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LYNCH DIPLOMACIA – ORIENTAÇÃO DE ESTUDOS PARA O CACD

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BIBLIOGRAFIA – HISTÓRIA da POLÍTICA EXTERIOR do BRASIL

HPEB4
Conteúdo Programático (Guia de Estudos 2010) __________________________

4. A Política Externa do II Reinado: Política externa: as relações com a Europa


e Estados Unidos; questões com a Inglaterra; a Guerra do Paraguai.

Bibliografia Básica _____________________________________


→ CERVO, Amado & BUENO, Clodoaldo. História da Política Exterior do Brasil. Brasília: Editora
da UnB, 2008*.
- p. 65-148.

→ DORATIOTO, Francisco. Maldita Guerra: nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo:
Companhia das Letras, 2002*.
- capítulo 1.

RODRIGUES, José Honório. Uma história diplomática do Brasil: 1531-1945. Rio de


Janeiro, civilização Brasileira, 1995.
- p. 145-206.

Os textos marcados com asterisco (*) serão a base para o fichamento temático.
Os textos marcados com a seta (→) são imprescindíveis para a leitura da bibliografia básica

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A m a d o Luiz Cervo e C l o d o a l d o Bueno

texto de não haver'sido denunciado em tempo hábil. As pressões


para obter sua renovação foram enormes, mas o. Estado brasileiro
armazenara energias suficientes, com que pôde resistir.
O discurso político não se restringia à revolta contra os tratados
e à proposição de novas diretrizes para quando expirassem. Deba-
tendo o orçamento, a resposta à Fala do Trono, o Relatório, os proje-
Economia, população e
tos relativos a matérias as mais diversas, como o comércio nacional, política externa
a cabotagem, os direitos de ancoragem, a exploração das minas, a
participação de estrangeiros no júri popular, a colonização, o tráfico e
a escravidão, a contratação de tropas estrangeiras e a navegação do
Amazonas, o Parlamento constatava o alto grau de comprometimen-
to da soberania em razão da dependência e da ingerência externas. A ruptura dos anos 1840 e a nova política externa
Um dos maiores inconvenientes fora a impossibilidade de definir uma
política de comércio exterior que preservasse a autonomia do Tesou- Quando se extinguiu, em 1844, o sistema dos tratados, houve
ro e pudesse influir sobre o sistema produtivo interno. Somente no condições para elaborar-se novo projeto de política externa, reclama
início dos anos 1840, ocupou-se o meio político com a questão da do pela experiência e pela crítica. Inaugurou-se então um p u i o d o ,
indústria nacional, visto que todo debate anterior teria sido inócuo. que se estenderia de 1844 a 1876 e seria caracterizado pela r u p l u i a
Também não se empenhou o meio político de então em enfrentar a com relação à fase anterior e pelo robustecimento da vontade uario
questão das fronteiras, apesar dos incidentes no Sul e da invasão do nal. O novo projeto, autoformulado, envolveu uma redellniçflo din
território brasileiro ao norte, por ingleses e franceses. A própria neu- metas externas, a partir de novas percepções do interesse.- n;u i n n . i l ,
tralidade nas questões platinas acabava sendo interpretada por al- resultando numa política externa enérgica em seus meios <.• indi-pm
guns como prova de impotência. dente em seus fins.
Em suma, o discurso político reivindicava a ruptura com o siste- Essa nova política externa brasileira orientou-se por qiialru)',! m i
ma de relações exteriores implantado à época da Independência e o dês parâmetros e uma estratégia. Em primeiro lugar, veio a dr< i - . , \ < >
reordenamento da política externa em função de diretrizes radical- de controlar a política comercial, por meio da autonomia a l l a n d i |á
mente distintas. O pensamento político que veiculava tornou-se uma ria. Não se soube, entretanto, manipulá-la com uniformidade, cm VH
força profunda da História brasileira, que preparava o terreno para tude de pressões internas e externas, que lançaram dúvida:; :;t>l>u- n
as mudanças. Tinha-se por certo que somente após 1843, havendo- processo decisório: convinha promover a indústria c prolei^i o l i n h t i
se destruído o sistema de tratados desiguais, a política exterior estaria lho nacional ou assegurar o liberalismo das trocas internacionais? l m
em condições de tornar viável um projeto nacional.7 segundo lugar, veio a decisão de equacionar o fortalcciinenUule m.ii •
de-obra externa, pela extinção do tráfico de escravos e e s l h m i l i r . i\
imigração. Eram disposições que vinham desde a época da I n d c p r n
dência e só tiveram encaminhamento com o agravamento d.r, h n
soes entre oBrasil e a Inglaterra. A terceira decisão importnnti l » i .1
de sustentar as posses territoriais, por meio de uma poli l ira de l i >
que regulamentasse em definitivo as fronteiras nacionais NCV..I > l i
7
Relatório, Anais da Câmara e do Senado e Atas do Conselho de Estado; Cervo retriz inscreve-se também a defesa da Ama/ônia, nija p i r ' ; i - i \ .L. In
(1981); José Honório Rodrigues (1972); Crippa (1979).
História da política exterior do B r a s i l 67
A m a d o Luiz Cervo e C l o d o a l d o B u e n o

era ameaçada pela escalada do expansionismo norte-americano. O quadro institucional completava-se no quadro de pessoal, que
Optou-se, enf m, por uma presença decisiva nos destinos do subsistema com ele quase se identificava. Transitavam os homens de Estado não
platino de relações internacionais, tendo em vista interesses econó- só pelas funções como, ainda, pela geografia do poder, ocupando os
micos, políticos e de segurança. . '-,. cargos da administração regional e dos órgãos centrais: presidente de
A política brasileira comportava, por um lado, a vontade de resis- província, deputado, senador, ministro, conselheiro, diplomata. Nes-
tência a todas as formas de ingerência externa; por outro, o choque sas funções perpetuavam-se os homens. Os analistas do Estado bra-
inevitável de múltiplos interesses. Para conduzi-la, definiu-se como sileiro de então avançam teses ousadas para a historiografia: não era
estratégia de ação o uso intenso, inteligente e adequado da diploma- o Estado um produto da nação - mas, ao contrário, pairava sobre ela,
cia, a fim de maximizar os ganhos externos, condicionando-se o uso sobrevoando-a nas alturas, constituindo-se seu árbitro, seu intérprete,
da força a um recurso de última instância, esgotada a ação diplomá- seu senhor. Atendia a seus interesses ou não; estabelecia-os autori-
tica, e somente em áreas onde seu emprego oferecesse garantias de tariamente, por vezes. Considerava-se sem dúvida porta-voz de suas
sucesso. Podia, dessa forma, ser utilizada nas relações com o conti- aspirações, mas julgava-se no direito de induzi-las. Movia-se o Esta-
nente sul-americano, e era proibida nas relações com a Europa e os do com autonomia, numa sociedade atrasada, sem pressão de classe,
Estados Unidos. A realização de objetivos concretos, desses lados, e como na fase pré-capitalista da história. O importante para a política
a reparação contra eventuais ofensas à soberania ficavam por conta externa é a constatação de sua coesão, sua força^ sua vontade.
da habilidade diplomática, da autonomia preventiva do processo Tinha o Estado condições de engajar, como o fez, sua estrutura
decisório e do protesto. completa na elaboração e na implementação da política externa. Esse
A continuidade e a coerência da política externa eram favorecidas processo subia do Conselho de Estado - incumbido estatutariamente
internamente pela natureza do quadro institucional e pelos homens de se pronunciar — à pessoa do monarca e descia ao Parlamento,
que exerciam as funções públicas. O Estado brasileiro de então cria- onde era acompanhado de perto pela Câmara e pelo Senado, para
ra condições quase ideais para definição e sustentação de diretrizes chegar ao Gabinete, que o executava. Tudo pensado, refletido, calcu-
externas: a) instituições estáveis, de funcionamento equilibrado; lado, porque constituíam as elites políticas uma ilha de letrados err
b) conservadorismo político; c) conciliação dos partidos; d) processo meio a uma sociedade de analfabetos. A estabilidade e a centraliza-
de elaboração e execução da política externa, envolvendo o conjunto ção políticas eram revigoradas pela conciliação e pela ténue diver-
das instituições. gência ideológica dos partidos. Eram-no ainda mais pela quase-una
O Conselho de Estado e o Senado, órgãos vitalícios, eram os nimidade partidária diante das questões externas. A política extern;
aliados do trono, incumbidos de manter a ordem e controlar as foi o mais poderoso instrumento da conciliação, estendendo-a no tempc
investidas da opinião popular, que se podiam manifestar por meio dos e concretizando-a nos planos. O Ministério dos Negócios Estrangei
partidos e da Câmara dos Deputados e eventualmente desembocar ros foi adaptado às estruturas desse Estado racional, por meio di
no Gabinete. O conservadorismo político, dotado de senso realista, sucessivas reformas (l 847, 1851, 1852, 1859) que o dotaram de nor
com seus planos de reformas lentas, era um freio a mudanças, desde mas adequadas e quadros habilitados.'
a centralização e o fortalecimento do poder, no início dos anos 1840. A política externa era, pois, uma responsabilidade coletiva qu
Beneficiou-se tanto pela conciliação dos partidos que prevaleceu na abrangia o conjunto das instituições e perpassava os partidos, oc ór
década de 1850 e na primeira metade da de 1860, quanto pela inter-
1
venção do Poder Moderador, o poder pessoal, usado para reconduzir Faoro (1958); Carvalho (1981); Mercadante (1965); Torres (1964 e 1968); Iglesií
os órgãos ao desempenho conservador, quando necessário. Gm ou- (1977, t. 3, v. 2); Paulo Pereira Castro (1977, t. 2, v. 2); João Cruz Costa (1977,
tros momentos, a alternância dos partidos no poder não o prejudicou. 3, v. 2); José Honório Rodrigues (1965 e 1978); Beatriz Leite (1978); Wilsc
Martins (l977); Flávio M. de O. Castro (1983); Cervo (1981).
68 Amado L u i z Cervo e C l o d o a l d o B u e n o História da política exterior do B r a s i l 69

gãos e o Ministério dós Negócios Estrangeiros. Era feita pelos ho- O papel das instituições e dos homens não permitia a dom Pedro
mens que a moldavam a suas ideias, temperamentos, percepções do II conduzir com autonomia pessoal a política externa. Esta, como ele
interesse nacional e métodos de ação. próprio, era parte do Estado e produto do tempo. Embora manifestas-
Dois grupos se complementavam em termos de concepções de se privilegiado interesse pela política internacional, como convinha a
política externa. O primeiro reunia os moderados, avessos à política um monarca, dom Pedro era moderado, pacifista e ilustrado, e não
de força, contra a intervenção e a resistência pela força, propensos à criou obstáculo ao funcionamento integrado dos órgãos que se envol-
negociação e ao superdimensionamento da ação diplomática. Entre viam com a área.2
seus mais eminentes representantes estavam António Paulino Limpo A política externa não foi moldada, no período, para servir exclu-
de Abreu (visconde de Abaete), Pedro de Araújo Lima (marquês de sivamente aos interesses da oligarquia fundiária, porque atendia a
Olinda) e João Lins Vieira Cansanção de Sinimbu (visconde de percepções mais complexas do interesse nacional. Houve uma pro-
Sinimbu). O outro grupo, menos idealista e mais realista, ao estilo dos posta inicial audaciosa de industrialização que perdeu força com o
liberais conservadores não-utópicos, reunia homens ousados, que tempo. A diplomacia sustentou o processo de modernização desen-
colocavam as decisões acima do destino, e por vezes das negocia- cadeado nos anos 1850 e estimulou a produção voltada ao mercado
ções, e agiam com força de vontade. Os mestres dessa escola eram interno. Eram os conservadores mais propensos à prpteção do traba-
Paulino José Soares de Sousa (visconde do Uruguai), Honório lho e da atividade interna do que os liberais. Estes acreditavam na
Hermeto Carneiro Leão (marquês do Paraná), João Maurício indução inevitável do progresso pelo jogo dos mecanismos liberais,
enquanto aqueles atribuíam às políticas públicas a função indutora.
Wanderley (barão de Cotegipe) e José António Saraiva. Os dois gru-
O dilema levou a hesitações e dúvidas, prevalecendo enfim o libera-
pos dialogavam, pouco divergiam e muito se articulavam.
lismo radical nas relações económicas externas. Após a irrupção do
Embora oriundo do segundo grupo, José Maria da Silva Paranhos
pensamento industrialista nos anos 1840, os liberais obstruíram o uso
(visconde do Rio Branco) realizou como diplomata e político a síntese
da política externa como instrumento do desenvolvimento nacional,
das duas tendências. Sua proposta de política externa baseava-se
pela segunda vez. Manteve-se, desse modo, o enquadramento de-
numa avaliação global da realidade internacional e se apresentava
pendente no sistema capitalista.
como "eminentemente brasileira". Perseguia com coerência e perse-
Se as condições internas eram nessa fase favoráveis à
verança objetivos permanentes, identificados ao interesse nacional
implementação de uma política externa independente, o contexto in-
de forma concreta e objetiva: livre navegação, limites, comércio,
ternacional requeria certa habilidade, porque algumas das metas
moralização do Prata, soberania, que significava coesão interna, su-
estabelecidas se chocavam com desígnios poderosos das nações do-
peração das querelas internas na ação externa, formulação autóno-
minantes. A época era de expansão da Revolução Industrial pelo
ma da política externa, estratégia maleável e inteligente de ação, aber- continente europeu e Estados Unidos, de construção de estradas de
tura ao debate público para obter o consenso e a força, análise em ferro e aparecimento da navegação moderna. A concorrência inter-
círculo fechado para acertar a decisão, soluções alternativas de cál- nacional produzia conflitos comerciais e alfandegários, a busca de
culo para a política externa, como resultado. mercados, o colonialismo e o imperialismo. Nessas condições, não
Para execução da política externa contava o governo com sua era fácil ao Brasil manter a autonomia alfandegária e recorrer ao
rede diplomática permanente e com suas missões especiais. O serviço protecionismo em favor da indústria nacional. Não era fácil, por outro
diplomático estava moldado à realidade interna e a ela servia com fide-
lidade. Especial destaque teve a atuação de Duarte da Ponte Ribeiro
2
(barão da Ponte Ribeiro) na América Latina e de Francisco Inácio de Boaventura (1986); Calmon (1975); Souza (1944 e 1952); Magalhães (i 939); Rena-
Carvalho Moreira (barão de Penedo) em Washington e Londres. to de Mendonça (l 942); Cascudo (1938); Craveiro Costa ( l 937); Viana Filho(l973);
Vasconcelos (1930); Pinho (1937).
,-uii.i.l.) L u i z Cervo e Clodoaldo B u e n o tiistória da política exterior do Brasil 71

Indo. ivsi.slicns provocações imperialistas e eliminar a influência nas to", umapoderosa fórmula expansionista. Desde 1848, depois de ane-
decisões internas, quando as conquistas se obtinham, em geral, pelas xados o Texas, a Califórnia, o Novo México, Utah, Nevada e Arizona,
demonstrações de força. a expensas do México, os Estados Unidos dirigiram-se para o Orien-
Ouatro fatos eram relevantes como variáveis do quadro interna- te e para a América Central e Caribe. No Panamá, entraram em
cional: o liberalismo económico, a penetração ocidental na Ásia, o conflito com a Inglaterra, que não aceitava a construção do canal sob
cxpansionismo norte-americano e, enfim, as distintas visões responsabilidade exclusiva e um novo Texas na América Central.
C.eopolíticas do Brasil e da Argentina de Rosas. Ambos então recuaram. Em Cuba, a Espanha freou o ímpeto
A Inglaterra adotou, enfim, na década de 1840, o liberalismo como expansionista, que se deslocou para a Amazónia, cuja salvação este-
plataforma de política externa. Até então limitara-se a impô-lo unila- ve a cargo exclusivamente do governo brasileiro.
teralmente às nações que se deixassem comandar. Isso ocorreu com Na América Latina, o obstáculo externo, na avaliação dos esta-
a América Latina, à época da Independência brasileira, e com o Im- distas brasileiros, era o expansionismo resista. Chegou-se à conclu-
pério Otomano, desde 1838. Para manter os privilégios económicos são de que convinha erradicá-lo, explorando habilmente as dissen-
nesse Império, foi preciso associar-se à França e derrotar a Rússia sões políticas locais, para estabelecerem-se condições propícias à
na guerra da Criméia. realização das metas no continente. Os Estados Unidos marchavam
A China, a Indochina e o Japão representavam, nos meados do com os europeus no Oriente e evitavam conflitos no Continente
século, a nova miragem de eldorado comercial, na visão capitalista. Americano, para não prejudicar seu próprio movimento expansionista.
Passaram a substituir, dessa forma, o papel desempenhado pela Os riscos que se poderiam vislumbrar para a política externa brasilei-
América Latina no início do século, relaxando-se aqui as modalida- ra consistiam na coalizão possível de todas as nações avançadas para
des de pressão imperialista (retirada francesa e inglesa do Prata em atingir seus objetivos na área.3
1849), que foram desviadas para o Oriente. A penetração ocidental
na Ásia levou-se a termo com métodos mais drásticos de violência,
com a ação coordenada das potências capitalistas europeias, às quais As relações económicas com o exterior: as dúvidas da opção
se associaram decisivamente os Estados Unidos. A dominação com-
pleta sobre a China estabeleceu-se entre 1842 e 1860; sobre o Japão, As expectativas do meio político brasileiro, por volta de 1844,
cnlrc 1854 c 1864; c sobre a Indochina, nas décadas de 1850 e 1860.
ante um novo modelo de política económica com o exterior, eram
A sociedade internacional europeia era o instrumento da dominação.
grandes. Até então, como afirmava Paulino José Soares de Sousa,
()s europeus c norte-americanos obtiveram vantagens económicas,
"presos por tratados, não nos podíamos mover".
comerciais ( t a r i f a s de 5% ad valorem), jurídicas, operacionais, etc.
ainda maiores do que Aquelas que lhes cedera a América Latina. O projeto de 1844, amadurecido sobretudo no Senado e no Con-
A resistência, corajosa na ('hina, calculada no Japão, foi insuficiente selho de Estado, abrangia propostas fundamentais: a) preservar a
para desarmar os golpes que o imperialismo assestava, por vezes autonomia alfandegária a fim de se poder controlar a política comer-
com evidente covardia. cial e as rendas públicas; b) resistir às pressões externas que viessem
O expansionismo territorial norte-amcricano teve seu maior im- ferir a autonomia da política económica mediante acordos bilaterais;
pulso entre 1838 e 1848, quando a l Jniíío estendeu suas fronteiras ao c) estabelecer os princípios da reciprocidade real nas relações eco-
golfo do México c ao Pacífico. ()bcdccia esse poderoso movimento a nómicas com o exterior; d) lançar as bases da indústria nacional por
interesses económicos, pressões demográficas, preocupações de po- meio do protecionismo.
lítica interna (os sulistas queriam mais estados escravocratas) c cor-
rentes de psicologia coletiva consubstanciadas no "destino manifes-
Renouvin(1965, v. 5).
72 Amado Luiz Cervo e Clodoaldo Bueno História da política exterior do Brasil 73

As origens do projeto de 1844 devem ser procuradas em três vontade, pretendiam "ensaiar", como diziam, uma nova políti-
dimensões: ca alfandegária, industrial, empresarial, nacional e autónoma.
3. O pensamento industr ialista. Corresponde à dimensão mais
1. A tradição antitratados. Consistia na estratégia delineada ousada do "ensaio", tendo em vista as limitações da econo-
desde 1827 com a finalidade original de eliminar as restrições mia agrícola e o modelo de enquadramento nas relações in-
aos produtos brasileiros no exterior e abrir o mercado interno ternacionais do capitalismo industrial. O pensamento
e externo. Cresceu com a disposição de destruir os privilégios industrialista flui nos debates parlamentares e no Conselho de
económicos britânicos e gerais, que resultaram na ausência Estado, quando se examina a lei do orçamento, as propostas
de proteção à indústria nacional, na entrada quase livre dos de tratados, as pautas da alfândega e outras matérias perti-
manufaturados britânicos, na exclusão do açúcar e do café nentes. Seus principais defensores provinham do Partido Con-
do mercado inglês, no prejuízo à navegação nacional de longo servador, embora alguns liberais de expressão a eles se asso-
curso e no perigo em que ficou a de cabotagem. A defesa do ciassem. Bernardo Pereira de Vasconcelos reivindicava a
interesse nacional provocou o fracasso das negociações com entrada do Brasil na era da "revolução industrial", termo lan-
a Inglaterra para renovação de seu tratado, em três fases de çado então, por meio de uma política protecionista radical,
negociação, entre 1842 e 1845: Henry Ellis no Rio de Janeiro, ampla e sustentada. Acompanhavam-no Vergueiro, Alves
José de Araújo Ribeiro em Londres e Hamilton novamente Branco, Carneiro Leão, Montezuma, Abrantes e as maiorias
no Rio. O governo brasileiro propunha a cláusula de "nação na Câmara, no Conselho de Estado e no Senado, entre 1843 e
mais favorecida" para os manufaturados ingleses, em troca 1847. Os antiprotecionistas liberais eram conduzidos por Paula
da entrada do açúcar e do café no mercado britânico, nas Sousa e Holanda Cavalcanti, que defendiam a economia agrí-
condições em que eram admitidos os mesmos produtos oriun- cola e seus interesses exclusivos. O debate era do mais alto
dos das colónias, e depois exigia ainda o tratado de limites e nível e, enquanto triunfou o pensamento protecionista, produ-
indenização para as capturas irregulares do cruzeiro. Aberdeen, ziu efeitos concretos sobre a política económica externa.
que inicialmente concordava em aceitar um tratado modera-
do, não só rejeitou as reivindicações brasileiras, que conside- O projeto de 1844 não teve origem na demanda do meio
rava de interesse unilateral, como ainda fez passar seu bill de socioeconômico, porque não havia o que proteger em termos de in-
repressão ao tráfico de escravos, em 8 de agosto de 1845, dústria. Foi uma proposta do Estado, que assim se colocava à frente
tornando absolutamente inviável, a partir de então, qualquer da nação, atrelada ainda a estruturas arcaicas. Sua elaboração signi-
acordo comercial. A fidelidade aos princípios do projeto de ficava a autonomia do Estado, tanto em relação aos interesses inter-
1844 levou o Conselho de Estado a rejeitar, em 1845, os ter- nos da classe fundiária quanto aos interesses externos do capitalismo
mos do tratado com o Zollverein, arduamente negociado por industrial.
Abrantes na Prússia. Também explica a resistência do go- Para se medir a abrangência do projeto, convém coiifronliir ;is
verno às reiteradas e fortes pressões dos Estados Unidos para propostas iniciais com as medidas de governo e com a evoluçflo ilns
obter novo tratado. políticas pertinentes nas décadas seguintes.
2. O ensaio da autonomia. Os homens públicos de então ape- A capacidade revolucionária foi um ímpeto inicial, que se |>mli*n
gavam-se visceralmente ao exercício da liberdade política. no caráter ensaísta, intencional e dispersivo. A proteçílo ao l i i i b n l h n
Não a haviam praticado até então no1 campo das relações nacional, indispensável para promover o desenvolvi: iicnlon|ii i l ihnuln
económicas externas. Sem experiência, mas com força de dos setores de produção e aumentar a riqueza inlcnui, como n n <!<••;< •[. <
Amado Luiz Cervo e Clodoaldo Bueno História da política exterior do Brasil 75

explícito na ópoca, não foi completa nem adequada. Desvinculou-se sociedade. Despidos de seus privilégios, os ingleses responderam aos
cio caminho do mercado para subsidiar as unidades de produção - a estímulos conjunturais pela livre concorrência, tornando-se agentes
fábrica, a companhia, a empresa. Introduziu-se, pois, o privilégio, que da modernização. Esta teve, entretanto, sua força propulsora na ex-
dcscstimulava a diversificação e a expansão dos empreendimentos. pansão da produção e do comércio do café, após o declínio da econo-
Kslabelecia-se o paternalismo estatal, para suprir a carência de espí- mia açucareira nacional. O setor cafeeiro foi responsável pelo inves-
rito empresarial na sociedade. timento nas estradas de ferro (223 km em 1860, 745 em 1870, 3.398
O projeto, em contrapartida, não se limitou a medidas fiscais des- em 1880,9.937 em 1890), pelo estímulo à imigração livre, pela forma-
tinadas a aumentar a arrecadação pública pelos direitos alfandegários. ção de novos centros urbanos e consequente diversificação social e
Desencadeou, de forma irreversível, o debate em favor da indústria, pelo aparecimento de empresas e bancos, vinculados originalmente à
produziu o conceito de "similar" nacional, acoplou o desenvolvimento economia de exportação. As manufaturas irão desenvolver-se quase
ao abandono do sistema agrário como agente exclusivo e ao cresci- espontaneamente nos centros urbanos, em ritmo lento e contínuo, até
mento industrial. 1889. Para seu desenvolvimento os ingleses contribuíam como pro-
A ideia de se construir uma potência económica, lançada pelos pulsores da modernização e obstaram como dominadores por inteiro
homens da década de 1840, definhou com o tempo, evoluindo para do complexo exportação-transporte-importação-crédito-seguro, que
um projeto de ambições bem mais limitadas. O declínio deve ser ana- lhes permitia embolsar os lucros totais do comércio. Os produtores
lisado à luz de duas categorias de fatores, que agiam sobre as deci- agrícolas, que teriam teoricamente na economia urbana uma alterna-
sões de Estado, no que diz respeito à função da variável externa: a) a tiva de investimento, não acumularam excedentes de capital. Rara-
vontade de inovar cedeu diante da percepção segundo a qual a situa-
mente investiam os ingleses nas manufaturas, exceção feita aos moi-
ção interna era suficientemente confortável e aconselhava não arris-
nhos e aos engenhos de açúcar, experimentando tão expressivo
car mudanças profundas; b) a alienação das elites políticas em ideo-
sucesso no primeiro caso, quanto fracasso no segundo. A moderniza-
logias desviantes.
ção, feita sob a égide da livre concorrência, colocava diante do pode-
Em primeiro lugar, a situação interna induzia à prudência em
rio inglês um setor nacional relativamente dinâmico em todas as áreas,
matéria de inovação. As instituições liberais funcionavam bem, so-
exceto no complexo acima referido, e concorrentes externos de
bretudo a partir da conciliação. Havia-se neutralizado o quadro ad-
menor peso, como os norte-americanos, os franceses e os alemães,
verso que prevalecera no Prata durante a fase anterior. Resistia-se
atraídos pelas chances que se apresentavam.
com êxito às pressões britânicas tanto do lado do comércio favoreci-
A modernização brasileira foi lenta e contínua, uma reforma so-
do, quanto da batalha contra o tráfico de escravos, enfim extinto por
cial, e não uma revolução, como se observou no Japão a partir de
decisão e medidas nacionais. Defendia-se a Amazónia dos perigos
1868. A vontade do Estado brasileiro de 1844 não se manteve, e a
externos.
A miragem do progresso tomava conta da sociedade, atingindo- sociedade não manifestou o dinamismo necessário, porque carecia
a de cima para baixo. O monarca criava ern sua corte as aparências de capital, de técnicos, de espírito empresarial e de vontade de ino-
da civilização, vinculando-se a intelectuais, literatos, cientistas, que se var. Dependeu o país do estrangeiro em quase tudo, tendo a econo-
propunham conjugar o progresso do século às liberdades teóricas. Os mia sido beneficiada pelos excedentes do comércio e pelo crédito.
meios políticos eram contagiados pelos mesmos valores, aos quais a A balança comercial foi deficitária desde a Independência até
sociedade parecia em parte corresponder, desde 1850, com o avanço 1860, acumulando os seguintes saldos negativos por década (em mi-
modernizado!. , Ihõesdelibras-ouro); 1821-1830:-3,4; 1831-1840: -5,0; 1841-1850: -
A modernização brasileira teve início nessa época, sob impulsos 6,3; 1851-1860: -13,2. O .quadro reverte-se então para apresentar
s c internos, c foi estimulada tanto pelo Estado quanto pela vultosos saldos positivos nas três últimas décadas do Império (em
76 Amado Luiz Cervo E Clodoaldo B u e n o História da política exterior do B r a s i l 77

milhões de libras-ouro): 1861-1870:17,5; 1871-1880:34,7; 1881-1890: Brasil iniciara seu intervencionismo no Prata, desagradando ao ga-
28,3. Coincidentemente, apartir de 1860, a política de comércio exte- binete britânico. Entre 1852 e 1889, tais empréstimos elevaram-se
rior irá desmantelar o projeto industrialista de 1844. a 40 milhões de esterlinos, sem contar o de conversão de emprésti-
Os excedentes comerciais cobriram neste último período os en- mos anteriores, contraído em 1889, no montante de 19.837 mil li-
cargos da dívida externa e geraram saldos em conta corrente. As bras. O dinheiro se destinava à cobertura de déficits, ao serviço da
exportações para os Estados Unidos, onde o café entrava isento de dívida, à modernização interna e à sustentação da política platina.
tributos, foram desde a década de 1830 responsáveis por elevados Para esta última, o governo alocava recursos próprios, em forma de
saldos no comércio bilateral. Do lado do Prata, o comércio do charque empréstimos ao Uruguai e à Confederação Argentina. Além dos
e a importação do gado em pé para abate no Rio Grande do Sul empréstimos públicos, o capital estrangeiro entrava no Brasil pela
foram garantidos por tratados impostos ao Uruguai na década de via do crédito privado, como é o caso do Banco Mauá, que sacava
1850. O valor das exportações brasileiras no século XIX elevou-se sobre a praça de Londres, e pela dos investimentos diretos em es-
em ritmo firme, década após década. Os dados do Instituto Brasileiro tradas de ferro, moinhos, engenhos e outros empreendimentos. Inú-
de Geografia e Estatística apontam para as seguintes médias anuais, meros bancos estrangeiros instalaram-se no país,^concorrendo com
em milhões de libras-ouro: 1821-1830:3,9; 1831-1840:4,9; 1841-1850: os estabelecimentos internos no recolhimento da poupança. De qual-
5,4; 1851-1860: 10,2; 1861-1870:14,9; 1871-1880: 19,9; 1881-1890: quer forma, a captação externa era satisfatória, na avaliação do
22,0. Em suma, um quadro favorável, no comércio exterior, para as governo brasileiro.
aspirações de uma sociedade conservadora e escravocrata. "O co- Embora o regime dispusesse de força suficiente para sustentar o
mércio é o primeiro elemento das relações internacionais, e para nós projeto revolucionário de 1844, preferiu acomodar-se a uma situação
quase a base exclusiva em que elas assentam atualmente", afirmava que lhe pareceu confortável sob todos os aspectos. A proposta de se
o Relatório de 1859, quando a chancelaria mantinha no exterior um remediar a sociedade do atraso e da dependência partiu do Estado, e
corpo consular com 220 agentes em serviço. também foi por seus homens sepultada no comodismo ilusório e na
O mesmo sucedia com o crédito externo. A modernização e a fuga para o romantismo das teorias económicas. Nesse sentido con-
situação económica e política reabilitaram a confiança dos credo- vém analisar o triunfo do liberalismo radical, que impediu se recorres-
res ingleses - e o Brasil passou a obter os capitais demandados se à política económica externa como instrumento do desenvolvimento
pela modernização, pelo serviço da dívida e mesmo para fazer sua nacional.
política de potência no Prata. A fim de garantir suas pretensões, O confronto entre as correntes do pensamento protecionista, que
mantinha o governo brasileiro desde 1855, em Londres, o barão de reivindicava decisões políticas em favor da indústria e das atividadcs
Penedo, Francisco Inácio de Carvalho Moreira, que contratou seis nacionais, e do pensamento liberal, que se lhes opunha, manteve-sc
dos doze empréstimos públicos realizados entre 1852 e 1889. Hábil vivo durante todo o Segundo Reinado. Aflorava nos debates públicos,
e eficiente, fiel aos interesses da monarquia, Carvalho Moreira triunfa- sob qualquer motivo, mas era exacerbado quando se tratava de refor-
va contra a prepotência palmerstoniana, obtendo, por trás do gover- mar a política alfandegária. Entre 1844 e 1889, não houve continuidade
no inglês, os empréstimos solicitados, graças a sua vinculação com da política alfandegária, mas oscilações bruscas que prejudicavam ;i
a City e à amizade dos Rothschild. Entre 1824 e 1843, o governo do expansão da indústria. Triunfaram os protecionistas com as tarifas de
Brasil contraiu em Londres empréstimos de 5 milhões de libras, 1844, responsável pelo primeiro surto industrial do Brasil independente,
sem contar aquele que resgatou a Independência. Passou então e de 1880. A tarifa de 1844 foi reformada, sucessivamente, a partir de
nove anos sem abastecer-se em Londres com' novos capitais, uma 1857, oscilando no tempo curto e obstruindo a longo prazo os efeitos
vez que as relações bilaterais estavam em clima de hipertensão e o protetores da política de comércio exterior. Em suma, a política de comer-
rn l u i / C r i v o c Clodoaldo Bueno História da politica exterior do Brasil 79

cio exlfrior nfío loi (Tio liberal que evitasse surtos de industrialização O revolucionário proj eto de 1844 produziu efeitos que ficaram muito
IH-III Ião pmkTJonisla que LI alavancasse de forma sustentada. aquém das aspirações e das metas estabelecidas por seus idealizadores,
Os proleeionistas argumentavam a favor de seu projeto, com segundo uma percepção correta do interesse nacional. Se não desen-
i r a l i M i i o r objctividadc, recorrendo à herança ideológica de 1844, ao cadeou o desenvolvimento interno, a ele subordinando com acerto e
exemplo das nações avançadas, mormente os Estados Unidos, à ne- constância as relações económicas com o mundo, não foi porque hou-
«.r:;;.idade das tarifas e outras medidas, sem as quais não haveria ve pressões externas incontroláveis, pressões internas irresistíveis ou
incremento da riqueza nacional e estaria a sociedade condenada a conluio de segmentos hegemónicos internos com segmentos
ai 11 ai raso perpétuo; demoliam as doutrinas liberais, com raciocinios, hegemónicos externos. Tal explicação não seria necessário refutar, se
com evidências históricas e com raiva, como fazia Torres Homem não fosse tão frequentemente repetida. O fracasso do projeto de 1844
cm l H62: "É preciso, pois, que nos reduzamos à vida modesta de deveu-se sobretudo ao abandono daquelas metas pelos homens de
povos pastores, de plantadores de café, de cana, de algodão, perpetu- Estado, que tinham perfeitas condições de atrelar-lhes a nação e o
aiulo-sc assim a infância da sociedade; e esse é o estado das nações estrangeiro, soberanamente, mas não quiseram fazê-lo. A chave da
que, contentes com a sua mediocridade, sem fé nos seus destinos, a explicação está na análise das determinações causais circunstanciais
nada mais aspiram". que desviaram o processo decisório das finalidades preestabelecidas, e
Os liberais não se deixavam comover nem convencer. Suas não em relações mecânicas de causalidade histórica, que invalidam a
teses acabaram por triunfar como expressão do pensamento políti- responsabilidade dos governos. Preferiam os homens de Estado sujei-
co e como forma de política económica, desde 1860. Fundamenta- tar-se a uma situação que lhes pareceu confortável sob todos os aspec-
ram-se na realidade, enquanto se colocavam ao lado dos interesses tos, sacrificando ao liberalismo certas formas do interesse nacional,
agrícolas, economicamente hegemónicos. Eram antinacionais, na que haviam identificado por sobre as demandas imediatas da socie-
medida em que respaldavam em nível de Estado as pressões de dade e para além das necessidades do dia-a-dia.4
comerciantes e diplomatas estrangeiros, obviamente contrários ao
projeto nacionalista. Eram alienados, quando importavam para o
Brasil as doutrinas económicas engendradas nas matrizes do capi- O fornecimento externo de mão-de-obra
talismo industrial e exigiam sua observância. Estavam equivocados,
ao confundir o protecionismo com o absolutismo do período colo- A expansão da economia agrícola de exportação, a interiorização
económica e a modernização estavam, no século XIX, condicionadas
nial, o liberalismo jurídico-político com a política económica exter-
ao fornecimento externo de trabalho, na percepção de toda a socie-
na. Demonstravam total ingenuidade ao firmarem sua fé inquebran-
dade e do próprio governo. Por essa razão, não poderia cessar o
tável no poder sobrenatural da ciência económica - a economia
tráfico de escravos, enquanto a imigração livre não viesse substituí-
política - em extrair o progresso nacional a partir da liberdade do
los. A imigração livre alçou-se desde a Independência como uma das
mercado. Os liberais mais exaltados, como Tavares Bastos, não
metas prioritárias, mas o pouco êxito alcançado adiou a cessação do
lu-silariam em confiar ao estrangeiro todas e quaisquer iniciativas e
rcsponsabilidades internas, a tal ponto que lhes perguntou ironica-
mente Cimenta Bueno, em 1866, senão pretendiam engajar estran- 4
Manchester (1973); Richard Graham (1973); Luz (1961); Cervo (1981); Affonso
l',rims para ministros de Estado no Brasil. Tais atitudes liberais dê- de T. Bandeira de Mello (1933); Renato de Mendonça (1942); Cármen L. P. de
em i iam de convicções doutrinais e políticas mais do que das pressões Almeida (l 986); Calógeras (1960); A. C. Tavares Bastos (l 938); Magalhães Júnior
(1956); Calmon (1975); Brasil, IBGE, Estatísticas Históricas do Brasil e Am/ário
HOCÍÍÚS, conforme se poderia supor. Estatístico do Brasil, 1960. Cf. Relatório, Atas do Conselho de Estado e Anais do
Parlamento.
80 A m a d o Luiz Cervo e Clodoaldo Bueno História da política exterior do B r a s i l 81

tráfico até 1850, provocando um desastroso conflito nas relações entre de visita e busca e a extinção, daí a seis meses, das comissões mistas
o Brasil e a Inglaterra. de Serra Leoa e do Rio de Janeiro.
A ruptura foi uma decisão brasileira, nacionalista e corajosa, con-
forme sugeriam as circunstâncias. Tanto mais que em 1839 Palmerston
O tráfico de escravos e o conflito com a Inglaterra fizera passar no Parlamento uma lei que autorizava o apresamento e
o julgamento, pelo almirantado britânico, dos navios portugueses des-
Houve duas grandes fases, envolvendo as relações entre os go- tinados ao tráfico, pairando sobre o Brasil a mesma ameaça. Aberdeen,
vernos brasileiro e inglês, ante o propósito de extinguir o tráfico de que substituíra Palmerston no Ministério de Estrangeiros em 1841,
escravos: a primeira vai da Independência a 1845, uma fase de coo- não era tão propenso ao uso da força e de leis internas contra estran-
peração difícil, de pressões e decisões entre 1826 e 1831 e de fracas- geiros; porém, ante a inviabilidade de novo tratado de comércio e de
so posterior; a segunda, a partir de 1845, representou uma fase de nova convenção sobre o tráfico, recorreu aos mesmos métodos, fa-
ruptura e conflito, marcada pela ação inglesa unilateral, ineficiente e zendo aprovar sua lei de 8 de agosto de 1845, contra o Brasil.
violenta, entre 1845 e 1850, pela ação brasileira unilateral e eficiente Consumava-se dessa forma a ruptura, que teve sobre o Brasil os
em 1850 e pelas sequelas do conflito bilateral nos anos seguintes. seguintes efeitos: suspensão de todas as negociações com o governo
Convém, pois, examinar os seguintes aspectos, referentes ao período inglês; incremento da repressão britânica pelo uso da força; vontade,
em foco: a ruptura de 1845 e seus efeitos imediatos, a dimensão in- contida aliás, de resistir pela força e impor retaliações comerciais;
ternacional da questão, o fluxo do tráfico, as decisões nacionais e, protesto e hostilidade generalizada contra os ingleses; inviabilidade
finalmente, as sequelas do conflito com a Inglaterra. de cooperação bilateral; dificuldade de ação decisiva brasileira, inter-
Em 1845 interrompia-se a cooperação bilateral em matéria de pretada pelos partidos como subserviência; e incremento do tráfico
repressão ao tráfico. As dificuldades acumuladas no período anterior de escravos. O protesto brasileiro foi unânime, envolvendo a Chan-
celaria, o Parlamento e o Conselho de Estado, e tinha por objetivo
foram tornando o relacionamento cada vez mais difícil. Os ingleses
evitar maiores agravos, obter a revogação do bill e sensibilizar os
estavam descontentes com a continuidade do tráfico, com o que in-
outros governos. Estendia-se na ordem jurídica (não cabia à Inglater-
terpretavam ser a dubiedade do governo brasileiro diante das leis e
ra aplicar leis internas a cidadãos estrangeiros), política (atentado ;'i
com a rejeição pela Câmara dos Deputados dos artigos adicionais
soberania e à propriedade, ação imperialista para manter a depen-
acordados em 1835, que facultariam prender navios por indícios de
dência consentida na fase anterior), económica (confronto entro
equipamento, condená-los e desmontá-los. Os brasileiros protesta-
escravismo brasileiro e colonialismo inglês) e diplomática (o bill vio-
vam contra os julgamentos de Serra Leoa, considerados em grande
lava o direito internacional e correspondia à imposição da vontade do
parte ilegais e unilaterais, contra apresamentos injustos e contra a
mais forte por métodos violentos).
retaliação de seus produtos no mercado inglês; e exigiam revisão ou O tráfico de escravos para o Brasil não foi apenas objeto de
apelação das sentenças, indenizações pelos abusos da repressão e entendimentos e atritos com a Grã-Bretanha. Sua dimensão interna-
acesso ao mercado. O tráfico prosseguia, tendo contra si as leis, as cional compreendia por um lado iniciativas britânicas e brasileiras no
lideranças nacionais e a repressão inglesa; e, a seu favor, os lucros da sentido de associar outros governos na repressão e na solução do
operação e o apoio das lideranças locais e dos fazendeiros. problema criado pelos escravos reexportados. Contatos nesse scnli
Após haver-se negado a renovar o tratado de comércio de 1827, do foram estabelecidos pelo Brasil com os governos da rr;mr;i, de
haver extinguido a extraterritorialidade e todos os privilégios ingleses Portugal, dos Estados Unidos, do Uruguai, da Argentina, do ( ' h i l f <•
no Brasil, o governo brasileiro comunicou, por nota de 12 de março do Peru. Compreendia, por outro lado, a participação iiik-nsa de |»n
de 1845, a cessação da convenção sobre o tráfico de 1826, do direito tugueses e norte-americanos no comércio de escravos.
H ,' Amado Luiz Cervo e Clodoaldo Bueno História da política exterior do Brasil 83

