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As Raízes do EUpreendedorismo 1

2 As Raízes do EUpreendedorismo
As Raízes do
EUpreendedorismo
As fontes de inspiração para a
Rede Ubuntu de EUpreendedorismo

Eduardo Seidenthal
com a participação de Cristiane Vilar
Diogo, Joana Madia, Marina Campos,
Monica Malheiros, Renata Fonseca,
Silvia Maiolino eTaly Szwarcfiter

2a Edição
São Paulo
2020

UBUNTU
Eu sou porque você é. Você é porque nós somos!

As Raízes do EUpreendedorismo 3
Copyright(c) 2015 por Eduardo Seidenthal

Capa, Projeto Gráfico e Diagramação


Rodrigo Teixeira

Fotos
Dudu Contreras

Revisão
Silvia Maiolino e Cristiane Vilar Diogo
(Ornando.comVc)

4 As Raízes do EUpreendedorismo
Agradecimentos

À minha família, aos meus amigos e a todos que colaboraram na


construção da Rede Ubuntu de EUpreendedorismo.

A Nelson Mandela.

As Raízes do EUpreendedorismo 5
6 As Raízes do EUpreendedorismo
Índice “ As Raízes do EUpreendedorismo”

Capítulo 1: Contextualizando
Introdução 11
O que é EUpreendedorismo e o Modelo PURPOSE 14
Fluxo e Objetivo do Livro 25
Nosso Propósito 30
Como tudo começou? 30
Inspirações teóricas que permeiam este livro (por
Renata Fonseca) 46

Capítulo 2: Abrir
Preâmbulo 63
Honrando as origens 67
Perspectivas sobre o mundo de dentro 68
Perspectivas sobre o mundo 73
As experiências como caminho para a abertura 77
Abertura nas relações 81
Abertura na matéria 88

Capítulo 3: Incluir
Crenças que suportam o Princípio do Incluir 96
Um olhar inclusivo 107
Linguagem (por Taly Szwarcfiter) 113
É um processo! 129
A importância dos vínculos 135
Acolher a nossa sombra 141

As Raízes do EUpreendedorismo 7
Capítulo 4: Colaborar
Prêambulo 153
Filosofia UBUNTU 160
Teoria do eu e nós 166
Crença da abundância e da escassez 168
Os diferentes níveis de compreensão e prática da colaboração 175
Lá na minha pós... A prática da colaboração (por
Marina Campos, a Nina) 182
A inovação como consequência... 203
Mas o que você é, meu? 206
Estruturas colaborativas 211
E os ambientes? 208

Capítulo 5: Ornar
Preâmbulo 213
Ornando as diferentes perspectivas 216
A busca por também ornar as linhas de
desenvolvimento 220
O poder da vulnerabilidade 222
A Linguagem do Palhaço (por Mônica Malheiros) 239
A estética 257
O ornar expresso nos ambientes 261
Ornar para quê? 268

Capítulo 6: Acreditar
Preâmbulo 271
Acreditar em si 273
Acreditar nos outros 277
O acreditar e o tempo 281
O acreditar na prática 284
E o resultado? 294
Acreditar em algo maior (por Joana Madia) 299

8 As Raízes do EUpreendedorismo
Capítulo 7: A reconexão com o meu propósito
Ubuntu e EUpreendedorismo, o impulso que eu precisava! 321
Ornando.comVc (por Cristiane Vilar e Silvia Maiolino) 328
Raízes Novas - Abrir 341
Incluir 345
Colaborar 350
Ornar 355
Acreditar 358

Capítulo 8: Comentários Finais


A relação dos princípios 369
Fim ou começo? 373

Apêndice 1 380

Apêndice 2 382

Minibiografias 384

Bibliografia 391

As Raízes do EUpreendedorismo 9
10 As Raízes do EUpreendedorismo
Contextualizando

Capítulo 1:
Contextualizando
Quando pensei em escrever este livro, tive uma imagem muito nítida da
intenção desta obra. Desde o início da Rede Ubuntu, em junho de 2009,
usamos esta linda árvore da savana africana para descrevê-la.

Ainda me lembro como fiquei emocionado, quando o querido Rodrigo


Teixeira, fundador da Propósitto Design e criador de toda a identidade vi-
sual da Rede Ubuntu, enviou esta imagem para mim. E agora, anos depois,
consigo entender ainda mais os inúmeros significados deste forte símbolo
da Rede Ubuntu.
O propósito deste livro é servir de referência para toda esta árvore, ou

As Raízes do EUpreendedorismo 11
Contextualizando

melhor, para toda a Rede Ubuntu de EUpreendedorismo. Raízes


fortes e robustas tendem a servir de base, de fundamento para um
organismo vivo que deseja viver por muitos anos. E a robustez tem
efeitos não só para a própria árvore a que serve, mas também para
todo o ecossistema no qual está inserida.
Por meio das raízes, “bebemos” dos nutrientes que servem de
energia, que dão força para o tronco, os galhos e as folhas cresce-
rem, se fortalecerem e gerarem muitos
frutos.
Por meio das raízes, Princípios que foram criados desde
“bebemos” dos o início do movimento e, ao longo des-
nutrientes que servem ses anos, à medida que os colocamos em
prática, aprendemos, evoluímos e, in-
de energia, que dão clusive, compreendemos melhor o que
força para o tronco, eles significam.
os galhos e as folhas A cada dia que passa, compreendo
crescerem, se mais e mais que a Rede Ubuntu é um
fortalecerem e gerarem organismo vivo e, por isso, nada melhor
do que representá-la por uma árvore. E,
muitos frutos. se o organismo é vivo, também são vi-
vas todas as suas formações, estruturas e
manifestações. O que isso quer dizer na prática?
Como este livro, a descrição dos Princípios da Rede Ubuntu
estará em constante evolução. Quando você estiver lendo este mate-
rial, ele já não representará exatamente o que ocorre na Rede. Uma
ótima analogia para explicar o que estou dizendo aqui é pensar que
este livro é uma tomografia computadorizada da nossa árvore, aos
seis anos de idade, e podemos enxergar toda a sua composição.

12 As Raízes do EUpreendedorismo
Contextualizando

Mas, ao realizarmos um novo exame daqui a algum tempo, esse


organismo já terá se alterado. Não radicalmente, pois a nossa essên-
cia permanecerá a mesma. A base, as nossas raízes, que precisamos
para viver ao longo do tempo, serão as mesmas. E esta é a razão
deste livro ter sido escrito. Mas, com o passar dos anos, todo o
organismo vivo evolui, expressando a cada ciclo a sua maturidade e
também se adaptando para o tempo em questão, para seus respecti-
vos contextos e desafios.
Outro ponto que quero ressaltar, antes de mergulharmos em
nossas raízes, em nossos Princípios, é que este material foi construí-
do de uma maneira Ubuntu. Ao longo desses primeiros seis anos de
vida, milhares de pessoas foram impactadas por nossos programas,
centenas de pessoas trabalharam conosco, direta ou indiretamente,
e o que descreverei aqui é o resultado de todas essas experiências e
interações.
Sim, quando iniciei a Rede Ubuntu em 2009, alguns Princípios
me vieram rapidamente e guiaram muito de minhas ações e com-
portamentos nesse período. Durante esses anos, porém, a prática
desses Princípios nos fez ter mais clareza do que eles significam e
também fizemos evoluir muito os nossos conceitos. E se você per-
ceber, mudei o pronome pessoal de “eu” para “nós”, representando
justamente o processo por trás deste livro. Começou comigo, mas o
que será descrito nas próximas páginas, certamente, é a construção
de uma série de pessoas que foram se juntando em torno de um
propósito comum, o EUpreedendorismo.

As Raízes do EUpreendedorismo 13
Contextualizando

Mas o que é EUpreendedorismo?

O EUpreendedorismo é um modelo mental, uma forma


de pensar e agir, que busca a ampliação da consciência dos
indivíduos para que estes possam realizar seus projetos pro-
fissionais ou pessoais, construindo o futuro a partir de suas
essências.
Um processo de aprendizagem e desenvolvimento que
busca apoiar indivíduos, equipes e organizações a refletir
sobre seus propósitos, a mapear caminhos possíveis para
realizar tais propósitos e, finalmente, colocar tais cami-
nhos e projetos em prática.
Ainda etéreo e muito abstrato o conceito do EUpreende-
dorismo para você? Pois bem, foi por isso que desenvolvemos
o Modelo PURPOSE, o modelo de desenvolvimento do EU-
preendedorismo, que nos ajuda a “aterrar” o conceito.

Modelo PURPOSE

Visualizei o modelo PURPOSE em 2009, ano da fundação


da Rede Ubuntu, a partir de uma grande pergunta: quais são
as competências fundamentais que precisam ser consideradas,
para que alguém reflita sobre seu propósito e, principalmente,
o coloque em prática?
Esta foi a pergunta que me moveu. Uma pergunta que me
instigou, já que nunca achei que iria ser empreendedor na
vida e, naquele momento, estava me lançando ao desconhe-

14 As Raízes do EUpreendedorismo
Contextualizando

cido. Assim, minha inquietação era: o que me levava a fazer


aquele movimento? O que explicava tal atitude?
Lembro-me como se fosse hoje: estava no Guarujá, em São
Paulo, acompanhando um workshop, pois iria multiplicá-lo
posteriormente com outros facilitadores pelo Brasil. Estava no
fundo da sala, durante uma parte do programa do qual já co-
nhecia a dinâmica, quando voltei minha atenção à pergunta
que me inquietava: que temas são fundamentais para empre-
ender o seu propósito?

Neste momento coloquei na mesa três grandes inspirações:

1) 10 Ds - Características encontradas em empre-


endedores de sucesso, de William D. Bygrave1.

Quando fiz MBA na Babson College, tive contato


com grandes professores e excelentes livros sobre
empreendedorismo. É comum muitas pessoas se
perguntarem se nascem empreendedoras ou não. Na
visão da Babson, com a qual eu também compar-
tilho, empreendedorismo é um modo de pensar.
Um jeito de agir, voltado à identificação e, princi-
palmente, à realização de oportunidades de sucesso.
Neste sentido, empreender pode ocorrer em qual-
quer lugar e não necessariamente significa começar
um novo negócio, abrir uma nova empresa. Você
pode empreender dentro de uma grande organiza-

1. The Entrepreneurial Process, William D. Bygrave.

As Raízes do EUpreendedorismo 15
Contextualizando

ção, em uma média empresa, sendo um profissional


liberal ou, mesmo, como normalmente se classifica,
começando um novo negócio.

Seguem os 10 Ds de Bygrave:

Decisiveness (Decisão)

2) O outro livro que me inspirou na criação do Mo-


delo PURPOSE foi o MegaSkills, de Dorothy Rich,
que pesquisou e analisou quais competências com-
portamentais deveriam ser desenvolvidas desde a in-
fância. São elas:

16 As Raízes do EUpreendedorismo
Contextualizando

. Confidence (Confiança)
. Motivation (Moticação)
. Effort (Esforço)
. Responsability (Responsabilidade)
. Initiative (Iniciativa)
. Perseverance (Perseverança)
. Caring (cuidado)
. Teamwork (Trabalho em Equipe)
. Common sense (Senso Comum)
. Problem solving (Solução de Problemas)

3) A última e principal inspiração foi minha expe-


riência pessoal. Quando saí da Babson, dizia que
nunca seria empreendedor. Seis anos depois, estava
dando meu passo de fé. O que me fez empreender,
mesmo após sair do melhor mestrado de empreende-
dorismo dos Estados Unidos acreditando que nunca
seria empreendedor na vida?

Foi a partir daquela pergunta, fortalecida por essas


três inspirações, que, naquele fundo de sala do hotel,
surgiu na minha frente, em um pedaço de papel, o
modelo PURPOSE!

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18 As Raízes do EUpreendedorismo
Contextualizando

Como a própria imagem mostra, a espinha dorsal do


modelo de desenvolvimento do EUpreendedorismo
é o PROPÓSITO. É o propósito que nos move, que
nos dá força, que nos faz superar nossos medos e se-
guir em frente na jornada.

O propósito é uma reflexão eterna, uma grande dire-


ção. Muitas vezes parece abstrato e grandioso demais,
porém, cada vez que mergulha-
mos mais e mais em sua compre-
ensão, sua força só aumenta.
Todos nós temos medo. Já li várias repor-
tagens dizendo que, para empreender algo,
você não pode ter medo de arriscar. Em se-
guida, sempre pensava: “Então empreender
não é para mim, pois tenho medo!”
Descobri na jornada do EUpreendedo-
rismo que o medo faz parte... Aliás, tem
uma parte do medo muito positiva, que nos
impede de cometer loucuras. Na verdade, o
foco não pode ser o medo... O foco precisa estar na força que
nos impulsiona! E que força é essa? O PROPÓSITO.
Nelson Mandela brilhantemente diz: “Coragem não é ter
ausência de medo. Coragem é a capacidade de seguir em fren-
te apesar dos medos.”
Propósito é o desejo de seguir em uma direção! Uma di-
reção que é composta pelos seus talentos, aquilo que você faz
muito bem, e os valores que te energizam, aquilo que te dá
muito tesão em fazer na vida!

As Raízes do EUpreendedorismo 19
Contextualizando

Existem vários caminhos para seguir nessa direção, isto é,


há várias maneiras de realizar o propósito. E isso gera angústia,
pois, muitas vezes, o foco está em descobrir os caminhos, sem
mesmo refletir sobre a direção.
O segundo tema do modelo PURPOSE são nossas Pai-
xões. Como costumo dizer, nossas paixões, nossos interesses,
temas que fazem nossos olhos brilharem normalmente ornam
com nossos talentos, aquilo que fazemos de melhor.
Na verdade, nossas paixões e nossos talentos são pilares
fundamentais do nosso propósito, como
É o propósito que explicado antes. Portanto, sua compreen-
nos move, nos dá são é fundamental.
força e nos faz Poucos de nós têm consciência sobre os
próprios talentos, pois desde criança somos
superar os nossos treinados a focar naquilo que precisamos
medos. melhorar e naquilo que os outros fazem
melhor. Basta, apenas, perceber quando
uma criança chega em casa com o boletim
e tem sete notas 9 e uma nota 3,5. Em qual
delas nós, pais, gastamos mais tempo? Em qual os seus pais
gastaram o seu “blá”?
Aqui, não estamos dizendo que não precisamos focar nos
pontos de desenvolvimento. Sim, desenvolver alguns pontos
é fundamental. Mas será que não poderíamos, inclusive, usar
nossas forças, nossos talentos em prol de melhorar aquilo que
não fazemos tão bem?
Em seguida, temos Ubuntu. Nossa capacidade de colabo-
rar, de trabalhar em equipe, de nos relacionar, de atuar colabo-
rativamente com outros em direção ao nosso propósito. Pre-

20 As Raízes do EUpreendedorismo
Contextualizando

firo não me aprofundar muito aqui, pois como colaboração é


um dos nossos Princípios, é uma das nossas raízes, a filosofia
Ubuntu será objeto de estudo mais adiante.
O quarto tema do modelo PURPOSE diz respeito à Resi-
liência, nossa capacidade de enfrentar obstáculos ou, usando
a nossa metáfora, a capacidade da árvore de passar por grandes
tempestades. É fato que tempestades já passaram em nossas
vidas. Pode até ser que estejamos no meio de uma neste mo-
mento e, certamente, passaremos por muitas mais na jornada
em direção ao nosso propósito. A pergunta então é: qual a
nossa capacidade de passar por tais tempestades? A capacidade
de cairmos e nos levantarmos. A capacidade de nos levantar-
mos mais fortes do que quando caímos na primeira vez.
É importante ressaltar que o modelo PURPOSE está todo
interligado e estamos apenas descrevendo os temas de maneira
separada para efeitos didáticos. Por exemplo, ter clareza do
nosso propósito, quando estamos em crise, é fundamental.
Quando estou “na lama”, me pergunto: “Para que estou fa-
zendo o que estou fazendo?” Se você consegue responder esta
pergunta, isso lhe dá forças para seguir em frente.
Fazer algo que ama ajuda você a seguir em frente, não é?
Mesmo enfrentando obstáculos, suas paixões te dão forças
para persistir.
Outro pilar fundamental para aumentar sua resiliência é
Ubuntu. Quando se está “na lama”, ter o apoio de outros faz
toda a diferença. Familiares, amigos, “desconhecidos”, seja
quem for. Um ombro e um suporte, ao enfrentar obstáculos,
fazem você superá-los mais rápido.

As Raízes do EUpreendedorismo 21
Contextualizando

Assim, como você pode ver, tudo nesse modelo está inter-
ligado.
O próximo tema do nosso modelo de EUpreendedorismo
é Protagonismo. A nossa capacidade de assumir as rédeas de
nossas vidas e seguir em frente.
Quem é responsável pela realização do seu propósito? Você
mesmo. Não delegue isso a ninguém, ainda que a criança den-
tro de você esteja louca para delegar. Para o seu chefe, para a
organização em que trabalha, para os seus pais, para o gover-
no, para o cliente...
Muitas vezes, culpamos os outros pela nossa infelicidade e
por não seguirmos na direção que queremos. E, mais uma vez,
pode até ser que obstáculos existam, mas, em última instância,
você é o responsável.
O sexto tema do nosso modelo PURPOSE é Olhar, Ouvir
e Sentir. Esse é um dos meus temas preferidos e diz respeito à
nossa capacidade de percepção. Percepção de si, dos outros ao
nosso redor, do ambiente.
Nossa capacidade de olhar macro, de ver the big picture e,
ao mesmo tempo, focar na pequena atividade que está à nossa
frente e é fundamental para a realização de nosso propósito.
Nossa capacidade de escuta. De ouvir as nossas vozes inter-
nas2 e, ao mesmo tempo, escutar os outros, pois muitos nos
dão presentes diariamente e insistimos em não escutar.

Por fim, nosso sentir, pois nosso corpo e nossas emoções


2. The Voice Dialogue Facilitator’s Handbook, Part I: A Step By Step Guide To
Working With The Aware Ego, de Miriam Dyak (Feb 28, 1999).

22 As Raízes do EUpreendedorismo
Contextualizando

nos mostram o caminho a seguir. Como costumo brincar,


além de uma boa análise, de uma planilha robusta ou de uma
apresentação muito bem fundamentada para tomar uma de-
cisão, é preciso ir além e se perceber nesse processo, pois as
decisões muitas vezes já foram tomadas internamente.
O penúltimo tema do modelo PURPOSE é a famosa $us-
tentabilidade e, de uma maneira muito carinhosa, colocamos
o $.
Para realizarmos o nosso propósito, ele precisa ser susten-
tável, no sentido mais amplo da palavra. Usamos no EUpre-
endedorismo, como grande referência de sustentabilidade, a
Carta da Terra3, uma carta lançada em 2000 que reúne prin-
cípios de uma ética universal para viver no planeta Terra. Os
quatro grandes princípios da Carta da Terra são: Respeito a

todas as formas de vida, Integridade Ecológica, Justiça


Econômica e Social e Democracia, Paz, Não Violência
Ao empreendermos nosso propósito, precisamos cuidar de
todos esses aspectos sustentáveis. O quanto nosso propósito
é sustentável financeiramente? Que frutos proporciona para
mim e para aqueles ao meu redor? O quanto aspectos sociais
estão incluídos? Como ele contribui para os aspectos ecológi-
3 A Carta da Terra, http://www.cartadaterrabrasil.org.

As Raízes do EUpreendedorismo 23
Contextualizando

cos? O quanto alimenta a paz e a liberdade daqueles envolvi-


dos no propósito?
Vale, aqui, uma observação a respeito do “$” e por que da-
mos ênfase a este aspecto. Pela nossa prática com participantes
de nossos programas e nossos clientes organizacionais, e pela
nossa própria experiência de vida, um dos maiores impediti-
vos para as pessoas seguirem em direção aos seus propósitos
é a questão material, o medo de ficar sem dinheiro e de não
conseguir sobreviver.
De fato, dinheiro é importante e precisa ser cuidado, pla-
nejado, mas de maneira alguma pode ser um impeditivo. A
experiência mostra que quanto mais realizamos nosso propó-
sito, mais dinheiro temos chance de ganhar. Dinheiro é uma
consequência e, portanto, em nosso modelo dizemos que co-
locamos o dinheiro no seu devido lugar: nem supervaloriza-
mos nem subestimamos a sua importância. Precisa ser enca-
rado como parte da equação e não como a única ou a mais
importante variável da jornada do EUpreendedorismo.
O último tema do nosso modelo é Execução. A nossa ca-
pacidade de executar da melhor maneira possível tudo aquilo
que nos comprometemos a fazer e é fundamental para a reali-
zação do nosso propósito.
Existe um mito de que realizar o seu propósito significa
fazer só aquilo que você ama. Posso dizer que amo o que faço
e que há anos venho exercendo muito o meu propósito, mas
tenho uma série de atividades que não gosto de fazer no meu
dia a dia. Por exemplo, não morro de paixão por planilhas

24 As Raízes do EUpreendedorismo
Contextualizando

financeiras, mas sei que se não colocar a mão na massa, de


vez em quando, e cuidar dessa parte, todos os meus projetos
e todo o meu propósito podem ficar comprometidos. Assim,
trabalhar com o seu propósito significa fazer aquilo que você
ama e, também, um pouco daquilo que você não gosta, mas
principalmente buscar fazer tudo da melhor maneira possível,
pois esse empenho é importante para seguir exercendo o seu
propósito.
Essa foi uma passagem rápida pelo modelo PURPOSE!
Aliás, temos muito o que falar e, por esta razão, estrutura-
mos a construção de todo esse conhecimento do EUpreende-
dorismo em partes, para facilitar o entendimento do todo e da
interrelação entre suas partes.

Fluxo deste Livro


Primeiro, passaremos pelo nosso propósito, pelo nosso so-
nho, para a direção em que a nossa árvore cresce! E normal-
mente a árvore cresce em direção ao sol, à luz, não é mesmo?
Linda imagem de propósito!
Agora, considerando que temos um propósito grandioso,
um sonho ambicioso em direção ao sol, precisamos nos enrai-
zar e nos fortalecer para que cresçamos de maneira sustentável.
Assim, após falarmos do propósito, mudaremos de direção.
Sairemos do céu e iremos para a terra! Voltaremos nossa aten-
ção para as raízes. Descreveremos os cinco grandes Princípios
da Rede Ubuntu de EUpreendedorismo. São eles: Abrir, In-
cluir, Colaborar, Ornar e Acreditar.

As Raízes do EUpreendedorismo 25
Contextualizando

O foco deste primeiro livro da Rede Ubuntu são as nossas


cinco robustas raízes que suportam tudo o que fazemos! Con-
tarei passagens marcantes de nossa história e também da mi-
nha história pessoal, que representam tais Princípios na práti-
ca e auxiliam no entendimento de suas definições e sutilezas.

Uma linda imagem se forma...


Nessa hora, surge uma pergunta: “Eduardo, qual é a rela-
ção entre o Modelo PURPOSE e as raízes do EUpreendedo-
rismo (foco deste livro)?”

propósito
Paixões
ubuntu
P r o jetos
Projetos

Resiliência
jetos
Projetos Pro Protagonismo
Olhar, ouvir, sentir
ia
ênc

$ustentabilidade
i
exper

Execução
coachin
g

acr
A b rir e dit ar
Cola b o r ar

or
nar
incl uir

26 As Raízes do EUpreendedorismo
Contextualizando

Voltando à metáfora da árvore, já disse que o sol representa


nosso propósito, isto é, a direção para a qual nossa árvore cresce.
As raízes, por sua vez, representam nossos Princípios, nossos
nutrientes, nossas referências e a partir de onde nos energiza-
mos. “Mas para que tudo isso, Eduardo? Para que propósito e
princípios?”
Em última instância, estamos aqui para viver, certo? Esta-
mos aqui para experimentar, para agir, realizar, crescer, evoluir
como seres humanos, não é mesmo?
Utilizando ainda a nossa linda metáfora da árvore, repre-
sentamos o tronco como a nossa experiência. E, à medida que
vamos acumulando experiências, o tronco vai se fortalecendo,
nos dando sustentação e permitindo que galhos e frutos sur-
jam, cresçam, se desenvolvam.
O que são os galhos? São como os resultados de nossas ex-
periências: nossos projetos, nossos empreendimentos nas mais
variadas dimensões de nossas vidas (profissional, familiar, so-
cial, espiritual, etc.).
E os frutos? Esses são mais diretos, não é mesmo? Os frutos
que colhemos de todas as nossas experiências, no seu sentido
mais amplo.
O modelo PURPOSE se encaixa em tudo isso? Ele é o
nosso modelo de desenvolvimento, o modelo de competên-
cias que acompanha toda a nossa experiência (tronco, galhos
e frutos).
Para EUpreender, para experimentar a jornada em dire-
ção ao seu propósito, é necessário ter presente todas aquelas

As Raízes do EUpreendedorismo 27
Contextualizando

competências do modelo PURPOSE. E quando digo presen-


te, não necessariamente você precisa ser ótimo em tudo, em
todos aqueles temas citados. Lembre-se de que todos nós te-
mos mais facilidades e dificuldades, dependendo do tema e
da experiência que estamos encarando. Quando digo “ter pre-
sente”, quero dizer que são temas que precisam ser cuidados,
seja por você em seu próprio desenvolvimento, seja por meio
de parceria e colaboração com outros, que tenham fortalezas
em temas complementares aos seus. Portanto, no todo, tudo
estará presente!
Assim, EUpreendedorismo é um processo. Algo que repe-
timos em qualquer evento nosso e que certamente citaremos
novamente nessa e em futuras publicações.
EUpreendedorismo é vivo, orgânico e, por isso, a metáfora
da árvore e da natureza ao seu redor é tão feliz para represen-
tá-lo.
Não é à toa que no primeiro vídeo para explicar o con-
ceito do EUpreendedorismo, utilizamos essa metáfora como
símbolo. E pode acreditar: quando criamos esse vídeo, não
tínhamos o entendimento que temos agora sobre todos esses

28 As Raízes do EUpreendedorismo
Contextualizando

significados.
Devo ler este livro?
Procurei escrever este livro da maneira mais inclusiva possí-
vel, para ornar com todos os nossos Princípios. Um livro para
você que:

• Está interessado na Rede Ubuntu de EUpreendedorismo


de alguma maneira, seja para:
- Se inspirar nela e na Ética Ubuntu, trabalhando com
EUpreendedorismo;
- Utilizar o selo “Inspirado por Rede
Ubuntu de EUpreendedorismo;
- Participar dos programas de EUpreen-
dedorismo;
- Colaborar com este movimento de es-
palhar EUpreendedorismo pelo mun-
do;
- Financiar novos conteúdos (cursos online e livros)
para quem ainda não tem acesso!
• Deseja se inspirar para ir em direção ao seu propósito e
encontrar maneiras de empreendê-lo.
• Deseja conhecer novos modelos de organização e gestão.
• Ou, simplesmente, está interessado em ler e deixar fluir
para ver onde estas páginas te levarão!

As Raízes do EUpreendedorismo 29
Contextualizando

Nosso Propósito
Nós temos um sonho! O sonho de que milhões (por que
não bilhões?) de pessoas e suas respectivas organizações neste
planeta empreendam seus propósitos genuínos!
Temos o sonho de criar um grande movimento para pro-
vocar, inspirar, apoiar e servir pessoas, grupos e organizações
a refletir sobre seus propósitos, mapear caminhos para a sua
realização e colocar tais propósitos em prática.

Como tudo começou?


Logo que eu fundei a Rede Ubuntu, em 8
de junho de 2009 (Apêndice 1 – Carta de Lan-
çamento da Ubuntu), confesso que o propósito
era nebuloso, incerto, como a grande maioria
dos processos de reflexão de propósito. Come-
ça nebuloso e vai clareando à medida que ca-
minhamos. Quando tive o café da manhã, no
bairro do Itaim, com Oscar Motomura, presidente do Grupo
Amana Key, para comunicá-lo que iria abrir a Rede Ubuntu
para o mercado, continuaria prestando serviços à Amana, mas
me “aventuraria” a me lançar em voo solo, ele perguntou com
surpresa: “Quer dizer que você não vai trabalhar com marke-
ting?”
Minha resposta foi: “Vou trabalhar com desenvolvimen-
to humano, com o mundo dos negócios e com inovação em
educação”, que nada mais eram do que os pilares do meu pro-
pósito de vida.

30 As Raízes do EUpreendedorismo
Contextualizando

Muita incerteza. Medo. Mas tinha uma força que me im-


pulsionava a fazer aquele movimento. Era bem incômodo,
mas parecia ser o movimento que fazia mais sentido na época.
Nada melhor do que colocar um propósito em prática. E,
naquele começo, um grande exercício foi colocar o site no ar.
Aliás, esse é um grande exercício para quem tem uma ideia de
negócio. Isso ajuda a concretizar e sair do mundo das ideias.
Precisava fazer isso em uma semana, já que o meu pavor
de ficar sem salário no final do mês estava ali dentro gritando.
E a partir daquele momento a certeza de um rendimento fixo
estava sendo abandonada. Isso não era nada fácil, mas, mais
uma vez, o foco não era esse. O foco tinha que ser o que eu
queria fazer!
Nesse momento, já havia grandes expressões de Ubuntu.
O próprio Rodrigo Teixeira, ainda como designer da Amana
Key, e o Mauricio Roma, da área de marketing da Amana, que
tinha uma ótima experiência em tecnologia, disseram: “Edu,
diz aí o que você precisa para colocar esse site no ar que te
ajudamos em nossos horários livres!”
Uma semana depois estava no ar. Eu, que tinha saído do
mundo corporativo, no qual para colocar um site no ar levava
meses e dezenas de milhares de reais, estava colocando um site
no ar em uma semana. Que animal!
O principal desafio foi tentar traduzir desenvolvimento
humano, negócios e estratégia, e inovação em educação em
serviços práticos para vender no site. Nesse momento, outro
grande colaborador (Ubuntu!) foi Francisco Alberto Madia de
Souza, o Madia, meu sogro na época, que 20 anos antes tinha

As Raízes do EUpreendedorismo 31
Contextualizando

fundado a sua empresa de consultoria na área de marketing,


numa época em que essa palavra ainda era um “palavrão”.
Além de um grande “marqueteiro”, ele é também um grande
escritor e, assim, começou a me ajudar justamente com os
textos e posicionamento do site.
Logo definimos três áreas de atuação para a Rede Ubuntu.
Coaching, Consultoria, neste caso mais especificamente na
área de Gestão da Mudança (change management), e Educa-
ção. Em uma conversa rápida com o Madia, Coaching e Con-
sultoria estavam muito claros do ponto de vista de entrega.
Mas Educação ainda era um desejo, mais do que um produto
de fato.
Assim, como bom marqueteiro só lança um produto quan-
do está pronto para ir ao mercado, o site saiu na sua primeira
versão somente com duas Unidades de Negócio (nome muito
chique para uma empresa de uma pessoa só!), Consultoria e
Coaching, enquanto Educação ficou para um segundo mo-
mento.
Em seguida, saí com meu notebook debaixo do braço. Lis-
tei todo mundo que conhecia na época e fui marcando uma
sequência de reuniões, cafés da manhã e almoços para falar do
meu mais recente empreendimento. Fui para a prática.
Nesse meio tempo, busquei certificações e cursos, pois,
além de o mercado pedir, precisava me aprofundar nos temas,
apesar de minha experiência prévia corporativa ter me dado
bagagem nessas áreas. Assim, fiz cursos nas áreas de coaching
e change management. Precisava de coisa rápida, tinha que tra-
balhar. Meu pavor do salário continuava. Sem falar dos gastos

32 As Raízes do EUpreendedorismo
Contextualizando

aumentando nesse momento, com os almoços e cafés (risos)!


A rede de apoio estava se formando para me dar suporte.
E como isso foi importante! Tanto que virou uma parte do
propósito dessa nossa rede!
Meus pais me apoiaram, apesar das preocupações naturais
com o futuro incerto do filho. Liguei para a Natura, mais espe-
cificamente para o Marcelo Cardoso, então VP de Estratégia e
Desenvolvimento Organizacional, e perguntei: “Marcelo, posso
continuar participando das reuniões de fornece-
dores estratégicos da Natura, mesmo saindo da
Amana Key?”
Vale ressaltar que o Marcelo estava li-
derando uma linda iniciativa de colocar os
diferentes fornecedores estratégicos de Re-
cursos Humanos para, colaborativamente,
trabalharem juntos em determinadas ques-
tões estratégicas que a Natura estava enfren-
tando.
Eu participara naquele último ano representando a Amana
Key. Agora que tinha “saído” e fundado a Rede Ubuntu, será
que poderia continuar? Não custava perguntar...
Ele imediatamente disse “Sim. E naqueles meses iniciais
de Rede Ubuntu, ali estava eu, na reunião de fornecedores
estratégicos, sem nunca ter feito nada para a Natura de fato
(como Rede Ubuntu). Esse é um grande exemplo de muitos
Princípios que fundamentam a Rede Ubuntu (Abrir, Incluir,
Colaborar, Ornar e Acreditar), e podemos retomá-lo em mo-
mento oportuno!

As Raízes do EUpreendedorismo 33
Contextualizando

Outro grande exemplo de Ubuntu. O meu querido amigo


Marco Antonio Figueiredo, fundador da Hallos, que também
participava da reunião de fornecedores estratégicos, tinha fe-
chado alguns grandes projetos de desenvolvimento e me cha-
mou para facilitar com ele vários grupos. Além de aprender
muito com o Marco Antonio (conteúdo e facilitação), con-
fesso que, no primeiro ano e meio de Rede Ubuntu, a maior
parte dos rendimentos financeiros veio de trabalhos realizados
pela Hallos.
Falarei disso mais tarde, mas vale ressaltar nessa história
que. nem eu, Edu, fundador da Rede Ubuntu,
Nosso propósito passa era exclusivo da Rede. Facilitava programas pela
por atingir muita Hallos, e tudo era feito de uma maneira muito
aberta e transparente entre nós e com os nossos
gente.
clientes!
Nas reuniões da Natura, que ocorriam uma
vez por mês, tomei contato com o processo sele-
tivo inovador que a empresa estava implementando, na época,
com a Educartis e a Across. Comecei, então, a me interessar
por processos seletivos em geral e percebi algumas coisas es-
tranhas.
Primeiro, as empresas faziam um grande esforço para atrair
40 mil jovens aos seus processos seletivos e selecionavam 15,
30, estourando 50 deles. E eu me perguntava: “E os outros
39.985 jovens? Imagine o potencial absurdo que existe neles?”
Outro ponto que me chamava a atenção: os jovens se ins-
creviam em 30, 40 até 50 programas seletivos por ano. E eu
pensava: “Quem se inscreve em 30, 40 programas seletivos

34 As Raízes do EUpreendedorismo
Contextualizando

não está procurando um trabalho, está procurando um em-


prego! Que modelo é esse?”
Finalmente, olhando para a evolução da nossa sociedade e
para a capacidade incrível desses jovens, como podíamos ter
um sistema que ainda olhava para diferentes jovens, sem ter
visto nada do que eles eram capazes de fazer, de fato, e dizia:
“Você sim, você não!”
Com todos esses incômodos, tive a visão do nosso propó-
sito. E se montássemos um processo de desenvolvimento para
esses 40 mil jovens? E se fizéssemos um processo no qual eles
refletissem sobre seus propósitos, sobre seus valores e começas-
sem a, de fato, colocá-los em prática. E, nesse processo, natural
e organicamente, acontecesse um encontro entre jovens e orga-
nizações? Foi dessas reflexões que surgiu a visão do EUpreende-
dorismo. Vale ressaltar que este nome surgiu apenas dois anos
depois, em 2011. Quando tivemos a ideia, ainda chamávamos
de empreendedorismo.
Esse momento foi essencial para a criação do EUpreende-
dorismo e do seu modelo de desenvolvimento, o PURPOSE,
já explicado anteriormente!
Lembro-me, como se fosse hoje. Depois de criar essa visão,
adaptei a apresentação institucional da Rede Ubuntu e con-
tinuei a peregrinação com a minha rede de relacionamentos,
vendendo meu sonho! Em uma dessas conversas, cruzei com o
Daniel Izzo, sócio da Vox Capital.
Tinha trabalhado com ele na Johnson & Johnson. E logo
nas primeiras semanas de Rede Ubuntu tinha mostrado a pri-
meira versão da apresentação institucional a ele.

As Raízes do EUpreendedorismo 35
Contextualizando

Depois dessa visão de nossa área educacional, lá fui eu con-


versar com ele novamente. Até porque ele era sócio de um fun-
do de Impact Investing e, assim, pensava eu, “vai que o cara se
interessa e resolve investir uma grana na Rede Ubuntu?”
E nunca vou esquecer da reação do Izzo, nesse segundo
papo: “Agora sim, Edu! Tinha achado na primeira vez meio
lugar-comum... Agora, sim, temos algo diferente aqui!”
Ótimo indicador! Brilho nos olhos! Medimos a força de
um propósito assim: quando mobiliza, quando mexe com as
pessoas! Estava claro que tinha algo ali!
Tudo bem que, mesmo com essa reação dele, não saí com
nenhum cheque assinado. Aliás, essa sempre foi uma esperan-
ça nesses anos iniciais de Rede Ubuntu. A esperança de que
algum investidor viria e financiasse o meu sonho. Até porque,
vamos combinar, para implementar essa visão de atingir mi-
lhares de pessoas com o EUpreendedorismo eram necessários
parcerias e investimentos na área de tecnologia.
Criei um plano de negócios e, além de potenciais clientes,
também visitava potenciais investidores. Um sonho expres-
so em 10 slides de Power Point, inspirados no livro do Guy
Kawasaki4, uma planilha financeira robusta e a estimativa de
R$ 1 milhão para ser financiado por alguém.
Rodei e rodei por grandes empresários. As reações eram
ótimas. De fato, tinha algo ali, pois até pediram uma segun-
da e uma terceira reunião. Mas o cheque que era bom, nada!
Após inúmeras reuniões, continuava com meus slides de Power
Point, o meu sonho, e somente isso. Já era o fim do ano de
2009.
4 A Arte do Começo, Guy Kawasaki, Rio de Janeiro, Best Seller, 2014.

36 As Raízes do EUpreendedorismo
Contextualizando

Depressão. Alguns bons dias de tristeza, angústia, medo. A


vozinha lá dentro de mim (sabe aquela?) dizia: “Será que estou
louco? Que raio você fez da sua vida? Como foi largar um car-
go de Diretor de Marketing para isso?”
Me reuni com o Madia novamente para trocar ideias. Ele ti-
nha passado por esse início de empreendedorismo também! E,
como de costume, olhando a minha apresentação, disse uma
frase marcante: “Edu, que tal você começar do começo?”
De fato, na minha apresentação estratégica do modelo,
tinha um slide que mostrava claramente, por
meio de uma seta, o início da implementação. A
única coisa é que, quando mostrava a apresenta-
ção, todos, inclusive eu mesmo, se empolgavam A Rede Ubuntu nasceu
com a visão de um modelo educacional aberto. para focar, por meio
Mas, como demonstrava o slide, uma flecha sa- do EUpreendedorismo,
biamente mostrava o caminho! (veja Apêndice 2
no desperdício de
para o slide de modelo de negócios).
Hoje, olhando para trás, agradeço ao Univer- talentos e energia
so por não ter fechado com nenhum investidor humana deste planeta.
na época. De fato, começamos do começo, pois
ainda não estávamos prontos!
De maneira artesanal, em 2010, começamos a implementar
o nosso sonho. Individualmente, implementando a metodolo-
gia em processos de coaching, e coletivamente, quando fomos
chamados pela Natura para fazer o processo de desenvolvimen-
to de 160 aprendizes que começariam na empresa em meados
de 2010.
Gostaria de aproveitar a oportunidade de reconhecer o pa-

As Raízes do EUpreendedorismo 37
Contextualizando

pel que a Natura teve no nascimento e nos anos iniciais da


Rede Ubuntu. Como costumo dizer, a Natura não é apenas
uma empresa que inova em produtos. É uma empresa que teve
e tem um papel importante na criação de vários projetos e ini-
ciativas, e cito a Rede Ubuntu entre eles.
Foi nesse primeiro semestre de 2010 que conheci as queridas
Taly Szwarcfiter, psicóloga e educadora, que logo se tornou fa-
cilitadora da Rede Ubuntu, Marina Campos (Nina) e Monica
Malheiros (Momô), ambas da PoP – Palhaços a Serviço das Pes-
soas. Nós quatro começamos a criar juntos, colaborativamente,
de maneira muito artesanal, cada encontro, cada
A Rede Ubuntu é módulo da formação em EUpreendedorismo do
um chamado ... Programa Semear. Nosso primeiro grande proje-
Um chamado para to, e “in company”, como dizia o slide!
democratizar o Quero aqui aproveitar para ressaltar o termo
“artesanal”. Nosso propósito passa por uma apa-
autoconhecimento.
rente contradição e vale nos aprofundarmos um
pouco nessa questão fundamental relacionada a
ele, após esses anos iniciais de Rede Ubuntu, em que já aprende-
mos bastante sobre esta aparente contradição.
Primeiro, o nosso propósito passa por atingir muita gente.
Milhares, milhões, bilhões, não importa a quantidade exata. O
que importa é que o desejo é atingir muita gente.
Mas por quê, Edu? Por que não manter a Rede Ubuntu
como uma empresa butique? Por que não atender poucas pes-
soas, ou mesmo algumas centenas de pessoas, por meio de al-
guns programas educacionais ao longo do ano, como muitas
empresas bem-sucedidas fazem?

38 As Raízes do EUpreendedorismo
Contextualizando

Difícil explicar de forma racional. Mas, honestamente, des-


de que fundei a Rede Ubuntu, nunca me vi construindo algo
para poucos. Minha explicação mais profunda é que sinto tudo
isso como chamado. E, talvez, por isso, me encantei com a filo-
sofia Ubuntu desde que ouvi essa palavra pela primeira vez no
filme “Em Minha Terra”, quando ainda estava na Johnson &
Johnson.
Um chamado para democratizar o autoconhecimento. E,
quando digo democratizar, digo tornar acessível a muitos, não
só do ponto de vista financeiro, mas também como tornar
acessível a linguagem, as abordagens, para que mais e mais pes-
soas entrem em contato consigo mesmas, com seus valores e
com seus talentos, e os coloquem a serviço de si mesmas, pois,
automaticamente, os colocarão a serviço de todos (Ubuntu!).
Ao olhar profundamente para dentro de si e começar a di-
recionar sua vida de acordo com esses valores mais profundos,
o ser humano não só percebe que está absolutamente inter-
conectado (Ubuntu), como também aumenta, e muito, sua
energia e produtividade em busca de seu propósito!
Fala-se em sustentabilidade há anos. E, como temos apren-
dido a cada dia, sustentabilidade é um tema bem amplo, com
várias dimensões. Existem, por exemplo, vários desperdícios.
Desperdício de água, de terra, de comida, de fontes de energia
finitas. Todas estas questões, sem exceção, merecem atenção e
muito esforço para serem resolvidas.
A Rede Ubuntu nasceu para focar, por meio do EUpreen-
dedorismo, no desperdício de talentos e de energia humana no
planeta. Do jeito que estamos, não podemos mais ter, depen-

As Raízes do EUpreendedorismo 39
Contextualizando

dendo da estatística e fonte, 50%, 60%, 70% e até 80% das


pessoas infelizes com seu trabalho. Desperdiçando seus talentos
naquilo que elas não querem e, muitas vezes, não usando nem
um terço de seu potencial. Isso tem que acabar!
E como tudo está conectado, à medida que focamos nossas
atenções nesse processo de reflexão de propósito e de encon-
trar maneiras de empreendê-lo, nossa experiência, durante esses
anos, tem mostrado que mexemos em outras esferas da vida:
relacionamentos familiares e sociais, saúde, alegria e leveza, eco-
logia, entre outros.
Tudo bem, você deve estar se perguntando: “Entendi que a
Rede Ubuntu nasceu para atingir muita gente! Mas como fazer
isso de forma artesanal? E por que artesanal?”
Ouvi esse termo artesanal pela primeira vez das “Pops”, o
jeito carinhoso que chamamos Nina e Momô. Há alguns anos,
durante um almoço em um restaurante no bairro das Perdizes,
em São Paulo, sobre reflexões do que queríamos para o futuro,
a Nina disse: “Edu, queremos viver de maneira artesanal! Que-
remos viver fazendo projetos legais, com pessoas legais, como
esse que estamos fazendo com vocês para os jovens aprendizes
da Natura, mais alguns outros projetos. E é isso!”
Confesso que, na hora, me deu uma “raivinha”. Pensei:
“Como assim, elas não querem crescer conosco?” Os dias, os
meses se passaram e fiquei com aquilo dentro de mim. Acho
que anos depois entendi a sabedoria daquele comentário.
Aliás, eu também concordo com elas. Também quero uma
vida artesanal para mim. Foi por essa razão que fiz todas as
mudanças em minha vida. Como sempre diz a Nina e assino

40 As Raízes do EUpreendedorismo
Contextualizando

embaixo: quero fazer projetos legais com pessoas legais e, ainda,


ganhar para isso! É isso que quero. É isso que queremos!
Mas como manter essa abordagem artesanal e atingir milha-
res e milhões de pessoas ao mesmo tempo? Fui treinado, desde
Henry Ford, que se quisermos atingir a massa, é preciso colocar
o “trem” em uma linha de produção, produzir em série e... feito!
Milhões atingidos.
Sim, aprendi bastante sobre isso na faculdade de Administra-
ção e nas empresas em que trabalhei. Um modelo que funcio-
nou e funciona em muitos casos. Mas não funciona na essência
do que fazemos!
Se colocarmos nossos programas em série, em massa, perde-
remos nossa alma. Perderemos esse espírito artesanal, customi-
zado, que caracteriza nossos programas. Perderemos a conexão
com as pessoas, já que estaremos mais focados nos processos, sis-
temas e controles para garantir que nada saia errado. E, honesta-
mente, mesmo com todos esses processos, sistemas e controles,
não existe garantia nenhuma de que os resultados saiam como
esperados. Acho que não preciso dar exemplos, não é mesmo?
Em um modelo em escala, como aprendemos no último sé-
culo, está implícita a perda da diversidade e da customização. E,
na maioria dos casos, a perda de qualidade, principalmente no
mundo da educação.
Mas os tempos mudaram, certo? Com o avanço da tecnolo-
gia, da internet, das redes sociais, da globalização, da inteligên-
cia coletiva e de gerações de jovens com um “chip” diferente,
vivemos uma nova era. É preciso novos modelos para resolver
equações até então consideradas impossíveis.

As Raízes do EUpreendedorismo 41
Contextualizando

Tipos de Rede

Centralizada Descentralizada Distribuída

Diagrama de Paul Baran

Então, que modelo? Esse foi o conflito que vivemos entre


os anos de 2012 e 2013. Como crescer sem perder nossa alma?
O modelo que torna isso possível está em nosso nome: rede!
Um modelo que, em sua essência, não tem nada de novo. Ali-
ás, ele é bem antigo. Um modelo que está presente por toda a
parte, basta nos inspirarmos na natureza.
A natureza é uma das nossas maiores escolas. Escala e custo-
mização lado a lado, ao mesmo tempo. Ecossistemas incríveis,
gigantes, com uma diversidade impressionante. A resposta: re-
des!
Em 2013, tivemos uma conversa muito importante para o
futuro da Rede Ubuntu. Encontramos Oswaldo Oliveira, uma
pessoa muito especial que há anos trabalhava com redes e em
redes e que serviu de grande inspiração para nós.

42 As Raízes do EUpreendedorismo
Contextualizando

Uma rede, toda conectada e aberta que, dependendo do


momento, do projeto, do desafio, se organiza organicamente,
da melhor maneira, para atender àquele desafio. É uma pos-
sibilidade de modelo moderno que responde à aparente con-
tradição entre o desafio de manter o espírito artesanal e, ao
mesmo tem-
Em alguns momentos centralizada, em outros descentrali-
zada e em outros distribuída! Este livro é uma iniciativa, entre
muitas que estamos fazendo, para construir essa rede. Segundo
o próprio Oswaldo, para construirmos a rede, são necessários
3 fatores:
• Abertura: permitindo a livre interação dos indivíduos
nesse ecossistema.
• Cultura: princípios claros, expressos em comportamen-
tos, símbolos e signos, e rituais, sistemas e processos.
• Espaços: tanto físicos quanto virtuais, nos quais as inte-
rações podem ser estabelecidas.
Por falar em cultura, em Princípios, vamos a eles?
Antes de mergulharmos nesse assunto, vale ressaltar dois
pontos importantes.
Primeiro, falarei deles de forma separada, mas eles são abso-
lutamente conectados uns aos outros. Um ajuda o outro. Acre-
ditar auxilia a se abrir. Abrir ajuda a incluir e assim por diante.
Mas, com o objetivo de simplificar a descrição dos Princípios,
tratarei deles separadamente. À medida que for descrevendo
tais Princípios, mencionarei algumas das conexões.
Segundo, por trás deste livro, existem inúmeras inspirações
teóricas. Como um dos nossos Princípios diz respeito à aber-

As Raízes do EUpreendedorismo 43
Contextualizando

tura, costumamos dizer que a Rede Ubuntu de EUpreendedo-


rismo não é presa a nenhuma linha teórica. Transitamos por
diferentes teorias no mundo, colhendo o melhor delas (incluir)
em prol do EUpreendedorismo.
Nessa caminhada, algumas abordagens teóricas serviram de
inspiração até o momento e, antes de explorarmos nossos Prin-
cípios, citaremos as principais. É necessário destacar que, no
futuro, poderemos nos referenciar a outras teorias e, inclusive,
abandonar algumas que nos trouxeram até aqui.
E por que é importante você conhecer, pelo menos de leve,
um pouco das teorias que estão por trás deste livro? Assim,
você compreenderá melhor como a descrição dos Princípios
foi estruturada.
Uma das nossas principais inspirações até aqui foi a Teo-
ria Integral. Descreverei os Princípios do EUpreendedorismo
por meio do seguinte modelo:

44 As Raízes do EUpreendedorismo
Contextualizando

Para cada um dos Princípios - Abrir, Incluir, Colaborar, Or-


nar e Acreditar -, procurarei mostrar o olhar que está por trás,
isto é, quais crenças, valores e perspectivas ajudam a concei-
tuá-lo.
Como enxergamos o mundo define muito como agimos
no mundo. Sendo assim, em seguida explorarei exemplos de
comportamentos sintonizados com tais Princípios e, por fim,
como cada um deles é expresso concretamente por estruturas,
processos e indicadores de mensuração.
Esta estrutura denota a grande influência integral que existe
neste livro, pois, ao descrever cada uma de nossas raízes, pro-
curarei da maneira mais integral possível, explorar as diferentes
perspectivas (quadrantes), como cada um dos Princípios se re-
laciona com os níveis de consciência e, por fim, nosso desen-
volvimento integral (emoções, corpo físico, mental, espiritual,
etc.), em cada um desses Princípios.
Convido aqui a querida Renata Fonseca, que entrou em
contato com o EUpreendedorismo em 2010, a explicar um
pouco mais dessas linhas teóricas que permeiam este livro.
Aliás, durante esses anos, a Renata foi sempre uma entusiasta
a estudar diferentes temas para fundamentar o que estávamos
praticando em nossos programas e, por isso, orna que ela expli-
que justamente quais teorias são essas... Assim, você entenderá
um pouco mais sobre a Teoria Integral e seus quadrantes e
níveis de consciência, até porque faremos algumas menções a
estes e outros conceitos nos capítulos.

As Raízes do EUpreendedorismo 45
Contextualizando

Inspirações teóricas que permeiam este livro


Por Renata Fonseca

Obrigada, Edu, por me convidar para fazer parte deste livro tão
especial, que fala sobre tudo o que eu acredito. Eu conheci o Edu
em 2008 na Johnson & Johnson, ele trabalhava em Marketing e eu,
em Recursos Humanos. Em 2009, eu deixei minha carreira executi-
va e iniciei minha trajetória como coach e facilitadora e, em 2010,
reencontrei o Edu, já na Rede Ubuntu. Come-
çamos a desenvolver diversos projetos juntos
desde então, o que tem sido uma contribuição
enorme para o meu próprio desenvolvimento.
Como o Edu falou, eu adoro estudar e co-
nhecer novas abordagens sobre desenvolvimen-
to humano, psicologia, educação e tudo que se
relaciona a isso. Sou uma completa apaixonada
pelas relações humanas, seus mistérios e desa-
Começamos a
desenvolver diversos fios.
Espero que a breve abordagem sobre essas te-
projetos juntos
orias possa ajudar a todos vocês.
desde então, o
que tem sido uma
Abordagem Integral
contribuição enorme
para o meu próprio
Toda teoria, por definição, é incompleta. Por
desenvolvimento.
melhor que seja, ela é simplesmente uma leitu-
ra de parte da realidade. Na Rede Ubuntu de
EUpreendedorismo, transitamos por diferentes
teorias para ampliarmos cada vez mais as nossas

46 As Raízes do EUpreendedorismo
Contextualizando

perspectivas sobre nós mesmos e sobre o mundo no qual


estamos inseridos.
Dito isso, considero a Teoria Integral, desenvolvida por
Ken Wilber, um mapa, um grande framework que, como o
próprio nome diz, integra inúmeras perspectivas, teorias e
abordagens desenvolvidas por diversos autores pelo mundo.
Como o próprio Ken Wilber cita, ele não criou nada, mas
integrou em sua abordagem vários conhecimentos espalha-
dos pelo mundo, relacionados ao ser humano.
Não nos aprofundaremos na Teoria Integral neste livro.
Caso tenha interesse em conhecer mais, existem inúmeros
livros disponíveis para seu deleite. Para dar os primeiros pas-
sos, recomendamos “A Visão Integral”5.
Nos parágrafos abaixo, damos uma leve “pincelada” em
partes da Abordagem Integral, principalmente nas partes
que citamos e, inclusive, usamos para construir este livro.
A Abordagem Integral contempla 5 elementos: quadran-
tes, níveis de consciência, linhas de desenvolvimento, esta-
dos de consciência e tipos. Esses 5 elementos formam um
mapa integral ou um mapa abrangente sobre o ser humano.

Quadrantes

Segundo Ken Wilber, é possível olhar para cada situação


ou experiência que vivemos sob quatro perspectivas. Essas
quatro perspectivas são representadas pelos quatro quadran-
tes da Abordagem Integral.

5 A Visão Integral, Ken Wilber, São Paulo, Cultrix, 2008.

As Raízes do EUpreendedorismo 47
Contextualizando

A história da construção dos quadrantes nos conta que


Ken Wilber, ao ler inúmeros livros, percebeu que muitos
autores exploravam o interior dos seres humanos [valores,
crenças e sentimentos], enquanto outros focavam no exte-
rior [comportamentos, ações e na relação do ser humano
com o ambiente externo].
Também percebeu que alguns autores exploravam mais o
indivíduo, enquanto outros exploravam o ser humano como
um ser social e suas relações com outros seres humanos.
Por meio do cruzamento dessas diferentes perspectivas,
surgiram os quadrantes da Abordagem Integral. O primeiro
deles diz respeito ao interior do indivíduo. Dentro de você

48 As Raízes do EUpreendedorismo
Contextualizando

existem valores, crenças, seu propósito e sentimentos. Só


você tem acesso a isso. Aliás, nem você tem acesso a tudo
que há aí dentro, pois uma parte é inconsciente.
Você manifesta seus valores e crenças no mundo por meio
dos seus comportamentos, suas ações e atitudes. Isso tem a
ver com o quadrante superior direito. Um quadrante que
representa seu corpo físico, seu lado tangível.
Já os quadrantes inferiores dizem respeito ao coletivo, ou
nós! O lado inferior esquerdo apresenta a cultura de um gru-
po, seus valores e princípios e suas relações implícitas.
O grupo expressa tal cultura e tais relações por meio de
sistemas, ambientes, estruturas e processos. Aqui estamos li-
dando com o quadrante inferior direito.

Níveis de Consciência

São níveis permanentes que demonstram conquistas efe-


tivas em nosso crescimento e evolução. É como quando uma
criança consegue andar e, uma vez conquistada essa habi-
lidade, ela não desaprende nunca mais. Claro que, a qual-
quer momento, ela pode escolher voltar atrás e engatinhar,
ou mesmo rastejar, mas sempre que quiser, poderá caminhar
novamente!
Os níveis de consciência da Abordagem Integral têm
como origem os estudos realizados por Don Beck e Clare
Graves, criadores da Dinâmica da Espiral6.

6 Dinâmica da Espiral, Don Beck

As Raízes do EUpreendedorismo 49
Contextualizando

Autossobrevivência
Poder do
Indivíduo Fluxo Integrado
Autoempreendedorismo

União Ordem Igualitária


Ordem Absoluta
Rede Holística

A tabela abaixo mostra um ótimo resumo dos níveis de


consciência. Em vários momentos desse livro nos referencia-
remos a esses níveis como, por exemplo, explorando como
os Princípios do Abrir e do Incluir ocorrem nos diferentes
níveis de consciência.
Estágio Nível de Pensamento Qualidades Desvios Fraquezas
(onda) Consciência

Meta: sobrevivência Desconexão, fragilidade


1 Bege Instintivo Força, instinto de orgânica.
sobrevivência

Meta: segurança Dependência da família/grupo ou forças


2 Púrpura Animista Conexão com antepassados, com espirituais, medos e superstição.
grupos/tribos/gangues e natureza

Meta: poder/marca pessoal Impõe vontade pela força, frieza,


3 Vermelho Egocêntrico Coragem, determinação, força inconsequência, impulsividade, crueldade,
para vencer obstáculos, energia depredação.

Meta: busca de propósito e ordem Conformismo, única escolha, fanatismo,


4 Azul Absolutista Ética, organização, estabilidade, julgamento excessivo. Culpa permanente,
responsabilidade, disciplina moral hierarquia rígida e repressora, fé cega.

Meta: resultado, reconhecimento Arrogância, ganância, frieza, materialismo,


5 Laranja Estratégico Progresso, múltiplas escolhas, status, individualismo, só aceita a ciência.
busca liberdade, autonomia

Meta: inclusão e consenso Necessidade exacerbada de aceitação.


6 Verde Consensual
Pluralista
Igualdade, sentimentos, acolhimento. Rigidez. Dificuldade de lidar com problemas
compaixão. comunid. apoio aos excluídos e paradoxos. Não finaliza.

Meta: integração sistêmica saudável Ainda que reconheça as diversidades, é


7 Amarelo Ecológico Autossuficiência, visão sistêmica, impaciente com a limitação dos grupos
gera fluxo, lida bem com paradoxos e pessoas. Caminhará de forma autônoma.

A visão e desenvolvimento grupal. Poderá


8 Turquesa Holístico
Meta: integração comunitária global
Visão global e cósmica gerar perda de foco nos indivíduos
diferenciados, que poderão se afastar.

50 As Raízes do EUpreendedorismo
Contextualizando

Linhas de Desenvolvimento

Acredito que, atualmente, a maior ênfase de desenvolvi-


mento que se dá em nosso sistema educacional é o desenvol-
vimento cognitivo, mental. Isto ocorre porque a inteligência
está, de forma equivocada, diretamente relacionada ao desen-
volvimento cognitivo. Na realidade,
porém, ser inteligente significa ter
a capacidade de resolver problemas
e, para resolver problemas cada vez
mais complexos, é fundamental a
utilização das diferentes linhas de
desenvolvimento ou de uma inteli-
gência múltipla.
Ao descobrir as linhas de desen-
volvimento da Teoria Integral, fui
exposta à importância de nos de-
senvolvermos além do mental.
Nós, seres humanos, devemos
buscar o desenvolvimento em vá-
rias dimensões: mental, emocional,
física, espiritual e tantas outras que,
muitas vezes, por darmos preferên-
cia ao mental, acabamos deixando
em segundo plano.
Ao lado, uma linda representa-
ção de algumas linhas de desenvol-
vimento da Teoria Integral.

As Raízes do EUpreendedorismo 51
Contextualizando

Repare que essas linhas de desenvolvimento têm um paralelo


grande com as cores dos níveis de consciência, pois cada uma delas
pode estar em níveis muito diferentes de desenvolvimento.

Estados de consciência

Os três principais estados de consciência são: de vigília,


de sonho e de sono profundo.
Segundo as grandes tradições de sabedoria, esses estados
de consciência contêm um enorme tesouro de sabedoria e
despertar espiritual e, quanto mais conseguirmos usufruir
desse tesouro, mais conseguiremos conhecer nossas motiva-
ções, nossos talentos, ter inspirações diversas e experiências
de pico. Imagine poder acessar essa fonte sempre que nos
deparamos com situações difíceis ou problemas a serem re-
solvidos!
Por isso, quando se fala em desenvolvimento das dife-
rentes linhas ou da nossa inteligência múltipla, saber tirar
proveito dos diferentes estágios de consciência se torna uma
alavanca poderosa.

Tipos

Outra parte importante desse grande mapa são os tipos,


como o tipo masculino e o tipo feminino. Todos nós sabemos
o quanto homens e mulheres são diferentes na sua forma de
interagir com o mundo, cada um com uma lógica específica.
Homem e mulher constroem a sua jornada pelos níveis de

52 As Raízes do EUpreendedorismo
Contextualizando

consciência e pela vida num tom de voz diferente.


O tom do homem tende a ser mais racional, buscando
mais autonomia, justiça e direitos. O tom de voz feminino
se expressa principalmente pelas relações, consideração pelos
outros e pela responsabilidade.
Outra diferença se dá nos afazeres. Enquanto o homem
tende a fazer uma coisa de cada vez, é comum a mulher fazer
várias coisas ao mesmo tempo.
Neste sentido, a Teoria Integral nos diz que é preciso que
a gente entenda, considere e inclua ambos os tipos para con-
seguirmos ser o mais abrangente e inclusivo possível. Isso nos
ajudará a nos entendermos e nos comunicarmos melhor com
os outros.

Drive

Outro grande suporte teórico para o EUpreendedorismo


é o livro Motivação 3.0, de Daniel Pink, que descreve os três
pilares que motivam e mobilizam as pessoas nestes novos
tempos: propósito, autonomia e excelência.
Por meio de estudos científicos, Daniel Pink descreve
como a motivação vem mudando ao longo dos ciclos da hu-
manidade. O que nos motivava na era industrial é diferente
do que nos motiva hoje.
Propósito: a busca por atividades com significado.
Autonomia: nosso desejo de fazer a diferença, de ver que
somos capazes de deixar a nossa marca naquilo que estamos
fazendo.

As Raízes do EUpreendedorismo 53
Contextualizando

Excelência ou Desenvolvimento: a nossa vontade de


aprender, de nos desenvolver, de crescer.

Autonomia
Propósito

Excelência
Antroposofia

O termo Antroposofia significa “sabedoria do homem”. A


Antroposofia não é uma religião, é uma ciência espiritual e
uma escola de pensamento, fundada e estruturada por Rudolf
Steiner, que viveu de 1861 a 1925, na Áustria, Alemanha e
Suíça.
Esta escola de pensamento é composta por diferentes ele-
mentos e, da mesma forma que na Abordagem Integral, es-
tes elementos não são exclusivos a ela, mas são organizados e
apresentados numa forma bastante original. Uma das maneiras
de apresentar o homem à luz da Antroposofia é relacioná-lo
com a natureza ao seu redor. Nesta abordagem, o homem é

54 As Raízes do EUpreendedorismo
Contextualizando

visto como um ser que compartilha semelhanças com os rei-


nos mineral, vegetal e animal, mas que também se distingue
deles pela presença da sua autoconsciência. A Antroposofia
trata também da aplicação desse conhecimento em pratica-
mente todas as áreas da vida humana, como na medicina e
farmacologia, agricultura, pedagogia, psicologia, sociologia,
economia...
Um dos aspectos fundamentais da Antroposofia é a aten-
ção e o foco dado para o “oculto”. De acordo
com essa escola de pensamento, o oculto é
algo que não está acessível aos nossos senti-
dos físicos, considerando nossos 5 sentidos.
Ou seja, pelos nossos 5 sentidos não é possível
observar e nem mesmo acessar a nossa volição
[ato pelo qual a vontade se determina a algu-
ma coisa], nossos sentimentos e pensamentos.
“Se queres conhecer a ti mesmo, olha para
o mundo. Se queres conhecer o mundo, olha
para o teu próprio interior”, Rudolf Steiner.
Neste livro, vamos abordar três elementos da Antroposo-
fia que sustentam muitos de nossos trabalhos.
O primeiro deles é a visão espiritual oferecida pela An-
troposofia.
“O espírito dorme na pedra, sonha no vegetal, agita-se no
animal e acorda no ser humano”, Upanihad.
Podemos dizer que o homem guarda em si todos esses
reinos, sendo portador de quatro estruturas essenciais, de
quatro elementos constituintes.

As Raízes do EUpreendedorismo 55
Contextualizando

Nível 1 – o corpo físico [mineral]


Por corpo físico entende-se o nosso cadáver, que é isento de
vida e de reações. As características do corpo físico são: ter
forma, ter consistência e obedecer à lei da gravidade. É uma
estrutura totalmente inerte e morta quando não permeada
pelo segundo nível (corpo etérico).

Nível 2 – o corpo vital ou etérico [vegetal]


São as forças responsáveis por todo o princípio da vida, seja
nos vegetais, animais ou seres humanos. O corpo vital nos
dá a possibilidade de desenvolvermos vida vegetativa: cresci-
mento, regeneração e reprodução. Este corpo mantém a vida
e atua contra a morte, sem nenhuma consciência.

Nível 3 – o corpo astral ou nossa alma [animal]


O animal caracteriza-se por ser animado, ter movimento;
obedece aos seus instintos e vive em função de buscar ali-
mento e de procriar. O corpo astral tem um papel de “orga-
nizador” dos processos vitais e, de maneira didática, pode-
mos dizer que ele se manifesta como sistema nervoso e vida
psíquica.

