Você está na página 1de 706

'

‘ Divida é um longo balanço do estada de nossa


ruína econômica e moral." The New York Times
“Além de instigante, o fivro de Graeher
é extremamente oportuna" Financial Times

Estrondoso sucesso nos Estados Unidos c nos vários países onde


foi traduzido. Dívida: os primeiros 5 0 0 0 anos é nào apenas um
dos mais importantes livros de história c antropologia econô­
m icas dos últimos tempos, m as também uma obra fundamental
para entender o atual estágio do capitalismo.
Nele. o antropólogo americano David Graeber - professor da
London Sehool of Econom ics. ativista político e um dos gurus do
movimento Occtipy Wall Street - apresenta em nova perspectiva
a história da divida c do crédito, bem como da origem do dinheiro.
A análise abrangente de Graeber põe em xeque alguns mitos
do s estudos económicos, com o o de que o dinheiro teria sido in­
ventado para substituir o escambo. O antropólogo demonstra que.
antes mesmo da criação da moeda, existiram civilizações que
lidaram com elaborados sistemas de endividamento e comércio.
O aparecimento do dinheiro trouxe consequências violentas
para as sociedades, e a divida, antes ligada à reciprocidade e
à troca de favores, tom ou-se um instrumento de escravização,
dom inação e guerra - com o continua a ser. ainda hoje.
Uma fascinante e inédita história da civilização emerge neste
I ív t o . que enfatiza a dim ensão social das relações econômicas e
faz uma critica radical ao modo como o capitalismo, por meio do
endividam ento, produz controle e destruição.
assim que penou para arrumar um
emprego na universidade Graoboi
é por vezes controverso, mas ensina
coisas que economistas preferem
norar sobre relações sociais, que m\o
são reguladas apenas pelo interesse
próprio e pelo cálculo da máxima
satisfação. Ele não ensina a adminis
trar o mundo como ele é, mas suas
lições dão o que pensar sobre o fim
cionamento concreto da sociedade
e as possibilidades de transformá-la.

Vinicius Torres Freire


Jornalista, colunista da F o lh a d e S .P a u lo c
com entarista econômico da TV Gazeta

David Graeber (1961) é professor


de antropologia na London School
o f Econom ics. Doutorou-se pela
Universidade de Chicago e foi pro­
fessor na U niversidade Yale. Em
2 0 11, teve participação destacada
no movimento Occupy Wall Street
e foi eleito uma das personalidades
do ano pela revista Time. É autor de
Toward an Anthropological Theory of
Value (2001), Lost People: Magic and
the Legacy o f Slavery in M adagas­
car (2007) e The Utopia o f Rules: On
Technology, Stupidity, and the Secret
Joys o f Bureaucracy (2015), entre ou­
tros livros.
Na crise econômica de 2008, gran­
des bancos e seus credores foram
salvos por empréstimos graciosos e
doações dos governos dos Estados
Unidos e de países europeus. Por
mais incom petentes ou mesmo
fraudulentos que tenham sido os
investimentos, deixar a finança ir
à bancarrota causaria ruína ainda
maior aos países. Portanto, dívidas
e pecados foram perdoados.
Os devedores sem poder, talvez
nem tão ineptos quanto os financis­
tas, não tiveram, porém, tal sorte, fos­
sem eles os cidadãos que perderam
casa ou aposentadoria na Grande
Recessão, fossem os governos falidos
de países periféricos e seu povo esfo­
lado no arrocho imposto para o pa-
l’.imento da dívida. O pragmatismo
econômico que fez a sociedade ban­
car o sinistro da finança poderia ter
atenuado outros desastres. Mas per­
does e castigos de credores e devedo­
res são tão mal distribuídos quanto o
poder político - uma história antiga,
de quase cinco milênios, que David
í.iaeber reconstitui de maneira tão
vívida como um drama.
Neste livro erudito e de humor ra-
(lical, o autor volta a lembrar que troca
nao é mera relação econômica. Ex­
plica o que são moeda e crédito para
.ilem das simplificações necessárias
de modelos econômicos; trata de vá­
rios lugares e tempos para reavivar
a Ideia de que hierarquias, símbolos,
domliiaçAoe cooperação definem eco
iiomlaN. r.m suma, ele repõe em pers
peei Iva soelal, política eantropolóulcn
MNIllMtlt ulÇÕCN econômica« que o espl
i lio •In teu li tn olnta como naimalN.
David Graeber

Dívida
Os primeiros 5.000 anos

I R a d u ç ã o Rogério Bettoni

- J I RÊS
^ ESTRELAS
Copyright © 2011,2014 David Graeber, publicado originalmente como l)ebt: Thefirst 5.000 Yfjrv por
Mclvillc Housc Publishing, EUA.
Copyright da tradução © 2016 Três Estrelas - selo editorial da Empresa Folha da Manha S.A.

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida, arquivada ou transmitida
de nenhuma forma ou por nenhum meio sem a permissão expressa e por escrito da Publifolha Editora
Ltda., detentora do selo editorial Três Estrelas.

e d it o r Alcino Leite Neto


ED ITO R-A SSISTEN TE Bruno Zeni
p r o d u ç ã o g r á f ic a Íris Polachini
capa ThiagoLacaz
p r o j e t o g r á f i c o d o m io l o Mayumi Okuyama
e d i t o r a ç ã o e l e t r ô n ic a Jussara Fino
preparação Beatriz de Freitas Moreira
r e v is ã o Cacilda Guerra, Isabel Jorge Cury e Carmen T. S. Costa
r e v is ã o t é c n ic a d e e c o n o m ia Rafael Oliva

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação ( c ip )


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Graeber, David ,
Dívida: os primeiros 5.000 anos/
David Graeber; tradução Rogério Bettoni. -
São Paulo: Três Estrelas, 2016.

Título original: Debt: thefirst 5.0 00 years.


ISBN 978-85-68493-14-4

1. Crises financeiras - História 2. Dinheiro - História


3. Dívida - História I. Título.

15-10990 • CDD-332

índices para catálogo sistemático:


1. Dívidas: Economia financeira: História 332

Este livro segue as regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990),


em vigor desde ie de janeiro de 2009.

Al. Barão de Limeira, 401, 6a andar


cep 01202-900, São Paulo. SP
Tel.: (11) 3224-2186/2187/2197
editora3estreias@editora3estrelas.com.br
www.edi tora 3estrelas.c0m .br
Sumário

i S o b re a e x p e riê n c ia d a c o n fu s ã o m o ra l 6

). () m ito d o e sc a m b o 32

\ I )ív id a s p rim o rd ia is 58

I ( ru eld ad e e re d e n ç ã o 96

s llreve tratad o so b re o s fu n d a m e n to s m o ra is d as rela ç õ e s


e c o n ô m ic a s 116

<* Jo g o s co m s e x o e m o rte 164

7. I lo n ra e d e g rad aç ão , o u S o b re as fu n d a ç õ e s da c iv iliz a ç ã o
c o n te m p o râ n e a 212

K ( red ito versus lin g o tes e os c ic lo s da h istó ria 270

y. Idade A x ia l (8 0 0 a.C . - 6 0 0 d.C.) 284

10. Idade M édia (6 0 0 d .C .- 1 4 5 0 d.C.) 320

II Idade d o s G ra n d e s Im p é rio s C ap italista s (1450 d .C . - 1 9 7 1 d.C'.)

12. O c o m e ç o de alg o ain d a p o r d e te rm in a r (1971 - presen te) 4S4

1’o sfá c io : 2 0 14 494

N o tas 505

B ib lio g rafia 605

ín d ice re m issiv o 667


Sobre a experiência
da confusão moral
dívida
• substantivo i quantia que se deve em dinheiro. 2 estado cm
que se encontra quem deve dinheiro (em dívida). 3 sentimento
de gratidão por um favor ou um bem recebido.
OXFORD ENGLISH DICTIONAKY

Se você deve ao banco 100 mil dólares, o banco controla você. Sc


você deve ao banco 100 milhões de dólares, você controla o banco.
PROVÉRBIO NORTE-AMHRK ANO

1l.i alguns anos, em razão de uma série de coincidências estranhas, fui a uma
li Ma ao ar livre na Abadia de Westminster. A o chegar ali, senti um pouco de
tl» st onforto. Não por causa dos convidados. Eles eram agradáveis e cordiais,
e .» lesta fora organizada p or um hom em generoso e encantador, o padre

< iia cm e. C) problem a é que me senti um peixe fora d agua. Em dado m o­


mento, padre Graem e se aproxim ou de m im e disse que havia uma pessoa,
Junto a um chafariz ali perto, que eu certam ente gostaria de conhecer. Entao
me apresentou a uma m ulher esbelta e elegante que, segundo ele, era advo-
gad.i, "m a s do tipo ativista; ela trabalha para uma fundação que dá suporte
ju rídico a grupos que lutam contra a pobreza em Londres. Provavelmente
v» k es terão muita coisa para conversar”.

Nós conversam os. Ela me falou de seu trabalho. Eu contei que estive
envolvido durante m uitos anos com o m ovim ento de justiça global "movi
mento antiglobalização”, com o costum ava ser cham ado pelos meios de c o ­
m unicação. Ela ficou curiosa: é claro que já havia lido sobre Seattle, ( ienov.i
gás lacrim ogêneo e conflitos nas ruas, m as quis saber se tínham os de fato
realizado algo.
— Na verdade — disse eu — , fico bastante im pressionado com o tanto
que conseguim os realizar nesses prim eiros dois anos.
— Por exemplo? -
— Bem, por exem plo, nós conseguim os destruir quase completamente
o FMI.

Por ironia do destino, ela disse que não sabia bem o que era o fm i. Então
expliquei que o Fundo Monetário Internacional agia basicamente com o fiscal
das dívidas do m undo — diríam os que é “o equivalente, nas altas finanças,
dos caras que vêm quebrar as suas pernas”. Comecei a falar sobre os aspectos
históricos, explicando que, durante a crise do petróleo na década de 1970, os
países da O rganização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) injetaram
tanto do dinheiro obtido com suas riquezas recém -descobertas nos bancos
do Ocidente que estes ficaram sem saber onde investir; falei que o Citibank
e o Chase, com isso, com eçaram a espalhar agentes pelo planeta para tentar
convencer os políticos e os ditadores do Terceiro Mundo a tomar empréstimos
(na época, isso era chamado de "go-go banking ”); falei de com o eles começaram
fazendo os empréstimos a taxas de juros extremamente baixas que quase ime­
diatamente dispararam para 20% ou coisa assim, devido à rígida política finan­
ceira dos Estados Unidos no início da década de 1980; de como, nas décadas de
1980 e 1990, isso levou à crise da dívida externa dos países do Terceiro Mundo;
de com o o fm i interveio e insistiu que, para obterem refinanciamento, os paí­
ses pobres deveriam abandonar o subsídio de preços dos produtos alimentí­
cios básicos, ou m esm o políticas para a manutenção de reservas estratégicas
de alim entos, e abandonar a assistência médica e a educação públicas; falei
de com o tudo isso levou ao colapso dos principais apoios com que contavam
alguns dos povos mais pobres e vulneráveis do mundo. Falei da pobreza, do
saque de recursos públicos, do colapso das sociedades, da violência endêmica,
da subnutrição, da falta de esperança e de vidas destruídas.
— Mas sobre isso o que você defende? — perguntou a advogada.
— Sobre o fm i? Q uerem os aboli-lo.
— Não, sobre a dívida do Terceiro Mundo.
Ah, querem os aboli-la tam bém . N ossa prim eira reivindicação foi
qur o i mi parasse de im por políticas de ajuste estrutural, que estavam p ro­
viu ,nulo iodos os danos mais im ediatos, m as isso, para a nossa surpresa,
nos i on seguim os realizar rapidam ente. O objetivo de m ais longo prazo
chi .1 .misiia da dívida. Algo com o o Jubileu bíblico. Na nossa opinião — eu
diss» . i rima anos de transferência de dinheiro dos países mais pobres para
» países mais ricos já bastam.
Mas - contestou ela, com o se fosse uma coisa óbvia — eles pegaram
• i dinheiro em prestado! É preciso p agaras próprias dívidas.
I ui.lo percebi que aquela seria uma conversa muito diferente da que eu
inili.i imaginado no início.
l*oi onde começar? Eu poderia ter explicado que esses empréstimos foram
• *i iginalm cnte tom ados por ditadores não eleitos, que depositaram a maior
C ti ir do dinheiro diretamente cm suas contas particulares na Suíça, e poderia
1« i d ito p ara el.i pensar se era justo insistir que os emprestadores fossem reem
I ii ikid i »s. n.M>pelo ditador ou seus camaradas, mas com o dinheiro da comida
que llictalmcnte se tirava da boca de crianças famintas. Ou pensar que muitos
dt si . (t.nses pobres na verdade já tinham pagado três ou quatro vezes a quan
ii.i que tomaram emprestada, mas que, graças ao milagre dos juros compostos,
.tltid.i n.u» haviam reduzido de maneira significativa o principal da dívida. Eu
i.ii ui mi n poderia observar que existe uma diferença entre tom ar empréstimos
» n Imam í.ii em préstim os, e que para obter refinanciamentos os países pre
t is.uu seguir uma política econôm ica ortodoxa de livre m ercado criada em
Washington ou Zurique, com a qual seus cidadãos nunca concordaram nem
Idiii.iis l o iu o rd a ria m . I poderia observar ainda que era um pouco desonesto
Iniisiii que os listados adotassem constituições democráticas e depois ressalvar
que, Independentemente de quem fosse eleito, os países não teriam controle
nenhum sobre a política. F.u poderia ter dito ainda a ela que as políticas econò-
mU as Impostas pelo i m i nem |»»*«• <■m« úwi.iv.nn im [v u in i> <j^irohlem.i ali
ei •• IllUli bibÍLUiii suposição de que dívidas rmi de ser quitadas.
Na verdade, o que mais me cham ou a atenção na frase "é prec iso pa
Ví .ii as próprias dívidas" loi que, m esm o de acordo com a teoria económ ica
padrAo, Isso nAo é verdade. () empreittador deve ai eil.u detei m inado grau
de risco. Se todos os em préstim os, m esm o que insignificantes, fossem re­
cuperáveis - se não existissem as leis de falência, por exem plo os resulta­
dos seriam desastrosos. Que razões teriam os em prestadores para conceder
em préstim os absurdos?
— Eu sei que isso pode parecer senso com um — disse eu — , mas o en­
graçado é que, em term os econôm icos, não é assim que os em préstimos de­
vem funcionar. A s instituições financeiras são veículos de direcionar recursos
para investimentos lucrativos. Se o banco tivesse a garantia de receber o seu
dinheiro de volta, mais os juros, não im portando o que ele fizesse, o sistema
com o um todo não funcionaria. Imagine se eu entrasse na agência mais pró­
xim a do Royal Bank o f Scotland e dissesse: “Vejam só, acabo de apostar uma
fortuna em cavalos. Será que vocês podem me em prestar alguns m ilhões de
libras?”. É claro que eles ririam na m inha cara. Mas fariam isso só porque sa­
bem que, se o meu cavalo não chegar em prim eiro lugar, não haverá chance
de receberem o dinheiro de volta. Mas im agine se houvesse um tipo de lei
que garantisse ao banco receber o dinheiro de volta, não im portando o que
acontecesse, m esm o que isso significasse, por exem plo, eu vender a minha
filha com o escrava, retirar os meus órgãos para com ercializar ou algo desse
tipo. Nesse caso, por que não? Por que perder tempo esperando que alguém
entre no banco com um plano viável de m ontar uma lavanderia ou alguma
coisa assim? Essa é basicam ente a situação que o fm i criou em escala global
- por isso vim os todos aqueles bancos dispostos a desem bolsar bilhões de
dólares para um bando de vigaristas.
A conversa não foi tão longe porque, em determ inado m om ento, apa­
receu um especialista em finanças, bêbado, que nos viu conversando sobre
dinheiro e com eçou a nos con tar histórias engraçadas sobre risco m oral
- que logo derivou para uma explicação longa e enfadonha de suas conquistas
sexuais. Fui me esquivando e escapuli.
Eu nunca soube ao certo com o interpretar essa conversa. Seria possível
que uma advogada ativista nunca tivesse ouvido falar do fm i ou ela estava só
brincando comigo? Concluí que, de um jeito ou de outro, não fazia diferença.
Durante vários dias, aquela frase continuou ressoando na minha cabeça:
“É preciso pagar as próprias dívidas.”
A ni/ao de 4 11 ase »ar tAo poderosa st* deve ao lato de ela n«1«> sei
li ui rm m U ad u JÜ onrtmli o; c um a mIimimçUo moral. Alinal de con tas,
ti motilidade em sl nAo diz respeito a pagar as próprias dividas? I )ar As pes
mt.is o(jiie lhes é devido? Aceitaras próprias responsabilidades? Cumprir
■r. •»1 »t Igações para coni os outros, assim como esperamos que os outros
i uinptam as suas para conosco? Quebrar uma promessa ou se recusar
,i pagai uma dívida nào sào os exemplos mais óbvios de como fugir da
jiin p il,i responsabilidade?
IVrcebi que era essa aparente obviedade que justamente tornara a de-
iIdt.içAo tão capciosa. Esse é o tipo de discurso capaz de fazer coisas terrí
veis parei erem totalmente banais e desinteressantes. Talvez eu pareça estai
( t.igerando, mas é impossível não ser contundente com questões desse tipo
ili |»<ms de testemunharmos seus efeitos. Eu os testemunhei. Durante quase
di»Is .mos morei nas montanhas de Madagascar. Pouco tempo depois da
intuiu chegada houve um surto de malária. Foi um surto particularmente
mnrt.il porque a doença tinha sido erradicada daquela região havia muitos
.iiins. de modo que, depois de algumas gerações, a maioria das pessoas já
ilnli.i perdido a imunidade. O problema era obter o dinheiro para manter o
I f i .ima de erradicação do mosquito: realizar testes periódicos para garan
ui que os transmissores nào procriassem, e também para as campanhas de
pulverização, caso se descobrisse que eles haviam procriado. Não era tanto
dinheiro assim, mas, devido aos planos de austeridade impostos pelo i m i,

o governo teve de cortar o programa de monitoramento.p e z mil pessoas


nun lei.un. Çpnh»H j™'**ns mães chorando a morte de seus filhos. É difícil
ileleiuler o argumento de que a perda de io mil vidas humanas se justifique
I" lo l.ito de que o Citibank não poderia ter prejuízos acarretados por um
empiestimo irresponsável que, de-todo medo, nào faria grande diferença no
ImI.iiiço patrimonial do banco. Mas a advogada na festa era uma pessoa intei
i.imente correta - alguém que, além disso, trabalhava para uma instituição
beneficente - e considerava a questão ao pé da letra, em toda a sua obvie
d.ide. ( orno ela mesma disse, os países, afinal de contas, deviam dinheiro,
••i ertamente “é preciso pagar as próprias dívidas”.

ii
Essa frase continuou me perseguindo durante .is semanas seguintes. Por que
dívida? O que torna esse conceito tão estranhamente poderoso? A dívida dos
consum idores é a força vital da nossa econom ia. A dívida passou a ser a ques­
tão central da política internacional. Mas ninguém parece saber exatamente
o que ela é, ou com o pensá-la,
O próprio fato de não saberm os o que é a dívida, a própria flexibilidad
do conceito, é o fundam ento da sua força. Se-bá-algo que a história nos m os-
^tra. é que não existe m aneira m elhor de justificar relações baseadas na vio-
Jpnria de fazer essas relações parecerem m orais, do que reenquadrá-las na~

^ n t r i^ alpiipmrjiiprnmprpalgoerrado. Os m afiosos sabem disso. Assim como


os com andantes de exércitos conquistadores. Há milhares de anos, homens
violentos se sentem autorizados a dizer a suas vítim as que elas lhes devem
algo. No m ínim o, elas “devem suas próprias vidas” (uma frase im pressio­
nante) por terem sido poupadas da morte.
Hoje em dia, por exem plo, a agressão militar é definida com o um crime
contra a humanidade, e os tribunais internacionais, quando são acionados,
geralm ente exigem que os agressores paguem um a com pensação. A A le­
manha teve de arcar com reparações gigantescas depois da Primeira Guerra
Mundial, e o Iraque ainda está pagando ao Kuwait pela invasão com andada
por Saddam Hussein em 1990. No entanto, a dívida do Terceiro Mundo, a
dívida de países com o Madagascar, Bolívia e Filipinas, parece funcionar pre­
cisam ente no sentido oposto. Qr, pníno^ dovp-do rrs do Terreiro Mundqj>àa.
, P Y r l ^ s j v a m p n t p n a ç n p c g np, p m a l p n m m ntr i nnf nj Ha h i e t n r i a , f o r a m

^ atacadas e conquistadas por países europeus - muitas vezes aqueles m esmos


yaos quais devem dinheiro. Em 1895, por exem pl o ^ .França Jn vad iu M ada­
gascar, dissolveu o g o v ern õ llãra in h a Ranavalona m e declarou o pais colô­
nia francesa. Uma das prim eirnr. nròpq-rio oonoml [Joseph] C.allipni depois
_ da “pacificação”, como-gostav am de cham á-la. foi im por im postosp esad o s
à população de Madagascar, em parte para reembolsar os custos de terem side^.
.in vad idos, mas tarnfaém, com o se esperava que as colônias francesasfossem
fisicamente autossuficientes, para custear estradas dp fprro, ro >ntest
plantações etc. que o regime francês queriajnstalar ali. Ninguém perguntou

12
aos contribuinte* de M.hI.i^.im ar se eles uueriau) jq n cla* cM».<da% dc Icitu ,
i ‘ "-Ku ias., p en tes c plantaçôcSt jic iii p u initiu que opinassem sobre onde e
tou iu cla^-*»c ri;iiuxi> t!stru id a^ A() contrário: durante os cinquenta anos se­
guintes, o exército c a polícia da França assassinaram muitos m algaxes que
se opunham fortemente ao sistema (100 mil, segundo alguns relatos, durante
uma revolta em 1947)- É com o se Madagascar tivesse causado à França algum
dano semelhante, o que não é o caso. A pesar disso, desde o com eço da c o ­
lonização dizia-se que os habitantes da ilha deviam dinheiro à França, e até
hoje eles estão presos a essa dívida, e o restante do m undo considera justo
esse esquema. Em geral, a “com unidade internacional” só nota que existe aí
uma questão moral quando percebe que o governo de M adagascar está de­
morando para pagar as suas dívidas.
Entretanto, a dívida não é apenas um item da justiça do conquistador;
ela também pnHp spr uma das m anpirn^j^jM inir os vencedores que não de­
viam ter vencido. O exem plo mais espetacular disso é a história da R epú­
blica do Haiti - o prim eiro país pobre a ser posto em perm anente servidão
j> o r dívida._Q Haiti^foi u m _p a k fu ndado por antipos escravos que tiveram _
a ousadia não só de organ izar um a rebelião, acom panhada de grandiosas
declarações de direitõseliberdad es universais, mas tam bém de derrotar os
exércitos de Napoleàcienviados_para rendê-lose fazFTõs retornar á sêrvídioT
. A França Imediatamente afirm ou que a recém -criada república lhe devia 150
1n ilhòes de francos em danos pelas plantações expropriadas, além dos custos
de aprovisionam ento das expedições militares fracassadas, e todos os outros
p a íses,j nc|i íindo os Fstados Unidos, concordaram em im por u m em Eargoao
I laiti até que essa dívida fosse paga. Ajvoma era intencionalm ente impossível
tie ser paga (o equivalente a cerca de 18 bilhões de dólares ) ^ o em bargo asse­
gurou que desde então o nom e “ Haiti” passasse a ser usado com o sinônim o
de dívida, pobreza e m iséria.2
Algum as vezes, porém , a dívida parece significar exatamente o o p o s ta
L FsfaHns Unidos, que insistiam, em termos rigorosos, que o Terceiro Mundo
Iiuh a dp p a w ir su a s d ív id a s a m n iuTãFánTTarrtas-a p a r t i r é a d c c a d a d c 1 9 8 0

. - alimentadas p elos gasto s militares - que rapidamente ultrapassaram a quan-


J ia devida por todos os países do Terceiro Mundo ju n tos. A dívida externa dos

13
Estados Unidos, contudo, assume a forma de títulos do Tesouro mantidos por
investidores institucionais em países que, na maioria dos casos, são pratica-,
menl^protetorados militares dos Estados Unidos - Alemanha. Coreia do Sul,
Japão, Tailândia, Taiaanje-paíse&4 g Golfg ^ , quase todos^rotegidosporBases
norte-americanas carregadas de armas e equipamentos pagos com aquele
v mesmo déficit público. Isso mudou um pouco depois que a China entrou
no jogo (esse país é um caso especial, por razões que serão explicadas mais
adiante), mas não muito - até mesmo a China acha que possuir tantos títulos
do Tesouro norte-americano faz o país estar comprometido, até certo ponto,
com os interesses dos Estados Unidos, e não o contrário.
Desse modo, qual é a situação de todo esse dinheiro que é continua­
mente canalizado ^ãra o Tesouro dos Estados Unidos? São ^empréstimos?-
Ou tributos? No passado, as potências militares que mantinham centenas
de bases militares fora dopróprio território eram comumente chamadas de
“impérios”, e os impérios regularmente exigiam tributos de seus súditos.
O governo dos Estados Unidos, é claro, afirma que não é um império - mas é
fácil defender o argumento de que o país insiste em tratar esses pagamentos
como “empréstimos”, e não como “tributos”, com o único objetivo de negar
a realidade do que está acontecendo.
Ora, é verdade que, ao longo da história, certos tipos de dívidas, e certos
tipos de devedores, sempreforam tratados de maneira diferente. Nos anos
1720, uma das descobertas que mais escandalizaram o povo britânico, quando
as condições das prisões em que se encarceravam os devedores foram expos­
tas na imprensa popular, foi o fato de essas prisões serem divididas em dois
setores. Os presos aristocratas, que muitas vezes consideravam a última moda
passar uma curta estada nas prisões de Fleet ou Marshalsea, tinham jantares
regados a vinho, servidos por criados uniformizados, e podiam receber visitas
frequentes de prostitutas. No “setor comum”, devedores pobres eram agri­
lhoados juntos em celas minúsculas, “cobertos de sujeira e bichos”, como nos
diz um relato, “e sofriam impiedosamente até morrer de fome e febre tifóide”.3
De certo modo, podemos imaginar os acordos econômicos mundiais da
atualidade como uma versão muito ampliada da mesma situação: nesse caso,
os Estados Unidos são os devedores aristocráticos e Madagascar é o pobre
faminto na tela an lado c os criados dos devedores aristocráticos lhes ensi­
nam como seus problemas foram causados por sua própria Irresponsabilidade.
Porém, há algo mais fundamental em jogo, uma qucstào filosófica que
precisamos contemplar. Qual a diferença entre um gângster que aponta a
arma para você e exige o pagamento de mil dólares de “taxa de proteção” e
um que, com a arma apontada para você, exige que você lhe faça um “em­
préstimo” de mil dólares? Na maior parte dos casos, obviamente, nenhuma.
Mas em outros há uma diferença. Como no caso da dívida dos Estados Uni­
dos com a Coreia ou o Japão: se o equilíbrio de poder mudasse em algum
ponto, se os Estados Unidos perdessem sua supremacia militar, se o gângster
perdesse seus escudeiros, aquele “empréstimo” começaria a ser tratado de
maneira bem diferente. Ele se transformaria em uma obrigação genuína. Mas
o elemento crucial continuaria sendo a arma.
Há uma antiga piada de vaudeville que diz a mesma coisa de maneira mais
elegante - vejamos a cena, melhorada pelas palavras do comediante Steven
Wright:

Certo dia eu caminhava com um amigo, quando, de repente, pulou diante


de nós, vindo de uma rua transversal, um sujeito com uma arma que gritou:
“Passa a grana!”.
Enquanto eu alcançava a carteira, pensei: “Até que o prejuízo não será
tào grande”. Peguei o dinheiro, me virei para o meu amigo e disse: “Ei, Fred,
toma aqui aqueles cinquenta paus que eu estava te devendo”.
O ladrão ficou tão injuriado que arrancou uma nota de cem do bolso
e, com a arma apontada para o Fred, obrigou-o a pegar o dinheiro e a me
emprestar, para depois resgatar tudo de volta.

Em última instância, o sujeito armado não tem de fazer nada que não
ijueira, fazer. No entanto, a fim de ser capaz de controlar até mesmo um
le^ime baseado na violência, é preciso estabelecer um conjunto de regras.
\ re g ra s podem ser completamente arbitrárias. De certo modo, na verdade
nem importa quais são essas regras. Ou, pelo menos, isso não importa a
pi Iik ípio. O problema é que, quando se começa a enquadrar as coisas em

15
termos de dívida, as pessoas inevitavelmente começam a perguntar quem
de fato deve o que a quem.
Discussões sobre a dívida existem há pelo menos 5 mil anos. Durante
a maior parte da história humana - pelo menos da história dos Estados
e de impérios -, a maioria dos seres humanos recebeu a informação de que é
devedora.4 Os historiadores, em especial os historiadores das ideias, estra­
nhamente têm relutado em considerar as consequências humanas dessa
situação, tanto mais quando se leva em conta que ela - mais do que qual­
quer outra - tem causado indignação e ressentimento. E improvável que as
pessoas fiquem satisfeitas se dissermos a elas que são inferiores, mas muito
raramente isso as levará a uma rebelião armada. Contudo, é bastante prová­
vel que inspiremos manifestações de fúria nas pessoas se dissermos que elas
são iguais em seu fracasso, que por isso não merecem nem mesmo aquilo
que têm, ou seja, o que têm não é seu por direito. E isso que a história parece
nos ensinar. Durante milhares de anos,a 4 u£a entre ricos e pobres assumiu de
modxxgeral-a forma de conflitos entre credores e devedores - de argumen­
tos sobre o que é certo e o que é errado em relação a pagamento de juros,
servidão por dívida, anistia, reintegração de posse, restituição, sequestro de
ovelhas, apreensão de vinhas e venda de filhos dos devedores como escravos.
Nessa mesma lógica, nos últimos 5 mil anos, com uma regularidade impres­
sionante, as insurreições populares começaram da mesma maneira: com a
destruição ritual dos registros de dívidas - fossem eles tabuletas, papiros,
placas ou qualquer outra forma existente em dada época e local. (Depois
disso, os rebeldes geralmente foram atrás dos registros de posse de terra e
apuração fiscal.) Como o grande helenista Moses Finley gostava de dizer,
_no mundo anngojudos os movimentos revolucionários tinham um único
plano: “Anular as dívidas e redistribuir a terra”.5
Nossa tendência a ignorar isso é ainda mais estranha quando pensamos
em tudo que nossa linguagem moral e religiosa contemporânea deve, origi-
nali«€«tera-es5€s-mesnios conflitos. Termos como “perdão” e “remissão” são
apenas os mais óbvios., pois foram tirados diretamente da linguagem das an­
tigas finanças^Em sentido jnais amplo, podemos dizer o mesmo de palavras
v como “cultia”, “liberdade”, “perdão” e até “pecado”. Discussões sobfi quem

16
realmente deve o que a quem tiveram papel central no nosso vocabulário
t
básico para nomear o que é certo e o que é errado.
O fato de grande parte dessa linguagem ter se originado de debates sobre
.1 dívida torna o conceito estranhamente incoerente. Afinal de contas, para
debater com o rei era preciso usar a linguagem do rei, quer as premissas ini-
i mis fizessem sentido, quer não.
Se analisarmos a história da dívida, então, o que descobrimos em pri­
meiro lugar é uma profunda confusão moral. Sua manifestação mais óbvia
e que, praticamente em todos os lugares, a maioria dos seres humanos sus-
ieiiia ao mesmo tempo que: 1) pagar o dinheiro que se tomou emprestado é
uma obrigação moral, e 2) toda e qualquer pessoa que tenha o costume de
emprestar dinheiro é má.
E verdade que as opiniões sobre esse último ponto variam considera­
velmente. Um exemplo extremo poderia ser a situação que o antropólogo
11.meès fean-rlflude Galey encontrou na região leste do Himalaia, onde, ainda
ii.i década de 1970, as castas inferiores - chamadas de “derrotados”, pois se
icreditava que essas pessoas fossem descendentes de uma população conquis-
i.ida muitos séculos antes pela casta dos donos das terras - viviam em uma
Mi uação de permanente dependência financeira. Sem terras e sem dinheiro,
elas eram obrigadas a solicitar empréstimos aos proprietários simplesmente
I ia 1a ter o que comer - não pelo dinheiro, pois as quantias eram insignifican-
irs, mas porque os pobres devedores tinham de pagar os juros na forma de
II abalho, o que significava que, quando muito, eles tinham comida e abrigo
enquanto limpavam as dependências dos credores e arrumavam o telhado
de suas choupanas. Para os “derrotados” - assim como para a maior parte da
população, na verdade-as despesas mais importantes da vida eram com ca­
bimentos e funerais. Para isso era preciso boa quantia de dinheiro, que sempre
1inlia de ser tomada emprestada. Nesses casos era prática comum, explica Ga-
lev, que os agiotas exigissem uma das filhas do tomador do empréstimo como
garantia. Assim, muitas vezes, quando um homem pobre precisava fazer um
empréstimo para o casamento da filha, a garantia era a própria noiva. Ela tinha
de aparecer na casa do emprestador depois da noite de núpcias, passar alguns
meses lá como concubina e mais tarde, quando ele ja se entediara, era enviada

17
para algum campo de extração de madeira da região para trabalhar durante
um^rcrdois anos como prostituta, pagando assim a dívida do pai. Uma vez
paga a dívida, ela voltava para-o marido e começava a sua vida de casada.6
Isso parece chocante, talvez até ultrajante, mas Galey não relata nenhum
sentimento de injustiça generalizado na população. Todos pareciam achar que
era assim mesmo que as coisas funcionavam. Tampouco havia muita preocu­
pação entre os brâmanes locais, que eram os árbitros supremos em questões
de moralidade - o que não surpreende muito, uma vez que os agiotas mais
proeminentes muitas vezes eram os próprios brâmanes.
Mesmo nesse caso, é claro, torna-se difícil saber o que as pessoas diziam
entre quatro paredes. Se um grupo de rebeldes maoistas estivesse prestes a
tomar de repente o controle da região (alguns atuavam nessa parte da índia
rural) e capturassem usurários locais para serem julgados, nós ouviríamos
todo tipo de opiniões.
Ainda assim, o que Galey descreve, como eu disse, representa um extremo
dessa possibilidade: o extremo em que os próprios usurários são as autorida­
des morais supremas. Compare isso, digamos, com a França medieval, onde
o status moral dos agiotas estava seriamente em questão. A Igreja Católica
sempre proibiu a prática de emprestar dinheiro a juros, mas as regras muitas
vezes caíam em desuso, levando a hierarquia da Igreja a autorizar campanhas
de pregação, a mandar frades mendicantes de cidade em cidade para alertar
os usurários de que, se não se arrependessem e restituíssem plenamente to­
dos os juros cobrados das vítimas, eles certamente iriam para o inferno.
Esses sermões, muitos dos quais sobreviveram, são cheios de histórias
de horror sobre o julgamento de Deus reservado aos emprestadores impeni­
tentes: casos de homens ricos acometidos pela loucura ou por doenças terrí­
veis, assombrados no leito de morte por pesadelos com cobras ou demônios
que logo lacerariam ou comeriam sua carne. No século x ii, quando essas
campanhas chegaram ao auge, começaram a ser empregadas sanções mais
diretas. O papado expediu ordens aos párocos locais para que todos os usu­
rários conhecidos fossem excomungados: estavam proibidos de receber os
sacramentos e sob nenhuma circunstância seus corpos seriam enterrados em
solo sagrado. Um cardeal francês, Jacques de Vitry, registrou por voltado 1210

18
.( Itislória de um agiota particularm ente influente cujos am igos tentaram
I'i « v .m>nar o pároco para que fizesse vista grossa e perm itisse seu enterro no
i em ltério local:

C o m o os amigos do usurário morto foram muito insistentes, o padre cedeu

ii pressão e disse: “Vamos colocar o corpo em cima de um asno e observar


qu.il é a vontade de Deus e o que Ele fará com o corpo. Para onde quer que
0 asno o leve, seja uma igreja, campo-santo ou alhures, lá eu o enterrarei”.
() corpo foi colocado sobre um asno que seguiu em linha reta, sem desviar
1 >.u.1 ,i direita ou para a esquerda, até sair da cidade e chegar a um local onde
liavia um patíbulo em que ladrões eram enforcados. O asno então deu um pi-
11«»ir e lançou o corpo sobre um monte de excrementos embaixo do patíbulo."

A«» exam in arm os a literatura m undial, é quase im possível encontrar


Um« Única representação favorável a algum agiota - ou, seja com o for, a um
um. .i.» profissional, que, p or definição, é aquele que cobra juros. N ão sei se
• iiMt outra profissão (a de algoz?) com um a im agem ruim tão consagrada.
11ata sr de algo especialm ente notável quando pensam os que, ao contrário
tln*. al^o/es. os usurários geralm ente estão entre os mais ricos e poderosos
•li m as i »uminidades. Contudo, o próprio nome, “usurário”, evoca imagens de
hImiI icv dinheiro sujo, cobranças abusivas, com ércio de almas e, por trás disso
luilo ii demônio, muitas vezes representado com o uma espécie de usurário,
um i nuiadoi m aligno com livros e registros, ou com o uma figura que paira
a « . i »sta*, do usurário, esperando o m om ento de tom ar posse da alma de um
\ il.h. 111li , t m razão de seu ofício, obviam ente fez um pacto com o inferno.
I in In mos históricos, houve apenas duas maneiras eficazes de um empres-
tadni it ui.ii luglr de seu opróbrio: ou jogando a responsabilidade em um ter-
............... .iIm n iando que o tomador do empréstimo é ainda pior. Na Europa me­
di* \,il poi exemplo, os fidalgos incorriam na primeira categoria, empregando
( m i l um i u i no suis sub rogados. Muitos falavam inclusive em “nossos” judeus
mi m|íi judeus sob sua proteção pessoal - e m b o r a na prática isso geralmente
«iitnllit .iisr que eles, em prim eiro lugar, negariam aos judeus que viviam em
>ih»i li 11 li« »1 los quaisquer meios de arcar com a própria sobrevivência, exceto a

19
usura (assegurando-se de que fossem m uito odiados), e depois se voltariam
contra esses judeus, afirm ando serem criaturas detestáveis e tomando para si
o dinheiro deles. A segunda categoria é mais com um - mas costum a levar à
conclusão de que am bas as partes envolvidas no empréstim o são igualmente
culpadas; de que a situação com o um todo é desprezível e de que, muito prova­
velmente, as duas partes são malditas.
. Outras tradições religiosas têm perspectivas diferentes. Nos códigos de
leis hindus medievais, além de os em préstim os a juros serem admissíveis (a
única condição era que os juros não excedessem o principal), era com um di­
zer que Q^devedQF-que n ão pagasse renasceria com o escravo da residência de
seu credor - ou, em códigos posteriores, renasceria com o seu cavalo ou boi.
A mesm a atitude tolerante para com os em prestadores, e alertas de vingança
cárm ica contra os tom adores de empréstimo, reaparece em muitas correntes
do budism o. Todavia, no m om ento em que se supunha que os usurários es­
tavam indo longe demais, com eçava a aparçcer exatam ente o m esm o tipo de
histórias encontradas na Europa. Um escritor japonês medieval conta uma
delas - insistindo tratar-se de uma história verdadeira -,sobre-e-tem vel tles-
Ijn o de HiromushimeJ_esposa de um abastado governante distrital, por volta
de 776 a.C. Por ser um a m ulher excepcionalm ente gananciosa,

ela acrescentava água à aguardente de arroz que vendia e lucrava bastante


com esse saquê diluído. No dia em que emprestava algo para alguém, ela
usava um medidor pequeno, mas no dia da coleta, usava um medidor
grande. Quando emprestava arroz, sua escala registrava porções pequenas,
mas quando recebia o pagamento, era em grandes quantidades. O lucro que
ela obtinha de maneira forçada era enorme - geralmente dez ou até cem ve­
zes mais que a quantidade do empréstimo original. Ela era rígida ao cobrar
as dívidas, e não demonstrava nenhuma compaixão. Por causa disso, muitas
pessoas ficaram angustiadas; abandonaram sua residência para se afastarem
dela, peregrinando para outras províncias.8

Depois que ela m orreu, m onges rezaram sobre seu caixão durante sete
dias. No sétimo, m isteriosam ente ela voltou à vida:

20
Nijmles (jiii* (. hegavam para vê-la deparavam com um fedor indescritível.
I »,i i Intura para cima, ela já havia se transformado em um boi com chifres
dr li» / 1 entímetros na testa. As duas màos tinham virado cascos, e as unhas
t si.ivam rachadas, lembrando agora a frente do casco de um boi. Da cintura
I*.ii .1 baixo, porém, o corpo ainda era humano. Ela já nào gostava de arroz
• pirleria se alimentar de grama. Não comia, ruminava. Nua, deitava sobre
o próprio excremento.9

( ui insos ihegavam de todo canto. Sentindo culpa e vergonha, a famí-


l l i i l í i i i « mi desesperadam ente com prar o perdão: saldou todas as dívidas que
ilnli.i * • »in .is pessoas e doou grande parte de sua riqueza para instituições
ti hjíiMs.r. l*oi fnu. com passivam ente, o m onstro m orreu.
() .minr, um monge, sentia que essa história representava um claro exem-
I*1* • »1« n n u arnaçào prem atura - a m ulher estava sendo punida, de acordo
i m u i .1 li i doc.irm a, por violações que cometera contra “o que é tanto razoável
i|t h! i i l o t oi id o ". O problem a era que as escrituras budistas, no que diz res-
tn I ra Ia mento que davam explicitam ente à questão, não forneciam um
1111 ( i il ri i l i I in geral, eram os devedores que supostam ente reencarnariam
i mm • I*i »iv li.lo os credores. Sendo assim , no m om ento de explicar a moral
d.i l i i . n >i i,i. o íiulor deu um esclarecim ento muito confuso:

Av i i i n . li / um suira: "Quando não restituímos aquilo que tomamos empres-


iitili. nosso pagamento será renascer na forma de boi ou cavalo”. “O devedor
• . ttiiiu um «-si r.ivo, o credor é como um mestre.” Ou, repetindo: “O deve-
tltn ( mu l.ns.io, seu credor, um falcão”. Se sua situação fora de quem conce-

•It ii um empréstimo, nào pressione excessivamente o devedor para que lhe


Si .issim o fizer, você renascerá como cavalo ou boi e terá de trabalhar
I» u i mu deveilm e pagar muito mais do que lhe é devido.10

< i Hiii i lii ,i. entílo? Os dois nào podem acabar com o animais instalados
mu i m i »d um do outro.
Intl.is ,is grandes tradições religiosas parecem martelar nesse dilema, de
«h u m li »1 i i i i i nu de outra. Pm um lado, uma ve/, que todas as relações humanas

21
envolvem a dívida, todos estão moralmente comprometidos. É provável que
as duas partes sejam culpadas de algo tão somente por entrarem em relação;
na melhor das hipóteses, correm um grande risco de se tornarem culpadas
se o pagamento for atrasado. Por outro lado, quando dizemos que uma pes­
soa age “como se não devesse nada a ninguém”, dificilmente estamos descre­
vendo alguém como um modelo de virtude. No mundo secular, a moralidade
consiste basicamente em cumprir nossas obrigações para com os outros, e
temos uma persistente tendência a imaginar essas obrigações como dívidas.
Os monges talvez possam evitar o dilema isolando-se totalmente do mundo
secular, mas o restante de nós parecemos condenados a viver em um universo
que não faz muito sentido.

A história de Hiromushime é o exemplo perfeito do impulso de devolver a


acusação para o acusador - assim como na história do usurário morto e o
asno, a ênfase dada ao excremento, aos animais e à humilhação claramente
tem um sentido de justiça poética, que força o credor a experimentar as mes­
mas sensações de desgraça e degradação que os devedores sempre são obriga­
dos a sentir. Há um modo muito mais intenso e visceral de colocar a mesma
questão: “Quem realmente deve o que a quem?”.
Ela também é um exemplo perfeito de como, no momento em que al­
guém se faz a pergunta “quem deve o que a quem?”, essa pessoa já começou
a adotar a linguagem do credor - da mesma forma que, se não pagarmos as
nossas dívidas, “nosso pagamento será renascer como cavalo ou boi”, tam­
bém se você for um credor injusto terá que “pagar de volta”. Até mesmo a
justiça cármica pode ser reduzida à linguagem dos negócios.
Chegamos^âssim, às questões centrais deste livro: o que significa dizer
exatamente que nosso senso de moral e justiça é reduzido à linguagem de
. um acordo comercial? O que significa reduzirmos as obrigações morais a
dívidas? O que muda quando uma se transforma na outra? E como falar sobre
elas se a nossa linguagem tem sido de tal forma moldada pelo mercado? Até
certo ponto, a diferença entre obrigação e dívida é simples e óbvia. A dívida
é a obrigação de pagar certa quantia de dinheiro. Disso resulta que .1 dívida,

22
ilifemiieti 11*111 (’ de qualquer outra form a de obrigação, pode ser quantificada
um I lo Isso permite que as dívidas sejam tomadas com o algum a coisa
llniplt s Im.i < impessoal - o que, por sua vez, permite que sejam transferíveis.
• • H 111. li i se deve um favor, ou a própria vida, a outro ser hum ano, trata-se de
ultl" ilr\ ulo apenas àquela pessoa. Mas quando são devidos 40 mil dólares a
1 TN, de ( mos . 11,1 verdade não im porta quem é o credor; tam pouco im porta,
«< qu.ilqiiei uma das partes, pensar no que a outra precisa, deseja ou é capaz
ile (d/ri 1 01110 ocorreria pensar se o que se deve é um favor, respeito ou gra-
11«la« 1 N.io é prec iso calcular os efeitos hum anos; só é preciso calcular o prin-
• I|mI o s.ildo.i pagar, as multas e as taxas de juros. Se você tiver de abandonar
•1 um »iis.i e m udar para outras províncias, se sua filha for para um garim po
• "iii. • prostituta. tudo bem, será uma desgraça, m as isso é secundário para
.. I )inhciro é dinheiro, e trato é trato.
I >ess.i perspectiva, o fator crucial, e o assunto que será explorado detalha-
il.inu nit nestas páginas, é a capacidade que tem o dinheiro de transform ar a
iiu »1 .ilid.idc em uma questão de aritmética impessoal - e , ao fazer isso^xiejustifi-
■ 11 111 iu< 1 »cs que. de outra maneira, pareceriam ultrajantes ou obscenas. O fator
<l.i violência, ao qual dei algum destaque até agora, pode parecer secundário.
1 >.|ii» i ria .1 diferença entre uma “dívida” e uma simples obrigação moral n àoé
• I*i. scnça ou a ausência de homens armados que podem fazer com que a obri-
e.f. .11»sc*)a cumprida tomando as posses do devedor ou ameaçando quebrar as
mi.r. pernas, mas é simplesmente o fato de o credor ter os meios de especificar,
em lei mos numéricos, exatamente quanto o devedor lhe deve.
No entanto, à luz de uma análise mais profunda, descobrim os que esses
•I. us elementos a violência e a quantificação - estão intim amente ligados.
N.i verdade, é quase im possível encontrarm os um sem o outro. Os usurários
li.un eses tinham am igos e m andantes poderosos, capazes de intim idar até
m esm o .is autoridades da Igreja. De que outra m aneira eles conseguiriam
• oln.ir dívidas que eram tecnicamente ilegais? Hirom ushim e era totalmente
Inllexívcl com seus devedores "11.10dem onstrava nenhuma m isericórdia” - ,
111.n, por outro lado. seu m arido era o governante. Fia não tinha de dem ons-
ii.it m isericórdia. Quem nâo dispõe de um exército arm ado atrás de si nào
leni i oiuliçòes de sei Mo seveio.

23
O m odo com o a violência, ou a am eaça de violência, transforma as rela­
ções hum anas em m atem ática vai aparecer m uitas outras vezes no decorrer
deste livro. Trata-se da m aior fonte de con fu são m oral que parece rodear
tudo o que diz respeito ao tema da dívida. Os dilem as resultantes parecem
ser tão antigos quanto a própria civilização. Podemos observar o processo
nos prim eiros docum entos da antiga M esopotâm ia; sua expressão filosó­
fica inicial aparece nos Vedas, reaparece em infindáveis form as ao longo da
história escrita e ainda serve de base para a estrutura essencial de nossas
instituições atuais - Estado e m ercado, nossas concepções mais básicas de
natureza e liberdade, m oralidade, sociabilidade - , todas elas m oldadas por
histórias de guerra, conquista e escravidão de um a tal m aneira que já não
som os capazes de perceber isso porque já não con seguim os im aginar as
coisas de outra form a.

Por m otivos óbvios, este é um m om ento particularm ente im portante para


reexam inar a história da dívida. Em setem bro de 2008 viu-se o início de uma
crise financeira que quase levou a econom ia mundial à repentina estagnação.
Em m uitos aspectos, isso de fato ocorreu: m uitos navios pararam de cruzar
os oceanos e outros m ilhares foram abandonados ou até destruídos e m an­
dados para o ferro-velh o.11 Guindastes de construção foram desm ontados,
pois não havia o que construir. Os bancos pararam de fazer em préstim os.
A fú ria e a p erp lexid ad e das p esso as não foram a ún ica con seq u ên cia
da crise: com eçou tam bém um debate público efetivo sobre a natureza da
dívida, do dinheiro e das instituições financeiras, um debate que poderia
m udar o destino dos países.
Mas foi apenas um m om en to. O debate nunca chegou a acon tecer
realm ente.
Havia um a razão para as pessoas ao m enos estarem prontas para essa
conversa: a história que todas elas tinham ouvido nos dez ou mais anos an­
teriores se revelou um a mentira colossal. Não há uma maneira mais palatá-
vel de dizer isso. Durante anos, todos nós ou vim os falar de um a penca de
inovações financeiras ultrassofisticadas: derivativos de crédito c m m adoria,

24
dei ivativos de títulos garantidos por hipoteca, títulos híbridos, conversões
da dívida etc. Esses novos m ercados de derivativos eram tão inacreditavel­
mente sofisticados que - de acordo com um a história que se ouvia à época -
uma fam osa em presa de investim entos teve de em pregar astrofísicos para
• »perar program as de com pra e venda tão com plexos que nem os financistas
i on.seguiam entender. A m ensagem era clara: deixe isso para os profissio-
nais. você provavelm ente não conseguirá entender nada. M esm o que você
ii.to goste m uito dos investidores financeiros (e poucos parecem dispostos
a dclender que eles tenham algo de agradável), trata-se de um pessoal muito
• .ipacitado; na verdade, tão excepcionalm ente capacitado que a fiscalização
democrática dos m ercados financeiros nem sequer era cogitada. (Até m esm o
diversos acadêm icos se deixaram levar por isso. Eu bem me lem bro de ir a
• <mlerências em 2006 e 2007 em que cientistas sociais badalados apresenta-
1 am artigos argum entando que essas novas form as de securitização, aliadas a
novas tecnologias da inform ação, anunciavam um a transform ação iminente
11.1 própria natureza do tem po, da possibilidade - e até da própria realidade.
I einbro de ter pensado: “O tários!”. E eles eram mesmo.)
I ntào, quando a situação degringolou, descobriu-se que muitas dessas
tui ivaçòes financeiras, e talvez a m aior parte delas, não passavam de fraudes
muito bem elaboradas. Consistiam em o p e ra ç õ e s-c o m o oferecer hipotecas
para fam ílias pobres - planejadas de tal m aneira que tornavam inevitável o
n.lo pagamento; juntar hipoteca e aposta no m esm o pacote e vendê-lo para
Investidores institucionais (representando, talvez, os fundos de pensão do
titulai da hipoicca^afirm anda q ue cle renderiaiiinheiro independentemente^
do que acontecesse e que perm itiria aos ditos investidores passarem os pa-
iites p a ra a frente com o se fossem dinheiro: transferir a responsabilidade de
payai .1 aposta-para um conglom erado de seguros gigante que, caso tivesse
de se esc onder em baixo do peso de sua dívida resultante (o que certam ente
a» oiitec eria), teria então de ser socorrido pelos contribuintes (como de fato
r . s e s conglom erados f o r a m s o c o r r i d o s ) . 1-’ Em outras palavras, parece muito
t om uma elaborada e incom um versão do que os bancos fizeram quando
emprestaram dinheiro a ditadores na Bolívia e no Cíabào no final da década de
11J70: realizaram em préstim os totalmente irresponsáveis com a plena ciência

25
de que, quando os políticos e burocratas soubessem o que tinham feito, estes
lutariam para garantir que fossem reem bolsados de qualquer maneira, não
im portavam quantas vidas hum anas tivessem de ser arruinadas e destruídas.
A diferença, no entanto, foi que dessa vez os banqueiros o fizeram em
um a escala inconcebível: a som a total da dívida acum ulada era muito m aior
do que a som a d o produto interno bruto de todos os países - isso deixou o
m undo em mn-estado de pânico e quase destruiu o próprio sistema.
Exércitos e polícia se reuniram rapidamente para com bater as revoltas e
agitações esperadas, m as, a princípio, nenhuma se materializou. Tam pouco
houve m udanças significativas no m odo de funcionam ento do sistema. Na
ép oca, todos im aginaram que, com instituições centrais do capitalism o
(Lehman Brothers, Citibank, General Motors) desm oronando, e vindo à luz
tudo que havia de logro naquela suposta sabedoria superior, nós pelo m enos
recom eçaríam os um a discussão mais am pla sobre a natureza da dívida e das
instituições de crédito. E não apenas uma discussão.
A m aior parte dos n orte-am erican os parecia estar aberta a soluções
radicais. Pesquisas m ostraram que um a m aioria avassaladora achava que os
bancos não deviam ser resgatados, independentemente das consequências econô­
micas, m as que os cidadãos com uns acuados por causa de hipotecas podres

deveriam ser socorridos. Por isso ter ocorrid o nos Estados Unidos, trata-se
de algo bastante extraordinário. Desde a época colonial, os norte-am erica­
nos são a população m enos solidária com os devedores. O que é estranho,
de certa form a, pois o país foi povoado por devedores em fuga. Mas trata-se
de um país onde a ideia de que a m oralidade está relacionada ao pagam ento
das próprias dívidas é m uito mais arraigada do que em qualquer outro. Na
época colonial, costum ava-se pregar nos postes, pelas orelhas, os devedores
insolventes. Os Estados U nidos foram um dos últim os países do m undo a
adotar um a lei de falência: em bora em 1787 a Constituição tenha incum bido
o novo governo da criação de um a, todas as tentativas foram rejeitadas ou
revogadas em razão de “fundam entos m orais” até i898.n Foi um a m udança
histórica. Por isso m esm o, talvez, as pessoas encarregadas de conduzir no
século x x i debates nos m eios de com unicação e os legisladores decidiram
que esse não era o momento. O governo dos Estados Unidos fez um curativo

26
de 3 trilhões de dólares para tentar resolver o problema e não mudou nada.
Os banqueiros foram salvos, mas os devedores pequenos - com pouquíssi­
mas exceções - não.14Pelo contrário, no meio da maior recessão econômica
desde a década de 1930, já começamos a ver uma reação adversa contra os
devedores - conduzida pelas corporações financeiras que, para aplicar toda a
lorça da lei contra os cidadãos comuns que passam por problemas financei-
1os, agora recorrem ao mesmo governo que as socorreu. “Não é crime dever
dinheiro”, afirma o StarTribune de Minneapolis-Saint Paul, “mas as pessoas
rsi.io sendo presas rotineiramente por não conseguirem pagar suas dívidas”.
I in Minnesota, “o uso de mandados de prisão contra devedores aumentou
íh »"1. nos últimos quatro anos, com 845 casos em 2009. [...] Em Illinois e no
•>iid<»este de Indiana, alguns condenam à prisão devedores que não cumprem
os pagamentos de dívidas expedidos pela Justiça. Em casos extremos, as
I" v.oas ficam presas até conseguirem o valor do pagamento mínimo. Em
(aneno 1 2010], um juiz sentenciou um cidadão de Kenney, Illinois, à prisão
|»oi tempo indeterminado’, até que conseguisse a quantia de trezentos dó-
111. . p.ir.i pagar a dívida feita em um depósito de madeira”.15
I in outras palavras, estamos vendo o retorno de algo muito parecido
. 0111 ,r. pi isoes de devedores. Alguma coisa afinal tinha que acontecer. Em
um , depois que uma onda de movimentos populares varreu o Oriente
M lillo 1 ei «»ou 110 mundo todo, milhares de pessoas na Europa e na Amé-
•li a do Ni 11ie começaram a insistir na necessidade de uma discussão sobre
• >11.. 1. m •. kisit .is levantadas em 2008. As manifestações logo consegui-
IMMi. I111n.il a atenção para si e, em seguida, foram alvo de uma repressão
VI0I1 ni. 1 . d.i reprovação da imprensa. Tudo isso apesar de a economia
lliitndi.il entai mergulhando inexoravelmente em uma nova catástrofe fi-
•mm. Hi a 1 a unk a pergunta verdadeira é quanto tempo ela vai durar. Che-
IftimoN a., p. nito em que ale mesmo algumas das principais instituições são
§Htl|)M«la.....idmllli. ainda quede maneira tácita, que essa catástrofe está
>lt I hik «i apiosiniaudo I 111 meados de 2012, o Banco Centrai americano
t<*mm. .>>>>1*1. i<>m >|.l.iHo de »lívlo il.is hipotei .is. plano que a classe po­
li..... .. .................... M.i».|>ms Ievai em consideraçAo. Durante um tempo,
»>11 10!» a dlteçAo de I >omlnlque Strauss Kalin, começou a tentar se

27
rep osicion ar com o a con sciên cia do capitalism o global, em itindo alertas
de que, se a econom ia continuasse no cu rso atual, algum tipo de crise seria
inevitável e provavelm ente não haveria outro resgate financeiro: as pessoas
sim plesm ente não ap oiariam isso, e, p or fim , tudo iria desm oronar, “ fmi

alerta que segun do resgate financeiro seria um a ‘am eaça à d em o cracia’”,


dizia um a manchete à ép o ca .16 (É claro que por “dem ocracia” eles entendem
“capitalism o”.) Certamente isso significa que, m esm o aquelas pessoas que se
sentem responsáveis por m anter o funcionam ento do sistem a econôm ico
global atual, pessoas que há apenas alguns anos agiam com o se pudessem
ad ivin har que o sistem a em vigo r existiria para sem pre, agora veem por
todo lado a im inência do apocalipse.

Nesse caso, o fm i tem razão. E nós temos todos os motivos para acreditar que
estam os no limiar de transform ações extrem am ente im portantes.
Sabe-se que a tendência com um é im aginar tudo o que nos cerca com o
absolutam ente novo. E isso é tão mais verdadeiro com relação ao dinheiro.
Q uantas e quantas vezes não nos disseram que o aparecim ento da m oeda
virtu al - ou seja, a tran sfo rm ação do dinheiro em plástico e das cédulas
em inform ação eletrônica - está nos levando a um m undo financeiro novo,
nunca visto? A suposição de que já vivíam os nesse território inexplorado, é
claro, foi um dos fatores que ajudaram gru p os com o Goldm an Sachs e aig

a convencer as pessoas com tanta facilidade de que provavelmente ninguém


entenderia seus novos e fascinantes instrum entos financeiros. Q uando ana-
Jisam oíLa-questão-enrum a escahrhrêtÓFiea-ampla, no entanto, a primeira^
coisa que aprendem os é que não há novidade nenhum a na m oeda virtual.
Na verdade, essa era a form a original de m oeda. Sistemas de crédito, contas a
pagar, até m esm o contabilidade de despesas, tudo isso já existia muito antes
do dinheiro vivo. Essas coisas são tão antigas quanto a própria civilização.
Tam bém descobrim os que a história tende a alternar períodos dom inados
p o r lingotes - em que o ouro e a prata são considerados m oeda - e períodos
em que am o èd a é tida com o uma abstração, uma unidade virtual de conta­
bilidade- No entanto, cm term os históricos, a moeda virtual, ou dinheiro de

28
ni |»ï 111K‘iro, e o que testem unham os hoje é um retorno de supo-
ll^O ri 1111*" 1er iam sido consideradas obvias e de senso com um , digam os, na
li l. nl* Mi.Ii.i ou aie m esm o na antiga M esopotâm ia.
........H. a história nos dá pistas fascinantes do que podem os esperar. Por
Mi Miplo no passado, os periodos de m oeda virtual, ou dinheiro de crédito,
iMiplit aiam invariavelmente a criaçào de instituições feitas para evitar um
ilt -M..mu île i cimplcto - para evitar que os em prestadores se juntassem aos
PtlMii laias e políticos e esvaziassem o bolso das pessoas, com o parecem fazer
H|f*Ma I %•.* •. pei nulos sào acom panhados pela criação de instituições destina-
t! a |»i • *i« i os devedores. A nova era do dinheiro de crédito cm que estamos
|Mi • * i I* i m mu iado de m aneira invertida. Ela com eçou com a criaçào de
lobais com o o fm í, destinadas a proteger não os devedores, mas
P I i h «Ion ■■ Ao mesmo tem po, dentro da escala histórica que em pregam os
uma tlei ada ou duas não é nada. Não temos ideia do que esperar.

I nu l|\ i " , |nu I a ut o, é uma história da dívida, mas tam bém recorre a essa
l l h i o i ia a 111u de la/cr perguntas fundam entais sobre o que são os seres hu-

HtMMo* * a mm l e da d e hum ana, ou sobre o que eles poderiam s e r - s o b r e o


i|tii m a l uu uie d e v e m o s uns aos outros e até o que significa fazer essa per­
cutia A ' . U m o l iv r o tenta, de início, destruir um a série de m itos - não só
li m ito do i •,* am bo, que é discutido no p ró xim o capítulo, m as tam bém
Htlln« i h ais -.**l»ie dividas prim ordiais para com os deuses, ou para com o

NmiI** m i t o s que. de uma form a ou de outra, são a base das suposições


l l M i l a * |mlo •.» u s o com um sobre a natureza da econom ia e da sociedade.

I* i do .. uso com um , listado e M ercado se destacam acim a de tudo


m in*' |mIim l|mo‘<diametralmente opostos. A realidade histórica, porém , re-
Vt*la i|in o** dois uasi eram j u n t o s e sempre estiveram entrelaçados. Veremos

Iodas • v.a\ u n u e p ç ò e s equivocadas têm em com um o fato de tende-


M ui a o *lii/li I od a s as relações humanas à troca, com o se nossos laços com
h mh I* .1 i.l. o u m e s m o com o próprio ( b sm o s, pudessem ser im aginados
IHi* un ano li i m o s de um acordo com ercial. Isso nos leva a outra questão:
<i i hm iiito loi e m ii o( a, o que serflo? N m apítulo s, com eçarei a respondera

29
essa questão recorrendo aos frutos da antropologia para fazer um a descri-
ção jy n p la da.base m oral da vida econôm ica. Depois retorno à questão das
origens do dinheiro para m ostrar com o o próprio princípio de troca surgiu
em tod ap artexo m o -eíeitad a violência - as origens verdadeiras do dinheiro
devem ser buscadas no crim e e na recom pensa, na guerra e na escravidão, na
_ honraTna dívida e na redenção. Isso, por sua vez, abre cam inho para começar,
no capítulo 8, um a verdadeira história dos últimos 5 mil anos da dívida e do
crédito, com suas grandes alternâncias entre períodos de dinheiro virtual e
físico. Muitas das descobertas do capítulo são surpreendentes, com o o fato
de os conceitos m odernos de direitos e liberdades terem sua origem na antiga
lei da escravidão, de o capital de investim ento ter sua origem no budism o
chinês m edieval, ou ainda o fato de que m uitas das m ais fam osas teses de
• Adam Smith parecem ter sido plagiadas de obras escritas por teóricos do livre
v mercado na Pérsia medieval (uma ideia que, a propósito, tem im plicações in­
teressantes para compreender o apelo atual do Islã político). Tudo isso arma o
cenário para uma abordagem nova dos últimos quinhentos anos, dominados
pelos im périos capitalistas, e nos permite pelo menos com eçar a perguntar o
que pode realmente estar em jogo nos dias atuais.
Durante muito tempo, o consenso intelectual foi que não podem os mais
fazer Grandes Perguntas. A cada dia que passa, no entanto, parece que não
temos outra escolha.

30
(m.
2.
O mito do escambo
^ r
Para cada pergunta sutil e complexa há uma resposta
perfeitamente simples e clara: a que está errada.
H. L. M E N C K E N (C I T A Ç Ã O L I V R E M E N T E A D A P T A D A )

I J im I » .1 diferença entre a m era obrigação, a sensação de que é preciso se


i « m i i | m»11.ti de determ inada m aneira, ou de que se deve algo a algucm , e a
lilii.l.i |M«i|>i i.imcnte dita? A resposta é simples: o dinheiro. A diferença entre
$ tllviiU <• .i obrigação é que a dívida pode ser quantificada com precisão.

II|t*o nqiiei dinheiro.


N.ii i «• só o dinheiro que torna a dívida possível: dinheiro e dívida apare-
ciui exatamente ao m esm o tempo. Alguns dos primeiros documen-
It i i t tt 1 11«»*. q u e i hegaram até nós são tabuletas mesopotâmicas com registros
tli mi «III«is e débilos, provisões distribuídas pelo templo, dinheiro devido pelo
I il.is |erras do templo, com o valor de cada item especificado precisa-
tllHH« • m >;i.ins e prata. Algum as das primeiras obras de filosofia moral, por
|Mit' • f "lii ullexos du que significa conceber o com portam ento moral nos
fllH^IM.^ Ir» mos c o m q u e se trata a dívida - ou seja, em termos m onetários.
I 'mm lilsiórlu da divida. portanto, é necessariamente uma história do di-
filiMo • i ,i i i M u e i r a mais fácil de compreender o papel que a dívida desempe-
Jlli*»u mu mi Inlmle humana consiste em acom panharas formas que o dinheiro
rtftmmilii, • o m odo com o o dinheiro foi usado ao longo dos séculos, bem
HHHm •»<< dht ussoes resultantes sobre o significado disso tudo. Ainda assim,
Utrt * • • » ti Umienle uma história do dinheiro bem diferente daquela com a
iMrtl m iiim o* tu 0*1 lim ados. Quuiulo os econom istas falam sobre a origem
•li• i l l i i li i l i o , |»oi exemplo, eles sempre consideram a dívida algo secundário.

33
Primeiro vem o escam bo, depois o dinheiro; o crédito só se desenvolve p os­
teriormente. Mesmo quando consultam os livros sobre a história do dinheiro,
por exemplo, na China, França ou índia, o que geralmente encontramos é uma
história da cunhagem, com pouquíssimas discussões sobre acordos de crédito.
. Durante quase um século, antropólogos que seguem a m esm a linha de ra­
ciocínio que eu têm apontado que há algo m uito errado nessa abordagem .
A versão com um da história econôm ica tem pouco a ver com o que obser­
vam os quando analisam os com o a vida econôm ica é de fato organizada, nos
mercados e comunidades reais, em praticamente todos os lugares - nos quais
é muito provável encontrarm os pessoas endividadas de diversas maneiras, e
transações que em sua m aioria se dão sem o uso de moeda.
Por que essa discrepância?
Parte dela diz respeito apenas à natureza dos fatos: m oedas são preser­
vadas nos arquivos arqueológicos; acordos de crédito em geral não o são.
Todavia, os problem as são mais profundos que isso. A existência do crédito
e da dívida sem pre teve um a conotação de escândalo para os econom istas,
um a vez que é praticam ente im possível fazer de conta que as pessoas que
em prestam dinheiro e tom am em préstim os estejam agindo por interesses
puramente “econôm icos” (por exemplo, que o empréstimo para um estranho
seja a m esm a coisa que o em préstim o para um prim o); parece im portante,
portanto, começar a história do dinheiro em um mundo imaginário do qual o
crédito e a dívida tenham sido eliminados. Antes de aplicarm os as ferram en­
tas da antropologia para reconstruir a história real do dinheiro, precisam os
entender o que há de errado com a explicação convencional.
. Os econom istas geralmente falam em três funções do dinheiro: meio de
j x oca. unidade de contas e reserva de valor. Todos os manuais econômicos tra-
- t a n LO meio deJxocaxom o função primária. Vejamos um trecho razoavelmente
típico do livro Economics, de Karl Case, Ray Fair, Mandred Gärtner e Ken Heather:

O dinheiro é vital para o funcionamento da economia de mercado. Imagine


como seria a vida sem ele. A alternativa à economia monetária é o escambo,
em que as pessoas trocam diretamente bens e serviços por outros bens e
serviços, em vez de trocá-los por meio do dinheiro.

34
Como funciona o sistema de escambo? Suponha que você queira crois­
sants, o v o s e suco de laranja para o café da manhã. Em vez de com prar os
produtos na mercearia usando dinheiro, você teria de encontrar alguém que
tivesse esses produtos e quisesse trocá-los. Além disso, você precisaria ter
algo que o padeiro, o fornecedor de suco e o vendedor de ovos quisessem.
Ter lápis para trocar não adiantará de nada se o padeiro, o fornecedor de
suco e o vendedor de ovos não quiserem lápis.
O sistema de escambo requer uma dupla coincidência de desejos para que a
troca aconteça. Ou seja, para efetuar a troca, eu não preciso apenas encon­
trar alguém que tenha o que quero, mas a pessoa também precisa querer o
que tenho.. Quando a variedade de bens trocados é pequena, o que costuma
acontecer em economias relativamente rudimentares, nào é difícil encontrar
alguém para realizara troca, e o escambo costuma ser usado.1

Esse último ponto é questionável, m as é colocado de maneira tão vaga


que seria difícilçontestá-lo:

I m uma sociedade complexa com muitos bens, o escambo requer muito


esforço. Imagine-se tentando encontrar pessoas que ofereçam todos os tipos
tle produtos comprados na mercearia e que queiram aceitar os produtos que
você tem a oferecer em troca dos dados que eles possuem.
Algum meio de troca acordado (ou meio de pagamento) praticamente
elimina o problema da dupla coincidência de desejos.2

I im portante ressaltar que isso não é apresentado com o algo que de


(Min u <mtcceu, m as sim com o um exercício puram ente im aginário. “ Para
Vtllrinln com o a sociedade se beneficia de um m eio de troca, im agine uma
im Miioim a dc escam b o ”, escrevem David Begg, Stanley Fischer e Rudiger
I »mi u i mi m h | Economics, 2005]. “ Imagine a dificuldade que você teria hoje se
Mv» v.t tle irocar seu trabalho diretamente pelos frutos do trabalho de outra
, est revem Peter Maunder, Danny Myers, Naney Wall e Rober Miller
|! *MMiMlt\ I xplaincd, 1991]. "Imagine que você tenha galos, mas queira rosas”,es-
>o-v* 111 Mu hael Parkln e I )avltl King [Economia, 1995].' Poderíamos multiplicar

35
infinitamente esses exem plos. Q uase todos os m anuais de econom ia usados
hoje em dia colocam o problem a da m esm a maneira. Historicam ente, afir­
mam eles, sabemos que houve uma época em que não existia dinheiro. Como
poderia ter sido essa época? Ora, im aginem os uma econom ia parecida com
a que tem os hoje, m as sem dinheiro. Seria algo certam ente inconveniente!
É claro, as pessoas inventaram o dinheiro visando à eficiência.
-A história do dinheiro para os econom istas sempre com eça no reino da
fantasia do escambo.^O problem a é onde situar essa fantasia no tem po e no
espaço: estam os falando dos hom ens das cavernas, dos nativos das ilhas do
Pacífico, das primeiras colônias norte-americanas? Um manual, escrito pelos
econom istas Joseph Stiglitz e John Driffill, nos leva ao que parece ser uma ci­
dade imaginária na Nova Inglaterra ou no Centro-Oeste dos Estados Unidos:

Podemos imaginar um antigo sistema de escambo rural com o ferreiro, o


alfaiate, o merceeiro e o médico em uma cidade pequena. Para que o simples
escambo funcione, no entanto, deve haver uma dupla coincidência de desejos.
[...] Henry tem batatas e quer calçados, Joshua tem um par de calçados so­
brando e quer batatas. O escambo pode deixar os dois mais felizes. Mas se
Henry tem lenha e joshua não precisa de lenha, o escambo pelos calçados
de Joshua requer que os dois, ou apenas um deles, saiam procurando mais
pessoas na esperança de realizar uma troca multilateral. O dinheiro propor­
ciona um modo muito mais simples de realizar a troca multilateral. Henry
vende a lenha para outra pessoa por dinheiro e usa o dinheiro para comprar
os calçados de Joshua.4

Repetindo, essa é apenas um a terra im aginária, m uito parecida com


a nossa, m as sem o dinheiro. Sendo assim , ela não faz sentido nenhum :
quem , em sã consciência, m ontaria um a m ercearia em um lugar desses?
E co m o con segu iria suprim en tos? Mas deixem os isso de lado. Há um a
razão sim ples que leva todos os autores de m anuais de econom ia a nos
con tar a m esm a h istória. Para os eco n o m istas, trata-se, em um sentido
m uito verdadeiro, da h istória m ais im p ortan te que já nos foi contada.
Foi contando essa história, 110 significativo ano de 1776, que A dam Sm ith,

36
I*i i »fes.sor de filosofia moral da Universidade de Glasgow, criou efetivamente
I rcoiK>mia com o disciplina.
I lc n ão criou essa história sem algum em basam ento na realidade- Em
I |i• a.( A ristóteles já especulava sobre o assunto em um a linha bastante
ilm il.u em seu tratado sobre política. Antes, sugeria ele, as fam ílias deviam
|tro<luzir tudo aquilo de que precisavam. Gradualmente, algumas delas presu­
m ivelm ente teriam se especializado, algum as plantando milho, outras fabri-
ItliloY inhos, e teriam passado a trocar seus produtos.5 O dinheiro, supunha
\i i int( lcs.d eve 4£iLsurgido de tal processo. Mas, assim com o os estudiosos
tnt dievais que de vez em quando repetiam a história, Aristóteles nunca disse
i liii .uneiite co m o ele surgiu.6
Nus anos que se sucederam a Colom bo, enquanto aventureiros esp a­
nhol*. r portugueses varriam o mundo em busca de novas fontes de ouro e
Im »i.i ess.is histórias imprecisas desapareceram. Certamente ninguém relatou
tlM deneoberto uma terra onde vigorava o escam bo. A maioria dos viajantes
tio* •»» » ulos x v i e x v n , nas índias Ocidentais ou na África, supunha que todas
*<• um ledadcs teriam necessariam ente as próprias form as de dinheiro, uma
si / que todas as sociedades tinham governos e todos eles emitiam m oeda.7

\dam Smith, por outro lado, estava determinado a subverter a sabedoria


• o u i u u i tlc sua época. Em primeiro lugar, ele se opôs à ideia de que o dinheiro
IHM »• laçAo de governos. Nesse aspecto, Sm ith foi o herdeiro intelectual da
iMilKito dc filósofos liberais com o john Locke, que argum entava que o go-
- 1 >mi\a na necessidade de proteger a propriedade privada e funciona
• qii.mdo tenta se lim itara essa funçãoj>m jth.am pl4ou^^rgum ento,
"• I ...... • que propriedade, dinheiro e m ercados não só existiam antes das
Hh» ii uii^oes políticas, com o eram os próprios fundamentos da sociedade hu-
UltUM I »1 .se m o d o , uma vez que o governo tinha de exercer algum papel nas

|)Hi ii oi 11 ii >iictarias. ele deveria se limitar a garantir a estabilidade da moeda.


|'i*» • ui dei oi i cncia dessa tese que Adam Smith conseguiu afirm ar que a eco-
H l" u i 11 |*oi si só um cam po da investigação humana com princípios e leis
|mi.|<» ii.', nu seju, algo distinto da ética ou da política, por exem plo.
I \ iillilo esniíuç.u o argum ento de Adam Smith porque, com o eu disse,
♦•■♦in te do grMiulc mito fundador da econom ia com o disciplina.

37
,0KKcn V u h! J Wv ,’
Q ual é - assim ele com eça - a base da vida econôm ica propriam ente
dita? Trata-se de “certa tendência ou propensão existente na natureza humana
[...] a intercambiar, perm utar ou trocar uma coisa pela outra”. Os animais não
fazem isso. “Ninguém jam ais viu um cachorro fazer uma troca justa e delibe­
rada de um osso por outro, com um segundo cachorro.”8 Os seres humanos,
se deixados agir por conta própria, inevitavelmente com eçarão a perm utar
e com parar as coisas. É isso que eles fazem. Até m esm o a lógica e a conversa­
ção n ão^ assam de m odos de estabelecer trocas, e, com o em todas as outras
coisas, os seres hum anos sempre tentarão tirar o m áxim o de vantagem, bus-
ç.arãojQjmÍQxJuçro que p ossam obter com a troca.9
E esse im pulso para a troca, por sua vez, que cria a divisão do trabalho,
responsável por todo avanço da humanidade e pela civilização. Aqui a cena
muda para outra terra da fantasia dos economistas - que parece um amálgama
dos índios norte-am ericanos com os pastores nômades da Ásia Central:10

Em uma tribo de caçadores ou pastores, por exemplo, determinada pessoa


faz arcos e flechas com mais habilidade e rapidez do que qualquer outra.
Muitas vezes os trocará com seus companheiros por gado ou por carne de
caça; considera que, dessa forma, pode conseguir mais gado e mais carne
de caça do que conseguiria se ele mesmo fosse à procura deles no campo.
Considerando primeiramente, portanto, o interesse próprio, resolve que
fazer arcos e flechas será sua ocupação principal, tornando-se uma espécie
de armeiro. Outra pessoa é particularmente hábil em fazer o madeiramento
e as coberturas de suas pequenas cabanas ou casas removíveis. Ela está ha­
bituada a ser útil a seus vizinhos dessa forma, os quais a remuneram da
mesma maneira, com gado e carne de caça, até que, ao final, acaba achando
interessante dedicar-se inteiramente a essa ocupação e tornar-se uma espécie
de carpinteiro dedicado à construção de casas. Da mesma forma, um ter­
ceiro torna-se ferreiro ou funileiro, um quarto se faz curtidor ou preparador
de peles ou couros, componente primordial da roupa dos silvícolas [...]

É somente quando surgem fabricantes de arcos, cabanas etc. que as pes­


soas percebem a existência de um problema. Observe que, com o ocorre em

38
la u to s out r os exemplos, nós tendemos a passar de silvícolas imaginários para
I" • 11K nos com erciantes em cidadezinhas:

Q uando a divisão do trabalho estava apenas em seu início, esse poder de


li oca deve ter deparado frequentemente com grandes empecilhos. Pode­
m os perfeitamente supor que um indivíduo possua uma mercadoria em
quantidade superior àquela de que precisa, ao passo que outro tem menos.
( ousequentemente, o primeiro estaria disposto a vender uma parte do que
IIu* é supérfluo, e o segundo a comprá-la. Todavia, se esse segundo indiví­
duo nào possuir nada daquilo que o primeiro necessita, não poderá haver
nenhuma troca entre eles. O açougueiro possui mais carne do que a quan-
i kiiidc de que precisa para seu consumo, e o cervejeiro e o padeiro estariam
dispostos a comprar uma parte do produto. Entretanto, estes nada têm a
o lerecer em troca [...]. A fim de evitar o inconveniente de tais situações,
lodo hom em prudente, em qualquer sociedade e em qualquer período da
historia após ter se estabelecido pela primeira vez a divisão do trabalho, deve
uiii ural mente ter se empenhado em conduzir seus negócios de tal forma que
.1 <tida momento tivesse consigo, além dos produtos diretos de seu trabalho,
«n t«i quantidade de uma mercadoria ou outra - mercadorias tais que, em
«eu entender, poucas pessoas recusariam receber em troca do produto do
im balho delas.11

I irsse m odo, todos com eçaram inevitavelm ente a estocar aquilo que
.........Itam ser da necessidade de outras pessoas. Isso produziu um efeito
((HhiilnH.il p orq u e, em dado m om ento, em vez de aquela m ercadoria ficar
iih um . \ iliosa (uma vez que todos já têm um pouco dela), ela se torna mais
fflllim a (porque se transforma, efetivamente, em moeda):

« • mia se que na Abissínia o instrumento comum para comércio e trocas é


• • ' .tl em algumas regiões da costa da índia, é determinado tipo de conchas;
mi leria Nova é o bacalhau seco; na Virgínia, o tabaco; em algumas das nos-
<ni*»olónlas do oesie da índia, o açúcar; em alguns outros países, peles ou
i ornou preparados; ainda hoje segundo me loi dito existe na Escócia uma

39
aldeia em que não é raro um trabalhador levar pregos em vez de dinheiro,
quando vai ao padeiro ou à cervejaria.12

Por fim, obviam ente, pelo m enos para o com ércio de longa distância,
tudo se reduz a metais preciosos, pois estes idealmente são apropriados para
servir com o m oeda por serem duráveis, portáteis e capazes de serem dividi­
dos continuam ente em porções idênticas:

Diferentes foram os metais utilizados pelas diversas nações para esse fim.
O ferro era o instrumento comum de comércio entre os espartanos: entre
os antigos romanos era o cobre; e o ouro e a prata em todas as nações ricas
e comerciantes.
De início, parece que os referidos metais eram utilizados para esse fim
em barras brutas, sem gravação e sem cunhagem. [...]
O uso de metais nesse estado apresentava dois consideráveis inconve­
nientes: a pesagem e a verificação da autenticidade ou qualidade do metal.
Nos caso dos metais preciosos, em que uma pequena diferença de quanti­
dade representa uma grande diferença no valor, até mesmo o trabalho de
pesagem, para ser feito com a precisão necessária, requer no mínimo pesos
e balanças muito exatos. Particularmente a pesagem do ouro é uma opera­
ção precisa e sutil.13

Não é difícil deduzir o resultado disso. Usar lingotes irregulares de me-


tal é m ais fácil que praticar o escam bo, m as padronizar as unidades - diga-
m os, prensar peças de metal com designações uniform es que garantam o
peso e a pureza da liga, em diferentes denom inações - não facilitaria ainda
m ais as coisas? Certam ente sim , e dessa form a nasceu a cu nh agem . De
fato, a difusão da cunhagem im plicou d envolvim ento dos governos, pois
geralm ente eram os governos que forjavam as m oedas; m as, na versão clás­
sica da história, os govern os tinham apenas esse papel lim itado - garantir
a oferta m on etária - e tendiam a exercê-lo sem a m en o r com p etên cia,
um a vez que, durante a história, reis inescrupulosos m uitas vezes frauda­
vam a cu nh agem , d e sv a lo riz an d o a m oeda, geran d o in flação e o u tro s

40
I ipos de danos políticos àquilo que originalm ente era apenas um a questão
il< sim ples bom senso econôm ico.
De maneira reveladora, essa história teve um papel crucial não só na fun-
»
il.içào da econom ia com o disciplina, mas na própria ideia de que existia algo
<liumado “econom ia”,.que funcionava com regras próprias, separado da vida
nu>ral ou política - ou seja, algo que os econom istas podiam tom ar com o
• .impo de estudos. “A econom ia” é a área em que exercemos nossa propensão
ii.Hural a intercam biar e permutar. Ainda estam os intercam biando e perm u-
l.mdo e sempre estarem os. A m oeda é apenas o m eio mais eficaz para isso.
Mais tarde, econom istas com o Karl Menger e Stanley jevons m elhora-
i m i os detalhes dessa história, basicamente acrescentando diversas equações
matemáticas para m ostrar que um agrupam ento aleatório de pessoas com
li ejos aleatórios poderia, em teoria, produzir não só uma única mercadoria
I- li .1 ser usada com o dinheiro, mas também um sistema de preços uniformes.
Nesse processo, elçs também substituíram todo o vocabulário técnico p om ­
poso (por exemplo, “inconveniências” se transform ou em “custos de transa-
i" i () problema, contudo, é que essa história se tornou senso com um para
i m.iloria das pessoas. Nós a ensinam os para crianças nos livros escolares e
lios museus. Todo m undo a conhece. “Era um a vez o escam bo, um sistema
illlu il. rn tão as pessoas inventaram o dinheiro. P e p o iF v e io o desenvolvi­
mento do sistema bancário e do crédito.” Tudo isso constitui uma progressão
i" 11' itamente sim ples e objetiva, um processo de sofisticação e abstração
i .1*1.1 vez m aior que levou a humanidade, de maneira lógica e inexorável, da
lini .1 de presas de m astodonte na Idade da Pedra às bolsas de valores, aos
Imulos de hedge e aos derivativos securitizados.14
I ssa ideia tornou-se realmente onipresente. Onde quer que haja dinheiro,
li.ivri.i essa história. Certa vez, na cidade de Arivonim am o, em Madagascar,
11vi- o privilégio de entrevistar um kalanoro, uma criaturinha fantasm agórica
•|i ii um médium local dizia manter escondida dentro de um baú em sua casa.
i »i •.|»11 itoera do irm ão de uma agiota local, uma mulher horrenda chamada
Nimllne, e, para ser sincero, relutei um pouco em me envolver com a famí-
llii, mas alguns am igos insistiram afinal de contas, tratava-se de um ser de
li iiipos remotos. A criatura falava por trás de uma cortina com a voz trêmula

41
e sinistra. Mas o único assunto que lhe interessava era o dinheiro. Por fim, um
pouco irritado com toda aquela farsa, eu perguntei: “ Então, o que você usava
com o dinheiro nos tem pos antigos, quando ainda estava vivo?”.
A voz m isteriosa respondeu im ediatam ente: “ Não. A gente não usava
dinheiro. Nos velhos tem pos, trocávam os diretam ente um a m ercadoria
por outra”.

Essa história, portanto, tornou-se o m ito fundador do nosso sistema de re­


lações econôm icas. E esse mito está estabelecido de m odo tão profundo no
senso com um que, até m esm o em lugares com o Madagascar, a m aioria das
pessoas não im aginaria outra maneira possível de aparecimento do dinheiro.
Qproblema-é-que não há nenhum indício de que isso um dia aconteceu,
m as há num erosos indícios sugerindo que possa não ter acontecido.
Há séculos os pesquisadores tentam encontrar essa lendária terra do
escam bo - sem sucesso.. Adam Smith usa com o pano de fundo para seu re­
lato a A m érica do N orte e seus aborígenes (outros preferem a Á frica ou o
^Pacífico). Em defesa de Sm ith, pelo m enos poder-se-ia dizer que na época
dele não havia in form ações confiáveis sobre os sistem as econôm icos dos
. norte-am ericanos nativos em bibliotecas escocesas. Já seus sucessores não
p od em recorrer a desculpas. Mas, em m eados do século, as descrições de
Lewis Henry Morgan das Seis Nações dos Iroqueses, entre outras, foram am ­
plam ente difundidas - e deixaram claro que a principal instituição econô­
mica nas nações iroquesas eram habitações coletivas, cham adas longhouses,
em inglês, onde a m aior parte dos produtos era estocada e depois distribuída
pelos conselhos de mulheres, e ninguém nunca trocava pontas de flecha p o r
pedaços de_carne. O s econom istas sim plesm ente ignoraram essa inform a­
ção .15 Stanley jevons, que em 1871 escreveu o que seria considerado o livro
clássico sobre as origens do dinheiro, retira seus exem plos de Adam Smith,
com o ao falar de índios que trocam carne de caça por cervos e pele de cas­
tor, e não utiliza nenhum a descrição real da vida indígena, deixando claro
que Adam Sm ith sim plesm ente inventou esses exem plos. Mais ou m enos
na m esm a época, m issionários, aventureiros e adm inistradores coloniais

42
viajavam pelo mundo todo e levavam consigo cópias do livro de Adam Smith,
esperando encontrar a terra do escam bo. Ninguém nunca encontrou. O que
descobriram foi um a variedade quase infinita de sistem as econôm icos. Até
lioje, ninguém conseguiu localizar nem uma parte do rriundo sequer onde o
m o d o com um de transação econôm ica entre vizinhos seja na form a de troca
de "vinte galinhas por uma vaca”.
A obra antropológica definitiva sobre o escam bo, escrita por Caroline
I liimphrey, da U niversidade de Cam bridge, não poderia ser m ais enfática
im nas conclusões: “N unca foi descrito nenhum exem plo puro e sim ples
,da econom ia de escam bo, m uito m enos de que o dinheiro tenha surgido
d o escam bo; toda a etnografia existente sugere que esse tipo de econom ia
......... . existiu”.16
Ora. tudo isso dificilm ente quer dizer que o escam bo nào existiu - ou
|ih ui nua tenha sido praticado pelo tipo de gente que Adam Smith chama-
• i.i de "selvagens”.„Significa apenas que quase nunca era em pregado, com o
• I* Imaginava, entre hom ens de uma m esm a aldeia. Comum ente, ele acon-
i entre e s t ranhos, até entre inim igos. Tom em os com o exem plo os índios
unmhiquaras, no Brasil. Eles parecem corresponder a todos os critérios: uma
led.idc sim ples, praticam ente sem divisão de trabalho, organizada em
|*• <|iieiu)S gru pos que tradicionalm ente são form ados, quando m uito, por
• • ui pessoas cada um. De vez em quando, se um grupo vê que outro grupo
Hi i ndeii .is fogueiras para cozinhar, manda em issários para negociar um en-
i n u lio io m propósitos de troca. Se a oferta é aceita, eles prim eiro escondem
h* mulheres e as crianças na floresta, depois convidam os homens do outro
)|iu |hi pura visitar o acampamento. Cada grupo escolhe um chefe; depois que
Indi m reúnem, cada chefe profere um discurso formal enaltecendo a outra
|m iu i ubestim ando o próprio grupo; todos deixam as arm as de lado para
• .mi ii i dançar juntos - em bora a dança imite o confronto de guerra. Depois,
tM Indivíduos de um gru po se dirigem aos do outro para a troca:

*.i uiu Indivíduo quer um objeto qualquer, ele o enaltece dizendo o quanto
• hoiu Se um homem valoriza um objeto e quer algo cm troca por ele, em
vi / de dizer o quanto e valioso, diz que nào é bom, demonstrando assim

43
seu desejo de mantê-lo consigo. “ Esse machado não é bom, é muito velho
e perdeu o corte", dirá ele, referindo-se ao seu machado que o outro quer.
Esse argumento é defendido em um tom furioso até que se chega a um
entendimento. Feito o acordo, um pega o objeto da mão do outro. Se um ho­
mem fez o escambo de um colar não irá retirá-lo e entregá-lo, é o outro que
deve arrancá-lo exibindo força. Discussões, que muitas vezes levam a lutas,
ocorrem quando uma das partes é um pouco precipitada e apanha o objeto
antes que o outro tenha terminado de argumentar.17

Toda a negociação termina com um grande banquete para o qual as mulhe­


res reaparecem, mas isso também pode causar problemas, uma vez que a m ú­
sica e a boa comida costumam dar margem à sedução,18 o que muitas vezes leva
a rixas provocadas pelo ciúme. De vez em quando, algumas pessoas são mortas.
..O escam bo, portanto, apesar de todos os elem entos festivos, era reali­
zado entre pessoas em geral inimigas e podia estar a um passo de se converter
em uma guerra com pleta - e caso o etnógrafo esteja correto, se um dos lados
concluía que havia sido explorado pelo outro, a situação podia m uito facil­
mente levar de fato a um conflito real.
Virem os agora os holofotes para o outro lado do m undo, mais precisa­
mente para o lado ocidental da Terra de Arnhem , na Austrália, onde o povo
gunw inggu é fam oso por divertir os povos vizinhos em rituais de escam bo
cerim onial chamados dzamalag. Aqui, a ameaça de violência real parece muito
mais distante. Isso porque, parcialmente, as coisas são mais fáceis por causa
da existência de um sistem a de “m etades exogâm icas” adotado em toda a
região: não é perm itido se casar ou fazer sexo com pessoas da m esm a m e­
tade em que o gru po se divide, não im porta de onde elas tenham vindo, mas
qualquer pessoa que seja da outra metade tecnicamente é um par potencial.
Desse modo, para os homens, m esm o em comunidades distantes, metade das
m ulheres é estritamente proibida, e a outra parte é um alvo legítimo. A região
tam bém é unida pela especialização local: cada povo tem seu próprio p ro­
duto de troca para realizar o escam bo com outros grupos.
O que se segue se baseia na descrição de um dzamalag ocorrido na década
de 1940, tal com o observado pelo antropólogo Ronald Berndt.

44
Mais uma vez, a história com eça quando estranhos, depois de algum as
n» v:* iações iniciais, são convidados para o acam pam ento dos anfitriões. Os
v hii.m ies, nesse exem plo, eram conhecidos por suas “lanças dentadas muito
tipi rt iadas” - e os anfitriões tinham acesso a boas vestim entas vindas da Eu-
*h |m O negócio com eça quando o gru p o visitante, form ado por hom ens
V mulheres, entra na área circular reservada para as danças, e três pessoas
• nuteçam a entreter os anfitriões com m úsica. Dois hom ens cantam e um
h i. eiro os acom panha tocando didjeridu. Pouco tem po depois, as mulheres
||m ki 11| h> de anfitriões chegam e atacam os m úsicos:

I Inmens e mulheres se levantam e começam a dançar. O dzamalag tem iní-


t lo quando duas mulheres gunwinggus da metade oposta à dos homens
que «.antam “dão o dzamalag” para estes. Elas presenteiam cada homem com
um pedaço de tecido, dào uma pancada neles ou os tocam, jogando-os no
i IlAo, chamando-os de marido do dzamalag e brincando com eles de maneira
n ótica. Depois outra mulher da metade oposta à do homem que toca o
liisti umento de sopro lhe dá um tecido, golpeia-o e brinca com ele.
I sse é o início da troca dzamalag. Os homens do grupo visitante sentam-se
quietos enquanto as mulheres da metade oposta se aproximam, acertam-
lhes um golpe e os convidam para a cópula; elas tomam todas as liberda-
•I«»» para com os homens, entre diversão e aplausos, enquanto o canto e a
iliinsa continuam. As mulheres tentam tirar as vestimentas que cobrem os
•|iM<li is dos homens ou tocar o pênis deles, arrastando-os para fora da área
•Ir dança para o coito. Os homens saem com suas parceiras de dzamalag,
demonstrando relutância, para copularem moitas distantes das fogueiras
!|iie Iluminam os dançarinos. Eles dào tabaco e contas para as mulheres.
( J i i n i k Io elas voltam, dão parte do tabaco para os maridos, que as haviam
• ui ni.ijadoa ir para o dzamalag. Os maridos, por sua vez, usam o tabaco para
l*.in.ii por suas próprias parceiras de dzamalag [...].19

Nnvos cantores e m úsicos aparecem ; tam bém são abordados e levados


|m i 4 lis m atagais; os hom ens encorajam suas esposas a "não terem verg o ­
nha paia assim manter a repulaçAo hospitaleira dos gunw inggus; algum as

45
vezes esses hom ens tom am a iniciativa com as esposas dos visitantes, ofere­
cendo roupas, golpeando-as e levando-as para os matagais. Contas e tabaco
circulam . Por fim, depois que todos os participantes saíram aos pares pelo
m enos uma vez, e os convidados estão satisfeitos com as vestimentas que ad­
quiriram , as m ulheres param de dançar, form am duas fileiras, e os visitantes
se organizam para pagar a elas.

Então os visitantes de uma metade dançam para as mulheres da metade


oposta para “dar-lhes o dzamalag”. Eles seguram lanças de ponta triangular
e fingem espetar as mulheres, mas, em vez de golpeá-las com a ponta, eles
as golpeiam com a haste da lança. “Nós não espetaremos vocês com a lança
porque já espetamos com o pênis.” Eles entregam as lanças para as mulheres.
Depois os visitantes da outra metade procedem da mesma maneira com as
mulheres da metade oposta, dando-lhes lanças de pontas dentadas. Com isso
a cerimônia termina e segue-se uma ampla distribuição de comida.20

Esse caso é particularm ente dram ático, mas casos dram áticos são reve­
ladores. O que os anfitriões gunw inggus parecem fazer aqui, devido às rela­
ções relativamente am igáveis com os povos vizinhos da Terra de Arnhem , é
tom ar todos os elementos do escam bo dos nam biquaras (a m úsica e a dança,
a hostilidade potencial, a intriga sexual) e os transform ar em um tipo de jogo
festivo - um jogo que talvez não deixe de ter seus perigos, mas (como enfatiza
o etnógrafo) é considerado extremamente divertido por todos os envolvidos.
Esses casos de troca pelo escam bo têm em com um o fato de serem en­
contros entre estranhos que muito provavelmente jam ais se encontrarão de
novo, e entre os quais certamente não se desenvolverão relações duradouras.
E por isso que uma relação de troca direta, de um para um, é apropriada: cada
uma das partes faz sua troca e vai em bora. Tudo se torna possível quando se
firma o prim eiro estágio da sociabilidade na form a de prazeres com partilha­
dos, m úsica e dança - a base com um de convívio sobre a qual o com ércio
deve sem pre se construir. Depois vem a troca real, em que os dois lados fa­
zem uma bela exibição da hostilidade latente que necessariamente existe em
qualquer troca de bens materiais entre estranhos - nenhuma d.is partes tem

46
I azões particulares para não tirar vantagem da outra parte - por m eio de uma
lalsa agressão, em tom de brincadeira, em bora no caso dos nam biquaras, em
que o manto da sociabilidade é extrem am ente tênue, a falsa agressão corra o
»onstante perigo de se transform ar em agressão real. Os gun w in ggus, com
mi.i atitude mais relaxada ante a sexualidade, conseguiram de um m odo enge­
nhoso transform ar os prazeres com uns e a agressividade que com partilham
exatam ente na m esm a coisa.
Recordemos aqui a linguagem dos manuais de econom ia: “ Imagine uma
•mm ledade sem dinheiro” ou “im agine um a econom ia de esca m b o ”. Esses
• n mplos deixam m uito claro com o é limitada a im aginação da m aioria dos
• • onomistas.21
Por quê? A resposta m ais sim ples seria esta: para que exista um a dis-
• Ipllna cham ada “econom ia”, um a disciplina que diga respeito, em prim ei-
t iv.nno lugar, a com o os indivíduos buscam o acordo m ais vantajoso para
il I toca de calçados por batatas, ou de roupas por lanças, é preciso assum ir
•| im a iroca desses bens não tem nada a ver com guerra, paixão, aventura,
nu a •m i, sexo ou morte. A econom ia pressupõe um a divisão entre diferentes
»«li I .is do com portam ento hum ano que, entre povos com o os gunw inggus
• n.imbiquaras, sim plesm ente não existe. Essas divisões, por sua vez, são
|MiMlb|litadas por acordos institucionais bem específicos - a existência de
•1*1 vi irad o s, prisões e polícia - para garantir que até m esm o as pessoas que
♦lio »siam umas das outras, que não têm interesse nenhum em desenvolver
tjtiitli|iiri tipo de relação duradoura, mas só estão interessadas em se apode-
Mi ao m axim o das posses do outro, não tenham de recorrer ao expediente
Httll* o b v io (o roubo). Isso, p or sua vez, nos perm ite assum ir que a vida é
Imihk Mtlosamente dividida entre o mercado, onde fazem os nossas com pras,
p <* Vilrt ,i de consum o”, onde nos envolvem os com a música, os banquetes e
Mtw liM ' » 1 m outras palavras, a visão de mundo que está na base dos manuais
!*• onom la, cu jo estabelecim ento se deve tanto a A dam Sm ith, tornou-
*• I mu I« tiU» lundam ental do senso com um que para nós é difícil im aginar
um o» (tirnsívrl configuração.
i ont esses exem plos, com eça a ficar claro p orq u e nào existem socieda-
•• • hasi ailas no escam bo. I Jma tal sociedade só poderia ser aquela em que
todos estão o tem po todo a um passo de se engalfinharem , em constante
tensão, prontos para atacar, m as nunca atacando de fato. E verdade que o
escam bo às vezes acontece entre pessoas que não se consideram estranhas
umas às outras, mas elas poderiam muito bem ser estranhas - ou seja, são pes­
soas sem espírito de confiança ou responsabilidade m útua, ou que não têm
desejo nenhum de desenvolver relações duradouras. Os pachtuns do norte
do Paquistão, por exem plo, são fam osos p or sua generosa hospitalidade.
O escam bo é o que se pratica com as pessoas às quais você não é ligado por
laços de hospitalidade (ou parentesco, ou qualquer outra coisa):

A forma predileta de troca entre os homens é o escambo, ou adal-badal (toma


lá, dá cá). Os homens estão sempre atentos à possibilidade de escambar uma
de suas posses por algo melhor. E comum a troca acontecer entre coisas
semelhantes: um rádio por outro rádio, óculos de sol por outros óculos de
sol, um relógio por outro relógio. No entanto, objetos diferentes também
podem ser trocados, como, por exemplo, uma bicicleta por dois jumentos.
O adal-badal é sempre praticado entre pessoas que não são aparentadas e
proporciona muito prazer aos homens, pois eles tentam tirar vantagem de
seu parceiro de troca. Uma boa troca, na qual o homem sente que se saiu
melhor depois do acordo, é motivo de vaidade e orgulho. Se a troca é ruim,
o recebedor tenta voltar atrás no negócio ou, quando não consegue, [pro­
cura] se livrar do objeto defeituoso passando-o para outra pessoa que não
suspeita de nada. O melhor parceiro de adal-badal é uma pessoa distante em
termos espaciais, ou seja, que terá poucas chances de reclamar.22

Porém, esses m otivos inescrupulosos não estão limitados à Ásia Central.


Eles parecem inerentes à própria natureza do escam bo - o que explicaria o
fato de, um ou dois séculos antes de Adam Smith, as palavras inglesas truck
e barter [troca e escam bo], assim com o seus equivalentes em francês, espa
nhol, alemão, holandês e português, significarem à época “trapacear, enganai
e tirar vantagem ”.23 Trocar um a coisa diretam ente pela outra enquanto se
tenta conseguir a m elhor vantagem com a transação é a form a com um de
lidar com as pessoas pelas quais nào se tem muita considernçAo e que não se

48
rwpera ver de novo. Quais seriam os m otivos para não tentar tirar vantagem
ilr uma pessoa assim? Se, por outro lado, alguém tem certa consideração por
uma pessoa - um vizinho, um am igo - a ponto de realizar um acordo justo
• honesto, inevitavelmente tam bém se interessará por levar em conta as ne-
»rssldades e os desejos dessa pessoa. Ainda que estejamos fazendo a troca de
iiiiM coisa pela outra, provavelmente encararem os a troca com o um presente.

r.it.i <st larecer o que quero dizer com isso, voltem os aos m anuais de e co ­
nomia c ao problem a da “dupla coincidência de desejos”. Q uando falam os
♦I** I Irnry, ele precisava de um par de calçados, m as só dispunha de algu-
HMt balatas. Joshua tinha um par de calçados sobrando, mas não precisava
•li Iu i.ii.is. Com o o dinheiro ainda não foi inventado, eles têm um problem a.
• • •i»I« v.io fazer?
A prim eira coisa que deve ficar clara nesse ponto é que precisam os real-
fHlHH«' conhecer um pouco mais sobre Joshua e Henry. Quem são eles? São
|Mit iiii Se sim , qual é o parentesco? Os dois parecem viver em um a co-
IltiMtl« l.ulc* pequena. Q uaisquer pessoas que vivam na m esm a com unidade
(•»•im im terào algum tipo de história com plicada em relação às outras. Eles
Irtn .unidos, rivais, aliados, am antes, inim igos ou várias dessas coisas ao
nu *11111 tempo?
« >•* autores do exem plo original pensaram em dois vizinhos mais ou me-
Mif m i m esm a condição, não tão próxim os, m as am igáveis - ou seja, uma
HpUsfli»• om .1 maior neutralidade possível. Mesmo assim, isso não diz muito.
m plo, sc* 1 lenry m orasse em uma habitação coletiva e precisasse de
|«K*iIm V lo slu ia nem sequer entraria na jogada; Henry sim plesm ente co-
f»Mlla, iii ii (alo com a esposa, que tocaria no assunto com outras m atronas,
INI*« iii iii m.iirri.il no depósito da habitação coletiva e confeccionaria os cal-
I >ma alternativa, para encontrarm os um cenário que se encaixe em
manual Im aginário de econom ia: teríam os de posicionar Joshua e Henry
jUtlto« • ui uma com unidade pequena e bem íntima, com o uma tribo nambi-
tyiHM mi um y ru p o d e gunw inggus:
CE NÁRI O I

Henry se aproxima de joshua e diz: “( aliados bonitos!".


joshua diz: "Ah, nem sào tão bonitos assim , mas, com o você gostou
deles, pegue-os”.
Henry pega os calçados.
Eles não tratam das batatas de Henry porque os dois sabem perfeita
mente que, se Joshua precisar de batatas em algum momento, Henry lhe
dará algumas.

E nada m ais que isso. O bviam ente não está claro, nesse caso, quanto
tem po H enry ficará com os calçados. Provavelm ente depende do estado
deles. Se os calçados forem com uns, esse pode ser o fim da questão. Se fo ­
rem bonitos ou únicos de algum a maneira, podem ser passados adiante. Há
uma história fam osa contada por John e Lorna M arshall, antropólogos que
fizeram um estudo na década de 1960 com bosquím anos do deserto Kala-
hari [África]: eles deram um a faca de présente para um de seus inform antes
prediletos. Um ano depois eles voltaram e descobriram que quase todos os
indivíduos do gru po tiveram a posse da faca em algum m om ento. Por outro
lado, vários am igos árabes me confirm aram que, em contextos estritamente
m enos igualitários, ocorre certo expediente. Se um am igo elogia um brace­
lete ou uma bolsa, espera-se que você diga imediatamente: “Tom e” - mas, se
você está determ inado a m anter o objeto consigo, você sem pre pode dizer:
“E bonito, não é? Foi um presente”.
Está claro, no entanto, que os autores do manual de econom ia têm em
mente uma transação um pouco mais im pessoal. Eles parecem im aginar os
dois hom ens com o chefes de unidades fam iliares patriarcais, mantendo boas
relações entre si, m as que guardam os próprios suprim entos. Talvez eles vi­
vam em um daqueles vilarejos escoceses, com o açougueiro e o padeiro do
exem plo de Adam Smith, ou em um assentamento de colonos na Nova Ingla­
terra. A diferença é que eles nunca ouviram falar em dinheiro. E uma fantasia
peculiar, mas vejam os o que podem os fazer:

50
I I nAmii > >

11- in v s« aproxim a de Joshua c diz: “C alçados bonitos!".


t hi rnt Ao para deixar esse cenário um pouco tnais realista - a esposa de
Hflli V rsi.i i on versa ndo com a esposa de Joshua e deixa escapar estrategi-
i hi ii nii ijue o estado dos calçados de Henry está tão ruim que ele começou

• d i lamar dos calos.


A mensagem é transmitida e Joshua aparece no dia seguinte para ofere-
i • i .1 I lenry, com o presente, seu par de calçados que está sobrando, insis-
|littli • que se trata apenas de um gesto amigável. Jamais ele aceitaria alguma
i Mivt t «uno compensação.
NAo importa se Joshua está sendo sincero. Ao fazer o que fez, Joshua
'• Nisira um crédito. Henry lhe deve uma.
( oino Henry poderia pagar a Joshua? Há infinitas possibilidades. Talvez
(••.Ima realmente queira algumas batatas. Henry espera passar um pequeno
m in valo e entrega as batatas para Joshua, insistindo também que se trata
*|trnus de um presente. Ou talvez Joshua não precise de batatas agora, então
I Irnry espera até que ele precise. Ou talvez ainda um ano depois, quando
lotliua planejar um banquete, ele passe pelo curral de Henry e diga: “Que
M o porco...”.

I ui qualquer um desses cenários, o problema da “dupla coincidência de


•li n los", tào evocado nos m anuais de econom ia, sim plesm ente desaparece.

Himh v pode não ter algo de que Joshua precise agora mesm o. Mas, se os dois
Mo vl/in h o s, obviam ente será uma questão de tem po até que Joshua precise
•It iil^iuna coisa.24
IV>r sua vez, isso significa que a necessidade de estocar itens com um ente
It rll iveis, da m aneira que sugeriu Adam Sm ith, tam bém desaparece. Com
I m o extingue-se a necessidade de m oeda. A ssim com o acontece em m uitas
• i II mm idades pequenas atuais, todas as pessoas simplesmente guardam con-
nl|!< i .1 inform ação de quem deve o que para quem.
I lá apenas um problema conceituai importante aqui - um problema que
• • I* lior atento já deve ter notado. Henry “deve um a a Jo sh u a”. Uma o quê?

5i
Como sc quantifica um favor? Ila.scailo* cm que uns di/cmos que css.i poi\.io
de batatas, ou esse porco grande, parei c m.ns ou menos equivalente a um
par de calçados? Porque, mesmo sc essas coisas forem meras aproximado»
rudimentares, tem de haver alguma maneira de estabelecer que X equivali
mais ou menos a Y, ou que é um pouco melhor ou um pouco pior. Isso n.io
indica que algo parecido com o dinheiro, pelo menos no sentido de uma uni
dade de contas que permita comparar o valor de diferentes objetos, já exist .1
Na verdade, há um modo rudimentar de resolver o problema na maio
ria das economias da dádiva. Estabelece-se uma série de categorias de tipos
de coisas. Porcos e calçados devem ser considerados objetos de equivalência
aproximada: pode-se dar um em troca de outro. Colares de corais já seriam
uma questão totalmente diferente; seria preciso dar em troca outro colar,
ou pelo menos outra joia - os antropólogos costumam se referir a essas si­
tuações como criadoras de diferentes “esferas de troca”.25 De certa forma,
isso simplifica as coisas. Quando o escambo transcultural se torna uma coisa
regular e corriqueira, ele tende a funcionar de acordo com princípios seme­
lhantes: existem apenas certas coisas troCadas por outras (roupas por lanças,
por exemplo), o que facilita a elaboração de equivalências tradicionais. No
entanto, isso não nos ajuda em nada no problema da origem do dinheiro. Ao
contrário, torna tudo ainda mais difícil. Por que estocar sal, ouro ou peixe se
eles só podem ser trocados por certas coisas e não outras?
Na verdade, há boas razões para acreditarmos que o escambo não é um
fenômeno particularmente antigo, mas que só se difundiu de fato nos tempos
modernos.-Na maioria dos casos que conhecemos ele acontece entre pessoas
familiarizadas com o uso da moeda mas que, por uma ou por outra razão, não
têm tanto dinheiro disponível. Sistemas de escambo mais elaborados em geral
afloram como consequência do colapso de economias nacionais: mais recente­
mente, na década de 1990, na Rússia, e por volta de 2002, na Argentina, quando
, os rublos (no primeiro caso) e os dólares (no segundo) desapareceram.26 Em
determinadas ocasiões ainda é possível encontrar algum tipo de moeda come­
çando a se desenvolver: por exemplo, nos acampamentos de prisioneiros de
guerra e em muitas prisões é sabido que os reclusos usam cigarros como um
tipo de moeda, para o deleite e a comoção dos economistas profissionais.2'

52
|l|lll l.lllll'» III ( Slíimos l.ll.liulu de pcssn.is t|UC i ICSl CI.IIII us .mhIo O til
•i.i I...... .mi sc virai sei11 ele exatamente .i situação "imaginada"
........... . unia com os quais eu comecei.
A «oluç.io mais Irequente é adotar algum tipo de sistem a de crédito. Pa-
hn i In ’ iil«» Isso que aconteceu quando a m aior parte da Europa “reverteu-se
c*u .tiuiu > depois do colapso do Im pério R om ano e tam bém depois
tyti» i • Iiii) mrio C arolíngio desm oronou da m esm a m aneira. As pessoas con-
■ tiM M iu m antendo suas contas no antigo dinheiro im perial, m esm o que
H n iinimscm mais m oedas cunhadas.28 De maneira semelhante, os pachtuns
■ N " * Mv que gostam de trocar bicicletas por jumentos, conhecem muito bem
piiHH ilo dinheiro. O dinheiro existiu naquela parte do m undo por milhares
d l ai» I les sim plesm ente preferem a troca direta entre iguais - nesse caso,
‘iÉBfi|iii a ( onsideram mais m asculina.29
i »mi , iis notável é que m esm o nos exem plos de Adam Smith sobre peixe,
JffPtiou c i.ibaco usados com o dinheiro acontecia o m esm o tipo de coisa. Nos
M que sc seguiram à publicação de A riqueza das nações, os pesquisado-
fpft .»vi i iguaram a m aior parte dos exem plos e descobriram que, quase em
ms i asos, as pessoas envolvidas no escam bo eram bem fam iliarizadas
IImm • • Ms o do dinheiro e na verdade usavam o dinheiro - com o unidade de
'd fom em os o exem plo do bacalhau seco, supostam ente usado com o
Htonlii cm Terra Nova. Com o afirm ou o diplom ata inglês A. Mitchell Innes
tlft ijliiise um século, o que Adam Smith descreve na verdade era uma ilusão
I I ).*•!.i |k *i um simples acordo de crédito:

Nus primeiros dias da indústria de pesca em Terra Nova, não havia uma
|M»|nilação permanente europeia: os pescadores iam para lá apenas na tem-
| mii ,u I.i de pesca, e os que nào eram pescadores eram comerciantes que com-
|Miiv,im o peixe seco e vendiam para os pescadores seus suprimentos diários.
I *les vendiam a pesca para os comerciantes conforme o preço de mercado
em libras, xelins epennies, e obtinham como retorno um crédito nas contas,
m in o qual pagavam por seus suprimentos. O saldo devedor por parte dos
i Kinerciantes era pago com títulos de crédito na Inglaterra ou na França.

53
Acontecia quase a mesma coisa no vllairjo rtto i ó s . NAoé que as pessoas
realmente entrassem em uma taberna loi .il, jogassem um prego no balcao v
pedissem um caneco de cerveja. Os empregadores, na época de Adam Smith,
muitas vezes careciam de m oedas para pagar aos trabalhadores; os salários
podiam atrasar um ano ou mais; nesse ínterim, era considerado aceitável que
os em pregados levassem em bora alguns produtos que fabricaram ou alguma
sobra de material de trabalho, com o m adeira, tecidos, cordas etc^Qs pregos
eram de fato interessantes por serem produto dos em pregadores. Entào eles
iam às tabernas, abriam uma conta e, quando a ocasião permitia, levavam um
saco de pregos para liquidar a dívida, O fato de a lei ter tornado o tabaco uma
m oeda corrente na Virgínia parece ter sido uma tentativa dos agricultores de
obrigar os com erciantes locais a aceitar o produto com o crédito na época
de colheitas. Com efeito, a lei obrigou todos os com erciantes na Virgínia a
se tornarem revendedores do negócio do tabaco, quisessem eles ou não; da
m esm a m aneira, todos os com erciantes das índias Ocidentais foram obriga­
dos a negociar açúcar, uma vez que o açúcar era tudo o que os consum idores
mais ricos produziam para liquidar suas‘dívidas.
Os exem plos básicos, portanto, são aqueles em que as pessoas im provi-
saram sistemas de crédito porque o dinheiro verdadeiro - m oedas de ouro e
prata - estava escasso. Mas o golpe m ais surpreendente à versão convencio­
nal da história econôm ica surgiu com a tradução prim eiro dos hieróglifos
. egípcios e depois da escrita cuneiform e m esopotâm ica, que am pliou as fron­
teiras do conhecim ento dos pesquisadores da história escrita em quase 3 mil
anos, do tem po de Hom ero (cerca de 800 a.C.), mais ou m enos, que era até
onde ia o conhecim ento na época de Adam Smith, para aproxim adam ente
3500 a.C. Esses textos revelaram que sistem as de crédito desse m esm o tipo
na verdade precederam a invenção das m oedas cunhadas em milhares de anos.
O sistem a m esop otâm ico é o m ais bem docum entado, m ais do que o
sistem a do Egito faraônico (que parece semelhante), o da China da dinastia
Shang (do qual p ouco sabem os) ou o da civilização do Vale do Indo (sobre
o qual não sabem os nada). A liás, sabem os m uita coisa sobre a M esopotâ-
m ia porque a gran de m aioria dos docu m en tos cu n eifo rm es era de n atu ­
reza financeira.

