Você está na página 1de 258

LYNCH DIPLOMACIA – ORIENTAÇÃO DE ESTUDOS PARA O CACD

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

BIBLIOGRAFIA – HISTÓRIA da POLÍTICA EXTERIOR do BRASIL

HPEB3
Conteúdo Programático (Guia de Estudos 2011) __________________________

3 . A Política Externa do I Reinado. A Dimensão Externa da Regência.

Bibliografia Básica _____________________________________

CERVO, Amado & BUENO, Clodoaldo. História da Política Exterior do Brasil. Brasília: Editora da
UnB, 2008.
- p. 17-64.

GOES, Synesio Sampaio. Navegantes, Bandeirantes, Diplomatas: Aspectos da


descoberta do continente, da penetração no território brasileiro extra-tordesilhas e do
estabelecimento das fronteiras da Amazônia. Brasília, IPRI, 1991.
- p. 121 - 141.

RODRIGUES, José Honório. Uma história diplomática do Brasil: 1531-1945. Rio de


Janeiro, civilização Brasileira, 1995.
- capítulo a ser enviado.

Bibliografia Complementar __________________________________


VIANA, Hélio. História Diplomática do Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército – Editora,
1958.
- capítulo referente ao I Reinado e Regência.

________________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
www.lynchdiplomacia.com.br -1-
LYNCH DIPLOMACIA – ORIENTAÇÃO DE ESTUDOS PARA O CACD
________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

BIBLIOGRAFIA – HISTÓRIA da POLÍTICA EXTERIOR do BRASIL

HPEB3
Conteúdo Programático (Guia de Estudos 2011) __________________________

3 . A Política Externa do I Reinado. A Dimensão Externa da Regência.

Bibliografia Básica _____________________________________

CERVO, Amado & BUENO, Clodoaldo. História da Política Exterior do Brasil. Brasília: Editora da
UnB, 2008.
- p. 17-64.

GOES, Synesio Sampaio. Navegantes, Bandeirantes, Diplomatas: Aspectos da


descoberta do continente, da penetração no território brasileiro extra-tordesilhas e do
estabelecimento das fronteiras da Amazônia. Brasília, IPRI, 1991.
- p. 121 - 141.

RODRIGUES, José Honório. Uma história diplomática do Brasil: 1531-1945. Rio de


Janeiro, civilização Brasileira, 1995.
- capítulo a ser enviado.

Bibliografia Complementar __________________________________


VIANA, Hélio. História Diplomática do Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército – Editora,
1958.
- capítulo referente ao I Reinado e Regência.

________________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
www.lynchdiplomacia.com.br -1-
; 4. Portugal no Congresso de Viena: elevação
do Brasil à categoria de Reino

Expulsos os invasores franceses do território de Portugal e vencido


Napoleão I, não mais se justificava, na opinião dos portugueses tradi-
cionalistas, a permanência da corte no Rio de Janeiro. À vista, porém,
. :da pouca vontade manifestada pelo príncipe-regente de voltar a Lisboa,
em 1814 alvitrou Silvestre Pinheiro Ferreira "que D. Maria fosse procla-
mada imperatriz do Brasil e rainha de Portugal e se dividisse em duas X
regências o governo do Estado, continuando D. João a exercer a do
Império do Brasil e dos domínios da Ásia e África e delegando a D. POLÍTICA EXTERIOR DO PRIMEIRO REINADO.
Pedro, Príncipe da Beira, a de Portugal, Açores, Madeira e Porto Santo, GUERRA E RECONHECIMENTO DA INDEPENDÊNCIA. SEPARAÇÃO
com assistência de um Conselho de Estado, até atingir vinte e um anos DA CISPLATINA. A SUCESSÃO AO TRONO PORTUGUÊS
de idade" (6). O plano não teve andamento, mas não tardou que outras
'circunstâncias contribuíssem para importante mudança administrativa.
Participava Portugal, em 1815, dos trabalhps do Congresso de Viena, 1. Política Exieriór^do Primeiro Reinado
destinado a estabelecer as novas condições políticas europeias, depois
"da derrota dó Imperador dos Franceses, fazendo-o por intermédio dos A política exterior do Primeiro Reinado não foi mais, a princípio,
plenipotenciários Conde de Palmeia, António de Saldanha da Gama e que a continuação da que vinha enfrentando a regência de D. Pedro,
D. Joaquim Lobo da Silveira. Em janeiro desse ano escreveram eles ao antes mesmo da proclamação da Independência. Entre os auxiliares do
Marquês de Aguiar,; então ministro da Guerra e Estrangeiros, transira- - príncipe, de 22 de abril de 1821 a 16 de janeiro de 1822, figuraram
tindo a sugestão que lhes havia feito o representante francês, Príncipe três ministros do Reino e Estrangeiros, à última data passando a ocupar
de Talleyrahd, de ser o Brasil elevado à categoria de Reino Unido ao o cargo José Bonifácio de Andrada e Silva. A este coube orientar tanto
/ de- Portugal e Algarves, a fim de que "se estreitasse por todos os meios as relações externas da parte do Reino Unido que, então se desmem-
possíveis o nexo entre Portugal e o Brasil, devendo este país, para brava, como as do Império então fundado. Nesse sentido, nomeou os
j lisonjear os seus povos, para des.truir a ideia de colónia, que tanto lhes primeiros representantes diplomáticos exclusivamente brasileiros, e, de-
desagrada, receber p título de Reino". Apesar da surpresa com que pois da Independência, mais alguns que com os anteriores iniciaram
receberam a lembrança, antes mesmo de recebereni qualquer resposta negociações para o respectivo reconhecimento. Antes, porém, de òbtê-lo
1 o nosso país, toda uma guerra pela emancipação foi travada com Por-
do 'Rio de Janeiro, 'acedendo àquela sugestão, resolveram os referidos
plenipotenciários assinar diversos atos internacionais, em abril, refe- tugal, em ativas campanhas terrestres è marítimas. :
rindo-se a D. João como "Prince Régent du Royaume de Portugal et Conseguida, afinal, com a intervenção inglesa, a solução do conflito
de celui du Brésil", o que permitiria que se aceitasse ou não a fórmula ' cpm a mãe-pátria, outras dificuldades internacionais atingiram a única
proposta, Concordando com ela, assinou D. João, a Í6 de dezembro do monarquia sul americana. A rebelião da Cisplatina, apoiada,pelas Pro-
mesmo ano, uma carta de lei elevando "o Estado do Bràsil;à categoria: víncias Unidas do Rio da Prata, que visavam a sua incorporação, resul-^
e graduação de Reino", unido ao de7 Portugal e Algarve?, "de maneira tou em guerra contra Buenos Aires, terminada, depois de nova me-
.a formarem um só corpo político" ( ). ' '-." diação da Inglaterra, com a independência do Uruguai. Uril problema

^•tósi^ír -:Hi°t6rí° d° **& , . ,- - ™™ ÍHio


dinástico, originado na sucessão de E». João; VI, envolvendo D. Pedro I,
• A' Elaboração tía Independência (Rio, grandes preocupações trouxe à nascente diplomacia imperial, decisiva-
:
'' ' . •• • ' • • ' ' • ' -' ' • mente contribuindo pára a abdicação de 1831. . .
.««^°e1^

":2. Guerra d a Independência . ". ;•'•' '-'^ff.': : • • - ' ; ? / ':••"•::

a) Preliminares da luta

Pjqclamada a Independência do Brasil a 7 de setembro de 1822, em


São Paulo, logo que regressou q Príncipe D. Pedro ao Rio de Janeiro
90 começaram a aparecer as providências relativas à nova situação.
Ul
Assim, foi assinado um decreto estabelecendo como se deveria pro-
cessar a adesão dos numerosos portugueses então residentes no país, No Piauí, pronunciando-se pela adesão à Independência a vila de
devendo deixá-lo os que com • ela não concordassem. São João da Parnáíba, não tardou que fosse impedida de manter a sua
atitude, devido à ação repressora do comandante das armas dá pro-
Prevendo a próxima abertura da luta com Portugal, pelo menos nas víncia, auxiliado por uma embarcação de guerra enviada pelo governo
: províncias que continuavam obedecendo ao governo de Lisboa, deter-
minou-se a compra de navios, no estrangeiro, contratando-se militares de São Luís, também fiel à causa lusitana.
, E quando, apesar do auxílio cearense e da derrota do Jenipapo, ven-
de terra e mar que quisessem servir sob a bandeira do novo império.
Diversos corpos de tropa foram então organizados e ativamente se pre- ceram esses patriotas a luta travada no interior maranhense, em Caxias,
. parou uma esquadra que pudesse agir ao longo do litoral brasileiro, também no'litoral simultaneamente se resolvia a,situação, mediante
levando às províncias os socorros que se faziam necessários. intimação pelo mesmo Cdchrane com bom êxito apresentada à junta
governativa do Maranhão.
Evidenciada, ainda em fins ^ de 1822, a repulsa de Portugal à sepa- Repetindo-se, a seguir, em Belém do Pará, por intermédio de Gren-
ração dó Brasil^ outras medidas a respeito tomou o ministério de que .•fe.il, a mesma frutuosa ameaça naval, libertou-se o Norte ..das sobrevi-
era principal figura José Bonifácio de Andrada. e Silva. Mandou se- vências colonizantes dos portugueses contrários à dissolução do Reino
questrar as propriedades dos portugueses que não tivessem aderido à Unido. - :
Independência, proibiu que se continuasse comerciando com Portugal Quanto à Cisplatina, cindida, em Montevidéu, a guarnição luso-bra-
e7 permitiu que se fizesse guerra de corso contra esse país. sileirai diante da Independência, verificou-se/inicialmente, a superiori-
Justificavam-se todas essas providências, pela situação ainda domi- dade da facção que permaneceu obediente às Cortes de Lisboa, O que
nante em, várias províncias. Mantinhanvse fiéis à antiga metrópole os forçou á saída para o interior da que era fiel ao Rio de Janeiro. Apesar
governos da Bahia, Piauí, Maranhão, Grão-Pará e Cisplatina, que ter- de ter esta realizado o cerco de sua competidora, somente pôde torná-lo
minantemente se recusaram a acatar as ordens do Imperador D.-Pe- efetivo e útil com a chegada e o ataque, de uma divisão naval brasileira,
; dro I e dê seus ministros, apesar da aclamação de 12 de outubro e da meses depois, dando causa ao acordo que estabeleceu condições para a
coroação de 1.° de dezembro de 1822. retirada dos portugueses da província. i
-;;:;.,_; .'! b) .Campanhas pela Independência,: nas províncias
3. Reconhecimento da Independência
Diante da divisão em que se encontrava o novo império, apenas
dispunha o governo, inicialmente, do apoio do Rio de Janeiro,; São Antes mesmo da Proclamação da Independência, a 6 de agosto de
Paulo e Minas Gerais. Tornavá-se, portanto, necessária ' verdadeira re- 1822 assinou o Príncipe-Regente D. Pedro um Manifesto .aos Governos
conquista das províncias ainda fiéis a Lisboa, para que se incorporassem e Nações Amigas, redigido por José Bonifácio, no qual declarou estar
à união imperial. Para socorro dos patriotas que em todas elas defen- "pronto a receber os seus ministros e agentes diplomáticos" e enviar-
diam o ideal emancipacionista, era grandemente útil a organização de lhes os do Brasil. Dias depois foram nomeados nossos primeiros encar^
uma esquadra, logo improvisada com os limitados recursos existentes. regados de negócios nosr.Estados Unidos, Inglaterra e França. Aos dois;
, Então, como em outras ocasiões^ de crise nacional, surgiu, nítida e pre- últimos, como á outros, posteriormente designados, competiu trabalhar
' mente, a sujeição em que nos encontramos, relativamente à maior faci- ; pelo reconhecimento da separação do Brasil. Q Marechal de campo
lidade das comunicações .marítimas, ao longo do enorme litoral que Felisberto Caldeira Brant Pontes, futuro Marquês de Barbacena — em
nos compete defender, . V Londres, António Teles da Silva, depois Marquês de Resende — em
í; t Antes mesmo do grito do Ipiranga, do Rio de Janeiro foram enviados . Viena, e o Cónego Francisco Correia Vidigal — em Roma, muito se
para a Bahia, via Alagoas, os recursos militares que, apesar de aliados esforçaram naquele sentido. Foram auxiliados, os dois primeiros, mais
aos pernambucanos e baianos, foram, entretanto, insuficientes para tarde, por Domingos Borges de Barros (depois Visconde de 'Pedra Bran-
libertar a cidade do Salvador, dominada pelas tropas portuguesas, de ca) e Manuel Rodrigues Gameiro Pessoa (futuro Visconde de Itabaiana),
Madeira de Melo, apoiadas pela frota de João Félix Pereira de Campos. ..- inclusive em outras cortes da Europa. : :
Somente quando a jovem marinha imperial pôde passar da função As dificuldades para a obtenção do reconhecimento da Independência
de simples transportadora à de eficaz atacante, sob o comando cie Lorde forarn muitas, sobretudo devido à intransigente atitude de Portugal, no
, Codiraik', :issii]iiiu aspecto decisivo: a campanha, avolumando-se as início das negociações, às ligações existentes entre esse país e a Ingla-
presas e ;ipt'rl:indo-se o bloqueio, de modo a ser o inimigo forçado ao terra, e à política das potências europeias que formavam a Santa AHnn-
definitivo abandono de suas posições, sofrendo ainda inesperada e au- ça, desfavorável à libertação das antigas colónias .americanas. Somente
daciosa caça, que p acompanhou até quase ás águas do Tejo. quando foram, dissolvidas as Cortes portuguesas, restabelecendo-sc cm
' sua plenitude a autoridade do Rei D. João VI, puderam ser retom.-idos
os entendimentos que visavam a pacificação das duas partes do ex-
Reino Unido. ., :',•-'/, aj Revolução da Cisplatina
Na mesma, ocasião, em 1824, reconheceram os Estados Unidos da
América a Independência do Brasil, sendo a república norte-americana Apesar daquela situação excepcional, iniciando um -movimento de
o primeiro país a fazê-lo. Não encontrou dificuldades para obtê-lo do rebelião contra o Brasil, a 1.9 de abril de 1825 desembarcaram em La
governo do Presidente Mònroe o encarregado de negócios José Sil-i Agraciada, perto da Colónia do Sacramento, os famosos "trinta e três",
vcstre Rebelo. - , , ,-, comandados por João António Lavalleja. Em Durazno receberam como
Intervindo no assunto, mais uma vez, resolveu o ministro inglês reforço o regimento do Coronel Frutuoso Rivera, que assim deixou o
Ccoige Canning enviar um agente ao Rio de Janeiro, Sir Charles serviço do Império.
Stuart, a fim de promover a renovação do Tratado d3 Comércio de Graças aos auxílios recebidos das Províncias Unidas do Rio da Prata
1810, grandemente vantajoso para a Inglaterra. Passando por Lisboa, e a outras adesões, pouco depois organizou-se, ern Florida, um governo
aí recebeu credenciais e instruções de D. João VI para que também provisório.. Instalada, aí, uma Assembleia Constituinte, adotou o regime
em nome de Portugal, mediante certas condições, reconhecesse a se- republicano para a Cisplatina, sendo determinada a sua incorporação às
paração do Brasil. •.-••"• Províncias, Unidas. ; .- ; : •',...' ,,'\ „ , ;:, ,. -,;: ; ,
- Chegando à corte de D. Pedro l, entrou Stuart ern negociações Com Reagindo contra essa situação, -mobilizaram-se as milícias do Rio
1
o Imperador e seus representantes, os futuros Visconde de Cachoeira, Grande do Sul e enviaram-se reforços a Montévidéu. Parte da éscjuadra
Marqueses de Santo Amaro e Paranaguá. E, embora não fossem aceitos brasileira, sob o comando de Rodrigo Ferreira Lobo, dirigiu-sé"-a Buenos
os termos da carta régia trazida de Lisboa, firmou-se a 29 de agosto de Aires, que ameaçou de bloqueio, casO'continuasse a ser registrado o seu
1825 ó tratado-pelo qual reconhecia Portugal a Independência do Brasil. auxílio aos revoltosos da Cisplatina, ;
; ;0 De accVrdo com uma de suas disposições, anuiu o Império ao desejo Nesta, entretanto, já ocòrriani pequenos encontros entre as forças de
manifestado por D, João VI de assumir o título honorário de Imperador Lavalleja e as imperiais, sem resultados decisivos. v
• d ó Brasil. Por uma convenção adicional, aceitou p compromisso de
pagar uma indenização/de dois milhões de libras esterlinas pelas dívidas b) Guerra com as Províncias Unidas ao Rio^da Prata '
do Reino Unido de que fizera parte.
A Inglaterra, França,'Áustria e a Santa Sé logo reconheceram, cada 1
A 25 de outubro de 1825. o Congresso das Províncias Unidas decretou
uma por sua yez, a IndepÉndêricia do Brasil, seguindo-se nisso outras a incorporação da Cisplatina. Comunicando-o ao Rio de Janeiro, com
potências europeias, além dos vizinhos sul-americanos,com os quais já o pedido de retirada das nossas tropas do território cisplatino^ julgou
vinha o Império mantendo relações (1). - o governo, imperial que isto equivalia a uma declaração de guerra,
Herdeiros de toda a açãò portuguesa na América, assumíamos, as- acéitando-a em dezembro e declarando imediatamente sobi bloqueio ó
sim, a responsabilidade internacional por um dos maiores países da terra. porto de Buenos Aires. :
Para diminuir o seu efeito, além de armar uma pequena esquadra,
4. Separação da Cisplatina cujos navios maiores foram um a um destruídos, permitiu o governo
das Províncias : Unidas que contrabandistas estrangeiros praticassem O
corso contra o Brasil, o qUe dificultou,; mas hão impediu que se man-
Entrando erH Montévidéu, erri 1824, conseguiu o Tenente-Genèral tivesse, durante: toda; a guerra, o bloqueio da. capital portenha. Assim,
Carlos Frederico Lècori então Barão^dá Laguna; que o cabildo da ci- durante, o ano de 1826, registraram^se triunfos para a marinha iniperjal
dade jurasse a Constituição do Império, e que, meses depois, fossem em1 Corrales e Lara Quilmesj frustrando-se um ataque dos platinos à
"eleitos os representantes cisplatinos ao Senado e Câmara dos Deputados,
do Brasil. Manteve, também, as disposições especiais que regulavam • Colónia do Sacramento-.'- ;.: ''* .\^:W£$;l - ' ; ' : ' ' ' • '• í - ':"--'--•/'; : '" i '-"" \••"•• •'.' -"-•- '<<"'•
o governo da província desde a anexação ao Reino Unido de Portugal, Em fevereiro do ano seguinte, penetrando um exército inimigo, sob
Brasil e Algarves: vigência das leis anteriores, uso da língua espanhola, o comando do General Carlos de Alvear e de Lavalleja, em território
o antigo sistema de impostos, etc. ' , ' . ' brasileiro, pelo 'Rio Negro, encòntrou-se no Passo do Rosário, no Rio
Santa Maria, coni as forças, inferiores em npmero; munições e cava--
' ; • ' , , ' . C Q';, -Uni; 'episódio excepcional, em que não .teve .r.enhuma responsabilidade p governo lhada, chefiadas pelo Marquês dê Barbacetia: Não chegaram á travar
do Rio de Janeiro, ameaçou,--em 1825, as -relações mantidas com alguns de nossos vizinhos. completa batallia^• Depois de simples éricontros preliminares, retirnrnm-
O governador espanhol de Chíquitos, na • atual Bolívia, i derrotado pelos partidários da In- ' .
,',dependência, resolveu entregar o seu território ao governo de Mato Grosso, tendo em vista se os brasileiros, devido ;à posição desfavorável em que' estavam. Os' pla-
a sua incorporação ao Império. Imprudentemente aceito o oferecimento, em maio daquele;.-'
,anp, unv mês depois, melhor esclarecidas, voharam atrás de sua resolução as autoridades '. , tinos é uruguaios, sem os perseguirem, pouco depois abandonaram a
da província, anulando as providências tomadas ...antes :
e que . foram integralmente desa- /região fronteiriça;, não tendo tirado qualqiíer proveito cfciívo da li-'
, provadas . pelo governo imperial. , ' ^ ..-..••; •;;. . . . . ' . . . .'.,.•• , ' . / . . , ...
geira irtcur:são".- '..-••.- : ".', • ' - , í-;- 1 ;- 1 ''-
94 :
Ainda em 1827 não foram felizes duas pequenas expedições navais 5. A sucessão ao trono português
brasileiras mandadas ao Sul, em perseguição aos corsários. Também
conseguiram os platines surpreender um comboio que navegava no Sério motivo de desentendimento entre D. Pedro I e os brasileiros
. Rio Uruguai, em Juncai, apresando alguns de nossos navios menores. constituiu a atenção por ele naturalmente dedicada à questão dinástica
Compensando essas perdas, nova vitória naval obteve o Comandante surgida com a morte do Rei D. João VI, em 1826.
Rodrigo Pinto Guedes em Monte Santiago, distinguindO-se, noutros Herdeiro do trono português, o imperador do Brasil apenas por
pontos do estuário, vários de seus subordinados. alguns dias aceitou a coroa de seus antepassados, para em seguida córi-
dicionalmente renunciar em favor da filha D. Maria II, nascida no Rio
. v c) Convenção Preliminar: de Paz, de 1828 ,: de Janeiro ao tempo do Reino Unido. Sendo esta uma criança, deter-?
mino^ antes, que constitucionalmente governasse uma regência enca-
Seriamente prejudicados pelo enérgico bloqueio, sem obter quaisquer beçada pela infanta D. Isabel Maria, sua irmã, até que pudesse assumi-la
bons resultados em terra, em abril de 1827 mandaram os platines um o Príncipe D. Miguel, que se casaria com a sobrinha e legítima soberana.
emissário ao Rio de Janeiro, Manuel José Garcia, com instruções para Assim disposto o assunto por D. Pedro IV, teve ele execução muito
(fintar b reconhecimento da separação da Cisplatina. Não o alcançando, diferente, por ter sido aclamado rei absoluto o infante, em 1828, em
i firmou no mês seguinte uma convenção pela qual Ò governo de Buenos •': detrimento dos direitos da rainha carioca. Diplomatas brasileiros tive-
Aires concordava com a permanência da antiga Banda Oriental unida ram de envolver-se na questão, que também interessava a países euro-
peus; como a Inglaterra, tradicional aliada dê Portugal,1 e a Áustria,
no Brasil. '".•••'".' ..i''''':, • ' ' •.' '; ,- -'••\-.'~ ••":' -/•' ; ' " . ' ' . • . • „ . ' " ' • ' . • . . . : : ': . " . • . ' • . - ' onde se encontrava Di Miguel antes de assumir à regência portuguesa,
Não sendo ratificado o ajuste, prosseguiu o estado de guerra, embora e cujo imperador, Francisco I, era avô materno dá pequena D. Maria
sem que se registrassem quaisquer operações militares de importância, li. Complicando ainda mais a situação, acorriam ao Rio de Janeiro os
a não ser a entrada, na região dos anteriores Sete Povos das Missões emigrados constitucionalistas portugueses, perseguidos pelos absolutistas.
Orientais do Uruguai, do caudilho Rivera. ^ * V Suas despesas, como as da ida à Europa da jovem rainha, foram custea-
Prolongando-se, entretanto, essa situação, durante o primeiro semes- das pelos fundos destinados ao pagamento das iridenizações estabele-/
tre de 1828 voltaram os platines a tratar da paz, a princípio sob os aus-, odas no Tratado de Reconhecimento da Iridependêncià. T •
pícios da Inglaterra, por iriterniédio de seus representantes em Buenos À preocupação que esse problema,dinástico trazia a D. Pedro I, como ; ;
Aires e Rio de Janeiro. Verificada, pelo Brasil, á inconveniência de ser pai e rei condicionalmente resignatáriõ, era interpretada, no: Brasil,
mantida a anexação: da Cisplatina, que só a título excepcional fora como prova de seu menor cuidado pela situação nacional. Criticava-se,
aceita, e desistindo as Províncias Unidas do seu propósito de incorpo- também, que diplomatas brasileiros tivessem de intervir em matéria
rá-la, resolveu o Império concordar com à cria^ de um novo país in- quê apenas interessava ao monarca. Dê qualquer forma, a questão por-
dependente na América do Sul, a República Oriental do Uruguai. tuguesaconstituiu uni 'dos motivos de desgosto e desconfiança contra
p primeiro imperador do Brasil, muito contribuindo\para a sua reso-
Foi o que se estabeleceu na Convenção Preliminar de Paz, a 27 de lução de abdicar à coroa americana, em 1831. / *?K*
agosto cie 1828 firmada no Rio dê janeiro pelos nossos representantes
Marquês de Aracati, Conselheiro José Clemente Pereira e General Joa-
quim de Oliveira Alvares, e pelos das Províncias Unidas do Rio da
Prata, Generais Tomás Guido e Juan Ramón Balcarce. Um artigo adi-
cional procurou garantir á liberdade de'navegação do Rio dai Prata e
seus afluentes, constante preocupação diplomática e militar dos luso-
1
brasileiros: • :
Ratificada, pouco depois, a convenção, abandonou Rivera as Missões,
localizando-se com sua gente entre os Rio Arapeí e Quaraí. No ano
seguinte, deixaram as últimas tropas brasileiras as praças uruguaias que
ainda'ocupavam. Em 1830 aprovaram o Brasil e as Prpvíncias Unidas
a primeira Constituição Política da República Oriental do Uruguai (2).
(2): 1 Hélio Vianna —r História, das Fronteiras do Brasil, vol.' 132/133 .da Bibliote
ioteccí Militar,:
i 'nn '
rap. 3Í1T— "Pph'fi>a E?-ierior do Primpiro Reinado" (Rio, 1948), págs. 131/Í37.
:
96 ••'•"••• •• '•;;;.••'; '.-:•- .' ;
, ''.•!;'•••-;•.•: ' :
' '-•:'' '':- 97
:,?' , Hist. Diplom.
: b) Questões fronteiriças . ,-;

Aproveitando-se da fraqueza dos governos regenciais, apesar da vi-


gência do Tratado de Utrecht, de 1713, que estabelecia a fronteira pelo
Rio Òiapoque, em 1835 invadiram os franceses o Amapá, aí indèbita-
ménte permanecendo por cinco anos, durante os quais com dificuldade
apenas conseguimos discutir os nossos 'inegáveis direitos à região.,, , " „
• . • . . . - . • . : ;• . VT. -" : ""' - ' '"' '': v.'-V.:-. • ,'"•<;« Da mesma forma, em 1838 penetraram os ingleses erri território nosso,
.' v .-;.••? /•"i':-iA'.i:i.-.::-:' ' ' . '.'AJ. < • • •-"'•;';.•' " . . • . • > . ^v;-"vv, ""-y;
sob pretexto de. exploração científica; almejando á extensão de sua
POLÍTICA EXTERÍOR DO SEGUNDO REINADO. EXTINÇÃO DO : i5 Guiana até O alto!Rio; Branco, quando toda aquela parte da bacia ama-
TRAFICO DE AFRICANOS PARA O BRASIL. QUESTÕES PLATINAS. :~l& zônica há muito,tempo estava garantida ao Brasil. ,
, . CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS DA GUERRA DO PARAGUAI. VÍJ ; Em 1837 esperando beneficiar-se com as vicissitudes enfrentadas pela
•'/•.. ' ' . • ' ••' OUTRAS'QUESTÕES INTERNACIONAIS ' ' •.-; .^íijl Regência Una, mandou Manuel.Oribe, presidente do Uruguai, que seu
encarregado de negócios no Rio de Jàrieiro;, ]Cârlos Q. Villademoros,
1. Política Exterior das Regências (1831/1840) ,' S'1 preliminarmente tentasse a revalidação do Tratado de Santo Ildefonso,
quanto à fronteira.com ò Brasil, o que importaria na devolução dps
Durante as regências, a fraqueza de nossas condições políticas in- Sete Povos das Missões Orientais do Uruguai» pelos luso-brasileiros jus-
ternas haveria de condicionar idêntica fragilidade em nossas posições tamente conquistados,na Guerra de 1801, Embora as verdadeiras pre-
internacionais. Além de inoportuno incidente com a Santa Sé, motivado tensões uruguaias não ultrapassassem o limite pelo Rio Ibicuí, reconhe-
pela desaprovação papal à indicação de um bispo do Rio de Janeiro, cendo também .a o Brasil o direito à divisa pelo Jaguarão, : nãp duvidou
registraram-se, nas fronteiras do Norte, verdadeiras incursões de estran- o plenipotenciário cisplatino apresentar a ideia do recebimento de uma"
geiros, visando a sua posse definitiva, enquanto no Sul renovava o indenização pelas regiões ocupadas, no que foi, aliás, desautorizado
Urugiíai antigas pretensões espanholas.- . . . , |,:; - pelo seu governo. ..- . - . , . . ,
Rejeitadas, pelo Brasil, as referidas propostas, outras foram apresen-
• . . ' • " • , . . • :, :
a) PfJLrr^eira questão com a Santa Sé • '" ''íítíx ' x tadas no ano seguinte, com idêntico insucesso, pelo novo encarregado
de negócios do Uruguai, Coronel José Maria Reyes (!).
Estabelecia a Constituição de 1824 ;que a religião oficial do Brasil 'Prenunciando futuras complicações, duas vezes celebraram convénios
seria a católica apostólica romana, embora fosse permitida a existência os farroupilhas revoltados do Rio Grande do Sul e o caudilho uruguaio
de outras no país. Herdado de Portugal, vigorava nas relações com a Frutuoso R i vera (2). Renunciando Oribe à presidência legal do Uru-
Santa Sé o regime chamado do"fbSffitJflcío, pelo qual competia ao go- guai, não, foram recebidos pelo governo regencial dois agentes dos
verno 'brasileiro a indicação dos;|âdèirdo1:es que: deveriam ser nomeados; revolucionários enviados ao Rio de Janeiro (3).
para os principais cargos eclesiástícOsSdpi'Império. Em consequência, Ou :
cirro era. pago pelo1 Estado, sendo,' cle^cèrto modo, equiparado ao fúrifí;
cionalismo público; 1 Além disto,-'as'biíjas';e breves dos papas só teriani?; 2. Política Exterior de D. Pedro II (1840/1889) .
"Hjilica^ilo nu Brasil caso houvessem obtido'o beneplácito imperial.V";;:S55
O ('um iiiiiamento desse regime;^nãS:Sideixaria de produzir co;iifí[itp|íj| Subindo o Imperador D. Pedro II ao trono, em 1840, uma das pri-
olireliido porque o Vaticanp1nãg|^oS^r^áv^.\Corri^.iail'placitaçã^|^.^|ft^^^ meiras questões internacionais que no seu reinado teve de • enfrentar
oní a < | i i e l a aprovação,dos,atos ema«|cl|)^:^:,^u,m^/jontífi^ fqi a do tráfico de negros africanos para p :Brasil- Nela entrou o país
A p r i m e i r a (jiiestão^entrè 1 o .JJr^í^^^^t^^lqrá^l^ll^^^^^ Sem conflito comjá Inglaterra, que pôr processos arbitrários pretendia
iiacíín,' 1'eitii pela ^<cgêncía^Trihá.í«|||||n^eM|g||ic) sèín|iÍ[â§|l^^^ obstar a continuidade da'. importação da mão-de-obra necessária ao
nomeado bispo do K io' : dc" Janeiro' uW;;ÍI:ce|pc|e|g|ie :aritesi:|||yl|;^3ÍÍ desenvolvimento agrícola do Império. O assunto foi, como veremos, re-
mado u m a ai i l u d e inconveniente, •por7:sè?;'h^r|j|festradó|Íáy(|i|^^|| solvido por iniciativa do próprio governo brasileiro. ,, ;
como p o l í l í i o , íi abolirão'do' celibato 'dós '•.padrésV^pfna, ,ná|iiitalm:|r(:tei*S
.'.".VílO Eduardo- :Áceyédo,' —, AnaJes H/sfórícoâ dei 1/ruçji.iay CMontovldíin, ,'il933), torno ],
não aprovou a sugeslão de seu nome, e a Regência, pouco depò,i|ípçtíp|^|S Èágs. 478/479;, Juan E.' Pivél Devoto— Alçira Hnninrl t)" Plvol Dnvolo —, Hlistórla de Já fie-
da pelo Padre 1'Vijó, quase chegou a romper'relações com':'o'^^âí^|jer2:3'> públíca' Oriental dèl t/ruguay, (J830-I830J,1' pago: 91/93. * .;•-:',/,! " í % • • , " • ' : J : ' ' ' ' ' ' ; "••
••'''.' .'C2Í). ; i l Ji'M. Fernandes^Saldaíia —'""Tratado do pirnlluy • 11138", non Ano/n" elo 'til Con-
minou a queslão c a desistência do referido cargo pélíâ . sàperdpte ' . gresso Sul-Rio-Grandensa de Hlslórltr (1'ôrlti Al"a:ro, KW), t." v n l - , i'n'u|n. CDXXXI/CDXXXJX,
em causa. ' ' ' ' • • ' • . " " : • ' ' •"• •" ""'^^^•'v''^*^-"' ''•' .>';'C3) 'Raul Adalberto de .Cahipon ' • • H<'l<i<:f«'n 'UlplnMòtlaià• do Rraàll (ISOa/ltilZ), '(Rio,
19ib>, págs. 216/217., , , . , , . . , , ,, , , , , , , , , , ,,,,,,,
9S.:; ' . : ' : ' : : ' ' ' : ' ' . • , ' • :
- '' ' :
' ' ..'•'• •-•tiJ.zá^Z-.í::::"^:'-
A política externa à época
da Independência