Os traficantes norte-americanos beneficiavam-se com as vanta- cão para tal fim em 1858 -, nova convenção antitráfico não era fir-
gens oferecidas pelos clippers, modernos e velozes navios, que se mada por intransigência de lado a lado e as relações diplomáticas se
furlavam à perseguição inglesa, e com a conivência tácita do gover- mantinham em clima hostil, porém altivo.
no, que apreciava a resistência brasileira contra a hegemonia britâni- Herdeiro de toda a tradição palmerstoniana, prepotente e
ca. Aliás, a diplomacia brasileira foi bem-sucedida em obter a simpa- preconceituosa diante dos povos atrasados, chegou ao Rio de Janeiro
tia internacional, o apoio dos negociantes britânicos e da própria opinião o representante Willian Christie, em 1860, disposto à diplomacia do
pública inglesa a favor de sua resistência aos métodos violentos da porrete. Em 1863, reagindo a seus métodos, o governo brasileiro rom-
repressão inglesa. peu as relações diplomáticas e retirou seu representante em Lon-
O fluxo do tráfico decaiu, entre 1831 e 1835, sob a vigência da lei dres. Quando desapareceu Palmerston, em 1865, as relações pude-
brasileira e da convenção de 1826, a uma média anual estimada em ram se encaminhar de forma mais civilizada.
torno de 18 mil importados; elevou-se a uma média em torno de 36 Durante várias décadas, agiu o governo inglês de forma direta,
mil, entre 1836 e 1845; para atingir o fluxo máximo, entre 1846 e pela diplomacia, pela ostentação e pelo uso da força, para atingir seus
1859, em torno de 51 mil importados anuais, sob a vigência da Lei objetivos no Brasil. Agiu a diplomacia brasileira também de forma
Aberdeen. Com a aplicação da nova lei brasileira, de 4 de setembro direta - protestando, negociando e protelando - e de forma indireta,
de 1850, o tráfico despencou ainda naquele ano para cerca de 23 mil. atingindo importantes objetivos políticos e económicos nos bastido-
Entre 1851 e 1855 as estimativas mais seguras indicam 6,1 mil escra- res, à revelia dos governos de Palmerston e Aberdeen, graças às
vos importados, até o último desembarque conhecido. excelentes vinculações que soube estabelecer com a coroa inglesa,
A decisão brasileira de extinguir o tráfico em 1850 explica-se por um lado, e com os meios financeiros e económicos, por outro.
por razões internas e por cálculos de política externa. A repressão É preciso, pois, distinguir as relações de governo a governo, em que
inglesa, após o deslocamento da esquadra que viera do Prata e a prevaleceu o conflito sobre o entendimento, e as relações de nação a
autorização para penetrar em águas territoriais e portos brasileiros, nação, que marchavam para um entrelaçamento crescente e domi-
atingia seu paroxismo. Paulino José Soares de Sousa, ministro de nante, apenas desafiado no século XIX pela concorrência de norte-
Estrangeiros, foi o principal responsável pela decisão que Eusébio de americanos, alemães e franceses.5
Queirós, ministro da Justiça, executou. Nos cálculos de Paulino, con-
vinha extinguir o tráfico por razões sociais e humanitárias, mas igual-
mente por razões estratégicas: dissipar o contencioso com a Inglater- A política migratória
ra, que parecia evoluir para o confronto armado; viabilizar seus planos
O Império não alcançou êxito em seu intento de promover a
de intervenção contra Rosas, que tinha o apoio do representante bri-
imigração livre em grande escala, a não ser entre 1880 e 1889, quan-
tânico em Buenos Aires; e eliminar o principal obstáculo ao incre-
do entraram no Brasil cerca de 450 mil europeus, um número superior
mento da imigração livre. Uma decisão que se tornou possível graças
a toda a imigração livre anterior.
à mudança da opinião pública e ao fortalecimento do Estado.
A política migratória do Império só foi constante, ao longo do
Extinto o tráfico, perduraram os ressentimentos nas relações de
tempo, em termos de intenções e intermináveis debates públicos. Afora
governo a governo com a Inglaterra. Cada uma das partes atribuía-
se o mcrilo da abolição e mantinha suas prevenções. Dessa forma, a 5
Bethel! (1976); Lino (1987); Calógeras (1933 e 1982); Manchester (1973); Cervo
k-i de 1845 não era revogada, as reclamações por enormes indeniza- (1981); Pinto (1980); José Honório Rodrigues (1964); Souza (1944); Mendonça
;òi-s n;ui l i n l i a m solução - apesar de se haver firmado uma conven- (1942); Richard Graham (1973); Bandeira (l973); Wright (1972). Coleções de do-
cumentos citados na nota anterior.
K 4 A m a d o L u i z Cervo e C l o d o a l d o B u e n o História da p o l í t i c a exterior do B r a s i l 85

isso, não teve direção segura, modelo definido e amparo legal ade- Além disso, fazia-se necessário liberalizar ainda mais as institui-
quado. A imigração far-se-á por iniciativa das províncias, de socieda- ções monárquicas em direção auma sociedade pluralista, permitindo
des de colonização e de companhias particulares, às quais prestava o a liberdade de culto, os casamentos protestantes e mistos, o divórcio,
governo central seu apoio moral, parcos subsídios e o empenho da a secularização dos cemitérios, o registro civil e, finalmente, revogar
diplomacia. a lei dos contratos de serviço, que introduzia uma espécie de semi-
Alguns métodos dispersivos de colonização foram ensaiados: escravidão nas relações sociais.
a) Contratar tropas europeias para esmagar as revoltas regionais e Não se podem menosprezar os esforços do governo central e
convertê-las posteriormente em núcleos coloniais. Todas as propos- das províncias no sentido de superar tantas dificuldades e tornar o
tas concretas nesse sentido foram derrubadas pela Câmara dos De- Brasil competitivo em termos de capacidade de atração. Os frutos
putados em nome da dignidade nacional, b) Atrair imigrantes e começaram a ser colhidos no final do período e acabaram por trans-
direcioná-los para formação de colónias autónomas, sob o regime de formar profundamente a sociedade brasileira.6
propriedade particular, em que o trabalho escravo era proibido. Vin-
garam dessa forma alguns núcleos esparsos e significativos, c) Intro-
duzir imigrantes no sistema de parceria, nas fazendas de café, em *
substituição ao trabalho escravo, com o qual coexistiam. Foi o suces-
so da experiência pioneira de Vergueiro, que, após o malogro inicial, •
atrairia cerca de 60 mil imigrantes a partir dos anos 1840. d) Contra-
tar os serviços dos imigrantes nas lavouras, impelindo a substituição
do trabalho escravo pelo assalariado. Assim teve início a grande cor-
rente imigratória para o cultivo do café no oeste paulista, composta
essencialmente de italianos.
O acesso à terra, condição primeira da atração interna, não foi
facilitada no Brasil, como era nos Estados Unidos. A Lei de Terras
Devolutas e Colonização de 1850 previa a venda das terras públicas
e não pôde vencer a resistência dos grandes proprietários à sua dis-
tribuição facilitada.
A ação da diplomacia brasileira na Europa, incumbida de faci-
litar a coleta de imigrantes, esbarrava por sua vez em sérias dificul-
dades: a) a imagem de uma sociedade escravocrata e de um país
inóspito; b) o tipo de atividade a que se destinaria o imigrante; c) pode-
rosas campanhas de difamação promovidas pelas companhias que
operavam o grande movimento emigratório para os Estados Unidos
e colónias europeias; d) investigações de agentes oficiais de gover-
nos europeus sobre as condições de vida de seus colonos no Brasil;
e) proibições esporádicas da emigração para o Brasil por parte de
governos europeus. 6
Demoro-(l%0);Cal6geras(1933el960);Braga(1983);Grícr(l%8);(Vrvo(l')Hl;
Pereira(1988).
As posses territoriais ou
- a intransigência negociada

A política brasileira de limites

Para colocar a questão das fronteiras do Brasil em perspectiva


histórica, é mister partir de certas constatações prévias: a) a experiên-
cia brasileira correspondeu a uma das experiências históricas mais
significativas em termos comparativos, em função dos dados objeti-
vos - cerca de 16 mil km de fronteira com dez Estados limítrofes;
b) em 1822, o Brasil herdou uma situação de facto confortável, de
jure delicada; c) a expansão das fronteiras deu-se no período colonial,
cedendo os textos jurídicos diante dos fatos: alnter Coetera, os Tra-
tados de Tordesilhas, de Madri (1750) e o tratado preliminar de Santo
Ildefonso (1777); d) não houve nem preocupação política nem doutri-
na de limites para orientar de forma decisiva a ação brasileira até
meados do século XIX; e) o método da história comparada, associan-
do fronteira, sociedade, cultura e política não foi desenvolvido pela
historiografia latino-americana.
A tentativa de analisar a experiência latino-americana a partir do
conceito de fronteira elaborado por Frederick Jackson Turner em
1893, embora original e sugestiva, não se revelou a mais adequada.
As realidades históricas que permitiam deduzir do espírito de frontei-
ra as vigas mestras da formação social, cultural e política dos Esta-
dos Unidos não se repetiram na América Latina, onde não se cons-
truiu um mito de fronteira com a mesma capacidade de determinação.
Tampouco o sentimento nacional exerceu aqui a influência verificada
na Europa para recompor o mapa político estabelecido em 1815, com
base no principio legitimista da Santa Aliança. O caso do Brasil tira
explicações de outras variáveis históricas.
88 A m a d o Luiz Cervo e Clodoaldo B u e n o História da política exterior do B r a s i l

Para o estudo do caso brasileiro, o conceito-chave cultural pare- fmição, embora em menor escala, verificou-se também cm outras
ce corresponder à ideia de nacionalidade, Como produto histórico- regiões, como sucedeu com a Grã-Colômbia, a America Central c ;i
cultural, essa ideia está presente nas diversas experiências de fron- Federação boliviano-peruana.
teira, sem exercer entretanto a mesma capacidade de determinação. A partir desse enfoque, o estudo do caso brasileiro se esclarece.
A falha do sistema europeu de 1815 residia, precisamente, na A ideia de nacionalidade foi um dado original, que triunfou sobre re-
desconformidade entre a nacionalidade e a configuração das frontei- voltas regionais e tentativas separatistas, para consolidar-sc desde o
ras, a nação e o Estado. Os movimentos do século XIX irromperam início do Segundo Reinado. As características da nacionalidade bra-
na Bélgica, Polónia, Grécia, Alemanha, Itália e outras regiões, man- sileira diferem de todos os exemplos acima referidos. Construiu-se
tendo-se com a força suficiente até realizar a adequação dos ele- com base na herança portuguesa, um legado histórico, e foi sustenta-
mentos. da pelo Estado monárquico. Criou o seu mito: o da grandeza nacional.
Na história dos Estados Unidos, as pressões demográficas, eco- A nacionalidade brasileira era introvertida, de suficiência congénita,
nómicas e psicológicas embutidas no "destino manifesto" produziram voltada para si, amparada na vastidão do espaço e na abundância dos
um conceito original. A nacionalidade norte-americana era extrover- recursos. A política de limites, pela lógica dos elementos, haveria de
tida, aberta ao longínquo, ao desconhecido, ao não-possuído. Uma ser a da preservação, da defesa intransigente do legado, do nii
nacionalidade a construir, de insuficiência congénita, de conquista de possidetis. Substituiu-se o mito da fronteira pelo da grandeza nacio-
novos espaços. A tese de Turner está para a expansão das fronteiras nal, e dessa forma reduziu-se o problema da fronteira ao problema
norte-americanas da primeira metade do século XIX, assim como a político-jurídico dos limites, como ocorria no restante da América
tese de J. Fiske (Manifest destiny, 1885) para o expansionismo da Latina. A diferença estava apenas na definição original da nacionali-
segunda metade. A historiografia latino-americana, baseada na psi- dade brasileira em oposição à indefinição sociocultural das fronteiras
cologia do oprimido, identificou tudo aquilo ao imperialismo. De qual- hispano-americanas, onde o peso da juridicidade política será maior.
quer forma, pode-se perceber facilmente a natureza da conexão en- Em toda a área, abstração feita dessa dimensão político-jurídica, a
tre ideia de nacionalidade e política de limites em tais circunstâncias.1 história das fronteiras correspondeu à história da expansão do capita-
Outro exemplo interessante para análise da política de limites a lismo dependente, que ia agregando novos espaços às necessidades
partir da ideia de nacionalidade é o caso argentino, no século XIX. do sistema produtivo.
O país platino atravessou quase todo o período com uma crise de De qualquer forma, a questão das fronteiras entre o Brasil e-
identidade nacional, cuja construção era difícil e se prolongava no seus vizinhos reduziu-se fundamentalmente à esfera político-jurídica,
tempo. Os elementos da crise eram as independências dos Estados limitando-se as alternativas de solução. No trato da questão, a
vizinhos, o conflito entre Buenos Aires e o interior, a confusão processualística no século XIX estabeleceu-se, de modo geral, c-m
estabelecida entre a identidade Argentina e os limites do antigo Vice- quatro fases: a) o ato de vontade bilateral, mediante o qual dois lisln-
Reino do Prata e a política brasileira de apoio à existência de Estados dos aceitam regular suas fronteiras e para tanto nomeiam seus ple-
autónomos. Durante o processo de independência, o país vizinho en- nipotenciários, aos quais confiam instruções específicas; b) as ne-
colheu da grande para a pequena Argentina. Rosas pensou depois gociações, geralmente árduas e prolongadas; c) o tratado de limites,
em restabelecer a primeira. A indefinição da nacionalidade condicio- que resulta da fase anterior e devolve aos Estados o poder decisório
nava obviamente uma eventual política de limites. A mesma inde- sobre sua aceitação ou não; d) a demarcação sobre o terreno, Inla
por comissões mistas.
Cada uma dessas fases gerava documentos específicos. A pi i
Frederick Jackson Turner apresentou sua tese ao congresso da American Histórica! meira supunha evidentemente uma doutrina de limites, tilem <ln v t m
Association em 1893. Frederick J. Turner (1963); Hennessy (1978).
90 A m a d o Luiz Cervo e Clodoaldo B u e n o História da política exterior do Brasil

tade política conjugada. Nela se envolveram os homens de Estado, os os limites não figuravam entre as preocupações maiores da diplo-
congressos, parlamentos e conselhos, a opinião pública e as chance- macia brasileira. Houve uma tomada de consciência gradativa diante
larias nacionais. As negociações previam a existência de estudos ju- da questão, cuja gravidade era percebida à medida que se multipli-
rídicos e geográficos, de textos de tratados, de mapas regionais, es- cavam incidentes de fronteira: o ministro uruguaio, Lucas J. Obes,
tando o Brasil no século XIX mais bem equipado que seus vizinhos em 1834, avançou um plano segundo o qual todos os limítrofes se
nesse terreno. A ratificação ou não do tratado podia remeter o traba- uniriam contra o Brasil, para lhe impor as fronteiras de Santo
lho à estaca zero, porque envolvia na decisão outras variáveis estra- Ildefonso; a guerra no Rio Grande do Sul e as agitações no Uruguai
tégicas e por vezes se perdia. colocavam em risco a segurança daquelas fronteiras; autoridades
Foram, pois, condicionantes da política brasileira de limites no de Chiquitos concederam sesmarias em território da província de
século XIX as seguintes variáveis: a) consolidação prévia do Estado Mato Grosso; tropas francesas invadiram o território brasileiro no
nacional; b) tardio despertar da consciência pública ante o problema; Oiapoque. Tais incidentes produziram dois efeitos na consciência
c) ausência de um mito de fronteira, com capacidade de determina- pública: traziam a questão de limites ao primeiro plano das preocu-
ção sobre a política; d) percepção do significado da fronteira no qua- pações e induziam à convicção de que a manutenção da paz com os
dro da ideia de nacionalidade, nutrida pelo mito da grandeza legada; vizinhos passava pela sua solução.
e) redução da questão à sua dimensão jurídico-política; f) elaboração O Relatório de 1838, evidenciando essa evolução, traz pela pri-
de uma doutrina que vinculasse coerentemente os limites àquela ideia meira vez o título "Fronteiras do Brasil" e afirma: "O mesmo governo
de nacionalidade; g) pouca interferência do sistema produtivo, que se conceitua, como uma das primeiras necessidades públicas, a deter-
expandia voltado para dentro (açúcar, café) ou preservando a ocupa- minação definitiva dos limites do Brasil". Estende-se em justificar e
ção anterior (gado, mineração, borracha). avaliar o trabalho de uma comissão de especialistas designados para
Tiveram responsabilidade direta na gestação da doutrina brasi- estudar a matéria e demonstrar as condições de viabilidade ou não de
leira a Chancelaria, o Conselho de Estado e o Parlamento. Até mea- uma ação diplomática multidirecionada. Deixa transparecer a pru-
dos do século, entretanto, as fontes apontam para hesitações doutrinais dência do governo, que subordina a iniciativa diplomática a exames
e práticas, do lado da Chancelaria brasileira. A ausência de uma dou- "prévios" e decisões "prévias".
trina que vinculasse pensamento e ação apresentava-se na época Prudência ou insegurança? Entre as decisões "prévias", pode-se
como um obstáculo concreto. Se a Chancelaria rejeitou as iniciativas supor, figurava uma doutrina de limites. Um passo decisivo nesse
da Grã-Colômbia (1826) e da Bolívia (1834), porque recorriam ao sentido foi dado com o tratado de 8 de julho de 1841, pelo qual se
Tratado de Santo Ildefonso como princípio regulador, instruiu seu en- ajustaram os limites com o Peru, abrindo-se àquele país a navegação
carregado de negócios junto à mesma Bolívia (l 837), em consequên- do Amazonas. Temendo que outros Estados viessem igualmente rei-
cia de incidentes de fronteira, no sentido de se garantir o respeito vindicar a livre navegação, o governo imperial recuou e negou-lhe a
àquele tratado colonial, enquanto não se concluísse um tratado bilate- ratificação, mas pela primeira vez ficou assentada a doutrina brasilei-
ral. Por outro lado, o Império negou-se a ratificar o tratado de limites ra do uti possidetis, inscrita no artigo 15: a demarcação seria feita
e navegação de 1841 com o Peru, feito na base do utipossidetis, e o
Inilado de limites de 1844 com o Paraguai, em conformidade com a pelos meios mais conciliatórios, pacíficos, amigáveis e conforme
linha de Santo Ildefonso. ao uti possidetis de 1821 em que começou a existir a Repúblicí
Os Relatórios da Repartição dos Negócios Estrangeiros per- peruana, procedendo de comum acordo, em caso de convir-lhes, È
mili-in acompanhar, tanto pela sua parte expositiva como por meio troca de alguns terrenos ou outras indenizações, para fixar a linhí
de v a s l a documentação anexa, a posição da Chancelaria. Até 1838, divisória de maneira mais exata, mais natural, e mais conforme ao:
interesses de ambos os povos.
A m a d o Luiz Cervo e Clodoaldo B u e n o História da política exterior do Brasil 93

Duarte da Ponte'Ribeiro foi talvez o diplomata brasileiro de tada pelos portugueses no período colonial, conforme se constata pelos
maior responsabilidade na origem da doutrina do utipossidetis e no textos de Alexandre de Gusmão.
consequente abandono dos tratados coloniais. Curiosamente, inspi- Em meio à guerra do Sul, o visconde do Uruguai revelou, no
rou-se na posição mantida pela Bolívia e pelo Peru, à época em que Relatório de 1851, o nível de interesse a que se elevara a questão
as duas Repúblicas se haviam confederado sob o governo de Santa dos limites: "O governo ocupa-se, e continuará a ocupar-se, aprovei-
Cruz. Estando o encarregado de negócios brasileiro na Bolívia, ficou tando as oportunidades que se oferecem, de regular as nossas fron-
sabendo, oficialmente, em 1837, que aquela República rejeitava os teiras com os Estados vizinhos, o que muito importa, para evitar as
tratados coloniais sobre limites. Ponte Ribeiro percebeu então que tal dificuldades e complicações que resultam do estado em que atual-
posição era a que de fato melhor convinha ao Brasil - e daí por mente se acham as coisas". Iniciativas, definição doutrinal e primei-
diante, em seus numerosos estudos sobre todas as questões, revelar- ros resultados marcam os anos de 1851-1853. Duarte da Ponte Ri-
se-á o mais afeiçoado defensor da nova doutrina, contrapondo-se, beiro, em missão especial ao Chile, Peru, Bolívia, Nova Granada e
quando necessário, às posições divergentes da Chancelaria e do Con- Equador, celebrou com o Peru uma convenção "pela qual foram re-
selho de Estado. gulados os limites com o Império, segundo o princípio do uti possidetis",
Após essa primeira definição doutrinal clara, da qual se podem inscrito, como se sabe, no tratado de 1841. Teve depois destacados
aliás deduzir certas implicações do uti possidetis, os Relatórios se de sua missão a Venezuela, a Nova Granada e o Equador, países
restringem, até meados do século, a relatar os fatos, sem contribuir confiados à missão de Miguel Maria Lisboa, que para lá se dirigiu,
para a formulação política e a fundamentação doutrinal. "levando instruções para celebrar ajustes no mesmo sentido do que
A política externa brasileira alcançou extraordinário fortaleci- foi concluído com a República do Peru". Por outro lado, no artigo 2
mento nos meados do século, por uma série de sucessos, precedidos do tratado de limites de 12 de outubro de 1851 com o Uruguai, inscre-
pela obtenção da autonomia alfandegária, em 1844. Em 1849 ascen- veu-se também o princípio norteador: "As altas partes contrastantes
deu à Chancelaria uma personalidade forte, que rompeu com a tradi- reconhecem como base que deve regular seus limites o uti
ção neutralista dos gabinetes da regência e dos liberais da maiorida- possidetis".
de. O visconde do Uruguai, Paulino José Soares de Sousa, equacionou O chanceler brasileiro se contentava, pois, em registrar aqui e
o contencioso com a Inglaterra acerca do tráfico de escravos, fazen- ali, sumariamente, o princípio do uti possidetis, sem fundamentá-lo
do passar a lei de repressão, à qual complementou a Lei de Terras, nem definir-lhe implicações. Esse desenvolvimento será determinado
estimulando a imigração. Decidiu depois, pelas armas, a sorte de Oribe pelas circunstâncias. Reconhecia que a falta de solução para os limi-
e Rosas, assegurando a tranquilidade do lado do Prata. Desencadeou tes impedia o acerto de outras questões e "pode prejudicar seriamen-
o que então se convencionou chamar de "grande política te para o futuro as boas relações", especialmente no caso do Paraguai.
americanista", mediante a qual, por meio de tratados de limites, co- As antigas metrópoles haviam tentado mas não resolveram a ques-
mércio, navegação, paz e amizade, pretendia estreitar os vínculos tão; removeram certas dificuldades, mas falharam quanto à demar-
com as nações vizinhas. Essa nova orientação da política externa, da cação. Três elementos, de acordo ainda com o visconde do Uruguai,
Europa para a América, trazia, pois, em seu bojo, a decisão de conso- vinham aumentar o grau de dificuldades: o tempo, como complicador,
lidar, tornar pública e implementar uma política brasileira de limites. as pretensões incompatíveis com a outra parte, aliadas à deliberação
Os papéis da Chancelaria vieram confirmar a coerência demonstra- de não recuar dessas mesmas pretensões, e, finalmente, a tendência
da pelo governo, que formulou então, em definitivo, uma doutrina de à penetração em território brasileiro de populações vizinhas, com es-
limites, mantendo-a inalterada em sua essência, até o final do Impé- paço mais restrito, enquanto as populações brasileiras, que haviam
rio: a doutrina do utipossideíis,]á desenvolvida e habilmente susten- buscado as minas, tendiam agora a retornar ao litoral. Em 1853, o
') 'l Amado Luiz Cervo e Clodoaldo Bueno História da política exterior do Brasil 95

mesmo visconde cogitava em duas alternativas de solução: homem Embora estabelecida com clareza, a doutrina brasileira haveria
decidido, não descartava o caminho das armas para "cortar essas de sujcitar-se a certas modificações, sugeridas pela prática diplomá-
dificuldades", mas preferia a via das negociações e obter por meio tica. São corolários que lhe deram flexibilidade e operacionalidade.
delas "tratados de princípio", que definissem os pontos cardeais e Em 1857, referindo-se às fronteiras com o Paraguai, o visconde do
deixassem às comissões de demarcação o traçado da linha, como Rio Branco tornou público o corolário ao qual se deve recorrer na
sucedeu no caso do Uruguai. ausência de ocupação efetiva, circunstância em que não se pode apli-
As circunstâncias sugeriam, pois, a necessidade de uma defini- car a doutrina oficial:
ção política clara, fundada numa doutrina simples, que se pudesse
sustentar pela argumentação e implementar pela ação diplomática. O reconhecimento desta fronteira funda-se nos mesmos princípios
Paulino José Soares de Sousa e António Paulino Limpo de Abreu, adotados pelo governo imperial para o ajuste de limites com as
que sucedeu ao primeiro na Chancelaria, demonstraram ser esta a outras Repúblicas vizinhas: 1a) uti possidetis; 2fi) as estipulações
única alternativa. José Maria da Silva Paranhos irá sustentá-la, pos- celebradas entre as coroas de Portugal e Espanha, nos pontos em
que elas não contrariam os fatos de possessão, e esclarecem as
teriormente, de forma magistral. Será assim consolidada a doutrina
dúvidas resultantes de falta de ocupação efetiva.
do uti possidetis, com os corolários anexos que a complementam,
para nortear a política brasileira de forma invariável, de 1850 ao final A rigidez do uti possidetis poderia ceder ante benefícios mútuos,
do Império. Os Estados vizinhos irão aceitá-la, um a um, com exce- mediante a troca, a cessão ou a transação de territórios, tendo em
ção da Argentina e da Colômbia. A primeira, após reconhecê-la em vista obter fronteiras "mais naturais e convenientes", acesso a vias
1857, recuou e apelou aos tratados coloniais para o ajuste na zona de navegáveis e rotas comerciais. Uma troca de notas entre os minis-
Palmas; a segunda manteve sua posição, procurando sempre susten- tros brasileiro e boliviano, em 1858-1859, serviu para definir o período
tar a validade dos mesmos tratados. em que a ocupação efetiva gerou o direito: reteve-se o corolário esta-
Em primeiro lugar, a imutabilidade da doutrina. Os Relatórios belecido pela primeira vez no tratado de 8 de julho de 1841 com o
não deixam passar a ocasião de reafirmá-la: "O princípio adotado Peru: o uti possidetis é o do período colonial, não agindo contra esse
sobre limites foi o uti possidetis, base invariável que temos seguido direito o fato de se haver desocupado ou reocupado territórios após
na celebração dos tratados análogos com as Repúblicas vizinhas" as independências.
(1857); "O governo imperial está de perfeito acordo com o governo Os papéis da Chancelaria raramente apresentam argumentos em
boliviano no princípio de que cumpre respeitar as antigas posses, o uti favor do uti possidetis. A defesa desse princípio e sua fundamenta-
possidetis de ambos os Estados" (1859); "Por aquela República ção racional pareciam supérfluos, ante o apoio que obteve do Parla-
(Venezuela) foi pela segunda vez reconhecida solenemente a linha mento e do Conselho de Estado. Havia consciência de que se estava
divisória a que o Brasil tem incontestável direito, postos de parte os correspondendo ao interesse nacional e à melhor forma de se obter a
antigos tratados celebrados entre a Espanha e Portugal, e observado solução para os limites. A Chancelaria não se furtava, entretanto, em
o uti possidetis dos respectivos países, princípio por que tem cons- justificá-lo ocasionalmente. O Relatório de 1854 anexou uma carta
tantemente pugnado o Império em todos os ajustes negociados com do barão de Humboldt a Miguel Maria Lisboa, plenipotenciário brasi-
seus limítrofes" (1860); "Sua Majestade o Imperador do Brasil e a leiro junto à Venezuela e à Nova Granada, na qual o famoso
República da Bolívia concordam em reconhecer, como base para a ainericanista opinava sobre a necessidade de se adotar o uti possidetis
determinação da fronteira entre os seus respectivos territórios, o uti como a melhor dentre as políticas de limite. Em 1859 o visconde do
[Hixxklctis, e, de conformidade com este princípio, declaram e defi- Rio Branco, rompendo com a displicência tradicional da Chancelaria,
nem a mesma fronteira..." (tratado de 1867). partiu em defesa pública do princípio: trata-se de doutrina fundada na
96 A m a d o Luiz Cervo e Clodoaldo Bueno História da política exterior do Brasil 97

racionalidade e na justiça, apta a imprimir coerência e unidade de 3. Opção pela negociação bilateral como método de
política, opção única para o país, zelosa pelo território enquanto previ- implementá-la.
ne usurpações, "de que aliás não carece o Brasil para a sua grandeza 4. Exclusão do arbitramento, a não ser em derradeira instância.
e prosperidade". 5. Determinação ocasional de corolários à doutrina: a) referên-
As determinações histórico-culturais auxiliam a compreender a cia aos tratados coloniais, na ausência de ocupação efetiva;
escassez de textos justificativos. O uíi possidetis é um subproduto b) ocupação colonial prolongada à independência como gera-
da ideia brasileira de nacionalidade, que incorporava o legado e o dora do direito; c) permuta, cessão ou transação de territórios
mito de grandeza, como demonstrou Paranhos, e, por tal razão, não em favor da fronteira mais natural e dos interesses do comér-
carecia de fundamentação, no entendimento dos estadistas. É tão
cio e da navegação; d) vinculação da navegação e do incre-
óbvia a doutrina, quanto a ideia de nacionalidade. Lê-se no Relatório
mento comercial à solução dos limites.
de 1867:
6. Defesa intransigente e unilateral do uti possidetis assim de-
O Brasil possui território tão vasto que não necessita aumentá-lo finido.
em prejuízo de seus vizinhos. O que seu governo deseja é que, no
interesses de todos, conheça cada um o que lhe pertence e fique Como braço forte do governo, o Conselho de«Estado teve um
discriminada a sua jurisdição. Tal é o único motivo dos imensos papel de destaque sobre a matéria. O exame de suas atas mostra que
esforços que ele tem feito para conseguir a completa designação
sua ação de forma alguma pode ser qualificada de subserviente com
da extensa fronteira do Império. Nenhum outro o impele, e sobre
isto não pode haver a mais leve sombra de dúvidas. relação ao governo. As divergências de posição dos conselheiros tes-
temunham o clima de liberdade de expressão com que redigiam seus
Essa postura determinava também as soluções para as frontei- instruídos pareceres e participavam dos debates. Os limites ocupa-
ras entre o Brasil e o Paraguai, após a guerra. Explica, pela lógica, as ram o Conselho frequentemente. Defendeu a doutrina brasileira do
dificuldades criadas pelo Brasil à anexação do território paraguaio uíi possidetis, vinculando-a às conveniências históricas circunstan-
entre o Pilcomaio e a Baía Negra pela Argentina e a segurança imperial ciais, como a navegação, o comércio, a segurança, o interesse nacio-
ante as pretensões da mesma Argentina na zona de Palmas. A cada nal e a paz. Muito importante foi a sua atuação no caso dos limites
qual, de direito, o que lhe pertence, de fato, em virtude das "antigas com o Paraguai e entre o Paraguai e a Argentina, após o conllilo,
posses". como também entre o Brasil e a Argentina acerca da zona de l';il-
A escolha da negociação diplomática como norma de procedi- mas. Os dois últimos foram exemplos de grandes dificuldades decor-
mento contribuiu para flexibilizar e viabilizar a política. Entretanto, o rentes da problemática de fronteira.
fato de tal negociação ser bilateral foi uma exigência estratégica, O Parlamento brasileiro, no século XIX, acompanhou, por sua
inscrita nos métodos da diplomacia brasileira do século XIX, tendo vez, a política de fronteira, de forma insistente e intensa. O volume dr
em vista manter o Brasil em posição de força e impedir a emergência textos produzidos sobre a questão é positivamente enorme. À dife-
de força correspondente pela eventual criação de uma frente de Es- rença do Conselho, cujos pareceres e atas revestem um caráter niíiis
tados vizinhos.
técnico, o Parlamento confere à questão sua verdadeira dimcnsno
Em resumo, a política brasileira de limites no século XIX definiu-
política. Sem dúvida, também o Parlamento sustentou a doulriini hm
se como segue:
sileira, reforçando, pelo respaldo político que oferecia, as n l i l m l r : ;
e ações do governo, mas seu papel deve ser mais bem q u i i l i l i c i i d o
1. Hesitações doutrinais e práticas até meados do século.
2. Definição de uma doutrina de limites, a do uti possidetis, O Parlamento filtrava a questão pelo ângulo da pá/, c do bom riiU-n
pública e coerentemente mantida de 1851 a 1889. dimentocomos povos vizinhos. Contribuiu puni o amadurecimento dn
A m a d o L u i z C e r v o e Clodoaldo B u e n o História da política exterior do Brasil 99

