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Componentes pedagógicas presentes nos quatro estudos iniciais de Heitor

Villa-Lobos
Tiago Amândio Ferreira de Sousa
Docente: Prof. Dr. Dejan Ivanović
Mestrado em Ensino da Música (AD3), Ano letivo 2019/20

Índice
Introdução............................................................................................................................................. 2
Contextualização Histórica................................................................................................................. 2
Doze Estudos de Heitor Villa-Lobos................................................................................................. 3
Características gerais dos estudos………………………………………………………………
3
Estudo n.º 1................................................................................................................................... 5
Estudo n.º 2…………………………...…………………………………………………..............7
Estudo n.º 3…………………………………………………………………...………………......8
Estudo n.º 4…………………………………………………………...……………………...
…..11
Conclusão........................................................................................................................................... 13
Referências......................................................................................................................................... 14

Resumo: Este artigo tem como finalidade analisar os quatro primeiros Estudos, integrados
nos doze estudos de Heitor Villa-Lobos, uma das obras mais importantes no repertório da
guitarra do século XX. Através de uma breve análise transversal a todos os estudos, pretende-
se focar nos principais aspetos pedagógicos presentes nos quatro primeiros, apresentando
várias estratégias de abordagem técnica e musical, sugerindo também algumas alterações de
âmbito técnico.
Palavras-chave: Heitor Villa-Lobos; 12 Estudos; Elementos pedagógicos.

Abstract: This article aims to analyze the first four Studies, integrated in the twelve studies of
Heitor Villa-Lobos, one of the most important works in the guitar repertoire of the twentieth
century. Through a brief analysis across all studies, it is intended to focus on the main
pedagogical aspects present in the first four, presenting various strategies of technical and
musical approach, also suggesting some technical changes.
Key-words: Heitor Villa-Lobos; 12 Studies; pedagogic elements.
1
Introdução
O presente artigo tem como objetivo analisar os Doze Estudos de Heitor Villa-Lobos,
uma obra bastante importante tanto do ponto de vista musical como do ponto de vista
pedagógico. Da sua totalidade, decidi analisar os primeiros quatro estudos, pois apresentam
desenvolvimentos técnicos bastante distintos e que por sua vez se complementam. A segunda
razão pela qual escolhi estes estudos foi o facto de estarem inseridos na unidade curricular do
primeiro ano de licenciatura na classe de guitarra da Universidade de Évora. Apesar de serem
introduzidos no ensino superior, os primeiros quatro estudos são também muitas vezes
introduzidos nos alunos de nível secundário, com vista a um melhoramento técnico mais
avançado, que facilitará depois a aprendizagem de repertório para o acesso ao ensino superior.

Contextualização histórica
A contribuição notória do compositor brasileiro Heitor Villa-Lobos no panorama da
guitarra no século XX é bastante influenciada pela tradição antecedente. Alguns compositores
do século XIX, como Fernando Sor e Dionísio Aguado criaram e estabeleceram uma grande
fonte de repertório para este instrumento, nomeadamente alguns métodos de grande
relevância.
Dentro do dinamismo pedagógico é de realçar o trabalho realizado pela escola erigida
por Francisco Tárrega, um compositor e pedagogo espanhol, responsável por definir a técnica
da guitarra moderna, nos finais do século XIX. É possível afirmar que Heitor Villa-Lobos foi
bastante influenciado por esta escola, devido ao contacto que teve com Miguel Llobet,
compositor discípulo de Francisco Tárrega, a quem Heitor Villa-Lobos dedicou algumas
obras.
A guitarra, após a construção revolucionária realizada pelo luthier espanhol Antonio
Torres Jurado no final do século XIX, transformou-se num instrumento muito mais apto para
todas as exigências técnicas e interpretativas que o desenvolvimento musical do final do
século XIX e inícios do século XX exigiu. Torna-se simultaneamente um instrumento
bastante popular no Brasil, sendo utilizado como acompanhador da voz no género musical
Modinha e essencial nos conjuntos de choro. Perante este desenvolvimento em contexto
popular do instrumento, Heitor Villa-Lobos foi um dos principais impulsionadores da guitarra
num contexto erudito no Brasil no início do século XX:

No momento em que Villa-Lobos nascia, nascia também o violão clássico, com suas
formas definitivas e sua história, tal como conhecemos hoje. Villa-Lobos conheceu
intuitivamente sua posição histórica em relação ao instrumento, sendo sua obra a
prova desta afirmativa, em relação ao seu caráter jovem e ancestral: jovem por sua
ligação às fontes populares, por sua audácia e ligação a um novo comportamento
2
musical frente ao violão; ancestral pela complementação de uma literatura já
existente e na ajuda à continuidade, no século XX, de uma evolução que já vinha de
séculos. (Meirinhos, 1997)

Doze estudos de Heitor Villa-Lobos


Os Doze Estudos para guitarra de Heitor Villa-Lobos foram compostos
entre 1924 e 1929, sobre a alçada de Andrés Segovia, um dos principais representantes
da guitarra neste período. Sendo que a escrita para guitarra é bastante idiomática e o
estilo musical da época estava em constante evolução, quer no ponto de vista da
riqueza formal e harmónica, quer na evolução técnica e performativa possibilitada
através das evoluções organológicas do instrumento, o contacto entre compositor e
intérprete foi e é ainda nos dias de hoje uma estratégia bastante utilizada por diversos
compositores para colmatar algumas dúvidas composicionais. Desta forma, o
intercâmbio de conhecimentos entre Heitor Villa-Lobos e Andrés Segovia, possibilitou
uma composição muito mais ciente das possibilidades técnicas do instrumento
desenvolvidas até ao momento, dando primazia à coerência tanto a nível técnico como
a nível interpretativo.
Desta parceria nasceram Doze Estudos que se tornaram uma das obras
musicais e pedagógicas mais importantes para o instrumento, marcada pela grande
inovação no conteúdo musical, possibilitada por bastantes técnicas instrumentais
inovadoras:

Não é exagero dizer que os 12 Estudos são um divisor de águas dentro da história do
violão. De todos os compositores que escreveram inspirados pela arte de Segovia, Villa-
Lobos é o único que parte de um conhecimento em primeira mão do arcabouço técnico do
instrumento para a realização de uma linguagem individual, que incorpora uma luxuriante
paleta harmônica e um compromisso com a inovação no discurso musical. (Zanon,2006)

Características gerais dos estudos


Esta obra contribui de forma muito significativa para o enriquecimento do repertório
da guitarra, não apenas no âmbito musical, mas também no âmbito pedagógico. Através de
uma análise transversal a todos os estudos, podemos afirmar que há a exploração da técnica
String Inversion, sendo esta a principal responsável para a inovação do material musical. A
técnica consiste na utilização de uma inversão na organização das notas em relação às cordas,
ou seja, numa determinada passagem musical é possível utilizar as cordas mais graves para
realizar as notas mais agudas e por sua vez utilizar as cordas mais agudas para realizar as

3
notas mais graves, através da exploração de uma posição mais avançada no braço da guitarra,
em que se pisam as cordas graves e se praticam as cordas agudas soltas.
A utilização desta técnica abre todo um novo campo de possibilidades no critério de
escolha da devida digitação, fazendo com que existam novas formas de abgordar o mesmo
conteúdo musical. Desta forma, Heitor Villa-Lobos explora densidades composicionais
harmónicas inovadoras como as representadas no Estudo n.º 1, Estudo n.º 4 e Estudo n.º 6 -
Figura n.º 1.

Figura n.º 1: Representação da utilização da técnica String Inversion no Estudo n.º 1.


Fonte: Durand Salabert Eschig, 2008.

Explora também a melodia com acompanhamento utilizando a mesma técnica, como é


possível observar no início do estudo onze e na segunda secção do Estudo n.º 7, como
podemos observar na Figura n.º 2.

Figura n.º 2: Representação da melodia com acompanhamento


da segunda secção do Estudo n.º 7. Fonte: Durand Salabert Eschig, 2008.

Em termos didáticos, o compositor introduz nos seus estudos um abrangente número


de técnicas bastante pertinentes para a posterior aplicação no restante repertório do
instrumento. Os ligados ascendentes e descendentes, as escalas, os arpejos de mão esquerda
fixa ou móvel, os arpejos de mão direita, as melodias com acompanhamento e os blocos
consecutivos de acordes são algumas das muitas técnicas que perfazem o material pedagógico
da obra.
Heitor Villa-Lobos, em cada um dos estudos tem como objetivo separar o mecanismo
de motricidade de cada uma das mãos, para uma mais fácil aprendizagem dos aspetos técnicos
4
de uma determinada mão por parte do intérprete. Na maioria dos estudos, o compositor
consegue desenvolver os aspetos técnicos de uma mão, não conferindo grande dificuldade à
outra, excetuando em Estudos como o nº 2 e o n.º 7, onde são desenvolvidas a técnica de
arpejos de mão esquerda móvel e a técnica de escalas respetivamente, onde há uma exigência
bastante grande de ambas as mãos.