Nível 4 – O Eu, o componente espiritual do ser humano


É o elemento característico do ser humano, que o distin-
gue dos demais reinos e seres da natureza. É o responsável
pela atuação saudável dos demais corpos e o aparecimento
do andar ereto, da fala e do pensar. Cada indivíduo é um

56 As Raízes do EUpreendedorismo
Contextualizando

ser espiritual único. Não existem, nunca existiram e nunca


existirão duas individualidades idênticas no planeta. Cada
ser humano se expressa no mundo, ao longo de sua vida, por
meio de sua biografia, da qual é dono exclusivo.
Perceba que, enquanto os animais já nascem pratica-
mente prontos para viver, com suas habilidades instintivas, o
ser humano nasce indefeso, dependente, e precisa aprender
tudo para sobreviver. Em compensação, evo-
lui e aprende até o último dia de sua vida.
O nosso propósito de vida e valores, Enquanto os
como solidariedade, moral, ética, abnegação e animais já nascem
altruísmo, emanam da esfera do eu e se con- praticamente prontos
frontam com as cobiças que provêm de nos-
para viver, com suas
sos instintos e necessidades fisiológicas. Po-
demos concluir, então, que a alma humana é habilidades instintivas.
o palco das confrontações entre os impulsos o ser humano nasce
espirituais e necessidades fisiológicas. Quanto indefeso.
mais buscarmos o nosso autodesenvolvimen-
to, mais seremos capazes de evoluir e, a par-
tir daí, conseguiremos seguir mais os impulsos espirituais,
dominando a cobiça e os instintos e determinando a nossa
conduta, conforme nossos valores e nossa autoconsciência.
O segundo elemento que gostaríamos de explorar é a
Trimembração, que fala sobre as energias do pensar, do sen-
tir e do querer. Estas são as três formas de expressão da alma.
A energia do pensar está localizada no sistema neu-
rossensorial, na parte mais fria do corpo humano, o cérebro.
A energia do querer está localizada no sistema me-

As Raízes do EUpreendedorismo 57
Contextualizando

tabólico-locomotor. Nós colocamos o pensar em ação por


meio dos músculos, mãos, pernas, ou seja, dos movimentos.
A energia do sentir está localizada no sistema rítmico
do ser humano, composto por pulmões, coração e sistema
circulatório. O sentir (coração) estabelece a ponte entre o
pensar (a cabeça) e o querer (os membros), ou seja, o sentir
é a energia que interliga o querer e o pensar.
Cada um de nós utiliza mais uma energia do que
outra no seu dia a dia. Por exemplo, têm pessoas que são
mais de elaborar ideias e planejar. Estas utilizam mais a ener-
gia do pensar. Aquelas que preferem atividades relacionadas
ao fazer, ao colocar a mão na massa, apresentam a energia
do querer como predominante. E, finalmente, os indivíduos
que se sentem mais confortáveis em realizar atividades que
envolvam relacionamento interpessoal, sentimentos e emo-
ções são os da energia do sentir.
É importante ressaltar que, em nosso processo de
autodesenvolvimento, é preciso estarmos bastante atentos a
como estamos utilizando cada uma dessas energias e buscar-
mos o equilíbrio entre elas.
E, para finalizar, o terceiro elemento que gostaríamos
de apresentar é a análise da biografia humana ou as fases da
vida.
A análise e o entendimento sobre a nossa própria
biografia é um dos instrumentos mais poderosos para o nos-
so autoconhecimento e consequentemente para o nosso de-
senvolvimento. Vamos apresentar aqui uma visão resumida
sobre esse conceito.

58 As Raízes do EUpreendedorismo
Contextualizando

Da mesma forma que a natureza é composta por ciclos –


noite e dia e as quatro estações do ano, por exemplo -, se ob-
servarmos o ser humano em seu processo de desenvolvimento,
veremos que este também se dá em ciclos. Estes ciclos aconte-
cem de sete em sete anos (setênios) e são marcados por acon-
tecimentos significativos no campo biológico ou psicológico.
As três grandes fases da nossa vida são:

0 a 21 anos: Fase do amadurecimento biológico (corpo)


21 a 42 anos: Fase do amadurecimento psicológico (alma)
Acima de 42 anos: Fase do amadurecimento espiritual (es-
pírito)

Do nascimento aos sete anos de idade, vemos profundas


transformações relacionadas com o crescimento e desenvol-
vimento neuropsicomotor. O bebê transforma-se em uma
criança com pensar lógico, com sentimentos, vontade própria
e muita agilidade. A troca dos dentes e o início da alfabetiza-
ção, em torno dos sete anos, marcam essa mudança de ciclo.
Aos 14 anos, a maioria dos jovens atingiu a puberdade,
marcando um amadurecimento biológico e, aos 21 anos, ge-
ralmente buscam a sua independência da família, já tendo al-
cançado a maioridade jurídica. E, assim, a alma humana vai
se transformando junto com o seu corpo físico-biológico, à
medida que o Eu, a individualidade, vai se aprofundando em
seu caminho pela Terra. Mas, num olhar abrangente sobre o
ciclo de vida humana, vemos um início de vida com muita
vitalidade física e pouca consciência. Depois, um período com

As Raízes do EUpreendedorismo 59
Contextualizando

mais desenvolvimento emocional e o “apropriar-se do mun-


do”, seguido geralmente por uma fase de maturidade, sabe-
doria e desenvolvimento de consciência social, mas com baixa
vitalidade. No fim da vida há um “desprender-se do mundo”.
Segundo a Antroposofia, o Eu humano tem uma trajetória
encarnatória, descendendo dos mundos espirituais de onde
se origina, do nascimento à metade da vida (por volta dos 42
anos), quando esse processo chega ao fim. Logo após começa
a sua trajetória de volta aos mundos espirituais, caracterizan-
do uma jornada excarnatória, um processo ascendente. Entre
esses acontecimentos, o Eu humano desenvolve uma história
individual, única: a sua biografia.
O olhar cuidadoso e atento para a nossa biografia nos diz
muito sobre nós mesmos, é possível identificar padrões de
comportamentos, crenças, talentos, valores, missão de vida
e muito mais.

60 As Raízes do EUpreendedorismo
As Raízes do EUpreendedorismo 61
62 As Raízes do EUpreendedorismo
Abrir

Capítulo 2:
Abrir
Preâmbulo

“Por que não?”

Esta é uma frase muito citada no filme “Compramos um Zo-


ológico”7 e, desde que o assisti, ela virou um mantra para mim!
Estou convicto, nesses mais de seis anos de EUpreendedoris-
mo, que abertura é um pilar fundamental nos dias de hoje. Em
um mundo cada vez mais complexo, que exige cada vez mais
respostas e ações criativas, o nível de abertura de um indivíduo,
de um grupo de pessoas, ou mesmo de um ambiente, é deter-
minante para navegar na construção diária desse novo mundo.
Dedicarei esta parte do livro para mergulharmos no Princípio
do Abrir e explorarmos as diferentes dimensões e sutilezas dele.
Inspirados na Abordagem Integral, já citada no capítulo
anterior, podemos analisar a abertura em relação aos níveis de
consciência, às linhas de desenvolvimento e também aos qua-
drantes.
Uma imagem que adoro de abertura, que expressa nossa
evolução em termos de níveis de consciência, tem a ver com a
passagem do nível egocêntrico para o etnocêntrico, para o glo-
bocêntrico e, finalmente, para o cosmocêntrico.

7 Filme de 2011, dirigido por Cameron Crowe e estrelado por Matt Damon.

As Raízes do EUpreendedorismo 63
Abrir

Por exemplo, no nível egocêntrico, um indivíduo é capaz


de perceber e levar em consideração, em seu dia a dia, ape-
nas a si próprio. Todas as reflexões, decisões, sensações, ações,
comportamentos estão voltados única e exclusivamente para
o benefício próprio.
Importante: se surgir um pensamento como este: “Nossa, como
conheço gente que pensa assim! Que absurdo! Por isso, o mundo se
encontra desse jeito!”, procure acolher esse julgamento e não seja
tomado por ele. Lembre-se de que todos nós já atuamos nesse está-
gio e, aliás, certamente atuaremos no futuro, já que em certos mo-
mentos é muito saudável vivenciar esse estágio em sua plenitude.
Já no nível etnocêntrico, expandimos nossa consciência e
passamos a enxergar, a incluir o outro. Passamos a reconhecer
que somos parte de um grupo de pessoas, como a família, a
empresa ou o País. Enxergamos, sentimos, decidimos e agi-
mos considerando o que é melhor para o nosso grupo.
Poderia dizer que muitos ainda se encontram nesse nível de
consciência. Basta levar em consideração as reuniões globais
para discutir assuntos climáticos e ver o festival de discussões
voltadas única e exclusivamente aos interesses de um país ou
mesmo de determinado segmento da população mundial.
Ou mesmo as discussões dentro de muitas organizações,
onde decisões são tomadas para um vencer e outro ser der-
rotado, eliminado do mercado. Ou, finalmente, nas últimas
eleições no Brasil, em que embates foram incitados por mui-
tos líderes políticos: ricos vs. pobres, norte vs. sul, brancos vs.
negros.
Continuando nossa evolução nos níveis de consciência, passa-

64 As Raízes do EUpreendedorismo
Abrir

mos para o próximo nível, que é o globocêntrico ou mundocêntri-


co. Neste nível, enxergamos, levamos em consideração, sentimos,
decidimos, agimos e medimos nosso caminhar a partir do todo,
a partir do planeta. Somos capazes de considerar todos os seres da
Terra, humanos, animais, plantas, meio ambiente.
Neste nível, já existe a consciência de que estamos todos inter-
conectados, interdependentes, e que nossas decisões, ações e men-
surações levam em conta, rotineiramente, todas as pessoas.
E o último nível, pelo menos o que conseguimos enxergar até
agora, é o cosmocêntrico. É a consciência de que, na verdade, faze-
mos parte de algo bem maior. Integralmente, conseguimos viven-
ciar que somos parte de um universo maior e o que enxergamos
é apenas uma pequena fração da realidade. Aqui e agora percebe-
mos múltiplas dimensões presentes.

Egocêntrico Etnocêntrico

Globocêntrico Cosmocêntrico
As Raízes do EUpreendedorismo 65
Abrir

Perceba o nível de complexidade aumentando significa-


tivamente, pelo menos cognitivamente. Nossa evolução nos
níveis de consciência não ocorre de maneira tão linear e, de
uma hora para outra, damos o salto. Ela ocorre também pelas
linhas de desenvolvimento.
Quando falo de linhas de desenvolvimento, me refiro ao
mental (cognitivo), emocional, físico, espiritual, etc. É como
se cada linha de desenvolvimento fosse também evoluindo
nos diferentes níveis de consciência.
O que isso quer dizer na prática? Vou dar o meu exem-
plo. Posso até mentalmente compreender que existe um ní-
vel globocêntrico, mas emocionalmente ainda não cheguei lá.
Muitas vezes ainda não me sinto totalmente interconectado e
interdependente. Ou mesmo a minha alimentação, afetando
diretamente meu corpo físico, ainda não está nessa sintonia.
E assim por diante.
Compreender e internalizar os níveis de consciência, as
linhas de desenvolvimento, as diferentes perspectivas dos
quadrantes, e suas inter-relações, é para mim um processo de
abertura e ampliação de consciência.
E é justamente por essa razão que falarei nas páginas a se-
guir do Princípio do Abrir, usando com base a Teoria Inte-
gral. Falarei da abertura em relação aos olhares, ou melhor,
em relação às diferentes perspectivas do mundo. Mencionarei
exemplos da minha história e de minha formação para mos-
trar como o meu olhar é influenciado por tais experiências.
Finalmente, descreverei como a abertura é expressa no am-
biente, estruturas e rituais que vivemos inspirados na Rede
Ubuntu de EUpreendedorismo.

66 As Raízes do EUpreendedorismo
Abrir

Honrando as origens

Fui uma criança mais fechada, bem tímida, morrendo de


vergonha de que os outros rissem de mim. Aliás, uma marca
registrada minha, quando bem pequeno, era uma frase que
dizia para todo mundo: “Não risa de mim!”
Morria de medo das pessoas rirem de mim. E, quando
acontecia, ficava muito bravo. E o mais engraçado de tudo
isso, olhando para trás, era que o meu corpo físico tinha certas
características que não ajudavam muito. Ou, pelo menos na
época, meu olhar era esse.
Era, ou melhor, sou branco como leite e, como meus pais
tinham casa na praia, isso me fazia constantemente mostrar
meu “bronzeado” por aí. Além disso, tenho uma pinta na
bunda, então, me trocar no vestiário masculino era um tor-
mento, ou melhor, filme de terror! A galera vivia tirando com
a minha cara.
Acha que parou por aí? Tinha também orelhas de abano.
No Colégio Visconde de Porto Seguro, em São Paulo, onde
havia uma grande pista de atletismo, uma piada comum era
que se batesse um vento muito forte, enquanto estivesse cor-
rendo, havia o risco de eu decolar e sair voando.
Você deve estar se perguntando por que um cara que se
fechou tanto vem falar de abertura? Justamente por essas expe-
riências de infância e adolescência e por toda a minha jornada
até aqui, o processo de me abrir foi, é e será fundamental na
minha trajetória. Estou na mesma jornada de evolução que
todos nós estamos.

As Raízes do EUpreendedorismo 67
Abrir

As perguntas que ficam: O que me fez abrir? E como me


abri?

Perspectivas sobre o mundo de dentro

Conheci Joana Madia, ou Jojo, em 2000, que veio a se


tornar minha esposa menos de um ano depois. Vários aspec-
tos me fizeram me apaixonar por essa maravilhosa mulher,
mas um dos principais era, ou melhor, é a sua abertura. Por
suas experiências de vida, Jojo desenvolveu uma capacidade
e uma propensão incrível para o autoconhecimento e para a
espiritualidade.
Tive, nos anos em que fomos casados, um farol, um sol
para iluminar as respostas que muitas vezes tive preguiça de
buscar. Jojo, toda vez que se depara com um obstáculo, algum
questionamento, procura incansavelmente as respostas.
A partir da convivência com ela, fui me abrindo tanto para
a minha espiritualidade quanto para diferentes formas de me
enxergar. No meu caso, ela não podia buscar as respostas, mas
podia me influenciar a buscá-las e fez isso com maestria.
Toda vez que conto minha história, relato que durante mi-
nha fase na Johnson & Johnson, época em que estava com um
grande questionamento do que queria fazer da minha vida, fiz
de coaching a astrologia, de tudo um pouco.
Grande parte do incentivo, ou mesmo da indicação de di-
ferentes terapias, veio da Jojo. Terapias tradicionais, terapias
holísticas, fiz bastante coisa. Todas foram fundamentais no
meu processo de me abrir para diferentes ângulos sobre mim

68 As Raízes do EUpreendedorismo
Abrir

mesmo.
Abrir-me para aspectos que queria ver e aspectos que que-
ria esquecer, que doíam, mas que, no final das contas, não dá
para esquecer, não é mesmo? Este tem sido um aprendizado
enorme: se deixamos para lá certos pontos da nossa vida, mais
dia, menos dia, o tema volta. Então, por que não encarar logo,
já que muitas vezes são esses os aspectos que nos impedem de
seguir evoluindo, crescendo?
Vale aqui ressaltar um aspecto fundamental do EUpreen-
dedorismo: o respeito ao tempo de cada um. Assim como na
natureza, cada organismo vivo deste planeta tem o seu tempo.
Alguns crescem mais rápido, outros mais devagar. Alguns du-
ram mais, outros se vão rapidamente. Não é melhor nem pior,
é o que é.
Na jornada de se abrir e começar a se olhar é preciso dar
passos pequenos (baby steps) nessa direção. Começar pelos de-
safios mais simples, mais fáceis, e ir ganhando tração em seu
desenvolvimento.
Este, em geral, é um dos maiores problemas de processos
de desenvolvimento humano. Quando a experiência, a dinâ-
mica proposta, é um passo ainda muito grande para as pes-
soas, acaba afugentando muitos dos processos de autoconhe-
cimento, por ser uma dose muito maior do que a necessária
para aquele momento.
Abrir as perspectivas sobre você mesmo, muitas vezes, dói.
Pode doer, mas não precisa machucar, como diria o querido
Sensei de Aikido, José Bueno. Você pode ficar triste, angustia-
do, mas não precisa sofrer, pois o mais importante no processo

As Raízes do EUpreendedorismo 69
Abrir

do EUpreendedorismo é o caminhar... Se fizer qualquer coisa


que vá fazer você parar, melhor não!
Claro que o respeito ao tempo de cada um não significa
não fazer nada por comodismo. É caminhar, na velocidade
que escolher, com algumas pausas de descanso no meio do
caminho.
Essa reflexão me traz uma imagem muito fundamental e
elucidativa do papel dos programas de aprendizagem inspira-
dos na Rede Ubuntu de EUpreendedorismo. Todos nós temos
uma zona de acomodação, não é mesmo?
Zona de acomodação, muitas vezes chamada de zona de
conforto, não significa que você está feliz. Significa apenas que
é mais cômodo estar ali. Por exemplo, você pode estar em
um relacionamento amoroso péssimo, em que ambos estão
infelizes e sabem que aquele relacionamento não vai levar a
lugar algum. Mas ninguém se mexe. Por quê? É mais cômodo.
Ou melhor, é no mínimo mais previsível. Até porque existem
aquelas crenças limitadoras às quais nos agarramos em mo-
mentos como este, para justificar nosso estado: “Está ruim,
mas pode ficar pior!”
Umas das grandes intenções por trás dos programas é pro-
vocar, estimular, inspirar os diferentes participantes a saírem
da zona de acomodação e irem para uma zona que chamamos
de “incômodo positivo”. Um lugar onde nos deparamos com
algumas questões incômodas, desconfortáveis, mas que nós
mesmos conseguimos lidar com elas. É nesta zona que muitas
vezes nosso crescimento acontece. É nesta zona que nos de-
senvolvemos, evoluímos como seres humanos.

70 As Raízes do EUpreendedorismo
Abrir

Zona de
Acomodação

Incômodo
Positivo
Help

Mas é importante ressaltar que existe uma terceira área nesse


processo, uma zona que chamamos de Help! Ao caminharmos
na direção do nosso desenvolvimento, pode ser que nos depa-
remos com questões muito difíceis e não consigamos encará-las
sozinhos. É neste momento que precisamos pedir ajuda!
Seja para quem for: para um amigo, um membro da famí-
lia, um religioso de sua confiança ou mesmo para profissionais
especializados nas questões que está enfrentando. De novo, o
mais importante é seguir caminhando e, assim, se está muito
difícil e sentiu que travou, grite, peça ajuda!

As Raízes do EUpreendedorismo 71
Abrir

Outro ponto fundamental: a escolha de dar o passo é sem-


pre da própria pessoa e nunca de um facilitador ou mesmo de
qualquer outra pessoa. Caminhar é uma escolha individual. A
única coisa é que podemos facilitar essa jornada para as pesso-
as, e essa é a grande intenção.
Alguns, às vezes, perguntam: “Mas eu não posso escolher
ficar na zona de acomodação?” Sim, pode. Em certos momen-
tos escolhemos ficar na zona de conforto, quietinhos, “quen-
tinhos”. A única coisa é que há consequências. E elas são para
você e, lembre-se, ao mesmo tempo para todos (Ubuntu. Es-
tamos todos interconectados!).
No meu caso, sempre busquei caminhar nas minhas ques-
tões. Dá preguiça, sim, e muitas vezes escolhi ficar parado.
Mas, na maioria dos casos, ou a vida vem com alguma no-
vidade que me tira do prumo, ou mesmo a Jojo vinha e me
provocava.
No meu casamento com a Jojo, acho que a escolha de ca-
minhar nunca foi motivo de discórdia. Mas sempre ocorreu
um descasamento de tempos. O tempo da Joana era muito
diferente do meu. E, por mais que ela incentivasse, indicasse
profissionais, a decisão de caminhar era minha, assim como é
a de qualquer um.
Por isso, no início de todos os programas, ou mesmo du-
rante as jornadas de aprendizagem, sempre ressalto que cada
um vá no ritmo e profundidade que escolher e alerto para o
cuidado de não permanecer na zona de acomodação. Quando
o indivíduo está disposto a caminhar na sua evolução, então
caminha, mas sempre é uma decisão de ele querer ou não ca-

72 As Raízes do EUpreendedorismo
Abrir

minhar, e decidir a velocidade!


O fato é que a quantidade de técnicas, teorias, abordagens
de autoconhecimento é enorme. Na minha jornada, todas fo-
ram muito importantes para a minha evolução. Foram como
fotografias, ou mesmo intervenções propriamente ditas, que
fizeram com que me abrisse e entrasse em contato comigo
mesmo. Uma jornada que não tem fim...

Perspectivas sobre o mundo

Ainda dentro do tema perspectivas, quero dedicar agora


algumas linhas para falar do mundo de fora, ou melhor, in-
cluir o mundo de fora, pois essa separação “dentro e fora” não
existe, não é verdade?
Além de ter sido casado com a Jojo, tive também o privi-
légio de ter pais que me possibilitaram, entre outras coisas,
abrir minhas perspectivas enormemente, durante a minha for-
mação.
Primeiro, no caminho da minha espiritualidade... Nasci,
fui batizado e fiz primeira comunhão no catolicismo, pois
meus pais, no início da minha vida, eram bem praticantes
desta religião. Frequentávamos a missa semanalmente, meus
pais participavam de grupos específicos e minha mãe era pro-
fessora de catecismo.
Mas, à medida que o tempo foi passando, eles mesmos fo-
ram se questionando, tomando contato com outras religiões,
tais como o espiritismo kardecista e o budismo e, por conse-
quência, eu também fui me abrindo para outras possibilida-

As Raízes do EUpreendedorismo 73
Abrir

des.
Aliás, quando nossos filhos nos perguntavam: “Pai, de que
religião nós somos?”, nossa resposta, minha e da Jojo, era:
“Somos espiritualistas, Vivi e Gabi. Acreditamos em Deus,
que ele também está dentro de nós, portanto, escolhemos li-
vremente que prática ou caminho espiritual seguir...”.
Esta resposta, anos depois, é fruto de toda essa abertura
no campo de nossa espiritualidade, ou mesmo em relação à
abertura holística que minha mãe me provocou.
A Lalá, ou melhor, Lais Jordão Ribeiro Seidenthal, minha
querida mãe, decidiu ingressar na faculdade de Psicologia lá
pelos meus dez anos de idade. E, à medida que ela foi se abrin-
do para a Psicologia e em seguida para as inúmeras terapias
alternativas (Florais de Bach, Cura Energética, Reiki, Cons-
telação Familiar, Frequência de Brilho, etc.), de forma indi-
reta fui tomando contato com mundos, ou perspectivas de
mundo, muito diferentes! E, sendo honesto, sou eternamente
grato por esta formação, história e abertura.
Outra grande influência dos meus pais foram as mudanças
de cidade que fizemos ao longo da vida. Aos sete anos, saí de
São José dos Campos, na época ainda considerada uma cida-
de de Interior de São Paulo, para vir para a capital paulista.
Naquele momento uma nova dimensão do mundo se abriu.
Pouco tempo depois, quando eu tinha 11 anos, meu amado
pai, Waldir Seidenthal, executivo da Kodak na época (aque-
la empresa que inventou a máquina fotográfica e o filme de
rolo…), foi transferido para a pequena cidade de Rochester,
no estado de Nova York, nos Estados Unidos. Moramos lá

74 As Raízes do EUpreendedorismo
Abrir

durante 18 meses.
Viajar e morar fora, definitivamente abrem nossas pers-
pectivas de vida. Entramos em contato com outras visões de
mundo, com outros valores, muito diferentes dos nossos.
Por exemplo, para mim, foi um choque viver em um país
que tinha uma máquina de jornal, na qual alguém coloca-
va umas moedinhas, abria a tampa e pegava um exemplar.
Apenas um. Como assim? Na época, no Brasil, se tivesse uma
máquina daquelas, um indivíduo colocaria a moedinha, pe-
garia todos os jornais e, provavelmente, na esquina seguinte
venderia os jornais para levantar uma graninha
(lembra dos níveis de consciência?).
Outra enorme oportunidade ao viajar ou
morar fora é ver sua vida por outro ângulo.
Problemas que pareciam enormes passam a ter
outra dimensão. Há, como costumo dizer, um
“chacoalhão” nos seus valores, fazendo você re-
fletir bastante sobre o que é importante ou não
na sua vida.
O que isso tem a ver com o EUpreendedoris-
mo? Vou dar um simples exemplo.
Ter múltiplas perspectivas do mundo nos abre mais portas,
nos abre mais possibilidades. Eu diria que enxergar possibili-
dades é um dos fatores preponderantes da inovação. Ao traba-
lhar com centenas, milhares de jovens a esta altura, presencio
ainda muitos deles com um olhar baseado na falta de perspec-
tivas, na escassez.
Se amo ensinar, então, só posso ser professor. Se amo

As Raízes do EUpreendedorismo 75
Abrir

música, então, só posso ser músico. E, assim, vejo milhares


de pessoas abandonarem suas paixões e sonhos, pois muitos
concluem este raciocínio lógico da seguinte maneira: amo en-
sinar, então, vou ser professor; logo, vou morrer de fome
(realidade brasileira, infelizmente). E partem para alguma
atividade que nada tem a ver com eles, mas de alguma ma-
neira é uma profissão que está mais em alta.
Ampliar nossas perspectivas nos permite encontrar pos-
sibilidades. Não parar na primeira resposta. E, se encon-
tramos obstáculos, considerando que nosso desejo, nosso
Propósito, é forte o suficiente, isso nos permite encontrar
soluções para eles. De novo: possibilidades.
Como? Cruzando com outros campos do conhecimen-
to, com outras perspectivas do mundo. Como disse Steve
Jobs em uma de suas últimas apresentações, a inovação da
Apple vinha do cruzamento de tecnologia, design e ciências
humanas. Aí está o berço da inovação. Em geral, grandes
inovações surgem do cruzamento de diferentes áreas do co-
nhecimento.
Outro ponto: está provado que os jovens estão estudan-
do neste momento para muitas carreiras que ainda nem
existem. O desafio apresentado é que muitas surgirão do
cruzamento de diversas profissões, isto é, do cruzamento de
um palhaço com um publicitário, de um marqueteiro com
um ator, de um engenheiro com um psicólogo e assim por
diante. Imagine o desafio que as instituições de ensino estão
enfrentando!

76 As Raízes do EUpreendedorismo
Abrir

A abertura do nosso olhar, das nossas perspectivas,


nos abre um mundo de possibilidades. Isso é uma grande
raiz do EUpreendedorismo!

As experiências como caminho para a abertura

Além das perspectivas, outra frente que possibilita nos


abrirmos são as experiências que vivemos. Ações, compor-
tamentos, vivências diferentes nos fazem entrar em contato
conosco e com o mundo ao nosso redor de maneiras muito
distintas e, ao mesmo tempo, fascinantes.
Sim, viajar ou viver em outra cidade ou em outro país são
vivências que ajudam nesse ponto também, mas decidi colo-
car este aspecto em perspectivas, pois para mim, a partir da
minha experiência, o destaque nesse caso foi minha mudança
de olhar!
Lembre-se de que é impossível separar as dimensões: olhar
e agir, dentro e fora, etc. Aconteceu e acontece tudo junto
e tudo ao mesmo tempo. Separamos, mentalmente, apenas
para conseguir compreender, e isso é muito importante em
nosso desenvolvimento cognitivo. Lembre-se sempre, porém,
de que nada está separado e dividido. Tudo está junto, inter-
conectado, interdependente. Ubuntu!
Existem infinitas oportunidades de experiências para se
abrir e, na minha opinião, cada um deve escolher aquilo que
mais o atrai. Muito abstrato, muito etéreo? Explico-me.
Estudei por toda a minha vida em colégio alemão, mais
precisamente no Colégio Visconde de Porto Seguro, em São

As Raízes do EUpreendedorismo 77
Abrir

Paulo. É um colégio, ou pelo menos era, com grande discipli-


na e grande ênfase, assim como a maior parte do nosso sistema
educacional, na parte cognitiva. Um sistema educacional que
dá enorme foco na parte mental. É como se todos os proble-
mas do mundo pudessem ser “resolvidos” com o pensar, com
a mente, com o raciocínio lógico. Vale ressaltar que não estou
dizendo que isso não é importante. É importante, sim, muito
importante. Mas descobri, ao longo da minha jornada, que
não é só isso.
Eu tive aulas de música e artes na escola, mas honestamen-
te nunca entendi o sentido daquilo tudo. Muitas vezes, sentia
que era perda de tempo. Esse modelo mental persistiu por
muito tempo. Mesmo na faculdade, qualquer atividade cul-
tural, artística ou física eram “opcionais”. Até que entrei no
mundo do trabalho. E, aí, comecei a ouvir que o líder moder-
no precisava ser flexível, criativo, relacional. Mas como assim?
Que parte da história eu perdi? Quais capítulos dos livros eu
pulei?
Ao trabalhar como executivo de marketing por aproxima-
damente 13 anos, sentia que o meu desenvolvimento tinha
sido parcial. Faltava-me algo. E quando falta, eu corro atrás.
Acredito que a clareza me veio apenas há alguns anos, pou-
co antes de iniciar o movimento da Rede Ubuntu, bem na
época em que foquei bastante energia em me conhecer mais.
Acho que uma das passagens marcantes do meu desenvol-
vimento foi quando assisti à palestra da Jill Taylor no TED8.
O insight dela me gerou um profundo insight! (Ubuntu!)

8 www.ted.com. Jill Taylor, My stroke of Insight

78 As Raízes do EUpreendedorismo
Abrir

Percebi que passei 30 anos da minha vida usando, desen-


volvendo, exercitando muito o meu lado esquerdo do cérebro.
E isso é muito bom! Tanto que tenho uma grande capacida-
de estratégica, fruto desse desenvolvimento. Mas, ao mesmo
tempo, percebi que outras dimensões do meu desenvolvimen-
to tinham ficado em segundo plano. E, por incrível que pa-
reça, não porque tinha escolhido conscientemente, mas sim-
plesmente porque não sabia. E o meu lado direito do cérebro?
A minha parte imaginativa, sensitiva, intuitiva?
E o meu corpo físico? E minha parte emocional? E minha
espiritualidade? Isso, apenas para citar algumas poucas linhas
de desenvolvimento. Se quiser se aprofundar mais nas diferen-
tes linhas de desenvolvimento, lembre-se da fonte de inspira-
ção da Teoria Integral do Ken Wilber, já citado no capítulo
inicial deste livro. Caso tenha interesse em estudar um pouco
mais sobre o assunto, vá fundo!
Quando entendi, compreendi (veja aqui mais uma vez a
importância do cognitivo!) e, mais do que isso, senti a necessi-
dade de desenvolver outras partes de mim, a pergunta seguin-
te foi: “Mas como?”
E, assim, décadas depois das minhas aulas de música e artes
no colégio, vim a compreender uma pequena parte do sentido
das artes, nas suas mais variadas expressões, ou mesmo dos
exercícios físicos, ou mesmo de práticas espirituais em nosso
desenvolvimento. Pensava eu, após esse grande insight: “Tudo
bem, mas como começo?” Resposta: fazendo. Como já foi
dito anteriormente, dando pequenos passos suficientes para
eu caminhar. E fui ter aulas de bateria.

As Raízes do EUpreendedorismo 79
Abrir

É importante dizer como a nossa perspectiva do que esta-


mos executando faz toda a diferença na sustentabilidade da-
quela ação, daquele comportamento. Sempre tive desejo de
tocar bateria e tentei por algumas vezes, na minha época de
executivo de multinacional. Mas parei em três oportunidades
com a seguinte “desculpa”: falta de tempo.
Desde que percebi que minhas aulas de bateria fazem di-
ferença em mim, que não são um simples hobby, lazer (olha
as crenças aí, gente!), mas uma atividade de desenvolvimento,
nunca mais parei. Digo que elas são o meu “Harvard Leader-
ship Program”.
Entre 2012 e 2014 fui batuqueiro do Bangalafumenga,
um bloco de Carnaval do Rio de Janeiro trazido a São Paulo
pela Oficina de Alegria. E foi uma alegria (olha o propósito
deles aí!) ter feito parte dele. Desenvolvimento emocional, fí-
sico e até espiritual. Quer ter uma ideia do efeito dessa prática
eem mim? Veja o post do blog da Rede Ubuntu “Obrigado
Negão!”, que escrevi após nossa apresentação no pré-carnaval
de 2013.

E você, o que tem feito para se desenvolver de maneira integral? Que tal fazer
um quadro como o mostrado ao lado para você? Basta cruzar o que você
precisa se desenvolver, com práticas que já faz e outras que deseja fazer. As
possibilidades são infinitas, basta escolher e dar o primeiro passo.

80 As Raízes do EUpreendedorismo
Abrir

Vulnerabilidade

Espiritualidade
Flexibilidade

Perspectivas

Polaridades
Coletividade
Emocional

Presença
Leveza

Físico
Música
Pintura
Percussão
Palhaço
Bicicleta
Aikidô
Teatro
Yoga
Massagem
Terapia
Dança
Fotografia
Paraqued.

Análise feita pela perspectiva de Eduardo Seidenthal

Abertura nas relações

Confiança é fundamental para poder trabalhar no mundo


de hoje, para caminhar nesse novo ciclo que estamos viven-
ciando. Como diria Don Tapscott, em sua maravilhosa pales-
tra no TED, “Quatro princípios para um mundo aberto”,
que fala justamente desse novo mundo em que vivemos, con-
fiança é premissa básica, não mais opcional.

As Raízes do EUpreendedorismo 81
Abrir

Assim, o abrir-se para e nas relações é fundamental para


esse mundo aberto que estamos experimentando. E o que isso
quer dizer na prática?
Primeiro, tem a ver com revisitarmos nossas crenças, das
mais superficiais às mais profundas.
Tenho um irmão, o querido Rica (Ricardo Seidenthal), seis
anos mais velho do que eu. Desde criança, como forma de me
diferenciar dele e receber atenção, amor e carinho dos meus
pais, virei o certinho, o “filhinho perfeito”.
Lembre-se que o que vou relatar aqui é fru-
Confiança é to de anos e anos de diferentes abordagens de
fundamental para autoconhecimento e terapias. Mais uma prova
poder trabalhar no de como tudo está interconectado e como o “se
abrir para o mundo de dentro” tem efeitos em
mundo de hoje. outras infinitas dimensões.
Ser o “certinho” me rendeu vários benefí-
cios, mas também me limitou em vários as-
pectos. Um deles foi uma crença profunda que
criei dentro de mim de não querer magoar ou causar qualquer
tipo de inconveniente aos outros. Uma crença de que conflitos
e discussões afastam as pessoas, por isso, me fechei. Colocar
minha opinião, argumentar, ser assertivo eram muito distan-
tes do meu comportamento padrão. Tanto que inúmeras ve-
zes, na minha carreira executiva, recebi este feedback: “Edu,
você precisa colocar mais o pau na mesa (fino, não?). Precisa
ser mais agressivo”.
Trabalhei muito esse ponto de desenvolvimento em minha
vida e acredito que será algo que trabalharei o resto da minha

82 As Raízes do EUpreendedorismo
Abrir

vida. Lembro-me de que, ao fazer a minha primeira conste-


lação familiar9, o terapeuta me perguntou, diante de todos
os participantes: “Então, o que você veio trabalhar?” Eu res-
pondi: “Quero deixar de ser bonzinho. Cansei.” Ele, Arthur
Tacla10, grande consultor e profissional, que me ajudou bas-
tante nessas intervenções, me disse muito sabiamente: “Infe-
lizmente, não posso fazer nada a este respeito. Pode se levantar
e ir”. Indignado, respondi: “Como assim? Quero resolver esta
questão em minha vida.” Ele disse: “Esta não é a sua questão.
O mundo precisa de gente boa? Sim. Portanto, não vou traba-
lhar isso. Posso trabalhar outra questão, se você quiser.”
E a constelação foi maravilhosa, compreendi mais sobre
mim mesmo e rompi com determinados padrões que eu esta-
va repetindo no sistema familiar.
Digo que vou passar a vida trabalhando esse ponto, pois é
um tema fundamental na minha jornada. Hoje ainda tenho
dificuldades em ser assertivo, o que é diferente de ser passivo
ou agressivo, como diria a querida terapeuta Teresa Cavalcan-
ti.
Claro que evoluí absurdamente neste quesito, mas como
disse Luiza Lage, outra terapeuta querida que me ajudou em
minha jornada, uma imagem que representa muito o nosso
desenvolvimento é a espiral.
Certos pontos em nossa jornada permanecem. Isso não

9 Para mais informações em constelação familiar e organizacional acessar http://


www2.hellinger.com/br/pagina/
10 http://www.atmadh.com.br

As Raízes do EUpreendedorismo 83
Abrir

significa que estou dizendo “nasci assim e vou morrer assim”


(síndrome da Gabriela) e, sim, que evoluímos, crescemos.
Mas “aquele ponto” retorna em nossa vida em uma “oitava su-
perior”. Em outra dimensão, mais complexa, é verdade. Mas
fundamentalmente a mesma questão.
Hoje consigo falar, discordar, argumentar, conflitar. Apren-
di na jornada de desenvolvimento a reescrever a minha crença
de conflitos. Hoje acredito que “conflitos, quando bem con-
duzidos, tornam as relações mais robustas, mais verdadeiras”.

84 As Raízes do EUpreendedorismo
Abrir

No meu caso, esse ponto foi fundamental na minha aber-


tura nas e para as relações.
O que mais vejo hoje em dia são grandes problemas de
comunicação. Mas por trás da maioria deles há pontos pro-
fundos que geram tais problemas. É como se o problema de
comunicação fosse a febre, o sintoma, mas diminuir ou mexer
no sintoma não resolve. Pode até resolver momentaneamente,
mas não de maneira sustentável.
No meu caso, precisei rever as minhas crenças. E você, ex-
perimenta problemas de comunicação no seu dia a dia? Reflita
sobre o que tem de fato gerado isso.
O diálogo, e aqui incluo nossa capacidade de dar e receber
feedback, é ponto fundamental da expressão da primeira raiz
do EUpreendedorismo, o abrir-se.
Se está incomodado, seja capaz de falar a respeito. Se está
inseguro, angustiado, alegre, emocionado, seja capaz de se
abrir para isso! Seja capaz de falar genuinamente sobre você.
Como diria Brené Brown, em sua maravilhosa palestra
“O poder da vulnerabilidade”, a sua capacidade de ser visto,
verdadeiramente visto. Ou mesmo fazendo referência a Don
Tapscott, sua capacidade de estar nu na frente dos outros.
Ao entrarmos em contato com nossa vulnerabilidade, au-
tomaticamente abaixamos a guarda e somos capazes de dizer
“desculpe-me”. Como diz a Dra. Brown, não existe mais diá-
logo. Existe apenas discurso, um culpando o outro. Eu estou
certo, você está errado.
O diálogo é o encontro. As pessoas podem partir de
pontos muito diferentes, mas com abertura de ambas as

As Raízes do EUpreendedorismo 85
Abrir

partes, o encontro acontece.


Por meio da abertura, no diálogo, somos capazes de enten-
der e compreender a perspectiva do outro. O que está por trás
muitas vezes de nossas falas? Existe uma necessidade? Um pedi-
do? É apenas uma opinião despretensiosa?
Por trás de muitas brigas, de muitas discussões, apenas exis-
tem necessidades não atendidas.
Quando cada lado é capaz de falar de si, de como está se sen-
tindo, a conversa, por mais dura que seja, flui. Quanto mais o
diálogo gira em torno de escondermos a nossa vulnerabilidade,
as nossas supostas fraquezas, mais a conversa estanca. Quando
vi Brené Brown pela primeira vez, foi o mesmo estouro de insi-
ghts ao ver Jill Taylor pela primeira vez. E tem muito a ver com
o se abrir para o mundo de dentro, já discutido anteriormente.
Na minha infância e adolescência, ao me fechar para as pes-
soas não rirem de mim, eu, assim como diria a grande maioria
das pessoas, acabei criando mecanismos de querer esconder as
minhas vulnerabilidades.
A Dra. Brown traz uma perspectiva oposta e encantadora
com seus estudos. Ao entrarmos mais em contato com nossas
vulnerabilidades e nos deixarmos ser vistos como realmente so-
mos, mais as pessoas se conectam conosco. Aha!
Quanta energia gasta em querer esconder o que, vamos
combinar, é impossível de esconder. E, quando somos capazes
de falar a respeito, de sentir, de entrar em contato, mais nos
fortalecemos e mais nos conectamos com quem está ao nosso
redor.
Em seis anos de Rede Ubuntu, tanto nos inúmeros trabalhos

86 As Raízes do EUpreendedorismo
Abrir

que fizemos de construção de equipe, gestão da mudança e de-


senvolvimento de jovens como internamente, na relação entre
os membros da Rede, o que mais presenciei é a enorme oportu-
nidade de desenvolvimento na abertura de nossas relações.
Este gap existe em grande parte porque, durante toda a nossa
caminhada, ninguém deu muita importância a isso, nem mes-
mo na escola, na faculdade ou em muitos ambientes familia-
res. Ninguém nos ensina a falar sobre nossos sentimentos, por
exemplo. Somos analfabetos emocionais, como diria a querida
Del Mar Franco, psicóloga incrível que nos auxiliou em diver-
sos momentos em nossa jornada com os membros da Rede.
De novo, faço questão de mencionar a grande mulher que
tive ao meu lado nos anos em que fomos casados. Em um de-
terminado momento, Joana e eu fizemos terapia de casal para
tratarmos de algumas pequenas questões. O feedback de nossa
terapeuta era a nossa grande abertura de diálogo. Várias vezes
íamos ao seu consultório, passávamos um tempão discutindo,
enquanto ela apenas observava, como se estivesse assistindo a
uma partida de tênis, a cabeça virando para um lado e para o
outro, para um lado e para o outro... Aspecto fundamental em
qualquer relação: abertura do diálogo.

Abertura na matéria

E você? Como anda a sua abertura nas relações?

As Raízes do EUpreendedorismo 87
Abrir

A última dimensão da abertura (pelo menos com a pers-


pectiva que tenho neste momento) diz respeito à abertura na
matéria. O que é isso, Edu?
Pois é, aspecto também fundamental de abertura, que mui-
tas organizações menosprezam, com literal pavor de perderem
o controle. Aliás, vale dizer que fomos “programados”, ou pelo
menos eu fui programado, para ter controle sobre as coisas. Se
perdermos o controle, dançamos.
Muitas equipes, grupos e organizações com as quais
trabalhei e trabalho possuem até um lindo trabalho de crenças
e valores de equipe, sendo que abertura, transparência ou
mesmo confiança são valores típicos. Também fazem trabalhos
de desenvolvimento dos indivíduos e das suas relações, como,
por exemplo, melhorar suas capacidades de dar e receber
feedbacks e lidar com suas vulnerabilidades. Quando, porém,
olhamos para os processos, para os sistemas, para o ambiente,
para as estruturas, tudo o que se percebe é desconfiança,
restrições de acesso, controles e mais controles.
Lembre-se, não estou culpando ninguém aqui. Até porque,
como já mencionei, todos fomos programados assim. E temos
inúmeros exemplos, não é mesmo?
O Princípio do Abrir, expresso no quadrante inferior di-
reito na Matriz Integral (descrita no capítulo anterior), tem
a ver com as seguintes dimensões (que consigo enxergar até o
momento):

88 As Raízes do EUpreendedorismo
Abrir

Conteúdo
Meu conteúdo, meu conhecimento, minhas informa-
ções. Meu, meu, meu. Aprendi desde criança que precisamos
guardar a sete chaves aquilo que sabemos, pois este é o nosso
diferencial. Nasci em uma época que tinha esta crença: infor-
mação é poder. Hoje ela é questionada, mas muitos processos,
muitos sistemas, muitas instituições, muitas estruturas ainda
expressam tal crença.
Muitas organizações ainda se protegem atrás de senhas e
chaves de acesso para tudo. Por trás de políticas de privacidade
e confidencialidade, existe uma limitação de acesso a conteú-
do dos mais variados tipos, hoje absolutamente disponíveis, e
de graça, na internet.
Informação não é mais poder. A “sacada” está no cruza-
mento de todos os conhecimentos, ou melhor, no cruzamento
de todas as inteligências, como diria Don Tapscott em seu
TED Talk.
As organizações irão se destacar, cada vez mais, se permiti-
rem que as interações ocorram para que, assim, a circulação de
conteúdos ou de inteligências se dê livremente. Sei que parece
loucura, e a mim também pareceu, mas desde que começamos
a experimentar essa direção, a abertura de conteúdo só se pro-
va benéfica! Vou dar um exemplo.
Em 2012, gravamos as 13 primeiras pílulas virtuais da Rede
Ubuntu de EUpreendedorismo. O que são pílulas virtuais?
São conteúdos concentrados dos nossos processos de aprendi-
zagem. Decidimos gravá-los em vídeo para que não ficássemos
repetindo a mesma coisa em todo programa que fizéssemos. A

As Raízes do EUpreendedorismo 89
Abrir

lógica é que esse tipo de conteúdo pode ser “consumido” em


casa pelas pessoas, na hora que quiserem e na velocidade que
desejarem. Em seguida, é proposto um exercício, que a pessoa
também pode fazer em casa e, ao chegar ao encontro com os
seus colegas e facilitadores, todos podem trocar reflexões, ex-
periências, insights e dúvidas.
Esta ideia não é nova. Inspirei-me em Salman Khan, com
sua Khan Academy11, que hoje disponibiliza milhares de aulas
de matemática e computação, de graça, na internet. Na época
em que conheci este modelo, achei incrível e pensei: “Por que
não fazer para autoconhecimento?”
Claro que o desafio, no caso do autoconhecimento, era fa-
zer com uma qualidade e estética tal que as pessoas tivessem
interesse, ou melhor, tesão em assistir, em se emocionar, mui-
to diferente de explicar como se resolve uma fórmula matemá-
tica em uma lousa.
Em 2012, resolvemos testar o modelo e gravamos essas
pílulas, numa parceria incrível com a Ruth e a Patricia, da
Zip Produtora, além do querido Leandro Castilho, nosso con-
sultor de “tom”. Logo que as gravamos, colocamos todas em
área restrita aos participantes dos nossos programas, afinal de
contas, além de termos investido uma grana razoável em sua
produção, a conexão dessas pílulas mostrava nossa metodolo-
gia, isto é, nossa “propriedade intelectual”. E as mantivemos
“secretas” (doce ilusão, já que temos inúmeras provas de que
é impossível manter algo secreto na web, não é mesmo?) por
11 - www.khanacademy.org ou assista ao TED Talk de Salman Khan http://www.ted.
com/talks/salman_khan_let_s_use_video_to_reinvent_education

90 As Raízes do EUpreendedorismo
Abrir

algum tempo.
Em 2013, quando nos reunimos pela primeira vez com o
Oswaldo, e ele disse: “Edu, abre tudo! Abra seu conteúdo...”,
minha primeira reação foi de espanto, medo. “E se nossos
concorrentes virem as pílulas e copiarem? Ou pior, e se fize-
rem até melhor e passarem na nossa frente?”
Após essa reação inicial, logo vieram reflexões mais pro-
fundas de onde nós, facilitadores, adicionamos valor. Os con-
teúdos e exercícios expressos nas pílulas não eram novidade.
Aliás, todos estão disponíveis e livres em livros, sites, artigos.
O diferencial estava e está na conexão desses diferentes conhe-
cimentos. Na criação coletiva (facilitadores e participantes) de
um processo de aprendizagem. No final de 2013, decidimos
abrir nossas pílulas livremente na web e, desde então, os bene-
fícios são notórios.
Primeiro, a reação inicial do meu pai que, ao ver as pílulas
pela primeira vez, disse: “Agora, sim, eu entendi o que você
está fazendo, filho!” A abertura do conteúdo tem se mostrado
muito rica para que mais e mais pessoas compreendam o que
é o EUpreendedorismo. Concretizar, de alguma forma, um
conceito mais abstrato.
Outro benefício claro é o aumento das possibilidades de
uso de tais conhecimentos e de pessoas acessando tais conte-
údos. Apenas lembrando que, em última instância, o nosso
propósito é espalhar, democratizar o autoconhecimento, e a
abertura das pílulas vai ao encontro deste nosso desejo.
Se você perguntar: “E os concorrentes, viram?”, não tenho
como afirmar, mas suspeito que sim. No entanto, honesta-

As Raízes do EUpreendedorismo 91
Abrir

mente, isso deixou de ser relevante perante tudo o que vem


fluindo em decorrência da abertura.
Por falar em abertura, alguma sugestão? Quer contribuir?
Entre em contato pelas redes sociais da Rede Ubuntu (@re-
deubuntu).

92 As Raízes do EUpreendedorismo
As Raízes do EUpreendedorismo 93
94 As Raízes do EUpreendedorismo
Incluir

Capítulo 3:
Incluir
“Nós somos galhos da mesma árvore.”

No capítulo anterior, exploramos o Princípio do Abrir. A abertu-


ra de perspectivas nos comportamentos e experiências, nas relações e
na matéria. Mas abrir-se para o novo, ter a experiência, é apenas uma
parte, ou um excelente começo do processo.
Uma vez que você toma contato com novos olhares do mundo e
com novas formas de agir e de se desenvolver, é preciso capturar o
que há de melhor nessas novas experiências e incluí-las!
Ao incorporar, integrar novas crenças, novas perspectivas, novas
atitudes, criamos um novo jeito de funcionar. Lógico que este novo
jeito de funcionar deve incluir também o melhor do jeito antigo
de funcionar (até porque, se fosse ruim, você não funcionaria da-
quele antigo jeito, não é verdade?). Esta é a essência do processo de
coaching criado pela Integral Coaching Canada, e tive a felicidade
de participar do Módulo I deste programa em 2012. Temos de nos
abrir para novos olhares, novos comportamentos e novas formas de
medir o caminhar e incluir o que há de melhor do novo jeito e man-
ter o que é positivo do jeito antigo de funcionar. Tudo isso em um
processo lindo de desenvolvimento e evolução.

As Raízes do EUpreendedorismo 95
Incluir

Crenças que suportam o Princípio do Incluir

Um texto que foi mencionado em um discurso de Nelson


Mandela, em 1994, praticamente virou um mantra para mui-
tos de nós na Rede Ubuntu, desde que tomamos contato com
ele. O texto diz:

“Nosso pior medo não é sermos inadequados,


nosso mais profundo medo é sermos poderosos de-
mais. É nossa luz, não nossa escuridão, que mais nos
assusta.
Nós nos perguntamos: quem eu sou para ser bri-
lhante, magnífico, talentoso e fabuloso? De fato,
quem é você para não ser isso?
Você é uma criança de Deus; essa sua brincadeira
de se esconder não serve ao mundo. Não há nenhu-
ma iluminação no fato de se encolher ou se diminuir
para que os outros não se sintam inseguros perto de
você.
Nós nascemos para manifestar a glória de Deus
dentro de nós. Ela não está somente dentro de alguns
de nós, está em todos nós, e conforme deixamos que
nossa própria luz brilhe, inconscientemente damos
permissão para que os outros façam o mesmo.
Conforme nos libertamos dos nossos medos, nos-
sa presença automaticamente liberta o medo dos ou-
tros.”
Marianne Williamson

96 As Raízes do EUpreendedorismo
Incluir

Somos todos seres de luz. Como o próprio texto diz: “Ela


não está somente dentro de alguns de nós, está em todos nós!”
Esta é uma premissa básica e fundamental para o EUpreende-
dorismo. Todos viemos com um propósito, e o mais incrível
de tudo é que, nesses anos de Rede Ubuntu, posso garantir ter
comprovado, ao trabalhar com milhares de pessoas, que vie-
mos também dotados de capacidades, talentos e até estrutura
física para realizá-los.
Está em nossas mãos exercer essa luz ou não. Como cos-
tumo dizer para muitos, em determinado ponto dos nossos
programas, é um desserviço ao planeta, no momento em que
vivemos, ter consciência de seu propósito e de seus talentos e
decidir não usá-los em seu potencial máximo. Sim, é de sua
livre escolha, é bem verdade, mas, com base na filosofia Ubun-
tu, ao fazer isso você não está impactando somente a si, mas
também a todos nós!
Como o texto de Marianne lindamente nos conta, “con-
forme deixamos que nossa própria luz brilhe, inconsciente-
mente damos permissão para que os outros façam o mesmo”
(Ubuntu!). E esta experiência também tenho tido a honra de
presenciar na minha caminhada inspirado na Rede Ubuntu de
EUpreendedorismo.
Com essa premissa, a pergunta que fica é: como incluir o
melhor de cada um, de todos os seres de luz, para que cada
um possa seguir sua jornada, suas próprias experiências e, ao
mesmo tempo, construir nossos projetos coletivos, projetos
pelos quais o planeta tanto clama?
Uma segunda base de sustentação do Princípio do Incluir

As Raízes do EUpreendedorismo 97
Incluir

é o tema das polaridades. Descobri este assunto no primeiro


ano de Rede Ubuntu, na Natura, durante os encontros de for-
necedores estratégicos, já mencionados anteriormente.
Um tema fascinante, profundo, e não tenho nenhuma pre-
tensão de explicá-lo ou mesmo esgotá-lo aqui, pois esse não é
o nosso foco. O que quero extrair dessa teoria, pegando um
dos seus melhores aspectos (veja o Princípio do Incluir sendo
aplicado aqui!), é a enorme diferença que faz usarmos em nos-
sas conversas o “E” ao invés do “OU”.
Como já foi mencionado, todos nós temos
visões parciais do mundo. Ninguém enxerga a
realidade na sua totalidade. Assim, na maior
parte das conversas e discussões que presencio,
existe em geral uma disputa para ver quem está
certo. Eu estou certo, você está errado.
Ao facilitar para milhares de pessoas e gru-
pos a esta altura, uma simples mudança de
olhar, e também de linguagem, faria toda a diferença para se-
guirmos caminhando na maior parte das rodas de conversa.
Que tal minha opinião E a sua, em vez da minha opinião
OU a sua? Em geral, é possível extrair aspectos absolutamente
construtivos de todas as falas, pois mais uma vez todos nós en-
xergamos partes da realidade e muitas vezes o que enxergamos
é complementar entre si.
Aliás, esta é uma linguagem e uma atitude que facilitam - e
muito - a colaboração, que trataremos no Princípio seguinte.
Para mim, descobrir a teoria das polaridades foi um acha-
do. Muitos conflitos que existiam dentro de mim, ao entrar

98 As Raízes do EUpreendedorismo
Incluir

em contato com as polaridades, não foram resolvidos, mas


tive paz ao ter um novo olhar para estes supostos conflitos.
A teoria menciona que a natureza é toda feita de polari-
dades: dia e noite, verão e inverno, masculino e feminino são
alguns exemplos do que encontramos em nosso dia a dia.
Quantas e quantas conversas de bar são dedicadas a falas
do tipo: “Eu sou um cara da noite, a noite é muito melhor!” E
o colega logo em seguida diz: ”Eu não, eu sou do dia! O dia é
muito melhor!” E assim seguem as discussões sobre homem e
mulher, estações do ano, delegar e controlar e infinitas outras
polaridades que vivemos constantemente.
Ao mergulhar na teoria e tirar conclusões, percebemos que
as polaridades não têm uma solução. Nenhum dos polos é
a solução para o desafio. Ambos os polos possuem aspectos
positivos e negativos. Não é que um polo é bom e outro mau.
Mais uma vez, ambos possuem aspectos positivos e negativos.
Vou dar um exemplo para poder ficar mais claro. Vou usar
uma polaridade que está no coração da nossa experiência na
Rede Ubuntu de EUpreendedorismo: o individual e o cole-
tivo. Aliás, não é à toa que darei esse exemplo, pois ele será
muito útil para nossas reflexões no Princípio do Colaborar.
Aguarde!
Construímos a polaridade da seguinte maneira: em primei-
ro lugar, refletimos sobre os aspectos positivos de focar nossas
energias e esforços no individual, no “eu”. Em segundo, anali-
samos o que há de negativo ao focarmos em demasia no “eu”,
no individual, negligenciando o coletivo.
Em terceiro, partimos para o outro polo e refletimos sobre

As Raízes do EUpreendedorismo 99
Incluir

os aspectos positivos do coletivo, do “nós”, e finalmente o que


há de negativo ao focarmos tanto no coletivo, “esquecendo”
do indivíduo, do “eu”.
Ao fazer essas reflexões em 2014, no primeiro programa
de formação nas Raízes do EUpreendedorismo, chegamos ao
seguinte desenho da polaridade:

Individual Coletivo

E como funciona a polaridade? Funciona assim:


Começando pelo quadrante positivo do Individual, estou
ali naquele estado, adorando todos os benefícios de focar as
atenções em mim, em meu benefício próprio. Acabo conquis-
tando muitas coisas, sentindo-me realizado! A questão é que

100 As Raízes do EUpreendedorismo


Incluir

quanto mais estou neste quadrante, mais quero os aspectos


positivos dele. E acabo focando tanto nas ações para ter estes
benefícios que caio no quadrante inferior deste polo. Acabo
me tornando egoísta, sentindo-me sozinho e aprendendo e
crescendo cada vez menos. Chego a um ponto tão descon-
fortável que eu grito: “Chega! Preciso olhar para os outros,
preciso trabalhar mais em equipe e me doar para algo maior”.
Parto, então, para o polo oposto, o quadrante positivo, e
começo a me sentir útil como ser humano, minha curva de
aprendizagem cresce substancialmente pela troca de conheci-
mentos e experiências com os outros e acabo, cada vez mais,
sendo reconhecido por toda esta doação ao coletivo.
Como aconteceu no polo anterior, à medida que percebo
estes aspectos positivos, acabo querendo mais e mais... Acabo
me doando cada vez mais para este coletivo e negligenciando
a mim mesmo. E, assim, após algum tempo, acabo caindo
no quadrante inferior (negativo) do coletivo. Foco tanto no
coletivo que meus interesses e necessidades já não estão mais
sendo atendidos. O estresse e a frustração tomam conta, pois,
por mais que eu faça, nunca é suficiente. E, assim, novamente,
grito: “Chega!” E parto para focar em mim e em meus desejos
e acabo indo para o polo oposto, no quadrante positivo.
Como você pode ver por esse rápido descritivo do movi-

As Raízes do EUpreendedorismo 101


Incluir

• Úteis
• Conquistas • Troca de
• Realização aprendizados
• Satisfação dos • Crescimento
meus desejos • Clima

Individual Coletivo
• Egoísmo • Stress
• Solidão • Frustração
• Menos aprendizado • Nunca é o suficiente
e crescimento • E eu?
• Clima ruim • Insustentável

mento presente na polaridade, forma-se o lindo símbolo do


infinito. E, como o próprio conceito do infinito nos demons-
tra, este movimento é eterno, não para nunca, é infinito...
A solução, portanto, não é um ponto específico ou mes-
mo apenas um dos polos. A solução, se é assim que podemos
chamar, passa pela dança entre os polos, a nossa capacidade,
dependendo do desafio e do contexto, dinamicamente, de nos
movimentarmos entre os polos. O equilíbrio entre os polos.
Assim, vale ressaltar que o equilíbrio não é o ponto do meio
entre os polos. É a capacidade de se mover dinamicamente en-
tre eles. De integrar. Foi nessa época que conheci uma linda

102 As Raízes do EUpreendedorismo


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imagem que melhor explica o equilíbrio: a bicicleta.


A bicicleta entra em equilíbrio apenas em movimento. Pa-

rada ela cai. É o mesmo raciocínio nas polaridades. O equilí-


brio pressupõe dinamismo, fluidez, movimento.
Outro insight magnífico que a bicicleta nos traz é que essa
separação, essa dualidade é muito nítida no campo mental.
Lembra-se das linhas de desenvolvimento da Teoria Integral?
É no mental que mais uma vez separamos para compreender.
Mas, quando andamos de bicicleta, não ficamos pensando...
É tudo junto e ao mesmo tempo: mental, emocional, físico,
etc. Aliás, quanto mais racional, quanto mais pensamos sobre
o que estamos fazendo, mais duro passa a ser o nosso peda-
lar, portanto, mais chances de desequilibrar e cair. Tive essa

As Raízes do EUpreendedorismo 103


Incluir

experiência ao ensinar meus filhos a andar de bicicleta sem


rodinha. Toda vez que pensavam muito, desequilibravam.
A partir do momento que se permite fluir, pedalar, o equi-
líbrio se estabelece e todas as sensações positivas e negativas
vêm ao mesmo tempo. Brilhante!
Por muito, muito tempo, achei que existia um lado que
era a solução da polaridade. Após entrar em contato com essa
teoria, percebi que ambos os lados têm pontos positivos e ne-
gativos e que a sabedoria está em permanecermos mais tempo
nos pontos positivos. E, toda vez que estiver-
mos caindo nos aspectos negativos, de qual-
Equílibrio é a capa- quer um dos lados: alerta! É preciso se mexer!
ciade de se mover E o lindo desse processo é que a solução, como
dinamicamente entre mostra a teoria, não é fazer mais do mesmo e,
os polos. sim, caminhar para o positivo do polo oposto!
Fascinante!
O que isso tem a ver com o Princípio do
Incluir? Absolutamente tudo. Quando passamos a enxergar
a nossa experiência de construção do nosso propósito como
uma dança, como um constante movimento entre inúmeras
dualidades, passamos a fluir melhor e diminuímos a ânsia de
encontrar respostas, verdades absolutas, soluções definitivas.
Aquela resposta, aquela ação, aquela atitude é apenas adequa-
da para aquela necessidade e para aquele momento e contexto
e, muito provavelmente, em um momento seguinte, a respos-
ta, a ação será outra.
A dança de incluir, integrar e transcender para o próximo
desafio. A sabedoria de reconhecer que o bom e o ruim, o

104 As Raízes do EUpreendedorismo


Incluir

certo e o errado, o belo e o feio são, no fundo, apenas constru-


ções da nossa cabeça para procurarmos compreender parte da
nossa experiência nesta vida. A sabedoria de internalizar que a
experiência é única, indivisível, e que fluir pelas experiências é
um presente constante que nos é oferecido.
Fico me perguntando o quanto o nosso sistema educacio-
nal ainda precisa evoluir nesse sentido! Incluir e transcender.
Com tanto foco no mental, em tentar compreender inten-
samente todos os fenômenos, as diferentes experiências, per-
demos a oportunidade de manter viva essa sabedoria interna
natural que as crianças possuem de, simplesmente, vivenciar
qualquer experiência. Perceba que esse comentário não é que
o mental seja ruim. Apenas precisamos deixar fluir para que
o sistema educacional volte também a dançar pelos lados in-
tuitivos, lúdicos, sensoriais, tanto no Ensino Fundamental e
Médio como no Universitário.
Gostou do tema? Sugiro que você se aprofunde nas referên-
cias a polaridades que aponto neste livro.
Ainda no programa de formação das Raízes do EUpreen-
dedorismo de 2014, levantamos uma lista de polaridades que
identificamos em nosso dia a dia. São elas:

As Raízes do EUpreendedorismo 105


Incluir

Fazer/Prática Teoria
Curto Prazo Longo Prazo
Dúvida Certeza
Fazer Planejamento
Dar Pedir
Rigor Flexibilidade
Espiritual Razão
Emocional Razão
Centralizar Descentralizar
Feminino Masculino
Liderar Seguir
Pessoal Profissional
Mãe Profissional
Sério Divertido
Abertura Retração
Incluir Limites
Parar Caminhar
Medo Coragem

106 As Raízes do EUpreendedorismo


Incluir

Sugiro neste momento uma pausa na leitura. Pegue uma das polarida-
des que mais chama a sua atenção e procure fazer o exercício de refletir
sobre os pontos positivos e negativos de cada um dos polos.

Em seguida, reflita sobre duas questões primordiais, considerando que o


infinito se estabelece na polaridade:

1. Que ações você pode colocar em prática para maximizar o seu


tempo nos quadrantes positivos de cada um dos polos?

2. Que alertas existem para que você perceba que está “entrando”
nos quadrantes negativos de cada um dos polos?

Em seguida, procure reservar algum tempo para meditar ou apenas se


interiorizar em relação aos insights e às sensações que essas reflexões
lhe trazem.

Após refletirmos sobre as crenças por trás do Princípio do


Incluir, exploraremos como ele se expressa em nosso olhar,
em nossos comportamentos e comunicação e, finalmente, em
como o Incluir está presente no ambiente, nas estruturas e
processos.

Um olhar inclusivo

Ao retomar a crença fundamental de que todos nós somos


seres de luz, o olhar do EUpreendedorismo, como decorrência
natural, é um olhar inclusivo, apreciativo.

Desenvolvi muito esse olhar, também, durante a minha


infância e adolescência. Na ânsia de agradar aos outros e de
evitar conflitos, desenvolvi uma capacidade incrível de ver o

As Raízes do EUpreendedorismo 107


Incluir

lado bom das pessoas e dos ambientes. Até porque, vamos


combinar, para acabar com uma briga, uma discussão ferre-
nha, nada melhor do que pegar o que há de melhor de todos
os lados e procurar atender a gregos e troianos, satisfazendo
assim a maior parte das necessidades, não é mesmo?
Sim, eu sei. Missão impossível. Tanto que, ao longo da
minha jornada, esse desejo de agradar a todos foi motivo de
grande frustração e sofrimento. Definitivamente, este é um
eterno ponto de desenvolvimento meu. Já evo-
Se essse olhar vale luí bastante, é verdade, mas sigo caminhando,
para pessoas, outra à luz daquela espiral do desenvolvimento cita-
forma apreciativa de da anteriormente.
Para efeitos do EUpreendedorismo, esco-
olhar é para os con-
lhemos iniciar, pelo menos, com um olhar po-
hecimentos ou para as sitivo, para a luz, o que aquela pessoa tem de
teorias. melhor, para que ela comece a caminhar em
direção ao seu respectivo propósito. É uma ex-
celente forma de ganhar força, criar tração para caminhar. É
uma excelente forma de ACREDITAR! (Veja aqui a conexão
com nosso outro Princípio.)
É uma escolha diária o que se quer olhar. E, ainda na ló-
gica, de que a experiência em direção ao nosso propósito é o
que estamos buscando no EUpreendedorismo, escolher o que
de fato nos ajuda em nosso caminhar, isto é, a luz, é essencial.
Recentemente li um livro sobre um grande homem que
é, de longe, a maior inspiração para mim: Nelson Mandela:
An Extraordinary Man, de Richard Stengel. O autor trata dos
aprendizados que teve ao conviver com Mandela por algum

108 As Raízes do EUpreendedorismo


Incluir

tempo de sua vida. Um livro belíssimo e recomendo muito a


sua leitura como forma de inspiração para o EUpreendedo-
rismo.
Em uma das passagens do livro, o autor relata como Nel-
son Mandela analisava a pessoa pelo todo de sua jornada e não
por fatos ou momentos isolados. Ressaltava que uma pessoa,
durante a sua prisão em Robben Island, poderia até ter tido
atitudes violentas, desleais, mas no todo de sua vida era uma
pessoa que valia a pena. Achei isso lindo, nobre.
Todos nós cometemos erros, mas um erro não torna uma
pessoa errada. Um erro é apenas um erro.
Acho isso uma linda inspiração para o EUpreendedorismo
e, definitivamente, falaremos mais a respeito no Princípio do
Ornar. De todo modo, esse é o olhar que precisamos buscar.
Se esse olhar vale para pessoas, outra forma apreciativa de
olhar é para os conhecimentos ou para as teorias. Nesses seis
anos de Rede Ubuntu vi muita discussão sobre diferentes teo-
rias, diferentes autores, metodologias e abordagens.
É plausível termos nossas preferências, gostarmos do autor
X, Y ou Z. Mas ao preferir o autor X, isso não me dá o direito
de excluir e repudiar automaticamente todas as outras teorias,
mesmo aquelas que contrapõem o autor de minha preferência.
De novo, o que aquele conhecimento ou teoria tem a agre-
gar na minha caminhada? Não precisamos ser fanáticos, mas,
sim, apenas buscar o melhor do que cada lente pode nos ofe-
recer. Até porque, como já mencionei, todas as abordagens,
teorias, incluindo este livro, são incompletas. São leituras de
parte da realidade.