54
\ r« oitom la siim éria 1« >i d o m in ad a p o r v.istos co m p le x o s de tem p los c
................ I sses co m p le x os m uitas vezes eram presididos p o r m ilh ares de pes-
«ii< n d o tcs e oficiais, artesãos que trabalhavam em oficinas, fazendeiros
ie com andavam suas propriedades. Ainda que a Sum éria antiga
dividida em diversas c idades-l-stado independentes, o passado descorti-
lltld.» ilti Mi topotâm ia até cerca de 3500 a.C. revelou que os adm inistradores
H p 1 1 | m plos j.i pareciam ter desenvolvido um sistem a único e uniform e de
ItiltHbillil.iile um sistema que, em alguns aspectos, continua conosco até
l»i|» ........rdade porque devem os aos sum erianos algum as coisas com o a
HM•' '1 >111 por dúzias, a hora de 60 minutos ou a divisão do dia em 24 horas.52
A unidade m onetária básica era o siclo de prata. O peso de um siclo de prata
, f f f pihiltrln ido com o o equivalente a u m gur, ou bushel de cevada. O siclo era
' ||tl-.li' i.li.ln em sessenta m inas, correspondendo a uma porção de cevada -
g|MM Imm no princípio de que havia trinta dias em um mês, e os trabalhadores
tlii n 111pio recebiam duas rações de cevada por dia. É fácil perceber que o
tlllili.». i”, nesse sentido, não é de m odo nenhum o produto de transações
fMintii Mis Na verdade, ele foi criado por burocratas para rastrear os recursos
9 Ifniitlt i 11 itens entre departam entos.
« burocratas do tem plo usavam o sistem a para calcular as dívidas
(ftliiiMii k , im postos, em préstim os etc.) em prata. Efetivamente, a prata era
dltil» li o I ela de fato circulava na form a de pedaços não cunhados, “barras
• ................ui*» disse Adam Sm ith.^ Nisso ele estava certo. Mas praticamente só
|Mi te do relato estava correta. Para começar, a prata não circulava muito.
A mmIoi parte dela ficava arm azenada nos tesouros do templo e do palácio,
alyinri desses tesouros continuaram guardados no m esm o lugar durante
Ifilllitii 1 x de anos - literalmente. Seria muito fácil na época padronizar os lin-
I m1 1ix, 1-los, criar um sistema confiável para garantir sua pureza. Existiu
Mi ilt i^i.1 para isso. No entanto, ninguém sentiu a necessidade particular de
fi#*1 l<* I )ma das razões é que, apesar de as dívidas serem calculadas em prata,
t*|.i*t ii.in precisavam ser pagas em prata - na verdade, elas podiam ser pagas
(IMl* 1 ui menos com qualquer coisa de que se dispusesse. Os cam poneses que
»1» v Min dinheiro ao templo ou ao palácio, ou para algum oficial do templo ou
»In |mI;u lo, parecem ter liquidado suas dívidas principalm ente com cevada,

55
e p o r isso era tào im p o rtan te lixai .i p ro p m \A o d.i prata para a cevada. Mas
era perfeitam ente aceitável aparecer to m i a b u s , m ob ília ou lápis-lazúli. ( )s
tem plos e palácios eram o p eraçõ es industriais gigan tescas desse m odo, po
diam dar utilidade a praticam ente qualquer c o is a .14
Nas praças de mercado que surgiram nas cidades da M esopotâm ia, os
p re ç o s tam bém eram calculados em prata, e o preço das m ercadorias que
não eram totalm ente controladas pelos tem plos 1 palácios tendia a flutuar
de aco r 5 o c o m a õfêrta e a procu ra. Mas, m esm •
tem os sugerem que a m aioria das transações era baseada no crédito. Os
com erciantes (que às vezes trabalhavam para os templos, às vezes de forma
independente) estavam entre os poucos que usavam com frequência a prata
nas transações; mas até m esm o eles faziam a m aior parte de suas transações
à base do crédito, e as p essoas com uns que com pravam cerveja das “cer­
vejeiras” ou dos estalajadeiros locais tam bém abriam um a conta que seria
liquidada, na época da colheita, com cevada ou outra coisa que tivessem
em m ão s.35
N essa altura, praticam ente todos ós aspectos do relato convencional
sobre as origens do dinheiro caem por terra.. Pouquíssimas vezes uma teoria *
i listó rica foi refutada de m aneira tão absoluta e sistem ática. Nas prim eiras
décadas do século x x , já sexonheciam todas as peças para que a história do
dinheiro fosse inteiramente reescrita. A prim eira peça foi m ovim entada por
Mitchell Innes - o m esm o que citei ao falar do bacalhau - em dois ensaios
publicados no Banking Law Journal de Nova York, em 1913 e 1914. Neles, Mitchell
Innes expõe sem nenhum rodeio as falsas suposições nas quais se baseava a
história da econom ia com o a conhecíam os e sugere que precisam os na ver­
dade de uma história da dívida:

Uma das falácias populares em relação ao comércio é que, nos tempos m o­


dernos, foi introduzido um recurso econômico chamado crédito e que, antes
de esse recurso^er conhecido, todas as compras eram pagas em dinheiro
vivo, em outras palavras, em moedas. Uma investigação cuidadosa mostra
que justamente o inverso é verdadeiro. Antigamente, as moedas tinham um
papel muito menor no comércio do que têm hoje. Na verdade, a quanti-

56
,1. . 1, inunl.r. disponív el cia (Ao pequena que ucm sequer hastava para as
H*t Mkltlatlrt da lainílla real |Inglesa medieval| e dos estam entos que regu-
lm nu nu usavam v.u los tipos de moeda sim bólica com o propósito de rea-
j Ê Ê f |in|i il uos pag am e n to s. Com efeito, a cunhagem era tão insignificante

jâ M Mui li ii‘<v» /es os reis nAo hesitavam em retirar todas de circulação para
■tyi fitMcm rei unhadas e redistribuídas, e apesar disso o com ércio conti-
JHi«iv«i t «aiainente do m esm o jeito.16

N k i- h U I e, nosso relato-padrãoda história m onetária é definitivamente


N o m i Ao u imeçamos com o escambo e depois passamos pela desco-
iii • iIn ilii Iro, alé chegarm os ao desenvolvimento dos sistemas de crédito,
Um u i ontr. i rio. O que hoje cham am os de m oeda virtual veio prim eiro.
•I i .li melai apareceu muito tem po depois, e seu uso se difundiu ape-
. ... d e s i g u a l , sem jam ais substituir por com pleto os sistemas de
o Mim ninho, por sua vez, parece ser principalm ente um tipo de sub-
iii i. idi ui.d d o uso da cunhagem ou do dinheiro em papel: em term os

Ittli n*. o est am bo tem sido principalmente o que as pessoas acostumadas


£ IfUniav><*s l’m dinheiro vivo fazem quando, por alguma razão, não têm
IÉ l l ineda corrente. .
i» i ui h >so é que isso nunca aconteceu: essa nova história nunca foi es-
■ N. ío que os econom istas tivessem refutado Mitchell Innes. Eles simples-
- tu >i,ii.mi. Os m anuais nào m udaram seus relatos - m esm o que
■ t i n i a i e vi d e n c i a s deixassem claro que eles estavam errados. A sj^essoas
iÜ tytliiuam esi revendo histórias do dinheiro que na verdade são histórias da
m, partindo do pressuposto de que, no passado, as duas coisas eram
MM «i. i »s períodos em que a cunhagem desapareceu em grande.escala ainda
j f l i ’ iltmi i ii p f com o épocas em que a econom ia “retornou para o escam bo”,
• . • sentido dessa frase fosse evidente, ainda que ninguém saiba real-
Jftuni. iique significa. De m odo que não temos praticamente nenhuma ideia
■ l l i ii i i M os habitantes de um a cidade holandesa em 950 d.C., por exemplo,
miimi r 111.1111 queijo, colheres ou m úsicos para tocar no casam ento de suas
HIIm i menos ainda com o isso se dava em Pemba ou em Sam arcanda. ''

57
3-
Dívidas primordiais
Ioda i riatura nasce com o uma dívida devida aos deuses, aos

santos, aos pais e aos homens. Quando se faz um sacrifício, é

por causa de uma dívida devida aos deuses desde o nascimento

|... |. Q uando se recita o texto sagrado, é por causa de um a dívida

devida aos santos [...]. Quando se deseja um a prole, é por causa

de uma dívida devida aos pais desde o nascimento [...]. Q uando se

dá hospitalidade, e por causa de uma dívida devida aos homens.

SA T A P A T H A B R A H M A N A 1.7.1 2 ,1 -6

Afastem os de nós os efeitos m alignos dos sonhos ruins assim

com o liquidam os nossas dívidas.

RIG V E D A 8 . 4 7 .17

■iM o tlv o 1I1- os manuais de econom ia hoje com eçarem com vilarejos imagi-
IMMIh* «r deve à impossibilidade de falarmos sobre vilarejos reais. Até mesmo
B M im* • • ouoinistas foram obrigados a adm itir que a Terra do Escam bo de
#11 Miiili n.1 verdade não existe.1
A i|mutâoé saber por que o mito foi perpetuado. Economistas renomados
i'ii,im com tranquilidade outros elementos de A riqueza das n a ç õ es- por
Hpttt|'li • .1 teoria do valor-trabalho e a desaprovação às sociedades anônim as.2
jflty ijlh simplesmente não descartar o mito do escambo com o uma parábola
JwHHMhi.i l.intástica e, no lugar dela, tentar entender os acordos de crédito pri-
HHM.lt te. ou, de todo modo, algo mais consoante com as evidências históricas?
a o ‘.posta parece ser que o M ito do Escam bo não pode desaparecer
lie 1 i entrai para todo o discurso da econom ia.

59
Recordemos qual era o propósito de Adam Smith quando escreveu
A riqueza dax tiaçòes. O livro é sobretudo umn tentativa de estabelecer como
ciência a disciplina recém-descoberta da economia. Isso significa duas coisas
Primeiramente que os assuntos econômicos deveriam ter o próprio domínio
de estudo - o que hoje chamamos de “a economia”, embora a ideia da exis
tência de algo chamado “economia” fosse muito nova na época de Smith
Em segundo lugar que essa economia deveria funcionar de acordo com leis
semelhantes às que sir Isaac Newton havia identificado pouco tempo antes
em funcionamento no mundo físico. Newton representara a figura de Deus
como um relojoeiro cósmico que criou o maquinário físico do Universo para
que funcionasse em benefício supremo dos seres humanos, e depois o deixou
trabalhando sozinho. Adam Smith tentava desenvolver uma linha de racioc i
nio semelhante, uma hipótese newtoniana.5D eus-ou a Providência Divina,
como dizia ele - dispôs as coisas de tal maneira que nossa busca pelos inte­
resses próprios, dado um mercado sem restrições, seria levada “por uma mão
invisível” a promover o bem-estar geral. A famosa mão invisível de Smith era.
como ele diz em Teoria dos sentimentos morais, o agente da Providência Divina.
Tratava-se literalmente da mão de Deus.4
Uma vez que a economia foi estabelecida como disciplina, os argumen
tos teológicos deixaram de parecer necessários ou importantes. As pessoas
continuam discutindo se o livre mercado vai realmente produzir os resulta­
dos que Smith disse que produziria; mas ninguém questiona se “o mercado"
naturalmente existe. Os_pj^^pQstos_subjacÊníes que derivam disso passa­
ram a ser vistos como senso comum - tanto que, como observei, nós sim­
plesmente aceitamos que, quando objetos de valor passam para outras mãos,
isso normalmente acontece porque dois indivíduos decidiram que obteriam
vantagem material ao trocá-los. Um^çorolário interessante é que, assim, os
economistas passaram a ver a própria questão da presença ou ausência do
dinheiro como algo sem importância especial, uma vez que o dinheiro é
, apenas uma mercadoria, escolhida para facilitar a troca, e que usamos para
medir o valor de outras mercadorias. Fora isso, ele não tem nenhuma outra
qualidade especial. Em 1958, Paul Samuelson, uma das principais luzes da
escola neoclássica que ainda exerce influência no pensamento econômico

60
• Ini • H|»irssíii i.i desdém pelo que chamou ilt* "m a anismo soiial do
lo" Mesmo u.ts economias industriais mais avançadas", insiste ele,
fflIu/iuiMs a ik u a a seus fundamentos mais simples e retiramos a camada
mhiiii .I»i dinheiro, descobrimos que o comércio entre indivíduos e na-
H pl tf irminie em grande parte no cscambo.”s Outros falaram de um “véu
Itiiti i h lo" que obscurece a natureza da “economia real”, na qual as pessoas
i.iiii bens e serviços reais e os trocariam alternadamente.6
i liiiuie Isso de apoteose final da economia como senso comum. O di-
u.t... 11111Mti unte. As economias-as “economias reais”-sãosistemas

t MmiuImi realmente vastos. O problema é que a história mostra que, sem


............... esses sistemas não acontecem. Até mesmo quando as economias
ptMleui paia o escambo”, como parece ter ocorrido na Europa na Idade
■ M i ’» •la*. nAo abandonam de fato o uso do dinheiro. Elas apenas deixam
o dinheiro vivo; Na Idade Média, por exemplo, todos continuaram cal-
ttilrtMtlno valoi de ferramentas c gado na antiga moeda romana, mesmo que

Í lu ulasse mais.'

I o dinheiro que nos possibilita imaginarmos a nós mesmos do modo


* ii. oi ajam os economistas: como um conjunto de indivíduos cuja prin-
i ||m I atividade é trocar as coisas. Também está claro que a mera existência do
illulu lu» em si, não basta para que vejamos o mundo desse modo. Se assim
■ JtMt* a economia como disciplina teria sido criada na antiga Suméria, ou
j lM>li. uicuos antes de 1776, ano em que o livro A riqueza das nações, de Adam
ittuili lol publicado.
Nii verdade, o elemento que falta é exatamente o que Adam Smith ten-
|(M'» 1ulmnlimar: o papel da política governamental. Na Inglaterra, na época
Hinlth, tornara-se possível ver o mercado, o mundo dos açougueiros,
0 fVH'i||> lios e pequenos comerciantes, como uma esfera própria e indepen-
tltiiti 1'tilre as atividades humanas, pois o governo britânico o encorajava
|^(v»uiii ute. Esse encorajamento exigiu leis e polícia, mas também políticas
i lfM i' taiias específicas defendidas (de maneira bem-sucedida) por liberais
I HiiiH Smith.s Foi preciso também atrelar o valor da moeda à prata, mas ao
IHmmio Irmpo aumentando bastante a oferta monetária e principalmente a
HtMutldadc de troco miúdo em circulação. Isso, por sua vez, não só exigiu

61
uma quantidade enorme de estanho c cobre, como também a regula«,Ao c ui­
dadosa dos bancos, que, naquela época, eram a única fonte dc papel-moeda.
O século anterior à publicação de A riqueza das nações foi palco de pelo me­
nos duas tentativas de criar bancos centrais sustentados pelo Estado, na
França e na Suécia, iniciativas que resultaram em fracassos gigantescos. Em
cada caso, o pretenso banco central emitiu notas baseadas em grande parte
na especulação que ruiu no momento em que os investidores perderam a
confiança. Smitliapoiava o uso do papel-moeda, mas, assim como Locke antes
dele, Smith também acreditava que o sucesso relativo do Banco da Inglaterra e
do Banco da Escócia se deveu à política de atrelar firmemente o papel-moeda
aos metais preciosos. Esta se tornou a visão econômica predominante, tanto
que as teorias alternativas do dinheiro como crédito - como a defendida por
Mitchell Innes - foram rapidamente postas de lado, seus proponentes foram
descartados como excêntricos e passaram a ser consideradas um tipo de pen­
samento que leva aos bad banks [bancos ruins] e às bolhas especulativas.
Sendo assim, pode ser útil considerar quais foram essas teorias alternativas.

T E O R IA ESTATAL DA MOEDA E T E O R IA DO D IN H E IR O CO M O C R É D IT O

O inglês Mitchell Innes foi o expoente do que chamamos de teoria do dinheiro


como crédito, uma corrente de pensamento que, no decorrer do século xix,
teve seus defensores mais entusiasmados não na Grã-Bretanha, mas sim nas
duas potências rivais em ascensão na época - Estados Unidos e Alemanha.
Os teóricos dessa corrente insistiam que o dinheiro não é uma mercadoria,
mas uma ferramenta de contabilidade. Em outras palavras, ele não é “uma
coisa”. Assim como não pode se tocar uma hora ou um centímetro cúbico,
não podemos tocar um dólar ou um marco alemão. Unidades monetárias
não passam de unidades abstratas de medida, e, como também notaram esses
teóricos, historicamente os sistemas contábeis abstratos surgiram antes do
uso de qualquer meio simbólico particular de troca.9
A próxima pergunta óbvia é a seguinte: se o dinheiro é apenas um padrão
de medida, o que ele mede? A resposta é simples: a dívida. Uma moeda de metal,

62
Mit verdade, é apenas iun valt\* Enquanto o pensamento convem ion.il sustenta
i|tic uma nota de dinheiro é, ou deveria ser, uma promessa para o pagamento de
«n ia quantia em "dinheiro real" (ouro, prata, ou o que quer que isso signifique),
i »•»adeptos da teoria do dinheiro como crédito argumentavam que uma nota de
dinheiro é apenas a promessa para o pagamento de alguma coisa do mesmo valor
que uma onça de ouro. O dinheiro é exatamente isso. Não há diferença funda-
nu iii.il nesse aspecto entre umciólar de prata, uma moeda de dólar cunhada
t mui .1 imagem de Susan B. Anthony em liga de cuproníquel feita para lem-
agamente o ouro, um pedaço verde de papel com a imagem de George
lundum ou um sinal luminoso na tela do computador do banco. Concei-
iMtflmcnte, a ideia de que um pedaço de ouro não passa de um vale é sempre
mun «lilk il de entender, mas ela tem de ser verdade porque, mesmo quando se
IHMtVriin moedas de ouro e prata, elas quase nunca circulavam com seu valor real.
< 01110 poderia se dar a existência do dinheiro de crédito? Voltemos à ci-
fUdr imaginária dos professores de economia. Digamos, por exemplo, que
|i k Iiu .i desse seus calçados para Henry e, em vez de Henry lhe dever um favor,
*li | •! i «metesse pagar a Joshua com alguma coisa de valor equivalente.10Henry
»lutlti para Joshua um vale. Joshua poderia esperar até que Henry tivesse algo
il« *,ili»i e resgatar o vale. Nesse caso, Henry rasgaria o vale e a história ter-
Htliiiu i.i ai. Mas digamos que Joshua passasse o vale para uma terceira pessoa
Mu il.i a quem ele deve algo. Ou ele poderia usá-lo para pagar uma dívida
fttm I «*l.i. uma quarta pessoa-agora Henry deve a ela aquela quantia. Assim
|ltH< c •»dinheiro, pois não existe um fim lógico para o vale. Digamos então
i|tti .lu ||a queira comprar um par de sapatos de Edith; ela só tem de repassar
.|V*lt para Edith e garantir que Henry é bom pagador. Em princípio, não há
fltOc*« que impeçam o vale de continuar circulando na cidade durante anos -
||miI> que .is pessoas continuem acreditando em Henry. Na verdade, se passar
tlin In mi lempo, as pessoas podem se esquecer totalmente do emissor. Coisas
■M m tf» oniecem. O antropólogo Keith Hart contou-me uma história sobre

flfci H iiijiii.il, lou (abreviação de “I owe you”, “eu lhe devo”). Trata-se de um documento
H'"l 'I'"' «lesta a existência de uma dívida e não é negociável. De modo geral, um iou
« n i h •« a d o por um produto ou serviço específicos, e não por moeda corrente, e quase
H t e f * iin |h oprio estabelecimento que o emitiu, [n.t.]

63
seu irmão, que serviu como soldado brltAnlco em I long Kong na dei ada de
1950. Os soldados costumavam pagar suas contas de bar passando cheques
de bancos da Inglaterra. Os comerciantes locais muitas vezes apenas os endos­
savam entre si e os faziam circular como moeda corrente. Uma vez ele viu um
de seus cheques, preenchido seis meses antes, no balcão de um vendedor local,
coberto com cerca de quarenta diferentes inscrições minúsculas em chinês.
Adeptos da teoria do dinheiro como crédito como Mitchell Innes argu­
mentavam que, mesmo se Henry desse uma moeda de ouro para Joshua em vez
de um pedaço de papel, a situação seria essencialmente a mesma. Uma moeda
de ouro é uma promessa de pagamento de alguma outra coisa de valor equiva­
lente a uma moeda de ouro. Afinal de contas, uma moeda de ouro não é útil em
. si. Nós só a aceitamos porque presumimos que os outros também a aceitarão.
Nesse sentido, o valor de uma unidade monetária não é a medida do
valor de um objeto, mas a medida da confiança de uma pessoa em outros
seres humanos.
Esse elemento de confiança, é claro, torna tudo mais complicado. As pri­
meiras cédulas circularam de um modo praticamente igual ao que acabei de
descrever, exceto que, como ocorreu com os comerciantes chineses, cada re­
ceptor acrescentava sua assinatura para garantir a legitimidade da dívida. Mas,
. de modageral, a dificuldade da explicação cartalista - como foi chamada, a
partir do latim charta (folha de papel, ou papiro, carta, lâmina de metal) - é defi­
nir por que as pessoas continuariam confiando em um pedaço de papel. Afinal,
por que as pessoas não podiam simplesmente assinar o vale com o nome de
Henry? Sim, esse tipo de sistema baseado em símbolos da dívida poderia fun­
cionar se limitado a um pequeno vilarejo onde todos se conhecessem, ou até
mesmo em uma comunidade mais dispersa como a dos mercadores italianos
do século xvi ou chineses do século xx, em que as pessoas não perdiam de vista
umas às outras. Mas sistemas assim não podem criar um sistema monetário
completo, e não há evidências de que já tenham criado algum. Para fornecer
uma quantidade suficiente de vales para garantir que cada pessoa, mesmo em
uma cidade de porte médio, seja capaz de realizar uma parcela significativa de
suas transações diárias nessa moeda seria necessário dispor de milhões desses
vales.11 Para garantir todos eles, Henry teria de ser inacreditavelmente rico.

64
No entanto, tudo isso não seria problema se I ienry >ss<\ digamos, I lenry n,
irl da Inglaterra, duque de Normandia, lorde da Irlanda e conde de Anjou.
() verdadeiro estímulo à posição cartalista, com efeito, veio da "Escola
I listoi i( .1 Alemã", como ficou conhecida e que teve como expoente mais
fumoso o historiador Georg Friedrich Knapp, cuja obra Teoria estatal da moeda
| Sf.iír iheory of M oney] foi publicada em 1905.12 Se o dinheiro é apenas uma
unidade de medida, faz sentido que reis e imperadores se preocupem com
questões monetárias. Eles quase sempre se preocupam em estabelecer sis-
Irin.is uniformes de pesos e medidas em seus reinos. Também é verdade
que, tomo observou Knapp, uma vez estabelecidos esses sistemas, eles ten­
dem .1 permanecer incrivelmente estáveis ao longo do tempo. Durante o
1. m.ulo de Henry 11 (1154-89), praticamente todas as pessoas da Europa oci­
dental ainda faziam suas contas usando o sistema monetário estabelecido
|ioi ( arlos Magno cerca de 350 anos antes - ou seja, usando libras, xelins e
I»1umes apesar do fato de algumas dessas moedas jamais terem existido
1« »«rios Magno na verdade nunca cunhou uma libra de prata), de nenhum
»los verdadeiros xelins e pennies daquela época ter continuado em circulação
• (Ir .is moedas que ainda circulavam tenderem a variar consideravelmente
•tn let mos de tamanho, peso, pureza e valor.13 Segundo os cartalistas, na
vi i dade isso não importa,. O que interessa é a existência de um sistema uni-
I* me para medir créditos e dívidas, e que esse sistema continue estável com
•1 passar do tempo. O caso da moeda de Carlos Magno é particularmente
111ii ,ivel porque seu império se dissolveu muito rápido, mas o sistema mone-
' um que ele criou continuou a ser usado nas contabilidades de seus antigos
Im norios por mais de oitocentos anos. No século xvi. esse sistema era ex^
|illi 1ia mente denominado “dinheiro imaginário”, e os livres e deniers só foram
ikuulonados completamente como unidades contábeis mais ou menos na
•1*0». .1 da Revolução Francesa.14
Segundo Knapp, o fato de a moeda física e material em circulação
responder ou não a esse “dinheiro imaginário” não é particularmente im-
l'oi unte. Não faz nenhuma diferença que o dinheiro seja prata pura, prata
,111i.ilgamada, pedaços de couro ou bacalhau seco, desde que o Estado se dispo-
1iliii .1aceitá-lo como pagamento de impostos. Pois tudo o que o Estado aceitou

65
tornou-se moeda corrente por essa ra/.Ao Uma cl.is formas mais Importan-
tesde moeda corrente na Inglaterra na época de I lenry u eram os tally slicks,
talhas, peças de madeira usadas para registrar as dívidas. Os tally sticks eram
quase a mesma coisa que os vales: as partes envolvidas em uma transação pe­
gavam um galhõcièãvéleira, entalhavam-no indicando a quantidade devida e
o partiam em dois. O credor ficava com metade, chamada stock - daí a origem
do termo stock holder [“acionista”] -, e o devedor ficava com a outra metade,
chamada stub - daí a origem do termo ticket stub [toco ou canhoto, partes não
descartáveis de folhas de blocos]..Os agentes fiscais usavam esses pedaços
de galho para calcular quantias devidas pelos xerifes locais. Muitas vezes, no
entanto, em vez de esperar os impostos vencerem, o erário de Henry n ven­
dia os tally sticks com desconto, e eles circulavam, como símbolos de dívidas
devidas ao governo, nas mãos de qualquer pessoa que quisesse negociá-los.15
As cédulas modernas na verdade funcionam de acordo com um princípio
semelhante, mas de maneira inversaJ6Voltemos à parábola sobre o vale de
Henry. O leitor deve ter notado um aspecto curioso da equação: o vale só pode
funcionar como dinheiro se Henry nunca pagar a sua dívida. Na verdade, foi
exatamente essa lógica que se aplicou originalmente na fundação do Banco da
Inglaterra - o primeiro banco central moderno bem-sucedido.Em 1694, uma
associação de banqueiros ingleses fez um empréstimo de 1,2 milhão de libras
ao rei. Como pagamento, eles ganharam o monopólio real sobre a emissão
de çédulas^Na prática, isso significou que obtiveram o direito de repassar va­
les equivalentes a uma parte do dinheiro que o rei devia a eles para qualquer
habitante do reino que quisesse realizar um empréstimo ou depositar o seu
dinheiro no banco - com efeito, isso significou fazer circular ou “monetizar”
a dívida real recém-criada. Foi um grande negócio para os banqueiros (eles
cobravam do rei uma taxa de juros anual de 8% pelo empréstimo e ao mesmo
tempo cobravam dos clientes juros pelo mesmo dinheiro emprestado), mas.
tudo isso só funcionou porque o empréstimo original permaneceu em aberto.
Atéiieje, o empréstimo do rei nunca foi pago. E não pode ser. Se algum dia
ele o fosse, todo o sistema monetário da Grã-Bretanha deixaria de existir.17
Essa abordagem nos ajuda, no mínimo, a resolver um dos mistérios óbvios
da política fiscal de muitos dos primeiros reinados. Por que eles obrigavam os

66
súditos a pagar impostos? Nào temos o costume dc fazer essa pergunta. A res-
|mista parece evidente. Os governos exigem o pagamento de impostos porque
querem pôr as màos no dinheiro do povo. Mas. se Adam Smith estava certo, e
0 ouro e a prata se tornaram dinheiro por causa do funcionamento natural do
men ado e sem ter nenhuma ligação com os governos, então a decisão óbvia
d sei tomada pelos reis não seria apenas para assumir o controle das minas de
ouro e de prata? Assim eles teriam todo o dinheiro de que porventura precisas­
sem Na verdade, isso era o que reis antigos normalmente faziam. Se houvesse
nuro e prata em seus territórios, eles geralmente assumiam o controle deles.
1 nt.io, qual era exatamente o propósito de extrair o ouro, cunhá-lo com uma
Im.igem para depois despachá-lo para circular entre os súditos - exigindo pos-
lei lormente que os mesmos súditos o devolvessem?
Isso, sim, parece um problema. Mas, se o dinheiro e os mercados não sur-
p m de maneira espontânea* faz todo o sentido. Pois essa é a maneira mais
.implese eficaz de criar mercados. Tomemos um exemplo hipotético. Digamos
que um rei quer manter um exército permanente de 50 mil homens. Na Anti­
guidade ou na Idade Média, alimentar uma força desse tamanho era um pro-
I •lema enorme, pois ela provavelmente consumiria todos os víveres de um raio
•le ift quilômetros em poucos dias - a não ser que o exército estivesse em mar-
1lia, seria preciso empregar praticamente um número igual de homens e ani-
n tais apenas para localizar, adquirir e transportar as provisões necessárias.18
Pi >1 outro lado, se simplesmente fossem entregues moedas para os soldados
• losse exigido que cada família do reino devolvesse quantidade equivalente
.li moedas como pagamento, toda a economia nacional seria transformada, de
iiiu.i só vez, em uma máquina gigantesca de provisão de soldados, uma vez
que, assim, cada família, para conseguir moedas, teria de encontrar alguma
iiMiieira de contribuir para o esforço geral de fornecer aos soldados aquilo de
que necessitam. Os mercados começam a existir como efeito colateral.
Trata-se de uma versão meio caricaturada, mas ela deixa bem claro que
• 1nercados apareceram ao redor de antigos exércitos; basta olharmos para
n Arthasãstra, de Kautilya, para o “círculo da soberania” sassânida ou para os
I Mscursos de sal e ferro” chineses para descobrir que a maioria dos gover-
iMiites antigos passava grande parte do tempo pensando na relação entre

67
minas, soldados, impostos o comida. A maioria concluiu que .111 iaçâo dc
mercados assim era não apenas conveniente para alimentar os soldados, mas
também útil em diversos aspectos, pois significava que os oficiais não teriam
mais de recorrer ao populacho para obter todos os bens de que precisas­
sem, ou descobrir um modo de produzi-los nas propriedades e oficinas reais.
Em outras palavras, apesar da tenaz suposição liberal - vale ressaltar, oriunda
do legado de Adam Smith - de que Estados e mercados de certa maneira se
opõem, as fontes históricas indicam exatamente o contrário. Sociedades sem
Estado tendem também a não ter mercados.
-Xomo se pode imaginar, as teorias estatais da moeda sempre foram um
anátema para os economistas ortodoxos, que trabalham na tradição de Adam
Smith. Na verdade, o cartalismo tendia a ser visto como um submundo po­
pulista da teoria econômica, defendida principalmente por excêntricos.19
O curioso é que esses economistas ortodoxos muitas vezes trabalhavam para
- os governos e os aconselhavam a buscar políticas muito parecidas com as
descritas pelos cartalistas - ou seja, políticas fiscais feitas para criar merca­
dos onde eles não existiam -, apesar do fato de estarem, em teoria, compro­
metidos com a tese de Adam Smith de que os mercados se desenvolvem de
/naneira espontânea.
. Isso é particularmente válido para o mundo colonial. Retornando a
Madagascar: já mencionei que uma das primeiras coisas que o general fran­
cês Gallieni fez ao assumir o controle da ilha por completo em 1901 foi im­
por um imposto por cabeça. Além de ser muito alto, o imposto só podia
ser pago em francos matgaxes emitidos recentemente. Em outras palavras,
Gallieni emitia o dinheiro e depois exigia que todos no país lhe devolvessem
o mesmo dinheiro.
Mais surpreendente, no entanto, era a linguagem usada para descrever
^ o tributo, chamado de impôt moralisateur - imposto “moralizante” ou “educa­
cional”. Em outras palavras, seu objetivo - adotando a linguagem da época
- era ensinar aos nativos o valor do trabalho. Como o “imposto moraliza-
dor” era cobrado logo depois da época de colheita, a maneira mais fácil de
os agricultores o pagarem era vendendo uma parte do que colheram em ar­
roz para os mercadores chineses ou indianos que logo se estabeleceram nas

68
| mqurnas cidades dc» país inteiro. No entanto, .1 colheita acontecia quando o
prtV>de mercado do arroz, por razões óbvias, estava em baixa; se a pessoa
Vriulcssc uma qu.mtidade muito grande do que colheu, isso significava que
rl.i 11,to teria o suficiente para alimentar sua família durante o restante do
Ati« >, c assim seria forçada a comprar de volta o próprio arroz, a crédito, dos
lltesmos mercadores, quando os preços estivessem muito mais elevados.
Anstm, os agricultores se endividavam rápida e irremediavelmente (os mer-
t .iilnres também agiam como agiotas). A maneira mais fácil de pagar a dí­
vida era realizar algum tipo de cultivo comercial - como começar a plantar
»nfc 011 abacaxi - ou então mandar os filhos trabalharem por salário nas
1idades ou em uma das plantações que os colonos franceses estavam es-
labrlecendo em toda a ilha. Todo o projeto formava um esquema cínico
|Mia extorquir o trabalho barato do campesinato, mas não só isso. O go-
v•1110 colonial era bem explícito (pelo menos em seus documentos de polí-
lli .1 interna) sobre a necessidade de garantir que os camponeses tivessem
|»rli»menos algum dinheiro guardado e que se acostumassem aos pequenos
lu ms guarda-sóis, batons, biscoitos - disponíveis nas lojas chinesas. Era
•nu ial que eles desenvolvessem novos gostos, hábitos e expectativas; que
lançassem a base de uma demanda de consumo que perduraria muito tempo
ijr|uus que os conquistadores tivessem ido embora, mantendo Madagascar
jurso a França para sempre.
A maioria das pessoas não é boba, e a maioria dos malgaxes entendia exa-
1.mu nte o que os conquistadores tentavam fazer. Alguns estavam decididos
•I u sistir. Mais de sessenta anos depois da invasão, um antropólogo francês,
<.11 ard Althabe, pôde observar vilarejos na costa leste da ilha cujos habitantes
aparei iam zelosamente nas plantações de café para ganhar o dinheiro de que
|»in isavam para pagar o imposto por cabeça e, depois de pagá-lo, ignoravam
.li IiIm i adamente os artigos à venda nas lojas locais. Em vez de os adquirirem,
•1ii 1r>;avam todo o dinheiro restante para os mais velhos de suas famílias, que
I’«»is o usariam para comprar gado e sacrificá-lo em nome dos ancestrais.20
Muitos diziam abertamente que estavam evitando uma armadilha.
Apesar disso, raramente dura para sempre esse tipo de resistência. Pouco
• |»ih k ;o os m e rca d o s to m a ra m form a, m e sm o naquelas partes da ilh a em

69
que antes não havia ninguém. C om os meu acios surgiu a inevitável rede de
pequenas lojas. E quando cheguei lá, em 1990, uma geração depois de o im­
posto por cabeça finalmente ter sido abolido por um governo revolucionário,
a lógica do mercado era aceita de maneira tão automática que até mesmo
os médiuns repetiam frases que poderiam muito bem ter saído da pena de
Adam Smith.
Esses exemplos poderiam ser multiplicados indefinidamente. Algo pare­
cido aconteceu praticamente em todas as partes do mundo conquistadas por
exércitos europeus onde ainda não havia mercados. Em vez de descobrirem
o escambo, eles deram corpo ao mercado usando as mesmas técnicas que as
economias dominantes rejeitaram.

EM B U S C A DE U M M IT O

Os antropólogos vêm reclamando do mito do escambo há quase um século.


— De vez em quando os economistas afirmam, com uma leve irritação, que eles
xontinuam contando a mesma história, apesar de todas as evidências em con­
trário, por uma razão muito simples: os antropólogos nunca conseguiram
elaborar uma história melhor.21 Essa objeção é compreensível, mas há uma
resposta simples para ela. Os antropólogos não são capazes de elaborar um
relato simples e convincente para a origem do dinheiro porque não há razão
para acreditar que isso seja possível. O dinheiro foi tão “inventado” quanto
a música, a matemática ou a joalheria. O que chamamos de “dinheiro” não é
uma “coisa”; é um modo de compararas coisas matematicamente, como pro-
porçõesLde dizer que 1 de x é equivalente a 6 de Y.^Çomo tal, ele é tão antigo
quanto o próprio pensamento humano. No momento em que tentamos ser
mais específicos, descobrimos que há uma infinidade de hábitos e práticas
diferentes que convergiram para o que hoje chamamos “dinheiro”, e é jus­
tamente por isso que economistas, historiadores e outros acham tão difícil
elaborar uma única definição.
Os teóricos do dinheiro como crédito enfrentam dificuldades há muito
tempo pela falta de uma narrativa igualmente atraente. Isso não quer dizer que

70
imlns os partic ipantes dos debates monetários ocorridos entre iXso e 1950 nào
tivessem o hábito de recorrer à artilharia mitológica. Ialvez isso tenha sido
verdadeiro principalmente em relação aos listados Unidos. Em 1894, os green-
I»ai krrs, que fizeram pressão para o dólar ser totalmente desatrelado do ouro a
hm de permitir que o governo gastasse livremente em campanhas de criação
ile emprego, inventaram a ideia da Marcha sobre Washington - ideia que teria
rrssonància sem fim na história dos Estados Unidos. O livro O mágico de Oz,
1li I I rank Baum, publicado em 1900, costuma ser visto como uma parábola
1I.11 ampanha populista de William Jennings Bryan, que concorreu duas vezes
1 Presidência pela plataforma eleitoral Free Silver- prometendo substituir o
|i,uli ào-ouro por um sistema bimetálico que permitiria a livre criação de di­
nheiro de prata junto com o de ouro.22Como no caso dos greenbackers, um dos
melhores eleitorados para o movimento era o dos devedores: em particular,
Iuinílias fazendeiras do Centro-Oeste como a de Dorothy, de O mágico de Oz,
que enfrentaram uma onda maciça de execuções de hipoteca durante a severa
in essão dos anos 1890. De acordo com a leitura populista, as Bruxas Más do
I este e do Oeste representam os banqueiros da Costa Leste e Oeste (que pro-
miiviam e patrocinavam a oferta monetária restrita), o Espantalho simboliza os
l.i rendeiros (que não tinham inteligência para evitar a armadilha da dívida), o
I li unem de Lata é o proletariado industrial (que não tinha coração para agir em
milidariedade com os fazendeiros), e o Leão Covarde representa a classe política
ique não tinha coragem de intervir). A estrada de tijolos amarelos, os sapati-
nIn >s de prata, a cidade de esmeraldas e o Mágico desafortunado supostamente
lülam por si mesmos.23 “Oz”, obviamente, é a abreviação-padrão de “onça”.24
( 1uno tentativa de criar um novo mito, a história de Baum foi notavelmente efi-
•.1/. Mas não o foi como propaganda política. William Jennings Bryan fracassou
em três tentativas de chegar à Presidência, o padrão-prata nunca foi adotado e
|n xic os hoje em dia sabem do que supostamente tratava O mágico de Oz.25
Para os adeptos da Teoria Estatal da Moeda, em particular, isso foi um
l»ioblema. Relatos sobre governantes que recorrem aos impostos para criar
mei eados em territórios conquistados ou para pagar a soldados e outras fun­
gues estatais não são particularmente inspiradores. E as ideias alemãs sobre o
«linheiro como encarnação da vontade nacional não se propagaram muito bem.
No entanto, toda vez que houve um grande colapso econômico, a econo­
mia ortodoxa do laissez-Jaire foi afetada. As campanhas de Bryan foram criadas
como uma reação ao Pânico de 1893. Na época da Grande Depressão da década
de 1930, a própria ideia de que o mercado podia regular a si mesmo, desde que
o governo garantisse que o dinheiro estivesse seguramente atrelado aos metais
preciosos, foi completamente desacreditada. Mais ou menos de 1933 a 1979, cada
um dos principais governos capitalistas reverteu o curso e adotou alguma ver­
são do keynesianismo. A ortodoxia keynesiana começou com a suposição de
que os mercados capitalistas só funcionariam de fato se os governos capitalistas
estivessem dispostos a efetivamente dar uma de babá: de maneira mais notável,
assumindo déficits gigantescos que estimulassem a economia em períodos de
baixa. Embora Margaret Thatcher na Grã-Bretanha e Ronald Reagan nos Esta­
dos Unidos tenham dado um grande espetáculo, na década de 1980, ao rejeitar
tudo isso, não se sabe de fato até que ponto se deu essa rejeição.26 Em todo
caso, eles atuavam na esteira de um golpe ainda maior à ortodoxia monetária
anterior: a decisão de Richard Nixon, em 1971, de desatrelar totalmente o dólar
dos metais preciosos, eliminar o padrão-ouro internacional e introduzir o sis-
tema de regimes de câmbio flutuante que passou a dominar a economia mun­
dial desde então. Isso significou que todas as moedas nacionais dali em diante
passaram^.ser, como gostavam de dizer os economistas neoclássicos, moeda
fiduciária, ou Jiat-money, endossada apenas pelo voto de confiança.
Ora, o próprio John Maynard Keynes era muito mais aberto ao que gos­
tava de chamar de “tradição alternativa” das teorias estatal da moeda e do
dinheiro como crédito do que qualquer economista da sua estatura antes ou
a partir dele (e Keynes continua sendo o pensador econômico mais impor­
tante do século xx). Em determinados momentos, ele mergulhou nela: passou
diversos anos na década de 1920 estudando os registros bancários cuneifor-
mes da Mesopotâmia para tentar determinar as origens do dinheiro - foi sua
“loucura babilónica”, como diria algum tempo depois.27 Sua conclusão, que
ele apresenta no início de Tratado sobre a moeda, foi mais ou menos a única a
que se poderia chegar caso se partisse não dos princípios fundamentais, mas
de um exame cuidadoso da fonte histórica: a conclusão de que a minoria
lunática estava essencialmente correta. Quaisquer que sejam suas origens

72
nuls remotas, tios últimos 4 mil unos o dinheiro havia sido efetivamente
umu <.riaçáo do Estudo, Os indivíduos, observou ele, fazem contratos entre
,! I azem dívidas e prometem pugá-las:

O Estado, portanto, surge, antes de tudo, como a autoridade da lei que


obriga o pagamento daquilo que corresponde ao nome ou descrição no
contrato. Mas ele surge duplamente quando, além disso, reivindica o direito
de determinar e declarar 0 que corresponde ao nome, e de variar sua decla­
ração de tempos em tempos - quando, em outras palavras, ele reivindica
o direito de modificar o dicionário. Esse direito é reivindicado por todos
os Estados modernos e tem sido assim reivindicado por ao menos 4 mil
anos. Quando esse estágio na evolução da moeda é atingido, o cartalismo
de Knapp - doutrina de que o dinheiro é, peculiarmente, uma criação do
Estado - atinge sua plena realização. [...] Hoje, toda moeda civilizada é, sem
a menor sombra de dúvida, cartalista.28

Isso não quer dizer ^ue-o-Estacto necessariamente crie o dinheiro. Di­


nheiro é crédito, ele pode passar a existir por acordos contratuais privados
d inpréstimos, por exemplo). O Estado simplesmente impõe o acordo e dita os
it 1mos legais. Daí a afirmação impactante de Keynes de que os bancos criam
moeda, por isso não há limite intrínseco à capacidade deles para fazê-lo: por
m.1is que concedam empréstimos, o tomador de empréstimo não terá escolha
• Hi et o levar o dinheiro de volta para algum banco, e assim, da perspectiva do
■«hlema bancário como um todo, a quantidade total de débitos e créditos vai
sempre se anular.29As implicações foram radicais, mas o próprio Keynes não
-1.1 radical. No fim, ele sempre teve o cuidado de enquadrar o problema de tal
maneira que pudesse ser reintegrado à economia dominante de sua época.
Keynes também não era um criador de mitos. Uma vez que a tradição al­
iei nativa surgiu como uma resposta para o mito do escambo, isso não ocor-
hmi por esforço do próprio Keynes (ele concluiu que a origem do dinheiro não
•1a particularmente importante), mas sim por obra de alguns neokeynesia-
111 da época, que não tinham medo de adotar, dentro do limite que lhes era
|u »ssível, algumas de suas sugestões mais radicais.

73
Q verdadeiro ponto fraco nas teorias estatal da moeda e do dinheiro
como crédito sempre foi a questão dos impostos. Uma coisa é explicar por
que os primeiros Estados exigiam impostos (para criar mercados). Outra é
perguntar; “Mas isso estava certo?”. Partindo do pressuposto de que os pri­
meiros governantes não eram simplesmente criminosos e que os impostos
não eram simplesmente extorsão - e nenhum teórico do dinheiro como cré­
dito, que eu saiba, assumiu essa visão cínica mesmo em relação aos primeiros
governos - é preciso perguntar como eles justificavam esse tipo de coisa.
Atualmente, todos pensamos que sabemos a resposta para essa per­
gunta. Pagamos nossos impostos para que o governo nos forneça serviços.
Isso começa com os serviços de segurança - a proteção militar, é claro, talvez
a única que os primeiros Estados realmente conseguiam fornecer. Hoje, no
entanto, o governo fornece toda sorte de coisas. Acredita-se que tudo isso
remonta a algum tipo de “contrato social” primitivo sobre o qual todos con­
cordaram de alguma maneira, embora ninguém saiba exatamente quando foi
firmado ou quem o elaborou, tampouco por que deveríamos estar limitados
por decisões de remotos ancestrais nesse tópico quando não nos sentimos
particularmente limitados pelas decisões sobre nenhum outro tópico.30Tudo
ganha sentido se assumirmos que os mercados surgem antes dos governos,
mas o argumento inteiro é logo solapado quando descobrimos que não é
bem isso que acontece.
Há uma explicação alternativa criada para manter a conformidade com
a abordagem da teoria estatal e do dinheiro como crédito. Ela é chamada de
“teoria da dívida primordial” e tem sido desenvolvida em grande parte na
França por uma equipe de pesquisadores - não só economistas, mas tam­
bém antropólogos, historiadores e classicistas - reunidos originalmente em
torno dos economistas Michel Aglietta e André Orléan,31 e, mais recente­
mente, Bruno Théret, abordagem que tem sido adotada por neokeynesianos
nos Estados Unidos e também no Reino Unido.?2
Trata-se de uma posição que surgiu há pouco e, em grande medida, no
bojo dos debates sobre a natureza do euro. A criação de uma moeda europeia
comum desencadeou não só todos os tipos de discussões intelectuais (uma
moeda comum implica necessariamente a criação de um Estado europeu

74
•onuim, ou dc uma economia ou sociedade europeia i omum?; essas duas
i ois.is não acabam sendo a mesma coisa?), mas também intensos debates
jiolítUos. A i ria^áo da zona do euro foi encabeçada principalmente pela
Alt manha, e os bancos centrais ainda veem como principal objetivo o
. miibate à inflação. Além disso, como as políticas monetárias restritivas e
fquilibrio orçamentário foram usadas como a principal arma para enfra-
Ijurt u as políticas de bem-estar social na Europa, o euro necessariamente
st i«miiou a preocupação de lutas políticas entre banqueiros e pensionistas,
• mimes e devedores tão acirradas quanto as ocorridas nos Estados Unidos
iM tIre .ida de 1890.
() argumento central é que qualquer tentativa de separar política mo-
Mi 1.111.1 de política social é errada em última instância. Os teóricos da dívida
|u lm< >rdial insistem que essas duas formas de política sempre foram a mesma
•1ii .1 Os governos usam impostos para criar dinheiro e conseguem fazer
Imo porque se tornaram os guardiães da dívida que todos os cidadãos têm
uns mm os outros. Essa dívida é a essência da própria sociedade. Ela existe
multo antes do dinheiro e dos mercados, e o dinheiro e os mercados em si
iitit *p.issam de modos de dividi-la em pedacinhos.
A princípio, seguindo essa linha argumentativa, esse sentido da dívida
t iii t xpresso não pelo Estado, mas pela religião. Para defender essa ideia,
Aflirtta e Orléan se concentraram em determinadas obras da antiga literatura
11 liy;iosa escrita em sânscrito: hinos, orações e poesia coletados nos Vedas e
tu f. Itrãmanas - comentários sacerdotais compostos durante os séculos que
st -.t iniram textos que hoje são considerados a base do pensamento hindu.
A 1 scolha não é tão estranha quanto parece. Esses textos constituem as re-
llt Kòes históricas mais antigas que conhecemos sobre a natureza da dívida.
Na verdade, até mesmo os primeiros poemas védicos que existem,
1*'inpostos entre 1500 a.C. e 1200 a.C., evidenciam uma preocupação cons-
i.inte com a dívida - que é tratada como sinônimo de culpa e pecado.33
I Ustem diversas orações implorando aos deuses que libertem o adorador
•los grilhões ou correntes da dívida. Muitas vezes elas parecem se referir à
ilivula no sentido literal - no Rig Veda, 10.34, por exemplo, há uma longa
ilrsi l ição da triste condição de apostadores que “vagam sem teto, sentindo

75
um medo constante, endividados e em busi .1 de dinheiro", hm outros tex­
tos, em sentido claramente metafórico.
Nesses hinos, Yama, deus da morte, aparece de maneira destacada. Estai
endividado era ter um peso nas costas pela Morte. Não cumprir uma obriga
ção ou promessa, fosse em relação aos deuses ou aos homens, significava vi­
ver à sombra da Morte. Muitas vezes, inclusive nos primeiros textos, a dívida
parece assumir um sentido mais amplo de sofrimento interior, que leva o ser
humano a implorar aos deuses - principalmente Agni, que representa o fogo
do sacrifício - pela libertação. Foi somente com os Brâmanas que os comen­
tadores começaram a elaborar tudo isso em uma filosofia mais abrangente.
A conclusão: a existência humana é, em si, uma forma de dívida. “O homem,
ao nascer, endivida-se; ele nasce por si só para a Morte, e apenas no sacrifício
é que se redime da Morte.”34
O sacrifício (e esses primeiros comentadores eram, eles mesmos, sacer­
dotes sacrificiais), portanto, é chamado de “tributo pago à Morte”. Ou era essa
a maneira de falar. Na realidade, como os sacerdotes sabiam melhor do que
ninguém, o sacrifício era dirigido a todos os deuses, não só à Morte - a Morte
era apenas o intermediário. Enquadrar as coisas assim, contudo, suscitou
imediatamente aquele problema que sempre surge quando se concebe a vida
humana de tal maneira. Se nossa vida é emprestada, quem se disporia a pagar
a dívida? Viver em dívida é viver em culpa, ser incompleto. Mas a completude
só pode significar aniquilação. Dessa maneira, o “tributo” do sacrifício podia
ser visto como um tipo de pagamento de juros, e a vida do animal sacrificado
substituía temporariamente o que era de fato devido, ou seja, nós mesmos -
um mero adiamento do inevitável.35
Os comentadores sacerdotais propuseram diferentes maneiras de sair
desse dilema. Alguns brâmanes ambiciosos começaram a dizer para seus
clientes que o ritual de sacrifício, se feito de maneira correta, continha a
promessa de romper totalmente com a condição humana e atingir a eter­
nidade (uma vez que, em face da eternidade, todas as dívidas são insigni­
ficantes).36 Outra saída era ampliar a noção de dívida, de modo que todas
as responsabilidades sociais se tornassem dívidas de um tipo ou de outro.
Desse modo, duas passagens famosas nos Brâmanas insistem que nascemos

76
i nino uma dívida não só para com os deuses, a ser paga em sacrifício, mas
mmiI mu i para com os Sábios criadores da sabedoria védica, a ser paga com o
fnimln. para com nossos ancestrais (“os Pais”), a ser paga com nossa prole; e
Mim fim "para com os homens” -aparentemente significando a humanidade
liiiiio u m todo a ser paga oferecendo hospitalidade a estranhos.3" Assim,
*111.11111ii*r pessoa que leve uma vida decente está constantemente pagando
lllvld.is existenciais de um tipo ou de outro; mas, ao mesmo tempo, como
Mnoç.io de dívida incorre em um sentido simples de obrigação social, ela
«t t»'i na algo muito menos aterrorizante do que a ideia de que a própria
milslciicia é um empréstimo feito com a Morte.38Sobretudo porque as obri­
g a re s sociais são sempre uma faca de dois gumes. Afinal, quando se tem
fillins. os pais se tornam tanto devedores como credores.
( )s teóricos da dívida primordial propuseram que as ideias codificadas
M»'v.cs textos védicos não são peculiares a certa tradição intelectual dos pri-
hicih »s especialistas em ritos da Idade do Ferro no vale do Ganges, mas essen-
•lais .1 própria natureza e história do pensamento humano. Consideremos,
pi Mexemplo, essa declaração que consta de um ensaio do economista francês
Mi uno Théret, com o título nada inspirador “The Socio-Cultural Dimensions
ui flu* Currency: Implications for the Transition to the Euro” [As dimensões
«th 1«h ulturais da moeda: implicações para a transição ao euro], publicado
ui •lniirnal o f Consumer Policy, em 1999:

Na origem do dinheiro temos uma “relação de representação” da morte


i omo um mundo invisível, antes e depois da vida - uma representação que
é produto da função simbólica própria da espécie humana e que concebe o
nascimento como uma dívida original herdada por todos os homens, uma
divida devida aos poderes cósmicos dos quais surgiu a humanidade.
O pagamento dessa dívida, que, no entanto, jamais pode ser liquidada na
Terra - porque seu reembolso total é inatingível toma a forma de sacrifícios
que, ao restabelecer o crédito dos seres humanos, possibilitam prolongar a
vida e até, em certos casos, alcançar a eternidade, juntando-se aos deuses.
Mas essa afirmação de crença também está associada ao surgimento das
lorças soberanas cuja legitimidade reside em sua capacidade de representar

77
todo o Cosmos original, li sAo es.ia.s forças que inventaram o dinheiro como
meio de sanar as dívidas - um meio cuja abstração torna possível resolver o
paradoxo sacrificial pelo qual levar um ser à morte se torna o modo perma­
nente de proteger a vida. Por intermédio dessa instituição, a crença é, por sua
vez, transferida para uma moeda cunhada com a efígie do soberano - um
dinheiro posto em circulação, mas cujo retorno é organizado por essa outra
instituição que é o tributo e a liquidação da dívida de vida. Desse modo, o
dinheiro também assume a função de meio de pagamento.39

Isso fornece no mínimo uma ilustração nítida de como o padrão do


debate na Europa é diferente do que há no mundo anglo-americano. E im­
possível imaginar um economista norte-americano de qualquer tipo escre­
vendo algo parecido. Todavia, o autor está realizando uma síntese brilhante.
A natureza humana não nos conduz à “troca e ao escambo”. Antes, ela ga­
rante que estejamos sempre criando símbolos - como o próprio dinheiro.
E assim que nos vemos em um Cosmos cercado por forças invisíveis: em
dívida com o Universo.
A atitude ingênua, naturalmente, é devolver tudo isso à teoria estatal da
moeda - uma vez que por “forças soberanas” Théret na verdade quer dizer
“Estado”. Os primeiros reis eram reis sagrados - ou eram deuses por legítimo
direito ou mediadores privilegiados entre os seres humanos e as forças su­
premas que governavam o Cosmos. Isso nos encaminha à percepção gradual
de que nossa dívida para com os deuses sempre foi, de fato, uma dívida para
com a sociedade que fez de nós aquilo que somos.
A “dívida primordial”, escreve o sociólogo britânico Geoffrey Ingham, “é
aquela dos vivos no tocante à continuidade e durabilidade da sociedade que
garante a existência individual deles”.40 Nesse sentido, não são só os crimi­
nosos que têm uma “dívida para com a sociedade” - em certo sentido, todos
nós somos culpados, até mesmo criminosos.
Por exemplo, Ingham observa que, embora não haja nenhuma prova ver­
dadeira de que o dinheiro surgiu dessa maneira, “há evidências etimológicas
indiretas consideráveis”:

78
I ui algumas línguas indo europeias, as palavras usadas para "dívida" s.lo
sinônimas daquelas usadas para "pecado" ou “culpa". ilustrando o elo exis­
tente entre religião, pagamento e mediação dos campos sagrado e profano
pelo "dinheiro". Por exemplo, há uma conexão entre dinheiro (alemão Geld),

claro, culpa (inglês£uilt).41

Ou, usando outra conexão curiosa: por que o gado era usado como di-
itlit Iro com tanta frequência? O historiador alemão Bernard Laum afirmou
li.i uitiiic) tempo que^xrtLhíomero, quando as pessoas mediam o valor de um
i i.i vio ou de uma armadura, essa medição era sempre feita em cabeças de boi
mesmo que nunca pagassem em bois quando as trocas fossem realizadas.
I difícil fugir da conclusão de que isso acontecesse porque o boi era o animal
••Irrec ido aos deuses como sacrifício. Daí esses animais representarem o va­
li ti absoluto. Da Suméria à Grécia antiga, prata e ouro eram entregues como
-ileiendas nos templos. Em todos os lugares, o dinheiro parece ter surgido da
•«ils.i mais apropriada a ser dada aos deuses.42
Se o rei simplesmente assumiu o controle dessa dívida primordial que
Iodos temos para com a sociedade por ela nos ter criado, isso explica, de ma-
itelra bem justa, o motivo que leva o governo a achar que tem direito de nos
. nlwar impostos. Os impostos são apenas uma medida de nossa dívida para
m ina sociedade que nos criou. Mas isso realmente não explica como esse
tipo de dívida absoluta com relação à vida pode ser convertida em dinheiro,
que é, por definição, um meio de medir e comparar o valor de coisas diferentes.
I '.sa questão é um problema tanto para os teóricos do dinheiro como crédito
quanto para os economistas neoclássicos, ainda que, em cada grupo, ela seja
•uquadrada de maneira diferente. Se partirmos da teoria monetária baseada
ui »escambo, temos de resolver o problema de como e por que escolheríamos
uma mercadoria para medir com exatidão quanto queremos de todas as ou-
II as, Se partirmos da teoria do dinheiro como crédito, permaneceremos com
••problema que descrevi no primeiro parágrafo: como transformar uma obri-
gn^ao moral em uma quantia específica de dinheiro, como o mero sentimento
•le dever um favor a alguém pode ser transformado em um sistema de contas a

79
partir do qual é possível calcular exatamente quantas ovelhas, quantos peixes
ou pedaços de prata seriam necessários para pagar a dívida? Ou, nesse caso,
como passamos daquela dívida absoluta que temos para com Deus para as
dívidas específicas que temos para com nossos primos ou o dono do bar?
A resposta dada pelos teóricos da dívida primordial é, vale ressaltar,
ingênua. Se os impostos representam nossa dívida absoluta para com a so­
ciedade que nos criou, então o primeiro passo na criação do dinheiro real é
dado quando começamos a calcular dívidas muito mais específicas para com
a sociedade, os sistemas de multa, as taxas e penalidades, ou ainda dívidas
que temos com indivíduos específicos, por termos de alguma maneira agido
errado, e assim nos colocando numa posição de “pecador” ou “culpado”.
Isso na verdade é muito menos implausível do que poderia parecer. Um
dos problemas em relação a todas as teorias sobre as origens do dinheiro de
quetemosialadoaté agora é que elas ignoram quase completamente os dados
da antropologia. Os antropólogos têm bastante conhecimento de como real­
mente funcionavam as economias nas sociedades sem Estado - de como ainda
funcionam em lugares onde os Estados e os mercados foram incapazes de
romper completamente com os modos tradicionais de fazer as coisas. Há
inúmeros estudos, por exemplo, sobre o uso do gado como dinheiro no leste
ou no sul da África, da moeda-concha nas Américas (o wampum talvez seja
o exemplo mais famoso), ou, na Papua-Nova Guiné, do dinheiro de contas,
de penas, do uso de anéis de ferrewcauris e outros tipos de concha, varetas de
latão ou escalpos de pica-pau.4’ O motivo que faz com que essa literatura
geralmente seja ignorada pelos economistas é simples: “moedas primitivas”
desse tipo raramente são usadas para comprar e vender coisas, e mesmo
quando o são nunca é para negociar itens de uso cotidiano como galinhas,
ovos, sapatos ou batatas. Em vez de serem empregadas para adquirir coisas,
elas são usadas principalmente para reorganizar as relações entre as pessoas.
Sobretudo para arranjar casamentos e estabelecer disputas, especialmente
aquelas que surgem de assassinatos ou de injúria pessoal.
Temos todos os motivos para acreditar que o nosso dinheiro começou da
mesma maneira. Até mesmo o verbo topay (pagar), em inglês, é originalmente
derivado de uma palavra que significa “pacificar, apaziguar” - como quando

8o
v«n t «l.i algo precioso a outra pessoa, por exemplo, para expressar como se
trith mal por ter matado o irmão dela depois de terem partido para a briga,
M udos, e como você realmente gostaria de evitar que isso desencadeasse
niiM vendeta.44
( )s teóricos da dívida preocupam-se especialmente com essa última pos-
tlluhdade, sobretudo porque tendem a ignorar a literatura antropológica^
mialisai os primeirosxódigos de lei - inspirando-se aqui no trabalho inovador
ili um ilos maiores numismatas do século xx, Philip Grierson, o primeiro a
ir, na década de 1970, que o dinheiro deve ter surgido das primeiras prá-
11«as legais. Grierson era especializado na Idade Média europeia e ficou fasci-
ii»t«1«>pelo que passou a ser conhecido como “códigos de leis bárbaras” [Leges
Hinltiirorum, em latim], estabelecidos por muitos povos germânicos depois da
«1«m1uição do Império Romano nos anos 600 e 700 - godos, frísios, francos
«Mi . logo sucedidos por códigos similares publicados em todos os lugares,
I • Uússia à Irlanda. Certamente esses documentos são fascinantes. Por um
Utlo, eles deixam bem claro que os relatos convencionais de que a Europa
ui ia "retornado ao escambo” estão errados. Quase todos os códigos legais
||vl m in ir n c u sa m n dinheiro romano para calcular tributações; penalidades
111•! loubo, por exemplo, são quase sempre seguidas da exigência de que o
lailt .10 não só devolva o bem roubado como também pague o aluguel (ou, no
1um 1de dinheiro roubado, juros) devido pelo tempo que o bem esteve em seu
podei Poiuoutro4adQ1_essasJeis logo foram substituídas por outras criadas
I*. >i povos que viviam^nLterritórios que não haviam sido controlados pelos
ii »manos - Irlanda. País de Gales, países nórdicoSj R ú ssia ^ e elas sãoLno
m1I1ilmo, muito mais reveladoras, até mesmo notavelmente criativas no que
si relcre tanto ao que poderia ser usado como meio dejpagamento cjuanlo
iii»detalhamento preciso de lesões e ofensas que exigiam uma compensação;

A compensação nas leis_galesas é calculada principalmente em gado, e nas


leis irlandesas em gado ou servas (cumaís). com o uso considerável de me-
1ais preciosos em ambas. Nos códig^sjermâmços^ela-éxalculada princi­
palmente em metais preciosos. [...]. Nos códigos russos, em prata e peles,
hierarquizadas, em ordem ^ rresrente. da pele de marta até à de esquilo.

81
Os detalhes desses códigos sio impressionantes, nào só quanto à previsào
de danos pessoais - compensações específicas pela perda de braço, mào,
dedo indicador, unha, por alguma explosão na cabeça que resulte na expo­
sição do cérebro ou de algum osso -, mas também quanto à cobertura que
alguns deles davam aos bens de cada família. O Título II da Lei Sálica trata
do roubo de porcos, o Título m de gado, o Título iv de ovelhas, o Título v
de cabras, o Título vi de cães, e em cada um há uma divisão elaborada dife­
renciando animais de diferentes idades e sexos.45

Isso nào faz tanto sentido em termos psicológicos. Já falei anteriormente


da dificuldade que é imaginar como um sistema de equivalências precisas -
uma vaca leiteira jovem e saudável equivale a exatamente36 galinhas - pode­
ria surgir dasmuilâS forrnasTie^económiâ da dádiva. Se Henry dá a Joshua um
porco e sente qüé recebeu em troca algo inadequado, ele pode fazer troçajie
loshua chamando-o de muquirana, mas teria pouca chance de elaborar uma
fórmula matemática para expressar quanto joshua foi mesquinho. Por outro
lado, se o porco de Joshua destruir o jardim de Henry, e principalmente se isso
levou a uma briga na qual Henry perdeu um dedo do pé. e aTamííia deHenrv
leva loshua para ser julgado diante da assembleia do vilarejo - teremos aqui
justamente o contexto em que as pessoas estarão mais inclinadas â-exercer
sua mesquinhez, tomar^sêTggaligTãs^ê^expressar sua raiva caso achem que
receberam uma moeda a menos do que era seu de direito. Isso implica especi­
ficidade matemática exata: por exemplo, a capacidade de medir o valor exato
de uma porca de dois anos, prenha. Além disso, a arrecadação de penalida­
des devia exigir constantemente o cálculo de equivalências. Digamos que a
multa seja em peles de marta, mas a tribo do acusado não tenha martas. Qual
será a quantidade equivalente em peles de esquilo? Ou em joias de prata?
Problemas desse tipo devem ter surgido o tempo todo e levado pelo menos
a um conjunto rudimentar de regras práticas a respeito de que tipos de bem
equivaliam a outros Jsso ajudaria a explicar por que, por exemplo, os códigos
de lei galeses da Idade Média podem conter divisões detalhadas não só do va­
lor das vacas leiteiras de diferentes idades e condições, mas também do valor
monetário de cadaj^bjete-que-pjQderia ser encontrado em uma propriedade

82
nu || comum, i hej*ando .ii( ao c usto de c ada pedalo de madeira .ipc s.it ilo
liitodc na< »li.ivri i.i/o cs para ac reditai que* .1 maior parte desses itens pudesse,
|M rpm a, ser comprada no mere ado aberto.u

I la algo de muito atraente nisso tudo. Para começar, a premissa faz muito sen­
tido, do ponto de vista da intuição. Afinal de contas, devemos tudo que somos
Aon outros. Trata-se de uma verdade, simplesmente. A língua que falamos e
nu qual pensamos, nossos hábitos e opiniões, o tipo de comida de que gos­
tamos, o conhecimento que permite funcionarem as lâmpadas e a descarga
111is banheiros, até mesmo o jeito como executamos nossos gestos de defesa e
II beliSo contra as convenções sociais-tudo isso nós aprendemos com outras
pessoas, muitas delas já mortas há algum tempo. Se pensássemos no que de­
vi 1nos a elas em termos de dívida, esta certamente seria infinita. A pergunta
la/, realmente sentido pensar nisso como uma dívida? Afinal, uma dívida é,
III »1 definição, algo que poderíamos ao menos pensar em pagar. É bem estra­
nho querer compensar nossos pais - isso implica que não gostaríamos mais
•Ir pensar neles como pais. Será que realmente gostaríamos de saldar a dívida
i um ioda a humanidade? O que isso significaria? E esse desejo é mesmo uma
1tf1ac terística fundamental de todo o pensamento humano?
Outra maneira de colocar a questão seria esta: os teóricos da dívida pri-
1111mdial estão descrevendo um mito - ou seja, eles descobriram uma verdade
ptolunda a respeito da condição humana, uma verdade que sempre existiu
imii todas as sociedades e é esclarecida principalmente em determinados tex­
tos antigos da índ ia-o u estão inventando um mito próprio?
Obviamente, a segunda conclusão deve ser a mais apropriada. Eles estão
Inventando um mito.
A escolha do material védico é significativa. O fato é que conhecemos
muito pouco sobre as pessoas que compuseram esses textos, e muito pouco
nobre a sociedade que os criou.47 Nós nem sequer sabemos se empréstimos
.1 |ur< )s existiam na índia védica - o que obviamente influencia na questão de
on sacerdotes verem ou não o sacrifício como pagamento de juros por um
empréstimo que devemos à Morte.48Assim, essas fontes podem servir como

83
uma espécie dc tela va/.ia, ou uma tela coberta com hieróglifos tm ritos cm
uma língua desconhecida, na qual podemos projetar quase tudo que quere­
mos. Se olhamos para outras civilizações antigas sobre as quais conhecemos
alguma coisa em um plano contextuai mais amplo, descobrimos que essa
ideia de sacrifício como pagamento não é digna de nota.49 Se examinamos
a obra de teólogos antigos, descobrimos que a maioria conhecia a ideia de
que o sacrifício era um modo de os seres humanos estabelecerem relações
comerciais com os deuses, mas que o consideravam evidentemente ridículo:
se os deuses já tinham tudo o que queriam, o que os seres humanos tinham
exatamente para barganhar?50Vimos no capítulo anterior como é difícil pre­
sentear os reis. Com os deuses (sem falar de Deus), o problema é ampliado ao
infinito. A troca implica igualdade. Ao lidar com as forças cósmicas, assumia-
-se desde o princípio que a troca é algo impossível.
A ideia de que as dívidas aos deuses foram apropriadas pelo Estado, e
assim se tornaram a base dos sistemas tributários, também não se sustenta.
O problema é que, nojnundojmtigo, cidadãos livres não costumavam pagar
impostos^ Grosso modo, o s tributos eram coletados apenas nas populações
conquistadas. Tal fato já era uma verdade na Mesopotâmia antiga, onde
ós habitantes de cidades independentes geralmente não tinham de pagar
impostos diretos. De maneira semelhante, como registra Moses Finley, “os
gregos da época clássica consideravam os impostos diretos uma tirania, e
os evitavam sempre que possível”.51 Cte atenienses não pagavam impostos
diretos de^efthunrtipo, embora a cidade distribuísse dinheiro de vez em
quando aos seus cidadãos como um tipo de tributação reversa - tanto de
forma direta, no caso da arrecadação das minas de prata de Laurium, como
de forma indireta, no caso de gratificações generosas pela participação em
um júri ou assembleia. As cidades dominadas, no entanto, tinham de pagar
impostos. Mesmo no Império Persa, os cidadãos não tinham de pagar tri-
butos ao Grandg-Rel mas os habitantes das províncias conquistadas, sim.52
O mesmo aconteaia^m-Roma, onde, durante muito tempo, os romanos não
só não pagavam impostos como também tinham o direito a uma parcela dos
tributos recebidos de outras pessoas, na forma de subsídio - a parte do “pão”
do famoso “pão e circo”.53

84
I in ouirAl palavras, Henjamin Frunklln estava errado quando disse que
n.id.i uesu; inundo é certo, exceto a morte e os impostos. Assim fica ainda
nhir. dilu il sustentar a ideia de que a dívida que se tem com a morte é apenas
Uma v.ii iação da dívida que se tem com os impostos. Nada disso, no entanto,
tli Irii 11111>lpe mortal na teoria estatal da moeda, uma vez que aqueles Es-
■sque não exigem o pagamento de impostos cobram multas, penalidades,
lai II.is e taxas de um ou outro tipo. Mas é muito difícil se conformar com
ijualqucr teoria que afirme que os Estados foram concebidos originalmente
no guardiães de algum tipo de dívida cósmica primordial.
I c nrioso que os teóricos da dívida primordial nunca tenham muito a
du»*t sobre-a-Suméria ou a Babilônia,, apesar do fato de a Mesopotâmia ser o
In^.it onde foi inventado o empréstimo de dinheiro a juros, provavelmente
i nui anos antes de os Vedas serem escritos - e apesar de também ter sido
|mIi (i dos primeiros Estados do mundo. Mas, se analisarmos a história da Me-
»opoümia, a surpresa diminui bastante. Mais uma vez, o que encontramos
•, rui muitos aspectos, o exato oposto do que esses teóricos teriam previsto.
Q leitor sfdpmhraráttestp ponto de que as cidades-Estado da Mesopotâ-
i i i i .i eram dominadas por vastos templos: instituições industriais complexas
.'àntèscas. muitas vezes~com uma equipe de milhares de pessoas - de
p.c.lores a remadores, passando por fiandeiros e tecelões até dançarinas e
JKrctáríõ r ã d i^ 2700 a.C., pelo menos, soberanos ambicio-
J^_£ome$aram a copiá-las, criando complexos de palácios organizados de
maneira semelhante - com a diferença de que os templos tinham em seu cen­
tro i ámaras sagradas de um deus ou deusa, representados por uma imagem
1,tarada que era alimentada, vestida e entretida por servos clericais como __
M- losse uma^pessoa viva. Os palácios tinham no centro câmaras de um rei
vivo. Os sohgfattQSjmmérias raramente chegavam ao ponto de se declara-
1«'tu deuses, mas muitas vezes se aproximavam bastante disso. No entanto,
quando interferiam na vida de seus súditos na qualidade de soberanos cós-
intt <>s, não o faziam impondo o pagamento de dívidas, mas sim anulando
•is dívidas privadas.54
Nós não sabemos com precisão quando e como os empréstimos a
juros se originaram, pois parecejjue-precedem a escrita. E bem provável

85
que os administradores dos templos tenham tido .1 ideia a lun de finan­
ciar o comércio de caravana. hs.se loiueicio era crucial porque, apesai
de o vale da Mesopotâmia antiga ser extraordinariamente fértil e produzir
urna quantidade imensa.de grãos e outrosprodutos alimentícios, além de
abrigar uma quantidade enoxniede^ado^mie por sua vez subsidiava uma
ampla indústria de lã e couro, ele carecia praticamente de-todas as outras
coisas. Pedras, madeira, metal, até mesmo a prata usada como moeda - tudo
tinha de ser importado. Desde épocas remotas, portanto, os administradores
dos templos desenvolveram o hábito de fazer adiantamentos de produtosaos
mercadores locais - alguns privados, outros funcionários dos templos que
depois vendiam as mercadoriasj io exterÍQn_Os juros eram apenas a maneira
de os templos reaverem sua parte nos lucros obtidos.55 No entanto, uma vez
jiSlabeleeid^-e^prmcípio parece ter se espalhado rapidamente. Em pouco
tempo^encontramos não só os empréstimos comerciais, mas também os
empréstimos ao consumidor - a usura, no sentido clássico do termo. Por
volta de 2400 a.C., já parecia ser prática comum por parte de autoridades
locais, ou mercadores ricos, conceder empréstimos mediante garantia aos
xamponeses que passavam por dificuldadesfinanceiras e começar a se apro­
priar de seus bens caso não conseguissem pagar. Geralmente começava com
grãos, ovelhas, cabras e móveis, depois passava para terras e casas, ou, como
alternativa ou último recurso, membros da família. Os criados, se houvesse
algum, eram os primeirosaser-negociados, se^idospelas-eriaiiças* esposas,
^ e^em situações extremas^o,práprio tomadordefiripréstimo. Essas pessoas
eram reduzidas a servos por dívida: não exatamente escravos, mas quase isso,
forçados ao trabalho perpétuo na propriedade do emprestador- ou, muitas
vezes, nos próprios templos e palácios. Em teoria, é claro, qualquer um podia
ser redimido quando o tomador de empréstimo pagasse o que devia, mas, por
razões óbvias, quanto mais os recursos de um camponês fossem arrancados
dele, mais difícil se tornava pagar as dívidas.
Os efeitos disso eram tão grandes que a sociedade muitas vezes corria o
risco de ser destroçada. Se, por alguma razão, a colheita era ruim, uma grande
parte do campesinato incorria na servidão por dívida; as famílias eram dis­
solvidas. Em pouco tempo, as terras começavam a ser abandonadas por

86

\
mi i» iiltorc.s endividados que fugiam de suas casas por medo de serem expro-
pi itiilos e se juntavam .1 bandos seminômades nos confins da civilização
• MI >in.i Confrontados pela possibilidade de um completo colapso social, os
^f f In M i Mt c i ms. c depois uji babilônios, periodit amente anunciavam anistias
iis uma "tábula rasa", como afirma o historiador econômico Michael
J^ludíUlL-l-sses decretos em geral declaravam o cancelamento e a anulação
«1« todas as dívidas em aberto dos consumidores (as dívidas comerciais não
t i.un afetadas), a devolução de todas as terras aos proprietários originais e
11 n h u no às famílias de todos os servos por dívida. Não demorou muito para
i|ti< r',sj declaração se tornasse um hábito mais ou menos regular dos reis
tu 1.1 .sumir o cornandn^ e muitos eram forçados a repeti-la periodicamente
nu decorrer do reinado.
Na Suméria, elas eram chamadas “declarações de liberdade” - e vale
trisultar que a palavra suméria amargi, primeira palavra registrada para “li-
!>• idade” em todas as línguas conhecidas, significa literalmente “retorno à
m.ir" uma vez que esta era a permissão finalmente concedida aos servos
pot dívida.56
Michael Hudson argumenta que os reis mesopotâmicos só tinham con­
dições de fazerisso por causa de suas pretensões cósmicas: ao assumirem o .
1 hler, eles se viam literalmente como recriadores da sociedade humana, e
| m11 isso tinham^ondições de passar umaBorracha em todas as obrigações
morais anteriores. Ainda assim, isso continua muito longe daquilo que os
Irói icos da dívida primordial tinham em mente.57

I .ilvez o maior problema em todo esse corpo literário seja a suposição inicial:
,1 de que começamos com uma dívida infinita para com a “sociedade”. É essa
1lívida para com a sociedade que nós projetamos nos deuses. Essa mesma dí-
vlila, então, é tomada pelos reis e pelos governos nacionais.
O que faz do conceito de sociedade algo tão enganoso é o fato de as­
sumirmos o mundoxomo organizado emuma.série de unidades compac-
t.is e modulares chamadas “sociedades”, e que todas as pessoas sabem em
qual delas estãxünscridtre. Enrrei nius-ítbtÓFicQs esse é raramente o caso.

87
Imagine que eu seja uni mercador cristão armênio vivendo no reinado de
Gengis Khan. O que é "sociedade" para mim? H a cidade onde fui criado?
A sociedade de mercadores internacionais (com os seus próprios códigos de
conduta) na qual realizo minhas tarefas diárias? Outros falantes da língua
armênia? A cristandade (ou talvez apenas a cristandade ortodoxa)? Ou os
habitantes do próprio império mongol, que se estende do Mediterrâneo até
a Coreia? Historicamente, reinos e impérios raramente têm sido os pontos
de referência mais importantes para a vida das pessoas. Reinados ascendem
e decaem; também se fortalecem e enfraquecenros governos tornam conhe-
~~dda^CãTpresença na vida das pessoas de forma bastante esporádica, e muitas
-ddasjiaJústói^T-nen^sequer sabiam com certeza sob que governo viviam.
Até bem recentemente, muita^gentej i o m undotodo não sabia com certeza
de que país eram cidadãs, ou por que isso teria importância. Minha mãe, que
nasceu judia na Polônia, uma vez me contou uma piada de sua infância:

Havia uma pequena aldeia localizada na fronteira entre a Rússia e a Polônia;


ninguém tinha certeza a que país ela pertencia. Um dia, um tratado oficial
foi assinado e, pouco tempo depois, chegaram pesquisadores à cidade para
delimitar a divisa. Quando preparavam seus equipamentos, em uma colina,
alguns habitantes se aproximaram.
— E então, onde estamos? Na Rússia ou na Polônia?
— De acordo com nossos cálculos, o início fica na Polônia e começa a
exatamente 37 metros da fronteira.
Alegres, os aldeões começaram a dançar na mesma hora.
— Por quê? — perguntaram os pesquisadores. — Que diferença isso faz?
— Faz muita diferença — responderam eles. — Isso quer dizer que nunca
mais vamos ter que passar por um daqueles tenebrosos invernos russos!

Contudo, se nascemos com uma dívida infinita para com as pessoas


que possibilitaram a nossa existência, mas não existe uma unidade natural
chamada “sociedade” - então a quem ou a que exatamente se refere a nossa
dívida? A todos? A tudo? A algumas pessoas ou coisas mais do que a outras?
E como pagamos uma dívida a algo tão difuso? Ou, para ser mais preciso,

88
|n< tn exatamente pcnlç se jjtibar de ter autoridade pura nos dizer como de­
vi mos pagar a nossa dívida1e com base cm quer1
Se enquadrarmos u problema dessa maneira, podemos dizer que os auto-
.■ dos Hramau.isolereceram uma reflexão bem sofisticadasobreumaquéstãcT
iihim I a 5, antes ou depois.
( iimo já disse, não sabemos muita coisa sobre as condições em que esses textos
I*m.11u compostos, mas as informações que temos sugerem que os documentos
pi nu Ipais datam de 500 a.C. a 400 a.C .-ou seja, mais ou menos na época de
|t'u 1.iies período que na índia parece ter sido justamente o do aparecimento,
11.1 vida cotidiana, da economia comercial e de instituições como o dinheiro
. unhado e os empréstimos a juros. As classes intelectuais da época, mais ou
1111 tu>s como acontecia na Grécia e na China, estavam debruçadas sobre essas
■|i 11 '.iões. No caso da índia, vale a pena perguntarmos: o que significa imaginar
IIONsas responsabilidades como dívidas? A quem devemos nossa existência?
fc significativo que as respostas não façam nenhuma menção a “socie-
tlíide" ou Estados (embora reis e governos certamente existissem na índia
.1111i^.i ). Em vez disso, elas relacionavam as dívidas aos deuses, aos sábios,
tuis pais e aos “homens”. Não seria muito difícil traduzir suas formulações
p.iiii uma linguagem mais contemporânea. Poderíamos colocar da seguinte
m.iiicira - devemos nossa existência sobretudo:

• Ao Universo, às forças cósmicas, ou, como diríamos hoje, à Natureza.


C) fundamento de nossa existência. Essa dívida deve ser paga por meio do
r itual, que é um ato de respeito e reconhecimento a tudo que nos faz ter
consciência da nossa estatura reduzida em comparação ao todo.58
• Aqueles que criaram o conhecimento e as realizações culturais que mais
valorizamos, que dão forma à nossa existência atribuindo-lhe um signifi­
cado, mas também moldando-a. Aqui devemos incluir não só os filósofos e
cientistas que criaram nossa tradição intelectual, mas todas as pessoas - de
William Shakespeare àquela mulher há muito esquecida, em algum lugar no
Oriente Médio, que criou o pão fermentado. Nós pagamos nossas dívidas
para com essas pessoas nos tornando cultos e contribuindo para a cultura
e o conhecimento humanos.

89
• Aos nossos pais c aos pais de nossos p.iis nossos ancestrais, I ss.« dívida
é paga quando nos tornamos ancestrais.
• À humanidade como um todo. Essa dívida é paga quando somos genero­
sos com desconhecidos, mantendo o fundamento comunitário básico da
sociabilidade que torna possível as relações humanas e, assim, a vida.

Colocado dessa maneira, no entanto, o argumento começa a solapar a


própria premissa. Essas dívidas não são como as dívidas comerciais. Afinal,
podemos pagar a nossos pais ao termos filhos, mas não podemos pensar que
pagamos a nossos credores se emprestamos dinheiro para outras pessoas.59
Então eu me pergunto: não será justamente essa a questão? Talvez os
autores dos Brâmanas estivessem demonstrando de fato que, em última aná­
lise, nossa relação com o Cosmos não se parece em nada com uma transação
comercial, e nem poderia parecer. Isso porque as transações comerciais im­
plicam tanto igualdade como separação. Todos esses exemplos tratam de su­
perar a separação: você está isento da dívida para com seus ancestrais quando
se torna um ancestral; está isento da dívida para com os sábios quando se
torna um sábio; está isento da dívida para com a humanidade quando age
com humanidade. Ainda mais quando falamos do Universo. Se não podemos
barganhar com os deuses porque eles já têm tudo, então certamente não po­
demos barganhar com o Universo porque o Universo é tudo - e esse tudo ne­
cessariamente inclui nós mesmos. Na verdade, podemos interpretar essa lista
como um modo sutil de dizer que a única maneira de “se libertar” da dívida
não era literalmente pagando essas dívidas, mas sim mostrando que elas não
existem, porque, para começar, ninguém existe separadamente, e por isso a
própria ideia de anular a dívida e atingir uma existência autônoma e separada
era ridícula desde o princípio. Ou ainda que a própria presunção de se jul­
gar separado da humanidade ou do Cosmos, de modo que se possa negociar
com ele de igual para igual, é em si o crime que só pode ser solucionado pela
morte. Nossa culpa não se deve ao fato de não podermos pagar nossa dívida
para com o Universo. Nossa culpa é a presunção de nos considerarmos de
alguma maneira equivalentes a Tudo o que Existe ou Já Existiu, de modo que
somos capazes de conceber uma dívida desse tipo.60

90
( hi observemos o outro lado da equaçAo. Mesmo que seja possível nos
Imaginarmos em uma posição de dívida absoluta com o Cosmos, ou com a
humanidade, sur^e .1 próxima questão: quem exatamente tem o direito de
Mui pelo Cosmos, ou pela humanidade, para nos dizer como essa dívida
ilrvc ser paga? Mais disparatado do que proclamar-se separado do Universo
Inirlro e enxergar-se cm condição de negociar com ele é autorizar-se a falar
•111 nome dele.
Se tivéssemos de procurar o éthos para uma sociedade individualista
»01110 a nossa, uma das maneiras de fazê-lo seria afirmar que todos temos
uma dívida infinita para com a humanidade, a sociedade, a natureza ou o Cos­
mos (como preferir), mas provavelmente ninguém pode nos dizer como
iui;.i-la. Pelo menos isso seria intelectualmente consistente. Se esse fosse
01 aso, na verdade seria possível encarar quase todos os sistemas de autori-
d.ule estabelecida - religião, moral, política, economia e o sistema judiciário
1 orno diferentes maneiras fraudulentas de calcular o que não pode ser cal-
t ui.ido, de reivindicar autoridade para nos dizer como algum aspecto daquela
divida ilimitada deve ser pago. A liberdade humana, desse modo, seria nossa
<.ipacidade de decidir por nós mesmos como gostaríamos de liquidar a cfívicfcrr— '
Ninguém, até onde sei, tratou desse assunto. ÁntesTas teuiias da dítfícnT
rxistencial sempre acabavam se transformando em maneiras de justificar-ou
m vindicar- estruturas de autoridade. O caso da tradição intelectual hindu é
significativo aqui. A dívida para com a humanidade só aparece em alguns dos
pr imeiros textos e é rapidamente esquecida. Quase todos os comentadores
lundus posteriores a ignoram e, em vez de tratar dela, dão destaque à dívida
tio homem para com o pai.61

( )s teóricos da dívida primordial têm algo mais importante com que se preo-
111par. Eles não estão interessados no Cosmos, mas na “sociedade”.
Devo retornar à palavra “sociedade”. Trata-se de um conceito aparente­
mente simples e evidente porque, na maioria das vezes, nós usamos a palavra
como sinônimo de “nação”. Afinal, quando os norte-americanos falam de
pagar sua dívida para com a sociedade, eles não estão pensando em suas

91
responsabilidades em relação às pessoas que moram na Suécia ou noCiabão.
E somente o Estado moderno, com seus elaborados controles de fronteiras
e políticas sociais, que nos permite imaginar a “sociedade” dessa maneira,
como uma única entidade coesa. E por isso que projetar essa noção ao pas
sado, remontando-a à época medieval ou védica, sempre parecerá algo enga
nador, mesmo que não tenhamos outra palavra para descrevê-la.
Parece-me que os teóricos da dívida primordial fazem exatamente isto:
projetar essa noção no passado.
Na verdade, todas as ideias das quais eles falam - a de que existe uma
coisa chamada sociedade, de que temos uma dívida para com ela, de que
os governos podem falar por ela, de que ela pode ser vista como um tipo de
deus secular - formam um complexo que surgiu mais ou menos na época
da Revolução Francesa, ou logo depois dela. Em outras palavras, essas ideias
surgiram junto com a concepção do Estado-nação moderno.
Conseguimos vê-las claramente reunidas já na obra de Auguste Comte,
na França do início do século xix. Comte, filósofo e panfletista político, hoje
mais conhecido por ter cunhado o termo “sociologia”, chegou ao ponto de
propor, no fim da vida, uma Religião da Sociedade, a qual ele chamou de po­
sitivismo, em grande parte baseada no catolicismo medieval, repleta de ves­
timentas com todos os botões nas costas (de modo que só pudessem ser
abotoadas com a ajuda dos outros). Em sua última obra, que ele chamou de
Catecismo positivista (1852), ele também formulou a primeira teoria explícita da
dívida social. Em determinado momento, alguém pergunta para um sacer­
dote do positivismo o que ele pensa da ideia de direitos humanos. O sacerdote
ridiculariza a ideia. Trata-se de um contrassenso, diz ele, um erro nascido do
individualismo. O positivismo admite apenas os deveres. Afinal:

Nós nascemos carregados de obrigações de todo gênero para com os nos­


sos predecessores, os nossos sucessores e os nossos contemporâneos. Essas
obrigações não fazem senão desenvolver-se ou acumular-se antes que pos­
samos prestar qualquer serviço. Sobre que fundamento humano poderia,
pois, assentar a ideia de direito?62

92
Kmbora ( omlc nâo use a palavra "divida", o sentido é sufu ientemente
•lato. Nós já acumulamos dívidas infindáveis antes mesmo de chegar à idade
tli pensar em pagá las. Quando chega esse momento, nào há como calcular
• 111<*i a quem devemos. A única forma de nos redimirmos é nos dedicando
«n serviço da Humanidade como um todo.
I Mirante sua vida, Comte foi considerado excêntrico - o que de fato ele
(Mil Suas ideias, no entanto, se provaram influentes. Com o passar dos anos,
tua iili ia de obrigações ilimitadas para com a sociedade se cristalizou na no-
»»Ir "divida social”, um conceito adotado pelos reformadores sociais e, por
fim, pelos políticos socialistas em muitas partes da Europa e também fora
•li la ' 1“ Iodos nascemos em dívida para com a sociedade”: na França, a ideia
«lívida social logo se tornou voz corrente, um slogan e, por fim, um clichê.64
H I si ado, segundo essa visão, era apenas o administrador de uma dívida exis-
Inu ial que todos nós temos para com a sociedade que nos criou, materiali-
Mtla sobretudo no fato de que continuamos totalmente dependentes uns dos
liulios para existir, mesmo que não saibamos exatamente como isso se dá.
I sses também foram os círculos intelectuais e políticos que moldaram o
pi nsamento de Émile Durkheim, fundador da disciplina da sociologia como
.*•oiihccemos hoje e que, de certa forma, superou Comte, ao argumentar
i|in iodos os deuses de todas as religiões sempre são projeções da sociedade
desse modo, uma religião da sociedade não seria necessária. Todas as reli-
UlOrs, p.ira Durkheim, são apenas maneiras de reconhecer nossa dependência
mui ua uns em relação aos outros, uma dependência que nos afeta de milha-
M'* de maneiras das quais jamais temos plena ciência. “Deus” e “sociedade”,
• •(mal das contas, são a mesma coisa.
() problema é que, há centenas de anos, simplesmente se assumiu que o
gllMidiAo dessa dívida que temos com tudo isso, os representantes legítimos
daquela totalidade social amorfa que permitiu que nos tornássemos indiví-
iltii is, deveria ser o Estado. Quase todo socialista ou todos os regimes socia-
Ihi as apelam a alguma versão desse argumento. Tomando um exemplo fami-
}ii i ado, era assim que a União Soviética costumava justificara proibição de
•111< seus cidadãos emigrassem para outros países. O argumento era sempre
• -.li a URSS gerou essas pessoas, a u r s s as criou e educou, transformando-as

93
naquilo que sào. Que direito tôm os outro» de pegar o produto de nosso inves­
timento e transferi-lo para outro país, como se não nos devessem nada? Essa
retórica, porém, não se restringe aos regimes socialistas. Os nacionalistas ape
lam exatamente para o mesmo tipo de argumento - principalmente em tempos
de guerra. E todos os governos modernos são nacionalistas em certa medida.
Poderíamos dizer ainda que o que realmente temos, na ideia da dívida
primordial, é o mito nacionalista supremo. Antes devíamos nossa vida aos
deuses que nos criaram, pagávamos juros na forma de sacrifícios de animais
e depois liquidávamos o principal com a nossa vida. Hoje a devemos à nação
que nos formou, pagamos os juros na forma de impostos e, quando chega a
hora de defendermos o país contra seus inimigos, oferecemos pagar a dívida
com a nossa vida.
Essa é a grande armadilha do século xx: de um lado está a lógica do
mercado, pela qual gostamos de imaginar que nossa vida como indivíduos
começa sem que devamos nada a ninguém. Do outro lado está a lógica do
Estado, segundo a qual nossa vida começa com uma dívida que jamais tere­
mos condições de pagar. Ouvimos dizer o tempo todo que as duas coisas são
opostas e que entre elas estão contidas as únicas possibilidades humanas
reais. Mas essa dicotomia é falsa. Os Estadosjcm rqps mercados. Os merca-
dosexigem o Estado. Um não poderia continuar sem o outro, pelojnenos
jião nas formas que reconhecemos atualmente.
4-
Crueldade e redenção
Porque venderam o justo por dinheiro
e o pobre por um par de sandálias.
A M Ó S 2,6

i >leitor deve ter notado que existe um debate aberto entre aqueles que veem
•i dinheiro como mercadoria e aqueles que o veem como uma espécie de vale.
<) que é o dinheiro, então? A esta altura, a resposta deveria ser óbvia: as duas
t»usas. Keith Hart, provavelmente a autoridade no assunto mais conhecida no
.imhito da antropologia atual, disse isso há muitos anos. Toda moeda, como
observou ele de maneira notável, sempre tem dois lados:

Pegue uma moeda no seu bolso. Um dos lados é a “cara” - o símbolo da


autoridade política que cunhou a moeda; o outro lado é a “coroa” - a espe­
cificação precisa de quanto a moeda vale como pagamento na troca. Um
lado nos lembra que os Estados subscrevem as moedas e que o dinheiro
é originalmente uma relação entre as pessoas na sociedade, algo de valor
simbólico. O outro revela a moeda como uma coisa, capaz de entrar em
relações definidas com outras coisas.1

Está claro que o dinheiro não foi inventado para superar as inconveniên-
i ias do escambo entre vizinhos - uma vez que vizinhos, para começar, não
leriam razão nenhuma de praticar escambo. Mesmo assim, um sistema de
puro crédito também teria sérios inconvenientes. O crédito baseia-se na con-
liança, e nos mercados competitivos a própria confiança se torna uma merca­
doria rara. Isso é particularmente verdadeiro no que se refere a negociações

97
entre estranhos. No Império Romano, uma moeda de prata cunhada com a
imagem de Tibério deve ter circulado a um valor consideravelmente maior
que o valor da prata que ela continha. Moedas antigas tinham invariavelmente
um valor maior do que o de seu conteúdo material.2Isso acontecia porque o
governo de Tibério estava disposto a aceitá-las pelo seu valor nominal - o que
o governo persa provavelmente não faria, e os governos do Império Máuria
e da China certamente também não. Uma quantidade enorme de moedas
romanas de ouro e prata ia para a índia e até mesmo para a China, e talvez
essa seja a principal razão de serem feitas de ouro e prata.
O que vale para um império vasto como Roma ou China obviament
vale ainda mais para uma cidade-Estado suméria ou grega, sem falar naquela
espécie de tabuleiro de damas formado por reinos, cidades e principados mi­
núsculos, como era a maior parte da Europa ou da índia medievais. Como
mencionei anteriormente, muitas vezes não havia clareza sobre o que estava
dentro ou fora da fronteira. No interior de uma comunidade - vilarejo, cidade,
guilda ou sociedade religiosa - praticamente tudo podia funcionar como di­
nheiro, desde que todos soubessem qúe havia alguém disposto a aceitar o que
se oferecia para liquidar uma dívida. Para dar um exemplo particularmente
extraordinário, em algumas cidades da Tailândia o troco miúdo consistia em
fichas pequenas de porcelana chinesa - equivalentes a fichas de pôquer -
emitidas por cassinos locais. Se um desses cassinos parasse de funcionar ou
perdesse sua licença, os proprietários precisavam mandar um pregoeiro às
ruas para soar um gongo e anunciar que quem tivesse essas fichas teria três
dias para resgatá-las.5 Para as transações de maior importância, é claro, era
usada normalmente a moeda que também era aceita fora da comunidade
(geralmente prata ou ouro).
De maneira semelhante, as lojas inglesas, durante muitos séculos, emi­
tiam a própria moeda simbólica de madeira, chumbo ou couro. A prática
costumava ser tecnicamente ilegal, mas persistiu até tempos recentes. Veja­
mos na página ao lado um exemplo do século xvii, de certo Henrey, dono de
uma loja em Stoney Stratford, Buckinghamshire:

98
rrata-se nitidamente de um caso baseado no mesmo princípio: Henrey
•I n i.i troco na forma de vales que poderiam ser trocados na sua loja. Como
Mis, cies circulariam por todo lado, pelo menos entre as pessoas que com-
pi assem com alguma regularidade no estabelecimento. Mas é improvável que
w propagassem para muito além de Stoney Stratford - a maioria das moe-
•l*is simbólicas, na verdade, nunca circulava mais do que algumas quadras
i ni qualquer direção. Para transações de maior porte, todo mundo, inclusive
I li'iirey, recorria ao dinheiro, na forma que seria aceita em qualquer lugar,
int Itiindo Itália ou França.4
Durante a maior parte da história, mesmo em períodos em que nos
•1«paramos com elaborados mercados, também encontramos um conjunto
•um plexo de diferentes tipos de moeda corrente. Algumas devem ter sur­
gido originalmente do escambo entre estrangeiros: o dinheiro de cacau da
Mi »américa ou o dinheiro de sal da Etiópia são exemplos citados com fre-
i|ii< ir ia.s Outros surgiram de sistemas de crédito, ou de discussões sobre
i|tn tipo de bens deveria ser aceito para o pagamento de impostos e outras
ilivulas. Questões como essas muitas vezes eram o tema de infindáveis con-
ii .1ações. Em muitos casos era possível aprender bastante sobre o equilíbrio
•las lorças políticas em determinada época e lugar baseando-se naquilo que
•i i\ aceitável como moeda corrente. Por exemplo: praticamente da mesma
maneira que os agricultores na Virgínia colonial conseguiram aprovar uma

99
lei obrigando os comerciantes .1 aceitai tabaco como moeda, os camponeses
pomeranianos medievais parecem ter convem ido os governantes, em de
terminados momentos, a aceitar que impostos, tarifas e taxas aduaneiras,
que eram registrados em moeda romana, fossem pagos em vinho, queijo,
pimenta, galinhas, ovos e até arenques - para desgosto dos mercadores via
jantes, que desse modo tinham de carregar esses itens para pagar as taxas ou
comprá-los localmente a preços mais vantajosos para os fornecedores.6Isso
aconteceu em uma região com um campesinato livre, e não formado por
servos. Sendo assim, eles ocupavam uma posição política relativamente forte.
Em outras épocas e lugares, o que prevalecia era o interesse dos soberanos
e mercadores.
Desse modo, o dinheiro é quase sempre algo que paira entre uma merca­
doria e um símbolo de dívida. E provavelmente por isso que a moeda sonante
- pedaços de prata ou ouro que já são mercadorias valiosas em si, mas que,
por serem cunhadas com o emblema de uma autoridade política local, se
tornam ainda mais valiosas-continua sendo para nós a forma quintessencial
do dinheiro. A moeda sonante se situa perfeitamente na linha divisória que
define o que é o dinheiro, acima de tudo. Além disso, a relação entre merca-
^doria e moeda simbólica sempre foi motivo de contestaçãopolítica.
JEmoutras palavras, a batalha entre Estado e mercado, entre governos e
comerciantes<JiãQL£jnerente à condição humana.

Talvezpareça que nossas duas histórias de origem - o mito do escambo e


o mito da dívida primordial - estejarnse^aradas ao máximo; porénuJ_sua
maneira, elas também são dois lados da mesma moedaTÜmapressupõe a ou-
_tra. Só conseguimos ver nossa relação com o universo em termos de dívida
quando imaginamos a vida humana como uma série de transações comerciais.
Para ilustrar, recorro a uma testemunha talvez surpreendente: Friedrich
Nietzsche, um homem capaz de ver com clareza incomum o que acontece
quando tentamos imaginar o mundo em termos comerciais.
Seu livro Genealogia da moral foi publicado em 1887. Nele, Nietzsche
parte de um argumento que poderia muito bem ter sido tirado diretamente

100
•It Adam Sinltli mas ele dá um passo além do que Smilh jamais ousaria
•l u insistindo que não apenas o escambo mas também a própria compra e
vi ml i precedem qualquer outra forma de relação humana. O sentimento da
•*1*i I^M^Ao pessoal, observa ele,
w
leve origem, como vimos, na mais antiga e primordial relação pessoal, na
lelaçào entre comprador e vendedor, credor e devedor: foi então que pela
l>i imeira vez se defrontou, se mediu uma pessoa com outra. Não foi ainda
encontrado um grau de civilização tão baixo que não exibisse algo dessa
relação. Estabelecer preços, medir valores, imaginar equivalências, trocar-
Isso ocupou de tal maneira o mais antigo pensamento do homem que em
t crto sentido constituiu o pensamento: aí se cultivou a mais velha perspicácia,
ai se poderia situar o primeiro impulso do orgulho humano, seu sentimento
de primazia diante dos outros animais. Talvez a nossa palavra Mensch (manas)
expresse ainda algo desse sentimento de si: o homem [Mensch] designava-se
i nino o ser que mede valores, valora e mede, como “o animal avaliador”.
( omprar e vender, juntamente com seu aparato psicológico, são mais velhos
inclusive do que os começos de qualquer forma de organização social ou
aliança: foi apenas a partir da forma mais rudimentar de direito pessoal que
t >terminante sentimento de troca, contrato, débito [Schuíd], direito, obriga-
ç.lo, compensação, foi transposto para os mais toscos e incipientes complexos
sociais (em sua relação com complexos semelhantes), simultaneamente ao
hábito de comparar, medir, calcular um poder e outro.7

Vale lembrar também que Adam Smith via as origens da linguagem - e


poi i ,mto do pensamento humano - na nossa propensão de “trocar uma coisa
| ml.i outra”, o que também teria dado origem ao mercado.8O ímpeto de tro-
».it, de comparar valores, é a mesma coisa que faz de nós seres inteligentes e
uns diferencia dos outros animais. A sociedade vem depois - o que significa
•jiir nossas ideias sobre responsabilidades para com os outros tomam forma
l<i imeiro em termos estritamente comerciais.
A despeito de Adam Smith, no entanto, jamais ocorreu a Nietzsche
i|in pudéssemos ter um mundo em que todas essas transações se neutra-

ío i
Hzassem automaticamente. Todo si.stema de contabilidade comercial, para
ele, produzirá credores e devedores. Na verdade, ele acreditava que a moral
humana surgiu justamente por isso. Note-se, diz ele, como a palavra alem.i
Schuld quer dizer tanto “dívida" quanto “culpa”. A princípio, estar em dívida
era simplesmente ser culpado, e os credores adoravam punir os que eram in­
capazes de pagar empréstimos, infligindo “ao corpo do devedor toda sorte de
humilhações e torturas, por exemplo, como cortá-lo tanto quanto parecesse
proporcional ao tamanho da dívida”.9Com efeito, Nietzsche chegou ao ponto
de insistir que aqueles códigos de leis bárbaras originais, que estabeleciam um
olho por um olho perdido, um dedo para um dedo arrancado, não foram fei­
tos originalmente para fixar taxas de compensação monetária pela perda dos
olhos e dedos, mas sim para estabelecer quanto os credores podiam arrancar
do corpo dos devedores! Desnecessário dizer, ele não dá absolutamente nem
uma centelha de referência para isso (pois não existe nenhuma).10 Mas pro­
curar referências seria perder o essencial. Estamos lidando aqui não com um
argumento histórico real, mas sim com um exercício puramente imaginário.
Quando os seres humanos coméçaram a formar comunidades, prosse­
gue Nietzsche, eles começaram necessariamente a imaginar sua relação com
a comunidade nesses termos. A tribo dá aos seres humanos paz e segurança.
Estão, desse modo, endividados. Obedecer às leis da tribo é uma das maneiras
de pagar a dívida (“pagar a dívida para com a sociedade”, mais uma vez). Mas
a dívida, diz ele, também é paga - novamente - no sacrifício:

Na originária comunidade tribal - falo dos primórdios - a geração atual


sempre reconhece para com a anterior, e em especial para com a primeira,
fundadora da estirpe, uma obrigação jurídica [...]. A convicção prevalece de
que a comunidade subsiste apenas graças aos sacrifícios e às realizações dos
antepassados - e de que é preciso lhes pagar isso com sacrifícios e realiza­
ções: reconhece-se uma dívida [Schuld], que cresce permanentemente, pelo
fato de que os antepassados não cessam, em sua sobrevida como espíritos
poderosos, de conceder à estirpe novas vantagens e adiantamentos a partir
de sua força. Em vão, talvez? Mas não existe “em vão” para aqueles tempos
crus e “sem alma”. O que se pode lhes dar em troca? Sacrifícios (inicial-

102
mrnte para alimentação, entendida do modo mais grosseiro), lestas, música,
homenagens, sobretudo obediência pois os costumes slo, enquanto obra
dos antepassados, também seus preceitos e ordens. I;. possível lhes dar o
•uificlente? Essa suspeita permanece e aumenta."

I ui outras palavras, para Nietzsche, começar das suposições de Adam


|m ll li s»>bre natureza humana significa que devemos necessariamente chegar
Irtl^n parei ido com a teoria da dívida primordial. Por um lado, é por causa do
HiMsn sentimento de dívida para com nossos antepassados que obedecemos
tf li l» ancestrais: é por isso que sentimos que a comunidade tem o direito
t)i migii “como um credor furioso” e nos punir por nossas transgressões
lAutfiidn desrespeitamos essas leis. Em sentido mais amplo, nós desenvolve-
«id •*. um sentimento arrepiante de que jamais conseguiremos de fato pagar
lo» nossos ancestrais, que nenhum sacrifício (nem mesmo o sacrifício de
•mV.«»pi iinogênito) vai nos redimir verdadeiramente. Temospavor de^nossos^
gtHrpass.iilos, e quanto mais forte epoderosa umacomunidade se torna, mais
Éptlrrosos eles parecem ser, até queTpor fim, “o ancestral termina necessa-
lltfiiu nle transfigurado em deus”. À medida que as comunidades crescem e
tr iianslormam em reinos, e os reinos em impérios universais, os próprios _
ilnmi-s mineçam a parecer mais unive.r.sai,s^a_ssumem pretensões maiores. -
i m.ils rnsirpcas. governam os.céus-SQlram raios c trovões - cujminando
y i I >t os cristão que, como deidade máximar “trouxe também ao mundo o
IMitulmo de sentimento de culpa”. Até mesmo Adão, nosso ancestral, não
||(i(iri e mais como credor, mas como transgressor, e portanto devedor, que
|mn*m para nós o fardo do pecado original:

h >i fim, com a impossibilidade de pagar a dívida, se concebe também a im­


iti »ssibilidade da penitência, a ideia de que não se pode realizá-la (o “castigo
i In no”) [...] até que subitamente nos achamos ante o expediente paradoxal e
horrível no qual a humanidade atormentada encontrou um alívio momen­
tâneo, aquele golpe de gênio do cristianismo: o próprio Deus se sacrificando
pela culpa dos homens, o próprio Deus pagando a si mesmo, Deus como
o único que pode redimir o homem daquilo que para o próprio homem

103
se tornou irredimível - o credor se s.u rlíii .indo por seu devedor, por amor
(é de se dar crédito?), por amor a seu devedor!w

Tudo faz sentido se partirmos da premissa inicial de Nietzsche. O pro


blema é que a premissa é uma insanidade.
Também temos todas as razões para acreditar que Nietzsche sabia que
a premissa era insana; na verdade, que a intenção era toda essa. Ele parte das
^SuposjLÇÕesjiabituais e desenso comum sobrea natureza dos sergsjmmanas
que prevaWiamna sua épor.a (e que ainda prevalecem em grande medida) -
Jsto é, que somos máquinas racionais de calcular, que o interesse comercial
\ próprin rnm pn antgsj^ o cie d a d e jju e jy^rópria “sociedade” é apenas um
tsLv^-modo de colocar um tipode cobertura temporária no conflito resultante. Ou
seja, ele parte das suposições burguesas comuns e as conduz a um lugar em
que não teriam como não chocar o público burguês.
E um jogo valioso e ninguém jamais o jogou melhor; mas é um jogo feito
totalmente dentro dos limites do pensamento burguês. Não significa nada
para alguém que esteja fora desse terreno. A melhor resposta para quem qui­
ser levar a sério as fantasias de Nietzsche sobre caçadores selvagens que arran­
cam pedaços do corpo dos outros por não conseguirem perdoar uma dívida
são as palavras de um caçador-coletor de verdade - um inuíte da GroenjJjv
dia^uÍTicõírfamoso_por i«^a Hp um Iivro_do^escritor dinamarquês Peter
Freuchen. Book o f theEskimos. Fceuchen conta que um dia, ao voltar para casa
,iafflinto-dcpois de um«uexpedição fracassada de caça à morsa, ele viu um
dos caçadores bem-sucedidos distribuindo centenas de quilos de carne. Ele
agradeceu imensamente ao homem, que retrucou, indignado^No nosso país,
nós somos humanos! E como somos humanos, ajudamos uns aos outros.
^~lNáo gostamos de o u virn íngüém agradecendo por isso. O que tenho hoie
'^yocê pode ter amanhã. Aqui dizemos que com dádivas se criam escravos e
com chicotes se criam cães”.13
A última frase é um clássico da antropologia, e declarações semelhantes
sobre a recusa de calcular créditos e débitos são encontradas em toda a lite­
ratura antropológica sobre sociedades igualitárias baseadas na caça. Em vez
de se ver como ser humano em decoi^êiicia^da capacidade de fazer cálculos

104
-i onftmicosju LJ^aüur insistiu que ser verdadeiramente humano significa
^ H u i ar-se a fazer contas desse tipoTrecusar-se a medir ou lembrar quem deu
|>.ti ,i quem, pela razão prática de que fazer isso criaria inevitavelmente
mu mundo oinlr. começaríamos a “comparar, medir, calcular um poder e
imtio” e nos reduziríamos a escravos nu cães por meio da dívida.
Isso não quer dizer que ele, como uma quantidade incontável de seme-
|h.mtes espíritos igualitários em toda a história, não soubesse que os seres
ll 11ma nos têm a prnppncão ao cálculo. Se el? não soubesse disso, não teria
tlilo o que disse. É claro que temos uma propensão ao rálniln Terrins_rr>rlr>s
ll* IIpos dej~)ropensões_Em-^«alq«^&ituação da vida real, temos propensòes
i|in nos conduzem em várias direções, diferentes e contraditórias, ao mesmo
lt uipo. NenhumaTm ais reafque a outra. A verdadeira questão é aquilo quÇ
, romo.fnndai2Tpnm de nossa humanidade.e, desse modo, torna-
iii. »•*a base de nossa civilização. Se a análise da dívida feita por Nietzsche tiver
(«l^uina serventia para nós, será porque ela revela que quando partimos da
niposição de que o pensamento humano é essencialmente uma questão de
i .ti« tilo comercial, que a compra e a venda são a base da sociedade humana
.»I, sim, ao começarmos a pensar sobre nossa relação com o Cosmos, nós a

.... . eberemos necessariamente em termos de dívida.

A* i edito que Nietzsche também pode nos ser útil de outra maneira: para
•ui. nder o conceito de redenção. A sua explicação sobre “os primórdios”
(•mie ser absurda, mas em sua descrição do cristianismo-de como um sen­
timento de dívida é transformado em sentimento de culpa permanente, e a
•iilpa em autodepreciação, e a autodepreciação em autotortura - tudo soa
Mii ui o verdadeiro.
Por gucjx>r,cxem pla^nós nos referimos a Cristo como o “redentor”?
I »».tonificado QriginajjdeJYedencão’^ c o m p ra r algo de volta^ resgatar algo
qtii !• »i dado como garantia-porum empréstimo: adquirir algo ao pagar uma
11h1111,ivH bastantenotáyel pensar que op rópriò rructecTda mensagem cristã, a
|*inpi ia salvação^o sacrifício do filho de Deus para resgatar a humanidade da
iltiii.ii,ao eterna, seria enquadrado na linguagem de uma transação-financ^íra.

