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HPEB1
Conteúdo Programático (Guia de Estudos 2011) __________________________
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www.lynchdiplomacia.com.br -1-
cana", encnnlra-si- u n i curso de p u - p a i a r a o , devendo preceder ao ter- Capítulo 3
ceiro c ú l t i m o da série, dedicado as relações económicas internacio-
nais do Brasil na lasc contemporânea (pôs-1 ( M5).
As criticas lormuladas em outro contexto por Sloane, mas retoma- A diplomacia dos
das aqui para um trabalho de avaliação crítica da produção historiográfica
no campo das relações internacionais cio Brasil, parecem, portanto, per-
tencer a um passado distante, amplamente superado pela crescente profis-
descobrimentos: Tordesilhas
sionalização e especialização da moderna história diplomática, tal como
praticada na academia brasileira, bem como pelo crescente envolvimento
c a íormaçao do lirasil
de profissionais da própria diplomacia nos estudos e pesquisas de política
externa e de relações internacionais. Os progressos de ordem metodológi-
ca ou de caráter substantivo alcançados no período recente foram certa-
mente significativos para permitir augurar resultados ainda mais satisfató-
rios no futuro imediato. O autor do presente ensaio espera continuar con-
tribuindo, com sua parcela de reflexão e de pesquisa historiográfica, para
o desenvolvimento continuado do conhecimento intelectual sobre a inser-
ção internacional do Brasil contemporâneo. Ao fazê-lo, ele ostenta com Ao nos aproximarmos da praia, fico cm pé na proa para desfraldar as
certo orgulho a consciência de que é à classe diplomática brasileira que cores de Castela e Lcón, o castelo dourado c o leão p ú r p u r a , e as
incumbe, primordialmente, utilizar-se de todas as possibilidades abertas listras vermelhas c amarelas de Aragón. Atrás de nós, Santa Maria,
pela "ordem" internacional para impulsionar o "progresso" da Nação. Nina e Pinta estão ancoradas cm uma baía protegida por recites de
um coral poroso c róseo jamais visto por um europeu. [...] À medida
que nos acercamos da fascinante praia, experimento uma sensação
i n t e n s a . . . O vento agita levemente o estandarte real... Levanto um
pç descalço sobre a amurada.
Mas espere, este c um momento histórico.
Estarei preparado para ele? Ao dar aquele primeiro passo cm terra, por
acaso eu pronuncio alguma coisa imortal c profundamente apropriada,
escolhendo minhas palavras como um desafio nos desvãos da História
para os intrépidos exploradores que estão por nascer? Por acaso eu digo,
ao plantar o estandarte real na praia, "Um pequeno passo para um cristão,
um grande passo para o cristianismo", passando a perna cm Ncil Armstrong
em quase quinhentos anos?
Não, eu não tenho meio bilhão de espectadores no mundo inteiro assistin-
do ao meu leito, n e n h u m jornal adquiriu os direitos de publicar minhas
aventuras cm troca de uma enorme soma cm dinheiro, n e n h u m editor me
fez qualquer adiantamento milionário para o chamado Diário de Colombo,
não existe n e n h u m centro de controle para monitorar todos os meus movi-
mentos. [...]
Assim, não pronuncio n e n h u m a frase de efeito para a posteridade. O que
eu digo, i n q u i e t o e com razão,... é apenas:
— Tem alguém lá no mato.
Stcphcn Marlowc, The Metnoirs af Lri.tlophar Cohunbus (1987)
103
no, o 1'apado l i n h a ; n l i | i i u idi i pi r v a l e i K ia sobic o poder real: o pontílicc da j u r i s d i ç ã o e s p i r i t u a l , permitindo ao Infante conservar o poder tempo-
assumia o papel de a i h i l i u miei n a c i o n a l , l a u l o mais que a sociedade euro- ral" em seu ducado de Viseu (bú\a.EtsiSusceptit de 9 de janeiro de 1442)".
peia era a "comunidade das nações cristas" e que os reis costumavam enviar A i n d a Kuc.cuio IV, ressalvando possíveis direitos da Coroa de Castela,
aos papas recém-eleilos "embaixadas de obediência".' miei vem l a v o í a v d i n c n l c à empresa portuguesa de "evangelização" afri-
Para todos os eleitos prál icos, Roma era, até princípios do século 16, o c a n a ( n o v a AV\ AVi;i//;/, de janeiro de 1443).
centro das relações inieniacionais do mundo civilizado. Mesmo se a capital A pi i m c n a " p a r t i l h a do mundo" entre os Estados português e espa-
dos papas, enquanto tal, não participou do ciclo das grandes descobertas — n h o l l e n i m i n o pouco depois, sempre por obra c graça da diplomacia
o feito foi essencialmente ibérico, aliado ao conhecimento cartográfico e de p o n i i h i ia A piecoce a v e n t u r a oceânica da Casa de Aviz asseguraria a
navegação das cidades comerciais italianas, Génova em primeiro lugar — e l ' o i l i i ! ' : d uma picscuc:a constante nesses instrumentos legitimadores da
se a cidade em si tampouco tinha muita importância comercial, Roma era, no p u l i l i c a m i e i n a c i o n a l tios primórdios da era moderna que eram as bulas
dizer de um historiador, uma grande "clearing-house of geographical gossip", papais. P o r t u g a l possuía vários recursos em que fundar seu direito às
devido às idas e vindas internacionais dos eclesiásticos.'1 novas t e r r a s descobertas e a descobrir: o da anterioridade da descoberta
Portugal, mais do que nenhum outro reino "cristão", podia permitir-se era um deles, p a t e n t e nele mesmo. A garantia papal era outro, talvez o
ignorar a autoridade do Papa. O nascimento do próprio reino, em 1140, se recurso mais importante nesse contexto.
tinha processado através de oportuna vassalagem à Santa Sé: pouco anos Como afirma com razão Chaunu, "o papa representava a garantia da
depois, pela bula Manifcslis Probuíum, de 1170, o papa Alexandre 111 con- ordem" e essa ordem era importante para legitimar a constituição cie um
firmava a D. Afonso Henriques o título de rei de Portugal. Durante toda a monopólio de um novo tipo. Com efeito, "o papado, garantidor de um direito
primeira fase de sua existência como nação independente, Portugal não dei- que no seio da cristandade podia qualificar-se de internacional, participou de-
xou tampouco de enviar "embaixadas de obediência" ao bispo de Roma. forma notória na constituição do monopólio arquétipo, o monopólio português".
Coerentemente com essa postura, desde os primórdios de suas aven- O papa N icolau V, por exemplo, expede uma bula em favor do rei 1). Afonso
turas africanas, a corte cie Lisboa procurou obter da "corte" de Roma aque- V, dito o Africano, afirmando caber-lhe perpetuamente, e ao I n f a n t e 1).
les atos de caráter supranacional que validassem suas novas posses frente Henrique, a 'conquista que vai desde o cabo Bojador e do cabo Não corren-
aos demais soberanos cristãos; as bulas representavam, por excelência, os do por toda a Guiné e passando além dela vai para a plaga meridional', e
instrumentos para tal eleito, seja antecipadamente como autorização pon- vedando a qualquer pessoa comerciar nessas terras, sob pena de excomu-
tifícia para as viagens de descobrimento, seja, posteriormente, como con- nhão (bula Romanus Pontifcx de 8 de janeiro de 1454). Confirmando a co-
firmação político-diplomática das conquistas realizadas. Desde a primeira lonização e a evangelização de todas as terras africanas em direção do sul,
metade do século 15, sobretudo por impulsão do Príncipe D. Henrique, o essa bula representou, no dizer de Chaunu, um grande êxito diplomático de
Estado português se dedicava à conquista da vizinha África. A cada etapa Henrique o Navegador. Ela estabelecia, "de direito, a primeira forma de
do avanço nos espaços atlânticos e nas costas africanas correspondia um monopólio indispensável para a expansão [colonial]".-1
novo documento da diplomacia vaticana. Senão vejamos. Seguiram-se outros textos de igual teor, reiterando os conceitos de
Em 1418, o rei D. João I obtém do Papa Martinho V uma bula (Sane "fidei propagationem et divini cultus augmentum": é o caso da líder
Charissimus ) que ciava caráter de "cruzada" à conquista do Marrocos. Coc.tc.ra de Calixto 111 (de 13 de março de 1456), ou de sua solene con-
"Seu filho D. Duarte, querendo legitimar o prosseguimento da ação ul- firmação pela bula de Sixto IV, a Aeternis Rc^is i-lcnii-iilui (de 21 de
tramarina, pleiteou do Papa Eugênio IV bula que lhe submetia, e a seus
sucessores, 'as terras por eles conquistadas aos infiéis' (RexRegum, de -1 Cí. C h a u n u , Canc/uixla v explolación de lox iiuevos mundo* (xiyjo XVI). Barcelona:
8 de setembro de 1436). O mesmo Pontífice confirmou as doações de Editorial Labor. 1973, p.125. A questão do monopólio, como csclaiccc 1 ' i c i i c C h a u n u ,
D. Duarte e D. Afonso V, ao Infante D. Henrique e à Ordem de Cristo, era fundamenta! ao .sucesso de lodo empreendimento exploradol c c o l o n i a l . "O combate
livrado pelo rei de Portugal, depois do Navegador [ I n í a n l c l ) , l I c n r i q u e ] , para assegurar
seu direito, esse d i r e i t o que I a r a escola, à exploração e x c l u s i v a das cosias da África, deve
-' Como lembra um autor, o Papa desempenhava luncõcs de árbilro internacional, conforme o se r considerado como decisivo cm seus alcances hisióiicos. De sen exilo dependeria o da
jogo da política mundial: "Com base no poder espiritual (c nas sanções dele decorremos, explosão planetária da Europa; sem a g a r a n t i a , d c f t i c t o e </<• /i/;v, olcicrida ao descobridor,
excomunhão e interdição), procurava exercer, na comunidade cristã das nações europeias, uma leria sido impossível o financiamento da exploração e do descobrimento. Uma vez asse-
espécie de administração supranacional." Cí. Hei iode Alcântara Avel lar, llixt óriiiuiliiiini\ini gurada u amortização [tio empreendimento], a lógica l i m i t a ç ã o [do monopólio] no tempo
Uva e económica do Hnisil. 2.ed., Rio de Janeiro: FENAME, 1976, p.37. v i r i a por si mesma. O monopólio em regime de e x c l u s i v i d a d e representou quiçá... um
a
Cl. J. II. Pari y. l In' tli.-icowry i>f Sonlli America. New York: Taplinj',ci P i i b l i s l i n i ) ' . i n c o n v e n i e n t e , m í n i m o se o compararmos com os preciosos serviços que rendeu nos
Company. l T/'), p..Vi. p r i m e i r o s momentos"; cí. p.123.
104 A (l 105
junho de 1481). Essa última bula, na verdade, homologava o tratado de lombo. O rei João [II], decepcionado por ter deixado seu vizinho cap-
paz de Toledo (de 6 de março de 1480), pelo qual Fernando de Aragão e turar a magnífica ocasião que lhe tinha sido oferecida em primeira mão,
Isabel de Castela — os futuros "reis católicos" — se obrigavam a respei- declarou ruidosamente, tão pronto conhecidos os resultados da primei-
tar os direitos portugueses às ilhas atlânticas, exceto as Canárias, e à ra viagem, que as novas terras faziam parte do domínio reservado a
costa guineana. Pouco depois, o papa Inocêncio VIII conclamava D. João Portugal pelas bulas pontifícias. Ele aclota mesmo uma atitude belico-
II a continuar a conquista ultramarina (bula Orthodoxae F ide i de \ 486).6 sa, preparando uma esquadra para impedir que os navios castelhanos
"Fernando de Aragão, cuja política italiana não coincidia com a dos se dirigissem às índias". 1 '
Papas Sisto IV e Inocêncio VIII (e desgostoso com a citada bula de 1486), Os reis católicos, contudo, não se deixam intimidar e fazem apelo aos
conseguiu influir na eleição [em agosto de 1492] de um pontífice arago- mesmos expedientes da "diplomacia papal" que tinham até então sido utili-
nês, Rodrigo de Bórgia, sobrinho de Calisto III, que tomou o nome de zados com grande proveito por seus vizinhos ibéricos. Com efeito, eles ne-
Alexandre VI. No mesmo mês, a serviço dos Reis Católicos, Colombo cessitavam de uma bula análoga àquela possuída pelos portugueses. A ques-
partia em busca das índias". 7 tão que se colocava antes de mais nada, como sintetizou o historiador Elliot,
era a de saber "quem iria exercer domínio sobre as terras e quem iria empre-
ender a salvação das almas de seus povos? Os Reis Católicos voltaram-se
3. DA ARBITRAGEM PAPAL para o papado, seguindo o precedente estabelecido pelos próprios portugue-
À NEGOCIAÇÃO DIRETA ses, que tinham assegurado a doação formal pelo papa dos direitos de sobe-
rania 'desde o Cabo Bojador até a Guiné e além'. De um papa espanhol co-
Os portugueses, como se sabe, foram os primeiros a tomar conheci- laboracionista, Alexandre VI, eles obtiveram o que pretendiam: direitos simi-
mento da descoberta de Colombo. Quando ele chegou a Lisboa em março lares sobre 'todas as ilhas e terras, descobertas e a descobrir'... [...]. Poder-
de 1493, por força do mau tempo, teve de justificar-se frente aos soberanos se-ia considerar as bulas de Alexandre VI de 1493 como desnecessárias,
portugueses, mesmo que fosse simplesmente para convencer seus anfitri- em vista do princípio de direito romano estabelecido nas Siete Partidas, se-
ões de que não tinha avançado sobre a reserva da Guiné. Eles pensaram, a gundo o qual a posse pertence aos primeiros ocupantes da terra. Mas, a
princípio, que Colombo tinha descoberto mais algumas ilhas atlânticas. autorização papal atribuía um grau extra de segurança às reivindicações cas-
Como escreve um biógrafo do "Almirante do mar oceano", o encon- telhanas contra qualquer desafio contestador por parte dos portugueses e ele-
tro entre o Rei de Portugal e Colombo "foi carregado de tensão. O desco- vavam a conquista das índias ao nível de empreendimento sagrado...".'"
bridor da América tinha já estado aos pés daquele trono, em postulante As preocupações dos soberanos espanhóis também eram de ordem
rejeitado. O Rei de Portugal tentava compreender até onde chegava a ver- prática. Como indica outro historiador, "o objetivo imediato da política real
dade nas aventuras que Colombo descrevia, e até onde estava o engano. [de Castela] era a de estabelecer uma presença espanhola na [nova] área,
Ele duvidava dessas índias e suspeitava que a expedição espanhola viesse organizar um sistema regular para se abastecer de ouro por meio de tro-
da Guiné ou de qualquer outra terra pertencente a Portugal. [...] Depois,... ca, e obter um título espanhol, internacionalmente reconhecido, de co-
levantou a dúvida que 'segundo o tratado vigente entre Portugal e Castela mércio e de estabelecimento, à exclusão dos demais europeus. Esse títu-
a descoberta e a conquista pertencessem a ele'. (Se referia ao tratado de lo, em vista da informação já em possessão dos portugueses, era uma
Alcobaça, de 1479, firmado por seu pai...). Secamente o Almirante res- questão de urgência. [...] As bulas que [Alexandre VI] emitiu em 1493
pondeu 'não ter conhecimento daquele tratado'. Sabia da interdição feita iriam constituir, para a Administração espanhola nos próximos trezentos
aos marinheiros espanhóis de viajar para a Guiné e a tinha respeitado"." anos, a base moral e legal da dominação espanhola nas Américas"."
A revelação de que Colombo tinha de verdade descoberto terras
novas e outros povos colocou problemas de uma extrema urgência para "Vide Zcllcr, Hisloire cies reUilions internationciles, toma2'.LesTetnpsModerw$, v.l: De
ambos os soberanos ibéricos. Como indicou Gaston Zeller, "os portu- Cristoplie Coltunb à Crwnwelt, Paris, Libra i rio HuchcUc. 1953, Chap. I l l : "Lês Problèmes
gueses acolheram com muita apreensão a notícia da descoberta de Co- de Ia Mor", p.30-88. cí. p.35.
'" CF. J. H. Eliotl, "The spanish onquest and lhe scttlenicnl of America", in Bcthell (cd.),
The Camhrídgeítiitoiyof Latiu America, Cambridge, Cambridge Univcrsity Press, 1984.,
v.l, cap. 6, Pari Two,'p.í 49-206, c f. p.160-161.
