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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR ANTONIO CARLOS

MALHEIROS DA 3ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


DO ESTADO DE SÃO PAULO, 3º JUIZ NA TURMA JULGADORA DO AGRAVO DE
INSTRUMENTO 2195562-25.2014.8.26.0000

Ref.: AGRAVO DE INSTRUMENTO xxxxxx

A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, nos autos


do agravo de instrumento em epígrafe em que se discute a liminar em açã o civil
pú blica para regulamentaçã o da atuaçã o policial em manifestaçõ es pú blicas, vem,
respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, apresentar MEMORIAIS, nos
termos que seguem.
A questã o jurídica posta neste agravo refere-se ao acerto da
decisã o judicial que concedeu parcialmente a tutela antecipada requerida pela
Defensoria Pú blica, apenas para determinar que o Estado de Sã o Paulo, no
razoá vel prazo de 30 (trinta) dias, apresente plano de atuaçã o da Polícia Militar na
fiscalizaçã o, suporte e eventual dispersã o de manifestaçõ es pú blicas.

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Assim, apesar da ampla cobertura midiá tica e das manifestaçõ es
da agravante, a decisã o judicial sob aná lise dessa Câ mara nã o engessou a Polícia
Militar, nã o proibiu o porte de arma, nã o vedou, irrestritamente, o uso de muniçã o
de elastô mero e nã o afastou a exigência de prévio aviso para fruiçã o do direito de
reuniã o. Basta a leitura da decisã o liminar para compreender os exatos limites da
controvérsia: obrigar o Estado a apresentar um plano de atuaçã o.
Posta a questã o jurídica em seus reais confins, estes escritos
pretendem sumarizar os fundamentos jurídicos que revelam a correçã o da decisã o
ora defendida. Sã o eles de duas ordens: de um lado, (i) a correta compreensã o do
direito de reuniã o; doutro, (ii) a densificaçã o dos postulados da proporcionalidade
e necessidade na atuaçã o policial, informando a corporaçã o desde os momentos
iniciais de acompanhamento da manifestaçã o, passando pela tomada de decisã o de
dispersã o do evento, finalizando com a forma de execuçã o dessa dispersã o.
O direito de reuniã o possui extraçã o constitucional. Diz o artigo
5º, XVI – “todos (i) podem reunir-se pacificamente, sem armas (ii), em locais abertos
ao público (iii), independentemente de autorização, desde que não frustrem outra
reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio
aviso à autoridade competente (iv)”.
i. O texto constitucional, devidamente interpretado, permite
afirmar que o direito de reuniã o é, essencialmente, uma garantia do princípio
democrá tico, na medida em que permite a participaçã o de todos, mediante a
apresentaçã o de pautas e reivindicaçõ es, inclusive e especialmente aquelas contra
majoritá rias. ii. O evento, claro, tem que ser pacífico. O que isso quer dizer? Que ele
deve preservar essa característica majoritariamente: um foco isolado de
violência nã o converte a reuniã o em motim1 e, pois, não autoriza sua dissolução.
iii. A reuniã o se dá na via pú blica, local nã o apenas de circulaçã o, mas também de
participação, nã o podendo o Estado proibir acesso a determinadas locais
públicos2. iv. O Estado nã o precisa autorizar a manifestaçã o, mas apenas ser
1
Celso de Mello, Maria Lidia de Oliveira Ramos e diversos precedentes da Corte Europeia de Direitos Humanos –
páginas 76/81 da inicial
2
Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Corte Europeia de Direitos Humanos, Corte Europeia de
Justiça, - paginas 81/88 da inicial
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avisado, para que possa proteger o direito: evitar o perecimento de outra
reuniã o agendada, providenciar publicidade ao ato, promover medidas de trâ nsito
para minorar o transtorno pú blico, estabelecer diá logo com os organizadores,
fornecer o suporte adequado solicitado (v.g: banheiros químicos, assistência
médica, bloqueio de vias). O aviso, aliá s, pode ser dispensado, se a reuniã o é
espontâ nea (o que ocorreu na noite do dia 16/03/2016, na Avenida Paulista?) ou
se já é de amplo conhecimento do Poder Pú blico. Jamais deve ser utilizada a falta
do requisito formal para dispersar violentamente uma manifestação
pacífica3
Sobre o segundo ponto, o vetor hermenêutico aquilatar a
proporcionalidade da atuaçã o estatal pode ser sintetizado com um topoi
recorrentemente utilizado por Cortes Internacionais, mas insistentemente
olvidado pela agravante:
“O Tribunal reitera que, onde os manifestantes não se envolvem em
atos de violência, é importante para as autoridades públicas
mostrar certo grau de tolerância em relação a reuniões pacíficas,
se se deseja que a liberdade de reunião não seja privada de toda a
substância”4.