consciência pública sobre a gravidade da questão e para desenca- americanos, pelos tratados firmados entre as duas metrópoles colo-
dear uma ação correspondente. Sustentou essa ação, a partir de 1851, niais, supondo-se em vigor, na época da Independência, apenas o
acompanhando os passos do governo e cobrando dele o zelo, a com- Tratado de Santo Ildefonso, de 1777. Pela tradição brasileira, o refe-
petência e os resultados esperados. Foro político, o Parlamento era rido tratado era considerado inválido: a) por ter sido concluído pelas
sensível ao interesse nacional, mas não se comprometia com a rigi- potências coloniais; b) por ter sido juridicamente anulado pelo Trata-
dez doutrinal, que por vezes criticava do lado da Chancelaria. Aos do de Badajoz, que sucedeu à guerra de 1801 entre Espanha e Portu-
interesses da paz, do bom entendimento, do incremento das relações gal. Só lhe cabia, pois, por consentimento eventual, um valor indicativo.
comerciais e da navegação, não hesitaria em sacrificar alguns pal- Diferente foi a posição dos governos limítrofes, inerente aos atos
mos de terra em detrimento do uti possidetis. A solução para os emanados de suas respectivas chancelarias. Desde o tratado não
limites com as nações da Bacia Amazônica, por exemplo, trazia em ratificado com o Peru, de 1841, o princípio do uti possidetis não só
seu bojo um plano de integração e cooperação regional verdadeira- era aceito como também costumava vir consignado explicitamente
mente ousado para a época. nos tratados. Os governos, sucessivamente, exprimiam sua adesão à
Esses aspectos positivos, em que se consubstancia a contribui- doutrina do uti possidetis, convertendo-a numa doutrina latino-ame-
ção do Parlamento, não devem fazer esquecer certos riscos ineren- ricana de direito internacional público. Consta dos. seguintes tratados
tes ao debate público de assuntos delicados da esfera diplomática. de limites, ratificados pelo Brasil e seus vizinhos: 12 de outubro de
O Parlamento se convertia, por vezes, em caixa de ressonância, 1851, com o Uruguai (art. 2a); 23 de outubro de 1851, com o Peru
senão mesmo em amplificador, das tensões geradas pelas situações (art. 72); convenção de 6 de abril de 1856, com o Paraguai; tratado de
de fronteira. Dependendo de suas lideranças, tanto podia agravá-las 5 de maio de 1859, com a Venezuela; e de 27 de março de 1867, com
como distendê-las. Não faltam exemplos em ambos os sentidos. a Bolívia. O de 9 de janeiro de 1872, com o Paraguai, conformou-se
Nos Estados vizinhos, as reações às definições do Brasil podem igualmente ao mesmo princípio.
ser analisadas sob três aspectos: a posição dos governos, a dos res- Posta de lado a querela acerca da identificação dos rios pelos
pectivos congressos e a dos escritores. quais se faria o ajuste entre o Brasil e a Argentina, somente a Colôm-
Há uma corrente entre publicistas hispano-americanos, segundo bia sustentou durante todo o século XIX uma posição firme e coeren-
a qual a doutrina brasileira do uti possidetis adotada no século XIX te em defesa do uti possidetis júris, com consciência de estar isola-
serviu à expansão das fronteiras brasileiras. Essa corrente não conta, da em termos de política de limites. Já em 1826, ao tempo da
entretanto, nem com o respaldo dos fatos, nem com o da teoria. O exame Grã-Colômbia, seu enviado à corte do Rio de Janeiro para tratar so-
da documentação brasileira, como ficou delineado acima, permitiu bre limites trazia instruções para se fazer respeitar aquela doutrina.
fundamentar o uti possidetis na introspecção da nacionalidade, na Em 1853, pelo tratado de 25 de julho, o governo colombiano chegou à
eliminação da conquista e de outras formas de ampliação do territó- doutrina do uti possidetis - que coincidia com o uti possidetis júris,
rio. O aprofundamento do estudo, presume-se, poderá contribuir para segundo a interpretação da Chancelaria brasileira - mas ficou na
íi revisão académica e para a preservação da distensão política impossibilidade de ratificá-lo. Embora haja outros elementos a consi-
alcançada. Aquela interpretação da doutrina brasileira vem geral- derar, é certo que o Senado colombiano negou-lhe aprovação, derru-
m r n l o acompanhada da defesa da doutrina hispano-americana do uti bando o ato do governo, por uma questão de princípio. A parti; de
possidetis júris, Segundo esta, a política de fronteira inter-hispano- então, como o Senado manteve suas diretrizes, a solução foi adiada,
iiiiKTk-:in:i devia guiar-se pelos títulos jurídicos emanados do sobera- em virtude da confrontação doutrinal. Uma proposta de arbitramento
no i-%|>:iuliol, lais como as delimitações de vice-reinos, audiências, foi rejeitada pelo governo imperial e, nessas circunstâncias, o ajuste
i!i|)il;mi)is, etc. E os ajustes entre o Brasil e os Estados hispano- de fronteira entre os dois paises somente virá com o tratado de 21 de
100 A m a d o Luiz Cervo e Clodoaldo Bueno História da política exterior do Brasil 101

abril de 1907. As soluções obtidas no período republicano conforma- vizinhos em detrimento das "posses" brasileiras. Seu maior significado
ram-se à doutrina tradicional em todos os ca.sos, incluindo os histórico situa-se, entretanto, do lado dos resultados. Os ajustes de fron-
arbitramentos, com exceção da sentença italiana acerca dos limites teira alcançados eliminaram uma causa de tensões e conflitos entre as
com a Guiana Inglesa e da solução para o caso do Acre. nações do continente e o Brasil, abrindo o caminho da paz e da coope-
Em suma, a doutrina brasileira do utipossidetis, definida à épo- ração. Quase toda proposta de limites trazia embutido um plano de
ca da monarquia, serviu de base para a política brasileira de limites, expansão do intercâmbio bilateral. São esses aspectos positivos, por
implementada pela própria monarquia e, posteriormente, pelo barão sobre as inevitáveis dificuldades práticas, que a pesquisa histórica ain-
do Rio Branco, para os ajustes ainda pendentes. Cedeu ao da está por resgatar, compulsando a documentação original das chan-
arbitramento somente nos casos de extremo fracasso da ação diplo- celarias, conselhos e parlamentos. Sem isto não se poderá construir o
mática. sentido da experiência latino-americana de fronteira.
Foi uma política flexível, na medida em que instituiu o método da A política de limites no século XIX representou mais um aspecto
negociação bilateral para sua aplicação. Essa práxis obteve a aceita- da política externa brasileira própria e autoformulada. Tinha por fun-
ção da doutrina pela maioria dos Estados limítrofes e a afirmação damento, em primeiro lugar, a percepção de que era, em seus objcti-
concomitante de suas identidades nacionais. Pôs fim ao ciclo vos e meios de ação, uma demanda do interesse nacional, da segu-
expansionista do período colonial e do Reino Unido, preservando en- rança e das vantagens da paz. A definição das fronteiras engendrai i;i
tretanto a obra dos colonizadores portugueses, incorporada ao o corpo da pátria, ainda, no entender dos estadistas brasileiros, condi-
património brasileiro. ção prévia para qualquer tipo de integração. Não se pode afirmar,
A doutrina do utipossidetis assentou-se em firme base históri- entretanto, que a fronteira representou o interesse maior e o esforço
co-cultural, em que prevaleceu a ideia de nacionalidade. Uma lógica principal da diplomacia brasileira no século XIX, a menos que a ques-
implacável entre os dois elementos conferiu à política brasileira coe- tão seja situada no quadro de uma estratégia continental. Assim, por
rência, racionalidade e continuidade. exemplo, protelar sua solução do lado do Paraguai era uma l a t i r a
O suporte da opinião pública, expressa por meio da imprensa, do para mante-lo em sua órbita no subsistema regional; adiá-la na A n i i i
Conselho de Estado e do Parlamento, garantiu seu triunfo. Para tan- zônia era outra tática para não ter de abrir o rio à navegação iiilcma
to, também contribuiu o princípio de interesse social que lhe era ine- cional; manter acesa a negociação multi dirigida contribuía para l'nri;i
rente: a consagração e a defesa dos direitos do posseiro. Não é sem lecer as nacionalidades isoladas; soltar um tratado bilateral pu I < - H O
sentido a coincidência, em 1850, entre a votação da importante Lei no momento adequado podia significar a destruição de pôs u, m-.
de Terras, cujos longos debates se haviam centrado precisamente em hispano-americanas unívocas. O mito da grandeza, que ditava ;i poli
definir os direitos do posseiro, e a formulação pública de uma doutri- tica de limites, também permitia usá-la como instrumento ú l i l ;i mil n r,
na que os consagrasse no âmbito internacional. Duas propriedades, fins da política exterior, aos quais podia vir a subordinar-se.'
pode-se dizer, estavam em jogo, por trás dessa doutrina: a individual e
a nacional, prevalecendo enfim internamente a propriedade sobre a 2
O texto desse parágrafo acompanha o estudo que publicamos, oonloriur A n i m l n
posse e externamente a posse sobre o título. Luiz Cervo, A política brasileira de limites no século XIX, AVw.vM ltni.\ili-ii,i ./•
Fortalecida com tais atributos, a doutrina foi capaz de neutralizar / > o/íffcfl/wíenjacio«fl/,RiodeJaneiro,2S(lll-ll2):49-6l;'lcixcimS(inwíi( l'171 n
extremismos: silenciou algumas vozes que se alçaram no século XIX 1972);HélioViana(s.d.);Accioly(1936ae 1938); Roberto de O. ('iimpo'. 1 1 '> " < i .
Pinto (1980); Souza (l 952); Nabuco (l 975); Cervo (19K l ) ; ('linvi-:, < l 'M 1 1 . 1 '
em favor de uma política brasileira expansionista, por um lado, e, por (1936); Quesada (1920); Barão do Rio Branco (1947); Uoiivnilurn (1'HU,), l
outro, fez saber que não se toleraria uma iniciativa similar de governos Alan Williams (1975); Coes Filho (1999); Miignoli (1997). Vn H < oltfl •'•

documentos: Relatório, Aias do Conselho cie Kstml» v An/iix iln l'm I n i i i r i i l n
102 A m a d o Luiz Cervo e Clodoaldo Buetic História da política'exterior do Brasil 103

A defesa da Amazónia e o conflito com os Estados Unidos democrática sem interferência de terceiras nações; interrupção da
colonização europeia na América; possível expansão territorial ilimi-
Quando se concluía a epopeia da fronteira, em 1848, o tada dos Estados Unidos. Tais princípios, que conferiam à Doutrina
expansionismo norte-americano tomava duas direções: para o orien- Monroe um caráter mais egoísta, tornaram-se públicos por meio das
te, onde a busca de mercados respondia às necessidades de uma mensagens presidenciais de James K. Polk (1845), Franklin Pierce
economia em expansão, o quinto produtor mundial; e para o sul, onde (1853) e James Buchanan (1857).
se pretendia continuar o movimento da fronteira, respondendo ainda O choque amazônico confrontaria, entretanto, duas vontades
à ideologia do novo colonialismo carregado pelo "destino manifesto". nacionais fortes, porque dominavam a política externa brasileira de
Cuba, Panamá e Amazónia eram os objetivos. então as determinações de resistir a pressões externas no terreno
O plano norte-americano de ocupação da Amazónia, na década económico e político, de exercer uma hegemonia sobre o Prata e de
de 1850, representava uma saída para a crise da economia escravista, defender intransigentemente as posses territoriais.
com o translado de colonos e escravos do sul, que se dedicariam à A campanha norte-americana de ocupação da Amazónia era
produção da borracha e do algodão, e poderia ainda contribuir para o liderada, desde 1850, pelo tenente da Marinha, Matthew Maury. Seus
equilíbrio da balança comercial, uma meta igualmente perseguida pelos artigos na imprensa e sua obra de 1853 (TheAmazon and the Atlantic
Estados Unidos. O empreendimento foi de iniciativa particular, com Slopes of South América} tiveram enorme repercussão sobre a opi-
apoio tácito do governo de Washington e pressões arrogantes de seu nião pública, sobre os meios empresariais e sobre o governo. Fustiga-
representante no Rio de Janeiro, Willian Trousdale. O êxito depende- va-se a política "japonesa" do Brasil, exigia-se a abertura do Amazo-
ria de uma condição prévia, a abertura do Amazonas à navegação e nas e já se preparavam grandes expedições de flibusteiros que
ao comércio internacionais, uma reivindicação apoiada igualmente precederiam a vinda de empresários, colonos e escravos. Paralela-
por França e Inglaterra, à época em que se cultivava o mito do mente, os representantes norte-americanos junto aos ribeirinhos su-
eldorado produtivo da região. periores do Brasil - Peru, Colômbia, Equador, Venezuela, Bolívia -
Os estadistas e diplomatas brasileiros de então (Uruguai, Paraná, tentavam aliciar aqueles governos a sua causa, indispondo-os contra
Abaete, Paranhos, Ponte Ribeiro, Carvalho Moreira, dom Pedro II) a monarquia, que mantinha o Amazonas fechado, após obter a liber-
avaliaram o problema de forma correta, antes de definir uma estraté- dade de navegação dos rios platines. E, no Rio de Janeiro, o repre-
gia de ação. Dois elementos de cálculo pesaram mais sobre o pro- sentante ameaçava, desde 1853, e lançava seu ultimatum, em 1855,
cesso decisório: a) a experiência norte-americana de fronteira basea- como fez o comodoro Perry no Japão em 1853, com pleno êxito.
da em quatro fases - penetração demográfica, provocação, conflito, Trousdale tinha dois objetivos no Rio: arrancar um novo tratado
anexação - que sugeria a primeira medida política, ou seja, impedir a de comércio e conseguir a abertura do Amazonas para viabilizar o
vida de imigrantes para obstar ao aparecimento de novos senhores; empreendimento de Maury. Recebeu por duas vezes um solene não
b) as novas doutrinas políticas de caráter expansionista, avançadas ao tratado e acabou fracassando em seu segundo objetivo. Mas a
pelo governo norte-americano, que sugeriam contestação e resistên- ação norte-americana parecia poder triunfar por volta de 1853, quan-
cia por parte do Estado. do o Brasil fora totalmente isolado, tendo contra si os ribeirinhos ama-
A política externa norte-americana era baseada em princípios zônicos, os Estados Unidos, as nações europeias, particularmente a
conhecidos, que vinham da época da Independência: isolacionismo e Inglaterra, que apoiava a potência do Norte e exigia â livre navega-
não-intervenção; primazia do comércio sobre a guerra e a paz; exclu- ção do Amazonas.
são de alianças externas; proteção aos direitos dos norte-america- A estratégia brasileira seria, pois, defensiva, mas comportaria
nos; e condenação da interferência europeia. A partir de 1845, surgi- medidas positivas de ação interna e externa: a) fortalecer o Amazo-
rão três princípios novos: anexação de territórios por decisão nas e criar uma companhia brasileira de navegação, incumbida com
104 A m a d o Luiz Cervo e C l o d o a l d o B u e n o História da política exterior do Brasil 105

exclusividade do comércio e da colonização, para impedir a ocupa- Miguel Maria Lisboa, junto a Venezuela, Nova Granada e Equador,
ção estrangeira; b) estudar a fundo o direito internacional dos rios iriam assestar o canhão antinorte-americano, procurando convencer
para armar-se no campo jurídico; c) conceder a navegação aos ribei- os governos e a opinião de que a aliança antibrasileira servia-lhes
rinhos superiores, mediante convenção, para excluir os não-ribeiri- para facilitar a penetração imperialista, que acabaria por engoli-los.
nhos; d) confrontar a campanha norte-americana pela ação diplomá- Francisco Inácio de Carvalho Moreira, em Washington, rebatia na
tica; e) protelar a abertura até desaparecer o risco de dominação imprensa, com coragem e persistência, os argumentos de Maury e
estrangeira. adotava com relação ao governo dos Estados Unidos hábil manobra,
Em 1852, o governo brasileiro concedeu a Mauá o privilégio ex- mediante a qual importunava o Departamento de Estado e a Presi-
clusivo e um subsídio para sua Companhia de Navegação e Comér- dência, exigindo documentos escritos que tornassem pública a afir-
cio do Amazonas. A navegação brasileira tornou-se, enfim, realida- mação de não-envolvimento oficial, que veladamente sabia-se existir,
de, em resposta às pressões externas. Mauá perdeu o privilégio da contra a soberania brasileira. No Rio de Janeiro, Paulino, Limpo de
exclusividade em 1854, em razão de uma onda de protestos internos Abreu, Paranhos e dom Pedro amaciavam a arrogância de Trousdalc
e externos, e desfez-se da obrigação de promover a colonização em com respostas categóricas e tácitas protelatórias.
1857, ante a inviabilidade dos projetos. De qualquer forma, havia-se O limite de ousadia para a contra-ação brasilejra, no Rio de Ja-
ganhado tempo e dissuadido as potências de invadir a região, coliga- neiro e no continente, era posto pelo receio de provocar a expedição
das ou não. interventora, com apoio do governo dos Estados Unidos, como suce-
A doutrina jurídica brasileira que se firmou baseava-se no princí- dia na China, no Japão, no Egito, na Argélia, quando os objetivos das
pio do direito imperfeito dos ribeirinhos superiores, que podiam ace- nações fortes eram contrariados pela resistência local. Impunha-sc,
der à navegação dos rios interiores apenas mediante convenção. Era portanto, a coragem - mas sem prudência, habilidade, táticas ade-
aplicada de forma equivalente no Prata, onde o Brasil, como ribeiri- quadas, esperteza e inteligência tudo viria a se perder. A soma des-
nho superior, obtivera a navegação por convenções, e no Amazonas, ses atributos, que qualificavam a política brasileira, garantiu-lhe o su-
onde a oferecia aos Estados vizinhos pela mesma via, embora fazen- cesso. Também outros fatores conjunturais.
do-a depender da solução concomitante dos limites. A peça-chave As relações entre o Brasil e os Estados Unidos, embora mareadas
dessa política foi o tratado de 1851 com o Peru, pelo qual se regula- por atritos ocasionais, pelos quais tinham maiorresponsabilidadc cer-
mentavam os limites, concedeu-se a navegação à nação contratante tos agentes insolentes, deveriam pautar-se pelo entendimento de alto
e excluíram-se os terceiros. Em 1854, em extenso e aprofundado nível, porque se vinculavam interesses comuns. O comércio bilateral
parecer, o visconde do Uruguai propunha nova doutrina, que o Con- era o maior comércio continental, necessário e útil para ambos os
selho de Estado não endossou, por julgar inoportuno abandonar na- lados. A enterite cordiale Brasil-Estados Unidos fortalecia o "cqiii
quele momento o princípio da exclusão dos não-ribeirinhos. A resis- líbrio do poder" Europa-América, uma das metas externas comuns,
tência fazia-se ainda necessária e deveria ser mantida até o limite do A singularidade das duas grandes nações do continente aconselhava
possível, com o que concordava, aliás, Uruguai, cuja proposta estrategicamente boas relações recíprocas. Era, em suma, de bom
correspondia mais a uma tácita protelatória do que a uma mudança alvitre político superar os conflitos ocasionais. Dois outros lalon-s
doutrinal: conceder a navegação aos não-ribeirinhos, mediante con- agiam para relaxar a pressão norte-americana a partir de l S5S; poi
venção. um lado, os Estados Unidos já se encaminhavam para o conllilu min
Para contra-atacar a ação norte-americana, despachou o gover- no, que explodiria na guerra de secessão, impondo uma parada no
no brasileiro três eminentes diplomatas para a's posições-chave do "destino manifesto"; por outro, Maury se encontrava já na d c l r i r . i v . i ,
confronto. Duarte da Ponte Ribeiro, nas repúblicas do Pacífico, e sendo suas ideias criticadas e combalidas pelos relatónti:, <lr \\.\\.\\\
l
III,, Am.ulo Luiz Curvo e Clodoaldo Bueno História da política exterior do Brasil 107

(r:;, |)H;i imprensa, 1 pela corrente antiescravista, e seu "celeiro do contra o governo brasileiro. Foi uma variável da política independente
mundo", a "República Amazónica", convertido no reino da fantasia. de então, calculada e autoformulada, como foi a abertura unilateral e
( ) ji>c,o diplomático em si passou por três fases. Inicialmente, o sem risco de 1866, útil em meio à guerra que se sustentava no sul de
PIM ij',o foi ampliado pela resistência do governo brasileiro em ceder Brasil.3
sob pressão. A questão extrapolou os limites das relações bilaterais e
passou à fase da diplomacia continental, mais inclinada a apoiar a
causa norte-americana. Refluiu novamente à esfera bilateral, em fun-
çiJo do êxito alcançado pela estratégia brasileira e dos fatores
conjunturais. Negociar, para o governo brasileiro, significava, porém,
não ceder, enquanto houvesse risco.
A partir de 1860, prevalecia nos meios políticos brasileiros a cor-
rente liberal sobre a protecionista, exigindo-se a abertura do Amazo-
nas em nome da ciência, do progresso e da civilização. Tavares Bas-
tos, sempre disposto a escancarar as portas do Brasil, abrindo-o à
penetração estrangeira, ia ao extremo de apoiar a ocupação consentida
da Amazónia, para não ter de cedê-la à força. Dialogando com a
corrente liberal, Pimenta Bueno propunha, em 1864, um verdadeiro
pacto de integração regional, entre os países da Bacia Amazônica,
envolvendo a livre navegação, o incremento do comércio regional, a
solução racional para os limites, a cessão por parte do Brasil de terri-
tórios, postos e vias de ligação, tudo interligado num "sistema inteiro,
complexo e muito valioso".
Nenhuma das propostas teria encaminhamento efetivo, mas em
7 de dezembro de 1866, ouvido o Conselho de Estado sobre cinco
quesitos relativos à navegação do Amazonas, baixou o governo bra-
sileiro o decreto de abertura incondicional a todas as nações, excluído
apenas o trânsito de navios de guerra. Interrompia-se, dessa forma, o
prolongado debate nacional e chegava-se a um desfecho soberano
no quadro externo.
A percepção do interesse nacional ditou uma política firme, sá-
bia e flexível, que adiou a abertura em função de sua oportunidade.
Manter o Amazonas fechado até cessar o perigo de dominação ex-
terna não foi, portanto, uma política mesquinha: nem "portuguesa",
ou seja, de exclusivismo tradicional, como afirmavam os liberais con- Luz (1968); Palm (l 984); Medeiros (l938); Reis (1965); United States Governrm
tra os protecionistas, nem "paraguaia", como afirmava Tavares Bas- PrintingOffice(1961);Perkins(1963el964b);GrahamH. Stuart(1966);Bande
tos contra os nacionalistas, nem "japonesa", como afirmava Maury (l 973); Cervo (l 981); Souza (1944 e 1952); Renato de Mendonça (1942); Renoin
(1965). Cf. as coleções da nota anterior.
O controle do Prata

Entre 1822 e 1889, a'política brasileira para os países da Bacia


do Prata passou pelas seguintes fases: a) tentativa de cooperação e
entendimento para defesa das independências (1822-1824); b) guer-
ra da Cisplatina (1825-1828); c) política de neutralidade (1828-1843);
d) passagem da neutralidade à intervenção (l 844-1-852); e) presença
brasileira ativa (l 851 -l 864); f) retorno à política intervencionista (l 864-
1876); g) retraimento vigilante (1877-1889).
O período que vai de 1844 a 1876 caracterizou-se pela ascen-
são, apogeu e declínio de uma política brasileira de potência perifé-
rica regional, autoformulada, contínua e racional, na medida em que
se guiava por objetivos próprios, aos quais subordinavam-se os
métodos e os meios. O Prata foi a área em que correu solta a polí-
tica de potência do Estado-Império brasileiro, ensaiada internacio-
nalmente a partir de 1844, com a resistência à hegemonia interna
da Inglaterra e às pretensões norte-americanas no Amazonas, com
a elaboração do projeto industrial e a determinação de assegurar o
território disponível.
As condições objetivas para sua implementação na região Ibram
em parte descritas anteriormente, no que se refere à consolidação do
Estado nacional brasileiro e à conjuntura económica i n t e r n a c i o n a l .
Deve-se acrescentar a debilidade dos Estados uruguaio e argentino,
ainda incapazes de articular as forças produtivas internas, e as d i h
culdades do Estado patrimonial paraguaio, no momento em que pn>
pôs a abertura externa. Por outro lado, o quadro internacional, nu qur
se refere ao exercício da potência, atravessava um período de dislru
cão, que também contribuiu para a autonomia da acao brasileira no
Prata. Com efeito, entre 1840 e 1848, a Europa e n t r a v a cm erlie,
sofrendo os efeitos de novo ela revolucionário, que culminou em 1848;

L
l 10 A m a d o Luiz Cervo e C l o d o a l d o B u e n o História da política exterior do Brasil 111

os líslados Unidos engajavam a expansão territorial acelerada e, b) marchar contra ele, por meio da aliança paraguaia; c) marchar
llnalmente, os europeus se dirigiam à Ásia. Entre 1851 e 1871, a Euro- contra ele, juntamente com França e Inglaterra; d) confrontá-lo dire-
pa enfrentava três guerras internas, Estados Unidos e China ocupa- tamente, com ou sem alianças de terceiros. Ás alternativas permitem
ram-se com suas guerras civis, e o Japão, com sua revolução moder- concluir que até a intervenção não existia uma política brasileira para
nizadora. As repúblicas latino-americanas do Pacífico envolviam-se o Uruguai nem para o Paraguai. No Prata, tudo se definia em função
na guerra contra a Espanha, e o México estava à mercê da aventura de Rosas, de suas iniciativas ou reações presumíveis.
.francesa. Dessa forma, a dispersão das forças no cenário internaci- Alguns complicadores vinham semear sobre as condições objeti-
onal abriu no Prata um espaço de manobra para o Brasil. vas outros elementos de confusão: a) havia nos meios políticos brasi-
Era chegado o momento de estabelecer e ordenar metas de leiros quem simpatizava com o caudilho rio-platense e quem o detes-
longo prazo, empreender ações concretas para atingi-las, ou seja, tava, percebendo-se a mesma divisão no próprio corpo diplomático,
empregar táticas de coerência adequada à construção de uma es- embora prevalecessem aí seus desafetos; b) como não se definia o
tratégia. Quais as necessidades internas que determinaram a estraté- governo central por uma politica invariável e firme, as duas grandes
gia global, suas metas de curto e longo prazo, como se articularam províncias sulistas, Rio Grande do Sul e Mato Grosso, faziam sua
tais empreendimentos e desígnios com os interesses de competição pequena política externa regional, agindo em função de interesses
das potências internacionais e com aqueles dos Estados regionais? locais, com relativa desenvoltura; c) o poder efetivo de Rosas ou sua
A análise histórica buscará os elementos para concluir sobre tais imagem induziam internamente a política do medo, que bloqueava ou
questões. interrompia iniciativas marginais e impedia ainda uma ação direta;
d) no Parlamento, onde se debatiam publicamente as questões plati-
nas e a política brasileira, prevalecia até 1847 a corrente tradicional
Da hesitação à intervenção do pensamento neutralista; e) junto à corte, os representantes de Mon-
tevidéu e Buenos Aires, Lamas e Guido, solicitavam insistentemente
Entre o malogro da composição com Rosas, em 1843, e a inter- o governo para políticas contrárias.
venção no início da década seguinte, a política platina do Brasil atra- Hesitava, pois, a diplomacia brasileira, e como resultado dessa
vessou um período de transição, marcado por indefinições táticas e hesitação ainda recolhia mágoas impertinentes: Rosas e seus agentes
estratégicas, pela consideração das alternativas incompatíveis e pela assimilavam a neutralidade brasileira à covardia; França e Inglaterra
falta de clareza no estabelecimento de metas concretas. Manteve-se desdenhavam a ideia de ação conjunta; o Paraguai de Carlos António
a neutralidade efetiva, não como opção política consciente, mas, ao López se decepcionava, assim como Montevidéu, os gaúchos e os
contrário, em função de sua ausência. Houve uma preeminência da matogrossenses. Uma situação insustentável a longo prazo, que, em
forma sobre a substância. Embora se envolvessem com a política dado momento, demandaria entre o Rio de Janeiro e Buenos Aires o
externa os órgãos de Estado em seu conjunto, é inegável que a mu- entendimento ou o confronto.
dança frequente do titular dos Negócios Estrangeiros - onze minis- Era então condição, da parte brasileira, para um possível enten-
tros ocuparam a pasta entre 1843 e 1849 — contribuiu para tal instabi- dimento duradouro com Rosas a satisfação das seguintes exigências:
lidade. O período, entretanto, é decisivo para se definirem as condições a) obtenção do tratado definitivo de paz, decorrente da convenção de
da mudança. 1828, para garantia da independência do Uruguai; b) reconhecimento
Quatro alternativas entravam em linha de conta, nos meios polí- da independência do Paraguai; c) liberdade de navegação; d) neu-
ticos brasileiros, sem que por uma ou pela combinação de várias se tralização da ilha de Martin Garcia, que dominava o estuário; e) reco-
orientasse decisivamente a política: a) a reaproximação com Rosas; nhecimento dos limites sulinos, conforme o uti possidetis da época
112 A m a d o Luiz Cervo e Clodoaldo B u e n o História da política exterior do Brasil 113

da independência; f) estabelecimento do comércio regular regional; consultando Guizot e Aberdeen sobre as possibilidades de interven-
g) aproveitamento das pastagens uruguaias para o abastecimento ção conjunta, em função também de interesses comuns no Prata.
do charque, cuja demanda interna crescia com a importação de Mas, assim como a inépcia brasileira desiludira perigosamente o go-
escravos. verno paraguaio, a arrogância inglesa humilhará o governo brasileiro,
A viabilidade de relações estabelecidas nessas bases dependia ao pretender Aberdeen subordinar a cooperação à obtenção de gran-
do abandono das prevenções mútuas, da ação conjunta bilateral e, des concessões, quando lhe convinha fazê-la de graça. Entre os obje-
sem dúvida, do sacrifício de pretensões hegemónicas argentinas em tivos de Aberdeen, incluía-se nova convenção sobre o tráfico, novo
favor das brasileiras. Uma viabilidade assim posta era, literalmente, tratado de comércio, abandono do protecionismo, ou seja, restaura-
inviável, como os fatos vieram demonstrar. ção da influência perdida. Duas políticas fracassadas, em apenas um
A política platina brasileira comportou três curtas fases no ano. A intervenção franco-britânica seguiu-se em 1845 - não em
período: a) o desejo de mudança e as iniciativas de 1844; b) o recuo, razão de alguma influência brasileira - e aliás sem meios nem deter-
desde a intervenção franco-britânica em 1845 até a derrota e a reti- minação para atingir os fins que ditavam os interesses europeus. In-
rada daqueles europeus, em 1849-1850; c) a decisão de solucionar os gleses e franceses foram finalmente derrotados por Rosas, que lhes
problemas pela força e as operações levadas a termo em 1851 -l 852. ofereceu resistência, retirando-se em 1849-1850,'deixando o Prata
Honório Hermeto Carneiro Leão, condutor da política de com- tal qual o haviam encontrado.
posição com Rosas, em 1843, cogitava, desde seu malogro, abando- A lição de 1843 repetia-se em 1844: não tivera êxito o governo
nar as perspectivas de marchar conjuntamente com aquele governo brasileiro tanto em sua tentativa de composição com Rosas, como
nas questões platinas. Tanto é que a reintegração do Rio Grande do com os imperialistas. Malbaratara, ademais, a proveitosa aliança
Sul, segregado do Império desde 1835, seria feita por ação exclusiva- paraguaia, humilhando aquele governo, ao ponto que não lhe convi-
mente interna, concluída em 1845. Foi, entretanto, seu sucessor no nha por certo.
Ministério dos Negócios Estrangeiros, Paulino José Soares de Sousa, Não podendo servir a tantos senhores, nem ao mesmo tempo
que recuperou a tradição bilateral autónoma de Corrêa da Câmara, nem alternadamente, e não podendo agir por conta e risco em provei-
nas relações com o Paraguai. to próprio, o governo brasileiro refugiou-se novamente em sua neu-
Em Assunção, em 1844, seu enviado, Pimenta Bueno, reconhe- tralidade, a partir de 1845. Desde então, a situação platina ia-se agra-
cia solenemente a independência paraguaia e concluía um importante vando sempre mais, na ótica brasileira. López hesitava entre Rosas,
tratado de amizade, comércio, navegação e limites. O entendimento Corrientes, os europeus e o Império, à semelhança do procedimento
entre López e Pimenta Bueno era perfeito, concluindo os dois, ad brasileiro anterior. Aleatoriamente, poderia unir-se a forças antagóni-
referendum, e por sobre as instruções do representante brasileiro, cas para atingir seus fins, e essa possibilidade não excluía o confronto
uma aliança bilateral, diretamente anti-rosista. Bueno supunha inter- com o Império, cuja aliança buscava sem alcançar. Os gaúchos en-
pretar o pensamento de Paulino, e não se enganava. Essa nova polí- frentavam Oribe, que dominava a campanha uruguaia, numa verda-
tica, de cooperação com os Estados do Prata e com a América his- deira guerrilha de fronteira. Montevidéu resistia-lhe com apoio fran-
pânica para contra-arrestar Rosas, seria, entretanto, efémera e sem cês, que ameaçava esgotar-se. Rosas derrotava os europeus,
consequência. O Gabinete que substituiu Paulino, em fevereiro de cobrindo-se da glória americana. Seu representante no Rio de Janei-
1844, mudou novamente de política, enviando Abrantes à Europa e ro estava em condições de bombardear a Chancelaria brasileira com
negando ratificação ao tratado paraguaio. notas arrogantes, exigentes e agressivas.
Em vez de implementar a articulação paraguaia, em função de Em 1849, de volta ao Ministério dos Kslrangciros, o visconde do
interesses comuns, desviava-se o governo brasileiro para a Europa, Uruguai, Paulino José Soares de Sou/.a, avalia o quadro p l a t i n o c se

L
l l 'l _Amado Luiz Cervo e Clodoaldo Bueno História da política exterior do Brasil 115

prcpiira para recuperar a política que esboçara em 1843-1844. Des- 2. Uma condição prévia para o êxito da operação era a elimina-
sa leila não será substituído nem enfrentará resistências que não pu- ção do estado de quase-guerra entre o Brasil e a Inglaterra
desse superar, até levá-la a termo. A política conservadora, por causa do tráfico de escravos. O ministro de Estrangeiros
americanista e de aliança paraguaia, ressurge do passado, não porém decidiu a aprovação da lei de extinção, em julho de 1850, por
de forma a se confrontar com a política liberal, europeanista e meio de brilhante exposição ante o Parlamento. Além dos
caudatária. Limpo de Abreu, o mais conceituado diplomata entre os motivos próprios, a extinção estava vinculada a sua política
liberais, era tão americanista, monroísta à brasileira, quanto Paulino platina, como uma decisão útil: "Nec Hercules contra duo",
ou Honório Hermeto, os líderes da diplomacia conservadora. Aliás, dizia Paulino.
Abrantes fora mesmo à Europa para tentar abrir o Zollverein (mer- 3. Outro obstáculo a vencer era o apoio do governo inglês a
cado comum) aos produtos brasileiros e estudar as instituições euro- Rosas. Seu representante em Buenos Aires, Southern, havia
peias. A consulta que fez às cortes de Londres e Paris sobre a inter- solicitado a Palmerston uma intervenção preventiva contra o
venção foi um acidente de percurso. Quando López decidiu agir Brasil, já que agora a ordem que o governador impunha à
externamente, durante a intervenção franco-britânica, julgando ter região convinha aos negócios ingleses. Dom Pedro acionou
chegado a ocasião de liquidar Rosas, contraiu apressada aliança com então a diplomacia familiar, obtendo por meio de pressões do
Comentes, declarou guerra ao líder portenho, estabeleceu contatos rei dos belgas sobre a rainha Vitória e desta sobre o chefe do
com os interventores europeus para ampliação da aliança. Os repre- governo, que Palmerston transitasse do apoio a Rosas e da
sentantes do Brasil, Pimenta Bueno, e dos Estados Unidos, Eduardo hostilidade contra o Brasil à neutralidade e ao reconhecimen-
Hopkins, em Assunção, interpretando a política de seus governos, to do direito brasileiro de intervir. O resultado dessa ação des-
fizeram saber que condenariam qualquer engajamento ao lado dos norteou Southern e seu amigo Rosas.
europeus para solucionar questões americanas. A política conserva- 4. Paulino rompeu com o governo de Buenos Aires, entregando
dora acabará, pois, vinculando os liberais, a tal ponto que, em 1851, a seu representante os passaportes, como solicitara.
Paulino nomeará Honório e Limpo para negociar os tratados solicita- 5. Obteve do Senado autorização para nomear o senador Con-
dos por Lamas, o representante uruguaio no Rio de Janeiro. de de Caxias como presidente da província do Rio Grande do
A intervenção contra Oribe e Rosas, decidida por Paulino, após Sul. Com essa tática, desencadeou o debate público e alcan-
a retirada europeia do Prata, correspondeu a uma política nacional çou o apoio dos meios políticos à campanha platina. Seu ho-
autónoma, cuidadosamente preparada: mem de confiança seria colocado no comando das tropas,
enquanto a Marinha era confiada ao experiente Grenfell.
1. Na avaliação brasileira, Rosas saíra tão fortalecido do con- 6. Paulino aceitou a oferta do barão de Mauá, que se dispôs a
fronto com os europeus que não hesitaria em levar adiante sustentar financeiramente a praça de Montevidéu contra
seu expansioriismo regional. O Uruguai estava sob seu con- Oribe, após retirada dos franceses em 1850.
trole com Oribe, para desespero dos gaúchos, que pratica- 7. Enviou representantes ao Pacífico (Duarte da Ponte Ribeiro)
vam incursões violentas à busca do gado. Paraguai e Bolívia para contra-arrestar Rosas, e ao Prata para concluir alianças
seriam suas próximas presas e, quiçá, parte do Rio Grande do contra Rosas, obtendo-as de Carlos António López e, depois,
Sul. Restabelecer-se-ia assim o antigo Vice-Reino do Prata, dos governos de Montevidéu, Corrientes e Entre-Rios, com a
sob a forma de grande Estado rival. Correia ou.não, essa finalidade de eliminar Oribe num primeiro tempo (convénio
avaliação brasileira era o principal elemento de cálculo políti- de 29 de maio de 1851) e trazer Rosas à guerra para voltar
co. Convinha, pois, atacá-lo primeiro, em ação direta, "agre- esta aliança contra ele, num segundo tempo (convénio de 21
dir para não ser agredido", pensava Paulino. de novembro de 1851).
História da política exterior do Brasil 117
-116 A m a d o Luiz Cervo e Clodoaldo Bueno

