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Texto 1

A compreensão do fenômeno do envelhecimento a partir do


conceito Junguiano de metanoia (segunda metade da vida).

Dra. Irene Pereira Gaeta, Psicóloga Clínica.


Dra. Maria Angélica Schlickmann Pereira Hayar, Assistente Social
Esp. Leonardo Tondato de Mello

O estudo do envelhecimento é complexo e, paradoxalmente, próprio da


modernidade. A modernidade traz a tecnologia nas ciências biológicas,
nanotecnologia, neurociência, que acrescentam mais anos à vida. Para poder
compreender o processo de envelhecimento é necessária uma perspectiva
“caleidoscópica” e transdisciplinar.
O envelhecimento é um processo individual que independe da idade
cronológica e, por isso mesmo, pode se constituir na possibilidade da
realização de si mesmo, com o processo de individuação – metanoia. Na
segunda etapa da vida há maior dificuldade para lidar com o mundo interior
pois o indivíduo não sabe qual o real desejo da sua alma, porque não se
conhece. Quando se tem a serenidade de reconhecer o verdadeiro desejo da
sua alma, a vida é mais fácil. Para isso, é necessário o autoconhecimento, um
aprofundamento no seu eu, para reinventar a própria vida. É preciso
redirecionar as energias de sua alma, num resgate de si próprio, buscando o
autoconhecimento, perscrutando as profundezas do seu eu, reinventando a sua
vida.
O fenômeno do envelhecimento é uma das maiores conquistas da
modernidade, no entanto, traz imperiosos desafios para o indivíduo e para as
sociedades em todo mundo. Estudos mostram que os seres humanos vão viver
cada vez mais e não apenas o número de idosos tende a crescer, como
também o número dos muito idosos, denominados integrantes da quarta idade,
pessoas com mais de 85 anos. Estima-se que há aproximadamente 25 mil
pessoas com 100 anos ou mais no Brasil. Em 1991, os centenários brasileiros
somavam 13.865, ou seja, de 1991 até 2000 ocorreu um aumento de mais de
70%. Em 2050, em todo o mundo, segundo projeções, o número de pessoas
com 100 anos de idade ou mais aumentará quinze vezes, passando de 145 mil
para 2,2 milhões.
No Brasil o processo de envelhecimento acontece a passos largos e o
país, que antes era considerado “um país de jovens”, até 2025 terá sua
população composta por 15% de pessoas idosas. A população idosa brasileira
tem aumentado rapidamente e por diferentes motivos: maior acesso a serviços
de saúde e saneamento, avanços na área da saúde, como vacinas e
antibióticos que possibilitam a prevenção e até mesmo a cura de muitas
doenças, entre outros. Tudo isso levou a uma redução da mortalidade infantil e
a um aumento da expectativa de vida. Ou seja, o que levou centenas de anos
para acontecer nos países desenvolvidos ocorre aqui em poucas décadas.
A sociedade precisa buscar, com a mesma rapidez do fenômeno,
alternativas para suprir as demandas e as necessidades dessa população, que
se fazem presente tanto nas esferas sociais, políticas, quanto individualmente.
A cultura nos impulsiona a valorizar o jovem e tende a associar a
imagem da pessoa idosa à perdas, deficiências, falta de beleza. As novas
tecnologias na medicina, saúde pública e nanotecnologias fizeram florescer a
possibilidade do prolongamento da vida mas não foi ao mesmo tempo que a
sociedade absorveu essa transformação. É preciso criar uma “cultura do
envelhecimento” para que essas mudanças necessárias aconteçam e permitam
que as pessoas vivam e aceitem, o envelhecimento e a velhice, de forma
positiva e, para isso, é necessária uma mudança de status da imagem que a
sociedade faz da pessoa idosa.
As representações sociais que circulam no nosso meio social em relação
ao velho e a velhice são, a maioria, negativas. Essas representações
contribuem para a formação das personalidades e as relações interpessoais e
interculturais. A modernidade impõe à sociedade a desconstrução da imagem
negativa do velho e do envelhecimento, é preciso reescrever esse script porque
