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A Genealogia Foucaltiana da Modernidade: Da Anátomo-Política do Corpo à

Biopolítica da Espécie
Fernando Danner1
Resumo: o presente artigo pretende refletir sobre a percepção foucaultiana da mo-
dernidade, centrando-se especificamente na questão da anátomo-política e da biopo-
lítica, e sua relação com o desenvolvimento do capitalismo.
Palavras-Chave: Foucault; Modernidade; Anátomo-política; Biopolítica.

Abstract: this paper aims to reflect about foucaltian view in relationship the mod-
ernity, emphasizing specifically in the question of disciplines and their relationship
with the development of capitalism.
Key-Words: Foucault; Modernity; Biopolitics.

Considerações Iniciais
A partir da década de 1970, Foucault inicia uma nova fase em suas pesquisas. Essa nova
fase é a genealogia. O interesse de Foucault volta-se agora ao “entendimento acerca dos processos
pelos quais os indivíduos se tornam sujeitos como resultado de um intrincado processo de objetiva-
ção que se dá no interior de redes de poderes, que os capturam, dividem, classificam”. 2 Em outras
palavras, Foucault busca compreender “o poder enquanto elemento capaz de explicar como se pro-
duzem os saberes e como nos constituímos na articulação entre ambos”. 3
O que é, então, o poder, para Foucault? Primeiro, Foucault não fala de “o poder” como con-
junto de instituições e aparelhos capazes de garantir a sujeição dos cidadãos em um Estado determi-
nado. Segundo, Foucault também não concebe o poder como modo de sujeição que tem a forma de
uma regra válida para todos. Por fim, Foucault não concebe o poder como um sistema geral de do-
minação de uma pessoa sobre as outras ou de um grupo sobre o restante do corpo social. Para ele,
“as análises em termos de poder não deve postular, como dados iniciais, a soberania do Estado, a
forma da lei ou a unidade global da dominação; estas são apenas e, antes de mais nada, suas formas
terminais”. 4
Portanto, as análises feitas por Foucault sobre o poder, principalmente quando ele tematizou
a questão da instituição carcerária e do dispositivo da sexualidade, mostram uma não-identidade
entre o Estado e o poder. Para ele, o Estado não pode ser considerado como o ponto central e exclu-
sivo de onde emanaria o poder, pois “o próprio Estado aparece como efeito de conjunto ou resultan-

1
Doutorando em Filosofia pela PUCRS.
2
VEIGA-NETO, Alfredo. Foucault e a Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2005, p. 65.
3
Ibidem, p. 66.
4
FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: A Vontade de Saber. Tradução de Maria Thereza da Costa Albu-
querque e J. A. Guilhon de Albuquerque. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988, p. 88.
te de uma multiplicidade de engrenagens e de focos que se situam num nível bem diferente e que
constituem por sua conta uma „microfísica do poder‟”5; o poder também não é algo que se detém
como uma coisa, como uma propriedade, que se possua ou não; não existe, de um lado, aqueles que
detêm o poder e, de outro, os que estão a ele submetidos: “ele é menos uma propriedade que uma
estratégia, e seus efeitos não são atribuíveis a uma apropriação, „mas a disposições, a manobras,
táticas, técnicas, funcionamentos‟; „ele se exerce mais do que se possui, não é privilégio adquirido
6
ou conservado da classe dominante, mas o efeito de conjunto de suas posições estratégicas”. Na
realidade, o poder não existe; o que existe são práticas ou relações de poder. O que significa dizer
que o poder não se localiza em um lugar determinado, mas que se dissemina em todo o corpo social.
O poder é uma correlação de forças, de modo que onde há poder, há resistência. Diz Foucault:
Parece-me que se deve compreender o poder, primeiro, como a multiplicidade de
correlações de forças imanentes ao domínio onde se exercem e constitutivas de
sua organização; o jogo que, através de lutas e afrontamentos incessantes as trans-
forma, reforça, inverte; o apoio que tais correlações de forças encontram umas nas
outras, formando cadeias ou sistemas, ou, ao contrário, as defasagens e contradi-
ções que as isolam entre si; enfim, as estratégias em que se originam e cujo esboço
geral ou cristalização institucional toma corpo nos aparelhos estatais na formula-
ção da lei, nas hegemonias sociais. 7

Mas dizer que existem relações de poder, e não o poder, equivaleria a dizer que não poderí-
amos pensar em um centro ou em um ponto nevrálgico que se constituiria como o fundador da ra-
cionalidade que perpassa as relações de poder nas mais variadas instituições e mesmo nas relações
sociais? Quero defender que não. Quero mostrar que em Foucault não poderíamos entender a gêne-
se e o desenvolvimento das sociedades modernas e de suas instituições se não tivermos como pro-
blema central a gênese e o desenvolvimento do capitalismo e a emergência do Estado liberal. Para
mim, o liberalismo esteve no centro da formulação das instituições modernas (instituições que o
próprio Foucault estudou) e de sua racionalidade. Não quero, entretanto, neste artigo, tecer conside-
rações mais aprofundadas em relação ao liberalismo e à sua racionalidade; nem quero mostrar, ex-
plicitar o quanto as instituições analisadas por Foucault devem ao Estado liberal e à sua (do Estado
liberal) racionalidade. Isso fica para um próximo paper. Aqui, tematizarei especificamente sobre a
gênese e o desenvolvimento da anatomo-política e da biopolítica modernas e seu sentido. Como

5
DELEUZE, Gilles. Foucault. Tradução de Cláudia Sant‟Anna Martins; Revisão da Tradução de Renato Janine Ribei-
ro. São Paulo: Brasiliense, 1998, p. 35.
6
Ibidem, p. 35.
7
FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: A Vontade de Saber. Tradução de Maria Thereza de Albuquerque e
J. A. Guilhon de Albuquerque. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988, p. 88-89.

2
disse, em um próximo paper refletirei sobre seu sentido a partir do Estado liberal e de sua racionali-
dade.
Fica, entretanto, esta idéia de que, para Foucault, a constituição do Estado moderno, com a
gênese e o desenvolvimento das novas relações de produção capitalistas, leva à instauração da aná-
tomo-política disciplinar e da biopolítica normativa enquanto procedimentos institucionais de mo-
delagem do indivíduo e de gestão da coletividade; em outras palavras, de formatação do indivíduo e
de administração da população.
O artigo pretende mostrar, assim, que as sociedades modernas serão caracterizadas, por Fou-
cault, como sociedades disciplinares e normativas, na medida em que o desenvolvimento do indiví-
duo e da sociabilidade se dá a partir dos condicionamentos do Panóptico, entendido enquanto o mo-
delo basilar a partir do qual se dá a gênese deste indivíduo e desta população moderna.

