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Capítulo XII

O ensino experimental
O Ensino experimental –Capítulo 12 2

Sugestões de atividades

Resolva um dos problemas abaixo.

a. É sabido que a temperatura na qual a água entra em ebulição é uma função da altitude.
Utilize este fato para determinar a altitude, em relação ao nível do mar, da sua cidade.
b. Como a luminosidade afeta o crescimento de uma planta?

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O Ensino experimental –Capítulo 12 3

Introdução
A atividade experimental é, sem dúvida, quase sinônimo de Ciência. No entanto, no ambiente da
escola, esta é uma das atividades que menos é exercida e, quando o é, o é de forma inadequada e
pouco produtiva.

Neste capítulo abordaremos duas formas de ensino experimental: o ensino de laboratório e as


Feiras de Ciências. O que nos guiará neste estudo é o pedagógico por trás destas atividades. Há
livros muito bons no mercado, apresentando roteiros experimentais e as técnicas de trabalho em
laboratório. No entanto, há muito pouca discussão sobre a adequação pedagógica desses fazeres.

O laboratório no ensino de Ciências


Antes de começarmos a estudar o laboratório no ensino de Ciências, algumas considerações sobre
o que é fazer Ciência devem ser colocadas de modo a que o futuro Professor tenha consciência de
como o processo científico se desenrola e do papel da atividade experimental dentro desse
processo. Para tanto, tomaremos a Física como um exemplo, por ser a área de especialidade do
autor, mas as considerações são de caráter bastante geral, podendo ser aplicadas a todas as
Ciências que compartilhem o caráter hipotético - dedutivo das modernas teorias físicas.

Uma definição precisa do que é a Física é difícil. Grosso modo, poder-se-ia dizer que a Física
estuda as interações entre a matéria e as diversas formas de energia. Mas se é difícil caracterizar
exatamente o que é a Física, definir sua metodologia é algo bem mais fácil. Você certamente já
ouviu dizer que a Física é uma ciência exata e, com certeza, também já ouviu falar que ela
também é uma ciência experimental. Mas o que, de fato, significam estas expressões?

O objeto de estudo de um físico são eventos que ocorrem na natureza e que são percebidos pelos
sentidos. Assim, uma pedra cai, o Sol brilha, uma chama queima um papel, etc., e estes eventos
sensibilizam nossos órgãos dos sentidos e podemos nos preocupar em responder a questões do
tipo: como podemos descrever o movimento de uma pedra que cai? Como posso descrever os
processos que ocorrem no interior do Sol e que o faz emitir determinado tipo de luz? Como
podemos descrever os efeitos da troca de energia entre o material que queima (o papel) e o meio
ambiente?

Quando fazemos tais perguntas, em realidade, não estamos mais lidando com o fenômeno em si,
mas sim com uma representação mental do mesmo, representação esta feita através de conceitos.
Um conceito pode ser definido como uma representação simbólica de regularidades observadas a
nossa volta. Por exemplo, após observarmos inúmeros objetos usados pelas pessoas para
sentarem chegamos ao conceito de cadeira. Nesta representação simbólica resumimos todas as
propriedades comuns aos objetos observados usados pelas pessoas para sentarem. Depois de um
certo nível, o conceito cadeira pode ser pensado sem que tenhamos necessidade de visualizar uma
cadeira. Podemos até projetar um novo tipo de cadeira, que nunca tenha existido, mas que
sabemos ser uma cadeira porque exigimos que ela tenha certas propriedades comuns a todas as
cadeiras.

Com a Física ocorre algo muito semelhante. Ao olharmos uma série de eventos começamos a
observar certas regularidades na seqüência pela qual os fatos ocorrem. Se um objeto é solto perto
da superfície da Terra ele sempre dirige-se para o solo. Você nunca observou um objeto
abandonado a sua própria sorte dirigir-se para o céu. Ou já? Pois bem, uma vez observadas estas
regularidades podemos nos perguntar se poderíamos prever novos eventos a partir daqueles
observados. No nosso exemplo, poderíamos, após soltar alguns objetos, prever o seguinte: todo
objeto solto perto da superfície da Terra se movimentará em direção ao solo1. Ao fazermos isto não

1 Usamos a palavra direção aqui no seu sentido coloquial.


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estamos mais trabalhando com eventos mas estamos generalizando sobre conceitos: objeto, solo,
movimento, Terra, superfície, etc., e criando um modelo de como os objetos se movimentam se
abandonados. A partir deste modelo podemos então fazer previsões relativas ao comportamento de
objetos particulares (sugestão: interrompa agora a leitura e solte algum objeto e verifique se o
nosso modelo de comportamento dos objetos está correto). Veja que o nosso modelo, entendido
como uma construção lógica sobre conceitos, não é nem certo nem errado. Ele é um modelo. Se
este modelo descreve a realidade2 do mundo em que vivemos é outra história. Somente a
comparação experimental das conseqüências impostas pelo modelo nos dirá se ele descreve
adequadamente o mundo em que vivemos.

Toda Teoria tem esta característica. A teoria sempre é um modelo de como o mundo é e, sendo
um modelo, a teoria não é nem certa nem errada. Assim, a teoria de Newton não é nem certa nem
errada frente à Teoria da Relatividade Einstein. Tampouco é uma redução desta última. São dois
modelos assentados em idéias diferentes. Só que o modelo de Einstein descreve o mundo em que
vivemos de forma mais acurada. Mas o que permite fazer estas afirmações?

Como dito anteriormente um modelo não pode ser falseado a não ser que se descubra
inconsistências de caráter lógico na sua construção. O que se pode dizer apenas é que
determinado modelo não prevê conseqüências de acordo com o observado no mundo físico3. O que
isto quer dizer? Os modelos em Ciência devem ter caráter preditivo, ou seja, a partir das
asserções que definem o modelo devemos ser capazes de prever a ocorrência de novos fatos. Se
estes fatos se verificam, então as hipóteses do modelo (ou teoria física) são corretas, caso
contrário, falsas. Chegamos assim à explicação do caráter experimental intrínseco da Ciência. A
experimentação é a confrontação (no sentido de comparação) de previsões feitas a partir de
teorias e o mundo. Assim, a teoria de Einstein está em melhor concordância com os fatos
observados que a teoria de Newton e por isto hoje ela é mais aceita. Mas no futuro, quem sabe?