Um novo ator em um mundo dinâmico

Para compreender como vai se inserir o Brasil independente no


movimento das relações internacionais, é mister, inicialmente, orien-
tar a análise histórica em duas direções: identificar, no sistema inter-
nacional vigente, os condicionamentos da política externa brasileira à
época da Independência e definir o perfil do jovem Estado, como
novo componente.
A soberania brasileira não pode ser concebida como efeito abrup-
to da Proclamação da Independência, em 7 de setembro, imediata-
mente aplicável no exterior. Seu exercício estava condicionado inter-
na e externamente e requeria toda habilidade para vir a conformar-se
com os interesses da nação. Assim, pelo menos quatro variáveis, de
natureza estrutural e histórica, iriam condicionar a elaboração c a
execução da política externa brasileira nesse período inicial: o joj^o
das forças que compunham o sistema internacional no início do sécu-
lo XIX e os objetivos dos Estados dominantes, a inserção do conti-
nente americano nesse sistema, a herança colonial brasileira tanto
socioeconômica quanto jurídico-política e, finalmente, o precoce
enquadramento luso-brasileiro no sistema internacional vigente, por
meio da "aliança inglesa".
O continente americano era afetado pelo que sucedia com a eco-
nomia e a política europeias. O Congresso de Viena de 1815 signi fi-
cou, ao mesmo tempo, o declínio da influência que a Revolução Fran-
cesa exerceu sobre o sistema internacional e a emergência das forca:;
económicas que iriam configurá-lo no século XIX. Tanto o concerto
l H A m a d o L u i z Cervo e Clodoaldo B u e n o História da política exterior do Brasil 19

<-nm|K-u quanto o sistema de equilibrio que o seguiu, garantindo o que se manifestavam por meio dos órgãos de classe e das instituições
I m i j M ) século de paz europeia, entre 1815 e 1914, serviram e se ade- representativas.
quaram mais aos interesses do capitalismo industrial do que a qual- Entre os dois grandes moviam-se as potências secundárias do
quer outra causa. Por um lado, o retorno do absolutismo e sua inge- sistema europeu. O, Império Austríaco não tinha em Mettemich um
rência nos assuntos internacionais permitiram a repressão dos grupos génio da política internacional, mas um homem prático, que procura-
sociais que esse novo estágio das forças produtivas impunha pela lei va e conseguia controlar as "forças" para manter a "ordem", que não
da acumulação capitalista. Por outro lado, o controle exercido nas manteria pela força. A França da restauração desenvolvia uma polí-
relações internacionais pela Grã-Bretanha, centro dinâmico da nova tica externa baseada na psicologia do vencido, porquanto se guiava
economia, facultou-lhe não só o acesso àquele mercado continental, pelo prestígio a reconquistar. A Prússia dos Hohenzollern só podia se
como também a abertura para o mundo, tendo em vista colocar um dedicar a uma pequena política externa. As três nações secundárias
quantitativo sempre crescente de bens produzidos. O comércio de do sistema europeu eram, pois, manipuláveis e manipuladas pelos dois
exportação deveria ser, segundo Adam Smith, o principal cuidado da grandes, num confronto entre estágios diversos de evolução material,
política externa de uma economia capitalista. Será, com efeito, desde distintas ideologias e formas de organização sociopolíticas.
l'itt, a regra básica da política externa inglesa, que irá prevalecer nas O pacto da Santa Aliança, firmado apenas pela Rússia, Prússia e
políticas externas das outras nações, por imitação ou necessidade, à Áustria, em 26 de setembro de 1815, foi uma proposta russa a todas
medida que avança sua modernização económica interna. as cortes europeias, no sentido de regularem as relações internacio-
A sociedade internacional europeia, feita de valores, princípios, nais pelos princípios do sistema arcaico: o legitimismo monárquico, o
interesses, normas jurídicas e padrões de conduta, atingia então a intervencionismo destinado a esmagar as revoltas populares, a místi-
maturidade em um sistema de hegemonia coletiva, poderosa força de ca do cristianismo e o governo supranacional dos povos. A este pacto
expansão também coletiva dos interesses europeus sobre a periferia contrapôs-se imediatamente a Grã-Bretanha, que firmou com as
do mundo. Tem-se aí a determinação e a explicação fundamental do mesmas potências a Quádrupla Aliança, em 20 de novembro do mes-
sistema internacional, da guerra e da paz, no século XIX, bem como mo ano. A Quádrupla saiu como pretendia a Inglaterra e.exigiam
0 porquê do liberalismo, dos tratados de comércio com baixas tarifas, seus interesses: combateu o princípio da intervenção, fortalecendo o
consentidos entre potências similares e impostos aos mais fracos; o movimento das nacionalidades; não admitiu totais garantias recípro-
porquê das reações protetoras, das rivalidades e dos conflitos. A des- cas, induzindo as potências europeias a se vigiarem mutuamente; di-
truição dos Impérios Português e Espanhol nas Américas, assim como rigiu-se teoricamente contra a França, mas seu efeito era o de en-
a manutenção do Império Otomano, o "grande enfermo", também quadrar a Rússia; e respeitou o princípio dos governos representativos
atendiam aos interesses económicos britânicos: eliminou-se aqui o constituídos ou a se constituírem.
que restava da intermediação metropolitana - uma aspiração das eli- O embate das duas tendências é visível nos congressos da Quá-
Ics nalivas - e obstou-se lá ao engrandecimento da potência russa. drupla Aliança (Aix-Chapelle em 1818, Troppau em 1820, Laybach
Rússia c Grã-Bretanha representavam, em 1815, respectivamente, em 1821, Verona em 1822): as potências se engajaram na via russa
' 1 . r , I r m a arcaico e o moderno das relações internacionais. A Rússia quando, apesar da resistência inglesa, mas conforme à filosofia da
dispunha de- forças consideráveis: 55 milhões de habitantes, um mi- Santa Aliança, fizeram intervenções repressoras em Nápoles e na
I I I i" rm armas c o absolutismo, que permitia aos czares tomar deci- Espanha. Em ambos os casos, aliás, as potências interventoras, Ai is
"< •. sem consultar ou ter de sofrer as pressões dos grupos sociais. tria e França, agiram por interesses próprios, mais do que pelos prin-
A < l i a U i i - l . i u h a , por sua vê/, contava com os recursos do avanço cípios da Santa Aliança. Seu último sucesso foi a intervenção H;I
1 < u i t i i i i i K d r di-via incorporar nos cálculos políticos as pressões sociais Espanha em 1823.
20 Amado Luiz Cervo e Clodoaldo Bueno História da política exterior do Brasil 2l

A Santa Aliança se desfez ante os movimentos de independên- para atingir seus objetivos, integrando-a em seu sistema, como uma
cia da Grécia e da Bélgica, que triunfaram em 18,30. Nesse mesmo unidade agregada complementar. As vitórias brasileira (1823) c
ano a Rússia esmagou a revolta polonesa. Depois a Inglaterra ofere- hispano-americana (1824), na guerra da independência, eliminaram
ceu garantias ao Império Turco contra o Egito e a Rússia, recolhendo definitivamente as possibilidades de reconquista, dado o quadro inter-
sempre as vantagens comerciais em recompensa. Em todas essas nacional de então. Foram vitórias próprias, sem apoio externo, fato
frentes de ação, prevaleceram interesses concretos, estratégicos, que os latinos também não souberam usar em suas relações exter-
políticos e comerciais e não mais diretrizes da Santa Aliança. É o nas. A Áustria e a Prússia não tinham condições de usar a força.
concerto europeu, um sistema de hegemonia coletiva, a nova fase A Rússia se opunha a seu emprego, propondo uma "mediação coleti-
das relações internacionais, desde pelo menos 1825: este se guia pelo va" (1817), que não vingou e ela desistiu da causa. Já a França, a
princípio da composição entre as nações para evitar o confronto ar- Inglaterra e os Estados Unidos moviam-se por interesses económi-
mado nas relações intereuropéias e pelo princípio do entendimento cos, ante a perspectiva do grande mercado que se lhes abria. A men-
para expandir interesses europeus nas relações internacionais. A po- sagem de Monroe em 1823, além de inútil, porque feita ao abrigo da
tência é colocada a serviço da política, que estabelece metas concre- esquadra inglesa no momento em que a veleidade francesa se dissi-
tas de ação. para, era obsoleta: o único fato substantivo de então era a competi-
A Inglaterra triunfava, pois, no Mediterrâneo e na América La- ção para obtenção de maiores benefícios desse mercado. O fracasso
tina, onde as pretensões da Santa Aliança não teriam chance de se do Congresso do Panamá (1826) faz sentido: o pan-americanismo
concretizar. não despertava tanto interesse, o que favorecia os ingleses, que temiam
A dissimetria das relações intereuropéias e interamericanas, como uma liga americana sob o comando dos Estados Unidos; assim, a
vislumbrada nas concepções originais do monroísmo e do pan- América Latina abria-se às rivalidades interamericanas, à penetra-
americanismo, não representava senão meia verdade. É forçoso re- ção europeia e à competição internacional.
conhecer que o sistema internacional, determinado pelo estágio de Na transição do colonialismo clássico para a independência do
evolução material e ideológica e convertido na vontade política dos Continente Americano, a política externa dos novos Estados consti-
ingleses, vinha ao encontro dos ideais americanistas. Tal conjugação tuía, teoricamente, um instrumento apto a modificar, pela via das Iran:;
de forças teria sido suficiente para erradicar do continente america- formações estruturais, as condições de vida material dos povos. As
no o perigo do retorno ao colonialismo clássico, sob a égide da filoso- iniciativas dos governos diferiam, entretanto: somente o governo dos
fia santa-aliancista. Como não fizeram os Estados Unidos, os latino- Estados Unidos soube preservar nas negociações e lutas cxternuH OH
americanos não estavam sob coação de nenhuma fatalidade histórica interesses socioeconômicos e políticos. No outro extremo, Hiai.il r
para cederem aos ingleses o que cederam no rito, hoje de lúgubre Colômbia cederam da mesma forma diante das pressões c x l m i i r . .
memória, do reconhecimento de suas independências. Teriam demons- criando, por tratados firmados com as nações capitalista:;, m m m n i l r
trado melhor sua habilidade política usando como poder de barganha, a Inglaterra, as condições de dominação que se pciprliuuun A |n>
nas relações com a Inglaterra, o confronto dos dois sistemas euro- sição da Argentina foi intermediária, permitindo di-sdf Kosiiri uniu
peus, no intuito de salvaguardar o interesse das jovens nações.' relativa margem de enfrentamento externo.2
Na realidade, as ameaças da Santa Aliança sobre a América Alguns analistas da herança colonial c da dqu-ntlau u n r . r . i i m
Latina foram ilusórias. Interessavam, entretanto, à Inglaterra, que sobre a cooptação do Estado, simullaneniiKitk 1 , pelos grupos do capi-
soube habilmente constituir a diplomacia da recompensa por serviço talismo avançado externo e pelas classes rmuli:'in;is inlcniiis, qm- u-
2
1
Conde(1963);Nicholas (1975); WhiUikor (!%(>); 1'crkinn (1% l c l%1h); WIÍR|I|
Renouvin (1965, y. V); Krippendorff (1979); Watson (1992). (1972); Zubieta (1924), Ri vás (1961); Ferns (1968).
24 Amado L u i z Cervo e Ctodoaldo Bueno História da política exterior do B r a s i l

A primeira gestão dos Negócios Estrangeiros coube a José 1825, tendo em vista equacionara questão da Cisplatina e forjar sua
Bonifácio de Andrada e Silva, que desmembrou, em maio de 1822, a própria nacionalidade sobre os escombros do Império.
Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros da Secretaria dos A Independência do Brasil interessava, sob todos os aspectos, a
Negócios da Guerra, dotando a primeira de pessoal próprio. Seu su- Grã-Bretanha, aos Estados Unidos e aos novos Estados hispano
cessor, o marquês de Paranaguá, conferiu-lhe plena autonomia, em americanos. De nenhum lado, entretanto, houve disposição de
novembro de 1823, separando-a da Secretaria dos Negócios do sustentá-la pelas armas. O rompimento foi uma decisão de política
Império. Criou-se assim, em definitivo, um ministério próprio e au- brasileira, implementada pelas forças da nação, que não contou com
tónomo, com uma secretaria exclusiva para os Negócios Exteriores. o apoio externo nem com os entraves de uma coligação.
A Constituição de 1824 definiu as atribuições do Poder Executivo Originalmente, a Grã-Bretanha considerou a independência da
quanto às relações internacionais, reservando ao Legislativo parcela América Latina útil como válvula de escape ao bloqueio continetil.il
restrita de responsabilidade nesse terreno, como a aprovação de tra- que lhe foi imposto por Napoleão. Cedo, entretanto, tornaram-se
tados somente quando envolvessem cessão ou troca de territórios. ponderáveis os negócios estabelecidos sob a égide do liberalismo po-
Será, pois, de pouco efeito sobre o processo decisório no período inicial lítico e económico, criando-se uma situação de não-retorno. Irá bata-
a pressão vinda do lado das câmaras que se instalaram em 1826. lhar para mante-los e desenvolvê-los, consagrando sua hegemonia
O período mais significativo da política externa brasileira à épo- sobre o continente. No caso do Brasil, a Grã-Bretanha arvorou-sc
ca da Independência situa-se entre 1822 e 1828. Confrontam-se en- ainda defensora de interesses portugueses, para salvaguardar a fide-
tão os objetivos estabelecidos pelos governos estrangeiros em suas lidade útil daquele Estado. Já os Estados Unidos visaram objclivos
relações com o Brasil e os que este país pretende alcançar no exteri- políticos, económicos e estratégicos: desistindo de se opor à forma
or. O jogo das relações evidencia, contudo, um movimento inverso, monárquica de governo, buscavam a expansão do "sistema amcrica
segundo o qual prevaleceram de forma decrescente as metas nacio- no", o desafio à preponderância económica e política inglesa c a sus-
nais e de forma crescente os objetivos externos, no que diz respeito tentação de tais desígnios pela ação diplomática e pela presença de
aos resultados esperados. A cadência do movimento assim caracte- uma esquadra. As outras potências capitalistas foram-se alinhando
rizado é marcada por quatro fases: a) rompimento político, jurídico e às pretensões inglesas tendo em vista obter vantagens similares, já
económico com Portugal; b) guerra de independência; c) iniciativa que suas economias avançavam no caminho da modernização, l iolívai
para obtenção do reconhecimento da nacionalidade; d) concessões e seus seguidores arquitetaram um projeto de liga anfictiônica, visa n
feitas aos interesses externos. do à integração política e económica do continente, cujos inslnimeii
As articulações internacionais, tendo em vista defender ou ata- tos operacionais seriam criados no Congresso do Panamá ( l H . ' d ) ,
car a independência brasileira, jamais ultrapassaram a fase das nego- pelos representantes dos governos de toda a América. Áustria e U u v . u
\J ciações. Isto ocorreu: com a proposta levada pelo cônsul brasileiro compreendiam que deveriam deixar essa região seguir seu dr;;linn,
Corrêa da Câmara a Buenos Aires, em 1822, para a aliança ofensi- distante e desvinculado. Em contrapartida, a maior parle das lidcnin
va; com os contatos entre Portugal, Espanha e França, em 1823, para ças locais nas colónias portuguesas de Angola e Hcnc.ala e.sforen
a reconquista das ex-colônias; com as conferências da Quádrupla ram-se para vincular-se politicamente ao Brasil.
Aliança; com a tentativa de cooperação entre Estados Unidos e In- As condições objetivas do quadro internacional a | n m i a m paru
glaterra em prol da independência, em 1823; com a proposta brasilei- certas conclusões: a) a independência bnisik-iia não i-slc-vi- cm pru
ra de aliança ofensiva e defensiva apresentada por Silvestre Rebelo go sério desde sua proclamação; b) a lula do p,ovnno l u a s i l r n o puni
ao governo norte-americano, em 1824; com .a tentativa argentina - obter seu reconhecimento formal se explica mais pelo infundado u
um episódio à parte - de jogar todo o continente contra o Brasil, em mor em perdê-la do que pela necessidade política; e) os mui s podem

*
n> A m a d o Luiz Cervo e C l o d o a l d o B u e n o Historia da política exterior do B r a s i l 27

sos interesses económicos e políticos inclinavam-se para a sua sus- da grande nação rival no Prata: nesse sentido também devem ser
tentação, propiciando ao governo brasileiro um poder de barganha; d) analisadas tanto a política com relação à Cisplatina quanto a aproxi-
o reconhecimento a ser obtido a qualquer preço foi um trágico erro mação com o Paraguai.
de cálculo político. Do lado europeu havia igualmente objetivos concretos estabele-
Com efeito, a principal meta eleita como diretriz externa pelo cidos como metas da política externa: atender às necessidades de
governo brasileiro de então foi o reconhecimento da nacionalidade. mão-de-obra para a economia agrícola brasileira, obstando, por um
Uma meta exclusivamente política, estabelecida à luz de uma per- lado, à decisão inglesa de pôr fim à importação de escravos e toman-
cepção limitada do interesse nacional. Influiu de tal sorte sobre as do, por outro, iniciativas de imigração livre; abrir o mercado europeu
relações exteriores, que imobilizou as decisões até a década de 1840. aos produtos brasileiros, que não tinham acesso ao mercado inglês;
A importância da política de reconhecimento está na função que de- proteger a navegação nacional, o comércio interno e externo, do do-
sempenhou, de ponte entre as pressões externas e as decisões inter- mínio que sobre eles exerciam portugueses e ingleses; obter emprés-
nas: estas se moldaram àquelas, pela via da negociação e do consen- timos para fazer face às despesas da guerra de independência e das
timento final. Em vez de tirar proveito do quadro internacional e das missões diplomáticas.7
forças internas, o governo brasileiro estendeu às nações estrangei-
ras, na bandeja, um extraordinário poder de barganha por ele criado e
por elas utilizado para realização de seus desígnios. O enquadramento brasileiro no sistema internacional do capi-
A diplomacia brasileira não foi instituída e utilizada com a finali- talismo industrial sob a condição dependente
dade exclusiva de obter o reconhecimento. Outras incumbências ocu-
param-na naqueles anos. A política internacional, à época da Independência, foi o instru-
A monarquia constitucional teve de ser sustentada externamen- mento com que o Brasil e as potências ocidentais forjaram uma
te por se chocar, conforme uma corrente de opinião, contra o "siste- integração condicionante, aceitando cada uma das partes sua função
ma americano" e o republicanismo continental. A unidade nacional própria na divisão internacional do trabalho. Tal fato, sobre o qual
foi posta em risco pelas interferências externas na revolta de muito se insistiu, produz as situações de dominação e dependência,
Pernambuco e pela tentativa de "revolucionar o Império", sob o pre- características da evolução capitalista, nos dois últimos séculos. Os
texto da guerra na Banda Oriental e da incorporação da região boliviana atores, porém, de tal empresa não foram apenas dois, como preten-
de Chiquitos ao Brasil, decidida pelas autoridades locais. O expan- dem alguns teóricos da dependência: uma unidade de produção pri-
sionismo no Sul foi uma herança portuguesa mais do que uma meta mária, brasileira no caso, e outra unidade de produção industrial, in-
política nacional. Em 1822, Corrêa da Câmara levava a Buenos Aires glesa, que se agregam por óbvios interesses mútuos e, por meio de
instruções de José Bonifácio para negociar a sorte do Uruguai no um compromisso não escrito, mantêm a dominação em âmbito inter-
quadro da aliança defensiva e ofensiva a constituir. Os interesses nacional e interno. Tal interpretação, que se fundamenta na categoria
do comércio, do fornecimento do charque ao mercado brasileiro, do económica como explicação monista, ignora o papel da decisão polí-
controle das vias navegáveis, chocavam-se com as pretensões ar- tica. O caso brasileiro demonstra que o compromisso não foi tácito,
C.rnlinns do constituir sua nacionalidade sobre as dimensões do Vice- mas sim explícito e escrito, negociado arduamente e consentido por
K r i n o do l'rala c com os movimentos nacionais internos da Banda decisão de vontade. Vale dizer, que os destinos do Brasil, da America
( > n r n i ; i l . l i i i c i T c r i n n i ainda as potências estrangeiras, Inglaterra e
listados l IniiUi:;, prolongando-se o conflito até 1828. Cedo percebe-
7
i . i i n i r , i .!i;ii«-)'i:;l;i:; l > i ; r ; i l f i r o s a vantagem em obstará constituição Flávio M. de O. Castro (l 983); J. A. Pimenta Bueno (1978); Corvo ( l ' « l ) ; K n i i l A.
de Campos (1913).
28 Amado Luiz Cervo e Clodoaldo Bueno História 'da política exterior do B r a s i l 29

Latina e de outras unidades agregadas dependentes estiveram sem- me colonial. Contra tal intento subverteram-se as lideranças brasilei-
pre, como estão, sob a responsabilidade de seus homens de Estado. ras, a opinião pública, as precárias forças, que foram rapidamente
É inútil historicamente toda teoria que se reduz à psicanálise da opres- organizadas. Ocorreu uma primeira manifestação vigorosa do senti-
são, sem detectar as condições de superá-la, mesmo no quadro da mento nacional, encampado dramaticamente pelo príncipe regente,
evo}ucão capitalista, em que foram desastradamente inseridas as áreas feito imperador por aclamação popular.
periféricas. As experiências históricas mostram as diversas perspec- O rompimento da independência apresentou três dimensões, como
tivas que se abrem, e as análises da época e de hoje enfatizam o expressão original da política externa brasileira: uma político-jurídica,
papel do Estado na proteção ao trabalho nacional. Ignorar sua função outra militar e uma terceira diplomática. Operou-se em duas fases: a
nas relações de dominação e dependência é ignorar a história. primeira, nacionalista, sob o comando de José Bonifácio, que conver-
Com base na premissa historicamente fundada do equilíbrio pos- teu à causa o próprio príncipe; a segunda, contra-revolucionária, a
sível entre determinações causais e finalidades políticas, analisamos partir da queda de José Bonifácio, em 1823, com a dissolução da
o enquadramento brasileiro no sistema capitalista realizado à época Assembleia Nacional Constituinte e Legislativa e contra o
da Independência. Houve três fases, para chegar-se à referida autoritarismo do imperador.
integração: a portuguesa, a inglesa e a ocidental. Na primeira, cria- O esboço do Estado nacional foi constituído desde janeiro de
ram-se as precondições, com o rompimento da Independência, a con- 1822 por centenas de medidas tomadas por dom Pedro e José
quista interna da soberania política, o fracasso das tentativas portu- Bonifácio no sentido de firmar sua própria soberania e rejeitar a auto-
guesas em promover o retorno à situação colonial e a escolha bilateral ridade das cortes portuguesas, cujos decretos reacionários começa-
da Grã-Bretanha como potência mediadora. A segunda é marcada ram a chegar ao Rio de Janeiro em dezembro de 1821. Entre as
pela natureza das relações de dependência resultantes das negocia- medidas mais importantes de rompimento político-jurídico estão a cria-
ções entre o Brasil e a Grã-Bretanha. A terceira, pela extensão des- ção do Conselho dos Procuradores-Gerais das Províncias do Brasil,
se sistema de relações às outras nações capitalistas emergentes e ao a convocação da Constituinte, a anistia para as passadas dissensões
universo. políticas, a imposição do "cumpra-se" às leis portuguesas, a exclusão
de funcionários portugueses nomeados para cargos no Brasil e a or-
ganização dos ministérios de Estado; outras decisões, fazendo uso da
As precondições autoridade já constituída, completam o rompimento: o confisco dos
bens dos portugueses que não aderiram à Independência, a expulsão
As causas do rompimento com Portugal são remotas e comple- das tropas portuguesas e a proibição do comércio bilateral, a admis-
xas. A historiografia recorre a inúmeros fatores: a crise do antigo são de navios estrangeiros sem certificado do cônsul português no
sistema colonial, as revoltas separatistas, os ideais liberais e libertários país de origem e a criação de um corpo diplomático brasileiro. Entre
que varriam o Ocidente desde o século XVII e a transferência da janeiro de 1822 e início de 1823, foram assim destruídos mais uma
corte em 1808, que pôs fim ao regime colonial, seguindo-se um surto vez, gradativamente, os vínculos político-jurídicos e as relações chi
de prosperidade em termos políticos, económicos, culturais e diplo- antigo sistema colonial entre Brasil e Portugal.
máticos, ao qual correspondeu um declínio de Portugal. As causas A ruptura foi acompanhada por um verdadeiro drama familiar,
imediatas são as que se evidenciam no âmbito do Estado: o retorno descrito na correspondência trocada entre dom João VI e Pedro l,
de dom João VI a Portugal, em 1821, a instituição da regência brasi- pai e filho. O sentimento do príncipe transitou, em nove meses, por
leira, confiada a seu filho Pedro, a revolução liberal portuguesa de estágios antagónicos e contraditórios. Relativamente à nação portu-
1820 e suas incompreensíveis medidas de restabelecimento do regi- guesa, passou do amor e dedicação, pela hesitação, até o ódio
Ill A i n . i i l i i l u i / Cc.rvo c C l o d o a l d o B u e n o História da política exterior do Brasil 31