105
L _
JWictzsche deve ter adotado Jocosamente as mesmas suposiçocs que
Adam Smith, mas os primeiros cristãos jcrla m ente nào. As raízes desse
pensamento*sâo mais profundas que as de Adam Smith, com sua visão dos
comerciantes. Os autores dos Brâmanas não estavam sozinhos quando to­
maram emprestada a linguagem mercadológica como maneira de pensar .1
condição humana. Na verdade, até certo ponto, todas as principais religiões
---------------
do mundo fizeramissíL.
O motivo é que-todas-elas^ do j^Qfnastnsrpn an idamismo - surgir
j TOmeio de intensos debates sobre o papel do dinheiro e do mercado na vida
4 iumanaLprincipalmente sobre o que essas instituições significavam para
questões fundamentais a respeito do que os seres humanos deviam uns aos
outros. A questão da dívida e as discussões sobre a dívida permeavam to­
dos os aspectos da vida política da época. Esses debates eram travados entre
revoltas, pptirõps p m ^m pq to sjeform istas. Alguns desses movimentos
ganharam aliados nos templos e palácios. Outros foram brutalmente supri
..jjiidos^A maioria dos termos, slogans e questões específicas em debate^no
entanto, se perdeu na história. Simplesmente não sabemos como deve ter
sido uma discussão política em uma taberna síria em 750 a.C., por exemplo.
Assim, passamos centenas de anos contemplando textos sagrados cheios_de
„ alusões políticas que teriam sido reconhecidas instantaneamente por qual-
quer leitor na época em que foram escritos, mas cujo significado, hojeuiós
.só podemos adivinharj4
Um dos aspectos incomuns da Bíblia é o fato de ela preservar partes
desse contexto mais amplo. Voltando à noção de redenção: as palavras he­
braicas padah egoal, ambas equivalentes a “redenção”, podiam ser usadas para
resgatar algo que havia sido vendido para outra pessoa, principalmente terras
ancestrais, ou para recuperar algum objeto deixado com os credores como
penhor.15 O exemplo que se destaca na mente dos profetas e teólogos pa­
rece ser o segundo: a redenção de penhores e, especialmente, de membros
da família mantidos como escravos por dívida. Parecia que a economia dos
reinos hebreus, na época dos profetas, já começava a desenvolver o mesmo
tipo de crises de dívida que havia muito tempo eram comuns na Mesopotâ-
mia: principalmente nos anos de colheitas ruins, os pobres, à medida que

106
i» i ndlvldavam com vizinhos ricos ou com agiotas abastados nas cidades,
l omcsHvam a perder o direito às terras e se tornavam arrendatários do que
•tnii eram suas propriedades, e seus filhos e filhas eram levados para servir
|hmo 11 iados na casa dos credores, ou eram vendidos como escravos no exte-
Mmi primeiros profetas aludem a essas crises,17 mas o livro de Neemias,
IMh i lio em tempos persas, é o mais explícito:

( hitros diziam: “Temos de empenhar nossos campos, vinhas e casas para re-
»rhermos trigo durante a penúria”. Outros ainda diziam: “Tivemos de tomar
dinheiro emprestado penhorando nossos campos e vinhas para pagarmos o
11llmto do rei; ora, temos a mesma carne que nossos irmãos, e nossos filhos
nAo como os deles: no entanto, temos de entregar à escravidão nossos filhos e
lilh.is; e há entre nossas filhas algumas que já são escravas! Não podemos
Inzer nada, porque nossos campos e nossas vinhas já pertencem a outros”.
Ilquei muito irritado quando ouvi suas lamúrias e essas palavras. Tendo
ilrliberado comigo mesmo, repreendi os nobres e os magistrados nestes ter­
mos: "Que fardo cada um de vós impõe a seu irmão!”. E convoquei contra
i les uma grande assembleia.18

Neemias era judeu nascido na Babilônia, ex-escanção do imperador


|ti i i.i Km 444 a.C., ele conseguiu convencer o Grande Rei a apontá-lo como
Miivn nudor de sua nativa judeia. Também obteve permissão para reconstruir
m li mplo em Jerusalém que havia sido destruído por Nabucodonosor mais
I* duzentos anos antes. Durante a reconstrução, textos sagrados foram des-
«mI mi tos e restaurados: de certa forma, esse foi o momento da criação do que
bo|c e considerado o judaísmo.
Porém, assim que Neemias voltou para casa, viu-se confrontado com
•ii11.1111se social. Por toda parte, camponeses empobrecidos não conseguiam
| m >mi os impostos; credores levavam embora as crianças dos pobres. Sua
| mlim ira reação foi expedir um edito de “tábula rasa”, em clássico estilo ba-
(illniiico - tendo nascido na Babilônia, ele estava muito bem familiarizado
i mi11 o princípio geral. Todas as dívidas não comerciais seriam perdoadas.
In ia*, máximas de juros foram estabelecidas. Ao mesmo tempo, no entanto,

107
ç ^ . ,
_Neemias conseguiu localizar, revisai v rc*insliluir leis judaifius muito mais
N r ^antigas, hoje preservadas nos livros fexodo, Deuteronômio e Levítico, que
de certa maneira iam ainda além ao institucionalizar o princípio.19 A mais
famosa delas é a I ei-do Jubilnr estipulava que todas as dívidas fossem aiin«
—^ maticamente anuladas “no ano sabático" (ou _s_ejarjdepois de sete anos), e que
^todas as pessoas que haviam passado para a condicão de servos por caus.i
dessas dívidas seriam libertadas.20
Na Bíblia, e também na Me^opotâmia, “liberdade” passou a se referir,
acima de tudo^à-liberíaçlo dos efeitos da dívida. Com o tempo, a história do
próprio povo judeu passou a ser interpretada sob essa luz: libertar os escravos
no Egito foi o primeiro ato paradigmático de redenção executado porJDeus;
as atribulaçõesTilgTorícãs^õslu^ieus^dèrrõtarcõnquista, exílio) eram vistas
r çomoumadesgraça quelévária à redenção final com a chegada do M essias
- essa chegflda, no entanto, só aconteceria, como alertavam profetas como
Jeremias, depois que o povo judeu se arrependesse verdadeiramente de^seus
pecados (escravizar uns^ãõ^butros^dolatrar falsos deuses, violar os manda­
mentos).21 Nessa linha de raciocínio', a adoção do termo_pelos cristãos não
é nada surpreendente. A redenção era uma libertação do fardo do pecado e
da culpa, e o fim da historlãTreprésentava aquele momento em que todas os
•^esefavos seriamiihgrados e todas as dívidas, finalmente anuladas^quando o
toque das trombetas angelicais anunciasse o lubileu final.
Nesse caso, a “redenção” não diz mais respeito ao resgate de alguma
coisa. Ela tem mais a ver com a destruição de todo o sistema de contabili­
dade. Em muitas cidades do Oriente Médio, essa destruição era literalmente
verdadeira: um dos atos comuns durante o cancelamento das dívidas era a
destruição cerimonial das tabuletas em que se mantinham os registros finan­
ceiros, um ato a ser repetido, de maneira muito menos oficial, em cada uma
das principais revoltas camponesas da história.22
Isso leva a outro problema: o que é possível nesse ínterim, antes da che­
gada da redenção final? Em uma de suas parábolas mais perturbadoras, a
do Devedor Implacável, Jesus parecia tratar explicitamente desse problema:
()»oi ic t om o Reino dos Céus o mesmo que .1 um rei que resolveu acertar
. 1mi.is com os seus servos. Ao começai o acerto, trouxeram-lhe um que
ilrvi.i 10 mil talentos. Náo tendo este com que pagar, o senhor ordenou
<|iI«- o vendessem, juntamente com a mulher e com os filhos e todos os
seus bens, para o pagamento da dívida. O servo, porém, caiu aos seus
pés e, prostrado, suplicava-lhe: “Dá-me um prazo e eu te pagarei tudo”.
I M.mte disso, o senhor, compadecendo-se do servo, soltou-o e perdoou-
IIK ,1 dívida. Mas, quando saiu dali, esse servo encontrou um dos seus
•iimpanheiros de servidão, que lhe devia cem denários e, agarrando-o
prlo pescoço, pôs-se a sufocá-lo e a insistir: “Paga-me o que me deves”.
«> companheiro, caindo aos seus pés, rogava-lhe: “Dá-me um prazo e eu te
pagarei". Mas ele não quis ouvi-lo; antes, retirou-se e mandou lançá-lo na
pi isAo até que pagasse o que devia. Vendo os seus companheiros de servi-
•la*>o que acontecera, ficaram muito penalizados e, procurando o senhor,
•<>ntaram-lhe todo o acontecido. Então o senhor mandou chamar aquele
m i vo e lhe disse: “Servo mau, eu te perdoei toda a tua dívida, porque me
tocaste. Não devias, também tu, ter compaixão do teu companheiro, como
«11 tive compaixão de ti?”. Assim, encolerizado, o seu senhor o entregou
aos verdugos, até que pagasse toda a sua dívida.2Í

Mm texto extraordinário: em um nível, uma piada; em outro, não pode-


H 1uri mais sério.
< «»meçamos com o rei que quer “acertar contas” com seus servos. A pre-
»!»»•••<•«•absurda. Reis, como deuses, não podem efetuar relações de troca com
tHi'> Míditos, porque a paridade é impossível. E está claro que esse rei é Deus.
I 11 t.imente não haverá nenhum acerto final de contas.
I.......»esse modo, na melhor das hipóteses, estamos lidando com um ato
tli •.ipi k ho por parte do rei. A absurdidade da premissa é enfatizada pela
tflMiitl.i que o primeiro homem supostamente lhe deve. Na antiga Judeia,
•!»/• 1 que alguém deve a um credor “10 mil talentos” seria como dizer que
Itii|i .il^uém deve “100 bilhões de dólares”. O número também é uma piada;
#1« oimplesmente representa “uma quantia que nenhum ser humano jamais
....... Iu i ia pagar”.24

109
Diante da dívida existencial infinita, o servo só tem a dizer mentiras
óbvias: “Cem bilhões? É claro, pode confiar em mim! Dê-me um pouco mais
de tempo”. Então, de repente, como que de maneira arbitrária, o Senhoi
o perdoa.
No entanto, constata-se que a anistia tem uma condição da qual ele não
tem ciência. Compete a ele querer agir de maneira análoga com os outros
seres humanos - nesse caso particular, com outro servo que lhe deve (colo
cando de novo em termos atuais) talvez mil dólares. Como não passa no teste,
o sujeito é jogado no inferno e passa lá toda a eternidade, ou “até que pague
toda a sua dívida”, o que, nesse caso, dá no mesmo.
Essa parábola tem sido um desafio aos teólogos há bastante tempo.
Normalmente ela é interpretada como um comentário à generosidade in
finita da graça de Deus e do quão pouco Ele exige de nós em comparação
- e por isso, por implicação, como maneira de sugerir que nos torturar no
inferno por toda a eternidade não é tão absurdo quanto poderia parecer.
Decerto o servo rancoroso é uma figura verdadeiramente odiosa. Todavia, o
que me chama mais a atenção ainda é á sugestão tácita de que o perdão, neste
mundo, no fundo é impossível. Os cristãos dizem mais ou menos a mesma
coisa toda vez que recitam o pai-nosso e pedem a Deus: “E perdoa-nos as
nossas dívidas assim como nós perdoamos aos nossos devedores”.25 Essa
frase repete quase exatamente a história da parábola, e as implicações são
similarmente terríveis. Afinal, a maior parte dos cristãos que recitam essa
oração sabe que em geral eles não perdoam seus devedores. Por que então
Deus os perdoaria de seus pecados?26
Além disso, há a sugestão persistente de que jamais conseguiríamos viver
à altura desses padrões, ainda que tentássemos. Uma das coisas que fazem o
Jesus do Novo Testamento ser um personagem tão irresistível é o fato de nunca
termos clareza do que ele realmente diz. Tudo pode ser interpretado de duas
maneiras. Quando ele pede a seus seguidores que perdoem todas as dívidas,
se recusem a atirar a primeira pedra, deem a outra face, amem os inimigos,
deem seus bens aos pobres - ele realmente espera que tudo isso seja feito? Ou
será que tais exigências são apenas um modo de mostrar aos outros que, como
claramente não estamos preparados para agir dessa maneira, somos todos

110
I" t adores cuja salvaçAo só pode acontecer em outro mundo uma posiçAo
*111• pode ser (e tem sido) usada para justificar quase tudo? Essa e uma visão
.l i vida humana como inerentemente corrupta, mas também enquadra outras
Htii Nióes espirituais, inclusive - em termos comerciais: com o cálculo do
|Mi .11lo, d.i penitência e da absolvição, o diabo e São Pedro, cada um com seu
llvii Montábil, geralmente acompanhados da sensação pavorosa de que tudo
é »mi.i charada, revelam que o próprio fato de sermos reduzidos a esse jogo
• i tbelar os pecados nos tornam fundamentalmente indignos do perdão.
Iodas as religiões mundiais, como veremos, são repletas desse tipo de
|inl*i^uidade. Por um lado, elas são um chamado contra o mercado; por ou-
I» m , lendem a enquadrar suas objeções em termos comerciais - como se ar-

fluinnitassem que transformar a vida humana em uma série de transações


m.Ii . losse um bom negócio. No entanto, acredito que esses poucos exemplos
ffvrlam quanto está sendo escondido nos relatos convencionais da origem e
tlii história do dinheiro. Existe algo quase poeticamente ingênuo nas histórias
IoIhc vi/.inhos que trocam batatas por um par de calçados. Quando os an-
llyos pensavam em dinheiro, trocas amigáveis dificilmente eram a primeira
tH^.io que lhes vinha à mente.
Sim, alguns teriam se lembrado da conta aberta na cervejaria local, ou,
«ii li 'ssem comerciantes ou administradores, dos armazéns, livros contábeis,
#111^«>s exóticos importados. Para a maioria, no entanto, o que provavelmente
lltrs vinha à mente era a venda de escravos e o resgate de prisioneiros, co­
in rtdores de impostos corruptos e as depredações de exércitos de conquista,
hipotecas e juros, roubos e extorsões, vingança e punição, e, acima de tudo, a
IriiiAo entre a necessidade de dinheiro para criar famílias, adquirir uma noiva
| mm que se pudesse ter filhos e o uso desse mesmo dinheiro para destruir
liiimli.is -criando dívidas que fariam com que a mesma esposa e os mesmos
lillios fossem levados embora. “Há entre nossas filhas algumas que já são
•ti i ivas! Não podemos fazer nada.” Só podemos imaginar o que essas pala-
Vi (i*i significavam emocionalmente para um pai em uma sociedade patriarcal
»ui que a capacidade do homem de proteger a honra da família era tudo. No
•mi.into, isso foi o que o dinheiro significou para a maioria das pessoas du-
i•ml«* a maior parte da história humana: a perspectiva terrível de que filhos

ui
e filhas fossem levados embora para .1 tas.i de estrangeiros repulsivos par.»
limpar suas panelas e, vez ou outra, realizar serviços sexuais, se sujeitarem .1
toda sorte concebível de violência e abuso, talvez por anos a fio, talvez para
sempre, enquanto seus pais esperavam, impotentes, evitando olhar para os
vizinhos que sabiam com exatidão o que estava acontecendo com pessoas
que eles, supostamente, deveriam ser capazes de proteger.27 Está claro que
isso era a pior coisa que poderia acontecer a alguém - é por essa razão que, na
parábola, se trata de algo correspondente a “ser entregue aos verdugos” poi
toda a vida. E isso apenas da perspectiva do pai. Imagine como seria da pers
pectiva de uma filha. No entanto, no decorrer da história humana, milhões
e milhões de filhas sentiram (e na verdade muitas ainda sentem) isso na pele.
^ e d e ^ x ü jjg ta rjiz e n d o queas pessoas acreditavam quejsso fosse nor
mal e fizesse parte da natureza: assim como a imposição de tributos às po
pulações conquistadas, tal prática talvez gerasse ressentimentos, mas não era
considerada uma questão moral, uma questão de certo e errado. Algumas
coisas simplesmente acontecem. Essa foi a reação mais comum dos campo­
neses a esses fenômenos no decorrer de toda a história humana jQ_que nos
surpreende em relação às fontes históricaslque, no caso das crises de dívida,
não era assim que muitos reagiam. Muitos na verdade se indignavam. Com
efeito, eram tantos que a maior parte da nossa llnguagem concempõfânea da
justiça social, nosso modo de ralar da servidãohumana_e4 a^manripaçào,
continua ecoando argumentos antigos sobre a dívida.
Trata-se de algo particularmente interessante porque muitas outras coi­
sas parecem ter sido aceitas como simplesmente parte da natureza. Não ve­
mos um clamor semelhante contra os sistemas de castas, por exemplo, ou,
a propósito, contra a instituição da escravidão.28 Certamente os escravos e
os intocáveis muitas vezes viviam horrores pelo menos iguais a esses. Não
há dúvida de que muitos protestavam contra sua condição. Por que será que
os protestos dos devedores pareciam conter um peso moral tão grande? Por
que os devedores conseguiam ser ouvidos tão bem por sacerdotes, profetas,
autoridades e reformadores sociais? Por que autoridades como Neemias se
dispuseram a ouvir com simpatia suas reivindicações e invectivas e reunir
grandes assembleias?

112
Alguns sugeriram razões práticas: as crises tia dívida destruíam o livre
>«uuprsinato, e os camponeses livres é que eram recrutados para os antigos
pM K iit»s que lutariam nas guerras/' Os governantes, portanto, tinham um
■Hfrrssc particular em manter as bases de recrutamento. Sem dúvida esse foi
lim l.itoi. claramente, não foi o único. Não há razões para acreditarmos que
llfrmi.iN. por exemplo, em sua fúria contra os usurários, estivesse primei-
ptliriite preocupado com sua capacidade de formar tropas para o rei persa.
I fltlu »1« ser algo mais profundo.
() que torna a dívida diferente é o fato de ser estabelecida como premissa
Kti uin.i suposição de igualdade.
Ser escravo, ou de uma casta mais baixa, é ser intrinsecamente inferior,

fim «« se de relações de pura hierarquia. No caso da dívida, estamos falando


iIi ii\ indivíduos que começam como partes iguais de um contrato. Le­
galmente, pelo menos no que se refere ao contrato, as duas partes são a
mmittlii coisa.
1'odemos acrescentar que, no mundo antigo, quando as pessoas que
JM \i idade eram mais ou menos iguais em termos sociais emprestavam di-
H!ii 'Iio umas às outras, os termos parecem ter sido bem generosos. Muitas
%nAo havia cobrança de juros, e, quando havia, eram bem baixos. “E
na., me i obre juros”, escreveu um cananeu a outro, em uma tabuleta datada
ti"* .mos 1200 a.C., “afinal, somos cavalheiros.”30 Entre parentes próximos,
■tllllos "empréstimos” deviam ser, como o são até hoje, apenas presentes, e
flltittunn esperava seriamente receber de volta. Já o empréstimo entre ricos
R Moines era outra coisa.
() problema era que, a despeito das distinções de status como castas ou
i iivklílo, a linha divisória entre ricos e pobres nunca era delineada com
Ittt«ha» >. 1'odemos imaginar a reação de um fazendeiro que tomava um em-
I mím Imo com um primo rico, convicto de que “os seres humanos ajudam uns
ilM* i ml n >s”, e um ou dois anos depois tinha seu vinhedo confiscado e seus fi-
II li*" r lillias levados como servos. Tal comportamento poderia ser justificado,
tu* t* i m< >s legais, insistindo que o empréstimo não foi realizado como ajuda
HHiiii.i, mas como relação comercial - contrato é contrato. (Isso também
llltii.i i erto acesso confiável às instâncias superiores.) Mas também daria a

113
sensação de ser uma traição terrível. Alem disso, enquadrar essa situa^.io
como quebra de contrato significava dizer que, na verdade, essa era uma ques
tão moral: as duas partes envolvidas deviam ser iguais, mas uma delas nào
honrou o acordo. Psicologicamente, isso só tornava ainda mais dolorosa .1
vergonha da condição do devedor, uma vez que era possível dizer que su.i
torpeza selou o destino de sua filha. Mas isso só deixava a situação aind.i
mais propensa a calúnias morais: “Temos a mesma carne que nossos irmãos,
e nossos filhos são como os deles”. Somos todos o mesmo povo. Temos .1
responsabilidade de levar em consideração as necessidades e os interesses
uns dos outros. Então, como meu irmão pôde fazer isso comigo?
No caso do Antigo Testamento, os devedores eram capazes de prepa­
rar um argumento moral particularmente poderoso - como os autores do
Deuteronômio lembravam o tempo todo a seus leitores, os judeus não eram
escravos no Egito e todos eles não foram redimidos por Deus? Era correto,
depois que todos receberam a terra prometida, alguns tomarem essa mesma
terra dos outros? Era correto uma população de escravos libertos escravizar
os filhos dos outros?31 Mas argumentos análogos foram dados em situações
semelhantes praticamente em todos os lugares no mundo antigo: em Atenas,
Roma e, a propósito, na China, onde, segundo a lenda, a própria cunhagem
foi inventada por um imperador para resgatar as crianças de famílias forçadas
a vendê-las depois de uma série de enchentes devastadoras.
_Durante quase toda a história, quando o conflito político entre as classes
Ylnhaà7ònàTgTi3 S^ m ia a fonfía-deapelos pelo cancelamento de dívidas-a
libertação dos servos e, geralmente, uma redistribuição máis_Justa dãTerrã.
O que vemos na Bíblia e em outras traaiçoes religiosas sao traço^dos argu­
mentos morais com os quais essas reivindicações eram justificadas, em geral
sujeitos a todo tipo de imaginativas reviravoltas, mas inevitavelmente incor­
porando, até certo ponto, a linguagem do próprio mercado.

114
5-
Breve tratado sobre
os fundamentos
morais das relações
econômicas
I'," . t ontara história da dívida, é necessário reconstruir como a linguagem
•lt t m m ado passou a permear cada aspecto da vida humana - chegando
I | fui nci cr a terminologia para expressões morais e religiosas contrárias a
\ >1« |.i vimos como os ensinamentos védicos, assim como os cristãos, aca-
H t f n tljindo o mesmo passo curioso: primeiro descrevem toda a moral como
is, cada um à sua maneira, demonstram que a moral na
e ser reduzida à dívida, pois deve ser fundamentada em

Mas fundamentada em quê? As tradições religiosas preferem respostas


i ntiiHilógicas amplas: a alternativa à moralidade da dívida consiste no reco-
ii I h t iinento da integração com o Universo, na vida à espera da iminente ani-
Mtilltfvlo do Cosmos, na absoluta subordinação à deidade ou na passagem
}<•»«,«i mi ro mundo. Minhas metas são maisjrnodesttLs, então tomarei a direção
M|hf.i ,i Se quisermos de fato entender os fundamentos morais da vida eco-
11«mi Ui a e, por extensão, da vida humana, creio que devemos começar pelas
|tlh|iM'ua$ «picas--os detalhes cotidianos da existência social, o modo como
ti til limos nossos amigos, inimigos e crianças - geralmente com gestos tão
jiti |i unos (passar o sal, filar um cigarro) que quase nunca paramos para pensar
ftplr* A antropologia tem nos mostrado como os modos de organização dos
humanos são diferentes e numerosos. Mas ela também revela algumas
nlint.l.idcs netávcisCgnncipiÕs morais fundaméntãisque parecem existir em
|| hI<'•»«)S lugares e que sempre tenHerlõTsênnvõcados tcxía vez que as pessoas
tli ii ain objetos de lugar ou argumentam sobre o que os outros lhes devem.
Um dos-moÚYQs que fazem da vida humana algo tão complicado, por sua
¥*/, «• o fato de muitos desses princípios se contradizerem. Como veremos,
til* *«i si.io o tempo todo nos levando em direções radicalmente diferentes.

117
A lógica moral da troca, e portanto da dívida, é apenas uma; em qualquet
dada situação, é provável que princípios completamente diferentes possam
ser aplicados. Nesse sentido, a confusão moral discutida no primeiro capítulo
não é nova; de certo modo, o pensamento moral é fundado nessa tensão.

Para entender realmente o que é a dívida, portanto, será necessário entendei


como ela é diferente de outros tipos de obrigações que os seres humanos
podem ter uns com os outros - o que, por sua vez, significa mapear quais são
essas outras obrigações. Ao fazermos isso, no entanto, defrontamo-nos com
alguns desafios peculiares. A teoria social contemporânea - inclusive a antro^
pologia econômica - surpreendentemente oferece pouquíssima ajuda nesse
aspecto. Há uma literatura antropológica vasta sobre dádivas, por exemplo,
a começar pelo Ensaio sobre a dádiva, do antropólogo francês Mareei Mauss,
de 1924, bem como sobre “economias da dádiva” que funcionam baseadas
em princípios completamente diferentes dos que norteavam as economias
de mercado - mas, por fim, quase toda essa literatura se concentra na troca
de presentes, assumindo que sempre que uma pessoa oferece alguma coisa,
esse ato acarreta uma dívida, e o presenteado tem de retribuir com algo equi­
valente. De modo muito parecido ao que acontece nas grandes religiões, a
lógica do mercado tem se insinuado até mesmo no pensamento de quem se
opõe a ele de maneira mais explícita. Assim sendo, terei aqui de começar de
novo e criar uma nova teoria, praticamente do zero.
Parte do problema é o lugar extraordinário que a economia ocupa atual­
mente nas ciências sociais. Em muitos aspectos, ela é tratada como um tipo
de disciplina mestra. Espera-se que quase todas as pessoas que administram
algo importante nos Estados Unidos tenham algum treinamento em econo­
mia, ou pelo menos tenham algum conhecimento de seus princípios básicos.
Consequentemente, esses princípios passaram a ser tratados como lugar-
-comum, quase como certezas absolutas (sabemos que estamos diante de
um lugar-comum quando, ao questionarmos o outro, sua primeira reação é
nos tratar como completos ignorantes - “você provavelmente nunca ouviu
falar da Curva de Laffer”; “com certeza você precisa fazer um curso básico de

118
9t niiomlM” , ou seja. a teoria é tida como algo tAo obviamente verdadeiro que
nln^uíMii entende como alguém pode discordar dela). Além disso, os ramos
ilti m ii l.i social que recorrem a certo "status científico” - a “teoria da escolha
f Htlnii.il . p*»i exemplo parlem el.is mesmas suposições sobre psicologia
(>nomistas; supõem que a melhor maneira de interpretar os seres
^ ^ ■ pBos é como atores egoístas que estão sempre calculando como tirar a
Ihi ii v.mugem de qualquer situação, como obter o melhor lucro, p ra z e i
^ ^ B ic ld a d e com o menor sacrifício ou investimento - algo curioso, consi-
^ ili i niilo q ucii pweoing íaexperiment aTjalíeffiTTmtfou-íepe tidas vezes que
Miposições simplesmente não são verdadeiras.Ç j
I la mniHHempo existpm aq n fH _quf, desejam criar uma teoria da intera-
küi *mh ial fundamentada em umajvisão mais generosa da natureza humana
litHist indo que a vida moral se caracteriza por algo além da vantagem mútua:
H || g é motivada sobretudo por umsenso de justiça. A palavra-chave aqui se
Jliitiou ''reciprot idadcl^oiLseilso de igualdade, equilíbrio, justeza e simetria..
Mim ii porada na nossa imagem de justiça como uma balança com dois pratos.
Ai liansações econômicas eram apenas uma variante do princípio da troca
ft|iilllhrada - uma variante que tinha a famigerada tendência de dar errado.
M iv se examinarmos mais de perto essas questões, descobriremos que todas
lelaçòes humanas são baseadas em alguma variação da reciprocidade.
Nas décadas de 1950,1960 e 1970, tornou-se uma febre pensar nessas
i | im stóes, na esteira daquilo que, na época, se chamava “teoria da troca”,
.li He11volvida em variações infinitas, da teoria da troca social, de George
I Imnuns, nos Estados Unidos, ao estruturalismo de Claude Lévi-Strauss, na
I I uiça. Lévi-Strauss, que se tornou uma espécie de deus intelectual da an-
1111|»1>logia, apresentou a tese extraordinária de que a vida humana podia ser
Imaginada como constituída de três esferas: linguagem (que consiste na troca
ili palavras), parentesco (que consiste na troca de mulheres) e economia (que
1oiiNiste na troca de coisas). Todas as três, insistia ele, eram governadas pela
Mirsina lei fundamental da reciprocidade.5
I loje o prestígio de Lévi-Strauss está em declínio, e tais declarações extre­
madas, em retrospecto, parecem um tanto ridículas. No entanto, não houve
i|tiem propusesse uma nova e corajosa teoria em substituição a essas ideias.

119
Em vez disso, as suposições simplesmente se retiraram para segundo plano,
C^uase todas as pessoas continuam pressupondo que, em sua natureza funda­
mental, a vida social é baseada no princípio da reciprocidade e, portanto, que
toda interação humana pode ser mais bem compreendida como um tipo de
troca. Se isso for verdade, então a dívida realmente é a raiz de toda moralidade,
porque a dívida é o que acontece quando falta restabelecer algum equilíbrio.
Entretanto, toda a justiça pode realmente ser reduzida à reciprocidade'
Não é nada difícil imaginarmos formas de reciprocidade que não pareçam
particularmente justas. “Aja com os outros da maneira que gostaria que
agissem com você” poderia ser um excelente fundamento para um sistema
ético, mas, para a maioria de nós, “olho por olho” evoca menos a justiça do
que a brutalidade movida pela vingança.4 “Amor com amor se paga” é um
sentimento agradável, mas “eu coço suas costas e você coça as minhas" é
um atalho para a corrupção política. De modo inverso, há relações que pa­
recem claramente morais, mas que não têm nada a ver com reciprocidade.
A relação entre mãe e filho é um exemplo citado com frequência. A maioria
de nós adquire o sentido de justiça emoral primeiro com os pais. Porém, é
extremamente difícil ver a relação entre pais e filhos como particularmente
dotada de reciprocidade. Estaríamos então propensos a concluir que não se
trata de uma relação moral? Que não tem nada a ver com justiça?
A escritora canadense Margaret Atwood abre um livro recente sobre dí­
vida com um paradoxo semelhante:

O escritor Ernest Thompson Seton recebeu uma conta estranha no dia em


que completou 21 anos. Era um registro mantido por seu pai de todas as
despesas que tivera com Ernest, durante a infância do filho, incluindo os ho­
norários cobrados pelo médico para trazê-lo ao mundo. Dizem que Ernest
pagou a conta, o que é ainda mais estranho. Antes eu achava que o pai de
Seton era um idiota, mas hoje tenho minhas dúvidas.5

A maioria de nós não teria tantas dúvidas. Tal comportamento parece


monstruoso e inumano. Ernest certamente pensava da mesma maneira: ele
pagou a conta, mas nunca mais conversou com o pai.6 E, de certa forma, é

120
hi*1*1mente por isso que apresentar uma conta desse tipo parece tão ultra-
IfiMi« Ajustar contas significa que as duas partes serão capazes de se distanciar.
A** •ipiesentara conta, o pai sugeriu que não tinha mais nada a ver com o filho.
I ui outras palavras, embora a maioria de nós possa pensar no que se
tfevr .i<is pais como uma espécie de dívida, poucos de nós se imaginam capa-
^ ^ KfÜ lm ente pagá-la - ou mesmoque essa divida deva ser pagaTContudo.
• l.i n.io pode ser paga, em que sentido se trata de uma “dívida”? E se não é
||iii«i divida, o que ela é?

(.Im dos lugares óbvios para buscarmos alternativas é naqueles casos de in-
humana em que as expectativas de reciprocidade parecem dar com
m* burros n’água. Os relatos de viajantes do século xix, por exemplo, são
f*|ilrlos de casos assim. Missionários que trabalhavam em determinadas re-
fllOi s d.i África muitas vezes se surpreendiam com as reações que recebiam
MtMiido receitavam medicamentos. Vejamos um exemplo típico, nesse caso
tJt miti missionário britânico no Congo:

I )m ou dois dias depois que chegamos a Vana, encontramos um nativo


muito doente, com pneumonia. Comber cuidou dele e o manteve vivo com
uma forte sopa de galinha; ele recebeu muita atenção e cuidados de enferma­
gem em sua casa, que ficava ao lado do acampamento. Quando estávamos
prontos para seguir nosso caminho, o homem melhorou. Para nossa sur­
presa, ele se aproximou e nos pediu um presente, e quando nos recusamos a
presenteá-lo ficou tão espantado e indignado quanto nós com a atitude dele.
Sugerimos que cabia a ele nos trazer um presente e demonstrar gratidão. Ele
tios disse: “Muito bem! Vocês, brancos, não têm vergonha”.7

Nas primeiras décadas do século xx, o filósofo francês Lucien Lévy-


Hi ulil, em uma tentativa de provar que os “nativos” tinham uma lógica to-
lalmrnte diferente, compilou uma lista de casos semelhantes: a lista continha,
|lt m exemplo, a história de um homem salvo de um afogamento que pediu à
jit mi m que o salvara algumas roupas para vestir, ou de outro que, depois de
reccbcr cuidados c recuperar a saúde após tet sof rido o ataque violento de
um tigre, pediu uma faca. Um missionário francês que trabalhava na Áfru a
Central afirmou que coisas desse tipo aconteciam regularmente: “Você salv.i
a vida de uma pessoa e algum tempo depois recebe uma visita; agora você lhe
deve uma obrigação, e só vai se livrar dela dando presentes”.8
Ora, com certeza quase sempre há algo de extraordinário em salvar unia
vida. Tudo que diz respeito ao nascimento e à morte tem alguma ligação com
o infinito e, por isso, deixa de lado todos os meios habituais de cálculo moral
Talvez por isso histórias como essas tenham se tornado quase um clichê nos
Estados Unidos durante minha infância e adolescência. Quando criança, eu
me lembro de terem me contado que, entre os inuítes (às vezes mudavam
para budistas ou chineses, mas curiosamente nunca para africanos), quando
uma pessoa salva a vida de outra, ela é considerada responsável por cuid.u
daquela pessoa para sempre. Isso é uma afronta ao nosso senso de reciproci­
dade. Mas, de certa forma, estranhamente também faz algum sentido.
Não temos como saber o que realmente se passava na mente dos pacien
tes dessas histórias, uma vez que não sabemos quem eram nem que tipo de
expectativas eles tinham (como costumavam interagir com os médicos, por
exemplo). Mas podemos supor. Vamos fazer um experimento mental. Ima
gine que estejamos falando de um lugar onde um homem que salva a vida de
outro se torna como que um irmão dele. Espera-se agora que os dois dividam
tudo e ajudem um ao outro quando necessário. Nesse caso, o paciente com
certeza perceberia que seu novo irmão aparenta ser extremamente próspero,
sem ter necessidade de quase nada, enquanto ele, o paciente, carece de muitas
coisas que o missionário pode lhe dar.
Como alternativa (mais provável), imagine que estejamos falando não
de uma relação de igualdade radical, mas exatamente do oposto. Em mui
tas partes da África, curandeiros talentosos também eram figuras políticas
importantes com uma extensa clientela de antigos pacientes. Um pretenso
seguidor então chega para declarar sua aliança política. O que complica a si­
tuação nesse caso é que seguidores de grandes homens, nessa parte da África,
ocupavam uma posição de barganha relativamente forte. Era difícil encontrar
bons sequazes; esperava-se que as pessoas importantes fossem generosas

122
mm.) srtiN seguidores para evitar que eles se aliassem a algum rival. Nesse
M fto , pedir uma camiseta ou uma faca seria um modo de confirmar se o mis-
•Ioimi lo queria ou não o homem como seguidor. Em contrapartida, pagá-lo
lt* vnli.i seria, como o gesto de Ernest Seton para com o pai, um insulto: a
MMttrli a de dizer que, apesar de o missionário ter salvado sua vida, a partir
H||M|url< momento eles não teriam mais nada a ver um com o outro.
Iiulo issoé um exercício de imaginação - pois, repito, nós não sabemos
•li Imo o que pensavam os doentes na África naquela época.Jj£Ío_qu^essas
|to 11ms il<* igualdade-e- d^^ualdadcTadicare existem -delato, que cada uma
■ . .11 rega consigoo_seu próprio tipo de moralidade, a sua própria forma
il« pensar e argumentar sobre o que é certo e errado em qualquer situação,
• <|ii< essas moralidades são totalmente diferentes da troca de tipo “olho por
mIIui, dente por dente”. No
restante deste capítulo, for-neço um modo simples
11 oli|«tlvo de mapear as principais possibilidades nessa área, propondo que
lii» ii es princípios morais sobre os quais as relações econômicas podem ser
llllliltl mentadas e que todos eles aparecem em qualquer sociedade humana.
Vi'ti •li.uná-los de comunismo, hierarquia e troca.

• »iMIJNI SMO

I •• Imo aqui comunismo como qualquer relação humana que funcione de


1« o i do
com o princípio “de cada um segundo suas capacidadêsTlfcada um
•♦ymitlo suas necessidades”.
Keconheço que faço aqui um emprego um tanto provocador desses prin-
•lpl< >m. "Comunismo” é uma palavra que pode provocar fortes reações emocio-
Mt»h principalmente, é claro, porque tendemos a identificá-la com os regimes
i *ummistas”. Isso é irônico, uma vez que os partidos comunistas e seus satélites
•|tti m»vernaram a u r s s , e ainda governam China e Cuba, nunca descreveram os
pioprlos sistemas como “comunistas”. Eles se descreviam como “socialistas”. O
•i ifiiunismo” sempre foi um ideal utópico distante e algo nebuloso, geralmente
rti i iiupanhado pelo apagamento do Estado - a ser atingido em algum momento
lio Itiiuro longínquo.

123
Nosso pensamento sobre o comunismo u m sido dominado pelo mito
Era uma vez seres humanos que mantinham todas as coisas em comum
no Jardim do Éden, durante a Idade de Ouro de Saturno ou nos grupos de
caçadores-coletores do Paleolítico. Então veio a Queda, cujo resultado é o
fato de hoje sermos amaldiçoados com as divisões de poder e a propriedade
privada. O sonho era que um dia, com o avanço da tecnologia e a prosperi
dade geral, com a revolução social ou as diretrizes do Partido, nós finalmente
estaríamos prontos para um retorno, prontos para restabelecer a propric
dade comum e a gestão comum dos recursos coletivos. Nos últimos dois
séculos, os comunistas e anticomunistas discutiram sobre como esse cenário
era plausível e se materializá-lo seria uma bênção ou um pesadelo. Mas to
dos concordavam em relação à estrutura básica: o comunismo diz respeito
à propriedade coletiva; o “comunismo primitivo” existiu no passado distante
e pode retornar um dia.
Chamaremos esse “comunismo mítico” - ou talvez “comunismo épico” -
de uma história que gostamos de contar a nós mesmos. Ela inspira milhões dc
pessoas desde a época da Revolução Francesa; mas também tem causado da­
nos enormes à humanidade. Chegou a hora, acredito, de colocarmos a ques­
tão totalmente de ladoJ Ma verdade, o “comunismo” não é uma utopia mágica,
tampouco tem a ver com a propriedade dos meios dej^rodução-jQ-Comu-
nisnxoi^jdgcujue £xiste_âgorajxiesmo^-que_£xiste, até certo ponto, em toda
sociedade humana, embora nunca tenha havido uma sociedade inteiramente
organizada dessa maneír^<e-é-dtfkiUmaginar como seria tal organização.
-T5dÕsjTQ?agirnos como comunistas durante boa-part^dõ témpõ. Nenhum
de nós age como comunista de maneiricoerente. A “sociedade comunista”
- nrna snripdaHp organizada tendo esse único princípio como
base - jamais poderia existir. Mas todÕsõsjjstemas sociais, e mesmo os
mas econômicos, como o capitalismo, foram construídos em cima da pedra
angular de um comunismo realmente existente.
Começar, repito, dos princípios “de càdãUmTegundo suas capacidades, a
cada um segundo suas necessidades” nos permite deixar de lado a questão da
propriedade individual ou privada (que, de todo modo, muitas vezes é pouco
mais que uma formalidade jurídica) e prestar atenção em questões práticas

124
♦••••li t•iim In Imediatas sobre quem tem acosso a que tipo de coisas e sob quais
MMitllsOc*.'' Sempre que for esse o princípio operativo, mesmo que se trate
<i|'i li.»* duas pessoas interagindo, podemos dizer que estamos diante de
llpo de comunismo.
i.Miuse todas as pessoas que colaboram em algum tipo de projeto se-
■y> esse princípio.10Sc uma pessoa que está arrumando um encanamento
m I i i í i i Iu o quebrado diz “passe-me a chave inglesa”, seu companheiro de
IH I m II m». de modo geral, não vai perguntar “e o que eu ganho com isso?”
Ptlii «mo que trabalhem para empresas como Exxon-Mobil, Burger King ou
fjtiMni.m Sachs. A razão é a mera eficiência (por mais irônico que pareça,
jfHitMili i .indo a crença geral de que “o comunismo simplesmente não fun-
n iit i" ) se vocc realmente quer que algo seja feito, a maneira mais eficiente
fl* mmIi/.i Io é obviamente distribuir tarefas por capacidade e dar às pessoas
JH|u< «las precisam para tal.11 Poderíamos até dizer que algo escandaloso a
li" do capitalismo é o fato de a maioria das empresas capitalistas fun-
tliHMi miernamente, de maneira comunista. É verdade que elas tendem a
IM>< I ui ti ionar de maneira muito democrática - na maioria das vezes, são
■Maitl/udasem estilo militar, com estruturas hierárquicas verticais. Mesmo
|««liti há ali uma tensão interessante, pois as estruturas hierárquicas não
Mi • | m11k ularmente eficazes: elas tendem a promover a estupidez entre as
M#«*hms que se encontram no alto e a inoperância ressentida entre as que
f*MM embaixo. Quanto maior a necessidade de improvisar, mais democrá-
|4* .1 li nde a se tornar a cooperação. Os inventores sempre entenderam isso,
H* •.ipit.ilistas de start-ups muitas vezes percebem isso e os engenheiros da
friHii|Hitação recentemente redescobriram o princípio: não apenas em coisas
|tim<»si>ft wares gratuitos, dos quais todos falam, mas também na organiza-
^*i»•i I*•. próprios negócios.
( ertamente é também por isso que, logo após grandes desastres - en-
#Imtile . blecaute ou crise econômica -, as pessoas tendem a se comportar
*!•» mesma maneira, retornando a um comunismo improvisado. Ainda que
«t |<i por um período curto, hierarquias, mercados e coisas assim tornam-se
Itlfti is 11>m os quais ninguém pode arcar. Qualquer pessoa que tenha passado
liiH i.il situação pode falar das qualidades peculiares de um momento assim,

125
de como desconhecidos se tornam irmãos r n mds c de como a própria sn
ciedade humana parece renascer. Isso é importante porque mostra que n.lo
estamos falando apenas de cooperação. JMa yerdade, o com unism o é oJundii
mento de toda sociabilidade humana. É o que torna a sociedade possível. Sempi <■
se supõe que qualquer pessoa que não seja inimiga possa agir de acordo com
o princípio “de cada um segundo suas capacidades”, pelo menos até certo
ponto: por exemplo, quando uma pessoa precisa descobrir como chegai .1
determinado lugar e a outra conhece o caminho.
Nós tanto assumimos isso como verdade que as exceções são revela
doras. E. E. Evans-Pritchard, antropólogo que, na década de 1920, realizou
pesquisas entre os nuers, pastores nilotas do sul do Sudão, relata seu em
baraço quando percebeu que alguém lhe havia dado intencionalmente uma
orientação errada:

Certa ocasião, perguntei qual era o caminho para determinado lugar e mc


indicaram a direção errada. Voltei decepcionado para o acampamento e per­
guntei às pessoas por que haviam me dado uma informação errada. Uma
delas me respondeu: “Você é estrangeiro, por que daríamos a informação cor­
reta? Mesmo se um nuer estrangeiro nos perguntasse o caminho, diríamos
‘siga direto naquela estrada’, mas não diríamos a ele que lá na frente há uma
bifurcação. Mas agora você é membro do nosso acampamento e é gentil com
nossas crianças, então no futuro nós lhe diremos qual é o caminho correto”.11

Os nuers se envolvem constantemente em rixas; lá, qualquer estranho


pode se revelar um inimigo sondando um bom lugar para armar tocaias, e
não seria sábio dar informações úteis para uma pessoa assim. Além disso, a
própria situação de Evans-Pritchard era obviamente relevante, uma vez que
ele era agente do governo britânico - o mesmo governo que havia pouco
tinha mandado a Força Aérea Britânica bombardear e fuzilar os habitan­
tes desse mesmo povoado antes de os reassentar lá. Nessas circunstâncias,
o tratamento dado pelos nuers a Evans-Pritchard parece bem generoso.
O ponto principal, no entanto, é que é preciso acontecer alguma coisa dessa
magnitude - uma ameaça direta à vida e à integridade física, um bombardeio

126
IMlll.,1 «I v l * para que as pessoas geralmente conslilcrem dar orientares
fttxili«« a um estranho.1*
1‘iufin, nâo se trata apenas de orientações. A conversa é um domínio
Mihh. ui.ii mente predisposto ao comunismo. Mentiras, insultos, críticas e ou-
|M* <♦i*i • *.sOes verbais são importantes - mas a maior parte de sua força vem
| p |M|n '*<!(,.W> comum de que as pessoas, em geral, não agem dessa maneira:
■Ét IiimiIiu só machuca porque assumimos que o outro normalmente tem
niftliln.t^.ui pelos nossos sentimentos, e é impossível mentir para alguém
(tyt1M.i« ••" he que costumamos dizer a verdade. Quando sentimos uma von-
litili numa de romper a relação amistosa que temos com outra pessoa,
B)^tpl<'*meiiie deixamos de falar com ela.
i »mesmo vale para pequenas cortesias, como pedir emprestado um is-
MM» ii *mti i ,iie um cigarro. Parece mais legítimo pedir a um estranho um cigarro
f m i|ti< i »equivalente em dinheiro, ou até em comida: na verdade, quando
1*1»ui lli» unos o outro como colega fumante, fica bem difícil negar o pedido.
■tN*' '< ‘ asos um fósforo, um pedido de informação, segurar a porta do
f)i»V'iil'>i , poderíamos dizer que o elemento “de cada um” é tão mínimo
||tii a maioria de nós consente sem nem pensar no assunto. Por outro lado, o
(•iPMt ii i v.ile quando a necessidade do outro - até mesmo de um estranho - é
Maill' ul.irmente espetacular ou extrema: se ele está se afogando, por exem-
|*li • Se uma criança cai nos trilhos de um metrô, assumimos que qualquer
i.i i .ipaz de ajudá-la assim o fará.
I*m<»(• o que eu chamo de “comunismo de base”: o entendimento de que,
| iiiriii »s que as pessoas se considerem inimigas, o princípio “de cada um se-
fljlMlil* >suas capacidades, a cada um segundo suas necessidades” supostamente
BtMlri á ser aplicado se a necessidade for grande o suficiente, ou se os custos
fluem i onsiderados razoáveis o suficiente. É claro, diferentes comunidades
In** m uso de diferentes padrões. Em comunidades urbanas amplas e impes-
MMi', o padrão pode não ser mais que pedir emprestado um isqueiro ou soli-
fHtft uma informação. Isso pode não parecer muito, mas funda a possibilidade
il» i •l.ições sociais mais gerais. Em comunidades menores e menos impessoais
I«I Itit Ipalmente aquelas em que não há divisão em classes sociais-a mesma
I*«|M< ,i provavelmente se estenderá a um maior número de casos: por exemplo,

127
costuma ser efetivamente impossível m usai um pedido nào só de cigarro
mas de comida, muitas vezes até mesmo de um estranho, e certamente d*
uma pessoa considerada membro da comunidade. Em uma página daquelas
em que descreveu suas dificuldades em pedir uma orientação, Evans-Pritch.ml
nota que os mesmos nuers se consideram incapazes, ao lidar com alguém
que aceitaram como membro de seu acampamento, de recusar um pedido d<
qualquer artigo de uso comum. Pessoas conhecidas por terem grãos, tabaco,
ferramentas ou instrumentos agrícolas de sobra podiam esperar que seus es
toques desaparecessem quase imediatamente.14No entanto, esse parâmetro d<
compartilhamento e generosidade jamais se estende a tudo. Muitas vezes, com
efeito, as coisas compartilhadas de forma livre são tratadas como triviais e sem
importância justamente por essa razão. Entre os nuers, a verdadeira rique/.i
assume a forma de gado. Ninguém compartilhava livremente o próprio gad<»,
na verdade, os jovens nuers aprendem que devemjdar aj?rópria_vidapara dc
fender o gado: mas j ^efórnesma razão^ogado nuncaj^omprado ou vendido.
A obrigação de compartilhar comida, e qualquer outra coisa conside
rada necessidade básica, tende a se tornar a base da moral d o cOa ~ã dia em
uma sociedade cujos membros são iguais. Audrey Richards, outro antropó­
logo, descreveu certa vez como as mães do povo bemba, “descuidadas com .1
disciplina em todos os aspectos”, repreendem duramente os filhos se derem
a eles uma laranja ou outro regalo e a criança não oferecer imediatamente
para os amigos.15 Mas compartilhar^nessas sociedades - em qualquer uma,
se realmente pensarmos na questão -, também é parte importante dos pra
zeres da vida. Assim, a necessidade de compartilhar é particularmente acen
tuada nos melhores e nos piores momentos: em situações de penúria, por
exemplo, mas também em situações de extrema abundância. Os primeiros
relatos missionários sobreos povosnativos norte-americanos quase sempre
incluem observações impressionantes sobre a generosidade em épocas de
penúria, e muitas vezes para com estranhos completos,16Ao mesmo tempo,
“ao retornar da pesca, da caça e do comércio, eles trocam muitos presentes;
se obtiveram algo excepcionalmente bom, ainda que tenha sido comprado
ou dado, eles fazem um banquete para todos da aldeia. A hospitalidade deles
para com todo tipo de estrangeiros é notável”.17

128
Quanto mais elaborado o banquete, maior a probabilidade de haver uma
intuIrinavAo de compartilhamento livre de algumas coisas (por exemplo, comida
*»!•» I'ida) com a distribuição cuidadosa de outras: uma carne especial, por exem-
(•!i • .1« i aça ou sacrifício, que muitas vezes é repartida em cerimônias elaboradas
mm.ti 11ma de presentes, feita dc maneira igualmente elaborada. Essa troca de pre-
fephteHt«>stuma se assemelhar à troca que acontece em jogos, torneios, cortejos e
(NmImi manccs que, de modo geral, caracterizam os festivais populares.
• I >mo acontece com a sociedade como um todo, o convívio comum po-
»1»i i.i sn visto como um tipo de base comunista sobre a qual todo o restante
Mindo. Fie também ajuda_a_ressaltaf ^ ue o compartilhar não é apenas
IÜIIm qucstJõ moral, mas também deprazfji-Prazeres-seUtáttes-sempre^xis-
mitu; mas para a maioria_dos seres humanas as atividades mais prazerosas
(-mprr^nw^vém^^^parrtthn-t4fMflga^3iiVsiraf mmidar bebidas, droga^.
|i*1«». .is, dramas, camas. Há certo comunismo dos sentidos na raiz da maior
VjHl Ir d.is coisas que consideramos-divertidas.
A maneira mais exata de saber se estamos diante de relações comunis­
ta* i m dada comunidade é verificar se inexiste ali prestação de contas, mas
Irtinhém se uma prestação de contas seria considerada ofensiva, ou simples-
Mii Mie estranha, caso fosse considerada. Cada aldeia, clã ou nação entre os
htuidenosaunees, ou iroqueses, por exemplo, era dividida em duas metades.18
♦iMr padrão é comum: também em outras regiões do mundo há arranjos
»mi que os membros de um lado só podem se casar com alguém do outro
iillo, ou comer alimentos cultivados pelo outro lado; essas regras são feitas
M|illi itamente para que um lado se torne dependente do outro em relação
it iilyuma necessidade básica da vida. Entre os Seis Iroqueses, um lado devia
m i m 11 ar os mortos do outro lado. Nada seria mais absurdo que um dos lados

«Itimar que “no ano passado, enterramos cinco dos seus mortos, mas vocês
lii i*ui erraram dois dos nossos”.
() comunismo _dc base-pode ser considerado a matéria-prima da socia-
lilll.lade, o reconhecimento de nossa interdependência fundamental, que é
* substância indispensável da paz social. Mesmo assim, na maior parte das
•In iiiistâncias, essa base mínima não é suficiente. Nós sempre nos com-
| mii ümos mais solidariamente com algumas pessoas do que com outras,

129
e alguns costumes sào especifii amentc hascmlos em princípios de solidaric
dade e ajuda mútua. As primeiras dessas pessoas sào as que amamos, sendo
as mães o paradigma do amor abnegado. Outras incluem parentes próximos,
esposas e maridos, amantes, amigos íntimos. Essas são as pessoas com quem
compartilhamos tudo, ou pelo menos a quem podemos recorrer em caso de
necessidade, o que é a definição de uma amizade verdadeira em qualquer lu
gar. Tais amizades podem ser formalizadas em expressões consagradas com«»
“melhores amigos” ou “irmãos de sangue”, os quais não recusam nada um ao
outro. Como resultado, toda comunidade poderia ser vista como permeada
por relações de “comunismo individualista”, relações de um para um que fun
cionam, em diferentes níveis e intensidades, de acordo com o princípio “de
cada um segundo suas capacidades, a cada um segundo suas necessidades”.'''
_ Essa mesma lógica pode ser, e é, estendida dentro dos grupos: não só
grupos de trabajlTocooperativo. mas também qualquer outro grupo se deli
nirá criando o próprio tipo de comunismo de base. Dentro do grupo havera
certas coisas comuns ou disponibilizadas gratuitamente, outras que algunf
membros deverão fornecer aos demais membros mediante solicitação, c
ainda as que ninguém vai dividir ou compartilhar com pessoas de fora: ajuda
para consertar redes em uma associação de pescadores, material de papelaria
em um escritório, alguns tipos de informação entre comerciantes etc. Além
disso, haverá certas categorias de pessoas às quais sempre poderemos recoi
rer em determinadas situações, como colheitas ou mudança de casa.20 Dai
poderemos avançar para variadas formas de intercâmbio, de associação, de
procura de ajuda em certas tarefas: mudança, colheita, ou até empréstimo
de dinheiro sem juros quando alguém estiver com problemas. Por fim, há os
diferentes tipos de “comuns”, a administração coletiva dos recursos comuns.
A sociologia do comunismo cotidiano é um campo potencialmente
enorme; no entanto, não temos sido capazes de escrever sobre ela por causa
da nossa total incapacidade de enxergá-la, impedidos por nossas limitações
ideológicas particulares. Mas, em vez de tentar delineá-la, vou me limitar a
três pontos conclusivos.
Prjmeiro, não é exatamente conLaj€ciprc^ida^que^staniQ&4tdand()
aqm-o u . nameíHõr da§,£?^têsè5^stajnQSLÍidandoapenas com a-recipro

130
li «ui senildo mais amplo/' ( )s dois lados, no entanlo, t£m cm comum
thnem «pie .1 oiil i.i | )(’ss<>«i /<in<i •> m esm o |>oi voi e, mas n.io que
««iii lamente fará. O exemplo dos iroqueses deixa claro o que torna isso
I vi I tais relações sào baseadas na presunção de eternidade. A sociedade
HR|Mi' vai < msi ir. I )esse modo, sempre existirão o lado norte e o lado sul da
. 1.1. 1« í |m r isso que não é preciso fazer ajuste de contas. De maneira seme-
II. MMt\ a*, pessoas tendem a tratara mãe e os melhores amigos como se eles
H R p ii lo s s e in existir, por mais que saibam que isso não é verdade.
i »m^uihIo ponto tem a ver com a famosa “lei da hospitalidade”. Há uma
M i i prt uliar entre o estereótipo do que chamamos “sociedades primitivas”
Éfet|Mil.i'.o<-s sem Estado nem mercado) nas quais todos os que não são mem-
«la . omunidade supostamente são inimigos e os relatos dos primeiros
■tym irs europeus espantados com a extraordinária generosidade demons-
■fttlit pelos "selvagens” reais. A verdade é que os dois lados estão relativa-
HO"i< *ei tos. Sempre que um estranho é um inimigo poderoso em potencial,
| •♦♦•In •i a mais comum de superar o perigo é com algum gesto dramático de
• i**i»l.ule, cuja própria magnificência lança o inimigo nessa sociabilidade
UlIM iia que é o fundamento de toda relação social pacífica. É verdade que
tH*iiima haver um período de teste, quando lidamos com situações comple-
|#|M< uh desconhecidas. Tanto Cristóvão Colombo na ilha de Santo Domingo
o i apitão Cook na Polinésia relataram histórias semelhantes de na-
que lugiram, atacaram ou ofereceram o que tinham - mas que muitas
VImm-Mmiavam nos barcos e se serviam de tudo de que gostavam, levando ao
H l t in l f i onfronto com a tripulação, que então fazia de tudo para instituir o
Ipio de que as relações entre povos estrangeiros podia ser mediada por
HMm i Mm,i comercial “normal”.
I( i mnpreensível que transações feitas com estrangeiros potencialmente
IhH*!!*« eiuorajassem uma lógica de tudo ou nada, uma tensão preservada in-
Ikltls • na etimologia das palavras inglesas host [hospedeiro], hostile [hostil],
pMliu;< |refém] e até hospitality [hospitalidade], todas derivadas da mesma
f*l# I n li ia. ” O que quero enfatizar aqui é que todos esses gestos não passam
»!► dl monstrações exageradas daquele mesmo “comunismo de base” que,
ptliloiinc já argumentei, são o fundamento de toda vida social humana.

131
É por isso que, por exemplo, a diferença cnlre .unidos e inimigos muitas
vezes é expressa no universo da comida e, muitas vezes, nos tipos mais
habituais, simples e caseiros de comida: como no princípio que é comum
tanto à Europa como ao Oriente Médio de que os que dividiram pão e sal na< i
devem nunca prejudicar uns aos outros. Na verdade, as coisas que existem
sobretudo para ser divididas muitas vezes se tornam coisas que não podem \n
divididas com os inimigos. Entre os nuers, tão livres em relação à comida e as
posses do dia a dia, se um homem mata outro, segue-se uma vendeta. Cada
pessoa da vizinhança vai tomar partido de um dos lados, e as pessoas de uni
lado são terminantemente proibidas de comer com as pessoas do outro, ou
até mesmo beber do mesmo copo ou tigela que um de seus inimigos recen
tes já tenha usado, temendo resultados terríveis.23 A extraordinária incon
veniência gerada por isso é um incentivo maior para tentar negociar algum
tipo de acerto. De maneira semelhante, costuma-se dizer que as pessoas que
dividiram comida, ou certos tipos arquetípicos de comida, são proibidas de
prejudicar umas às outras, por mais que tenham inclinação para isso. Em
determinadas épocas, isso pode assumir uma formalidade quase cômica,
como no conto árabe do ladrão que, ao saquear uma casa, enfiou o dedo em
uma jarra pensando estar ela cheia de açúcar e, ao provar o conteúdo, desco
briu que era sal. Ao perceber que tinha comido sal na mesa do proprietário
da casa, ele respeitosamente devolveu tudo o que roubara.
Por fim, quando começamos a pensar no comunismo como um princí
pio moral em vez de apenas uma questão de propriedade, fica claro que esse
tipo de moralidade quase sempre está em jogo, até certo ponto, em qualquer
transação - inclusive comercial. Se temos uma relação sociável com outra
pessoa, é difícil ignorar completamente sua situação. Os comerciantes muitas
vezes reduzem os preços para os necessitados. Principalmente por esse mo­
tivo, os lojistas de regiões pobres quase nunca pertencem ao mesmo grupo
étnico de seus consumidores; seria quase impossível para um comerciante
ganhar dinheiro na região onde cresceu, pois ele sofreria constante pressão
para conceder descontos, ou pelo menos facilitar os termos de crédito, para
os parentes pobres ou os colegas da época de escola. O oposto também é
verdadeiro. Uma antropóloga que morou algum tempo na área rural da ilha

132
»!• | tv.i mr contou que media suas habilidades lingufstk as dc .u ordocom sua
i *)'«' idade dc barganhar no armazém local, Ela ficava frustrada por nunca
tiHiNi v;tnt um desconto tão baixo como o obtido pelos habitantes nativos.
A»# «i*ic uma amiga javanesa teve dc lhe explicar que os javaneses ricos tam-
Imn pagavam mais caro.
Mais uma vez, voltamos ao princípio de que, se as necessidades (por
MNiiplo, .1 pobreza extrema) ou os trunfos (por exemplo, riqueza fora do
ftiMiimi) s.io suficientemente dramáticos, entào, a menos que a ausência de
igpi Itfbllldadc seja completa, algum nível de moral comunista quase inevita-
Itim nitc existirá na maneira como as pessoas ajustam contas.24 Uma lenda
■ Ih »•sobre o místico medieval sufi Nasrudin Hodja ilustra as complexidades
HlfelHi Introduzidas no próprio conceito de oferta e procura:

I )m dia, quando Nasrudin foi deixado no comando da casa de chá local, o


ni c alguns criados que caçavam nas redondezas entraram para tomar café
tl.t manhã.
Você tem ovos de codorna? — perguntou o rei.
■ — Tenho certeza de que posso lhe conseguir alguns — respondeu Nasrudin.
C) rei então pediu uma omelete de uma dúzia de ovos de codorna e Nas-
i udin saiu apressado para consegui-los. Depois que o rei e seus acompa­
nhantes comeram, Nasrudin cobrou dele cem moedas de ouro.
O rei ficou confuso. “Ovos de codorna são tão raros assim nesta região?”
— Não são os ovos de codorna que são raros aqui — respondeu Nasru-
tlln — Raro é recebermos a visita de um rei.

I MI M A

11»nmunismo, portanto, não é baseado nem na troca nem na reciprocidade


it Mito, como observei, no sentido de envolver mútuas expectativas e respon-
|#l»llltlades. Mesmo aqui, parece melhor usar outra palavra (“mutualidade”?)
jMt it destacar que a troca funciona de acordo com princípios totalmente di-
flM »'M les, ou seja, ela é um tipo de lógica moral fundamentalmente diferente.

133
A troca sempre tem a ver com equivaleu ta. I um processo de mào dupla
em que cada lado dá tanto quanto recebe. I por isso que se pode falar na tnx .1
de palavras entre pessoas (se há uma discussão), da troca de socos e até de ti
ros.25Nesses exemplos, não é que exista sempre uma equivalência exata aiiul.i
que houvesse alguma maneira de medir uma equivalência exata -, mas sim um
processo mais constante de interação que tende à equivalência. Na verdade, 11.1
certo paradoxo aqui: em cada caso, cada lado está tentando ultrapassar o out n •
mas, a menos que uma das partes seja totalmente aniquilada, é mais fácil dot
tudo como terminado quando os dois lados consideram o resultado mais ou
menos satisfatório. Quando passamos para a troca de bens materiais, encon
tramos uma tensão semelhante. Muitas vezes há um elemento de competiç.K>,
pelo menos sempre existe essa possibilidade. Mas, ao mesmo tempo, há a sen
sação de que os dois lados estão prestando contas e, a despeito do que acontei e
no comunismo, que sempre partilha certa noção de eternidade, a relação pode
ser anuladaecada parte pode dar um fim a ela a qualquer momento.
\ Esse elemento de competição pode Tuncíõnar de maneiras completa
mente diferentes. Nos casos de escarnbo ou troca comercial, quando as duas
partes envolvidas na transação estão apenas interessadas no valor dos bens
negociados, elas podem muito bem - como insistem os economistas - teu
tar obter o máximo de vantagem material. Por outro lado, como há muito
tempo apontam os antropólogos, quando a troca é de presentes - ou seja, os
objetos trocados são considerados particularmente interessantes no modo
que refletem e reorganizam as relações entre as pessoas que realizam a tran
sação, então se houver competição ela provavelmente funcionará da maneira
inversa - ela se tornará uma disputa de generosidades, de pessoas que querem
mostrar quem dá mais. j
Abordemos uma coisa de cada vez.
O que caracteriza a troca comercial é o fatodp spr “impe a pess
que nosvende ãlgõ õu compra algo de nós deve ser, em princípio, totalmente
irrelevante. Estamos apenas comparando o valor de dois objetos. Como qual­
quer outro princípio, trata-se de algo raramente válido najprática. É preciso
que haja um elemento mínimo de segurança para que uma transação seja
realizada até o fim e, a menos que se esteja lidando com uma máquina de

134
V*n*l i automática, isso geralmente exige uma demonstrado visível desocia-
plldade, Até mesmo nas lojas ou supermercados mais impessoais espera-
•i 111h os atendentes pelo menos finjam alguma cordialidade, paciência e
fhiiM ■qualidades reconfortantes; em um bazar no Oriente Médio talvez se
piilia de passar por um elaborado processo de estabelecer uma amizade si-
pitliula, compartilhar um chá, um alimento qualquer ou tabaco, antes de se
ptvi ilver em uma negociação igualmente elaborada - um ritual interessante
|| im mu início estabelecendo-se a sociabilidade pelo comunismo de base -,
f i mu muar com uma batalha simulada em relação aos preços. Tudo é feito
piirado na suposição de que comprador e vendedor são, pelo menos por
|)Hi momento, amigos (e por isso no direito de se sentirem indignados e re-
V»ilt ,nlos com as exigências irracionais do outro), mas tudo não passa de um
|»‘iti i unho. Quando o objeto muda de mãos, não se espera mais que as duas
fMMrs lenham alguma coisa a ver uma com a outra.26
Na maioria das vezes, esse tipo de barganha - em Madagascar, o termo
llMilo significa literalmente “lutar por uma venda” (miady varotra) - pode ser
Pm i uma fonte de prazer.
A primeira vez que visitei o Analakely, o grande mercado de roupas na
i M|i|tal de Madagascar, estava acompanhado de uma amiga que queria com-
|ii iii um suéter. Todo o processo durou cerca de quatro horas e aconteceu mais
nu menos assim: minha amiga via um suéter que lhe interessava pendurado
»•ui alyjuma tenda, perguntava o preço e depois começava uma verdadeira luta
Inielei tual com o vendedor, demonstrando sempre de forma dramática ter
flilo afetada por algum insulto ou se sentir indignada. Muitas vezes parecia
ijiir yo% da discussão era gasta para conseguir uma diferença minúscula de
til^uns ariary - literalmente, centavos -, uma diferença que parecia uma ques-
Mn imensa de princípios por parte dos dois lados, uma vez que o fracasso
ili u <unerciante em conceder o desconto poderia arruinar toda a negociação.
Visitei uma segunda vez o Analakely com outra amiga. Ela levou uma
lliia. feita pela irmã, com medidas de tecido para comprar. Em cada tenda ela
«««loi .iva o mesmo procedimento: entrava e perguntava o preço.
O vendedor dizia-lhe um preço qualquer.
— Certo — dizia ela — , e qual o seu verdadeiro preço final?
O vendedor dizia o preço e ela entregava »>dinheiro.
— Espere aí! — disse eu. — Você pode fazer isso?
— Mas é claro — disse ela. — Por que não?
Então contei a ela o que tinha acontecido com a outra amiga.
— Ah, sim — disse ela. — Algumas pessoas adoram esse tipo de coisa
A troca nos permite anular as nossas dívidas. Ela é uma das maneiras
de ficarmos quites e, portanto, terminarmos com uma relação. Com os ven
dedores, apenas fingimos ter uma relação. Com os vizinhos, justamente poi
essa razão, podemos preferir não pagar as nossas dívidas. Laura Bohannan
escreve sobre a chegada a uma comunidade tiv na Nigéria rural: os vizinhos
imediatamente começam a aparecer com pequenos presentes, oferecendo-
-lhes “duas espigas de milho, uma abobrinha, uma galinha, cinco tomates,
um punhado de amendoins”.27 Sem fazer ideia do que esperavam dela, ela
agradeceu e escreveu o nome de todos em um caderno e o que haviam lhe
dado. Por fim, duas mulheres a adotaram e explicaram que todos os pre
sentes tinham de ser devolvidos. Seria totalmente inapropriado aceitar três
ovos de uma vizinha e jamais dar algo em troca. Não era preciso devolver
os mesmos ovos, mas sim alguma coisa de valor aproximado. Podia até
ser dinheiro - não havia nada de inadequado nisso - desde que entregue em
um intervalo de tempo razoável e, sobretudo, que o valor não fosse exata­
mente igual ao dos ovos: tinha de ser um pouco mais ou um pouco menos.
Não devolver nada seria o mesmo que se mostrar como explorador ou para­
sita. Devolver a quantidade exata seria sugerir que não se quer ter mais nada
com aquela pessoa. Ela ficou sabendo que as mulheres tivs poderiam passar
boa parte do dia caminhando quilômetros até aldeias distantes para devolver
um punhado de quiabo ou um troco miúdo, formando “um circuito infinito
de dádivas em que ninguém entregava o valor preciso do objeto recebido por
último” - ao fazerem isso, elas criavam continuamente sua sociedade. Cer­
tamente havia um traço de comunismo nisso tudo - vizinhos que mantêm
boas relações podem ser pessoas confiáveis em momentos de emergência
mas, a despeito das relações comunistas, que supostamente são perma­
nentes, esse tipo de cordialidade tinha de ser o tempo todo criado e mantido,
pois os vínculos podem ser rompidos a qualquer momento.

136
I li» vuriAWÔcs inlindáveis dessa troca de dádivas em exiilo (*»»» quase)
•••»na la.da iá". A rnai*t*jnhecida ca Iroca dcpresentes: eu pa^o uma cerveja
ji*»» alguém c da próxima vez ele me paga de volla. A equivaléiu ia perfeita
|M«pll. a Igualdade. Mas conskK u mn exemplojevemente mais compIjraHn-_
u m .111»ij><» para jantar nn um restaurante c aro; depois de um intervalo
razoável, ele faz a mesma coisa comigo. Como os antropólogos
^ ^ J p i t u me de dizer, a própria existência desse ripo de hábito - princi-
*1.....th , a sensação de que realmente se deve devolver o favor - não pode
H fupllt ada pela ueoria econômica clássica^ue supõe-que-todainteração
' cm úllinicTlnstância, um acordocomercial, e que todos nós somos
.... uos egoístas quetentatjLobte-r o melhor pelornenor custo ou menor,
lísse sentimento, porém, realmente existe e pode gerar verdadeira
IIMhil" nas pessoas que tentam manter as aparências, mas não têm muitos
M»*tu n t*. I.ntào-pêf^unto^sex u levar um economista de livre mercado para
nu um restaurante caro, será que_ ele se sentirá diminuído de alguma
l »i>i desconfortável portércomigo uma dívida - até que consiga devol­
v i o lavor? )á que mantém supostamente uma relação de competitividade
JH illl^ ». 1’sUria ele inclinado a me. levar a nrri_restaurante ainda mais caro?
Kri ordemos os banquetes e festivais aos quais n if referi anteriormente:
|»l»ii também, há uma base de convivência e competição divertida (algumas
nem tanto). Por um lado, o prazer de todos é potencializado - afinal,
tjtti«»'»as pessoas gostariam realmente de comer sozinhas uma refeição ma-
ytovlllios.i em um restaurante francês? Por outro, as coisas podem facilmente
H l»i»iislormar em um jogo de demonstração de superioridade -e , portanto,^
li uliM-.s.sao. humilhação, raiva... ou, como logo veremos, algo até pior. Esses
|n|t,.- -.a») formalizados em algumas sociedades, mas é importante destacar
Ittll» «*lr«i sn se desenvolvem^éTítrêpessoas ou grüpíJSTjüe consideram a si mes-
HioN mais ou menos equivalentes quanto à condição social.29 Voltando ao
piftto economista imaginário: não é certo que ele se sentiria diminuído se
»'iMsse um presente ou um convite para jantar de qualquer pessoa. É mais
fVAvel c|ue ele se sentisse assim caso o benfeitor fosse uma pessoa de status
lit» dignidade mais ou menos equivalente: um colega, por exemplo. Se Bill
Hm** ou (ieorge Soros o levassem para jantar, ele provavelmente concluiria

137
que recebeu algo por nada e deixaria as coisas daquela maneira. Sc um colega
adulador ou um aluno de pós-graduação fizesse o mesmo, ele provavelmente
concluiria que estava prestando um favor para o sujeito apenas por aceitai <•
convite - se ele aceitasse, o que talvez não fosse o caso.
Esse também parece ser o caso sempre que encontramos uma sociedade
dividida em sutis gradações de status e dignidade. Pierre Bourdieu descreveu
a “dialética do desafio e da resposta” que governa todos os jogos de honra en
tre os homens do povo cabila na Argélia, em que a troca de insultos, ataques
(nas contendas ou lutas), roubos ou ameaças seguia exatamente a mesma
lógica da troca de dádivas.30 Ofertar algo é tanto uma honra quanto uma
provocação. E responder à oferta requer um talento artístico gigantesco.
O fator temporal é extremamente importante, bem como saber fazer da
contraoferta algo diferente o suficiente, mas também levemente mais gran
dioso. Acima de tudo está o princípio moral tácito de que se deve sempre
escolher alguém do mesmo tamanho. Desafiar alguém nitidamente mais
velho, mais rico e mais honorável é correr o risco de ser desprezado e hu
milhado; oprimir um sujeito pobre, mas respeitável, com um presente que
ele provavelmente não poderá pagar de volta é cruel, e provocará o mesmo
dano à sua reputação. Há uma história indonésia sobre isso: um homem rico
sacrificou um boi vistoso para envergonhar um rival que vivia na miséria;
o homem pobre o deixou completamente humilhado e venceu a batalha ao
sacrificar calmamente uma galinha.31
Jogos assim se tornam especialmente elaborados quando a situação en
volve uma acentuada hierarquia. Quando as coisas são definidas demais, no­
vos tipos de problemas se apresentam. Ofertar aos reis é algo particularmente
delicado e complicado. O problema aqui é que não se pode oferecer algo
realmente apropriado a um rei (a não ser, talvez, que seja um rei oferecendo
a outro rei), uma vez que os reis, por definição, já têm tudo.
Por um lado, espera-se que se faça um esforço razoável:

Nasrudin foi convidado certa vez a visitar o rei. Um vizinho o viu andando
apressado pela estrada com um saco cheio de nabos.
— O que você vai fazer com esses nabos? — perguntou.

138
l ui convidado a vhltar o rel. Ai lin c|iu* séria boni levai al^um llpo
il» presente.
I está levando nabos? Mas nabo é comida de camponêsl Kle 6 um rell
Vi h Í dévia levar algo mais apropriado, como uvas.
Nasrudin concordou e se aproximou do rei com una cacho de uvas. () rei
ii.io lu ou nada satisfeito.
Você me trouxe uvas? Mas eu sou rei, isso é ridículo! Levem esse idiota
11iH1111 e ensinem-lhe boas maneiras! Atirem nele cada uma dessas uvas e
•1« pois o chutem para fora do palácio!
( )s guardas do imperador levaram Nasrudin para uma sala e começaram
it iii i <inessar as uvas sobre ele, que se atirou de joelhos ao chão e gritou:
( )brigado, obrigado, meu Deus, por sua infinita misericórdia!
Por que você está agradecendo a Deus? — perguntaram eles. — Você
ii«)«»percebe que está sendo absolutamente humilhado?
Nasrudin respondeu:
Eu só estava pensando: “Obrigado, meu Deus, por eu não ter trazido
o* n.ibos!”.

l*i *i outro lado, dar algo que um rei ainda nào tenha pode deixar a pessoa
MU ••iiimç.ío ainda pior. Um relato que circulou nos primórdios do Império
(Io iim iio lalava de um inventor que, com grande alarde, presenteou o impera-
M I il »erio com uma tigela de vidro. O imperador ficou confuso: o que havia
•I» I <»i •especial em uma peça de vidro? O homem a jogou no chão. Em vez de
|t y«|Mtlíar, a tigela ficou apenas avariada. Ele a pegou do chão e restaurou
Hl* loi iti.i antiga.
Você contou a mais alguém como fez isso? — perguntou Tibério,
iMIfl essionado.
< »Inventor garantiu-lhe que nào. O imperador, então, ordenou que o
hoiiu tu fosse morto, pois, se a técnica de como fazer vidro inquebrável se
ItyirtllMsse, toda a sua fortuna de ouro e prata logo não valeria nada.32
A melhor maneira de lidar com reis era fazer um esforço razoável para
mil mi uo jogo, esforço que, ainda assim, estava condenado ao fracasso. O
*lrt|nnle árabe do século x iv Ibn Battuta conta sobre os costumes do rei de

139
Sintl, um monarca terrível que tinha predileçAo particular por exibir seu I mino i»i elta o presente, ele está assumindo tac itamente que o ofertante Irá
poder arbitrário." Era comum que ilustres estrangeiros visitassem o rei e I I«» •In depois o que considerar equivalente.1'
o brindassem com presentes magníficos; qualquer que fosse o presente, ele I No entanto, tudo isso pode se conf undir com algo muito parei ido com n
invariavelmente responderia ao portador entregando-lhe algo de valor muito I p«i .11mIm». na troca direta de uma coisa por outra - o que ocorre, como vimos,
maior. Em consequência disso, desenvolveu-se um sólido negócio em que I Dtftmo nos sistemas que Mareei Mauss gostava de chamar de “economias da
banqueiros locais emprestavam dinheiro aos visitantes para financiar pre pltllva ainda que, em ampla medida, realizada entre estranhos.56No interior
sentes particularmente espetaculares, sabendo que poderiam lucrar com o I Hiumidades há quase sempre uma relutância, como ilustra de maneira
rei em razão de seu costume de demonstrar superioridade. O rei deve ter I |mi lelta o exemplo do povo tiv, em permitir que as coisas se anulem - e
tomado conhecimento da situação. Ele não se opôs - pois o propósito geral |«io tlns motivos é que, se o dinheiro faz parte do uso comum, as pessoas se
era mostrar que sua riqueza excedia qualquer possível equivalência -, mas ele I fpi ......ti Irequentemente a usá-lo com amigos ou parentes (o que, em uma
sabia que, se precisasse, teria sempre a opção de expropriar os banqueiro*, I |H« I» tliidr de aldeia, inclui praticamente todo mundo) ou, como os malgaxes
Os reis sabiam que o jogo realmente importante não era econômico, mas de I lonados no capítulo 3, o utilizam de maneiras radicalmente diferentes.
status, e o status dele era absoluto.
Nas trocas, os objetos permutados são vistos como equivalentes. Desse
modo, por implicação, também o são as pessoas, ao menos no momento I MM M M K M I I A

em que a oferta recebe uma contraoferta, ou o dinheiro passa de uma mâo I


para outra; quando não há mais nenhuma obrigação ou dívida, cada um* I A •">' então, implica a igualdade formal - ou, pelo menos, a igualdade em
das duas partes é igualmente livre para ir embora. Isso, por sua vez, implii a ÍM hh lal. I justamente por isso que os reis têm tantos problemas com a troca.
autonomia. Os dois princípios não são nada confortáveis para monarcas, e é An relações de hierarquia explícita - ou seja, relações entre pelo menos
por isso que os reis geralmente detestam qualquer tipo de troca.54Mas nessa | mi les, em que uma é considerada superior à outra-, assim, não tendem
perspectiva de uma anulação potencial, de uma equivalência suprema, en I hm. loii.ir de acordo com a reciprocidade. É difícil perceber isso porque a
contramos inúmeras variações, inúmeros jogos que podem ser feitos. Pode fpl.t. .11m ost uma ser justificada nesses termos (“os camponeses fornecem co-
-se pedir algo a uma pessoa sabendo que, ao fazê-lo, se está concedendo ao I Hlliko* soberanos fornecem proteção”), porém seu princípio de funciona-
outro o direito de exigir algo de valor equivalente como retorno. Em alguni I | m»01. •e exatamente o oposto. Na prática, a hierarquia tende a funcionar de
contextos, até mesmo elogiar as posses de outra pessoa pode ser interpretado I ■K iido *0111 uma lógica de precedência.
como um pedido desse tipo. Na Nova Zelândia do século xvm, os colono* I rara Ilustrar o que quero dizer com isso, imaginemos uma espécie de
ingleses logo descobriram que não era uma boa ideia admirar, digamos, um I ;|PNHhhiihi de relações sociais unilaterais, que vai da relação mais exploradora
pingente de jade particularmente bonito pendurado no pescoço de um guer *«• ao... is benevolente. Em um extremo está o roubo, ou pilhagem; no outro,
reiro maori; este insistiria inevitavelmente em dar o pingente, não aceitaria I idade abnegada.37 Somente nesses dois extremos é possível ter interações
uma resposta negativa e, depois de um discreto intervalo de tempo, elogiaria I Htati 1lah entre pessoas que, fora dessa estrutura, não teriam relações sociais
o casaco ou a arma do colono. A única maneira de sair desse embaraço seri* I P t o. oltiiin tipo. Apenas um lunático assaltaria a casa do vizinho ao lado.
dar um presente ao maori antes que ele pedisse alguma coisa. Algumas ve/et I | lo. tiMipo de soldados saqueadores ou de cavaleiros nômades que passasse
ofertas são feitas para que o ofertante possa pedir alguma coisa depois: se o I Moi iiiik i aldeia de camponeses com o intuito de saquear e estuprar também
nào teria in ten ção n e n h u m a de estabelecei um.i relação p erm an en te com
os sobreviventes. De m aneira análoga, .i\ tradições religiosas muitas vez es
insistem que a verdadeira caridade é anônima em outras palavras, nào deix.i
o beneficiário em situação de dívida. Uma forma extrema desse tipo de cai i
dade, documentada em diversas partes do mundo, é a oferta na surdina, um
tipo de arrombamento às avessas: esgueira-se literalmente para dentro d.i
casa do beneficiário, de madrugada, e coloca-se ali um presente, de modo qu<
ninguém saberá ao certo quem o deixou. A figura do Papai Noel, ou São Ni
colau (que, devemos recordar, não era apenas o padroeiro das crianças, m.is
também dos ladrões), pode ser vista como a versão mitológica do mesmo
princípio: um ladrão benevolente com quem não é possível manter nenhum«
relação social e, portanto, a quem possivelmente não se deve nada - nesse
caso, sobretudo, porque na verdade ele não existe.
Vejamos o que acontece, no entanto, quando nos movimentamos um
pouco em qualquer direção desse continuum. Disseram-me que em algum.is
regiões da Bielorrússia gangues atacam passageiros nos trens e ônibus de
maneira tão sistemática que desenvolveram o hábito de dar a cada vítima
um pequeno cupom para que ela mostre que já foi assaltada. Obviamente,
é um passo rumo à criação de um Estado. Na verdade, uma teoria popular
sobre as origens do Estado - que remonta pelo menos ao historiador norte
-africano Ibn Khaldun, do século x iv - toma exatamente a mesma linha de
raciocínio: invasores nômades, com o passar do tempo, sistematizam suas
relações com os aldeões sedentários; a pilhagem se transforma em tributo, o
estupro em “direito de ter a primeira noite” ou de recrutar candidatas apro­
priadas para o harém real. A força sem entraves da conquista é sistemati
zada, e assim classificada não como relação predatória, mas como relação
moral, em que os soberanos dão a proteção e os aldeões lhes fornecem o sus
tento. Mas, mesmo que todas as partes assumam que estão agindo de acordo
com um código moral comum - que mesmo os reis não podem fazer o que
querem, mas devem agir dentro de certos limites, permitindo que os cam
poneses argumentem sobre quanto os criados do rei podem realmente levai
de sua colheita é provável que as partes concebam seus cálculos não em
termos de qualidade ou quantidade da proteção dada, mas sim em termos de

142
|n*nimeN c precedentes: quanto pagamos no .1110 passado? Quanto nossos
| i *m -tii.iis tiveram de pagar? O mesmo vale para o outro lado: se doaçftes l>e
tu l». riiics se tornam a base de qualquer relação social, a relação deixa de se
<11 ti.i reciprocidade. Se você dá algumas moedas a um mendigo e depois
m h minhece você, e improvável que ele lhe dê algum dinheiro - mas pode
P tliln h rin pensar que você dará dinheiro a ele de novo. O mesmo pode ser
j0Hn quando se doa dinheiro para instituições beneficentes (uma vez doei
§11 d •• I Jnited Farm Workers e nunca mais eles deixaram de me procurar).
lipode açào unilateral de generosidade é tratado como um precedente
m hh o que será esperado depois.58 É quase a mesma coisa quando damos
• .1 uma criança.
Imo é o que tenho em mente quando digo que a hierarquia funciona
PI mi do com um princípio que é o exato oposto da reciprocidade. Sem-
|m• «111•■.is linhas de superioridade e inferioridade são claramente traçadas
f nu li .1s por todas as partes como a estrutura de uma relação, e as relações
|A « •«11(11 ientemente duradouras, de modo que não lidemos mais com a força
Itlui 1.11 ia, essas relações serão vistas como reguladas por uma teia de hábitos
fm 1•isi umes. Às vezes considera-se que a situação se originou de algum ato
fttHilfulor de conquista. Ou talvez ela seja vista como um costume ancestral
i|iti 11.in precisa de explicação. Mas isso introduz uma nova complicação ao
|4i..M< ma de ofertar presentes aos reis, ou a qualquer superior: sempre há o
M" " de a situação ser tratada como um precedente, acrescentada à teia de
frliiiliimcs e depois disso ser considerada obrigatória. Xenofonte afirma que,
Ho« pi imórdios do Império Persa, cada província competia para ofertar ao
1.1 .unir Rei seus produtos mais exclusivos e valiosos. Essa oferta se tornou a
I mu do sistema tributário: por fim, esperava-se que cada província desse os
Mm*iinos "presentes” todo ano.59De maneira semelhante, de acordo com Marc
MImi li. grande historiador da era medieval:

Aos monges de Saint-Denis, no século ix, foi pedido, quando o vinho faltou
nos depósitos reais, em Ver, que fizessem transportar para ali duzentos al-
mudes. Dali em diante, essa prestação lhes foi exigida, a título obrigatório,
lodo ano, e para aboli-la foi necessário um decreto imperial. Conta-se que
em Ardres havia um urso, propricd.ule d«> senhor tia região. Os habitante*
que se divertiam a vê-lo lutar com cães, ofei et eram-se para alimentá-lo. I J»n
dia, o animal morreu, mas o senhor continuou a exigir a entrega dos pães

Em outras palavras, é provável que qualquer oferta a um superior feud.il


“principalmente se repetida três ou quatro vezes”, seria tratada como um pre
cedente e acrescentada à teia de costumes. Em razão disso, quem fazia ofert.is
a superiores em geral insistia em receber uma “declaração de não prejuízo",
estipulando legalmente que aquela oferta não seria exigida de novo no futuro
Ainda que seja incomum formalizar as coisas dessa maneira, não há dúviil.i
de que qualquer relação social tida desde o início como desigual começará .1
funcionar em uma lógica análoga - tanto mais que, uma vez que se considei e
que as relações são baseadas em “costumes”, a única maneira de demonstr.11
a necessidade de um dever ou uma obrigação é indicando que aquilo já foi
feito antes.
Muitas vezes, esse tipo de acordo pode se transformar em lógica das cas
tas: certos clãs são responsáveis por preparar as vestimentas cerimoniais, 011
por arrumar os peixes para os banquetes reais, ou por cortar o cabelo do rei.
Assim, passam a ser conhecidos como tecelões, pescadores ou barbeiros.'"
Nunca é demais enfatizar a importância desse último argumento porque cl<
esclarece outra verdade quase sempre ignorada: que, sempre e em qualquei
lugar, a lógica da identidade está entrelaçada à lógica da hierarquia. Somente
quando certas pessoas são situadas acima de outras, ou quando todos são hic
rarquizados em relação ao rei, ao sumo sacerdote ou aos pais fundadores, é que
se começa a falar de pessoas ligadas entre si por sua natureza essencial: sobre
tipos fundamentalmente diferentes de seres humanos. Ideologias de casta ou
raça são apenas exemplos extremos. Isso acontece sempre que um grupo £
visto como aquele que sobressai em relação aos outros, ou que se posiciona
abaixo dos outros, de tal modo que os padrões habituais de transações justas
não mais se aplicam.
Com efeito, algo parecido acontece em pequena escala mesmo nas nos
sas relações sociais mais íntimas. No momento em que reconhecemos al­
guém como um tipo diferente de pessoa, situando-o acima ou abaixo de nós,

144
d» h u n is com uns de reciprocidade silo modific adas ou deixadas de lado. Se
HMt am igo (' excepcionalm ente generoso um a vez, e provável que tenham os
tMHti.ide de retribuir. Se ele age dessa m aneira repetidas vezes, concluím os
.|»h ele é um a pessoa generosa, e p o rtan to é m enos provável que tenham os
H'iiliidc de retribuir .42
l'o d em o s descrever aqui uma fórmula simples: determinada ação,
piMiulo repetida, torna-se costumeira: como resultado, ela passa a definir a
Itatim / .i essencial do ator. Ou, de outro ponto de vista, a natureza de uma
Bptfci m pode ser definida pela forma como os outros agiram com ela no pas-
Btyl" Sei aristocrata é insistirem ampla medida que, no passado, os outros
como aristocrata (uma vez que os aristocratas não fazem nada em
MHili ul.ir: a maioria passa a vida apenas existindo em um tipo de estado
I4I1.Unente superior) e por isso devem continuar assim. A arte de ser uma
MM'" ' i issim consiste em tratar o outro como gostaríamos que o outro nos
pilittM - no caso de reis verdadeiros, cobrir-se de ouro para sugerir que os
■Mine, laçam a mesma coisa. No outro extremo da escala, essa também é a
Mmh. ii .1 de legitimar abusos. Sarah Stillman, ex-aluna minha, afirmou certa
M il nos l.stados Unidos, se uma garota de classe média, de treze anos de
Miile, e sequestrada, estuprada e morta, esse fato é considerado uma crise
tta' •<mi.il tão angustiante que todas as pessoas que tiverem televisão em casa
t|n .ii nmpanhar a história durante semanas. Se uma menina de treze anos
ff toma prostituta, é violentada sistematicamente durante anos e por fim é
fl^KMlnada, o fato é tido como desinteressante - encarado apenas como algo
A||i ie esperaria acontecer com uma pessoa desse tipo.4?
O uando objetos de riqueza material trocam de mãos, entre superiores
f lltln lores, como ofertas ou pagamentos, o princípio-chave parece ser que
| | to h .is dadas por um lado e outro devem ser consideradas de qualidade
^|H»l,imentalmente diferente, sendo impossível quantificar seu valor relativo
m rrnultado é que não há maneira nenhuma de imaginar um ajuste de con-
Im Aluda que os escritores medievais insistissem em imaginar a sociedade
»um a estrutura hierárquica em que os sacerdotes oravam por todos, os
HhImi %lutavam por todos e os camponeses alimentavam todos, nunca lhes
||«iiieii estabelecer quantas orações ou qual a quantidade de proteção militar

145
em Ardres havia um urso, propriedade do senhor da região. Os habitante*
que se divertiam a vê-lo lutar com càes, olerei ei am se para alimentá-lo. I litt
dia, o animal morreu, mas o senhor continuou a exigir a entrega dos pies

Em outras palavras, é provável que qualquer oferta a um superior feudoI


“principalmente se repetida três ou quatro vezes”, seria tratada como um |*h
cedente e acrescentada à teia de costumes. Em razão disso, quem fazia oferta*
a superiores em geral insistia em receber uma “declaração de não prejuízo
estipulando legalmente que aquela oferta não seria exigida de novo no futuro
Ainda que seja incomum formalizar as coisas dessa maneira, não há duvido
de que qualquer relação social tida desde o início como desigual começar.■.1
funcionar em uma lógica análoga - tanto mais que, uma vez que se considei i
que as relações são baseadas em “costumes”, a única maneira de demonstrai
a necessidade de um dever ou uma obrigação é indicando que aquilo já lol
feito antes.
Muitas vezes, esse tipo de acordo pode se transformar em lógica das ca*
tas: certos clãs são responsáveis por preparar as vestimentas cerimoniais, ou
por arrumar os peixes para os banquetes reais, ou por cortar o cabelo do rei
Assim, passam a ser conhecidos como tecelões, pescadores ou barbeiros "
Nunca é demais enfatizar a importância desse último argumento porque ele
esclarece outra verdade quase sempre ignorada: que, sempre e em qualqun
lugar, a lógica da identidade está entrelaçada à lógica da hierarquia. Somente
quando certas pessoas são situadas acima de outras, ou quando todos são hie
rarquizados em relação ao rei, ao sumo sacerdote ou aos pais fundadores, é que
se começa a falar de pessoas ligadas entre si por sua natureza essencial: sobre
tipos fundamentalmente diferentes de seres humanos. Ideologias de casta ou
raça são apenas exemplos extremos. Isso acontece sempre que um grupo e
visto como aquele que sobressai em relação aos outros, ou que se posiciono
abaixo dos outros, de tal modo que os padrões habituais de transações justas
não mais se aplicam.
Com efeito, algo parecido acontece em pequena escala mesmo nas nos
sas relações sociais mais íntimas. No momento em que reconhecemos al
guém como um tipo diferente de pessoa, situando-o acima ou abaixo de nós,

144
m i t •ui liins dc redprot Idade sào modlfic adas ou deixadas dc lado. Sc
0 tllM" r exi c|K i<malmente generoso uma vez, é provável que tenhamos
«1« ilr n ii ibulr. Se ele age dessa maneira repetidas vezes, concluímos
p|» • iim.i pessoa generosa, e portanto é menos provável que tenhamos
Mm» hIi de retribuir.42 .
! |*(♦•I* iiK»s descrever aqui uma fórmula simples: determinada ação,
■tyld »rprllda, torna-se costumeira; como resultado, ela passa a definir a
|H J'i/ii 1‘Hsctu ial do ator. Ou, de outro ponto de vista, a natureza de uma
pi idr ser definida pela forma como os outros agiram com ela no pas-
tm i Sei iii lstocrata é insistir em ampla medida que, no passado, os outros
MMiiihi tomo aristocrata (uma vez que os aristocratas não fazem nada em
IfM.iil.ii : ,i maioria passa a vida apenas existindo em um tipo de estado
iliiriiii superior) e por isso devem continuar assim. A arte de ser uma
mm assim consiste em tratar o outro como gostaríamos que o outro nos
no caso de reis verdadeiros, cobrir-se de ouro para sugerir que os
tnt l.it,.nn a mesma coisa. No outro extremo da escala, essa também é a
ii* ii .i dr legitimar abusos. Sarah Stillman, ex-aluna minha, afirmou certa
li**'. I stados Unidos, se uma garota de classe média, de treze anos de
(Ir, r sequestrada, estuprada e morta, esse fato é considerado uma crise
i. mui (do angustiante que todas as pessoas que tiverem televisão em casa
i ii i impanhar a história durante semanas. Se uma menina de treze anos
fe 11ii iiii prostituta, é violentada sistematicamente durante anos e por fim é
■IrttMii.id.i, o fato é tido como desinteressante - encarado apenas como algo
*• esperaria acontecer com uma pessoa desse tipo.45
<,Miando objetos de riqueza material trocam de mãos, entre superiores
|ImI( i idi rs, como ofertas ou pagamentos, o princípio-chave parece ser que
)t i nls,is dadas por um lado e outro devem ser consideradas de qualidade
liiH.l.m irntalmente diferente, sendo impossível quantificar seu valor relativo
#IMi Miltado é que não há maneira nenhuma de imaginar um ajuste de con-
||« Ainda que os escritores medievais insistissem em imaginar a sociedade
^Hiiii i uma estrutura hierárquica em que os sacerdotes oravam por todos, os
M ui s lutavam por todos e os camponeses alimentavam todos, nunca lhes
•I n u estabelecer quantas orações ou qual a quantidade de proteção militar
equivaliam a um monte cie trigo, lambém num .1 ninguém pensou em lazei
esse cálculo. Tampouco se trata do princ ipio cie que as pessoas "humildes
recebem necessariamente uma quantidade "mais humilde” de coisas e vit 1
-versa. Muitas vezes acontece justamente o oposto. Até bem pouco tempo
atrás, quase todo filósofo, artista, poeta ou músico notável devia encontr.11
um mecenas rico como fonte de apoio. Famosas obras de filosofia ou poesi.i
muitas vezes contêm prefácios - algo estranho para a nossa época - com elo
gios bajuladores e exagerados à sabedoria e à virtude de algum conde (agoi .1
esquecido) que contribuiu com um parco estipêndio. O fato de o nobre me
cenas simplesmente ter fornecido cama e comida, ou dinheiro, e de o cliente
ter demonstrado sua gratidão pintando a Mona Lisa ou compondo a Tocata <
fuga em ré menor não parecia comprometer, muito pelo contrário, a aceitaç.u 1
da superioridade intrínseca do nobre.
Há uma grande exceção a esse princípio, o fenômeno da redistribuiçào
hierárquica. Aqui, no entanto, em vez de passar o mesmo tipo de coisas d<
um lado para o outro, as pessoas trocam exatamente a mesma coisa: por exem
pio, quando fãs de determinados artistas pop nigerianos jogam dinheiro no
palco durante os shows, e esses mesmos artistas depois passam nas regiões
onde moram os fãs jogando (o mesmo) dinheiro pela janela das limusines
Quando a situação se resume a isso, podemos falar de uma forma absolut.i
mente mínima de hierarquia. Em grande parte de Papua-Nova Guiné, a vid.i
social é centrada nos “grandes homens”, sujeitos carismáticos que passam
quase o tempo todo adulando, persuadindo e manipulando os outros par.i
angariar riquezas e depois distribuí-las em festas grandiosas. Na prática, po­
deríamos passar deles para um cacique na Amazônia ou um chefe de tribo
na América do Norte. Diferentemente do papel de tais grandes homens, o do
cacique e do chefe da tribo é mais formal; na verdade, estes não têm podei
para obrigar alguém a fazer algo que não queira (daí o famoso talento dos
chefes de tribos norte-americanas para a oratória e o poder de persuasão).
Em razão disso, eles tendiam a dar aos outros muito mais do que recebiam
Testemunhas relataram muitas vezes que, em termos de posses pessoais, os
chefes costumavam ser os mais pobres da aldeia, tamanha a pressão para .1
contínua generosidade.

146
IShIcmiom, icrtamonte, avaliar quanto uma soi ietlade e de lato Iguulltá
IM i vtindo st’ as pessoas que ocupam posições de autoridade são meros
MMidiHoicH tia redistribuirão ou se usam sua posição para acumular riquezas.
| l «» )Mii 1«1«»tipo parece mais provável em sociedades aristocráticas, em que
I» d» ‘'titi .»m dois outros elementos: guerra e saques. Afinal de contas, quase
ftftln*. que tonseguem acumular uma quantidade gigantesca de riquezas dão
H ti i l í c i t o s uma parte aos outros - geralmente de maneira grandiosa e es-
Épt#> ul.tt, r para uma grande quantidade de gente. Quanto mais essa riqueza
ul'ii.1.1 por pilhagens e extorsões, mais espetaculares e autoengrandece-
ilt.t . •.« i .to suas formas de distribuição.44 E o que vale para as aristocracias
Hit as vale ainda mais para os Estados antigos, em que os governantes
IÉ ih í iiiv.uiavelmente representavam a si mesmos como protetores dos
■^unp.ii.idos, apoiadores das viúvas e dos órfãos, defensores dos pobres,
jlfcl f. tu .ilogia do Estado redistributivo m oderno-com sua notória tendên-
ffcl di promover políticas de identidade -, podemos remontar não a algum
■ lit de i omunismo primitivo”, mas sim à violência e à guerra.

| MM iM l.Ao en tre m o d a lid a d es

fj»Vi i «uillentar mais uma vez que não estamos falando aqui de diferentes tipos
0Mtn irtl.ide (como vimos, a própria ideia de que já fomos organizados em
IIm iiiii .i *"sociedades” é duvidosa), mas sim de princípios morais que sempre
|HH«hllram em todos os lugares. Somos todos comunistas com nossos ami-
pi* ni.ils próximos e somos senhores feudais quando lidamos com crianças
|H>t|in ti.is. É muito difícil imaginar uma sociedade em que as pessoas não
Ipil.iiit uma coisa e outra.
A questão óbvia é: se estamos todos nos movendo entre sistemas com-
lül* i um ute diferentes de contabilidade moral, por que ninguém percebeu?
h»i '|t" . em vez disso, sentimos continuamente a necessidade de enquadrar
Ilidi. i ui termos de reciprocidade?
Aqui retornamos ao fato de que a reciprocidade é nossa principal forma
ll* luiii^lnar a justiça. Em particular, é nela que incorremos quando pensamos

147
de maneira abstrata, e principalmente quando tentamos criar uma imagem
idealizada de sociedade, já dei diversos exemplos desse tipo de coisa. As 10
munidades iroquesas baseavam-se em princípios que exigiam a atenção ili
todos em relação às necessidades de todo tipo de gente: amigos, familiares,
membros de seus clãs matrilineares, até mesmo estrangeiros amigáveis em
situação de dificuldade. Quando essas comunidades tiveram de pensar n.i
sociedade de maneira abstrata é que começaram a acentuar os dois lados d.i
aldeia, atribuindo a cada um a tarefa de enterrar os mortos do outro. Era um
modo de imaginar o comunismo pela reciprocidade. De maneira semelham«
o feudalismo foi um período notoriamente conturbado e complicado, mas
sempre que os pensadores medievais faziam generalizações sobre ele, eles re
duziam todas as suas classes e ordens a uma fórmula simples em que cada
ordem fazia a sua parte: “Alguns rezam, outros lutam, outros trabalham".'
Até a hierarquia era vista como basicamente recíproca, apesar de essa fórmul.i
não ter quase nada a ver com as relações reais entre sacerdotes, cavaleiros
e camponeses. Os antropólogos conhecem bem o fenômeno: só quando av
pessoas que nunca tiveram oportunidade para pensar de fato na sociedade ou
na cultura como um todo - pessoas que provavelmente nem sequer sabiam
que viviam em algo considerado por outros uma “sociedade” ou uma “cul
tura” - são levadas a explicar como tudo funciona, é que dizem coisas como
“é assim que pagamos nossas mães pela dor de ter nos gerado”, ou se põe .1
decifrar diagramas conceituais em que o clã A entrega suas mulheres para se
casarem com homens do clã B, que por sua vez entrega suas mulheres para o
clã C, que entrega as suas para o clã A, mas que nunca parecem correspondei
com exatidão ao que as pessoas realmente fazem.46 Ao tentar imaginar uma
sociedade justa, é difícil não evocar imagens de equilíbrio e simetria, de geo
metrias elegantes em que tudo se equilibra.
A ideia de que existe algo chamado “o mercado” não é tão diferente. Os
economistas muitas vezes reconhecem isso se questionados da maneira cor
reta. Os mercados não são reais. São modelos matemáticos, criados ao imagi
narmos um mundo à parte onde todos têm exatamente a mesma motivação
e o mesmo conhecimento e estão engajados na mesma troca calculista, moti
vada pelo interesse próprio. Os economistas sabem que a realidade é sempre

148
fH#l* i nmpllt .«da; mas eles também sabem que para elaborai um modelo
HM** itwillioé sempre preciso transformar o mundo cm uma caricatura. Nâo
)|4 i m .I . i de errado nisso. O problema surge quando o modelo permite que
flffitm * pessoas (geralmente os mesmos economistas) declarem que todos
■ t|U< ignoram os ditames do mercado certamente serão punidos-ou que,
■M io vivemos em um sistema de mercado, tudo (exceto a interferência do
■Rm iio) se baseia em princípios de justiça: que nosso sistema econômico é
Mm t i«1« .impla de relações recíprocas na qual, no fim, as contas se equili-
PMi" • t«»clas as dívidas são pagas.
I nes princípios se entrelaçam uns aos outros e por isso muitas vezes é
p fli l! dl/et qual deles predomina em dada situação - por esse motivo é ridí-
f»il> >la/er de conta que poderíamos reduzir o comportamento humano, eco-
■Ititli i h ui não, a uma fórmula matemática qualquer. Todavia, isso significa
p i? podemos detectar algum grau de reciprocidade como potencialmente
ftfiki nir em qualquer situação; desse modo, um observador determinado
Mtipie encontra uma desculpa para dizer que ela existe. Além disso, certos
Itliii tpins parecem ter uma tendência inerente de se atrelar a outros. Por
||H ii|ilii. diversas relações extremamente hierárquicas podem funcionar
<r llHI irnos durante algum tempo) de acordo com princípios comunistas.
Hl viu f tem um mecenas rico, pode recorrer a ele em momentos de neces-
•M.i.li e esperar que o ajude. Mas só até certo ponto. Ninguém espera que
li mu i etias ajude tanto a ponto de correr o risco de destruir a desigualdade
HtlM'ii «Mie que separa você e a ele.47
I >n mesma maneira, as relações comunistas podem facilmente começar
0 MMv.il.tt para relações de desigualdade baseadas na hierarquia - muitas ve-
fM *triu que ninguém perceba. E não é difícil entender o motivo. As vezes, há
ItHM enorme desproporção entre as “capacidades” e “necessidades” das pes-
ttttn Si h ledades genuinamente igualitárias sabem muito bem disso e tendem
nvolver elaboradas medidas de proteção contra o perigo de alguém -
■kaiu« is, um ótimo caçador em uma sociedade baseada na caça - se destacar
l4lHM.ii'' eni relação aos outros, assim como tendem a suspeitar de tudo que
fOnli 11.« levar um de seus membros a se sentir em dívida para com outro.
h .m ti u inbro que chama a atenção dos outros para seus feitos poderá ser

149
motivo de escárnio, (»eralmente, rii de si mesino é .11« »is.i mais edtic ada .1 l.i/♦ 1
quando se realiza algo importante. ( )est moi dinamarquês 1’etei I reiu lu 11
Book ofthe Eskimos, descreveu como, na Groenlândia, era possível descobili «9
as iguarias que o anfitrião oferecia aos convidados eram requintadas 011iiAit
observando o modo como ele as menosprezava de antemão:

O velho riu. “Algumas pessoas conhecem muito pouco. Sou um pobre ■.11]
çador e minha esposa é uma péssima cozinheira que não faz nada diniiti
Eu não possuo muita coisa, mas acho que tem um pedaço de carne lá Im.i,
Ainda deve estar lá, pois os cães o recusaram várias vezes.”
Era uma recomendação tão grande naquele modo invertido de se van^;l*•
riar, típico dos esquimós, que todos logo ficaram com água na boca.

O leitor vai se lembrar do caçador de morsas do capítulo anterior, q


se ofendeu quando o autor tentou agradecer-lhe por ter recebido um pedalo
de carne - afinal de contas, os seres humanos se ajudam, e, quando tratanu
algo como dádiva, nos tornamos menos humanos: “Aqui dizemos que com
dádivas se criam escravos e com chicotes se criam cães”.48
“Dádiva” aqui não significa algo dado gratuitamente, tampouco a ajuda
mútua que geralmente se espera que os seres humanos deem uns aos outr<»
Agradecer a alguém por alguma coisa sugere que a pessoa poderia não ter agidt 1
daquela maneira, e que por isso a escolha de agir dessa maneira cria uma obi 1
gação, um sentido de dívida - e por isso de inferioridade. Comunas ou grupo*
igualitários nos Estados Unidos muitas vezes encaram dilemas semelhantes i
têm de encontrar medidas de proteção contra a progressiva hierarquia. Náo
é que a tendência do comunismo de se transformar em hierarquia seja inevi­
tável - sociedades como a dos inuítes conseguiram se esquivar disso durante
milhares de anos -, mas que é preciso sempre se prevenir contra essa tendênci.i
Em contraste, é evidentemente difícil - muitas vezes impossível - pas­
sar de relações baseadas no princípio de partilha comunista para relações
de troca igualitária. Observamos isso o tempo todo com nossos amigos: st
uma pessoa age de maneira claramente interesseira, tirando vantagem de sua
generosidade, é muito mais fácil romper relações por completo do que exigii

150
•<IIii |Mgiic de volta. I Mn exemplo radie al seria o relato inaot I sobie um
i.ln glut.lo que costumava incomodar os pescadores de toda a costa
■ •!. niulr morava pedindo o tempo todo os melhores exemplares obti
|M|.. •„ nu ( 'iinio recusar um pedido direto de comida era efetivamente
I i pessoas deram um basta na situação: mataram-no.4''
|.» \ imos como a criação de uma base de sociabilidade entre estranhos
levai a um elaborado processo em que se testa o limite do outro tirando
-••m"ui.i de suas posses. O mesmo tipo de situação pode acontecer em
H U v'V s de paz, ou até mesmo na criação de parcerias de negócios.50
Mtfda^asi alguns amigos me disseram que dois homens interessados
(moi i ievj<»cios juntos geralmente se tornam irmãos de sangue. A fatidra, ou
tiiUle de sangue, consiste em uma promessa ilimitada de ajuda mútua.
tJiMt |mi tes juram solenemente jamais recusar um pedido da outra parte,
o il1.11«ler, os parceiros desse tipo de acordo costumam ser razoavelmente
Hl* Mie*, naquilo que pedem ao outro. No entanto, ressaltaram meus amigos,
UtiMiini as pessoas se testarem ao fazer o acordo. Uma pessoa pode pedir o
o i Ao/.inho de estimação da outra, exigir que ela faça algo, independente-
di >seu sacrifício, ou (o exemplo preferido de todos) cobrar o direito de
JUliitM .1 noite com a sua esposa. O único limite é o entendimento de que sem-
f K | li hIc pedir o mesmo que o outro pediu.51 Aqui, mais uma vez, estamos

t Umlode um estabelecimento inicial de confiança. Quando a legitimidade


ilti •. tiupromisso mútuo é confirmada, o terreno é preparado, por assim dizer,
f d o is homens podem começar a comprar e vender em consignação, con-
Milei empréstimos, dividir lucros e confiar que, dali em diante, cada um vai
Hli.l.M .1. >s interesses comerciais do outro. Os momentos mais famigerados
H»Imiimiícos, no entanto, são aqueles em que as relações de troca correm o
lltlIM le se decompor em uma hierarquia, ou seja, quando duas partes que
ÜHfin como iguais, trocam presentes, elogios, mercadorias ou qualquer outra
tttttii, e uma delas faz algo que perturba o equilíbrio.
|.i mencionei a tendência de a troca de ofertas se transformar em jo-
|im de demonstração de superioridade, e como em algumas sociedades esse
|M*ii tu ial é formalizado em grandes disputas públicas. Isso é típico, sobre­
tudo, naquelas que chamamos de “sociedades heróicas”: em que os governos

151
sào fracos ou inexistentes, e a soi iedade se organiza em torno de nobre»
guerreiros, cada um deles com um séquito de seguidores fiéis e ligado ao*
outros por alianças e rivalidades que mudam o tempo todo. A maior parte d.i
poesia épica - da Ilíada ao M ahabharata e ao B eow ulf- remonta a esse tipo de
sociedade, e os antropólogos têm descoberto organizações semelhantes cnln
os maoris da Nova Zelândia e os kwakiutle, tinglit e os haida da costa noroesii
da América do Norte. Nas sociedades heróicas, o oferecimento de banquete*
e as resultantes disputas de generosidade geralmente são tidas como mer.ts
extensões da guerra: “lutar com propriedade” ou “lutar com comida”. Quem
oferece esses banquetes muitas vezes possui um discurso exuberante sobre
como seus inimigos são oprimidos e destruídos por gloriosos atos de gene
rosidade (os chefes kwakiutle gostavam de se denominar grandes montanh.n
das quais rolavam presentes como se fossem rochas gigantes), e de comoiii
rivais conquistados são então reduzidos a escravos - algo bem parecido com
a metáfora inuíte.
Tais declarações não devem ser tomadas de maneira literal - outra carac
terística dessas sociedades é a arte altamente desenvolvida da jactância.52( )h
chefes e os guerreiros heroicos tendiam a enaltecer a si mesmos com a mesnu»
constância que aqueles em sociedades igualitárias se depreciavam. A pessod
que perdia em uma disputa de troca de ofertas e de fato não era reduzid.i .1
escravidão - mas ela poderia se sentir como se isso tivesse ocorrido. E as con
sequências poderiam ser catastróficas. Um antigo documento grego descreve
festivais celtas em que nobres rivais alternavam entre torneios e disputas de
generosidade, presenteando os inimigos com suntuosos tesouros de ouro e
prata. De vez em quando, isso podia levar a um tipo de xeque-mate: um doi
envolvidos se veria diante de um presente tão magnificente que talvez nàu
pudesse cobrir a oferta. Nesse caso, a única resposta honorável era cortar »1
própria garganta, permitindo assim que sua riqueza fosse distribuída entrr
seus seguidores.53 Seiscentos anos depois, encontramos o caso de uma saj^i
islandesa sobre um viking idoso chamado Egil que se torna amigo de um jo­
vem chamado Einar, que ainda praticava a pilhagem. Os dois gostavam do
se encontrar e compor poemas. Um dia, Einar se deparou com um escudo
magnífico, “decorado com lâminas de ouro e pedras preciosas, entremead.11

152
In • rlçAci, com trechos de lendas". Ninguém jamais vira algo parei ido.
Ittt unia d«N visitas a Egil, ele levou consigo o escudo. ( orno Egil uflo estava
In.ii esperou três dias, conforme o costume, deixou o escudo como
ptMi 111« ii.i habitação do amigo e partiu a cavalo:

Am licgar em casa, Egil viu o escudo e perguntou de quem era aquele te-
««•iiio. ( ontaram que Einar havia feito uma visita e deixara o escudo de pre-
«•«iiir para ele. “Maldito!”, disse Egil. “Ele está pensando que vou passar a
Miillr cm claro compondo um poema sobre esse escudo? Traga meu cavalo,
vi ui iiitlr atrás dele e matá-lo!” Por sorte, Einar havia partido cedo o bastante
..... .. se formasse uma longa distância entre ele e Egil. Assim, só restou
• I Hll resignar-se a compor um poema sobre o presente de Einar.54

m IIim .«(onipetitiva de dádivas, portanto, não transforma realmente nin-


• m escravo; ela é apenas uma questão de honra. Há pessoas, no en-
MMIm, jm i.i quem a honra é tudo.
A 11ii apacidade de pagar uma dívida, principalmente uma dívida de
pitu •« p i .iva uma crise porque era assim que os nobres reuniam seus séqui-
|tM A l«i da hospitalidade no mundo antigo, por exemplo, dizia que qualquer
leveria receber comida, abrigo e ser tratado como hóspede de honra
li«.* ■.«penas durante certo tempo. Se o hóspede não partisse, acabaria se
HmUniu lo um mero subordinado. O papel desses parasitas tem sido muito
iit i.ulo pelos estudiosos da história social. Em muitos períodos - da
Imperial à China medieval - as relações mais importantes, pelo menos
j m i Idmles grandes ou pequenas, provavelmente eram as de patronagem.
!hI.|i u i pessoa rica e importante se veria rodeada de lacaios, bajuladores,
y II»««« onvidados para jantar e outros tipos de dependentes voluntários.
ifftHi'* c .i poesia dessas épocas são repletos de personagens assim.55 Do
l^ftiii'« modo, durante grande parte da história, ser respeitável e perten-
| | | A •lii*«Ne média significava passar as manhãs batendo de porta em porta
Wrihdo homenagens aos senhores locais. Até hoje, sistemas informais de
Mm «K' in continuam surgindo, sempre que pessoas relativamente ricas

I
153
e poderosas sentem necessidade de reunir uma rede de apoiadores prátlt n
bem documentada em muitas regiões cio Mediterrâneo, Oriente Médio t
América Latina. Essas relações geralmente consistem em uma mistura com
plexa dos três princípios que descrevi no decorrer deste capítulo; não obs
tante, quem as examina insiste em tratá-las na linguagem da troca e da dívul.i
Um último exemplo: na coletânea Gifts and Spoils, publicada em uri,
encontramos um breve ensaio da antropóloga Lorraine Blaxter sobre um.i
província rural nos Pireneus franceses cuja maioria da população é formada
por agricultores. Todos dão muita importância à ajuda mútua - na express.H.
local, “prestar favor” (renâre Service). As pessoas que vivem em uma comunidadt
devem cuidar umas das outras e oferecer ajuda quando os vizinhos têm algum
problema. Essa é a essência da moral coletiva; na verdade, é assim que sabe
mos que qualquer tipo de comunidade existe. Até aí, tudo bem. No entanto,
observa ela, quando alguém presta um favor particularmente grandioso, ,i
ajuda mútua pode se transformar em outro tipo de relação:

Se um homem procurasse o chefe de uma fábrica para pedir emprego P


o chefe lhe arrumasse um, isso seria um exemplo de prestar um favor <>
sujeito que conseguiu o emprego pode jamais pagar de volta o favor pro
tado pelo diretor, mas pode demonstrar respeito por ele, ou talvez lhe dai
presentes simbólicos na forma de produtos agrícolas. Quando uma dádiva
exige um retorno, e nenhum retorno tangível é possível, o apoio ou a estimii
se tornam meios de pagamento.56

Desse modo, a ajuda mútua se transforma em desigualdade. Assim sui


gem as relações de patronagem. Já observamos isso. Escolhi essa passagem
específica do ensaio porque o fraseado da autora é muito estranho: ele st
contradiz por completo. O chefe presta um favor ao homem, que não poilt
retribuir o favor. Portanto, o homem paga o favor aparecendo na casa do
chefe com uma cesta de tomates e demonstra-lhe respeito. O que é isso, cn
tão? Ele pode ou não pode retribuir o favor?
Sem dúvida, o caçador de morsas citado por Peter Freuchen saberia exii
tamente o que acontece aqui. Levar uma cesta de tomates seria o equivalem*'

154
* ill/n 'obrigado". Seria uma forma de reconhecer que se deve gratidão, que
ih.liv.is i riani escravos e chicotes criam càes. C) chefe e o empregado agora
H ii ilolt tipos fundamentalmente diferentes de pessoas. C) problema é que,
M* IMO, i les não são tipos fundamentalmente diferentes de pessoas. (• muito
•ftiviivi I que os dois sejam franceses de meia-idade, pais de família, cidadãos da
m .uM kat «>ni gostos parecidos em relação a música, esporte e comida. Eles de-
HIMli*i iguais. Como resultado, até mesmo os tomates, que na verdade são um
ili i ei i >nhecimento da existência de uma dívida que jamais pode ser paga,
IHM.I • Mi representados como se fossem de fato um tipo de pagamento - o
pH*Hiu uio ile juros por um empréstimo que (todos aceitam fingir que) poderia
WÊ |MM'' algum dia, restituindo aos dois membros seu status de igualdade.57
|l notável que o favor, nesse exemplo, seja encontrar emprego em uma
Hprl« »1, |u »is o que acontece não é muito diferente daquilo que ocorre quando
■ I ImI i •i onseguimos um emprego em uma fábrica. O trabalho assalariado é,
emente, um contrato livre entre iguais-mas um contrato entre iguais
■P i |im I i )s dois concordam que, depois que um deles bate o cartão de ponto,
M iliii.im de ser iguais.58A lei reconhece que há certo problema aqui; é por
• |io ela insiste que você não pode vender sua igualdade inteiramente. Tais
■ f c t t l i *serão justos se o poder do chefe não for absoluto, se estiver limi-
t|M" .m turno de trabalho e se você tiver o direito legal de romper o contrato
||0««im testabelecer sua plena igualdade, a qualquer hora.)
hiiei e-me que esse acordo entre iguais para deixar de serem iguais (pelo
f t » n , durante um tempo) tem importância crucial. Ele é a essência do que
j||0m.imos “dívida”.