as pessoas idosas não serão as mesmas das de décadas passadas, o papel
social do idoso vem se alterando devido às transformações que aconteceram
no cerne das famílias e mudaram o estilo de viver e, viver sem uma atividade
útil e prazerosa é, segundo Simone de Beavoir, pior que a morte.
O que pode se ver, e as pesquisas já evidenciam, é que já são
associadas à imagem dos idosos a alegria, atividade física, bem estar, tempo
livre, entre outras. Essa mudança na forma de pensar e agir na sociedade é
muito importante porque, às pessoas que envelhecem, é preciso acrescentar,
além de mais anos, qualidade para sua vida, independentemente de gênero.
Já está comprovado que as mulheres vivem mais que os homens, em
média 6 a 8 anos. Esse tempo a mais pode fazer diferença para os demógrafos
ou para a elaboração de políticas públicas, mas cada indivíduo se diferencia
em seu processo de envelhecimento. O ciclo da vida segue etapas que não
são necessariamente cronológicas, datadas, o que conta mais é o tempo
vivido, aquele que fez sentido para cada um.
Envelhecer é um caminho longo, árduo, que requer dentre outros
requisitos, coragem e certa “ousadia” (para encarar os conteúdos que
emergem nesta nova etapa).
Na primeira metade da vida o indivíduo vai buscar as estruturas
necessárias para a construção concreta da sua vida, os meios necessários
para sustentar-se e à sua família, ou seja, criar um sistema externo para sua
sobrevivência. Quando isso se efetiva, resta ao indivíduo olhar para si próprio e
buscar uma ressignificação para vida. Não é tarefa fácil porque, esse olhar
para si próprio, pode trazer à tona questionamentos, frustrações e desejos
reprimidos.
Na primeira metade da vida, há uma orientação rumo à personalidade,
ao “lugar ao sol”, posições e certo “status” (pode-se pensar que é até requerido
e bem visto pela sociedade).
O ser humano está sempre em constante evolução e, segundo uma
metáfora, a primeira metade da vida corresponde ao sol nascente, que atinge
seu ápice ao meio-dia, podendo assim também ser pensada a primeira metade
do ciclo vital.
Jung afirma reiteradamente em sua obra que na segunda metade da
vida (conceito que não tem conotação rigidamente cronológica, mas sim
depende do processo de desenvolvimento individual) o ser humano é obrigado
a se confrontar com o fato de que o avançar da idade não pode ser tomado
como mero apêndice da juventude, e que o declínio físico não significa
afastamento de sua alma, mas exatamente o contrário: a possibilidade de
realização do Si mesmo, ou seja, ser quem se é, incluindo na personalidade
conteúdos até então inconscientes devido à unilateralidade do ego jovem. A
esta tarefa Jung dá o nome de processo de individuação.
Esse processo de individuação pode trazer a possibilidade de um
encontro com a criatividade, com a espiritualização. O corpo físico pode perder
suas formas joviais e, ao extenuar suas forças, vai potencializar o encontro
com a finitude, ainda desconhecida, não aceita.
Na segunda metade da vida, há uma reorientação do foco, em que o ser
ganha destaque, a personalidade inconsciente começa a constelar, para que
haja integração de conteúdos inconscientes. Há um chamado para que o
indivíduo retome a sua própria história, reveja o que foi realizado na primeira
metade da vida, integre conteúdos, é um período de transformação e mudança
intensos.
Para este período, foi dado o nome de metanoia, que significa
transformação da identidade, a partir da experiência vivenciada pelo indivíduo.
Cabe lembrar que não são todas pessoas que realizam a metanoia e que,
chegar à meia idade, não é uma garantia de que ela seja realizada, já que,
para entrar em contato com os conteúdos internos, olhar para si, debruçar-se
sobre o fenômeno da existência pessoal, envolve coragem, uma vez que este
processo não é vivenciado como algo prazeroso ou simplório, mas sim um
momento de dúvidas, crises, em que os fantasmas internos persistem em
