveis etc,
porque a indústria, que aliás trabalha bastante bem para a construção comum, não
pôde realizar o que eu lhe pedia com a precisão e o cuidado necessários”36. Ora,
guardadas as proporções, seria uma percepção algo análoga, mesmo se em grau
diverso, que mais tarde levaria arquitetos como Sergio Bernardes a desenhar
elementos construtivos, como tijolos e telhas, a serem produzidos em série pela
indústria? Porventura seria possível pensar a obra deste último, entre os anos
1950-60, como um testemunho da recepção problemática que encontra no meio de
arquitetura brasileiro o apelo expresso por Max Bill na abertura da HfG - “da
colher à cidade (...) colaborar para a construção de uma nova civilização”37?
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Ao procurarmos relacionar as respostas dadas no Brasil à convocação


ulmiana - na sua insistência na racionalização da prática projetual com vistas a
buscar sua concordância com os processos da indústria, em termos mais próximos
à produção que ao consumo –, não podemos, naturalmente, deixar de referir tais
respostas, num primeiro momento, à política nacionalista de Vargas e, em
seguida, ao moto desenvolvimentista do qual deriva o gigantesco empreendimento
público que vem a ser a construção da nova capital do país. Mas se é verdade que
Brasília se apresenta como uma oportunidade histórica sem precedentes de acordo
entre arquitetura e indústria no país, a servir de exemplo da Inteligência Brasileira
- segundo a interpretação de Max Bense38 - resta saber em que medida a
premência ali manifesta de construir em grande escala e curto prazo levou os
arquitetos brasileiros a envolverem-se efetivamente com o feixe de problemas
inerentes à racionalização e mecanização dos métodos e processos construtivos,
superando problemas de composição para raciocinar em termos de produção em
série, modulação de elementos, repetição e, em última instância, posto que

35
Esse mobiliário, adquirido por Adolpho Leirner em 2003, foi exposto pela primeira vez na
Pinacoteca do Estado de São Paulo no mesmo ano.
36
Warchavchik, G. Arquitetura do século XX e outros escritos. p.171.
37
apud Lindinger, H. Centre Georges Pompidou. L’Ecole d’Ulm: Textes et Manifestes. p. 5
38
Bense, Max. Brasilianische Intelligenz.
30

colocando-se como questão a metodologia mesma do industrial design, chegando


a repensar a própria relação projeto-produto39.
A resposta passa por investigar o ambiente cultural em que a questão do
design emerge como fato concreto no Brasil. Que ambiente é esse, afinal, que
constrói uma cidade que se deixa ler como um cartaz40? E no qual “um livro
torna-se tão importante quanto o Palácio do Planalto”41? Conforme notou Ronaldo
Brito42, embora o início dos anos 1950 no Brasil revele um ambiente ainda
“despreparado para abrigar o trabalho de arte enquanto pesquisa específica”, é
então que se desencadeia no país um questionamento da sua produção visual que
teria seu vértice mais adiante no neoconcretismo. Colocando-se à frente do
esforço de efetivar uma modernidade plástica no país, a estratégia concreta que o
precede visa, talvez um tanto candidamente, estender o domínio artístico ao
cotidiano, buscando agir para além do suporte da tela e testar a inserção da arte
em cartazes, tecidos, azulejos.
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É de se perguntar, até, se o design não teria sido, nesse contexto, vez por
outra confundido com uma possibilidade de emancipação do trabalho de arte. Os
trabalhos gráficos de Antonio Maluf e Geraldo de Barros, por exemplo (como os
cartazes para a I Bienal de São Paulo [fig.11] e o IV Centenário de São Paulo
[fig.12], respectivamente) , enquadram-se na proposta de reduzir arte e design a
um denominador comum, conforme a formulação básica do concretismo plástico
brasileiro: afirmar a “especificidade da arte enquanto processo de informação, sua
irredutibilidade aos conteúdos ideológicos e a objetividade de seu modo de
produção”43. São trabalhos que se mostram, a princípio, impregnados da
concepção de arte expressa no projeto pedagógico de Max Bill para a HfG, onde o
artista tenderia a se converter numa “espécie de designer superior, pesquisador de

39
Referimo-nos ao procedimento projetual identificado por Argan com o próprio desenho
industrial, na medida em que o objeto produzido por técnicas industriais já pressupõe um projeto
que compreenda, na sua ideação, a consciência de todas as condições inerentes à sua realização.
Por isso, diz Argan, “a reprodução em série torna-se o processo intrínseco da ideação formal (...) e
o problema da arquitetura já não se coloca ao nível do particularismo dos edifícios, mas sim ao de
um sistema produtivo que vai desde a pré-fabricação até o urbanismo”. Ver Argan, Walter Gropius
e a Bauhaus, p. 42.
40
A comparação é feita por Max Bense em pelo menos duas ocasiões: Brasilianische.Intelligenz,
p.25 e Pequena Estética, p.211.
41
A expressão foi usada por João Masao Kamita em banca de defesa da monografia de Ana Luisa
Lopes para o Curso de Especialização em História da Arte e Arquitetura no Brasil, sobre o design
de Aloísio Magalhães (PUC-Rio, 16/jul/2003).
42
Brito, Ronaldo. Neoconcretismo: vértice e ruptura. pp.14-15.
43
Ibid., p. 32
31

formas a serem aproveitadas pela indústria”44. A bem da verdade, no ponto em


que se encontrava a prática de arte no Brasil no início dos anos 1950 – ainda às
voltas com o espaço representacional pré-cubista-, entende-se que o espaço
gráfico objetivo, informacional e eminentemente público do cartaz fosse tomado
como possibilidade de realizar uma inscrição social de maior eficácia, como que
amplificando todo um esforço destinado a extirpar as categorias tradicionais das
belas-artes ainda vigentes. E uma vez que a proposta concretista, a rigor, era
repensar a atividade artística, trazê-la para o interior da sociedade urbana-
industrial que bem ou mal ia aqui se constituindo, compreende-se a atuação
irrestrita desses mesmos artistas tanto no domínio da programação visual (veja-se,
por exemplo, a produção do Estúdio de Projetos Gráficos, de Willys de Castro e
Hércules Barsotti em São Paulo [fig.18] , e no Rio, o projeto gráfico de Amilcar
de Castro para o Jornal do Brasil [fig.20]) quanto em torno de projetos mais
estritamente vinculados à arquitetura (a exemplo dos murais e elementos pré-
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moldados projetados por Antonio Maluf para edifícios de Fábio Penteado e Lauro
Costa Lima [fig.14], dos jardins e luminárias de Waldemar Cordeiro45 [fig.16] e
até de alguns ensaios arquitetônicos de Lygia Clark, como Construa você mesmo
seu espaço a viver, de 1960 [fig.19] – este, por sinal, realizado no escritório de
Sergio Bernardes46).
Se havia uma questão aproximando o trabalho desses artistas, ela passava,
a princípio, por integrar-se à produção de todos os artefatos da vida humana –
tivessem esses objetos destinação utilitária ou puramente estética47. Mas afinal
seriam estes trabalhos “subprodutos da arte concreta”, como sugere Waldemar
Cordeiro?48 Um desdobramento da ação construtiva, entendida no seu sentido

44
Ibid., p. 34
45
Waldemar Cordeiro cria em 1950 um escritório de “jardins de vanguarda”, e até seu
falecimento, em 1973, realiza centena e meia de projetos paisagísticos, para/com arquitetos como
Vilanova Artigas, Victor Reif e Miguel Juliano (dentre eles o parque infantil do Clube Espéria, em
São Paulo, de 1966). Também chega a desenvolver, nos anos 60, projeto para a constituição da
“Faculdade de Comunicação, Desenho industrial e Programação Visual, Desenho e Plástica” da
Universidade de Campinas. Ver: MAC-USP. Waldemar Cordeiro: uma aventura da razão.
46
segundo Álvaro Clark, em depoimento por telefone à autora, em 08.out.2001.
47
É bastante reveladora nesse sentido a relação de fundadores da ABDI/Associação Brasileira de
Desenho Industrial (fundada em agosto de 1963, com sede em São Paulo): nela encontramos, entre
outros, Lucio Grinover, Willys de Castro, Antonio Maluf, Décio Pignatari, Alexandre Wollner,
Karl-Heinz Bergmiller, Sergio Rodrigues, Michel Arnoult, João Carlos Cauduro e José Carlos
Bornancini.
48
Bandeira, João (org). Arte Concreta paulista. p.44
32

mais amplo de “repropor um lugar social para a arte”49? Um estilhaçamento do


conceito de arte, a caminho de se converter em mercadoria no circuito perverso e
cada vez mais acelerado da produção e do consumo? Por sua vez, que posição vão
assumir os artistas neoconcretos - para quem o termo produção soava, em si
mesmo, tão empobrecedor50 - com relação ao processo cheio de contradições pelo
qual se procura dar contornos próprios ao meio do design no Brasil? De que
maneira a crítica neoconcretista, em seu cerco ao racionalismo formalista suiço-
alemão, incide sobre uma certa prática projetual à primeira vista solidária à
seqüência de iniciativas direta ou indiretamente ligadas à linhagem ulmiana,
buscando assegurar-lhe uma função (ainda) positiva na sociedade? E finalmente,
que concepção, ou concepções de projeto subjazem a uma tal produção, mais
especificamente no campo da arquitetura?
Como se vê, são muitas as questões que emergem de uma primeira
reflexão acerca do lugar que cabe à articulação arquitetura-design na discussão
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cultural que se arma no Brasil nos anos 1950-60. O desafio está em avançar na
investigação em torno desse ponto específico de processamento da experiência
moderna no Brasil, buscando apurar em que consistem os entrecruzamentos entre
os campos de operação da arte, da arquitetura e do design, mas também os pontos
em que essas esferas tendem a se definir e se apartar. Ou seja, se por um lado cabe
verificar em que medida estas esferas mostram-se, naquele momento,
interdependentes e mutuamente sustentáveis, por outro lado não se pode deixar de
considerar como vão aflorando discordâncias e até incompatibilidades entre elas
(atente-se, por exemplo, para a argumentação de Ferreira Gullar ao definir a
categoria de “não-objeto”, em 1959, no sentido de afirmar a especificidade
fundamental da obra de arte como algo desligado do uso e da designação
cotidiana, ou seja, em oposição mesmo ao design51).

49
Brito, R. Neoconcretismo: vértice e ruptura., p.17
50
Na interpretação de Ronaldo Brito, um dos focos da polêmica entre concretos e neoconcretos
reside justo no entendimento da arte respectivamente como “produção” ou “expressão”. Ver Brito,
R. op.cit., p. 63
51
Gullar, Ferreira. “Teoria do não-objeto” (1959) in: Experiência neoconcreta. É do mesmo ano,
aliás, o “Poema enterrado”, um dos assim chamados “poemas espaciais” de Ferreira Gullar, nos
quais a palavra é retirada do espaço da página (no qual fora encerrada pela poesia concreta) para
ser inserida num espaço arquitetônico projetado especialmente para tal fim. Há, nesse sentido,
quase um movimento contrário em relação ao extravasamento da arte concreta: enquanto esta quer
se verter no mundo, ganhar o espaço urbano (por meio do cartaz e dos tecidos, por exemplo), o
poema de Gullar quer subtrair-se à rua, fecha-se num recinto abaixo do nível do chão,
33

Mais especificamente, trata-se de pensar como o meio da arquitetura no


Brasil – e mais pontualmente o que fora desde os anos 1930 o seu centro de
irradiação, o Rio de Janeiro - vive esse momento de inflexão em que, se por um
lado a revolução social e técnica idealizada pelo Movimento Moderno revela-se,
num plano mais amplo, cada vez mais insustentável, por outro lado verifica-se
uma série de esforços convergindo no sentido de dar rendimento ao projeto
moderno num país onde se recolocam, com intensidade crescente e de maneira
cada vez mais nítida, os limites desse mesmo projeto.
O foco de interesse de nosso estudo recai, por conseguinte, sobre uma
produção projetual que emerge na cidade do Rio de Janeiro nas décadas de 50 e
60 do século XX, tomando como momentos emblemáticos, nesse entremeio, a
primeira passagem de Max Bill pelo Brasil (1953), e a criação da Escola Superior
de Desenho Industrial (1962-63). Dentro deste recorte, privilegiou-se a obra
projetual daqueles arquitetos que desenvolveram sua prática projetual na
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interseção da arquitetura com o design, tendo se envolvido de algum modo com o


quadro institucional em que se procurou estruturar a atividade de design no Brasil
- seja no âmbito propriamente dito da Esdi, seja nas ações que a antecederam e
que contribuíram efetivamente para sua implantação (i.e., desde a gestação do
projeto da Escola Técnica de Criação do Museu de Arte Moderna do Rio de
Janeiro, passando pelas cogitações de sua incorporação à Faculdade Nacional de
Arquitetura). Chegamos assim a considerar inicialmente seis arquitetos: Affonso
Eduardo Reidy (1909-1964), Henrique Mindlin (1911-1971), Arthur Lício Pontual
(1935-1972), Sergio Bernardes (1919-2002) e os irmãos Marcelo (1903-1964) e
Maurício Roberto (1921- 1989).
Poder-se-ia ressaltar, por exemplo, o papel assumido por Reidy, autor do
projeto arquitetônico do MAM (1953), na tentativa de implantar ali a Escola
Técnica de Criação. Ou, já nos primeiros anos de 1960, o lugar que o mesmo
Reidy assume como representante do MAM no Grupo de Trabalho instituído em
1961 por Lacerda com o objetivo de “estudar, estabelecer e propor as bases para a
criação do curso de desenho industrial” no recém-criado Estado da Guanabara – o
que resultaria na criação da Esdi no ano seguinte. Dos cinco integrantes da
composição original do GT, por sinal, três eram arquitetos: Sergio Bernardes,

evidenciando assim que o universo da experiência estética não se confunde com o universo da
experiência cotidiana, mas constitui um universo próprio, franqueado à percepção.
34

Wladimir Alves de Souza e Maurício Roberto. Sobre este último, o qual manteve
por décadas escritório comum com seu irmão Marcelo - até 1953 integrado ainda
por um terceiro irmão, Milton – pode-se adiantar que foi o primeiro diretor da
Esdi, além de responsável pelo projeto de reforma do conjunto arquitetônico onde
a escola finalmente foi instalada, na Lapa. Já Marcelo Roberto encontra-se entre
os fundadores do MAM, tendo sido membro de seu primeiro quadro de diretores,
também integrado por Henrique Mindlin. Ao passo que Arthur Lício Pontual
envolveu-se mais a fundo com o próprio projeto pedagógico da Esdi, embora ali
tenha estado regularmente por apenas dois anos, como professor do Departamento
de Projeto de Desenho Industrial.
São atividades, em nosso entender, em nada casuais. Sem querer reduzir a
prática desses arquitetos a classificações generalizantes, reconhecemos entre eles
– com todas suas diferenças internas – uma espécie de sensibilidade comum a ser
melhor examinada, que passa por um envolvimento com o próprio “modo de
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fazer” da sociedade industrial. Seja na repetição a intervalos regulares dos


pórticos estruturais do MAM, ao modo de Reidy, seja na tentativa de introduzir no
Brasil uma verdadeira “linha de montagem” no interior do escritório de
arquitetura, segundo o perfil empresarial de escritório introduzido no Brasil por
Mindlin, encontramos aí um raciocínio serial sintonizado com a lógica e o ritmo
da produção mecanizada a acusar o partilhamento de um interesse comum entre os
arquitetos em foco. Ao mesmo tempo, encontramos na obra projetual destes
arquitetos indícios mais ou menos comuns de um redirecionamento em relação ao
componente, por assim dizer, romântico que perpassa os períodos de implantação
e consagração da arquitetura moderna no país. Nossa hipótese é de que o fazer da
obra dos arquitetos citados aponta para o limite de uma concepção que toma o
arquiteto como um ser inspirado, investido da aura mítica da “criação”, e abre
caminho para uma prática em que o arquiteto já não teme assumir-se como
“técnico”, movendo-se fundamentalmente por um ethos coletivo que privilegia a
arquitetura não como expressão individual mas como trabalho em equipe
(teamwork). O que, por sua vez, nos permite pensar numa investida até certo
ponto comum contra o mito da idealidade da forma que se impusera na produção
de arquitetura moderna no Brasil, para por em circulação uma concepção de forma
que se poderia dizer “aberta”, na medida em que fundamentalmente aderente a
uma lógica processual e, como tal, teoricamente expansível ao infinito.
35

De determinado ponto de vista, pelo menos, uma tal operação não deixa de
sugerir um significativo deslocamento do racionalismo de matriz francesa (pelo
viés corbusieriano), para um eixo de coordenadas fundamentalmente germânico
(via Max Bill e a Escola de Ulm e, por extensão, a própria Bauhaus). Ou, por seu
turno, um interesse crescente, a ser investigado com cautela, por questões que
serão reencaminhadas no ambiente americano, em face do pragmatismo e da
exacerbação da lógica do consumo com que afinal se defrontam os próprios
arquitetos alemães ao emigrar para a América52.
Neste sentido, embora o MAM e a Esdi pertençam, no fundo, a categorias
distintas (trata-se, respectivamente, de uma associação de caráter privado e de
uma escola pública), deve-se reconhecer que ambas instituições surgem como
organismos sociais que de algum modo oferecem uma possibilidade de
diferenciação do individualismo classicista ainda persistente na arquitetura carioca
– na sua aparente contradição com as tentativas feitas por Lucio Costa, como
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vimos, de aglutinar, quando não homogeneizar, essa mesma produção. O que, de


resto, denota também um certo movimento de redefinição da esfera pública, na
medida em que os arquitetos em exame passam gradualmente a exercer uma
prática mais livre do aparato estatal que estimulara a produção dos anos 1930-40 e
mais próxima de iniciativas de organização da sociedade civil, em suas múltiplas
instâncias.
A inserção num ou em ambos daqueles dois focos – o MAM e a Esdi –
parece ser, em todo caso, indicativa de uma disposição partilhada por um número
a princípio restrito de arquitetos de forçar a redefinição das diretrizes pelas quais
se pautara até então a arquitetura moderna no Rio de Janeiro. Ainda que tais
arquitetos em nenhum momento constituam um grupo formalizado como tal,
percebemos que o foco das suas obras vai se deslocando cada vez mais da
remissão a uma noção patrimonial de cultura, tal qual circunscrita por Lucio
Costa, para uma práxis produtiva mais consorciada às premissas mesmas de uma

52
A questão envolve a transferência, nos anos 1930-40, de vários professores e ex-alunos da
Bauhaus para os Estados Unidos, e a criação, em cidades como Chicago e Cambridge, de escolas
de design com base nas pesquisas bauhasianas. Ver Wingler, Hans. The Bauhaus: Weimar,
Dessau, Berlin, Chicago.
36

cultura industrial – embora não necessariamente capaz de superar o caráter


essencialmente artesanal dos sistemas de construção vigentes no país53.
Explica-se assim porque esses arquitetos ganham distinção, aos nossos
olhos, como “fios cortantes” no quadro da arquitetura moderna no Rio de Janeiro -
e de certo modo como uma espécie de desvio do “fio condutor” de Lucio Costa,
com o qual, se não chegam a romper, vão permanecer apenas em parte (e cada vez
menos) ligados. Na verdade, não podemos deixar de notar, dentre os arquitetos
aglutinados pela ação de Lucio Costa, uma certa resistência à proposta, já em
formulação em meados dos anos 1950 no âmbito do MAM, de pensar a
arquitetura do ponto de vista da sua inserção efetiva no processo produtivo
industrial. O que ajuda a entender a ausência de registros, nos arquivos de uma
instituição dita de arte “moderna”, relativos à atuação de alguns dos arquitetos
então mais amplamente reconhecidos como tal, e dos mais influentes no Rio de
Janeiro. É o caso de Lucio Costa, Alcides Rocha Miranda, e mesmo Oscar
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Niemeyer – autor da sede provisória do MAM, cujo nome chegou a ser cogitado
para o projeto definitivo – que não chegaram a se aproximar mais que
ocasionalmente do museu a partir de 1952-53, quando foi dada partida ao projeto
da sua sede definitiva. E note-se mesmo que naquele momento Oscar Niemeyer
desenhava a Casa das Canoas [fig.7] – projeto que em sua unicidade e extrema
liberdade inventiva o colocaria definitivamente em linha de choque com Walter
Gropius, a ponto de ter este, em visita a casa, em 1954, lamentado o fato de ser ela
“muito bonita, mas não multiplicável”54.
Pode-se dizer que o recorte proposto para este trabalho nasce, portanto, de
uma reflexão que tem nos ocupado acerca dos problemas colocados pelo eixo
central da produção de arquitetura moderna no Brasil. Mas nasce também da
necessidade que sentimos de examinar essa mesma produção em seus termos mais
contemporâneos, de modo a levar adiante a reflexão sobre os limites do moderno
no Brasil.
Cabe ressaltar, por fim, nossa opção por examinar em profundidade obras
– executadas ou não - que consideramos mais expressivas e densas de significado

53
A exemplo do próprio projeto do MAM, onde, conforme apuramos, a estrutura metálica
inicialmente pensada por Reidy para o bloco de exposições revelou-se inviável, sendo substituída
por concreto. Cf Nobre, Ana Luiza. Carmen Portinho. O Moderno em Construção, p. 154.
54
Cf depoimento de Oscar Niemeyer a Geraldo Motta Filho e Mário Carneiro. in: Wisnik,
Guilherme (org) O Risco, Lucio Costa e a utopia moderna. p. 120. (O grifo é nosso)
37

sob a ótica da nossa abordagem, sem com isso pretender chegar a um inventário
exaustivo acerca da produção projetual dos arquitetos que constituem nosso objeto
de estudo. Na verdade, a sondagem a que nos propomos implica pensar a
produção projetual desses arquitetos também na sua relação de interação com os
contextos sociais e políticos de que participam – i.e., na medida em que
contribuem para a sua constituição, tanto quanto são por eles constituídos. Por
outras palavras, trata-se de tentar perceber uma determinada obra também na sua
relação “intertextual” com outras obras paralelas e com as condições sociais que
as motivam e as tornam inteligíveis (sendo texto aqui entendido no sentido amplo
indicado por Q. Skinner, do qual não se excluem “pinturas, peças de músicas,
obras de literatura e de filosofia, estilos arquitetônicos etc”55).

A tese se constrói em quatro capítulos. O intuito de entender a maneira


pela qual o meio de arquitetura carioca, em particular, vivenciou o conjunto de
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problemas ligados à penetração da vertente construtiva no Brasil levou-nos a


sondar, no primeiro capítulo, as bases do projeto construtivo e os fundamentos
teóricos norteadores da concepção de projeto de Max Bill. Interessaram-nos em
particular as noções de Boa Forma (gute Form) e Forma do Produto
(Produktform) de Bill, uma vez que em torno desses dois termos se define uma
concepção de forma que apresentou, no nosso entender, um novo grau de
problema para a arquitetura brasileira.
O segundo capítulo problematiza a versão, muito difundida no Brasil,
segundo a qual a Esdi resultou de uma espécie de rebatimento da Hochschule für
Gestaltung. Privilegia-se nesse capítulo uma discussão do ponto de vista das
imbricações das duas escolas com a arquitetura, acompanhada da investigação do
contexto em que se dá a criação da Esdi, entre as questões que mobilizam, de
maneira mais ampla, o meio artístico brasileiro e o debate político em torno de
diferentes projetos de desenvolvimento para o país.
O terceiro e o quarto capítulos se detêm, respectivamente, sobre a obra
projetual de dois arquitetos selecionados de nosso recorte inicial: Sergio
Bernardes e Henrique Mindlin. A decisão de estudar mais a fundo a obra projetual
destes dois arquitetos decorreu, em primeiro lugar, da verificação do

55
apud Pallares-Burke, Maria Lucia. As muitas faces da história, p. 331.
38

envolvimento de ambos, de algum modo, com o circuito sócio-cultural


estabelecido entre meados dos anos 1950 e meados dos anos 1960,
aproximadamente, entre o MAM e a Esdi - dois loci particularmente envolvidos
com a proposta de estruturar a atividade de design no Brasil, e por isso mesmo
supostamente mais abertos a pensar a arquitetura do ponto de vista da sua inserção
efetiva no processo de produção industrial. Também pesou na escolha desses
nomes a constatação da escassez de estudos sobre suas obras, não obstante o grau
de desafio que ambos apresentam para a compreensão do quadro da arquitetura no
Brasil, seja como agentes importantes no processo de configuração da
espacialidade urbana de várias cidades brasileiras, seja como protagonistas na
definição do exercício profissional da arquitetura no país. Mas a questão decisiva
para a delimitação de uma parte substantiva do nosso trabalho em torno da obra de
Bernardes e Mindlin foi sem dúvida a suspeita de que a prática de ambos tivesse
se desenvolvido, por assim dizer, na interseção da arquitetura e do design,
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hipótese essa que ganhou força (e alguns desdobramentos importantes) a partir da


análise mais minuciosa da sua produção projetual.
Trataremos, pois, das obras desses arquitetos, nos capítulos que lhes
cabem, buscando examinar em que medida e de que maneira cada um deles lida
com temas implicados na correspondência entre projeto e lógica de produção
industrial. Por fim, o texto conclusivo se propõe a abrir caminho para uma
perspectiva mais contemporânea, considerando até que ponto as questões com as
quais trabalhamos continuam, de maneira clara ou não, a atravessar a prática
projetual no Brasil.
2
A gute Form de Max Bill

“Enganei-me, como se diz, de maneira redonda, ao acreditar (...) que a


exposição de Max Bill, no Museu de Arte de São Paulo, poderia produzir um
recrudescimento do debate sobre as tendências abstracionistas. Enganei-me em
redondo, pois não houve tal reação: os críticos de arte se acham absurdamente
limitados para um impulso em torno deste certame excepcional. Parece até que
não foi aberta a exposição...”1 O lamento de Geraldo Ferraz, publicado num jornal
carioca em maio de 1951, indica que a recepção da obra de Max Bill no Brasil não
foi propriamente imediata ou fácil. Mas o fato de ter sido realizada no Masp a
primeira retrospectiva de Bill não deixa de ser, por si só, significativo: pode-se
medir por aí o alcance que sua obra veio a alcançar na América Latina –
notadamente no Brasil, Argentina, Venezuela e Uruguai – antes que nos Estados
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Unidos ou mesmo na Europa. É possível que a condição de subdesenvolvimento


da qual esses países pugnavam por sair tenha oferecido um meio especialmente
receptivo ao projeto construtivo que Max Bill dedicava-se então a reabilitar,
projeto este que já não podia reencontrar solo tão fértil numa Europa destruída
pela guerra nem tampouco frutificar numa América mergulhada no não-projetar.
Em princípio, pelo menos, o entusiasmo às vezes desmedido com que alguns
artistas latino-americanos acolheram os pressupostos universalizantes defendidos
por Bill em meio à crise do racionalismo no segundo pós-guerra não deixava de
mostrar correspondência com o esforço mais amplo de superação do
subdesenvolvimento e da defasagem cultural de seus próprios países.
Na Argentina, por exemplo, artistas ligados desde o início dos anos 40 a
manobras de vanguarda como o grupo Madì (Gyula Kosice, Martín Blazkò e
outros) e a Associação Arte Concreto-Invención (Tomás Maldonado, Alfredo
Hlito, Raúl Lozza e outros) tomavam para si a busca de uma arte supra-nacional,
contrastando assim com o viés nacionalista em ascensão com Perón2. Já no Brasil
os primeiros esforços de destronamento do realismo regionalista de Tarsila,
Portinari ou Di Cavalcanti coincidiam, grosso modo, com o fim do período
ditatorial de Vargas, e logo, com o crescimento da participação política e as
1
Ferraz, Geraldo. Max Bill, Pintor, Escultor e Arquiteto, no Museu de Arte.
2
Pérez Barreiro, Gabriel. The negation of all Melancholy.
41

primeiras tentativas de planejamento econômico que culminariam mais adiante no


Plano de Metas de Kubitschek.
Não é difícil perceber que esse movimento envolvia o que Mário Pedrosa
chamou de “vontade de ordem”: um grande esforço para superar a tendência
caótica própria do nosso meio por meio de um racionalismo estabilizador, e
sobretudo planificador3. Nessas circunstâncias, pode-se entender melhor a
mobilização crescente, mesmo se a princípio difusa, que aqui se viu no sentido de
deixar para trás a disciplina Beaux-Arts, e com ela, todo um histórico atrelado a
nosso passado de colônia. Muito embora a referência à Europa tenha sido
fundamentalmente mantida; pois se a vertente construtiva - particularmente em
sua inflexão germânica - foi tomada como possibilidade de superação da matriz
acadêmica francesa, o debate armado nesse momento permaneceu
fundamentalmente surdo à arte americana, onde artistas como Jackson Pollock e
Barnett Newman já acusavam de paralisia toda uma tradição artística de raízes
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européias.
Tanto assim que passou quase desapercebida a passagem pelo Rio de
Janeiro, em outubro de 1964, do crítico norte-americano Clement Greenberg4,
teórico mais eminente do expressionismo abstrato; ao contrário da visita
simultânea do filósofo alemão Max Bense, um dos mais aguerridos defensores da
arte e da poesia concreta e ex-professor da HfG. E isso, não só pelo fato de
Greenberg encontrar-se no Brasil apenas de passagem, enquanto Bense realizava
um ciclo de conferências sobre “as bases fundamentais da estética moderna” na
recém-inaugurada Esdi.5 A ampla cobertura que a estadia de Max Bense no Rio
mereceu na imprensa local – tendo incluído até mesmo uma entrevista coletiva -
deve-se também ao fato de estar ele naquele momento finalizando um livro sobre
o Brasil, o qual seria publicado em seguida na Alemanha, trazendo na capa o
símbolo do IV Centenário do Rio de Janeiro, de Aloisio Magalhães
(Brasilianische Intelligenz, 19656).

3
cf Brito, Ronaldo. Neoconcretismo. Vértice e ruptura. p.43.
4
O “Itinerário das Artes Plásticas” do Correio da Manhã publica apenas uma pequena nota, em 14
de outubro de 1964, informando que o critico passava pela cidade de regresso aos Estados Unidos,
após a Bienal de Córdoba.
5
As conferências foram realizadas nos dias 1, 5, 7, 8, 12 e 14 de outubro, na Esdi. ver Bense, Max.
As bases fundamentais da estética moderna.
6
Id., Brasilianische Intelligenz.
42

A alardeada visita de Max Bense ao Brasil – nesta que foi na verdade sua
quarta viagem ao país, desde 1961 – se inscrevia numa seqüência de eventos
iniciada dez anos antes com a presença do próprio Max Bill. E tudo indica que no
centro do debate que emergia naquele momento no Brasil travava-se, na verdade,
uma discussão mais ampla sobre diferentes modos de pensar os desdobramentos
do projeto moderno após a guerra. Não seria difícil ver na forte resistência que o
pensamento de Max Bill encontrou em arquitetos como Lucio Costa, por
exemplo, um progressivo desgaste das bases sobre as quais a arquitetura moderna
no Brasil vinha sendo sustentada publicamente desde os anos 30. Porque se a
definição de moderno no Brasil dos anos 30 podia ainda se confundir, e até se
limitar a uma oposição à querela dos estilos que passava tanto pelo ecletismo
acadêmico quanto pelo neocolonial, o pós-guerra exigia o enfrentamento de toda
uma outra ordem de problemas: do colapso do racionalismo à difusão de novas
técnicas e materiais, da aceleração das taxas de urbanização à expansão do
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capitalismo industrial. Problemas estes aos quais, no nosso caso, vinha somar-se
ainda o acirramento de debates político-econômicos envolvendo a condição de
subdesenvolvimento do país e o papel do Estado na industrialização.
Neste sentido, a insistência de Lucio Costa em seguir exaltando o “gênio”
de Oscar Niemeyer (no sentido romântico mesmo da palavra, identificado com
aquele dominado por paixões vitais além de qualquer medida7) pode ser vista
também como uma dificuldade de compreender a dimensão que o projeto
construtivo tomava naquele momento no Brasil, ao mobilizar várias frentes – nem
sempre coincidentes, é verdade, mas de algum modo convergentes - no sentido de
superar todo um condicionamento artístico ocidental pela retração do “eu” do
artista-criador. O que dizer, por exemplo, da reiteração do apoio que Lucio Costa
cuidou de oferecer publicamente a Cândido Portinari bem no momento em que se
estruturava uma primeira oposição à sua pintura sugestiva8?

7
cf Bornheim, Gerd. “Filosofia do Romantismo”. in: Guinsburg, J. O Romantismo.
8
Em texto publicado no “Correio da Manhã” em 1951, Costa renova o apelo feito antes a Gustavo
Capanema para que fossem nomeados “catedráticos hors-concours de composição de arquitetura e
de pintura [da Escola de Belas-Artes], respectivamente, Oscar Niemeyer Soares e Cândido
Portinari”, definidos como “artistas de projeção internacional pelo vulto e qualidade da obra
realizada”. ver Costa, Lucio. “Muita construção, alguma arquitetura e um milagre” (1951) in:
Xavier, Alberto. Depoimento de uma geração. p.97.
43

Não é difícil concluir que se a ênfase posta por Max Bill no pensamento
matemático9 viria a constituir o campo do debate no qual a arte brasileira
encontraria provavelmente seu momento mais produtivo, a concepção de projeto
aí implicada apresentaria também um novo grau de problema, em seu cerco aos
mitos da originalidade e da genialidade dominantes no meio brasileiro da
arquitetura, e carioca em particular. Cabe, pois, começar por examinar as bases
conceituais que norteiam a produção de Max Bill se o objetivo é chegar a uma
investigação mais profícua da maneira pela qual o meio carioca de arquitetura, em
particular, vivenciou o conjunto de problemas ligados à penetração da vertente
construtiva no Brasil. Interessa-nos sobretudo a noção de gute Form (Boa Forma),
que em certo sentido constitui uma chave para examinar a concepção de projeto
de Max Bill.
O termo gute Form ocupa já lugar central no pensamento de Max Bill no
começo dos anos 50. Que tenha permanecido à margem de suas inúmeras
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entrevistas e conferências no Rio ou em São Paulo pode, portanto, ser motivo de


estranhamento, caso se ignore o atrito resultante de seu primeiro contato pessoal
com o meio brasileiro, de que dá testemunho o noticiário da época10. Se
consultarmos, por exemplo, o jornal carioca Correio da Manhã entre 23 de maio e
14 de junho de 1953, encontraremos aí claros indícios de uma tensão que segue
num crescendo desde o desembarque de Bill no Galeão até a já citada entrevista
para a revista Manchete, três semanas depois 11. Tamanho parece ter sido de fato o
“desencontro”, na expressão usada por Lucio Costa, que houve quem quisesse

9
ver em especial o texto de Max Bill, “O pensamento matemático na arte do nosso tempo” in:
Amaral, Aracy (org). Projeto construtivo brasileiro na arte.
10
Devido aos constantes equívocos nas referências a Max Bill por diversos autores, cumpre
registrar aqui alguns dados cronológicos: Max Bill expõe no Masp em 1950 e é premiado na I
Bienal de São Paulo, em 1951, mas pisa no Brasil pela primeira vez em maio de 1953, tendo
voltado ao país em dezembro do mesmo ano, para participar do júri da II Bienal. A atenção a essas
datas é importante, não só do ponto de vista do rigor historiográfico, mas também porque: 1: diz da
importância que ganhou na agenda de Bill a primeira viagem à América Latina, que ocorre no
mesmo ano em que se inaugura o canteiro de obras da HfG; 2) mostra a disponibilidade de Max
Bill para com o Brasil, país que visita duas vezes em seis meses, não obstante a polêmica suscitada
pela sua primeira viagem ao país; 3) revela que a inclusão do Ministério da Educação em seu livro
“Form” precede sua visita à obra.
11
A coluna de Artes Plásticas do “Correio da Manhã”, assinada por Jayme Mauricio, apresenta
quase cotidianamente, de 23 de maio a 14 de junho de 1953, um relato desta primeira visita de
Max Bill pelo Brasil. Percebe-se por aí a imensa expectativa gerada por sua chegada, culminante
com um coquetel oferecido por Paulo Bittencourt, no qual Bill “foi apresentado à família
modernista carioca” (que incluía, entre outros, Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy, Jorge
Moreira, Lygia Pape, Ivan Serpa, Goeldi, além do vice-presidente Café Filho, vários ministros,
governadores e senadores). E também os “mal-entendidos” que parecem ir se multiplicando, de
parte a parte.
44

atribuí-lo, num primeiro momento, à suposta dificuldade do artista suíço de


expressar-se em francês, idioma usualmente eleito como plataforma comum entre
germânicos e brasileiros. Atento aos mal-entendidos que já iam se anunciando,
Max Bill, por seu turno, chegou a exigir que sua segunda e última conferência no
MAM carioca consistisse exclusivamente na leitura de respostas a perguntas
encaminhadas também por escrito e com antecedência de pelo menos 24 horas.
Talvez cogitasse contornar, desse modo, as imprecisões típicas de nossa “cultura
auditiva”12. Seja como for, sua precaução não evitou o recebimento de uma carta
“meio decepcionada” do público13, já indicativa de que a expectativa meio
desmesurada com relação a sua chegada dera lugar, em poucos dias, a um mal-
estar mais ou menos generalizado com sua presença.
Sem dúvida esse mal-estar abateu especialmente o meio da arquitetura – o
que se confirmaria com a supressão do nome de Max Bill do júri da premiação de
arquitetura da II Bienal de São Paulo14. Mas isso não significa que a crítica de
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Bill tenha deixado de atingir também artistas jovens, dentre eles Abraham
Palatnik, então dedicado a colocar em ação seus primeiros aparelhos cine-
cromáticos15. As reações à visita de Max Bill, de todo modo, estiveram longe de
ser unânimes. Em carta a Mário Pedrosa, então na Europa, Décio Vieira disse ter
considerado Bill “inteligente e franco”, ao contrário de “alguns críticos” que
teriam ficado “furiosos”. Já Amilcar de Castro se referiu à conferência de Bill

12
O termo é de Luiz Costa Lima. ver Costa Lima, L. Dispersa Demanda.
13
Desta carta, que Jayme Mauricio definiu como “meio decepcionada”, e a revista Habitat
chamou de “inoportuna”, não se conhece o conteúdo nem o remetente, mas sabe-se que foi lida por
Max Bill no evento no MAM, assim como as demais perguntas que lhe foram enviadas. As 14
perguntas e suas respectivas respostas foram transcritas pelo Correio da Manhã em 7 e 9 de junho,
sob o título “Max Bill esclarece pontos de vista e desfaz mal-entendidos”. ver também Habitat set.
1953. p.35
14
A crônica de “Alencastro” na revista Habitat número 12, de 1953, acusa: “Não aparece mais na
lista do júri da exposição de arquitetura da II Bienal o nome (no passado tanto glorificado e
desfraldado) de Max Bill. Quem teve a idéia de riscá-lo do Senatus, sem dúvida por causa de sua
sinceridade?” Observe-se que Max Bill retornaria ao Brasil em dezembro de 1953, como membro
do júri de premiação de artes plásticas da II Bienal. Na ocasião, evitou contato com a imprensa,
inclusive com o Correio da Manhã, jornal que dera tanto destaque à sua primeira visita ao país.
Jayme Mauricio chegou a registrar seu esforço por obter alguma declaração de Bill: “É preciso (...)
obter algo oficial de Max Bill, que por enquanto só tem dito coisas (coisas fabulosas, por sinal) em
caráter reservado (Bill está de ótimo humor; sem sua esposa Binia, Pedrosa o tem levado aos
lugares mais estranhos, como certo bar do subúrbio”. (Itinerário das Artes Plásticas, Correio da
Manhã, 22 de dezembro de 1953)
15
Desde final dos anos 40 Palatnik vinha se dedicando à construção de dispositivos mecânico-
elétricos visando a integração de efeitos de luz e movimento, aos quais denominou de “aparelhos
cine-cromáticos”. Diante dos “boatos” de que Max Bill não os teria apreciado, Jayme Mauricio
procurou esclarecer: “Naturalmente [Bill] não encontrou o aparelho 100% perfeito, mas prestou
excepcional homenagem ao artista brasileiro afirmando não ser ele, Bill, capaz de realizar o cine-
cromático.” (Itinerário das Artes Plásticas, Correio da Manhã, 30 de maio de 1953)
45

como o motivo de sua aproximação de Ferreira Gullar - com quem assinaria mais
tarde o Manifesto Neoconcreto16 - por terem ambos desconfiado da formulação
estritamente matemática e descarnada pela qual Bill definiu então sua “Unidade
Tripartida”17. Tanta polêmica teria levado inclusive às raias de um incidente
diplomático: exagero ou não, chegou-se a especular que o convite oficial feito a
Max Bill pelo Itamaraty teria causado o afastamento de um dos ministros de
Vargas18.
Não deve surpreender, em todo caso, que a presença de Max Bill no Brasil
tenha passado de prestigiada a incômoda, na medida em que suas entrevistas e
conferências foram revelando uma perspectiva crítica praticamente inexistente no
país, e como tal incompreensível, quando não indigesta, ao precário sistema
intelectual local. Não bastou o cuidado que o artista suíço teve de explicar sua
leitura pela importância que ele mesmo atribuía à arquitetura brasileira, nem a
contrariedade que ele mesmo expressou posteriormente à distorção de suas
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palavras na revista Manchete19; suas palavras mexeram com a auto-estima dos


arquitetos brasileiros e foram tomadas, em termos gerais, menos como crítica que
como insulto. Se bem que seria difícil não considerar como tal, por exemplo, a
conversão do título de Cidade Maravilhosa, já há tempos invocado para o Rio de
Janeiro, à imagem de uma “cidade bombardeada”, com “buracos e construções
por todos os lados”, conforme a definição nada simpática de Max Bill20.
Mas afinal, o que Max Bill viu no Rio? Uma exposição de Portinari, obras
de Palatnik, Goeldi e Iberê Camargo, o II Salão Nacional de Arte Moderna e o
atelier de Ivan Serpa, os edifícios-sede dos Ministérios da Educação da Fazenda, o
Parque Guinle e o conjunto do Pedregulho, além de jardins de Burle Marx. Ora, se
refizermos esse percurso não teremos dificuldade em entender porque Bill haveria
de questionar a maleabilidade do nosso conceito de moderno. Como o espaço que
sediava as suas próprias conferências, por exemplo, podia ao mesmo tempo
abrigar uma exposição de Portinari? Nada mais inaceitável, do ponto de vista

16
Publicado originalmente no Jornal do Brasil em março de 1959, e assinado por Amilcar de
Castro, Ferreira Gullar, Franz Weissmann, Lygia Clark, Lygia Pape, Reynaldo Jardim e Theon
Spanudis.
17
Cf Morais, Frederico. Cronologia das Artes Plásticas no Brasil. pp. 223-4
18
Tratava-se de João Neves da Foutora, Ministro das Relações Exteriores de 31/jan/1951 a
19/jul/1953. ver crônica de “Alencastro” na revista Habitat n.12, 1953,. apud Bandeira, João (org).
Arte concreta paulista. p.36
19
ver Bill, Max. Lettere al Direttore.
20
Bill, Max. Max Bill critica a nossa moderna arquitetura.
46

ulmiano, que a convivência entre a arte concreta e a pintura sugestiva de Portinari.


E no entanto aqui ambos encontravam abrigo comum no museu dito, justamente,
de “arte moderna”. Não admira que essas contradições reaparecessem, para Bill,
no próprio espaço do museu – àquela altura, convém lembrar, ainda
provisoriamente instalado no pilotis do Ministério. E tampouco deve-se estranhar
que, dentre tudo o que Max Bill viu, tenha sido o conjunto do Pedregulho aquilo
que mais apreciou [fig.6]. Pelo menos nenhuma outra obra mereceu tantos elogios
seus quanto o projeto arquitetônico de Affonso Eduardo Reidy, a ponto de um
jornal carioca ter se apressado em alardear, com orgulho indisfarçado, que “Max
Bill gostaria de morar no conjunto do Pedregulho”21 [fig.5]. Por mais que a
variedade de soluções, detalhes e componentes construtivos desse projeto
comportasse uma incompatibilidade de fundo com as exigências da produção em
massa, ele resumia a ação conjunta de Affonso Eduardo Reidy e Carmen Portinho
na Prefeitura do Distrito Federal em defesa da convergência de fundamentos
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arquitetônicos, urbanísticos e sociais, e podia por isso ser facilmente enquadrado


na perspectiva reformista com a qual o próprio Bill se alinhava. Aos olhos deste, o
Pedregulho, afinal, era “uma pequena esperança” 22 para a arquitetura brasileira,
no momento em que esta corria o risco de cair numa “perigosa tendência
acadêmica”23.
Entenda-se que aquilo que Max Bill chamava de “espírito acadêmico
modernizado” era a aplicação de quatro princípios derivados direta ou
indiretamente dos Cinco pontos para uma nova arquitetura de Le Corbusier: a
forma livre, a cortina de vidro, o brise-soleil e o pilotis24. Não era todavia contra
esses princípios que ele reagia – afinal, a despeito das diferenças crescentes com
seu compatriota, Bill lhe creditava importância decisiva na sua própria formação
como arquiteto, sem negar-se a um diálogo produtivo com a produção

21
Tribuna da Imprensa. 7 de junho de 1953
22
“Max Bill esclarece pontos de vista e desfaz mal-entendidos”. in: Correio da Manhã, 7 de junho
de 1953.
23
Bill, Max. “O arquiteto, a arquitetura, a sociedade” in: Xavier, A. Depoimento de uma geração.
p.160.
24
O texto, que resume a formulação mais célebre de Le Corbusier, é registrado pela primeira vez
em manuscrito enviado a Alfred Roth, datado de 24.jul.1927. Foi publicado no mesmo ano em
edição universitária de Stuttgart - ocasião em que os chamados “cinco pontos” foram apresentados
em duas casas do arquiteto no conjunto experimental de Weissenhof - e republicado na revista Die
Form, vol.2, 1927. Convém notar que os “5 Pontos” só seriam publicados na França em 1929, no
primeiro volume das Obras Completas de Le Corbusier. Cf Lucan, Jacques. Le Corbusier. Une
Encyclopédie.
47

corbusieriana, a ponto de ter se encarregado da edição e projeto gráfico de um dos


volumes das Obras Completas de Le Corbusier25. O que Bill contestava era, isto
sim, a aplicação dos princípios corbusierianos em sentido “meramente
decorativo”, “sem reflexão ou razão”; aplicação esta que só podia nascer, do seu
ponto de vista, de “um espírito desprovido de qualquer decência e de qualquer
responsabilidade para com as necessidades humanas”, e portanto “diametralmente
oposto ao espírito que anima a arquitetura”, dita “arte social por excelência”. Sua
crítica se movia, assim, fundamentalmente por uma máxima ética, com referência
à qual os “pilotis de formas estapafúrdias” de Niemeyer não eram considerados
apenas um desperdício improdutivo mas, acima de tudo, verdadeira infração de
um código de conduta e perigosa desobrigação do dever profissional do arquiteto,
a quem se atribuía a tarefa de “dar resposta às necessidades do homem”. Donde a
ênfase posta por Bill no aspecto funcional da obra, que o levaria a declarar que “a
boa arquitetura é aquela onde cada elemento desempenha sua função específica e
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nenhum deles é supérfluo”.


A definição de certo modo sintetiza a conferência de Max Bill na
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, duas semanas após sua chegada
ao Rio e dias antes que a revista Manchete publicasse a entrevista que iria
provocar não só a vigorosa reação de Lucio Costa como também, ao que parece,
um certo isolamento subseqüente deste – a ponto de ter ele merecido uma
advertência de Gropius em sua passagem pelo Rio, poucos meses depois26. Se
houve, pois, um desapontamento, tudo leva a crer que este tenha sido mútuo.
Porque se de um lado Lucio Costa lamentava a “oportunidade perdida”, de outro
lado o mesmo Max Bill que agora fazia severas restrições ao Ministério da

25
Trata-se do volume relativo ao período 1934-38, em que Max Bill assina edição, design gráfico
e prefácio. ver Le Corbusier & Pierre Jeanneret. Ouvre Complète. vol. 3. 1939.
26
em visita ao Brasil em janeiro de 1954, Gropius lamentou em diversas ocasiões o silêncio em
que encontrou Lucio Costa. “O arquiteto do Parque Guinle já não tem o direito de parar. O sr
Lucio Costa tem a obrigação moral de participar e orientar o movimento arquitetônico do Brasil”,
declarou. E depois: “Lucio Costa é uma grande força moral que deveria voltar à arquitetura, como
também ao ensino”. Tais declarações inspiraram o jornalista Jayme Mauricio, responsável pela
coluna de artes plásticas do Correio da Manhã, a organizar “uma ofensiva contra o isolamento de
Lucio Costa”. (ver Mauricio, J. “Com Gropius, a maior figura da arquitetura moderna” e “De
Walter Gropius para Lucio Costa”) Embora não se possa saber a razão de tal isolamento de Lucio
Costa – o qual se prolongaria com a morte de sua mulher, em 1954 - é de se supor que possa haver
alguma relação com a polêmica suscitada pela passagem de Max Bill pelo Brasil, seis meses antes.
48

Educação havia cuidado de destacar justo esse projeto em livro que lançara na
Suíça no ano anterior27. [fig. 25]

2.1
Form e Gestaltung

O livro Form, de Max Bill, é constituído de imagens de obras do autor e de


outros (Gropius, Vantongerloo, van de Velde e Mies dentre eles), acompanhadas
de textos do próprio Bill e de uma apresentação sucinta do projeto arquitetônico e
pedagógico da HfG, cujo canteiro de obras seria instalado logo depois de seu
retorno da América [fig.23-25]. No prefácio, Bill esclarece que a publicação
resultava de dois convites por parte da Werkbund suíça: a conferência Schönheit
aus Funktion und als Funktion (“Beleza provinda da função e beleza como
função”, proferida no encontro da associação na Basiléia, em 19481) e a exposição
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subseqüente, die gute Form (apresentada primeiramente na Suíça, em 1949).


[fig.21-22]
A menção a Werkbund não haveria de ser fortuita. Tampouco o título dado
à publicação, que traz consigo ecos da polêmica surgida duas décadas antes no
interior daquela mesma associação, em sua matriz alemã28. Porque o que motiva a
polêmica de 1927 entre Mies van der Rohe e Walter Riezler - o primeiro então
vice-presidente da Deutsche Werkbund, o segundo editor da revista Die Form,
publicada pela mesma – é justamente uma distinção fundamental na língua alemã
entre Form e Gestaltung. Em duas cartas endereçadas a Riezler, Mies acusa a
inadequação do nome dado a revista e desdobra uma série de interrogações:

“É a forma (Form) realmente um objetivo? Não é, na realidade, o resultado de um


processo de formalização (Gestaltungprozess)? O essencial não é o processo?”

Questões às quais ele mesmo procura responder na carta seguinte:

“Não me oponho à forma (Form), senão unicamente à forma como meta. (...) A
forma como meta desemboca sempre em formalismo (Formalismus). Pois

27
Max Bill inclui duas referências ao Brasil em seu livro: uma foto do edifício do Ministério e
uma de um jardim de Burle Marx. Ambas as obras são apresentadas com destaque, com fotos de
Marcel Gautherot. ver Bill, Max. Form. pp.110 e 160
28
Na esteira da Werkbund alemã são criadas, na década de 1910, a Werkbund suiça e a austríaca.
Assim como sua congênere alemã, estas também são restabelecidas após a segunda guerra.
49

implica um esforço que não se orienta para o interior, senão para o exterior.
Porém só um interior vivo pode ter um exterior vivo. (...) Este é o critério. Não
valorizamos o resultado, senão o princípio do processo de formalização
(Gestaltungprozess).”29

É verdade que essas afirmações podem ser problematizadas diante da obra


posterior de Mies. Isso se considerarmos que, do Pavilhão de Barcelona (1928-9)
a sua última obra edificada, a Neue Nationalgalerie de Berlim (1962-7), Mies
dedicou-se a uma depuração formal que conduziu à negação da materialidade de
seus próprios elementos construtivos30 (o que parece ter sido motivo suficiente
para que Max Bill se definisse, em relação à obra de Mies, como “o enamorado
que muitas vezes se vê desiludido”31). Em todo caso pode-se extrair daí as
variações semânticas que acompanham, de modo muito peculiar nos países de
língua alemã, as discussões em torno do formalismo em arquitetura, as quais
encontram um ponto alto justo nas páginas da revista que Mies funda e dirige
entre 1923 e 1926.
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A revista G (de Gestaltung) durou seis números e teve como colaboradores


mais próximos Hans Richter, El Lissitzky, Theo van Doesburg, Ludwig
Hilberseimer, Jean Arp e Kurt Scwhitters. Por mais que houvessem diferenças
internas, o grupo procurou definir-se em uníssono:

“Nós rejeitamos toda especulação estética, toda doutrina, todo formalismo”.

Idéia reforçada a seguir:

“Não conhecemos nenhum problema formal, só problemas construtivos. A forma


não é a meta, senão o resultado de nosso trabalho. A forma, por si mesma, não
existe.(...) A forma como meta é formalismo, e isso nós rejeitamos.”32

Vê-se que a rejeição ao que se entendia por “formalismo” passava, no


caso, por um reforço do conceito de construção, o qual pode-se entender, com
Adorno, como “o primado dos procedimentos construtivos em relação à

29
Neumeyer, Fritz. Mies van der Rohe. La palabra sin artificio. (o grifo é nosso)
30
A exemplo da cobertura do pavilhão espanhol, executada em ferro, e não em concreto armado,
conforme poder-se-ia supor por seu caráter laminar e disposição horizontal.
31
Bill, Max. Mies van der Rohe. p.7.
32
Neumeyer, Fritz. Op.cit. p. 45.
50

imaginação subjetiva”33. Numa palavra, tratava-se de articular um ataque a toda


uma tradição artística equilibrada (e do ponto de vista de seus opositores,
certamente estagnada) sobre a imprevisibilidade e a indeterminabilidade da
inspiração e do talento. A noção de construção sugeria, inversamente, todo um
procedimento analítico, metodológico e tanto quanto possível objetivo, que viria a
colocar em xeque uma concepção de forma como domínio supra-sensível, elevado
e apartado da realidade empírica, para aproximá-la das atividades vitais mais
ordinárias ou corriqueiras, por assim dizer contemporâneas à própria construção
do mundo.
É sintomático que ecos de tal discussão venham a ser encontrados dentro
da HfG, onde a partir de 1956 professores como Tomás Maldonado e Hans
Gugelot passariam a marcar oposição a Max Bill, a quem acusavam de manter-se
atrelado à esfera da arte. Na famosa conferência de Maldonado na Exposição
Internacional de Bruxelas, em 195834 – momento que marca publicamente a
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reorientação da escola ulmiana após o desligamento definitivo de Bill, no ano


anterior - o argumento central é justamente o de que “o industrial design não é
arte”. Sendo assim, tanto os defensores da gute Form – que Maldonado, citando
Reyner Banham, chama de “formalistas neo-acadêmicos” - quanto o styling de
seus opositores nos Estados Unidos (de que o designer de origem francesa
Raymond Loewy seria o exemplo mais destacado35) já não podiam fazer sentido,
uma vez que seu apego a valores estéticos permanecia, para Maldonado, num
alheamento indevido em relação aos problemas envolvidos com a aceleração do
circuito da comunicação de massa. Evidentemente, isso não significava qualquer
reengate com a perspectiva renascentista, em seu esforço de elevar a arte ao nível
da ciência; o que se considerava necessário, ao contrário, era libertar o design da
esfera da arte mediante a adoção de procedimentos que buscavam maior
cientificidade, com ênfase nas disciplinas de metodologia, geometria analítica,
teoria da informação e semiótica. Daí a importância que assume a palavra alemã
usada por Maldonado na sua conferência em Bruxelas, por meio da qual se revela
uma crítica implícita a Max Bill: em lugar do termo Produktform, cunhado por

33
Adorno, Theodor. Teoria Estética. p. 36
34
ver Maldonado, Tomás. Neue Entwicklungen in der Industrie und die Ausbildung des
Produktgestalters
35
ver Loewy, R. La laideur se vend mal.
51

este, Maldonado opta pelo termo Produktgestaltung para designar a atividade do


projetista industrial para o qual a escola ulmiana mirava.
Trata-se de um ajuste terminológico que não deve passar desapercebido,
na medida em que ajuda a entender o percurso da HfG, da concepção mais
bauhausiana de Max Bill ao que Maldonado chamou de “operacionalismo
científico”, para o qual a escola se inclinou após 1956-7. É claro que falar em
Gestaltung não era uma novidade na HfG; o substantivo dá nome à escola desde
sua origem, a apontar desde logo para a confiança que seria aí depositada nos
pressupostos gestálticos estabelecidos por Köhler, Wertheimer e outros36.
Gestalter era o termo usado também por Gropius, já na Bauhaus, para referir-se à
nova categoria de profissionais que a escola pretendia formar, por meio da síntese
arte-indústria37. Sem esquecer a vasta gama de significados da palavra Gestalt e
suas derivações, o que importa, aqui, é que ela passou a ser tomada na HfG pós-
Bill com um sentido muito específico, vinculado à intenção de distinguir a prática
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do design da prática artística. Não tardaria muito, aliás, para que a mudança
terminológica fosse incorporada à estrutura departamental da escola38. Com o
termo Produktgestaltung indicava-se não só um esforço crescente para alcançar o
ponto mais extremo da pesquisa gestáltica como também, e sobretudo, um
investimento cada vez mais alto na incorporação do método indutivo da ciência
para validar uma prática que reclamava para si um grau de objetividade
pretensamente capaz de prescindir de qualquer subjetivismo estético. E numa tal
apoteose de objetificação seria inevitável que se pusesse de lado o vocabulário
estético de raiz clássica – inclusive a palavra “Form” que Bill insistia em manter,
mesmo que visando redefini-la.
Deve-se considerar que o termo Produktform (o qual pode ser entendido, a
rigor, como “forma do produto”) vinha sendo usado por Max Bill para marcar
uma linha divisória entre a ética rigorosa conferida à atividade projetual dentro da
HfG e a “leviandade culpável” da “linha aerodinâmica”, desenvolvida sobretudo
nos países anglo-saxônicos “por razões de moda”. Era para este universo,

36
ver Köhler, Wolfgang. Psicologia da Gestalt.
37
Os termos “gestalter” e “Gestaltung”, usados por Gropius, foram freqüentemente traduzidos
como “designer” e “design”, respecivamente. Ver, por exemplo, “Minha concepção da idéia da
Bauhaus” in: Gropius, W. Bauhaus: Novarquitetura. p.33 e 39.
38
É digno de nota que entre as conseqüências da reorientação pela qual passou a HfG após a saída
de Bill estaria a transformação do departamento “Produktform” em “Produktgestaltung”, em 1961-
62.
52

justamente, que Bill reservava o termo industrial designer, ao qual atribuía um


sinal negativo, por identificá-lo com produtos cheios de “deficiências e
imperfeições técnicas” que se revelariam “modernos somente de maneira
superficial”. Em contraposição, Bill defendia o que chamava de “formador de
produtos industriais”, para quem a produção em massa de se daria de maneira tal
que dela decorreria não uma “beleza relativa”, mas “uma beleza tornada, ela
própria, função”39. Por outras palavras, tratava-se de distinguir entre as chamadas
“formas honestas” – leia-se, relacionadas à esfera da necessidade - das distorções
identificadas com o chamado streamlining norte-americano, com o qual a vertente
alemã do design encontrava-se em disputa. A objeção de Bill mirava para a
“camuflagem ornamental”, a “falsidade espúria” dos objetos aos quais se aplicava
erroneamente, segundo ele, o termo “industrial design”40. Ao formular o termo
Produktform para definir a sua própria concepção de design, Bill procurava
sustentar, ao contrário, uma implicação mútua entre forma e uso por meio da qual
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fosse possível reafirmar nada menos que o desejo de integração funcional da arte
na sociedade, conforme o objetivo último da vertente construtiva da arte moderna.
Não é de admirar que o termo Produktform se encontrasse associado, em
Max Bill, ao conceito de gute Form, por meio do qual se intentava salvar o valor
qualitativo – o próprio “valor da forma”, no dizer de Argan41 – da ameaça dos
índices quantitativos implicados na produção industrial.

2.2
Boa Forma e Tipificação na Deutsche Werkbund

Deve-se notar que a exposição die gute Form, de Max Bill, realiza-se
praticamente simultaneamente à mostra Good Design, montada no Merchandise
Mart, em Chicago, em 1950, a partir de uma seleção de móveis e utensílios
domésticos feita por um comitê indicado pelo MoMA, segundo projeto de Charles
e Ray Eames42. A relação entre as duas exposições merece um estudo à parte. Não

39
Bill, Max. Beleza provinda da função e beleza como função.
40
Id., Form, p. 11.
41
Argan, Giulio C. Projeto e Destino.
42
A exposição foi organizada a partir de proposta apresentada por Edgar Kaufmann Jr – filho do
proprietário da chamada “Casa da Cascata”, de F.L. Wright (1936-7) – ao MoMA, no sentido de
realizar um concurso anual de artigos para a casa e uma exposição dos trabalhos vencedores no
Merchandise Mart, um dos maiores edifícios comerciais de Chicago. Procurava-se assim alargar o
53

podemos todavia ignorar uma distinção que está longe de ser apenas semântica:
que Max Bill insistisse em falar em Forma, enquanto o casal Eames se incluía na
esfera alargada do Projeto, não só diz muito, afinal, das premissas de Bill, como
também das profundas raízes de uma tradição estética da qual ele não vai abrir
mão, mesmo que defenda princípios de geração formal autônomos em relação à
subjetividade do autor.
Não por acaso, podemos encontrar a noção de gute Form já no âmbito da
Deutsche Werkbund (DWB) antes da Primeira Guerra. Nas palavras do arquiteto
alemão Hermann Muthesius, àquela altura um dos personagens centrais da DWB,
deveria constituir preocupação central da associação “trazer de volta (...) aquela
ordem e disciplina da qual a Boa Forma é a manifestação exterior.”43 Embora a
ênfase do discurso de Muthesius não recaia sobre o conceito de Boa Forma (o seu
conceito-chave, como veremos, é outro), devemos reter sua afirmação na medida
em que ela de certo modo sintetiza as discussões travadas no interior da Werkbund
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naquele momento. O título mesmo da conferência de Muthesius, Wo stehen wir?


(Em que ponto nos situamos?) indica que o delineamento dos objetivos da
Werkbund implicava àquela altura (1911) o reconhecimento e a problematização
de um processo maior em curso: o próprio processo irreversível da modernização,
poder-se-ia dizer, em meio ao qual os membros da DWB se viam, entre fascinados
e alarmados.
Já se detectou uma preocupação comum no núcleo de uma série de debates
desencadeados simultaneamente na Alemanha, em fóruns freqüentemente
entrelaçados que reuniam artistas, industriais, sociólogos, economistas e
políticos44. Nos congressos anuais da Deutsche Werkbund, na Verein für
Sozialpolitik (Associação de Ciências Sociais), na Deutsche Gesellschaft für
Soziologie (Sociedade Alemã de Sociologia) ou nos espaços abertos por revistas

alcance de uma exposição dos chamados “objetos utilitários” (useful objects) que já se fazia
regularmente desde 1938 nas dependências do MoMA, embora em caráter mais limitado e
modesto. O comitê de seleção da primeira mostra de Good Design (realizada entre novembro de
1950 e janeiro de 1951) incluiu, além de Kaufmann Jr., Meyric R. Rogers e Alexander Girard, e os
primeiros premiados – a partir de uma seleção de 256 itens - foram F.L.Wright, Eva Zeisel, Edith
Heath, George Nelson e Raymond Loewy. A exposição foi reapresentada a seguir no próprio
MoMA, e o concurso existe até hoje. ver Albrecht, Donald (ed). The work of Charles and Ray
Eames: a legacy of invention. e MoMA NY. Good Design: An Exhibition of Home Furnishings
Selected by the Museum of Modern Art NewYork for the Merchandise Mart. Chicago, 1950.
43
Muthesius, H. “Wo stehen wir?” in: Staatliches Museum für angewandte Kunst. Zwischen Kunst
und Industrie. Der Deutsche Werkbund. (tradução e grifo nossos)
44
ver Schwartz, F. The Werkbund e Herf, J. O modernismo reacionário.
54

como Dekorative Kunst (Arte Decorativa) e Technik und Kultur (Técnica e


Cultura), pode-se reconhecer a extensão de um debate teórico que passava, em
última instância, por uma confrontação fundamental entre organização capitalista
e cultura (no sentido especificamente germânico deste conceito, conforme
precisado por Norbert Elias45).
Mais ou menos ao mesmo tempo em que Max Weber especulava sobre o
“espírito do capitalismo”, Werner Sombart, àquela altura um dos mais eminentes
membros da DWB, acusava o capitalismo moderno de ser “o maior inimigo das
artes aplicadas”, em função da divergência de princípios entre os interesses do
artista e do empreendedor46. Em contraposição à leitura de Sombart, Georg
Simmel (que movia-se no mesmo círculo da DWB, embora não contasse entre
seus membros47) buscava apoio numa distinção entre “arte aplicada”
(Kunstgewerbe48) e “arte” (Kunst). Para Simmel, a principal diferença entre uma
e outra estaria na “existência em múltiplos” da primeira, que faria de sua
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distribuição “a expressão quantitativa de sua funcionalidade”. Sendo a essência da


obra de arte, ao contrário, sua unicidade, uma obra de arte e sua cópia só poderiam
ser pensadas como algo completamente diferente da produção seriada da
mercadoria industrial – esta destinada a sustar a fragmentação da vida moderna
por meio da difusão e compartilhamento de formas sedimentadas no estilo.49
Simmel debruçou-se sobre esse tema em conferência na Berlin Verein für
Kunst (Liga para a Arte de Berlim), em 1907, que tornou-se um dos seus ensaios
mais lidos e discutidos no âmbito da DWB (Das Problem des Stiles, 1908). “Uma
vez que a essência do objeto industrial é o estilo, sua significação está na sua

45
Referimo-nos aqui à conhecida distinção de Norbert Elias entre Kultur e Zivilisation. A
primeira é “a palavra pela qual os alemães se interpretam, que mais do que qualquer outra expressa
o orgulho em suas próprias realizações e no próprio ser”. Referido menos a uma atitude ou
comportamento que a um valor atribuído a produtos humanos que expressam a singularidade de
um povo – quer sejam “obras de arte, livros, sistemas religiosos ou filosóficos” - o conceito de
Kultur distingue-se assim do conceito de Zivilisation, o qual melhor descreveria, sempre segundo
Elias, a consciência nacional de franceses e ingleses, seu suposto desenvolvimento diante de
sociedades consideradas atrasadas ou primitivas. ver Elias, Norbert. O processo civilizador.
46
Veja-se, em especial, Weber, M.. A ética protestante e o espírito do capitalismo (1904-5) e
Sombart, W. Der moderne Kapitalismus (1902) e Kunstgewerbe und Kultur (1908).
47
Segundo Schwartz, o famoso ensaio de Simmel sobre o problema do estilo resulta de uma
conferência do autor na “Berlin Verein für Kunst” (Liga para a Arte de Berlim) semanas antes da
fundação da DWB. Sabe-se que o texto foi lido e discutido pelos membros da Werkbund quando
publicado, em 1908.
48
Termo que também costuma ser traduzido para o português como artes e ofícios, arts & crafts,
arte industrial e até indústria artística.
49
Simmel, G. “The problem of style”. in: Frisby, David. Simmel on Culture. (Tradução nossa)
55

reprodutibilidade”50, escreve. O que não quer dizer que se apontasse apenas para
uma redefinição do significado cultural do produto industrializado. Para Simmel,
o estilo oferecia, diante da agitação da vida moderna, “um domínio pacífico onde
não nos sentimos mais sós”51. Ou seja, se a produção industrial era vista como
fonte de alienação, ela também carregava consigo o germe de uma nova
totalidade, a ser consumada por meio da disseminação da forma visual em círculos
cada vez mais largos.
Note-se que nesse processo dialético, em que F. Schwartz identificou a
própria “dialética da mercadoria”, Simmel e Muthesius inevitavelmente haveriam
de se encontrar. Há muito do pensamento simmeliano, com efeito, na descrição de
Muthesius da “fragmentação e confusão (...) observada na vida econômica” do seu
tempo como “um reflexo da fragmentação da vida moderna”. Ou na sua
declaração de que “a liberdade que a abertura do mundo trouxe para o indivíduo
também acabou com o desenvolvimento sereno da humanidade. Alcançar
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novamente esta harmonia interna é a maior aventura da nossa época.”52


É claro que o problema que Muthesius se coloca não pode ser
desvinculado dos resultados que ele mesmo cobra da Werkbund, como uma
associação de artistas, industriais e comerciantes destinada a “criar as pré-
condições para a exportação de suas artes industriais”53. Não que houvesse um
consenso no interior da DWB com relação ao alinhamento de interesses político-
econômicos e questões estéticas. Pelo contrário, a existência de visões conflitantes
iria se confirmando até irromper na famosa controvérsia entre Muthesius e van de
Velde no Congresso de Colônia (1914), quando a defesa da tipificação
(Typiesierung) pelo primeiro encontra uma força oposta na livre expressão
artística propugnada pelo segundo54.
Para entender os termos desta polêmica, basta tomar a primeira das dez
teses de Muthesius e sua antítese correspondente, por van de Velde.