< n i i . i n l i ivcl; inversamente, prendiam-no ao Brasil a indiferença, o sição de armas. Não contou o país com nenhum auxílio externo, além
, íi paixão. Dom Pedro não teve educação esmerada, emer- de algumas centenas de mercenários, e fez a guerra por conta pró-
sua personalidade espontânea, não dirigida, máscula e forte. pria.
os teóricos liberais, já que eram malvistos na corte, e entusias- Os "partidos" estavam presentes em toda parte: o português,
-se com a revolução portuguesa de 1820, até perceber seu cará- aliado à tropa e à causa da recolonização; o brasileiro, de onde emer-
KT atitibrasileiro. A partir de então, tornou-se resoluto condutor do gia a força nacional e a luta pela liberdade política. No início do con-
movimento de independência, indo até a exorcizar o antigo sistema flito, o partido português estava em nítida vantagem, porque contava
colonial, que responsabilizava por todos os males e pelo atraso brasi- com aproximadamente 10 mil homens de tropa e uma marinha, única
leiro. Reuniu as condições de liderança, que exerceu de forma impe- força organizada. Esse número oscilou, posteriormente, em função
tuosa, sem evitar o conflito e sem a malícia do cálculo estratégico que do envio de algumas expedições portuguesas, da sua expulsão e re-
caracterizava o comportamento político de seu pai. Dele quase tudo torno a Portugal, do recrutamento local e da adesão de soldados por-
se podia esperar: uma revolução nacional ou uma reação absolutista. tugueses à causa brasileira. A maior concentração de tropas portu-
Seu temperamento deve ser tomado como uma variável ponderável guesas ocorreu sob o cornando de Madeira, na guerra da Bahia: 11
na explicação da política externa. mil homens.
A segunda dimensão da política de rompimento foi a guerra de As forças brasileiras organizaram-se e cresceram rapidamente,
independência, inevitável em virtude da presença de tropas portugue- compreendendo a participação popular espontânea, o recrutamento
sas na maioria das províncias brasileiras e a sua adesão às ordens de escravos e homens livres, a incorporação de soldados portugue-
radicais das cortes. Duas situações se apresentavam: em algumas ses, a contratação de oficiais estrangeiros - ingleses (cerca de 450
províncias, as juntas de governo mobilizaram rapidamente as forças oficiais e marinheiros), franceses e americanos - e a organização de
nacionais, expulsando as tropas e assumindo o controle da situação esquadras. As maiores concentrações ocorreram no Rio de Janeiro
sem violência, como ocorreu no Rio de Janeiro, em São Paulo, em (10 mil homens), para forçar a expulsão das tropas portuguesas; na
Pernambuco e no Ceará; em outras províncias, os dirigentes locais Cisplatina, onde Lecor comandava 4.416 brasileiros que forçaram a
não tiveram sensibilidade suficiente, resultando a pressão das tropas saída de 3.678 portugueses; na Bahia, onde chegaram a mais de 13
no controle do governo, como ocorreu na Bahia, no Maranhão, no mil homens as tropas que enfrentaram os soldados de Madeira; e no
Piauí e no Pará. Este seria o palco da guerra aberta. À primeira zona, Piauí e Maranhão, onde as expedições vindas do Ceará chegaram a
sob o comando do Rio de Janeiro, integraram-se outras províncias reunir cerca de 18 mil soldados. Não houve, pois, em nenhuma guer-
que aderiram à causa nacional, como o Rio Grande do Sul, a Cisplatina, ra de independência, no Continente Americano, tamanha concentra-
Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. , ção de tropas.
O plano português envolvia a guerra de reconquista, tendo por Abstraindo-se as regiões que aderiram coletivamente e aquelas
estratégia a união do Norte a Portugal. A precária situação financei- em que a causa nacional triunfou pela simples ostentação de força, a
ra de Portugal e os sucessos brasileiros obstaram a sua realização. evolução do conflito aberto, restrito ao Norte e Nordeste, foi rápida:
O plano brasileiro era tipicamente defensivo, porém com uma estra- junho de 1822 a agosto de 1823. Nessa guerra, a demonstração de
tégia global. Compreendia medidas de caráter político, como a busca força prevaleceu sobre o combate, mas a Independência foi obvia-
de alianças externas; institucional, como a criação do exército e da mente uma conquista das armas nacionais. Foi financiada com recur-
marinha nacionais; setorial, como a defesa do Rio de Janeiro e da sos internos (impostos, donativos, rendas da alfândega e emprésti-
cosia atlântica; operacional, como recrutamento, treinamento, deslo- mos): sua dívida recairia sobre o Banco do Brasil, que seria extinto
camento, abastecimento, contratação de oficiais estrangeiros e aqui- em 1829.
32 Amado Luiz Cervo e Clodoaldo Bueno História da política exterior do Brasil 33

Houve efeitos diretos da guerra? A consolidação da soberania, a Houve três momentos nas negociações: em 1822 e 1824, em
união das províncias, a substituição de governos coloniais por assem- Londres, e em 1825, no Rio de Janeiro. Conduzidas por Caldeira Brant,
bleias brasileiras, o confisco de propriedades portuguesas, o excesso as negociações de 1822 poderiam ter chegado a termo, não fosse a
de forças ociosas a seu termo. O Exército e a Marinha brasileiros condição inglesa imposta para o reconhecimento: a abolição do tráfi-
eram então comparáveis, possivelmente superiores, às forças dos co de escravos. Também contribuíram para seu fracasso as notícias
Estados Unidos, o que representava uma tentação para aventuras no vindas do Rio de Janeiro, de uma separação absoluta, após o Sete de
Sul, onde se agravava o conflito com Buenos Aires em torno da Setembro, e a criação do Império (12 de outubro). A essa altura,
Cisplatina. No plano da psicologia coletiva e da opinião pública, a Canning assimilara a política do Manifesto, de 6 de agosto, e já en-
guerra contribuiu para a adesão nacional à pessoa de dom Pedro, que trara em contato com Portugal para negociar seu reconhecimento
assim pôde investir contra a revolta separatista de Pernambuco em naquelas bases. A partir de então, definiu-se a posição inglesa: a) o
1824, e para minar seu prestígio, quando se soube que a independên- reconhecimento brasileiro devia preservar a Coroa do Brasil para os
cia, depois de conquistada, foi ainda resgatada por dois milhões de Bragança; b) manter a Monarquia na América do Sul; c) com possí-
esterlinos e negociada em condições humilhantes. vel herança de parte a parte; d) Portugal aceitaria a Independência
O terceiro aspecto da política de rompimento é sua dimensão como fato consumado. Tal política permitia-lhe, por um lado, um am-
diplomática. A posição do governo brasileiro, em termos de política plo espaço de manobra no retrógrado Continente Europeu e, por ou-
externa, modificou-se desde a Proclamação da Independência até a tro, desequilibrar o projeto norte-americano de um "sistema" conti-
obtenção de seu reconhecimento. Os textos que definem as primei- nental.
ras diretrizes de política externa são o Manifesto às Nações Ami- Canning foi favorecido pelas circunstâncias. Apesar do retorno
gas, de 6 de agosto de 1822, as instruções destinadas aos negociado- do absolutismo em Portugal (l 823), a intransigência deste permane-
res brasileiros e, enfim, o bloco de tratados firmados entre 1825 e ceu: o novo governo queria o que queriam as cortes "liberais", ou
1828. Inicialmente, pretendia-se, conforme o pensamento de José seja, o retorno brasileiro ao estado colonial. O governo de dom João
Bonifácio, uma soberania limitada, mantendo-se a união das coroas. tomou iniciativa do lado da França e da Santa Aliança e até enviou
A intransigência portuguesa e os fatos internos impuseram a separa- missões ao Rio de Janeiro com o fim de negociar. O impasse era total
ção completa, defendida desde 1822 por Joaquim Gonçalves Ledo, e dele resultou um fato fundamental: dom João solicitou a mediação
Clemente Pereira e outros, amigos de José Bonifácio, que acabaram britânica que dom Pedro aceitou, para recompor um prestígio pessoal
sendo por ele perseguidos e deportados. desgastado pelas decisões internas e pelo atraso no reconhecimento.
Apesar da instabilidade política interna, observa-se, por outro lado, A Inglaterra vai assim mediar a negociação e, de sobejo, recolher a
a permanência de uma orientação externa, ou seja, a disposição de recompensa pelos serviços prestados. Em 1824 retornou a Londres
ceder favores e benefícios, sobretudo económicos, com que se pre- Caldeira Brant, assessorado por Gameiro Pessoa, para negociar com
tendia apressar o reconhecimento. os portugueses, sob mediação britânica e apoio austríaco. A intran-
De volta ao Ministério de Estrangeiros, em setembro de 1822, sigência das partes levou novamente ao impasse, e Canning decidiu-se
Gcorge Canning percebeu quão favoráveis se apresentavam as cir- enfim pelo reconhecimento das independências hispano-americanas
cunstâncias para manipular o reconhecimento brasileiro visando a por tratados de comércio e pelo reconhecimento unilateral do Brasil,
seu objetivo maior, o eldorado comercial. Essa mesma perspectiva o cujo tratado de comércio expiraria em 1825. Designou Charles Sluarl
movia em sua política com relação à América espanhola, mas o pro- para uma missão ao Rio de Janeiro, devendo previamente passar por
cesso de reconhecimento brasileiro foi diferente, porque tinha de passar Lisboa para recolher uma decisão final, depois que a influcncin Ira n
previamente pelo consentimento português. cesa sobre aquela corte havia sido afastada.
Amado Luiz Cervo e Clodoaldo B u e n o História da política exterior do B r a s i l 35

Sluatt Ira/ki instruções draconianas: Portugal teria de ceder o O movimento pelo qual esse processo de subordinação se efeti-
reconhecimento por ato próprio e aceitar o enviado britânico corno vou pode ser compreendido à luz de três séries de fatores. Em pri-
seu plenipotenciário; o Brasil teria de aceitar essa mediação, sem a meiro lugar, as disposições do governo inglês e sua capacidade de
qual não liavcria reconhecimento britânico, e manter em vigor o tra- controlar o quadro internacional para atingir as metas estabelecidas.
tado de comércio de 1810, até sua renovação. Nisso residia o pleno Em segundo lugar, as disposições do governo brasileiro e sua inabili-
sentido da mediação para o Brasil: a porta pela qual o governo inglês dade diplomática. Enfim, o conjunto de decisões políticas consentidas
penetrou no Estado brasileiro, ditando-lhe as regras que norteariam de ambas as partes.
as relações recíprocas. A política externa da Inglaterra foi linear, desde que Pitt ideali-
Em julho de 1825 estabeleciam-se as negociações no Rio de Ja- zou o grande projeto da supremacia comercial britânica sobre o mun-
neiro. Numa primeira fase, Stuart se comportou como defensor dos do. Sua morte prematura em 1806 interrompeu os planos, levados a
interesses portugueses, até a conclusão do tratado de 29 de agosto de termo por seu discípulo e herdeiro, George Canning. A este projeto
1825. Depois passou à defesa dos interesses ingleses. Sua habilidade contrapunha-se o napoleônico, com a finalidade de arruinar a Ingla-
triunfou por completo: no primeiro momento, fez o Brasil ceder qua- terra económica e militarmente. Para esse fim, assinaram França e
tro vezes, associando dom João ao título imperial, aceitando uma in- Rússia o Tratado de Tilsit, em 1807. Dois trunfos se apresentaram
dependência outorgada livremente por Portugal, prometendo não se aos ingleses, fortalecendo sua posição ante o continente: a América
unir a colónias portuguesas da África e pagando dois milhões de es- Latina, cuja independência Canning ainda não apoiava, mas cujo
terlinos pelo reconhecimento, mediante convenção secreta. Era, sem mercado requeria para compensar as perdas do bloqueio continental,
dúvida, uma excelente recompensa a Portugal, pelos benefícios da e Portugal, cuja aliança tradicional seria acionada. Ao ultimatum fran-
tradicional aliança, conquanto não viesse a Inglaterra a exigir logo co-espanhol de 1807, para que Portugal declarasse guerra à Inglater-
ra e fechasse os portos a seu comércio, Canning reagiu, provi-
recompensas para si, por mais esse serviço prestado.
denciando a transferência da corte para o Rio de Janeiro. A convenção
O tratado de 29 de agosto de 1825, pelo qual o Brasil obteve o
secreta que dispunha sobre a transferência já previa a abertura do
reconhecimento português e normalizou suas relações com a ex-me-
mercado brasileiro aos produtos ingleses, atendendo plenamente ao
trópole, foi o primeiro fracasso formal da diplomacia brasileira: só
projeto inglês, com a criação de um império aliado na América.
trouxe benefícios a uma das partes, mesmo considerando o comércio
No Brasil, para onde veio a contragosto, dom João planejou uma
bilateral, indispensável somente aos portugueses.
desforra, tanto contra Espanha e França, mediante a ocupação de
territórios de seus domínios, quanto contra a própria Inglaterra, ne-
gando-lhe os privilégios do mercado. Sua ideia extrapolou a dimensão
0 enquadramento Brasil—Inglaterra
europeia dos fatos, desde que concebeu a criação de um poderoso
império americano. Assim deve-se entender a carta régia de 28 de
A presença inglesa e sua influência na formação brasileira são
janeiro de 1808, que abria os portos do Brasil às nações amigas, aten-
m ia l i sad as, aqui, na esfera política, que tornou viável a dominação e a
dendo parcialmente ao desígnio inglês, e o decreto de l e de abril do
dependência económica e social. A Revolução Industrial e a concor-
mesmo ano, que visava ao desenvolvimento industrial. O inspirador
1 n ir ia internacional foram as determinações causais da política ex-
de tais atos, José da Silva Lisboa, conseguiu introduzir no Brasil o
IITIUI britânica, enquanto, do lado brasileiro, nem sequer os interesses liberalismo smithiano, quando a Inglaterra se mantinha ainda protccio-
da cronomia ac.rícola de exportação foram atendidos, sendo sacrifi- nista, porque acreditava ser ele uma alavanca do progresso. Não se
cado:, pui- rompido os do comércio, da indústria e da navegação. descuidou, entretanto, de dar às indústrias brasileiras uma pmk-çflo
História da política exterior do Brasil 37
36 Amado Luiz Cervo e Clodoaldo Bueno

adequada, pela tarifa alfandegária de 24% ad valorem sobre os pro- cológicas que lhe facultassem atingir seus objetivos no Brasil; k)
dutos importados, bem como de proteger a navegação. fazer este país aceitar sua política de recompensa por serviços pres-
A política externa "brasileira" de 1808 representava, pois, uma tados.
ruptura na linha dos privilégios concedidos à Inglaterra pela aliança Os desígnios do governo inglês no Brasil à época da Indepen-
tradicional, consagrada no tratado de Methuen de 1703. Canning logo dência permaneciam os mesmos de 1808, porque idêntico era seu
percebeu e para cá despachou Strangford com instruções enérgicas projeto de supremacia. São eles o comércio favorecido, a reciproci-
e decisivas para reorientá-la segundo seu projeto. Este não admitia o dade fictícia, facilidades e privilégios para seus súditos, a extinção do
tráfico de escravos, tudo a ser consentido politicamente, sem recurso
liberalismo brasileiro, que poderia favorecer a outras nações, particu-
larmente aos Estados Unidos, e se opunha ao desenvolvimento indus- à força, a cujo emprego até então se opusera.
As disposições do governo brasileiro oscilavam em função das
trial. O projeto inglês postulava privilégios. As negociações, feitas
circunstâncias. Fez ele duas tentativas para formação de poderosas
sob pressão, resultaram em três tratados, firmados em 19 de feverei-
alianças defensivas e ofensivas contra os planos europeus de recon-
ro de 1810, pelos quais mais uma vez cedeu-se, enquadrando-se ago-
quista. A primeira, proposta em 1824 aos Estados Unidos e extensí-
ra diretamente o Brasil no sistema internacional de supremacia ingle-
vel a outros Estados americanos, na missão Silvestre Rebelo.
sa. Os produtos ingleses entrariam a 15%, o que significou a morte
O fracasso de tais empreendimentos e o temor sempre vivo da
da indústria brasileira que florescia; introduziam-se franquias recí- ameaça europeia levaram o governo a enfrentar a questão direla-
procas, num sistema de reciprocidade fictícia; asseguravam-se aos mente, acionando sua diplomacia na própria Europa: Londres, Paris,
súditos ingleses no Brasil direitos especiais, que compreendiam uma Viena, Roma e Estados alemães. As duas frentes comportavam, en-
justiça privativa, dando-lhes, assim, condições de se instalarem e agi- tretanto, uma dualidade política: a aproximação com a América, pm
rem livremente; não se dava contrapartida aos produtos brasileiros curada desesperadamente, levava no bojo os ideais do sistema anu-
no mercado inglês, onde seus direitos seriam regulados unilateral- ricano, liberal e constitucional, chamado à integração ideológica <-• n
mente; e excluíam-se do mercado inglês o açúcar, o café e outros cooperação económica em bases igualitárias; a aproximação com ;i
produtos. Europa fazia emergir os aspectos mais retrógrados da formarão na
Canning demitiu-se do Ministério dos Estrangeiros em outubro cional. Correspondia essa dualidade à própria natureza do lísiadn
de 1809, reassumindo em setembro de 1822. Nada mais oportuno, brasileiro que se implantava: uma monarquia constitucional c l i h n a l ,
porque se fazia necessário enquadrar agora o Brasil independente, exercida com elevado grau de autoritarismo e apoiada no modo <lr
por ato soberano, a seu projeto tradicional. Para tanto ele soube, com produção escravista.
extrema habilidade: a) vencer resistências no seio do próprio gabinete As instruções diplomáticas são os textos mais apropriado:; pai ,i
inglês e conquistar a simpatia do rei; b) neutralizar em parte os designips se conhecerem as disposições brasileiras. As que se destina vau i ao-,
da Santa Aliança, contrapondo-lhe a Quádrupla Aliança; c) impedir a enviados para a Europa foram mais importantes, porque c n l i m II .1
reconquista latino-americana pelas armas europeias; d) atrair a sim- bou prevalecendo o vínculo europeu sobre o americano. Kmborn n m i i o
patia austríaca à causa da independência brasileira; e) obter a cola- hábeis, as instruções revelavam em comum a disposicíío do c.ovi-i nu
boração dos Estados Unidos, apenas enquanto necessária; f) obter brasileiro em oferecer privilégios e compensações de Ioda MH Ir pai u
da França um compromisso de não usar a força contra a independên- apressar o reconhecimento, que era assim leiloado. As v a n l a p i i .
cia latino-americana, após a invasão da Espanha em 1823 (Memo- comerciais oferecidas aos europeus eram consideradas o r l r m >
rando Polignac); g) provocar uma tomada de posição unilateral dos de maior capacidade de persuasão. De tudo isso se d r p i r r n t l r <|iiíiu
Estados Unidos contra a intervenção europeia (Doutrina Monroe); vulnerável estava o interesse nacional, particularmente a n l r u \n«\> n -
h) constituir-se mediador do conflito entre Brasil e Portugal; i) conciliar inglês de supremacia comercial. O poder < l c b a i x i n h a < l > i p
as partes, salvaguardando a aliança portuguesa; j) reconhecer pri- dispunham as potências europeias Ibi-llics pois olno nlu. im ifl '!•
meiramente Estados hispano-americanos para criar condições psi- se obter o reconhecimento. Como recuai <lq»oi-:. a u l r n i n a |" M > p
l H Luiz Cervo e C l o d o a l d o B u e n o História da política exterior do Brasil 39

cão mais o bj e ti vá do interesse nacional, na hora de firmar os compro- que se apresentassem às negociações os governos de quantas na-
missos, se aquela fora uma orientação brasileira de política externa? ções pudessem delas se beneficiar, no momento em que a Revolução
Tudo concorria para o sucesso de Canning. Seus plenipotenciá- Industrial já se expandia pelo Ocidente. O governo inglês tomou duas
rio no Rio de Janeiro, Stuart e depois Gordon, iriam reconstruir o precauções para neutralizar o excesso de benevolência brasileira, o
edifício de 1810, utilizando a mesma planta. Os tratados saíram com leilão da Independência: primeiro, conseguindo a prorrogação destra-
perfeição ainda maior, um edifício de acabamento luxuoso. Negocia- tados de 1810, até a conclusão dos novos; segundo, estipulando, pelo
dores brasileiros que auscultassem o interesse e a dignidade nacio- de 1827, que os produtos de nenhuma nação pagariam menos direitos
nais eram demitidos e substituídos por negociadores servis, enquanto
do que aqueles provenientes da Inglaterra, exceto os portugueses.
Canning submetia os mínimos detalhes dos tratados aos grupos so-
Convencida da irreversibilidade da Independência, a França
ciais ingleses, cujos interesses estavam em causa. Outro, porém,
teria sido o desfecho das negociações no Brasil se Carvalho e Melo despachou apressadamente para o Rio de Janeiro o conde de Gestas,
tivesse permanecido à frente das negociações, se Caldeira Brant não com a finalidade de concluir um acordo que viesse beneficiá-la: foi
tivesse recusado o convite para substituí-lo, se Vilela Barbosa não assim firmado o tratado de 8 de janeiro de 1826, contendo artigos
tivesse assumido a coordenação num golpe de Stuart e dom Pedro perpétuos, que trariam graves complicações às relações bilaterais no
contra a causa brasileira. Não há evidência de pressões das elites futuro. Em 1827 seria a vez da Áustria, da Prússia, das Cidades
fundiárias sobre o processo decisório, de tal sorte que a dependência Hanseáticas, além do tratado inglês; em 1828, da Dinamarca, dos
brasileira foi antes de tudo uma decisão de Estado, vinculada conscien- Estados Unidos e dos Países Baixos. Concluiu-se, dessa forma, o
temente aos interesses da sociedade inglesa e desvinculada autorita- sistema dos tratados, igualando-se em quase todas as disposições os
riamente dos interesses da sociedade brasileira. benefícios externos com base nó princípio da "nação mais favorecida",
A convenção sobre o tráfico de escravos, de 23 de novembro de vigente na política internacional de então. Uma das primeiras medi-
1826, prescrevia a extinção para três anos após a troca das ratifica-
das contra esse sistema de privilégios foi a lei de 24 de setembro de
ções; revalidava no Brasil os tratados concluídos com Portugal em 22
1828, pela qual o Parlamento estabeleceu a igualização dos direitos
de janeiro de 1815 e 28 de julho de 1817 e criava enfim as comissões
mistas na forma desse último. O Tratado de Amizade, Navegação e de todos os produtos importados, independentemente da procedên-
Comércio de 17 de agosto de 1827, válido por quinze anos, era uma cia. Teve por intuito essa medida eliminar o monopólio, estabelecer a
adaptação das concessões feitas em 1810 aos novos avanços do ca- concorrência externa, destruir o privilégio comercial e reparar a in-
pitalismo inglês. Assim foram atingidos os objetivos de Canning, de- justiça contra as nações americanas, excluídas do mercado brasilei-
vendo a economia brasileira procurar outros mercados para seus pro- ro, à exceção dos Estados Unidos. Era a universalização do sistema
dutos, excluídos do mercado inglês, que permanecia reservado aos de tratados desiguais, abrindo-se o Brasil à concorrência do capitalis-
similares oriundos das colónias britânicas. Foi o preço exigido pelos mo industrial, de forma completa e perfeita, com o sacrifício dos ins-
serviços ingleses em prol do reconhecimento da Independência. trumentos internos de defesa.8
A dom Pedro, os tratados trouxeram a antipatia nacional, a revolta do
Parlamento e a queda em 1831.
8
Freitas (1958); Rodrigues (1975); Oliveira Lima (1901); Accioly (1927 e 1936a);
Nogueira (1973); Aguiar (1960); Bethell, The independence of Brazil and the
A ampliação do sistema abolilion ofthe Brazilian slave trade. Journal ofLatin American Studies, Cambridge,
/(2): 115-147, 1969; Bethell (1976); Pinto (1980); Cervo, Os primeiros passos da
diplomacia brasileira, Relações Internacionais, Brasília, 3: 43-62, 1978; Ramirez
('orno já se observou, as disposições do governo brasileiro, em- (1968); Whitaker (1966); Moreira (l 976); Varnhagen (1972); Paulo R. de Almeida
lli 11:1 política de reconhecimento, eram universais. Era natural (1998a).

L.
—Hf-

40 Amado Luiz Cervo e Ctodoaldo Bueno História da política exterior do Brasil 41

O espaço das relações periféricas mática multidirigida e intensa, enviando missões junto a Bolívar, que
não conseguiu aliciar, à Grã-Bretanha, onde Canning se opunha à
A política externa brasileira à época da Independência movia-se guerra, aos Estados Unidos, cujo governo pretendia manter a neutra-
em duas zonas de pressão e em algumas aberturas na periferia. A pri- lidade e não estava disposto a ceder um corolário argentino à Doutri-
meira zona de pressão correspondia às relações com a Europa e a na Monroe para fazer a guerra contra o Brasil. Em tais condições, só
segunda situava-se na região do Prata. Outros espaços periféricos restava à Argentina negociar com o Rio de Janeiro, para onde en-
que se abriam à ação externa, com maior ou menor significado, eram viou duas importantes missões em 1827 e 1828. Tanto mais que a
cinco: o encontro do americanismo, em suas versões brasileira, herança artiguista, despontando como novo complicador, desenvol-
bolivariana e monroísta; as relações entre Brasil e Estados Unidos; a veu o germe da nacionalidade uruguaia, cujo movimento se fortale-
possibilidade africana; a utilidade paraguaia; os primeiros contatos ceu internamente, em meio ao conflito dos outros.
com os outros Estados hispano-americànos. A solução começa a vislumbrar-se quando as partes, já
desgastadas, solicitam a mediação britânica. Canning não podia es-
perar nada melhor, porquanto se opunha sistematicamente às guerras
A zona de pressão platina intestinas no continente, como se opôs às guerras europeias de re-
conquista. Seu interesse era o comércio, e a guerra aniquilara o de
Após as independências, Rio de Janeiro e Buenos Aires vão ad- Buenos Aires. Além do mais, seus súditos combatiam entre si, por-
ministrar o secular conflito regional entre Portugal e Espanha, relati- que foram contratados e postos a serviço de ambas as esquadras. As
vo ao domínio do estuário do rio da Prata. Historicamente, a opção instruções expedidas aos mediadores britânicos, Ponsonby em Buenos
portuguesa fora o domínio das vias navegáveis, a procura das minas Aires e Gordon no Rio, e o desenrolar das negociações revelam que
e o controle do contrabando e do comércio regionais. Dom João in- a intenção de Canning era o restabelecimento da paz e dos negócios,
corporou tais desígnios, desde 1808, ao projeto de construção de seu sem precondições. Não há, pois, indícios de que tenha sido a criação
império americano, que previa a inclusão de Buenos Aires e Monte- do Uruguai como um Estado-tampão um plano inglês. O Uruguai
vidéu. As forças que se posicionaram então, com o correr dos anos, emergiu como nação autónoma pela determinação de seu povo, ha-
eram complexas: as potências europeias e os Estados Unidos se lhe vendo cedido tanto o governo brasileiro quanto o argentino, em nego-
opuseram, tanto quanto Buenos Aires e a revolução de Artigas no ciações habilmente conduzidas no Rio de Janeiro por seus represen-
Uruguai. Reagindo diante delas, dom João restringiu sua ação à ane- tantes, sob coordenação dos mediadores.
xação da Província Cisplatina, em 1821, depois incorporada ao Impé- A convenção preliminar de paz, de 27 de agosto de 1828, obriga vu
rio Brasileiro. Brasil e Argentina a garantir a independência do Uniguai, conforme se
Verificou-se, em 1825, o agravamento da situação regional. disporia no tratado definitivo de paz. Em artigo adicional, assegurava-
Buenos Aires decretou a incorporação da Cisplatina, em resposta a se a livre navegação do Prata e seus afluentes para os súditos tias
uma declaração de independência uruguaia (Congresso de Flórida); partes. Esse foi um triunfo brasileiro, que também interessava à Ingla-
dom Pedro reagiu, por sua vez, à decisão argentina com a guerra a terra e às outras potências. Delas, aliás, recolherá o Brasil um intermi-
Buenos Aires e com o bloqueio naval. Desde então, como a guerra nável requisitório contra as presas que fizera durante o bloqueio.''
terrestre e naval nada decidia, a diplomacia internacional interveio
com maior peso. O governo de Buenos Aires organizou com dificul-
dade seu exército e se engajou na luta, sobre a qual esperava cimen- 9
Bandeira (1985); David Carneiro (1946); Hcrrera (1930); Mello (1963); Qucsiitln
tar a nacionalidade. Desencadeou, por outro lado, uma ação diplo- (1919); Pomer (1979); Teixeira Soares (1955); Calógeras (1982); Con(nbiiiv>V:i
(l 946); Argeu Guimarães (1930).
'l.' A m a d o L u i z Cervo e Clodoaldo B u e n o História da política exterior do Brasil