A estratégia de guerra foi armada da melhor forma, envolvendo l. Finalidades económicas. Convinha manter um comércio re-
a diplomacia, as alianças e a colaboração de homens fortes, como gular em que preponderava, sem dúvida, a necessidade brasi-
Duarte da Ponte Ribeiro, no Pacífico; Bellegarde, em Assunção; leira de importação do charque, já que a produção rio-
Honório Hermeto, em Montevidéu; e Caixas, no Rio Grande do Sul. grandense era decadente e insuficiente para alimentar amassa
Rosas também colaborou para sua derrocada, ao abandonar o fede- escrava que movia o sistema produtivo. Menos dependente
ralismo, perseguir brutalmente seus adversários, provocar a revolta era o Prata de produtos brasileiros (erva-mate, tabaco, açú-
do interior, cujo comércio controlava desde Buenos Aires, e fechar car, café, madeira), embora não fosse um mercado desprezí-
os rios à navegação internacional. O exército que o derrotou era co- vel. Nesse sentido se entende a vontade de manter um con-
mandado pelo seu compatriota Urquiza. Dois outros erros cometeu trole mais direto sobre o Uruguai, principal fonte de
Rosas em seus derradeiros momentos: cair na cilada que lhe prepa- abastecimento. Quanto ao Paraguai, o comércio bilateral era
rou Paulino, declarando guerra à primeira aliança, após a derrota de minguado, mas no correr da década de 1850 os dois países
Oribe, e permanecer quase inativo depois, na expectativa do auxílio entraram em concorrência para dominar o mercado regional
de Palmerston. As operações contra ele seriam executadas com a da erva-mate e posteriormente se encontrariam no mercado
máxima rapidez, como se planejara, precisamente para impedir a che- internacional do algodão. Os interesses brasileiros se estabe-
gada em tempo do auxílio inglês, que finalmente não veio. leceram igualmente no domínio das finanças, mediante em-
A batalha de Monte Caseros (3 de fevereiro de 1852) foi grandio- préstimos feitos aos governos do Uruguai, da Confederação
sa pelo número de homens engajados (cerca de 50 mil) e pelo seu Argentina e da República Argentina, com finalidades emi-
significado histórico: a derrota de Rosas, que já nem lutou, sua retira- nentemente políticas: Secundavam essa ação os empreendi-
da para a Inglaterra, a derrota de uma política inglesa para o Prata e mentos bancários, os empréstimos particulares e as iniciati-
a ascensão do Brasil como nova potência regional, temporariamente vas modernizadoras de Mauá no Uruguai e na Confederação.
hegemónica. Era condição para o desempenho dessas atividades económi-
cas a livre navegação dos rios interioranos, e nesse ponto o
interesse brasileiro coincidia com os das potências capitalis-
A presença brasileira e seus fins tas, Estados Unidos, França e Inglaterra. Não foi, entretanto,
o Brasil a reboque dessas potências, com a finalidade de abrir
A ação do Império sobre o Prata definiu-se em função de neces- pela força a economia paraguaia ao liberalismo internacional.
sidades internas do Brasil, às quais foram acoplados objetivos concre- Tal abertura já havia sido empreendida pelos Lópe/, atile o
tos de seu interesse. Podiam estes últimos coincidir ou conflitar com fracasso do sistema autárquico, e estava em pleno andamen-
interesses das potências capitalista, que também se faziam presentes to, interessando muito mais ao capitalismo internacional a p;i/
na região. A eliminação de Oribe e Rosas não levou à superação das do que a guerra.
contradições locais, que repercutiam ainda sobre a vida política e sobre 2. Finalidades estratégicas e de segurança. Os objetivos que
a formação dos Estados. guiavam a ação brasileira nesses domínios eram a defesa i n
Coordenando uma ação diplomática intensa com as finanças e o transigente das independências locais, condição favorável no
comércio, exercia o Estado brasileiro sua hegemonia, obtendo ganhos exercício de sua hegemonia, o acesso a Maio (irusso pelo
sem ter de fazer a guerra, à sombra de sua força, cujo emprego estuário, tanto para os navios de comércio quanlo de C,IK-I i ,i,
estava reservado somente a soluções de última instância. Movia-se o a definição jurídica das fronteiras, a segurança das l i n n i r n . r ,
Brasil, no Prata, pelos motivos descritos a seguir: e a liberdade de trabalho dos brasileiros residentes MO l Im
â

118 A m a d o Luiz Cervo e Clodoaldo B u e n o História da política exterioi* do Brasil 119

guai (aproximadamente 20% da população total). Nos objeti- mento de 1853. Mas, na realidade, os empréstimos de Mauá e do
vos de segurança não figurava a expansão territorial, incom- próprio governo a Urquiza facilitaram-lhe a vitória de 1859, que re-
patível com a preservação da independência e integridade compôs a unidade. Apesar de solicitado por ambos os lados a tomar
dos Estados, uma variável central da geopolítica brasileira. partido, o Brasil soube mover-se com desenvoltura suficiente, porque
3. Finalidades políticas. Era do interesse brasileiro o funcio- simpatizava com Buenos Aires pelas suas instituições liberais, mas
namento normal de instituições liberais, condição para a ma- não abandonava Urquiza, seu homem de confiança. Se, por um lado,
nutenção de relações duradouras e construtivas e para o in- essa imperfeita neutralidade custou-lhe a rejeição dos tratados de
cremento do liberalismo económico. O visconde do Rio Branco, limites e definitivo de paz (relativo ao Uruguai), valeu-lhe um relacio-
José Maria da Silva Paranhos, herdeiro e principal condutor namento político civilizado, que jamais se verificara, o estabelecimen-
da política conservadora de 1850, nas duas décadas seguin- to do comércio regular, como desejava, a livre navegação e, particu-
tes, ligava sempre economia e política, desejava a prosperi- larmente, a não-interferência em seu controle sobre o Uruguai. Obteve
dade dos vizinhos em ambos os terrenos e pretendia construir ainda a garantia de uma meta estratégica, induzindo não só o reco-
sobre tais elementos um sistema de relações pacíficas, confi- nhecimento argentino da independência do Paraguai, como também
antes e benéficas. Não foi capaz, entretanto, o governo brasi- o apoio contra os López, quando se fez necessário.
leiro de conduzir-se com imparcialidade ante as facções uru- Era desse lado, com efeito, que as relações pioravam, apesar do
guaias (blancos e colorados) e argentinas (unitários e tratado de aliança de 1850. Desejava o governo paraguaio a fixação
confederados), por ser impossível um tal desígnio, estando os dos limites com o Brasil, que exigia previamente a liberdade de nave-
interesses brasileiros fatalmente vinculados a lideranças an- gação. Convénios e acordos se sucediam, eram violados, ameaças e
tagónicas. Administrou a diplomacia brasileira esses antago- demonstrações de força ocorriam de lado a lado. Ambos se miravam
nismos enquanto pôde, mas não sem arranhar o bom entendi- com desconfiança e cogitavam na guerra, de tempos em tempos,
mento político no âmbito do Estado. No balanço geopolítico para cortar com as dificuldades. A substituição de Carlos António
dos fatores, tinha o Uruguai maior importância económica, a López por seu filho, Francisco Solano López, em 1862, acentuou o
Argentina maior importância política, permanecendo o radicalismo. Aconselhado por seu pai, no leito de morte, a não recor-
Paraguai na tradicional função de trunfo estratégico. rer à guerra contra o Brasil para superar as pendências, encaminhará
sua política precisamente no rumo contrário. Armou seu país acima
Entende-se, dessa forma, por que os cinco tratados de 12 de das conveniências, adotou a.teoria do "equilíbrio dos Estados" do
outubro de 1851 estabeleceram sobre o Uruguai um semiprotetorado Prata e aceitou o convite dos blancos uruguaios para compor um
brasileiro, que Urquiza e Buenos Aires toleravam, mesmo que a for- eixo, que na sua expectativa ainda atrairia Urquiza.
ça fosse empregada para mante-lo, como ocorreu em 1854 e 1864.
Assegurou-se no período a ação de Mauá, a exploração brasileira
das pastagens uruguaias, o controle das finanças públicas uruguaias O retorno às soluções de força (1864)
e a delimitação das fronteiras segundo o desejo brasileiro. Provocou-
se, entretanto, a hostilidade interna do Partido Blanco e as reclama- No início da década de 1860, importantes modificações ocorrem
ções dos brasileiros residentes no Uruguai, que se envolviam na luta no Prata, quanto à composição das forças sociais e institucionais,
política interna, em nome dos interesses materiais. com repercussões no âmbito das relações entre os Estados.
Do lado argentino, o governo brasileiro protestava neutralidade A vitória de Mitre sobre Urquiza, em 1861, e sua ascensão â
ante o conflito entre Buenos Aires e a Confederação, desde o rompi- presidência da nova República Argentina, no ano seguinte, significa-

L
120 A m a d o Luiz Cervo e Clodoaldo Bueno História da política exterior do' Brasil l .' l

vam enfim o triunfo dos unitários sobre os federalistas, do liberalismo mente, uma vontade nacional de potência, amparada numa economia
buenairense sobre a economia natural e pré-capitalista do interior. próspera e em efetivos militares extraordinários. Tinha o Paraguai
Essa transição não se consumaria, entretanto, sem o sufocamento de duas pendências externas de limites, senão mesmo três, porquanto
forças antagónicas internas e sem ampla abertura à penetração capi- nada se definira ainda com relação às fronteiras brasileira, argentina
talista modernizadora. Também supunha a eliminação de forças mar- e boliviana. A essas dificuldades ainda se acrescia a da navegação
ginais opostas, tradicionalmente imiscuídas nos destinos internos, tais para Mato Grosso, de interesse vital para o Brasil.
como os "primitivos" blancos no Uruguai e o anacrónico sistema Francisco Solano López, mais que seu pai, estava determinado n
patrimonial paraguaio. A propensão da nova Argentina encaminha- marcar presença efetiva no rumo dos acontecimentos regionais, cons-
va-se logicamente no sentido de apoiar transformações similares nos truindo, em conformidade com o pensamento blanco uruguaio, a Iço
arredores, embora não se dispusesse Mitre ao emprego da força para ria do "equilíbrio dos Estados". Significava, na prática, a intenção de
tal fim. Seu aliado natural era precisamente o Brasil, com cuja ideolo- preservar os pequenos, Uruguai e Paraguai, das intervenções i n i
gia de governo afmava-se por inteiro. perialistas dos grandes, Argentina e Brasil. Significava, em teoria, a
Em tais circunstâncias, o Uruguai tornou-se um complicador, visto possibilidade de se construir o terceiro Estado, de dimensão e potên-
que Berro, um blanco, aliado dos primitivos, mantinha-se na presidên- cia similar aos dois grandes, reunindo Uruguai, Paraguai, Corricnlcs,
cia, desde 1861. Seu governo, embora moderado, tanto quanto lhe Entre-Rios e, quiçá, as missões riograndenses.
permitia a exaltação partidária, envolver-se-á em dois contenciosos Os desígnios brasileiros com relação ao Prata, apesar das novas
externos ao mesmo tempo: do lado brasileiro, criará dificuldades ao ideologias, instituições e visões dos homens de Estado que se fa/.iam
comércio favorecido, impondo direitos à passagem do gado em pé presentes na região, permaneciam na década de 1860 os mesmos da
para as charqueadas riograndenses e negando-se a novo tratado de década anterior. E a estratégia também: manter como instrumento de
comércio; do lado argentino, terá de enfrentar o apoio à rebelião de conquistas a arma da diplomacia. Daí por que as Forças Armadas, no
Flores, o adversário colorado e tradicional aliado dos unitários. O du- Brasil, eram negligenciadas e relativamente limitadas, se compara-
plo problema fundia-se na campanha, onde os riograndenses toma- das às do Paraguai. A crença na superioridade era tal, que não cnli a
vam partido em defesa de seus interesses ameaçados, envolviam-se vá no cálculo dos estadistas brasileiros o perigo da guerra p l a t i n a .
na guerra civil e pressionavam fortemente o Rio de Janeiro a uma Ideologicamente, a guerra no Prata podia-se justificar pelo lado
posição. Suas reclamações faziam eco no Parlamento e no governo, do liberalismo, cuja implantação sobre a região sob a íoima
onde também se exaltava a opinião. Pressionado de todos os lados, modernizadora não estava consumada. Pelo lado económico, muln
contando apenas com o apoio isolado de Maná, o governo blanco entretanto aconselhava seu desencadeamento, embora poslcnoimnih ,
buscou o Paraguai, de onde supôs poder chegar o último socorro como é natural, tenha se convertido em "grande negócio". A c x p l i e n
possível. cão da conspiração capitalista, reunindo Inglaterra, A r g e n t i n a e M i n
O Paraguai dos López ressentia-se historicamente do minguado sil para destruir o sistema fechado e autónomo do Paraguai dev < li
papel que lhe reservara em assuntos internacionais o subsistema re- tributar a distorções da análise histórica. A essas economias, i'is c|imr.
gional, desde que Carlos António engajara sua abertura externa. Não já se integrava o Paraguai na época, interessava o incremento dm
tomara parte dos eventos que liquidaram Oribe e Rosas, não conse- relações, como desejado e encaminhado pelo governo dos l .ó|» t
guia imiscuir-se nos destinos de outras nações, a não ser a honrosa A guerra internacional, no Uruguai e no Paraguai, lói pi i->TI In In
mediação exercida em 1859 entre Buenos Aires e a Confederação, de intensa movimentação diplomática. Dois eixos se C I I I / . M V I I I i
ocasião em que se conjugaram Brasil e Paraguai para fortalecer o Montevidéu, ligando, o primeiro, Buenos Aires ao Rio de .limriru, f, u
Estado argentino. A esse minguado papel correspondia, paradoxal- ' segundo, Montevidéu a Assunção. As iniciativas cio governo l "i"
122 Amado Luiz Cervo e Clodoaldo Bueno História da política exterior do Brasil 123

se dispersavam, entretanto, em quatro direções: Buenos Aires, Bra- mento com Buenos Aires e o Rio de Janeiro, enquanto sondava
sil, Uruguai e Comentes, com intensidade correspondida em apenas Urquiza, o possível aliado estratégico. Dispôs-se até mesmo a mediar
um dos pólos, Montevidéu. o conflito uruguaio, sendo polidamente dispensado por Saraiva. Exi-
O eixo Brasil-Montevidéu-Buenos Aires empenhava-se na so- giu de Mitre explicações sobre atitudes de governo e ameaçou revidar
lução do conflito interno uruguaio e era coordenado pelo enviado bra- contra o Brasil, caso o ultimatum fosse executado no Uruguai. Nin-
sileiro José António Saraiva. Seguira este em importante missão ao guém, todavia, lhe dava ouvidos, protelando-se respostas e
Prata, com o pretexto de obter reparações pelas violências pratica- dcsconsidcrando-se ameaças. Era, talvez, humilhação demasiada para
das contra os brasileiros residentes no Uruguai, mas seu fim era res- quem dispunha de forças superiores às dos vizinhos somadas, procu-
tabelecer o controle brasileiro e salvaguardar aí os interesses tradici- rava criar seu espaço diplomático e pretendia fazer-se imperador.
onais, que respondiam às necessidades já conhecidas. Desviou-se de No Brasil e na Argentina, alimentava-se a ingenuidade de que
sua missão, entretanto, e, com a participação do governo Mitrc c do o Paraguai não faria a guerra, e por isso era desqualificado interna-
representante inglês em Buenos Aires (embora estivessem rotas as cionalmente sem receios. Ora, López agia por si, tanto é que, ao
relações entre Brasil e Inglaterra), incumbiu-se da mediação entre atacar os dois países, não foi em socorro dos blancos, e essas atitu-
Flores e Aguirre, o novo chefe dos blancos no poder. des, que desnortearam diplomatas e políticos de então, são hoje mais
Os liberais brasileiros, então no poder, exigiam de Saraiva a compreensíveis. Três erros básicos cometeu López, ao desencadear
obtenção de reparações e forçaram-no a executar um ultimatum a guerra: acreditar na dissidência de Urquiza, que acabou colocan-
nesse sentido, quando fracassaram os entendimentos de paz. As do sua espada à disposição de Mitre; contar com os blancos, que
tropas brasileiras penetraram no território uruguaio, aliaram-se à debandaram ante as tropas brasileiras; dispersar o exército, em vez
sublevação e só não bombardearam Montevidéu porque lá fora es- de tomar Montevidéu e Buenos Aires e negociar em posição de
força. Também não calculou a facilidade com que se concluiria a
tabelecido Flores, com quem Paranhos, o novo enviado brasileiro,
tríplice aliança de l- de maio de 1865, embora não lhe faltassem
concluíra um convénio, em 20 de fevereiro de 1865, restabelecendo
informações para perceber que vinha essa aliança sendo gestada,
a paz e compondo a primeira aliança contra o Paraguai. Na guerra
pelo menos, desde 1857.
uruguaia, o governo Mitre tomou parte ativa, embora tenha
A guerra foi financiada com recursos do Tesouro brasileiro, que
astuciosamente usado a presença brasileira para atingir seu fim. repassou grandes empréstimos à Argentina, e com recursos de ban-
Saíra-se, entretanto, extremamente ressentido o governo liberal bra- queiros ingleses, interessados apenas em transações rentáveis, mes-
sileiro com o desfecho da guerra uruguaia, porquanto não obteve as mo à revelia do governo de Palmerston. Este não teve responsabili-
reparações que exigia, e fora ainda brindado com a agressão dade alguma sobre a origem ou sobre o andamento das operações,
paraguaia a seu território, em razão da intervenção no Uruguai. nem contava aqui com "vassalos", dispostos a executar seus desejos.
Paranhos foi sumariamente demitido. A guerra, desencadeou-a López, e sua condução foi sim resultado da
O eixo Montevidéu-Assunção era concomitantemente percorri- vontade de Estado, brasileira em primeiro lugar e argentina em se-
do por inúmeros e febris emissários blancos que insistiam de forma gundo. Foi uma determinação do governo brasileiro eliminar López,
crescente e até insolente para que transitasse López das intenções e como fez com Rosas no passado. Daí o prolongamento da guerra,
palavras à ação efetiva, vindo em socorro de seus aliados. A tenta- que se tornou desde cedo impopular tanto no Brasil quanto no Prata.
ção'era grande para López fazer enfim emergir seu prestígio, mas Sustentavam-na interesseiramente os que dela se beneficiaram: for-
durante muito tempo hesitou. Em vez de deslanchar seu projeto de necedores, comerciantes, atravessadores e o próprio Mitre, que re-
"equilíbrio dos Estados", agregando as forças paraguaias aos portos cebia recursos volumosos com que equilibrava suas combalidas fi-
uruguaios, como propunham os blancos, López procurou o entendi- nanças públicas e liquidava a oposição interna.
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A m a d o Luiz Cervo e C l o d o a l d o B u e n o História da política e x t e r i o r do B r a s i l l .">

Para fazer cumprir sua vontade externa, administrou o governo Um balanço dos resultados
brasileiro sua ação diplomática ao estilo de uma pptência periférica.
Obteve dos Rothschild os empréstimos necessários, apesar de corta- Que significaram os 25 anos de presença brasileira cfctiva no
das as relações diplomáticas com a Inglaterra. Restabeleceu-as, de- Prata, entre 1851 e 1876?
pois, com evidente pragmatismo. Dobrou a neutralidade perfeita de Na ótica do sistema internacional, estabeleceu-sc uma hegemonia
.
Napoleão III, tornando-a positiva e favorável. Abriu o Amazonas à periférica, porquanto a presença brasileira se caracterizou pela subs-
navegação internacional em 1866, quando o fato não mais represen- tituição das potências anteriormente dominantes, e sua ação preen-
tava um risco de dominação externa, no momento em que convinha cheu os requisitos do conceito: a) comandou, pela via diplomática, um
dirimir um contencioso com as repúblicas ribeirinhas e com as gran- sistema de acordos e alianças favoráveis aos desígnios da vontade
des potências. Concertou-se com a Bolívia — após arvorar-se nacional; b) usou da força para dobrar a vontade dos Estados platinos,
astuciosamente defensor de seus presumíveis direitos sobre o Chaco quando o requeriam as circunstâncias; c) submeteu os mesmos lisla-
- em 1867, firmando um tratado de amizade, limites, navegação, co- dos à dependência financeira, por meio de empréstimos e dívidas
mércio e extradição, que dissuadiu possível aliança daquele vizinho públicas; d) abriu-os à penetração económica privada e garantiu o
com o Paraguai, e renegou todas as propostas de bons ofícios e me- fornecimento de matérias-primas indispensáveis à manutenção de sou
diação advindas da Grã-Bretanha, dos Estados Unidos e da maior sistema produtivo; e) obstou ao aparecimento de uma hegemonia
parte dos países da América do Sul. Impôs, finalmente, após a guer- concorrente no período.
ra, sua vontade sobre o próprio governo argentino, impedindo, ao pre- O exercício da hegemonia brasileira revestiu-se em grau mode-
ço de nova guerra, se necessário, a absorção do território paraguaio à rado do caráter imperialista, na medida em que: a) a ostentação ou o
margem direita do rio, até a baía Negra, conforme ele pretendia. emprego da força amparavam os objetivos económicos e geopolílicos;
Substituindo aos liberais em 1868, em razão da crise no comando b) a presença brasileira contribuiu para a expansão do capitalismo,
do Exército, opondo Caxias ao Gabinete, os conservadores irão recu- promovendo a liberalização das instituições e das relações de proilu
perar a tradicional política de amizade e proteção ao Paraguai, aliada cão. A dominação foi mais acentuada sobre os dois Estados im-no
ao cálculo do perigo argentino. As negociações de paz iriam destarte rés, Uruguai e Paraguai, contemplados, respectivamente, com ns
complicar-se e prolongar-se. Paranhos tomaria por duas vezes o ca- diktats de 1851 e 1872, obtendo a Argentina parcial satisfaça» mvi
minho do Prata para negociar a paz, Cotegipe firmaria em Assunção acordos de 1876.
a paz em separado, em 1872, passando por sobre os termos da alian- Marchava o Brasil com vontade e objetivos próprios, e o n l i n n
ça, Mitre viria ao Brasil para negociar, Tejedor o seguiria com o mes- tando-se com as potências capitalistas que competiam na áiva, i|u.in
mo fim - e nada se decidiu em termos definitivos. Enquanto isso, do opunham obstáculos a sua ação, cotejando-as em o b j c l i v i r ; < < >
enquanto não fosse cumprida a vontade brasileira, manteria o gover- muns, como a liberalização do comércio, da navegação, dos l In y c r,
no a ocupação do Paraguai. Somente em 1876 as negociações em financeiros, económicos e demográficos.
Buenos Aires chegaram a termo, concertando-se a contento, pelo Do ponto de vista económico, as repercussões inkTnas da avm
menos formalmente, as três partes envolvidas e concluindo-se a "ques- turaplatina foram muito negativas: os custos, ainda n i H ( > i | i i i m l i l n Rtioi
tão argentina", que tantos arroubos produzira, golpes e contragolpes com precisão, desviaram da modernização intcniíi um enormi' vulu
diplomáticos, mas que se arrastara enfim, perdendo força. As tropas me de capital. A alternativa racional apontaria p;ini si-u ; i | u n \ i - i i , i
brasileiras evacuaram de pronto o território paraguaio, após seis anos mento no projeto de 1844, o que sem d ú v i d a teria s i i l v i i c i i i i M l m l n .1
de ocupação "protetora". segurança do lado do Prata, pela simples consinto < l ; i pui n n u i , n

L nômica. Os empréstimos concedidos ao l ) n i j ' i i a i n a < > I n n i m imim i


Anuído Luiz Cervo e. Clodoaldo Bueno Histõria da política exterior do Brasil 127

dos, c as dívidas de guerra do Paraguai, tanto públicas quanto priva- dições internas no Uruguai, perturbando seu sistema produtivo e ar-
das, jamais foram liquidadas. Enfim, os empreendimentos de Mauá rasando a potência paraguaia, o aliado natural. Por outro lado, se
foram à bancarrota no Prata, provocando sua falência no Brasil. impôs enfim a vontade brasileira na conclusão da guerra com o
O charque platino tinha mercado cativo nas regiões escravistas do Paraguai, contribuiu ironicamente para fortalecer a Confederação e,
Brasil e de Cuba, sendo dispensável o emprego de métodos imperia- depois, para o advento da República Argentina, única potência rival
listas para obtê-lo. em seus cálculos estratégicos, e ainda deixou pendentes o tratado
No Parlamento brasileiro, a política platina era obj eto de contro- definitivo de paz relativo à convenção de 1828 sobre o Uruguai e a
vérsias permanentes, o que contribuiu para o fortalecimento das ins- grave questão dos limites. Embora tenha mantido o mapa político
tituições que jamais estiveram ameaçadas por um perigo qualquer regional, o Brasil teria no futuro que se relacionar com uma nova
advindo do Sul. Foram contradições internas que levaram ao declínio República Argentina, Estado consolidado, em condições de articular
da Monarquia, nelas se compreendendo a própria questão militar de as forças produtivas internas e de competir externamente.
1868 e a determinação de conduzir a guerra no Paraguai ao extremo, A historiografia relativa a esse período e ao tema das relações
por uma "questão de honra". Formulações dialéticas do pensamento internacionais no quadro do subsistema platino se dispersa em várias
geopolítico brasileiro tinham livre curso no Parlamento, opondo-se correntes de interpretação.
entre si, independentemente da composição partidária, liberais e con- A que se alinha ao ponto de vista oficial tende a interpretar a
servadores. De modo geral, os partidos se compunham em termos de presença brasileira como benévola nas intenções e benéfica nos re-
política externa, apoiando em princípio o governo, em nome do supe- sultados, portadora de civilização e progresso, cuja ação teria sido
rior interesse nacional, sem abdicar do direito à crítica, permanente- limitada pelos males da caudilhagem. No outro extremo, emerge a
mente exercido. A controvérsia estabelecia-se a nível pessoal. corrente "argentinista", fundada nos conceitos do antagonismo luso-
Situava-se, num extremo, a doutrina da não-intervenção, que se hispano e do subimperialismo brasileiro, a serviço da Grã-Bretanha.
opunha com veemência à política platina em vigor, fundando-se na Esta corrente conta com apoio de sociólogos que adentram pela his-
teoria do ciclo da violência (intervenção-hostilidade-reação-interven- tória à base da teoria da dependência de inspiração marxista. No
ção) e outros elementos. Era seu mais expressivo mentor Francisco meio termo, encontra-se a antiga história diplomática, voltada para a
Gê Acaiaba de Montezuma, visconde de Jequitinhonha. No outro descrição das evidências do tempo curto, a partir de uma sólida pes-
extremo, raciocinavam e se firmavam os intervencionistas radicais, quisa de arquivo. A corrente personalista, e a partidarista também,
com base na doutrina europeia da "segurança imediata e interesses definem-se em função de simpatias e antipatias devotadas aos ho-
essenciais". Era seu mais expressivo defensor Manoel de Assis mens e partidos em luta pelo poder, interpretando sem isenção cau-
Mascarenhas. O centro do pensamento político brasileiro aplicado às sas, atitudes e ações.
relações externas girava em torno de José Maria da Silva Paranhos, Duas vertentes originam-se das análises recentes que privile-
visconde do Rio Branco, que aglutinava a maioria dos homens públi- giam o papel dos Estados. A radical, hobbesiana, parte do pressuposto
cos em favor da "neutralidade limitada", uma formulação política segundo o qual cada Estado tinha por objetivo em sua ação externa o
moderada e enérgica ao mesmo tempo, sensível ao conceito de sobe- enfraquecimento, senão mesmo a destruição dos outros Estados, e
rania e mais ainda ao do interesse nacional a defender. Correspondeu concebe as relações internacionais em situação de guerra permanen-
essa corrente à sustentação ideológica da política externa no período. te e universal, como se relegadas fossem ao domínio do irracional.
No Prata, a ação brasileira teve seus paradoxos. Voltada, em Insiste a segunda vertente no caráter específico do período de for-
princípio, segundo o catecismo conservador que prevaleceu, ao for- mação dos Estados platinos, colocados diante do Estado brasileiro já
talecimento dos pequenos Estados, acabou não resolvendo as contra- consolidado, e interpreta as relações decorrentes dessa conjuntura.
128 A m a d o Luiz Cervo e Clodoaldo Bueno

A revisão historiográfíca está em curso, incorporando conceitos


e métodos modernos de análise, que devem ser usados para a leitura
crítica da historiografia disponível, como também para fazer avançar
o conhecimento.1
Distensão e universalismo:
a política externa ao final do Império

Duas tendências, interagindo uma sobre a outra, earacteri/;im


a política externa brasileira, desde o término da guerra no Sul, ale a
queda da monarquia, em 1889.
A distensão externa, desejada e administrada pelo Estado, con-
vinha por inúmeras razões: a) os efeitos da guerra somente foram
positivos por que a vontade nacional atingiu seu fim; de resto, dês v i
aram recursos e provocaram grave crise política interna, a primeira
manifestação do militarismo e o protesto de todo o continente; b) apa-
ziguaram-se velhos atritos do lado da Inglaterra, do Amazonas, das
fronteiras em geral; c) a distensão era condição para condir/ir as
relações com a República Argentina sem nova guerra.
Pretendia-se, entretanto, imprimir maior prestígio e extensão para
a ação externa — e nesse sentido erarn programadas importantes
viagens do Imperador pelo mundo, o Brasil marcava presença ri n
congressos, feiras e foros de arbitramento internacionais, buscava o
1
a) Obras principais: contato com o Oriente e aceitava, enfim, juntamente com os Hslailtn
Doratioto (1991); Bandeira (1985); Souza (1944, 1952, 1959, 1966-1968); Unidos, envolver-se com o pan-americanismo.
Teixeira Soares (1955, 1956, 1957); Calógeras (1933); Pinto (1980); Nabuco
As duas tendências, distensão e universalismo, com introspivcflu
(1975); Pomer (1979,1981); Scenna (1975); Bruno de Almeida Magalhães (l 939);
Box (1936); Thompson (s.d.); Cervo (1981); Cervo e Rapoport (1998). e dilatação, respondiam presumivelmente a apelos contraditórios duri
b) Obras auxiliares: circunstâncias. Como na época da regência, a nação volla-so tmvn
Acevedo (1981); Ribeiro (1936); Ferns (1968); Sivolella (1986); Boaventura mente para a solução de problemas internos: a aboliçflo da cwriivn
(1986); Besouchet(1977);Quell (1935, 1957); Quesada (1919, 1920); Renato
tura, a propaganda republicana, a necessidade de MIMO de ohm r o
de Mendonça (1942); Calmou (1975); Pereyra (1919); Brito (1927); Penalba
(1979); Lobo (19 14); H i l l (1932). reordenamento do aparelho de Estado cm conformidade n mi ir. n»
c) Coleções de fontes: vos grupos hegemónicos, oriundos da expaiisílo ciilbriia 1'm m i l m
Relatório da Repartição dos Negócios Estrangeiros, Atas do Conselho de Esta- lado, o retraimento não era aconselhável, no iMoniciilo rm i|n- .1
do e Anais do Parlamento.

i
l to ,- A m a d o Luiz Cervo e. Clodoaldo B u e n o História da política exterior do Brasil 131

relaçOes internacionais se ampliavam com o apogeu da expansão coes em torno das reparações que deveriam ser liquidadas entre o
colonial europeia, o crescimento da concorrência internacional resul- Brasil e a Inglaterra nos termos da convenção de 1858. Interesses
tante de nova onda de progresso, a queda dos preços agrícolas e o económicos unilaterais postularam o bom relacionamento político, como
retorno ao protecionismo, que acentuava as rivalidades e desenca- instrumento útil: ingleses dependiam do Brasil para suas exportações
deava guerras de tarifas quando fracassavam as negociações dos de manufaturados e máquinas, para seus investimentos e retornos;
tratados de comércio. A Alemanha bismarckiana agenciava as rela- brasileiros dependiam dos Estados Unidos para suas exportações
ções intereuropéias e se preparava, como o Japão e os Estados Uni- agrícolas; norte-americanos olhavam para o mercado brasileiro e sé
dos, para desempenhar um papel mais ativo no cenário mundial, que dispunham a enfrentar o domínio britânico e a concorrência.
se encaminhava decididamente nas vias do imperialismo. O sistema Apaziguara-se também o conflito amazônico, não se repetindo,
internacional não se tornava mais complexo, porque tinha nesse novo após a abertura da navegação em 1866, as manifestações da cobi-
estágio da evolução capitalista seu fio condutor, mas demandava dos ça internacional, de forma a colocar em risco a preservação do
Estados decisões de circunstância, com as quais a política viabilizava território.
as possibilidades de dominação ou emancipação. Nesse sentido, há A retirada brasileira do Prata deixou sequelas de tensão apenas
de se analisar, por exemplo, a diplomacia de prestígio e sobretudo o do lado argentino. As dívidas uruguaias não eram resgatadas - e o
novo pan-americanismo. fato não provocaria ações consequentes, o que demonstra a debilida-
de do "imperialismo brasileiro". Embora o tenha usado para os fins
de sua política na região, o governo não foi em socorro de Mauá, nos
Negociando as pendências externas momentos de dificuldade, e tal atitude, juntamente com o interesse
britânico, favoreceu sua falência internacional. Os ingleses voltariam
Duas linhas de atritos políticos haviam cessado em 1870, opondo com suas aplicações e regras de cobrança na boa forma vigente.
precisamente o país às duas grandes potências com as quais mais se As dívidas de guerra do Paraguai, conforme os convénios firma-
relacionava: Inglaterra e Estados Unidos. Em ambos os casos, o go- dos em 1872, eram de duas naturezas: a dívida pública, de governo a
verno brasileiro rompeu suas relações diplomáticas, devolvendo os governo, e as dívidas privadas, do Paraguai para com brasileiros
passaportes aos representantes dos respectivos governos estrangei- prejudicados em seus bens com as invasões de Mato Grosso e Rio
ros acreditados no Rio de Janeiro: a Christie, em 1863, e a Webb, em Grande do Sul. O Relatório da Repartição dos Negócios Estran-
1869. Em ambos os casos, o desfecho da ruptura deveu-se à insolên- geiros de 1880 refere a cómica circunstância em que se encontrava
cia dos diplomatas estrangeiros, que apelavam a ameaças imperialis- o Estado paraguaio: não dispunha ele de recursos sequer para con-
tas e extorquiam indenizações, pagas sob protesto, a pretexto de aci- tratar funcionários que convertessem em apólices os 14.929:987$439
dentes de navegação e proteção a súditos. de indenizações particulares julgadas até o ano anterior. Liderado
Esses episódios, superados pela ação diplomática, encerraram, pelo senador riograndense Henrique Francisco d'Ávila, um radical
entretanto, um período de conflitos constantes e de governo a gover- de linha dura, apologista da guerra necessária, pequeno grupo parla-
no no caso inglês, até o desaparecimento de Palmerston (1865) e mentar reivindicava do governo medidas enérgicas de cobrança, a
Abcrdccn (1860), intermitentes e mais restritos às relações entre o exemplo dos procedimentos ingleses do Egito. A esse grupo respon-
governo brasileiro e os representantes norte-americanos no outro caso. deu em 1886 o ministro de Estrangeiros, barão de Cotegipe, que in-
l )esclc então, as relações bilaterais na esfera política encaminharam- terpretava a maioria nas duas Casas do Parlamento: "Deus me livre
se de forma cordial, em clima de distensão e_ apaziguamento, que se- de que eu me vá embarcar naquele Egito". Não convinha, segundo o
quer Ini perturbado pelo fracasso completo e definitivo das negocia- governo brasileiro, insistir na cobrança das dívidas paraguaias, ante a
132 A m a d o Luiz Cervo e C l o d o a l d o
História da política exterior do Brasil l3

absoluta falta á& recursos, ante a necessidade de manter boas rela-


sição. Grupos autónomos, sobretudo de parlamentares gaúchos, exa-
ções com aquele Estado e ante a disposição de não recorrer a qual-
cerbavam o debate com suas posições radicais. Manifestava-se no
quer tipo de ação coercitiva. Era mais uma vez a distensão e, com
Parlamento frequentemente a posição oficial do governo, por meio
ela, a falência do imperialismo brasileiro, em favor da paz externa,
dos discursos de seu ministro de Estrangeiros, que tanto intervinha
contrariamente ao que ocorria então pelo mundo.
para esfriar os ânimos quanto para cobrar apoio. De qualquer forma
- • No que tange aos limites, após a negociação e a ratificação dos
a unanimidade nunca se fazia, e tal comportamento das elites políti-
tratados com o Uruguai e o Peru (1851), a Venezuela (1859), a Bolí-
cas contribuía para a distensão bilateral. Por outro lado, a alternância
via (1867) e o Paraguai (1872), o empenho do governo brasileiro es-
dos partidos no poder, se modificava a linguagem de alguns, que pas-
moreceu, relativamente às determinações anteriores, para chegar a
savam do apoio à crítica, não modificava a política externa, porque
termo nos casos pendentes, que seriam todos postergados para o
continuava vigorando a norma fundamental do século XIX: em políti-
período republicano. A rejeição pelo Senado colombiano do tratado
ca externa, não há distinção de partidos.
negociado por Miguel Maria Lisboa em 1853 e o malogro dos ingen-
A aliança de \- de maio de 1865 foi conduzida pelas três partes
tes e árduos esforços que em sua missão a Bogotá desenvolveu Nas-
com a lealdade esperada e convencionada. Paralelamente, entretan-
centes de Azambuja, entre 1867 e 1870, representaram um duplo
to, a diplomacia ocupava-se com a paz, e nesse terreno se situou
fracasso diplomático, ao qual veio se somar a rejeição pelo Império,
longo contencioso entre o Brasil e a Argentina, desde o tratado que
em 1882, do arbitramento proposto pela Colômbia. Algo similar ocor-
compôs a aliança até o protocolo de Montevidéu, de 30 de julho de
reu quanto aos limites com as Guianas Inglesa e Francesa, protelados
1877. Por esse ato, que recompôs e concluiu a tarefa dos aliados,
para tempos mais propícios, desde os meados do século, faltando
Brasil, Argentina e Uruguai concertaram-se para garantir por cinco
disposição para lidar com possíveis atritos.
anos a independência, a soberania e a integridade do Paraguai. N;i
Somente os limites com a Argentina mereciam da diplomacia
prestação de contas diante do Parlamento, o governo brasileiro inter-
brasileira, após os acordos de Buenos Aires de 1876, o cuidado e a
pretou o protocolo como o coroamento e a conclusão de sua política
firmeza de outrora. Mesmo assim, modificava-se a doutrina brasilei-
platina, em conformidade com os tratados anteriores e o empenho
ra de limites, ao ritmo da distensão da política externa. Caracterizara-
invariável de sua vontade.
se desde os meados do século pelos seguintes princípios: a) rejeitar a
Encerrado o caso paraguaio, as relações bilaterais com a Argen-
expansão territorial; b) guiar-se pelo uti possidetis e pelos tratados já
tina evoluíram por impulso de pressões contraditórias. Os reais ing-
firmados; c) não ceder território; d) engajar a ação diplomática para
resses de ambos os povos eram representados no Brasil pelas con-
alcançar o entendimento bilateral. Ao final do Império, delineava-se
cepções políticas de Paranhos e na Argentina pelas concepções de
entre os estadistas brasileiros uma tendência no sentido de
Alberdi. Ambos indicavam o caminho para superação das rivalidades
desradicalizar os princípios anteriores, atenuando-os com a "genero-
históricas por meio do desenvolvimento interno da "civili/açfío" c da
sidade", as "vistas largas", a disposição de "ceder", "transar" e até
cooperação económica bilateral. Paranhos entendia que a coopera-
mesmo a aceitação do arbitramento, tradicionalmente rejeitado em
ção, pela via do comércio regular e útil, contribuía para o desenvolvi
nome da soberania das decisões externas.
mento nacional e era a base sólida de relações pacíficas na e ; l r i . i
As relações com a Argentina nas duas últimas décadas do Im-
política.
pério atravessaram um ciclo de alternâncias, em que tensão e distensão
Não se aventava, evidentemente, em virtude do liberalismo m
se sucediam. Para tanto, contribuía decididamente o debate parla-
nante, um projeto de integração regional para proteger os i n l n . . •
mentar no Brasil. Quando no governo, os liberais tendiam para a po-
nacionais ante a penetração do capitalismo externo. Mas a i m p m l i i i i
lítica de firmeza dos conservadores, a qual criticavam quando na opo-
cia da cooperação nos cálculos políticos explica ns i n l r i \ encfii •. <l" .