'' Idcm. " Cf. Parry, The ctiscovery of South America, op. cit., p.67. O Papa tinha o direito de
7
Idcm, loc. cit. conceder soberania temporal sobre territórios não disputados por outros príncipes cris-
s
Cl. G i a n n i GuinzoUo, Cristo/oro Colombo. Milão, Amoldo Mondadori Edilorc 1984 tãos, doutrina um pouco dúbia, mesmo para os ortodoxos, mas que tinha sido aceita
p.221-222. quando a monarquia portuguesa reivindicou a posse da África ocidental.
107
Talvez mais do que em qualquer período anterior, e provavelmente todas as I l h a s e Icrras íirmcs achadas c por achar, descobertas ou por
pelo resto dos tempos modernos, a diplomacia papal mostrou-se ex- descobrir, paia o Ocidcnle e o Meio-Dia, fazendo c construindo uma linha
cepcionalmente prolífica em matéria de "títulos de propriedade". Ti- desde o Polo Ártico, a saber do Sctcntrião, ate o Polo Antártico, a saber
vemos, num diminuto espaço de tempo, uma sucessão de bulas pon- Meio-Dia, quer sejam terras firmes c i l h a s encontradas c por encon-
tifícias que se completavam ou se duplicavam, o que, em si mesmo, trar cm dircção à índia, ou cm dircção a qualquer outra parte, a qual
revela o grau de incerteza sobre a amplitude real dos descobrimentos l i n h a dista de q u a l q u e r das ilhas que vulgarmente são chamadas dos
colombinos. "As primeiras duas bulas simplesmente garantiam a so- Açores c Cabo Verde cem léguas para o Ocidente e o Mcio-Dia...1-1
berania das descobertas de Colombo para Castela; mas, isto não era
suficiente. Os portugueses já reivindicavam, pela bulaAeterniRegis Chaunu, por seu lado, desfaz alguns equívocos sobre o conteúdo
de 1481, o monopólio de navegação ao sul das ilhas Canárias, e para dessa famosa bula. Ele afirma, em síntese, que muito se desvirtuou o seu
autorizar Colombo a cruzar o Atlântico em latitudes mais meridionais sentido, "dando-lhe um poder resolutório de que carecia", tendo ainda sido
era necessário restringir o monopólio. Em consequência, a terceira situada exclusivamente no contexto da rivalidade hispano-portuguesa, o
bula, a íamosa/nfer Coetera, traçou uma linha imaginária de norte a que aparentemente não era o caso, como a própria negociação de Tor-
sul a cem léguas a oeste das ilhas dos Açores e do Cabo Verde e desilhas o demonstrou. A definição da linha divisória, por exemplo, que
garantia que as terras e mares além dessa linha, em qualquer latitu- não existia na primeira versão do texto (de 3 de maio de 1493) e que foi
de, deveriam ser reservadas à exploração espanhola". A quarta bula, acrescentada in extremis na segunda redação do texto (de junho, rece-
Dudum Siquidem, confirmava de certo modo as anteriores e amplia- bida em Barcelona cm 19 de julho), é, segundo Chaunu, "um ponto em
va o escopo das "concessões" pontifícias, pois que ela garantia que qualquer hipótese secundário do texto". 1 ' 1
mesmo as ilhas e terras descobertas e a descobrir a oeste e ao sul do A verdade, porém, é que os espanhóis recebiam em doação perpé-
caminho das índias pertenceriam a Castela. Ela iria encontrar reso- tua, das mãos do Papa, todo o Novo Mundo ainda por descobrir. Ainda
luta oposição por parte da coroa portuguesa. que a força legal de todos esses instrumentos da diplomacia vaticana
A busca de um "reconhecimento diplomático" para as novas pudesse ser contestada, como ela o foi efetivamente pelos demais sobe-
aquisições castelhanas foi, assim, um processo confuso e entremea- ranos europeus, eles eram, do ponto de vista de Portugal, suficientemen-
do de interpretações sempre inéditas. À primeira bula Inter Coetera te preocupantes e explícitos para justificar uma ação diplomática susce-
foi elaborada em abril, embora viesse pós-datada de 3 de maio de 1493. tível de limitar seus efeitos.
Mas, como diz Zeller, "ela foi redigida de maneira tão apressada que Incapaz, contudo, de mudar a atitude do Papa — embora tivesse pro-
será preciso, para levar em conta os imediatos protestos portugue- testado ainda antes da Dudum Siquidem —, o rei D. João 11 aciona o pró-
ses, acompanhá-la, um mês depois, de uma outra, com o mesmo nome, prio trono de Castela que, a princípio, mostrou-se pouco receptivo. Dispos-
concebida em termos um pouco diferentes e antedatada do dia 4 de to inclusive a ir à guerra para fazer valer os seus direitos, o "Príncipe Per-
maio". 12 feito" logrou finalmente que Fernando e Isabel decidissem entabular nego-
Uma terceira bula, a Eximiac Devotionis, foi expedida em julho, ciações dirctas com ele. Kstava aberto o caminho de Tordesilhas.
mas com a mesma data da primeira Inter Coetera: ela outorgava aos O elemento significativo que importa reter para os propósitos desta
reis católicos "não menores graças" do que as concedidas aos de Portu- nossa análise é precisamente o fato de que, no âmbito da "técnica" das
gal. Finalmente, cinco meses após, e depois de uma investigação mais relações internacionais, em Tordesilhas se passa de uma fase de recurso
detalhada, a bula Dudum Siquidem (de 25 de setembro), corrige ligeira- prioritário à legitimação papal, como meio de se fazer reconhecer erga
mente as precedentes e passa a atribuir à Espanha algumas concessões omnes decisões adotadas mais ou menos unilateralmente pelas casas rei-
feitas anteriormente à Ordem de Cristo, sempre quando as terras, àque- nantes da Europa, para uma de abertura de processos de negociação
la data, não estivessem sob a posse atual e real da Ordem. diplomática direta entre poderes soberanos.
Resumindo o essencial dessa primeira partilha do mundo — e última a Em Tordesilhas se iria discutir sem interferência da Cúria romana
ser feita por uma "organização internacional", a que podia ser assimilado o e, mais importante, sobre uma matéria sobre a qual já existia disposição
Vaticano nessa época —, na Inler Coetera, o papa atribui a Castela anterior do Papa, no caso as sucessivas bulas de 1493. Em Tordesilhas
se situa, verdadeiramente, o começo da moderna diplomacia.
L<
'- Cl. Zcllcr, Hixtoire cies reltitio/ix intcniiilioiiíilex, op. ciL, p.35. C!. Avclkn, História udininistrcílivu, op. ciL, p.3eS-39.
14
Cl". C h a u n u . Coni/itisiii v cxplotcición, op. cil., p. 1 25- 126.
17
13
Cl'. Parry, The discovery of Soulh America, op. dl., p.68. Cf. Zeller, Histoirc dês relalions internationales, p.36.
"' Cf. C h a u n u , op. ciL, p. 126. ' s Idem, op. cit., p.38.
112 113
O desafio ao condomínio ibérico partiu, como seria de se esperar, seria igualmente contestada com brilhantismo pelos novos pensadores do
dos franceses e era especificamente dirigido contra os espanhóis, muito direito das gentes, em especial por Francisco cie Vitoria. "A doutrina aristo-
embora tenham sido os portugueses a sofrer em primeira mão suas télica (de um direito natural, mesmo dos índios, a uma propriedade e uma
consequências práticas. Esse desafio se deu não apenas no terreno pro- jurisdição] esteve no cerne de uma grande série de conferências, ssRelectio
priamente geográfico, e consubstanciado em invasões e ocupações "ile- de Indis, que o dominicano espanhol Francisco de Vitoria pronunciou na
gais" de território, mas igualmente no plano conceituai, vale dizer, no ter- Universidade de Salamanca em 1539. Se a autoridade civil era inerente em
reno jurídico do "direito das gentes", sobre o qual supostamente se deve- todas as comunidades, em virtude da razão e do direito natural, nem o papa
riam assentar as bases da "nova" diplomacia. nem o imperador poderiam reivindicar legitimamente um domínio temporal
Como indica um especialista, "à diferença'dos espanhóis, que acei- universal que eliminasse ou passasse por cima dos direitos legítimos das
taram as bases jurídicas das reivindicações portuguesas e argumentaram comunidades não-cristãs. Num golpe decisivo, portanto, Vitoria destruiu a
apenas sobre os limites, os franceses apresentaram um desafio fundamen- justificativa pura o domínio espanhol nas índias sobre a base da doação pa-
tal aos direitos exclusivos de Portugal sobre o Brasil. Esses direitos se apoi- pal. Da mesma forma, ele rejeitou títulos baseados em supostos direitos de
avam, como na África, nas bulas pontifícias, que personificavam a tradi- descoberta ou na oposição dos índios em aceitar a Fé".24
ção canónica medieval da jurisdição universal do papa sobre o mundo, Contestada em suas bases jurídicas e ideológicas, a doutrina pon-
conceito classicamente formulado [...] durante o século XIII. Ele dava ao tifícia já não mais poderia servir de base à dominação exclusiva do
Papa autoridade legítima para conceder aos soberanos cristãos que empre- mundo pelos dois reinos ibéricos. Ela tampouco permitiria instrumen-
endessem a tarefa de evangelização direitos monopólicos sobre mares e tar o novo padrão das relações internacionais que emergia paralela-
terras descobertas. Mas, esse conceito medieval foi logo atacado por críti- mente à afirmação dos Estados monárquicos no cenário europeu. A
cos tomistas cujas ideias tinham sido ulteriormente reforçadas pelo redes- diplomacia pontifícia seria uma das muitas vítimas do processo global
coberta renascentista do direito romano, em especial do Código de Justini- de mutação intelectual que se operava durante o Renascimento: em
ano. Com efeito, a posição pontifícia não era mais aceita por estudiosos seu lugar surgiriam novas técnicas e novas estruturas para a política
progressistas mesmo na Península Ibérica (como por exemplo Francisco exterior dos Estados.
de Vitoria). Armados, então, com o conceito 'moderno' de império, base-
ado no direito laico das nações (ex lure gentium), os soberanos franceses
insistiram em seu direito de comerciar livremente e declinaram em respei- (i. O NASCIMENTO
tar qualquer título que não fosse respaldado pela ocupação efetiva".22 , DA DIPLOMACIA PERMANENTE
Submetidos a uma constante pressão francesa desde os anos 20
do século 16, os portugueses enfrentaram dificuldades em várias fren- Como alerta Mousnier, essas estruturas são novas apenas fora da Itá-
tes. "Juridicamente, as bulas papais e o Tratado de Tordesilhas eram lia, já que nessa península desde cedo se compreendeu a necessidade de
reconhecidos apenas por Castela e a argúcia intelectual dos advoga- certas regras de convivência, de um sistema de relações entre estados, a co-
O S
dos franceses tornava incómoda a posição do rei de Portugal. Inca- meçar entre os próprios estados italianos. "Os italianos tinham chegado à
paz de persuadir o rei francês [sobre a legitimidade] de seu direito noção de um sistema de Estados no qual cada qual é obrigado a velar pela
legal [...], João III (1521-1557) chegou a apelar temporariamente para manutenção do equilíbrio [geral]. Para tal, era necessário [estabelecer] rela-
a chantagem de Chabot, o Almirante da França, em sua tentativa de ções permanentes entre os Estados, aos quais se impunha portanto um certo
controlar a pirataria e os saques franceses (1529-31)". Rendendo-se número de regras, um direito internacional. [...] A língua diplomática euro-
finalmente à evidência, os portugueses organizam a expedição de peia se aprovisiona de metáforas tomadas de empréstimo à Itália: 'balança
Martim Afonso de Souza (1530-1531): "esses estabelecimentos res- de poderes', 'contrapeso de forças', etc. A ideia de 'corpo cristão", de 'repú-
ponderiam ao desafio jurídico francês: Portugal poderia agora reivin- blica cristã" cessa. As noções de equilíbrio europeu, de diplomacia perma-
dicar a 'posse efetiva' do Brasil". 23 nente, de direito internacional, de princípio de intervenção, dominarão a po-
No terreno mais "ideológico" da evangelização dos novos povos e lítica europeia até o congresso de Viena e mesmo mais além".23
naquele mais "jurídico" de seu direito à "propriedade", a doutrina pontifícia
:J
-- Ver H. B. Johnson. "The portuguesc settlemcnt of Brazil, 1500-1580", in Belhell Ver J. H. Eliotl, "Spain and America in the sixlecnth and scvcntccnth centurics", in
(ccl), l kc Cainhriilge history of Latiu America, op. cit. supra, p.249-286, c l", p.259. Betheii (ecl.). The Cumbnd^K history, op. cit., p.287-339, c f. p.305.
11
1!
Idcm, p.26(). Cf. Mousnier, /.c.v XVIc. cl XVÍle. Siècles, op. cil., p. 140.
-" Não se deve tampouco descartar a influência desse "pecado original" que repre-
sentou o lator "Tordesilhas" na própria afirmação arraigada do trabalho escravo no
7. A FORMAÇÃO TERRITORIAL DO BRASIL Brasil: muitas vezes se esquece que, de certo modo, o Tratado de Tordesilhas repre-
sentou a legalização do monopólio português do comércio negreiro. Desde 1502,
lissa diplomacia permanente, por exemplo, é colocada em ativida- por exemplo. Portuga! passou a abastecer Scvilha, que remetia os escravos africanos
de desde cedo entre os dois reinos ibéricos, precisamente em razão das para a A m é r i c a espanhola. Alguns anos depois, o tráfico já representava uma das
diferenças remanescentes a respeito das fronteiras respectivas da "par- p r i n c i p a i s rendas da Coroa portuguesa. Nessas condições, não c de surpreender o
lato de que o modo de produção escravista, adotado com maior ou menor intensida-
l i l h a do mundo" operada inicialmente emTordesilhas. O Brasil, em par-
de cm todas as empresas coloniais europeias, tenha adquirido no Brasil uma amplitu-
de tal que ele v i r i a a marcar indelevelmente o processo de formação da nacionalida-
Idcni, p. 141. de, deixando como herança histórica uma das características mais negativas de sua
Klein, p. 142. estrutura social e de seu sistema c u l t u r a l e de valores.
118 119
desenvolvimento das fronteiras a partir de então, já não guardaria mais
relações "genéticas" com o processo histórico inaugurado em 1492-1494,
Capítulo 4
tendo passado a responder, a partir do século 17, a uma dinâmica diplo-
mática própria, assim como a outros critérios de afirmação dos interes-
ses nacionais, entre eles a expansão "natural" dos habitantes do imenso
A diplomacia
"heartland" brasileiro. Restaria apenas, como herança legítima da gesta
colombina, o estilo de negociações diplomáticas inaugurado logo após a
viagem do "Almirante do mar oceano".
do desenvolvimento:
de Bretíon Woods à OMC
l , A RECONSTRUÇÃO ECONÓMICA
DO PÓS-GUERRA:
ENTRE PROTECIONISMO E LIBERALISMO
O século 19 tinha sido caracterizado, do ponto de vista comercial,
por tímidos avanços do liberalismo comercial, sob a impulsão da Grã-
Bretanha, e por políticas nacionais de favorecimento à industrialização,
marcadas por alguns períodos protecionistas, sobretudo no caso dos Es-
tados Unidos e de certos países europeus engajados tardiamente na mo-
dernização (Alemanha, Itália). Uma multiplicidade de acordos bilaterais
de comércio, contendo a cláusula de nação-mais-favorecida (NMF), tor-
nou possível o intercâmbio de reduções tarifárias entre a maior parte dos
países europeus, criando, de fato, um sistema multilateral de comércio.