• .livida, então?
I Mvida e algo bem específico e surge de situações bem específicas. Pri-
i equer uma relação entre duas pessoas que não se consideram seres
PH»il.mii utalmente diferentes uma da outra, que são iguais pelo menos em
-pHlMii Ml, que são iguais nos aspectos que realmente importam e que, no
pHHtHiii >, não estão em uma situação de igualdade - mas para as quais existe
P pim i maneira de arranjaras coisas.
No caso da dádiva, como vimos, da exige eerta igualdade de status. I’ poi
isso que o professor de economia, no nosso exemplo, não se sente na obrigarão
- não sente que tem uma dívida de honra quando é levado para jantar p<>i
uma pessoa de classe muito superior ou inferior à sua. No que se refere a cm
préstimos, é necessário apenas que as duas partes estejam na mesma posição
legal. (Não se pode emprestar dinheiro para uma criança, ou para um louco.)
Dívidas legais - e não morais - têm outras qualidades únicas. Por exemplo, el.is
podem ser esquecidas, o que nem sempre é possível com uma dívida moral.
Isso quer dizer que não existe dívida realmente impagável. Se não hou
vesse um modo concebível de resolver a situação, não a chamaríamos de "dí
vida”. Até mesmo o aldeão francês poderia salvar a vida do patrão, ou ganli.u
na loteria e comprar a fábrica. Mesmo quando falamos de um criminoso que
“paga sua dívida com a sociedade”, estamos dizendo que ele fez algo extrem.i
mente terrível e que agora está privado do status de igualdade perante a lei,
que, por direito natural, é o de qualquer cidadão de seu país; no entanto, nól
dizemos “dívida” porque ela pode ser paga, a igualdade pode ser restabelecida,
mesmo que o custo seja, para o criminoso, a morte por injeção letal.
Durante o tempo em que a dívida permanece não paga, o que funcion.i
é a lógica da hierarquia. Não há reciprocidade. Como sabem todos aquele,
que já foram presos, a primeira coisa que os carcereiros dizem é que nad.i
do que acontece na prisão tem a ver com justiça. De modo semelhante, deve
dor e credor se enfrentam como um camponês diante de um senhor feudal. ()
que está em jogo é a lei do precedente. Se você levar tomates da sua plantação
para o credor, nunca passará pela sua cabeça que ele lhe dará algo em troi.i
Ele, por sua vez, pode esperar que você repita o gesto. Porém, sempre existe
a suposição de que a situação é algo antinatural, porque a dívida realmente
deve ser paga.
E isso que torna situações de dívidas efetivamente impagáveis tão dili
ceis e dolorosas. Como credor e devedor em última instância são iguais, se o
devedor não consegue fazer o que é preciso para restabelecer sua igualdade,
obviamente há algo de errado com ele: deve ser culpa sua.
Essa conexão fica clara quando observamos a etimologia das palavr.is
para “dívida” nas línguas europeias. Em muitas, dívida é sinônimo de “falta"

156
|h , -1«I*)" mi "( ulpa": assim como uni criminoso tem uma dívida para com
toi leiladr, o devedor sempre é uma espécie de criminoso.w Na ( reta da
le, segundo Plutarco, era costume de quem tomava empréstimos
i|i h apanhava o dinheiro do bolso do credor. Por quê, pergunta ele?
n i Imcnte porque, “se deixassem de pagar, poderiam ser repreendidos
Ityti violência e punidos ainda mais”.60 É por isso que, em muitos períodos
M lllM ot ia, devedores falidos podiam ser presos ou até executados - como
W | primórdios da Roma republicana.
I 'ma divida, então, é apenas uma troca que ainda não foi concluída.
A i Igor, a dívida é cria da reciprocidade e tem pouco a ver com outros
jMfetii il< moralidade (comunismo, com suas necessidades e capacidades; hie-
»«(•(UllM mu seus costumes e valores). É certo que, se fôssemos realmente de-
HMlwdos, poderíamos concordar (como fazem alguns) que o comunismo
llllii* i ondição de endividamento mútuo permanente, ou que a hierarquia
mmc.iio i a partir de dívidas não pagas. Mas essa não é aquela mesma velha
o» la que começa com a suposição de que todas as interações humanas
I)V h ii m i . por definição, formas de troca, e depois executa todo tipo de ma-
Ip u iN in o mental para provar que a suposição é verdadeira?
Na« », Nem todas as interações humanas são formas de troca. Só algumas
•iM*ai> A troca encoraja um modo particular de conceber as relações hu-
iiti*) l-.so porque ela implica igualdade, mas também implica separação.
ÉtyHrtmrnte quando o dinheiro passa de uma mão para outra, quando a
Mu e quitada, que a igualdade é restabelecida e as duas partes podem seguir
mii sem ter mais nada a ver uma com a outra.
A divida é o que acontece no meio: quando as duas partes ainda não
li ni M distanciar porque ainda não são iguais. Mas ela é consumada na
lin i da lutura igualdade. No entanto, como atingir essa igualdade destrói
Mtf•I o ia razão de ter uma relação, quase tudo de interessante acontece no
"jM*' Na verdade, quase tudo o que é humano acontece no meio - mesmo
!•'.< i signifique que todas as relações humanas carregam consigo pelo me-
p)t mu elemento mínimo de criminalidade, culpa ou vergonha.
hii a as mulheres tivs que mencionei neste capítulo, isso não era um pro-
ii.i Ao garantirem que todos sempre estivessem levemente endividados

157
uns com os outros, elas de fato criavam .1 s<u ledade humana, por mais que um
tipo bem frágil de sociedade uma teia delit .ida feita de obrigações de devol
ver três ovos ou uma sacola de quiabos, de laços renovados e recriados, poli
qualquer um deles podia ser anulado a qualquer momento.
Nossos hábitos de civilidade não são tão diferentes. Considere o cos
tume, pelo menos na sociedade norte-americana, de dizer o tempo todo "p< h
favor” e “obrigado”. Esse hábito geralmente é tratado como uma moralicl.nl.
básica: repreendemos as crianças quando se esquecem de fazê-lo, assim com. 1
os guardiães morais da nossa sociedade - professores e clérigos, por exem| >1-•
- fazem com todos os outros. Em geral, assumimos que o hábito é universal
mas não é, como deixou claro o caçador inuíte.62 Assim como grande pai l<
de nossas cortesias cotidianas, trata-se de um tipo de democratização do qui
outrora foi um costume feudal de deferência: a insistência em tratar abso
lutamente todos da maneira como antes se devia tratar apenas os senhores
feudais ou algum superior hierárquico semelhante.
Mas talvez isso não seja válido para todos os casos. Imagine que estamos
em um ônibus lotado, procurando'um assento. Uma das passageiras afasta
sua bolsa para liberar um lugar; nós sorrimos, assentimos com a cabeça ou
fazemos outro gesto qualquer de reconhecimento. Ou dizemos “obrigado
Tal atitude é apenas um reconhecimento de humanidade comum: estamos
admitindo que a mulher que bloqueava o assento não é apenas um obstácul» •
físico, mas um ser humano, e que sentimos uma autêntica gratidão para com
alguém que provavelmente jamais veremos de novo. De modo geral, nada
disso é verdadeiro quando pedimos a alguém que está do outro lado da mesa
para “passar o sal, por favor” , ou quando o carteiro agradece por termos
assinado um recibo de entrega. Pensamos nisso simultaneamente como uma
formalidade sem importância e como a própria base moral da sociedade
Sua aparente insignificância pode ser medida pelo fato de que, a princípio,
praticamente ninguém deixaria de dizer “por favor” ou “obrigado” em outra •.
situações - mesmo aqueles que considerariam quase impossível dizer "eu
sinto muito” ou “me desculpe”.
Na verdade, a palavra inglesa please [agradar; por favor] é a redução de
if you please [se lhe aprouver; por favor], if it pleases you to do this [se lhe agrad.i

158
f M*Mm| « o MU SMH» ll.l Ml.MOI l.l (I.IN lilIgU.IS f l l l <i| M l.l s ('. 11»•«*|l\ (iftlll ( I I I

uf* |ni» liiviii om espanhol e português). Seu sentido litcr.il é "Vou' ndo
m*nlumwi obrigação de fazê-lo". "Passe-me o sal. Nào estou dizendo que
■ it mIi.i dr fazê-lo!" Mas isso nào é bem verdade; existe uma obrigação
#»*• i.«l i in ia quase impossível não atender ao pedido. A etiqueta consiste
tn* i|* iliuenie na troca educada de ficções (ou de mentiras, para usar uma

C Mmwcmi nem tão educada). Quando você pede a alguém que lhe passe o sal,
Minlu-m está dando uma ordem; ao acrescentar a expressão “por favor”,
MMiIi/.m.I. »que não é uma ordem. Mas na verdade é, sim.
I tu Ingles, thankyou deriva de think. Originalmente, significava “eu me
M tlu iii«I do que você fez por mim” - o que tampouco costuma ser verdade -,
..... riu outras línguas (a palavra “obrigado”, em português, é um bom exem-
Npi) ii I» i mo-padrão segue a forma do inglês much obliged - “tenho uma dívida
francês merci é ainda mais ilustrativo: deriva de mercy, como em
Iui mcrcy (implorar por misericórdia]; ao recorrer à palavra, você está
.1mente assumindo o poder do benfeitor-afinal de contas, o devedor
■tytu»i liulnoso.65 Responder^youre welcome ou it’s nothing (de rien em francês, de
HH.frtdll rsp.mhol e português) - a segunda opção pelo menos tem a vantagem
|| M i vndadeira, dependendo da ocasião - é um modo de reafirmar para
ltyi»‘li .1quem o sal foi entregue que você na verdade não está registrando um
iM.m••riu seu livro imaginário de contabilidade moral. O mesmo acontece
■ fa tili •sr diz my pleasure - ou seja, “não se preocupe, trata-se de um crédito,
M |i »li um débito. Foi você que me fez um favor, pois, ao pedir o sal, me deu a
.......... ii ui.ide de fazer algo que considero gratificante em si!”.64
«,Mi«ndo decodificamos o cálculo tácito da dívida (“devo-lhe uma”, “não,
,4||||'^ tulo me deve nada”, “na verdade, eu que lhe devo uma”, como se fizés-
i*•i • infinitesimais inscrições num livro-caixa infinito e depois as rasurás-
friii.i.i In .i mais fácil entender por que esse tipo de coisa costuma ser visto
m4h " •m io ,i quintessência da moralidade, mas como a quintessência da mo-
h Ii.U I i de classe média. É certo que atualmente as suscetibilidades da classe
Min di »minam a sociedade. Mas ainda há aquelas pessoas que consideram a
tiii .1<st ranha. Quem ocupa posições mais altas na sociedade muitas vezes
Itilii *rnte que a deferência é algo que se deve principalmente aos superiores

159
hierárquicos e achaqueé uma leve estupldc/1,11teiros c confeiteiros trix airm
gentilezas, fingindo tratar uns aos outros como pequenos senhores feudali
No outro extremo, aqueles que cresceram no que é chamado na Europa «!t
meio “popular”-cidades pequenas, regiões pobres, qualquer lugar onde aiinl.i
exista a suposição de que as pessoas que não são inimigas cuidarão normal
mente umas das outras - acharão um insulto serem lembrados o tempo to«lt t
de que há uma chance de não executarem corretamente seu trabalho conu >
garçonete ou motorista de táxi, ou de não oferecerem chá às visitas. Em ou
tras palavras, a etiqueta da classe média afirma que somos todos iguais, nu .
o faz de maneira bem particular. Por um lado, ela finge que ninguém dá 01
dens a ninguém (pense em um segurança grandalhão aparecendo na frenli
de alguém que se dirige a uma área restrita e perguntando: “Posso ajudar!'"),
por outro lado, ela trata cada atitude relacionada ao que tenho chamado d«
“comunismo de base” como se fosse realmente uma forma de troca. D ísmi
resulta, como no caso dos vizinhos na comunidade tiv, que a sociedade ilr
classe média tem de ser recriada incessantemente, como um jogo de som
bras oscilantes, o entrecruzamento de uma infinidade de relações de dívitl.i
momentâneas, que são anuladas, uma a uma, quase que instantaneamente.
Tudo isso é uma inovação relativamente recente. O hábito de sempn
dizer “por favor” e “obrigado” começou a se consolidar durante a revolução
comercial dos séculos x v i e x v ii - entre as mesmas classes médias respon
sáveis por essa revolução. E a linguagem das agências, lojas e escritórios, »
no decorrer dos últimos quinhentos anos, espalhou-se pelo mundo inteiro
junto com eles. Mas também se trata de um mero detalhe de uma filosolia
muito maior, de um conjunto de suposições sobre os seres humanos, o qiu
eles são e o que devem uns aos outros - suposições que se enraizaram ta<•
profundamente que não conseguimos mais percebê-las.

As vezes, no início de uma nova era histórica, uma ou outra pessoa consegui
antever todas as consequências do que está apenas começando a acontecer
algumas vezes com uma amplitude que até mesmo as gerações seguintes n,l<■
conseguirão. Vou terminar o capítulo com o texto de uma dessas pessoa-.

160
i IS.i is, por volta dos anos is4<>, I r.m çois Rabelais ex monge, m edli o
f i - i i ii«ti escreveu o que se tornaria um fam oso elogio satírico. I stá no
■M< iii o livro de seu notável ( iargântua e Vantagrucl, e ficou conhecido com o
H. •HIimI.in dívidas".
Hrthelais põe o encómio na boca de Panurge, um estudioso errante, de
M m me erudição clássica que, observa ele, “conhecia 63 formas de ganhar
H flliiii •1 o roubo era a mais honrosa e a mais rotineira”.6SO gigante Panta-
m if l mil ita Panurge e até lhe oferece uma renda respeitável, mas fica incomo-
■§•!••• oin o fato de o companheiro continuar gastando dinheiro como água
■ I 1ilnl.1t em dívidas até o pescoço. Nào seria melhor, sugere Pantagruel, se
^■Hili*cguisse pagar a seus credores?
ISimirge responde com horror: “Deus me livre de ficar sem dívidas!”.
■fMviilti, na verdade, é a base de sua filosofia:

Sempre deva algo a alguém, assim o outro rezará eternamente a Deus para que
vt 110 lenha uma vida boa, longa e abençoada. Temendo perder o que lhe é de-
VI1I1», ele sempre dirá coisas boas a seu respeito para qualquer pessoa; sempre
II... <mseguirá novos emprestadores para que você consiga tomar emprestado
. |Mg«r-lhe de volta, tapando o próprio buraco com o espólio dos outros.66

M.i Ih do que tudo, eles sempre vão rezar para que você tenha dinheiro.
■ |i ii i i •i.queles escravos antigos cujo destino é serem sacrificados no funeral
*i*nhores. Quando desejavam vida longa e boa saúde aos seus senhores,
Minlrsejavam de fato! Além disso, a dívida pode sempre transformar você
■ MHiii espécie de deus, capaz de criar algo (dinheiro, credores ditosos) a
tlt .ibsolutamente nada.

I 1*1. *1 «Ilida: que me leve o bom Santo Bobelin se eu não tiver reconhecido
ti... finte toda a minha vida que as dívidas são, por assim dizer, uma cone-
•flue uma coligação entre o Céu e a Terra (preservando de maneira única
rt linhagem do Homem sem a qual, afirmo, todos os seres humanos logo
1*1 m eriam), e talvez aquela grandiosa Alma do Mundo que, segundo os
mi 11Icinicos, dá vida a todas as coisas.

161
Como confirmação, evoque tranquilamente em sua mente a Ideia e >i
Forma de um mundo - tome, por exemplo, se lhe aprouver, o trigésimo
dos mundos imaginados por Metrodoro-em que não houvesse devedom,
tampouco credores. Um Universo sem dívidas! Entre os corpos celestes n.lo
haveria um curso regular: tudo seria um desarranjo. Júpiter, reconhecemliil
nada dever a Saturno, o destituiria de sua esfera, e com sua cadeia homéi Un
suspenderia todas as inteligências, deuses, céus, demônios, gênios, herói*,
terra, mar e todos os elementos. [...] A Lua restaria sangrenta e sombria; pi ir
que haveria o Sol de compartilhar sua luz com ela? Ele não tem nenhuiiM
obrigação. O Sol jamais brilharia sob a Terra; os corpos celestes não ema
nariam boas influências.
Os elementos não compartilhariam qualidades, entre eles não havcil.t
alternância, tampouco transmutação, um não se sentiria obrigado a nadfl
em relação ao outro, pois do outro nada tomara emprestado. Da terra nAo
brotaria mais água, tampouco a água se transmutaria em ar; do ar não m j
ria feito fogo, e o fogo não aqueceria a terra. A terra nada produziria além
de monstros, Titãs, gigantes. Á chuva não molharia, a luz não brilharia, o I
vento não sopraria e não haveria verão, nem outono, Lúcifer se soltaria dm
grilhões e, eclodindo das profundezas do Inferno, acompanhado por Fúri.iv
maus espíritos e demônios chifrudos, arrancaria os deuses de todas as na
ções, superiores e inferiores, desapossando-os de seus ninhos.

Além disso, se os seres humanos não devessem nada uns aos outros, .1
vida “seria nada além de uma luta feroz” - uma briga sem regras.

Entre os seres humanos não haveria cooperação mútua; de nada adiantarli I


ao homem gritar por socorro diante de um incêndio, de um afogamento, dc
um assassinato, pois ninguém o ajudaria. Por quê? Porque ele não emprestou
nada: ninguém deve coisa alguma a ele. Ninguém teria nada a perder com seu
incêndio, seu naufrágio, sua ruína ou sua morte. Ele não emprestou nailu
E nada emprestaria dali em diante. Em suma, Fé, Esperança e Caridade se
riam banidas deste mundo.

162
I imuye homem sem família, sozinho, ciijo único propósito de vida era
)|9)|uli gi.mdes quaniias de dinheiro para gastar e o proleta perfeito para
«que ai abava de surgir. Sua perspectiva, obviamente, é a do devedor
i•i*>do devedor sujeito a ser jogado em um calabouço pestilento
iltAn pagar uma dívida. Mesmo assim, o que ele desçreve é a conclusão
Jli ii .1 reduetio ad absurdum, que Rabelais costuma delinear com uma alegre
■ ^ v t nld.ide, das suposições sobre o mundo como uma troca adormecida
P u ii .ri de Iodas as nossas agradáveis formalidades burguesas (as quais o
|ii11|11|n Kabelais, a propósito, detestava - o livro é basicamente uma mistura
P p i i it.lii,ao clássica e piadas sujas).
I o que ele diz é verdade. Se insistirmos em definir todas as interações
IlItttMiM1*como trocas que se estabelecem entre as pessoas, então todas as
ui i.niH duradouras só têm a assumira forma de dívidas. Sem elas, ninguém
ii igaçào alguma com ninguém. Um mundo sem dívida retornaria ao
pi Imordial, a guerra de todos contra todos; ninguém sentiria a menor
Biiinsahilidade por alguém; o simples fato de sermos seres humanos não
■ M importância; todos nós nos tornaríamos planetas isolados que nem se-
f p l i i »• mseguiriam manter as próprias órbitas.
1'rtiiiagruel recusará tudo isso. Suas impressões sobre a questão, diz ele,
ui ser resumidas com uma única frase do apóstolo Paulo: “Não deva
fttlila a ninguém, exceto o afeto e o amor mútuo”.67 Então, em uma passa-
giiii de teor tipicamente bíblico, ele declara: “De suas dívidas passadas, eu
Mhl mi i arei”.
<>que posso fazer senão lhe agradecer?”, responde Panurge.
6.
Jogos com
sexo e morte
IjiMiulo retornamos à investigação da história convencional da economia,
tiili i \ vista quanto temos deixado de lado. Reduzir toda vida humana à troca
Ityhilit .1 não só pôr de lado todas as outras formas de experiência econômica
p ii t.11quia, comunismo), mas também assegurar que a maior parte da huma-
MIiI kIc, que não se constitui de homens adultos - e cuja existência cotidiana
illlti llmcnte pode ser reduzida a uma troca de coisas que visa à vantagem
Mimii.i , desapareça em segundo plano.
Assim, chegamos a uma visão higienizada da maneira como os ne­
go. los reais são conduzidos. O mundo certinho das lojas e dos centros
>omrrciais é o ambiente por excelência da classe média, mas, ou no topo
ou o.i base do sistema, no mundo dos financistas ou dos gângsteres, os ne­
go* lus costumam ser fechados de maneiras não muito diferentes daquelas
gunwinggus ou dos nambiquaras - pelo menos quando sexo, drogas,
Mimi l i .». exibições exuberantes de comida e violência em potencial estão
*o| jogo.
( onsideremos o caso de Neil Bush (irmão de George W. Bush), que, du-
mmii o processo de divórcio de sua esposa, admitiu tê-la traído diversas vezes
looi mulheres que, segundo ele, apareciam misteriosamente na porta do seu
i|ii.o to de hotel depois de importantes reuniões de negócios na Tailândia ou
ftu I long Kong.

O senhor deve admitir que é algo bastante extraordinário — observou


nm dos advogados da esposa — um homem abrir a porta do seu quarto em
um hotel, se deparar com uma mulher na sua frente e fazer sexo com ela.
— Era muito raro — respondeu Bush, admitindo, no entanto, que pas­
sara por aquela situação diversas vezes.
Elas eram prostitutas?
- Nào sei.1

Na verdade, essas coisas parecem ser bem comuns quando quanltftl


exorbitantes de dinheiro estão em jogo.
Nessa linha de raciocínio, a insistência dos economistas de que .1 vitld
econômica começa com o escambo, com a troca inocente de flechas pnfl
armações de tenda, sem que ninguém esteja a postos para estuprar, hutill
lhar ou torturar ninguém, e que ela prossegue dessa maneira, é comovcntlI
mente utópica.
Uma consequência disso, porém, é que os relatos são cheios de In
cunas, e as mulheres dessas histórias parecem surgir do nada, sem expll
cação, como as mulheres tailandesas que apareciam na porta de Busli
Recordemos a passagem citada no capítulo 3, do numismata Philip Grici
son, sobre o dinheiro nos códigos de leis bárbaras: “A compensação njis
leis galesas é calculada principalmente em gado, e nas leis irlandesas em
gado ou servas [bondmaids] com o uso considerável de metais preciosos
nas duas. Nos códigos germânicos, ela é calculada principalmente em
metais preciosos. [...]”.2
Como é possível ler essa passagem sem parar imediatamente no meio?
“Servas” [bondmaids ]? Não é o mesmo que “escravas” [síaves]? (Sim, é.) Na
antiga Irlanda, as escravas eram tão abundantes e importantes que passaram
a funcionar como moeda corrente. Como isso aconteceu? Se estamos ten­
tando entender as origens do dinheiro, o fato de pessoas usarem umas às ou­
tras como moeda corrente não é extremamente importante ou significativo?’
No entanto, nenhuma das explicações sobre o surgimento do dinheiro trata
disso com precisão. Parece que, na época dos códigos de leis, jovens escra­
vas não eram de fato negociadas, mas sim usadas como unidades de conta.
Mesmo assim, elas devem ter sido negociadas em algum momento. Quem
eram elas? Como eram escravizadas? Eram capturadas em guerra, vendidas
pelos pais ou reduzidas à escravidão por dívida? Eram elas um item de troca
indispensável? A resposta a todas essas perguntas poderia ser “sim”, mas é
difícil ir além disso, pois faltam fontes históricas.4

l
166
H« mniemos à parábola do servo ingrato. "Nào tendo este com que paj^ir,
‘Sm tmimou cjiic* o vendessem, juntamente com .1 mulher e com os filhos
jlil •••. seus bens, para o pagamento da dívida." Como isso aconteceu?
1 •11M* nem sequer estamos falando do serviço da dívida aqui (ele já é
I* mu i redor), mas sim de uma completa escravidão. De que modo a
i' •is filhos de um homem passam a ser considerados iguais às suas ove-
li mm,,is de barro - como propriedades a serem liquidadas por causa de
adOii|ilnu i.i? Era normal que um homem, na Palestina do século 1, vendesse
■ l t»*|uiN«? (Não, não era.)5 Se ele não era o seu dono, por que outra pessoa
Jplix inllreito de vendê-la caso ele não conseguisse pagar suas dívidas?
ISidemos fazer o mesmo tipo de pergunta ao lera história de Neemias.
I ilili« ll uflo nos identificarmos com o sofrimento de um pai que vê a filha
f li lt vtida por estranhos. Por outro lado, também podemos perguntar: por
p if i redores não levavam 0 pai ? A filha não tomou dinheiro nenhum
f|ll|'H sl.ulo.
NAo é que nas sociedades tradicionais seja comum os pais venderem seus
tllli.ii, I ssa é uma prática com uma história bem específica: ela aparece nas
|Hiiili's civilizações agrárias, da Suméria a Roma e China, bem na época em
tftii 1.imbém começamos a ver indícios de dinheiro, mercados e empréstimos
I |un»s; depois, de maneira mais gradual, ela também aparece nas regiões
tyiii Mipriam essas civilizações com escravos.6 Além disso, se examinarmos
tit iliulos históricos, parece haver boas razões para acreditar que a própria
Wttessilo com a honra patriarcal que tanto define a “tradição- no Oriente
M. «lio e no mundo mediterrâneo surgiu junto com o poder do pai de alienar
ui hlhos - como uma reação ao que era visto como os perigos morais do
Mim .ido. Tudo isso é tratado como exterior, de alguma maneira, aos limites
tl.i história económica.
Nào levar tudo isso em conta é desonesto não só porque equivale a ex-
. li nr os principais motivos que levaram o dinheiro a ser utilizado no passado,
nus também porque não nos dá uma visão clara do presente. Afinal de con-
lii v quem eram aquelas tailandesas que apareciam tão misteriosamente no
quarto de hotel de Neil Bush? É quase certo que elas tenham sido crianças
.li pais endividados. Provavelmente, elas também eram escravas por dívida.

167
Concentrar a atenção na indústria d«> sexo também seria enganouij
Tanto antes quanto agora, a maioria das mulheres cni servidão por divl<l.t
passa a maior parte do tempo costurando, preparando sopas e limpurulo
latrinas. Mesmo na Bíblia, a advertência nos Dez Mandamentos para "n*io
cobiçar a mulher do próximo” referia-se claramente não à luxúria (o adulln lo
já estava proibido no sétimo mandamento), mas sim à perspectiva de tom.i
-la em servidão por dívida - em outras palavras, como criada para varrer o
quintal e pendurar roupa no varal.8Na maioria dos casos, a exploração scximI
era, quando muito, acidental (via de regra era ilegal, e algumas vezes pratk .ul.i
assim mesmo, o que é simbolicamente importante). Mais uma vez, quando
retiramos algumas de nossas viseiras ideológicas, conseguimos ver que, no
decorrer dos últimos 5 mil anos, as questões mudaram muito menos do que
realmente gostamos de pensar.

Essas viseiras são ainda mais irônicas quando nos voltamos para a literatura
antropológica a respeito do que costumava ser chamado de “dinheiro primi­
tivo” - ou seja, aquele que encontramos nos lugares onde não há Estado ou
mercado seja o wampum iroquês [cinturão feito de conchas], o dinheiro de
tecido africano ou o dinheiro de penas das Ilhas Salomão, e descobrimos que
esse é usado quase exclusivamente para tipos de transação de que os econo­
mistas não gostam de falar.
Com efeito, o termo “dinheiro primitivo” é enganoso por essa mesma
razão, pois sugere que estamos lidando com uma versão tosca dos tipos de
moedas que usamos hoje. Mas o que encontramos não tem nada a ver com
isso. Muitas vezes, aquelas moedas não eram usadas para compra ou venda.1'
Em vez disso, eram usadas para criar, sustentar e reorganizar as relações entre
as pessoas: arranjar casamentos, estabelecer a paternidade dos filhos, evitar
rixas, consolar parentes em velórios, procurar perdão em casos de crime,
negociar alianças, conseguir seguidores - quase tudo, exceto o comércio de
batatas, pás, porcos ou joias.
Não raro, aquelas moedas correntes eram extremamente importantes,
tanto que podemos dizer que a própria vida social girava em torno da possi-

168
Ui. ilr «ihtcr e sc desfazer dc colsas maleri.iiv No enlunlo, das assinalam
11 tin ep^io totalmente diferente sobre a essência do dinheiro on da pró
KOlioiuia. Poressa razão, resolvi me referir a elas como "moedas sociais”, e
IM•mu unias que as empregam como “economias humanas". Nào quero dizer
THI**»' M|ue essas sociedades sejam necessariamente mais humanas (algumas
nIn in humanas, outras sào extraordinariamente brutais), mas apenas que
^ft«itinnas econômicos preocupados não tanto com a acumulação de rique-
i iiMis com a criação, a destruição e a reorganização dos seres humanos.
I »o ponto de vista histórico, as economias comerciais - economias de
h pii .id*>, como gostamos hoje de chamá-las - são relativamente recentes.
IftiMiiic a maior parte da história, predominaram as economias humanas.
iiirsmo para começarmos a escrever uma história autêntica da dívida
Mli. iH.imos partir de algumas perguntas: que tipo de dívidas, que tipo de
>M>tliins e débitos, as pessoas acumulam nas economias humanas? E o que
«i *.ui u e quando as economias humanas começam a fazer concessões para
Hl i *i ui«»mias comerciais ou a ser controladas por elas? Essa é outra maneira
»li lu/cr a pergunta “como meras obrigações se transformam em dívidas?” -
Hh » M^uifica não fazer a pergunta apenas de forma abstrata, e sim examinar
I«« 1. mies históricas para tentar reconstruir o que de fato aconteceu.
Isso é o que farei neste e no próximo capítulo. Primeiro examinarei o
I •*| **I d«) dinheiro nas economias humanas, depois descreverei o que pode
mniiiecer quando essas economias são subitamente incorporadas à órbita
tl»‘ rt onomias comerciais mais amplas. O tráfico de escravos africano servirá
|4Miio um bom e particularmente catastrófico exemplo. Depois, no capítulo
•i jMiintc, retornarei ao surgimento das economias comerciais nas antigas ci-
vili/.ições da Europa e do Oriente Médio.

ti I >1N H EI R O C O M O S U B S T I T U T O I N A D E Q U A D O

\ leoria mais interessante sobre o surgimento do dinheiro foi apresentada


Mi entemente por Philippe Rospabé, um economista francês que se tor­
nou antropólogo. Embora sua obra seja quase desconhecida nos países de

169
língua inglesa, ela é bastante engenhosa e tem lela^Ao direta com o nosso
probiema. Rospabé defende que o “dinheiro primitivo” nào era, de início,
um modo de pagar dívidas, mas sim um modo de reconhecer a existência
de dívidas que talvez nào possam ser pagas. Vale considerarmos detalha
damente esse argumento.
Na maioria das economias humanas, o dinheiro é usado sobretudo para
arranjar casamentos. A maneira mais simples e provavelmente mais comum
de fazê-lo era ofertando o que costumava ser chamado de “preço da noiva": o
família do pretendente entregava dentes de cachorro, conchas, anéis de latão
ou qualquer que fosse a moeda social local para a família da mulher, que ofer
tava sua filha como noiva. E fácil perceber por que isso poderia ser interprc
tado como sendo a compra de uma noiva, e muitos oficiais coloniais na África
e na Oceania, no início do século xx, realmente chegaram a essa conclusão.
A prática gerou certo escândalo e, em 1926, a Liga das Nações discutiu proibi-l.i
considerando-a uma forma de escravidão. Os antropólogos foram contra. Na
verdade, explicaram eles, essa prática não era em nada parecida com a com­
pra, digamos, de um boi - muito menos de um par de sandálias. Afinal de con­
tas, quando você compra um boi, não tem responsabilidades para com o boi.
O que você está comprando, na verdade, é o direito de dispor do boi da ma­
neira que quiser. O casamento é totalmente diferente, uma vez que o marido
em geral terá tantas responsabilidades para com sua esposa quanto a esposa
terá para com ele. E uma das maneiras de reorganizar as relações entre as
pessoas. Além disso, se você estivesse de fato comprando uma esposa, você
poderia vendê-la. Por fim, o verdadeiro significado do pagamento dizia res­
peito ao status dos filhos da mulher: se havia alguma coisa sendo comprada,
era o direito de chamar de sua a prole dela.10
Os antropólogos ganharam a discussão e o termo “preço da noiva” foi
respeitosamente alterado para “riqueza da noiva”. Mas eles nunca responde­
ram de fato à questão do que na verdade se dá nesses casos. Quando a família
de um pretendente fidjiano oferece um dente de baleia para pedir a mão de
uma mulher em casamento, seria esse o pagamento adiantado pelos serviços
que a mulher prestará cultivando os jardins de seu futuro marido? Ou ele está
comprando a fertilidade do ventre dela? Ou será uma simples formalidade,

170
I pi|iilvalente ao dólar que precisa passar de um.i niflo para outra no lei ha
liln de um contrato? Segundo Rospabe, nào seria nada disso. () dente de
l«*«!« lii, por mais que seja valioso, nào é uma forma de pagamento. I )e (ato, é
0 li i onliecimento de que você está pedindo algo cujo valor é tão único que
§|ii.'l'|tifi lipodc pagamento seria impossível. O único pagamento apropriado
l*i 11 dadiva de uma mulher é a dádiva de outra mulher; enquanto isso, tudo
|i i|ue se pode fazer é reconhecer a dívida em aberto.

111 lugares em que os pretendentes dizem isso de forma bem explícita. Con-
«lili u i nos o povo tiv na Nigéria central, dos quais já falamos brevemente no
1n|tilulo anterior. Grande parte das informações que temos sobre esse povo
t tlt meados do século passado, quando a Nigéria ainda era colonizado pela
lli^léilerra.11 Todos naquela época afirmavam que o casamento apropriado
ili vu i.i acontecer como troca de irmàs. Um homem entrega sua irmã para
i|iit cia se case com outro homem e se casa com a irmã de seu novo cunhado.
I é o casamento perfeito porque o único item que se pode realmente dar
»>mli oca por uma mulher é outra mulher.
Obviamente, mesmo que cada família tivesse a mesma quantidade de
limrtos e irmãs, isso não funcionaria de maneira tão impecável. Digamos
Htie eu me case com sua irmã, mas você não queira se casar com a minha
(i iiI vez por não gostar dela, ou porque ela só tem cinco anos de idade). Nesse
i .isn, você se torna “guardião” dela, ou seja, pode reivindicar o direito de
•ui regá-la em casamento para outra pessoa - por exemplo, para o irmão
.1* uma moça com quem você realmente queira se casar. Esse sistema logo
ii 11ansformou em uma série de acordos complexos em que muitos homens
importantes se tornaram guardiães de várias mulheres sob tutela, muitas
Ve/es espalhadas por uma extensa área; eles as trocavam e as negociavam
9, nesse processo, acumulavam diversas esposas para si próprios, enquanto
os homens menos afortunados só conseguiam se casar muito tarde, ou
ii.io conseguiam.12
Havia ainda outro recurso. Os tivs, naquela época, usavam feixes de vare­
las de latão como a mais prestigiosa forma de moeda. Só os homens tinham

171
as varetas e elas nunca eram usadas paia comprai coisas nos mercados (qiir
eram dominados pelas mulheres); em ve/, disso, as varetas eram trocada*
apenas por algo que os homens consideravam de extrema importância: gado,
cavalos, marfim, títulos rituais, tratamento médico, simpatias. Era possível,
como explica um etnógrafo tiv, Akiga Sai, adquirir uma esposa com varelas
de latào, mas era preciso muitas varetas. Para se candidatar como preten
dente, você precisaria entregar dois ou três feixes de varetas para os pais da
moça; depois, quando finalmente fugisse com ela (esses casamentos eram
interpretados, a princípio, como fugas), teria de dar mais alguns feixes para
tranquilizar a mãe quando ela aparecesse furiosa querendo saber o que es­
tava acontecendo. Normalmente seria preciso entregar mais cinco feixes ao
guardião dela para que ele aceitasse a situação, pelo menos temporariamente,
e mais outros para os pais quando ela desse à luz, se você tivesse algum.i
chance de eles o aceitarem como pai da criança. Com isso os pais dela sairiam
do seu pé, mas você teria de pagar para sempre ao guardião, porque jamais
poderia usar dinheiro para adquirir direitos sobre uma mulher. Todos sabiam
que somente era passível dar, em troca de uma mulher, outra mulher. Nesse
caso, todos tinham de aceitar a desculpa de que, um dia, uma mulher estaria
disponível. Nesse meio-tempo, como registra de forma sucinta o etnógrafo,
“a dívida jamais pode ser totalmente paga”.B
Segundo Rospabé, os tivs estão apenas explicitando a lógica subjacente
da “riqueza da noiva” de qualquer lugar. O pretendente que oferece a “riqueza
da noiva” nunca está pagando pela mulher, nem pelos direitos de reivindicar
os filhos dela. Isso implicaria que varetas de latào, dentes de baleia, búzios ou
até mesmo gado fossem, de alguma maneira, o equivalente a um ser humano,
o que, pela lógica da economia humana, é obviamente absurdo. Apenas um
ser humano poderia ser considerado equivalente a outro ser humano. Tanto
mais que estamos falando, no caso de um casamento, de algo ainda mais
valioso do que uma vida humana: estamos falando de uma vida humana que
também tem a capacidade de gerar novas vidas.
Certamente muitos daqueles que pagam a riqueza da noiva, como os tivs,
são bastante claros em relação a essas coisas. O dinheiro da riqueza da noiva é
oferecido não para sanar uma dívida, mas como um tipo de reconhecimento

172
4* »«inihh la île uma dívida que ndo pode ser sanada pelo dlnhclro. Amlûtlr on
■mi- lados sustentarão pelo menos a ficção educada de que, algum dia, haver/i
piit>t mmompensa equivalente: que a tribo do pretendente acabará cedendo
■ftM «l<- Mias mulheres, talvez a filha ou neta da própria mulher, para se casar
ptlH MMi homem da tribo de origem da esposa. Ou talvez haja algum acordo
inlm a disposição dos filhos: talvez a tribo dela fique com uma criança para
m \ •. pi»ssibilidades são infinitas.

I hlltthelro, então, como sentenciou o próprio Rospabé, começa “como subs­


titui« »para a vida”.14Poderíamos chamá-lo de reconhecimento de uma dívida
tli vida. Isso, por sua vez, explica por que o dinheiro usado para arranjar
i ntuitnentos é invariavelmente do mesmo tipo usado para pagar Wergeld (ou
Pllli\o do sangue”, como às vezes é chamado): dinheiro pago à família de uma
vit lu ia de assassinato para evitar ou resolver uma vendeta. Aqui as fontes são
t•i.11s explícitas. Por um lado, ofertam-se dentes de baleia ou varetas de latão
(•nu|ue os parentes do assassino reconhecem que devem uma vida para a
liMMilia da vítima. Por outro, dentes de baleia ou varetas de latão não são, e
|4I i m is o sèrão, uma compensação para a perda de um parente assassinado.
I um efeito, ninguém que ofereça essa compensação seria tolo o suficiente
Ihii a sugerir que uma quantia em dinheiro poderia ser “equivalente” ao valor
iti »pai, da irmã ou do filho de outra pessoa.
Mais uma vez, então, o dinheiro é, antes de tudo, o reconhecimento de
i|iic se deve algo muito mais valioso do que dinheiro.
No caso de uma vendeta, as duas partes também saberão que até mesmo
uma morte por vingança, embora corresponda ao princípio de uma vida por
nuira, não compensará o sofrimento e a dor da vítima. Esse conhecimento
iihre espaço para a possibilidade de resolver a questão sem violência. Mas
mesmo nesse caso costuma haver o sentimento de que, como no casamento,
.1 solução real para o problema é simplesmente adiá-la por um tempo.
♦ a*
Talvez possa ser útil darmos um exemplo. Entre os nuers, há uma classe
especial de sacerdotes especializados em agir como intermediadores de rixas,
«hamados na literatura de “chefes pele-de-leopardo”. Se um homem mata

173
outro, de procurará imediatamente a casa de um desses chefes a proprlM
dade de um "pele-de-leopardo” é tratada como santuário inviolável: mesmo
a família do morto, que tem a obrigação moral de vingar o assassinato, sal »tf
que não pode entrar ali, temendo as piores consequências. De acordo cont
o relato clássico de Evans-Pritchard, o chefe tentará negociar imediatamentl
um acordo entre o assassino e a família da vítima, um negócio delicado pois
que a princípio a família da vítima sempre recusará o acordo:

O chefe primeiro descobre qual é o gado que o povo a que pertence o assas
sino possui e o que esse povo tem para pagar como compensação. [...] 11»*
então visita o povo a que pertence o homem morto e pede que aceite o gado
em troca da vida. Eles geralmente recusam, pois é uma questão de honra se
manterem obstinados, mas a recusa não significa que não estejam dispos­
tos a aceitar a compensação. O chefe sabe disso e insiste para que aceitem,
indusive ameaçando amaldiçoá-los se não cederem [...J.15

Outros familiares mais distantes opinam, lembrando cada um de suas


responsabilidades para com a comunidade, de todo o problema que uma
rixa permanente causará aos parentes inocentes e, depois de uma grandiosa
demonstração de resistência, afirmando que é um insulto sugerir que deter­
minada quantidade qualquer de gado possa substituir a vida de um filho ou de
um irmão, eles aceitam, ressentidos, o acordo.16Na verdade, a questão foi re­
solvida apenas tecnicamente - costuma-se demorar anos para juntar o gado,
e mesmo depois do pagamento os dois lados evitam um ao outro, “principal­
mente nas danças, pois, na empolgação gerada por elas, algo tão corriqueiro
como trombar com um homem cujo parente foi assassinado pode desenca­
dear uma briga, porque a ofensa jamais é esquecida e a dívida pode ser paga
afinal com outra vida”.17
É muito semelhante ao que acontece com a “riqueza da noiva”. O di­
nheiro não acaba com a dívida. Uma vida só pode ser paga com outra. Na
melhor das hipóteses, quem paga o “preço do sangue”, admitindo a existência
da dívida e insistindo que gostaria de pagá-la, ainda que saiba ser impossível,
permite que a questão seja deixada permanentemente em suspenso.

174
I )n outro lado do mundo, encontramos l.ewis I Icnry de*i re
»do elaborados mecanismos estabelecidos pelas Seis Nações dos I m *
wh |».n a evitar justamente esse estado de coisas. Quando acontecia de um
■Hmum matar outro homem,

Imediatamente após o assassinato, as tribos a que pertenciam cada uma


•liis partes assumiam o controle da situação e se esforçavam com grande
•mpenho para obter uma conciliação, temendo que uma retaliação privada
IMii lesse gerar consequências desastrosas.
() primeiro conselho se certificava de que o infrator queria confessar o
»i Ime e repará-lo. Em caso positivo, o conselho enviava imediatamente um
»Int urào branco de wampum, em seu nome, para o outro conselho, contendo
iiin.i mensagem nesse sentido. Esse conselho, por sua vez, tentava tranqui­
lizar a família do falecido, conter suas emoções e convencê-la a aceitar o
[ wampum como perdão.18

Mais ou menos da mesma maneira que ocorre entre os nuers, havia cál-
i nli is i omplicados para definir quantas braças de wampum deveriam ser pagas,
»1»puidendo do status da vítima e da natureza do crime. Também como no
i «n) dos nuers, nào se tratava de um pagamento. O valor do wampum de modo
M<nliiim representava o valor da vida do homem morto: “A oferta de um wam-
(•miii branco não tinha a natureza de compensação pela vida do falecido, mas
»Im de uma confissão arrependida de um crime, com um pedido de perdão.
Im uma oferta de paz, cuja aceitação era exigida por amigos mútuos [...]”.19
Na verdade, em muitos casos também havia um modo de manipular
d sutema e transformar os pagamentos que deveriam aliviar a fúria e a dor
»m maneiras de criar uma nova vida que, de algum modo, substituiria a vida
j»« nlida. Entre os nuers, quarenta cabeças de gado era a taxa-padrão do “preço
ili i sangue”. Mas também era a medida-padrão da “riqueza da noiva”. A lógica
i i.i esta: se um homem foi assassinado antes de conseguir se casar e gerar
uma prole, seria natural que seu espírito ficasse furioso. Afinal de contas, ele
11\ era sua eternidade efetivamente roubada. A melhor solução seria usar o pa-
namento em gado para adquirir o que chamavam de “esposa fantasma”: uma

175
mulher cjiic * sc* c asaria lormalnu u lt i oin um l i o m r m m o i l»>. Mml.is vezd
cia formaria um par com um dos irmãos da viiima, outras vezes a ela sei i<t
permitido que morasse com quem quisesse; nào importaria muito quem 4
engravidasse, uma vez que o sujeito não seria tido como pai das crianças. ( u
filhos que ela gerasse seriam considerados proles do fantasma da vítima Á
consequentemente, os meninos nasceriam com um compromisso específicoj
o de, um dia, vingar a morte do pai.20
Os nuers parecem ter sido singularmente inflexíveis em relação a rix.i*.
Rospabé fornece exemplos de outras partes do mundo que são ainda mau
marcantes. Entre os beduínos do norte da África, por exemplo, às vezes ,1
única forma de a família do assassino sanar uma dívida era entregando uma
filha, que se casaria com o parente mais próximo da vítima - como um irmào,
por exemplo. Se ela engravidasse de um menino, ele receberia o mesmo nonic
do tio morto e seria considerado, pelo menos em sentido amplo, substituiu
dele.21 Os iroqueses, que traçam sua linha de descendência pelas mulheres,
não as negociavam dessa maneira. No entanto, eles tinham outra abordagem
mais direta. Se um homem morria - mesmo de causas naturais - os paren­
tes de sua esposa “colocavam o nome dele em um tapete”, expedindo cintu- j
ròes de wampum para reunir um bando de guerreiros, que invadiriam uma
aldeia inimiga para conseguir um cativo. O cativo poderia ser torturado até
a morte ou, se o estado de espírito das matronas estivesse inclinado à bene­
volência (era impossível dizer; a dor do luto é traiçoeira), adotado: a adoção
era indicada colocando sobre os ombros do cativo um cinturão de wampum; a
seguir ele receberia o nome do falecido e seria considerado, daquele momento
em diante, casado com a esposa da vítima, dono de suas posses e, em todos os
aspectos e para todos os efeitos, a mesma pessoa que o morto costumava ser.22
Tudo isso serve apenas para ressaltar a tese básica de Rospabé - de que
o dinheiro pode ser visto, nas economias humanas, como o reconhecimento
da existência de uma dívida que não pode ser paga.
De certa forma, tudo isso lembra bastante a teoria da dívida primordial:
o dinheiro surge do reconhecimento de uma dívida absoluta para com aque­
les que nos derarrí a vida. A diferença é que em vez de imaginar que essas
dívidas se estabelecem entre um indivíduo e a sociedade, ou talvez entre ele

176
if I( usinos, fias são concebidas como um tipo de rede de relaçOrs dlatllt
lodas as pessoas nessas socicdadcs se manlinliam cm uma relaçrto de
fjltu.l >absoluta para com outra pessoa. Não é que devemos à “sociedade".
If li.i mua ideia de “sociedade” aqui - e não está claro se há ou nào -, a ideia
,i sot iedade são as nossas dívidas.

|ll S' I MAS DE SANGUE (LELES)

I MivlMinente, isso nos leva ao mesmo problema familiar: como o sinal de


In I Mihet imento de que não se pode pagar uma dívida se transforma em um
Étuyumcnto pelo qual a dívida é extinta? Podemos dizer que esse problema
(Miei e bem mais difícil que os anteriores.
Mas, na verdade, não é. Os exemplos africanos mostram claramente
t nino isso pode acontecer - por mais que a resposta seja um pouco pertur-
Itrtdora. Para mostrar isso, será necessário examinarmos com mais clareza
mm ia ou duas sociedades africanas.
Começarei com os leles, um povo africano que, na época em que Mary
! l'iuglas o estudou, na década de 1950, conseguira transformar o princípio
il.r. dividas de sangue no princípio organizador de toda a sua sociedade.
Os leles, na época um grupo de talvez 10 mil pessoas, vivia em uma
u>;iao montanhosa perto do rio Cassai, no Congo Belga, e era considerado
m im povo rude e provinciano por seus vizinhos mais ricos e cosmopolitas,
1»•, kubas e os bushongs. As mulheres leles plantavam milho e mándioca; os
I h»mens se julgavam bravos caçadores, mas passavam a maior parte do tempo
tecendo e cosendo ráfia. A região era realmente conhecida por esse tecido,
que, além de ser usado em todos os tipos de roupa, era exportado: os leles se
•ousideravam os tecelões da região, e negociavam o que produziam com os
I *«ivos vizinhos para adquirir artigos de luxo. Internamente, o tecido funcio-
uava como um tipo de moeda. No entanto, não era usado nos mercados (não
'i 4*
havia mercados) e, como descobriu Mary Douglas, para seu aborrecimento,
uào podia ser usado nas vilas para adquirir comida, ferramentas, utensílios
de mesa ou qualquer outro item.2} Era, essencialmente, uma moeda social:

177
Presentes informais de tecido tlc r.ili.i l.u llilmn nulas as relações sociais: m.i
rido com esposa, filho com màe, filho com pai. Resolvem casos de tensito,
como ofertas de paz; podem funcionar como presentes de despedid.t ou
transmitir congratulações. Mas também há presentes formais de ráfia que,
quando negligenciados, apresentam o risco de romper os laços sociais envol
vidos. Ao atingirem a vida adulta, os homens devem dar vinte peças de teciil» i
ao pai. Do contrário, teriam vergonha de pedir ajuda do pai para arcar com
suas despesas matrimoniais. Os homens deveriam dar vinte peças de tecid« •
para sua esposa a cada vez que ela parisse uma criança [...].24

O tecido também era usado para multas e tarifas, e para pagar curandei
ros. Assim, por exemplo, se a esposa de um homem denunciasse um suposto
sedutor, era costume recompensá-la com vinte peças por sua fidelidade (não
era obrigatório, mas nào recompensá-la era algo definitivamente impru­
dente); se um adúltero fosse pego, ele deveria pagar cinquenta ou cem peças
para o marido da mulher; se o marido e o amante perturbassem a paz da
aldeia com uma briga antes de a questão ser resolvida, cada um teria de pagar
duas taxas como compensação, e assim por diante.
A tendência era que o fluxo de presentes fosse ascendente, dos mais novos
para os mais velhos. Como sinal de respeito, jovens estavam sempre dando peque­
nos presentes de tecidos a pais, mães, tios etc., e esses presentes tinham natureza
hierárquica, ou seja, quem os recebia jamais pensava em retribuí-los de alguma
maneira. Assim, as pessoas mais velhas, principalmente os homens, sempre ti­
nham algumas peças sobrando, e os homens mais jovens, que nunca conseguiam
tecer o bastante para suprir suas necessidades, precisavam recorrer aos mais ve­
lhos sempre que era necessário fazer algum pagamento maior: por exemplo, se
tivessem de pagar uma multa alta, precisassem contratar um médico para assistir
a esposa no parto ou quisessem se juntar a uma seita religiosa. Desse modo, eles
mantinham sempre uma dívida pequena, ou pelo menos uma leve obrigação,
para com os mais velhos. Mas todos tinham também uma gama ampla de amigos
e parentes a quem haviam ajudado e podiam recorrer para pedir ajuda.25
O casamentó era particularmente caro, uma vez que para conseguir
a mão de uma noiva era preciso muitas barras de sândalo africano [Baphia

178
Ne otecido de ráfia era o troco miúdo tia vida jux lal.o sandalo ali u ano
■ HiHilelra rara importada, usada na fabricação de cosméticos era a moeda
fttfo ui«* de maior valor. Cem peças de ráfia equivaliam a três a cinco barras
■p «Amlaln. Poucos indivíduos tinham tantas barras de sândalo, o mais co-
lltniii ri a que tivessem alguns pedaços que seriam triturados para uso próprio.
A tii iii ii parte era mantida no tesouro coletivo das aldeias.
Imo nào quer dizer que o sândalo fosse empregado para qualquer coisa,
fim to constituir a riqueza da noiva - em vez disso, ele era usado em nego-
I iiii ima matrimoniais, em que todos os tipos de presentes eram trocados. Na
h nl.ule, nào havia riqueza da noiva. Os homens nào podiam usar dinheiro
|t*iii adquirir mulheres; tampouco para reivindicar quaisquer direitos sobre
«t 11 lanças. Os leles eram matrilineares. As crianças pertenciam nào ao clã
tio |>al, mas ao da mãe.
No entanto, os homens conseguiam controlaras mulheres de outra ma-
iii ii .1 '*pelo sistema de dívidas de sangue.
li entendimento comum entre muitos povos africanos tradicionais que os
UffH humanos nào morrem sem que haja algum motivo. Se alguém morre é
IMiique alguém deve tê-lo matado. Acreditava-se, por exemplo, que as mulheres
lt li i que morriam no parto haviam cometido adultério. O adúltero, portanto,
n a i rsponsável pela morte. Muitas vezes ela confessava no leito de morte, outras
vr/ cs os fatos tinham de ser descobertos pela divinação. O mesmo era válido se
II liebê morresse. Quando alguém ficava doente, ou dormia enquanto escalava
unia árvore e caía, o parente mais próximo investigava para saber se a pessoa
*
linha se envolvido em alguma disputa que pudesse ter causado a fatalidade. Se
nada fosse descoberto, podiam ser usados meios mágicos para identificar o fei-
iii ciro. Quando a aldeia se convencia de ter identificado um culpado, a pessoa
11ml raia uma dívida de sangue, ou seja, devia uma vida humana ao parente mais
próximo da vítima. O culpado, desse modo, teria de entregar uma jovem da
Ioopria família, fosse irmã ou filha, para ser a tutelada da vítima, ou “peoa”.
Assim como ocorreu com os tivs, o sistema rapidamente tornou-se muito
•omplexo. A “peonagem” era herdada. Se uma mulher era “peoa” de alguém,
seus filhos também o seriam, bem como seus netos. Isso quer dizer que a
maioria dos meninos também eram considerados homens de outra pessoa.

179
No entanto, ninguém aceitava um "peflo" loino pagamento de dívidas de sau
gue: o objetivo era se apoderar de uma mulher jovem, que continuaria gerand<»
novas crianças “peoas”. Os informantes leles de Mary I)ouglas enfatizavam qur
qualquer homem naturalmente adoraria ter tantas “peoas" quanto possível:

Pergunte: “Por que você quer ter mais peoas?”, e a resposta sempre será:
“A vantagem de ter peoas é que, se você incorrer em uma dívida de sangue,
poderá saná-la pagando com suas peoas, deixando suas irmãs livres”. IV»
gunte: “Por que você quer que suas irmãs continuem livres?”. E a resposta
será: “Ah, se eu adquirir uma dívida de sangue, posso saná-la entregando
uma das minhas irmãs como peoa...”.
Todos os homens sabem que, em algum momento, são responsáveis poi
uma dívida de sangue. Se uma mulher seduzida por ele confessar seu nome
nas dores do parto e morrer depois, ou se a criança morrer, ou se qualquer
pessoa com quem ele brigou morrer de doença ou acidente, ele pode ser
considerado responsável [...]. Mesmo que uma mulher fuja do marido c a
briga seja por causa dela, a morte vai bater na porta de sua casa, e seu irmão,
ou o irmão de sua mãe, terá de pagar. Uma vez que somente as mulheres são
aceitas como compensação da dívida de sangue, e como a compensação é
exigida por todas as mortes, tanto de homens quanto de mulheres, é óbvio
que nunca haverá mulheres suficientes para pagar as dívidas. Os homens
atrasam suas obrigações de peonagem e as meninas costumam ser prome­
tidas antes de nascer, mesmo antes de suas mães atingirem a idade de casar.27

Em outras palavras, tudo se transformou em um jogo de xadrez infinita­


mente complicado - um dos motivos, aponta Douglas, de o termo “peão” pa­
recer tão pertinente. Quase todos os homens leles adultos eram tanto peões
de outra pessoa como envolvidos em um constante jogo de proteção, nego­
ciação ou resgate de peões. Todo drama ou tragédia de grandes proporções
na vida da aldeia levaria a uma transferência dos direitos sobre as mulheres.
Quase todas essas mulheres seriam trocadas de novo.
E preciso destacar diversos pontos. Primeiro, o que estava sendo ne­
gociado aqui, de maneira bem específica, eram vidas humanas. Douglas as

180
•lirtiiiM de "dívidas dc sangue", mas "dividas de vida" seria m.ils apropriado
I He imos, por exemplo, que um homem esteja se afogando e outro o salva.
• iii m i.lo que ele está gravemente doente e um médico o cura. Nos dois i .isos,
»«.-< provavelmente diríamos que um “deve a vida” ao outro. Assim também
.lli i,uu os leles, mas eles levavam a questão ao pé da letra. Salve a vida de al-
jfi.i ui e ele lhe deverá uma vida, e uma vida devida tem de ser paga. O recurso
■Miuimi era que um homem cuja vida foi salva entregasse a irmã como peoa
ou então uma mulher diferente, como uma peoa adquirida de outra pessoa.
() segundo ponto que merece ser destacado é que nada poderia substituir
Hvi.l.i humana. “A compensação era baseada no princípio de equivalência,
tiiu.i vida por uma vida, uma pessoa por uma pessoa.” Como o valor de uma
viil.i humana era absoluto, quantidade nenhuma de tecidos de ráfia, ou barras
tl* „mdalo, tampouco cabras, rádios ou qualquer outra coisa podia ser posta
•m seu lugar.
() terceiro e mais importante ponto é que, na prática, “vida humana”
llyiillicava “vida de uma mulher” - ou, em termos ainda mais específicos,
\ ida de uma mulher jovem”. Aparentemente, o objetivo disso era maximizar
••| mi i imônio do sujeito: acima de qualquer coisa, desejava-se um ser humano
<|ui pudesse engravidar e gerar filhos, uma vez que esses filhos também se-
i l.im peões e peoas. No entanto, até mesmo Mary Douglas, que de modo
nenhum era feminista, foi forçada a reconhecer que todo o esquema parecia
llincionar como se fosse um aparato gigantesco para reafirmar o controle
ilns homens sobre as mulheres. Tal fato era sobretudo verdadeiro porque
.1 mulheres em si não tinham peoas.28 Elas só podiam ser peoas. Em outras
jwl.ivras, quando se tratava de dívidas de vida, apenas os homens podiam ser
. redores ou devedores (na verdade, a maioria dos homens era as duas coisas).
Mulheres jovens, portanto, eram os créditos e débitos - elas eram as peças
movidas sobre o tabuleiro de xadrez, cujos movimentos eram realizados por
m.los invariavelmente masculinas.29
Como quase todas as pessoas eram peões, ou tinham sido em algum
momento da vida, ser um deles não era de todo uma tragédia, é claro. Para
1is homens costumava ser uma vantagem em muitos aspectos, pois o “dono”
tio peão tinha de pagar a maior parte de seus impostos e taxas, e ainda suas
dívidas de sangue, ir. por isso que, tomo .iln mavam todos os informantes de
Douglas, a peonagem nào tinha nada em comum tom a escravidão. Os Iclei
mantinham escravos, mas sempre poucos. Os escravos eram prisioneiros tli
guerra, geralmente estrangeiros. Nessa condição, eles não tinham família, nc iu
ninguém para os proteger. Por outro lado, ser um peão significava ter n.to
apenas uma, mas duas famílias diferentes para cuidar de você, pois você cou
tinuaria tendo sua mãe e seus irmãos, mas agora também tinha um “senhor",
Para as mulheres, o próprio fato de serem as peças de um jogo praticad»»
pelos homens proporcionava a elas todo tipo de oportunidades para mani
pular o sistema. Em princípio, uma menina podia nascer peoa, designad.i
a algum homem para futuro casamento. Na prática, insiste Mary Douglas,

a menina lele crescia como coquete. Desde a infância, era o centro de um.i
atenção afetuosa, provocante e sedutora. Seu futuro marido exercia sobn-
ela um controle muito limitado. [...] Como os homens competiam entre si
pelas mulheres, havia espaço para que elas fizessem tramas e intrigas. O que
não faltava eram pretendentes sedutores, e todas as mulheres sabiam que, sc
quisessem, podiam conseguir outro marido.30

Além disso, uma jovem lele só tinha uma única e poderosa carta para
jogar. Todos sabiam que, se ela se recusasse totalmente a aceitar sua situação,
sempre havia a opção de se tornar uma “esposa da aldeia”.J1
A instituição da esposa da aldeia era uma peculiaridade dos leles. Tal­
vez a melhor maneira de descrevê-la seja imaginando um caso hipotético.
Digamos que um homem mais velho e importante adquira uma mulher
jovem como peoa através de uma dívida de sangue e resolva se casar com
ela. Tecnicamente, ele tem o direito de fazer isso, mas não é nada agradá­
vel para uma mulher jovem ser a terceira ou quarta esposa de um homem
já velho. Ou digamos que ele queira oferecê-la em casamento para um de
seus peões em uma aldeia muito distante da terra natal e da mãe da jovem.
Ela protesta. Ele ignora as queixas. Ela espera o momento oportuno e foge
durante a noite pata uma aldeia inimiga, onde pede refúgio. Isso é sempre
possível: todas as aldeias têm seus inimigos tradicionais, jamais uma aldeia

182
Iiunu^i rei usaria u m a m ulher que a procurasse nessas c ln unstAiu las I la
■ hm tl« t larada im ediatam ente "esposa da aldeia”, e todos os hom ens que
| | i i v r m seriam obrigados a protegê-la.
I importante saber que, aqui, como em muitas regiões da Áfrk a, a
llMUMla ilos homens mais velhos tem diversas esposas. Isso signilu a que
I i|iiantl(lade de mulheres disponíveis para os homens mais jovens era con
liil> mvelmente pequena. Como explica nossa etnógrafa, o desequilíbrio era
||MH' ile considerável tensão sexual:

Iodos reconheciam que os jovens solteiros cobiçavam as esposas dos ido-


ios. Com efeito, um de seus passatempos era fazer planos de sedução, e o
homem que não se gabava de não ter nenhum era ridicularizado. Como
os homens mais velhos queriam continuar polígamos, com duas ou três
esposas, e como era dito que os adultérios perturbavam a paz da aldeia, os
leles tinham de criar algum tipo de arranjo para satisfazer os solteiros.
I )esse modo, quando uma quantidade suficiente deles chegava mais ou me­
nos aos dezoito anos, eles podiam comprar o direito a uma esposa comum.32

I )epois de pagar a taxa apropriada em tecido de ráfia para o tesouro da


.tl.lna, eles podiam construir uma casa coletiva e lá instalar a mulher que
IIo •<era atribuída, ou então formavam um grupo para tentar roubar uma
mulher de uma aldeia rival. (Ou, alternativamente, se uma mulher aparecia
•oino refugiada, eles pediriam a todos da aldeia o direito de aceitá-la: esse
•lli rito era invariavelmente concedido.) Essa esposa comum é o que se cos-
i uma chamar de “esposa da aldeia”. A posição de esposa da aldeia era mais do
i|iic respeitável. Na verdade, uma esposa da aldeia recém-casada era tratada
quase como uma princesa. Não se esperava que ela plantasse ou capinasse
nus jardins, apanhasse madeira ou água, ou cozinhasse; todos os afazeres
i li unésticos eram feitos pelos maridos jovens e bem-dispostos, que davam a
ela o melhor de tudo e passavam a maior parte do tempo caçando na floresta,
disputando para proporcionar à esposa as iguarias mais refinadas ou para
IMovê-la de vinho de palma. Ela podia se apropriar dos pertences dos outros,
• qualquer falta que cometesse seria perdoada pela tribo. Ela também deveria

183
ficar sexualmente disponível p.it.i todo* os membros de certa faixa etário
talvez dez ou doze homens diferentes .1 priiu ípio, quase sempre quando
eles a quisessem.”
Com o passar do tempo, uma esposa da aldeia acabaria se estabelecem l<>
com apenas três ou quatro maridos, e, por fim, com apenas um. Os arranjo*
domésticos eram flexíveis. Não obstante, em princípio, ela se casava com .1
aldeia como um todo. Se tivesse filhos, a aldeia era considerada o pai e, com» >
tal, devia criá-los, sustentá-los e, por fim, proporcionar-lhes um casamento
apropriado - principalmente por isso os habitantes tinham de manter tesou­
ros coletivos cheios de tecidos de ráfia e barras de sândalo africano. Como
era possível que, a qualquer momento, uma aldeia tivesse diversas esposas
da aldeia, também teria seus filhos e netos, e por isso estaria em uma posição
para exigir e pagar dívidas de sangue, acumulando peões e peoas.
Consequentemente, as aldeias se tornavam corporações, grupos cole
tivos que, como as empresas modernas, tinham de ser tratados, em termos
legais, como se fossem indivíduos. No entanto, havia uma distinção funda­
mental. Diferentemente dos indivíduos comuns, as aldeias podiam respaldai
suas reivindicações com o uso da força.
Como enfatiza Mary Douglas, esse ponto era crucial porque os ho­
mens leles comuns simplesmente não eram capazes de fazer isso uns com
os outros.34Nas questões cotidianas, havia uma ausência quase completa de
quaisquer meios sistemáticos de coerção. Principalmente por esse motivo, ar­
gumenta ela, a peonagem era tão inócua. Havia diversos tipos de regras, mas
sem governo, sem tribunais, sem juizes para tomar decisões autoritárias, sem
nenhum grupo de homens armados, dispostos ou capazes de fazer uso da
força para apoiar essas decisões; as regras existiam para ser ajustadas e inter­
pretadas. Por fim, os sentimentos de todas as pessoas tinham de ser levados
em conta. Nas questões cotidianas, os leles davam muito valor ao comporta­
mento gentil e agradável. Os homens podiam ser regularmente tomados pela
ânsia de se atirar sobre os outros em rompantes de fúria provocada por ciúme
(muitas vezes eles tinham boas razões para isso), mas era raro que o fizessem.
E, se uma briga acòhtecesse, todos logo intercediam para apartá-la e subme­
tiam o caso à mediação pública.35

184
m ------------------------------------------------ -— r * ..........
■ A* aldeias. cm contrapartida, eram fortificadas, c os grupo« etarlo*
I femliiim ser mobilizados para agir como unidades militares. Aqui. e apenas
w |iii <i violência organizada entrava eni jogo. Sim, é verdade que, quando
■§« «ildelas lutavam, também era sempre por causa das mulheres (todas as
IfelMoris com quem Mary Douglas conversou acreditavam não haver outro
IfHoilvo que pudesse levar os homens adultos, em qualquer lugar, a briga-
I fmu) Mas, no caso das aldeias, essas brigas podiam se transformar em uma
[ Holrtcleira guerra. Se os anciãos de uma aldeia ignorassem os pedidos de
ihiim aldeia, que reivindicava uma peoa, os jovens podiam organizar um
I giiipoe raptá-la, ou levar embora qualquer outra mulher jovem para servir
[ ioiito esposa coletiva. Isso podia culminar em mortes, e posteriormente
h ii initras reivindicações de compensação. “Como havia o apoio da força”,
nlnerva I íouglas de maneira irônica, “a aldeia podia se permitir ser menos
I foiu lllatória em relação aos desejos de seus peões.”36
í'. justamente nesse ponto que entra em cena o potencial para a violência
¥ (jiic pode de repente fazer vir abaixo a grande muralha construída para
f tt |Mt ar o valor das vidas do valor do dinheiro:

Algumas vezes, quando dois clãs discutiam uma reivindicação de com­


pensação de sangue, o clã requerente podia não ter esperanças de ser
atendido por seus oponentes. O sistema político não oferecia meios dire­
tos para que um homem (ou clã) usasse de coerção física ou recorresse a
uma autoridade superior para fazer cumprir uma reivindicação feita a‘ou-
tro. Nesse caso, em vez de abandonar sua reivindicação a uma peoa, ele
estaria disposto a aceitar o equivalente cm riquezas, se pudesse obtê-la.
O procedimento habitual era vender seu caso para o único grupo capaz de
extorquir uma peoa à força, isto é, para uma aldeia.
O homem que quisesse vender seu caso para uma aldeia pediria cem
peças de tecido de ráfia ou cinco barras de sândalo. A aldeia levantava a
quantia, fosse de seu tesouro, fosse por meio de um empréstimo de seus
membros, e tomava para si a reivindicação à peoa.57

185
A reivindicação acabava quando ele i onsegula o dinheiro, e a aldeia, qui>
acabara de comprá-la, organizaria uma incursão para tomar posse da niulhvf
disputada.
Em outras palavras, a questão da compra e venda de pessoas era consuli
rada somente quando a violência entrava na equação. A capacidade de iis.n it
força, de atravessar o labirinto infindável de preferências, obrigações, expeiJ
tativas e responsabilidades que marcam as relações humanas reais também
possibilitava a superação do que geralmente é a primeira regra de todas .11
relações econômicas leles: vidas humanas só podem ser trocadas por out mg
vidas humanas e nunca por objetos físicos. De maneira significativa, a quatt
tidade paga - cem peças de tecido ou uma quantidade equivalente de barr.is
de sândalo - também era o preço de um escravo.38 Os escravos eram, como
mencionei, prisioneiros de guerra. E o número de escravos não era muito
grande; Mary Douglas só conseguiu localizar dois descendentes de escravos
nos anos 1950, cerca de 25 anos após a prática ter sido abolida.39Todavia, a
quantidade não era importante. O mero fato de sua existência estabelecia
um precedente. O valor de uma vida humana podia, muitas vezes, ser quan
tificado; mas quando alguém passava de A = A (uma vida equivale a outra)
para A = B (uma vida equivale a cem peças de tecido), era porque a equação
se estabelecera sob a ameaça de uma lança.

D Í V I D A S DE C A R N E (TIV)

Tratei detalhadamente do povo lele em parte porque queria esclarecer o


significado que dou ao termo “economia humana”, como é a vida em uma
economia humana, que tipo de drama constitui o conjunto cotidiano des­
sas pessoas e qual é o papel do dinheiro nesse conjunto. As moedas leles
são, como disse, a quintessência das moedas sociais. Elas são utilizadas para
marcar cada visita, cada promessa, cada momento relevante na vida de um
homem ou de uma mulher. É importante notar também o que eram de fato
os objetos usados como moeda. O tecido de ráfia era empregado em vesti­
mentas. Na época de Mary Douglas, esse tecido era o que mais se usava para

186
tuim orpo; barras de sândalo eram a fonte de uma massa vermelha usada
Mu**i nsmétlco-a principal substância usada como maquiagem, tanio poi
m iifiis torno por mulheres, para se embelezarem diariamente. Hsses ma
portanto, eram usados para modelar a aparência física das pessoas,
M M m«I< t .is parecer maduras, decentes, atraentes e dignas de seus companhei-
»»«* 1 1 ,ii n esses materiais que transformavam um mero corpo nu em um ser
|IHh|'i lado socialmente.
Na«» se trata de uma coincidência. Na verdade, é algo muito comum no
tylti . Iwimo de economias humanas. O dinheiro quase sempre surge primeiro
■iMohjetos usados primordialmente para adornar as pessoas. Contas, con-
♦!m -. penas, dentes de cachorro ou baleia, ouro e prata são bons exemplos.
Ili» iodos objetos inúteis para qualquer propósito que não seja fazer as pes-
fctii* parecerem mais interessantes, e assim mais bonitas. As varetas de latão
H«mlas pelos tivs pareceriam uma exceção, mas na verdade não são: elas
h mi usadas principalmente como matéria-prima para a manufatura de joias,
mu nlinplesmente eram envergadas para fazer argolas usadas em danças. Há
mi i\<Vs (gado, por exemplo), mas, como regra geral, moedas como cevada,
i|iM l)o, tabaco ou sal começam a aparecer apenas quando surgem os gover-
iii »*., <•depois os mercados.40
Ksse exemplo também ilustra a peculiar progressão das ideias que marca
i ••mi lanta frequência as economias humanas. Por um lado, a vida humana é
i» v.ilor absoluto. Não há equivalente possível. Se uma vida é dada ou tirada,
ti divida é absoluta. Em alguns lugares, esse princípio é de fato inviolável.
i oin maior frequência, ele é transgredido pelos elaborados jogos realizados
I«« l«»s tivs, que tratam a dádiva de vidas, e os leles, que tratam a tomada de
viil.is como uma criação de dívidas que só podem ser pagas por outra vida
hiiinana. Em cada caso, igualmente, a prática acaba desencadeando um jogo
. mnplexo e extraordinário em que homens importantes trocam mulheres,
•mi pelo menos, os direitos sobre sua fertilidade.
Mas isso já é uma espécie de abertura. Se o jogo existe e o princípio de
Mibstituição é parte dele, sempre há a possibilidade de estendê-lo. Quando isso
11»meça a acontecer, os sistemas de dívida baseados na troca de pessoas podem
ai é mesmo aqui - de repente se tornar meios de destruí-las.

187
Para exemplificarmos, voltemos aos tlvs. () leitor se lembrará de (|iu\
quando um homem nào tinha uma irmã ou protegida para dar em troi .1 «Ir
uma esposa, ele podia satisfazer os pais e guardiães com dádivas de dinheii ••
No entanto, essa esposa nunca seria considerada verdadeiramente sua
Mas também aqui havia uma exceção radical. Os homens podiam compt.il
uma escrava, uma mulher sequestrada na invasão de uma região distante,41
As escravas, afinal de contas, não tinham pais, ou podiam ser tratadas comi •
se não os tivessem; elas foram retiradas à força de todas as redes de obrig.i
ções mútuas e dívidas em que as pessoas comuns adquiriam suas identidade1»
aparentes. Por esse motivo elas podiam ser compradas e vendidas.
Depois de casada, no entanto, a esposa comprada desenvolveria novos
laços com muita rapidez. Ela não era mais escrava, e seus filhos eram legí­
timos - na verdade, mais legítimos do que os filhos de uma esposa que era
simplesmente adquirida pelo pagamento contínuo de varetas de latão.
Talvez tenhamos aqui um princípio geral: para tornar algo vendável, em
uma economia humana, primeiro é preciso arrancá-lo de seu contexto. Isso e
o que acontece com os escravos: as pessoas são roubadas da comunidade que
fazem delas o que são. Como estranhos em suas novas comunidades, os escra­
vos não tinham mais mães, pais, parentes de nenhum tipo. Por isso podiam
ser comprados, vendidos ou mortos: sua única relação era com seus donos.
A destreza das aldeias leles de organizar incursões e raptar mulheres de ou­
tras comunidades parece ter sido o princípio motor da troca de mulheres
por dinheiro - mesmo que, no caso deles, a ação fosse realizada em uma ex­
tensão territorial bastante limitada. Afinal de contas, os parentes das mulhe­
res sequestradas não estavam tão distantes assim e certamente apareceriam
exigindo uma explicação. Por fim, teria de ser feito um acordo para a boa
convivência de todos.42
Ainda assim, insisto que isso não é tudo. Grande parte dos estudos deixa
a nítida sensação de que muitas sociedades africanas eram assombradas pela
consciência de que essas complexas redes de dívidas, se as coisas saíssem
meio erradas, podiam se transformar em algo absolutamente terrível. Os tivs
são um exemplo emblemático.

188
i •i tivs aflo conhecidos entre os estudantes de antropologia priiu Ipalmenle
|o lo lato de terem uma vida econômica dividida entre o que seus mula famo
eimtyrafos, Paul e Lara Bohannan, chamavam de três “esferas de troe .1" se
|Mi ndas. Hm geral, a atividade econômica cotidiana era basicamente realizada
|ii o mulheres. Havia as que abasteciam os mercados e as que percorriam seus
1«mlnhos dando e recebendo pequenas dádivas de quiabo, nozes ou peixe.
1 h homens se ocupavam daquilo que consideravam atividades superiores:
li 'MT'»içòcs em que se utilizava a moeda corrente dos tivs que, assim como
IN 11111.1 com os leles, era de dois tipos: uma espécie de tecido feito localmente
• I m i i i .u Io tuguãu, exportado em grandes proporções, e, para transações mais
Importantes, feixes de varetas de latão importadas.43 Estas podiam ser usadas
|mm adquirir algumas coisas luxuosas e vistosas (vacas, esposas estrangeiras
••impradas), mas eram destinadas principalmente à resolução de questões po-
liili iis, contratação de curandeiros, realização de feitiços, iniciação em seitas
•»'li^losas. No tocante a questões políticas, os tivs eram ainda mais igualitários
iloque os leles: homens mais velhos e bem-sucedidos, com suas numerosas
• posas, podiam agir com superioridade perante seus filhos e outros depen-
>1« ui es em sua casa, mas, fora isso, não havia na aldeia organização política
li •! mal de nenhum tipo. Por fim, havia o sistema de custódias, que consistia
li «I ilmente nos direitos dos homens sobre as mulheres. Daí a noção de “esfe-
1«V Lm princípio, estes três níveis - produtos de consumo comum, produtos
•I* | mestígio masculino e direitos sobre as mulheres - eram completamente se­
parados. Quantidade nenhuma de quiabo poderia ser trocada por uma vareta
«Ir latão, assim como, em princípio, quantidade nenhuma de varetas poderia
.<1 usada para adquirir direitos sobre uma mulher.
Na prática, havia modos de burlar o sistema. Digamos que um vizinho
•siivesse realizando um banquete, mas lhe faltassem suprimentos; alguém
pi »dia ajudá-lo e depois, discretamente, pedir a ele um ou dois feixes de vare-
1iis como compensação. Para tirar vantagem da situação, ou “transformar ga­
linhas em vacas”, como diziam, e, por fim, negociar riquezas e prestígio como
maneira de adquirir esposas, era preciso um “coração forte” - ou seja, uma
personalidade arrojada e carismática.44 Mas “coração forte” também tinha
outro sentido. Acreditava-se que uma substância biológica chamada tsav se

189
formava no coração dos seres humanos. I ss.i .substância era responsável pelo
encanto, pela energia e pelo poder de persuasAo das pessoas. C) t.suv, portanlo,
era tanto uma substância física quanto um poder invisível que capai it.iv*
algumas pessoas a se submeterem à vontade de outras.45
O problema - e a maioria dos tivs da época parecia acreditar que es»f
era o principal problema de sua sociedade - é que também era possível fortalci ei
o tsav das pessoas através de meios artificiais, o que só poderia ser realizado
pelo consumo de carne humana.
Devo destacar de imediato que não há motivos para acreditar que os tivs
de fato praticassem canibalismo. A ideia de comer carne humana parecia sei
repugnante e horrorosa para eles tanto quanto seria para a maioria dos norte ■
-americanos. Contudo, durante séculos, a maioria deles parecia realmente
obcecada pela suspeita de que alguns de seus próximos - e particularmente
homens proeminentes que se tornaram de fato líderes políticos - praticavam o
canibalismo em segredo. Acreditava-se que os homens que potencializavam
seu tsav dessa maneira adquiriam poderes extraordinários: a capacidade de
voar, de não serem atingidos por armas, de mandar suas almas durante a noite
matar vítimas para seus banquetes canibais, de um modo tal que essas vítimas
nem sequer notavam que haviam sido mortas e seguiam vagando, confusas e
impotentes. Em suma, tornavam-se bruxos aterrorizantes.46
A mbatsav, ou sociedade dos bruxos, estava sempre procurando novos
membros; para tanto, era preciso enganar as pessoas fazendo-as comer carne
humana. Os bruxos matavam um parente próximo, retiravam um pedaço
de seu corpo e o misturavam na comida da vítima. Se o homem fosse tolo
o bastante para comê-la, contrairia uma “dívida de carne”, e a sociedade dos
bruxos garantiria que dívidas assim fossem sempre pagas. “Talvez um amigo,
ou um homem mais velho, note que você tem muitos filhos, ou irmãos e ir­
mãs, e o engane para que contraia uma dívida de carne. Ele convidará só você
para comer na casa dele e, quando começar a refeição, colocará na sua frente
dois pratos de molho, um deles contendo carne humana...”
Se você comer do prato errado e não tiver um “coração forte” - o poten­
cial de se tornar bruxo vai passar mal e sairá correndo da casa, apavorado.
Mas, se você tiver aquele potencial recôndito, a carne começará a agir dentro

190
I il< vtu <\ Na mesma noite, sua casa será rodeada por gatos e corujas harulhen
Sons estranhos se espalharão pelo ar. Seu novo credor aparecerá diante
[ tl« vn< e acompanhado de cúmplices do mal. Contará como matou o próprio
[ I»)!!.»•> para que vocês dois pudessem jantar juntos, e fingirá sofrer com a
de ter perdido o próprio irmão enquanto você continua ali, cercado
•li parentes fortes e saudáveis. Os outros bruxos concordarão, agindo como
11* l ui lo fosse sua culpa. “Você procurou confusão e ela veio até você. Deite-se
■ (tu i li.io para que cortemos sua garganta.”47
I la apenas uma saída: prometer um membro da própria família como
•uhitltuto. Isso é possível, pois você descobrirá que agora tem novos e terrí-
I v» h poderes, mas eles devem ser usados de acordo com o pedido dos outros
lo ii Hi»s. Você deverá matar, um a um, seus irmãos, irmãs e filhos: o corpo deles
1 «t i.i roubado das tumbas pela sociedade dos bruxos e ressuscitado durante
tflujUin tempo, o suficiente para que sejam adequadamente engordados, tortu-
m i Io s e mortos de novo, depois destrinchados e cozidos para outro banquete.

A dívida de carne não acaba nunca. O credor continua dando as caras para
cobrá-la. A não ser que o devedor tenha o apoio de homens com um tsav
muito forte, ele só poderá se libertar da dívida de carne depois de abrir mão
de todos os seus e tiver aniquilado toda a família. Então ele mesmo se entrega,
deita-se no chão para ser abatido e a dívida é finalmente liquidada.48

I K Á F I C O DE E S C R A V O S

I m certo sentido, está claro o que ocorre aqui. Homens com “coração forte”
Kin poder e carisma; usando-os, eles podem administrar a dívida e trans­
ian inar alimentos extras em tesouros, e tesouros em esposas, mulheres sob
tutela, filhas, e assim tornar-se chefes de famílias que não param de crescer.
Mas esse mesmo poder e carisma que lhes permite isso também os deixa
rin risco constante de, em uma espécie de choque, fazer com que a situação
imploda de maneira tenebrosa, criando dívidas de carne em que a própria
l.imília seria convertida em comida.

191
Ora, se tentarmos imaginara pior ml,ia (jiie poderia acontecera alguém,
ser forçado a jantar o corpo mutilado dos próprios filhos estaria no topo
da lista. No entanto, os antropólogos entenderam, com o passar dos anov
que toda sociedade é assombrada por pesadelos levemente diferentes, e csnm
diferenças são significativas. Histórias de terror, sejam elas sobre vampiro*,
espíritos malignos ou zumbis devoradores de carne, sempre parecem rellelH
algum aspecto da própria vida social dos narradores, algum potencial aterro
rizante, na maneira como estão acostumados a interagir uns com os outn >*,
que eles não querem reconhecer ou enfrentar, mas do qual também não c»m i
seguem deixar de falar.49
No caso dos tivs, o que seria? Está claro que os tivs tinham um problem.i
sério com a autoridade. Eles viviam em uma paisagem salpicada de compoun ,K
[conjunto de habitações], cada um organizado em torno de um homem mais
velho com suas diversas esposas, filhos e parasitas variados. Dentro de cad.i
compound, esse homem tinha autoridade quase absoluta. Fora deles, não havi.i
estrutura política formal, e os tivs eram intensamente igualitários. Em outras
palavras: todos os homens aspiravam a se tornar chefes de famílias numero­
sas, mas suspeitavam de toda forma de domínio. Em nada surpreende, então,
que os homens tivs, sendo tão ambivalentes em relação à natureza do poder,
acabassem se convencendo de que as qualidades que permitem a um homem
ascender a uma legítima posição de destaque também poderiam, se essas
qualidades fossem levadas só um pouquinho mais adiante, transformá-lo em
um monstro.50Na verdade, a maioria dos tivs supunha que os homens mais
velhos eram bruxos, em grande parte, e que quando uma pessoa jovem mor­
ria era porque provavelmente estava pagando uma dívida de carne.
Mas isso ainda não responde à óbvia questão: por que tudo isso é enqua­
drado em termos de dívida?

E necessário contar aqui uma pequena história. Parece que os ancestrais


do povo tiv chegaram ao vale do rio Benue e terras adjacentes por volta de
1750 - uma época etn que toda a área conhecida hoje como Nigéria estava
sendo destruída pelo tráfico de escravos do Atlântico. Os relatos mais antigos

192
«m i mm como os tivs, durante as migrações, costumavam pinlai o coi po de
)**• «.posasecrianças com manchas parecidas com ciiatrizes de varíola, paia
o possíveis invasores tivessem medo de levá-las.51 Eles se estabeleceram cm
IlH i.i | ».4i ie sabidamente inacessível da região e reagiam com ferocidade contra
p In. ui soes periódicas pelo norte e pelo oeste de domínios vizinhos - com os
piMh eles ac abaram chegando a uma reconciliação política.52
t )» tivs, desse modo, tinham plena ciência do que acontecia ao seu redor.
1 nmlderemos, por exemplo, o caso das barras de cobre-eles se esforçavam
11«i .11estringir o seu uso, evitando, assim, que elas se tornassem uma forma
ll* moeda corrente que serviria para todos os propósitos.
( )ra, as barras de cobre foram usadas como dinheiro nessa parte da África
iImi .iiHe séculos e, pelo menos em alguns lugares, também para transações co-
Htrii tais comuns. Tratava-se de algo relativamente simples: bastava quebrá-las
«m m pedaços menores ou enrolá-las em arames finos e torcê-los em pequenas
yipii ais assim se tinha troco miúdo para as transações comerciais do dia a
•li.i ’ A maioria das moedas correntes no território tiv desde o final do século
»viu, por outro lado, era produzida em massa em fábricas em Birmingham e
Importada pelo porto de Velha Calabar, na foz do rio Cross, por traficantes de
»ii ravos sediados em Liverpool e Bristol.54 Em toda a região adjacente ao rio
I ross ou seja, na região imediatamente ao sul do território tiv as barras
ili i obre eram usadas como moeda corrente cotidiana. Supõe-se que foi assim
i|ii< elas entraram no território tiv; foram levadas por vendedores ambulantes
do l io Cross ou adquiridas por comerciantes tivs em expedições fora de seu
mi i itório. Tudo isso, no entanto, torna duplamente significativo o fato de os
tiv. se recusarem a usar barras de cobre como moeda corrente.
Durante os anos 1760 somente, talvez 100 mil africanos tenham sido
levados pelo rio Cross de barco até Calabar e outros portos nas proximidades,
oiulc foram acorrentados, embarcados em navios britânicos, franceses ou
•li outras nações europeias e despachados pelo Atlântico - formam parte de
talvez 1,5 milhão de escravos exportados do golfo de Biafra durante todo o
período do tráfico negreiro do Atlântico.55 Alguns deles eram capturados em
guerras ou invasões, ou simplesmente sequestrados. A maioria, no entanto,
ei a levada embora por causa das dívidas.

193
Preciso, porém, explk .11 alj^o sobre .1 1»imunização do tráfico do esc nivo«
O tráfico de escravos do Atlântico como um todo foi uma rede
tesca de acordos de crédito. Armadores sediados em Liverpool ou Br lMo|
adquiriam bens dos atacadistas locais, em condições de crédito facilitad.n
esperando prosperar ao vender escravos (também a crédito) para os pr<>pi Ir
tários de terra nas Antilhas e nas Américas, que tinham agentes em Loiulm
que financiavam o negócio com os lucros de açúcar e tabaco.56Os armadt>1c*,
entào, transportavam seus produtos para portos africanos, como o de Vclhrt
Calabar. A própria Calabar era a cidade-Estado mercantil por excelência, il»1
minada por mercadores africanos ricos que usavam roupas europeias, mo
ravam em casas de estilo europeu e, em alguns casos, mandavam os filho«
para ser educados na Inglaterra.
Ao chegarem, os comerciantes europeus negociavam o valor de seu <,.11
regamento em barras de cobre que serviam como moeda no porto. Em i6yH,
um mercador a bordo de um navio chamado Dragon anotou os seguinte*
preços estabelecidos para seus produtos:

uma barra de ferro 4 barras de cobre


um punhado de contas 4 barras de cobre
cinco rangoes57 4 barras de cobre
uma bacia n. 1 4 barras de cobre
uma caneca 3 barras de cobre
uma jarda de linho 1 barra de cobre
seis facas 1 barra de cobre
um sino de latào n. 1 3 barras de cobre58

No apogeu do comércio, cinquenta anos depois, os navios britânicos


levavam grandes quantidades de tecido (tanto produtos das fábricas recém-
-criadas em Manchester como calicós da índia) e produtos de ferro e bronze,
além de bens secundários, como contas, e, por motivos óbvios, quantida­
des substanciais de armas de fogo.59 Os produtos eram então passados para
os mercadores africanos, de novo a crédito, e só então distribuídos entre os
agentes que subiriam o rio.

194
í ) problema óbvio era como assegurar a dívida. O trálico era um negót I»»
llKtMilliiarlamente fraudulento e brutal, e os traficantes tie escravos ihli
iKiiienir seriam riscos de crédito confiáveis - principalmente ao negociar
■tu Hunerciantes estrangeiros que jamais veriam de novo.60Como resul-
p)o »1«senvolveu-se rapidamente um sistema em que os capitàes europeus
HHii.iiii garantia na forma de peões.
K*ses “peões” são claramente diferentes dos que encontramos entre
||| Mi s lim muitos reinos e cidades mercantis da África ocidental, a natu-
Mfiit il.i peonagem parece que já havia passado por profundas mudanças
Um*|MK a em que os europeus entraram em cena, por volta de 1500 - ela
Ih vlit se tornado, com efeito, um tipo de servidão por dívida. Os devedores
IMHMeavam membros da família como garantia por empréstimos; os peões,
Phmh. se tornavam dependentes da unidade familiar dos credores, traba-
IImiuIo nos campos e nas tarefas domésticas - a pessoa funcionava como
H»«i .11111.1, enquanto o trabalho era um substituto dos juros.61 Peões não eram
t>ti tavos; não eram, como os escravos, arrancados de suas famílias; mas
lambem não eram exatamente livres.62 Em Calabar e outros portos, os se-
iilx •)es dos navios negreiros, ao consignar seus produtos aos interlocutores
itli ii anos, logo desenvolveram o hábito de pedir peões como garantia - por
mi mplo, dois dependentes do próprio mercador para cada três escravos a
M iem entregues, incluindo de preferência pelo menos um membro da fa-

Hillla do mercador.63 Na prática, isso não era muito diferente do que exigir
a fui rega de reféns, e algumas vezes criava crises políticas consideráveis
i|iiando os capitães, cansados de esperar pelas remessas atrasadas, partiam
li v.mdo os peões no lugar dos escravos.
Rio acima, os servos por dívida também desempenhavam um papel
importante no comércio. Em primeiro lugar porque a região era um pouco
ini iimum. Na maior parte da África ocidental, o tráfico de escravos atraves-
Mva os principais reinos, como Daomé ou Ashanti, para travar guerras"e
Impor punições severas - um recurso muito usado pelos governantes era
manipular o sistema de justiça para que qualquer crime fosse punido pela
rsi 1avização, ou com a morte, seguida da escravização da esposa e dos filhos,
1 m i ainda por multas abusivas que, em caso de não pagamento, resultariam

195
na venda do inadimplente o de su.i lumill.i itmiuem ravos. Um segundo lugm,
porque se tratava de algo extraordinariamente revelador, uma vez que a faliu
de quaisquer estruturas de governo mais amplas facilitava a percepção do
que realmente acontecia. O clima dominante de violência levou à perversrtu
sistemática de todas as instituições das economias humanas existentes, qur
se transformaram em um gigantesco aparato de desumanização e destruiç.h t
Na região do rio Cross, o tráfico parece ter tido duas fases. A primeii .1
foi um período de terror absoluto e caos completo, em que as invasõe»
eram frequentes e qualquer pessoa que viajasse sozinha corria o risco <!<•
ser raptada por grupos de ladrões itinerantes e ser vendida para Calabai
Em pouco tempo as aldeias foram abandonadas; muitas pessoas fugiram
para as florestas; os homens tiveram de formar grupos armados para trab.i
lhar os campos.64 Esse período foi relativamente breve. O segundo período
começou quando representantes das sociedades comerciais locais come­
çaram a se estabelecer em comunidades por toda a região, oferecendo-sc
para restaurar a ordem. A mais famosa delas foi a Confederação Aro, cujos
membros se intitulavam “Filhos de Deus”.65 Amparados por mercenários
fortemente armados e pelo prestígio de seu famoso Oráculo em Aro-
chukwu, eles estabeleceram um novo sistema de justiça notoriamente ri­
goroso.66Os seqüestradores eram caçados e vendidos, eles mesmos, como
escravos. A segurança foi restabelecida nas estradas e propriedades rurais.
Ao mesmo tempo, a Aro colaborou com os anciãos locais para criar um
código de leis e penalidades rituais tão abrangente e severo que todos cor­
riam o risco constante de infringi-las.67 Quem violasse qualquer uma das
leis, por mais trivial, e não pudesse pagar a multa seria levado até a costa
pela Aro, e o acusador receberia seu preço em barras de cobre.68 De acordo
com alguns relatos da época, os homens que simplesmente não gostassem
de suas esposas e precisassem de varetas de latão sempre arrumavam um
motivo para vendê-las, e os anciãos da aldeia - que ficavam com uma parte
dos lucros - quase sempre concordavam.69
A artimanha mais engenhosa das sociedades mercantis, no entanto, foi
participar da disseYninação de uma sociedade secreta chamada Ekpe, que tor­
nava seus membros cúmplices mesmo em sua potencial escravidão. A Ekpe

196
d IrtinnNu |>í >r patrocinar mascaradas suntuosas c por iniciar seus membro*
lo iiiimci los ocultos, mas também agia como instrumento sei reto para
de dívidas.70 Em Cabalar, por exemplo, a sociedade Kkpe tinha
MM>*o u uma ampla variedade de sanções, começando com boicotes (todos
»1 hm mbros eram proibidos de realizar negócios com um devedor inadim-
■I^mii •), multas, sequestro de propriedades, prisões e, por fim, a execução
.* vitimas mais desafortunadas eram amarradas em árvores e tinham sua
PldMillhula removida como alerta para os outros.71 Tratava-se de algo en-
kpnlioso principalmente porque essas sociedades sempre permitiam que
#k |u «.soas pagassem, se pudessem, para subir pelas nove categorias de ini-
fliM.iH* e essa taxa era paga, é claro, em varetas de latão fornecidas pelos
Hinpi los mercadores. Em Calabar, a escala de taxas para cada categoria era
mmi', ou menos assim:,.72

i. Nyampi
j. Oku Akana
». Brass 300 caixas de varetas de latão, cada £ 2 9S.
I Makanda = £ 735 para as quatro primeiras categorias
S. Makara
<). Mboko Mboko
7. Bunko Abonko
S. Mboko Nya Ekpo 50 caixas de varetas de latão para cada uma
y. Ekpe das categorias mais baixas

Em outras palavras, era algo bem caro. Mas a participação na sociedade


tornou rapidamente a principal marca de honra e distinção em todos os
luzires. As taxas de inscrição sem dúvida eram menos exorbitantes em corçiu-
nidades pequenas e distantes, mas o feito era o mesmo: milhares de pessoas
t ontraíam dívidas com os mercadores, ou por causa das taxas exigidas para o
Ingresso ou por causa dos produtos que forneciam (em sua grande maioria, te-
. idos e metais usados na criação de vestimentas e apetrechos para as apresen-
1ações dos membros da Ekpe - dívidas que eles mesmos se responsabilizavam

197
por cobrar uns dos outros. Essas dívidas, também, eram pagas regularmente
com pessoas, aparentemente entregues como peões).
Como isso funcionava na prática? Parecia variar bastante de lugar .1 In
gar. No distrito de Afikpo, em uma região remota na parte superior do 1lo
Cross, por exemplo, percebemos que as questões cotidianas - aquisição de
alimentos, por exemplo - eram conduzidas, como entre os tivs, “sem a troca
ou o uso de dinheiro”. As varetas de latão, fornecidas pelas sociedades mer
cantis, eram empregadas para comprar e vender escravos, ou então, fora issi»,
basicamente como moeda social “usada para presentes e pagamentos em fu­
nerais, títulos e outras cerimônias”.75 A maioria desses pagamentos, títulos e
cerimônias estava ligada às sociedades secretas que os mercadores também
levaram para aquela área. Tudo isso lembra bastante a organização dos tivs,
mas a presença dos mercadores garantia que os efeitos fossem bem diferentes:

Nos velhos tempos, se alguém tivesse algum problema ou incorresse em


dívida, nas regiões acima do rio Cross, e precisasse de dinheiro vivo, costu­
mava-se “penhorar” um ou mais filhos, ou algum outro membro da famíli.i
ou unidade familiar, a um dos comerciantes akunakunas que faziam visitas
periódicas aos vilarejos. Ou então se costumava invadir um vilarejo vizinho,
raptar uma criança e vendê-la para o mesmo comprador condescendente.7'*

Essa passagem só faz sentido se reconhecermos que os devedores tam­


bém eram, devido à participação em sociedades secretas, coletores. O ato de
apreender uma criança é referência para uma prática local chamada “panyar-
ring”,75 corrente em toda a África ocidental, pela qual os credores, desespe­
rados para serem pagos, simplesmente invadiam a comunidade do devedor
com um grupo de homens armados e confiscavam tudo - pessoas, bens,
animais domésticos - que podia ser carregado facilmente como garantia/6
Não importava se as pessoas ou bens pertenceram ao devedor, ou mesmo
aos parentes do devedor. As cabras ou os filhos de um vizinho serviriam da
mesma maneira, uma vez que o propósito era a pressão social sobre quem
quer que devesse dinheiro. Como afirma William Bosman, “se o devedor é
um homem honesto e a dívida é justa, ele imediatamente busca, para a satis-

198
Irii.iin ilos credores, libertar seus compatriotas".77 Na verdade, tratava **r d«*
t<m• xpediente bastante sensato em um ambiente sem autoridade central, em
l|tH «is pessoas tendiam a sentir uma responsabilidade enorme para com os
lii* ml »ms da comunidade e muito pouca responsabilidade para com as outras
|<t ms. No caso da sociedade secreta citada, o devedor, presumivelmente,
f«i.u i.i pagando suas dívidas - reais ou imaginárias - para com aqueles fora
«l.i' »1r.mi/ação, para assim não ter de entregar membros da própria família.78
I sses expedientes nem sempre eram eficazes. Muitas vezes os devedores
»Mim lorçados a entregar para a peonagem uma quantidade cada vez maior de
lillii is ou dependentes, até que o último recurso era entregarem a si mesmos
tomo peões.79 E, é claro, no auge do tráfico de escravos, a “peonagem” se
tiMnou pouco menos que um eufemismo. A distinção entre peões e escra­
vo*. desapareceu em ampla medida. Os devedores, como suas famílias antes
•li Irs, eram entregues à Confederação Aro, depois aos britânicos e, por fim,
ii)Milhoados e acorrentados, amontoados em barcos negreiros minúsculos e
I**pachados para ser vendidos em colônias do outro lado do oceano.80

V os tivs, então, eram assombrados pela visão de uma organização secreta


insidiosa que enganava vítimas desatentas fazendo-as cair em armadilhas de
divida, enquanto eles mesmos se tornavam os fiscais das dívidas a ser pagas
11 mu o corpo de seus filhos, e, por fim, deles mesmos, é porque, entre outros
motivos, isso estava literalmente acontecendo com as pessoas que viviam a
poucos quilômetros dali. Além disso, o uso da expressão “dívida de carne”
n.io é inapropriado. Os traficantes de escravos podem não ter reduzido suas
\ iiimas a carne, mas eles certamente as reduziam a nada mais que corpos.
V i escravo era ser arrancado da família, dos parentes, dos amigos e da co­
munidade, era ser destituído de nome, identidade e dignidade, ou seja, de
tudo que fazia daquela pessoa um ser humano e não uma máquina capaz
de compreender ordens. A maioria dos escravos também não tinha mui-
tas chances de desenvolver relações humanas duradouras. A maioria deles
i.i para colônias caribenhas ou americanas onde simplesmente trabalhava
.ité a morte.

199
\
C) impressionanteé que lodosos co rp o s rr.im arramados pelos prôpi lo*
mecanismos da economia humana, que linha como base o princípio de qur
a vida humana era o valor supremo, ao qual nada poderia ser comparado
Em vez disso, todas as instituições - tarifas de iniciação, meios de calculai ,i
culpa e a compensação, moedas sociais, servidão por dívida - transforma
ram-se em seu oposto: o mecanismo, por assim dizer, foi virado ao contrário,
e, como os tivs também perceberam, os mecanismos e engrenagens feito*
para a criação de seres humanos ruíram sobre eles próprios e se tornaram o*
meios de sua destruição.

Não quero deixar o leitor com a impressão de que estou descrevendo algo, de
algum modo, peculiar à África. Podemos encontrar exatamente as mesm.is
coisas onde quer que economias humanas entrem em contato com economi.is
comerciais (e particularmente, economias comerciais com tecnologia mililai
avançada e com demanda insaciável pelo trabalho humano).
De maneira notável, situações semelhantes podem ser vistas em todo
o Sudeste Asiático, principalmente entre os povos que vivem em regiões
montanhosas e insulares, à margem dos grandes reinos. Como destacou o
principal historiador da região, Anthony Reid, o trabalho em todo o Sudeste
Asiático se organizou, acima de tudo, pelas relações de servidão por dívida:

Mesmo em sociedades relativamente simples e pouco afetadas pelo di­


nheiro, havia necessidades rituais de gastos substanciais - o pagamento do
preço da noiva para casamentos e o abate de um búfalo quando morria um
membro da família. Há muitos relatos de que essas necessidades rituais são
o principal motivo de os pobres terem contraído dívidas com os ricos [...].81

Por exemplo, da Tailândia à ilha de Celebes é comum que, quando uma


pessoa vai se casar, seus irmãos pobres procurem um patrocinador rico para
que este pague as despesas do matrimônio. Ele então passa a ser chamado de
*
“mestre”. Trata-se mais de uma relação entre patrocinador e cliente do que
qualquer outra coisa: os irmãos podem ser obrigados a realizar trabalhos

200
<>s ou aparecer na companhia do pairot inador quando elo prei Isai
fa liu hoa impressão-nada mais. Ainda assim, tecnicamente, ele é dono dos
|)|,, .lu casal e “pode recuperar a esposa que forneceu caso os servos nào
■HfnpHim com suas obrigações”.82
( )nvimos histórias semelhantes às da África em outros lugares - cam-
|Hmi<st's que entregam a si mesmos ou membros de sua família para a peo-
m |(in. (>11 que apostam a si mesmos para a peonagem; principados onde as
| h unidades invariavelmente assumem a forma de multas altíssimas. “Com
| m <|uencia, obviamente, acontece de as multas não serem pagas, e os homens
MMuIrnados, muitas vezes acompanhados pelos dependentes, tornam-se ser­
vi u do governante, ou da parte prejudicada, ou de qualquer pessoa que tenha
|Niy<uloa multa para ele.”83 Reid insiste que a maior parte desses casos é inócua
H ml efeito, os homens pobres podiam tomar empréstimos com o propósito
i »| 'i i sso de se tornarem devedores de algum patrocinador rico que lhes daria
M>1111(1.1 em momentos difíceis, um teto, uma esposa. Nitidamente, isso não
•m escravidão” no sentido comum, a menos que o patrocinador decidisse
-li spaihar alguns de seus dependentes para credores em alguma cidade dis-
Iuiil(' como Majapahit ou Ternate, onde trabalhariam pesado na cozinha ou na
pl.uitação de pimenta de algum nobre, como qualquer outro escravo.
li importante destacar isso porque um dos efeitos do tráfico de escravos
• l.i/er com que as pessoas que não vivem de fato na África fiquem com
ii impressão de que o continente é um lugar irremediavelmente violento e
*i Ivagem - uma imagem que tem efeitos desastrosos para quem vive lá. Vale
ii pena, portanto, considerar a história de um lugar que costuma ser repre-
ni.ido como o polo oposto: Bali, a famosa “terra dos io mil templos” - uma
1111.1 geralmente retratada nos textos antropológicos e guias turísticos como
v fi >sse habitada exclusivamente por artistas plácidos e sonhadores, que pas-
■oimos dias fazendo arranjos de flores e praticando danças sincronizadas.
Nos séculos xvii e xvm, Bali ainda não tinha essa reputação. Na época,
i Ilha ainda era dividida em uma dúzia de reinos minúsculos e agressivos, em
rsiado de guerra quase constante. Na verdade, a reputação da ilha entre os mer-
. .idores e oficiais holandeses assentados na vizinha )ava era quase o oposto
11.1 reputação atual. Os balineses eram considerados um povo rude e violento,

201
governado por nobres decadentes e vii lados cm ópio, cuja riqueza se baseava
quase exclusivamente na propensão para vendei seus súditos como esc ravo*
para estrangeiros. Na época em que os holandeses assumiram o controle com
pleto em Java, quase toda a ilha de Bali se transformou em um reservatoi l o
para a exportação de seres humanos-as jovens balinesas, em particular, eram
muito procuradas em cidades da região para servir como prostitutas e cone ti
binas.84Quando a ilha se envolveu no tráfico de escravos, quase todo o seu sh <
tema social e político foi transformado em um aparato para a obtenção forçad.i
de mulheres. Mesmo nas aldeias, os casamentos comuns tomavam a forma dr
“casamento por captura” - às vezes com fugas encenadas, outras com rapto*
forçados verdadeiros, depois dos quais os raptores pagariam à família da noiv.i
para que se esquecessem do ocorrido.85Se uma mulher fosse capturada por um
homem verdadeiramente importante, no entanto, não seria oferecida nenhuma
forma de compensação. Ainda na década de 1960, anciãos se lembravam de
como mulheres jovens e atraentes costumavam ser escondidas pelos pais:

Proibidas de carregar oferendas muito imponentes nos festivais do templo,


temendo que algum vigia real as estivesse espiando, e elas fossem levadas
para um dos quartos do palácio, protegidos com rigor, onde os olhos dos
visitantes eram restritos ao nível dos pés. Pois havia pouquíssima chance de
uma garota se tornar legítima esposa de casta inferior (penaxving) do rajá [...J,
O mais provável era que, depois de proporcionar alguns anos de satisfação
libertina, ela se degradasse até um estado de servidão escravista.86

Ou, caso ascendesse a uma posição em que as esposas das castas mais altas
começassem a encará-la como rival, ela poderia ser envenenada ou despachada
para além-mar, para servir soldados em algum bordel dirigido por chineses em
Yogyakarta, ou limpar urinóis na casa de algum colono francês na ilha da Reu­
nião, no oceano Indico.87 Enquanto isso, os códigos de lei reais eram reescritos
de todas as maneiras habituais, com a exceção de que a força da lei se dirigia, ex­
plicitamente e acima de tudo, contra as mulheres. Não só os criminosos e deve­
dores eram escravizados e deportados, mas qualquer homem casado ganhava
o poder de renunciar à própria mulher, transformando-a automaticamente

202
nu propriedade do governante loc al, que disporia dela como bem quisesse
Mi -tini».is mulheres cujos maridos morressem antes de elas terem dado a lu/
Ii IImis homens eram entregues ao palácio para ser vendidas ao exterior.*''
( orno explica Adrian Vickers, até as famosas rinhas de Bali - tão co-
itlu •Idas de qualquer estudante de antropologia - eram promovidas origi­
nalmente pelas cortes reais como maneira de renovar o comércio humano:

( )s reis, inclusive, ajudavam a endividar as pessoas promovendo rinhas gran­


diosas nas capitais. A paixão e a extravagância encorajadas por esse esporte
provocador levavam muitos camponeses a apostar mais do que podiam.
( orno ocorre com qualquer jogo de azar, a esperança de obter riquezas e o
drama da competição alimentavam ambições com as quais poucos podiam
arcar, e, no final, quando a última espora fincava no peito do último galo, mui­
tos camponeses já não tinham casa e família para as quais pudessem voltar.
Junto com suas esposas e filhos, eles eram então vendidos para Java.89

H I 1 l . E XÕE S S O B R E A V I O L Ê N C I A

<timecei este livro fazendo a seguinte pergunta: de que maneira as obrigações


morais entre as pessoas começaram a ser pensadas como dívidas e, como
lesultado, acabaram justificando comportamentos que, em outras condições,
pareceriam totalmente imorais?
Copiecei este capítulo tentando propor uma resposta, ao fazer uma dis-
tinção entre economias comerciais e o que chamo de “economias humanas”
isto é, aquelas em que o dinheiro age primordialmente como moeda social
para criar, manter ou romper relações entre as pessoas, e não para comprar
i oisas. Como Rospabé demonstrou de maneira tão convincente, é uma pecu­
liaridade dessas moedas sociais que elas nunca sejam equivalentes às pessoas.
Quando muito, elas são um constante lembrete de que os seres humanos
l.imais podem equivaler a qualquer coisa - nem mesmo, em última instân­
cia, a outro ser humano. Essa é a verdade profunda das vendetas. Ninguém
pode de fato perdoar o assassino de um irmão porque cada irmão é único.

r 203
Nada poderia substitui-lo nem mesmo outro homem com o mesmo nom*»
e posição social, nem mesmo uma com ubina i ujo filho receberia o nome »1«i
irmão morto como homenagem a ele, ou uma esposa fantasma que carreai
ria uma criança encarregada de, um dia, vingar a morte dele.
Em uma economia humana, cada pessoa é única e de valor incomparável,
porque cada uma é um nexo único de relações com outras pessoas. Uma mu
lher pode ser filha, irmã, amante, rival, companheira, mãe, amiga e mentont
de diferentes pessoas e de diferentes maneiras. Cada relação é única, mesmo
em uma sociedade em que as relações são sustentadas pela constante troi a
de objetos genéricos como tecidos de ráfia ou fios de cobre. De certa form.i,
esses objetos fazem do sujeito aquilo que ele é - fato ilustrado pelo modo con i<»
as coisas empregadas na qualidade de moedas sociais muitas vezes são norni.il
mente usadas para vestir ou decorar o corpo, ajudando a identificar o sujeito
aos olhos dos outros. No entanto, assim como nossas roupas na verdade não
fazem de nós aquilo que somos, uma relação mantida viva pela troca de tecidos
de ráfia é sempre algo mais que isso.90Isso quer dizer que a ráfia, por sua vez, e
sempre algo menor. Por isso acredito que Rospabé estava correto ao enfatizai
o fato de que, nessas economias, o dinheiro nunca pode substituir uma pessoa
o dinheiro é uma das maneiras de reconhecer o próprio fato de que a dívida
não pode ser paga. Mas até mesmo a noção de que uma pessoa pode substituii
outra, de que uma irmã pode, de alguma maneira, ser igualada a outra, não é
de modo nenhum evidente. Nesse sentido, o termo “economia humana” tem
dois gumes. Afinal de contas, existem economias, ou seja, sistemas de troca em
que qualidades são reduzidas a quantidades, permitindo cálculos de ganho e
perda - mesmo que esses cálculos sejam apenas uma questão (como na troca
de irmãs) de 1 ser igual a 1, ou (como na rixa) de 1 menos 1 ser igual a zero.
Como esses cálculos são realizados? Como é possível tratar as pessoas
como se elas fossem idênticas? O exemplo dos leles nos dá uma pista: fazer
de um ser humano um objeto de troca, como igualar, por exemplo, uma mu­
lher a outra mulher exige que primeiro esse ser humano seja arrancado de
seu contexto; ou seja, é preciso arrancar a mulher da rede de relações que faz
dela a confluência única de relações que a definem e, assim, transformá-la
em um valor genérico capaz de ser acrescentado e subtraído e usado como

204
lo de medir a dívida. Isso requer certa violência. I*ara lo» na la «*t|iiivol(’iiic
iiiiui barra de sândalo africano é preciso mais violência, c uma violem ia
mais constante e sistemática para arrancá-la tão completamente de seu
Iftiiiii hlo a ponto de transformá-la em escrava.
IVrciso ser claro nesse ponto. Não estou usando a palavra “violência”
Mu •uh »ricamente. Não estou falando apenas da violência conceituai, mas sim
i Ih »imraça literal de ter os ossos quebrados e a pele marcada; de receber socos
• | mmtapés. Falo em violência da mesma maneira que os antigos hebreus fala-
MMiilf suas filhas em estado de “servidão”: eles não estavam fazendo poesia;
plt *>lolavam, literalmente, de cordas e correntes.
A maioria de nós não gosta de pensar muito na violência. As pessoas que
lf tu h(>rte o bastante para ter vida relativamente confortável e segura nas cida-
tli * modernas tendem a agir como se a violência não existisse ou, quando se
lt mbiam dela, tendem a subestimar, no vasto mundo “lá fora”, o que ele tem
tlt In rível e brutal, sem que se possa fazer muita coisa. Ou então o instinto
tu leva a não pensar até que ponto nossa existência diária é definida pela vio-
Ir t H ia, ou pelo menos pela ameaça da violência (como já observei algumas
Vi / rs, pense no que aconteceria se você insistisse em seu direito de entrar na
lilhlloteca deuma universidade sem um documento de identidade válido), e a
Ülhrstimar a importância de guerras, terrorismo e crimes violentos - ou pelo
iiicitos a frequência com que ocorrem. O papel da força em fornecer a estrutura
|Mia as relações humanas é simplesmente mais explícito no que chamamos
•l< sociedades tradicionais” - ainda que em muitas delas o ataque físico real
ili um ser humano a outro ser humano ocorra com menos frequência do que
H»i nossa sociedade. Leiamos um relato do reino Bunyoro, na África oriental:

Certa vez um homem se mudou para uma nova aldeia. Ele queria descobrir
como eram seus próximos; então, no meio da noite, ele fingiu que batia
severamente em sua esposa para ver se os vizinhos viriam reclamar. Mas ele
não bateu nela; em vez disso, bateu no couro de uma cabra, enquanto sua
esposa chorava e gritava que ele a estava matando. Ninguém apareceu. No
dia seguinte, ele e a esposa juntaram seus pertences e saíram daquela aldeia
para encontrar outro lugar para viver.91

( 205
A mensagem é óbvia. Em uma aldeia respeitável, os vizinhos correriam,
segurariam o homem e exigiriam saber o que .1 mulher provavelmente Ir/
para merecer aquele tratamento. A discussão se tornaria uma preocupaç.h •
coletiva que se transformaria em algum tipo de resolução coletiva. É assim
que as pessoas deveriam viver. Nenhum ser humano racional gostaria de vi
ver em um lugar em que os vizinhos não cuidam uns dos outros.
Trata-se de uma história reveladora à sua maneira, talvez até encanta
dora, mas devemos perguntar: como uma comunidade-até mesmo uma que
o homem da história consideraria respeitável - teria reagido se pensassem
que a m ulher estava batendo nele?92 Acho que todos nós sabemos a resposi.i
O primeiro caso seria motivo de preocupação: o segundo teria levado uo
ridículo. Na Europa, nos séculos xvi e xvii, aldeões jovens costumavam us.11
saias a fim de ridicularizar os maridos que apanhavam das esposas, às vezes
até desfilavam pela cidade com eles, montados nas costas de um jumento,
para serem zombados por todos.93 Nenhuma sociedade africana, pelo que cu
saiba, chegou a esse ponto. (Também nenhuma sociedade africana queimou
tantas bruxas - a Europa ocidental naqueles séculos era um lugar particular
mente selvagem.) Contudo, como na maior parte do mundo, a suposição de
que um tipo de brutalidade era pelo menos potencialmente legítimo e outro,
não, era o esquema em que se baseavam as relações entre os sexos.94
O que quero destacar aqui é a existência de uma relação direta entre esse
fato e a possibilidade de trocar uma vida pela outra. Os antropólogos adoram
fazer diagramas para representar padrões de preferência matrimonial. Muitas
vezes, esses diagramas podem ser bem bonitos:95

PADRÃO IDEAL
DE CASAMENTO
ENTRE PRIMOS
CRUZADOS
BILATERAIS
t )iiir.is vezes, eles tôm apenas um a sim plicidade elegunte, com o neste
.iiti.i sobre um caso de troca de irm à entre os tivs:'"’

KUNAV
I---------
MBAGBERA MBADUKU

• D ▲B ▲A M AN

( )s seres humanos, quando precisam seguir seus desejos, raramente se


ui ^tni/.am em padrões simétricos. O preço pago por essa simetria tende a ser
Iflirbroso. No caso dos tivs, Akiga a descreve com muita disposição:

Sob o sistema antigo, um ancião que tivesse uma mulher sob sua tu­
tela podia sempre se casar com uma jovem, por mais senil que ele fosse,
e mesmo se fosse um leproso sem mãos e pés; nenhuma moça ousaria
recusá-lo. Se outro homem se sentisse atraído pela mulher sob a tutela
do ancião, esse homem a tomaria para si e entregaria à força sua própria
tutelada, realizando uma troca. A moça teria de ficar com o velho, car­
regando com pesar a bolsa de pele de cabra dele. Se ela fugisse de volta
para casa, seu ex-dono bateria nela, a amarraria e a levaria de volta para
o ancião, que, por sua vez, agradeceria e abriria um sorriso até mostrar os
molares enegrecidos. “Não importa para onde vá”, diria, “você será sem­
pre trazida de volta para mim; pare de se preocupar e seja minha esposa.”
A moça se martirizava, desejando que a terra a engolisse. Algumas mulheres
apunhalavam-se até a morte quando eram entregues a um velho contra a sua
vontade: mas, apesar disso tudo, os tivs não se importavam.97

A última frase resume tudo. Citá-la pode parecer injusto (os tivs, eviden-
irinente, se importaram, a ponto de eleger Akiga como seu primeiro repre-
Miitante parlamentar, sabendo que ele apoiava a legislação que proibia essas

207
prátii as), mas sim v c muito Ik-iu para destai .11 .1 questão 1t aI: que irt los lipol
de violência eram considerados moralmente aceitáveis.'"* Nenhum viz í i i I h i
se prontificaria a intervir se um guardião batesse em uma tutelada fugitlvit,
Ou, se interviessem, seria para sugerir que usasse meios mais gentis |>.im
devolvê-la ao seu marido por direito. E é exatamente por isso, pelo fato de .11
mulheres saberem que os vizinhos, e até parentes, reagiriam dessa forma, que
o “casamento trocado” era possível.
E disso que falo quando me refiro a pessoas “arrancadas de seus cou
textos”.

Os leles tiveram sorte suficiente para escapar, em ampla medida, das devas
tações do tráfico de escravos; os tivs estavam praticamente nos dentes do
tubarão e tiveram de realizar esforços heroicos para conter a ameaça. Nau
obstante, nos dois casos havia mecanismos para remover mulheres de sua*
casas de maneira forçada, e era exatamente isso que as tornava trocáveis
embora também nos dois casos um princípio estipulasse que uma mulhei
só poderia ser trocada por outra. As poucas exceções, quando as mulhe
res podiam ser trocadas por outras coisas, surgiram diretamente da guerra
e da escravidão - ou seja, quando o nível de violência havia se intensificado
significativamente.
O tráfico de escravos, é claro, representava a violência em uma escala
exponencialmente diferente. Estamos falando aqui de destruição em pro­
porções genocidas, em termos históricos e mundiais, comparável apenas a
eventos como a destruição das civilizações do Novo Mundo ou ao Holo­
causto. Também não pretendo, de modo nenhum, culpar as vítimas; basta
apenas imaginar o que provavelmente aconteceria na nossa sociedade se um
grupo de extraterrestres aparecesse de repente: dotados de tecnologia mili­
tar imbatível, riqueza infinita e nenhuma moral reconhecível, eles anunciam
que querem pagar 1 milhão de dólares, cada um deles, por trabalhadores hu­
manos, sem questionamento. Haveria pelo menos um punhado de pessoas
inescrupulosas qile tirariam vantagem dessa situação - e um punhado é tudo
de que se necessita.

208
<.rupos como a Confederação Aro representam uma estratégia dema
• i l.nnlliar, desenvolvida por fascistas, máfias e radicais de direita cm tu
ii* ui lugares: primeiro, desencadear a violência criminal de um meri ado
tnli .11li i, em que tudo está à venda e o preço da vida torna-se extremamente
I I * depois entrar para intervir, oferecendo-se para restabelecer um pouco
luiilcm embora uma ordem que, com sua dureza, mantém intactos todos
á| .i |m»tos mais lucrativos do caos anterior. A violência é preservada dentro
t u i ut ura da lei. Essas máfias, também, quase invariavelmente impõem um
jfriillX<> estrito de honra em que a moralidade se torna, acima de tudo, uma
tfiii 'lüode pagaras próprias dívidas.
I osse este livro diferente, eu poderia refletir aqui sobre os curiosos pa-
»1« los entre a sociedade do rio Cross e a de Bali: ambas conheceram uma
i^||i|iisAo magnificente de criatividade artística (as máscaras ekpes do rio
111%n exerceram grande influência sobre Picasso) na forma sobretudo de
um florescimento das apresentações teatrais, repletas de músicas comple-
».r. li^urinos esplêndidos e danças estilizadas - um tipo de ordem política
dli) i n.itiva realizada como espetáculo imaginário -, no exato momento em
i|iii .i vida cotidiana se tornou um jogo de perigos constantes, em que qual-
i|iin passo em falso poderia significar ser mandado para bem longe. Qual
nti ti ligação entre as duas? E uma questão interessante, mas não podemos
frtpondê-la aqui. Para os propósitos deste livro, a pergunta crucial tem de
li i esta: quanto isso era comum? O tráfico de escravos africanos foi, como
mencionei, uma catástrofe sem precedentes, mas as economias comerciais
|i) extraíam escravos das economias humanas havia milhares de anos. E uma
|iititica tão antiga quanto a própria civilização. A pergunta que quero fazer
• tité que ponto essa prática é realmente constitutiva da própria civilização?
Não me refiro estritamente à escravidão, mas sim ao processo de desalo-
|iii .is pessoas de suas teias de comprometimento mútuo, história comum e
ti sponsabilidade coletiva, que fazem delas aquilo que são, para transformá-
l.is em pessoas trocáveis - ou seja, para possibilitar que elas sejam sujeitas
i lógica da dívida. A escravidão é apenas o ponto final lógico, a forma mais
i vtrema desse desenredamento. Mas, por essa razão, ela ilumina o processo
ulmo um todo. Além disso, devido ao seu papel histórico, a escravidão

209
modelou instituições e suposições de que nflo lemos mais consciência e i u|«i
influência nós provavelmente jamais gostaríamos de reconhecer. Se nos toi
namos uma sociedade da dívida, é porque o legado da guerra, da conquisla«'
da escravidão jamais deixou de existir por completo. Ele ainda está aí, alojdul' •
nas nossas concepções mais íntimas de honra, propriedade e até liberdaili
Apenas não conseguimos mais vê-lo.
No próximo capítulo, começo a descrever como isso aconteceu.