O laboratório de ensino
Tudo que foi dito acima é válido no âmbito da pesquisa científica, digamos, profissional. Em um
laboratório de ensino, porém, estamos interessados não só em comprovar ou negar os resultados
previstos pelas teorias mas também em desenvolver em um aluno certas habilidades e certas
atitudes que serão úteis tanto na futura vida profissional como nas atividades cotidianas em
geral. Os objetivos de um laboratório podem ser divididos em dois grandes grupos: objetivos
cognitivos e objetivos formacionais.

Objetivos cognitivos
Pertencem a este grupo de objetivos aqueles que dizem respeito à aquisição de
conhecimentos ou conceitos. Neste grupo de objetivos se encontram aqueles objetivos que
normalmente são associados ao ensino de laboratório, tais como: a aquisição de
conhecimento fatual, verificação de leis físicas, o descobrimento de leis e princípios e o
desenvolvimento de teorias.

Além desses, podemos colocar ainda dentro dos objetivos cognitivos o desenvolvimento das
estruturas cognitivas elas mesmas: generalização, raciocínio hipotético - dedutivo,
reversibilidade, conservações, etc.

2 Da mesma forma aqui a palavra realidade é usada no seu sentido coloquial. Assumimos a
existência de uma realidade externa ao sujeito e independente dele, porém sem cair na postura
empirista de que a realidade apreendida pelo sujeito seja algo independente deste. Ver o Capítulo
1 para uma discussão mais completa a respeito.
3 Esta questão da observação é complicada porque, muitas vezes, é o próprio modelo que estabelece

o que deve ser observado ou não.


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Objetivos formacionais
São aqueles que dizem respeito a hábitos e atitudes que queremos desenvolver nos alunos.
Estes objetivos são de mais longo prazo e a sua avaliação mais difícil. São exemplos
dessas habilidades e atitudes: observação e precisão na tomada de medidas, construção e
interpretação de gráficos, compreensão da estrutura de um experimento e do processo
científico em geral, iniciativa pessoal, trabalho em grupo, pontualidade, concentração,
habilidade de relatar, atitudes frente ao laboratório e a Ciência, etc.

De modo a que o ensino de laboratório seja eficaz, independentemente do tipo de objetivo que se
queira atingir, é necessário que alguns procedimentos sejam seguidos pelo Professor ao projetar
um curso de laboratório (Reif, 1979):

1. Não deve ser dada ênfase demasiada a procedimentos matemáticos. É mais útil
estabelecer relações de caráter qualitativo e semiquantitativo.

2. A informação relevante deve ser hierarquicamente organizada em vários níveis de


descrição.

3. A informação em qualquer nível deve ser orientada por objetivos.

4. O novo material instrucional deve englobar o material precedente.

5. O processo de desenvolvimento de habilidades é lento e deve ser exercitado ao longo


do curso.

6. Os estudantes devem receber um retorno contínuo ao longo do curso de modo a


sanarem as suas deficiências.

7. A estrutura do curso deve ser flexível o suficiente de modo a atender às necessidades


específicas dos alunos.

8. O curso deve apresentar situações onde os estudantes trabalhem de forma


independente e exercitem as habilidades aprendidas.

Além do que foi dito acima, convém lembrar ao futuro Professor que primeiro se definem os
objetivos e, a partir dos objetivos, os experimentos que deverão ser executados para se atingir
àqueles objetivos e depois se verifica que equipamentos estão disponíveis. Embora na situação
concreta da escola isto seja uma idealização, ela deve ser buscada.

A análise de um experimento de laboratório


De modo a podermos analisar um experimento de laboratório, procederemos a uma análise de que
elementos compõem um experimento de laboratório. Esta análise é calcada nos elementos do V
Epistemológico de Gowin (veja o Apêndice A).

Todo experimento de laboratório tem por base algum evento que acontece no mundo. O que se
define por um evento não é independente do observador: um acontecimento externo somente
adquire status de evento quando interage de forma significativa (no sentido ausubeliano) com a
estrutura cognitiva do sujeito. Assim, mesmo na situação de sala de aula o que é entendido como
um evento pelo Professor nem sempre é visto da mesma forma pelos alunos. É necessário que o
Professor tenha certeza de que um evento é significativo para os alunos antes de mais nada.

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Sobre os eventos poderemos fazer uma ou mais questões básicas. Uma questão básica não é
qualquer questão produzida sobre um evento, mas é feita de tal modo que nos indica a forma de
obter a sua resposta. Por exemplo, suponha o evento de uma pedra caindo. Uma pergunta sobre
esse evento poderia ser:

Por que a pedra cai em direção ao chão?

Esta não é uma questão básica porque não temos indicação alguma de como respondê-la. Por
outro lado, uma questão do tipo:

Qual o tempo que a pedra leva para cair?

É uma questão básica porque ela nos indica o que fazer para respondê-la: pega-se um relógio e
mede-se o tempo que a pedra levará para atingir o solo.

Todo experimento só tem sentido quando o sujeito experimentador possui na sua estrutura
cognitiva um conjunto de conceitos que seja capaz de por ordem ao caos que são as informações
provenientes do mundo exterior. Como já dissemos antes, o que é óbvio e visível para o Professor
pode não o ser para os alunos. Portanto, antes de qualquer outra coisa, o Professor deve verificar
quais são os conceitos chave daquele experimento. Por exemplo, imagine um experimento com
uma mola onde o Professor deseja que os alunos determinem a Lei de Hooke. Nesta determinação
se faz necessário que os alunos dominem os conceitos de força, alongamento, proporcionalidade,
equilíbrio, posição e outros mais. Sem esses conceitos chave o aluno dificilmente conseguirá obter
a relação:

F=-kx ,
onde F é a força restauradora, k uma constante que depende do material do qual a mola é feita e
x é o quanto a mola se afasta da posição de equilíbrio. O processo de generalização, ou seja, a
aplicação dos resultados a situações novas somente acontecerá se esses conceitos estiverem
presentes na estrutura cognitiva dos sujeitos além, é claro, das estruturas formais necessárias.

A Ciência possui um método todo seu, característico. Quando se fala de um experimento uma
pergunta que deve ser feita é: qual o método (procedimento) que é utilizado? O processo
experimental envolve uma série de procedimentos. Primeiro são feitas medidas ou registros dos
eventos que acontecem ou são provocados pelo experimentador. São exemplos a tomada de uma
posição, de um tempo, de uma elongação, de uma massa. A partir desses registros ocorrem
transformações dessas medidas: médias e desvios padrão são calculados, gráficos são feitos,
tabelas são organizadas. Por fim, os produtos da etapa anterior são analisados e interpretados em
busca de uma asserção de conhecimento ou de uma asserção de valor. As primeiras são as
afirmações respostas à (s) questão (ões) básica (s) enquanto que as segundas são afirmações de
caráter ético - moral que justificam o conhecimento obtido.