103
no, o 1'apado l i n h a ; n l i | i i u idi i pi r v a l e i K ia sobic o poder real: o pontílicc da j u r i s d i ç ã o e s p i r i t u a l , permitindo ao Infante conservar o poder tempo-
assumia o papel de a i h i l i u miei n a c i o n a l , l a u l o mais que a sociedade euro- ral" em seu ducado de Viseu (bú\a.EtsiSusceptit de 9 de janeiro de 1442)".
peia era a "comunidade das nações cristas" e que os reis costumavam enviar A i n d a Kuc.cuio IV, ressalvando possíveis direitos da Coroa de Castela,
aos papas recém-eleilos "embaixadas de obediência".' miei vem l a v o í a v d i n c n l c à empresa portuguesa de "evangelização" afri-
Para todos os eleitos prál icos, Roma era, até princípios do século 16, o c a n a ( n o v a AV\ AVi;i//;/, de janeiro de 1443).
centro das relações inieniacionais do mundo civilizado. Mesmo se a capital A pi i m c n a " p a r t i l h a do mundo" entre os Estados português e espa-
dos papas, enquanto tal, não participou do ciclo das grandes descobertas — n h o l l e n i m i n o pouco depois, sempre por obra c graça da diplomacia
o feito foi essencialmente ibérico, aliado ao conhecimento cartográfico e de p o n i i h i ia A piecoce a v e n t u r a oceânica da Casa de Aviz asseguraria a
navegação das cidades comerciais italianas, Génova em primeiro lugar — e l ' o i l i i ! ' : d uma picscuc:a constante nesses instrumentos legitimadores da
se a cidade em si tampouco tinha muita importância comercial, Roma era, no p u l i l i c a m i e i n a c i o n a l tios primórdios da era moderna que eram as bulas
dizer de um historiador, uma grande "clearing-house of geographical gossip", papais. P o r t u g a l possuía vários recursos em que fundar seu direito às
devido às idas e vindas internacionais dos eclesiásticos.'1 novas t e r r a s descobertas e a descobrir: o da anterioridade da descoberta
Portugal, mais do que nenhum outro reino "cristão", podia permitir-se era um deles, p a t e n t e nele mesmo. A garantia papal era outro, talvez o
ignorar a autoridade do Papa. O nascimento do próprio reino, em 1140, se recurso mais importante nesse contexto.
tinha processado através de oportuna vassalagem à Santa Sé: pouco anos Como afirma com razão Chaunu, "o papa representava a garantia da
depois, pela bula Manifcslis Probuíum, de 1170, o papa Alexandre 111 con- ordem" e essa ordem era importante para legitimar a constituição cie um
firmava a D. Afonso Henriques o título de rei de Portugal. Durante toda a monopólio de um novo tipo. Com efeito, "o papado, garantidor de um direito
primeira fase de sua existência como nação independente, Portugal não dei- que no seio da cristandade podia qualificar-se de internacional, participou de-
xou tampouco de enviar "embaixadas de obediência" ao bispo de Roma. forma notória na constituição do monopólio arquétipo, o monopólio português".
Coerentemente com essa postura, desde os primórdios de suas aven- O papa N icolau V, por exemplo, expede uma bula em favor do rei 1). Afonso
turas africanas, a corte cie Lisboa procurou obter da "corte" de Roma aque- V, dito o Africano, afirmando caber-lhe perpetuamente, e ao I n f a n t e 1).
les atos de caráter supranacional que validassem suas novas posses frente Henrique, a 'conquista que vai desde o cabo Bojador e do cabo Não corren-
aos demais soberanos cristãos; as bulas representavam, por excelência, os do por toda a Guiné e passando além dela vai para a plaga meridional', e
instrumentos para tal eleito, seja antecipadamente como autorização pon- vedando a qualquer pessoa comerciar nessas terras, sob pena de excomu-
tifícia para as viagens de descobrimento, seja, posteriormente, como con- nhão (bula Romanus Pontifcx de 8 de janeiro de 1454). Confirmando a co-
firmação político-diplomática das conquistas realizadas. Desde a primeira lonização e a evangelização de todas as terras africanas em direção do sul,
metade do século 15, sobretudo por impulsão do Príncipe D. Henrique, o essa bula representou, no dizer de Chaunu, um grande êxito diplomático de
Estado português se dedicava à conquista da vizinha África. A cada etapa Henrique o Navegador. Ela estabelecia, "de direito, a primeira forma de
do avanço nos espaços atlânticos e nas costas africanas correspondia um monopólio indispensável para a expansão [colonial]".-1
novo documento da diplomacia vaticana. Senão vejamos. Seguiram-se outros textos de igual teor, reiterando os conceitos de
Em 1418, o rei D. João I obtém do Papa Martinho V uma bula (Sane "fidei propagationem et divini cultus augmentum": é o caso da líder
Charissimus ) que ciava caráter de "cruzada" à conquista do Marrocos. Coc.tc.ra de Calixto 111 (de 13 de março de 1456), ou de sua solene con-
"Seu filho D. Duarte, querendo legitimar o prosseguimento da ação ul- firmação pela bula de Sixto IV, a Aeternis Rc^is i-lcnii-iilui (de 21 de
tramarina, pleiteou do Papa Eugênio IV bula que lhe submetia, e a seus
sucessores, 'as terras por eles conquistadas aos infiéis' (RexRegum, de -1 Cí. C h a u n u , Canc/uixla v explolación de lox iiuevos mundo* (xiyjo XVI). Barcelona:
8 de setembro de 1436). O mesmo Pontífice confirmou as doações de Editorial Labor. 1973, p.125. A questão do monopólio, como csclaiccc 1 ' i c i i c C h a u n u ,
D. Duarte e D. Afonso V, ao Infante D. Henrique e à Ordem de Cristo, era fundamenta! ao .sucesso de lodo empreendimento exploradol c c o l o n i a l . "O combate
livrado pelo rei de Portugal, depois do Navegador [ I n í a n l c l ) , l I c n r i q u e ] , para assegurar
seu direito, esse d i r e i t o que I a r a escola, à exploração e x c l u s i v a das cosias da África, deve
-' Como lembra um autor, o Papa desempenhava luncõcs de árbilro internacional, conforme o se r considerado como decisivo cm seus alcances hisióiicos. De sen exilo dependeria o da
jogo da política mundial: "Com base no poder espiritual (c nas sanções dele decorremos, explosão planetária da Europa; sem a g a r a n t i a , d c f t i c t o e </<• /i/;v, olcicrida ao descobridor,
excomunhão e interdição), procurava exercer, na comunidade cristã das nações europeias, uma leria sido impossível o financiamento da exploração e do descobrimento. Uma vez asse-
espécie de administração supranacional." Cí. Hei iode Alcântara Avel lar, llixt óriiiuiliiiini\ini gurada u amortização [tio empreendimento], a lógica l i m i t a ç ã o [do monopólio] no tempo
Uva e económica do Hnisil. 2.ed., Rio de Janeiro: FENAME, 1976, p.37. v i r i a por si mesma. O monopólio em regime de e x c l u s i v i d a d e representou quiçá... um
a
Cl. J. II. Pari y. l In' tli.-icowry i>f Sonlli America. New York: Taplinj',ci P i i b l i s l i n i ) ' . i n c o n v e n i e n t e , m í n i m o se o compararmos com os preciosos serviços que rendeu nos
Company. l T/'), p..Vi. p r i m e i r o s momentos"; cí. p.123.
104 A (l 105
junho de 1481). Essa última bula, na verdade, homologava o tratado de lombo. O rei João [II], decepcionado por ter deixado seu vizinho cap-
paz de Toledo (de 6 de março de 1480), pelo qual Fernando de Aragão e turar a magnífica ocasião que lhe tinha sido oferecida em primeira mão,
Isabel de Castela — os futuros "reis católicos" — se obrigavam a respei- declarou ruidosamente, tão pronto conhecidos os resultados da primei-
tar os direitos portugueses às ilhas atlânticas, exceto as Canárias, e à ra viagem, que as novas terras faziam parte do domínio reservado a
costa guineana. Pouco depois, o papa Inocêncio VIII conclamava D. João Portugal pelas bulas pontifícias. Ele aclota mesmo uma atitude belico-
II a continuar a conquista ultramarina (bula Orthodoxae F ide i de \ 486).6 sa, preparando uma esquadra para impedir que os navios castelhanos
"Fernando de Aragão, cuja política italiana não coincidia com a dos se dirigissem às índias". 1 '
Papas Sisto IV e Inocêncio VIII (e desgostoso com a citada bula de 1486), Os reis católicos, contudo, não se deixam intimidar e fazem apelo aos
conseguiu influir na eleição [em agosto de 1492] de um pontífice arago- mesmos expedientes da "diplomacia papal" que tinham até então sido utili-
nês, Rodrigo de Bórgia, sobrinho de Calisto III, que tomou o nome de zados com grande proveito por seus vizinhos ibéricos. Com efeito, eles ne-
Alexandre VI. No mesmo mês, a serviço dos Reis Católicos, Colombo cessitavam de uma bula análoga àquela possuída pelos portugueses. A ques-
partia em busca das índias". 7 tão que se colocava antes de mais nada, como sintetizou o historiador Elliot,
era a de saber "quem iria exercer domínio sobre as terras e quem iria empre-
ender a salvação das almas de seus povos? Os Reis Católicos voltaram-se
3. DA ARBITRAGEM PAPAL para o papado, seguindo o precedente estabelecido pelos próprios portugue-
À NEGOCIAÇÃO DIRETA ses, que tinham assegurado a doação formal pelo papa dos direitos de sobe-
rania 'desde o Cabo Bojador até a Guiné e além'. De um papa espanhol co-
Os portugueses, como se sabe, foram os primeiros a tomar conheci- laboracionista, Alexandre VI, eles obtiveram o que pretendiam: direitos simi-
mento da descoberta de Colombo. Quando ele chegou a Lisboa em março lares sobre 'todas as ilhas e terras, descobertas e a descobrir'... [...]. Poder-
de 1493, por força do mau tempo, teve de justificar-se frente aos soberanos se-ia considerar as bulas de Alexandre VI de 1493 como desnecessárias,
portugueses, mesmo que fosse simplesmente para convencer seus anfitri- em vista do princípio de direito romano estabelecido nas Siete Partidas, se-
ões de que não tinha avançado sobre a reserva da Guiné. Eles pensaram, a gundo o qual a posse pertence aos primeiros ocupantes da terra. Mas, a
princípio, que Colombo tinha descoberto mais algumas ilhas atlânticas. autorização papal atribuía um grau extra de segurança às reivindicações cas-
Como escreve um biógrafo do "Almirante do mar oceano", o encon- telhanas contra qualquer desafio contestador por parte dos portugueses e ele-
tro entre o Rei de Portugal e Colombo "foi carregado de tensão. O desco- vavam a conquista das índias ao nível de empreendimento sagrado...".'"
bridor da América tinha já estado aos pés daquele trono, em postulante As preocupações dos soberanos espanhóis também eram de ordem
rejeitado. O Rei de Portugal tentava compreender até onde chegava a ver- prática. Como indica outro historiador, "o objetivo imediato da política real
dade nas aventuras que Colombo descrevia, e até onde estava o engano. [de Castela] era a de estabelecer uma presença espanhola na [nova] área,
Ele duvidava dessas índias e suspeitava que a expedição espanhola viesse organizar um sistema regular para se abastecer de ouro por meio de tro-
da Guiné ou de qualquer outra terra pertencente a Portugal. [...] Depois,... ca, e obter um título espanhol, internacionalmente reconhecido, de co-
levantou a dúvida que 'segundo o tratado vigente entre Portugal e Castela mércio e de estabelecimento, à exclusão dos demais europeus. Esse títu-
a descoberta e a conquista pertencessem a ele'. (Se referia ao tratado de lo, em vista da informação já em possessão dos portugueses, era uma
Alcobaça, de 1479, firmado por seu pai...). Secamente o Almirante res- questão de urgência. [...] As bulas que [Alexandre VI] emitiu em 1493
pondeu 'não ter conhecimento daquele tratado'. Sabia da interdição feita iriam constituir, para a Administração espanhola nos próximos trezentos
aos marinheiros espanhóis de viajar para a Guiné e a tinha respeitado"." anos, a base moral e legal da dominação espanhola nas Américas"."
A revelação de que Colombo tinha de verdade descoberto terras
novas e outros povos colocou problemas de uma extrema urgência para "Vide Zcllcr, Hisloire cies reUilions internationciles, toma2'.LesTetnpsModerw$, v.l: De
ambos os soberanos ibéricos. Como indicou Gaston Zeller, "os portu- Cristoplie Coltunb à Crwnwelt, Paris, Libra i rio HuchcUc. 1953, Chap. I l l : "Lês Problèmes
gueses acolheram com muita apreensão a notícia da descoberta de Co- de Ia Mor", p.30-88. cí. p.35.
'" CF. J. H. Eliotl, "The spanish onquest and lhe scttlenicnl of America", in Bcthell (cd.),
The Camhrídgeítiitoiyof Latiu America, Cambridge, Cambridge Univcrsity Press, 1984.,
v.l, cap. 6, Pari Two,'p.í 49-206, c f. p.160-161.
'' Idcm. " Cf. Parry, The ctiscovery of South America, op. cit., p.67. O Papa tinha o direito de
7
Idcm, loc. cit. conceder soberania temporal sobre territórios não disputados por outros príncipes cris-
s
Cl. G i a n n i GuinzoUo, Cristo/oro Colombo. Milão, Amoldo Mondadori Edilorc 1984 tãos, doutrina um pouco dúbia, mesmo para os ortodoxos, mas que tinha sido aceita
p.221-222. quando a monarquia portuguesa reivindicou a posse da África ocidental.
107
Talvez mais do que em qualquer período anterior, e provavelmente todas as I l h a s e Icrras íirmcs achadas c por achar, descobertas ou por
pelo resto dos tempos modernos, a diplomacia papal mostrou-se ex- descobrir, paia o Ocidcnle e o Meio-Dia, fazendo c construindo uma linha
cepcionalmente prolífica em matéria de "títulos de propriedade". Ti- desde o Polo Ártico, a saber do Sctcntrião, ate o Polo Antártico, a saber
vemos, num diminuto espaço de tempo, uma sucessão de bulas pon- Meio-Dia, quer sejam terras firmes c i l h a s encontradas c por encon-
tifícias que se completavam ou se duplicavam, o que, em si mesmo, trar cm dircção à índia, ou cm dircção a qualquer outra parte, a qual
revela o grau de incerteza sobre a amplitude real dos descobrimentos l i n h a dista de q u a l q u e r das ilhas que vulgarmente são chamadas dos
colombinos. "As primeiras duas bulas simplesmente garantiam a so- Açores c Cabo Verde cem léguas para o Ocidente e o Mcio-Dia...1-1
berania das descobertas de Colombo para Castela; mas, isto não era
suficiente. Os portugueses já reivindicavam, pela bulaAeterniRegis Chaunu, por seu lado, desfaz alguns equívocos sobre o conteúdo
de 1481, o monopólio de navegação ao sul das ilhas Canárias, e para dessa famosa bula. Ele afirma, em síntese, que muito se desvirtuou o seu
autorizar Colombo a cruzar o Atlântico em latitudes mais meridionais sentido, "dando-lhe um poder resolutório de que carecia", tendo ainda sido
era necessário restringir o monopólio. Em consequência, a terceira situada exclusivamente no contexto da rivalidade hispano-portuguesa, o
bula, a íamosa/nfer Coetera, traçou uma linha imaginária de norte a que aparentemente não era o caso, como a própria negociação de Tor-
sul a cem léguas a oeste das ilhas dos Açores e do Cabo Verde e desilhas o demonstrou. A definição da linha divisória, por exemplo, que
garantia que as terras e mares além dessa linha, em qualquer latitu- não existia na primeira versão do texto (de 3 de maio de 1493) e que foi
de, deveriam ser reservadas à exploração espanhola". A quarta bula, acrescentada in extremis na segunda redação do texto (de junho, rece-
Dudum Siquidem, confirmava de certo modo as anteriores e amplia- bida em Barcelona cm 19 de julho), é, segundo Chaunu, "um ponto em
va o escopo das "concessões" pontifícias, pois que ela garantia que qualquer hipótese secundário do texto". 1 ' 1
mesmo as ilhas e terras descobertas e a descobrir a oeste e ao sul do A verdade, porém, é que os espanhóis recebiam em doação perpé-
caminho das índias pertenceriam a Castela. Ela iria encontrar reso- tua, das mãos do Papa, todo o Novo Mundo ainda por descobrir. Ainda
luta oposição por parte da coroa portuguesa. que a força legal de todos esses instrumentos da diplomacia vaticana
A busca de um "reconhecimento diplomático" para as novas pudesse ser contestada, como ela o foi efetivamente pelos demais sobe-
aquisições castelhanas foi, assim, um processo confuso e entremea- ranos europeus, eles eram, do ponto de vista de Portugal, suficientemen-
do de interpretações sempre inéditas. À primeira bula Inter Coetera te preocupantes e explícitos para justificar uma ação diplomática susce-
foi elaborada em abril, embora viesse pós-datada de 3 de maio de 1493. tível de limitar seus efeitos.