210
7-
Honra e degradação
ou Sobre as fundações da
civilização contemporânea í
ur, [h a r ]: s., fígado; baço; coração, alma; montante,
corpo principal; fundação; empréstimo; obrigação; juros;
excedente, lucro; dívida com juros; pagamento; escrava.
D IC IO N Á R IO A N T IG O DE S U M ÉR IO '

Basta dar a cada um o que lhe é devido.


S IM Ô N ID E S

w •Kjiflulo anterior, examinamos rapidamente como as economias huma-


||t* «om suas moedas sociais - que são usadas para medir, avaliar e manter
MiiVi m' s entre as pessoas, e talvez apenas incidentalmente adquirir bens ma-
IMI||s , podiam ser transformadas em outra coisa. Descobrimos que não
Miml< 11K)s começar a pensar nessas questões sem antes levar em conta o papel
(tu |»111.1 violência física. No caso do tráfico de escravos africanos, essa vio-
|( •i> i.i era imposta pripcipalmente de fora. Não obstante, a arbitrariedade e a
ptiii.ilidade próprias ao evento nos fornecem o instantâneo de um processo
i| h* pode ter ocorrido de maneira muito mais lenta e não planejada, em ou-
liM. lugares e épocas. Isso porque temos todas as razões para acreditar que
4 i .t ravidão, com sua capacidade única de arrancar seres humanos de seus
ftmicxtos e transformá-los em abstrações, teve um papel fundamental no
*iiii;imento de mercados em todos os lugares.
O que acontece, então, quando o mesmo processo ocorre mais lenta-
im nle? Pareceria que grande parte dessa história se perdeu de maneira per-
MMiiente - pois tanto no antigo Oriente Médio como no antigo Mediterrâneo
ii maior parte dos momentos realmente críticos pode ter ocorrido antes

213
do advento d.» esc i il.i. Mesm o .isslm, c possível in onsti mi as ImliUN üfl.
A melhor maneira de fa/e lo. atredito, e partu de um conicilo unlto , 4
nho e muito debatido: o conceito tle honra, que pode sei tratado i <>inn
tipo de artefato, ou mesmo como um hieróglifo, um fragmento prcwra
da história que parece conter em si mesmo a resposta para quase t<ulai a< *
sas que estamos tentando compreender. De um lado, a violência: os In mm«*'
que vivem pela violência, sejam soldados ou gângsteres, são quase seiilf
obcecados pela honra, e um ataque à honra é considerado a justificai Iva iik
óbvia para atos de violência. De outro lado, a dívida. Falamos tanto dr dl
das de honra quanto de honrar as próprias dívidas: com efeito, a traiiMi
de uma coisa para a outra fornece a melhor pista de como as dívidas sm yr
das obrigações; mesmo que a noção de honra parecesse ecoar com uiuii II
sistência desafiadora a explicação de que as dívidas financeiras não \Ao(
fato as mais importantes - eco de argumentos que, como aqueles dos Wd
e da Bíblia, remontam à própria aurora do mercado em si. O que é ainda iiiitH
perturbador, uma vez que a noção de honra não faz sentido nenhum «m»H
a possibilidade da degradação, é que reconstruir essa história revela couMft
nossos conceitos mais básicos de liberdade e moralidade tomam forma itt|
interior de instituições-em particular, mas não apenas, a escravidão solm
as quais, passado algum tempo, não teríamos mais de pensar.

Para entender alguns dos paradoxos que cercam o conceito e evidenciam n


que realmente está em jogo aqui, consideremos a história de um homem qiif
sobreviveu ao comércio de escravos: Olaudah Equiano, nascido por volta ili
1745 em uma comunidade rural nos confins do reino de Benin. Arrancado
de sua casa aos onze anos de idade, Equiano foi vendido para os trafican
tes de escravos britânicos que atuavam no golfo de Biafra, de onde ele prl
meiro foi levado para Barbados, depois para uma fazenda na Virgínia colonial
As aventuras posteriores de Equiano - e elas são muitas - são narra
das em sua autobiografia, The Interesting Narrative o f the Life o f Olaudah Equiano
or, Gustavus Vassa, the A frica n [A interessante narrativa da vida de Olaudah
Equiano: ou, Gustavus Vassa, o africano], publicada em 1789. Depois do

214
Ht iiiiilc parte da Guerra dos Sete Anos transportando pólvora em
brItAnica, ele teve sua liberdade prometida, depois negada, foi
|mi.i diversos donos - que mentiam a ele regularmente, prometendo-
| | III•• idiide e depois quebrando a promessa -, até que acabou nas mãos
H i Miiim iante quaker na Pensilvãnia, que permitiu que ele comprasse
Ifiti.i liberdade. Hm seus últimos anos de vida, ele mesmo se tornou um
Hi Itiule de sucesso, escritor conhecido, explorador do Ártico e, por fim,
nl m|»t incipais vozes do abolicionismo inglês. Sua eloquência e a força de
l.t de vida foram muito importantes para o movimento que levou
lo comércio britânico de escravos em 1807.
• »'i leitores do livro de Equiano costumam ficar perturbados com um
«•1da história: durante a maior parte de sua vida, ele não se opunha
llltiMo da escravidão. Em dado momento, enquanto juntava dinheiro
H ••imprar a liberdade, trabalhou em uma atividade que envolvia a com-
.1. rm ravos na África. Equiano só adotou uma postura abolicionista
pioh de se converter à Igreja Metodista e conjugar esforços com ativistas
| | h i < •*.< is contrários ao tráfico. Muitos lhe perguntaram por que havia demo­
liu tiiiilo tempo. Certamente, se alguém tinha motivos para entender o mal
•.... ividão, esse alguém era ele.
A resposta, por mais estranho que possa parecer, reside na própria
II» tft ldade do homem. Algo que se destaca bastante no livro é que Equiano
In • apenas uma pessoa com desenvoltura e determinação ilimitadas, mas
•.... <1iido um homem de honra. Isso, porém, gerou um dilema terrível. Ser
limulormado em escravo é ser despido de toda honra possível. Equiano
ifiM 114, naturalmente, recuperar o que havia sido tirado dele. O problema
f que a honra, por definição, é algo que existe aos olhos dos outros. Para
frimteguir recuperá-la, portanto, um escravo deve adotar as regras e os pa-
I iltiVsda sociedade que o circunda, e isso significa que, em primeiro lugar,
■H u u ie n o s na prática, ele não pode rejeitar de todo as instituições que o
f il»"tiiiuíram de sua honra.
I [ Parece-me que essa experiência - de somente ser capaz de recupe-
1iii ,1 própria honra perdida e a capacidade de agir com integridade nos
ti imos de um sistema que se sabe, devido a uma experiência pessoal

215
muito traumática, ser injusto é, cm sl, um dos aspectos mais pml»
damente violentos da escravidão. í mais um exemplo, talvez, d.i nn
dade de argumentar por meio da linguagem do senhor, m as .iqm lcvtii|(
extremos insidiosos.
Todas as sociedades baseadas na escravidão tendem a ser marc atl.i*. p
essa dupla consciência angustiante: a de que as coisas mais suprema*)»
las quais se tem de lutar também são, em última instância, erradas: ma*
mesmo tempo, o sentimento de que assim é a natureza da realidade. Talvji
isso ajude a explicar por que, em toda a história, quando os escravos s< n !»*

lavam contra seus senhores, eles raramente se rebelavam contra a escravhMu


Mas o outro lado disso é que mesmo os donos de escravos pareciam senilf
que todo o arranjo era, de alguma maneira, em essência perverso e ant in.ii n
ral. Os estudantes do primeiro ano de direito romano, por exemplo, tinli.nit
de memorizar a seguinte definição: “escra vidã o é a instituição, de aconlil
com a lei das nações, em que uma pessoa é incluída nos direitos de propt I#
dade de outra, contra a natureza”.2
Pelo menos, sempre parecia haver algo de vergonhoso e feio na escravl
dão. Qualquer pessoa muito próxima dela ficava manchada. Os traficantes tl«*
escravos, cm particular, eram desprezados como sujeitos brutos e inumano»,
Em toda a história, as justificativas morais para a escravidão são raras ve/m
levadas especialmente a sério por quem as defendia - ao contrário, quaflfl
todas as pessoas viam a escravidão como hoje vemos a guerra: um negóc io
sórdido, para ser exato. Entretanto, precisaríamos ser ingênuos para imagin.11
que ele poderia ser eliminado facilmente.

HONRA É DIGNIDADE DE SOBRA

Então, o que é a escravidão? Comecei a sugerir uma resposta no capítulo


anterior. A escravidão é a forma máxima de ser arrancado do próprio con
texto, e assim de todas as relações sociais que fazem do ser humano aquilo
que ele é. Em outras palavras, o escravo, em um sentido bem verdadeiro, é
um ser “morto”.

216
I iiit lo! ,i conclusão do primeiro pesquisador .1 desenvolvei uma pes
In..... h .1 ampla sobre a escravidão, um sociólogo egípcio chamado Ali
*1 Wrthld Wafi, em Paris, em 1931.’ Em todos os lugares, observa ele,
femnln amigo até a América do Sul atual, encontra-se a mesma lista de
|v» h maneiras como uma pessoa livre poderia ser reduzida à escravidão:

1 Ivl.i lei da força


• l’oi entrega ou captura em guerra
l> l’or ser vítima de raide ou sequestro
» 1 1»mo punição legal por algum crime (incluindo dívida)
1 ivl.i autoridade paterna (a venda dos filhos feita pelo pai)
i IVlii venda voluntária de si próprio.4

I tu todos os lugares, a captura em guerra é a única maneira considerada


ilut«mente legítima. Todas as outras foram cercadas por muitos proble-
» () sequestro era obviamente um ato criminoso, e os parentes não ven-
l)ii11suas crianças exceto sob circunstâncias desesperadoras.5Sabemos de
pttlii'* de penúria muito severas na China que levaram milhares de homens
Mnliiev .1 se castrarem na esperança de conseguir se vender como eunucos
D« h 11le mas isso também era visto como um sinal de colapso social com-
m|i ii 1 Até mesmo o processo judicial podia ser corrompido com facilidade,
IMai 1>s antigos estavam bem cientes disso - principalmente no que se referia
| r «ii tavidão por dívida. ^
I )e certo modo, o argumento de Al-Wahid é apenas uma longa defesa do
fM|» I da escravidão no Islã - muito criticada, pois a lei islâmica nunca elimi-
M"ii a escravidão, mesmo depois de a instituição ter desaparecido em grande
|Mi le do mundo medieval. É verdade que, argumenta ele, Maomé não proibia a
/ 111ii 111a. mas mesmo assim o antigo califado foi o primeiro governo conhecido
[ realmente conseguir eliminar todas essas práticas (abuso judicial, sequestros,
I Vimida de prole) reconhecidas como problemas sociais durante milhares de
.«nos, e a limitar a escravidão estritamente a prisioneiros de guerra.
() que todas essas circunstâncias têm em comum? Essa pergunta se
mrnou a contribuição mais duradoura do livro. A resposta de Al-Wahid
é surpreendente em sua simplk idade al^uem tot na se um escravo em *11
çòes em que poderia ter morrido. Isso e obvio n« >i aso da guet ra ........
antigo, o vencedor supostamente tinha poder total sobre o vencido, Iih In
sobre as mulheres e crianças; todos podiam simplesmente ser massa» ni»
De maneira semelhante, argumenta ele, os criminosos eram cond» iiadi(Í
escravidão apenas por crimes capitais, e aqueles que vendiam a si mettf
ou aos próprios filhos em geral estavam passando fome.7
No entanto, isso não equivale a dizer que o escravo devia a própria \ i»h«
seu dono, pois, caso contrário, estaria morto.8Talvez isso fosse verdadeimi
momento da escravização. Mas, depois disso, o escravo não podia ter divlil;
porque, em quase todos os aspectos, ele estava morto. No direito romano, lu
era explícito. Se um soldado romano fosse capturado e perdesse a libei iU
esperava-se que sua família lesse seu testamento e dispusesse de seus bem
algum dia ele readquirisse a liberdade, teria de começar tudo de novo, im linl
casando-se outra vez com a mulher que até então era considerada sua viúvftJ
Na África ocidental, de acordo com um antropólogo francês, o mcMtHfl
princípio se aplicava:

Ao ser finalmente capturado e removido de seu ambiente, o escravo


considerado socialmente morto, como se tivesse desaparecido ou caído etH
combate. Entre os antigos mandês, quando os prisioneiros de guerra cmih
levados até os vencedores, ofereciam-lhes o dege (mingau de milho e leite)
porque não se devia morrer de barriga vazia - e depois apresentavam-llir*
suas armas, para que se matassem. Aquele que recusasse era esbofeteai lu
por seu raptor e mantido como cativo: ele aceitara o desprezo que o privavi
de sua personalidade.10

As histórias de terror dos tivs, sobre homens que morreram e não sabem,
ou que são trazidos de volta dos túmulos para servir a seus assassinos, e as
histórias de zumbis haitianas servem para explorar esse horror essencial dn
escravidão: o fato de ser um tipo de morte em vida.
Em um livrd* chamado Slavery and Social Death [Escravidão e morte so­
cial] - certamente o estudo comparativo mais profundo já escrito sobre ji

218
ui' )<• , Orlando Patterson define o que significava para uiu.i pe**oa
nplriii e absolutamente arrancada de seu contexto." I'm primeiro In
fiil.iilM ele, a escravidão é diferente de qualquer outra forma de relação
tiii |><»1 nào ser uma relação moral. Os donos de escravos a disfarçavam
In»In npode linguagem legalista ou paternalista, mas tudo não passava
|Hn |‘ •de cena no qual ninguém acreditava; na verdade, tratava-se de uma
i htiseada puramente na violência; o escravo devia obedecer porque, do
Inn li i, ele poderia ser espancado, torturado ou morto, e todos sabiam bem
• l ui segundo lugar, ser morto do ponto de vista social significava que o
|HVii nAo tinha relações morais obrigatórias com ninguém: ele era alienado
MMr. ancestrais, comunidade, família, clã, cidade; não podia manter con-
•II i ui promessas significativas, exceto por vontade de seu senhor; mesmo
• li iimasse uma família, ela poderia ser desfeita a qualquer momento,
ii hi. .10 de pura força que o ligava ao seu senhor era, então, a única relação
iHMii.i que importava no final. Como resultado - e esse é o terceiro elemento
M>iii i.il a situação do escravo era de completa degradação. Daí a razão da
>ili 1,i(l.i 110 guerreiro mandê: o cativo, tendo recusado sua última chance
w n.ilv.ir a própria honra, matando a si mesmo, devia reconhecer que a partir de
filliii 1seria considerado um ser totalmente desprezível.1'1
Porém, ao mesmo tempo, essa capacidade de arrancar os outros de sua
iildade tornava-se, para o senhor, a base de sua honra. Como nota Patter-
»nn. Ii.ivia lugares - o mundo islâmico oferece inúmeros exemplos - em que
i hi ravos nem sequer eram postos para trabalhar por lucro; em vez disso,
Inuiinis ricos faziam questão de se cercar de batalhões de empregados-escra-
vii'. simplesmente por motivo de status, como prova de sua magnificência e
liiiil.i mais.
Parece-me que é exatamente isso que dá à honra sua qualidade noto-
Miiinente frágil. Homens de honra tendem a combinar um senso de total
iquilidade e autoconfiança, que surge com o hábito do comando, com
mu notório nervosismo, uma sensibilidade intensa para ofensas e insultos,
11 Mutimento de que um homem é, de algum modo, reduzido e humilhado
*i qualquer “dívida de honra” acontecer de nào ser paga. Isso porque honra
into é o mesmo que dignidade. Pode-se até dizer: honra é dignidade de sobra.

219
Hssa consciência intensificada do podei e s e n s pei igns surge quando se gfl
minam o poder e a dignidade dos outros; ou, 110 mínimo, nasce do conlirt |fl
mento de que se é capaz de fazê-lo. Em seu aspecto mais simples, a houHtfl
aquela dignidade excedente que deve ser defendida à faca ou espada (h< um ui
violentos, como sabemos, são quase invariavelmente obcecados pela houut),
Daí o espírito do guerreiro, para o qual quase tudo que pode ser visto i •mui
sinal possível de desrespeito - uma palavra inadequada, um olhar inadequtidu
- é considerado um desafio ou pode ser tratado como tal. Todavia, mesmu
nos casos em que a violência manifesta é colocada de lado, sempre qur •«
honra está em questão, ela surge com um sentido de que a dignidade poih i*»f
perdida, e por isso tem de ser constantemente defendida.
O resultado é que, ainda hoje, a “honra” tem dois significados coni i .i
ditórios. Por um lado, podemos falar de honra como simples integritl.nl*»
Pessoas decentes honram seus compromissos. Fica claro que “honra” tiuli.i
esse significado para Equiano: ser um homem honrado significava ser um
homem que fala a verdade, respeita a lei, mantém suas promessas, é justo 0
consciencioso em seus tratos comerciais.13 O problema é que a honra tinha
outro significado ao mesmo tempo, em tudo relacionado ao tipo de violèin lo
necessário para reduzir os seres humanos a mercadorias.
O leitor pode estar se perguntando o que tudo isso tem a ver com 111
origens do dinheiro. Surpreendentemente, a resposta é esta: tem tudo a ver,
Algumas das formas mais arcaicas de dinheiro que conhecemos parecem
ter sido usadas justamente como medidas de honra e degradação, ou seja. o
valor do dinheiro era, em última instância, o valor do poder de transformai
os outros em dinheiro. O curioso enigma da cum al - o dinheiro em forma de
moças na Irlanda medieval - fornece um exemplo poderoso.

PREÇO DA HONRA (IRLANDA NO INÍCIO DA IDADE MEDIA)

Durante grande parte dos primórdios de sua história, a situação da Irland.i


não foi muito diferente da de muitas sociedades africanas que examinamos
no capítulo anterior. A Irlanda era uma economia humana que se mantinha

220
• mim tavrlmente presa às bordas de uma economia comm i.il cm cxpan
Alt mi disso, eni certos períodos houve um comércio dc esi ravos bastante
éinit •* N.is palavras de um historiador, “a Irlanda nào tinha rlquc/as mi
nIn .is mercadorias estrangeiras de luxo eram compradas pelos reis irlan-
|*i liu ipalmente com dois produtos de exportação: gado e gente”.14Nào
|tti i iide, talvez, que gado e gente fossem as duas principais denominações
Htunl.i corrente. Todavia, na época em que surgem nossos primeiros regis-
lihioricos, por volta de 600 d.C., o tráfico de escravos parece não existir
r .1 própria escravidão era uma instituição em declínio, que sofria crí-
* ii wvrra da Igreja.15 Por que, então, ainda havia cumals sendo usadas como
UliUIrs de conta, para calcular dívidas que na verdade eram pagas em va-
t ui 1iit^.is, broches e outros objetos feitos de prata, ou, no caso de transações
IM* tu ires, em sacas de trigo ou aveia? E há uma pergunta ainda mais óbvia:
Moi i|iie mulheres? Havia muitos escravos homens na Irlanda antiga, embora
MlM|Mirm pareça nunca tê-los usado como dinheiro.
A maior parte do que conhecemos sobre a economia da Irlanda no início
tlii Idade Média vem de fontes legais - uma série de códigos de leis, redigidos
|nii uma poderosa classe de juristas, com data aproximada entre os séculos
vil r ix. Esses códigos, no entanto, são excepcionalmente ricos. Na época,
ijiiiiHC em sua totalidade, a Irlanda ainda era uma economia humana. Mas
Mmliém era bastante rural: as pessoas viviam em propriedades afastadas, de
»Maneira semelhante à dos tivs, plantavam trigo e criavam gado. As poucas
1111u eiit rações ao redor de mosteiros eram o que mais se parecia com cidades.
I provável que os mercados fossem totalmente inexistentes, exceto alguns
ijiii havia na costa - presumivelmente, mercados de escravos ou de gado
!»ri|uentados por navios estrangeiros.16
Em decorrência disso, o dinheiro era empregado quase exclusivamente
|mi .1fins sociais: presentes; tarifas pagas aos artífices, médicos, poetas, juizes
11 tistas; vários pagamentos feudais (os senhores davam presentes em gado
i»i is dependentes, que então tinham de supri-los com alimentos). Os auto-
irs dos códigos de lei nem sequer sabiam como avaliar e precificar a maior
parte dos produtos de uso cotidiano - cântaros, travesseiros, cinzéis, peda-
h is de bacon e similares; parece que ninguém algum dia tivera de pagar por

221
esses itens.1 Os alimentos eram divididos enire as lamíllas ou entregue» Ml
superiores feudais, que os distribuíam em banquetes suntuosos para .uui^ii
rivais e serviçais. Qualquer pessoa que prei is.issr de uma ferramenta, d.....
mobília ou de vestimentas procurava um parente que tivesse as liabilid.id
necessárias para confeccioná-las, ou pagava a alguém para fazê-las. C)s«>1')»»
tos em si nào eram vendidos. Os reis, por sua vez, atribuíam tarefas a dlIti» III
tes clàs: um devia lhe fornecer couro, o outro forneceria poetas, aquele <mi mi
forneceria escudos... justamente para evitar esses tipos de arranjos complu
dos é que mais tarde os mercados se desenvolveram.18
O dinheiro podia ser emprestado. Havia um sistema complexo de pM
nhores e fianças para garantir que os devedores pagassem o que deviam. Nd
entanto, esse sistema era usado principalmente para pagar multas. Essas mui
tas eram elaboradas de forma meticulosa nos códigos, mas o que chama d*
fato a atenção do leitor contemporâneo é o fato de serem cuidadosamcm»>
classificadas em níveis. O mesmo pode ser dito de quase todos os “código«
de leis bárbaras” - a gravidade das penalidades pelo menos tinha a ver tanlu
com a condição da vítima quanto com a natureza da ofensa mas apenas im
Irlanda as coisas eram estabelecidas de maneira tão sistemática.
A chave para o sistema era a noção de honra: literalmente, “face”.19Ahonrl
era a estima que se tinha aos olhos dos outros, ou seja, a honestidade, a intej.;i I
dade e o caráter, mas também o poder, no sentido da capacidade de protegei n
si mesmo, a própria família e seguidores, de qualquer tipo de degradação on
afronta. As pessoas que tinham o grau mais alto de honra eram literalmente
seres sagrados: sua pessoa e suas posses eram sacrossantas. Os sistemas cel
tas, no entanto, tinham algo bastante incomum - e o sistema irlandês levou
isso adiante mais do que qualquer outro: a honra podia ser precisamente
quantificada. Toda pessoa livre tinha seu “preço da honra”: o preço que
deveria ser pago pelo insulto à sua dignidade. Mas esse preço era variável.
O preço da honra de um rei, por exemplo, era de sete cumals, ou sete meninas
escravas - esse era o preço da honra-padrão para qualquer ser sagrado, o
mesmo que para um bispo ou um mestre da poesia. Uma vez que os paga
mentos geralmente não eram feitos com meninas escravas (como todas as
fontes se precipitam em informar), isso significa que, no caso de um insulto

222
■tyniil.idr de tuna pessoa, o sujeito terla de pagai coin ; i v.u .is Iriun.iN un
I mm' i l «le* ouro.20 O preço da honra de um camponls próspero eru duas
» t meia; de uin pequeno suserano, o mesmo mais meia va* a adic ion.il
Ifeii ».ul.i nm de seus dependentes livres - e como um senhor feudal, para
n iiiiu in er senhor, precisava ter pelo menos cinco dependentes, seu preço
ili pelo menos cinco vacas no total.21
• »preço da honra não deve ser confundido com o Wergeld - o preço real
Vida ile um homem ou de uma mulher. Quando se matava um homem,
ptytn .nn se como recompensa pela morte produtos que fossem equivalentes
p t Viili h de sete cumals, acrescidos do preço da honra por ter cometido uma
■IIhmüi i outra a dignidade da pessoa (matando-a). Vale notar que somente no
"lo rei o preço da honra e o preço de sangue eram o mesmo.
Itiinbém havia pagamentos por lesões: se se fere o rosto de um homem,
hk*)j.i se seu preço da honra mais o preço da lesão. (Um soco no rosto era,
Moi M/òes óbvias, particularmente grave.) O problema era como calcular as
H o rs, uma vez que elas variavam de acordo com o dano físico e a condição
tlrt (MNsoa ferida. Desse modo, os juristas irlandeses desenvolveram o recurso
ftiH» iilioso de medir diferentes ferimentos com diferentes variedades de grãos:
Min »<>rte no rosto do rei era medido em grãos de trigo, no rosto de um fazen-
tl» In» Importante, em aveia, no rosto de um pequeno proprietário de terras,
«!>• o,is em ervilhas. Pagava-se uma vaca para cada um deles.22 De maneira
1«mrlhante, se um sujeito roubasse, digamos, um broche ou um porco, teria
•I» jhigar três broches ou três porcos mais o preço da honra por ter violado a
|«i i »priedade da vítima. Atacar um camponês sob proteção de um senhor era o
nu sino que estuprar a esposa ou filha de alguém, uma violação não da honra
•In vítima, mas do homem que deveria ser capaz de protegê-las.
Por fim, era preciso pagar o preço da honra em caso de ofensa a uma pes-
tiui Importante: digamos, por expulsar alguém de um banquete, inventar um
r»jHlido particularmente constrangedor (pelo menos se o apelido se espalhasse)
mu humilhar a pessoa recorrendo à sátira.2’ O escárnio era uma arte refinada na
hl.inda medieval, e os poetas eram considerados quase mágicos: dizia-se que
um satirista talentoso era capaz de provocar a morte de ratos com a rima, ou
tu»mínimo fazer pústulas aparecerem no rosto das vítimas. Qualquer homem

223
escarnecido em púhlico 11.10 tri 1.1 c m o|Im rxi cio defendei .1 sua liom.i, r, II
Irlanda medieval, o valor dessa honra cra definido com precisão.
Devo notar que embora 21 vai as talw/. nao pareça 11111 valor muito eleVÉT
quando lidamos com reis, havia na Irlanda, na época, aproximadamente is< >t«i«t
A maioria tinha apenas cerca de 2 mil súditos, apesar de também havei 1114
provinciais de altíssima posição, para os quais o preço da honra era o dtli
bro.25 Além disso, como o sistema legal era totalmente separado do nisIciim
político, os juristas, em teoria, tinham o direito de rebaixar todo aquele l|M
clusive reis - que cometesse um ato desonroso. Se um nobre expulsasse um
homem digno de sua casa ou seu banquete, abrigasse um fugitivo ou c o i i i c m #
carne de uma vaca evidentemente roubada, ou caso se deixasse satiri/.m i*
não levasse o poeta ofensor à corte, seu preço poderia ser rebaixado pnr.i 11
de um plebeu. Mas o mesmo era válido para um rei que fugia de uma batalha,
abusava de seus poderes, era visto trabalhando nos campos ou se envolvi#
em tarefas abaixo de sua dignidade. Um rei que fizesse algo totalmente ultr.i
jante - como assassinar um parente, por exemplo - poderia perder todo ú
preço de sua honra, o que significava não que as pessoas poderiam dizer o
que quisessem sobre o rei sem medo de terem de recompensá-lo, mas que el»
não poderia ser fiador ou testemunha na corte, uma vez que o juramento v
a posição legal da pessoa também eram determinados pelo preço da honr.i
Isso não acontecia com frequência, mas acontecia, e a sabedoria legal fa/.i.i
sempre questão de lembrar que a lei valia para todos: a lista, contida em um
texto jurídico famoso, dos “sete reis que perderam seu preço da honra” foi
feita para garantir que ninguém se esquecesse de que não importa quão s.i
grada e poderosa fosse a pessoa, todos podiam cair.
Incomum sobre os códigos de lei irlandeses é o fato de explicarem tudo
com muita clareza. Isso se deve em parte a eles serem obra de uma classe de
especialistas legais que parece ter transformado a atividade quase em um.i
forma de entretenimento, dedicando horas e horas à elaboração de cada ra­
mificação possível dos princípios existentes, independentemente de haver ou
não alguma possibilidade real de o caso ir parar nos tribunais. Algumas cláu­
sulas são tão excêntricas (“se ferroado pela abelha de outro homem, pode-se
calcular a extensão do ferimento, mas, se a abelha foi esmagada no processo,

224
•I* *.» Nuhtrair o valor de reposição da abelha") que podemo* prcumpni
t» ii.io passam de simples piadas. Todavia, o resultado é que .1 lógU .1 moral
p •ii.i por trás de todo o código de honra formal é exposta aqui com uma
p i »1 idude espantosa. E quanto às mulheres? Uma mulher livre tinha como
M ^ in l.i honra exatamente 50% do preço de seu parente homem mais pró-
B flti (do pai, se vivo; se órfã de pai, do marido). Se ela fosse desonrada, seu
H ^ o n a pago ao parente. Quer dizer, exceto se ela fosse uma proprietária de
ItyH i independente. Nesse caso, seu preço da honra era o mesmo que de um
pttiinn, No entanto, se ela fosse uma mulher de costumes fáceis, seu preço da
p iin .1 seria zero, pois ela não teria honra que pudesse ser insultada. E quanto
p t i tis.uncnto? O pretendente pagava o preço da honra da esposa para o pai

f
tl.i • se tornava assim seu guardião. E quanto aos servos? O mesmo prin-
, ||iio sc aplicava: quando um soberano adquiria um servo, ele comprava o
Mn v >cia honra daquele sujeito, presenteando-o com o equivalente em vacas.
|Mi|uele momento em diante, se alguém insultasse ou ofendesse o servo, o
fll" cru visto como uma afronta à honra do soberano, e cabia a ele coletar a
lANti tio criado. Enquanto isso, o preço da honra do soberano subia como
1»Miltado da acumulação de mais um dependente: em outras palavras, ele
llln.ilinente absorvia a honra de seu novo vassalo.26
Ilido isso, por sua vez, nos possibilita entender tanto algo da natureza da
In m u .1 quanto a razão de as meninas escravas serem mantidas como unidade
tli .iv.iliaçào de dívidas de honra mesmo em uma época em que - sem dú-
»iil.i devido à influência da Igreja - elas não mais passavam de mão em mão.
A |*r nneira vista parece estranho que a honra de um nobre ou de um rei fosse
llicdida em escravos, uma vez que escravos eram seres humanos cuja honra
11*10tinha valor. Mas, se a honra for fundamentada na capacidade de extrair a
In >nra dos outros, faz todo sentido. O valor de um escravo é o valor da honra
ijiic lhe foi extraída.
Algumas vezes, nos deparamos com um único detalhe acidental que
1ui rega todo o jogo. Nesse caso, o detalhe não vem da Irlanda, mas do Có-
tlivjo Dimetiano em Gales, escrito algum tempo depois, mas que mantinha
ijii.ise os mesmos princípios. Em determinado ponto, depois de listar as hon-
1.is devidas a instituições que se equiparavam a “sete santas sés” do reino de

225
Dyfed, cujos bispos e abades ei.im .is 11 i. il m a s m.iis elevadas e sagnidiitfl
reino, o texto especifica que “aquele que tirar sangue de um abade de <|im|É
quer sedes principais supramencionadas, deve pagar sete libras; e que mtfl
de suas parentas deve tornar-se lavadeira, como desgraça à família, e si iVfl
como lembrança do pagamento do preço da honra”.27
As lavadeiras eram as servas mais inferiores, e quem se tornasse I.iv.mMA
dessa maneira teria de servir por toda a vida. Elas eram, na verdade, redu/ iilflfl
à escravidão. Sua desgraça permanente era a restituição da honra do a k u lJ
Embora não saibamos se havia alguma instituição semelhante subjacenir ui
hábito de avaliar em escravas a honra de seres “sagrados” irlandeses, o pt lt|
cípio é claramente o mesmo. A honra é um jogo de soma zero. A capat lilml»
do homem de protegeras mulheres de sua família é parte essencial da honrt
Portanto, forçá-lo a entregar uma mulher para servir como criada e exec iiUf
afazeres humilhantes na casa de outra pessoa é um golpe definitivo para mm
honra. Isso, por sua vez, torna-se a reafirmação suprema da honra de quem
a leva embora.

O que faz das leis irlandesas medievais algo tão peculiar, quando vistas d*
nossa perspectiva, é o fato de seus expoentes não se sentirem nem um potuu
desconfortáveis em estabelecer um preço fixo para a dignidade humana. Pau
nós, a ideia de que a santidade de um padre ou a majestade de um rei pu
dessem equivaler a 1 milhão de ovos fritos ou a 100 mil cortes de cabelo í
simplesmente bizarra. E exatamente isso que deve ser considerado para além
de toda possibilidade de quantificação. Se os juristas irlandeses medievais
não pensavam de outra maneira era porque as pessoas da época não usavam
dinheiro para comprar ovos ou cortes de cabelo.28O fato de ainda se tratar di­
urna economia humana, na qual o dinheiro era usado para propósitos sociais,
possibilitou a criação de um sistema tão intricado em que era possível não só
medir, mas somar e subtrair quantias específicas da dignidade humana - e,
assim, isso ilumina a verdadeira natureza da honra.
A pergunta óbvia passa a ser esta: o que acontece com uma economi.i
desse tipo quando o mesmo dinheiro usado para medir a dignidade começa

226
létiiilo para comprar ovos e cortes de cabelo? Como revela .1 hlmórla dii
Mrsopotômia e tio mundo mediterrâneo, o resultado foi uma pro
| • duradoura - crise moral.

I t t n i l A M IA ( o r i g e n s d o p a t r i a r c a d o )

fcjlt* la antiga, a palavra usada para designar “honra” era time. Na época
}<Minero, o termo parece ter sido empregado à maneira do termo irlan-
ÉH\o da honra”: referia-se tanto à glória do guerreiro quanto à com-
Uih paga no caso de lesões ou ofensas. Contudo, com o advento dos
«• .11los nos séculos posteriores, o significado da palavra time começou a
itl.11 IV>r um lado, ela passou a designar “preço” - como o de algo que se
mi»| 0.1 no mercado. Por outro, ela se referia à atitude de completo desdém
M m mercados.
Nti verdade, esse continua sendo o caso hoje em dia:

Na Cirécia, a palavra “time” significa honra, vista tipicamente como o valor


mais importante nos povoados gregos. A honra costuma ser caracterizada
na Cirécia como uma generosidade extrema e um desprezo gritante por
(Alculos e custos monetários. Contudo, a mesma palavra também significa
"preço”, como no preço de meio quilo de tomates.29

A palavra “crise” refere-se literalmente a uma encruzilhada: é o ponto


I m que nos deparamos com dois caminhos diferentes. O estranho sobre a
•1ise nesse conceito de honra é que ele nunca parece ter sido resolvido. Se-
fld .1 honra o desejo de pagar as dívidas monetárias? Ou seria o fato de nào
II msiderá-las tào importantes? Parece ser as duas coisas ao mesmo tempo.
Também há a questão sobre o que os homens de honra realmente
.it liam importante. Quando pensamos no senso de honra de uma aldeia no
Muliterrâneo, a maioria de nós tem em mente menos uma atitude casual
para com o dinheiro que a obsessão pela virgindade antes do casamento.
A honra masculina está menos na capacidade do homem de proteger as

227
mulheres de sua tanulia e mais na »a |..... ladc de |>i«»1i >;t i sua m pulu^l
sexual, de responder a qualquer sugesiAo de mdei éni ia por parle de sua mAgi
esposa, irmà ou filha, como se isso fosse um ataque físico direto à sua p< imm
Trata-se de um estereótipo, e não totalmente injustificado. Um hisioi l,i<l<
que estudou registros policiais de cinquenta anos sobre brigas de fui .11 mi
século xix, na jônia, descobriu que quase todas elas começavam depoln ild
uma das partes declarar publicamente que a mulher ou a irmã da out 1 . 1 1m i l*

era prostituta.30
Então, por que essa repentina obsessão pela decência? Ela não puir* *
existir nas fontes galesas ou irlandesas. Lá, a maior humilhação era vn >«114
irmã ou filha ser reduzida a serviçal de lavanderia de outra pessoa. O que itâf
então, no surgimento do dinheiro e dos mercados que torna os homens lAu
incomodados em relação ao sexo?31
Essa é uma pergunta difícil, mas, pelo menos, pode-se imaginarcoimi
a transição de uma economia humana para uma economia comercial pode
ria provocar certos dilemas morais. O que acontece, por exemplo, quand<»«1
mesmo dinheiro para arranjar casamentos e resolver questões de honra p» >di»
ser usado para pagar serviços de prostitutas?
Como veremos, há motivos para acreditar que nessas crises moui>
encontramos a origem não só das nossas concepções atuais de honra, mui
também do próprio patriarcado. Tal afirmação é verdadeira se, pelo menoi»,
definirmos “patriarcado” em sentido estrito, como apresentado no livro dn
Gênesis: o governo dos pais, com todas as imagens conhecidas de homem
barbados e carrancudos vestidos com mantos, observando de perto suas e*«
posas e filhas isoladas, enquanto seus filhos ficavam de olho nos rebanho*
e manadas.32 Os leitores da Bíblia sempre entenderam que havia algo dr
primordial nisso tudo; que essa simplesmente era a forma como o povo dn
deserto, e portanto os primeiros habitantes do Oriente Próximo, se compoi
tava. E por isso que a tradução do sumério, na primeira metade do século xx,
foi um pouco impactante.
Nos textos sumérios mais antigos, particularmente os que datam de
3000 a.C. a 2500 a.C., as mulheres estão em todos os lugares. As históri.is
antigas não só registram o nome de diversas governantes do sexo feminino,

228
■m* tninbéin ilcixam clato que não poucas mulheres exerciam a prolinaAo
WL MUilit o, mercador, escriba e autoridade pública, e, de modo geral, eram
para assumir papéis em todos os aspectos da vida pública. NAo po
■Ihmhi falar em plena igualdade de gênero: os homens ainda eram mais
■fllMMHm os que as mulheres em todas essas áreas. No entanto, temos uma
■0*1,1 de sociedade não muito diferente da que prevalece em boa parte do
Bjttniiilo i ontemporâneo. Ao longo dos mil anos seguintes mais ou menos,
I I ihIi i muda. O lugar das mulheres na vida cívica sofre uma erosão: pouco
[ #| mu o começa a se modelar um padrão mais familiar de patriarcado, com a
I ftiliiw na castidade e na virgindade pré-nupcial, com o enfraquecimento e,
Mm hm. o desaparecimento completo de seu papel no governo e nas profis-
tfli«liberais, e a perda do status legal de independência das mulheres, que
ftt iMiislormam em tuteladas dos maridos. No final da Idade do Bronze, por
f Mi>i de 1200 a.C., começamos a ver um grande número de mulheres seques-
iMtl.is para servir em haréns e (pelo menos em alguns lugares) obrigadas a
l|lM nbrircom véus.
Na verdade, isso parece refletir um padrão mundial muito mais amplo.
Pmm.i s pessoas que preferem encarar o avanço da ciência e da tecnologia, o
| «i limulo de conhecimento e o crescimento econômico - “o progresso hu-
Miiiiio", como gostamos de dizer -, como algo que leva necessariamente a
Mina liberdade humana maior, sempre foi um tanto escandaloso o fato de
ijiiri, para as mulheres, parece acontecer geralmente o oposto. Ou, pelo me-
iii iy é o que tem acontecido nos últimos tempos. Uma restrição gradual
irmelhante em relação às liberdades das mulheres pode ser observada na
liulla e na China. A questão óbvia é: por quê? No caso sumeriano, a expli-
m^iU) clássica tem sido a gradual infiltração de criadores de ovelhas dos
tli'Hcrtos circundantes, que, presumivelmente, sempre tiveram costumes
niiiis patriarcais. Afinal de contas, havia apenas uma faixa de terra ao longo
ili»s rios Tigres e Eufrates capaz de suportar trabalhos intensos de irrigação
I t\ desse modo, vida urbana. Assim, desde os tempos antigos essa civiliza-
i foi cercada por pessoas do deserto, que viviam de forma bem parecida
’ u»n a descrita no livro do Gênesis e falavam as mesmas línguas semíticas,
li verdade inegável que, com o passar do tempo, a língua sumeriana foi

229
gradualmente substituída primeiro pelo an .»dlano, depois pelo amo»W
mais tarde pelas línguas aramaicas e, por lim, pelo árabe, que tam bém I*
levado para a Mesopotâmia e para o Levante pelos c riadores de gado dofl
serto. Por mais que tudo isso, obviamente, também tenha acarretado miiiliiit
ças culturais profundas, a explicação não é de todo satisfatória.1’ Pare< c >|ili
antigos nômades quiseram se adaptar à vida urbana de diferentes manelhM
Por que não a essa? Além disso, trata-se em grande medida de uma expHc -MM
local que na verdade não ajuda a entender o padrão mais amplo. Os e s t u e «
feministas tentaram enfatizar o crescente número de guerras, a imporiAit
cia social que adquiriram, e, em decorrência delas, a centralização cada v«*#
maior do Estado.34 Essa explicação é mais convincente. Com efeito, quaniu
mais militarista o Estado, mais duras tendem a ser suas leis em rela^.»«» A«
mulheres. Mas eu acrescentaria outro argumento. Como enfatizei, em termo»
históricos, a guerra, os Estados e os mercados tendem todos a se alimenta»
uns dos outros. Conquistas levam a impostos. Impostos tendem a ser manei
ras de criar mercados, que são convenientes para soldados e administrado
res. No caso específico da Mesopotâmia, tudo isso desencadeou uma rela«,dn
complexa, culminando em uma explosão da dívida que ameaçou transformai
todas as relações humanas - e, por extensão, o corpo das mulheres em
potenciais mercadorias. Ao mesmo tempo, ocorreu uma reação terrível por
parte dos vencedores (homens) do jogo econômico, os quais, com o tempo,
se sentiram forçados a fazer tudo que era possível para deixar claro que suas
mulheres não poderiam, de modo nenhum, ser compradas ou vendidas.
Uma olhada no material existente sobre os casamentos na Mesopotâmia
nos dá uma pista sobre como isso pode ter acontecido.
E de conhecimento comum da antropologia que a riqueza da noiva tende
a ser típica de situações que envolvem uma população pequena, para a qual
a terra não é um recurso particularmente escasso e, portanto, a política con­
siste no controle do trabalho. Onde a população é densa e a terra, escassa, a
tendência é encontrar o dote: acrescentar uma mulher à unidade familiar é ter
mais uma boca para alimentar, e espera-se que o pai da noiva, em vez de rece­
ber um pagamento, contribua com alguma coisa (terra, riquezas, dinheiro...)
para ajudar a manter a filha em sua nova casa.35 Na época dos sumérios, por

230
inplu. o prini ipal paga mento leito no matrimónio er.i uma glande i|ii.m
mil ilo alimentos cedida que o pai do noivo entregava ao pai il.i noiva, a
»ili pioporcionar um banquete suntuoso para o casamento.‘f’ Nao muito
Slpoilepois, porém, essa prática parece ter se dividido em dois pagamentos.
.1.11erimônia, outro para o pai da mulher, calculados - e geralmente
M l |mi

Hy«i* em prata.57 Parece que muitas vezes o dinheiro ficava com as mu-
p i h s i k as: pelo menos, muitas pareciam usar braceletes e tornozeleiras de
PM!» «le valor idêntico.
Nu entanto, com o passar do tempo, esse pagamento, chamado terhatum,
|i«nn\ou a assumir as qualidades de uma simples compra. Ele era chamado
^ pagamento de uma virgem” - não como mera metáfora, uma vez que
ii .liil»>ramento ilegal de uma virgem era considerado crime contra a proprie-
il.nl« tio pai dela.i8 Referia-se ao matrimônio como “tomar posse” de uma
MmiIIht. a mesma expressão usada para a apreensão de bens.39 Em princípio,
MUMesposa, uma vez possuída, devia obediência estrita ao marido e muitas
h n s não podia pedir o divórcio, mesmo em caso de violência física.
Para as mulheres que tinham pais ricos e poderosos, tudo isso era apenas
ihim questão de princípios, com consideráveis modificações na prática. Era
h nimm que filhas de mercadores, por exemplo, recebessem um dote substan-
»liil em dinheiro vivo, com o qual elas poderiam montar um negócio próprio
mi atuar como parceiras dos maridos. Entretanto, para os pobres-ou seja, a
«it.il«iria o casamento passou a lembrar, cada vez mais, uma simples tran-
i«i«,.lo em dinheiro.
Parte disso talvez se deva ao efeito da escravidão: por mais que escravos
•li lato não fossem muito numerosos, a própria existência de uma classe de
pessoas sem familiares, tratadas como meras mercadorias, fazia diferença.
I m Nuzi, por exemplo, “o preço da noiva era pago em animais domésticos
i prata, somando um total de quarenta siclos de prata” - ao que o autor iro-
nit .imente acrescenta: “Há indícios de que equivalesse ao preço de uma me­
nina escrava”.40Talvez aqui a questão tenha ficado inconfortavelmente óbvia.
também em Nuzi, de onde por acaso temos registros incomuns por seu
iletalhamento, que encontramos exemplos de homens ricos que adotavam
lillias de famílias pobres, pagando por elas um “preço da noiva” reduzido,

231
quando na verdade* elas seriam mantidas como toneubinas ou amas me*
ou casadas com um dos escravos da íamilia.41
Ainda assim, o fator realmente crítico aqui era a dívida. Como alii mdl
no capítulo anterior, os antropólogos têm há muito enfatizado que
riqueza da noiva não é o mesmo que comprar uma esposa. Afinal de c o iiu l
- e esse foi um dos argumentos decisivos, vale lembrar, do debate original *1»-
1930 da Liga das Nações se um homem estivesse de fato comprando iiiiid
mulher, ele também não seria capaz de vendê-la? Está claro que os mai idofj
africanos e melanésios não vendiam suas esposas para terceiros. Qu.i 11<li|
muito, eles as mandavam embora e pediam de volta a riqueza da noiva.0 1
Na Mesopotâmia, os maridos também não podiam vender suas espe >•..«%(]
Quer dizer, normalmente não. Porém, tudo mudava no momento em que elp|]
tomavam um empréstimo. Nesse caso, era perfeitamente legal - como vinn
- usar esposa e filhos como garantia, e, se o pagamento não fosse feito, esii *
podiam ser levados como peões por dívida da mesma maneira que se la/l.»
com escravos, cabras e ovelhas. Isso também significava que honra ecréd 11••
se tornaram de fato a mesma coisa: pelo menos para um homem pobre, ti
credibilidade advinha justamente do controle que ele tinha sobre a propr Ir
dade, e (o outro lado da questão, por assim dizer) as relações de autoridade
domésticas - relações que, em princípio, envolviam a responsabilidade pai .1
com proteção e cuidado - tornaram-se direitos de propriedade que podiam
de fato, ser comprados e vendidos.
Para os pobres, repito, isso significava que os familiares se tornaram mn
cadorias que podiam ser alugadas ou vendidas. As tábuas de Nuzi revelam
que, além de se poder dispor das próprias filhas como “noivas” para trab.i
lhar na casa de homens ricos, agora também era possível alugar familiares
fazendo um empréstimo: há casos registrados de homens que entregaram
os filhos ou as esposas como “peões” como garantia de empréstimos que, 11.1
verdade, eram apenas o pagamento adiantado pelo emprego na fazenda ou
na oficina de roupas do emprestador.43
A crise mais dramática e duradoura centrou-se na prostituição. Na ver­
dade não está totalmente claro, pelas fontes, se podemos de fato falar em
“prostituição” no período antigo. Os templos sumérios parecem ter abrigado

232
M variedade de atividades sexuais. Algumas saierdolisas, poi exemplo,
mti t onsideradas casadas com os deuses, ou dedicadas a eles. (> m^iiiIi
Iim Iisso na prática parece ter variado consideravelmente. I )e maneira se
lli.mie às posteriores devadasis, ou “dançarinas do templo”, na índia hindu,
permaneciam celibatárias; outras tinham permissão para se casar,
*•n.U»para ter filhos; de outras se esperava que encontrassem protetores ri­
to h tf nando-se cortesãs da elite. Outras ainda viviam nos templos e tinham
u iponsabilidade de se disponibilizar sexualmente para os adoradores em
1« i minadas ocasiões rituais.44 Os textos antigos deixam claro que todas
«iih mulheres eram consideradas extremamente importantes. Em um sen-
11**bem real, elas eram a personificação suprema da civilização. Afinal de
M*iii.is, todo o mecanismo da economia suméria aparentemente existia para
ilrtl Miporte aos templos, que eram considerados as moradias dos deuses.
• nino tais, eles representavam o que se poderia obter de mais requintado em
Intl.», da música e dança à arte, à culinária e às graciosidades da vida. As sa-
11 nlotisas do templo e as esposas dos deuses eram as encarnações humanas
HMtlmas dessa vida perfeita.
làmbém é importante enfatizar que os homens sumerianos não pare-
11 m, pelo menos nesse período inicial, ter se perturbado com a ideia de suas
|l m.is fazerem sexo por dinheiro. Pelo contrário, uma vez que a prostituição
•li lato ocorria (e, lembre-se, ela pode não ter sido nem de longe uma relação
kiseada na impessoalidade e no pagamento em dinheiro em uma econo-
ini.i de crédito), os textos religiosos sumértos a listam entre as característi-
. .is fundamentais da civilização humana, um presente dado pelos deuses na
.11nora dos tempos. O sexo para a procriação era considerado natural (afinal
•1« contas, os animais o faziam). O sexo não procriador, o sexo por prazer,
ri.i divino.45
A expressão mais famosa dessa identificação entre prostituição e civili-
/iiçtlo pode ser encontrada na história de Enkidu, na epopeia de Gilgamesh.
No começo da narrativa, Enkidu é um monstro - um “homem selvagem”, nu
f feroz, que pasta com as gazelas, toma água no bebedouro junto com o gado
• .iterroriza as pessoas da cidade. Incapazes de derrotá-lo, os cidadãos final­
mente mandam até ele uma cortesã que também é sacerdotisa da deusa Ishtar.

233
Ela sc despe diante dele e os dois fa/em amot por seis dias e sete noites. I >o|m
disso, os animais que costumavam acompanhar hnkidu fogem dele. A|»o*
sacerdotisa explicar que ele adquirira sabedoria e se tornara alguém corno uilf
deus (ela, afinal de contas, é uma consorte divina), Enkidu concorda em ven|||
roupas e ir morar na cidade como um ser humano decente e civilizado.4*
Todavia, já é possível encontrar certa ambivalência na primeira versa» •<U
história. Muito tempo depois, Enkidu é sentenciado à morte pelos deuseii, $
sua reação imediata é condenar a cortesã por tc-lo retirado do mundo selv
gem: ele a amaldiçoa para que se torne uma prostituta de rua ou taberncii ,t
vivendo entre os bêbados, violentada e espancada pelos clientes. Depois, elo
se arrepende de seu comportamento e, em vez de amaldiçoá-la, abençn.i ,i
Mas esse resquício de ambivalência existia desde o princípio e, com o passar
do tempo, ficou mais poderoso. Desde os tempos primordiais, os templo«
sumérios e babilónicos eram rodeados de provedores e provedoras multo
menos glamorosos de serviços sexuais - com efeito, pelo que sabemos, eram
o centro de verdadeiros distritos da luz vermelha, cheios de tabernas com
dançarinas, homens vestidos de mulher (alguns escravos, alguns fugitivo-.)
e uma variedade quase interminável de prostitutas. Há uma terminoloj,;!.!
infinitamente elaborada de tipos de trabalhadores sexuais cujas sutilezas s<
perderam há muito tempo para nós. A maioria das pessoas nesses locais
parecia ter duas atividades ao mesmo tempo, uma delas na área artístu.i
taberneiros também atuavam como músicos; homens travestidos não eram
apenas cantores e dançarinos, mas também se apresentavam como atirador es
de facas. Muitos eram escravos enviados para trabalhar ali por seus senhores,
mulheres que cumpriam votos religiosos ou pagavam dívidas, servas ou, .1
propósito, mulheres que fugiram da servidão por dívida e não tinham mais
para onde ir. Com o tempo, muitas das mulheres consideradas inferiores
que moravam nos templos também eram levadas como escravas ou servas
por dívida, e não raro havia uma mistura de papéis entre sacerdotisas que
executavam rituais eróticos e prostitutas pertencentes ao templo (e assim,
em princípio, aos deuses), muitas vezes alojadas no próprio complexo reli-
gioso e cujos ganhos se somavam aos tesouros do templo.47 Como a maio­
ria das transações diárias na Mesopotâmia não era feita em dinheiro vivo,

234
■iM iiiiiiiM >s que o mesmo atonlec ia com as prostituías i m iinas I alternei
lm multas ilas quais eram, ao que parece, ex-prostitutas, elas desenvolviam
MK"< s de crédito duradouras com seus clientes, e isso pode signilii arque na
'i la eram menos parecidas com prostitutas de rua e mais com cortesãs.4*
»»m ui assim, a origem da prostituição comercial parece estar marcada por
IHiM mistura peculiar de práticas sagradas (ou que haviam sido sagradas),
||tim» i* io, escravidão e dívida.

11 pal i iarcado” se originou, antes de tudo, da rejeição das grandiosas civiliza-


«,••• ■. urbanas em nome de um tipo de pureza, de uma reafirmação do controle
|mi11 uai sobre cidades como Uruk, Lagash e Babilônia, vistas como lugares de
I m iio « ratas, comerciantes e prostitutas. As regiões pastoris mais marginais, os
»1» .t i t<>s e as estepes distantes dos vales dos rios eram os lugares para onde fu-
gliim os fazendeiros endividados e desalojados. A resistência, no antigo Oriente
Mi«lio, estava sempre mais relacionada com uma política do êxodo do que
i um a de rebelião, com desaparecer levando consigo os próprios rebanhos
» Imi tílias - antes de estes serem tomados.49Sempre havia pessoas de origem
iiik il vivendo nas margens. Em épocas propícias, elas se dirigiam às cidades;
nu cpocas ruins, moravam com os refugiados - fazendeiros que, efetivamente,
vi »liaram a ser Enkidus. Então, periodicamente, uns e outros criavam as pró-
Io ias alianças e tomavam de novo as cidades como conquistadores. E difícil
ili/cr como viam a própria situação, porque é somente no Antigo Testamento,
»*•( i ito numa região do outro lado do Crescente Fértil, que encontramos um
iryistro do ponto de vista dos pastores rebeldes. Mas não há coisa alguma nesse
lelato que amenize a sugestão de que a ênfase extraordinária na autoridade
ai »soluta dos pais e na proteção zelosa de suas caprichosas mulheres foi pos-
•alúlitada por essa mesma mercadorização das pessoas nas cidades que eles
unham abandonado - e era ao mesmo tempo um protesto contra ela.
Os livros sagrados da nossa história - o Antigo e o Novo Testamento,
Alcorão, a literatura religiosa da Idade Média até a época atual - ecoam a
voz dessa rebelião, combinando o desprezo pela vida urbana corrupta, a des-
( onfiança a respeito do comerciante e, muitas vezes, uma misoginia intensa.

235
Basta pensarmos na imagem da propi la H.ihllónia, (|ue se alojou de in an
permanente na imaginação coletiva nao só como berço da civilização m
também como a terra das prostitutas. I leródoto ecoou lantasias gnyas pof
lares quando afirmou que cada donzela da Babilônia era obrigada a se pnif
tuir no templo para arrecadar o dinheiro de seu dote.50No Novo Tesiameitlf
São Pedro se referiu algumas vezes a Roma como “Babilônia”, e o Apoi .illp
contém talvez a imagem mais vívida do que ele queria dizer com isso t|i i.iimI
fala da Babilônia, “a grande prostituta”, sentada “sobre uma besta es» .ul.il
cheia de títulos blasfemos”:

A mulher estava vestida com púrpura e escarlate, adornada de ouro, p<. li n


preciosas e pérolas; e tinha na mão um cálice de ouro cheio de abomin.it,ntf®
eram as impurezas da sua prostituição.
Sobre a sua fronte estava escrito um nome misterioso: “Babilóm<i, |
Grande, a mãe das prostitutas e das abominações da terra”.51

Essa é a voz do ódio patriarcal à cidade e a furiosa voz milenar dos p.ii*
dos antigos pobres.
O patriarcado, como o conhecemos, parece ter tomado forma em um.i
oscilante batalha entre as novas elites e os recém-despossuídos. Grande pai i»
da análise que faço aqui é inspirada na obra brilhante da historiadora feml
nista Gerda Lerner, que, em um ensaio sobre as origens da prostituição, oh
servou:

Outra fonte de prostituição comercial foi a pauperização dos fazendeiro»


e sua dependência cada vez maior de empréstimos para sobreviver a pe­
ríodos de penúria, o que levou à escravidão por dívida. Filhos e filhas eram
entregues como garantia de dívida, ou vendidos para “adoção”. A prosti
tuição de familiares do sexo feminino para o benefício do chefe da família
pode ter se desenvolvido rapidamente a partir dessas práticas. As mulheres
se tornariam prostitutas porque seus pais tinham de vendê-las como es­
cravas ou porque seus maridos empobrecidos assim fariam. Ou elas traba­
lhariam como prostitutas por conta própria como derradeira alternativa à

236
»<mravi/ação. Com sorte, nessa profissão, elas podei i.im .is» emlei im cm aLi

I *»h lal tornando-se concubinas.


I m meados de 2000 a.C. a prostituição estava bem estabelecida como
(tiovavel ocupação para as filhas dos pobres. À medida que o controle sexual
«Itts mulheres da classe proprietária se tornou mais sólido, a virgindade de fi-
llius respeitáveis se tornou um bem financeiro para a família. Assim, a pros-
III ulçào comercial passou a ser vista como imperativo social para atender às
tici essidades sexuais dos homens. Entretanto, como distinguir de maneira
»Iara c permanente entre mulheres respeitáveis e não respeitáveis continuou
Hcndo uma questão problemática.

I.sse último ponto é fundamental. Lerner observa que a mais dramática


IlHiMtlva conhecida de resolver o problema é encontrada em um código de
do período Assírio Médio, estabelecido entre 1400 a.C. e 1100 a.C., que
lunibém é a primeira referência conhecida sobre o uso de véus no Oriente
M» .110 e também, destaca Lerner, o primeiro documento a responsabilizar
111 dailo pelo controle das fronteiras sociais.52Não surpreende que isso tenha
Ui •ntccido sob a autoridade do Estado talvez mais notoriamente militarista
ili iodo o antigo Oriente Médio.
() código faz uma distinção clara entre cinco tipos de mulheres. Mu-
II11 ics respeitáveis (casadas ou concubinas), viúvas e filhas de assírios livres
' ilrvem se cobrir com um véu” quando saem às ruas. Prostitutas e escravas (e
»•ui re as prostitutas agora estão incluídas as servas solteiras do templo, bem
11imo simples meretrizes) não podem usar véus. O que há de notável nessas
li ls e que o código não especifica punições contra as mulheres respeitáveis
1|mc não usam véus, mas sim contra prostitutas e escravas que o usam. As
prostitutas receberiam cinquenta bordoadas em público e seria derramado
|i|i he em sua cabeça; as escravas teriam as orelhas cortadas. Homens livres
i |hc tivessem encorajado as impostoras também seriam surrados e teriam de
1iimprir um mês de trabalho forçado.
Presumivelmente, no caso das mulheres respeitáveis, entendia-se que a
In losse autoaplicável: afinal, que mulher respeitável gostaria de sair às ruas
disfarçada de prostituta?

237
Quando falamos cm mulheres "respeitáveis'’, cni.io, estamos nos n I
rindo àquelas cujos corpos n.io poderiam. sol> nenhuma circunstaiu l.i, t
comprados ou vendidos. Suas figuras íis u .is u a m c s m n d id a s e pci m.m i'|f
temente relegadas à esfera doméstica de algum homem; quando aparei Im
de véu em público, elas continuavam claramente movendo-se nessa esfcitf,L
As mulheres que podiam ser trocadas por dinheiro, por outro lado, devei laut
ser de imediato reconhecidas como tais.
O código de leis assírio é um exemplo isolado; os véus certamente na.. ■»»
tornaram obrigatórios em todos os lugares depois de 1300 a.C. Contudo, «l?
nos ajuda a entender os desenvolvimentos que aconteceram, embora desigual*
e até mesmo irregulares, naquela região, impulsionados pela interseção de 1im
mércio, classe, agressivas defesas de honra masculina e a constante ameaça de
deserção dos pobres. Os Estados parecem ter desempenhado um complexo#
ambivalente papel, simultaneamente promovendo a mercadorização e iniei
vindo para amenizar seus efeitos: impondo as leis da dívida, os direitos do pat
e oferecendo anistias periódicas. Mas a dinâmica também levou, com o p assar
dos milênios, a um rebaixamento sistemático da sexualidade, que deixou d»
ser uma dádiva divina e a encarnação do refinamento civilizado e passou .1set
associada à degradação, à corrupção e à culpa.

Acredito que temos aqui a explicação para o declínio geral das liberdades da*,
mulheres que pode ser observado em todas as grandes civilizações urbanas
em quase toda a sua história. Em todas elas aconteceram situações similares,
mesmo que, em cada caso, as peças se juntem de maneiras diferentes.
Ao longo da história, a China, por exemplo, foi o palco de campanhas g<>
vernamentais contínuas e em grande parte malsucedidas para erradicar tanto
o preço da noiva quanto a servidão por dívida, e escândalos periódicos sobre
a existência de “mercados de filhas”, incluindo a venda definitiva de meninas
como filhas, esposas, concubinas ou prostitutas (a critério do comprador)
continuam ocorrendo até hoje.54 Na índia, o sistema de castas permitia que
as diferenças reais êntre ricos e pobres se tornassem mais formais e explíci­
tas. Os brâmanes e outros membros das castas superiores isolavam, zelosos.

238
•ii.li lilhus e as casavam com pródigos dotes, enquanto as casta* mais bal
l*i .iiu avam o preço da noiva, permitindo que membros das i ast.is mais
- ("duas vezes nascidos”) zombassem deles por venderem suas filhas. Os
vey.es nascidos”, do mesmo modo, tinham ampla proteção para que não
0-1mt«ssem na servidão por dívida, enquanto para a maioria dos pobres nas
fctii.r. nirais a dependência da dívida era institucionalizada, sendo as filhas
n * devedores, previsivelmente, muitas vezes despachadas para bordéis ou
H h .i i ozinha e a lavanderia dos ricos.55 Em todo caso, entre a força da mer-
tmltirly.ação, que recai desproporcionalmente nas filhas, e a força contrária
|j* quem tenta reafirmar os direitos patriarcais de “proteger” as mulheres de
jMtrtl<|iier sugestão de que elas poderiam ser transformadas em mercadoria, as
III" idades formais e práticas das mulheres parecem ter sido, pouco a pouco e
. ui i vez mais, restringidas e eliminadas. Em consequência disso, as noções de
puna lambém mudaram e se tornaram um tipo de protesto contra as impli-
» Hi. «m s do mercado, ainda que, ao mesmo tempo (como no caso das religiões
Ittiimliais), tenham passado a ecoar a lógica de mercado em infinitos aspectos.
( ontudo, em nenhum lugar nossas fontes são tão ricas e detalhadas
•jiMiiio na Grécia antiga, em parte porque a economia comercial chegou lá
multo tarde, quase 3 mil anos depois da Suméria. Por isso, a literatura grega
•I r.sit. a nos dá uma oportunidade única de observar a transformação como
•l.i de fato aconteceu.

i.llfí IA ANTIGA (HONRA E DIVIDA) '

11 mundo das epopeias homéricas é dominado por guerreiros heroicos que


ilrsdcnham o comércio. Em muitos aspectos, lembra visivelmente a Irlanda
medieval. O dinheiro existia, mas não era usado para comprar nada; homens
importantes viviam em busca da honra, que ganhava a forma material em se-
yuldores e tesouros. Os tesouros eram dados como presentes, obtidos como
prêmios, tomados nos saques.56 Sem dúvida, foi assim que a palavra grega
ume passou a significar tanto “honra” quanto “preço” - em um mundo assim,
parecia não haver contradição entre os dois termos.57

239
Tudo isso mudaria dramutii aiucnlc quando os mercados com«n 14

começaram a se desenvolver, duzentos anos depois. A cunhagem k"'»!1' I'


rece ter sido usada, a princípio, sobretudo para pagar a soldados v <|iill
multas e taxas. Também seria para o governo fazer e receber pagamnili
Por volta de 600 a.C., entretanto, praticamente cada cidade-Estado gic
já produzia as próprias moedas como sinal de independência. Não drm«
rou muito, contudo, para que as moedas se tornassem de uso comum im
transações cotidianas. Por volta do século v, nas cidades gregas, a íig o f
lugar de discussões e assembleias públicas, também funcionava como pui
do mercado.
Um dos prim eiros efeitos da chegada da economia comercial foi nitt
série de crises da dívida, como as que já eram conhecidas havia muito temp
na Mesopotâmia e em Israel. “Os pobres”, como registra sucintamente Ai I*
tóteles em Constituição de A tenas, “junto de suas esposas e crianças, emiM
escravizados pelos ricos.”58 Surgiram facções revolucionárias exigindo anh
tias, e muitas cidades gregas foram, pelo menos por um tempo, tomadas pol
fortes líderes populistas que se esgueiraram para a política em parte devido
à necessidade de uma redução radical das dívidas. A solução encontrail.i
pela maioria das cidades, porém, foi bem diferente da do Oriente Médio. I 111
vez de institucionalizarem anistias periódicas, as cidades gregas tendiam .1
adotar leis que limitavam ou aboliam totalmente a servidão por dívida, r
então, para evitar crises futuras, elas se dedicavam a políticas expansionis
tas, despachando os filhos dos pobres para fundarem colônias militares cm
terras estrangeiras. Em pouco tempo, toda a costa, da Crimeia a Marselh.i,
estava repleta de cidades gregas que serviam, por sua vez, como canais de
um profícuo mercado de escravos.59 A repentina abundância de escravos,
por sua vez, transformou completamente a natureza da sociedade grega. Em
prim eiríssim o lugar, ela permitiu que até os cidadãos de recursos modestos
participassem da vida cultural e política da cidade e adquirissem uma noção
autêntica de cidadania. Mas isso, em seguida, levou as antigas classes aristo­
cráticas a desenvolver meios cada vez mais elaborados de se afastarem do
novo Estado democrático, que consideravam tomado pela falsidade e pela
corrupção moral.

240
ijiiand o a Grécia floresceu, no século v, também la todos debatiam
tu h dinheiro, l’ara os aristocratas, que escreveram a maior parte dos
lui que chegaram até nós, o dinheiro era a encarnação da corrupção. Eles
lanhavam do mercado. Teoricamente, um homem honrado deveria ser
In / île obter tudo de que precisava em suas propriedades e jamais mani-
liti dinheiro vivo, em nenhuma circunstância.60 Na prática, eles sabiam
Insu era impossível. Mesmo assim, tentavam se dissociar, em todos os
tri los, dos valores dos ocupantes habituais da praça do mercado: com
ui c Irípodes de ouro e prata que davam uns aos outros em funerais e
«iimcntos procuravam se distinguir da venda vulgar de salsichas ou car-
l|li; mm competições de atletismo, para as quais eles treinavam sem des-
Mir.i >, dos jogos de apostas do povo; com cortesãs sofisticadas e instruídas
MH' os atendiam em festas regadas a bebida, das prostitutas comuns (porné)
niriiinas-escravas que moravam nos bordéis próximos da ágora e geral-
dirnle mantidos pela própria pólis democrática como um serviço para as
Ht'i rssidades de seus cidadãos do sexo masculino. Em tudo, eles se coloca-
Viim cm um mundo de dádivas, generosidade e honra, acima das sórdidas
lu h as comerciais.61
Essa situação resultou em uma luta um pouco diferente da que vimos
mi Mesopotâmia. De um lado, uma cultura aristocrática resiste ao que
iii irditava ser a sensibilidade comercial inferior dos cidadãos comuns. De
muro, uma reação quase esquizofrênica por parte dos próprios cidadãos
iinnuns, que tentam lim itar ou proibir aspectos da cultura aristocrática e,
«n mesmo tempo, imitá-la. A pederastia é um excelente exemplo. O amor
I litre homens e rapazes era visto como uma prática aristocrática por ex-
I rléncia - na verdade, era a maneira de iniciar os jovens aristocratas nos
privilégios da alta sociedade. Sendo assim, a pólis democrática encarava a
prática como politicamente subversiva e tornou ilegais as relações sexuais
I nlre homens. Ao mesmo tempo, quase todos os cidadãos começaram
,i praticá-la.
A famosa obsessão grega pela honra m asculina, que ainda permeia
grande parte da tessitura da vida diária nas comunidades rurais gregas, re­
monta não só à honra homérica, mas também a essa revolta aristocrática

241
contra os valores do mercado uma revollu que, com o passar do lrn i|i
todos começaram a adotar como sua.“J Os efeitos sobre as mulheres, im
tanto, foram ainda mais severos do que haviam sido no Oriente Médio |.i i
época de Sócrates, enquanto a honra dos homens estava cada vez mais
ao desdém pelo comércio e à assertividade na vida pública, a honra cI.in hiu »
lheres passara a ser definida em termos quase exclusivamente sexuais: umiti
uma questão de virgindade, modéstia e castidade, uma vez que se espri itvf
que as mulheres respeitáveis fossem trancafiadas dentro de casa, e aquelas ijiifl
participavam da vida pública eram consideradas, por essa razão, prostitulAM
ou o equivalente a elas.63 O hábito assírio de cobrir as mulheres com véu uAil
foi adotado em todo o Oriente Médio, mas foi adotado na Grécia. Por mais i|iM
isso contrarie nossos estereótipos sobre a origem das liberdades “ocidentuU",
as mulheres em Atenas, diferentemente das mulheres na Pérsia ou na SlrM
deviam usar véus quando se aventuravam a sair em público.64

O dinheiro, então, passou de medida de honra para medida de tudo qnr *


honra não era. Sugerir que a honra de um homem poderia ser comprada tom
dinheiro tornou-se um insulto terrível - isso apesar do fato de os homem
também passarem por dramas de servidão e redenção nada diferentes daquc
les vivenciados por tantas mulheres do Oriente Médio, pois eles muitas ve/.e»
eram carregados pela guerra ou levados por bandidos ou piratas e sequestr.i
dos em troca de resgate. Um modo particularmente impressionante de deix.ir
isso claro - na verdade, nesse caso, quase literalmente - era estigmatizando
prisioneiros resgatados com a marca de sua moeda corrente, como se hoje
um sequestrador estrangeiro imaginário, depois de receber o resgate por uma
vítima norte-americana, fizesse questão de cauterizar a marca de um dólar
na testa da vítima antes de devolvê-la.65
Uma questão que continua sem esclarecimento nessa história toda é o
porquê disso. Por que o dinheiro, em particular, se tornou símbolo de degra ­
dação? Tudo por causa da escravidão? Somos tentados a concluir que sim
talvez o aparecimento, nas cidades gregas antigas, de milhares de seres huma­
nos degradados tenha tornado particularmente humilhante a sugestão de que
W H i n ms livros (sem falar nas mulheres liv re s ) poiliam, ilc algum modo, sei
ntiilulosou comprados. Mas está claro que não é nada disso. Nossa tlisi uss.io
ptlue o dinheiro escravo da Irlanda mostrou que a possibilidade da completa
ift |!i nl.i(,.io de um ser humano não era, de modo nenhum, uma ameaça à
In>mi .1 heróica - de certa forma, era a sua essência. Os gregos da época de
I li .mero não parecem ter sido diferentes. Não é mera coincidência que a luta
■filie Agamenon e Aquiles, episódio de abertura da Ilíada, geralmente con-
«lili uula a primeira grande obra da literatura ocidental, seja uma disputa de
||i miui entre dois guerreiros heroicos pela disposição de uma jovem escrava.66
M nm cnon e Aquiles também sabiam que bastaria uma reviravolta infeliz
Hn lutalha, ou talvez um naufrágio, para que os dois se tornassem escravos.
I lillxseu quase não conseguiu escapar de ser escravizado em diversas ocasiões
Itn ( )disseia. No século m d.C., Valeriano, imperador romano de 253 d.C. a
f Ai1d.C'., derrotado na batalha de Edessa, foi capturado e passou seus últimos
WtoN de vida como o escabelo que o imperador sassânida Shapur 1costumava
111.11 para montar no cavalo. Eram esses os perigos da guerra. Tudo isso era
fMcncial para a natureza da honra marcial. A honra de um guerreiro é sua
illiposição para arriscar tudo no jogo. Sua grandeza é diretamente propor-
I |i mal ao tamanho da queda.
Podemos então afirmar que o advento do dinheiro comercial desorde-
lli ui as hierarquias tradicionais? Os aristocratas gregos costumam dizer que
«liil, mas as queixas não parecem ser sinceras. Decerto foi o dinheiro que,
iiiiies de tudo, permitiu a existência dessa aristocracia refinada.67 Mais exa-
liimente, o que parecia realmente incomodá-los em relação ao dinheiro era
II ülmples fato de eles o desejarem demais.'Como o dinheiro podia ser usado
(nua comprar quase tudo, todo mundo o queria. Ou seja: ele era desejável
jmríjue era indiscriminado. Percebemos aqui como a metáfora da porné parece
I>#rticularmente apropriada. Uma mulher “comum para o povo” - como disse
II poeta Arquíloco - está disponível para todos. Em princípio, não deveríamos
1li is sentir atraídos por uma criatura tão indiscriminada. Mas o fato é que nos
«rttiimos.68 E nada era tão indiscriminado e tão desejável quanto o dinheiro.
I claro, embora os aristocratas gregos insistissem que não se sentiam atraídos
por essas criaturas, e que as cortesãs, flautistas, acrobatas e os belos rapazes

243
que frequentavam os simpósios tie l.iio tt.lo sc prostituíam (apes.ii *1« ,il||f
mas vezes admitirem que sim), eles i.unhem lutavam com o lato de que i | É
ocupações imbuídas de altos ideais, como corridas de bigas, abastei inu'iM
de barcos para a marinha e o patrocínio de tragédias, exigiam as me*iit(É
moedas usadas para comprar perfumes baratos e tortas para as espo.su * dn|
pescadores - a única diferença real era o fato de suas ocupações tendei <m «
exigir uma quantidade maior de moedas.69
Poderíamos dizer, então, que o dinheiro introduziu certa democrat!#«
ção do desejo. De repente, todos buscavam a mesma substância promin it«,
Mas também havia outro elemento. O dinheiro era cada vez mais indispcti*M
vel para suprir necessidades básicas. No mundo homérico, como na m.ili h 1«
das economias humanas, quase não vemos discussões sobre o que era um
siderado necessário para a vida humana (alimentação, moradia, vestuái lo),
porque simplesmente se presumia que todas as pessoas as tivessem. Um Itii*
mem sem posses, na pior das hipóteses, se tornaria serviçal na casa de
homem rico. Até os escravos tinham o bastante para comer.70 A prostitui«
também era um símbolo forte para o que havia mudado, pois embora .1!
gumas moradoras dos bordéis fossem escravas, outras eram simplesnienli
pobres; o fato de a provisão de suas necessidades básicas não poder mais iff
dada como certa foi justamente o que submeteu as pessoas aos desejos di in
outros. Esse medo extremo da dependência do capricho alheio está na 1,11/
da obsessão grega pela unidade familiar autossuficiente.
Tudo isso está por trás dos esforços excepcionalmente zelosos dos ho
mens que viviam nas cidades-Estado gregas - como também dos romanos, 11I
gum tempo depois - de isolar esposas e filhas dos perigos e das liberdades d<1
mercado. Diferentemente dos homens no Oriente Médio, eles não parecem
tê-las oferecido como peoas. Tampouco, pelo menos em Atenas, era legal
que as filhas de cidadãos livres fossem empregadas como prostitutas.71 Em
consequência, as mulheres respeitáveis tornavam-se invisíveis, eram quase
sempre afastadas dos conflitos dramáticos da vida econômica e política.72Se
alguém tivesse de ser escravizado por dívida, esse alguém normalmente era o
devedor. De maneira ainda mais dramática, em geral os cidadãos homens é que
se acusavam de prostituição - os políticos atenienses diziam com frequência

244
H n iis rivais, assediados quando Jovens com presentes por seu* prelen
ni« haviam dc fato trocado sexo por dinheiro, e por essa ra/.;lo nicrci Iam
lilri suas liberdades cívicas.73

Iulvr/ seja útil aqui retornar aos princípios esboçados no capítulo 5. O que
Wh fhemos, acima de tudo, é a erosão tanto das antigas formas de hierarquia
* li mundo homérico de homens grandiosos e seus criados - e, ao mesmo
Itltipo, das antigas formas de ajuda mútua, com as relações comunistas sendo
1miilmadas cada vez mais ao interior das unidades familiares.
A primeira delas - a erosão da hierarquia - parece de fato ter estado em
jn^i 1na “crise da dívida” que atingiu tantas cidades gregas por volta de 600
n 1 „ bem na época em que os mercados comerciais começavam a se formar.74
Quando o autor de Constituição de A tenas fala dos pobres atenienses sendo
ravizados pelos ricos, ele parece ter em mente que, nos anos difíceis, mui-
•1is la/.endeiros pobres se endividaram; em decorrência disso, passaram a ser
HHriros das próprias terras, dependentes. Alguns foram até vendidos para o
tulerior como escravos. Isso levou à inquietação e à comoção, e também a pe­
didos de anistias, de libertação de quem servia por dívida e de redistribuição
ilr terras agrícolas. Em alguns casos, levou à revolução total. Em Mégara, pelo
i|iic sabemos, uma facção radical que havia tomado o poder não só tornou
ilrjjais os empréstimos a juros como também obrigou os credores a devol­
vi' r todos os juros retroativos que haviam cobrado no passado.75 Em outras
1idades, tiranos populistas tomaram o poder com promessas de revogar as
illvidas agrícolas.
Em face disso, nada disso parece tão surpreendente: no momento em que
os mercados comerciais se desenvolveram, as cidades gregas apresentaram
1iipidamente todos os problemas sociais que castigaram as cidades do Oriente
Médio durante milênios: crises da dívida, resistência a ela, agitação política.
N.i realidade, as coisas não são muito claras. Para começar, o fato de os pobres
siTem “escravizados pelos ricos”, no sentido vago que parece ser usado por
Aristóteles, não era um fenômeno novo. Até mesmo na sociedade da época
de Homero assumia-se como algo natural que os ricos deviam viver rodeados

245
de dependentes e criados, vindos das i amadas mais pobres. O ponto i illli
no entanto, sobre essas relações de patronagem é que elas envolviam rcupi
sabilidades dos dois lados. Supunha-se que um nobre guerreiro c um hiimili
indivíduo sob sua proteção fossem dois tipos fundamentalmente d ifrn iil
de pessoas, mas também se esperava que os dois levassem em considei at,
as necessidades (fundamentalmente diferentes) um do outro. Transfoi mar
patronagem em relações de dívida - tratar, digamos, um adiantamento de
mentes76como empréstimo, para não falar como empréstimo a juros - mitdl
tudo isso em dois aspectos completamente contraditórios.77 Por um ladi >, m
empréstimo não implica responsabilidades contínuas por parte do cm liifJ
Por outro, como tenho enfatizado o tempo todo, ao se fazer um empréstimo
assume-se que há certa igualdade formal e legal entre contratante e com i n
tado. O empréstimo presume que as duas partes, pelo menos em alguns an<
pectos e em algum nível, sejam fundamentalmente o mesmo tipo de pt >m>a
Sem dúvida, essa é a forma mais rude e violenta de igualdade que se poili
imaginar. Mas o fato de ser considerada igualdade diante do mercado tornavrt
a durabilidade desses acordos ainda mais difícil.78
As mesmas tensões podem ser vistas entre vizinhos, que nas conninl
dades agrícolas tendiam a dar, emprestar e tomar emprestadas entre si dlfr
rentes coisas - peneiras e foices, carvão e óleo de cozinha, sementes ou boi*
para o arado. Por um lado, essas dádivas e empréstimos eram consideraili i|
partes fundamentais da estrutura básica da sociabilidade nas comunidade»
agrícolas; por outro, vizinhos que tinham necessidades excessivas eram coti
siderados importunos notórios - algo que só piorava quando todos sabiam
exatamente quanto custaria comprar ou alugar as mesmas coisas que eram
dadas. Mais uma vez, uma das melhores maneiras de entender quais eram os
dilemas cotidianos dos camponeses mediterrâneos é analisando suas piadas,
Relatos posteriores ouvidos na região do mar Egeu, na Turquia, refletem exa
tamente as mesmas preocupações:

Certa vez, o vizinho de Nasrudin perguntou-lhe se podia pegar seu burro


emprestado para uma missão inesperada. Nasrudin emprestou, mas no dia
seguinte o vizinho voltou outra vez - agora, precisava de grãos para moer.

246
Nillll Ir morou muito c ele começou a aparecer todas as mtinhds, r sem pir
i hm mais usar nenhuma desculpa. Até que Nasrudin ficou farto da alliiaçAo
i illsic, em uma manhã, que seu irmão havia levado o burro emprestado.
1’orém, quando ia embora, o vizinho ouviu o burro zurrar no curral.
Ei, mas você não disse que o burro não estava aqui?
E você vai acreditar em quem? — perguntou Nasrudin. — Em mim
• mi num animal?

< om o surgimento do dinheiro, não se sabia mais o que era dádiva e o


* ria empréstimo. Por um lado, mesmo que se tratasse de dádivas, acre-
IjiVirse que era de bom grado devolver algo um pouco melhor do que o
rhldo.79 Por outro lado, amigos não cobravam juros uns dos outros,
i|iialsquer sugestões em contrário eram motivo de irritação. Então qual é a
li irttça entre uma generosa dádiva de retribuição e um pagamento de ju-
liiv' I ssa é a base de uma das mais famosas historietas de Nasrudin, um relato
Mlir parece ter garantido séculos de diversão a camponeses em toda a bacia
>la Mediterrâneo e regiões adjacentes. (O relato também é, devo notar, uma
|*l liu adeira com o fato de que, em muitas línguas mediterrâneas, inclusive o
■rr^o. a palavra usada para “juros” significa literalmente “prole”.)

( erto dia, o vizinho de Nasrudin, famoso por sua avareza, apareceu dizendo
i|ue daria uma festa para alguns convidados. Será que Nasrudin poderia lhe
emprestar algumas tigelas? Nasrudin não tinha muitas, mas disse que ficaria
feliz em emprestar o que tivesse. No dia seguinte o avarento voltou, devol­
vendo as três tigelas emprestadas de Nasrudin e mais uma adicional.
- O que é isso? - perguntou Nasrudin.
- Ah, é a prole das tigelas. Elas se reproduziram enquanto estavam comigo.
Nasrudin deu de ombros e as aceitou de volta, e o avarento foi embora fe­
liz por ter estabelecido um princípio de juros. Um mês depois Nasrudin deu
uma festa e resolveu pedir doze peças emprestadas da louça muito mais lu­
xuosa do vizinho. O avarento emprestou. Esperou um dia. E depois outro...
No terceiro dia, o avarento apareceu na casa de Nasrudin e perguntou o
que tinha acontecido com as peças de louça.

247
— Com a s peças de louça? rctruinu N*srudln, cnlristccid«*. I *i

tragédia terrível. Elas morreram.“'

Em um sistema heroico, são somente as dívidas de honra - a nec essn l.u


de retribuir dádivas, de exigir vingança, de resgatar ou redim ir amigt ih i
parentes feitos prisioneiros - que funcionam totalmente na lógica d.i lio«
“toma lá, dá cá”. Honra é o mesmo que crédito; é a capacidade de cumpi
promessas, mas também, no caso de um erro, de “acertar as contas". ( mill
dá a entender a última expressão, tratava-se de uma lógica monetárin. hm

o dinheiro, ou qualquer relação que se parecesse com a que envolve dinhelii


restringe-se a isso. De maneira gradual e sutil, sem que ninguém entende*
completamente todas as implicações do que acontecia, o que era a essOii*
cia das relações morais se transformou nos meios para todo tipo de esllula
gema desonesto.
Sabemos um pouco sobre isso por causa dos discursos em julgamcnim,
muitos dos quais chegaram até nós. Leiamos um do século iv, provavelmente
de 365 a.C. Apolodoro era um cidadão próspero, mas de origem humlld*
(seu pai, banqueiro, começara a vida como escravo), que, como muitos 1«•
valheiros, havia adquirido uma propriedade rural. Lá ele se tornara ami^o
de seu vizinho mais próximo, Nicostrato, homem de origem aristocrat ii d,
mas agora com menos recursos que no passado. Eles se comportavam comi 1
era de praxe entre vizinhos, dando e recebendo de volta pequenas quantuv
emprestando animais ou escravos, cuidando da propriedade um do outro
quando um deles se ausentava. Até que um dia Nicostrato foi vítima de um
grande azar. Enquanto tentava localizar alguns escravos fugitivos, foi captii
rado por piratas e aprisionado à espera de resgate no mercado de escravo»
da ilha de Egina. Seus parentes conseguiram juntar apenas parte do resgate,
e ele foi obrigado a tomar o restante emprestado de desconhecidos no mer­
cado. Estes eram, ao que parece, profissionais especializados nesse tipo de
empréstimos, cujas condições eram notoriamente rígidas: se o pagamento
não fosse realizado em trinta dias, a dívida dobrava; se não fosse paga de
modo nenhum, o devedor se tornava escravo do homem que providenciar,1
o dinheiro da redenção.

248
Apavorado, Nicostrato apelou ao vizinho. Iodas as sn.is posses liavlani
li •penhoradas por um ou outro credor; ele sabia que Apolodoro não devia
11tinto dinheiro vivo, mas será que seu querido amigo poderia aplicar al-
llti bom próprio como garantia? Apolodoro ficou comovido. Ele perdoaria
kiin alegria todas as dívidas que Nicostrato já tinha com ele, mas o restante
MHlti difícil. Mesmo assim, faria o que pudesse. Por fim, ele conseguiu um
ntipréstimo com um conhecido, Arcesas, dando como garantia sua casa
m l»lilade, a uma taxa de 16% de juros anuais, para satisfazer os credores de
Nii osirato, enquanto ele arranjava um empréstimo eranos, isto é, amigável
f Hm cobrança de juros, com algum parente. Pouco tempo depois, porém,
A| ><ilodoro percebeu que havia caído em uma cilada. O aristocrata empo-
■Vcldo resolvera tirar vantagem de seu vizinho novo-rico; na verdade, ele se
(Mtilou a Arcenas e alguns inimigos de Apolodoro para que este fosse decla-
Mili 1 "devedor público”, ou seja, alguém que não quitava suas obrigações para
(11111 o tesouro público. Isso significava, em primeiro lugar, que Apolodoro
(tonloria o direito de levar qualquer pessoa à Justiça (ou seja, seus imposto-
nu, para recuperar o dinheiro); em segundo, que seus delatores teriam um
pretexto para vender sua casa e retirar dela os móveis e outros bens. Presu­
mivelmente, Nicostrato não se sentia confortável por dever a um homem
I I msiderado inferior a ele em termos sociais. Assim como Egil, o viking, que
III eleriria matar o amigo Einar a compor uma elegia agradecendo-lhe por um
•resente magnífico, Nicostrato parece ter concluído que era mais honroso, ou
liiiiis suportável, tentar arrancar dinheiro de seu modesto amigo pela força
f pela fraude do que passar o resto da vida se sentindo em dívida. Em pouco
irmpo as coisas acabaram descambando para a violência física e o assunto
Inl parar na Justiça.81
A história diz tudo. Temos aí um exemplo de ajuda mútua: o comunismo
1lo próspero, a esperança de que se o tamanho da necessidade for suficiente,
1iii os custos forem razoáveis, amigos e vizinhos se ajudarão.82 E a maioria,
n.i verdade, tinha círculos de pessoas que levantariam dinheiro em momen-
ii is críticos: um casamento, uma penúria ou um resgate. Também vemos o
pei igo onipresente da violência predatória que reduz os seres humanos a
mercadorias e, ao fazê-lo, introduz na vida econômica os tipos mais impla-

249
cáveis de cálculo nào só por parle dos plratâ.s, mas talvez ainda mal« |
parte dos agiotas, à espreita no mercado, oferecendo termos de crédito i»
ros para qualquer pessoa que chegasse para resgatar algum parente nitti it
tivesse recursos suficientes, e que depois apelariam ao Estado pelo 1111«*|
garantido de alugar homens armados para fazer cum prir o contraio. Vt mi
o orgulho heroico, que encara um ato de generosidade extrema como u»
tipo de ameaça depreciadora. Vemos a ambiguidade entre as dádivas,»is >ni-
préstimos e os acordos comerciais de crédito. As coisas representadas nt<«
caso também não parecem particularmente incomuns, exceto, talvez, |>r|«
extraordinária ingratidão de Nicostrato. Atenienses de posição sempre HM
mavam dinheiro emprestado para conseguir realizar seus projetos polii li o|,
Outros, menos importantes, estavam constantemente preocupados com at
dívidas, ou pensando em como cobrar de seus devedores.83 Por fim, há oiilttt
elemento mais sutil. Como todas as transações comerciais nas lojas ou ima
tendas da ágora eram realizadas, a crédito como em qualquer outro lugiii, *
produção de moedas em massa possibilitou certo anonimato nas transai; Ova
que, em um sistema de crédito puro, simplesmente não poderia existir.84ht a
tas e seqüestradores negociam em dinheiro vivo - todavia, os agiotas no mei
cado de Egina não existiriam sem eles. É com base nessa mesma combinado
de negócios ilegais feitos em dinheiro, geralmente envolvendo violência, t
termos de crédito extremamente rigorosos, também aplicados pela violêiu la,
que se construíram numerosos submundos do crime.

Em Atenas, o resultado foi uma extrema confusão moral. A linguagem d<>


dinheiro, da dívida e das finanças deu origem a maneiras eficazes -e , por fim,
irresistíveis - de pensar sobre os problemas morais. Como aconteceu na índlii
védica, as pessoas começaram a falar da vida como uma dívida aos deuses, das
obrigações como dívidas, das dívidas de honra consideradas literalmente, da
dívida como pecado e da vingança como cobrança de dívida.85 Contudo, se a
dívida era uma questão moral - e com certeza interessava aos credores, que
geralmente tinhanrpoucos recursos legais para forçar os devedores a pagai,
insistir que assim era como considerar o fato de que o dinheiro, aquela coisa

250
< purccia capaz de transformar .1 moralidade cm uma clèiu ia exaln cquim
1Avel, também encorajava os piores tipos de comportamento?
A ética e a filosofia moral começam com dilemas desse tipo. Para mim,
tu c ,1 mais pura verdade. Consideremos A República, de Platão, mais uma
Ihn jo do século iv a.C. em Atenas. O livro começa com a visita de Sócra-
* ii um velho amigo, um próspero fabricante de armas, no porto de Pireu.
| | i «se envolvem em um debate sobre a justiça, quando o amigo sugere que
|i dinheiro não pode ser ruim , pois permite que os que o possuem sejam
j(M< is, e que a justiça consiste em dizer a verdade e sempre pagar as próprias
dividas.'"’ O argumento é facilmente destruído. Sócrates pergunta: se alguém
llii* emprestasse a espada, enlouquecesse e então a pedisse de volta? (Presume-
*•»>que com ela poderia matar alguém.) Está claro que não pode ser correto
«1mar um lunático, quaisquer que sejam as circunstâncias.87 O amigo ignora
11 pmblema e sai para cum prir algum ritual, deixando o filho em seu lugar
nu discussão.
C) filho, Polemarco, muda inesperadamente o argumento: é claro que seu
| imI nlo quis dizer “dívida” no sentido literal de devolver o que se tomou em-
pn itado. Ele se referia mais ao sentido de dar às pessoas o que lhes é devido;
irt ribuir o bem com o bem e o mal com o mal; ajudar os amigos e prejudicar
o» inimigos. (Quer dizer que a justiça não serve para determinar quais são
iii issos amigos e inimigos? Um homem que concluísse não ter amigos e ten-
liisse ferir todos os outros seria justo? E mesmo que tivéssemos a maneira
1ei ta de dizer que determinado inimigo é intrinsecamente mau e merece ser
prejudicado, ao prejudicá-lo não estaríamos tornando-o pior? Transformar
pessoas ruins em pessoas piores pode realmente ser um exemplo de justiça?)
I »estruir esse argumento demora um pouco mais, mas por fim ele é derru-
Inido. Nesse momento, Trasímaco, um sofista, entra na discussão e acusa
Iodos os debatedores de serem tíbios idealistas. Na verdade, diz ele, todo
o discurso sobre “justiça” não passa de um pretexto político para justificar
os interesses dos poderosos. E assim deveria ser, pois uma vez que existe a
lusiiça, ela é simplesmente isto: o interesse dos poderosos. Os governantes
s.ío como pastores. Gostamos de concebê-los como pessoas benevolentes
t|ue cuidam de seus rebanhos, mas o que um pastor, em última instância,

251
fa z com seus carneiros;' M.il.i os e come <>s, ou vende a carne por dlnhrlfB
Sócrates responde dizendo que Trasímaco eslá confundindo a arte de i onUf
de carneiros com a arte de lucrar com eles. A arte da medicina visa mclhnrM
a saúde, sejam os médicos pagos ou não por praticá-la. A arte do pasi i
visa garantir o bem-estar do rebanho, seja o pastor (ou seu empregadi >i) mil
negociante que sabe como extrair lucro dos animais ou não. O mesnu >.u o i|t
tece com a arte de governar. Se essa arte existe, ela deve ter seu objetivo iniiltl<!
seco separado do lucro que se possa obter com ela, e qual objetivo sert.i i *»#
senão o estabelecimento da justiça? É apenas a existência do dinheiro, suueffl
Sócrates, que nos permite imaginar que palavras como “poder” e “inteie»»f®
se referem a realidades universais que podem ser buscadas por si sós, e i|ii44
todas as buscas no fundo sejam por poder, vantagem ou interesse próprlt i "
A questão, diz ele, é como garantir que os políticos exerçam a arte de govri
nar para obter não ganho, mas sim honra.
Devo parar aqui. Como sabemos, Sócrates oferece propostas politli iil
próprias, as quais envolvem reis-filósofos, a abolição do casamento, da la
m ília e da propriedade privada, a reprodução seletiva dos seres humano»,
(Obviamente, o livro tinha o intuito de incomodar os leitores, e por mais «Ir
2 mil anos essa tarefa tem sido cumprida de maneira brilhante.) O que quem
enfatizar, no entanto, é até que ponto o que consideramos hoje nossa tradl
ção nuclear da teoria moral e política surge desta pergunta: o que signilu a
pagar nossas dívidas? Platão nos apresenta primeiro a visão simples e liter.il
do negociante. Quando essa visão se mostra inadequada, ele a reformula em
termos teóricos. Talvez, no final das contas, todas as dívidas sejam realmente
dívidas de honra.89Mas a honra heróica não funciona mais em um mundo
em que (como descobriu tristemente Apolodoro) o comércio, as classes e o
lucro confundiram tanto as coisas que os verdadeiros motivos das pessoas
nunca são claros. Como sabemos quem são nossos inimigos? Por fim, Platào
nos apresenta um cínico imperativo político. Talvez ninguém realmente deva
nada a ninguém. Talvez quem busque o lucro esteja certo no final das contas.
Somos deixados com a certeza de que os padrões existentes são incoerentes e
contraditórios, e qtie algum tipo de ruptura radical seria necessário para criar
um mundo que tenha sentido lógico. Mas a maioria das pessoas que consi-

252
fitiiihim seriamente uma ruptura radical nos termos sugeridos poi Platflo
i •iiii liiiu que poderia haver coisas muito piores que a incocríMu ia moral
I ii mlm ficamos presos, desde então, em um dilema indissolúvel.

Kfli >surpreende que essas questões tenham pesado na mente de Platão. Menos
Hf «ele anos antes, ele aparentemente saíra em uma viagem marítima malfa-
i I.h I. i , lora capturado e, talvez como Nicostrato, fora levado a leilão em Egina.
Nu entanto, Platão teve mais sorte. Aniceres, filósofo líbio da escola epicu-
IIMti, por acaso estava no mercado naquele momento. Ele reconheceu Platão
In resgatou. Platão se sentiu moralmente obrigado a pagar-lhe de volta. Seus
lllilgos atenienses conseguiram juntar vinte minas de prata, mas Aniceres se
rrt usou a aceitar o dinheiro, insistindo que para ele era uma honra poder be-
llrlu iar um colega amante da sabedoria.90E assim aconteceu: a partir de então,
Aniceres foi lembrado e celebrado por sua generosidade. Platão usou as vinte
minas para comprar terras para uma escola, a famosa Academia. E mesmo
i|iir não demonstrasse a mesma ingratidão de Nicostrato, temos a impressão
ilr que não se sentia muito feliz com o fato de sua carreira posterior ter sido
possibilitada, em certo sentido, pela dívida para com um homem que ele pro­
vavelmente considerava um filósofo menor - e Aniceres nem era grego! Pelo
menos isso ajudaria a explicar por que Platão, conhecido por sempre citar o
nume das pessoas importantes que conhecia, jamais mencionou o nome de
Aniceres. Só sabemos de sua existência por biógrafos posteriores.91

II OMA A N T I G A ( P R O P R I E D A D E E L I B E R D A D E )

Sc a obra de Platão é um testemunho de como a confusão moral introduzida


pela dívida modelou tão profundamente nossas tradições de pensamento, o
direito romano revela quanto a dívida modelou também nossas instituições
lamiliares.
É conhecida a observação do jurisconsulto alemão Rudolf von Ihering
que Roma conquistou o mundo três vezes: a prim eira com os exércitos,

253
a segunda com a religião e a terceira com as lols.“'1l ie poderia ter acresi mint
cada vez de maneira mais abrangente. Afinal de contas, o Império KomnH
abarcou apenas uma pequena porção doglobo; a Igreja Católica Kom.m.t li
ainda mais longe; já o direito romano forneceu a linguagem e os funilani0||
tos conceituais das ordens jurídicas e constitucionais em todos os
Estudantes de direito da África do Sul ao Peru são obrigados a passar basitiiM
tempo memorizando termos técnicos em latim, e é o direito romano que li n
nece quase todas as concepções básicas sobre contratos, obrigações, d r l l t n q
propriedade e jurisdição - e, em sentido mais amplo, sobre cidadania, d ii r l l it f
e liberdades nos quais a vida política também se baseia.
Isso foi possível, argumentou Ihering, porque os romanos foram os prl*
meiros a transformar a jurisprudência em verdadeira ciência. E provável, Mtu,
apesar disso, continua sendo verdade que o direito romano tem caracleiU
ticas notoriamente peculiares, algumas tão estranhas que têm confuniliil< 11
perturbado juristas desde que o seu estudo foi reavivado nas universidade*
italianas da Alta Idade Média. A mais famosa dessas características é sua m.i
neira particular de definir propriedade. No direito romano, a propricdadi
ou dom inium , é a relação entre uma pessoa e uma coisa, caracterizada pel* >
poder absoluto da pessoa sobre a coisa. Essa definição tem gerado problem.is
conceituais infinitos. Primeiramente, não está claro o que significa um sei
humano ter uma “relação” com um objeto inanimado. Os seres humanos po>
dem ter relações uns com os outros. Mas essas relações são sempre mútuas
Como seria possível ter uma relação mútua com uma coisa? E, caso exisi>i
essa relação, o que significa dar condição legal a ela? Basta um exemplo sim
pies: imagine um homem preso em uma ilha deserta. Ele pode desenvolver
relações extremamente pessoais, digamos, com as palmeiras da ilha. Se fic.it
lá por um longo período, pode dar nome a elas e passar metade do tempo
tendo conversas imaginárias com elas. No entanto, seria ele dono das palmei
ras? A pergunta nem sequer faz sentido. Não há necessidade de se preocupai
com direito de propriedade se não há mais ninguém na ilha.
Está claro, então, que propriedade não é de fato a relação entre uma pes
soa e uma coisa. Ela e o entendimento ou acordo entre pessoas no que se re­
fere às coisas. O único motivo que de vez em quando nos leva a não enxergar
i é i|iic, cm muitos casos particularmente quando falumoN de nossos
lios sobre sapatos, carros ou ferramentas mecânicas citamos lulando
n direitos mantidos, como diz o direito inglês, “contra o mundo todo"
m*|n, o entendimento entre nós mesmos e todas as outras pessoas do pla-
iti de que elas não vão interferir em nossas posses, e portanto consentem
it' tratemos essas posses como preferirmos. A relação entre uma pessoa e
(tidiis .is outras do planeta é, compreensivelmente, difícil de ser concebida.
P niitls fácil pensar na relação com uma coisa. Mesmo assim, na prática, essa li-
Ppidade de fazer o que se quer mostra-se razoavelmente limitada. Dizer que o
■ In de eu possuir uma motosserra me dá o “poder absoluto" de fazer o que
Itilsi r com ela é obviamente absurdo. E provável que quase tudo que pudesse
MH leito com uma motosserra fora da minha casa ou propriedade seria ilegal,
» Ii.i pouquíssimas atividades que se poderiam fazer com ela dentro de casa.
A litilca certeza “absoluta” sobre os meus direitos com relação à motosserra
1 1|iie posso proibir qualquer outra pessoa de usá-la.93
Não obstante, o direito romano insiste que a forma básica de proprie-
ilitde é a propriedade privada, que é o poder absoluto do proprietário de
l.i/ ei o que quiser com suas posses, juristas do século xn aprimoraram esse
I>i ulcr absoluto em três princípios: usus (uso da coisa),fru etus (frutos, ou seja,
dcslrute dos produtos da coisa) e abusus (abuso ou destruição da coisa). Os
jiii istas romanos, porém, não se interessariam por essa especificação, uma
Vr/ que, de certo modo, acreditavam que os detalhes estavam totalmente
li M.i do domínio da lei. Na verdade, os pesquisadores têm passado muito
tempo discutindo se os autores romanos consideravam realmente a pro-
pr ledade privada um direito (iu s), 94justamente porque, em última instân-
i l,i, os direitos eram baseados em acordos entre as pessoas, o que não é o
i .iso do poder de dispor da propriedade: este era considerado apenas uma
manifestação da capacidade natural de fazer o que se quer quando não há
Impedimentos sociais.95
Se refletirmos sobre isso, veremos que se trata de um lugar estranho para
tomeçar a desenvolver uma teoria do direito das coisas. E provavelmente
M»rreto dizer que, em qualquer parte do mundo, e em qualquer período da
história, seja no Japão antigo ou em Machu Picchu, quem tivesse um pedaço

255
dc* corda era livre para toue lo, .11.1 lo. 1011.1 lo ou .iiir.i lo 110 logo. i o|(
preferisse. Os juristas, em nenhum outro lugar, parecem ter considerado tu
fato interessante ou importante. Decerto, nenhuma outra tradição fez dt li 4
base do direito de propriedade - afinal de contas, fazê-lo transforma prat It M
mente todas as leis atuais em uma série de exceções.
Como isso aconteceu? E por quê? A explicação mais convincente, | ><«•#!
mim, é a de Orlando Patterson: a noção de propriedade privada a b so liilu i
derivada da escravidão. Podemos imaginar a propriedade como uma i cI.k.
não entre pessoas, mas entre uma pessoa e uma coisa se nosso ponio tlf
partida for uma relação entre duas pessoas e uma delas também for mu*
coisa (assim os escravos eram definidos no direito romano: pessoas que t.im
bém eram res, uma coisa).96 A ênfase no poder absoluto também começa d
fazer sentido.97
A palavra dom inium , que significa propriedade privada absoluta, nãi •114
particularmente antiga.98Ela só aparece em latim no final da República, mal«
ou menos na época em que centenas de milhares de trabalhadores cativo«
começaram a surgir na Itália, e Roma, em consequência, começou a se lui
nar uma sociedade escravocrata.99 Em 50 a.C., os escritores romanos sim*
plesmente pressupunham que os trabalhadores - fossem os trabalhadores
agrícolas que colhiam ervilhas nas plantações, os arrieiros que entregavam a»
ervilhas no comércio da cidade ou os caixeiros que cuidavam da contagem
eram propriedade de outra pessoa. A existência de milhões de criaturas qtn
eram pessoas e coisas simultaneamente gerou problemas jurídicos em serie,
e grande parte do gênio criativo do direito romano foi usado para elaborai
as infinitas ramificações. Para se ter uma ideia disso, basta abrir qualquer
compêndio de direito romano. Leiamos um trecho do jurista Ulpiano, do
século 11 d.C.:

Mela se pergunta: se um grupo de pessoas estivesse jogando bola e uma


delas, ao lançar a bola com força, atingisse as mãos de um barbeiro, e este
cortasse com a navalha a garganta de um escravo a quem barbeava, a quem
seria imputada a culpa de acordo com a Lex A q u ilia [lei dos danos civis ^
Proclo diz que a culpa é do barbeiro; com efeito, se ele estava barbeandt 1

256
uru ravoem um lugar onde jogos normalmente acoutei rniou onde há um
iiiifrgo grande de pessoas, há razões para culpá-lo. Mas nào seria drsarru
/,«mdo dizer que, se um homem tem confiança em um barbeiro cuja cadeira
lateja cm um local perigoso, ele também deve ser culpado.100

Km outras palavras, o senhor de escravo não pode reclamar dos jogado-


H»» i ui do barbeiro a destruição de uma propriedade se o verdadeiro problema
il ele ler comprado um escravo estúpido. (Poderíamos acusar alguém de
tiinlii i simplesmente por ter convencido um escravo a fugir? Se alguém ma-
luvii um escravo que porventura fosse seu filho, poderíamos levar em conta
sentimentos em relação a ele ao avaliar o dano causado ou teríamos
.Ir nos prender ao valor de mercado?) Muitos desses debates podem soar
||n|r exóticos, mas a nossa tradição de jurisprudência é fundamentada dire-
Imnente neles.101
No tocante a dotninium , a palavra é derivada de dom inus, que significa
'»rnlior” ou “dono de escravos”, mas, em última análise, de domus, que sig-
Hllii ii "casa” ou “unidade fam iliar”. Obviamente, está relacionada à palavra
“linméstico”, que é usada para designar algo que “pertence à vida privada”
ou pura se referir ao empregado que limpa a casa. O significado de domus se
ttihrrpõe relativamente ao defam ilia, “família”-e , como talvez queiram saber
IM defensores dos valores familiares, a palavra fa m ilia deriva defa m ulus, que
»lunifica “escravo”. Originalmente, família dizia respeito a todas as pessoas
li ih .1 autoridade doméstica de um paterfam ilias, e essa autoridade era, pelo
ntrnos no antigo direito romano, tida como absoluta.102Um homem não ti­
niu poder total sobre sua esposa, pois ela continuava de certo modo sob pro-
liVlo do próprio pai, mas podia fazer o que quisesse com os filhos, escravos
r oi it ros dependentes, posto que eram seus - pelo menos no direito romano
pi Imordial, ele era perfeitamente livre para açoitá-los, torturá-los e vendê-los.
I 'm pai podia até executar os filhos, caso descobrisse que haviam cometido
i rimes capitais.103Já com os escravos, ele não precisava dessa desculpa.
Desse modo, ao criar a noção de dom inium e, como consequência, o prin-
i ipio moderno de propriedade privada absoluta, os juristas romanos, antes
de I udo, adotaram o princípio de autoridade doméstica ou de poder absoluto

257
sobre as pessoas, definiram algumas dessas pessoas (escravos)cornou»!«!
depois estenderam a gansos, carruagens, celeiros, caixas de joias e assim pt|
diante a lógica originalmente aplicada aos escravos - ou seja, estendei .1111 114
a todas as coisas que tinham alguma relação com a lei.
Era algo bastante extraordinário, mesmo no mundo antigo, que mi|
pai tivesse o direito de executar seus escravos - que dirá seus filhos. Na*• «f
sabe ao certo por que os primeiros romanos eram tão extremados a •
respeito. É notável, no entanto, que as primeiras leis romanas relativas Adl
vida, igualmente incomuns em sua severidade, permitissem que os creili n«<|
executassem devedores insolventes.104A história dos primórdios de Kcmm,
como a história dos primórdios das cidades-Estado gregas, foi uma conlliHII
luta política entre credores e devedores, até que a elite romana descoln Iti
um processo conhecido pelas elites mais bem-sucedidas do Mediterrâneo
um campesinato livre significa um exército mais eficaz, e conquistar e«U'i
eitos pode proporcionar prisioneiros de guerra capazes de fazer tudo o i|tl#
os servos costumavam fazer; desse modo, o compromisso social - permlili
uma representação popular limitada, proibir a escravidão por dívida, illie
cionar alguns frutos do império para gastos com o bem-estar social - esl.ivn
de fato entre seus interesses. Provavelmente, o poder absoluto dos pais «e
desenvolveu como parte dessa constelação da mesma maneira em oul 111«
lugares. A servidão por dívida reduziu as relações familiares a relações de
propriedade; as reformas sociais preservaram o novo poder dos pais, mas 111
protegeram da dívida. Ao mesmo tempo, o crescente afluxo de escravos l<>gQ
fez com que qualquer unidade fam iliar razoavelmente próspera possuis-,1
escravos. A lógica da conquista, consequentemente, estendeu-se a aspecto»
mais íntimos da vida cotidiana. Os conquistados começaram a executar ta­
refas para os conquistadores, como despejar a água para o banho e pentc.11
-lhes os cabelos. Os tutores conquistados ensinavam poesia aos filhos doi
conquistadores. E, como os escravos estavam sexualmente disponíveis para
seus donos e familiares, bem como para amigos e convidados quando algum
jantar era oferecido, é provável que a primeira experiência sexual da maioria
dos romanos tenhase dado com um menino ou uma menina cujo status leg.il
era o de um inimigo derrotado.105

258
(<>ni o tempo, isso foi se tornando cada vez mais umu lu çilo |undii a <•
mais provável que os escravos reais tenham sido pobres vendidos pelos
|i«iv mfeliz.es raptados por piratas ou bandidos, vítimas de guerra ou de pro
judiciais, principalmente contra bárbaros nas regiões mais extremas do
lliiprrio, ou filhos de outros escravos.106Mesmo assim, a ficção se manteve.
() que tornava a escravidão romana tão única, em termos históricos, era
111 m|unção de dois fatores. O primeiro era a própria arbitrariedade. Em con-
tM"te radical com, digamos, a escravidão rural nas Américas, não fazia sentido
ui liar que certas pessoas fossem naturalmente inferiores a outras e por isso
ilrullnadas à escravidão. Em vez disso, a escravidão era vista como má sorte
t|iic poderia acontecer a qualquer pessoa.107 Consequentemente, não havia
mu'tivos para que um escravo não fosse, em todos os aspectos, superior ao
M'H senhor: mais inteligente, com um senso moral mais aguçado, melhor gosto
9 maior entendimento de filosofia. Talvez o senhor estivesse até disposto a re-
11Mihecer isso. Não havia motivos para não fazê-lo, pois esse reconhecimento
HAi 11inha efeito na natureza das relações, que eram simplesmente de poder.
O segundo era a natureza absoluta desse poder. Há lugares em que escra­
vos são tomados como prisioneiros de guerra, e os senhores são conquista-
ilmes com poderes absolutos de vida e morte - mas, de modo geral, trata-se
df um princípio abstrato. Praticamente em toda parte, os governos passaram
«limitar esses direitos. Na pior das hipóteses, imperadores e reis estabelecem
i|Uc são os únicos com o poder de ordenar a execução dos outros.108Mas na
Kepública romana não havia imperador; o corpo soberano existente era o
i ' ii po coletivo dos próprios proprietários de escravos. É somente no antigo
Império Romano que vemos leis que limitam o que os proprietários podiam
lazer com sua propriedade (humana): uma delas, da época do imperador Ti-
liério (datada de 16 a.C.), determinava que o dono tinha de obter permissão de
um magistrado antes de ordenar que o escravo fosse dilacerado publicamente
p<ir animais.109Contudo, a natureza absoluta do poder do senhor - o fato de
t|ue, nesse contexto, ele era o Estado - também significava que, em princípio,
mAo havia restrições à manumissão, isto é, à alforria legal: o senhor podia
libertar seu escravo, ou adotá-lo, ao passo que o escravo libertado ou ado-
1ido - uma vez que a liberdade não significava nada fora da participação em

259
uma comunidade se tornava automatU amenlccIdadAo romano. Isso levt
a arranjos muito peculiares. No século i d.C., por exemplo, nâoera Inioitutf
que gregos instruídos se vendessem como escravos para algum romuno >i
que precisasse de um secretário, confiasse o pagamento a um amigo ml III
ou parente e depois, após determinado intervalo, comprassem de vi illii * «(
mesmos, obtendo assim a cidadania romana. Isso ocorria apesar do lulo d#
que o proprietário teria plena liberdade para mandar cortar o pé do sei i<i4>
rio, por exemplo, caso quisesse - enquanto este ainda fosse seu escravi •1
A relação entre dominus e escravidão, desse modo, trouxe para a unldritH
fam iliar uma relação de conquista, de poder político absoluto (na veidad*,
tornou-a a essência da unidade familiar). É importante destacar que nau eta
uma relação moral para nenhum dos lados. Uma famosa fórmula legal, ai 11
buída a um advogado republicano chamado Quinto Hatério, esclarece a i|inn
tão de maneira notável. Entre os romanos, bem como entre os ateniense*, e i|
considerado indecoroso para um homem ser penetrado sexualmente. Ao d*
fender um liberto acusado de continuar prestando favores sexuais ao seu .111
tigo senhor, Hatério cunhou um aforismo que depois se transformou em 11111.1
anedota suja popular: im pudiátia in ingênuo crim en est, in servo necessitas, in libn lu
officium (“ser sexualmente passivo é crime para o homem livre, necessidade
para o escravo e obrigação para o liberto”).111 Vale notar que a subserviéiu la
sexual é considerada “obrigação” apenas para o liberto, não para o escravi 1
Isso porque, como já observei, a escravidão não era uma relação moral. C) se
nhor podia agir como quisesse, e não havia nada que o escravo pudesse faiei

No entanto, o efeito mais insidioso da escravidão em Roma é que, pelo dl


reito romano, ela começou a destruir nossa ideia de liberdade humana
O próprio significado da palavra romana libertas mudou dramaticamente
com o tempo. Em todo o mundo antigo, ser “livre” significava, antes de tudo,
não ser escravo. Como a escravidão implicava sobretudo a aniquilação dos
laços sociais e da capacidade de formá-los, ser livre significava ter capacidade
de estabelecer e manter compromissos morais com os outros. A palavra in
glesafree, por exemplo, é derivada de um termo de origem alemã que significa

260
PlMiiH"". miia vez que ser livre significava ser capaz de fazer amigos, cumprir
ntincssas, viver em unia comunidade de iguais. É por isso que os escravos
A fiin s cm Roma se tornavam cidadãos: ser livre, por definição, significava
■ ta ' ancorado em uma comunidade cívica, com todos os direitos e respon-
phlliil.ules aí envolvidos. 112
No século ii d.C., contudo, isso começou a mudar. Os juristas redefini-
■ m pouco a pouco o conceito de libertas até que seu significado se tornou
n m r Indistinguível de poder do senhor. Era o direito de fazer absolutamente
fltilo, exceto, mais uma vez, todas as coisas que ninguém podia fazer. Na
Pfiliidc, no D igesto, as definições de liberdade e escravidão aparecem jun-
(«« "l iberdade é a faculdade natural de fazer o que se queira, desde que não
Impedido por força ou lei. Escravidão é uma instituição consoante à lei das
segundo a qual uma pessoa se torna propriedade privada (dom inium )
09 mitra, contra a natureza”. 113
t)s comentadores medievais perceberam aqui um problema imediato. 114
M.u Isso não quer dizer que todos eram livres? Afinal, até os escravos são
ilvirs para fazer absolutamente tudo, desde que tenham permissão para tal.
I H/cr que um escravo é livre (salvo por não sê-lo) é quase como dizer que a
Iri i,i é quadrada (salvo por ser redonda), ou que o sol é azul (salvo por ser
Amarelo), ou ainda, repetindo, que temos o direito absoluto de fazer o que
i|iil«crmos com a nossa motosserra (salvo aquilo que não podemos fazer).
Na verdade, a definição traz consigo todos os tipos de complicações. Se a
liberdade é natural, então a escravidão decerto é antinatural, mas se a liberdade
i‘ .1escravidão são uma questão de grau, então, logicamente, todas as restrições
A liberdade não seriam, até certo ponto, antinaturais? Isso não implica que a
MHledade, as regras sociais, e na verdade até os direitos de propriedade também
ir riam antinaturais? Foi exatamente isso que os juristas romanos concluíram -
i|ucr dizer, quando se aventuravam a comentar sobre essas questões abstratas,
0 que se dava raras vezes. Originalmente, os seres humanos viviam em um es-
1»lo de natureza em que todas as coisas eram comuns; foi a guerra que dividiu
n mundo pela primeira vez, e a resultante “lei das nações" - as práticas comuns
ill humanidade que regulam questões como conquista, escravidão, tratados e
II (»nteiras - foi responsável pelas desigualdades de propriedade.115