1. As Disciplinas e a Formatação do Homem Moderno


Foi principalmente em Vigiar e Punir e nos cursos que ministrou no Collège de France que
Foucault mostrou como surgiram, a partir do século XVII, técnicas de poder centradas no corpo dos
indivíduos, cujo principal objetivo era criar corpos submissos e dóceis, indispensáveis para o de-
senvolvimento das relações de produção capitalista. A essas técnicas de poder Foucault chamou de
disciplinas.
Pois bem, como Foucault define as disciplinas? As disciplinas são técnicas, mecanismos de
poder, “são métodos que permitem o controle minucioso de todas as operações do corpo, que reali-
zam a sujeição constante de suas forças e que lhes impõe uma relação de docilidade-utilidade”.8 A
disciplina capta o corpo humano numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o
recompõe. Ela é uma “‟anatomia política‟, [...] uma „mecânica do poder‟; ela define como se pode
ter domínio sobre o corpo dos outros, não simplesmente para que façam o que se quer, mas para que
operem como se quer, com as técnicas, segundo a rapidez e a eficácia que se determina”. 9 Como se
pode perceber, as disciplinas fabricam corpos submissos e exercitados, corpos “dóceis”. Por um
lado, elas aumentam as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade), e, de outro, elas di-
minuem essas mesmas forças (em termos políticos de obediência). Diz Foucault:

8
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: História da Violência nas Prisões. Tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis:
Editora Vozes, 1987, p. 118.
9
Ibidem, p. 119.

3
Ela (a disciplina) dissocia o poder do corpo; faz dele por um lado uma “aptidão”,
uma “capacidade” que ela procura aumentar; e inverte por um lado a energia, a
potência que poderia resultar disso, e faz dela uma relação de sujeição estrita. Se a
exploração econômica separa a força e o produto do trabalho, digamos que a coer-
ção disciplinar estabelece no corpo o elo coercitivo entre uma aptidão aumentada e
uma dominação acentuada. 10

11
Com efeito, “a disciplina é uma anatomia política do detalhe”. Nada, nem ninguém, esca-
pa de seu controle. “Uma observação minuciosa do detalhe, e ao mesmo tempo um enfoque político
dessas pequenas coisas, para o controle e a utilização dos homens, sobem através da era clássica,
levando consigo todo um conjunto de técnicas, todo um corpo de processos e de saber, de descri-
ções, de receitas e dados. E desses esmiuçamentos, sem dúvida, nasceu o homem do humanismo
moderno”. 12
Pois, então, como funcionam as disciplinas? Em primeiro lugar, a disciplina procede através
da distribuição dos indivíduos no espaço; ela é um tipo de organização do espaço. Os indivíduos são
distribuídos através da inserção dos corpos em um espaço individualizado, classificatório, combina-
tório. Os indivíduos são isolados em um espaço fechado, esquadrinhado, hierarquizado, onde cada
um é capaz de realizar funções diferentes segundo o objetivo específico que se espera dele. Em se-
gundo lugar, a disciplina exerce o controle do tempo. A disciplina realiza a sujeição do corpo ao
tempo, com o objetivo de produzir o máximo com o máximo de rapidez e de eficácia. Isso justifica
o fato de a disciplina não se interessar tanto pelo resultado de uma ação, e sim por todo o seu de-
senvolvimento. E, segundo Foucault, esse controle ininterrupto das operações do corpo se realiza
pela elaboração temporal do ato, pela correlação de um gesto específico com o corpo que o produz
e, enfim, pela articulação do corpo com o objeto a ser manipulado. 13 Em terceiro lugar, a disciplina
é uma técnica de poder que implica uma vigilância permanente dos indivíduos. Não basta somente
olhá-los de vez em quando ou ver se o que fizeram está conforme à regra. A vigilância deve se dar
durante todo o tempo da atividade e submeter os indivíduos a uma perpétua pirâmide de olhares; é
um poder que deve penetrar nos lugares mais recônditos da existência humana e estar presente em
toda a extensão do espaço. Por fim, a disciplina implica um registro contínuo do conhecimento. Isto
é, ao mesmo tempo que exerce um poder, produz um saber. Ela é um tipo de poder de individuali-
zação que tem o exame como instrumento fundamental de registro do conhecimento, uma espécie
de transcrição do indivíduo. “O exame é a técnica pelo qual o poder, em vez de emitir os sinais de

10
Ibidem, p. 119.
11
Ibidem, p. 120.
12
Ibidem, p. 121.
13
Ibidem, p. 129.

4
seu poderio, em vez de impor uma marca a seus súditos, capta-os num mecanismo de objetivação”.
14

Em suma, o indivíduo é, para Foucault, um produto da disciplina; é uma realidade fabricada


por ela. A sociedade que se desenvolveu nos séculos XVII e XVIII pôs em funcionamento uma tec-
nologia de poder que constituiu efetivamente os indivíduos como elementos correlatos de poder e
de saber. Diz Foucault: “O indivíduo é, sem dúvida, o átomo fictício de uma representação „ideoló-
gica‟ da sociedade; mas é também uma realidade fabricada por essa tecnologia específica de poder
15
que se chama „disciplina‟”. É por isso que, segundo Foucault, não se pode conceber o poder em
termos negativos, isto é, dizer que o poder “exclui”, “reprime”, “recalca”, “mascara”, “censura”,
“abstrai”, “esconde”, etc. Na realidade, “o poder produz; ele produz realidade; produz campos de
objetos e rituais da verdade. O indivíduo e o conhecimento que dele se pode ter se originam nessa
16
produção”. Isso explica o fato de ele ter como alvo o corpo humano não para supliciá-lo, mutilá-
lo, mas para aprimorá-lo, aperfeiçoá-lo cada vez mais. De acordo com Roberto Machado:

A ação sobre o corpo, o adestramento do gesto, a regulação do comporta-


mento, a normalização do prazer, a interpretação do discurso, com o objetivo
de separar, comparar, distribuir, avaliar, hierarquizar, tudo isso faz com que
apareça pela primeira vez na história esta figura singular, individualizada – o
homem – como produção do poder. Mas também, e ao mesmo tempo, como
objeto de saber. Das técnicas disciplinares, que são técnicas de individuali-
zação, nasce um tipo específico de saber: as ciências humanas. 17

O dispositivo panóptico, idealizado por Jeremy Bentham no século XIX, caracteriza-se co-
mo a figura arquitetural dessa nova tecnologia disciplinar. O panóptico, observa Foucault, é uma
máquina de vigilância que possibilita que alguns indivíduos consigam vigiar eficiente e permanen-
temente o comportamento de muitos. Ele funciona a partir de três elementos arquitetônicos princi-
pais, a saber: 1) um espaço circular e fechado; 2) uma divisão em celas; e 3) uma torre central. Diz
Foucault:

O princípio é conhecido: na periferia uma construção em anel; no centro, uma tor-


re; esta é vazada de largas janelas, que se abrem sobre a face interna do anel; a
construção periférica é dividida em celas, cada uma atravessando toda a espessura
da construção; elas têm duas janelas, uma para o interior, correspondendo às jane-

14
Ibidem, p. 156.
15
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: História da Violência nas Prisões. Tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis:
Editora Vozes, 1987, p. 161.
16
Ibidem, p. 161.
17
MACHADO, Roberto. Por uma Genealogia do Poder. In: FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Organização,
Introdução e Revisão Técnica de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979, p. XX.