As Raízes do EUpreendedorismo 109


Incluir

Na Rede Ubuntu, conforme já mencionado, muitos de nós


temos as nossas preferências teóricas. Mas não somos e não
queremos nos prender a nenhuma abordagem. Buscamos a
abertura para usar e implementar a melhor abordagem ou cru-
zamento de diferentes metodologias, para a solução daquele
desafio específico.
E você? Como anda o seu olhar? Incluindo ou buscando os
defeitos, os problemas, as encrencas?
O olhar apreciativo é um excelente caminho de encontro
com a diversidade. Muito se fala em diversidade nos dias de
hoje. É muito lindo falar de diversidade, é verdade, mas é di-
fícil conviver com ela.
Neste aspecto, venho aprendendo bastante com o queri-
do Reinaldo Bulgarelli, consultor na área de sustentabilidade,
mais especificamente com um olhar profundo sobre o tema
diversidade. O “Rei” é autor de um excelente livro na área,
cujo título em si já é de uma sabedoria incrível: Diversos Somos
Todos.
Acredito que o meu maior aprendizado nos últimos anos
tem sido em relação ao julgamento e, por consequência, um
encontro com meus preconceitos. Explico-me.
Um dos maiores impeditivos de caminharmos na jornada
do EUpreendedorismo são os julgamentos e os nossos atos a
partir de tais julgamentos. Julgamos tudo. Julgamos nós mes-
mos, julgamos os outros, julgamos os fatos. E, muitas vezes,
o resultado prático desses julgamentos é nos levar a lugar ne-
nhum. A nada.
Das coisas mais simples às mais complexas. Ao responder

110 As Raízes do EUpreendedorismo


Incluir

sobre os meus talentos, julgo! Sobre a fala de um colega em


um programa, julgo. Sobre a atitude de alguém, julgo. E no
fim de tudo isso, julgo, e não saio do lugar.
Nas primeiras pílulas virtuais que gravamos em 2012, digo
em diversos momentos das gravações: não julgue! Escreva. Re-
flita.
Aqui está uma grande prova de como os conceitos evoluem
e como certamente este livro e os conceitos aqui apresentados
evoluirão. Hoje, já não diria “não julgue”. Di-
ria: “Sei que você vai julgar, mas reflita sobre o
que vai fazer com esse julgamento! Se o julga-
mento impedir você de refletir, de escrever suas
reflexões, de evoluir nos seus pensamentos,
converse carinhosamente com o seu julgamen-
to, diga para ele que é muito válido tal pensa-
mento, mas você precisa continuar”.
Pode parecer loucura. Acredite, não é. No
meu caso, essa atitude foi e tem sido funda-
mental na minha caminhada. E não pense que
para escrever este livro não me vieram inúme-
ros pensamentos do tipo: “Imagine, Edu, que
bobagem, você escrevendo um livro?” ou mesmo “Coisinha
superficial, hein, Sr. Eduardo?”
Se for levar em consideração essa vozinha, aonde vou pa-
rar? Em lugar nenhum. Paro de escrever imediatamente. E
isso não é uma solução. Não orna com o meu propósito.
Na boa, julgue, continue julgando. Como aprendi com
o Rei, todos nós temos préconceitos. Isso não é necessaria-

As Raízes do EUpreendedorismo 111


Incluir

mente ruim. O ponto fundamental é o que fazemos com tais


pré-conceitos. Se nos paralisam ou se nos impedem de ir ao
encontro dos outros, atenção!
O maior ato de inclusão é, mesmo com todos os nossos
préconceitos e julgamentos, ir em direção de si mesmo e tam-
bém ir em direção ao outro e incluí-lo no processo. Por quê?
Porque juntos somos melhores. Definitivamente falaremos so-
bre isso no próximo Princípio, Colaborar.
Ao falar de julgamentos, isso levanta outro importante
tema, já ingressando em nossos comportamentos e atitudes
inclusivas, mais especificamente em comunicação. Um aspec-
to fundamental em inclusão é a nossa linguagem. Isso tem o
poder de aproximar as pessoas, de facilitar os encontros.
E, melhor do que eu para falar de linguagem, convido aqui
a querida Taly Szwarcfiter, que recentemente fez uma forma-
ção em Ontologia da Linguagem e, portanto, está mais bem
preparada para falar do tema! Bem-vinda, querida Taly!

112 As Raízes do EUpreendedorismo


Incluir

Linguagem
Por Taly Szwarcfiter

Obrigada, Edu!
Conheci o Edu há alguns anos, quando fazia
pouco tempo que ele tinha iniciado a Rede Ubun-
tu. Encontramo-nos em uma tarde, para um papo
despretensioso, para a gente se conhecer, conhe-
cer os nossos percursos, sonhos, projetos.
O papo fluiu e eu fui me encantando com
tudo o que ele estava criando. Umas semanas
depois, habitando já os Princípios do Abrir e do
Incluir, o Edu me convidou para desenvolvermos
juntos o programa Semear, que atenderia aos jo-
vens aprendizes da Natura. Começo de um lindo Descobri na Ontologia
sonho feito realidade. alguns conceitos que
Até então, eu tinha meu consultório de aten- fizeram muito sentido
dimento clínico psicológico. E também realizava para mim.
alguns projetos dentro de escolas. Começamos a
construir e implementar, junto com a Nina e a
Momô, como o Edu já comentou, o programa.
Inicialmente, observei muito, e uma das coisas que mais me
chamava a atenção era a rápida resposta e mobilização que
via entre os jovens. As mudanças começavam a ser percebidas
muito rapidamente. Eu queria entender por quê.
Conversando com o Edu, identifiquei que grande parte
desses resultados vinham de ferramentas trazidas da sua for-
mação como coach.

As Raízes do EUpreendedorismo 113


Incluir

Confesso que, no começo, resisti um pouco, mas depois


resolvi tentar entender o que era esse universo do coaching.
Fui atrás e resolvi me inscrever na formação do Coaching On-
tológico.
Descobri na Ontologia alguns conceitos que fizeram muito
sentido para mim e que vou tentar transmitir para vocês, para
que possamos incluí-los nesta reflexão.
O desenvolvimento da Ontologia da Linguagem pelo Ra-
fael Echeverría e o Julio Olalla tem um amplo referencial te-
órico, desde Nietzsche, Wittgenstein, Heidegger, Maturana
e outros. Eu vou me basear principalmente nas palavras de
Rafael Echeverría, em seu livro Ontología del Lenguaje, e de
Julio Olalla, com tudo o que foi aprendido nas conferências
que presenciei durante a formação em Santiago do Chile - Es-
cola Newfield de Coaching Ontológico - Programa ACP.

El Observador
Somos observadores do mundo. Construímos universos
a partir do nosso olhar, do que observamos. E a lente com
que observamos foi se constituindo ao longo da nossa histó-
ria. Não só da nossa, mas também da dos nossos pais, avós,
ancestrais. E toda essa bagagem de olhares que herdamos vai
desenhando a lente pela qual enxergamos o mundo.
Observar é ver e interpretar.
Vemos o mundo e o interpretamos e, a partir destas ima-
gens, criamos o mundo em que nos mobilizamos.
Esta construção do que somos e do mundo em que habita-
mos opera dentro das construções linguísticas.

114 As Raízes do EUpreendedorismo


Incluir

Expressamos por meio da linguagem o que vemos e cria-


mos linguagem a partir do que vivemos.
Portanto, a linguagem se torna generativa, geradora de re-
alidade e de ser.
Segundo a Ontologia e outras teorias, o ser constitui a lin-
guagem e, ao mesmo tempo, é constituído por ela, tanto indi-
vidual quanto coletivamente.
Podemos ver a cada dia, a cada circunstância em que nos
apresentamos, por exemplo, que o relato que fazemos sobre
quem somos cria nossa identidade.
Normalmente, quando me apresento, digo que sou edu-
cadora, psicóloga e coach. Isso conta uma história. Se eu me
apresento como uruguaia, mãe da Isabela e do Martin, esposa
do Alexandre, conto outra história.
“Nossa identidade está diretamente associada à nossa capa-
cidade de gerar sentido por meio dos nossos relatos. Ao modi-
ficar o relato de quem somos, modificamos nossa identidade”,
diz Echeverría.
Esses relatos que costuramos sobre nós mesmos e sobre o
mundo são construções. Nós os chamamos de realidade, mas
sabemos que a realidade é a construção pessoal que cria aquilo
que é a realidade para mim.
Só falar sobre o observador daria um capítulo inteiro, mas
podemos dizer, já que estamos falando em abrir e incluir, que
é importante compreender que a realidade que eu enxergo é
uma realidade pessoal. Ela se desenha a partir da perspectiva
pela qual eu observo o mundo. Essa perspectiva está consti-
tuída pela minha história, pelos contextos social, cultural e

As Raízes do EUpreendedorismo 115


Incluir

econômico no qual estou inserida e pelo universo interpreta-


tivo que eu fui desenvolvendo ao longo da minha vida. Este
universo, em grande parte, está sendo formatado a partir da
capacidade humana de gerar e ser gerado pela linguagem.
Vamos falar então da linguagem em si. Para a Ontologia
da Linguagem, existem cinco atos linguísticos fundamentais:

• Afirmações
• Declarações
• Promessas
• Pedidos
• Ofertas

Afirmações

As afirmações são descrições sobre como observamos o


mundo. Estas partem de convenções compartilhadas por uma
sociedade que permite a comunicação. Como, por exemplo, o
significado das palavras.
Nas afirmações, a palavra se adapta ao mundo. O que isso
quer dizer? O mundo precede à palavra, e a palavra nos serve
para descrever o que está sendo visto.
As afirmações podem ser verdadeiras ou falsas.
Para esta distinção de verdadeiro ou falso, precisamos de
uma testemunha que compartilhe das distinções e convenções
comuns à minha comunidade e possa validar ou não a minha
afirmação.

116 As Raízes do EUpreendedorismo


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Exemplo:
Fez sol terça-feira passada em Madri. Preciso de pelo me-
nos uma testemunha que possa comprovar se essa afirmação é
verdadeira. Se, pelo contrário, alguém que esteve na terça-fei-
ra, em Madri, me disser que choveu o dia todo, esta continu-
ará sendo uma afirmação, só que falsa.
As afirmações são plausíveis de serem comprovadas.

Declarações

As declarações são atos linguísticos que geram um novo


mundo, novas possibilidades. Constroem realidades.
“Você quer casar comigo?” A declaração que será dita como
resposta a esta pergunta cria universos diferentes.
Um juiz que diz “inocente”, um pai que diz “está na hora
de jantar”, uma mãe que diz “filho, você não pode assistir
TV agora”, um soberano que declara a independência de um
país… Todas essas declarações criam contextos e realidades ao
serem expressadas. Em cada um desses casos, a palavra trans-
forma o mundo.
Esses são exemplos da capacidade generativa da linguagem.
As declarações não são verdadeiras ou falsas como as afir-
mações; são válidas ou inválidas. E a validade está determina-
da pelo poder da pessoa que as faz. Quando declaramos algo,
estamos nos comprometendo a sustentar a nova realidade que
temos declarado. E também nos comprometemos com a au-
toridade que temos e nos foi socialmente dada.
Se eu estiver assistindo a um julgamento e disser que a pes-

As Raízes do EUpreendedorismo 117


Incluir

soa que está sendo julgada é inocente, isso não é o mesmo


que o juiz declarar a inocência. Ele tem autoridade para poder
realizar e sustentar essa declaração.
As declarações fundamentais:

• Não
• Sim
• Não sei
• Obrigado
• Perdão
• Te amo
• Julgamentos

Quando afirmamos, declaramos. E quando formulamos


promessas, estamos gerando um compromisso social com a
nossa fala.
Falar não é um ato inocente, somos responsáveis pelos
compromissos sociais implícitos nos atos linguísticos.
Quando afirmamos, nos comprometemos com a veracida-
de do que estamos afirmando. Quando declaramos, nos com-
prometemos com a validade e a sustentação das nossas decla-
rações, de acordo com a autoridade que nos foi dada.
Quando prometemos, pedimos ou oferecemos, nos com-
prometemos com a competência e a possibilidade de atender
à promessa formulada.
Assumir e cuidar desses compromissos têm como resultado
o vínculo de confiança.

118 As Raízes do EUpreendedorismo


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Exemplo:
A - “Você pode me dar carona?”
B - “Claro! Só me dá uns minutinhos que já saio.”
Meia hora depois:
A - “Você tem previsão de que horas vai sair?”
B - “Já, já. Só que antes eu vou passar no mercado e
depois levo você.”

Que nível de confiança se gera nessa conversação para pos-


síveis futuras interações?
Como seria se:
A - “Você pode me dar carona?”
B - “Hoje não posso. Eu estou meio enrolado. Não
sei quanto tempo vou levar para terminar isto que
estou fazendo e depois tenho mais algumas coisas
para fazer. Desculpe-me.”

Quantas vezes dizemos “sim” sem saber como dizer “não”.


Ou dizemos “não” quando queríamos dizer “sim”. Oferece-
mos quando queremos pedir... E muitas vezes não temos a de-
vida consciência de quanto esse compromisso que geramos na
nossa declaração é o que sustenta, ou não, as nossas relações,
os nossos vínculos de confiança.
Vamos parar, então, para refletir sobre algumas declarações
bem importantes e relevantes.

As Raízes do EUpreendedorismo 119


Incluir

Os Julgamentos

A distinção entre afirmação e julgamento. Aqui começa o caos!


Já vimos o que é uma afirmação. É algo que é, que só está sen-
do descrito e sua veracidade pode ser comprovada ou não.
Já o julgamento... É uma construção, feita pelo observador,
a partir do seu sistema de valores, crenças, experiências de vida,
mandatos familiares.
O julgamento é uma interpretação que habita no observador
e cria realidades.
Exemplo:
A reunião começava às 9 horas.
João chegou às 9h45.
João é irresponsável.

Neste exemplo, o que é afirmação e o que é julgamento?


Afirmação: a reunião começava às 9 horas, João chegou às
9h45.
Julgamento: João é irresponsável.
O julgamento é uma declaração feita por um observador,
que declara a partir das suas referências de vida.
A bagunça começa quando confundimos afirmação com
julgamento, em relação aos outros e a nós mesmos.
João pode ter chegado uma única vez às 9h45, mas nem
por isso é irresponsável. João pode ter chegado sistematica-
mente às 9h45, porque tinha avisado ao seu gestor que estaria
num curso com o objetivo de melhorar seu desempenho e só
conseguiria chegar às reuniões às 9h45, etc., etc., etc.

120 As Raízes do EUpreendedorismo


Incluir

Vamos fazer um exercício: pense em um julgamento que você faz sobre


você mesmo. Agora responda as perguntas para checar o fundamento de
tal julgamento.

Para que eu faço este julgamento?


Faço este julgamento comparado com que ou com quem? (padrão, norma,
nível ou qualidade)
Em qual domínio, área ou contexto da minha vida faço este julgamento?
Quais afirmações têm sustentado este julgamento?
Existem afirmações contrárias que possam invalidá-lo?
Que ações futuras se abrem ou são comprometidas quando faço este
julgamento?

Então... a solução é não julgar? Impossível. Como seres hu-


manos, vivemos em mundos interpretativos. E o julgamento
muitas vezes é inevitável. O que se torna importante é lembrar
a distinção entre Afirmação e Julgamento. Ter presente que é
uma construção e é plausível de ser fundada ou infundada.
Tratar os julgamentos como verdades é uma das principais
fontes de sofrimento do ser humano.
Durante muito tempo, eu achei que tinha certas limitações
para me expressar. Eu escrevia um texto e não conseguia passar
das cinco primeiras frases. Na minha visão, não tinha nada
mais a dizer desse assunto e, em geral, isso se passava com
quase todo texto que eu tinha que desenvolver.
Eu criei uma “verdade” dentro de mim de que eu tinha
uma limitação.
Quando fiz os exercícios da minha reflexão de propósito,
entre outras atividades, precisei pedir para algumas pessoas fa-
larem dos meus talentos. A resposta mais repetida que eu rece-

As Raízes do EUpreendedorismo 121


Incluir

bi foi que eu era muito clara e concisa nas minhas explicações


e isso se tornava bastante didático. Era fácil compreender o
que eu estava dizendo... O que eu sempre enxerguei como li-
mitação e determinou vários movimentos, decisões e atitudes
na minha vida, de repente, se desmoronava e se reconstruía a
partir de outra percepção, bem mais positiva.
Em termos de Para muitas pessoas, esse fenômeno era inter-
autoconhecimento, pretado como ser didática. Abriram-se muitas
como EUpreendedores, outras possibilidades a partir desse novo julga-
mento.
podemos pensar: Vemos também que os julgamentos não
se os julgamentos somente fazem parte da explicação de um fe-
são construções que nômeno, mas também mostram algo sobre
criam realidades, nosso observador. A minha maneira de julgar
o mundo mostra o observador que sou. Um
que realidade estou
julgamento fala mais de quem julga do que da
construindo? Que pessoa que está sendo julgada. E, se é a declara-
realidade eu quero ção sobre mim mesmo, o que esse julgamento
construir? fala de mim?
Outro ponto muito importante que a On-
tologia traz é que, à luz das palavras de Eche-
verría, a autenticidade é a condição de viver dos julgamentos
próprios.
Em muitas ocasiões, não refletimos se os julgamentos emi-
tidos nos pertencem. Ou se, simplesmente, nos apropriamos
de julgamentos coletivos, disponíveis ao alcance da mão. Em
geral, esses julgamentos nos possuem, não somos nós que os
possuímos.

122 As Raízes do EUpreendedorismo


Incluir

“O ser humano que consegue acessar todo seu potencial


de liberdade é aquele que submete sua existência ao rigor da
autenticidade, que aprende a julgar seus julgamentos”, diz
Echeverría.
Para sermos autênticos, deveríamos avaliar os valores que
sustentam nossos julgamentos e questionar se são pertinentes
e se “ornam” conosco. Julgar de forma crítica os julgamentos,
fazendo com que eles nos pertençam e não que nós pertença-
mos aos nossos julgamentos.
Então, em termos de autoconhecimento, como EUpreen-
dedores, podemos pensar: se os julgamentos são construções
que criam realidades, que realidade estou construindo? Que
realidade eu quero construir?
Partindo da premissa de que é uma construção, podemos
questioná-la e reconstruir a partir de novas premissas. Novos
olhares para o meu observador. E, assim, voltamos ao esquema
que o Edu trouxe sobre o observador, as ações e os resultados.
Mudando o observador, modificam-se as ações e, portanto, os
resultados.
Não perca a oportunidade de analisar um julgamento que
você faz sobre si e fundá-lo a partir das perguntas propostas
anteriormente.
Como esse julgamento tem impactado a sua vida? Na rela-
ção com você mesmo e com os outros? Que possibilidades se
abrem a partir de agora?
E, para terminar esse assunto apaixonante que é a lingua-
gem, vou falar dos últimos três atos linguísticos fundamentais,
tão importantes em termos de inclusão: as promessas, os pedi-

As Raízes do EUpreendedorismo 123


Incluir

dos e as ofertas. Eles representam o nosso compromisso social


com a sinceridade e a competência para realizá-los.
Variáveis a serem consideradas nos três atos: um orador,
um ouvinte, uma ação futura, condições de satisfação e tem-
po.

Promessas

As promessas são declarações de compromissos pessoais ou


sociais que nos levam à ação.

Pedidos

É o ato linguístico que, ao ser declarado, espera como resul-


tado a promessa do ouvinte.
No pedido, o orador declara e o ouvinte acolhe e deve decla-
rar se está de acordo. O resultado está na mão do ouvinte.
O que é importante na declaração de um pedido:
O que estou pedindo?
Quais são as condições de satisfação?
Em que tempo?
No exemplo da carona, eu posso formular o pedido aberto:
“Você pode me dar carona?”, e a outra pessoa responder “sim”
e me levar para casa cinco horas depois. Mas, se eu tenho ur-
gência de chegar em casa, preciso explicitar isso no meu pedido:
“Você está saindo agora? Poderia me dar carona até a minha
casa?”
Outro exemplo:

124 As Raízes do EUpreendedorismo


Incluir

“Você poderia me enviar o relatório que foi enviado para o


cliente X?”
ou
“Você pode me enviar por e-mail, agora, o relatório que foi
enviado para o cliente X? Preciso dele neste momento”.

Ofertas

Uma oferta é uma potencial promessa, condicionada à


aceitação do ouvinte.
Nas ofertas, há algo que o orador identifica como necessi-
dade do ouvinte, então, se antecipa e oferece.
Nas ofertas, a ação futura está na mão do orador, e as con-
dições de satisfação são colocadas ou definidas pelo ouvinte.
Estas são as dificuldades que muitas vezes se apresentam
nas ofertas:

• oferecer o que nós achamos que o outro precisa e não


necessariamente o que ele precisa. “Vem jantar em casa,
para não ficar sozinho depois de um dia tão difícil?”
No entanto, a pessoa já manifestou precisar de silêncio
e descanso.
• oferecer para não ter que pedir. “Quer vir jantar na mi-
nha casa? Estarei sozinha.” Na verdade, a pessoa “não
quer ficar sozinha”.
• oferecer o que não temos possibilidades ou competên-
cias de entregar. “Quer vir jantar na minha casa? Talvez,
eu não esteja lá, mas pegue comida na geladeira. As-

As Raízes do EUpreendedorismo 125


Incluir

sim que terminar a minha reunião, eu chego” (talvez,


à meia-noite).
Que possiblidades se abrem quando oferecemos? E que
possibilidades se fecham quando oferecemos e não cum-
primos?
Dessa maneira, introduzimos alguns assuntos relaciona-
dos à linguagem que nos permitem organizar e melhorar o
contexto das relações conosco e com os outros, um movi-
mento importante em termos de EUpreendedorismo e de
inclusão.

Obrigado, querida Taly, pelas suas palavras.

Ainda dentro do tema linguagem, gostaria de ressaltar outros


dois pontos fundamentais no mundo do EUpreendedorismo.
Primeiro, a simplicidade. Gente é gente. Nascemos todos
do mesmo jeito e morremos absolutamente iguais. Como já
dito anteriormente, somos todos seres de luz e somos parte de
um ecossistema lindo, simples e, ao mesmo tempo, complexo
(olha a polaridade novamente aqui!).
Algo que ajuda a caminharmos é a simplicidade, ou melhor,
tornar a linguagem acessível a todos. Quando se começa a estu-
dar, a se apaixonar pelos temas e teorias, é comum a linguagem
se tornar mais densa, rebuscada, distante. Muitas vezes, isto
afasta as pessoas.
Tenho certeza de que você já conheceu mestres, professores

126 As Raízes do EUpreendedorismo


Incluir

ou profissionais fantásticos, com profundos conhecimentos so-


bre suas especialidades, mas, quando entram em qualquer di-
nâmica de troca desse conhecimento, o processo não flui. As
palavras difíceis afugentam muita gente.
Por outro lado, os conceitos mais complexos, quando tra-
duzidos de maneira simples, facilitam um bocado a experiên-
cia, o nosso desenvolvimento, o nosso caminhar!
Foi com essa inspiração que criamos o primeiro vídeo
para explicar o EUpreendedorismo. Desde que iniciei a Rede
Ubuntu, eu tinha o sonho de criar um “vídeo-
manifesto”, que é um vídeo bonito, emotivo
(em geral), no qual determinada marca fala no O EUpreendedorismo
que acredita e o que busca fazer no mundo. É precisava ser
só ligar a televisão, ou mesmo ir às redes so- explicado de um jeito
ciais, e você encontrará várias produções nesse
sentido de diferentes marcas.
simples, universal, em
Mas a falta de grana e também, acredito, a que todos pudessem se
pouca maturidade em relação ao conceito do perceber no processo
EUpreendedorismo nos fizeram criar nosso de reflexão do seu
primeiro vídeo apenas em 2012. Tive uma boa propósito.
ideia de caminho em uma conversa com o Le-
andro Castilho, publicitário gaúcho, torcedor
fanático do Internacional, amante da cultura em suas mais
variadas manifestações, fã da cidade de São Paulo e uma das
pessoas mais engraçadas que conheço. Ele teve um papel fun-
damental na construção do “tom” da comunicação da Rede
Ubuntu de EUpreendedorismo. Falávamos sobre um texto
que eu tinha escrito sobre a metáfora do jardineiro, para expli-

As Raízes do EUpreendedorismo 127


Incluir

car o processo do EUpreendedorismo, quando ele mencionou


o filme “Muito Além do Jardim”, de 1979, com os gloriosos
Peter Sellers e Shirley MacLaine. Esta produção conta a histó-
ria de um jardineiro que, por casualidade da vida (se é que isso
existe), acaba virando o consultor do presidente dos Estados
Unidos por, simplesmente, trazer inspirações da natureza, do
seu jardim, como paralelo aos desafios que o país enfrentava
na época, nos campos social e econômico.
Logo fui assistir ao filme e… bingo! Era isso! O EUpreen-
dedorismo precisava ser explicado de um jeito
simples, universal, em que todos pudessem se
perceber no processo de reflexão do seu propó-
sito e na jornada de empreendê-lo, para colher
muitos frutos no final!
Aliás, existe uma ciência em prática no mun-
do, há bastante tempo, para usar a natureza
como inspiração para a solução de muitos desa-
fios para os quais não encontramos solução. É a
Biomímica, muito bem explicada em um TED
Talk de Janine Benyus12.
A natureza e todos nós, como parte dela,
podemos ser simples E ao mesmo tempo pro-
fundos. Assim, a utilização de uma linguagem
simples e acessível para incluir a todos nessa jornada do EUpre-
endedorismo só facilita o nosso desafio.

12 - TED Talk Biomímica em Ação.

128 As Raízes do EUpreendedorismo


Incluir

É um processo!

O olhar pode ser inclusivo, a linguagem também pode


facilitar a inclusão. Mas, se nossos atos não ornam, de nada
adianta. Vejo muitos dizerem, pregarem sobre a diversidade,
mas como andam os comportamentos no dia a dia?
A abertura ajuda muito aqui. Desde o início da Rede, te-
nho um lema comigo mesmo: aceito todos os almoços, cafés e
reuniões que me propõem. De novo, se a premissa é que todos
somos seres de luz e temos com o que contribuir, como posso
dizer não para oportunidades como essas, para a oportunida-
de de um encontro?
Posso dizer que já me surpreendi muito com meus precon-
ceitos. Reuniões que julgava que não dariam em nada foram
mágicas, enquanto almoços sobre os quais tinha enorme ex-
pectativa não deram em nada!
Outra aplicação prática desse Princípio está presente no
próprio desenho dos programas, na sequência das dinâmicas,
nos exercícios que propomos aos participantes. Lembre-se:
vim do mundo corporativo e, nas empresas, é comum ouvir
a seguinte frase, quando se discute algum trabalho de cons-
trução de equipe ou mesmo reuniões fora do escritório: “Lá
vamos nós abraçar a árvore”.
Confesso que disse muito isso. Olha os préconceitos aí,
gente! Não via o sentido daquilo tudo. Centenas de e-mails
para ler, inúmeras viagens marcadas e eu “enfurnado” em uma
sala de hotel pintando e desenhando? Faça-me o favor!
Hoje, percebo que o que me incomodava em muitos desses

As Raízes do EUpreendedorismo 129


Incluir

trabalhos dos quais participei era a falta de contexto. Um de-


senho de processo de aprendizagem que, simplesmente, levas-
se em consideração de onde estávamos partindo e para onde
queríamos ir.
Acredito que este tem sido um dos nossos maiores dife-
renciais e desejo sinceramente que seja mantido. A quantida-
de de dinâmicas, teorias e conteúdos oferecidos atualmente é
enorme. Basta entrar no Google com algum senso crítico, ser
seletivo e se divertir.
O desafio, porém, é conseguir pegar todo esse conteúdo,
essas dinâmicas, essas experiências e criar um ambiente e um
fluxo propício para as pessoas caminharem nas suas jornadas.
Acredito que este seja um dos maiores atos de inclusão que
possa existir no EUpreendedorismo.
Fácil? Nem um pouco. Conto um exemplo que enfrenta-
mos após alguns anos de estrada. Taly e eu, que já facilitávamos
juntos há um bom tempo, fomos realizar um programa piloto,
apenas uma experiência de três horas, em um Centro Cultural
de uma comunidade que desejava entender melhor do que se
tratava o EUpreendedorismo para, quem sabe, oferecer aos jo-
vens daquela comunidade um programa completo.
Como se tratava de um Centro Cultural, já ocorriam ali
inúmeras atividades lúdicas recorrentemente. A nossa cliente
sugeriu, então, que usássemos uma dessas atividades, inclusive
para integrar o piloto com o que estava acontecendo no local.
Ótimo. Inclusivo.
Então, a Taly se reuniu com um instrutor fantástico, de uma
formação de teatro muito concorrida que ocorria no próprio

130 As Raízes do EUpreendedorismo


Incluir

Centro Cultural, para desenhar tal dinâmica. Desenharam


muito rapidamente e Taly saiu da primeira reunião com uma
pulga atrás da orelha. Algo lhe parecia estranho.
Resolveu marcar uma segunda reunião. Conversaram me-
lhor sobre a dinâmica, o que a deixou um pouco mais tranqui-
la, mas ainda restava uma interrogação pequena na sua cabeça.
Como ela mesma disse, antes da experiência: “Edu, sinto al-
guma coisa estranha. Estou com receio...”.
Começamos a experiência, contamos sobre nossas histó-
rias, como sempre fazemos, sobre a fundação da Rede Ubuntu
e sobre o conceito do EUpreendedorismo. Em seguida, explo-
ramos mais profundamente o tema Propósito e dissemos aos
participantes: “Em vez de ficarmos discutindo mentalmente
sobre propósito, vamos experienciá-lo, pois, como dissemos, o
processo do EUpreendedorismo é um processo integral. É um
processo que precisa da mente, mas também do corpo físico,
do emocional e do espiritual”.
O instrutor de teatro, então, nos levou para outro espaço
e começou a fazer umas dinâmicas corporais intensas. Lem-
bro-me de que colocou uma música alta, incrível, e apagou as
luzes. E, também, que do lugar em que estávamos havia uma
vista lindíssima de São Paulo. Belo.
Confesso que, em muitos momentos, uma vozinha dentro
de mim disse: “Nossa, deve ter gente se perguntando o que
raio estão fazendo aqui!” Mas como a música era incrível, o
visual era incrível, deixei rolar...
Voltamos, em seguida, para o espaço onde estávamos sen-
tados e ele propôs uma dinâmica: pegou duas cadeiras e as

As Raízes do EUpreendedorismo 131


Incluir

colocou na frente do grupo e, em seguida, convidou duas


pessoas para se sentarem uma de frente para a outra, sendo
que uma tinha que olhar para a outra e, depois, contar uma
história a partir do que via na outra. A dinâmica era, de fato,
sensacional, mas não para aquele momento.
Os jovens, que tinham ido para a dinâmica sem ter a mí-
nima ideia do que esperar, estavam lá, na frente de todos, ex-
postos, tendo que contar uma história a partir do que viam e
sentiam do rosto do outro. Uma dinâmica incrível, realmente,
mas que exige uma abstração, uma abertura e um ambiente de
confiança entre todos os presentes, características que não se
consegue em uma hora de dinâmica.
É preciso um processo, um caminho, ampliando a abertura
aos poucos, criando os vínculos necessários para que a pro-
fundidade das dinâmicas possa ser estabelecida. Respeitando
o tempo de cada um. Um processo que inclua, que vá ao en-
contro do outro, e não o afaste.
Ou seja, tudo o que não estava acontecendo ali, naquele
momento. As duas primeiras pessoas sentadas lá na frente co-
meçaram a travar. Sensação de constrangimento. O instrutor
quis chamar duas novas pessoas para experimentar e, claro, o
silêncio imperou. Ninguém se ofereceu.
Taly e eu olhamos um para o outro, absolutamente inco-
modados com aquela situação. Ela claramente ainda mais in-
comodada, pois, no fundo, no fundo, já pressentia que aquilo
pudesse vir a acontecer.
Como facilitadores, e com o nosso grande Princípio do In-
cluir, o desafio era seguir caminhando com todos, da melhor

132 As Raízes do EUpreendedorismo


Incluir

maneira possível. Intervi na dinâmica, procurando justamente


contextualizar. Coloquei um trecho do filme “Billy Elliot”,
que tem como tema central o estado de fluxo. Quando esta-
mos fazendo algo que amamos, que nos alimenta, que muitas
vezes é o estado em que estamos realizando nosso propósito,
parece que saímos do nosso corpo. Esquecemos o tempo e
tudo o que está acontecendo ao nosso redor. Um estado que
é muito difícil de explicar racionalmente, tanto
que, no filme, Billy usa uma série de analogias
e metáforas. Um lindo trecho. EUpreendedorismo tem
Enquanto o filme se desenrolava na tela, a ver com o processo.
Taly puxou o instrutor para um canto e con- Tem a ver com
versou com ele sobre o que estávamos fazendo.
caminhar em direção
E, ao terminar o trecho, comecei a facilitar o
grupo para fazer as conexões entre o filme e as ao propósito.
experiências que tínhamos vivenciado com o
instrutor de teatro. Definitivamente, um dos
momentos mais difíceis de facilitação que já
havíamos tido.
O desafio era incluir o instrutor de teatro, honrar o que
ele havia feito e suas intenções e, ainda, incluir os jovens que
tinham sido, de certa maneira, expostos, para que todos nós
seguíssemos caminhando na nossa jornada de reflexão sobre
propósito (para onde estávamos caminhando do ponto de vis-
ta metodológico).
EUpreendedorismo tem a ver com o processo. Tem a ver
com o caminhar. Tem a ver com a experiência de seguir em
direção ao propósito. E, para apoiarmos, provocarmos, inspi-

As Raízes do EUpreendedorismo 133


Incluir

rarmos as pessoas neste processo, é preciso ter uma abordagem


inclusiva.
Sensibilidade para compreender o ponto de partida das
pessoas ou da equipe. Por isso, o trabalho de diagnóstico do
ponto de partida é tão fundamental em nosso processo de
aprendizagem. E, se por um acaso, por questão de tempo ou
por limites de acesso, não é possível ter clareza sobre esse pon-
to de partida, a forte recomendação é ser o mais cuidadoso
possível nos primeiros passos a serem dados com a pessoa ou
com o grupo, até que você tenha capacidade de sentir melhor
o ritmo da pessoa ou do grupo e propor dinâmicas mais ou-
sadas.
É preciso que os facilitadores tenham acesso a um bom re-
pertório de dinâmicas, técnicas, experiências e conceitos, além
da capacidade de convidar aquele indivíduo ou aquele grupo
a dar o próximo passo em suas respectivas jornadas de apren-
dizagem. Lembrando, um passo que pode ser desconfortável
(saindo da zona de conforto), mas que não leve aquele grupo
a travar. Sensibilidade é fundamental aqui.
Como se adquire? Fazendo! Estudando muito, sim, mas
fazendo, praticando, treinando, de maneira integral! Traba-
lhando mente, corpo, sentimentos, espiritualidade, apenas
para mencionar algumas possibilidades.
No fim, nossa experiência no Centro Cultural da comuni-
dade foi positiva. Conseguimos caminhar...

134 As Raízes do EUpreendedorismo


Incluir

A importância dos vínculos

No curso de palhaço que fiz com as queridas Nina e Momô,


um dia elas propuseram um exercício incrível: imagine, se
você tivesse um superpoder, qual seria ele. O superpoder que
me veio imediatamente foi o meu abraço.
Já recebi várias vezes o feedback de que o meu abraço é aco-
lhedor. Literalmente abraça. No curso, imaginei que o meu
abraço tivesse o poder da cura. Não seria legal?
Você deve estar se perguntando por que estou falando disso
aqui. Simplesmente, porque uma das manifestações visíveis
do Princípio do Incluir é o vínculo. E o abraço é um dos com-

As Raízes do EUpreendedorismo 135


Incluir

portamentos mais visíveis da existência do vínculo.


Nesses anos envolvido com o mundo de aprendizagem,
mais especificamente em EUpreendedorismo, entendi que es-
tabelecer vínculos é fundamental na jornada de experiência
em direção ao nosso propósito.
Certa vez, escrevi um texto no blog da Rede Ubuntu sobre
a metáfora do trapézio, representando muitas vezes as transi-
ções do velho para o novo, que passamos ao longo da nossa
jornada.
No processo do EUpreendedorismo, cons-
Isso nos traz para tantemente estamos evoluindo, mudando,
o tema confiança, crescendo. E, em muitas ocasiões dessa jor-
um valor tão básico nada, é preciso largar o jeito antigo, viver por
e essencial na certo momento um vazio, uma incerteza entre
o antigo e o novo e, finalmente, ir para o jeito
construção de nossos novo que, por natureza, é imperfeito, por jus-
vínculos. tamente ser novo.
A metáfora do trapézio explica muito bem
este processo, já que, para sair de um trapézio
e ir para o outro, você precisa largar o trapézio
em que está. Um movimento muitas vezes nada fácil. Em se-
guida, vive o vazio de ter largado a barra anterior, sem ainda
ter pego a nova. E, quando agarra o novo trapézio, você vive
certo desconforto inicial, até que ajeita as mãos ao longo do
balanço e se acomoda de novo.
Escrevi este texto em um dia e, no dia seguinte, a Luciana
Gallo, mineira da deliciosa cidade de Belo Horizonte, escre-
veu um post complementando o meu texto, dizendo que, nes-

136 As Raízes do EUpreendedorismo


Incluir

se processo de transição de um trapézio para o outro, é muito


bom saber que existe uma rede por baixo. Em caso de queda,
de necessidade de ajuda, existe uma rede para nos suportar.
Linda imagem.
Sábias metáforas para explicar uma faceta da importância
dos vínculos em nossas vidas, em nossas jornadas. Em nosso
processo de aprendizagem, os nossos vínculos de confiança e a
rede que vamos construindo vão nos dando segurança e apoio
para cada vez voarmos mais alto, realizarmos transições mais
complexas.
Isso nos traz para o tema confiança, um valor tão básico
e essencial na construção de nossos vínculos. Nesses anos de
EUpreendedorismo, à medida que fomos trabalhando com
equipes, um tema que se tornou recorrente nos workshops é a
confiança.
Falamos muito em confiança e paramos muito pouco para
refletir mais profundamente sobre o que gera confiança, sobre o
que está por trás da confiança.
No início da minha jornada como EUpreendedor, facilitei o
tema confiança pela primeira vez com o querido Marco Antô-
nio Figueiredo, com base na teoria de Stephen Covey, O Poder
da Confiança (2006).
Segundo Covey, os pilares da confiança são, nesta ordem,
integridade, intenção, competências e resultados.
No caso da integridade – para mim, a melhor palavra é au-
tenticidade –, quer dizer o quanto você é coerente entre o que
acredita, diz e faz. Em minhas palavras, o quanto você ORNA
aquilo que diz com as atitudes e comportamentos no seu dia a

As Raízes do EUpreendedorismo 137


Incluir

dia.
O segundo item que gera confiança é sua intenção. Ou, em
nossas palavras, o seu propósito. Todos nós, na maioria das
vezes, percebemos em uma relação a intenção da outra pessoa,
não é mesmo? Pois é, se percebemos no outro, ele também
percebe na gente! Confiamos mais naqueles em cujas inten-
ções e propósitos nós acreditamos.
O terceiro tema que gera confiança são as competências,
isto é, se a pessoa é capaz de entregar aquilo que ela está se
propondo a entregar naquela relação.
Finalmente, os resultados, ou a experiência, ou mesmo as
realizações que a pessoa demonstrou durante a jornada. Cos-
tumamos confiar mais naqueles que já demonstraram algo,
que já fizeram e com quem tivemos experiências positivas.
Depois de ter descoberto estes quatro pilares que geram
confiança, tenho usado esta reflexão de forma rotineira em
minha vida, principalmente porque a teoria os coloca em or-
dem, sendo que é possível você começar a confiar em alguém
sem os dois últimos, isto é, só com os dois primeiros pilares.
Você é capaz de começar a confiar em uma pessoa se en-
xergar verdade nela, se ela ornar. Para ver a importância que
damos a este ponto, perceba que uma das raízes do EUpreen-
dedorismo é dedicada só a esse ponto: ORNAR.
Além de ver se ela é autêntica, o segundo pilar fundamental
é o propósito, o quanto acreditamos no propósito da pessoa.
Veja a conexão desses dois conceitos com a essência do EU-
preendedorismo. Perceba como tudo está interligado.
Conforme mencionei, estas reflexões se tornaram impor-

138 As Raízes do EUpreendedorismo


Incluir

tantes perguntas em minha vida.


O quanto estou sendo verdadeiro? O quanto estou sendo
autêntico em meu dia a dia?
Em seguida: qual é a minha intenção nessa minha relação?
Qual é o meu verdadeiro propósito?
E por fim: o quanto estou sendo digno de confiança? O
quanto estou sendo merecedor da confiança dos outros?
É muito fácil olhar para os outros e dizer dentro de si: nesse
eu confio, naquele confio mais ou menos, mas no fulano de
tal, de jeito nenhum...
E você, como tem sido a sua construção de vínculos? E a confiança nessas
relações, como tem sido demonstrada? Sugiro fazer uma pausa e refletir,
sentir um pouco suas relações e comportamentos do dia a dia, à luz dos
temas confiança e vínculos.

Mas e você? O quanto você, em seu dia a dia, está sendo


merecedor de ser confiável? Definitivamente uma reflexão sig-
nificativa a ser feita.
A confiança é um tema fundamental na construção daque-
la rede que a Luciana mencionou e serve de base para a nossa
jornada do EUpreendedorismo.
Em todos esses anos de EUpreendedorismo, a construção
desses vínculos tem sido fundamental. Eu poderia dizer que
a grande maioria dos vínculos que estabeleci, nesse período,
tem sido muito baseada em conversas sobre os propósitos de
cada um e o quanto sinto de verdade, o quanto aquela pessoa
orna. Muito mais do que suas competências e realizações que,
claro, são muito importantes, mas secundárias nessa escala.

As Raízes do EUpreendedorismo 139


Incluir

Comecei esse tema de vínculos com a reflexão sobre o meu


poder mágico, o meu abraço, lembra?
Costumamos dizer que um importante indicador dos nos-
sos programas é a quantidade de abraços que recebemos ao fi-
nal dos encontros. Claro que nós, facilitadores, não estamos lá
para receber abraços, não é para isto que realizamos os progra-
mas. Mas é incrível como a quantidade de abraços que recebe-
mos é um claro indicador de vínculos que construímos com
os participantes dos nossos programas, o quanto está rolando
uma entrega entre as partes...
Em certos programas que facilitamos, já se formou fila para
os abraços. E o mais lindo é que, no fim de tudo, quando
todos já foram, nós, facilitadores, nos juntamos e damos um
mega-abraço entre nós também. Um claro sinal de que algo
mágico ocorreu ali...
Isso me faz lembrar um TED Talk muito especial, do que-
rido Benjamin Zander13, ao qual vale muito a pena assistir.
Entre as diferentes pérolas presentes na fala de Benjamin, está
um indicador que ele usa para medir se está indo bem ou mal
em seu trabalho: a quantidade de olhos brilhando que ele é
capaz de produzir com suas intervenções.
Desde que vi esse TED, tenho isso certamente como um
indicador: shining eyes. Um lindo indicador do qual o mundo
educacional deveria se apropriar para medir seus processos de
aprendizagem. Quantos participantes dos programas saem das
experiências educacionais com os olhos brilhando?
Adotei esse indicador para mim e adicionei os abraços
como outro indicador potente. Aliás, um indicador que orna
13 - http://www.ted.com/talks/benjamin_zander_on_music_and_passion

140 As Raízes do EUpreendedorismo


Incluir

bem com a filosofia Ubuntu, não é mesmo?


O princípio do incluir visível no dia a dia.

Acolher a nossa sombra

Como já mencionei, durante toda a minha experiência de


vida, desde criança, na ânsia de querer incluir e agradar a to-
dos, todo esse processo gerou enormes aprendizados, ou me-
lhor, ainda gera (lembrando que também estou
caminhando!).
Isso me remete a um dos temas mais fun-
damentais do Princípio do Incluir: a sombra.
É preciso, sim, acolher a nossa sombra, pois ao
incluí-la existe uma enorme oportunidade de
crescimento, evolução, desenvolvimento.
Como já vimos, luz/sombra é uma linda po-
laridade e é preciso dançar entre os polos, de
maneira dinâmica, de maneira consciente.
Um grande exercício, eu sei. Ainda mais
quando o assunto é sombra. Sabe aquelas pes-
soas que irritam e tiram você do sério profun-
damente? Aqueles momentos de grande raiva
ou mesmo de grande medo? É aí que estão en-
cravadas grandes joias de crescimento e sabedoria. Mas, de
todos os jeitos possíveis, normalmente tentamos fugir, nos
distanciar, evitar...
Vale aqui indicar um livro e um documentário belíssimo
sobre o tema sombra, “O Efeito Sombra”, de Deepak Chopra.

As Raízes do EUpreendedorismo 141


Incluir

Ressalto aqui uma imagem para mim marcante do documen-


tário, que faz uma analogia linda ao representar muito a nossa
relação com a nossa sombra.
Imagine-se dentro de uma piscina segurando uma bola.
Enquanto você segura a bola dentro d’água, ela, de todas as
formas, tenta escapar. E você faz de tudo para impedir isso.
Ela tenta escapar pela esquerda e você dá um jeito de segurar.
Ela tenta pela direita e você segura mais forte, tentando levá-la
ainda mais para o fundo. Até que, em determinado momento,
na fração de um descuido, a bola escapa e vem para a superfície
com toda a força!
Muitas vezes, esta analogia representa muito bem a nossa re-
lação com a nossa sombra. Tentamos de toda forma nos afastar
dela, escondê-la, não olhar para ela, porém, mais dia, menos dia
lá está ela, com toda a sua potência.
Na polaridade luz/sombra, assim como em muitas polarida-
des, não existe um polo que é a solução. Não é viver apenas na
luz e negligenciar a sombra. Como já foi discutido, o caminho
está em dançar nestes diferentes polos, beneficiando-se o máxi-
mo possível dos pontos positivos da luz e da sombra.
Aí, você pode se perguntar: mas quais são os benefícios da
sombra? Como aprendemos com a querida Del Mar Gonzales
Franco, do Instituto Evoluir, que adora o tema sombras, é fun-
damental acolhermos a nossa sombra. O fato de tomar consci-
ência da sua existência, perceber em que circunstâncias ela se
manifesta e identificar as emoções e gatilhos associados a tais
sombras é, como já mencionado, uma joia de crescimento.

142 As Raízes do EUpreendedorismo


Incluir

E, por não ser um assunto tão fácil, uma “ajudinha” nesses


casos é muito bem-vinda. Em alguns momentos de nossa jor-
nada, chamamos a Del Mar para realizar trabalhos de desenvol-
vimento conosco.
E existem ferramentas maravilhosas nesse sentido, como o
exercício 3, 2, 1 da sombra14.
Durante esses anos, identificamos sombras coletivas da
Rede Ubuntu que têm servido de grande fonte de crescimen-
to para nós. Aliás, em um recente programa de formação nas
Raízes do EUpreendedorismo, fizemos um lindo exercício de
sombras individuais e, em seguida, discutimos as coletivas,
que serviram de grandes insights para todos nós.
Acredito que o maior deles foi: para cada um dos Princí-
pios do EUpreendedorismo, as nossas raízes, temos sombras
correspondentes. Para alguns pode parecer óbvio, mas confes-
so, para mim, foi um momento de descoberta.
E, por eu ter dado à luz o movimento da Rede Ubuntu,i-
dentifiquei também como minhas sombras individuais muitas
das sombras reconhecidas coletivamente na Rede.
Aqui estão as sombras que identificamos e as associações
com os Princípios:

Não se valorizar, não se reconhecer. A sombra do Acreditar.

É interessante que a essência do que fazemos como rede


é justamente apoiar, estimular e provocar as pessoas a reco-
nhecer seus propósitos, suas luzes e manifestar e expressar tais
luzes no mundo, por meio de seus projetos e iniciativas.
14 - https://www.integrallife.com/integral-life-practice/3-2-1-shadow-process

As Raízes do EUpreendedorismo 143


Incluir

Casa de ferreiro, espeto de pau. Você se lembra deste dita-


do? Pois bem, durante esses anos de jornada, percebemos que
o que tanto queremos fazer para os outros, em geral, é o que
queremos e precisamos fazer para nós mesmos.
Em muitos momentos, nos deparamos com a dificulda-
de de reconhecer o que estávamos construindo. Muitas vezes
irritados, com raiva, pois os outros não reconheciam o que
estávamos querendo fazer. Mas se nós mesmos não reconhe-
cíamos, como querer que os outros o fizessem? Entendeu de
onde vem a raiva?
Reconhecer a nossa própria luz é um grande exercício para
nós, ainda mais se queremos tanto que os outros façam o mes-
mo.

Dificuldade de se colocar, de colocar limites, de ser assertivo. A


sombra do Abrir.

Na jornada desses anos, na ânsia de querermos ser uma


Rede a mais aberta e inclusiva possível, de querermos agradar
a todos para, em última instância, sermos amados e reconheci-
dos, percebemos nossa dificuldade de colocar limites, de dizer
não, de contrapor uma ideia ou conceito.
Em muitos momentos, sentimos raiva com certos pedidos
ou colocações, ou mesmo frustração em determinadas rela-
ções. Ao fazer o exercício de acolher as sombras, percebemos
que, antes de tudo, faltou colocar limites, usar da nossa asser-
tividade, respeitando também o que queríamos e acreditáva-
mos nessas situações.

144 As Raízes do EUpreendedorismo


Incluir

Perceba o quanto essa sombra se relaciona com a sombra


do acreditar...

O colegiado, o consenso, a discussão interminável. A sombra do


Abrir e Incluir.

Outra sombra explícita se manifesta quando se discute, se


discute, se discute e nada acontece. A equipe
ou grupo não sai do lugar.
Claramente, a sombra do nível de consci- Apoiar, estimular e
ência verde.
provocar as pessoas
E, para uma Rede que tem como propósito
EUpreender, isto é, agir, caminhar em direção a reconhecer seus
ao propósito, ficar presa nas armadilhas do propósitos, suas
consenso é muito frustrante. luzes e manifestar e
A Rede Ubuntu começou em 2009, só co- expressar tais luzes
migo. Então, era fácil. Precisava apenas incluir
no mundo, por meio
a minha opinião (rsrsrsrsrs). À medida que o
tempo foi passando, mais pessoas foram se jun- de seus projetos e
tando ao sonho, ao propósito de espalharmos o iniciativas.
EUpreendedorismo por aí. Em certos momen-
tos, por não reconhecermos tal sombra, isso
diminuiu a nossa velocidade, gerando muita
frustração e irritação em muitos de nós.
É preciso incluir todos aqueles que assim desejam e cami-
nhar, EUpreender!

O julgar, o segregar. A sombra do Incluir.

As Raízes do EUpreendedorismo 145


Incluir

Na nossa jornada de construção da Rede Ubuntu de EU-


preendedorismo, quantas e quantas vezes acabamos julgando
e excluindo determinados grupos. Mesmo de maneira incons-
ciente, mas acabamos por julgar e excluir. Logo que fundei a
Rede, vivia dizendo: “Porque eles só querem dinheiro, só que-
rem vencer, porque são muito mentais, etc.”, referindo-me ao
ambiente corporativo, do qual tinha acabado de sair. E, mais
recentemente, ao final de um encontro sobre
educação com diferentes pessoas e organiza-
Como já foi dito, ções do Brasil, a líder daquela iniciativa fez um
este é um processo agradecimento especial a mim e à Rede Ubun-
tu, pelas contribuições naquele projeto. E ter-
integral, por isso,
minou dizendo: “Eles também fazem parte da
fazer dinâmicas ilha de Cuba!” Ela se referia ao bairro da Vila
para sentir, refletir, Madalena, em São Paulo, onde a Rede Ubun-
identificar tais tu nasceu, que é caracterizado por ser um bair-
sombras no seu corpo ro altamente inovador, cultural, descolado.
De imediato, achei tudo aquilo muito en-
físico é fundamental.
graçado e, ao mesmo tempo, era um sinal claro
de que, ao estarmos inseridos naquele contex-
to, tudo era tão natural. E também o quanto (sem perceber)
não estávamos excluindo aqueles que não se comportavam
daquele jeito.

O excesso do bonzinho, bonitinho, perfeitinho, evoluidinho (os


“inhos”). A sombra do Ornar.

146 As Raízes do EUpreendedorismo


Incluir

Na busca incansável por ornar, uma sombra clara identifi-


cada na Rede foram os “inhos”.
Começou comigo, lá na minha adolescência, quando que-
ria ser tão perfeito, e as meninas pelas quais eu “babava”, sim-
plesmente, não queriam saber de mim por ser tão “inho”, e
chegou até o presente, ao participar da Rede e, de alguma
maneira, repelir algumas pessoas, pois não se sentiam à altura
de estar ao lado de super-heróis. Esta sensação foi declarada
por uma das participantes do Raízes ao dizer, após o exercício
da sombra: “Ufa, estou me sentindo aliviada! Sinto que a Rede
é feita de humanos, assim como eu!”
Simplesmente, dar vazão ao erro, à imperfeição, aos exage-
ros é uma forma maravilhosa de acolher essa sombra e trazer a
humanidade tão essencial para a Rede Ubuntu e para as nos-
sas vidas. Falaremos mais sobre isso no Princípio do Ornar!
Aguarde!

Estar sempre devendo, pois estou fazendo menos que os outros. A


sombra do Colaborar.

Em um ambiente colaborativo e generoso, a culpa de es-


tar sempre devendo é uma sombra que grita muitas vezes. Ao
construirmos coletivamente, com todos tendo autonomia
para dedicar o tempo e a energia que quiserem, para muitos
de nós, ao olhar para o lado, a sensação de estar devendo é
enorme.
Apesar de dedicar quase a totalidade do meu tempo à Rede
Ubuntu nesses seis anos, também tenho essa sensação quando

As Raízes do EUpreendedorismo 147


Incluir

olho as inúmeras possibilidades e oportunidades que temos


mantido absolutamente inexploradas.
Não preciso dizer que fui parar no hospital com crise de
ansiedade, sem dúvida por uma dessas sombras.
Tivemos lindas conversas sobre essas sombras. Como já foi
dito, esse é um processo integral, por isso, fazer dinâmicas
para sentir, refletir, identificar tais sombras no seu corpo físico
é fundamental. Foi o que fizemos, e foi libertador.
Como término da discussão, trouxemos alguns temas e
ações que podemos realizar no nosso dia a dia para acolher
tais sombras:

Darmos vazão ao nosso sentir


Construir ambientes e, ao mesmo tempo, ser capazes de
simplesmente sentir. Sem dúvida, eu fui treinado a fugir dos
meus sentimentos ruins: fazer de tudo para não sofrer, para
não ficar triste, para não sentir raiva. No entanto, já está pro-
vado que não dá apenas para não sentir a parte ruim. Ao nos
anestesiarmos, como diria Brené Brown em seu mágico TED
Talk, anestesiamos também os sentimentos positivos.
O sentir nos ajuda a acreditar. Sentir todos os tipos de sen-
timento, acolher e dar vazão a esta força incrível que nos foi
presenteada. É uma prática a ser buscada em nosso cotidiano.

Foco no propósito
Esta é uma ação muito válida para a sombra do consenso e
colegiado. Toda vez que as discussões começarem a se tornar
intermináveis, ou mesmo rolar muito “mi, mi, mi”, alerta! Fo-

148 As Raízes do EUpreendedorismo


Incluir

que no propósito e saia fazendo!


Outro aspecto importante aqui, como mostra a nossa ex-
periência, é que a Rede Ubuntu agrega pessoas com propósi-
tos que ornam... Portanto, algo que ajuda nas conversas, nos
diálogos, no dia a dia é não duvidar da intenção das pessoas.

Protagonismo
Um tema que temos desenvolvido muito nos diferentes
trabalhos que realizamos, fundamental para lidarmos com vá-
rias das nossas sombras. Agir, ter iniciativa, ir atrás, assumir
responsabilidade pela solução são características fundamentais
para lidar com muitas das nossas sombras.

Pedir e receber feedbacks


De longe, nossa ferramenta mais potente. Ligado às duas
ações anteriores (propósito e protagonismo), o ato de pedir
e receber feedbacks ajuda, e muito, a acolher a maioria das
sombras listadas anteriormente.
É um grande exercício de construção, que muitas vezes dá
preguiça ou é desconfortável, mas se mostra essencial na cons-
trução das relações em rede.
Mais um fator para mostrar a importância da linguagem,
tema explorado por Taly neste capítulo, que nos auxilia a dis-
tinguir melhor a linguagem nos diálogos sucessivos de nossas
vidas.

Alinhamento de expectativas
Em um ecossistema aberto e inclusivo como o da Rede

As Raízes do EUpreendedorismo 149


Incluir

Ubuntu, uma atitude simples e muito poderosa tem sido o


alinhamento de expectativas. Em uma relação, por sermos tão
diferentes e iguais ao mesmo tempo, é enorme a capacidade de
criação de fantasmas ou de expectativas irreais.
Um simples exercício de contracting tem se mostrado es-
sencial na construção das nossas relações em rede. E o que é
contracting?
Em uma relação, ambos responderem duas perguntas sim-
ples e fortes:

• O que eu ofereço?
• O que eu espero?

A experiência mostra que o simples alinhamento destas


perguntas entre ambas as partes já alivia muitos ruídos nas
diferentes relações.
Acolher a sombra. Aspecto fundamental do Princípio do
Incluir.

150 As Raízes do EUpreendedorismo


As Raízes do EUpreendedorismo 151
152 As Raízes do EUpreendedorismo
Colaborar

Capítulo 4: Colaborar
“Juntos somos mais fortes.”
Filme: Mandela – A Long Walk to Freedom

Vivemos tempos de grande complexidade. No século XXI, ainda


convivemos com inúmeros problemas na humanidade, tais como
guerras, violência, drogas, fome, pobreza, falta de acesso à saúde,
corrupção, discriminação, utilização sem limites de recursos, apenas
para citar alguns. Como solucioná-los? Ou como transformá-los?
Quantas e quantas pessoas em conversas nas mesas de almoço de
domingo, ou mesmo nos bares durante a semana, após o expediente
de trabalho, comentam sobre esses desafios ou os efei-
tos deles em nossos dias. E, invariavelmente,
durante tais conversas, ocorrem algumas
falas do tipo: “Esquece, não tem solu-
ção! O problema é muito grande...”.
Concordo plenamente que vi-
vemos problemas complexos, mas
acredito que somos capazes de so-
lucioná-los ou, pelo menos, trans-
formá-los na direção da evolução.
E, de novo, a partir da inspi-
ração da história de Mandela, que
tal acreditar que “juntos somos mais
fortes”?

As Raízes do EUpreendedorismo 153


Colaborar

Quem poderia imaginar, algumas décadas atrás, que bran-


cos e negros poderiam conviver na África do Sul? Quantas
e quantas conversas foram feitas ainda durante o apartheid,
tanto na própria África quanto no resto do mundo, regadas
de ceticismo a respeito do convívio entre pessoas com cores de
pele diferentes naquele país? E veja o que aconteceu!
Se problemas complexos já foram solucio-
nados na humanidade, e esse é um dos exem-
Se outros plos, por que outros também não podem ser
homens já solucionados ou, pelo menos, transformados?
fizeram, por Perceba aqui o Princípio do Abrir, fundamen-
que também tal para o Princípio do Colaborar… Lembra-se
não podemos de um dos “mantras” do Princípio do Abrir?
solucionar Por que não?
outros Na direção de transformarmos problemas
problemas do complexos, é preciso partir das possibilidades e
nosso planeta? não apenas das probabilidades.

154 As Raízes do EUpreendedorismo


Colaborar

Reflexão

Caso, neste momento, tenha uma vozinha aí dentro, dizendo:


“Mas, Eduardo, o problema na África do Sul ainda não foi soluciona-
do. Ainda existe muita violência e muito preconceito por lá...”, peço
que você use os Princípios novamente em sua jornada de reflexão. Veja
o exemplo de fluxo a seguir:

Abrir:
Por qual perspectiva você está enxergando a África do Sul
neste momento? Claro que os noticiários, muitas vezes, re-
tratam atos de violência que ocorrem lá, mas essa é a única
perspectiva da realidade? Que tal também olhar por outros
ângulos e perceber os inúmeros exemplos de convivência, de
paz, de amor que estão ocorrendo, no mesmo instante, nessa
região?

Incluir:
Ao se abrir para essas perspectivas, que tal incluí-las e dialogar
com essa vozinha interna, com esses julgamentos?
A partir dos julgamentos criados dentro de você, o que eles dizem
sobre si? Reflita: Que observador do mundo eu sou, como enxergo
esses aspectos da realidade?
A África do Sul, assim como todos nós, vive um processo, uma
experiência (lembra-se da imagem da árvore mencionada no começo
do livro?) com luz e sombra.
Ela ainda apresenta, sim, atos de violência e de preconceito e
também exemplos de convivência, paz e harmonia. Uma E (em mai-

As Raízes do EUpreendedorismo 155


Colaborar

úscula mesmo) outra, e não apenas uma OU outra.


A África do Sul deu passos largos para superar o apartheid,
algo inimaginável tempos atrás, e isso merece todo o reconhe-
cimento da humanidade.
E uma crença que levo comigo muito forte é: “Se outros
homens já fizeram, por que também não podemos solucionar
outros problemas do nosso planeta?”
Como é dito no filme da história de Mandela, juntos so-
mos mais fortes. Para solucionar problemas com tal nível de
complexidade, precisamos nos unir. Não é a inteligência de
um e, sim, a inteligência coletiva que foi, é e será capaz de
transformar os problemas graves e complexos da humanidade.
Esta inspiração e esta reflexão me trazem o primeiro grande
destaque do Princípio do Colaborar: ter um problema, um
desafio que move você e um grupo de pessoas ou, usando uma
palavra que amamos no EUpreendedorismo, um propósito, é
fundamental para gerar colaboração.
Lembra-se do nosso sol na imagem da árvore no início do
livro? O desejo genuíno de ir em direção a esse sol, a esse pro-
pósito, muitas vezes pela complexidade de não saber como ir,
nos leva à colaboração.
Movimentos sociais se formam em torno de um problema,
de uma causa. Quando um conjunto de pessoas se identifica
com um propósito comum e acredita (olha outro princípio
do EUpreendedorismo aqui!) que pode solucioná-lo ou pelo
menos fazer algo a respeito, a colaborAÇÃO emerge.
Basta ver, quando ocorrem desastres naturais em qualquer
parte do planeta, como emerge uma série de movimentos so-

156 As Raízes do EUpreendedorismo


Colaborar

ciais para colaborar com as pessoas atingidas. Ou mesmo, nos


últimos anos, os inúmeros movimentos em diversos países
contra regimes de governos ou insatisfações nas condições de
vida em certas regiões.
Quando temos um desejo forte o suficiente para nos mo-
vimentarmos e, pelo caos e pela complexidade presentes na
situação, não temos ideia de como resolver, olhamos para o
lado e pedimos ajuda.... Simples assim, pedimos ajuda.
E, quando aquela outra pessoa também se conecta com
aquele desejo genuíno, com aquela causa, a colaboração emer-
ge. Vemos isso constantemente em nosso dia a dia, basta olhar
ao redor.
Como costumamos dizer em nossa experiência na Rede,
não basta se abrir, não basta incluir. Em seguida, é preciso se
juntar, unir conhecimentos, ações, ferramentas, energia, para
seguir na direção da construção do nosso propósito.
Este capítulo é dedicado a explorar um pouco mais o Uni-
verso da Colaboração. As crenças e filosofias associadas à cola-
boração. Em seguida, apresentaremos algumas práticas, com-
portamentos e ações e, finalmente, aterrissaremos em algumas
reflexões sobre os ambientes, processos e sistemas do Princípio
da Colaboração.
Para começar a jornada de nos aprofundarmos no Princí-
pio do Colaborar, é essencial falar de Ubuntu. E, vale ressaltar,
não foi à toa que escolhi escrever sobre Ubuntu justamente
nesse Princípio! Vale lembrar, apenas, que Ubuntu tem rela-
ção com todos os Princípios e não apenas com o Princípio do
Colaborar. Mas, como quando conheci Ubuntu, colaboração

As Raízes do EUpreendedorismo 157


Colaborar

O poder da pergunta

No final de 2013, convidamos o querido educador José Pacheco


para uma conversa.
José Pacheco trouxe inúmeras inspirações em sua conversa.
Uma das que mais me marcou foi o poder da pergunta em nosso
processo de aprendizagem. Ou melhor, nossa capacidade de for-
mular boas perguntas. Tanto que José Pacheco começou sua fala
dizendo: “Então, o que vocês querem saber?” Claro que o silêncio se
fez presente...
Como assim? Fomos treinados, ou pelo menos eu fui, durante
a minha jornada de educação, a sentar e ouvir alguém transmitir
o seu conhecimento. Como diria meu pai, “beber a sabedoria dos
mestres”. E ali estava um mestre me perguntando o que eu queria
saber... Como assim? Sei lá! Fala aí...