assombrar o indivíduo numa espécie de chamado para que realize a
integração, que olhe para si, se transforme e possa ter a sua consciência
ampliada, após passar pela “estrada”.
Na metanoia acontece o chamado self e, para explicar o que é self, cabe
a explicar, primeiro, o que é arquétipo. Arquétipo é uma forma sem conteúdo,
um arcabouço das experiências vividas, independentemente de cultura ou
período histórico, sobre determinado tema/vivência, por exemplo: mãe, pai,
amor, dentre outros. Pode-se concluir que são infinitas as possibilidades
arquetípicas, já que as vivências humanas também as são. O arquétipo possui
uma parte pessoal e outra coletiva. A parte pessoal diz respeito a como o
indivíduo lida com tal temática, como, por exemplo: a mãe. A temática coletiva
diz respeito às experiências que a humanidade teve com tal tema (novamente
a mãe como exemplo) ao longo dos tempos. Não é o indivíduo que possui
arquétipo, mas sim o raciocínio contrário, uma vez que o inconsciente se
mostra muito maior que a consciência, e os arquétipos simplesmente irrompem
a consciência, fazendo com que o indivíduo haja de acordo com tal maneira
arquetípica, sendo tomado ou “possuído” sem dar-se conta do que está, de
fato, ocorrendo.
Agora, voltando para a explicação a respeito de self, pode-se dizer que
ele é o arquétipo da totalidade psíquica, que une a psique, por meio de
símbolos, sonhos, mitologia, arte e cultura. É o self o centro regulador e
energizador da psique, podendo ser chamado de si mesmo. Ele é a fonte das
tendências do indivíduo, centro da personalidade e fonte da criatividade no
indivíduo.
O self simplesmente transcende e perpassa a cultura e as diferenças
culturais e, na segunda metade da vida, há possibilidade do retorno ao self,
uma vez que o chamado deste período é o interno, mundo das vivencias, tendo
como resultado expansão da consciência, não esquecendo que há sempre
desenvolvimento.
A palavra desenvolvimento, já comprometida, leva ao pensamento de
linearidade, um processo em que se deve atingir determinada etapa, passando
por outras anteriores com rumo, sempre reto, ou então “em frente”. Aqui, não
há linearidade, mas sim superação do individualismo e egocentrismo, assumir
as potencialidades e integrar os defeitos, poder olhar para outras
potencialidades anteriormente não descobertas, isto faz parte do desenvolver-
se.
A metanoia é um momento profundo, podendo durar muito tempo, não
possuindo cronologia marcada: não é o reinado de Cronos, mas quem é o rei,
imperador e mandante é Kairós, simbolizado como o momento interno, tempo
das vivências, ou então, em seu sentido literal, momento oportuno.
A vivência de self, sua experimentação possui maior tendência na
velhice, pois tal fase possibilita, com maior facilidade, a concretude da
transformação de sentimentos, novos rumos podem aí ser tomados, mudando
o significado. É no momento Kairós que pode ser vivenciado. Dizia um antigo
conto grego que um herói possuía uma biga, com dois cavalos de nomes
Cronos e Kairós, enquanto Cronos era o cavalo que dava movimento à biga,
Kairós era quem a fazia recuar para que o herói atacasse no momento certo.
Quem sabe o “momento certo” para que haja a metanoia é self, que a anuncia
através de sonhos ou símbolos que são, também, os melhores caminhos para
o inconsciente e a vivência do arquétipo de self.
Envelhecer aqui pode significar sinônimo de integração, ampliação,
reconstrução, análise e transformação.
A Psicogerontologia Junguiana pode proporcionar aos estudiosos das
diversas áreas do saber, conhecimentos atualizados em Gerontologia e a
possibilidade de desenvolver a capacidade de análise do indivíduo em
processo de envelhecimento, esclarecendo a relação entre as instâncias
psíquicas e a vivência do sujeito quanto ao próprio processo de
envelhecimento.
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Acho que precisa de bibliografia do Jung

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