As aberturas periféricas americanos, de que não iriam intervir em questões europeias e que
não devia a Europa restabelecer o sistema colonial no continente.
O americanismo é concebido como vertente de movimentos di- O governo norte-americano negou-se a convertê-lo em ação, o que
versos que agitaram a vida política e em menor escala as relações aliás era dispensável, porquanto o monroísmo correspondia à política
i n lerame ri c anãs à época da Independência. Poderia converter-se em britânica, que tinha força para impor-se sozinha.
força histórica, agindo sobre o sistema internacional no inicio do sé- O fracasso do americanismo foi geral. O Congresso do Panamá
culo XIX, mas o fato é que seus efeitos foram quase nulos. As duas não contou com a presença dos Estados Unidos, do Brasil e da Ar-
correntes principais foram o pan-americanismo bolivariano e o gentina. Bolívar e sua Grã-Colômbia rivalizavam com os portenhos e
monroísmo norte-americano. Houve, entretanto, uma versão brasilei- seuprojeto de Grã-Argentina, o que aliás veio beneficiar politicamen-
ra do americanismo, até agora quase desconhecida. te o Brasil. Por este e suas instituições, Bolívar tinha certas preven-
O americanismo brasileiro foi um ideário preciso e prático, que ções, até 1825, tornando-se depois um grande admirador. Os latinos
emergiu em dois momentos, por motivações concretas. O primeiro fizeram da Doutrina Monroe uma leitura própria, solicitando em seu
corresponde ao pensamento, às intenções e iniciativas de José nome a aliança americana contra a Europa, enquanto o governo dos
Bonifácio, em 1822-1823, e se explica pela necessidade de defender Estados Unidos protestava neutralidade em qualquer hipótese. Por
a Independência; o segundo corresponde à reação que se delineia no volta de 1830, todos estavam decepcionados com todos e com tudo.
Parlamento, a partir de 1828, contra o sistema de vinculações euro- Os norte-americanos, com o caudilhismo e o fracasso das institui-
peias estabelecido pelos tratados desiguais. O americanismo de José ções liberais; os latinos, com o mito de Monroe; os bolivarianos, com
Bonifácio caracteriza-se pelo sentimento de unidade continental e o triunfo da divergência sobre o entendimento. Só os ingleses podiam
pela consciência de compartilhar com o sistema americano de insti- se dar por satisfeitos: estava afastada qualquer possibilidade de liga
tuições liberais. O ideário explica o desejo de aproximação com a americana - e o continente se partia, tornando-se vulnerável à con-
América, tanto para garantir a defesa comum do continente quanto corrência e à influência política.10
para promover os interesses comuns, particularmente o comércio e As relações entre o Brasil e os Estados Unidos, à época da Inde-
as boas relações. Tornam-se, pois, inteligíveis a busca de aliança com pendência, dependiam, primeiramente, do contexto internacional e da
o Prata em 1822, com os Estados Unidos em 1824, e a tarifa política norte-americana para a América Latina. O temor da inter-
igualizadora de 1828. Para se exercer em maior escala, o venção europeia, sob a inspiração da Santa Aliança, e a negociação
americanismo brasileiro tinha as dificuldades de suas correntes com a Espanha acerca da cessão da Flórida agiram sobre o governo
congéneres. dos Estados Unidos, levando-o, por um lado, à tentativa sem êxito de
O bolivarismo e o monroísmo apresentavam em comum a con- colaboração com a Inglaterra na defesa das independências e, por
cepção das duas esferas: a europeia, retrógrada e arcaica, e a ame- outro, a uma política negativa, sem ação concreta. Os estadistas nor-
ricana, jovem e moderna. Bolívar era mais idealista que os norte - te-americanos, Clay, Adams, Monroe e outros, embora divergissem
americanos e os brasileiros: acreditava nas possibilidades de construir ligeiramente, acabaram mantendo as coordenadas de uma política
o sistema americano como modelo universal. Uma América indepen- que, no fundo, não se alterou no período: a) não se envolver no confli-
dente, livre, unida, diferente. Reuniu o Congresso do Panamá (1826) to entre as colónias e as metrópoles; b) manter a neutralidade nas
< m u o i n t u i t o de criar um ordenamento jurídico supranacional, que guerras de independência; c) dissuadir a reconquista europeia pelas
imilu-isse a conduta externa e garantisse o entendimento dás nações
i i n u - i u'aii;i;;. ( ) monroísmo não teve os mesmos apelos externos, res- 10
Salcedo-Bastardo(1976); Perkins(1963); Whitakcr(1966); Cancino(l955); Argeu
l i i i i f . i i i i l u sr .1 uma declaração de intenções, para os próprios norte- Guimarães (1930); Lobo (1939); Oliveira Lima (1980); Pereyra (1959); 1 ' m i i l l , ,
(1983); Arnaldo V. de Mello (l963); Lockey (1970).
44 A m a d o L u i z Cervo e Clodoaldo B u e n o História da p o l í t i c a exterior do B r a s i l 45

tomadas de posição políticas; d) somente reconhecer as nacionalida- As colónias portuguesas da África, à época da Independência,
des após o fato consumado da independência; e) apoiar o "sistema estavam mais ligadas ao Brasil que a Portugal. O comércio bilateral
americano" e os interesses do comércio pela diplomacia e pela pre- era intenso, como também os vínculos culturais, sociais e humanos.
sença de uma esquadra; f) buscar as facilidades do comércio mediante Com a Independência, parte significativa das elites locais, sobretudo
tratados que neutralizassem os privilégios britânicos. Coincidiam, por- em Luanda e Bengala, pretendia romper os vínculos com Portugal e
tanto, em linhas gerais, os pontos de vista norte-americanos e ingle- unir-se ao Brasil. A sublevação agitou a colónia, opondo as lideran-
ses, ficando a desigualdade por conta da capacidade de competição ças angolanas aos governadores e ao bispo, fiéis a Portugal. O se-
internacional. questro dos bens dos brasileiros foi decidido pela autoridade local em
.
A abertura dos portos, em 1808, foi o ponto de partida do interes- 1823, em represália à medida similar decretada no Brasil contra os
se norte-americano pelo Brasil. Em 1816 os navios norte-americanos portugueses. Não há indícios de ação positiva por parte de José
já ocupavam o terceiro lugar, e alguns anos depois só eram superados Bonifácio e dom Pedro para acatar essas aspirações, embora seus
em número pelos navios britânicos nas costas brasileiras. A esses decretos lá chegassem e fosse nomeado um cônsul brasileiro, em
interesses norte-americanos no Brasil serviu uma diplomacia local, 1826, que foi rejeitado por Lisboa. Frustrou-se o movimento de união,
por vezes insolente, mas disposta a informar o governo dos Estados pela firme oposição de Portugal e Inglaterra, cujos representantes
Unidos, que superou suas prevenções contra o regime monárquico. impuseram ao governo brasileiro, no tratado de paz de 1825, o
Houve, aliás, acenos por parte do governo brasileiro, no sentido de distanciamento político da África portuguesa. Desde então houve
utilizar as relações bilaterais como poder de barganha ante as preten- grande esforço no sentido de readaptar a colónia ao tipo de explora-
sões inglesas. Não surtiram efeitos, porque ao estreitamento político ção diferente e adequado ao interesse da metrópole.12
desejado pelo Brasil se opunha aquela postura negativa referida an- Outra abertura da política externa brasileira à época da Indepen-
teriormente. E porque havia desconfiança do governo norte-ameri- dência foi o Paraguai. Esse Estado não teve política de reconheci-
cano quanto à filiação inglesa no nascimento brasileiro, enquanto a mento, por isso pôde fechar-se e não ser enquadrado no sistema in-
corte do Rio de Janeiro também desconfiava das intenções subversi- ternacional de então, como aconteceu com o resto da América Latina.
vas dos Estados Unidos, cujo apoio se verificou direta ou indireta- Um ponto de interesse comum aproximava, entretanto, Brasil e
mente às revoltas de Pernambuco, à revolução artiguista e à guerra Paraguai, desde a rebelião que depôs, em 1810, o vice-rei de Buenos
de Buenos Aires contra o Brasil. Aires: a autonomia política. Dom João VI dispôs-se a sustentá-la,
Se não prevaleceu um tipo especial de relacionamento político, tendo seguido para Assunção, em 1810, o tenente José de Abreu,
também não se orientaram para o conflito as relações bilaterais, com essa finalidade, visto que Buenos Aires decidira recuperar a
que acabaram se firmando conforme o plano norte-americano de província pelas armas. Salvar o Paraguai de Buenos Aires e impedir
desafiar a influência política e a preeminência económica da Ingla- a constituição do grande país rival foi a política adotada por dom JoHo
terra. O reconhecimento ocorreu em 1824, e o Tratado de Amizade, e seguida com constância e capacidade pelos estadistas do Brasil
Navegação e Comércio, com a cláusula de nação mais favorecida, independente.
foi firmado em 12 de dezembro de 1828. Enquadravam-se as rela- A função estratégica do Paraguai nos cálculos da política platina
ções bilaterais no sistema internacional do capitalismo industrial, brasileira foi descoberta e defendida por Corrêa da Câmara, desde
sem nenhuma originalidade." 1822. Em 1825 foi ele acreditado, não sem reservas, pelo governo
Francia, como o primeiro representante estrangeiro oficialmcnle ré
11
Whitaker (1966); Kahler (l 968); Bandeira (1973); Wright (l 972); Accioly (1936b);
Stuart (1966); Connell-Smith (1977); Hill (1932). '• Rodrigues (l964); Rebelo (l 970).
'l I. Amado Luiz Cervo e Clodoaldo Bueno História da palítica exterior do Brasil 47

cri >ido cm Assunção.'Sua missão tinha por fim conquistar a simpatia gresso, mas seu representante não chegou a tempo; os limites tive-
do }>overno, separar definitivamente o Paraguai da Confederação ram de ser protelados em razão de divergências doutrinais; a media-
A i r.cntina, obter uma aliança defensiva, talvez ofensiva, ou no míni- ção foi rejeitada porque a corte do Rio de Janeiro suspeitava de sim-
ino a neutralidade paraguaia na guerra da Cisplatina. Em patias argentinas por parte da Colômbia e por ter sido já aceita a
contrapartida, oferecia facilidade de comércio por Montevidéu. Tais mediação britânica; o tratado não vingou, enfim, porque se previa o
propostas correspondiam a interesses políticos e económicos do desmembramento da Grã-Colômbia.
Paraguai, desde que Buenos Aires fechou-lhe a via natural de comu- Em 1827 estava no Rio de Janeiro um representante peruano
nicação. Corrêa da Câmara teve êxito parcial. Como não obteve a com a intenção de regular as fronteiras, mas o governo brasileiro
aliança, em missão posterior foi incumbido de negociar um tratado de julgava ainda prematuro um acordo nesse sentido. Em contrapartida,
paz e comércio, mas desta feita não foi recebido, e as relações oficiais despachou para as repúblicas do Pacífico a importante missão Duarte
foram suspensas em 1829. Após a independência do Uruguai, decli- da Ponte Ribeiro (l 829-1832). Passou por Montevidéu, Buenos Aires,
nou o interesse brasileiro, sem entretanto desaparecerem por com- Santiago e permaneceu três anos no Peru, onde tratou acerca da
pleto as comunicações bilaterais. Estas se mantinham pelo comércio, navegação do Amazonas e dos limites, sem nenhum resultado con-
existente no porto de Itapoá, e por contatos oficiosos. creto. Em seu entender, o Peru não tinha meios de concretizar a
Francia não desprezava o apoio brasileiro à independência navegação, nem havia de ambos os lados urna posição clara quanto
paraguaia, mas estava descontente com atritos de fronteira, pelos aos limites. Ponte Ribeiro fez importantes estudos sobre esses paí-
quais responsabilizava o governo brasileiro. Não endossava o ses, e suas informações foram posteriormente de grande utilidade
intervencionismo no Prata, porque sua política externa defendia com para a política brasileira regional.'"
firmeza o princípio da autodeterminação dos Estados. Como a inde-
pendência do Paraguai não era seriamente ameaçada, tinha por des-
necessárias as alianças externas. Em suma, as relações originais en- Um balanço negativo e pedagógico: as interpretações
tre o Brasil e o Paraguai não correspondiam a uma política de boa disponíveis
vizinhança, porque eram, ao contrário, ditadas por interesses estraté-
gicos concretos, no quadro do subsistema regional.13 A política externa brasileira à época da Independência foi o ins-
Com outros países do continente, à época da Independência, as trumento com que se viabilizou a subordinação nacional ao esquema
relações foram precárias, quando não inexistentes. As boas disposi- do desenvolvimento capitalista desigual. A compreensão do fato re-
ções reciprocas tiveram um início de efetividade nos contatos com a quer o exame de certas correntes de interpretação, como estas que
Cirã-Colômbia, o Peru e o Chile. serão lembradas de forma conclusiva: a avaliação feita pelos con-
Em 1826 era acreditado no Rio de Janeiro o representante co- temporâneos da própria Independência, a explicação desenvolvida
lombiano Leandro Palácios. Trazia propostas importantes para o pelos teóricos da dependência e, finalmente, as deduções da história
momento: convidar o governo brasileiro para que se fizesse repre- das relações internacionais.
senlar no Congresso do Panamá; negociar as fronteiras; oferecer a As decisões políticas que regularam as relações externas por
mediação colombiana para a guerra contra Buenos Aires; firmar um meio do sistema dos tratados não foram consentidas pelas elites que
i i a l ; n l i ) di- :imi/ade, comércio e navegação. Obteve magros resulta- representavam a sociedade brasileira no Parlamento, aberto em 1826.
dos u boa vonlade colombiana. O Brasil deu assentimento ao Con- Ao contrário, desencadeou-se aí, nos anos de 1827 e 1828, uma vcr-

1/1
R»moi(l944);Qu«ll (1935); Souza (1966). /iibicla (\<>?A); Uivas (1961); ); SDU/.;I ; Viilhul.tu (
48 A m a d o Luiz Cervo e C l o d o a l d o B u e n o História da política exterior do B r a s i l i\ 'i

dadeira tempestade contra o governo e seus ministros, acusados de e a receita fiscal. O requisitório contra os tratados não denota dispo
haverem sacrificado o interesse nacional de todas as formas. Cindia- sição da maioria em apoiar um plano de desenvolvimento das t i i i i i i u
se, pois, o Estado brasileiro, que arregimentava, de um lado, o Gabi- faturas, como aquele proposto por Vergueiro em 1821. Mas ;i nave-
nete, um Conselho de Estado submisso e algumas vozes no Parla- gação nacional de longo curso, na avaliação parlamentar, deveria ter
mento, especialmente no Senado, e, de outro, a maioria esmagadora sido protegida, já que o país possuía uma marinha relativamente i n i
da Câmara dos Deputados e boa parcela do Senado. Essa oposição portante, que estava sendo sacrificada e encurralada para o odioso
foi surpreendida com as decisões do Executivo, sobre as quais não comércio de escravos. Havia, em suma, uma percepção segundo a
teve então influência, uma vez que os acordos externos não eram qual se matava o comércio lícito brasileiro e os germes da i n d ú s l i i a
submetidos à aprovação do Parlamento, pela Constituição em vigor. nacional.
Tem todo interesse, entretanto, sua avaliação dos fatos. Com relação à política platina, o Parlamento esteve coeso e unfi-
O sistema dos tratados resultou, segundo o pensamento parla- nime em aprovar os recursos para manter a guerra contra Buenos
mentar, de uma disposição injustificável do governo de mendigar o Aires, cuja condução confiou ao Executivo, sem contestação. Nem
reconhecimento da nacionalidade. As concessões extrapolavam os todos concordavam com a justiça da guerra movida pelo governo
limites da racionalidade política, sacrificando o comércio nacional, a brasileiro. Eram, porém, muito sensíveis à "guerra de opinião"
navegação, o direito dos cidadãos, as indústrias, a soberania; os trata- desencadeada desde Buenos Aires contra as instituições brasileiras,
dos legislaram em assuntos internos, como o fiscal e o criminal, e aqui tidas por eminentemente superiores às suas congéneres do con-
restringiram essas funções do Parlamento. Instituíram uma recipro- tinente.15
cidade fictícia e falsa, igualando nações desiguais, naquilo em que as Os teóricos da dependência atribuem uma importância decisiva a
mais avançadas não receavam os efeitos da concorrência, e elimina- este período da história nacional, em sua construção explicativa. Estão
ram a reciprocidade, quando esta realmente viria a beneficiar a pro- correios quanto à instituição original - a dependência neocolonial.
dução interna. Não foram, portanto, favoráveis à economia agrícola A demonstração que desenvolvem para fundamentar sua teoria, entre-
brasileira, porque seus produtos ficaram excluídos do mercado inglês tanto, é inconsistente, na medida em que não encontra suporte nas
ou eram lá taxados livremente, enquanto os produtos estrangeiros evidências históricas. Não houve o apregoado conluio entre os grupos
pagavam invariavelmente os 15% da tarifa, quando chegavam ao hegemónicos da nação industrial e da nação agroexportadora, que teriam
Brasil. Em suma, os tratados impuseram o liberalismo ao Brasil, mas firmado um pacto de compromisso, gerador das condições de depen-
salvaguardavam a proteção necessária ao trabalho nas economias dência. Tampouco o Estado intermediou o referido compromisso, como
avançadas. Deu-se aqui o primeiro ensaio de aplicação da política de agenciador automático da determinação económica.16
portas abertas com que as potências capitalistas de então irão esta- A crítica que a explicação dependentista enfrenta parle dos se-
belecer a abertura da periferia aos excedentes da Revolução Indus- guintes argumentos: a) o Estado brasileiro cindiu-se diante das con
trial e condicioná-la à dependência histórica. cessões externas; b) estas não foram ditadas pela defesa dos interes-
O Parlamento não se opunha ao liberalismo, que confundia com ses do grupo hegemónico interno; c) as concessões foram feitas pelo
a ciência e a civilização, mas não o apoiou, conscientemente, a favor segmento do Estado mais desvinculado da nação; d) o Parlamento,
do setor agrário e contra outros setores da atividade económica. O libe- que mais de perto a representava, posicionou-se n u l i c a l n u - n l r rm
ralismo era antes de mais nada uma postura ideológica, e sua adoção
nas relações económicas externas foi uma decisão do governo, que o
Parlamento ampliou em 1828 para destruir os privilégios, aumentar a 15
Atas do Conselho de Estudo e Anuiu do I'iirl!iim:iil<> rdnviiU-:; ;in período; ( Vi vo
oferta externa, baixar os preços, aumentar o quantum da importação (1981).
16
Cardoso e Faletto (1977); Fernandes (1975); Dowhor ( I ' ) K 2 ) ; A n i i n ( l " 7 t )
Ml Arruiclo L u i z Cervo e C l o d o a l d o Bueno

ronliário; c) não hduve troca de favores que atendesse aos interes-


ses recíprocos das unidades de produção; f) enquanto Canning côn-
sul Ia vá o interesse dos diversos grupos sociais ingleses, as decisões
aqui eram tomadas em gabinetes impermeáveis; g) dom Pedro demi-
tia sistematicamente os negociadores brasileiros que sustentavam Administrando o imobilismo
posições nacionalistas.
As explicações para a manutenção das estruturas de dependên-
cia por meio de decisões políticas internas devem ser procuradas em
outras instâncias. A sociedade brasileira foi alijada do processo
decisório, em termos de política externa, à época da Independência. O projeto de política externa dos estadistas da Independência
Por essa razão, fundamentalmente, prevaleceram os interesses uni- chegou a 1828 com a sua fase de implantação acabada. Até então, a
laterais das nações mais avançadas, comandadas por governos que época caracterizou-se por grandes iniciativas externas, de que resul-
faziam uma leitura objetiva dos respectivos interesses nacionais. tou, paradoxalmente, nos anos a seguir, o bloqueio da ação. Com
A pouca resistência oferecida a essas pretensões decorre da eleição efeito, em 1828 estava montado o sistema dos tratados desiguais que
de uma meta nacional de natureza política - o reconhecimento - que fixou as regras do jogo nas relações com a Europa e os Estados
não era um contrapeso às metas económicas estabelecidas de fora. Unidos, enquanto a convenção com Buenos Aires dispunha no mes-
O mercado externo para os produtos brasileiros teve de ser procura- mo sentido do lado do Prata. A partir de então, até 1844, o período
do depois, enquanto os setores de modernização interna em que se envolve uma contradição fundamental.
poderia estabelecer a concorrência com o capitalismo avançado, como Por um lado, a política externa se movia no respeito às regras do
o comércio, a navegação e a indústria, foram bloqueados. Houve, jogo e nesse sentido era predeterminada, não autónoma, bloqueada
portanto, no Brasil, percepção restrita e não objetiva do interesse em termos de imaginação, de inovação, de ações positivas; adminis-
nacional, erro de cálculo, processo decisório deturpado e consequên- trava-se a dependência, sob a vigilância externa, já que foi a política
cias funestas. externa p meio pelo qual se enquadrou a nação dessa forma no siste-
A política externa à época da Independência, se foi nociva à ma internacional. Por outro lado, o período é caracterizado por uma
nação, pelo menos serviu ao Estado, fornecendo-lhe, pelo reconheci- reação lenta, vigorosa no plano do discurso crítico, e de parcos resul-
mento internacional, uma legitimação que perdia internamente com a tados concretos, porque estreita era a margem de ação possível; essa
dissolução da Constituinte, o retorno do partido português e o linha, entretanto, era segura, contínua, e preparava a fase de autono-
autoritarismo de dom Pedro. É forçoso reconhecer que o imperador mia da política externa, que iria se inaugurar em 1844. O Estado, cuja
foi bem sucedido, se pretendia obter, com essa legitimação, os meios ação se dispersava no duplo sentido, modificou-se por sua vez.
q i u- lhe permitissem garantir a unidade do Estado monárquico. Desde
o início, o Estado brasileiro deu provas de autonomia com relação à
sociedade ao fazer política por interesse próprio. A política externa na estrutura do Estado

Entre os anos finais da década de 1820 e os anos iniciais da de


1840, o Estado brasileiro passou por crises de redefinição institucional.
Fragilidade e fortalecimento eram condições que afclavam obvia
mente a política externa.
A m a d o Luiz Cervo e C l o d o a l d o B u e n o

c o i i l i n i i o ; c) não houve troca de favores que atendesse aos interes-


ses recíprocos das unidades de produção; f) enquanto Canning con-
sultava o interesse dos diversos grupos sociais ingleses, as decisões
aqui eram tomadas em gabinetes impermeáveis; g) dom Pedro demi-
tia sistematicamente os negociadores brasileiros que sustentavam
Administrando o imobilismo
posições nacionalistas.
As explicações para a manutenção das estruturas de dependên-
cia por meio de decisões políticas internas devem ser procuradas em
outras instâncias. A sociedade brasileira foi alijada do processo
decisório, em termos de política externa, à época da Independência. O projeto de política externa dos estadistas da Independência
Por essa razão, fundamentalmente, prevaleceram os interesses uni- chegou a 1828 com a sua fase de implantação acabada. Até então, a
laterais das nações mais avançadas, comandadas por governos que época caracterizou-se por grandes iniciativas externas, de que resul-
faziam uma leitura objetiva dos respectivos interesses nacionais. tou, paradoxalmente, nos anos a seguir, o bloqueio da ação. Com
A pouca resistência oferecida a essas pretensões decorre da eleição efeito, em 1828 estava montado o sistema dos tratados desiguais que
de uma meta nacional de natureza política - o reconhecimento - que fixou as regras do jogo nas relações com a Europa e os Estados
não era um contrapeso às metas económicas estabelecidas de fora. Unidos, enquanto a convenção com Buenos Aires dispunha no mes-
O mercado externo para os produtos brasileiros teve de ser procura- mo sentido do lado do Prata. A partir de então, até 1844, o período
do depois, enquanto os setores de modernização interna em que se envolve uma contradição fundamental.
poderia estabelecer a concorrência com o capitalismo avançado, como Por um lado, a política externa se movia no respeito às regras do
o comércio, a navegação e a indústria, foram bloqueados. Houve, jogo e nesse sentido era predeterminada, não autónoma, bloqueada
portanto, no Brasil, percepção restrita e não objetiva do interesse em termos de imaginação, de inovação, de ações positivas; adminis-
nacional, erro de cálculo, processo decisório deturpado e consequên- trava-se a dependência, sob a vigilância externa, já que foi a política
cias funestas. externa p meio pelo qual se enquadrou a nação dessa forma no siste-
A política externa à época da Independência, se foi nociva à ma internacional. Por outro lado, o período é caracterizado por uma
nação, pelo menos serviu ao Estado, fornecendo-lhe, pelo reconheci- reação lenta, vigorosa no plano do discurso crítico, e de parcos resul-
mento internacional, uma legitimação que perdia internamente com a tados concretos, porque estreita era a margem de ação possível; essa
dissolução da Constituinte, o retorno do partido português e o linha, entretanto, era segura, contínua, e preparava a fase de autono-
íiuloritarismo de dom Pedro. É forçoso reconhecer que o imperador mia da política externa, que iria se inaugurar em 1844. O Estado, cuja
foi bem sucedido, se pretendia obter, com essa legitimação, os meios ação se dispersava no duplo sentido, modificou-se por sua vez.
que lhe permitissem garantir a unidade do Estado monárquico. Desde
o início, o Estado brasileiro deu provas de autonomia com relação à
sociedade ao fazer política por interesse próprio. A política externa na estrutura do Estado

Entre os anos finais da década de 1820 e os anos iniciais da de


1840, o Estado brasileiro passou por crises de redefinição institucional.
Fragilidade e fortalecimento eram condições que afetavam obvia-
mente a política externa.
52 História da política exterior do B r u s i l '. i
A m a d o L u i z Cervo e C l o d o a l d o B u e n o

O prestígio de dom Pedro I entrou em declínio. Em primeiro lu- com a restauração do Conselho de Estado e a reforma do Código <lr
gar, pelo envolvimento na sucessão do trono português, do qual era Processo Criminal em 1841, e se consumariam com a crnulii-iu,.1»
legítimo herdeiro. Embora a ele tivesse renunciado em 1826, após a das revoltas regionais em 1848-1849, com a Lei de Terras c a irlm
morte do rei dom João VI, em favor de sua filha dona Maria II, dom ma da Guarda Nacional, em 1850.
Pedro engajou a diplomacia brasileira nas lutas internas de Portugal, Os liberais ocuparam o poder entre 1843 e 1848, mas n3o con
sob pressão das cortes europeias. Seu estilo de governo autoritário seguiram levar adiante um programa de reformas coerente com seu
separava-o do povo, cuja hostilidade se manifestava na imprensa e ideário político e tiveram de cedê-lo aos conservadores, propensos n
na Câmara dos Deputados, onde se haviam encastelado as hostes completar a obra iniciada em 1837.
liberais. A aprovação da Lei de Responsabilidade dos ministros, se- Em termos de política externa, o significado da evolução
cretários e conselheiros de Estado não apaziguou o conflito, que dom institucional não deve ser procurado no embate entre os partidos < >
Pedro enfrentava como se fosse uma guerra contra as instituições. Liberal e o Conservador -, mas no processo de fortalecimento do
A abdicação, em 7 de abril de 1831, foi o desfecho inevitável. Estado nacional. Tanto liberais quanto conservadores irão valer-se
Com a regência, o quadro institucional apresentava avanços e das condições desse fortalecimento para reordenar a política cxlci IKI
recuos, conforme triunfassem os impulsos vindos das forças liberais, em função de uma percepção mais abrangente do interesse nacional
democráticas, descentralizadoras, ou das forças da ordem, Antes disso, era preciso estabelecer o controle que o Parlamen-
centralizadoras. O compromisso também produzia efeitos. A primei- to não exercia à época da Independência sobre a política externa.
ra tendência era perceptível na criação da Guarda Nacional em 1831, Nesse sentido, duas leis foram importantes: a de 15 de dezembro de
com a finalidade de neutralizar a ação do Exército sobre a vida polí- 1830, que prescrevia a prestação de contas do Ministério, pcranU' a
tica, na aprovação do Código Criminal em 1832 e na reforma consti- Assembleia, e a de 14 de junho de 1831, que definia a competência
tucional de 1834, o Ato Adicional. Ante o triunfo das forças liberais, dos regentes. Pela primeira, teve origem o Relatório da Repariii^K •
que também se manifestavam por uma série de revoltas regionais, dos Negócios Estrangeiros, apresentado anualmente, desde 1 X 3 1 ,
que punha em risco a unidade nacional, reagiam as forças da ordem, para instruir o debate do respectivo orçamento. A política exlcrna,
com o apoio da oligarquia cafeeira em expansão no vale do Paraíba que já era objeto de exame por parte do Parlamento, quando t-slr
do Sul, enquanto as outras regiões do Império não apresentavam o discutia a resposta à Fala do Trono no início de cada sessão legislai i vá
mesmo dinamismo económico. anual, passa a ser esmiuçada por ocasião da votação do orçamento,
Os defensores da ordem eram liberais, porém não ao estilo com base nas informações do Relatório. Estabelecia-se, assim, o
rousseauniano. Acreditavam que a liberdade só podia se exercer sob poder de pressão e controle, que o Parlamento exerceria até o l i n a l
a vigilância de uma autoridade central. Era preciso, pois, cortar o do Império. A lei de 1831 determinava que todos os tratados, de qual
movimento "anarquista", bloquear os "excessos da liberdade", devol- quer natureza, fossem submetidos à aprovação da Assembléin ankv;
ver a autoridade ao governo central, controlá-lo pela maioria parla- de sua ratificação, conforme reivindicava a Câmara dos Deputados,
mentar. Esse ideário deu origem ao Partido Conservador, que ascen- desde quando se insurgira contra o sistema dos tratados. líss:i ali i
deu ao poder em 1837, sob o comando de Bernardo Pereira de buição caiu com a maioridade, sendo posteriormente exercida p « - l < >
Vasconcelos, o grande teórico do "regresso". Inaugurou-se um regi- Conselho de Estado. De qualquer forma, o Parlamento iria dispm d<>
me de gabinete que iria prevalecer, ao estilo brasileiro, até o final do poder decisório em matéria de tratados pelo tempo nccessái n > :i > l .
Império. A centralização e o fortalecimento do Estado nacional, de- truição do sistema original.
sejados pelos conservadores, avançariam com á interpretação do Ato A organização do Ministério dos Negócios Estrangeiros ;u um
Adicional e a proclamação da maioridade de dom Pedro II em 1840, panhava oreordenamento institucional do país. Km l K34,1-1:1111
55
da política exterior do B r a s i l
','1 A mudo L u i z Cervo e C l o d o a l d o B u e n o