A força motriz deve ser a tolerâ ncia, o diá logo e a estrita


proporcionalidade, durante 3 momentos sequenciais: tratativas e fiscalizaçã o do
evento; ordem de dispersã o; execuçã o da dispersã o. Há medidas concretas a serem
adotadas, de acordo com avançados estudos de comportamento das massas,
expressamente recomendadas pela Organização das Nações Unidas.
Para a primeira etapa: formaçã o do “safety triangle”, com a
designaçã o de negociador civil para grandes atos, estabelecendo diá logo com o
comandante da tropa e organizador do ato antes e durante a manifestaçã o;
ostensiva identificaçã o de todos os policiais; nã o exibiçã o ornamental de grupos
policiais com armamento de grosso calibre e em desproporcional contingente.
Procura-se nã o incutir nos manifestantes o ró tulo de transgressores, conferindo-
3
Diversos precedentes da Corte Europeia de Direitos Humanos – páginas 69-76 da petição inicial.
4
Caso Bukta and Others x Hungary, ECHR 25691/04, de 17 de julho de 2007. Decisão disponível em
http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/pages/search.aspx?i=001-81728#{"itemid":["001-81728"]}
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lhes autonomia e responsabilidade, procurando demonstrar que o Estado deve ser
visto como parceiro a auxiliar no correto exercício do direito. As chances de
ocorrem atos violentos diminuem drasticamente.
Para a segunda etapa, duas providências. A primeira, tã o ó bvia
que consta até do Manual de Controle de Distú rbios Civis da PMESP, elaborado na
ditadura miitar: comunicar a ordem de dispersã o “através de amplificadores de
som, alto-falantes das viaturas ou utilizando megafones” (item 3.2.3 do
Código de Controle de Distúrbios da PMESP). Ainda que esteja no pró prio
regulamento da Polícia, nã o há cumprimento desse comando. A segunda medida é
a auditabilidade e o controle do ato administrativo praticado pela Polícia Militar,
mediante ampla publicidade posterior, delimitando, especialmente, o sujeito, os
motivos e os fundamentos daquele ato administrativo de dispersã o. Com isso,
aquele que nã o estiver fazendo parte do motim, ou pretenda desistir de sua
execuçã o, consegue proteger-se, minorando eventuais danos causados pelas
manobras dispersivas.
A derradeira etapa é a efetiva dispersã o. Como executá -la? Aqui
também há medidas concretas que verticalizam a proporcionalidade e constituem
recomendaçõ es de diversos organismos internacionais: jamais utilizar arma de
fogo como método de dispersã o de multidã o; nã o lançar bombas de gá s
lacrimogênio em lugares fechados; nã o lançar bombas de efeito moral no meio de
aglomeraçã o de pessoas; nã o utilizar armas menos letais em desacordo com
orientaçõ es técnicas (material vencido, a curta distâ ncia, mirando regiõ es vitais –
atos praticados pelo Estado, já provados).
Excelência, analisando com tranquilidade esses fundamentos, vê-
se que estã o muito longe de serem um “delírio” ou “besteirol”. Sã o medidas
simples, técnico-jurídicas, que buscam situar o Brasil no patamar civilizató rio
sugerido pela Organizaçã o das Naçõ es Unidas, promovendo uma melhoria no
serviço público prestado pela Polícia Militar do Estado de Sã o Paulo, como muito
bem explanou a Procuradoria Geral de Justiça em seu parecer, cuja
manifestaçã o é integralmente encampada por esta Defensoria Pú blica.

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Ocorre que, ainda que seja assim, a realidade mostra que essas
simples medidas sã o recorrentemente descumpridas, havendo grave volatilidade e
insegurança jurídica na atuaçã o fiscalizató ria das manifestaçõ es pú blicas. Em
anexo, apresenta-se pequeno compilado com os vídeos juntados na petiçã o inicial,
apenas com as cenas mais relevantes, para que Vossa Excelência possa observar,
apó s a leitura desses memorais, o estado de coisas na prá tica, de grave desrespeito
ao exercício do direito de reuniã o, a exigir a precisa e parcimoniosa intervençã o do
Poder Judiciá rio, locus adequado e constitucional para controle dos atos do Estado,
ainda que da Polícia Militar (ou houve atualizaçã o para “the Police can do no
wrong”? ). Aliá s, a situaçã o ainda persiste, como apresentado na anterior
manifestaçã o da Defensoria Pú blica neste agravo5.
O restabelecimento da liminar propiciará novo caminhar à Açã o
Civil Pú blica, permitindo que, tão logo seja apresentado o plano de atuação
pelo Estado, realize-se a importante e necessária audiência pública, para
escrutínio técnico, pú blico e democrá tico das propostas ofertadas, inclusive com
vias à formaçã o de Termo de Ajustamento de Conduta, se assim sinalizar a
agravante e sendo adequado o plano.
Por tudo isso, Excelência, é caso de manutençã o da decisã o
agravada, na íntegra.

Sã o Paulo, 21 de março de 2016.

Defensor(a) Pú blico(a)
Unidade de XXXXXXXXXXX

5
No início de 2016, inclusive, a Secretaria de Segurança Pública dissolveu manifestação pacífica com uso
da força por entender que os participantes deveriam informar o trajeto previamente:
http://brasil.elpais.com/brasil/2016/01/13/politica/1452650026_303967.html.
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