Mas, como diz Zeller, "ela foi redigida de maneira tão apressada que Incapaz, contudo, de mudar a atitude do Papa — embora tivesse pro-
será preciso, para levar em conta os imediatos protestos portugue- testado ainda antes da Dudum Siquidem —, o rei D. João 11 aciona o pró-
ses, acompanhá-la, um mês depois, de uma outra, com o mesmo nome, prio trono de Castela que, a princípio, mostrou-se pouco receptivo. Dispos-
concebida em termos um pouco diferentes e antedatada do dia 4 de to inclusive a ir à guerra para fazer valer os seus direitos, o "Príncipe Per-
maio". 12 feito" logrou finalmente que Fernando e Isabel decidissem entabular nego-
Uma terceira bula, a Eximiac Devotionis, foi expedida em julho, ciações dirctas com ele. Kstava aberto o caminho de Tordesilhas.
mas com a mesma data da primeira Inter Coetera: ela outorgava aos O elemento significativo que importa reter para os propósitos desta
reis católicos "não menores graças" do que as concedidas aos de Portu- nossa análise é precisamente o fato de que, no âmbito da "técnica" das
gal. Finalmente, cinco meses após, e depois de uma investigação mais relações internacionais, em Tordesilhas se passa de uma fase de recurso
detalhada, a bula Dudum Siquidem (de 25 de setembro), corrige ligeira- prioritário à legitimação papal, como meio de se fazer reconhecer erga
mente as precedentes e passa a atribuir à Espanha algumas concessões omnes decisões adotadas mais ou menos unilateralmente pelas casas rei-
feitas anteriormente à Ordem de Cristo, sempre quando as terras, àque- nantes da Europa, para uma de abertura de processos de negociação
la data, não estivessem sob a posse atual e real da Ordem. diplomática direta entre poderes soberanos.
Resumindo o essencial dessa primeira partilha do mundo — e última a Em Tordesilhas se iria discutir sem interferência da Cúria romana
ser feita por uma "organização internacional", a que podia ser assimilado o e, mais importante, sobre uma matéria sobre a qual já existia disposição
Vaticano nessa época —, na Inler Coetera, o papa atribui a Castela anterior do Papa, no caso as sucessivas bulas de 1493. Em Tordesilhas
se situa, verdadeiramente, o começo da moderna diplomacia.
L<
'- Cl. Zcllcr, Hixtoire cies reltitio/ix intcniiilioiiíilex, op. ciL, p.35. C!. Avclkn, História udininistrcílivu, op. ciL, p.3eS-39.
14
Cl". C h a u n u . Coni/itisiii v cxplotcición, op. cil., p. 1 25- 126.
17
13
Cl'. Parry, The discovery of Soulh America, op. dl., p.68. Cf. Zeller, Histoirc dês relalions internationales, p.36.
"' Cf. C h a u n u , op. ciL, p. 126. ' s Idem, op. cit., p.38.
112 113
O desafio ao condomínio ibérico partiu, como seria de se esperar, seria igualmente contestada com brilhantismo pelos novos pensadores do
dos franceses e era especificamente dirigido contra os espanhóis, muito direito das gentes, em especial por Francisco cie Vitoria. "A doutrina aristo-
embora tenham sido os portugueses a sofrer em primeira mão suas télica (de um direito natural, mesmo dos índios, a uma propriedade e uma
consequências práticas. Esse desafio se deu não apenas no terreno pro- jurisdição] esteve no cerne de uma grande série de conferências, ssRelectio
priamente geográfico, e consubstanciado em invasões e ocupações "ile- de Indis, que o dominicano espanhol Francisco de Vitoria pronunciou na
gais" de território, mas igualmente no plano conceituai, vale dizer, no ter- Universidade de Salamanca em 1539. Se a autoridade civil era inerente em
reno jurídico do "direito das gentes", sobre o qual supostamente se deve- todas as comunidades, em virtude da razão e do direito natural, nem o papa
riam assentar as bases da "nova" diplomacia. nem o imperador poderiam reivindicar legitimamente um domínio temporal
Como indica um especialista, "à diferença'dos espanhóis, que acei- universal que eliminasse ou passasse por cima dos direitos legítimos das
taram as bases jurídicas das reivindicações portuguesas e argumentaram comunidades não-cristãs. Num golpe decisivo, portanto, Vitoria destruiu a
apenas sobre os limites, os franceses apresentaram um desafio fundamen- justificativa pura o domínio espanhol nas índias sobre a base da doação pa-
tal aos direitos exclusivos de Portugal sobre o Brasil. Esses direitos se apoi- pal. Da mesma forma, ele rejeitou títulos baseados em supostos direitos de
avam, como na África, nas bulas pontifícias, que personificavam a tradi- descoberta ou na oposição dos índios em aceitar a Fé".24
ção canónica medieval da jurisdição universal do papa sobre o mundo, Contestada em suas bases jurídicas e ideológicas, a doutrina pon-
conceito classicamente formulado [...] durante o século XIII. Ele dava ao tifícia já não mais poderia servir de base à dominação exclusiva do
Papa autoridade legítima para conceder aos soberanos cristãos que empre- mundo pelos dois reinos ibéricos. Ela tampouco permitiria instrumen-
endessem a tarefa de evangelização direitos monopólicos sobre mares e tar o novo padrão das relações internacionais que emergia paralela-
terras descobertas. Mas, esse conceito medieval foi logo atacado por críti- mente à afirmação dos Estados monárquicos no cenário europeu. A
cos tomistas cujas ideias tinham sido ulteriormente reforçadas pelo redes- diplomacia pontifícia seria uma das muitas vítimas do processo global
coberta renascentista do direito romano, em especial do Código de Justini- de mutação intelectual que se operava durante o Renascimento: em
ano. Com efeito, a posição pontifícia não era mais aceita por estudiosos seu lugar surgiriam novas técnicas e novas estruturas para a política
progressistas mesmo na Península Ibérica (como por exemplo Francisco exterior dos Estados.
de Vitoria). Armados, então, com o conceito 'moderno' de império, base-
ado no direito laico das nações (ex lure gentium), os soberanos franceses
insistiram em seu direito de comerciar livremente e declinaram em respei- (i. O NASCIMENTO
tar qualquer título que não fosse respaldado pela ocupação efetiva".22 , DA DIPLOMACIA PERMANENTE
Submetidos a uma constante pressão francesa desde os anos 20
do século 16, os portugueses enfrentaram dificuldades em várias fren- Como alerta Mousnier, essas estruturas são novas apenas fora da Itá-
tes. "Juridicamente, as bulas papais e o Tratado de Tordesilhas eram lia, já que nessa península desde cedo se compreendeu a necessidade de
reconhecidos apenas por Castela e a argúcia intelectual dos advoga- certas regras de convivência, de um sistema de relações entre estados, a co-
O S
dos franceses tornava incómoda a posição do rei de Portugal. Inca- meçar entre os próprios estados italianos. "Os italianos tinham chegado à
paz de persuadir o rei francês [sobre a legitimidade] de seu direito noção de um sistema de Estados no qual cada qual é obrigado a velar pela
legal [...], João III (1521-1557) chegou a apelar temporariamente para manutenção do equilíbrio [geral]. Para tal, era necessário [estabelecer] rela-
a chantagem de Chabot, o Almirante da França, em sua tentativa de ções permanentes entre os Estados, aos quais se impunha portanto um certo
controlar a pirataria e os saques franceses (1529-31)". Rendendo-se número de regras, um direito internacional. [...] A língua diplomática euro-
finalmente à evidência, os portugueses organizam a expedição de peia se aprovisiona de metáforas tomadas de empréstimo à Itália: 'balança
Martim Afonso de Souza (1530-1531): "esses estabelecimentos res- de poderes', 'contrapeso de forças', etc. A ideia de 'corpo cristão", de 'repú-
ponderiam ao desafio jurídico francês: Portugal poderia agora reivin- blica cristã" cessa. As noções de equilíbrio europeu, de diplomacia perma-
dicar a 'posse efetiva' do Brasil". 23 nente, de direito internacional, de princípio de intervenção, dominarão a po-
No terreno mais "ideológico" da evangelização dos novos povos e lítica europeia até o congresso de Viena e mesmo mais além".23
naquele mais "jurídico" de seu direito à "propriedade", a doutrina pontifícia
:J
-- Ver H. B. Johnson. "The portuguesc settlemcnt of Brazil, 1500-1580", in Belhell Ver J. H. Eliotl, "Spain and America in the sixlecnth and scvcntccnth centurics", in
(ccl), l kc Cainhriilge history of Latiu America, op. cit. supra, p.249-286, c l", p.259. Betheii (ecl.). The Cumbnd^K history, op. cit., p.287-339, c f. p.305.
11
1!
Idcm, p.26(). Cf. Mousnier, /.c.v XVIc. cl XVÍle. Siècles, op. cil., p. 140.
-" Não se deve tampouco descartar a influência desse "pecado original" que repre-
sentou o lator "Tordesilhas" na própria afirmação arraigada do trabalho escravo no
7. A FORMAÇÃO TERRITORIAL DO BRASIL Brasil: muitas vezes se esquece que, de certo modo, o Tratado de Tordesilhas repre-
sentou a legalização do monopólio português do comércio negreiro. Desde 1502,
lissa diplomacia permanente, por exemplo, é colocada em ativida- por exemplo. Portuga! passou a abastecer Scvilha, que remetia os escravos africanos
de desde cedo entre os dois reinos ibéricos, precisamente em razão das para a A m é r i c a espanhola. Alguns anos depois, o tráfico já representava uma das
diferenças remanescentes a respeito das fronteiras respectivas da "par- p r i n c i p a i s rendas da Coroa portuguesa. Nessas condições, não c de surpreender o
lato de que o modo de produção escravista, adotado com maior ou menor intensida-
l i l h a do mundo" operada inicialmente emTordesilhas. O Brasil, em par-
de cm todas as empresas coloniais europeias, tenha adquirido no Brasil uma amplitu-
de tal que ele v i r i a a marcar indelevelmente o processo de formação da nacionalida-
Idcni, p. 141. de, deixando como herança histórica uma das características mais negativas de sua
Klein, p. 142. estrutura social e de seu sistema c u l t u r a l e de valores.
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desenvolvimento das fronteiras a partir de então, já não guardaria mais
relações "genéticas" com o processo histórico inaugurado em 1492-1494,
Capítulo 4
tendo passado a responder, a partir do século 17, a uma dinâmica diplo-
mática própria, assim como a outros critérios de afirmação dos interes-
ses nacionais, entre eles a expansão "natural" dos habitantes do imenso
A diplomacia
"heartland" brasileiro. Restaria apenas, como herança legítima da gesta
colombina, o estilo de negociações diplomáticas inaugurado logo após a
viagem do "Almirante do mar oceano".
do desenvolvimento:
de Bretíon Woods à OMC
l , A RECONSTRUÇÃO ECONÓMICA
DO PÓS-GUERRA:
ENTRE PROTECIONISMO E LIBERALISMO
O século 19 tinha sido caracterizado, do ponto de vista comercial,
por tímidos avanços do liberalismo comercial, sob a impulsão da Grã-
Bretanha, e por políticas nacionais de favorecimento à industrialização,
marcadas por alguns períodos protecionistas, sobretudo no caso dos Es-
tados Unidos e de certos países europeus engajados tardiamente na mo-
dernização (Alemanha, Itália). Uma multiplicidade de acordos bilaterais
de comércio, contendo a cláusula de nação-mais-favorecida (NMF), tor-
nou possível o intercâmbio de reduções tarifárias entre a maior parte dos
países europeus, criando, de fato, um sistema multilateral de comércio.
70
qúência, lembramos a falta de controle económico, a
mundo, que não foi deliberadamente planejada nem
expulsão dos judeus, as perseguições religiosas, o dese-
voluntariamente aceita. As bases do domínio europeu
jo de enriquecer sem trabalhar, o ócio, a falta de raciona-
foram preparadas no século XV e firmemente assentadas
lização. O preço da pimenta flutuava, a exemplo do pre-
nos séculos XVI e XVII. A conquista de Ceuta, em 1415,
ço do cobre que era indispensável ao escambo com a
marcou o início deste movimento cie europeização, sen-
índia. Não se podia recorrer ao empréstimo interno, pois
do D. Henrique, segundo J. Parry(22), a mais importante
grandes* capitais haviam fugido do país com a expulsão
figura das expedições, não só ultramarinas portuguesas,
dos judeus. Além disso, os católicos de Portugal e Espanha
mas europeia em geral. A ofensiva muçulmana, cie 1453
duvidavam da moralidade do empréstimo lucrativo, isto
!j a 1683, estimulou a expansão. Especialmente desde o
é, do juro; enquanto os calvinistas, flamengos, ingleses e
fracasso do segundo assédio a Viena, em 1683, até o
holandeses não viam nenhum mal no empréstimo.
•- advento da Primeira guerra mundial, em 1914, o mundo
Calvino libertara o juro desde 1540 (De Usuris).
O ouro e a prata trazidos para a Europa pela Espanha, foi dirigido por uma oligarquia da classe média da Euro-
pa Ocidental, que, apesar de pequena, pôde atacar de
entre 1501 e 1650 provocaram enormes efeitos nos pre-
frente a frente essa tarefa, porque era incomumente há-
ços, nos salários e no bem-estar económico-, a chamada
Revolução dos Preços e as sucessivas inflações e defla- bil e sensível. Nessa distribuição, as "classes baixas", as
coloniais e as nativas não contavam(23).
ções da economia espanhola pertubaram a vida deste
país e da Europa. O ouro e a prata eram contrabandeados Neste quadro não havia lugar para a China e a índia,
para a Inglaterra, França e Países Baixos, a partir de Lis- e, dificilmente, para a Rússia e a América. Ao considerar-
boa. A Revolução dos Preços foi um dos fatores mais se apenas até o princípio do século XVIII, pode-se lem-
importantes da decadência das instituições económicas brar a supremacia incontestável da Europa, e compará-
medievais e do aparecimento do moderno capitalismo. la, em 1715 - quando do Segundo Tratado de Utrecht -
O custo de vida cresceu sem medida e o único paralelo com o mundo de 1415.
é a subida dos nossos dias. Daí falar-se na modernidade
do século XVI.
Deste modo, o descobrimento cia América e do cami- 3.2. As Bulas Papais e o Tratado de
nho para as índias no século XVI influem na economia e Tordes ilhas
são fatos dos mais importantes na história da humanida-
de. Fizeram progredir o capitalismo e prepararam a Re- IO Tratado de Tordesilhas (07/07/1494) e o de Madri
volução Industrial. (13/1/1750) são os dois atos diplomáticos mais impor-
A revolução económica, que acompanhará a geográfi-
ca, expandiu os limites da cristandade europeia. O mais (2Z1
Europa y Ia Exficmsiân dd Mundo, Fondo de Cultura Económica, 1952, p.12.
notável traço da história moderna, a europeização do p31 Arnold Tòynbce, "A Stucly of History. What ani I trying to do", International Affairs, vol.
XXXI, n. l, jtm. 1955, 1-4.
72
73
11
expedida em julho), que estabelecia que os Reis Católi-
tantes relativos ao Brasil colonial. Quando Colombo che- cos podiam usar sobre os novos territórios dos mesmos
gou a Lisboa, de regresso das Antilhas, (tomou a ilha de direitos que a Santa Sé tinha concedido aos Reis de Por-
Cuba pelo continente asiático), errando sobre o paralelo tugal. A Pouco ha que de nuestro motu próprio (25/9/93)
que atingia cerca de 180° por carência, ou seja, metade e (26/9), a primeira concedendo à Espanha todas as ilhas
do perímetro do globo, D. João II, a 4 de maio de 1495, encontradas ou por encontrar a oeste, sul e leste da ín-
afirmou que as terras descobertas lhe pertenciam, man- dia; e a segunda confirmando a Inter Caetera, de 4 de
dou preparar uma armada para reivindicar a sua posse, maio constituem uma formidável vitória espanhola em
e enviou Rui de Sande como seu embaixador aos Reis Roma, lesiva aos interesses de Portugal, que fora o inici-
Católicos. Estes, por sua vez, mandaram a Portugal uma ador da navegação transoceânica. _
embaixada (Lope de Herrera)(24). Só em março de 1494 iniciaram-se as negociações que
A atribuição dos territórios descobertos foi feita com terminaram com a celebração do convénio de Tordesilhas.
evidente prejuízo para as descobertas portuguesas e es- Este tratado representou por parte de Portugal, uma rea-
carnecia de toda a geografia, dividindo o globo, e cor- ção contra a política unilateral de Alexandre VI, que pro-
tando o território sul-americano antes que os europeus o tegia abertamente os Reis Católicos, e nunca uma con-
conhecessem. K Bula Inter Caetera (3/5/1493) atribuiu à cessão pontifícia, como se cliz correntemente.