A estrutura dos cursos e atividades de laboratório


Há duas maneiras extremas (com um contínuo entre elas) de programar-se um curso de
laboratório: o chamado Laboratório Estruturado e o Laboratório Não Estruturado. Muitas vezes
o primeiro é chamado de acadêmico, tradicional, convergente ou tipo receita enquanto que o
segundo, o Laboratório Não Estruturado, é chamado de experimental, aberto, divergente, por
descoberta.

O Laboratório Estruturado é caracterizado pela existência de um alto grau de orientação por


parte do Professor da disciplina e tem por objetivo principal a verificação de leis e teorias. Neste
tipo de laboratório o aluno recebe instruções que o guiam através de um procedimento específico

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O Ensino experimental –Capítulo 12 7

destinado a produzir certos resultados. As etapas de um curso de Laboratório Estruturado são


(Romey, 1968):

1. Propor um problema.

2. Sugerir um procedimento para a coleta de dados.

3. Dar ao aluno o tempo necessário para coletar os dados da maneira sugerida.

4. Requerer do aluno que organize seus dados em tabelas e gráficos.

5. Solicitar ao aluno que responda uma série de questões sobre seus dados.

6. Solicitar ao aluno que generalize a partir de seus dados e que se prepare para
defender as suas generalizações perante a classe.

O Laboratório Não Estruturado, por sua vez, se propõe a ser uma atividade onde o aluno exercita
a sua capacidade de descoberta. Aqui cabe um comentário: Laboratório Não Estruturado não
significa um laboratório desorganizado onde os alunos fazem o que bem entendem. Há um certo
grau de orientação por parte do Professor pois, como veremos mais adiante, ele é quem indica o
problema e fornece os meios (equipamentos e materiais de consumo) que serão utilizados pelos
alunos na solução do problema. Também é no espaço da sala de aula, sob a supervisão do
Professor, que se realiza a atividade que levará à descoberta. No Laboratório Não Estruturado o
Professor deixa a cargo do aluno escolher o procedimento adequado, a organização dos dados e a
generalização dos resultados obtidos. Segundo Romey (1968), são características necessárias a um
Laboratório Não Estruturado:

1. A formulação adequada do problema.

2. A classe deve estar preparada para trabalhar dessa maneira.

3. Saber-se como conduzir a classe através do uso apropriado de sugestões e perguntas.

A respeito do Laboratório Não Estruturado é sugerido que:

1. O problema seja anunciado com antecedência aos alunos.

2. Diga-se aos estudantes que equipamentos estarão disponíveis para o experimento.

3. Solicite-se aos estudantes que venham para a aula com alguma proposta de
procedimento a ser sugerida.

4. Pergunte-se aos estudantes no início da aula de laboratório o propósito dos vários


procedimentos.

5. A opção por um ou mais dos procedimentos descritos no item anterior se dá através da


discussão em classe. O Professor pode fazer algum comentário durante a aula, mas
não deve impor qualquer procedimento à classe.

6. Permite-se aos alunos prosseguir com a experimentação.

7. Faz-se uma discussão com a classe dos resultados obtidos ao final do experimento.

Além dessas características, segundo Robinson (1979), seria desejável para que se tenha um
Laboratório Não Estruturado eficaz que:

1. As aulas de laboratório fossem separadas das aulas expositivas.


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2. O Professor se desse conta de que este tipo de aula exige mais tempo que a aula
tradicional, além de esforço e experiência.

3. O Professor desse tipo de laboratório seja alguém com experiência em pesquisa


experimental e educação.

4. O suporte de recursos financeiros seja suficiente para a continuidade do trabalho.

5. O número de instrutores por grupo de alunos não seja superior a 1 instrutor para 10
alunos.

Estas seriam as duas formas “puras” de programar-se um curso de laboratório. É claro que entre
elas existem formas mistas onde um ou mais elementos característicos de uma forma ou outra
estariam presentes. Isto é mostrado esquematicamente na Figura 1.

Laboratório Laboratório não


Estruturado Estruturado

Figura 1 Esquema da relação entre o laboratório estruturado e o laboratório não estruturado.

Ao longo dos anos, vários estudos foram realizados para tentar-se descobrir qual das duas formas
de laboratório seria mais eficaz na aprendizagem de Ciências. Alguns resultados podem ser
sumariados da seguinte forma:

1. No que diz respeito à aprendizagem conceitual ambas as formas de laboratório


apresentam resultados equivalentes (Moreira e Gonçalves, 1980; Gonçalves e Moreira,
1980; Gonçalves, 1979);

2. No que diz respeito à aprendizagem de como a Ciência trabalha, ou seja, a


compreensão de como os processos de investigação científica ocorrem, o Laboratório
Estruturado se mostrou mais efetivo (Spears e Zollman, 1977);

3. O nível cognitivo dos estudantes é determinante no processo de aprendizagem no


laboratório. O processo de levantamento de hipóteses, como exigido pelo Laboratório
Não Estruturado é característico do pensamento hipotético – dedutivo, que somente
será encontrado no período formal (Tagliaferri, 1985).

Em particular, o último item diz respeito a um trabalho bastante interessante de Tagliaferri et al.
(1985) que aponta para uma variável que comumente não é levada em conta quando se fala do
ensino de laboratório. A atividade experimental exige o contínuo levantamento de hipóteses e a
sua verificação, bem como a manipulação quantitativa de variáveis. Estas atividades são
características do pensamento formal o qual, no mais das vezes, ainda não está plenamente
desenvolvido nos alunos dos cursos de segundo grau e mesmo nos primeiros anos dos cursos de
nível superior. Portanto, a aprendizagem por descoberta pode não ser viável nestes níveis pois
exige em maior grau essas habilidades características do formal:

Isto nos sugere que apesar do material preparado para ajudar o aluno, o nível
cognitivo influencia...a forma de trabalhar no laboratório... um aluno no nível das
operações formais se coloca de pronto frente a resultados possíveis, separa
variáveis, coloca hipóteses e as põe a prova. Por outro lado, um aluno que ainda se
encontra no nível das operações concretas se limita a fazer uma leitura dos casos
que se apresentam sem poder, muitas vezes, generalizar corretamente. (Tagliaferri,
1985)

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O Ensino experimental –Capítulo 12 9

O ensino de laboratório: o roteiro experimental


Dependendo do tipo de laboratório que nos propusermos a desenvolver (estruturado versus não
estruturado) o tipo de roteiro a ser fornecido para os alunos variará do mais detalhado
(laboratório completamente estruturado) ao mais aberto (Laboratório Não Estruturado). Os
elementos de um roteiro experimental devem contemplar aquelas informações necessárias a
consecução dos objetivos propostos. Basicamente, um roteiro experimental deve conter os
seguintes elementos:

1. Introdução: onde o problema que vai ser solucionado é proposto com clareza para o
aluno. Deve-se situar aquele experimento no contexto do curso e relacioná-lo com os
conteúdos precedentes, se isto for possível.