158 As Raízes do EUpreendedorismo


Colaborar

O Zé explorou em nossa conversa o papel da pergunta. A per-


gunta move, gera ação. Uma pergunta que toca, que ecoa no seu
interior faz você caminhar em direção à resposta.
Nas inúmeras provas que fiz em minha vida escolar, fui treinado
a “matar a prova”, a responder, de maneira correta, as perguntas.
Zé nos provocou a olhar de uma maneira diferente: Que tal se
estimularmos todos a formular perguntas e apoiar uns aos outros
na busca pelas respostas?
Muitas vezes, tão importante quanto a resposta é o processo de
respondê-la. E nem preciso dizer também que, após termos passa-
do pela jornada dos Princípios do Abrir e do Incluir, de certa forma
podemos desconstruir o conceito de certo e errado, não é mesmo?
E uma pergunta, comum a no mínimo duas pessoas, tem o po-
tencial incrível de gerar colaboração.
E você, quais perguntas tem aí dentro? Que perguntas você gos-
taria de responder?
Esse é um excelente exercício, inclusive de propósito!

As Raízes do EUpreendedorismo 159


Colaborar

era um significado que usei muito para descrever tal filosofia


para quem nunca tinha ouvido falar de Ubuntu, resolvi incluí-
-la aqui, fazendo jus à origem de como a conheci e entendi.

Filosofia UBUNTU

Eu sou porque você é.


Você é porque nós somos.
Quando passamos
a enxergar a nossa Ainda estava no mundo corporativo quan-
do ouvi sobre a palavra Ubuntu pela primeira
experiência de
vez. Lembro-me que tive uma reação interna
construção do nosso imediata: “É isso!” Aliás, agradeço aqui à que-
p’rop’ósito como uma rida terapeuta Luiza Lage, por ter me indicado
dança, como um o filme “Em minha terra”. Quem diria que isso
constante movimetno tudo teria acontecido depois, hein?
entre inúmeras Vi, ouvi e me encantei. Seis letras que sig-
dualidades, passamos nificam tanto!
a fluir melhor. Uma palavra com muitos significados,
como diria matéria do Jornal Nacional, às vés-
peras da Copa do Mundo de Futebol em 2010.
“Humanidade, amor ao próximo, colaboração, interdepen-
dência, perdão, solidariedade, relacionamento são alguns dos
significados atribuídos a Ubuntu. Mas é pouco!” E de fato é...
Ubuntu é uma filosofia de vida. E, à medida que você ca-
minha na direção de viver tal filosofia, ela passa a “entranhar”
e ser parte natural de você, das suas relações e dos seus dias. E
também, à medida que você a experimenta, o seu entendimen-

160 As Raízes do EUpreendedorismo


Colaborar

to de seus inúmeros significados aumenta...


Faz quase dez anos que tive o primeiro contato com a palavra
Ubuntu. E uma passagem recente da nossa história como rede
é um grande exemplo da profundidade de entendimento que
ganhamos de seus inúmeros significados. Explico:
No início de 2014, recebemos pelo nosso site uma mensagem
da Carla Santos e do Helder Miguel Delgado, do Instituto Padre
António Vieira (IPAV)15, dizendo que tinham em Portugal um
projeto chamado Academia Ubuntu e gostariam de marcar uma
reunião virtual para nos conhecerem. Além disso, perguntaram
se toparíamos participar de uma conferência global Ubuntu em
Portugal, que seria realizada ainda naquele ano.
Alguns dias depois, fizemos a reunião virtual, contamos uns
aos outros quem éramos e o que fazíamos. O pessoal do IPAV
nos perguntou se toparíamos participar da 1a Ubuntu Global
Network Conference, a ser realizada em Lisboa (Portugal), em
abril daquele ano. Nossa resposta imediata foi: “Sim, claro!”
Brincamos até, na época, que nem que fôssemos de “busão” nós
iríamos a Portugal.
E, de fato, fui a Portugal e foi incrível. Uma experiência ver-
dadeiramente Ubuntu. Estiveram reunidos oito organizações e
projetos de diferentes continentes que ou tinham Ubuntu em
seu nome (como no nosso caso) ou usavam como inspiração a
filosofia Ubuntu.
Aqui vale ressaltar a importância de uma filosofia, de prin-
cípios norteadores, para se unir e colaborar. Não foi preciso um

15 - Instituto Padre António Vieira é uma organização não governamental portuguesa. Para
mais informações, acesse www.ipav.org.pt.

As Raízes do EUpreendedorismo 161


Colaborar

dia para desconhecidos terem a sensação de que eram irmãos,


pois falávamos a mesma “língua”, acreditávamos em coisas pare-
cidas, tínhamos perspectivas do mundo muito similares.
Nessa viagem, tive a honra de conhecer John Volmink16, uma
pessoa encantadora, que se tornou nosso líder na Ubuntu Glo-
bal Network, que fundamos nessa 1a Conferência Global Ubun-
tu. E John nos presenteou com uma fala muito inspiradora sobre
Ubuntu, retratada neste vídeo: (https://bit.ly/ubuntuconferen-
ce2014).
Para mim, o grande insight dessa viagem foi entender e,
principalmente, vivenciar profundamente que Ubuntu é a
construção da individualidade em uma comunidade.
Durante a nossa discussão da Carta de Propósito e Princí-
pios da Ubuntu Global Network, John insistiu que Ubuntu
não é coletivismo. Ubuntu, tampouco, é o individualismo.
Ubuntu é a integração, a união, a inclusão do individual E do
coletivo.
Confesso que, quando tomei contato com Ubuntu, tive
a impressão de que falava mais do coletivo. E compreender
realmente o seu significado fez toda a diferença do mundo.
Lembra-se do conceito que descrevi quando falei da visão
egocêntrica, etnocêntrica, mundocêntrica e cosmocêntrica, e
como a humanidade, em sua história, vem em um movimento
pendular entre o EU (Individual) e o NÓS (Coletivo)?
Pois bem, ao entrar em contato com esse entendimento da

16 - John Volmink, nasceu e cresceu na Cidade do Cabo, África do Sul. Ele começou sua
carreira acadêmica na University of the Western Cape e completou seu PhD em Mathematics
Education na Cornell University, Ithaca NY, United States of America em 1988.

162 As Raízes do EUpreendedorismo


Colaborar

filosofia Ubuntu, compreendi o quanto Ubuntu é uma filoso-


fia moderna, e antiga ao mesmo tempo, para nos levar adian-
te, integrando os polos de individualidade e coletividade. Não
é uma coisa ou outra, é uma E outra.
Lá estávamos em Portugal, cada um com seu projeto, sua
organização, sua marca, sua história, mas decidindo fazer par-
te de um movimento maior porque, inspirados por certo mo-
vimento recente no mundo, sabíamos que juntos somos mais
fortes!
Vejo hoje diversos movimentos sociais, ou mesmo organi-
zações empresariais ou sociais, enfrentando sérias dificuldades
nessa polaridade individual e coletiva. Algumas “presas” no
coletivo pelo coletivo, fazendo com que indivíduos renunciem
a seus interesses individuais em prol de um interesse coletivo.
E, quando digo isso, já escutei histórias por aí de organizações
que pedem para a pessoa não namorar com a outra do mesmo
movimento, em prol do coletivo!
O que acaba acontecendo nesses casos, como já demons-
trado diversas vezes pela história? Uma hora ou outra os indi-
víduos se cansam e “correm” para o extremo oposto em dire-
ção à prática de sua individualidade.
Ainda no conceito da polaridade, já visto no capítulo an-
terior, em um primeiro momento desfrutam dos benefícios
desse quadrante e, à medida que o tempo passa, acabam sendo
cada vez mais individualistas e caem no quadrante negativo
do individual. E assim por diante...
Ubuntu é a integração desses dois polos. A dança constante
e infinita entre a individualidade e a coletividade.

As Raízes do EUpreendedorismo 163


Colaborar

Ao gerenciar times de marketing de países diferentes na


minha época de mundo corporativo, muitas vezes tive a níti-
da sensação de que estava gerenciando concorrentes entre si,
pois o que eu menos via era colaboração. Por isso, quando to-
mei conhecimento da filosofia Ubuntu, me encantei... Muitos
problemas que enfrentávamos em nosso negócio poderiam ser
solucionados se colaborássemos.
A pergunta que ficava para mim, na época, era: mas como
trazer a cultura da colaboração? Como virar a chave? Como
começar? A resposta: fazendo! Mas aí vale uma importante
reflexão.

164 As Raízes do EUpreendedorismo


Colaborar

Lenda Ubuntu17

Contam que um antropólogo estava estudando os usos e cos-


tumes de uma tribo da África, chamada Ubuntu. Quando terminou
seu trabalho, teve que esperar pelo transporte que o levaria até o
aeroporto de volta para casa. Sobrava muito tempo e ele resolveu
propor uma brincadeira para as crianças, que achou ser inofensiva.
Comprou uma porção de doces e guloseimas na cidade, botou
tudo num cesto bem bonito com laço de fita e colocou debaixo de
uma árvore. Ele chamou as crianças e combinou que quando ele
dissesse “Já!”, elas deveriam sair correndo até o cesto e, a que che-
gasse primeiro, ganharia todos os doces que estavam lá dentro.
As crianças se posicionaram na linha demarcatória que ele de-
senhou no chão e esperaram pelo sinal combinado. Quando ele dis-
se “Já!”, instantaneamente, todas as crianças se deram as mãos e
saíram correndo em direção à árvore com o cesto. Chegando lá, co-
meçaram a distribuir os doces entre si e os comerem felizes.
O antropólogo foi ao encontro delas e perguntou por que tinham
ido todas juntas, se uma só poderia ficar com tudo que havia no ces-
to e, assim, ganhar muito mais doces.
Elas simplesmente responderam: “Ubuntu, tio. Como uma de
nós poderia ficar feliz se todas as outras estivessem tristes?”
Ele ficou desconcertado! Meses e meses trabalhando nisso,
estudando a tribo, e ainda não havia compreendido, de verdade, a
essência daquele povo. Ou jamais teria proposto uma competição,
certo?
Ubuntu significa: “Sou quem sou, porque somos todos nós!”

17 - Texto de Raimon Pannikar, e associado à palavra Ubuntu pela querida Lia Diskin, da
Palas Athenas, e que hoje circula pela Web como uma inspiração.

As Raízes do EUpreendedorismo 165


Colaborar

Teoria do Eu e Nós

Nos últimos cinco anos, a “Teoria do Eu e do Nós” é um


dos meus insights preferidos, tanto que já comentei nos dife-
rentes workshops que facilitei que iria escrever uma tese de
doutorado a respeito deste conceito. Até esse momento não
escrevi a tese, mas resolvi dedicar um trecho do livro a ela.
A origem deste conceito se dá justamente a partir da per-
gunta: Como começar? Como começar a colaborar para resol-
ver algo que incomoda a todos?
Para ilustrar a origem do conceito, quero citar uma experi-
ência que presenciei nos anos iniciais do Programa Semear da
Natura (formação dos aprendizes). Tínhamos cinco turmas,
na época, e uma delas era bem quieta, fechada.
Já estávamos no 4º ou 5º módulo, portanto, já tínhamos
certo vínculo com aqueles jovens e, também, feito “provoca-
ções” com variadas dinâmicas para se soltarem, para se abri-
rem.
Em certo momento, fiz uma pergunta para o grupo. Como
de costume, silêncio… A diferença foi que, nessa vez, deixei
o silêncio ocorrer. E o silêncio foi tomando conta da sala. E
passava o tempo, e mais silêncio. Instantes, segundos que pa-
reciam eternos. Incômodo, angústia.
Até que uma jovem “pulou” da cadeira e disse: “Alguém
fala alguma coisa, pelo amor de Deus!” E todos riram com
a reação daquela jovem. Então, eu me sentei ao seu lado, a
abracei e agradeci.

166 As Raízes do EUpreendedorismo


Colaborar

Perguntei para a turma: “O silêncio estava incomodando?”


Muitas cabeças se mexendo para cima e para baixo concordan-
do com o quanto aquela situação tinha sido desconfortável.
Em seguida perguntei: “Quem estava pensando a mesma
coisa que ela acabou dizendo?” A maioria levantou a mão. Ali-
ás, vale ressaltar que, normalmente, quando alguém expressa
uma vozinha interna coletiva, reações emocionais acontecem,
tais como o riso.
A próxima pergunta que disparei para a turma: “E quem
é alguém?”, e a resposta veio logo em segui-
da: “Nós!” Próxima pergunta: “E quem é nós?”
Resposta: “A gente!” Disparei: “E quem é a
gente?”, e logo em seguida a resposta: “Nós!”
Após ficarmos alguns minutos nessa dança
“a gente e nós”, fiz a seguinte reflexão com a
turma. Por todos pensarem “alguém fala al-
guma coisa, pelo amor de Deus!”, no fundo,
no fundo, como o silêncio imperava na sala,
“alguém” era o outro! E, se todos esperarem o
outro fazer, o que acontece na prática? Nada! Ou, no caso, o
silêncio.
Hoje, por trás da procrastinação da solução de muitos pro-
blemas e incômodos, ou dos tais problemas complexos citados
no início deste capítulo, está este insight. O problema é de
quem? Nosso. E quem resolve? A gente. E quem é a gente?
Nós. E, no fim, chegamos a lugar nenhum e o problema con-
tinua ou, em muitos casos, só aumenta.

As Raízes do EUpreendedorismo 167


Colaborar

A teoria do “nós” é como matemática: Nós = EU + Outros.


No entanto, para ocorrer, precisa começar em cada pessoa,
com o EU!
Logo que surgiu o nome EUpreendedorismo para o nosso
processo de aprendizagem, emergiu em mim uma crise exis-
tencial. Como pode existir uma organização chamada Ubun-
tu, com um conceito chamado EUpreendedorismo? Só com
o passar do tempo, com nossa experiência e com um enten-
dimento mais profundo do que é Ubuntu, a partir da nossa
vivência em Portugal, é que fez todo o sentido EUpreendedo-
rismo com Ubuntu.
Começa com você e, para a realização do
seu propósito, outros vão se juntando e a inter-
dependência vai se construindo.
Como diria John Volmink, é a construção
da sua individualidade em uma comunidade.

Crença da abundância e da escassez

Quando começamos a agir na direção da


colaboração, invariavelmente, uma vozinha
dentro da maioria de nós surge: “Mas, se eu fizer, ele ou ela
vai sair ganhando… E eu, como fico?” Caímos assim em
um paradigma fundamental a ser trabalhado no Princípio
da Colaboração: o Paradigma da Escassez e da Abundância.
Como diria o Oswaldo Oliveira, fomos programados,
como um software, com a crença de que não tem para todo
mundo. Vai faltar... Fomos educados, ou certamente eu fui,

168 As Raízes do EUpreendedorismo


Colaborar

no Paradigma da Escassez. E, como o próprio Oswaldo con-


tinuaria: “E se acreditássemos no contrário? E se vivêssemos
com a crença de que “tem para todo mundo”?
Novamente, quero usar como exemplo a natureza. Lem-
bra-se da nossa imagem da árvore, como símbolo para esse
ecossistema da Rede Ubuntu de EUpreendedorismo? Pois
bem, se adotamos tal metáfora para o nosso ecossistema, nada
melhor do que olharmos para a natureza e nos inspirarmos. E
o que vemos? Abundância e escassez convivendo. Tudo junto,
ao mesmo tempo e agora. Só depende de que perspectiva você
enxerga e também o que você inclui em suas reflexões, não é
mesmo?
Adoro o exemplo que ouvi de Oscar Motomura, na época
em que trabalhei na Amana Key. Tive o privilégio de aprender
muito com ele, entre outras coisas, sobre a história do leão e
do freezer. Ele vivia brincando sobre a sorte de, na natureza, o
leão não ter um freezer.
O leão mata para comer. Sai para caçar, mata a sua presa,
alimenta a si mesmo e a seus “familiares” e, em seguida, vai dar
uma boa descansada. Mas se um leão (“caçador”) acabou de
matar a sua presa e mais um leão (“intruso”), de outro grupo,
quer comê-la, o conflito se faz presente. E, aí, vemos escassez,
não é mesmo? Com aquela presa, naquela situação, naquela
perspectiva, não tem para todo mundo não, meu caro… Sai
fora, leão intruso! Mas basta o leão intruso se abrir um pouco,
ampliar sua perspectiva e vemos a abundância. Há, sim, para
todo mundo, pois basta esse leão intruso ir caçar ali perto e
conseguir sua presa para poder se alimentar.

As Raízes do EUpreendedorismo 169


Colaborar

Vale ressaltar aqui o mérito da escassez nessa pequena me-


táfora, pois, se não fosse a falta de alimento, todos os leões se
encostariam no leão caçador e ficariam esperando serem ali-
mentados. O fato de faltar faz com que o leão intruso precise
sair para caçar, se desenvolver e viver sua experiência.
Agora, imagine se colocássemos um freezer nesta história?
O que será que o nosso leão caçador faria? Quem sabe se, ven-
do que havia outros leões de olho em sua presa, não faria um
esforço adicional e mataria mais algumas presas para estocar
no freezer? Assim, ele não correria o risco de concorrentes,
quem sabe, não acabarem com o alimento do mundo e, claro,
com a vantagem também de estocar para poder no futuro ficar
mais tempo descansando.
Nesta pequena história reside um importante insight. Além
de o leão não ter o freezer, ele também não sai na natureza
para matar mais e mais, pois faz parte da natureza que amanhã
terá mais... E vai ter para os outros leões também.
E nós, seres humanos, como operamos? Se acredito fiel-
mente que não vai ter algo amanhã para mim, o que faço hoje?
Corro atrás para acumular o máximo possível, pois assim terei
de sobra e não me faltará nada, ou me encosto naquele que
tem de sobra porque me dá menos trabalho.
É exatamente nesse conceito que residem muitas distorções
e desequilíbrios que vivemos hoje em dia em nosso planeta. De
fato, se olharmos ao redor, está faltando para muitos. Ainda
convivemos com uma grande parcela da população mundial
passando fome, sem abrigo, sofrendo violências inimaginá-
veis. E isso precisa mudar. É importante, porém, reconhecer

170 As Raízes do EUpreendedorismo


Colaborar

que todos esses desequilíbrios são construções nossas. Somos


o que somos hoje, fruto de tudo o que nos aconteceu e fize-
mos. De bom E de ruim.
A causa raiz de muitos desequilíbrios que ainda vivemos
em nossa sociedade reside no Paradigma da Escassez e da
Abundância e como lidamos com tais conceitos. E, quando
digo isso, não falo aqui da posição de uma pessoa que dança
tranquilamente nessa polaridade da escassez e da abundância.
Desde que conhecemos o Oswaldo, em
2013, e passamos a abrir a Rede Ubuntu na di-
reção de nos tornarmos uma rede distribuída,
para construir o nosso propósito de democrati-
zar o autoconhecimento aplicado, eu e muitos
da Rede debatemos constantemente sobre essa
polaridade. Ao nos abrirmos, ao incluirmos
outros em nossa jornada, é muito comum sur-
gir a vozinha dentro de nós: “E eu? Será que
vai ter espaço nesse projeto para mim? E se ele
entrar, vai roubar meu espaço? E como vou ganhar dinheiro?
Não vai sobrar nada para mim!” E o looping da escassez se faz
presente. No fim, minutos depois você já se percebe se fechan-
do, excluindo, competindo e buscando, incansavelmente, o
controle para que outros não ameacem o seu território.
Lembre-se de que tudo o que falamos aqui é acumulativo.
Não estou dizendo que se fechar, excluir, competir, controlar
é ruim, em detrimento de se abrir, incluir, colaborar e sol-
tar. Estamos lidando novamente com polaridades. O desafio,
lembrando, é reconhecer os diferentes polos e integrá-los e

As Raízes do EUpreendedorismo 171


Colaborar

não acreditar que só existe um lado e que esse lado é sempre


a solução.
Esta dança, esta integração tem sido nossa busca, tem sido
a minha busca e, como experiência, tem sido fascinante. Sim-
plesmente a experiência de me abrir para a existência de outro
polo, de outro paradigma, e poder experimentá-lo, fez com
que a reprogramação daquele software que o Oswaldo men-
cionava começasse a acontecer. No mínimo, me deu a chance
de experimentar na prática outra forma de en-
carar o mundo e a realidade.
Existe espaço para Fui criado a acreditar que não tem para todo
todos e, ao mesmo mundo. E, nesses anos de EUpreendedorismo,
tempo, não existe. tenho experimentado também a abundância. E
como tenho aprendido! Existe espaço para to-
Tem para todo dos e, ao mesmo tempo, não existe. Tem para
mundo e não tem. todo mundo e não tem. Depende do momen-
to, depende da perspectiva, depende da situa-
ção. Explico-me.
O primeiro grande projeto da Rede Ubuntu de EUpreen-
dedorismo “para pessoas em organizações” foi o Programa Se-
mear, da Natura, isto é, o desenvolvimento dos jovens apren-
dizes em EUpreendedorismo.
O projeto começou comigo e a Taly facilitando e as PoPs
fazendo as intervenções de palhaços durante os módulos,
porém, à medida que fomos caminhando no programa, per-
cebemos a importância de Nina e Momô participarem mais
na facilitação do programa. Os jovens ganhariam muito com
isso, pela melhor conexão das intervenções de palhaços com

172 As Raízes do EUpreendedorismo


Colaborar

o restante dos conteúdos do programa como também pelo


aumento dos jogos intercalados com conteúdos mais cogniti-
vos. E, finalmente, pela simples presença de ambas, com suas
histórias e conhecimentos, na sala.
Importante: quem ganha com isso? Principalmente os jovens,
o foco e propósito do programa e de tudo aquilo. E também nós...
Ubuntu!
Mas vale ressaltar que, à medida que os anos foram pas-
sando, tanto por pressões orçamentárias, típicas de qualquer
negócio, como pelo aumento da presença de nós quatro em
sala e a vinda do querido Cesinha, o projeto começou a fi-
car “apertado” para o nosso time. Quando digo apertado, na
prática, em termos financeiros, o que estávamos ganhando
individualmente não estava ficando bom para ninguém. O
propósito do programa era magnífico, mas a realidade era que
ele não estava se sustentando financeiramente. Na ocasião,
deixamos como estava até o término daquele ciclo, decidindo
repensar ao mudarmos as turmas e começarmos um novo ci-
clo. E, quando repensamos, a conclusão foi que precisávamos
mudar o modelo daquele projeto. E, de fato, mudamos...
Após quatro anos de programa, era chegada a minha hora
de deixar o projeto e partir para “tratorar18” outros terrenos.
Sim, passou por diversas vezes a vozinha dentro de mim dizen-
do que iria perder aquele rendimento, que iria perder aquela
“boquinha” e, também, a tristeza de perder aquela interação

18 - Ser motorista de trator era um sonho de criança meu, e uso a imagem do motorista
de trator para explicar muito do meu propósito. Abrir novos terrenos, arar a terra para que
novas plantações possam ser realizadas.

As Raízes do EUpreendedorismo 173


Colaborar

mensal com os jovens.


Mesmo com tudo isso, sentia que precisava sair para que o
projeto voltasse a ficar de pé, como uma forma de experimen-
tar justamente o Paradigma da Abundância. A experiência
real de desapegar de algo e a possibilidade deste movimento
ser benéfico para o desenvolvimento daqueles que ficavam no
projeto e, ainda, para os jovens que teriam outras experiências
e conhecimentos com outra configuração de facilitadores. E
também a chance de eu experimentar novas possibilidades de
projetos.
Quantas e quantas vezes na Rede, nesses anos, tivemos a
sensação ou mesmo falamos entre nós: “Temos mais facilita-
dores do que projetos”. E a pergunta recorrente era: Sob que
perspectiva? As oportunidades estão aí... Mas se todos ficarem
em cima da mesma presa, sim, faltará. É preciso ir atrás de
mais projetos, de mais oportunidades. Oportunidades não fal-
tam. O que não falta são problemas complexos a serem trans-
formados, não é mesmo?
E foi o que de fato aconteceu. A equipe do projeto Seme-
ar cresceu, inovou, criou, e eu acabei realmente explorando
outros terrenos, criando outros projetos, com outros facilita-
dores.
Outro momento de nossa história, durante o qual tenho
vivido o desafio da crença da abundância, tem sido neste exa-
to momento em que escrevo estas linhas. Enquanto finalizo
este livro, ocorre a mudança da razão social da empresa Rede
Ubuntu, fundada por mim em 2008, para se chamar Etc. e
Tal Aprendizagem Ltda. Isto mesmo. A Rede Ubuntu passa a

174 As Raízes do EUpreendedorismo


Colaborar

não ter natureza jurídica, mas passa a ser realmente um ecos-


sistema que evoluirá organicamente ao longo do tempo. Uma
rede de pessoas e diferentes organizações, distribuída.
E, além deste movimento jurídico, estamos também colo-
cando a marca Rede Ubuntu de EUpreendedorismo em Crea-
tive Commons19 para que, de fato, ela seja de todos aqueles que
assim desejarem colaborar em construir tal ecossistema. Res-
peitando as individualidades e construindo uma comunidade.
A Rede Ubuntu não é minha empresa e,
sim, uma rede do mundo. É minha e de todos A Rede é minha e de
aqueles que assim desejarem e EUpreenderem
todos aqueles que
para tal. Eu fui, simplesmente, um veículo pelo
qual a rede veio ao mundo e sou grato por isso, assim desejarem e
mas é chegada a hora de soltar, de desapegar. EUpreenderem para
Confesso: nada fácil “E” muito fácil ao mes- tal.
mo tempo. Muito sofrido “E” extremamente
prazeroso ao mesmo tempo. Tudo junto, mis-
turado, ao mesmo tempo e agora!
E a jornada continua.

Os diferentes níveis de compreensão e prática da


colaboração

Ao longo desses mais de seis anos de Rede Ubuntu, o meu


entendimento sobre colaboração vem evoluindo significativa-
mente, até porque sou uma pessoa que aprende muito com a
prática do dia a dia.
19 - Creative Commons, www.creativecommons.org

As Raízes do EUpreendedorismo 175


Colaborar

Desapego
Dentro da experiência do Princípio do Colaborar, ressalto a importância
da prática de uma competência fundamental: o desapego.
Em um mundo cada vez mais líquido, fluido, em que o equilíbrio passa
pelo dinamismo, pelo movimento, o exercício do desapego é crucial em nos-
sas jornadas EUpreendedoras.
Tão bonito quanto falar de desapego é o exercício de incorporar tal com-
petência em nosso dia a dia... Meu filho, meu marido, minha esposa, meu
projeto, minha marca, minha ideia, meu argumento. Fomos treinados a nos
apegar. Apego a coisas, ideias, relacionamentos, crenças.
Ouvi, certa vez, uma frase magnífica de Humberto Maturana: “A mudan-
ça reside em tudo aquilo que a gente quer manter.” Como assim? O que é
essencial para você? O que é fundamental? Isso será mantido e todo o resto
estará, portanto, sujeito à mudança... Justamente, por isso, a mudança re-
side em tudo aquilo que queremos manter, pois todo o resto estará sujeito
a ela...
O que você quer manter em sua vida essencialmente?
E, logo em seguida, uma importante reflexão. Traga de dentro de você
algum desafio que esteja enfrentando neste momento, seja um medo, uma
angústia, uma decisão que esteja procrastinando, e reflita a partir deste de-
safio: “O que é essencial ser mantido? O que pode ser mudado? No que
estou apegado ou apegada?”
Boas reflexões... e ações!

176 As Raízes do EUpreendedorismo


Colaborar

Entre os membros da Rede já fizemos algumas reuniões e


formações e, em algumas oportunidades, fizemos exercícios de
feedback entre nós. Um dos feedbacks que mais escutei nesses
anos de EUpreendedorismo, e mesmo durante minha carreira
corporativa, diz respeito à minha generosidade.
Apesar de ter certa dificuldade em entrar em contato com
isso, com a minha própria luz, como diria Marianne William-
son no texto já citado, à medida que o tempo foi passando, fui
buscando entender de onde surgia essa minha generosidade.
Como sempre perguntamos em nossos programas, o que está
por trás dessa generosidade?
Mergulhei um pouco mais, tentando responder
perguntas como: o que me faz colaborar de fato
com o outro? Quais crenças estão por trás da cola-
boração? E, no fim, o que espero desses atos? Que
tipo de resultados estou querendo?
Recentemente, fui visitar um cliente e, como
era rodízio de carros em São Paulo, usei o trans-
porte público. Peguei o ônibus, parei no Metrô e,
dentro da estação, presenciei cenas incríveis que ilustraram
muito bem o que está ou não por trás da colaboração.
Em algumas estações, há uma pequena grade na platafor-
ma de embarque indicando a fila que precisa ser formada para
entrar no vagão. Pois bem, lá estávamos eu e outros passagei-
ros na plataforma, com uma fila bem formada. Chega o trem,
a porta se abre quando, de repente, uma pessoa passa entre a
grade e o vagão e fura a fila, como se estivesse entrando pela
saída. Aquela raivinha subiu em mim imediatamente. Pens-

As Raízes do EUpreendedorismo 177


Colaborar

mentos como “este País não tem jeito mesmo!” são inevitáveis
em momentos como esse.
O diálogo interno começou e me lembrei, imediatamente,
que já havia tomado multa em estrada por ter furado uma fila
de carros parados no trânsito, pois passei pelo acostamento.
Logo em seguida veio o diálogo com a vozinha inicial:
“O que você já está julgando, Eduardo?” Dentro do vagão,
ouvindo uma bela música, aconteceu um insight: conectei o
conceito dos níveis de consciência já mencionados aqui com o
tema colaboração e produzi a tabela a seguir.
Lembrando que cada nível inclui e transcende o nível ante-
rior (como já mencionado no Capítulo I), esta tabela, a partir
da minha reflexão e entendimento, é uma rápida e simples de-
monstração de como evoluímos ao longo da vida do ponto de
vista da colaboração, ou pelo menos temos o potencial para...
No primeiro nível, você colabora simplesmente para benefício
próprio. Aqui o importante é você conseguir o que quer, levar
“vantagem”, independentemente dos impactos disso ao seu redor.
Passando para o próximo nível, você inclui e transcende o ní-
vel anterior, isto é, você colabora pensando em si e também inclui
o outro. Uma reflexão comum nesse nível seria: “Será que não
existe uma forma de nós dois sairmos ganhando? Será que não
existe uma possibilidade de sairmos os dois satisfeitos desta expe-
riência?” Lembro-me perfeitamente que, há anos, era uma gran-
de descoberta no mundo corporativo e em cursos de negociação
o conceito do “ganha-ganha”.
No nível mundocêntrico, passamos a incluir não só eu e o
outro, mas expandimos o conceito do outro para incluir ou-

178 As Raízes do EUpreendedorismo


Colaborar

Níveis Crença Comportamento Resultado


Egocêntrico Meu interesse é Eu colaboro com o “Me dei bem!”
urgente e mais impor- outro para eu ganhar!
tante do que o dos
outros.

Etnocêntrico Acredito que eu e o Colaboro com o outro Todos “ganham” nessa


outro possamos na busca de atender- relação. O famoso
ganhar. mos a ambos os “ganha ganha.”
interesses.

Mundocêntrico Somos todos interde-


pendentes. Minha
Colaboro na busca de
atendermos aos
Ganham Ganha, Ganha.
Todos ganham. E
ação me afeta, afeta o interesses de todos os pode ser que eu não
outro e a tudo ao meu impactados (direta ou recebe o benefício
redor. indiretamente). desta relação específica
e, sim, de outra e em
outro tempo.

Somos todos conecta- Colaboro na busca do Todos ganham. E


Cosmocêntrico dos em muitas interesse de todos sensação de conexão
dimensões. Minha (meu, outros, planeta) com o todo, com algo
presença e ação têm e pelo fluxo. maior... difícil explicar
efeitos materiais e em palavras.
energéticos.

tras pessoas que não estão fazendo parte daquela relação, na-
quela situação, e também o meio ambiente, a economia, etc.
A consciência de que uma ação afeta o sistema como um todo.
Neste nível, muitas vezes se colabora com outra pessoa,
com algo maior. E pode ser que você não receba nada em troca
naquela relação específica. Como uma crença de que, por es-
tarmos interligados, aquele gesto voltará para você de alguma
forma – um conceito muito atrelado à filosofia Ubuntu.
Outro ponto desse nível é que o receber em troca de seu
gesto, muitas vezes, implica numa questão atemporal. Existe
uma consciência aqui de que tudo tem o seu tempo na vida e
que aquele gesto pode retornar a você quando for o momento

As Raízes do EUpreendedorismo 179


Colaborar

para isso.
Finalmente, o nível cosmocêntrico. E dizemos “finalmen-
te” pelo simples fato de que ainda não conseguimos enxergar
mais nenhum outro nível, pelo menos por enquanto. Ele in-
clui todos os níveis anteriores, a partir da existência de uma
crença de que, além de estarmos todos interconectados, esta-
mos também conectados em muitas dimensões, por exemplo,
em um plano com frequências variadas.
Acredito que nesse nível existe a nítida sensação de um
chamado. A colaboração aqui passa por se colocar em fluxo,
agindo em prol de algo maior. E a beleza de que, ao se colocar
nesse estado, uma sensação de conexão no seu sentido mais
amplo da palavra se faz presente.
Vale ressaltar que todos nós potencialmente transitamos
por todos os níveis. Também é importante reconhecer que
todos nós já tivemos atitudes em um ou mais desses níveis,
a começar pelo egocêntrico. Assim, se a vozinha julgadora
emergir, preste atenção: quantas e quantas vezes já não agimos
apenas em benefício próprio em nossa vida?
Posso dizer que tenho a nítida sensação, desde o começo,
que a Rede Ubuntu, como organização, como movimento,
como organismo vivo, é um processo maior. E diria claramen-
te que a generosidade que tanto já me disseram que tenho se
origina nesse conceito.
O meu exercício de desapego descrito nas páginas ante-
riores tem fundamento justamente nessa crença: de que sou
veículo de algo muito maior. Isso não quer dizer, em hipótese
alguma, que eu estou como ser humano no estágio de consci-

180 As Raízes do EUpreendedorismo


Colaborar

ência cosmocêntrica. Apenas sinto que a Rede Ubuntu, desde


o princípio, foi um chamado, e estar nesses anos experimen-
tando esse fluxo, com grandes doses de apego e resistência em
certos momentos, e de desapego em outros, tem sido fasci-
nante.
Uma imagem que usei muito nesses últimos meses no pro-
cesso decisório de consolidar a abertura da Rede foi a relação
de uma mãe com seu filho. No começo, literalmente se con-
funde a identidade dos dois seres: mãe e filho. O desejo forte
de manter a cria embaixo das asas... Proteção, nutrição e cons-
trução daquele ser físico com seu respectivo sistema imuno-
lógico são fundamentais no primeiro setênio, não é mesmo?
Pois bem, o tempo passa, a criança vai crescendo e, para a
evolução de todos, também aumenta a importância de ela agir
por conta própria. A criação das identidades independentes e
a importância de a mãe ir soltando seu filho para que ele possa
crescer, criar sua musculatura e viver sua história. A consciên-
cia de que o filho é do mundo e você, como pai e mãe, apenas
foi veículo para que aquele ser viesse a esta dimensão.
É esta sensação que tenho com a Rede Ubuntu. Tive a
oportunidade de ser sua “mãe”. E, ao chegar à conclusão do
primeiro setênio de sua existência, é hora de soltá-la para que
eu e outros, colaborativamente, caminhemos ao seu lado na
direção de seu propósito.
A Rede Ubuntu só cumprirá seu propósito maior de de-
mocratizar o autoconhecimento, aplicado em atividades e
projetos, se colaborarmos nessa direção. E tenho certeza de
que esse processo será extremamente rico e benéfico para to-
dos: Ubuntu!

As Raízes do EUpreendedorismo 181


Colaborar

Lá na minha pós...
A prática da colaboração
Por Marina Campos, a Nina.

Olá, querida leitora, querido leitor:


Chego agora a este livro, me sentindo honrada por poder
fazer parte dessa história e por contar com o seu interesse por
ela, por nossas ideias e ideais. Estar aqui é, por
si só, uma demonstração de colaboração, uma
vez que o Edu, desde sempre, quis escrever es-
tas linhas a várias mãos.
Mas conto a vocês também que, para acei-
tar, precisei, pessoalmente, ultrapassar meu
medo de escrever “em público”; minha re-
sistência pela falta de tempo que tenho tido
atualmente, como mãe do Benjamin, de dois
anos; meu lado obsessivo, que acha que te-
nho que saber tuuudo sobre o assunto, antes
de ousar falar sobre ele; minha angústia por
querer escrever algo relevante. Enfim, precisei
deixar minha zona de conforto e tantos con-
dicionamentos e, simplesmente, dizer: sim!
“Sim! Sim! Sim!” é o nome de um exer-
cício que utilizamos em nossos workshops,
dedicado, justamente, a praticar a arte do en-
contro com o outro pela prática de estarmos sempre em um
estado de disponibilidade. Sentir a disponibilidade por todo
o corpo, fazê-la sair do universo das ideias, do pensamento

182 As Raízes do EUpreendedorismo


Colaborar

racional, tipo “Ah, é importante estar disponível ao outro”,


e se tornar um modo de vida. Isto é, “entranhar”, que é um
verbo que gostamos muito de usar na PoP e na Rede Ubun-
tu: a arte de incorporar profundamente em todo o nosso ser
conceitos como este.

• Divirta-se: Sim! Sim! Sim!

Em grupo, todos circulam pelo espaço aleatoriamente, ocu-


pando toda a sala. Relaxar os braços, a testa, o corpo, enquan-
to caminham. Qualquer pessoa, a qualquer momento, para,
levanta o braço e diz bem alto, para que todos escutem: “Ei!
Vamos (por exemplo) bater palmas?” Todos devem responder
imediatamente: Sim! Sim! Sim! Ao mesmo tempo em que di-
zem Sim! Sim! Sim!, devem fechar os punhos e movimentar os
dois braços no ar afirmativamente. Então, todos batem palmas
por alguns segundos e seguem caminho. Outra pessoa segue
o jogo: “Ei! Vamos fingir que estamos surfando?” E todos: Sim!
Sim! Sim! E assim sucessivamente, até que o grupo sinta que
todos tenham feito propostas (sendo que se pode repetir quan-
tas vezes quiser) ou que já está bom.
Se há um facilitador, é importante estimular o ritmo do jogo,
buscar que o grupo não deixe espaços vazios. Em geral, isto
acontece porque as pessoas caem em uma armadilha men-
tal, da qual justamente estamos tentando fugir (Será que essa
proposta é legal? Será que todo mundo vai gostar de fazer?
Será que estou sendo criativa/criativo?) e/ou estão em uma
zona de conforto, esperando que “o outro” faça uma proposta.
Outra observação importante que o facilitador pode fazer é
reforçar a importância de utilizar o gesto, de fazer o movimen-
to com braços e mãos para que todo o corpo esteja engajado

As Raízes do EUpreendedorismo 183


Colaborar

no jogo. Do mesmo modo, estimular que a voz seja bem alta,


quase um grito: “Eeeei!” Isso vai provocar reações no estado
geral (inclusive na química cerebral) dos participantes. Em
nossa prática na PoP e Rede Ubuntu, vemos como é difícil para
muitos chegar a esse ponto de engajamento.
Por fim, ajudar o grupo no processo que o jogo promove,
pois algumas propostas são rechaçadas, ainda que com ri-
sadas! O facilitador pode comentar, sem parar o jogo: “Vejam
bem, é o jogo do sim, não é o jogo do talvez, muito menos o
jogo do não! Vamos, deixem-se levar pela proposta!”

Foi a partir do “sim” que cheguei aqui. Embora possa, a prin-


cípio, parecer que foi um sim ao pedido do Edu, ou mesmo um
sim a você, leitora e leitor, foi mais do que isso. Foi, primeira-
mente, um sim para mim mesma. E essa distinção é importan-
te, pois acredito que a primeira pessoa com quem precisamos e
devemos colaborar é conosco. Ter disponibilidade interna.
Em seu livro A sabedoria da improvisação (gentilmente apre-
sentado a mim pela Taly), Patricia Madson escreve como o
“não”, a indisponibilidade, chega a ser quase um estado natural
para todos. Mesmo para crianças! Quem tem filhos em casa
sabe que, em geral, eles aprendem a dizer não antes de dizer
sim... Isto porque dizer sim significa um salto no escuro, ir ao
encontro do novo que, em geral, amedronta. Assim, para ela,
dizer sim é um ato de fé.
E que linda é esta ideia! É um ato de fé, uma aposta, um
convite, uma aventura. Quantas pessoas estão preparadas
para isto? Ou como nos preparamos para isto?

184 As Raízes do EUpreendedorismo


Colaborar

Bom, creio que uma das primeiras coisas a fazer é co-


nhecer e reconhecer que o sistema em que vivemos nos
prepara para o contrário.
Isto aconteceu comigo em 2004, em um curso do meu
amigo Roberto Straub. Em uma das aulas, ele brindou a
turma com a ideia do “Caçador e o Agricultor”. Ele expli-
cou: o caçador é aquele que sai de sua caverna pela manhã
e tem que trazer um tigre-dentes-de-sabre pela noite para
se alimentar. Não há meio-termo. Ou mata ou morre. O
agricultor é aquele que planta uma semente
na terra e tem que esperar pelo resultado. Está
à mercê do que vai passar com a semente, com
o clima, se vai haver chuva ou não, etc. Pode
ser – ou não – que ele vá colher algo no futu-
ro, fruto do seu investimento.
Com essa explicação, ele nos convidou a
refletir sobre qual dos dois universos esta-
va mais presente em nossa vida. Na maneira
como sentimos e agimos; no ambiente em que
circulamos ou nas relações que temos.
Naquele momento, foi muito fácil para mim identificar o
que se passava comigo: minha formação, certamente, foi em
um sistema caçador. Por exemplo, minha escola possuía um
“Quadro de Honra” com os melhores alunos de cada sala, pu-
blicado em um painel de destaque. Mês a mês, os alunos espe-
ravam aquele quadro para saber suas posições. Em casa, meu
pai costumava me dizer: “Tirar nota 10 não é mais do que sua
obrigação!” (felizmente eu estava sempre entre os primeiros

As Raízes do EUpreendedorismo 185


lugares daquele quadro...). Apesar dessa frase não significar
necessariamente competir com outros, ela transmitia a ideia
de que era preciso competir comigo mesma e, mais ainda, de
que nunca era suficiente (essa ideia vou explorar mais à fren-
te).
Do mesmo modo, eu tinha uma profissão totalmente “ca-
çadora”, como publicitária que era. E todo o conflito que vivia
naquele momento vinha de vontades, sentimentos e desejos
de migrar para o universo do agricultor. Esse foi um longo
processo. Como disse Straub no curso, não dá para ir para o
mundo do agricultor vestindo uma pele e empunhando uma
lança... É preciso se despir, deixar certos padrões e condicio-
namentos, certas maneiras de ser e de ver como somos... Vol-
tamos à questão do ato de fé! Mas antes de voltarmos, quero
lhes contar outro momento divisor de águas em minha per-
cepção e entendimento.

• Divirta-se20: O Caçador e o Agricultor

- Com qual dos dois universos você se identifica?


- Em qual dos dois universos você se encontra (no seu
trabalho, sua vida pessoal, seus relacionamentos)?
- Em qual dos dois universos você deseja viver? Impor-
tante: não há respostas certas e erradas aqui. O importante
é reconhecer o que cada situação pede de você e o que você
deseja dela.

Em meu caminho rumo ao mundo agricultor, deixei de ser


20 - Com a licença do Roberto Straub, Orbitas Curadoria de Conhecimento.

186 As Raízes do EUpreendedorismo


Colaborar

publicitária para me tornar consultora na área de sustentabili-


dade. Tive a felicidade de assistir a uma palestra do economis-
ta Bernard Lietaer, que apresentou o seguinte “esquema” sobre
a maneira como o mundo estava desenhado (as observações
que menciono aqui são fruto de anotações da palestra, não
refletem acuradamente a exposição dele):
De um lado, há o mundo que segue o Paradigma da Com-
petição, onde o que se possui (coisas, dinheiro, conhecimento,
amigos) é o valor mais importante, as relações são regidas por
uma hierarquia, “mais é melhor” e, no limite, a noção de nossa
relação com o mundo espiritual é de natureza transcendente.
E, de outro lado, temos o Paradigma da Cooperação, em
que “ser” é mais importante do que “ter”, o igualitarismo pre-
valece e nossa relação com o divino é de natureza imanente.
Lietaer discorreu sobre a dificuldade de passarmos de um
padrão a outro, assumindo valores mais humanos do Paradig-
ma da Cooperação, causada, principalmente, pela ausência de
um sistema econômico que sustentasse esse modelo. Isto é,
todo o nosso sistema econômico está desenhado de maneira
a sustentar a competição. E ainda não há um sistema, um
modelo econômico para o Paradigma da Cooperação. Na re-
alidade, sua palestra incluía também várias alternativas nesse
sentido. De maneira global, porém, nada ainda havia surgido.
E não surgiu até o momento.
Então, enquanto não surge, precisamos encontrar nossas
próprias maneiras de viver os dois mundos! Até porque não se
trata de eliminar um para dar espaço ao outro! Este seria um
pensamento tipicamente competitivo: o Paradigma da Coo-

As Raízes do EUpreendedorismo 187


Colaborar

peração é melhor do que o da Competição! Não, justamente


por ser colaborativo, nasce com a visão e a tarefa de incluir o
mundo que o precede.

Neste sentido, abroBernard


aqui umLietaer
espaço para falar de visão sis-

Coerência Competitiva Coerência Cooperativa


Competição Cooperação
Ter, fazer Ser
Experiência “pico” Sustentabilidade
Lógico, linear Paradoxal, não linear
Tecnologia domina Habilidades interpessoais
são a tecnologia
“Mais e maior é melhor” “Pouco pode ser bom”
Hierarquia Igualitarismo
Autoridade central Respeito mútuo
Deus transcendente Divindade imanente

têmica. Não saberia localizar exatamente onde está a raiz do


problema, tampouco precisar uma solução. Mas estou plena-
mente segura de que a ausência de visão sistêmica nos impe-
de, inúmeras vezes, de praticar a colaboração. É porque penso
e enxergo de maneira limitada, sem entender a inter-relação
entre fatos, coisas e pessoas, que não consigo perceber o valor
de cooperar.

188 As Raízes do EUpreendedorismo


Colaborar

Após ter participado de um curso sobre Pensamento Sistê-


mico na Schumacher College, Inglaterra, tenho o palpite de
que observar e conhecer mais profundamente a natureza é cer-
tamente um caminho para isso. A natureza funciona de uma
maneira sistêmica, inclusive a nossa! Posso observar como
funciona um formigueiro e também o meu sistema digestivo!
Estimular nossa percepção sistêmica é mais um dos mo-
tivos que nos leva a praticar, nos trabalhos da Rede Ubuntu,
os jogos de palhaço. Jogos de palhaço são jogos usados para
a formação de um palhaço. Sendo assim, buscam estimular
certas reações e revelar certas possibilidades internas de ma-
neira muito integrada: todos os jogos ativam, ao mesmo tem-
po, corpo, mente, emoções. A partir da percepção de como
funcionamos internamente, buscam estabelecer pontes com a
maneira como os outros funcionam. E, claramente, ajudam as
pessoas a viver mais plenamente essas relações.

• Divirta-se: Forma Letra! (nível “facinho”)

Em grupo, todos circulam pelo espaço aleatoriamente,


ocupando toda a sala. Relaxar os braços, a testa, o corpo, en-
quanto caminham. Um facilitador é necessário. Ele vai expli-
car que, a qualquer momento, vai pedir que todos formem,
juntos, uma letra do alfabeto. As duas regras de ouro são:
sem trocar uma só palavra entre eles e em apenas 10 se-
gundos.
Pede, “para treino”, que formem a letra T. Em geral, o gru-
po fala muito (também ri muito) e não consegue fazer a letra

As Raízes do EUpreendedorismo 189


Colaborar

em 10 segundos. Isto está bem, é assim mesmo. O facilitador


pode brincar (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 9.5, 9.6, 9.9....10!) para
ajudar no princípio e, depois, vai se tornando mais rigoroso.
Quando o grupo já está “profissional”, pode pedir letras mais
difíceis ou pedir que formem a letra usando o corpo de for-
ma diferente (em geral, os grupos tendem a fazer filas de pé.
Opções são inúmeras, como sentados, deitados, abraçados,
dançando, etc. O grupo deve encontrá-las sozinho).

• Divirta-se: Me Salva! (nível um pouquinho mais com-


plexo!)

Forma-se uma roda. Uma primeira pessoa “A” olha nos


olhos de qualquer outra pessoa “B” na roda, contanto que não
esteja muito próxima (cruzando a roda, de preferência). Faz
um ligeiro aceno de cabeça, como que pedindo permissão
para ocupar o lugar de “B”. “B” assente. “A”, então, se dirige
ao lugar de “B”, que deve ceder seu lugar. Mas, para isso,
precisa encontrar um lugar para ir. Então, enquanto “A” ca-
minha, “B” procura olhar “C” e faz o mesmo: um ligeiro aceno
de cabeça pedindo permissão para ocupar o lugar de “C”. “C”
assente e procura o lugar de “D” para ir. E assim sucessiva-
mente.
O jogo chama-se Me Salva! porque se “A” chega até “B”
antes que “B” tenha conseguido um lugar para ir, “B” explode!
Sim, é um jogo perigosíssimo!
O que costuma acontecer antes que o grupo consiga ga-
nhar um ritmo? Em primeiro lugar, o aceno de cabeça acaba
saindo como um aceno desesperado. O grupo deve buscar a
sutileza do gesto, da comunicação não verbal.
Também acontece o efeito “preciso sair daqui correndo”.

190 As Raízes do EUpreendedorismo


Colaborar

Isto é, quando “A” começa a caminhar, “B” sai do seu lugar


sem ter ainda achado outro para ir, sem ter encontrado um
olhar, feito o aceno de cabeça e recebido o aceno de permis-
são de volta. É preciso treinar o controle sobre esse impulso
de sair correndo.
Por fim, e essencial ao jogo: todos vão percebendo que
estão jogando ao mesmo tempo, pois, ou estão caminhando
ou estão “salvando” alguém.
Ah! Se o grupo tiver adquirido total domínio, mais de uma
pessoa pode caminhar ao mesmo tempo!

Lembra-se da história que contei sobre “nunca ser sufi-


ciente”? Bom, queria falar de outro esquema que explica nos-
so mundo: o Paradigma da Escassez versus o Paradigma da
Abundância. Você poderia argumentar que ele já está contido
no esquema de Lietaer, e é verdade. Mas eu o
destaco aqui porque é uma maneira bastante fácil
de nos ajudar a identificar o que se passa conosco
a cada dia, especialmente em relação aos nossos
medos. Recordando: colaborar é um ato de fé, de
ultrapassar nossos medos. E do que temos medo?
Bom, para a grande maioria das pessoas, na gran-
de maioria das situações, da escassez.
Nosso mundo diz que não há para todos. Não
“há” o quê? Tudo! Não há dinheiro para todos, não há espaço
para todos, não há sucesso para todos. Assim, naturalmente,
viver é garantir a sua parte. E sentir dúvida, temor quanto a
conseguir ou não. Ao colocar essa ideia de maneira tão sim-

As Raízes do EUpreendedorismo 191


Colaborar

plificada, não sai de minha cabeça a aula da Lia Diskin na


pós-graduação em Jogos Cooperativos21 que fiz.
Lia estudou a questão do paradigma mental em que vi-
vemos, buscando raízes para essa mentalidade do medo, que
nos é cultivada a cada momento – pela mídia, pela sociedade,
por nossa família, por nós mesmos. E “desenrolou” para nós
este novelo, mostrando como a poderosa indústria de armas
é muito, muito mais poderosa do que podemos imaginar.
Como, para sustentar seu negócio, sustenta governos, mídia e
sociedade, patrocinando uma indústria parale-
la, a indústria do medo.
Essa pós-graduação tem um papel engraça-
Podemos evitar o do na vida da Rede Ubuntu. De tão apaixo-
suave abraço que no nada que eu era pelo curso, e de tanto conhe-
dá a competição todos cimento, insights e ferramentas que aprendi e
transmiti ao grupo que conduzia o Programa
os dias, ao relembrar Semear, da Natura, virou uma brincadeira
quem somos. constante a frase “Lá na minha pós...”. A cada
módulo que desenhávamos, algum conceito,
alguma informação ou jogo era adicionado por
conta do curso. Ao final, foi como se todos tivéssemos feito o
curso juntos!
Além da contribuição que citei, outra muito importante
dentre as várias dessa pós-graduação foi a revisão da manei-
ra como entendemos as teorias de Darwin, da maneira como
as traduzimos pelo conceito corrente de que o homem tem
21 - A Pós-Graduação em Jogos Cooperativos mudou de nome. Chama-se agora
Pós-Graduação em Pedagogia da Cooperação e Metodologias Cooperativas e
é uma parceria entre o Projeto Cooperação e a UNIP – Universidade Paulista.

192 As Raízes do EUpreendedorismo


Colaborar

uma natureza competitiva e, portanto, ao competir, não está


fazendo nada mais do que atendendo à sua própria natureza.
A revisão de Darwin é fundamental para desmontar a crença
devastadora de que somos biologicamente programados para
competir. Muitas vezes, esta argumentação é utilizada como
definitiva para não mudarmos os rumos que o mundo está
tomando, nossas atitudes, nossas escolhas.
Na aula do professor José Romão Trigo Aguiar, vimos que
a Teoria da Evolução não foi compreendida da maneira como
proposta por Darwin, tendo sido interpretada à luz de um
olhar competitivo. Um dos maiores equívocos foi entender
que ele pregava o domínio e a eliminação do mais fraco pelo
mais forte. Que “só” sobreviviam os “mais” aptos, e não que
sobreviviam os aptos. Ou melhor, todos os que sobreviveram
são aptos.
Ainda dentro dessa confusão está o entendimento da sele-
ção das espécies, a partir da ideia de que seleção significa eli-
minação (o mais apto, selecionado, eliminou o menos apto),
enquanto a palavra “seleção” se refere à ideia de que a natureza
escolhe, seleciona, mas não elimina. Esse “escolhido” é uma
espécie que teve seus genes modificados e, ao “variar”, se for
capaz de sobreviver, é “incluído e aceito”. É selecionado!
Vimos também que sempre houve um esforço coletivo a
favor da “aptidão” das espécies, outro fato ignorado, sem lei-
tura para o olhar competitivo. Acredito que esta leitura com-
petitiva da teoria darwiniana seja um dos pontos de vista cien-
tíficos que mais se alastrou, que mais se tornou popular, está
entranhado em todo o mundo, em toda a sociedade, todas as

As Raízes do EUpreendedorismo 193


Colaborar

idades, classes sociais... Infelizmente, é parte do que aprende-


mos na escola e não esquecemos. Afinal, é um conceito neces-
sário para justificar os caminhos do mundo até agora.
Desmontada essa visão de Darwin (ou pelo menos colo-
cando-a sob questionamento, já que este é apenas um resumo
bem resumido), é preciso colocar algo em seu lugar, para não
corrermos o risco, novamente, de alimentarmos o medo, pois,
se até hoje acreditei nisso, o que vai ser de mim daqui para
frente?
Uma das primeiras possibilidades para construir novos mo-
delos mentais pode ser a observação de que o universo se for-
mou a partir de uma série de explosões, impactos, descargas e
reações químicas. Esses fenômenos são pulsantes. A matéria
pulsa. A sensação de estar vivo – pleno, feliz, realizado – não é
limite, competitiva. É pulsante, cooperativa.
Uma série de fenômenos biológicos que deram origem aos
seres vivos (como a pluricelularidade) e que ainda hoje estão
presentes em nossa estrutura (como a autopoiese) comprovam
o comportamento cooperativo como gerador e mantenedor
da vida, além de fonte de inovação e diversidade.
Para não me estender demasiadamente nesse assunto tão
interessante (e tão extenso!), gostaria apenas de atentar para
o fato de que enxergar o mundo a partir do Paradigma da
Abundância requer um esforço não apenas de observar a cons-
trução interna que nos faz ver apenas escassez como também
observar as construções externas.
Por exemplo, os esforços repetidos e constantes de mani-
pulação dos meios de comunicação para inspirar medo, in-

194 As Raízes do EUpreendedorismo


Colaborar

segurança. Quando digo manipulação, não me refiro apenas


ao percentual de notícias negativas versus notícias positivas
que nos é apresentado cotidianamente. Refiro-me também ao
olhar que revela, de uma mesma situação, apenas aquilo que
lhe interessa. Não sei se este é um alerta demasiadamente ób-
vio, porém, não posso evitar fazê-lo, pois uma das maneiras
como podemos evitar o suave abraço que nos dá a competi-
ção, todos os dias, é sempre relembrar quem somos, no que
acreditamos e qual o nosso propósito de vida.
Outra construção externa muito sutil vem de um ator apa-
rentemente inofensivo (ao contrário da mídia) e, supostamen-
te, “do bem”: os defensores das ideias, conceitos ou práticas de
sustentabilidade. Ao corretamente expor a preocupação com
a finitude dos recursos naturais, além de provocarem a cons-
cientização e – espera-se – o bom uso deles, estão, por outro
lado, reforçando a ideia de escassez...
Mais uma vez, é pelo medo (“Vai acabar!”, “Não vai ter
para todos!”) que estamos buscando novos comportamentos e
atitudes. Lo siento, não vai dar certo!
Então, como fazemos? Como escapamos de nosso sistema
baseado no medo, na lógica da competição? Como aprender,
sentir, viver, atuar segundo a lógica da colaboração?
Meu caminho foi por meio da linguagem do palhaço. Ao
fazer muitos anos de aula, centenas de horas de jogos que es-
timulam competências colaborativas, com mais centenas de
horas interagindo com pessoas dentro do universo da presen-
ça, da flexibilidade, da escuta, do encontro, fui lentamente
encontrando esse lugar mais confortável dentro de mim e no

As Raízes do EUpreendedorismo 195


Colaborar

mundo.
Gostamos muito de falar do tema do universo lúdico, se-
gundo a ideia apresentada no livro Brincadeira em todo Canto
– Reflexões e Propostas para uma Educação Lúdica, de Daniela
Girotto. Lúdico vem de ludere, que, em latim, quer dizer ilu-
são. A palavra ilusão, em geral, vem carregada de uma cono-
tação negativa, algo ou alguém sem âncora na
realidade, sem noção das coisas, incapaz. Aqui,
porém, se trata de entender ilusão como o es-
paço onde tudo é possível, o espaço de inúme-
ras possibilidades. Mais ainda, o espaço onde
“eu” posso tudo, isto é, estou no comando.
Pois bem, deste modo, se trata do espaço onde
sou autônomo!
Agora, imagine um mundo repleto de pes-
soas que enxergam milhares de possibilidades e
sabem que são as donas de seus destinos? Quão
mais capazes de enxergar a abundância seriam? Quão confian-
tes – em si e no mundo – seriam? Quanto medo teriam de se
aventurar, de saltar no escuro? Qual seria o tamanho da sua fé?
O homem precisa do lúdico. O homem precisa da arte.
Você e eu precisamos deles. Para nos sentirmos bem, para en-
xergar o mundo também sob outros prismas, para mudar nos-
sos comportamentos e atitudes.
É deste reconhecimento que nasceu a parceria entre a PoP e a
Rede Ubuntu. Foi da experiência com a linguagem do palhaço
que todos da Rede abraçaram a ideia de misturarmos essa lin-
guagem com o modelo PURPOSE, de utilizar essa ferramenta

196 As Raízes do EUpreendedorismo


Colaborar

inovadora e poderosa em nossos workshops e processos.


Quando digo inovadora, atenção! Quero dizer no sentido
de utilizá-la sistematicamente dentro de processos de desen-
volvimento humano nas organizações. Mas uso da linguagem
do palhaço como canal para acessar um lugar dentro de nós
que é confiante, autêntico e autônomo é ancestral. O palhaço
é um arquétipo e, como tal, está profundamente arraigado
em nosso inconsciente coletivo. E assim é porque cumpre essa
função de despertar e nos conectar com nossa humanidade,
com aquilo que é profundo e essencial em nós mesmos.
Talvez, você esteja ficando com uma vontadezinha de fazer
aulas de palhaço. Ou talvez não! Tudo bem, conquanto que
você deixe um espaço para o lúdico, a arte, em sua vida. Ela é
uma ponte rápida, direta e, praticamente sempre, prazerosa.
E a boa notícia é que não é a única. Existem outras manei-
ras, algumas até bem simples:

• Divirta-se: Sim para tudo.


Experimente passar um dia inteiro dizendo “sim” para
tudo o que lhe acontece. Pode ser literalmente, como quando
alguém lhe pergunta se quer um café e você responde que
sim, ou subjetivamente, como, por exemplo, aceitando tudo o
que lhe acontece durante o dia, sem julgamentos.

• Divirta-se: Você fala, eu repito.


Experimente repetir, apenas mentalmente, cada palavra
da pessoa com quem você está conversando. Note como isso
o mantém presente, como evita que o seu pensamento salte
para pensamentos secundários – geralmente relacionados
apenas consigo mesmo, e ainda gera mais identificação com

As Raízes do EUpreendedorismo 197


Colaborar

o seu interlocutor, de ambas as partes.

• Divirta-se: “Ou isso ou aquilo”.


Observe durante o seu dia, em sua fala e em seu pensa-
mento, quantas vezes utiliza conceitos e ideias de oposição,
por meio da interjeição “OU”. A cada vez, tente substitui-la
por um “E”. Por exemplo: experimente quais as sensações e
resultados em trocar “Vocês querem que explique a teoria OU
preferem exemplos práticos?” por “Vou explicar a teoria E dar
exemplos práticos”.
Este exercício vai, lentamente, abrindo esse espaço de
possibilidades. No RUA – Rede Ubuntu de Aprendizagem, ve-
mos como se ampliam os caminhos quando trocamos “Será
que devo direcionar minha carreira para a área de cinema OU
de computação, já que gosto dos dois?” por “Será que posso
direcionar minha carreira para a área de cinema E compu-
tação?” Consuelo & Solenta costumam fazer uma complexa
e elaborada apresentação sobre o “puxa-fio”, mostrando a
multiplicidade, a abundância contida em uma proposição as-
sim: afinal, uma das áreas mais desenvolvidas e promissoras
do cinema é justamente a animação.
Quantas maneiras existem no mundo para colocar em
prática seus talentos, seus interesses, seu propósito?

• Divirta-se: Eu conto, tu contas, nós contamos.


Forme uma linha com o número de pessoas do grupo, lado
a lado (pode ser jogado mesmo com apenas duas pessoas!). A
primeira pessoa da linha deve começar a contar uma história,
com direito a apenas uma frase. A segunda vai acrescentar
outra frase e, assim, sucessivamente. O tema pode ter sido
dado por alguém de fora da linha (“O tema é... carrossel!” ou,
então, tema livre). O objetivo principal é conseguir chegar ao

198 As Raízes do EUpreendedorismo


Colaborar

final da história sem utilizar as interjeições “mas”, “porém”,


“contudo”, “todavia” para iniciar as frases. Cuidado com o peri-
goso “só que...”, que não entrou nos livros de gramática!
Ah, se estiver difícil terminar a história, combinem que
qualquer um, a qualquer hora, pode começar a frase com
“Portanto...”, que é a senha para chegar a um final.

Não deve ser uma coincidência o fato de que esteja escre-


vendo este capítulo durante uma viagem e tenha comprado,
inocentemente, um livro que me inspirou a agregar mais al-
gumas linhas ao nosso assunto. Trata-se de The Whole-Brain
Child – 12 Revolutionary Strategies to Nurture your Child’s
Developing Mind, de Daniel J. Siegel e Tina Payne Bryson.
Podem rir, fui capturada por essa promessa marqueteira, mãe
zelosa e curiosa que sou...
Mas o livro é ótimo. E, claro, mais do que isso, já que estou
fazendo este aporte aqui. Os autores falam sobre o nutrir a
criança para que ela possa desenvolver seu autoconhecimento,
sua inteligência emocional, sua capacidade de tomar decisões
sensatas, suas noções morais e sua empatia.
Ao lê-lo, foi como se algo em mim dissesse: isso, isso, é dessas
crianças que precisamos para um mundo melhor. É uma criança
assim que vai chegar à vida adulta confiante, nela mesma e no ou-
tro. É uma criança assim que irá se tornar um adulto capaz de en-
xergar abundância mais que escassez. É uma criança assim que vai
trilhar o caminho da colaboração, com as ferramentas necessárias
para enfrentar os desafios que esse caminho apresenta. Ah, porque
sim, importante: colaborar não é o caminho “facinho”. Colaborar
não significa consenso sempre. Não significa tampouco ausência

As Raízes do EUpreendedorismo 199


Colaborar

de conflito. Por isso, é necessário tanta maturidade e desenvolvi-


mento emocional, para dar esse salto de fé.
Sobre isso, como inspiração final, deixo aqui “A Lenda
das Areias”, uma história tradicional que até hoje me guia em
meus próprios saltos por aí.