Entre 1822 e 1843-1844 (exercício fiscal de j unho a julho), a balança


s por decreto o primeiro regimento consular e o primeiro regi-
comercial apresentou pequenos saldos positivos em apenas quatro
mento cias legações, dois estatutos que continham normas adminis-
anos, acumulando no período um déficit de aproximadamente 15%:
trativas c instruções adequadas para o exercício das funções. Em
exportações totais de 103 milhões de libras, importações de 118 mi-
l X42, pelo decreto de 26 de fevereiro, veio a público o.primeiro regu-
lhões, com médias anuais, respectivamente, de 4,6 e 5,3 milhões de
lamento da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros, confor-
libras. Considerando-se as médias anuais dos quinquénios 1822-1826
me exigia a repartição. Essa foi dividida em quatro seções (Inglaterra
e 1839-1840 a 1843-1844, as exportações passaram de 4 a 5 milhões
e França, resto da Europa, América, Contabilidade) e estabeleceu-se
de libras, um incremento de apenas 25% em 22 anos e meio. Duas
o concurso público para ingresso na carreira. Desde os anos da inde-
inferências têm interesse: o déficit do comércio exterior brasileiro era
pendência, o pessoal vinculado ao Ministério dos Estrangeiros pouco
expressivo (15 milhões de libras no período de vigência do tratado
se modificou em termos numéricos. Em 1836, a Secretaria dos Ne-
inglês) e explica-se, em grande parte, pelo desequilíbrio do intercâm-
gócios Estrangeiros contava com um total de 19 pessoas, o corpo
bio bilateral entre o Brasil e a Inglaterra (no exercício de 1842-1843,
diplomático e consular brasileiro residente no exterior com 39, en-
por exemplo, as importações de produtos ingleses somaram 2.739.778
quanto o corpo diplomático e consular estrangeiro residente no Rio
libras, contra l .277.336 de exportações brasileiras para aquele país);
de Janeiro ascendia a 37 pessoas.'
o déficit do comércio contribuía para o do Tesouro, que tinha sua
receita diminuída pelas baixas tarifas, ao tempo em que os direitos
alfandegários eram a maior fonte de ingresso público. Era preciso
O jogo das regras
reverter, ou pelo menos equilibrar, a balança comercial a longo prazo.
Seu desempenho era, ao mesmo tempo, favorecido e prejudicado pelos
Desde os acordos da época da Independência até 1844, o gover-
ingleses. Protegiam seu mercado de produtos brasileiros, mas domi-
no brasileiro esteve em situação desfavorável.
navam o complexo exportação-importação-transporte, introduzindo
Para fazer cumprir as estipulações que lhes convinham, as na-
o comércio triangular, com que colocavam os produtos brasileiros no
ções fortes da Europa e os Estados Unidos recorriam a uma diploma-
cia arrogante e às ameaças da força. Sem poder com elas medir-se e continente europeu e traziam seus manufaturados.
A diplomacia brasileira esforçou-se para abrir mercados exter-
reagir, permanecia o governo brasileiro numa oposição defensiva e
nos, utilizando seus agentes e enviando missões especiais, particular-
conciliadora, cumprindo obrigações, cedendo a reclamações abusivas.
mente à Europa. Em 1835, Caldeira Brant foi a Londres pedir a revo-
Essa política passiva estendia-se às relações com o Prata, ficando o
gação do artigo 19 do tratado de comércio, que fixava a tarifa de
governador de Buenos Aires em condições de agir com desenvoltura
15% para os produtos ingleses. O ministro do Comércio inglês impôs
na região. O retraimento nas relações com o exterior era uma conse-
exigências descabidas, e nada se alcançou. Descobriu-se, pelo me-
qiiência das iniciativas mal conduzidas. Era também aconselhável ante
nos, nessa ocasião, que o governo poderia elevar os direitos sobre as
o reordenamento interno que se processava. Parecia suficiente, como
bebidas alcoólicas não-inglesas importadas, sem ferir o tratado, e as-
proposta de política externa, administrar o imobilismo.
sim logo se procedeu. Nas negociações para eventual renovação do
O liberalismo das baixas tarifas não foi favorável ao comércio
tratado, entre 1842 e 1844, uma das exigências era a admissão dos
exterior brasileiro, não foi compensado por investimentos ingleses no
produtos brasileiros no mercado inglês. Em realidade nunca se con-
Brasil c iiflo induziu o progresso interno como esperavam alguns.
seguirá reparar essa grave injustiça nas regras do comércio bilateral.
1
No exercício fiscal de 1842-1843, 48% das importações brasilrha:;
M. >nd Iro (1986); l ' ; m l i > \\-mm Castro (1977); Torres'(l 968); Flávio M. de O.
provinham da Grã-Bretanha, enquanto apenas 28% das exportações
i .1 . 1 1 . 1 1 1 ' i K I), ('ulo|i.rnis (l'J.!.!); H n i s i l , Ministério das Relações Exteriores. Rela-
56 A m a d o Luiz Cervo e C l o d o a l d o B u e n o História da política exterior do B r a s i l 57

brasileiras se destinavam àquele mercado. Com toda a Europa, o Em dois terrenos teve a diplomacia brasileira de enfrentai- ;i
déficit das trocas era elevado. Será em parte compensado pela aber- prepotência das nações mais fortes que recorriam a ameaças imperialis-
tura providencial do mercado norte-americano aos produtos brasilei- tas. O primeiro diz respeito ao conflito com a Inglaterra em torno do
ros e pelo superavit alcançado nos negócios bilaterais. Após um tráfico de escravos, e o segundo, a reclamações de natureza diversa,
equilíbrio na década de 1820, as exportações brasileiras para os prevalecendo as exigências de indenizações pelas presas feitas à
Estados Unidos correspondiam, em valor, a mais do que o dobro época do bloqueio do Prata (l 825-1828).
das importações, nas décadas de 1830 e 1840. Invertia-se, no co- O tráfico de escravos para o Brasil estava proibido desde 13 de
mércio com os Estados Unidos, a situação de desequilíbrio do co- março de 1830, nos termos da convenção de 23 de novembro de
mércio com a Inglaterra. 1826, e desde 7 de novembro de 1831, nos termos da lei brasileira.
O mercado de capitais londrino, entre 1822 e 1825, super- Prosseguia, entretanto, por três razões fundamentais: a) a opinião
dimensionou a América Latina em termos de confiança, emprestan- pública — agricultores e autoridades subalternas - era-lhe favorável,
do-lhe cerca de 24 milhões de libras. As operações eram realizadas entendendo sua extinção como imposição inglesa feita sob pressão;
por casas inglesas intermediárias que emitiam os títulos a um deter- b) participavam do tráfico - mais que brasileiros - comerciantes,
minado deságio e depois os negociavam na bolsa de valores. As ta- capitais e navios portugueses e norte-americanos, todos objetivando
xas médias eram pouco superiores a 80%, incidindo ainda o juro, os grandes lucros do empreendimento; c) negou-se o governo brasi-
geralmente de 5%. Além da dívida portuguesa de 2 milhões de libras, leiro a uma ação decisiva de repressão ante tais circunstâncias, por-
o governo brasileiro contraiu, nos anos de 1824-1825, empréstimos que, além de tudo, seria acusado de subserviente.
de 3.086.200 libras, a uma taxa média de 81% (incluindo comissões e Duas comissões mistas foram instituídas, nos termos da conven-
despesas de lançamento); outro em 1829, de 769.200 libras, a uma ção de 1826, para julgar as embarcações presas fazendo o contra-
taxa de 54% (só recebeu 415 mil libras); outro, em 1839, de 411.200 bando: uma em Serra Leoa, outra no Rio de Janeiro. A de Serra Leoa
libras, à taxa de 73%; e o último do período, em 1843, de 732.600 julgava na ausência de juizes brasileiros ou contra seu parecer, dando
libras, a 85%. A desastrosa taxa de 1829 explica-se pelo estado de origem a enérgicos protestos brasileiros, nunca atendidos. Palmerson
insolvência generalizada da América Latina, que afetava a cotação e depois Aberdeen estavam decididos a liquidar com o tráfico de
de seus títulos. De qualquer forma, dois graves inconvenientes apre-
qualquer forma e, como não obtinham acordos suplementares para
sentava a dívida externa brasileira até o empréstimo de 1843: corres-
incrementar medidas legais de repressão, agiam por própria conta, de
pondia a uma sangria agiotaria de divisas e seu valor não se destinava
acordo até mesmo com leis inglesas. Os atritos entre os governos se
a investimentos produtivos, e sim à cobertura de déficits do tesouro,
multiplicavam, estabelecendo-se um clima de ressentimentos e anti-
custeio de missões diplomáticas, pagamento de juros e amortizações.2
patias mútuas, que muito contribuiu para desencadear a resistência à
Excluída a soma relativa à transferência da dívida portuguesa, o Bra-
sil recebeu, entretanto, um montante relativamente reduzido de em- preeminência inglesa no Brasil.
O tratado de 1825 com Portugal criava duas comissões mistas
préstimos externos durante o período de vigência das baixas tarifas: o
total de 5 milhões de libras corresponde a 5% das exportações brasi- que demoraram alguns anos para se instalar: uma liquidaria os prejuí-
leiras e a um terço do déficit da balança comercial. zos de ambos os súditos na guerra de independência, e outra, as des-
pesas relativas ao transporte das tropas portuguesas. Em 1837 eram
avaliados em 46 contos os direitos brasileiros e em 145 conlos os
Hrnsil, I I K i l v , Kstutisticas Históricas do Brasil e Anuário Estatístico do Brasil, portugueses, pela primeira comissão; em 1839 as cifras ascendiam ;i
l c J6(),ApOixlico;Ciilógeras(1933e 1960); Cármen L. P. de Almeida (l 986); Bandei- 275 e 656 contos respectivamente. Os trabalhos dessa comissão en-
ra (197.1); Munehustcr (1973); Jaime E. Rodrigues O. (1987). Los orígenes de Ia cerraram-se em 1842, pagando o Brasil 557:784$920.
detida uxicmii incxicaiiii. AVn.v/ti Occidental, 4(\): 41-66, 1987.
sH A m u d o L u i z Cervo e C l o d o a l d o B u e n o História da política exterior do B r a s i l 59

Após haver reconhecido o bloqueio do Prata, a Grã-Bretanha às raízes históricas comuns, à cultura, à fraternidade da raça. A Espanha
i-x ij',iu a criação de uma comissão mista para julgar as presas e indenizá- espelhava no Brasil, até 1834, a pior de todas as imagens externas,
las, visto que estavam sendo atendidas as reclamações francesas e em razão de suas instituições absolutistas e de sua intransigência di-
norte-americanas. Somaram-se depois as indenizações reclamadas plomática.5 Suplantava até mesmo a imagem retrógrada da corte ro-
pela Dinamarca, Paises Baixos, Suécia e Chile, pagando-se, em 1832, mana, que no Brasil mais se identificava com a direção de um Estado
l ,150:665$759. Em 1834, a Grã-Bretanha já liquidara 26 embarca- do que com a de uma Igreja. As relações entre o Império e a Igreja
ções, num total de 4.993:291$908, correspondente a 14% das expor- de Roma eram conflituosas, desde 1827, quando se articulou no Par-
tações brasileiras no ano. Nos anos seguintes surgiram novas recla- lamento uma verdadeira guerra contra as pretensões pontifícias de
mações, que eram sistematicamente atendidas, elevando-se os intrometer-se na Igreja brasileira, ao expedir as bulas que elevavam a
encargos do Tesouro a somas catastróficas, no entender do governo bispado as prelazias de Goiás e Mato Grosso. Entendia-se que a Igreja
brasileiro. A partir de 1837, o governo passou a rejeitar algumas re- deveria ser nacionalizada, em virtude das disposições constitucionais,
clamações por improcedentes, e em 1842 confiou seu julgamento ao do padroado, dos costumes históricos. O padre Feijó, no Parlamento
Conselho de Estado. De tudo isso concluía-se, politicamente, que nas e depois na Regência, manterá esse conflito aberto. A intransigência
relações externas prevalecia sempre a lei do mais forte, sobretudo de parte a parte impediu por vários anos a sagração do bispo indicado
quando apoiada em acordos bilaterais cujas estipulações se faziam para o Rio de Janeiro.
cumprir em sentido único. Dois efeitos eram preparados para a fase Da América hispânica, em geral, construía-se aos poucos a ima-
seguinte da política externa, ao tempo em que se consolidaria o Esta- gem negativa, associada ao fracasso das instituições liberais e ao
do nacional: era preciso resistir de forma concreta à prepotência das caudilhismo. Mas Rosas, o governador de Buenos Aires, dividia as
grandes potências e sobretudo não mais pactuar com elas.3 opiniões do meio político brasileiro, sendo-lhe favorável particular-
A imagem da Europa, especialmente da Grã-Bretanha, sofria, mente a resistência aos europeus, cuja via se procurava no Brasil
porém sem se deteriorar na opinião brasileira. Associava-se a potên- sem êxito.
cia à prepotência, sem entretanto comprometer-se o vínculo entre As interpretações externas não deixavam de influir sobre a auto-
Europa e civilização. Já a imagem dos Estados Unidos ia enriquecen- imagem: vai-se forjando a percepção de um interesse nacional a de-
do-se com o atributo do progresso. Além do mais, as relações bilate- fender interna e externamente pelos desígnios de uma política exter-
rais eram avaliadas de forma crescentemente positiva pelo governo e
na adequada.
pelo Parlamento, em virtude de sua utilidade política e comercial, e
Entre a independência do Uruguai, em 1828, e a fracassada alian-
não eram afetadas profundamente por incidentes de uma diplomacia
ça com Rosas, em 1843, a política platina do Brasil pautou-se pela
por vezes insolente. Para ambos os governos, as boas relações recí-
neutralidade, ou seja, a não-intervenção em assuntos internos dos
procas eram úteis, porquanto ambos se engajavam na resistência
Estados do Prata. Essa orientação, à qual aludiam amiúde os Relató-
contra a preeminência inglesa no Brasil e adquiriam ainda consciên-
rios dos Negócios Estrangeiros e os Anais do Parlamento, baseava-
da de representar no continente americano duas grandes singulari-
se em cálculos políticos: a guerra da Cisplatina fora enfim perdida,
dades/ 1
com pesados custos que se prolongavam por meio das indenizações;
A imagem de Portugal apresentava-se contraditória, porquanto
enquanto se mantivesse a independência do Uruguai e a livre nave-
cia associada negativamente à política das cortes, ao despotismo, ao
gação, não convinha intervir novamente; Francia fechara o Paraguai
monopólio do comércio local, ao tráfico de escravos e positivamente
e mantinha-se contrário a qualquer aliança; a intervenção nos conlli-

' Htlatírto, I K U 1844; Bsthell (1976); Bandeira(1973).


1
WH,'In 11"; !)jBin<l»l«(l973);Cervo(l98l);Manchester(1973). Rego (1966); Cervo (1981); Moreira (1976).
60 A m a d o Luiz Cervo e Clodoaldo .Bueno História da política exterior do B r a s i l 6l

tos que opunham as'facções platinas entre si teria de definir-se pela sãs, ressuscitando a ideia da confederação interiorana. França e In-
composição ou pelo confronto com Rosas. glaterra ameaçavam intervir, e nessas condições pareceu a Rosas
É difícil concluir, entretanto, se a neutralidade brasileira foi uma chegado mais uma vez o momento de compor-se com o Brasil. En-
decisão autónoma ou uma imposição de fora. A questão se coloca viou ao Rio de Janeiro seu representante, Tomás Guido, para concluir
ante o envolvimento da revolta separatista no Rio Grande do Sul (l 83 5- uma aliança. Honório Hermeto pretendia negociar por alto preço o
1845) com as facções que dividiam uruguaios e argentinos. Os farra- abandono da neutralidade, condicionando-o à consecução de todas
pos buscavam Rivera, porque Rosas, um concorrente saladeirista, as metas brasileiras, mas acabou cedendo às exigências do negocia-
nunca apoiara abertamente sua independência. Quando no poder, em dor argentino e concluindo uma aliança com a finalidade exclusiva de
Montevidéu, Rivera se voltava contra o Império. O mesmo ocorria derrubar Rivera e pacificar o Rio Grande do Sul. Mesmo assim, após
com seu adversário, Oribe, que com ele se revezava no governo do firmada e ratificada pelo Brasil, Rosas rejeitou-a, sob pretexto de
Uruguai: derrotado, buscava o Império; no poder, se lhe opunha. De erros formais. Na realidade, a aliança não passou de uma hábil ma-
certa forma, Rosas também assim procedia: aproximava-se do Impé- nobra política, que jogou o Império contra Rivera e manteve-o afas-
rio quando se sentia ameaçado pelas potências europeias ou pelos tado dos negócios platinos, como sempre pretendeu o governador
planos periféricos de formação de uma grande confederação, rival argentino. Foi um triunfo completo de Rosas, que afastou o perigo de
à sua Confederação Argentina, integrando o Uruguai, a República intervenção europeia, recolocou Oribe no governo de Montevidéu e
do Piratini e as províncias interioranas de Comentes e Entre-Rios; continuou mantendo a neutralidade brasileira.
e logo se distanciava, afastado o perigo. A neutralidade brasileira, Nova avaliação da política platina iria resultar do fracasso brasi-
que não era uma política ortodoxa, correspondia, pois, ao isolamen- leiro. Percebia-se a dificuldade de entendimento e a inviabilidade de
to do Brasil, imposto pelas lideranças platinas, quando em posição composição com Rosas para atingir metas concretas. Ambos se viam
de força. como inimigos, mas a atitude do governo argentino acentuou a des-
Os interesses económicos em jogo opunham as economias agrá- confiança dos meios políticos brasileiros. O Brasil irá sondar os go-
rias pré-capitalistas ao liberalismo capitalista. Quando Rosas estabe- vernos da França e da Inglaterra, cujos interesses eram mais conver-
leceu, a partir de 1835, um protecionismo rigoroso, o monopólio do gentes com os seus, e reativar seus contatos com o Paraguai, já então
comércio de Buenos Aires sobre o interior, o fechamento dos rios, livre do isolamento imposto por Francia.6
cortando o acesso a Mato Grosso, sua política supunha a dominação
sobre o Uruguai e o Paraguai. Encontravam-se então os interesses
brasileiros com os das potências capitalistas, que tinham seu comér- A reacão no discurso
cio prejudicado. No Brasil, a política resista era interpretada como '
projeto de reconstrução do vice-reino. As metas brasileiras estabele- O período corresponde à transição entre a política de stibmissfío
ceram-se com urgência: concluir o tratado definitivo de paz, previsto e de erros de cálculo da época da Independência e a política de
pela convenção de 1828; assegurar a livre navegação e o comércio afirmação nacional, que se inicia em 1844. Nessa fase de bloqueio
regular com a Argentina; definir os limites com o Uruguai; pacificar o deliberado ou imposto da ação externa, o fato fundamental c o dis-
Rio Grande do Sul. curso, que flui livremente.
Em 1843 estava Rivera na presidência do Uruguai. O presumível
aliado do Brasil indispôs-se contra o Império, pelo apoio aos farrapos 6
Bandeira (1985); Acevedo (1981); Ribeiro (l93(>); Teixeira Somus (I').S»; Sou/n
e pela reivindicação dos limites de 1777, que significariam a devolu- (1952); Ferns(1968); Cervo, Intervenção e neutralidiuIo: doutrinas b n i : i i l r i i ; r . | > , n , i
ção ao Uruguai das missões riograndenses. Indispôs-se contra Ro- o Prata nos meados do século X I X . Revista linuíilelm ilc /'o/íticu ItitiriHiriuiKtl. K In
de Janeiro, 26 (101-104): 103-19, 1983. Cnlógenis (1'Wn); 1'inio ( I ' ) K O ) .
62 Amado Luiz Cervo e Clodoaldo Bueno História da política exterior do Brasil 63

O pensamento político, veiculado pelo discurso, irrompe em 1827 Campos, àresponsabilidade conjunta dos órgãos de governo, e assim
na Câmara dos Deputados, alcança o Gabinete em 1831, envolve o se portava ao interromper as negociações para novos tratados solici-
Senado anos depois, quando lá chegavam os deputados da primeira tados pela Rússia, Suécia e Sardenha: "O governo imperial, querendo
legislatura, e contagia o Conselho de Estado em 1842. Sua marca é a ir de acordo com a opinião, que se tem manifestado nas câmaras
avaliação crítica da política externa, mas seus efeitos históricos fo- contra semelhantes tratados, se recusou a entrar em tais ajustes".
ram concretos: a) estabeleceu o consenso refletido dos órgãos do Assim como em 1828 o Parlamento anulara os privilégios co-
Estado e partidos políticos em torno da política externa, diferente- merciais ingleses pela igualização da tarifa em 15%, revalidou em
mente do que ocorria no Prata, onde as facções chamavam o exterior, 1831a convenção sobre o tráfico, aprovando a lei de 7 de novembro,
que envolviam nas lutas internas; b) procedeu a nova leitura do inte- em nome da soberania. O Relatório de 1832 mostra a que ponto se
resse nacional, ampliada e objetiva, visando à elaboração de um pro- conjugara a opinião do Gabinete com a que vinha sendo exposta nas
jeto brasileiro de política externa; c) despertou a vontade de câmaras acerca dos tratados. Carneiro de Campos, ainda ministro de
autoformulação da política externa; d) criou, pela coesão alcançada, Estrangeiros, se opõe à chegada de novos tratados e à renovação dos
uma das condições da política de potência; e) restabeleceu, enfim, antigos, resumindo o pensamento público: a) os bons economistas os
a unidade do Estado, que se havia cindido ante a política externa à desaconselham; b) a Assembleia se lhes opõe; c) "a funesta experiên-
época da Independência. cia, que se tem feito com os tratados existentes, em que os interesses
As conquistas foram lentas e sua influência maior se fará sentir do Império, havendo sido quase sempre sacrificados debaixo do prin-
na fase posterior. Preparava-se, entretanto, o terreno, criando-se as cípio mágico de uma reciprocidade ilusória [...]"; d) foram usados
precondições para a nova fase: destruir o sistema dos tratados e obs- contra nós e nunca admitidos quando nos foram favoráveis; e) ser-
tar a sua renovação; eliminar os privilégios especiais aos súditos es- vem para aconselhar a injustiça das nações poderosas quando fazem
trangeiros residentes no país; obter a autonomia alfandegária, de po- interpretação "especiosa"; f) é um sistema cujo fim deve-se esperar
lítica comercial e de navegação; submeter a política externa ao controle para nunca mais repeti-lo.
conjugado dos diversos órgãos do Estado; eliminar a influência exter- Antes mesmo que os europeus ampliassem a imposição do siste-
na sobre o processo decisório. ma de tratados desiguais, sob a ameaça ou o uso da força, contra
A trajetória do discurso político encaminhou-se nessas perspec- nações atrasadas como a China, o Japão e o mundo mulçumano, o
tivas desde a revolta inicial contra a política externa do Primeiro Rei- governo brasileiro, após havê-lo experimentado, desvendava sua hi-
nado, que se observou na Câmara dos Deputados, nos anos de 1827- pocrisia e contradição: o sistema pretendia manter a desigualdade e
1828. A partir de 1831, tomou novo impulso e nova dimensão, porque ordenar seu conflito.
a ele agregou-se a própria chancelaria. A doutrina exposta por Carneiro de Campos fora extraída do
O primeiro Relatório da Repartição dos Negócios Estrangei- pensamento parlamentar e será posta em prática nas decisões futu-
ras (1831) é um libelo antiinglês. Após comunicar à Assembleia a ras da Assembleia, exceção feita ao tratado com a Bélgica de 1834,
decisão de reduzir as legações e consulados na Europa e ampliá-los aprovado por ser parte do tratado de 1828 com os Países Baixos, dos
iiii América, qualificava a Grã-Bretanha de "a mais exigente das na- quais obtivera a independência em 1830. Em 1836, o Senado negou
cfles amigas". Sua pretensão de indenização para as presas do blo- por unanimidade aprovação ao novo tratado com a Áustria, e no mesmo
quem, apresentada com ameaças de represálias, era tida por "exage- ano a Câmara dos Deputados derrubou o de Portugal.
riuln ou nulos violenta requisição". Fazer-lhe frente só seria possível Em 1842, do sistema original do Primeiro Reinado, restava cm
si- o i-',ov(.'ino ronlassc com a confiança da nação e o apoio decidido vigor apenas o tratado inglês, que deveria expirar em novembro, po-
<lii:: < 'fiman::. Apduva, pois, o ministro de Estrangeiros, Carneiro de rém foi prorrogado por mais dois anos sob imposição inglesa, a piv-
„. *.

Amado Luiz Cervo e Clodoaldo Bueno

texto de não haver'sido denunciado em tempo hábil. As pressões


para obter sua renovação foram enormes, mas o. Estado brasileiro
armazenara energias suficientes, com que pôde resistir.
O discurso político não se restringia à revolta contra os tratados
e à proposição de novas diretrizes para quando expirassem. Deba- Economia, população e
tendo o orçamento, a resposta à Fala do Trono, o Relatório, os proje-
tos relativos a matérias as mais diversas, como o comércio nacional, política externa
a cabotagem, os direitos de ancoragem, a exploração das minas, a
participação de estrangeiros no júri popular, a colonização, o tráfico e
a escravidão, a contratação de tropas estrangeiras e a navegação do
Amazonas, o Parlamento constatava o alto grau de comprometimen-
to da soberania em razão da dependência e da ingerência externas. A ruptura dos anos 1840 e a nova política externa
Um dos maiores inconvenientes fora a impossibilidade de definir uma
política de comércio exterior que preservasse a autonomia do Tesou- Quando se extinguiu, em 1844, o sistema dos tratados, houve
ro e pudesse influir sobre o sistema produtivo interno. Somente no condições para elaborar-se novo projeto de política externa, reclama-
início dos anos 1840, ocupou-se o meio político com a questão da do pela experiência e pela crítica. Inaugurou-se então um período,
indústria nacional, visto que todo debate anterior teria sido inócuo. que se estenderia de 1844 a 1876 e seria caracterizado pela ruptura
Também não se empenhou o meio político de então em enfrentar a com relação à fase anterior e pelo robustecimento da vontade nacio-
questão das fronteiras, apesar dos incidentes no Sul e da invasão do nal. O novo projeto, autoformulado, envolveu uma redefinição das
território brasileiro ao norte, por ingleses e franceses. A própria neu- metas externas, a partir de novas percepções do interesse nacional,
tralidade nas questões platinas acabava sendo interpretada por al- resultando numa política externa enérgica em seus meios c indepeu
guns como prova de impotência. dente em seus fins.
Em suma, o discurso político reivindicava a ruptura com o siste- Essa nova política externa brasileira orientou-se por qua l n > | r,i a 11
ma de relações exteriores implantado à época da Independência e o dês parâmetros e uma estratégia. Em primeiro lugar, veio a deu.'.,in
reordenamento da política externa em função de diretrizes radical- de controlar a política comercial, por meio da autonomia ai l'aiuk-p,i'i
mente distintas. O pensamento político que veiculava tornou-se uma ria. Não se soube, entretanto, manipulá-la com uniformidade, nu vn
força profunda da História brasileira, que preparava o terreno para tude de pressões internas e externas, que lançaram dúvidas solm- o
as mudanças. Tinha-se por certo que somente após 1843, havendo- processo decisório: convinha promover a indústria e proteger o l ml m
se destruído o sistema de tratados desiguais, a política exterior estaria lho nacional ou assegurar o liberalismo das trocas internacionais? l n i
em condições de tornar viável um projeto nacional.7 segundo lugar, veio a decisão de equacionar o fortalecimento de nulo
de-obra externa, pela extinção do tráfico de escravos c estimulo', ii
imigração. Eram disposições que vinham desde a época da l i u l < |n n
dência e só tiveram encaminhamento com o agravamento dnr. h-u
soes entre o Brasil e a Inglaterra. A terceira dceisflo impoil.iiih Im n
de sustentar as posses territoriais, por meio de uma polllien de | I I I I I | I É M
que regulamentasse em definitivo as Ironlciras iiadnuai:;. Nev.n i l i
7
Relatório, Anais da Câmara e do Senado c Atas do Conselho de Estado; Cervo retriz inscreve-se também a defesa da Ania/.onía, cuja |iu",u\ ,nt ,io
(1981); José Honório Rodrigues (1972); Crippa (1979).
-*—

22 Amado Luiz Cervo-e Clodoaldo Bueno História da política exterior do Brasil 23

riam pactuado um compromisso para relacionar suas unidades de Banda Oriental, não como subserviência aos interesses britânicos,
produção de forma agregada e condicionante: manter a pauta primá- tampouco como "braço forte" da Santa Aliança. Ao contrário, como
ria de exportação e importar os produtos da revolução industrial,3 reação às humilhações impostas a Portugal de ambas as partes. A esse
Convém ponderar, entretanto, que havia no Brasil, como nos Estados projeto, bem-sucedido por um certo período, obstaram o fracasso in-
Unidos, um setor incipiente de modernização a proteger, na indústria terno de dona Carlota Joaquina em construir seu império espanhol, a
e na navegação. A proposta de James Monroe em sua mensagem de partir de Buenos Aires, e a oposição crescente de europeus e norte-
1817 ao Congresso norte-americano coincide com a tese sustentada americanos. Mais importante foi a ação das lideranças platinas, esti-
por Nicolau de Araújo Vergueiro em 1821: cabe ao governo, por meio muladas por Buenos Aires, em um confronto que se estenderá pelo
de medidas de política externa, erradicar as condições de dependên- período independente. Em contrapartida, os nexos de família entre
cia, protegendo as manufaturas e estimulando seu incremento pelo dom Pedro e a princesa Leopoldina, em 1816, se não auxiliaram no
investimento interno e pela criação de um mercado interno para as reconhecimento da Independência, serviram ao menos para susten-
matérias-primas.4 Uma pauta de política externa que será observada tar a única monarquia americana. George Canning tinha por ela sim-
nos Estados Unidos e desprezada na América Latina, evidenciando o patia, vendo um contrapeso ao republicanismo pregado a partir de
papel das decisões de Estado no destino dos povos. Washington e assimilado pelas lideranças hispânicas, não sem hesita-
A política externa brasileira à época da independência esteve ções, é bem verdade.6
ainda profundamente condicionada pela hegemonia inglesa sobre
Portugal, estabelecida por meio de uma aliança histórica, cujos efei-
tos foram transferidos ao Brasil: a ingerência política inglesa nas de- Pressões externas e metas nacionais
cisões da corte do Rio de Janeiro e o modelo mais acabado de inser-
ção dependente no sistema internacional produzido pela Revolução A política externa brasileira, no início do período independente,
Industrial, conforme os termos dos tratados de 1810.5 Obtidos em irá definir-se em função da herança colonial com suas estruturas so-
conjuntura favorável à Inglaterra, em virtude às guerras napoleônicas, ciais, do Estado bragantino com seus valores, conexões e desígnios,
servirão eles posteriormente de modelo para regulamentar as rela- da emergência de um sistema internacional resultante da Revolução
ções com a América Latina, sob o ângulo das pretensões europeias. Industrial, do peso das forças reacionárias aglutinadas na Santa Ali-
O Estado brasileiro se apresenta à comunidade internacional, em ança, dos estreitos vínculos ingleses transferidos pela metrópole e da
transformação do continente americano em área de competição in-
1822, reivindicando o papel de novo membro e ator. Tal Estado pouco
linha de brasileiro, na medida em que representava o transplante di- ternacional.
Esses elementos de cálculo pesariam obviamente sobre o proces-
ivto do listado português. O Estado dos Bragança, comportando-se
so decisório quanto às relações exteriores. Outros dois devem-lhes ser
iio i':;lilo da diplomacia europeia, arquitetou para si, ao tempo da re-
somados: por um lado, a experiência e o conhecimento da realidade
)'.rm-i;i di.- dom João VI, a construção de um império americano, para internacional, acumulados na corte do Rio de Janeiro, desde 1808, ad-
i i ' i i i | H - n : ; ; i r as perdas sofridas na Europa, durante as guerras quiridos pela rotina do serviço diplomático, com as representações es-
n ; i | i i ) l i - i > m i a;;. Assistimos à ocupação de Caiena e à incorporação da trangeiras no Brasil e as representações luso-brasileiras no exterior;
por outro lado, a importância atribuída às questões externas, na própria
organização do Estado nacional, após a ruptura com Portugal.
' Sl:inli-y e Slein ( I T / O J i - o.', U'ór'k-cwtl;i dependência.
'' l Inili-il Sl:ilc-:.( i u v i - M i i i u - i i i l'i iiilui)'. ( ) I I i ç o (l % l); Vergueiro (1979, obra escrita em
1821). 6
Bandeira (l 985); Renato de Mendonça (1945); Ramirez (l 968); Cervo e Rapoporl
1
hvilii:; ( I ' ) S K ) ; A|',ui:ir ( l '»,(>); 1'iuln ( I')KO); ('crvo e Magalhães (2000). (1998).
Com a permanência da corte no Brasil ao longo de 13
anos (1808-1821), foram grandes os melhoramentos ge-
rais e, especialmente, os do Rio. Colonos, imigrantes e
missões artísticas começaram a dar nova feição à capital
do Reino do Brasil. As autonomias das capitanias davam
nova organização administrativa ao Estado. A liberdade
comercial trouxe grande estímulo económico, o que se
verifica pelos índices do comércio exterior. Em 1812. a
exportação era de 4.000 contos e a importação de 2.500;
em 1822, 19.700 e 22.500. A ascensão continuou embora
tenha permanecido deficitário o comércio exterior.
5. A Independência

