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Sérgio Dela-Sávia
O desejo, inicialmente como necessidade animal, nos conduz a nós mesmos, ao nosso
próprio corpo (p. ex. ao nosso estômago: “tenho fome”). Nesse caso, o desejo é
fundamentalmente destruidor, negador: destruidor (do objeto desejado, de sua forma atual) e
construtor (de si mesmo, do sujeito como ser desejante). Ele nega o objeto desejado
(consumindo-o, p. ex.), ao mesmo tempo em que afirma o sujeito (homem ou animal, nesse
contexto) que deseja: o desejo é, portanto, afirmação de si (como em Espinosa).
O desejo torna-se humano no momento em que ele se orienta para outro desejo. Aqui,
o homem não é mais (apenas) animal. Desejando o desejo do outro eu desejo que o outro
reconheça em mim alguma coisa de desejável (um bem que possuo, um valor que encarno,
etc.). O desejo é, então, “desejo de reconhecimento”. “A consciência de si é certa de si-mesma
somente pela supressão deste Outro que se apresenta a ela como vida independente. Ela é
desejo. (...) Mas quando o objeto é em si mesmo a negação, e quando nisto ela é ao mesmo
tempo independente, então, ela é consciência. (...) A consciência de si alcança sua satisfação
somente em uma outra consciência de si” (Phénoménologie de l’Esprit, 1941, p. 152. Em
grifo no original).
Porém, ao pôr à prova seu desejo e tendo assim conseguido impor seu reconhecimento
ao outro, o sujeito termina por ser confrontado ao ponto antropológico limite desse embate: o
domínio (maîtrise) ele próprio. Hegel mostra que, no final das contas, o domínio do mestre é
um impasse. Ele não faz mais do que confirmar a fraqueza do mais fraco e testemunha o
abandono daquele que renunciou ao combate e aceitou uma servidão voluntária. A figura do
mestre é, com efeito, uma figura abstrata: a posição ideal na qual ele se instala, fazendo da sua
consciência e do seu saber (saber de mestre!) uma substância autônoma, onipotente e separada
do corpo que ela submete é uma ilusão (ilusão de saber e de domínio) que mascara a
constituição real do sujeito no jogo da dependência-independência. É a partir do
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As palavras de Hegel sintetizam a natureza do engajamento dos adversários: “É somente pelo risco da sua vida
que se conserva a liberdade, que se prova que a essência da consciência de si não é o ser, não é o modo imediato
no qual a consciência de si surge, não é seu submergir-se na expansão da vida”, ibid., Tome I, p. 159 (tradução
minha).
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