200 As Raízes do EUpreendedorismo


Colaborar

A Lenda das Areias

Um riacho, vindo desde suas origens distantes nas mon-


tanhas, passando por todo tipo de terrenos ao atravessar os
campos, finalmente alcançou as areias do deserto. Assim como
atravessou as outras barreiras, o riacho tentou atravessar esta.
Descobriu, porém, que assim que mergulhava na direção das
areias, suas águas desapareciam.
Estava convencido, no entanto, de que era seu destino cru-
zar aquele deserto, mas ainda assim não sabia como fazê-lo. En-
tão, uma voz misteriosa vinda do próprio deserto sussurrou: “O
vento cruza o deserto, o mesmo pode fazer o riacho”.
O riacho objetou que estava se arremessando contra as areias,
apenas para ser absorvido em seguida, e que o vento podia voar,
por isso, podia atravessar o deserto.
“Atirando-se da maneira como está habituado não consegui-
rá cruzá-lo. Irá apenas desaparecer ou tornar-se um pântano.
Deve permitir que o vento o carregue sobre as areias até o seu
destino.”
“Mas como pode isso acontecer?”
“Permitindo ser absorvido pelo vento.”
Esta ideia não era aceitável para o riacho. Afinal de contas,
ele nunca fora absorvido antes. Não queria perder sua indivi-
dualidade. E uma vez a tendo perdido, como saberia que seria
recuperável?
“O vento cumpre essa função”, disseram as areias, “eleva a
água, carrega-a sobre o deserto e depois a deixa cair. Caindo
como chuva, a água novamente se torna um rio.”

As Raízes do EUpreendedorismo 201


Colaborar

“Como posso saber que isso é verdade?”


“Assim é. E, se não acredita, não se tornará mais que um
charco, e mesmo isto levaria muitos e muitos anos. E certamen-
te um charco não é o mesmo que um riacho.”
“Mas não posso permanecer o mesmo riacho que sou hoje?”
“Não pode, em caso algum, permanecer assim”, respondeu a
voz. “Sua parte essencial é transportada e forma um riacho no-
vamente. Você é chamado assim, hoje mesmo, sem saber qual
parte de você é a essencial.”
Ao ouvir isto, certos ecos começaram a surgir nos pensamen-
tos do riacho. Vagamente, lembrou um estado em que ele – ou
uma parte dele, será? – fora levado nos braços do vento. Tam-
bém lembrou – ou quase – de que isso era o que deveria fazer,
não necessariamente o mais óbvio a fazer.
E o riacho elevou-se como vapor nos acolhedores braços do
vento que, gentil e facilmente, o carregou para o alto ao longo
do deserto, deixando-o cair suavemente assim que alcançaram
o topo de uma montanha, milhas e milhas depois. E porque
tivera suas dúvidas, o riacho pôde recordar e gravar melhor em
sua memória os detalhes daquela experiência. E refletiu: “Sim,
agora conheci minha verdadeira identidade”.
O riacho estava aprendendo. E as areias sussurraram: “Sa-
bemos disso porque vemos acontecer dia após dia; e porque
nós, as areias, nos estendemos desde as margens do rio até as
montanhas”.
E é por isso que se diz que o caminho pelo qual o Rio da
Vida tem que seguir sua viagem está escrito nas Areias.

202 As Raízes do EUpreendedorismo


Colaborar

A inovação como consequência...

Após esse aprofundamento nas crenças por trás do Prin-


cípio do Colaborar e também uma passagem nas práticas co-
laborativas e no exercício do desapego, chegamos, então, ao
seguinte processo:
Problemas Complexos (propósito comum) > Colabor-
AÇÃO e Autonomia > Alto Potencial de Inovação
Isto mesmo. A experiência mostra que o resultado muito
provável de um processo colaborativo e com autonomia, na
direção de um propósito comum, é a inovação.
Escutei há alguns anos que grandes inovações na huma-
nidade vieram de épocas em que o planeta passou por sérias
crises. E, de fato, faz sentido.
O cruzamento de diferentes áreas do conhecimento, com
diferentes competências, em prol de um bem comum, produz
soluções extraordinárias. Como diria o próprio Steve Jobs, a
Apple é resultado do cruzamento de ciências humanas com
design e tecnologia. Diferentes áreas do conhecimento, em
busca de um propósito comum, de uma causa: “think diffe-
rent”.
Ou mesmo trazendo para a nossa experiência na Rede
Ubuntu de EUpreendedorismo, em que temos inúmeros
exemplos de criações e projetos inovadores na área de desen-
volvimento humano e educação, que certamente são frutos do
cruzamento da diversidade dos membros da rede, muitos mo-
bilizados por uma causa comum ou mesmo por um briefing
passado por uma organização.

As Raízes do EUpreendedorismo 203


Colaborar

Projetos foram criados, muitos implementados e com re-


sultados concreto; outros morreram antes mesmo de terem
nascido; e outros, depois de implementados, acabaram hiber-
nando.
O fato é que inovação não se controla e é imprevisível.
Por ser inovadora, é inesperada. Mas certamente o processo
de criação é fascinante, estimulante e gera resultados tangíveis
e intangíveis. Vou dar um exemplo.
Recebemos um briefing nos primeiros dois anos da Rede
Ubuntu para a criação de um processo educacional inovador
para os jovens das comunidades do entorno da fábrica desse
nosso cliente. O briefing, me lembro muito bem, era por si
só fascinante, e como eu não sabia resolvê-lo sozinho por ser
bem complexo, convoquei vários membros para cocriarmos a
nossa proposta.
As reuniões de construção da proposta foram incríveis. To-
dos ali reunidos, por livre e espontânea vontade, identificados
com o propósito do projeto, colocando o melhor de cada um
para construir algo novo. E posso dizer, sem falsa modéstia,
que a proposta ficou muito boa mesmo. Estávamos ali todos
animadíssimos com aquela possibilidade!
Apresentamos, as reações por parte do cliente foram extre-
mamente positivas e, no fim, não ganhamos a concorrência.
Perdemos...
Perdemos? Sim E não. Perdemos e ganhamos. Tudo junto,
misturado e ao mesmo tempo. Confesso que na hora a triste-
za tomou conta, mas logo em seguida veio uma sensação do
quanto aquele processo tinha sido valioso. Explico-me.

204 As Raízes do EUpreendedorismo


Colaborar

Primeiro, as reuniões de criação por si só já tinham valido


a pena. O que aprendemos uns com os outros, durante as
nossas conversas, foi de grande valia. E o que aprendemos
com nós mesmos também tinha sido bem positivo. Como
sempre dizemos no mundo do EUpreendedorismo, a única
forma de descobrir o propósito é fazendo! E lá estávamos, to-
dos colocando a mão na massa, experimentando. Aprendendo
sobre o que faz nossos olhos brilharem e também sobre no que
mandamos bem, ou melhor, aprendendo sobre
nossos talentos! A experiência mostra
Segundo, muitas das criações daquela pro- que o resultado
posta foram incorporadas em outros produtos muito provável de um
e conceitos da Rede Ubuntu. Como diz o ve- processo colaborativo
lho ditado, nada se cria, tudo se transforma.
Terceiro, amadurecemos como equipe. Ex-
e com autonomia,
perimentamos esse jeito Ubuntu de funcionar, na direção de um
e certamente isto foi importante para criar a propósito comum, é a
musculatura necessária para nos levar até onde inovação.
chegamos.
Essa proposta nunca foi implementada
como a criação inicial, mas o processo cola-
borativo gerou inúmeros frutos que aproveitamos em outros
lugares e dimensões da Rede.
Isto é inovação. Quando embarcamos, não temos a míni-
ma ideia do que geraremos de fato e isto é motivo de muita
angústia para muitas empresas e gestores. Mas diante de pro-
blemas e desafios complexos, quando não enxergamos outra
alternativa, embarcar nessa jornada aberta, colaborativa e au-

As Raízes do EUpreendedorismo 205


Colaborar

tônoma passa a ser condição única para seguir na direção de


nossa jornada.

Mas o que você é, meu?

Outra consequência natural do Princípio do Colaborar é


certa confusão nas relações e seus papéis. Quando fiz faculda-
de de Administração, aprendi que, desde a Revolução Indus-
trial, uma cadeia produtiva era composta de
fornecedores de matéria-prima, em seguida da
Isso é inovação. fábrica que transformaria as matérias-primas
em produtos acabados, que por sua vez seriam
Quando embarcarmos, vendidos no atacado/varejo e, finalmente, che-
não temos a mínima gariam ao consumidor final.
ideia do que Pois bem, estas estruturas definidas de rela-
geraremos de fato. ções lineares são válidas hoje em dia em bem
poucos casos. A partir do fato de que vivemos
em um século de altíssima imprevisibilida-
de, de problemas cada vez mais complexos e
de uma rapidez extraordinária, as relações colaborativas têm
como efeito uma mudança de papel constante, dependendo
do projeto ou do desafio em que você está inserido.
Por algum tempo na Rede Ubuntu tentei definir os dife-
rentes papéis. Membro? Parceiro? Fornecedor? Como é que
eu chamo um cliente? Simplesmente desisti. Viver em rede é
viver em uma malha complexa de relações nas quais você ou
sua organização assumem papéis diferentes dependendo do
contexto, do desafio, das necessidades do momento. Em um

206 As Raízes do EUpreendedorismo


Colaborar

mesmo dia, ou melhor, em uma mesma reunião, você pode


ser fornecedor, parceiro, cliente, líder ou aprendiz. Depende
da circunstância, depende das atitudes de cada um, depende
das relações, depende do propósito.
O nome do papel importa apenas para aquele momento,
para aquela necessidade. E o mais importante é caminhar na
direção do propósito em um ambiente propício para que as
relações se estabeleçam organicamente, na busca das soluções
para as perguntas que emergem nesta caminhada.

Estruturas colaborativas

Ao construirmos uma organização que tem o nome Ubun-


tu e tem como um dos seus princípios o colaborar, a pergunta
que não quer calar é: que estrutura, processos e ambiente or-
nam com tais conceitos?
Para Oswaldo Oliveira, quase todas as instituições e or-
ganizações que conhecemos desde criança são hierárquicas e,
portanto, têm em si a competição embutida.
Amigo, existe lugar ao sol para poucos, então, se garanta!
Por mais que se pregue a colaboração, no fim o que conta é
que há lugar apenas para um ser promovido, portanto, isso
não orna com o Princípio do Colaborar...
Foi nessa reflexão que, em 2012, ao estarmos crescendo e
tentando nos organizar para suportar tal crescimento, come-
çamos a desenhar estruturas organizacionais matriciais e que,
apesar de nomes lindos, continuavam a ser estruturas hierár-
quicas disfarçadas. Era engraçado ver as pessoas, incluindo eu,

As Raízes do EUpreendedorismo 207


Colaborar

olhando para os slides e murchando... Todos nós tínhamos, a


partir dos Princípios, do nosso nome “Rede Ubuntu” e, prin-
cipalmente, das experiências que tínhamos tido até aquele
momento, a certeza de que aquela estrutura hierárquica não
ornava com o espírito que queríamos. Mas qual estrutura, en-
tão?
Como já foi mencionado nos capítulos anteriores, foi aí
que descobrimos a direção da construção de uma rede, fa-
zendo jus ao nosso nome e filosofia. E posso afirmar que,
até o momento no qual escrevo este livro, o melhor nome
para a nossa estrutura é a fluidez! Uma estrutura capaz de se
transformar conforme o momento. Centralizada em certos
momentos, descentralizada em outros, distribuída em ou-
tros. Depende da hora. Depende da necessidade.
Dito isto, é importante ressaltar que estamos neste exato
momento construindo tal estrutura. Não temos a fórmula
pronta. Decidimos por essa direção e temos buscado res-
ponder uma pergunta por vez, para ornar nossas estruturas
e formas organizacionais com o que dizemos, acreditamos e
fazemos. Calma que logo em seguida falaremos desse Prin-
cípio: Ornar!

E os ambientes? Onde, então, colaboramos?

A resposta imediata para esta pergunta: em qualquer lugar.


Em uma estrutura organizacional fluida, os espaços são esco-
lhidos organicamente, conforme cada situação e desafio.
A importância em relação aos ambientes é a liberdade de

208 As Raízes do EUpreendedorismo


Colaborar

circulação. Seguindo os Princípios do Abrir e do Incluir, para


podermos colaborar, é preciso permitir o livre encontro de
pessoas que se conectam com os respectivos propósitos co-
muns e, por sua vez, podem iniciar rapidamente a troca de
conhecimentos e de competências em busca das soluções.
Neste contexto, outra importante mudança foi imple-
mentada recentemente: o fechamento do escritório da Rede
Ubuntu, no bairro da Vila Madalena, em São
Paulo. Apesar do carinho enorme por aquele
espaço e a gratidão por ter sido a maternida-
de onde a Rede nasceu, no espírito de conso- O que importa é
lidarmos a abertura da nossa rede foi preciso caminhar na direção
fechar nosso escritório, pois aquela sala na Rua
do propósito em um
Medeiros de Albuquerque tinha muito a cara e
o jeito de uma sede corporativa. Era como se ambiente propício
fosse o escritório central. para que as relações
E este modelo mental centralizado, de cer- se estabeleçam
ta forma, impedia a livre circulação. De uma organicamente.
forma ou de outra as pessoas achavam que pre-
cisavam passar por São Paulo para que “apro-
vassem o que estavam fazendo.
Assim, além da mudança da razão social e de colocarmos
a marca em Creative Commons, decidimos também fechar
aquele escritório e, a partir de então, a Rede Ubuntu se ma-
nifesta fisicamente em diferentes espaços pelo Brasil e pelo
mundo. Depende do projeto, depende do propósito, depende
das relações, enfim, depende do momento. Isto na verdade já
estava acontecendo naturalmente. O que de fato fizemos foi

As Raízes do EUpreendedorismo 209


Colaborar

apenas facilitar essa livre circulação.

Ubuntu!

210 As Raízes do EUpreendedorismo


As Raízes do EUpreendedorismo 211
212 As Raízes do EUpreendedorismo
Ornar

Capítulo 5: Ornar
Preâmbulo

“Eu vejo você.”


Filme Avatar

Normalmente, quando apresento “As Raízes do EUpreendedoris-


mo” em palestras ou workshops, costumo dizer que esta é uma das
minhas raízes preferidas. Ou melhor, acho que é a preferida. Amo a
palavra “ornar”, tanto que, em um workshop que facilitei há alguns
anos, alguns participantes contaram o número de vezes que eu falei
ornar durante o dia e repararam que existia maior predominância no
período da manhã.
Amo essa palavra por várias razões. Primeiro, pelo charme de sua
pronúncia. Pela sua imaginação ou dependendo de suas referências
e de que região do Brasil você é, vai conseguir entender o que quero
dizer com isso. Uma pronúncia típica do interior do Brasil, e que
muitos dizem ser bem característica do Estado de Minas Gerais. É
como se o “R” ganhasse uma vida própria na palavra, isto é, “oRnar”,
entortando a língua para ressaltar o “R”. Simplesmente um charme.
Só este jeito de falar me leva à segunda razão do meu amor por
essa palavra: pronunciada com esse “charme”, ela gera conexão. Uma
nítida sensação de que aquela pessoa é humana, é gente como a gen-
te, simples e autêntica.

As Raízes do EUpreendedorismo 213


Ornar

Finalmente, amo essa palavra por descobrir ao longo da


minha jornada que ornar é um dos meus maiores talentos.
Descobri que sou muito bom em “oRnar”.
Como já mencionei, sou o que sou hoje como fruto de
tudo o que me aconteceu. Da minha biografia. E é justamente
aí que reside o desenvolvimento desse meu talento.
Você lembra que, no capítulo sobre o Abrir, mencionei
que, pela configuração familiar que tive, durante minha infân-
cia e adolescência acabei construindo um padrão de ser o filho
perfeito na busca por amor, atenção e carinho? A “realidade”
que eu construí dentro de mim é fruto de todas as experiên-
cias que vivi nesses primeiros setênios de minha jornada.
Construí a “verdade absoluta”, dentro de mim, de que as
pessoas gostariam mais de mim se eu fosse bom aluno, se eu
fosse certinho, falasse ou escrevesse na hora certa, a coisa cer-
ta, da forma certa, com o tom certo, para evitar a todo custo
o conflito ou a discórdia. E, mesmo quando o conflito era
inevitável, desenvolvi também a capacidade de colocar panos
quentes e dissolvê-lo rapidamente. A capacidade de buscar o
que é comum, o que orna entre os polos e, portanto, gerar o
encontro e reestabelecer a harmonia.
Estas construções são positivas e negativas, ao mesmo tem-
po. Positivas no sentido de que, por tudo isso, desenvolvi o
grande talento de ornar. Ornar as palavras, ornar as ideias, or-
nar a linguagem, ornar o ambiente, ornar os comportamentos
na busca por conexão, por harmonia ou, em última instância,
por amor. E sou muito grato por tudo isto. Por ter os pais que
tenho, por ter o irmão que tenho e por ter construído tudo

214 As Raízes do EUpreendedorismo


Ornar

isto dentro de mim.


E também negativas neste sentido: que canseira, não é
mesmo? Quanta energia gasta, quanto esforço para ser alguém
que eu achava que os outros queriam que eu fosse. O quanto
esses padrões me limitaram em tantos aspectos.
Como acredito fielmente que nada acontece por acaso na
vida, seguindo o que apresenta o livro Sincronicidade22, as
experiências que vivi, já na própria adolescência e quando
adulto, me colocaram de forma categórica frente a frente com
estes padrões, para que o processo de evolução seguisse. Por
exemplo, quando comecei a me apaixonar pelas meninas do
colégio ou do condomínio onde morava, e a maioria delas
me adorava, mas como amigo… “Nossa, Edu, adoro ser sua
amiga! Aliás, aproveitando, que conselhos você me dá para eu
ficar com fulano de tal, que eu sei que é meio ‘cafa’, mas sei lá,
algo me atrai nele!” E lá estava eu como o confidente amigo…
Que porre! O perfeito, ou pelo menos achava isso, e que não
me servia para nada. Ou mesmo os inúmeros feedbacks que
recebia dos meus gestores, dizendo para eu ser mais assertivo,
para ser capaz de dizer não e conflitar.
Ao mesmo tempo em que desenvolvi o talento de ornar, fui
colocado frente a frente com a sombra do ornar. O “ser cer-
tinho demais”, a dificuldade de me colocar, de dizer não, de
conflitar me impediam de ser realmente quem eu era. Quanto
aprendizado... O aprendizado que eu ainda vivo e experimen-
to (lembra-se da imagem da espiral?) de integrar luz e sombra
e viver nesta dança. Seguimos aprendendo, evoluindo.

22 - Sincronicidade: O Caminho Interior para a Liderança, Joseph Jaworski, São Paulo,


Editora Senac, 2014.

As Raízes do EUpreendedorismo 215


Ornar

Esta é a terceira grande razão pela qual amo a palavra


“oRnar” e, por isto, ela é uma das minhas raízes preferidas.
O fato de ser a expressão da minha luz e sombra, ao mesmo
tempo e agora.
O Princípio do Ornar, portanto, é amplo e abrange
várias dimensões que exploraremos neste capítulo. Como
você já sabe, passaremos pelas crenças e perspectivas acerca
deste Princípio, aliás, já começamos, não é mesmo? Em
seguida, exploraremos algumas práticas e comportamentos
relacionados a ele e, por fim, desenvolveremos algumas ex-
pressões deste Princípio nos ambientes, processos e estru-
turas.

Ornando as diferentes perspectivas

Um dos aspectos que me atraem na Teoria Integral é que,


de alguma maneira, Ken Wilber buscou em seu trabalho ornar
diferentes teorias, perspectivas e dimensões sobre o desenvol-
vimento do ser humano.
Vamos observar os quadrantes da Integral, por exemplo.
Claro que a Teoria é profunda, com várias sutilezas e nuan-
ças, porém, o que mais me chama atenção nos quadrantes, até
pela minha preferência de orientação ser o quadrante inferior
direito, é o quanto a nossa integralidade está associada à busca
por ornar essas diferentes perspectivas. A busca por ornar traz
paz, deixa você inteiro.
Perceba que menciono sempre a palavra busca, pois é pre-
ciso ter a consciência, usando inclusive o conhecimento dos

216 As Raízes do EUpreendedorismo


Ornar

Princípios anteriores, de que ornamos e não ornamos constan-


temente. Isto é, ornar é um processo, um movimento eterno, e
não um fim em si. Muito etéreo?

É o processo de ornar aquilo que há dentro de você (qua-


drante superior esquerdo) com aquilo que você faz no mundo
(quadrante superior direito), o que, como mostra a figura, traz
integridade individual. Esta integridade individual é percebida
ou sentida por cada um de maneira diferente, mas sensações
muito comuns, quando ornamos, são paz, plenitude e harmo-
nia, entre outras.
Importante: você sempre orna aquilo que há dentro de você
com aquilo que faz no mundo? Claro que não... E isto também

As Raízes do EUpreendedorismo 217


Ornar

é bom, pois gera movimento, gera os tais incômodos citados


no Capítulo 2, que muitas vezes geram evoluções, crescimen-
to, inovações.
Ao mesmo tempo que isso acontece nos quadrantes supe-
riores (Individual), também acontece nos quadrantes inferio-
res (Coletivo). Um grupo de pessoas, seja sua família, a equipe
do seu trabalho, a organização que porventura você tem ou
faz parte, ou mesmo o seu país, precisa ornar aquilo em que
acredita, como valores e o propósito, com aquilo que expressa
no mundo por meio de suas estruturas, processos, sistemas,
símbolos e ambientes.
E assim como você, indivíduo, não orna 100% do tempo,
o coletivo também não. E, de novo, é a constante busca!
Além de o processo do ornar acontecer na matriz na dire-
ção horizontal, acontece ainda na vertical, isto é, a importân-
cia de você participar de coletivos em que seus valores, crenças
e propósito ornem com a cultura daquele grupo e, também,
participar de coletivos em que seus comportamentos ornem
com os comportamentos do grupo. E, neste mesmo sentido, a
importância de coletivos atraírem indivíduos que ornem com
suas respectivas culturas e comportamentos desejados.
Mais uma vez, o não ornar no eixo vertical também é posi-
tivo, pois gera incômodos tanto no indivíduo quanto no cole-
tivo, e isto, por sua vez, tem o potencial de gerar crescimento,
evolução para todos (Ubuntu!). Este fenômeno é muitas vezes
retratado como o poder da diversidade quando existe um gru-
po muito homogêneo. A entrada de um indivíduo “diferente”,
dependendo de como todas as partes lidam com isto, tem o

218 As Raízes do EUpreendedorismo


Ornar

A Teoria do Eu e do Nós expressa novamente!

Vale aqui uma janela de conexão desta nossa conversa sobre o ornar
dos quadrantes com a teoria do Eu e do Nós que exploramos no capítulo
anterior, no Princípio do Colaborar.
Uma reflexão muito importante que fazemos em nossos processos de
aprendizagem, ao explicarmos os quadrantes, é uma sutil diferença que
existe entre os quadrantes superiores e inferiores da matriz.
Quando eu não orno aquilo que tenho dentro de mim com aquilo que
tenho fora, quem é o responsável? Resposta simples: eu.
Quando vamos aos quadrantes inferiores, quando não ornamos (equipe,
família, organização ou mesmo a sociedade) aquilo em que acreditamos e
valorizamos com aquilo que fazemos e expressamos no mundo, quem é
responsável? Nós. E quem é o “nós”?
Perceba aqui a Teoria do Eu e do Nós surgindo novamente. Nos qua-
drantes inferiores, normalmente criamos uma entidade para explicar o não
ornar. É comum escutarmos frases do tipo: “Esta minha empresa não tem
jeito mesmo!”, “Esta minha família não tem jeito mesmo... olha isso!” ou “E
este Brasil, então?”
Quem é a empresa, a família, o País? Quando não ornamos, de forma
geral, responsabilizamos o outro. E, como vimos, ao responsabilizar o ou-
tro, quem começa a mudar? Ninguém. E o processo de evolução coletiva
fica estancado, parado.
Vale a reflexão: O que anda incomodando você nos grupos dos quais
participa? E o que você tem feito a respeito?

As Raízes do EUpreendedorismo 219


Ornar

potencial de influenciar o coletivo, e vice-versa, e assim gerar


crescimento para todos.
O que, então, é fundamental em toda essa história dos
quadrantes da Integral e suas diferentes relações? O quanto
a busca por ornar nas diferentes perspectivas é essencial
em nossa jornada EUpreendedora. A busca constante por
ornar dentro e fora, eu e nós.
Durante a jornada, por inúmeras razões, “desoRnamos” e,
assim, a busca é constante e eterna. Uma dança entre oRnar e
desoRnar durante a nossa caminhada. E, para que esta dança
seja possível, são necessários, por exemplo, os outros Princí-
pios já trabalhados anteriormente neste livro. A constante ca-
pacidade de se abrir, ampliar perspectivas, a capacidade de se
olhar e se perceber e, ainda, perceber as pessoas e os ambientes
à sua volta. E também a capacidade de incluir, de dançar entre
luz e sombra, integrando as diferentes polaridades que experi-
mentamos em nossa jornada. E, quando está difícil, comple-
xo, é preciso pedir ajuda, afinal, estamos todos interconecta-
dos, não é mesmo? Ubuntu!

A busca por também oRnar as linhas de desenvol-


vimento

Ainda explorando o Princípio do Ornar com a Teoria Inte-


gral, não poderia deixar de destacar a importância de ornar as
linhas, citadas no início deste livro. O quanto o ornar não tem
a ver apenas com as perspectivas (quadrantes), mas também
tem a ver com ornar as nossas diferentes linhas de desenvol-

220 As Raízes do EUpreendedorismo


Ornar

vimento, isto é, o mental, o físico, o emocional, o espiritual e


assim por diante.
Como sempre escuto da Nina em seus trabalhos de aque-
cimento em nossos workshops, no momento do boneco de-
sengonçado, não dá para dizer que você é flexível em seu dia a
dia, tem ideias flexíveis, por exemplo, se você não tem um cor-
po flexível… Não orna! Ou mesmo uma pessoa se considerar
aberta e, simplesmente, ter uma expressão corporal fechada,
uma dificuldade de escuta, de tocar e abraçar ou mesmo de
reconhecer a existência de outras formas de co-
nexão espiritual diferentes da sua, apenas para
citar alguns exemplos possíveis de desoRnar.
Somos seres absolutamente interconecta-
dos. Apenas separamos e fragmentamos para
que, cognitivamente, consigamos compreender
o que está ocorrendo. Mas tudo – pensamen-
tos, emoções, fluxo sanguíneo, gestos, paladar,
respiração, troca de energias, etc., etc. – acon-
tece ao mesmo tempo, agora, misturado.
A importância, portanto, de darmos espaço e vazão, ao
longo da nossa jornada, para todas essas linhas. Não me apro-
fundarei aqui neste tema, mas não posso deixar de ressaltar o
quanto inúmeras doenças são simplesmente reflexos de algo
que não está ornando. Em nosso corpo físico, e suas manifes-
tações, reside uma sabedoria enorme.
Apenas para citar como exemplo, desde que parti para a
minha jornada EUpreendedora, venho me curando de cer-
tas doenças. Tinha esofagite, não tenho mais; tinha hérnia de

As Raízes do EUpreendedorismo 221


Ornar

disco, agora tenho apenas uma protrusão e há tempos não


sinto uma crise na coluna. Como? A jornada de um equilíbrio
dinâmico, conforme exploramos no Princípio do Incluir, dar
vazão e incluir todas essas nossas linhas de desenvolvimento.
Trabalhar as emoções, o corpo físico, a nossa espiritualidade e,
claro, continuar trabalhando o nosso mental!
Ornamos e desornamos em nosso corpo físico, em nossas
emoções, em nossa espiritualidade, em nossas
Ser quem compreensões e, ao trazermos estes aspectos
verdadeiramente sou, para a nossa consciência e agirmos na busca
com minhas perfeições por ornar, seguimos nossa evolução como seres
humanos.
e imperfeições, é a
chave para a conexão O poder da vulnerabilidade
comigo e com o outro.
Conhecer a Teoria Integral, a antroposofia,
as polaridades e tantas outras teorias e
práticas foi, definitivamente, um grande
marco em minha jornada. Nesse rol, não posso deixar de
dar destaque a Brené Brown, com seu inesquecível TED
Talk, “O poder da vulnerabilidade”. Como citado no
Princípio do Abrir, entrar em contato com os estudos de
Brené Brown e com seu livro A Arte da Imperfeição me fez
dar um salto de compreensão sobre mim, minhas crenças e,
por consequência, meus comportamentos no dia a dia.
E quero destacar o quanto a fala de Brené Browm me
tocou, justamente, por ornar, por eu ter conseguido vê-la
de forma genuína em sua fala, com suas próprias vulnerabi-

222 As Raízes do EUpreendedorismo


Ornar

lidades, contando sua trajetória e as crises na busca por seu


propósito.
Com uma linguagem que se aproximou da minha rea-
lidade, com leveza (em muitos momentos com humor) e,
ao mesmo tempo, baseada em fatos e com certas “creden-
ciais” (tese de doutorado), Brené, em 18 minutos, foi capaz
de desconstruir, ou pelo menos colocar em xeque, a crença
que construí durante a minha infância de que ser perfeito
me geraria mais conexão com as outras pessoas e, portanto,
mais amor. A partir da inspiração de sua própria história
e das pesquisas que realizou, Brené demonstra de maneira
simples e bem profunda o quanto é literalmente o contrá-
rio. Ser quem sou de verdade, com minhas perfeições e im-
perfeições, é a chave para a conexão comigo e com o outro.
Como normalmente eu digo em minhas falas e workshops,
que “animal” poder descobrir isto!
Quanta energia e esforço gastei tentando ser quem eu acha-
va que queriam que eu fosse. E veja que confusão danada tem
nesta frase, não é mesmo? A partir do observador do mundo
que sou (como diria a Taly em seu texto no Capítulo Incluir),
tento imaginar como a outra pessoa gostaria que eu fosse e,
assim, tento agir de acordo com essa sequência de julgamentos
que construí. Incrível, não é mesmo?
Outro destaque do TED Talk de Brené Brown, na minha
perspectiva, é quando ela menciona nossos mecanismos de
tentar não entrar em contato com nossas vulnerabilidades,
trazendo exemplos de comportamentos que usamos para ten-
tar não sentir a tristeza, a angústia, o sofrimento. Segundo ela,

As Raízes do EUpreendedorismo 223


Ornar

anestesiamos nossos sentimentos com inúmeros vícios: comi-


da, drogas das mais variadas, bebidas, consumismo, etc. O
problema, ela continua, é que quando nos anestesiamos para
não sentir os tais sentimentos “negativos”, acabamos aneste-
siando também o positivo, isto é, a alegria, a satisfação, a ple-
nitude. Acabamos por anestesiar todo o nosso sentir.
E, olhando para a minha história, vejo o quanto, de fato,
eu fiz isso, o quanto busquei, em certos momentos do meu
início de vida adulta, as bebidas nos happy hours, baladas e

Os efeitos do EUpreendedorismo

Ao entrar em contato com o EUpreendedorismo, muitas pessoas per-


guntam se ele diz respeito a um processo de terapia em grupo, ou mesmo
de coaching em grupo, ou mentoring, ou counseling. E, como acho que a
essa altura você já deve ter percebido, nossa resposta é “E” e não “Ou”.
Definimos o EUpreendedorismo como um processo de aprendizagem,
que inclui diferentes abordagens de desenvolvimento humano, dependendo
do propósito do indivíduo ou grupo. Somos facilitadores desses processos de
aprendizagem, pois, no fundo, quem faz a jornada são os próprios indivíduos
ou grupos. Nesses anos de EUpreendedorismo, com milhares de pessoas
tendo passado pelos nossos programas, podemos afirmar que os efeitos dos
nossos processos de aprendizagem são inúmeros.
Diria, ainda, que processos de EUpreendedorismo, muitas vezes, não
são terapia, mas têm, sim, efeitos terapêuticos. E, ao falarmos aqui de
vulnerabilidade, percebemos o valor de tal trabalho, por exemplo, em
potenciais prevenções de drogas, de alcoolismo ou mesmo de depressão.

224 As Raízes do EUpreendedorismo


Ornar

churrascos de amigos, para não entrar em contato com minha


vulnerabilidade.
E perceber, anos depois, que fazia isso para fugir do meu
sentir foi verdadeiramente um presente que me foi dado.
Já perdi a conta do número de vezes que assisti a essa pales-
tra, tanto pessoalmente quanto para usá-la como estímulo, em
inúmeros workshops que facilitei nesses anos. E, cada vez que
assisto, aprofundo-me um pouco mais na compreensão dos
conceitos com os quais Brené Brown nos presenteia. Portanto,

Ao criarmos processos, com tempos e linguagens que ornem, permi-


timos que indivíduos, nas suas diferentes velocidades, entrem em contato
com si mesmos e, consequentemente, em contato uns com os outros.
Nunca vou me esquecer! Nos primeiros anos do Programa Semear, da
Natura, quando um jovem foi até mim e a Taly, após termos trabalhado no
dia anterior o tema resiliência. Ele disse: “Queria agradecer a vocês por
esse módulo, porque fazia algum tempo que não conversava com minha
mãe, pois tínhamos brigado. Ontem à noite, voltei para casa, começamos
a conversar e entramos pela madrugada adentro falando um com o outro.”
Certamente, não criamos o processo de aprendizagem para aquele jovem
voltar a conversar com sua mãe, mas definitivamente foi resultado, conse-
quência do processo, de suas reflexões e atitudes, a partir dele.
É por isso que acreditamos ser tão fundamental seguirmos na direção
do propósito da Rede Ubuntu: espalhar o EUpreendedorismo, isto é, de-
mocratizar o autoconhecimento aplicado no dia a dia das pessoas. E como
faremos isso? Em rede, e Ubuntu!

As Raízes do EUpreendedorismo 225


Ornar

se você a assistiu apenas uma vez, recomendo muito voltar a


assistir, de tempos em tempos, pois extrairá sutilezas que das
primeiras vezes passaram despercebidas.
Passado um tempo e após ter assistido algumas vezes o
TED de Brené Brown, pensei comigo: “Beleza, Brené Brown,
entendi a importância de entrar em contato com a minha vul-
nerabilidade. Farei isso! Mas como eu faço isso? Como, na
prática, eu entro em contato com a minha vulnerabilidade?”
Você se lembra que no capítulo anterior exploramos “o po-
der da pergunta”? Pois bem, esta pergunta – “Como entrar
em contato com minha vulnerabilidade?” - me mobilizou nos
últimos anos, e ainda me mobiliza... E, pelo que eu sinto, deve
me guiar por muitos anos mais. Ao refletir sobre esta pergun-
ta, sempre reconheço ter embarcado nessa jornada há tempos.
Aliás, olhando para a minha história de vida, em vários mo-
mentos, já percebia muitas decisões e passagens na busca por
ornar.
Por exemplo, quando larguei o curso de Engenharia, na
Mauá, para mudar para Administração, um curso que tinha
mais a ver com o que sentia. Ou mesmo quando apliquei para
fazer o MBA fora do Brasil e decidi fazer em Babson College
(apesar de não ser uma Top 10), por dar mais ouvidos ao que
ressoava dentro de mim, na época. E, por fim, quando, após
uma das crises econômicas mais sérias que vivenciamos em
nosso planeta, em 2008, tomei a decisão de dar mais um im-
portante passo na direção do meu propósito e fundar a Rede
Ubuntu.
Não foi nada fácil tomar estas decisões, que me fizeram en-

226 As Raízes do EUpreendedorismo


Ornar

trar definitivamente em contato comigo de uma maneira bem


intensa. Com as alegrias e tristezas, com certezas e incertezas,
com coragem e medo. Mas ser verdadeiro com o que sentia era
mais forte e, portanto, seguia meus sentimentos.
Vale relembrar aqui o que discutimos no Capítulo Abrir
sobre “ser um processo”. Entrar em contato com nosso in-
terior e agir a partir dele é um processo. Começamos com
pequenos passos e, à medida que caminhamos, vamos nos
sentindo mais fortes e, assim, somos capazes de
dar novos passos, um pouco mais largos. Um Com alegrias e
constante caminhar, cada um na sua velocida- tristezas, com certezas
de e intensidade.
Mas, mesmo reconhecendo que a jornada
e incertezas, com
que me levou até aquele ponto já era uma ex- medo e coragem.
pressão da minha caminhada para entrar em Mas ser verdadeiro
contato com a minha vulnerabilidade, como com o que sentia era
poderia me aprofundar ainda mais? Pois quan- mais forte e, portanto,
do caminhamos na nossa velocidade - e sen-
timos os efeitos desse desenvolvimento - em
seguia.
geral, queremos mais!
Não foi por acaso que, meses depois de ter assistido
pela primeira vez ao TED de Brené Brown, passei por uma
experiência marcante no Programa Semear, da Natura.
Estávamos no primeiro ano do programa, lembrando que
esse foi o nosso primeiro grande programa corporativo,
portanto, representava muito para nós, não só do ponto
de vista financeiro, mas principalmente como experiência
de nos mostrar se estávamos no caminho certo. Era a

As Raízes do EUpreendedorismo 227


Ornar

nossa primeira grande chance de experimentar muitos dos


conceitos, metodologias e abordagens em que acreditávamos.
Tínhamos cinco turmas de jovens, totalizando 160 pessoas,
aproximadamente. Passados alguns módulos, as turmas, em
geral, iam bem. Havíamos acabado de apresentar ao RH da
Natura os aprendizados até aquele momento e o que estávamos
planejando para o segundo ano das turmas do SENAI – das
cinco turmas, três eram do SENAC (programa com um ano
de duração) e duas eram do SENAI (programa com dois anos
de duração).
Como qualquer generalização em processos de aprendiza-
gem é perigosa, tudo ia bem, porém, havia uma turma espe-
cífica que ainda não estava rolando. E, quando digo que “não
estava rolando”, alguns indicadores (sinais) nos mostravam
isto. Em geral, esta turma chegava bem atrasada aos nossos
encontros e durante os workshops vários de seus integrantes
ficavam desconectados, tanto de nós, os facilitadores, quanto
das atividades que propúnhamos. O Princípio do Ornar tem
muito a ver com o sentir. Então, sabe aquela sensação de estar
falando com algumas pessoas, mas simplesmente elas não es-
tarem ali com você? Era o que ocorria, muitas estavam apenas
de corpo presente.
E, como nada acontece por acaso na vida, na semana se-
guinte fomos facilitar mais um módulo com as diferentes tur-
mas. Pela correria do dia a dia, os profissionais de RH con-
seguiam acompanhar parte das turmas e, naquela semana,
a profissional que cuidava desse programa foi acompanhar
justamente a turma que ainda estava (no geral, com algumas

228 As Raízes do EUpreendedorismo


Ornar

exceções) desconectada.
Tínhamos pedido para os jovens fazerem seus respectivos
roadmaps (um exercício importante do processo do EUpreen-
dedorismo) para aquele módulo. Após uma dinâmica de aque-
cimento, na qual introduzimos os conceitos, perguntamos
quem gostaria de compartilhar seus roadmaps com a turma.
Lembro-me, como se fosse hoje que, de uma turma de apro-
ximadamente 35 jovens, uma menina, a Andressa, levantou a
mão. Agradecemos sua atitude de se voluntariar e continua-
mos nosso pedido, já que o melhor para aquela dinâmica era
termos em torno de três voluntários para mostrar a diversida-
de de possibilidades e olhares para aquele único exercício. Para
nossa surpresa, após algum tempo de silêncio e desconforto,
chegamos à dura realidade de que somente aquela jovem havia
feito o exercício entre os módulos. Isto mesmo, uma de 35.
Após certa “bronquinha” na turma por aquele comporta-
mento e pouco envolvimento com o programa, com falas va-
riadas entre nós facilitadores e também da profissional de RH,
levantei da cadeira e disse: “Vamos continuar e seguir apenas
com o exemplo da Andressa. Então, Andressa, como ficou o
seu roadmap?” Nessa hora, uma vozinha dentro de mim “gri-
tou”: “Espere aí, Eduardo, não dá para continuar assim. O
negócio não está rolando, não está oRnando...!” Retornei para
a cadeira, fiquei um pouco em silêncio (segundos que pare-
ceram horas) e pedi para a Andressa parar um pouco de falar
sobre o seu roadmap. Virei para a turma e disse: “Pessoal, não
dá para continuar assim. De verdade, na semana passada tive-
mos uma reunião com ela (apontei para a pessoa de RH que

As Raízes do EUpreendedorismo 229


Ornar

estava na sala), mostrando nossos aprendizados, o que estava


funcionando e o que não estava funcionando. Agora, hones-
tamente, não colocamos esta experiência que estamos vivendo
aqui neste momento na nossa apresentação!” E continuei: “E
querem saber o que é pior? Se ela me perguntar, saindo daqui,
o que precisa ser feito para mudar esta realidade, isto é, vocês
se envolverem e se entregarem mais para o programa, não faço
a mínima ideia da resposta! Porque, vamos combinar, deste
jeito não está rolando. A Natura decidiu, de uma maneira
muito inovadora, investir no desenvolvimento
dos jovens muito além de capacitações técni-
cas, certo? Não faz muito tempo, fui diretor de
uma grande organização, e, naquela época, se
eu encontrasse um projeto com um indicador
de 1 para 35, certamente pensaria em cortá-lo!
Mas, como eu não fiz todas essas mudanças em
minha carreira para vir aqui e apenas cumprir
um roteiro preestabelecido e fingir que estou treinando um
grupo de pessoas, nós vamos fazer o seguinte: continuaremos,
nós facilitadores, a trabalhar com a Andressa, que fez o exer-
cício. Todos os outros, por favor, se separem em grupos de até
oito pessoas e respondam as seguintes perguntas:

1) Esse programa vale a pena? Vale a pena continuar


ou vocês sentem que isto aqui é uma perda de esforço
e tempo?
2) Se vale a pena, o que nós facilitadores da Rede Ubun-
tu devemos mudar para que o programa role?

230 As Raízes do EUpreendedorismo


Ornar

3) O que vocês, jovens, devem mudar para que o pro-


grama role?

Vocês têm uns 30 minutos para responder estas perguntas.


Depois, retornaremos para discuti-las em plenária, OK?”
Taly, Nina, Momô e eu nos olhávamos, enquanto propunha
a dinâmica. Confesso que ouvi várias vozinhas, durante a mi-
nha fala propondo a reflexão totalmente fora do nosso roteiro:
“Ferrou! E se eles disserem que acham que o programa não vale
a pena?”; “O que será que a menina do RH está pensando?”;
“Caraca, e se a gente perder o programa Semear por causa dis-
so?”; “Como é que eu vou sobreviver?”; “Como vai ficar a Rede
Ubuntu?”
Nessas horas, o Princípio do Ornar cabe como uma luva!
Você se lembra da nossa imagem da árvore do processo do
EUpreendedorismo? Qual era o nosso foco com aquilo tudo?
Para que estávamos fazendo tudo aquilo? Em outras palavras,
qual era o nosso propósito? (Lembra-se do sol?) O nosso foco
era o desenvolvimento dos jovens. O nosso foco eram os jo-
vens!
Assim, mesmo com todos os medos e inseguranças, para
ornar com o propósito era preciso parar o módulo e refletir
sobre o que estava acontecendo. E assim foi feito. Um ato de
coragem, como Brené Brown sabiamente nos explica em sua
palestra Cor-Agem, é agir com aquilo que há dentro de você,
a partir do seu coração. E era exatamente esse movimento que
estávamos fazendo.

As Raízes do EUpreendedorismo 231


Ornar

O que você decide incluir em direção ao seu propósito?

Lembra-se do Princípio do Incluir, em que exploramos algumas vezes o


que decidimos olhar em direção ao nosso propósito?
Nesse caso, assim como em outros vários exemplos nesses anos de
EUpreendedorismo, nos deparamos com situações como essa que vive-
mos com os jovens aprendizes da Natura. De 35 jovens, dois achavam que
não valia a pena seguir. Quando ouvi essa estatística, uma “raivinha” surgiu
dentro de mim. E como já disse, sentir essa “raivinha” é saudável, sem
problemas.
A pergunta que fica é: o que fazer depois disso? Você vai se prender
aos dois jovens que não querem seguir, honrá-los e aprender com esta
experiência, ou vai se apegar aos 33 outros jovens que estão interessados?
Acredito que esta seja uma das principais lições de estar funcionando
em rede, com relações livres e interdependentes, em vez de relações de
dependência.
Sempre partindo do propósito, é preciso incluir os aprendizados e tam-
bém escolher no que você vai querer focar na busca de seu propósito. Se
escolho focar minha energia e atenção nos dois jovens, me desmotivo e
logo paro de agir. Se escolho focar minha energia nos 33 jovens que deci-
diram que o programa vale a pena, continuo seguindo em direção ao meu
sonho, ao meu propósito!

232 As Raízes do EUpreendedorismo


Ornar

Isto é válido para muitas situações em nossa vida. É só pegar os notici-


ários, por exemplo. A maioria deles tem uma predominância significativa
nos problemas, na violência, na corrupção, nas guerras, etc. E a pergun-
ta que fica é: para um jornal que passa no período da noite e retrata os
acontecimentos daquele dia, será que foi só isto que aconteceu de mais
importante? Muitos argumentam que os jornais fazem isto porque é o que
vende. Notícia ruim vende, notícia boa não. Até concordo, em parte, com
esta afirmação. E a parte que concorda é que justamente para nós, indiví-
duos, fica a pergunta: o que nós estamos escolhendo diariamente olhar?
Só para o ruim?
Conforme já vimos no Princípio do Incluir e na discussão sobre as po-
laridades, aqui não estamos dizendo que precisamos ignorar as notícias
ruins, muito pelo contrário. É importante passar por elas, aprender com
essas experiências e seguir o movimento. O problema é ficar apenas pa-
rado nelas. Se me apego ao negativo, fico negativo e paro o meu caminhar
em direção ao meu propósito. Se continuo a dançar entre os polos, continuo
minha caminhada!
E você, qual tem sido o seu olhar? O que tem incluído na direção do
seu propósito? Que tipo de estímulos você vem buscando na sua jornada?
Como costumo dizer, se você se alimenta com “bucha”, o que tem como
resultado? Bucha. Se você se alimenta TAMBÉM com estímulos “nutritivos”,
o que produz? Experiências de vida e segue no seu caminhar.

As Raízes do EUpreendedorismo 233


Ornar

Passados os 30 minutos, e o trabalho com a Andressa, hon-


rando sua dedicação e envolvimento, reunimos toda a turma
novamente e perguntamos: “E aí, pessoal? A que conclusões
vocês chegaram?” O frio na barriga imperava... Dos 35 jovens,
dois deles achavam que o programa não valia a pena. Surgiu
uma raivinha dentro de mim, mas seguimos.
Considerando que a grande maioria dos jovens achava que
o programa valia a pena, partimos então para as outras duas
perguntas. O que nós facilitadores e o que os jovens precisa-
vam mudar para que o programa começasse a rolar?
A conversa entre todos nós foi riquíssima. Recebemos
feedbacks do que precisávamos melhorar como facilitadores.
O principal destaque foi a questão das “bronquinhas”
que dávamos. Na voz dos jovens, se esperássemos atitudes
protagonistas, precisávamos tratá-los como tais. “Bronquinhas”
só ajudavam a desconectá-los.
Por parte dos jovens, as reflexões foram incríveis sobre
como eles precisavam mudar a própria atitude e a importan-
te constatação de que não estavam na escola… Eles estavam
trabalhando e, assim, o olhar e as atitudes precisavam mudar.
Não entrarei neste tema, mas fica aqui o ponto de reflexão
para o nosso sistema educacional, não é mesmo?
Saímos da conversa com combinados de funcionamentos
e com uma energia ótima. No fim, depois de momentos de
tensão (pelo menos da minha parte!), de uma maneira Ubuntu
chegamos a acordos e ações para seguirmos na direção do nosso
propósito: o desenvolvimento dos jovens e, por consequência,
de todos nós (facilitadores, Natura, familiares, amigos, etc.,

234 As Raízes do EUpreendedorismo


Ornar

etc.). Ao sair da sala, o feedback da profissional do RH foi


ótimo, ela estava satisfeita com o que tinha visto. E fomos
para casa todos mais aliviados.
Nós facilitadores nos reunimos logo em seguida, pois a
pergunta que ficava era: o que faremos para seguir com essa
turma? Considerando que o módulo era dividido em dois en-
contros de meio período e, também, que no primeiro rompe-
mos com o roteiro inicialmente planejado e executado com
todas as demais turmas, pairava a dúvida sobre como continu-
aríamos com aquela turma.
Em nossa reunião, não chegamos a grandes conclusões,
mas algo dentro de mim dizia que precisava mostrar o TED
Talk da Brené Brown para aquela turma. Até discutimos o
assunto, mas ainda tínhamos dúvida sobre este caminho, con-
siderando que a palestra de Brené Brown é densa do ponto
de vista de conteúdo e toda em inglês, com legendas muito
rápidas.
Mesmo com esta dúvida, sentia que era este o caminho.
Com aquela turma, claramente o tema era vulnerabilidade. A
dificuldade de todas as partes, nós facilitadores e os jovens, de
nos olharmos profundamente, desarmarmos a nós mesmos e
uns com os outros e nos conectarmos em prol de um propó-
sito comum.
A dúvida sobre mostrar ou não o vídeo pairou até entrar-
mos em sala no dia seguinte, quando a profissional de RH
já não conseguiu acompanhar aquela turma. A sensação de
que deveríamos mostrar era mais forte e, assim, comecei as
atividades perguntando um pouco sobre o que tinham achado

As Raízes do EUpreendedorismo 235


Ornar

do dia anterior. A sensação geral era de que a conversa tinha


sido muito boa. Depois desta colheita inicial, disse a eles que,
a partir da nossa experiência no dia anterior, sentia que pre-
cisava mostrar um vídeo a eles e, depois, conversaríamos a
respeito.
E foi o que fizemos. Colocamos o TED da Brené Brown.
Com três minutos de vídeo rolando, olho para os jovens. Al-
guns estavam dormindo no fundo da sala ou estavam visivel-
mente desconectados. Outros, assistindo ou pelo menos ten-
tando acompanhar. Imediatamente uma raiva tomou conta de
mim e a vozinha interna me disse: “Edu, como você é idiota!
Claro que isso iria acontecer... O vídeo não tem nada a ver
com esta galera”. Olhei nesse instante para a Taly e, como já
trabalhávamos havia um tempo juntos, ela percebeu minha
irritação e logo fez um sinal para mim: “Calma, Eduardo...”.
Dezoito minutos que pareciam uma eternidade. Acabou
o vídeo e as luzes da sala se acenderam. Fiz a pergunta: “E aí,
pessoal? O que vocês tiram deste vídeo? Que conexões vocês
fazem com a nossa experiência de ontem, juntos?” Silêncio.
E logo em seguida somos presenteados com depoimentos
e insights maravilhosos sobre a palestra de Brené Brown e o
tema da vulnerabilidade. Aquele julgamento que tinha feito
nos minutos iniciais do vídeo era absolutamente infundado.
Eles sacaram! Aliás, sacaram o que gente bem mais velha,
muitas vezes, não saca.
Quando a palavra voltou para mim, comecei a contar para
eles o quanto aquele vídeo tinha me impactado. Contei que
tive uma educação em que, de uma forma ou de outra, eu

236 As Raízes do EUpreendedorismo


Ornar

aprendi que é preciso ser forte. E que homem não chora! Ho-
mem é forte. Que para termos sucesso é preciso ter as coisas
sob controle e não falhar. Ser perfeito! Que recentemente ti-
nha descoberto por que tinha tanta dificuldade de chorar, pois
tinha dificuldade de entrar em contato com a minha vulnera-
bilidade. Que precisava reescrever esta crença, dentro de mim,
de que “homem não chora!” Que também es-
tava sendo colocado frente a frente com a reali- O poder de ser
dade de que, no fundo, não temos controle de verdadeiro com você
nada. É uma ilusão! E que aquela experiência, mesmo, com aquilo
naqueles dois dias com eles, era a possibilida- que está dentro, e
de de viver na pele que estava tendo um pa-
agir a partir disto,
pel como educador, como facilitador, que não
tinha controle de absolutamente nada. Pois o mesmo lidando com
nosso processo dependia da nossa interação, do os desconfortos da
nosso encontro. vulnerabilidade.
À medida que fui contando estes meus in-
sights a eles, as lágrimas começaram a correr
pelo meu rosto. E, conforme continuava, mais lágrimas es-
corriam... Até que não consegui continuar. Parei, olhei para
a Taly, pedi para ela continuar e fui me sentar no canto da
sala, me debulhando em lágrimas. Taly se levantou e, quando
começou a falar, um jovem no fundo levantou a mão e disse:
“Posso dar um abraço no Edu?” Assim que ele se levantou,
todos os outros começaram a se levantar e, por fim, estávamos
todos lá, abraçados na sala. Inesquecível. Certamente, uma
das experiências mais marcantes da minha história. E sou
muito grato por isso. Uma experiência de oRnar.

As Raízes do EUpreendedorismo 237


Ornar

A partir desse módulo, não preciso dizer que a relação com


essa turma mudou. Chegavam no horário, grande parte fazia
os exercícios, e tivemos discussões e reflexões incríveis em sala.
O poder do oRnar. O poder de ser verdadeiro com você
mesmo, com aquilo que está aí dentro, e agir a partir disto,
mesmo lidando com os desconfortos da vulnerabilidade e,
muitas vezes, se sentindo “nu” diante dos outros.
O aprendizado é que ornar conecta! E, como diria Brené
Brown, afinal, no fundo (bem no fundo mesmo!), para que es-
tamos aqui, nesta experiência de vida, se não para nos conec-
tarmos uns aos os outros? Amarmos e nos sentirmos amados.
A partir dessa experiência real, de como entrar em contato
com a minha vulnerabilidade era poderoso, havia dado um
passo e queria mais (pelo menos eu funciono assim). Então,
voltei à pergunta: como caminho nessa direção? Como sigo
nesse meu desenvolvimento?
Lembrando o primeiro Princípio do Abrir, à medida que
caminhamos e passamos por novas experiências, nossas pers-
pectivas aumentam (claro, se exercitamos esse olhar!). Minha
perspectiva sobre a minha experiência de vida nesse tema já
tinha se ampliado e, ao literalmente olhar para o lado e ver
duas palhaças, percebi que uma possibilidade de caminho de
desenvolvimento, para entrar em contato com a minha vulne-
rabilidade, estava ali mesmo. A linguagem do palhaço.

238 As Raízes do EUpreendedorismo


Ornar

A Linguagem do Palhaço
Por Mônica Malheiros, ou Solenta,
dependendo da perspectiva!

Tive que ter muita cara de pau para aceitar o convite do


Edu para escrever esta parte do livro. Afinal, muitas pesso-
as já escreveram tão bem sobre a linguagem
do palhaço, e a minha própria parceira de
trabalho, Nina, escreveria muito melhor do
que eu. Mas resolvi aceitar o desafio para que
depois todos digam: “Até que você escreve
bem!” (riso nervoso).
Vou tentar deixar a escrita fluir desenfre-
ada, como se eu estivesse de nariz, sendo a
melhor parte de mim, sendo a Solenta.
Tenho alguns tópicos para me orientar e Deixar a escrita
vou tentar incluir todos, como em um jogo de fluir desenfreada
improvisação, no qual é preciso encaixar todas como se eu
as palavras ofertadas pelo companheiro na com- estivesse de nariz.
posição de uma história que faça sentido, com
começo, meio e fim, em tempo recorde.
O que dizer da linguagem do palhaço?
Nina e eu, quando construímos um encon-
tro (oficina, curso, workshop), sempre levamos em conta
quatro etapas (a gente da Rede Ubuntu gosta do número
4). Essas etapas são: eu comigo mesmo, eu com o outro, eu
para o outro, eu para o mundo. Às vezes, essa construção

As Raízes do EUpreendedorismo 239


Ornar

sofre algumas alterações, tudo adaptado à situação, ao con-


teúdo, ao objetivo, local, tempo, número de participantes,
etc., etc. Eu citei essas quatro etapas porque vou usá-las
como guia para desenvolver este texto. Em cada etapa fala-
rei primeiro sobre minha experiência pessoal e depois, mais
especificamente, sobre o palhaço e o uso que fazemos dessa
linguagem.

Eu comigo mesmo - Nesta etapa, todos os jogos e exercí-


cios são voltados para que a pessoa chegue a si mesma, para
que se esvazie do mundo de preocupações que a acompanha,
se centre na sua respiração, no seu corpo, nas suas sensações,
e traga sua melhor presença para dentro da sala de trabalho.
Antes de ser palhaça, entre outras coisas, eu fazia teatro.
Para a maioria das pessoas, provavelmente, ser atriz e ser pa-
lhaça é a mesma coisa, mas você não imagina a diferença
profunda entre esses dois ofícios. Em uma definição bem
grosseira, que não abarca as peculiaridades de cada fazer te-
atral, uma atriz interpreta uma personagem, que conta uma
história para uma plateia que não é incluída no enredo, exis-
te a famosa quarta parede. Na definição da Wikipédia: “A
quarta parede é uma parede imaginária situada na frente do
palco do teatro, pela qual a plateia assiste passiva à ação do
mundo encenado”.
Ser palhaça, de acordo com a formação que tenho, não é
representar uma personagem, ser palhaça é ser absurdamente
você/eu mesma. Quando coloco o nariz vermelho e vou para
a cena, não serei Jocasta, nem a Cinderela, nem nenhuma

240 As Raízes do EUpreendedorismo


Ornar

Helena da novela. Serei eu mesma na minha potência máxi-


ma. Serei a Solenta. Na potência máxima e com tudo o que
sinto e observo no momento presente. Eu com toda a minha
idiossincrasia (sempre gostei dessa palavra), perante um pú-
blico que só ficará passivo se assim o desejar. A palhaça entra
para contar uma história, pede ajuda da audiência, esquece
o texto, esquece o objeto de cena, brinca de ser uma perso-
nagem, se expõe, tropeça, fala o que não deve, pede permis-
são para abraçar, cheirar… Se revela, enfim, está presente
de corpo, alma e desajeito. E, principalmente,
com todos os seus campos de percepção aber-
tos. A cena só acontece, de fato, se a plateia Ser palhaça, de
se abrir e se entregar para essa relação, e é por acordo com a
isto que denominamos o tipo de trabalho que formação que tenho,
realizamos de “palhaço de relação”, no qual não é representar
aperfeiçoamos a arte da interação com as pes- uma personagem,
soas, diversamente do palhaço de circo, que ser palhaça é ser
tem inúmeras habilidades predeterminadas absurdamente você/eu
que vão da acrobacia ao equilibrismo, gags mesma.
corporais, etc.
Aqui, sobre campos de percepção abertos, cabe um pa-
rêntese. Um dia, me fizeram a seguinte observação: “Nossa,
Mônica, você parece médium, consegue captar coisas que
nem foram ditas!” Essa fala veio da enfermeira Therezinha,
que me acompanhava nas visitas domiciliares feitas para pa-
cientes acamados, muitos em estágios terminais. Essas visitas
faziam parte de um trabalho voluntário que realizava jun-
to ao PAD – Programa de Assistência Domiciliar do HU –

As Raízes do EUpreendedorismo 241


Ornar

Hospital Universitário da USP. Therezinha, que me acompa-


nhava em quase todas as visitas, pôde várias vezes presenciar
quando, “do nada, Solenta começava a cantar uma música
que era do cantor predileto do paciente ou falava um assun-
to que tinha tudo a ver com a história do paciente, e isso
produzia encontros riquíssimos e de grande impacto para o
paciente, seus cuidadores e familiares”.
Mas não, eu não tenho nenhuma capacidade sobrenatu-
ral. O que busco sempre, quando estou de Solenta, é manter
todos os canais de percepção ativados. Acho até que se trata
de uma forte integração dos planos mental, físico, emocio-
nal e espiritual, dos quais o Eduardo falou no Princípio do
Abrir. É o que nomeamos de presença plena.
As pessoas se comunicam além da fala. Existe uma co-
municação que é sutil, e acredito que os pacientes em estado
de extrema vulnerabilidade, diante da proximidade da mor-
te, têm ainda mais facilidade de se comunicar por essas vias
que não são tão óbvias. Tudo o que temos que fazer é estar
abertos e receptivos para captar o que está sendo emitido
pelo outro. Aliás, não só as pessoas comunicam, mas tam-
bém os espaços, a iluminação, os sons, todo o ambiente. Esse
entendimento do que é a “comunicação” de forma ampla
foi o ponto de partida para o nosso trabalho “Costuras do
Invisível”, que trata da habilidade das pessoas de perceber as
sutilezas e o “invisível” relativo às interações humanas, para
harmonizar relações (mas isso já é assunto para outro livro!).
Voltando para a história de que, antes de ser palhaça, eu
era atriz. Primeiro, devo dizer que eu não era uma boa atriz

242 As Raízes do EUpreendedorismo


Ornar

e, provavelmente, era um terror contracenar comigo, pois


eu, muitas vezes, desviava o curso natural da cena para in-
cluir um som inesperado, um insight, uma improvisação que
brotava sem que eu pudesse controlar, os famosos “cacos”,
no jargão do teatro. E, quando isso acontecia, sentia como
se eu aumentasse de tamanho, me expandisse para além de
limites restritos, me sentia plena e feliz, mas ao mesmo tem-
po sentia que essa explosão de improviso não era nada boa
para o parceiro de cena, que não estava preparado e nem
sempre desejava aquilo. Cada vez mais sentia que aquele não
era o meu lugar, apesar de adorar brincar de representar, de
encenar.
Diante disso, dá para imaginar minha felicidade quan-
do entrei em contato com a linguagem do palhaço? Foi a
libertação máxima. Eu era como um peixe (note bem: um
peixe, não um pássaro) em uma gaiola, que acabava de ga-
nhar o oceano inteiro para explorar. Liberdade para que eu
fosse nada além de mim mesma, compartilhando a cena com
quem não só está preparado para as explosões de criação,
como anseia por elas.
Só aqui, nessa conversinha mole de falar de mim mesma,
já dei algumas pistas do ponto primordial a ser abordado.
Afinal, quem é o palhaço, o que é essa linguagem e o que ela
tem a ver com Ornar?

As Raízes do EUpreendedorismo 243


Ornar

O palhaço consigo mesmo - Mas, então, quem é


o palhaço?

Você se lembra que o Eduardo contou sobre a experiência


dele com a vulnerabilidade e como isso o conectou com seus
princípios e com as pessoas que estavam fazendo parte da-
quele processo? Pois bem, o palhaço é um ser vulnerável por
excelência, por isto, essa linguagem orna tanto com as raízes
do EUpreendedorismo.
Praticamente, em todo curso que segue a
linha em que o palhaço é uma ampliação da
própria pessoa e não um personagem, existe
um momento denominado “picadeiro”. Pi-
cadeiro é um jogo que se estabelece entre o
dono do circo, o “monsieur”, e os aspiran-
tes a uma vaga embaixo da lona. No caso, o
“professor” encarna o “monsieur”, um senhor
severo e exigente que entrevista o aspirante
a colaborador do circo (os participantes do
curso). O candidato necessita desesperada-
mente agradar ao monsieur, mostrar o que sabe fazer, o que
só ele sabe fazer, o que ele tem de único. Nesse jogo, espre-
me daqui, aperta acolá, ele acaba por entrar em um contato
extremo com sua vulnerabilidade e com a beleza que este
contato abre. Mais à frente, falarei sobre o curso de Auton-
ticidade que a PoP realiza. Mas quem já passou e presenciou
o processo pode perceber como o participante que consegue
acessar esse lugar de vulnerabilidade fica iluminado, sereno,

244 As Raízes do EUpreendedorismo


Ornar

inteiro e, por que não dizer, mais bonito mesmo. É como se


passasse um scanner de luz sobre a pessoa e ela brilhasse em
toda sua grandiosidade.
No circo, o palhaço é quem permite ao público se sentir
humano, à medida que a plateia se identifica com ele, afinal,
num local de semideuses, onde trapezistas voam, contorcio-
nistas viram do avesso e loucos giram sobre uma moto no
globo da morte, nós, pobres humanos, somos lembrados,
pelo palhaço, de nossa condição de reles mortais. Eu disse
reles mortais? Bom, já, já, vou dizer que não somos tão reles
assim. Somos mesmo é grandiosos, mas vou guardar este se-
gredo para revelar daqui a pouco. O que importa agora é que
o palhaço tem a função de espelho. Por isto, talvez, funcione
tanto a apresentação de Solenta quando ela diz: “Eu sou a
Solenta… Eu sou só isso aqui mesmo, sem expectativas…”.
Os risos que vêm na sequência representam, provavelmente,
uma profunda identificação, além de uma licença para que
todos sejam somente o que são, sem expectativas. A conexão
se estabelece e estamos prontos para voar.
Olhar para o mundo, para as coisas e para as pessoas com
um olhar de “primeira vez” é outra característica que possibi-
lita ao palhaço uma relação de encantamento e surpresa com
tudo que o cerca. E, por este encantamento e sua função de
espelho, ele carimba o passaporte para que os outros possam
se encantar também.
Outra característica do palhaço é que ele, em geral, fala a
verdade. OK, não existe verdade absoluta, mas sabe aquelas
situações em que algo está na cara e ninguém tem coragem

As Raízes do EUpreendedorismo 245


Ornar

de verbalizar? Pois é, o palhaço nem pensa se é adequado


ou não falar, ele não julga, ele simplesmente fala e, assim
consegue relaxar uma situação tensa. Claro, em relação ao
palhaço, há uma licença social para que aja dessa forma. Mas
isso acontece, também, porque ele não enxerga hierarquias,
ele pode apontar para o presidente, para o diretor da multi-
nacional, para o big boss e dizer: “Seu zíper está escancarado,
cuidado que o passarinho vai voar!” Assim, na frente de to-
dos e em alto e bom tom. Todo mundo estava vendo, mas
ninguém teve coragem de falar. O poderoso chefão pode até
ficar meio sem jeito, mas, provavelmente, ficaria ainda mais
ao descobrir sozinho que tinha dado aquele vexame.
O palhaço é aquele para quem o erro é uma oportunida-
de. Você, aí dentro de você, deve ter pensado: “Uau, tudo a
ver com inovação!” Afinal, de onde vêm as grandes descober-
tas, mesmo as científicas, se não de algo que, aparentemente,
não estava dando certo? Há uma lista infinda de inventos
que vai do post it, passando pelo teflon e indo até o Viagra,
produtos que, a princípio, deram resultados diversos ao que
previa o seu projeto de origem.
Pois bem, para o palhaço, um erro é quase como um pre-
sente dos deuses. A partir dele, o palhaço pode se lançar no
abismo do desconhecido e sair de lá, na maioria das vezes,
com uma pérola que pode fazer a plateia cair na gargalhada
ou, simplesmente, se paralisar na cadeira diante do insólito
que acaba de presenciar.
Espero que você tenha conseguido pescar algumas pala-
vras-chaves que permeiam a linguagem do palhaço – Pre-

246 As Raízes do EUpreendedorismo


Ornar

sença, Erro, Relação, Vulnerabilidade, Conexão, Verdade,


Liberdade.