L
Vistoria da política exterior do BFasil 135
A m a d o L u i z Cervo e Clodoaldo Bueno

borou para o não-envolvimento argentino, aliou-se ao governo desse


estadistas diante do Parlamento - Caravelas em 1874, Cotegipe em
país no oferecimento de bons ofícios e acabou tomando parte nas
1887, por exemplo - para conjurar os perigos de guerra. O mesmo
comissões arbitrais do pós-guerra, numa demonstração evidente de
sucedia com estadistas argentinos diante de seu Congresso.
As rivalidades tradicionais, com efeito, mantinham as condições seu prestígio internacional.
No ocaso do Império, estavam firmadas as bases de uma nova
de conflito em estado permanente. Nos anos finais do Império, de-
relação política e estratégica entre o Chile e o Brasil, em substituição
pois de concluída a questão paraguaia pelo protocolo de 1877, as
ao eixo Rio de Janeiro-Assunção, desqualificado pelos resultados da
pendências ou atritos com a Argentina decorriam dos seguintes fa-
tos: em primeiro lugar, o litígio fronteiriço, na zona de Palmas; além guerra.
A versatilidade da política externa e seu êxito no fortalecimento
desse contencioso, comprometiam as boas relações bilaterais a ques-
tão do armamentismo, a concorrência para receber imigrantes euro- de novos contatos contribuíram para administrar a rivalidade com a
peus, a guerra de imagem, as retaliações comerciais, a inflamação da Argentina, no contexto de distensão programada. Atingia-se o fim da
opinião pública e as antigas concepções geopolíticas. política que era evitar o confronto direto, sem desgaste da dignidade
O contencioso lindeiro era a causa principal de prevenções e nacional, e trazer a Argentina à vontade brasileira pela negociação.
desconfianças mútuas, porque se arrastava perigosamente sem Para tanto, isolou-se-a pela construção de novos eixos, desarmou-se
solução. A diplomacia brasileira, há de se reconhecer, atuou com a hostilidade platina pelo sacrifício das dívidas, pelo abandono dos
métodos de intervenção imperialista, pela defesa do território paraguaio
paciência e boa vontade no caso, desde 1857, quando a questão foi
e abriu-se o Prata para nova investida das potências capitalistas, des-
negociada, até 1895, quando finalmente foi arbitrada, conforme a
doutrina brasileira do uti possidetis. viando os países da região para intensificação de novos contatos.'
Desde o início do conflito com o Paraguai, apagado momentane-
amente o tradicional trunfo estratégico que representava aquele país
nos cálculos do Império, a diplomacia brasileira buscou atrair a Bolí- Dom Pedro II e sua diplomacia de prestígio
via e o Chile em sua esfera de influência, em mais um esforço para
Nas duas últimas décadas do Império, quando as relações in-
fazer pender a seu favor a balança do poder. Concluiu com a Bolívia
ternacionais se ampliavam sob efeito da expansão colonial europeia
o tratado de amizade, limites, navegação, comércio e extradição em
e dos primórdios do novo imperialismo, dom Pedro II investiu seu
1867, prometendo-lhe uma saída para a Bacia Amazônica, e fran-
queou-lhe consequentemente, em 1882, por outro lado, o uso da es- prestígio pessoal, muito elevado tanto na Europa quanto na Améri-
ca, com a finalidade de resguardar o interesse brasileiro no exterior.
trada Madeira-Mamoré, a ser construída. A aproximação com o Chile
Usou, para tanto, de seus intensos e permanentes contatos com
fez-se pela via diplomática, trocando ambos os governos represen-
instituições científicas, cientistas, escritores e membros das famílias
tantes de altíssimo nível, escolhidos cuidadosamente entre intelectuais,
poetas e historiadores, como os chilenos José Vitorino Lastarria, seu reais europeias.
Empreendeu três importantes viagens pelo Ocidente (l 871,1875
filho Demetrio Lastarria, Blest Gana, Diogo Barros Aranã e os brasi-
e 1887), durante as quais estabeleceu contatos de alto nível com go-
leiros Francisco Adolfo Varnhagen, Francisco Xavier de Aguiar de
vernos e instituições dos Estados Unidos, de quase todos os países
Andrada, Luís Guimarães. Secundava essa ação a diplomacia militar,
com a troca de visitas honrosas de navios de guerra. Dessa forma,
1
durante a guerra do Pacífico, que opôs o Chile ao Peru e à Bolívia, Coleções de documentos: Relatório da Repartição dos Negócios Estrangeiros, Atas
do Conselho de Estado e Anais do Parlamento; Besouchet (1977); Teixeira Soares
cnlrc l 879 e 1883, a diplomacia imperial teve condições para manter (1957,1971 1972); Pomer(1981);Quesada(1919);Nabuco(1975);Valladao(1959);
e In/cr respeitar sua neutralidade, bem vista pelos contendores, cola-
Portillo (1983); Cervo (1981).
136 A m a d o L u i z Cervo e Clodoaldo B u e n o Histónfa da política exterior do Brasil 137

europeus, incluindo a Rússia dos czares, o Império Otomano, a Grécia, vam pelo mundo seus emigrados, chamados de coolies, e decidira
a Terra Santa e o Egito. O chefe do Estado brasileiro tornava assim o bloquear a saída.
país mais conhecido e respeitado no exterior. Por duas vezes dom Dessa forma, após intensas negociações, o governo brasileiro
Pedro II foi convidado pelas partes para nomear o terceiro juiz em não obteve pelo tratado a autorização explícita desejada, mas apenas
comissões internacionais de arbitramento: seus representantes inte- um dispositivo facultando aos súditos de ambos os impérios a liberda-
graram dessa forma as comissões mistas tripartites constituídas para de de comerciar e transitar pelo outro país.
julgar as reclamações entre a França e os Estados Unidos, decorren- É relevante, porém, o fato de o governo brasileiro buscar a China
tes da guerra de secessão, e entre Itália, Grã-Bretanha, Alemanha, com as predisposições de obter um tratado desigual, nos moldes da-
Bélgica, França e Chile, decorrentes da guerra do Pacifico. queles arrancados com métodos imperialistas pelas potências oci-
O governo brasileiro, paralelamente, era solicitado a fazer-se re- dentais. Já em seus preparativos, a missão se concertara na Europa
presentar em eventos internacionais de toda sorte. O Ministério dos com os governos ocidentais em busca de apoio e levava instruções
Negócios Estrangeiros ostentava em 1882, por exemplo, convites para específicas para não discordar nas cláusulas a convencionar de ne-
participar de sete congressos, duas conferências e duas exposições nhum direito já outorgado anteriormente pela China, tendo em vista
internacionais; para três congressos, uma conferência e oito exposi- manter a simpatia e o consenso das nações "amigas". Dom Pedro II
ções em 1884. No seio dessa ampliação do horizonte externo, veio negou-se a ratificar uma primeira versão do tratado, precisamente
enfim a decisão de participar dos congressos pan-americanos, quando porque não se conformava com a série de tratados desiguais em al-
se ponderou não mais convir ao Brasil o isolamento tradicional. gumas cláusulas. A diplomacia brasileira movia-se, pois, tanto por
Dentre as iniciativas que marcam a expansão da política externa interesses nacionais concretos quanto pelos das potências dominan-
brasileira, nesse período de distensão, merece particular destaque o tes, cuja ação era ordinariamente secundada pelo concerto diplomá-
estabelecimento de relações diplomáticas regulares com a China, pelo tico. Desperdiçava, assim, em nome do prestígio político e de uma
tratado de 3 de outubro de 1881. A missão à China, decidida em 1879 solidariedade utópica, a ocasião de sacudir a diplomacia mundial,
e conduzida por Eduardo Callado e Arthur Silveira da Mota, tinha por aliando-se política e juridicamente a uma grande nação dependente,
objetivo inicial promover uma corrente de imigração chinesa para com a qual podia-se identificar.2
atender às necessidades da lavoura, ressentida pela escassez cres-
cente de braços escravos e insuficiência de imigração europeia.
Três grandes obstáculos iriam entretanto comprometer a reali- As relações entre o Brasil e os Estados Unidos e o pan-
zação daquele objetivo: a) no Parlamento brasileiro, insurgiu-se a americanismo
opinião contra a iniciativa do governo, combatida ferozmente por
Joaquim Nabuco e Alfredo d'Escragnolle Taunay, entre outros, que A sustentação do processo modernizador interno, nas décadas
se opunham à vinda de chineses com argumentos sociais e raciais, finais do Império, dependia do comércio com os Estados Unidos, l si o
porque supunham que iria desenvolver-se no Brasil uma nova escra- porque os superávits da balança comercial permitiam acumular ex-
vidão e efetuar-se uma nova contaminação biológica. A eles associa- cedentes em conta corrente, utilizados tanto para amortizações c ser-
ram-se posteriormente os positivistas liderados por Miguel Lemos; viços dos empréstimos obtidos em Londres, quanto para custeai o
b) internacionalmente, era quase idêntica a avaliação feita pelos gover- complexo exportação—importação-transporte-seguro, em mãos tios
nos e pela opinião pública acerca das experiências migratórias chine-
2
sas para Califórnia, Peru, Cuba e Austrália; c) insurgira-se o próprio Ver as coleções citadas na nota anterior. Calmon (1975); Vallailflo (195'J); llimdni .1
governo chinês diante da situação humilhante em que se encontra- (1973); Mendonça (1942); Cervo (1981); Fábio Lalliiclc limitas ( I 9 K O ) ; l i i , i r , i

L
(1983);Ramirez(1968).
138 A m a d o Luiz Cervo e Clodoaldo Bueno História da política exterior do Brasil 139

ingleses. Entre 1861 e 1865, o saldo brasileiro nas trocas com os curtíssima duração. Prevaleciam as tarifas liberais, favoráveis aos
Estados Unidos atingiu l .246 mil libras; entre 1886 e 1890,3.039 mil. interesses económicos externos tanto quanto à economia agrícola
O desequilíbrio desse comércio acentuou-se regularmente até o nacional, mas a liberdade política em fixar soberanamente a tarifa
advento da República. O saldo comercial brasileiro na década de incomodava norte-americanos e ingleses, desejosos de ver
1841-1850 foi de 41,6 milhões de dólares; na década de 1851-1860, restabelecidas as regras contratuais do início do século. Ao final do
de 124,3 milhões. Em 1870, os Estados Unidos absorviam 75% das Império, como nunca cedera o governo brasileiro às reivindicações
exportações do café e o comércio bilateral era ligeiramente superior dessa natureza desde o fim dos tratados da época da Independência,
ao comércio entre os Estados Unidos e o resto da América Latina. deslocou o governo norte-americano a questão para o âmbito do pan-
Em 1889, os Estados Unidos absorviam 61% das exportações totais, americanismo. Mesmo assim, não teria cedido a monarquia — e foi
enquanto colocavam no mercado brasileiro apenas 5% das importa- necessário derrubá-la para franquear a economia e a política brasilei-
ções totais. ras aos interesses norte-americanos.
Os grandes excedentes obtidos nessas trocas desiguais expli- As relações entre os Estados Unidos e a América Latina passa-
cam a conjuntura: a) os empréstimos brasileiros em Londres podem ram no século XIX por três fases: 1) da época da independência, em
ser reduzidos, ficando até em nível inferior aos de outros países lati- que a presença norte-americana foi relativamente intensa no sentido
no-americanos, como o Peru e a Argentina, que não produziam idênti- de fortalecer vínculos políticos e comerciais, em flagrante desafio à
cos excedentes e contraíam dividas relativamente superiores; b) ape- preponderância europeia; 2) a desilusão, de ambos os lados, foi tal
sar do relativo desenvolvimento industrial brasileiro, a partir de 1880, que, desde 1826 até o final da guerra de secessão, prevaleceria um
a economia tende a manter-se primária, em razão das condições ex- distanciamento, como que desejado por todos; 3) com a vitória do
ternas favoráveis: assim, os excedentes auxiliam e ao mesmo tempo Norte sobre o Sul, o fim da escravidão e o extraordinário progresso
criam obstáculos à diversificação pela indústria; c) os ingleses avaliam interno, a imagem dos Estados Unidos foi recriada entre intelectuais
positivamente os fatos e mantêm investimentos diretos e emprésti- e políticos latino-americanos (Alberdi, Lastarria, Sarmiento, D. Pedro
mos públicos, alienando-se novos setores da atividade, como estra- II, Tavares Bastos), ressurgindo o ideal pan-americano, que os Esta-
das de ferro, indústrias alimentícias (moinhos, engenhos de açúcar), dos Unidos logo tentarão usar para fim real, que era seu comércio de
têxtil e siderurgia; d) o conflito comercial entre norte-americanos e exportação.
ingleses não vai se estabelecer ainda no mercado brasileiro, senão Essa periodização deve ser qualificada, no caso brasileiro. As
em pequena escala real, mas no próprio mercado norte-americano, relações entre Estados Unidos e Brasil eram conduzidas em meio a
cujas tarifas protetoras em favor da indústria elevam-se de forma contradições ocasionais: a) a forma de governo monárquico não era
crescente e vigorosa em 1861, 1874, 1883, 1890 e 1898; e) os Esta- apreciada, mas a singularidade de ambos ante o bloco hispânico (des-
dos Unidos buscam com redobrado interesse a América Latina, par- confiança e indiferença pelo pan-americanismo) e a resistência à pre-
ticularmente o Brasil, com o intuito de abrir mercados e equilibrar eminência inglesa aproximavam-nos; b) por um determinado período,
suas contas. nos meados do século, praticavam ambos uma política expansionista
As pressões externas sobre o mercado brasileiro de produtos da regional; c) os atritos na área diplomática eram facilmente superados
revolução industrial chocavam-se com as posições nacionalistas em na cúpula dos governos, em nome das conveniências políticas e eco-
favor das manufaturas, e nesse embalo as tarifas alfandegárias osci- nómicas; d) passou o governo brasileiro, desde os anos 1840, a consi-
lavam entre o liberalismo (tarifas de 1860, 1867, 1869, 1870, 1874, derar de grande utilidade as boas relações bilaterais, para manter as
18X2, 1888) e o protecionismo (l 844,1879 e 1887). Foram, portanto, vantagens do comércio, sem riscos de retaliação ou pressões desca-
Ires as tarifas protecionistas, sendo as duas últimas de bidas; e) alinhavam-se, pois, as relações para um tipo de especial
140 A m a d o Luiz Cervo e C l o d o a l d o B u e n o História da política exterior do Brasil 141

cordialidade, mais pragmático e útil do lado brasileiro, que zelava pela seus inventos e investimentos, após a viagem de D. Pedro II à expo-
dignidade e autonomia da diplomacia imperial. sição de Filadélfia de 1876; e) não ceder privilégios por um novo
OGabinete brasileiro referia amiúde ao Parlamento, nas pres- tratado que viesse restringir a soberania das decisões externas.
tações de conta anuais, seu entendimento sobre a natureza dessas O coroamento dessas boas relações, que preservavam a auto-
relações: as relações com os Estados Unidos são dia a dia mais sig- nomia e a dignidade das decisões de Estado, foi sem dúvida o convite
nificativas, sobretudo em virtude do comércio (1846); o Brasil tem encaminhado ao presidente dos Estados Unidos pelos governos bra-
consciência de seus direitos e comunica ao governo dos Estados sileiro e argentino, em 1889, para arbitrar o território litigioso na zona
Unidos que não vai ceder ante a prepotência de diplomatas e oficiais de Palmas. Tanto empenho despendera a diplomacia brasileira na
norte-americanos (1847); não concorda em considerar perpétuos os solução desse caso e tão convicta estava de um direito incontestável,
dispositivos do tratado de 1828 relativos à "paz e amizade", conforme que não o teria levado a arbitramento se não se guiasse por uma
solicitação do ministro norte-americano (l 847); o café entra no mer- confiança ilimitada no juiz. E mais uma vez acertou. Era preciso es-
cado norte-americano sem direitos, o que se deve considerar muito perar pela República para adulterar relações de tão elevado senso
benéfico para o Brasil (1847); os dois governos querem esquecer os prático e bom cálculo político.
incidentes diplomáticos, porque a harmonia das relações lhes convém O movimento pan-americano contou, no século XIX, com duas
(1848); o governo norte-americano quer novo tratado de comércio, vertentes originais: a norte-americana, consubstanciada no monroís-
mas o governo brasileiro se nega a tal desígnio e apenas concorda em mo, e a bolivariana, explicitada no Congresso do Panamá. O governo
reconsiderar a validade perpétua para os artigos do extinto tratado de brasileiro avaliou-as positivamente no início do século, mas seu des-
1828, relativos à "paz e amizade" (1851); os norte-americanos pre- tino seria o enfraquecimento a longo prazo.
tenderam violentar nossos direitos no Amazonas (l 854); as relações O monroísmo deixou de ser interpretado corno uma doutrina de
com os Estados Unidos são o comércio (l 858); o governo brasileiro interesse continental, porquanto jamais o governo norte-americano
manifesta "subido apreço" pela primeira potência americana, sendo decidiu engajar-se externamente em seu nome, e passou a ser consi-
recíprocos os benévolos sentimentos (1859); as relações com os Es- derado como uma doutrina de interesse nacional, destinada a funda-
tados Unidos continuam da forma mais satisfatória (l 860); admitiu- mentar o expansionismo ianque. Tal percepção latina fortaleceu-se
se, enfim, a validade perpétua e permanente dos artigos relativos à a partir de 1845, quando o presidente James Polk restringiu sua apli-
"paz e amizade", conforme solicitações insistentes dos Estados Uni- cação ao continente norte-americano, para servir ao expansionismo
dos (l 874); o governo brasileiro aceitou o convite do governo norte- territorial em curso. Em consequência, o pan-americanismo conver-
americano para participar de um congresso pan-americano, que tra- teu-se momentaneamente em pan-latinismo, movimento cuja finali-
tará dos meios de evitar a guerra, embora não tenha fé em seu êxito dade seria a união do continente, excluindo-se os Estados Unidos.
(l 882); aceitou o convite dos Estados Unidos para a conferência pan- Esse desvio revelou-se igualmente sem saída, porquanto nem todas
americana de Washington (1889). as repúblicas latinas por ele se encaminharam e o Brasil parti-
As relações eram, pois, administradas pelo governo brasileiro de cularmente constituía obstáculo concreto, em razão de sua composi-
forma cautelosa e pragmática. Ante os objetivos concretos da época, ção social e forma de governo distintas. Havia, porém, outros fatorcs
pode-se considerar bem-sucedida a política brasileira, na medida em que restringiram ainda mais o movimento, desviando-o para o pan-
que permitiu: a) manter e ampliar a exportação de café; b) situar o hispanismo, ainda assim limitado.
governo norte-americano em condições de não-ingerência direta nas Tinha sem dúvida o pan-americanismo bolivariano grandiosos
ações brasileiras sobre o Prata; c) dissuadi-lo de apoiar diretamente ideais a perseguir: implantar soberanias temperadas por inlcrcsscs
a ocupação da Amazónia; d) abrir-lhe a economia brasileira para comuns supranacionais, regulamentados por acordos de comeu, io,
11-2 A m a d o L U Í E Cervo e Clodoaldo B u e n o História da política exterior do Brasil' 143

por meios de se evitar a guerra, de superar os conflitos de fronteira, par do Congresso do Panamá, mas seu enviado não chegou. Acom-
de uniformizar o direito público, de conciliar os litígios por arbitra- panhava desde 1840 o possível "congresso geral de plenipotenciários
mentos obrigatórios, em suma, a criação do direito internacional ame- dos Estados americanos", respondia positivamente ao convite chile-
ricano, visando compensar o esfacelamento politico regional resul- no, depois ao mexicano, mas não esteve em Lima, em 1847, em últi-
tante das independências políticas. A falta de interesse do Brasil em ma análise, porque os hispânicos consideravam sua presença dispen-
integrar-se ao movimento se explica por razões concretas. Nas con- sável. Aderiu em 1864 ao pensamento de um congresso americano a
ferências "pan-americanas" de Panamá (1826), Lima (1847), Santia- convite do Peru, mas não compareceu, para evitar o debate sobre a
go (1856) e Lima (1864), além dos ideais a concretizar, tornara-se guerra da tríplice aliança. Recusou o convite do Peru para o Con-
sempre evidente a preocupação de segurança dos Estados hispâni- gresso de Lima de 1878, alegando não acreditar em seu propósito de
cos, que se reuniam para enfrentar conjuntamente perigos externos, uniformizar as legislações de alguns Estados. Após aceitar o convite
sobretudo as ameaças da Espanha. O governo brasileiro não tinha norte-americano de 1881, manifestou-se contrária ao congresso ofi-
interesse em integrar tais ligas de defesa e preferia acertadamente cioso de Caracas (l 883), por ocasião do centenário de Bolívar, quan-
manter sua neutralidade, embora apoiasse politicamente os latino- do se lançou um projeto de "União dos Estados Americanos", sob a
americanos. Mais sérias, entretanto, eram a divergência ideológica e forma de uma aliança ampla, cujas consequências não se podia me-
as concepções do poder. dir. Esteve pela primeira vez presente a um congresso americano em
Os estadistas brasileiros do século XIX, formados na escola do 1888, em Montevidéu, para firmar quatro convenções sobre direito
pensamento conservador, eram realistas. A ordem, no seu entender, internacional privado, que aliás não ratificou. Também aceitou parti-
resultaria do primado da autoridade sobre os ideais. Instituições utó- cipar no ano seguinte da primeira conferência pan-americana que se
picas, como as que pretendiam construir os hispânicos, não lhes da- iniciou em outubro de 1889 em Washington, a convite do governo dos
vam garantias. Por isso não acreditavam que as relações inte- Estados Unidos, mas a postura da Chancelaria brasileira seria então
ramericanas fluiriam harmoniosamente de estatutos jurídicos radicalmente modificada pelo advento da República.
convencionados entre os Estados, negavam-se a participar do Con- Várias razões determinavam à diplomacia imperial fazer-se re-
gresso de Lima (1878) por essa razão e aceitavam a contragosto o presentar enfim nos congressos pan-americanos. Passava ela por
convite norte-americano de 1881 para uma conferência, que não se uma fase de distensão e impulso universalista, não lhe convindo, pela
realizou por causa da guerra do Pacífico. O governo brasileiro con- lógica, manter seu isolamento continental, e sim aderir ou pelo menos
trapunha à diplomacia idealista do pan-americanismo sua própria di- debater os convénios que vinham sendo firmados por inúmeros Esta-
plomacia realista, pela qual resolveu ou encaminhou satisfatoriamen- dos. Se lhe aborrecia historicamente a doutrina do arbitramento dos
te todos os problemas de relacionamento (limites, navegação, comércio, litígios internacionais, era óbvio que se estava engajando nessa práti-
segurança), e só então, em 1888 e 1889, tomou, pela primeira vez, ca, tanto como juiz quanto como parte interessada. Uma revisão de
assento em congressos americanos. expectativas estava pois em curso, quanto à capacidade de acordos
Diante dos congressos, a Chancelaria brasileira revelava-se há- internacionais agirem nesse sentido, conforme o ideal pan-america-
bil e flexível. Nunca obstou categoricamente ao movimento, para evitar no. A adesão final veio, entretanto, em razão de mudança qualitativa
que evoluísse no sentido de um foro hispânico e antibrasileiro. As no movimento, provocada pela iniciativa norte-americana.
rivalidades inter-hispano-americanas tranqúilizavam-na quanto a isso, Enquanto o pan-americanismo restringiu-se aos ideais bolivarianos
mas convinha acompanhar congresso por congresso, referir, a cada e aos interesses de segurança dos Estados hispano-americanos, o
vez, a decisão de participar ou não às conveniências políticas e prote- •;.d a: governo dos Estados Unidos, como ocorria com o brasileiro e tam-
lar, enfim, a presença. Assim se fez. Aceitou o convite para partici- bém com o argentino, dedicou-lhe uma atenção displicente. Não com-
144 A m a d o L u i z Cervo e Clodoaldo B u e n o História da política e x t e r i o r do B r a s i l 145

pareceu a nenhum 'congresso pan-americano, até reunir o seu pró- diplomacia cordial, porém autónoma, tornando-a positivamente
prio, em ] 889, O monroísmo não o encontrava e,se convertia numa caudatária dos interesses económicos e políticos da grande potência
doutrina difusa, de glorificação interna, alimentadora da auto-ima- do Norte.3
gem, base sentimental e ideológica para apoiar o expansionismo
civilizador, preconceituoso porém triunfante, ao estilo europeu. Após
a guerra de secessão, com a recuperação da imagem dos Estados Conclusão: a política exterior do Império
Unidos na América Latina, as condições para o casamento de ambos
os movimentos pareciam propícias. Tanto mais que o governo norte- Constituiu a política exterior do Império instrumento que viabili-
americano era percebido como defensor do continente e promotor da zasse externamente as metas do interesse nacional? A resposta en-
paz, pelas atitudes assumidas diante da expedição francesa ao Méxi- volve dois condicionamentos: a percepção do interesse nacional c as
co, das guerras do Paraguai e do Pacífico. condições objetivas do processo decisório.
Extraindo forças de ambos os lados, a iniciativa norte-americana, Ambas as variáveis evoluíram paralelamente. Até 1831, o pro-
a partir de 1880, embora fizesse algumas concessões aos idealistas, cesso decisório era fechado e a leitura do interesse nacional feita sob
iria trazer o pan-americanismo à realidade, ao tentar convertê-lo no a ótica da herança social, económica, psicológica e política portuguesa,
instrumento que viabilizasse o programa de dominação capitalista sobre herança essa ainda vinculada à aliança inglesa. A época da regência
o continente. Essa era a agenda da conferência pan-americana correspondeu ao período de gestação da política externa brasileira,
convocada para Washington em 1889: elaborar instrumentos que que acompanhava o ritmo de nacionalização do Estado. Esse proces-
garantissem a paz continental; criar a união aduaneira (Zollverein, so se consolidou desde o início do Segundo Reinado. A partir de en-
mercado comum) do continente; modernizar as comunicações, estender tão, a política externa tendeu à racionalidade e à continuidade, adqui-
as estradas de ferro, fundar o banco continental, unificar a legislação riu o caráter autónomo e era referida sem obstáculos à nova leitura
comercial, adaptar o sistema monetário. As intenções do governo do interesse nacional. Para tanto contribuíam as condições objetivas
norte-americano visavam estabelecer, pela via do pan-americanismo, internas e externas. As instituições, depois de consolidadas, funcio-
uma reserva de domínio continental, a exemplo de como procediam navam regularmente, permitindo a continuidade dos órgãos e dos lio
os colonialistas europeus em suas áreas de expansão. Com isso po- mens que ocupavam os postos-chave de comando. A racionalidade
deria manter o protecionismo diante das outras potências capitalistas era produzida pela avaliação e crítica constantes da política externa,
e o liberalismo regional, em hábil manobra nacionalista. O congresso feitas conjuntamente no Parlamento, Conselho de Estado, Gabinclr r
não era convocado por algum pretexto ocasional, como ocorrera chefia da nação, órgãos que a referiam às metas concretas, lista;;
anteriormente, mas em função de metas estruturais do desenvolvi- poderiam ser determinadas no quadro do sistema internacional pda
mento capitalista, de que se apropriavam os Estados Unidos para Revolução Industrial, para atender a interesses macroeconômieos c
enquadrar em proveito próprio o continente como um todo. políticos, como também se lhe opor. A autonomia do processo decisório
Essas perspectivas eram por si suficientes para motivar a parti- significava a possibilidade de rupturas e confronto ante a ordem, u.i»
cipação brasileira no pan-americanismo, onde se colocaria em jogo o
interesse nacional em todos os seus aspectos: a autonomia das deci- 3
sões, a exportação agrícola, o fluxo de capitais, a possibilidade de Além das coleções já referidas, consultar Bandeira (1973); Lu/. (l%8); Cnlni" ! • <
(1960); Cármen L. P. de Almeida (1986); AlTonso cie Toledo Ilaiulemi ilr M. I I »
desenvolvimento industrial, os vínculos com a Europa. Ao assumir a (1933);Stuart(1966);ConnelI-Smith(1977);Mcchani(1965);licnii';(l l M i > . l ' < i l m
missão, credenciado pelo governo republicano, após o Quinze de (1963 e 1964b); Graham (1973); José A. 1'imuilii UIIL-IIO ( I ' ) / K ) ; l n l n . (WO);
Novembro, Salvador de Mendonça rompeu com a tradição de uma Pereyra(1959);Cancino(1955);Saloedo-Bastardo(l976)iOllv«lf»l mm 1 1 ' i K i i t ,
Lockey (1970); Roblcdo(1958).
146 A m a d o Luiz Cervo e C l o d o a l d o Bueno História da política exterior do Brasil 147

sua necessidade. A formulação da política externa fazia-se por meio Foi outro erro. A aventura platina obedecia sem dúvida a inte-
de um sistema de equilíbrio de influências, em que os órgãos do Exe- resses concretos, económicos e de segurança, mas consumiu ener-
cutivo e o Conselho de Estado, mais propícios a se guiarpelas razões gias e recursos que teriam sido mais bem aplicados no esforço de
de Estado, tinham de levar em conta a ingerência parlamentar, que se superação da dependência estrutural. Foi conduzida nos moldes do
ligava teoricamente à nação. imperialismo, quando a nação não correspondia materialmente à situa-
O enquadramento no sistema internacional do capitalismo indus- ção de potência pelos recursos disponíveis ou necessidades básicas e
trial não se fez por imposição da demanda externa, porque a Europa apresenlava-sc institucionalmente como tal. Essa contradição expli-
não consumia, a essa altura, os produtos agrícolas brasileiros de ex- ca, por um lado, o sucesso político da política platina e, por outro, o
portação. Esse foi um trunfo estrutural malbaratado no cálculo políti- malogro económico na retirada. Uma estratégia de potência conduzida
co, porquanto não tinha o Brasil compromisso de compensação co- com pleno êxito, sem o amparo dos meios psicológicos e materiais e
mercial, podendo fechar-se aos manufaturados dos europeus c a garantia de ganhos do expansionismo, como se verificava então nos
desenvolver sua produção interna. Tanto é verdade, que o projeto casos europeus, japonês e norte-americano. Era antes o Brasil uma
industrialista dos anos 1840 não sofreu as retaliações que previam Rússia tropical.
alguns e o protecionismo, embora instável, pôde se manter até o final Em suma, a política exterior do Império esteve acima das forças
do Império, período de triunfo mundial generalizado do liberalismo. da nação, teve condições de arrastá-la para a criação da verdadeira
Em vez de apoiar a economia agrícola, numa corrida desesperada potência pelo desenvolvimento material, mas preferiu acomodar-se a
atrás de mercados, a racionalidade indicava para mudanças estrutu- uma relativa mediocridade, imposta em parte pelo modo escravista
rais internas, pela diversificação da atividade económica, conforme a de produção. Obteve sucesso parcial com a presença no Prata - um
proposta de 1844. Nesse ponto, o Estado cedeu às pressões imedia- desvio de perspectiva -, a defesa do território nacional, a autonomia
tas, muito mais do complexo externo do que da economia interna, e nas decisões de Estado, a dignidade da diplomacia, a manutenção do
sacrificou o interesse nacional sem necessidade. A modernização e a crédito externo e a abertura de mercados. A política exterior do Im-
lenta industrialização serão encaminhadas pelo jogo das forças eco- pério produziu reservas de energia, que no futuro tanto poderiam ser
nómicas e apoiadas sem entusiasmo pelo Estado, que perdeu fôlego aplicadas quanto liquidadas, dependendo dos homens que encampariam
em sua vontade de construir a potência económica, O último fato o Estado, de suas percepções do interesse nacional e de sua vontade.
corresponde à falha fundamental da política externa do Império, a se É possível, enfim, questionar alguns mitos que influenciam as
considerarem as evidências históricas segundo as quais o desenvolvi- interpretações disponíveis, como, por exemplo:
mento económico de um país atrasado no sistema capitalista passa
necessariamente pelas decisões de Estado. 1. O fatalismo da dependência e do atraso em função de leis
Esmoreceu, pois, a vontade de potência quanto à economia e às mecânicas do desenvolvimento capitalista. Esse postulado,
relações exteriores. Suas manifestações restringiram-se à resistên- implícito nas teorias da dependência, elimina inúmeros fatos
cia contínua e às respostas altivas às provocações das grandes po- comprovados historicamente e que o desmentem, tais como o
tências, feitas sobretudo por intermédio de seus diplomatas, a não papel das políticas públicas, os vínculos entre demandas oca-
ceder novamente a soberania para fixar a política comercial ou para sionais, as condições objetivas conjunturais e o processo
ferir a autonomia das decisões de Estado, como se fizera à época da decisório, a capacidade do Estado em subverter determina-
Independência, e a manter no exterior uma rede de agentes altamen- ções estruturais de longo prazo. O governo brasileiro cedeu aos
te preparados e confiáveis. A vontade de potência desviou-se, em interesses britânicos à época da Independência e sacrificou
compensação, para o exercício da hegemonia regional no Prata. os interesses da economia fundiária e escravista brasileira.