Estudo n.º 1
O primeiro estudo desta série, apresentando-se na tonalidade de Mi Menor, é
claramente destinado ao desenvolvimento técnico da mão direita. Este apresenta quase na sua
totalidade um padrão imutável de dezasseis notas na mão direita que abarca as seis cordas,
apresentando na mão esquerda posições em blocos harmónicos que completam cada repetição
do padrão da mão direita - Figura n.º 3.

Figura n.º 3: Representação dos primeiros quatro compassos do Estudo n.º 1. Fonte: Meirinhos,1997.

O facto de o padrão da mão direita abarcar todas as cordas exige um movimento


paralelo da mão em relação às mesmas. Carlevaro para colmatar esta instabilidade criada pelo
movimento constante na mudança do ângulo da mão, diz que “a mão deve ser transportada
verticalmente pelo braço - sem que a curvatura da mão se altere” 1 (Carlevaro, 1988, tradução
livre).
Em contrapartida a esta metodologia, o professor Dejan Ivanović, numa comunicação
pessoal, refere que neste estudo o braço deve estar sempre apoiado e fixo na guitarra de forma
a constituir um dos pontos fundamentais de apoio, conferindo estabilidade à performance.
Não havendo o auxílio do braço, a mão e o pulso serão os responsáveis pela movimentação,
havendo uma constante alteração de altura e ângulo dos mesmos em relação às cordas. A
movimentação tem de ser muito bem consciencializada para que o ataque dos diferentes dedos
seja feito sempre com o mesmo ponto de contacto entre o dedo e a corda.
Outro dos aspetos técnicos em que o estudo se debruça é o equilíbrio sonoro entre os
diferentes dedos, conjugado com o trabalho de velocidade. Como podemos observar na Figura
n.º 3, existe uma grande recorrência ao dedo polegar, dedo que é naturalmente mais forte do

1 “… the hand should be transported vertically by the arm - without the curve of the hand being altered.”
(Carlevaro,1988, texto original)
5
que os restantes, e que por sua vez dificulta o equilíbrio sonoro. Este aspeto técnico requere
ainda uma maior atenção nos momentos em que existe a utilização da técnica String
Inversion, nomeadamente do compasso 23 ao compasso 36. Esta técnica, como referido
anteriormente, é realizada através de cordas graves pisadas em zonas avançadas do braço e de
cordas agudas soltas, criando assim bastante diferenciação de tensão nas cordas e a
consequente diferenciação tímbrica e sonora.
A digitação da mão direita sugerida pelo compositor para a execução do estudo pode
ser considerada pouco saudável, na medida em que a mesma fomenta ao longo de todo o
estudo a alternância dos dedos [a - m - a]. Devido à partilha do mesmo tendão existente pelos
dois dedos mencionados, a alternância constante e a grande velocidade criam uma grande
tensão acumulada e a possibilidade de contração de lesões músculo-esqueléticas. Neste
sentido, o professor Dejan Ivanović desenvolveu uma digitação alternativa, onde não utiliza a
alternância dos dedos [a - m - a], criando assim uma alternativa mais funcional e saudável -
Figura n.º 4.

Figura n.º 4: Representação da digitação desenvolvida pelo professor Dejan Ivanović. Fonte: Durand Salabert
Eschig, 2008, revista por Dejan Ivanović.

No que concerne aos aspetos técnicos da mão esquerda, que realiza uma base harmónica por
blocos, a abordagem inicial deve ter em conta as posições que se alteram a cada dois compassos.
Através da realização de uma leitura concentrada na mão esquerda, o intérprete deve concentrar-se nas
transições de posição, fazendo com que a posterior introdução da mão direita já contenha aspetos de
coesão na ligação dos vários blocos, criando assim uma textura musical bastante fluída e ligada.
Tendo em conta tudo isto, o estudo numa fase de aprendizagem inicial deve ser
praticado de forma bastante lenta e com uma dinâmica forte, antecipando os dedos da mão
direita dois a dois, procurando a coesão sonora referida anteriormente. Uma estratégia
pedagógica especificamente dedicada ao trabalho da velocidade, após o trabalho de
assimilação da antecipação dos dedos, é a diminuição da dinâmica mantendo a primazia pelo
equilíbrio sonoro.