Então, vamos seguir adiante para mais uma “ornação”


com as Raízes do EUpreendedorismo.
Outra característica do palhaço é sua abertura. E ele é
aberto fundamentalmente porque sempre diz sim. Sim para
tudo: para a cena, para o outro, para o inesperado. Costuma-
mos usar o exemplo em que um palhaço diz para o outro: “Ei,
vamos pular da janela?” O outro responde: “Simmmmm”.
Correm até a janela, e o palhaço 2 diz: “Nossa, olha que
árvore linda, vamos desenhá-la com canetinha colorida”. Aí
os dois correm até as canetinhas e dali para um batuque na
latinha das canetinhas e a cena pode continuar. Se em algum
momento um dos dois diz não para o jogo, o jogo para (tro-
cadilho infame).
Levando para a vida, não é que você tem que dizer sim
para tudo, mas que, quando diz um sim para qualquer pro-
posta, está se dispondo a seguir em frente mesmo que seja
para acrescentar uma ideia ainda melhor à proposta original
e alterar o rumo da história. Você não precisa se atirar pela
janela.

Eu com o outro. O que queremos dizer com “eu


com o outro”?

Bem, uma vez que nos conectamos com nós mesmos, es-
tamos prontos para nos conectarmos com o outro, com os

As Raízes do EUpreendedorismo 247


Ornar

outros. Estaremos inteiros em uma equipe, um grupo, na


família.
Desde o começo de minha jornada de palhaça, tive a cla-
reza de que eu não queria trabalhar sozinha, fazer espetáculo
solo, como muitos palhaços fazem, afinal, é um trabalho tão
pessoal que a atividade em conjunto nem sempre é simples.
É antiga em mim essa noção ubuntu de que, acompanhada,
eu posso ir mais longe e principalmente mais feliz. O traba-
lho em dupla me permite uma riqueza de descobertas que
provavelmente eu não teria sozinha. Não só pela possibilida-
de de interlocução como também pela soma de qualidades
e singularidades de cada uma de nós. Sinto-me pertencente
a essa dupla que faz parte dessa rede que está neste mundão.
Quando coloco o nariz, um de meus rituais é repetir in-
ternamente esta frase: “Que o melhor de mim se encontre
com o melhor de cada um!”

O palhaço com o outro - Depois de ler um pouco sobre


quem é o palhaço e várias das suas características, acho que
fica fácil imaginar como seria legal ter um ser assim, sem-
pre presente, harmonizando a energia com o outro, com o
grupo, cuidando para que as relações sejam mais saudáveis
e sustentáveis. Quem nunca presenciou, ao menos uma vez
na vida, como o humor, a gargalhada coletiva, pode rapida-
mente transformar uma situação que estava num impasse?
Consulte aí na sua memória, você deve ter alguma história,
mesmo que seja de um filme.
Pois é, porque o palhaço tem esse poder, não tínhamos

248 As Raízes do EUpreendedorismo


Ornar

dúvida de que ele deveria estar em todos os lugares, fazendo


parte de cada equipe de trabalho em cada empresa, cada es-
cola, cada hospital, cada grupo.
No início de nossa parceria com a Rede Ubuntu, cuidá-
vamos apenas do momento de início dos grupos, usando a
linguagem do palhaço (palhaças e jogos) para promover uma
rápida integração entre os participantes. Dentro do Modelo
Integral, era o momento de colocar foco no plano físico, no
corpo, apesar de entendermos que esse trabalho perpassa os
quatro planos (mental, físico, emocional e espiritual). Logo,
fomos percebendo que teríamos jogos para trabalhar em
praticamente todas as competências do Modelo PURPOSE
e, neste sentido, poderíamos colaborar para que as pessoas
pudessem experimentar cada competência em seu próprio
corpo. São jogos que aprendemos com nossos mestres, jogos
que adaptamos e criamos, a partir da necessidade de traba-

Em um curso ou workshop, essa etapa “eu com o outro” é o mo-


mento em que trabalhamos a noção/percepção de pertencimento a
um grupo e como o seu próprio estado pode alterar e ser alterado
pela energia e desenvolvimento desse grupo. Normalmente, utiliza-
mos o que denominamos “jogos de escuta”. Não é somente a escuta
auditiva, mas a tal da percepção ampliada, uma escuta com todos
os sentidos.

lhar temas específicos.


E, assim, foi nascendo a história dessa parceria tão frutí-
fera: a PoP e a Rede Ubuntu ornando para oferecer experi-
ências cada vez mais intensas, profundas e transformadoras

As Raízes do EUpreendedorismo 249


Ornar

para as pessoas.
Eu para o outro - Nesta etapa, chega o momento em que
nos colocamos na relação com o outro, nos expressamos com
ele e para ele.
Apesar de ser palhaça, eu sou extremamente tímida e me
sinto muito desconfortável falando em público. Mas na jor-
nada da vida é preciso seguir caminhando, é sempre espe-
rado mais um passo adiante. Hora de colocar experiência
e conhecimento para rodar. Segundo a tradição dos griots23
de Burkina Faso e Mali, um indivíduo só ganha direito à
palavra aos 42 anos de idade. Foi mais ou menos com essa
idade que comecei a realizar o Curso de Autonticidade, mi-
nha prova de fogo nesse quesito (dessa vez eu não estava tão
lenta assim, só um pouquinho).

O palhaço para o outro - Como o palhaço pode ajudar


indivíduos.
Por acreditarmos que o palhaço nada mais é do que uma
lente de aumento sobre nós mesmos, também acreditamos
que todos têm um palhaço dentro de si, mesmo que não re-
solvam fazer disto a sua profissão, como nós fazemos.
Criamos o curso de Autonticidade para que as pessoas
que não têm nenhuma intenção de virar palhaço profissio-
nal pudessem experimentar esse lugar de estar inteiro, sendo
genuíno, livre, sem medo do ridículo, para aprender a rir de
si mesmo. E aqui é que eu retomo à questão de sermos gran-

23 - Termo africano que designa os indivíduos encarregados de preservar e transmitir as


histórias, os conhecimentos e as canções de sua família e seu povo.

250 As Raízes do EUpreendedorismo


Ornar

diosos. Quando nos despimos de nossos disfarces, encara-


mos nossos medos e ficamos de frente com nossa vulnerabili-
dade, nos tornamos grandiosos. É isto que percebemos com
cada um que consegue se entregar nesse processo. Fico triste
quando alguém não consegue se lançar ou fica pela metade e
acha que se jogou por completo. Cada um tem seu tempo, a
ser respeitado, mas presenciar aquele scanner de luz, de que
falei anteriormente, é divino. O primeiro curso foi feito por
insistência do Edu. Ele queria que todos os facilitadores da
O nome Edu Seidenthal era complexo demais. Então Consuelo e
Solenta o apelidaram de Etc. e Tal, que depois virou o palhaço Etc. O
Tao. E é incrível quando, hoje, a gente vê o Edu facilitando um grupo.
Por diversas vezes, percebemos um corpo mais solto e expressivo.
É o Etc. O Tao espirrando aqui e acolá.

Rede passassem pela experiência da vulnerabilidade. Real-


mente, notamos um aumento na potência de conexão nos
que se entregaram.
Claro que a gente não quer que todo mundo vire palhaço.
Mas que poderia, poderia.
O nome “autonticidade” é mais um desses exemplos em
que um erro leva a uma grande descoberta.
A Solenta participa como “aprendiz” do programa Seme-
ar, da Natura, desde seu início, em 2010. Quando estava
fazendo um exercício para descoberta de seus valores, que
fariam parte de sua frase de propósito, se deparou com a
palavra AUTONTICIDADE. Esta palavra estava em uma
lista que servia de base para que os aprendizes pudessem es-
colher valores que lhes eram caros. Qualquer um diria que

As Raízes do EUpreendedorismo 251


Ornar

era um erro de digitação, mas Solenta logo elegeu esse como


seu valor máximo. Ficou mesmo surpresa como alguém con-
seguiu juntar autenticidade com tonto. Sentiu uma euforia
sem fim. Sabe esses momentos em que a gente tem vontade
de sair gritando “eureka”? Pois é, foi assim.

Eu para o mundo - Hora de o mundo saber quem so-


mos. Autônticos, avante!!
Vivo um paradoxo abismal, pois, mesmo quando traba-
lhava como atriz, sempre busquei o anonimato. Pode parecer
engraçado uma atriz que busca o anonimato, mas sempre
valorizei isso em oposição às pessoas que usavam a arte para
serem famosas. Nessa época, eu acreditava mais em oposi-
ções. Além de valorizar o anonimato, eu fiz uma promessa
a um famoso diretor de teatro que me destratou. Em vez de
dizer “você ainda vai ouvir falar de mim”, eu disse: “Você
nunca mais ouvirá falar de mim, e eu viverei dignamente da
minha arte”. Promessa cumprida.

Faço para o mundo o que gostaria que fizessem por mim.

O palhaço para o mundo - Como o palhaço pode ajudar


instituições, empresas, escolas e qualquer lugar onde as rela-
ções humanas precisam de cuidado.
Quando Nina e eu criamos a PoP, visando o uso da lin-
guagem no mundo corporativo, acabamos por perceber que
a coisa podia ser cada vez mais ampla e profunda. Já na con-
cepção de nosso primeiro site, pedimos ao ilustrador que

252 As Raízes do EUpreendedorismo


Ornar

fizesse desenhos que mostrassem a presença do palhaço em


diversas situações cotidianas.
Antes de conhecer a Nina, eu trabalhei por muitos anos
com meu grande amigo Cláudio Thebas. Estávamos come-
çando a levar o palhaço para dentro das empresas. Nessa
época, tivemos a ideia do Departamento do Bobo da Corte.
Achávamos que ele deveria existir em cada empresa e teria a
função de, com leveza e humor, apontar onde a coisa estava
emperrando.
Com a PoP e a Rede Ubuntu, o Departamento do Bobo
da Corte evoluiu para Departamento BOCÓ - BusiLess

As Raízes do EUpreendedorismo 253


Ornar

Oriented Clowns Organization, com a proposta de atuar,


nas empresas, nas áreas da comunicação e de desenvolvi-
mento humano. Os palhaços do departamento fazem ações
pontuais, tais como intervenções pelos andares da empresa,
comunicam conteúdos novos ou complexos, ou conteúdos
novos e complexos, e participam de reuniões e rituais da em-
presa. Além dessas ações pontuais, dentro do item desen-
volvimento humano, promovem ações mais intensivas, tais
como treinamentos específicos e o “curso de autonticidade”
de que falei anteriormente, participando da formação de co-
laboradores com mais clareza na comunicação e que ousam
ousar. E, para completar, atuam na melhora do clima da em-
presa. Em suma, pura inovação partindo de uma figura tão
clássica como é o bobo da corte.
A gente não tem dúvida de que um departamento as-
sim pode gerar uma grande economia para as companhias. É
muito comum ouvir em algumas empresas onde circulamos
que a falta de comunicação clara é um dos grandes proble-
mas que enfrentam. E, muitas vezes, as pessoas não são claras
por medo de ofender ou melindrar o colega, quando, na ver-
dade, o que todos querem é saber o que os outros realmente
pensam, até porque saberão mais adiante, depois de muitas
e muitas reuniões ou por uma fofoca no cafezinho. Por isto,
um palhaço presente, dizendo exatamente o que vê, pode ser
tão benéfico, na medida em que toma para si a responsabili-

254 As Raízes do EUpreendedorismo


Ornar

dade de dizer a verdade, economizando tempo e energia dos


colaboradores com muito humor e gargalhadas.
Outro detalhe que nos salta aos olhos é como a submissão
cega e excessiva à hierarquia pode produzir o efeito contrário
dessa abertura de que falamos. Muitas vezes, alguns colabo-
radores querem tanto preservar seus chefes do “perigo” do
palhaço que se esquecem de que eles também são humanos
e buscam transparência e têm direito à leveza. Em muitos
casos, esses colaboradores tentam evitar ao máximo o con-
tato do palhaço com o superior e se surpreendem como o
encontro, na maioria das vezes, é sensacional. Aqui, cabe a
observação que não fiz até agora, mas está subentendida na
nossa assinatura “Palhaços a Serviço das Pessoas”: jamais usa-
remos o mote “perco o amigo, mas não perco a piada”. Nós
perderemos a piada se ela for ofender alguém. Nós entende-
mos nosso trabalho como uma missão, e todo ele se faz na
construção do “rir com” e não do “rir de”. Se for para “rir
de”, que seja de nós mesmas ou de alguém que já nos deu
permissão para isso.
Algumas pessoas detestam palhaços ou têm medo jus-
tamente porque correm o risco de serem ridicularizadas e
expostas negativamente diante de todos. Por este motivo,
nossa participação nos workshops e team buildings nas em-
presas é sempre surpresa, pois, se as pessoas souberem de
antemão que chegará um palhaço, as que têm qualquer tipo
de ressalva com a figura já se armarão até o pescoço. Uma
vez entrando de surpresa, podemos, nós mesmas, lidar com
o desconforto inicial e, passo a passo, envolvê-las até o riso

As Raízes do EUpreendedorismo 255


Ornar

final.
Não posso terminar este curto texto sem alguns agrade-
cimentos: a Marina Campos, nossa querida Nina, que me
aguenta com todas as minhas reticências e confusões e, prin-
cipalmente, pela companhia nessa construção de estar sendo
palhaça a serviço das pessoas. Na palhaçaria, devo agradecer
aos mestres Naiza de França, Ricardo Puccetti, Carlos Si-
mioni, Silvia Leblon, Juliana Jardim, Tortell Poltrona, Cláu-
dio Thebas e a todos os mestres palhaços e bufões com quem
não tive a oportunidade de estudar junto, mas me inspira-
ram profundamente: Léo Bassi, Nani Colombaioni, Fellini,
Buster Keaton, Charles Chaplin, Roberto Benigni… e a lista
segue. E, no EUpreendedorismo, em que consigo me apro-
priar de toda essa história para seguir além, devo agradecer a
todos os parceiros de ubuntu, ubuntices, ubuntuação, ubun-
tulelê, principalmente ao Eduardo Etc. O TAO e à Taly Vai
Que Fica. Família, amigos e marido eu deixo para agradecer
quando escrever um livro inteiro.

256 As Raízes do EUpreendedorismo


Ornar

A Estética

Minha paixão pela palavra oRnar passa também pelo char-


me estético que ela transmite. Desde sua origem, a palavra
ornar é muitas vezes utilizada para expressar o quanto aquela
camisa oRna com aquela calça ou o quanto as cores estão or-
nando entre si.
Como você já deve ter percebido, como Princípio do EU-
preendedorismo, demos várias dimensões e sutilezas para a
palavra oRnar. E, certamente, incluímos o seu componente
estético.
Depois de trabalhar por 13 anos em Marketing, em empre-
sas de bens de consumo duráveis e não duráveis, tenho plena
consciência da importância da forma como certos conteúdos
e mensagens são transmitidos. Na direção do nosso propósito
de democratizar o autoconhecimento, para que as pessoas (in-
dividualmente ou em grupos dos mais variados tipos) possam
aplicá-lo na construção de seus projetos e iniciativas rumo
aos seus respectivos propósitos, trabalharmos a parte estética
é fundamental para gerar o encontro dos indivíduos com o
autoconhecimento.
E o duro é que não existe uma fórmula. Não existe um
padrão. As pessoas são diferentes, existem diferentes aborda-
gens e, por consequência, cada um de nós se conecta com a(s)
abordagem(ns) com a(s) qual(is) mais se identifica. E esta é
mais uma razão do porquê devemos operar em rede, para que
a diversidade de abordagens e a diversidade de pessoas possam
estar contempladas neste ecossistema chamado Rede Ubuntu

As Raízes do EUpreendedorismo 257


Ornar

de EUpreendedorismo.
Além disso, como já vimos na teoria das polaridades, so-
mos diferentes E iguais. Portanto, existe algo que nos conecta
universalmente. E foi nesse contexto que criamos a Lingua-
gem da Rede Ubuntu. Certamente, pelo seu caráter orgânico,
ela irá evoluir com o tempo, mas reúne ótimas referências para
construirmos esse ecossistema Ubuntu.

258 As Raízes do EUpreendedorismo


Ornar

Territórios de linguagem da
Rede Ubuntu de EUpreendedorismo

Simplicidade

A Rede Ubuntu busca o essencial, por isto, sua identidade é


simples e genuína. Quem entrar em contato com a Rede deve se
sentir tocado pela beleza simples, mas não menos esplêndida,
cuidadosa e primorosa, como quando apreciamos a natureza. Não
há nada artificial, rebuscado, não há excessos. E é esta simplicidade
que reforça o propósito de inspirar o SER.

A simplicidade está no tom de voz, que é direto, espontâneo e


informal; na escolha das palavras e mensagens, que incluem e são
compreendidas por todos. Está na composição de cores, imagens e
textos, que evita a poluição visual, na naturalidade das imagens, nas
fontes utilizadas, no traço e nos elementos gráficos que compõem
a linguagem.

As Raízes do EUpreendedorismo 259


Ornar

foto Eastop - freeimages.com

Organicidade

A Rede Ubuntu é viva, orgânica e está em constante movimento


e e transformação. E é por esse jeito de ser que a energia flui, que
novas conexões são formadas e as reflexões mobilizam para a ação.
Tudo em direção a uma luz forte, nosso propósito, que inspira e mo-
biliza para a abertura e para alçar novos voos.

E é esse espírito de vida e movimento que deve estar presente


em nossas expressões, por meio de elementos naturais; de imagens
de pessoas conectadas e integradas, em ação; de textos profundos,
que promovam reflexões, mas com tom de voz que inspira e trans-
mite energia; de cores da natureza e traços que sejam humanos, que
remetam à ideia de “feito a mão” e em processo de desenvolvimento.

Fonte: trabalho realizado por Camila Oviedo Sautchuck

260 As Raízes do EUpreendedorismo


Ornar

O ornar expresso nos ambientes

Conectado com o tema anterior, em que exploramos a di-


mensão estética do ornar, uma clara expressão desse princípio
é perceptível também nos ambientes.

Foto de Waldir Seidenthal


Este livro foi escrito no Sitio Ypê Amarelo, ao som de Chris Botti.
Agradeço aos meus pais (Lais e Waldir), à Nair (pelas comidas deliciosas), à Mayane,
e ao Edson e família, que cuidam muito bem do sítio e me acolheram tão bem. Todos
contribuíram para que este livro fosse escrito.

Cuidar dos ambientes e fazer com que eles ornem com o


propósito e os Princípios é um exercício constante e eterno.
Vou dar um exemplo.
Na maior parte dos processos de aprendizagem que facili-
tamos, solicitamos que a sala não tenha mesas entre as pessoas
e que estas se sentem formando círculos, onde todos conse-
guem enxergar uns aos outros. Para algumas pessoas parece

As Raízes do EUpreendedorismo 261


Ornar

bobagem, mas não é.


Se o nosso propósito é o EUpreendedorismo e se usa-
mos como referência nossas raízes – Abrir, Incluir, Colabo-
rar, Ornar e Acreditar –, a pergunta que nos cabe é: que tipo
de ambiente expressa tais raízes? Como podemos cuidar do
ambiente para que ele gere abertura, inclusão, colaboração, o
acreditar e orne com os conteúdos trabalhados?
Chegar com certa antecedência ao workshop e preparar o
ambiente em várias dimensões é ritual sagrado
para nós. Cuidar da energia do ambiente, da
disposição dos móveis, da luminosidade, do
layout em que trabalharemos, do som e dos
cheiros faz toda a diferença nos processos de
aprendizagem.
Cuidar do ambiente é fundamental, mas
lembre-se: isso é uma constante dança em di-
reção ao nosso propósito.
Recentemente, fomos facilitar um workshop
de construção de equipe, de dois dias de dura-
ção, em um hotel no interior do Estado de São
Paulo. Como de costume, chegamos cedo ao
local e, para nossa surpresa, a sala estava ocu-
pada com mesas redondas. Fui imediatamente conversar com
o RH, parceiro do negócio, responsável por aquele trabalho,
e com a diretora da equipe. E disse: “Vou pedir para retirar
as mesas da sala e colocar todo mundo em roda, OK?” A res-
posta imediata que ouvi foi: “Não. Eu me sinto bem mais
confortável com as mesas e quero que elas permaneçam”. Em
seguida, olhou para o lado e perguntou a um gerente da sua
equipe: “Você não acha, fulano de tal?”, que imediatamente
concordou.

262 As Raízes do EUpreendedorismo


Ornar

Certo incômodo tomou conta de mim. “Como assim?


Quem vai facilitar sou eu!” Respirei fundo e disse: “As mesas
atrapalham o fluxo do workshop. É importante para o propó-
sito do trabalho”. Mesmo com essa argumentação, a diretora
insistiu que queria que as mesas fossem mantidas. Apesar da
“raivinha”, terminei a conversa dizendo: “Então, eu vou man-
ter as mesas, mas saiba que essa decisão afeta a qualidade do
trabalho”.
Voltei para a sala “bufando” e avisei à equipe de eventos do
hotel para manter as mesas, que já estavam sendo retiradas.
Imediatamente me veio o Princípio do Incluir dentro de mim.
“Calma, Edu, não vale esse estresse agora. Para que estamos
aqui? Para o desenvolvimento dessa equipe. Assim, qual o pri-
meiro passo que podemos dar juntos que seja factível para
todos nós e que vá em direção ao nosso propósito?” A retirada
das mesas era muito importante, porém, mais importante era
caminharmos em direção ao nosso propósito: o desenvolvi-
mento da equipe.
Este é um bom exemplo de como não existe receita de bolo,
regras rígidas, para facilitar processos de aprendizagem de EU-
preendedorismo. Depende da situação, depende da equipe,
depende do propósito, depende das interações, em suma, de-
pende de uma enormidade de variáveis.
E é por este motivo que o primeiro livro do EUpreende-
dorismo é a respeito dos Princípios e não de metodologias
e abordagens. É impossível engessar um processo orgânico.
Constantemente precisamos tomar decisões para remover
obstáculos em direção ao nosso propósito. Em muitos casos
não sabemos quais são as soluções. Não temos receitas de
bolo. Daí, a importância do propósito e dos Princípios, para
servirem de referência a cada tomada de decisão.

As Raízes do EUpreendedorismo 263


Ornar

Qual é a melhor decisão que posso tomar neste momen-


to que nos leve na direção do nosso propósito e oRne com
os princípios? Esta pergunta é quase um mantra para mim,
nesses mais de seis anos de Rede Ubuntu, e tem sido uma
experiência fascinante. É com base nessa reflexão que tomo
a maior parte das decisões, inclusive nessa história das mesas.
No fim, o workshop foi um grande sucesso! Conseguimos dar
importantes passos no desenvolvimento daquela equipe, mes-
mo com as tais mesas. Dificultou um pouco mais, mas não
impossibilitou.
Agora, quero fazer referência à reflexão que fizemos com o
Humberto Maturana, que diz que a mudança reside em tudo
aquilo que queremos manter. Pois bem, acompanhado da per-
gunta anterior, é preciso ter clareza do que é inegociável, do
que é essencial. Todo o resto está sujeito a mudança. Mas
e se eu errar?
Por não termos receitas de bolo e querermos EUpreender
em direção ao nosso propósito, estamos sujeitos a erros. E,
diferentemente de como fui treinado em minha formação
educacional, errar faz parte… Cresci vendo nas provas do co-
légio um “X” vermelho nas respostas erradas. Ai! Cresci vendo
boletins com as notas vermelhas estampando as baixas perfor-
mances em algumas matérias.
Sim, o feedback é absolutamente válido, e reconheço a im-
portância desses mecanismos para compreender em que temos
que melhorar (apesar de reconhecer que hoje existem outros me-
canismos de feedback, além das provas e boletins). Mas tanto o
meu olhar, durante a minha formação, quanto o da maioria dos
educadores, poderia ser bem diferente para tais notas e erros. Em
vez de um olhar ou de uma sensação (minha… lembra do filho
perfeito?) de desaprovação, um olhar mais leve mostrando que o

264 As Raízes do EUpreendedorismo


Ornar

erro faz parte do aprendizado, faz parte da inovação e da criati-


vidade!
Como foi dito pela querida Momô, o palhaço tem me en-
sinado muito sobre o erro. Para o palhaço, o erro é uma joia.
Quando o palhaço erra, acontece algo mágico. Acontece uma
gargalhada gostosa, que nos conecta com aquele ser. Reconhe-
cemos ali um ser, um ser como a gente.
Errar é isto, faz parte da nossa existência. E esta é uma
das razões pelas quais acredito tanto na linguagem do palhaço
como veículo de desenvolvimento, pois precisamos praticar
isto. É quase como um contramovimento à maior parte do
sistema de ensino vigente.
Nesses anos de EUpreendedorismo, acertamos muito e
erramos também! Acredito que o erro mais gritante que eu
cometi foi com o projeto Mãe Ser Mãe, que nasceu com o
propósito de levar o EUpreendedorismo para o mundo da
maternidade. Existem poucos momentos em nossa jornada
que mexem profundamente com o peso dos nossos valores, e
a maternidade certamente é um deles. Nesse contexto, é im-
portante um processo de reflexão de propósito e mapeamento
de caminhos para que cada mulher possa construir a mãe que
ela quer ser e não a que os outros ou a sociedade esperam que
ela seja. Um projeto incrível.
Pelo seu conceito extraordinário, logo de partida ele re-
cebeu patrocínio de uma marca interessada nesse público. E
ali estava eu, todo animado com a possibilidade de espalhar
o EUpreendedorismo de maneira rápida e ainda sustentável
economicamente. Entrei no modo executivo de projeto, en-
gatei a quinta e fui em frente para entregar o projeto. Defini
papéis, prazos, contratei gente e, à medida que o tempo foi
passando, as pessoas do projeto, até mesmo eu, foram “mur-

As Raízes do EUpreendedorismo 265


Ornar

chando”. Algo não estava oRnando... Errei na construção da


identidade visual, errei no planejamento, errei na gestão do
projeto, errei no orçamento… Errei em vários lugares! Como
costumamos brincar, o Mãe Ser Mãe foi literalmente uma
mãe para nós da Rede Ubuntu.
Que aprendizados tivemos? Vários. O primeiro, e diria o
mais importante, foi que um projeto só vai para frente com
pessoas absolutamente sintonizadas e engajadas com o propó-
sito dele. Apesar de achar o projeto fascinante
Existem poucos e de eu ter ajudado inicialmente em sua con-
cepção, não sou mãe! Além disso, o EUpreen-
momentos em nossa dedorismo atua com diferentes públicos, mas
jornada que mexem as mães não são a minha prioridade. Não são a
profundamente minha, mas podem ser a de outros ou outras.
E, ao olhar para o lado, para o nosso time
com o peso dos da época, não existia ninguém com essa “gana”,
nossos valores, com esse engajamento. Todos nós achávamos o
e a maternidade projeto lindo, uma iniciativa fundamental para
certamente é um deles. cumprir nosso propósito maior como Rede,
mas nenhum de nós estava com a energia, com
o propósito de pegar o projeto no colo e carre-
gá-lo por certo tempo.
Como o universo é sábio, e falarei disso no próximo ca-
pítulo, ele ajudou a dar uma freada em todo aquele ímpeto
“gerencial”. Por cortes de verba, meses depois, o patrocínio foi
cancelado e o projeto foi colocado em pausa.
Um tempo excelente para aprendermos com essa experiên-
cia e perceber por que não estava ornando. E tiramos grandes
aprendizados dessa mãe que foi esse projeto:

1) Quem precisa tocar o projeto é quem tem propósito

266 As Raízes do EUpreendedorismo


Ornar

para ele e age espontaneamente nesta direção. O propó-


sito da pessoa precisa oRnar com o propósito do proje-
to. Assim, o projeto tem alma, tem verdade. Orna.
2) As funções a serem exercidas pelas diferentes pessoas
dentro da equipe do projeto precisam ser definidas por
elas mesmas e por suas relações. Na ânsia de querer
cumprir o prazo e entregar, comecei a definir as funções
e a energia começou a cair... A pessoa não ornava com
a função.
3) Os tempos... Existe um tempo cronológico e existe um
tempo de maturação dos projetos e das pessoas. Ambos
os tempos precisam ser considerados. Falarei mais sobre
isso no próximo capítulo.
4) Quem cria e desenvolve a parte estética precisa ornar
com o propósito do projeto. A alma de um projeto
também é refletida pela estética, e o processo de desen-
volvimento estético de um projeto também precisa ser
orgânico. Precisa ornar, precisa fluir.

Foi duro. Perdemos dinheiro, que tínhamos e não tínhamos. E


também foi maravilhoso poder experimentar tudo aquilo.
Esses aprendizados, junto com o fato de eu ter parado no hos-
pital, em 2013, com crise de estresse e com tantos outros fatores
já explorados neste livro, foram fundamentais para nos trazer até
aqui como organismo vivo. Nosso caminhar em rede, em parte,
é uma resposta para esses aprendizados listados anteriormente. E
sou grato por todas essas experiências. Errar faz parte. Aprender
com os erros é primordial. Repetir os erros já não é muito inteli-
gente, apesar de, às vezes, fazer parte também!

As Raízes do EUpreendedorismo 267


Ornar

Ornar para quê?

Após termos explorado todas essas dimensões e sutilezas


deste Princípio, vale destacar aqui as consequências naturais
do ornar.
Como já foi dito anteriormente, ornar gera conexão. Como
lindamente explorado por Brené Brown, ao entrar em contato
e ser verdadeiro consigo, você gera conexão com o outro. Ou
seja, reconhecemo-nos como seres na relação com os outros.
Ornar é um dos pilares fundamentais para gerar confiança.
Lembra-se de que exploramos no Capítulo Incluir os pilares
da confiança segundo Covey? Autenticidade era o primeiro
pilar, que na terminologia da PoP (como explorado neste ca-
pítulo) chama Autonticidade. E na terminologia das Raízes do
EUpreendedorismo chamamos de oRnar.
Como diria Don Tapscott, em sua palestra “Quatro prin-
cípios para um mundo aberto”, confiança é condição sine qua
non neste mundo aberto e líquido em que vivemos. Por esta
razão, a busca por ornar é tão essencial.
Finalmente, o processo de ornar nos movimenta em busca
da nossa evolução como seres humanos. Faz-nos crescer e nos
tornarmos cada vez mais conscientes de nossa existência e de
nossas relações e interdependência.
O processo de ornar facilita nosso caminhar em direção
ao nosso propósito. Não basta se abrir, não basta incluir, não
basta colaborar, é preciso também oRnar.

268 As Raízes do EUpreendedorismo


As Raízes do EUpreendedorismo 269
270 As Raízes do EUpreendedorismo
Acreditar

Capítulo 6: Acreditar
Preâmbulo

“Coragem não é ausência de medo.


Coragem é agir apesar do medo.”
Nelson Mandela

Apesar de colocar neste livro o Princípio do Acreditar para “fe-


char” a sequência das Raízes do EUpreendedorismo, ele permeia
todos os demais Princípios, como veremos mais detalhadamente a
partir daqui. As Raízes, de maneira orgânica, se relacionam e, defi-
nitivamente, o Princípio do Acreditar tanto poderia abrir este livro
como fechar. E, de maneira orgânica, acabou “fechando” a nossa
sequência de Raízes.
Como costumo dizer, EUpreender é um exercício de fé. Um
constante encontro de você com você mesmo. Um constante encon-
tro com a sua luz e com a sua sombra, como discutimos no Princípio
do Incluir.
Em inúmeros momentos, ao longo desses mais de seis anos de
EUpreendedorismo, a vozinha dentro de mim perguntou: “Será que
eu estou louco?” ou “Será que eu estou viajando?”
Existe um lado muito positivo em questionamentos internos
como estes, pois nos fazem constantemente revisitar justamente nos-
sas crenças, nosso propósito. E depois de refletir por alguns instan-

As Raízes do EUpreendedorismo 271


Acreditar

tes, apesar do medo (que existe até hoje!), a sensação é: “Pode


parecer meio louco, mas faz sentido! Essas ações, esses cami-
nhos fazem sentido com a direção, ou propósito, que estou
buscando”. E, assim, segui em frente, como dizia Mandela.
Como venho da área de negócios, gosto de colocar muitos
assuntos em gráficos ou diagramas. Um que uso bastante nos
programas em que facilito é o gráfico a seguir.
Se você só tem medo, paralisa ou, muitas vezes, recua. Mas

Propósito

Medo

se tem uma força maior do que o medo, você caminha... E que


força é esta? Propósito.
Acreditar no seu propósito significa acreditar em si, acre-
ditar genuinamente em seus talentos e naquilo que mobiliza
muito você a buscar. E assim chegamos à primeira dimensão
do Princípio do Acreditar.

272 As Raízes do EUpreendedorismo


Acreditar

Acreditar em si

Uma imagem que gosto muito, para tentar traduzir a sen-


sação do acreditar e dar os passos iniciais na caminhada do
EUpreendedorismo, é o trecho do filme “Indiana Jones e A
Última Cruzada” em que ele, para salvar o pai, precisa passar
por diferentes obstáculos, entre eles cruzar um precipício.
A reação imediata de Indiana Jones ao se deparar com o
precipício é dizer: “Impossível, ninguém consegue saltar tanto
assim”. Mas, ao escutar o pai em dor (propósito), ele coloca a
mão no coração, fecha os olhos e diz a si mesmo: “É preciso
acreditar, é preciso ter fé”. E dá o passo. Neste instante, surge
uma ponte que o leva até o outro lado.
Muitas vezes, apesar do enorme desconforto de estar pisan-
do no “escuro”, no incerto, sem garantias de resultados con-
cretos, a força do propósito faz você caminhar, dar o próximo
passo.
Lembra-se que, no início deste livro, eu defini propósito
como a utilização dos seus talentos na maior potência possível
a serviço dos valores que mobilizam, que energizam você?
Nessa lógica, acreditar no seu propósito passa, então, por
acreditar verdadeiramente que você é capaz e possui inúmeros
talentos E TAMBÉM acreditar que você veio com uma inten-
ção, a serviço de algo maior. E quando digo algo maior, não
precisa ser algo grande. Um propósito grandioso não neces-
sariamente precisa ser uma ação grande. Uma ótima reflexão
que li recentemente de Dalai Lama diz: “Se você acredita que
é muito pequeno para fazer a diferença, tente dormir em um

As Raízes do EUpreendedorismo 273


Acreditar

quarto com um pernilongo”. Acredito fielmente que todos os


propósitos são grandiosos, apenas com escopos e “funções”
diferentes.
Como é dito no maravilhoso filme “As Invenções de Hugo
Cabret”, nenhuma peça sobressalente. Toda peça em uma má-
quina tem uma função. Assim, se considerarmos o planeta
Terra como uma máquina, o mesmo raciocínio é válido. Tudo
tem uma função. Você, eu e tudo e todos ao nosso redor têm
uma função.
Eu diria que estas são crenças, premissas
Todos nós somos fundamentais do EUpreendedorismo. Todos
seres de luz e viemos nós somos seres de luz e viemos dotados de ta-
lentos para realizar nossa intenção neste mun-
dotados de talentos
do.
para realizar nossa Você pode estar pensando: “Muito boni-
intenção neste mundo. to, mas como acreditar genuinamente nisto?”
Aproveito, então, este espaço para fazer refe-
rência aos outros Princípios já explorados e
como eles se complementam e vivem juntos.
Primeiro, é um processo, uma caminhada (lembra-se do Prin-
cípio do Abrir?).
Outro Princípio importante na caminhada de internalizar,
“entranhar” essas crenças e seguir em direção ao seu propósito
é o Ornar, que acabamos de discutir. Na sua caminhada, entre
em contato constantemente com você mesmo e perceba se os
passos ornam com você.
Foi assim comigo também. Você me imagina comunican-
do a todos aqueles que eu conhecia o lançamento da Rede

274 As Raízes do EUpreendedorismo


Acreditar

Ubuntu em 2009? No momento em que eu enviava tal e-mail,


milhares de demissões eram estampadas nos jornais. Incerte-
za absoluta no mercado. Uma crise danada. E eu lançando a
Rede Ubuntu!
Sentia medo, sim, muito. E em muitos momentos entrei
em contato justamente com o pensamento que o próprio In-
diana Jones interpreta tão bem no filme: “Impossível!” Mas
llogo em seguida vinha o propósito e ele me dava, ou melhor,-
me dá até hoje força para seguir em frente. Acreditar...
A essa altura, depois de facilitar milhares de pessoas na ca-
minhada do EUpreendedorismo, percebo que uma das nossas
maiores contribuições é justamente a criação do processo para
que as pessoas olhem para si, se conectem com seus talentos
e suas intenções e comecem a dar um passo por vez. Como
sempre digo, o processo de responder uma pergunta por vez.
E aqui faço referência à beleza de outro Princípio: Cola-
borar. Juntos somos mais fortes. Ubuntu! Esse processo, em
rede, fica mais fácil.
Nunca vou me esquecer de uma participante de um dos
nossos programas que recebeu como presente de inúmeras
pessoas do seu círculo social o feedback de que era detalhista.
Após ler alguns dos feedbacks que tinha acabado de receber, ela
olhou para mim e soltou o seguinte comentário: “Sim, Edu,
realmente sou detalhista. Você não sabe como isso me atrapa-
lha!”
E é justamente aí que o Princípio do Acreditar emerge,
como uma das maiores forças: é você que precisa acreditar em
seus talentos. Voltei para ela com uma pergunta: “Você acha

As Raízes do EUpreendedorismo 275


Acreditar

que o mundo precisa de pessoas detalhistas?” Ela parou por


alguns instantes, refletiu e disse: “Sim, Edu, mas você não tem
ideia de quantos feedbacks já recebi para ser menos detalhista!”
Lembra-se de que, no Princípio do Incluir, exploramos bas-
tante a polaridade da luz e da sombra? Como disse sabiamente
Clarice Lispector: “Até cortar os próprios defeitos pode ser
perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso
edifício inteiro”.
Qualquer remédio em excesso pode virar veneno. O ca-
minho não deve ser diminuir a sua luz e, sim, trabalhar no
que eu chamo dos efeitos colaterais ou, ainda, saber fluir na
polaridade.
Na jornada do EUpreendedorismo, é preciso primeiro
acreditar em si, nos seus talentos, no seu propósito! Um exer-
cício eterno, um processo.
A boa notícia é que, à medida que damos os passos e as
experiências se sucedem, o acreditar aumenta. Claro, depende
de tudo aquilo que já exploramos aqui. Nosso olhar, nossa
apreciação das experiências, o quanto temos conversas verda-
deiras com a gente mesmo, o quanto escutamos e trabalhamos
com os outros. De novo, tudo interligado.
Mas, definitivamente, à medida que damos voz aos nossos
talentos e ao nosso propósito e seguimos os passos da nossa
caminhada, nosso acreditar só vai aumentando!

Acreditar nos outros

Além de acreditar em si, no seu propósito, outra dimensão

276 As Raízes do EUpreendedorismo


Acreditar

do Princípio do Acreditar é o quanto acreditamos nas pesso-


as, nos outros. Cerca de um ano após fundar a Rede Ubuntu,
almocei com o Alan Edelstein, que trabalhou comigo na J&J.
De fato, nunca chegamos a nos conhecer de verdade na-
quela época. Tempos depois, quando eu já estava longe do
mundo corporativo há dois anos, e ele há alguns meses, nos
conectamos pelas redes sociais e marcamos um almoço, para
nos atualizarmos em relação às respectivas histórias. Neste al-
moço, Alan indicou que eu deveria conhecer sua cunhada, a
querida Taly Szwarcfiter (já citada diversas vezes neste livro e
também autora de um texto no Princípio do
A boa notícia é
Incluir), que tinha experiência em trabalhar
com jovens, e eu tinha acabado de apresentar que à medida que
a proposta do Programa Semear para a Natura. damos os passos, e
Uma semana depois, estávamos nos conhecen- as experiêmcias se
do no escritório da Rede Ubuntu. Ela contou sucedem, o acreditar
sua história, eu contei a minha e percebemos
aumenta.
claramente nosso propósito comum de traba-
lhar com jovens.
No fim da conversa, uma pergunta que se tornou comum
nos diferentes almoços, cafés e reuniões ao longo desses anos:
“Quais são os próximos passos, após esta nossa conversa ini-
cial? Como podemos estabelecer algum tipo de parceria?” A
resposta: fazendo! Em seguida, convidei a Taly para assistir
a uma palestra que daria para estagiários da Natura, com o
intuito dela conhecer na prática o que eu estava fazendo. As-
sistiu e gostou! Dias depois, recebemos a resposta positiva para
iniciarmos o Programa Semear. As queridas Andrea Vernacci

As Raízes do EUpreendedorismo 277


Acreditar

e Mariane Carnevalle, na época profissionais de Recursos Hu-


manos da Natura, acreditaram na gente, em nosso propósito,
em nossa intenção.
Como eu e Taly iríamos começar a relação? Fazendo. En-
tramos na sala para facilitar, na época, o nosso maior projeto
sem termos facilitado juntos, na prática. Mas algo ali nos dizia
que valia a pena seguir, experimentar (veja os Princípios do
Abrir, do Incluir, do Colaborar e Ornar aparecendo aí!). E
tudo isto sem termos nenhuma garantia do que seria gerado,
e esta é outra dimensão do acreditar sobre o qual falarei mais
a seguir.
Dei o exemplo da Taly, apesar de já ter falado dela ante-
riormente, pois simbolicamente ela foi a primeira pessoa a in-
gressar, de fato, na Rede. E, assim como a Taly, tantos outros
exemplos se sucederam e tiveram, de certa forma, o mesmo
processo de construção de relação. De um jeito fluido, orgâ-
nico!
Você pode estar pensando agora: “Que romântico tudo
isso, Edu! Mas e se você encontra alguém e não rola?” Isto aí:
não rola. Acreditar que, ao mesmo tempo, algumas relações
fluem, outras não. Na verdade, a primeira pessoa que ingres-
sou na Rede Ubuntu foi uma jovem que me conheceu, ainda
na época da Amana Key, e três meses depois de eu fundar a
Rede Ubuntu também tinha deixado o mundo corporativo e
decidido empreender. Eu a convidei a se juntar à Rede, e foi
o que aconteceu. Começamos a trabalhar juntos e facilitamos
alguns workshops. Mas, à medida que o tempo passava (isto
é, semanas), não percebia que ela estava conectada, “pilhada”,

278 As Raízes do EUpreendedorismo


Acreditar

ou melhor, com “tesão” para trabalhar com EUpreendedoris-


mo (que na época ainda chamávamos de empreendedorismo).
Dias depois, tivemos uma conversa verdadeira e robusta sobre
como aquele caminho, a Rede Ubuntu, não estava ornando
com os interesses e o propósito dela (lembra-se do Princípio
do Ornar?). E, assim, desfizemos a parceria.
Me lembro que fiquei bem mal, na época: “Como assim, a
primeira pessoa que ingressou na Rede Ubuntu não rolou? E
comigo, que era tão bom de desenvolvimento e gerenciamen-
to de pessoas?”
Acreditar que certas relações fluem e outras não. Que pes-
soas surgem em sua vida e vão embora e tudo tem um por-
quê. Como diria Steve Jobs, “só é possível conectar os pontos
olhando para trás. É impossível ver os pontos se conectarem
olhando para frente. Ao olhar para frente, é preciso ter fé,
acreditar, destino, carma. É preciso acreditar que os pontos
vão se ligar de alguma forma!”
Um aprendizado nesses anos de Rede Ubuntu tem sido a
fluidez nas relações. Fui treinado em um modelo de relações
de trabalho em que praticamente um se sente proprietário do
outro: “Eu contratei fulano de tal e ele é do meu time, da
minha empresa”.
Cada vez mais, as relações são fluidas. Pessoas ficam anos
em uma organização, outras vão e voltam, e outras se aproxi-
mam, “orbitam” o ecossistema, mas acabam nunca entrando.
Não existe regra. Existe a jornada e a experiência de cada um.
Existem os encontros e os desencontros naturais da vida. Isto
não significa que tais relações são superficiais, muito pelo con-

As Raízes do EUpreendedorismo 279


Acreditar

trário: são intensas e profundas, enquanto duram.


O Princípio do Acreditar aplicado nas relações e, claro, ao
trazer todos os outros Princípios juntos, diz respeito ao quanto
fundamentalmente acreditamos que somos parte de um todo
maior e que tudo, absolutamente tudo, ao nosso redor tem
um motivo, tem um propósito. Como Luís Seabra, fundador
da Natura e uma grande inspiração para muitos de nós, pela
sua visão e realização nesta vida, sempre cita em suas palestras:
“O uno está no todo. O todo está no uno”.
O processo de nos abrir para acreditar nos outros, fluir nes-
sas relações que emergem e se vão em nossa vida, tem sido um
grande aprendizado e uma grande lição de diversidade para
mim. Sim, eu sei que em certos momentos podemos nos de-
cepcionar, podemos nos frustrar, podemos ser traídos ou até
mesmo violentados. Nem tudo são flores sempre. Mas, como
vimos no Abrir e no Incluir, a sombra também faz parte da
nossa experiência, não?
E, pela minha experiência até aqui, a quantidade de ale-
grias, colaborações e trocas positivas tem sido muito maior
que as decepções e frustrações. E, como vimos também no
Capítulo Ornar, com a Brené Brown, ao entrarmos em con-
tato com todas as emoções, tanto positivas quanto negativas,
somos de verdade capazes de nos sentir plenos, inteiros e co-
nectados. Não dá para evitar ou anestesiar apenas uma parte
das emoções.
Percebe, então, como todos os Princípios se conectam,
como está tudo interligado? Confesso que, antes de escrever
este livro, não tinha consciência de todo esse conteúdo. E só

280 As Raízes do EUpreendedorismo


Acreditar

isso já é mais um exemplo do acreditar. Começar a escrever e


digitar as primeiras linhas... O próprio processo cuida de mui-
ta coisa, e novos fenômenos, que não conseguíamos enxergar
antes de começar, emergem.

O acreditar e o tempo

Desde que fundei a Rede Ubuntu e comecei a minha jor-


nada como EUpreendedor, um dos meus principais aprendi-
zados tem sido o respeito ao tempo. Desde que
tive, no segundo semestre de 2009, a visão do
que seria a Rede Ubuntu, ando como um tra-
tor na construção deste ecossistema. E, mui-
tas vezes, me dá uma angústia, pois acho que
está muito devagar, apesar de muitos amigos e
membros da Rede dizerem que estou indo bem
rápido.
Nunca vou me esquecer de uma frase que
meu pai disse, logo após encerrar sua carreira
como executivo da Kodak e ir para o sítio, onde, entre outras
atividades, cultiva orquídeas: “Filho, é incrível que, como exe-
cutivo, fui treinado a desenvolver projetos com data de entrega
e fazia de tudo para acelerar as etapas, para cumprir o prazo ou
até antecipá-lo. Mas, com as orquídeas, posso fazer tudo o que
estiver ao meu alcance que não tem jeito, a primeira flor da
orquídea vai levar anos para brotar!” Achei este comentário de
uma sabedoria incrível. Uma das dimensões mais importantes
do Princípio do Acreditar é a nossa relação com o tempo.

As Raízes do EUpreendedorismo 281


Acreditar

Aprendi recentemente uma distinção sobre o tempo que


fez toda a diferença para compreender melhor essa nossa
jornada do EUpreendedorismo. Existe o tempo CRONOS,
aquele tempo que aprendemos desde criança. É o tempo que
contamos, que colocamos em um CRONOgrama. E conse-
guimos até distribuir nossas atividades nesse tempo que con-
tamos. Uma forma fundamental de lidarmos
com o tempo, pois cognitivamente nos ajuda a
Está nascendo quando caminhar e compreender minimamente o que
tem que nascer, e ter está rolando e como podemos ser mais eficien-
tes. Existe também o tempo chamado KAI-
esta consciência no RÓS, que é o tempo das coisas. Por mais que
mínimo me traz mais façamos, por mais que tenhamos nos esforçado
paz e compreensão de e suado, existe um tempo natural a ser respei-
que sou parte de algo tado. No exemplo das orquídeas do meu pai, é
maior. o tempo do brotar da flor.
Nesses anos de Rede Ubuntu, é incrível
como esses dois conceitos são pertinentes e
como, desde que o descobri, o conceito KAIRÓS me trouxe
mais paz e consciência do que, de fato, se trata essa jornada
do EUpreender.
Temos, sim, cronogramas, prazos de entrega e, aliás, rala-
mos muito para cumpri-los. Práticas básicas de gestão são fun-
damentais para fazermos acontecer. E TAMBÉM ter a cons-
ciência de que o tempo de maturação daquela ideia, daquele
projeto, daquela iniciativa faz também toda a diferença em
como enxergamos melhor o fluxo das coisas e, consequente-
mente, fluímos melhor juntos.

282 As Raízes do EUpreendedorismo


Acreditar

Hoje, dou graças a Deus porque ninguém assinou um che-


que lá no início, quando apresentei a visão da Rede Ubuntu
para alguns investidores. Lembra-se que falei sobre isso no iní-
cio do livro? Consigo enxergar, agora, que simplesmente nem
eu nem a própria Rede estávamos prontos para um aporte
financeiro para realizar e concretizar uma rede colaborativa e
distribuída de EUpreendedorismo. Hoje acredito que estamos
mais prontos, tá? No mínimo, estamos em outro estágio...
“Hello, alguém aí querendo contribuir com a construção des-
se sonho?”
Nesses seis anos, amadureci e amadurecemos, e a cons-
trução de um modelo em rede, inovador, pressupunha esse
tempo. Reconheço até que a ausência de grana, em muitos
momentos (a famosa “água batendo na bunda”, lembra-se do
tema resiliência do modelo PURPOSE?), foi determinante
para inovarmos, repensarmos modelos e soluções e não nos
agarrarmos a fórmulas de gestão e organizacionais já conhe-
cidas e falhas, para seguirmos em direção ao nosso propósito.
A Rede, como tantos outros projetos, e mesmo este livro
são exemplos do quanto ter consciência do Kairós é funda-
mental. Apesar de “correr” muito para escrever este livro, fa-
zer diferentes retiros no sítio para focar na escrita, ele teve o
tempo dele. Está nascendo quando tem que nascer, e ter esta
consciência, no mínimo, me traz mais paz e compreensão de
que sou parte de algo maior.

As Raízes do EUpreendedorismo 283


Acreditar

O acreditar na prática

Agora, você pode estar pensando: “Muito lindo tudo


isso, Edu. Muito linda essa história de Kairós, de acreditar
em mim, de acreditar no outro, mas como eu traduzo isso na
prática? O que eu faço amanhã? Como eu sobrevivo? Apenas
acreditando?”
Foi a partir dessas reflexões que criei o conceito dos “Can-
teiros”, um jeito de enxergar nossas ações e projetos no dia a
dia e incorporar muitos desses conceitos citados aqui. E cha-
mo de Canteiros porque ele oRna com toda a nossa metáfora
da árvore e dos jardineiros. Quando o jardineiro se depara
com seu terreno e, movido pelo seu propósito, decide começar
a plantar seu lindo jardim, percebe que precisa plantar várias
sementes e cuidar de vários canteiros ao mesmo tempo.
É justamente esta a sensação quando se começa a EUpre-
ender. A quantidade de projetos, eventos, atividades em que
você se envolve é enorme e, logo nas primeiras semanas ou em
poucos meses, surge a seguinte reflexão, seja interna ou dada
como conselho por um amigo: “Será que você não está per-
dendo o foco?” Quero aqui dar o significado de foco, no caso
do EUpreendedorismo, pois, dependendo do contexto, foco
pode ter vários significados e dimensões. No caso do EUpre-
endedorismo, qual é o foco?
O foco é o PROPÓSITO. Lembre-se de que, no Modelo
PURPOSE, o propósito aparece na vertical, é a espinha dor-
sal, é aquilo que nos move, nos mobiliza, é a nossa direção. E,
no caso do nosso jardineiro, é a visão do jardim que ele quer

284 As Raízes do EUpreendedorismo


Acreditar

plantar. Enquanto aquele jardim não está ornando com a sua


visão, existe uma energia interna enorme para seguir plantan-
do e cuidando do jardim. O propósito até ajuda nos momen-
tos de tempestades, que certamente virão ao longo da jornada.
Na era industrial, com uma corrida desenfreada por pro-
dutividade, aprendemos, ou melhor, fomos programados a es-
colher fazer uma coisa só e fazê-la “animalmente” bem, isto é,
rápido e com baixo custo. De novo, esta é uma competência
fundamental e importante também no EUpreendedorismo.
Mas não é só.
Para o jardineiro plantar e construir seu lindo jardim, é
preciso focar sempre no jardim como um todo. Pode até ser
que, naquela semana específica, o foco será uma atividade es-
pecífica ou um canteiro específico. Mas, ao longo do tempo,
se focar apenas naquele projeto e naquela atividade, o jardim
nunca irá se completar.
Quando se trata de organismos vivos, o movimento é dinâ-
mico e fluido, como vimos no Princípio do Incluir.
Uma vez que o EUpreendedor tem, no mínimo, uma ideia
de como será o seu jardim e o que deseja plantar, parte para
a ação. Lembre-se de que digo “no mínimo uma ideia do que
quer plantar”, pois muito da clareza surge ao fazer. Portanto,
faça! Reflita, mas não muito. Faça!
E, quando partimos para a ação, como já mencionei, sur-
gem todas aquelas atividades e projetos ao mesmo tempo, pois
tudo parece interessante, não é mesmo?
Refletindo sobre a minha própria experiência de EUpre-
endedor e também pegando muitos conhecimentos da minha

As Raízes do EUpreendedorismo 285


Acreditar

história de marketing, principalmente o conceito de Portfolio


Management, ou Gerenciamento de Portfólio, surgiu o con-
ceito dos Canteiros.
Os diferentes projetos e atividades que emergem durante a
nossa jornada têm todos uma função, e é preciso compreender
o todo e suas inter-relações. Assim, para “classificar” tais proje-
tos e atividades usaremos três variáveis principais:

• Propósito: o quanto sinto que aquela atividade ou


projeto oRna com meu propósito. O quanto aquela
atividade ou projeto utiliza dos meus talentos a servi-
ços de valores que me mobilizam, que me dão tesão!
• Tempo: o quanto posso fazer aquela atividade ou
projeto no curto prazo, isto é, imediatamente, ou se
trata de atividades e projetos que levarão mais tem-
po.
• Dinheiro, Grana, ou “Bufunfa”: o quanto aquela
atividade ou projeto me renderá financeiramente.

Cruzando estas três variáveis com os projetos, chegamos


aos diferentes Canteiros. Não existe uma ordem entre eles,
pois esta ordem cada jardineiro dá, dependendo do seu mo-
mento de vida e condições. Para explicar este conceito, come-
çarei com o Canteiro que chamo de “A Roda Girar”.
Este Canteiro contempla aqueles projetos dedicados a fazer
a sua roda girar, isto é, são projetos e atividades que podem
ser feitos imediatamente e dão rendimentos financeiros no
curto prazo, para você ir pagando as contas que insistem em

286 As Raízes do EUpreendedorismo


Acreditar

chegar todo mês! Assim, são projetos que, segundo as nossas


variáveis, classificam-se como +$, pois dão rendimentos finan-
ceiros; -T, pois podem ser feitos agora, em pouco tempo; e
finalmente -P, que em geral são projetos ainda não tão ligados
ao seu propósito.
Lembro que, logo que fundei a Rede Ubuntu, frequente-
mente me chamavam para alguns trabalhos de planejamento
de marketing ou estratégia de negócios, e esses projetos foram
fundamentais para que eu pudesse me manter
minimamente, pois eu tinha dois filhos e uma
esposa em casa para sustentar!
Fundamental, ou Fator-Chave de Sucesso
(Key Success Factor), nesse Canteiro é a flexibi-
lidade. Atividades e projetos que não ocupem
todo o seu tempo e sejam flexíveis do ponto de
vista de tempo, para que você possa cuidar dos
outros Canteiros.
O próximo Canteiro chamo de “Voluntá-
rio”. À medida que você parte para a ação, também surgem
aqueles projetos que são tudo o que quer para realizar o seu
propósito. Por exemplo, logo que fundei a Rede Ubuntu apa-
receram pessoas na minha frente pedindo ajuda, absolutamen-
te infelizes com seus trabalhos e perdidas sobre qual jardim
gostariam de plantar e como plantar. A vozinha dentro de mim
dizia: “Nossa, acho que posso ajudar tanto esta pessoa!” E não
preciso nem dizer o quanto os meus olhos brilhavam neste mo-
mento e o quanto me sentia energizado. Só que, no fim da
conversa, ela me contava sobre o difícil momento financeiro

As Raízes do EUpreendedorismo 287


Acreditar

que estava vivendo e, por isto, não tinha um real para poder
me pagar. E logo surgia a imagem das contas de escola, plano
de saúde, etc., em minha mente. Angústia...
Após respirar fundo, topava alguns desses projetos e, hones-
tamente, acredito que esse seja um Canteiro fundamental para
quem quer EUpreender e está em busca de seu propósito, ou
mesmo para aqueles que desejam ter mais clareza sobre o que
querem fazer, sobre qual jardim querem plantar.
Segundo as nossas variáveis, esse é um Canteiro de +P, pois
há projetos que oRnam muito com seu propósito; é -T, pois
pode ser feito já, no curtíssimo prazo; e, finalmente, é -$, pois
é voluntário ou com valores muito simbólicos.
Uma prática que usava muito nesse Canteiro era fazer sem
troca financeira, mas ter algum tipo de troca que valorizasse
o meu próprio trabalho e esforço. Assim, fiz e faço até hoje
muito escambo, trocando serviços e produtos ou, mesmo se
não tinha nada para trocar, pedia para a pessoa fazer algo de
bom para outra pessoa e depois me descrever como tinha sido
a experiência. Uma prática Ubuntu. Recomendo...
Fator-chave de sucesso neste Canteiro “Voluntário” é o
aprendizado. Escolher projetos que vão fazer você aprender
sobre si mesmo, já que experimentará atividades que acredita
que fazem parte do seu propósito e terá a linda oportunidade
de sentir isto na prática. Se são mesmo parte do seu propósito,
se há coisa faltando, etc.
Aprendizado sobre abordagens, metodologias ou mesmo
evoluções sobre o serviço ou produto que está oferecendo.
Como disse Claudio Sassaki, fundador da Geekie, se você não

288 As Raízes do EUpreendedorismo


Acreditar

tiver vergonha do produto que está lançando no mercado, é


porque demorou muito para lançar. Este é o mundo novo em
que vivemos, no qual desenvolvemos e melhoramos os produ-
tos que lançamos junto com os nossos próprios clientes e usu-
ários. Se você tiver que falhar, que falhe rápido. É um processo
de coconstrução, de feedback imediato e melhoria contínua.
À medida que você trabalha nestes dois Canteiros, “A Roda
Girar” e “Voluntário”, existe outro Canteiro que sempre pre-
cisa ser cuidado. Chamo de Canteiro dos “Sonhos”. Ele diz
respeito aos projetos (ou ao projeto), que são (é) o seu grande
sonho. Se pudesse, só faria isto! Pode ser que este Canteiro
já esteja claro desde o início para você, ou que ele vá se de-
senhando, à medida que você trabalha nos outros Canteiros.
Não importa. O fundamental é ele estar constantemente pre-
sente, seja na forma de ações ou mesmo dentro de você, sendo
literalmente concebido.
Em relação às variáveis, esse é o Canteiro que se caracteri-
za da seguinte maneira: +P, pois é o seu grande sonho, trata-
se dos projetos que têm muito a ver com seu propósito; +$,
pois o conceito do EUpreendedorismo é justamente que você
possa viver daquilo que mais ama fazer, o seu propósito; e
mais importante, esse é um Canteiro +T, isto é, são grandes as
chances de levar tempo.
Veja o conceito do Cronos e de Kairós se manifestando
aqui. Por mais que você faça um Plano de Negócios (Busi-
ness Plan), um cronograma com marcos (milestones) muito
bem definidos, muitas vezes precisará compreender que há o
tempo daquele projeto. O tempo de concepção e maturação

As Raízes do EUpreendedorismo 289


Acreditar

daquela inovação. Assim como qualquer ser vivo. E se con-


siderarmos uma inovação, uma nova organização emergindo
formada por pessoas, então, estamos falando de um organis-
mo vivo também.
O sonho é plantado e cultivado ao longo do tempo, por
isto, existem duas grandes sabedorias ao cultivar esse cantei-
ro. A primeira tem a ver justamente com o respeito ao tem-
po. A arte de EUpreender, apesar do grande esforço e energia
despendidos nesta jornada, é um exercício de paciência bem
grande. Pelo menos, é assim comigo. A segunda grande sa-
bedoria neste processo diz respeito ao insight: no fundo, no
fundo, mais que chegar ao destino final, à realização plena
do seu propósito, é o caminhar em direção a ele, o cultivar, a
experiência da jornada que, de fato, importa. Mais do que o
ponto final, o processo.
Lia uma citação dessas nas redes sociais e achava bem po-
ético e, de maneira racional, até concordava com ela. Mas
somente após anos nessa experiência de EUpreender é que
começo a sentir, aqui dentro, que realmente a jornada é fas-
cinante. E, apenas ao começar a sentir isto, percebo também
leveza e alegria extraordinárias, o que torna o caminho ainda
mais prazeroso. Para variar, tudo interligado, não é mesmo?
Fator-chave de sucesso deste nosso Canteiro dos Sonhos
é o modelo de negócio. Uma vez que o EUpreendedorismo
trata de empreender o seu propósito e, embutido nisto, conse-
guir torná-lo sustentável, uma constante reflexão ao longo do
cultivo dos diferentes Canteiros (pois todos são subsídios para
esta reflexão) é como fazer o seu sonho ficar em pé financeira,

290 As Raízes do EUpreendedorismo


Acreditar

Canteiros do EUpreendedorismo
“Sonho”
“Voluntário” Modelo de
Aprendizado Negócio “É possível”
“A RODA +P -T-$ +P +T+$ Evolução
GIRAR” do sonho
Flexibilidade +P +/-T +/-$
-P -T +$

social e ecologicamente. Um constante desenho do modelo de


negócios do seu projeto: de onde vem a grana (receitas) e para
onde vai a grana (custos e despesas)?
Se você não sabe muito sobre como construir um Modelo
de Negócio para os projetos ligados ao seu propósito, encon-
tre quem sabe ou vá atrás deste conhecimento. Este é um tema
fundamental dentro da $ustentabilidade em nosso Modelo
PURPOSE, o modelo de desenvolvimento do EUpreendedo-
rismo.
Existe ainda um quarto Canteiro que, na minha experiên-
cia, levou um pouco de tempo para surgir: “É possível!” Este
é um canteiro que, do ponto de vista das nossas variáveis, se
comporta da seguinte forma: +P; +/-T e +/-$. São projetos
que estão ligados ao seu propósito, mas, como estão bem no
começo da jornada, ainda não dão todo aquele rendimento
financeiro que você sonhava (mas há certo rendimento, o que

As Raízes do EUpreendedorismo 291


Acreditar

é ótimo!) e estão levando certo tempo para aparecer.


Na minha jornada e na Rede Ubuntu, o Programa Semear
caiu exatamente nesse canteiro. Um projeto que era muito
ligado ao nosso propósito, de levar EUpreendedorismo para
muitos jovens e ainda ganhar para isto! Claro que, por se tra-
tar de um programa inovador e pioneiro que a Natura esta-
va realizando com um público para o qual, honestamente, a
maioria das empresas não dá nem bola (e muitas nem cum-
prem a cota exigida por lei!), o orçamento era escasso. Mas era
um orçamento e, assim, estava valendo muito! Lindo!
Fator-chave de sucesso nesse canteiro é a experiência com o
seu propósito. A oportunidade incrível de evoluir o seu sonho
em todas as dimensões possíveis do Modelo do EUpreendedo-
rismo: (1) aprofundar-se no entendimento do seu propósito;
(2) poder experimentar seus talentos e valores em ação; (3)
construir relacionamentos e entender quais parcerias você pre-
cisará ir construindo; (4) enfrentar os primeiros problemas e
obstáculos e sentir na prática como o seu propósito é maior e
pode ajudá-lo a superar tais desafios; (5) perceber que o sonho
é seu e que não pode delegá-lo a ninguém e que, constante-
mente, precisará agir, ter iniciativa em busca de tal propósito;
(6) perceber tudo ao seu redor, os sinais, as sensações inter-
nas e externas, ouvir as vozinhas, enxergar as oportunidades,
etc.; (7) trabalhar muito na sustentabilidade do seu projeto
(financeiro, social, ambiental) e mesmo no estilo de vida que
deseja para você, após todas essas mudanças; e, finalmente, (8)
fazer, fazer, fazer e perceber o nível de excelência em execução
que você está entregando! Esta é a beleza desse Canteiro. Seu

292 As Raízes do EUpreendedorismo


Acreditar

propósito em ação com todas as variáveis na prática. Animal!