2. Fundamentação Teórica: nesta parte deve-se discorrer sobre aqueles conceitos


chave ao entendimento daquele experimento de modo que o aluno possa compreender
o que fará. Convém observar aqui que esta parte não existe para uma demonstração
de sapiência por parte do Professor. Devemos nos limitar àqueles conceitos e leis
pertinentes ao que vai ser o objeto daquele experimento em particular.

3. Materiais e Montagem: aqui uma descrição dos materiais que serão utilizados
naquele experimento deve ser fornecida e a maneira como os equipamentos devem ser
conectados e montados é descrita. Um desenho normalmente é conveniente.

4. Procedimento: nesta seção a maneira como os alunos devem agir de modo a obter os
resultados desejados.

As etapas 3 e 4, em roteiros de Laboratório Não Estruturado, ficam a cargo dos alunos,


obviamente.

Instrumentos de avaliação do ensino de laboratório


Antes de falarmos nos instrumentos de avaliação convém lembrar o que dissemos antes a respeito
da relação entre os processos de planejamento e de avaliação: o planejamento é o começo da
avaliação, ao mesmo tempo que a avaliação é a etapa final do planejamento. Avaliar é procurar a
resposta da pergunta: os objetivos a que me propus foram atingidos?

O Relatório
O relatório nada mais é do que uma dissertação sobre o que foi feito na aula de laboratório e
constitui uma forma de treinamento na atividade de dissertação e que exige por parte do aluno o
uso de todas as suas faculdades de coordenação, linguagem, memória, objetividade, clareza e
precisão na comunicação de algum tipo de informação. Além disso, é no momento da elaboração
do relatório que ocorrem uma série de processos de acomodação na mente do sujeito, pois é nesse
momento que ele organiza o seu pensamento na forma de uma totalidade coerente. É altamente
recomendável que esta atividade seja exercida em cooperação com o Professor de Língua
Portuguesa de modo a que uma atividade em Ciências reforce a atividade específica de Língua
Portuguesa e vice-versa.

Cada pessoa possui um estilo próprio de escrever e, por isso, não há uma forma única de
elaboração de relatórios. Mas, a despeito da forma, algumas características são comuns a todos os
bons relatórios e devem ser estimuladas pelo Professor de Ciências. São elas:

1. Todo bom relatório estabelece com clareza qual o evento que foi estudado e que tipo de
pergunta se procura responder sobre o evento.

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O Ensino experimental –Capítulo 12 10

2. Os bons relatórios deixam claro para quem os lê quais foram os equipamentos


utilizados, qual foi a montagem dos mesmos (isto pode ser feito esquematicamente) e o
modo pelo qual estes equipamentos foram utilizados (o procedimento experimental).

3. Faz parte de um bom relatório uma seção de fundamentação teórica onde as relações
entre as variáveis a serem estudadas são estabelecidas e analisadas.

4. Um bom relatório ainda explicita claramente qual (ou quais) foi (foram) os resultados
obtidos (conclusões ou resposta à questão formulada no item 1) bem como as possíveis
fontes de erro que não puderam ser eliminadas. Pode trazer ainda sugestões para
futuros experimentos.

5. Os bons relatórios possuem uma boa apresentação gráfica, seus dados estão
apresentados em tabelas convenientes e de fácil leitura. Os gráficos são feitos de
forma adequada. Tanto gráficos como tabelas podem vir no corpo do relatório ou como
apêndices.

Já que não existe uma regra de ouro4 para a confecção de relatórios daremos a seguir algumas
sugestões de como elaborá-los.

1. Estrutura

Divida o relatório em 5 partes: Introdução, Fundamentação Teórica, Materiais e Procedimentos,


Conclusões e Apêndices. (Obs.: não é necessário que em todos os relatórios todas estas partes
estejam presentes. Use o seu bom senso!)

A Introdução deve estabelecer sem dúvidas (para você e para quem vai ler) qual o evento que foi
estudado e qual foi a questão sobre este evento que se pretendeu responder. Por exemplo: todo
corpo solto perto da superfície da Terra se movimenta em direção a ela. Este é o evento estudado.
Sobre ele podemos elaborar uma série de perguntas como, por exemplo: qual é a relação
matemática entre a posição relativa à superfície e o tempo transcorrido desde o início do
movimento? Esta seria o que chamaremos de questão básica5 do nosso experimento. Veja que
sobre um evento são possíveis várias questões. (Tente imaginar outra questão sobre este evento.)

A Fundamentação Teórica diz respeito àqueles conhecimentos sem os quais o experimento não
poderia ser concebido. Veja bem, uma massa de dados só começa a ter sentido se os dados forem
manipulados de uma forma preestabelecida na mente do experimentador.

Sem os conceitos que permitem esta manipulação, os dados obtidos não levarão o experimentador
à conclusão alguma e o experimento terá sido inútil. Entretanto, não se deve confundir
Fundamentação Teórica com as Conclusões. A Fundamentação Teórica diz respeito aos
conhecimentos específicos necessários à compreensão do que vai ser feito e que justificam o
aparato experimental montado e os procedimentos adotados. Não são, em hipótese alguma, uma
antecipação do que vai ser obtido a partir do experimento.

Na seção Materiais e Procedimentos o aluno deverá descrever sucinta, mas completamente, que
materiais utilizou (citando marca, modelo, ano de fabricação se possível), a forma como os
equipamentos foram montados (isto pode ser feito por figuras) e o procedimento utilizado no
experimento: o que foi medido e como, quantas medições forma feitas, fatores externos que
influíram no seu experimento, etc.