5
las da torre; outra, que dá para o exterior, permite que a luz atravesse a cela de la-
do a lado. Basta então colocar um vigia na torre central e em cada cela trancar um
louco, um doente, um condenado, um operário ou um escolar. Pelo efeito da con-
traluz, pode-se perceber da torre, recortando-se exatamente sobre a claridade, as
pequenas silhuetas cativas nas celas da periferia. Tantas jaulas, tantos pequenos
teatros, em que cada ator está sozinho, perfeitamente individualizado e constante-
mente visível. O dispositivo panóptico organiza unidades espaciais que permitem
ver sem parar e reconhecer imediatamente. Em suma, o princípio da masmorra é
invertido; ou, antes, de suas três funções – trancar, privar de luz e esconder –, só
se conserva a primeira e suprimem-se as outras duas. A plena luz e o olhar de um
vigia captam melhor que a sombra, que finalmente protegia. A visibilidade é uma
armadilha. [...] Cada um, em seu lugar, está bem trancado em sua cela, de onde é
visto de frente pelo vigia; mas os muros laterais impedem que entre em contato
com seus companheiros. É visto, mas não vê; objeto de uma informação, nunca
sujeito numa comunicação. A disposição de seu quarto, em frente da torre central,
lhe impõe uma visibilidade axial; mas as divisões do anel, essas celas bem separa-
das, implicam uma invisibilidade lateral. E esta é a garantia da ordem. 18

O dispositivo panóptico é um verdadeiro produtor de individualidades; nele, a multidão é


abolida em prol de um grande número de individualidades separadas. Mas o mais importante deste
dispositivo é sua capacidade de induzir os indivíduos a um estado permanente de visibilidade que
assegura perfeitamente o funcionamento automático do poder. Diz Foucault:

Daí o efeito mais importante do Panóptico: induzir no detento um estado conscien-


te e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento automático do po-
der. Fazer com que a vigilância seja permanente em seus efeitos, mesmo se é des-
contínua em sua ação; que a perfeição do poder tenda a tornar inútil a atualidade
de seu exercício; que esse aparelho arquitetural seja uma máquina de criar e sus-
tentar uma relação de poder independente daquele que o exerce; enfim, que os de-
tentos se encontrem presos numa situação de poder de que eles mesmos são os
portadores. Para isso, é ao mesmo tempo excessivo e muito pouco que o prisionei-
ro seja observado sem cessar por um vigia; muito pouco, pois o essencial é que ele
se saiba vigiado; excessivo, porque ele não tem necessidade de sê-lo efetivamente.
19

Assim, justifica-se a afirmação de Bentham de que o poder deve ser visível e inverificável.
Visível, na medida em que o detento terá sempre diante de seus olhos a torre de onde está sendo
vigiado. Inverificável, pois o detento nunca deve saber se está sendo observado, mas deve ter certe-
za que pode sempre vir a sê-lo. Portanto, “o panóptico é uma máquina de dissociar o par ver-ser
visto: no anel periférico, se é totalmente visto, sem nunca ver; na torre central, vê-se tudo, sem nun-
ca ser visto”. 20

18
Ibidem, p. 165-166.
19
Ibidem, p. 166-167.
20
Ibidem, p. 167.

6
O panóptico é um dispositivo que automatiza e desindividualiza o poder. Seu princípio de
funcionamento não reside tanto numa pessoa, mas sim na distribuição espacial dos corpos, no jogo
de olhares a que estão submetidos os prisioneiros, nos mecanismos de vigilância utilizados, etc. Ele
é um dispositivo de vigilância capaz de alcançar os resultados mais produtivos. “O panóptico”, a-
firma Foucault, “é uma máquina maravilhosa que, a partir dos desejos mais diversos, fabrica efeitos
21
homogêneos de poder”. Com efeito, desse mecanismo de vigilância, “uma sujeição real nasce
mecanicamente de uma relação fictícia”. 22 Ele funciona como uma espécie de laboratório de poder,
isto é, uma maquinaria óptica graças à qual é possível fazer experiências e obter o controle e a ma-
nipulação do comportamento dos indivíduos. “O panóptico é um local privilegiado para tornar pos-
sível a experiência com homens e para analisar com toda certeza as transformações que se pode
obter neles”. 23
O panóptico é o princípio de uma nova “anatomia política”, que têm como finalidade não a
instauração ou a manutenção de relações de soberania, mas as relações de disciplina. É por isso que
não se pode confundir a disciplina com uma instituição ou com um aparelho (como, por exemplo, as
instituições penitenciárias ou como as casas de correção do século XX); “ela é um tipo de poder,
uma modalidade para exercê-lo, que comporta todo um conjunto de instrumentos, de técnicas, de
procedimentos, de níveis de aplicação, de alvos; ela é uma „física‟ ou uma „anatomia‟ do poder,
uma tecnologia”. 24
Foucault diagnostica que a formação da sociedade disciplinar está ligada a uma série de pro-
cessos históricos no interior dos quais ela tem lugar. Dentre estes processos, se destacam: os proces-
sos econômicos, os jurídico-políticos e os científicos.
A) Os processos econômicos. Para Foucault, as disciplinas caracterizam-se como técnicas
capazes de assegurar a ordenação das multiplicidades humanas. O que é próprio das disciplinas é
que elas buscam estabelecer, em relação a estas multiplicidades humanas informes, uma tática de
poder que obedece a três critérios fundamentais: primeiro, tornar o exercício de poder o menos cus-
toso possível (economicamente, pelo pouco custo que acarreta; politicamente, pela sua descrição,
sua invisibilidade, pelo pouca resistência que suscita etc.); segundo, as disciplinas buscam fazer
com que os efeitos de poder sejam levados a seu máximo intensidade e estendidos a todos os indi-
víduos, sem exceção e sem fracasso; terceiro, as disciplinas buscam ligar o crescimento “econômi-

21
Ibidem, p. 167.
22
Ibidem, p. 167.
23
Ibidem, p. 169.
24
Ibidem, p. 177.

7
co” do poder e o rendimento dos aparelhos no interior dos quais o poder se exerce; em outras pala-
vras, seu objetivo é fazer crescer, em termos de docilidade e utilidade, os indivíduos integrados nes-
te sistema.
Com efeito, esse triplo papel das disciplinas responde a dois fenômenos históricos muito
precisos, a saber: de um lado, a grande explosão demográfica do século XVIII; o papel da disciplina
consistirá em realizar um trabalho de fixação, controlando ou manipulando os grupos humanos; de
outro lado, temos o crescimento do aparelho de produção, que cada vez mais se torna custoso e cuja
rentabilidade é preciso fazer crescer. O desenvolvimento da tecnologia disciplinar marca o apareci-
mento de técnicas de poder que derivam de uma economia totalmente diversa. Essas técnicas de
poder integram-se perfeitamente à eficácia do aparelho de produção, ao crescimento dessa eficácia e
à utilização do que ela produz.