50
Ibid. (Tradução nossa)
51
Ibid. (Tradução nossa)
52
Manuscrito de Muthesius, sem data, no Werkbund-Archiv, marcado pelo autor como “declaração
não utilizada na Werkbund”. apud Schwartz, F. The Werkbund. p.15.
53
“Muthesius/Van de Velde: Wekbund Thesis and Anthitesis” in: Conrads, Ulrich. Programs and
manifestoes of the 20th century. p.28
54
O debate dividiu a associação entre aqueles que se posicionavam a favor das teses de Muthesius
– políticos como Friedrich Naumann e outros – e aqueles que lhe fizeram oposição – dentre os
quais estão sobretudo artistas e arquitetos como Bruno Taut, Karl Ernst Osthaus e Walter Gropius.
ver Schwartz, Frederic J. The Werkbund.
56

“A arquitetura, e com ela toda a esfera das atividades da Werkbund, exige a


tipificação, e apenas por meio desta ela pode recuperar o significado universal
que a caracterizou em períodos de uma cultura harmônica”, escreve o primeiro.

Ao que o segundo responde:

“Enquanto houver artistas na Werkbund e enquanto eles tiverem alguma


influência no seu destino, eles protestarão contra toda sugestão de
estabelecimento de um cânone ou uma tipificação.”55

Vê-se que é em torno justamente da tipificação que gira a polêmica entre


os dois arquitetos, na qual Muthesius assume o lado, digamos, mais progressista: a
seus olhos, a Boa Forma estava longe de ser incompatível com a tipificação, posto
que ambas carregavam consigo a possibilidade de fazer escoar a crescente
produção industrial alemã e, ao mesmo tempo, resgatar uma socialidade ameaçada
pela mecanização e alienação do indivíduo.
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Do problema trazido por Muthesius para o primeiro plano da DWB -


salvar a qualidade (a Boa Forma) na quantidade (o Tipo), o valor estético no valor
econômico – passar-se-ia assim ao problema mais amplo da preservação do
indivíduo na massa. Não sem supor, claro, uma tensão dialética que em termos
simmelianos se colocava entre cultura individual, ou subjetiva, e cultura
coletiva/material, ou objetiva. E neste ponto o argumento da Boa Forma de
Muthesius torna-se muito próximo do que Simmel designa por estilo. Mesmo que
o conceito de estilo seja algo que Muthesius quer banir - por identificá-lo com a
“pesquisa superficial dos estilos do passado” e as máscaras arquitetônicas do
historicismo oitocentista56 - as duas noções podem ser traduzidas pelo que em
Simmel é denominado “lei formal supra-individual”57: algo como um princípio
interno da forma a pressupor a extensão do seu desfrute para além do indivíduo.
Em poucas palavras, a forma seria um meio para a Formação (Bildung), no
sentido que desde Hegel é dado ao processo de superação da condição natural do
homem e sua elevação à universalidade. Assim, conforme Gadamer, ‘quem se

55
“Muthesius/Van de Velde: Wekbund Thesis and Anthitesis” in: Conrads, Ulrich. Programs and
manifestoes of the 20th century. pp.28-29 (tradução nossa)
56
Muthesius, H. “Stilarchitektur und Baukunst” (1901-2) apud Schwartz, p. 30 ver tambémm “Das
Formproblem im Inginierbau” (1913) in: Zwischen Kunst und Industrie. Der DWB. p.74
57
Simmel, G. “Das Problem des Stiles” (1908) apud Waizbort, L. As aventuras de Georg Simmel.
p.408
57

entrega à particularidade só pode ser considerado inculto (ungebildet)’, já que


“não consegue abstrair de si e ter em vista um sentido universal, pelo qual pautar
sua particularidade com medida e postura”58. Abstrair de si e ter em vista um
sentido universal: não seria este processo análogo à superação do caráter único da
obra de arte pela lógica da produção em série dos objetos industriais?
Parece ser a isto, pelo menos, que Muthesius se refere quando afirma que a
forma é “coisa do espírito”59. Não por acaso busca-se apoio no ideal da Bildung,
i.e., na idéia de que, ao dar forma ao mundo, o homem formar-se-ia a si mesmo,
tomando cada vez maior distância de seus interesses pessoais para tornar-se um
ser espiritual, no sentido universal. Mais que simplesmente endossar o valor
conquistado por Simmel para os produtos em série, Muthesius quer legitimar a
tipificação pelo esforço de sustar a “tragédia da cultura” diagnosticada por aquele
como uma tendência generalizada da vida moderna60. Por isso tem sentido falar
em “espiritualização da produção industrial” (tema justamente do Congresso da
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DWB de 1911); a DWB se faz assim portadora de um desejo mais ou menos


difuso de regeneração espiritual que perpassa a Alemanha guilhermina.
É desse mesmo desejo de regeneração espiritual, note-se, que se alimenta
todo um movimento de reforma das escolas de arte (Kunstschulreform) que
começa quase contemporaneamente à Werkbund e culmina, já na República de
Weimar (1919-33), na Bauhaus61. E, nesse sentido, embora possa haver pontos de
contato com as bases lançadas por William Morris na Inglaterra vitoriana,
conforme supõe Nikolaus Pevsner62, as questões colocadas por Muthesius antes
da I Guerra não podem ser entendidas senão em conexão com uma
Weltanschauung específica; o que equivale a dizer que são inseparáveis da
situação histórica da Alemanha no início do século XX e particularmente das
pressões estruturais ligadas à sua instabilidade política e industrialização tão tardia

58
Gadamer, H. Verdade e Método. pp.47-48.
59
Banham, R. Teoria e Projeto na primeira era da máquina. p. 104
60
Simmel, G. “El concepto y la tragedia de la cultura”. in: Sobre la aventura. pp.204-231.
61
A reorganização das escolas de arte na Alemanha, que tem seu prelúdio no II Reich e se
intensifica na República de Weimar (1919-33), caracteriza-se, em termos gerais, pela posição anti-
acadêmica e pelo esforço de renovação da formação do artista. Ao lado da Bauhaus, podem ser
citadas como escolas características desse período a Escola de Belas Artes de Frankfurt, a
Academia de Arte e Artesanato de Breslau e a Escola Weg em Dresden. ver, sobre o assunto,
Wick, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. e Pevsner, Nikolaus. Academias de Arte. Passado e
presente.
62
ver Pevsner, Nikolaus. Os pioneiros do desenho moderno: de William Morris a Walter Gropius.
58

(se comparada à Inglaterra ou à França, sobretudo) quanto avassaladora63. Nem


mesmo o prolongado contato de Muthesius com a Inglaterra deve nos enganar64;
para ele a tentativa de Ruskin e Morris de recriar modos de produção pré-
capitalista em plena Inglaterra vitoriana significava nada menos que “jogar fora o
bebê junto com a água da bacia”.65
Cumpre chamar atenção aqui para a repercussão alcançada nesse mesmo
ambiente pelo livro de F. Tönnies, Gemeinschaft und Gesellschaft (Comunidade e
Sociedade, 1887)66, onde a noção de uma comunidade genuína e duradoura é
contraposta à fragmentação materialista e à transitoriedade identificada com a
sociedade de negócios. No imaginário de uma Alemanha ainda fragmentada e às
voltas com as ameaças da modernização, a forma de organização social do
Medievo – exemplo por excelência de associação comunitária - significava não só
um refúgio do comercialismo moderno (no qual a relação entre produtor e
consumidor havia sido rompida pela intermediação do comerciante) como uma
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unidade pela qual se seguia ansiando, e cuja expressão máxima só poderia estar na
Gesamtkunstwerk (obra de arte total) da catedral gótica. Daí que esta viesse a
ressurgir no manifesto da Bauhaus67 como um símbolo do espírito comunitário

63
Na verdade, a tese de Pevsner reduz a relação entre alemães e ingleses a uma simplificação
problemática, por subjugar a tensão latente entre ambos. Porque não obstante a atenção dedicada
aos efeitos e produtos da industrialização inglesa por Muthesius, e já quase meio século antes dele,
por Gottfried Semper, em não poucos aspectos o projeto construtivo germânico vai apontar para
todo o oposto do fundo historicista do Arts & Crafts, chegando mesmo a estabelecer uma crítica a
várias de suas premissas, de certo modo mais próximas do empirismo inglês. É bem verdade que
Gropius, como Morris, não se cansará de insistir na necessidade de recuperar a base social do
trabalho coletivo e da unidade entre projetar e fazer própria das corporações medievais, e ao se ver
forçado a traçar a genealogia da Bauhaus, em 1923, até se referirá explicitamente a Ruskin e
Morris entre os “que de forma consciente buscaram e encontraram os caminhos da reconciliação
entre o mundo do trabalho e os artistas criadores”. Mas por mais que possamos encontrar aí pontos
de contato com a visada inglesa, esses se desenvolvem antes em sentido inverso que como um
desdobramento um do outro, conforme Pevsner leva a crer. Nada pode ser mais revelador da
distância que separa Morris e Gropius que o romance News from Nowhere (Morris, 1892): na sua
descrição de Londres do século XXI, Morris enaltece uma resistência ao mundo industrial que
distancia-se muito da entusiástica adesão de Gropius à indústria, entendida como potencialização
do engenho humano.
64
De 1896 a 1903 Muthesius permaneceu em Londres como adido da Embaixada da Alemanha,
com a missão declarada de estudar a arquitetura inglesa, de que resultou volumoso compêndio
(“Das Englische Haus”, 1904-5).
65
apud Schwartz, F. The Werkbund. p.87
66
publicado pela primeira vez em 1887, o livro permanece restrito a um pequeno círculo até sua
segunda edição, em 1902, a partir da qual ganha reputação internacional. cf P. Sorokin in: Tönnies,
F. Community & Society.
67
Refiro-me à xilogravura de Lyonel Feininger que abre o manifesto da Bauhaus, lançado em
1919.
59

que se queria imprimir na nova escola - e não como uma rejeição do mundo
moderno e de seus valores, conforme o “sermão anglicano” de Ruskin68.
Trata-se de uma postura que ajuda ainda a entender também o perfil que
marca o primeiro tempo da HfG, em seu esforço por constituir-se como uma
comunidade capaz de reabilitar o compromisso reformista da Bauhaus, e tanto
quanto possível levá-lo adiante. Instituir uma comunidade pela via da estética:
esse permanece sendo o objetivo último da escola ulmiana sob a direção de Max
Bill. Mas enquanto o projeto arquitetônico de Gropius para a Bauhaus é
impensável senão na sua relação com a situação urbana em que se insere, o
projeto arquitetônico de Max Bill pressupõe uma comunidade reservada e tanto
quanto possível auto-suficiente, apartada física e socialmente mesmo da cidade
medieval de Ulm, ante a qual a escola surge, elevada sobre uma colina, como um
“mosteiro de designers”69. O que desvela a dupla perspectiva a partir da qual
programa sua ação: por um lado, quer manter-se apartada da cidade de onde
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provém inclusive parte de seus recursos; por outro, mostra verdadeira obsessão
pela construção de uma comunidade supra-nacional em reação ao ideal nacional
que conduzira a Alemanha à barbárie 70.

2.3
Limites da Boa Forma

É sabido que a HfG nasce em memória de dois irmãos (Sophie e Hans


Scholl) executados pelo regime de Hitler devido à sua militância contra o
nacional-socialismo. O que permanece algo obscuro é como a idéia inicial de criar
um centro de estudos em ciências políticas – de certo modo análogo ao Instituto
de Pesquisas Sociais de Frankfurt, outra instituição característica do chamado

68
A expressão é usada por Frederic Edelmann na introdução do livro de John Ruskin, As Pedras
de Veneza. São Paulo, Martins Fontes, 1992.
69
A expressão foi muito usada na época pela imprensa alemã para descrever o isolamento da
escola, para o qual concorreu de maneira decisiva o projeto arquitetônico de Max Bill. Este não só
escolheu o sítio (numa colina a cerca de 15 km do centro de Ulm) como previu ali todo o
necessário para a instalação de uma pequena comunidade de professores e alunos, das salas de aula
às habitações, numa solução extremada do partido adotado por Gropius na Bauhaus de Dessau.
70
O perfil supra-nacional que se quis dar à escola refletiu-se no grande número de estrangeiros que
a freqüentaram: quase metade dos professores do quadro permanente e dos alunos provinham de
países que não a Alemanha. Dentre os alunos – 640, no total - 31 eram latino-americanos, sendo
que 10 do Brasil. Cf Fernández, Silvia, Hfg ulm: el origen de la enseñanza del diseño en América
Latina”
60

“espírito de Weimar” e assim como a Bauhaus, também interditada pelo nacional-


socialismo – tenha acabado por se converter numa escola de design. Há motivos
para supor que o redirecionamento dos planos da Fundação Irmãos Scholl, à qual
se deve a criação da HfG, tenha se dado, ao menos em parte, em função dos
argumentos reunidos por Otl Aicher e Max Bill, este responsável pelo projeto
arquitetônico da escola71. Tendo sido aluno da Bauhaus em seu “período de
consolidação” (1923-28)72, Bill haveria de encontrar em Ulm uma possibilidade
única, e talvez última, de repotencializar a proposta reformista contida no projeto
pedagógico irradiado a partir de Dessau, articulando-o agora ao esforço de
recuperação econômica de uma Alemanha prostrada pela guerra. Essa, pelo
menos, veio a ser a base, como talvez também o limite do idealismo contido em
sua proposta: através da forma – ou melhor, da Boa Forma, engajar-se no
gigantesco programa da Reconstrução da Alemanha no pós-guerra.
Tudo indica que a eficácia relativa do programa ulmiano – e mesmo o
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quase inevitável encerramento das atividades da escola, em 1968 – deve-se, em


parte, a esta contradição de fundo do projeto de Max Bill, que continuou
envolvendo a escola (e de certo modo também suas derivações mais distantes,
como a Esdi) mesmo após a reorientação que lhe foi dada por Maldonado e
outros: por mais que se visasse chegar a um standard universal, passível de ser
reproduzido em séries virtualmente infinitas de acordo com a lógica da operação
industrial, a noção de gute Form significava, paradoxalmente, o ideal de reter essa
mesma produção num domínio estreito, fora (e acima) das pressões cada vez
maiores do mercado e do próprio circuito da indústria cultural. Vem a ser muito
elucidativa nesse sentido a declaração do próprio Max Bill com relação à origem
da HfG: segundo ele, tratava-se de “criar produtos industriais que pudessem ser
considerados dignos de lugar num museu”73.

71
Cf Lindinger, H. Ulm Design.
72
Max Bill estudou na Bauhaus entre abril de 1927 e outubro de 1928, ou seja, quando a escola
encontrava-se já instalada em Dessau. Na divisão adotada por Rainer Wick, este período
corresponde à fase de consolidação da escola, entre a sua fundação (1919-23) e desintegração
(1928-33). Na Bauhaus, Max Bill foi aluno de Josef Albers e Laszló Moholy-Nagy no Curso
Fundamental, participou dos experimentos cênicos de Oskar Schlemmer e seguiu as aulas de
pintura de Wassily Kandisky e Paul Klee. Acompanhou também a substituição de Walter Gropius
por Hannes Meyer na direção da escola, em abril de 1928. Realizou nesse período seus primeiros
projetos de arquitetura, todos para concursos: a Biblioteca Nacional suíça, em Berna, um edifício
em Osaka, Japão, e um jardim de infância em Zurich-Wiedikon (este, com Hans Fischli).
73
Lindinger, H. Ulm Design, p. 68.
61

Na contra-mão da estratégia duchampiana, portanto, a gute Form de Max


Bill não só se arrogava um valor exemplar como pretendia ser, ela mesma, a
forma do produto (Produktform) por excelência. Por isso um banco, por exemplo,
haveria de ser, pelo menos aparentemente, um banco como todos os outros74.
[fig.35] Sem intenção de surpreender, sem buscar o imprevisível nem o
indeterminado, os objetos de Max Bill se parecem com o que esperamos deles75,
na medida em que fazem questão de permanecer substancialmente referidos
àquilo que determina seu significado. Sua aspiração é, antes, chegar a definir uma
espécie de forma suprema da inteligência: uma forma estável e pregnante, tão
disciplinada e lógica que quase mesmo definitiva, ne varietur: não vem daí a
espécie de prazer que ainda hoje suscita um simples relógio projetado por Max
Bill?
O que podemos nos perguntar é se nesse caso a Boa Forma não significaria
a um só tempo a estância mais avançada e o nec plus ultra do design. Afinal, até
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que ponto a radicalização dos procedimentos analíticos de que a Boa Forma de


Max Bill se queria resultante não acabaria por reduzir a investigação formal a um
limite estreito, do qual ela mesma se tornaria presa? E até que ponto esse “valor
de forma” que se pretendia reter poderia resistir ao próprio moto da produção
industrial na economia capitalista moderna? Na pretensão de definir-se por um
caráter qualitativo (a rigor, inesgotável), a gute Form de Max Bill não tenderia,
enfim, a inviabilizar-se a si mesma, ao recusar-se peremptoriamente à lógica da
obsolescência programada e ao ciclo cada vez mais acelerado da produção e do
consumo?
Claro está que a operação de qualificação da forma por Max Bill não
significava apenas uma objeção à superexcitação do consumo, se não também
uma crítica a toda uma vertente funcionalista enraizada na arquitetura que operava
com uma dicotomia entre forma e função, condenando a primeira a submeter-se a
segunda. Só o que se podia esperar de um arquiteto, de acordo com Bill, era uma
relação equânime entre forma e função, nunca uma relação de subordinação de
uma a outra – tal como no célebre axioma de Sullivan, “a forma segue a função”;

74
tome-se, por exemplo, o banco de madeira projetado por Bill (com Hans Gugelot) em 1954, que
se tornaria quase um ícone da escola ulmiana, onde foi criado e amplamente utilizado. Para uma
referência do próprio Max Bill ao banco veja-se Lindinger, H. Ulm Design. p.70
75
cf Martí, Carles y Joan Llecha. “Max Bill a través de cinco conceptos” in: Max Bill. DPA 17.
p.54
62

ou, inversamente, na excessiva liberdade formal encontrada em Niemeyer. Ou


seja, se a ênfase dada por Bill ao termo Form podia se pautar ainda por um
estatuto artístico, o qualificativo que lhe foi anteposto indicava clara resistência a
uma prática orientada pela essência contemplativa do belo e pela própria noção de
“belas-artes”.
A gute Form remeteria assim, num certo sentido, ao elo desconstruído por
Kant entre o âmbito da beleza e o da moral; ou, no dizer de Gadamer76, entre
mundo dos sentidos e mundo ético. Se na sua argumentação em favor da gute
Form Max Bill não dispensa os termos desta oposição binária é porque acredita
ser possível elaborá-los dialeticamente a partir de uma esfera em constituição,
onde já não faria sentido pensar uma separação entre “artes livres de finalidade”
(zweckfrei) e “artes com finalidade” (zweckgebunden), ou “arte pura” e “arte
aplicada”. Pode-se dizer que essa esfera, que se confunde com a própria noção de
gute Form, é o que Max Bill entende por design. É como se aí finalmente o
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primado do juízo estético, traduzido na fórmula kantiana da “finalidade sem fim”,


pudesse ser regulado por um critério de validade objetivo, na medida em que
vinculado ao único juízo reconhecido como portador de universalidade lógica
(porque assentado sobre um conceito e, como tal, invulnerável às flutuações do
gosto).
“Bom significa Belo e Útil ao mesmo tempo”77, essa, em suma, a definição
de Max Bill. O que significa que a Boa Forma haveria de situar-se precisamente
no ponto de fusão – sob a perspectiva kantiana, inconcebível - do qual o prazer
estético certamente não estaria excluído, porém só alcançaria validez se
relacionado à esfera da necessidade, ao terreno concreto da contingência - ao
estar-no-mundo do objeto funcionalmente perfeito, poder-se-ia dizer. Contanto,
claro, que esse se dispusesse a ser um mundo exemplar, ordenado pelo
projeto/design.
Começa a se esclarecer assim a crítica de Max Bill à arquitetura brasileira,
que a seus olhos padecia de “um amor ao inútil”78. Não é simplesmente por estar
“carregado de velhos recalques pueris contra os princípios básicos da doutrina de

76
Gadamer, H. Verdade e Método.
77
Bill, Max. Form.
78
Id., Max Bill critica a nossa moderna arquitetura.
63

Le Corbusier”, como quer Lucio Costa79, que Bill coloca sérios problemas para os
edifícios do Ministério da Educação ou da Pampulha. O que fundamenta a crítica
de Max Bill é, antes, o postulado de um nível de racionalidade na produção de
formas extremamente remoto para o ambiente cultural brasileiro, ainda
impregnado de lirismo e incapaz de romper de todo com o quadro de referência
acadêmico – invocado aliás pelo próprio Lucio Costa, ao alertar Bill para o fato
que “ainda consideramos a arquitetura uma das belas-artes porque nela, como nas
demais, o sentimento tem sempre a última palavra.” (o grifo é nosso)
Na ingenuidade apenas aparente desta afirmação não deve passar
desapercebida a questão fundamental que Lucio Costa se coloca, e para a qual se
mantém vigilante, da assimilação problemática do processo moderno no Brasil.
Sob sua postura defensiva talvez se guardasse, pois, uma arguta interrogação
sobre a pertinência de uma formulação de moderno tão confiante num espírito
universal diante de um quadro cultural como o nosso, profundamente encerrado
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no particular e avesso à abdicação dos interesses privados mais imediatos. Negar


lugar à racionalidade infalível postulada por M.Bill podia ser também uma
tentativa de evitar a dissolvência de um projeto que aqui, afinal, vingara – e a
custa de muito esforço. Ou talvez Lucio Costa considerasse a precariedade da
nossa noção de mercado, em todo caso implicada com o pensamento sobre a Boa
Forma desde Muthesius. Mas de algum modo a disputa entre Lucio Costa e Max
Bill nos reconduz também à polarização entre Muthesius e van de Velde. Porque
se a defesa do sensível por Costa contém uma contestação explícita ao privilégio
concedido por Bill ao pensamento matemático, ela também não deixa de se
aproximar de uma resistência à estandardização que emerge, como vimos, no
interior da Werkbund, e tem aí um de seus momentos mais significativos.

Interpretar a oposição de Lucio Costa a Max Bill como uma mera


incompreensão implicaria em todo caso deixar escapar um aspecto fundamental
do pensamento do arquiteto brasileiro, em que talvez se insinue um raro
entendimento dos entraves encontrados no Brasil ao “alto padrão formal
público”80 que a Bauhaus, e depois dela a escola de Ulm, pretendiam instaurar por
toda a parte. Fica claro, de todo modo, que a crítica de Max Bill assinala um

79
Costa, Lucio. Oportunidade perdida.
80
A expressão é de Ronaldo Brito. ver Brito, R. “Fluida modernidade”. p. 250
64

momento decisivo no meio cultural brasileiro dos anos 50, em que se abre uma
série de indagações com relação à prática projetual no Brasil.
Pretendemos aqui localizar os fundamentos teóricos dessa crítica para
redimensioná-la à luz da discussão mais ampla em meio à qual Max Bill se
encontra naquele momento. O fato de Max Bill ter visto a Pampulha como o
“projeto por instinto, por simples amor à forma pela forma”81 tem, nesse sentido,
especial significação para nós, na medida em que realça a ética funcionalista
inscrita nos termos da sua equação. Do ponto de vista de Bill, faltaria à forma
niemeyeriana pelo menos um dos atributos sem o qual nenhuma forma chegaria a
se qualificar como tal, permanecendo no máximo referida a um desfrute reflexivo.
Pouco importa se a arquitetura de Niemeyer se constitui então – e quiçá até hoje -
como o enfrentamento talvez mais resoluto dos problemas enredados na
constituição da nossa problemática visualidade (e não deixa de ser significativo,
aliás, que a satisfação na exterioridade de Niemeyer resulte tão emblemática num
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país que vive às voltas com sua dificuldade de formalização). Para Max Bill,
voltar-se contra a liberdade formal niemeyeriana é condição de sustentação do
projeto ético-edificante vinculado à exemplaridade da gute Form, por mais que os
termos aí subentendidos pudessem enfrentar embaraços no confronto com uma
sociabilidade indeterminada como a nossa.
Seguindo a chave de leitura de Sergio Buarque de Holanda, Rodrigo Naves
sugeriu que a raiz dessa dificuldade possa, ao menos em parte, ser encontrada na
forma pouco estruturada da sociedade brasileira. A interioridade problemática da
arte brasileira, sua necessidade de recolhimento e mesmo sua relutância em
assimilar um pensamento estrutural, tudo isso teria a ver, sempre segundo Naves,
com uma sociabilidade frágil, essencialmente afeita a laços familiares, tendente
mais “para um extrativismo rústico que para a conformação taxativa da
indústria”82. Conviria, assim, que nosso embate com a produção projetual das
décadas de 1950-60 no Brasil seguisse no enfrentamento de questões implicadas
no campo problemático da forma, sem o que seria difícil avançar na análise dos
problemas que perpassam a prática projetual do período, em seus não poucos
impasses, versões e inversões.

81
Bill, Max. Max Bill critica a nossa moderna arquitetura.
82
Naves, Rodrigo. A forma difícil. p. 12
3
Questão de projeto: Ulm e Rio

“A HfG não é apenas uma escola na qual se obtém uma


determinada formação especializada; a HfG é sobretudo
uma comunidade cujos membros compartilham a mesma
intenção: conferir estrutura e valor ao mundo-ambiente
humano.”
T. Maldonado, Discurso na HfG1

É bastante difundida no Brasil a versão segundo a qual a Esdi resultou de


uma espécie de rebatimento da HfG. E embora documentos existentes no próprio
arquivo da escola carioca descrevam um longo processo envolvendo personagens
e instituições de latitudes e correntes distintas, não há dúvida de que a partir de
um determinado momento deliberou-se por inscrevê-la na linhagem da escola
ulmiana. Um exame mais minucioso dos currículos dessas duas escolas revela, no
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entanto, diferenças significativas que têm sido deixadas de lado, mas se mostram
particularmente relevantes do ponto de vista da nossa reflexão.
Comecemos pelo programa da escola ulmiana em sua configuração
original, de 1951 [fig.47]. Não é difícil reconhecer aí semelhanças com a estrutura
de ensino da Bauhaus, pela qual essa a princípio se pautava: em linhas gerais, a
HfG compreendia um Curso Fundamental (o Grundkurs ou Grundlehre), ao final
do qual o aluno deveria seguir para uma de suas seções ou departamentos
(Abteilung): Information, Visuelle Gestaltung, Produktform, Architecktur e
Stadtbau. Se bem que na implantação do curso, dois anos depois, algumas
alterações tenham sido feitas: o departamento de Statdbau (literalmente,
Construção da Cidade) não chegou a ser implantado, e os demais passaram por
retificações - o departamento de Architektur, por exemplo, foi renomeado como
Bauen (Construção) após o afastamento de Max Bill, e depois de 1960-61 passou
a chamar-se mais especificamente Industrialisiertes Bauen (Construção
Industrializada). Já o departamento de Produktform foi renomeado como
Produktgestaltung, e o de Visuelle Gestaltung como Visuelle Kommunikation. À

1
Die HfG ist nicht nur eine Schule, an der man eine bestimmte Fachausbildung erhält; die HfG is
vielmehr eine Gemeinschaft, deren Mitgleider dieselben Intention teilen: der menschlichen
Umwelt Struktur und Gehalt zu verleihen. (discurso de Tomás Maldonado, então reitor da HfG, ,
na abertura do curso, em 5.10.1964) in: http://www.hfg_archiv.ulm.de. A tradução é nossa.
66

parte estes ajustes terminológicos, indicativos de uma continuada preocupação


conceitual com o perfil de profissional que se visava formar na HfG, manteve-se
fundamentalmente inalterada, até 1961-2, a estrutura pedagógica inicial da escola:
um Curso Fundamental de um ano, seguido de formação especializada num de
seus departamentos, perfazendo um total de quatro anos de estudos. À semelhança
da Bauhaus, portanto, nos primeiros anos da HfG o Grundlehre constituiu-se
como um curso obrigatório e comum a todos os alunos da escola, em que se
enfatizavam estudos de formas plásticas, cores e materiais por meio de disciplinas
agrupadas em setores, nomeadamente Visuelle Einführung, Darstellungmittel,
Konstrutive Darstellungmethode, Werkarbeit, Kulturelle Integration, Methodische
Übungen e Grapische Darstellung (Iniciação visual, Meios de representação,
Métodos construtivos de representação, Oficinas, Integração cultural, Exercícios
de metodologia e Representação gráfica).
Disposição semelhante – um Curso Fundamental de um ano, seguido de
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uma especialização, por assim dizer, de três anos – foi mantida na Esdi, onde
todavia encontramos uma diferença crucial em relação à estrutura departamental
da escola ulmiana: o enxugamento das seções, que aqui passaram a ser apenas
duas, “Desenho Industrial” e “Comunicação Visual” (em termos ulmianos
correspondentes, respectivamente, aos departamentos de
Produktform/Produktgestaltung e Visuelle Gestaltung/Visuelle Kommunikation).
A primeira seção ficou a cargo de Karl-Heinz Bergmiller e a segunda de
Alexandre Wollner, ambos ex-alunos da HfG com formação básica no período
sob a direção de Max Bill (respectivamente em Produktform e Visuelle
Kommunikation)2.
Segundo o folheto de apresentação da escola carioca – em termos gráficos,
nitidamente calcado no boletim da HfG - a seção de “Desenho Industrial” estaria

2
Nascido na Alemanha em 1928, Bergmiller formou-se na HfG em 1958. Motivado, segundo ele,
pela imagem de um país em acelerado processo de industrialização - difundida no exterior pelo
Ministério das Relações Exteriores em paralelo à construção de Brasília - veio para o Brasil no ano
seguinte, com uma bolsa do governo brasileiro. Estabeleceu-se então em São Paulo, onde
desenvolveu seus primeiros projetos, até transferir-se para o Rio, em 1967. Já Alexandre Wollner
(n.1928) foi aluno da HfG entre 1954 e 1958, depois de ter estudado no IAC, em São Paulo. De
volta ao Brasil, constituiu – com Geraldo de Barros, Rubens Martins e Walter Macedo – o
forminform, núcleo profissional sediado em São Paulo e dedicado a projetos gráficos e de produto,
ao qual logo se juntou Bergmiller. Ambos integraram-se desde a primeira hora ao corpo docente
da Esdi. E deve-se notar que tanto Bergmiller quanto Wollner (assim como outros professores da
Esdi, como Edgard Decurtins, Décio Pignatari e Renina Katz) permaneceram por bom tempo na
ponte aérea Rio-São Paulo – fato que, por si só, já revela o grau de investimento pessoal e
institucional na escola.
67

voltada para a “criação e planejamento de objetos de uso doméstico, meios de


transporte, aparelhos e máquinas operacionais”, enquanto a de “Comunicação
Visual” visava “à criação e planejamento gráfico dos meios de comunicação
visual, tais como: diagramação de livros, jornais, revistas; exposições; embalagens
de produtos; sinalização urbana e visualização de empresas (papéis, marcas etc)”3.
Ou seja, se o departamento ulmiano de Information, essencialmente voltado para a
produção de textos para os meios de comunicação de massa, poderia
eventualmente ser absorvido pelo departamento de “Comunicação Visual”, com o
qual já na HfG encontrava-se interligado, tal não seria o caso do departamento
voltado para estudos específicos em arquitetura e construção, estes excluídos
como um todo do currículo da escola carioca. É inevitável suspeitar, por
conseguinte, que seja mais significativa do que em geral se supõe a ausência, na
Esdi, de um departamento ligado à arquitetura – o qual, na hierarquia interna da
HfG, disputava com o departamento de Visuelle Gestaltung, atrás apenas do
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departamento de Produktform4. Se não por outro motivo, na medida em que se


entrevê aí a intenção de fixar uma linha divisória entre práticas consideradas
interdependentes do próprio ponto de vista que norteou a fundação da Esdi.
Já em 1919, na primeira linha do manifesto de fundação da Bauhaus,
Gropius anunciara: Das Endziel aller bildnerischen Tätigkeit ist der Bau! (O fim
último de toda a atividade artística é a construção!) [fig.49] Evidentemente não se
pode ignorar a relação desse enunciado com as múltiplas implicações da noção de
“construção” no contexto mais amplo da cultura artística européia, todas
fundamentalmente ligadas a uma profunda reavaliação do modo de produção de
arte e do seu próprio estatuto na sociedade industrial. Porém interessa-nos antes
atentar para a origem arquitetônica do termo, que para Gropius jamais deverá ser
esquecida. Porque mesmo que um departamento especificamente dedicado à
arquitetura só tenha se efetivado na Bauhaus no período em que esta foi dirigida
por Hannes Meyer (1928-30), tal núcleo já havia sido prescrito por Gropius no
conhecido esquema concêntrico anexado aos estatutos da escola em 1922. [fig.46]

3
Secretaria de Educação e Cultura. Estado da Guanabara. Perfil da Esdi. 1964. Compare-se este
documento (cujo design gráfico é assinado por Alexandre Wollner) com a apresentação da HfG na
revista Ulm número 1 (out.1958), esta com design gráfico de Anthony Fröshaug.
4
Conforme a média de alunos por seção indicada por Curdes: “Produktform” (42 alunos/ano),
“Bauen” (28 alunos/ano), “Visuelle Kommunikation” (26 alunos/ano) e “Information” (5
alunos/ano). Curdes, G. Die Abteilung Bauen an der HfG.
68

Não deve surpreender, pois, que estudos arquitetônicos tenham sido desde
logo incluídos no programa ulmiano, onde inicialmente se contava com a
possibilidade de dar novo rendimento à concepção pedagógica de Gropius. E isso,
mesmo que justamente tal vinculação com a Bauhaus viesse a localizar-se no
ponto nevrálgico do dissenso interno culminante com o afastamento definitivo de
Max Bill da HfG e a reorientação do ensino ulmiano segundo critérios que
buscavam maior cientificidade, com ênfase nas disciplinas de metodologia,
análise matemática, teoria da informação, semiótica e ergonomia.
Entre as conseqüências da reorientação pela qual passou a HfG após a
saída de Bill estaria a eliminação do Grundlehre em 1961-62 (a partir de quando
passaria também a existir um quinto departamento, Film). Quanto ao
departamento de arquitetura, este, sob a coordenação de Herbert Ohl e depois de
Claude Schnaidt, passou a concentrar-se exclusivamente na construção
industrializada, por isso entendendo-se, essencialmente, a aplicação de métodos e
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processos industriais de produção ao campo da arquitetura segundo um raciocínio


projetual capaz de considerar todos os aspectos ligados ao caráter repetitivo da
produção industrial – tanto em termos formais quanto econômicos –, a produção
em larga escala e a racionalização dos procedimentos projetuais e construtivos. A
renomeação do departamento – de Arquitetura (Architektur) para Construção
(Bauen), e posteriormente Construção Industrializada (Industrialisiartes Bauen) –
foi estratégica nesse sentido: reforçou-se assim a especificidade da perspectiva
ulmiana, em sua contraposição a uma tradição que importava deixar para trás
junto com o próprio termo “arquitetura”, que na língua alemã dificilmente se livra
de uma conotação artística, como sinônimo de “arte da construção” (Baukunst).
Sobre isso, diz Herbert Ohl:
“nós não empregamos muito a palavra ‘arquitetura’; nós dizemos ‘construção’.
Com isto queremos dizer que a arquitetura não é senão a soma das atividades
envolvidas na construção, a conjunção de todos os pensamentos e decisões, de
todas as habilidades e produtos destas habilidades. Nós não dizemos apenas
‘construção’; nós dizemos ‘construção industrializada’. Isso me parece correto e
necessário como descrição da arquitetura, e conseqüentemente da construção,
num contexto estritamente contemporâneo. O arquiteto já deveria ter tomado
consciência há muito tempo de que o meio mais eficaz para a produção de
edifícios é a indústria com suas usinas, máquinas e processos de montagem, seus
materiais e formas materiais correspondentes, e que ele não é, em todo caso,
5
senão um membro desta indústria da construção.”

5
We don’t use the word ‘architecture’ very much; we say ‘building’. By this we mean that
architecture is nothing more than the sum total of the activity entailed in construcion, all thoughts
69

Ora, dentro de uma tal perspectiva, só se poderia mesmo banir do currículo


ulmiano a arquitetura convencional, e mesmo a de Le Corbusier, como lembra Otl
Aicher6 (na melhor das hipóteses, um projeto de Le Corbusier - a Res. Curutchet,
de 1949 - serviria tão-somente para exemplificar os problemas decorrentes da
ausência de método, ou mais especificamente, no caso, da análise sistemática das
relações entre os diferentes cômodos da casa, conforme se vê num dos exercícios
adotados por Anthony Fröshaug no Curso Fundamental, em 19597.) [fig.60] E na
expectativa de promover uma associação mais profícua com a indústria a solução
estaria em criar, sob a direção de Ohl, o Instituto para a Construção
Industrializada (Institut für industrialisertes Bauen), um dos assim chamados
grupos de desenvolvimento (Entwicklungsgruppe) que funcionaram em paralelo
aos cursos na escola, visando também torná-la menos dependente de subsídios.
Outro importante sinal de mudança dentro da HfG foi a criação, em 1958,
da oficina de plástico, que somou-se às oficinas de madeira, metal e cerâmica
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criadas por Max Bill. Admitiu-se assim colocar sob suspeita o peso dado por Bill
ao pressuposto da fidelidade aos materiais (Materialtreue), segundo o qual haveria
uma correlação a ser sustentada entre forma e matéria, ou entre matéria e espaço.
Material artificial por definição, o plástico significava naquele momento bem mais
que o avanço da química industrial: ele marcava a autonomização do processo de
produção com relação ao mundo da natureza, ou, por outras palavras, a
dissolvência do elo entre forma e matéria que na arquitetura de madeira, por
exemplo, permanecia de algum modo referido à tradição da carpintaria nórdica e
ao uso milenar desse material de construção, marcado pela sólida horizontalidade
da estrutura arquitravada e pelos entalhes e encaixes resultantes do trabalho com o
machado e a goiva (veja-se a Casa Sommerfeld, de Gropius, projeto de 1921 no

and decisions, all the skills and the product of those skills, all taken together. We don’t just say
‘building’; we say ‘industrialized building’. As a descritpion of architecture and thus of building,
in a strictly contemporary context, this seems to me to be right and necessary. The architect ought
to have realized long ago that buildings can best be produced by industry, with its factories,
machines and assembly processes, and with the materials and material forms that go with them;
and that, whatever happens, he is part of this construction industry. Extrato de uma conferência de
Herbert Ohl em Nova York, em 1961. apud Lindinger, H. Ulm Design. p. 202. Tradução nossa.
6
Aicher, Otl. “HfG Ulm: a concise history” apud: Jacob, Heiner. “HfG Ulm: A personal view of
an experiment in democracy and design education” in: Journal of Design History vol. 1 n.3-4,
1988. pp. 221-234.
7
ver Fröshaug, Anthony. Visuelle Methodik.
70

qual ainda se expressa a idéia de uma Urstoff , matéria por assim dizer originária
que caberia ao artista-arquiteto despertar da estagnação natural). [fig.48]
Não admira tenham convergido para a HfG, como professores ou
conferencistas, Konrad Wachsmann, Frei Otto, Buckminster Fuller, Bruce Martin,
Reyner Banham e Charles Eames, todos, de uma maneira ou outra, interessados
no aspecto da arquitetura nitidamente privilegiado na escola: a produção
industrial, com tudo que isso implicava em termos da renovação dos métodos
produtivos da arquitetura e da própria concepção de projeto (num processo que
incluía a liquidação da primazia do desenho na tradição acadêmica8). Que a
produção industrial foi a palavra-chave dentro do departamento de arquitetura
confirma-o, de todo modo, a relação dos trabalhos de conclusão de curso, pela
qual se vê que a maior parte deles foi desenvolvida, sob o estímulo de professores
como os já citados Wachsmann, Ohl e Martin, além de Claude Schnaidt, Michael
Leonhard, Werner Wirsing, Günter Schmitz e Rudolf Doernach, em torno dos
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temas da pré-fabricação, coordenação modular e projeto de elementos


construtivos9 - todos em conformidade com a ênfase dada na escola inteira aos
sistemas modulares, reportados a problemas dimensionais, por um lado, e ao
princípio da assemblage ou conexão dos elementos, por outro. [fig.51]

A importância assumida pelos arquitetos no quadro da HfG pode ser


deduzida, por sua vez, do próprio histórico da escola, a qual esteve quase metade

8
Ex-alunos da HfG costumam citar a forma de apresentação dos projetos, junto com o método de
trabalho, como aspectos mais marcantes no ensino da escola. Segundo depoimento da arquiteta Isa
Bisaggio, aluna da HfG entre set 1964 e mar 1965, a apresentação final dos trabalhos no
departamento de construção da HfG consistia num volume com texto datilografado (contendo uma
descrição minuciosa de todas as etapas do trabalho, do diagnóstico às alternativas seguidas,
pesquisa bibliográfica e justificativa), além de desenhos e de um protótipo produzido nas oficinas
da escola. Os desenhos eram extremamente sucintos, feitos em nanquim, e sendo os projetos
modulados, incluíam poucas indicações de cotas. Textos e desenhos eram apresentados em papel
branco, em geral no formato A4 (21x 29,7 cm), embora alguns alunos preferissem apresentá-los
em formato quadrado (21x21 cm) - o que era motivo de grandes discussões, por fugir aos formatos
definidos pelas normas técnicas alemãs (DIN). A importância secundária do desenho na HfG é
confirmada pelo arquiteto Günter Weimer, que foi aluno dos departamentos de Bauen e
Produktgestaltung entre 1965 e 67: segundo ele, em ambos o desenho era considerado apenas uma
complementação do modelo-protótipo, e uma vez que cabia a este reunir todas as informações
necessárias com relação ao projeto, não havia grande cobrança dos professores quanto à precisão
dos desenhos ou inclusão de especificações nos mesmos. Em muitos casos, as eventuais
dificuldades de expressão gráfica dos alunos eram simplesmente sanadas com montagens
fotográficas realizadas a partir dos protótipos construídos. Veja-se o projeto de Günter Weimer
para um compasso (professor Durandt), cujo desenho inclui pouquíssimas indicações e nenhuma
cota, por ser apresentado na escala 1:1 e acompanhado de protótipo. [fig.50] in: Weimer, G. Um
depoimento. p. 72.
9
Para uma relação dos temas dos trabalhos das diferentes disciplinas ver Curdes, Gerhard. Die
Abteilung Bauen an der HfG Ulm.pp.46-49
71

da sua existência sob a direção de arquitetos (Max Bill10 e Herbert Ohl). Além
disso, uma disposição de envolver a escola como um todo com problemas
intrínsecos à prática projetual da arquitetura revelou-se na condução do próprio
projeto de suas instalações, em que coube aos alunos desenvolver o projeto
executivo e o detalhamento do edifício da escola, como trabalho curricular
dirigido por Max Bill11. Evidentemente, tratava-se de reforçar a idéia bauhausiana
da escola como organismo social primário. Mas a preocupação em vincular os
alunos, de alguma maneira, à prancheta de Max Bill, revela também o lugar que
desde logo se abria para a arquitetura dentro da HfG.

Se tomarmos como parâmetro a escola ulmiana, portanto, não podemos


deixar de problematizar os limites dados à concepção de design que se tornou
dominante na Esdi, onde as relações com os arquitetos se mostraram bem mais
delicadas, quando não tensas. E isso, a despeito dos arquitetos terem sido
inicialmente maioria no Grupo de Trabalho instituído por Carlos Lacerda com o
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objetivo de “estudar, estabelecer e propor as bases para a criação do curso de


desenho industrial” no recém-criado Estado da Guanabara – o que resultaria na
criação da Esdi no ano seguinte. Dos cinco integrantes da composição original do
GT, como já dissemos, três eram arquitetos: Wladimir Alves de Souza (diretor da
Faculdade Nacional de Arquitetura), Maurício Roberto (presidente do Instituto de
Arquitetos do Brasil) e Sergio Bernardes. Buscava-se com isso o apoio de órgãos
de classe e instituições de prestígio no meio da arquitetura, sem abrir mão da
colaboração de alguns de seus maiores expoentes, dentre aqueles cuja prática
projetual mostrava maior convergência com a lógica industrial. De uma maneira
ou de outra, ocorreu todavia um desligamento gradual dos arquitetos com relação
ao projeto da escola. A começar por Sergio Bernardes, cuja presença no GT foi
rápida demais e não chegou a ter maior repercussão12. A ele se seguiu Affonso

10
Embora Max Bill não tenha obtido o título de arquiteto, fazia questão de apresentar-se como tal,
inclusive figurando assim na lista telefônica de Zurique, onde concentrou sua prática profissional.
Cf von Moos, Stanislaus. Max Bill. “A la búsqueda de la ‘cabaña primitiva” in: Gimmi, Karin
(ed). Max Bill.
11
Vale ressaltar que esse processo não envolveu apenas arquitetos ou alunos da seção “Bauen”. A
artista plástica brasileira Mary Vieira, por exemplo, acompanhou o desenvolvimento dos projetos
para a construção da HfG ainda no atelier de Max Bill em Zurique, no início dos anos 50, tendo
sido depois convidada por ele para colaborar na implantação da escola em Ulm. (Cf depoimento de
Almir Mavignier à autora, por email, em 01 de agosto de 2005).
12
O Grupo de Trabalho criado em 12.12.1961 pelo secretário de Educação e Cultura do Estado da
Guanabara, Carlos Flexa Ribeiro, era composto originalmente pelo professor Lamartine Oberg,
além dos arquitetos citados. Sergio Bernardes participa de uma reunião em 3.1.1962, e sua
72

Eduardo Reidy, que representou o MAM nas negociações iniciais visando a


implantação física da escola no museu e chegou a apresentar proposta de
adaptação de seu projeto arquitetônico para cumprir tal fim. Por sua vez, Alves de
Souza – de todos, o menos reconhecido por sua produção projetual, que incluía até
então o projeto vencedor (e não executado) para o concurso do edifício-sede do
Ministério da Fazenda e a casa de Raimundo de Castro Maya em Santa Teresa –
parece ter tido inicialmente voz ativa no GT, mas recuou, ao que parece, diante
dos empecilhos colocados à proposta de incorporar a nova escola à Faculdade de
Arquitetura, da qual era diretor. Já Maurício Roberto não só esteve à frente do
processo que levou à fundação da escola como projetou suas instalações e foi seu
primeiro diretor, mas logo deixou o cargo por opor-se à Lacerda quanto à
contratação do urbanista grego Konstantinos Doxiadis para realizar o plano de
desenvolvimento urbano do Rio de Janeiro, do qual trataremos mais adiante.

Que a contratação de arquitetos também esteve em pauta na Esdi


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depreende-se da consulta às atas de reuniões do GT ao longo do ano de 1962.


Cogitou-se, por exemplo, envolver Marcos Konder Netto como professor de
Perspectiva13, e foram também considerados Henrique Mindlin, Maurício
Nogueira Baptista, José Bina Fonyat e Sérgio Augusto Rocha. Num documento
anexado às atas de reunião do GT, esses nomes encontram-se elencados ao lado
de características pessoais e aspectos profissionais considerados qualidades e
“inconvenientes” de cada um. Sem meias palavras, o texto inclina-se por Nogueira
Baptista e Rocha, que apesar de serem “ainda desconhecidos”, supostamente
ofereciam a “chance de controlar o Instituto de Arquitetos do Brasil”, onde
respondiam então por cargos de direção14.
Por aí se vê como já se mostravam delicadas as relações da Esdi com o
meio de arquitetura local. Se havia sinais de resistências, contudo, ainda havia
quem acreditasse que poderiam ser vencidas. Como revela carta de Lamartine
Oberg a Maurício Roberto, de março de 1962, em que o primeiro sugere a criação
da Divisão de Desenho Industrial do IAB, apresentando como argumento a

renúncia é comunicada em reunião de 14.2.1962 (ou seja, no mesmo mês em que assume o cargo
de assessor de Lacerda para assuntos de arquitetura e urbanismo). ver atas de reunião do GT
(Arquivo Esdi)
13
ver ata de reunião do GT de 31.7.1962, à qual estiveram presentes Joseph Carrero, Wladimir
Alves de Souza, Lamartine Oberg e Maurício Roberto. (Arquivo Esdi)
14
Texto datilografado, de uma página, não datado e não assinado. (Arquivo Esdi)
73

necessidade de aproximação “entre o ‘industrial designer’ e o arquiteto”. A este


caberia, segundo Oberg, “a tarefa de exercer e zelar pelas atividades dos
‘industrial designers’, assim como “estudar a problemática de seu ensino e a
coordenação dos princípios e rumos que venha a tomar”15.
Nenhuma das conversações no sentido de incorporar a escola à FNA ou ao
Instituto de Arquitetos do Brasil seria de qualquer modo levada adiante. Que a
FNA fosse descartada como herdeira de um academicismo incompatível com o
espírito progressista que se queria associado à nova escola não é de espantar.
Afinal, mesmo entre os arquitetos experimentava-se como uma espécie de
frustração a conturbada passagem de Lucio Costa pela direção da Escola Nacional
de Belas Artes, em 1930-1, o que pode explicar a distância com relação ao ensino
mantida a partir de então por toda uma geração de arquitetos cariocas, entre os
quais estão Oscar Niemeyer e o próprio Lucio Costa. É possível, por outro lado,
que a auto-satisfação de que já vivia o meio de arquitetura no Brasil tenha
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contribuído para afastar desse ambiente, já tão institucionalizado, e por assim


dizer “viciado”, aqueles que faziam questão de caracterizar a escola nascente
como um território livre de experimentação, e tanto quanto possível, autônomo.
Sob o argumento de que as instituições existentes ligadas ao ensino da arquitetura
no Brasil fossem já “suficientes e de qualidade”16, dispensou-se, enfim, a criação
de mais um curso de arquitetura - mesmo que este pudesse ser pensado em novos
termos, a exemplo da HfG, e não como um desdobramento da Academia de Belas-
Artes (como no Rio de Janeiro) ou da Escola Politécnica (a exemplo de São
Paulo).
O fato é que a própria HfG nunca deu margem para ser tomada como mais
uma escola de arquitetura. Não tanto por se caracterizar como uma escola de pós-
graduação (como aliás toda a HfG17). Mas sobretudo porque, conforme ressaltava-
se numa brochura de 1958/5918, para a formação em arquitetura “um grande
número de escolas e universidades (encontrava-se) disponível no mundo todo”. O
argumento mais usado em favor da inclusão do ensino de arquitetura na HfG era a
inadequação dos métodos tradicionais de construção “às necessidades

15
carta de Lamartine Oberg a Maurício Roberto. Rio de Janeiro, 26 de março de 1962. (Arquivo
Esdi)
16
depoimento de Karl-Heinz Bergmiller à autora, por email, em 04 de setembro de 2005.
17
Condicionava-se a admissão de alunos à HfG a uma formação universitária anterior em design,
arquitetura ou áreas afins, ou treinamento equivalente na prática.
18
Hochscule für Gestaltung Ulm, 1958/59, brochura, HfG-Archiv
74

contemporâneas”. E esse argumento servia para justificar um programa de ensino


bastante enxuto que, seguindo a estratégia pedagógica bauhausiana, praticamente
excluía o ensino da História19 e constituía-se basicamente pelas disciplinas de
Projeto, Fisiologia Aplicada, Estática da Construção, Ciência dos Materiais e
Teoria da Produção. No mais, era um dos objetivos declarados da escola que o
departamento de Bauen trabalhasse “em estreita cooperação com o departamento
de Produkform”, segundo uma concepção de projeto a bem dizer ilimitada,
porque supostamente capaz de abarcar todo o Umwelt, o mundo-ambiente da vida
humana.
Um bom exemplo da didática do departamento de arquitetura da HfG é a
seqüência de exercícios apresentados por Günter Schmitz aos alunos iniciantes: os
“Fundamentos de Gestaltung para arquitetos” (Grundlagen der Gestaltung für
Architekten) baseavam-se no “uso lógico de redes planas ou espaciais” para
“incitar os alunos a trabalhar sua imaginação” e treiná-los para “tomar decisões
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racionais segundo uma metodologia de trabalho incluindo experimentos com


objetivos”20. [fig. 55-57] A partir da construção de redes geométricas, constituídas
por segmentos lineares e nós ou pontos de encontro, o aluno era levado a conceber
a forma em termos de uma estrutura evolutiva e proliferante, um sistema não-
direcional, acentrado e afocal definido por elementos manejáveis e articuláveis
entre si, em função de um programa combinatório de base matemática. A ordem
era chegar à constituição do que Max Bense chamou de “objeto construtivo”:
aquele objeto “produzido metodicamente ao cabo de muitos passos conscientes
de decisão”, e portanto fundamentalmente distinto do “objeto não-construtivo”,
“cujo ser provém de um ato não decomponível e não repetível”21. Ou seja, tratava-
se de racionalizar ao máximo a produção das formas, submetendo sua gênese a
um controle estético e funcional que não deixasse margem para o devaneio e a
criação intuitiva. E na verdade, evitava-se mesmo falar em forma – termo àquela

19
Cf currículo da escola de 1958-59, em que o ensino da História se restringia ao Curso
Fundamental, e no departamento de arquitetura não era mais que um seminário dividido em dois
anos, com carga horária total de 70 horas. Esse espaço decresce ainda mais depois da eliminação
do Curso Fundamental; em 1966-7, existe uma disciplina de “História da Construção e Crítica da
Arquitetura” no departamento de arquitetura, porém essa totaliza apenas 40 horas ao longo dos 4
anos de Curso. Ver Lindinger, H. Ulm Design. pp.280-283. Deve-se notar também que os estudos
históricos foram sempre vistos com grande reserva por Gropius, que temia pelo cerceamento da
criatividade dos alunos, sobretudo dos iniciantes. ver Gropius, W. Bauhaus. Novaarquitetura.
20
Schmitz, Günter. Grundlagen der Gestaltung für Architekten”.
21
Bense, Max. “Lygia Clark: Objetos variáveis”. in: Pequena Estética, p.219.
75

altura bastante desprestigiado na escola, como vimos. Nas palavras de Schmitz, o


que contava era o “problema da gestaltung da construção industrializada”.
Pretendia-se pôr assim em causa um procedimento projetual – ou melhor seria
dizer, construtivo - fundamentalmente aderente ao modo de produção da indústria,
em sua lógica processual. E isso, claro, só podia se dar a contrapelo da tradição
morfológica-naturalista perpetuada através das Academias de Arte.
Ao fixar-se no problema da formação, ou formatividade (Gestaltung), o
programa de exercícios de Schmitz não só conduzia a um rompimento com a
tradição da forma compositiva e a estabilidade da forma clássica, como
estabelecia a base de sustentação para a metodologia projetual treinada à exaustão
nos anos subseqüentes do Curso, e que consistia basicamente em definir o
problema a partir da análise de todos os seus dados e elementos, de modo a chegar
à elaboração racional de um gráfico que passava a constituir, segundo Claude
Schnaidt, “a primeira etapa de formalização (mise en forme) do projeto.”22 [fig.63]
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Por outras palavras, o método proposto – e considerado igualmente válido para o


projeto de um edifício, um cartaz ou um cinzeiro - consistia em proceder
sistematicamente mediante a decomposição do problema em diferentes níveis de
complexidade, ordenados de acordo com a importância relativa a eles atribuída.
Chegava-se então a um gráfico analítico, quase sempre representado visualmente
como uma “árvore” constituída de elementos variáveis e linhas de conexão
correspondentes às relações específicas entre tais variáveis. A questão, a essa
altura, passava a ser como realizar o processo de conversão de um diagrama
analítico em forma – ainda que nenhuma metodologia, nem mesmo a mais
sofisticada (como a apresentada por Christopher Alexander em seu livro Notes on
the synthesis of form, de 1964), fosse capaz de dar conta desse aspecto, conforme
reconheceu Gui Bonsiepe23.
Ora, que recepção uma tal concepção de forma haveria de encontrar num
meio que tanto valorizava a criação intuitiva, e no qual o ensino do projeto se
dava dentro de disciplinas de inequívoca origem acadêmica, como “Pequenas

22
“La formalisation des conditions de fonctionnement du logement est indispensable à l’analyse
matricielle des éléments du plan et à l’elaboration raisonnée de l’organigramme (graphe) qui
constitue la première étape de mise en forme du plan”. Schnaidt, C. Autrement dit. p. 694.
(Tradução nossa)
23
Bonsiepe, Gui, “Arabescos del racionalismo” in: Ulm 19-20, 1967.
76

composições” e “Grandes composições” de Arquitetura?24 Vejamos a crítica feita


por Joaquim Cardozo – poeta e calculista dileto de Oscar Niemeyer, atuante
também no âmbito do Sphan/Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
- à exposição da HfG montada no MAM em 1956: confessando-se
“profundamente decepcionado” diante de uma “sala quase vazia”, Cardozo fez
notar que, além de tudo, “a escola funciona num edifício sem graça arquitetônica
(...) segundo planta desenhada por mão pouco hábil”25. [fig.28-32] Faltaria a Max
Bill a habilidade para o desenho de Niemeyer? Provavelmente. No entanto, a
questão para a qual se deve atentar é como esse aspecto, que corre o risco de ser
tomado como mera inabilidade para o “desenho artístico” encontra-se, na verdade,
em estreita correspondência com a concepção de projeto de Bill. E nesse sentido,
as palavras de Joaquim Cardozo revelam o grau de estranhamento em relação a
toda uma tradição construtiva para a qual a linha traçada a mão livre, em sua
imprecisão, teria justamente de ser rebaixada em relação à linha traçada com o
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auxílio de instrumentos. Pois se era preciso retirar a arte do âmbito da expressão


individual, da mesma maneira que as técnicas industriais deviam servir como

24
Não obstante as mudanças curriculares instituídas no Curso de Arquitetura desde a reformulação
proposta por Lucio Costa em 1931, o ensino na Faculdade Nacional de Arquitetura (criada com a
separação do Curso de Arquitetura da Escola de Belas Artes, em 1945) manteve-se, ao longo dos
anos 1950 e 1960, nitidamente dentro da tradição acadêmica, preservando como espinha dorsal a
cadeira “Composição de Arquitetura”. Na verdade, as cadeiras de “Grandes Composições” e
“Pequenas Composições” de Arquitetura, ambas destinadas ao ensino do projeto, só foram
abolidas em 1969, quando foi instituído o sistema de créditos e criada a seqüência de
“Planejamento de Arquitetura” (desdobrada em oito períodos). Ainda assim, a ementa da
disciplina (apresentada por uma comissão sob a coordenação de Wladimir Alves de Souza), sugere
que as alterações talvez não fossem tão profundas: visava-se ao “estímulo às aptidões e
desenvolvimento da capacidade criadora (...) através de composições progressivas em
complexidade e importância” (e cabe lembrar que a denominação de “Composição” foi recuperada
recentemente para a primeira disciplina de projeto). Pode-se em todo caso bem avaliar o quanto a
escola era pautada, nos anos 60, pelas diretrizes acadêmicas examinando o programa das
disciplinas ministradas em 1967: no primeiro ano do curso, a disciplina de “Arquitetura analítica”
discutia “a situação da Arquitetura entre as Belas-Artes” e introduzia os alunos aos conceitos de
ordem, simetria, ritmo, proporção e à gramática dos traçados reguladores, enquanto na disciplina
de “Desenho Analítico” destacava-se a “importância do desenho para a composição de
arquitetura”, e as “leis de composição”. Já a disciplina de “Modelagem” centrava-se na
representação - em madeira, gesso e argila - “de elementos característicos dos grandes períodos
arquitetônicos”: grego, bizantino, romano, românico, gótico, renascimento e barroco. Ministrado
no 2º e 3º anos, o ensino de “Composições de Arquitetura” – primeira etapa do ensino de projeto,
que precedia a cadeira de “Grandes Composições de Arquitetura”, ministrada nos dois anos
subseqüentes - visava à formação do profissional através do “desenvolvimento do senso de
proporção e do sentimento da plástica arquitetônica”, dando grande ênfase a exercícios de
representação. “E mesmo a cadeira de “sistemas estruturais”, oferecida no último ano e entendida
como “coroamento das cadeiras técnicas de construção” tomava por base trabalhos de
“composição estrutural”, divididos em “composição elementar” (escadas, balcões etc) e
“composição superior” (edifícios, viadutos, monumentos etc). ver Sanches, Maria Ligia Fortes.
Construções de Paulo Ferreira Santos e FAU-UFRJ, Programas das disciplinas de 1967.
25
Cardozo, Joaquim. Escola de Desenho de Ulm.
77

corretivo da arbitrariedade do “feito a mão”, o esquadro/lâmina deveria servir para


livrar a arte de uma gestualidade tornada intolerável – como se assim a forma
artística pudesse, enfim, ser imunizada contra um lirismo considerado
incompatível com a sociedade industrial. Para usar termos cabralinos26,
poderíamos dizer que a planta de Max Bill aproximar-se-ia do corte seco do
“lápis-bisturi” de Mondrian, em seu esforço por vencer a “mão-direita, demasiado
sábia”, que tinha seu correlato mais evidente, no caso, na “artisticidade” do traço
niemeyeriano. De certo modo, é como se aí se recolocasse o problema que,
lembra-nos Argan, permanece no horizonte da cultura artística moderna, mesmo
em seus extremos: a relação entre o mundo da arte e o mundo da produção
industrial.
Resistências dessa ordem não impediriam, contudo, que no meio carioca
fossem emergindo, aqui e ali, sinais de uma disposição de redefinir as diretrizes
pelas quais se pautara até então a arquitetura moderna no Rio de Janeiro. Cabe
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destacar, nesse sentido, o papel assumido pela revista Arquitetura, órgão oficial
do IAB-GB criado na gestão de Maurício Roberto, que acabou por se constituir
num importante canal de veiculação das idéias que deram molde à Esdi27. Um mês
após a instituição da escola, a revista publicava seu decreto de criação e uma
reportagem de duas páginas saudando a realização de “um velho sonho de
arquitetos” 28. Três meses depois, a mesma revista apresentava o calendário da
escola, seus critérios de admissão e estrutura curricular.29 E logo mais surgiria aí
uma série de reportagens intitulada “Arquitetura e Desenho Industrial”30, assinada
pelo arquiteto Flávio Marinho Rego, que defendeu “o caráter polimorfo da
profissão de arquiteto” e ressaltou a “necessidade dos arquitetos participarem
ativamente nas pesquisas e autoria de desenho industrial.”