4 Uma brincadeira que faço com meus alunos é a seguinte: se um marciano descer no meio do pátio
da escola e pegar um relatório ele deve poder compreender o que foi feito, por que foi feito, como foi
feito e a que conclusões chegamos em um experimento.
5 Veja o Apêndice: O V epistemológico de Gowin.
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As Conclusões são a alma do relatório. Nessa parte, o aluno deve fornecer a resposta da questão
básica formulada na Introdução, a qual deve ser apresentada a partir dos dados obtidos durante o
experimento. Aqui cabe uma ressalva: não existe experimento de laboratório que dê resultados
errados. Não discuta com os dados. Discuta com o seu procedimento experimental. As conclusões
não podem apontar em direção diferente daquela indicada pelos dados que foram obtidos.
Camuflar experimentos mal feitos é uma desonestidade que você, como Professor, não pode
permitir. Fazem parte das conclusões também as possíveis fontes de erros do experimento.
Algumas vezes é a parte mais importante do relatório.

Os Apêndices (opcionais) contêm tabelas, gráficos, demonstrações matemáticas mais elaboradas,


etc. Tudo que não for indispensável à leitura do relatório pode ser colocado ali. Novamente use de
seu bom senso para discernir o que deve vir como apêndice do restante.

2. Apresentação

Os relatórios devem vir datilografados e com um Português cuidado. Aqui cabe ressaltar que o
Professor de Ciências é tão responsável pelo ensino da língua quanto o Professor da disciplina
específica. O aluno deve ser acostumado a realizar um trabalho de qualidade desde o início.

Preferencialmente, os relatórios devem ser feitos no mesmo dia do experimento, enquanto este
ainda se encontra presente na memória. Programe experimentos de curta duração de modo a
reservar tempo para a atividade de confecção de relatórios ainda em sala de aula. Pelo menos um
esboço do relatório deve ser feito em sala, contendo as linhas gerais do que será o relatório.

O Caderno de Laboratório
Todo experimentador que está trabalhando sobre algum assunto é obrigado a fazer um sem
número de vezes o mesmo experimento. Estes experimentos, por sua vez, são realizados não
exatamente da mesma maneira devido às correções que vão sendo feitas por quem os executa,
visando a obtenção de melhores resultados6. Se esta pessoa não possuir um registro fiel de tudo
que foi feito ela não saberá ao final o que fazer com uma massa de dados informe. Imagine uma
cozinheira que não guarde suas receitas em um livro organizado. Como poderá ela saber o que
fazer por ocasião de um grande jantar? Quase sempre ocorrera um certo grau de perda de
informação e mesmo de confusão. São poucas as pessoas que conseguem guardar todos os
detalhes na memória por longos períodos de tempo.

Este registro fiel e bem ordenado de dados é algo que só se aprende com o tempo e com muito
exercício. Por este motivo deve-se exigir dos alunos um Caderno de Laboratório de modo que
exista um registro dos experimentos executados. Este caderno deverá ter as seguintes
especificações:

1. Deve ser de capa dura. Lembre-se de que às vezes o aluno será obrigado a tomar
anotações em pé ou sobre os joelhos. A capa dura permite que elas sejam feitas de
modo mais confortável. Além disso, dá um aspecto mais agradável às folhas internas
por não permitir o seu amassamento ou dobra.

2. Todas as folhas devem ser numeradas. Isto permite que o aluno saiba se alguma folha
foi perdida.

3. O caderno deve trazer os dados de identificação de seu dono. Caso ele seja perdido...

6Melhores resultados deve ser entendido como resultados onde o erro experimental foi reduzido e
não como resultados mais próximos do que o livro texto diz ser o valor correto de uma dada
medida.
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O Ensino experimental –Capítulo 12 12

4. Todas as anotações deverão ser feitas a caneta. Isto evita que ocorram apagamentos
acidentais.

5. Nenhuma anotação feita deve ser apagada. Se a anotação se mostrar errada ou


irrelevante o aluno deve fazer um asterisco, ou outra marca qualquer, e ao pé da
página deve escrever concisamente a razão pela qual ela vai ser desconsiderada.

6. O aluno deve anotar para cada experimento:

• Data e local em que foi realizado.


• Material utilizado (inclusive com a marca, modelo e número de série ou
registro, se possível).
• Procedimento experimental seguido.
• Dados obtidos.
• Conclusões.

7. Durante a aula de laboratório somente deverá ser permitido ao aluno escrever no


caderno de laboratório.

8. Todas as anotações deverão ser claras e precisas incluindo: unidades, algarismos


significativos, identificação de símbolos, etc.

Estes itens deverão ser analisados pelo Professor durante as avaliações quando estes cadernos
deverão ser recolhidos e analisados.

Deve-se chamar ainda a atenção para o aspecto didático do uso do Caderno de Laboratório. Este é
um instrumento de educação e desenvolvimento da habilidade de organização no aluno, pois o
mesmo é obrigado a se organizar para manter o seu caderno em dia. Pense no caderno de
laboratório como uma fôrma moldando esta habilidade no aluno.

A Ficha de Observação
Como vimos anteriormente um dos dois grupos de objetivos de um curso de laboratório em
Ciências é o grupo de objetivos formacionais. Neste grupo de objetivos está o desenvolvimento de
habilidades e atitudes que serão importantes em termos da formação que a escola pode oferecer.
No entanto, a avaliação deste tipo de objetivo é difícil e normalmente o Professor de Ciências não
se preocupa em analisar mais criticamente até que ponto estes objetivos estão sendo atingidos.
Observe-se que o Caderno de Laboratório já é uma ferramenta de avaliação deste grupo de
objetivos.

Apresentaremos a seguir duas fichas de avaliação de modo a auxiliar o Professor na tarefa de


executar esse tipo de avaliação. A primeira dessas fichas (Figura 2) é para ser usada pelo
Professor em sala de aula de modo a avaliar as atitudes dos alunos durante o experimento. A
outra ficha (Figura 3) é para ser usada pelo Professor após o curso de modo a avaliar o curso de
laboratório e é respondida pelos alunos.