L
148 , Amado Luiz Cervo e Clodoáldo Bueno

Depois, por um momento se voltou contra ambos, numa de-


monstração de independência possível e acabou se confor-
mando a ambos, parcialmente, porque lhe faltou o suporte
ideológico e social para levar adiante uma política prospectiva.
Viabilizou-se, no Brasil do século XIX, uma dependência con-
veniente, não necessária nem inevitável.
2. A destruição, pelo Brasil, da organização socioeconôrnica para-
guaia, para atender aos interesses britânicos. Essa meta nun-
ca esteve nas intenções dos que decidiam e não correspondia
a nenhum aspecto do interesse nacional, ao tempo em que o
Paraguai era o tradicional aliado estratégico do Brasil.
3. O intervencionismo brasileiro, benévolo e civilizador, no Pra-
ta. Os Estados não se movem por tais objetivos, embora pos-
sam figurar como elemento psicológico da ação externa.
4. O expansionismo das fronteiras. Não era um desígnio político Parte II
nem necessidade económica, social ou cultural no Brasil no
século XIX. Não se empreenderam ações no sentido da ex- Da agroexportação ao
pansão territorial e procurou-se apenas preservar a herança
histórica do espaço geográfico.
desenvolvimentismo
5. A insuperável rivalidade Brasil-Argentina. As duas nações (1889-1964)
tinham economia complementar e rivalizavam apenas em suas
percepções geopolíticas regionais. Quando se consolidou a Clodoáldo Hitftio
independência dos Estados vizinhos, os elementos apontavam
racionalmente para o entendimento e a cooperação entre os
dois, conforme postulava o interesse recíproco e conforme
pensavam intelectuais e políticos de ambos os lados.
-
ma a política de seu gabinete e a sua intenção de não ••
intervir na contenda atual dos habitantes da América
Espanhola entre si, e com a metrópole", dizia o ofício do
Ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís José de Carva-
lho e Melo(153).

6. A Política Exterior do Império

6.1. As relações com a Inglaterra (1827-1850]

De 1808 a 1821 as relações entre o Brasil e a Inglaterra


foram dirigidas em bases tradicionais europeias, embora
a Corte residisse no Brasil. A transferência dos privilégi-
os tradicionais ingleses obtidos junto a Portugal para c
Brasil foi completada pelo Tratado Comercial de 1827
pelo qual o Brasil pagava a dívida relativa aos serviço;
ingleses em prol do nosso reconhecimento pela Europa
O Tratado de 17 cie agosto de 1827 reflete a influencie
avassaladora da Grã-Bretanha nos nossos negócios poli
ticos e económicos, mantendo privilégios especiais obti
dos nas horas difíceis de 1810 (os 15% de tarifa, í
conservatória inglesa e a abolição imediata do tráfico
renovando pela Convenção de 23 de novembro de 1826
a Convenção de 28 de julho de 1817OM).
'"» V. Pereira Pinto, ob. cit., p. 27, o ato da incorporação está transcrito, no Anexo A n 47-55
Pereira Pinto escrevei, m Jornal do Comércio de 26/4 e 22 e 23/4/1871 três artigos sobre o
caso. V. do ponto de vista do Direito Internacional, Hildebrando Accioiy, Tratado de Direito 11511
V. essas Concessões in Pereira Pinto, Apontamentos, ob.cit., a de 1817, in t. l, p. 155 e a c
Internacional, I, 275. -ft:
1826 in p. 389. O Tratado de 1827 in t. 2, p. 27 e segts.

144 14?
*

O virtual monopólio do comércio brasileiro pela Grã- leiro, que passou a associar a supressão do tráfico à su-
Bretanha foi prolongado por meio da tarifa preferencial bordinação à Inglaterra.
estabelecida a partir de 1810, dando lugar a um verda- O ressentimento hostil dos brasileiros atingiu seu ápi-
deiro protetorado sobre o Império. Em 1827, a suprema- ce em 1845, com o Bill Aberdeen. A política do Foreign
cia económica e política inglesa estava definitivamente Office exprimia a pressão dos grupos económicos ingle-
firmada. A revolta contra a predominância inglesa mani- sesO56) por sua veZ) a Secretaria dos Negócios Estrangei-
festa-se especialmente no problema do tráfico, que era ros refletia a situação nacional. De 1830 a 1849 o minis-
também um problema económico. De fato, grandes in- tério reconhecia a cada ano, sua incapacidade de evitar
teresses económicos exerceram pressão para acabar com o tráfico; de 1848 a 1850 preparou-se o terreno para uma
o tráfico, realizado sobretudo pela Espanha, Portugal, ação decisiva; em 1850 veio a medida efetiva e em 1853
Brasil e Estados Unidos: de um lado os produtores e o tráfico cessou. Mas afinal, o que impediu a ação deci-
importadores de açúcar das índias Ocidentais desejavam siva até 1848 e a tornou possível em 1850? Lembra
manter as tarifas proibicionistas que pesavam sobre o Manchester, sumariando essa política, que só em 1831,
produto estrangeiro e liquidar o comércio escravo; de com a abdicação de D. Pedro I, foi o Brasil inteiramente
outro, os exportadores de máquinas da Inglaterra para o controlado pelos brasileiros, e que em 1848/49, com o
Brasil, particularmente os de engenhos de açúcar, cujas término da última revolução, o governo central tornou-
encomendas haviam dobrado entre 1845 e 1847. Em se suficientemente forte para exprimir e impor sua von-
consequência aumentou a produção da Bahia: em 1846, tade ao conjunto da nação. Além disso, 1850 represen-
eram embarcadas 66.000 caixas de açúcar e, em 1848, tou uma reviravolta na vida económica do país(157).
98.000. Tal produção, por sua vez, exigia maior importa- Nas relações do Brasil com a Inglaterra, o absoluto
ção de escravos, que se elevou, no Brasil, de 20 rnil, em predomínio económico dos ingleses até 1845
1845, para mais de 50.000 em 1846. Os interesses do correspondeu à influência decisiva nos nossos negócios
primeiro grupo foram mais fortes e deram ao governo internos e centralizou-se na questão do tráfico. Com a
britânico as razões para sua luta contra o trabalho escra- expiração, em 1844, do Tratado de 1827 e dos privilégi-
vo no Brasil. os especiais ingleses, começa a competição pelo merca-
A luta da Inglaterra para abolir o tráfico veio a ser, do brasileiro. Quando o predomínio económico da In-
como diz ManchesterCl55), um dos fatores do declínio da glaterra deixou de ser total, sua influência política dimi-
predominância inglesa no Brasil. Da assinatura da Con- nuiu considera velmente.
venção de 1826 até fins de 1860, as relações anglo-brasi-
leiras foram envenenadas pelo tráfico, pela desconfiança
e ultraje ingleses e pelo temor e ódio do Governo brasi- OÍ6>
Tal postura foi impopular na Inglaterra do Norte, vide Hansard, Debates, 1841, 758, 783-787,
800 e Mathienson, Great Britain andtheSlave Tracle, p. 105-111.
11571
V.José Honório Rodigues, Prefácio às Cartas ao Amigo Ausenteás José Maria da Silva Paranhos,
'"•' A exposição de Manchester é a melhor que conhecemos e aqui a seguimos. Instituto Rio Branco, 1953-

146 147
6.2. As relações económicas até 1844 Alguns dados estatísticos demonstram o predomínio
incontestável da Inglaterra: em 1835, o valor das expor-
Os privilégios especiais, estabelecidos pelo Tratado de tações das Ilhas Britânicas para o Brasil era de 2.553.203
1827, tornavam inútil qualquer esforço de competição libras esterlinas, e as exportações alcançavam 1.479.588
económica. As condições preferenciais (15% de tarifa) libras esterlinas. Em 1842, 51% das importações recebi-
vigentes entre 1826 e 1844 afugentaram qualquer com- das no Rio vinham da Grã-Bretanha, e somente 20% das
petição e tornaram supremo o interesse económico in- exportações destinavam-se a portos ingleses. Esse
glês. É exato que outras nações obtiveram a mesma taxa desequilíbrio da balança comercial levou a uma troca
ínfima de 15% na pauta geral das alfândegas brasileiras, triangular. Os produtos eram enviados ao Brasil em con-
rnas, devido à falta de capital e de desenvolvimento in- signação, com crédito a longo prazo. Os britânicos, de-
dustrial, a competição tornou-se para elas desfavorável. pois de venderem suas mercadorias, emprestavam o di-
O domínio inglês coincidiu com uma crise económica nheiro resultante de suas vendas a negociantes estran-
e política, a mais avassaladora de nossa história. Basta geiros não-britânicos, recebendo, em troca, letras de câm-
lembrar a queda brutal dos preços-ouro do elevado índi- bio sobre Londres. Os agentes não britânicos usavam a
ce de 153, em 1821, ao nível de 47, em 1849. Para en- moeda assim obtida a fim de comprar artigos brasileiros
frentar os constantes cléficits orçamentados, valeu-se o que embarcavam para seus respectivos países.
governo, por cinco vezes, do recurso ao crédito externo Com base no capital inglês, auxiliou-se materialmen-
até 1849. Entraram no país 5.735.214 libras esterlinas, te o comércio brasileiro com a Suécia, Dinamarca, Ham-
sem nenhuma finalidade produtiva, não raro destinado burgo, Trieste e outras praças0593. Em 1843, 3/8 do açúcar,
apenas para satisfazer compromissos de empréstimos 1/2 do café e 5/8 do algodão exportados de Pernambuco,
anteriores. O comércio exterior, esteio único da econo- Bahia e Rio de Janeiro foram embarcados à conta da In-
mia nacional, acompanhava o quadro geral. glaterra; com exceção do algodão, uma pequena parte
A queda ininterrupta dos preços das exportações e a desses produtos destinou-se às Ilhas Britânicas. Apenas o
simultânea elevação dos preços das importações ocasio- café libertava-se, seguindo 350 mil sacas diretamente para
nada pela forte baixa cambial provocaram déficíts suces- os Estados Unidos. Até 1842, a posição inglesa era tam-
sivos na balança comercial. Estes, além dos avultados bém dominante no campo dos investimentos .
saques para o exterior, destinados a atender ao serviço A cessação do Tratado Comercial de 1844 não alterou
da dívida, representavam uma sangria anual média de a posição preeminente da Inglaterra na vida económica
quase três milhões de libras esterlinas. Até 1849, o meio brasileira. Em 1854, 54,6% das importações ainda eram
circulante era escasso: 48 mil contos.058) inglesas, mas a hostilidade à abolição, os insultos ingle-
ses, e o sensacional desenvolvimento económico brasi-
<«»i "Evolução da Conjuntura no Brasil Império", Conjuntura Económica, julho de 1848, p. 22-23.
Empréstimos de 1824, 1829, 1839, 1843 e 1849. "V. Miincilcster, ob. cit., 314-315.

148 149

.
Ieíroo6o) a partir cje i85o impediram o absoluto predomí- te declaração: "que concorreriam sinceramente para a
nio político da Grã-Bretanha. mais pronta e eficaz execução das medidas tendentes à
abolição do tráfico; reconhecendo, porém, que essa de-
claração geral não poderia prejudicar o termo que cada
potência em particular pudesse encarar como conveni-
6.3. A abolição do tráfico ente para aquela abolição definitiva, e que, portanto, a
determinação da época em que aquele comércio deveria
Desde o Tratado da Aliança e Amizade de 19 de feve- universalmente cessar seria objeto de negociação entre
reiro de 1810, assinado no Rio de Janeiro, compromete- as potências". Era, assim, o reconhecimento universal de
ra-se Portugal a abolir o comércio de escravos (art. X). um princípio, e embora muito devesse ser feito ainda,
No Congresso de Viena, em 1815, Castelreagh apresen- ele representava um progresso e uma base para a ação
tou três propostas: 1) que todas as potências proclamas- futura(l6l).
sem sua adesão ao princípio geral da abolição do tráfico, Começou, então, o Governo britânico a tratar com cada
e seu voto para implementar esta medida no mais curto uma das potências sobre o termo que conviria à cessa-
prazo possível; 2) que se examinasse a possibilidade de ção do tráfico; e, em Viena mesmo, celebrou com Portu-
uma abolição imediata ou da maior aproximação ao pra- gal o Tratado de 8 de junho de 1815, pelo qual este se
zo que cada potência poderia fixar para a abolição defi- obrigava a abolir o tráfico ao norte do Equador e se
nitiva; 3) que se examinassem os meios de obter imedi- comprometia a estabelecer por meio de tratado especial,
atamente uma restrição relativa ao prazo da abolição. a época definitiva de sua cessação nas colónias. Em 28
Todas as potências que possuíam importantes colóni- de julho de 1817 celebrou outra convenção com Portu-
as na América do Sul, especialmente Portugal e Espanha, gal, na qual se estabeleciam os meios de chegar a esse
se opuseram veementemente à abolição. Mas este era o fim; nela concedia-se o direito de visita (recíproco), cri-
ponto principal das instruções de Wellington. Por fim, avam-se as comissões mistas, e acrescentava-se que as
Portugal concordou em abolir a escravidão ao norte da embarcações só poderiam ser detidas tendo escravos a
linha do Equador, pagando-lhe a Grã-Bretanha 300.000 bordo(l62).
libras, em troca como preço por alguns protestos, liber- No artigo adicional - de 25 de janeiro de 1823 - ao
tando-o ademais do pagamento de um empréstimo e Tratado com a Holanda, de 1818, especificavam-se, pela
desistindo de partes do Tratado de 1810, contra o qual primeira vez, as circunstâncias que deviam constituir pre-
Portugal nunca cessara de protestar. sunção legal de que a embarcação se empregava no trá-
Finalmente foi a primeira proposta aceita e, a 8 de
fevereiro de 1815, as oito potências assinavam a seguin- M>
V. C. K. Webster, The Foreign Policy of Castelreagh, 1812-1815, Londres, 1931, l vol., p.
413-426.
""" Nas médias quinquenais das arrobas exportadas de café se observa, de 183-4/35 a 1838/39: nca
Neste mesmo sentido celebrou também outra convenção com a Holanda (1818) c o artigo
3.673.356; nas de 1849/50 a 1853/54: 8.850.180. Vide Afonso Taunay, Pequena História do adicional (1822).
Café, 1945, p. 74.

150 151
fico, bastando uma delas para a detenção. Foi esse o 1826, por convenção, o Brasil se obrigava a acabar com
primeiro passo para alargai' os casos de apresamento, o tráfico três anos depois da data da ratificação, embora
inclusive equipando-se para tal tarefa. A convenção ce- não se estipulassem as circunstâncias da presunção legal.
lebrada com o Brasil em 23 de novembro de 1823, A Regência, pela Lei de 7 de novembro de 1831, pelos
obrigava-nos a cessar o tráfico três anos depois da data decretos de 12 de abril de 1832 e de 19 de outubro de
da ratificação e a aceitar plenamente os artigos da con- 1854, tomava algumas providências internas para satisfa-
venção adicional celebrada com Portugal em 28 de julho zer a grande pressão inglesa, que nunca parava na sua
de 1817. Não se estipulavam as circunstâncias para esta- crescente exaltação insultuosa e violenta.
belecer a presunção legal, ou porque Brasil não quis Em 1831, Palmerston instruiu o encarregado Aston de
aceder em face de tão largas concessões, ou porque a promover junto ao Governo brasileiro a discussão do
Inglaterra, tendo obtido tanto, não pôde exigir mais. direito de visita e presa de navios preparados para o
O Tratado cie 30 de novembro de 1831, celebrado tráfico pelos navios de guerra britânicos e brasileiros.
com a França contribuía poderosamente para reforçar o Em 1833, uma vez mais, foram renovadas as negocia-
sistema britânico. Estabeleceu-se o direito de visita recí- ções, sem resultado, até que, a 26 de julho de 1835,
proco em zonas onde era mais fácil aos navios de guerra Manuel Alves Branco e H. S. Fox assinaram os protoco-
encontrar os barcos empregados no tráfico, recebendo o los da negociação de artigos adicionais à Convenção de
Brasil cie Paris um certo número de cruzadores063-1. 26 de novembro de 1826(l66). A Câmara não tomou co-
De 1815 a 1842 a Grã-Bretanha assinou tratados seme- nhecimento das negociações e proibiu a Regência de
lhantes com vários países europeus e, a partir de 1839, ratificar qualquer Tratado que não tivesse sido previa-
passou a fazê-lo com países americanos (Chile, Uruguai, mente aprovado pela Assembleia.
Venezuela, Haiti e Argentina)(l64). Novas negociações foram propostas, em 1839, por
Em 1826, o Governo britânico começou a empregar Cândido Batista de Oliveira, renovadas em 1840, pelo
todos os esforços para obter o assentimento do governo Cônsul Geral Ouseley e em 1842 por Hamilton(l67), todos
brasileiro às estipulações declaratórias das circunstâncias sem resultados capazes de satisfazer as exigências ingle-
que deveriam estabelecer a presunção legal de que a sas de colocar em aplicação o artigo da convenção de
embarcação se empregava no tráfico, porque queria ter o 1826. A nota de 17 de outubro de 1842, recusando uma
direito de apresar não somente os navios que tivessem solução às propostas de Hamilton, provocou a Inglater-
escravos a bordo, mas aqueles que encontrasse armados ra, que decidiu agir por seus próprios meios e baseada
e equipados para o tráfico(l65). Em 23 de novembro de em suas forças. Pauli.no José Soares de Sousa declarou,
n«i A frança vendo várias embarcações apresadas decidiu sancionar por um Tratado o que se
na Câmara, que essa decisão fora um erro(l6s).
exercia de fato e converter um direito unilateral em direito recíproco.
'""' As disposições são semelhantes, com excecào do da Venezuela, no qual se declara.que até owi y Discurso de Paulino José Soares de Sousa, ob. cit.
aquela época nenhum venezuelano fora encontrado fazendo tráfico. tifv.i y Paulino José Soares de Sousa, ob. cit.
<""'-' V. discurso de Paulino José Soares de Sousa, de 15 de julho de 1850 na Câmara dos Deputados. • V. discurso citado.

152 153
Rompidas as negociações de 1842, passaram-se os anos
de 1843 e 1844 sem que outras fossems estabelecidas. A
Convenção de 1817 expirava a 13 de março de 1845 e,
no dia 12, a legação britânica foi notificada. A 8 de agos-
to, entrou em vigor o Bill Aberdeen(lS9), que sujeitava ao
alto tribunal do Almirantado os navios brasileiros que
fizessem tráfico. No mesmo dia, houve nota de protesto
do Governo imperial(170). A consequência imediata do
Bill foi o aumento do tráfico, como se pode ilustrar pe-
los dados estatísticos do Foreign Office, transcritos por
Paulino José Soares de Sousa em, 1852: em 1845 entra- 7. A Política Brasileira no Rio da
ram 19.453 escravos; em 1846, 50.324; em 1847, 56.172;
em 1848, 60.000; em 1849, 54.000; em 1850, 23.000 e em
Prata
1851, 3.287071). Assim, foram o ato de 4 de setembro de
1850(172) e o decreto 708, de 14 de outubro de 1850, que No sonho de restaurar o Vice-Reinado do Prata, João
decidiram a questão, porque diante da transformação da Manuel Rosas, o ditador da Confederação Argentina (1829-
própria consciência nacional não era possível tomar uma 1852), e seu aliado Manoel Oribe, Presidente do Uruguai
medida tão drástica. (1835), procuraram cortejar os revolucionários da
Discursando a 3 de junho de 1851, Euzébio de Queiroz Farroupilha (1835-1845), pleitearam a reconquista dos
mostrava os embaraços e dificuldades anteriores, e argu- povos das Missões, o domínio do Uruguai e a submissão
mentando que a extinção apenas se efetivou - pouco do Paraguai.
O Vice-Reinado esfalecera-se por vários motivos: eco-
valendo os esforços e gastos(173) britânicos - quando se
nómicos, políticos, geográficos e psicossociais. O vasto
operou a mudança da opinião pública brasileira, e a abo-
domínio espanhol na América compunha-se do Vice-
lição foi considerada uma medida nacional.
Reinado da Nova Espanha (México e a Capitania Geral
da Guatemala), do Vice-Reinado de Nova Granada (1717
- Venezuela; 1773 Capitania Geral da Colômbia, Equa-
061)1
In Pereira Pinto, l, 419 e Relatório de 1846, nota n. 28. dor), do Vice-Reinado do Peru, o mais importante da
(no, v pereira PintOi ^ 426-445.
11711
Relatório da Repartição dos Negócios Estrangeiros, 1852, p. XIII. Os dados do Ministério dos
América do Sul (Peru, Bolívia, Equador), da Capitania
Negócios Estrangeiros eram diferentes: 1845, 22.700; 1846, 52.600; 1847, 57.800; mostrando Geral do Chile (1798), da Audiência de Charcas (perten-
assim a ascençao depois do Bill Aberdeen.
1172) v. Pereira Pinto, l, 462. cente, primeiro, ao Vice-Reinado do Peru, e depois ao
"731 C. Webster, Tbe Foreign Policy ofPalmerston, Londres, 2 vol. afirma que nunca a Inglaterra,
dispendera tanto tempo e dinheiro com uma questão como a do tráfico. Paulino José Soares da Prata) e, finalmente, o Vice-Reinado da Prata (15/87
de Sousa afiirma que gastou 650.000 libras por ano para manter seu cruzeiro. V. Discurso
citado.
1776), composto cte Buenos Aires (Argentina), Paraguai

154 155
(incluindo as Missões), Bolívia (Potosi, La Paz, presidente constitucional do Uruguai (1830-1834), e Ma-
Cochabamba, Moxos, Chiquitos e Cuyo (Mendoza) e parte nuel Oribe (1835-1838), aliado de Rosas em 1836, confe-
do Chile. riram nova feição aos acontecimentos. Rivera passara a
O Vice-Reinado foi um órgão improvisado para fazer exercer, ao sair do poder, o cargo de comandante geral
frente a Portugal e, ao longo de seus trinta e quatro anos do Campo, cargo suprimido pelo decreto de Oribe de 9
de existência, não conseguiu formar um corpo homogé- de janeiro de 1836. Este fato provocou a revolta de Rivera
neo. Eram Estados desunidos e sem articulação. Já na que, em em 15 de junho de ,1838, obteve a vitória deci-
época do Vice-Reinado, o alto Peru, o Chile e a Banda siva.
Oriental não queriam se subordinar a Buenos Aires, como De 1837 a 1838, realizaram-se negociações entre o
Buenos Aires tinha resistido a submeter-se ao Peru. Brasil e o Uruguai, sem bons resultados(174), conduzidas
Quando Buenos Aires libertou-se da Espanha, o Paraguai, por Montezuma e continuadas por Maciel Monteiro(175).
a Bolívia e o Uruguai libertaram-se de Buenos Aires. A aliança de Rivera com os rebeldes do Rio Grande do
Inclusive as províncias argentinas estavam tão desunidas Sul(176) afastou Rosas destes. Ao mesmo tempo, o blo-
que Entre Rios e Comentes tentaram unir-se numa na- queio do rio da Prata pelas forças francesas impedia o
ção independente de Buenos Aires. Vimos que o Trata- auxílio de Rosas a Oríbe(177) e, a 10 de novembro de
do de 1828 assegurava a independência do Uruguai, num 1838, Rivera assumia o poder(178).
acordo brasileiro-argentino, que exprime, desde então, a Rosas não abandonara nenhuma de suas pretensões e
linha da política externa brasileira em defesa da inde- sua Legação apresentava notas arrogantes, exigindo que
pendência do Uruguai e do Paraguai frente à dominação o Brasil o auxiliasse a repelir as intervenções francesas e
argentina. Quando foi dissolvido o Vice-Reinado, em 1810, inglesas no rio da Prata e a colocar Oribe, seu lugar
o Paraguai nega-se a reconhecer o domínio de Buenos tenente, no governo do Estado Oriental, ao mesmo tem-
Aires e surge uma nova nacionalidade, cuja independên- po em que negava ao Brasil o direito de intervir no Uru-
cia reconhecemos em 1843.
Mas antes desse reconhecimento é preciso lembrar que, Paulino José Soares de Sousa com razão argumenta
em 1837 e 1838, a nossa Legação em Buenos Aires recla- ser evidente que Rosas "queria servir-se do Brasil como
mou em vão contra a entrega de equipamento de guerra instrumento para ajudá-lo a desembaraçar-se de seus
que os rebeldes do Rio Grande do Sul recebiam de
Comentes e Entre Rios. Já em 6 de setembro de 1839,
Rosas comunicava à nossa Legação a nomeação de An- "71i Discurso de Paulino José Soares de Sousa, 4 de junho de 1852.
'™ Relatório da Repartição dos Negócios Estrangeiros, 1838, p. 5 e 9.
tónio Manuel Correia da Câmara como Enviado Extraor- °7" V. sobre relações dos rebeldes e Rivera, Publicações do Arquivo Nacional, vol. XXXII, 1937,
Documentos Itamaraty.
dinário e Ministro Plenipotenciário da chamada Repúbli- (177i
( 8)
B. John Cady, /.«Intervencíon Kxtrangera en el rio de Ia Plata, 1838-1850, Buenos Aires, 1943.
" J. J. Pivel Devoto, ob. cit.
ca do Piratini junto à Confederação da Argentina. '™ Paulino cita as notas 8/8/1836, 27/9, 3/10 e 29/11 de 1838 in Relatório da Repartição dos
As lutas, no Uruguai entre Frutuoso Rivera, primeiro Negócios Estrangeiros, 1852, XV.

156 157
adversários, até que livre destes, vivas todas as questões 1844OS4), e os problemas decorrentes do bloqueio0855.
que nos tinha suscitado e que evitava resolver, fortaleci- Todas estas questões foram discutidas na nota de 17
do e engrandecido pelo triunfo e com o desaparecimen- de agosto de 1845, que terminava com a solicitação dos
to de seus adversários externos, porque dos internos fa- passaportes0865. Retirados esses assina Th. Guido o Tra-
cilmente se desembaraçava, nos viesse tomar contas e tado de Aliança ofensiva e defensiva de 24 de março de
precipitar-nos, desprevenidos e desconceituados, em uma 1843 e o Protocolo de 27 do mesmo mês, relativo ao
então ruinosíssima guerra com um adversário mais que restabelecimento da paz no Uruguai e no Rio Grande do
nunca exaltado e poderoso"08®. Sul, não ratificado pelo ditador Rosas. As exigências de
Sabia Paulino José Soares de Sousa que Lucas J. Obes, Rosas continuavam cada vez mais insistentes e insultuosas
C187)
Ministro das Relações Exteriores do Uruguai, havia con- especialmente depois que foi levantado o bloqueio,
cebido o plano de formar uma vasta liga hispano-ameri- a 15 de julho de 1847, pela Inglaterra, havendo esperan-
cana para reclamar do Império os limites de 1777, e que, ças de que a França em breve procederia de igual modo.
desde 1834, D. Francisco J. Munoz fora enviado ao go- No Uruguai, o cerco de Montevidéu permanecia desde
verno boliviano para dar começo a um plano de 1843.
integração da Liga, levando também uma nota para o Q Brasil mantinha-se neutro na luta, apesar das inso-
governo do Peru(1H1). Oribe apoiava-se cada vez mais em lências e dos prejuízos causados por Oribe, que manda-
Rosas e Rivera ligava-se aos unitários argentinos e aos va pear o gado, assaltar estâncias e impedir a passagem
brasileiros. de gado para o Rio Grande do Sul. As represálias foram
A 31 de dezembro de 1838, Rivera assinava um trata- organizadas por Francisco Pedro de Abreu, Barão de Jacuí,
do de aliança com Comentes, que era o centro da luta que invadiu o Uruguai à frente de tropas irregulares08®.
contra Rosas, e, a 10 de março de 1839, declarava guerra Rosas exigiu punição exemplar para o Barão de Jacuí e,
a Rosas, o qual ajudava Oribe a invadir o território orien- em 30 de setembro de 1850, o Ministro argentino solici-
tal com tropas argentinas e a assediar Montevidéu. Em tava os passaportes.
princípios de 1843, Rosas declarava o bloqueio de Mon- Com o fim da intervenção francesa (1850), Rosas fez
tevidéu, com o devido protesto brasileiro exarado em da legação argentina a intérprete do General Oribe, o
setembro do mesmo ano. Agravaram-se as diferenças
progressivamente082 especialmente com o Reconheci-
mento do Paraguai, em 1843083), a Missão Abrantes em
"*" V. Relatório de Paulino José Soares de Sousa, 1850, p. 16 e Relatório de 1846, nota 16.
"8SI V. Memorandum de Abrantes in Relatório de 1847, p. 13.
«em Relatório citado. "*" V. Relatório da Repartição dos Negócios Estrangeiros, 1846, nota 49, p. 108-117.
11811 11871
Pive! Devoto, ob. cit., p. 495/496. Paulino José Soares de Sousa in Relatório de 1852 enumera c conta todos os casos e compli-
iiB2> y. Relatório de Paulino José Soares de Sousa. Os relatórios de 43 c 44 nada dizem a respeito. cações promovidos e alimentados pela ambição de Rosas.
""'A resposta ao protesto argentino in Relatório de 1846, p. 26-30 e a nota de protesto argentino, '""" V. Relatório de 1850, p. VI c notas 24, 32, 39, csp. cloc. 3 de outubro cie 1849, onde se fala da
n. 37, p. 94 e doe. 1847. invasão em junho e julho daquele ano <j -j de dexembro de 1849 in nota 41.

158 159

- ' • :i99HSi
que a nossa chancelaria se recusava a admitir. Oribe, por tés ao Umguai, figurando como credor o Visconde de
sua vez, negava-se a atender às nossas reclamações0895. Mauá, e, a 25 de dezembro de 1850, um tratado de alian-
Assim, por volta de outubro de 1850, rompia o Brasil as ça defensiva era assinado em Assunción, concorrendo
relações com Rosas e Oribe. Não obstante, a interven- ambos para a reação contra os desmandos de Rosas e
ção brasileira no Uruguai vinha sendo requerida090-1 des- Oribe. Decidiu-se, então, sustentar a praça de Montevi-
de o começo das lutas entre Rivera e Oribe (1839). Cou- déu e expeli-los do Uruguai092-1.
be a André Lamas, representando Montevidéu desde 9 Os apelos de André Lamas iam sendo atendidos(193) e,
de novembro de 1847, procurar levar o Brasil a solucio- a 28 de abril de 1851, eram expedidas ordens ao Presi-
nar o conflito uruguaio, a negociar um empréstimo e a dente da Província do Rio Grande do Sul para reunir, na
promover uma aliança. fronteira, toda a força da primeira linha. Tentava-se tam-
A 13 de setembro de 1850 era assinada, por Rosas e bém atrair para a causa anti-rosista e oribista as simpati-
Oribe com o Almirante Lê Predour, uma convenção, es- as - já reveladas - do General D. Justo José de Urquiza,
tabelecendo que se procedessem novas eleições para a governador de Entre Rios°94). A 29 de maio de 1851 assi-
presidência do Estado. Oribe, que ocupava quase todo o nava-se em Montevidéu o convénio entre o Brasil, o
território oriental, viria a dominar as eleições, com o apoio Uruguai e as Províncias de Entre Rios e Comentes para
de Rosas. uma aliança ofensiva e defensiva, a fim de manter a in-
O acordo entre esses dois generais, nossos inimigos, dependência da República do Umguai e de pacificar o
ambos desembaraçados cie suas dificuldades e dispondo respectivo território(195). A aliança não era, ainda, contra
de forças aguerridas, reunidas em Monte Caseros, signi- Rosas, mas contra Oribe, a quem o Império não reco-
ficava uma ameaça pesando contra o Brasil, que foi pon- nhecera como presidente e que vinha cometendo contí-
derada gravemente pelo grande ministro Paulino José nuas extorsões e, violências contra os brasileiros.
Soares de Sousa. A esta altura o Brasil não possuía uma Dirigidas por Caxias e pelo Almirante Grenfell, as for-
só aliança, e o próprio Paraguai, cuja independência ças brasileiras uniram-se às tropas aliadas. A resposta
reconhecêramos em 1843, negociava acordos com Rosas argentina à proposta de mediação - feita pela Grã-
O91)
. As medidas foram sendo tomadas em face de um Bretanha - entre o seu governo e o brasileiro equivalia a
possível conflito, reforçando o Exército e a Armada, pro- uma declaração de guerra (18 de setembro de 1851),
curando evitar que Montevidéu caísse em poder de Oribe confirmada, aliás, pela lei de 20 de setembro de 1850096)
e promovendo alianças. A ó de setembro de 1850, assi-
l 21
nava-se um contrato de empréstimo de 18 mil pesos for- " Declaração de lé/3/1851. V. Cardoso de Oliveira, I, l6l.
'"3J V. Relatório de Paulino, ob. cit., XXI.
''"'" O Tratado quadrilatcral de 4/1/1831 das províncias litorais delegava ao governador de Buenos
Aires a gerência dos negócios externos. V. Discurso de Paulino de 4/6/1852 e Relatório de
"WjAs discussões de Paulino com Guido estão magnificamente tratadas no cap. X de José António 1852, XXII. A 1/5/1851 Urquiza reassumia o exercício do poder externo, aderindo à"Província
Soares de Sousa, A vida do Visconde do Uruguai, Brasiliana, 1944, p. 242 e segts. de Corrientes.
tmi 11551
Aceita a tese o próprio historiador oribista Pivcl Devoto, ob. cit., p. 515. Tratado in Pereira Pinto, 3, 178, e Relatório de 1852, Anexo F, n. 2.
'"" V. lielatório de PaulinoJosé Soares de Sousa, ob. cit., XIX. "%'V. lielatório de 1852, ob. cit., XXJV-XXV.

160 161
:
/-l M l

Em face desta declaração era preciso assegurar os meios


de tornar efetivo o art. 15 do Convénio de 29 de maio de
1851, o que se fez pelo Convénio de 21 de novembro de
1851(197). Oribe capitulou em 12 de outubro de 1851(398),
e suas tropas passaram a servir às forças da República,
submetendo-se as argentinas ao General Urquiza.
A 23 de outubro de 1851, partia, em Missão Especial,
Honórío Hermeto Carneiro Leão, tendo como secretário
José Maria da Silva Paranhos, para resolver os proble-
mas decorrentes da guerra(199). A batalha de Monte
Caseros, de 3 de fevereiro de 1852, derrubou o poder 8. Reconhecimento da Independência
rosista, derrubou seus sonhos, sua ambição e a de seus do Paraguai (1844)
testas-de-ferro, como Oribe.

8.1. A Missão Pimenta Bueno

A 16 de outubro de 1843, José António Pimenta Bueno


era nomeado Encarregado de Negócios e Cônsul do
Império na República cio Paraguai, ali chegando a 18 de
agosto de 1844. O ato formal deu-se a 14 de setem-
bro(200). O protesto argentino contra o reconhecimento
"do desmembramento de uma parte importante do terri-
tório argentino" é de 20 de fevereiro de 1845. O contra-
protesto brasileiro, redigido por António Paulino Limpo
de Abreu, data de 29 de julho de 1845{201J.
Promoveu Pimenta Bueno a assinatura do Tratado de
"7>V. Pereira Pinto, 3, 371, e Anexo F do Relatório de 1852.
"""V. Relatório de 1852, Anexo D, n. 14. 2 J
'•1W'V. José Maria da Silva Paranhos, Cartas só Am^OAusente, ed. Instituto Rio Branco, organizada " 'V. Pereira Pinto, voi. III, 132 e segts.
por José Honório Rodrigues, 1953. 'Relatório da Repartição dos Negócios Estrangeiros, 1846.

162 163
7 de outubro de 1844(202), não ratificado pelo Governo 8.3. A Missão Honório Hermeto Carneiro
brasileiro, e do protocolo de 1Q de junho de 1845, sobre Leão (1851)
a pacificação do rio da Prata, pelo qual garantiu a liber-
it
í í dade de comércio e navegação dos rios Paraná e Uru- Em face da declaração de guerra que o General Rosas
guai(203). O reconhecimento pela Argentina só se deu de- fizera aos aliados, a necessidade de estipular a nova ali-
pois da queda de Rosas, por iniciativa do General Urquiza, ança prevista pelo artigo 15 do Convénio de 29 de maio,
servindo como agente Santiago Derqui. Foi solenemente .indicava a urgência de enviar ao rio da Prata um negoci-
declarado a 17 de julho de 1852(204). ador hábil e capaz, que pudesse dar uma imediata dire-
ção aos negócios pendentes a exigir pronta solução. A
escolha recaiu em Honório Hermeto Carneiro Leão que,
8.2. A Missão Abrantes pelo seu caráter e ilustração, era o estadista mais habili-
tado para o desempenho da tarefa. Acompanhou-o, como
Em 1846, Miguel Calmon du Pin y Almeida, Visconde seu secretário José Maria da Silva Paranhos - o futuro
de Abrantes, foi enviado à Inglaterra e à França para Visconde do Rio Branco - que iniciava assim uma extra-
obter junto a seus governos a cooperação na manuten- ordinária carreira diplomática005-1.
ção da independência do Uruguai e do Paraguai, ambas Partindo a 23 de outubro, já a 21 de novembro de
ameaçadas pelo General Rosas. Aberdeen e Guizot, mi- 1851 celebrava o Convénio Especial com os Estados de
nistros inglês e francês, excusavam-se de qualquer com- Entre Rios, Comentes e Uruguai, cujo objetivo era liber-
promisso, embora tivessem seus agentes procurado agir tar o povo argentino da opressão de Rosas e estabelecer
junto a Rosas em Buenos Aires, sem audiência brasileira. relações políticas e de boa vizinhança com os governos
A Missão Abrantes tinha também por finalidade obter aliados(206). Cabia aos Estados argentinos a iniciativa das
um Tratado de comércio com a Zollverein, associação operações de guerra e o Brasil e o Uruguai agiriam como
das alfândegas alemãs, para beneficiar as exportações meros auxiliares.
brasileiras. A Missão foi um sucesso, e Honório Hermeto, solvida
a questão que se levantara sobre a validade dos Tratados
de 12 de outubro de 1851(207), voltou ao Rio de Janeiro,
sendo o Conselheiro Rodrigo de Sousa e Silva Pontes
promovido a Enviado Extraordinário e Ministro Plenipo-
1X21
V. Pereira Pinto, vol. III, 127 c 143.
i», y pereira Pinto, vol. III, 167 e 16H.
<2r
"' A principal bibliografia, sobre o assunto é: Mário Ferreira França, O Reconhecimento da Inde-
pendência do Paraguai pelo Brasil, Rio cie Janeiro, 1953 (Ministério da Marinha); R. António Sobre a Missão V, Cartas ao Amigo Ausente, Instituto Rio liranco, 1953 carta 48a p 281 e
Ramos, Kl Reconocimiento de Ia Independência dei Paraguay por el Brasil, Assunción, 1953; (i6iPrefácio X-XI.
K. António Ramos, El Keconoctmiitito de Ia lndej>eudencia dei Paraguaypor Ia Argentina, i»?] ' V Uelat6ri
o, 1852, p. XXVI.
v
México, 1951. 'de as modificações propostas in Relatório de 1853, p. 11 c Anexos A e C.