26
Melo Neto, João Cabral. “O sim contra o sim” in: Serial e antes. p.286-8.
27
O Conselho de Redação da edição de agosto de 1963, quando têm início as aulas na Esdi, inclui
os arquitetos Maurício Roberto, Affonso E. Reidy, Henrique Mindlin e Marcos Konder Netto. O
redator-chefe é Maurício Nogueira Batista e o secretário, Alfredo Britto. Nota-se uma coincidência
com relação a alguns dos nomes que haviam estado direta ou indiretamente envolvidos com o GT
de que resultou a Esdi.
28
Decreto número 1443, de 26 de dezembro de 1962. in Arquitetura” número 7, janeiro de 1963.
Na mesma edição, veja-se também “Objeto Estético vai se tornar Utilidade”, pp.29-30.
29
“Desenho Industrial na GB” in: Arquitetura, abril de 1963, pp.22-24.
30
Arquitetura número 16 (outubro de 1963); número 21 (março de 1964); e número 22 (abril de
1964).
78

Tudo leva a crer que tenha sido por influência de Goebel Weyne31,
professor da Esdi e responsável pela reforma gráfica da revista, que a escola
acabou ganhando espaço também na Módulo, publicação fundada e dirigida por
Oscar Niemeyer, cujo primeiro número, surgido em 1955, ainda se ocupara de
contra-atacar Max Bill, descrevendo-o como “essencialmente um engenheiro e
matemático”, de quem “nada se conhece no Brasil, a não ser pequenos e
inexpressivos projetos.”32 Já no mês seguinte à inauguração da Esdi, no entanto, a
revista publicou um texto de Flávio de Aquino sobre a escola, com fotos de
Goebel Weyne semelhantes às imagens da HfG que circulavam pelo mundo nas
exposições e publicações da escola, enfatizando o ascetismo dos seus espaços, a
disciplina reinante e o ambiente produtivo criado a partir de uma relação mais
horizontal entre professor e aluno33. Na verdade, a Módulo contribuiu para
disseminar a disciplina ulmiana no meio da arquitetura mesmo antes da criação da
Esdi. Em dezembro de 1959, a revista publicou uma proposta de Otl Aicher para
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um jardim em Brasília, definido por uma malha hexagonal34. [fig.71] E em abril


de 1960 – i.e., no próprio mês da inauguração da capital – a mesma revista
dedicou três páginas à publicação do primeiro projeto de Bergmiller no Brasil: um
espelho com luz desenvolvido para a indústria nacional (D.F. Vasconcellos) pelo
“forminform”, que se apresentava então como “estúdio para industrial design
(forma do produto – comunicação visual)”, com o objetivo de “contribuir para a
civilização do nosso ambiente”. A publicação incluiu três fotos do protótipo e
nenhum desenho; preferiu-se dar ênfase, em vez disso, ao método de trabalho,
mediante o qual procurava-se “eliminar o mais possível os sentimentos
individuais (...) de modo que – e neste ponto a citação de Max Bill era explícita –
31
Gustavo Goebel Weyne Rodrigues, natural de Fortaleza (n.1933) freqüentou informalmente o
IAC do MASP, em São Paulo, e esteve à frente do grupo concretista do Ceará (que incluiu, entre
outros, o arquiteto Liberal de Castro), nos anos 50. Em 1952, exerceu como “desenhista” o design
gráfico da revista “Atualidades odontológicas”, editada em São Paulo (redator-chefe: Fúlvio
Abramo), e entre 1955 e 1959 foi responsável pelo design do jornal “Diários Associados”, de
Fortaleza. Transferiu-se para o Rio de Janeiro em 1959, a fim de seguir o curso de Comunicação
Visual ministrado por Otl Aicher e Tomás Maldonado no MAM, e logo sucedeu Arthur Lício
Pontual no design da revista Módulo. Seu interesse pela HfG levou-o a candidatar-se a uma vaga
na escola, na qual foi admitido, embora não tenha chegado a inscrever-se como aluno.
Paralelamente à Módulo, assinou o design gráfico do jornal Hoje, do Partido Comunista, editado
por apenas alguns meses em 1960.
32
“Criticada a arquitetura brasileira. Rica demais – dizem” in: Módulo 1, março de 1955, p.46.
33
Aquino, Flavio de. “Escola Superior de Desenho Industrial” in: Módulo, agosto 1963, pp.32-35
34
Aicher, Otl. “Jardim em Brasília” in: Módulo 16, dez 1959, pp. 4-6. Segundo Goebel Weyne, a
proposta foi encaminhada em carta a Lucio Costa por intermédio de sua filha Maria Elisa, que
também freqüentava o Curso de Aicher e Maldonado no MAM. (Cf depoimento de G.Weyne à
autora, em 12.dez.2007)
79

a forma do objeto não [fosse] expressão das características do autor, mas das
características do próprio problema”35.
Ao mesmo tempo, o próprio projeto gráfico da Módulo - implantado a
partir do número 15, de outubro de 1959 [fig.68] – mostrava-se afinado com a
disciplina ulmiana. Depois de ter sido adotada como tema de trabalho de Wollner
na HfG, a revista foi objeto de estudo de Goebel Weyne no curso de Comunicação
Visual ministrado por Otl Aicher e Tomás Maldonado no MAM, em 195936, e não
por acaso, passou a apresentar sinais claros da influência do design ulmiano: entre
outras mudanças, a publicação passou a ter formato mais enxuto (23,5 x 29 cm,
em vez de 26 x 32 cm) e a trazer, nos títulos, a mesma fonte tipográfica sem serifa
cultuada na HfG (a Futura, projetada por Paul Renner37). Além disso, introduziu-
se um grid modular, constituído, no caso, por 12 quadrados (3 colunas de 4
quadrados cada), que passou a ordenar a disposição de todos os elementos
gráficos na página (textos, desenhos e fotos).
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O papel desempenhado pelas duas revistas especializadas de maior


penetração no meio carioca de arquitetura, somado à inclusão de arquitetos no GT
e mesmo na primeira turma da Esdi38, não foi contudo suficiente para alargar a
presença de arquitetos no corpo docente da escola. Embora fosse arquiteto de
formação, Flávio de Aquino, substituto de Roberto na direção da Esdi (e em 1953,
entrevistador de Max Bill para a revista Manchete), atuava primordialmente como
crítico e professor de história da arte. E Francisco Bologna, que assinou a ata de
fundação da escola, não chegou a exercer atividade docente na mesma (na
verdade, sua presença na cerimônia de inauguração da escola não pode ser
desvinculada da função que então exercia na Secretaria de Educação de Lacerda,

35
“Desenho industrial” in: Módulo 17, abr 1960, pp.50-52.
36
O curso realizou-se entre 20 de agosto e 15 de setembro de 1959, e foi dividido em parte teórica
(a cargo de Maldonado) e parte prática (a cargo de Aicher), com turmas de 100 e 30 alunos,
respectivamente. Segundo Goebel Weyne, frequentaram o curso de Aicher, entre outros, Lygia
Pape, Fernando Campos, Rubens Martins, Maurício Vinhas de Queiroz e os arquitetos Yedda
Pitanguy, Maria Elisa Costa e Lauro Paraíso (segundo depoimento de Goebel Weyne à autora, em
12.dez. 2007). ver, sobre o curso, Mauricio, Jayme. Elementos de comunicação visual”.
37
Paul Renner, tipógrafo alemão associado à DWB, projetou a fonte tipográfica Futura em 1925-
7. Baseada em princípios geométricos, a Futura tornou-se a mais popular das fontes sem serifa, e
foi utilizada extensivamente na HfG e na Esdi.
38
A primeira turma da Esdi contou com 3 arquitetos – um deles era Claudius Ceccon, que se
tornou mais conhecido posteriormente como chargista, e outro era Theodor Wu, que trabalhou
com Sergio Bernardes e depois emigrou para os Estados Unidos. Segundo depoimento de
Bergmiller à autora, por email, em 22.set.2005.
80

onde encontrava-se envolvido com a definição de uma tipologia de edifícios


escolares a serem multiplicados por todo o Rio de Janeiro).
Entre os professores da escola em seu primeiro decênio contam-se apenas
dois arquitetos brasileiros ligados à prática projetual: Arthur Lício Pontual e Daisy
Igel. Ambos ali estiveram regularmente por apenas dois anos; Pontual em 1967-69
como professor de Desenvolvimento de Projeto da seção de Desenho Industrial,
Igel em 1966-7 como professora de Metodologia Visual, disciplina do Curso
Fundamental. Pontual era próximo de pelo menos três professores integrados
desde a primeira hora a Esdi: com Goebel Weyne – professor de Análise gráfica –
havia assinado o então chamado lay-out dos dois primeiros números (15 e 16) que
caracterizaram a reforma gráfica da Módulo, e alguns outros projetos gráficos
claramente vinculados ao léxico visual concreto, como o planejamento da
exposição e catálogo da casa pré-fabricada de Sergio Rodrigues (montada nos
jardins do MAM em 196039) e uma série de selos comemorativos da inauguração
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de Brasília (1960), respectivamente em parceria com o arquiteto Marcos


Vasconcellos e Aloisio Magalhães. [figs.72 a 78] Além disso, Magalhães e Luis
Fernando Noronha haviam sido sócios de Pontual no escritório
Magalhães+Noronha+Pontual (M+N+P), fundado em 1960, onde, segundo
Pontual, “se intentava realizar gráfica, desenho industrial e arquitetura como um
todo”40. Deve-se ter em mente que esse perfil de escritório era único e sem
precedentes no Brasil. Não havia outra experiência nesses termos nem mesmo em
São Paulo, onde surgiram mais ou menos à mesma época outros núcleos
profissionais destinados a projetos gráficos e de produtos, que no entanto não
incluíam a arquitetura – refiro-me ao forminform (criado em 1958 por Wollner,
Geraldo de Barros, Rubens Martins e Walter Macedo e a partir de 1959 integrado
por Bergmiller) e ao escritório dos arquitetos João Carlos Cauduro e Ludovico
Martino, constituído em 1964.
No M+N+P, Pontual era o único com formação universitária na área de
projeto – Magalhães era formado em Direito, e Noronha, técnico em edificações
pela Escola Técnica. A experiência conjunta dos três é breve, já que Pontual
assume em 1962 a direção de arquitetura da Cobe/Companhia Brasileira de

39
O catálogo mostra clara ligação com as pesquisas plásticas da vertente construtiva no Brasil,
com ênfase na investigação da geometria do quadrado - o que produz uma capa muito próxima de
certos trabalhos de Lygia Clark e Willys de Castro. ver MAM-RJ. Casa individual pré-fabricada.
40
Pontual, Arthur Lício. Influências.
81

Estruturas e acaba desligando-se do escritório, pouco antes que Noronha. Mas a


produção do M+N+P é relativamente fértil (são dessa época, por exemplo, os
logotipos da Cobe, da Petite Galerie e da editora Delta, a Residência Renaux, em
Santa Catarina, e uma exposição itinerante de arquitetura brasileira, destinada a
Europa central e oriental41). [figs. 87 e 88] Além disso, a passagem pelo escritório
(em 1961) de alguém como Max Bense, àquela altura tão em evidência como um
dos teóricos principais da arte concreta, permite supor o quanto ele já se destacava
no ambiente carioca no período imediatamente anterior à inauguração da Esdi.
A relação de Pontual com Aloísio Magalhães vinha do Recife, onde o
primeiro, ainda estudante de arquitetura, tivera escritório (com Glauco Campello e
Jorge Martins Júnior) no mesmo casarão ocupado pelo Gráfico Amador (misto de
oficina gráfica e editora conduzida por Magalhães, Gastão de Holanda, Orlando
da Costa Ferreira e José Laurenio de Mello). Mas foi no Rio, e ainda como
estudante, que Pontual inseriu-se no campo de operação do design: em fevereiro
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de 1957 assumiu o lay-out da revista Módulo e em seguida dedicou-se, como


funcionário da recém-criada Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil
(Novacap)42, ao projeto e montagem de uma exposição itinerante sobre Brasília
que foi inaugurada no Ministério da Educação em janeiro de 1958 e remontada
nesse mesmo ano em vários países, dentro do programa de promoção da
arquitetura brasileira levado a cabo pela Divisão Cultural do Itamaraty. [figs. 80 a
83]
Segundo o próprio Pontual, foi essa experiência que definiu seu “interesse
pelo problema do desenho industrial.”43 Também em 1958, Pontual trabalhou no
projeto expositivo do Pavilhão do Brasil em Bruxelas, de Sergio Bernardes44.
[fig.79] E logo o problema da montagem de exposições - muito em voga na época

41
exposição organizada pelo Ministério das Relações Exteriores, constituída de 90 fotos de Marcel
Gautherot e Michel Aertsens. ver “Arquitetura brasileira na Europa” in: Módulo 32, abril de 1963,
pp. 60-61.
42
criada em setembro de 1956, com sede em Brasília e escritório no Rio, sob a presidência de
Israel Pinheiro da Silva.
43
Pontual, A.L. “Influências”.
44
Nessa exposição, realizada de maio a setembro de 1958, Pontual aparece como assistente de
João Maria dos Santos. Seguem-se montagens em Genebra (maio), Londres (junho, na Galeria de
Arte Contemporânea), Munique (julho) e Paris (novembro, no edifício da Unesco) – todas
projetadas e montadas por Pontual. Simultaneamente, o Itamaraty manteve mais duas exposições
itinerantes sobre arquitetura brasileira no exterior – uma delas projetada por Mary Vieira, em
1957, para a Interbau de Berlim. Ver Módulo 12, fev. 1959, pp.38-43.
82

e estudado à exaustão em Ulm45 - revelou-se, para ele, verdadeiro exercício de


aprendizagem da lógica industrial: face ao caráter itinerante da mostra, era forçoso
pensar em termos de elementos com dimensões estandardizadas, passíveis de
serem combinados de diversas maneiras, de acordo com o espaço disponível, e
que pudessem facilitar as operações de montagem e desmontagem em tempo
reduzido, o transporte e a reutilização do material. Também era preciso programar
os painéis expositivos de modo que fosse possível assegurar a legibilidade dos
projetos apresentados e ao mesmo tempo comunicar a força e o potencial de um
país capaz de avançar “50 anos em 5”, conforme prometia o presidente
Kubitschek. Por mais que a grade dos painéis estivesse ainda visivelmente presa à
referência das composições de Mondrian, o projeto de Pontual, ao que parece,
surtiu efeito: de acordo com Lucio Costa, até Marcel Breuer – ex-professor da
Bauhaus e autor do projeto do edifício da Unesco, onde a exposição foi montada
em Paris - mostrou-se impressionado com “o apuro e engenho da apresentação” 46.
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Muito mais que a Faculdade Nacional de Arquitetura – descrita por


Pontual como um “fracasso”, com professores “defasados e alienados” e um
programa de ensino comparável ao “estatuto de um museu”47 – foram essas
experiências iniciais com trabalhos gráficos, além da convivência direta com o
meio em estruturação do design que fundamentaram sua concepção de projeto.
Pontual não demorou a enxergar no design gráfico “atitudes de pré-fabricação
para a arquitetura”48, e negou-se a reconhecer limite entre arquitetura e design.
Por isso mesmo, sua obra compreende sem distinções todas as escalas de projeto
do mundo-ambiente – o projeto de um selo, um logotipo (Loja do Bom Desenho,
1963) [fig.86], um faqueiro49, uma cadeira (Poltrona Pontual, 196350) [fig.84],

45
Veja-se o livro Austellungen (1961), organizado pelo arquiteto Klaus Franck, ex-aluno da HfG.
E, no Brasil, o sistema de exposição itinerante projetado em 1960 para a Sursan/Superintendência
de Urbanização e Saneamento do Rio de Janeiro, pela arquiteta Yedda Pitanguy, que fôra aluna da
HfG entre 1956 e 1958, e do curso de Otl Aicher no MAM, em 1959. “Exposição Sursan” in:
Módulo 21, dez 1960, pp.13-15.
46
Costa, Lucio. Arthur Licio Pontual.
47
Pontual, A.L. “Influências”. À visão negativa de Pontual com relação ao ensino da FNA pode
ser atribuída sua demora em graduar-se: tendo ingressado na escola em 1955 (ano em que se
transfere de Recife para o Rio de Janeiro), só conclui o curso em 1962 (ou seja, nove anos após ter
ingressado na faculdade de arquitetura, ainda em Recife).
48
Ibid.
49
Faqueiro metálico, projetado em parceria com o arquiteto britânico e também professor da Esdi
Norman Westwater, cujo protótipo foi produzido nas oficinas da Esdi. O projeto recebeu menção
honrosa em concurso na Inglaterra, mas não chegou a entrar em linha de produção. (Cf
depoimento de Teresa Pontual à autora, em 26.ou.2007)
83

uma casa (Res. Fracalanza, 196451) [fig.92] ou um edifício de grandes dimensões


e programa complexo (Rio Othon Palace, 1967-852) [fig.94]. E se não chega a
desenvolver projetos de cidades, nem por isso deixa de operar na escala urbana,
por vezes com intervenções desafiadoras como as torres dos edifícios
Mal.Deodoro da Fonseca (1969) [fig.93] e White Martins (1972-75), ambas
erguidas em contraste com o casario existente no entorno imediato53.
O interesse fundamental de Pontual está, sem dúvida, em atuar na esfera
alargada do projeto construtivo. E sendo assim, já não cabe sequer designar uma
cadeira como equipamento da casa, à maneira de Le Corbusier; em alguns
momentos (Res. D’Ecclesia, 1969), a impressão que se tem é a de que o trabalho
de Pontual está mais para o caminho seguido por Peter e Alison Smithson (House
of the Future, 1955-6), em que a própria noção de mobiliário tende a ser revista,
na medida em que este se funde com paredes e pisos, conferindo uma estrutura
contínua à casa. Reivindica-se, no fundo, o mesmo estatuto para ambos - cadeira e
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casa - como objetos projetados e construídos segundo uma lógica rigorosamente


única a estender-se, no dizer de Max Bill, “da colher à cidade”.
Tomemos, por exemplo, os projetos da série de selos de Brasília (com
Goebel Weyne e Aloísio Magallhães, 1960) [fig.72] e do edifício-sede da Shell,
em Botafogo (1967) [fig.91]: sem embargo da diferença de escala, ambos se
definem a partir de uma noção de estrutura como sistema de relações entre
elementos que se articulam e se auto-regulam no interior de um grid, i.e., uma
grade ou malha reticulada claramente identificada com a matriz por excelência da
projetística ulmiana. No caso do selo, tal raciocínio estrutural resulta na definição
de uma grade constituída de três campos, no selo vertical, e seis, no horizontal;
isso permite controlar e ordenar os elementos de ilustração (desenhos
esquemáticos com base na linha de contorno dos principais ícones arquitetônicos

50
Projeto em colaboração com Ricardo Cruz, Davino Pontual e Arlindo Facioli, primeiro lugar no
Prêmio Cinqüentenário Brafor/Brasileira Fornecedora Escolar em 1963. ver Arquitetura número 6,
dez 1962, pp.26-28.
51
Projeto com Carlos João Juppa, premiado pelo IAB em 1964. ver Arquitetura, n. 32, fev 1965
52
Projeto desenvolvido após sua morte por Davino Pontual, Paulo de Souza Pires, Sergio Porto e
Flávio Ferreira. Ver Xavier, Alberto et al. Arquitetura moderna no Rio de Janeiro. p. 140.
53
O projeto do edifício da White Martins, na rua Mayrink Veiga (Centro), motivou o tombamento,
pelo IPHAN, de fachada remanescente de sobrado do século XIX, a qual foi integrada à torre de
31 pavimentos que se ergue sobre ela. O projeto foi desenvolvido pela equipe da Pontual
Associados após o falecimento de Arthur Lício Pontual, em 1972. Já o projeto do edifício
residencial Mal.Deodoro da Fonseca, com seus 26 pavimentos, rompe deliberadamente com a
escala do casario da rua onde se situa, caracterizada por um conjunto de palacetes ecléticos (rua D.
Mariana, em Botafogo).
84

de Brasília) e texto (sempre alinhado pela esquerda e composto na família


tipográfica Futura54), mantendo-se a relação com o formato-padrão dos Correios
(40 x 20 mm, mais a margem picotada). Já no edifício, a modulação adotada em
planta (1,5x1,5 m) é determinante tanto para a distribuição das vigas e pilares
quanto para a disposição de toda a rede de instalações (eletricidade, ar
condicionado etc) - e o grau de interdependência entre ambas apenas confirma
como a noção de estrutura de Pontual diz respeito menos a uma definição
tradicionalmente ligada a condicionamentos estáticos (i.e., à relação entre forças
aplicadas e resistência dos materiais construtivos), que com um princípio
formativo baseado num sentido ordenador que compreende e coordena o projeto
como um todo.
De resto, à diferença do extremismo ulmiano, o entusiasmo de Arthur
Lício Pontual pela perspectiva industrial não subentende um apego maior por
materiais industriais, ou mesmo por sistemas pré-fabricados. É verdade que sua
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aposta na progressiva industrialização do país acaba por distingui-lo, no quadro da


arquitetura dos anos 60, como alguém que “antevê o arquiteto projetando por
catálogo”55 – i.e., a partir da escolha e especificação de produtos existentes no
mercado, como quem seleciona e adquire mercadorias nas prateleiras de um
supermercado. E também deve ser dito que, quando considera necessário, Pontual
se dispõe a interferir na produção industrial, por vezes pressionando grandes
indústrias para aprimorar seus produtos (caso do vaso sanitário fabricado pela
Celite, cujo perfil foi ajustado ao projeto do edifício Mal. Deodoro da Fonseca, de
modo a permitir sua instalação rente à parede56). [fig. 93] Mas se encontramos em
sua obra lajes pré-fabricadas, elementos pré-moldados de concreto e telhas de
fibrocimento, não é menos freqüente o tijolo aparente, por exemplo (Res. na Rua
Joaquim Campos Porto, 1970, e edifício-sede da Datamec, 1972 – este, com
sinalização de Goebel Weyne) [fig. 95 a 97]. Do mesmo modo, ao projetar três
casas contíguas para uma só família numa praia quase deserta, Pontual usa
materiais e mão-de-obra locais (telhas cerâmicas, alvenaria caiada, esquadrias de

54
As pequenas variações na morfologia dos tipos – compare-se o número zero da data e do preço
do selo no qual figura a torre de TV - devem-se, segundo Goebel Weyne, às dificuldades
encontradas na produção dos tipos pela Latt-mayer, única firma no Rio de Janeiro que fornecia
provas de composição de texto para arte-final de material impresso. (depoimento de Goebel
Weyne à autora, por email, em 25.10.2007).
55
cf Desenho industrial: tomada de consciência.
56
Cf depoimento de Davino Pontual à autora, em 05.nov.2007.
85

madeira) sem abrir mão da modulação e da lógica combinatória que ordena todo o
projeto e garante as semelhanças, tanto quanto as variações entre as casas57. [fig.
89-90] Sem dúvida encontramo-nos diante de um projeto sensível à noção
ulmiana de estrutura como um princípio de organização que, sendo invariante,
todavia admite um número elevado de decisões (e portanto, de variações).
Sustenta-se um mesmo princípio ordenador – e já podemos dizer, estrutural – que
assegura a idéia de unidade da forma, ainda que submetendo-a a um jogo de
diferentes combinações ao qual, no caso, incorpora-se a cor como mais um
elemento de diversificação. E nesse sentido, o projeto revela-se mais próximo das
primeiras pesquisas de Max Bill (veja-se, em especial, suas Quinze variações
sobre um mesmo tema, de 1934-8 [fig.45]) que da ortodoxia concretista e sua
orientação pró-banimento da cor. Num certo sentido Pontual age um pouco como
faz Sergio Camargo na escultura: ao mesmo tempo firma e nega o sistema severo
da escola de Ulm como quem procura forçar seus limites, nele injetando uma dose
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de imprevisibilidade que impede o esgotamento para o qual tende a dinâmica


gestáltica, postulante de uma experiência objetiva da forma. E nada é mais
significativo nesse sentido que as sutis aberturas ao incontrolável da luz, que o
tempo todo desafiam o pressuposto da obra como estrutura fechada em si mesma,
ao propor uma experiência sensível, corpórea, subsumida no “duplo movimento
que está longe de ser apenas óptico: o de velamento e desvelamento da
estrutura”58.
Entenda-se bem: o que está em jogo, no caso, é uma compreensão bastante
singular, no meio de arquitetura carioca, das premissas básicas do projeto
construtivo. E isso explica o reconhecimento de Pontual, surpreendentemente ou
não, mesmo por Lucio Costa, que nele chegou a ver “um dos primeiros a romper,
de certo modo, com os tabus estilísticos da arquitetura brasileira dos anos 40”59.
[fig.98] É verdade que a declaração de Lucio Costa é de 1972, ou seja, data de
cerca de duas décadas depois da contenda com Max Bill, e pertence a um
momento em que a atividade do design como projeto industrial já encontra-se
razoavelmente sedimentada no Brasil, em grande parte graças à ação concertada
da própria Esdi e do IDI/Instituto de Desenho Industrial, uma espécie de extensão

57
Projeto em colaboração com seu irmão Davino Pontual. ver Três casas em Búzios.
58
Brito, Ronaldo. “A ordem e a loucura da ordem”. In: Experiência crítica. p.311.
59
Lucio Costa. Arhur Licio Pontual.
86

da escola no MAM, com Bergmiller e Weyne à frente60. Mas, ao fim e ao cabo,


não é à toa que Pontual significava, na visão de Lucio Costa, uma “produção
arquitetônica em bases menos pessoais (...), sem perda contudo do calor humano”.
Sem deixar de comprometer-se com a lógica racional construtiva, há algo em
Pontual que escapa ao rigor da produção ulmiana – caso contrário, como
poderíamos definir a margem à improvisação que encontramos nas casas de
Búzios, por exemplo? Ao mesmo tempo, mantém-se em vista uma unidade
perfeita entre o método didático, o sistema produtivo e a realidade do mercado, e
esse tripé explica a atuação de Pontual, para além do escritório, numa escola de
design (a Esdi), numa construtora (a Cobe) e numa loja - a Loja do Bom Desenho,
criada pelo próprio arquiteto com o objetivo de comercializar “equipamentos de
interior, utensílios e mobiliário (...) escolhidos na produção nacional pelas
características de utilidades para a casa, forma e função – bom desenho”61. Todas
essas iniciativas afinal se somavam num esforço até certo ponto comum – e que já
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não podia ser ignorado - de criar condições para a estruturação de um novo


pensamento projetual no Brasil (e não há como deixar de notar a quase
simultaneidade da criação da Esdi, da inauguração da Loja do Bom Desenho e da
fundação da ABDI/Associação Brasileira de Desenho Industrial – esta, sediada em
São Paulo)62.
Além de Pontual, a Esdi também teve em seu corpo docente o arquiteto
suíço Paul Edgard Decurtins, formado na HfG em 1960 com um projeto orientado

60
O IDI/Instituto de Desenho Industrial foi instalado no bloco-escola do MAM no período em que
o museu esteve sob a direção de Maurício Roberto, e sua primera atividade foi a realização, em
1968, da Bienal Internacional de Desenho Industrial (organizada pelo Ministério das Relações
Exteriores, MAM, Esdi, ABDI, Fundação Bienal de São Paulo e Confederação Nacional da
Indústria), da qual Pontual participou como expositor, com Norman Westwater. Além de realizar
exposições, o IDI destacou-se por suas pesquisas de embalagens e de mobiliário escolar: nos anos
70, criou um “Manual para Planejamento de Embalagens” que tornou-se referência no meio, e
desenvolveu projeto de sistemas de mobiliário para a Conesp/Companhia de Construções
Escolares do Estado de São Paulo (que tinha à frente, na época, o arquiteto carioca João Honório
de Mello Filho, responsável pela implementação de um amplo programa escolar com base no
projeto por catálogo, a partir de componentes industrializados).
61
Cf anúncio na revista “Arquitetura” 76, outubro de 1968. A loja foi um empreendimento
conjunto com o engenheiro Fábio Ribeiro de Oliveira. Foi aberta na rua Visconde de Pirajá,
Ipanema, e seu projeto recebeu menção honrosa na II Premiação do IAB-GB. Hoje a loja encontra-
se instalada no Jardim Botânico, sob a direção de Teresa Pontual, irmã do arquiteto e ex-aluna da
Esdi (ver Arquitetura número 32, fev. 1965, pp.18-19)
62
A Esdi foi aberta em julho de 1963, a ABDI foi criada em agosto do mesmo ano, e a Loja do
Bom Desenho alguns meses depois. Por essa época, outras lojas de design moderno já se
destacavam no Rio de Janeiro - todas mais focadas, porém, no mobiliário, como a Oca (a cargo do
arquiteto Sergio Rodrigues), Módulo (arquitetos A. e S. Rapoport) e Mobília Contemporânea
(arquitetos Michel Arnoult e Norman Westwater).
87

por Herbert Ohl e voltado para a exploração dos princípios inter-relacionados da


pré-fabricação e da coordenação modular63. [fig.99] Não obstante sua dedicação a
esses temas, cada vez mais considerados - na Europa e Estados Unidos -
indissociáveis das discussões sobre a industrialização da construção64, e da
expectativa de acordo entre arquitetura e indústria que cercava naquele momento a
construção de Brasília, enquanto esteve no Brasil Decurtins não chegou a
desenvolver projetos arquitetônicos de maior alcance. Em São Paulo, realizou
alguns projetos para instalações de escritórios de algumas empresas alemãs
(Siemens, Ciba-Geyer) e assinou outros com Bergmiller, como o mobiliário da
Cidade Universitária da USP (com o arquiteto João Carlos Cauduro) e uma
máquina de costura para a Singer. Também com Bergmiller, desenvolveu o
suporte de sinalização do Parque do Flamengo, no Rio de Janeiro, dentro do
projeto de “planificação comunicativa urbana” assinado por Alexandre Wollner65.
E na Esdi, foi coordenador do setor de Metodologia Visual, um dos 5 setores do
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Curso Fundamental (sendo os demais Integração Cultural; Meios de


Representação; Introdução à Lógica e à Teoria da Informação e Oficinas).
Por conta da sua formação, Decurtins participou de uma mesa-redonda
sobre pré-fabricação no Instituto de Arquitetos do Brasil66, e chegou a receber
uma oferta de trabalho no recém-criado BNH/Banco Nacional de Habitação,
embora nada disso tenha sido suficiente para que firmasse contatos mais
produtivos com o meio da arquitetura local. Não admira, portanto, que apesar de
sua ligação pessoal com o Brasil (por ser casado com a brasileira Frauke Koch-
Weser, também ex-aluna da HfG) sua passagem pela Esdi tenha sido igualmente
tão breve – após dois anos na escola (1963-5), retornou à Europa, a fim de dar
prosseguimento a seu trabalho com pré-fabricação67.

63
O tema do trabalho é “Planung eines Siedlungszentrums unter Berücksichtigung eines
einheitlichen Konstruktionsystems”. Trata-se de conjunto para 9000 pessoas com edifícios
residenciais, centro comercial, escola e parque, todo desenvolvido a partir do módulo de 1,20 m.
64
O princípio da coordenação modular foi amplamente debatido no segundo pós-guerra, em
particular após a criação, em 1953, da EPA/European Productivity Agency, da
OEEC/Organisation for European Economic Co-operation, em cujo âmbito se discutiu a
necessidade de normatizar estudos e medidas tendo em vista a racionalização da construção e a
definição de um mercado cada vez mais internacional.
65
ver Wollner, A. Design visual: 50 anos.
66
A transcrição dos debates foi publicada pela revista do IAB-GB. Ver “Pré-fabricação: alguns
aspectos em discussão no IAB” in: Arquitetura 40, out 1965, pp.19-23.
67
Em meados dos anos 70, Decurtins transferiu-se para Teerã, na Pérsia (atual Irã), onde
permaneceu por quase cinco anos a serviço do escritório de arquitetura Burckardt/Partner. Cf
Frauke Decurtins in: http://www.frauen-hfg-ulm.de (acesso em 2/out/2007)
88

Decurtins foi substituído na Esdi por Daisy Igel (n.1927), arquiteta


brasileira de origem austríaca formada na tradição de ensino da Bauhaus, em sua
versão mais acabada na América: a escola que László Moholy-Nagy criou como a
New Bauhaus (mais tarde renomeada como Chicago Institute of Design e depois
incorporada ao IIT/Illinois Institute of Technology). Igel teve aulas nessa escola
com Mies van der Rohe, Buckminster Fuller e Konrad Wachsmann, além de
contato próximo com Josef Albers. Ao retornar ao Brasil, acrescentou ao seu
currículo projetos em São Paulo (parte deles em sociedade com Jon Maitrejean,
como as Residências Israel Kalbin e Pedro Franco Piva e o centro de distribuição
da Ultragás68) [fig.104] e no Rio, onde integrou-se à equipe do Plano Doxiadis.
No entanto, Igel acabou ficando mais conhecida no meio do design por força de
sua atuação na Esdi e do direcionamento mais sensorial que sistemático – ou
digamos, mais próximo de Albers que de Maldonado - que deu ao ensino de
Metodologia Visual, disciplina que conduziu por dois anos (1966 e 1967) até
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afastar-se da escola durante seu processo de reestruturação, desencadeado em


196869.
É possível que a proposta de ensino de Igel, mais interessada na
experimentação intuitiva que no raciocínio lógico, tenha contribuído para
provocar seu afastamento da Esdi, por escapar ao cientificismo ulmiano, àquela
altura dominante na escola carioca. Seja como for, ao contrário do que aconteceu
em São Paulo, onde o ensino do design foi integrado à Faculdade de
Arquitetura70, com o afastamento de Decurtins, Igel e Pontual acabou por
prevalecer na Esdi uma indisponibilidade substancial com relação à arquitetura. E
o curioso é que uma tal disjunção, de parte a parte, tenha se mostrado, ao fim e ao
cabo, incongruente com o interesse manifestado por alguns arquitetos brasileiros
pela própria HfG, onde o percentual de arquitetos entre alunos brasileiros chegou
a 40%.71 Não seria, afinal, contraditória a ausência do ensino da construção numa

68
Ver “Ante-projeto do Terminal Cia.Ultragaz” in: Acrópole 205, nov 1955, pp.21-23 e
Residência no Jardim Europa in: Acrópole 260, jun 1960, pp.198-201
69
ver Souza, Pedro Luiz Pereira de. Esdi: biografia de uma idéia.
70
A introdução de uma seqüência de desenho industrial no curso de Arquitetura foi formalizada
em 1962 na FAU-USP, em decorrência do redirecionamento do ensino da arquitetura nas bases
definidas por um grupo que teve à frente o arquiteto Vilanova Artigas.
71
O levantamento realizado pela autora nos arquivos da escola entre 11 e 13 de julho de 2005
mostrou que dos dez alunos brasileiros que a freqüentaram, quatro eram arquitetos. Destes, um
seguiu apenas o Curso Fundamental (Yedda Pitanguy) e três foram inscritos no departamento de
“Bauen” (Mario Zocchio, Isa Maria Moreira da Cunha – posteriormente, Bisaggio - e Günter
Weimer). O último transferiu-se para “Produktgestaltung” após um ano de estudos.
89

escola que reivindicava para si uma correspondência com a vertente alemã do


design? Até que ponto ainda se poderia dizer que o programa da Esdi seguiu o
modelo ulmiano, uma vez que a ausência de estudos de arquitetura aponta, como
se vê, para o que talvez possa ser considerado uma renúncia de uma de suas
premissas fundamentais?
Quer isso seja ou não suficiente para explicar o silêncio guardado dentro
da HfG com relação à escola carioca, o fato é que a consulta aos arquivos da HfG
surpreende pelo vazio de referências com relação à Esdi e ao Brasil. Além dos dez
alunos brasileiros que freqüentaram a escola ulmiana72, não consta o registro de
um único brasileiro que tenha passado pela escola, seja como conferencista ou
visitante, embora vários depoimentos confirmem a passagem por lá de Décio
Pignatari, Waldemar Cordeiro, Nise da Silveira, Haroldo de Campos, Niomar
Muniz Sodré, Paulo Bittencourt, Luci Teixeira, Lygia Pape, Murillo Mendes e
Carlos Flexa Ribeiro73. Tampouco é fácil encontrar menção à Esdi ou qualquer
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registro de contato com o Brasil no arquivo de correspondências da escola74. E


salvo uma pequena nota anunciando a realização do Congresso Internacional de
Críticos de Arte no Brasil, em 1959 – que contou efetivamente com a presença de
dois professores da escola: Maldonado e Giulio Pizzetti (este, professor do
Departamento de Construção) -, o mesmo vazio encontramos nas páginas das
revistas Ulm (editada pelo corpo docente da escola entre outubro de 1958 e abril
de 1968) e Output (editada pelos alunos a partir de 1961). E isso, muito embora a
primeira contasse com uma seção destinada especificamente a registrar as visitas
de estrangeiros à escola. Quanto à biblioteca da escola, entre seus quase 6000
volumes foram localizados apenas três livros sobre o Brasil - todos relativos à
arquitetura - e uma edição especial da revista Acrópole sobre Brasília (número
256-7). Um dos livros é a edição alemã do compêndio de Henrique Mindlin

72
De acordo com dados coletados no HfG-Archiv, além dos quatro alunos já citados, os brasileiros
que passaram pela HfG são: Alexandre Wollner (dept. “Visuelle Kommunikation”, 1954-58),
Almir Mavignier (dept. “Visuelle Komunikation”, 1953-58), Elke Koch-Weser (dept.
“Information”, 1955-62), Frauke Koch-Weser (dept. “Produktform, 1955-59), Jorge Roberto
Bodanzky (dept. “Film”, 1967-68) e Mary Vieira (“Grundlehre”, 1953). Dos dez alunos
brasileiros, apenas três – Mavignier e as irmãs Koch-Weser – obtiveram o diploma da HfG
(conferido, na verdade, a pouco mais de 1/3 dos alunos que passaram pela escola).
73
Os primeiros nove nomes foram mencionados em depoimento de Almir Mavignier à autora, por
email, em 01 de agosto de 2005. O nome de Carlos Flexa Ribeiro foi citado por Günter Weimer
também em depoimento à autora, por email, em 27 de julho de 2005.
74
Conforme levantamento no índice do arquivo de cartas da HfG, o qual encontra-se organizado
por assunto no HfG-Archiv Ulm.
90

(Neues Bauen Brasilien, Munique, 1956), e os demais são monográficos: Oscar


Niemeyer: Works in Progress, de Stamo Papadaki (Nova York, 1956), e Affonso
Eduardo Reidy, Bauten und Projekte (Stuttgart, 1960) - este editado por Klaus
Franck, aluno do departamento de arquitetura da HfG (cuja passagem pelo Brasil,
em 1957, resultou em estágio com Sergio Bernardes e ensejou uma discussão
sobre a relação arte-indústria com Sergio Camargo, Ivan Serpa e outros75).

Em vista dessas evidências documentais, não deve ser descartada a


hipótese de que, se de fato houve dentro da HfG algum interesse pelo Brasil, esse
tenha acabado por se converter em indiferença ou desconfiança. Já em 1959, ao
visitar ao canteiro de obras de Brasília durante o Congresso da Associação
Internacional de Críticos de Arte, Tomás Maldonado estivera entre aqueles que
manifestaram maior apreensão com relação aos rumos expressos na construção da
nova capital do país.76 Na verdade, se Brasília seduzia alunos e professores de
Ulm por representar uma oportunidade única de fazer vingar, na escala americana,
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o acordo entre arquitetura e indústria que se buscara repotencializar com os planos


de reconstrução europeus, sua construção também acabaria por revelar um
ambiente cultural fundamentalmente refratário ao feixe de problemas inerentes à
industrialização da construção, segundo a concepção de arquitetura pela qual se
orientava a HfG. E nem poderia ser de outro modo: afinal, que lugar a lógica
ulmiana haveria de encontrar num quadro movido pela exultação da inspiração e
pelo apego a regras composicionais, de que permaneciam até certo ponto
embebidos tanto o Plano Piloto de Lucio Costa quanto os palácios governamentais
de Niemeyer? Ou por outra, até que ponto o irracionalismo do canteiro de obras
de Brasília, onde prevaleciam processos construtivos arcaicos, baseados em mão-
de-obra barata e desqualificada e com altos índices de desperdício de material e
trabalho, poderia ser tolerado pelo rigoroso projeto de racionalização das relações
e processos de produção que permanecia na base do raciocínio ulmiano? Por sua
vez, até que ponto o programa ulmiano, tão determinado por preocupações
sociais, poderia ser inteligível à luz das violentas contradições contidas na
estrutura social brasileira e particularmente visíveis em Brasília? Não

75
Do encontro participaram também Franz Krajberg, Darel e Vera Tormenta, além de Angela
Hackelsberger, aluna do departamento de comunicação visual da HfG. Ver “A Escola de Ulm, os
artistas e a indústria” in: Para Todos, número 30, 1957, p.5.
76
“Opiniões dos críticos de arte” in: Brasília, ano 3, setembro de 1959, p.7.
91

caminharíamos, afinal, no sentido contrário da ação transformadora implícita no


projeto ulmiano?
Talvez não devesse nos espantar, então, o silêncio que acabou por ser
guardado dentro da HfG com relação ao Brasil. E isso mesmo após a criação da
Esdi e a despeito de todos os esforços feitos por esta no sentido de ser reconhecida
dentro da linhagem ulmiana - o que compreendeu a incorporação a seu corpo
docente de alguns de seus ex-alunos (Bergmiller, Wollner, Decurtins, Gui
Bonsiepe), a convocação de ex-professores (Max Bense, Josef Albers) e até a
contratação da ex-bibliotecária da HfG, trazida especialmente da Alemanha77. É
verdade que nunca existiram contatos oficiais entre as duas escolas, e isso até
certo ponto pode explicar a ausência de referências à Esdi no arquivo ulmiano.
Mas é possível também que àquela altura a Esdi fosse vista desde Ulm tão-
somente como um subproduto – e ainda assim problemático - da orientação dada
por Max Bill à HfG. Seja porque resultava, em última instância, de contatos
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iniciados por ele, seja porque à frente da escola encontravam-se dois ex-alunos da
HfG formados na sua gestão (sendo que Bergmiller havia ainda trabalhado quase
um ano em seu estúdio). Não que tenham faltado aproximações entre o corpo
docente da HfG e o ambiente cultural carioca no período imediatamente anterior à
criação da Esdi, haja vista o já mencionado Curso de Comunicação Visual que
Maldonado e Otl Aicher realizam no MAM em 1959, ocasião em que se
envolvem com vários assuntos ligados à identidade visual do museu (do seu
logotipo à roupa dos garçons do restaurante78) e chegam a discutir com a Novacap
um contrato para o projeto de padronização dos sinais da nova capital (aí incluídos
sinais de trânsito, emblemas e uniformes79). Mas o fato é que mesmo que a Esdi

77
Andrea Schmitz, bibliotecária da HfG entre 1954 e 1959. Suas dificuldades com o português e a
inexistência de uma biblioteca estruturada na escola nascente levaram à sua curta permanência na
Esdi (onde trabalhou por apenas três meses, até março de 1964). Talvez por isso, sua passagem
pelo Brasil não foi sequer mencionada pela própria em seu resumo autobiográfico. (ver
www.frauen-hfg-ulm.de)
78
Estes e vários outros itens (como cartazes, convites, catálogos, sinalização interna) estão listados
numa pauta de reunião com Otl Aicher na casa da diretora do museu, Niomar Muniz Sodré. Um
dos itens diz respeito a uma “coluna para cartazes na cidade”, a qual chegou a ser projetada por
Aicher, desenvolvida por Weyne e teve protótipo construído na marcenaria do museu. Quanto ao
logotipo do MAM, há várias versões. Segundo Goebel Weyne, o desenho original seria de Tomás
Santa Rosa, depois geometrizado e redesenhado com uma linha de espessura única por Aicher, e
por fim reformulado por Alexandre Wollner. (Cf carta de Goebel Weyne à autora em 17.dez.2007,
e “Assuntos com Aicher”. manuscrito sem data, acervo Goebel Weyne).
79
Cf José Mauro, “Padronização dos sinais de Brasília”. Se concretizada, a proposta teria
permitido a O. Aicher desdobrar sua análise do problema da sinalização viária, sintetizada em
artigo publicado pouco depois, em que foram fixadas algumas diretrizes gerais, dentre elas a
92

tenha mostrado intenção de acompanhar a reorientação dada à HfG por


Maldonado – conforme indica o empenho de Bergmiller no sentido de introduzir
estudos de ergonomia no currículo da escola carioca – talvez ela não deixasse de
ser vista como atrelada a uma concepção que desde final dos anos 50 a própria
HfG procurava superar. E neste sentido, mesmo a adoção de um Curso
Fundamental comum a todos os alunos pela escola carioca poderia significar um
retrocesso aos olhos de quem uma tal prática já havia sido revista.
Mas é preciso considerar também que no exato momento em que a escola
carioca finalmente saía do papel, a HfG encontrava-se imersa em ameaças à sua
própria sobrevivência, procurando manter-se de pé diante dos crescentes ataques
da imprensa alemã, culminantes em artigo publicado na revista Der Spiegel80.
Chegou-se a creditar a tal artigo a responsabilidade pelo desencadeamento da crise
que levou ao fechamento definitivo da escola, cinco anos depois. Mas o fato
notável é que a matéria cristalizou uma oposição crescente à escola, a qual pelo
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menos em parte decorria da sua própria inabilidade política para garantir os meios
indispensáveis à autonomia que reivindicava para si, como uma instituição
privada de perfil raro na Alemanha.
Por todos esses motivos, não admira, afinal, que, por parte da HfG, a
criação da Esdi tenha sido recebida com certa frieza. Frieza essa que mesmo
Carlos Flexa Ribeiro, um dos maiores impulsionadores da criação da Esdi no
governo de Lacerda, parece ter se dado conta ao visitar a escola ulmiana, em
1965.81 É do mesmo ano, aliás, carta de Maldonado a Bergmiller e Wollner, em
que o primeiro diz ter recebido notícias da Esdi por meio de Decurtins82. Após
lamentar ter ficado sem notícias da Esdi, escola que seria a “única, junto com a
HfG, a contar com uma “estrutura progressista”, Maldonado dava sinais de que o
motivo da carta talvez fosse menos restabelecer contato com o meio carioca que
registrar sua contrariedade ao comentário favorável de Wollner à Escola Técnica

classificação dos sinais de tráfego e sua distinção dos demais sistemas de sinalização, do ambiente
urbano existente e da publicidade, a redução dos elementos constitutivos do sinal isolado e a
adoção de formato vertical. ver Aicher, O. Por uma revisão dos atuais sinais viários (tradução
para o português de “Por uma revisione degli attuali segnali stradali”. Stile Industria, número 33,
ago.1961, pp.21-33)
80
“Auf dem Kuhberg”.
81
Cf Günter Weimer, então aluno da HfG e encarregado de guiar Flexa Ribeiro na visita à escola
(em email à autora, em 27 de julho de 2005)
82
Carta datada de 22 de maio de 1965. ver Sousa, Pedro Luiz Pereira de. Esdi: biografia de uma
idéia. p.50.Note-se que poucos meses depois (em setembro de 1965) Wollner retornaria à HfG
para a reunião do ICSID.
93

de Stuttgart, àquela altura a mais forte reação à HfG dentro da Alemanha. Por trás
do tom amistoso da carta, estariam aí expressas divergências crescentes com a
Esdi? Acaso essas podiam ser creditadas a uma discordância fundamental em
relação à delimitação do ensino do design dentro da Esdi, e em última instância,
ao estreitamento da concepção de projeto aí abrigada? Está aí uma interrogação da
qual não podemos escapar se queremos ampliar o entendimento das possíveis
correspondências entre a HfG e a Esdi, como também avançar na reflexão acerca
da relação problemática entre arquitetura e design no Brasil.

3.1
O design no impasse

Conforme se depreende de discursos oficiais da época da criação da Esdi,


um dos argumentos mais usados àquela altura para justificá-la insistia na
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necessidade de “nacionalizar a forma” dos produtos da indústria brasileira. Foi


nesses termos que o Secretário interino da Educação da Guanabara, Francisco da
Gama Lima Filho, defendeu a escola (então ainda pensada como um curso a ser
incorporado ao Instituto de Belas Artes do Estado da Guanabara, dirigido por
Lamartine Oberg), em carta ao economista Mário Henrique Simonsen. A carta, de
março de 1962, enfatizava a necessidade de frear a “evasão enorme de nossas
divisas remetidas para o exterior no pagamento de ‘royalties’ pelo uso da forma de
produtos estrangeiros fabricados no Brasil.” 83 E invocava até “razões de ordem
psicológica determinadas pelo uso da forma importada”, a qual “na maioria das
vezes só nos [era] cedida após ter saído do mercado do país de origem”84.
Ora, daí se depreende que embora se buscasse filiar o embrião da Esdi a
uma linhagem de caráter supra-nacional por excelência (posto que pensada em
termos da dinâmica da produção, reprodução e expansão de “objetos-tipo”
supostamente imunes a quaisquer limites políticos, administrativos ou territoriais),
havia quem quisesse vinculá-lo também à mobilização de sentimentos
nacionalistas. Por limitada que fosse, a emergente reflexão sobre o design no
Brasil passava assim a canalizar o debate altamente politizado travado entre as

83
veja-se ofício enviado pelo secretário interino de educação e Cultura da Guanabara, Francisco da
Gama Lima Filho, em 30 de março de 1962, a Mário Henrique Simonsen. (Arquivo Esdi)
84
Ibid.
94

diferentes correntes de pensamento econômico coexistentes no país entre 1945 e


1964, chegando mesmo a situar-se num lugar tão incerto quanto frágil: o fogo
cruzado do debate político e econômico daqueles anos. Por um lado, como não vê-
lo como uma chave para pensar a superação do subdesenvolvimento pela via
cepalina85? Por outro lado, como não relacioná-lo às coordenadas liberais
delineadas desde a década de 30 por Eugenio Gudin86, se até na criação da Esdi
87
impunham-se limites à intervenção estatal? De uma maneira ou de outra, a
discussão girava em torno do reconhecimento do atraso acumulado pelo Brasil, e
conseqüentemente da necessidade de promover o seu desenvolvimento. E ainda
que os meios para alcançá-lo fossem tão diversos, e às vezes antagônicos entre si,
havia quase que uma predisposição para inscrever o design nessa discussão, o que
explica o relativo avanço, no bojo do debate público sobre a industrialização e o
processo de desenvolvimento do país, encontrado por questões imbricadas com a
própria estruturação do design.
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Nesse sentido, a coexistência das ações de Celso Furtado e Lina Bo Bardi


no Nordeste, entre 1958-59 e 64, indica um cruzamento nada casual de pontos de
vista88. Enquanto Furtado atuava à frente da Sudene/Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste, num projeto de irrigação econômica das regiões
que, na sua visão, permaneciam em condição periférica na dinâmica interna do
país, a arquiteta Lina Bo, então sediada na Bahia, não media esforços para
identificar a cultura popular nordestina e trazê-la para dentro do museu,
conferindo-lhe estatuto artístico. Cada um por seus meios, ambos tencionavam

85
A CEPAL/Comissão Econômica para a América Latina, foi criada pelas Nações Unidas em
1948, com sede em Santiago do Chile, e dedicou-se a pensar o problema da relação entre
industrialização e desenvolvimento, com base na teoria do economista argentino Raul Prebisch,
que encontrou ampla repercussão no Brasil nos anos 50.
86
Chama atenção, no arquivo da Esdi, o esboço de uma carta de Lamartine Oberg a Eugenio
Gudin, em que o primeiro expõe seu interesse pelo pensamento do economista e diz ter iniciado,
em 1961, após estágios em diversas instituições européias – inclusive na HfG - “trabalho pioneiro
na América Latina criando para o governo do estado da Guanabara uma Escola Superior de
Desenho Industrial”. Manuscrito não datado, posterior a 1961. (Arquivo Esdi)
87
vem a ser significativa a própria opção de fazer da Esdi uma escola relativamente autônoma,
independente mesmo da também nascente Universidade do Estado da Guanabara, criada em 1961.
A Esdi só seria incorporada à estrutura da Universidade – e ainda assim sob veementes protestos
por parte de seus fundadores e professores - quando da criação do estado do Rio de Janeiro, em
1975.
88
A relação entre Lina Bo Bardi e Celso Furtado merece ser aprofundada em estudo específico, a
partir da correspondência entre os dois (ver, por exemplo, carta enviada por Furtado a Lina de
Paris, em 1967, in: Tempos de Grossura:o design no impasse. pp.62-3). Cabe destacar aqui, de
todo modo, a ênfase dada por Lina à Artene, órgão da Sudene criado em 1961 com o objetivo de
contribuir para o desenvolvimento da base material do nordeste pela ajuda ao artesão.
95

mostrar que a superação do subdesenvolvimento do país dependia de fazer o


Brasil voltar os olhos para o Brasil. E os procedimentos adotados incluíam mesmo
a conjugação de esforços para viabilizar pesquisas pelo Nordeste, as quais
serviriam em seguida de base para a realização de exposições-manifestos
itinerantes como a exposição “Bahia”, montada por Lina Bo e Martim Gonçalves
paralelamente à V Bienal de São Paulo, em 1959. Ou a exposição “Nordeste”,
com a qual a arquiteta inaugurou o Museu de Arte Popular em Salvador em
novembro de 1963, exatos quatro meses após a abertura da Esdi. [fig.105]
Mas o que teria levado Lina, em tão curto espaço de tempo, a uma
mudança tão radical de postura, se ela mesma fora, no começo da década de 1950,
provavelmente a voz mais ativa no Brasil na defesa de Max Bill? Como, em
menos de uma década, o design deixou de ser entendido por ela do ponto de vista
da possibilidade de regeneração da sociedade para ser tomado como “a mais
estarrecedora denúncia da perversidade de todo um sistema capitalista”89? Tudo
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indica que a mudança de perspectiva de Lina Bo esteja ligada a seu afastamento


de São Paulo, ocorrido justo no momento em que seu projeto para a nova sede do
museu começava a ganhar corpo no Trianon. Mas o fato é que o convite que
recebeu para fundar um museu na Bahia coincidiu com a dissolvência progressiva
do programa montado anos antes com Pietro Bardi em torno do Masp, programa
esse fundado numa perspectiva ampla e ambiciosa o suficiente para incluir, além
do museu propriamente dito, um curso de design (no IAC/Instituto de Arte
Contemporânea), uma loja de móveis (Studio Palma), uma revista (Habitat), uma
escola de propaganda, uma orquestra sinfônica juvenil e até um programa de
televisão90. Na avaliação de Renato Anelli, um fator decisivo para a dissolvência
desse programa foi o desencontro, acusado no correr dos anos 50, entre a
expectativa de conexão com o vigoroso processo de industrialização paulista e a
ausência de planejamento do processo de urbanização do país. Isso teria levado
Lina “da busca por uma franca inserção no processo de desenvolvimento
industrial (...) à definição de um outro campo de ação”, centrado agora na Bahia91.

89
Bardi, Lina. Tempos de Grossura: o design no impasse, p.13
90
Um resumo dessas atividades pode ser encontrado na própria revista Habitat (ver em especial,
os números 3 e 7, respectivamente de 1951 e 1952). Veja-se também entrevista de Luis Hossaka a
Mariana Lucchino e Bardi, P.M. A cultura nacional e a presença do MASP.
91
Anelli, Renato. Interlocuções com a arquitetura moderna italiana na constituição da
arquitetura moderna em São Paulo.
96

Percebe-se que certas variações no entendimento do design no Brasil


encontram-se referidas às conjunturas políticas atravessadas pelo país no período
que compreende, grosso modo, de 1945 a 1964. E a reorientação de Lina, nesse
sentido, não deixa de mostrar-se em linha com as teorias cepalinas, centradas no
problema da interdependência entre centro e periferia. Sua opção de tomar o lixo
como matéria prima de uma exposição (Nordeste, 1963), por exemplo, vale
claramente como protesto contra um sistema capitalista que, segundo o enfoque
cepalino, subjugava as economias ditas dependentes - às quais, para Lina, nada
restava senão contrapor à miséria, num “esforço desesperado de cultura”,
subprodutos da sua própria resistência: latas de óleo transformadas em canecas,
colchas de retalhos e até um balde feito de uma lata de queijo cheddar distribuída
no Nordeste pela Aliança para o Progresso92. Mais que uma exposição, estava
em jogo um plano de ação política: a busca de identificação do “lastro cultural” do
Brasil, que no caso se supunha contido na cultura popular nordestina, alinhava-se
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em termos gerais com o programa nacionalista que passava, entre outros focos,
pelo CPC (Centro Popular de Cultura), criado em associação com a UNE/União
Nacional dos Estudantes em 1962. As posições assumidas no Manifesto do CPC
em face da arte93, e em particular sua defesa de uma “arte popular revolucionária”
encontravam-se, no fundo, com a mesma expectativa de mobilização popular que
levava Lina Bo a projetar uma Escola de Desenho Industrial em convênio com a
Sudene. A escola seria sediada no próprio Museu de Arte Popular instalado no
Solar do Unhão, por ela recuperado94. Nunca concretizado, tal projeto seria a
complementação e ao mesmo tempo o ponto culminante da estratégia cultural da
arquiteta no ambiente em ebulição da Bahia, onde se cruzavam Anísio Teixeira,
Edgard Gonçalves, Hans Koellreutter e Pierre Verger, além de jovens como
Caetano Veloso e Glauber Rocha, que mais adiante capitaneariam os movimentos
da Tropicália e do Cinema Novo.
A articulação da escola de desenho industrial idealizada por Lina à
estrutura de um museu integrava-se, assim, a todo um esforço coletivo que unia,
sob uma perspectiva de desenvolvimento com ênfase claramente nacionalista,

92
programa de cooperação multilateral criado em agosto de 1961, com o objetivo de incrementar o
desenvolvimento econômico-social da América Latina e viabilizado essencialmente com verbas
norte-americanas, como reação aos acontecimentos revolucionários em Cuba.
93
Ver “Anteprojeto do Manifesto do Centro Popular de Cultura” (março de 1962) in: Hollanda,
Heloisa Buarque de. Impressões de viagem. CPC, vanguarda e desbunde: 1960/70.. pp.121-144.
94
Cf. Pereira, Juliano A. A ação cultural de Lina Bo Bardi na Bahia e no Nordeste.
97

projetos econômicos e culturais. Além do apoio da Sudene, Lina buscava a


colaboração do Inep/Instituto Nacional de Planejamento através de seu diretor,
Anísio Teixeira, cujo projeto das Escolas Parque - onde atividades sociais e
artísticas se fundiriam - era tomado como referência pela arquiteta.95 Na escola de
Lina, artesãos trabalhariam junto com universitários das áreas de arquitetura ou
engenharia visando “eliminar a fratura Projeto-Execução no campo do Desenho
Industrial”. Não caberia privilegiar nem o “caráter anônimo e aviltador do
trabalho de execução manual”, nem o “excessivo intelectualismo” do trabalho
projetual: o que Lina pretendia era “transformar o Artesanato em Industrial
Design”96.
É claro que falar em artesanato, no quadro da discussão sobre o design,
pelo menos, significava naquele momento marcar oposição ao tecnicismo e à
racionalidade programática ulmiana, exacerbados após a saída de Max Bill (e com
esse propósito, Lina não só voltou-se contra o que chamou de “novo idealismo
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tecnocrático” de Maldonado, como fêz questão de reiterar a genealogia


arendtiana, ligando a Bauhaus a Auschwitz97). A nova perspectiva de Lina era
sem dúvida uma reação extremada contra a degeneração do programa reformista
implícito na vertente alemã do design, sobretudo em sua versão brasileira. Nas
suas palavras, “uma escola tipo Bauhaus ou Hulm [sic] metafísico-experimental
seria inútil a um país jovem, com uma civilização de fatores fortemente primitivos
e diretamente ligados à terra”, considerados “moderníssimos”. Além disso, “não
se poderia criar uma escola de desenho exclusivamente industrial” no Brasil, país
em que as indústrias “ainda não existem ou estão em fase experimental.”98 No
fundo, sua proposta de fazer ressurgir “a mão do povo brasileiro”99 concorria com
a forma construtiva, a ordenação matemática e o desejo de extirpar da atividade
projetual qualquer espontaneidade, premissas que permaneciam na base do

95
A análise da correspondência entre Lina Bo Bardi e Anísio Teixeira vai além do alcance deste
trabalho. Apoiamo-nos aqui nos levantamentos de Juliano Pereira, que localizou cartas entre os
dois no arquivo do Museu de Arte Moderna da Bahia. Cf Pereira, Juliano. A ação cultural de Lina
Bo Bardi na Bahia e no Nordeste. pp.108-9
96
Projeto da Escola de Artesanato por Lina Bo Bardi, reproduzido dos arquivos do MAM-Ba por
Juliano Pereira. Ver Pereira, Juliano A. A ação cultural de Lina Bo Bardi na Bahia e no Nordeste.
p.179.
97
ver fac-símile de manuscrito de Lina Bo Bardi publicado em Tempos de Grossura, p.10 , e
argumento de Hanna Arendt em As origens do totalitarismo, p.382.
98
Bardi, Lina Bo. “Projeto da escola de artesanato” [1963?]. apud Pereira, Juliano. Op.cit., p. 214.
99
título de exposição de arte popular brasileira organizada e montada por Lina Bo Bardi no Masp,
em 1969.
98

programa esdiano e só viriam a ser colocadas em questão no bojo dos movimentos


estudantis de 1968100. Mas é importante considerar, além disso, o quanto o termo
“artesanato” haveria de ser problematizado por Lina, de cujo ponto de vista essa
palavra mantinha-se associada a uma organização social própria da Europa
medieval mas inexistente no Brasil, onde, a rigor, só caberia falar em “pré-
artesanato” ou “arte popular”101. Também deve ser dito que a arquiteta já
encontrava-se envolvida, desde seu período de formação na Itália, no combate ao
cerco traçado pelo racionalismo em torno do projeto moderno. Conforme nota
Renato Anelli102, Lina participara, no imediato pós-guerra, de um movimento de
valorização da produção popular que pode não ter tido correspondência direta com
o neo-realismo de De Sica e Rosselini, mas certamente ocorreu em paralelo a ele.
Isso ajuda a entender porque, embora partisse até certo ponto do mesmo quadro de
referências, Lina tenha acabado por esgrimar com a vertente construtiva e
cosmopolita que dominava a criação da Esdi, e que daí se irradiaria até se fazer
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dominante no cenário brasileiro dos anos 60.


Não que já não espocassem aqui e ali sinais de divergências – considere-
se, por exemplo (e para ficar só no campo do design no Rio de Janeiro), a postura
mais flexível de Aloísio Magalhães no interior da própria Esdi, o questionamento
dessa mesma escola por Rogério Duarte103, o mobiliário de expressão regionalista
de Sérgio Rodrigues104 ou, no meio editorial, o projeto gráfico de Carlos Scliar

100
No final de 1967, os estudantes da Esdi começam a mostrar descontentamento com o modelo
pedagógico da escola, o que levou a uma discussão sobre o ensino que suspendeu as aulas por 14
meses, entre junho de 1968 e agosto de 1969. Nesse período, as atividades curriculares foram
substituídas pela chamada “Assembléia Geral”, que reuniu todo o corpo docente e discente da
escola. Pode ser considerado um produto dessa discussão a exposição da Esdi na I Bienal
Internacional de Desenho Industrial, realizada em 1968 pelo IDI/Instituto de Desenho Industrial do
MAM – criado como uma espécie de braço executivo da Esdi no museu e conduzido por dois
professores da escola (Goebel Weyne e Bergmiller). A Esdi se apresentou então com uma grande
mesa, intitulada “O Banquete do Consumo”, que resumia a crítica feita no interior da escola ao
processo de industrialização do Brasil e à situação do desenho industrial no país. Ver Sousa, Pedro
Luis Pereira de. Esdi: biografia de uma idéia.
101
Ver Bardi, Lina Bo. Tempos de Grossura: O design no impasse.
102
Anelli, Renato. Interlocuções com a arquitetura moderna italiana na constituição da
arquitetura moderna em São Paulo.
103
Duarte, R. Notas sobre o desenho industrial. Sobre sua relação com a Esdi, cujo corpo docente
não chegou a integrar, o próprio Duarte declarou recentemente ter sido “uma espécie de demônio
que lá dentro exercia uma crítica” (apud Rodrigues, Jorge Laê. “O design tropicalista de Rogério
Duarte”. in: Homem de Mello, Chico (org). O design gráfico brasileiro: anos 60. p. 195.
104
A exploração de materiais locais como madeira e couro e a busca de criar um “móvel
brasileiro” caracterizam a pesquisa de Sergio Rodrigues a partir de meados dos anos 50. Veja-se a
“Poltrona Mole”, premiada em concurso internacional de móveis na Itália, em 1961, por sua
“expressão regional”. Vale notar que, segundo Rodrigues, sua inscrição em dito concurso foi feita
99

para a revista Senhor (1959-60) e as capas de Eugenio Hirsch para a editora


Civilização Brasileira (entre 1959 e meados da década seguinte). [figs. 106-109]
Se algo ligava a Poltrona Mole de Sergio Rodrigues (1957) a uma página da
revista Senhor era a clara insubmissão às leis estruturais ulmianas, e até um certo
desinteresse pela tecnologia como fator intrínseco à produção. E mesmo que essas
iniciativas não fossem articuladas entre si, todas faziam parte de um ambiente de
revisão dos postulados construtivos desencadeado, no meio da arte, por uma
seqüência de operações públicas culminantes na realização da I Exposição
Neoconcreta no MAM-RJ, em 1959, e na publicação, em paralelo, do Manifesto
Neoconcreto no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil (e deve-se notar que a
própria diagramação do Manifesto, por Amílcar de Castro, reforça a dimensão que
se pretendia conferir à arte como atividade cultural globalizante, necessariamente
relacionada à construção do ambiente da vida urbana e industrial).
Sem dúvida a crítica contida no manifesto neoconcreto “à arte não-
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figurativa ‘geométrica’ (neoplasticismo, construtivismo, suprematismo, escola de


Ulm)”105 foi decisiva para expôr os limites da estética ulmiana. Como notou
Ronaldo Brito106, o eixo central da polêmica entre concretistas e neoconcretistas
passava por divergências teóricas com relação à questão da linguagem, tanto
visual quanto literária. Em termos visuais, a crítica neoconcreta pautava-se pelas
investidas de Merleau-Ponty, no terreno da filosofia, contra a psicologia gestáltica
(resumidas n’ A estrutura do comportamento, de 1942): em síntese, tratava-se de
resgatar a noção de subjetividade contra a propalada objetividade concreta, que
mantinha por pressuposto básico o paradigma sujeito/objeto, ou seja, uma
oposição entre homem e mundo (um definido como sujeito de observação; outro
como realidade a ser observada) culminante no ideal iluminista de conhecimento e
posta em questão desde o final do séc. XIX, com a fenomenologia e a psicanálise.
Em termos artísticos, uma tal distinção entre verdade e realidade (ou, poderíamos
dizer, o processo de transformação do observador em criador de realidades)
significava o primeiro passo para a afirmação do valor em si da arte – a conquista
de uma autonomia que só podia se dar mediante o expurgo da idéia de que a arte

a pedido de Carlos Lacerda, seu cliente na loja de móveis “Oca”. Ver Cals, Soraia. Sergio
Rodrigues.
105
“Manifesto Neoconcreto”. Jornal do Brasil, 23/3/1959. Assinado por Amilcar de Castro,
Ferreira Gullar, Franz Weissmann, Lygia Clark, Lygia Pape, Reynaldo Jardim e Theon Spanudis.
106
Brito, R. Neoconcretismo: vértice e ruptura.
100

pudesse ser colocada a serviço da interpretação de uma realidade dada, na medida


em que ela mesma, no seu fazer-se, constitui um real (o seu real), totalmente
independente de qualquer conhecimento científico.
É claramente nessa direção que avança o Neoconcretismo, ao questionar a
redução da arte a um processo informacional pela produção concreta. Mas havia
também, implícita na crítica neoconcreta, uma consciência da impossibilidade de
sustentar o projeto construtivo como projeto de vanguarda cultural brasileira. Daí
que talvez seja, de novo, mais sintomático do que se tem suspeitado, o fato de que
o núcleo formador do neoconcretismo já estivesse em dissolução no momento em
que a Esdi finalmente foi inaugurada107: ao operar já nos limites da tradição
construtiva, a própria escola de certo modo acusa um dos últimos momentos
significativos do projeto construtivo no Brasil.

3.2
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A democracia pelo desenho

O simples fato de que o ambiente dos anos 50-60 no Brasil comportasse


tais embates indica que estivesse em curso um processo de maturação do quadro
institucional e do próprio meio de arte no Brasil que acabou sendo fundamental
para a estruturação do campo do design enquanto tal. Mas nada pode ser mais
revelador das circunstâncias muito peculiares em que isso se deu que o respaldo
dado à Esdi por um governo de orientação conservadora, essencialmente refratário
ao veio reformista implícito na raiz da linhagem teutônica do design. Pois ainda
que vinculado a um programa político de aplicação inicialmente mais restrita a
nível regional, o embrião da Esdi já era defendido por Lacerda nos primeiros anos
de seu governo como “projeto de interesse nacional”108, o que mostra o quanto se

107
O engajamento de Ferreira Gullar e Reynaldo Jardim no programa político do CPC, que
defendia uma concepção de arte como instrumento de conscientização política, foi decisivo para a
dissolução do núcleo inicial do neoconcretismo. Segundo Lygia Pape, “desde 63 o grupo
neoconcreto naturalmente se dissolveu. Em 62 ou 63 o Gullar resolve aderir a uma ideologia
política e o Reynaldo Jardim o acompanha. Os dois entram para o CPC (Centro Popular de
Cultura) (...) Os outros continuam trabalhando, (mas) não se chamava mais grupo neoconcreto,
nem o trabalho continuou a se chamar neoconcreto”. Ver Cocchiarale, Fernando. Abstracionismo
geométrico e informal. p. 158.
108
Ofício de Carlos Lacerda, então governador do Estado da Guanabara, endereçado ao Presidente
da Câmara dos Deputados, em resposta ao requerimento de informações n. 237/61, de 30.10.1961,
101

acreditava que uma tal escola poderia servir ao traçado de um plano mais
abrangente, que não deixava de projetar a reestruturação da economia brasileira
como um todo e sua inserção num jogo de forças internacionais onde as
polarizações cada vez mais se agudizavam. Afinal, o líder udenista já reunia
abertamente credenciais para a sucessão presidencial, e naquele momento
ninguém podia prever a curta sobrevida de suas aspirações políticas após o golpe
militar.