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O Ensino experimental –Capítulo 12 13

Ficha de observação da atividade individual durante as aulas de laboratório


Atividades
Grupo Item avaliado 1 2 3 4 5 6
Pontualidade
Atitude frente Ânimo no trabalho
ao trabalho de Vontade de ir embora
laboratório
Gosto pelo trabalho

Atitude científica Espírito crítico


Curiosidade
Iniciativa

Manuseio de aparelhos
Habilidade prática Produção dos eventos
Realização das medidas
Montagens e atividades

Habilidade Intelectual Percepção dos eventos


básicos e secundários
Registro de observações
Criatividade

Gabarito
1. AC: apresentou completamente o comportamento. (100 pontos)
2. AP: apresentou parcialmente o comportamento. (50 pontos)
3. NA: não apresentou o comportamento. (0 pontos)
4. NO: não foi possível observar o comportamento.

Somar e fazer a média entre os comportamentos pontuados.


Figura 2 - Ficha de Avaliação de objetivos comportamentais.

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O Ensino experimental –Capítulo 12 14

Ficha de avaliação de um curso de laboratório7

Instruções

As afirmações abaixo expressam opiniões sobre os trabalhos de laboratório. Leia atentamente


cada afirmação e então indique se concorda ou não com ela e o grau de sua concordância ou
discordância (1 significa discordo fortemente, 3 indeciso, 5 concordo fortemente e os demais
valores são intermediários conforme a escala).

1 2 3 4 5
1. Eu acho interessante os experimentos realizados em laboratório.
2. Realizar as atividades de laboratório é uma perda de tempo.
3. De maneira geral, eu gostei das atividades de laboratório.
4. Os experimentos ajudam-me a esclarecer os conteúdos teóricos.
5. Sinto que aprendo alguns métodos muito úteis no laboratório.
6. O laboratório ajuda-me a esclarecer conceitos.
7. As atividades de laboratório me ajudam a esclarecer relações e leis.
8. De maneira geral, eu aprendo bastante com as atividades de
laboratório
9. Gosto de trabalhar com o equipamento de laboratório.
10. As atividades de laboratório pouco acrescentam aos meus
conhecimentos.
11. Com as atividades de laboratório desenvolvo o senso crítico.
12. Participo das aulas de laboratório apenas porque fui obrigado.
13. É muito bom realizar atividades de laboratório.
14. Executo as atividades de laboratório sem dar-me conta da sua
importância.
15. Entendo os fenômenos físicos que ocorrem nas aulas de laboratório.
16. As aulas de laboratório deixam-me irritado.
17. Acho as atividades de laboratório importantes para o meu curso.
Figura 3 - Ficha de avaliação de um curso de laboratório.

Este tipo de teste faz uso de uma forma de construção de questionários chamada de Escala
Lickert. A forma de avaliação deste tipo de questionário é a seguinte: para cada afirmação existe
uma afirmação de sentido contrário. Apenas aquelas afirmações que apresentam coerência entre
a afirmativa e a sua negação devem ser levadas em conta. A partir daí faz-se então a análise das
respostas dos sujeitos. Podem ser calculados valores médios para uma dada afirmação. Um valor
perto de 1 indica que os sujeitos, em média, têm discordância com o e um valor perto de 5 indica
alta concordância dos respondentes com o item8.

Exercício: identifique os pares de afirmações - negações no teste acima.

Segurança no laboratório
Embora este tema seja mais atinente a um livro sobre técnicas de manuseio de equipamentos e
postura em um laboratório, pensamos ser importante incluir neste trabalho uma pequena

7Esta ficha é uma adaptação do trabalho de Jamett, 1986.


8Estes valores são arbitrários, podendo-se usar valores diferentes como pontos extremos e, mesmo,
uma ordem descendente: o menor valor indicando maior coerência e o maior, maior coerência.
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O Ensino experimental –Capítulo 12 15

resenha de atitudes que devem ser estimuladas e adotadas pelos futuros Professores durante os
cursos de Instrumentação e/ou Prática de Ensino9.

A atividade de laboratório pode ser uma atividade perigosa, uma vez que, freqüentemente, lida-se
com materiais tóxicos ou potencialmente inflamáveis, ou ambos. Além disso, os equipamentos
utilizados nas aulas de laboratório são caros e de difícil reposição, principalmente em escolas
públicas, e o seu uso correto pode fazer com que sua durabilidade seja aumentada sensivelmente.

Você, como o Professor, é o responsável pela segurança dos alunos e, portanto, deve tomar
medidas de precaução quanto à integridade física dos alunos. Sugerimos a seguir algumas
recomendações de segurança que você deverá tomar e fazer respeitar pelos alunos:

1. Todo experimento deve ser primeiro executado por você, Professor.

2. Leia atentamente o manual dos equipamentos antes de utilizar um novo


equipamento, prestando especial atenção às instruções de operação e segurança do
equipamento.

3. Nunca permita que o aluno (ou você mesmo) fume no laboratório. Você está no meio de
materiais inflamáveis, como o gás por exemplo.

4. Ao lidar com aparelhos eletro-eletrônicos cuide de que eles estejam convenientemente


aterrados. Isto evitará choques e propiciará um melhor funcionamento dos aparelhos.

5. Trabalhe sempre com mangas curtas, e oriente os alunos a trabalharem da mesma


forma, ou com os punhos abotoados ou arregaçados no caso de camisas de mangas
longas. Isto evitará que você fique preso a alguma máquina e poupará suas roupas de
contatos indesejáveis (lembre-se do preço delas!).

6. Evite o uso de pulseiras, anéis, correntes e similares.

7. Todo cuidado é pouco no trato com fontes radioativas.

8. Ao trabalhar com gás, sempre feche a torneira do registro de gás antes de apagar a
chama. Isto para que não fique gás na mangueira evitando a possibilidade de
vazamento.

9. O laboratório deve ser bem ventilado. Esta preocupação evitará o acúmulo de gases
tóxicos se houver algum vazamento ou produção desses gases.

10. Ao lidar com aparelhos de laser nunca olhe diretamente para o feixe (raio). Danos
irreparáveis aos seus olhos podem acontecer.

11. Use o instrumento apropriado para a tarefa a que você se propõe.

Organizando Feiras de Ciências10


É muito freqüente que recebamos na Universidade visitas e/ou cartas de Professores que atuam
nas redes pública e particular de ensino solicitando ajuda para a realização de Feiras de Ciências.
Normalmente, esses Professores solicitam informações bibliográficas e/ou sugestões de
experimentos para a realização nas Feiras. Consideramos que a disposição de Professores de
determinada escola em realizar uma atividade como essa é extremamente louvável, sob todos os

9 Essas habilidades deveriam ser desenvolvidas ao longo de todo o curso a bem da verdade.
10 Uma primeira versão dessa parte foi publicada em Rosa, 1995.
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O Ensino experimental –Capítulo 12 16

pontos de vista. Em primeiro lugar, porque a Ciência é uma atividade prática por excelência. Em
segundo lugar porque os alunos se sentem tremendamente motivados por este tipo de atividade.

