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Recurso provido.
ACÓRDÃO
RELATÓRIO
Sentença recorrida. A decisão de fls. 66/68 julgou improcedente o pedido, para o efeito de
denegar a segurança pleiteada, e revogar a liminar anteriormente deferida.
Objeto. Apelação com pedido de reforma da sentença recorrida, para que seja mantida a
matrícula do menor na 1ª série do Ensino Fundamental.
Razões recursais. Alega o recorrente que no ano de 2004 freqüentou a pré-escola na rede
pública de ensino na Escola Estadual Padre Éfren, tendo sido aprovado, estando apto para o
ingresso na 1ª série do Ensino Fundamental da mesma escola. Ocorre que, a sua matrícula
foi negada, mesmo havendo vaga em aberto, com base na expedição do Memorando
Circular nº 71/04, o qual autoriza a matrícula, somente, das crianças que completassem 6
(seis) anos e 9 (nove) meses até o dia 31 de março de 2005. Menciona a Lei 9.394/96, na
qual há indicativo que o Ensino Infantil atinge as crianças de até (6) seis anos, sendo
razoável supor que o Ensino Fundamental destina-se àquelas que estejam acima da
mencionada idade, ou que, com idade inferior tenham condições de freqüentar
regularmente a 1º série. Sustenta que preenche todos os requisitos previstos na Lei nº
9.394/96, no Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como na Constituição Federal para
freqüentar a 1ª série. Salienta que houve afronta ao disposto no art. 208 da CF.
Afirma que nenhuma das normas citadas prevê a limitação de idade mencionada no referido
memorando, o qual restringe o acesso à educação pública. Assinala que há limitação no
acesso à pré-escola e não para as demais séries decorrentes, sendo que inexiste óbice legal
para a sua matrícula. Ressalva que o seu direito assenta-se em matéria de ordem
constitucional, a qual se sobrepõe a toda e qualquer legislação estadual. Prequestiona a
matéria. Requer o provimento do recurso para que seja reformada a sentença recorrida, a
fim de mantê-lo matriculado na 1ª série do Ensino Fundamental (fls. 69/79).
É o relatório.
VOTOS
DES. JOSÉ S. TRINDADE (RELATOR)
Tenho que deve ser concedida a ordem, merecendo reparo a sentença atacada.
O art. 208, inciso I, da Constituição Federal estabelece, no que interessa à espécie, que “O
dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de ensino fundamental,
obrigatório e gratuito, (...)”, elevando “O acesso ao ensino obrigatório e gratuito” à
categoria de direito público subjetivo (§ 1º do art. 208 da CF).
O art. 54, inciso I, do Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez, repetindo o texto
constitucional, dispõe que “É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: ensino
fundamental, obrigatório e gratuito(...)”, igualmente reconhecendo como direito público
subjetivo “O acesso ao ensino obrigatório e gratuito (...)” (art. 54, § 1º do ECA).
De outro lado, este mesmo artigo de lei, em seu inciso IV, estatui que “É dever do Estado
assegurar à criança e ao adolescente atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero
a seis anos de idade”, regra essa já consagrada pelo art. 208, IV, da CF: “O dever do Estado
com a educação será efetivado mediante a garantia de atendimento em creche e pré-escola
às crianças de zero a seis anos de idade”.
A educação básica, por sua vez, “tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-
lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios
para progredir no trabalho e em estudos posteriores” (art. 22 da Lei nº 9.394/96)
(sublinhei).
A primeira etapa da educação básica é a infantil que tem por escopo o crescimento global
da criança até 6 (seis) anos de idade, “em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e
social, complementando a ação da família e da comunidade” (art. 29), devendo ser ofertada
em “creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade, e pré-
escolas, para as crianças de quatro a seis anos de idade” (art. 30).
Ora, por certo que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação não determina limite mínimo de
idade para o ingresso na 1ª série do ensino fundamental. Ao contrário, uma vez finda a pré-
escola, entende-se que, ainda que a criança conte com 6 (seis) anos de idade, deve transpor
o degrau seguinte, qual seja, a 1ª série do ensino fundamental.
Em que pesem outras interpretações, a lógica aponta para o ingresso no ensino fundamental
imediatamente após a conclusão da pré-escola. Absurdo seria obrigar o menor a repetir a
pré-escola depois de considerado apto a ingressar na 1ª série unicamente por não ter 6 anos
e 9 meses quando da matrícula.
O fato de aluno não ter alcançado a idade mínima, não dá ensejo a obstáculo legal capaz de
impossibilitá-lo de prosseguir no sistema de ensino, principalmente se obteve
aproveitamento, estando capaz para dar entrada em série imediatamente superior.
Nesse sentido, para exemplificar, é a análise realizada pelos Psicólogos Eliane Scherb e
Fernando Falabella Tavares de Lima, em exercício no Centro de Apoio Operacional da
Procuradoria de Justiça da Infância e Juventude de São Paulo, em parecer intitulado
“Considerações sobre a Prontidão, do Ponto de Vista Psico-Pedagógico, de Crianças com 7
Anos Incompletos, para o Ingresso à 1ª Série do Ensino Fundamental na Rede Pública”,
disponível junto ao Centro de Apoio da Infância e da Juventude do Ministério Público do
RGS, que, com base em teorias de desenvolvimento da aprendizagem (especialmente nas
de Piaget), conclui que, ao menos potencialmente, as crianças com 6 anos completos,
encontram condições para ingressar no ensino fundamental, anotando a inadequação da
observância de um parâmetro rígido de idade para apurar a maturidade de uma criança para
ingressar na escola, mormente quando ocorrente capacitação prévia (trabalho dos aspectos
cognitivos, afetivos, sociais e psicológicos) por intermédio de formação pré-escolar
(justamente, acresça-se, como no caso do impetrante).
(...)
Nessa linha, cumpre aludir o magistério de Maurício Antonio Ribeiro Lopes:
“Outra das mais inquestionáveis formas de omissão na oferta regular de ensino obrigatório
consiste no cerceamento de ingresso ou limitações à continuidade da educação pelo Poder
Público (...). É precisamente o que ocorre em hipóteses em que se estipula arbitrariamente
uma data de aniversário da criança como requisito para matriculá-la no ensino fundamental,
quando tais limitações não são feitas pela lei, nem praticadas pelo setor privado e, na
verdade, apenas mascaram a mais vergonhosa forma de se economizarem recursos em
educação” (“Comentários à Lei de Diretrizes e Bases da Educação”, RT, 1999, p. 168)”
(fls. 120-122).
Por fim e ao cabo, não se faz necessária mais discussão a respeito, porquanto a Lei nº
11.114, de 16 de maio de 2005, alterando algumas regras da Lei nº 9.394/96, modificou,
substancialmente, a redação dos arts. 6º e 30, colocando por terra qualquer controvérsia que
ainda pudesse existir sobre a limitação de idade para ingresso no ensino fundamental.
Vejamos:
"Art. 6º. É dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula dos menores, a partir dos seis
anos de idade, no ensino fundamental." (NR)
"Art. 30.........................................................
II – (VETADO)"
"Art. 32. O ensino fundamental, com duração mínima de oito anos, obrigatório e gratuito na
escola pública a partir dos seis anos, terá por objetivo a formação básica do cidadão
mediante:
...................................................................".
Portanto, não há razão para negar o acesso do impetrante ao ensino fundamental. Diante do
exposto, o voto é pelo provimento da apelação.