Na antevéspera de 1964, em todo caso, a pauta da criação de uma escola


superior de desenho industrial, tal qual incorporada à agenda de Lacerda, parecia
oferecer respaldo a uma política de massas estabelecida com base numa retórica
eloqüente que insistia em lançar-se sobre um aparatoso conjunto de iniciativas às
quais se agregava um apelo democrático continuamente reeditado pela UDN
desde os anos 40. Pois fosse no combate ao getulismo dos anos 40-50, fosse no
anti-comunismo virulento dos anos 60, a campanha udenista se fazia acompanhar
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publicamente de uma defesa mensurada das liberdades democráticas - articulada,


no caso, à defesa do liberalismo econômico em oposição às políticas
centralizadoras de inspiração keynesiana, estas baseadas no protecionismo, na
restrição aos capitais estrangeiros, no controle das políticas salariais e na
concessão de créditos.
O “sentido altamente democrático” do design foi ressaltado por Lacerda
em ofício encaminhado à Assembléia Legislativa:
“A rápida trajetória desenvolvida, no mundo contemporâneo, pelo desenho
industrial vem confirmar a sua capital importância, não apenas no sentido da
valorização dos produtos industrializados, mas, também, no de mostrar que, no
fim de contas, o mundo de hoje está voltando à tradição milenar, pela qual o
objeto utilitário deve ser, também, um objeto belo. A circunstância de que esses
objetos sejam produzidos pela máquina, em série, e não mais diretamente pela
mão do homem, em pequeno número, não invalida a idéia de Beleza. Antes a
multiplica, e faz dela um patrimônio, um bem comum da Humanidade, quando
antes era o apanágio de um pequeno grupo ou o privilégio de um indivíduo. Daí
seu sentido altamente democrático.” 109

Vê-se que a idéia de criar uma escola de desenho industrial no Rio de


Janeiro ganhava sentido, para Lacerda, quando associada à possibilidade de
realizar um suposto “bem comum”, a ser lido como inequivocamente

do Deputado Levy Neves, acerca da criação do Curso de Desenho Industrial no Instituto de Belas
Artes do Estado. (Arquivo Esdi). Embora o ofício não esteja datado, referências ali expressas
permitem supor que tenha sido escrito entre fevereiro e junho de 1962.
109
Cf nota anterior.
102

determinado, compreendido e aceito por todos. Como se por meio do desenho


fosse possível dar contorno a uma expressão de democracia disputada por várias
frentes, embora a cada dia fosse se revelando mais intangível. Em certo sentido a
vinculação entre “bem comum” e democracia remetia à teoria clássica, já atacada
em suas bases pelo enfoque schumpeteriano110. No confuso e cada vez mais
instável cenário político nacional, todavia, a retórica astuta de Lacerda talvez
cogitasse conquistar legitimidade social, salvando dos ataques da esquerda o
próprio núcleo do pensamento liberal: a idéia do mercado como base reguladora
das relações sociais. Não se tardou a perceber, em todo caso, que se por um lado o
design encontrava-se plenamente implicado no giro capitalista da produção e do
consumo, por outro se mantinha capaz de ser caracterizado (em tese, pelo menos)
como instrumento de abrandamento dos efeitos perversos da economia de
mercado.
Na verdade, se seguirmos a interpretação de Ricardo Bielchowsky111,
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segundo a qual o projeto de superação do subdesenvolvimento nacional por meio


da industrialização planejada e dirigida pelo Estado cumpre com JK um ciclo cuja
origem encontra-se nos anos 1930, verificaremos que o momento em que afinal se
concretizou a proposta de criação de uma escola superior de desenho industrial no
Brasil coincide com o começo da crise do pensamento desenvolvimentista no país
e com a desaceleração do crescimento econômico que trouxe consigo a crise
política e social que culminaria nos eventos de 1964. Isso ajuda a entender o
parecer desfavorável à criação de tal escola por parte da Consultec, empresa de
consultoria integrada por Roberto Campos e Mário Henrique Simonsen e
encarregada da elaboração de projetos econômicos-financeiros visando obter
recursos para empreendimentos diversos na Guanabara, inclusive com relação ao
sistema educacional112. O parecer (assinado por Mário Abrantes da Silva Pinto em
maio de 1962) concluía indicando “apreensões de que o projeto ainda seja
prematuro ou em escala exagerada para o Brasil, país em desenvolvimento, que
carece de atendimento de necessidades básicas mais urgentes.” Receava-se, em
particular, que os futuros formandos viessem a se tornar “profissionais
desajustados” e que o custo de sua formação se mostrasse desproporcional à sua

110
Schumpeter, J. Capitalismo, socialismo, democracia.
111
Bielchowsky, Ricardo. O pensamento econômico brasileiro: o ciclo ideológico do
Desenvolvimentismo.
112
Cf carta-contrato CS-689/62-ADM-269 de 12 de março de 1962. Arquivo Esdi.
103

113
“utilização social e profissional” . Às apreensões aí contidas somavam-se
interrogações menos explícitas quanto à pertinência da criação de uma instituição
apartada das escolas de arquitetura existentes. Por que criar especialistas em
design em vez de capacitar os próprios arquitetos para tal atividade? Não seria
mais compatível com a situação econômica e social do país simplesmente alargar
o aprendizado dos arquitetos, assim aumentando sua possibilidade de inserção
profissional? Conforme depoimentos de profissionais ligados a Consultec, esse
tipo de preocupação permanecia em pauta entre os engenheiros-economistas
reunidos em torno do projeto do que viria a ser a Esdi114. Ou seja, sob o ponto de
vista econômico, pelo menos, a escola corria o risco de não atingir os objetivos
visualizados por Lacerda. Mas como o governador apontasse para a estrutura de
ensino existente insistindo em denunciar sua inoperância, e a própria Faculdade
Nacional de Arquitetura acabasse por ser descartada como herdeira de um
academicismo incompatível com o espírito progressista que se queria associado à
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nova escola, o projeto de viabilidade econômica foi levado adiante, conforme


previsto, pelo próprio corpo técnico da Consultec115. E cumpriu-se em curto prazo
a criação da escola anunciada por Lacerda como “projeto prioritário”116 de seu
governo desde 1961, pelo menos. Escola essa que por um bom tempo se manteria
independente mesmo da recém-criada Universidade da Guanabara117.
A rapidez com que o projeto foi concretizado não deixa dúvidas quanto ao
lugar que este veio a ocupar na agenda de Lacerda. Poucos dias depois da
aprovação, pela Assembléia Legislativa, da dotação de 18 milhões de cruzeiros

113
O parecer conclui um processo iniciado com uma solicitação de esclarecimento encaminhada
por Mário Henrique Simonsen ao secretário de Educação, em março do mesmo ano, com relação à
proposta de criação de um curso de desenho industrial no Rio de Janeiro. Nesse período, Simonsen
participou, inclusive, de reuniões do Grupo de Trabalho instituído por Lacerda para propor as
bases da criação do curso. Todos esses documentos constam do Arquivo Esdi.
114
Conforme depoimento à autora, por telefone, do engenheiro Luiz Fernando da Silva Pinto –
então estagiário na Consultec e filho do autor do parecer citado.
115
Conforme depoimento à autora de Arlindo Lopes Corrêa – engenheiro responsável pela
elaboração do projeto de viabilidade econômica da Esdi. Dito projeto foi localizado sob a guarda
do engenheiro Luiz Fernando da Silva Pinto, atual proprietário da Consultec, que no entanto
alegou “motivos éticos” para não disponibilizá-lo à consulta.
116
Termo usado no primeiro parágrafo do já citado ofício de Carlos Lacerda ao Presidente da
Câmara dos Deputados.
117
A UEG é criada em 1961. A incorporação da Esdi à universidade só ocorre em 1975, em meio a
grande resistência por parte de seu corpo docente e discente. Temia-se que a escola pudesse perder
sua propalada autonomia – embora esta fosse relativa, visto que a escola sempre foi subvencionada
pelo estado.
104

para tal fim118, Lacerda nomeava o Grupo de Trabalho com vistas a “estabelecer e
propor as bases para a criação de uma escola de desenho industrial no Rio de
Janeiro”119. Sequer esperou, para colocar o plano em andamento, a aprovação da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a qual se concretizaria, após anos de
discussão, logo na semana seguinte120. E mal iniciou o ano de 1962 o Grupo de
Trabalho criado por Lacerda já iniciava conversações com a Unesco, através do
embaixador Paulo Carneiro, com o objetivo de fazer uso, na instalação de dita
escola, dos recursos financeiros disponibilizados pelo governo norte-americano
por meio do programa Aliança para o Progresso121. Este, para Lacerda,
canalizava a Política de Boa Vizinhança de Roosevelt a Kennedy122. Daí que, nos
seus termos, a aproximação dos Estados Unidos se justificasse: tratava-se, em
suas palavras, de um “grande povo, irmão do nosso”, igualmente “nascido de
muitos povos” e “de muitos sonhos que passaram os mares e vararam imensas
distâncias para tomar a forma de um livro, de um automóvel, de uma geladeira, de
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uma universidade, de um saxofone ou de uma criança.”123

É evidente que uma tal defesa de alinhamento com os Estados Unidos,


àquela altura, significava a intensificação da ofensiva udenista contra o governo
federal, sobretudo tendo em mira os princípios da chamada “política externa
independente” iniciada no governo Jânio Quadros, na esteira do sentimento de
euforia e auto-confiança desencadeado pela inauguração de Brasília. Dada a
crescente deterioração das relações Brasil-EUA desde as restrições à remessa de

118
Note-se que a quantia liberada estava próxima da proposta orçamentária enviada à Assembléia
Legislativa, no valor de 20 milhões de cruzeiros – o que indica boa base de aceitação do projeto.
Cf Ofício de Carlos Lacerda ao Presidente da Câmara dos Deputados, em resposta ao requerimento
de informações n. 237/61, de 30.10.1961 (Arquivo Esdi)
119
Foram designados para compor tal GT, criado em 12/dez/1961 e presidido pelo secretário de
Educação e Cultura do Estado da Guanabara, Carlos Flexa Ribeiro, o professor Lamartine Oberg e
os arquitetos Maurício Roberto, Wladimir Alves de Souza e Sérgio Bernardes. Cf Niemeyer, Lucy.
Design no Brasil: origens e instalação
120
Lei n. 4024, aprovada em 20/dez/1961.
121
Encontramos também, no arquivo da Esdi, referências a negociações com o governo alemão no
sentido de usar verbas do “Fundo Alemão de Auxílio para os países em Desenvolvimento”. (ata de
reunião do GT de 11/4/1962, Arquivo Esdi). E convém ressaltar que a opção pedagógica pelo
modelo alemão confirmar-se-ia em seguida, em detrimento das negociações iniciadas com outros
centros de design, na Europa e Estados Unidos. Talvez isso explique a ausência de desdobramento
que teve a vinda, em julho de 1962, do desenhista industrial norte-americano Joseph Carrero para
discutir a criação da escola carioca com o GT criado para tal fim. Ver, a esse respeito específico,
Sousa, Pedro. Esdi: biografia de uma idéia. p.23. No que diz respeito à participação de Carrero,
ver atas de reunião do GTde julho de 1962, no arquivo da Esdi.
122
“Improviso sobre Kennedy”, discurso em 22/11/64. in: Lacerda, C. Palavras e Ação. p. 197
123
“Civilização do Trabalho Livre”, discurso em 19/7/63. in: Lacerda, C. Palavras e Ação. p.169
(o grifo é nosso)
105

lucros de capital estrangeiro, que culminaram na divergência com relação à Cuba,


os arroubos de autonomia do governo da Guanabara podiam ser lidos como uma
manobra suprema para solapar o governo federal, expondo sua crescente
debilidade política. Ao mesmo tempo, os termos usados por Lacerda não
deixavam dúvidas quanto a seu propósito de positivar a relação com o capitalismo
industrial, para o que contava com o apoio do setor empresarial. Daí a estranha,
mas sobretudo estratégica equiparação de um automóvel a uma criança. O recado
de Lacerda era certeiro: para que a promessa de equalização social identificada
com o design se cumprisse era preciso que o país se fizesse apto economicamente,
tanto como produtor quanto como consumidor. O que, no caso, implicava o
restabelecimento de uma política francamente favorável a investimentos
estrangeiros, em confrontação direta com as diretrizes do Governo Goulart.

Nessa chave, uma escola como a Esdi apresentava uma dupla


conveniência: como elo forte na corrente em prol da livre-concorrência e como
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espaço institucional capaz de reforçar a oposição lacerdista ao nacional-


desenvolvimentismo. A própria caracterização do Brasil como país
subdesenvolvido era, afinal de contas, rejeitada por Lacerda como “uma lenga-
lenga falsa e demagógica”124. O importante, no seu entender, era enxergar o Brasil
como um país “desigualmente desenvolvido (...) onde o povo começa a
compreender que tem direito aos benefícios da civilização e da técnica”.
“Começamos a ser um povo de consumidores”, alardeava, no contexto conturbado
de abril de 1964. Daí que invocasse não uma “revolução social”, mas uma
“revolução tecnológica”, e apenas consumada a deposição de João Goulart,
proclamasse: “a Tecnologia fará por nós o que Karl Marx queria fazer pelo
mundo”.125

124
“Entrevista de Orly”, 23/4/1964 in: Lacerda, C. Palavras e Ação. p. 137.
125
“Entrevista na Rádio Europa”, maio de 1964. in: Lacerda, C. Palavras e Ação. p.149.
4
Sergio Bernardes: o mundo como projeto

“O mundo em que vivemos é o mundo que nós fizemos.”


O.Aicher, Die Welt als Entwurf1

O último ano da gestão de Carlos Lacerda como governador do Estado da


Guanabara coincidiu com o IV Centenário de fundação da cidade do Rio de
Janeiro. A data não poderia ser mais oportuna para alguém que permanecia firme
na disputa pela Presidência. O Pavilhão de São Cristóvão, projeto recém-
inaugurado de Sergio Bernardes, foi designado centro das festividades que se
estenderam ao longo de todo o ano, e o símbolo projetado por Aloísio Magalhães
– uma formalização geométrica do número 4 - varou a cidade em jornais,
embalagens, biquínis, muros. No campo do urbanismo, esse período ficou
marcado pela inauguração de uma série de obras de vulto, como o Parque do
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Flamengo e a adutora do Guandu2. Mas 1965 deve ser lembrado também pela
conclusão do já citado Plano Doxiadis, gestado ao longo de quase dois anos por
uma equipe interdisciplinar instalada entre o Rio de Janeiro e Atenas3.
O Plano Doxiadis visava determinar, em linhas gerais, o desenvolvimento
urbano do novo estado da Guanabara, prevendo sua expansão até o ano 2000,
quando, de acordo com estimativas, sua população deveria chegar a 8,4 milhões
de habitantes (quase o dobro da população recenseada em 19604). Segundo relato
do próprio Lacerda5, veio de sua colaboradora e amiga Lota de Macedo Soares,
então à frente das obras do Parque do Flamengo, o incentivo decisivo à
convocação do já afamado urbanista grego Constantinos Doxiadis para a tarefa6.

1
Die Welt, in der wir leben, ist die von uns gemachte Welt. in: Aicher, Otl. Die Welt als Entwurf.
p. 185. A tradução é nossa.
2
Ver Revista do Clube de Engenharia, número 344/346, de abril/junho de 1965 (edição
comemorativa do IV Centenário da Cidade do Rio de Janeiro).
3
Para tanto foi criada, no Rio, a CEDUG (Comissão Executiva do Desenvolvimento Urbano do
Estado da Guanabara), sob a liderança técnica dos arquitetos Hélio Modesto e A. Hadjapoulos e
supervisão do coronel Américo Fontenelle. Vários arquitetos brasileiros e gregos trabalharam
nessa comissão, entre eles Hélio Marinho e Daisy Igel. Ver Doxiadis Associates. Guanabara. A
plan for urban development. e Reis, José de Oliveira. A Guanabara e seus governadores. Rio de
Janeiro, Prefeitura Municipal, 1977. p.15.
4
A população da Guanabara em 1960 era de 4,5 milhões de habitantes. Ver Reis, José de Oliveira.
A Guanabara e seus governadores. Rio de Janeiro, Prefeitura Municipal, 1977. p.15.
5
Entrevista de Constantino Apolos Doxiadis a Carlos Lacerda.
6
Konstantinos Apostolu Doxiadis (1913-1975) já tinha então projetos urbanos em vários
continentes, sobretudo nos países árabes, e era internacionalmente conhecido por promover
intensos debates teóricos sobre planejamento urbano e por formular as bases teóricas de uma
107

Presumivelmente, Lacerda encontrou aí mais uma possibilidade de dar projeção


ao seu governo, não obstante as reações desfavoráveis por parte de uma parcela
significativa de engenheiros e arquitetos cariocas, dentre os quais Oscar
Niemeyer, Maurício Roberto e Lucio Costa, que se alinharam em ofensiva à
contratação de um escritório estrangeiro7. Muitos diziam que a inauguração de
Brasília, cinco anos antes, já deveria ser prova suficiente da capacidade técnica
dos profissionais brasileiros – e cariocas, acrescente-se, em particular. E além
disso, no dizer de Lucio Costa, o escritório de Doxiadis não era mais que “uma
firma empreiteira para explorar planos urbanísticos de países subdesenvolvidos”,
chefiada por “um cabotino”8.
O relatório preliminar do Plano Doxiadis foi entregue em março de 19659.
No mês seguinte, a revista Manchete publicou um número especial dedicado ao
Rio do Futuro. A capa é inteiramente consagrada ao projeto, anunciado como uma
“antevisão da Cidade Maravilhosa no século da eletrônica” [fig.110].
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Curiosamente, não encontramos aí qualquer referência ao autor do projeto,


arquiteto Sergio Bernardes. Mas tampouco há sequer menção ao restante do
conteúdo editorial, embora esse incluísse assunto tão relevante quanto a sucessão
presidencial e o anúncio da surpreendente aliança entre Lacerda e o governador de
Minas Gerais, Magalhães Pinto. No mais, a revista apresentava, como de costume,
pauta ampla e heterogênea, amparada em imagens de forte apelo visual: enquanto
uma matéria anunciava a prisão de guerrilheiros no sul do país, outra alardeava o
sucesso da bossa-nova em Nova York. E ainda havia espaço para a publicação dos
perfis de Liz Taylor e Helena Rubinstein, entre crônicas de Rubem Braga e
Fernando Sabino.

disciplina que nomeou de “Ekística” (Ekistics), destinada a estudar os aspectos físicos, sociais,
econômicos e demográficos dos assentamentos humanos.
7
O Instituto de Arquitetos do Brasil chegou a encarregar uma comissão de arquitetos para estudar
o contrato de Doxiadis com o governo da Guanabara. Essa comissão resolveu repudiar o contrato
“por considerá-lo incompatível com o nosso estágio de desenvolvimento técnico e atentatório à
cultura brasileira”. (apud Andreatta, Verena. Cidades quadradas, Paraísos circulares. p.298)
Sendo então presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil, o arquiteto Maurício Roberto decidiu
por afastar-se da direção da Esdi, para manter-se na oposição pública, secundada também pelo
Clube de Engenharia, à contratação de Doxiadis.
8
Costa, Lucio. “O contrato com a Doxiadis Internacional Associados” in: Correio da Manhã, Rio
de Janeiro, 4.fev.1964. ver também a “Retificação” que se seguiu à publicação do artigo, no dia
seguinte e no mesmo jornal, em que Lucio Costa confirma o adjetivo usado para caracterizar
Doxiadis.
9
O Plano Doxiadis foi concluído em 20 de novembro de 1965, a exatos 15 dias do fim do governo
de Lacerda, e por isso não chegou a ser aprovado. Meses antes, porém, foi entregue um relatório
preliminar, em 26.mar.1965; esse relatório foi apresentado por Doxiadis a Lacerda em
23.jun.1965.
108

Ao projeto de Sergio Bernardes garantiu-se, em todo caso, destaque


absoluto na edição. Sob o título sugestivo de Rio, admirável mundo novo, abriu-se
espaço equivalente a 36 % da revista para expô-lo. E nessas páginas,
curiosamente, não houve senão uma inserção publicitária: sinal de desconfiança
dos anunciantes diante do alcance público do projeto de Sergio Bernardes? Ou
temor, por parte da revista, de vincular o projeto a um apelo comercial? Sim,
porque os editores esforçaram-se por creditar ao projeto um caráter por assim
dizer científico, ou não o teriam precedido de resumo de artigo extraído da revista
Time, o qual, afirmava-se, “por coincidência, comprova os seus princípios”. Tal
artigo, intitulado A Idade da Cibernética, celebrava as perspectivas abertas pelos
computadores eletrônicos, ao aumentar as possibilidades das viagens espaciais,
mas também responder exigências da vida cotidiana. E de fato o artigo funcionava
como uma espécie de prelúdio ao que viria a seguir: 44 páginas de textos e
imagens de cores fortes (fotos, gráficos e desenhos) que juntos compõem toda
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uma atmosfera de science fiction para o Rio do ano 2000. [fig.110-114]


Sem dúvida, dá-se ênfase maior às imagens que ao texto. E são antes de
tudo os desenhos que convocam a nossa atenção; ora em página dupla, ora em
página inteira ou página e meia, até chegar a ocupar quatro páginas seguidas que
se desdobram para revelar, num mapa-cartaz, a cidade idealizada por Sergio
Bernardes. Vale lembrar que àquela altura – pouco mais de dez anos após sua
criação - a Manchete já era reconhecida como a mais influente revista semanal de
circulação nacional, com uma tiragem que podia chegar a 800.000 exemplares10.
E o primoroso tratamento gráfico da edição só confirma o quanto se investia no
aspecto visual para que a revista continuasse a se distinguir entre as concorrentes.
Diz o editorial (assinado pelo diretor de redação, Justino Martins) que o
projeto de Sergio Bernardes foi feito “por sugestão de Manchete”. Esse aspecto
merece atenção, sobretudo se considerarmos o vínculo ao mesmo tempo tão forte
e peculiar que se produziu entre vanguarda e Estado no Brasil, de Vargas a
Kubitschek, pelo menos, ou do Ministério da Educação a Brasília. Conforme A.
Gorelik, se nesse período a vanguarda arquitetônica brasileira soube produzir
símbolos estatais, por outro lado o Estado soube potenciá-la como “a chave

10
Ao contrário de sua principal concorrente, a revista O Cruzeiro, a Manchete não declarava sua
tiragem. A estimativa quanto ao número de exemplares deve-se a relato de Adolpho Bloch,
fundador e proprietário da revista. Ver Andrade, Ana Maria Ribeiro de e Cardoso, José Leandro
Rocha. “Aconteceu, virou Manchete”.
109

modernizadora de sua ambição por uma cultura, uma sociedade e uma economia
11
nacionais” . É verdade que esse argumento, particularmente evidente na
dobradinha Niemeyer-Kubitschek, pode ajudar a esclarecer também a articulação
inicial entre Sergio Bernardes e Carlos Lacerda, embora esta tenha se produzido
em circunstâncias distintas e com duração bem mais limitada. Mas é igualmente
significativo que a partir de determinado momento Sergio Bernardes tenha optado
por exercer uma prática menos dependente do aparato estatal que estimulara a
produção dos anos 1930-40 e mais consorciada à lógica do mercado, em todas as
suas facetas – editorial, inclusive. E a prova de que seu desejo de emancipação do
patronato do Estado encontrou incentivadores entre empresários está justamente
na publicação do projeto do “Rio do Futuro” na revista Manchete- uma revista não
especializada, de grande circulação e fins nitidamente comerciais, supostamente
responsável pela encomenda do projeto ao arquiteto.
Seja como for, o projeto pode ser visto como uma provocação à concepção
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de projeto de Doxiadis, que se apoiava em extenso levantamento de dados e numa


exaustiva análise da situação geográfica, social e econômica da Guanabara para
formular um masterplan (inteiramente redigido em inglês) de quase 500 páginas,
recheado de mapas e diagnósticos, do qual, entretanto, a arquitetura se via
praticamente excluída – ou melhor, resumia-se a dois ou três projetos-piloto de
casas populares apresentados na seção de “apêndices”. A opção pela pré-
fabricação, aliada à rigorosa modulação das plantas, indica que estes projetos
estavam em certa medida sintonizados com a política habitacional àquela altura já
vinculada ao BNH. Mas também deve ser ressaltado que pelo menos um dos
membros da equipe brasileira do Plano Doxiadis – a arquiteta Daisy Igel - vinha
de uma formação em arquitetura que dava ênfase considerável à produção
industrial, como já vimos. Ainda assim, é inevitável observar que a solução
arquitetônica do problema habitacional, tal como apresentada no relatório final do
Plano Doxiadis, não vai muito além de uma sugestão de caráter quase ilustrativo,
que o lugar secundário reservado à apresentação de tais projetos apenas contribui
para reforçar.
Hoje parece claro que, no radicalismo de sua proposta, Sergio Bernardes
se colocava na direção contrária à de Doxiadis, como que anunciando uma

11
Gorelik, Adrián. Das vanguardas a Brasília. Cultura urbana e arquitetura na América Latina..
p.164.
110

resistência à ameaça de dissolução da experiência da arquitetura no planejamento


urbano. E não poupava esforços para garantir força comunicativa à sua
mensagem, mesmo que para isso fosse preciso apelar para ilustradores garimpados
nas nascentes agências de publicidade brasileiras (José Ramis, Anna Sakalys e
Janusz Stylo), os quais assinam as imagens produzidas originalmente em pranchas
de grandes dimensões, a guache (a propósito, vale dizer que do próprio traço de
Sergio Bernardes pouco se conhece; raras exceções publicadas, como a
perspectiva aérea do Pavilhão do Brasil na Exposição de Bruxelas [fig.157] e o
corte esquemático do Hotel em Manaus [fig.180], mostram um traço meio tosco,
algo infantil, quase o inverso simétrico da potência plástica das imagens do Rio do
Futuro). Mas o projeto de Sergio Bernardes opõe-se também à visão
desesperançada de um futuro sombrio, enraizada no mundo ficcional de H. G.
Wells e exacerbada, precisamente nos anos 1960, pelo cinema (vide 2001: uma
odisséia no espaço, de Stanley Kubrick, 1968). Longe de supor, como estes, o
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domínio da tecnologia sobre o homem, Bernardes apela para “técnicas de


construção já comprovadas” – sem propriamente especificá-las - para propor uma
solução radicalmente verticalizada para a cidade, cujos problemas cada vez mais
graves de transporte (evidenciados nos dados apresentados por Doxiadis12) seriam
supostamente resolvidos com a instalação de um sistema integrado em vários
níveis compreendendo pistas de alta velocidade, “metrô vertical” e monotrilho,
além de duas pontes e um túnel cruzando a baía de Guanabara. No vigoroso
grafismo do mapa publicado em Manchete [fig.114] distinguem-se claramente as
gigantescas artérias de tráfego que se definem como princípio estruturador do
projeto, ao qual a maioria das edificações projetadas (habitação coletiva, escolas,
comércio, hotel, centros de lazer etc) encontra-se diretamente conectada. De resto,
não há ruas, casas ou lotes. Nem pedestres. Tudo o que vemos são edificações de
grande porte (à escala da América, bem se poderia dizer), cuja condição de
insularidade não chega a ser rompida pelas vias expressas que lhes tocam em um,
no máximo dois pontos. Ao norte, chama atenção um padrão regular de faixas
paralelas, em duas cores alternadas: são as áreas reservadas aos setores industrial e
agrícola, que Sergio Bernardes reaproxima e reequilibra, mas não permite que se
confundam (e o próprio arquiteto nos oferece uma pista valiosa a esse respeito,

12
Segundo dados do Plano Doxiadis, o número de licenciamento de veículos na cidade do Rio de
Janeiro, por exemplo, havia crescido 120 % em sete anos (de 1957 a 1964).
111

quando afirma que as áreas destinadas ao cultivo agrícola garantiriam “ar e


paisagem para o homem respirar e descansar os olhos fatigados”13) Mas o que se
destaca de imediato no mapa é sem dúvida o triângulo destinado ao centro
comercial e administrativo, localizado em Jacarepaguá. Este guardaria um de seus
vértices para a instalação, sobre plataforma elevada, de um edifício também de
planta triangular, destinado a abrigar os Três Poderes. Junto a ele, o Centro
Comercial (com lojas, escritórios, bancos etc): uma série limitada de prédios em
tronco de pirâmide, com 10 pavimentos cada e unidades de 1000 m2 (100x100m),
interligados por uma “calçada móvel”.
Deve ser notado, por sinal, que o mesmo ponto em Jacarepaguá serviria a
Lucio Costa para instalar, no governo seguinte (Negrão de Lima), o centro
metropolitano da cidade, em seu “Plano Piloto para a Baixada compreendida entre
a Barra da Tijuca, Pontal de Sernambetiba e Jacarepaguá” (1969)14. [fig.115] E as
consonâncias não param por aí: além de partilharem a localização do centro,
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ambos os projetos propõem torres residenciais de grande altura, espaçadas entre si


um quilômetro e referidas à escala dos acidentes geográficos – ao Corcovado, no
caso de Bernardes; à Pedra da Panela, no caso de Lucio Costa. Sem desconsiderar
as diferenças mais óbvias entre os dois projetos (projetos esses, convém lembrar,
apresentados no intervalo de apenas quatro anos para a mesma cidade), é forçoso
reconhecer a grande distância existente, em termos de concepção urbanística,
entre os planos pilotos de Lucio Costa para Brasília e a região da Barra da Tijuca.
É verdade que no primeiro caso as terras eram devolutas, enquanto que no
segundo os terrenos eram em grande parte privados – e isso é apenas um dos
aspectos a serem examinados (em conjunto com fatores políticos e geográficos, é
claro) se se quer entender o caráter distinto das duas propostas, entre as quais
decorrem pouco mais de dez anos. Que o Plano Piloto de Lucio Costa para a Barra
da Tijuca deve algo ao projeto de Sergio Bernardes é, em todo caso, algo que cabe
reconhecer. Na verdade, é de se supor que a concepção de Sergio Bernardes tenha
inspirado, antes ainda, a proposta de Oscar Niemeyer para uma área localizada
entre a praia da Barra e a av. das Américas, a ser ocupada por um núcleo com
cerca de 70 torres residenciais cilíndricas com altura média de 30 pavimentos –

13
O Rio do Futuro. p.57
14
Costa, Lucio. Plano Piloto para a Baixada compreendida entre a Barra da Tijuca, o Pontal de
Sernambetiba e Jacarepaguá.
112

projeto que Lucio Costa viu com reservas (em função, sobretudo, do adensamento
proposto), mas não deixou de reconhecer como “contribuição decisiva” para o
partido do seu próprio plano para a Barra da Tijuca, cuja praia se converteria, nas
suas palavras, na “praia das Torres”15.

4.1
A cidade de Sergio Bernardes

À diferença do traçado axial, de raiz clássica, que define e delimita a


capital delineada por Lucio Costa, e da malha viária retangular, levemente
distorcida para amoldar-se à topografia local, do plano de Doxiadis para o Rio de
Janeiro [fig.116] , a cidade de Sergio Bernardes é concebida segundo uma
estrutura potencialmente evolutiva, um sistema arterial que se estende a partir de
um centro localizado entre os maciços da Tijuca e da Pedra Branca, em torno dos
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quais se definem dois grandes anéis viários [fig.114]. Apesar de ter como ponto de
partida um centro (na sua relação de dependência mútua com uma área que pode
ser considerada periferia, ao norte da cidade), esse centro não corresponde a um
centro geométrico, não se define pela noção de concentração nem institui
hierarquias axiais e/ou viárias. O que vemos, isto sim, é um híbrido de
concentração e dispersão, permanência e mutabilidade, que no fundo talvez seja o
que melhor resume o caráter do projeto.
Considerando o interesse pelo urbanismo demonstrado por Sergio
Bernardes nesse projeto, não deixa de ser intrigante que ele tenha abdicado de
participar do concurso para o Plano Piloto de Brasília, realizado não muito antes
(1956-7). É possível que não se sentisse à época preparado para desenhar uma
cidade-capital. Ou que tenha optado por apostar em projetos mais pontuais em
Brasília, como o aeroporto internacional da cidade e a superquadra do
IBC/Instituto Brasileiro do Café (nenhum dos dois construído) [fig.124-125]. Ou
ainda, por suspeitar de um concurso que não guardava o anonimato dos

15
No memorial do Plano Piloto para a região da Barra da Tijuca, Lucio Costa afirmou que o
projeto de Oscar Niemeyer “contribuiu decisivamente para a adoção (...) do partido que
transformará a praia da Barra na futura praia das Torres.” Ressaltou, no entanto, que “esse projeto
não poderá ser executado integralmente na forma proposta, porquanto iria criar uma barreira
edificada bloqueando ostensivamente o acesso à baixada.”. Costa, Lucio. Registro de uma
vivência. p. 350. Sobre o projeto de Niemeyer, ver Architecture d’Aujourd’hui 171, jan-fev 1974
(edição especial sobre Oscar Niemeyer), pp.66-69 e Acrópole 372, abr 1970, pp.22-24.
113

concorrentes. Todas essas hipóteses são plausíveis, assim como também é


possível que a própria experiência de Brasília, em seus erros e acertos, e a
promessa de “aceleração do desenvolvimento industrial” aí vislumbrada16 tenha
despertado no arquiteto o desejo de se envolver mais a fundo com a dinâmica da
cidade contemporânea - desde que isso não implicasse limites à sua imaginação.
A oportunidade de pensar o Rio de Janeiro apresentava-se, em todo caso,
num momento especialmente favorável, embora delicado, no qual não obstante a
intensificação das tensões políticas e econômicas em decorrência do golpe militar,
não faltavam investimentos na modernização da assim chamada Belacap17. Para
livrar o Rio de Janeiro da imagem de “cidade devastada” usada no discurso de
Lacerda ainda como candidato ao governo da Guanabara18, o governo estadual
seguia somando capital público e recursos externos para levar adiante uma série
de projetos ligados à infra-estrutura urbana19. Além das obras já mencionadas da
adutora do Guandu e da urbanização do parque do Flamengo, isso incluiu a
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expansão das redes de esgotos e de telefonia, a construção de viadutos e a


perfuração de túneis, a substituição de bondes por ônibus elétricos e a
reformulação do sistema de coleta de lixo, com a extinção da coleta por tração
animal e a construção de usinas de lixo20. Simultaneamente adotou-se um
conjunto de medidas visando a descentralização do poder público, dentre elas a
criação das Regiões Administrativas, às quais foi delegada a gestão dos assuntos
locais, à escala dos bairros.

16
Sobre Brasília, vale a pena confrontar duas declarações de Sergio Bernardes, que distam 20 anos
entre si. “A aceleração do desenvolvimento industrial, aplicado à indústria da construção civil” foi
uma das contribuições de Brasília citadas pelo arquiteto em resposta ao “Inquérito Nacional de
Arquitetura”, série de perguntas endereçadas a arquitetos brasileiros por Alfredo Britto e
publicadas pela primeira vez no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, em 1961. (ver
Arquitetura número 7, janeiro 1963, p.40). Já no II Inquérito Nacional de Arquitetura, realizado
em 1982, Sergio Bernardes afirma que “Brasília é um projeto medíocre” que gerou uma
“arquitetura habitacional ditatorial”, e onde “é mais difícil de se projetar do que em Ouro Preto”.
(ver II Inquérito Nacional de Arquitetura/Depoimentos. São Paulo, Projeto, 1982).
17
termo usada por Lacerda para contrapor a Guanabara à Brasília, erguida pela
Novacap/Companhia Urbanizadora da Nova Capital.
18
“A cidade devastada e sua reconstrução”, discurso de Carlos Lacerda em 30.jul.1960 in:
Lacerda, Carlos. O poder das idéias.
19
Para uma análise da relação entre recursos públicos e externos na administração de Lacerda ver
Perez, Maurício Dominguez. Lacerda na Guanabara. A reconstrução do Rio de Janeiro nos anos
1960.
20
Para uma relação pormenorizada das obras, ver Reis, José Oliveira. A Guanabara e seus
governadores. Rio de Janeiro, 1977. pp.15-21. Note-se, a propósito, que a criação da Esdi
curiosamente não é incluída entre as realizações de Lacerda, mas constará da lista de realizações
de seu sucessor, Francisco Negrão de Lima.
114

Como assessor de Lacerda para assuntos de arquitetura e urbanismo desde


fevereiro de 1962, Sergio Bernardes teve participação direta ou indireta em
algumas dessas frentes; foi encarregado de projetar um restaurante popular no
Parque do Flamengo, por exemplo, e chegou a ter assento no Grupo de Trabalho
que deu origem à Esdi, como já vimos. O arquiteto chegou mesmo a reivindicar
para si a proposta de criação das Regiões Administrativas21. Mas seu encargo mais
importante no governo de Lacerda foi, sem dúvida, o plano de urbanização da
Baixada de Jacarepaguá22. Dele Sergio Bernardes se ocupou até afastar-se do
governo, quando da contratação de Doxiadis. Não há, salvo engano, registro de
que nesse período ele tenha chegado a entregar algum desenho ao governador ou
sua equipe. Mas não se pode negar o quanto essa experiência foi decisiva para o
aguçamento da sua sensibilidade para os problemas urbanos, o que levou-o, na
verdade, a uma atuação irrestrita ao raio de ação tradicional do arquiteto.
Passados dois meses da nomeação de Sergio Bernardes como assessor de
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Lacerda, o Rio de Janeiro foi surpreendido com o Decreto 991, de 27 de abril de


1962 [anexo 1]. Além de permitir a construção de mais de dois prédios no mesmo
lote (desde que a distância entre eles fosse no mínimo igual à metade da altura do
mais alto), o decreto 991 liberou a altura das edificações na maior parte da cidade
(desde que o ganho na vertical fosse compensado por um afastamento mínimo das
divisas do terreno). Assim, se por um lado abriu-se caminho para a verticalização
da cidade, por outro lado foram garantidos afastamentos e recuos imprescindíveis
à execução das inúmeras obras de circulação viária que vinham sendo
implementadas23, bem como a definição de áreas non aedificandi (a serem
possivelmente usadas como jardins, recreação ou estacionamento), e a
preservação de boas condições de aeração e iluminação dos espaços construídos.
É difícil dizer até que ponto Sergio Bernardes teve alguma participação na

21
Cf Módulo, edição especial Sergio Bernardes, 1983. p. 41. Deve ser notado, porém, que a
solução das Regiões Administrativas já vinha sendo defendida por Lacerda em sua campanha
política, antes de assumir o cargo de governador. (veja-se “A cidade devastada e sua
reconstrução”, discurso de Lacerda na convenção da UDN carioca, em 30.jul.1960. in: Lacerda,
Carlos. O poder das idéias. pp.145-167).
22
Segundo Raphael de Almeida Magalhães, à época secretário de planejamento de Lacerda, Sergio
Bernardes foi nomeado presidente de uma comissão destinada a apresentar o primeiro plano
urbanístico para ocupação da Baixada de Jacarepaguá. Ver depoimento à autora, em 13.jun.2007.
23
Xavier, Hélia Nacif. Transformações recentes em um bairro residencial. Laranjeiras, o papel da
legislação urbanística. p. 150.
115

definição dessa nova normativa de ocupação do solo urbano24, mas não podemos
deixar de considerar a posição que o arquiteto ocupava junto ao governador
naquele momento, nem sua defesa cada vez mais firme da verticalidade – que se
tornaria a chave do projeto publicado na revista Manchete.
O decreto 991 chegou a motivar a reunião de arquitetos, engenheiros e
industriais da construção num seminário de três dias, no Clube de Engenharia, ao
final do qual o Instituto de Arquitetos do Brasil apresentou um documento que
acusava a ausência de um plano diretor para o Estado e propunha a criação de um
órgão técnico, subordinado ao Governador, para estudo dos problemas relativos
ao planejamento urbano da Guanabara25. Menos de um ano depois, Lacerda
assinaria outro decreto polêmico: o decreto 1509, de 1 de fevereiro de 1963
[anexo 2]. A formulação e redação deste é atribuída por Raphael de Almeida
Magalhães, então secretário de Planejamento do Estado da Guanabara, a Sergio
Bernardes26. Ao contrário do decreto 991, o decreto 1509 assume um caráter
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claramente restritivo. O texto começa apresentando argumentos em favor do


interesse público: “a Zona Sul da Cidade exige normas que assegurem o respeito
ao interesse público e às técnicas de aproveitamento racional do espaço urbano”.
Em seguida, aponta “falhas na legislação [que] permitiram na zona sul da Cidade
uma concentração populacional de índice elevadíssimo, [...] sem qualquer
planejamento ou provisão de medidas complementares, como alargamento de
ruas, expansão dos serviços públicos de água, esgotos, luz etc.” E finalmente
defende a criação - “mesmo com prejuízo de interesses particulares” - de normas
para evitar que viesse a ocorrer aí “o mesmo que em Copacabana”, em função do
“tumulto gerado pela falta de normas severas de preservação da cidade” e da
subordinação desta “ao privatismo de iniciativas desordenadas, às vezes de
finalidade meramente especulativa”. Só depois dessas considerações introdutórias,

24
O arquiteto Pedro Teixeira Soares, que na época trabalhava na Sursan (Superintendência de
Urbanização e Saneamento do Estado da Guanabara), acredita que o responsável pela parte
urbanística do decreto 991 tenha sido o arquiteto Hélio Modesto, que também trabalhou
posteriormente (em equipe com Hélio Marinho e outros arquitetos) na formulação do decreto “E”
3800/70, que substituiu o Código de Obras do Rio de Janeiro instituído pelo Decreto 6000 em
1937. Para Teixeira Soares, “o papel de Sergio Bernardes pode ter sido mais de articulador, por
sua proximidade de Carlos Lacerda, de quem, além de amigo, era vizinho”. (depoimento a Ana
Luiza Nobre e Hélia Nacif em 03.jul.2007)
25
“Decreto 911: seminário” in: Guanabara número 5, mar/abr 1962, pp.24-25.
26
segundo Raphael de Almeida Magalhães, Sergio Bernardes “formulou esse decreto, que depois
foi muito desvirtuado”, o qual vinha ao encontro da proposta do governo de “aplicar uma política
pública de restrições nas áreas ocupadas e de estímulo às áreas a serem ocupadas.” ver depoimento
à autora, em 13.jun.07.
116

expressas em 6 ítens, passa-se ao teor propriamente dito do decreto: o


estabelecimento de uma relação pré-determinada e obrigatória entre a área do
terreno e a área das unidades a serem construídas aí, ou mais especificamente, a
definição de uma cota de terreno de 60 m2 para cada unidade (residencial ou
comercial) que viesse a ser erguida a partir de então entre os bairros da Glória e da
Gávea27.
Somados, os dois decretos promoviam uma intervenção significativa na
legislação urbana da cidade, que há quase trinta anos vinha sendo definida por
meio de uma série de adendos ao Código de Obras de 1937 (o decreto 6000, que
só viria a ser substituído, na verdade, em 1967)28. Convém notar, aliás, que a
arquitetura moderna no Rio de Janeiro até então traduzira-se, no mais das vezes,
em eventos atípicos dentro de uma malha urbana de tendência uniforme,
dominada pelos parâmetros agachianos29, mediante os quais se mantinha vigente,
em linhas gerais, o padrão tradicional de edifícios colados nas divisas, com
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gabarito fixo, configurando quadras fechadas com pátio interno, as quais por sua
vez configuravam as ruas e espaços públicos. Mesmo com a introdução do pilotis
na legislação urbana carioca, em 1951 (Dec. 10753) manteve-se como referência
primordial o instrumento do gabarito – número máximo de pavimentos permitido
pela legislação numa determinada área da cidade30. Ora, os decretos 991 e 1509
provocavam uma mudança profunda e sem precedentes – tanto em termos de
amplitude quanto em termos normativos - nesse padrão31, que com algumas
exceções de caráter mais pontual e geralmente com estatuto de obra pública
(como a Esplanada de Santo Antônio, no centro da cidade) sobrevivera mesmo

27
ver decreto 1509, de 1 de fevereiro de 1963. (Anexo 2) e depoimento de Raphael de Almeida
Magalhães à autora, em 13.jun.07.
28
A Lei 1574 (dita “Lei de Desenvolvimento Urbano da Guanabara”), aprovada pela Assembléia
Legislativa em 11 de dezembro de 1967, constituiu-se na primeira substituição do Decreto 6000,
de 1 de julho de 1937, e seus decretos modificadores. Cf Xavier, Hélia Nacif. Transformações
recentes em um bairro residencial. Laranjeiras, o papel da legislação urbanística. p. 150.
29
O urbanista francês Alfred Agache foi contratado pela Prefeitura do Distrito Federal em 1926
para projetar o que costuma ser considerado o primeiro plano urbanístico para o Rio de Janeiro.
Embora não tenha sido oficialmente aprovado, o chamado Plano Agache serviu de referência para
propostas posteriores, inclusive o Decreto 6000/ 1937, que definiu as bases do Código de Obras do
Rio de Janeiro por quatro décadas.
30
Muito embora a legislação urbana tenha criado um estímulo ao uso do pilotis na cidade, ao
deixar de computar este pavimento na medição do gabarito.
31
Segundo Pedro Teixeira Soares, vários edifícios foram construídos no Rio de Janeiro segundo
esse novo parâmetro, entre eles o já citado edifício Mal Deodoro da Fonseca, (ver nota 188). Cf.
depoimento de Pedro Teixeira Soares à Ana Luiza Nobre e Hélia Nacif Xavier, em 03.jul.2007.
117

aos períodos em que Affonso Eduardo Reidy estivera à frente do Departamento de


Urbanismo da Prefeitura, entre 1948 e 195532.
Tanto ou mais que o decreto 991, o decreto 1509 provocou uma ampla
discussão pública, a ponto de merecer uma crônica (favorável) de Rubem Braga
no Jornal do Brasil33. Por sua vez, o editorial da revista Arquitetura – órgão
oficial do departamento da Guanabara do Instituto de Arquitetos do Brasil –
tomou o decreto 1509 como “um passo à frente para o controle da atividade
predatória da especulação com terrenos”, que estava conduzindo o Rio de Janeiro
“a um caos urbanístico de características insolúveis”34. O mesmo decreto
enfrentou, porém, forte oposição dos empreendedores imobiliários, e
conseqüentemente uma verdadeira queda-de-braço entre os poderes executivo e
legislativo, num processo cheio de idas-e-vindas que se prolongou quase até o
final do governo Lacerda35. Isso porque, na prática, o decreto 1509 colocava uma
série de embaraços à especulação imobiliária, na medida em que praticamente
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forçava o remembramento dos lotes existentes (no mais das vezes resultantes da
subdivisão de chácaras e glebas maiores, e dimensionados para residências
unifamiliares) e a disposição de áreas livres no terreno. Evidentemente, o decreto
causava também um enorme impacto no valor imobiliário dos lotes. Por outro
lado, tratava-se de um rompimento decisivo com a noção de gabarito, e com isso
instituía-se uma liberação sem precedentes da área a ser construída (desde que

32
Não obstante o envolvimento decisivo de Reidy em projetos que reformularam, em muitos
aspectos, a feição da cidade, como a urbanização da Esplanada de Santo Antônio, de 1948-9, onde
os princípios do urbanismo corbusieriano se expressam com clareza. Deve-se notar, em todo caso,
que os projetos de urbanização da Esplanada de Santo Antônio e do Aterro do Flamengo não
implicaram mudanças significativas na legislação urbana do Rio de Janeiro, uma vez que essa não
incide sobre os espaços públicos. Deve ser ressaltado também que cabia ao Departamento de
Urbanismo muito mais o desenho de projetos de alinhamento que a formulação de decretos.
33
Braga, Rubem. “Desgoverno urbano”. in: Jornal do Brasil, 9.jun.1965.
34
Arquitetura número 10, abril 1963, p.4.
35
O processo se estendeu até 1965, e revela a reação enfrentada pela proposta de Sergio
Bernardes: ao Decreto 1509, de 1 de fevereiro de 1963, seguiu-se o decreto 1585, de 18 de março
de 1963, que ampliava sua área de abrangência para o bairro da Tijuca. A fim de revogar esses
dois decretos, a Assembléia Legislativa votou, ainda em 1963, o projeto de lei 404, que foi vetado
pelo governador. Este promulgou então o Decreto “N”de 21 de maio de 1964, consolidando os
dois decretos anteriores. Seu veto foi, no entanto, derrubado na Assembléia, o que permitiu a
promulgação da Lei 791, de 14 de abril de 1965 (oriunda do projeto 404), que reinstituiu
normativas anteriores a 1963, inclusive o instrumento do gabarito. Simultaneamente, constitui-se
uma Comissão Parlamentar de Inquérito visando apurar denúncias de corrupção dos deputados
para derrubada do veto do governador. De todo modo, sob o argumento de que cabia ao Poder
Executivo a prerrogativa do licenciamento das obras, Lacerda declarou que a promulgação da Lei
791 seria, na prática, ignorada no seu governo. Ver Diário Oficial do Estado da Guanabara de
1/02/63, 19/03/63 e 25/05/64; Diário Oficial da Assembléia Legislativa de 28/04/65 e depoimento
de Raphael de Almeida Magalhães à autora.
118

respeitada a relação estabelecida entre o número de unidades e a área de terreno,


bem entendido). Ao romper com a normativa do gabarito, renunciava-se também a
uma das bases fundamentais de uma tradição urbanística que tinha em Paris seu
paradigma por excelência, com rebatimentos, de certo modo, também sobre
Brasília. Aquele perfil regular e uniforme que caracteriza, a despeito de todas as
suas diferenças, a Place Royale (atual Place des Voges) em Paris (séc.XVII), o
Plan Voisin de Le Corbusier (1925) ou as superquadras de Lucio Costa (1957)
certamente não teria lugar na cidade de Sergio Bernardes, uma cidade aberta à
diversidade e ao imprevisível, pois pensada não mais segundo a noção de
composição (i.e., de acordo com relações harmônicas entre massas edificadas, e
dentre essas e os espaços livres) senão com base na matemática (i.e., segundo uma
equação composta por variáveis e, como tal, indeterminada por natureza). Quer
dizer, se no primeiro caso trabalhava-se com a predefinição de uma fisionomia
urbana (a permanecer como referência, não obstante quaisquer alterações sofridas
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no tempo), no segundo colocava-se em jogo, de saída, uma alta dose de


indefinição quanto à configuração da cidade.

4.2
“Bairros verticais”

Não encontramos referência a qualquer projeto de Sergio Bernardes,


anterior a década de 1960, do qual conste uma proposta tão abrangente para o Rio
de Janeiro quanto aquela publicada na revista Manchete36. Além de abrangente, a
proposta era ostensivamente ousada, por sustentar uma nova estrutura de cidade
que não se integrava em nada à preexistente e permitia, no máximo, que esta
permanecesse como uma lembrança esmaecida (cuja trama ainda podemos
entrever, não sem algum esforço, em pelo menos uma das perspectivas
publicadas).
Na verdade, um alto índice de inconformismo ante a realidade existente é
o que permite a Sergio Bernardes pensar o Rio de Janeiro como uma cidade

36
O projeto publicado na “Manchete” inclui, na verdade, pelo menos uma proposta anterior do
arquiteto: o aeroporto da cidade, projeto amplamente divulgado pelo autor, que chegou, inclusive,
a alugar espaço junto ao cinema Rian, em Copacabana, para expô-lo. Cf depoimento de Pedro
Teixeira Soares a Ana Luiza Nobre e Hélia Nacif Xavier, em 03.jul.2007.
119

espantosamente ordenada e plena de espaços verdes, possibilitados pela


concentração de todas as unidades habitacionais nos chamados bairros verticais:
156 torres helicoidais com cerca de 50 m de diâmetro e 600 m de altura – “quase à
altura do Corcovado”, conforme ressalta o autor do projeto [fig.119 e 121]. Cada
uma dessas torres de dimensões quase inimagináveis teria um núcleo central de
serviços (redes gerais de água, luz, gás e esgoto) e estaria pousada sobre uma base
de 37.500 m2, destinada a abrigar um centro comercial local, estacionamento e
administração. Bairros, e não edifícios de apartamentos - insiste o arquiteto -,
essas torres helicoidais, virtualmente infinitas como as colunas de Brancusi,
supostamente seriam capazes de abrigar, no total, 3.120.000 unidades
habitacionais, ou 15.600.000 pessoas. Isto é, 100.000 habitantes por torre, número
muitas vezes superior, por exemplo, à população (da ordem de 1.600 pessoas) que
Le Corbusier quis abrigar em suas Unidades de Habitação – projeto considerado
paradigma, no pós-guerra, da articulação de habitações e serviços num só edifício
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de grandes dimensões.
Não há mais que indicações sumárias na revista Manchete com relação à
solução em planta dessas torres. Mas um projeto pouco posterior (Hotel Tropical
em Recife, 1968) [fig.123] permite supor como poderiam ser os “Bairros
verticais” do Rio: no caso de Pernambuco, pretendia-se construir sobre a água
uma torre helicoidal com 24 pavimentos-tipo, provida de um núcleo cilíndrico de
22 m de diâmetro, destinado a circulação e instalações. Desse núcleo sairiam dois
gomos, com nove apartamentos cada, que se deslocariam cerca de 15 graus por
pavimento, configurando uma gigantesca escada helicoidal enrijecida em seu
perímetro externo por uma viga de amarração que serviria ao mesmo tempo de
rampa37.
Graças ao adensamento populacional e à concentração de infra-estrutura, a
solução análoga para o Rio permitiria que o perfil recortado das montanhas
cariocas seguisse quase intocado, a não ser pelas gigantescas torres helicoidais
dispostas a cada quilômetro, que parecem intencionalmente rivalizar com a
imagem do edifício-viaduto com o qual Le Corbusier enfrentara essa mesma
paisagem, ainda no final da década de 1920. Com efeito, em vez de buscar apoio
na horizontal, na qual Le Corbusier viu a “única linha que é capaz de cantar

37
Cf Vieira, Monica Paciello. Sergio Bernardes: arquitetura como experimentação. pp.102-105.
120

harmoniosamente com o capricho veemente dos montes”38, Sergio Bernardes


tratou de defender uma proposta radical de verticalização – mas, nas suas
palavras, uma “verticalização ousada”, e não a “verticalização tímida” encontrada
em Copacabana, por exemplo, que aos seus olhos só fazia agravar os problemas
urbanos, por fazer de cada proprietário de um lote um especulador em potencial.
[fig.121 e 122] Além de combater a dispersão e o desperdício de infra-estrutura
próprios das cidades estendidas desmesuradamente, tendentes a fundir-se nas
megalópoles preconizadas por Doxiadis39, os “bairros-verticais” permitiriam que a
população migrasse à vontade de uma área a outra da cidade, sem comprometer a
estrutura desta.
Sergio Bernardes mesmo considerou seu projeto para o condomínio
residencial Casa Alta (1963), em Botafogo, um antecedente construído para os
bairros verticais40. [fig.129-130] Embora operando numa escala muito menor, e
apesar de ter sido apenas parcialmente desenvolvido sob a coordenação do
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arquiteto41, o projeto do condomínio Casa Alta - e com ele o Edifício da Torre,


proposto pouco antes para São Paulo (em colaboração com Ennes Silveira Mello)
– pode, em certa medida, ser localizado na raiz do processamento da idéia de
verticalização da habitação coletiva culminante nos bairros verticais. Isso porque
no projeto Casa Alta, apresentado pelo arquiteto como “o primeiro loteamento
vertical”, são introduzidas e testadas algumas das premissas projetuais que mais
adiante serão retomadas e desenvolvidas nos chamados bairros verticais: a
elaboração de redes de tráfego independentes para pedestres e automóveis, a
incorporação de programas complementares à moradia no corpo do edifício e a
concentração de estrutura e infra-estrutura em torres de serviços, de modo a
liberar as unidades habitacionais de quaisquer interferências estruturais e de
instalações e assim oferecer ao morador, ao menos em teoria, liberdade total no
arranjo interno da sua unidade42. É verdade que o projeto Casa Alta sequer

38
Santos, Cecília Rodrigues dos et alii. Le Corbusier e o Brasil. p.96.
39
“no futuro não haverá Rio e São Paulo separadamente, mas uma só megalópolis, uma gigantesca
Rio-São Paulo”, declarou o urbanista grego. ver “Entrevista de Constantino Apolos Doxiadis a
Carlos Lacerda” in: Jornal do Brasil, 13/3/1972
40
Casa Alta. (Folder de lançamento do empreendimento)
41
O conjunto compreende 3 edifícios, chamados de Etapa A, B e C; destes, apenas o A foi
desenvolvido pelo arquiteto. Segundo Pontes, Ana Paula. Individualismo de massa: a habitação
coletiva na obra de Sergio Bernardes.
42
Vale a pena atentar para as contradições encontradas por Ana Paula Pontes nesse projeto. Em
primeiro lugar, a liberdade prometida pela planta livre de obstáculos resulta, na verdade,
contrariada pela própria área das unidades habitacionais. Afinal, em 120 m2 não há tantas
121

chegava perto do grau de liberdade oferecida muito antes por Le Corbusier em


seus projetos para o Rio de Janeiro (1929) e Argel (1932-42) – nestes, uma vez
definida a superestrutura do edifício, os espaços habitáveis restariam fora do
controle do arquiteto, a serem edificados de acordo com o gosto e as necessidades
dos moradores. Mas nem por isso o projeto de Sergio Bernardes deixava de ser
anunciado como uma “carta de alforria’ ao cliente para livrá-lo da escravidão das
gavetas, tristes substitutos modernos das casas”, conforme se lê no folheto
promocional do empreendimento.
Ainda segundo esse folheto, o projeto fora apresentado por Sergio
Bernardes em Munique, na Alemanha, em abril de 1963, numa ocasião em que
“sociólogos, humanistas e críticos de arte – gente vinda, em grande parte da
Bauhaus” teria discutido “a tirânica padronização das habitações”43. Por mais que
tal afirmação possa ser colocada sob suspeita44, a referência à Bauhaus certamente
não era fortuita, e se considerarmos a associação quase imediata, naquele
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momento, dessa escola com a HfG (não obstante a reorientação desta após o
afastamento de Max Bill), não podemos deixar de notar que o problema que então
se colocava para o arquiteto brasileiro tinha a ver com uma questão na qual
também achava-se envolvida, de uma maneira ou de outra, a escola ulmiana,
conforme já vimos.
Assinale-se que a questão sobre a altura mais adequada para as habitações
da cidade moderna havia sido amplamente discutida no CIAM II (Frankfurt,
1929) e III (Bruxelas, 1930)45, encontros que ficaram marcados pela defesa dos
edifícios altos por Gropius, que definiu então a casa unifamiliar com jardim como
“um empréstimo tomado à vida no campo”, uma construção anti-econômica e
inadequada às necessidades psicológicas e sociais dos habitantes da cidade
industrial moderna46. Por isso sua localização, segundo Gropius, deveria se limitar

variações possíveis que atendam ao programa típico das famílias de classe média às quais o
edifício se destinava. Além disso, a solução adotada, com lajes duplas entre os pavimentos para
encaminhamento horizontal dos dutos de instalações, é de manutenção ainda mais difícil e custosa
do que a solução convencional, com os dutos correndo na horizontal. Ver Pontes, Ana Paula.
Individualismo de massa: a habitação coletiva na obra de Sergio Bernardes.
43
Casa Alta. Sergio Bernardes. Texto de Tarciso Leal. p.11.
44
Conforme depoimento do arquiteto alemão Hans-Jörg Fuchsloch, que trabalhou com Sergio
Bernardes no Rio de Janeiro entre 1964 e 1965, a palestra deste ocorreu, na verdade, num Fórum
de fabricantes de tapetes (e por indicação de Oscar Niemeyer, o qual, convidado inicialmente, teria
declinado do convite). Cf. depoimento de Hans-Jörg Fuchsloch à autora, em 10.jul.2005.
45
Aymonino, Carlo. La vivienda racional. Ponencias de los congresos CIAM 1929-1930.
46
Gropius, W. “Construções baixas, médias ou altas?” In: Bauhaus: Novarquitetura. p.159.
122

no máximo à periferia, ao contrário dos edifícios altos, que - desde que em boas
condições de ventilação - foram considerados “a forma ideal de habitação”.
Se é a essa orientação que, de certo modo, os bairros verticais de Sergio
Bernardes terminam por remeter, no Casa Alta a questão passa também por
recusar a rigidez implicada nas casas padronizadas, sem abrir mão do raciocínio
modular. É isso, pelo menos, o que se pretende ao colocar em xeque o princípio
das residências unifamiliares (pelo menos no sentido tradicional, que vincula um
núcleo familiar ao solo). Na verdade, a casa, propriamente dita, vai sendo
progressivamente eliminada dos projetos urbanos de Sergio Bernardes, por mais
contraditória que essa direção se mostre em relação aos padrões residenciais da
clientela que o arquiteto seguiu atendendo em paralelo, tanto no Rio quanto em
São Paulo (onde chegou a ter escritório, no início da década de 196047).
Convém atentar, de todo modo, para a distinção feita por Sergio Bernardes
entre edifício e bairro vertical. Estendidos virtualmente ao infinito, estes tratariam
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de oferecer, segundo ele, não apartamentos mas lotes verticais – no caso do


projeto publicado na Manchete, trabalhou-se com a cifra de 20.000 lotes de 100
m2 para cada “bairro vertical”. É verdade que os bairros verticais de Sergio
Bernardes tomarão, ao longo do tempo, configurações diversas e em alguns
momentos razoavelmente distintas das curvas helicoidais que vemos nas páginas
da revista Manchete – basta comparar este projeto, por exemplo, com a proposta
bem posterior de ocupação de uma área de 1,2 milhão de metros quadrados às
margens do canal de Sepetiba, na Barra da Tijuca, com quatro bairros verticais de
planta estrelada.48 [fig.133] Mas em princípio, todas as versões de bairros
verticais mantêm em comum o desejo de ir além da noção já esvaziada de sentido
revolucionário do arranha-céu. É sua ambição, segundo Bernardes, realizar ao
mesmo tempo a tarefa impossível de “libertação do solo e da gravidade” e a
limitação da expansão horizontal da cidade. E nisso eles sugerem uma
proximidade muito maior com as grandes estruturas dos metabolistas japoneses e
do grupo britânico Archigram, como veremos adiante.

47
Em São Paulo, Sergio Bernardes associou-se, nos anos 60, a Eduardo de Almeida e Ennes
Silveira de Mello. São desse período as residências José Luiz de Magalhães Lins e Jayme de Souza
Dantas, respectivamente no Rio de Janeiro e em São Paulo.
48
ver Módulo, edição especial Sergio Bernardes, 1983. p.55. Trata-se de uma edição especial da
revista, inteiramente dedicada a Sergio Bernardes e publicada como catálogo da exposição do
arquiteto no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em outubro/novembro de 1983.
123

Antes disso, porém, convém determo-nos um pouco mais na terminologia


usada por Sergio Bernardes. Se tomarmos a publicação oficial do governo da
Guanabara para o IV Centenário do Rio de Janeiro, veremos que já aí se alertava
para a imprecisão da noção de bairro, à qual se confiava uma certa identidade
raramente coincidente com as unidades fiscais ou administrativas, porém definida
por um “sentimento coletivo” de seus habitantes e por uma certa paisagem urbana
(tipos de casa, disposição das ruas, sítio de implantação etc)49. Pode-se dizer que é
esse sentimento de pertencimento a uma coletividade que o bairro vertical de
Sergio Bernardes pretende explorar, embora nem por isso ele se disponha a buscar
qualquer identificação com um determinado sítio ou paisagem urbana. Trata-se,
de fato, de um pensamento generalizante, e por princípio refratário a qualquer
localismo.
Em nenhum outro texto de Sergio Bernardes encontramos uma formulação
mais completa dos bairros verticais que no livro publicado uma década depois da
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edição de Manchete: Cidade. A sobrevivência do poder (Guavira, 1975). Mais


uma vez, não é só o título que é provocativo. Nesse livro, o arquiteto começa por
afirmar “que a atividade especulativa é inerente ao homem”, para se propor a
“dirigi-la de forma mais produtiva e racional, (...) com o objetivo de conciliar
homem e ambiente”50. Uma vez que o Brasil optara por desenvolver-se segundo
as regras de uma economia de mercado, diz ele, seria preciso levar essa opção às
últimas conseqüências; daí a proposta de criação das “células urbanas”: unidades
modulares com um núcleo habitacional verticalizado, constituídas juridicamente
como sociedades anônimas. A tese se complementa com os Bônus patrimoniais,
proposta teórica de capitalização do solo urbano apresentada pelo arquiteto em
diversas ocasiões e posteriormente tornada objeto de publicação específica (Bônus
patrimoniais. LIC/Laboratório de Investigações conceituais, 197751). Uma postura

49
Soares, Maria Terezinha Segadas. “A fisionomia das unidades urbanas”.
50
Bernardes, Sergio. Cidade. A sobrevivência do poder. p.31
51
O LIC/Laboratório de Investigações Conceituais foi criado na década de 1970 dentro da
estrutura de SBA-Sergio Bernardes Associados (escritório sediado na Barra da Tijuca, Rio de
Janeiro, em edificação projetada pelo próprio arquiteto) e se constituiu como um grupo de trabalho
interdisciplinar destinado a desenvolver “trabalhos de reflexão e formulação que se
consubstanciem em projetos de estudo e pesquisa” voltados para o desenvolvimento urbano. Há
dados contraditórios quanto à data exata de sua criação; segundo texto de Sergio Bernardes
publicado em 1983 na revista Módulo (número especial sobre Sergio Bernardes), o LIC nasceu em
1979. No entanto, observamos que o livro “Bônus patrimoniais”, publicado em 1977, já dava
crédito ao LIC. Segundo depoimento de Kykah Bernardes à autora, o LIC contava, entre seus
124

no mínimo corajosa, considerando a ameaça à arquitetura associada à especulação


imobiliária. E, é claro, as implicações de uma defesa do poder naquele momento –
já em pleno governo Geisel.
Aos poucos vamos vendo que a preocupação de Sergio Bernardes em
encontrar uma resposta para o crescimento acelerado das cidades implicava, no
caso, alterar radicalmente a legislação urbana, reformular conceitos de
organização social, a ocupação do solo urbano e rural. Por outro lado, refutar a
noção de megalópole de Doxiadis significava reinvestir a forma urbana de valor.
O que, no caso, era o mesmo que retirar a questão estética de uma condição
secundária, ou mesmo irrelevante, na qual essa ia se vendo cada vez mais
confinada na prática da planificação urbana, e ao mesmo tempo considerar o
problema estético menos em termos do edifício, como unidade plástica autônoma,
do que à escala da metrópole contemporânea.
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4.3
Jogo de helicoidais

O projeto para o Rio do Futuro de Sergio Bernardes pode ser situado


dentro de um ciclo de propostas ditas visionárias – termo que dá nome a uma
exposição organizada pelo MoMA e exposta na VIII Bienal de São Paulo, também
em 1965, com projetos de Bruno Taut, Kiyonori Kikutake, Paolo Soleri, Frederick
Kiesler, Louis Kahn e Buckminster Fuller, dentre outros52. Cidades subterrâneas,
cidades flutuantes, cidades helicoidais, cidades-ponte: segundo o curador da
exposição (Arthur Drexler), o que aproxima estes projetos é, essencialmente, sua
dimensão crítica e o grau de desafio que se colocam, ao buscar soluções para os
problemas derivados do congestionamento e adensamento dos grandes centros
urbanos na conjugação entre tecnologia e imaginação. Sem dúvida é essa a
direção para a qual o trabalho de Sergio Bernardes deriva, mais marcadamente a
partir de meados dos anos 60 – veja-se o projeto para o Hotel de Manaus (1963-
70) [fig.179,178,184], cuja gigantesca cúpula geodésica, afinal desenvolvida no

fundadores, com o médico Ivo Pitanguy e o economista Roberto Campos. Ver Bônus patrimoniais.
Capitalização do solo urbano e Módulo especial sobre Sergio Bernardes, 1983.
52
A exposição, exibida primeiramente no MoMA, em 1960, circulou a partir de então por vários
países. A mostra era composta por 45 projetos de 30 arquitetos, oriundos de sete países (França,
Grã-Bretanha, Alemanha, Japãp, Holanda, Rússia e Estados Unidos). ver Fundação Bienal de
S.Paulo. Catálogo da VIII Bienal de São Paulo, set/nov 1965.
125

Brasil pelo engenheiro Jayme Mason, chegou a ser submetido, numa de suas
versões anteriores, ao próprio Buckminster Fuller53. Ora, por este viés, é possível
aproximar Sergio Bernardes também de alguns movimentos de vanguarda das
primeiras décadas do século XX, principalmente do futurismo italiano (compare-
se, por exemplo, o Centro Comercial do Rio do Futuro de Bernardes e os
Terrassenhäuser da Cidade Nova de Sant´Elia54) [fig.117-118] e do
expressionismo arquitetônico alemão, em sua obsessão por escapar do cerco da
racionalidade ocidental. Em que pese a distância entre a arquitetura de Bernardes
e a obra de um Taut, por exemplo, não deixa de ser significativo que a prática
projetual daquele tenha caminhado para o domínio da fantasia no exato momento
em que se deflagra aqui a brutalidade do golpe militar - e aproveitando de certa
maneira as possibilidades inauguradas por aqueles arquitetos que, a seu modo e
em seu tempo, se dispuseram a “reagir ‘criativamente’ à experiência destrutiva da
guerra e da derrota”55 . Não que o arquiteto brasileiro tenha, a qualquer momento,
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demonstrado alguma inclinação por um posicionamento político de esquerda. Já


vimos como sua proximidade com Carlos Lacerda foi altamente produtiva nos
primeiros anos da década de 1960, e o mesmo se pode dizer do período mais
negro do regime militar, em que Sergio Bernardes concebeu vários edifícios
públicos de envergardura para o poder estatal, como o Ministério da Marinha
(Brasília, 1970) e o Mausoléu de Castello Branco (Fortaleza, 1968) [fig. 132].
Dentre esses projetos, por sinal, aquele que é provavelmente o mais significativo
nem encerra um espaço arquitetônico, mas não deixa de ter uma presença pública
inegável: o mastro da bandeira nacional, estrutura tubular de aço, com 100 m de

53
Documentos encontrados nos arquivos de Buckminster Fuller na Universidade de Stanford
revelam uma correspondência intensa entre este e Sergio Bernardes ao longo do ano de 1968, a
propósito do projeto de duas cúpulas de grandes dimensões no Brasil (nenhuma delas realizada):
uma para o Hotel em Manaus, outra para o estádio do Corintians em São Paulo. Dentre os
documentos encontrados, devemos destacar também o esboço de um projeto do qual ambos seriam
consultores, destinado à criação de uma associação não-governamental, com sede em Nova York,
voltada para promover o desenvolvimento de uma área específica, porém não identificada, no
Brasil.
54
Denomina-se “Terrassenhäuser” (literalmente, edificações em terraço) ou “estrutura em A” os
edifícios escalonados usados pelo italiano Antonio Sant’Elia (1888-1916), um dos pioneiros do
movimento moderno em arquitetura que afetou mais diretamente os megaestruturalistas, segundo
Reyner Banham. Ver Banham, R. Megaestructuras.
55
Argan, “A arquitetura do expressionismo” in: Projeto e Destino. p. 193.
126

altura, fincada na Praça dos Três Poderes, em Brasília, no começo da década de


197056. [fig.131]
Cúpulas de cristal sobre os Alpes, torres helicoidais sem começo nem fim
sobre a Serra do Mar; se é possível encontrar um traço comum entre tais propostas
– que noutros aspectos, especialmente no que diz respeito ao compromisso
político de seus autores, permanecem, a rigor, incompatíveis – esse traço comum
está na confiança extrema e genuína que os arquitetos que as conceberam
depositaram na técnica de seu tempo, e na forte expressão gráfica na qual
buscaram apoio para veicular seus projetos. Neles, a fantasia e a exacerbação da
técnica andam de braços dados. E uma vez que esta segue colocando à disposição
novos materiais e produtos, não há porque supor limites para a invenção. A
tecnologia industrial, afinal, promete ser capaz de tudo, inclusive transpor a utopia
e a ficção científica para a realidade.57
A operação na qual Bernardes investe para inserir seu projeto no circuito
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de comunicação de massa mostra-se, por sua vez, bastante atenta, e é preciso


dizer, absolutamente atualizada com o pensamento urbanístico que emerge no
meio da arquitetura no começo dos anos 1960, como desdobramento da crise do
urbanismo modernista nascida no próprio interior dos CIAM. É certo que a
circulação da Manchete ocorre num ambiente em tudo distinto daquele onde se
propagam os sedutores panfletos do grupo Archigram, constituído na cena
alternativa de Londres entre o final da década de 1950 e o início da década de
196058. E tampouco encontraremos em Sergio Bernardes o desejo de dar uma
“injeção de ruído no sistema” que, conforme Kenneth Frampton59, motivou a
articulação em grupo dos arquitetos do Archigram (Warren Chalk, Peter Cook,
Dennis Crompton, David Greene, Ron Herron e Mike Webb) e a publicação, em
papel barato e impressão econômica, de nove edições do periódico homônimo,
entre 1961 e 1974. É preciso notar, antes de tudo, que à diferença desses
arquitetos – todos então recém-formados – Bernardes já contava, àquela altura,
com mais de 40 anos; era um arquiteto conhecido e respeitado internacionalmente,

56
A altura do mastro foi determinada pela decisão de colocar a bandeira acima das representações
dos Três Poderes. Sua estrutura é constituída de 24 tubos – número equivalente à quantidade de
estados do Brasil na época - que convergem para um ponto único, formando um cone. Neste ponto
nasce um tubo único que sustenta a bandeira de quase 300 m2.
57
Argan, G.C. Arte moderna. p. 514.
58
Ver Cook, Peter (ed). Archigram.
59
Frampton, K. Historia critica de la arquitectura moderna, p. 285.
127

cujo currículo compreendia vários prêmios (da Bienal de São Paulo à Trienal de
Milão), algumas exposições (inclusive uma sala especial na VII Bienal de São
Paulo, em 1963) e nomeações de prestígio (como o cargo de presidente da
comissão do plano urbanístico da Baixada de Jacarepaguá, no governo de Carlos
Lacerda). Além disso, seu currículo já apresentava uma boa quantidade de obras,
muitas delas publicadas nas revistas especializadas de maior prestígio na época:
L’architecture d’aujourd’hui (França), The Architectural Review (Inglaterra),
Zodiac (Itália), além das brasileiras Habitat, Módulo, Acrópole e Arquitetura e
Decoração, dentre outras. Desse modo, e considerando a supremacia do caráter
autoral que permanecia em absoluta vigência na arquitetura carioca, não é de
admirar que a ação de Sergio Bernardes se sustentasse individualmente, enquanto
os arquitetos do Archigram moviam-se em grupo, sem o que dificilmente teriam
conseguido abrir espaço no meio altamente institucionalizado da arquitetura
inglesa.
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A extravagância e mesmo o excesso das suas propostas, o desafio de


retirar a arquitetura dos espaços institucionais consolidados e inseri-la no circuito
da comunicação de massa (no caminho aberto à arte pela estratégia pública da pop
art), assim como a alta dose de otimismo e confiança no desenvolvimento
científico-tecnológico que impregna seus projetos naquele momento, permite-nos,
porém, aproximar Sergio Bernardes do Archigram, e até mais do movimento
metabolista japonês, definido simultaneamente ao Archigram e em sintonia com
este60. Muito embora os arquitetos ditos metabolistas estivessem longe de
comprometer-se com movimentos de contra-cultura, como o grupo britânico, e ao
contrário deste, se inclinassem por fundir aspectos pragmáticos e utópicos em seus
projetos61. Na Inglaterra, propostas carregadas de ironia como a Walking City
(Herron, 1964) e a Plug-in-City (Cook, 1967) [fig.134-135]; no Japão, a série de

60
Considera-se o ponto de origem do movimento metabolista a declaração “Metabolism: The
proposals for New Urbanism”, publicada em 1960, por ocasião da World Design Conference, em
Tóquio, e assinada pelos arquitetos Noriaki Kurokawa, Kiyonori Kikutake, Masato Otaka e
Fumihiko Maki e pelo crítico de arquitetura Noboru Kawazoe. Convém destacar a presença, nessa
conferência, de Peter e Alison Smithson (Inglaterra), Jean Prouvé (França) e Louis Kahn (EUA).
Cf Guiheux, Alain. Kisho Kurokawa. Le Métabolisme 1960-1975.
61
Colquhoun, Alan. La arquitectura moderna. Una historia desapasionada. p.225. Com efeito,
convém notar que diversos projetos metabolistas foram executados, boa parte deles na esteira das
obras executadas para a Feira Internacional de Osaka, em 1970 (como o Pavilhão Takara, de
K.Kurokawa, que antecipa a solução em cápsulas que se verá a seguir na Torre Nakagin, do
mesmo arquiteto (Tóquio, 1970). A esse respeito, ver Guiheux, Alain. Kisho Kurokawa. Le
Métabolisme 1960-1975.
128

cidades flutuantes de Kiyonari Kikutake (1958-62) e Kasumigaura (1961) e os


edifícios helicoidais de Kisho Kurokawa (1961) [fig.136-137]; no Brasil, os
bairros verticais de Sergio Bernardes: cada uma dessas megaestruturas62 - para
usar o termo cunhado por Fumihiko Maki – sustenta, de todo modo, uma resposta
positiva ao inchamento das cidades contemporâneas, somada a uma postura
transgressiva em relação à doutrina urbana instituída por Le Corbusier na Carta de
Atenas63.
O chamado movimento megaestruturalista teve repercussão ampla e quase
imediata em vários países europeus – na França e na Itália, sobretudo (com
representantes como Yona Friedman e Ludovico Quaroni, respectivamente) - e na
América (com Paolo Soleri, Paul Rudolph e outros). No Brasil, aquelas propostas
encontraram eco ainda no final dos anos 1950, nos super-blocos de 300 m de
altura e 16.000 habitantes de Rino Levi e equipe para Brasília64 [fig.126], e
ganharam desdobramento numa seqüência de projetos de Sergio Bernardes. Este,
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em particular, fez questão de se mostrar em dia com o movimento


megaestruturalista; seu projeto para o Rio do Futuro surge no ano seguinte do que
Reyner Banham denominou “o mega-ano” de 1964: “ano em que Fumihiko Maki
cunha o termo megaestrutura, revistas como Architectural Forum e Bauen +
Wohnen contribuem para a cristalização das idéias em jogo e novas forças, como
Archigram, causam seu primeiro impacto”65. Uma análise mais detida das
páginas da revista Manchete mostra que a ênfase nos problemas do tráfego, a
concentração das edificações em gigantescas estruturas multifuncionais,
expansíveis e articuláveis a unidades modulares e repetitivas; todos esses aspectos
que, segundo Banham66, definem o que se entende por megaestrutura
comparecem, a seu modo, no projeto de Sergio Bernardes, e encontram aí uma
formulação vigorosa e eloqüente, digna de ser incluída no rol das megaestruturas.