Estudo n.º 2
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O segundo estudo, como referido anteriormente, é um dos estudos excecionais nesta
série, devido ao mesmo não conter a componente de separação de motricidade das mãos
presente na maioria dos outros estudos, contendo por sua vez a componente de trabalho de
fusão da motricidade de ambas as mãos.
Composto na tonalidade de Lá Maior, tem como finalidade o trabalho de arpejos por
toda a extensão do braço, conjugado com a execução de ligados, presentes na extremidade
grave e aguda do arpejo – Figura n.º 5.

Figura n.º 5: Representação dos quatro primeiros compassos


do Estudo n.º 2. Fonte: Meirinhos, 1997.

O primeiro aspeto a ser trabalhado é a análise e escolha da melhor digitação para a


execução do estudo. Sendo um estudo que aprimora o trabalho conjunto das mãos, a digitação
de cada uma das mesmas tem de ser o mais natural e ergonómica possível, de modo a
possibilitar a execução rápida e fluída do material musical.
No que concerne à mão direita, o uso de slide por parte do dedo indicador, a
antecipação do polegar e evitar o cruzamento de dedos são alguns dos critérios que ajudam na
escolha de uma digitação mais estável. No caso da mão esquerda, também existem alguns
critérios na escolha da digitação tais como a menor quantidade de saltos possível, o auxílio de
dedos pivot nos saltos e a utilização das meias barras.
O principal elemento técnico a ser abordado neste estudo é claramente a abrangência e
movimentação do braço esquerdo. Em muitos momentos são exigidos saltos que interligam
posições bastante distantes com a utilização da meia barra, nestes casos “é importante
relembrar que com longas distâncias o que é necessário é o movimento harmonioso entre o
braço e o corpo. Nesta situação o posicionamento do instrumento é de fundamental
importância”2. (Carlevaro, 1988, tradução livre). Neste estudo, a postura do instrumento deve
ser mais inclinada em relação ao corpo, permitindo uma maior liberdade de movimentos por
parte do braço esquerdo em toda a amplitude do braço da guitarra e para a movimentação
natural e relaxada da mão direita.
O trabalho de fusão da motricidade de ambas as mãos requere um estudo consciente
das antecipações a realizar tanto na mão esquerda como na mão direita. Através de uma

2 “remember that with longer distances what is required is a harmonious movement of the arm and body. Here
the placemente of the instrument is of fundamental importance.” (Carlevaro, 1988, texto original)
7
prática lenta das transições a realizar pelo braço e mão esquerda, a mão direita deve
acompanhar a mesma prática com a antecipação dos dedos que executarão o arpejo, tendo
como finalidade o melhoramento da coesão e de timing entre as duas mãos.

Estudo n.º 3
O estudo n.º 3, apresentado na tonalidade de Ré Maior, é essencialmente dedicado ao
trabalho de ligados, nomeadamente ascendentes, descendentes e descendentes com a
realização da segunda nota com a corda solta. Existe uma referência presente na partitura
“Des Arpèges” realizada pelo compositor, que é corroborada através da presença do elemento
de arpejo no estudo. Utilizando como exemplo o primeiro compasso, as notas a realizar pela
mão esquerda através do ligado, presentes na quarta semicolcheia do primeiro tempo e nas
segundas e quartas semicolcheias dos tempos restantes, formam o arpejo de Ré Maior com
sexta agregada, como podemos observar na Figura n.º 6.

Figura n.º 6: Representação do arpejo criado no primeiro compasso.


Fonte: Durand Salabert Eschig, 2008.

É possível afirmar que o Estudo n.º 3 é muito completo no que diz respeito ao trabalho
do elemento técnico dos ligados, não só por apresentar os três diferentes tipos de ligados
referido anteriormente, mas também por apresentar a mesma técnica em contextos bastante
diversos. Ao longo do estudo, podemos observar que os ligados são introduzidos em linhas
livres, em linhas com dedos fixos e em acordes com a execução de barras - Figura n.º 7.

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Figura n.º 7: Representação dos diferentes contextos em que se introduzem os ligados.
Fonte: Durand Salabert Eschig, 2008.