No entanto, as Feiras de Ciências acontecem, normalmente, como uma atividade isolada do


conteúdo dos cursos ministrados. O que queremos dizer é que o tema e os assuntos escolhidos
para a realização das Feiras são dissociados dos temas estudados em sala e que compõe o que se
chama de currículo. Outro fator que chama a atenção é que as ‘pesquisas’ ocorrem em função da
Feira e não o contrário: o fato de um grupo de Professores ter decidido fazer uma Feira leva os
alunos e demais Professores a correrem desesperadamente atrás de temas e informações a serem
mostrados na Feira quando o ideal (e porque não dizer o correto) seria que a Feira de Ciências
ocorresse em função de um trabalho preexistente. Se existe a mostra é porque já deveria haver o
quê ser mostrado. Por fim, há a questão: onde está a pesquisa? Tudo que vemos está relacionado à
pesquisa bibliográfica, montagem de maquetes, etc. Onde está o questionar a realidade, que é a
base do fazer científico?

Objetivo das Feiras de Ciências


O principal e único objetivo de uma Feira de ciências deveria ser o de mostrar à comunidade onde
a escola se insere o trabalho de investigação executado pelos alunos ao longo de um determinado
período de tempo.

Pode parecer estranho, uma vez que na literatura encontramos várias “vantagens” de uma Feira
de Ciências: despertar o interesse pela investigação científica, desenvolver habilidades específicas
ou de interesse, promover a interação comunidade - escola, desenvolver o senso crítico, despertar
o senso de cooperação, etc.

Esses são, sem dúvida, atributos importantes, mas não das Feiras e sim das atividades
experimentais. São elas que desenvolvem essas atitudes e habilidades. Como dissemos antes, a
mostra deve refletir uma atividade do dia a dia da escola e não as atividades cotidianas da escola
serem pautadas pela Feira. Há aí uma inversão de valores: é a atividade regular em Ciências que
desenvolverá as habilidades citadas acima. A Feira é simplesmente uma mostra para a
comunidade de algo que já foi feito pelos alunos ao longo de determinado período de tempo e deve
ser um reflexo dos trabalhos escolares em Ciências. A Feira existe porque existem os trabalhos e
não o contrário: trabalhos serem realizados porque vai haver uma Feira.

Neste sentido, gostaria de tecer alguns comentários, com base na minha experiência de avaliação
de trabalhos em Feiras, de como proceder para realizar uma Feira de Ciências que sirva para
alguma coisa de útil, no sentido de que os alunos incorporarão às suas vidas algo de novo e
potencialmente relevante.

Características dos trabalhos a serem mostrados


1. Adequação dos trabalhos ao currículo

O trabalho a ser mostrado na Feira deve refletir o tipo de assunto estudado em sala de aula. Por
exemplo, se o tema de estudo dos alunos são os diversos sistemas do corpo humano o trabalho
deve refletir isso. Não tem sentido os alunos apresentarem um trabalho de eletrônica, como se vê
muitas vezes. Por outro lado, um trabalho que estude a relação entre a escovação regular dos
dentes, o consumo de açúcar e a incidência de cáries é relevante para uma turma que esteja
estudando o sistema digestivo, do qual a boca, e consequentemente os dentes, são a porta de
entrada.

2. Regularidade

Outro aspecto importante é o fato de que o Professor não pode passar oito meses por ano
realizando um ensino burocrático, de giz e quadro, e desejar que seus alunos, de uma hora para
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O Ensino experimental –Capítulo 12 17

outra, virem “cientistas” e façam trabalhos mirabolantes e sofisticados. Fazer Ciência, como tudo
na vida, exige, antes de mais nada, hábito. A atividade experimental regular, incorporada ao
ensino de uma forma orgânica é condição imprescindível para uma atividade em Feira de
Ciências eficaz.

3. Pesquisa

O trabalho apresentado deve ser um trabalho de pesquisa em ciências. Por trabalho de


pesquisa quero dizer aquele tipo de trabalho onde uma questão foi colocada e uma resposta obtida
através da aplicação dos procedimentos científicos adequados: observação, medição, análise,
levantamento de hipóteses, tomada de decisões, obtenção de conclusões, etc. Pesquisa
bibliográfica faz parte da pesquisa mas não é, por si só, a pesquisa. Deve-se pesquisar a
bibliografia para saber qual o estado da arte naquele momento ou para descobrir informações
relevantes ao trabalho de investigação. A originalidade não precisa ser originalidade em relação
ao gênero humano mas deve ser originalidade em relação àquele grupo de alunos. Um trabalho
que verifique a influência da cor de determinado objeto na temperatura desse objeto, quando
colocado sob a ação da radiação solar, pode não ser o estado da arte em Física Experimental mas
para aquele grupo de estudantes particular e, muitas vezes, para aquela comunidade, pode ser
um trabalho original pois o conhecimento que dele advém é novo para quem participa do
trabalho.

4. Relevância

O tipo de pesquisa realizada deve ser relevante para a comunidade local. Um trabalho que vai ser
desenvolvido ao longo de meses pelos alunos deve ter algum tipo de apelo para eles e para a
comunidade onde a escola está inserida. Assim, por exemplo, um trabalho sobre determinado tipo
de lagarta que ataca o tipo de cultura que é a base econômica da região onde a escola se insere é
relevante para aquela população e pode não ser para outra escola situada em um meio urbano.
Para esta última talvez fosse mais interessante um trabalho sobre tratamento de esgoto, por
exemplo.

5. Cotidiano

A Feira de Ciências deve fazer parte do cotidiano da escola sendo uma atividade prevista no
calendário escolar desde o início do ano. No primeiro dia de aula, o Professor já deve saber quais
os projetos possíveis de serem realizados naquele ano. Não é em agosto, para uma Feira que irá
ser realizada em setembro, que o problema e a metodologia devem ser pensados. A escola como
um todo deve ter uma postura de comprometimento com a pesquisa e a sua mostra à comunidade,
a Feira.

6. Envolvimento

Outro ponto a merecer consideração é o envolvimento da comunidade com os projetos de pesquisa.