62
O termo megaestrutura surgiu em 1964, em texto do arquiteto japonês Fumihiko Maki,
“Investigations in Collective Forms”(Washington University, 1964). E ao ser publicado, na década
seguinte, o estudo de Reyner Banham tornou-se referência fundamental sobre o assunto. ver
Banham, Reyner. Megastructure.
63
Publicada em 1942, a Carta de Atenas resumiu - na versão de Le Corbusier – as atas não
publicadas do IV CIAM, realizado em 1933. Seus princípios baseavam-se na divisão da cidade em
4 funções: habitação, trabalho, lazer e circulação.
64
ver Módulo 8, jul 1957, pp.56-61.
65
Banham, R. Megaestructuras. p. 70
66
Ibid.
129

Autores como Siegfried Giedion67 e Alan Colqhoun68 identificaram


basicamente dois caminhos possíveis dentro dessa abordagem mais geral: um,
mais inclinado a concentrar várias funções urbanas numa só estrutura em grande
escala (caso típico dos projetos do Archigram), outro, que substitui a ênfase nos
edifícios isolados pelo acento nas relações dos edifícios entre si (caso do projeto
de F. Maki para a reconstrução de uma parte de Tóquio, de 1964). Sob esse ponto
de vista, a análise do projeto de Sergio Bernardes indica uma posição
intermediária: se por um lado sua concepção de bairro vertical segue o sonho das
gigantescas estruturas auto-suficientes dos ingleses, por outro sua concepção de
cidade põe ênfase num sistema de inter-relações entre edificações, espaços livres e
vias de circulação - idéia contida nos projetos do Archigram e que alimenta
também as propostas contemporâneas de Yona Friedman e outros para uma
“arquitetura móvel”69 [fig.127-128].
O campo em que os arquitetos envolvidos com as megaestruturas se
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movem define-se justamente entre essas duas variantes, tendo em vista a


emergência da sociedade de consumo no pós-guerra, o inchamento dos centros
urbanos e o conseqüente colapso das redes de comunicação e transportes, o
impacto dos novos sistemas de comunicação e informação e das teorias
cibernéticas70. Nenhum dos arquitetos dessa corrente parece disposto a negar que
a arquitetura seja um artigo de consumo, e diverte-os a idéia de que no passado,
como assinala Peter Cook, fosse considerado imoral buscar o máximo
aproveitamento econômico de um terreno71. Também fica evidente, nesses
projetos, uma inversão do sinal negativo antes atribuído ao crescimento das
cidades (a exemplo do Plano Piloto de Brasília, cujos limites são pré-
determinados). E um deslocamento do eixo das demandas sociais em torno do

67
Giedion, S. Espaço, Tempo e Arquitetura. p. 885.
68
Colqhoun, A. La arquitectura moderna. Uma historia desapasionada.
69
nascido em Budapeste em 1923, Friedman estudou em Israel e estabeleceu-se em Paris em 1957;
no ano seguinte fundou o GEAM (Groupe d’Etude d’Architecture Mobile), integrado também por
David Georges Emmerich, Frei Otto, Eckhard Schulze-Fielitz, Paul Maymont e outros. A síntese
das idéias do GEAM pode ser encontrada num texto de 1960, que propõe, entre outros pontos, a
reforma da legislação para facilitar o intercâmbio das construções, tanto em termos de propriedade
quanto de uso; o uso de estruturas variáveis e intercambiáveis; a abertura à participação do
usuário; o recurso contínuo à pré-fabricação e industrialização. ver Busbea, Larry. Topologies. The
Urban Utopia in France, 1960-1970.
70
O termo Cibernética foi cunhado por Norbert Wiener no pós-guerra para designar uma
disciplina nascente, dedicada fundamentalmente a estudar o impacto social da automação. ver
Wiener, Norbert. Cibernética e sociedade. O uso humano dos seres humanos.
71
Cook, Peter. Architecture: Action and Plan (1967) apud Frampton, K. Historia critica de la
arquitectura moderna. p. 286.
130

qual giravam as tendências construtivas desde o começo do século, para por


ênfase na liberdade individual. E nesse particular convém notar como os projetos
do Archigram, sobretudo, incorporaram dispositivos (plug-in/clip-on/drive-in)
mediante os quais a arquitetura mostrava-se tendencialmente aberta à participação
do indivíduo-morador, renunciando a assumir qualquer configuração estável e
definitiva. Pois a crítica mais forte dirigida pelo Archigram à arquitetura do
Movimento Moderno estava justamente aí, na incapacidade ou resistência
demonstrada por esta em operar com as novas tecnologias de modo a conceder ao
morador/usuário uma margem de participação na obra72, quase no sentido de
completá-la – ainda que de maneira provisória.
E no entanto não deixaram de ser propostos espaços tipificados segundo o
conceito de Existenzminimum que fora tema do II CIAM, como já vimos. As
unidades habitacionais de dimensões mínimas (18 m2 no caso do protótipo LC-
30X de Kisho Kurokawa [fig.140]) tendiam a ser pensadas, contudo, como
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cápsulas que podiam ser livremente, e com relativa facilidade, conectadas e


desconectadas de uma estrutura nuclear distribuidora de serviços (a exemplo da
proposta não executada de Warren Chalk, de 1964, concretizada pouco depois nas
Torres Nakagin, em Tóquio, e Sony, em Osaka, ambas projetadas por Kisho
Kurokawa e construídas respectivamente em 1970 e 1972) [fig.138,139,140]. Se
analisada em termos da sua correspondência com a lógica da produção industrial,
portanto, a noção de habitat-cápsula mostra-se menos próxima do elementarismo
construtivo de Wachsmann que do modo de produção de um carro, digamos, cuja
serialidade se realiza não no produto final (o carro), mas na sua repetição como tal
(a indústria automobilística). Por outra parte, reencontramos na predestinação à
conexão e desconexão dessas cápsulas algo do princípio do jogo que Lewis
Munford mostrou ter tido papel fundamental na constituição de toda uma cultura
técnica. “Algumas das grandes conquistas da mecanização foram concebidas
primeiramente como jogo, diz ele: relógios primorosos cujas figuras se moviam
com uma seqüência de movimentos rijos e elegantes, bonecas que se mexiam
sozinhas, (...) pássaros que moviam sua cauda ao tilintar de uma caixinha de
música.” Desse modo, segue Munford, “a verdade mecânica foi muitas vezes dita

72
Cabral, Claudia Piantá Costa. “Archigram 1961-1974: uma fábula de la técnica”.
131

primeiramente como brincadeira, tal como o éter foi usado antes nos jogos de
salão na América do que em cirurgias.”73
Às palavras de Munford podemos somar a reflexão de Johan Huizinga
sobre o jogo como elemento fundamental da cultura74. O jogo é definido por este
como “uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de certos e
determinados limites de tempo e de espaço, segundo regras livremente
consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo,
acompanhado de um sentimento de tensão e de alegria e de uma consciência de
ser diferente da ´vida cotidiana”75. Observa Huizinga que a base semântica da
palavra jogo (do latim ludus) aponta na direção do ilusório (illudere) e do irreal.
Para ele, o jogo define-se como “um intervalo em nossa vida cotidiana”, visto que,
enquanto jogamos, nos vemos livres da esfera das necessidades imediatas e da
utilidade material.
Por possuir uma realidade autônoma, sem outro fim senão em si mesmo, o
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jogo é considerado por Huizinga uma atividade desinteressada. E como tal,


partilha qualidades com a criação poética, ou nas palavras do autor, com os “atos
de imaginação” produzidos por aqueles que “ultrapassam os limites da realidade
física”, seja na poesia, na música, na dança ou nas artes plásticas. Com relação às
artes plásticas, porém, Huizinga faz uma distinção fundamental: por estarem
“ligadas à matéria e às limitações formais que daí decorrem”, essas não
desfrutariam, no seu entender, da mesma liberdade de jogo que tanto a música
quanto a poesia se permitem. Ora, nesse ponto sua leitura é diametralmente oposta
à leitura de Hans-Georg Gadamer, para quem o jogo é um dos motores da
experiência da arte, e mais especificamente, da arte moderna76. Pois é com o
impressionismo, e principalmente com a “destruição formal cubista” que destrói-
se, segundo Gadamer, “a consciência ingênua de que a imagem é uma
contemplação intuitiva assim como a contemplação que nossa experiência
cotidiana nos dá da natureza”. Cai então por terra, definitivamente, um dos
pressupostos básicos do caráter de evidência da arte plástica: a perspectiva central.
E daí em diante, escreve Gadamer, não podemos mais ver a pintura com um
“olhar apenas assimilativo”. O que está na tela passa a exigir do espectador, isto

73
Munford, Lewis. Technics and Civilization. p.101 (a tradução é nossa)
74
Huizinga, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura.
75
Ibid., p.33
76
Gadamer, Hans-Georg. A atualidade do belo. A arte como jogo, símbolo e festa.
132

sim, um “trabalho de elaboração ativa”; como num jogo, diz Gadamer, cada obra
deixa para nós um espaço que temos que preencher. Ou seja, a obra só surge como
tal no jogo e enquanto jogo. E teremos que participar desse jogo ativamente, ser,
num certo sentido, parceiros da obra, ou a obra permanecerá fechada para nós.
Recorrer ao princípio do jogo para pensar a obra de Sergio Bernardes, e
em especial seu projeto para o Rio do Futuro, significa, assim, reconhecer que ela
escapa - por vezes, zombeteiramente - dos limites da racionalidade construtiva em
arquitetura, na medida em que promove um certo grau de indeterminação e
pressupõe uma margem de abertura - seja à configuração da planta pelo usuário
(como no projeto Casa Alta), seja à definição da imagem urbana por aqueles de
uma maneira ou outra envolvidos na construção da cidade (conforme os termos do
decreto 1509). Já veremos como o desejo de libertação das leis da estática leva o
arquiteto a conceber, com o auxílio de materiais industriais e procedimentos
construtivos próprios da indústria (como os cabos de aço e as malhas espaciais),
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formas instáveis que não raro colocam em risco sua própria existência, e desafiam
os princípios naturalistas para pôr em causa uma concepção de forma como
“moldagem de forças”. No jogo para o qual nos convoca o “Rio do Futuro” de
Sergio Bernardes é inevitável a suspeita de que nos encontramos agora diante de
uma espécie de subversão do projeto construtivo em arquitetura no Brasil.
Dá-se, pelo menos, uma tentativa - provavelmente sem termos de
comparação no meio de arquitetura no Brasil - de desestabilização da objetividade
absoluta para a qual o projeto construtivo seguia apontando, já em plenos anos 60.
E isso, não apenas por conta da aposta numa possibilidade, tão desacreditada pela
vertente ulmiana, de articulação entre técnica e imaginação. O projeto para o “Rio
do Futuro” de Bernardes ratifica a falta de aderência social da arquitetura
brasileira que tanto afrontara Max Bill, e passa ao largo da máxima ética
subjacente à Boa Forma do arquiteto suíço. O que mais impressiona em Sergio
Bernardes, nesse momento, é justamente a firmeza da sua recusa em
comprometer-se com uma perspectiva utilitária e pretensamente capaz de
constituir as bases para a transformação e ordenação do ambiente da vida social.
Ele prefere se aventurar, isto sim, a extrapolar todos os limites e circunstâncias
dadas de modo a abrir, à maneira de um jogo, um “intervalo na nossa vida
cotidiana”.
133

Na verdade, Sergio Bernardes supõe nesse projeto uma espécie de “grau


zero” de sociabilidade que o mantém num total alheamento em relação a qualquer
contexto. Isso pode sugerir que sob o nivelamento sem preconceitos que o projeto
pressupõe, repõe-se, no fundo, o mesmo caráter autoritário que permanece tão
arraigado no quadro da modernização brasileira. Afinal de contas, no “Rio do
Futuro”, todos estarão sujeitos àquelas estruturas helicoidais idênticas, que tudo
absorvem e unificam. Não haverá casa, nem lote, no sentido urbanístico
tradicional: sendo a condição do projeto a sociedade de massa, não há lugar para a
esfera do indivíduo como ser autônomo e independente. Mas a questão, para
Sergio Bernardes, parece estar antes em abrir brechas nessa ordem dominadora;
recuperar, por meio de “atos da imaginação”, um grau de liberdade que em
princípio só a arte - e o jogo - ainda são capazes de guardar.

4.4
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Flor rara e banalíssima

Em Sergio Bernardes, há sempre, com efeito, uma espécie de “atrevimento”


em jogo, um expor-se a novos riscos que leva inevitavelmente a alguns impasses e
às vezes até a alguns “fracassos espetaculares”, como no caso do Pavilhão de São
Cristóvão (1957-8), do qual trataremos adiante. O Pavilhão é, de certo modo, o
ponto culminante – e também de tensão máxima - de uma seqüência de projetos
em que Bernardes se ocupa de testar o rendimento da estrutura metálica, seja em
espaços residenciais (Res. Staub, 1950, e Res. Lota de Macedo Soares, 1951-6),
seja em espaços expositivos de caráter efêmero (como o Pavilhão da Companhia
Siderúrgica Nacional no Parque do Ibirapuera, 1954, e o Pavilhão do Brasil na
Exposição Internacional de Bruxelas, 1958).

Detenhamo-nos primeiro nas casas, por onde tem início a pesquisa de


Sergio Bernardes com a estrutura metálica. É preciso notar que, quando projeta as
Residências Staub e Macedo Soares na região serrana de Petrópolis [fig.142 e
144], Sergio Bernardes já conta com uma produção relativamente intensa, que
começa a distinguir-se por aspectos pouco usuais no meio brasileiro, como a
solicitação da estrutura metálica (veja-se seu projeto não-executado para o
Country Club de Teresópolis, apresentado com destaque na edição especial sobre
134

o Brasil da prestigiada revista francesa L’Architecture d’Aujourd’hui, em 194777)


[fig.144]. Mas é com a casa de Lota que Bernardes, então recém-formado pela
Universidade do Brasil, firma posição no disputado meio de arquitetura no país. É
ainda inconclusa que a casa é premiada na II Bienal de São Paulo, o que nos
permite supor que dos três projetos então apresentados pelo arquiteto (além da
casa de Lota, as Residências Paulo Sampaio, em Itaipava, e Jadir de Souza, no
Rio78), este encontrou meios de se sustentar perante o júri – encabeçado por
ninguém menos que Walter Gropius79 - por seus atributos mais propriamente
projetuais, definidos por meios gráficos, que por sua eventual fotogenia. Pois
ainda que o júri tivesse em mãos as fotos de Michel Aertsens já impressas em
influentes revistas brasileiras e européias80, estando a casa ainda em obras sua
avaliação haveria por força de se concentrar nos desenhos arquitetônicos – planta
e corte, em última instância.
E não é senão através da planta, de fato, que se pode começar a
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compreender este projeto. [fig.145] Desde logo, chama atenção sua espacialidade
dilatada, a desdobrar-se em todas as direções. Ao invés do core encontrado em
toda uma vertente de casas brasileiras – a qual passa pela tipologia bandeirante
tanto quanto pelas primeiras residências de Vilanova Artigas81 – a casa projetada
por Sergio Bernardes mostra-se atravessada por um fluxo ininterrupto, dominante
no sentido leste-oeste em que se desenvolve a rampa. É justamente a circulação –
a rampa e suas extensões - o elemento primordial do projeto, a enervar todos os
espaços com os quais se comunica. Em contraste com a contenção dos dois
extremos da casa, a rampa solicita uma ação contínua, um movimento incessante

77
L`Architecture d`aujourd`hui. número 13-14 (especial sobre o Brasil), set.1947. p. 96. Note-se
que o projeto foi publicado um ano antes que Sergio Bernardes se graduasse pela Faculdade
Nacional de Arquitetura (após quase dez anos de um longo processo de formação que incluiu
alguns periodos de afastamento da escola).
78
Aparticipação na seção de arquitetura da II Bienal de São Paulo estava condicionada à seleção
por um júri composto por Eduardo Kneese de Mello, Francisco Beck, Mario Henrique Glicério
Torres, Oswaldo Arthur Bratke, Salvador Candia e Walter Gropius.
79
Integravam o júri da premiação Walter Gropius, José Lluis Sert, Alvar Aalto, Ernesto Rogers,
Oswaldo Arthur Bratke, Affonso Eduardo Reidy e Lourival Gomes Machado.
80
Entre julho de 1951 (início do projeto) e dezembro de 1953 (abertura da IV Bienal), a casa é
publicada pelo menos três vezes: na revista Habitat número 7, em 1952 e na L’Architecture
d’Aujourd’Hui (Paris), em agosto de 1952 e outubro de 1953.
81
Refiro-me, por um lado, à tradição clássica dos pátios, conforme empregada na arquitetura
residencial do período colonial e redefinida por arquitetos da primeira geração modernista, como
Lucio Costa e Alcides Rocha Miranda (em projetos como a Res Saavedra e a Casa de Plácido
Rocha Miranda, respectivamente). Já no caso de Artigas, a configuração de um núcleo evoca a
vertente orgânica da arquitetura de Wright – veja-se, em particular, a primeira casa do arquiteto e
a Res. Rio Branco Paranhos, ambas em São Paulo.
135

de atravessamento. Não apenas confere fruição ininterrupta dos dois níveis em


que a casa se organiza (social no inferior; zonas íntimas e de serviço no superior)
como delineia a própria linha de força do projeto, nitidamente demarcada desde a
sua primeira versão82.
À luz do sentimento de tranqüilidade e repouso que emana da casa-grande
brasileira – cuja configuração espacial permanece atrelada, como mostrou
Gilberto Freyre, à organização familial patriarcal – a casa de Sergio Bernardes
impressiona por sustentar um partido que não se deixa conformar pelas
convenções sociais (e basta folhear o compêndio lançado em 1956 por Henrique
Mindlin para perceber o quanto a casa guarda independência com relação à prática
projetual então dominante no Brasil). Por certo respeitam-se as exigências de
abrigo e intimidade individual – e nisso passa-se longe da exposição da vida
doméstica da Casa Farnsworth de Mies van der Rohe, por exemplo. Porém é
acima de tudo dos deslocamentos constantes e do próprio dinamismo da vida
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social que o projeto de Sergio Bernardes se faz. E neste sentido, o projeto parece
armar um embate com a vertente mais em evidência da arquitetura carioca.
Contrasta, mais precisamente, com a exterioridade e mesmo a gestualidade da
forma niemeyeriana, posto que se constrói a partir da articulação de elementos e
de uma lógica planar bastante refinada, que se aproxima da poética neoplástica.
Pode-se dizer que o projeto é, em essência, uma construção geométrica por
planos – do piso, das paredes e vedos, da cobertura – em que ressoam os
princípios da elementaridade construtiva, da clareza distributiva, do rigorismo
formal enfatizados por Theo van Doesburg em seus 17 pontos para uma
arquitetura neoplástica83. Donde a articulação da casa em cinco zonas, por assim
dizer, que correspondem a atividades bem definidas: galeria e circulação; cozinha
e jantar; ala íntima; dependências de hóspedes e de empregados. Mais uma sala de
estar, esta disposta perpendicularmente ao corpo principal. Tal arranjo confere à
casa um perímetro de recorte irregular, por meio do qual se lê com clareza a
setorização dos ambientes: social no centro, serviço ao fundo e duas zonas íntimas
nas extremidades. Em planta, o projeto executado se permite uma única

82
A consulta às revistas de época revela pelo menos duas versões do projeto. De uma para outra,
as alterações se limitam ao arranjo interno dos corpos extremos da casa e à angulação da parede
que define o acesso principal.
83
veja-se Fusco, Renato de. A idéia de arquitetura. pp. 156-159.
136

“subversão” do rigor ortogonal: a linha oblíqua que separa as dependências de


hóspedes e de empregados (ambas, com dois quartos, banheiro e hall).
A seu modo, a disciplina geométrica e a estrutura matemática subjacentes
à casa de Lota indicam, como se vê, uma opção ao menos implicitamente
compassada com o universalismo evolucionista por meio da qual a arte concreta
se define no início dos anos 50. E não se pode desconsiderar o fato da casa ter
sido premiada, ainda antes de ser concluída, por uma instituição como a Bienal de
São Paulo, e mais ainda, na edição em que Gropius é festejado a ponto de receber
o Grande Prêmio de Arquitetura das mãos de Getúlio Vargas. Tal reconhecimento
precisa ser pensado, em primeiro lugar, em relação a secular dominância da
cultura artística francesa no meio de arte e arquitetura no Brasil, para a qual o
próprio Vargas cuidara de contribuir ao viabilizar a decisiva vinda de Le
Corbusier ao país, em 1936. Tudo indica que a partir de então a clara opção de
Lucio Costa pela formulação corbusieriana tenha abafado os ecos por aqui da
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vertente bauhausiana, introduzida nos anos 20 sobretudo pelos arquitetos Gregori


Warchavchik e Alexander Altberg e pela ação divulgadora de Theodor
Heuberger84. Que o fundador da Bauhaus só viesse a receber distinção oficial nos
anos 50 pode indicar, portanto, que se abria uma perspectiva não por acaso
coincidente com a intensificação da penetração dos postulados construtivos no
Brasil. Com o prêmio “Federação das Indústrias de São Paulo” concedido a
Unidade Tripartida de Max Bill, já a I Bienal, afinal, legitimara a arte concreta no
Brasil. A premiação da casa projetada por Sergio Bernardes em tal contexto
assume, pois, significação particular, uma vez que ali se colocava explicitamente a
exigência de vencer as resistências à abstração por meio da defesa da linguagem
geométrica, da idéia construtiva da produção de arte.
Quer tenha sido mais ou menos motivado pelo cosmopolitismo de sua
cliente, Bernardes encontraria aí uma ocasião sem precedentes para desembaraçar-
se de certo apego à tradição pelo qual ele próprio respondera até pouco antes em
projetos como a residência do diretor do Sanatório de Curicica, em Jacarepaguá
(1949-50). Ainda que alguns de seus projetos para o Serviço Nacional de
Tuberculose dêem testemunho do interesse cedo despertado no arquiteto pela pré-
fabricação, pode-se dizer que a casa de Lota constitui-se, assim, num projeto-

84
ver Moreira, Pedro. “Alexander Altberg e a Arquitetura Nova no Rio de Janeiro”.
137

chave, na medida em que denota uma rara procura de correspondência com a


lógica do sistema industrial. O ponto máximo de tensão do projeto está no
problema que se coloca com relação à técnica moderna. Porque a opção pela
lógica do sistema industrial, no caso, não pressupõe o uso de técnicas sofisticadas
ou elementos pré-fabricados. Pelo contrário. O que chama atenção, aqui, é o
investimento numa relação não-literal com a técnica. Não-literal, sem cerimônia, e
quase se poderia dizer mesmo desavergonhada. O uso simultâneo do sapê, do
tijolo, do seixo rolado, por exemplo, indica sensibilidade às circunstâncias locais,
ao mesmo tempo em que passa ao largo de qualquer regionalismo anedótico –
mesmo em sua versão mais cândida, tal qual assumida por Lucio Costa em seu
projeto para a Vila Monlevade, em Minas Gerais (1934)85. Ao invés de enxergar a
técnica como uma chave redentora – segundo a crença positiva na civilisation
machiniste de certo modo compartilhada por Corbusier e Costa - Sergio Bernardes
opta por investir numa espécie de desmistificação do seu estatuto, em favor de
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uma improvisação que admite ser constituinte do próprio ambiente cultural


brasileiro.

Não se trata, bem entendido, de apelar para o “jeitinho brasileiro” –


possivelmente mais próximo das manobras e soluções de compromisso de
Warchavchik em suas primeiras casas em São Paulo86. E tampouco de uma adesão
à estratégia de valorização da cultura popular com a qual Lina Bo Bardi se
envolveria, como vimos, a partir do final dos anos 50 (e que faz com que a
cobertura de sapê usada em obras como a Res. Chame-Chame, de 1958, adquira
um sentido político-ideológico de todo ausente em Bernardes). Na verdade, Sergio
Bernardes passa longe das motivações ideológicas e da mobilização de
sentimentos nacionalistas que culmina na criação dos CPCs (e nem seria preciso
atentar para a distância guardada pelo arquiteto em relação a posições político-
partidárias, pela qual, aliás, ele tem sido mais censurado que compreendido87).

85
ver Leonidio, Otavio. Carradas de razões.
86
Veja-se em particular a casa do arquiteto, tida como a “primeira casa modernista no Brasil”, cuja
feição moderna dependeu de recursos para mimetizar materiais e técnicas construtivas
praticamente inexistentes no Brasil dos anos 20 – como a laje de concreto, a janela em fita ou a
estrutura metálica tubular. Para uma análise da relação entre as soluções de Warchavchik e os
paradoxos característicos da arquitetura moderna brasileira, ver Lira, José Tavares Correia de.
“Ruptura e construção. Gregori Warchavhik, 1917-1927.”
87
Embora tenha sido candidato a prefeito do Rio de Janeiro nos anos 80 pelo Partido Anarquista,
Sergio Bernardes manteve-se distante da política partidária e, de certo modo, alheio ao acirramento
do clima político no país a partir de 64. Realizou, nos anos 70, vários projetos públicos em
138

Apenas deixa claro que a arquitetura não há de ser reduzida a seus procedimentos
técnicos. Ou a confiança na técnica confundida com a sua ostentação. Isso implica
uma deliberada posição crítica frente à quase obsessiva explicitação do grau de
capacitação técnica supostamente alcançado àquela altura pela arquitetura
brasileira, e ao mesmo tempo um enfrentamento do idealismo tecnicista integrado
à arte concreta. Em última instância, é como se Sergio Bernardes se propusesse,
neste projeto, a testar os limites da ordem tecnicista que permanece na base da
versão brasileira do projeto construtivo. E com isso, colocasse em questão a
possibilidade de acomodação desse mesmo projeto.
Longe de ser tomada como impedimento ou índice de atraso, a
desqualificação da mão-de-obra local converte-se, assim, em oportunidade de
experimentação da qual o arquiteto procura extrair rendimento em favor do
projeto. Tome-se, por exemplo, a cobertura, concebida em telhas de alumínio
corrugado apoiadas sobre uma delicada treliça metálica. É uma solução
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semelhante àquela usada pouco antes por Charles e Ray Eames em sua casa na
Califórnia (1949), concebida no âmbito do programa Case Study House, lançado
pela revista Arts & Architecture88 [fig.146]. Só que aqui, diante da
indisponibilidade de material industrializado, não se descarta o fazer manual:
basta recorrer aos vergalhões de ferro usualmente empregados em estruturas de
concreto armado e dobrá-los no próprio canteiro, com a mão-de-obra local. Esse
modo empírico de resolver os problemas projetuais repete-se a todo momento e
resulta no hibridismo algo estapafúrdio da mesma cobertura, onde a intenção de
assegurar uma circulação permanente de ar leva à sobreposição de um ripado de
sapê às telhas de alumínio. Ora, quem àquela altura se permitiria a criação de uma
tal relação de interdependência entre dois materiais aparentemente tão
inconciliáveis do ponto de vista da ordem tecnicista e desenvolvimentista vigente?

Brasília, como o mastro da bandeira na Praça dos Três Poderes, o qual gerou grande polêmica
pública – alimentada inclusive por Lucio Costa, que enviou-lhe na ocasião um telegrama de
pêsames. Em todo caso, só a tendência em julgar sua obra mais por bases ideológicas que
artísticas explica, a nosso ver, seu quase banimento da historiografia da arquitetura no Brasil
produzida nos anos 80-90. Vejam-se, por exemplo, os livros de Hugo Segawa (“Arquiteturas no
Brasil. 1900-1990”) e de Sylvia Ficher e Marlene Acayaba (“Arquitetura Moderna Brasileira”),
publicados respecivamente em 1999 e 1982, onde há, no máximo, menções quase que de passagem
a Sergio Bernardes.
88
o programa, lançado em 1945 pelo editor da revista, John Entenza, previa inicialmente a
construção e divulgação, nas páginas da revista Arts & Architecture, de oito casas na Califórnia. O
projeto, encomendado a oito arquitetos norte-americanos, deveria levar em conta os produtos
industriais disponíveis no imediato pós-guerra, na criação de modelos contemporâneos de casas
econômicas. Para um resumo do programa, ver Smith, Elizabeth A.T. Case Study Houses.
139

Por outro lado, não se instila aí um curioso paradoxo, na medida em que o caráter
perecível do sapê pressupõe, por si só, uma inesperada concordância com a
própria lógica da obsolescência programada implicada no ciclo industrial da
produção e do consumo?
Também na cobertura, vale dizer, flagra-se a determinação de evidenciar
os diferentes elementos com os quais se trabalha – igualmente manifestada, por
sua vez, nos apoios livres (perfil em “I” no corpo longitudinal, pares de colunas
esbeltas no avarandado do corpo transversal e de maior diâmetro no balanço dos
quartos, na leste da casa). No caso das treliças da coberta, estas são formadas por
vergalhões de ½” pintados de branco e barras de ¼” x 1” pintadas de preto, de
maneira que, no limite, é possível, por decomposição, apreender todo o processo
de construção da casa – seja por meio das suas articulações, seja por meio dos
materiais aqui e ali empregados. Logo se percebe, por exemplo, que pedra, tijolo,
vidro, palha, ferro e alumínio equivalem-se em termos de importância, sem se
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misturar ou se esconder. Isso porque, livres das relações hierárquicas prescritas


pela arquitetura clássica, os materiais aqui são pensados na sua relação com a
estrutura e em respeito à sua própria natureza (veja-se o tijolo empregado nos
vedos do corpo em balanço, por exemplo, em relação à pedra usada no corpo
assentado diretamente sobre o terreno). E nessa tentativa de conferir
inteligibilidade ao processo construtivo como um todo pode-se entrever uma
aproximação do New Brutalism, tal qual definido na Inglaterra quase
simultaneamente com o projeto de Peter e Alison Smithson para a Escola de
Hunstanton (1949-54).
Ao testar a possibilidade de conjugar o fazer manual à produção industrial,
o procedimento de Sergio Bernardes não deixa de se reportar, por sua vez, às
próprias bases do programa bauhausiano formulado por Gropius89. Não tanto no
sentido de buscar o estabelecimento de uma relação produtiva com a indústria –
relação esta que, de resto, também assumirá em Sergio Bernardes uma inflexão
muito particular90. Mas sem dúvida sua busca é a de uma relação estreita entre

89
segundo o programa definido por Walter Gropius para a Bauhaus, o aluno deveria partir da
experimentação manual na oficina da escola para chegar ao protótipo a ser produzido em série pela
indústria. Ver Gropius, Walter. “Programme of the Staatliches Bauhaus in Weimar (1919)” in:
Conrads, Ulrich. Programs and manifestoes on 20th-century architecture. pp. 49-53.
90
Na verdade, essa relação limitou-se, no mais das vezes, a uma operação de escambo primária,
pela qual o projeto era entregue à indústria em troca do fornecimento de material para as obras de
Sergio Bernardes. E isso, não obstante ter este projetado uma série de produtos que vieram a ser
140

concepção, material e processo de produção, mesmo que por meio de um modo


empírico de resolver os problemas projetuais – tipo learning by doing - ao final do
qual nem sempre se alcança definição precisa, e que só é possível à revelia de
qualquer pressão de ordem econômica ou demanda por produtividade. Com
relação ao problema da modulação, por exemplo, Sergio Bernardes entende que
não se pode exigir rigor absoluto, quando se leva em conta o caráter rudimentar
dos procedimentos construtivos adotados no Brasil. Daí o grau de flexibilização
que se permite em seus projetos, onde cada solução manifesta o engenho do
arquiteto, mais que qualquer rigor construtivo.
De resto, não obstante a inclinação pelo pensamento matemático e pela
geometria, a casa de Lota nada tem da pureza da forma erguida sobre pilotis e
assim mantida como que imaculada, em alheamento constante em relação ao
ambiente no qual se insere (partido este cujo exemplo mais paradigmático é
certamente a Villa Savoye de Le Corbusier). Ressalta, isso sim, a busca de uma
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relação produtiva – quer dizer, transformadora - com aquilo que a circunda: o


infinito do vale, o maciço vertical da rocha, o fluxo contínuo do rio. Porque
habitar essa casa envolve necessariamente uma transformação: do gosto, dos
hábitos, da mentalidade; um “ser moderno”, enfim, na acepção mais ampla e
atualizada do termo. Nesse sentido, ainda que se trate de caso isolado, essa casa
volta a permitir aproximações com as Case Study Houses, erguidas mais ou
menos simultaneamente na Costa Oeste dos Estados Unidos. Pelo menos quanto à
confiança depositada na casa como condensador do grau de otimismo envolvido
no programa de modernização americano no pós-guerra.
Obviamente, a casa de Lota só pode se distinguir da feição mais corriqueira
das casas de Petrópolis, as quais, apegadas aos ecos da colonização germânica da
região, insistem em manter um caráter fechado, por mais que inadequado ao clima
local, extremamente úmido. Já a interioridade da casa projetada por Sergio
Bernardes segue se desdobrando através dos seus amplos panos de vidro,
potencializando o espaço que a envolve e oferecendo ao mesmo tempo o máximo
de contato com a luz e o sol. Não por acaso, suas linhas estiradas descrevem a

largamente utilizados por outros arquitetos, como as telhas meio-tubo de fibrocimento,


comercializadas pela Eternit, e os blocos cerâmicos vazados de 10x10x10cm – estes, usados pela
primeira vez na residência do arquiteto em São Conrado (1960), como módulo tridimensional que
define todo o projeto, da estrutura aos vedos. Ao contrário do que se tem afirmado, no entanto, o
arquiteto não chegou a solicitar patente de nenhum desses projetos, conforme pudemos apurar em
pesquisas no INPI/Insituto Nacional de Propriedade Industrial.
141

todo momento rasantes sobre as massas informes da natureza, ressignificando uma


e outra. Tudo concorre para um convívio medido, e por que não, civilizado; em
outras palavras, embora isolada na montanha, a casa não se quer de maneira
alguma segregada do mundo. Busca definir-se, antes, como lugar social, sede de
uma pequena comunidade em lida permanente com a natureza, que inclui a
proprietária e sua companheira, seus empregados, freqüentes hóspedes e visitas –
todos, afinal, partícipes do projeto de existência social e afetiva que a casa
subsume.

4.5
Malhas, redes, cabos e triângulos

Se a casa de Lota dá partida à pesquisa da lógica serial por Sergio


Bernardes, o Pavilhão da CSN [fig.147] assinala o início de um período de
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expansão da estrutura metálica no Brasil que tenderá a coincidir com o processo


de transição de um país essencialmente agrícola a um país urbano, industrial e de
serviços, significativamente acelerado a partir dos anos 195091. Como se sabe, a
inauguração da primeira siderúrgica de grande porte no Brasil resultou de um
longo processo de discussões e negociações intensificado ao longo do Estado
Novo (1937-45) e efetivado no governo Dutra (1946-51), dentro do qual coube
papel decisivo ao engenheiro militar Edmundo de Macedo Soares e Silva92 -
primo-irmão de Lota de Macedo Soares, por sinal. Ora, se não cabe nos limites
deste estudo um exame da relação estabelecida entre Sergio Bernardes e uma das
famílias mais influentes politicamente do país, tampouco podemos deixar de
registrá-la, visto que ela dá bem a medida do Brasil dos anos 50, onde as
aspirações de modernização chocavam-se com as formas mais arcaicas de

91
Indicadores reunidos por Boris Fausto mostram que essa passagem se localiza entre 1950 e
1980. ver Fausto, Boris. História do Brasil. São Paulo, Edusp, 2000.
92
Diplomado engenheiro metalúrgico na França, Edmundo de Macedo Soares e Silva (1901-1989)
foi um dos maiores incentivadores da indústria metalúrgica no Brasil e presidente da CSN.
Integrou a Comissão Nacional de Siderurgia, criada em 1931 com o objetivo de propor soluções
para a implantação da siderurgia no Brasil, e em 1939 foi enviado pelo governo brasileiro à Europa
e Estados Unidos com o propósito específico de visitar instalações siderúrgicas. De volta ao Brasil,
foi nomeado presidente da “Comissão Executiva do Plano Siderúrgico Nacional”, da qual resultou
o projeto da Usina de Volta Redonda. Entre os inúmeros cargos que exerceu, foi ministro da
Viação e Obras Públicas (1946), ministro da Indústria e Comércio (1967-69), e governador do Rio
de Janeiro (1947-51). Cf Telles, Pedro Carlos da Silva. História da Engenharia no Brasil (século
XX). pp.245-46.
142

propriedade e poder, ao mesmo tempo em que dependiam delas (e vice-versa).


Não é improvável que tenha sido por intermédio da família Macedo Soares, afinal,
que o arquiteto carioca recebeu o encargo de projetar o Pavilhão da CSN.
O Pavilhão foi construído no âmbito do IV Centenário de São Paulo (1954),
cujo programa compreendia uma série de atividades abertas oficialmente com a
inauguração da II Bienal de São Paulo, ainda em 1953. E mais: foi erguido no
amplo parque urbano projetado por Niemeyer e equipe93 como ápice das
comemorações em torno do aniversário da fundação da cidade. Coube ao projeto,
portanto, enfrentar a vizinhança da arquitetura de Niemeyer, por um lado, e por
outro lado destacar-se no panorama de uma cidade em construção incessante,
onde a cada 7 minutos surgia um edifício novo94, e que se vangloriava de ser
“uma das poucas no mundo a não possuir um único edifício com mais de cem
anos.”95

Comprometido com essa imagem, o anteprojeto do Ibirapuera (1952) já


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cedera espaço para várias estruturas de caráter provisório em meio àquelas ditas
permanentes (como os pavilhões das Indústrias, das Nações e dos Estados, a
grande marquise sinuosa e um bar-restaurante a ser construído sobre o lago). Ao
todo, seriam construídos 32 pavilhões provisórios, pelo menos dois deles em
estrutura metálica: o da CSN e o do Rio Grande do Sul (este, projetado por Jayme
Luna dos Santos, com cerca de 6000 m2 [fig.148]). Esses dois pavilhões fizeram
uso dos cabos de aço na sua construção e estão entre as primeiras coberturas
pênseis executadas no Brasil: no último, a superfície em dupla curvatura reversa
(ou em sela de cavalo)96 permaneceu recoberta por telhas de alumínio, enquanto o
pavilhão de Sergio Bernardes deixou claramente sua estrutura à mostra, como a
reforçar o caráter “quase descaradamente publicitário”97 de uma técnica
construtiva muito explorada no século XIX justamente em espaços expositivos,

93
O projeto do Parque do Ibirapuera é assinado por uma equipe formada por Oscar Niemeyer,
Zenon Lotufo, Eduardo Kneese de Mello e Helio Uchoa (com Gauss Estelita e Carlos Lemos
como colaboradores).
94
Cf Xavier, Denise. Arquitetura metropolitana
95
Revista Manchete, 23 de janeiro de 1954. apud Queiroz, Tereza Aline Pereira de. “São Paulo
nos anos 50: as imagens da idéia”. in: Fantasia Brasileira. O Balé do IV Centenário. São Paulo,
SESC, 1998. p.138.
96
A definição refere-se a uma das três categorias de superfícies curvas definidas pelo matemático
Karl F. Gauss no início do século XIX. No caso, trata-se de uma superfície curva obtida por meio
de linhas retas, configurando um parabolóide hiperbólico. ver Salvadori, M. Por que os edifícios
ficam de pé. pp.215-220.
97
Argan, G.C. Arte moderna.
143

como o Palácio de Cristal, em Londres (Joseph Paxton, 1851), a Torre Eiffel, em


Paris (Gustav Eiffel, 1899), e, no campo mais específico das coberturas suspensas,
os pavilhões da Exposição de Nizhny-Novgorod, na Rússia (Vladmir Grigorevich
Shukhov, 1896). [fig.149-150]
Na verdade, se no pavilhão de Bernardes ressurgem, com força, os cabos
de aço do bar-restaurante que não chegou a ser construído sobre o lago do
Ibirapuera, eles agora se mostram nitidamente indissociáveis da estratégia de
chamar atenção para o crescente potencial da CSN, primeira siderúrgica de porte
no Brasil, que desde o ano anterior vinha fazendo alarde da entrada em
funcionamento do seu segundo alto-forno e da conquista de recordes de
produção98. O entusiasmo que cercava as operações da CSN era tamanho, e tão
coadunado com as estratégias construtivas no meio da arte, que as dependências
da siderúrgica acabariam sediando a quarta e última exposição do Grupo Frente,
patrocinada pelo MAM carioca e aberta na presença de Niomar Muniz Sodré,
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Mário Pedrosa, Tomás Maldonado e do próprio presidente da CSN, em 1956.99


Deve ser lembrado também que em 1953 surgira, dentro da CSN, a
FEM/Fábrica de Estruturas Metálicas100, com o duplo objetivo de contribuir para a
construção da expansão da Usina de Volta Redonda e incrementar o consumo do
aço no meio de arquitetura no Brasil. Muito difundido no país entre final do
século XIX e começo do século XX, o uso do metal na arquitetura praticamente
limitara-se então a ornamentos, mobiliário (urbano e doméstico) e estruturas de
ferro fundido importadas da Europa e largamente disseminadas por meio de
catálogos que forneciam também um vasto repertório de estilos históricos. Graças
a tarifas e subsídios por parte do governo, a indústria siderúrgica começou a
expandir-se nos anos 1920 no Brasil, embora cerca de 70% dos produtos de aço de

98
A CSN foi criada em 1941 e entrou em operação em 1946. O aumento da produção para um
milhão de lingotes de aço por ano foi assinalado como “marco histórico” por Edmundo Macedo de
Soares e Silva em conferência realizada em 29.04.1954 no âmbito do IV Centenário, na VI
Semana de estudos dos problemas mínero-metalúrgicos no Brasil. ver Revista do Clube de
Engenharia, dezembro de 1954, p. 47-49. Sobre a conquista de novos índices de produção pela
CSN entre 1953 e 1954, vejam-se os artigos publicados na Revista do Clube de Engenharia:
“Expansão de Volta Redonda” (janeiro de 1953), “Ultrapassados os ‘records’ de produção” (junho
de 1953), “Em franca ascensão a produção da Usina de Volta Redonda” (maio de 1954, p.31) e
“Aumento da capacidade de produção de aço no Brasil” (dezembro de 1954, p. 47-49).
99
Na ocasião, integrantes do grupo (que incluía Lygia Clark, Lygia Pape, Ivan Serpa, Aloisio
Carvão e outros), mais Mário Pedrosa, Niomar Muniz Sodré, Paulo Bittencourt e Tomás
Maldonado foram recebidos pelo presidente da CSN, General Macedo Soares. Cf Morais,
Frederico. Cronologia das Artes Plásticas no Brasil. p.238.
100
A FEM foi desativada em 1998, cinco anos depois de ter sido privatizada.
144

que careciam as estradas de ferro, os estaleiros e a indústria da construção civil


ainda viessem do exterior, em 1940101. Mesmo as instalações da CSN dependeram
de estruturas fornecidas por empresas estrangeiras, e foi preciso aguardar a
entrada em funcionamento da FEM para que surgisse, em São Paulo, o primeiro
edifício alto com estrutura metálica inteiramente projetado, fabricado e montado
no país: o “Garagem América”, edifício-garagem de 16 pavimentos cujo projeto,
desenvolvido pelo arquiteto Rino Levi, é contemporâneo do pavilhão da CSN102.
À exceção dos cabos de aço, também este último teve toda sua estrutura
fabricada e montada pela FEM. No caso, o vão de 30 m sobre um braço do lago
do Ibirapuera foi vencido por um sistema estrutural em arco, com pilares
inclinados e interligados por tirantes ancorados ao solo. A solução aliviou, desse
modo, o empuxo dos arcos, garantindo dimensões reduzidas aos perfis metálicos.
Num piso único elevado a 9 m do nível da água foram dispostos painéis, balcão de
informações e um cinema, totalizando 300 m2. A planta retangular do espaço
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expositivo, definida por uma modulação rigorosa, foi ladeada por duas pontes em
arco (uma delas ainda existente no local) e atravessada por uma marquise sobre as
pontes, ressaltando o eixo de simetria do pavilhão. [fig.147]
Não é por acaso, como se vê, que o pavilhão pode ser considerado um
ponto de inflexão na produção projetual de Sergio Bernardes. Se na produção
imediatamente anterior do arquiteto – como a casa de Lota de Macedo Soares e o
Country Club, ambos projetados para a cidade serrana de Petrópolis – já podemos
encontrar sinais de seu interesse pela estrutura metálica e pelo princípio da
repetição serial, é a partir do pavilhão da CSN que sua obra vai assumir um
embate mais resoluto (e claro, público) com o processo de industrialização da
arquitetura, com soluções estruturais cada vez mais ousadas e quase sempre
articuladas à exploração empírica das qualidades plásticas e construtivas e do
limite de resistência de materiais industriais como o aço (Pavilhão do Brasil em
Bruxelas, 1958), o concreto protendido (Mausoléu de Castello Branco, Fortaleza,
1968103), o alumínio (Indústrias químico-farmacêuticas Schering, Rio de Janeiro,

101
cf Viana, Luiz Werneck. “O Estado Novo e a ‘ampliação’ autoritária da República”. p.124
102
A autoria deste projeto tem sido creditada a Rino Levi, embora revistas da época afirmem que o
projeto básico foi trazido dos Estados Unidos pelo proprietário e apenas adaptado ao Código de
Obras paulista pelo arquiteto brasileiro, ver “16 Pavimentos em Aço”, Revista EPUC Engenharia e
Arquitetura, PUC-Rio, número 3, jan-abr.1956, pp.46-49 e Anelli, Renato. Rino Levi.
103
Trata-se de um monumento dedicado à memória do ex-presidente Humberto de Alencar
Castello Branco (1964-7). A edificação tem 270 m2 de área útil e se ergue sobre espelho d`água
145

1974), a fibra de vidro (Hotel em Paquetá, 1980104) ou o plástico (Pavilhão de São


Cristóvão, Rio de Janeiro, 1957-8).
O entusiasmo com que Sergio Bernardes lida com esses novos materiais,
passando de um a outro sem perder em nada a tensão própria à sua obra, salta aos
olhos em vários projetos subseqüentes ao Pavilhão da CSN. A malha/retícula
poligonal usada na cobertura da Schering, por exemplo [fig.173], não tardará a
reaparecer no Aeroporto Castro Pinto e no Espaço Cultural da Paraíba [fig.174],
ambos em João Pessoa (1981 e 1979-83, respectivamente), e está na origem da
gigantesca cúpula geodésica, com 300 m de diâmetro, do Hotel em Manaus
(1963-70), com a qual o arquiteto pensou colocar a Amazônia sob uma redoma
semelhante àquela proposta por Buckminster Fuller para Manhatan em 1962, e
concretizada por este – em escala menor - no pavilhão norte-americano da
Exposição Universal de Montreal, em 1967 [fig.186-187]105. São projetos em
vários sentidos distintos e, no entanto, todos eles definem-se por variações da
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estrutura triangulada e como tal pertencem, de algum modo, à investigação


desdobrada por Sergio Bernardes a partir da viga treliçada da casa de Lota, na
esteira das pesquisas iniciadas ainda no final do século XIX por Alexander
Graham Bell e desenvolvidas principalmente por Buckminster Fuller, Frei Otto e
Konrad Wachsmann entre as décadas de 1950 e 1970 [fig.175-176]. Porque tanto
a estrutura espacial (sistema estrutural que consiste basicamente duas ou mais
grelhas poligonais paralelas, superpostas e interligadas) quanto a cúpula geodésica
(domo hemisférico constituído por uma rede de poliedros) constituem coberturas
leves que partem, a rigor, de um mesmo princípio estrutural: a repetição de
elementos lineares de pequeno comprimento, articulados nas duas extremidades
por meio de articulações ou nós, configurando triângulos que, por sua vez,

com balanço de 30 m, no extremo do qual localiza-se a capela-mausoléu. O projeto estrutural é de


Ronaldo Vertis. ver Vasconcellos, Augusto Carlos de. O concreto no Brasil. Pré-fabricação,
monumentos, fundações.
104
ver AB/Arquitetura do Brasil 12, 1980, pp.16-21.
105
ver Baldwin, B. Bucky Works. Buckminster Fuller’s ideas for today. Note-se que a maior
cúpula geodésica realizada por B.Fuller foi a de Montreal (1967), com cerca de 76 m de diâmetro
– ou seja, quatro vezes menor que a cúpula proposta por Sergio Bernardes para Manaus. Em
função das dificuldades inerentes a este projeto, a solução, apresentada pelo engenheiro Jayme
Mason, consistiu numa calota dupla treliçada (obtida mediante a justaposição de vigas treliçadas
planas, de 3 m de comprimento e 1 m de altura), razoavelmente distinta, portanto, da malha
tetraédrica das geodésicas de Fuller. Sobre o projeto em Manaus ver Vieira, Mônica P. Sergio
Bernardes: arquitetura como experimentação e Mason, Jayme. “Limit analysis of a sandwich
lattice spherical shell with application to Manaus Dome”.
146

constituem redes, sistemas acentrados, não-orientáveis e virtualmente sem


começo nem fim, que podem ser traduzidos como objetos-topológicos 106.
A modulação triangular justifica-se, no caso, pela alta resistência à
deformação do triângulo, da qual resulta a rigidez do sistema estrutural, e logo,
sua leveza e economia. Valer-se da treliça plana ou de um reticulado
tridimensional (treliça espacial) significa, por sua vez, pensar em termos de barras
articuladas entre si e submetidas somente a forças nodais. Pois ainda que a treliça
espacial tenha comportamento distinto da treliça plana, ambas constituem um
sistema estrutural esbelto, leve e quase imaterial, de dimensões ilimitadas,
particularmente adequado à cobertura de grandes áreas livres de apoios e cujas
barras são solicitadas ou por esforços normais de tração ou de compressão.107
E é justamente à cobertura suspensa de grandes vãos que Sergio Bernardes
consagra sua exploração dos cabos, a partir da solução estrutural do pavilhão
paulista: inicialmente, no Pavilhão do Brasil em Bruxelas (1958) [fig.156-157] e
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no Pavilhão da Feira Internacional de Indústria e Comércio, dito Pavilhão de São


Cristóvão, no Rio de Janeiro (1957-8) [fig.161-168]. Ambos foram calculados
pelo engenheiro Paulo Fragoso - um dos primeiros a dedicar-se ao cálculo da
estrutura metálica para a construção civil no Brasil108 - e se distinguem pela ênfase
posta na cobertura, problematizando seu sentido tradicional como elemento de
proteção e abrigo, em relação quase sempre de dependência recíproca com a
parede. As coberturas suspensas de Sergio Bernardes podem funcionar como um
varal (Pavilhão da CSN), ou como uma cesta de cabos protendida (Pavilhão de
São Cristóvão); o mais importante, seja como for, é o grau de inconformismo que
aí se revela no tocante à relação entre parede e cobertura, relação essa que durante
séculos determinou aspectos morfológicos e tipológicos da arquitetura.

106
Reportamo-nos aqui à definição de rede de Pierre Rosenstiehl, como um objeto-topológico
constituído antes de mais nada por nós e ligações duas a duas, aos quais se podem associar
variáveis e assim “modelizar uma vastíssima gama de situações concretas, valorizando certos
aspectos e prescindindo de outros” (cf verbete para Enciclopédia Einaudi, vol.13. Lisboa,
Imprensa Nacional, 1988,p.246). Vale notar que encontramos este mesmo princípio topológico nos
exercícios propostos por A.Fröschaug no Curso Básico da HfG, em 1959. (ver capítulo 2)
107
ver Maragrait, J. e Buxadí, G. Las mallas espaciales en arquitectura.
108
Paulo Fragoso foi responsável pela organização e direção do escritório de cálculo da Usina de
Volta Redonda, na década de 1940, e ao mesmo tempo manteve escritório próprio que se
notabilizou pelo domínio da técnica da estrutura metálica, sem deixar de lado o concreto armado.
Para informações biográficas sobre o engenheiro, ver Vasconcelos, Augusto Carlos de. O concreto
no Brasil. v.1. São Paulo, Pini, 1992. pp.34-35.
147

Com o pavilhão carioca pretendeu-se reproduzir, no centro do Campo de


São Cristóvão, a façanha estrutural da recém-construída Arena de Raleigh, nos
Estados Unidos [fig.169], concebida pelo arquiteto polonês Matthew Novicki e
calculada pelo engenheiro norueguês Fred Severud (1951-2): o pavilhão carioca
teria a mesma cobertura suspensa sobre planta elíptica, porém – e isso,
evidentemente, seria determinante - com área três vezes maior (cerca de 30.000
m2, contra 9.000 em Raleigh)109. O que Sergio Bernardes se propunha, na
verdade, era antes um problema de natureza eminentemente técnica-construtiva
que formal. Segundo Paulo Fragoso, “o arquiteto, ao procurar o engenheiro, ainda
não tinha compromissos de ordem plástica para resolver seu problema, que
consistia em cobrir uma grande área, sem apoios intermediários, criando o maior
espaço livre possível, com o máximo de eficiência e economia”110
O projeto estrutural foi resolvido em duas partes articuladas entre si:
estrutura de suporte de concreto armado (constituída basicamente por dois arcos
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perimetrais inclinados, pilares trapezoidais e dois maciços onde são ancorados os


cabos) e estrutura da cobertura (formada por uma rede de cabos de aço em espiral
com diâmetro entre 1/1” e 3/8”, ancorados nos arcos e nos seus encontros). E foi
nesta, como seria de esperar, que se apresentaram desde logo os maiores desafios
ao projeto: pouco depois de finalizada a obra, verificou-se a perda de resistência,
sob a ação do sol, das placas de plástico translúcido responsáveis pelo sistema de
vedação original, o que levou à substituição dos cerca de 28.000 m2 da cobertura
por telhas de alumínio de perfil trapezoidal com apenas 0,8 mm de espessura,
rebitadas entre si e vedadas com massa de asfalto-amianto. Essa solução, visando
melhorar as condições acústicas da área coberta, foi projetada especialmente por
Hans Eger, arquiteto e engenheiro de origem austríaca responsável pelo
desenvolvimento de várias estruturas pioneiras de alumínio no Brasil, dentre elas
a cúpula geodésica do Conjunto Nacional, em São Paulo [fig.183], que assinou
junto com Gregori Warchavhick (projeto arquitetônico de David Libeskind,
1956)111, pouco depois da realização da Ford Rotunda Dome, de Buckminster

109
A planta de ambos os pavilhões é elíptica, sendo que na arena americana o eixo maior tem 92
m, enquanto que no pavilhão carioca tem 250 m. ver Miret, Eduardo Torroja. Razon y Ser de los
tipos estructurales.
110
Fragoso, Paulo. “Considerações sobre as coberturas suspensas”. p.52.
111
O trabalho pioneiro de Hans Eger (1920-2002) no campo das estruturas de alumínio ainda está
por ser investigado em profundidade. Consta do seu currículo o projeto e execução, em 1952, do
que seria a primeira estrutura de alumínio da América Latina: a cobertura em shed da Garagem
148

Fuller (1953)112 e do Pavilhão do Centenário do Alumínio, de Jean Prouvé (Paris,


1954).
O alumínio, material muito usado na fabricação de aviões durante a guerra,
começava a ser explorado na construção civil justamente naqueles anos: sua
leveza viabilizava grandes coberturas e seus diferentes processos de fabricação
ofereciam nova e variada gama de produtos à indústria da construção. Atento a
essas propriedades, Eger estudou, em conjunto com Bernardes, uma solução
específica para a cobertura do Pavilhão de São Cristóvão, onde os problemas iam
se somando: primeiro foram as dificuldades de importação, que levaram à
substituição dos cabos de aço originalmente especificados com alma (ou núcleo)
de aço por cabos com alma de cânhamo, os quais, embora equivalentes em termos
de resistência, são mais deformáveis ao longo do tempo e por isso exigem uma
manutenção freqüente, trabalhosa e onerosa, que inclui a lubrificação dos cabos e
seu reesticamento periódico (embora medições posteriores das trações dos cabos,
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realizadas pela equipe do Laboratório de Estruturas da Escola de Engenharia de


São Carlos, da Universidade de São Paulo, tenham indicado que a estrutura de
concreto poderia não resistir à protensão necessária dos cabos113). Somou-se a isso
a falta de instrumentos adequados para prever o desempenho dos elementos e a
intensidade da protensão dos cabos. E além disso, a execução da cesta revelou-se
extremamente complexa: uma série de peças metálicas, como grampos, ganchos e
parafusos, trabalhando em conjunto com os cabos tracionados, fizeram da
montagem uma operação delicadíssima, verdadeiro “trabalho de relojoeiro”114 que

Leblon, no Rio de Janeiro. No mesmo ano, Eger fundou a Alumisa (Estrutura de Alumínio S.A),
onde teve como sócio, até meados da década de 60, o arquiteto Gregori Warchavhick. Na década
de 1980, Eger patenteou no Brasil o “nó Eger”, elemento de ligação usado em estruturas espaciais
de alumínio. Para detalhes sobre a colocação da cobertura do Pavilhão de São Cristóvão, ver
Acrópole, 265. pp. 18-21.
112
A cúpula geodésica foi patenteada por Buckminster Fuller em 1954, um ano depois da
execução da Ford Rotunda Dome, que tinha 93 pés de diâmetro e foi projetada, testada e instalada
em 4 meses. Apesar de ter sido popularizada por Fuller, a primeira cúpula com estrutura poliédrica
do mundo foi construída ainda em 1922-3, em Jena, Alemanha, segundo projeto de Walter
Bauersfeld e Franz Dischinger, da firma de Carl Zeiss. Ver Meller, James (ed) The Buckminster
Fuller Reader e Addis, Bill. Building: 3000 Years of Design Engineering and Construction.
113
entre meados dos anos 1960 e 1981, a equipe do Laboratório de Estruturas da Escola de
Engenharia de São Carlos/ USP - fundado pelo engenheiro Dante Martinelli - realizou seis
medições das trações nos cabos. Martinelli, que esteve à frente das medições iniciais, chegou a
projetar um instrumento especialmente para tal fim. Embora as medições tenham mostrado a
necessidade de reesticamento periódico dos cabos, isso nunca foi feito (segundo depoimentos à
autora, em 16.04 e 14.08.2007, do engenheiro Roberto Barbato, que participou de algumas
medições, e a quem somos especialmente gratos por vários esclarecimentos aqui incorporados)
114
A expressão foi usada pelo engenheiro Roberto Barbato em conversa com a autora, em
14.08.2007.
149

exigia mão-de-obra, equipamentos e prática construtiva inexistentes então no


Brasil (conforme atestam as fotos tomadas pela equipe da USP e por Eger, nas
quais se vê a impressionante precariedade com que trabalharam os operários na
obra).
Enfim, uma seqüência de dificuldades de cálculo, orçamento e montagem,
somados à problemática manutenção da obra acabaram por selar a sorte do
pavilhão, que depois de ter sofrido ainda o rompimento de alguns cabos num
incêndio, permaneceu – para muitos, inexplicavelmente - como uma ruína
moderna no coração da cidade115. Pode-se, portanto, questionar essa experiência
do ponto de vista de seu fracasso, desde que se entenda que ele foi proporcional à
ousadia do projeto – e convém registrar a inexistência, na época, dos modelos
matemáticos e métodos computacionais hoje reconhecidos como indispensáveis
para o projeto de uma estrutura retesada116 como a do pavilhão (os quais só
começariam a ser empregados mais de uma década depois, no projeto do estádio
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olímpico de Munique, de 1972117). [fig.155]


De fato, foi por meio de um procedimento meio intuitivo, quase tateante,
que Sergio Bernardes e Paulo Fragoso deram origem a uma obra sob vários
aspectos surpreendente, cujo ponto mais forte coincide também com seu aspecto
mais frágil. A relativa falta de domínio sobre o material de modo algum impediu,
contudo, que os cabos voltassem a ser empregados por Sergio Bernardes: nas
coberturas do estádio do Corintians em São Paulo (1968, não executado118) [fig.
172] e do Espaço Cultural de Brasília (1972), na segunda proposta para o Hotel de
Manaus (final da década de 60) ou no projeto de uma colônia de férias pendurada
sobre a mata atlântica, em Parati (“ForYou”, 1987, não executado). Se bem
observarmos esses últimos projetos, junto com os pavilhões citados anteriormente,
veremos que, embora tenham sido precedidos no uso da malha espacial no Brasil

115
Depois do incêndio, todos os cabos foram retirados. O Pavilhão permanece descoberto até hoje,
e atualmente abriga o Centro de Tradições Nordestinas.
116
Embora os termos “tensoestrutura” e “estrutura tensionada” sejam mais comumente
empregados no Brasil para definir estruturas de cabos e membranas, ambos têm sido questionados
por estudiosos no tema, como os engenheiros Roberto Barbato e Ruy Pauletti, uma vez que o
termo “tensão” abrange, genericamente, todos os estados de solicitação interna das estruturas. Por
esse motivo, seguimos aqui o termo adotado pelo engenheiro Ruy Marcelo Pauletti em “História,
Análise e Projeto das Estruturas Retesadas”
117
Ibid. O projeto arquitetônico do estádio é assinado por Günther Behnisch e Frei Otto
(cobertura), e o cálculo por Leonhard, Andrä and Partners.
118
Note-se a semelhança desse projeto com o Yale Hockey Rink, de Eero Saarinen (1956-8), com
projeto estrutural de Severud-Elsad-Kruegen. Este último, porém, tem sua estrutura definida por
um arco com cerca de 23 m de altura, enquanto o de Sergio Bernardes teria 90 m.
150

pelo Parque Anhembi [fig.178] de Jorge Wilhem e Miguel Juliano (projeto


contemporâneo ao pavilhão de Frei Otto na IBA/Internationale Bauaustellung em
Berlim, de 1957), a eles cabe o mérito de ter definido uma via de pesquisa inédita
no Brasil, fazendo uso inovador dos cabos de aço aos quais a maior parte dos
arquitetos brasileiros – à exceção do já citado Jayme Luna dos Santos, que assina
também o projeto do edifício até hoje mais alto de Porto Alegre (o edifício Santa
Cruz, projetado com estrutura de aço em meados da década de 1950) - havia
recorrido até então sobretudo para resolver tirantes internos, a exemplo do bloco
de exposições do MAM-RJ, projeto desenvolvido a partir de 1953 por Affonso
Eduardo Reidy. [fig. 170]
Isso não quer dizer que o emprego de cabos de aço na construção civil fosse
novidade. Cordas de fios de aço torcidos já eram amplamente utilizadas no
começo do século XIX119, seja nos elevadores que possibilitaram os primeiros
arranha-céus americanos, seja em estruturas suspensas como a Ponte do Brooklyn,
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em Nova York (John Roebling, 1869-75) [fig.171] , à qual Wachsmann atribuiu


papel decisivo por demonstrar “a importância do cabo de aço como material de
construção” e permitir “uma visão grandiosa e sem precedentes de estruturas
reticulares suspensas, incorpóreas e lineares que produzem espaço sem espaço.”120
(argumento este que não por acaso faz lembrar aquele usado por Argan para
definir a “arquitetura infinita” do próprio Wachsmann como uma possibilidade
construtiva ilimitada que “não deixa margem a um espaço naturalístico”, e por
isso mesmo não se concebe no espaço, mas como espaço121). Quanto ao Brasil, se
aqui os fios de aço não foram produzidos antes da década de 1950122, os cabos já
pertenciam à paisagem carioca desde a instalação do teleférico do Pão de Açúcar,
meio século antes (1912). Muito embora não se houvesse ainda atentado para o
potencial arquitetônico desse material delgado e flexível, cuja forma deve sua
existência a uma tensão, como já veremos.