A complementaridade dos ligados nos seus diversos contextos deve ser tratada de
forma bastante clara e consciente. No caso dos ligados ascendentes, o dedo que realiza o
ligado deve “martelar” a corda aquando do seu contacto com a mesma, fazendo com que
exista equilíbrio entre a primeira nota realizada com a mão direita e a nota executada pelo
ligado. Os ligados descendentes em corda pisada e corda solta, devem ser realizados também
com a preocupação de equilíbrio sonoro. Fazendo com que o dedo ao ser retirado belisque a
corda onde estava pisado, não entrando em contacto com a corda inferior, cria um gesto de
relaxamento da mão que proporciona posteriormente maior fluidez e menor esforço ao longo
do estudo.
Estes momentos de redução de algum esforço por parte da mão esquerda são
fundamentais, como refere Abel Carlevaro no caso dos ligados ascendentes: “…os ligados
ascendentes simples devem ser praticados com os dedos “não rígidos”, e num estado
relaxado”.3 (Carlevaro, 1988, tradução livre)
Heitor Villa-Lobos neste estudo alia a componente pedagógica com a componente
musical de forma magistral. Para além de toda a exploração técnica dedicada ao elemento
técnico do ligado, o compositor decide ainda dispor este elemento em diferentes contextos
musicais. Como podemos observar nas Figuras n.º 8 e 9, Villa-Lobos explora o ligado como
elemento melódico e como elemento de acompanhamento.

Figura n.º 8: Representação do elemento técnico como elemento melódico.


Fonte: Durand Salabert Eschig, 2008.

3 “… the simple ascending slurs should be performed with a “non rigid” finger, and in a relaxed state.”
(Carlevaro, 1988, texto original)
9
Figura n.º 9: Representação da exploração do elemento
técnico como acompanhamento. Fonte: Durand Salabert Eschig, 2008.

À semelhança do estudo anterior, a escolha da digitação da mão esquerda é fulcral


para a realização fluída e precisa do estudo. O critério de escolha deve ter sempre em conta o
material musical procedente, e em alguns casos a digitação que se pratica quando se realiza a
repetição de um determinado compasso deve ser alterada para mais facilmente fazer a
progressão para o compasso seguinte. Como podemos observar na Figura n.º 10, esta
alteração é desde logo necessária no primeiro compasso, através da realização do último
ligado [dó # - ré] pelos dos dedos 1 e 2 na primeira execução, que devem ser substituídos
pelos dedos 2 e 3 na segunda execução, para uma melhor conexão com o compasso seguinte.

Figura n.º 10: Representação da mudança de digitação entre a primeira e segunda execução.
Fonte: Durand Salabert Eschig, 2008 (revista por Dejan Ivanović).

Outra componente bastante influente na criação de uma digitação consciente neste


estudo é a utilização de dedos pivot com vista à ligação de movimentos em blocos, presentes
no compasso número 27. É muito importante compreender qual ou quais os dedos que
auxiliam a passagem de um bloco harmónico para o seguinte, fazendo com que a transição se
concentre na movimentação desses dedos pivot – Figura n.º 11.

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Figura n.º 11: Representação dos dedos pivot presentes
no compasso n.º 27. Fonte: Durand Salabert Eschig, 2008 (revisão própria).

Estudo n.º 4
O estudo n.º 4 desenvolve a técnica de repetição de blocos harmónicos por parte da
mão direita, criando quase um efeito de tremolo. Este elemento técnico desenvolve, para além
da agilidade na prática dos quatro dedos da mão direita em simultâneo, elementos técnicos
como o controlo dinâmico e o destaque de vozes. No que concerne ao controlo da mão direita,
Heitor Villa-Lobos desenvolve de forma muito inteligente diversas estratégias pedagógicas
para o desenvolver. Os aspetos de mão direita, muito à semelhança do Estudo n.º 1,
debruçam-se sobre aspetos organizados por blocos harmónicos, devendo existir um estudo
focado nas transições dos mesmos e que consciencializa quais os dedos pivot a utilizar.
A primeira estratégia, sendo a mais percetível, é a repetição constante de quatro blocos
harmónicos similares na fase inicial, apresentada na Figura n.º 12. Nesta primeira fase é
desenvolvida a capacidade de legato e coesão dos quatro dedos da mão direita, através do
controlo do movimento de relaxamento dos dedos após a prática de um acorde, colocando os
dedos imediatamente por cima das cordas. Desta forma os dedos estarão preparados para a
sucessão bastante rápida de acordes a serem praticados.

Figura n.º 12: Representação da primeira fase do Estudo n.º 4.


Fonte: Durand Salabert Eschig, 2008.