As disciplinas substituem o velho princípio “retirada-violência” que regia a eco-


nomia do poder pelo princípio “suavidade-produção-lucro”. Devem ser tomadas
como técnicas que permitem ajustar, segundo esse princípio, a multiplicidade dos
homens e a multiplicação dos aparelhos de produção (e, como tal, deve-se enten-
der não só a “produção” propriamente dita, mas a produção de saber e de aptidões
na escola, a produção de saúde nos hospitais, a produção de força destrutiva com o
exército). 25

O desenvolvimento da tecnologia disciplinar está intimamente ligado ao processo de desen-


volvimento da economia capitalista. Graças à tecnologia disciplinar, a economia capitalista conse-
guiu extrair o máximo de submissão das forças e dos corpos e, ao mesmo tempo, conseguiu colocar
em funcionamento, através de regimes políticos muito precisos, de aparelhos ou de instituições mui-
to diversas, toda essa maquinaria de produção. No entanto, para Foucault, o processo de desenvol-
vimento econômico no Ocidente não teria sido possível sem a correlata acumulação dos homens.
Na verdade, os dois processos, acumulação de homens e acumulação de capital, não podem ser se-
parados, pois não seria possível resolver o problema da acumulação dos homens sem colocar em
funcionamento um aparelho de produção capaz de mantê-los e de utilizá-los; e, inversamente, o
processo de aceleração da produção capitalista não teria sido possível sem o desenvolvimento de
técnicas que tornassem úteis a multiplicidade cumulativa dos homens e de suas forças. Sem dúvida,
a tecnologia disciplinar se constitui como uma célula do poder que contribuiu para o desenvolvi-
mento e para a acumulação das forças e do capital.

25
Ibidem, p. 180.

8
A disciplina é o processo técnico unitário pela qual a força do corpo é, com o mí-
nimo de ônus, reduzida como força “política” e maximalizada como força útil. O
crescimento de uma economia capitalista fez apelo à modalidade específica do
poder disciplinar, cujas fórmulas gerais, cujos processos de submissão das forças e
dos corpos, cuja “anatomia política” em uma palavra, podem ser postos em fun-
cionamento através de regimes políticos, de aparelhos e de instituições muito di-
versas. 26

B) Os processos jurídico-políticos. Foucault afirma que, historicamente, o processo pelo qual


a burguesia se tornou, no decorrer do século XVIII, a classe politicamente dominante estava basea-
do em um quadro jurídico explícito, codificado, formalmente igualitário, organizado por um regime
parlamentar representativo. Com o desenvolvimento e a generalização dos dispositivos disciplina-
res, houve uma inversão desse processo. A forma jurídica, que garantia um sistema de direitos em
princípio igualitário, era sustentada por um conjunto de mecanismos miúdos, cotidianos e físicos,
por uma série de sistemas de micropoderes essencialmente inigualitários e assimétricos que consti-
tuem as disciplinas. Com efeito, se no regime representativo a vontade de todos era instância fun-
damental da soberania, as disciplinas dão a garantia da submissão das forças e dos corpos. “As dis-
ciplinas reais e corporais constituíram o subsolo das liberdades formais e jurídicas”. 27
Para Foucault, temos de ver nas disciplinas e em todas suas técnicas uma espécie de contra-
direito. Enquanto os sistemas jurídicos qualificam os sujeitos de direito, segundo normas universais,
“as disciplinas caracterizam, classificam, especializam; distribuem ao longo de uma escala, repar-
tem em torno de uma norma, hierarquizam os indivíduos em relação uns aos outros e, levando ao
28
limite, desqualificam e invalidam”. As disciplinas são uma espécie de “contra-direito”, pelo fato
de que fazem funcionar, ao contrário do direito que fixa limites para o exercício do poder, “uma
maquinaria ao mesmo tempo imensa e minúscula que sustenta, reforça, multiplica a assimetria dos
poderes e torna vão os limites que lhe foram traçados”. 29 Elas formam, na genealogia da sociedade
moderna, com a dominação de classe que a atravessa, uma forma de contrapartida política das nor-
mas jurídicas segundo as quais era redistribuído o poder.
C) Os processos científicos. A grande novidade que a tecnologia disciplinar trouxe, princi-
palmente a partir do século XVIII, é um nível a partir do qual a formação de saber e o aumento do
poder se reforçam a partir de um processo circular. As disciplinas, a partir de então, atravessam um
limiar “tecnológico”. Para Foucault, o hospital, a escola e depois a oficina não foram simplesmente
organizados e postos em funcionamento pela tecnologia disciplinar; estas instituições tornaram-se,
26
Ibidem, p. 182.
27
Ibidem, p. 183.
28
Ibidem, p. 183.
29
Ibidem, p. 184.

9
graças às disciplinas, aparelhos de objetivação que valem como instrumentos de sujeição e em que
qualquer crescimento de poder dá lugar a conhecimentos possíveis, à formação de um determinado
saber; graças também a esse sistema tecnológico, foi possível formar no elemento disciplinar uma
série de ciências, como a medicina clínica, a psiquiatria, a psicologia da criança, a psicopedagogia,
a racionalização do trabalho. Duplo processo: de um lado, “arrancada epistemológica a partir de um
afinamento das relações de poder”; de outro, “multiplicação dos efeitos de poder graças à formação
e à acumulação de novos conhecimentos”. 30
Com efeito, o poder posto em funcionamento pela tecnologia disciplinar, e que ela, graças a
seus mecanismos de controle, permite aumentar sempre mais e mais, é um poder direto e absoluta-
mente físico, um poder que os homens exercem uns sobre os outros. É por isso que, para Foucault,
as ciências humanas (como a psicologia, a pedagogia, a psiquiatria, a criminologia, etc.), “essas
ciências, com que nossa „humanidade‟ se encanta há mais de um século, têm sua matriz técnica na
minúcia tateante e maldosa das disciplinas e de suas investigações”. 31

2. Biopolítica e Gestão da População


No último capítulo da obra História da Sexualidade, intitulado de “Direito de Morte e Poder
sobre a Vida”, Foucault afirma que, por muito tempo, um dos privilégios atribuído ao poder sobera-
no era o direito de vida e de morte. Esse poder derivava do velho princípio da patria potestas, que
dava ao pai de família romano o direito de “dispor” livremente da vida de seus filhos e de seus es-
cravos; a qualquer momento, podia retirar-lhes a vida, já que lhes tinha “dado”. 32
Na relação soberano/súditos, o direito de vida e de morte só pode ser exercido nos casos em
33
que a vida do soberano encontra-se exposta: “uma espécie de direito de réplica”. Em caso de ser
ameaçado por inimigos externos, que desejam derrubá-lo de seu poder, o soberano pode entrar em
guerra e solicitar a seus súditos que tomem parte da defesa do Estado. Neste caso, “‟sem se propor
diretamente à sua morte‟ é-lhe lícito „expor-lhes a vida‟: neste sentido, exerce sobre eles um direito
„indireto‟ de vida e de morte”. 34 Em contrapartida, se foi um de seus súditos que se levantou contra
ele e infringiu as suas leis, pode ele exercer um poder direto sobre sua vida: pode até matá-lo como
forma de recuperar a soberania lesada por um instante.