Espanha as terras e ilhas descobertas por Colombo ao Em nome de Portugal negociaram o Tratado, na últi-
Ocidente, na direção cia índia, no Mar Oceano, ou por ma fase, personalidades de primeira plano: Rui de Sou-
descobrir pelos espanhóis nessa direção, e que não ti- za, o melhor diplomata português da época, Estevão Vaz,
vessem sido possuídas por qualquer príncipe cristão. Em outro diplomata muito estimado pelos Reis Católicos, e
fins de abril, Sande chegava a Barcelona e propunha aos Duarte Pacheco, o melhor cosmógrafo do seu tempo;
Reis Católicos, em nome de D. João II, a divisão do Atlân- por parte cia Espanha, D. Enrique Enriques, mordomo-
tico por um paralelo que passasse pelas Canárias, fican- mor, D. Gutierre de Carclenas, contador-mor, e o
do para a Espanha os descobrimentos ao norte desta cosmógrafo D. Rodrigo Maldonado. •-*
ilha e para Portugal os que fossem feitos ao sul. Os Reis Bartolomeu de Lãs Casas, contemporâneo destes fatos,
Católicos pediram e obtiveram do Papa Alexandre VI as considerava muito superior a sabedoria dos portugueses.
bulas Inter Caetera (4 de maio, mas expedida em ju-
Conforme vários documentos, D. João II, durante as
nho), concedendo todas as ilhas e terras firmes desco- negociações, sustentou as suas pretensões a um maior
bertas ou a descobrir a oeste do meridiano traçado a 100
espaço marítimo a ocidente, mas calou o plano de reser-
léguas de qualquer das ilhas dos Açores ou Cabo Verde,
var-se para si o caminho marítimo para a índia. As nego-
reservando-se para Portugal as que ficassem a oriente ciações finais, começadas em março, terminaram a 7 de
da mesma linha; e a Eximiae devotionis (de 3 de maio,
junho de 1494 com o tratado chamado de Tordesilhas, o
<-•" V. sobre as embaixadas: Florcntino Perez Embid, I.os descubrimíentos en cl Atlântico basta el ;snpme da cidade castelhana onde foi celebrado.
Tratado cie Tordesillas. Sevilla, 1948, 234-245.
74 75
O tratado dispunha que se traçasse uma linha de pólo portugueses, os espanhóis desrespeitaram, desde 1563,
a pólo, a 570 léguas das ilhas de Cabo Verde, para a as estipulações de Tordesilhas, que lhes asseguravam o
parte do poente, e que tudo o que foi ou fosse encontra- domínio do Pacífico, mas lhes vedavam o rico tráfego do
do a oriente dessa linha pertenceria a Portugal; e, a oci- extremo Oriente, particularmente cia China e do Japão.
dente, a Castela. E, assim, ocuparam as Filipinas, que estavam situadas na
Os procuradores comprometiam-se, em nome dos so- zona da soberania portuguesa, 13 graus além dos 180
beranos, a não fazer descobrimentos fora desse termo que, pela convenção, lhes tocavam. O espaço que im-
ou entregar aos legítimos proprietários as terras desco- portava os 13 graus era muito maior que a parte ocupa-
bertas nessas condições. y
da pelos portugueses na Amazónia, no Mato Grosso e
Se os navios de Colombo encontrassem, até 20 de junho no Rio Grande. Além disso, o Imperador Carlos V, pela
desse ano, quaisquer terras nas últimas 120 léguas para convenção realizada em Saragoza, em 1523, tinha vendi-
ocidente, das 370 léguas, seriam para os Reis de Portugal. do à Coroa Portuguesa tudo o que a Espanha pudesse
Dentro dos 10 meses seguintes à capitulação, navios pretender desde as ilhas das Velas para o poente, e pro-
com pilotos e "astrólogos das partes contratantes proce- metido que seus vassalos não navegariam além daquelas
deriam à demarcação da linha divisória". ilhas, e se, por acaso, passassem ao ocidente delas, e aí
Não pedir nem aceitar cio Papa absolvição do juramento descobrissem algumas terras, logo as entregariam a Por-
firmado, ainda que de motuproprío lhes fosse concedido. tugal. E, sem embargo dessa convenção, os espanhóis
Só quando, em 1498, Vasco da Gama voltou de desco- estabeleceram-se nas Filipinas. Este era o pensamento
brir o verdadeiro caminho marítimo para a índia, os Reis oficial português, ainda em 1749, quando a Rainha D.
Católicos perceberam e exprimiram o sentimento de ha- Maria I enviou a D. António Rolim de Moura as Instru-
verem sido logrados, e chegaram a redigir um protesto ções para o Governo da Capitania de Mato Grosso (26),
contra esse logro. devendo assegurar o Guaporé como limite.
Naquele tempo, e até mesmo no século XVIII, era A impossibilidade da adoção de tal meridiano tornou-
impossível conhecer com precisão, por falta de um pro- se mais evidente ainda no tempo da própria dominação
cesso científico e prático para observar as longitudes, o espanhola aqui, pois, ao dar-se a Restauração, em 1640,
lugar exato da costa em que a linha cortava o continen- o Brasil, embora privado de certo trecho do litoral, ocu-
te, quer ao Norte, quer ao Sul, e com maioria de razão a pado pelos holandeses, já avançara ao Norte e a Oeste
faixa do sertão que a envolvia. Espanhóis e portugueses, (viagem de Pedro Teixeira), e ao Sul, em consequência
de um e de outro lado, com escasso respeito pela letra das atividacles bandeirantes. Na época de Felipe II, Por-
do Tratado, cuidaram de obedecer às realidades de uma tugal e Espanha formavam uma monarquia dual, cujos
política geográfica, afirma Jaime Cortesão(25). Antes dos Estados conservavam seus estatutos e foros distintivos,
(
™ Jesuítas e Bandeirantes no Guaíra, Biblioteca Nacional, 1951, pg. 70 ' RIHGB, t. 55, 1892, págs. 388-389.
7.6 77
e, apesar do mesmo Felipe opor-se à interpenetração 3.3. As primeiras negociações diplomáticas
dos portugueses no Brasil e dos espanhóis do Prata, "o com a França
avanço português realizou-se.
Embora não se tenha respeitado ulteriormente esta li-
As primeiras negociações diplomáticas dizem respeito
nha, segundo a letra do Tratado -, e não se podia respeita-
la, pois não se indicava a Ilha de que se devia começar a aos grandes interesses da França na colónia portuguesa,
contagem, nem a medida das léguas -, sua divisão teve às suas explorações do pau-brasil, quando era tal sua
importância que durante anos, era impossível afirmar se
significação fundamental. Antes de tudo, ela vigorou para
o Brasil pertenceria à França ou a Portugal. Ainda nos
a divisão da Costa, pois, ainda hoje, os pontos extremos
da costa brasileira divergem pouco mais da linha de de- últimos tempos de D. Manuel, começaram os protestos
contra a presença dos franceses; com a ascensão de D.
marcação(27). O mais importante é que, com a divisão
João III, a situação agravou-se. Várias embaixadas pro-
das contas, foram também distribuídas as vias de pene-
tração no continente sul-americano. A posse da foz do curaram resolver as disputas. A Primeira Negociação com
Prata pelos espanhóis deu-lhes a planície paraguaia; a a França sobre o Brasil teve lugar em 1529, e seus preli-
posse pelos portugueses da embocadura do Amazonas, minares foram assinados em Fontainebleau, a 4 de agos-
cujo único braço que interessa à navegação, o estuário to de 1531. A Segunda Negociação, com a Espanha, dis-
do Pará, ainda ficava em seu poder, garantiu-lhes a bacia se respeito à colonização de alguns pontos do Rio da
Prata, pois a descoberta era portuguesa. A Terceira Ne-
amazônica. Se acrescentarmos que a fixação final resul-
gociação, com a França, em 1536, determinou que os
tou numa bipartição equilibrada do continente, 8.500.000
franceses não mais viriam ao Brasil. A Quarta, entre 1537
de quilómetros para Portugal e 8.700.000 para a Espanha,
llv e 1542, procurou defender o Brasil cias incursões france-
conclui-se que a mais arbitrária de todas as demarcações
sas. Estas primeiras negociações mostram o nascimento
deu lugar a uma divisão absolutamente satisfatória.
Não obstante, o resultado final não foi um fruto desse da defesa externa cio Brasil e constituem o primeiro ca-
pítulo de sua história diplomática.
Tratado, mas do esforço e da capacidade de colonização
portuguesa, que se expandiu ao norte e ao sul e, pelo uti-
possidetis, adquiriu territórios antes não incluídos em sua
área. Não deve ser esquecida, ainda, a Bula Praecelsae 3.4. As relações diplomáticas durante o do-
ífew)£zontó (3/11/1514), que concedia a Portugal as terras .-' : mínio espanhole neerlandês: 1580-1661
•
e os bens adquiridos de infiéis, não somente do Cabo •' •
82 83
via, pois, um motivo económico preponderante, que se sa do Brasil naquele lado. Ligando-o apenas a esta parte,
unia às realidades da geografia. convém destacar, ainda, o armistício de 1737, assinado
D. Manuel Lobo, Governador do Rio de Janeiro, por em 16 de março, em Paris, no qual convieram os gover-
carta régia de 12 de novembro de l678(35), recebeu or- nos de Portugal e Espanha determinar a cessação das
dem de descer ao rio da Prata e fundar na Ilha de S. hostilidades na América.
Gabriel uma nova Colónia, para que, dizia El-Rei, "meus
vassalos possam residir nela e nas mais que se fizerem
nas terras ermas dos meus domínios". A 20 de janeiro de 3.6. Os limites ao Norte
1680, desembarcou junto à ilha e, no continente, fundou
a nova Colónia. Capistrano de Abreu pergunta, com ra-
zão, porque a fundaram tão afastada das possessões Já vimos o estabelecimento da capitania do Cabo Nor-
portuguesas: se foi no intuito cie evitar as costas áridas te e cia de Pedro Teixeira, em 1639- As lutas com os
do Rio Grande do Sul ou porque El-Rei julgou que o franceses no Amapá, a fundação cie fortes em Araguari,
melhor meio de sustentar e afirmar seus direitos era levá- em Macapá e no Pará, e o estabelecimento cie missioná-
los ao extremo. Pareceu-lhe mais correta a última hipó- rios consolidavam a expansão e o domínio português.
tese00. As vicissitudes que atravessou a Colónia estão, Os franceses começaram, desde 1679, a tentar transpor a
hoje, bem estudadas em suas linhas gerais, embora falte fronteira do Oiapoque e, em 1688, apresentou-se no ter-
revelar muita minúcia. ritório do Amapá o cavaleiro De Ferrole, por ordem do
O Tratado Provisório de 1681, assinado em Lisboa, a 7 Governador De Ia Barre, da Guiana, intimando os portu-
de maio, restaurava a Colónia, capturada pelos espanhóis gueses e brasileiros a abandonar os fortes construídos
em agosto de 1680. São vários Tratados que versam so- acima da margem esquerda do Amazonas(37).
bre a matéria, como o de 1701, em que o soberano da Entretanto, assim como se-cuida cie um aspecto militar
Espanha cede, pelo art. 14, o inteiro domínio da margem e diplomático do ponto extremo-sul da América Portu-
setentrional do rio da Prata. guesa, antes da definição geral cios limites pelo Tratado
O Tratado de Utrecht, de 6 de fevereiro de 1715, afir- de 1750, deve-se também estudar, separadamente, os pro-
mava e confirmava que o rio da Prata era indelével divi- blemas ligados ao extremo norte, a questão do Oiapoque,
das primeiras negociações cie Lisboa, em 1689-1700, até
a convenção de 1817, isto é, antes da Independência,
'-wF,sta carta foi publicada na Registro Geral da Câmara Municipal de São Paulo. 1661-1709, São
Paulo, v. 3, pp 230-231. O Regimento é de 18 de janeiro de 1678 e saiu publicado nos
Documentos Históricos da Biblioteca Nacional, 32, pp 335-357, textos provindos de cópias
diferentes. A Provisão, ordenando que os Oficiais de Guerra, Justiça e Faxenda nas Capitanias
do sul cumpram e guardem as ordens de D. Manuel Lobo para o negócio cio Prata, de 12 de
novembro de 1678, e o Registro da Carta Régia a D. Manuel Lobo sobre ordenados e salários, V. Rio Branco, Questões de Limites, Guiana Francesa, l*. Memória, Rio de Janeiro, 1945, pp 86-
de 12 de novembro de 1678, encontram-se nos Documentos Históricos di\ B. N., vol. 27, pp 110 e Artur César Ferreira Reis, Limites e Demarcações na Amazónia Brasileira, Rio cie Janeiro,
340-343. 1947, pp 65-116 (esp. p. 82); especialmente Caetano da Silva. L'Oyapoc et 1'Amazonie, l vol.
1361
Capistrano cie Abreu, ob. cit., pp 73. PP 67-81. ,
84 85
em 1822. Os vários Tratados de 1701 (Lisboa, 18 de ju-
nho), de 1703 (Lisboa, 16 de maio) e, especialmente, o 1750, que abandonou a linha de Tordesilhas e tomou
de Utrecht (11 cie abril de 1713), quando a França desis- como base o princípio do utipossidetis. Este Tratado tem
tiu de suas pretensões às terras do Cabo Norte, permiti- sido objeto de exaustivas pesquisas, pois nem sempre
ram a reconstrução, por parte de Portugal, cios fortes de ele reconheceu a dilatação das fronteiras lusitanas na
Araguari e Camaú, ou Massapá, e reconheceram o direi- América, acreditou nos direitos portugueses e, sobretu-
to português a ambas as margens cio'Amazonas. Este é o do, admitiu a posse, o povoamento e o esforço da colo-
Tratado fundamental, que vai servir cie base à negocia- nização em terras inteiramente ignoradas pelos tratados
ção final em 1899. Mas a questão não pára em 1713. anteriores.
Os Tratados de 1783, 1797, 1801 e 1802 representa- O difícil problema do equilíbrio entre as duas sobera-
ram novas etapas no desenvolvimento cio problema. Em nias clisputantes encontrou, neste Tratado, uma solução
1783, apesar cie ter acedido ao Tratado de Amizade e harmoniosa, que se baseia numa fórmula legal e na evo-
Garantia, cie 11 de março de 1778, no qual se reafirmava lução histórica da colonização na América do Sul. Não
o art. 25 do Tratado de Limites de 13 de janeiro de 1750, há má fé que possa denegrir, de um lado, o Rei da
relativamente às garantias militares dos limites estabele- Espanha e seu Ministro, D. José de Carvajal, e, de outro,
cidos, a França começou a desejar o Araguari. Em 1797, o Rei de Portugal e Alexandre de Gusmão, pela obra de
1801 e 1802, Portugal, vencido, aceitou muitas imposi- ajustamento que o Tratado promoveu.
ções. Não obstante, no Manifesto às Nações Amigas, de Fatos internos e externos tornavam necessária e ur-
1°. de maio cie 1808, rompeu o príncipe regente, D. João, gente uma solução estável para o problema dos limites
toda comunicação com a França, repeliu os membros de do Brasil com a América Espanhola. No fim do século
sua Embaixada, autorizou a guerra com este país (o Ma- XVIII, quase todo o interior cio Brasil ainda estava des-
nifesto encontra-se reproduzido em Rio Branco, Frontières povoado, e a própria expansão da pecuária não excedia
entre lê Brèsil et Ia Guyanne Française, Paris, 1899, t. 2), as zonas próximas ao litoral. O descobrimento do ouro e
e, por fim, promoveu a ocupação de Caiena pelos luso- dos diamantes, em fins daquele século provocou súbita
brasileiros, de 1809 a novembro cie 1817. exploração e o povoamento do território, com o enorme
afluxo de imigrantes. A descoberta de ouro em Cuiabá e
Goiás provocou não apenas seu esparso povoamento,
como o estabelecimento da estrada das Monções, que
3.7. Definição geral dos limites (1750) baixava o Tietê e o Paraná, subia o Parclo, varava
Camapuan, baixava o Cochim e Taquari, até o Paraguai,
O mais importante e significativo instrumento legal da por onde prosseguia, subindo o São Lourenço e o Cuiabá.
definição dos limites das possessões espanholas e portu- A consequência foi a abertura da estrada cie São Paulo
guesas na América foi, porém, o Tratado de Madrid, de a Goiás e, daí, a Cuiabá. No vale cio Amazonas, um mo-
vimento de exploração completava a estrada na configu-
86 87
funções de Secretário do Rei, a partir de 1731, despa-
ração geral do território: o Governador do Pará enviou chando os negócios cio Brasil, de Roma e de outros
ao Madeira, em 1722, a primeira bandeira de Francisco países e, desde 1743, foi membro do Conselho Ultrama-
de Melo Palheta, que subia até entrar no Mamoré, inti- rino.
mando os Jesuítas a não ultrapassarem aquele rio; em Estudioso de história e geografia, conferiu à política
1728, os Jesuítas portugueses fundaram uma aldeia de interna um fundamento histórico-geográfico, e adquiriu
índios junto às primeiras cachoeiras do Madeira; em 1740, uma competência extraordinária nos negócios cio Brasil
Lourenço Belfort e Francisco Xavier cie Andrade atingi- e nos diplomáticos. Também escreveu sobre esses as-
ram o Alto Rio Branco; em 1742, Manuel Félix de Lima suntos e promoveu missões científicas. Apesar de todas
estabeleceu a ligação Mato Grosso-Belém, baixando pelo as explorações geográficas, eram ainda bem incertos os
Guaporé e o Madeira, até o Amazonas; em 1744, Fran- limites cio Brasil.