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Na segunda fase o compositor utiliza a repetição de blocos harmónicos com quatro
repetições e também com apenas duas repetições, utilizando diferentes notas na linha do baixo
- Figura n.º 13. Tais características composicionais criam algumas movimentações ao nível da
mão direita, no momento de mudança de cordas, que o compositor utiliza conscientemente
como um exercício de desenvolvimento da coesão dos blocos perante as diferentes tensões e
quantidades de resistência por parte das cordas.

Figura n.º 13: Representação da segunda fase do Estudo n.º 4.


Fonte: Durand Salabert Eschig, 2008.

A segunda estratégia pedagógica para desenvolver o controlo da mão direita que o


compositor utiliza no estudo é o desenvolvimento dinâmico aliado à exploração de todo o
registo do instrumento. Heitor Villa-Lobos, munido da técnica de String Inversion, explora
um grande e inovador material harmónico no estudo, introduzindo nele uma grande carga
musical, através de longas nuances dinâmicas. A composição de algumas passagens com a
dinâmica Fortissimo, como o exemplo da Figura n.º 14, faz com que a movimentação da mão
seja naturalmente maior, fator este que obriga a um maior controlo do movimento de
“ricochete” da mão após a prática de um bloco harmónico.

Figura n.º 14: Representação da utilização da dinâmica Fortissimo


na execução dos blocos harmónicos. Fonte: Durand Salabert Eschig, 2018.

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O terceira e última estratégia que considero importante realçar é a exploração realizada
pelo compositor no âmbito da distinção das vozes, através da hierarquização criada por uma
linha que é introduzida numa sequência de acordes, pretendendo destaca-la em relação às
outras notas. No caso da Figura n.º 15, a linha principal presente é a sequência de notas [la# -
lá - sol - sol#], realizada pelo dedo médio, no compasso 23 do presente estudo. Neste
elemento, para além do controlo conjunto dos quatro dedos, deve existir um estudo no sentido
de individualizar a força exercida pelo dedo que irá tocar a linha mais importante, no sentido
de o mesmo pressionar a corda mais agressivamente em relação aos restantes.

Figura n.º 15: Representação da linha principal a executar


pelo dedo médio. Fonte: Durand Salabert Eschig, 2008.

Conclusão
Tendo em conta todas as características e exemplos pedagógicos descritos
anteriormente, podemos concluir que os quatro estudos de Heitor Villa-Lobos contêm
inúmeros exercícios técnicos e exercícios de critério de digitação muito importantes para a
formação técnica e musical de qualquer guitarrista. Devido ao facto de esta obra conter os
primeiros estudos que exploraram técnicas possibilitadoras de uma maior abrangência
musical, como a String Inversion, é também a primeira obra que contém uma conceção
pedagógica dessa nova linguagem musical, que se desenvolveu desde o século XX até aos
dias de hoje.
Os estudos de Heitor Villa-Lobos continuam a ser uma das grandes obras canónicas no
repertório do instrumento, muito devido à sua forte componente didática. Através de uma
escrita bastante padronizada e direta no ponto de vista de objetivos técnicos, estes tornam-se
bastante claros para os alunos do ensino secundário. São de facto estudos que possibilitam os
jovens estudantes de adquirirem capacidades técnicas e critérios bastante úteis para o percurso
académico posterior.

Referências
Carlevaro, A. (1988). Abel Carlevaro Guitar Masterclass, Volume III. Heidelberg, Germany:
Chanterelle Verlag. Acedido em dez. 11, 2019, disponível em:
13
https://pt.slideshare.net/dimder/abel-carlevaro-guitar-masterclass-vol-3-villalobos-12-
etudes-1988

Meirinhos, E. (1997). Fontes manuscritas e impressa dos 12 Estudos para Violão de Heitor
Villa-Lobos. Unpublished masters thesis, São Paulo, Brazil. Acedido em dez, 13,
2019, disponível em:
http://eduardomeirinhos.mus.br/Tese_Eduardo_Meirinhos_Tomo_2.pdf

Zanon, F. (2006). O violão no Brasil depois de Villa-Lobos. Violão com Fábio Zanon, 1.
Acedido em dez, 15, 2019, disponível em: http://docplayer.com.br/29692466-O-
violao-no-brasil-depois-de-villa-lobos-fabio-zanon.html

Zigante, F. (2008). Heitor Villa-Lobos 12 Études. Durand Salabert Eschig. Acedido em dez,
10, 2019, disponível em: https://pt.scribd.com/doc/292388092/170470137-Heitor-
Villa-Lobos-Douze-Etudes-Frederic-Zigante-pdf-pdf

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