30
Ibidem, p. 185.
31
Ibidem, p. 186.
32
FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: A Vontade de Saber. Tradução de Maria Thereza da Costa Albu-
querque e J. A. Guilhon de Albuquerque. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988, p. 127.
33
Ibidem, p. 127.
34
Ibidem, p. 127.

10
O direito de vida e de morte estava diretamente ligado à defesa do soberano e à sua própria
sobrevivência. Este direito de vida e de morte, em última instância, é um direito assimétrico, pois
está sempre do lado da morte. “O soberano só exerce, no caso, seu direito sobre a vida, exercendo
seu direito de matar ou contendo-o; só marca seu poder sobre a vida pela morte que tem condições
35
de exigir”. Em outras palavras, “o direito que é formulado como „de vida e de morte‟ é, de fato,
direito de causar a morte ou de deixar viver. Afinal de contas, era simbolizado pelo gládio”. 36 Com
efeito, para Foucault, talvez se devesse relacionar essa figura jurídica a um tipo histórico de socie-
dade em que o poder se exercia essencialmente como forma de confisco, como mecanismo de sub-
tração, como direito de se apropriar de parte dos produtos, de bens, de serviços, de trabalho e de
sangue imposta aos súditos. Nesse tipo de sociedade, o poder se caracterizava, portanto, como direi-
to de apreensão das coisas, do tempo, dos corpos e, finalmente, da própria vida, para suprimi-la.
Ora, a partir da época clássica, o Ocidente conheceu uma transformação marcante nos me-
canismos de poder. O confisco deixou de ser sua forma principal, tornando-se somente uma peça,
dentre outras, com função de incitação, de reforço, de vigilância, de majoração e de organização das
forças que lhe são submetidas: um poder destinado a produzir forças, a fazê-las crescer e a ordená-
las mais do que a barrá-las, dobrá-las ou destruí-las. Com isso, o velho direito de morte, tão caracte-
rístico do poder de soberania, é agora recoberto por “um poder que gere a vida e a faz se ordenar em
função de seus reclamos”. 37
Com efeito, as próprias guerras, que jamais assumiram proporções tão sangrentas e que cau-
saram o extermínio de tantas pessoas como no século XIX, já não se travam mais em nome do sobe-
rano a ser defendido, mas sim da existência de todos; apresentam-se, agora, como um poder que se
exerce positivamente sobre a vida, que estimula e garante o seu crescimento, que empreende a sua
gestão e a sua majoração, que garante a multiplicação de suas possibilidades, o exercício, sobre ela,
de controles precisos e de regulações de conjunto, etc. Diz Foucault:

As guerras já não se travam em nome do soberano a ser defendido; travam-se em


nome da existência de todos; populações inteiras são levadas à destruição mútua
em nome da necessidade de viver. Os massacres se tornam vitais. Foi como gesto-
res da vida e da sobrevivência dos corpos e da raça que tantos regimes puderam
travar tantas guerras, causando a morte de tantos outros. E, por uma reviravolta
que permite fechar o círculo, quanto mais a tecnologia das guerras voltou-se para a
destruição exaustiva, tanto mais as decisões que as iniciam e as encerram se orde-
naram em função da questão nua e crua da sobrevivência. A situação atômica se
encontra hoje no ponto de chegada desse processo: o poder de expor uma popula-
35
Ibidem, p. 128.
36
Ibidem, p. 128.
37
Ibidem, p.128.

11
ção à morte geral é o inverso do poder de garantir à outra sua permanência em vi-
da. O princípio “poder matar para poder viver”, que sustentava a tática dos comba-
tes, tornou-se princípio de estratégia entre Estados; mas a existência em questão já
não é aquela – jurídica – da soberania, é outra – biológica –, de uma população. Se
o genocídio é, de fato, o sonho dos poderes modernos, não é por uma volta atual-
mente ao velho direito de matar, mas é porque o poder se situa e se exerce ao nível
da vida, da espécie, da raça e dos fenômenos maciços de população. 38

De forma concreta, o poder sobre a vida desenvolveu-se no decorrer do século XVII sob
dois pólos: o primeiro, como anteriormente vimos, centrou-se no corpo como máquina: no seu ades-
tramento, na ampliação de suas aptidões, na extorsão completa de suas forças, no crescimento de
sua utilidade e docilidade, na sua integração em sistemas de controle econômicos e eficazes – tudo
isso era assegurado por procedimentos de poder que caracterizam as disciplinas: anátomo-política
do corpo humano. O segundo pólo formou-se por volta da metade do século XVIII, e centrou-se no
corpo-espécie, no corpo transpassado pela mecânica do ser vivo e como suporte dos processos bio-
lógicos, a saber: o controle dos nascimentos e da mortalidade, a saúde da população, a duração da
vida, a longevidade, etc.; tudo isso mediante toda uma série de intervenções e de controles regula-
dores: uma biopolítica da população. Portanto, as disciplinas do corpo e as regulações da população
constituem os dois pólos sobre os quais se deu a organização sobre a vida. Com a instalação dessa
tecnologia de poder de duas faces, anatômica e biológica, individualizante e especificante, voltadas
para o desempenho dos corpos e encarando os processos da vida, temos “um poder cuja função
mais elevada já não é mais matar, mas investir sobre a vida, de cima a baixo”. 39
O direito de morte em que se simbolizava o poder soberano é agora, cuidadosamente, substi-
tuído pela administração dos corpos e pela gestão calculista da vida. Desenvolvimento, portanto, no
decorrer da época clássica, das disciplinas diversas que tomam o corpo como objeto e alvo do po-
der; aparecimento, também, no plano das práticas políticas e observações econômicas, dos proble-
mas de natalidade, de longevidade, saúde pública, habitação e migração; sem dúvida, ocorreu uma
explosão de técnicas diversas e numerosas cujo principal objetivo é obter a sujeição dos corpos e o
controle das populações. Entra-se, assim, no período do “biopoder”.
Foucault detecta que o biopoder, sem a menor sombra de dúvida, foi elemento indispensável
para o desenvolvimento do capitalismo, que só poder ser garantido graças à inserção controlada dos
corpos no aparelho de produção e por meio de um ajustamento dos fenômenos de população aos
processos econômicos. Mas o capitalismo exigiu também o crescimento tanto de seu reforço quanto

38
Ibidem, p. 129.
39
Ibidem, p. 131.

12
de sua utilizabilidade e sua docilidade; foi necessário a criação de métodos de poder capazes de
aumentar as forças, as aptidões, a vida em geral, sem com isso torná-las mais difíceis de sujeitar. A
anátomo-política e a biopolítica, como métodos de poder presentes em todos os níveis do corpo
social e utilizados por instituições como a família, a escola, o exército, a polícia, a medicina indivi-
dual ou a administração das coletividades, agiram no nível dos processos econômicos, do seu desen-
rolar, das forças que estão em ação em tais processos e os sustentam; agiram também como fatores
de segregação e de hierarquização social, agindo sobre as forças respectivas tanto de uns como de
outros, garantindo relações de dominação e efeitos de hegemonia; o ajustamento da acumulação dos
homens à do capital, a articulação do crescimento dos grupos humanos à expansão das forças pro-
dutivas e a repartição diferencial dos lucros, foram, em parte, tornados possíveis graças ao exercício
do biopoder com suas formas e procedimentos múltiplos. O investimento do poder sobre o corpo
vivo, sua valorização e a gestão distributiva de suas forças foram indispensáveis para o desenvolvi-
mento e a consolidação do capitalismo.
Para Foucault, o século XVIII é a porta de entrada da vida na história, isto é, “a entrada dos
40
fenômenos próprios à vida da espécie humana na ordem do saber e do poder”. Assim sendo, os
processos relacionados à vida humana começam a ser levados em conta por mecanismos de poder e
de saber que tentam controlá-los e modificá-los. Diz Foucault:

O homem ocidental aprende pouco a pouco o que é ser uma espécie viva num
mundo vivo, ter um corpo, condições de existência, probabilidade de vida, saúde
individual e coletiva, forças que se podem modificar, e um espaço em que se pode
reparti-las de modo ótimo. Pela primeira vez na história, sem dúvida, o biológico
reflete-se no político; o fato de viver não é mais esse sustentáculo inacessível que
só emerge de tempos em tempos, no acaso da morte e de sua fatalidade: cai, em
parte, no campo de controle do saber e de intervenção do poder. 41

Portanto, é pelo fato de encarregar-se da vida, mais do que a ameaça da morte, que o poder
pode apropriar-se do corpo para controlá-lo e modificá-lo. Para Foucault, “se pudéssemos chamar
de „bio-história‟ as pressões por meio das quais os movimentos da vida e os processos da história
interferem entre si, deveríamos falar de „biopolítica‟ para designar o que faz com que a vida e seus
mecanismos entrem no domínio dos cálculos explícitos, e faz do poder-saber um agente de trans-
formação da vida humana”. 42 A biopolítica age no nível “da vida dos homens, ou, ainda, [...] ela se
dirige não ao homem-corpo, mas ao homem vivo, ao homem ser vivo; no limite, se vocês quiserem,

40
Ibidem, p. 133.
41
Ibidem, p. 134.
42
Ibidem, p. 134.

13
ao homem-espécie”. 43 A biopolítica trata de uma série de processos: a proporção dos nascimentos e
dos óbitos, a taxa de reprodução, a fecundidade de uma população, as doenças que a ameaçam,
etc.44
Para Foucault, o “limiar de modernidade biológica” de uma sociedade é exatamente o mo-
mento em que uma espécie entra em jogo nas estratégias políticas de um Estado. “O homem”, diz
ele, “durante muito tempo, permaneceu o que era para Aristóteles: um animal vivo e, além disso,
capaz de existência política; o homem moderno é um animal, em cuja política, sua vida de ser vivo
está em questão”. 45
Com a instauração da biopolítica, uma série de fenômenos importantes deve ser levada em
conta. Em primeiro lugar, temos o aparecimento de um elemento novo e sobre o qual a biopolítica
vai exercer o seu poder. Esse fenômeno novo é a população. Portanto, não mais o indivíduo-corpo,
como era característico do poder disciplinar, mas, segundo Foucault, um “corpo múltiplo, corpo
46
com inúmeras cabeças, se não infinito pelo menos necessariamente numerável”. Com efeito, a
bio-política trata da população e é nesse momento que a população surge como problema político,
como problema a um só tempo científico e político, como problema biológico e como problema de
poder.
O segundo aspecto é a natureza dos fenômenos que começam a ser levados em conta. São
fenômenos coletivos que só aparecem com seus efeitos econômicos e políticos, que só se tornam
pertinentes no nível da massa. Em todo caso, são fenômenos que se desenvolvem essencialmente na
duração da vida, que devem ser considerados num certo limite de tempo relativamente longo; 47 são
fenômenos que aparecem em série e que, em relação aos indivíduos, são fenômenos aleatórios que
ocorrem numa população em toda a sua duração.
O terceiro aspecto é todo um mecanismo de previsões, de estimativas estatísticas, de medi-
ções globais. A biopolítica vai se ocupar com uma série de intervenções em relação a esses fenôme-
nos no que eles têm de globais: vai ser preciso baixar a morbidade, prolongar a vida, estimular a
natalidade48; ou seja, trata-se de estabelecer mecanismos reguladores onde vai ser possível fixar um
equilíbrio, etc. A biopolítica, portanto, trata dos processos biológicos relacionados ao homem-
43
FOUCAULT, Michel. Em Defesa da Sociedade. Curso no Collége de France (1975-1976). Tradução de Maria Eman-
tina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1999, Aula de 17 de Março de 1976. p. 289.
44
Ibidem, p. 289-290.
45
FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade 1: A Vontade de Saber. Tradução de Maria Thereza da Costa Albu-
querque e J. A. Guilhon de Albuquerque. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988, p.134.
46
FOUCAULT, Michel. Em Defesa da Sociedade. Curso no Collége de France. Tradução de Maria Ermantina Galvão.
São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 292.
47
Ibidem, p. 293.
48
Ibidem, p. 293.

14
espécie; ela estabelece sobre esses fenômenos de cunho estritamente biológico uma espécie de regu-
lamentação.
Com efeito, o poder torna-se, assim, cada vez menos o direito de fazer morrer e cada vez
mais o direito de intervir para fazer viver, e na maneira de viver, e no “como” da vida, a partir do
momento em que se intervém, sobretudo para aumentar a vida, para controlar seus acidentes, suas
49
eventualidades, suas deficiências. A morte é o limite, a extremidade do poder; ela é aquilo que o
extrapola, que cai fora de seu domínio. O poder só terá domínio sobre a morte de modo geral, esta-
tístico, global. Aquilo sobre o qual o poder terá controle não é a morte, é a mortalidade. Enquanto
que no poder de soberania a morte era a forma mais manifesta do poder absoluto do soberano, ago-
ra, ao contrário, a morte é o momento em que o indivíduo escapa do alcance do poder e volta para
si, se ensimesma em sua parte mais privada. Nesse sentido, o poder já não mais conhece a morte;
ele a deixa de lado.
Foucault afirma que uma das conseqüências do desenvolvimento do biopoder foi a grande
importância assumida pela norma em relação ao sistema jurídico da lei. A lei, segundo ele, não po-
de deixar de ser armada e, assim sendo, sua arma por excelência é a morte; aos que a violam, ela
responde, pelo menos como último recurso, com essa ameaça. Mas, para um poder que tem como
tarefa principal a garantia da vida, terá a necessidade de mecanismos contínuos, reguladores e corre-
tivos. Isso não quer dizer que a lei ou as instituições judiciárias tendem a desaparecer, mas que, por
um lado, a lei cada vez mais tende a funcionar como norma e que, por outro, as instituições judiciá-
rias tendem a se integrar em um conjunto de aparelhos (médicos, administrativos, etc.), cujas fun-
50
ções são essencialmente reguladoras. É por isso que “uma sociedade normalizadora é o efeito
51
histórico de uma tecnologia de poder centrada na vida”. Foi a norma que conseguiu estabelecer
um controle entre o elemento disciplinar do corpo individual e o elemento regulamentador de uma
multiplicidade biológica. A norma é aquilo que se pode aplicar tanto a um corpo que se deseja dis-
ciplinar quanto a uma população que se deseja regulamentar. A sociedade de normalização é uma
sociedade onde se cruzam a norma disciplinar e a norma da regulamentação. Para Foucault, a socie-
dade de normalização conseguiu cobrir toda essa superfície que vai do orgânico ao biológico, do

49
Ibidem, p.295.
50
Cf.: FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: A Vontade de Saber. Tradução de Maria Thereza da Costa
Albuquerque e J. A. Guilhon de Albuquerque. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988, p. 135.
51
Ibidem, p. 135.