Este é um ponto desejável, embora muitas vezes de difícil realização. No entanto, não importando
as dificuldades, deve ser procurado. Lembremo-nos de que a comunidade faz parte da escola tanto
quanto os Professores e alunos. (Aliás de onde é mesmo que eles saem?)

7. Realidade

Por fim, mas não menos importante, os problemas de pesquisa devem ser escolhidos no dia a dia
da comunidade de onde os alunos são retirados, partindo de suas vivências e respeitando os seus
níveis etários.

8. Competição

O conceito de competição em Feiras de Ciências é discutível. Muitas pessoas advogam que não
deveria haver premiação nenhuma em Feiras. A minha opinião pessoal é que certo nível de
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O Ensino experimental –Capítulo 12 18

competição é saudável, porém a Feira não deve restringir-se a isso. O que deve ser sempre salien-
tado para os alunos (e Professores) é que o conhecimento adquirido é o verdadeiro ganho. Outra
questão é quanto quem compete com quem: colocar crianças da terceira série com alunos do
terceiro ano do segundo grau não é correto no meu ponto de vista. Aí vai uma opinião pessoal: a
premiação, se houver, deveria ser por série. Atualmente uma série de iniciativas de avaliação de
Feiras de ciências vêm apontando para a Avaliação Participativa. Neste tipo de avaliação não há
uma ênfase sobre o melhor trabalho mas uma avaliação por parte da comunidade (alunos, pais e
Professores) dos trabalhos apresentados quanto aos objetivos atingidos.

O planejamento
Em nível de planejamento, a Feira começa com a escolha dos temas possíveis para o próximo ano.
Você não entendeu mal: os temas possíveis devem ser escolhidos de um ano para o outro. As
atividades devem ser planejadas com antecedência de modo a saber-se: qual o tempo que o projeto
vai tomar, quais os recursos necessários já disponíveis, quais os recursos necessários não
disponíveis, etc. Nesta fase, um mapa conceitual deve ser feito de modo a esclarecer as ligações
entre os conteúdos curriculares e os temas escolhidos para as pesquisas. Um organograma deve
ser feito com as diversas etapas a serem executadas. (Você se lembra daquelas benditas reuniões
de planejamento que nunca sabemos bem para que servem?)

O tema de trabalho de cada grupo de alunos deve ser discutido com esses alunos. Se possível, os
alunos devem determinar o problema que vão querer resolver. Esse é um ponto crítico e aí entra o
conhecimento do Professor: problemas de pesquisa não são tirados do ar mas surgem da nossa
experiência e bagagem de conhecimentos. Embora os alunos devam ter uma participação ativa na
escolha dos seus temas de pesquisa a orientação do Professor é indispensável e insubstituível na
hora de apontar possíveis problemas de pesquisa, na indicação da metodologia adequada, na
análise dos dados. Se os alunos forem deixados por conta própria os trabalhos serão do tipo
anteriormente descrito e que nada acrescentam às suas vidas: maquetes, pesquisa bibliográfica,
reprodução de experimentos de kits, etc.

A organização
A comissão organizadora deve ter uma atenção especial com a data programada para o evento. De
nada adianta marcar a Feira de Ciências para a semana anterior às provas bimestrais. A data
deve ser, preferencialmente, no final do ano letivo, de modo que a Feira seja o ponto culminante
do processo educacional.

O local onde a Feira se realiza deve ser amplo, bem arejado e confortável, tanto para os
expositores quanto para as pessoas que vão prestigiar o evento. Mesas, cadeiras, instrumentação,
redes de gás, elétrica e de água corrente devem ser previamente verificadas. Lembremo-nos de
que muitas vezes os alunos manipulam materiais voláteis e que, portanto, ventilação adequada é
fundamental.

Outro ponto a ser considerado é a preparação de esquemas para lidar com emergências. Os
participantes de Feiras são crianças ou adolescentes e o cuidado não é exatamente o forte nessas
faixas etárias. A organização deve providenciar formas de socorro médico e contra incêndios
eficazes. Prevenir é melhor do que remediar. Um carro deve estar em permanente prontidão para
levar alguém ao pronto socorro mais próximo, o qual deve ser contatado previamente. Os
participantes devem saber a quem recorrer caso alguma coisa saia errada.

O período de duração da Feira não deve exceder a três dias. A duração mínima da Feira deve ser
de um dia. Com base na minha experiência, acredito que dois dias são ideais. Relacionada a este
item está a questão do número de trabalhos a serem aceitos. Esse número será função da infra-
estrutura disponível e das características dos trabalhos a serem expostos. Colocar 10 trabalhos
em uma sala 2m por 3m pode não ser muito agradável, tanto para expositores quanto para
visitantes.
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O julgamento
Por fim alguns comentários a respeito dos quesitos a serem olhados por quem julga os trabalhos
de uma Feira. Para ser coerente com o que dissemos acima a respeito do caráter de uma Feira de
ciências, cremos devam ser quatro os quesitos básicos a serem analisados:

1. O caráter investigatório do trabalho

Nesse quesito a comissão deve olhar para a natureza do trabalho e o que este representa
em termos de uma investigação de um problema concreto e o que foi possível obter como
resposta a alguma questão básica.

2. A criatividade

Ciência e criatividade deveriam ser sinônimos. Portanto, este quesito procura responder à
questão: o que este trabalho tem de novo em relação ao que já foi produzido pelo ser
humano ou, o que é mais comum, o que trás de novo para aquela comunidade em
particular? Mostra ele uma forma nova de enxergar o mundo em que vivemos?

3. A Relevância

Quão importante é aquele trabalho para a comunidade em que a escola se insere? O


trabalho soluciona algum problema importante para aquela comunidade?

4. A Precisão Científica

Qual o rigor com que os dados foram obtidos e analisados pelo grupo? Podem as
conclusões apresentadas serem tiradas dos dados? O tratamento dos dados foi adequado
àquela situação particular?

Enfim, Feiras de Ciências são atividades que devem ser estimuladas pois são uma excelente
oportunidade que a escola tem de interagir com a comunidade onde está inserida. Também
porque, se bem realizadas, são altamente motivadoras para alunos e Professores. Cremos que,
seguindo os procedimentos gerais apontados nos parágrafos precedentes as Feiras de Ciência se
tornarão atividades prazeirosas e com significado, para todos que delas participem.

Paulo Ricardo da Silva Rosa Departamento de Física UFMS


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