5.1. A emancipação na América Latina

A emancipação da América Latina do controle euro-


peu equipara-se, em importância e significação, às Re-
voluções Americana e Francesa, como uma das forças
políticas determinantes que modelaram o mundo mo-
derno. A Revolução da América Latina foi em grande
parte motivada pelas duas revoluções anteriores, tendo
atingido, no entanto, uma área e um total de habitantes
muito maiores que as treze colónias britânicas da Améri-
ca do Norte.
Estendeu-se por toda a América do Sul, incluindo a
área estratégica da América Central e áreas indefinidas
da América do Norte. O controle exercido pelas Metró-
poles sobre a América Espanhola e a América Portugue-
sa era mais rigoroso, e seu comércio era conservado em

114 115
linhas rígidas, que serviam aos interesses únicos da mãe
pátria, e a Igreja as submetia a uma rígida censura. To- portuguesa de 1820 alterou a situação. Inspirada pela
das essas dificuldades foram enfrentadas pelas Colónias Espanha, teve seu sucesso garantido diante do ressenti-
Espanholas e pelo Brasil, que as venceram em uma ge- mento causado pela posição inferior a que se via reduzi-
ração, tornando-se Estados independentes(75/6). da a metrópole portuguesa. A Santa Aliança queria inter-
vir, e Palmeia, muito ligado à política inglesa, veio ao Rio
O ímpeto cta emancipação veio das Revoluções da
América e da França. O desafio enfrentado vitoriosamente de Janeiro urgir pela volta do Rei. Nada demoveu o Rei
pelos Estados Unidos surpreendeu não só a América, de deixar a segurança do Rio por Lisboa, agora controla-
da pelas Cortes. D. Pedro estava ansioso, mas o pai im-
mas todo o mundo, e serviu de exemplo. Essa foi a mai-
or influência norte-americana, que, quanto ao mais, não pedia-o e mais ainda impedia o sentimento dos brasilei-
foi decisiva. Seus navios vieram para a América do Sul, ros, cuja vontade era radicalmente contrária ao retorno da
família real, considerado uma diminuição para o Brasil.
mas em número muito inferior aos ingleses. Seu
republicanismo serviu para que as repúblicas nascessem ; Os pronunciamentos da guarnição militar do Rio (267
com a independência dos Estados Americanos, mas sua 2/1821), a favor do movimento constitucionalista do Porto,
influência não foi tão grande quanto a da Revolução permitiram ao Príncipe D. Pedro participar, pela primei-
Francesa. ra vez, dum caso de Estado. Ficou então decidido que D.
A concepção federalista, cedo ou tarde, foi imitada João VI iria para Portugal e D. Pedro permaneceria no
pelos americanos em geral, como seria, depois da Se- Brasil(77). A 7 de março um decreto anunciava sua partida
gunda guerra mundial, por outros povos de outros con- e a permanência de D. Pedro, o que foi efetivado pelo
tinentes. A Inglaterra desejava sobretudo assegurar a decreto de 22 de abril, pelo qual ficou o Príncipe encar-
liberdade de comércio, da qual se aproveitou para regado do governo geral e da administração interna de
todo o reino do Brasil.
exercer enorme influência sobre os povos da América
do Sul. O partido brasileiro conseguia a primeira vitória. Ani-
A política externa inglesa via claramente a situação, e, mado, continuou a conspirar para a efetiva saída de D.
na condição de força internacional preponderante, pro- João VI e a independência(78). Havia divisão entre os par-
curava orientar D. João, que vetava a ida do próprio tidários da Independência (brasileiros e portugueses
Príncipe D. Pedro. que por circunstâncias ou interesse estavam ligados à
De repente, os acontecimentos assumiram tamanha colónia) e os obedientes à Corte, que favoreciam ao es-
velocidade e força, que não havia mais a possibilidade de tatuto colonial (portugueses que imigraram com a Corte
planejá-los com certa liberdade de escolha. A Revolução em 1808 ou aqueles cujos interesses estavam na Metró-
pole; faziam parte da classe comercial e esperavam res-
I7V
" Webster, Britam ancltbelndepencknce of Min America, 1812-JH30, Oxford, 1938, vol. II, 3-
4. V. também J. B. Trend, tínlivar and ihc Indepcndence of Spanisb America, Londres, 1944.
'V. Silvestre Pinheiro Ferreira, Carta sobre a Revolução do Brasil, in Revista do Instituto Hktórico
Pierre C h a u n y , L'Amérlque et Ics Amériques, Paris, 1964; e José Honório i Geográfico liraslleíro, vol. 51, 261,
Rodrigues, Independência. Kevolução e Contra-Reuolução,TCiode Janeiro, 1975-1976, 5 vols. ""•*«., p. 306escgts.

116
117
•f:

tabelecer seus antigos privilégios e imunidades, prejudi- minha firme resolução e a dos povos que governo estão
cados pelo tratado de comércio de 1810). legitimamente promulgadas. Espero, pois, que os homens
Ambos os partidos queriam D. Pedro como seu líder, sábios e imparciais de todo o mundo e que os governos
mas, enquanto D. João VI permaneceu no Rio, ora ape- e nações amigas do Brasil hajam de fazer justiça a tão
laram para um ora para outro. Os acontecimentos de 20, justos e nobres sentimentos. Eu vos convido a continua-
21 e 22 de abril de 1821 (promulgação imediata da Cons- rem com o Reino do Brasil as mesmas relações de mútuo
tituição espanhola e sua anulação) revelaram a fraqueza í! interesse e amizade. Estarei pronto a receber seus minis-
de D. João VI, para quem o Rio já não parecia um lugar tros e agentes diplomáticos e a enviar-lhes os meus, en-
desejável. A 25 de abril de 1821, embarcava D. João, que quanto durar o cativeiro dei Rei meu Augusto Pai".
deixara de atender a tempo os apelos da política inglesa. Em conversa com José Bonifácio conta o cônsul inte-
A situação económica era a pior possível. O Banco do 1 rino P. Sartoris que o envio de agentes diplomáticos se
Brasil, esvaziado por D. João VI, e roubado pelos direto- deveria fazer depois da abertura da Assembleia, o que, em
res, falia em julho. O tesouro do Príncipe nada conti- sua opinião, asseguraria o reconhecimento imediato e
nha(79). Não obstante, os poderes com que o Rei investira incondicional da Independência do Brasil pelos Estados
seu filho eram bastante amplos para conceder-lhe com- Unidos e pela Inglaterra. Repondeu-lhe José Bonifácio:
pleta independência do controle metropolitano. Além "Meu querido Senhor, o Brasil é uma nação e corno tal
disso, a atitude da Corte só fazia aprofundar as divergên- ocupará seu posto sem ter que esperar ou solicitar o re-
cias com a Colónia e animar os propósitos de Indepen- conhecimento das demais potências. A elas se enviarão
dência. Os patriotas obtiveram, aos poucos, ascendência agentes diplomáticos ou ministros. As que os recebam
sobre D. Pedro e seu ministério. nessa base e nos tratem de Nação a Nação continuarão
O descontentamento e a irritação da opinião pública no sendo admitidas nos nossos portos e favorecidos em seu
Brasil, em face da atitude da Corte, conduziram à total comércio. As que se neguem serão excluídas dele"(81).
separação. Já os Manifestos de l e 6 de agosto mostram Já a 14 de agosto José Bonifácio dirigia a P. Sartoris
D. Pedro inteiramente irmanado ao sentimento brasileiro: um ofício dizendo que o Brasil se considerava tão livre
"Não se ouve entre vós outro grito que não seja União - como o reino de Portugal, havendo sacudido o jugo com
do Amazonas ao Prata não retumbe outro eco que não que o reino irmão pretendia escravizá-lo, e que, assim,
seja Independência"®'-1, dizia o de 1Q de agosto, dirigido S.A.R. esperava que os governos legítimos e as nações
aos povos deste Reino. O de 6 de agosto, dirigido aos civilizadas, que se prezam como liberais, prestarão a
governos e Nações Amigas, terminava deste modo: "A devida atenção à causa sagrada que o Brasil proclama e
. que o mesmo Príncipe protege e defenderá de toda a
1791
V. Manning, Correspondência Diplomática de los Estados Unidos, Buenos Aires, II, 843. A
Correspondência do Barão Wemel de Mareschal, RIHGB, t. 80, p. 36; R. Humphreys, Liberation
nação portuguesa(82). Sartoris responde que embora não
of South America, Londres, 1952, p. 109.
W)
V. Manning, ob. cit. ""Manning, ob. cit., 363, dat. de 4 de junho de 1822.
'"-1 Manning, ob. cit., t. 2, pare III, p. 867, dat. 14 de agosto du 1822.

118
estivesse autorizado a fazer declaração alguma, com base 1822 a 1824. A primeira comunicação oficial aos agentes
nas últimas deliberações do Congresso sobre a mensa- diplomáticos, relativa à aclamação do Imperador, deu-se
gem do Presidente relativa a antigas colónias espanho- a 10 de novembro de 1822, limitada embora à criação da
las, dificilmente se pode duvidar de que a notícia da nova bandeira e do novo tope do BrasilC88), mas falando
Independência política do Brasil será recebida com en- do Império e do Imperador.
tusiasmo nos Estados Unidos(83). Como explica Webster, o título de Imperador, deriva-
Esses documentos, um nacional e outro estrangeiro, do do exemplo napoleônico, tinha vários aspectos con-
definiram claramente a atitude do governo. Os estágios traditórios: de um lado reconhecia um elemento eletivo
sucessivos dos acontecimentos, o de 7 de setembro - e, deste modo, era um protesto contra a legitimidade
revolta e indignação contra a opressão recolonizadora absolutista; de outro, lado foi muitas vezes considerado
das Cortes - e o de 12 de outubro - aclamando D. Pedro superior ao de Rei, tal como o Imperador do Sacro Im-
I imperador constitucional do Brasil(8'° - levaram ao rom- pério Romano era superior aos outros monarcas e
pimento definitivo, ao Brasil Independente. O Brasil já o Napoleão aos seus Reis vassalos. A ideia da superiorida-
era, de fato e de direito desde a criação do Reino do de, falsa ou não, persistiu e afetou, como se verá, a ne-
Brasil, como vira o Barão Wenzel de Mareschal, agente gociação pela independência com Portugal(89).
diplomático austríaco no Brasil(85). A adesão, depois fez- O procedimento dos almirantes das esquadras fran-
se rapidamente, excetuados certos focos lusitanos ao norte cesa e inglesa foi totalmente diferente: os ingleses sau-
(Bahia, Maranhão, Pará), e no leste (Bahia), e em de- daram a nova bandeira, mas a primeira intenção do Al-
zembro de 1822 todas as províncias do sul e do centro, mirante Roussin foi a de não saudá-la(90).
do Ceará ao rio da Prata reconheceram o governo do Antes de iniciar a negociação diplomática pelo reco-
Rio de Janeiro; só o Pará e o Maranhão ficaram em nhecimento era necessário enfrentar a crescente crise
suspenso, estando a Bahia e Montevidéu ocupadas por económica. "Apertado pelas dificuldades financeiras",
tropas portuguesas®65. Era geral o entusiasmo pela divisa escreve Mareschal, "o Governo recorria a medidas que
nacional e pelas cores escolhidas<87). lhe pareciam salvadoras: projetava-se satisfazer os cre-
O núcleo central formar-se-á graças à coesão das dores do Estado trocando-se as letras que estes possuí-
várias capitanias, firmavam-se os resultados da decisão am por outras, que vencessem juros de 6% e fossem
de D. Pedro I, cindindo a união entre Portugal e Brasil. negociadas como títulos, reconhecendo-se a existência
Essa conquista de D. Pedro estendeu-se inconteste de desses créditos. O comércio mostrava-se disposto a acei-
tar a execução desse plano financeiro, mas impunha uma
M-anning, Ob. cit., Carta de 21 de agosto de 1822, p. 867. condição: que o valor máximo das letras fosse tal que
V. descrição in Manning, 874, 877, Wenx.el, 108.
A correspondência do Barão Wen?.el de Mareschal, Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, vol. 77 e 80. ^ Mareschal, id., 80, p. 128-129.
Mareschal, id. t. 80, p. 138. j Webslcr, C. K., BrUain and tbe hulepciideiice of iMtln America, vol. l, 57.
Cf. Manning, Despachos de Condy Raguct, 17/9/1822, p.870. 'Mareschal, id., 80, 129.

121
não pudessem circular como papel moeda, pois um pa- país, tanto pelo número de seus capitais quanto pelo
pel que dá juros elimina aquele do banco que não os o tratado existente, e a França. A Inglaterra não alterara
dá. A dívida do Tesouro era calculada em 18 milhões de sua atitude em relação ao Brasil nem reforçara a esqua-
cruzados, e o Governo, com a renda de que dispunha, dra que protegia o comércio britânico nas costas da
podia ainda utilizar pelo menos um milhão e meio para América. A única coisa que parecia medida de vigilância
pagamento dos juros e amortizações da dívida"(91). era o fato de fazerem escala no Rio de Janeiro os navios
A Comissão nomeada em março de 1822 já dera prin- de guerra que se dirigiam para o Cabo da Boa Esperança
cípio aos estudos para a melhoria da situação econômi- ou para a índia.
co-financeira(92). O desenvolvimento do Rio e de seu co- A França, pelo contrário, reforçara consideravelmen-
mércio era um fato incontestável, embora estivéssemos te sua divisão naval no Rio de Janeiro, e com esse au~
subordinados aos interesses ingleses pelo Tratado de 1810. ; mento inquietavam-se os brasileiros. "On parle d'un
A frota mercantil dobrou entre 1815 e 1822 e a mercado- arrangement entre lê Portugal et Ia France pour Ia
ria importada da Inglaterra quintuplicou entre aqueles navigation de 1'Amazone et Ia cession de Ia Guyane
anos(93). Portugaise, d'autres se rappellent clu projet dont il fut
Entre 1808 e 1822 o Rio se modificara extraordinaria- question pour fonder un trone à Buenos Ayres. Quelle
mente. Paroissien, que foi agente e espião de Carlota que puisse être lê véritable but de cet armement, il est
Joaquina, falou no maravilhoso desenvolvimento - no certain que jusqu'à présent lês bâtiments de l'une et de
número de casas, na melhoria da polícia e da saúde, na l'autre nation ont été entièrement neutres et n'ont pris
K '•' :
fábrica de pólvora - infinitamente superior a qualquer aucune part aux affaires intérieures de cê pays"(95).
coisa que vira na América do Sul(9'°. » As futuras negociações mostrariam o motivo por que
se esperava fosse o Brasil tutelado com benevolência
pela Áustria: a imperatriz do Brasil era filha do chefe dos
Habsburgos (96).
5.2. As negociações diplomáticas e a política Na exposição sucinta com que José Silvestre Rebelo
internacional resumiu os fatos que levaram o Imperador a declarar o
Brasil nação livre e independente, em anexo à nota de
O Barão Wenzel de Mareschal observou, desde junho 20 de abril de 1824 - menos de um mês antes do reco-
de 1822, que duas potências estrangeiras eram o princi- nhecimento - apresentada ao Secretário de Estado John
pal objeto da política exterior dos brasileiros: a Inglater- Quincy Adams, diz-se que "o governo dos Estados Uni-
ra, que possuía quase exclusivamente o comércio desse dos deve estar seguramente informado de que sua linha
'»" Mareschal, id, p. 36.
de conduta consiste em contrapor toda a influência polí-
"«Mareschal, id, p. 49. IW1
"-"Manchester, ob. cit., p. 207 - cf. Humpl I3. Wenzel de Mareschal, oh. cit., n. 75.
'%'0&.cíf, p. 145.
""Humphreys, ob. cit., p. 109.

122 123
tica europeia no Brasil, devendo considerar-se como o do tráfico, a começar pela representação cie Lord Amherst,
primeiro anel da cadeia que os americanos devem es- em caminho para a índia, os ingleses não obtiveram
tender desde o norte até o Cabo de Hornos. Esta cadeia senão compromissos formais.
será forjada logo que o governo dos Estados Unidos re- Canning parece ter ficado alarmado, diz Webster, com
conheça a Independência do Brasil e do Império funda- a franqueza dos ministros que sucederam a José Bonifácio
do por Pedro Primeiro e sua dinastia tal como existe"(97). (17 de julho de 1823, gabinete Joaquim José Carneiro de
Na verdade, não eram os Estados Unidos o primeiro Campos, depois Marquês de Caravelas). Ademais, com a
objetivo da diplomacia brasileira, nem quem decidiria, perspectiva da intervenção da Santa Aliança, a influência
na política interna, o nosso reconhecimento. O centro britânica em Portugal estava ameaçada, e a França come-
da questão era a Inglaterra, com seu predomínio econó- çava a manobrar no Brasil. Canning contava com o apoio
mico, sua força marítima, sua ascendência sobre Portu- da Áustria, porque Metternich logo percebeu que a legi-
gal e sua decisiva influência na política interna daqueles timidade e o reconhecimento poderiam ser conciliados,
dias. Dela viria a última palavra. e o Imperador estava interessado em sua filha, D. Maria.
A política da França interpunha-se, procurando obter, Depois de lhe pedir moderação e fazer ver ao Rei e ao
também, alguma influência, mas era secundária. Diz Imperador que a própria existência da Casa de Bragança
Webster que Castelreagh (Secretário do Foreign Office, estava em perigo, Canning tornou-se mediador.
1809-1822) disse a Chamberlain, ao enviá-lo como Côn- i A batalha pelo reconhecimento começará em todas as
sul Geral, no começo de 1822, que deveria cuidar do co- frentes, mas era especialmente na Inglaterra que ela de-
mércio inglês e não se comprometer com partido algum. veria ser travada e decidida. A nomeação de Canning,
A esquadra foi reforçada, mas os brasileiros contrataram diz Hildebrando Accioly, veio apressar a evolução políti-
Cochrane e outros oficiais britânicos para servir na impro- ;.;'ca inglesa, num sentido acentuadamente liberal. "Desde
visada frota naval, que submeteu as províncias que recebeu a pasta dos negócios estrangeiros sua prin-
aportuguesadas do norte e leste - Bahia, Maranhão e cipal preocupação foi separar a Inglaterra da liga dos
Pará(98). soberanos do continente e combater por todos os meios
A política de G. Canning (Secretário do Foreign Office a seu alcance a Santa Aliança"(99). Além disso, o desen-
a partir de 1822) foi defender os interesses comerciais volvimento da produção nacional obrigava à procura
britânicos, abolir o tráfico - preço da Inglaterra pelo nos- pé novos mercados000' e o Brasil era, como já mostra-
so reconhecimento - e, finalmente, salvar a monarquia. mos, o grande novo mercado inglês.
Apesar de todos os seus esforços no sentido da extinção Também para o Brasil o reconhecimento pela Ingla-
(971
Manning, W. R., Correspondência Diplomática cie los Estados Unidos concernente a Ia fterra era uma necessidade vital, pois "de um modo pe-
IndeJ>endencia de Ias Naciones Latino Americanas, t. II, p. III, 1931, p. 926. Para a indepen-
dência do Brasil, vide José Honório Hodrigues, Independência, Revolução Constitucional e H. Accioly, "Grà-Bretanha, Notícia Histórica", Arquivo Diptmnático da Inile/init/Pnda, vol. I
Contra-Revolução, Rio de Janeiro, 1975-1976, 5 vols., especialmente o vol. sobre Política !922, p. XXXVII.
Internacional. Ob
- <*, p. XI.
"*' Webster, Britain and tbe Indel>endence, oh. cit., I, 58, doe. 89.

124 125
culiar o destino do Brasil estava ligado ao de Portugal, Caldeira Brant foi encarregado de obter do governo bri-
da Europa e acima de tudo, da Inglaterra", diz tânico "o reconhecimento da Independência Política deste
Temperley(101). As relações especiais que existiram entre Reino do Brasil e da absoluta Regência de S.A. R., en-
a Grã-Bretanha e Portugal ao longo cio século habilita- quanto sua Majestade (o rei D. João VI) se achar no
vam-no a reclamar, com base nos tratados, assistência afrontoso estado de cativeiro, a que o reduziu o partido
contra a agressão estrangeira, o que incluía, segundo a faccioso das Cortes de Lisboa". Queria-se a "Indepen-
doutrina portuguesa, revoltas coloniais. As potências da dência, mas não a separação absoluta de Portugal".
Europa recusavam-se a reconhecer a independência do A primeira audiência foi concedida nos primeiros dias
Brasil até que a corte de Lisboa o fizesse. Baseado na- de novembro de 1822, e Brant sentiu o ambiente propí-
quela assistência inglesa e nas intrigas da Santa Aliança cio, pois Canning só tinha uma exigência: a abolição do
o governo de Lisboa retardava seu pronunciamento003. tráfico de escravos. As negociações persistiram até 4 de
As dificuldades e divisões de opinião na Santa Aliança agosto de 1823, quando voltou ao Rio de Janeiro, confi-
forçaram o Brasil a centralizar seus esforços na Inglater- ando a Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Men-
ra(io3) Q adiamento indefinido do reconhecimento po- donça (1774-1823), o jornalista do Coireio Brasiliense, o
deria ter resultados desastrosos para o Brasil, ameaçado cuidado de zelar pelos interesses brasileiros. Sua impres-
de cair na anarquia e de se dividir, como a América Es- são geral era a de que o Brasil poderia fazer duas con-
panhola, em várias pequenas repúblicas. cessões de valor para obter, da Inglaterra e da França, o
reconhecimento: a abolição do tráfico e a redução dos
direitos alfandegários de 24 para 15%. Com elas obter-
5.3. AMissão brasileira na Inglaterra e a obra se-ia o reconhecimento, a amizade e, talvez, mesmo a
de Canning garantia da integridade do Império.
A 24 de novembro de 1823 eram enviadas instruções a
Em 12 de agosto de 1822 o Governo brasileiro nome- Manoel Rodrigues Gameiro Pessoa, designado para subs-
ava o Marechal de Campo Felisberto Caldeira Brant Pon- tituir Caldeira Brant. Sua ação, contudo, só começou com
tes (1772-1824), que, desde 2 de junho de 1821, se en- a volta de Brant, renomeado a 3 de janeiro de 1824. As
contrava em Londres, encarregado de negócios junto a novas instruções determinavam que os dois plenipoten-
corte de S. M. Britânica. Nas instruções enviadas por José ciários deveriam ajustar definitivamente o reconhecimento
Bonifácio, datadas também de 12 de agosto de 1822(104), da Independência pela Inglaterra, com a garantia da in-
tegridade nacional. Sintetizavam o pensamento do Go-
1100
verno sobre a justiça da causa do Brasil e sobre os pro-
H. Temperley, foreign Policy of Canning, 1822-1827, Londres, 1925, p. 212.
"02)Manchester, ob. ctí., 192.
I1IB
veitos para a Inglaterra do comércio anglo-brasileiro. Por
> Sobre as divisões da Santa Aliança, Cf. Arquivo diplomático da Independência, ob. ctt. s
ii«>V. Hildebrando Accioly, "Grã-Bretanha, Notícia Histórica", in Arquivo Diplomático da Inde ua vez, a abolição poderia ser negociada, mas em trata-
pendência, t. l. Este resumo se baseia nessa notícia. A documentação se encontra nos ts. l e 2. do separado. Solicitava-se também um empréstimo de 3
126

L 127
milhões de libras esterlinas. Caldeira Brant deveria, ain- Stuart iria a Lisboa, a fim de encarregar-se de qualquer
da, procurar e contratar para o serviço do Imperador três proposta que Portugal quisesse fazer ao Brasil.
mil suíços solteiros de 18 a 30 anos.
A 10 de abril reiniciavam-se as negociações, mas
Canning sustentava desde logo, que o reconhecimento 5.4. Negociações com Portugal
inglês aguardaria o resultado das negociações diretas entre
Portugal e Brasil - adiante referidas - entabuladas por
Rio Maior, e cujo fracasso resultou na continuação dos As negociações diplomáticas com Portugal tiveram lu-
ajustes. Surgiu, então, um novo problema, apresentado gar de forma direta, promovidas por Palmeia, nomean-
pela Missão do conde Vila Real, que, a 4 de março de do o' Conde de Rio Maior e Francisco Vieira Tovar para
1824, exigia do governo britânico, em obediência aos virem, em missão especial, se entender com D. Pedro I.
antigos tratados (1642, 1654 - arts. l a 16 - e 1661 - art. Suas instruções0050 e a carta de D. João a D. Pedro visa-
secreto), a proteção inglesa ao Brasil. vam conseguir fosse el-Rei outra vez reconhecido
As negociações diretas entre Brasil e Portugal inicia- imperante das duas casas de Portugal e Brasil(lo6;i. Um
ram-se em Londres, a 12 de junho de 1824, tendo por pouco antes, partia para o Rio, a serviço de Portugal, o
base um projeto de conciliação de Canning. À questão brasileiro Luís Paulilo d'Oliveira Pinto da França, muni-
central tornou-se o problema da sucessão da coroa por- do de instruções para promover a evacuação da Bahia
(107)
tuguesa. Portugal respondeu com um contraprojeto de . Foi um fracasso total. Diz Heitor Lyra, com razão,
restabelecimento da união com o Brasil que causou a que o malogro da Missão Rio Maior trouxe um benefício
maior indignação a Caldeira Brant e Gameiro. à causa brasileira: convenceu o governo de Lisboa de
Rompidas as negociações diretas, a 18 de fevereiro de que só havia um caminho para o entendimento com o
1824, usaram os negociadores brasileiros de um expedi- governo do Rio de Janeiro: precisamente o governo bri-
ente muito convincente: sugeriram ao governo a expedi- tânico00».
ção de um ato em que se declarasse que, findo o prazo A Missão Vila Real mostrou que o governo português
de quinze anos (fixado no art. 33 do Tratado de 1810), os seguiu esse caminho. Com efeito, nas instruções de
géneros ingleses passariam a pagar uma tarifa de 24% e Palmeia ordenava-se que, em conjunto, os agentes diplo-
não de 15%. A medida deveria causar grande impressão máticos portugueses das cortes de Paris, Viena, Berlim e
ao governo britânico, e, com este diretamente, e não com ! São Petersburgo reclamassem das respectivas cortes a sua
o de Portugal, seria negociado o reconhecimento. A 13 de
janeiro de 1825, a Inglaterra decidia confiar a Sir Charles
V. suas instruções secretas in D. fosé iTAImeída Correia cie Sá, D. foão VI e a Iricli-lKmrlPiicia
Stuart a missão de negociar a questão. Não se falou em ',í m"' Lislx)a- 1937, doe. 42, p. 191-193.
reconhecimento, mas sim em Tratado comercial, pois V , "missão v. oh. cit., p. 120-123, c An/uivoDijilomálico, vol. VI, HdlorLyra, p, XII-XIII.
HI , cit'' P- 120> e Arc/uivo Diplomático, vol. VII p. X-XI.
'*. cit., XV. "
estava a findar o de 1810. Em atenção ao Rei D. João VI,
128 129
amigável intervenção para fazer desaparecer o fatal exem- e insuperáveis nos anais da diplomacia britânica. As ins-
plo de usurpação de um trono°09). As negociações malo- truções a Chamberlaín, de 12 de janeiro de 1825, domi-
graram também pela obstinada intransigência portugue- nam com soberba habilidade os argumentos para um
sa em querer conservar a subordinação brasileira*1103. acordo com Portugal(113). Acrescenta Webster que elas
A conferência entre os plenipotenciários brasileiros e exprimem, em linguagem apropriada, a energia e a vi-
portugueses durou de 12 de julho de 1824 a 18 de feve- são de Canning. Analisam, com clareza e precisão, as
reiro de 1825, quando os brasileiros rejeitaram o ultima- relações entre a Grã-Bretanha e Portugal, de maneira
to português. que cada parte chame diretamente atenção para o resul-
José António Soares Leal afirmou, em Lisboa, em ju- tado por ela visado.
nho de 1824, que uma porção respeitável dos habitantes A negociação apresentava duas dificuldades: a primei-
do Rio de Janeiro se inclinaria a um ajuste com Portugal, ra era a questão da sucessão da Coroa portuguesa. Se,
tendo por base a conservação do Príncipe Real com o pelo reconhecimento, o Imperador Pedro I perdesse o
título por ele assumido, conciliando-se dessa maneira, a : direito de suceder ao pai como Rei de Portugal, D. Miguel,
manutenção deste título com o da soberania de S. M. :; o filho absolutista, pelo instrumento de Metternich e da
Fidelíssima sobre seu filho(m). Decidiu-se que Leal parti- g França, herdaria a coroa. Os resultados seriam desfavo-
ria para o Brasil levando instruções nesse sentido, pois ráveis para a influência britânica em vista de sua tradici-
suas ideias coincidiam com as do governo português. onal posição estratégica na Europa. Canning via-se obri-
Soares Leal chegou ao Rio em setembro de 1824. Leal foi ç gado a assegurar qualquer acordo sobre a sucessão e a
acusado de ser espião e intrigante o que ocasionou sua obter o consentimento do monarca português no reco-
prisão. O fracasso de Leal desgostou Canning, que dele i nhecimento da Independência da Colónia, antes que a
se serviu par mostrar a má fé do gabinete português(112). W Grã-Bretanha pudesse agir por si mesma. A segunda di-
|ficuldade era a garantia, britânica a Portugal, já referida.
t Canning mostrou que Portugal não poderia ser prote-
5.5- A Missão Stuart > gido do Brasil pela Grã-Bretanha sem reconhecer sua
^Independência, e advertiu o Brasil de que, se ele protes-
gtasse pelo reconhecimento à custa de uma guerra com
Diz Charles Webster que as instruções de Canning a Portugal, a Grã-Bretanha impediria qualquer ação nesse
Stuart são uma das mais hábeis que saíram de sua pena, pèptído. Torna-se evidente que Canning mudara de polí-
"""Vide ofo. cit., p. 124 e segts. e as instruções in Despachos Correspondência do Duque de
ptica. Três razões resumidas por Manchester, explicam esta
Palmeia, vol. I, 249. ífnudança: a conferência dos aliados, em Paris, exigia que
"""Vide exp. de Hildcbrando Accioly m Arquivo Diplomática, vol. I, LXXX-CXIX e Correia de Sá,
ob. cit., 125-140.
"U:'V. CorrespottíiSncia de 1'alm'cla, \, 512, cit. por Correira de Sá, p. 135, que a descreve até
p. 136. V. também Hildebrundo Accioly, ob. cit., p. CXIX, Cl. Ip V. Webster, ob. cit., p. 62. As instruções a Stuart, doe. 116, p. 262, c a Cliambcrlaln, n. 1/2, p.
"121 Correia de Sá, p. 136 e Hildehtando Accioly, ob. cit. 248. Temperley considera também as primeiras como clássicas.