15
corpo à população, mediante a instauração dessas duas tecnologias, disciplinar e regulamentadora.
52

Para Foucault, o sexo se encontra na articulação em torno da qual se desenvolveu toda a


tecnologia política da vida. Faz parte daquilo que se chamou de “disciplinas do corpo”: adestramen-
to, aumento e distribuição das forças, ajustamento e economia das energias. E também faz parte do
processo de regulação das populações, por todos os efeitos globais que induz. A partir dele é possí-
vel estabelecer vigilâncias infinitesimais, controles constantes, controles espaciais de extrema meti-
culosidade, exames médicos ou psicológicos, a todo um micropoder sobre o corpo. O sexo também
permite a tomada de medidas maciças, a estimativas estatísticas, a intervenções que visam todo o
corpo social ou grupos tomados globalmente. “O sexo é acesso, ao mesmo tempo, à vida do corpo e
à vida da espécie”. 53
Pode-se compreender agora porque o século XIX deu tanta importância à sexualidade, o
porquê de ela ter sido esmiuçada nos seus mínimos detalhes: é porque ela tornou-se a chave da in-
dividualidade e aquilo que torna possível analisá-la e constituí-la. Pode-se entender também porque
o sexo tornou-se tema de operações políticas, de intervenções econômicas (por meio da incitação ou
dos freios à procriação), de campanhas ideológicas de moralização ou de responsabilização: a sexu-
alidade é empregada como índice da força de uma sociedade, revelando tanto sua energia política
como seu vigor biológico. Por trás dessa tecnologia do sexo, está toda uma série de táticas diversas
de poder que combinam o objetivo da disciplina do corpo e o da regulação das populações.
A partir disto, é possível perceber a importância das quatro grandes linhas de ataque ao lon-
go das quais a política do sexo avançou nos últimos dois séculos. Cada uma delas foi uma maneira
de juntar as técnicas disciplinares com os procedimentos reguladores. As duas primeiras se apoia-
ram em exigências de regulação – sobre toda uma temática da espécie, da descendência, da saúde
coletiva – para obter efeitos ao nível da disciplina; a sexualização da criança foi feita sob a forma de
uma campanha pela saúde da raça (a sexualidade precoce foi apresentada, desde o século XVIII até
o fim do século XIX, como ameaça epidêmica que corre o risco de comprometer não somente a
saúde futura dos adultos, mas o futuro da própria sociedade e de toda a espécie); a histerização das
mulheres, que levou a uma medicalização minuciosa de seus corpos, de seu sexo, fez-se em nome
da responsabilidade que elas teriam no que diz respeito à saúde de seus filhos, à solidez da institui-

52
FOUCAULT, Michel. Em Defesa da Sociedade. Curso no Collège de France (1975-1976). Tradução de Maria Er-
mantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 302.
53
FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade 1: A Vontade de Saber. Tradução de Maria Thereza da Costa Albu-
querque e J. A. Guilhon de Albuquerque. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988, p. 137.

16
ção familiar e à salvação da sociedade. A relação inversa ocorreu quanto ao controle da natalidade e
à psiquiatrização das perversões: neste caso, a intervenção era de natureza reguladora, mas devia
apoiar-se na exigência de disciplinas e adestramentos individuais. Portanto, foi na junção entre o
“corpo” e a “população”, que o sexo tornou-se o alvo central de um poder que se organiza mais em
torno da gestão da vida do que na ameaça da morte.
Com efeito, a grande importância assumida pelo sexo nas estratégias políticas do poder na
sociedade moderna marca a passagem de uma “sociedade de sangue” para uma “sociedade de sexu-
alidade”. Por muito tempo, o sangue constitui-se em um elemento importante nos mecanismos de
poder, em suas manifestações e rituais. Em uma sociedade em que predominam os sistemas de ali-
ança, a forma política do soberano, a diferenciação em ordens e castas, o valor das linhagens, para
uma sociedade em que a fome, as epidemias e as violências tornam a morte iminente, o sangue
constitui um dos valores essenciais; seu preço se deve, ao mesmo tempo, a seu papel instrumental
(poder derramar o sangue), a seu funcionamento na ordem dos signos (ter um certo sangue, ser do
mesmo sangue, dispor-se a arriscar seu próprio sangue), e à sua precariedade (fácil de derramar,
sujeito à extinção, demasiadamente pronto a se misturar, suscetível de se corromper rapidamente).
“Sociedade de sangue – diria de „sangüinidade‟: honra da guerra e medo das fomes, triunfo da mor-
te, soberano com gládio, verdugo e suplícios, o poder falar através do sangue; este é uma realidade
54
com função simbólica”. Quanto a nós, segundo Foucault, vivemos em uma sociedade do “sexo”
ou de “sexualidade”: “os mecanismos de poder se dirigem ao corpo, à vida, ao que a faz proliferar,
ao que reforça a espécie, seu vigor, sua capacidade de dominar, ou sua aptidão para ser utilizada.
Saúde, progenitura, raça, futuro da espécie, vitalidade do corpo social, o poder fala da sexualidade e
para a sexualidade; quanto a esta, não é marca ou símbolo, é objeto e alvo”. 55
Para Foucault, foram os novos mecanismos de poder, elaborados durante a época clássica e
postos em ação no século XIX, que fizeram a nossa sociedade passar de uma simbólica do sangue
para uma analítica da sexualidade. E mais: segundo ele, não é difícil perceber que, se há algo que
se encontra do lado da lei, da morte, da transgressão, do simbólico e da soberania, é o sangue; a
sexualidade encontra-se do lado da norma, do saber, da vida, do sentido, das disciplinas e das regu-
lamentações.
A preocupação com o sangue e a lei tem obcecado há quase dois séculos a gestão da sexua-
lidade. A partir da segunda metade do século XIX o sangue foi chamado a vivificar e a sustentar,
com toda uma profundidade histórica, o tipo de poder político que se exerce através dos dispositivos
54
Ibidem, p. 138.
55
Ibidem, p. 138.