261
Isso, por sua vez, significava qut* nrio havia diferença intrinsei ,t *'iii
propriedade privada e poder político pelo menos na medida em qm m"
poder se baseava na violência. Com o passar do tempo, os imperad<>i ex n mu
nos também começaram a reivindicar algo parecido ao dominiutn, afn iimiu
que em seus domínios eles tinham liberdade absoluta - na verdade, que i'f
não eram limitados por leis.116 Ao mesmo tempo, a sociedade roniau.i pai
sou de república de donos de escravos para arranjos que lembravam t * 4 1
vez mais a Europa feudal vindoura, com senhores poderosos vivendo ■til
grandes propriedades rurais cercadas de camponeses dependentes, setVH
por dívida e uma variedade infindável de escravos - com quem eles p» ••li.itti
agir como quisessem. As invasões bárbaras que destruíram o império .i| u 1144
formalizaram a situação, eliminando a escravidão em grande medida, m.is >1)1
mesmo tempo introduzindo a ideia de que as classes nobres eram realm» ni«t
descendentes dos conquistadores germânicos e que o povo comum cirt IH*
trinsecamente servil.
Ainda assim, mesmo nesse novo mundo medieval, o antigo com rll»|
romano de liberdade permaneceu. Liberdade significava nada mais i|MÍ
poder. Quando os pensadores políticos medievais falavam em “liberdade
normalmente se referiam ao direito do senhor de fazer o que quisesse ciM
seus domínios. Mais uma vez, supunha-se que esse direito não era origin«!
mente estabelecido por um acordo, mas sim por uma conquista: uma famtt*|
lenda inglesa diz que quando, por volta de 1290, o rei Eduardo 1 pediu t|iia
seus fidalgos preparassem documentos para provar por quais direitos *<la|
mantinham seus privilégios (ou “liberdades”), o conde Warenne aprescnimi
ao rei apenas sua espada enferrujada.117 Como no caso do dom inium ronumn
tratava-se de um poder exercido sobretudo contra o povo - por isso na ld.nl»
Média era comum falar da “liberdade de forca”, ou seja, do direito que o s s*>
nhores tinham de manter o próprio local privado de execução. Quando 11
direito romano começou a ser recuperado e modernizado no século xil, il
termo dom inium suscitou um problema em particular, uma vez que no l.illnt
clerical da época a palavra passou a ser usada para se referir igualmente a "w*
nhoria” e “propriedade privada”. Os juristas medievais levaram muito tempo
tentando estabelecer uma diferença entre as duas. Tratava-se de um problem
(miiii ularmente espinhoso porque, sc os direitos de propriedade rralmrnlt-
p i Min, como registrado no Digesto, uma forma de poder absoluto, seria multo
•liih il entender como todos poderiam tê-lo exceto o rei - ou até mesmo, para
JtyMtm juristas, Deus.118
NAo pretendo discutir neste livro os argumentos que sobrevieram, mas
pirdlto ser importante encerrar o assunto porque assim, de certa forma, fe-
i liitirmos o ciclo e poderemos entender com mais precisão a visão de mundo
llt liberais como Adam Smith - uma tradição que assume a liberdade, em
ia, como o direito de fazermos o que quisermos com a nossa proprie-
iUdr Na verdade, além de tornar a propriedade um direito, trata os próprios
«theitos como uma forma de propriedade. Em certo sentido, esse é o maior
Mmindoxo de todos. Estamos tão acostumados com a ideia de “ter” direitos -
iiii irja, a ideia de que os direitos podem ser possuídos - que raramente pen-
Im ii ii is sobre o que isso realmente significa. Na realidade (como bem sabiam
|m juristas medievais), o direito de um é simplesmente a obrigação de outro.
M i m direito à liberdade de expressão é a obrigação do outro de não me punir
|i"i talar; meu direito de ser julgado por um júri formado por meus pares é
| responsabilidade dos outros de manter um serviço de júri. O problema é o
HiiMiio que o dos direitos de propriedade: é difícil pensar nisso quando fala-
Wlus cm compromissos assumidos por pessoas em todo o mundo. E muito
lltdls fácil falar em “ter” direitos e liberdades. Mesmo assim, se a liberdade é
Pl»k amente o nosso direito de possuir as coisas ou de tratar as coisas como
«i as possuíssemos, então o que significa “possuir” uma liberdade? Significa
■tir nosso direito à propriedade é em si uma forma de propriedade? Trata-se
lir uma ideia desnecessariamente confusa. Que motivos teríamos para seguir
11>messa definição?119
I listoricamente, há uma resposta simples - talvez perturbadora - para
|**ii. Aqueles que defendem que somos detentores naturais de nossos direitos
9 lllierdades querem dizer basicamente que deveríamos ser livres para abrir
IMiii i deles, ou até mesmo vendê-los.
As ideias modernas de direitos e liberdades são derivadas do que conhe-
tnnos como “teoria dos direitos naturais” - da época em que Jean Gerson,
Mltor da Universidade de Paris, começou a difundi-las por volta de 1400,

263
baseando-se cm conceitos do direito romano, t omo há muito o b scrvi»
Richard Tuck, principal historiador dessas ideias, o fato de se tratar de itni
corpo teórico adotado não pelos progressistas da cpoca, mas pelos con»i*N
vadores, constitui uma das maiores ironias da história. “Para os gersonhmi •»,
liberdade era propriedade e podia ser trocada da mesma maneira, e sob o»
mesmos termos, que qualquer outra propriedade” - vendida, trocada, rni-
prestada ou entregue voluntariamente.120 Como consequência, não podM
haver nada de intrinsecamente errado com a servidão por dívida, por cxrm
pio, ou mesmo a escravidão. E é justamente isso que os teóricos dos direito»
naturais passaram a dizer: na verdade, nos séculos posteriores, essas idcUi»
foram desenvolvidas sobretudo em Antuérpia e em Lisboa, cidades no ccnl i <•
do tráfico de escravos que vinha surgindo. Afinal de contas, argumentavam
eles, nós não sabemos de fato o que acontece em territórios distantes, tio
interior de lugares como Calabar, mas não há razões intrínsecas para afirm.n
que a grande maioria da carga humana levada por navios europeus não tenha
vendido a si própria, sido descartada por seus guardiães legais ou tenha pri
dido sua liberdade de outra maneira perfeitamente legal. É claro que isso nili ■
aconteceu com todas as cargas, mas abusos sempre existirão em qualquer
sistema. O importante é que não havia nada de inerentemente antinatural ou
ilegítimo na ideia de que a liberdade podia ser vendida.121
Em pouco tempo, argumentos semelhantes começaram a ser usado»
para justificar o poder absoluto do Estado. No século x v ii, Thomas Hoh
bes foi o primeiro a desenvolver de fato essa ideia que logo se tornou lugar
-comum. O governo era essencialmente um contrato, um tipo de acordo de
negócios, em que os cidadãos abriam mão voluntariamente de suas liber
dades naturais, entregando-as a um soberano. Por fim, ideias semelhante»
se tornaram a base da instituição dominante da vida econômica: o trabalho
assalariado, que efetivamente equivale ao aluguel de nossa liberdade, assim
como a escravidão pode ser concebida como sua venda.122
Não é apenas nossa liberdade que possuímos: essa mesma lógica tem
sido usada em relação ao nosso corpo, que é tratado, em algumas formula­
ções, da mesma maneira que casas, carros ou móveis. Somos donos de nós
mesmos, por isso ninguém tem o direito de nos violar.123 Essa noção pode

264
11« cr Inócua, ate positiva, mas sc afigura bem diferente quando Icvumhin cm
iimldcração a tradição romana dc propriedade em que se buscia. I )l'/.or que
mios donos de nós mesmos é, curiosamente, definir a nós mesmos como
iiliotcs e escravos ao mesmo tempo. “Nós” somos tanto donos (exercemos
|ti «lei absoluto sobre nossa propriedade) como, ao mesmo tempo, de algum
Kit ido, as coisas que possuímos (somos objeto do poder absoluto). A antiga
Mlild.ide familiar romana, longe de ter sido esquecida na névoa da história,
i m.i preservada na concepção basilar que temos de nós mesmos - e, assim
.... . na lei de propriedade, o resultado é tão estranhamente incoerente que
ti desdobra em infinitos paradoxos no momento em que tentamos descobrir
ii i|iie ele de fato significaria na prática. Assim como os advogados passaram
inll imos tentando dar sentido aos conceitos de propriedade romana, os filó-
inlos passaram séculos tentando entender como seria possível termos com
Hi is mesmos uma relação de dominação. A solução mais conhecida - dizer
i|nc cada um de nós tem uma “mente” totalmente separada do restante, que
IHidcmos chamar de “corpo”, e que a primeira exerce domínio natural sobre
11iiígundo - vai de encontro a tudo o que sabemos sobre a ciência cognitiva.
Iluta-se de uma inverdade, mas nós continuamos a sustentá-la pela simples
M/A o de que nenhuma suposição comum sobre propriedade, lei e liberdade
liii í.i sentido sem ela.124

i«INCLUSÕES

i is primeiros quatro capítulos deste livro descrevem um dilema. Nós real­


mente não sabemos como pensar a dívida. Ou, para ser mais preciso, parece
i|ue estamos encurralados entre ver a sociedade ao modo de Adam Smith - *
11uno um conjunto de indivíduos cujas únicas relações significativas se dão com
|U>S posses, que eles trocam, felizes, umas pelas outras em nome da convi­
vência mútua e com a dívida quase totalmente abolida do horizonte - e achar
que a dívida é tudo, a própria substância de todas as relações humanas - o
tjiie, obviamente, dá a sensação de que essas relações são, de alguma ma­
neira, algo intrinsecamente sórdido, que nossas responsabilidades para com

265
os outros já estào, de alguma forniu, fundamentadas 110 pecado e lio u tu
As duas alternativas nào sào nada atraentes.
Nos últimos três capítulos tentei mostrar que há outra maneira de i<||
xergar as coisas e procurei descrever como chegamos até aqui. Por essi m u
tivo desenvolvi o conceito de economias humanas: nelas, o que realineilM
importa sobre os seres humanos é o fato de cada um deles ser um eixo utiii tt
de relações com os demais - portanto, ninguém pode ser consideradi >e *al tt
mente equivalente a alguma coisa ou a alguém. Em uma economia humaiii»,
o dinheiro serve não para comprar ou trocar seres humanos, mas parti «<»i
pressar que tal coisa na verdade não pode ser feita.
Prossegui então descrevendo como tudo isso pode começar a ruir, N
como os seres humanos podem se tornar objetos de troca: primeiro, tulvoR,
as mulheres são dadas em casamento: por fim, elas são capturadas em giu 11 a
Observei que todas essas relações tinham em comum a violência. Seja dl
garotas tivs amarradas e espancadas por fugir dos maridos, seja aos marldt i*
jogados em navios de escravos para morrer em plantações distantes, aplu a
-se o mesmo princípio: é somente sob a ameaça de açoites, cordas, lunsiii
e armas que se pode arrancar alguém de sua rede de relações (com irmAl,
amigos, rivais...) - relações infinitamente complexas que tornam únicas a»
pessoas reduzindo-as, assim, a algo que pode ser trocado.
E importante destacar que tudo isso pode acontecer em lugares ondi<
o mercado de produtos comuns e cotidianos - roupas, ferramentas, gene
ros alimentícios - nem sequer existe. Na verdade, na maioria das economlai
humanas, os bens importantes não podem ser comprados e vendidos pelai
mesmas razões que as pessoas não podem ser compradas nem vendidas: sa<'
objetos únicos, presos a uma teia de relações com os seres humanos.125
John Comaroff, meu antigo professor, costumava contar uma história so
bre uma pesquisa realizada na província de Natal, na África do Sul: ele passai a
mais de uma semana indo de uma propriedade rural a outra em um jipe com
uma caixa cheia de questionários e um intérprete de zulu, atravessando cam
pos com imensos rebanhos de gado. Depois de uns seis dias, o intérprete se
assustou de repente e apontou para um rebanho. “Olhe!", disse ele. “É a mesma
vaca! Aquela ali, com uma mancha vermelha nas costas. Nós passamos por el.i

266
f (tu In -, ili.is cm outro lugar, a quilomctros daqui. () que será c|uc aconteceu?
IfttM t|tic alguém sc casou? Ou será que houve um acordo em alguma disputa?”
Nas economias humanas, quando surge essa capacidade de arrancar as
« t i »as tlc seus contextos, ela é vista na maior parte das vezes como um fim em
B l mesmo. Já encontramos uma pista disso entre os leles. Homens importantes
|<i r i. malmente adquiriam prisioneiros de guerra de lugares distantes para ser-
Vli i <«no escravos, mas quase sempre eles seriam sacrificados em funerais.126
A *upressão da individualidade de um homem era vista, de algum modo,
timio a intensificação da reputação ou da existência social do outro.127 No
t|iic lenho chamado de sociedades heróicas, é claro, esse tipo de adição e
lliln ração da honra e da desgraça deixa de ser uma prática um tanto marginal
| imi .» sc tornar a própria essência da política. Como atestam infinitas epo-
l»i Itis, sagas e narrativas edas, heróis se tornam heróis diminuindo os outros.
Nii Irlanda e no País de Gales, vemos como essa capacidade de degradar os
initros, de retirar os seres humanos de seus lares e famílias e transformá-los
hii unidades anônimas de contabilidade - as meninas-escravas na Irlanda, as
Uvttdciras galesas é em si a mais alta expressão de honra.
Nas sociedades heróicas, o papel da violência não é oculto - é glorifi-
»iido. Muitas vezes, ela pode formar a base das relações mais íntimas das
pessoas. Na Ilíada, Aquiles não vê nada de vergonhoso em sua relação com
unia escrava, Briseida, cujo marido e irmãos ele matou; Aquiles se refere a ela
»i «no seu “preço da honra”, mas ao mesmo tempo também insiste que todo
In «nem decente deve amar e cuidar de seus dependentes, “pois esta eu amei
ilc coração, mesmo que a tenha ganhado com a espada”.128
Que essas relações de intimidade possam se desenvolver entre homens
tlc honra e aqueles que foram arrancados de sua dignidade é algo que a histó-
1 i i.i confirma muito bem. Afinal de contas, a aniquilação de qualquer possibi­
lidade de igualdade também elimina a questão da dívida, de qualquer relação
<|lie não seja a de poder. O que permite algum grau de clareza. Presumivel­
mente, é devido a isso que imperadores e reis têm uma tendência tão notória
Kjiura desfrutar da companhia de escravos ou eunucos.
Mas há algo mais a ser dito. Se observarmos a história em toda a sua
extensão, é impossível não perceber um curioso grau de identificação entre

267
os mais elevados e os mais degradados, principalmente entre im pri ailn M
e reis e escravos. Muitos reis se cercam de escravos, indicam escravos |mi4
ministros - sempre existiram, como entre os mamelucos no Egito, dliM
de escravos. Os reis se cercavam de escravos pelas mesmas razões i|in> «9
cercavam de eunucos: escravos e crim inosos não têm famílias ou uml)(M||j
nem a possibilidade de outras lealdades - ou, pelo menos em principie i, 11AM
deveriam ter. Mas, de certo modo, os reis também deveriam ser assim. < 1Httflj
enfatizam muitos provérbios africanos, o verdadeiro rei tampouco lem jm i
rentes, ou pelo menos age como se não tivesse.129 Em outras palavras, tt>| f
escravo são imagens espelhadas, visto que diferentemente dos seres himtM
nos normais, que se definem por seus compromissos com os outros, icU *
escravos são definidos apenas pelas relações de poder. Eles se assemelham iin
máximo a seres perfeitamente isolados e alienados.
A esta altura, podemos enfim entender o que realmente está cm |uyii
no nosso hábito peculiar de nos definirmos como senhores e escravos ao
mesmo tempo, duplicando os aspectos mais brutais da antiga unidade laml
liar no conceito que temos de nós mesmos, como senhores de nossas lihet
dades ou como proprietários de nosso eu. É a única forma de imaginarmos
a nós mesmos como seres totalmente isolados. Há uma ligação direta enli»
a nova concepção romana de liberdade - não como capacidade de estabrle
cer relações com os outros, mas como poder absoluto de “uso e abuso" do»
escravos conquistados, que representam a maior parte da unidade famill*|
dos romanos abastados - e as estranhas fantasias de filósofos liberais, com» 1
Hobbes, Locke e Smith, sobre a origem da sociedade humana: um agrupa
mento de homens de trinta ou quarenta anos que parecem ter surgido <lo
nada, plenamente formados, e depois decidem matar uns aos outros ou tro­
car peles de castor.130
E verdade que os intelectuais europeus e norte-americanos passaram
grande parte dos últimos duzentos anos tentando escapar das implicações
mais perturbadoras dessa tradição de pensamento. Thomas Jefferson, que
tinha muitos escravos, escolheu começar a Declaração da Independência con
tradizendo sem ambiguidades a base moral da escravidão: “Consideramos
essas verdades evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados

268
tirtlN c que sâo dotados pelo seu Criador de certos direitos Inalienáveis..,"
i r-.i rever essas palavras ele demoliu qualquer alegação de que os ufrlcunos
sem racialmente inferiores e também que eles ou seus ancestrais pudessem
i sido privados, justa e legalmente, de sua liberdade. Ao fazer isso, porém,
i li não propôs uma concepção nova de direitos e liberdades. Tampouco a
| hi ipiiseram os filósofos políticos posteriores. De modo geral, continuamos
«iisientando as antigas concepções, mas com a palavra “não” inserida aqui
m H. A maioria dos nossos direitos e liberdades mais preciosos é uma série
iIr exceções a um quadro legal e moral abrangente que sugere, em primeiro
, que nem sequer deveríamos ter esses direitos e liberdades.
Aboliu-se a escravidão formal, mas (como pode atestar qualquer pessoa
i|iic Irabalhe das nove da manhã às cinco da tarde) a ideia de que podemos
dllrnar a nossa liberdade, pelo menos temporariamente, perdura. Na verdade,
i lii determina o que a maioria de nós tem de fazer com grande parte das ho-
itis que passamos acordados, exceto, como de costume, nos fins de semana.
A violência foi retirada do alcance da vista em ampla medida.131 Mas isso se
ilru principalmente porque não somos mais capazes de imaginar como seria
uni mundo baseado em acordos sociais que não exijam a ameaça contínua
ili armas não letais e câmeras de vigilância.

269
8.
Crédito versus lingotes
e os ciclos da história
O lingote é um acessório de guerra e não de troca pacífica.
G E O FFR EY W . G A R D IN E R

hidri iamos perfeitamente perguntar: se nossas ideias políticas e legais são


h^linmte fundamentadas na lógica da escravidão, então como consegui-
fiii is íiboli-la? Os cínicos, é claro, diriam que ela não foi abolida, apenas rece-
|nu nova denominação. E argumentariam: os gregos antigos com certeza
mInu iam a distinção entre escravo e trabalhador assalariado endividado, na
Hirlhor das hipóteses, uma sutileza legalista.1 Mesmo assim, a eliminação
•lii escravatura formal tem de ser considerada um avanço notável, e vale inda-
ym como ela foi realizada, especialmente se pensarmos que isso não ocorreu
de uma vez. O que há de extraordinário de fato, se consultarmos os registros
históricos, é que a escravidão foi extinta, ressurgindo algum tempo depois,
«ui essivas vezes ao longo da história.
Na Europa, por exemplo, a instituição desapareceu em grande parte nos
»d ulos que se seguiram ao colapso do Império Romano - um feito histórico
iiirumente reconhecido por aqueles que se referem a esses eventos como o
li iii io da “Idade das Trevas”.2Ninguém sabe muito bem como isso aconteceu.
A maioria concorda que a difusão do cristianismo pode ter alguma respon-
..ihilidade no processo, mas essa não pode ter sido a causa direta, uma vez
ijiic a própria Igreja nunca se opôs explicitamente à escravidão e, em muitos
•iisos, defendeu-a. Em vez disso, a abolição parece ter ocorrido apesar das
.iiIludes das autoridades intelectuais e políticas da época. Mesmo assim ela
aconteceu e teve efeitos duradouros. Em nível popular, a escravidão conti­
nuou sendo detestada de maneira tão universal que mesmo m il anos depois,

271
quando tentaram reavivar o comeu lo, os meu adores europeus desi olii
que seus compatriotas nào aprovariam a posse de escravos em suas propillq
dades rurais - por esse e outros motivos, os agricultores foram ohrlgtidm I
adquirir escravos na África e fixar as suas plantações no Novo Mundt >.' I 'iltf
das grandes ironias da história é que o racismo moderno - provávelmt nie n
único mal maior dos últimos dois séculos - teve de ser inventado prlni Iprtl»
mente porque os europeus continuaram se recusando a ouvir os argumn 11o»
de intelectuais e juristas e não aceitaram que qualquer pessoa considet >nU
por eles um ser humano pleno e de direitos iguais pudesse ser justilu ndit
mente escravizada.
Além disso, o fim da antiga escravidão não se limitou à Europa. Nol*.
velmente, na mesma época - por volta de 600 d.C. - encontramos aconl#
cimento parecido na índia e na China, onde, com o passar dos séculos, rift
meio a muita agitação e confusão, a escravatura de modo geral deixou «1«
existir. Isso sugere que momentos de oportunidade histórica - momento»
em que uma mudança significativa é possível - seguem um padrão chi 111,
e mesmo cíclico, que há muito tempo tem sido bem mais coordenado no
plano geográfico do que poderíamos imaginar. O passado tem uma form.i, 1
é somente compreendendo essa forma que podemos começar a dar sentido
às oportunidades históricas que existem atualmente.

A maneira mais fácil de enxergarmos esses ciclos é reexaminando exu


tamente o fenómeno do qual nos ocupamos neste livro: a história do dl
nheiro, da dívida e do crédito. Ao mapear a história do dinheiro nos último»
5 m il anos da história eurasiana, começam a surgir padrões surpreendentes,
No caso do dinheiro, um acontecimento destaca-se entre todos os outros;
a invenção da cunhagem. A cunhagem parece ter surgido de maneira indr
pendente em três lugares diferentes, quase ao mesmo tempo: aproximad;i
mente entre 600 a.C. e 500 a.C. na Grande Planície da China, no vale do rio
Ganges, no nordeste da índia, e nas terras ao redor do mar Egeu. Isso não
ocorreu em razão de uma inovação tecnológica inusitada: as tecnologia
usadas nas primeiras moedas eram totalmente diferentes nos três casos.*

272
| i |ni houve foi uma transformação social. Por que* Isso <u onlt*t eu rxu
pitu nu* dessa maneira é um mistério da história. Mas sabemos que, prlu
■*«111.1 i azão, na Lídia, na índia e na China os governantes concluíram que
H» tlMcmas de crédito existentes havia muito tempo em seus reinos não
Pfmii mais adequados, e por isso começaram a em itir pedaços m inúscu­
lo tl<* metais preciosos - metais que, antes, haviam sido muito usados no
Min i do internacional na forma de lingotes - e a encorajar seus súditos a
»A li is nas transações cotidianas.
A partir de então, a inovação se difundiu. Por mais de m il anos, Estados
iftli inda parte começaram a emitir as próprias moedas. Até que, por volta de
Min d .(m a is ou menos na época em que a escravidão começou a desapare-
m i <i tendência de repente se inverteu. O dinheiro vivo se esgotou. Em todos
m*lugares houve um movimento de retorno ao crédito.
Sc observarmos a história eurasiana no decorrer dos últimos 5 mil anos,
Vi iui is uma alternância entre períodos dominados pelo dinheiro de crédito e
•MM Iodos dominados pelo ouro e pela prata - ou seja, períodos em que pelo
Micnos grande parte das transações era conduzida com pedaços de metais
valiosos passados de mão em mão.
l’or quê? O fator mais importante parece ser a guerra. O lingote predo-
llilna sobretudo em períodos de violência generalizada. Há uma razão muito
•tinples para isso. Moedas de ouro e prata diferenciam-se dos acordos de cré-
<In11por uma característica espetacular: elas podem ser roubadas. A dívida é,
|n 11 definição, um registro, bem como uma relação de confiança. Uma pessoa
ijiic aceita lingotes de ouro ou prata na troca de mercadorias, por sua vez, só
precisa confiar na precisão das escalas, na qualidade do metal e na possibi­
lidade de que outras pessoas também os aceitem. Em um mundo em que a
Hiicrra e a ameaça de violência estão em todos os lugares - e essa parece ter
mdo uma descrição precisa do Período dos Reinos Combatentes na China, da
Idade do Ferro na Grécia e da índia pré-mauriana - há vantagens óbvias na
•.iinplificação das transações. Isso é ainda mais verdadeiro quando lidamos
mm soldados. Por um lado, os soldados tendem á ter acesso a muitos saques,
lia maioria em ouro e prata, e sempre vão procurar uma forma de trocá-
los por coisas melhores. Por outro lado, um soldado itinerante fortemente

273
armado é a própria definição do baixo risco de i redito. (> cenário dt* t-<ii iiiu llM
dos economistas pode ser absurdo quando aplu ado a transações enti«’ Vl(l |
nhos de pequenas comunidades rurais, mas, quando lidamos com tntu«<is<Hfl
entre o morador de tal comunidade e um mercenário de passagem, rir i tffl
meça repentinamente a fazer muito sentido.
Durante grande parte da história humana, então, um lingote de o tifH
ou prata, timbrado ou não, desempenhou a mesma função que a oi.di i< I
de um traficante de drogas contemporâneo cheia de cédulas não mau .nU* I
um objeto sem história, valioso porque se sabe que será aceito em tiot(|fl
por outros bens praticamente em qualquer lugar, sem objeções. Em coii«#a
quência disso, se os sistemas de crédito tendem a dominar em período« •!»
relativa paz social, ou entre redes de confiança (criadas seja pelos Esl.ido», I
seja na maioria dos períodos, por instituições internacionais, como ^ull
das de mercadores ou comunidades de fé), em épocas caracterizada.*. prU
guerra e pela pilhagem eles tendem a ser substituídos pelo metal prei loon j
Fora isso, embora empréstimos predatórios ocorram em todos os período» 1

da história humana, as resultantes crises da dívida parecem ter efeitos mal«


devastadores em épocas em que a moeda é convertida em dinheiro vivo chim
mais facilidade.
Como ponto de partida para qualquer tentativa de distinguir os comp.ii
sos que definem o momento histórico atual, proponho a seguinte análise d» 1
história eurasiana de acordo com a alternância entre períodos de dinheiro vli
tual e dinheiro de metal. O ciclo começa com a Idade dos Primeiros Império» 1

Agrários (3500 a.C.-8oo a.C.), dominada pelo dinheiro de crédito. Segue »• I


então a Idade Axial (800 a.C.-6oo d.C.), tema do próximo capítulo, quando
ocorreu o advento da cunhagem e a mudança geral para o lingote de metal
A Idade Média (600 d.C-1450 d.C.), quando houve um retorno a várias foi
mas de moeda virtual, ou dinheiro de crédito, será abordada no capítulo 10;
no capítulo 11, tratarei da próxima volta do ciclo, a Idade dos Grandes Impé­
rios Capitalistas, que começou por volta de 1450, com um gigantesco retorno
planetário aos lingotes de ouro e prata, e que podemos dizer ter acabado
em 1971, quando Richard Nixon anunciou que o dólar norte-americano não ;
seria mais resgatável em ouro. Isso marcou o início de outra fase do dinheiro
Midi, i ujos contornos finais ainda estào pouco nítidos. No último iupilulo
«trl as descobertas históricas para entender o que essa última fase pode
jiiilit ar e quais oportunidades ela pode abrir.

kli N O f O T Â M I A (3500 A . C . -800 A . C . )

■ tivemos oportunidade de notar o predomínio do dinheiro de crédito na


Meu ipotãmia, a mais antiga civilização urbana de que temos conhecimento.
||iit grandes complexos de templos e palácios, o dinheiro não apenas servia
Dt«l< como unidade de conta do que como algo que passara de mão em mão,
§11111«1lambém mercadores e comerciantes desenvolveram acordos de crédi-
itii próprios. A maior parte desses acordos tinha a forma física de tabuletas
tli* argila, que, inscritas com alguma obrigação de pagamento futuro, eram
lm 1»idas em envelopes de argila e marcadas com o lacre do tomador de em-
•réutimo. O credor guardava o envelope como fiança, e ele seria quebrado
im diante o pagamento. Em algumas épocas ou lugares, pelo menos, essas
hiilliic parecem ter se tornado o que hoje chamaríamos de títulos de crédito,
linm vez que a tabuleta registrava não só a promessa de pagar ao empresta-
•li n original, mas era assinalada com a expressão “ao portador” - em outras
(««lavras, uma tabuleta com o registro de uma dívida de cinco siclos de prata
(«* laxas habituais de juros) podia circular como o equivalente a uma nota
promissória de cinco siclo s-o u seja, como dinheiro.5
Não sabemos com que frequência isso aconteceu, por quantas mãos
fMus tabuletas geralmente passavam, quantas transações foram feitas com
litise no crédito, com que frequência os mercadores pesavam a prata em blo-
tos rústicos para comprar e vender suas mercadorias ou quando era mais
provável que o fizessem. Sem dúvida, tudo isso variou com o tempo. Notas
promissórias geralmente circulavam nas guildas de mercadores, ou entre os
Imhitantes de centros urbanos relativamente prósperos, onde as pessoas se
■1inheciam o bastante para confiar umas nas outras, mas não tão bem a ponto
dr confiarem em outras formas de ajuda mútua que não as tradicionais.6Sa­
bemos ainda menos sobre os mercados frequentados por mesopotâmicos,

275
exceto que os taberneiros truhulhuvain a i redito e provavelmente (umht m
mascates e mercadores de rua.'
A origem dos juros será sempre obscura, pois precedeu a in ve n to
escrita. Na maioria das línguas antigas o termo “juro" é derivado da puliiv
“prole”, o que leva alguns a especular que tenha se originado de emprest intt
de gado, mas essa interpretação parece um pouco literal demais. íi mais pit
vável que os primeiros empréstimos a juros a se generalizarem tenham sltf
comerciais: templos e palácios encaminhavam produtos a mercados <■
tes comerciais, que os trocavam nos reinos vizinhos ou durante expcdl^M
comerciais no exterior.8
A prática é significativa porque implica uma fundamental falta dc «oi|i
fiança. Afinal, por que não exigir uma parcela dos lucros? Isso parei e iimll
justo (um mercador que entrasse em falência provavelmente não teria 11uiUt<
pagar um empréstimo), e as parcerias de divisão de lucro desse tipo drpolt
tornaram-se prática comum no Oriente Médio.9A resposta parece ser
as parcerias de divisão de lucro eram realizadas em geral entre mercadoies,
ou por pessoas de origens e vivências semelhantes, que não perdessem «U
vista umas às outras. Os burocratas dos templos e palácios e os mercadi >iv|
itinerantes tinham pouco em comum, e os primeiros parecem ter concluuln
que não se podia confiar por completo em um mercador vindo de terras ills
tantes e cujas aventuras talvez não fossem tão honestas. Uma taxa fixa d»

juros tornaria irrelevantes quaisquer histórias inventadas por comercianlr»


criativos sobre roubos, naufrágios ou ataques de cobras e elefantes alados
O retorno era fixado de antemão.
Essa ligação entre o empréstimo e a mentira, a propósito, é importa ntr
para a história. Heródoto observou a respeito dos persas: “Para eles, con
tar uma mentira é a maior das desgraças, é quase como ter uma dívida |..,|
principalmente porque pensam que endividados são mentirosos por neces­
sidade”.10 (Depois, Heródoto relata uma história que lhe foi contada por um
persa sobre as origens do ouro que os persas obtiveram na índia: eles o rou
baram do ninho de formigas gigantes.)11 A parábola do devedor implacável,
contada por Jesus, ridiculariza a questão (“Dez m il talentos? Tem paciên
cia comigo e tudo te pagarei”), mas mesmo nesse caso podemos ver como

276
»-mis Inúmeras falsidades contribuíram para criar a ideia mais abrangente
di i|ue um mundo em que relações morais são concebidas como divida, ainda
i|in isso seja estimulante em certos aspectos, também é necessariamente um
Unindo de corrupção, culpa e pecado.
Na época dos documentos sumerianos mais antigos, é provável que esse
intitulo ainda não existisse. No entanto, o princípio de empréstimo a juros,
•tu mesmo a juros compostos, já era conhecido de todos. Em 2402 a.C., por
m niplo, uma inscrição do rei Entemena de Lagash - uma das primeiras de
ijiii' temos conhecimento - reclama que seu inimigo, o rei de Umma, tinha
11111pado uma ampla faixa de terras cultiváveis que havia décadas perten-
11.1,1 Lagash por direito. Ele declara: se tivéssemos de calcular as taxas de
iilii^uel por aquela terra, e depois os juros devidos, compostos anualmente,
I ui 11luiríamos que Umma agora deve a Lagash 4,5 trilhões de litros de cevada.
A soma era, como na parábola, intencionalmente absurda.12Era apenas uma
desculpa para começar uma guerra. Ainda assim, ele queria que todos tomas­
sem conhecimento de que ele sabia calcular.
A usura - no sentido de empréstimos a juros ao consumidor - também
li >1estabelecida na época de Entemena. O rei teve sua guerra declarada e a ven-
t cu. Dois anos depois, ainda no calor da vitória, ele foi obrigado a publicar ou-
II n edito: o cancelamento geral das dívidas em seu reino. Como se vangloriou
nlgum tempo depois, “ele instituiu a liberdade (am argi) em Lagash. Restituiu
1is fdhos às mães, as mães aos filhos; anulou todos os juros não pagos”.13 Com
deito, foi a primeira declaração desse tipo de que temos notícia - e a primeira
ve/, na história que a palavra “liberdade” apareceu em um documento político.
O texto de Entemena não é muito detalhado, mas, meio século depois,
1|iiando seu sucessor Urukagina declarou anistia geral durante as cerimônias
dc ano novo de 2350 a.C., os termos foram todos explicitados, e eles cor-
1rspondem ao que se tornaria típico dessas anistias: o cancelamento não só
dos empréstimos em aberto, mas de todas as formas de servidão por devida,
mesmo aquelas baseadas no não pagamento de tarifas ou sanções penais - os
nnpréstimos comerciais eram a única exceção.
Declarações semelhantes são encontradas repetidas vezes, tanto em re­
gistros sumérios como em babilônios e assírios posteriores, e sempre com

277
os mesmos temas: o restabelecimento da “justiço c igualdade", ;i protraiu
viúvas e órfãos, para garantir - como diria I iamurabi ao abolir as dívida» 114
Babilônia em 1761 a .C .-“que os fortes não oprimam os fracos”.14Nas ptdavrM
de Michael Hudson:

A ocasião designada para limpar a lousa financeira da Babilônia foi o fr si iv<t|


de ano novo, celebrado na primavera. Os governantes babilónicos miji»!
visionaram o ritual de “quebrar as tábulas”, ou seja, os registros dc dlvl
das, restabelecendo o equilíbrio econômico como parte da renovíiç.h 1dit
calendário da sociedade junto com o restante da natureza. Hamurabí c n'til
cogovernantes assinalaram essas proclamações acendendo uma tocl 1H, pio
vavelmente para simbolizar o deus-sol da justiça, Shamash, cujos priiu iplot
supostamente guiavam os governantes sábios e justos. As pessoas mant idm
como peões de dívida foram libertadas e voltaram para suas famílias. OuirtíJ
devedores ganharam de volta o direito de cultivar suas terras consuel udlnfc
rias, livres de quaisquer gravames hipotecários que tivessem acumuladt •1'

Durante os milhares de anos seguintes, essa mesma lista de decisôcft 4


anulação de dívidas, destruição de registros, realocação de terra-se tornm 1.1
a lista-padrão das exigências de camponeses revolucionários em todos 04
lugares. Na Mesopotâmia, os governantes parecem ter evitado a possibilid.uli
de revoltas instituindo reformas similares como um gesto grandioso dc 11*
novação cósmica, uma recriação do universo social - na Babilônia, duranlp
a mesma cerimônia em que o rei reencenava a criação do universo físicO
pelo deus Marduque. A história da dívida e do pecado era apagada e tudo
começava de novo a partir de então. Mas também está claro o que eles viaitl
como alternativa: o mundo imerso no caos, com os agricultores deixando
suas terras para se juntar aos pastores nômades, e, por fim, caso o colapso
continuasse, retornando para invadir as cidades e destruir tudo.
♦ M I I ) ( 2 6 5 0 A .C .-716 A.C.)

IM ylli»representa um contraste interessante, pois, durante grande parte da lils


Ihi 1,1, ,ili tentou-se evitar a todo custo o desenvolvimento da dívida com juros.
Assim como a Mesopotâmia, o Egito era extraordinariamente rico para
(iii |hidrões antigos, mas também era uma sociedade autossuficiente, um rio
Étli' «travessava o deserto, e muito mais centralizada que a Mesopotâmia.
111.11.10 era um deus, e as burocracias do Estado e dos templos participavam
lir ludi >: havia uma quantidade enorme de taxas e uma distribuição contínua
1I1 |ii irções de terra, salários e pagamentos do Estado. A li também o dinheiro
Iludiu claramente como meio de conta. A unidade básica era o deben ou “me-
illilii" referindo-se originalmente a medidas de grãos e, depois, de cobre e
|Miil.1, Alguns registros deixam nítida a natureza de luta livre da maioria das
iMiisações:

No 15oano de Ramsés 11 [c. 1275 a.C.], um mercador ofereceu à egípcia Ere-


nofre uma escrava síria cujo preço, sem dúvida depois de uma barganha,
foi fixado em 4 deben e 1 kite [cerca de 373 gramas] de prata. Erenofre juntou
iiljjumas peças de roupa e cobertores no valor de 2 deben e 2X kite - os deta­
lhes estão descritos no registro - e pegou emprestada uma miscelânea de
objetos com os vizinhos - vasos de bronze, um pote de mel, dez blusas, dez
deben de lingotes de cobre - até atingir o preço da escrava.16

A maioria dos mercadores era itinerante, composta ou de estrangeiros


nu de agentes comerciais que trabalhavam para os grandes proprietários de
ln 1,1. No entanto, não há muitos indícios de créditos comerciais; os emprésti­
mos 110 Egito muito provavelmente ainda assumiam a forma de ajuda mútua
mire próximos.17
Colocando em termos mais simples: na Mesopotâmia, os empréstimos
ii |iiros feitos por autoridades dos templos e palácios substituía a falta dç um
kl11ema abrangente de tributação. No Egito isso não era necessário.
F.mpréstimos substanciais e legalmente executáveis, daqueles que po-
ilcin levar à perda de terras ou familiares, são documentados, mas parecem

279
ser raros e muito menos nocivos, pois nflo eram a juros. I)e iinuu l
semelhante, é comum ouvirmos (alar de servos por dívida, ou escravo1»|u
dívida, mas parece ter sido um fenômeno raro e nada sugere que tenht» .0 Itl«
gído proporções críticas, como acontecia com frequência na Mesopoi.lmH
e no Levante.18
Na verdade, nos primeiros milênios, parece que estamos em um m i m d t f i
um tanto diferente, onde a dívida era de fato uma questão de “culpa" e tr.ii > id *
muitas vezes como questão penal:

Quando um devedor não pagava a tempo o que devia, o credor podia levá lit
aos tribunais, onde seria exigido que o devedor prometesse pagar a divliU
completa em uma data específica. Como parte da promessa - feita sob jii
ramento - o devedor também se comprometia a levar cem bordoadas
pagar o dobro do empréstimo original se não conseguisse quitar a dívida
na data especificada.19

E importante considerar o “e/ou”. Não havia distinção formal entre um.i


multa e uma surra. Na verdade, o propósito do juramento (como o costum»
cretense de o tomador de empréstimo fingir apanhar o dinheiro do bolso d<'
credor) parece ser criar a justificativa para a ação punitiva: assim, o deved( ti
poderia ser punido tanto como perjuro quanto como ladrão.20
Há mais indícios de mercados na época do Império Novo egípcio (15S "

a.C-1070 a.C.), mas é somente quando chegamos à Idade do Ferro, antes de <»
Egito ser absorvido pelo Império Persa, que começamos a ver indícios de cri
ses da dívida como as que ocorriam na Mesopotâmia. Fontes gregas, por
exemplo, registram que o faraó Bakenranef (que reinou de 720 a.C. a 715 a.C.)
decretou a abolição da servidão por dívida e anulou todos os compromissos
financeiros pendentes, pois “sentia que seria absurdo um soldado, talvez no
momento em que se preparava para lutar por sua pátria, ser levado preso
por seu credor devido a um empréstimo não pago” - o que, se verdadeiro,
também é uma das mais antigas alusões à prisão por dívida.21 Sob o governo
ptolemaico, a dfnastia grega que governou o Egito depois de Alexandre, a
proclamação periódica de “tábulas rasas” se institucionalizou. É sabido que

280
IVi Ii tt de Roseta, esteia escrita em grego e egípcio, foi a chave que possibili
Itin it ti adução dos hieróglifos. Poucos sabem, no entanto, o que está escrito
Ml« A esteia foi erguida originalmente para anunciar uma anistia, tanto para
■pVdli>res como para prisioneiros, declarada por Ptolomeu v em 196 a.C.22

I I I IN A (2200 A.C.-771 A.C.)

Ni!" podemos dizer quase nada sobre a índia durante a Idade do Bronze,
pois seus escritos permanecem indecifráveis, tampouco sobre a China antiga.
II pouco que sabemos - basicamente dados recolhidos de escassas fontes
piwleriores - sugere que os Estados chineses mais antigos eram bem menos
Iniou ráticos que seus primos ocidentais.23 Como não havia nenhum templo
»riu 1.ilizado ou sistema palaciano com sacerdotes e administradores contro-
UihIi t os depósitos e registrando as entradas e saídas, havia pouco incentivo
| mih criar uma unidade de conta única e uniforme. Em vez disso, os fatos
tllgeivm um caminho diferente - que moedas sociais correntes de vários ti-
pnK ,iinda dominavam nas áreas rurais e eram convertidas para propósitos
loinerciais em negociações com estranhos.
Fontes posteriores recordam que os primeiros governantes “usavam
pírolas e jade como método superior de pagamento, ouro como mediano e
1.« as e espadas como inferior”.24O autor só pode estar se referindo a dádivas
hierárquicas aqui: reis e grandes magnatas recompensando seus seguidores
por serviços realizados, em teoria, voluntariamente. Na maioria dos lugares,
longos cordões de conchas aparecem de maneira significativa, mas mesmo
liessc caso - embora vejamos referências frequentes ao “dinheiro de búzios
ilii ( hina”, e é muito fácil encontrar textos em que o valor de dádivas suntuo-
s.is era medido em búzios - nunca fica claro se as pessoas de fato os carrega-
v.mi por aí para comprar e vender coisas nos mercados.25
A interpretação mais provável é que as pessoas carregassem os búzios,
nus, como durante muito tempo os próprios mercados tivessem pouca
Importância, o uso dos búzios não foi nem de longe tão importante quanto
o uso comum das moedas sociais: presentes de casamento, multas, tarifas

281
e símbolos de honra.26De qualquer modo, todas as fontes insistem que ha
uma grande variedade de moedas em circulação. Como afirma Schcldtl, i
dos principais pesquisadores contemporâneos do dinheiro antigo:

Na China pré-imperial, o dinheiro tinha a forma de conchas, tanto <m 1

quanto - de modo crescente - imitações em bronze, cascos de (ar


ouro e (raramente) barras de prata e, de modo mais notável-pelo mriHisf)
partir de 1000 a.C. - o dinheiro-utensílio na forma de espadas e fai as |i4l!
de bronze.27

Essas formas de dinheiro eram frequentemente usadas entre pessoM


I
que não conheciam umas às outras muito bem. Para tabelarem dívidas t'H» j
tre vizinhos, com vendedores locais ou com o governo, as pessoas parei riH
ter usado uma variedade de instrumentos de crédito: historiadores chim sm
posteriores afirmaram que os primeiros desses instrumentos foram fios i ■mm
nós, um sistema parecido com o sistema quipo dos incas, e depois lâmina»
entalhadas de madeira ou bambu.28Como na Mesopotâmia, eles parecem in
precedido em muito tempo a escrita.
Não sabemos quando a prática do empréstimo a juros chegou à Chma,
ou se a China da Idade do Bronze passou pelas mesmas crises da dívida o i»ir
ridas na Mesopotâmia, mas há pistas tentadoras em documentos postei lo
res.29Por exemplo, lendas chinesas sobre a origem da cunhagem atribuíam
sua invenção a imperadores que tentavam aliviar os efeitos de desastres n.t
turais. Um dos primeiros textos da dinastia Han relata:

Nos tempos antigos, durante as enchentes de Yu e as secas de Tang, as pes­


soas ficavam tão exaustas que se viam forçadas a tomar alimentos e roupas
emprestadas com outras pessoas. [O imperador] Yu cunhou a moeda para
seu povo usando ouro do monte Li, e [o imperador] Tang também o fez com
cobre do monte Yan. O mundo então os chamou de benevolentes.30

Outras versões são um pouco mais explícitas. O Guanzi, uma coletânea


que, na China imperial, se tornou o principal compêndio sobre política e

282
Iiiiiomia. afirma: “Muitas pessoas nem sequer tinham mingau pata tornn
limam forçadas a vender os próprios filhos. Para resgatar essas pesse >as, T.«ng
Itiiiihiiu a moeda”.31
A história é um tanto extravagante (datam de pelo menos mil anos
tli pois as origens verdadeiras da moeda cunhada), e é muito difícil saber
ÿtimo interpretá-la. Será que reflete a memória de crianças levadas como
Hitilça de dívida? À primeira vista, tem-se a sensação de que são pessoas
Mnnliilas vendendo definitivamente os filhos - prática que depois se torna-
I lit lo in u m em certos períodos da história chinesa.32 Mas a justaposição de
tMiipréstimos e venda de crianças é sugestiva, principalmente se considerar-
IhDN o que acontecia no outro lado da Ásia exatamente na mesma época.
I I h iiíin zi depois explica que esses mesmos governantes instituíram o cos­
tume de guardar 30% da colheita em celeiros públicos para redistribuição em
Klliergências, garantindo assim que ninguém passasse de novo por dificulda-
di 1extremas. Em outras palavras, eles começaram a montar o mesmo tipo
di 111mazéns burocráticos que, em lugares como Egito e Mesopotâmia, foram
fvuponsáveis pela criação do dinheiro como unidade de conta.

283
9.
Idade Axial
(800 a.C. - 600
Designemos esse período como “Idade Axial”, um período
repleto de eventos extraordinários. Na China viveram Confúcio
e Lao-tsé, e ali surgiram todas as tendências da filosofia chinesa
[...]. Na índia foi a época dos Upanixades e de Buda; como na
China, desenvolveram-se todas as tendências filosóficas, in­
cluindo o ceticismo e o materialismo, a sofística e o niilismo.
K A R L JASPERS, W A Y T O W ISD O M

A expressão “Idade A xial” foi cunhada pelo filósofo alemão existencialista


Kiii I Jaspers.1 Ao escrever uma história da filosofia, Jaspers admirou-se do
l.do de figuras como Pitágoras (570 a.C-495 a.C.), Buda (563 a.C-483 a.C.) e
( itiifúcio (551 a.C-479 a.C.) terem sido contemporâneas, e também de que,
nesse mesmo período, na Grécia, na índia e na China houvesse um súbito flo-
lescer de discussões entre escolas intelectuais rivais e de que, aparentemente,
1ida um dos grupos não soubesse da existência do outro. Assim como a
invenção da cunhagem na mesma época, o motivo desse acontecimento
1ontinua sendo um mistério. O próprio Jaspers não tinha uma explicação
para isso. Até certo ponto, sugeriu ele, pode ter sido um efeito de condições
históricas semelhantes. Para a maioria das grandes civilizações urbanas da
opoca, o início da Idade do Ferro foi uma espécie de pausa entre impérios,
uma época em que os cenários políticos se decompuseram em um tabuleiro,
em sua maior parte, composto de reinos e cidades-Estado diminutos, em
guerra quase constante com outros cenários e encerrados em um çonstante
ebate político. Em cada caso, testemunhou-se o desenvolvimento de algo
semelhante a uma cultura marginal, com devotos e sábios se retirando da vida

285
social ou perambulando de cidade em i idade em busca de conhci luti nitljl
muitas vezes, também eram absorvidos pela ordem política como um inHIH
tipo de elite intelectual ou espiritual, como no caso dos sofistas grego«, pltM
fetas judeus, sábios chineses ou gurus indianos.
Jaspers argumenta que, independentemente das razões, o resultado ln| t|
primeiro período na história em que os seres humanos aplicaram priiu ípli 14f |
investigação racional a grandes questões da existência humana. Ele notou <|Hf
todas essas vastas regiões do mundo, China, índia e Mediterrâneo, viram o m i »ui
mento de tendências filosóficas semelhantes, do ceticismo ao idealismo n.i vm
dade, que os filósofos em cada um desses lugares chegaram mais ou meiioi 04
mesma época a noções sobre a natureza do Cosmos, da mente e da ação luiiiMtMl 1
e sobre os propósitos da existência que continuam sendo objeto da filosoli» nr
hoje. Como um dos discípulos de Jaspers viria a afirmar - exagerando apciiM 1
um pouco -, “não houve ideias originais desde aquela época”.2Para Jaspers, o p»
ríodo tem início com o profeta persa Zaratustra, por volta de 800 a.C., e tei min*
em 200 a.C., seguido então pela Idade Espiritual, em cujo centro estão figniiu
como Jesus Cristo e Maomé. Para meus propósitos, acho mais útil unir os di 1I4
períodos. Desse modo, vamos definir o início da Idade Axial em 800 a.C. e wil
final em 600 d.C.5Isso faz da Idade Axial o período que assistiu ao nascimento
não só das principais tendências filosóficas do mundo, mas também de todíis .1*
principais religiões atuais: zoroastrismo, judaísmo profético, budismo, jainisim 1
hinduísmo, confucionismo, taoismo, cristianismo e islamismo.4
O leitor atento deve ter percebido que o núcleo da Idade Axial de Jaspor»
- o período em que viveram Pitágoras, Confúcio e Buda - corresponde quaw
exatamente ao período em que a cunhagem foi inventada. Além disso, as trÍ4
regiões em que as moedas foram usadas pela primeira vez são exatamente
as regiões em que viveram esses sábios; com efeito, três áreas se tornaram
epicentros de criatividade religiosa e filosófica na Idade Axial: os reinos e .is
cidades-Estado ao redor do rio Amarelo na China, no vale do Ganges no norte
da índia e às margens do mar Egeu.
Mas qual era a conexão entre a cunhagem e o florescimento cultural?
Deveríamos começâr perguntando o que é uma moeda. A definição normal
é que uma moeda é um pedaço de metal valioso, moldado em uma unidade

286
Í
m!ionizada, com a inscrição de algum emblema ou marca de autcnlk Nçito
t primeiras moedas metálicas do planeta parecem ter sido criadas no reino

1 1 idla, a oeste da Anatólia (hoje Turquia) por volta de 600 a.C.5 Essas moe-
1«1ndimentares eram basicamente pedaços redondos de eletro - uma liga de
|fi 1c prata que podia ser encontrada em abundância na região do rio Pactolo.
|*«rN Iragmentos eram aquecidos, depois forjados com algum tipo de insígnia.
Illli lalmente estampadas apenas com algumas letras, elas parecem ter sido fa-
(llli mias por joalheiros comuns, mas desapareceram quase instantaneamente
» 1.11.1111 substituídas por moedas manufaturadas em uma recém-fundada casa
1I1 1linhagem real. As cidades gregas na costa anatoliana começaram a estam-
| mi nuas moedas, que logo foram adotadas na própria Grécia; o mesmo ocor-
I HMi no Império Persa depois de ter incorporado a Lídia em 547 a.C.
Tanto na índia como na China observamos o mesmo padrão: inventada por
1liludãos comuns, a cunhagem foi rapidamente monopolizada pelo Estado. A
|MImcira moeda indiana, que parece ter surgido no século vi, consistia em barras
•Ir prata desbastadas e reduzidas até atingirem um peso uniforme, que então
n >1111gravadas com algum tipo de símbolo oficial.6A maior parte dos exemplos
■li icobertos pelos arqueólogos inclui diversas incisões complementares, feitas
posteriormente, acrescentadas da mesma maneira que se endossa um cheque
1mi outro instrumento de crédito antes de transferi-lo. Isso sugere fortemente
i|tie as barras estavam sendo usadas por pessoas acostumadas com instrumen­
tos de crédito mais abstratos.7 Boa parte da antiga cunhagem chinesa também
purree ter se desenvolvido a partir das moedas sociais: algumas eram forjadas
rni bronze na forma de búzios, embora outras tivessem a forma de minúsculas
Iflminas, discos ou espadas. Em todas as três regiões, os governos locais rapida­
mente entraram no negócio - talvez no intervalo de uma geração.8No entanto,
i (imo em cada uma das três áreas havia uma quantidade de pequenos Estados,
liso significa que cada uma delas teve ampla variedade de sistemas monetários.
Cor exemplo, por volta de 700 a.C., o norte da índia ainda era dividido em jana-
padas ou “territórios tribais”, alguns eram monarquias e outros repúblicas, e no
I «éc ulo vi ainda havia pelo menos dezesseis reinos. Na China, esse foi o período
c*mque o antigo Império Zhou se dissolveu em principados rivais (o Período
das Primaveras e Outonos, 722 a.C-481 a.C.), depois se fragmentou, em uma
287
siI w.IVIO I .loiii .1, dur.mtc I I IU I unliuli is Krnu>s ( ■imlulcutcs ( | ", .1 < ; )\ i| I ) 1 ffl
Assim como as c. idades I si.ulo gregas. Iodos i >s icim is «|iu se ( 01 isi 11111.1111, müH 1 1

importa quão diminutos, almejavam cmitii a própria morda corrente 0I11 l,il
Estudos recentes ajudaram a lançar luz sobre como isso oconru. ( »mu, H f l
prata e bronze - materiais de que as moedas eram feitas - foram o melii d#
troca do comércio internacional durante muito tempo; mas, ale enlrtii, k iiil
mente os ricos tinham grandes quantidades desses metais. Um (a/.nidiMitf
sumeriano típico talvez jamais tivesse oportunidade de segurar nas m.)u« mil 1
pedaço significativo de prata, exceto talvez em seu casamento. Os metal* utiilt
preciosos eram transformados em adereços femininos e cálices tradk Iuim U
ofertados pelos reis aos seus dependentes, ou simplesmente estocado» mu
templos, em forma de lingotes, como garantia de empréstimos. I )c al^iim* I
maneira, durante a Idade Axial, tudo isso começou a mudar. Grandes quaii
tidades de prata, de ouro e de cobre deixaram de ser “entesouradas”, iiin iii
gostam de dizer os historiadores da economia; os metais foram retirad«>s dm ]
templos e das casas dos ricos e postos nas màos de pessoas comuns, divldidin
em pedaços menores, e começaram a ser usados nas transações cotidiana»,
Como? O helenista israelense David Schaps apresenta a sugestão ni.il«
plausível: a maioria foi roubada. Foi um período de guerra generalizada, t>I
da natureza da guerra o assalto às mais preciosas propriedades.

Os soldados começam os saques primeiro à procura de mulheres, bebida«


alcoólicas e comida, mas também procuram materiais de valor que posamii
ser carregados com facilidade. Exércitos permanentes tendem a acumtiU
muitas coisas valiosas e portáteis - e os itens mais valiosos e portáteis são .11
tefatos de metal e pedras preciosas. As prolongadas guerras entre Estados 11
vais nessas áreas podem muito bem ter gerado pela primeira vez uma grandt
população detentora de metais preciosos e uma necessidade premente di
bens essenciais ao dia a dia [...].
Onde há pessoas interessadas em comprar haverá pessoas interessadan
em vender, como apontam inúmeros tratados sobre mercados negros, tráfim
de drogas e prostituição [...]. O constante estado de guerra da Grécia antiga
das janapadas na índia e dos Reinos Combatentes na China foi um ímpoln j

288
r Inrtc para o desenvolvimento do comércio, e em particular para oioinér» lt>
baseado na troca de metais, geralmente em pequenas quantidades. Sc os
duques colocaram metais preciosos nas mãos dos soldados, o mercado os
viria a espalhar nas mãos da população.9

( )ra, podemos conjecturar que a guerra e a pilhagem não eram novidade.


A* epopeias homéricas, por exemplo, mostram um interesse quase obsessivo
pi l,i divisão de espólios. É verdade, mas a Idade Axial também via nascer -
i< pilo, tanto na China como na índia e no Egeu - um novo tipo de exército,
l i «I i ipi isto não de guerreiros aristocratas e seus serviçais, mas de profissionais
(trinados para o combate. O período em que os gregos começaram a usar a
I linhagem, por exemplo, também foi o período em que desenvolveram suas fa-
Ktnsas táticas de falange, que exigiam a formação e o treinamento constante de
luldados hoplitas. Os resultados foram tão extraordinariamente eficazes que
nu mercenários gregos começaram a ser requisitados em diversos lugares, do
I t(llo à Crimeia. Mas, a despeito dos serviçais da época de Homero, que podiam
»Implesmente ser ignorados, um exército de mercenários treinados precisa ser
h>i i impensado de alguma maneira significativa. Era possível retribuir-lhes com
||itdo, mas gado é mercadoria difícil de transportar; ou com notas promissórias,
mus elas seriam inúteis em um lugar habitado por mercenários. Dar, a cada um,
U niii pequena parte da pilhagem parece ter sido a solução óbvia.
Esses novos exércitos estavam, direta ou indiretamente, sob o controle
•Ir governos, e cabia aos governantes transformar esses pedaços de metal em
Mlocda corrente genuína. A principal razão disso é a escala: criar moedas em
numero suficiente para as pessoas começarem a usar nas transações diárias
mlgia uma produção em uma escala que excedia em muito a capacidade dos
lei reiros ou mercadores locais.10É claro, já vimos por que os governos podem
lei lido algum incentivo para isso: a existência de mercados era extremamente
II inveniente para os governos, e não só porque facilitava a provisão de grandes
Wércitos permanentes. Ao afirmar que aceitavam apenas as próprias moedas
Ik i i . i o pagamento de multas, taxas ou impostos, esses governos conseguiram
ocar as moedas sociais existentes nas regiões interiores, estabelecendo assim
algo parecido com mercados nacionais uniformes.

289
De fato, dc acordo com certa teoria, as primeiras moedas d.i l.iditi I<>mim
criadas com a intenção manifesta dc pagar a mercenários." Talvez isso ii|ntlM 4
explicar por que os gregos, que abasteciam a maioria dos mercenários, sem 11*111 j
maram tão rapidamente ao uso das moedas, e por que o uso da cunhagem se i'N|hH
lhou tão rapidamente no mundo helenístico, de modo que em 480 a.C. já exMMM
pelo menos cem casas de cunhagem funcionando em diferentes cidades ^tc^ilU
mesmo que, na época, nenhuma das grandes nações comerciais do Meditei iflitlNl
tivesse demonstrado o mínimo interesse por elas. Os fenícios, por exemple >, erftfl I
considerados os maiores mercadores e banqueiros da Antiguidade.12Eles t.imlitfifl 1
foram grandes inventores, os primeiros a desenvolver o alfabeto e o ábac< >. (1 iH*I
tudo, durante séculos depois da invenção da cunhagem, eles preferiam cont iniim
fazendo negócios da maneira habitual, com lingotes brutos e notas promlMÉÍl
rias.13 As cidades fenícias foram utilizar moedas apenas em 165 a.C., e cmbuia I
Cartago, a grande colônia fenícia no norte da África que dominou o coméri 1«1IM| I
Mediterrâneo ocidental, tenha começado a usá-las um pouco antes, foi “obrl^iU
a usá-las para pagar a mercenários sicilianos; além disso, suas inscrições eram
gravadas em idioma púnico, ‘para o exército em campanha’”.14
Por outro lado, no ambiente de extraordinária violência da Idade Axial, «*i
uma “grande nação comercial” (em vez de, digamos, uma potência militar agrcs*IV|l
como Pérsia, Atenas ou Roma) não era, em última instância, um negócio atmenir
O destino das cidades fenícias é instrutivo. Sídon, a mais rica, foi destruída prlu
imperador persa Artaxerxes ui após uma revolta ocorrida em 351 a.C. Acreditu m>
que 40 mil habitantes tenham cometido suicídio em massa em vez de se renderem
Dezenove anos mais tarde, Tiro foi destruída depois de um cerco prolongado dc Air
xandre: 10 mil morreram em batalha, e 30 mil sobreviventes foram vendidos como
escravos. Cartago durou mais tempo, mas, quando os exércitos romanos finalninilr
atacaram a cidade, em 146 a.C., estima-se que centenas de milhares de cartaginew»
tenham sido violentados e assassinados, e 50 mil prisioneiros tenham sido leva<l«n
a leilão. Depois disso, a cidade foi destruída e seus campos, cobertos de sal.
Tudo isso diz muito da atmosfera de violência em que o pensamento d<t
Idade Axial se desenvolveu.15 Mas também nos faz, mais uma vez, nos questlo*
«* '.V'1

nar: qual era exatamente a relação existente entre cunhagem, poderio milit.n
e esse florescimento inaudito de ideias?

290
II MI D IT E R K Â N E O

A* melhores informações que temos são do mundo mediterrâneo, c já i.il.i


HHi i ilisso em linhas gerais. Comparando Atenas - com seu império marítimo
(tem distribuído - a Roma, é possível destacar semelhanças surpreendentes.
|titi itmbas as cidades, a história começa com uma série de crises da dívida. Em
Atetus, a primeira crise, que culminou nas reformas de Sólon em 594 a.C., é
||ti iiiltiga que a cunhagem dificilmente teria exercido alguma influência nos
m1iiiiccimentos. Em Roma, também, as primeiras crises parecem ter precedido
ti mlvento da moeda corrente. Nos dois casos, a cunhagem foi justamente a
I Hiluçào para a crise. Em resumo, pode-se dizer que esses conflitos sobre a dí-
viil.i ensejaram dois caminhos possíveis. O primeiro foi que os aristocratas se
mil .1111 melhor e os pobres continuaram a ser “escravos dos ricos” - o que na
|Miil li a quer dizer que a maioria das pessoas se tornaria dependente de algum
pmrnno rico. Isso gerou Estados militarmente ineficazes.16O segundo foi que
iin liii ções populares conseguiram se impor e instituir um programa de redistri-
buMo de terras e proteção contra a servidão por dívida, criando assim a base
|irti ,1 uma classe de camponeses livres cujos descendentes, por sua vez, seriam
lambem livres inclusive para passar bastante tempo treinando para a guerra.17
A cunhagem teve um papel fundamental na manutenção desse tipo de
I wh; campesinato - um campesinato com a posse de suas terras assegurada,
nem ligações com um senhor ou a vínculos de dívida. Na verdade, as políticas
(Ui .tis de muitas cidades gregas eram não mais que sistemas elaborados para
.1 distribuição de pilhagens. E importante enfatizar que poucas cidades an-
1 i ^. is , se é que houve alguma, chegaram ao ponto de proibir completamente

empréstimos predatórios ou servidão por dívida. Em vez disso, elas resolve-


iiim o problema por meio da moeda. O ouro e principalmente a prata eram
adquiridos em guerra ou extraídos por escravos capturados em guerra. As
•tis.is de cunhagem ficavam nos templos (local tradicional para armazenar
pilhagens), e as cidades-Estado desenvolveram inúmeras delas para distribuir
moedas, não só para soldados, marinheiros e produtores de armas ou navios
de .ibastecimento, mas para a população em geral, como gratificações por
p.ii licipação em júris, assembleias públicas ou simplesmente por distribuição

291
direta, como fez Atenas quando se descobriu um novo veio de prata nu» u ttf
nas de Laurium em 483 a.C. Ao mesmo tempo, garantir que as mesmo* m i t f a
das serviam como dinheiro legal para todos os pagamentos devidos ao I MiuM
assegurou que elas eram capazes de prover a demanda que os mercadt
desenvolveriam.
De maneira semelhante, muitas das crises políticas nas antigas ( idiiditfl
gregas levaram à distribuição de espólios. Vejamos outro incidente reglM 1 nlu ]
por Aristóteles, que nos dá uma visão conservadora sobre a origem de uHffl
golpe na cidade de Rodes por volta de 391 a.C. (“demagogos”, aqui, rcfeie
aos líderes da democracia):

Os demagogos precisavam de dinheiro para pagar a quem compare« 1,1 M 1


assembleias e participava dos júris; pois, se as pessoas não comparei <•\m 111,1
os demagogos perderiam influência. Eles conseguiram levantar peli>mc 111x
parte do dinheiro de que precisavam evitando o pagamento devido aos 111*
mandantes dos trirremes [navios de guerra] contratados pela cidade put*
construir e preparar trirremes para a frota de Rodes. Como os comand.mli'»
não foram pagos, eles não conseguiram, por sua vez, pagar a seus for nr« e
dores e trabalhadores, e foram levados aos tribunais. Para fugir dos pri» eu
sos, os comandantes se juntaram e derrubaram a democracia.18

Foi a escravidão, no entanto, que possibilitou tudo isso. Como sugerem


as fontes a respeito de Sídon, Tiro e Cartago, muita gente era escravizada rtil
conflitos como esses, e, é claro, muitos escravos iam trabalhar nas minas, prt 1
duzindo ainda mais ouro, prata e cobre. (Consta que as minas em Laurium
empregaram de 10 m il a 20 m il deles.)19
Geoffrey Ingham chama esse sistema de “complexo de cunhagem m ilita i"
- embora para mim seja mais apropriado chamá-lo de “complexo de cunhagei 11
m ilitar escravista”.20De todo modo, ambas as formulações descrevem de ma
neira bem apropriada como ele funcionava na prática. Quando Alexandre sr
lançou à empreitada de conquista do Império Persa, ele tomou de empréstimo
grande parte do dinheiro - usado para pagar e abastecer suas tropas, e cunhou
as primeiras moedas, usadas para pagar aos credores e manter o dinheiro em

292
ulu^rto , derretendo ouro e prata saqueados depois das primeiras vitórias.''
irnt unto, era preciso pagará força expedicionária, e pagar bem: oexéu liode
«iitulre, composto de 120 mil homens, exigia meia tonelada de prata por dia
tMs para o pagamento de salários. Por essa razão, a conquista fez com que o
tnn.i persa de exploração de minas e cunhagem fosse reorganizado para pro-
11 exército invasor; e as minas, é claro, eram mantidas por trabalho escravo,
p i «na vez, a maioria dos escravos que trabalhavam nas minas era composta
||» pi Isíoneiros de guerra. Presumivelmente, a maioria dos infelizes sobrevi­
vi nirs do cerco de Sito foram enviados como escravos para essas minas. Com
p i , c possível entender a capacidade de autossustentação desse processo.22
Alexandre também foi responsável por destruir o que restava dos antigos
Milemas de crédito, pois não só os fenícios, mas também as terras centrais da
Mt «ipotâmia ainda resistiam à nova economia baseada no uso de moedas,
jk ih exércitos não só destruíram Tiro; eles também deixaram de “entesourar”
M reservas de ouro e prata dos templos persas e babilônios, a reserva na qual
M‘ Imseavam os sistemas de crédito, e insistiram para que todos os impostos
•li »eu novo governo fossem pagos em sua própria moeda. O resultado foi
"11ilt tear em circulação no mercado, em questão de meses, a moeda sonante
«1 iimulada durante todo o século”, algo como 180 mil talentos, ou, em valores
íliiuls, algo como 285 bilhões de dólares.23
Os domínios helenísticos posteriores estabelecidos pelos generais de
Alexandre, que iam da Grécia à índia, empregaram mercenários e não exér-
1lios nacionais, mas a história de Roma é, como já foi dito, semelhante à de
Atenas. Os primórdios da história romana, conforme registrada por cronistas
1>Ih iais como Tito Lívio, consistem em lutas contínuas entre patrícios e ple-
lieus e em constantes crises da dívida. Periodicamente, essas disputas e crises
levavam ao que é chamado de momentos de “revolta dos plebeus”, quando o
povo da cidade abandonava seus afazeres e suas oficinas, acampava fora da
1idade e ameaçava uma deserção em massa - um interessante ponto inter­
mediário entre as revoltas populares da Grécia e a estratégia de êxodo tipica­
mente praticada no Egito e na Mesopotâmia. Os patrícios tiveram de encarar
uma decisão: usar empréstimos agrícolas para transformar gradualmente a
plebe em uma classe de trabalhadores dependentes de suas propriedades,

293
ou aceitaras reivindicações populares de proteção por dívida, preservai IH
campesinato livre e empregar como soldados os filhos mais jovens ilc t >nt|f
poneses livres.24Como deixa claro a prolongada história de crises, rchellflfH
reformas, a escolha foi feita a contragosto.25Os plebeus praticamente i ivei
de obrigar a classe senatorial a adotar o modelo imperial. Mesmo assim i
escolheram, e com o tempo o Senado foi gradualmente criando, através.I.««
leis, um sistema de guerra que fez circular pelo menos uma parte dos c .|»>l|uf
de guerra, distribuindo-os aos soldados, veteranos e suas famílias.
Parece significativo, nesse contexto, que a data aceita como a da prlmt*llfl
cunhagem romana - 338 a.C. - seja quase exatamente a data em que a si 1v|
dão por dívida foi finalmente proibida (326 a.C.).26 Outra vez, a cunhagem,
inventada a partir de espólios de guerra, não provocou a crise. Ao cout 1ai Iti,
ela foi a solução.
Na verdade, todo o Império Romano, em seu auge, pode ser visto t <mui
uma máquina vasta de extração, cunhagem e distribuição de metais pret i<1*111
para os militares - ações que se combinavam a políticas de tributação adi >u
das para encorajar as populações conquistadas a usar moedas em suas (mii
sações diárias. Mesmo assim, durante grande parte de sua história, o usi 1»1**
moedas se concentrou sobretudo em duas áreas do Império: a Itália ealgiinnin
cidades grandes, e também ao longo das fronteiras, onde ficavam as legtõe»
Nas áreas onde não havia nem minas nem operações militares, os antigos *!<
temas de crédito supostamente continuaram vigentes, tanto quanto antes.
Farei uma última observação sobre esse tema. Na Grécia, como ritt
Roma, as tentativas de resolver as crises da dívida pela expansão m ilitar eram
sempre, em última análise, formas de se esquivar do problema - e só funcio­
navam durante um período limitado. Quando a expansão esmoreceu, tmlu
voltou a ser o que era antes. Na verdade, não se sabe se a servidão por dívitlii
foi totalmente eliminada, mesmo em cidades como Atenas e Roma. Nas 1I
dades que não eram potências militares bem-sucedidas, sem fonte de renda
para engendrar políticas de guerra, as crises da dívida continuaram a surgir
mais ou menos a cada século - e elas muitas vezes assumiram proporções
extremas no Oriente Médio, pois não havia nenhum mecanismo, exceto .1
revolução, para declarar uma “tábula rasa” em estilo mesopotâmico. De fato,

294
ipulações amplas, mesmo no mundo grego, decaíram par« a i lassr do»
i vos e dependentes.27
Os atenienses, como vimos, acreditavam que os cavalheiros normal
Himle estavam um ou dois degraus acima de seus credores. Os políticos
fumanos eram diferentes. Em Roma, é claro, a maior parte das dívidas era
I» imposta de dinheiro que os membros da classe senatorial deviam uns aos
imiios: de certo modo, tratava-se do conhecido comunismo dos ricos, que
iMnulcm o crédito a seus semelhantes com facilidades de pagamento que não
tili irccriam a outros. Todavia, no final da República, a história registra mui-
|«t Intrigas e conspirações maquinadas por devedores desesperados, geral-
Itirnte aristocratas levados por credores implacáveis a se rebaixar, unindo-se
tu* pobres por causa da dívida que mantinham.28Se não vemos muitas referên-
i lus a esse tipo de prática nos impérios, é provavelmente porque havia poucas
npi irt unidades de protesto; as evidências que temos sugerem que, ao contrário
iln i|ue se pensava, a situação era ainda pior.29Por volta de 100 d.C., Plutarco
hi reveu sobre sua terra como se tivesse sofrido uma invasão estrangeira:

Assim como o rei Dário mandou para a cidade de Atenas seus generais Dá-
tis e Artafernes com cordas e correntes para agrilhoar os prisioneiros que
tomassem, também os usurários levaram para a Grécia caixas cheias de ta­
belas, contas e contratos de obrigações, bem como muitos ferros e grilhões
para agrilhoar os pobres criminosos. [...]
Pois que, no imediato momento em que emprestam dinheiro, eles o pe­
dem de volta, tomando-o, assim, tão logo o concedem; e o mantêm assim
rendendo juros que depois usam para reaver o que antes emprestaram.
E assim riem dos filósofos naturais que sustentam não se poder fazer
nada a partir do nada e do que não tem existência; mas é disso que a usura
é feita, engendrada daquilo que não existe e nunca existiu.30

Da mesma maneira, as obras dos fundadores da Igreja são permeadas de


nilindáveis descrições da miséria e do desespero de quem se acha preso na
Iria de credores ricos. Afinal, foi por esses meios que aquela pequena janela
da liberdade que havia sido criada pelos plebeus se fechou, e o livre campe­

295
sinato foi cm boa parte eliminado. Nos momentos derradeiros do lm|
as pessoas que moravam no campo e não eram escravas se toriniium
tivamente, peões por dívida de algum rico proprietário de terras, riu Hí
situação legalizada formalmente por decretos imperiais que mantlnhiiHI
camponeses presos à terra.31 Sem um campesinato livre para form.u ,i 1
do exército, o Estado foi forçado a recorrer cada vez mais ao armumntí
à contratação de bárbaros germânicos, além das fronteiras impei i.ih
consequências dessas medidas dispensam maiores comentários.

ÍNDIA

Em muitos aspectos, a civilização que floresceu na índia não poderia sei uiiil*
diferente que a do antigo Mediterrâneo - mas, em outros tantos aspei lo«,
certo padrão se repete nas duas regiões.
A civilização do Vale do Indo entrou em colapso por volta de i6o< >n <
durante a Idade do Bronze; demoraria cerca de m il anos para surgir na l l i i l u
outra civilização urbana. Quando isso aconteceu, a população se conccnl 11m
nas planícies férteis que cercavam o Ganges, na direção do leste. Aqui l.im
bém observamos, a princípio, uma grande variedade de tipos de governo, dn«
famosas “repúblicas xátrias”, com uma multidão armada e assembleias deim•
cráticas urbanas, às monarquias eletivas e impérios centralizados, como ki ■
sala e Mágada.32Tanto Gautama (futuro Buda) quanto Mahavira (fundadoi dn
jainismo) nasceram das repúblicas, embora os dois tenham transmitido scui
ensinamentos nos limites dos grandes impérios, governados por dirigente*
que se tornaram, em muitos casos, mecenas de ascetas e filósofos itinerante*,
Tanto os reinos como as repúblicas tinham a própria cunhagem de oui i >
e prata, mas as repúblicas eram mais tradicionais em alguns sentidos, uniu
vez que a “multidão armada” autônoma pertencia à casta guerreira ou x.i
tria, que mantinha propriedades coletivas, onde trabalhavam servos ou es
cravos.33 Os reinos, por outro lado, foram estabelecidos em uma instituição
fundamentalmente nova: um exército profissional, treinado, aberto a jovens
de diferentes históricos de vida, com armamento fornecido pelas autoridades

296
Hi ui* (os soldados eram obrigados a entregar armas e armadura* quando
iiivam nas cidades) e salários generosos.
(Quaisquer que sejam suas origens, também na índia as moedas e os mer
adi i*i surgiram principalmente para alimentar o maquinário de guerra. () im-
| mi ii i Mágada foi bem-sucedido porque controlava a maior parte das minas.
Iflliatil.vtra, de Kautilya, tratado político escrito por um dos principais mi-
iii 111is da dinastia Máuria (321 a.C-185 a.C.), que sucedeu o império, registra
«i|iiestão de maneira precisa: “O tesouro apoia-se na mineração, o exército
«|mlia se no tesouro; aquele que possui exército e tesouro é capaz de conquis-
Ui .1 Terra inteira”.34 O governo atraía para o funcionalismo principalmente
■futous da classe fundiária, que fornecia administradores treinados, mas,
Hiali c|ue isso, soldados de tempo integral: o salário de cada posto de soldados
* iidministradores era estipulado cuidadosamente. Esses exércitos podiam ser
ptlni mes. Fontes gregas relatam que o império Mágada tinha capacidade de
|m>1 em campo uma força de 200 m il soldados de infantaria, 20 m il cavalos e
1 e 11.1 de 4 mil elefantes - e que os homens de Alexandre preferiram se rebelar
dlrr de enfrentá-los. Estivessem em campanha ou em guarnição, eles estavam
wmpre acompanhados por uma série de diferentes tipos de vivandeiros - pe­
quenos comerciantes, prostitutas e empregados contratados - que, junto com
ui soldados, parecem ter formado o meio social em que originalmente tomou
li 11ma uma economia monetizada.35Na época de Kautilya, algumas centenas
de anos depois, o Estado interferia em cada aspecto do processo: Kautilya
numere pagar aos soldados salários generosos, depois substituir secretamente
1» vendedores ambulantes por agentes do governo que cobrassem duas vezes
m ui is pelos produtos. Ele também recomenda organizaras prostitutas em um
destacamento onde elas pudessem ser treinadas como espiãs para fornecer
h iatos detalhados a respeito da lealdade dos clientes.
Assim, a economia de mercado, nascida da guerra, foi pouco a pouco
apropriada pelo governo. Em vez de conter a difusão da moeda corrente, o
processo parece tê-la duplicado ou até triplicado: a lógica militar foi ampliada
para toda a economia; o governo criou, de maneira sistemática, armazéns,
li >jas, casas de comércio, depósitos e prisões, e equipou-os com pessoal assa-
l.iriado. Os produtos eram vendidos no mercado para coletar a prata que era

297
usada no pagamento aos soldados c lim i lonarlos, o tom isso .1 ptaia n i
navaaos tesouros reais.'**O resultado foi uma moneti/.ação da vida t otidlai
diferente de tudo o que a índia veria pelos 2 mil anos seguintes.’7
Parece ter acontecido algo semelhante com a escravatura, que 11' 1

nou corriqueira na época do surgimento dos grandes exércitos 01111.1

diferentemente de quase todos os demais momentos da história Indlmia


mas o governo logo assumiu seu controle.38Na época de Kautilya, a mali
dos prisioneiros de guerra não era vendida nos mercados, mas traiisln
para vilarejos controlados pelo governo em terras recém-retomadas. I l«*s 11
tinham permissão para sair, e esses vilarejos eram, pelo menos dc ai ■*i
com as normas, lugares muito sombrios: verdadeiros campos de trahnll
onde todas as formas de entretenimento eram oficialmente proibidas <
mercenários-escravos eram basicamente prisioneiros arrendados pelo I st adit
durante suas penas.
Com exércitos, espiões e administradores controlando tudo, os noviMI
reis indianos demonstravam pouco interesse na antiga casta sacerdotal <■ 1411
ritual védico, embora muitos tenham mantido interesse genuíno nas n<ivm
ideias filosóficas e religiosas que pareciam brotar por todo lado. Com o pai
sar do tempo, no entanto, a máquina de guerra começou a trabalhar. Nl< >
sabe exatamente por que isso aconteceu. Na época do imperador Asoka (
a.C-232 a.C.), a dinastia Máuria controlava quase todo o território da índia *•
do Paquistão atuais, mas a versão indiana do complexo de cunhagem militar
escravista mostrava sinais nítidos de desgaste. Talvez o sinal mais claro f<>«»0
o enfraquecimento da cunhagem, que, no decorrer de mais ou menos do!|
séculos, passou da prata pura para a liga com 50% de cobre.39
Sabe-se que Asoka começou seu reino em campanha: em 265 a.C., dei«
truindo Kalinga, uma das últimas repúblicas indianas, em uma guerra em qtip
centenas de milhares de pessoas, segundo seu relato, foram mortas ou escravl
zadas. Posteriormente, Asoka alegou ter ficado tão perturbado e assombrado
pela carnificina que renunciou à guerra por completo, adotou o budismo e dr
clarou que, dali em diante, seu reino seria governado pelo princípio da ahimsa,
não violência. “Em meu reinado”, declarou ele no edito inscrito em um dt 1»
grandes pilares de granito na capital Patna, que deixou perplexo o embaixador

298
11«• Mcgástenes, "nenhum scr vivo será morto ou satrlfic ad«)."40I ssa dec Lt
In, é claro, não pode ser interpretada literalmente: Asoka pode ter subs
jMltlo os rituais de sacrifício por banquetes vegetarianos, mas não aboliu o
:#•«Ito, não eliminou a pena de morte nem proibiu a escravidão. Mas seu
KVcrno marcou uma mudança revolucionária nos costumes. A guerra foi
btiNiiilonada e grande parte do exército parece ter sido desmobilizada, junto
M in ti rede de espiões e burocratas estatais, por causa da proliferação das
■mwi* ordens mendicantes (budistas, jainistas e também os hindus ascetas)
■lli' Unham apoio do Estado para pregar nos vilarejos sobre questões de mo-
fnliiUle social. Asoka e seus sucessores destinaram recursos substanciais para
■»»UH ordens religiosas; assim, milhares de estupas e mosteiros foram cons-
liuidos em todo o subcontinente nos séculos posteriores.41
Í! interessante considerar as reformas de Asoka porque elas ajudam a
Himlrar como alguns de nossos pressupostos básicos estão errados: particu-
|mmente, que dinheiro é o mesmo que moeda e que quanto mais moedas em
III« nlação maior será o comércio e mais importante será o papel dos comer-
i liinles privados. Na verdade, o Estado de Mágada promoveu mercados, mas
onfiava dos comerciantes privados, pois os via como grandes competido-
I V O s mercadores estavam entre os primeiros e mais fervorosos apoiadores
tlds novas religiões (os jainistas, devido à sua rigorosa imposição de regras con-
lln «i mal a qualquer criatura viva, foram obrigados a se tornar, efetivamente,
Uina casta mercantil). Os interesses mercantis estavam totalmente comprome­
tidos com as reformas de Asoka. Contudo, o resultado não foi o aumento no
it»o de dinheiro vivo nas questões cotidianas, mas sim o contrário.
As antigas condutas econômicas budistas há muito tempo são consi-
dei adas um pouco misteriosas. Por outro lado, os monges não podiam ter
jnopriedades enquanto indivíduos; eles deviam levar uma austera vida co­
munista, possuir não mais que uma túnica e uma tigela para mendicância;
H íim estritamente proibidos de tocar qualquer objeto feito de ouro ou prata.
I'i ii outro lado, ainda que restritivo em relação a metais preciosos, o budismo
leinpre teve uma atitude liberal para com acordos de crédito. E das poucas
lelígiões mundiais que nunca condenaram formalmente a usura.43 No con­
texto da época, no entanto, não há nada de misterioso com essas posturas.

299
Fazia todo o sentido que um movimento religioso rejeitasse a vlolí*m u
militarismo, mas não se opusesse ao comércio.44 Como veremos, emlittf
império de Asoka estivesse para ruir, substituído em seguida por uma mi»-
são de Estados mais fracos e quase sempre menores, o budismo ar 1ai^t mi
O declínio dos grandes exércitos levou ao quase desaparecimento da 1ttHf
gem, mas também a um verdadeiro florescimento de formas de crédlh 11
vez mais sofisticadas.

CHINA

Até cerca de 470 a.C., o norte da China ainda era formalmente um ini|>• 1
mas os imperadores tinham se transformado em autoridades simbóllt
uma série de reinos de facto havia surgido. O período de 475 a.C. a u 1 .1» $
chamado Período dos Reinos Combatentes; nessa época, a aspiração a iiitM
dade foi deixada de lado. Em última instância, o país foi reunificado prlu
Estado de Qin, que fundou uma dinastia, a qual foi imediatamente derrui >«»1#
por uma série de insurreições populares grandiosas que marcaram enlAo tt
início da dinastia Han (206 a.C-220 d.C.). Esta foi fundada por um líder 1aiu
ponês, antes condestável rural desconhecido, chamado Liu Bao, o primclm
líder chinês a adotar a ideologia confucionista, o sistema de exames e um pn
drão de administração civil que continuariam em vigor por quase 2 mil atii n
Desse modo, a era de ouro da filosofia chinesa foi o período de caos i|iiv
precedeu a unificação, e esse período seguiu o padrão típico da Idade Axial
o mesmo panorama político fraturado, o surgimento de exércitos armadot
profissionais e a criação do dinheiro cunhado para pagar a esses exércitos,4*
Também se assiste às mesmas políticas governamentais feitas para encora)«)
o desenvolvimento de mercados, à escravidão em uma escala jamais visia
antes ou depois na história chinesa, ao aparecimento de filósofos itinerante^
e visionários religiosos, de escolas intelectuais rivais e, por fim, de líderes p»»
líticos que tentaram transformar as novas filosofias em religiões do Estado.1"
Também houve diferenças significativas, a começar pelo sistema monetá
rio. A China nunca cunhou moedas de ouro ou prata. Os mercadores usavam

300
Minii preciosos na fbrmu de lingotes, masus moedas em iln ulaçdon<un ha
t>.nu* me troco miúdo: discos de cobre fundido, geralmente com um Imo no
fui ui, para que uma serie deles pudesse ser amarrada junto, lissea lios de "dl
rtlit li o eram produzidos em grande quantidade, e era preciso muitos deles para
((.■mies transações: quando homens ricos queriam fazer doações aos templos,
jiiM exemplo, era preciso carregar o dinheiro em carros de boi. A explicação
tiiiii'' plausível é que, principalmente depois da unificação, os exércitos chine-
ir* n um enormes - os exércitos de alguns Reinos Combatentes chegavam a 1
MlliiUi de homens -, mas nem de longe tão profissionais ou bem pagos como
|w exércitos dos reinos mais a oeste. Depois de Qing e Han, os governantes
|i miaram o cuidado de garantir que a situação continuasse a mesma para que o
f llu Ito nunca se tornasse uma força independente.47
CHitra diferença notável é que os novos movimentos filosóficos e as no-
Vrit icligiões na China também eram, desde o início, movimentos sociais. Em
IimIiis os outros lugares, eles se tornaram movimentos sociais aos poucos.
Nit C.récia antiga, a filosofia começou com a especulação cosmológica; na
iiiiilor parte das vezes, enquanto fundadores dos movimentos, os filósofos
n ,im sábios individuais, talvez cercados por poucos discípulos fervorosos.48
I Mirante o Império Romano, escolas de filosofia, como a dos estoicos, epicu-
i Mas e neoplatônicos, tornaram-se uma espécie de movimento: pelo menos
lio sentido de terem milhares de adeptos que “praticavam” a filosofia não
»ó pela leitura, escrita e discussão, mas ainda mais pela meditação, dieta e
IHática de exercícios. Mesmo assim, os movimentos filosóficos eram basica­
mente confinados à elite civil; foi apenas com o surgimento do cristianismo e
i!e outros movimentos religiosos que a filosofia foi além dela.49Observamos
uma evolução semelhante na índia: dos ascetas brâmanes solitários, eremitas
r mendigos errantes com teorias sobre a natureza da alma ou a composição
ilo universo material, passando pelos movimentos filosóficos dos budistas,
lalnistas, ajikivas e outros já esquecidos, até, finalmente, os movimentos
leligiosos em massa com milhares de monges, santuários, escolas e redes
ile apoiadores laicos.
Na China, embora muitos fundadores das “cem escolas” de filosofia que nas-
i eram sob os Reinos Combatentes fossem sábios errantes que passavam os dias
de cidade em cidade tentando chamar a atem,;lo dos prínc ipes, havia outro*
apresentavam como líderes de movimentos soi iais desde o início. Algim* <lt>Hfl
movimentos, no entanto, nem sequer tinham líderes, como a Escola Agirtni 1
um movimento anarquista de camponeses intelectuais que começou .111lm 1m l
munidades igualitárias nas brechas e nos interstícios que havia entre os I stado*
Os moístas, racionalistas igualitários cuja base social parece ter sido de ai
urbanos, eram filosoficamente opostos à guerra e ao militarismo, mas taiuhrnl
batalhões organizados de engenheiros militares que ativamente desentoi a|<tvM
conflitos se voluntariando para lutar em qualquer guerra contra o lado d( •.i>;i •>*
sor. Mesmo os confucionistas, por toda a importância que davam aos 1l i ua l t
corteses, eram conhecidos no início por seus esforços na educação popular,"

M A T E R I A L I S M O i: A B U S C A D O L U C R O

Como devemos interpretar tudo isso? As campanhas educacionais populan 1


do período talvez nos deem uma pista. A Idade Axial foi o primeiro perli ><li >
da história humana em que a familiaridade com a palavra escrita passai In 1
não mais se limitar a sacerdotes, administradores e mercadores, tornando 1
necessária para a plena participação na vida cívica. Em Atenas, era certo t|in
apenas os camponeses mais simples seriam totalmente iletrados.
Sem a alfabetização em massa, o surgimento de movimentos intelectual*
em massa e a difusão de ideias da Idade Axial não teriam sido possíveis. No j
final do período, essas ideias haviam gerado um mundo em que até mesmo
os líderes de exércitos bárbaros que atacaram o Império Romano se sentiram
obrigados a assumir uma posição sobre a questão do Mistério da Trindade, I
um mundo em que monges chineses podiam se ocupar de debates sobre o»
méritos relativos das dezoito escolas de budismo indiano clássico.
Não há dúvida de que o crescimento dos mercados também teve um papel
fundamental, não só ajudando a libertar as pessoas das amarras de status i>11
comunidade, mas encorajando determinados procedimentos, como o cálculo
racional ou o controle de entradas e saídas, o cálculo de meios e fins, hábitos
que inevitavelmente ecoaram no novo espírito de investigação racional que

302
Hin\iivu a surgir nos mesmos lugares c períodos. Int luslvru palavra "i.u lonal"
I «i^nHu ativa: ela deriva, é claro, de “razão”. Como converter X em Y,
ifetii rxcmplo, um tipo de cálculo matemático antes usado princ ipalmente
Mm arquitetos e engenheiros, com o advento dos mercados passou a ser de
»'»dm imento obrigatório para qualquer pessoa que não quisesse ser enga-
»tad.i no comércio. Ainda assim, precisamos ir com calma. Afinal, o dinheiro,
>ni m, não tinha nada de novo. Fazendeiros e comerciantes sumerianos já
num perfeitamente capazes de fazer cálculos desse tipo em 3500 a.C., mas
111 iilium deles, pelo que sabemos, se impressionou tanto a ponto de concluir,
liiitio Pitágoras, que o pensamento matemático era a chave para o entendi-
liirnto da natureza do Universo e do movimento dos astros, e que no fundo
(i «las as coisas eram formadas por números - e eles certamente não forma­
tam sociedades secretas baseadas na troca desse conhecimento e em debate,
1111expurgo e na excomunhão uns dos outros.52
Para entendermos o que mudou, temos de examinar, mais uma vez, o
ll/io específico de mercado que surgiu no início da Idade Axial: mercados
Impessoais, nascidos da guerra, em que era possível tratar vizinhos como se
Imsom desconhecidos.
Nas economias humanas, as motivações são presumivelmente com­
plexas. Quando um soberano dá um presente a um criado, não há razões
para duvidar que a dádiva seja inspirada pelo desejo genuíno de beneficiar
n i riado, mesmo que seja também um movimento estratégico para garantir
lealdade, além de um ato de magnificência com o intuito de reafirmar a sua
grandiosidade e a pequenez do criado. Não há contradição nenhuma nisso.
I >e maneira semelhante, dádivas entre iguais costumam ser acompanhadas
de amor, inveja, orgulho, rancor, solidariedade ou uma série de outras coisas.
I specular sobre essas questões é uma das principais formas de passatempo.
I alta, no entanto, a ideia de que a verdadeira motivação é necessariamente
.1 mais “egoísta”: quem especula sobre as motivações ocultas imagina da
mesma maneira que quem tenta em segredo ajudar um amigo ou prejudicar
um inimigo também está obtendo alguma vantagem para si próprio.53Além
disso, nada parece ter mudado com o surgimento dos primeiros mercados de
i rédito, quando o valor de um vale dependia tanto da avaliação do caráter do

303
emissor como de sua renda disponível, «•motivações de amor, Inveja, orgullm
etc. jamais podiam ser totalmente descartadas.
As transações em dinheiro vivo entre estranhos eram diferentes, a iiu l|
mais quando o comércio acontece tendo a guerra como pano de fiiiulo 0
surge do descarte de pilhagens e da provisão de soldados, quando é mrlhttf
não perguntar a origem dos objetos comercializados, e quando não li.i nlil
guém muito interessado em estabelecer relações pessoais contínuas. Ncnnm
casos, as transações de fato se tornam nada mais que a descoberta do quantn
de X equivale a quanto de Y, de calcular proporções, estimar a qualidade *'
tentar obter o melhor acordo para si próprio. O resultado, durante a kl.ul«
Axial, foi uma nova forma de pensar sobre a motivação humana, uma sim
plificação radical que possibilitou o surgimento de conceitos como “lucri >" e
“vantagem” - e perm itir imaginar que isso é o que as pessoas realmente bui
cam, em todos os aspectos da existência, como se a violência da guerra ou tf
impessoalidade do mercado tivessem lhes dado a oportunidade de deixai tli
fingir que alguma vez se importavam com alguma coisa. Isso, por sua ve/,,
permitiu que a vida humana parecesse passível de ser reduzida a uma que»
tão de cálculo de um meio para atingir um fim, e por isso algo que podei Itf
ser examinado com os mesmos recursos usados para estudar a atração e a
repulsão dos corpos celestes.54Não é coincidência que essa premissa básli a
lembre bastante as premissas dos economistas contemporâneos - mas c<mi
a diferença de que, em uma época em que havia uma conexão intrínseca entlo
dinheiro, mercados, Estados e questões militares, o dinheiro era necessário
para pagar a exércitos, que então capturariam escravos, que por sua vez ex
trairiam ouro para produzir o dinheiro - em uma época em que a concoi
rência brutal e desleal muitas vezes envolvia, literalmente, mortes brutais e
desleais, não se supunha que fins egoístas podiam ser perseguidos por meio»
pacíficos. Certamente, esse cenário começou a se descortinar, com uma coii
sistência impressionante, em toda a Eurásia, justamente onde se assiste ao
surgimento da cunhagem e da filosofia.
A China nos dá um ótimo exemplo, extraordinariamente nítido. Já na
época de Confúcio.-os pensadores chineses falavam da busca do lucro com« >
força motriz na vida humana. O termo correto era li, palavra usada primeira

304
mu ui' para se referirá quantidade de grãos colhidos quando cm quantldadi
ftiulio superior à que havia sido plantada (o pictograma representa um leixi
d
»li i^o junto de uma faca).” Posteriormente, li passou a ser usada pura dcslg
M fo lucro comercial, e depois se transformou no termo geral para "hcnrll
t In ou "reembolso”. A história a seguir, que apresenta a reação de 1.11 Muwcl,
.... ide um mercador, ao saber que um príncipe exilado estava morando nas
M mde/.as, ilustra bem essa progressão:

Ao voltar para casa, ele perguntou ao pai:


— Que lucro se pode esperar obter ao investir no arado?
— Dez vezes o investimento — respondeu o pai.
— E o retorno ao investir em pérolas e jades?
— Cem vezes mais.
— E o retorno ao investir na constituição de um governante e na segu­
rança do Estado?
— Seria incalculável.56

I.ü adotou a causa do príncipe e por fim conseguiu fazê-lo rei de Qin. E o
|i »vem, por sua vez, tornou-se primeiro-ministro do filho do rei, Qin Shi Huang,
l|lldando-o a derrotar os outros Reinos Combatentes para se tornar o primeiro
Imperador da China. Ainda temos um compêndio de saberes políticos com que
I il presenteou o imperador contendo conselhos militares como o seguinte:

Como princípio geral, os exércitos inimigos sempre procuram o lucro


quando se aproximam. No entanto, quando chegam e encontram a possibi­
lidade da morte, acreditam ser a fuga a ação mais lucrativa. Quando todos os
inimigos consideram a fuga a ação mais lucrativa, quer dizer que as espadas
não serão usadas.
Esse é o ponto essencial das questões militares.57

Em um mundo assim, fatores considerados heroicos como honra e


glória, votos aos deuses ou desejo de vingança eram, na melhor das h i­
póteses, fraquezas a ser exploradas. Nos diversos manuais sobre a arte de

305
governar produzidos na época, tudo sr subordinava à lógica dc rcconlii’*Of
o interesse e a vantagem, calcular o equilíbrio entre o que é lucrativo |>>t14
o governante e o que é lucrativo para a população, determinar quando ttfl
interesses do governante são os mesmos que os do povo e quando sil< >»«i(M
traditórios.58 Os termos técnicos oriundos da política, da economia r d.»

estratégia m ilitar (“retorno sobre investimento”, “vantagem estratéglt d*)


misturavam-se e sobrepunham-se.
A escola de pensamento político predominante nos Reinos CombulmlM
era a dos legalistas, que afirmava que, nas questões da arte de govern.11, ••«
interesses do governante estavam acima de tudo, mesmo que os governaiili«
fossem insensatos a ponto de reconhecer esse fato. Mesmo assim, o |>ovt»
podia ser facilmente manipulado porque todos tinham as mesmas mollvii
ções: a busca das pessoas por lucro, escreveu o senhor Shang, é indefet 1ivi I
“assim como a tendência da água de correr montanha abaixo”.59 Shan^ cr*
mais rigoroso que a maioria de seus colegas legalistas, pois acreditava qur >1
prosperidade generalizada prejudicaria a capacidade do governante de nu >1*1
lizar o povo para a guerra, e por isso pensava que o terror era o instrumoiltt
de governo mais eficaz. No entanto, até mesmo ele insistiu que o regime .11m
rentasse um regime de lei e justiça.
Onde quer que o complexo de cunhagem m ilitar escravista tenha m
meçado a se consolidar, encontramos teóricos políticos propondo ideias se­
melhantes. Kautilya não foi diferente: o título de seu livro, Arthasãstra , cuja
tradução costuma ser “manual de estadismo”, consiste em conselhos para x<•
vernantes, mas sua tradução mais literal é “a ciência do ganho material”.60 As
sim como os legalistas, Kautilya evidenciou a necessidade de criar a aparêiu la
de que governar fosse uma questão de moralidade e justiça, mas, ao se dirigli
aos próprios governantes, ele afirmou que “a guerra e a paz devem ser conside
radas tão somente do ponto de vista do lucro” - do acúmulo de riquezas paia
criar um exército mais eficaz, do uso do exército para dominar os mercados r
controlar os recursos, para acumular mais riquezas, e assim por diante.61
Quando tratamos da Grécia, citei Trasímaco, embora lá as coisas fossem
um tanto diferentes. As cidades-Estado gregas não tinham reis, e o colapsi»
dos interesses privados e das questões estatais, em princípio, foi criticado

306
universalmente como tirania. Ainda assim, na prática, Isso I r / unn qur tis
i iiludcs-Hstado, inclusive as facções políticas, agissem justamente da mesma
maneira fria e calculista que os soberanos indianos ou chineses. Quem já leu o
Diálogo Meliano”, deTucídides-em que generais atenienses apresentam para
h população de uma cidade aliada argumentos muito bem fundamentados
paia justificar o fato de os atenienses terem determinado que era vantajoso
paia o império ameaçar o povo com um massacre coletivo caso as pessoas
liAi i quisessem se tornar pagadores de tributos conhece bem os resultados.62
Outra característica marcante dessa literatura é seu materialismo con-
vU lo. Deusas e deuses, magias e oráculos, sacrifícios, cultos ancestrais, até
mesmo rituais e sistemas de castas - tudo isso desaparece ou é deixado de
lado; não são mais tratados como fins em si mesmos, mas como ferramentas
a serem usadas na busca de ganho material.
Não surpreende que os intelectuais propensos a formular essas teorias
ileviam ganhar a atenção dos príncipes. Tampouco é particularmente sur-
piccndente que outros intelectuais tenham se ofendido tanto com esse tipo
ilc cinismo que começaram a conjugar esforços com movimentos populares,
«|Ue por sua vez começavam a se posicionar contra os príncipes. Mas, como
11>stuma ser o caso, intelectuais de oposição se viram diante de duas escolhas:
i ui adotar os termos dominantes do debate ou tentar criar uma formulação
antagônica. Mozi, fundador do moísmo, tomou o primeiro caminho. Trans-
li irmou o conceito de li, lucro, em algo mais parecido com “utilidade social”,
e depois tentou demonstrar que a guerra em si, por definição, não é uma
aiividade lucrativa. Ele escreveu, por exemplo, que as campanhas militares
só podiam ser realizadas na primavera e no outono, e que cada uma tinha
efeitos igualmente prejudiciais:

Se na primavera, as pessoas perdem a semeadura e o plantio; se no outono,


perdem a ceifa e a colheita. Mesmo que percam uma só estação, a quanti­
dade de pessoas que morrerão de frio e fome é incalculável. Agora calcule­
mos o equipamento do exército - flechas, estandartes, tendas, armaduras,
escudos e empunhaduras de espada -, a quantidade de coisas que serão per­
didas e não mais usadas. [...] O mesmo vale para bois e cavalos [...].63

307
As conclusões dele foram que se pudéssemos estimar o custo lolul de
sões em vidas humanas, vidas animais e danos materiais, seriamos ohi
concluir que eles nunca compensariam os benefícios mesmo para a pai le v llfl
riosa. Na verdade, Mozi levou essa lógica tão longe que argumentou que a uiiii *
maneira de melhorar o lucro geral da humanidade seria abandonar totulmi III#
a busca do lucro privado e adotar o princípio do que chamou de "amor milvw* i
sal” - disse essencialmente que, quando se leva o princípio de troca comei i liil A |
sua contrapartida lógica, o único resultado possível é um tipo de comunUnitii
Os confucionistas adotaram a abordagem oposta, rejeitando a premi»«#
inicial. Um bom exemplo seria parte do início da famosa conversa de MOtii Iti
com o rei Hui:

— Venerável senhor — cumprimentou-o o rei — , como não te importo«!«


em percorrer tantos quilômetros para chegar até aqui, suponho que tenliii*
trazido contigo algo que possa dar lucro para meu reino.
Mêncio respondeu:
— Por que Vossa Majestade usa a palavra “lucro”? O que tenho se rosuin*

Todavia, o ponto final era basicamente o mesmo. O ideal confucionlMn


11
do ren, ou benevolência compassiva, era praticamente uma inversão da ati
tude calculista de busca do lucro mais completa que a do amor universal
de Mozi; a principal diferença é que os confucionistas acrescentaram certa
aversão ao cálculo em si, preferindo o que quase poderia ser chamado dr
arte da decência. Os taoistas, posteriormente, levariam isso ainda mais lonjje
ao adotar a intuição e a espontaneidade. Todas foram tentativas de fornecei
uma imagem espelhada da lógica de mercado. No entanto, uma imagem es
pelhada, em última análise, é exatamente a mesma coisa, mas em posição
invertida. Não demora muito para chegarmos a uma série de opostos re
lacionados - egoísmo versus altruísmo, lucro versus caridade, materialismo
versus idealismo, cálculo versus espontaneidade -, e nenhuma dessas oposições
poderia nem sequer ter sido imaginada, a não ser por alguém familiarizado
com transações de mercado, essencialmente calculistas e egoístas.65

308
MA I I Kl Al IS M O II: S U B S T Â N C I A

Como diante da presença da morte, despreze a pobre maioria esse


refugo de sangue e ossos, essa sua teia de nervos c veias e artérias.
MARCO AURÉLIO, MEDITAÇÕES 2.2

Compadecido pelo lobo faminto, Wenshuang anunciou:


“Não cobiço esta imunda sacola de carne. Entrego-a a ti
para que rapidamente eu adquira um corpo de força mais
duradoura. Esta doação será um benefício para nós dois.
DISCURSO SOBRE A TERRA PURA 21.12

í nmo já observei, a situação da China era incomum porque lá a filosofia


i omeçou com debates sobre ética e só depois se voltou para especulações
«obre a natureza do Cosmos. Tanto na Grécia como na índia, a investiga­
d o cosmológica veio primeiro. Além disso, tanto no caso grego como no
Indiano as questões sobre a natureza do universo físico rapidamente deram
lu^ar a conjecturas sobre a mente, a verdade, a consciência, o significado, a
linguagem, a ilusão, o espírito do mundo, a inteligência cósmica e o destino
da alma humana.
Esse labirinto de espelhos é tão complexo e atordoante que é extrema­
mente difícil identificar o ponto de partida - ou seja, exatamente o que está
•.ondo refletido de um lado para o outro. Nesse sentido, a antropologia pode
ser útil, pois os antropólogos têm a vantagem única de conseguir observar
i omo pessoas que não conhecem esse debate reagem quando expostas pela
primeira vez aos conceitos da Idade Axial. De vez em quando, nós também
nos deparamos com momentos de excepcional clareza, que revelam que a
essência de nosso pensamento é quase oposta ao que pensávamos que seria.
Maurice Leenhardt, missionário católico que passara muitos anos ensi­
nando o Evangelho em Nova Caledónia, passou por algo assim na década de
n;20, quando perguntou a um de seus alunos, um escultor idoso chamado Boe-
soou, como ele se sentia depois de conhecer as teorias sobre o espírito:
Uma vez, esperando para avaliar o progrrMo mental dos canacas para • |t •• mi
ensinei durante anos, aventurei-me a la/cr a seguinte pergunta: "Km MiHltlj
conseguimos introduzir na sua forma de pensamento a noção de cspli iin r
Um deles objetou:
— Espírito? Ah! Você não nos apresentou o espírito. Nós já sahlaunn
de sua existência. Sempre agimos de acordo com o espírito. O que vot e ntt«
apresentou foi o corpo.66

A ideia de que os seres humanos têm alma parecia evidente para Ui m


soou. A ideia de que havia um corpo, separado da alma, uma mera rcunlAo
material de nervos e tecidos - sem falar no corpo como prisão da alma, ou do
suplício do corpo como um meio para a glorificação e libertação da alma ,
é que o impressionou como algo totalmente novo e exótico.
A espiritualidade na Idade Axial, então, apoia-se em um sólido leltn
materialista. Este é seu segredo. Poderíamos até dizer: é aquilo que não c<>n
seguimos mais enxergar.67 Mas quando examinamos os primórdios da In
vestigação filosófica na Grécia e na índia - o ponto em que ainda não havia
diferença entre o que hoje chamaríamos de “filosofia” e o que hoje chamaria
mos de “ciência” é exatamente isso que encontramos. A “teoria”, se pode
mos chamá-la assim, começa com as seguintes questões: “De que substânc la
é feito o mundo?”, “qual é o material subjacente às formas físicas dos objeto»
no mundo?”, “todas as coisas são feitas de combinações variáveis de certos
elementos básicos (terra, ar, água, fogo, pedra, movimento, mente, número...),
ou esses elementos básicos são apenas as formas assumidas por alguma suhs
tância ainda mais elementar (por exemplo, como propôs Nyaya e depois I )e
mócrito, partículas atômicas...)?”.68 Praticamente em todos os casos houve
também o surgimento de alguma noção de Deus, Mente, Espírito, algum
princípio organizador que dá forma às coisas e que, em si, não é material,
Mas esse era o tipo de espírito que, como o Deus de Leenhardt, surge apenas
na relação com a matéria inerte.69
Talvez pareça um exagero conectar esse impulso filosófico com a in­
venção da moeda, mas, pelo menos no que se refere ao mundo clássico, tem
surgido uma literatura acadêmica - prim eiro com o crítico literário Marc

310
Mii'11, de I larvard, e mais recentemente com o helenl.sta hrltâiili «> RU li<ml
*«•.iforci em um livro chamado M oncy and lhe liarly (ireek M in d | I Unheiro <■.1
Mmnie grega antiga] - que procura fazer exatamente essa ligação/"
Na verdade, algumas conexões históricas são tão misteriosamente pró-
llm.is que são difíceis de explicar de outra maneira. Vejamos um exemplo.
I »«-pois que as primeiras moedas foram cunhadas por volta de 600 a.C. no
leli 10 da Lídia, a prática rapidamente se espalhou para a Jônia, região de cida-
tl* s gregas na costa adjacente. A maior dessas cidades era a grande metrópole
li m u .ida de Mileto, que também parece ter sido a primeira cidade grega a es-
1limpar as próprias moedas. A jônia também tinha a maioria dos mercenários
Hirtos ativos no Mediterrâneo naquela época, e Mileto era seu centro de ope-
1infles. Mileto também era o centro comercial da região, e talvez a primeira
1id.ule do mundo em que as transações comerciais cotidianas passaram a ser
M-iilizadas principalmente com moedas, e não a crédito.71 A filosofia grega,
por sua vez, começa com três nomes: Tales de Mileto (c. 624 a.C.-c. 546 a.C.),
Anaximandro de Mileto (c. 610 a.C.-c. 546 a.C.) e Anaxímenes de Mileto
(c. a.C.-c. 525 a.C.) - em outras palavras, homens que habitavam a cidade
<x.itamente na mesma época em que a cunhagem apareceu ali pela primeira
vr/..72Todos os três são lembrados sobretudo por causa das especulações so-
hre a natureza da substância física da qual o mundo teria surgido. Tales pro­
pôs a água, Anaxímenes, o ar. Anaximandro criou um novo termo, apeiron,
o ilimitado”, um tipo de substância abstrata pura que não podia ser perce­
bida, mas era a base material de tudo o que podia existir. Em cada caso, a
suposição era de que a substância primai, ao ser aquecida, resfriada, combi­
nada, dividida, comprimida, ampliada, colocada em movimento, dava origem
.1 infinidade de coisas e substâncias que os seres humanos encontravam no
mundo - seria essa a substância da qual os objetos físicos seriam compostos
e para a qual todas as formas voltariam depois de perecer.
Tal substância era algo que podia se transformar em tudo. Como en-
latiza Seaford, a ideia se aplica também ao dinheiro. O ouro, modelado
em moedas, é uma substância material que também é uma abstração. Ele é
lanto um pedaço de metal como algo mais que um pedaço de metal - é uma
dracma ou um óbolo, uma unidade monetária que (pelo menos se coletada

311
em quantidade suficiente, levada ao lugar certo, na hora certa, entregu# I
pessoa certa) poderia ser trocada por absolutamente qualquer outro objeto '•
Para Seaford, o que havia de genuinamente novo nas moedas ei .1.1 111«
duplicidade: o fato de serem peças de metal valiosas e, ao mesmo tempo, td»> 1
mais. Pelo menos nas comunidades que as criaram, as moedas antigas 01 am
sempre mais valiosas que o ouro, a prata ou o cobre de que eram conipt »st a»
Seaford se refere a esse valor extra pelo pomposo termo “fiduciaridade", qti|
vem da expressão “confiança pública”, a confiança que uma comunidade d«<
posita em sua moeda corrente.74 É verdade que no auge da Grécia classii
quando havia centenas de cidades-Estado produzindo diferentes moedas 11h
rentes de acordo com vários sistemas diferentes de pesos e denominaçAp*,
os mercadores costumavam carregar escalas e tratar as moedas - principal
mente moedas estrangeiras - como tantos outros pedaços de prata, assim
como os mercadores indianos parecem ter tratado as moedas romanas; no
entanto, nos limites de cada cidade, a moeda corrente própria tinha statin
especial, pois era sempre aceita por seu valor nominal quando usada p.u ,1
o pagamento de impostos, taxas públicas ou punições legais. É por isso qur
os antigos governos conseguiam introduzir com frequência o metal comum
em suas moedas sem levar à inflação imediata; uma moeda com liga enlr.i
quecida podia perder o valor quando usada no exterior, mas em seu lugar de
origem ela continuava valendo o mesmo, tanto para comprar uma licem,«
quanto para uma entrada para o teatro.75 É também por isso que, durante
situações emergenciais, as cidades-Estado gregas cunhavam moedas feitas
totalmente de bronze ou estanho, as quais todos concordavam em aceitai,
enquanto durasse o estado de emergência, como se fossem feitas de prata. "'
Essa é a chave para a tese de Seaford sobre o materialismo e a filosofia
grega. Uma moeda era um pedaço de metal, mas ao dar a ela uma forma
particular, estampá-la com palavras e imagens, a comunidade civil fazia dela
algo mais. Mas essa possibilidade não era ilimitada. Moedas de bronze não
podiam ser usadas para sempre; se a liga usada na cunhagem fosse enfra­
quecida, a inflação certamente entraria em cena. Era como se existisse uma
tensão entre a vontade da comunidade e a natureza física do objeto em si. Os
pensadores gregos de repente se viram confrontados com um tipo de objeto

312
totalmente novo, um objeto de extrema importância como evltlcm lado
pelo fato de que tantos homens desejavam arriscar a própria vicia para pôr
ri mãos nele mas cuja natureza era um completo enigma.
Consideremos a palavra “materialismo”. O que significa adotar a filo-
mili.i "materialista”? Afinal de contas, o que é “material”? Normalmente,
l il.unos de “materiais” quando nos referimos a objetos que gostaríamos
ilr i ransformar em outra coisa. Uma árvore é um ser vivo. Ela só se torna
'madeira” quando começamos a pensar em todas as outras coisas que po­
da íamos fabricar a partir dela. O mesmo vale para argila, vidro ou metal.
I les são sólidos, reais e tangíveis, mas também são abstrações porque têm
u potencial de se transformar em alguma outra coisa - mas não exatamente
mi tudo; não se pode transformar um pedaço de madeira em um leão ou
uma coruja, mas se pode transformá-lo na imagem de leão ou de coruja - os
materiais podem assumir quase todas as formas imagináveis. Desse modo,
nu toda filosofia materialista, lida-se com uma oposição entre forma e con­
teúdo, formato e substância; um conflito entre a ideia, o signo, emblema
t»11 modelo, na mente do criador, e as qualidades físicas dos materiais nos
quais o objeto será estampado, construído ou elaborado, a partir dos quais
rle tomará existência.77 Com as moedas, essa ideia é levada a um nível ainda
mais abstrato, porque um emblema não pode mais ser concebido como um
modelo na mente de uma pessoa - ao contrário, ele é sinal de um acordo
( oletivo. As imagens estampadas nas moedas gregas (leão de Mileto, co-
i uja de Atenas) eram os emblemas da divindade que representava cada um
desses lugares, mas também eram um tipo de promessa coletiva, pela qual
i is cidadãos garantiam uns aos outros que a moeda não só seria aceita para
pagamento de dívidas públicas, como também, em sentido mais amplo, que
iodos podiam aceitá-las para o pagamento de quaisquer dívidas, e que então
elas poderiam ser usadas para adquirir tudo o que cada um quisesse.
O problema é que esse acordo coletivo não é ilimitado. Ele só se aplica de
lato no interior da cidade. Quanto mais se afasta dela e se adentra em lugares
dominados por violência, escravidão e guerra - o tipo de lugar em que até filó­
sofos, ali de passagem, poderiam ser leiloados como escravos mais esse ob­
jeto dotado de poder se transforma em um simples pedaço de metal precioso.78

313
Assim, a guerra entre Espírito c ( or po, entre .1 nobre Ideia e a dur.i Mt
lidade, intelecto racional versus impulsos e desejos corporais obstinudm •|i«f>
resistem a ele, mesmo a ideia de que a paz e o sentido de comunidade nA»t
surgem espontaneamente, mas precisam ser estampadas em nossa natuitifll
material básica como uma insígnia divina gravada em metal - todas e««nf
ideias que passaram a assombrar as tradições religiosas e filosóficas da ld»ul#
Axial, e que continuaram a surpreender desde então pessoas como B<u m »1m
já podem ser vistas como inscritas na natureza dessa nova forma de dinhelm,
Seria tolice argumentar que toda a filosofia da Idade Axial não p.issiiv*
de especulação sobre a natureza da cunhagem, mas penso que Seaford c*(A
correto em dizer que se trata de um ponto de partida decisivo. Essa é intm
das razões pelas quais os filósofos pré-socráticos começaram a enquadi.11
suas questões de maneira bem particular, perguntando (por exemplo): O qm
são as Ideias? Seriam elas apenas convenções coletivas? Elas existem, c<um..
insistiu Platão, em algum domínio divino para além da existência malei iidi*
Ou existem na nossa mente? Ou é nossa mente que participa desse dom mit 1
divino imaterial? E, se for assim, qual a consequência disso sobre a relaç.u.
que temos com nosso corpo?