119
segundo K.Frampton, a utilização de cabos de aço em vez de correntes na construção de pontes
teve início nos Estados Unidos, em 1816, numa ponte de pedestres sobre uma queda d’água na
Pensilvânia. ver Frampton, K. Historia crítica de la arquitectura moderna. pp. 30-31.
120
Wachsmann, K. Wendepunkt im Bauen, p.34. Tradução e grifo são nossos.
121
Argan, G. C. “Prefazione”.
122
segundo Augusto Carlos de Vasconcelos, em 1952 a Companhia Belgo-Mineira iniciou a
fabricação do fio de aço de diâmetro de 5 mm, visando a utilização específica em obras de
concreto protendido. (ver Vasconcelos, A.C. O Concreto no Brasil, v. 1. p.123.) Já os cabos de aço
propriamente ditos começaram a ser produzidos no Brasil em 1953, pela CIMAF.
151

O fato do Pavilhão da CSN ter sido resolvido como uma ponte é mais
significativo, em todo caso, do que a princípio se pode supor. Não só porque as
pontes costumam ser identificadas, do ponto de vista estrutural, com a vanguarda
da construção (caso da já citada Ponte do Brooklyn e das pontes de Robert
Maillart, estas estudadas a fundo por Max Bill123). É preciso igualmente
considerar que o pavilhão se inscreve num longo histórico da utilização dos cabos
de aço e potencializa a perda do vínculo secular com o solo provocada pela
arquitetura pré-fabricada de ferro, que por sua própria natureza, logo mostrou-se
adequada a deslocamentos (a exemplo do “Palácio de Cristal” de J.Paxton,
montado primeiramente em Southhampton – como sede da Primeira Exposição
Universal, realizada em Londres em 1851 - e depois remontado em Sydenham). É
como se o arquiteto, reconhecendo o caráter provisório dos pavilhões expositivos,
se recusasse a enraizar o seu projeto no solo, bastando-lhe “acampar” a estrutura
no chão, de maneira que ela se mostre sempre pronta para ser desmontada e
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remontada a qualquer tempo, em qualquer lugar124. A chave do projeto é, pois, a


idéia de montagem – i.e., uma operação conduzida pela própria lógica do processo
industrial, identificada, pelo menos teoricamente, com a idéia correlata de
desmontagem, e vinculada ao deslocamento da produção do canteiro de obras para
a fábrica, de acordo com o princípio mesmo da pré-fabricação.
Ao se constituir como estrutura pênsil, o pavilhão se contrapõe, por sua vez,
ao sistema tradicional de escoamento das cargas para o chão no qual Sophia Telles
localizou o eixo central da arquitetura brasileira125. Em vez de "fazer cantar os
pontos de apoio"126, ao modo de Niemeyer ou Artigas, por exemplo, o projeto de
Sergio Bernardes ganha um impulso para o alto equivalente, no fundo, a uma
inversão do raciocínio vinculado ao cálculo do concreto armado. A tal ponto a
estrutura é tracionada que a própria lei da gravidade parece ser colocada à prova.
Não resta dúvida, afinal, de que há aí uma espécie de provocação da natureza que,

123
Bill, Max. Robert Maillart..
124
Com efeito, o pavilhão foi desmontado dois anos depois de ter sido construído, dele só restando
uma das pontes em arco, que permanece no local até hoje.
125
A idéia de que no Brasil, na ausência de uma tradição clássica, constituiu-se uma tradição do
concreto, que dá ênfase aos pontos de apoio por partir do cálculo estrutural (e não da geometria),
foi exposta por S.Telles em seminário interno no Departamento de História da PUC-Rio, em
setembro de 2005.
126
A expressão é atribuída ao arquiteto francês Auguste Perret (1874-1954), e foi usada por Flavio
Motta na sua arguição de Vilanova Artigas, em concurso para professor titular da FAU-USP, em
junho de 1984.
152

se pensada do ponto de vista heideggeriano, concerne à essência mesma da técnica


moderna127. De modo que poderíamos mesmo dizer, com Heidegger, que o tipo de
relação que se estabelece com a natureza implica a idéia de requisitá-la e levá-la a
expor-se como “um sistema operativo e calculável de forças”128.
Na verdade, trabalhar com cabos de aço significa pensar em termos de
transferência de carga e deslocamento de esforços (no limite, em todos os sentidos
e direções), antes que de escoamento de cargas para o chão. E uma vez que as
forças tendem a ser desviadas de seu caminho natural (a vertical), o verbo a ser
conjugado passa a ser antes “pendurar” que “apoiar”. Daí que se possa pensar o
pavilhão a partir da interrogação que ele lança à natureza por meio de um
processo de formalização que só se realiza enquanto desafio ao que Argan
chamou de "princípio naturalista do equilíbrio estático dos pesos e resistências"129.
Deve-se notar que o cabo de aço é um tipo específico de barra (elemento
estrutural cuja maior dimensão é o comprimento) que implica uma identificação
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completa entre forma e trabalho. Isso significa que sua forma é determinada por
um tracionamento correspondente às forças a que é submetido130. É a trajetória
dessas forças o que define a linha desenhada no espaço pelo cabo; linha essa que
se nega a ser identificada com a linha de contorno associada à tradição da
escultura, para impor-se como trabalho. Tal aspecto, aliás, vem a ser essencial: a
linha como trabalho já não pode ser medida em termos de artisticidade ou
desenvoltura do traço do autor, e nesse sentido perfila-se com uma orientação
essencialmente construtiva, retendo a sugestão de que as técnicas industriais
possam servir “como corretivo do caráter arbitrário do ‘feito a mão”131.
O que se postula, em última instância, é nada menos que uma reorientação
da própria concepção de espaço, num claro desafio àquilo que Siegfried Giedion
chamou de “um dos fatos constituintes da arquitetura moderna”132: uma
concepção de espaço definida essencialmente pela ênfase nos planos verticais e
horizontais e linhas ortogonais, de evidente ascendência neoplástica (basta pensar
na casa projetada em 1922-3 por Theo van Doesburg, um dos fundadores do
127
Heidegger, M. “A questão da técnica” pp. 11-38.
128
Ibid. p.29
129
Argan, G.C. Arte Moderna, p.86
130
Pode-se comparar esse procedimento com o encurvamento do arame que gerou o clips,
patenteado na Alemanha em 1901.
131
Fer, Briony. “A linguagem da construção” in: Realismo, Racionalismo, Surrealismo. A arte no
entre-guerras. São Paulo, Cosac & Naify, 1998. p.113.
132
Giedion, S. Espaço, Tempo e Arquitetura. São Paulo, Martins Fontes, 2004. p. 178
153

grupo De Stijl). A rigor, os cabos de aço abrem uma possibilidade para que o
espaço deixe de ser pensado prioritariamente a partir dos conceitos euclidianos de
ponto-reta-plano e da estática de planos ortogonais (parede-pavimento-teto) para
ser pensado em termos de superfície (i.e., segundo os princípios da topologia).
Isso envolve uma concepção fundamentalmente inovadora de espaço, intimamente
referenciada à “revolução do pensamento”133 empreendida na primeira metade do
século XIX pelas geometrias não-euclidianas. O ponto de partida é justamente a
ordem de problemas apresentados por matemáticos como Gauss, Bolyai,
Lobatchevsky e Riemann, em torno dos quais artistas como Max Bill vinham
encontrando os pontos de referência básicos para defender a incorporação radical
de princípios matemáticos à prática artística (vejam-se as variações de Bill sobre a
fita de Möbius – objeto de estudo por excelência da topologia - e seu conhecido
texto sobre “o pensamento matemático na arte do nosso tempo”, de 1950134).
De fato, quando comparados às lâminas que definem – a despeito de todas
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as suas diferenças - a espacialidade do Pavilhão de Barcelona de Mies van der


Rohe (1929) ou da Fallingwater de F.L.Wright (1936-7), por exemplo, os cabos
de aço mostram um raciocínio estrutural de outra ordem, a partir da consideração
da não-linearidade e da instabilidade do seu comportamento – e
conseqüentemente, da forma - e dos meios, em certo sentido mais físicos que
matemáticos, para garantir sua estabilização. É preciso ter em conta, além disso,
que o escoamento das cargas se dá, no suporte vertical (seja este uma parede
estrutural, uma coluna ou pilar), através de esforços normais simples (compressão
e tração), enquanto o cabo de aço responde exclusivamente por esforços de tração,
sem apresentar resistência nem à compressão nem à flexão. Isso significa dizer
que numa estrutura retesada não serão mais necessariamente as verticais e
horizontais a conduzir as forças, e sim um admirável, e até certo ponto
imprevisível jogo de equilíbrio dentro do qual assumem grande importância as
forças vetoriais.
É nesse sentido que deve ser entendida a afirmação de Paulo Fragoso:

“Forma significa moldagem das forças”.

133
Cassirer, Ernst, “El problema del espacio y el desarrollo de la geometría no euclidiana” in: El
problema del Conocimiento en la Filosofia y en la Ciencia modernas. p.33.
134
ver Bill, M. “El pensamiento matemático en el arte de nuestro tiempo”. in: Amaral, A. (org).
Projeto construtivo brasileiro na arte. pp.50-54.
154

A definição surge, não por acaso, num artigo sobre coberturas suspensas
no qual são destacados três projetos de Sergio Bernardes: os Pavilhões da CSN e
de São Cristóvão e o Clube Caiçaras, de Santos135. Mas poderia ser estendida a
toda uma linhagem experimental que inclui as “construções espaciais” de Karl
Ioganson (1920-1), as estruturas tensegrity (“tensegridade”)136 de Buckminster
Fuller e David Georges Emmerich e o Aviário do Jardim Zoológico de Londres,
de Cedric Price (1963), e tem um de seus pontos mais altos no estádio olímpico de
Munique, de Frei Otto (1972) [fig.151-155]. Todas essas obras se caracterizam
como sistemas estruturais flexíveis, pois sofrem “mudanças drásticas de forma
quando o padrão de carregamento a que estão submetidas é alterado”137. O que
significa dizer que a condição da sua forma é um estado de tensão. Opera-se,
enfim, com uma noção de forma que se faz no enfrentamento da estabilidade da
forma platônica, i.e., uma forma que se redefine e se reapresenta constantemente,
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em sua instabilidade, como forma-no-mundo – vale dizer, dentro da perspectiva


finita de um ser em ato, que só se constitui na contingência e na indeterminação.

4.6
Brasília, industrialização e planejamento

Depois do Pavilhão da CSN, e em grande parte impulsionado pela


estratégia de divulgação à qual ele soube tão bem vincular-se, começaram a surgir
na então capital federal edifícios de múltiplos andares com estrutura em aço: o
edifício-sede do Jockey Clube, projeto de Lucio Costa (1956) [fig.195]138, o
edifício-sede do Montepio dos Funcionários Municipais, projeto de Affonso
Eduardo Reidy (1957) [fig.196] e o edifício Av Central, de Henrique Mindlin

135
Fragoso, Paulo. “Considerações sobre as coberturas suspensas”.
136
O termo tensegrity (“tensegridade”) resulta da contração de tensile integrity ( “integridade
tensional”) e deve sua origem aos experimentos de Buckminster Fuller e do artista Kenneth
Snelson (seu aluno no Black Mountain College nos anos 40), que levaram adiante as investigações
do artista russo Karl Ioganson e desenvolveram um tipo específico de estrutura espacial reticulada
composta por barras comprimidas que não se tocam, interligadas por cabos tracionados, resultante
do equilíbrio entre tração e compressão.
137
Em contraposição aos sistemas rígidos, como vigas e cascas, que não apresentam deformações
consideráveis em função da variação do carregamento. Cf Pauleti, Ruy. História, análise e projeto
das estruturas retesadas.
138
Na verdade, apenas o miolo do edifício, ocupado por 13 pavimentos de garagem, foi construído
com estrutura metálica, enquanto os blocos periféricos são de concreto armado.
155

(1957), sobre o qual nos deteremos mais adiante. Um quarto edifício de grande
porte (com 24 pavimentos) em estrutura metálica foi, por assim dizer, atropelado
pela chamada “meta-síntese” do governo JK – a construção de Brasília – e não
chegou a sair do papel: o Senado Federal, projeto de Sergio Bernardes e Rolf
Hüther para concurso realizado meses antes da posse de Kubitschek na
presidência da República139 [fig.194]. Os quatro edifícios (assim como o Garagem
América, em São Paulo) também foram calculados pelo escritório de Paulo
Fragoso. E despertaram atenções, desde logo, por sua localização central na
cidade do Rio de Janeiro: o primeiro na Esplanada do Castelo, o segundo na Av
Pres Vargas, o terceiro na Av Rio Branco e o último na Cinelândia.
Se construído, o edifício do Senado certamente redefiniria o skyline do
centro carioca, que ia ganhando nova escala naquele momento. Os arquitetos
propunham a construção de uma seção de pirâmide com 24 pavimentos e 110
metros de altura, que ultrapassava em muito o gabarito permitido pela
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municipalidade (75 metros) e tomava como parâmetro, em vez disso, o limite de


altura fixado pelo Ministério da Aeronáutica. O projeto implicava uma série de
modificações e intervenções na área, inclusive a demolição do Palácio Monroe
(pavilhão eclético abatido nos anos 70, em meio a acirrada polêmica no interior do
IPHAN/Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional140). Depois de
expor uma análise comparativa entre as estruturas metálica e de concreto armado,
os autores do projeto do novo Senado chegavam a enumerar as “vantagens
flagrantes” da primeira sobre a segunda: “40% de rapidez da construção, 30% na
economia da área ocupada por colunas, 25% do peso total da construção e maior
facilidade na adaptação das instalações”. Assumiam, além disso, um ponto de
vista crítico em relação ao veio central da arquitetura brasileira, ao atacar o brise-
soleil, elemento construtivo tão caro ao repertório da primeira geração de
arquitetos modernos no Brasil, agora reduzido a mero “artifício incapaz de
resolver o problema da insolação”141. E em vez de recorrer a estudos de incidência
dos raios solares e resolver separadamente cada uma das fachadas, simplificavam

139
Sobre o projeto, ver Habitat 34, set 1956, Módulo 4, março 1956, Acrópole 301, dezembro de
1963 e Revista do Clube de Engenharia 232, dez.1955.
140
A proposta de demolição do Palácio Monroe criou uma polarização dentro do IPHAN/Instituto
Histórico e Artístico Nacional, entre os arquitetos Lucio Costa e Paulo Santos – o primeiro foi
favorável à sua demolição, enquanto o último saiu em defesa da sua preservação. ver Pessoa, José
(org). Lucio Costa: Documentos de Trabalho. Rio, IPHAN, 1999. pp.272-283.
141
Módulo 4, março 1956, p.23
156

o detalhamento ao máximo ao adotar, para todas elas, um só tipo de esquadria -


com janelas tipo guilhotina e vidros especiais (tipo “Termolux”) –, além de ar
condicionado central. O argumento, afinal, era a de que “um edifício com ar
condicionado (...) prescinde de qualquer orientação.”
Tanto o projeto do Senado quanto os edifícios do Jockey Clube, do
Montepio e Av Central são contemporâneos do concurso para a escolha do plano-
piloto de Brasília, em que mais de uma proposta apostou explicitamente no uso de
estrutura metálica. Entre os projetos classificados, o da equipe de Rino Levi
apresentava a proposta sem dúvida mais arrojada em termos estruturais, não por
acaso também calculada por Paulo Fragoso: edifícios residenciais laminares de
300 m de altura conectados em linha por treliças metálicas de grandes dimensões
(4 m de altura, 37 m de vão e 400 m de comprimento), perfazendo quatro
conjuntos de 8 edifícios cada. [fig.126] Apesar de suas dimensões descomunais, o
conjunto resultava bastante esbelto graças ao atirantamento dos pisos nas treliças e
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ao espaçamento de 15 m entre os edifícios, providenciado também em função da


necessidade de reduzir o impacto do vento. Neste caso, treliças, pilares e tirantes
seriam obtidos mediante a composição de perfis laminados fabricados pela
Companhia Siderúrgica Nacional – os únicos com os quais se podia contar à
época142. Já o projeto assinado por Palanti e Mindlin não chegava ao mesmo nível
de detalhamento, mas recomendava, “em todas as construções em que fosse
possível, o uso de estrutura metálica substituindo a estrutura de concreto
armado”143. [fig.127]
Nenhum dos dois projetos foi selecionado – o de Levi foi classificado em
terceiro lugar, o de Palanti-Mindlin em quinto. Mesmo assim, entre as primeiras
obras de Brasília, várias foram erguidas com estrutura metálica, se bem que
apenas o Palace Hotel (Oscar Niemeyer, 1956) e a torre de rádio e TV (Lucio
Costa, 1958) com estrutura inteiramente fabricada e montada no Brasil, pela FEM
[fig.197]. Os edifícios ministeriais e os dois blocos gêmeos do Congresso
Nacional - respectivamente com 9 e 25 pavimentos -, foram construídos, a partir
de projeto arquitetônico de Niemeyer, com estrutura projetada e fabricada por

142
Só mais tarde começariam a ser produzidas no Brasil as chapas dobradas e soldadas, que
permitem dimensões maiores e peças não padronizadas.
143
ver Arquitetura e Engenharia número 44, março-abril de 1957. Este projeto, classificado em
quinto lugar, contou com uma equipe que incluía Walmyr Amaral, Marcos Fondoukas, Anny
Sirakoff, Olga Verjovsky, Gilcon Lages e André Gonçalves.
157

uma empresa norte-americana, a Bethlehem Steel Company [fig.198]. As


dificuldades encontradas no decorrer da montagem da estrutura destes edifícios
tornam-se ainda mais espantosas se considerarmos que a produção de aço da
mesma Bethlehem Steel havia servido de base para a definição do sistema
taylorista de organização científica do trabalho, modelo exemplar do processo
moderno de produção144. De fato, quando confrontada com valores intrínsecos à
perspectiva taylorista, como eficiência, rendimento e produtividade, chega a ser
ainda mais gritante, e mesmo dramática, a disparidade flagrada entre os meios e
processos técnicos disponíveis e o plano de industrialização do país145. O
despreparo da mão-de-obra, basicamente não-instruída e em grande parte
proveniente das regiões mais pobres do país146, deixou um saldo de 19 mortes só
no canteiro do Congresso Nacional. Já nos Ministérios, o descuido nas operações
de transporte das peças no Brasil, aliado às adversidades encontradas no canteiro
da nova capital, quase inviabiliza a obra: embora a estrutura metálica tenha sido
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embarcada nos Estados Unidos com um plano de montagem que incluía a


identificação e numeração de cada uma das peças, a definição de seu
posicionamento e da seqüência de montagem, as peças foram descarregadas
aleatoriamente em Brasília, o que custou dias de trabalho até que fosse possível
localizá-las em meio às pilhas de metal dispersas pelas margens do Eixo
Monumental.147
Por aí se vê que o aço se mostrou, pelo menos para o meio da arquitetura,
como uma faca de dois gumes: se por um lado prometia maior velocidade de
produção e coadunava-se com o propósito de construir uma cidade-capital no
curtíssimo prazo de três anos, por outro dava sinais claros das condições precárias
da indústria da construção civil no país. É incontestável que antes de Brasília
nunca havíamos contado com um volume tão significativo de obras, concentrado

144
Frederick Taylor ingressou em 1896 na Bethlehem Steel Works e foi responsável pela completa
reorganização da empresa, visando o aumento da eficiência na produção. O método aplicado é
resumido num dos capítulos de seu célebre livro, Princípios da Administração Científica [1911]
(São Paulo, Atlas, 1960)
145
A montagem destas estruturas foi confiada a outra empresa norte-americana (a Reymond Pill,
estabelecida no Brasil como Construtora Planalto), que por sua vez subcontratou duas empresas
brasileiras: a Setal/Sociedade de Engenharia e Terraplenagem Alberto e a Monag/Montagens
Industriais. cf Dias, Luís Andrade de Mattos. Edificações de Aço no Brasil. pp.198-99.
146
Pesquisa realizada pelo IBGE em março de 1958 encontrou 28.800 pessoas morando na área do
Distrito Federal (incluindo-se aí o Plano Piloto, o Núcleo Bandeirante e os diversos acampamentos
ligados à construção civil). Essa população era proveniente, em sua maioria, do estado de Goiás
(39%), seguido de Minas Gerais, Bahia, São Paulo, Pernambuco e Piauí. ver IBGE. Brasília.
147
cf Dias, Luís Andrade de Mattos. Edificações de Aço no Brasil. p 199.
158

num só ponto e por encomenda do Estado (motivo da presença maciça de


empresas estrangeiras no canteiro da nova capital, que chegou a gerar um protesto
público formulado no âmbito do V Congresso Brasileiro de Arquitetos148). Assim,
se por um lado pode-se admitir que o Programa de Metas seja considerado um
“marco na consolidação e desenvolvimento da indústria da construção” no
Brasil149, no que diz respeito à concentração, no canteiro da nova capital, de
sistemas construtivos inovadores (como o concreto protendido empregado na
Rodoviária de Lucio Costa e sistemas pré-fabricados concebidos no âmbito do
Ceplan / Centro de Planejamento da Universidade de Brasília), por outro lado
pode-se também questionar até que ponto daí decorreu um posicionamento mais
efetivo, por parte dos arquitetos brasileiros, em relação aos problemas inerentes à
concepção de projeto industrial.
Em todo caso, Brasília haveria de se tornar referência crucial nos debates
sobre arquitetura e urbanismo que acompanharam a discussão sobre o processo de
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industrialização brasileira nos anos 50-60. Seja porque ali se intensificou o desafio
de testar soluções projetuais capazes de permitir a produção em massa de uma
arquitetura de qualidade, seja porque sua construção forçou a interrogação de um
processo de racionalização que, ao se cruzar com o esforço de superação do
subdesenvolvimento do país, muitas vezes tendeu a se confundir com propostas de
industrialização da construção, às vezes até limitando-se a apontar a pré-
fabricação como alternativa para a construção convencional. O fato é que o
investimento em pesquisas tecnológicas, a busca de soluções econômicas, a ênfase
na organização do canteiro e a preocupação política e programática com a
habitação de baixa renda tornaram-se, na esteira das obras de Brasília, temas
centrais de um debate que, mesmo quando forçado por uma orientação mais
ideológica que técnica, conduziu a um repertório significativo de experiências
arquitetônicas que tanto abriu caminho para a produção em larga escala dos
grandes escritórios e empreiteiras quanto fomentou o programa estético-político
estabelecido por Sérgio Ferro (com Flávio Império e Rodrigo Lefèvre) com base
na crítica marxista à alienação do trabalhador no sistema capitalista150.

148
Chaves, Marilena. A indústria da construção no Brasil: desenvolvimento, estrutura e dinâmica.
p.124.
149
Chaves, Marilena. A indústria da construção no Brasil: desenvolvimento, estrutura e dinâmica.
Rio de Janeiro, Instituto de Economia Industrial da UFRJ, 1985. p.135. (dissertação de mestrado)
150
ver Ferro. Sergio. Arquitetura e Trabalho Livre.
159

Por mais que limitada pela chave ideológica na qual se inscrevia, nos
termos do conflito entre forças revolucionárias e reacionárias, a crítica destes
arquitetos à associação entre desenvolvimento e industrialização contribuiu para
apontar para os limites que a estrutura social brasileira, fundada sobre o regime
escravocrata-senhorial, desde logo impunha à racionalização dos processos
produtivos no Brasil151. Quer dizer, se por um lado nosso sistema político-social
negava, de saída, qualquer aspiração reformista contida na idéia de modernidade,
por outro lado o patrimonialismo estatal no qual mantinha-se ancorado fazia-o
fundamentalmente refratário à economia capitalista moderna, “de índole
industrial, racional na técnica e fundada na liberdade do indivíduo”152, conforme
Raymundo Faoro. Daí os problemas que ainda podiam ser verificados, na segunda
metade do século XX, na relação desconexa entre prática projetual e meios de
produção, ou entre projeto, fábrica e canteiro – i.e., entre operações sucessivas na
cadeia de produção, a contrapelo da lógica intrínseca a qualquer processo
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industrializado. E isso a despeito do interesse manifestado então pela produção


seriada por parte de um número significativo de arquitetos brasileiros que incluía,
a despeito de todas as suas diferenças - e elas decerto não eram poucas -, Sergio
Bernardes, Arthur Lício Pontual, Henrique Mindlin, Affonso Eduardo Reidy, os
irmãos Roberto, Oscar Niemeyer, Eduardo Kneese de Mello, Sergio Rodrigues,
Sérgio Ferro, Rodrigo Lefevre, Paulo Mendes da Rocha, Vilanova Artigas, Rino
Levi, Hélio Duarte e Ernst Mange (este, aliás, engenheiro). E claro, João
Filgueiras Lima, dito “Lelé”, caso extremo e único de quem acabaria optando por
assumir o controle de toda a cadeia de produção, ao custo de se manter fora do
mercado e sob a égide do Estado153.
Vejamos o sistema de pré-fabricação em madeira concebido por Sergio
Rodrigues em 1959, cujo primeiro protótipo – uma casa de dois quartos - foi
exposto nos jardins do MAM no ano seguinte, acompanhado de painéis e catálogo

151
Schwarz, Roberto. "As idéias fora de lugar" in: Ao vencedor as batatas.
152
Faoro, Raymundo. Os donos do poder. p.819.
153
A partir da experiência adquirida no canteiro de obras de Brasília, Lelé dedicou-se ao
desenvolvimento de sistemas construtivos pré-fabricados, utilizados na maior parte das vezes na
implantação de escolas, saneamento e equipamentos comunitários públicos em várias cidades do
Brasil. Desde o início da década de 90, sua atuação tem se dado prioritariamente no âmbito do
projeto e produção dos hospitais da Rede Sarah Kubitschek – graças a uma associação entre uma
entidade privada e o Governo Federal, pela qual é permitido produzir, mas não comercializar os
componentes industrializados projetados pelo arquiteto e fabricados sob a sua supervisão no
CTRS/ Centro de Tecnologia da Rede Sarah, em Salvador. ver Latorraca, G. João Filgueiras
Lima, Lelé.
160

projetados por Goebel Weyne, Arthur Lício Pontual e Marcos Vasconcellos, como
mencionado antes [fig.73-77]. Tratava-se de um projeto modulado com base nas
dimensões das placas de compensado disponíveis no mercado (1,22 x 2,50 m),
com estrutura de peroba maciça de 3 polegadas (0,075 m) e cobertura plana, em
placas de feltro asfáltico revestidas de alumínio e fixadas ao fôrro de réguas de
madeira. Embora o sistema pudesse servir a diferentes usos e arranjos, foram
apresentadas três versões de plantas para casas de um, dois e três quartos
(respectivamente com 25, 47 e 65 m2, além da área livre resultante da elevação do
piso único da casa).
Convocado a escrever o texto de apresentação, Mário Pedrosa saudou a
proposta “surgida não de um projeto a priori, ou muito menos de um exercício de
composição, mas de normas industriais prevalecentes nas fábricas, de normas e
módulos de materiais em circulação no mercado.” Destacou a afinidade do projeto
com o pensamento alemão - embora reconhecendo que ainda lhe faltasse “a
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extraordinária flexibilidade de montagem” do sistema de pré-fabricação aberto154


de Gropius e Wachsmann, o “General Panel System”155, cujo alto grau de
liberdade nos arranjos combinatórios atribuiu à definição de um conceito não
planar de módulo [fig. 199]. E afirmou:

“uma das graves deficiências dessa nossa tão louvada arquitetura é a de ter sido,
até hoje, salvo um ou outro ensaio social, de que Pedregulho (infelizmente não
acabado!) é o exemplo mais alto, atividade puramente aristocrática, estritamente

154
Os sistemas de pré-fabricação podem ser classificados em abertos e fechados. Sistema fechado
é aquele em que os elementos construtivos são produzidos para obras específicas, exigindo mão-
de-obra qualificada na sua montagem. Já o sistema dito aberto define-se pela produção de
elementos padronizados destinados ao mercado, que podem ser combinados entre si de várias
maneiras, com resultados distintos. Nesse caso, a montagem é feita por terceiros. ver Bruna,
Paulo. Arquitetura, industrialização e desenvolvimento.
155
O desenvolvimento do sistema de pré-fabricação em madeira testado originalmente por
Wachsmann na Alemanha beneficiou-se dos incentivos do chamado “Programa Wyatt” –
programa habitacional conduzido por Wilson Wyatt, diretor da National Housing Agency no
governo Truman (1945-53), com vistas a estimular a economia norte-americana e promover a
produção de habitação econômica (com o objetivo primordial de prover abrigo aos veteranos da II
Guerra). É neste contexto que Gropius e Wachsmann criam a “General Panel Corporation”,
empresa sediada na Califórnia e destinada a produzir um sistema de painéis pré-fabricados de
madeira concebido pelos dois arquitetos. Os painéis seguem um único módulo de 3’ 4”
(aproximadamente 101,6 cm) e são articulados, tanto vertical quanto horizontalmente, por um
mesmo elemento cruciforme de aço. Apesar da redução dos componentes ao mínimo e da não-
diferenciação de elementos verticais e horizontais, o sistema permite grande flexibilidade,
conforme demonstra a variedade de casas projetadas por arquitetos como Gropius e Richard
Neutra. Vale ressaltar que todo o processo de fabricação dos painéis é mecanizado graças às
máquinas projetadas pelo próprio Wachsmann. Ver “The industrialized house: General Panel
Corporation” in: Architectural Forum, vol. 86 (1947), pp.115-120 e Wachsmann, Konrad.
Wendepunkt in Bauen.
161

reservada a milionários ou ao poder público. Esperemos que Brasília seja a


oportunidade não apenas para estimular o brilho da imaginação criadora de
alguns dos nossos grandes arquitetos, como Oscar Niemeyer, mas para que se
afirmem, também, com o mesmo brilho, e, sobretudo, com viva flama, as
solicitações do social e do humano na construção das superquadras residenciais
do plano urbanístico de Lucio Costa”156.

Como se vê, a simultaneidade da exposição no MAM com a inauguração


de Brasília tinha sua razão de ser: acreditava-se numa convergência entre o
sistema pré-fabricado de Sergio Rodrigues e a construção da nova capital, visto
que ambos projetos podiam ser enquadrados, afinal, dentro da mesma perspectiva
de industrialização do país. Pois bem, a resposta de Lucio Costa veio nas vésperas
da inauguração de Brasília, em carta a Israel Pinheiro (presidente da Novacap), na
qual o arquiteto sugeriu que fosse aberta uma exceção para que pudesse ser
construída no Plano Piloto “a pequena casa pré-fabricada do arquiteto Sergio
Rodrigues e Oca-Arquitetura, Interiores Ltda”. Ora, a carta dá bem a medida de
como Lucio Costa concebia a pré-fabricação, pelo menos no tocante à habitação
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unifamiliar. Em princípio, casas pré-fabricadas não eram admitidas no Plano


Piloto; no máximo, podia-se abrir uma brecha para uma solução considerada
pontual, circunstancial e de caráter provisório, aceitável em função da “urgência
de morar em Brasília”. Quer dizer, Lucio Costa consentia em dar uma espécie de
“licença” às casas de Sergio Rodrigues e até destacava algumas de suas
qualidades: o padrão de acabamento, a simplicidade, as possibilidades de
agenciamento, a rapidez de montagem. Deixava claro, porém, que não as entendia
senão como “pavilhões de morar”, os quais antecederiam a construção da “casa
grande definitiva” e “depois serviriam de casa de hóspedes ou de apartamento
independente para os rapazes da família”.157
Mas se o aval de Lucio Costa era um tanto ambíguo, por outro lado ele
abriu as portas de Brasília para a arquitetura pré-fabricada de Sergio Rodrigues, e
não só no setor residencial (construiu-se com esse sistema, por exemplo, a
primeira sede do Iate Clube, inaugurada em 1960 e ainda existente). A inevitável
pressão pela provisão de habitação em Brasília levaria também Oscar Niemeyer a
propor dois tipos de solução estandardizadas: um bloco de 7 pavimentos com
colunas, lajes e paredes inteiras pré-fabricadas, e uma unidade alveolar de 50 m2,

156
Pedrosa, Mário. “Casa pré-fabricada e individual” in: MAM-RJ. Casa individual pré-fabricada.
157
Costa, Lucio. Carta a Israel Pinheiro. 18.abr.1960.
162

a ser usada isoladamente ou superposta a outras (neste caso configurando


habitações coletivas de até 4 pavimentos, com vazios entre as unidades usados
como jardins). [fig.200] Visava-se claramente enfatizar a natureza industrial do
projeto – daí que Niemeyer não tenha deixado de incluir, num de seus croquis,
uma grua transportando uma unidade pré-fabricada. Além disso, o arquiteto
frisava que a característica principal do projeto era a “flexibilidade de utilização”
158
– embora essa na verdade se limitasse à introdução de divisórias e
equipamentos no interior de uma caixa fechada, conforme sugeria o próprio autor
do projeto em seu texto de apresentação.
Havia, como se percebe, dois tipos de abordagem em jogo: por um lado, o
projeto de Niemeyer era como que a expressão (ainda que atualizada) da
“moradia-estojo” descrita por Walter Benjamin em sua caracterização da casa
burguesa do séc.XIX159. Quer dizer, aqui também uma das premissas básicas da
arquitetura era a definição de um invólucro, uma caixa/estojo/casulo destinada a
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acondicionar (e a bem dizer, preservar) um conteúdo dificilmente acusado pelo


seu exterior. Como os estojos do século XIX, que chamaram a atenção de
Benjamin justamente por guardar objetos e instrumentos técnicos - compassos,
relógios de bolso, termômetros – produzidos em ritmo crescente pela indústria
porém ainda vistos com alguma suspeição por seus próprios usuários, as casas de
Niemeyer se apresentam, em suma, como uma caixa-container a ser produzida em
massa, cuja possibilidade de repetição (mesmo que virtualmente ao infinito) não
exclui seu caráter de forma fechada em si mesma, no sentido wölffliano de
ideação de uma totalidade estável e oferecida à admiração de um sujeito
heterônomo, à qual não são previstas intervenções posteriores. Ou melhor, onde
qualquer alteração do todo, seja por adição ou subtração, tende a se caracterizar
como uma mutilação – o que equivale a dizer, uma deformação.
Por outro lado, o sistema de Rodrigues recorria a elementos suscetíveis de
combinação, assim promovendo - ao menos potencialmente - um certo grau de
mutabilidade dos espaços e da própria forma construída. Ainda que operasse com
um conceito planar de módulo, e encerasse o problema da conectividade dos
elementos com a opção pela estrutura tipo balloon-frame (em montantes de

158
“Habitação pré-fabricada em Brasília” in: Módulo 27, março de 1962, p. 30. Um protótipo
dessa unidade chegou a ser executado, e funciona hoje como barbearia. cf Khoury, Ana Paula.
Arquitetura construtiva.
159
Kapp, Silke. “Síndrome do estojo”.
163

madeira fixados apenas com pregos), o projeto revelava-se até certo ponto mais
próximo da prática ulmiana, no sentido da aposta numa concepção
fundamentalmente mais aberta de forma (basta pensar que em princípio tanto a
configuração da planta quanto da fachada dependeriam menos da prescrição do
arquiteto que das decisões do proprietário/usuário).
Ora, por mais que essas duas abordagens seguissem claves distintas, elas
sem dúvida apresentavam, naquele ambiente, alguma complementaridade, motivo
pelo qual ambas encontraram espaço privilegiado no campus universitário de
Brasília, onde o emprego de técnicas de construção mais racionalizadas, e
particularmente de sistemas de pré-fabricação, acabou se concentrando. O
primeiro alojamento de professores foi construído com o sistema de Sergio
Rodrigues, e pouco depois Niemeyer assumiu a dianteira de um pesado
investimento em pré-fabricação conduzido pelo Ceplan/Centro de Planejamento
da Universidade de Brasília (cuja seção de arquitetura reuniu João Filgueiras
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Lima, Sabino Barroso, Glauco Campello e outros160). Além de projetar vários


edifícios no campus – dentre eles o próprio escritório técnico do Ceplan e o
Instituto Central de Ciências (ambos projetados por Niemeyer e desenvolvidos por
Filgueiras Lima a partir de 1962-3), e o alojamento de professores da Colina
(Filgueiras Lima, 1963) - o Ceplan envolveu-se com outros projetos na cidade,
como o bloco de apartamentos para a embaixada da França (Glauco Campello,
1963). Foi também no Ceplan que Niemeyer concebeu uma escola primária “de
fácil aplicação por todo o País”, com “elementos pré-fabricados [que] se
subordinam às condições de transporte (caminhão) e à possibilidade de ser
montada em qualquer lugar em poucas horas”161. Com paredes internas
pivotantes, a escola poderia também servir, de noite, a outras atividades. [fig.201-
204]
Todos estes projetos, desenvolvidos em concreto e definidos em função do
princípio da pré-fabricação pesada (i.e., fazendo uso de peças com limite de peso
dado em função da capacidade de máquinas de transporte e içagem162), foram

160
O Ceplan foi criado em 1962, e sua equipe inicial contava ainda com Virgilio Sousa Gomes,
Evandro Pinto, Abel Accioly e Hilton Costa, e na seção de urbanismo, com Lucio Costa, Jayme
Zettel e Ítalo Campofiorito.
161
“Ceplan - Centro de Planejamento Universidade de Brasília” in: Módulo 32, abril 1963, p.47.
162
A rigor, a distinção entre pré-moldados e pré-fabricados só se definiu nos anos 80 – segundo os
termos da NBR 9062 (a primeira norma brasileira de estruturas metálicas, que entrou em vigor em
1985), aqueles pressupõem uma instalação temporária, enquanto estes dependem de instalações
164

desenvolvidos no começo da década de 60, no tumultuado período que antecedeu


o golpe militar163. Verificou-se, assim, uma série de esforços que pareciam
convergir para o equacionamento da crise urbana e habitacional através da ênfase
no binômio industrialização e planejamento – o que levou uma parcela
significativa de arquitetos reunidos no Seminário de Habitação e Reforma Urbana,
em 1963, a incluir, em seu conjunto de propostas, “o incremento da indústria de
materiais de construção e o desenvolvimento de processos tecnológicos tendo em
vista a padronização, a estandardização desses materiais e a possibilidade de
processos de pré-fabricação”164 Mas no fundo, nem a construção de Brasília nem
as ações governamentais destinadas a estimular a industrialização do país foram
suficientes para aglutinar propostas de produção de arquitetura em larga escala
intensificadas na segunda metade da década de 1950 - período em que o produto
industrial acusou um crescimento extraordinário, a uma taxa média anual de mais
de 10%165. E sequer a demanda crescente por habitação, canalizada já no regime
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militar para o Banco Nacional de Habitação, mostrar-se-ia suficiente para garantir


a demanda contínua considerada imprescindível para sustentar a perspectiva de
desenvolvimento industrial da construção civil no Brasil. Com poucas exceções,
iniciativas conseqüentes – como o programa de construções escolares
empreendido pelo governador Carvalho Pinto em São Paulo (1959-63) - e até
experiências inovadoras, caracterizadas pela proposta de racionalização de
processos construtivos vernaculares – como a proposta de Acácio Gil Borsói para
a construção em série de casas em taipa166 -, permaneceram, assim, quase como

fixas com controle de qualidade apurado e sistemático da produção, visando garantir as


propriedades da peça, tanto em termos dimensionais quanto de resistência.
163
Com a invasão da universidade e a demissão coletiva dos professores do curso de arquitetura,
em 1965, as atividades do Ceplan se reduziram ao mínimo e só foram retomadas a partir de 1968,
quando se reabriu o curso. Cf Khoury, Ana Paula. Arquitetura construtiva.
164
O Seminário foi promovido pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), com apoio do Instituto
de Aposentadoria e Pensão dos Servidores do Estado (IPASE) e foi realizado em julho de 1963,
entre Rio de Janeiro e São Paulo. Registrou-se a participação de cerca de 200 profissionais de
diversas áreas, em sua maior parte de arquitetos. ver Arquitetura ( revista do IAB-RJ) números 12
a 15 (junho a setembro de 1963). apud Bonduki, Nabil e Koury, Ana Paula. “Das reformas de base
ao BNH: as propostas do Seminário de Habitação e Reforma Urbana”.
165
Cf Fausto, Boris. História do Brasil. São Paulo, Edusp, 2000, p. 540.
166
O projeto para Cajueiro Seco (PE) propunha a conjugação de técnicas de pré-fabricação com
sistemas construtivos vernaculares. O projeto previa a produção em série, em instalação fabril, de
3 tipos de esquadrias e 4 tipos de painéis de madeira, os quais seriam posteriormente montados no
canteiro pelos próprios moradores. Uma vez amarrados entre si, estes requadros seriam
preenchidos por barro, segundo a técnica tradicional da taipa, e cobertos por uma esteira de palha
ou capim. ver Arquitetura número 40, outubro de 1965, pp.6-9.
165

“balões de ensaio”, no máximo considerados em segundo plano em relação às


obras consagradas nos compêndios de arquitetura no Brasil167.
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167
Um esforço de identificação dessas obras foi levado a cabo por Ana Paula Khoury em sua tese
de doutorado: Arquitetura construtiva: Proposições para a produção material da arquitetura
contemporânea no Brasil.
5
Henrique Mindlin: o projeto na cadeia de produção

“Na sociedade industrial, a idéia lírica de uma


espontaneidade que se renova converte-se – caso não evoque
inutilmente um passado romântico – cada vez mais num
brusco lampejo, um possível que sobrevoa sua própria
impossibilidade.” 1
T. Adorno, Noten zur Literatur

Para poucos arquitetos brasileiros o enfrentamento das implicações


projetuais da industrialização foi tão significativo e decisivo quanto para Henrique
Mindlin (São Paulo, 1911- Rio de Janeiro, 1971). É bem possível que tenha sido
ele o arquiteto que num certo sentido melhor encarnou, no Brasil, a figura do
empresário moderno, na qual se acusa a convergência entre a perspectiva de
desenvolvimento do capitalismo industrial e uma forte consciência da sua própria
responsabilidade social. E não deixa de ser significativo, como veremos, que
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ainda hoje seu nome seja mais conhecido pelo livro-antologia Modern
Architecture in Brazil (que ele publicou na Holanda, em 1956, com as obras-
chave da arquitetura moderna no Brasil2) [fig.218], do que pelos padrões de
gestão empresarial que ele imprimiu à sua produção projetual, e que definiram um
perfil de profissional até então praticamente inconcebível para os padrões
brasileiros – e cariocas, em particular.
É certo que no período imediatamente posterior à inauguração de Brasília
motivos não faltavam, ao menos aparentemente, para alardear a superação da
mentalidade pré-industrial que havia imposto uma série de entraves legais e
políticos a iniciativas como as do Barão de Mauá, cujo perfil empreendedor foi
considerado, a seu tempo, verdadeira ameaça à ordem social vigente. Mas um
estudo reconhecido como pioneiro da constituição da camada empresarial no país,
conduzido em 1963 pelo sociólogo Fernando Henrique Cardoso, fez notar como a
carência de espírito empresarial, a resistência à expansão da iniciativa privada e os
hábitos de favoritismo continuavam arraigados nas condições sócio-culturais de

1
In der industriellen Gesellschaft wird die lyrische Idee der sich wiederstellenden
Unmmitelbarkeit, wofern sie nich ohnmächtig romantisch vergangenes beschwört, immer mehr zu
einem jäh Aufblitzenden, in dem das Mögliche die eigene Unmöglichkeit überfliegt. In:
Gesammelte Schriften. Band II, pp.63-4. A tradução é nossa.
2
Mindlin, Henrique. Modern Architecture in Brazil. O livro foi publicado simultaneamente em
inglês, alemão e francês; a edição em português só surgiu em 1999.
167

um país sem tradição industrial como o Brasil – onde “somente depois da II


Guerra, e particularmente durante a década de 1950-60, o crescimento industrial
passou a realizar-se de forma relativamente contínua, podendo operar os
mecanismos de auto-estimulação do sistema capitalista de produção”3. Elaborado
a partir de entrevistas com industriais de São Paulo, Belo Horizonte, Blumenau,
Recife e Salvador (e deve ser ressaltada a ausência do Rio de Janeiro, em nenhum
momento justificada), esse trabalho de cunho investigativo – que constituiu, na
verdade, a tese de livre-docência do autor junto à Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras da Universidade de São Paulo - indicou ser muito recente, no país, “a
existência de métodos tecnicamente vigorosos de produção”. Um dos problemas
diagnosticados no processo de formação da ordem industrial-capitalista no Brasil
revelou-se justamente no fato de que “até a implantação da indústria
automobilística, a não ser em empresas excepcionais, em geral ligadas à indústria
siderúrgica ou mecânica, as especificações técnicas e a preocupação com o
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controle de custos não constituíam a norma no Brasil.”4


Convém que nos lembremos disso ao considerar a fundação, em 1964, do
que é tido como o primeiro escritório de arquitetura no país constituído
juridicamente como uma empresa (i.e., uma sociedade civil com fins lucrativos, e
no caso, de capital fechado): a sociedade Henrique Mindlin, Giancarlo Palanti e
Arquitetos Associados 5. O escritório, que chegou a se dividir entre duas cidades
(Rio de Janeiro e São Paulo, respectivamente sob a coordenação de Mindlin e
Palanti), contava, além dos dois titulares, com um quadro de associados que
incluía, na sua configuração original, também os arquitetos Walmyr Lima Amaral
(n.1931), Marc Demetre Fondoukas (1913-1983) e Walter Lawson Morrison
(n.1926). Isso, por si só, já conferia um perfil muito peculiar à empresa, cuja
constituição compreendia várias nacionalidades: um judeu de pais russos
(Mindlin), um italiano (Palanti), um grego formado na França (Fondoukas), um
escocês (Morrison) e um brasileiro (Amaral). Uma tal composição estará,
efetivamente, por trás de algumas das características mais marcantes do escritório,
como veremos adiante: a valorização do trabalho coletivo (em substituição à

3
Cardoso, Fernando Henrique. Empresário industrial e desenvolvimento econômico no Brasil.
pp.159-160
4
Ibid. p.126.
5
Particularmente no que diz respeito à participação de Giancarlo Palanti na sociedade, ver
Sanches, Aline Coelho. A obra e a trajetória do arquiteto Giancarlo Palanti. Itália e Brasil.
168

ênfase na pesquisa individual) e o perfil cosmopolita, por princípio incompatível


com qualquer postura nacionalista. Mas essa mesma circunstância será também
decisiva do ponto de vista da introdução de uma mentalidade empresarial no meio
de arquitetura no Brasil, e já veremos porquê.
Antes, porém, vale a pena recuperar, ainda que muito brevemente, a
célebre construção teórica de J. Schumpeter, no corpo da qual a atividade
empresarial comparece como fator intrínseco do desenvolvimento econômico
(Theorie der Wirtshcaftlichen Entwicklung,1911)6.Isso porque, embora o conceito
schumpeteriano de empreendedor/empresário (Unternehmer) tenha sido
posteriormente submetido a revisões e correções – e considerado mesmo incapaz
de dar conta da redefinição das funções empresariais na sociedade de massas -, o
seu argumento permanece referencial nas reflexões sobre a atividade empresarial,
o que justifica sua incorporação à nossa perspectiva de análise. Tomemos, por
exemplo, uma das assertivas notórias de Schumpeter: “produzir significa
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combinar coisas e forças existentes”7. Aí está o ponto crucial em torno do qual


Schumpeter desenvolve seu raciocínio: todo ato de produção envolve certa
combinação. Do nosso ponto de vista, o que mais importa, contudo, é sua
caracterização dos diferentes modos de produção em função da maneira pela qual
essas combinações se realizam: “métodos de produção diferentes só podem ser
diferenciados pela maneira com que se dão essas combinações, ou seja, pelos
objetos combinados ou pela relação entre suas quantidades.”8 Isso explica porque,
sob o enfoque schumpeteriano, o empresário vem a ser caracterizado como a
“força-motriz do desenvolvimento econômico”: a ele compete inovar nessas
combinações, sem o que não há possibilidade de desenvolvimento, ou seja,
nenhuma perspectiva de mudança na rotina de um sistema econômico tradicional.
Um empreendimento, para Schumpeter, equivale “à realização de
combinações novas”, sendo os empresários, por sua vez, os “indivíduos cuja
função é realizá-las.”9 Acontece que tais “combinações novas” podem operar em
diversos níveis, desde a adoção de um novo método de produção até a difusão de
um bem ou produto. E nesse aspecto específico a argumentação de Schumpeter

6
Schumpeter, J. Teoria do desenvolvimento econômico.
7
Ibid.,p.48. (Diante da imprecisão da tradução adotada na edição brasileira do texto de
Schumpeter, seguimos aqui, no entanto, nossa própria tradução da frase original do autor:
Produzieren heiβt die in unserem Bereiche vorhandenen Dinge und Kräfte kombinieren.)
8
Ibid., p.16
9
Ibid., p.54.
169

oferece uma contribuição valiosa à nossa reflexão, pois abre uma perspectiva para
avaliar a obra de Henrique Mindlin justamente pela maneira segundo a qual ele
teria sido capaz de combinar inovações no domínio propriamente dito da técnica
construtiva e no modo de produção do projeto de arquitetura. Esse parece o fator
primordial que permitiu a Mindlin marcar a transição da fabricação “oficinal”, por
assim dizer, para a produção industrial em arquitetura no Brasil. Mas devemos
considerar igualmente o senso político de Henrique Mindlin, que o levou a
programar sua ação para além dos limites do escritório e junto a diversas
instituições sociais – como o Instituto de Arquitetos do Brasil (onde exerceu
várias funções e assumiu a presidência em 1970) e o Museu de Arte Moderna (do
qual foi diretor-secretário, em 1956). Quando julgou conveniente, Mindlin dispôs-
se inclusive a interceder junto ao Estado em favor da criação de medidas
legislativas consideradas necessárias (veja-se, por exemplo, a minuta de decreto
oferecida a Lacerda em 1965, com vistas à regulamentação dos “shopping
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centers” que começavam a surgir na cidade – e de que o escritório já vinha se


ocupando de projetar desde a década anterior)10.
Tais ações, que freqüentemente mobilizaram outros membros do
escritório, orientavam-se pelo entendimento da arquitetura como atividade
profissional, pelo menos em parte, economicamente determinada, indissociável
portanto da esfera do mercado. Isso se fez sentir numa série de esforços ligados ao
estabelecimento de parâmetros gerais capazes de abarcar, inclusive, os termos de
cobrança pelo projeto. Aparentemente independentes entre si, esses esforços
foram se conjugando no sentido de estabelecer, no meio de arquitetura no Brasil,
uma “comunidade de mercado”, quer dizer, um tipo de relação social orientado
por interesses de troca, em cujo exercício a confraternização pessoal – pressuposta
noutras formas de relação comunitária – vem a ser substituída por relações de
caráter impessoal11. Daí a identificação de Mindlin com o perfil do “homem de
negócios” associado à ordem social competitiva, ou nas palavras de Florestan
Fernandes, com relações capitalistas de produção e troca em que prevalecem o

10
O texto, elaborado por Henrique Mindlin, Giancarlo Palanti e Arquitetos Associados com a
assessoria jurídica de Paulo B.Vasconcelos, foi publicado, junto com o projeto do “National
Shopping Center de Madureira”, do mesmo escritório, na revista Arquitetura número 37, julho de
1965, p.15 e 32-35. Cabe notar que muito antes disso, o escritório já havia projetado também o
“Super Shopping Center de Copacabana” (1956), na Rua Siqueira Campos, 143.
11
Weber, Max. Economia e sociedade.
170

conflito regulado e o contrato12. E daí também a afirmação, que deve ter soado
particularmente desconcertante no meio de arquitetura carioca, que “toda sua
criatividade e fonte de inspiração vinham de um contrato assinado”13.
É preciso ter em conta que no Rio de Janeiro, pelo menos até os anos
1960, expressiva parcela de arquitetos (Lucio Costa, Affonso Eduardo Reidy,
Francisco Bologna, Alcides Rocha Miranda e outros) atuava primordialmente no
interior da esfera governamental, como funcionários públicos, e quando atendia a
clientes particulares costumava fazê-lo meio informalmente, em salas
improvisadas como ateliês ou em instalações de caráter mais doméstico que
profissional. Esse tipo de prática contava, de uma parte, com o amparo de
desenhistas técnicos, que muitas vezes trabalhavam em casa, e de outra com
construtores capacitados e em grande medida afinados com as exigências técnicas
dos arquitetos – e provavelmente a expressão máxima disso revela-se na aliança
entre Carmen Portinho e Affonso Reidy, companheiros tanto na esfera privada
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quanto na profissional, e por isso mesmo capazes de levar a termo obras de


execução complexa, como o conjunto do Pedregulho e o MAM. De fato, basta ver
quão sucintos são, em geral, muitas especificações técnicas e desenhos executivos
da época, e isso quando tais elementos são considerados necessários (bem
entendido, na razão inversa da presença física do arquiteto na obra) e não se dão
em momento posterior à execução. Sim, porque não raro obras de vulto – como,
aliás, é o caso do Pedregulho – foram iniciadas com base exclusivamente no
anteprojeto de arquitetura, sendo o detalhamento realizado após a concretagem, a
partir da medição no canteiro da obra14. Daí que uma outra parcela dos arquitetos
cariocas, da qual o melhor representante talvez seja Paulo Santos, tenha optado
por integrar as instâncias do projeto e da construção em sua prática profissional:
assegurava-se assim maior controle do produto final, por um lado, e por outro
compensava-se a baixa remuneração pela atividade projetual com ganhos mais
certos no canteiro.

12
Fernandes, Florestan. A revolução burguesa no Brasil. Ensaio de interpretação sociológica.
13
Segundo depoimento do arquiteto Sergio Teperman, que trabalhou com Mindlin entre as
décadas de 1950 e 1960. ver Teperman, Sergio. “Criatividade na Arquitetura”.
14
Walmyr Amaral, que foi estagiário de Affonso E.Reidy no Departamento de Habitação Popular
da Prefeitura antes de ingressar no escritório de Mindlin, lembra que para detalhar as escadas do
bloco A do conjunto do Pedregulho, foi necessário medi-las in loco, depois da concretagem das
mesmas. Segundo depoimento de Walmyr Amaral à autora, em 09.jul.2007.
171

Em semelhante contexto – bem descrito pelo arquiteto inglês Peter


Craymer em 195415 -, não é de surpreender que a decisão (e o risco) de ocupar-se
tão-somente de projetos, como profissional liberal, já representasse um feito digno
de nota. Segundo Walter Morrison, Mindlin se orgulhava de ser “o único arquiteto
que vivia exclusivamente de arquitetura no Brasil”16. Talvez houvesse aí certo
exagero (seja dito que também Maurício Roberto quis qualificar seu próprio
escritório como o “mais antigo do Rio vivendo exclusivamente de arquitetura, e
provavelmente um dos primeiros no Brasil”17). Mas disso se pode inferir o quanto
o registro como profissional liberal autônomo passava a ser valorizado naquele
momento, a ponto de sua primazia ser quase que disputada entre arquitetos como
Maurício Roberto e Henrique Mindlin.
Constituído, segundo Maurício Roberto, em 1935 (por ocasião do projeto
para o edifício-sede da ABI/Associação Brasileira de Imprensa), certamente o
escritório dos irmãos Roberto precedeu, em termos cronológicos, a sociedade de
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Mindlin e Palanti. E vale dizer que no seu currículo encontramos, já nos anos
1930, projetos que se apresentam pautados por termos como “estandardização”,
“economia de custo e consumo” e “bom negócio”18. Mas tanto a contínua
reivindicação da arquitetura como “uma profissão eminentemente artística”, por
Marcelo Roberto19, quanto o receio da “submissão [do arquiteto] ao produto
industrializado”, declarado por Maurício Roberto20, denotam o distanciamento

15
Após passar um ano trabalhando no Rio de Janeiro, o arquiteto Peter Craymer redigiu um
pequeno texto que resume o perfil dos escritórios de arquitetura no Brasil em meados dos anos 50:
atmosfera informal, alimentada por relações pessoais, pequeno porte e dificuldades de
padronização de desenhos e processos projetuais, em função do estágio inicial em que se
encontrava a manufatura dos componentes de construção. ver “Report on Brazil” The
Architectural Review. pp.235-6.
16
apud Nobre, Ana Luiza. “Henrique Mindlin. Profissão: arquiteto” in: AU/Arquitetura e
Urbanismo 89, jun-jul 2000, pp.77-81.
17
Segundo texto de Maurício Roberto datado de 1974. in: Batista, Antonio José de Sena. Os
irmãos Roberto: por uma arquitetura constituída de padronização e singularidade.. p.199
18
Termos extraídos do texto que acompanha o projeto de edifício residencial na rua do Lavradio,
de Marcelo e Milton Roberto, publicado na revista Arquitetura e Urbanismo número 5, set-out
1939, pp.628-9
19
Em 1955, diz Marcelo Roberto: “Sei que a profissão do arquiteto, apesar de exigir o
conhecimento das possibilidades e tendências da tecnologia e das disciplinas que tentam explicar o
comportamento, vibrações e anseios do consumidor de nossa mercadoria (o Homem), é uma
profissão eminentemente artística, pois atingir a obra de arte é o nosso objetivo”. apud Batista,
Antonio José de Sena. Os irmãos Roberto: por uma arquitetura constituída de padronização e
singularidade. p.67.
20
Vale a pena transcrever um trecho da declaração de Maurício Roberto, em 1961: “Deve haver
uma íntima colaboração entre o arquiteto e a indústria. Mas colaboração e não submissão do
arquiteto, como acontece em certos países. O arquiteto tem que resistir na melhoria do produto, na
velha e eterna luta pela perfeição. A submissão ao produto industrializado leva, inevitavelmente, á
172

entre as concepções de arquitetura que vão reger os dois escritórios,


marcadamente a partir da década de 1960. E basta considerar a estrutura (em
termos de propriedade e gestão) do escritório dos Roberto para que se constate seu
apego a um modo de produção fundamentalmente avesso ao sistema empresarial
em constituição no Brasil nesse momento. Não é difícil reconhecer que a estrutura
familiar, uma espécie de emblema do escritório dos Roberto, manteve, afinal,
substancialmente inalteradas características primitivas de organização econômica,
correspondentes, de novo segundo o modelo schumpeteriano, a um sistema pré-
moderno, favorável à continuidade de processos produtivos tradicionais e
refratário a qualquer possibilidade de mudança. É bastante significativo, por sinal,
que a referência aos “irmãos Roberto” tenha sido mantida, referendada por
Maurício, mesmo após o falecimento de seus irmãos Milton e Marcelo
(respectivamente, em 1953 e 1964)21. Isso confirma o peso dado pelos Roberto
aos laços sanguíneos, em detrimento de outras vinculações sociais, e nos permite
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supor que, para esses arquitetos, as tensões entre as exigências da industrialização


e o sistema familiar ou simplesmente não se colocam, ou são deliberadamente
postas de lado. A família permanece, em suma, uma unidade social e de produção
coesa e estável, com a qual não cabe romper em nome de novas perspectivas de
desenvolvimento – de ordem econômica e/ou tecnológica -, ainda que isso
implique manter o campo para as escolhas individuais delimitado por hábitos e
convenções sociais (e com relação a esse ponto, cabe assinalar o respeito à ordem
hierárquica familiar pelos Roberto, algo que pode ser sentido em várias ocasiões e
se confirma no projeto do edifício que os três construíram com a intenção de
abrigar toda a família em Copacabana: o assim chamado “Edifício Mamãe”, em
cuja fachada se manifesta claramente a autoridade delegada ao primogênito e
chefe da família22) [fig. 210].

preguiça intelectual, ao jogo fácil das arrumações primárias, ao emprego de GADGETS em vez de
soluções de arquitetura”. Ibid., p.77.
21
Veja-se, por exemplo, o “I Inquérito Nacional de Arquitetura” (publicado originalmente no
Suplemento Dominical do Jornal do Brasil de 25/2/1961), em que as respostas são assinadas por
MMM Roberto, apesar de um dos irmãos já ter falecido. A propósito, deve ser esclarecido que a
designação MMM Roberto só esteve em vigor, oficialmente, entre 1941 e 1964 – apesar de
encontrarmos inúmeras referências a obras anteriores e posteriores a esse período, como sendo de
MMM Roberto.
22
Trata-se do edifício MMM Roberto, projetado em 1945 e construído onde se situava a casa da
família e nasceram os três arquitetos. O edifício tem 8 apartamentos; 5 ficaram com a família e 3
foram vendidos. Internamente, todas as unidades têm a mesma disposição; externamente, porém, a
unidade do sexto andar – reservada a Marcelo Roberto, o primogênito - se distingue das demais
173

Pois bem, dentro desse quadro, mostra-se ainda mais instigante, do ponto
de vista que nos ocupa, a sociedade Mindlin-Palanti (à qual foi dada continuidade
após o desligamento de Palanti, em 1966, sob a denominação de “Henrique
Mindlin Arquitetos Associados”, e desde 1969 denomina-se “Henrique Mindlin
Associados”23). Porque deparamos aí com um tipo de associação em que os papéis
são distribuídos, e eventualmente redistribuídos, com base em critérios
racionalmente motivados (competência técnica e disponibilização de capital, por
exemplo) e os membros se reconhecem mutuamente não por vínculos afetivos ou
graus de parentesco e sim por interesses e objetivos comuns, definidos e
regulamentados por acordos firmados entre as partes, os quais via de regra
pressupõem expectativas de lucro. Noutros contextos, isso poderia não dizer
muito. No meio da arquitetura carioca, entretanto, essa modalidade de relação
social, que em termos weberianos seria mais apropriado chamar de “associativa”,
revelou-se em muitos sentidos pioneira24. À falta de termos comparáveis, a
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sociedade Mindlin-Palanti chegou, inclusive, a encontrar uma série de


dificuldades para constituir-se enquanto tal. Segundo Walmyr Amaral, parte
dessas dificuldades devia-se ao fato de que no Brasil, até meados dos anos 60, o
projeto de arquitetura era considerado, para efeito fiscal, “obra de arte”, e como
tal, não estava sujeito à tributação. Daí a suspeita, que chegou a ser levantada, de

por meio de um painel de persianas que avança dentro do reticulado da fachada. É de se notar,
aliás, que após a morte de seu pai, Marcelo assumiu, além da posição de chefe da família, também
o seu nome – Roberto – que passou a ser usado em substituição ao sobrenome de família (Baptista)
por ele e seus irmãos Milton e Maurício, e na geração seguinte ainda uma vez pelo filho deste, o
também arquiteto Márcio Roberto.
23
Convém ressaltar que assim como ocorreu com outros escritórios de grande porte (no Brasil, o
de Rino Levi, e nos EUA o de Albert Kahn ou o SOM/Skidmore, Owings & Merril, por exemplo)
a mesma razão social foi mantida, mesmo após o falecimento de Mindlin, e não obstante as
modificações na composição da equipe ao longo do tempo. Em 1966, associa-se ao escritório o
arquiteto Pedro Augusto Vasques Franco (n.1934), em 1982, Luis Carlos Rodrigues Machado
(1975 -2007), e em 2001, Rubens Biotto (n.1958). Com o falecimento de Mindlin, em 1971, o
encerramento das atividades profissionais de Walmir Amaral e Walter Morrison, em 2001, e o
falecimento de Luis Carlos R. Machado, em 2007, permanecem como arquitetos associados hoje
Pedro Augusto Vasques Franco e Rubens Biotto.
24
A distinção conceitual entre Comunidade e Sociedade, estabelecida por F.Tönnies em sua obra
fundamental (Gemeinschaft und Gesellschaft, 1887) é tratada por Max Weber, e de certo modo
reformulada por ele, de modo a enfatizar o caráter de ação envolvido na sua definição de
sociologia. Disso resulta a substituição, recorrente em sua obra, do termo Gemeinschaft
(comunidade) por Vergemeinschaftung (relação comunitária), e analogamente, de Gesellschaft
(sociedade) por Vergesellschaftung (relação associativa ou, como já se sugeriu, socialização). Ver
Weber, Max. Economia e Sociedade.
174

que a constituição de uma “empresa de projetos” fosse apenas uma manobra para
mascarar outras atividades mais lucrativas no campo da construção civil25.
Não deve nos escapar aqui, de todo modo, a origem não-ibérica de
Mindlin, ressaltada por Gilberto Freyre numa de suas muitas menções – todas
extremamente elogiosas - ao arquiteto, a quem não hesitou em chamar de “Mestre
Mindlin”, num texto de 1959 26. Sim, porque Freyre não só insistiu em ressaltar a
“rara competência” do arquiteto – revelada, a seus olhos, em projetos como o
National City Bank de Recife (1957) [fig.221] - como chegou a considerá-lo, “do
ponto de vista do conhecimento da arquitetura e do senso de modernidade,
combinados com a sua sensibilidade à tradição nacional, talvez o mais sério rival
de Mestre Lúcio Costa que tenha surgido ultimamente no nosso País”27. Não seria
por outra razão, aliás, que Mindlin “[vinha] fazendo justiça, nos seus estudos de
história da moderna arquitetura do Brasil, à originalidade dos recifenses que aqui
desenvolveram um ‘modernismo’ diferente dos outros”, de que daria provas o
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quase esquecido Manifesto Regionalista de 192628.