cisco Xavier de Matos atingiu o Cassiquiare. De Laguna, Na sua "Exposição de serviços a D. João V", gloriava-
fundada para apoiar a Colónia, iniciava-se o movimento se Alexandre cie Gusmão de haver conduzido as negoci-
de conquista cie todo o Continente do Rio Grande do ações para o Tratado de Limites de forma tal que elas
Sul, tendo sido aberto em 1703, o caminho da Colónia estavam quase a alcançar termo feliz - empresa em que,
cio Sacramento ao Rio de Janeiro, por Domingos até então, haviam sucessivamente fracassado muitos dos
Filgueira(38). melhores diplomatas portugueses, entre os quais Gusmão,
Tudo isso forçava um ajustamento, especialmente a enumera oito, que nós vamos nomear, acrescentando, a
conservação da Colónia e a expansão no Rio Grande. As cada um, a data cie suas missões, para melhor compre-
negociações iniciaram-se em 1746, por parte dos espa- ensão do que vai seguir. Foram eles Pedro cie Vasconce-
nhóis, para quem a posse plena cio estuário platino era los, Embaixador em Madrid (1715-1718); Manuel de
condição indispensável à segurança e ao desenvolvimento Sequeira, Encarregado das "Dependências" (1718-1719);
cias possessões cio Prata. D. Luís da Cunha, Embaixador (1719-1720); António
Alexandre de Gusmão (1695-1753), que dirigiu as ne- Guedes Pereira, Enviado Extraordinário (1720-1727); José
gociações pela parte portuguesa, serviu 5 anos em Paris da Cunha Brochado, iclem (de maio a dezembro de 1725);
e 7 em Roma, onde apurou sua competência de negoci- o Marquês de Abrantes, Embaixador Extraordinário, (1722-
ador. Ao regressar de Roma, esteve no Brasil, como 1729) e Peclro Álvares Cabral, Ministrq Plenipotenciário
mostrou Jaime Cortesão, entre 1729 e 1730, visitando '(1729-1731). Acrescenta-se o conde de Tarouca, Embai-
São Paulo, Rio de Janeiro e Minas, onde atingiam o auge xador em Viena (1725-1738), que aí se ocupou, igual-
a expansão pelo interior e a riqueza mineira. Exerceu as mente, do assunto, durante as negociações para a Liga
com a França e com a Espanha.
"A simples situação cronológica dessas missões diplo-
""' As peripécias da expedição ao Continente podem-se ver em José Honório Rodrigues, máticas", diz Jaime Cortesão, "basta para nos convencer
O Continente do Rio Grande, Rio de Janeiro, 1954, 2a. ed, Brasiliense, São Paulo, 1986.
89
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de que o principal objetivo das negociações cie todos
esses representantes de Portugal foi, não só diverso, mas Haveria interesse em teimar na defesa da Colónia,
quase podíamos dizer oposto aquele em que se empe- permanente ameaça à soberania espanhola em todo
nhou Alexandre de Gusmão. Com efeito, até 1746, D. o vale do Prata, com absoluto menosprezo da de-
João V e os seus ministros empenharam-se em conservar marcação de Torclesilhas, quando outros problemas
a Colónia cio Sacramento e o "Território da Colónia", mais vitais cie soberania mas igualmente contestá-
como então se dizia, isto é, as terras que iam daquela veis à luz do velho Tratado, se levantavam?
povoação até ao Rio Grande do Sul. Até aí os negociadores portugueses, obedecendo
De 1746 em diante, e sob a inspiração de Alexandre ordens pessoais cie D. João V, exigiam apenas o
cie Gusmão, uma das cliretrizes essenciais das negocia- cumprimento estrito cio Tratado cie Utrecht, cie 1715,
ções foi a cessão da Colónia e cio Território, para obter aferranclo-se à mais ampla concessão do território
compensações fundamentais noutra parte. Já eram dessa da Colónia, e pondo cie lado a cláusula do mesmo
opinião, por 1737, o Vice-Rei, Conde cias Galveias e o Convénio segundo a qual a Coroa Espanhola pode-
Brigadeiro José da Silva Pais. ria propor a troca da Colónia por qualquer compen-
Qual o motivo dessa inversão cie objetivos? sação territorial.
"Em primeiro lugar, a expansão luso-brasileira para E foi esta a sugestão inicial que orientou Alexan-
o oeste e a organização administrativa e política ti- dre de Gusmão.
nham avançado rapidamente durante o quarto de Com os dados obtidos, Alexandre de Gusmão che-
x
século anterior às negociações para o Tratado de gara, sem a menor dúvida, à conclusão de que toda
r^ a defesa cia soberania portuguesa sobre as vastas
Madrid. Nesses vinte e cinco anos uma nova e sur-
regiões da América Meridional, ocupadas pelos luso-
r? preendente realidade geográfica e económica surgi-
92 93
cão (Antoine Darbault) e a evitar a coligação com a o Diretório considerou o Tratado nulo e ordenou a reti-
Espanha e Inglaterra. rada do ministro português.
O rompimento cia Inglaterra e da Espanha com a Fran- As hesitações portuguesas nasciam da manifesta ten-
ça, após a morte do Rei Luís XVI, provocou a aliança dência do Príncipe Regente a agir de acordo com a In-
com a Espanha (15 de julho cie 1793) e a entrada na glaterra, ouvindo, assim, a maioria de seus conselhei-
coalizão de Londres (26 de setembro de 1793). Com a ros(44). O agravamento cias desavenças verificou-se entre
separação da Espanha (que assinou, com a França, o 1800 e 1807, excetuada a calma que se seguiu às tréguas
Tratado de Basileia, 27/7/1795), os grandes prejuízos da Paz de Amiens (25/3/1802). Antes disso, contudo,
económicos que, cie 1794 a 1805, sofreu, o comércio do pelo acordo assinado em Madri (29/1/1801), entre a Fran-
Reino (mais de 200 milhões em mercadorias especial- ça e a Espanha, combinava-se a invasão do território
mente vindas do Brasil); e as ameaças e os ataques fran- português, caso não se atendessem as exigências france-
ceses e espanhóis, entrou Portugal no ponto mais sas. Portugal foi, como disse Oliveira Lima, o bode
dificultoso de sua história diplomática daquela época, expiatório de certas combinações bélico-cliplomáticas.
implorando a benevolência francesa e a mediação espa- Nem a paz de Amiens melhorou o cluro tratado (29/9/
nhola mas, ao mesmo tempo, receoso de perder sua tra- 1801) que Luciano Bonaparte impôs a Cipriano Ribeiro
dicional amiga, a Inglaterra, e sofrer, nas colónias, a vin- Freire, pelo qual era estabelecida a fronteira da Guiana
gança desta. Em 1796, retirou-se da coalizão e procurou Francesa no rio Carapanatuba, cedendo-se enorme terri-
ajustar com o Diretório uma solução. Mas a Espanha tório e uma chave do Amazonas ao poder francês. Um
exigia que Portugal fizesse causa comum com ela e que sacrifício doloroso e muito caro. Vários outros acordos
a França declarasse guerra à Inglaterra. prejudiciais foram então assinados. Com a paz de Badajoz
As negociações, conduzidas por António de Araújo e o Tratado de Madrid, assinados em 1801, a influência
de Azevedo(43) (mais tarde Conde da Barca), resultaram francesa sobre Portugal cresceu muito, â medida que se
no Tratado de 20 de agosto de 1797, não ratificado, en- acentuava a ingerência de Bonaparte na península, embo-
tre outras razões, por ceder à França todos os territórios ra não desaparecesse a tendência em favor da Inglaterra(45).
ao norte do Brasil, além do Calsoene. A não ratificação a A, guerra reaberta entre a França napoleônica e a In-
tempo irritou a França, que via estar Portugal à espreita glaterra trouxe como consequência a obrigação, para
da vitória inglesa a sofrer, como de fato sofreu, a pressão Portugal, de pagar à França um subsídio de 16 milhões
cia Inglaterra, que considerava tal ratificação um ato cie de francos (sendo l milhão por mês e uma parte inicial,
hostilidade, chegando a sua esquadra a ocupar o forte 19/3/1804)(46) e a de obedecer ao bloqueio continental e
a
cie São Julião da Barra. Diante das evasivas portuguesas, o confisco dos bens cios ingleses. As guerras
'" V. Angelo Pereira, D. João VI, Príncipe e Rei e A Retirada Real da Brasil 18O7, Lisboa, 1953 (As
negociações de António de Araújo de Axevedo, 83-91). e subsWlos in Angelo Pereira, ob. cit., p. 106-107.
94 95
que o povoamento se fazia desde 1725, sem contar as
consequência desse Tratado) abrange duas campanhas:
bandeiras da metade cia segunda década, do século
XVII(50). a de 1754 e a de 1755/56. Na primeira, tendo saído cio
povoado do Rio Grande, Gomes Freire ocupa, no rio
Pombal, ao ser chamado ao Ministério, em agosto de
Pardo, a fortaleza Jesus Maria José e, depois, atravessa
1750, encontrou, como sabemos, assinado o Tratado. A
aquele rio, prosseguindo até as fraldas cios montes
entrega da Colónia do Sacramento repugnava a todos,
de Botucaraí. Aí é obrigado a assinar a trégua com os
no Brasil e na metrópole. Além disso, várias dificuldades
índios, em 14/11/1754. Volta ao Porto de Viamão (Porto
anulavam a tendência conciliatória desse tratado. Ao se
Alegre) e, nos fins cie 1755, nova campanha tem início,
executarem as suas condições, levantou-se a resistência
terminando em 1756, com o domínio do território indí-
declarada dos indígenas e a disfarçada dos missionários. gena.
Julgava Pombal que obedeciam todos às instruções
Nas Cortes de Madrid e Lisboa, cada vez mais, ganha-
de Madrid(51), e por isso, instruíra os dois comissários
va terreno a opinião contra o Tratado cie 1750. Começa,
encarregados cia demarcação, Gomes Freire de Andrade
agora, a disputa do Continente do Rio Grande do Sul
(meridional) e Francisco Xavier cie Mendonça (parte nor-
com os espanhóis. Entre 1752 e 1761, quanto o Tratado
te), contra a doblez castelhana. Transferiu a capital de
de 1750 é anulado, desenvolve-se a dúplice política es-
Cuiabá para a nova povoação cie Vila Bela, donde D.
i panhola, baseada na desconversa diplomática e na infil-
António Rolim de Moura vigiava a navegação, não per- . tração de um território que a posse já definira.
mitindo estabelecimentos castelhanos em qualquer mar-
Gomes Freire procura consolidar a expansão lusitana
gem do Guaporé. Ao norte a desconfiança não se exer-
e dominar as ameaçadoras tentativas de penetração cios
citou, pois os comissários espanhóis não compareceram
espanhóis. A disputa armada, entre 1762 e 1777, reflexo
ao ponto de encontro ajustado, no rio Negro.
da guerra peninsular cie 1762/63, com a invasão do Rio
Os trabalhos das comissões demarcadoras encontram-
Grande e de Santa Catarina e o domínio espanhol, reve-
se expostos em Artur César Ferreira Reis (limites e de- la o plano de ultrapassar os limites fixados em 1750,
marcação da Amazónia Brasileira, Rio de Janeiro, 2 /anulados pelo Tratado de El Pardo em 1761. Em 1763, D. •
vols.); General Paula Cidade (Lutas, ao Sul do Brasil, com ;, Pedro Ceballos, governador e capitão-geral das colónias
os Espanhóis e seus descendentes, Rio cie Janeiro, Biblio- v espanholas do Rio da Prata, conquistava desde São Miguel
teca Militar, 1948) e Rio Branco (Questão com a Argenti- até o Rio Grande e, em 1777, assaltava e tomava a ilha
na, ecl. 1945, 1. vol). de Santa Catarina, chave da navegação dos territórios ao
A chamada guerra guaranítica (contra os índios das |sul do Prata.
missões, por um exército aliado português-espanhol,
A restauração tem seu foco na fortaleza do Rio Pardo,
sendo que, em 1761, José Custódio de Sá e Faria reto-
1
Josci Honório Rodrigues, lirastl. Período Colonial, México, 1953, pg. 171-172. jtmpu parte desta posição, e, a l de abril de 1776, dava-se
' li exalo. V. Gil Munillu, El Rio de Ijj Plata en Ia Política Internacional, Sevilla, 1949, pg. 195-
99
a vitória definitiva, na capitulação de Santa Tecla(52). San- que Portugal se una com a Espanha para a defesa de
ta Catarina viria a ser restituída pelo Tratado de 1777. todos os recíprocos Domínios contra um terceiro (Ingla-
O Tratado d'El Pardo era estabelecido para "fazer ces- terra), que queira usurpá-los". O estabelecimento dos
sar e remover toda a oportunidade que pudesse alterar a ingleses nas Falkland, em 1770, atemorizara os espanhóis.
conservação da mais amigável união entre seus respecti- Carlos III, a braços com a crise marroquina e as compli-
vos vassalos". No preâmbulo ao Tratado de 1761 ale- cações com a Inglaterra, mostrou-se partidário de um
gam-se, entre as razões para a anulação do Tratado de acordo sobre a rivalidade com Portugal, que, além de
1750, as seguintes: colocar a Espanha em melhor situação para uma próxi-
1. As realidades geográficas desconhecidas pelos nego- ma guerra (com a Inglaterra), contribuía para estabilizar
ciadores do Tratado de Madrid levantaram dúvidas o império hispânico.
insolúveis; A posição inglesa era clara: socorreria Portugal se este
2. Por essas dificuldades chega-se à conclusão de que o fosse atacado na Europa e se absteria caso a luta se limi-
Tratado firmado para "estabelecer uma perfeita har- tasse aos domínios das índias ou da América, desde que
monia entre as duas Coroas e uma inalterável união a Espanha não projetasse a conquista total do Brasil(53).
entre os vassalos dela, pelo contrário, tem dado e daria
no futuro muitos frequentes motivos cie controvérsias
opostas a tão louváveis fins". Os problemas geográfi-
3.10. O Tratado de San fldefonso
cos essenciais prendiam-se ao estuário do Prata e ao
território das Missões.
Na verdade, Carlos III, em seus manejos com a Fran- ^"Balanceados", escreveu Calógeras, "os fatores da de-
ça, mantinha a esperança de resolver favoravelmente as cisão, parece que no ambiente de má vontade contra a
diferenças entre seu Reino e Portugal. As pretensões es- obra precursora de Alexandre de Gusmão, o elemento
panholas de levar sua soberania até o Rio Grande do Sul principal foi a larga campanha dos Jesuítas contra a ces-
haviam fracassado, embora dominassem a Banda Orien- são dos Sete Povos das Missões. Conquistaram a opinião
tal, a Colónia do Sacramento e as Missões de Moxos. Em de Carlos II pelos aspectos político e territorial do caso,
1767, iniciaram-se negociações diplomáticas hispano- e quando este anuiu a novos convénios, em 1777 e 1778,
portuguesas. A base espanhola na negociação que con- essa foi a única diferença substancial entre as duas solu-
duziria ao Tratado de 1777 expressara-se na frase de ções: além da Colónia ficaram as Missões em poder de
Grimaldi, cie 20 cie março de 1768: "as dúvidas que pu- Castela. Vitória da tenacidade de propósitos dos filhos
dessem levantar-se sobre os limites cios respectivos Esta- de Santo Inácio, pois nessa data já estava extinta a Com-
dos na América se decidiriam a favor de Portugal, contanto panhia"C54).
, ob. eit., 125 e 280.
"" V. General Paula Cidade, ob. cit., 70-98. Caiógeras, A Política Exterior do Império, vol. I, Któíde Janeiro, 1927, p. 224.
100 101
A vitória de Santa Tecla, a l de abril de 1776, acirrou do extremo sul e do oeste, em face das complicações da
ainda mais os ânimos espanhóis, conduzindo à ruptura vida política internacional. Ao apogeu económico da
das negociações diplomáticas. Em junho de 1776, o pro- Colónia, agora justamente considerada como a peça mais
cesso político das relações de Espanha e Portugal havia importante do Império Lusitano, correspondia a consoli-
chegado a seu ponto culminante, tendo a Espanha pro- dação política simbolizada no Vice-Reinado. Este só pode
curado intimidar Portugal com o envio da esquadra a constituir-se quando já se haviam incorporado ao todo
Lisboa, naquele ano, e com o apresto de uma expedição do Estado cio Brasil, pelo regate, todas as capitanias que
a Buenos Aires para conquistar Santa Catarina, que obte- ainda tinham donatários. É uma empresa importantíssi-
ve sucesso, e para recuperar trechos do território do Rio ma, preparada entre 1752-1763"(55).