Perceba, ao passar pelos Canteiros, como todos são impor-
tantes. Qual o foco? O seu propósito (o seu jardim). Pode ser
que, em determinados momentos da jornada, você dê mais
foco para um ou outro Canteiro, de maneira dinâmica. Mas
todos, absolutamente todos, precisam, ao longo da jornada,
ser cuidados.
Por estar trabalhando há anos com EUpreendedorismo, o
que mais vejo é muitos EUpreendedores não percebendo a
importância do cuidado com todos esses Canteiros. E vejo
de tudo. Alguns, ao experimentar os trabalhos voluntários,
acabam mergulhando de cabeça nisso, ao sentir pela primeira
vez, na pele, o que é trabalhar bem ligado aos seus respectivos
propósitos. O problema é que, tempos depois, a grana acaba
e a pessoa acaba desistindo de tudo e voltando a trabalhar
com algo que não tem nada a ver (para ela!) de novo, porque
não conseguiu se manter. Ou, mesmo, alguns aterrorizados
que, por não conseguirem se manter, acabam entrando em
projetos do Canteiro “A Roda Girar”, que consomem tanto
deles e não deixam sobrar tempo para os outros Canteiros, e
a frustração volta novamente. Ou aqueles que têm uma visão
de seus projetos de sonho bem cedo e investem todas as suas
energias em fazê-los acontecer, porém, acabam ficando pelo
meio do caminho, não porque o projeto não tinha futuro, mas
simplesmente estava no processo de amadurecer e existia um
desalinhamento entre o tempo do projeto e a expectativa de
tempo do seu EUpreendedor.

As Raízes do EUpreendedorismo 293


Acreditar

Aliás, você não quer pegar, agora, uma folha de papel ou


mesmo o seu caderno e fazer este exercício? Como os seus
projetos, suas atividades hoje em dia se distribuem entre
os Canteiros? Em seguida, reflita: o que a imagem dos seus
Canteiros diz a você? Há um Canteiro abandonado? Ou su-
pervalorizado? Que sensações isso traz a você? E que novas
ações decorrem destas reflexões? E que comportamentos e
ações precisam ser abandonados?

Assim, nossa experiência com EUpreendedorismo demons-


tra que é preciso fazer diferentes atividades e diferentes pro-
jetos, ao longo do tempo, para cuidar de todos os Canteiros.
Mesmo que você pense ou escute que está sem foco, lembre-se
desse exercício e, de maneira consciente, aloque o que você
está fazendo em seu dia a dia nos diferentes Canteiros e faça os
ajustes necessários. Se não souber fazer, peça ajuda (Princípio
do Colaborar!). O importante, como já disse, é fazer!

E o resultado?

Uma pergunta que normalmente eu me fazia, ao iniciar a


Rede, ou mesmo uma pergunta que escuto muito das pessoas
que conhecem a Rede Ubuntu hoje ou estão começando a
sua jornada de EUpreender é: “Qual é a garantia de que tudo
isso vai dar certo, Edu?” Ou: “Como você garante que vai ter
os rendimentos de que precisa?” Ou: “Como você garante a
qualidade do que a Rede oferece à medida que ela se distribui
e expande?”
A resposta: não existe garantia.

294 As Raízes do EUpreendedorismo


Acreditar

Desde a Revolução Industrial, vivemos em uma sociedade


que busca garantir tudo. O sistema todo foi montado para
que, no final da linha de produção, saia aquele produto espe-
cificado no menor custo possível e no maior volume possível.
E, honestamente, ficamos (como sociedade) muito bons nesta
tarefa. Mas, como já foi discutido aqui, esta busca desenfre-
ada por produtividade, associada a outros inúmeros fatores
(impactos ecológicos, conectividade pela tecnologia, novas
gerações de jovens com um “chip” diferente, apenas para citar
alguns), nos levou a um contexto muito diferente, em que
não basta apenas a busca por eficiência. É preciso também
ser eficaz. E eficaz significa escolher o que estamos fazendo.
Refletir sobre nossas escolhas e para que estamos fazendo o
que fazemos.
E isto, é óbvio, passa por uma reflexão profunda sobre
o que buscamos, de fato, como resultado. Apenas o lucro?
Como já vimos, E TAMBÉM o lucro, mas não só ele. E, aí,
vem a complexidade, pois queremos muitas coisas como resul-
tado, incluindo o lucro. Queremos o fluxo financeiro e tam-
bém paz, e também mais igualdade, e também mais respeito e
fraternidade, e também sustentabilidade, e assim por diante,
dependendo do seu propósito ou da sua organização.
E para que “as mesmas pessoas, nos mesmos lugares” con-
sigam ora produzir muito eficientemente, ora inovar, criar e
se adaptar às mudanças cada vez mais rápidas, é preciso uma
organização viva, fluída, ágil para se organizar da melhor ma-
neira, para inovar e logo em seguida entregar eficientemente.

As Raízes do EUpreendedorismo 295


Acreditar

Inovar e entregar, em um processo sem fim.


A Rede Ubuntu, assim como toda organização formada
por pessoas, é um organismo vivo, um ecossistema com uma
diversidade incrível, com pessoas e grupos com as mais va-
riadas experiências e competências. Toda esta diversidade nos
permite, assim como em todas as organizações, criar soluções
inovadoras e customizadas para as necessidades
E como a frase vem daqueles que nos procuram em busca do EU-
de um palhaço, o preendedorismo!
erro faz parte do A Rede Ubuntu, assim como qualquer ou-
tra organização, não consegue garantir os seus
processo! Somos produtos e seus programas no mesmo padrão
seres e organismos 100% das vezes. E falo isso “de carteirinha”,
vulneráveis, por já ter trabalhado em inúmeras indústrias
imperfeitos por que investem milhões e milhões anualmente,
natureza. na busca da máxima qualidade possível, e vi-
vem chamando seus clientes para diferentes
recalls.
Vale ressaltar de novo que, ao trazer este ponto, estou usan-
do o Princípio do Incluir. Não estou de maneira alguma di-
zendo que tais investimentos e inúmeros conhecimentos (mé-
todos de controle de qualidade, planejamentos minuciosos,
business plans, etc.), que desenvolvemos nas últimas décadas,
na busca da melhor qualidade e de previsibilidades de resulta-
dos, não são válidos. Muito pelo contrário, são fundamentais.
O que estou questionando é como incluir todo esse conhe-
cimento e esforço e transcender para o próximo estágio. Um
estágio que flui entre a eficiência e a eficácia. Um estágio que é

296 As Raízes do EUpreendedorismo


Acreditar

capaz de lidar com as complexidades dos dias de hoje.


É preciso fazer um esforço suficiente para que ocorra, ao
mesmo tempo, busca por qualidade, eficiência e inovação para
lidar com as complexidades que o processo nos presenteia na
nossa jornada. No caso da Rede Ubuntu, o que fazemos como
rede é, primeiro, nos inspirarmos numa mesma filosofia, em
Princípios fundamentais, que chamamos de As Raízes do EU-
preendedorismo. Sabe disso, não é?
Todos os “EUs” que fazem parte da Rede assumem o com-
promisso de constantemente buscar se desenvolver e vivenciar
tais Princípios, para que, assim, todo o ecossistema consiga, ao
mesmo tempo, ter uma essência, algo que une seus membros,
e também manter a riqueza e a beleza de ser diversa e livre para
poder criar e executar os mais diferentes projetos de EUpreen-
dedorismo em todos os lugares e para os diferentes públicos.
Seguindo a máxima criada por Marcio Ballas:

“Vale tudo, mas não vale qualquer coisa!”

Uma frase que me inspira para a inovação, para o campo de


possibilidades, e, ao mesmo tempo, para a busca por manter
uma essência. E como a frase vem de um palhaço, o erro faz
parte do processo! Somos seres e organismos vulneráveis, im-
perfeitos por natureza.
Neste contexto, há garantia de resultado? Não há. Exis-
te uma busca eterna e genuína por inovar e criar na direção
do nosso propósito e também a busca por entregar o melhor
possível, já que a entrega faz parte do propósito! Lembra-se

As Raízes do EUpreendedorismo 297


Acreditar

da palavra “execução” do Modelo PURPOSE? Como con-


sequência do processo, colhemos os resultados, colhemos os
frutos. Palavras de gratidão, sensações inúmeras, rendimentos,
olhos brilhando (como diria Benjamin Zander, lembra-se?) ou
mesmo um caloroso e gostoso abraço.
Acreditar que, na direção do nosso propósito, os resultados
vêm. O duro, e também maravilhoso, é que antes de começar
não temos como saber quais são eles e suas respectivas quan-
tidades. E por que acreditar? Ou melhor, por que acredito?
Como já foi dito neste capítulo, acredito profundamente
que estamos aqui, todos nós, por algum motivo. E que, nesta
jornada do EUpreender, de empreendermos o nosso propósi-
to, o universo conspira a favor.
E, por falar em acreditar em algo maior, a última (ou pri-
meira, depende da perspectiva) dimensão do Princípio do
Acreditar é justamente acreditar em algo maior. E, para falar
deste tema, vou trazer a Jojo.

298 As Raízes do EUpreendedorismo


Acreditar

Acreditar em algo maior


Texto de Joana Madia

“Acreditar é ser livre para sonhar e se permitir viver


este sonho.”

Primeiramente, preciso dividir com vocês


que fiquei muito feliz e honrada quando o Edu
me convidou para participar deste livro.
No primeiro momento pensei: eu? Mas por
que eu? Daí me lembrei de quando tudo come-
çou, nossa jornada como marido e mulher. De-
finitivamente para mim, ter aceitado casar com
o Edu, foi um ato de intensa coragem e de fé.
Talvez, um dos maiores. Não por não o amar E pra que fiz isto?
profundamente, nem por não querer construir Para ser feliz!
uma vida junto com ele. A questão nunca foi o Para continuar
Edu, sempre foi eu e meus medos de me permitir
acreditar que esse sonho poderia dar certo e que
sonhando, vibrando
juntos poderíamos ser felizes. e pulsando.
E foi assim, mesmo repleta de medo, que dei
o primeiro passo em busca do acreditar em nossa
jornada, e fomos juntos em busca da nossa felicidade indivi-
dual, como casal, como pai e mãe e como família.
Como brincamos um com o outro, nosso casamento nun-
ca foi monótono, todo ano, desde que nos casamos, uma no-

As Raízes do EUpreendedorismo 299


Acreditar

vidade não nos deixava ficar acomodados. E foram 14 anos,


e 14 novidades ou mais...
Logo que nos casamos, nos desconectamos da empresa
em que trabalhávamos e mudamos para Boston para estudar.
Cada um seguindo o seu sonho e o que o seu coração man-
dava, e começamos, assim, a construir um lindo caminhar
juntos.
Foi um ano mágico, em que dois “doidos” mudaram o
rumo do que já estava indo muito bem em
Mas houve um suas carreiras, para fazer um sabático e inves-
momento em que tir ainda mais na construção de suas profissões
e vida.
algo, no meio daquela Mesmo antes de ir, eu já sabia que não
deliciosa loucura, queria mais atuar no mundo corporativo da
começou a não fazer forma que fazia. Aproveitei muito esse ano
mais sentindo pra para abrir meus horizontes e começar a tri-
mim. lhar o caminho do Plano B, que um dia iria
se tornar o Plano A. Para uma pessoa como
eu, que vinha crescendo como executiva de
multinacional e tinha o histórico de um pai extremamente
bem-sucedido profissionalmente, decidir naquela época não
fazer MBA e, sim, uma série de outros cursos era um passo
desafiador.
Lembro-me até hoje de meus colegas de trabalho me per-
guntando: “Mas você não vai fazer MBA? Por quê?” E, para
deixar a situação um pouco mais dramática, o Edu – na épo-
ca éramos recém-casados – trabalhava na mesma empresa
que eu e ia fazer o tradicional e esperado MBA, sonho e

300 As Raízes do EUpreendedorismo


Acreditar

obrigação de todos os executivos de multinacional que ti-


nham a ambição de crescer. Não preciso nem dizer que, na
visão do mundo corporativo – e acho que na minha – estava
“fechando” algumas portas com essa decisão. E isso tudo me
assustava bastante.
Talvez ali, mesmo sem ter consciência, tenha começado
a mudar o rumo da minha carreira, decidindo pegar uma
rota alternativa. Ao decidir ir contra o que era óbvio, o que
era esperado para alguém que trabalhava no meio em que eu
estava.
É claro que, como você deve imaginar, anos depois esta-
va transformando o Plano B em A e aproveitando minhas
expertises como executiva no Plano A para montar o meu
Plano B. Mas este é assunto que conto um pouco mais para
a frente.
Voltando ao nosso sabático, fomos Edu e eu para os Esta-
dos Unidos, mais especificamente Boston, estudar. Além de
ter sido um ano glorioso e inesquecível, foi um ano em que
me permiti ter tempo para ouvir meu corpo, meu coração e
os sinais que a vida estava me dando.

Como sou uma pessoa que sempre amou trabalhar sob


pressão e ser desafiada constantemente, não preciso dizer
que amava meu trabalho como executiva. Mas houve um
momento em que algo, no meio daquela deliciosa loucura,
começou a não fazer mais sentido para mim. As empresas,
de um modo geral, principalmente as grandes e mais estru-
turadas, criam manuais de valores, condutas, credo, missão,

As Raízes do EUpreendedorismo 301


Acreditar

etc., que costumam nortear seu caminhar. Ao acompanhar


as mudanças que aconteciam dentro das corporações onde
trabalhava, fui percebendo que existia algo que era muito
maior do que qualquer valor, conduta, credo ou missão.
Algo mais importante do que tudo, “tipo quase Deus”, fa-
moso e conhecido por todos nós: o LUCRO.
Sim, pois uma vez que você abre capital na Bolsa, ou mes-
mo sem abrir, e responde para acionistas, se não rola resulta-
do positivo todo final de trimestre, o ser humano, os valores,
a natureza, o ecossistema, a sustentabilidade e tudo mais vi-
ram segundo ou terceiro plano, e daí aparece de verdade o
principal motivo que alimenta uma máquina como essa: o
dinheiro, e apenas o dinheiro.
“Mas Joana, vivemos em um mundo onde precisamos de
dinheiro!” Sim, eu sei disso. Eu também tenho contas para
pagar durante o mês, também tenho uma empresa para ad-
ministrar e também busco crescer. Só que, para mim, o dis-
curso não combinava – ou “ornava”, como costuma dizer o
Edu – com a prática, com a forma como os processos eram
conduzidos quando os desafios apareciam.
Desafios existem para todos, o tempo todo, mas manter
os pilares bem estruturados, mesmo durante as tempestades,
é uma arte. Talvez, uma grande arte de coerência, de “ornar”.
E isso sempre me incomodou muito durante os 12 anos que
vivi no mundo corporativo.
Outro fator que me fazia questionar se esse era o caminho
é que sempre ouvia que “precisávamos pensar fora da caixa”.
OK, também acreditava nisto. Mas como pensar fora da cai-

302 As Raízes do EUpreendedorismo


Acreditar

xa se você está engessado em um sistema tão competitivo,


muitas vezes cruel, com horário e formas de trabalho rígidas
e que acabam limitando qualquer manifestação de criativi-
dade, inovação e fluidez?
Foi assim, durante a construção de minha carreira, que
tudo isso começou a não fazer mais sentido para mim. E,
aos 31 anos, depois de ter voltado de Boston e retornado ao
mundo corporativo, fiz outra – novamente na opinião de
muitas pessoas ao meu redor – “loucura”, só que na época
um pouco mais arriscada ainda. Grávida de quatro meses
de nossa primeira filha, pedi demissão da empresa em que
trabalhava.
Tinha grandes chances de crescer, era muito bem avaliada
e estava grávida, podendo desfrutar dos benefícios financei-
ros que uma mulher tem após o nascimento de um filho.
Mas, mesmo assim, e após refletir, ponderar e, posso dizer,
sofrer bastante, pois não foi uma decisão nem um pouco
fácil para mim, resolvi seguir o fluxo maior que a vida esta-
va me mostrando como oportunidade, como a única coisa
que naquele momento fazia sentido em meu coração: pedir
demissão. E para que fiz isto? Para ser FELIZ! Para continu-
ar sonhando, vibrando e pulsando. Para não deixar a luz se
apagar.
Gerava uma vida dentro de mim, não apenas nossa ama-
da e esperada filha, mas uma vida de sonhos, oportunidades
e vontade de fazer muitas coisas diferentes acontecerem em
minha vida e no mundo. Algo muito mais valioso e rico
do que qualquer dinheiro da licença-maternidade pudesse

As Raízes do EUpreendedorismo 303


Acreditar

pagar.
Vale ressaltar que esse foi o caminho que fez sentido para
mim, essa foi a verdade que brotou de meu coração. E tudo
isso pode ser vivido dessa forma ou de outras, inclusive com
trabalhos maravilhosos, que acompanho, de pessoas que
conseguem, com muita maestria e sabedoria, trazer luz aos
desafios do mundo corporativo e do mundo como um todo.
E também posso garantir que, mesmo como empreendedo-
ra, muitos desafios virão, parecidos ou diferentes dos de exe-
cutiva, mas com certeza virão.
Voltando à minha história, óbvio que, na época, o Edu
ainda era executivo de multinacional e estávamos em uma
situação muito tranquila, o que me permitiu tomar essa de-
cisão sem me preocupar se íamos ter dinheiro ou não para
pagar as contas básicas do mês. E organizada e metódica
como sou, também já tinha o meu Plano B em andamento.
Logo que voltei de Boston, já tinha começado a organizar e
colocar de pé o meu Plano B, já estava construindo minha
empresa.
Apesar de parecer loucura, para quem estava olhando de
fora, foi tudo, de certa forma, muito bem pensado, muito
bem sentido e vivido, tanto a luz quanto a sombra deste pro-
cesso mágico, que foi dar vida ao meu sonho maior, que não
era apenas o nascimento da Victoria, nem o nascimento de
minha empresa, mas era ouvir e respeitar o caminho que o
meu coração me mostrava. Era respeitar minha crença abso-
luta de que estamos aqui nesta vida para ser felizes, e ponto.
E foi isto que fiz. Coloquei mais um tijolinho na constru-

304 As Raízes do EUpreendedorismo


Acreditar

ção da minha felicidade, que esteve e está até hoje presente


em meu coração, mas que ao mesmo tempo é e sempre será
uma constante e doce busca, afinal, somos seres em eterna
evolução.
Acredito também que foi toda essa vivência que me aju-
dou, quatro anos depois, quando estava grávida do Gabriel,
nosso segundo filho, a dar apoio ao Edu quando ele estava
tomando a mesma decisão em sua carreira, e começava, as-
sim, a construção do seu sonho, do sonho da
nossa família e do sonho de muitos que vêm Em cada joia uma
construindo esta linda rede junto com ele, a energia. Em cada
Rede Ubuntu. E essa história ele já contou
para você…
energia uma vivência.
Hoje, tenho a alegria de ajudar pessoas, Em cada vivência um
principalmente mulheres, a se conhecerem coração.
um pouco mais. A tornar realidade seus gran-
des sonhos. A compreender a importância de
momentos e eventos em suas vidas e, princi-
palmente, a honrar estas vivências trazendo forma, luz, bri-
lho e cores a tudo isso, por meio de lindas e únicas joias.
Amo meu trabalho. Amo poder trabalhar com o coletivo.
Amo atender cada mulher ou homem que chega até meu es-
critório em busca da tradução e materialização de um sonho.
Amo dar vida a lindas joias e, por elas, a histórias únicas.
Em cada joia uma energia. Em cada energia uma vivência.
Em cada vivência um coração. E, ao tocar o coração de meus
clientes, consigo tocar o que existe de mais sagrado dentro
deles. E, ao fazer isto, ajudo a construir um mundo melhor.

As Raízes do EUpreendedorismo 305


Acreditar

Meu trabalho é uma eterna tradução do meu ser e do ser


de todos aqueles que chegam até mim. Juntos construímos
histórias, damos vida a novas formas e cores no mundo. E
tudo isso com muito significado, muito respeito, amor, com-
paixão, paixão, alegria e união. Uma construção em conjun-
to – eu, eles, nós e o todo.
Mas meu trabalho não para aí. Muitos sonhos vivem em
meu coração, e já venho plantando novas sementes em meu
caminhar. Mas isso fica para um próximo livro, se assim o
Edu e a Rede quiserem e fizer sentido para o todo. Por isso,
repito em todos os momentos de minha vida e para todas
as pessoas que cruzam meu caminhar: acreditar é ser livre
para sonhar e se permitir viver esse sonho.
E de onde vem tudo isso? Qual é o verdadeiro fio con-
dutor dessa história de vida, desse caminhar? São crenças
pessoais que habitam meu coração. Crenças que fui acessan-
do e construindo durante minha existência. Nas alegrias e
nos desafios. No mais puro, verdadeiro e divino pacto que
fiz com a vida e comigo mesma: o de ser feliz! E por este
pacto sagrado fui aprendendo de diversas formas a acessar o
todo. E, a partir deste todo, me permitir ver os outros, a vida
e tudo que nos faz estar interligados, da forma mais doce,
amorosa, colorida e verdadeira possível.
Para mim, uma das belezas da vida é o grande desafio de
viver nas diferenças. As riquezas que nascem desse solo fértil
da existência e coexistência de tantas diversidades juntas e,
ao mesmo tempo, de estarmos todos ligados e interligados,
mesmo querendo ou não, são a maior magia e o presente da

306 As Raízes do EUpreendedorismo


Acreditar

vida.
De que existe algo maior que se manifesta em nossa vida
e que, em muitos momentos, independentemente de crenças
ou valores, passa pela nossa história deixando cravadas suas
impressões digitais em nosso caminhar.
Que todos nós temos os dias de limão e limonada, e está
tudo certo, eles fazem parte de nossa existência. E também
depende da escolha de cada um de nós transformar o limão
em uma doce e suculenta limonada. E, principalmente, o de
acolher e honrar que um dos maiores desafios que temos no
aqui e no agora é sermos responsáveis por nossa vida. Acei-
tar que tudo o que acontece, mesmo as maiores alegrias ou
tragédias, é fruto de nossas escolhas conscientes ou incons-
cientes. Quando assumimos as rédeas de nossa vida, permi-
timos que uma conexão maior aconteça e uma nova melodia
comece a tocar em nosso ser.
Passar a vida reclamando e não fazer nada para mudar, a
meu ver, é um grande desperdício de tempo, potencial, ener-
gia e luz. Não estamos aqui para brincar de viver. Estamos
aqui para simples e completamente existir. E para existir, no
meu ponto de vista, você apenas tem que ser. Mas ser com
coerência, com maestria, com consciência, de forma inteira
e integral com você mesmo, com os outros e com o todo.
E ser significa assumir a sua luz e deixá-la brilhar. E tam-
bém, na mesma intensidade, acolher a sua sombra e curar
tudo o que precisa ser curado em sua vida para expandir
ainda mais o que precisa ser expandido. Só assim estaremos
presentes por completo no aqui, no agora e no todo.

As Raízes do EUpreendedorismo 307


Acreditar

Não existe verdade absoluta. Não existe receita de bolo.


Existem caminhos, e cada um escolhe o seu. Mas as escolhas
quem faz somos nós mesmos, e somos nós que vamos colher
as glórias e as perdas de cada caminhar.
Quando começamos a compreender que aquilo que não
alcançamos, no fundo, é apenas um lindo solo fértil que
pode nos ajudar a nos preparar para frutos ainda mais doces
e saborosos, começamos a compreender a dança da vida.
Para mim, a vida é uma eterna e constante dança. Ela é
um eterno pulsar alternando entre o inspirar e o expirar, o
contrair e o expandir, a luz e a sombra, o bom e o mau, ou
tenha essa dança o nome que cada um queira dar.
Talvez, uma das únicas certezas que podemos ter, além de
que todos iremos morrer, é que um dia cairemos, tropeçare-
mos. Mas o mais importante da queda ou do tropeçar não
é o cair em si, mas, sim, o processo mágico e curador que a

308 As Raízes do EUpreendedorismo


Acreditar

vida nos proporciona quando nos obriga, por algum motivo


e de alguma forma, a pararmos nossa caminhada para poder-
mos, em um segundo momento, nos levantar.
A riqueza existente nesse turbilhão de emoções e vivên-
cias que brotam desse vazio, dessa ausência de gravidade,
desse precipício do silêncio, quando nosso chão é tirado e
somos “obrigados” a parar, é libertadora.
Esse momento ímpar em que a pausa acontece para que
tudo possa ser revisitado, avaliado e questionado. Para que
possamos adubar o solo, tirar os matos, regar a vida, celebrar
o sol, a chuva, sentir o vento, pisar na terra, sentir o chão
e ancorar raízes mais fortes. Momento em que começamos,
de verdade, a compreender a beleza e a grandiosidade de nos
sentirmos vivos, querendo fazer jus a esta vida, a esta huma-
nidade que vive em nós. De nos permitirmos voltar a sonhar,
mesmo estando presos na escuridão de um quarto fechado e
oprimido. Mesmo quando todas as forças tiverem acabado e
parecer que nada mais tem solução ou saída. Mesmo quando

Sonhar Acreditar

As Raízes do EUpreendedorismo 309


Acreditar

a vida parecer ter terminado.


Para acreditar, é preciso querer e se permitir, pois somos
nós, e apenas nós, que nos impedimos. E quando se quer e se
permite já é dado um grande e fundamental passo em busca
do acreditar.
Para acreditar é preciso sonhar, e para sonhar é preciso
acreditar. Um não vive sem o outro. Um alimenta o outro.
E quando estas duas energias se encontram e comungam,
os sonhos se realizam, tornando-se forte a construção dos
pilares da vida, os pilares e caminhos do amor. E por que o
amor? Porque, para mim, ele é a única fonte de construção
do universo. Todo o resto nasce dele. Da nossa capacidade de
vivenciá-lo e experimentá-lo, gerando ainda mais expansão
de luz e amor. Ou também da nossa dificuldade de vivenci-
á-lo e experimentá-lo, gerando mais sombra e desafios em
nossa existência. Tudo é a expressão da mesma energia, ape-
nas vibrando em polos opostos.
Mas essas são apenas escolhas que conduzem nossa vida.
E sabe o que acho mais rico e belo em tudo isso? Acredito
que, se não estou feliz com minha realidade criada até ago-
ra, posso mudá-la no momento que desejar. Só depende de
mim. E isto, sim, é me tornar mestre de minha vida, senhora
do meu destino.
E, quando fazemos isto inteira e integralmente, consegui-
mos olhar o outro com mais ternura, compaixão, humani-
dade, respeito, mesmo que muitas vezes acabemos metendo
os pés pelas mãos nas relações humanas. Mas, assim, a curva
se torna crescente, as relações são construídas e os tropeços

310 As Raízes do EUpreendedorismo


Acreditar

acabam sendo acertos que acontecem nessa troca profunda e


grandiosa de amor.
Quando a intenção é nobre e a forma de traduzir esta
intenção também é nobre, algo sagrado costura o amor nas
relações e experiências. E neste momento, mais uma vez, o
universo conspira a favor. Tudo flui, e mesmo os maiores
desafios se tornam mágicas oportunidades de crescimento.
Tudo acaba sendo, mais uma vez, uma questão de ponto
de vista. Duas faces da mesma moeda. Caminhos escolhi-
dos por nós mesmos. Frutos colhidos por nós mesmos. E
oportunidade de mudar o que não estamos gostando por
nós mesmos.
Posso dizer aqui que sou grata pela vida. Sou profunda-
mente grata. Sou grata por existir e por viver esta vida, exa-
tamente da forma que venho vivendo. Com erros e acertos.
Quedas e crescimentos. Com todos que me cercam e que me
presenteiam com lindos abraços de acolhimento e oportuni-
dades de me desenvolver. E sempre, e em todos os momen-
tos, tentando dar o que existe de melhor em meu coração,
o AMOR.
Por torcer intensamente para que todos cheguemos jun-
tos a um lugar mais colorido, mais cheiroso, mais iluminado.
Todos juntos, mesmo que por caminhos distintos. Porque se
tem uma coisa que acredito e começo a entender, cada vez
mais, é que eu sou porque você é. Você é porque eu sou. E
todos nós juntos, simples e profundamente, somos porque
cada um de nós é. Cada um sendo uma pecinha única e
fundamental deste grande e amoroso quebra-cabeça que é a

As Raízes do EUpreendedorismo 311


Acreditar

vida, deste grande sagrado.


Tudo que flui nos outros flui em cada um de nós, pois
temos o mesmo todo dentro de nós.
Venho aprendendo que, ao apontar o dedo e julgar, es-
tou apontando este dedo para mim mesma, pois faço parte
deste sagrado também. E, mesmo nos momentos em que
vejo através de mim, o lado mais humano e menos bonito se
expressar, venho aprendendo que devo ter compaixão com
ele. Devo acolher e tratar com respeito e amor, pois somente
assim conseguirei nutrir sabiamente o que ainda precisa ser
nutrido em mim e no todo.
Outro ponto importante do qual venho tomando conhe-
cimento de forma mais completa é que meus exemplos va-
lem mais do que minhas palavras. Que meus aprendizados,
com minhas distintas vivências, são meu material mais rico
para conectar a sabedoria e poder acolher aqueles que bate-
rem em minha porta em busca de uma palavra, um colo, um
olhar, um gesto. Vivemos a vida, muito mais do que para
curar nossas questões e crescer em nosso caminhar.
Vivemos a vida, pois só pelos aprendizados de nossas
questões conseguimos entender o que o outro vive e, assim,
juntos, nesta conexão maior que acontece entre dores e amo-
res, ajudamos uns aos outros e o todo a habitar um novo es-
tágio do existir. Não apenas porque temos, ou conhecemos,
mas porque somos. E quando somos inteiramente, muito
pouco é necessário falar. A luz se expande através dos olhos,
dos poros, muito mais do que pela fala.
Se observarmos a natureza, ela não usa a fala como ma-

312 As Raízes do EUpreendedorismo


Acreditar

nifestação divina. Ela é a pura manifestação, que toca todos


os nossos sentidos, sem nenhuma palavra, apenas existindo,
sendo.
Dizem que temos dois ouvidos e uma boca e que deve-
ríamos, então, ouvir mais do que falar. E se pensarmos que
nosso maior órgão é a pele? Será que não devíamos sentir
mais em vez de falar e ouvir? Será que não deveríamos obser-
var mais como nossos corpos reagem aos estímulos internos
e externos? Como o nosso coração pulsa em determinadas
situações e a nossa respiração se expande ou contrai? Por que
desenvolvemos certas doenças e outras não? Por que con-
quistamos certos resultados e outros não? Será que não está
tudo interligado? Será que o mundo em que habitamos e
vivenciamos, com cores, experiências e sabores, não é apenas
a tradução do que vibramos interiormente?
E, quando percebemos tudo isso e vivemos nessas com-
preensões, será que não temos muito mais para dar do que
para receber? E, por consequência, quanto mais damos, aca-
bamos recebendo porque está tudo interligado e conectado?
Não sei… Muitas perguntas, algumas respostas e infinitos
vazios. E está tudo certo… O exercício eterno de honrar o
solo fértil que habita nesses vazios e suas infinitas oportuni-
dades de crescer.
Calar para poder compreender. Observar para poder ver
com os olhos do coração. Entregar-se para poder sentir. E
viver para simples e inteiramente ser.

As Raízes do EUpreendedorismo 313


Acreditar

Eu sou porque você é. Você é porque nós somos –


Ubuntu

Mais uma vez, obrigada Edu. Obrigada por existir.


Obrigada por ser através de mim e por me permitir ser
através de você.
Obrigada a você que me acompanhou até aqui nesta jor-
nada. Receba meu amor em seu coração e recebo o seu amor
em meu coração.
Que todos nós continuemos juntos no todo, construindo
um mundo melhor. Assim seja. Amém.

314 As Raízes do EUpreendedorismo


Acreditar

#INSPIRAÇÕES

“Para mim, a única resposta que vem é porque só conseguimos acre-


ditar à medida que nos achamos merecedores.

A fé está diretamente ligada à aceitação. Aceitar que somos filhos


de algo maior e que todos podemos colher um bem maior. Que todos
merecemos ser felizes e viver em paz.

Aceitar que o divino se faz presente no aqui e no agora. E que só de-


pende de cada um de nós abrir esta porta infinita de amor e oportunida-
de que habita nosso coração.

Ao sonhar, conectamos as chamas da possibilidade e da abertura.


E só conseguimos fazer isto à medida que, interiormente, nos achamos
merecedores desse sonho. Quando fazemos isto, de alguma forma já
damos corpo, luz e vida a todo esse processo mágico que se traduz em
nossa vida.

Os sonhos, muitas vezes, permitem que nos libertemos de padrões,


de hábitos e de valores em que o apego impera.

E aí vem a beleza da liberdade de escolher como, onde e quando


queremos continuar nosso caminhar.

Não podemos culpar ninguém pelos nossos fracassos. Mas devemos


agradecer a todos aqueles que nos cercam pelas nossas conquistas, a
começar por nós mesmos.

Os sonhos nascem em nosso ser mais profundo e perfeito. Somos


nós que vencemos nossos desafios internos, muitas vezes refletidos
em desafios externos. Nessa jornada, apesar de parecer que estamos

As Raízes do EUpreendedorismo 315


Acreditar

sozinhos, nunca estamos sozinhos. Ao aprender a voar, enxergamos que


não se trata só de nós, mas de todos, no todo.

Muitas vezes queremos respostas, antes mesmo de nos arriscar,


antes mesmo de nos permitir sonhar. Mas como, se este mundo está
enraizado no solo fértil das possibilidades?

Se limitássemos as oportunidades aos frutos conhecidos, jamais


poderíamos experimentar a beleza do crescer, do viver e do aprender.

Nunca tivemos certeza de nada. Tudo na vida foi, é e será um eterno


entregar. Ao entregar, acreditando de verdade que somos merecedores,
a grande mágica da consagração se torna real.

Cada um de nós tem a força interna para conseguir tudo aquilo que
deseja. O caminho nos ajuda a irmos nos lapidando e nos moldando
para receber melhor aquilo que tanto desejamos. Só recebemos aquilo
que, de verdade, estamos preparados para colher.

Tudo é tão perfeito e tão sábio que podemos sonhar, construir, plantar
e caminhar em busca de nossos sonhos. Mas se, por algum motivo, ainda
não estamos preparados para colher um fruto determinado, sempre nos
é dada a oportunidade de olhar para este sonho de novo e compreender
o motivo pelo qual ele ainda, neste momento, não se tornou realidade.

Outras vezes, ele se torna realidade, com outras cores, formas e luz.
Mas estamos tão obcecados pelo sonho inicial que não percebemos a
beleza da vida em tecer de outra forma tudo aquilo de que precisamos.

A fé está diretamente ligada ao aceitar que, ao jogar as sementes


em solo fértil, a beleza da multiplicação ocorrerá. Ocorrerá de forma
tão perfeita e sagrada que, mesmo diante de nossa incompreensão, ela

316 As Raízes do EUpreendedorismo


Acreditar

atuará em nossa vida.

O que de melhor podemos fazer, então? Receber tudo o que nos é


dado e agradecer, agradecer e agradecer.

Tudo tem um motivo para ser. Se não estamos felizes com o que
estamos recebendo, devemos começar a mudar a nós mesmos, pois
atraímos exatamente a energia que vibramos. Única e exclusivamente
nosso mérito, nossa responsabilidade.

Quando verdadeiramente acreditamos, conectamos o que existe de


mais belo e puro dentro de nós.

Ao acreditar, liberamos o certo e o incerto. Abrimos mão das dores


e dos amores.

Damos um passo neste caminhar infinito, sem ter a certeza de onde


vamos chegar.

Permitimo-nos viver na mais intensa e pura representação humana,


pela infinitude divina.

Ao fazer esse movimento, acabamos, inevitavelmente, colhendo


doces frutos.

E esse amor se realiza de forma tão intensa, pura e doce que


acabamos nos conectando com outra bênção da vida – aprendemos a
beleza do agradecer.

Agradecer cada passo que escolhemos dar. E, ao agradecer e acolher


esses passos, nos preparamos e permitimos que o próximo passo chegue
até nós.

As Raízes do EUpreendedorismo 317


Acreditar

E assim, pouco a pouco, vamos construindo nossa vida. Escrevendo


nossa história. Saboreando nossas escolhas e, fundamentalmente,
vamos aprendendo o significado e a dimensão do AMOR – único e
principal motivo para estarmos neste aqui e neste agora.

Quem acredita sonha. Quem sonha caminha. Quem caminha luta.


E quem luta se torna internamente preparado para receber tudo aquilo
que está ao seu redor, pronto para ser colhido.”

318 As Raízes do EUpreendedorismo


As Raízes do EUpreendedorismo 319
A reconexão
com o meu
propósito

320 As Raízes do EUpreendedorismo


A reconexão
com o meu
propósito

Capítulo 7:
A reconexão com o meu
propósito
Ubuntu e EUpreendedorismo, o impulso que eu
precisava!

Era o final da tarde de 3 de abril de 2018 e eu estava sen-


tado em uma pedra em Robben Island, com uma vista linda
do mar e, ao fundo, a Cidade do Cabo com sua linda Table
Mountain. Participava da 2a Conferência Mundial da Ubuntu
Global Network, realizada dessa vez na África do Sul, e todo
o grupo dormiria, naquela noite, na ilha onde Mandela ficou
preso por 19 anos.

As Raízes do EUpreendedorismo 321


A reconexão
com o meu
propósito

Muitas emoções fluíam dentro de mim naquele momen-


to. Vivia uma grande crise na minha vida. Mais uma crise.
Meus últimos anos tinham sido de queda significativa de fatu-
ramento nos meus trabalhos como coach e facilitador, existia
uma sensação de desgaste enorme na Rede Ubuntu. Eu estava
infeliz, sem energia, sem tesão, questionando praticamente
tudo na minha vida.
Foi quando, em cima daquela pedra, com aquela vista ma-
ravilhosa, me conectei com o que realmente era essencial para
mim. Aquilo que ainda fazia muito sentido para mim, que era
muito valioso e me energizava. Vi claramente duas palavras:
Ubuntu e EUpreendedorismo.
A viagem para a Conferência era de uma sincronicidade
linda da vida. A oportunidade incrível de me (re)conectar
com Ubuntu, um jeito de viver que foi o impulso pelo qual
tudo começou... Estava eu ali, na ilha onde Nelson Mandela,
uma grande inspiração para mim, ficou 19 anos preso. E, de
alguma maneira, eu também me sentia prisioneiro naquele
momento. Meu corpo estava gritando, sentia há mais de um
ano uma dor nas costas terrível, que me impedia de caminhar
livremente. Tinha uma sensação de incômodo com o rumo da
minha vida e sabia que mudanças teriam que ocorrer, porém,
não tinha noção por onde começar e nem sentia energia e
força para fazer tais movimentos.
É justamente em momentos assim que o EUpreendedo-
rismo mostra a sua força. Meus sentimentos e pensamentos,
sentado naquela pedra, e toda aquela imersão na África do Sul
estavam me reconectando com o meu propósito (lembra do

322 As Raízes do EUpreendedorismo


A reconexão
com o meu
propósito

Sol na figura do EUpreendedorismo do início deste livro?):


Ubuntu e EUpreendedorismo. Era o impulso que precisava...
O insight, naquele instante, foi que tinha me perdido, ao
longo dos anos anteriores. Na ânsia de querer que a Rede
Ubuntu fosse grande, o EUpreendedorismo se espalhasse e,
de alguma maneira, eu fosse o cara que tivesse realizado isso,
liderando este movimento, acabei me perdendo no modelo
organizacional da Rede Ubuntu, nas respostas automáticas do
EGO. E, ao investir um tempo enorme nessa construção, me
desconectei da minha real essência.
Durante 2017, havia feito a formação de Coaching Onto-
lógico pela Newfield Network, no Chile. Naquela tarde, me
lembrei da pergunta que havia feito algumas vezes, nas sessões
de coaching do programa: “Se a Rede Ubuntu morrer..., o
que será de mim?”. O meu maior medo era a Rede Ubuntu
morrer. E, ao lembrar desta pergunta, descobri o quanto esta-
va vivendo a partir do medo (não era à toa que o meu corpo
estava num nível de tensão que minha coluna gritava!).
Era como se o meu valor como ser humano estivesse direta-
mente relacionado ao crescimento e sucesso da Rede Ubuntu.
Quando me deparei com este julgamento mestre, de que mui-
to do que tinha feito em 40 anos de vida era correr e correr,
fazer e fazer, para que assim pudesse ter e sentir valor, foi uma
verdadeira ruptura na minha vida. Estava preso neste processo
automático, neste mecanismo de funcionamento, e nem sabia
disso... Eu estava cego.
Como a própria teoria da Ontologia da Linguagem diz,
para mudar os resultados, é preciso mudar o observador... Pois

As Raízes do EUpreendedorismo 323


A reconexão
com o meu
propósito

bem, tanto o curso em Newfield, quanto escutar meu corpo e


minhas emoções e me reconectar com o que era mais essencial
na minha vida, me fizeram começar a mudar o meu observa-
dor.
E esta mudança passava, definitivamente, por mudar este
julgamento mestre. Sair da ideia de que o meu valor estava no
que eu havia conquistado e feito na vida, para o “mantra” de
que o meu valor está em quem sou como ser humano. Como
diria todo o trabalho da Brené Brown, sou merecedor de amor
por quem sou. Ponto!
Claro que não bastava apenas mudar este julgamento. Era
preciso mudar a linguagem (julgamento) e também mudar o
corpo e as emoções. Portanto, era preciso começar a praticar
“um novo jeito de atuar”, como diria Bob Dunham, no cur-
so que estou fazendo, enquanto escrevo este capítulo, sobre
Liderança Generativa24. Segundo ele, ao mudar o ator você
gera possibilidades para começar a colher os novos resultados
conectados com aquilo que realmente te importa (Care).
Aquela tarde em Robben Island foi um dos momentos
mais marcantes da minha jornada. Ao me conectar com o que
realmente me importava, comecei ali a me libertar da prisão
em que estava metido..., literalmente por estar cego. E a me
conectar com novas possibilidades.
E a beleza da vida são justamente estes quiebres, estas rup-
turas, estes breakdowns que aparecem em nossa vida, para jus-
tamente aprendermos e evoluirmos. Muitas vezes não é um
processo romântico, gostosinho. Muitas vezes, dói, e como
diria minha mestra de Yoga, Dany Gonçalves25, “dor é expan-
24 - Institute of Generative Leadership, USA
25 - Cofundadora do Una Yoga, em São Paulo, Brasil

324 As Raízes do EUpreendedorismo


A reconexão
com o meu
propósito

são”. Eu sentia que aquele era um momento importante, de


muita expansão...
Voltei da África do Sul com uma importante decisão to-
mada: lançaria meu site www.eduseidenthal.com.
Nossa Edu, então, a Rede Ubuntu morreu?
Não, muito pelo contrário... Naquela ilha, na minha via-
gem à África do Sul, aprendi uma linda metáfora sobre Ubun-
tu: é como se essa ética universal fosse o ar que respiramos.
Para muitos sul-africanos, Ubuntu faz parte da vida... Está ali,
como se fosse o ar que respiramos. Praticamente para todos
os palestrantes da Conferência e, cá entre nós, assisti a pales-
tras lindíssimas, eu perguntava: “O que é Ubuntu para você?”.
Após todas as reflexões, a metáfora do ar, para simbolizar que
Ubuntu permeia tudo, é até hoje a melhor explicação que en-
contrei...
Naqueles anos me confundi, como se Ubuntu fosse a or-
ganização Rede Ubuntu que havia iniciado em 2009. Muita
pretensão a minha, não? Ubuntu era o ar que eu respirava e,
portanto, Ubuntu sempre estaria comigo... Ubuntu vive den-
tro de mim... Ubuntu vive dentro de você, certamente, que
chegou a esta parte do livro. Ubuntu vive dentro de muitas
pessoas que se relacionaram nesses anos todos e trabalharam
com a Rede Ubuntu como organização. E também vive den-
tro de muitos seres espalhados por este mundão de Deus, que
se inspiram nesta linda ética. Portanto, Ubuntu não é uma
organização, não é um conceito. É, sim, uma inspiração. E
justamente por meio dela inspiro e expiro todos os dias, este
jeito lindo de viver a interdependência, a humanidade que vi-

As Raízes do EUpreendedorismo 325


A reconexão
com o meu
propósito

ve dentro de todos nós.


Assim, lancei o meu site, a minha marca Edu Seidenthal e
coloquei um selo na home page, “Inspirado por Rede Ubuntu
de EUpreendedorismo”. Por nove anos, eu havia trabalhado
intensamente para construir a Rede Ubuntu, como marca, e
a mim mesmo, secundariamente, como o fundador e mem-
bro... A partir daquele momento, estava invertendo a ordem
e me colocando em primeiro lugar. A Rede Ubuntu seria a
inspiração, como o ar que respiro.
Foi um período bem difícil, afinal, tinha investido mui-
ta energia e dinheiro na construção daquela organização, por
isso, em muitos momentos me sentia um fracassado.
Mas nada como caminhar para ir experimentando as novas
possibilidades e aprendendo com o processo. À medida que o
tempo foi passando, fui percebendo, ou melhor, sentindo na
pele, como aquela mudança fazia sentido. E vários sinais me
mostravam (e continuam mostrando) isso...
Primeiro, o meu faturamento novamente começou a cres-
cer. Não só o meu, pois outras pessoas que faziam parte, de
algum jeito, da organização Ubuntu também começaram a
crescer seus negócios, uma vez que focaram em suas indivi-
dualidades.
Segundo, comecei a sentir muita leveza... Trabalhava me-
nos e ganhava mais, combinação boa, não é mesmo? Basica-
mente, porque grande parte do meu tempo, anteriormente,
estava dedicado a segurar, proteger, controlar para que a Rede
Ubuntu não morresse... E quando, finalmente, me soltei des-
sas amarras, a leveza e o fluxo se fizeram presentes.

326 As Raízes do EUpreendedorismo


A reconexão
com o meu
propósito

Terceiro, senti uma imensa liberdade, pois podia fazer par-


ceria com quem eu quisesse, ou mesmo facilitar e tocar muitos
projetos sozinho. Como parte de uma organização, me sen-
tia muitas vezes obrigado a sempre fazer junto, valorizando
o “nós” mesmo em projetos que não necessitavam dois facili-
tadores ou naqueles que simplesmente eu não estava a fim de
participar.
Finalmente, a vida ficou mais simples. Me vender, inspira-
do pela Rede Ubuntu, era muito mais fácil e direto do que o
contrário. Eu gastava bastante tempo explicando como a Rede
Ubuntu funcionava e menos tempo na necessidade do cliente
e na essência do projeto.
Você pode estar se perguntando: Mas quais foram os apren-
dizados com todo este processo Edu?
Muitos e maravilhosos. Para escrever este capítulo para a
segunda edição, precisei reler todo o livro novamente, cinco
anos depois de tê-lo lançado e dois anos depois de ter-me lan-
çado como Edu Seidenthal.
E, ao conversar com as queridas Silvia Maiolino e Cristiane
Vilar Diogo, da Ornando, que cuidam de toda a minha co-
municação desde então, a Silvia comentou a sua sensação ao
também reler o livro: “Edu, este livro tem muita coisa legal...
Faz muito sentido!” Então, reli com um olhar ainda mais pro-
fundo e, revendo as minhas reflexões, os meus aprendizados
de todo esse período vieram expressos justamente nas Raízes
do EUpreendedorismo: Abrir, Incluir, Colaborar, Ornar e
Acreditar. E, por isso, volto a escrever sobre eles, depois desta
história de EUpreendedorismo que compartilho agora.

As Raízes do EUpreendedorismo 327


A reconexão
com o meu
propósito

ORNANDO.COMVC:
Um negócio fruto das Raízes do EUpreendedorismo
Por Cristiane Vilar Diogo e Silvia Maiolino

Ornar as palavras, ornar as ideias,


ornar a linguagem,
ornar o ambiente,
ornar os
comportamentos,
na busca por conexão,
por harmonia, por amor
a si mesmo e aos outros
ao redor. Ornar a vida, o
trabalho, os negócios com
o propósito...”

Por este trecho do Manifesto da nossa marca, certamente


você já percebeu que, como o Edu, também temos um sen-
timento muito especial em relação ao Princípio do Ornar.
Quando começamos a reler este livro, propondo ajustes
para a segunda edição, percebemos como o nosso movimen-
to de EUpreendedorismo, a partir da participação na Rede
Ubuntu, ocorreu em paralelo a vários movimentos do ecos-
sistema. E isso ficou mais claro quando lemos o novo capí-
tulo que o Edu escreveu sobre as transformações da Rede
Ubuntu nos últimos anos.
Então, tivemos a ideia de propor a ele que contássemos
a nossa história e a história da Ornando, o nosso ateliê de

328 As Raízes do EUpreendedorismo


A reconexão
com o meu
propósito

Comunicação e Marketing. Honrando muito o que constru-


ímos nos últimos três anos, e com humildade, acreditamos
que a nossa experiência pode ser uma inspiração para quem
busca EUpreender, a partir de novos modelos de relações de
trabalho.
Antes de começar, agradecemos ao Edu pela oportunida-
de de colaborar!
Nós não imaginávamos isso, naquela época... Mas a his-
tória da Ornando começou no dia do lançamento de “As
Raízes do EUpreendedorismo”.

Era uma quinta-feira, 20 de agosto de 2015. E no final da


tarde choveu muito em São Paulo.

Naquele dia, eu (Cris), iria conhecer o Edu. Estava muito feliz


em rever a Joana Madia, com quem havia trabalhado, pois não
nos víamos há alguns anos. Quando soubemos da Noite de Autó-
grafos do livro do Edu, eu e a Moniquinha (a Mônica Duarte), que
também conhecia a Jo, combinamos de aparecer de surpresa. Era
a ocasião perfeita para revê-la, depois de tanto tempo, conhecer o
Edu pessoalmente e saber o que era a Rede Ubuntu de EUpreen-
dedorismo.
Naquele ano, eu estava entrando em contato como o mundo do
autoconhecimento, descobrindo o meu propósito e buscando novo
sentido e significado para a minha vida profissional. Sem saber,
estava vivendo o ano mais marcante da minha vida e fazia todo
o sentido me aproximar e conhecer melhor pessoas que tinham
conseguido fazer a transição do mundo tradicional do trabalho
para aquilo que, no caso da Joana e do Edu, chamavam de “EU-
preendedorismo”.

As Raízes do EUpreendedorismo 329


A reconexão
com o meu
propósito

O reencontro foi muito especial. Primeiro, pela alegria da Jo-


ana quando nos viu. Segundo pelo que vi e ouvi. Alguns meses
depois, voltei a reencontrar a Joana, só nós duas para um café
e um papo mais reservado. Falamos sobre os nossos momentos
de vida, das minhas conquistas e da minha trajetória profissional
como secretária, no início da carreira, e como gerente de Marke-
ting, cargo que ocupava naquele momento em uma multinacional
de bens de consumo. E, ainda, do meu desejo ardente de empre-
gar todo o meu talento e propósito em algo que contribuísse para
deixar o mundo um pouco melhor, dando um novo sentido a tudo
o que acredito.
E, de conversa em conversa, a Jo, verdadeiramente, me incen-
tivou a abraçar o EUpreendedorismo e a colocar o meu propósito
em ação, quando se tornou a minha primeira cliente, seguida pelo
Edu, que também buscava apoio e suporte de uma profissional
com o meu perfil. E assim, em fevereiro de 2016, passei a fazer
parte da Rede Ubuntu.
Naquele dia, eu (Silvia), tinha uma tarde bem programada. Iria
a um evento do movimento “Capitalismo Consciente”, durante o
qual Raj Sosodia lançaria o livro “Capitalismo Consciente – Como
libertar o Espírito Heroico dos Negócios”, escrito em parceria com
John Mackey, Co-CEO da Whole Foods Market. Depois, ao lança-
mento de “As Raízes...” e, para terminar o dia, sessão de terapia.
Em junho daquele ano, eu havia iniciado o meu processo de
transição de carreira, depois de atuar por mais de 25 anos em
Comunicação Corporativa, em três agências, uma delas em so-
ciedade com a Isabel Campos, minha amiga e também jornalista,
e no setor de celulose e papel. Estava no início do processo, mas
buscava caminhos que me levassem a trabalhar para o mundo
corporativo e não no mundo corporativo. Enquanto descobria o
que queria realmente fazer, trabalhava por jobs e investia parte
do tempo para ir a palestras e eventos, ativar meu networking,
trocar ideias sobre novos projetos. Antes disso, trabalhando em
um escritório

330 As Raízes do EUpreendedorismo


A reconexão
com o meu
propósito

de segunda a sexta, das 9h às 18h, era difícil perceber quanta gen-


te já estava atuando profissionalmente a partir de outros formatos.
Voltando àquela quinta-feira, achei bem interessante as pro-
postas do Raj Sisodia, no evento do “Capitalismo Consciente”. E
estava curiosa para conhecer o Edu, entender o que era Rede, o
que era Ubuntu, o que era EUpreendedorismo. Tinha chegado à
Rede por indicação de uma amiga, ao comentar o meu desejo de
buscar novos modelos de trabalho. Ela respondeu: “Ouvi falar da
Rede Ubuntu, não tenho detalhes, mas acho que você deveria co-
nhecer.”
Mas a chuva no final da tarde fez a Vila Olímpia, onde havia
sido o evento da tarde, parar... Não havia por onde escapar e, in-
felizmente, não consegui passar na Livraria Cultura, no Shopping
Iguatemi, para o lançamento de “As Raízes...”, a tempo de tentar
chegar na terapia. Comprei o livro poucos dias depois, mas por
conta de jobs e projetos de possíveis parcerias, acabei priorizan-
do as demandas urgentes, deixando a Rede em suspenso por um
tempo.
Até que, em abril de 2016, vi que o Edu daria uma palestra na
“Virada Empreendedora”. Me inscrevi imediatamente e, numa tar-
de sábado, o conheci e me encantei com a proposta da Rede Ubun-
tu. Sai da FGV com a certeza de que, dessa vez, não adiaria mais.
Poucas semanas depois, participava da minha primeira reunião
na Rede Ubuntu. E conheci a Cris. Acho que, até agora, não havia
dito isso a ela, mas o seu sorriso, ao me cumprimentar, foi um dos
momentos mais acolhedores daquele dia.
Mesmo entusiasmada, lembro que uma das minhas primeiras
impressões foi a de que a Rede Ubuntu não era para mim, pois
mais de 90% das pessoas eram coaches – e eu era jornalista, com
carreira na área de Comunicação Corporativa... Mas nunca me es-
queci da frase do Tony Tarantini, quando comentei isso: “A Rede
precisa de outros profissionais, dos ‘diferentes’... Exatamente por-

As Raízes do EUpreendedorismo 331


A reconexão
com o meu
propósito

que você não é coach é importante que esteja com a gente.” E fui
buscando o meu espaço.
E, assim, no ritmo e nas circunstâncias de cada uma, chega-
mos à Rede Ubuntu e fomos nos conhecendo, pessoal e profissio-
nalmente, por demandas da própria Rede, entre elas o “Papo de
Propósito”, programa de entrevistas online mensal, para inspirar
pessoas sobre propósito, EUpreendedorismo e a própria Rede,
produzido incialmente pela Cris, Luana Fonseca e Tati Sthal, lá em
2017, quando ainda não se falava em lives. Quando a Tati resolveu
se desligar do programa, fui convidada pela Cris a me juntar ao
projeto, contribuindo com a minha experiência de jornalista.

E outras oportunidades foram surgindo na própria


Rede.

Entre 2016 e 2017, os membros da Rede atuavam em di-


versos “Comitês”, de forma espontânea, colaborando para a
expansão do ecossistema. Entre eles, havia o Comitê de Pros-
pecção, o de Desenvolvimento e o de Comunicação – este
último voltado a definir as estratégias de divulgação on-line e
off line. Nós duas participávamos dele e passamos a produzir
os posts e outras peças de divulgação, substituindo a agência
terceirizada que realizava o serviço. Definíamos as estratégias
em parceria com o Edu e, a partir delas, divulgávamos conte-
údo abordando os conceitos Ubuntu e EUpreendedorismo,
os programas da Rede, como o RUA e o EUpreendedoria e
outros assuntos.
E, aos poucos, descobrimos a sinergia entre os nossos tra-
balhos. Pela experiência em Jornalismo, eu (Silvia) me dedi-
cava aos textos e eu (Cris), como publicitária, à criação gráfi-

332 As Raízes do EUpreendedorismo


A reconexão
com o meu
propósito

ca. E criávamos as estratégias em conjunto. E, mais que uma


sinergia profissional, descobrimos uma oportunidade de, de
fato, nos experimentarmos como EUpreendedoras, juntas.
Quando percebemos, estávamos prospectando novos
clientes na própria Rede, pois alguns membros buscavam
profissionalizar a própria comunicação, como o Carlos Debs
Souto, a Ana Zacharias, o Jose Sarria, o José Renato Siqueira
Jr. e, também, fora do ecossistema, entre eles, o Projeto Co-
operação, parceiro da Rede em diversas atividades. E, indo
além das Redes Sociais, começamos a oferecer o Posiciona-
mento de Comunicação e Marketing, para
potencializar as Redes Sociais, criar presença Enquanto trilhávamos
digital, narrativa de comunicação, produzir a nossa jornada
cursos on-line, estratégias de inbound marke- EUpreendedora, a
ting e demais ações online e off line, de nossos Rede Ubuntu foi se
clientes. transformando de
E, enquanto trilhávamos a nossa jornada uma organização
EUpreendedora, a Rede Ubuntu foi se trans- para um ecossistema
formando de uma organização para um ecos- colaborativo.
sistema colaborativo, conforme o Edu conta
neste mesmo Capítulo. Do nosso observa-
dor, quando essa última fase começou, havia dois grupos na
Rede: o “mais antigo”, reunindo membros acostumados a
trabalhar juntos desde os primeiros anos da Rede, e o “mais
novo”, formado por quem havia entrado entre 2016 e 2017,
reunindo profissionais em busca de se experimentar, como
nós duas, inspirados pelos inovadores e bem-sucedidos pro-
gramas e projetos desenvolvidos até aquele momento por

As Raízes do EUpreendedorismo 333


A reconexão
com o meu
propósito

quem estava na Rede há mais tempo.


Havia iniciativas de aproximação e interação, promovidas
por vários membros, antigos e novos, buscando mais siner-
gia, mas algo não estava funcionando. Talvez, porque, como
o próprio Edu relata, havia pessoas com necessidades distin-
tas e, consequentemente, o propósito comum estava se per-
dendo. Olhando o processo, três anos depois, essa distinção
de objetivos e necessidades – afinal, as pessoas precisavam
trabalhar - foi levando a um distanciamento e, consequente-
mente, muitos membros passaram a se dedicar aos próprios
projetos, com ou sem outros membros, ou mesmo “saindo”
da Rede. E isso, provavelmente, também levou à transfor-
mação da Rede, para um ecossistema movido pelos valores
Ubuntu, pelo Propósito e o EUpreendedorismo.
Hoje, sentimos falta dos encontros regulares de intera-
ção, nos quais nos nutríamos, nos apoiávamos, nos fortalecí-
amos. O importante é que algumas amizades permanecem e,
vez ou outra, vemos emergir, deste ecossistema colaborativo,
interações e trocas, oportunidades nas quais celebramos os
encontros de vida que a Rede Ubuntu nos proporcionou.

O nosso modelo de negócios

A Ornando nasceu digital! Desde os primeiros clientes,


em 2017, trabalhamos em Home Office. Conectadas pelo
Zoom, ferramenta de vídeo conferência, e pelo WhatsApp,
conversamos várias vezes durante o dia e temos a impres-
são de estar lado a lado, trocando ideias, definindo próximos

334 As Raízes do EUpreendedorismo


A reconexão
com o meu
propósito

passos, estabelecendo estratégias e atividades prioritárias.


Este formato também já nos permitiu atender clientes em
Belo Horizonte, Curitiba e Aracaju, além de cidades do in-
terior de São Paulo, como Presidente Venceslau e Presidente
Prudente.
Administrativamente, somos dois CNPJs. Temos as
nossas próprias empresas, a Cristiane Vilar Diogo Design
Marketing e a Quasar Comunicações, e não vemos a neces-
sidade de formalizar a nossa sociedade contratualmente, pois
ela está alicerçada nos nossos valores, na nossa parceria, na
confiança mútua. Além disso, emitimos duas notas fiscais,
mensalmente, para cada cliente (e isso nunca foi um pro-
blema).
Criamos algumas rotinas de trabalho que funcionam
muito bem. Pela manhã, antes de “abrirmos a lojinha”, nos
permitimos um tempo para nos cuidar, na ginástica, no Pi-
lates, meditando ou dormindo até mais tarde. O horário de
almoço é conforme a fome de cada uma. E buscamos cuidar
do fim do expediente, para dedicação à família, a outras ati-
vidades, à leitura, etc.
Como o próprio Edu diz neste livro, esse modelo permi-
tiu que fôssemos nos experimentando. Até que, no segundo
semestre de 2018, decidimos lançar, oficialmente, a nossa
marca. Tínhamos clareza do nosso propósito: acompanhar a
jornada de marcas individuais e organizacionais em busca de
ornar a própria essência, o que acreditam, com aquilo que
fazem no mundo. Para isso estava claro: construir o Posicio-
namento de Comunicação e Marketing, a partir da metodo-
logia que havíamos experimentado por um ano.

As Raízes do EUpreendedorismo 335


A reconexão
com o meu
propósito

Como o nome Ornando, lá no início, tinha sido escolhi-


do pelo Edu, perguntamos se podíamos seguir com ele, pois
era uma inspiração. E, prontamente, ele respondeu: “Claro
que sim, queridas! Muita luz a vocês”.
Assim, no dia 18 de outubro de 2018, aniversário da Cris,
oficialmente, lançamos o site e as Redes Sociais da Ornando.
ComVc.
Acreditamos que as nossas diferenças potencializam a
nossa oferta. De um lado eu (Cris), por ser mais digital estou
sempre buscando novidades e eu (Silvia), estimulada pelo
interesse da Cris por tecnologia, vou avançando nessa área.
Por outro lado, gosto muito das ações de Relações Públicas
com clientes e prospects e a Cris me acompanha.
Adoramos quando nos apresentamos para
Acreditamos que as um prospect, falamos do nosso encontro na
nossas diferenças Rede Ubuntu e alguém comenta já ter ouvi-
potencializam a nossa do falar dela. Quando não ouviu, nos encanta
oferta. contar mais uma vez essa história e despertar
a curiosidade sobre os conceitos de Ubuntu e
EUpreendedorismo, nossas crenças e forma de
trabalho.
Hoje, reconhecemos que a Ornando foi sendo cocons-
truída, passo a passo, à base de conversas, trocas, interesses
comuns e realizações. Fomos nos conhecendo, entendendo
os talentos de cada uma e como nos complementamos. E,
dessa forma, criamos raízes, encontramos o nosso caminho.
E, sempre que necessário, buscamos parceiros para atuar em
conjunto, no melhor espírito de rede colaborativa.

336 As Raízes do EUpreendedorismo


A reconexão
com o meu
propósito

Como resultado desse processo, cocriamos uma metodo-


logia para a construção de marcas pessoais e organizacionais
com a nossa cara, dividida em quatro etapas. E, se você es-
tiver dando os primeiros passos no EUpreendedorismo, elas
podem ser úteis a você:

1. Ornando com você: Mergulhe em quem você é, nos


seus sonhos, nos seus talentos e valores e como isso se trans-
forma em uma oferta (produtos e serviços) e, também, quais
são os seus diferenciais.

2. Ornando com o seu público: Tenha clareza das suas


Personas, as pessoas que terão interesse pelo que você faz.
Isso é fundamental para uma comunicação clara, pois a má-
xima “quem quer falar com todo mundo, acaba não falando
com ninguém”, continua valendo.

3. Ornando com o seu propósito: Procure definir estra-


tégias e ações para expressar aquilo que você faz para quem
você quer fazer. Assim, será possível ter clareza das suas men-
sagens, dos canais a serem utilizados, etc.

Estas três fases estão conectadas e darão clareza sobre o


que comunicar, para quem e de que forma, tendo como pilar
o seu propósito. Depois, é seguir para a próxima etapa:

4. Ornando com a Comunicação: Defina um calendário


de ações e comece a revelar o que você faz. Se considerar que

As Raízes do EUpreendedorismo 337


A reconexão
com o meu
propósito

será capaz de publicar nas Redes Sociais uma vez por sema-
na, comece assim. Muito melhor do que se programar para
três ou quatro publicações e não dar conta, pois o seu core
business é outro. Além do nosso principal produto, o Posi-
cionamento de Comunicação e Marketing, essa metodologia
já rendeu dois produtos: a Mentoria e o Programa Ornando
a Comunicação para CEOs, uma iniciativa voltada a criar
presença digital e posicionamento de marca para líderes e
gestores, como forma de potencializar um negócio.

Um ativo, um diferencial

Nestes três anos, descobrimos um ativo muito importante


do nosso trabalho: a companhia para o EUpreendedor que,
muitas vezes, se sente sozinho para construir a própria marca
pessoal, refletir sobre estratégias e ações que potencializam a
sua oferta. Hoje, temos certeza de que isso é um diferencial
do nosso trabalho.
Pensando nos Canteiros que o Edu descreve no Princípio
do Acreditar, na Ornando já fizemos “A Roda Girar”, assu-
mindo projetos de curto prazo e trabalhando muito, durante
dias, para aumentar a receita no final do mês. Desenvolve-
mos diversas iniciativas Voluntárias, para experimentar nossa
metodologia de trabalho e também o “É Possível”, assumin-
do projetos de risco, apostando em iniciativas e projetos de
clientes.
No momento em que escrevemos este capítulo, estamos
voltadas ao canteiro dos “Sonhos”, refletindo sobre o que

338 As Raízes do EUpreendedorismo


A reconexão
com o meu
propósito

mais queremos fazer, o que não queremos mais fazer...


Também tentamos ornar com CRONOS e KAIRÓS,
buscando seguir conforme o fluxo, mesmo quando pressio-
nadas por demandas cotidianas como a sustentabilidade fi-
nanceira.
Neste início do segundo semestre de 2020, enquanto
atravessamos a pandemia e esta segunda edição está sendo
escrita, vimos os vínculos com vários clientes se fortalece-
rem. Muitos se descobriram mais digitais do que imagina-
vam, se reinventaram e novos caminhos e possibilidades fo-
ram criados.
No nosso dia a dia, temos clareza que
buscamos ornar com nossos clientes a partir O EUpreendedor
da Ética Ubuntu, do EUpreendedorismo, se sente, muitas
da Cooperação, da Experiência do Cliente vezes, sozinho para
e, da Comunicação Servidora (inspirado construir a própria
nos conceitos de Liderança Servidora da marca pessoal.
Academia de Líderes Ubuntu). E, assim, se-
guimos, desenhando novos projetos e EU-
preendendo novos sonhos.
Gratidão à Rede Ubuntu e aos seus membros, pelas opor-
tunidades e, especialmente, aos amigos que lá fizemos. É in-
crível quando nos encontramos e celebramos estarmos jun-
tos.
Gratidão a cada um dos nossos clientes, por acreditarem
no nosso potencial.
Gratidão, mais uma vez, ao Edu que, sem saber, começou
a nos inspirar num dia de chuva torrencial em São Paulo e

As Raízes do EUpreendedorismo 339


A reconexão
com o meu
propósito

tempos depois, sabendo, acreditou e confiou no nosso traba-


lho e, agora, nos deu a oportunidade de contar aqui, a nossa
história de EUpreendedorismo.