17
de sexualidade. O racismo, em sua forma moderna, estatal, biologizante, se forma nesse ponto: toda
uma política do povoamento, da família, do casamento, da educação, da hierarquização social, da
propriedade, e uma longa série de intervenções permanentes ao nível do corpo, das condutas, da
saúde, da vida cotidiana, receberam então cor e justificação em função da preocupação mítica de
proteger a pureza do sangue e fazer triunfar a raça. O nazismo, por exemplo, é o fato histórico mais
extremo dessa “preocupação” com o sangue e o auge do poder disciplinar. Uma ordenação eugênica
da sociedade, a pretexto de uma estatização ilimitada, era acompanhada pela exaltação de um san-
gue superior, o que implicava, ao mesmo tempo, o genocídio sistemático dos outros (da outra raça,
da raça ruim) e o risco de expor a si próprio a um sacrifício total.
Para Foucault, foi a emergência do biopoder que inseriu o racismo nos mecanismos de con-
trole do Estado. Então, o que se entende por racismo? Em primeiro lugar, por racismo se deve en-
tender um meio de introduzir nesse domínio sobre a vida um corte entre “o que deve viver e o que
deve morrer”. O aparecimento do racismo, a distinção das raças, a hierarquia de uma raça sobre as
outras, a qualificação de uma raça como boa e das outras como ruins ou inferiores, tudo isso apare-
ce como “uma maneira de defasar, no interior de uma população, uns grupos em relação aos ou-
56
tros”; em outras palavras, uma espécie de censura de tipo biológico realizada no interior de uma
população. Para Foucault, esse processo vai permitir poder tratar da população como uma mistura
de raças, ou, dito de outra forma, trata-se de subdividir uma população em sub-grupos que, mais
precisamente, serão raças. A função por excelência atribuída ao racismo é de “fragmentar, fazer
censuras no interior desse contínuo biológico a que se dirige o biopoder”. 57
Em segundo lugar, um papel positivo para o racismo. Positivo no sentido de que o racismo
não privilegiará apenas um indivíduo, mas uma espécie inteira. Por isso, “quanto mais você matar,
mais você fará morrer”, ou “quanto mais você deixar morrer, mais, por isso mesmo, você viverá”.58
Mas essa relação “se você quer viver, é preciso que você faça morrer, é preciso que você possa ma-
tar”, não foi nem o racismo nem o Estado moderno que inventou. Ele deriva de uma relação militar
e guerreira: “para viver, é preciso que você massacre seus inimigos”. O racismo vai fazer funcionar
esse princípio de vida e de morte não mais através de uma relação de tipo militar ou guerreira, mas
de uma forma totalmente nova, de tipo biológico:

Quanto mais as espécies inferiores tenderem a desaparecer, quanto mais os indiví-


duos anormais forem eliminados, menos degenerados haverá em relação à espécie,

56
Ibidem, p. 304.
57
Ibidem, p. 305.
58
Ibidem, p. 305.

18
mais eu – não enquanto indivíduo, mas enquanto espécie – viverei, mais forte se-
rei, mais vigoroso serei, mais poderei proliferar. 59

O extermínio do outro, da raça ruim, da raça inferior, do indivíduo degenerado ou anormal,


não é simplesmente a garantia de minha vida, mas também aquilo que vai deixar a vida em geral
mais sadia e mais pura. O princípio “quanto mais você matar, mais você fará morrer, mais você
viverá” está diretamente vinculado não à vitória sobre os adversários políticos, mas aos “perigos,
externos e internos, em relação à população e para a população”. 60 O “tirar a vida” está diretamente
vinculado “à eliminação do perigo biológico e ao fortalecimento, diretamente ligado a essa elimina-
61
ção, da própria espécie ou da raça”. Nessa perspectiva, o racismo se caracteriza como a única
possibilidade aceitável de tirar a vida em uma sociedade de normalização. Em resumo, “a função
assassina do Estado só pode ser assegurada desde que o Estado funcione no modo do biopoder, pelo
racismo”. 62 O racismo é a condição sine qua non “para que se possa exercer o direito de matar”. 63

Considerações Finais
Portanto, Foucault mostra que o desenvolvimento da sociedade moderna e das novas rela-
ções de produção capitalistas não teria sido possível sem o desenvolvimento imediato de toda uma
tecnologia de poder que age capaz de gerir e de controlar as multiplicidades humanas. As discipli-
nas, inventadas e postas em funcionamento a partir do século XVII, através de uma vigilância cons-
tante, ininterrupta, captam os indivíduos naquilo de mais íntimo e particular que eles têm, isto é,
seus corpos, buscando torná-los mais útil e dóceis possível. A bio-política age no nível da vida dos
indivíduos, da população; em última instância, do homem-espécie. Ela trata, através de mecanismos
reguladores, dos fenômenos puramente biológicos da população (a saúde, o número de nascimentos
e de óbitos, a taxa de reprodução, a fecundidade de uma população, etc.).
Para Foucault, a anátomo-política e a bio-política, como métodos de poder presentes no
corpo social e utilizados por diversas instituições (como a família, a escola, o exército, a polícia, a
medicina individual ou a administração das coletividades) contribuíram decisivamente para o de-
senvolvimento dos processos econômicos; funcionaram também como fatores de segregação e de
hierarquização social, agindo sobre as forças respectivas tanto de uns quanto de outros, garantindo
relações de dominação e efeitos de hegemonia. O ajustamento da acumulação dos homens à do ca-
59
Ibidem, p. 305.
60
Ibidem, p. 306.
61
Ibidem, p. 306.
62
Ibidem, p. 306.
63
Ibidem, p. 306.

19
pital, a articulação do crescimento dos grupos humanos à expansão das forças produtivas e a repar-
tição diferencial dos lucros, foram, em parte, tornados possíveis graças ao exercício do bio-poder
com suas formas e procedimentos múltiplos. O investimento do poder sobre o corpo vivo, sua valo-
rização e a gestão distributiva de suas forças foram indispensáveis para o desenvolvimento e a con-
solidação do capitalismo.
A racionalidade das instituições modernas é uma racionalidade calcada na formação, na re-
gulação. São instituições de massa cujo objetivo é a massificação, a regulação social dos indivíduos
a partir de procedimentos e de regras comuns. Digamos que são instituições cujo objetivo é a for-
mação do comportamento individual e social, em poderosa medida. Isso quer dizer que toda uma
série de instituições tiverem – e têm – por objetivo a individuação ao mesmo tempo em que cons-
troem os processos de socialização. Bem, em largos traços procurei trazer à discussão a questão da
biopolítica e da anátomo-política justamente para enfatizar o quanto as instituições modernas e o
Estado como centro de sentido destas estiveram perpassados pelo objetivo de formar e de regular o
indivíduo e a população. Em outras palavras, não poderíamos entender os processos de individua-
ção-socialização na modernidade sem termos por base que tais processos foram conduzidos por
instituições públicas específicas que tiveram seu centro dinamizador no Estado liberal. Este, em seu
objetivo de consolidar e de desenvolver as relações de produção capitalistas, instaurou relações so-
ciais enquanto instituições públicas cuja racionalidade estava calcada tanto no controle e/ou regula-
ção social quanto na formação das competências dos indivíduos em vista do mundo do trabalho, por
assim dizer. Em suma, com a anátomo-política e com a biopolítica temos relações de socialização-
individuação que apontam para o nascimento do indivíduo inserido na massa, para o nascimento do
homem-massa e da população, que passaram a ser objetos das instituições públicas e do Estado.

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