Grande do Sul. Agora a Espanha criava, a l de agosto de 1776, o Vice-
A conquista de Santa Catarina era uma icléia estratégi- Reinado do Prata e nomeava Pedro Ceballos seu 1° Vice-
ca de importância decisiva para a Espanha, que desejava Rei, sendo a 15 de agosto estabelecidos seus limites.
assegurar os limites do Tratado de Torclesilhas. Com ela Um ano depois, "ocorreram grandes mudanças no
conseguiu-se ameaçar nossa retaguarda. Retomar a Co- governo dos dois Reinos da Península. Com a morte de
lónia do Sacramento era outra ordem cia expedição. En- D. José I (24 de fevereiro), subiu ao trono de Portugal D.
quanto preparava-se a esquadra, a diplomacia procura- Maria I, sucedendo Martinho de Melo e Castro ao Mar-
va agir. Mas, na verdade, a Espanha temia a guerra na quês de Pombal, como principal Secretário de Estado.
?
Europa e não a desejava; queria, então, cingir à América Em Espanha foi nomeado Primeiro Ministro o Conde de
Meridional a disputa. Floridablanca (19 de fevereiro), em lugar de Grimaldi. A
Chegou-se a pensar, na Espanha - a tanto iam os de- retirada deste estadista genovês, diz Rio Branco, mais
vaneios quixotescos - em retomar Portugal, mas temem- que as outras mudanças, facilitou a suspensão das hosti-
se as oposições inglesa e francesa. O conflito da Ingla- lidades na América do Sul e a negociação de um novo
terra com as colónias norte-americanas fazia diminuir os Tratado de Limites.
receios da ajuda do tradicional aliado de Portugal. Foi Essa negociação começara ainda no tempo da admi-
então que os espanhóis imaginaram a criação do Vice- nistração Grimaldi, sendo o Embaixador de Portugal em
Reinado do Prata - que tantas consequências viria a ter, ; Madrid D. Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho.
futuramente, na política externa cio Brasil e das Repúbli- Em 1776, por ordem do Rei da Espanha, fora constitu-
cas cio Prata. ída uma Junta para estudar a questão de limites entre as
Portugal já criara o Vice-Reinado no Rio de Janeiro em possessões espanholas e o Brasil"C56).
1763, como estrutura política superior que "procurava
atender às necessidades da vida económica, deslocada
como centro de gravidade para o sul, e às urgências das K^JoséHonório Rodrigues, Brasil, Período Colonial, p. 147.
tarefas político-militares aparecidas nas duas fronteiras «ranço, Questão de Limites, Brasil, Argentina, Rio de Janeiro, 1945, p. 146.
102 103
"Das negociações entre o Embaixador de Portugal,
Sousa Coutinho, e o Conde de Floridablanca resultou o
Tratado Preliminar de limites assinado em San Ildefonso
no dia 1° de outubro de 1777"(57). Este era mais humano
e generoso, pois não impunha êxodos cruentos, segun-
do Capistrano de Abreu.
Para finalizar, é preciso lembrar que a definição da
fronteira meridional, ganha na paz ou na guerra, se fez
com a conquista, em 1801, dos Sete Povos das Missões
do Uruguai, obra de José Borges do Canto e Manuel dos
Santos Pedroso. A capitulação se deu em São Miguel, 4. A Política Externa do Príncipe D.João
aos 13 de agosto de 1801(58). no Brasil (1808-1821)
Nessa mesma ocasião, em face do ataque de D. Lázaro
de Ribera ao forte de Nova Coimbra, repeliu-se mais um
ponto limítrofe da fronteira, na margem do rio Apa.
, "K"
105
104
Mais tarde, pelo decreto de 28 cie janeiro de 1808, D. vel, e à lei de liberdade industrial (1° de abril de 1808)
João abriu todos os portos -do Brasil ao comércio de seguiu-se a da criação do Banco do Brasil (12 de outu-
todas as nações amigas de Portugal(6o). Em seguida, per- bro de 1808). Estes dados ilustram o desenvolvimento
guntando o Príncipe Regente a Mr. Hill, encarregado de comercial: em 1808 entraram no porto do Rio 90 navios;
negócios na ausência cio Ministro Strangford, se a Ingla- em 1810, 422. Em 1811, havia 207 estabelecimentos co-
terra estava satisfeita com a abertura dos portos, recebeu merciais, sendo 75 ingleses. A importação cie mercadori-
dele a resposta cie que tal medida não deixaria de pro- as inglesas atingiu neste ano $ 674.000 (libras esterlinas)
duzir um bom efeito na Inglaterra, mas a satisfação seria, e a nossa exportação para a Inglaterra $ 203.000 (libras
certamente, maior, se o decreto tivesse autorizado a ad- esterlinas). Estabelecido seu predomínio, praticamente
missão de navios britânicos e de mercadorias britânicas livre de concorrência, a Inglaterra pressionava para ob-
sob condições mais vantajosas que as concedidas a navi- ter novos privilégios, os direitos preferenciais. O viscon-
os e mercadorias de outras nações(6l). Na realidade, em de de Strangford, escolhido especialmente para essa mis-
relação à Europa, o comércio só se faria com a Inglaterra são, aqui chegou a 22 de julho de 1808. Apesar das difi-
enquanto durasse a guerra. Quando esta terminasse, con- culdades, obteve mais do que esperava o Foreign Office(63)
tudo, a Inglaterra precisaria estar em condições de com- ao assinar, a 19 de fevereiro de 1810, três Tratados de
petir vantajosamente com as demais nações; para isso Aliança e Amizade, o de Comércio e Navegação e a Con-
Strangford lutou durante dois anos até conseguir, pelo venção para o estabelecimento de paquetes. O resultado
Tratado de 1810, assegurar os direitos preferenciais in- principal foi a tarifa de importação, fixada em 15%, quan-
gleses na América Portuguesa. do a Carta Régia de 1808 estabelecia para todas as na-
ções 24%. Era um privilégio inconcebível, de que Portu-
gal só gozou a partir de 1816.
Os tratados estipulavam a não revogação da liberdade
4.2. O Tratado de 1810 comercial; a restrição cio tráfico negreiro e sua gradual
abolição; o estabelecimento de um juiz conservador para
O comércio inglês tomou extraordinário impulso de- os negociantes ingleses, sem reciprocidade; a liberdade
pois de 1808. O Rio cie Janeiro desenvolvia-se rapida- reUgiosa; a permissão ilimitada aos navios de guerra in-
mente: de 1808 a 1817 recebeu cerca de 24.000 portu- gleses em portos portugueses, até então restrito a seis; e,
gueses(62); sua população elevou-se, nesses anos, de finalmente, a franquia à Inglaterra do Porto cie Santa
50.000 a 110.000 habitantes. O progresso era considerá- .Catarina. Não se estabeleceu limite de duração, e as obri-
gações assumidas eram de caráter perpétuo(64). A onda
""" Hi'p. In Pereira Pinto, Apontamentos pá rã o Direito internacional ctc, Rio de Janeiro, 1864, t.
l l , I'P 21-22. ) —™—*•
"'" MMiidtester, ob. cit., p. 71. ) T "Cco^k. Notas sobre o Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1942, p 28-29.
'"" Miiillus, Viagem ao Brasil, ecl. bras., l vol., p 95. ioda açào e instrução de Canning a Strangford in Manchester, ob. cit., pp 77 e segts.
106 107
de protestos foi incomensurável e gerou-se um profun- Após uma semana de luta, a 12/1/1809 o governador
do sentimento de antipatia e repugnância aos ingleses. francês Victor Hughes, assinava a capitulação. A Guiana
"O Tratado de 1810 deve ser considerado como a má- permaneceu 9 anos em nosso poder. O Tratado de 30 de
quina destruidora da prosperidade do país em todos os maio de 1814 entre Portugal, potências aliadas e França,
sentidos porque foi concebido com cláusulas tais que em virtude cios artigos 8 e 10, obrigava D. João a entre-
toda a utilidade e proveito redundou no benefício de gar à França a Guiana Francesa, tal como existia a l de
uma parte contratante", escrevia-se ainda em 1865(65). janeiro de 1792, época em que a França ocupava territó-
A Convenção de 21 de abril de 1809, estabelecendo rios ao sul do Oiapoque. D. João desaprovou a assinatu-
um empréstimo de 600.000 libras esterlinas garantido com ra do Tratado. No Tratado de 11 e 12 de maio de 1815,
o produto da renda cio pau-brasil, aprofundou ainda mais entre a França e Portugal, este obrigava-se a entregar a
a predominância inglesa. Guiana até a fronteira do Oiapoque. O artigo 107 do Ato
final do Congresso de Viena, de 9 cie junho do mesmo ano,
estipula o mesmo, segundo o último convénio. Apesar
4.3. Conquista e restituição de Caiena (1808- desse artigo, Portugal conservou o domínio da Guiana,
1817) segundo os limites do Tratado de Utrecht de 1713, pois lhe
repugnava a entrega sem a fixação preliminar dos limites
definitivos, e a referência do art. 107 ao sentido preciso do
A 1° de maio de 1808, D.João, em Manifesto^, art. 8 de Utrecht levantava dúvida sobre esse último(67).
historiava os dissídios cie Portugal com a França e decla- Cm novembro de 1817, cessou a ocupação e foi resti-
rava nulos e sem efeito os tratados que havia sido obrigado tuída a Guiana, de acordo com o convénio firmado entre
a assinar. Deu ordens para que, do Pará, se organizasse a França e o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves,
uma expedição militar que ocupasse Caiena. O governa- aos 28 de agosto de 1817.
dor do Pará, José Narciso de Magalhães, organizou-a sob
a direção do Tenente-Coronel Manuel Marques, que teve,
inclusive, pequeno apoio naval inglês. No artigo 2°, secre-
to, do Tratado de Aliança e Amizade de 1810, obrigava- 4.4. As pretensões de Carlota Joaquina
se Sua Majestade Britânica a ajudar e apoiar, com toda sua
influência, quando se negociasse a paz geral, o Carlota Joaquina tramou, logo depois de presos por
restabelecimento dos antigos limites da América Portugue- Napoleão os reis Carlos IV e Fernando VII, a aceitação
sa do lado de Caiena. de sua regência no rio da Prata. A princípio, D. João
protegeu essas pretensões, que, afinal, se ligavam ao
""' JciiUi Coelho Gomes, Elementos de História Nacional de Economia Política, Rio de Janeiro, ideal, mantido nas lutas pelo domínio da Colónia do
IH65, p. 31.
'"" 1'uhlk-ado In Borges de Castro, Lisboa, 1857, IV, pp 274-285. ide Caetano da Silva, L"Oyapoc et 1'Amazonie, ob. t/í., I, pp 205 e 207.
108 109
os, pois acreditaram que a Inglaterra estava por trás, das
Sacramento, de estabelecer para a América Portuguesa a ameaças nos bastidores. Hill não parecia muito contrário
fronteira até o rio da Prata. Logo que no Rio cie Janeiro aos planos, talvez porque o comércio entre Buenos Aires
foi conhecida a abdicação dos Reis Católicos, Carlota e o Rio cie Janeiro nos três meses precedentes tivesse l '
Joaquina e seu sobrinho, o Infante de Espanha, D. Pedro alcançado $ 120.000 libras esterlinas(71). li
Carlos de Bourbon e Bragança, dirigiram um Manisfesto Curado exigiu cie Liniers a entrega da Banda Oriental,
aos Vassalos de S. M. Católica e uma relação cio Príncipe sob o pretexto cie uma ameaça cie invasão francesa. A
Regente(68). D. Rodrigo cie Sousa Coutinho, Ministro da participação inglesa limitava-se à tácita aquiescência de
Guerra e dos Estrangeiros, induziu o agente espanhol Hill e à cooperação do almirante cia esquadra. Strangford
António Lopes, a oferecer, ao Cabildo, em nome cio Prín- não se comprometeu quando, ao chegar, ouviu as pro- 311
cipe Regente, a união comercial do Brasil e cie Buenos postas de Sousa Coutinho, sugerindo a Canning que a
Aires e a proteção cia colónia espanhola pela monarquia Inglaterra retivesse Montevidéu ou Buenos Aires, caso o li!
portuguesa. Se as autoridades argentinas recusassem, D. plano tivesse êxito. Os acontecimentos de Espanha, os
João se veria obrigado a fazer causa comum com a In- manifestos de Carlota Joaquina e Pedro Carlos, a prote-
glaterra, lembrando, com essa ameaça velada, as inva- ção à Regência, as combinações em Buenos Aires com
sões inglesas a Buenos Aires. A mensagem era datada de partidários da Independência forçaram uma declaração
13 cie março de 1808 e, pouco depois, o Brigadeiro Joa- formal de Canning e Strangford contrária ao movimento
quim Xavier Curado era enviado a Buenos Aires com (2/9/1808)(72). As ideias tresloucadas cie Carlota Joaquina,
uma carta da Princesa para o governador Liniers e os em combinação com Smith, atemorizaram D. João, que
manifestos do Príncipe Pedro Carlos de 19 e 20 cie agos- pediu a Strangford que admoestasse Sir Sidney Smith,
lo de 1808(69). Santiago de Liniers declarou obedecer fi- chamando-o de volta, e não permitiu a partida da sua
elmente às ordens da Junta de Sevilha, que se instaurara esposa. Os despachos de Strangford aos governadores
c'm nome de Fernando VII. Rodrigo de Sousa Coutinho de Montevidéu e Buenos Aires, assegurando que a In-
confessa a Hill, encarregado dos negócios ingleses, sua glaterra nunca apoiaria qualquer tentativa cie mudar o
preocupação com a possibilidade cias colónias espanho- Estado político dos domínios espanhóis na América, a
las declararem-se a favor do Príncipe Regente, o qual se pouca receptividade ao manifesto da. Princesa e, especi-
(ornaria o único monarca de toclo o continente sul-ame- almente, sua recusa em aceitar uma monarquia constitu-
ricano (70) . Em Buenos Aires, o Cabildo, diante dessas cional, fizeram ruir o plano de Regência da América Es-
ameaças, iniciou preparativos para atacar o Rio Grande panhola por D. Carlota Joaquina(73).
do Sul, mas a chegada de Sir Sidney Smith atemorizou-
m) Manchester, ob. cit., p 116.
""" Hrpioilu/ido in Angelo Pereira, ob. cif., pp 219-221 e 221-223. D. João, in pp 223-224. O V. Manchester, ob. cit., pp 119 e segts. Cf". Webster, liritain and Independence ofiatln America,
Manilcslo cie D. Pedro Carlos e o Almirante da esquadra portuguesa, D. Fernando José de fi>V ' V°'' 1' P l67 e sejíts- e R' A- Humphreys, Liberation qf South America, 1952.
PuUu^al, in pp 224-225. Vários outros documentos in págs. segts. v. também Ariosto Fernandes, Marechal Belgrano y Ia Princesa Carlota foaquína, 1801, Sepa-
'"" An»i'lo Pereira, ob. cif., pp 223-225. rata da Revista de História, n.3 janeiro-iraio, 1956, (Buenos Aires).
'"" M a i u lir.stei, ob. cit., p 114.
111
110
i
l I
A Banda Oriental de 1815 (Segundo Congresso de Paris), os aliados aceita-
ram pôr na ordem do ciia a retirada das tropas de ocupa-
ção. Nenhum efeito teve o protesto espanhol contra a
A independência de Buenos Aires a 10 de maio de 1810, invasão da Banda Oriental, pois Portugal replicou que
e sua luta com Monte vidéu, submissa ajunta de Sevilha, maior violação era reter Olivença. Autorizou-se a confe-
provocaram nova atenção luso-brasileira para a questão rência de embaixadores em Paris, a tão somente receber
do rio da Prata. D. Carlota Joaquina fomentava o dissídio, o protesto da Espanha. Nada conseguiu, tampouco, Sir
apoiando Elio, governador de Montevidéu. Em outubro, Charles Stuart, que pretendeu ajustar as diferenças entre
o governador português advertiu Strangford de que se as Portugal e Espanha(74). Pela convenção de 30 cie janeiro de
forças de Buenos Aires cruzassem o Paraguai ou o Paraná 1819, com o Cabilclo de Montevidéu, estabeleciam-se os
para atacar Montevidéu, as tropas portuguesas cruzariam limites a sudeste de Santa Teresa, alcançando o rio Arapeí,
as fronteiras. A massa de tropas de Buenos Aires, que se afluente cio Uruguai - mais favorável ao Brasil, portanto,
juntava nas fronteiras, sob a direção de Artigas, Soler e que os limites de então. A 31 cie julho de 1821, o Estado
Rondeau exigia uma ação pronta. Em junho de 1811 nos- de Montevidéu era incorporado ao Reino Unido de Por-
sas tropas entraram no Estado Oriental, suspenclendo-se tugal, Brasil e Algarves, sob o nome de Província
o sítio a Montevidéu e forçando Artigas à retirada. Cisplatina.