130 131
I

D. João VI mantivesse as condições para o reconheci- de busca. Quanto à abolição do tráfico, Canning achava
mento; a França e a Espanha assinavam, em 10/12/1824, que bastava ter declarado em vigor a Convenção de 28
um acordo que mantinha a influência francesa sobre de julho de 1817(115>.
Madrid; era necessário contra-atacar o evidente desejo dos No Rio, logo após o reconhecimento, a proposta de
aliados de ajudar Portugal a reconquistar sua colónia. Stuart no sentido de concluir-se o tratado de comércio,
Stuart, chegado ao Rio em 18 de julho de 1825, conse- foi recebida amargamente. Carvalho e Melo, Ministro do
guiu obter algumas concessões de D. Pedro I, tais como Exterior, escreveu a Gameiro Pessoa que a proposta era
o uso do título de Imperador do Brasil por seu pai, a repugnante016) e visava a obter desproporcionadas van-
admissão do princípio da legitimidade no preâmbulo da tagens. Estava feito o reconhecimento português ao qual
constituição, a omissão de qualquer referência à suces- se seguiu o da Inglaterra, pelo Tratado de 18 de outubro
são em Portugal e, finalmente, o pagamento da soma de de 1825, não ratificado017' mas assinado por Stuart na
2 milhões de libras, para cuja liquidação, por um lado, condição de plenipotenciário de S. M. Britânica. Gameiro
contraímos as obrigações do empréstimo português em Pessoa, a ls. de fevereiro de 1826, declarou que Canning,
Londres, obtido em 1823 ($L 1.500.000, dos quais $L ; na conferência que com ele mantivera sobre aquela con-
100.000 já pagos), e, por outro, comprometemo-nos a venção, lhe passara a nota que remetia inclusa tratou de
pagar os restantes 600 dentro de um ano da ratificação apresentar-se imediatamente018-1 e logo nomeou Gordon
do tratado(114)- O ajuste firmou-se a 29 de agosto de 1825 Primeiro Secretário de Legação019) este foi apresentado a
por Stuart, em nome de Portugal. Sua Majestade a 30 de janeiro°20).
Stuart assinara também, a 18 de outubro de 1825, um
acordo comercial e outro tendente à extinção do tráfico
de escravos, ambos ratificados pelo Imperador a 20 de 5.6. A Missão Robert Gordon
outubro. Um e outro foram rejeitados por Canning e não
ratificados por S. M. Britânica. Os motivos da rejeição Os tratados negociados por Stuart em 1825 não tendo
foram os seguintes: 1) a supressão do lugar de juiz con- recebido a sanção do Governo britânico, Canning en-
servador; 2) a falta de reciprocidade entre os arts. 14 e viou ao Brasil Robert Gordon, como ministro plenipo-
15, e a mais ampla concessão aos navios brasileiros que tenciário. Esperava que este não teria maiores dificulda-
aos britânicos; 3) a dificuldade, para o governo britâni- 4es e deveria conduzir as negociações sem grandes alte-
co, de cumprir o disposto no art. 17 sobre a apreensão
da propriedade do inimigo de uma das partes contratan- v
- Hildebrando Accioly, ob. cit., vol. I, p. OCXTX. Esses tratados foram publicados a 14 de
novembro de 1825.
tes a bordo de navios da outra paite, porque o mesmo •1,7; ^./.<)/lli2:>> Are/uivo Diplomático, T., 128-129. ; - , .
governo não podia concordar com a restrição do direito .1M| HUdebrando Accioly, ob. cif., CXXVIII, •••-.••••-• •
lls Arquiva Diplomático, II, 339.
(m) Me«, p. 3íjl ' ' . - . • ,
As negociações entre Stuart e os plcnipontcnciários brasileiros in Hildebranclo Accioly,
P. 337. . ' '' " "'
"A'Missão Stuart", Arquivo Diplomático, vol. VI.

132 133
rações nos termos exigidos pela Inglaterra. A correspon- essa concessão um dos principais fatores da pobreza do
dência que este encontraria no Rio lhe bastaria como Tesouro Nacional.
instrução, mas, de nenhum modo, deveria concordar na O pagamento feito a Portugal de 2 milhões de libras
retirada do juiz conservador. A abolição só seria assina- de indenização(123) foi objeto de reservas tão logo tor-
da depois de concluído o acordo comercial. nou-se público o acertado. Constando da convenção adi-
Gordon chegou a 13 de outubro. O tratado comercial cional secreta, somente quando a Assembleia foi reaber-
que devia negociar era considerado importantíssimo020, ta este fato foi conhecido. Serviu para diminuir a confi-
especialmente atendendo-se a que em 1825 as exporta- ança em D. Pedro. Sobre a crítica de Oliveira Lima, de
ções para o Brasil haviam atingido quase a metade do que a compra da Independência fora um estigma de que
montante embarcado para os Estados Unidos, e era um a monarquia, justa ou injustamente, nunca se livraria, o
pouco menos que o total enviado às índias Ocidentais Barão do Rio Branco, em nota a um exemplar de sua
Britânicas. Naquele ano, só o Brasil absorvia quase a obra(124), escreveu: "Não houve compra da Independên-
metade do valor total dos bens exportados para a Amé- cia. Quando se separa um território, o que se separa
rica do Sul e o México combinados, enquanto a Inglater- toma o encargo de parte cia dívida pública"025-1.
ra comprava muito pouco do Império(122). A convenção
relativa ao tráfico foi assinada a 23 de novembro de 1826
e o tratado comercial a 17 de agosto de 1827. l í 5.7. Negociações com a França
Em face da estipulação da cláusula da nação mais
favorecida, o Império foi forçado a conceder a outras
As negociações com a França dividem-se em dois pe-
i nações a mesma baixa tarifa. A França foi a primeira a
ríodos: o primeiro, da nomeação e trato por Manuel
obter o privilégio em 8 de janeiro de 1826. Outros países
; Rodrigues Carneiro Pessoa, despachado para a França a
seguiram: Áustria, 30 de junho cie 1826; Prússia, 9 de
12 de agosto de 1822 como encarregado de negócios, a
julho de 1827; Cidades Hanseáticas, 17 de novembro de
v fim de tratar "junto ao governo de S. M. Cristianíssima
1827; Dinamarca, 26 de abril de 1828; Estados Unidos,
,; ; ;dos negócios que ocorrerem relativamente a ambos os
12 de dezembro de 1828; Holanda, 20 de dezembro de
países". Retirando-se em princípios de 1824, a fim de
1828. substituir, em Londres, Caldeira Brant, de volta ao Brasil,
A 24 de setembro de 1828 concederam-se a todas as
Gameiro nada conseguiu.
• '!: nações os 15%, elevados a 30%, em 1844. A taxa de 15%
O segundo período inicia-se com Domingos Borges
privou o Brasil de uma de suas melhores fontes de re-
cursos e os Ministros da Fazenda sempre consideraram
'tocha Martins, A Independência do Brasil, Listoa, 1922, p. 394-395 dá uma "conta dos
ou, °b)etos M"e Portugal teria direito de reclamar do Brasil".
'«s. ç.Reconhecimento da Independência, Garnicr, 1901, p. 254-255.
<m
> Arquivo Diplomático, I, p. CXXI. X ^'t. por Hildebrando Accioly, "A Missão Stuart", An/utvo Diplomático, vol. VI, p. XXXV. Esse
ÍI22
'V. A. K. Manchester, ob. cit. p. 207. estudo é uma síntese admirável da Missão.

134 135
r
de Barros, nomeado, a 24 de novembro de 1823, substi- 5.9. Áustria
tuto de Gameiro. As instruções, da mesma data(126), reco-
mendavam-lhe que trabalhasse pelo reconhecimento As atividades de António Teles da Silva Caminha e
público de seu caráter de encarregado de negócios e, Menezes - cujas instruções, como enviado extraordiná-
depois, pelo reconhecimento da Independência, Integri- rio de D. Pedro a S. M. Imperial da Áustria, datam de 5
dade e Dinastia do Império do Brasil. Na realidade, a de abril de 1823 - (131)) foram extremamente importantes,
França, aliada às potências absolutistas, intrigou o quan- não só porque a Áustria e seu Ministro Metternich eram
to pôde, para dificultar o reconhecimento de D. Pedro I o centro da Santa Aliança e da política absolutista e
e da independência do Brasil. legitimista, contrária às aspirações cio Brasil, como por-
Até 28 de janeiro de 1825, o Conde de Villèle confes- que, sendo S. M. o Imperador sogro de D. Pedro I espe-
sava a doutrina francesa: "Sem que Portugal dê o primei- rava este boa acolhida às pretensões do reconhecimen-
ro passo, nós não reconheceremos o Imperador, porque to. Todavia, a Áustria, pelo seu ministro, apoiou Portugal
não sairemos da linha da legitimidade"027-1. Reconhecida e dificultou a obra de reconhecimento, que só foi feita a
a independência por Portugal, o governo francês encar- 30 de dezembro de 1825031). Teles da Silva, já Visconde
regou o conde de Gestas de negociar o Tratado de Co- de Rezende, entregou suas credenciais a 31 de dezem-
mércio de 1826. Em nota de 26 de outubro de 1825, bro cie 1826(132).
Gestas declarou que aquele tratado implicava o reco-
nhecimento, e, em 12 de fevereiro de 1826, Borges de
Barros foi recebido em Paris como representante diplo- 5.10. Os Estados da Alemanha e outros Esta-
mático do Império do Brasil(128). dos europeus

A notícia histórica de Mário de Vasconcellos trata das


5.8. A negociação em Roma atividades de Jorge António Schaeffer e de Eustáquio
Adolfo cie Melo Matos nos Estados Alemães(133). Os Esta-
Francisco Correia Vidigal foi nomeado plenipotenciá- dos Hanseáticos fizeram o reconhecimento a 14 de feve-
rio a 7 de agosto de 1824, chegando a Roma a 5 de reiro de 1826; o Hannover a 18 de fevereiro de 1826; a
janeiro de 1825. A 23 de janeiro de 1826, sua Santidade, Prússia a 6 de março de 1826.
o Papa, recebeu oficialmente sua credencial0295.
(i26> yicje ArqUiVO Diplomático da Independência, vol. III, p. 24-29.
0271
Ofício secretíssimo n. 12, de 28/1/1825 in Arquivo Diplomático, vol. III, pg. 219. E Xlde Ar^uifo rahlico da Independência, vol. IV, p. 7-9.
11281
V. Heitor Lyra, Notícia Histórica (principal estudo) e Documentos, in vol. III do Arquivo (t») X'- °b' Cit " p' 233-2.M e o extraio cia Gazeta Oficial de 24/1/1826, p. 234.
Diplomático. Nosso resumo se baseia nesse trabalho. Vide p. 299. V. também Oswaldo Correia, Notícia Histórica e documentação In ArtjUtiv lítplo-
"2») vide Mário de Vasconcellos, "Notícia Histórica", Arquivo Diplomático cia independência, u«, mático' V°L IV, p. V7-XXXVI.
vol. III, p. LIV-LXXIX e documentação no mesmo volume. A credencial in p. 298/299 e as Me Arquivo Diplomático, ob. cit., vol. IV, e documentação.
Instruções, p. 301-310.

136 137
A obra do reconhecimento europeu completou-se com nomeou Luís Moitinho Lima Alvares (12 de agosto de
o reconhecimento da Suécia, a 5 de janeiro de 1826; da 1822) Encarregado de Negócios e a 15 de janeiro de 1823,
Suíça a 30 de janeiro de 1826; da Holanda a 15 de feve- António Gonçalves da Cruz, foi designado Cônsul Geral
reiro de 1826; da Rússia a 14 de janeiro de 1827, todos nos Estados Unidos (a carta patente é de 5 de fevereiro de 1823).
consequência da interferência inglesa e do Tratado de Antes que nossos representantes pudessem entabular
29 de agosto de 1825(134). as negociações para o reconhecimento e as relações eco-
nómicas, Condy Raguet distinguira-se pelos casos e in-
cidentes provocados no Rio de Janeiro035-1, pelas grossei-
5.11. Madrid ras ameaças de guerra e pela desabusada linguagem,
ofensiva ao Brasil e aos brasileiros. Já em 1826 (23 de
As negociações de Ponte Ribeiro, em Madrid, foram setembro), num despacho ao Secretário de Estado, Henry
muito acidentadas e sem resultado prático. A representa- Clay, Raguet escrevia: "Now is the moment to make this
ção brasileira só foi recebida a 6 de fevereiro de 1835. government (brasileiro) feel the influence which we are
destined to maintain in this Hemisphere of Libeity and if
it is desirable to negociate a treaty of commerce, perhaps
riow is the moment when the footing of the most favored
5.12. Os Estados Unidos nation might be obtained as the price of reconciliation"(136).
Logo a seguir, Raguet deixava o Brasil037-1.
As nossas relações com os Estados Unidos tiveram, A 21 de janeiro de 1824 foi nomeado nosso Encarre-
como diz Hill, um começo desventuroso. No entanto gado de Negócios nos Estados Unidos José Silvestre Re-
não foram nem o Ministro Thomas Sumter, que exerceu belo, cujas instruções foram expedidas a 31 de janeiro.
as funções diplomáticas na Corte portuguesa do Brasil, Sua ação inteligente, discreta e pertinaz resultou no mais
nem com Henry Hill, cônsul na mesma categoria mas rápido reconhecimento obtido pelo Brasil. A 26 de maio
com Condy Raguet, que chegou ao Rio de Janeiro a 8 de de 1826, o Presidente Monroe recebeu-o formalmente
setembro de 1822, e numa de suas primeiras comunica- como nosso Encarregado de Negócios. Assinado o Tra-
ções ao novo governo, requereu a entrada de navios
mercantes noite-americanos sem certificados. A conces- Esses incidentes como o do bloqueio do rio da Prata em 1825, o caso dos navios Spermo
(1824), Panter (1823), liuth (1826), Spark e vários outros estão relatados in Lawrcnce Hill,
são deu início ao intercâmbio comercial. > Di!'lomatic KelcMom between tbe United States andBrazll, Duke Univ. Press, 1932, p. 38-52.
v
A 22 de julho de 1823, Raguet foi nomeado agente co- - Hill, ob. cit., p. 46. Tradução "Agora é o momento de fazer este governo (brasileiro) sentir
11 influência que estamos destinados a manter neste Hemisfério de Liberdade e se é desejável
mercial dos Estados Unidos no Brasil. Por sua vez o Brasil negociar um tratado de comércio, talvez agora seja o momento de obter a situação de nação
i ,mais favorecida a ser concedida como preço da reconciliação".
sobre Haguet, cf W. H. Manning "An Early Diplomatic Controversy between lhe United States
"'•" Quadro
LitU-ll^J Cronológico l l i v « _:brando
in lHilde
V ^ l ^ d l V I L V ^ H - V / 111 l.í Accioly, O Reconhecimento da Independência do Brasil, and Brazil", in Tbe Htyanic American Histarical Review, I, n. 2, maio, 1918, 125-126. Sobre
Rio de Janeiro, 1927, p. 249-252. J52. Mário
Mário de Vasconcellos,
Vasconc "Notícia Histórica", in Arquivo Dijilo- esse começo de nossas relações, V. Lawrence F. Hill, ob. cit., cap. II, c Zacarias de Gois
•irnãtico da Independência, vol. ol. III, LXXXI-CIII e documentação
cl no mesmo volume. Carvalho, "Notícia Histórica", Arquivo Diplomático da Independência, vol. V. XLVII.

138 139
tado de Amizade, Navegação e Comércio, a 12 de de- Em 1823 Valentin Gomez(:41) solicitou ao Governo do
zembro de 1828 (ratificado pelos Estados Unidos a 17 de Brasil a devolução da Banda e obteve como resposta
março de 1829), melhorou um pouco a atitude de inimi- que esta estava de fato, e há muito, separada das Provín-
zade e desafio que Raguet estimulara, mas que não era cias Unidas, e que as atas de incorporação que Lecor
só dele, como revelam os despachos publicados por obtivera dos povos, exceto de Montevidéu, testemunha-
Manning e a última nota, de 14 de novembro de 1827, vam a vontade de unir-se ao Brasil(142).
assinada por José Silvestre Rebelo(138). A 27 de fevereiro de 1824, Lecor entrava em Montevi-
déu. Com a retirada dos revolucionários uruguaios, o
Cabildo foi renovado com pessoas simpáticas ao Brasil.
5.13. Cisplatina Promulgada a Constituição em 25 de março de 1824, foi
jurada em Montevidéu, a 10 de maio(l43). O "Movimento
dos 33", de 1825, chefiado porjuan A. Lavalleja e apoia-
A tranquilidade reinou nas Repúblicas do Prata entre do pelo governo de Buenos Aires, iniciou uma rebelião
1821, quando foi a Cisplatina incorporada ao Reino Uni-
contra o governo brasileiro. Para Chamberlain, a ques-
do de Portugal, Brasil e Algarves, e 1825. Em 29 de outu- tão de Montevidéu deveria resolver-se pela independên-
bro de 1823 o Cabildo de Montevidéu fizera uma enérgi- cia; não pelo domínio brasileiro ou das Províncias Uni-
ca manifestação declarando sem valor a incorporação a
das. Previa a solução final ao insistir com Canning, em
Portugal e a seu legatário, o Império do Brasil, e queren-
.agosto de 1825, sobre a dificuldade de conseguir um
do, assim, deixar a salvo os direitos da Província Orien- ajuste, visto que os dois partidos lutavam de forma apai-
tal(139). Esse movimento limitou-se a uma declaração for- xonada. Urgia um mediador(144),
mal, sem maiores consequências. O Brasil continuava na
A 25 cie outubro de 1825, o Congresso de Buenos Aires
posse da Cisplatina, que nenhum apoio recebia da Ar- aceitou, surpreendentemente, a reincorporação votada
gentina, absorvida na criação de seu próprio Estado. pela Assembleia de Florida (25 de agosto de 1825), e
Apenas com a crescente prosperidade argentina04® é que declarou a Província Oriental parte integrante das Provín-
se desenvolveu a determinação de reconquistar a Banda cias do Rio da Prata(145). O Brasil respondeu ao ato, em 10
Oriental ou de fomentar movimentos de revolta entre os de dezembro cie 1825, com uma declaração de guerra e
orientais. ^ 17 de dezembro, em aviso ao Ministério da Marinha,
"-'»' V. William Manning, Correspondência Diplomática de tos Estados Unidos concernientes a Ia
Independência de Ias Nadarias IMino-Amertcanas, Buenos Aires, 1931, t. 2 (parte III) e Ar-
quivo Diplomático, ob. cit., col. V, p. 212-215. É de se lamentar que o Arquivo Diplomático (142, * nola cl° 8<>verno brasileiro in Pereira Pinto, II, p. 212.
termine com os Estados do Prata e nenhuma documentação tenha sido publicada sobre os : V^ Manifesto de 10/12/1825 in Pereira Pinto, ob. cit., vol. II, 223-238, c Documentas para
demais países americanos. Do quadro cronológico de Hildebrando Accioly (á citado só consta servir a! estúdio de Ia indípeiulencía nacional. Instituto Histórico y Geográfico llniftuayo, t.
o reconhecimento do México a 9 de março cie 1825 e o da Colômbia a< 2 de julho de 1826. í,,,, !': ,1825> Montevidéu, 1938, p. 291 e segts.
n.w v r}oc jn j E. Pivel Devoto, ll/-nguay_Indej>enc!ienti', Salvar Editores, Barcelona, 1949, p. 45. ,,,.„ Vide Pivel Devoto, ob. cit., p. 452.
"«" A exportação britânica para as Províncias Unidas do Rio da Prata era de um milhão de •ii«, ,, Maehester, ob. cit, p. 152,
dólares; seguindo-se o Brasil e depois os Estados Unidos. V. Manchester, ob. cit., p. 150. v. Pivel Devoto, p. 465 e 459.

140 141
decretou o bloqueio do Rio da Prata (l46) . Os resultados 1827, não fora ratificado pelo governo de Buenos Aires.
Jogo se fizeram sentir na diminuição cia importação inglesa Esta Convenção ajustava, cie fato, a situação e atendia
de um milhão de dólares espanhóis, a menos de 155.000, não somente às aspirações dos povos orientais como
em 182&147\ Embora os prejuízos britânicos fossem imen- aos interesses do Brasil, da Argentina e dos povos euro-
sos, Canning não protestou, pois estava de acordo com a peus, preocupados com as consequências políticas e eco-
doutrina britânica dos direitos dos bloqueantes, afirma nómicas da guerra.
Webster°48). Não concordaram os Estados Unidos. Canning
fez grandes esforços para acabar com a guerra, receando
- o que não aconteceu - que cia luta resultasse uma cru- 5.14. A incorporação de Chiquitos (Bolívia,
zada das repúblicas hispânicas contra o Brasil português 1825)
e monárquico. Foi sugestão sua a de criar-se um Estado
independente, transmitida nas instruções a Lord Posomby,
Apesar de não ter atingido seu objetivo, a Missão
ministro inglês em Buenos Aires049'. Alvear Dias Velez tentou obter o apoio do Libertador a
Canning insistia para o Brasil aceitar esta solução ou a
Buenos Aires na luta contra o Brasil. A 13 de abril de
indenização pela entrega do território. O essencial era
1825 a junta Governativa de Mato Grosso discutia a
cessar as hostilidades, pois acreditava estar o Brasil ame-
solicitação de D. José Maria de Velasco no sentido de
açado pela união dos povos hispânicos. Também a esta-
incorporar a Província de Chiquitos ao Governo do Bra-
bilidade do governo brasileiro era muito importante, sil. Seu autor era um realista espanhol na luta contra os
desde quê formava "o mais forte anel de ligação entre o
: revolucionários da independência. Discutida a proposi-
Velho e o Novo Mundo"(150).
ção, decidiu-se pela sua aceitação. A 13 de maio, um dos
As negociações promovidas pelos ingleses050, por
membros influentes da Junta, Constantino Ribeiro, certo
intermédio de Posomby, em Buenos Aires, e Gordon, no
do erro cometido, conseguiu convencer as demais auto-
Rio, resultaram na Convenção Preliminar de Paz de 27
ridades a alhear o governo de Mato Grosso do destino
de agosto de 1828, pois o Tratado de 24 de maio de
da Província de Chiquitos. Só em 5 de agosto de 1825
decidiu o governo imperial, independentemente cio pro-
"•*" V. Pereira Pinto, ob. cit., vol. II, 368. As lutas militares estuo descritas in General Francisco de testo do General Sucre(152), reprovar o ato precipitado da
Paula Cidade, Lutas ao Sul cia lirastl, com os espanhóis e seus descendentes, Rio de Janeiro,
Biblioteca Militar, 1948 c as Contribuições para a história da guerra entre o Brasil e Buenos junta, pois ainda que S. M. fosse "consultado previamen-
Aires nas anos cie 7 #25, 26. 27, 2fl, Hio de Janeiro, 1938. líio Branco atribui esta obra a
Leenhof (sic).
te corno convinha, jamais daria o seu imperial consenti-
"«' V. Manchester, ob. cit., p. 152. V. também R. A. Humphreys, Uritish Consular Keports on the mento a esta medida, por ser oposta aos generosos e
Tradc anel PoltUcs ofLatln America, 1824-1826, Londres, 1940.
<«, v Webster, ob. cit., pg. 69. liberais princípios em que o mesmo Augusto Senhor fir-
««> y. Webster, doe. 44 de 28/2/1826, pg. 138.
"*" Webster, ob. cit., doe. 139, de Canninf; a Robert Gordon, 1/8/1826.
os» y. Pablo Blanco Acevedo, La mcdiación de Inglaterra en Ia Comiención de paz de 1828, 'Jatado de 11/5/1825, original no Arquivo Nacional, in Pereira Pinto, Intervenção do Brasil no
2a. ed., Momevidéu, 1944. Mo da Prata, Uio de Janeiro, 1871, p. 57-59.

142 143
ma a política de seu gabinete e a sua intenção de não
intervir na contenda atual dos habitantes da América
Espanhola entre si, e com a metrópole", dizia o ofício do
Ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís José de Carva-
lho e Melo°53).

6. A Política Exterior do Império

6.1. As relações com a Inglaterra (1827-1850)

De 1808 a 1821 as relações entre o Brasil e a Inglaterra


( foram dirigidas em bases tradicionais europeias, embora
á Corte residisse no Brasil. A transferência dos privilégi-
os tradicionais ingleses obtidos junto a Portugal para o
Brasil foi completada pelo Tratado Comercial de 1827,
pelo qual o Brasil pagava a dívida relativa aos serviços
ingleses em prol do nosso reconhecimento pela Europa.
O Tratado de 17 de agosto de 1827 reflete a influência
avassaladora da Grã-Bretanha nos nossos negócios polí-
ticos e económicos, mantendo privilégios especiais obti-
dos nas horas difíceis de 1810 (os 15% de tarifa, a
conservatória inglesa e a abolição imediata do tráfico,
renovando pela Convenção de 23 de novembro de 1826,
a Convenção de 28 de julho de 1817(154).
"3) V. Pereira Pinto, oh. cit,, p. 27, o ato da incorporação está transcrito, no Anexo A, p. 47-55,
Pereira Pinto escreveu no Jornal do Comércio de 26/4 e 22 e 23/4/1871 três artigos sobre o 11
vv
caso. V. do ponto de vista do Direito Internacional, Hildebrando Accioly, '1'ratudo de Direito - essas Concessões in Pereira Pinto, Aíxmtamentos, ob.cit., a de 1817, in t. l, p, W c- a ilr
Internacional, l, 275. 1826 in p. 389. O Tratado de 1827 in t. 2, p. 27 e segts.

144
O virtual monopólio do comércio brasileiro pela Grã- leiro, que passou a associar a supressão do tráfico à su-
Bretanha foi prolongado por meio da tarifa preferencial bordinação à Inglaterra.
estabelecida a partir de 1810, dando lugar a um verda- O ressentimento hostil dos brasileiros atingiu seu ápi-
deiro protetorado sobre o Império. Em 1827, a suprema- ce em 1845, com o Bill Aberdeen. A política do Foreign
cia económica e política inglesa estava definitivamente Office exprimia a pressão dos grupos económicos ingle-
firmada. A revolta contra a predominância inglesa mani- ses(156). P°r sua vez> a Secretaria dos Negócios Estrangei-
festa-se especialmente no problema do tráfico, que era ros refletia a situação nacional. De 1830 a 1849 o minis-
também um problema económico. De fato, grandes in- tério reconhecia a cada ano, sua incapacidade de evitar
teresses económicos exerceram pressão para acabar com o tráfico; de 1848 a 1850 preparou-se o terreno para uma
o tráfico, realizado sobretudo pela Espanha, Portugal, ação decisiva; em 1850 veio a medida efetiva e em 1853
Brasil e Estados Unidos: de um lado os produtores e o tráfico cessou. Mas afinal, o que impediu a ação deci-
importadores de açúcar das índias Ocidentais desejavam siva até 1848 e a tornou possível em 1850? Lembra
manter as tarifas proibicionistas que pesavam sobre o Manchester, sumariando essa política, que só em 1831,
produto estrangeiro e liquidar o comércio escravo; de com a abdicação de D. Pedro I, foi o Brasil inteiramente
outro, os exportadores de máquinas da Inglaterra para o controlado pelos brasileiros, e que em 1848/49, com o
Brasil, particularmente os de engenhos de açúcar, cujas término da última revolução, o governo central tornou-
encomendas haviam dobrado entre 1845 e 1847. Em se suficientemente forte para exprimir e impor sua von-
consequência aumentou a produção da Bahia: em 1846, tade ao conjunto da nação. Além disso, 1850 represen-
eram embarcadas 66.000 caixas de açúcar e, em 1848, tou uma reviravolta na vida económica do país(157).
98.000. Tal produção, por sua vez, exigia maior importa- Nas relações do Brasil com a Inglaterra, o absoluto
ção de escravos, que se elevou, no Brasil, de 20 mil, em predomínio económico dos ingleses até 1845
1845, para mais de 50.000 em 1846. Os interesses do correspondeu à influência decisiva nos nossos negócios
primeiro grupo foram mais fortes e deram ao governo internos e centralizou-se na questão do tráfico. Com a
britânico as razões para sua luta contra o trabalho escra- expiração, em 1844, do Tratado de 1827 e dos privilégi-
vo no Brasil. í;ps ;especiais ingleses, começa a competição pelo merca-
A luta da Inglaterra para abolir o tráfico veio a ser, do brasileiro. Quando o predomínio económico da In-
como diz Manchester(155), um dos fatores do declínio da glaterra deixou de ser total, sua influência política dimi-
predominância inglesa no Brasil. Da assinatura da Con- nuiu considera velmente.
venção de 1826 até fins de 1860, as relações anglo-brasi-
leiras foram envenenadas pelo tráfico, pela desconfiança
e ultraje ingleses e pelo temor e ódio do Governo brasi- 8nn| f im
°' P°Pular m Inglaterra do Norte, vide Hansard, Debates, 1841, 758, 783-787,
y, y ,u e. Mathienson, GreatBritainandtheSlaveTrade, p. 105-111.
•José Honório Rodigues, Prefácio às Cartas ao Amiga Ausentede ]osê Maria da Silva Paninhos
"*" A exposição de Manchcster Ê 3 melhor que conhecemos e aqui a seguimos. instituto Rio Branco, 1953.