164 165

«C i : ..-
n í 'N

tenciário junto à Confederação Argentina. Honório


Hermeto, convencido da capacidade, diligência e zelo
de seu secretário, foi o primeiro a interessar-se pelo apro-
veitamento dos serviços de Silva Paranhos, que foi ele-
vado a Ministro Residente em Missão Especial na Repú-
blica Oriental. O próprio Paulino José Soares de Sousa
reconhecia-lhe os méritos e satisfazia-se com a licença
que a Câmara dos Deputados concedeu a Paranhos -
eleito pela Província do Rio de Janeiro - para que conti-
nuasse no cargo de Ministro Residente(208). Paranhos agora
discutia o Tratado 4e 15 de maio de 1852 e as questões 9. A questão do Uruguai em 1864
de limites(209).

A partir de 1863 as reclamações do governo imperial


contra violências cometidas por autoridades e civis uru-
guaios no departamento de Taquarembó e contra assas-
sinatos de brasileiros na fronteira acumulam-se e não
são atendidas pelo governo uruguaio de Bernardo Ber-
ro. Além disso, embora esse Governo não cumprisse os
compromissos assumidos de indenizar os brasileiros dos
prejuízos de guerra, acabara de reconhecer tal obrigação
no ajuste que fizera com a França e Inglaterra12103. A 19
de abril de 1863, desembarcou o General Flores no Rincón
de Ias Gallinas(211) e iniciou um movimento contra o che-
fe do Governo uruguaio. Flores utilizava-se dos orientais
refugiados na Argentina e contava, de certo modo, com

CTI "'Relatório de 1S63. p. 8. 30-31 e 315-341.


V. Relatório do 1853, p. 6. v
- Pivcl Devoto, ob. cit., 547 e aditamento ao Relatório de 1863, p. 14, 19 e 79-122.
IM
"Idcm, p. 9 e Anexos A, D c E.
•'.-í

166 167
o apoio desta última, devido à decisiva atuação do cau-
do Império, de ativa, passou a ser desde 1857", quando
dilho nos fatos que determinaram o triunfo de Buenos
nos recusamos a aliar-nos a Urquiza para submeter, pe-
Aires sobre Urquiza. Contava, também, com as simpatias
las armas, a Província de Buenos Aires, "de abstenção e
de alguns brasileiros da fronteira.
neutralidade não só nas dissensões e conflitos externos
A princípio, o Governo uruguaio solicitou do Gover-
como nas lutas interiores daquela República, sem pre-
no brasileiro a mais estrita neutralidade oficial, embora
juízo, porém, da proteção aos súditos brasileiros"(215).
sofressem outros brasileiros depredações e violências da
A maior parte das complicações internacionais da Re-
parte das forças uruguaias. Mais tarde, o governo uru-
pública Oriental do Uruguai procedia da falta de segu-
guaio solicitou a cooperação para a paz com a Argenti-
rança que encontravam o comércio e os interesses exter-
na, cujas relações estavam tensas. O Governo brasileiro
nos naquela República(2l6) Violências, roubos e perse-
enviou, em outubro de 1863, uma Missão confidencial a
guições eram cometidas no Estado Oriental pelas própri-
Buenos Aires, dirigida por João Alves Loureiro(212).
as autoridades civis e militares contra brasileiros, e as
O Governo do Uruguai tinha outros objetivos e procu-
reclamações ficavam sem solução. A impunidade, inefi-
rava, por intermédio de Juan José de Herrera e de Don
ciência ou indiferença oficiadas, em face das reclama-
Otávio Lapido, intrigar o Paraguai contra o Brasil e a
ções dos brasileiros, especialmente no Rio Grande do
Argentina. As instruções de 3 de março de 1863 dadas a
Lapido por Herrera, Ministro do Exterior, tentavam pro- Sul, tornavam a situação intolerável.
Para evitar que os ressentimentos degenerassem em
mover a união do Paraguai e do Uruguai contra os "vizi-
nhos poderosos que os ameaçavam, recordando a resis- atos ofensivos, decidiu-se enviar uma Missão Especial
tência da Argentina ao reconhecimento do Paraguai" e dirigida pelo Conselheiro José António Saraiva. Seu ob-
"Ia política antiparaguaya dei Brasil, menos franca, me- jetivo era conseguir do governo da República Oriental
nos osada, pêro no menos peligrosa"(213). A Missão brasi- do Uruguai a solução das várias reclamações pendentes
leira nada resolvera e o Governo uruguaio, que fazia e a adoção de providências e medidas que protegessem
e garantissem a vida, a honra e a propriedade dos brasi-
política externa desta espécie, nada discutiria com o
leiros1-21^. Era uma missão pacífica, e a força colocada na
Governo argentino enquanto este não abrisse mão do
armamento da ilha de Martin Garcia(214). fronteira só tinha por objetivo impedir a passagem de
quaisquer contingentes pelas fronteiras do Rio Grande
A Revolução de Flores não se definira durante o perí-
odo de Berro, e a ls de março de 1864 assumia o poder do Sul(218). A Missão Saraiva terminou sem que o Brasil
Atanasio Aguirre, que fora agente de Oribe. "A política obtivesse as reparações solicitadas. As dificuldades fo-

< 2 1 -' V. Relatório, Aditamento, 1864, p. 16-17-18, 119, Doe. às p. 119, 57 c 58. ^J Relatório, 1864, p. 10. Palavras de João Pedro Dias Vieira.
'ní' Pivel Devoto, ob. dl., p. 548. Relatório, p. 9.
'-'" V. A. Pereira Pinto, Martin Garcia in Estudo sobre algumas questões internas, São Paulo, 1807, ~ '"V. Relatório cit., p. 12-13 onde se enumera o que pretendia o governo obter. V. também Anexo
5-21. n. 1.
Sobre a Missão Saraiva v. Relatório 1865, p. 5.

168
169

••3á
m
ram enormes, apesar dos esforços de Saraiva e de sua face do fracasso das gestões diplomáticas na América,
tentativa de uma negociação de paz entre Flores e Aguirre, conferiu uma missão especial a Cândido Juanicóf222), cujo
tendo este procedido incorretamente ao aceitar a organi- objetivo primordial era buscar o apoio dos governos de
zação de um novo ministério e, depois de assinados os Espanha, França, Itália e Inglaterra, sob o disfarce de
protocolos, não querer atender a essa cláusula(219). garantir a independência (que não estava ameaçada) e a
O rompimento das negociações levou ao ultimato de estabilidade dos governos legais por um período de vin-
4 de agosto, cedendo lugar ao emprego da força(22o:). Sa- te cinco anos. O fracasso foi total.
raiva concedia seis dias, a contar daquela data, para que Enquanto isso, Rio Branco, enviado em Missão Espe-
o Governo oriental atendesse aos reclamos do Governo cial a 9 de novembro de 1864, chegava a Buenos Aires a
imperial, sem o que "as forças do Exército brasileiro es- 2 de dezembro para obter uma de suas maiores vitórias.
tacionadas na fronteira receberão ordem para proceder Seu objetivo era regularizar e bem definir a nossa posi-
a represálias, sempre que forem violentados os súditos ção com a República Argentina e fazer frente aos protes-
de S. M. ou for ameaçada sua vida e segurança..." tos do Governo paraguaio(223) contra qualquer ocupação
Além disso o Brasil decidiu "que também o Almirante do território uruguaio pelas forças imperiais, "atentatória
Tamandaré receberá instruções para do mesmo modo ao equilíbrio das Repúblicas do Prata". Logo iniciou Rio
proteger, com a força da esquadra às suas ordens, aos Branco suas atividades: tomava deliberações militares com
agentes consulares e cidadãos brasileiros ofendidos por os chefes das Forças Armadas, comunicava ao corpo di-
quaisquer autoridades ou indivíduos incitados a desaca- plomático as medidas extremas e decidia o bloqueio de
tos pela violência da imprensa ou instigação das mes- Montevidéu(224) pelas forças dirigidas por Tamandaré. As
mas autoridades". O Governo oriental devolveu a nota- hostilidades começariam a 9 de dezembro, mas a pedido
ultimato dizendo que ela não podia permanecer nos ar- dos chefes das estações navais estrangeiras, adiou-se para
quivos orientais e rompeu as relações a 30 de agosto de o dia 15, quando, finalizando o prazo de Aguirre, espe-
1864(221). A esquadra de Tamandaré foi tomando vários rava-se que triunfasse a facção moderada do Partido
pontos importantes até Salto e Paissandu (21 de janeiro Blanco e a capitulação evitasse o derramamento de san-
de 1865) e prestando auxílio às forças de Flores. O Go- gue.

i verno Aguirre declarou nulos os Tratados de 1851 e os


destruiu em fogueira nas ruas.
A assunção de T. Villalba fez cessar as hostilidades e
possibilitou os entendimentos, de que resultou o convé-
O apoio paraguaio, intrigado pela política blanca, não nio de 20 de fevereiro, assinado por D. Venancio Flores
veio nesse momento, como esperávamos. Aguirre, em
549
a* V' Pivel Devoto< <ob •• P- --
A Missão Herrera fracassara. V. Efraím Cardoso, Paraguaylndelwndieiitc. Barcelona, 1949, p-
16o, mas a 17/7/1864 o governo paraguaio oferecera mediação, c a 30/8 fazia seu protesto.
'2"'V. Relatório de 1865, p. 9-12 e does. ns. 7-12, esp. a carta p. 34.
'"'-"V. Anexo n. l do cit. Relatório com toda documentação c o último à p. 46-52. V. Relatório cit., p. 170-174.
'™"V. Nota de 9/8/1864 in ob. cit., p. 57, o nota 39 in p. 76-78. Comunicado ao corpo diplomático s 2/2/1865.

170 171
e Manuel Herrera y Obes. Paranhos, como Ministro do
Império, assistiu às negociações e deu o assentimento e
a garantia do Império ao protocolo assiiiado(225). O con-
vénio significou o fim da guerra e a certeza de que se
daria execução aos compromissos que assumira Flores
com o Império, segundo as notas reversais de 28 e 31 de
janeiro, trocadas entre o General e Paranhos(226). Por es-
ses ajustes, alcançávamos tudo quanto se podia razoa-
velmente desejar. Estávamos desembaraçados da ques-
tão oriental e de outras dificuldades que poderiam surgir
se a resistência de Montevidéu se prolongasse; podía- 10. A questão Christie
mos, desde então, cuidar séria e exclusivamente da Guerra
do Paraguai, o que era urgente e de suma importância,
escreveu, mais tarde, Paranhos Filho(227),
O rompimento entre Tamandaré e Rio Branco provo-
cou a demissão deste e o Governo imperial julgou o con-
vénio de 20 de fevereiro deficiente por não haver atendido Já observamos que, por volta de 1850, a estrutura eco-
devidamente as graves ofensas cometidas no último pe- nómica brasileira sofreu modificações quase radicais.
ríodo da administração Aguirre - entre estas o insulto Conseguiu-se iniciar a transição do trabalho escravo para
cometido contra a bandeira nacional e o procedimento o livre (emigração), houve profunda transformação ma-
dos prisioneiros de Paissandu que novamente pegaram terial por meio da introdução de melhorias, como o telé-
em armas(228/9). A 3 de março, Rio Branco foi demitido em grafo, carris, navegação de cabotagem. O nível de vida
face da oposição de seus inimigos e dos ataques do jor- elevou-se e o café substituiu definitivamente o açúcar. A
nal de Quintino Bocaiuva contra o gabinete liberal de tarifa protecionista da mercadoria inglesa foi abandona-
Francisco José Furtado; este prestou-se àquele desserviço. da quando expirou, em 1842, o tratado comercial com a
1
V. Relatório citado, p. 19-20 e Anexo n. l, com toda a documentação inclusive oConvênio, p. 152-156.
Inglaterra; as estradas de ferro começaram em 1854, o
' V. Eelatóriio cit., p. 156-158.
1
telégrafo foi instalado em 1857; empresas comerciais e
"José Maria da Silva Paranhos, Visconde do Rio Branco, Biografia," Obras Completas cie Rio
Branco, ed. iVfíriisiério das Relações Exteriores, 1945, 204-205. industriais foram organizadas.
"* A disputa entre Tamandarc e Rio Branco está sumariada na biografia feita por Rio Branco
Filho, p. 212-213, e esclarecida in A Convenção de 20 de fevereiro demonstrada à luz de A renda nacional crescera de 40.000 contos, em 1838,
Debates do Senado e dos sucessos de Uruguaiana. Rio de Janeiro, Garnier, 1865; os três
discursos de Rio Branco transcritos foram os de 5, 26 e 28 de junho de 1865. O primeiro
a 100.000 em 1858; os déficits cessaram, o crédito do
durou K horas (V. Rozendo Mona Barreto, José Marta da Silva Paninhos, Rio de Janeiro, Brasil(230) estabeleceu-se mais firmemente, e a taxa de
1884, p. 52) e causou enorme impressão na época. V. art. de Machado de Assis in Páginas
Recolhidas, ed. Jaekson, 1937. Vide também A M issâo de Paranbos ou a paz no Uruguai, por *" Sobre os empréstimos V. Castro Carreira, História Financeira e Orçamentaria do Império do
um F.x-Ministro de Estado, Rio de Janeiro, 1865. Bras.il, 1889.

172 173
EP M

importação triplicou entre 1836 e 1856, o que se deveu, Rio Grande do Sul) o navio inglês "Prince of Wales". A
em parte, às tarifas mais altas, impostas quando o trata- 14 de junho, o juiz municipal de Taim comunicou ao
do comercial com a Inglaterra cessou e, em parte, ao presidente estadual o naufrágio e Henry P. Vereker, Côn-
valor das mercadorias compradas. A exportação também sul no Rio Grande do Sul, que o acompanhara, apresen-
dobrou. tou ao mesmo Presidente um ofício que mandara ao
A primeira linha de navegação a vapor inaugurou-se delegado de polícia, tratando das "cenas escandalosas
em 1851(231) e a ela se deveu, em grande parte, o cresci- que tiveram lugar por ocasião do naufrágio do Prince of
mento das exportações britânicas. Todo esse desenvol- Wales".
vimento económico brasileiro, influenciado grandemente Dizia Vereker, em 20 de junho de 1861, que a carga
pelo capital inglês, não impediu o Brasil de se libertar, havia sido roubada e os tripulantes assassinados pelos
como observa Manchester(232), do absoluto predomínio habitantes locais. O inquérito policial foi imediatamente
económico e político inglês. instaurado diante da queixa de roubo e assassinato. A
A crise do tráfico, até 1850, envenenara as relações notícia do naufrágio chegou ao Taim a 9 de junho e a
entre os dois países. Agora, com a paz interna consolida- comunicação oficial à cidade do Rio Grande a 14. A Le-
da e ajudado pelo desenvolvimento económico, o Brasil gação britânica, em nota de 25 de outubro, já declarava
sustentava sua revolta eliminando a tarifa especial e de- "que está suficientemente demonstrada" a participação
sejando a competição de outros rivais. dos habitantes nos roubos e acusava as autoridades de
Os agentes diplomáticos britânicos dominavam, em negligência, senão de conivência.
grande parte, com suas imposições, a própria vida inter- O Ministro dos Negócios Exteriores, Benvenuto
na do Brasil; agora, sentíamos força para nos revoltar- Augusto de Magalhães Taques, insistiu na urgência do
mos contra toda tentativa de controle político e para inquérito estadual e, a 17 de março de 1862, W. D. Christie,
enfrentarmos as ameaças dos agentes britânicos. O exem- em nota agressiva e insultuosa, declarava que "o gover-
plo típico é de W. D. Christie (1860-1863): hostil ao Bra- no de S. M. não considera satisfatórias as explicações
sil e aos brasileiros sempre quis impor suas exigências, dadas pelas ditas autoridades, sendo de opinião que as
recorrendo à força das represálias e ameaçando com do distrito são criminosas, e insuficientes as pesquisas
violência, apoiado na esquadra britânica. feitas". Ao mesmo tempo, exigia uma indenização pelo
Os acontecimentos resumem-se dessa forma(233): entre roubo, a punição das autoridades e, finalmente, anunci-
8 e 9 cie junho de 1861 naufragou em Romeiro (Albardão, ava, numa demonstração de força, que estava escreven-
do "ao almirante comandante das Forças Navais de S.
M.", em Montevicléu, para que enviasse ao lugar do nau-
12311
V. Cartas ao Amigo Ausente corft a descrição cio fato. Sobre esses primeiros vapores de 1850,
A. Manchester, ob. cit., p. 262. 317, 322 c José Honório Rodrigues, prefácio às Carias ao
frágio, um navio com um oficial experiente.
12ÍZ>
Amigo Ausente. A situação já era difícil, quando um novo incidente, a
V. ob. cit., p. 339.
'-3-1 V. toda documentação in Kelatório de 1863- 17 de junho de 1861, veio agravá-la: três oficiais (entre

174 175
os quais o reverendo de bordo) do navio "Forte", alta- oficiais da fragata "Forte", o Governo imperial não pode
mente alcoolizados e à paisana, insultaram a guarda do nem deve igualmente satisfazer às exigências do ultima-
Posto da Tijuca, daí resultando um conflito. Depois de to e, por muito que deplore os males que desta sua de-
devidamente esbordoados, foram trancafiados, sendo liberação poderão resultar, julga preferível e mais honro-
soltos tão logo identificados. so sofrê-los a sacrificar o decoro e a dignidade nacional.
W. D. Christie, numa crescente animação insultuosa, Christie, com sua costumeira insolência, declarou a 30
exigiu, em dois ofícios, de 5 de dezembro de 1862, $ de dezembro, que o Almirante Warren, Comandante em
6.525.190 libras como indenização pelas perdas no "Prince Chefe da esquadra de S. M. neste porto, procederia ime-
of Wales" e os seguintes castigos pelas ofensas aos ofici- diatamente de conformidade com as instruções que lhe
ais: 1) que se desse baixa do serviço ao alferes da guar- fossem ministradas e daria os passos necessários para
da; 2) que a sentinela que provocou o conflito fosse fazer represálias em propriedade brasileira. Essa propri-
adequadamente castigada; 3) que uma satisfação por esta edade seria retida como garantia, e não constituindo as
ofensa fosse dada aos oficiais da marinha britânica pelo represálias atos de guerra, dependia do Governo brasi-
Governo imperial; 4) que o chefe de polícia e o oficial leiro ficar nos limites da paz ou transpô-los. Ameaçava,
que recebeu os três oficiais britânicos na polícia fossem ainda, com outras represálias, caso medidas de contra-
publicamente censurados. Neste mesmo dia, em outra represálias ou ofensas fossem feitas às poucas pessoas
nota, exigia uma resposta até o dia 20 de dezembro. ou propriedades britânicas no país. A 30 de dezembro,
O Marquês de Abrantes lhe comunicou, a 8 de dezem- Christie enviou uma circular aos cônsules britânicos no
bro, a decisão do Império de incumbir o Ministro brasi- Brasil comunicando as medidas extremas que tomara.
leiro em Londres de se entender diretamente com o Ga- O Marquês de Abrantes respondeu-lhe corrigindo ar-
binete britânico, e, a 29 de dezembro, numa reposta al- gumentos e dizendo que o Governo, inteirado da
tiva ao tratamento colonial que nos queria impor Christie, intimação, protestava "alta e categoricamente contra ta-
declarou: 1) que não pode nem deve o Governo de S. manha violência e tão inqualificável abuso de força" e
M. o Imperador aceder ao princípio de responsabilida- que iria apelar, embora Christie julgasse inútil, "ao Go-
de, que se lhe atribui e contra o qual alta e categorica- verno de S. M. Britânica".
mente protesta; 2) que se recusa peremptoriamente a A 30 e 31 de dezembro, realizaram-se manifestações
consentir e a intervir na proposta liquidação das perdas populares(234) de desagrado a Christie, que, a l de janei-
sofridas pelos danos cia barca naufragada e da indeniza- ro, sugeriu arbitramento, o que foi aceito pelo Marquês
ção que se exige pelos supostos assassínios; 3) final- de Abrantes a 5 de janeiro. Decidiu-se que a indenização
mente, se for obrigado a ceder à força nesta questão pelos prejuízos da barca "Prince of Wales" seria paga em
pecuniária, pagará, protestando também contra a violên-
cia que se lhe fizer, a soma que o Sr. Christie ou o Go- ' E graves movimentos da esquadra britânica colocando-se o Sr. Christie na fragata Forte.
verno de S. M. quiser; 4) quanto à questão relativa aos V. jornal do Comércio, 31/12/1862 e Diário cio Rui de Janeiro da mesma data.

176 177

rTT_.,.,.._,..,,„„ .,„
Londres, sob protesto, e que a questão da Fragata Forte rio, é da nossa dignidade exigir do Governo britânico uma
seria decidida pelo árbitro, que deveria "conhecer não satisfação condigna por essa violação da nossa soberania
do dever que tem o Governo imperial de fazer executar territorial; assim como nos assiste o direito de reclamar do
as leis cie seu país, mas tão somente se, no modo da mesmo Governo indenização pelos prejuízos que resul-
aplicação dessas leis aos oficiais cio Forte houve, por taram das presas feitas pelos navios de guerra ingleses".
ventura, ofensa à Marinha britânica". Christie protestou, a 9 de janeiro, contra esse pedido de
Finalmente, prevenia o Marquês ao insolente Christie indenização, mas o Marquês esclarecera devidamente a
"que se, contra o que é de esperar, o Governo de S. M. questão, dizendo que o Ministro da Agricultura, Comér-
não aquiescesse a este ajuste, o Governo imperial man- cio e Obras Públicas - Cansansão Sinimbu - declarara na
teria sua posição primitiva, que era a de não sacrificar o praça, que o Governo consideraria como dívida de hon-
decoro e a dignidade nacional, por mais que deplorasse ra os prejuízos que ao comércio brasileiro causassem as
os males que pudessem resultar". Essas declarações, no represálias feitas, e que, tendo o Sr. Christie mandado
entanto, só teriam efeito, caso cessassem as represálias e publicar, a l3 do corrente, que o navio apresado de pro-
se fossem relaxadas as presas. priedade não brasileira seria entregue, reconhecia "o que
A linguagem agora era outra, mais firme, mais enérgi- lhe cabia fazer em relação a uma propriedade neutra".
ca. No mesmo dia, Christie aceitava as condições do A 9 de fevereiro, Carvalho entregou a nota brasileira ao
Marquês e determinava o cessamento das represálias e o Governo britânico, que aceitou o acordo, e Lord Russell,
relaxamento cias presas. A 7 de janeiro, o Marquês anun- em nota de 12 de fevereiro, declarou que fixaria a quan-
ciava que o árbitro escolhido pelo Imperador era S. M. tia justa da indenização, e que aceitaria o arbitramento da
Leopoldo, Rei da Bélgica. As instruções do Marquês de questão Forte (se na aplicação das leis do Brasil houves-
Abrantes à Legação Brasileira em Londres, dirigida por se ofensa à Marinha britânica) por S. M. o Rei dos belgas.
Carvalho Moreira, datadas de 8 de janeiro de 1863(235), O final de sua nota, embora insistindo nos direitos britâ-
informavam sobre as questões pendentes, autorizavam- nicos, era mais moderada, pois declarava que o Governo
no a pagar a soma exigida, declaravam que o Governo de S. M. "prefere antes cultivar boas relações para o futuro
imperial "encontrou sempre o mais unânime, o mais do que prolongar controvérsia sobre o passado com o
decidido e o mais entusiástico apoio de toda a popula- Governo do Império do Brasil, que a tantos respeitos tem
ção" e indicavam o Rei dos belgas para árbitro da pen- títulos à amizade do Governo britânico".
dência sobre o "Forte". A 28 de fevereiro, ao acusar o recebimento da quan-
Mas as instruções não ficavam nisso. "Tendo as presas tia de $ 3.200 libras, fixada para a indenização, paga, a
sido feitas e conservadas nas águas territoriais do Impé- 26 de fevereiro (236)i em cheque enviado por Carvalho

i<!
"A resposta de iíussel! dando a quantia ín Aditamento, 1864, p. 19.

178 179
Moreira, Lord Russell volta a usar de linguagem insolen- acompanharam as represálias e declare que não tivera a
te, ao declarar que a soma não era pelo pagamento da intenção de ofender a dignidade e de violar a soberania
perda do navio, mas pela "vergonhosa pilhagem pratica- territorial do Império" e, finalmente, que atendesse à re-
da no carregamento e pela negligência de que deram clamação feita em favor dos lesados pelas presas. Russel
provas as autoridades brasileiras". Deu lições sobre a recusa o pedido, em 18 de maio, não querendo reabrir a
Justiça britânica e afirmou que "foi a esquadra de S. M. questão, e declarou que o Governo não fora impelido
apoiar as moderadas reclamações do Governo de S. M.". por sentimentos menos amigáveis nem por desígnios de
1 I
Carvalho Moreira respondeu com bastante dignidade agressão.
à nota de Russel e lembrou que o inquérito concluíra Carvalho Moreira voltou à carga, em 25 de maio, e
afirmando a asfixia por submersão; repeliu os ataques às afirmou "que o Governo imperial não podendo sujeitar-
autoridades brasileiras,-rejeitou a responsabilidade que se ao peso de uma ofensa irreparável, cede à necessida-
o Governo inglês quis impor à força do Governo do de de interromper as suas relações com o Governo de S.
Brasil<237). A 5 de maio, Carvalho Moreira historiou as M." e pede seus passaportes, que lhe serão enviados a
represálias executadas num imprevisto de força naval e 28 de maio. A 5 de julho, N. Cornwallis Elliot pediu seu
o bloqueio a que esteve sujeito o Rio de Janeiro entre 31 passaporte no Rio e juntou o despacho do Foreign Office
de dezembro e 6 de janeiro. O navio ficara postado no de 6 de junho de 1863. O laudo do Rei Leopoldo, de 18
interior do porto (perto de Villegaignon, dizia o Jornal de junho de 1863, foi favorável ao Brasil(238).
do Commércio); premeditava-se o desembarque de tro- Já em 1864, o Rei de Portugal oferecia mediação, que
pa da Marinha; outros davam caça aos navios de comér- não foi aceita por não atender às condições que o Go-
cio brasileiros nas águas territoriais do Império (a baía verno estabelecera na nota de 5 de maio, isto é, a repa-
de Palmas foi convertida em depósito de presas, cinco ração pelos acontecimentos de janeiro de 1863 e a inde-
navios foram capturados). nização pelos prejuízos(239)- Em 1865, o Gabinete Olinda
Eram, portanto, atos de guerra, e as circunstâncias reconsiderou e concordou em aceitar a proposta de rea-
que acompanharam os atos imprimiram-lhe "o caráter tamento, baseada na reparação. O Ministro britânico em
de uma agressão de guerra, que não podia deixar de Buenos Aires, Ed. Thornton, em Missão Especial, decla-
ferir profundamente os brios cia nação brasileira, excita- raria que S. M. negava, pela forma mais solene, toda
dos por uma invasão tão inesperada do seu território, e
de provocar da parte do Governo de S. M. o Imperador
um justo pedido de reparação pelo ataque feito à sobe-
rania nacional". Propôs, então, Carvalho Moreira "que o ' Doe. no Aditamento ao Relatório de 1804. O laudo, p. 18/19. Encontra-se também a doe. do
Ministério e do Diário Oficial in Belarmino Barreto, O Sr. Cbristie no Brasil, Bahia, 1863- O
governo de S. M. exprima o seu pesar pelos fatos que Ministro brasileiro na Bélgica era Joaquim Tomás do Amaral, depois Visconde do Cabo Frio.
' V. Relatório de 1864, p. 8/9. Serviram de negociadores em Londres o Conde de Lavradio e no
Rio de Janeiro o Conselheiro José de Vasconcelos c Souza, ministro português no Rio de
l
--'7iTodu u doeumenlueão se encontra no Relatório de 1R64. Janeiro.

180 181

,...• '
' • fr'

intenção de ofender a dignidade do Imperador04®. A 23 nhamos o maior número na Grã-Bretanha e suas posses-
de setembro de 1865, Thornton apresentou-se a D. Pedro sões; em 1853 a Inglaterra mantinha 15 cônsules no Bra-
II, em Uruguaiana, e, a 14 de novembro, era oficialmen- sil, 14 na França, 8 nos Estados Unidos; e o Brasil manti-
te recebido na Corte, sendo o Barão de Penedo recebido nha 36 cônsules na Inglaterra, 24 em Portugal e 11 nos
em Londres a le de março de 1868. Estados Unidos.
Na verdade, a interrupção diplomática não trouxe rom-
pimento das relações económicas. Os grandes interesses
ingleses040 não viram bem a atitude provocadora e hos-
til do agente Christie e vários discursos no Parlamento
britânico censuraram a sua inabilidade(242). Os interesses
económicos não desejavam a crise e censuraram-na. O
próprio Christie revelou, em seu livro, como, de 1860 a
1863, crescera o comércio entre o Brasil e a Inglaterra
C243)
, bastando lembrar que as exportações britânicas para
o Brasil eram avaliadas, em 1854/1855, em 46.565:000$000
libras e, em 1863/1864, em 65.678:800$000 libras.
Os investimentos em estradas, navegação, engenhos
(juros de 7% garantidos num capital de 30.000.000 libras
em 1875) e os primeiros bancos ingleses (ls de fevereiro
de 1863)(244) mostram a importância económica da Grã-
Bretanha, apesar das dificuldades no rio da Prata e no
Paraguai e da força dos interesses económicos britâni-
cos. Tão grandes eram esses interesses que a Inglaterra
ultrapassava todas as nações, exceto Portugal, no núme-
ro de cônsules servindo no Brasil, enquanto nós mantí-

1
O restabelecimento vem sumariado no Relatório de 1866 pelo Ministro José António Saraiva,
p. 1/4. A doe. in Anexo n. 1. O Discurso de Thornton e a Resposta de D. Pedro II na Ia. e 2a.
apresentação e as notas de Penedo e Clarendon, in p. 58-65. D. Pedro II não foi muito
partidário do restabelecimento à base exclusiva da reparação moral. V. Tito Franco de Almeida.
O Conselheiro Francisco Josí' Furtado, Brasiliana, vol. 245, 1944, p. 348, nota 122.
' Vide Christie, Notes in Brazilicm Questions, Londres, 1865, p. LXIX.
' V. referência in Joaquim'Nabuco, ob. cit., vol. l, p. 520.
' V. ob. cit., p. 129 e segts. e Manchester p. 322 e notas 38/39/40.
1
V. Manchester, ob. cit., 324/327. Em plena crise o Brasil obtinha o empréstimo de 1863
negociado por Penedo. V. liarão de Penedo, O Empréstimo Brasileiro contraído em Londres
em 1863, Paris. 1864.

182 183
1
fífl

pública do Uruguai pela violação dos nossos direitos; a


de Paranhos, em 1865, junto ao Governo do Uruguai, de
que resultou o convénio de 20 de fevereiro; a de Fran-
cisco Otaviano de Almeida Rosa, de 1865, para celebrar
o Tratado da Tríplice Aliança. Todas elas foram referidas
e sumariadas nas páginas precedentes. Somente a Mis-
são do Visconde do Uruguai a Paris em 1855/1856 para
tratar de questões dos limites com a Guiana Francesa, e
a do Conselheiro e Deputado Felipe Lopes Neto à Bolí-
via, em 1866, para assinar um tratado de neutralidade,
limites, comércio e navegação são aqui registradas, bem
11. Missões diplomáticas como a do Barão de Penedo, em 1873, à Roma, para
diminuir o conflito suscitado pelos bispos de Pernambuco
e Pará. As duas primeiras devem ser estudadas na parte
da República, quando Rio Branco decide, definitivamen-
te, as questões de limites com a França e a Bolívia(246).
Felipe Lopes Neto chegou à Bolívia a 3 de fevereiro de
As principais missões diplomáticas são: a de Abrantes, 1867 e o tratado de 1867, que deu origem à questão do
em 1844, junto aos gabinetes de Londres e Paris, para Acre, foi modificado pelo Tratado de Petrópolis(247).
que estes cooperassem com o Brasil na manutefipo do Finalmente, a Missão Penedo (Francisco Inácio de
Estado Oriental do Uruguai e a República do Paraguai Carvalho Moreira), em 1873, à Roma, foi dirimir o confli-
(245); a de parana) em 1852, para obter do Governo da to maçônico-religioso de 1872 ou a chamada questão
República do Uruguai a ratificação, que recusava, dos religiosa, que teve origem na deliberação de uma loja
tratados de 12 de outubro de 1851 sobre limites e nave- maçónica cio Recife de comemorar a data de sua inicia-
gação; a de Pedro Ferreira de Oliveira, de 1853, pedindo ção com a colaboração de uma missa. D. Vital, bispo de
satisfação ao Governo paraguaio pela ofensa e atentado Olinda, interditou a sociedade. A irmandade recorreu à
que praticara à soberania do Brasil, enviando o passa- Coroa, apelando para as leis do Império: sendo uma
porte de Felipe José Pereira Leal; a de José Maria da sociedade civil, só a lei civil poderia impedir-lhe a exis-
Silva Paranhos, em 1856, incumbida de obter do Gover-
no paraguaio um tratado de limites com o Brasil; a de
" Sobre a primeira, Rio Branco, /'riineim Memória, Ia. ed. T. m. Memórias e Protocolos da
Saraiva, em 1864, pedindo satisfação ao Governo da Re- Conferência de Paris em 1855 e 1856 acompanhadas de notas explicativas e retificativas, e
José António Soares de Sousa. A Vida do Visconde de Uruguai, Brasiliana, 243,1944, p. 470 e
1
'"'V. A Missão Especial do visconde de Abrantes de outubro de 1844 a outubro de 1846, Rio de segts. As instruções in Relatórios de 1856 e Cardoso de Oliveira, 1. 200.
l
Janeiro. 1853, tomo I. As instruções reservadas sào de 23/8/1844. V. Pereira Pinto, ffl, p. 6l V. Relatório de 1867, p. 27 e 1868, p. 11 e 23.
e Cardoso de Oliveira, l, 136/137.

184 185
Ifl í M ••<-•'

tência. O Conselho de Estado suspendeu a interdição,


não sendo obedecido pelo bispo. Logo a seguir, D.
Macedo Costa repete os atos de D. Vital. Foram ambos
condenados em fevereiro de 1874 a quatro anos da pri-
são. Em agosto de 1873 D. Pedro enviara a Roma o Ba-
rão de Penedo com a incumbência de conseguir do Papa
a intervenção junto aos bispos. Entre agosto e outubro
Penedo conclui as negociações.