O armistício precipitado de 26 de maio de 1812, que i
durou apenas quatro anos, obrigou a retirar nossas tro-
pas da fronteira. A situação era crítica no rio da Prata. 4.6. O Brasil Reino e sua nova situação eco-
Artigas tinha uma combinação secreta de unir-se a Buenos nómica
Aires, caso a Espanha fizesse a tentativa de reconquistar
as colónias, e, principalmente, a cie cruzar as nossas fron-
teiras. O controle cia Banda Oriental por Artigas e seus Elevado o Brasil à categoria de Reino, aos 16 de de-
excessos revolucionários mais de uma vez provocaram zembro de 1815, D. João tornou-se Rei em março cie
nossa intervenção. A prova dos seus excessos é que os 1816, em virtude do falecimento cia Rainha D. Maria I, e
primeiros combates se deram em território brasileiro, isto Foi aclamado a 6 de fevereiro de 1818. D. Pedro tornou-
é, Santana, São Borja, Ibiraocaí e vários outros. se Príncipe Real a 9 cie janeiro de 1817. Sede cia monar-
A 20 de janeiro de 1817 entramos em Montevidéu. Vquia portuguesa e cio comércio com as colónias espa-
Todavia, foi somente com a derrota definitiva de Artigas, ;;nholas, separadas da metrópole e ainda não organiza-
em Tacuarembó, a 22 de janeiro de 1820, que ocupamos das como nação, o Rio de Janeiro ficou sendo, durante
a Banda Oriental. muito tempo, a base da vicia diplomática da América do
No congresso de Aix-la-Chapelle, a primeira cias reuni- e de todo o comércio inglês.
ões previstas pelo art. 6° do Tratado de 20 de novembro Manchester, oh. cit., p 146.
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Com a permanência da corte no Brasil ao longo de 13
anos (1808-1821), foram grandes os melhoramentos ge-
rais e, especialmente, os cio Rio. Colonos, imigrantes e
missões artísticas começaram a dar nova feição à capital .
do Reino do Brasil. As autonomias cias capitanias davam
nova organização administrativa ao Estado. A liberdade
comercial trouxe grande estímulo económico, o que se
verifica pelos índices do comércio exterior. Em 1812. a li
exportação era de 4.000 contos e a importação de 2.500;
em 1822, 19-700 e 22.500. A ascensão continuou embora
tenha permanecido deficitário o comércio exterior. 5. A Independência
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de que o principal objetivo das negociações de todos
esses representantes de Portugal foi, não só diverso, mas Haveria interesse em teimar na defesa da Colónia,
permanente ameaça à soberania espanhola em todo
quase podíamos dizer oposto aquele em que se empe-
nhou Alexandre de Gusmão. Com efeito, até 1746, D. o vale do Prata, com absoluto menosprezo da de-
marcação de Tordesilhas, quando outros problemas
João V e os seus ministros empenharam-se em conservar
mais vitais de soberania mas igualmente contestá-
a Colónia do Sacramento e o "Território da Colónia",
como então se dizia, isto é, as terras que iam daquela veis à luz do velho Tratado, se levantavam?
povoação até ao Rio Grande do Sul. Até aí os negociadores portugueses, obedecendo
De 1746 em diante, e sob a inspiração de Alexandre ordens pessoais de D. João V, exigiam apenas o
de Gusmão, uma das diretrizes essenciais das negocia- cumprimento estrito do Tratado de Utrecht, de 1715,
aferranclo-se à mais ampla concessão cio território
ções foi a cessão da Colónia e do Território, para obter
cia Colónia, e pondo de lado a cláusula do mesmo
compensações fundamentais noutra parte. Já eram dessa
Convénio segundo a qual a Coroa Espanhola pode-
opinião, por 1737, o Vice-Rei, Conde das Galveias e o
ria propor a troca da Colónia por qualquer compen-
Brigadeiro José da Silva Pais.
Qual o motivo dessa inversão de objetivos? sação territorial.
E foi esta a sugestão inicial que orientou Alexan-
"Em primeiro lugar, a expansão luso-brasileira para
o oeste e a organização administrativa e política ti- dre de Gusmão.
Com os dados obtidos, Alexandre de Gusmão che-
nham avançado rapidamente durante o quarto de
gara, sem a menor dúvida, à conclusão de que toda
século anterior às negociações para o Tratado de a defesa da soberania portuguesa sobre as vastas
Madrid. Nesses vinte e cinco anos uma nova e sur- regiões da América Meridional, ocupadas pelos luso-
preendente realidade geográfica e económica surgi- brasileiros, na base cio Tratado de Tordesilhas, ca-
ra. E alguém magnificamente dotado para a vislum- ducara irremediavelmente, e que, por consequên-
brar se apercebeu de sua importância e se voltou a cia, era necessário fazer assentar as negociações em
estudar-lhe os caracteres e os meios de a incluir bases inteiramente novas.
solidamente na soberania portuguesa. Entretanto, as prudentes e repetidas medidas da
Os imensos territórios cie Goiás e Mato Grosso, a metrópole, os acasos da aventura colonial e, por
oeste; a forçosa ligação de São Paulo com o Paraná fim, a metódica política de previsão de Alexandre
e o Paraguai para a exploração das minas do Par de Gusmão acabavam de pôr-lhe na mão os ele-
West brasileiro; as riquezas pecuárias do Rio Gran- mentos do problema. Pôr volta de 1746, como va-
de, consideradas como complemento económico das mos ver, o grande diplomata deve ter entrado na
Minas; os vastíssimos vales dos rios Negro, Branco consciência duma unidade geográfica e económica
e Japurá - tudo eram novas e gigantescas realidades do Brasil a defender.
que apareciam súbita e incertamente v debuxãdãsT Com todos esses elementos em mão traçou ele o
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criou a capitania do Cabo do Norte e anexou-a ao Brasil, portante foi a superioridade náutica lusitana, que faci-
dando-lhe por limite setentrional o rio Vicente Pinzón, litou a penetração em regiões de difícil navegação, tais
nome que tinha então o Oiapoque. A 16 de agosto de como o delta do Amazonas e o estuário do Prata. Os
1639, Pedro Teixeira, cumprindo instruções do mesmo dois Felipes opuseram-se à interpenetração dos portu-
Rei, tomou posse da margem esquerda do Napo, onde gueses do Brasil e dos espanhóis do Prata e do Peru(29).
estabeleceu o limite ocidental das terras da Coroa Portu- A própria divisão da América Portuguesa em dois Esta-
guesa ao norte do Amazonas. Ao mesmo tempo, as ban- dos, o do Brasil e o do Maranhão, em 1621, favoreceu a
deiras paulistas expulsavam os jesuítas das posições que expansão da fronteira. Mas foi sobretudo o bandeirismo
ocupavam dentro da demarcação portuguesa, no alto o principal fator responsável pelo recuo do meridiano
Paraguai, a oriente cio Paraná, entre o Paranapanema e o de Tordesilhas.
Iguaçu, e mais ao sul, a oriente do Uruguai(28). Na verdade, a história diplomática tem a maior impor-
Finalmente, houve um estímulo à diferenciação psi- tância para o estudo da presença dos holandeses no Brasil,
cológica com o Estado ou Estados Espanhóis vizinhos. É pois, como lembrou Edgar Prestage, Portugal, como país
corrente dizer-se que o período filipino favoreceu a ex- pequeno, pôde, muitas vezes, por uma extraordinária e
pansão portuguesa na América do Sul, a que os espa- sagaz diplomacia, conseguir vantagens que, pela força, lhe
nhóis não se opuseram, pois os dois domínios estavam não seria dado alcançar. Contemporizando e entretendo
fundidos. É inexato. Não houve fusão de Coroas, mas o inimigo, a diplomacia portuguesa, conseguiu retardar
monarquia dualista, tendo cada uma das nações conser- lutas decisivas. A assinatura do Tratado de 1661 agitou a
vado, conforme o Estatuto das Cortes de Tomar (1581), opinião pública holandesa, que sobre ele se manifestou
sua administração separada, reservada aos seus naturais, em uma série enorme de folhetos, onde transmitia o seu
quer na metrópole, quer no ultramar. sentimento contrário à perda de uma colónia tão valiosa.
O avanço luso-brasileiro durante o período filipino Quando os holandeses se apossaram de Pernambuco,
fez-se contra as expressas disposições régias dos Felipes, em 1630, estava Portugal dominado pela Espanha (1580-
que proibiram dezenas de vezes que os portugueses 1640). A história diplomática do domínio holandês no
excedessem os limites do Tratado de Tordesilhas e inva- Brasil inicia-se com as negociações promovidas pela
dissem a América Espanhola. As únicas exceções foram Espanha, já em 1632, para a defesa do território de
aquelas a que nos referimos acima. Chegaram, em 1638, Pernambuco. Abrange as tréguas realizadas entre Portu-
no auge do bandeirismo, a cominar penas de morte e gal e Holanda, logo após a restauração cio primeiro, en-
perda de bens aos infratores. tre 1641 e 1642, e as negociações para a composição das
A expansão portuguesa foi favorecida pelo anti- pazes, promovidas por Portugal na Holanda, e que de-
castelhanismo e antijesuitismo espanhol. Outro fator im- correm de 1645, até a assinatura do Tratado, em 1661.
1
Rio Branco, Questão cie Limites, Argentina, p. 17 '•"" V. Jaime Cortesão, Jesuítas e Bandeirantes no Guaíra, Biblioteca Nacional, 1951, p. 73.
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cie que o principal objetivo cias negociações cie todos A
esses representantes de Portugal foi, não só diverso, mas Haveria interesse em teimar na defesa da Colónia,
quase podíamos clizer oposto aquele em que se empe- permanente ameaça à soberania espanhola em todo
nhou Alexandre cie Gusmão. Com efeito, até 1746, D. o vale do Prata, com absoluto menosprezo da de-
João V e os seus ministros empenharam-se em conservar marcação cie Torcles ilhas, quando outros problemas
a Colónia do Sacramento e o "Território da Colónia", mais vitais cie soberania mas igualmente contestá-
como então se dizia, isto é, as terras que iam daquela veis à luz do velho Tratado, se levantavam?
povoação até ao Rio Grande do Sul./ / Até aí os negociadores portugueses, obedecendo
/De 1746 em diante, e sob a inspiração de Alexandre /orclens pessoais cie D. João V, exigiam apenas o
de Gusmão, uma das diretrizes essenciais cias negocia- cumprimento estrito do Tratado cie Utrecht, cie 1715,
ções foi a cessão da Colónia e cio Território, para obter aferrando-se à mais ampla concessão do território
•z? compensações fundamentais noutra parte. Já eram dessa da Colónia, e pondo cie laclo a cláusula cio mesmo
opinião, por 1737, o Vice-Rei, Conde das Galveias e o Convénio segundo a qual a Coroa Espanhola pode-
Brigadeiro José cia Silva Pais. ria propor a troca da Colónia por qualquer compen-
sação territorial. /
Qual o motivo dessa inversão cie objetivos?
/"Em primeiro lugar, a expansão luso-brasileira para E foi esta a sugestão inicial que orientou Alexan-
lf\ o oeste e a organização administrativa e política ti- dre de Gusmão.
nham avançado rapidamente durante o quarto de Com os dados obtidos ^Alexandre de Gusmão che-
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século anterior às negociações para o Tratado de gara, sem a menor dúvida, à conclusão cie que toda
Madrid. Nesses vinte e cinco anos uma nova e sur- a defesa cia soberania portuguesa sobre as vastas
regiões da América Meridional, ocupadas pelos luso-
T preendente realidade geográfica e económica surgi-
brasileiros, na base do Tratado de Tordesilhas, ca-
[ rã. E alguém magnificamente dotado para a vislum-
ducara irremediavelmente, e que, por consequên-
* brar se apercebeu de sua importância e se voltou a
cia, era necessário fazer assentar as negociações em
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"\ solidamente na soberania portuguesa./
Entre tanto, /as prudentes e repetidas medidas da.
/ Os imensos territórios cie Goiás e lyfato Grosso, a
metrópole, QS acasos da aventura colonial e, por
oeste; a forçosa ligação cie São Paulo com o Paraná
fim, a metódica política de previsão de Alexandre
e o Paraguai para a exploração cias minas do Par
de Gusmão acabavam de pôr-lhe na mão os ele-
West brasileiro; as riquezas pecuárias do Rio Gran-
mentos do problema. Pôr volta de 1746, como va-
de, consideradas como complemento económico das
mos ver, o grande diplomata eleve ter entrado na
Minas; os vastíssimos vales cios rios Negro, Branco
consciência cluma unidade geográfica e económica
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que apareciam súbita e incertamente(debuxacíãsK/
/Com todos esses elementos em mão traçou ele o
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napoleônicas deixaram Portugal em paz, mas depois das tica, de hesitação e recursos de ambos os lados, de re-
vitórias de 1807 e, especialmente, dos Tratados de Tilsit, percussões da política europeia; de aliança da Espanha
Napoleão decidiu conquistar Portugal(47). Logo que en- < "in a França e de Portugal com a Inglaterra. Não há,
trou em Paris, ordenou, a 29 de julho, que se formasse como dizem alguns publicistas espanhóis, dúplice políti-
em Bordeaux um corpo expedicionário. A 12 cie outu- ca lusitana, mas dúplice política da Espanha e Portugal,
bro, Napoleão determinou que Junot se movimentasse. motivada por sua posição na vida intereuropéia.
O ultimato de Napoleão(48) levou Portugal a assinar com /A
/As infiltrações espanholas em zonas portuguesas atin-
a Grã-Bretanha a convenção secreta de 22 de outubro ^rm , agora, seu auge. Interessam, aqui, os acordos de
de 1807, sobre a transferência da Corte para o Rio de 17 de janeiro de 1751, que determinam: a data da con-
Janeiro. Todas as tentativas de comprar a neutralidade clusão do Tratado; as instruções aos comissários de ambas
aos franceses haviam falhado(49)- .1,'. Coroas no que diz respeito a demarcação de seus
respectivos limites;/ a transferência de populações indí-
.r,< -nas nos territórios a serem cedidos a Portugal, em re-
3.9. As relações hispano-portuguesas no pe- l.i'. .10 a qual os comissários deviam guiar-se, antes, pelo
ríodo de Pombal (1750-1777) Tratado cie 1750, em vez cie serem atrasados pela falta
c Ir exatidão dos mapas existentes; a organização mais
/O Tratado de 1750 sofreu, aos poucos, os abalos do • Ir i alhada das comissões de limites, de acordo com o
desequilíbrio da política europeia e dos choques de Tratado sobre as instruções aos comissários; e, finalmen-
interesse que separaram as duas nações peninsulares e ir, os termos assinados em 12 de julho de 1751, sobre o
vizinhas na América. As relações hispano-portuguesas, mapa geográfico que serviu para o acordo do Tratado,
ao longo do período de Pombal, quiseram ajustar espe- corrigindo a linha tal como estava desenhada no mapa.
cialmente os reflexos na América da política internacio- Síli > as cópias de 1751 do chamado Mapa das Cortes, de
nal europeia entre 1750 - logo após a assinatura do Tra- 1749.
tado/tque é de 13/1/1750, tendo o Marquês de Pombal Líf O problema da demarcação no sul' e no norte, com
subido ao poder em 3/8/1750)/- e 1777, antes da assina- Nuas três partidas, sofrendo os impulsos da política hesi-
tura do Tratado de Santo Ilderonso/(o Marquês de Pom- i.mie das duas Coroas peninsulares, tem, aqui, sua entra-
bal foi demitido a 4/3/1777 e o Tratado assinado em < l . i . A seguir, /merece exame o Tratado d'El Pardo, de
outubro de 1777). Esta foi uma fase de duplicidade polí- 1761, que é a expressão típica da hesitação dos dois
y,( >vernos, pois limita-se a anular o Tratado de Madrid e a
i 'i x lenar a restauração dos territórios afetados ao status
'''" Portugal era uma verdadeira colónia britânica, dix G. Lelevrc, em sua obra Napoleón, Paris, i/i/o, até que seja concluído outro tratado, que estabele-
1941, p. 250.
""» V. Angelo Pereira, ob. cit., 157 e segts.
ci mais exatamente os limites e abra o caminho para os
"" Tdem, p. 113 e segts. conflitos e para a infiltração espanhola nos territórios em
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