Na índia e na China, o debate assumiu diferentes formas, mas o materialismu


sempre foi o ponto de partida. Só conhecemos as ideias da maioria dos verd.i
deiros materialistas por causa da obra de seus inimigos intelectuais: como 110
caso do rei indiano Payasi, que gostava de debater o pensamento dos filósof« >■.
budistas e jainistas defendendo a ideia de que a alma não existe, de que o corp< >
humano não passa de uma configuração particular de ar, água, terra e fogo, de
que a consciência é o resultado da interação mútua entre os elementos, e de que,
quando morremos, os elementos simplesmente se dissolvem.79Está claro, 110
entanto, que essas ideias eram correntes à época. Mesmo as religiões da Idade
Axial carecem surpreendentemente daquela crença em variadas formas de for­
ças sobrenaturais vista antes e depois, a ponto de se debater longamente se o
budismo é ou não é religião, posto que rejeita a noção de ser supremo, ou se as
advertências de Confúcio de que deveríamos continuar venerando nossos ances-

314
liitlMdo apenas um modo dc encorajar devoçflo filial ou baseadas na crença de
ip i wancestrais mortos, em algum sentido, continuam existindo. O lato dc ter-
m> «de perguntar diz tudo. No entanto, o que sobretudo ainda perdura daquela
#| mii ,i em termos institucionais - é o que chamamos de “religiões mundiais”.
() que ocorre na época é um tipo estranho de reciprocidade, de ataque
¥ t iiulra-ataque, em que o mercado, o Estado, a guerra e a religião continua­
mente se separam e confluem. Vale a pena tentar resumir a situação:

1) Os mercados parecem ter surgido, pelo menos no Oriente Próximo,


11uno efeito colateral dos sistemas administrativos do governo. Com o passar
ili i lempo, no entanto, a lógica do mercado se entrelaçou às questões milita-
i cs, lornando-se na Idade Axial quase indistinguível da lógica mercenária da
li le da guerra, e depois, por fim, essa lógica conquistou o próprio governo
r definiu seu propósito.
2) Assim, em todos os lugares em que vemos surgir o complexo de
1imhagem m ilitar escravista, nós também vemos o nascimento das filosofias
m.iterialistas. Elas são materialistas, com efeito, nos dois sentidos do termo:
por imaginarem um mundo composto de forças materiais em vez de poderes
divinos e por conceberem o fim último da existência humana como acúmulo
dc riquezas materiais, reenquadrando ideais de moral e justiça como ferra­
mentas criadas para satisfazer as massas.
3) Além disso, em toda parte encontramos filósofos que reagem a isso
investigando as ideias de humanidade e alma, tentando com isso encontrar
um novo fundamento para a ética e a moral.
4) Em todos os lugares, alguns desses filósofos conjugam esforços com
movimentos sociais, formados em resposta a essas novas elites cínicas e ex­
traordinariamente violentas. O resultado foi algo novo na história humana:
movimentos populares que também eram movimentos intelectuais, graças
à convicção de que os que se opunham ao poder agiam de acordo com certa
teoria sobre a natureza da realidade.
5) Em todos os lugares, além disso, esses movimentos foram sobretudo
movimentos de paz, pois rejeitavam a nova concepção de violência, e princi­
palmente a agressividade da guerra, como fundação da política.
6) Por toda parte, também, pareio ler havido um impulso Inicial dr um I
as novas ferramentas intelectuais fornecidas pelos mercados impessoais |Wm
configurar uma nova base para a moral - e em todos os lugares isso I nu h*.•»•iu,
O moísmo, com sua noção de lucro social, floresceu brevemente c di | ••M4
ruiu. Foi substituído pelo confucionismo, que rejeitava totalmente id< la»
como essa. Já vimos que conceber a responsabilidade moral em termos dr dl
vida - um impulso que aflorou tanto na Grécia como na índia por mais i |in>
fosse algo quase inevitável, dadas as novas circunstâncias econômicas, pan t n
ter se provado sempre insatisfatório.80O impulso mais forte é imaginar ou! hi
mundo em que a dívida - e, com ela, todas as outras relações - pudesse ser
totalmente aniquilada, em que os vínculos sociais fossem vistos como forma»
de servidão, assim como o corpo seria uma prisão.
7) A atitude dos governantes mudou com o tempo. A princípio, «
maioria parece ter assumido uma atitude pública de tolerância atônita putu
com os novos movimentos filosóficos e religiosos enquanto, furtivam enlrf
adotava procedimentos políticos cínicos e pragmáticos. Mas, quando a 01
ganização das cidades e dos principados beligerantes deu lugar a grandes
impérios, e especialmente quando esses impérios começaram a chegar a<>s
limites de sua expansão, deixando em crise o complexo de cunhagem ml
litar escravista, tudo isso mudou de maneira inesperada. Na índia, Asoku
tentou refundar seu reino por meio do budismo; em Roma, Constantitio
se voltou aos cristãos; na China, o imperador W u-Ti (157 a.C-87 a.C.), da
dinastia Han, confrontado com uma crise financeira e m ilitar semelhante,
adotou o confucionismo como filosofia estatal. Dos três, somente Wu-Ti foi
bem-sucedido: o império chinês prosperou, de uma forma ou de outra, por
2 m il anos, tendo quase sempre o confucionism o como ideologia oficial,
No caso de Constantino, o Im pério Romano se desintegrou, mas a Igreja
Católica perdurou. Pode-se dizer que o projeto de Asoka foi o menos bem-
-sucedido. Além de se desintegrar, seu império foi substituído por uma série
de reinos mais fracos, muitas vezes fragmentados, e o próprio budismo
minguou em seus domínios originais, embora tenha se estabelecido com
muito mais firmeza em lugares como China, Nepal, Tibete, Sri Lanka, Co­
reia, Japão e grande parte do sul da Ásia.

316
H) A consequência dc tudo isso foi o estabelecimento dc um tipo de tllvl
»Am UIc .i I das esferas da atividade humana que perdura até hoje: dc um Indo,
MMim ado; de outro, a religião. Para falar sem rodeios: se relegamos certo
•«paço social para a simples acumulação egoísta de bens materiais, é quase
Inevitável que logo surja alguém que elegerá outro domínio, a fim de pregar
i|iic. da perspectiva dos valores mais altos, as coisas materiais não são impor-
Iuntes, que o egoísmo - ou mesmo o eu - é ilusório e que dar é melhor que re-
i d in . É significativo que todas as religiões da Idade Axial tenham enfatizado
* Importância da caridade, um conceito que praticamente não existia antes.
A pura ganância e a pura generosidade são conceitos complementares; não
i IMissível imaginar um sem o outro; as duas noções só poderiam ter surgido
i in contextos institucionais que insistiam nesse comportamento puro e es-
11npuloso; e parecem ter surgido juntos sempre que o dinheiro vivo, concreto
r Impessoal, entrava em cena.

Quanto aos movimentos religiosos, seria muito fácil descartá-los como


m apistas, como movimentos que, às vítimas dos impérios da Idade Axial,
piometiam a libertação no mundo por vir como um modo de fazê-las acei-
i.ir seu destino neste mundo e de convencer os ricos de que eles não deviam
nuda aos pobres além de doações esporádicas por caridade. Quase todos os
pensadores mais radicais descartam os movimentos religiosos dessa maneira.
I certo que a propensão dos próprios governos a adotar essas religiões, em
ultima instância, parece dar suporte a essa conclusão. Mas a questão é mais
i omplicada. Em prim eiro lugar, é preciso dizer algo sobre a ideia de esca­
pismo. As revoltas populares no mundo antigo geralmente terminavam com
(i massacre dos rebeldes. Como já observei, a fuga física, seja por êxodo, seja
por deserção, sempre foi, desde os tempos mais remotos, a resposta mais
elicaz às condições opressoras. Quando a fuga física não é possível, o que se
espera dos camponeses oprimidos? Que se sentem e contemplem a própria
miséria? As religiões sobrenaturais, pelo menos, ofereciam lampejos de al­
ternativas radicais. Com frequência, elas permitiam que as pessoas criassem
outros mundos dentro deste mundo, espaços de liberdade, de uma forma
ou de outra. E decerto significativo que os únicos povos a conseguir abolir a

317
escravidão no mundo antigo tenham sido os adeptos de seitas religlos4V|
como os essênios - que o fizeram, de maneira eficaz, apartando-se da m
dem social em sentido mais amplo para formar comunidades utópk as,"1(>11.
em um exemplo mais localizado, mas duradouro: as cidades-Estado dcuiir
cráticas do norte da índia foram todas esmagadas pelos grandes i nt pi i lo«
(Kautilya fornece conselhos sobre como subverter e destruir Const it ult,õ»<»
democráticas), mas o Buda admirava a organização democrática de suas a*
sembleias públicas e adotou-a como modelo para seus seguidores.82Os m<i»
teiros budistas até hoje são chamados de sangha, antiga palavra usada pai a ai
repúblicas, e continuam funcionando de acordo com o mesmo processo dp
se chegar a uma decisão por consenso, preservando certo ideal democratic ■i
igualitário que, em circunstâncias normais, teria sido totalmente esquecido
Por fim, os feitos históricos mais amplos desses movimentos não «Ao
insignificantes. À medida que foram se consolidando, tudo começou a mu
dar. As guerras se tornaram menos brutais e menos frequentes. A escravid.ii <
desapareceu como instituição até chegar ao ponto em que, na Idade Média
se tornou insignificante ou quase inexistente na maior parte da Eurásia. I am
bém por toda parte as novas autoridades religiosas começaram a se ocupai
seriamente dos problemas sociais causados pela dívida.
IO.
Idade Média
(600 d.C. -1450 d.
r
A riqueza artificial contém as coisas que, por si sós, não
satisfazem nenhuma necessidade natural - por exemplo, o
I dinheiro, que é um mecanismo humano.
SA N TO TOMÁS DE AQUINO

I» ii Idade Axial viu surgir ideais complementares como os de mercados de


[ Wiiilrrlas-primas e religiões mundiais universais, a Idade Média foi o período
I mi i|iu‘ essas duas entidades começaram a se fundir.
lím todos os lugares, essa nova era começou com o colapso dos impé-
I f |i iv Novos Estados foram formados, mas, nesses novos Estados, o nexo
I (-Mi i r guerra, lingotes e escravidão se perdeu; a conquista e a anexação terri-
I tiii lal por si sós não eram mais celebradas como o fim da vida política. Ao
llirin io tempo, a vida econômica, da gestão do comércio internacional à
t inutilização de mercados locais, veio a se subordinar cada vez mais à regu­
inga*» das autoridades religiosas. Uma das consequências foi um movimento
tftiplo de controle, ou mesmo de proibição, do empréstimo predatório.
I ttiira foi o retorno, em toda a Eurásia, a várias formas de dinheiro virtual,
ou dinheiro de crédito.
A verdade é que não estamos acostumados a pensar na Idade Média
ilm a maneira. Para a maioria de nós, a palavra “medieval” continua sendo
«Inonimo de superstição, intolerância e opressão. No entanto, para a maior
parte dos habitantes do planeta, ela pode ser vista como um progresso ex-
II .lordinário em relação aos terrores da Idade Axial.
Uma das razões de nossa percepção distorcida é estarmos acostumados
a pensar na Idade Média como algo que aconteceu principalmente na Europa

321
oc idental, cm Umrilót ios que haviam sld< >p>nu <•m.ii■. <|in■|»<>mi >l< 1111||
do Império Romano. I )e acordo com o sonso comum, com o colapso dti Mj
rio as cidades foram cm grande parto abandonadas e a economia "loloi no||
escambo”, levando pelo menos cinco séculos para se recuperar. Mcsmi ■iiu (
se refere à Europa, no entanto, essa crença se baseia em uma sério do stipi i *|m
estabelecidas que, como disse, se desintegram no momento em que i " iim
mos a examiná-las de maneira mais incisiva. A principal dessas supt o,•hMi
a ideia de que a ausência de moedas significa ausência de dinheiro. I vi idttyjÉ
que a destruição da máquina de guerra romana também fez com quo as mtM
das romanas saíssem de circulação, e as poucas moedas produzidas no ••'iHflj
gótico ou no reino franco, os quais se estabeleceram sobre as ruínas do
império, eram de natureza sobretudo fiduciária.1 Mesmo assim, uma iitplill
análise dos “códigos de leis bárbaras” revela que, mesmo no auge da Idatlt dit*
Trevas, as pessoas continuavam cuidadosamente fazendo contas na moedi* m i
mana para calcular taxas de juros, contratos e hipotecas. Ainda que as c li l.idi *
tenham encolhido e muitas tenham sido abandonadas, essa penúria teve vaitlii
gens e desvantagens. Certamente teve um efeito terrível na alfabetização; ma* t-
preciso ter em mente que as antigas cidades só eram mantidas porque exti aia111
recursos da zona rural. A Gália Romana, por exemplo, era uma rede do cida
des, conectadas pelas famosas estradas romanas a uma sucessão infindávt I dt
plantações escravistas, todas de propriedade de potentados urbanos.2 Depolt
de aproximadamente 400 d.C., a população das cidades declinou radicalmentr,
mas as plantações também desapareceram. Nos séculos seguintes, muitas 1«1
ram substituídas por feudos, igrejas e até castelos - onde novos senhores local»
recolhiam impostos dos agricultores ao redor. Mas basta fazermos a conta
como a agricultura medieval era tão eficaz quanto a agricultura antiga (na voi
dade, ela rapidamente se tornou ainda mais eficaz), o trabalho necessário para
alimentar um punhado de clérigos e guerreiros montados jamais se equipararia
ao trabalho necessário para alimentar cidades inteiras. Por mais oprimidos que
possam ter sido os servos medievais, sua penúria não era tão grande quando
comparada à dos servos na Idade Axial.
Contudo, é mais correto considerar que a Idade Média propriamente
dita tenha começado não na Europa, mas na índia e na China, entre 400 d.C.

322
>11 «tingindo grande parte da metade ocidental du hiropa, aumente
, tom o advento do Islã. Ela chegou de fato à Europa upenus quatro
........ . mais tarde. Desse modo, comecemos nossa história na Índia.

M A M I I D I E V A L (A F U G A P A R A A H I E R A R Q U I A )

li'l rm suspenso minhas observações sobre a índia com a descrição de


tn o luidismo foi adotado por parte de Asoka, mas registrei que, em
lliiit Instância, seu projeto fracassou. Nem sua opção religiosa nem seu
pf i lo perduraram. No entanto, demorou bastante tempo para esse fra-
««•i «i ontecer.
( ls máurios representavam um ponto alto do império. Durante quinhen-
>iiHis vários reinados se sucederam, e a maioria deles apoiava fortemente
ii Imtllftmo. Estupas e mosteiros se espalharam por todos os lugares, mas os
|alriilos que os bancavam foram ficando cada vez mais enfraquecidos. Os
Mi n itos centralizados se dissolveram; os soldados, como os oficiais, pas­
quim a ser pagos com terras em vez de salários. Consequentemente, houve
léin declínio gradual da quantidade de moedas em circulação.3 A Alta Idade
Média assistiu a um declínio dramático das cidades: enquanto o embaixador
•rrgo Megástenes descreveu Patna, capital de Asoka, como a maior cidade
do mundo naquela época, viajantes árabes e chineses medievais descreviam
ii India como terra de vilarejos infinitamente minúsculos.
Assim, historiadores vieram a escrever, como também na Europa, sobre
111 olapso da economia monetária, o comércio que “retornava ao escambo”,
liso também não parece ser verdade na índia. O que desapareceu foram os
meios militares de extrair recursos dos camponeses. Na verdade, os tratados
jurídicos hindus escritos na época mostram uma atenção crescente aos acor­
dos de crédito, com uma linguagem sofisticada de fianças, garantias, hipo­
tecas, notas promissórias e juros compostos.4 Basta considerar como foram
I undadas as instituições budistas que proliferaram em toda a índia durante
esses séculos. Embora os primeiros monges fossem pedintes errantes, pos­
suindo pouco mais que suas tigelas para mendicância, os primeiros mosteiros

323
medievais costumavam sei lotais ma^nilu enles.iom vastos tesourou 4
assim, em princípio, suas operações eram quase totalmente Imani la.la» f
meio de um sistema de crédito.
A principal inovação foi a criação do que se chamava de "d< Mçoin
pétuas” ou “tesouros inesgotáveis”. Digamos que uma pessoa leljj»
dar uma contribuição ao mosteiro local. Em vez de se oferecer para li >i H
velas para um ritual específico, ou servos para trabalhar na manutrusl“ r
jardins monásticos, ela daria determinada quantia em dinheiro ou alp >r
valesse uma boa quantia em dinheiro -, que então seria emprestada em no»;
do mosteiro à taxa-padrão de 15% de juros anuais. Os juros do cmpirttllP'
seriam então destinados àquele propósito específico.5Uma inscrição <lr«t o
berta no Grande Mosteiro de Sanei por volta de 450 d.C. fornece um ex<
significativo. Uma mulher de nome Harisvamini doa a quantia relativamelM
modesta de doze dinares à “Nobre Comunidade de Monges”.6O texto (ala iIm
como a renda deve ser dividida: os juros sobre cinco dinares cobririam 1e|p| -
ções diárias para cinco monges diferentes; os juros de três dinares pagai Iam
a ilum inação de três lamparinas para o Buda, em memória de seus pai* *
assim por diante. A inscrição termina dizendo que se trata de uma doayiii
permanente, “gravada como documento em pedra para durar tanto quanto |
lua e o sol”: como o montante principal nunca seria tocado, as contribuiçO»««
durariam para sempre.7
Alguns desses empréstimos presumivelmente eram feitos para intlivi
duos, outros eram empréstimos comerciais feitos a “guildas dos trabalh.ult 1
res de bambuzais, caldeireiros e ceramistas” ou assembleias dos vilarejos,*
O fato é que, na maioria dos casos, o dinheiro era apenas a unidade de cout a
o que de fato era negociado eram animais, trigo, seda, manteiga, frutas e tod< >
tipo de produtos cujas taxas de juros eram estipuladas com tanto zelo n<>•.
códigos de lei da época. Ainda assim, grandes quantias de ouro iam parar nos
cofres monásticos. Afinal de contas, quando as moedas saem de circulação,
o metal não desaparece simplesmente. Na Idade Média - e isso parece sei
verdade em toda a Eurásia - , grande parte desse ouro ficava em estabeleci
mentos religiosos, igrejas, mosteiros e templos, fosse armazenado em reser
vas e tesouros, fosse como adorno ou matéria-prima de altares, santuários

324
iim rnlos sagrados. Acima dc tudo, cie assumia a forma <lc* Imagens dr
( niiH) resultado, os governantes que tentaram Im plcm rnlui nova
«li um sistema de cunhagem como o da Idade Axial invariavelmente
* Ii i i k i k lar algum projeto de expansão m ilitar - muitas vezes tinham de
|RN Miar por políticas sabidamente antirreligiosas. Provavelmente o mais
Hlin ido deles tenha sido Harsa, que governou a Caxemira de 1089 d.C. a
1il 1 e supostamente criou um cargo oficial chamado “Superintendente
ft <1I lestruição dos Deuses”. Segundo relatos posteriores, Harsa contratava
leprosos para profanar sistematicamente as imagens sagradas com
i|ltM r fezes, neutralizando assim o seu poder, antes de carregá-las para a
ItlM o.4 Último de sua dinastia, acredita-se que ele tenha destruído mais
1 mil centros budistas antes de ser traído e morto - e seu destino miserável
I mantido durante muito tempo como exemplo de até onde a retomada de
lillH« >s costumes poderia levar.
I >e modo geral, portanto, o ouro continuou sacrossanto, armazenado em
hiyairs sagrados - embora na índia, com o tempo, esses lugares tenham pas-
iHi li 1a ser hindus, não budistas. O que hoje vemos como uma índia de vilarejos
Itlndtis tradicionais parece ter sido principalmente uma criação da Alta Idade
Mi iha. Não sabemos exatamente como isso aconteceu. A medida que os reinos
Miiillnuaram a prosperar e decair, o mundo dos reis, príncipes e princesas se
illmanciou cada vez mais das questões cotidianas da maioria das pessoas. Du­
rante a maior parte do período imediatamente posterior ao colapso do Império
M.iuria, por exemplo, grande parte da índia foi governada por estrangeiros.10
Aparentemente, essa distância social cada vez maior permitiu que os brâmanes
li k ais começassem a remodelar a nova sociedade - progressivamente rural -
pinto com os princípios estritamente hierárquicos.
Essa reformulação foi feita, acima de tudo, assumindo o controle da
aplicação da lei. O Dharmasastra, código de leis produzido por estudiosos
lirâmanes entre 200 a.C. e 400 d.C., nos dá uma boa ideia da nova visão da
sociedade. Nesses textos, as antigas ideias como a concepção védica de uma
divida para com os deuses, sábios e ancestrais foram ressuscitadas - mas,
agora, aplicavam-se única e exclusivamente aos brâmanes, cujo dever e privi­
légio era representar a humanidade diante de todas as forças que controlavam

325
o Universo." I.onge dc serem ohi igados .1 atlugli o conhei imenio, n« |M
brosdas classes inferiores eram proibidos de faze-lo: o Código de Moiitt, ||
exemplo, estabelece que chumbo derretido deveria ser despejado 110 •ittvffl
de todo sudra (casta mais baixa, dedicada à agricultura e à produçrio m a itilfl
que pelo menos escutasse o ensinamento da lei ou dos textos sa)|rmlo4i m
caso de recorrência, eles teriam a língua extirpada.12 Ao mesmo li mpo, (f l
brâmanes, por mais que mantivessem suas prerrogativas de mancloi li itiU
também adotaram algumas ideias budistas ejainistas, outrora r a d i c o >o itfl
carma, reencarnação e ahimsa. Os brâmanes deviam se abster de todo 11| it 1 «
violência física e se tornar vegetarianos. Em uma aliança com os repi c a
tes da antiga casta de guerreiros, eles também conseguiram controlai 1:1 iml»
parte do território dos antigos vilarejos. Os artesãos e artífices que luuMIfl
do declínio ou destruição das cidades geralmente se tornavam refligladt^
mendicantes e, aos poucos, clientes das castas inferiores. O resultado lol mt
complexo cada vez maior de sistemas de patronagem local nas áreas rui ali
sistemas jajm ani, como ficaram conhecidos onde os refugiados prestavam
serviços para as castas dos proprietários de terra, que assumiam muitos 1I0«
papéis antes mantidos pelo Estado, garantindo proteção e justiça, coletando
impostos trabalhistas e assim por diante, mas também protegendo as cottUM
nidades locais dos representantes da aristocracia.13
Essa última função era crucial. Visitantes estrangeiros ficariam im piri
sionados com a autossuficiência dos vilarejos indianos tradicionais, com seu
sistema complexo de castas proprietárias, fazendeiros e “castas de servido",
como barbeiros, ferreiros, curtidores, tocadores de tambor e lavadeiros, toiUn
organizadas em ordem hierárquica, cada qual com uma contribuição únii a i<
necessária para sua pequena sociedade, que funcionava quase totalmente scitt
o uso de moedas de metal. As pessoas reduzidas à condição de sudras e into
cáveis só conseguiam aceitar sua posição inferior porque o nível de extors.ti 1
dos senhores de terra locais não era, vale lembrar, em nada parecido com o
nível de extorsão dos governos antigos - sob os quais as pessoas tinham de
sustentar cidades de mais de 1 milhão de habitantes - e porque os povoados
se tornaram um mèio eficaz de evitar, pelo menos em parte, a interferência
do Estado e de seus representantes.

326
Nilo conhecemos os mecanismos que forjaram esse mundo, mano papel
iliv iil.i i erlamente foi significativo. Somente a criação de milhares de tem
lundus deve ter envolvido milhares, talve/. milhões de empréstimos .1
afinal, se os brâmanes eram proibidos de tomar empréstimos a juros,
tumplos não estavam incluídos nessa proibição. Já no Código de Manu, o
,nil ígo dos novos conjuntos de leis, vemos como as autoridades locais
■Hav.uti para reconciliar antigos costumes, como a servidão por dívida e a
■in iviil.lo tradicional, com o desejo de estabelecer um sistema hierárquico
«l<i «n^ente em que todos soubessem qual era o seu devido lugar. O Código
d* Manu divide cuidadosamente os escravos em sete tipos, dependendo de
ptltto loram reduzidos à escravidão (guerra, dívida, venda de si próprio...),
f Mpllca as condições sob as quais cada tipo deve ser emancipado, uma vez
■tlr, «final, foram destinados a servir a outras castas.14 De maneira seme-
lliiiMie, enquanto os primeiros códigos haviam estabelecido uma taxa anual
ilf litros de 15%, com exceções para empréstimos comerciais,15 os novos có-
rf|||os organizavam os juros por castas: declaravam que a cobrança máxima
di veria ser de 2% ao mês para os brâmanes, 3% para os xátrias (guerreiros),
t’1)! para os vaixás (mercadores) e 5% para os sudras - que é a diferença entre
14%ao ano, em um extremo, e robustos 60% no outro.16Os códigos também
linum cinco modos de pagamento dos juros, dos quais o mais significativo,
para os nossos propósitos, é o de “juro corporal”: trabalho físico na casa ou
lios campos do credor, realizado até que o principal fosse liquidado. Mesmo
fii|iii, no entanto, as considerações de castas eram da maior importância. Nin­
guém podia ser forçado ao serviço de uma casta inferior; além disso, como
dívidas podiam ser cobradas dos filhos ou netos do devedor, “até que
11 principal fosse liquidado” podia significar bastante tempo - como observa o
historiador indiano R. S. Sharma, essas estipulações “lembram-nos da prática
•itiial segundo a qual gerações de servos da mesma família foram reduzidas
.1 posição de lavradores hereditários em decorrência de alguma reles quantia
(|tte lhes foi emprestada”.17
De fato, a índia tornou-se notória como um país em que grande parte
de sua população que trabalhava cumpre servidão por dívida para um se­
nhorio ou outro credor. Esses arranjos tornaram-se ainda mais fáceis com

327
o passar do tempo. Por volta de tooo d.C, as restrições à usurtt poi
bros das castas superiores nos códigos de lei hindus praticam rtili
receram. Por outro lado, foi mais ou menos nessa época qui“ o
apareceu na índ ia-um a religião dedicada a erradicar por complet» •<t ir
Desse modo, podemos dizer que essas restrições nunca deixai «m tlf
contestadas. E mesmo a lei hindu daquela época era muito mais hmr
que a de quase todo o mundo antigo. Os devedores, de modo grt >il
eram reduzidos à escravidão, e não há registros abrangentes d.i vem ll
mulheres ou crianças. Na verdade, a escravidão ostensiva desaparct eu «
piamente da zona rural nessa época. E os servos por dívida nem «M|
eram peões; pela lei, eles estavam apenas pagando os juros de um ut of
fechado livremente. O pagamento do principal poderia levar geraçOcv it
a lei estipulava que, mesmo que nunca fosse pago, os devedores sei inm ll
bertados na terceira geração.
Há nesse ponto uma tensão peculiar, uma espécie de paradoxo, A dl
vida e os acordos de crédito podem ter tido um papel crucial na 11
do sistema de vilarejos indianos, mas jamais poderiam se tornar sua
Talvez fizesse algum sentido declarar que, assim como os brâmanes tinham
de liquidar suas dívidas para com os deuses, todas as pessoas, em certo *pit<
tido, deviam às que lhes eram superiores. Mas, em outro sentido, isso tet i.i
subvertido por completo a ideia de casta, ou seja, de que o Universo era um*
vasta estrutura hierárquica em que diferentes tipos de pessoas admitiram Nff
de naturezas fundamentalmente diferentes, que essas classes e categoi lii*
eram fixadas para sempre, e que quando produtos e serviços transitavam
na hierarquia, eles seguiam não os princípios da troca, mas sim (como em
todo sistema hierárquico) dos costumes e tradições. O antropólogo fran
cês Louis Dumont defendeu o famoso argumento de que não se pode falar
em “desigualdade” porque usar essa expressão im plica a crença de que a»
pessoas deveriam ou poderiam ser iguais, e essa ideia era totalmente alheia
às concepções hindus.18 Para elas, imaginar suas responsabilidades come
dívidas seria profundamente subversivo, pois as dívidas são, por definição,
acordos entre iguais - pelo menos no sentido de serem partes iguais em um
contrato - que podem e devem ser cumpridos.19

328
I Mi ir 1111«>n políticos, nunca é um* bou ideio dizer Anpessoa* que elus sAo
• ilepols humilhá-las c degradá-las. Presume-se que seja por I s n o qur as
n 1«.i ms de camponeses, de Chiapas ao Japão, tenham por objetivo regu
nii iic abar com as dívidas, em vez de se concentrarem em questões mais
lin .Ui, como sistemas de castas ou até a escravidão.20Com resultados
iHivrls, a índia britânica descobriu isso quando empregou a servidão por
Ih s<»breposta ao sistema de castas - como a base de seu sistema tra-
iiíi a na india colonial. Talvez a paradigmática insurreição popular tenha
111'prrsentada pelos motins de 1875 em Maharastra, quando agricultores
Ivldados se revoltaram, confiscando e destruindo sistematicamente os
Vh« contábeis dos agiotas locais. É mais provável que a servidão por dívida
,.n r mais a indignação e a ação coletiva do que um sistema baseado na
ti <1ilrsigualdade.

I iiin a : b u d is m o (a e c o n o m ia d a d ív id a in f in it a )

|* i i i >1 os padrões medievais, a índia era exceção, por resistir ao apelo das
gMtides religiões da Idade Axial, mas mesmo ali observamos um padrão
feAtWo: o declínio do império, dos exércitos e da economia monetizada, a
Mi ritsão de autoridades religiosas, independentes do Estado, cuja legitimi-
ilwilc popular advém em grande parte da capacidade de regular os sistemas
(Ir i rédito emergentes.
Pode-se dizer que a China representa o extremo oposto. Trata-se do
tinico lugar, no final da Idade Axial, em que a tentativa de unir im pério e
irllgião foi um completo sucesso. É verdade que, como em toda parte, houve
uni período inicial de crise: depois do colapso da dinastia Han, por volta de
j 20 d.C., o Estado central ruiu, as cidades encolheram, as moedas desaparece-
1.1111 etc. Mas, na China, isso foi apenas temporário. Como afirmou Max We-
Ikt há muito tempo, depois que se estabelece uma burocracia genuinamente
efetiva, é quase impossível se livrar dela. E a burocracia chinesa era de uma
eficiência extrema. Não demorou para o antigo sistema Han ressurgir: um
I stado centralizado, administrado pela pequena burguesia confucionista

329
versada nos clássicos literários, selei loiuula por um sistema nacional i Im
mes, trabalhando cm departamentos m.k iottais e regionais metU uloMitt
organizados, onde a oferta monetária, como outras questões cconOmli a«,
continuamente regulada e monitorada. A teoria monetária chin< vi Ml
foi cartalista. Em parte, isso era apenas um efeito do tamanho: o lmp< i
seu mercado interno eram tão grandes que o comércio internacional ml!
foi especialmente importante; desse modo, os governantes sabiam qut |it
riam transformar praticamente qualquer coisa em dinheiro, apenas r i i)|ii
que os impostos fossem pagos daquela forma.
As duas grandes ameaças às autoridades eram sempre as mesma*
nômades do Norte (que eles subornavam sistematicamente, mas que seiHI
ultrapassavam os limites e ocupavam partes da China) e a agitação e i t<l
lião popular. Esta última era quase constante, e em uma escala que jamal* *9
viu em toda a história humana. Houve décadas na história da China em .|.i>
a taxa de revoltas camponesas registradas era de aproximadamente i,H |Mt
hora .21 Além disso, esses levantes eram quase sempre bem-sucedidos. ( ii aml*
parte das famosas dinastias chinesas que não foram produto de invasão Imi
bara (Yuan ou Qing) originou-se de insurreições camponesas (Han, l.my
Sung e Ming). Não vemos algo parecido em nenhum lugar do mundo. I itt
consequência desse clima de revolta, a política chinesa canalizou recuimi»
suficientes para as cidades, para alimentar a população urbana e mantet tu
nômades à distância, sem fazer com que a população rural, notoriamniit
rebelde, se juntasse em uma rebelião armada. A ideologia confucionist.i <>li
ciai que pregava a autoridade patriarcal, oportunidades iguais, a promoçAo
da agricultura, impostos baixos e cuidadoso controle governamental dos
mercados parecia feita para atender aos interesses e sensibilidades de um pa •
triarcado rural (potencialmente rebelde).22
Seria praticamente desnecessário acrescentar que, nessas circunstâncias,
lim itar as ações destrutivas dos agiotas nos vilarejos - a tradicional ruína da»
famílias rurais - era uma preocupação constante do governo. Repetidas ve/.e»
ouvimos a mesma história familiar: camponeses que sofriam adversidades,
provocadas por desastres naturais ou pela necessidade de pagar o funeral de
um parente, terminariam na mão de credores vorazes, que tomariam suas

330
H* I11usas, forçando-os u trabalhar ou u pagar aluguel pura morar onde
'»»riu .1 sua propriedade. A ameaça de rebcllflo por esse motivo Icvurlu t>
n no a Instituir um programa de reformas dramáticas. Uma das primei
•l«<que temos conhecimento aconteceu na forma de um golpe de listado
| g d ( quando um oficial confucionista chamado Wang Mang assumiu
turno para tratar (segundo ele) de uma crise nacional da dívida. De acordo
tiu proclamações feitas na época, a prática da usura fez com que a alíquota
»In ivá (ou seja, a quantidade da colheita de um camponês típico que era
f|iMi>id<i por outra pessoa) subisse de apenas 3% para 50%.23 Como conse-
tpif ui la, Wang Mang instituiu um programa de reforma da moeda corrente,
M i lonalizando grandes propriedades, promovendo indústrias estatais -

Mu In Indo armazéns públicos - e proibindo a posse de escravos. Wang Mang


|«mhém fundou uma agência estatal de empréstimos que viria a oferecer
finpiéstimos para funerais, sem cobrança de juros por até noventa dias, para
«t pessoas pegas de surpresa pela morte de parentes, bem como empréstimos
* lcmgo prazo, sob cobrança de 3% mensais ou 10% anuais, para investimen­
to« comerciais ou agrícolas.24“Com esse esquema”, observa um historiador,
"VViing teve certeza de que todas as transações comerciais estariam sob seu
Mi 1utínio, e o abuso da usura seria para sempre erradicado.”25
I )esnecessário dizer que a usura não foi erradicada, e a história posterior
ilii ( liina é cheia de relatos semelhantes: desigualdade generalizada e revol­
ta* seguidas da nomeação de comissões oficiais de investigação, reduções
lecionais da dívida (fosse por anistias gerais, fosse por anulação de todos os
empréstimos em que os juros excediam o principal), empréstimos de grãos a
(111os reduzidos, alívio da penúria, leis contra a venda de crianças.26Tudo isso
«e tornou comum na política governamental da China. Seu sucesso se deu de
m.ineira bastante desigual e certamente não resultou na utopia da igualdade
1.imponesa, mas evitou um retorno generalizado às condições da Idade Axial.
Estamos acostumados a pensar nessas invenções burocráticas - prin-
i ipalmente nos monopólios e regulações - como uma restrição estatal ao
'mercado” - devido ao lugar-comum que considera os mercados como fenô­
menos quase naturais que surgem por si sós, e os governos como detentores
do papel único de reprimi-los e extorqui-los. Tenho apontado repetidas vezes

331
o equívoco dessa Interpretando, e a < liiim no.» dá um exemplo part it ulai it
interessante. O Estado confuclonlsta pode ter sido a maior e mais dm idot
burocracia do mundo, mas cia prom oveu os m en ados dc m ancua ali
sequentemente, a vida comercial na China logo se tornou sofisticada «-11m|
mercados mais desenvolvidos do que em qualquer lugar do mundo.
Isso ocorreu apesar do fato de a ortodoxia confucionista ser toialme»
hostil aos mercados e até mesmo ao próprio desejo de lucrar. O liu n m mt
ciai era visto como legítimo apenas como compensação pelo trab.dln i o «
lizado pelos mercadores no transporte de produtos de um lugar pai.1 <>ulfd
mas nunca como fruto de especulação. Na prática, isso quer di/et
confucionistas eram pró-mercado, mas anticapitalistas.
Mais uma vez, isso parece estranho, pois estamos acostumados ,1 .*«•
sum ir que capitalismo e mercados são a mesma coisa, mas, como alu mon
o historiador francês Fernand Braudel, em muitos aspectos eles podiam m
igualmente concebidos como opostos. Enquanto os mercados são form.11 d»
trocar produtos através do dinheiro - historicamente, são um meio dc i ibl**»,
por exemplo, velas com os grãos excedentes de uma colheita e vice-vn sa (114
abreviação econômica, m-d-m’, mercadoria-dinheiro-outra mercador 1«) ,
o capitalismo para Braudel é, antes de tudo, a arte de usar o dinheiro pari
obter mais dinheiro: d-m-d’. Normalmente, a maneira mais fácil de faze li •r
estabelecendo algum tipo de monopólio formal ou defacto. Por essa raziio, 11«
capitalistas, sejam eles ricos comerciantes, financistas ou industriais, tentam
invariavelmente se aliar a autoridades políticas para lim itar a liberdade do
mercado, facilitando assim o monopólio.27 Dessa perspectiva, a China, «In
rante a maior parte de sua história, foi o exemplo supremo de Estado de mii
cado anticapitalista.28A despeito dos príncipes europeus que viriam depoil,
os governantes chineses recusavam-se sistematicamente a se juntar a preten
sos capitalistas chineses (que sempre existiram). Em vez disso, como seus <>li
ciais, eles os consideravam parasitas destrutivos - ainda que, ao contrário tio*
usurários, suas motivações fundamentalmente egoístas e antissociais ainda
pudessem ser aproveitadas de determinadas maneiras. Em termos confut 11>
nistas, os mercadores eram como soldados. Acreditava-se que quem aspirava
à carreira m ilitar era motivado pelo amor à violência. Como indivíduos, ele»

332
ii i.ini boas pessoas, mas eram necessários para defender as fronteiras. I >r
tu n .1 semelhante, os mercadores eram considerados Imorais e movidos
« «iinAncla; no entanto, se mantidos sob um cuidadoso controle adml
Ih iiiv o , poderiam servir ao bem público.2’ Independentemente do que se
sobre os princípios, é difícil negar os resultados. Por quase toda a sua
|*li n ia a C hina manteve o padrão de vida mais alto do mundo - até mesmo
|f Inuliilerra só conseguiu superá-lo talvez na década de 1820, depois do início
«evolução Industrial.30
() 1onfucionismo não é exatamente uma religião; ele é considerado mais
tytti sistema ético e filosófico. Desse modo, também era possível considerar a
I lilnu uma exceção dentro de um padrão medieval comum, em que o comér-
I li 111a. quase em todos os lugares, controlado pela religião. Mas essa situação
rpcional não era absoluta. Basta considerar o notável papel econômico do
luidlsmo nesse mesmo período. O budismo surgiu na China através das rotas
•Ir i iiravanas da Ásia Central e, em seus primórdios, era predominantemente
liiiM religião promovida pelos mercadores, mas, no caos que se seguiu ao co-
liipwt da dinastia Han em 220 d.C., ele começou a criar raízes mais populares.
Ai ilinastias Liang (502 d.C-557 d.C.) e Tang (618 d.C-907 d.C.) presenciaram
miupantes de fervor religioso, em que milhares de jovens de áreas rurais de
Ioda a China renunciaram às suas terras, lojas e famílias para buscar a orde-
iinçüo como monges e monjas budistas; mercadores ou proprietários abas-
I itdos abdicaram de suas fortunas para a propagação do darma [a doutrina
1lo Muda], construindo projetos que esculpiram montanhas inteiras para criar
imagens de bodisatvas e estátuas gigantescas de Buda, além de festividades
<111 que monges e devotos queimavam ritualmente a cabeça e as mãos ou, em
idguns casos, ateavam fogo em si próprios. Em meados do século v, ocorre-
i.im dezenas de suicídios espetaculares desse tipo; eles se tornaram, como
.ilirma um historiador, “um tipo de costume macabro”.31
Os historiadores discordam quanto ao seu significado. Certamente, a
liberação das paixões representava uma alternativa dramática à ortodoxia
lormal dos confucionistas letrados, mas é quase surpreendente, para dizer o
mínimo, ver essas manifestações em uma religião propagada sobretudo pelas
classes comerciais. O sinólogo francês Jacques Gernet observa:

333
Está claro que esses suicídios, ia<•um ii.it los à moral tradicional, vi
redimir os pecados de todos os seres e comover deuses e homcii*, .lu
neamente. E eles eram bem encenados: no século v, montava m iiiim
sobre uma montanha. O suicídio acontecia na presença de unta j.;i ,unlt
tidão que proferia lamentações e apresentava ricas oferendas. Pi im Ml
todas as classes sociais assistiam juntas ao espetáculo. Depois c|ur i ■ln„
extinguia, as cinzas do monge eram coletadas e uma estupa, um n<«v*i1
de adoração, era construída para abrigá-las.J2

O relato de Gernet que dá conta de doze redentores em estilo crist.u i1


exagerado, e o sentido preciso desses suicídios era incerto - e muito dii mi
- inclusive na Idade Média. Alguns contemporâneos os interpretavam 11 mui
expressão suprema do desprezo ao corpo; outros como o reconhecimento
natureza ilusória do eu e de todos os vínculos materiais; outros ainda, <i iittfl
a forma suprema de caridade, a dádiva daquilo que se tem de mais precioio, ,t
própria existência física, como sacrifício em prol de todas as coisas vivas mu
sentimento que um biógrafo do século x expressou nos seguintes versos;

Renunciar àquilo de que é difícil se desfazer


E a melhor oferenda entre as esmolas.
Que este corpo impuro e pecaminoso
Se transforme em um diamante luminoso.™

Ou seja, renunciar ao corpo é torná-lo um objeto de valor eterno, um


investimento que pode gerar frutos por toda a eternidade.
Chamo a atenção para isso porque esse sentimento fornece uma ele
gante ilustração de um problema que parece ter surgido pela primeira ve/
no mundo com noções de pura caridade que sempre pareceram acompanh.it
as religiões da Idade Axial, e que apresentavam questões filosóficas infind.i
veis. Nas economias humanas, ninguém parece ter pensado que qualquer ati >
poderia ser ou puramente egoísta ou puramente altruísta. Como afirmei no
capítulo 5, um ato de absoluta abnegação só pode ser também um ato absolu­
tamente antissocial - portanto, de certo modo, inumano. Trata-se apenas da

334
Kl mi especular de um ato dc roubo ou .ité de assassinato; desse modo, I«/
mm sentido que o suicídio seja concebido como dádiva abnegada suprema,
tiiiilo, esse é o entendimento que necessariamente surge quando desen-
vi nu>s a ideia de “lucro” e depois tentamos conceber o oposto dessa ideia.
I s.i tensão parece pairar sobre a vida econômica no budismo chinês
HMilieval, que, fiel às suas origens comerciais, manteve a tendência notável
n Miipregar a linguagem dos mercados. “Compra-se a felicidade e vendem-se
p pn ailos”, escreveu um monge, “assim como nas operações comerciais.”34
ÜMi nenhum lugar tal fato era mais verdadeiro que nas escolas, como a Escola
tlim I rés Estágios, que adotavam a noção de “dívida cármica” - os pecados
Miintulados em vidas passadas permanecem nesta vida como dívidas a ser li­
quidadas. Uma visão obscura e incomum no budismo clássico indiano, a ideia
tl«< divida cármica assumiu uma nova e poderosa forma na China.35 Como
dllo em um texto da Escola dos Três Estágios, todos sabemos que devedores
Inadimplentes reencarnarão como animais ou escravos; mas, na realidade,
Iodos nós somos devedores inadimplentes, porque adquirir o dinheiro para
pay;or as nossas dívidas seculares significa necessariamente adquirir novas
dividas espirituais, pois cada meio de adquirir riqueza envolverá necessaria­
mente a exploração, o dano e o sofrimento de outros seres vivos.

Alguns usam seu poder e autoridade como oficiais para contornar a lei e
apoderar-se de riquezas. Outros prosperam nos mercados [...]. Envolvem-se
em um excesso de mentiras, enganam e extorquem lucro dos outros. Outros
ainda, como fazendeiros, queimam montanhas e matagais, inundam cam­
pos, terrenos e moinhos, destruindo ninhos e tocas de animais. [...]
Não há como evitar a existência de nossas dívidas passadas, e é difícil
compreender o número de vidas diferentes que seriam necessárias para
pagá-las, uma por uma.36

Como observa Gernet, a ideia da vida como o ônus infinito da dívida


certamente afetou os aldeões chineses, para os quais muitas vezes se tratava
de uma verdade literal; mas, ainda de acordo com Gernet, assim como seus
correlatos em Israel, os chineses também conheciam o sentido de libertação

335
inesperada que advinha das anistias oíu lula. I lavia um modo de <ti
anistia. Era fazer doações regulares para o Tesouro Inesgotável de algum ui
teiro. Considera-se que, quando se faz esse tipo de doaçào, as divid.is ili vlt
passadas são instantaneamente apagadas. O autor apresenta uma pai.iln
em nada diferente da parábola de Jesus sobre o devedor ingrato, mas mu i
mais otimista. Como, é preciso perguntar, a contribuição mínima de um I
mem pobre pode ter efeitos cósmicos desse tipo? Eis a resposta.

A parábola fala de um pobre homem aflito por uma dívida de mil «m l


de moedas para com outra pessoa. Ele sofre o tempo todo com a dividi» 9
teme toda vez que o cobrador passa para a coleta.
Ele vai à casa do homem rico, confessa que ultrapassou o prazo e prtlf
perdão por sua ofensa - ele é pobre, sem posição na vida. Diz que lodu
moeda ganha será entregue ao homem rico. Ao ouvir isso, o rico se contt 11u
e perdoa o pobre pelo atraso; além disso, o pobre não é levado para a prisAi».
Doar para o Tesouro Inesgotável é a mesma coisa.37

A isso poderíamos chamar “salvação a prestações”, mas com a condiçrto


de que os pagamentos devem ser feitos - como os pagamentos de juros sobr«
os bens quando são posteriormente emprestados - por toda a eternidade.
Outras escolas se concentraram não na dívida cármica, mas na dívida paro
com os pais. Enquanto os budistas construíram seu arcabouço moral sobre
tudo na piedade filial aos pais, os budistas chineses estavam principalmente
preocupados com as mães, com o cuidado e o sofrimento necessários par.i
criar, alimentar e educar os filhos. A bondade das mães é tida como ilimitada,
e sua abnegação como algo absoluto; a maior representação disso acontece
na amamentação, o fato de as mães transformarem a própria carne e sangue
em leite; elas alimentam os filhos com o próprio corpo. Com isso, no entanto,
elas possibilitam que seu amor ilimitado seja quantificado com precisão. Um
autor calculou que um recém-nascido médio consome mais de novecentos
litros de leite materno nos primeiros três anos de vida, e isso constitui sua dí­
vida quando adulto:*0 número logo se tornou canónico. Pagar essa dívida de
leite, ou melhor, a dívida para com os pais de modo geral, era simplesmente

336
xlvel. “Sc fosse feita uma pilha de pedras preciosas do *hão ao ;Xu iéw",
'v n i um autor budista, "seu valor não se equipararia” ao valor alimentação
ut ionada pelos pais.*11Ainda que se "cortasse a própria carne para lhe
vi ri I rês vezes ao dia durante 4 bilhões de anos”, escreveu outro, “não seria
Wilii lente para pagar um único dia” do que a mãe fez por um filho.39
I A saída, no entanto, é a mesma: doar dinheiro para os Tesouros Inesgo-
t ) resultado foi um elaborado ciclo de dívidas e formas de redenção.
^ttit'1,.1 se com uma dívida de leite impagável. O único valor comparável é
H1I1' durma, a verdade budista em si. Desse modo, é possível pagar a dívida
MM com os pais levando-os para o budismo; com efeito, isso pode ser feito
H# depois da morte, quando a mãe seria um fantasma faminto no inferno. Se
HliM doação ao Tesouro Inesgotável for feita em nome dela, sutras serão reci-
|«d< ir por ela, que será libertada; o dinheiro, enquanto isso, será parcialmente
mi| >1egado para o trabalho de caridade - a dádiva pura - mas também, como
fIMImlia, para empréstimos a juros, destinados ao fim específico de promover
« educação budista, o ritual ou a vida monástica.
A abordagem budista chinesa da caridade era sem dúvida multifacetada.
I li (estivais costumavam levar a uma profusão de contribuições, com con­
tribuintes ricos disputando em generosidade, muitas vezes doando fortunas
ImIeiras aos mosteiros com a ajuda de carros de boi carregados de milhões
dr cordões de moedas - um tipo de abnegação econômica equiparável aos
pupetaculares suicídios monásticos. Suas contribuições avolumavam os Te­
souros Inesgotáveis. Algumas eram dadas aos necessitados, principalmente
rin momentos de adversidade. Outras eram emprestadas. Uma prática que
(mirava entre a caridade e o negócio era fornecer aos camponeses uma alter­
nai iva aos agiotas. Muitos mosteiros contavam com um setor de penhora em
que os pobres podiam deixar algum bem valioso - uma túnica, um sofá, um
espelho - em troca de empréstimos a juros baixos.40 Por fim, havia o setor
dos negócios do próprio mosteiro: aquela parte do Tesouro Inesgotável vol­
tada para a gestão, feita por integrantes laicos, ou ainda disponibilizada para
empréstimos ou investimentos. Como os monges não tinham permissão de
comer os produtos das próprias plantações, os frutos ou grãos tinham de ser
postos no mercado, aumentando ainda mais a renda monástica. A maioria

337
ilos mosteiros começou .1 su mdcadti 11A0 de la/.ciulas comeu lul* tu
verdadeiros complexos industriais: usinas para extração de óleo iiutl
de trigo, lojas e estalagens, muitas vezes com centenas de trahalliaditf
gados aos mosteiros.41 Ao mesmo tempo, os tesouros em sí \o Iomi*
- como apontou de forma pioneira Gernet - as primeiras formuN M''UU)
de concentração de capital financeiro no mundo. Afinal, eles eram >oi»#
trações enormes de riquezas controladas por corporações moiur.llt 11«
buscavam o tempo todo novas oportunidades de investimentos lti< m H

Eles até compartilhavam o imperativo capitalista por excelência: o dn 4


cimento contínuo; os tesouros tinham de se expandir, pois, segundo a il(
trina maaiana, a verdadeira libertação só seria possível quando o mui
todo adotasse o darma.42
Era exatamente essa situação - amplas concentrações de capii ,il vt >lt
das tão somente ao lucro - que a política econômica confucionisl.i patim
querer evitar. Mesmo assim, demorou algum tempo para que os govt 1ii»«§
chineses reconhecessem a ameaça. As atitudes do governo oscilavam I
tante. A princípio, sobretudo nos anos caóticos da Alta Idade Média, tl|
monges eram bem-vistos - chegando inclusive a receber porções genn om|
de terra e trabalhadores cativos para reivindicar florestas e bosques,
de isenção de impostos para suas organizações comerciais.43 Alguns pnil
cos imperadores se converteram, e enquanto a maior parte da buroci >n 1«
manteve os monges por perto, o budismo se tornou especialmente popuWf
entre as mulheres da corte, e também entre os eunucos e muitos desi cit
dentes de famílias abastadas. Com o passar do tempo, no entanto, os aduil
nistradores deixaram de ver os monges como uma bênção para a sociedade
rural e passaram a enxergar seu potencial de desagregação. Já em 511 d <
havia decretos condenando monges por desviarem grãos, que deveriam wr
usados para a caridade, para empréstimos a juros altíssimos, e por altu .11
os contratos de dívida - foi preciso formar uma comissão do governo para
revisar as contas e anular os empréstimos cujos juros excediam o principal
Em 713 d.C. aparece outro decreto confiscando dois Tesouros Inesgotáveli
da Escola dos Três Estágios cujos membros eram acusados de aliciamento
fraudulento.44Em pouco tempo surgiram medidas de repressão do governo,

338
Iiclii» limitadas a certas regiões, mas depois obrangrndo todo o Império.
m im I n severas, realizadas em 84? d.C., 4.600 mosteiros foram destruídos
11 mm suas lojas e moinhos, 260 mil monges e monjas foram depostos
«i,a r devolvidos a suas famílias - mas, ao mesmo tempo, de acordo com
«iniliis do governo, 150 mil trabalhadores dos templos foram libertados
•»•i1vidão.
Quaisquer que tenham sido as razões por trás das ondas de repressão (e,
ti duvida, foram muitas), a razão oficial era sempre a mesma: a necessidade
frUabelecer a oferta monetária. Os mosteiros estavam crescendo tanto,
If lii lt|iiecendo tanto, insistiam os administradores, que a China estava sim-
■Hinrnte ficando sem metal:

As grandes repressões ao budismo sob o governo do imperador Wu, da


dinastia Chou, entre 574 e 577, sob Wu-tsung, de 842 a 845, e finalmente em
<>SS, mostraram-se principalmente como medidas de recuperação econô­
mica: cada uma delas deu ao governo imperial a oportunidade de providen­
ciar o cobre necessário para a cunhagem de novas moedas.45

Uma das razões é que os monges parecem ter derretido moedas sistema-
iii «mente, muitas vezes centenas de milhares delas por vez, para construir
•niátuas colossais de Buda em cobre ou cobre dourado - junto com outros
lih|etos como sinos e sinetas, ou extravagâncias como corredores espelhados
1M1telhas de cobre dourado. O resultado, de acordo com comissões oficiais
de investigação, foi economicamente desastroso: o preço dos metais subiu,
« i unhagem desapareceu e os mercados rurais deixaram de funcionar, ao
mesmo tempo que as populações rurais, cujas crianças não se tornaram
monges, contraíam dívidas altíssimas com os mosteiros.

I ilvez seja evidente que o budismo chinês, uma religião originalmente de mer-
1adores que fincou raízes populares, pudesse se desenvolver nessa direção:
uma genuína teologia da dívida, talvez até uma prática da absoluta abnegação,
do abandono de tudo - da própria fortuna ou até da própria vida -, que levou

339
a uma organização coletiva de gerenciamento do capltul finam rim • t
tado parece tão estranho e tão cheio de paradoxos porque se traiu. mau
vez, de uma tentativa de aplicar a lógica da troca a questões de etei nlil
Recordemos uma ideia apresentada anteriormente: a troca, .1 n.it t *
seja uma transação instantânea em dinheiro vivo, cria dívida A •llv ida
siste com o tempo. Se imaginarmos todas as relações humanas mnun»
então, na medida em que as pessoas têm relações duradouras um«« t mil
outras, essas relações estão entrelaçadas à dívida e ao pecado. A uni« >•11
liquidar a dívida, mas com isso as relações sociais também desaparet ein,
ideia está de acordo com os princípios do budismo, cujo objetivo tiia li^
verdade, é atingir o “vazio”, a libertação absoluta, a aniquilação de todiit
vínculos humanos e materiais, uma vez que, em última instância, cum <f(
culos são causadores de sofrimento. Para os budistas maaianos, no eiilaf
a libertação absoluta não pode ser atingida por nenhum ser de forma itr
pendente; a libertação de cada um depende de todos os outros; portanto,
o fim dos tempos, essas questões, em certa medida, continuam em suspetild
Nesse ínterim, a troca domina: “Compra-se a felicidade e vendem »• <14
pecados, assim como nas operações comerciais”. Mesmo atos de caridadffl
abnegação não são puramente generosos; compra-se o “mérito” dos bodlMM
vas.46 A ideia de dívida infinita surge quando essa lógica vai de e n co n tro fl
Absoluto, ou melhor, contra algo que desafia totalmente a lógica da tioi 4
Porque há coisas que a desafiam. Isso explicaria, por exemplo, a estranha
operação de primeiro quantificar a exata quantidade de leite tomado do srlo
da mãe, e depois dizer que não há nenhuma maneira concebível de paga la
A troca implica a interação entre seres equivalentes. A mãe, por outro lado,
não é um ser equivalente ao filho. Ela cria o filho da própria carne. Para mim,
é exatamente essa hipótese que os autores védicos tentavam sutilmenle »Ir
fender quando falavam das “dívidas” para com os deuses: é claro que ndo
podemos “pagar nossa dívida para com o Universo” - isso significaria que
1) nós e 2) tudo que existe (inclusive nós) fôssemos entidades que se equiva
lessem. Isso é obviamente um absurdo. O máximo a que se pode chegar de
uma retribuição é reconhecer esse fato. Esse reconhecimento é o verdadein 1
significado do sacrifício. Assim como o dinheiro original de Rospabé, uma

340
mu rific ial nâo <• uma forma dc pagar uma divida, mas sim dc rcco-
11 ii Impossibilidade da ideia de que a dívida poderia algum dia ser paga:

11 (hindclo nào se perdeu em certas tradições mitológicas. Segundo um fa­


moso mito hindu, dois deuses, os irmãos Kartikeya e Ganesha, brigaram
«obre quem seria o primeiro a se casar. A mãe, Parvati, sugeriu uma com-
(»«•llçAo: o vencedor seria quem circundasse o Universo inteiro mais rápido.
Kiii tikeya montou nas costas de um pavão gigante e demorou três anos para
percorrer os limites do Cosmos. Ganesha esperou sua vez e, por fim, deu
uma volta ao redor da mãe, dizendo: “Você é o Universo para mim”.

1’ambém argumentei que todo sistema de troca é sempre necessariamente


fimd.ido em algo mais do que a mera troca, algo que, pelo menos em sua ma-
lilloNtação social, se revela uma forma de comunismo. Para tudo que tratamos
11 tino algo eterno, que concebemos ter existência perpétua - amor materno,
mui/ade verdadeira, sociabilidade, humanidade, pertencimento, Cosmos -,
lido é necessário cálculo nenhum, nem mesmo é possível algum tipo de cál-
«tilo; na medida em que há mútuas concessões, há princípios completamente
diferentes envolvidos. O que acontece, então, com esses fenômenos absolutos
r Ilimitados quando se tenta imaginar o mundo como uma série de transações,
Isto é, como troca? De modo geral, uma de duas opções. Ou nós os ignoramos
i m os divinizamos. (Mães e cuidadoras em geral são um ótimo exemplo.) Ou
l.t/.emos as duas coisas. O que tratamos como eterno nas nossas relações efe-
l ivas com os outros desaparece e reaparece como uma abstração, como algo
absoluto.47 No caso do budismo, isso foi enquadrado como o mérito inesgo­
tável dos bodisatvas, que existem, em certo sentido, fora do tempo. Eles são,
simultaneamente, o modelo dos Tesouros Inesgotáveis e sua fundação prática:
só é possível pagarmos nossa dívida cármica infinita, ou nossa dívida de leite
infinita, recorrendo a essa fonte igualmente infinita de redenção, que, por sua
vez, se torna a base dos fundos materiais efetivos dos mosteiros, que são igual­
mente eternos-uma forma pragmática de comunismo, na verdade, posto que
eram fontes amplas de riqueza gerida coletivamente e de posse comunitária:
o centro de projetos amplos de cooperação humana, que se supunham ser

341
igualmente eternos. ( ontudo, a»* mesmo tempo nesse aspei to, ,i< m l|
Gernet está correto esse comunismo se tornou a base, por sua ve/ ■li
bem semelhante ao capitalismo. A razão disso foi a necessidade ili mint
tínua expansão. Tudo, inclusive a caridade, era uma oportunidade puni U
proselitismo; o darma tinha de crescer, em última instância, para alu .111
tudo e a todos, a fim de realizar a salvação da fatalidade dos seres vivo»

A Idade Média foi marcada por um movimento geral rumo à abstraçAi1 ' 'I
e prata foram parar em igrejas, mosteiros e templos; o dinheiro vollnu 11
virtual; e, ao mesmo tempo, a tendência em todos os lugares foi funditi li
tituições morais abrangentes, feitas para regular o processo e, em p.1111. ui
estabelecer certas proteções para os devedores.
A China é um caso à parte por ter sido um território que viu sobrevivei *
ainda que precariamente - um império da Idade Axial. Os governos d 111ie
conseguiram manter as moedas em circulação na maior parte das 1id.idi>t,
praticamente o tempo todo, facilitados pela confiança exclusiva em monlui
de baixa denominação feitas de bronze. Mesmo assim, é evidente que 1» es­
forços para tanto foram enormes.
Como de costume, não sabemos muito sobre como aconteciam as 11.111
sações econômicas cotidianas, mas o que sabemos sugere que, nas transai,oe*
de pequena escala, as moedas provavelmente eram usadas com desconhei i
dos. Como em outros lugares, os lojistas e mercadores estenderam o créillli 1
A maioria das contas parece ter sido mantida com os taily sticks bem seme
lhantes aos usados na Inglaterra, exceto que essas talhas eram feitas de um
pedaço fino de bambu entalhado e não de madeira. Na China o credor tam
bém ficava com metade e o devedor com a outra metade; as duas partes eram
juntadas no instante do pagamento, e muitas vezes quebradas para marcai 1>
cancelamento da dívida.48Até que ponto as talhas eram transferíveis? Não se
sabe. A maior parte do que sabemos vem de referências casuais em textos que
tratam principalmente de outros costumes do povo chinês: anedotas, piadas
e alusões poéticas. O grande compêndio da sabedoria taoista, o Liezi, pro­
vavelmente escrito durante a dinastia Han, contém uma dessas referências:

342
Ilti homem passeava pela rua em Sung e encontrou met aile de um.i (allia
«lul.i Lvvou-a para casa e guardou-a, conferindo a quantidade de entalhes
ponta. l’ara um vizinho, disse: ‘Qualquer hora dessas ficarei rico’”.49
I i mio alguém que encontra uma chave sem saber de que fechadura ela
L*' <hitra história conta como Liu Bang, um policial que gostava muito de
» n r e que depois viria a ser fundador da dinastia Han -, costumava pas-
■M ui lite toda bebendo e acumulando contas. Um dia, desmaiado de tanto
p lin em uma taberna, o dono viu um dragão pairando sobre sua cabeça -
Hinil Inconfundível de futura grandeza - e imediatamente “quebrou a talha”,
|«i h li lando as suas dívidas acumuladas.51
As talhas não eram usadas apenas para empréstimos, mas para todo
!!|i< »ile contrato - por isso os primeiros contratos em papel também tinham
tlt MT cortados em dois, e cada parte envolvida ficava com metade.52 Com
«<nitratos feitos em papel, havia uma clara tendência de que a metade do
ffrtlor funcionasse como vale e se tornasse transferível. Em 806 d.C., por
nnnplo, justamente no apogeu do budismo chinês, os mercadores que trans­
portavam chá por longas distâncias, partindo do extremo sul do país, bem
11 tino os agentes que transportavam valores de impostos para a capital, com
llirdo dos perigos de carregar lingotes por longas distâncias, começaram a
ilppositar o dinheiro em bancos da capital e criaram um sistema de notas
promissórias. Elas eram chamadas de “Dinheiro Voador”, também divididas
lit »meio, como as talhas, e podiam ser trocadas por dinheiro nas filiais loca­
lizadas nas províncias. Rapidamente, as notas começaram a passar de mão
nu mão, funcionando quase como moeda corrente. O governo tentou proibir
«ui uso, até que um ou dois anos depois - e isso se tornou padrão conhecido
na China -, quando percebeu que não conseguiria acabar com elas, resolveu
I utidar um departamento para a emissão das próprias notas.53
No início da dinastia Song (960 d.C-1279 d.C.), em toda a China as opera­
re s bancárias locais eram feitas de maneira semelhante, aceitando dinheiro
vivo e lingotes como garantia, permitindo que os depositantes usassem re-
i íbos como notas promissórias e trocando cupons do governo por chá e
sal. Muitas dessas notas passaram a circular como dinheiro de facto .54 O go­
verno, como de costume, primeiro tentou proibir a prática, depois controlá-la

343
(garantindo um monopólio a dezesseis grandes mercadores), até qur puí
constituiu um monopólio governamental o Departamento de Melodt I
fundado em 1023. Pouco depois, favorecido pela invenção recente tia <pi
de impressão, começou a operar fábricas em diversas cidades, empo tu
milhares de trabalhadores na produção de milhões de notas, literalmi iiih
A princípio, esse papel-moeda deveria circular durante tempo limli
(as notas expirariam após dois anos, depois três, e finalmente sete) e mc
resgatáveis, podendo ser trocadas por lingotes. Com o passar do leiu
principalmente depois que a dinastia Song se encontrou sob uma pu«i
m ilitar cada vez maior, a tentação de simplesmente im prim ir dinheii o u
pouco ou nenhum lastro se tornou dominante - e, além disso, os g<ivei 11
chineses raramente aceitavam o próprio papel-moeda para o pa^.i 11n mi
de impostos. Se juntarmos a isso o fato de as notas não terem valor Iom 4 |
China, é surpreendente que o sistema tenha obtido tanto sucesso. A inll <•. im
era certamente um problema constante, e o dinheiro tinha de ser pci loitl
camente recolhido e reemitido. De vez em quando, todo o sistema entidVi
em colapso, mas as pessoas lançavam mão de seus recursos, “[...] emitindo
para uso pessoal, cheques de chá, cheques de macarrão, talhas de bamlm
talhas de vinho etc.”.56Apesar disso, os mongóis, que governaram a < liliu
de 1271 a 1368 d.C., optaram por manter o sistema, que só foi abandonado
no século x v ii.
É importante ressaltar isso porque os relatos tradicionais tendem ao
presentar o experimento chinês com o papel-moeda como um fracasso,
e até mesmo, para os metalistas, como prova de que a “moeda fiduciária
apoiada apenas pelo poder do Estado, sempre entrará em colapso em algum
momento.57 Essa ideia é especialmente estranha, pois os séculos em que o
papel-moeda foi usado são geralmente considerados os séculos mais dinâmí
cos em termos econômicos da história da China. Decerto, se o governo dos
Estados Unidos for obrigado a abandonar o uso das notas do Banco Central
(Fed) em 2400 d.C., ninguém concluirá que o papel-moeda, intrinsecamente,
tenha sido sempre impraticável. Não obstante, a principal questão que quen >
enfatizar é que termos como “moeda fiduciária”, por mais que sejam cor­
riqueiros, são enganosos. Quase todas as novas formas de papel-moeda já

34 4
nâo foram originalmente criadas pelos governos. Ao contrário, eram
n.r. maneiras de reconhecer e expandir o uso de instrumenu >sde crédito que
tylum das transações econômicas cotidianas. Se apenas a China desenvolveu
|»i|M'l moeda na Idade Média, é porque apenas na China existia um governo
e poderoso o suficiente, além de desconfiado o suficiente de suas clas-
I»« mercantis, para entender que precisava assumir o controle dessas operações.

tu I OHNTE P R Ó X I M O : I S L Ã ( C A P I T A L C O M O C R É D I T O )

Os preços dependem da vontade de Alá; é ele quem os faz subir e cair.


ATRIBUÍDO AO PROFETA MAOMÉ

O lucro de cada sócio deve ser proporcional à parte de cada


um na empreitada.
P R E C E IT O LE G A L ISLÂ M IC O

I Mirante a maior parte da Idade Média, o centro da economia mundial e a


li inte de suas inovações financeiras mais importantes não foram a China nem
ti índia, mas o Ocidente, que, da perspectiva do restante do mundo, corres­
pondia ao mundo islâmico. Durante boa parte desse período, a cristandade,
tilojada no decadente Império Bizantino e nos obscuros principados semi-
hárbaros da Europa, era praticamente insignificante.
Como as pessoas que vivem na Europa ocidental há muito tempo têm o
hábito de pensar no Islã como a própria definição do “Oriente”, é fácil esque-
i cr que, da perspectiva de qualquer outra grande tradição, a diferença entre
cristianismo e islamismo é quase desprezível. Basta abrir um livro, por exem­
plo, de filosofia islâmica medieval para descobrir discussões entre aristotélicos
de Bagdá e neopitagóricos em Basra, ou neoplatônicos persas - estudiosos
empenhados em esquadrinhar a tradição religiosa da Revelação, que começa
com Abraão e Moisés, usando as categorias da filosofia grega, e fazendo isso
em um contexto mais amplo: capitalismo mercantil, religião missionária

345
universalista, racionalismo científico, celebrações poética,s do amoi h
tico e ondas periódicas de fascínio pela sabedoria mística do O rlrnli',
De uma perspectiva histórico-mundial, parece muito mais snivito
rar o judaísmo, o cristianismo e o islamismo como três diferentes maitl!
ções da mesma grandiosa tradição intelectual ocidental, que, duranlr ,t i»
parte da história humana, teve como centro a Mesopotâmia e o 1 1 v*
estendendo-se para a Europa até a Grécia e adentrando a África e i • I u
muitas vezes chegando um pouco mais a oeste, atravessando o Mcdliri i A
ou descendo o Nilo. Em termos econômicos, a maior parte da Europa, ,i
Idade Média clássica talvez, estava na mesma situação que grande p.u li
África: conectada à economia mundial mais ampla apenas como exp< >thnl'
de escravos, matérias-primas e alguns produtos exóticos (âmbar, pieiM
elefante...), e importadora de bens manufaturados (seda e porcelana cblnfÉ
calicô indiano, aço árabe). Para se ter uma ideia do desenvolvimento ei oif
mico comparativo (mesmo que os exemplos estejam um tanto separadi >1 Mil
tempo), considere-se a tabela a seguir:58

POPULAÇÕES E ARRECADAÇÃO FISCAL


De 350 a.C. a 1200 d.C.

IMPÉRIOS E PAÍSES POPULAÇÃO ARRECADAÇÃO ARRECADAÇA0


(em milhões) (em toneladas POR PESSOA
de prata) (em gramas
de prata)
Pérsia (c. 350 a.C.) 17 697 41
Egito (c. 200 a.C.) 7 384 55
Roma (c. 1 d.C.) 50 825 17
Roma (c. 150 d.C.) 50 1.050 21
Bizâncio (c. 850 d.C.) 10 150 15
Califado Abássida 26 1.260 48
(c. 850 d.C.)
Tang (c. 850 d.C.) 50 2.145 43
Inglaterra (1203 d.C.) 2,5 11,5 4,6
França (1221 d.C.) “ 8,5 20,3 2,4

346
Alem disso, durante a maior parte da Idade Média, o Isla mio lol upr
In muleo da civilização ocidental; ele foi sua força de expansão, .d»Indo
liin lio s até a índia, expandindo-se para a África e a Europa, mandando
|»*louarios e convertendo pessoas na região do oceano Índico.
A ai ilude islâmica habitual diante da lei, do governo e de questões econô-
li ,i•*era o exato oposto daquela predominante na China. Os confucionistas
Hp«i i infiavam de uma forma de governo baseada em códigos de lei comple-
■t* preferindo confiar no sentimento de justiça dos estudiosos cultos - estu-
■ i m o s que também se intitulavam representantes do governo. O Islã medie-

VhI, por outro lado, abraçava a lei com entusiasmo, o que o fazia ser visto
Idílio uma instituição religiosa derivada do Profeta, mas tendia por outro
Imlii a ver o governo muitas vezes como um mal necessário, uma instituição
i|in , para os verdadeiramente religiosos, era melhor evitar.59
Isso se deve em parte à natureza peculiar do modo islâmico de governar,
í li líderes militares árabes que, depois da morte de Maomé, em 632 d.C.,
lonquistaram o Império Sassânida e instauraram o califado árabe, nunca
ilrUaram de ver a si mesmos como o povo do deserto, e nunca se sentiram
lotâlmente parte das civilizações urbanas que passaram a governar. Demo-
ruii muito tempo para que esse desconforto fosse superado - dos dois lados.
Mnilos séculos se passaram para que a massa da população se convertesse
Aicligião dos conquistadores, e, mesmo depois de convertidas, as pessoas
nunca pareciam se identificar de fato com suas regras. O governo era visto
1omo um poder m ilitar - necessário, talvez, para defender a fé, mas funda­
mentalmente exterior à sociedade.
Isso também se deve em parte à aliança peculiar entre os mercadores
r o povo comum contra o governo. Depois da tentativa frustrada do califa
al Ma’mum de estabelecer uma teocracia em 832 d.C., o governo passou a
nào interferir em questões de religião. As diversas escolas de direito islâmico
agora estavam livres para criar suas instituições educacionais e manter o
próprio sistema separado de justiça religiosa. De maneira crucial, foram os
nlemás, os sábios versados em direito, os principais agentes da conversão
ao Islã de partes substanciais das populações da Mesopotâmia, da Síria, do
Kgito e do norte da África nesse período.60 No entanto - como os anciãos

347
que cuidavam de guildas, assoi íaçOes tlvl», soi irdades comeri lai* »• ti»
dades religiosas eles faziam o máximo para manter o governo, <«Mil
exércitos e seu aparato, a uma distância segura.41 “Os melhores pi im lp«f(
aqueles que visitam líderes religiosos”, diz um provérbio, “e os pi«>i e*
religiosos são aqueles que se permitem receber visitas de príncipe* ”** II;
narrativa turca medieval esclarece a questão de maneira ainda mais im lt|

O rei chamara Nasrudin à corte.


— Diz-me — disse o rei — , tu que és um místico, filósofo, um I ihiih^É
de conhecimentos pouco convencionais. Estou interessado na i|tir* iA ii(|
valor. Trata-se de uma questão filosófica interessante. Como se esl a! ><I., »•H
verdadeiro valor de uma pessoa, ou de um objeto? Toma eu mesnu•i mm
exemplo. Se eu te perguntasse meu valor estimado, o que dirias?
— Ah — respondeu Nasrudin — , eu diria cerca de duzentos dirnut *
O imperador ficou boquiaberto.
— O quê? Mas o cinturão que estou usando vale duzentos dinaresl
— Eu sei — disse Nasrudin. — Na verdade, eu só estava considcraiultt
o valor do cinturão.

Essa disjunção tinha efeitos econômicos profundos. Significava que <u *


lifado e depois os impérios muçulmanos podiam operar, em muitos aspei lo«,
como os antigos impérios da Idade Axial - criando exércitos profissional*,
travando guerras de conquista, capturando escravos, derretendo o produto
de saques e distribuindo-os na forma de moedas para soldados e oficial*,
exigindo que as mesmas moedas fossem devolvidas como pagamento de im
postos - mas, ao mesmo tempo, quase sem causar efeito algum na vida das
pessoas comuns.
Durante as guerras de expansão, por exemplo, quantidades enormes dr
ouro e prata foram saqueadas de palácios, templos e mosteiros e prensada*
em moedas, permitindo que o califado produzisse dinares de ouro e dirras
de prata com uma pureza notável - ou seja, quase sem nenhuma reserva fi
duciária, o valor de'cada moeda correspondia praticamente ao seu peso em
metais preciosos.63 Com isso, eles eram capazes de pagar a suas tropas muito

348
I lin moldado no exército do califa, por exemplo, rei eblu um s.d.u lo<|ii.iw
lo vr/.es maior que* o recebido por um legionário romano.*4 Tulve/, se
h lal.u de uma espécie de “complexo dc cunhagem militar escravista"
i|n< existia em uma espécie de bolha. As guerras de expansão e o mercado
t ii I uropa e a África geravam um fluxo constante de escravos, mas, em
Miiule acentuado com o mundo antigo, pouquíssimos eram destinados ao
I mIIh•em propriedades agrícolas ou oficinas. A maioria servia de elemento
(•«tentação na casa dos ricos ou, o que ficou mais frequente com o passar
l tempo, como soldados. Durante o califado abássida (750 d.C-1258 d.C.),
Verdade, o império passou a confiar suas forças militares quase exclusiva-
Mi. ni> aos mamelucos, escravos militares altamente treinados, capturados ou
f<H11|11ados nas estepes turcas. A política de empregar escravos como soldados
Í.I mantida por todos os Estados islâmicos posteriores, incluindo os mongóis,
f 1iilminou no famoso sultanato mameluco no Egito no século xni, algo sem
edentes na história.65 Na maior parte do tempo, e em quase todos os lu-
prt% os escravos, por razões óbvias, eram os últimos a poder se aproximar
.li uma arma. Ali, no entanto, tratava-se de algo sistemático. Mas, estranha­
mente, também fazia todo o sentido: se os escravos são, por definição, pessoas
i|iie foram separadas da sociedade, essa era a consequência lógica do muro
11 lado entre a sociedade e o Estado islâmico medieval.66
Os mestres religiosos parecem ter feito tudo para sustentar esse muro.
I Ima das razões de recorrer a escravos soldados era sua intenção de desen­
corajar os fiéis de servir nas forças armadas (pois com isso talvez tivessem
de lutar com companheiros de fé). O sistema legal que eles criaram também
garantia que fosse praticamente impossível reduzir os muçulmanos - ou,
da mesma forma, os súditos cristãos ou judeus do califado - à escravidão.
Nesse aspecto, Al-W ahid parece estar mais do que correto. O direito
Islâmico procurava abarcar quase as mesmas transgressões que as das so-
1 iedades da Idade Axial. Toda escravidão - por sequestro, punição judicial,
dívida e exposição ou comércio de crianças, e mesmo a venda voluntária da
própria pessoa - foi proibida, ou transformada em algo inexequível.67 Isso
se estendeu também a todas as outras formas de servidão por dívida que
ameaçaram os agricultores pobres do Oriente Médio e suas famílias desde

349
os primórdios d.i história doc umrntada l’or Itm, o Isla tornou a u s in a
era vista como um acordo em que dinheiro ou mercadoria eram empi»
dos a juros, terminantemente proibida.'’8
De certa forma, podemos ver o estabelecimento das cortes islâmli nu« i»
o triunfo supremo da rebelião patriarcal que começou milhares de an< >s ati
como a vitória do éthos do deserto ou da estepe, real ou imaginado, m* m
enquanto os fiéis faziam o máximo para manter os descendentes dos iiòiintt)
reais, altamente armados, confinados em seus acampamentos e palái i< 1«
só foi possível devido a uma profunda mudança na aliança entre as classe», M
grandes civilizações urbanas do Oriente Médio sempre foram dominadn-< |
uma aliança defacto entre administradores e mercadores, e os dois grup< >s i naît
tinham o restante da população ou em servidão por dívida ou em conMaitlt
perigo de incorrer nela. Ao se converterem ao Islã, as classes comerciais |iuf
muito tempo arquivilãs aos olhos dos agricultores comuns e dos habitattlf|
das cidades - concordavam efetivamente em passar para o outro lado, abando
nando todas as suas práticas mais odiosas para se tornarem os líderes de um«
sociedade que naquele momento se definia em oposição ao Estado.
Essa conversão só era possível porque, desde o início, o Islã tinha uma vl
são positiva do comércio. O próprio Maomé começou sua vida adulta como
mercador, e nenhum pensador islâmico jamais tratou a busca honesta pelo
lucro como algo intrinsecamente imoral ou hostil à fé. Na prática, tampoiu o
as proibições à usura - que, em sua maioria, eram escrupulosamente impou«
tas, mesmo no caso de empréstimos comerciais - atenuaram o crescimento
do comércio, ou o desenvolvimento de instrumentos complexos de crédito1"'
Ao contrário, os primeiros séculos do califado foram o palco de um rápido
florescimento do comércio e do crédito.
O lucro também era possível porque os juristas islâmicos eram parcinn »
niosos nas taxações de serviços e outras medidas - notavelmente, permitindt >
que produtos comprados a crédito tivessem um preço um pouco acima d<>
que os comprados em dinheiro vivo - que garantiam aos banqueiros e co
merciantes o incentivo de fornecer serviços de crédito.70Ainda assim, esses
incentivos nunca eram suficientes para que a atividade bancária se tornasse
uma ocupação de tempo integral: em vez disso, quase todos os mercadores

350
Iiiibulhavam em larga escala costumavam combinar a atividade batu órla
uma série de outras atividades que buscavam o lucro. Hm consequín-
tli ui, os instrumentos de crédito logo se tornaram tão essenciais para o
K Mlo que quase todas as pessoas de boa situação financeira mantinham
Mim parte de suas riquezas depositada nos bancos e, em vez de contar
MmIiin para realizar transações cotidianas, usavam papel e tinta. As notas
MtilNsórias eram chamadas sakk, “cheques”, ou ru q ’a, “notas”. E os cheques
iilum ser devolvidos. Um historiador alemão, partindo de diversas fontes
Hlyns de literatura árabe, relata:

l’<>r volta de 900 d.C., um homem pagou a um poeta com um cheque, mas
tjiiando o banqueiro recusou o pagamento, o poeta, decepcionado, com­
pôs um poema dizendo que dessa maneira ele pagaria até 1 milhão de bom
jjrado. Em 936, um patrono do mesmo poeta e cantor, durante um concerto,
preencheu um cheque em nome dele no valor de quinhentos dinares. Ao
pagá-lo, o banqueiro fez o poeta saber que era de praxe descontar um dirrã
por dinar, ou seja, cerca de 10%. Mas, se o poeta passasse a tarde e a noite
com ele, não haveria dedução...
Por volta de 1000 d.C., os banqueiros já eram indispensáveis em Basra:
todo comerciante tinha sua conta bancária e pagava nos bazares apenas
com cheques.71

Os cheques podiam ser rubricados e transferidos, e cartas de crédito


(suftaja) podiam atravessar o oceano Índico ou o Saara.72 Eles não se trans-
lormaram em papel-moeda de fato porque, como funcionavam de maneira
lotalmente independente do Estado (não podiam ser usados para pagar im ­
postos, por exemplo), seu valor era baseado quase sempre na confiança e na
reputação das partes envolvidas.73 O apelo às cortes islâmicas costumava ser
voluntário ou mediado por guildas de mercadores e associações civis. Nesse
contexto, ser ridicularizado por um poeta famoso por causa de um cheque
devolvido devia ser o desastre dos desastres.
Quando se trata de finanças, em vez de investimentos a juros, o método
predileto eram as sociedades, em que (muitas vezes) uma parte fornecia o

351
capital e a outra comandava o nego« lo, l.in ve/ dc um retorno lixo, u ln
dor receberia uma parcela dos lucros. Até contratos dc trabalho lo iliilH
ser organizados com base na divisão de lucros.74 Em todas essas qm<M
reputação era fundamental - na verdade, uma discussão dinâmlt u 1109
mórdios do direito comercial visava concluir se a reputação podet la (• r
a terra, o trabalho, o dinheiro e outros recursos) ser considerada uma lo»
de capital. Por vezes acontecia de os mercadores formarem soi li d.hlt ■>
nenhum capital, mas apenas com bons nomes. A isso se dava o nume
“parceria de boa reputação”. Como explicou um jurista:

Quanto à parceria de crédito, ela também pode ser chamada de “panei la


sem dinheiro” (sharika al-mafalis). Ela ocorre quando duas pessoas m*nitofl
em parceria, sem nenhum capital, para comprar a crédito e depois ve m «
E designada por esse nome, parceria de boas reputações, porque seu 1a|Hl«l
consiste no status e na boa reputação. Pois o crédito só é concedido a <|UH||
tem boa reputação com as pessoas.75

Alguns legalistas se opuseram à ideia de que esse tipo de contrato t iv* iw


força jurídica, pois não se baseava no desembolso inicial de capital matei tal
outros o consideraram legítimo, desde que as partes fizessem uma divisà< >l^ua
litária dos lucros - pois a reputação não podia ser quantificada. Vale not a 1
reconhecimento tácito de que, em uma economia de crédito que funciona ba
sicamente sem os mecanismos estatais de imposição (sem polícia para prendei
fraudadores, ou bailios para confiscar a propriedade dos devedores), boa pai 1»
do valor de uma nota promissória depende de fato do bom nome do signata 11*•
Como Pierre Bourdieu afirmaria mais tarde ao descrever semelhante economia
da confiança na Argélia contemporânea: é muito possível transformar a h<>111.«
em dinheiro, mas quase impossível converter o dinheiro em honra.76
Essas redes de confiança, por sua vez, foram em grande parte respou
sáveis pela difusão do islamismo pelas rotas de caravanas na Ásia Central e
no Saara, principalmente através do oceano Índico, principal condutor do
comércio medieval mundial. No decorrer da Idade Média, o oceano índii 11
tornou-se um mar muçulmano. Os comerciantes muçulmanos parecem ter

352
iii|>ciil)a<Jo pupel fundamental na consolidarão do pi liu íplo dr que us
i seus exércitos deviam manter suas disputas em terra firme; os mares
Iam ser uma zona de comércio pacífico. Ao mesmo tempo, o Islik obteve
)|ao privilegiada nas trocas comerciais que iam do golfo de Ádcn às ilhas
iliii as, pois as cortes islâmicas podiam prover essas funções com tanta
• ’tli la que tornou esses portos atraentes: meios de fechar contratos, rea-
i dividas, criar um setor bancário capaz de resgatar ou transferir cartas de
i dito. ' O nível de confiança criado desse modo entre os mercadores no
ij Kmente entreposto de Malaca, porta de entrada para as ilhas da Indonésia,
fhi lendário. A cidade tinha alojamentos suaílis, árabes, egípcios, etiópios e
Ifmcnios, bem como alojamentos para mercadores de diferentes regiões da
hidlti, ( hina e sul da Ásia. Contudo, dizia-se que esses mercadores evitavam
■Nitratos executórios, preferindo selar suas transações “com um aperto de
m au c uma olhada para o céu”.78
Na sociedade islâmica, o mercador não se tornou apenas uma figura
K .peitada, mas também uma espécie de modelo: como o guerreiro, um ho-
tiieni de honra capaz de ir em busca de diversas aventuras; diferentemente do
yiiorreiro, era capaz de fazê-lo de maneira que não prejudicava ninguém. O
historiador francês Maurice Lombard faz um retrato notável, talvez bastante
idealizado, do mercador “em sua majestosa residência, cercado de escravos
i parasitas, no meio de sua coleção de livros, recordações de viagens e orna­
mentos raros”, junto de livros contábeis, correspondências e cartas de crédito,
um sujeito hábil no sistema de contabilidade por partidas dobradas, cheio de
i óiligos secretos e escritas cifradas, que dava esmola para os pobres, ajudava
li »cais de adoração, talvez se dedicasse à escrita de poesia, e ainda era capaz de
i ransformar sua credibilidade geral em grandes reservas de capital apelando
.1 lamiliares e parceiros.79 O retrato de Lombard é, até certo ponto, inspirado
na famosa descrição de Simbá em As m il e uma noites, que depois de passar sua
luventude em perigosas aventuras mercantis em terras distantes, finalmente
se aposenta, mais rico do que sonhara ser, para passar o restante da vida em
meio a jardins e dançarinas, contando as histórias de suas aventuras. Eis um
trecho, narrado do ponto de vista de um humilde porteiro (também chamado
Simbá), convidado pela primeira vez para ver o mestre:

353
hncontrou nm.i vistos.i m.ms.lu, t.ull.iiiic e plcn.i de gt .iihIi.'••i.UI»*, |
levado a uma imensa sala onde viu um grupo de nobres v seiiboi»1«
em volta de mesas enfeitadas com toda sorte de flores e erv.is |h i ItilHf
além de uma grande quantidade de regalos, frutas secas e Irev ,r, i hhIk
e vinhos de excelentíssima qualidade. Também havia instrumento* HÉ
cais e jovens escravas alegres e adoráveis, tocando e cantand«i. Ai | ivMf
estavam agrupadas por hierarquia, e no lugar de maior destaque Imvlfl t
homem de aspecto nobre e respeitável, cuja barba esbranquiçada <I•<»••*#
a atenção, um homem de estatura majestosa e afável gentileza, de >"|Uf
agradável e pleno de solenidade, dignidade e majestade. Simbá, o |'o il# ||fl
confuso com o que contemplava, disse para si mesmo: “Por Al.t, ent*
ser o palácio de um rei ou um pedaço do Paraíso”.80

Esta passagem é interessante não só por representar um ideal ou um ttN


trato de uma vida perfeita, mas por não existir algo similar na tradiç.tc >11 l«t|
Seria impossível imaginar uma imagem como essa em um romance 11.uh M
medieval, por exemplo.
A veneração ao mercador era equiparada ao que só pode ser i h.mudtt
de primeira ideologia popular do livre mercado. É claro que precisamos tu-
mar cuidado para não confundir ideais com realidade. Os mercados sempu»
foram totalmente independentes do governo. Os regimes islâmicos ernpu
garam todas as estratégias comuns de manipulação da política fiscal |>.u•«
encorajar o crescimento dos mercados, e tentaram periodicamente inlet vii
no direito comercial.81 Todavia, existia uma forte opinião popular contr.it l>i
a essas atitudes dos regimes islâmicos. Uma vez libertos dos antigos flageli m
da dívida e da escravidão, muitos bazares locais se tornaram não um lugai de
perigo moral, mas sim o oposto: a mais alta expressão da liberdade humana
e da solidariedade coletiva, e por isso deveriam ser protegidos constante
mente da intrusão estatal.
Havia uma hostilidade particular em relação a tudo o que se parecia
com controle de preços. Uma história muito difundida diz que o Profeta se
recusou a obrigar os mercadores a baixar os preços durante um período de
escassez, na cidade de Medina, sob a alegação de que seria um sacrilégio,

354
»>iii uma situação dc livre mercado, “os preços depeiulem da vontade
♦ar " A maioria dos estudiosos acredita que a decisão de Maomé slg
a ijue toda interferência do governo nos mecanismos dc mercado seria
«iili i ada um sacrilégio semelhante, pois Deus designou que os mercados
pulassem sozinhos.83
A turtável semelhança dessas ideias com a “mão invisível” do mercado
Atiam Smith (que também era a mão da divina providência) não é uma
«|m i.lentia completa. Na verdade, muitos dos argumentos e exemplos
h i lln os usados por Smith parecem remontar diretamente aos tratados
kiitõm icos escritos na Pérsia medieval. Por exemplo, sua afirmação de que
■(foi a é uma consequência natural da racionalidade humana e da fala já apa-
H» e tanto em Ghazali (1058 d .C .-iiii d.C.) como em Tusi (1201 d.C-1274 d.C.);
M* dois pensadores usam exatamente o mesmo exemplo: ninguém nunca
«In dois cães trocando ossos.84 De maneira ainda mais dramática, o mais
Imni i\( •exemplo de Smith sobre a divisão do trabalho, a fábrica de alfinetes,
Hmi|iial ele identifica dezoito diferentes operações para produzir um alfinete,
|A aparece em Ihya, de Ghazali, em que ele descreve uma fábrica de agulhas e
identifica 25 operações para produzir uma única agulha.85
As diferenças, no entanto, são tão significativas quanto as semelhanças.
Um exemplo marcante: assim como Smith, Tusi começa seu tratado sobre
n nnomia discutindo a divisão do trabalho: mas enquanto para Smith a di-
v I n.U) do trabalho é uma consequência da nossa “propensão natural a inter-
1ambiar e permutar” em busca de vantagens pessoais, para Tusi ela é uma
rxtensão da ajuda mútua:

Suponha que cada indivíduo tivesse de se ocupar do próprio sustento, de


vestuário, habitação e armas, primeiro adquirindo as ferramentas de carpin­
taria, depois aprendendo o ofício do ferreiro, preparando desse modo ferra­
mentas e implementos para plantio e colheita, moagem e mistura, fiação e
tecelagem. [...] Obviamente, ele não seria capaz de fazer justiça a nada disso.
Mas quando os homens ajudam uns aos outros, cada um realizando uma
dessas tarefas importantes que se encontram além do limite da própria ca­
pacidade, e observando a lei nas transações dando em grandes quantidades

355
e recebendo em troe .1, graças ao li.di.dho dos outros, ent.lo 0« ih #M
subsistência são definidos, e a sucessdo do indivíduo e a snhicvivM M
espécie estão garantidas.86

Por isso, argumenta ele, a providência divina fez com que Hvr«MN|
diferentes capacidades, desejos e inclinações. O mercado é apenas uma tf
nifestação desse princípio mais geral da ajuda mútua, da correspi mdriit*
de capacidades (oferta) e necessidades (procura) - ou, pondo nos tei nu 1«<{
explicitei anteriormente, ele não é apenas fundamentado no tipo dr 1"uitH
nismo de base sobre o qual toda sociedade, em última instância, deve *»•lifl
sear; ele também é o próprio comunismo de base.
Isso não equivale a dizer que Tusi fosse, de alguma maneira, urri IimmIikm
rista radical, muito pelo contrário. “Se os homens fossem iguais, peie» 11MtH
todos”, afirma ele. Precisamos de diferenças entre ricos e pobres, inslsili* •U<
assim como precisamos de diferenças entre agricultores e carpinteire »1 Nu
entanto, quando partimos da premissa inicial de que os mercados consisloif)
sobretudo na cooperação e não na competição - e embora os economliMl
muçulmanos reconheçam e aceitem a necessidade da competição de met 1adi»
eles nunca encaram a competição como sua essência87-, as implicações rtioi .•»*
tornam-se outras. A história de Nasrudin sobre os ovos de codorna pode I9f
sido uma piada, mas os muçulmanos estudiosos de ética muitas vezes obi ijm
vam os mercadores a barganhar com os ricos para que cobrassem menos, 011
pagassem mais, quando negociassem com os menos afortunados.88
A opinião de Ghazali sobre a divisão do trabalho é semelhante, e seu ir
lato sobre a origem do dinheiro é, no mínimo, ainda mais revelador. O reluto
tem início com uma narrativa que lembra bastante o mito do escambo, eXa
ceto que, como em todos os escritores do Oriente Médio, ele começa não cotil
os membros de tribos primitivas, mas com desconhecidos que se encontram
em um mercado imaginário.

Muitas vezes a pessoa precisa daquilo que não tem e tem aquilo de que
não precisa. Pôr exemplo, uma pessoa tem açafrão mas precisa de um cíi
melo para transporte, e outra pessoa tem um camelo de que não precisa 110

356
Miumento mas quer açafrão. Assim, há uma ncc csaidade de troe a ( onludo,
......que haja uma troca, devo haver alguma maneira de avaliai os dol* objc
los, pois o dono do camelo não pode dar o animal inteiro por uma quanti­
dade qualquer de açafrão. Não há semelhança nenhuma entre o açafrão e o
i itmelo para que uma quantidade equivalente, em forma e peso, seja dada.
I »a mesma maneira, no caso de alguém que deseje uma casa, mas possua
illgumas roupas, ou deseje um escravo, mas possua meias, ou deseje farinha,
mas possua um asno. Não há proporcionalidade direta entre esses bens,
portanto não há como saber quanto de açafrão equivale ao valor de um
t iimelo. Essas transações de escambo seriam muito difíceis.89

( diazali também observa que haveria um problema quando uma pessoa


Mil* i precisasse do que o outro tinha a oferecer, mas isso é quase uma reflexão
Uidi.i; para ele, o verdadeiro problema é conceituai. Como se comparam duas
i ois.is sem características em comum? Conclui que isso só é possível com-
......ndo as duas coisas a uma terceira sem característica nenhuma. Por essa
M/âo, explica ele, Deus criou dinares e dirrãs, moedas feitas de prata e ouro,
dois objetos de metal que, a não ser para isso, não servem para nada: “Dirrãs e
dinares não foram criados com nenhum propósito particular; são inúteis em
«I mesmos; são como pedras. Foram criados para circular de mão em mão,
para controlar e facilitar transações. São símbolos para sabermos o valor e a
i alegoria dos produtos”.90
Podem ser símbolos, ou unidades de medida, justamente pela ausên-
i ia de utilidade - ausência, com efeito, de qualquer característica particular
rxceto o valor: “Uma coisa só pode ser vinculada com exatidão a outras coi­
sas se ela não tiver nenhuma forma ou característica especial própria - por
exemplo, o espelho, por não ter cor, é capaz de refletir todas as outras cores.
() mesmo vale para o dinheiro - ele não tem função própria, mas serve como
meio para certo propósito: a troca de produtos”.91
Disso segue-se também que emprestar dinheiro a juros seja atividade
ilegítima, pois significa usar o dinheiro como um fim em si mesmo: “O di­
nheiro não é criado para fazer dinheiro”. Na verdade, ele diz que “em relação
a outros bens, dirrãs e dinares são como preposições em uma frase”, palavras

357
que, como nos dizem os gramatlcos, s.lo usadas para dar signlfn mlu d mtt
palavras, mas só o fazem porque não têm significado próprio. () J i i i Iim
portanto, é uma unidade de medida que possibilita avaliar produto«, i
também que só funciona assim se estiver em constante movimento !<• iillfj
transações monetárias para obter ainda mais dinheiro - mesmo que m |.t
termos de d - m - d ’, sem falar em d - d ’ - seria, segundo Ghazali, o equivali ltd
a raptar um carteiro.92
Considerando que Ghazali só fala em ouro e prata, o que ele dos< irv# #
dinheiro como símbolo, como medida abstrata, sem características pi <>|>i !•*«
cujo valor só é mantido pelo movimento constante - é algo que jamais ii i u
ocorrido a alguém se não fosse em uma época em que era perfeit.imritl#
normal usar o dinheiro de forma puramente virtual.

Grande parte das teorias do livre mercado, portanto, parece ter sido toinaiU
de empréstimo, em parcelas, de um universo social e moral bastante dl Ir
rente.93 As classes mercantis do Ocidente próximo medieval levaram a c.iIm i
um feito extraordinário. Ao abandonarem as práticas usurárias que as toi mi
ram tão detestáveis aos olhos dos vizinhos durante incontáveis séculos, <■1.1*
conseguiram se tornar - junto com os mestres religiosos - os líderes efel iv<1«
de suas comunidades, comunidades essas que ainda são vistas como orga
nizadas, em ampla medida, em torno de dois polos: a mesquita e o bazar,"4
A propagação do Islã permitiu que o mercado se tornasse um fenômeno gl<1
bal, quase sempre independente dos governos, funcionando de acordo com
suas leis internas. Mas o próprio fato de esse mercado, de certa forma, sei
genuinamente livre, e não criado pelo governo e mantido por meio da força
policial e de prisões - um mundo de acordos selados com apertos de mã< •
e promessas assinadas em papel, mas garantidas somente pela integridade
do signatário -, fez com que ele nunca tenha sido de fato o mundo imagi
nado por aqueles que, posteriormente, adotaram muitas das mesmas ideias
e argumentos: um mundo de indivíduos puramente mercenários disputando
vantagens materiais a qualquer custo.

358
m i m o o c i d i í n i b: < k i s i a n d a m
IIMf K( l(), E M P R É S T IM O I! (iU K K K A )

Se há justiça na guerra, também há justiça na usura.


SANTO AMBRÓSIO

A I uropa, como mencionei, chegou tarde à Idade Média, e grande parte de seu
|ti i llório parecia mais uma grande área rural. No entanto, ali o período come-
41ui ila mesma maneira que em outros lugares - isto é, com o desaparecimento
iltt 1unhagem. O dinheiro se refugiou na virtualidade. Todos continuaram
I iili ulando custos na moeda romana, e depois no “dinheiro imaginário” ca-
II ilmgio - os sistemas puramente conceituais de libras, xelins e pennies usados
|ini .1 contabilidade em toda a Europa ocidental até o século x v i i .
As Casas da Moeda locais pouco a pouco voltaram a operar, produzindo
moedas de uma variedade infinita de pesos, purezas e denominações. No
entanto, essas moedas se relacionavam com o sistema pan-europeu e esta­
vam submetidas a controle oficial. Os reis emitiam decretos regularmente
1ravaliando suas moedas em relação à moeda imaginária de referência, “apre-
i lando” a moeda corrente, por exemplo declarando que, daquele momento
rm diante, um de seus ecus ou escudos não valeria mais '/i, mas sim Y%de um
xelim (aumentando assim os impostos), ou “depreciando” o valor das moedas
la/.endo o inverso (reduzindo assim as dívidas).95 O conteúdo real de ouro
1>u de prata das moedas era infinitamente reajustado, e com frequência elas
eram recolhidas para ser fundidas de novo. Enquanto isso, a maior parte das
transações cotidianas prescindiu totalmente do dinheiro vivo, pois elas eram
realizadas com talhas, moedas simbólicas, registros contábeis ou trocas em
espécie. Assim, quando os escolásticos começaram a tratar dessas questões
no século x iii, não demorou muito para que adotassem a posição de A ris­
tóteles de que o dinheiro era apenas uma convenção social: o dinheiro era,
basicamente, aquilo que os seres humanos decidiam que era.96
Tudo isso corresponde ao padrão medieval mais amplo: o ouro e a prata
reais, ou a quantidade deles que continuava em circulação, eram cada vez

359
mais armazenados m»s lugares sagrados; .\ medida que os Estudo» 101
zados desapareceram, a Igreja foi assumindo pouco a pouco o tonto
regulação dos mercados.
A princípio, a atitude católica para com a usura era tão duta <|ti>u|
muçulmana, e para com os mercadores, consideravelmente mais dui a Ni»
meiro caso, não havia escolha, visto que muitos textos bíblicos eram I m.m
explícitos. Êxodo 22,25: “Se emprestares dinheiro a um compatriota, at 11
gente que está em teu meio, não agirás com ele como credor que imp< >< |im
Tanto os Salmos (15,5; 54,12) como os Profetas 0 eremias 9,(>; Neriff
5,11) são explícitos ao determinar a morte e o fogo do inferno aos usiit «1 lt
Além disso, os prim eiros Pais da Igreja, responsáveis pelos funil.munio#
dos ensinamentos cristãos sobre questões sociais nos anos de dei Imli 1tin
Im pério Romano, escreveram no período da última grande crise da dlvlil
do mundo antigo, uma crise que efetivamente fez parte do processo ilr dr«t
truição do livre campesinato que ainda restava no império.97 Enquanti t pi«tt
cos queriam condenar a escravidão, todos condenavam a usura.
A usura era vista principalmente como uma afronta à caridade 11
à determinação de Jesus para tratar os pobres como trataríamos o pri >pt In
Cristo, dando sem a expectativa de receber nada em troca e permitindo i|iir <»
devedor escolhesse a forma de recompensa (Lucas 6,34-35). Em 365 d.C„ pof
exemplo, São Basílio proferiu um sermão sobre a usura na Capadócia i|iit>
passou a servir de modelo para essas questões:

O Senhor deu Sua própria determinação claramente com estas palavras: "1M
ao que te pede e não voltes as costas ao que te pede emprestado”.98
Mas e quanto ao que ama o dinheiro? Ele vê diante de si um homem
atormentado pela necessidade, inclinado ao chão em súplica. Ele o vê v.i
cilar, sem agir, sem palavras, humilhado. Ele o vê sofrendo de injusta nia
sorte, mas é inclemente. Não reconhece que é um compatriota. Não cede
ao seu pedido. Permanece amargurado e impassível. Não se comove por
nenhuma prece; sua firmeza não se rompe por nenhuma lágrima. Persisti'
na recusa [...J.^

360
I )ii melhor, mantém a atitude dc recusa até que o stiplli unte mriu lime
no".
IU mIío se sentia particularmente ofendido pela desonestidade crassa dos
iiiii, pela afronta à irmandade cristã. O necessitado busca um amigo, o
ii liuge ser um. Na verdade, o rico é um inimigo secreto e tudo que diz é
iui 1,1. Observai, diz São Basílio, como o rico, em princípio, sempre vai
hii que não tem dinheiro nenhum:

I nlào o suplicante fala em juros e diz a palavra garantia. Tudo muda. A ex­
pressão de sua fronte se suaviza; com um sorriso cordial, ele evoca antigos
vínculos familiares. Agora é “meu amigo”.
“Verei se tenho algum dinheiro”, diz ele. “Sim, tenho uma certa quantia
que um conhecido deixou comigo com a esperança de obter lucro. Estipu­
lou uma taxa altíssima de juros. No entanto, é possível retirar uma parte e
entregar-lhe sob condições melhores.” Com simulações e discursos desse
lipo ele bajula a pobre vítima e convence-a a morder a isca. Depois a faz
se comprometer com uma garantia por escrito, acrescenta a perda de liber­
dade ao sofrimento de sua angustiante pobreza e dá a questão por finalizada.
O homem que se responsabilizou por um juro que não pode pagar aceitou
uma escravidão voluntária pelo resto da vida.100

O tomador do empréstimo, ao chegar em casa com seu dinheiro recém-


obtido, primeiro se alegra. Mas logo depois “o dinheiro evapora”, os juros
'.e acumulam e suas posses são liquidadas. Basílio é poético quando descreve
o drama do devedor. É como se o próprio tempo se tornasse seu inimigo.
( ada dia e cada noite conspiram contra ele, pois são os pais dos juros. Sua
vida torna-se “um entorpecimento insone de angústia e incerteza”, pois é
humilhado em público; em casa, esconde-se embaixo do sofá a cada batida
inesperada na porta e mal consegue dormir, é constantemente despertado
por pesadelos com o credor de pé junto ao seu travesseiro.101
Provavelmente a mais famosa homilia antiga sobre a usura, no entanto,
seja D e Tobia, de Santo Ambrósio. Proferida ao longo de vários dias em M i­
lão, em 380 a.C., ele trabalha com os mesmos detalhes vívidos que São Basílio:

361
pais obrigados a vender crianças, devedores que se enforcaram de
A usura, observa ele, deve ser considerada uma forma de roubo violei iln(
assassinato.102Santo Ambrósio, contudo, acrescentou uma pequeiiii i •mi«|
que teria enorme influência posterior: seu sermão foi o primeiro .1 « mi»»;
com cuidado todas as referências bíblicas à agiotagem, ou seja, ele .dn >1•l>H|
problema com o qual autores posteriores tiveram de lid a r-o falo d< qui*,
Antigo Testamento, a usura não é proibida a todos: “Não emprestes ,111 imi
mão com juros, quer se trate de empréstimo de dinheiro, quer de vivei ro ii»|
qualquer outra coisa sobre a qual é costume exigir um juro. Poderás l,i/< 1 11
empréstimo com juros a um desconhecido; contudo, emprestarás sem |uit
ao teu irmão”.
Mas então quem é o “desconhecido”, ou, uma melhor tradução do leilttÉ
hebreu nokri, o “estrangeiro”? Supostamente, concluiu Santo Ambrósí< 1. li
contra quem o roubo e o assassinato também seriam justificados. Afimd, n|
antigos judeus viviam entre tribos como dos amalecitas, contra os quais I >nn
havia instruído especificamente que se declarasse guerra. Se extrair os jiiin i
como afirma ele, é o mesmo que lutar sem espada, então só é legítimo fii /P In
com aqueles “que não seria crime matar”.103 Para Santo Ambrósio, que 111«•
rava em Milão, tudo isso era apenas um detalhe. Ele incluía todos os crisi a< 1
todos aqueles sujeitos ao direito romano sob o rótulo de “irmãos”; não havlii,
portanto, muitos amalecitas por perto.104 A “Exceção de Santo Ambrósio",
como ficaria conhecida, viria a se tornar extremamente importante.
Todos esses sermões - e havia muitos deles - deixaram certas questõcn
críticas sem respostas. O que o homem rico deveria fazer ao receber a vislhi
desse vizinho atormentado? Sim, Jesus dissera para dar sem esperar receber
nada em troca, mas parecia irreal esperar que a maioria dos cristãos fizesse
isso. E, mesmo se o fizessem, que tipo de relações duradouras eles criariam f
São Basílio tomou a posição radical. Deus nos deu todas as coisas, de maneii .1
comunitária, e instruiu especificamente os ricos a dar suas posses para os
pobres. O comunismo dos Apóstolos - que compartilharam todas as su.is
riquezas e tomavam livremente o que precisavam - era, portanto, o único
modelo correto de uma sociedade verdadeiramente cristã.105 Poucos dos ou­
tros Pais da Igreja quiseram levar as coisas tão longe. E verdade que, para eles,

362
imunlsmoera o ideal, mas nesse mundo cuido r transitório, uigumrntu
t lrs. de era simplesmente ilusório. A Igreja deveria a«, citai a existem ia
Ui inetos dc* propriedade, mas também apresentar argumentos espirituais
encorajassem os ricos a agir com caridade cristã. Muitos desses padres
viim metáforas abertamente comerciais. Até mesmo São Basílio era incli-
li i a i eder nesse aspecto:

Sempre que se atende às necessidades dos destituídos em nome do Senhor,


trata-se tanto de uma dádiva quanto de um empréstimo. É uma dádiva porque
illo se nutre esperança de recuperá-la e um empréstimo por causa da muni-
lictncia do Senhor em pagá-lo de volta em nome Dele pois, tendo tomado
de você uma pequena quantia para dar aos pobres, devolverá a eles e a você
uma grande quantia. “Pois quem faz caridade ao pobre empresta a Deus.”106

( bmo Cristo está com os pobres, uma dádiva de caridade é um emprés-


llin ii a Jesus, a ser pago no céu com juros inconcebíveis na Terra.
A caridade, no entanto, é um modo de manter a hierarquia, não de des-
11 ul-la. O que São Basílio diz não tem nada a ver com dívida, e brincar com es-
*<!■. metáforas parece, em última instância, servir apenas para destacar o fato
dr que os ricos não devem nada ao pobre suplicante, assim como Deus não
r»tá legalmente obrigado a salvar a alma de pessoa alguma que alimente um
mendigo. A “dívida” aqui se dissolve em pura hierarquia (daí, “o Senhor”), na
i|tial criaturas totalmente diferentes fornecem benefícios totalmente diferen­
tes umas para as outras. Teólogos posteriores confirmariam isso de maneira
explícita: os seres humanos vivem no tempo, disse Santo Tomás de Aquino,
portanto faz sentido dizer que o pecado é uma dívida de punição que deve­
mos a Deus. Mas Deus vive fora do tempo. Por definição, ele não pode dever
nada a ninguém. Sua graça, desse modo, só pode ser uma dádiva concedida
sem compromisso de retribuição.107
Isso, por sua vez, responde à questão: o que de fato eles esperam que os
ricos façam? A Igreja se opunha à usura, mas tinha pouco a dizer sobre as
relações de dependência feudal, em que os ricos fazem ações caridosas e os
pobres suplicantes demonstram sua gratidão de outras maneiras. Além disso,

363
quando esses tipos dc dependem l.t lotm viium a surgir cm todo o (>< it
cristão, a Igreja fez objeções significativas,10* Antigos peões dc dívida In»
gradualmente transformados em servos ou vassalos. Em alguns asju . m«,
relação não era muito diferente, uma vez que a vassalagem, em teoi l.t, *(■
uma relação contratual voluntária. Assim como um cristão tem dc c»
se submeter livremente ao “Senhor”, também o vassalo tem de cotu ortliii HM
fazer de si próprio vassalo de outro alguém. Tudo isso se mostrava pn l< 114
mente de acordo com o cristianismo.
O comércio, por outro lado, continuava sendo um problema. Nãi 1liiiv 14
um salto muito grande entre condenar a usura como a tomada “daquili •qu*
excede a quantia emprestada” e condenar qualquer forma de lucro. Mmiit»
- entre eles, Santo Ambrósio - queriam dar esse salto. Enquanto Maoim .l<
clarava que os mercadores honestos mereciam um lugar ao lado de 1)nr. nu
céu, homens como Ambrósio se perguntavam se “mercadores honestos" iilu
eram uma contradição em termos. Muitos afirmavam que era simplcsmctil#
impossível ser mercador e cristão ao mesmo tempo.109 Na Alta Idade Mrdl4,
essa não era uma questão urgente - principalmente porque grande parte «l<>
comércio era realizada por estrangeiros. Os problemas conceituais, no vn
tanto, não estavam resolvidos. O que significava poder emprestar apcn.is 4
“desconhecidos”? Isso era apenas usura ou um comércio equivalente a guci 1af

Talvez a solução mais notória, e muitas vezes tida como catastrófica, pai4
esse problema tenham sido as relações entre cristãos e judeus durante a Idade
Média. Desde a época de Neemias, as posições judaicas em relação ao cm
préstimo haviam mudado. Na época de Augusto, Hilel, o Ancião, transloi
mara efetivamente o ano sabático em letra morta ao permitir que duas partes
acrescentassem uma cláusula em qualquer contrato de empréstimo particul.n
concordando que o princípio do ano sabático não se aplicaria. Apesar dc
tanto a Torá como o Talmude se oporem a empréstimos a juros, exceções
eram feitas em negociações com os gentios - principalmente porque, no dc
correr dos séculos e xn, os judeus europeus eram excluídos de quase toda s
as outras ocupações.110 Isso dificultou ainda mais a contenção dessa prática.