Obrigado, queridas Cris e Silvia, por ilustrarem este capítulo


com a jornada de EUpreendedorismo de vocês, que eu tenho
a alegria de acompanhar!

E, agora, volto às minhas reflexões sobre os cinco Princí-


pios do EUpreendedorismo, presentes na transição recente
da Rede Ubuntu.

340 As Raízes do EUpreendedorismo


A reconexão
com o meu
propósito

Abrir

O quanto todo esse processo de mudança foi uma grande


expressão de me abrir mais um pouco para o mundo de den-
tro, mais uma camada para dentro ou, como a imagem do
DNA que já usamos por aqui, mais um grau de profundidade
ou complexidade.
Uma das perguntas que mais amo em todo o processo do
EUpreendedorismo é: “Quais são os padrões que se repetem
em minha vida?”. Acredito que esta é uma pergunta extrema-
mente poderosa e que fica aberta por toda a nossa jornada. A
medida que caminhamos, vamos respondendo...
Um dos padrões na minha vida foi, desde criança, me sen-
tir inadequado. Feio e branquelo (como já explorado neste li-
vro) eram alguns dos julgamentos que sempre tive sobre mim.
Em termos de mundo emocional, percebi, prin-
cipalmente após a minha formação ontológica, Quais são os
como o meu estado emocional sempre esteve padrões que se
baseado no medo. Medo de ser eu mesmo na repetem em sua
plenitude, medo da reação dos outros, medo de vida?
ser feliz, medo de me entregar...
E, como observador, é de uma coerência lin-
da. Meu corpo era tenso, tão tenso que, cons-
tantemente, me sentia muito cansado... Quantas consultas
médicas na minha adolescência e quantas vitaminas tomei na
minha vida por sentir tal cansaço. Era totalmente cego para
este padrão. Eu não sabia que não sabia. E aqui fica a dica de
como o corpo sabe e te diz... Basta escutar!

As Raízes do EUpreendedorismo 341


A reconexão
com o meu
propósito

Olhando para trás, para mim, está muito claro, hoje, o


quanto vivia sempre em alerta, quase como se fossem me des-
cobrir... E, assim, na ânsia de ter que provar, de mostrar ao
mundo que eu era merecedor de amor, corri... Corri muito,
trabalhei muito, buscando sempre estar à frente, como um
mecanismo de controle.
E, claro, coerentemente com toda essa história, tentava
agradar a gregos e troianos do ponto de vista de relacionamen-
tos. Óbvio que fui me dando conta disso ao longo dos anos,
neste caso, não de forma tão cega quanto foi a descoberta do
meu corpo e das minhas emoções nestes últimos dois a três
anos.
Mas, como a imagem do DNA nos mostra, percebi este
padrão novamente se expressando, em um contexto bem mais
complexo. Não era mais aquele colega de trabalho dentro do
mundo corporativo que era agressivo ou “não gostava de mim”.
Nestes últimos 10 anos, eu havia fundado e estava tentando
montar um ecossistema chamado Rede Ubuntu,
Corri muito, no qual todo mundo se sentisse bem, pudesse fazer
trabalhei muito, o que queria, se expressar como desejasse. E, assim,
b u s c a n d o seria incrível...
sempre estar à E é nesse ponto que surge um dos meus princi-
frente, como um pais aprendizados em todo este processo, a impor-
mecanismo de tância dos limites... Este quiebre que vivi, com a
controle. mudança real da Rede Ubuntu para uma rede foi
de suma importância: aprender a acessar os meus
limites e a declará-los.

342 As Raízes do EUpreendedorismo


A reconexão
com o meu
propósito

Vivi tais limites na prática, pois o meu corpo já não res-


pondia a mais nada para a dor nas costas que eu estava viven-
ciando, meus resultados financeiros estavam desabando e não
sentia mais tesão, força para agir.. Por isso, um dos processos
mais lindos que vivi foi me abrir para os meus limites. Ao fazer
isso, aos poucos e, claro, com muitas oscilações, fui cuidando
de mim, gostando de mim, tendo compaixão por mim e me
sentindo merecedor de amor. Ainda estou no processo... E
acredito que esse caminho será um eterno aprendizado.
Para entrar em contato com os meus limites, de novo pre-
cisei entrar em contato com meu propósito, com a minha es-
sência. Sentado naquela pedra em Robben Island, voltei a me
conectar com aquilo que foi a força motriz onde tudo come-
çou... Ubuntu e EUpreendedorismo.
Estas duas palavras ainda faziam muito sentido para mim.
Portanto, as perguntas eram: Como eu poderia desenhar a mi-
nha vida, daquele momento em diante, para que eu pudesse
cuidar e fazer o que realmente me importava? Quais eram, de
fato, os meus limites? O limite de não correr mais de um jeito
desenfreado... O limite de não mais me maltratar... O limite
de não me confundir mais nas relações e conseguir entender o
meu pacote e quais eram os pacotes dos outros...
Vale ressaltar, aqui, este termo que tenho usado muito,
o “pacote”. Chamo de pacote a nossa luz e a nossa sombra.
Aquilo que temos de talentos, habilidades e também todos os
nossos “learning edges”26, áreas de aprendizagem. A tradução
como “área de aprendizagem” não é muito boa, pois perde o
conceito de “edge”, desta linha separando o conforto do des-
26 - Conceito trabalhado por Bob Dunham no Institute of Generative Leadership

As Raízes do EUpreendedorismo 343


A reconexão
com o meu
propósito

conforto, o “sei” do “não sei”, o “me sinto competente” do


“me sinto incompetente”.
Este conceito, “learning edge”, na minha perspectiva, tem
muito a ver com o conceito de vulnerabilidade de Brené
Brown. Como ela diz, em um livro recente, “Coragem para
Liderar”27, vulnerabilidade tem a ver com momentos nos
quais você sente incerteza, risco e exposição emocional.
E, pela minha experiência, quando entrava nestes lugares
de vulnerabilidade na minha vida, pois, definitivamente, dizer
não, colocar limites, sempre foram áreas de vulnerabilidade
para mim, o meu padrão automático
de reação era me misturar e assumir o Não colocar limites
pacote do outro como meu, colocando nas relações e deixar
os meus desejos e interesses em segundo as coisas meio
plano. soltas sempre foi um
A história do pacote foi e tem sido padrão automático de
um grande aprendizado. Nas relações, funcionamento meu.
estar atento ao que tem a ver comigo e o
meu pacote, ao que tem a ver com o seu
pacote e, ainda, estar “aware”, consciente, atento a tudo isso
faz toda a diferença. Como diria Bob Dunham, “awareness
creates choice”. Quando estamos atentos e percebemos padrões,
temos escolha. Podemos seguir determinado padrão ou mudá-
lo, dependendo do que queremos como resultados. Quando
não estamos atentos e conscientes, temos apenas uma opção:
o nosso padrão automático de resposta.
Não colocar limites nas relações e deixar as coisas meio sol-

27- Coragem para Liderar, Brené Brown, Rio de Janeiro, Best Seller, 2019

344 As Raízes do EUpreendedorismo


A reconexão
com o meu
propósito

tas sempre foi um padrão automático de funcionamento meu.


E estava reproduzindo este padrão em diferentes dimensões da
minha vida, por exemplo, na Rede Ubuntu, no meu casamen-
to e em diferentes relações familiares e sociais.
No retorno da África do Sul, comecei a praticar algo dife-
rente. Me conectei com o que realmente me importava, (re)
desenhando a minha vida de acordo com isso. E foi assim
que aprofundei ainda mais a minha prática de colocar limi-
tes, tema que tenho trabalhado há tantos anos. Mas chegava
a outro nível de complexidade. Comecei a colocar limites nas
relações mais importantes da minha vida, as que mais amava
e eram muito significativas... E foi assim que a Rede Ubuntu
deixou, realmente, de ser uma organização, para ser, verdadei-
ramente, uma inspiração para mim e para aqueles que assim
desejarem. E foi assim que, em meados de 2018, o meu ca-
samento com a Jojo chegou ao fim e passamos para um novo
ciclo da nossa relação de amizade e parceria, principalmente
na criação dos nossos amados filhos, Vivi e Gabi.
Como já mencionei, quase dois anos depois, no momen-
to em que escrevo estas linhas deste novo capítulo, reconhe-
ço que esses movimentos foram, certamente, os mais difíceis
em toda a minha vida. Muitas dores e lágrimas, E TAMBÉM
muito crescimento, aprendizado e alegrias.

Incluir

E é esse “E TAMBÉM” que me serve de gancho para ex-


pressar meus aprendizados no Princípio do Incluir.

As Raízes do EUpreendedorismo 345


A reconexão
com o meu
propósito

Acho que passei toda a minha vida com medo de sentir


dor, sofrer e entrar em contato com aquilo que mais temia.
O medo de ficar sozinho, o medo de ser rejeitado, o medo do
fracasso...
Por isso, acredito, entrar em contato com o trabalho de
Brené Brown, em 2010, me fez seguir uma trajetória de apren-
dizado. Pouco a pouco fui me conectando com minhas emo-
ções, com esses medos, com o que me deixava vulnerável... E
foi toda essa construção e caminhada que me permitiu, real-
mente, entrar em contato com a minha sombra.
Você se lembra do texto da Marianne Williamson, citado
no Capítulo Incluir, que é um mantra para mim? Pois bem,
recentemente, tomei a liberdade de reescrevê-lo, com todo o
respeito que tenho pelo original, também incluindo os meus
aprendizados desses últimos anos28.
“Nosso maior medo é sermos inadequados e também podero-
sos demais.
É nossa luz e também nossa escuridão que mais nos assustam.
Nos perguntamos: quem sou eu para ser magnífico e talentoso?
Quem é você para não ser isso...
Essa sua brincadeira de se diminuir não serve ao mundo.
Nascemos para manifestar a glória de Deus, que não está em
apenas alguns de nós, está em todos nós. E quando deixamos que
a nossa própria luz brilhe damos permissão para que os outros
façam o mesmo.
E neste caminhar em direção à nossa luz, nos deparamos
com nossas maiores sombras. A dor é inevitável, o sofrimen-
to uma opção...
28 - Texto original de Marianne Williamson, adaptado por Edu Seidenthal.

346 As Raízes do EUpreendedorismo


A reconexão
com o meu
propósito

É na integração entre luz e sombra que experimentamos


o divino nesta dimensão.
E quanto mais livres formos, mais livres tornamos aqueles que
nos cercam.
Ubuntu. Eu sou porque você é. Você é porque nós somos.”

Uma grande polaridade para integrarmos nesta vida é Luz e


Sombra. E acredito tanto nisso que, nestes últimos dois anos,
fiz tatuagens nos meus braços, para me lembrar disso todos os
dias até o fim deste ciclo: Tao e Ubuntu.

As Raízes do EUpreendedorismo 347


A reconexão
com o meu
propósito

O símbolo do Ying e Yang significa justamente esta inte-


gração entre os polos... Luz e sombra, masculino e feminino,
cheio e vazio, eu e nós, e assim por diante. A dança entre os
polos, aprendendo e se desenvolvendo, até que, no processo
de evolução, isso não seja mais um tema.
É simplesmente libertador poder entrar
O caminho da
em contato com nossos maiores medos,
autoconsciência é um
com a dor (o grande porquê de minha en-
processo maravilhoso
trada na trilha da Yoga), pois, fisicamente,
e necessário para
emocionalmente, mentalmente e espiritu-
vivermos neste mundo.
almente, essa atitude desbloqueia e permi-
te a expansão, o crescimento.
Como já falei, não é um processo romântico. Nestes últi-
mos anos, o tema propósito virou uma mega indústria, com
muitos profissionais prometendo “só alegrias” em processos
de autoconhecimento. Do fundo do meu coração, reforço o
caminho da autoconsciência como um processo maravilhoso
e necessário para vivermos neste mundo. É por isso que eu
acredito tanto no EUpreendedorismo. E, na minha experiên-
cia, tem sido um processo de profunda aprendizagem, em que
vivencio momentos incríveis, plenos, de fluxo, de conexão, de
amor... E TAMBÉM de dores profundas e nada confortáveis.
Como diz uma das citações que mais amo, “A vida não é
um problema a ser resolvido, mas um mistério a ser vivido.”,
(Osho).
Outro aprendizado gigante é o poder da linguagem, no
Princípio do Incluir e em todo essa jornada de crescimento.
Como citado pela Taly neste livro, a importância das distin-

348 As Raízes do EUpreendedorismo


A reconexão
com o meu
propósito

ções dos atos da fala: afirmações, declarações, pedidos, ofertas


e promessas.
Essa tem sido uma enorme área de prática para mim. O
poder das conversas. Confesso que ainda estou em estágios
iniciais desta prática, porém, você pode imaginar o quanto
iniciei ou participei de conversas incríveis e, muitas vezes, di-
fíceis usando tais atos da fala em todo esse período. Você pode
imaginar as conversas que tivemos no processo de transforma-
ção da Rede Ubuntu?
No processo de desenhar ou redesenhar a vida, alinhado ao
seu propósito, as conversas são essenciais para se explorar as
possibilidades e gerar os compromissos para as ações a serem
tomadas.
Aproveito, então, este espaço para fazer algumas declara-
ções.
Primeiro, peço desculpas. Cometi vários erros nesse pro-
cesso, e me desculpem todos e todas que foram impactados
negativamente pelas minhas atitudes. Sei que agi com a me-
lhor das minhas intenções, que no fim serviram de aprendiza-
dos para todos nós, mas isso não invalida o poder das minhas
mais sinceras desculpas.
Segundo, agradeço a todos que participaram em toda essa
jornada de construção da Rede Ubuntu como organização e
também da transformação para uma inspiração em 2018. Do
fundo do meu coração, aprendi muito! E, como a própria es-
sência da palavra diz, Ubuntu é tornar-se pessoa. E pude sen-
tir na prática, eu sou porque você é. Você é porque nós somos.
Gratidão imensa.

As Raízes do EUpreendedorismo 349


A reconexão
com o meu
propósito

Colaborar

A esta altura você pode estar com aquela vozinha interna


dizendo: “Edu, muito bonito tudo isso, mas na prática, então,
você saiu em voo solo e acabou com toda aquela história de
rede que você tanto defendeu nos últimos anos.”
Como resposta, posso dizer, com o observador que sou
neste momento da minha caminhada, que esta afirmação é
limitada e incompleta.
Nestes anos de construção da Rede Ubuntu, me confundi
muito. Eu não queria fazer parte de uma organização estru-
turada, hierárquica, cheia de regrinhas (como o que vivi no
mundo corporativo) e, portanto, ao fundar a Rede fui para
a polaridade oposta, sem regras, livre, fluída. Mas, como já
trabalhado no Capítulo Incluir, quando abordei o tema das
polaridades, no excesso do polo oposto, acabamos indo para o
lado negativo da liberdade, da fluidez... E isso, na minha expe-
riência, gerou caos, muita frustração, perda de produtividade
e foco, perda de pertencimento com a falta de limites, baixa
aprendizagem, etc.
No Princípio do Colaborar, um dos principais insights foi
perceber como ainda estou aprendendo sobre a interdepen-
dência. Ou seja, a partir dos níveis de consciência, citados na
parte inicial deste livro como uma das bases conceituais que
usamos para o EUpreendedorismo, ainda estou evoluindo em
meus relacionamentos da:

350 As Raízes do EUpreendedorismo


A reconexão
com o meu
propósito

Com a ausência de limites que vivemos na construção da


Rede Ubuntu, as relações, à medida que crescemos e viramos
muitos, se tornaram confusas, e os pacotes de cada um se mis-
turaram, gerando muita confusão e frustração. Em muitos
momentos, vivíamos a DEPENDÊNCIA nas relações.
Eu na dependência de ser aceito, querido, admirado, cor-
rendo e tentando controlar (do meu jeito) para que aquilo

As Raízes do EUpreendedorismo 351


A reconexão
com o meu
propósito

não morresse. E, no meu entender, outros circulavam na Rede


Ubuntu com necessidades distintas:

• Pertencer: muitos saíam de trabalhos formais como


empregados e, ao empreender, se sentiam sozinhos, então, a
Rede Ubuntu era um lugar acolhedor, em muitos momentos.
• Aprender: alguns estavam só começando como coa-
ches e facilitadores e, na Rede Ubuntu, poderiam de alguma
maneira interagir e aprender com aqueles que estavam há mais
tempo nessa jornada.
• Criar: ao interagir com observadores diferentes, fomos
capazes de criar muitas coisas legais, desde propostas até pro-
jetos reais que acabamos implementando em muitos clientes.
• Fazer negócios com propósito: alguns, como eu, por
exemplo, realmente começaram a ganhar dinheiro fazendo
aquilo que amavam, se sentindo conectados.

Como esses papéis e intenções não estavam claros nem


para nós, pois, como mencionado, é por meio da experiên-
cia das relações que aprendemos, nós acabamos (eu, inclusive)
nos confundindo, ao tentar criar uma organização que fosse
capaz de atender a todos.
E, nesta caminhada, “preso” em meus learning edges, fui
correndo, correndo e tentando manter todos felizes. Assim, a
Rede Ubuntu poderia crescer, teria muita gente e finalmente,
eu seria digno de ser amado.
Que foda! Desculpe-me pelo palavrão, mas só ele traduz a
sensação... E como sempre digo, foda na polaridade: difícil,

352 As Raízes do EUpreendedorismo


A reconexão
com o meu
propósito

cansativo, frustrante e também tesão, mega-aprendizado!


Ao experimentarmos e sermos capazes de nos observar, de
estarmos atentos, “awareness creates choice”!
Ao perceber tudo isso, me conectei com o que realmente
importava para mim e comecei, na prática, a colocar limites,
a desenhar um novo ciclo na minha vida, mais coerente com
aquilo que há tanto tempo desejo para mim.
Hoje, sinto que realmente vivo em rede. E
Viver em rede viver em rede pressupõe cada indivíduo ser
pressupõe cada ele mesmo, ela mesma, na sua totalidade. E,
indivíduo ser ele portanto, concordo, sim, com a fala sobre
mesmo, ela mesma, ter me lançado em voo solo... E TAMBÉM
na sua totalidade. passei a me relacionar livremente, em par-
cerias que se formam e se dissolvem, depen-
dendo do propósito das pessoas envolvidas
naquele momento.
De uma maneira muito simples, eu sou o Edu, a Taly é a
Taly, aí tem a Nina, a Momo, a Renata, a Jojo, a Pata, a Cris,
a Cris Vilar, a Silvia, o Jose, a Ana, a Marilia, as Rosanas, a
Luana, as Maris, as Tatis, a Tina o Alan, o Cesinha, o Carlos,
o Tony, o Tiago, o Eliseu, o Zé Renato, a Fernanda, a Nathi,
a Verô, a Vera, a Eliane e assim por diante – impossível eu ser
capaz, aqui, de escrever todos os nomes das pessoas que intera-
giram na Rede Ubuntu, durante todos estes anos, umas mais
intensamente e outros menos. E somos todos indivíduos, que
trabalham independentemente e, em muitos momentos ou
certos projetos, juntos, em parceria nas mais variadas forma-
ções e combinações. Em outros simplesmente nos reunimos

As Raízes do EUpreendedorismo 353


A reconexão
com o meu
propósito

para trocar ideias, nos divertir e assim por diante.


Tudo isso de uma maneira muito livre e orgânica. Exata-
mente do jeito que eu acredito.
Só que nada disso está sob um guarda-chuva, uma orga-
nização chamada Rede Ubuntu de EUpreendedorismo. Não,
isso era o desejo do ego, para eu ter controle e poder de algum
jeito.
Muitos, eu sei, se inspiram na ética Ubuntu, como eu, e
certamente usam as experiências que vivemos em suas atua-
ções, em suas próprias vidas e em projetos com seus clientes.
E isso é suficiente e mágico. Como já citado, Ubuntu é como
o ar... Inspiramos e expiramos, está por aí... Mas não precisa
ser uma organização.
A Rede Ubuntu de EUpreendedorismo, portanto, vive
dentro de cada um de nós, daqueles que assim o desejam. E
está por aí, nos inspirando.
Todas aquelas necessidades citadas acima (pertencimento,
aprendizagem, criação, geração de novos negócios) estão ocor-
rendo, de maneira interdependente, entre pessoas ou empre-
sas que investiram na construção de suas independências e,
assim, começaram a praticar a interdependência.
Tenho 44 anos neste momento e sinto que só estou come-
çando esse aprendizado. Sinto que me tornei adulto só agora...
Muito louco, não é?
Meu insight, depois de todas essas reflexões, é que é muito
difícil você vivenciar a interdependência na plenitude, se ain-
da você não foi capaz de sair da dependência e viver indepen-
dente... Sei que é impossível dividir e separar estes conceitos,

354 As Raízes do EUpreendedorismo


A reconexão
com o meu
propósito

até porque viver é tudo junto, misturado e ao mesmo tempo.


Mas viver o nível de consciência da interdependência (2a ca-
mada, a partir do Amarelo do Diagrama de Beck e Graves, Di-
nâmica da Espiral, citado no início deste livro), só é possível
se você vivenciou os estágios anteriores (Azul, depois Laranja,
depois Verde para, finalmente, ir para o Amarelo e Turquesa).
Não dá para pular estágios.

Ornar

Estes parágrafos anteriores já me conectaram com o meu


Princípio preferido: Ornar.
Quando estamos falando dos níveis de consciência, não
podemos esquecer das linhas de desenvolvimento. Quando
falamos de evoluir de estágio de consciência, digo de maneira
integral. Muitas vezes, até cognitivamente, conseguimos en-
tender alguns conceitos dos estágios seguintes, mas nosso cen-
tro gravitacional, integrando mente, corpo, emoções e tantas
outras linhas de desenvolvimento, ainda não chegou lá.
A maior prova disso é: se você olhar os conceitos trabalha-
dos nos capítulos anteriores, cognitivamente, quando escrevi a
primeira edição deste livro, em 2015, eu já mencionava vários
aspectos, tais como incluir a sombra, colocar limites, integrar
polaridades, etc. Olhando para trás, falando da minha experi-
ência, é impressionante como já sabia mentalmente algumas
coisas, mas isso é apenas uma pequena parte da jornada de
aprendizagem. O que realmente importa, do ponto de vista
de evolução, é experimentar, vivenciar, ou como diz Bob Du-

As Raízes do EUpreendedorismo 355


A reconexão
com o meu
propósito

nham, no curso que estou fazendo neste momento, o processo


de “embodiment” (incorporar, numa tradução livre e direta).
Em minhas palavras, a busca por ornar, à medida que de-
sornamos!
Este Princípio tem sido fundamental na minha trajetória,
e não poderia ser diferente nestes últimos cinco anos. O quie-
bre, a ruptura ou o breakdown que vivenciei entre 2017 e 2018
foi um completo desornar!
Sentia que o meu corpo dizia uma coisa (travado, tenso,
parado), minhas emoções diziam outra, e minha mente fa-
zendo um barulho enorme, cheia de julgamentos de todas as
naturezas! Uma confusão enorme. Estava todo desornando!
E que animal... E que incrível!
Como já citei, momentos de grande vulnerabilidade... Mo-
mentos de grande potência, criação e crescimento.
Foi um presente a dor nas costas que tive, principalmente
poder escutá-la. Desde a formação de Coaching Ontológico
pela Newfield Network, tenho investido em entrar mais e
mais em contato com o meu corpo, e aprender a escutá-lo. A
Yoga tem sido uma grande prática para isso.
E, atualmente, ao acompanhar CEOs de grandes empre-
sas e executivos dos mais variados comitês, é incrível perceber
como existe uma “cegueira cultural” na nossa sociedade de
não considerar o corpo como um grande meio de desenvolvi-
mento e até de fonte de sabedoria. Acredite: seguir no padrão,
tomar um remedinho e continuar no automático é insusten-
tável.
Outra dimensão é o mundo emocional. Tenho dito que fui

356 As Raízes do EUpreendedorismo


A reconexão
com o meu
propósito

alfabetizado emocionalmente em 2017, ao entrar em contato


com a Ontologia. Sentir e compreender o papel das emoções,
que não existem emoções ruins e emoções boas e, sim, que
todas as emoções têm o seu papel, pois são predisposições ao
movimento, foi e tem sido revelador para mim.
Descobrir o quanto os estados emocionais são determi-
nantes para os diferentes movimentos, e o quanto o medo foi
um estado emocional muito presente na minha vida, ao longo
destes muitos 40 anos, me fez perceber que o meu corpo ten-
so estava ornando com o medo. Além disso, tudo isso ornava
com o julgamento de que eu não era merecedor de amor por
quem eu era. E precisava correr e controlar, para poder ser
alguém que eu julgava que as pessoas queriam que eu fosse.
Dessa forma, poderia ser amado.
Sim, eu já mencionei isso aqui neste livro em várias par-
tes... Você percebe, então, como a evolução humana é eterna?
Cada camada que descobrimos revela uma próxima camada e,
assim, seguimos.
Uma pergunta que tem me guiado nestes úl-
Nào quero mais timos anos é: Em qual estado emocional (mood)
viver baseado no quero levar minha vida? E se este estado emocio-
medo1 nal fosse uma trilha sonora, uma música, qual ela
seria?29 Ainda estou nesta busca, mas definitiva-
mente uma máxima para mim é: não quero mais viver basea-
do no medo!
Sim, este processo foi, muitas vezes, dolorido, triste, raivo-
so... E também alegre, esperançoso e de muito amor.
Poder sentir o meu corpo bem diferente (muitos relatam
29 - Reflexões vindas do curso no Institute of Generative Leadership

As Raízes do EUpreendedorismo 357


A reconexão
com o meu
propósito

minha mudança física em todo esse processo), não sentir mais


dores nas costas e, inclusive, voltar a cavalgar (uma antiga pai-
xão sobre a qual falarei a respeito a seguir), e ter a sensação
que estou na direção do EUpreendedorismo, isto é, o meu
encontro comigo mesmo. E é muito poderoso!

Acreditar

Finalmente (ou seria só o início?), temos os aprendizados


do Princípio do Acreditar. Para fazer este movimento todo,
mais uma vez, foi muito importante acreditar em mim mes-
mo.
Como já mencionei, durante uma das maiores crises nestes
44 anos de vida, vivenciei algo muito especial, sentado naque-
la pedra em Robben Island. Eu estava buscando força em meu
propósito. Eu tinha muito medo, tanto, que meu corpo estava
gritando, mas me conectar com o meu propósito e acreditar
nele me deu forças para fazer os movimentos mais difíceis que
já fiz até hoje.
Por isso, cada vez mais acredito que a construção da minha,
da sua individualidade, passa necessariamente por acreditar
profundamente em mim, em você. Recentemente, em um
processo de coaching com uma alta executiva, eu perguntei:
“O quanto você realmente se ama?”.
Quando fiz esta pergunta a ela, é claro, também a estava
fazendo para mim. Então, aproveito para te perguntar tam-
bém: “Quanto, realmente, você se ama? Pode parecer piegas e
“babaca” esta pergunta, mas lembre-se do contexto de tudo o

358 As Raízes do EUpreendedorismo


A reconexão
com o meu
propósito

que temos falado e contextualizado aqui neste livro. Por tudo


isso, esta pergunta deixa de ser chavão de autoajuda para ser
uma das perguntas mais poderosas que já me fiz e faço agora,
a você.
E, enquanto escrevo estas linhas, posso declarar que, sim,
eu me amo e sou merecedor de amar e ser amado. E não falo
só da boca para fora. Profundamente, sinto isso, está no meu
corpo.
Me sentir assim não me impedirá de “cair no buraco” nova-
mente à medida que eu caminhar. Mas certamente estou bem
mais atento, tanto para não cair quanto para sair do buraco
mais rapidamente.
Outro grande aprendizado desse processo de transforma-
ção foi o aspecto financeiro.
Como já mencionei, de 2015 a 2018 o meu faturamento
caiu na casa dos 20% a 30% ao ano. Sim, nós brasileiros es-
távamos vivendo uma das maiores crises econômicas da nossa
história, mas eu sabia, no fundo, no fundo, que esta não era a
única razão para a queda da minha receita financeira.
E como perceber, ou melhor, sentir os sinais é fundamental
na trajetória EUpreendedora, dinheiro é um dos sinais a ser
sentido... Não é o único como muito infelizmente, se acredita
em nossa sociedade, mas é uma das variáveis.
Dinheiro é energia, é fluxo. E claramente nesses anos não
estava fluindo, assim como outras dimensões já citadas, tais
como o meu corpo, minhas emoções, minhas relações, minha
energia.
Dinheiro é consequência, não é o fim em si. É importante,

As Raízes do EUpreendedorismo 359


A reconexão
com o meu
propósito

mas não é tudo.


Algo que foi um grande teste em todo esse movimento
de vida que fiz, nos últimos anos, tanto da transformação da
Rede Ubuntu, quanto o divórcio, a mudança de casa, etc., foi
fazer isso, apesar da queda nos resultados financeiros. Eu sabia
que alguns destes movimentos iriam aumentar bastante meus
custos mensais...
E foi justamente aí que se manifestou o grande Princípio
do ACREDITAR.
Apesar dos números de receita caindo e da projeção futura
dos custos subindo, algo dentro de mim dizia que era aquela
direção que eu deveria seguir.
E, ao mesmo tempo, minha mente constantemente dizia:
“Vai dar merda!”... “Você está louco?”... “Fica quietinho, vai
passar”... “Você só está passando pela crise da meia idade, fica
tranquilo, vai passar”... “Vai fazer cirurgia na coluna e para
com essa bobagem”... “E tudo o que você construiu até hoje,
vai renunciar a tudo isso?”
Olhando de longe, agora, consigo relacionar essas inquie-
tações com um dos maiores aprendizados do Acreditar que
tive nos últimos anos, um presente do querido Satyanãtha,
brasileiro, que se tornou monge de uma linhagem indiana ori-
ginária dos Himalaias. Recomendo muito o livro dele, “Seja
Monge”30.
Durante a formação de Yoga que fiz em 2019, com a Dany
Gonçalves, minha turma teve o privilégio de estar com ele, em
um final de semana, para uma meditação.

360 As Raízes do EUpreendedorismo


A reconexão
com o meu
propósito

Antes de começar, Satyanãtha falou um pouco de sua his-


tória e fizemos perguntas. E um dos meus colegas, o questio-
nou: “Como distinguir as “viagens da mente” da intuição?
E fomos presenteados, naquele momento, com a linda me-
táfora do Relâmpago e do Trovão.
Segundo Satyanãtha, a intuição é como um relâmpago, que
é preciso, fala apenas uma vez, é certeiro... É como se aquela
voz interna viesse e sussurrasse: “Faça isso...”, ou “Vá por ali...”
Já a mente funciona mais como o trovão, que, ao contrário
do relâmpago, é barulhento, fica reverberando, cheio de vozi-
nhas, inclusive, com informações contrárias entre si.
Neste processo, mais uma vez, dei ouvidos ao relâmpago
dentro de mim... Você pode estar se perguntando: “Edu, foi
assim, simples?”
Não. Em muitas vezes duvidei. Fiz inúmeras terapias e tra-
balhos de autoconhecimento para procurar não ser impulsi-
vo, uma vez que estava tomando decisões sérias, que teriam
impacto não só a mim, mas também em muitas pessoas que
significavam e significam muito para mim.
Mas como o próprio Satyanãtha disse durante aquela con-
versa: “Se você está em dúvida sobre se é relâmpago ou tro-
vão, espere..., pois, se é relâmpago, virá de novo, sofisticado
e preciso!
Foi esta a minha experiência. Olhando para trás, o relâm-
pago já tinha vindo... Mas, como se tratava de me deparar e
enfrentar os meus maiores medos, resisti... E a mente soube
muito bem tumultuar o processo.
Para mim, uma frase que eu amo, título de um livro do
30- Seja Monge – A Arte da Meditação, São Paulo, Fontanar, 2019

As Raízes do EUpreendedorismo 361


A reconexão
com o meu
propósito

Osho, representa muito todo este processo que passei: “The


Mind: a beautiful servant, a dangerous master.”
Aprendi, desde criança, que deveria acreditar na cabeça e
que a mente é a coisa mais importante do nosso corpo. Infe-
lizmente, essa é mais uma cegueira cultural em que todos nós
estamos metidos.
A experiência em todo esse processo me fez mudar este jul-
gamento... na prática! E passei a ACREDITAR mais no meu
corpo, nas minhas emoções e sensações, de maneira centrada
e inteira, tomando as decisões e respeitando este movimento
maior.
Para mim, a mente vem para estruturar, planejar e execu-
tar a decisão já tomada. Ela, de maneira nenhuma, é menos
importante. Ela apenas tem um papel, só que não coman-
da tudo, como eu havia acreditado por tanto tempo. Isso foi
uma mudança significativa em meu observador. Mais uma
vez, estava cego para todo esse processo, apesar de já ter feito
inúmeras mudanças anteriormente (troca da faculdade, ir fa-
zer MBA em empreendedorismo, sair do
mundo corporativo, iniciar a Rede Ubun-
Passei a acreditar
tu, etc.), respeitando movimentos intuiti-
mais no meu corpo,
vos. Mas só agora acredito que estava tão
nas minhas emoções
consciente do que estava rolando comigo
e sensações, de
ali, ao vivo e em cores!
maneira centrada e
Ligada a este aprendizado, fica cada vez
inteira.
mais evidente, para mim, a arquitetura di-
vina que existe em todo o nosso processo
de aprendizagem e evolução. Tenho a ní-

362 As Raízes do EUpreendedorismo


A reconexão
com o meu
propósito

tida sensação de que tudo está montado para aprendermos.


As pessoas que cruzam nossos trabalhos e atividades, nossos
hobbies, nossos interesses... Tudo faz parte, lindamente, de
um design divino para a nossa evolução.
Quando nós nos entregamos a isso, é de uma potência e de
uma força incríveis. Desde 2019, especialmente, tenho vivido
experiências que jamais havia vivido, e tem sido fascinante.
Quase como se o Universo estivesse me dizendo e reforçando
certos movimentos que fiz...
Como já mencionei, tenho inúmeros sinais presentes nesta
arquitetura divina de que estou na direção... Na direção de
quê? Na direção do meu propósito, do meu aprendizado, da
minha evolução. Repare que não utilizei o termo “direção cer-
ta”, ou mesmo “caminho correto”, até porque, cada vez mais,
acredito no processo, e menos que existe uma resposta ou um
lugar corretos.
Sinto a direção. Me sinto inteiro, vivendo momentos de re-
laxamento e entregas corporais que jamais havia vivido. Sinto
paz. Sinto amor. Sinto simplicidade.
Fui presenteado, bem no finalzinho de 2018, como um
desses sinais do universo, ao conhecer a Camilla Giometti,
uma mulher que se tornou rapidamente minha namorada.
Desde então, tenho tido o prazer de acompanhá-la e de ser
acompanhado por ela, de cuidar e ser cuidado. Tenho estado
muito feliz... Sentido tanta paz, amor e simplicidade. E, para
variar, a vozinha do trovão, às vezes, diz: “Início de relaciona-
mento é assim mesmo... Espera mais alguns anos para ver só...
Está apaixonadinho, é?”

As Raízes do EUpreendedorismo 363


A reconexão
com o meu
propósito

Nessas horas, o exercício é voltar para o centro, aterrar no


meu corpo, ficar presente e poder saborear tudo o que a vida
está me presenteando, pois a real é que eu mereço!!!! (Viu só
como mudei!). E sou grato por tudo isso que tenho vivido.
Além disso, de uma vez por todas assumi minha identidade
como educador e promovo a importância da educação, como
um papel transformador na sociedade. E, neste contexto, te-
nho trabalhado intensamente, acompanhando profissionais,
executivos e também equipes e organizações.
Como parte do processo, mudei o meu modelo de negó-
cio e tenho trabalhado de uma forma em que acredito mui-
to mais. Ao invés dos “workshops milagrosos” que têm a sua
efetividade limitada por serem um trabalho pontual, tenho
firmado contratos permanentes ou de longa duração de de-
senvolvimento de equipes, com resultados muito mais susten-
táveis e efetivos. Chamo este novo modelo de ECA, Equipes
em Contínua Aprendizagem. E tenho tido a honra de acom-
panhar equipes em empresas como Kimberly-Clark, Nike,
Klabin, Julius Bär, entre outras.
Em todos estes projetos, ora atuo sozinho, ora facilitando
em duplas com novas parcerias. E com toda a liberdade que
este novo ciclo me presenteia.
Nem preciso dizer que o meu faturamento tem crescido
constantemente. E, até onde eu sei, alguns daqueles antigos
membros da Rede também começaram a prosperar com seus
projetos.

364 As Raízes do EUpreendedorismo


A reconexão
com o meu
propósito

Como mais um sinal deste novo ciclo, me tornei no iní-


cio de 2020 Presidente da Associação Ubuntu LATAM, uma
ONG sediada em Lima (Peru) e também me tornei parte do
corpo diretivo do Instituto Padre Antonio Vieira (IPAV),
ONG portuguesa e a grande realizadora da Academia de Lí-
deres Ubuntu no mundo, um programa de capacitação para
jovens com a missão de desenvolver pessoas para uma lide-
rança servidora e, assim, restaurar a dignidade humana nos
diferentes cantos deste planeta.
Conheci a turma do IPAV em 2014, na 1a Conferência
Mundial Ubuntu em Lisboa (Portugal), quando fundamos
a Ubuntu Global Network, encontro que cito neste livro.
Quem poderia imaginar que anos depois faria parte deste lin-
do movimento social...
Enfim, muitos sinais... Este ciclo em voo solo E TAMBÉM
em rede tem sido incrível, de muito aprendizado e crescimen-
to, de muitos quiebres, e de muitas alegrias e amores.
E, assim, sigo e seguimos...
Com base neste curso do qual estou participando sobre
Liderança Generativa, nos Estados Unidos, estou justamente
me aprofundando e me aprimorando nas práticas para gerar
o futuro que desejo, conectado com aquilo que mais me im-
porta!
E, neste sentido, novas possibilidades estão surgindo. E a
conexão com o meu sonho de criança, de ter uma propriedade
rural, poder montar a cavalo, estar conectado com a natureza,
de uma maneira muito simples e com muito amor e conexão,
está definitivamente tomando forma. Mais por vir...

As Raízes do EUpreendedorismo 365


A reconexão
com o meu
propósito

E claro, seguindo a minha jornada de aprendizagem. Afi-


nal, duas palavras seguem muito fortes dentro de mim: Ubun-
tu e EUpreendedorismo.
E você? Vamos nessa?

366 As Raízes do EUpreendedorismo


As Raízes do EUpreendedorismo 367
368 As Raízes do EUpreendedorismo
Comentários
Finais

Capítulo 8:
Comentários Finais
A relação dos Princípios

Agora que passamos pelos cinco Princípios e pelas transforma-


ções na Rede Ubuntu, também a partir deles, acredito que você per-
cebeu o quanto eles estão interligados, não é mesmo? Por inúmeras
vezes apontei, nos diferentes capítulos, a relação de um com o outro.
Durante o processo de escrever este livro, constantemente me
perguntei – e também me questionaram - se existe uma ordem dos
Princípios. Começa por um e termina em outro? Apesar de eu ainda
estar neste processo de reflexão, me parece que existe um sutil fluxo
entre os Princípios. Para explicar este fluxo, é preciso definir qual é o
início, por qual deles começamos. E é justamente nesta reflexão que
me deparei com vários questionamentos, nesses dois últimos anos.
A conclusão a que cheguei, então, é que, por sermos diferentes,
nos conectamos inicialmente por diferentes estímulos, temas e re-
ferências. Assim, o início pode variar de pessoa para pessoa. Logo,
cada um começa por onde quiser.
Enquanto eu refletia sobre o início e o fim do fluxo da relação
entre os Princípios, vi uma imagem muito forte e linda que gostaria
de representar a seguir.

As Raízes do EUpreendedorismo 369


Comentários
Finais

Ornar

Abrir
Acreditar

Colaborar
Incluir

O Acreditar pode ser o começo e o fim para muitas pessoas.


Neste livro coloquei no fim, mas facilmente poderia ter colo-
cado no início.
Na minha jornada de vida, como mencionei neste livro,
fui me abrindo para resolver os problemas com os quais me
deparei na direção do meu propósito. E, ao me Abrir, tive que
decidir se excluía aquela nova experiência, aquele novo olhar,
aquela nova relação ou se era o momento de Incluir algo a
mais em minha jornada.
Conforme fui caminhando, os problemas foram ficando
cada vez mais complexos e percebi mais e mais a importância
e o prazer de trabalhar com outras pessoas. Juntos somos mais
fortes e, assim, o Colaborar foi ganhando novas dimensões em
minha jornada.
Como sempre digo, EUpreender é um processo. Não
acontece da noite para o dia. Durante o processo, me encon-

370 As Raízes do EUpreendedorismo


Comentários
Finais

trei com minhas vulnerabilidades, pois, vale lembrar, EUpre-


ender é um encontro de você com você mesmo.
E, assim, buscar Ornar aquilo que tem dentro de você ver-
dadeiramente passa a ser essencial na jornada. Uma jornada
difícil e maravilhosa ao mesmo tempo.
E, finalmente, à medida que caminhei, me abrindo, in-
cluindo, colaborando, ornando, o Acreditar ganhou novos
contornos para mim. Hoje, acredito bem mais em mim, acre-
dito nos outros e, definitivamente, a minha conexão com algo
maior cresceu significativamente.
Percebe o fluxo que eu vivi e que de alguma maneira ex-
pressei neste livro?
Uma vez, uma pessoa me contou que o início dela foi jus-
tamente pelo Acreditar, e tudo bem também. Para ela, a fé foi
o motor propulsor para se abrir, incluir, colaborar, ornar…
Enfim, o começo é de cada pessoa, pois somos diferentes.
E gostaria de ressaltar dois pontos que me chamam a aten-
ção, ao olhar a inter-relação dos Princípios.
Primeiro, existe essa fluidez do movimento natural de se
Abrir, Incluir, Colaborar, Ornar e Acreditar, conforme, por
exemplo, expressei a partir da minha experiência. Então, fa-
cilmente, eu poderia ter colocado o Acreditar no início des-
te fluxo e, assim, ficaria Acreditar, Abrir, Incluir, Colaborar
e Ornar. Neste ponto de reflexão, o Acreditar possui o papel
de quase nutrir e ser nutrido por todos os outros Princípios.
Acreditar ajuda o meu processo de Abrir e, ao me Abrir e ex-
perimentar, potencialmente acredito mais. O mesmo fluxo é
válido para os outros Princípios.

As Raízes do EUpreendedorismo 371


Comentários
Finais

O Acreditar ajuda a me Incluir e a Incluir os outros na mi-


nha jornada de EUpreender e, à medida que incluo os outros,
isso me dá mais força para Acreditar ainda mais.
Os Princípios estão todos interligados, mas me parece que
o Acreditar, além de ter um papel de servir de referência para
a nossa experiência em direção ao nosso propósito, também
tem um papel de nutrir os Princípios (e de ser nutrido por
eles). E, além disto, os Princípios também se
nutrem entre si. Fascinante.
O segundo ponto que gostaria de destacar é
que existe, sim, um fluxo, nesta ordem: Abrir,
Incluir, Colaborar, Ornar e Acreditar. Ou
como disse anteriormente, Acreditar, Abrir, In-
cluir, Colaborar e Ornar.
Ao escrever este livro, uma imagem repre-
sentou o fluxo desses Princípios: um botão de
flor, que acreditamos que vai abrir, mas não te-
mos garantias. E vai abrir no tempo que tiver
que abrir.
Finalmente a flor abre, em um processo de
rara beleza. E, à medida que se abre, inclui os
seres, tais como um lindo beija-flor, que decide ali se nutrir.
Na troca com insetos e pássaros, acaba por colaborar com a
polinização de outras plantas nesse lindo ecossistema. E aque-
la flor, toda esplendorosa, com cores simples e verdadeiras,
acaba ornando com aquele todo maior, diverso, complexo e
vivo.
Foi por essa metáfora da flor que tive clareza do fluxo dos
Princípios.

372 As Raízes do EUpreendedorismo


Comentários
Finais

E você, o que acha?

Fim ou começo?

Chegamos ao fim ou, dependendo da perspectiva, apenas


começamos. Fim e começo, numa eterna dança em nossa ex-
periência de EUpreender.
Como disse no início desta obra, uma imagem que repre-
senta muito bem este livro é a de uma tomografia computado-
rizada da nossa árvore, com seu tronco, galhos, frutos e raízes,
em determinado momento da história. Assim, esses Princí-
pios, de acordo com a espiral dinâmica, certamente seguirão
evoluindo, como todos nós.
Essa é uma construção individual e coletiva, portanto, a
nossa experiência e as nossas interações produzirão novos sa-
beres, novos conceitos, que certamente poderão mudar, com-
plementar, contradizer ou mesmo corroborar com as linhas
descritas aqui.
O importante é que este livro foi escrito com a intenção
de servir como um marco, quase como uma carta de minha
autoria e também daqueles que ajudaram a construir a Rede
Ubuntu de EUpreendedorismo.
E, como todo filho ou filha, ele é do mundo e não nossa
propriedade. Conforme já disse antes, paralelamente a escre-
ver este livro, mudei a razão social da Rede Ubuntu, para que
ela verdadeiramente virasse um ecossistema aberto, inclusivo,
colaborativo, que busca constantemente ornar e seguir o fluxo
de algo maior. Um ecossistema enraizado em seus Princípios.

As Raízes do EUpreendedorismo 373


Comentários
Finais

Agora, em 2020, a Rede Ubuntu não tem uma natureza


jurídica, isto é, não é minha propriedade nem de ninguém,
mas do mundo. A empresa em que sou sócio tem outro nome,
assim como todas as pessoas que se identificam com o EUpre-
endedorismo têm suas respectivas naturezas jurídicas. Cada
um, inclusive eu mesmo, é um ponto do ecossistema e não há
mais um ponto central.
É importante dizer que não estou deixando a Rede Ubun-
tu, muito pelo contrário. Estou ainda mais dedicado a ajudar,
a cuidar, a cultivar este ecossistema, junto com todos aqueles
que assim também o desejarem.
Eu sou porque você é. Você é porque nós somos.
Este livro é como se fosse uma carta de registro do início
dessa história, de sua evolução e onde ela foi ancorada ou, para
melhor usar a nossa metáfora, enraizada.
E como vai se desenrolar essa história daqui em diante?
Honestamente, como vimos no Princípio do Acreditar, não
sei. Não tenho a menor ideia. A única coisa que sei é que vou
seguir caminhando, experimentando e interagindo em Rede
para que sigamos em direção ao nosso propósito.
O propósito de democratizar o autoconhecimento apli-
cado no dia a dia das pessoas. Democratizar no sentido de
tornar acessível financeiramente e, também, em termos de
linguagem, de abordagens adequadas a cada ser humano, pois
todos somos diferentes por natureza. Tornar acessível o EU-
preender para todos aqueles que assim o desejarem. Isso só
será possível em rede. Só será possível em um movimento in-
dividual e coletivo.

374 As Raízes do EUpreendedorismo


Comentários
Finais

Por isso, faço questão de retomar, após termos passado por


todos os Princípios, a imagem que mostrei no início deste livro
e que resume muito bem a jornada do EUpreendedorismo.

propósito
Paixões
ubuntu
P r o jetos
Projetos

Resiliência
jetos
Projetos Pro Protagonismo
Olhar, ouvir, sentir
ia
ênc

$ustentabilidade
i
exper

Execução
coachin
g

acr
A b rir e dit ar
or
Cola b o r ar

nar
incl uir

Temos experimentado e utilizado os Princípios como re-


ferências na direção do propósito. Vale tudo, mas não vale
qualquer coisa.
Em um mundo com grandes transformações, cada vez
mais rápidas, a capacidade de adaptação e mudança, indivi-
dual e coletiva, é crítica para se seguir nessa direção. Nós nos
deparamos e, certamente, nos depararemos sempre com per-
guntas para as quais não temos as respostas. E isto poderá
gerar angústia, pois as fórmulas usadas no passado já não serão
mais válidas. A que recorrer, então?
Experimentar, agir, fazer, usando como referência: Abrir,

As Raízes do EUpreendedorismo 375


Comentários
Finais

Incluir, Colaborar, Ornar e Acreditar.


Ao mesmo tempo em que gera angústia, viver esse processo
gera enormes satisfações. É um jeito maravilhoso de perceber
a quantidade absurda de possibilidades que temos ao nosso
redor.
Fico imaginando, sonhando com o EUpreendedorismo se
espalhando… Sonho com políticos EUpreendedores. Sonho
também com as escolas, desde o Ensino Infantil até o Médio,
alterando suas grades curriculares, abordagens e práticas para
incluir o EUpreendedorismo em seu processo. Sonho com
professores EUpreendedores.
Sonho com as universidades utilizando mais o EUpreende-
dorismo em suas ações. Sonho com EUpreendedores na área
da saúde, buscando focar mais na saúde mesmo e não só na
doença.
Sonho com o EUpreendedorismo nas comunidades, nas
praças, nas ruas. Sonho com o EUpreendedorismo entre os
mais ricos e os mais pobres. Sonho com o EUpreendedorismo
adaptado à realidade de cada um deste planeta.
Neste momento da minha jornada, percebo que já existem
inúmeros EUpreendedores em todas essas áreas e em muitas
mais (algumas que nem enxergo). O fato é que já há muita
coisa rolando, muita transformação acontecendo.
Para que tudo isso, então?
Ubuntu. Eu sou porque você é. Você é porque nós somos.
À medida que nos conectarmos organicamente, ganhare-
mos mais e mais força e seremos capazes de lidar com os desa-
fios complexos da humanidade.

376 As Raízes do EUpreendedorismo


Comentários
Finais

Chega de fome. Chega de pobreza. Chega de violência.


Chega de exclusão. Chega de depredação ambiental.
Acredito fielmente que temos os recursos, a inteligência e
as conexões para que, juntos, possamos encarar estes desafios.
Cada um construindo sua individualidade, seu projeto, sua
ação local e também, ao mesmo tempo, tudo junto e agora,
construindo a comunidade, em um movimento de pessoas in-
terligadas por princípios comuns.
E você? Quer se juntar? Quer ajudar?
É com muita emoção que termino este livro com os dese-
nhos dos meus filhos, Vivi e Gabi. Os dois foram fundamen-
tais no nascimento da Rede Ubuntu e também precisavam
deixar registradas suas contribuições.
Os desenhos representam os seus respectivos sonhos para o
futuro. Estão aqui para representar também o sonho de todos
nós para o futuro, dos seus filhos, dos nossos filhos e daqueles
que ainda virão.
E, para construir este sonho, é preciso EUpreender.
Vamo que vamo!

As Raízes do EUpreendedorismo 377


378 As Raízes do EUpreendedorismo
As Raízes do EUpreendedorismo 379
Apêndice 1
E-mail enviado em 8 de junho de 2009

Querida Família,

Quero dividir com vocês mais um importante passo em minha


jornada: o lançamento da minha empresa, a Ubuntu.
Ubu... o quê? Abrir uma empresa no meio desta crise? Você
está louco?
Se forem estes os pensamentos que estão passando pela sua ca-
beça neste momento, não, eu não estou louco. Eu simplesmente
continuo no meu caminho em direção ao meu propósito.
Ubuntu é uma palavra africana que traduz a essência do ser hu-
mano. Originária do idioma Bantu, refere-se ao componente pre-
sente em todas as pessoas que as capacita, potencialmente, ao en-
tendimento, relacionamento, colaboração. Em muitas pessoas esse
potencial se manifesta naturalmente. Na maioria, com maior ou
menor intensidade, precisa ser estimulado, despertado.
Ubuntu é uma empresa especializada em despertar, estimular e
desenvolver o Ubuntu presente em todas as pessoas, para garantir
maior integração, colaboração, rendimento, resultados e felicidade.
Presta serviços em CHANGE MANAGEMENT para organiza-
ções e COACHING para empresários e profissionais.

Com minha experiência de executivo de grandes multinacionais,


minha recente passagem pela Amana-Key e com a rede de parceiros

380 As Raízes do EUpreendedorismo


conectados com o conceito Ubuntu, vamos contribuir para a evolu-
ção de líderes, equipes e organizações neste mundo turbulento em
que estamos vivendo.
Para mais informações sobre a Ubuntu, acesse www.redeubuntu.
com.br.
E como sei que vocês torcem por mim (pois é recíproco!), indi-
quem-me e espalhem o conceito Ubuntu por aí!

Um grande abraço,

Edu Seidenthal

As Raízes do EUpreendedorismo 381


Apêndice 2
Apêndice 2 Slide da Visão do Modelo de Negócios da Rede
Ubuntu, extraído de apresentação institucional de 2009.

382 As Raízes do EUpreendedorismo


As Raízes do EUpreendedorismo 383
Mini Biografias
Cristiane Vilar Diogo
Cris é uma publicitária apaixonada pela entrega de experi-
ências significativas. No início da sua carreira, como secretá-
ria, teve a oportunidade de apoiar executivos em suas jornadas
diárias. Após migração para a área de Marketing, descobriu a
sua paixão vocacional: proporcionar experiências memoráveis,
estrategicamente planejadas, contribuindo para a construção
de um mundo onde prevaleça o cuidado com o outro, a leve-
za, a amizade e a beleza. Apaixonada pela sua profissão e pelas
experiências desenhadas e proporcionadas pelas marcas, por
meio do Marketing, ela se dedica a revelar marcas e pessoas
“com e “de” propósito, por meio de planejamento estratégi-
co, reposicionamento, branding, digital marketing e customer
experience. De personalidade equilibrada, analítica e racional,
valoriza situações que envolvam vínculos interpessoais e co-
operação. Atua combinando paixão, exatidão, sensibilidade
estética, atenção aos detalhes, organização, planejamento e in-
teresse genuíno em ORNAR aquilo que faz com a construção
de um mundo melhor para todos.

Eduardo Seidenthal
Iniciador da Rede Ubuntu, uma rede colaborativa de pes-
soas e organizações voltadas para o desenvolvimento do EU-
preendedorismo. Eduardo é educador, facilitador, coach, pa-

384 As Raízes do EUpreendedorismo


lestrante, escritor e palhaço. É pai da Vivi e do Gabi. Com
mais de dez anos de experiência em grandes multinacionais,
tais como Unilever, Philip Morris, Whirlpool e Johnson &
Johnson, Eduardo construiu sua carreira na área de Marke-
ting, chegando ao cargo de Diretor de Marketing da América
Latina da Johnson & Johnson. Durante sua carreira adminis-
trou diversas marcas de sucesso, como Brilhante, Marlboro,
Brastemp, Consul, Sundown, Sempre Livre e Carefree. Antes
de fundar a Ubuntu, Eduardo ainda trabalhou como Diretor
do Grupo Amana-Key, presidido por Oscar Motomura. Edu-
ardo é formado em Administração de Empresas pela Funda-
ção Getúlio Vargas e possui MBA por Babson College, a #1
em Empreendedorismo nos EUA. Realizou diversos cursos de
especialização nas áreas de marketing, coaching e liderança.

Joana Madia
É EUpreendedora de sua vida e de seus sonhos! Mãe da
Vivi e do Gabi – os grandes amores de sua vida, Joana hoje
vive com grande alegria a realização de trabalhar com o que
ama, a criação de joias.
Formada em Administração de Empresas pela PUC/SP.
Atuou durante 12 anos na área de Marketing, começando
sua carreira na consultoria Madia Mundo Marketing e, na
sequência, em multinacionais do mercado de consumo como
Seara, Santista, Bunge, Whirlpool e Bongran, trabalhando
com importantes e renomadas marcas. Em 2005, decidiu
seguir seu coração e trabalhar com paixões que faziam seus
olhos brilharem mais ainda. Após uma série de cursos de

As Raízes do EUpreendedorismo 385


formação como Boston School of Fashion Design, Confecção
de Joias na Escola Arte Metal, Desenho de Joias no Instituto
Europeu de Design, Gemologia no IBGM e na Van Cleef
Paris, entre outros cursos, transformou seu Plano B em Plano
A. Hoje tem um atelier onde atende às suas clientes e cria
exclusivas joias do coração. Um processo mágico e encantador
que traduz momentos, vivências e sonhos de suas clientes em
joias que eternizem estas emoções. Seu trabalho vai muito
além da joalheria tradicional, tocando a alma e o coração
de suas clientes, trazendo beleza, luz e significados para suas
vivências. Também tem formação em Coaching Ontológico,
pela Newfield Network, localizada em Santiago do Chile.

Marina Campos
A Nina é formada em Marketing e Comunicação Social
pela ESPM. Trabalhou 14 anos na área de planejamento estra-
tégico em agências como Loducca, Lew’Lara e Lowe, agência
da qual foi também Diretora Geral. Foi articulista do jornal
Meio & Mensagem e uma das fundadoras do Grupo de Plane-
jamento. Em 2005, decidiu buscar um caminho profissional
diferente, mas... ainda não sabia qual! Usando o lema “proje-
tos legais com pessoas legais”, trabalhou três anos como con-
sultora na área de sustentabilidade (quando realizou projetos
para Bradesco, Coca-Cola e Vipal), enquanto gestava uma
ideia inovadora: a PoP – Palhaços a Serviço das Pessoas, criada
em parceria com a Mônica Malheiros. A PoP é uma empresa
dedicada a desenvolver pessoas, ideias e relações, levando-as
sempre além! Nesses sete anos, tem se dedicado a realizar apre-

386 As Raízes do EUpreendedorismo


sentações, workshops e atividades envolvendo a linguagem
clown em inúmeras organizações, como Itaú, Scania, Alcoa,
Volkswagen, ACE, BRF, Renault, Extra, Bradesco, Natura,
Siemens, Fleury, Unilever, TEDx, entre outros.

Mônica Malheiros -Momô


Formada em Psicologia pela UNESP-Assis, sempre acredi-
tou na arte e no humor como facilitadores nos processos de
aprendizagem. Trabalha desde os cinco anos de idade, alimen-
tava galinhas na granja de seu pai, vendia pintinhos, patinhos
e alface, dava aulas de reforço escolar, pintava camisetas, fazia
chinelos de crochê, bordava alpargatas, foi garçonete, assis-
tente de fotografia e vendeu assinatura de revistas. Quando
virou gente grande e teve que sobreviver com mais que poucos
trocados, trabalhou como atriz, diretora de teatro e arte edu-
cadora. Até concurso público está na sua lista de realizações,
trabalhou por três anos como produtora cultural no Memorial
da América Latina (os piores anos de sua vida). Há 20 anos
descobriu sua vocação principal, ser palhaça. A partir daí, não
parou mais de acreditar no seu sonho de um mundo cada vez
melhor. Desde 2007 se juntou à Marina Campos, a Nina, na
PoP e juntas desandaram a criar inúmeras formas de propiciar
às pessoas experiências e práticas que as levem além.

Renata Fonseca
É coach formada pelo Instituto EcoSocial e psicóloga for-
mada pela PUC/RJ. Fez seu MBA em Administração e Ne-
gócio pela FGV/RJ. É mãe da Giulia e da Sofia e esposa do

As Raízes do EUpreendedorismo 387


Levi. Atuou por 20 anos como executiva da área de Recursos
Humanos de grandes organizações como Petróleo Ipiranga,
Souza Cruz, Unilever e Johnson & Johnson. Liderou as áreas
de Atração e Retenção de Talentos, Treinamento & Desen-
volvimento e Planejamento de Sucessão e Carreira. Também
atuou como Business Partner de RH para as áreas de Marke-
ting Regional (América Latina) e Vendas. Em 2009, movida
pelo sonho de ser mãe pela segunda vez e pela vontade de tra-
balhar as perspectivas dos indivíduos mais do que processos,
ajudando-os a priorizar e lapidar seus talentos, optou por dei-
xar o mundo corporativo e a continuar sua trajetória profis-
sional como coach e consultora na área de desenvolvimento.
Para indivíduos, tem desenvolvido projetos de mapeamento
e aprofundamento de propósito e ressignificado de carreira.
Para organizações, trabalha na área de desenvolvimento e
construção de equipes, desenvolvimento de jovens e gestão
da mudança.

Silvia M. Maiolino
As palavras são uma inspiração para a Silvia, tanto por sua
paixão pela leitura quanto pela escrita. E, assim, foi natural
começar a carreira pelo Jornalismo. Após a graduação pela Es-
cola de Comunicações e Artes da USP, aprendeu muito na
redação do jornal “O Estado de S.Paulo”. E isso foi essencial
para a sua atuação, por mais de 25 anos, em agências de Co-
municação Corporativa e organizações, promovendo ações de

388 As Raízes do EUpreendedorismo


relacionamento de clientes das mais diversas áreas com stake-
holders. Nesse período, cursou pós-graduação em Gestão de
Comunicação e Marketing, também pela ECA, e viveu uma
experiência especial como bolsista do Conselho Britânico –
estudou na Thomson Foundation, em Cardiff (País de Gales),
fez estágio na BBC, em Londres, e conviveu com profissionais
de diversos países, ampliando sua visão de mundo. Em 2015,
quando decidiu trabalhar para o (e não no) mundo corpora-
tivo, desenvolveu vários projetos até chegar à Rede Ubuntu,
conhecer a Cris Vilar e, um ano depois, seguir os caminhos
do EUpreendedorismo com a Ornando.ComVC, trabalhan-
do marcas individuais e organizacionais com propósito. Em
2019, concluiu a pós-graduação em Pedagogia da Coopera-
ção, parceria do Projeto Cooperação e da UNIP, para ornar
ainda mais com pessoas e palavras.

Taly Szwarcfiter
É uma cidadã do mundo movida a vínculos. Mãe da Isa e
do Martín. Nasceu no Uruguai, morou em Jerusalém e há dez
anos mora em São Paulo. Seu propósito: acompanhar, inspirar
e motivar as pessoas a se apropriarem de suas vidas e seus ca-
minhos de luz. Curiosa por entender e mergulhar na essência
do Ser Humano, vem andando no mundo da psicologia, da
educação e do coaching ontológico há mais de 20 anos. For-
mada em Psicologia pela Universidad de la Republica Oriental
del Uruguay e no Brasil pela UNIP - Universidade Paulista.

As Raízes do EUpreendedorismo 389


Fez especialização em educação não formal pela escola de Beit
Berl, em Israel. E é coach ontológica, formada por Newfield
em Santiago de Chile. Apaixonada pelo trabalho com jovens,
trabalhou em diversas instituições na formação de lideranças
jovens e no desenvolvimento de programas educativos dentro
deste marco. Como integrante da equipe da clínica NetPsi,
participou de projetos de ações redutoras de vulnerabilidade
em diversos colégios de São Paulo. Foi também pesquisadora
do LEI – Laboratório de Estudos sobre a Intolerância, no
núcleo de Psicanálise da USP. Entusiasta e eterna aprendiz.
Taly trabalha hoje no atendimento clínico com adolescentes
e adultos, assim como em diversos programas de Desenvolvi-
mento Humano.

390 As Raízes do EUpreendedorismo


Bibliografia
BROWN, Brené. A arte da imperfeição. Ribeirão Preto, SP: Novo Conceito Edi-
tora, 2012.
BROWN, Brené. A Coragem para Liderar. Rio de Janeiro: Best Seller, 2019.
BULGARELLI, Reinaldo. Diversos somos todos. São Paulo: Editora de Cultura,
2008.
BYGRAVE, William; ZACHARAKIS, Andrew. The Entrepreneurial Process.
Wiley, 2011.
CHOPRA, Deepak; WILLIAMSON, Marianne; FORD, Debbie. O Efeito Som-
bra. São Paulo: Lua de Papel, 2010.
COVEY, Stephen. O Poder da Confiança. Rio de Janeiro: Campus, 2006.
ECHEVERRÍA, Rafael. Ontología del Lenguaje. Santiago de Chile: J. C. Sáez,
2003.
GIROTTO, Daniela. Brincadeira em todo canto – Reflexões e Propostas para
uma educação lúdica. São Paulo: Editora Peirópolis, 2013.
JAWORSKI, Joseph. Sincronicidade: O Caminho Interior para a Liderança. Rio
de Janeiro: Best Seller, 2008.
KAWASAKI, Guy. A Arte do Começo. Rio de Janeiro: Best Seller, 2009.
LANZ, Rudolf. Noções básicas de Antroposofia. São Paulo: Antroposófica, 2007
MADSON, Patricia. Sabiduría de la Improvisación. No te prepares, sólo hazte
presente. Mexico: Editorial Teatrika, 2013.
MOGGI, Jair; BURKHARD, Daniel. O Espírito Transformador. São Paulo: An-
troposófica, 2008.

As Raízes do EUpreendedorismo 391


PINK, Daniel H. Drive, A Surpreendente Verdade Sobre Aquilo que nos
Motiva. Estrela Polar, 2011.
RICH, Dorothy. Mega Skills. São Paulo: Melhoramentos, 1996.
Satyanãtha. Seja Monge: a arte da meditação. São Paulo: Fontanar, 2019.
SIEGEL, Daniel J.; BRYSON, Tina Payne. The Whole-Brain Child – 12
Revolutionary Strategies to Nurture your Child’s Developing Mind. Nova
York: Bantam, 2012
STENGEL, Richard. Nelson Mandela: Portrait of an Extraordinary Man.
Virgin Digital, 2012.
WILBER, Ken. A Visão Integral. São Paulo: Cultrix, 2013.

392 As Raízes do EUpreendedorismo


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394 As Raízes do EUpreendedorismo
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396 As Raízes do EUpreendedorismo
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398 As Raízes do EUpreendedorismo
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