146 147
6.2. As relações, económicas até 1844 Alguns dados estatísticos demonstram o predomínio
incontestável da Inglaterra: em 1835, o valor das expor-
Os privilégios especiais, estabelecidos pelo Tratado de tações das Ilhas Britânicas para o Brasil era de 2.553.203
1827, tornavam inútil qualquer esforço de competição libras esterlinas, e as exportações alcançavam 1.479.588
económica. As condições preferenciais (15% de tarifa) libras esterlinas. Em 1842, 51% das importações recebi-
vigentes entre 1826 e 1844 afugentaram qualquer com- das no Rio vinham da Grã-Bretanha, e somente 20% das
petição e tornaram supremo o interesse económico in- exportações destinavam-se a portos ingleses. Esse
glês. É exato que outras nações obtiveram a mesma taxa desequilíbrio da balança comercial levou a uma troca
ínfima de 15% na pauta geral das alfândegas brasileiras, triangular. Os produtos eram enviados ao Brasil em con-
mas, devido à falta de capital e de desenvolvimento in- signação, com crédito a longo prazo. Os britânicos, de-
dustrial, a competição tornou-se para elas desfavorável. pois de venderem suas mercadorias, emprestavam o di-
O domínio inglês coincidiu com uma crise económica nheiro resultante de suas vendas a negociantes estran-
e política, a mais avassaladora de nossa história. Basta geiros não-britânicos, recebendo, em troca, letras de câm-
lembrar a queda brutal dos preços-ouro do elevado índi- bio sobre Londres. Os agentes não britânicos usavam a
ce de 153, em 1821, ao nível de 47, em 1849- Para en- moeda assim obtida a fim de comprar artigos brasileiros
frentar os constantes déficits orçamentários, valeu-se o que embarcavam para seus respectivos países.
governo, por cinco vezes, do recurso ao crédito externo í , Com base no capital inglês, auxiliou-se materialmen-
até 1849. Entraram no país 5.735.214 libras esterlinas, te o comércio brasileiro com a Suécia, Dinamarca, Ham-
sem nenhuma finalidade produtiva, não raro destinado burgo, Trieste e outras praças(159). Em 1843, 3/8 do açúcar,
apenas para satisfazer compromissos de empréstimos 1/2 do café e 5/8 do algodão exportados de Pernambuco,
anteriores. O comércio exterior, esteio único da econo- Bahia e Rio de Janeiro foram embarcados à conta da In-
mia nacional, acompanhava o quadro geral. glaterra; com exceção do algodão, uma pequena parte
A queda ininterrupta dos preços das exportações e a desses produtos destinou-se às Ilhas Britânicas. Apenas o
simultânea elevação dos preços das importações ocasio- café libertava-se, seguindo 350 mil sacas diretamente para
nada pela forte baixa cambial provocaram déficits suces- os Estados Unidos. Até 1842, a posição inglesa era tam-
sivos na balança comercial. Estes, além dos avultados bém dominante no campo dos investimentos .
saques para o exterior, destinados a atender ao serviço A cessação do Tratado Comercial de 1844 não alterou
a
da dívida, representavam uma sangria anual média de posição preeminente da Inglaterra na vida económica
i quase três milhões de libras esterlinas. Até 1849, o meio brasileira. Em 1854, 54,6% das importações ainda eram
circulante era escasso: 48 mil contos.05® mglesas, mas a hostilidade à abolição, os insultos ingle-
Ses
, e o sensacional desenvolvimento económico brasi-
05B)
"Evolução cia Conjuntura no Brasil Império", Conjuntura Económica, julho de 1848, p. 22-23.
v
j Empréstimos de 1824, 1829, 1839, 1843 e 1849. - Manchcster, ob. clt., 314-315.

148 149
Ieiro(l6o) a partir de 1850 impediram o absoluto predomí- te declaração: "que concorreriam sinceramente para a
nio político da Grã-Bretanha. mais pronta e eficaz execução das medidas tendentes à
abolição do tráfico; reconhecendo, porém, que essa de-
claração geral não poderia prejudicar o termo que cada
potência em particular pudesse encarar como conveni-
6.3. A abolição do tráfico ente para aquela abolição definitiva, e que, portanto, a
determinação da época em que aquele comércio deveria
Desde o Tratado da Aliança e Amizade de 19 de feve- universalmente cessar seria objeto de negociação entre
reiro de 1810, assinado no Rio de Janeiro, compromete- as potências". Era, assim, o reconhecimento universal de
ra-se Portugal a abolir o comércio de escravos (art. X). um princípio, e embora muito devesse ser feito ainda,
No Congresso de Viena, em 1815, Castelreagh apresen- ele representava um progresso e uma base para a ação
tou três propostas: 1) que todas as potências proclamas- futura060.
sem sua adesão ao princípio geral da abolição do tráfico, Começou, então, o Governo britânico a tratar com cada
e seu voto para implementar esta medida no mais curto uma das potências sobre o termo que conviria à cessa-
prazo possível; 2) que se examinasse a possibilidade de ção do tráfico; e, em Viena mesmo, celebrou com Portu-
uma abolição imediata ou da maior aproximação ao pra- gal o Tratado de 8 de junho de 1815, pelo qual este se
zo que cada potência poderia fixar para a abolição defi- obrigava a abolir o tráfico ao norte do Equador e se
nitiva; 3) que se examinassem os meios de obter imedi- comprometia a estabelecer por meio de tratado especial,
atamente uma restrição relativa ao prazo da abolição. a época definitiva de sua cessação nas colónias. Em 28
Todas as potências que possuíam importantes colóni- de julho de 1817 celebrou outra convenção com Portu-
as na América do Sul, especialmente Portugal e Espanha, gal, na qual se estabeleciam os meios de chegar a esse
se opuseram veementemente à abolição. Mas este era o fim; nela concedia-se o direito de visita (recíproco), cri-
ponto principal das instruções de Wellington. Por fim, avam-se as comissões mistas, e acrescentava-se que as
Portugal concordou em abolir a escravidão ao norte da embarcações só poderiam ser detidas tendo escravos a
linha do Equador, pagando-lhe a Grã-Bretanha 300.000 bordo(l62).
libras, em troca como preço por alguns protestos, liber- No artigo adicional - de 25 de janeiro de 1823 - ao
tando-o ademais do pagamento de um empréstimo e Tratado com a Holanda, de 1818, especificavam-se, pela
desistindo de partes do Tratado de 1810, contra o qual primeira vez, as circunstâncias que deviam constituir pre-
Portugal nunca cessara de protestar. sunção legal de que a embarcação se empregava no trá-
Finalmente foi a primeira proposta aceita e, a 8 de
fevereiro de 1815, as oito potências assinavam a seguin- ' V. c. K. Webster, The Foreign Polity of Castclreagb, 1812-1815, Londres, 1931, l vol., p.
;.,. 413-426.
offl) jvjas rncdias quinquenais das arrobas exportadas de café se observa de 1834/35 n 1838/39: Neste mesmo sentido celebrou também outra convenção com a Holanda (1818) e o artigo
3.673.356; nas de 1849/50 a 1853/54: 8.850.180. Vide Afonso Taunay, Pequena História do adicional (1822).
Café, 1945, p. 74.

150 151
fico, bastando uma delas para a detenção. Foi esse o 1820, por convenção, o Brasil se obrigava a acabar com
primeiro passo para alargar os casos de apresamento, o tráfico três anos depois da data da ratificação, embora
inclusive equipando-se para tal tarefa. A convenção ce- não se estipulassem as circunstâncias da presunção legal.
lebrada com o Brasil em 23 de novembro de 1823, A Regência, pela Lei de 7 de novembro de 1831, pelos
obrigava-nos a cessar o tráfico três anos depois da data decretos de 12 de abril de 1832 e de 19 de outubro de
da ratificação e a aceitar plenamente os artigos da con- 1854, tomava algumas providências internas para satisfa-
venção adicional celebrada com Portugal em 28 de julho zer a grande pressão inglesa, que nunca parava na sua
de 1817. Não se estipulavam as circunstâncias para esta- crescente exaltação insultuosa e violenta.
belecer a presunção legal, ou porque Brasil não quis Em 1831, Palmerston instruiu o encarregado Aston de
aceder em face de tão largas concessões, ou porque a promover junto ao Governo brasileiro a discussão do
Inglaterra, tendo obtido tanto, não pôde exigir mais. direito de visita e presa de navios preparados para o
O Tratado de 30 de novembro de 1831, celebrado tráfico pelos navios de guerra britânicos e brasileiros.
com a França contribuía poderosamente para reforçar o Em 1833, uma vez mais, foram renovadas as negocia-
sistema britânico. Estabeleceu-se o direito de visita recí- ções, sem resultado, até que, a 26 de julho de 1835,
proco em zonas onde era mais fácil aos navios de guerra Manuel Alves Branco e H. S. Fox assinaram os protoco-
encontrar os barcos empregados no tráfico, recebendo o los da negociação de artigos adicionais à Convenção de
Brasil de Paris um certo número de cruzadoresu63). 26 de novembro de 1826(166). A Câmara não tomou co-
De 1815 a 1842 a Grã-Bretanha assinou tratados seme- nhecimento das negociações e proibiu a Regência de
lhantes com vários países europeus e, a partir de 1839, ratificar qualquer Tratado que não tivesse sido previa-
passou a fazê-lo com países americanos (Chile, Uruguai, mente aprovado pela Assembleia.
Venezuela, Haiti e Argentina)06'0. Novas negociações foram propostas, em 1839, por
Em 1826, o Governo britânico começou a empregar Cândido Batista de Oliveira, renovadas em 1840, pelo
todos os esforços para obter o assentimento do governo Cônsul Geral Ouseley e em 1842 por Hamilton(l67), todos
brasileiro às estipulações declaratórias das circunstâncias sem resultados capazes de satisfazer as exigências ingle-
que deveriam estabelecer a presunção legal de que a sas de colocar em aplicação o artigo da convenção de
embarcação se empregava no tráfico, porque queria ter o 1826. A nota de 17 de outubro de 1842, recusando uma
direito de apresar não somente os navios que tivessem solução às propostas de Hamilton, provocou a Inglater-
escravos a bordo, mas aqueles que encontrasse armados ra, que decidiu agir por seus próprios meios e baseada
e equipados para o tráfico(165). Em 23 de novembro de e
m suas forças. Paulino José Soares de Sousa declarou,
na
'"'•" A França vendo várias embarcações apresadas decidiu sancionar por um Tratado o que se
Câmara, que essa decisão fora um errou68>.
exercia de fato e converter um direito unilateral em direito recíproco.
'""' As disposições são semelhantes, com exceçàodo da Venezuela, no qual se declara que até (is, ^ '^iscurso de Paulino José Soares de Sousa, ob. cit.
aquela época nenhum venezuelano fora encontrado fa/endo tráfico. »«, ,v Pau 'ino Jos6 Soares de Sousa, ob. cit.
(««i y. discurso de Pa u Uno José Soares de Sousa, de 15 de julho de 1850 na Câmara dos Deputados. - discurso citado.

152 : '.,'-:•-.:' '•" , . 153


Rompidas as negociações de 1842, passaram-se os anos
de 1843 e 1844 sem que outras fossems estabelecidas. A
Convenção de 1817 expirava a 13 de março de 1845 e,
no dia 12, a legação britânica foi notificada. A 8 de agos-
to, entrou em vigor o Bill Aberdeena69), que sujeitava ao
alto tribunal do Almirantado os navios brasileiros que
fizessem tráfico. No mesmo dia, houve nota de protesto
do Governo imperial(170). A consequência imediata do
Bill foi o aumento do tráfico, como se pode ilustrar pe-
los dados estatísticos do Foreign Office, transcritos por
Paulino José Soares de Sousa em, 1852: em 1845 entra-
ram 19-453 escravos; em 1846, 50.324; em 1847, 56.172;
7. A Política Brasileira no Rio da
em 1848, 60.000; em 1849, 54.000; em 1850, 23-000 e em
Prata
1851, 3.287071). Assim, foram o ato de 4 de setembro de
1850C172) e o decreto 708, de 14 de outubro de 1850, que No sonho de restaurar o Vice-Reinado do Prata, João
decidiram a questão, porque diante da transformação da Manuel Rosas, o ditador da Confederação Argentina (1829-
própria consciência nacional não era possível tomar uma 1852), e seu aliado Manoel Oribe, Presidente do Uruguai
medida tão drástica. (1835), procuraram cortejar os revolucionários da
Discursando a 3 de junho de 1851, Euzébio de Queiroz Farroupilha (1835-1845), pleitearam a reconquista dos
mostrava os embaraços e dificuldades anteriores, e argu- povos das Missões, o domínio do Uruguai e a submissão
mentando que a extinção apenas se efetivou - pouco do Paraguai.
valendo os esforços e gastos(173) britânicos - quando se O Vice-Reinado esfalecera-se por vários motivos: eco-
operou a mudança da opinião pública brasileira, e a abo- nómicos, políticos, geográficos e psicossociais. O vasto
lição foi considerada uma medida nacional. domínio espanhol na América compunha-se do Vice-
Reinado da Nova Espanha (México e a Capitania Geral
da Guatemala), do Vice-Reinado de Nova Granada (1717
- Venezuela; 1773 Capitania Geral da Colômbia, Equa-
(W)) In Perejra \>MO: i, 419e Relatório de 1846, nota n. 28. dor), do Vice-Reinado do Peru, o mais importante da
11701
V. Pereira Pinto, l, 426-445.
"7" Relatório da Repartição dos Negócios Estrangeiros, 1852, p. XIII. Os dados do Ministério dos
América do Sul (Peru, Bolívia, Equador), da Capitania
Negócios Estrangeiros eram diferentes: 1845, 22.700; 1846, 52.600; 1847, 57.800; mostrando Geral do Chile (1798), da Audiência de Charcas (perten-
assim a ascenção depois do Bill Aberdeen.
<™ V. Pereira Pinto, l, 462.
11751
cente, primeiro, ao Vice-Reinado do Peru, e depois ao
C. Webster, The Foreign Policy qf Palmerston, Londres, 2 vol. afirma que nunca a Inglaterra, d
dispendeni tanto tempo e dinheiro com uma questão como a do tráfico. Paulino José Soares a Prata) e, finalmente, o Vice-Reinado da Prata (15/87
de Sousa afiirma que gastou 650.000 libras por ano para manter seu cruzeiro. V. Discurso 17
citado.
"76), composto de Buenos Aires (Argentina), Paraguai

154 155
(incluindo as Missões), Bolívia (Potosi, La Paz, residente constitucional do Uruguai (1830-1834), e Ma-
Cochabamba, Moxos, Chiquitos e Cuyo (Mendoza) e parte nuel Oribe (1835-1838), aliado de Rosas em 1836, confe-
do Chile. . m nova feição aos acontecimentos. Rivera passara a
O Vice-Reinado foi um órgão improvisado para fazer exercer, ao sair do poder, o cargo de comandante geral
frente a Portugal e, ao longo de seus trinta e quatro anos AO Campo, cargo suprimido pelo decreto de Oribe de 9
de existência, não conseguiu formar um corpo homogé- de janeiro de 1836. Este fato provocou a revolta de Rivera
neo. Eram Estados desunidos e sem articulação. Já na que, em em 15 de junho de 1838, obteve a vitória deci-
época do Vice-Reinado, o alto Peru, o Chile e a Banda siva.
Oriental não queriam se subordinar a Buenos Aires, como De 1837 a 1838, realizaram-se negociações entre o
Buenos Aires tinha resistido a submeter-se ao Peru. Brasil e o Uruguai, sem bons resultados(174), conduzidas
Quando Buenos Aires libertou-se da Espanha, o Paraguai, por Montezuma e continuadas por Maciel Monteiro(175).
a Bolívia e o Uruguai libertaram-se de Buenos Aires. A aliança de Rivera com os rebeldes do Rio Grande do
Inclusive as províncias argentinas estavam tão desunidas §uj(i76) afastou Rosas destes. Ao mesmo tempo, o blo-
que Entre Rios e Comentes tentaram unir-se numa na- queio do rio da Prata pelas forças francesas impedia o
ção independente de Buenos Aires. Vimos que o Trata- auxílio de Rosas a Oribeci77) e, a 10 de novembro de
do de 1828 assegurava a independência do Uruguai, num 1838, Rivera assumia o poder(178).
acordo brasileiro-argentino, que-exprime, desde então, a | Rosas não abandonara nenhuma de suas pretensões e
linha da política externa brasileira em defesa da inde- sua Legação apresentava notas arrogantes, exigindo que
pendência do Uruguai e do Paraguai frente à dominação o Brasil o auxiliasse a repelir as intervenções francesas e
argentina. Quando foi dissolvido o Vice-Reinado, em 1810, inglesas no rio da Prata e a colocar Oribe, seu lugar
o Paraguai nega-se a reconhecer o domínio de Buenos tenente, no governo do Estado Oriental, ao mesmo tem-
Aires e surge uma nova nacionalidade, cuja independên- po em que negava ao Brasil o direito de intervir no Uru-
cia reconhecemos em 1843. guai'17».
Mas antes desse reconhecimento é preciso lembrar que, Paulino José Soares de Sousa com razão argumenta
em 1837 e 1838, a nossa Legação em Buenos Aires recla- ser evidente que Rosas "queria servir-se do Brasil como
mou em vão contra a entrega de equipamento de guerra instrumento para ajudá-lo a desembaraçar-se de seus
que os rebeldes do Rio Grande do Sul recebiam de
Comentes e Entre Rios. Já em 6 de setembro de 1839,
Rosas comunicava à nossa Legação a nomeação de An- (mi Discurso de Paulino José Soares de Sousa, 4 de junho de 1852.
(w Re'atório da Kcpartição dos Negócios Estrangeiros, 1838, p. 5 e 9.
tónio Manuel Correia da Câmara como Enviado Extraor- V sobre relações dos rebeldes e Rivera, Publicações do Arquivo Nacional, vol. XXXII, 1937,
l (ITT) Documentos Iiatnaraty.
dinário e Ministro Plenipotenciário da chamada Repúbli- B on
(17á) - J n Cady, Ia Interuencion Kxtrangera en el rio de Ia Plata, 1838-1850, Buenos Aires, 1943.
i,S) -1- J- !'ivel Devoto, ob. cit.
ca do Piratini junto à Confederação da Argentina. Paulino cita as notas 8/8/1836, 27/9, 3/10 e 29/11 de 1838 in Relatório da Repartição dos
I Negócios Estrangeiros, 1852, XV.
As lutas, no Uruguai entre Frutuoso Rivera, primeiro
156 157
adversários, até que livre destes, vivas todas as questões 1844(184)> e os Pr°blemas decorrentes do bloqueio(1H5).
que nos tinha suscitado e que evitava resolver, fortaleci- Todas estas questões foram discutidas na nota de 17
do e engrandecido pelo triunfo e com o desaparecimen- de agosto de 1845, que terminava com a solicitação dos
to de seus adversários externos, porque dos internos fa- passaportes086'. Retirados esses assina Th. Guido o Tra-
cilmente se desembaraçava, nos viesse tomar contas e tado de Aliança ofensiva e defensiva de 24 de março de
precipitar-nos, desprevenidos e desconceituados, em uma 1843 e o Protocolo de 27 do mesmo mês, relativo ao
então ruinosíssima guerra com um adversário mais que restabelecimento da paz no Uruguai e no Rio Grande do
nunca exaltado e poderoso"(180). Sul, não ratificado pelo ditador Rosas. As exigências de
Sabia Paulino José Soares de Sousa que Lucas J. Obes, Rosas continuavam cada vez mais insistentes e insultuosas
(187)
Ministro das Relações Exteriores do Uruguai, havia con- especialmente depois que foi levantado o bloqueio,
cebido o plano de formar uma vasta liga hispano-ameri- a 15 de julho de 1847, pela Inglaterra, havendo esperan-
cana para reclamar do Império os limites de 1777, e que, ças de que a França em breve procederia de igual modo.
desde 1834, D. Francisco J. Munoz fora enviado ao go- No Uruguai, o cerco de Montevidéu permanecia desde
verno boliviano para dar começo a um plano de 1843.
integração da Liga, levando também uma nota para o O Brasil mantinha-se neutro na luta, apesar das inso-
governo do Peru(181). Oribe apoiava-se cada vez mais em lências e dos prejuízos causados por Oribe, que manda-
Rosas e Rivera ligava-se aos unitários argentinos e aos va pear o gado, assaltar estâncias e impedir a passagem
brasileiros. de gado para o Rio Grande do Sul. As represálias foram
A 31 de dezembro de 1838, Rivera assinava um trata- organizadas por Francisco Pedro de Abreu, Barão de Jacuí,
do de aliança com Comentes, que era o centro da luta que invadiu o Uruguai à frente de tropas irregulares08®.
contra Rosas, e, a 10 de março de 1839, declarava guerra Rosas exigiu punição exemplar para o Barão de Jacuí e,
a Rosas, o qual ajudava Oribe a invadir o território orien- em 30 de setembro de 1850, o Ministro argentino solici-
. tal com tropas argentinas e a assediar Montevidéu. Em tava os passaportes.
princípios de 1843, Rosas declarava o bloqueio de Mon- :• Com o fim da intervenção francesa (1850), Rosas fez
tevidéu, com o devido protesto brasileiro exarado em da legação argentina a intérprete do General Oribe, o
setembro do mesmo ano. Agravaram-se as diferenças
progressivamente082-1 especialmente com o Reconheci-
mento do Paraguai, em 1843(183), a Missão Abrantes em
,„„ v- Relatório de Paulino José Soares de Sousa, 1850, p. 16 e Relatório de 1846, nota 16.
'"OM, V' Mem °randum de Abrantes in Relatório de 1847, p. 13.
atii , Re'atórío ''a Repartição dos Negócios Estrangeiros, 1846, nota 49, p. 108-117.
""'Relatório citado,
aulinojosé Soares de Sousa in Relatório de 1852 enumera e eonta todos os casos e compli-
«só pivei Devoto, ob. cit., p. 495/496.
':182) V. Relatório de Paulino José Soares de Sousa. Os relatórios de 43 e 44 nada dizem a respeito. rwi ^ôes promovidos e alimentados pela ambição de Rosas.
V
<IM
> A resposta ao protesto argentino in Relatório de 1846, p. 26-30 e a nota de protesto argentino, - Relatório de 1850, p. VT e notas 24, 32, 39, csp. doe. 3 de outubro de 1849, onde se fala da
'nvasão cm junho e julho daquele ano e a de dexembro de 1849 in nota 41.
n. 37, p. 94 e doe. 1847.

158 159
que a nossa chancelaria se recusava a admitir. Oribe, pOr -10 Uruguai, figurando como credor o Visconde de
sua vez, negava-se a atender às nossas reclamações089) M uá e, a 25 de dezembro de 1850, um tratado de alian-
Assim, por volta de outubro de 1850, rompia o Brasil as defensiva era assinado em Assunción, concorrendo
relações com Rosas e Oribe. Não obstante, a interven- mbos para a reação contra os desmandos de Rosas e
ção brasileira no Uruguai vinha sendo requerida(190;i des- Oribe. Decidiu-se, então, sustentar a praça de Montevi-
de o começo das lutas entre Rivera e Oribe (1839). Cou- déu e expeli-los do Uruguai092'.
be a André Lamas, representando Montevidéu desde 9 Os apelos de André Lamas iam sendo atendidos093-1 e,
de novembro de 1847, procurar levar o Brasil a solucio- á 28 de abril de 1851, eram expedidas ordens ao Presi-
nar o conflito uruguaio, a negociar um empréstimo e a dente da Província do Rio Grande do Sul para reunir, na
promover uma aliança. fronteira, toda a força da primeira linha. Tentava-se tam-
A 13 de setembro de 1850 era assinada, por Rosas e bém atrair para a causa anti-rosista e oribista as simpati-
Oribe com o Almirante Lê Predour, uma convenção, es- as •- já reveladas - do General D. Justo José de Urquiza,
tabelecendo que se procedessem novas eleições para a governador de Entre Rios05*0. A 29 de maio de 1851 assi-
presidência do Estado. Oribe, que ocupava quase todo o nava-se em Montevidéu o convénio entre o Brasil, o
território oriental, viria a dominar as eleições, com o apoio Uruguai e as Províncias de Entre Rios e Comentes para
de Rosas. uma aliança ofensiva e defensiva, a fim de manter a in-
O acordo entre esses dois generais, nossos inimigos, dependência da República do Umguai e de pacificar o
ambos desembaraçados de suas dificuldades e dispondo respectivo território(195). A aliança não era, ainda, contra
de forças aguerridas, reunidas em Monte Caseros, signi- Rosas, mas contra Oribe, a quem o Império não reco-
ficava uma ameaça pesando contra o Brasil, que foi pon- nhecera como presidente e que vinha cometendo contí-
derada gravemente pelo grande ministro Paulino José nuas extorsões e violências contra os brasileiros.
Soares de Sousa. A esta altura o Brasil não possuía uma Dirigidas por Caxias e pelo Almirante Grenfell, as for-
só aliança, e o próprio Paraguai, cuja independência ças brasileiras uniram-se às tropas aliadas. A resposta
reconhecêramos em 1843, negociava acordos com Rosas argentina à proposta de mediação - feita pela Grã-
(191)
. As medidas foram sendo tomadas em face de um Bretanha - entre o seu governo e o brasileiro equivalia a
possível conflito, reforçando o Exército e a Armada, pro- Uma declaração de guerra (18 de setembro de 1851),
curando evitar que Montevidéu caísse em poder de Oribe confirmada, aliás, pela lei de 20 de setembro de 1850(196)
e promovendo alianças. A 6 cie setembro de 1850, assi-
nava-se um contrato de empréstimo de 18 mil pesos for- g* Declaração de 16/3/1851. V. Cardoso de Oliveira, I, 161.
P V. Relatório de Paulino, ob. cit., XXI.
' O Tratado quadrilatcral de 4/1/1831 das províncias litorais delegava ao governador de Buenos
Aires a gerência dos negócios externos. V. Discurso de Paulino de 4/6/1852 e Hclatório de
"w'As discussões de Paulino com Guido estão magnificamente tratadas no cap. X de José António i 1852, XXII. A 1/5/1851 Urquiza reassumia o exercício do poder externo, aderindo a Província
Soares de Sousa, A vida do Visconde do Uruguai, Brasiliana, 1944, p. 242 e segts. '• de Corrientes.
HM) ACejta a tese o próprio historiador oribista Pivcl Devoto, ob. clt., p. 515. MK' Tratado in Pereira Pinto, 3, 178, e Relatório de 1852, Anexo F, n. 2.
w
" V. líelatório de Paulino José Soares de Sousa, ob. cit., XIX. 'V. Relatório de 1852, ob. cit., XXIV-XXV.

160 161
Em face desta declaração era preciso assegurar os meios
de tornar efetivo o art. 15 do Convénio de 29 de maio de
1851, o que se fez pelo Convénio de 21 de novembro de
1851097). Oribe capitulou em 12 de outubro de 1851(198),
e suas tropas passaram a servir às forças da República,
submetendo-se as argentinas ao General Urquiza.
A 23 de outubro de 1851, partia, em Missão Especial,
Honório Hermeto Carneiro Leão, tendo como secretário
José Maria da Silva Paranhos, para resolver os proble-
mas decorrentes da guerra°99). A batalha de Monte
Caseros, de 3 de fevereiro de 1852, derrubou o poder 8. Reconhecimento da Independência
rosista, derrubou seus sonhos, sua ambição e a de seus do Paraguai (1844)
testas-de-ferro, como Oribe.

8.1. A Missão Pimenta Bueno

•v A 16 de outubro de 1843, José António Pimenta Bueno


era nomeado Encarregado de Negócios e Cônsul do
Império na República do Paraguai, ali chegando a 18 de
agosto de 1844. O ato formal deu-se a 14 de setem-
bro(200). o protesto argentino contra o reconhecimento
"do desmembramento de uma parte importante do terri-
tório argentino" é de 20 de fevereiro de 1845. O contra-
protesto brasileiro, redigido por António Paulino Limpo
de Abreu, data de 29 de julho de 1845(201).
Promoveu Pimenta Bueno a assinatura do Tratado de
<imv pereira Pinto, 3, 371, e Anexo F do Relatório de 1852.
'™V. Relatório de 1852, Anexo D, n. 14. v
'•""V. José Maria da Silva Paranhos, Cartas ao Amigo Ausente, ed. Instituto Uio Branco, v,
121)11
- Pereira Pinto, vol. III, 132 e segts.
K •! -
por José Honório Rodrigues, 1953. «-latorio da Repartição dos Negócios Estrangeiros,

162 163

Você também pode gostar