Tal reconhecimento explicaria, até certo ponto, o destaque dado a Mindlin
nos escritos de Gilberto Freyre da década de 1950 em diante, e a partir daí até bem
mais do que a Lucio Costa, já arrolado entre as referências de Casa Grande &
Senzala (1936). No entanto, talvez não seja simplesmente por “gratidão” que
Mindlin vai ganhar tanto prestígio aos olhos de Freyre. Como a referência ao
caráter não-ibérico de Mindlin sugere, é preciso que se considere a perspectiva em
que Freyre o situa, fazendo-o, na verdade, pela negação de qualquer semelhança
com o personagem híbrido e algo impreciso descendente da miscigenação própria
de uma sociedade fronteiriça, situada entre a Europa e a África. Diante da índole
flexível e aclimatável do português - em grande parte responsável pelo sucesso da
sua experiência de colonização, justamente porque livre de compromissos com a
coerência e a rigidez -, o rigor e a sistematicidade de Mindlin acabavam, de certa

25
Segundo depoimento de Walmyr Amaral à autora, em 09.jul.2007.
26
Freyre, G. Freyre, Gilberto. “A propósito da presença de Mestre Mindlin no Recife”. Além
dessa, foram levantadas 18 citações a Henrique Mindlin em textos de Gilberto Freyre. Ver
http://bvgf.fgf.org.br (acesso em 20.07.2007)
27
Id., Brasil, Brasis, Brasília: sugestões em torno de problemas brasileiros de unidade e
diversidade e das relações de alguns deles com problemas gerais de pluralismo étnico e cultural.
28
Id., “A propósito da presença de Mestre Mindlin no Recife”.
175

maneira, por reforçar ainda mais a idéia de excesso implicada na noção de trópico
em Casa Grande & Senzala, como mostrou Ricardo Benzaquen29.
É possível também conectar o caráter não-ibérico de Mindlin com a leitura
de Sergio Buarque de Holanda, mais precisamente com a chave da anarquia
percebida por este como traço constitutivo dos povos ibéricos. Por conta de sua
descendência russa, Mindlin estaria, digamos assim, mais livre de uma certa
indisposição para a atividade produtora e da “invencível repulsa que sempre
inspirou [aos povos ibéricos] toda moral fundada no culto ao trabalho”. Estaria
também, em princípio, mais apto a vencer os elementos anárquicos que, herdados
de Portugal, “frutificaram aqui facilmente, com a cumplicidade ou a indolência
displicente das instituições e costumes.”30 Não admira que a extraordinária
capacidade de organização do escritório de Mindlin cause estranheza por aqui: a
seguir a chave de leitura de Raízes do Brasil, ela revela-se precisamente o
negativo da desordem prevalecente nos países ibéricos desde a Idade Média e
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persistente na frouxidão da estrutura social das nações hispânicas, incluindo-se aí


o Brasil.
Acrescente-se ainda que o papel estratégico do escritório de Henrique
Mindlin na racionalização dos processos projetuais está ligado ao fato de que, ao
assumir uma perspectiva empresarial, esse escritório mostrou-se referido menos à
tradição européia do ateliê – até então dominante no meio carioca – do que ao
perfil do “grande escritório” norte-americano; este, entendido como uma empresa
de arquitetura intrinsecamente vinculada a empreendimentos em grande escala,
em que fatores como ritmo de produção e economia de custos são considerados
fundamentais31. E é preciso dizer que seguimos aqui a definição (publicada no
Brasil justamente em 1964) de William Hartmann, arquiteto-chefe, em Chicago,
da firma Skidmore, Owings & Merrill (SOM) – escritório fundado em 1936, ao
qual foi dado grande impulso na década seguinte em função do projeto da cidade
de Oak Ridge (uma das principais instalações do Manhatan Project, programa
militar norte-americano para o desenvolvimento da bomba atômica). Como é
sabido, esse escritório converteu-se, no pós-guerra, numa enorme corporação de

29
Araújo, Ricardo Benzaquen. Guerra e Paz. Casa Grande & Senzala e a obra de Gilberto Freyre
nos anos 30.
30
Holanda, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil.p.33.
31
Hartmann, William. “Para grandes edifícios, grandes escritórios”.
176

muitos sócios e sedes, hoje certamente entre as maiores do mundo32. E conforme


notou A.Colqhoun, esse mesmo escritório levou a um ponto extremo o anonimato
ao qual aspirava a ala racionalista da arquitetura moderna. Não surpreende
portanto que nesse ponto extremo, conforme Colqhoun, o idealismo de Mies van
der Rohe tenha acabado por coincidir com as exigências da disciplina corporativa
da qual a firma SOM - com seus edifícios mais paradigmáticos, como a Lever
House (Chicago, 1951-2) [fig.227] e o John Hancock Center (Chicago,
1970)[fig.228] - constitui provavelmente o exemplo mais acabado. “Graças à sua
eficácia técnica e profissional, combinada com uma estética simples e congruente,
SOM foi capaz de unir as ambições do racionalismo moderno com as do
capitalismo avançado e a burocracia empresarial.”33. Podemos afirmar que, em
última instância, é a essa “sociedade do trabalho” que Mindlin se reporta,
conforme se vê pela atmosfera de sobriedade e rigor que envolve suas fotos no
escritório, na década de 1960 [fig.244].
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5.1
Economia de guerra

Que a origem do “espírito de racionalidade” de Mindlin esteja de algum


modo relacionada a um esforço de guerra que conheceu na América
conseqüências bem distintas da Europa, é algo que tampouco pode ser descartado.
Enquanto a Europa vivia a dramática destruição de suas cidades, nos Estados
Unidos inteiros núcleos urbanos surgiam quase que da noite para o dia, fosse para
abrigar as instalações militares e os centros de produção industrial que seguiam se
multiplicando por todo o país, fosse para assentar as levas de migrantes que
rumavam sobretudo para a Costa Oeste, atraídos pela oferta de trabalho em
grandes estaleiros como os de Richmond e Marin City, na Califórnia. Sob vários
aspectos, o impacto da guerra na América acarretou um reaquecimento da
economia decisivo para pôr fim a Great Depression da década de 1930. E como
observa Donald Albrecht, 1943 foi um ano-chave nesse sentido: passado pouco
mais de um ano da humilhação de Pearl Harbour, as forças americanas

32
Atualmente há escritórios do SOM em Nova York, Chicago, Washington, San Francisco, Los
Angeles, Londres, Hong Kong, Shangai e Bruxelas. Aí trabalham, no total, cerca de 800 pessoas.
Ver Adams, Nicholas. Skidmore, Owings & Merrill. SOM since 1936.
33
Colqhoun, A. La arquitectura moderna. Una historia desapasionada. p. 239.
177

conseguiram tomar Guadalcanal e levar adiante a campanha no Pacífico, os


Aliados invadiram a Sícilia e deslancharam os planos para invadir a Normandia.
Com a vitória cada vez mais próxima, a onda de otimismo que foi tomando a
América disseminou-se junto com o entusiasmo pela arte e pela arquitetura
moderna, alimentado por meio da campanha incansável do MoMA e da presença
física de vários imigrados europeus, boa parte deles já estabelecidos em
prestigiadas instituições de ensino: arquitetos como Gropius, Breuer, Mies,
Hilberseimer e artistas como Hofman, Albers, Léger, Chagall, Lipchitz e
evidentemente Mondrian, cuja pintura, agora dissociada de sua base ideológica e
realizada ao ritmo da grade urbanística de Manhatan e do jazz (ver Broadway
Boogie-woogie, 1942-3), teve grande impacto sobre a arte abstrata americana.
Segundo Clement Greenberg, “a proximidade e atenção” dos artistas imigrados,
aos quais se somaram críticos, marchands e colecionadores europeus, “deu aos
jovens pintores expressionistas autoconfiança e a impressão de estar no centro da
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arte”. Além disso, aqueles artistas encontraram, em Nova York, condições de


“medir forças com a Europa com mais proveito para si mesmos do que jamais o
teriam podido fazer como expatriados em Paris”34.
Em 1943, a produção industrial norte-americana estava no auge: só uma
das instalações da Ford na região de Detroit (a Willow Run Plant) passou da
produção de 31 para 190 aviões entre janeiro e junho35. Ao mesmo tempo, a
demanda crescente por habitação dava impulso cada vez maior à pré-fabricação,
dentro de um programa construtivo sem precedentes que mobilizava arquitetos
como Wright, Gropius, Breuer, Neutra, L.Kahn, Wachsmann e tantos outros.
Havia uma expectativa geral, alimentada pela propaganda maciça e de forte apelo
patriótico, de que os arquitetos e engenheiros atuantes na América finalmente
fariam com a casa o que Ford havia feito com o automóvel no início do século:
viabilizar sua produção em massa, dentro de uma linha de montagem36.
Sem dúvida já havia um mercado nos Estados Unidos para as casas pré-
fabricadas, que desde o início do século podiam ser compradas por catálogo de
34
Greenberg, C. “Pintura à americana” in: Clement Greenberg e o debate crítico. p.77.
35
Albrecht, Donald (ed). “Introduction” in: World War II and the American Dream. p.XX.
36
As linhas de montagem, concebidas por Frederick Taylor, foram implantadas pela primeira vez
na indústria automobilística, em 1914. Na definição de Hans Ulrich Gumbrecht, “uma linha de
montagem consiste em uma corrente sem fim que se move lentamente ao longo de uma fábrica e
na qual um grande número de um único produto é produzido através de operações padronizadas e
repetidas de operários distribuídos ao longo da corrente.” Gumbrecht, H. U. “Linhas de
montagem” in: Em 1926. pp. 203-207.
178

empresas como Sears, Gordon-Van Tine e Aladdin e despachadas por via férrea
para todas as regiões do país, junto com um manual de instruções para montagem
[fig. 212-214]. Mas com a ordem econômica da segunda-guerra e o conseqüente
desenvolvimento de novos materiais, a arquitetura das casas pré-fabricadas
recebeu o impulso necessário para dar um passo adiante em relação às variações
estilísticas oferecidas pelas chamadas mail order houses, projetos via de regra
anônimos e de feição eclética, baseados na estrutura tipo balloon frame (uma
estrutura leve de montantes de madeira fixados apenas com pregos, de origem
oitocentista, que ao suplantar o modo de construção com entalhes e encaixes
passou a dispensar a presença de carpinteiros qualificados no canteiro, reduzindo
assim sensivelmente custos e tempo de construção37).
Foi o desenvolvimento da estrutura metálica, aliado à intensificação do
questionamento dos procedimentos projetuais em vista da expansão da produção
industrial que permitiu, por exemplo, a Buckminster Fuller (então engenheiro-
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chefe do U.S. Board of Economic Warfare) expor no jardim do MoMA, em 1941,


um protótipo da sua Dymaxion Deployment Unit (DDU) : uma casa cilíndrica pré-
fabricada em aço galvanizado, com apenas seis metros de diâmetro e 1,5 tonelada
de peso, desenvolvida a partir de um sistema construtivo adotado na construção de
celeiros por uma fábrica de Kansas38[fig.215]. Já em fevereiro de 1943, um
protótipo da Packaged House, a “casa empacotada” projetada por Gropius e
Wachsmann com estrutura de madeira compensada e sofisticadas conexões
metálicas – decorrentes da exploração exaustiva das possibilidades operativas e
combinatórias do conceito de “nó” -, foi montado e desmontado em Sommerville,
Massachussets, em apenas um dia39.
Pois foi essa a América com a qual o jovem arquiteto Henrique Mindlin,
então com pouco mais de 30 anos, se defrontou ao aportar em Miami, em julho de
1943. Mindlin viajava em missão de estudos da Coordenação de Mobilização

37
Estima-se que só a Sears vendeu pelo menos 100.000 casas por catálogo entre 1908 e 1940, por
preços entre US$ 650 e US$ 2,2 mil E neste período só esta empresa ofereceu 447 modelos
diferentes de casas - todas elas com telhados de várias águas, freqüentemente acrescidos de
mansardas e bay windows. (cf http://www.searsarchives.com/homes – acesso em 04.12.2007)
38
O sistema, que possibilitava a produção de 1000 casas por dia - ao custo de $1.200 cada - e a
montagem de uma unidade completa por apenas dois homens e em seis dias, foi muito usado
durante a guerra como alojamento de militares russos e americanos no Golfo Pérsico, e antecipou
o projeto da “Wichita House” (ou “Dymaxion Dwelling Machine”), que Fuller desenvolveu no
imediato pós-guerra, usando tecnologia da indústria aeronáutica. ver Baldwin, J. Bucky Works.
39
Cf Reed, Peter S. “Enlisting Modernism”. In: Albrecht, Donald (ed). World War Two and the
American Dream. pp.2-41.
179

Econômica (CME) e contava com auxílio financeiro do Committe for Inter-


American Artistic and Intellectual Relations. A CME, presidida pelo coronel João
Alberto Lins de Barros, era uma espécie de “superministério” criado por Vargas
em 1942 com a atribuição básica de planejar e orientar as atividades econômicas
durante a guerra40. Mindlin havia ingressado na CME dez anos após se formar
como engenheiro-arquiteto na Escola de Engenharia Mackenzie, em São Paulo, e
logo depois de transferir-se para o Rio de Janeiro, onde cedo destacou-se ao
vencer o concurso de anteprojetos para a construção do novo edifício do
Ministério das Relações Exteriores, em 1942 [fig.205].
Se examinarmos as pranchas apresentadas por Mindlin nesse concurso,
encontraremos aí uma preocupação com a tipificação que prenuncia o rumo
tomado pelo escritório do arquiteto a partir dos anos 1960. A “elaboração de um
elemento tipo para instalação dos serviços” é citada por Mindlin como um dos
quatro pontos capitais do projeto e apresentada como “uma solução nova do
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problema da fachada oeste do Rio de Janeiro”, com considerável “economia de


espaço destinado à zona intermediária nos quebra-sóis de tipo comum”41. Tal
“elemento tipo” consistia, na verdade, num recurso projetual para concentrar as
instalações sanitárias e ao mesmo tempo proteger a fachada oeste da insolação,
sem abrir mão das possibilidades expressivas da janela corrida. E ainda que a
noção de “elemento tipo” de Mindlin fosse bem esquemática e um tanto
imprecisa, tudo indica que a mesma preocupação com aspectos relativos à
economia do projeto tenha conduzido o arquiteto à Coordenação de Mobilização
Econômica, onde esteve à frente do setor de construções civis até setembro de
1944. Sediado no Rio de Janeiro, esse setor tinha por atribuições “o estudo e
exame de todas as questões relativas à indústria de construções civis”, incluída aí
a fiscalização direta das construções civis de interesse da CME, particularmente
quanto à produção, preço, padronização e importação dos materiais, orçamentos e

40
A Coordenação da Mobilização Econômica foi criada em setembro de 1942, logo após a entrada
do Brasil na guerra, e extinta em dezembro de 1945, meses após o fim do conflito. Dividida em 12
coordenações setoriais (combustíveis e energia, transportes terrestres, transportes marítimos,
produção mineral, produção agrícola, comércio exterior, produção industrial, preços,
abastecimento, comércio interno, construção civil e órgãos especiais), tinha como principal função
o controle da economia pelo Estado. ver Bielchowsky, Ricardo. Pensamento econômico
brasileiro: o ciclo ideológico do desenvolvimentismo. e Ianni, Octavio. Estado e Planejamento
Econômico no Brasil (1930-1970).
41
Mindlin, H. “Anteprojeto n.6-Primeiro Prêmio” in: separata da revista Acrópole número 61,
1943.
180

normativas e à “padronização simplificadora e realização de obras em grande


série”.42
A esse extenso conjunto de atribuições veio somar-se, no caso de Mindlin,
a colaboração com o Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a
Amazônia (SEMTA), órgão subordinado a CME e criado também em 1942, com
o objetivo de recrutar trabalhadores para a chamada Batalha da Borracha -
programa emergencial destinado a acelerar a extração de borracha na Amazônia e
canalizá-la para a indústria bélica norte-americana durante a Guerra. O programa
era uma espécie de alternativa ao alistamento militar: por meio de um acordo
firmado entre o SEMTA e a Rubber Reserve Company, o governo brasileiro
passou a responsabilizar-se por recrutar voluntários, prepará-los e encaminhá-los
para os seringais da Amazônia. E ainda que fossem explorados por particulares,
era com o SEMTA que os seringalistas firmavam um contrato-padrão que fixava
seu regime de trabalho e previa vários níveis de assistência familiar, incluindo até,
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em alguns casos, o alojamento de suas famílias em hospedarias improvisadas


administradas pelo Serviço (os chamados “núcleos”). Ou seja, embora várias
cláusulas contratuais tenham ficado no papel - seja devido à dificuldade de
fiscalização das relações de trabalho em regiões de difícil acesso, seja em função
do desinteresse dos órgãos federais pelos “soldados da borracha” - tratava-se, a
princípio, de um programa abrangente, que somava aspectos sociais, econômicos
e arquitetônicos. Por isso, para Mindlin, a Batalha da Borracha constituía “um
dos mais empolgantes aspectos de nosso esforço de guerra”, “feito extraordinário
de construção e de vida” numa “guerra de destruição e de morte”. E mais: toda
essa atividade se enquadrava, aos seus olhos, “nos moldes de organização, de
eficiência, de rigorosa disciplina [que caracterizavam] a época.”43[fig.206]
Estima-se que aproximadamente 50 mil pessoas – entre trabalhadores e
dependentes – tenham servido à Batalha da Borracha entre 1943 e 194444. No
perfil biográfico que fêz publicar em Modern Architecture in Brazil, o próprio
Mindlin admitiu ter colaborado para o assentamento de 15.000 trabalhadores na
Amazônia neste período. É de se supor, então, que ele tenha estado próximo de

42
Gomes, Anapio. Economia de Guerra no Brasil. p.93.
43
Mindlin, H. Texto sem título e sem data, em papel timbrado do Gabinete do Coordenador da
Mobilização Econômica (Acervo Kátia Mindlin). O grifo é nosso.
44
Secreto, Maria Verônica. Soldados da borracha: trabalhadores entre o sertão e a Amazônia no
governo Vargas.
181

Álvaro Vital Brazil, a quem foi confiada a chefia do Serviço de Planejamento e


Construções do SEMTA. Segundo Roberto Conduru, Álvaro Vital Brazil
“projetou e acompanhou a construção de núcleos e pousos para 1200 homens nas
cidades de Iguatu, Fortaleza, Sobral, Tianguá, Teresina, Caxias, Coroatá e São
Luís” 45. Os chamados “pousos”, destinados a alojar os trabalhadores em trânsito
para os seringais da Amazônia, eram grandes abrigos construídos em regime de
emergência (em geral, em menos de 30 dias), que serviam como centro de seleção
e recrutamento. Não fugiam do traçado extremamente rígido, da distribuição
pavilhonar e da disposição axial típica das instalações militares, mas
apresentavam algumas características essencialmente modernas, como a estrutura
modulada e a independência entre elemento de sustentação, cobertura e vedação.
O mais curioso, porém, é que o faziam com materiais disponíveis na região
(carnaúba, babaçu, buriti), mesmo que ao custo de forçar sua adaptação a um ideal
formal quase incompatível com as condições construtivas locais46 [fig.207-208].
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Somando experiências raras no campo da habitação (além de atuar junto


ao SEMTA, Mindlin havia afinal acompanhado de perto a explosão da demanda
habitacional nos Estados Unidos), o arquiteto terminou por assumir, nos anos
seguintes à guerra, papel importante no debate cada vez mais intenso sobre o
problema habitacional no Brasil. Recém-chegado dos Estados Unidos, Mindlin
redigiu uma comunicação intitulada O Problema da Casa Popular para o Brasil,
a ser apresentada no I Congresso Brasileiro de Arquitetos (realizado em São Paulo
em 1945), na qual defendeu a habitação de aluguel e, antecipando-se à criação da
Fundação da Casa Popular (primeiro órgão federal criado com a atribuição
exclusiva de solucionar o problema habitacional, instituído por Dutra em 1946),
propôs, entre outras medidas, “a criação de uma entidade autárquica especializada,
encarregada da realização da casa popular” e a elaboração de um plano nacional
de habitação, destinado a um período de no mínimo 10 anos. Também em 1945,
Mindlin foi relator da subcomissão para estudos do problema da habitação popular
do Conselho Federal do Comércio Exterior; no ano seguinte, foi consultor da

45
Conduru, R. Álvaro Vital Brazil. p.122
46
Afora as hospedarias construídas para alojar os recrutas até que eles seguissem para a
Amazônia, não se tem notícia de outros investimentos do SEMTA em arquitetura. Segundo
depoimentos colhidos por Maria Verônica Secreto, a assistência oferecida pelo SEMTA aos
trabalhadores limitava-se, por contrato, a concentrá-los, transportá-los, vesti-los e alimentá-los até
sua colocação nos seringais. ver Secreto, Maria Verônica. Soldados da borracha: trabalhadores
entre o sertão e a Amazônia no governo Vargas.
182

subcomissão de estudos dos problemas da habitação da Assembléia Constituinte,


e mais adiante (em 1952), membro do Conselho Central da Fundação da Casa
Popular. Por essa época, Mindlin envolveu-se em pelo menos um projeto de
habitação social de grandes dimensões: o conjunto residencial da Cia. Siderúrgica
Mannesmann em Barreiro, Minas Gerais, destinado a cerca de 13.000 pessoas
(1953) [fig.216].
Se a temporada nos Estados Unidos resultou fundamental ao instrumentar
Mindlin para o enfrentamento de problemas arquitetônicos em larga escala, essa
experiência propiciou também outros desdobramentos importantes. Deu-se então,
por exemplo, seu primeiro contato com Alexander Calder, a quem conheceu em
Nova York juntamente com Mário Pedrosa, e cuja obra se encarregou de
introduzir no Brasil47. A forte ligação entre os dois levou Calder a dedicar um
capítulo da sua autobiografia a Mindlin, cujo escritório no Rio de Janeiro serviu-
lhe, inclusive, como base para desenvolvimento de seus projetos em suas estadas
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no Brasil – onde suas esculturas e móbiles logo iriam tomar lugar no interior de
obras-chave da arquitetura moderna (como o edifício-sede do IAB/Instituto
Brasileiro de Arquitetos, em São Paulo, de Rino Levi e equipe48, a já citada Casa
de Lota Macedo Soares, de Sergio Bernardes, e a premiada Res. George Hime, em
Petrópolis, do próprio Mindlin) [fig.219].
Os oito meses que Mindlin passou nos Estados Unidos foram, em suma, de
intensa atividade. As inúmeras cartas, telegramas, bilhetes e convites que o
arquiteto trouxe consigo na volta ao Brasil atestam seu empenho em visitar o
maior número possível de obras, arquitetos, escritórios, indústrias, laboratórios,
fornecedores e escolas de arquitetura. Sem prender-se a um plano rígido de
viagem, Mindlin visitou desde o Taliesin, de F.L. Wright, a grandes conjuntos
habitacionais recém-construídos como o de Vallejo, na Califórnia, e obras de
porte como as represas da Tennessee Valley Authority e de Grand Coulee, que
encontravam-se entre as maiores do mundo. Mindlin carregava consigo muitas
cartas de recomendação - do Ministério das Relações Exteriores, do Gabinete do
Coordenador da CME (ligado diretamente à Presidência da República), do

47
Calder esteve no Brasil 3 vezes (1948, 1959 e 1960). Teve contato estreito com arquitetos
brasileiros, entre eles Sergio Bernardes, Rino Levi e Oscar Niemeyer. Sobre a casa de Lota de
Macedo Soares projetada por Benardes, disse ser “a mais bela casa que já havia visto”. Saraiva,
Roberta (org). Calder no Brasil: crônica de uma amizade.
48
O projeto, datado de 1947, é assinado por Abelardo de Souza, Galiano Ciampaglia, Hélio
Duarte, Jacob Ruchti, Rino Levi, Roberto Cerqueira César e Zenon Lotufo.
183

presidente da Associação Brasileira de Imprensa, entre muitas outras – e contava


com o prestígio de que a arquitetura brasileira gozava naquele momento no
ambiente americano, embalada pelo sucesso da montagem da exposição Brazil
Builds no Museu de Arte Moderna de Nova York (entre janeiro e fevereiro de
1943), e da publicação do catálogo homônimo, já então em sua segunda edição.
Tinha também a seu favor o potencial que o Brasil representava diante de um país
que começava a preocupar-se seriamente com o escoamento de sua produção
industrial após o fim da guerra. Essas circunstâncias fizeram de Mindlin uma
espécie de “embaixador” da arquitetura brasileira nos Estados Unidos. Quando
uma das versões itinerantes da exposição organizada por Phillip Goodwin foi
montada na Universidade de Yale (em fevereiro de 1944), por exemplo, lá estava
Mindlin para uma conferência no Departamento de Arquitetura da universidade.
Foi também por suas mãos que chegou a George Nelson, editor da revista The
Architectural Forum, fotos do recém-concluído edifício do IRB/Instituto de
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Resseguros do Brasil, no Rio de Janeiro, enviadas por Marcelo Roberto. E houve


até quem procurasse Mindlin na esperança de contar com sua intermediação para
conseguir trabalho no Brasil (mais especificamente, no conjunto habitacional de
Realengo, projeto de Carlos Frederico Ferreira destacado em Brazil Builds)49.
Com o trânsito facilitado por meios diplomáticos, e sem deixar de fazer
valer seus vínculos com a comunidade judaica, não foi difícil chegar a arquitetos
como Frank Lloyd Wright, Mies van der Rohe, Walter Gropius, Philip Johnson,
Richard Neutra, Raphael Soriano, George Nelson, George Fred Keck e muitos
outros. Mindlin também estabeleceu relações formais com instituições como a
National Housing Agency, California Housing & Planning Association, American
Institute of Architects (do qual se tornaria honorary fellow em 1960) e American
Society of Planning Officials (da qual tornou-se membro em 1943). Além disso,
teve acesso privilegiado a laboratórios e instalações industriais, onde conheceu em
primeira mão as possibilidades de uso, na construção civil, de diversos materiais
desenvolvidos em função da guerra, como gesso, madeira compensada e várias
resinas artificiais. Tudo isso exigiu grandes deslocamentos, que foram relatados a
amigos em carta datada de janeiro de 1944, na qual Mindlin enumerou as
principais cidades e regiões por onde já havia passado desde o desembarque em

49
Mawns, Lawrence E. Carta para Henrique Mindlin. Califórnia, 13.out.1943 (Acervo Katia
Mindlin)
184

Nova York, seis meses antes: Washington, New Mexico, Santa Fe, Los Angeles,
San Diego, San Francisco, Portland, Seattle, Denver, Colorado Springs, Chicago,
Wisconsin, Detroit, New Haven, Hartford, Vermont, Boston50. Nesse ir-e-vir
constante, Mindlin manteve como referência o endereço do arquiteto Philip
Goodwin em Nova York. Goodwin, que além de curador de Brazil Builds era
membro do conselho diretor do MoMA, foi uma base de apoio fundamental para
Mindlin nos Estados Unidos, a ponto de ter se tornado legalmente seu procurador.
Foi também Goodwin que intermediou o contato de Mindlin com vários arquitetos
e escritórios, dentre eles o de Holabird, Root & Burgee, um dos maiores
escritórios vinculados à assim chamada “escola de Chicago”51 e responsável por
alguns dos primeiros arranha-céus com ossatura metálica da América, como o
Grand Hotel Northern (1891) e o edifício Marquette (1894) – este último, tido por
S. Giedion como “o típico edifício de escritórios de Chicago dos anos [18] 90” 52.
Ao lado de um dos titulares do escritório, o arquiteto John W.Root, Mindlin foi
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entrevistado pela rádio WLS, de Chicago, em outubro de 1943. Declarou-se então


particularmente impressionado pela “demonstração das possibilidades técnicas”
da arquitetura norte-americana. E ao ser indagado sobre o que aprendera nesse
período, respondeu:

“I have learned to discard completely any fear of sheer size I might have had. (...)
We Brazilian architects have not gone in for size the way you North Americans
have. I think we have been afraid of size. But now, after I have seen your huge
buildings and Boulder Dam and your other structures, I no longer fear size”.53

50
Mindlin, Henrique. Carta a Celina e Finn. Washington, 17.jan. 1944 (Acervo Kátia Mindlin)
51
A assim chamada “escola de Chicago” está vinculada à criação do edifício de escritórios
moderno. ver Giedion, S. Espaço, Tempo e Arquitetura (em especial o capítulo V, “O
desenvolvimento americano”)
52
Ibid.,. p. 402.
53
“Aprendi a descartar completamente qualquer temor da dimensão gigantesca (...) Nós, arquitetos
brasileiros, não nos interessamos pela grande dimensão como vocês na América do Norte. Creio
que tivemos medo da grande dimensão. Mas agora, depois de ter visto seus edifícios enormes, a
represa de Boulder e outras das suas estruturas, eu não tenho mais medo da grande dimensão.”
Entrevista de Henrique Mindlin a Radio Broadcast WLS, 6 de outubro de 1943. Tradução da
autora (Acervo Katia Mindlin).
185

5.2
Sheer size

Depois de retornar ao Brasil, em fevereiro de 1944, Mindlin continua em


contato com arquitetos que conhecera nos Estados Unidos, país ao qual retorna
periodicamente. Richard Neutra, por exemplo, torna-se um amigo pessoal. Mas é
com o escritório de Holabird, Root & Burgee que Mindlin se associa ao projetar,
para a Intercontinental Hotels Corporation, o Hotel Copan, em São Paulo (1953)
– que propunha-se a ser o maior hotel da América Latina e deveria ser erguido
junto ao edifício de mesmo nome, projetado por Oscar Niemeyer [fig.220]. O
projeto não foi construído, mas decerto contribuiu para a definição do perfil
adotado pelo escritório de Henrique Mindlin, seja por introduzir uma prática até
então desconhecida de professional partnership com escritórios estrangeiros, seja
por tratar-se de um programa complexo e ainda praticamente inexplorado pelos
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arquitetos brasileiros, ao menos na escala proposta – incomparável, por exemplo,


com as dimensões do Grande Hotel de Niemeyer em Ouro Preto (1940), esse,
aliás, bem mais compatível com o porte dos edifícios que haviam lançado a
arquitetura brasileira no exterior (basta ver o próprio livro de Mindlin, em que
50% dos projetos apresentados são edificações residenciais54).
Antes do Hotel Copan, Mindlin desenvolveu alguns projetos para o Hotel
Pan-América: dois no Rio de Janeiro, um em Belo Horizonte. Seguiram-se vários
outros projetos ou estudos preliminares de hotéis para grandes cadeias
internacionais, como os Hotéis Sheraton (Rio de Janeiro, 1968 e Recife, 1969),
Hilton (Brasília e Rio, ambos em 1960) e Intercontinental (Brasília, 1960, e
Rio,1970). Tendo em vista a complexidade do programa, por um lado, e as
características do cliente, por outro, não devemos estranhar a escolha do “grande
hotel” como tema da tese apresentada pelo arquiteto em concurso para a cátedra
de Grandes Composições de Arquitetura, na Faculdade Nacional de Arquitetura
da Universidade do Brasil, em 196255. E tampouco surpreende que a introdução
de rotinas claras e racionalizadas no desenvolvimento do projeto, o esforço de

54
Os 118 projetos publicados são divididos em 5 seções: casas, edifícios residenciais, hotéis e
conjuntos habitacionais (50%), escolas, hospitais, igrejas, prédios esportivos e de recreação,
museus e pavilhões de exposições (24%), administração, comércio e indústria (13%) e transporte,
urbanismo e paisagismo (13%).
55
Mindlin, Henrique E. O Grande Hotel. Notas sobre a evolução de um programa.
186

normalização do desenho, o estabelecimento de uma simbologia gráfica e a


organização do projeto (e dos próprios desenhos) a partir de um sistema modular
de eixos estruturais, todos esses expedientes que passaram a caracterizar a
disciplina projetual do escritório de Henrique Mindlin, tenham se definido
justamente em função do projeto de um hotel de grande porte para uma cadeia
internacional: o Hotel Sheraton, projetado em 1968.
O estabelecimento de uma tal disciplina projetual no escritório de
Henrique Mindlin pode ser creditado a uma série de fatores: a dedicação de
Walter Morrison aos aspectos administrativos do escritório, o perfil da clientela, a
encomenda de projetos de grandes dimensões (“que não cabiam mais no papel”,
como lembra W.Amaral), e a presença de arquitetos que traziam consigo a
experiência de trabalho em grandes escritórios estrangeiros (como George
Saloutti, que havia se formado na Califórnia, e Cláudio Cavalcanti, que trabalhara
alguns anos no escritório de Marcel Breuer em Paris). Mas o próprio Mindlin já
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demonstrara interesse pelo assunto ao esboçar um relato da sua viagem pelos


Estados Unidos, no qual fez questão de frisar “a revolução de Albert Kahn”, o
arquiteto de Henry Ford e primeiro a se dedicar à organização do processo
projetual de acordo com os princípios da produção industrial56.
De certo modo, o primeiro enfrentamento de Mindlin com a necessidade
de estabelecer um padrão mínimo para desenhos de arquitetura no Brasil deu-se
ao organizar o livro Modern Architecture in Brazil. O livro, concebido
inicialmente como uma espécie de suplemento ao Brazil Builds, contou com a
colaboração de Lucio Costa na seleção final das obras (embora o próprio Costa
tenha tratado de minimizar sua contribuição, ao declará-la “apenas, caudatária”57).
Feita a seleção, os autores dos projetos foram solicitados a enviar fotos e desenhos
segundo padrões definidos pelo escritório de Mindlin. Não tendo sido o resultado
satisfatório, porém, vários desenhos terminaram por ser refeitos no próprio
escritório – como o corte da igreja da Pampulha de Niemeyer, desenhado com

56
Mindlin, Henrique. “História do americano voltando do Brasil”. (Acervo Katia Mindlin).
57
Costa, Lucio. “O livro ‘Modern Architecture in Brazil”. Convém notar que Lucio Costa
identificou algumas omissões no livro, como “a falta de referência à obra persistente e valiosa de
Arcuri, em Juiz de Fora, e à atuação fecunda de Borsoi em Pernambuco e na Paraíba.”
187

base no cotejamento das únicas informações então disponíveis: a planta-baixa


enviada pelo arquiteto e o desenho das fôrmas de concreto58.
Pouco depois do lançamento do livro, o edifício Av Central pôs o
escritório diante de uma série de demandas por prazo e rentabilidade. A escala do
projeto e a enorme quantidade de desenho envolvida59 pressionaram o escritório a
rever sua prática projetual, embora o desenvolvimento desse projeto tenha
ocorrido ainda na ausência de princípios mais claros de racionalização das
operações projetuais, os quais só começariam a ser testados, de fato, no projeto
para o edifício-sede do Banco do Estado da Guanabara (1963), devido à
velocidade com que este deveria, por força, ser realizado [fig.224]. Se olharmos
com atenção as plantas de execução deste projeto encontraremos, por exemplo, a
malha de eixos estruturais (instalada, no caso, a cada 1,5 metros) tomada a partir
daí como elemento ordenador de quase todos os projetos de grande escala do
escritório (veja-se, por exemplo, os projetos dos hotéis Sheraton, de 1968, e
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Intercontinental, de 1970-74, e o conjunto residencial em São Conrado, de 1971,


este desenvolvido a nível de estudo preliminar por Cláudio Cavalcanti60).
A encomenda do projeto do BEG foi, provavelmente, o primeiro
reconhecimento público da eficiência técnica e profissional do escritório. Uma vez
reestruturado o Banco – que teve um crescimento da ordem de 7.700%, entre 1960
61
e 1965 – era necessário construir sua sede, a fim de garantir a posição de
destaque que a instituição ia assumindo na economia do recém-criado Estado. E
nesse caso, evidentemente, o prazo era político: o edifício deveria estar pronto até
o final de 1964, a tempo de ser inaugurado por Carlos Lacerda. Ora, que outro
escritório carioca reunia condições de oferecer, àquela altura, o conhecimento
necessário e a agilidade suficiente para assegurar a execução de um edifício de
42.000 m2 e 30 pavimentos em menos de três anos?
Apenas como termo de comparação, deve ser lembrado que a obra do
edifício-sede do Ministério da Educação, por exemplo, havia consumido quase 10

58
Segundo depoimento de Walmyr Amaral à autora, em 2000. Deve-se notar, inclusive, que a
igreja foi a única das obras de Niemeyer na Pampulha não publicada no Brazil Builds.
59
Só a estrutura do edifício resulta da montagem, por meio de ligações rebitadas, de cerca de
20.000 peças de aço, entre vigas, pilares e conexões, cuja fabricação exigiu um total de 1000
desenhos de detalhes. Cf Magalhães, Emmanoel M. A estrutura de aço do Edifício Central.
60
Pereira, Marcel Cadaval. Henrique Ephim Mindlin: o caminho de uma expressão..
61
Esse crescimento foi decorrente de uma série de medidas, como a transferência do pagamento de
todo funcionalismo estadual para o banco. Cf Perez, Maurício Dominguez. Lacerda na
Guanabara. pp. 168-69.
188

anos, entre o início do projeto (1936) e a inauguração do edifício (1945). É


verdade que isso ocorrera três décadas antes do BEG, e em plena guerra. Mais
recentemente, contudo, outras obras de porte no Rio, como o MAM e o conjunto
do Pedregulho, também haviam sido realizadas à revelia de qualquer cronograma
e previsão orçamentária (basta lembrar a resposta atribuída à engenheira Carmen
Portinho, quando interrogada sobre o orçamento da obra do MAM: “Quanto vai
custar a obra? O mesmo que as pirâmides do Egito, ora. Ninguém pergunta quanto
custaram, mas elas estão lá até hoje.”62) E mesmo que a inauguração em tempo
recorde de Brasília (exatos 3 anos, um mês e cinco dias após o anúncio do
resultado do concurso para seu plano-piloto) tenha indicado a possibilidade de
agilizar a produção edilícia no Brasil, isso só ocorrera, como já vimos, ao custo do
predomínio da irracionalidade nas práticas construtivas (conforme reconheceu o
próprio Lucio Costa, ao considerar Brasília “um exemplo de como não se deve
fazer uma cidade”63). Ora, diante desse quadro, e tendo em vista a bandeira da
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racionalização empunhada como plataforma política por Lacerda, havia pelo


menos dois bons motivos para confiar o projeto do BEG a Henrique Mindlin,
Giancarlo Palanti e Arquitetos Associados: além do currículo do escritório já
incluir pelo menos um edifício de grande porte no Rio (o recém-inaugurado Av
Central, erguido em ritmo acelerado a poucos passos do terreno do BEG), Mindlin
havia acabado de redigir sua tese de livre docência na cadeira de Grandes
Composições da Faculdade Nacional de Arquitetura, na qual demonstrara amplo
domínio de problemas inerentes aos projetos de edifícios altos. É certo que para
muitos arquitetos brasileiros, e cariocas em particular, o tema escolhido
(Prumadas de circulação em edifícios altos64) haveria de parecer árido – e o
próprio autor se apressou em admiti-lo, logo na primeira linha do texto. Mas era
preciso, segundo ele, vencer certos “hábitos mentais” que relegavam a segundo
plano o problema dos trajetos humanos em edifícios altos, e se traduziam na
legislação relativa ao assunto. “A prumada de circulação está na origem do
conceito do edifício desenvolvido em altura, que dela depende precipuamente,

62
apud Nobre, Ana Luiza. Carmen Portinho. p.88.
63
A frase consta do “Depoimento à Comissão do Distrito Federal” de Lucio Costa (22.maio.1963).
Cabe chamar atenção para a retificação posterior do arquiteto, em carta ao jornal “O Globo”
(28.maio.1963): “Brasília é exemplo de como não se deve fazer uma cidade, mas na circunstância,
só podia ser assim – e deu certo”. Ambos os textos encontram-se em: Costa, Lucio. Levantamento
sobre Lucio Costa (org. Alberto Xavier) Brasília, 4 vol. 1976. (mimeo)
64
Mindlin, Henrique E. Prumadas de circulação em edifícios altos.
189

como da rede adequada de circulação depende o próprio complexo urbano”,


escreve. Daí a “necessidade imperiosa” de considerar, desde a partida do projeto,
os fluxos de circulação em todos os seus elementos, a saber: escadas, elevadores,
escadas rolantes, halls e saguões contíguos e sistemas de controle.
Na verdade, o estudo de Mindlin coincidia com um interesse crescente
pelo que podemos chamar, tomando de empréstimo um termo de Reyner Banham,
“arquitetura dos serviços”. Especialmente na América do Norte, alguns arquitetos
- como Louis Kahn, por um lado, e a equipe do SOM, por outro – vinham dando
sinais de que justamente aí podia estar um dos problemas centrais da arquitetura
do pós-guerra. Se para Kahn a questão se colocava mais em termos da
necessidade de fazer uma distinção hierárquica entre “espaços servidos” e
“espaços servidores” (served e servant spaces, respectivamente), para os
arquitetos do SOM o problema – particularmente sentido em edifícios de
escritórios - consistia em chegar a um esquema tipológico capaz de garantir, a um
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só tempo, altos índices de rentabilidade do empreendimento, flexibilidade máxima


na disposição dos ambientes internos, aeração e ventilação adequada das áreas de
trabalho e economia na execução e manutenção das instalações. O
acompanhamento da produção projetual do SOM mostra como esse problema foi
sendo elaborado ao longo dos anos 1950 pelo escritório: da tendência inicial de
agrupar as circulações e serviços numa das laterais da planta do pavimento-tipo,
ou em torres anexas (como na Lever House e no edifício da Inland Steel Co., em
Chicago, 1956-8), passou-se, no final da década, à localização do núcleo de
circulação e serviços no centro da planta do pavimento-tipo, liberando as áreas de
maior iluminação natural para os ambientes de trabalho (como no John Hancock
Center e na Sears Tower, em Chicago). [fig.227-230]
De acordo com a linhagem miesiana que assumiam naquele momento, os
arquitetos do SOM optaram, em geral, por manter as instalações e serviços
mecânicos ocultos dentro de volumes prismáticos, de planta quase sempre
retangular. Mas abriu-se simultaneamente uma outra direção de pesquisa – na qual
podemos incluir tanto Wright (com o edifício Larkin, Buffalo, 1906) quanto Kahn
(com os Laboratórios Richards, Philadelphia, 1957-65), e que derivou para a
exteriorização das instalações e serviços [fig. 225-226]. Essa pesquisa deu origem
ao estudo de Reyner Banham, The Architecture of the Well-Tempered
190

Environment (1969)65, precursor em eleger como objeto de reflexão histórica o


problema das instalações prediais - ou melhor, os controles ambientais mecânicos
(ar condicionado, sistemas de calefação, iluminação etc). Banham não só fez notar
a distinção crescente e cada vez mais explícita entre estrutura e serviços
mecânicos como defendeu uma mudança de atitude por parte dos arquitetos,
sugerindo que estes deixassem de admirar estruturas milenares e de projetar em
função da aspiração à eternidade. A saída, segundo ele, só poderia estar na
libertação da arquitetura do lastro da estrutura, e o ponto extremo desse
redirecionamento, Banham o localizava na arquitetura inflável: mais
precisamente, no pavilhão itinerante da Comissão de Energia Atômica dos
Estados Unidos, projetado por Victor Lundy e Walter Bird em 1959 [fig.160]. Os
princípios fundamentais deste tipo de estrutura – cuja estabilidade deve-se
basicamente a diferenças de pressão - haviam sido patenteados em 1917 por um
engenheiro inglês (Frederick William Lanchester), mas foram desenvolvidos
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somente após a guerra e tiveram no pavilhão de Lundy e Bird um exemplo


pioneiro por sua escala (91 m de comprimento, 38 m de largura e 19 m de altura)
e complexidade (devido à sua configuração como duas cúpulas de diferentes
dimensões acopladas e abertas nas extremidades). Para Banham, o pavilhão
merecia destaque “não por fazer uso de um novo material, ou por seus
componentes serem fabricados de um modo diferente” – duas propostas que, no
seu entender, tendiam a levar ao esgotamento o conceito de inovação tecnológica
na arquitetura -, senão porque consistia numa membrana que, diferentemente de
uma barraca de camping, não era sustentada por uma armação oculta nem por uma
estrutura tracionada. Incapaz de sustentar-se por si mesma, essa membrana só se
mantinha estável mediante o funcionamento constante de um dispositivo de
bombeamento de ar análogo aos aparelhos de ar condicionado que muitos
arquitetos insistiam em ocultar.
É certo que tal perspectiva distanciava-se muito da inclinação mais
miesiana para a qual Mindlin mostrava-se propenso. E aqui convém chamar a
atenção não só para a solução, comum ao Av Central e ao Seagram, de manter os
sistemas de controle ambiental ocultos no interior do edifício, como também para
a semelhança entre as plantas dos pavimentos-tipo dos edifícios do Seagram e do

65
Banham, Reyner. La arquitectura del entorno bien climatizado.
191

BEG – embora neste último a ousada solução estrutural adotada por Paulo
Fragoso tenha resultado num salão inteiramente livre de apoios. [fig.224 e 231] O
que mais importa, de todo modo, é chamar atenção para a sintonia talvez
inesperada, porém nada fortuita, entre os estudos de Mindlin e uma série de
pesquisas que aos poucos iam abrindo novos caminhos para a prática projetual e a
reflexão sobre a arquitetura. No Brasil, é bom que se diga, também nesse sentido
Mindlin era uma voz relativamente isolada naquele momento. De um modo geral,
os arquitetos cariocas não deram maior atenção nem mesmo ao pavilhão inflável
destacado por Banham, que foi montado pela primeira vez – em menos de uma
semana - justamente no Rio de Janeiro, em 1960 (e bem ao lado do Monumento
aos Pracinhas, projetado por Marcos Konder Netto como uma verdadeira “ode” à
noção de estrutura deplorada por Banham). [fig.160]
O fato é que o estudo sobre as prumadas de circulação de Mindlin, de par
com aquele que o precedeu de apenas alguns meses, acerca do “grande hotel”, são
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complementares, posto que juntos indicam uma noção muito peculiar de


arquitetura, que se identifica tanto com a complexidade e o anonimato dos grandes
edifícios quanto com seu movimento interno, no qual Hans-Ulrich Gumbrecht viu
algo de “tão dessubjetivador quanto os movimentos característicos das danças
modernas e dos novos sistemas de produção”66. Trata-se, pois, de uma visão de
arquitetura como prática profissional essencialmente integrada à padronização dos
processos produtivos e à produção em grande escala, e conciliada com uma
perspectiva de articulação entre desenvolvimento tecnológico e econômico. Tal
postura tornou Henrique Mindlin particularmente sensível à convocação, por
frentes diversas, no sentido de adotar padrões de racionalização com vistas a
incrementar a produtividade - entendendo-se por isso o quociente da produção
pela duração do trabalho humano. E um projeto importante nesse sentido foi o
edifício Av Central, no Rio de Janeiro [fig.222-223], edifício comercial cuja
concepção estrutural proposta por Paulo Fragoso, baseada numa estrutura mista de
origem alemã (com pilares em aço, vigas mistas e lajes em concreto), assegurou
ritmo industrial a uma obra de quase 70.000 m2 de área construída, possibilitando
a partida sincronizada das várias operações aí envolvidas (montagem,
concretagem das lajes, assentamento das alvenarias, execução das instalações etc )

66
Gumbrecht, Hans Ulrich. Em 1926. Vivendo no limite do tempo. Rio de Janeiro, Record, 1999.
p. 122
192

e a inauguração do edifício apenas quatro anos após o início do projeto (sendo que
a montagem da estrutura de aço, por meio de ligações rebitadas de cerca de 2.000
peças, ocorreu em apenas 223 dias, ao ritmo espantoso de 2 andares por dia67).
Deve-se atentar também para a sutil subversão, nesse projeto, do esquema
dominante até então nos edifícios administrativos construídos no Rio de Janeiro:
em vez dos apoios serem guardados no interior do edifício (como ocorre nos
edifícios Marquês do Herval e Seguradoras, dos irmãos Roberto, e no Montepio
de Reidy, todos erguidos mais ou menos na mesma época no centro carioca), eles
foram deslocados para a face externa das fachadas, o que não só reforça a
verticalidade do edifício – orgulhosamente anunciado pela imprensa local como
68
“o mais alto do Rio” – como garante maior espaço livre (ou seja,
comercializável) nos pavimentos de escritórios.
O partido adotado no edifício Av Central - e depois reelaborado, de certo
modo, no BEG – foi o de não evidenciar externamente a independência entre
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estrutura e vedação com o recurso ao tipo de cortina de vidro (curtain wall)


utilizado na Lever House, o qual consiste basicamente num invólucro em que
nenhum elemento estrutural é indicado69. Na verdade, sequer se teve em vista a
estratégia, tipicamente corbusieriana, de soltar a fachada como um plano
independente da estrutura, de modo que esta pudesse permanecer resguardada no
interior do edifício, a ser no máximo entrevista através da superfície envidraçada.
Em lugar disso, optou-se por trazer os apoios para a superfície externa da fachada,
solução que acabara de ser adotada pelos arquitetos do SOM no edifício da Inland
Steel Co., no centro de Chicago.
Conferiu-se assim uma certa espessura à fachada, que se não ganha a
palpitação do Montepio de Reidy (cuja face oeste é movimentada por uma grelha
de placas de concreto e alumínio), tampouco chega a ser um simples invólucro
transparente, como na Lever House de SOM. Na verdade, o edifício Av Central
rompe com a comunicação entre interior e exterior que no edifício do Ministério

67
cf Magalhães, Emmanoel M. “A estrutura de aço do Edifício Central”. pp.91-93.
68
ver Revista do Clube de Engenharia número 275 (julho de 1959) cuja capa traz foto do edifício
Av Central, ressaltando ser este o “edifício mais alto do Rio”.
69
Reportamo-nos aqui à classificação pioneira das cortinas de vidro, feita em 1955 pela Faculdade
de Arquitetura da Universidade de Princeton para o American Iron and Steel Institute, que definiu
4 tipos de curtain wall: invólucro (sheath - nenhum elemento estrutural indicado), grid (elementos
estruturais horizontais e verticais igualmente enfatizados), mainel (mullion - elementos estruturais
verticais enfatizados) e tímpano (spandrel - elementos estruturais horizontais enfatizados). Cf
Martin, Reinhold, The organizaional complex. p.99-100.
193

da Educação, por exemplo, servira inclusive a fins propagandísticos (refiro-me, é


claro, à fachada sul, que por ser inteiramente envidraçada, prestou-se até a uma
“homenagem-surpresa” feita ao presidente Getúlio Vargas em 1943, mediante a
configuração de um gigantesco e luminoso G, tornado possível pelo controle dos
dispositivos de iluminação interna do edifício)70. Alheio a essa comunicabilidade,
o edifício Av Central acaba remetendo mais aos monólitos que Rem Koolhaas
descreveu em seu “manifesto retroativo para Manhatan” (Delirious New York,
1978). Na contra-corrente da premissa dominante na arquitetura ocidental,
segundo a qual o exterior deve revelar certos aspectos do interior, diz Koolhaas,
esses edifícios-monólitos “poupam o mundo exterior das agonias das mudanças
contínuas que assolam seu interior. Eles ocultam a vida cotidiana.” 71 Por outras
palavras, sua opacidade, essencialmente contraditória com o dinamismo da
existência urbana, favorece a percepção do edifício como um sólido em equilíbrio
estável, recortado contra o céu, e afinal autoprotegido do excesso de estímulos do
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cotidiano metropolitano.
Ora, diante da fachada do edifício Av Central não temos, de fato, senão
notícias escassas do seu interior. Praticamente só o que vemos é a complexa
operação de compatibilização entre uma série de componentes industriais que se
apresentam aos nossos olhos como um reticulado quase infindável de caixilhos,
vidros e perfis metálicos, ritmado pelos pilares compostos por chapas de aço
recobertas por uma camada de concreto, por sua vez revestida de chapas de
alumínio (justificadas como proteção contra fogo e corrosão). Nesse sentido, aliás,
vale pensar a verticalidade corpórea do edifício Av Central em relação à
“verticalidade oscilante” da escultura instalada quatro décadas depois por José
Resende no Largo da Carioca (“Passante”, 1996). Porque ao fechamento sobre si
mesmo do edifício se contrapõe, não por acaso, a convivência afetiva do
“Passante” com a turbulência metropolitana, à qual ele se incorpora como que
naturalmente, interpelando aqueles que circulam por ali “como uma variante deles
mesmos.”72

70
Entre 1943 e 1945 foram estudadas, e em alguns casos produzidas, várias outras “figuras
luminosas”, como o número “1”, a sigla “USA”, e a letra “V”, comemorativa da vitória dos
Aliados na Guerra. ver Lissovsky, Maurício e Sá, Paulo Sérgio Moares de. Colunas da educação.
pp.183-204.
71
Koolhaas, R, Delirious New York. p.100 (tradução nossa).
72
Corrêa, Patrícia Leal Azevedo. A escultura de José Resende: Imaginação da fisicidade. p.49.
194

Note-se, além disso, que apesar de ocupar uma quadra central na cidade, o
edifício Av Central não se deixa sensibilizar pela reflexão crítica sobre a
transformação do espaço urbano, por mais que essa já fosse considerada, àquela
altura, fundamental para o pensamento arquitetônico moderno. Pelo menos não
parece ser prioritária a intenção de qualificar o lugar em que o edifício é erigido.
Desde logo, o edifício assume seu caráter comercial e ocupa quase a totalidade da
quadra trapezoidal nos três primeiros pavimentos e dois subsolos, recuando
apenas a torre de escritórios em relação ao alinhamento. Falta-lhe, é evidente, a
disposição para o espaço público que, graças à legislação urbana de Nova York,
tanto conta no edifício Seagram, de Mies van der Rohe (Nova York, 1954-8) –
onde a projeção da lâmina ocupa apenas 25% da quadra, do que resulta uma praça
em plena Park Avenue, no centro de Manhatan (e em compensação, uma torre de
altura ilimitada) [fig.231]. Tampouco devemos esperar do Av Central a
generosidade do edifício-sede do Ministério da Educação, um edifício público (e
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como tal, livre de expectativas de lucro) cuja permeabilidade urbana sem dúvida
contribuiu para torná-lo o ícone máximo da arquitetura moderna no Brasil. Aliás,
basta observar com atenção o edifício de Mindlin e associados para constatar até
que ponto o sistema arquitetônico de Le Corbusier foi aqui descartado. Não há,
propriamente, fachada livre nem janela em fita, pilotis ou terraço-jardim (pelo
menos não nos parece que o terraço do quarto pavimento possa ser tomado no
sentido da “quarta fachada” corbusieriana, senão como extensão do
bar/restaurante aí instalado). Tampouco recorre-se ao expediente do brise-soleil, o
qual, nota Alan Colqhoun, mais que um meio de proteção solar, acabou por se
tornar um recurso expressivo usado em substituição às ordens clássicas, para dotar
de escala e significado a fachada73(recurso este ao qual não raro se somou a
representação da hierarquia de espaços no interior do edifício, tanto no caso do
edifício de escritórios de Le Corbusier para Argel quanto, pode-se dizer, na sede
do IRB, dos irmãos Roberto, e mesmo no Montepio, de Reidy).
Segundo Yves Bruand74, o projeto do edifício Av Central procura estar
mais próximo da pesquisa sobre os arranha-céus empreendida desde os anos 20
por Mies van der Rohe, e em particular de suas últimas obras, já em solo
americano – dos edifícios residenciais em Lake Shore Drive (Chicago, 1951) em

73
Colqhoun, A. La arquitectura moderna. Una historia desapasionada. p. 211
74
Bruand, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. p. 256.
195

diante [fig.232]. Muito embora não se possa esperar do edifício carioca a suprema
elegância miesiana, o “efeito de imaterialidade e levitação” que, no dizer de G.C.
Argan, decorre, no edíficio Seagram, da volumetria pura e do tratamento
monocromático e não-hierárquico das superfícies, fazendo com que a torre logo se
sobressaia entre os arranha-céus de Manhatan “como um original grego entre
muitas cópias de escultores romanos”75. No edifício carioca, a distinção (que no
caso também é cromática) entre elementos de apoio, montantes e panos de vidro,
o tratamento das superfícies (note-se o corte de cima abaixo das fachadas leste e
oeste da torre por uma faixa estreita que corresponde internamente à circulação),
mais o reforço das arestas laterais do prisma edificado pela massa dos pilares
inviabilizam, de saída, a imaterialidade para a qual tende o Seagram. Na verdade,
no que diz respeito ao prisma projetado, as duas operações são, sob certo ponto de
vista, inversas: no encontro das suas faces laterais, onde o detalhe de Mies define
um vazio que confere leveza extrema ao prisma, o projeto de Mindlin ganha
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massa; logo, peso – integrando-se assim à tradição construtiva de reforço dos


cantos por meio de cunhais que o Seagram, com suas “arestas espaciais”, se
propõe a subverter. De resto, o edifício Av Central passa longe da crítica de
fundo, contida no Seagram, ao arranha-céu tradicional, na medida em que, não
obstante o recuo ao nível do solo, continua a reportar-se à rua-corredor – elemento
típico da rede viária oitocentista - por meio de uma base espessa sobre a qual a
torre se ergue com as quatro fachadas livres, em total isolamento em relação às
edificações do entorno.
Nesse sentido, o edifício Av Central mostra-se na verdade bem mais
próximo da Lever House, edifício construído praticamente em frente ao terreno do
Seagram e com freqüência incluído entre as obras mais paradigmáticas da difusão
do International Style no pós-guerra [fig.227]. Em ambos os casos, não há contato
entre a torre e o chão, como no Seagram; recorre-se antes ao expediente
tradicional de lançar a torre sobre uma base correspondente aos primeiros
pavimentos do edifício e de certo modo análoga ao suporte com o qual a escultura
moderna há muito rompera (equivalente, na pintura, à moldura do quadro). Porque
o que se pretende, afinal, não deixa de ser que a obra habite um espaço idealizado,
incontaminado e imperturbável, mantido à distância do espaço circundante – no

75
Argan, G.C. Arte Moderna, pp. 397-401
196

caso da torre, quer dos edifícios que crescem à sua volta, quer da agitação da rua e
do ambiente urbano em que se insere (num dos pontos mais movimentados do
centro carioca e na mesma quadra onde antes se erguia o Hotel Avenida e sua
movimentada “galeria Cruzeiro”).
Pode-se dizer que uma das principais características do projeto de Mindlin
resulta, assim, no solapamento do próprio princípio do arranha-céu moderno – a
operação ilimitada de multiplicação, conforme observa Leonardo Benevolo76 -, na
medida em que pressupõe um objeto unitário a ser visto em perspectiva, num
espaço homogêneo e predeterminado, vinculado à passividade da contemplação.
Não há de ser por acaso, aliás, que podemos encontrar, implícitos no projeto,
resíduos dos expedientes usados pelos gregos para corrigir distorções óticas na
arquitetura, mesmo que com isso a torre termine por dispersar muito de sua força
como prisma puro no não-paralelismo dos planos que em planta conformam um
hexágono alongado. No fundo, não se escapa de uma certa contradição, de resto
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verificável também no Senado de Bernardes e Hüther, que, como vimos, continua


de certo modo a entreter-se com o jogo clássico da êntase ao criar um
adelgaçamento do volume prismático, em sentido ascendente.

5.3
Disciplina projetual

Já se sugeriu que a formação européia de Giancarlo Palanti, parceiro de


Mindlin em vários projetos, entre 1955-6 e 1966, tenha a ver com o interesse
demonstrado pelo escritório com relação à estrutura metálica77, num momento em
que, não obstante o investimento estatal na divulgação dos aspectos positivos da
estrutura metálica, a produção do aço no Brasil encontrava-se ainda muito aquém
da produção de concreto78. Mas é bom lembrar que a lida do escritório de Mindlin
e Palanti com o aço não se restringiu ao edifício Av Central – onde, por sinal, a
opção pelo material deve ser creditada, antes que aos arquitetos, à própria

76
Benevolo, Leonardo. História da Arquitetura Moderna. p. 242.
77
Sanches, Aline C. A obra e a trajetória do arquiteto Giancarlo Palanti. Itália e Brasil.
78
Em 1954, a produção de cimento no Brasil alcançava a casa de 2.828.000 toneladas, e a de aço,
1.148.322 toneladas. Em 1962, o cimento alcançou a cifra de 4.938.000 toneladas, contra
2.087.866 toneladas de aço. cf Baer, Werner. A industrialização e o desenvolvimento econômico
do Brasil. pp.50-51.
197

contratante79 (a empresária Regina Feigl, judia polonesa radicada no Brasil em


1940 e responsável por vários edifícios altos erguidos no Rio de Janeiro nas
décadas seguintes). Antes de associar-se a Palanti, Mindlin já lançara mão de
“elementos típicos” produzidos pela siderúrgica alemã Mannesman na estrutura de
alguns edifícios do núcleo habitacional projetado para seus empregados no Brasil
(1953). Também no concurso para o plano-piloto de Brasília, o projeto de Palanti
e Mindlin (que dividiu o quinto lugar com as equipes de Vilanova Artigas e da
Construtécnica) recomendava veementemente, “em todas as construções em que
fosse possível, o uso de estrutura metálica substituindo a estrutura de concreto
armado”80. E logo depois do concurso, o escritório desenvolveu pelo menos
outros dois projetos com estrutura metálica: o primeiro, um edifício-ponte muito
semelhante ao Pavilhão da CSN, de Sergio Bernardes, dessa vez destinado a
abrigar o Pavilhão do Brasil na Bienal de Veneza (1958)81 [fig.233-234]. E o
segundo, a Sinagoga de Botafogo (1958), cuja cobertura suspensa de curvatura
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única foi viabilizada por cabos de aço [fig.235].