12. A guerra do Paraguai

Depois dos acontecimentos de 1851 e 1852 foi a inde-


pendência do Paraguai reconhecida pela Confederação
Argentina (17 de julho de 185.2), Reino Unido e várias
nações europeias que não haviam aderido ao pedido de
reconhecimento. As manifestações de consideração par-
tidas do Brasil, que fora o primeiro a reconhecer-lhe a
Independência, faziam supor que se pudesse chegar a
um acordo sobre as várias questões pendentes e conse-
quentes ao Tratado de 25 de dezembro de 1850, especi-
almente quanto à navegação dos rios, comércio e limi-
tes. Mandou o governo Felipe José Pereira Leal com ins-
truções (29 de maio de 1852) para resolver os casos im-
portantes e esse encontrou os maiores embaraços. O
•• presidente do Paraguai declarou que nada ajustaria sem
prévio acordo sobre os limites e suas pretensões eram
julgadas inaceitáveis. Nosso representante ouviu as mais

186 187
graves acusações e a 12 de agosto de 1853 o governo cão Argentina sobre os motivos da expediçâo(248). As ne-
paraguaio mandava-lhe entregar os passaportes(247). gociações, sem grande firmeza e tato, se iniciaram a 14
As relações estavam suspensas. Paulino, com sua pre- de março e a 29 de março Pedro Ferreira de Oliveira
visão de sempre, já dizia nesse ano que só a guerra po- apresentou-se ao presidente que designou Francisco
deria não desatar, mas cortar essas dificuldades. Além Solano Lopez seu plenipotenciário(249). Depois de muita
disso o governo imperial encarregou de um missão es- discussão e de manifesta má vontade paraguaia foram
pecial o chefe de esquadra Pedro Ferreira de Oliveira assinadas a 27 de abril de 1855, duas convenções: a pri-
(10 de dezembro de 1854). O motivo da Missão era es- meira relativa ao trânsito livre e à navegação e comércio
pecificamente o de solicitar o efetivo cumprimento do dos dois países; a segunda marcando o prazo de um ano
art. 3 da Convenção de 25 de dezembro de 1850 que para o ajuste de limites, sem o qual o primeiro não po-
assegurava a livre navegação do rio Paraná até o rio da deria ter efeito. As convenções firmadas sob essas condi-
Prata. A navegação do Paraná estava aberta a todas as ções valiam apenas como promessa de um futuro acor-
nações pelos dois governos cie Buenos Aires e a Confe- do definitivo, sem cumprimento da obrigação há muito
deração Argentina, mas os barcos brasileiros não podi- contraída; deste modo, continuava interditada à bandei-
am chegar à província de Mato Grosso, porque o Paraguai ra brasileira a navegação do Paraguai e Paraná<250).
lhes proibia o tráfego pelos seus rios. Concedia o Paraguai Julgava Lopez que se o tratado de comércio e navega-
o direito de navegar seus rios a várias nações mas recu- ção fosse ratificado logo e posto em execução, não con-
sava-o ao Brasil, ao qual devia, pelas nossas alianças e seguiria a República ajustar e conduzir o de limites numa
esforços, o poder de navegar o Paraná até o rio da Prata. base razoável e justa, pois teria aberto mão de sua posi-
Nenhuma negociação sobre comércio e navegação seria ção de segurança e defesa.(251) O Governo brasileiro tam-
decidida sem o ajuste dos limites, sobre os quais sua bém não escondia sua insatisfação em face de nada se
pretensão era descabida. haver decidido e, assim, não ratificou as convenções.
A Missão tinha por objetivo reclamar satisfação pelo Em nota de 8 de julho de 1855 comunicou sua decisão
ato praticado contra o encarregado de negócios Felipe ao Paraguai.
Pereira Leal; exigir que a navegação do rio Paraguai e do Na resposta deste e na sua proposta de uma nova
Paraná fosse franqueada aos navios e súditos brasileiros negociação já se viam os sinistros desígnios que alimen-
em virtude do art. 3 da Convenção de 25 de dezembro tava o Governo paraguaio de ganhar tempo e não nos
de 1850; e, finalmente, solicitar a celebração do tratado
de comércio, navegação e limites. Era acompanhada de
' V. Relatório de 1855, XL-L V. doutrina sobre a entrega de passaportes e despedida de diplo
uma força naval e ao mesmo tempo expediam-se comu- atas in XLVTH e Anexos l e.J.
' V do ponto de vista paraguaio Colledõn de PieziK Officiales concernfeitíes a Ias cuestiones
nicações aos governos de Buenos Aires e da Confedera- paraguayo- brasileiras et-i 1855, Assunciõn, 1855.
Ul1
' Nunca houve imposição cie 8 dias para o Paraguai aceitar nossa proposta como diz Efraim
' V. Relatório de 1854, p. XX, 11-111 e Anexo K. V. também Efraim Cardoso, ob. cif., p. 126. Os Cardoso, ob. cif., p, 130.
; paraguaios chamam de pretensão brasileira o limite no Apa. Kfraim Cardoso, ob. c/7., p. 136.
:.;
188 189
conceder o que havia cedido a várias nações, desenvol- do Império para representá-lo em Buenos Aires, come-
vendo um tremendo complexo de inferioridade diante çou a deixar-se possuir de prevenção contra o Brasil. Rio
do Império. Lopez, novamente para ganhar tempo, des- Branco procurou a princípio esclarecer a opinião da Re-
tacou então em missão especial ao Rio de Janeiro José pública do Paraguai a respeito dos direitos do Império e
Borges, que foi apresentado a S. M. a 5 de março de a respeito dos últimos passos que o governo dava para
1856 e a 9 iniciava a negociação, terminada a 6 de abril. uma solução amigável com a República. Com o Gover-
Nesta data assinou-se um tratado desenvolvendo os mes- no argentino negociou, então, a convenção fluvial, como
mos princípios do de 25 de dezembro de 1850, franque- complemento e desenvolvimento das estipulações
ando-se a navegação do Paraguai. Paranhos fora o nos- preexistentes que servissem de base aos convénios de
so negociador. Sempre teimava-se em não aceitar a fron- aliança de 1851 e ao tratado de 7 de março de 1856.C256)
teira sobre o Apa mas sobre o rio Blanco(252). Desde 26 Pela convenção de 20 de novembro de 1856 os afluentes
de junho de 1855, Pimenta Bueno, que promovera o do Prata na parte pertencente à Confederação Argentina
reconhecimento da Independência e era dos que me- e ao Brasil, ficavam abertas a todas as bandeiras, sob os
lhor conheciam nossos negócios no Paraguai, dizia no princípios mais liberais, diz Rio Branco, dos regulamen-
Senado que "enquanto servi na República do Paraguai, tos europeus(257>.
nunca percebi que houvessem ideias de disputar-se ao O Governo paraguaio convidado, pelo argentino (nota
Brasil o território que jaz ao norte do Apa, pelo contrário de 20 de dezembro de 1857), a aderir à confederação,
tive razões para crer que a nossa posse era reconheci- recusou-se alegando entre outras razões (nota de 18 de
da"(253). Era inquestionável que do Apa para o norte nun- março de 1859), "não poder subscrever estipulação que
ca o Brasil deixou de exercer sua posse. Além disso, legisla acerca do território fluvial da República, sem que
acrescentava, era fora de dúvida o direito que possuía- esta fosse consultada'"25®. A "chantagem" estava eviden-
mos de transitar pelo rio Paraguai. te; só se concederia o livre trânsito se os limites fossem
i
Os desentendimentos continuaram e a 12 de agosto l
os que eles queriam impor. Nada adiantava. Já na Missão
de 1857 José Maria da Silva Paranhos era enviado em especial do Conselheiro Joaquim Tomás do Amaral em
missão especial.(254) Rio Branco, que contou na Câmara a 1857(259) reclamara o Brasil contra os obstáculos opostos
história dessa Missão(255), lembra que desde a queda de pelo governo ao comércio e navegação do rio Paraguai.
Rosas, o governo do Paraguai, que se mostrava íntimo Mas Rio Branco conseguira o Convénio com a Argenti-
amigo do Brasil a ponto de dar carta branca ao ministro na, que não se opunha à navegação, e o tratado de limi-
tes de 1857, que serviria de base futuramente a seu filho
12581
V. Hildebrando Accioly, Limites do Jirasil. A Franteiru com o 1'araguaí, Brasiliana, 1938.
>i»> v. Discurso do Senhor Pimenta Bueno na sessão do Senado de 26 de junho de 1855, Rio de
Janeiro, 1855, p. 17. *" 20/11/1857 in Pereira Pinto, vol. IV, p. 40.
"" V, Relatório de 1858, p. 37/41 e Anexo C. ' Discurso citado, p. 9.
''"' Discurso do deputado losé Maria da Silva Paranbop, pronuneiado a 11 de julho de 1862,
acerea da Política Exterior. Rio de Janeiro, 1862.

190 191
F

para a decisão final(26o), como armas para o jogo que se em face da militarização do Paraguai e da insatisfação da
dispunha travar com o Governo paraguaio. O fim da Bolívia, que se dizia ferida nas questões de limites. O
Missão era obter defato a livre navegação do rio Paraguai, Paraguai estava totalmente militarizado e, à sua frente, o
ou melhor, conseguir a revogação dos regulamentos General Francisco Solano Lopez, filho do Presidente, se
paraguaios e sua substituição por medidas que garantis- propunha converter o Exército na principal instituição
sem aquele direito, prevenindo iguais desinteligências. do país. Este era um louco completo. Num desfile militar
11 A convenção de 12 de fevereiro de 1858 os revogou e em Paris disso Solano Lopez a Hector Varela: "Sepa usted
os substituiu completa e satisfatoriamente. Os regulamen- que con mis paraguayos tengo bastante para brasilenos,
tos paraguaios impunham ónus pecuniários aos navios, argentinos y orientales: y aun con los bolivianos si se
obrigavam-nos a uma escala forçada em diversos pontos meten a zonzoz"(265). Estavam convencidos que uma guer-
da República e a várias formalidades que a convenção ra com o Brasil era inevitável e por isso intensificaram os
eliminou.(26l) Paranhos achou prudente não entrar na preparativos bélicos(266). O prazo de seis anos para deli-
questão de limites, e para salvaguardar os direitos brasi- mitação das fronteiras de acordo com o Tratado de 6 de
leiros estabeleceu no art. 13 que a "designação do forte abril de 1856 se esgotava em 1862. Alegou então o
Olimpo e os atos que aí devem ter lugar, conforme aci- Paraguai que os brasileiros haviam avançado no territó-
ma se expressa, não poderão ser em tempo algum ale- rio neutralizado; baseavam-se em tratados coloniais e
gados como prova de direito ao território contestado na não no utipossidetis, que foi sempre o nosso direito.
margem esquerda do dito rio" (Paraguai)(262). Ainda em A 10 de setembro de 1862 falecia Carlos António Lopez
1862 acreditava Rio Branco que se o Paraguai quisesse e seu filho Francisco Solano assumiu o poder a 16 de
exercer "política exclusivamente na margem direita não outubro de 1862. Nos seus sonhos perturbados pela
podia consentir e, então, de duas uma: ou a questão de megalomania e pelo complexo de inferioridade desejava
limites se resolveria amigavelmente ou a guerra seria ine- transformar a política externa paraguaia, tornando-se o
vitável. A convenção de 1858 removeu esse obstáculo".(263) árbitro internacional do rio da Prata(267). Suas tentativas
A convenção adiou o conflito, mas os debates entre de entendimento na Argentina fracassaram quando pre-
Rio Branco e Tavares Bastos, em 1862, mostram bem tendia se transformar no árbitro da questão argentino-
que a possibilidade de guerra não era muito remota.(264) uruguaia a que já nos referimos. Ficou especialmente
Discutiam-se os meios de que dispunha o Paraguai e ressentido quando, pelo protocolo de 20 de outubro de
calculavam-se as dificuldades que teríamos de enfrentar 1863(268)i se designou o Império do Brasil como árbitro
11V. Relatório de 1858, Anexo F., n. 12, 32-35 e Pereira Pinto, T. IV, p. 70-76. V. também Carta de
Rio Branco a Salvador de Mendonça, de 11/5/1893 in Biblioteca Nacional.
12611
V. Convenção in Pereira Pinto, IV, 126-140. ^ "" V. Efraim Cardoso, ob. cit., p. 149.
12621
Pereira Pinto, ob. cit, 133. ™' Idem, idcm, p. 152.
12631
Discurso cit.. p. 13. Efraim Cardoso, ob. cií., p. 175. V. também mesmo Autor Vísperas de Ia Guerra dei Paraguay,
'-''"' Rio Branco nas negociações de 1858 levou 229:344 S 200 de empréstimo para o Uruguai e USB Buenos Aircs , !954, cap. Xi
602:800 S para u Confederação Argentina. Discurso citado, p. 14. " V. Anexos -j Memória dei Ministro de Relaciones Exteriores, Montevideo, 1863/1864.
i
192 193
das questões políticas que surgissem entre os dois paí- no deve aceptar por más tiempo Ia prescindencia que
(270) siempre se ha hecho de su concurso ai agitar-se en los
ses(269) A ruptura completa verificou-se mais tarde e
Lopez volvia sua indignação contra o Brasil, cuja posi- Estados vecinos cuestiones internacionales que han
ção invejava e almejava. influído más o menos diretamente en menoscabe de sus
A questão se abriria de novo quando da crise brasilei- más caros derechos"(275). Sem tato e sem capacidade po-
ro-umguaia de 1864, pois imediatamente se dirigia o lítica, Lopez não tendo obtido consentimento para trans-
governo paraguaio oferecendo sua mediação.C271) Saraiva por a fronteira de Comentes, obteve do seu Congresso
:;u: não acolheu a oferta e pouco depois do ultimato deste a uma autorização e violou o território argentino. Paranhos,
30 de agosto de 1865 protestou contra a política brasilei- em Missão Especial em Buenos Aires (antes do convénio
ra, declarando não consentir na ocupação do território Brasil X Uruguai de 20 de fevereiro), lançou a 26 de
oriental.(272J A 12 de setembro de 1864 considerava o janeiro de 1865 um Manifesto do Governo do Brasil so-
governo paraguaio rotas as relações diplomáticas entre bre a guerra declarada ao Brasil pelo Governo
os dois países e impedia a navegação das águas do paraguaio(276). Em 18 e 20 de abril de 1865 eram trocadas
Paraguai para as bandeiras de guerra e mercante do Bra- as notas pelas quais o Governo argentino aceitava a guerra
sil/273-1 Os atos de guerra se iniciavam logo em seguida provocada pelo governo do Paraguai e declarava blo-
com a detenção do vapor brasileiro "Marquês de Olinda", queados os portos da República(277) e a 29 de março o
( o protesto brasileiro é de 14 de novembro), a entrega Paraguai declarava oficialmente guerra à Argentina. A l
do passaporte ao nosso diplomata sem permissão de de maio de 1865 era assinado o Tratado da Tríplice Ali-
saída(274), e a invasão de Mato Grosso, iniciada a 15 de ança entre o Brasil, a Argentina e o Uruguai contra o
dezembro com o ataque ao forte Coimbra, a 27 de de- Governo paraguaio(278), seguindo-se a assinatura do pro-
zembro. Lopez sofria realmente de um profundo ressen- tocolo e notas reversais em maio de 1865 sobre demoli-
timento, como pode se notar em sua declaração na ma- ções de fortificações paraguaias, divisão de armas, tro-
nifestação popular que lhe fizeram a 12 de setembro. feus e presas e a chefia do comando(279).
Depois de dizer que "chamara a atenção" do Imperador A diplomacia vitoriosa na organização da coligação
do Brasil sobre sua política, ele afirmava: "El Paraguay político-militar cedia lugar agora aos feitos armados(2SO).
""* V. Efraim Cardoso, ob. cit., p. 195.
(»i y Reiatórto de 1865, Anexo I, n. 150, p. 190 e análise in Nabuco, I, 453. V. também crítica in
La justtflcation de Ia 1'olitiquc lirésilienne dans Ia Plata. Examen de deux Manifestes Adressés
aux governements Européens par José Maria da Silva Paranhos, Druxelles, Mars, 1865.
!»>< Q conqjrae do governo imperial era invocado na nota dê 12/2/1864 in Pereira Pinto, Estudo, l!77
' V. Relatório de 1866, Exp. p. 5 c Anexo I, ns. 51 e 52, p. 66 e 67.
oh. ciff.p. 16. 12781
V. Relatório de 1870, ano I, n. l, p. 3 e 1872, Anexo I, ns. 14 e 16 e Pereira Pinto, vol. IV 482.
12701
Sobre) o conflito e o papel da diplomacia brasileira V. Aditamento ao Relatório de 1863 e As instruções a Otaviano 25/3/1865. V. também análise, Nabuco, I, 508.
Relatório de 1864. (279)
V. Relatório de 1870, Anexo I.
1271
' Nota n. 131 de 17 de junho de 1864 in Relatório de 1865, pg. 170. V. também notas 132 e 133.
12111
O governo paraguaio renovou o protesto em 3 de setembro em resposta a nota da legação A melhor história militar cia guerra é a do General Tasso Fragoso, História da Tríplice Aliança
e o Paraguai, Rio, 1934, 5 vols.; a mais antiga, a de L. Sehneider, A Guerra da Tríplice Aliança
brasileira. V. notas 136 e 137.
I27?1
V. nota 141 de 12/11/1864 in p. 179. contra o governo da República do Paraguai, 1872-1875, 3 vols.. trad. e anotada parcialmente
Pelo Barão do Rio Branco.
'"•" Protesto de 14/11/1864 in nota 143: entrega de passaportes in nota 144.

194 195
Os cinco anos de guerra agravaram a situação econó- queda da dinastia". Nabuco atesta as consequências po-
mica brasileira, em crise desde 10 de setembro de 1864, líticas internas da guerra e relembra que a verdade mili-
pela suspensão dos pagamentos cia casa bancária A. J. A. tar, interna e política, se ressente das parcialidades e sim-
Alves Souto e Cia(281). O pânico foi profundo e se agra- patias de cada um cios autores que dela trataram.(285)
vou com o prolongamento da guerra, que custou ao Nabuco não esquece também de fazer uma análise mui-
Tesouro o encargo extraordinário de mais de 600 mil to séria sobre a imprevisão geral da política exterior e
contos e ao país o insucesso de inúmeras iniciativas em militar, surpreendidas com a guerra(286), uma vez que a
curso na fase anterior de prosperidade (1850-1865). Os política conservadora fazia da aliança com o Paraguai
preços-ouro de exportação caíram nesses poucos anos uma das bases do nosso interesse no rio da Prata. Para
de 164 para 128, embora crescesse extraordinariamente ele a "censura cie desconhecer as condições militares e a
o valor das exportações; devido especialmente ao gran- força perturbadora cio Paraguai, causa da imprevisão
de aumento da produção de café(282) e ao reaparecimento notada, aplica-se sem exceção, desde o Imperador, a
do algodão brasileiro nos mercados estrangeiros, valen- todos os partidos, governos, homens públicos, diploma-
do-se do afastamento temporário de seus concorrentes tas e militares da época(287). Conclui, então: "qualquer
americanos. Graças a isso obtivemos saldos na balança que seja a responsabilidade dos gabinetes que correram
comercial, mas apesar de tudo o câmbio caiu de 25 em o azar dessa guerra, para a qual o país não estava prepa-
1864 a 17 em 1867. As receitas se elevaram substancial- rado e que podia ter sido desastrosa, a guerra em si
mente, mas ainda assim havia um déficit anual médio de mesma deve ser considerada (tanto quanto se pode cal-
60 mil contos(283). O governo contraiu, então, um em- cular o curso dos acontecimentos que se não deram)
préstimo onerosíssimo de 5.000.000 libras esterlinas, como um verdadeiro pára-raios de toda a eletricidade
aos juros de 5% e comissão cie 4%(284). que se estava acumulando contra o Império no rio da
Para Nabuco, "a guerra do Paraguai teve importância Prata".(288)
tão decisiva sobre o nosso destino nacional, teve-a tam- A diplomacia da guerra teve, ainda, antes de concluí-
bém, sobre o cie todo o rio cia Prata, que se pode ver do seu desfecho, de cuidar de um projeto de tratado de
Anelar como que o divisor das águas da história contem- paz, logo depois da derrota de Comentes (3/10/1865).
porânea. Ela marca o apogeu do Império, mas também O Governo argentino formula um projeto que é transmi-
procedem dela as causas principais da decadência e da tido por Otaviano a Saraiva e este decide ouvir o Conse-
lho de Estado.(289)
Carneiro
cie campos, ^i crisecomerciai tte /ooj*í iviu ue janeuo, i<~»o7. *" Um Estadista do Império, 2a. ed., l L, p. 428/429. Na p. 429/430 analisa a campanha militar e
'•*-•' V. Afonso Taunuy, lJa[UL'na História do Café, ob. cit., p. 127. Em 1891, depois da guerra i»s "a ^" a fcip'0 internacional, as alianças e a política externa de Paraguai c da Argentina (43&'447).
produzimos 2.350.000 sacos. Sobre a corrupção nos fornecimentos militares e na aplicação da renda ao exército V. Nabuco,
128)1
Segundo a Reforma, 25/5/1869 os déficits de 1804/1865 passaram de 30.659,0905000 a nota l, p. 452 c nota l, p. 453.
107.057,338 S 000 no exercício de 1867/1868. Nabuco, ob. cit., p. 455.
IAM. vide "Evolução da Conjuntura Económica do lirasil-Império", Conjuntura Kconômica, julho, ' Nabuco, ob. cit., p. 459.
1948, p. 25. "*" Nabuco, I, 509-510.

197
?|H ;

O projeto argentino avocava toda a margem esquerda Buenos AiresC294). Mas a exigência da deposição de Lopez
do Paraná até o Iguaçu e toda a margem direita do não foi aceita pelos paraguaios e D. Pedro fazia desta
Paraguai até a Baía Negra e se assinalavam ao Brasil cláusula uma condição essencial, fracassando deste modo
limites muito aquém do que este podia pretender. A ali- as negociações. Toda a negociação diplomática final foi
ança volvia-se, assim, contra o Paraguai e o Brasil e em conduzida por José Maria da Silva Paranhos em missão
proveito da Confederação, concluiu o parecer do Conse- especial: primeiro, de 27 de janeiro de 1869 até setem-
lho de Estado. Esse parecer, diz Nabuco, é o ponto de bro de 1870, quando assina, entre outros acordos e pro-
partida de nossa diplomacia no tratado de aliança. Foi tocolos (Brasil X Argentina), os de 2 de junho de 1869,
Pimenta Bueno que deu o sinal de voltar atrás, de não sobre a criação de um governo provisório(295) no Paraguai
sacrificar o Paraguai e manter sua independência e inte- e seu reconhecimento pelos aliados, e, finalmente, o Tra-
gridade(290). Seguindo Pimenta Bueno, Saraiva redige as tado Preliminar de Paz, de 20 de junho de 1870, a que o
instruções a Francisco Otaviano de Almeida Rosa, de 5 Uruguai aderiu por nota de l de agosto de 1870.(296) Vá-
de maio de 1866(291), indo um pouco além ao propor que rias conferências foram estabelecendo as bases do acor-
a Argentina se contentasse com o território até o do definitivo(297X sendo que a 7 e 8 de janeiro de 1872 se
Pilcomayo, e reconhecesse como propriedade da Bolí- assinavam os protocolos para um ajuste do Tratado defi-
via o território daí até a Baía Negra. Era um recurso di- nitivo. Seria nosso negociador o Barão de Cotegipe.(298)
plomático para retrair as ambições argentinas e demons- Finalmente, a 9 de janeiro de 1872 assinou-se o Tratado
trar que sua pretensão equivalia a uma conquista. Além definitivo de paz, (299X o de limites e o de amizade, co-
disso se exigia a deposição de Lopez, exigência do Im- mércio e navegação(300).
perador. Em 1867 volta-se novamente a ouvir o Conse- Celebrado esses acordos entendeu-se que a aliança
lho de Estado sobre a mesma matéria desde que Otaviano estava rota, pois o Brasil se separara de seu aliado ao fa-
não chegara a executar as instruções anteriores, e nova- zer isoladamente aqueles tratados. Veio então ao Rio ne-
mente a questão de limites se torna o ponto principal(292). gociar o General Mitre e de sua missão resultou o acordo
A 1B de março de 1870 acabava a Guerra do Paraguai de 19 de novembro de 1872(3m) reconhecendo a
corn a morte de Lopez em Cerro-Corá.(293) Potências neu-
tras desde 1867 haviam feito sondagens para a paz, como
1
V. Efraim Cardoso, ob. cít., 232/234 e Relatório de 1868, Anexo I, p. 6/9.
as de G. F. Gould, secretário da Legação Britânica de 1
V. Discurso de Rio Branco na instalação do governo provisório em Assunção, a 15/8/1869 in
Relatório de 1872, doe. n. 44.
1
Sobre os protocolos V. Relatório de 1870. Anexo I, ns. 16, 17 (p. 48 e 54) e 1872, maio, Anexo
I, ns. 29 e 30 (p. 60/66) e Pereira Pinto, IV, 493/503. Sobre o acordo V. Relatório de 1871,
j v/extraordinária análise do parecer, da opinião dos conservadores e liberais e da opinião
Anexo I, n. 4 (p. 8) e 1872, Anexo I, n. 124, p. 175.
argentina. ' V os protocolos rejeitados in Cardoso de Oliveira, 9 e 13/12/1870, 15/12/1870, 27/12/1870 e
C2
"> V. Relatório 1865, p. 169 e 1866, p. 66. Foi demitido em 1867. v. Relatório de 1867, p. 26.
im] no L 2, 14/11/1871, 25/1/1871, 11/2/1871, 3/4/6 e 30/11/1871, 7.
V. Nabuco, II, p. 62. 1
Relatório de 1872, o. 3-18.
l H;í>
- V. as magníficas páginas de Nabuco sobre o fim da guerra e seu significado, p. 104/107. A 4/ 1
Relatório de 1872, Anexo I, n. 140, decreto 4910 de 27/3/1872.
4/1870 o Ministro em circular ao corpo diplomático anunciava o fim cia guerra. V. Cardoso de 1
Relatório de 1872, Anexo I. ns. 141 e 143. ' • '•
Oliveira, I, 432. ' Cardoso de Oliveira, 2, 32/33. ., '•-' '

198 199
cão separada, que poderia ser imitada pela Argentina,
devendo demonstrar seus direitos aos limites que propu-
nha. O tratado de 1Q de maio de 1874 reconheceu o direito
da Argentina a ocupar o território até o Pilcomayo (302) e
aceitava a arbitragem do presidente dos Estados Unidos
para decidir o trecho entre aquele rio e o Verde.
O tratado de aliança, reconhecendo o direito dos alia-
dos à indenização de guerra, estabeleceu esse direito
sob a condição de igualdade (o Brasil gastara muito mais
que a Argentina).
O Paraguai não pagará uma parcela sequer da dívida 13. As com os Estados Unidos
de guerra, que ficou em suspenso até 15 de maio de
1943, quando foi cancelada. O único resultado positivo
foi assegurar definitivamente a livre navegação dos rios
Paraguai e Paraná, de grande importância para as comu-
nicações com o Brasil. Mas mesmo isso não terá grande
significação económica porque o Mato Grosso é um Es- O rápido reconhecimento do Império pelos Estados
tado pobre e poucas vantagens tira dessa liberdade. Menor Unidos foi um fato auspicioso para o Brasil, Todavia,
ainda será esse resultado se levada em conta a comuni- nossas relações com Washington foram difíceis enquan-
cação direta ferroviária que se planeja. Nem mesmo do to Condy Raguet foi agente diplomático norte-america-
porko^de vista de limites obtivemos vantagens, pois a no. A atividade de William Tudor (1828) trouxe, segun-
linha traçada é uma transação entre a de Iguatemi, des- do Hill(3o4), alguma melhoria, pois ele obteve satisfatória
vantajosa para o Brasil, e a do Igurei, desvantajosa para reparação às reclamações norte-americanas em função da
o Paraguai, adotando o Salto Grande(303). guerra argentino-brasileira na Banda Oriental e assinou,
a 12 de dezembro de 1828, um tratado de comércio.
Os norte-americanos envolviam-se em questões in-
ternas nacionais, como na Farroupilha e na Sabinada(305)i
e faziam constantes e violentas exigências para resolver
' V. sobre as negociações no Rio entre Brasil e Argentina sobre o Paraguai, Discurso do Viscon- casos mais complicados. Tendo William Hunter (1835-
de do Rio Branco no1 Senado, 21/7/1875, líio de Janeiro, 1875 e Relatório de 1874, Anexo T. 1843) atribuído o sucesso cia diplomacia europeia às
As questões de limites resolvidas mais tarde serão estudadas nos pontos adiante e indicadas
nos AÍÚK.
1
V. Nabuco, l, 509, V. Hildehrando Accioly, Limites com o Paraguai, ob. cit., p. 128. e mapa p. lló.
Lembremos que este livro foi escrito em 1956 quando, efetivamente. Mato Grosso detinha 'Lawrence F. Hill, ob. cit. p. 73.
pouca expressão económica. Atualmente a situação é bem diversa (K. Seitenfus) 'Hill, ob. cit., p. 77, 79,

200 201
ameaças do recurso armado - "os marinheiros devem t,s proprietários. Cidadãos americanos residentes no
ficar atrás dos argumentos dos diplomatas com os fogos HI.IM! compravam navios nos Estados Unidos, obtinham
acesos"(306). Pedidos de indenização sucediam-se, até que, l n i missão de seus cônsules para navegar na costa africa-
por volta de 1844, com a expiração do tratado comercial M i r iransferiam-os aos traficantes do comércio ilícito00®.
e a consequente abolição dos privilégios especiais, o Rio i )uira questão de extrema importância foi a declara-
de Janeiro se tornou o campo de batalha de todas as V.IM da neutralidade brasileira na luta entre os Estados
nações comerciais do mundo, desejosas de renovar es- l lindos e os Confederados. Nas instruções expedidas a
ses privilégios. Prevendo a hipótese de não consegui- |u de agosto de 186l°09) aos presidentes das províncias
los, apressaram-se a suprir o Rio de mercadorias. Mi.intimas, o Ministério dos Negócios Estrangeiros esta-
A não obtenção pela Inglaterra dos privilégios anteri- 1'i-lrceu os princípios da neutralidade brasileira. Susten-
ores punha os Estados Unidos em pé de igualdade com i i l'freira Pinto que um dos motivos inspiradores da
a Grã-Bretanha na disputa do mercado brasileiro. A ver- l » ' l i i i ç a de neutralidade consistiu no fato de ser aquela
dade é que se os navios americanos em 1821, eram 54, potência o mais importante consumidor de café, nosso
em relação a 194 britânicos, em 1842, 167 navios britâni- |umcipal artigo de exportação01'0, e de seus navios fre-
cos e 164 americanos entravam no porto do Rio. O gran- qiientarem nossos portos, evitando, desse modo, possí-
de negócio exportador brasileiro era o café: em 1843, veis conflitos.
350.000 sacas eram enviadas aos Estados Unidos. Apesar Vários casos complicaram nossa neutralidade, como o
disso, a linguagem norte-americana não mudou durante aprisionamento cio Florida pelo Massachusett, dentro do
muito tempo: foi sempre descortês e insolente. Vários | x >ito da Bahia, na madrugada de 7 cie outubro de 1864°n)-
incidentes revelaram que, apesar cie ser o Brasil um 0 General J. Watson Webb, que sucedeu a R. K. Meade -
mercado importante para os Estados Unidos, usava-se simpatizante dos Confederados - insistia em demonstrar
da política de intimidação007-1. que o Brasil não podia considerar os Confederados como
Um caso merece especial atenção: o uso dos navios beligerantes: "a história do mundo", dizia ele, "não apre-
mercantes norte-americanos no tráfico negreiro, muito senta exemplo igual de perfídia sob a capa de amizade
denunciado na época. A melhor explicação funda-se na desinteressada; não apresenta exemplo algum de uma
prática americana de conceder certificados de navega- 1 n >tência amiga reconhecer como beligerantes traidores
ção a navios vendidos por americanos em portos estran- [em rebelião contra a autoridade de um Estado amigo
geiros. A lei datada de 1792, tendo por fim estimular a dentro de quinze dias da notícia da existência desta re-
construção naval, não limitava nem a duração, nem o
destino do navio depois de feita a transferência aos no- """V. Hill, ob. cif., p. 122-123.
""'" V. transcrição in Pereira Pinto, Apontamentos, 2, p. 401/402.
""" V. Afonso de E. Taunay, História do Café no Hrasil,vo\. 4, t. 2, (1822-1872), Rio de Janeiro,
1J
1939, p. 167-179. A Exportação de 1860/1861 é das mais altas.
*'Hill, 87. ""'V. Relatório de 1865, Anexo n. l, ns. 186 e 191, p.234/246. A exposição dos acontecimentos
"°TIHi!l, ob. cif., 93-109. até 1864 in Relatório de 1864, p. 10-13, e Anexo n. l, p. 20-73.

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belião", entretanto a Inglaterra assim o fez. A França acom- Webb desejou muito suprir o Brasil do trabalho escra-
panhou-a, levada por uma quase necessidade, e sinto vo negro dos Estados Unidos, estabelecendo uma coló-
dizer que o Brasil também: dentro de sessenta dias de- nia negra americana no Amazonas. Constatou também
pois de saber que o seu mais antigo amigo e melhor os efeitos desastrosos para o comércio americano do
consumidor se achava em embaraços "e era chamado a estabelecimento de uma linha de paquetes ingleses, que
debelar uma grande rebelião sem causa, apressou-se a conduziu a mais um renascimento comercial entre o Brasil
dar um golpe na grande república americana, elevando, l e a Inglaterra depois de 1850.
sem haver o menor motivo, os traidores e rebeldes Em 1864, era estabelecida pelo Congresso uma Alley
intitulados Estados Confederados a beligerantes, com Lçiw, autorizando a implantação de um serviço de nave-
direitos a toclos os privilégios e considerações que per- gação de paquetes a vapor (antes eram clipperships), o
tencem de jure a uma das grandes potências do mundo" que se efetivou em 1865, com a United States and Brazil
(312)
. O Marquês de Abrantes, em resposta erudita, funda- Mail Steamship Company of New York, depois que, em
da no direito internacional, examinou a negação que junho daquele ano, o Parlamento brasileiro autorizou o
Webb fizera do direito do Brasil de reconhecer os Confe- contrato. Deste modo, o fim da guerra civil presenciou o
derados como beligerantes(313), reafirmou a posição de início de uma comunicação direta a vapor entre a Amé-
neutralidade e deplorou a guerra fratricida. rica do Sul e a do Norte(316).
Webb lançou mão, igualmente, de ameaças para forçar Outro importante aspecto das relações entre o Brasil e
a mudança da nossa atitude, especialmente no caso do os Estados Unidos foi o ato cie 7 de dezembro de 1866,
Sunter, navio confederado que entrara no porto do determinando que, a partir de 7 de dezembro de 1867, o
Maranhão para se abastecer cie carvão e vitualhas. Webb, rio Amazonas seria aberto à navegação mercante de to-
desapontado diante da intransigência brasileira, atribuía das as nações. Os americanos haviam participado inten-
seu fracasso à influência britânica, "que resultava não da s;i mente do movimento pela livre navegação dos gran-
simpatia brasileira pelos arrogantes ingleses, mas do fato des rios, especialmente através da Missão científica de
de que os empreendimentos brasileiros dependiam intei- Agassis. Logo após o final da Guerra Civil, 8 ou 10.000
ramente do capital inglês"(31/t). Afirma, com razão, Hill que [confederados exilaram-se no Brasil(317).
os Estados Unidos, ao tentarem negar ao Brasil o direito Em 1870, a Legação americana oferecia ao governo
cie neutralidade, assumiam uma posição contrária à prá- Imperial várias sugestões sobre o desenvolvimento das
tica do direito cias gentes próprios que eles adotavam(315).
""" Hill, ob. cit., 170. Em maio de 1869 o Brasil suspendeu as relações com o Ministro Webb
devolvendo sua nota de 3/5/1869 e remetendo-lhe os passaportes. O motivo era o naufrágio
" I2 'V. nota n. 19 da Legação dos Estados Unidos ao governo Imperial de Petrópolis, 6/7/1863, (In Galera Canadá. V. Relatório de 1869, Anexo, ns. 22-23, p. 149-151 e Cardoso cie Oliveira,
Relatório cie 1864, Anexo n. l, p. 37. " l, 415. O restabelecimento Foi Feito nesse mesmo mós, 125/126, 28 cie maio. V. Relatório de
' Í1íh V. nota n. 20 em seguida à anterior citada. 1869 ns. 24/30, p. 152-156 e Cardoso cie Oliveira, l, 415-416. A questão Ficou decidida em 14/
Ml
" Hill, oh. cit., p. 154. V1K70. V. Relatório de 1870, Anexo l, n. 180, p. 249 e Cardoso de Oliveira, l, 431.
13151
Hill, ob. cit., p. 159. A 6/6/1865 o Ministério comunicava aos presidentes das províncias o Fim '" V. Hill, ob. cit., p. 239 e segts. c seu artigo "ConFederant Exiles to lira/H", Hispanic American
da guerra e que nesse caso deixavam cie ser beligerantes. Cardoso de Oliveira, l, 365-366. IflMorical Recieu', maio, 1927.

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relações comerciais entre os dois países. Baseando-si-
em que os Estados Unidos eram o maior importador de
café (em 1869/1870 importaram 1.164.353 sacas do Rio
de Janeiro enquanto a Europa, no mesmo período, im-
portou somente 783.697), Henry T. Blow e, mais tareie,
Robert Clenton Wright pleitearam que "para assegurar a
permanência e o aumento da importação e exportação
dos dois países de, e para, cada um deles, anime o Go-
verno imperial a importação daqueles produtos dos Es-
tados Unidos, sejam agrícolas ou fabris, que são neces-
sários ao cómodo do seu povo e inaugure um sistema l i. A Política Internacional da República
que nos mostre, na prática, o desejo de reciprocidade
em um comércio baseado em princípios econômicos"C318).
Washington alegava que, nos últimos anos, haviam
importado pelo menos metade do café exportado pelo
Rio de Janeiro, tendo essa proporção aumentado nos
últimos seis meses. Ofereciam, então, vários produtos e 14.1. Proclamação e reconhecimento
pediam uma redução na tarifa alfandegária(319). O desen-
volvimento dessas relações fora previsto por D. Pedro II, Um dos argumentos mais eficazes da propaganda re-
que, desde 1853, recomendava a Honório Hermeto o publicana consistiu em apresentar a monarquia como
incremento das relações com a grande nação do Nor- um regime em desuso e estranho ao continente. Os res-
te(320). sentimentos contra Portugal, herdados da Espanha (se-
paração e estabilização de uma antiga província do mundo
ibérico,), foram transplantados para o mundo hispano-
.imericano e canalizados pelos republicanos contra a
monarquia, que causava, acreditavam eles, o nosso iso-
lamento no mundo sul e hispano-americano. Nada era
mais falso, pois, excetuadas as nações do rio da Prata,
nosso isolamento era motivado por fatores geográficos e
rconômicos (imensidade territorial e baixa densidade
'*' V. Relatório de 1871, Anexo l, does. n. 401 c segts, p. 594, exposição do Ministro a p. 51-51. demográfica; fronteiras desertas; interesses económicos
<319)
V. toda a documentação in Relatório de 1871, Anexo n.l, citado.
2<
" " V. Instruções de D. Pedro II, mss. 1-36, 4, 43 da Biblioteca Nacional citado por José Honório com a Europa e, posteriormente, com os Estados Uni-
Rodrigues in Prefácio às Canas ao Amigo Ausente, Instituto Rio Branco, 1953, p. XXVI, n. 84.

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