Dentre esses projetos, o edifício Av Central ganhou destaque desde cedo, a
ponto de ser definido na época como a “culminação de um ciclo de
desenvolvimento das estruturas de aço no Brasil, originado pelo advento da
Companhia Siderúrgica Nacional.”82 E por mais que a opção pelo aço, nesse caso,
não tenha partido dos arquitetos, ela colocou-os diante de uma série de exigências
que não podem ser menosprezadas, sobretudo do ponto de vista que nos ocupa.
Importa notar, por exemplo, que por ser apenas montada no canteiro, a seco, a
construção em estrutura metálica já impunha, de saída, um nível de precisão muito
maior que as construções convencionais em concreto armado, que sendo úmidas e
moldadas “in loco” dispõem-se, a bem dizer, quase naturalmente aos improvisos e
correções tão corriqueiras nos canteiros de obra no Brasil. Diferentemente do

79
Segundo depoimento do arquiteto Walmyr Amaral à autora, em 09.jul.2007.
80
ver Arquitetura e Engenharia número 44, março-abril de 1957. Este projeto, classificado em
quinto lugar, contou com uma equipe que incluía Walmyr Amaral, Marcos Fondoukas, Anny
Sirakoff, Olga Verjovsky, Gilcon Lages e André Gonçalves.
81
O projeto não foi executado, devido à impossibilidade da CSN de responder à demanda. Foi
então escolhido outro sítio, próximo do canal, onde foi executado projeto de partido simétrico,
também do escritório, em tijolo aparente e concreto aparente. ver Sanches, Aline Coelho. A obra e
a trajetória do arquiteto Giancarlo Palanti. Itália e Brasil. Sobre o projeto construído, ver
Módulo 38, dez. 1964, pp.34-5.
82
Magalhães, Emmanoel. “A estrutura de aço do Edifício Central”. p.91
198

concreto, mais maleável e “obediente à mão do homem”83, o aço exige decisão, e


mais que isso, planejamento. Pois sendo um material resultante de um processo
sintético produzido industrialmente, sob rígido controle e por encomenda, as
alterações de última hora ou não são permitidas, ou resultam em custo
extremamente alto. De resto, fatores como custo, peso e resistência do material
demandam uma mão-de-obra qualificada e habilitada a operar equipamentos
pesados, além de um planejamento criterioso e em detalhe, capaz de antecipar
todas as providências e problemas relativos ao processo de produção, transporte e
montagem de cada uma das peças. Mas o mais importante, sob certo ponto de
vista, é que todas as vantagens que a estrutura em aço promete em relação à
construção em concreto armado - redução no prazo de execução da obra,
diminuição da seção dos apoios (e conseqüente ganho de área), minimização do
desperdício de material, alto índice de reaproveitamento, alívio de carga das
fundações, maior controle de custos durante a construção – só podem ser
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asseguradas caso a estrutura de aço conte com um detalhamento rigoroso, de


precisão milimétrica, em todas as fases de projeto.
Entende-se assim porque, fosse ao integrar empreendimentos imobiliários
como o edifício Av Central, fosse ao projetar unidades de grandes redes hoteleiras
internacionais, o escritório de Henrique Mindlin já não podia dar-se ao luxo de
ignorar questões cruciais como prazo, custo, eficiência; o enfrentamento prévio de
valores como produtividade e rentabilidade, enfim. Cada vez mais era importante
conferir ritmo industrial à obra, e logo Mindlin e sua equipe entenderam que o
princípio de industrialização poderia ir além do deslocamento da produção do
canteiro para a fábrica – algo, de resto, tão limitado pelas condições sócio-
econômicas do Brasil -, exigindo também, e no nosso caso talvez
fundamentalmente, o desenvolvimento de novos métodos de projetação. Tratava-
se, enfim, de pensar a industrialização não pelo viés da pré-fabricação (ou pelo
menos, não necessariamente) e sim como um problema fundamentalmente
metodológico, a abarcar todas as fases da produção. E visto que era impossível
conceber a projetação como um momento autônomo em relação à execução, nada
mais lógico que vincular a prancheta ao ciclo da produção por meio da

83
A expressão foi usada pelo engenheiro Afonso Escobar Bevilacqua, responsável pelas
montagens da FEM entre 1956 e 1967, em depoimento à autora, em 03/04/2007.
199

determinação de um método transmissível, capaz de incluir a própria


normalização do desenho.
Convém lembrar que a padronização de desenhos arquitetônicos já fora
instituída no âmbito do CIAM desde 1929. Segundo S. Giedion, seu secretário-
geral, o CIAM se limitava, porém, a exigir a mesma escala e as mesmas técnicas
de apresentação dos projetos, “de modo que os assuntos em discussão pudessem
ser imediatamente comparados entre si”84. Já o interesse de Mindlin era outro,
claramente: tratava-se de superar o caráter autoral privilegiado na prática de
arquitetura no Brasil – e mais ainda, no Rio de Janeiro – e chegar a uma
objetivação dos processos de produção em arquitetura. Nesse sentido, é
significativo que tal esforço se dê praticamente em paralelo à definição do campo
de operação do concretismo brasileiro. Se há algo que permite aproximar um
arquiteto como Mindlin das manobras concretas é a base de extrema racionalidade
sobre a qual se constroem suas propostas, e sua oposição cerrada ao “centro do
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reduto idealista em matéria de arte, o chamado processo criador”85. A


padronização dos desenhos levada a cabo no escritório de Mindlin surge, assim,
tanto como recurso para promover a despersonalização da obra quanto como um
rompimento a mais com os procedimentos projetuais derivados do ensino
acadêmico e ainda consagrados, mesmo que de maneira residual, pela vertente
central da arquitetura brasileira. Uma questão decisiva, sem dúvida, é superar toda
uma tradição artística-artesanal que tem o desenho como procedimento
compositivo. E para tanto é fundamental conceber uma metodologia capaz de
instaurar procedimentos racionais de projeto capazes de abarcar desde a
padronização dos tamanhos, identificação e diagramação das pranchas
(documento emitido pelo escritório que reúne desenhos e informações essenciais à
execução do projeto) à definição de todas as informações aí contidas, sejam elas
textuais ou gráficas.
Definiu-se, por exemplo, uma localização específica, dentro da prancha, a
ser ocupada pelo chamado “carimbo” (quadro com título da prancha e
informações básicas sobre o projeto). Com isso, informações como título do
projeto, identificação do arquiteto, data e conteúdo da prancha, antes dispersas
pela folha de desenho (em geral localizadas em parte no alto, à esquerda, em parte

84
Giedion, S. Espaço, Tempo e Arquitetura. p. 87
85
Brito, Ronaldo. Neoconcretismo: vértice e ruptura. p.60.
200

no canto inferior direito da prancha), passaram a ser agrupadas num quadro único,
cuja localização, no canto inferior direito da prancha, foi definida em função das
dobras da prancha (por sua vez, correspondente aos formatos-padrão DIN – A0 a
A6 – instituídos pelas normas técnicas alemãs86). E basta observar com atenção os
carimbos de duas pranchas produzidas, à distância de cinco anos, pela associação
entre Mindlin e Palanti para verificar seu investimento crescente na sistematização
das informações aí contidas. [fig.236-237] A primeira prancha, datada de 1960,
traz um carimbo horizontal contendo, além da identificação “Henrique E.Mindlin-
Giancarlo Palanti arquitetos”, campos a serem preenchidos pelas seguintes
informações: código da obra, título da prancha e escalas dos desenhos, data,
número da prancha, eventuais modificações necessárias, identificação do autor do
desenho e rubrica do responsável pelo visto dado à prancha. Já na segunda
prancha, de 1965 – e portanto produzida no ano seguinte à constituição do
escritório como empresa – o carimbo vertical traz a identificação “Henrique E.
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Mindlin, Giancarlo Palanti & arquitetos associados”, além do título da obra, título
da prancha e escalas dos desenhos e data. A numeração da prancha é feita segundo
código adotado no escritório (no caso, AP-08, ou a oitava prancha da etapa de
anteprojeto), e há, além disso, um campo específico para o código dado ao projeto
(no caso, HHR, iniciais de Hotel Hilton no Rio). O mais importante, contudo,
talvez seja o campo destinado à identificação de três agentes fundamentais na
elaboração da prancha: responsável pelo desenho, pelo estudo e pela revisão. Isso
mostra como a divisão de tarefas passava agora a atingir também o desenho,
concebido dentro de uma verdadeira linha de produção, por uma equipe de pelo
menos três pessoas. Também é importante frisar que, à diferença da primeira
prancha, em parte manuscrita, nesta todas as informações textuais são
normografadas – ou seja, rigorosamente uniformizadas pelo recurso a um
instrumento técnico (o normógrafo).
Cabe assinalar a precocidade desse esforço no Brasil, onde embora já
contássemos desde o Estado Novo com uma associação responsável pela

86
Os formatos-padrão DIN (Deutsches Istitut für Normung) foram definidos na Alemanha a partir
de um quadrado de 1 m2 de área, mantendo-se constante a razão 1: √2 (correspondente à diagonal
do quadrado original). Para chegar ao primeiro formato (A0) definiu-se um retângulo de proporção
semelhante e área igual a 1 m2: 841x1189 mm. Os demais formatos foram definidos a partir da
divisão pela metade desse retângulo: A1 (594 x841 mm), A2 (420x594 mm), A3 (297x420 mm),
A4 (210x297 mm), A5 (148x210 mm) e A6 (05x148 mm). ver Wollner, Alexandre. Design visual:
50 anos. pp.6-7.
201

normalização técnica no país (a ABNT/Associação Brasileira de Normas


Técnicas87), e desde 1947, com uma norma geral de desenho técnico (a NB-8), a
primeira norma específica para desenho de arquitetura (a NB-43) só seria
instituída em 1971, e ainda assim em estágio experimental. Não que a
preocupação com a padronização do desenho executivo de arquitetura fosse
exclusiva do escritório Mindlin-Palanti. A análise da produção gráfica do
escritório de Rino Levi, em São Paulo, já indicou que entre o final da década de
1940 e início da década de 1960, vários procedimentos e práticas se repetem na
prancheta, como a aglutinação dos desenhos em função do executante (serralheiro
ou marceneiro, por exemplo) e a simplificação dos detalhes construtivos, com
vistas a otimizar o processo produtivo da arquitetura e dar maior agilidade a um
canteiro em que a mão-de-obra de imigrantes, em geral bem formada, ia sendo
progressivamente substituída por uma mão-de-obra não-qualificada e pouco
instruída88. Porém o cotejo, mesmo que breve, das pranchas produzidas pelos dois
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escritórios na época mostra algumas diferenças fundamentais: enquanto as


pranchas do escritório de Rino Levi [fig.238-241] apresentam dimensões não
padronizadas e deixam margem a uma gama relativamente ampla de variações
quanto às linhas de cota, letras, títulos dos desenhos, chamada de cortes, carimbos
etc., os desenhos do escritório de Mindlin-Palanti apostam na normalização e
invocam uma alta taxa de impessoalidade – donde o investimento do escritório na
definição de suas próprias normas gráficas, fixadas numa apostila chamada
internamente de o plá (uma dica, na gíria corrente da época). [fig.242]
A apostila, editada em fins da década de 1960, é constituída de duas partes
complementares: a primeira, com 16 páginas, define um “roteiro tipo para
desenvolvimento de projeto”, i.e., a divisão em pranchas dos assuntos a serem
abordados no projeto, desde a planta de situação até o quadro geral de
acabamentos. A segunda seção, de 24 páginas, fixa as “normas de representação
gráfica”: tipos de números e letras (sempre maiúsculas e não inclinadas), sua

87
A ABNT/Associação Brasileira de Normas Técnicas foi criada em 1940 e é membro fundador
da ISO/International Organization for Standarization, esta instituída em 1947. Observe-se ainda
que o primeiro instituto europeu destinado a definir medidas-padrão de produtos industriais é o
NADI/Normenausschuss der deutsche Industrie, associação alemã criada em 1917, na esteira da
Werkbund, e posteriormente rebatizada como DIN/Deutsches Istitut für Normung. Registra-se uma
experiência anterior na Inglaterra; trata-se porém de um comitê voltado exclusivamente para
estandardizar seções de ferro e aço para pontes, ferrovias e construção naval.
88
Cf Fialho, Roberto Novelli. O Desenho como metodologia de projeto. Escritório Técnico Rino
Levi.
202

altura (5 mm em títulos de desenhos, 3 mm nas designações de peças, 2 mm em


pequenos espaços) e dimensão das entrelinhas (metade da altura da letra), por
exemplo. Procura-se, outrossim, determinar todos os aspectos relativos ao
desenho: desde a dimensão das pranchas (segundo os formatos A0 a A6) até a
espessura das linhas, indicação gráfica do norte e dos acessos, linhas de indicação,
linhas de cotas, cotas de nível, marcação das linhas de corte e detalhes, designação
de portas e esquadrias etc.
Inicialmente de uso interno, essa apostila foi sendo copiada e disseminada
entre os arquitetos cariocas até tornar-se a base da norma para “representação de
projetos de arquitetura” instituída a nível nacional pela ABNT/Associação
Brasileira de Normas Técnicas em 1994, e em vigor até hoje (a NBR 6492)
[fig.243]. E se compararmos o plá e a NBR 6492, de fato encontraremos
semelhanças impressionantes: o sistema de marcação das coordenadas (linhas e
números usados para indicar os eixos de modulação do projeto), por exemplo, é
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rigorosamente idêntico, e o mesmo vale para uma série de simbologias, como


escala gráfica, e até no que diz respeito ao número tomado como exemplo na
definição da convenção gráfica para cota de nível.89
Como não poderia deixar de ser, a atuação de Henrique Mindlin em prol
da normalização dos procedimentos projetuais no Brasil esteve longe de se
restringir ao desenho. Nos primeiros anos do pós-guerra, ele chegou a integrar a
Comissão da Modulação das Construções da ABNT, responsável pela formulação
do primeiro projeto de norma técnica de coordenação modular no Brasil (do qual
resultou a NB-25R, publicada em 1950 – um ano antes que a Alemanha, por
exemplo, adotasse norma semelhante90). Já no campo específico do desenho, o
“plá” precedeu em muito a informatização dos escritórios de arquitetura, mais
sentida no Brasil a partir da década de 1990 (o que levou, em anos recentes, à
adaptação do plá para os termos do CAD/Computer Aided Design, programa mais
usado para desenvolvimento de projetos de arquitetura no país). E foi
precisamente o grau de interesse de Mindlin pela rotinização das atividades no
escritório que levou-o a dedicar-se a um curso de alguns meses sobre uso do
computador na arquitetura no MIT/Massachussets Institute of Technology, em

89
Vale registrar que no processo de formulação da norma da ABNT trabalhou inicialmente
Walmyr Amaral e posteriormente Claudio Taulois, ambos com experiência no escritório de
Henrique Mindlin. Cf depoimento de Walmyr Amaral à autora, em 09.jul.2007.
90
Cf Greven, Hélio A e Baldauf, Alexandra. Introdução à coordenação modular no Brasil.
203

1970. A invenção do chip, e com ele, do microprocessador, nem havia sido


anunciada ainda (e só o seria em 1971, ano de falecimento de Mindlin), mas o
arquiteto mostrava já seu entusiasmo pelo potencial da informática em entrevista
concedida a Jayme Maurício, do Correio da Manhã. Para espanto do
entrevistador, Mindlin definiu então o computador como “uma máquina de pensar
cuja unidade de tempo se mede em bilionésimos de segundo”, e que poderia
resumir vários dos procedimentos internos do escritório, desde a elaboração de
documentos administrativos até a análise do programa, a simulação do
funcionamento e o controle do projeto, passando, obviamente, pelo desenho91.
Disciplinado e uniformizado, o desenho ia cumprindo, assim, a promessa
de que o projeto pudesse ser desenvolvido indistintamente por qualquer
profissional dentro do escritório, como a primeira etapa de uma fabricação em
série que teria no próprio escritório uma unidade de produção. Evidentemente, um
sistema assim, tão codificado e controlado, não podia se permitir uma abertura
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para a participação do usuário no sentido explorado pelos mega-estruturalistas,


por exemplo. Na verdade, essa questão, para Mindlin, sequer se coloca: o que se
prioriza, no caso, é um raciocínio organizado essencialmente a partir da produção
(i.e., da perspectiva do arquiteto, ou melhor, da concepção do projeto). Por isso
seu esforço concentrado no sentido de colocar em questão o individualismo e a
glorificação do arquiteto-artista, mas também de introduzir métodos de gestão
empresarial no escritório para responder às questões que atravessam o ambiente
cultural brasileiro das décadas de 1950 e 60 com uma arquitetura menos autoral –
e certamente nada gestual - e mais resultante de um contínuo trabalho de equipe
(teamwork). E aqui a concepção de projeto de Mindlin mostra-se particularmente
sensível à ênfase posta por Gropius, desde a Bauhaus, no “labor em equipe”, na
medida em que esse, nas palavras do arquiteto alemão, “impede o
sensacionalismo” e conduz, “graças ao auxílio da crítica mútua, a sólido e
equilibrado trabalho de projetos.”92

91
Veja-se entrevista concedida logo após sua volta ao Brasil a Jayme Mauricio (no Correio da
Manhã, 7.set.1970) apud Yoshida, Celia et alii. Henrique E.Mindlin: o homem e o arquiteto.
pp.195-8.
92
Gropius, W. “Plano de formação de arquietos” (1939) in: Gropius, W. Bauhaus:Novarquitetura.
p 95.
204

Para Gropius, cabia à arquitetura moderna “pôr fim à arbitrariedade do


indivíduo”93. Só assim poder-se-ia chegar a uma arquitetura “civil e moderada”
que haveria de fazer valer “formas menos pessoais e mais correspondentes às
necessidades da coletividade.”94 Não admira que, em sua passagem já mencionada
pelo Rio de Janeiro, em 1954, o arquiteto alemão tenha demonstrado particular
interesse pelo projeto da Cidade Universitária (cujo primeiro edifício concluído, o
Instituto de Puericultura e Pediatria, havia acabado de ser premiado na II Bienal
de São Paulo por um júri que incluía o próprio Gropius). O que mais interessou
Gropius, contudo, não foi a escala extraordinária da Cidade Universitária, seu
detalhamento minucioso, seu compromisso com o ideário internacionalista do
racionalismo ou a oportunidade que representava, àquela altura, para o uso
extensivo de sistemas de pré-fabricação (praticamente limitado, na verdade, às
lajes pré-moldadas do hospital95); chamou-lhe a atenção, antes, o fato do projeto
lhe ter sido apresentado como trabalho de uma equipe (Jorge Machado Moreira e
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arquitetos do ETUB - Escritório Técnico da Universidade do Brasil). Logo


Gropius quis saber, entretanto, se se tratava de “uma verdadeira equipe”, isto é,
“não um grupo escolhido por um governo, um chefe, mas uma parceria
lentamente formada, até encontrar elementos com as mesmas idéias”, na qual
nenhuma personalidade se destaca96. Ora, é possível que houvesse nessa ressalva
uma condenação implícita ao processo projetual do qual resultara o Ministério da
Educação97. Ainda assim, é forçoso reconhecer que Gropius foi infinitamente
mais cauteloso do que Max Bill havia sido, seis meses antes, em suas críticas ao
Ministério. Quando convocado a externar suas impressões sobre a arquitetura
brasileira, o fundador da Bauhaus fez questão de se dizer, aliás, “particularmente
impressionado” com “a viva demonstração do tremendo rigor e pujança de vida
produtiva do Brasil”98. Sem citar outros nomes além do de Frank Lloyd Wright –
a quem chamou de “o grande individualista”99 – não dispensou-se de reafirmar,

93
Gropius, W. “Desenvolvimento inicial da moderna arquitetura” in: Bauhaus: Novarquitetura. p.
108
94
Gropius, W. Civiltà delle macchine (1964) apud Benevolo, L. O último capítulo da arquitetura
moderna.
95
Cf Milman, Boruch. “Estruturas de Concreto Armado na Cidade Universitária”.
96
Vincent, Claude. “Com Gropius, a maior figura da arquitetura moderna”.
97
ver nota 13.
98
“Arquiteto Walter Gropius discursa na ocasião da entrega dos prêmios da II Bienal de Artes
Plásticas e II Exposição Internacional de Arquitetura”.
99
Vincent, Claude. Op.cit.
205

porém, sua crítica ao “egocêntrico arquiteto ‘prima donna’, que impõe o seu
capricho pessoal a um cliente intimidado”100. E se não quis envolver Niemeyer
diretamente nessa discussão, nem por isso deixou de assinalar a ausência de
vínculo entre ambos, ao definir o arquiteto brasileiro, num comentário bastante
ambíguo, como “um pássaro do Paraíso”101.
Ora, no que diz respeito ao caráter autoral dominante na arquitetura
brasileira, existe, como se vê, algum parentesco entre as visões de Gropius, Max
Bill e Mindlin. Embora o caráter didático do teamwork de Gropius possa ser
contraposto ao pragmatismo da “comunidade de mercado” de Mindlin, não admira
que, para este último, só a produção rigorosamente ascética de Álvaro Vital Brazil
constiuísse exceção “num país em que tanto se cultiva a vedete, em que tanto se
respeita a ‘bossa´102. Longe de basear-se “em trouvailles espetaculares na
composição das fachadas, na disposição dos brise-soleils, no desenho dos pilotis”
, a arquitetura de Vital Brazil – que de resto cultiva outras afinidades com a de
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Mindlin103 - vai se distinguir, para este, justamente pela urbanidade de sua


atitude, uma atitude moderada e polida diante do conjunto urbano, onde os
edifícios procuram se inserir com discrição, em atenção às circunstâncias, na
tentativa de encontrar uma “linguagem arquitetural que se possa tornar de uso
comum”.
Urbanidade, linguagem, uso comum: os três termos exprimem, no limite, a
aspiração essencialmente bauhausiana de realizar uma forma menos pessoal e
mais coletiva, ou poderíamos dizer, supra-individual. Por outro lado, esses
mesmos termos devolvem-nos à problematicidade de um ambiente cultural em
que, na ausência de um conceito mais sólido de indivíduo, o coletivo se deixa

100
“Walter Gropius faz análise e crítica da arquitetura moderna”.
101
Corona, Eduardo. “O testamento tripartido de Max Bill”. Não há referência à expressão original
de Gropius, mas é de se supor que ele tenha dito “bird-of-paradise”, cuja tradução mais correta
seria, no nosso entender, “ave-do-paraíso”, designação comum a uma família de aves originárias
da Nova Guiné, notáveis pela beleza e exotismo de sua plumagem. (cf Holanda, Aurélio Buarque
de. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986)
102
Revista ABA-Arquitetura Brasileira do Ano (1967) apud Vital Brazil, A. Álvaro Vital Brazil:
50 anos de arquitetura. p.5.
103
Vale lembrar que Mindlin acompanhou de perto o surgimento do Edifício Esther no centro de
São Paulo (projeto de Vital Brazil e Adhemar Marinho, 1936), cuja inauguração classificou de um
“estouro”. A origem paulistana e a formação como engenheiro-arquiteto de ambos (Mindlin na
Escola de Engenharia do Mackenzie, Vital Brazil entre a Escola de Belas Artes e a Escola
Politécnica do Rio de Janeiro) também podem ser lembradas quando se procura pontos em comum
entre os dois. Some-se a isso a experiência de ambos no SEMTA, no início da década de 1940, e,
na década de 1950, na edição da revista BAC-Brasil Arquitetura Contemporânea, em cujo
expediente aparecem como “diretores de arquitetura”.
206

tantas vezes confundir com um anonimato no qual todas as relações sociais


tendem, justamente, a se dissolver. E é aí que a pesquisa de Mindlin - o
“civilizado arquiteto Mindlin”, nas palavras sempre tão precisas de Lucio Costa104
- ganha um sentido muito específico: pode-se dizer que toda sua atividade
profissional orienta-se, no fundo, por uma expectativa de modernização que busca
vincular-se a uma ordem social, se não efetiva, certamente ensejada, que só se
constitui no espaço urbano, o qual contribui ao mesmo tempo para constituir. É
isso que orienta todo o esforço de instituição de uma linguagem supostamente
capaz de transcender situações específicas porque fundada sobre um conjunto de
princípios gerais que, apesar de finitos, admitem variações ilimitadas e são
passíveis de serem comunicados, disseminados e desfrutados coletivamente. E
nesse sentido, é significativo que Mindlin mantenha-se focado no problema
identificado por Mies van der Rohe, em meados dos anos 1950, como o mais
importante do seu tempo: o estabelecimento de uma linguagem arquitetônica, e
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por extensão, urbana, à qual só se chega mediante o “trabalho com a razão”105.


Se existe um paralelismo possível entre Mies e Mindlin, é possível supor
então que ele passe pelo que Adorno chamou de “esquecimento do eu na
linguagem”. Para seguir por esse caminho, porém, é preciso que se entenda que
esse auto-esquecimento, por assim dizer, não constitui, como esclarece o filósofo,
um momento de submissão do sujeito, senão mais propriamente um momento de
conciliação – pois ali mesmo “onde o eu se esquece na linguagem, ali ele está
inteiramente presente”106. Conseqüentemente, a questão não está em especular se
há aí uma síntese/superação (Aufhebung) do princípio poético, ou um
enfraquecimento do eu; crucial, do ponto de vista adorniano, é, isto sim, a revisão
do próprio conceito de lírica a partir da degeneração de seu sentido mais
corriqueiro, enquanto sinônimo de expressão da subjetividade. Por outras
palavras, trata-se de livrar o conceito de lírica da oposição ao coletivo e à
sociedade, e reconhecer sua ligação intrínseca com a linguagem. Porque é
justamente a linguagem que estabelece a mediação entre lírica e sociedade, diz
Adorno, ela é “o meio em que o sujeito se torna mais que apenas sujeito”.107

104
Costa, Lucio. “Muita construção, alguma arquitetura e um milagre” (1951) in: Xavier, A.
Depoimento de uma geração, p.95
105
Puente, Moisés (ed.) Conversas com Mies van der Rohe. p.58
106
Adorno, T. Lírica e sociedade, p.199
107
Ibid., p.200
207

Que a resposta de Mindlin a esse problema passe por um descarte da


poética a um nível provavelmente não experimentado antes na arquitetura
brasileira é algo que de todo modo não nos deve escapar. Se considerarmos a
perspectiva weberiana108, podemos suspeitar que a própria condição judaica de
Mindlin tenha contribuído para capacitá-lo para a condução metódica e
sistemática de suas atividades profissionais, mas o certo é que sua arquitetura não
pode ser encerrada nem numa perspectiva judaica, nem numa mera recusa ao traço
autoral tantas vezes privilegiado na arquitetura brasileira. O fato de que nela o
trabalho pessoal e o trabalho em equipe seguidamente se confundam lhe confere,
na verdade, um grau de problematicidade que nos força a rever meios tradicionais
de abordagem das obras de arquitetura, e com eles critérios monográficos mais
correntes.
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108
Weber, Max. “Sociologia da religião” in: Economia e sociedade. pp.279-418.
6
Epílogo

Ao visitar o canteiro de obras de Brasília durante o Congresso


Internacional Extraordinário de Críticos de Arte, em 1959, Tomás Maldonado
declarou:

“Brasília é uma tremenda oportunidade para o moderno planejamento de cidades.


É uma grande possibilidade e ao mesmo tempo uma grande responsabilidade. O
fracasso de Brasília seria um dos maiores traumas da cultura de nossos tempos.
Devemos fazer tudo para evitar que venha a falhar.”1

Com essas palavras, o então reitor da HfG-Ulm2 mostrava que, além de se


preocupar com os rumos tomados por um viés de modernização que de certo
modo se cumpria em Brasília, talvez encontrando ali sua expressão-limite, ele
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incluía a si próprio dentre os agentes então responsáveis pela condução de tal


processo. Segundo Maldonado, havia um motivo especial para isso:

“Devo dizer que estou empenhado na idéia de Brasília (...) também por minha
condição de sul-americano. Brasília é para nós, sul-americanos, uma
possibilidade de importância e significação extraordinária. Às vezes, em
momentos de desânimo, nós, os intelectuais sul-americanos, tendemos a acreditar
que o destino de nosso continente é de frustração. (...) Com a criação de Brasília,
temos pela primeira vez a possibilidade de ir para a frente, de abrir novas
perspectivas. Não quero dizer que a tentativa seja inteiramente convincente sob
todos os pontos de vista. Mas Brasília não é somente a realização de um estadista;
é quase que um gesto de desespero da inteligência sul-americana para abrir novas
perspectivas à nossa realidade terrível e dolorosamente fechada.”3

Essa consciência do grau de dificuldade do processamento da modernidade


na América Latina sem dúvida dava a Maldonado uma perspectiva muito
particular de Brasília em relação aos demais congressistas. E a proposta de
projetar a sinalização da cidade, em vias de ser negociada com a Novacap, seria a
maior prova do seu interesse em vincular também a escola ulmiana a esse
empreendimento, quase como seu complemento lógico4. Pois por mais que a

1
“Opiniões dos críticos de arte” in: Brasília, ano 3, setembro de 1959, p.7.
2
Em 1959, Maldonado constituía, com Otl Aicher e Hanno Kesting, o reitorado da HfG.
3
Comunicação de Maldonado na 6a sessão do Congresso, com o tema “As artes industriais” (São
Paulo, 22 de setembro). Anais do Congresso Internacional de Críticos de Arte, pp.102-3
4
ver nota 213.
209

realização máxima de Niemeyer-Costa diferisse substancialmente da concepção


de projeto praticada na HfG, a construção de Brasília não deixava de ser vista
como uma oportunidade extraordinária para a concretização e alargamento da
difusão das propostas ulmianas, ao mostrar-se como um campo aberto para o
desenvolvimento de trabalhos que, por definição, incluíam uma dimensão pública
e, mais que isso, demandavam uma inscrição efetiva no espaço urbano. Os
problemas ligados ao circuito da informação e da comunicação de massa tinham,
afinal, lugar certo na agenda ulmiana, conforme tanto Maldonado quanto Otl
Aicher procuravam destacar em sua passagem pelo Brasil naquele momento (a
começar pelo Curso de Comunicação Visual que ministraram em conjunto no
MAM-RJ, ao qual já nos referimos). Ambos insistiam, todavia, que só numa
cidade nova e inteiramente projetada como Brasília o tema da comunicação
urbana poderia ser tratado em toda sua profundidade e amplitude, para além das
operações mais pontuais realizadas até então em cidades da Alemanha e da Suíça.
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Na verdade, o grau de expectativa que cercava o empreendimento da nova


capital já podia ser medido pela concentração de influentes críticos, arquitetos e
urbanistas de várias partes do mundo no Congresso de Críticos de Arte realizado
entre Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro em setembro de 1959: dentre os 47
participantes estavam Giulio Carlo Argan, Meyer Schapiro, Carola Giedion-
Welker, Bruno Zevi, Gillo Dorfles, André Chastel, Richard Neutra, Charlotte
Perriand, Jean Prouvé, Eero Saarinen e Frederick Kiesler, além de Mário Pedrosa,
Ferreira Gullar, Flávio de Aquino, Mário Barata e Carlos Flexa Ribeiro. Os
inscritos incluíam ainda dois reitores da HfG-Ulm (Tomás Maldonado e Otl
Aicher) e um professor do seu Departamento de Construção (Giulio Pizzetti).
Maldonado e Pizzetti fizeram da sua intervenção uma defesa do modo sistemático
pelo qual se concebia a prática projetual na escola, como se só assim fosse
possível dar conta da extensão dos problemas que se apresentavam em Brasília. Já
Otl Aicher, que acabou sendo substituído por Maldonado na sessão de “Artes
industriais”, fêz chegar a Lucio Costa texto que teria constituído sua comunicação
no Congresso, no qual sustentava a urgência de se “fazer um estudo sistemático
das novas linguagens visuais, especialmente nas cidades”, onde já se respirava
uma “massa asfixiante de informação”. Aicher defendia a regulamentação da
publicidade e sua distinção dos sinais de trânsito. Sugeria, porém, que isso fosse
feito “sem privar as cidades modernas de seus já indispensáveis sinais luminosos,
210

cartazes etc.”, posto que aquilo que cumpria combater, segundo ele, não era a
publicidade em si, mas o “desperdício de que padece a comunicação”. 5
Compreende-se assim o tom apreensivo explicitado por Maldonado: a
despeito de todas as contradições e distorções envolvidas na sua construção,
Brasília era vista como uma tentativa in extremis de salvaguardar uma noção de
racionalismo na qual a HfG seguia apostando alto, e que vinha sofrendo ataques
cada vez mais intensos em várias frentes. E nesse sentido, talvez o sentimento de
Maldonado fosse algo comparável ao de Gropius com relação à Bauhaus: o de
dispor de uma “última carta, que se joga sabendo que se vai perder.”6
Em termos locais, Brasília significava todavia a suspensão de um certo
abalo sentido no meio arquitetônico brasileiro em meados da década de 1950, não
muito depois da mal-digerida crítica de Max Bill e dos comentários e polarizações
que se seguiram, envolvendo também outros eminentes arquitetos estrangeiros
(dentre eles, os italianos Bruno Zevi e Ernesto Rogers, que tomaram posições
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claramente divergentes com relação ao teor da crítica de Bill7). Se em sua réplica


ao arquiteto suíço o próprio Lucio Costa chegou a admitir que a arquitetura
brasileira andava “muito necessitada de ducha fria de quando em quando”8, em
texto de 1956 – escrito, portanto, três anos depois da contenda com Bill e às
vésperas do lançamento do concurso para o Plano Piloto da nova capital – ele
reconheceu, talvez pela primeira vez, a possibilidade de um certo esgotamento da
arquitetura moderna brasileira. Lucio Costa fez da sua resenha do compêndio
editado por Henrique Mindlin (Modern Architecture in Brazil) um balanço geral
da produção arquitetônica brasileira, dizendo-se duvidoso e apreensivo em relação

5
Aicher, Otl. As linguagens visuais de uma cidade.
6
Argan, G.C. Projeto e Destino, p.248
7
ver, em especial, Report on Brazil. The Architecural Review. out.1954. O painel incluiu obras
recentes de arquitetos brasileiros e comentários críticos de cinco arquitetos estrangeiros: Max Bill,
Walter Gropius, Ernesto Rogers (Itália), Hiroshi Ohye (Japão) e Peter Craymer (Inglaterra). Com
exceção dos textos de Max Bill (apresentado sob o título “O arquiteto, a arquitetura, a sociedade”
em palestra realizada em 9.jun.1953 na FAU-USP, em São Paulo), e de Craymer (que consistiu
num depoimento elucidativo sobre a prática projetual no Brasil, redigido a partir de sua
experiência profissional de um ano no Rio de Janeiro), os demais resultaram de visitas ao Brasil
por ocasião de II Bienal de São Paulo. O texto de Rogers – um excerto de artigo publicado antes
na revista Casabella (v.200, fev-mar 1954, pp.1-3) – acusava a crítica de Bill de preconceituosa, e
gerou uma resposta deste, publicada no número seguinte de Casabella, da qual Rogers era diretor
(Bill, Max. “Lettere al direttore”). Por sua vez, Bruno Zevi saiu em defesa de Max Bill, criticando
a “veleidade pelo inédito” de Oscar Niemeyer, e afirmando ser a arquitetura brasileira o reflexo do
“estado de incerteza” do país. (ver Zevi, Bruno. “A moda lecorbusieriana no Brasil” in: Xavier, A.
Depoimento de uma geração. pp.163-166 e “Incontro con O.Niemeyer. Nausea dell’abbondanza
brasiliana” [1955] in: Zevi, B. Cronache di architettura, 1971, vol.1, n.50).
8
Costa, Lucio. Oportunidade perdida.
211

aos caminhos tomados após o “arranco inicial” da arquitetura moderna no Brasil


com as obras da ABI, Ministério da Educação, Estação de Hidroaviões, Pavilhão
do Brasil em Nova York e Pampulha. O texto assume um caráter curiosamente
oscilante: ora o autor se diz “feliz” e tomado por uma “promissora euforia” diante
da “alta qualidade, o teor da invenção e o vulto da obra (...) realizada por tantos
arquitetos”, ora confessa uma “sensação de dúvida e apreensão porque, apesar das
soluções engenhosas e das inovações formais, tudo gira afinal em torno dos
mesmos pontos conhecidos e se conclui, então, melancolicamente, que a
arquitetura brasileira já se desincumbiu de seu recado”. Graças, no entanto, aos
primeiros projetos de Niemeyer para a nova capital – não desenvolvidos a tempo
de terem sido incluídos no livro de Mindlin, conforme assinala Lucio Costa -, a
visão pessimista logo se dissipa, e a conclusão do texto é a de que “o ciclo
iniciado em 36 ainda não se fechou”. Pois “mesmo que [os edifícios de Niemeyer
em Brasília] se destinem, num futuro próximo, ao abandono na selva (...) a
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simples feição das ruínas revelará que houve ali uma nobre intenção.”9
Ora, o tom será bem outro três anos depois, quando o já autor do Plano
Piloto de Brasília fala aos arquitetos e críticos de arte reunidos no canteiro de
obras da nova capital. Nesta ocasião, não há lugar para dúvida: Brasília era a
prova cumprida de que “já não exportamos apenas café, açúcar, cacau – damos
também um pouco de comer à cultura universal”10. De toda evidência, Brasília
mostrava ao mundo que o Brasil aceitava “o desafio das circunstâncias,
conferindo sentido atual ao brado histórico de 1822 – ‘industrialização ou morte!”
Pelo que se vê, se é possível que Lucio Costa pressentisse em Brasília o limite de
uma produção tendente ao esgotamento, é evidente que na ocasião do Congresso
de Críticos de Arte não podia lhe interessar a discussão acerca da “crise da
arquitetura moderna” levantada por Bruno Zevi – o enfant terrible do Congresso,
no dizer de Mário Pedrosa11. Afinal, por mais que sinais dessa crise já pudessem
ser sentidos por toda a parte, ela haveria de ser, conforme o próprio Zevi, “muito
menos evidente em Brasília”. E para Lucio Costa, talvez até já tivesse sido
deixada para trás.

9
Costa, Lucio. Modern Architecture in Brazil. Note-se que o texto foi publicado em agosto de
1956, um mês antes do lançamento do concurso para o Plano Piloto de Brasília.
10
Ibid., “Saudação aos críticos de arte” in: Registro de uma vivência. p.299
11
Pedrosa, M. “Lições do Congresso Internacional de Críticos”. in: Dos murais de Portinari aos
espaços de Brasília. p. 370.
212

A avaliação de Zevi tomava como ponto de partida uma declaração pouco


anterior do arquiteto norte-americano Philip Johnson, justamente um dos
responsáveis pelo lançamento, na América, da pauta internacionalista da
arquitetura moderna (com a exposição International Style, realizada no MoMA
em 193212). Para Johnson, a arquitetura moderna teria chegado a seu termo com o
Seagram Building (projeto do qual ele próprio era colaborador). Embora nem
sempre concordantes quanto a esse limite, diversos outros autores, escrevendo
posteriormente (sobretudo a partir de meados da década de 1980), reconheceram
um ponto de viragem na arquitetura na virada dos anos 1950 para 1960. Leonardo
Benevolo, por exemplo, localizou aí o início do “último capítulo da arquitetura
moderna”, caracterizado, segundo ele, por uma contradição de fundo: “por um
lado, a arquitetura moderna difunde-se por todo o mundo e acumula resultados
cada vez mais numerosos e diversificados; por outro lado, perde as características
de um movimento unitário, com as particularidades dos precedentes cinqüenta
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anos.”13 Na análise de Benevolo, a emergência do Team 10, no final da década de


1950, abre uma “nova fase do movimento moderno”, que passa a se desenvolver
“sem as barreiras colocadas por fórmulas ou modelos pré-estabelecidos”, e
permite a cada um dos seus membros orientar-se por “um itinerário diferente que,
com o correr do tempo, se revela irredutível a um ‘movimento’ comum”.14
De fato, comparativamente à produção já consagrada da primeira geração
do CIAM, a produção que nasce em torno da década de 1960 assume desde logo
um caráter bem mais plural, continuamente explicitado mesmo dentro do Team 10
(embora os laços entre seus membros tenham permanecido fortes o bastante para
que eles próprios se definissem como uma “família”15). E deve-se a esse grupo de
arquitetos, justamente, a ação decisiva para que o CIAM deixasse de ser visto
como um todo indiviso, supostamente isento das fissuras e disputas internas ao
Movimento Moderno em arquitetura, para se tornar, a partir da sua décima edição
(Dubrovnik, 1956), o centro de irradiação de um debate teórico que colocava em
questão sua própria vigência. Uma das críticas mais fortes surgidas nesse
momento – e que bem ou mal permite que se estabeleçam pontos de contato entre

12
Primeira exposição de arquitetura no MoMA, organizada em conjunto com Henry-Russell
Hitchcock, da qual resultou publicação homônima (The International Style: Architecture since
1922, 1932).
13
Benevolo, Leonardo. O último capítulo da arquitetura moderna, p.13
14
Ibid., p.17
15
Smithson, Alison. Team 10 Primer.
213

grupos por outro lado tão distintos quanto o Team 10, os assim chamados
“urbanistas espaciais” sediados na França (Friedman, Emmerich), os metabolistas
japoneses (Kikutake, Kurokawa, Isozaki) e Louis Kahn - se dá no âmbito de um
debate cada vez mais intenso sobre a cidade e diz respeito justamente a uma
insatisfação essencial com relação ao programa funcionalista da Carta de Atenas,
espécie de cartilha urbanística formulada no IV CIAM (1933) e colocada mais
uma vez à prova, ainda que na versão muito peculiar de Lucio Costa, em Brasília.
Claro está, portanto, que na origem de Brasília há divergências
fundamentais tanto com relação à concepção de projeto ulmiana quanto às
formulações urbanísticas do Team 10. E não obstante, é o evento Brasília que traz
ao Brasil, quase ao mesmo tempo, nada menos que três professores de Ulm
(Maldonado, Pizzetti e Aicher) e dois dos mais ativos membros do Team 10 (o
casal Alison e Peter Smithson, incumbidos de projetar a embaixada britânica).
Ora, considerando-se o trânsito desses e de outros eminentes arquitetos, designers
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e críticos estrangeiros pelo Brasil entre o final dos anos 1950 e começo dos anos
1960, a centralidade então assegurada à arquitetura brasileira no debate
internacional e o caráter de promessa identificado com a construção de Brasília, é
bastante significativo que não tenha chegado a se constituir aqui uma
correspondência mínima com a reflexão produzida então noutros países, de par
com o desenvolvimento de empreendimentos tecnológicos de larga escala, a
intensificação do ritmo da urbanização verificada em todo o mundo e o
conseqüente alargamento da escala das experiências arquitetônicas (entre 1960 e
1970, a população mundial aumenta de 3 para cerca de 3,6 bilhões, enquanto a
população urbana passa de 30 para 40%16). Tudo indica que se a construção de
Brasília foi prontamente reconhecida como ocasião extraordinária para que se
reunissem no Brasil alguns dos maiores críticos de arte e arquitetura do mundo
todo, pouco foi feito no sentido de dar desdobramentos efetivos às discussões
suscitadas por esse encontro, para além do registro de algumas impressões (mais
favoráveis que contrárias) sobre a cidade, publicadas aqui e ali17. Sequer sabemos
bem qual foi, por exemplo, a leitura do presidente do Congresso, o crítico italiano

16
Segundo Benevolo, L. O último capítulo da arq moderna, p. 51
17
ver, em especial, Pedrosa, Mário. Dos murais de Portinari aos espaços de Brasília; Costa,
Lucio. “Saudação aos críticos de arte” in: Registro de uma vivência, pp.298-99; Kiesler, Frederick.
Inside the endless house (Nova York, Simon and Schuster, 1964) e edição 33 da revista Brasília
(set 1959). O mais completo registro, no entanto, está nos Anais do Congresso Internacional de
Críticos de Arte. Brasília-São Paulo-Rio de Janeiro, 17 a 25 de setembro de 1959.
214

Giulio Carlo Argan, que dedicou palavras amáveis a Brasília, ao MAM-RJ e


sobretudo à Bienal de São Paulo na ocasião, mas evitou ingressar no calor da
discussão sobre a nova capital e ateve-se ao tema mais teórico que lhe foi
confiado (“A tradição e os materiais antigos na arquitetura moderna”). E na
verdade, se quisermos ter acesso a sua leitura de Brasília, teremos que buscá-la em
suas entrevistas posteriores18, ou então no silêncio guardado em relação à
arquitetura brasileira num de seus livros mais influentes (Arte Moderna, 1970),
que no fundo apenas confirma o juízo pouco animador antecipado pelo autor em
artigo de 195419.
É de se supor, assim, que ao voltar sua atenção para Brasília (ou melhor
seria dizer, para o Plano Piloto de Lucio Costa e as obras monumentais de Oscar
Niemeyer), a crítica estrangeira simplesmente tenha deixado de enxergar obras
contemporâneas que participavam, de algum modo, de uma tentativa de renovação
da esfera projetual no Brasil, em seu sentido mais amplo, propondo-se inclusive a
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uma relação mais estreita com o processo de modernidade plástica no Brasil –


especialmente se comparada à espantosa ausência de diálogo entre a arquitetura de
Niemeyer e a escultura moderna brasileira. Sim, porque conforme tem sido
enfatizado por Ronaldo Brito20, não deixa de ser surpreendente que uma obra
como a de Sergio Camargo, tão envolvida com alguns dos problemas
fundamentais da escultura do século XX (a emancipação das conotações
antropomórficas, a emergência no espaço, a supressão da base), não tenha
encontrado lugar no espaço urbano de Brasília, numa escala e situação para além
daquela que lhe foi destinada no interior de um dos palácios de Niemeyer (Muro
estrutural, auditório do Palácio Itamaraty, 1965-7).
Não que se possa esperar por um rebatimento direto entre a produção dos
artistas concretos e a dos arquitetos que emergem no Brasil nos anos 50-60, ou

18
Em entrevista à revista Isto É, em 1992, Argan resumiu Brasília como uma “medíocre cidade
moderna com alguns belos monumentos”. Sobre sua primeira impressão da cidade, disse: “na
época considerei Brasília como um instrumento ideológico do governo brasileiro; sem dúvida
moderno e bem aparelhado. Mas é estranho o fato de que ela não seja uma cidade historicamente
amadurecida”. ver Argan, G.C. “Entrevista a Elisa Byington”.
19
Argan, G.Carlo. “Arquitetura moderna no Brasil” (1954) in: Xavier, A. Depoimento de uma
geração, pp. 170-175. O texto resulta de uma visita de Argan à exposição “Arquitetura brasileira”
realizada na Galleria Nazionale d’Arte Moderna, em Roma, entre 4 e 18 de março de 1954 (cinco
anos antes, portanto, da primeira visita do crítico italiano ao Brasil). Na ocasião, Argan criticou a
arquitetura brasileira por ser apenas fruto de um bem-estar econômico, sem caráter transformador,
e localizou na “superação do formalismo técnico” seu problema central.
20
O tema foi discutido por Ronaldo Brito no seminário “Oscar Niemeyer Agora!”, realizado na
PUC-Rio em 29.out.2007.
215

pelo menos por uma articulação mínima capaz de produzir uma intervenção
comum naquele momento. No máximo, pode-se considerar como indício da
vontade de aproximação entre poesia e arquitetura no Brasil nos anos 50,
conforme sugere Gonzalo Aguilar, o fato de que vários textos que marcaram o
início da poesia concreta no Brasil tenham surgido não no meio literário, mas
numa revista de arquitetura (ad-arquitetura e decoração)21. Considerava-se
importante, no caso, não apenas retirar a poesia de seu lugar convencional, mas
também estabelecer um vínculo direto com a disciplina que havia se convertido
em emblema da modernidade brasileira, dela extraindo as categorias de
planejamento, construção e projeto que passavam a constituir o próprio cerne da
poesia concreta – donde a referência explícita ao plano de Brasília no título do
primeiro manifesto coletivo de Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de
Campos (Plano-Piloto para poesia concreta, 1958)22. Por outro lado, aí também
se divisa um paradoxo fundamental: como não ver o quanto o plano de Lucio
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Costa, francamente regulado por termos compositivos e embasado numa


concepção de forma fechada (com crescimento limitado de antemão, tanto em
altura quanto em extensão), contrastava com trabalhos que buscavam a lógica da
produção industrial, descrita por sua natureza cambiante e associada ao caráter
proliferante e potencialmente ilimitado dos sistemas modulares? Como percebe
Adrián Gorelik, “é óbvio que a aposta na ‘Grande Forma’ do plano de Costa está
muito mais distante dos postulados do concretismo que uma proposta como a de
Rino Levi (...) que parece acompanhar o desenvolvimento contemporâneo do
metabolismo japonês. Contudo, os artistas concretos preferiram ver, no plano
vencedor de Brasília, um ‘manifesto concreto’ e um guia de ação para sua própria
arte.”23
Se é assim, não foi apenas aos olhos da crítica estrangeira que obras
contemporâneas à Brasília de Costa e Niemeyer passaram desapercebidas, e
provavelmente porque escapassem, afinal, de um ciclo canônico que encontrava

21
Aguilar, Gonzalo. Poesia Concreta Brasileira. p.74-5. A revista, editada em São Paulo, era
dirigida por Expedito Godoy Castro, e sua equipe de colaboradores incluía inicialmente os
arquitetos Ícaro de Castro Mello, Oswaldo Correa Gonçalves e Eduardo Corona. O número 20
(nov-dez 1956) serviu como catálogo da Exposição Nacional de Arte Concreta, e daí até o número
25 (set-out 1957) a revista publicou vários textos, poemas e editoriais de artistas e poetas ligados
ao movimento concreto (como Waldemar Cordeiro, Décio Pignatari, Augusto e Haroldo de
Campos e Ronaldo Azeredo).
22
Publicado originalmente em Noigandres 4, 1958.
23
Gorelik, A. Das vanguardas a Brasília. p.177.
216

ali seu limite, mas também sua expressão máxima. Isso explicaria, inclusive,
porquê a obra de Sergio Bernardes – tão destacada em publicações estrangeiras
nos anos 1940 e 1950 – teve reconhecimento reduzido na década seguinte, justo
no período em que proliferou, em várias partes do mundo, um interesse renovado
pela assim chamada “arquitetura visionária”, corrente dentro da qual vários de
seus projetos decerto poderiam ser incluídos. Muito embora o percurso de Sergio
Bernardes, longe de se fixar a esta ou aquela corrente, tenha sido pautado, como
vimos, pela elaboração contínua, por sua própria conta e risco, de vários
problemas determinantes da reflexão sobre arquitetura e cidade nos anos 60: a
busca de correspondência com a lógica industrial (por meio da adoção de sistemas
modulares, materiais industriais e procedimentos de montagem), a redefinição do
conceito de estrutura e a exploração das geometrias não-euclidianas, a defesa do
caráter mais provisório e menos perene das obras, a possibilidade de maior
controle ambiental, a ênfase na mobilidade e na mutabilidade (entendida tanto no
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sentido da ausência de limite, ou das possibilidades de expansão, redução,


mudança de uso e transporte da edificação, quanto da maior intervenção do
usuário na configuração dos espaços, sobretudo na sua própria casa).
Visto que uma das principais características dessa obra está na sua abertura
para uma concepção renovada de projeto e de forma, pode também causar
estranheza que ela não tenha encontrado lugar até hoje na genealogia da
arquitetura contemporânea no Brasil. No entanto convém não esquecer o inegável
domínio do concreto armado na arquitetura brasileira a partir dos anos 20-30, no
qual encontra sustentação uma leitura como a de Sophia Telles, capaz de abarcar
de Niemeyer a Paulo Mendes da Rocha, passando por Reidy e Artigas24. É certo
que a perspectiva de uma interrelação entre as propriedades do concreto e o
desenvolvimento da arquitetura brasileira como uma progressão histórica que
começa na Pampulha e vai até o Museu Brasileiro da Escultura (São Paulo, 1986-
95) permite traçar uma linhagem que dá conta de uma parte expressiva, e
provavelmente mais decisiva da arquitetura no Brasil – recentemente reafirmada
no panorama internacional, aliás, com a atribuição do prestigioso Prêmio Pritzker

24
Essa genealogia foi apresentada por Sophia Telles em seminário interno no Departamento de
História da PUC-Rio, em setembro de 2005.
217

a Paulo Mendes da Rocha25. Porém esse ponto de vista deixa de fora uma outra
parte importante dessa produção, a qual, como vimos, investe justamente num tipo
de raciocínio estrutural que não aquele prontamente identificado com a descarga
das forças atuantes no concreto armado.
Além disso, é preciso considerar as motivações ideológicas que
dominaram por tanto tempo o campo em formação da historiografia e da crítica da
arquitetura no Brasil, traduzindo-se quase sempre numa resistência cega, e nem
sempre claramente assumida, a pensar a arquitetura sob o ponto de vista da lógica
industrial – associada no mais das vezes à especulação capitalista, i.e., à busca de
lucro a qualquer preço e ao exaurimento do potencial reformista da arquitetura. E
já é hora de reconhecer que em meio ao debate altamente politizado que se firmou
no Brasil nas décadas de 1960-70 perdeu-se uma dimensão importante da
arquitetura contemporânea: justamente aquela ligada a uma inquietude
fundamental sobre os nexos da arquitetura com o horizonte da produção industrial
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(aí incluídos tanto a sua dimensão essencialmente construtiva quanto a sua


entropia). Deixou-se de questionar, de resto, o abismo crescente entre as esferas
da arquitetura, do design e da arte no Rio de Janeiro, e acabou-se por estreitar
contribuições relevantes como a do arquiteto como Henrique Mindlin, até hoje
bem mais reconhecido por sua atividade editorial que por seu investimento na
validação de critérios empresariais na prática da arquitetura, por exemplo.
Pode-se objetar, é claro, que há diferenças demasiadas entre os arquitetos
dos quais tratamos para que eles sejam vistos sob uma perspectiva até certo ponto
comum. Seria em todo caso bem menos arriscado fixar-se nos seus pontos
divergentes, facilmente verificados quando se considera, por exemplo, a busca de
minimização dos imprevistos inerentes ao projeto, por Henrique Mindlin, e o grau
de imprevisibilidade sustentado por Sergio Bernardes (o qual chega ao extremo
nos anos 80, na Res. William Koury, em que a prática projetual vinculada ao
desenho cede lugar à experimentação contínua no próprio canteiro26). A menos

25
O Prêmio Pritzker de Arquitetura foi concedido a Mendes da Rocha em 2006, por um júri
composto por Lord Palumbo, Balkrishna Doshi, Rolf Fehlbaum, Frank Gehry, Carlos Jimenez,
Victoria Newhouse e Karen Stein. Desde 1979, o prêmio é oferecido anualmente pela Fundação
Hyatt a um arquiteto vivo, e é considerado o prêmio mais prestigioso do mundo. Antes de Paulo
Mendes da Rocha, apenas um brasileiro havia recebido tal distinção: Oscar Niemeyer (laureado
em 1988 junto com Gordon Bunshaft, arquiteto responsável pelo projeto da Lever House).
26
segundo depoimento do engenheiro Fernando Aguirre, que acompanhou a obra durante cerca de
10 anos, o arquiteto nunca apresentou uma planta da casa. Ao cliente, apresentou apenas uma
maquete, e foi desenvolvendo o projeto em partes, simultaneamente à obra, num escritório
218

que se veja sob essas divergências, conforme procuramos mostrar, uma


sensibilidade comum em relação a um feixe de problemas direta ou indiretamente
ligado ao quadro das linguagens construtivas, particularmente em sua vertente
germânica, de par com uma disposição essencial para pensar o próprio “modo de
fazer” da sociedade industrial, e assim renovar uma concepção de projeto
privilegiada até então na produção brasileira de arquitetura. O que implicaria
reconhecer que, cada um a seu modo, esses arquitetos foram tomando distância da
vertente francesa há muito dominante na produção carioca para acrescentar
matizes importantes à reflexão sobre os procedimentos projetuais no Brasil.
Embora permaneçam longe de esgotar o problema, como vimos, e na verdade,
apenas mostrem a complexidade do mesmo.
O embate com a produção projetual dos anos 1950-60 no Brasil já não
pode se furtar, de todo modo, do enfrentamento de questões imbricadas numa
reflexão sobre o conceito de projeto que aflora nesse momento e extravasa em
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muito o âmbito mais específico da arquitetura, conforme definido e entendido até


então no Brasil, e mais particularmente no Rio de Janeiro – onde sem dúvida
encontram-se mais arraigados os vínculos entre projeto e desenho, graças a uma
tradição de ensino acadêmico que se insiste em preservar e ao fascínio pelo
desenho que lhe acompanha. E tudo leva a crer que o grau de resistência com
relação à noção de repetição, sentida ainda hoje no meio de arquitetura no país,
tenha raízes justamente nesse momento em que, se por um lado se configura uma
possibilidade sem precedentes de interação entre arquitetura e indústria, por outro
torna-se patente o desencontro, cada vez mais pronunciado, entre as dinâmicas da
industrialização e da urbanização no Brasil.
O que não há como negar é o quanto o meio de arquitetura no Brasil se
ressente até hoje da ausência de um acordo mínimo, tanto em termos de
vocabulário quanto de dimensões, entre a prancheta, a indústria e o canteiro, capaz
de permitir o estabelecimento de um ambiente comum, fundamental para o
diálogo entre os múltiplos agentes e operações envolvidos numa linha de
produção. E isso, a despeito do Brasil ter sido, como vimos, um dos primeiros
países do mundo (o sétimo, para dizer com exatidão27) a instituir uma norma

montado no próprio canteiro, onde, sempre que necessário, eram realizados protótipos das peças.
Conforme depoimento de F.Aguirre à autora, em 12.jun.2006.
27
Cf Greven, Hélio Adão. Introdução à coordenação modular no Brasil.
219

técnica visando a definição de critérios de compatibilização das dimensões dos


produtos industriais (a NBR 25, de 1950). Por sua vez, se o ensino de arquitetura
no Rio de Janeiro acabou se mantendo, como vimos, à margem do ambiente de
reflexão sobre a produção em massa que teve na Esdi, a partir de 1963, um de
seus focos, foi também no Rio de Janeiro que se abriu caminho, em vários
momentos, para o processo de industrialização da construção no país: basta
considerar, por exemplo, a utilização pioneira de pré-moldados de concreto no
Brasil no Hipódromo da Gávea (1926) e o enorme esforço de racionalização da
construção implicado no conjunto habitacional do IAPI/Instituto de Aposentadoria
e Pensões dos Industriários em Realengo, de Carlos Frederico Ferreira (1939-43),
onde chegou a ser instalada uma usina para a produção em larga escala de blocos
de concreto. Ou, já nos anos 1950, o surgimento de uma empresa como a
Engefusa, reconhecida como precursora na pré-fabricação pesada de concreto (e
responsável, dentre outras obras, pelo conjunto residencial Parque de Irajá,
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projetado por Ary Garcia Roza para o Inocoop/Instituto de Orientação às


Cooperativas Habitacionais, onde foram usadas fachadas em painéis pré-
fabricados de fibra de vidro e poliester concebidas por João Honório de Mello
Filho).
Do mesmo modo, deve ser notado que a partir de meados dos anos 60,
quando a expectativa de construção massiva de habitações vinculada ao Plano
Nacional de Habitação levou à intensificação das discussões em torno do tema da
racionalização da construção, o Rio de Janeiro esteve na linha de frente da
estratégia de promoção da coordenação modular do Brasil, como sede tanto da
ABNT/Associação Brasileira de Normas Técnicas quanto do BNH/Banco
Nacional de Habitação e de organismos a ele ligados – a começar pelo
Cenpha/Centro Nacional de Pesquisas Habitacionais, que atuou em paralelo a seu
congênere paulistano, o CBC/Centro Brasileiro da Construção Bouwcentrum28.

28
Tanto o CBC quanto o Cenpha foram caracterizados como entidade civil sem fins lucrativos. O
primeiro foi criado em 1969 por quatro instituições: BNH, CIESP/Centro das Industrias do Estado
de São Paulo, o IAB/Instituto de Arquitetos do Brasil - Departamento de São Paulo e o Instituto de
Engenharia, e encarregou-se de várias iniciativas destinadas à promoção da coordenação modular,
dentre elas o desenvolvimento de um "Plano de Implantação da Coordenação Modular da
Construção" (cuja coordenação geral ficou a cargo do engenheiro Teodoro Rosso) e a edição do
“Noticiário da Coordenação Modular” (publicado entre 1969 e 1972). Já o Cenpha resultou de
convênio entre a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, o BNH e o Serviço Federal
de Habitação e Urbanismo. Foi criado em 1965 e extinto em 1976, período no qual realizou várias
pesquisas e atividades ligadas ao tema da habitação - dentre elas o curso de "Racionalização,
220

É claro que o fato de tais iniciativas acontecerem à margem das escolas de


arquitetura, tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo, pode ser tomado como
indício do grau de resistência que um tema como o da coordenação modular, um
dos pontos-chave da produção projetual no pós-guerra, tendeu a encontrar entre os
arquitetos brasileiros - com exceções que ficaram mais restritas a obras isoladas e
foram deixadas de fora inclusive do inventário de Henrique Mindlin, como a
experiência embrionária de coordenação de todos os elementos de uma obra em
função de um módulo-base, levada a cabo no edifício E1 da Escola de Engenharia
da Universidade de São Paulo, em São Carlos (projeto de Ernest de Carvalho
Mange e Hélio de Queiroz Duarte, 1953-4)29. Na verdade, se a preocupação com a
modulação já estava presente nos debates do I Congresso de Habitação, realizado
em São Paulo em 1931, e na década seguinte mereceu atenção da recém-criada
ABNT, a referência mais importante nos estudos sobre a coordenação modular no
Brasil acabou sendo o BNH – o mesmo BNH, por sinal, que se por um lado deu
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incentivo a experiências inovadoras na produção de moradia no Brasil (como o


canteiro experimental de Narandiba, erguido na Bahia em 197830), por outro lado
tornou-se em grande medida responsável pela desqualificação da própria idéia de
produção em série no Brasil, ao fazer uso indiscriminado de padrões uniformes na
construção de extensos e deprimentes conjuntos habitacionais por todo o país31.
A primeira coisa a se reconhecer, então, é a existência de uma tensão
profundamente radicada, e ao mesmo tempo recalcada no meio da arquitetura no
Brasil, a qual, tudo indica, está relacionada tanto a uma espécie de imunidade à
crise do moderno, adquirida com Brasília, quanto a uma lacuna no entendimento
de uma das hipóteses fundantes da modernidade: o nexo entre industrialização e
urbanização. Longe de se dissolver na produção contemporânea, essa tensão –
redefinida com a crise da modernidade e as transformações concomitantes na

coordenação modular e pré-fabricação", ministrado pelo arquiteto alemão Helmut Weber em 1968.
(Arquivos do Cenpha, PUC-Rio)
29
ver Nobre, Ana Luiza. “Módulo só”.
30
O canteiro colocou em prática diferentes propostas apresentadas por 31 empresas do setor da
construção civil de todo o país. Uma das propostas (da construtora Alfredo Mathias) consistiu em
produzir unidades habitacionais em “cápsulas” (com 2,5m de altura, 7m de comprimento e 2,5 m
de largura, e 7 toneladas de peso) transportadas para o canteiro prontas, incluindo divisões
internas, instalações, aparelhos sanitários, pisos etc. Cf Koury, Ana Paula. Arquitetura construtiva.
31
Deve-se ao BNH a edição, em 1967, de uma apostila sobre coordenação modular que se tornou
referência no Brasil, e também a organização, no começo dos anos 1970 (por meio de convênio
com a ABNT), de um conjunto de normas complementares a NB-25, de que resultou a coletânea
de normas técnicas publicada em 1974. ver Greven, Hélio Adão. Introdução à coordenação
modular no Brasil.
221

estrutura de produção do capital - tem feito menos no sentido de provocar um


questionamento da prática projetual no Brasil do que para impedir o acionamento
de uma reflexão mais profunda e atualizada acerca do horizonte da produção
industrial e de noções como serialidade e progressão, as quais se tornaram tão
produtivas no meio da arte em torno dos anos 60 com a produção minimalista, a
partir da crise aberta com a Pop Art e sua confrontação com a cultura de massa. A
menos que se aceite a concepção muito grosseira de minimalismo pela qual já se
associou, por exemplo, a obra de Paulo Mendes da Rocha – da qual o raciocínio
serial no mais das vezes mostra-se ausente, mesmo em projetos a princípio
destinados à duplicação (vejam-se as Casas do Butantã, 1964-66)32 - a uma
corrente que leva às últimas conseqüências a noção de serialidade, a partir da
operação com elementos cujo valor de forma só pode estar na repetição33.

Caso típico dos limites da reflexão sobre a serialidade no meio da


arquitetura contemporânea no Brasil é o produto de um dos programas públicos de
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construção em larga escala mais destacado recentemente no país: os prédios


escolares erguidos na última década em São Paulo pela FDE/Fundação para o
Desenvolvimento da Educação34. Quando se examina de perto essas obras, as
quais envolveram dezenas de escritórios paulistanos nos últimos anos (de João
Walter Toscano e Marcos Acayaba aos mais jovens MMBB, SPBR e Andrade
Morettin), o que fala mais alto, na maior parte das vezes, é o esforço descomunal
(não só do comitente mas também dos arquitetos, construtores, operários e
usuários) para vencer as adversidades que seguem pressionando qualquer proposta
de racionalização da construção no Brasil: despreparo de mão-de-obra, indústria
pulverizada, demanda descontínua, insuficiência de normas técnicas,
incompatibilidade dimensional etc - enfim, toda uma ordem de problemas que
envolvem a prancheta, passam pelo canteiro e muitas vezes são simplesmente

32
Bem sabemos que vários projetos de Paulo Mendes da Rocha denotam interesse pela
racionalização da construção e pela pré-fabricação. Dentro do período aqui analisado pode-se citar,
por exemplo, o conjunto Zezinho Magalhães Prado, em S.Paulo – em co-autoria com Vilanova
Artigas e Fábio Penteado - ou sua Unidade de Habitação pré-fabricada, ambos de 1967. (ver
Acrópole 343, set.1967, pp.43-45). No entanto, cabe discutir em que medida esse interesse
manifesta uma concepção de forma aberta. ver Nobre, Ana Luiza. “Um em dois”.
33
A associação entre Paulo Mendes da Rocha e o minimalismo tem sido defendida pelo crítico
espanhol J. Montaner com base em argumento resumido em seu texto “Minimalismo: o essencial
como norma”. ver Projeto 175, jun. 1994, pp.36-44.
34
Orgão da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo. ver Ferreira, Avany de Francisco e
Mello, Mirela Geiger (org). Arquitetura escolar paulista: estruturas pré-fabricadas. São Paulo,
2006.
222

transferidos aos usuários. E no entanto, logo se vê que toda esta pressão exercida
sobre cada obra permanece longe de se traduzir em pensamento projetual (e nada
acusa melhor esse nó irresolvido que as juntas entre componentes construtivos,
tratadas antes como resíduo indesejável que como questão projetual). Seria de se
esperar uma redefinição da própria concepção de projeto aí envolvida, em função,
por exemplo, da simplificação de operações (ou seja, também de deslocamentos)
que se entende como uma das chaves-mestras da produção em larga escala. Mas o
que se vê é que uma boa cota de desperdício incide também sobre a prancheta,
onde não raro chega-se a verificar o redesenho, em computador, de componentes
construtivos extraídos de um repertório de produtos industrializados homologados
pela FDE e disponibilizados por meio de catálogos técnicos aos escritórios de
arquitetura (na esteira do procedimento adotado pela Conesp, na década de
197035).

Enquanto isso, a produção de João Figueiras Lima, que é descendente


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direta do canteiro de obras de Brasília, segue condenada a uma situação insular -


reconhecida, aliás, pelo próprio arquiteto36 -, na medida em que se vê imersa num
ambiente profissional claramente desarticulado e forçada a operar em equilíbrio
por vezes dramático sobre um vínculo com o poder público que está longe de ser
estranho ao processo de renovação arquitetônica na América Latina. Digamos que
há uma espécie de inconformismo latente na sua obra, que tanto pode levar à
exploração mais recente da estrutura metálica quanto à longa investigação da
argamassa armada (composto de cimento e ferro aparentado com o concreto
armado, e como tal, de execução relativamente simples e custo limitado, embora
capaz de produzir peças bem mais leves). Posto de maneira sumária, o que está
em jogo é uma tarefa nada fácil: viabilizar a produção seriada num ambiente
cultural ainda profundamente resistente à industrialização e à racionalização da
construção. E, mais uma vez, chega a ser quase escandalosa a limitada fortuna
crítica que tem cabido a essa obra, malgrado seu reconhecimento por parte de
arquitetos dentre os quais estão Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Sergio Ferro e Lina

35
ver nota 194.
36
Sobre sua prática profissional, Lelé afirmou recentemente: “Acho que vivo numa ilha. (...) não
sei bem como a prática profissional está sendo exercida por outros colegas. (...) Os escritórios do
Norman Foster, do Renzo Piano são exemplos (...) de grande integração profissional. Quanto a
nós, aqui no Brasil, estamos completamente desintegrados. Isso é talvez o que há de pior”.
Depoimento a Otavio Leonidio, em 18.out.2007.
223

Bo Bardi. É provável que tenha contribuído para isso a própria postura


profissional de Filgueiras Lima, mais aparentada com o perfil de um “técnico” que
de um “artista”, pelo menos na acepção restrita que ainda reservamos a este (pela
qual se entende algo avesso à origem mesma da palavra técnica, no sentido de um
“saber fazer” indistinto da arte). Em todo caso convém, mais uma vez, desconfiar
das categorias analíticas às quais temos no mais das vezes recorrido para lidar
com esse enorme “quebra-cabeça chamado Lelé”37 ; uma obra que vive no limite
da ênfase modernista na forma e na figura emblemática do autor. Porque se por
um lado há aí toda uma operação coletiva a problematizar os limites da autoria da
obra, mantém-se, por outro lado, um forte apego a uma tradição de projeto que
não permite ao autor sair de cena (e, no caso, conta mesmo com seu protagonismo
na organização e agenciamento de todos os fatores e etapas da cadeia de
produção).

É de se perguntar também em que medida o grau de timidez, se não de


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negligência, de boa parte dos arquitetos brasileiros com relação ao sistema


industrial tem relação com o “clima antiurbano” identificado por A.Gorelik38 em
vários países da América Latina nos anos 70-80, auge do período de revisão e
crítica do modernismo designado genericamente de pós-modernismo. Enquanto na
Europa e nos Estados Unidos esse reexame se deu à luz de paradigmas de
pensamento buscados noutras disciplinas (como a lingüística e a fenomenologia),
e se constituiu como um intenso debate teórico em torno da crise de sentido da
arquitetura, na América Latina a crítica ao modernismo impôs-se, em grande
medida, como uma reação extrema à dinâmica modernidade/modernização
encarnada na cidade. Em vez da pré-fabricação, então, a auto-construção, a
arquitetura vernacular e logo, a favela, último refúgio de valores considerados
(por conveniência ou ignorância) alternativos à modernidade e sua manifestação
por excelência – a cidade.
Ora, que sentido pode ter hoje uma perspectiva como essa, tão anti-urbana
quanto anti-moderna? Na ausência de uma confrontação mais profunda com os
termos da crítica pós-modernista, não teria resultado daí justamente uma prática
nociva, porque desdenhosa, no fundo, tanto do valor estético da arquitetura quanto

37
A expressão é de Sergio K. Ekerman. ver “Um Quebra-cabeça chamado Lelé” in: Arquitextos
064.03. <www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq064/arq064_03.asp>
38
Gorelik, A. “O moderno em debate”.
224

do potencial integrador da indústria (atestado, na prática, pelo entusiasmo de


vários países socialistas pelos sistemas pré-fabricados, que teve em Cuba o
exemplo mais próximo, onde o pensamento ulmiano não por acaso ganhou
desdobramentos significativos39)? O fato é que por mais que outros fatores
possam ser considerados - dentre eles o vácuo das políticas públicas para
habitação no Brasil – seguem sendo poucas e praticamente restritas a um âmbito
local propostas que, no intuito de apoiar movimentos sociais organizados, se
destacam justamente por buscar uma conjugação renovada de processos racionais
de construção com procedimentos participativos (como o projeto da Usina-Centro
de Trabalhos para o Ambiente Habitado para a Vila União da Juta, em São Paulo,
de 1993)40.
Decerto projetos como este nascem de uma tomada de posição frente ao
núcleo paradoxal da situação brasileira, conforme descrito por Ermínia
Maricato41, na medida em que se definem por um procedimento construtivo de
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origem arcaica (no caso, o mutirão) sobrevivente à custa de técnicas avançadas (a


estrutura metálica), ou seja, na contra-mão dos processos rudimentares e pré-
industriais largamente empregados pelo setor da construção civil no Brasil. Mas o
eventual acordo entre procedimentos tradicionais e projeto de racionalização
construtiva não deve impedir que se reconheça, no meio da arquitetura brasileira
hoje, uma certa tendência à condenação precipitada da produção seriada ao âmbito
do mercado imobiliário (o qual sem dúvida tem sabido extrair rendimentos dos
pré-fabricados, haja vista seu uso extensivo em edifícios residenciais de luxo e
freqüentemente em estilo pseudo-neoclássico que se multiplicaram por São Paulo
e começam a despontar no Rio de Janeiro e noutras cidades). E isso, ainda que o
confinamento da produção em série a uma tal posição signifique, a essa altura,

39
Não deve nos escapar a recepção que o pensamento ulmiano encontrou, nos anos 1960-70, em
países socialistas da América Latina como Cuba e Chile, nos quais suas premissas reformistas
encontraram uma possibilidade de renovação após o fechamento da escola. Gui Bonsiepe, por
exemplo, enviado a Santiago do Chile em 1968, a serviço da OIT (Organização Inernacional do
Trabalho), foi logo incorporado pelo governo de Salvador Allende e esteve à frente da seção de
desenho industrial do INTEC/Instituto de Investigações Tecnológicas até o golpe militar, em 1973.
Já em Cuba, o Ministério da Construção levou a cabo um ciclo de conferências com Tomás
Maldonado, Claude Schnaidt e Gui Bonsiepe (realizado em 1972 por iniciativa dos arquitetos
Roberto Segre e Fernando Salinas, ambos defensores da integração do pensamento ulmiano ao
projeto de formação de uma “cultura revolucionária” em Cuba). ver Salinas, F. e Segre, R. “El
diseño ambiental en la era de la industrialización”.
40
Trata-se de conjunto residencial formado por 20 edifícios de quatro pavimentos, cuja concepção
arquitetônica se vale de um sistema construtivo misto (alvenaria estrutural de blocos cerâmicos,
lajes pré-fabricadas e torres de escada metálicas), com base na construção por mutirão.
41
Maricato, Ermínia. Indústria da Construção e política habitacional.
225

subsistir em total alheamento a problemas que perpassam boa parcela da produção


arquitetônica contemporânea, os quais têm claramente mobilizado arquitetos
como Norman Foster, Renzo Piano e grandes escritórios como o SOM, mas
também se entrecruzam, em vários momentos, com as pesquisas de Shigeru Ban e
com a agenda de Rem Koolhaas, por exemplo (cuja estratégia crítica encontra-se
diretamente relacionada a seu interesse declarado pela “arquitetura banal dos anos
1950-60 e seus derivados”42).
O que sugerimos aqui é que, se quisermos vencer esse alheamento, há pelo
menos dois passos a serem dados: um implica reconhecer que a arquitetura
brasileira não vivenciou o estado crítico inerente à crise do moderno, e isso
porque ficou entre uma prática capitalista predatória, quase suicida, e uma
reflexão teórica pobre e coercitiva na qual se expressa, desta vez na chave da
esquerda, uma tônica populista e autoritária continuamente reeditada no Brasil. O
outro passo envolve uma reflexão profunda e necessariamente coletiva, a ser
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incorporada com urgência à prática profissional e ao ensino da arquitetura no


Brasil, sobre o raciocínio sistemático implicado na lógica industrial -
considerando-se, de um lado, a forma muito peculiar pela qual a industrialização
se processou no país, sobretudo a partir da política desenvolvimentista implantada
na segunda metade da década de 1950, e de outro lado, sua relação nada
irrelevante com a complexa dinâmica urbana contemporânea. Dentro deste
quadro, impõe-se também a superação de uma propensão a operar segundo chaves
político-partidárias que, na ausência de formulações teóricas mais consistentes,
têm com freqüência modelado o próprio curso da história da arquitetura no Brasil
com base em critérios nitidamente vedados ao fenômeno estético. Só assim será
possível encontrar uma saída, ao mesmo tempo, para o encerramento em si
própria da arquitetura brasileira e para um paradoxo continuamente recalcado pelo
meio de arquitetura no Brasil: o espantoso descompasso entre a violenta dinâmica
de urbanização do país, que pressiona cada vez mais a arquitetura no sentido da
racionalização dos seus processos, e o grau de irracionalidade que ainda campeia
nos processos de produção da arquitetura no Brasil – seja no canteiro de obras, na
usina, ou na prancheta.

42
Koolhaas, R. “Por uma cidade contemporânea” (1989) in: Nesbitt, Kate (org). Uma nova agenda
para a arquitetura. p. 361.

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