364
n u ui atestado pela piada comum no» guetos do século xn pata justificar a
M im entre os judeus. Conta-se que ela consistia em recitar a passagem de
w iiirro n ò m io 23,20 de maneira interrogativa para que significas.se o oposto
Hp «t-u sentido óbvio: “Ao estranho poderás fazer um empréstimo com juros,
hm ii i teu irmão não emprestarás com juros?”.111
IVlo lado cristão, em 1140 d.C., a “Exceção de Santo Ambrósio” foi in-
[ttii |n »rada ao Decreto de Graciano, que passou a ser considerado a compilação
Mrfinlliva de direito canônico. Na época, a vida econômica fazia parte da ju-
M kIM o da Igreja. Embora isso parecesse deixar os judeus a salvo, fora do
»IMrma, na verdade as questões eram mais complicadas. Para começar, en-
t|nanto tanto judeus como gentios tentassem algumas vezes recorrer à “Exce-
t iii»". a opinião prevalecente era de que ela se aplicava somente aos sarracenos
HWoutros povos com os quais a cristandade estivesse literalmente em guerra.
Afinal, judeus e cristãos viviam nas mesmas cidades e vilarejos. Se fosse reco­
nhecido que a Exceção permitia o empréstimo a juros entre cristãos e judeus,
iMinhém teria de se reconhecer o direito de judeus e cristãos matarem uns aos
I muros.112Ninguém queria dizer isso de fato. Por outro lado, as relações entre
II istàos e judeus muitas vezes pareciam se aproximar perigosamente desse
Ideal infeliz - por mais que, obviamente, apenas um dos lados praticasse o
Vrrdadeiro assassinato (não considerando a mera agressão econômica).
Em parte, isso se devia ao hábito dos príncipes cristãos de explorar,
para seus interesses, o fato de os judeus estarem levemente à margem do sis-
lema. Muitos encorajavam os judeus a atuar como agiotas, sob sua proteção,
simplesmente porque sabiam que a proteção podia ser revogada a qualquer
momento. Os reis da Inglaterra eram notórios nesse sentido. Eles insistiam
para que os judeus fossem excluídos do mercado e das guildas de ofícios,
mas garantiam a eles o direito de cobrar taxas extravagantes de juros, respal­
dando os empréstimos pela força da lei.113 Era comum que os devedores na
Inglaterra medieval fossem jogados na prisão até que suas famílias pagassem
ao credor.114 Contudo, o mesmo acontecia regularmente com os próprios
judeus. Em 1210 d.C., por exemplo, o rei João instituiu a talha, ou imposto
emergencial, para cobrir os custos de suas guerras na França e na Irlanda.
Segundo um cronista da época, “todos os judeus de toda a Inglaterra, de

365
ambos os sexos, foram capturados, presos e severamente toriiiiiidit»
que se fizesse a vontade do rei com o dinheiro deles". Muitos que Ih h i H
turados ofereciam tudo o que tinham e ainda mais mas, naqueU <n «
um mercador particularmente abastado, Abraão de Bristol, que,
rei, lhe devia 10 m il marcos de prata (soma equivalente a cerca de um ■
da renda total anual do rei João), ficou famoso por resistir. O rei, com Ioh, (
denou a remoção de todos os seus molares, um por dia, até que a dl vld*
paga. Depois que sete dentes foram removidos, Abraão finalmente««•Un
O sucessor de João, Henrique m (1216-72), tinha o hábito de eniii yio i
vítimas judias ao seu irmão, conde de Cornwall, para que, como n o s 1
cronista, “aqueles que um irmão esfolava fossem estripados pelo o u liti"11
E importante lembrar histórias como essas sobre a extração de dente», p >• f
intestino dos judeus, acredito, para entender como, em O mercador ilr \ 1ti. h»
de Shakespeare, se exige “uma libra de carne humana”.117 Embora priunHM
gem imaginário, tudo parece ter sido uma projeção culposa dos terre >1ei qu#
os judeus nunca chegaram a infligir aos cristãos, mas aos quais eram su I mii»
tidos, bem ao contrário.
O terror infligido pelos reis carregava consigo um elemento partU ••
lar de identificação: as perseguições e apropriações eram uma extensa« •d.t
lógica segundo a qual os reis efetivamente tratavam as somas devida».....»
judeus como devidas, em última instância, a si próprios, criando incluMvf
um ramo do Departamento do Tesouro (o “Erário dos Judeus”) para cuidiu
delas.118 Essa ideia estava em consonância com a impressão que o povo m
glês tinha dos reis como um bando estrangeiro, formado por norma ndt 11
trapaceiros. Mas esse terror também dava aos reis a oportunidade de fa/et
o jogo populista, ofendendo e humilhando dramaticamente os financ isi.it
judeus ou fazendo vista grossa para pogroms, e muitas vezes encorajando-t 1».
Esses pogrom s eram promovidos pelos habitantes das cidades que interpi e
tavam literalmente a “Exceção de Santo Am brósio” e tratavam os agiotas
como inimigos de Cristo que podiam ser assassinados a sangue-frio. M as
sacres particularmente violentos ocorreram em Norwich em 1144 d.C. e em
Blois, França, em 1T71. Pouco tempo depois, como afirma Norman Cohn,
“o que antes fora uma florescente cultura judaica se transformou em uma

366
Miiltludc aterrorizada, enredada cni uma guerra pnpélmi mm .1 nu Ir
(11m*a circundava”.119
Nilo devemos exagerar o papel dos judeus na atividade dc emprestar di
Ito A maioria dos judeus não tinha nada a ver com esse negócio, e os
tinham eram meros figurantes, fazendo empréstimos de baixo valor em
ii<< mi roupas e recebendo algo equivalente em troca. Outros nem sequer
Iti ludeus. Já por volta do ano 1190, os sacerdotes reclamavam de senho-
ilf (erra que se aliavam a agiotas cristãos reivindicando-os como “nossos
1I1 iis" - e portanto sob sua proteção especial.120Nos anos 1100, a maioria
midiotas judeus havia sido substituída por lombardos (do norte da Itália)
f 1nhorsianos (da cidade de Cahors, na França) - que se estabeleceram por
IihIii ,1 Europa ocidental, tornando-se agiotas de renome.121
() advento da usura no meio rural foi um sinal da liberdade cada vez
liiiil* ii do campesinato (não havia sentido em fazer empréstimos para servos,
|n iis eles não tinham com que pagar). Ele acompanhou o surgimento da agri-
1 iilinra comercial, das guildas urbanas de ofícios e da “revolução comercial”
«In Idade Média clássica, e tudo isso levou a Europa ocidental a um patamar
ilr atividade econômica comparável com o que se considerava usual, havia
muito tempo, em outras partes do mundo. A Igreja passou rapidamente a
li il rcr pressão popular para resolver o problema da usura e, a princípio, tentou
ililicultar as coisas. As brechas existentes nas leis de usura foram sistematica­
mente eliminadas, em especial o uso de hipotecas. Estas logo se tornaram um
rxpediente de logro: no Islã medieval, para se esquivar da lei bastava apresen-
1,1r o dinheiro, reivindicar a compra da casa ou da propriedade do devedor e
depois “alugar” a mesma casa ou propriedade de volta ao devedor até que o
pr incipal fosse liquidado. No caso de hipoteca, a casa, em teoria, nem sequer
era comprada, mas oferecida como garantia, e toda a renda proveniente dela
era creditada ao emprestador. No século xi, esse truque tornou-se o predileto
dos mosteiros e, em 1148, tornou-se ilegal: daí em diante, toda renda devia ser
subtraída do principal. De maneira semelhante, em 1187, os mercadores foram
proibidos de cobrar preços mais altos quando vendiam a crédito - a Igreja,
desse modo, foi muito além de qualquer escola de direito islâmico da época.
Em 1179, a usura passou a ser considerada pecado mortal, os usurários foram

367
excomungados e deixaram dc ler direito a um funeral cristílo,m I Ml |*i
tempo, novas ordens de frades itinerantes, como os franciscanos <• m .1.
nicanos, organizaram campanhas de pregação, viajando de cidade em i Itl
de vilarejo em vilarejo, ameaçando os agiotas com a perda da im ortalldiull
alma caso não recompensassem suas vítimas.
Tudo isso ecoou em um debate intelectual violento nas recém luiiili
universidades, não tanto sobre se a usura era pecado ou contra a lei, m.is t><(
cificamente porque ela seria uma atividade ilegal. Alguns argumentavam
usura equivalia ao roubo das posses materiais de outra pessoa; outro», <|tt#
constituía um roubo de tempo, cobrando de outros algo que pertencia i|» ih»
a Deus. Outros ainda sustentavam que a usura era a encarnação do pei .n!•<iU
preguiça, pois, como os confucionistas, os pensadores católicos sustem.iv.hu,
de maneira geral, que o lucro de um mercador só podia ser justifkad« >11 min
pagamento por seu trabalho (isto é, ao fornecer produtos onde eles eram iei|iil*
sitados), enquanto os juros assomavam mesmo que o emprestador não li/enw
nada. Logo a redescoberta de Aristóteles, que retornara em tradução ai.ihr »■
a influência de fontes muçulmanas, como Ghazali e Avicena, acrescentai tttn
novos argumentos: tratar o dinheiro como fim em si mesmo era um desvli 1d«
seu verdadeiro propósito, e cobrar juros era antinatural, pois equivalia a 11.um»
o metal como se fosse uma coisa viva que podia procriar ou dar frutos.1,1
Mas, como logo perceberam as autoridades da Igreja, um debate c o i i i h
esse tinha tudo para gerar novas discussões. Não demorou muito para t|iii<
novos movimentos religiosos populares começassem a aparecer em todos <u
lugares, e muitos tomavam a mesma direção que tantos tomaram na Antl
guidade tardia, não só desafiando o comércio, como também questionaiuli i ,t
própria legitimidade da propriedade privada. A maioria desses movimentou
era rotulada como heresia e oprimida violentamente, mas muitos de seus
argumentos foram adotados pelas ordens mendicantes. O grande debate
intelectual do século xin ocorreu entre os franciscanos e os dominicanos
acerca da “pobreza apostólica” - basicamente, sobre se o cristianismo podia
ser conciliado com qualquer tipo de propriedade.
Ao mesmo tempo, a retomada do direito romano - que, como vimos, o >
meçou sob a égide da propriedade privada absoluta - forneceu nova muniçãi i

368
■|l< I<11uai a quem argumentava que, pelo menos no caso dos em prfstl-
Hh* idinerciais, as leis da usura deveriam ser abrandadas. A grande desco-
Bpii>i nesse caso foi a noção de interesse, da qual se origina a palavra inglesa
M ilrirst” [juro]: uma compensação pela perda sofrida por causa de um pa-
■H tirnlo em atraso.124 Logo o argumento se transformou: se um mercador
um empréstimo comercial, mesmo que por um período mínimo
lillijtimos, um mês), não seria usura cobrar dele posteriormente uma por-
n iliig e m mensal, pois se tratava de uma punição, e não de um aluguel pelo
pinheiro, portanto justificada como compensação pelo lucro que ele teria
li.h i se tivesse aplicado o dinheiro em um investimento lucrativo, como era
g» ulmente esperado de qualquer mercador.125

11 Irltor deve estar se perguntando como pode ter sido possível que as leis da
tlttira evoluíssem simultaneamente em duas direções opostas. A resposta
Iwiece ser que, do ponto de vista político, a situação na Europa ocidental era
i iiniica. A maioria dos reis era fraca, e suas terras, fragmentadas e de posse
liii erta; o continente era um tabuleiro de baronias, principados, comunas
ui banas, feudos e propriedades da Igreja. As jurisdições eram renegociadas
II instantemente - muitas vezes pela guerra. O capitalismo mercantil, no Oci­
dente Próximo muçulmano, só conseguiu se estabelecer - um pouco tarde,
ic comparado à situação no restante do mundo medieval - quando os mer-
i .ulores conseguiram fixar um ponto de apoio político nas cidades-Estados
independentes do norte da Itália, como Veneza, Florença, Gênova e Milão, e
depois nas cidades germânicas da Liga Hanseática.126Os banqueiros italianos,
por fim, conseguiram se libertar da ameaça de expropriação controlando os
governos e, com isso, assumindo o controle também sobre o sistema judi-
t iário (capaz de fazer cumprir contratos) e, de forma ainda mais forte, sobre
os exércitos.127
O que salta aos olhos, em comparação ao mundo muçulmano, são
.is relações entre finanças, comércio e violência. Por mais que os pensa­
dores persas e árabes entendessem que o mercado surgira como exten­
são da ajuda mútua, os cristãos nunca deixaram de lado completamente

369
a suspeita de que o comércio losse uma extensão da usura, uniu li
fraude legítima apenas quando voltada contra inimigos mortiil«, \
era, realmente, considerada pecado - para ambas as partes d.i 11hiim
competição era da essência da natureza do mercado, mas a compeli^
(em geral) uma guerra não violenta. Como observei anteriormente, 1 via
razão para que palavras como “troca” e “escambo”, em quase todai. .»< III
europeias, tenham derivado de termos como “embuste”, “engano" e "li iyi»i
gumas pessoas desdenhavam o comércio por essa razão. Outros o drlm il
Poucos teriam negado a existência dessa conexão.
Basta examinarmos o modo como os instrumentos de crédil» >hlflin
-o u , aliás, o ideal islâmico do aventureiro-mercador-se estabelei n nu j
percebermos como essa conexão era de fato íntima.
Costuma-se dizer que os pioneiros do sistema bancário modem« >1«u
da Ordem Militar dos Cavaleiros do Templo de Salomão, comumente 11ui
cida como a ordem dos cavaleiros templários. Ela era composta de niiin^H
e teve um papel fundamental no financiamento das cruzadas. Por m< li ■»li
templários, um senhor de terras no sul da França poderia hipotecar um t
seus imóveis e receber um “título de crédito” (uma duplicata, feita no nu >di |u
muçulmano da suftaja, mas escrita em código secreto) que poderia ser tn ><iiilti
por dinheiro vivo no Templo em Jerusalém. Em outras palavras, os cristam
parecem ter adotado, pela primeira vez, as técnicas financeiras islâmicas puffl
financiar ataques contra o Islã.
A ordem dos templários durou de 1118 a 1307, mas terminou por lei 11
mesmo fim de tantas m inorias comerciais na Idade Média: o rei Filipe 1v,
atolado em dívidas com a ordem, voltou-se contra os templários, acusand« 1
-os de crimes gravíssimos; seus líderes foram torturados e mortos, e sua 11
queza, expropriada.128 Grande parte do problema se resumia ao fato de ele*
não terem uma base principal poderosa. As casas bancárias italianas, com» 1
Bardi, Peruzzi e Médici, saíram-se muito melhor. Na história dos bancos,
os italianos são famosos por suas complexas organizações anônimas e por
encabeçar o uso de duplicatas em estilo islâm ico.129 A princípio, elas eram
bem simples: basicamente, apenas uma forma de troca de dinheiro a long.i
distância. Um mercador podia entregar certa quantidade em florins para um
(liflm nu Itália e receber uma letra autenticada rejjlMraiulo o equivalente
ItHMil.i dc referência internacional (deniers carolíngios), pré dat.id.i para,
MlttN, dali a três meses; ao chegar a data, ele ou seu agente poderiam s.u .11
iaiitla equivalente em moeda corrente local nas feiras de Champagnc,
I ihk lonavam, ao mesmo tempo, como os maiores empórios comerciais
•th 1 as maiores câmaras de compensação financeira da Europa na Idade
liii i lássica. No entanto, essas feiras rapidamente se transformaram em di-
mh novas formas criativas de controlar - ou de lucrar com - a complicada
>monetária europeia.130
A maior parte do capital usado nessas transações bancárias vinha do
lltitiacio mediterrâneo de especiarias provenientes do oceano Índico e de
111 is de luxo ocidentais. Contudo, ao contrário do oceano Índico, o Medi-
t*11.11ico era uma zona de guerra constante. A quantidade de galés venezianas
i IhI mou - agora havia embarcações comerciais e navios de guerra, cheios de
Miihòcs e fuzileiros, e as diferenças entre comércio, cruzada e pirataria muitas
Vf/,cs dependiam do equilíbrio de forças em dado momento.131 O mesmo valia
|iiii.i a terra firme: enquanto os impérios asiáticos tentavam separar o mundo
d<11guerreiros e o dos mercadores, na Europa eles costumavam se sobrepor:

De cima a baixo, por toda a Europa central, da Toscana a Flandres, de Bra-


bante a Livônia, os mercadores, além de suprir os guerreiros - como faziam
em toda a Europa -, ocupavam as sedes de governos em guerra e, muitas ve­
zes, vestiam-se com armaduras e iam eles mesmos para a batalha. Os exem­
plos são muitos: não só Florença, Milão, Veneza e Gênova, mas também
Augsburgo, Nuremberg, Estrasburgo e Zurique; não só Liibeck, Hamburgo
e Danzig, mas também Bruges, Gent, Leiden e Colônia. Algumas delas - Flo­
rença, Nuremberg, Siena, Berna e Ulm, entre outras - construíram Estados
de extensão territorial considerável.132

Os venezianos se tornaram os mais famosos no que se refere a isso.


Hles criaram um verdadeiro império mercantil no decorrer do século xi, to­
mando ilhas como Creta e Chipre e estabelecendo canaviais que, por fim
antecipando um padrão que se tornaria muito familiar no Novo Mundo -,

371
seriam ocupados quase totalmente p<>i m<H> de obra formada pot em r
africanos.133 Gênova veio em seguida; um de seus negócios mais lui mil
era a aquisição de escravos durante as incursões que fazia no ttun Ne
escravos que seriam vendidos para os mamelucos no Egito, ou que
destinados ao trabalho em minas arrendadas pelos turcos."4 A n publí
genovesa também foi a criadora de um modo único de financiamento ml
tar que pode ser chamado de guerra por subscrição, em que as inciu som*
planejamento vendiam cotas para investidores em troca dos direitos •!• m
porcentagem equivalente dos espólios. Exatamente as mesmas gale*, ti
os mesmos “aventureiros-mercadores” a bordo, atravessariam os Pilar«1« d#
Hércules para seguir a costa do Atlântico até Flandres ou as feiras de ( li.mt
pagne, carregadas de noz-moscada ou pimenta, seda e tecidos de l.i imtlii
com as inevitáveis letras de câmbio.135

Pode ser esclarecedor, acredito, refletir um pouco sobre esse termo, “aveni 11
reiro-mercador”. Originalmente, ele significava apenas um mercador que 11.1
balhava fora de seu país. Foimais ou menos nessa mesma época, no entanto
no auge das feiras de Champagne e dos impérios mercantis italianos, entie
1160 e 1172, que o termo “aventura” começou a assumir seu significado at u.tl
O sujeito a quem podemos atribuir mais responsabilidade por isso é o p<>cM
francês Chrétien de Troyes, autor dos famosos romances de cavalaria art m 1,1
nos - mais famoso, talvez, por ser o primeiro a contar a história de Perciv.il 1
o Santo Graal. Os romances eram um novo tipo de literatura, apresentando
um novo tipo de herói, o “cavaleiro andante”, um guerreiro que perambulava
pelo mundo em busca de, precisamente, “aventura” - no sentido da palavra,1
época: desafios perigosos, amor, tesouro e renome. As histórias de cavalaria
rapidamente se tornaram populares, Chrétien foi seguido por diversos imita
dores, e os personagens centrais das histórias - Arthur e Guinevere, Lancek >1,
Gawain, Percival etc. - tornaram-se conhecidos de todos, e ainda o são. Esse
ideal cortês do cavaleiro nobre e corajoso, a busca, os torneios e competições
(como a justa), o romance e a aventura continuam centrais para a imagem
que temos da Idade Média.136

372
() i urioso é que essa ideia nflo tem relação nenhuma tom a realidade
mu a existiu, nem mesmo remotamente, um “cavaleiro a n d a n te "( «va
h< .originalmente, era um termo usado para se referir a guerreiros autôno
t*. esc olhidos entre os mais jovens ou, muitas vezes, filhos bastardos da pe-
u na nobreza, incapazes de herdar, muitos eram obrigados a se agrupar na
|*mi .1 por fortuna que empreendiam. A maioria se tornava nada mais que um
thMiili i de ladrões errantes numa busca infinita de pilhagem - precisamente o
HM) de gente que tornava a vida dos mercadores tão perigosa. Culminando
ftii nci ulo xii, houve um esforço conjunto para deixar essa perigosa popula-
tftn sob controle das autoridades civis, não por meio de regras de cavalaria,
i m,is I ambém com o torneio e as justas - mais que tudo, formas de manter os
i «valeiros sob controle, por assim dizer, em parte por lançá-los uns contra os
initros, em parte por enquadrar a existência deles em uma espécie de ritual
i Mlli/.ado.137 Por outro lado, o ideal do solitário cavaleiro andante, em busca
ili alguma aventura insigne, parece ter surgido do nada.
Isso é importante porque contribui para a imagem consagrada que temos
•la Idade Média - e a explicação, acredito, é reveladora. Temos de nos lembrar
tlc (|ue, nessa época, os mercadores começaram a conquistar um poder social
ptilé político sem precedentes, mas também que, em um contraste radical com
0 Islã, em que figuras como Simbá - o bem-sucedido aventureiro-mercador
podiam servir como exemplos ficcionais da vida perfeita, os mercadores,
iliferentemente dos guerreiros, jamais eram vistos como modelos.
Talvez não seja coincidência que Chrétien vivesse em Troyes, bem no cen-
1to das feiras de Champagne, que haviam se tornado, por sua vez, o núcleo
••(tnercial da Europa ocidental.138Embora ele pareça ter criado sua visão de Ca-
melot baseado na elaborada vida da corte que floresceu sob os auspícios de
I lenrique, o Liberal (1152-81), conde de Champagne, e sua esposa, Maria, filha
de Leonor da Aquitânia, a corte de fato era formada por humildes commerçants,
que serviam como policiais nas feiras - deixando a maioria dos cavaleiros reais
t umprindo o papel de observadores, guardas ou - nos torneios - animadores.
Isso não quer dizer que os torneios não se tornaram uma espécie de ati­
vidade econômica em si mesmos. É o que diz Amy Kelly, uma medievalista
especializada no século xn:

373
C) biógrafo de Guillaume le Marée bal dá uma ideia de t mm i mi
de routiers se divertia nas arenas de justas na Kuropu ch Idenld
torneios, que ocorriam duas vezes no período de clima anu no |
Pentecostes e a véspera de São João, afluíam os Jovens, multa» vfl
grupos de 3 mil, tomando de assalto a cidade mais próxima l'iim M(
bém afluíam vendedores de cavalos da Lombardia e da I sp.mlia, dit |
nia e dos Países Baixos, bem como armeiros, roupeiros com ,11
homens e animais, agiotas, mímicos e contadores de historia, at f*||
nigromantes, além de cavalheiros vindos de outros lugares, aiemt« 1
pos e estradas. Animadores de todos os tipos conseguiam met main |
Havia banquetes nas altas-rodas, e as forjas tiniam nas oficina» a
toda. Rixas com incidentes radicais - crânios quebrados, olhos .11 i.mt 1
- ocorriam à medida que as apostas progrediam e os dados eram la m, h
Para torcerem pelos campeões nas arenas vinham moças de boa repull
e outras de pouca reputação.
Os desafios, os concursos, os prêmios preparavam os homens pai4 {
ritmo da guerra. As apostas eram vultosas, pois o vitorioso mantinha 1
prêmio - homem e caválo - até que este fosse resgatado por dinheirc >. I pi
esses resgates até feudos eram dados como garantia, do contrário ,1 vlllii
infeliz ia parar nas mãos de agiotas, deixando seus homens, e, em situa^C
extremas, ela mesma, na situação de reféns. Fortunas eram obtidas e pndl
das em duelos e muitos filhos não voltavam para suas mães.139

Desse modo, as feiras não aconteciam tão somente porque os merc adi 1
res forneciam os produtos. Como os cavaleiros derrotados deviam a própt M
vida aos vitoriosos, os mercadores, por seu poder de agiotas, faziam boitl
negócios liquidando suas posses. Como alternativa, um cavaleiro podia lo
mar emprestadas grandes quantias de dinheiro para se cobrir de adornos, na
esperança de impressionar, com seu aspecto vitorioso, alguma jovem de bi >a
reputação (e de dote generoso); outros usavam o dinheiro para participar das
rodas de prostituição e jogos de azar que sempre cercavam esses eventos. ()»
perdedores em gefal tinham de vender armamentos e cavalos, o que levava ac»
risco de voltarem a ser ladrões de estrada, de incitar pogrom s (se seus credores

374
i iiulnis), ou, sc tivessem terras, de criar novos demandas li\( ais sobre
tili Mlunados que viviam nelas,
t iiiiins se voltavam para a guerra, que por si só tendia a impulsionar .1
o .li novos mercados.1*0 Em um dos mais dramáticos desses inciden-
111 ui rido em novembro de 1199, vários cavaleiros participantes de um
ln 110 castelo de Ecry, em Champagne, patrocinado por Teobaldo, filho
1**111Ique, foram tomados por um grande fervor religioso, abandonaram
»jjo n c fizeram um juramento para recuperar a Terra Santa. Esse exército
i ui lo, então, contratou a frota veneziana para transportá-lo em troca da
liirssa de receberem 50% de todos os lucros resultantes. Por fim, em vez
Ipyulrem até a Terra Santa, eles saquearam a cidade cristã (ortodoxa, muito
I* m a) de Constantinopla depois de um cerco prolongado e sangrento.
II tonde flamengo chamado Balduíno foi nomeado “Imperador Latino de
iiisiíintinopla”, mas a tentativa de governar uma cidade em grande parte
«liilida e destituída de todos os bens de valor fez com que ele e seus ba-
♦'* logo incorressem em grandes dificuldades financeiras. Em uma versão
minientada do que acontecia, em pequena escala, em tantos outros torneios,
loram rebaixados à tarefa de retirar o metal do telhado das igrejas e lei-
Imti relíquias sagradas para pagar os credores venezianos. Em 1259, Balduíno
iiliindou-se a ponto de hipotecar o próprio filho, que foi levado para Veneza
11uno garantia de empréstimo.141
Nada disso responde de fato à questão de onde pode ter surgido, então,
rs s .i imagem do solitário cavaleiro errante, perambulando pelas florestas de
uma mítica Álbion, desafiando rivais, enfrentando ogros, fadas, feiticeiros
r leras misteriosas. A resposta deveria ser óbvia: trata-se nada mais do que
uma imagem sublimada e romantizada que os próprios mercadores viajantes
unham de si mesmos; homens que, no fim das contas, partiam por florestas e
desertos em aventuras solitárias cujo resultado era sempre incerto.142
E quanto ao Graal, aquele objeto misterioso que todos os cavaleiros
•uidantes buscavam? Curiosamente, Richard Wagner, compositor da ópera
1'arsifal, sugeriu pela primeira vez que o Graal era um símbolo inspirado pelas
novas formas de finanças.143 Enquanto os antigos heróis épicos procuravam
c lutavam por pilhagens concretas e reais de ouro e prata - o tesouro dos

375
Nibelungos esses novos heróis, provenientes da nova economia t <if
buscavam formas de valor puramente abstratas. Ninguém, afinal »1» •
sabia precisamente o que era o Graal. Até as epopeias discordam al
vezes é um prato, outras, uma taça, outras ainda é uma pedra. (\\'< >11«-«t*l
Eschenbach imaginava-o como uma pedra preciosa arrancada do i Inmdi
cifer em uma batalha travada nos primórdios do tempo.) De certo tm»Itt
importa. A questão é que ele é invisível, intangível, mas, ao nicMtii i IH*
de valor infinito e inesgotável, contendo tudo e capaz de tudo. COIMI
florescer o deserto, alimentar o mundo, fornecer sustento espiritual • i
feridas. Marc Shell chegou a sugerir que seria melhor concebê-lo t oiitM
cheque em branco, a abstração financeira suprema.144

O QUE FOI, ENTÃO, A IDADE MÉDIA?

Cada um de nós, portanto, é uma téssera complementai d|


um homem, porque cortado como os linguados, de uru mi Mf|
dois; e procura então cada um o seu próprio complemento
PLATÃO , O M ANyl

Wagner estava errado em um aspecto: a introdução da abstração finam elu


não foi sinal de que a Europa estava deixando a Idade Média, mas de que
tava, com muito atraso, finalmente entrando nela.
Não podemos culpar Wagner nesse sentido. Quase todas as pessoas. i.
metem esse equívoco de interpretação, pois as ideias e instituições medieval*
mais características surgiram com tanto atraso na Europa que a tendência 6
confundi-las com as primeiras agitações da modernidade. Vimos isso Cottt
as letras de câmbio, que já eram usadas no Oriente em 700 d.C. ou 800 d < ,
mas que só chegaram à Europa séculos depois. A universidade independente
- uma das instituições mais importantes da Idade Média - é outro exempl< •
notável. Nalanda foi fundada em 427 d.C., e instituições independentes de
ensino superior já existiam em toda a China e no Ocidente Próximo (do Caiu >

376
iii-iliiiKlnopla) séculos antes tia criação de Instituições semelhantes cm
ml, Paris e Bolonha.
,i Idade Axial foi a idade do materialismo, a Idade Média foi, ac Ima de
i ii idade da transcendência. Por toda parte, o colapso dos antigos irnpc-
ii.ii i levou ao advento de novos impérios.146 Em vez disso, movimentos
lylmos populares, antes considerados subversivos, foram alçados à con-
||n tle instituições dominantes. A escravidão dim inuiu ou desapareceu,
llm i otno o nível geral de violência. Com a aceleração do mercado, veio
nilirin a aceleração da inovação tecnológica: uma paz maior trouxe maio-
M“>possibilidades não só para o trânsito de seda e especiarias, mas também
d» pessoas e ideias. O fato de os monges na China medieval poderem se de-
tlii iii ,i traduzir antigos tratados em sânscrito, e de estudantes nos madraçais
■1.«Indonésia medieval poderem debater termos legais em árabe, é um teste­
munho do profundo cosmopolitismo da época.
Nossa imagem da Idade Média como uma “idade da fé” - e, por isso, de
Ubedléncia cega à autoridade - é um legado interpretativo do Ilum inism o
fiiuit és. Outra vez, essa ideia só faz sentido se pensarmos na “Idade Média”
iniuii algo que aconteceu principalmente na Europa. O Extremo Ocidente
iiilu era o único lugar extraordinariamente violento para os padrões mun-
illiiis - a Igreja Católica era extremamente intolerante. É difícil encontrar mui-
Ion paralelos medievais chineses, indianos ou islâmicos, por exemplo, para
•i fogueira das “bruxas” ou o massacre de hereges. Mais típico era o padrão
•li miinante em certos períodos da história chinesa, em que era perfeitamente
iit citável que um estudioso se envolvesse com o taoismo na juventude, se
tornasse confucionista na meia-idade e depois se retirasse como budista. Se o
pensamento medieval tem uma essência, ela reside não na obediência cega à
autoridade, mas na insistência tenaz de que os valores que governam nossos
problemas cotidianos mais corriqueiros - relacionados à corte e ao mercado
são confusos, equivocados, ilusórios ou perversos. O verdadeiro valor está
em outra parte, em um domínio que não pode ser percebido diretamente e
(|ue só pode ser atingido pelo estudo ou pela contemplação. Isso, por sua vez,
tornou o poder da contemplação, e toda a questão do conhecimento, um pro­
blema infinito. Consideremos, por exemplo, o importante enigma proposto

377
la n lo p o r liló so lo s m uçulm ano s >011111 poi 11 isi.ios e |udeus: <> >|iic 11M
dizer simultaneamente que só podemos conhecer Deus pelas lai iililnt In
Razão, mas que a própria Razão é algo que pertence a Deus? ( )u liluti
chineses se debruçavam sobre enigmas semelhantes quando peiy>militH|
“Somos nós que lemos os clássicos ou os clássicos que nos leeinr'" i) \ ii
todos os grandes debates intelectuais da época se voltavam para e**it qit;
tão, de uma forma ou de outra. O mundo é criado por nossa menle ou mis
mente é criada pelo mundo?
Observamos as mesmas tensões nas teorias monetárias predoiniiMiitfld
Aristóteles argumentara que o ouro e a prata não possuem valor inlriim 111,fl
que o dinheiro, por essa razão, era apenas uma convenção social, I i i v i i i I i h Í I
pelos agrupamentos humanos para facilitar a troca. Como ele “surgiu pi 11 mtt
acordo, cabe a nós modificá-lo ou desistir dele”, caso decidamos que e im ii

que queremos.147 Essa posição teve pouca adesão no ambiente intelectiml 1114«
terialista da Idade Axial, mas na Baixa Idade Média se tornou lugar-i 1mniiu
Ghazali foi um dos primeiros a adotá-la. À sua maneira, ele a levou aindtt in.it« j
longe, insistindo que o fato de uma moeda de ouro não ter valor intrínset o í t 1
base de seu valor como dinheiro, visto que a própria falta de valor intrínwi 11 i
é o que lhe permite “governar”, medir e regular o valor de outras coisas. M,t*
ao mesmo tempo, Ghazali negava que o dinheiro fosse uma convenção s<k liil
Ele nos era dado por Deus.148
Ghazali era místico e um político conservador, então é possível arytt
mentar que ele preferiu evitar as consequências mais radicais de suas ideia*
Mas também podemos perguntar se, na Idade Média, argumentar que o til
nheiro era uma convenção social arbitrária configurava uma posição assim
tão radical. Afinal de contas, quando os pensadores cristãos e chineses In
sistiam que sim, era quase sempre para dizer que o dinheiro é aquilo que 11
rei ou o imperador decidem que ele seja. Nesse sentido, a posição de Gha/.all
era consoante, à perfeição, com o desejo islâmico de proteger o mercado 1I.1
interferência política dizendo que ele se adequava mais propriamente sob .1
égide das autoridades religiosas.

378
Im IhiIc' odinhciro medieval ter assumido formas virtuais e abstraias i he
1«, itdhas, papel-moeda-fezcom que questões desse tipo (“O que significa
»n que o dinheiro é um símbolo?”) chegassem ao cerne da problemática
tu ilu .1 da época. Em nenhum lugar isso é mais verdadeiro que em relação
lltilória da palavra “símbolo”. Encontramos alguns paralelos tão extraordi-
imi his que só podem ser descritos como surpreendentes.
(t)uando Aristóteles argumentou que as moedas são apenas convenções
|n< i.ils, ele usou a palavra symbolon - da qual deriva a palavra “símbolo”. Sym-
Miwi era a palavra grega usada originalmente para “talha” - um objeto que era
ÉMi lido ao meio para assinalar um contrato ou acordo, ou então era marcado
tquebrado para registrar uma dívida. Portanto, a palavra “símbolo” remonta
ui finalmente a objetos partidos para registrar contratos de dívidas de um ou
milr»>tipo. Apenas isso já seria surpreendente. O que é realmente notável, no
(Hilriiito, é que a palavra chinesa contemporânea para “símbolo”,fu , ou/u hao,
liMii quase a mesma origem.149
Comecemos com o termo grego sym bolon. Dois amigos que jantas-
»nn juntos poderiam criar um symbolon se pegassem um objeto qualquer -
Min anel, um osso, um utensílio de barro - e o quebrassem ao meio. Em
iil^um momento futuro, quando um precisasse da ajuda do outro, eles reu­
niriam as metades como lembretes da amizade. Os arqueólogos encontra­
ram em Atenas centenas de pequenas placas quebradas dessa forma, muitas
vr/.es feitas de argila. Posteriormente, essas talhas se tornaram uma forma
de selar um contrato, o objeto que faz as vezes de testemunha.150 A palavra
também era usada para designar todo tipo de fichas ou senhas que eram
dadas aos jurados atenienses para que pudessem votar, ou ingressos para
ent rada no teatro. E também podia ser usada para se referir ao dinheiro, mas
apenas se o dinheiro não tivesse valor intrínseco, como moedas de bronze,
i ujo valor era fixado apenas pela convenção local.151 Usado para documen­
tos escritos, um symbolon também podia ser passaporte, contrato, comissão
ou recibo. Por extensão, passou a significar prenúncio, presságio, sintoma
e, por fim, no sentido hoje familiar, símbolo.
O caminho até o último sentido parece ter sido duplo. Aristóteles con-
centrou-se no fato de que uma talha podia ser qualquer coisa: o que o objeto

379
era não Importava; o que Importa é haver alguma maneira ilr p«iil
meio. O mesmo acontece com a linguagem; as palavras são sou» i|it*
mos para nos referirmos a objetos, ou ideias, mas a relaçSoé aibltirttlflf
há nenhuma razão particular, por exemplo, que tenha levado os l.il.tiM*|
língua inglesa a escolher dog para se referirem a cachorro e (><>«/ pm >i tg
ferirem a Deus, e não o contrário. A única razão é a convençã» >mh i.il i
acordo entre todos os falantes da língua de que esse som deve r<-pi
determinada coisa. Nesse sentido, todas as palavras eram sinais arhll i .ti ItMlf
um acordo.152O mesmo, obviamente, vale para o dinheiro - seguml« i A11*'
teles, não só para as moedas de bronze sem valor que concordam» >s cm IflK
como se valessem alguma coisa, mas para todo dinheiro, inclusive u imiih,
que é apenas um symbolon, uma convenção social.153
Tudo isso se transformou em senso comum no século x ill, em (|iu \ ivnt
Tomás de Aquino, quando os governantes podiam mudar o valor da int >h||
simplesmente expedindo um decreto. Todavia, as teorias medievais d<»> ilitf*
bolos eram derivadas menos de Aristóteles e mais das religiões de mistêf In»
da Antiguidade, nas quais symbolon se referia a certas fórmulas críplii .is ■ui <
talismãs que só os iniciados podiam entender.154 Assim, a palavra ptiMttyl
a designar um emblema concreto, perceptível aos sentidos, que só p<>d1.1
entendido em referência a alguma realidade oculta que estivesse para .il« itt
do domínio da experiência sensível.155
O teórico dos símbolos cuja obra se tornou a mais lida e respeitado
Idade Média foi um grego místico e cristão do século v i cujo nome verdailcliu
se perdeu na história, mas que é conhecido pelo pseudônimo de Dionísli i, 11
Areopagita.156Dionísio retomou a noção de símbolo para enfrentar o qui n
tornaria o problema intelectual de sua era: como é possível os seres hum.ui> '•>
conhecerem Deus? Como nós, cujo conhecimento se restringe ao que os sen
tidos conseguem captar do universo material, podemos conhecer um ser ui|»t
natureza é absolutamente alheia ao universo material - “o infinito além ili ■
ser”, como diz ele, “a unidade além da inteligência”?157 Seria impossível sen.lt.
pelo fato de que Deus, sendo todo-poderoso, pode tudo e, portanto, assim
como inclui o próprio corpo na Eucaristia, pode se revelar a nós por meio di­
urna variedade infinita de formas materiais. De maneira intrigante, Dionísu >

380
i» itln ia que sóé possível começar a entender como os símbolo* (um Inntm
puis de nos livrarmos da Ideia de que as coisas divinas tendem .t sei belas,
injjens de anjos luminosos e carruagens celestiais nos induzem á conlusao,
iii sumos tentados a pensar que o céu é de fato daquela maneira, quando
verdade não podemos conceber como é o céu. Ao contrário, para ele os
nl.ideiros símbolos são, como o symbolon original, objetos corriqueiros es-
11illiidos aparentemente de maneira aleatória; muitas vezes são coisas feias
i iilie ulas, cuja própria incongruência nos lembra de que elas não são Deus,
mi seja, nos lembra do fato de que Deus “transcende toda a materialidade”,
mesmo que, em outro sentido, elas sejam Deus.158Mas a ideia de que eles são,
•Ir nlguma maneira, símbolos de acordo entre iguais desaparece totalmente.
Mmbolos são dádivas absolutas, livres, hierárquicas, dadas por um ser si-
llltido tão acima de nós que toda ideia de reciprocidade, dívida ou obrigação
mutua é simplesmente inconcebível.159
Compare o significado grego anterior com o trecho a seguir, de um di-
i lonário chinês:

FU. Concordar com, talhar. As duas metades de uma talha.


• evidência; prova de identidade, credenciais
• cumprir uma promessa, manter a palavra
• conciliar
• acordo mútuo entre a ordenação divina e as questões humanas
• talha, cheque
• selo ou lacre imperial
• garantia, comissão, credenciais
• partir duas metades de uma talha em acordo
• símbolo, signo [...].160

A evolução é quase a mesma. Assim como sym bola.fu pode representar


talhas, contratos, selos oficiais, garantias, passaportes ou credenciais. Como
promessas, pode significar um acordo, um contrato de dívida, ou ainda uma
relação de vassalagem feudal - uma vez que um pequeno proprietário de
terras que concordasse em se tornar vassalo de outro homem quebraria uma

381
talha ila mesma maneira que quebraria i aso tomasse grãos ou dluhelio
prestados. A característica comum parece ser um contrato entre duas pu
que começam iguais, mas uma das partes concorda em se tornai m iImii

nada à outra. Depois, conforme o Estado foi se tornando mais i em iali #a


ouvimos falar de/u como algo apresentado aos oficiais para transinII li ut
ordem: o oficial levaria consigo a metade esquerda quando nome.u ..........
dar das províncias, e, quando o imperador quisesse transmitir uni.i •••
importante, mandaria a metade direita com o mensageiro para gai .min
o oficial entendesse se tratar da vontade im perial.161
Já vimos como o papel-moeda parece ter se originado de versoe* ni(
papel desses “contratos” de dívida, partidos ao meio e reunidos depor. I'*N|
os teóricos chineses, claramente, o argumento aristotélico de que o dlnht Im
era apenas uma convenção social estava longe de ser radical; era apenas intt
pressuposto dado. O dinheiro era aquilo que o imperador estabelei la «|ii«>
fosse. Contudo, mesmo aqui havia uma pequena reserva, como visio pelo
verbete reproduzido anteriormente:/u também podia se referir a "ai oídu
mútuo entre a ordenação divina e as questões humanas”. Assim como n<
oficiais eram nomeados pelo imperador, o imperador era nomeado poi um
poder superior, e só poderia governar efetivamente enquanto cumpria seu
mandato; portanto, presságios favoráveis eram chamados d e ju , sinais de i|in>
os céus haviam aprovado o governante, assim como desastres naturais ei ani
um sinal de que ele havia se perdido.162
As ideias chinesas se aproximam um pouco mais das ideias cristãs. Mas
as concepções chinesas do Cosmos tinham uma diferença crucial: como
não havia ênfase nenhuma na crença em um abismo absoluto entre o nosso
mundo e o além-mundo, as relações contratuais com os deuses não eram,
de modo nenhum, impossíveis. Isso era particularmente verdade no taoisim >
medieval, no qual os monges eram ordenados por uma cerimônia chamada
“rasgar a talha”, ou seja, rasgar em dois um pedaço de papel que represei i
tava, então, o contrato com os céus.163 O mesmo acontecia com os talismas
mágicos, também chamados fu , que um adepto receberia de seu mestre. Hs
ses talismãs eram,literalmente, talhas: o adepto ficava com uma parte, e a
outra supostamente era guardada pelos deuses. E s s e f ii talismânico assumia

382
M iiiiiiis de diagramas que, segundo a crença, representavam uma forma de
■ ti Hi.i celestial que só os deuses compreendiam, por meio d.i qual eles se
■Hmpiomctiam a proteger o portador do/u, geralmente dando ao adepto
Mi illiplto de invocar exércitos de protetores divinos para ajudá-lo a derro-
■M demónios, curar doentes ou obter poderes milagrosos. Mas eles também
hiHll.im se tornar, como os symbola de Dionísio, objetos de meditação, pelos
minis .1 mente humana atingiria o conhecimento do outro mundo, situado
IJMm além do nosso.164
Muitas das imagens simbólicas mais poderosas que surgiram na China
im dicval remontam a esses talismãs, como o símbolo do rio, e também com
ti «Imbolo deyin-yang, que parece ter se desenvolvido a partir dele.165Basta olhar
|imu o símboloyin-yang para perceber as metades esquerda e direita (muitas
vr/cs associadas a “masculino” e “feminino”) de uma talha.

A i.dha elimina a necessidade de testemunha; se as duas metades se encaixam,


rnlBo todos sabem que também existe um acordo entre as partes do contrato.
I por esse motivo que Aristóteles a via como uma metáfora apropriada para
ii« palavras: a palavra A corresponde ao conceito B porque há um acordo
likito de que devemos agir como se a correspondência fosse válida. O ele­
mento surpreendente em relação às talhas é que, ainda que elas de início se-
|.un simples sinais de amizade e solidariedade, em quase todos os exemplos
posteriores o que as duas partes de fato concordam em criar é uma relação de
desigualdade: uma relação de dívida, obrigação, subordinação às ordens do
i nitro. Isso, por sua vez, possibilita usarmos a metáfora para a relação entre o
mundo material e o mundo de forças que, em última instância, é responsável
por seu significado. Os dois lados se equivalem. Contudo, o que eles criam é
.1diferença absoluta. Por isso, para um místico cristão medieval, tanto como
para os magos chineses medievais, os símbolos podiam ser fragmentos lite­
rais do céu - mesmo que, para o primeiro, eles fornecessem uma linguagem
pela qual seria possível entender os seres com os quais não se pode interagir,
e, para o segundo, eles fornecessem um modo de interagir, até mesmo de rea­
lizar acordos práticos, com seres cuja linguagem seria impossível entender.

383
I )e certo modo, trata se apenas de mais uma versão dos dllcums i|i
gem quando tentamos imaginar o mundo por meio da linguagem <l,< <1
-aquele acordo peculiar entre duas partes iguais que não mais set .tu iy
até o momento em que se tornem iguais de novo. Contudo, o pn >1>l< nu
quiriu uma característica dramática na Idade Média, quando a ecow mmI<|
tornou, por assim dizer, espiritualizada. Quando o ouro e a prata iiiIumi
para os lugares sagrados de reserva, as transações comuns começai <nn t
feitas principalmente por meio do crédito. Inevitavelmente, quest» >cs i tliw-'
nadas a riqueza e mercados se tornaram questões sobre a dívida ca m im

e questões sobre a dívida e a moral se tornaram questões acerca da m j I i i i


do nosso lugar no mundo. Como vimos, as soluções variavam consUle
velmente. A Europa e a índia assistiram a um retorno à hierarquia iit n.
lugares, a sociedade se tornou uma ordem hierárquica de padres, guoi irlitá j
mercadores e agricultores (ou, na cristandade, apenas padres, guencliim f
agricultores). As dívidas entre as ordens eram consideradas uma a n te vi
porque implicavam a possibilidade de igualdade, e muitas vezes levavam 4
violência generalizada. Na China, em contraste, o princípio da dívida toi n<mi
-se o princípio ordenador do Cosmos: dívidas cármicas, dívidas de leite, t oit>
tratos de dívida entre seres humanos e forças celestiais. Do ponto de vistn
das autoridades, tudo isso levou a um excesso de capital, e potencialmente ,i
amplas concentrações de capital, que poderiam desequilibrar toda a ordem
social. Era responsabilidade do governo intervir com frequência para iii.in
ter os mercados em funcionamento de forma moderada e honesta, evitamli i
com isso novos surtos de revolta popular. No mundo islâmico, em que m
teólogos sustentavam que Deus recriava todo o Universo a cada instante, as
flutuações de mercado eram vistas simplesmente como mais uma maniles
tação da vontade divina.
É surpreendente que, em última instância, a reprovação confucionist.i
ao mercador e a celebração islâmica do mercador tenham levado à mesma
consequência: sociedades prósperas com mercados prósperos, mas em que
os atores nunca se juntavam para criar grandes bancos mercantis e indúst ri.i-.
que se tornariam axaracterística marcante do capitalismo moderno. O cav >
do Islã é especialmente notável. O mundo islâm ico produziu figuras cuja

384
li II.i descrição seria a de “capitalistas". Meri adores de grande es» ala eram
mados de sahib al-mal, "donos de capital", e os juristas falavam abcrlu
nti lobre a criação e a expansão de fundos de capital. No auge do i alllado,
«ms desses mercadores possuíam milhões de dinares e buscavam invés
bentos lucrativos. Por que então não surgiu algo que se assemelhasse ao
|*pllalism o moderno? É possível destacar dois fatores. Em primeiro lugar,
|M mercadores islâmicos pareciam levar muito a sério sua ideologia de livre
liti ti ado: as praças do mercado não eram supervisionadas pelo governo; os
m'Hl i atos eram feitos entre os indivíduos - teoricamente, “com um aperto
ili indo e uma olhada para o céu” - e por isso a honra e o crédito em grande
ttieillda tornaram-se indistinguíveis. Era algo inevitável: não se podia ter uma
tutu orrência brutal e desleal quando não havia ninguém que impedisse que
ui ui os fossem brutais e desleais mesmo. Em segundo lugar, o Islã também
levava muito a sério o princípio, consagrado posteriormente pela teoria eco-
iii iinica clássica, mas seguido de forma eventual na prática, de que os lucros
til< i a recompensa pelo risco. Os empreendimentos comerciais eram tidos, de
maneira bem literal, como aventuras, nas quais os comerciantes se expunham
ai is perigos da tempestade e do naufrágio, de nômades violentos, florestas,
pmlcpes e desertos, costumes estrangeiros exóticos e imprevisíveis, além de
Ki ivernos arbitrários. Os mecanismos financeiros criados para evitar esses
i Incos eram considerados ímpios. Essa era uma das objeções à usura: quando
exige uma taxa fixa de juros, os lucros são garantidos. De maneira similar,
rsperava-se que os investidores comerciais dividissem o risco. Isso tornou
Impensáveis formas de financiamento e seguro que se desenvolveriam pos­
teriormente na Europa.166
Nesse sentido, os mosteiros budistas da China, no início da Idade Média,
representam o extremo oposto. Os Tesouros Inesgotáveis eram, justamente,
Inesgotáveis porque, ao emprestar dinheiro a juros e nunca precisar mexer no
i apitai, eles podiam garantir investimentos livres de risco. Nisso se resumia
Ioda a questão. Ao fazer isso, o budismo, diferentemente do Islã, produziu
algo muito parecido com o que chamamos hoje de “corporações” - entidades
que, por meio de uma roupagem legal amigável, podem ser vistas como pes­
soas, ou como seres humanos, mas, ao contrário destes, imortais, sem nunca

385
terem de lidar com todas as dlíic uldadcM humanas de casamento, rrprodi
fragilidade e morte. Em termos propriamente medievais, as corporii<,n#ft
como anjos.
Em termos legais, nossa ideia de corporação é basicamente puni
da Idade Média clássica europeia. A ideia jurídica de uma corporaçdi i »nf
“pessoa fictícia” (persona jic ta ) - uma pessoa que, como afirmou M .iliUi
o importante historiador jurídico britânico, “é im ortal, move prm ennitfl
é processada, possui terras, tem autenticidade, cria regras para as | •• <•
naturais que a compõem”167 - foi estabelecida pela primeira ve/, no illitMIflj
canônico pelo papa Inocêncio iv em 1250 d.C., e uma das primeiras m ilil«
des a que ela se aplicou foram os mosteiros, como também as univei sldtfd|É
igrejas, municipalidades e guildas.168
A ideia de corporação como um ser angelical, a propósito, não e ml
nha. Tomei-a emprestada do notável medievalista Ernst Kantorowicz. que M
quem observou que esses acontecimentos se deram exatamente na mesma
época em que Santo Tomás de Aquino desenvolvia a noção de que os .m|t>»
eram a personificação das ideias platônicas.169“Segundo os ensinamenit1»<li
Tomás de Aquino”, diz ele, “cada anjo representava uma espécie.”

Pouco surpreende, portanto, que afinal a personificação coletiva dos jur isim,
que era uma espécie juridicamente imortal, apresentasse todas as carti u
rísticas em geral atribuídas aos anjos [...]. Os próprios juristas reconhei liiiu
a existência de uma semelhança entre suas abstrações e os seres angelu .«is
Nesse aspecto, deve-se dizer que os mundos político e jurídico da B.iIm*
Idade Média começaram a ser povoados por corpos angelicais imateriais,
de tamanhos variados, invisíveis, perenes, sempiternos, imortais e até ul»l
quos; além disso, eram dotados de um corpus intellectuale ou mysticum [cor| >11
intelectual ou místico] que podia muito bem ser comparado aos “corpo»
espirituais” dos seres celestiais.170

Tudo isso é digno de nota porque, embora estejamos acostumados a


supor que há algo ríatural ou inevitável na existência das corporações, em ter
mos históricos elas não passam de estranhas e exóticas criaturas. Nenhuma

386
Mu iradlçAo importante chej>ou a algo parecido.1''1I las »Ao a contribuição
ln pei ullarmente europeia à infindável proliferação de entidade» mcMafi»!
ia<> características da Idade Média - e também a mais duradoura.
Ami>rporações, obviamente, mudaram bastante com o passar do tempo.
i medievais possuíam propriedades e com frequência recorriam a acordos
tiritn elros complexos, mas não eram empresas que visavam ao lucro, no
tt nihlo moderno. As corporações que chegaram mais perto disso, previsi­
velmente, foram as ordens monásticas - sobretudo os cistercienses - cujos
m>mleiros se tornaram similares aos mosteiros budistas da China, cercados
de moinhos e forjas, promovendo a agricultura comercial executada com a
ftm,.i de trabalho de “irmãos laicos”, trabalhadores assalariados que fiavam e
fRp<ii lavam lã. Alguns chegam mesmo a falar em “capitalismo monástico”.172
( i ii il udo, o terreno só se tornou de fato preparado para o capitalismo, no sen-
llilii familiar do termo, quando os mercadores começaram a se organizar em
"i i o pos eternos” como um modo de ganhar monopólios, legais ou de facto, e
i vil ar os riscos típicos do comércio. Um excelente exemplo foi a Sociedade
i|m Aventureiros-Mercadores, registrada pelo rei Henrique IV em Londres,
em 1407, que, apesar do nome de teor romântico, se ocupava basicamente da
I iimpra de artigos ingleses de lã para vendê-los nas feiras de Flandres. Não
ei ii uma sociedade anônima moderna, mas sim uma guilda de mercadores,
em estilo medieval; essa guilda fornecia uma estrutura em que os mercadores
mais antigos e estabelecidos podiam conceder empréstimos aos mais novos,
e assim conseguiam manter um controle exclusivo sobre o comércio de lã,
II suficiente para que os lucros permanecessem garantidos.173 No entanto,
i|iiando essas companhias começaram a se lançar a aventuras armadas no
exterior, tinha início uma nova era na história da humanidade.
Idade dos Grandes 1
Impérios Capitalistas
(1450 d.C. -1971 d.C.) I
— Onze pesos, então; e como não podes me pagar onze pesos, che­
gamos a mais onze pesos: 22 no total: onze pelo poncho epela bolsa,
mais onze porque não podes me pagar. Correto, Crisiero?
Crisiero não entendia de números, então era bem natural
que respondesse:
— Correto, patrón.
Don Arnulfo era um homem honrável e decente. Outros
proprietários de terra eram muito menos compassivos com
seus peões.
— A camisa custa cinco pesos. Correto? Pois bem. Como
não podes pagar por ela, são cinco pesos. E como continuas em
dívida pelos cinco pesos, são mais cinco pesos. E como jamais
deverei ver a cor desse dinheiro, são cinco pesos. Isso corres­
ponde a cinco mais cinco mais cinco mais cinco. Vinte pesos.
Concorda?
— Sim, patrón, concordo.
Não há outro lugar onde o peão possa conseguir a camisa de
que precisa. Não pode obter crédito em nenhum outro lugar que
não seja com seu senhor, para quem ele trabalha e de quem jamais
se livrará enquanto dever a ele um único centavo.
B.TRAVEN, T H E CARRETA

A época que começa com o que estamos acostumados a chamar de “Era dos
Descobrimentos” foi marcada por tantos fatos genuinamente novos - o ad­
vento da ciência moderna, do capitalismo, do humanismo e do Estado-nação

389
-q u e pode parecer estranho defini-la como apenas mais uma vli
ciclo histórico. Contudo, da perspectiva que venho desenvnlvrndo t»
vro, é isso que ela é.
Essa era começa por volta de 1450, com um progressivo e»nt
mento das moedas virtuais e economias de crédito para uma voltn ,im
e à prata. O fluxo de lingotes das Américas acelerou o processo, >l< >
deando uma “revolução de preços” na Europa ocidental que virou >1w
dade tradicional de cabeça para baixo. Além disso, o retorno aos lln^i •»##
acompanhado pelo retorno de uma série de outras condições que, dm m
Idade Média, haviam sido abolidas ou evitadas: impérios vastos e
profissionais, guerra predatória em massa, usura liberada e servld.lt ■
dívida, além do retorno de filosofias materialistas e de uma nova < v| •
de criatividade científica e filosófica - e até mesmo a volta da es» 1iiv.it 1
clássica. Não se tratava, simplesmente, de um fenômeno que se ie|>. 1
Todas as peças da Idade A xial reapareceram, mas agora todas junto«»’ i|f
maneira totalmente diferente.

Os anos 1400 são um momento peculiar na história europeia. Um século df


catástrofes infindáveis: cidades grandes eram regularmente dizimadas pr 1.«
peste negra; a economia comercial entrou em declínio e em algumas re^iõH
ruiu por completo; cidades inteiras faliram, deixando de cum prir seus 01 tu
dos; as classes cavaleirescas brigavam pelo que restou, devastando gruiult
parte das áreas rurais com uma guerra endêmica. Até mesmo a cristatul.itl<
cambaleou, em termos geopolíticos, com o Império Otomano tentando rei 11
perar o que sobrara de Constantinopla, mas também avançando com firme**
na Europa central, expandindo suas forças na terra e no mar.
Ao mesmo tempo, da perspectiva de muitos agricultores comuns e
trabalhadores urbanos, os tempos não podiam ter sido melhores. Um dos
efeitos perversos da peste bubônica, que dizimou cerca de um terço da fort,ii
de trabalho europeia nos anos posteriores ao prim eiro surto em 1347, foi <1
aumento significativo dos salários. A subida não aconteceu de repente, mas
se deu basicamente porque a primeira reação das autoridades foi promulgar

390
•|im procuraram conter os salários c mesmo lixar os i ampouese» livies
•tiif. propriedades dc origem. I louve uma forte resistência a esses esfoi
i que i ulminou em uma série de revoltas populares por toda a liuropu a
luta revolta camponesa de 1381 é seu exemplo mais famoso. As revoltas
•1111eprimidas, mas as autoridades também foram obrigadas a fazer con-
lAe<i Pouco tempo depois, uma riqueza tão grande começou a afluir para
tn>ii >s da população que os governos tiveram de introduzir novas leis proi-
Hdnus mais humildes de usarem seda e arminho, e diminuir as festividades,
Hi, em muitas cidades e paróquias, começaram a ocupar um terço ou até
D«i 1tiile do ano. O século x v é, de fato, considerado o apogeu das festividades
Htidievais, com carros alegóricos e dragões, mastros enfeitados e celebrações
Ulglosas, Abades da Insensatez e Senhores do Desgoverno.1
I kirante os séculos seguintes, tudo isso seria destruído. Na Inglaterra,
| vida dc festividades foi sistematicamente atacada pelos reformadores pu-
1li,mos, depois por reformadores de todos os lugares, tanto católicos como
ÉMolestantes. Ao mesmo tempo, seu fundamento econômico, baseado na
pmsperidade popular, se dissolveu.
O motivo desse declínio é questão de intenso debate histórico há sécu-
Inv l is o que sabemos: o processo teve início com uma inflação gigantesca.
I mirc 1500 e 1650, por exemplo, os preços na Inglaterra subiram 500%, mas
II aumento dos salários foi bem mais lento, de modo que, em cinco gerações,
I is salários reais caíram talvez para 40% do que haviam sido. O mesmo acon-
lei eu em toda a Europa.
Por quê? A melhor explicação, desde que foi proposta em 1568 por um
,1dvogado francês chamado Jean Bodin, deve-se ao vasto influxo de ouro e
prata que abasteceu a Europa depois da conquista do Novo Mundo. Como
II valor dos metais preciosos entrou em colapso, o preço de todo o restante
disparou, e os salários simplesmente não acompanharam a escalada.2 Há
evidências que apoiam esse argumento. O auge da prosperidade popular
por volta de 1450 corresponde a um período em que a oferta de lingotes - e,
portanto, de moeda de metal - era particularmente reduzida.3A falta de di­
nheiro devastou o comércio internacional; na década de 1460, navios carre­
gados eram obrigados a retornar, depois de atingir os portos principais, pois

391
ninguém tinha dinheiro para comprar coi»a ulguma. O problema mm mr
a ser contornado no final da década, com um surto de mineraçAode potM
Saxônia e no Tirol, seguido da abertura de novas rotas marítimas pai a a I %
Dourada no oeste da África. Depois vieram as conquistas de Cor té» e 1'lMf
Entre 1520 e 1640, quantidades incalculáveis de ouro e prata do Ménli o f
Peru eram transportadas pelo Atlântico e pelo Pacífico em navios espalda
O problema com os relatos convencionais é que uma quantld.uli mu
pequena de ouro e prata permanecia muito tempo na Europa. A mau >t p«f
do ouro ia parar em templos da índia, e a grande maioria dos lingote-. .1. 111414
era despachada para a China. A história chinesa, neste caso, é fund.tiueitl4 j
Se quisermos realmente entender as origens da economia mundiaI moder It^j
não devemos começar na Europa. A história que realmente nos inletetM I
como a China abandonou o uso do papel-moeda. Vale contá-la de rnani 114
breve, pois poucos a conhecem.

Depois que conquistaram a China em 1271, os mongóis mantiveram o «1«


tema de papel-moeda, e tentaram algumas vezes (ainda que sem sut e»Ml)
introduzi-lo em outras partes de seu império. Em 1368, no entanto, eles lotam
surpreendidos por mais uma onda de grandes insurreições na China, e um
líder camponês foi alçado de novo ao poder.
Durante o século em que governaram, os mongóis trabalharam em
conjunto com mercadores estrangeiros, que se tornaram odiados por t<>dd
parte. Em certa medida como resultado disso, os antigos rebeldes, que agot .1
formavam a dinastia Ming, desconfiavam de todas as formas de comércio r
promoviam uma visão romântica das comunidades agrárias autossuficiente>>
Isso teve consequências desastrosas. Para começar, provocou a manutençAo
do antigo sistema mongol de cobrança de impostos, pagos com trabalho e
em espécie; principalmente porque esse sistema, por sua vez, era baseado
em um sistema semelhante ao de castas, em que as pessoas eram registrada ■.
como agricultoras, artífices ou soldados e proibidas de mudar de trabalho
Isso se mostrou extraordinariamente antipopular. Enquanto o investimento
do governo em agricultura, estradas e canais desencadeou uma explosão

392
iieu ial. grande parte desse comércio era tecnicamente llcgul, e o» impo«
H *obie a atividade agrícola crarn tão altos que muitos agrii ultore* cmlivl
•li começaram a abandonar suas terras ancestrais.4
I m ^eral, populações em migração tendem a procurar qualquer ativi-
llitili menos o emprego regular nas indústrias; na China, como na Europa,
■ liMloria preferia uma combinação de trabalhos avulsos, pequeno comér-
||n ambulante, entretenimento, pirataria ou o crime. Na China, muitos se
|lti ii.ii am mineiros. Houve uma breve corrida pela prata, com minas ilegais
|i ||>ik ando em todos os lugares. Lingotes de prata sem cunhagem, em vez
iln papel-moeda oficial e dos cordões de moedas de bronze, logo se tor-
IMi.im o dinheiro real da economia informal, não contabilizada. Quando
ii governo tentou fechar as minas ilegais nas décadas de 1430 e 1440, seus
Mioiços desencadearam insurreições locais em que os m ineiros se junta-
»uni aos camponeses desalojados e tomaram cidades próximas, chegando a
íiueaçar províncias inteiras.5
Por fim, o governo chinês desistiu de reprim ir a economia informal. Em
ve/ disso, mudou totalmente de rumo: parou de emitir papel-moeda, lega­
lizou as minas, reconheceu o lingote de prata como moeda corrente para
Ui andes transações e deu às casas da moeda particulares a autoridade de pro­
duzir cordões de dinheiro.6Isso, por sua vez, permitiu ao governo abando­
nai gradualmente o sistema de exploração trabalhista e instituir um sistema
tributário uniforme, com transações em prata.
Com sucesso, o governo chinês voltou à sua antiga política de encorajar
1is mercados e intervir apenas para evitar concentrações indevidas de capital.
I ssa medida logo se provou muito bem-sucedida, e os mercados chineses
prosperaram. De fato, muitos falam da dinastia Ming como a realização de
algo único na história mundial: foi uma época em que a população chinesa
i resceu consideravelmente, mas os padrões de vida também melhoraram
de forma marcante.7 O problema é que a nova política fez com que o regime
tivesse de garantir uma oferta abundante de prata no país para manter os
preços baixos e m inim izar a revolta popular - mas, como logo se constatou,
as minas chinesas se exauriram muito rapidamente. Na década de 1530, novas
minas de prata foram descobertas no Japão, mas elas também se esgotaram

393
em uma ou duas décadas. Nao demorou multo para que a China H vrlÜ
recorrer à Europa e ao Novo Mundo.
Ora, a Europa exportava ouro e prata para o Oriente desde 01
romanos: o problema era que a Europa nunca produzia coisas que i .t*l;
cos quisessem comprar, por isso ela era forçada a pagar em espéi ir p. h w
especiarias, aço e outros produtos. Os primeiros anos da expansão m in i
foram marcados por tentativas de obter acesso aos luxos orientais ou iiui»
fontes de ouro e prata para pagar por eles. Nessa época, a Europ.t
tinha apenas uma única vantagem substancial sobre os rivais muçulmiiMtlÉ
a tradição ativa e avançada da guerra marítima, aprimorada duranit >.n u h
de conflito no Mediterrâneo. Quando Vasco da Gama adentrou o 01 <,im h
Indico em 1498, o princípio de que os mares deveriam ser uma zonn •1« t o
mércio pacífico teve um fim imediato. As flotilhas portuguesas com<v*nH|
a bombardear e saquear cada cidade portuária por onde passavam, d< po|*
assumiram o controle de pontos estratégicos e começaram a cobrai lnM l
de proteção dos mercadores do Índico em troca do direito de contim uu 111
negociando sem ser perturbados.
Quase nessa mesma época, Cristóvão Colombo - cartógrafo gruo«
vês que procurava um atalho para a China - chegou a terra firme no Novu
Mundo, e os impérios português e espanhol se depararam com a maioi st >1it
econômica da história humana: continentes inteiros cheios de riquezas Inr»
gotáveis cujos habitantes, munidos apenas de armas da Idade da Pedra, 10
meçaram a morrer facilmente depois de sua chegada. A conquista do Méx li11
e do Peru levou à descoberta de novas fontes de metais preciosos, e essm
fontes foram exploradas de maneira cruel e sistemática, chegando ao pomo
de exterminar populações nativas inteiras para extrair a maior quantidadr ilr
metal no menor tempo possível. Como disse recentemente Kenneth Pomr
ranz, nada disso teria sido possível não fosse a demanda asiática praticamentr
ilimitada por metais preciosos.

Se a economia da China, em particular, não fosse tão dinâmica a ponio


de mudar sua liga metálica e absorver a quantidade descomunal de prai.i
extraída das minas do Novo Mundo durante três séculos, aquelas minas

394
In liiin se tornado pouco liu ratlvas cm poucas décadas. A Inflaçdo m.u Iça
■lt »> preços lastreados em prata na Kuropa, de 1500 a 1640, levou .1 um vnloi
dri rrscente do metal, mesmo com a Ásia esgotando grande parte da oferta.11

I m IS40, o excesso de oferta de prata provocou o colapso dos preços em


H"l'i .1 I uropa; as minas das Américas, nesse momento, poderiam simples-
mh 1iit ter parado de funcionar, e todo o projeto de colonização americana
11 ,ii assado, não fosse a demanda da China.9Galeões de tesouros rumo à
■Uropa logo pararam de descarregar e mudaram de rota, agora circundando
11( orno da África, atravessando o oceano Índico até chegar à província de
I anilo. Depois de 1571, com a fundação da cidade espanhola de Manila, eles
iHiueçaram a cruzar diretamente o oceano Pacífico. No final do século xvi,
a ( lnna importava quase 50 toneladas de prata por ano, cerca de 90% de sua
pi .da, e no início do século x v i i , 116 toneladas, ou mais de 97%.10 Para pagar
|n 11 ela, grandes quantidades de seda, porcelana e outros produtos chineses
1i.im exportados. Muitos desses produtos chineses, por sua vez, iam parar
11.e. novas cidades da América Central e do Sul. O comércio asiático tornou-
ie um fator único significativo na economia global emergente, e aqueles que
10111rolaram as alavancas financeiras - particularmente os bancos mercantis
1I11 Itália, da Holanda e da Alemanha - enriqueceram de maneira espetacular.
Mas a nova economia global terminou por provocar o colapso dos pa-
drões de vida na Europa. Como? Sabemos de uma coisa: certamente não fo i
disponibilizando grandes quantidades de metais preciosos para transações
i otidianas. O efeito, na verdade, foi o oposto. Enquanto as casas da moeda
europeias gravavam quantidades enormes de rial, táler, ducado e dobrão, que
\(í tornaram o novo meio de troca da Nicarágua a Bengala, praticamente ne­
nhuma dessas moedas ia parar nos bolsos dos europeus. Em vez disso, o que
observamos são reclamações constantes sobre a escassez de moeda corrente.
Na Inglaterra: “Durante quase todo o período Tudor, o meio circulante era
Ião pequeno que a população tributável simplesmente não tinha moedas su­
ficientes para pagar as benevolências, os subsídios e os décimos coletados, e
de tempos em tempos a prataria da casa, os objetos que mais se aproximavam
do dinheiro, tinha de ser disponibilizada”.11

395
Isso aconteceu cm qua.se toda a luiropa. Apesar do grande InllitMt
metais das Américas, a maioria das famílias tinha tão pouco dinhclrt i <|t<t
frequentemente obrigada a derreter a prataria para pagar imposto*
Isso porque os impostos tinham de ser pagos em prata. Noa pai Imt
transações cotidianas, em contrapartida, continuava sendo rcali/ada >iK
na Idade Média, ou seja, por meio de várias formas de dinheiro vlititiil,
dinheiro de crédito: talhas, notas promissórias, ou, nas pequenas i <mint
dades, simplesmente mantendo um registro informal de quem devia i >>|i»> |
quem. O verdadeiro motor da inflação foi o fato de aqueles que cont i >»la» till
os lingotes - governos, banqueiros, mercadores de grande escala
capazes de usar esse controle para mudar as regras, primeiro instituiml» ••|i*«*
ouro e prata eram dinheiro, e depois introduzindo novas formas de dlithi Hit
de crédito para uso próprio, enfraquecendo e destruindo lentamente i in mni*-
mas locais de confiança que permitiram às pequenas comunidades em h •<1.««
Europa funcionarem basicamente sem o uso de moedas de metal.
Essa batalha foi política, além de ter sido também um debate com eli u«i|
sobre a natureza do dinheiro. O novo regime de dinheiro na forma de lingi MM
só poderia ser imposto por uma violência praticamente sem precedenlt’«
não só no exterior, mas também em território europeu. Em boa parte da I 11
ropa, a primeira reação à “revolução dos preços” e ao resultante cercamnitn
de terras comuns não foi muito diferente do que aconteceu recentemnm
na China: milhares de antigos camponeses fugindo ou sendo expulsos de
seus vilarejos, tornando-se pessoas errantes ou “homens desgovernados", um
processo que culminou em insurreições populares. A reação dos governo»
europeus, no entanto, foi totalmente diferente. As rebeliões foram contidas, r
dessa vez não houve concessões subsequentes. Os errantes eram recolhidi >s
enviados para as colônias como trabalhadores por contrato e recrutados pa i a
exércitos ou marinhas coloniais-ou ainda, por fim, mandados para trabalhai
nas fábricas de seus próprios países.
Tudo isso se realizou pela instrumentalização da dívida. Assim, a pró­
pria natureza da dívida também se tornou, mais uma vez, um dos principais
pomos de discórdia.

396
MI I i: ( Í A N Â N Í I A , T 1 Í K H O R , I N D I G N A R Ã O , D Í V I D A

r Hl udtosos decerto nunca deixarão de discutir as razões dessa grande


vohiçilo dos preços” - principalmente porque não se sabe que tipos de
HiHurntas analíticas podem ser usados. Será que podemos usar os métodos
111 iiiomia moderna - elaborados para compreender o funcionamento das
i»«l ll uiçôcs econômicas contemporâneas - para descrever as batalhas políti-
h f que! levaram à criação daquelas mesmas instituições?
r.sse problema não é apenas conceituai. Há também perigos morais en-
Iflil vidos. Aplicar o que poderia parecer uma abordagem “objetiva” e macroe-
HmOmica às origens da economia mundial seria tratar o comportamento dos
primeiros exploradores, mercadores e conquistadores europeus como meras
H ««postas racionais às oportunidades - como se fosse o que todos fariam na
lliivsina situação. O uso de equações costuma acarretar isto: torna natural
11Mie luir que, se o preço da prata na China é duas vezes o preço da prata em
Sevllha, e os habitantes de Sevilha são capazes de obter uma grande quan-
i id,ide de prata e transportá-la para a China, então obviamente eles o farão,
mesmo que para isso seja preciso destruir civilizações inteiras no caminho,
t In, se existe uma demanda de açúcar na Inglaterra, e escravizar milhões de
pessoas é a maneira mais fácil de conseguir a mão de obra necessária para
produzi-lo, então é inevitável que pessoas serão escravizadas. Na verdade, a
história deixa bem claro que não é assim. Muitas civilizações provavelmente
llveram condições de causar estragos na mesma escala que as potências eu­
ropeias causaram nos séculos x v i e x v ii (a própria China da dinastia Ming é
um bom exemplo), mas quase nenhuma seguiu esse caminho.12
Consideremos, por exemplo, como o ouro e a prata eram extraídos das
minas nas Américas. As operações nas minas começaram imediatamente após
,i queda da capital asteca de Tenochtitlán em 1521. Embora estejamos acostu­
mados a dizer que a população mexicana foi devastada apenas como efeito
de novas doenças introduzidas com a chegada dos europeus, pesquisadores
contemporâneos acreditam que a imposição do trabalho aos nativos recém-
-conquistados foi igualmente responsável.13 Em A conquista da Am érica, Tzve-
tan Todorov oferece um compêndio de alguns dos relatos mais horripilantes,

397
na maioria feitos por padres e frades espanhóis que, mesmo que em pi
fossem comprometidos com a crença de que o extermínio de índl» >*et >tti
de Deus, não conseguiam disfarçar o horror diante das cenas de s<tldndi m
nhóis que testavam a lâmina de suas armas estripando aleatoriamente m
santes incautos e arrancavam bebês das mãos de suas mães para .iiliA lm
cães. Se esses atos fossem incidentes esporádicos, poderiam ser desi i Ui >t
o que se esperaria de um grupo qualquer de homens fortemente .11 m.id
muitos com um histórico de crimes violentos - que gozam de impunldtidn
soluta; mas os relatos das minas indicam algo mais sistemático. Quamli •
Toribio de Motolinia escreveu sobre as pragas com as quais, segundt*eli I
castigara os habitantes do México, ele listou varíola, guerra, fome, ex | >l<it ^
do trabalho, impostos (que levaram muitos a vender os filhos para agi< 11 ,r . 1 m i
tros a ser torturados até a morte em prisões cruéis) e os milhares que nu u t11«tty
na construção da cidade que viria a ser a capital. Acima de tudo, inslM tu el#t
havia o número incontável de pessoas que morriam nas minas:

A oitava praga foram as pessoas escravizadas pelos espanhóis para tralmlhiH


nas minas. No início, empregavam aqueles que já eram escravos enin >1*
astecas; em seguida, os que tinham dado mostras de insubordinação; Intui
mente, todos os que pudessem agarrar. Durante os primeiros anos apó* *
conquista, o comércio dos escravos é pujante, e os escravos mudam In
quentemente de senhor, tantas marcas eram feitas em seus rostos, as qmiU
vinham se juntar aos estigmas reais, que todo o seu rosto ficava inset 11<>
pois traziam os sinais de todos os que os tinham vendido e comprado. |. |
A nona praga foi o próprio trabalho nas minas, para o qual os índios (|iie
o assistiam, carregando peso, andavam sessenta léguas ou mais para tra/n
provisões. [...] Quando não tinham mais comida, morriam, nas minas 011
no caminho, pois não tinham dinheiro para comprá-la e ninguém lhes d.iv.i
Alguns chegavam em casa num tal estado que morriam pouco depois. (>■.
corpos desses índios e dos escravos que morreram nas minas produziam t.i
manho mau cheiro que agravaram a pestilência, particularmente nas min. r.
de Oaxaca. Num raio de meia légua e ao longo de grande parte da estrada,
era impossível andar sobre os cadáveres sem tropeçar ou sobre os ossos,

398
i ii« irvoadas de pássaros c corvos que vinham comcr o,«cadáveres eram lâo
numerosas que cobriam a luz do sol.14

t « nas semelhantes foram relatadas no Peru, onde regiões inteiras foram


povoadas pelo trabalho forçado nas minas, e na ilha de Santo Domingo,
li .1 população indígena foi totalmente erradicada.15
Quando falamos de conquistadores, não nos referimos apenas à mera
IIAik ia, mas da ganância elevada a proporções míticas. Afinal de contas, é
H i ausa dela que esses exploradores são bastante lembrados. Parecia não
vci limites para sua ganância. Mesmo depois da conquista de Tenochtitlán
ui11Ir Cúzeo, e da aquisição de riquezas inimagináveis até então, os conquis-
Irtilt ars quase sempre se reagrupavam e partiam em busca de mais tesouros.
Moralistas de todas as épocas criticaram a falta de limites da ganância
humana, assim como criticaram a cobiça, supostamente eterna, pelo poder.
( 11|i ir a história de fato nos revela, no entanto, é que embora os seres humanos
*i'|am compreensivelmente acusados de tender a acusar os outros de agir como
11 ii ii|uistadores, poucos realmente agem dessa maneira. Mesmo os sonhos dos
mais ambiciosos são parecidos com os de Simbá: sair em aventuras, adquirir
mrios de se estabelecer para ter uma vida agradável e depois aproveitar. Max
Wcber, é claro, argumentou que a essência do capitalismo é o ímpeto - que,
para ele, apareceu pela primeira vez com o calvinismo - de nunca descansar,
mas se dedicar à expansão infinita. Entretanto, ao contrário, os conquistadores
riam típicos católicos de mentalidade medieval, mesmo que alguns se baseas­
sem nos elementos mais rudes e inescrupulosos da sociedade espanhola. Por
i|iic mantinham esse desejo insaciável de obter cada vez mais e mais?
Acredito que possa ser útil voltar ao início da conquista do México por
I lernán Cortés: quais eram suas primeiras motivações? Cortés migrou para a
colônia da ilha de Santo Domingo em 1504, sonhando com glórias e aventu­
ras, mas durante uma década e meia suas aventuras consistiram basicamente
cm seduzir mulheres de outros homens. Em 1518, no entanto, ele conseguiu
dar um jeito de ser nomeado comandante de uma expedição para garantir a
presença espanhola em terra firme. Como escreveu depois Bernal Díaz dei
Castillo, que o acompanhou nessa época:

399
Ele começou a se paramentar c .1 cuidar mais da apuram la, I '•*>»
penacho.com um medalhão e uma corrente de ouro, além de um • >
veludo adornado com espirais em ouro. Ele parecia realmenle um
e corajoso capitão. Contudo, não tinha dinheiro para custe.11 .r, .l#*p
de que falamos, pois na época era muito pobre e acumulava divida«,
bora fosse proprietário de muitos nativos e obtivesse ouro tias iiiImh*
tudo era gasto com despesas pessoais, com ornamentos para a nuillii 1 11
quem recentemente se casara, e para entreter convidados [...].
Quando alguns amigos mercadores souberam que ele havia sido niitt
do capitão-geral, emprestaram-lhe 4 mil pesos de ouro em moedas. 111
4 mil em bens, tendo como garantia os nativos e as propriedades. Ele 1irditft
que fossem feitos dois estandartes e bandeiras, trabalhados em oun 1t1mt M
armas reais e uma cruz de cada lado, com a seguinte legenda: “( am.11 <id«tt
sigamos o sinal da Santa Cruz com verdadeira fé, e com ela conquistai eim >* '•

Em outras palavras, ele vivia além dos próprios recursos, metia se int
confusão e resolveu, como um destemido apostador, arriscar tudo que Unlm
Previsivelmente, portanto, quando o governador, no último minuto, res< ilvni
cancelar a sua expedição, Cortés o ignorou e partiu em busca de terra In m**
com seiscentos homens a bordo, oferecendo a todos uma divisão igualltai 1,1
nos lucros da expedição. Ao desembarcar, ele queimou os barcos, apost andit
efetivamente tudo na vitória.
Daremos um salto do início do livro de Bernal Díaz para o último c.ipt
tulo. Três anos depois, mediante um dos comportamentos mais engenho
sos, implacáveis, brilhantes e totalmente desonrosos de um líder miliut
Cortés saiu vitorioso. Depois de oito meses de uma guerra exaustiva, sem
tréguas, e da morte talvez de 100 m il astecas, Tenochtitlán, uma das maiores
cidades do mundo à época, foi totalmente destruída. O tesouro imperial
estava garantido e havia chegado a hora de dividi-lo em partes iguais entre
os soldados sobreviventes.
Contudo, segundo Díaz, o resultado para os soldados foi ultrajante. Os
oficiais conspiraram para desviar a maior parte do ouro, e, quando o cômputo
geral foi anunciado, os soldados descobriram que receberiam apenas de

400
tu lllu a oitcnla pesos cada um. Além disso, a maior parle do que rrt <
«ui m i ia imediatamente tomada pelos oficiais, que assumiram poNiçdo
ii don s pois Cortês havia dito que os homens seriam cobrados a i ada
ml»,ao de equipamento e de cuidados médicos recebidos durante o cerco,
iliiis descobriram que, com o acordo, perderam dinheiro. Díaz escreve:

liidi >s estávamos muito endividados. Não se comprava um arco por menos
de quarenta ou cinquenta pesos, um mosquete custava cem, uma espada,
i inquenta, e um cavalo de oitocentos a mil pesos, no mínimo. Por mais
extravagante que pareça, a verdade é que tínhamos de pagar por tudo! Um
médico chamado Mastre Juan, que cuidara de muitos feridos, cobrava ta-
i lias radicalmente altas, e o mesmo ocorria também com um curandeiro
i liamado Murcia, que era farmacêutico, barbeiro e tratava feridos, e ainda
outros trinta truques e embustes exigiram o dispêndio de nossas partes tão
logo as recebemos.
Duras reclamações foram feitas, e a única medida tomada por Cortés foi
nomear duas pessoas confiáveis, que conheciam o preço dos produtos e po­
diam avaliar tudo o que fosse comprado a crédito. Uma ordem foi expedida
para que quaisquer preços dados a nossas compras, ou aos tratamentos do
médico, deveriam ser aceitos, mas se não tivéssemos dinheiro nossos cre­
dores teriam de esperar dois anos para receber o pagamento.17

Os mercadores espanhóis logo chegaram cobrando preços inflacionados


por necessidades básicas, gerando mais indignação.

Nosso general, cansado das reprimendas continuadas que eram proferidas


contra ele, acusando-o de ter roubado tudo para si, e dos pedidos infinitos
de empréstimos e adiantamentos, decidiu se livrar de uma vez por todas dos
companheiros mais problemáticos, fundando colônias nas províncias que
pareciam mais apropriadas para tal propósito.18

Esses foram os homens que passaram a controlar as províncias e que es­


tabeleceram a administração local, os impostos e os regimes de trabalho. Isso

401
explica um pouco por que havia tantos nativos com o rosto cobei to <l|
naturas, como se fossem cheques endossados e reendossados, ou mina •i ••
das por grandes áreas repletas de corpos em putrefação. Nâo sc tratavn »(•
comportamento ganancioso, frio e calculista, mas de uma mistura mulHi ll
complexa de aviltamento e indignação moral, e de um sentimento de ut>if'i
frenética por dívidas que fariam e acumulariam (dívidas quase certauji nu
empréstimos a juros), bem como fúria diante da ideia de que, depois «I* li
o que haviam passado, seriam tidos acima de tudo como devedores de imltl,
E quanto a Cortés? Ele acabara de levar a cabo talvez o maior t ou! m
toda a história mundial. Certamente, suas dívidas originais agora eram li i*»
vantes. Contudo, de alguma maneira ele parecia sempre acumular nova* •11vI
das. Os credores já haviam começado a tomar seus bens quando ele pat nu itH
uma expedição para Honduras em 1526; quando voltou, escreveu par.i >•litl
perador Carlos V dizendo que suas despesas haviam sido muitas: “[... | ( t i|ii#
recebi foi insuficiente para me tirar da pobreza e da miséria, e, enquanti 1>■*
crevo, tenho uma dívida de quinhentas onças de ouro e não tenho um |n<«i
sequer para liquidá-la’’.19 Era dissimulação, sem dúvida (Cortés, na épot .1
tinha o próprio palácio), mas alguns anos depois ele foi de fato obrigado a
penhorar as joias da esposa para ajudar a financiar uma série de expedlçOM
à Califórnia, na esperança de recobrar sua fortuna. Ao perceber que as im 111
sões não deram lucro nenhum, ele se viu tão cercado de credores que teve d.
voltar para a Espanha e rogar pessoalmente auxílio ao imperador.20

Se tudo isso curiosamente se parece com uma reminiscência da Quarta


Cruzada, com seus cavaleiros endividados saqueando as riquezas de cida
des inteiras e mesmo assim ficando submetidos a seus credores, há um bom
motivo. O capital que financiava essas expedições vinha mais ou menos d<•
mesmo lugar (nesse caso de Gênova, não de Veneza). Além disso, a relação
entre, de um lado, o aventureiro ousado ou o apostador disposto a correr
todo tipo de risco e, de outro, o financiador criterioso, cujas operações eram
planejadas para produzir um crescimento estável, matemático e inexorável
de renda, encontra-se no cerne do que chamamos “capitalismo”.

402
A#»lm, nosso sistema econômico atual sempre loi marcado poi um
■im iili.ii ( aráter dual. Há muito tempo os estudiosos sAo fascinados pelos
■Mime« que aconteciam em universidades espanholas como Santandcr so-
.1 humanidade dos americanos nativos (Eles tinham alma? Podiam ler
M irliits legais? Era legítimo escravizá-los à força?), debates que também
■tiritlonavam as reais atitudes dos conquistadores (Era desprezo, repulsa
! mu uma admiração rancorosa pelos adversários?).21 O caso é que, nos mo-
■lim lns f undamentais de decisão, nada disso importava. Quem decidia não
•«■ui la que estava no controle; e quem estava no controle não se importava
«m I ii ularmente em saber dos detalhes. Podemos citar um exemplo impres-
ili munte: depois dos primeiros anos de funcionamento das minas de ouro e
| im i,i descritas por Motolinia, onde milhões de nativos foram simplesmente

rt|>i Isionados e assassinados, os colonos instituíram uma política de servidão


|mii dívida: o truque usual de cobrar impostos pesados, emprestar dinheiro
ii juros para quem não podia pagar e depois exigir que os empréstimos fos-
«ein pagos com trabalho. Agentes reais tentaram diversas vezes proibir essas
I ii .iticas, argumentando que os nativos agora eram cristãos e que isso violava
urus direitos como leais súditos da Coroa espanhola. Mas, como acontecia
II im quase todos os esforços da casa real de agir como protetora dos nativos,
n resultado foi o mesmo: as exigências financeiras prevaleceram. O próprio
l arios v acumulou dívidas enormes com as empresas bancárias em Florença,
( tènova e Nápoles, e o ouro e a prata das Américas constituíam talvez um
quinto de sua renda total. Por fim, depois de um alarde inicial e da indignação
moral (muitas vezes sincera) por parte dos emissários do rei, esses decretos
loram ignorados ou, quando muito, vigoraram durante um ou dois anos an-
les de ser totalmente suspensos.22

Tudo isso ajuda a explicar por que a Igreja tem sido tão contundente em sua
atitude para com a usura. Não se tratava de uma questão apenas filosófica,
mas sim de uma questão de rivalidade moral. O dinheiro sempre tem o poten­
cial de se tornar um imperativo moral para si próprio. Permitir sua expansão
é fazer com que ele rapidamente se torne uma questão moral tão imperativa

403
que todas as outras pareccrflo frivolidades se comparadas a ele. I'ai .1 o 1I1 >#f
dor, o mundo se reduza uma coleção de perigos em potencial, InstmuM utn|
em potencial e mercadorias em potencial.''1Até as relações humanas lt ifiMlffl
-se uma questão de cálculo de custo e benefício. Claramente, era assim i|ut> tt|
conquistadores viam os mundos para os quais partiam em conquista
Criar acordos sociais que nos forcem a pensar dessa maneira é a 1.n ,n i*
rística peculiar do capitalismo moderno. A estrutura das corporaçõi . • 11
excelente exemplo - e não é coincidência que as primeiras sociedades ,m
nimas do mundo tenham sido a Companhia Britânica das índias Orli 1ii .11*
a Companhia Holandesa das índias Orientais, que buscavam a mesma 11 w
binação de exploração, conquista e extração que os conquistadores. 11.«i «• «#
de uma estrutura feita para eliminar todos os imperativos morais, meut 1*11
lucro. Os executivos que tomam as decisões podem argumentar - e assim M
fazem com frequência - que, se estivessem usando o próprio dinheiro, c 1Um
que não demitiriam empregados de longa data uma semana antes de se .«|» •
sentarem, nem-despejariam detritos cancerígenos perto de escolas. Conl ml. •
moralmente são levados a ignorar essas considerações, pois não passam ilt>
empregados cuja única responsabilidade é promover o máximo de rei 111 110
dos investimentos para os acionistas da companhia. (Os acionistas, é cliim
não são obrigados a se pronunciar.)
A figura de Cortés é instrutiva por outro motivo. Estamos falando de 11111
homem que, em 1521, conquistara um reino e estava sentado sobre uma qii.in
tidade imensa de ouro. Além disso, ele não tinha a menor intenção de entreg.n
esse ouro para ninguém - muito menos para seus seguidores. Cinco anos de
pois, ele alegava ser um devedor sem um centavo sequer. Como isso aconteceu^
A resposta óbvia seria que Cortés não era rei; ele era súdito do rei da I s
panha e vivia de acordo com a estrutura legal de um reinado segundo a qual
a má gestão do próprio dinheiro levava à consequente perda do dinheiro. Ni»
entanto, como vimos, as leis do rei podiam ser ignoradas em outros casos,
Ademais, mesmo os reis não eram agentes totalmente livres. Carlos v era
um endividado contumaz, e quando seu filho Filipe 11 - depois de ver seus
exércitos lutarernem três fro nts de uma única vez - tentou aplicar o velho
truque medieval do calote, todos os seus credores, do Banco Genovês de São

404
|'tiK< as famílias Fugger c Welxer, de banqueiros alemães, leihuram o ic iu i
!*iti mgarantir que ele não receberia outros empréstimos até começar a honrai
Mhis compromissos.24
() capital, portanto, não é simplesmente dinheiro. Também não é apenas
i Iquo/as que podem ser transformadas em dinheiro. Tampouco apenas o uso
ili 11»»der político para ajudar as pessoas a usarem o próprio dinheiro para gerar
KMlNdinheiro. Cortés tentou fazer isso: de uma maneira que seria típica na Idade
A1i.il, ele tentou usar suas conquistas para adquirir ganhos, e escravos para tra-
lMlh.tr nas minas, com os quais ele pagaria a seus soldados e fornecedores para
•Miilurcar em outras conquistas. Uma fórmula consagrada e bem-sucedida. Mas,
pura iodos os outros conquistadores, ela se provou um fracasso espetacular.
Talvez isso marque a diferença. Na Idade Axial, o dinheiro era uma ferra-
iiionta do império. Pode ter sido conveniente para os governantes promover
ti terçados em que todos tratassem o dinheiro como um fim em si mesmo;
por vezes, os governantes podem ter entendido todo o aparato do governo
i orno um empreendimento que visava ao lucro; mas o dinheiro sempre foi
um instrumento político. É por isso que, mesmo quando os impérios ruíram
e os exércitos foram desmobilizados, todo o aparato pôde simplesmente se
desfazer. Sob a ordem capitalista recém-surgida, a lógica do dinheiro obteve
autonomia, e o poder político e m ilitar foi pouco a pouco se organizando
cm torno dele. Certamente, essa lógica financeira jamais teria existido sem
i is Estados e os exércitos por trás dela. Como vimos no caso do Islã medieval,
sob condições genuínas de livre mercado - em que o Estado não se envolve
na regulação do mercado de maneira significativa, nem mesmo na imposi­
ção de contratos comerciais -, os mercados puramente competitivos não se
desenvolvem e os empréstimos a juros tornam-se efetivamente impossíveis
de ser coletados. Foi somente a proibição islâmica à usura que possibilitou de
lato a criação de um sistema econômico tão apartado do Estado.
Martinho Lutero defendia esse mesmo argumento em 1524, na mesma
época em que Cortés começava a ter problemas com os credores. Lutero dizia
que não havia nada de mau em imaginar que todos devessem viver como ver­
dadeiros cristãos, de acordo com os ditames do Evangelho. Mas, na verdade,
pouquíssimos seriam realmente capazes de agir dessa maneira:

405
Cristãos são raros neste mundo; portunto, o mundo precisa de um nov#f
rigoroso, duro e secular para determinar e obrigar que os frao is na< 111mU
e devolvam o que tomaram emprestado, mesmo que um cristão ......... .....
de volta ou não espere tê-lo de volta. Isso é necessário para que o mimiH
não se torne um deserto, para que a paz não pereça, para que o comett lo d
sociedade não sejam de todo destruídos; tudo isso aconteceria se
de governar o mundo de acordo com o Evangelho e não direcionar e <iln itftf
os mais fracos, pelas leis e pelo uso da força, a fazer o que é correto. | | <Jtlf
ninguém pense que o mundo pode ser governado sem sangue; a cs|mtli» ilit
governante deve ser vermelha e manchada de sangue; pois o m unili»n iâ f
deve ser mau, e a espada é o castigo de Deus e sua vingança sobre <*!<•’'

“Não roubem e devolvam o que tomaram emprestado” - uma jusl «ip«i


sição notável, considerando que, na teoria escolástica, emprestar dinhcirti |
juros era considerado roubo.
E Lutero estava mesmo se referindo a empréstimos a juros. A histói In >1«
como ele chegou a esse ponto é incrível. Lutero começou sua carreira i o i i i h
reformador em 1520, promovendo campanhas ferozes contra a usura; na
verdade, uma de suas objeções à venda de indulgências da Igreja era o fito
de serem uma forma de usura espiritual. Esse modo de pensar lhe rendrtl
um apoio popular gigantesco nas cidades e nos vilarejos. No entanto, Lutm >
logo percebeu que havia manipulado forças que ameaçavam virar o mundo »!•
ponta-cabeça. Apareceram reformadores mais radicais, argumentando que»«
pobres não eram moralmente obrigados a pagar os juros sobre empréstimi
usurários e propondo a retomada de instituições do Antigo Testamento, conn 1
a do ano sabático. A esses reformadores seguiram-se sacerdotes revoluciona
rios, que começaram a questionar mais uma vez a própria legitimidade do
privilégio aristocrata e da propriedade privada. Em 1525, no ano seguinte ao
do sermão de Lutero, houve um grande levante de camponeses, mineradores
e cidadãos pobres em toda a Alemanha: os rebeldes, na maioria dos casos, re
presentavam-se como simples cristãos que queriam restabelecer o verdadeiro
comunismo dos Evangelhos. Mais de 100 m il foram massacrados. Já em 1524,
Lutero sentia que as coisas estavam saindo do controle e que ele teria de esco-

406
i um ludo: cm seus textos, ele havia escolhido. I.cls do Antigo Icilam eiilu,
tino o ano sabático, argumentava ele, nào se aplicavam mais; o Ivangelho
irve apenas o comportamento ideal; os seres humanos são criaturas pc
tliii ,in, então a lei é necessária; embora a usura seja pecado, uma taxa de 4%
I ...ile (uros pode ser perfeitamente legal sob determinadas circunstâncias; c
»•iitlii 11.1.1 coleta dos juros seja pecado, sob nenhuma circunstância é legítimo ar-
.....tentar que, por essa razão, os devedores têm o direito de transgredir a lei.26
() suíço [IJlrich] Zwingli, reformador protestante, foi ainda mais explí-
I iii 1 I )eus, argumentou ele, nos deu a lei divina: amarás o próximo como a
II mesmo. Se cumpríssemos verdadeiramente essa lei, os seres humanos se
11ii 11guriam livremente uns aos outros, e a propriedade privada não existiria.
No entanto, com exceção de Jesus, nenhum ser humano nunca conseguiu
vivei nos moldes desse padrão comunista autêntico. Por essa razão, Deus
liimbém nos deu uma segunda lei, inferior, humana, que deve ser aplicada
|irlas autoridades civis. Embora essa lei inferior não possa nos obrigar a agir
11uno realmente deveríamos agir (“o magistrado não pode obrigar ninguém
.1 rmprestar o que lhe pertence sem a esperança de receber lucro ou recom-
|irtisa”), ela pelo menos pode nos fazer seguir o exemplo do apóstolo Paulo,
que disse: “Pague a todos o que deve”.27
Pouco tempo depois, Calvino rejeitaria totalmente a proibição universal
,1 usura, e em 1650 quase todas as denominações protestantes concordaram
i om sua posição de que uma taxa razoável de juros (geralmente 5%) não é
jiecado, desde que os emprestadores ajam de boa-fé, não façam da usura sua
unica atividade e não explorem os pobres.28 (A doutrina católica demorou
mais para se adaptar, mas, por fim, consentiu passivamente.)
Se examinarmos a justificativa de tudo isso, dois fatos saltam aos olhos.
1’rimeiro, todos os pensadores protestantes continuaram defendendo a an­
tiga tese sobre o interesse: que o “interesse” é, de fato, uma compensação pelo
dinheiro que o emprestador ganharia se aplicasse o dinheiro em algum in­
vestimento mais lucrativo. Originalmente, essa lógica só se aplicava aos em­
préstimos comerciais. No entanto, ela era cada vez mais aplicada a todos os
empréstimos. Apesar de não ser natural, o aumento do dinheiro era, agora,
I ratado como totalmente desejável. Todo dinheiro era visto como capital.29

407
Segundo, a suposição de que .1 uiur.i e algo que se pratica mais apni|
mente com inimigos, c que, por extensáo. loiio inn icn i<1p.u lillm d# |
terísticas da guerra, nunca desapareceu por completo. Calvino, poi ■ mi»!
negava que o Deuteronômio só se referisse aos amalecitas; clai.m iiiil»,
ele, o Deuteronômio queria dizer que a usura era aceitável em nrgo» i.tt,
com os sírios ou egípcios. Na verdade, com todas as nações com .e. qual*
judeus faziam negócio.30O resultado de abrir os portões da cidade loi a Mt'
tão, pelo menos tacitamente, de que agora era possível tratar todas, iu< linl
o próximo, como estrangeiro.31 Basta observarmos como os avcniuii li»
-mercadores europeus da época tratavam os estrangeiros na Ásia, na Ali lt df
nas Américas para entendermos o que isso significava na prática.
Mas talvez devamos olhar para mais perto. Vejamos a história de outfÉ
famoso devedor da época, o margrave Casimiro de Brandemburgo-An»l*at^|
(1481-1527), da famosa dinastia Hohenzollern.
Casimiro era filho do margrave Frederico 1de Brandemburgo, que li< n||
conhecido comoum dos “príncipes loucos” da Renascença alemã. As lt niu<«
são divergentes no que se refere ao nível de sua loucura. Um cronista da cpi 11*
o descreve como “demente da cabeça de tantas corridas e justas”. A maii >1M
concorda que ele era dado a ataques inexplicáveis de raiva, bem como tio
patrocínio de festivais extravagantes e extraordinários - tendo participo. 1.1
muitas vezes, segundo se diz, de orgias desenfreadas.32
Todos concordavam, no entanto, que ele não sabia gerir o próprio dl
nheiro. No início de 1515, Frederico tinha tantos problemas financeiros - acrt>
dita-se que sua dívida somava 200 m il florins - que alertou seus credotet,
na maioria nobres como ele, da possibilidade de ser obrigado a suspendei
temporariamente o pagamento dos juros por suas dívidas. Isso parece ter ge
rado uma crise de confiança e, em questão de semanas, seu filho Casimim
organizou um golpe de Estado - partindo, na madrugada de 26 de fevereiro
de 1515, para tomar o controle do castelo de Plassenburg enquanto o pai estav.i
distraído com a celebração do Carnaval, obrigando-o com isso a assinar papéis
abdicando de seu poder por razões de enfermidade mental. Frederico passou
o restante da vida coflfinado em Plassenburg, proibido de receber visitas e cor­
respondência. Quando, em determinado momento, os guardas pediram que

408
margruve fornecesse dois florins para i|iic o pai pudesse fa/cr passai
apostando, ( asimiro recusou em público, decimando (de maneira
■Mb tilu, c claro) que seu pai havia deixado os negócios em uma condição t<U>
Bfttisiiusa que ele provavelmente não podia arcar com dois florins."
Itrspeitosamente, Casimiro dividiu os governos e outros cargos especiais
■N rt' i is credores do pai. Tentou deixar sua casa em ordem, o que se mostrou
rendentemente dificultoso. Sua adoção entusiasmada das reformas de
M tli mi cm 1521 tinha mais a ver com a perspectiva de pôr as mãos nas terras
■ r I^i eja e nas vantagens monásticas do que com qualquer fervor religioso.
l( unindo, a princípio, a disposição da propriedade da Igreja continuou sendo
|||l«i ntível, e o próprio Casimiro agravou seus problemas acumulando dívidas
fd? |i >>{i >, que supostamente atingiram mais ou menos 50 mil florins.34
I ncarregar seus credores da administração civil teve efeitos previsíveis:
11 iiwmento da extorsão dos súditos - e muitos deles ficaram seriamente en­
dividados. Não surpreende que as terras de Casimiro no vale do Talber, na
I hincônia, tenham sido um dos epicentros da revolta em 1525. Grupos de
nldeões armados se juntaram, declarando que não obedeceriam a nenhuma
IpI i|tie não estivesse de acordo com “a palavra sagrada de Deus”. A princípio,
o» nobres, isolados em seus castelos dispersos, quase não resistiram. Os lí-
1lei cs rebeldes - muitos deles lojistas e açougueiros locais, bem como outros
In >mens proeminentes de cidades vizinhas - começaram com uma campanha
idlainente organizada para derrubar as fortificações dos castelos e oferecer
garantia de segurança aos nobres ocupantes se eles não oferecessem resistên-
i la, concordassem em abandonar seus privilégios feudais e jurassem cumprir
1is Doze Artigos dos rebeldes. Muitos concordaram. A verdadeira ferocidade
dos rebeldes foi reservada para os mosteiros e catedrais, que foram invadidos
.is dúzias, saqueados e destruídos.
A reação de Casimiro foi tentar ficar em cima do muro. Primeiro ele
esperou o momento propício para agir, reunindo uma força armada de cerca
de 2 mil soldados experientes e recusando-se a intervir enquanto os rebeldes
saqueavam mosteiros nas redondezas: na verdade, ele negociou com vários
grupos rebeldes com tamanha boa-fé, ao menos em aparência, que muitos
acreditaram que ele estava se preparando para se juntar a eles “como irmão

409
cm Cristo"." No entanto, depois que on cavaleiros da Liga dr NualiM
ram os rebeldes da União Crista ao sul, Casimiro partiu pata >t a^An,|
ças ignoraram os bandos de rebeldes que haviam se dispci s.uli >•
próprios territórios como um exército conquistador, queím.uhl. ■. |i|
vilarejos e cidades, assassinando mulheres e crianças. Cidadi | >•o . hl
fundou tribunais punitivos e confiscou toda a propriedade pllhailii t|it#
rentemente conservou - mesmo que seus homens também c x p n >|«i la*'

riquezas encontradas nas catedrais da região-com o empréstlnti »<■d#


gência para pagar a seus soldados.
Parece significativo que Casimiro tenha sido, de todos os pi im *
mânicos, tanto o que mais hesitou antes de intervir quanto o nialw v!it[
e feroz depois que interveio. Suas forças se tornaram conhecidas mio «A
executar os rebeldes, mas por sistematicamente cortar os dedos de mi|MK
colaboradores, e de seu carrasco manter uma contabilidade macahi a ili |
tes amputadas para futuro reem bolso-um tipo de inversão carnal dou o uli
tros contábeis que lhe causaram tantos problemas na vida. Em delei n uimiIh
momento, na cidade de Kitzingen, Casimiro ordenou que se arrani assetll t*
olhos de 58 cidadãos que, segundo ele, “recusaram-se a vê-lo como xrui 1111*1
Depois disso, ele recebeu a seguinte nota:36

80 decapitados
69 olhos retirados ou dedos arrancados 114 % florins
Disso, deduzir:
Recebido dos Rothenburger 10 florins
Recebido de Ludwig von Hutten 2 florins
A isso, acrescentar.
Pagamento de dois m eses, a 8 ft. por mês 16 florins
Total 118 % florins
[Assinado:] Augustin, carrasco, chamado pelos Kitzingen de "Mestre da Dor”.

A repressão inspirou o irmão de Casimiro, Jorge (que ficou conhec 01<1


depois como “o Pio”), a escrever uma carta perguntando se Casimiro tinha .1
intenção de fazer um acordo - uma vez que, como gentilmente nos lembra
Jorge, ele não poderia continuar senhor feudal se seus camponeses estivessem
todos mortos.37

410
mi indo Isso acontecendo, nflo surpreende que homens como l1iom*t*
• m m I i . m i i imaginado a natureza hásiea da sociedade como uma guerra
» i o i i i r a todos, da qual apenas o poder absoluto dc um mon.m a po
nu salvar. Ao mesmo tempo, o comportamento de Casimiro combl
i |iin assim dizer, um caráter geral de um sujeito frio e calculista com
«rtiilrs de uma crueldade vingativa que beirava o inverossímil - parece,
n »omportamento dos furiosos soldados de Cortés ao se verem soltos
(»iitvincias astecas, encarnar algo essencial sobre a psicologia da dívida.
Miiils precisamente, talvez, sobre o devedor que sabe não ter feito nada
« merecer ser deixado nessa posição: a urgência desvairada de ter de con-
|«'i ludo ao seu redor em dinheiro, e a raiva e o sentimento de afronta por
th li i reduzido ao tipo de pessoa que faria isso.

M MI I! I I : O M U N D O D O C R É D IT O E O M U N D O D O J U R O

De todos os seres que só existem na mente dos homens, nada é mais


fantástico e agradável do que o crédito; ele nunca deve ser imposto;
depende da opinião; depende de nossas paixões de esperança e medo;
chega muitas vezes sem ser procurado, e muitas vezes vai embora
sem motivo; e, uma vez perdido, é muito difícil de ser recuperado.
C H A R L E S D A V EN A N T, 1696

Aquele que perdeu o crédito morreu para o mundo.


P R O V É R B IO INGLÊS E A LE M Ã O

A visão dos camponeses sobre o caráter fraternal do comunismo não surgiu do


nada. Ela estava enraizada na experiência cotidiana real: aquela da manutenção
dos campos e florestas comuns, cooperação diária e solidariedade amistosa.
É dessa experiência doméstica de um comunismo do dia a dia que sempre se
constroem grandes visões místicas.38 Obviamente, as comunidades rurais
também são lugares de disputa e divisão, pois as comunidades são sempre

411
assim - mas, uma vez que sâoorgunizações dc lato comunltárl«1« n i lt
necessariamente eni uma base de ajuda mútua. O mesmo, por i Iim I |
dito dos membros da aristocracia, que podem ter brigado infmlMiui til#
questões de amor, terra, honra e religião, mas mesmo assim coopi i ,n
tavelmente uns com os outros quando isso era de fato importante (em #
quando sua posição de aristocratas era ameaçada); assim como os nu it
e banqueiros, que, por mais que competissem uns com os outros, i «HIM
estreitar laços quando era realmente necessário. Isso é o que costumo i
de “comunismo dos ricos”, uma força poderosa na história humiunt
Como vimos repetidas vezes, isso também se aplica ao crédito s» *
há diferentes padrões para aqueles que consideramos amigos ou vlMlfli
A natureza inexorável da dívida com juros e o comportamento osi ll.mu<
tre selvagem e calculista, de quem é escravizado por ela são típicos, at litlA
tudo, de transações entre estranhos: é improvável que Casimiro sentlM* it
afinidade com seus camponeses do que Cortés sentiu para com os astet rti (
verdade, é provável que sentisse bem menos, pois os guerreiros astei o*<•• mm
pelo menos aristocratas). Nas pequenas cidades e aldeias rurais, de onilwfj
Estado mantinha grande distância, os padrões medievais sobreviveram mi tt
tos, e o “crédito” era apenas uma questão de honra e reputação, como seni|tM
fora. A grande história não contada da nossa era atual é de como esse* .mil
gos sistemas de crédito foram por fim destruídos.
Pesquisas históricas recentes, principalmente de Craig Muldrcw, ipi#
analisou milhares de inventários e processos da Inglaterra dos séculos xv t n
x v ii, nos fizeram rever quase todas as nossas antigas suposições sobre o i|Ui
era a vida económica cotidiana naquela época. E claro, uma quantidade multo
pequena do ouro e da prata que vinha das Américas para a Europa chegav.i ,u >
bolso de agricultores e vendedores de roupas e tecidos.40A maior parte ficava
nos cofres da aristocracia ou dos grandes mercadores londrinos, ou ainda ni ■
tesouro real.41 O troco miúdo também era quase inexistente. Como já dest a
quei anteriormente, nas regiões pobres das cidades ou dos grandes centros <ix
lojistas emitiam o próprio dinheiro simbólico de chumbo, couro ou madeit .1,
no século x v i, essa atividade se tornou moda, com artesãos e até mesmo
pobres viúvas produzindo a própria moeda corrente para poder honrar seus

412
RMhiiInnon.41 Em todos os lufares, quem frcqurntussr o açougueiro, u pa
• •mi o sapateiro local simplesmente colocaria tudo na conta. Pode se dl
■Wieunode quem frequentava mercados semanais, ou vendia leite, queijo
fct*M «le vela para os vizinhos. Em um vilarejo típico, as únicas pessoas
|U(ivavelmente pagavam em dinheiro vivo eram os viajantes e aquelas
Mlili uidas da ralé: pobres e desocupados, cuja situação era tão ruim que
]|MÍ'm lhes daria crédito. Como todas as pessoas vendiam alguma coisa,
»manto, praticamente todos eram credores e devedores; a maior parte da
til« Itimiliar tomava a forma de promessas de outras famílias; todos sabiam
ttiiiiii iiiliam um controle do que os vizinhos deviam aos outros; e a cada seis
aproximadamente, as comunidades fariam um “ajuste geral de contas”
|mli||< o, cancelando as dívidas em um grande círculo, e apenas as diferenças
M"iiiiilcs seriam liquidadas com moedas ou produtos.43
I ndo isso põe em xeque algumas de nossas mais assentadas suposições,
Muii|iic estamos acostumados a pôr a culpa pelo advento do capitalismo no
(tlr i hamamos vagamente de “o mercado”- a dissolução de antigos sistemas
ili 4|nda mútua e solidariedade e a criação de um mundo do cálculo frio, onde
MmIii tem seu preço. Na verdade, parece que os aldeões ingleses não viam
lletthuma contradição entre as duas coisas. Por um lado, eles acreditavam for­
temente na administração coletiva dos campos, dos rios e das florestas e na
necessidade de ajudar os próximos em dificuldade; por outro lado, os merca-
•liis eram vistos como um tipo de versão atenuada do mesmo princípio, pois
w baseavam na confiança. Em uma situação bem parecida com a das mulhe-
ies tivs e suas dádivas de inhame e quiabo, os vizinhos admitiam que o tempo
loilo deveriam estar levemente endividados uns com os outros. Ao mesmo
tempo, a maioria parecia se sentir bastante confortável com a ideia de compra
e venda, ou mesmo com as flutuações de mercado, desde que não chegasse
.10 ponto de ameaçar a subsistência das famílias honestas.44Mesmo quando
<>s empréstimos a juros começaram a ser legalizados em 1545, pouquíssimas
pessoas ficaram irritadas, pois eles aconteciam naquele mesmo quadro moral
mais amplo: o empréstimo era considerado uma vocação apropriada, por
exemplo, para viúvas sem nenhuma outra fonte de renda, ou como uma forma
de os vizinhos dividirem lucros de um pequeno empreendimento comercial.

4 13
William Stout, mercador protestante de l.ac atishirc. se reteria itidnni*4
a Henry Coward, o comerciante dono da loja em que ele foi aprendi#

Meu mestre tinha na época um comércio inteiro de mantimenti •* lt 11


outros produtos diversos e era muito respeitado e confiável, tiAi i mi ptlf
les que professavam a mesma religião, mas também pelas pessimn d#
os credos e condições. [...] Seu crédito era tão grande que quem
dinheiro entregava a ele para que emprestasse a juros ou fizesse ir.titM*,

Nesse mundo, a confiança era tudo. Grande parte do dinhein»ei a ê I


pria confiança, uma vez que os acordos de crédito eram selados i <mi af
tos de mão. Quando as pessoas usavam a palavra “crédito”, elas se u In la
sobretudo, à reputação por honestidade e integridade; e a honra, .1 vli l nt|#
a respeitabilidade das pessoas, mas também a reputação por genciotldM fl
decência e boa sociabilidade, eram aspectos pelo menos tão importante* |i«fÉ
a concessão de empréstimo quanto a avaliação de remuneração.4" Assim, i«|
termos financeiros tornaram-se indiscerníveis dos termos morais. IV>il>.... .
nos referir aos outros como “valiosos”, dizer que temos “alguém cm >tlia
conta” ou falar de “um homem sem valor nenhum” e de “dar crédito” ik* |"t
lavras de alguém quando acreditamos no que ele diz (“crédito” tem a mesma
raiz que “credo” ou “credibilidade”), ou de “conceder crédito” quando ai reili
tamos que ele pagará o que deve.
Não é o caso de idealizar a situação, porém. Esse mundo era altameiil»
patriarcal: a reputação de castidade da filha ou da esposa de um homem lu
fluenciava em seu “crédito” tanto quanto a própria reputação de bond.nli
ou piedade. Além disso, quase todas as pessoas com menos de trinta ano*
de idade, homens ou mulheres, trabalhavam como empregados na cas.i de
outra família - como agricultores, amas de leite, aprendizes - e, como t.iiv
não tinham “valor nenhum”.47 Por fim, quem perdia credibilidade aos olhos
da comunidade se tornava, efetivamente, um pária, e era rebaixado para ,1
classe criminosa ou semicriminosa dos trabalhadores desgarrados: ladrões,
prostitutas, larápios, mascates, traficantes, adivinhos, menestréis, “homens
sem senhores” ou “mulheres de má reputação”.48

414
li dinheiro vivo era usado sobretudo entre os estrangeirou, ou parti o
Kit niti de aluguéis, dízimos c taxas aos proprietários de terra, bulllos,
dotes e outros superiores. A aristocracia agrícola e os mcriadores rl
t|tii evitavam os acordos selados com apertos de mão, usavam com Ire
li In dinheiro vivo entre si, principalmente para pagar letras de câmbio de
iti l<is lt mdrinos.49O ouro e a prata eram sobretudo usados pelo governo
11 iiuprar armas e pagar a soldados, e entre as classes criminosas. Isso
i tll/er que as moedas provavelmente eram mais usadas por aqueles que
Itmidiivam o sistema legal - magistrados, condestáveis e juizes de paz - e
In« Integrantes violentos da sociedade que eles deveriam controlar.

í|itin 11 passar do tempo, isso levou a uma dissociação cada vez maior dos uni-
m o is morais. Para a maioria que tentava evitar complicações no sistema legal
Iflfili»quanto problemas com soldados e criminosos, a dívida continuava sendo
h |>Mipria tessitura da sociabilidade. Mas quem passava a vida trabalhando nas
Inilltuições do governo e nas grandes casas comerciais começou a desenvolver
ifmlualmente uma perspectiva bem diferente, em que a troca em dinheiro era
11ii rlqueira e a dívida é que passou a ser vista com a marca da criminalidade.
Cada perspectiva se baseava em certa teoria tácita da natureza da so-
i ledade. Para a maioria dos aldeões ingleses, a fonte e o foco da vida social e
nu trai não eram a igreja, mas a cervejaria local - e a comunidade se congra-
l«va principalmente no convívio de festivais populares como o Natal ou a
I esta da Primavera, com tudo que implicavam essas celebrações: o partilhar
Iii,tzeres, a comunhão dos sentidos, toda a incorporação física do que se cha­
mava “boa vizinhança”. A sociedade estava arraigada sobretudo “no amor e
na amizade” entre amigos e parentes, e encontrava expressão em todas aque-
l.is formas de comunismo cotidiano (ajudar vizinhos com tarefas domésticas,
prover de leite ou queijo as viúvas do lugar) que eram consequência dessa
concepção de vida. Os mercados não eram vistos como algo que contradizia
esse espírito de ajuda mútua. Eles eram, como para Nasir al-Din Tusi, uma
extensão da ajuda mútua - e basicamente pela mesma razão: seu funciona­
mento era baseado totalmente na confiança e no crédito.50

415
A Inglaterra pode nào ter produ/.ldo uni grande tcórlco ........ln«i.
encontramos os mesmos princípios em boa parte dos escritores cm i il.ui
como, por exemplo, em De Republica, dejean Bodin, que circulou Im m .im IÍ

tradução inglesa depois de 1605. "A amizade e a cordialidade", cs* n u u Mi


“são o fundamento de toda sociedade civil e humana” - elas const lt mm 4 *(
tiça natural e verdadeira” sobre a qual toda a estrutura jurídica dc *<niltí
tribunais e até governos deve necessariamente ser construída. I )c 11MHC
semelhante, quando os pensadores econômicos refletiam sobre as 01 i«t tu
dinheiro, eles falavam em “confiança, troca e comércio”.52Presumi.1 .|m
relações humanas eram mais importantes e precediam a economia,
Consequentemente, as relações morais passaram a ser concebida 11 >iiih
dívidas. “Perdoai as nossas dívidas”-fo i nesse período, o final da Idade M< 1I14
que a tradução do pai-nosso ganhou popularidade universal. Os pe* a*li «Ati
dívidas com Deus: inevitáveis, mas talvez contornáveis, visto que, no (hm >li«t
tempos, nossas dívidas morais e nossos créditos morais se anularão 1111
de contas” com Deus. A noção de dívida se inseriu até mesmo nas iil.u.n*^
humanas mais íntimas. Como os tivs, os aldeões medievais se referiam .ilyu
mas vezes a “dívidas de carne”, mas a ideia era completamente diferente;
respeito ao direito de cada um, em um casamento, de exigir sexo do oul 111,11
que em princípio poderia ser feito sempre que um ou outro desejasse. A n
pressão “pagar as próprias dívidas”, portanto, gerou conotações, bem lonm
a expressão romana “cum prir com o próprio dever”, séculos antes. Gcol 11•'v
Chaucer fez até um trocadilho com “talha” (em francês taille) e “talho" em
“O conto do homem-do-mar”, história sobre uma mulher que paga as dívl*U»
do marido com favores sexuais: “Sou sua mulher; debite tudo pondo sua v.iui
no meu talho”.53
Até mesmo os mercadores em Londres apelariam à linguagem da soi In
bilidade, insistindo que, em última análise, todo comércio é construído c<>111
base no crédito, e o crédito não passa de uma extensão da ajuda mútua. 1111
1696, por exemplo, Charles Davenant escreveu que mesmo que houvesse um
colapso geral de confiança no sistema de crédito, ele não duraria muito p*>1
que, no final das contas, as pessoas refletiriam sobre a questão e perceberiam
que o crédito é apenas uma extensão da sociedade humana:

416
I l.i>descobririam que nenhuma nação conieri i.il subsistiu r continuou n
iili/.iiulo seus negócios em espécie |isto é, apenas moedas «•meu udnrlu*|; «
i onfmnça e a segurança no outro são tão necessárias para unir as pessoas e
iiwnté-las unidas quanto a obediência, o amor, a amizade ou a comunicação
pela laia. Quando o homem aprender pela experiência o quanto é fraco, o
quanto depende apenas de si próprio, ele terá vontade de ajudar os outros
v pedir auxílio dos vizinhos, o que, é claro, aos poucos, deve fazer o crédito
i In ularde novo.54

I Javenant foi um mercador incomum (seu pai era poeta). Mais típicos de
ui.i classe foram homens como Thomas Hobbes, cuja obra Leviatã, publicada
Flii ifisi, foi, em muitos aspectos, um ataque ampliado à própria ideia de que
Mn bases da sociedade são construídas em qualquer tipo de laços prévios de
»ulldariedade coletiva.
I lobbes pode ser considerado a explosão inicial de uma nova perspectiva
iih a al, uma explosão devastadora. Não se sabe o que escandalizou mais os
lellores quando Leviatã foi publicado: seu materialismo implacável (Hobbes
.iln mava que os seres humanos eram basicamente máquinas cujas ações po-
drin ser entendidas por um único princípio: a tendência de buscar o prazer e
«c afastar da dor), ou seu consequente cinismo (se amor, amizade e confiança
«ili i forças tão poderosas, argumentava Hobbes, por que será que mesmo den-
im de casa nós trancamos em cofres nossos bens mais valiosos?). Mesmo
.issim, o argumento final de Hobbes - o de que não se pode esperar que os se­
res humanos se tratem de maneira justa espontaneamente, pois são movidos
pelo interesse próprio, e que, portanto, a sociedade só surge quando os seres
humanos percebem que é vantajoso a longo prazo ceder parte de sua liberdade
r aceitar o poder absoluto do rei - diferenciava-se pouco dos argumentos que
leólogos como Martinho Lutero haviam defendido um século antes. Hobbes
simplesmente substituiu as referências bíblicas pela linguagem científica.55
Preciso chamar a atenção para a noção subjacente de “interesse pró­
prio”,56 pois essa é de fato a chave para a nova filosofia. O termo “self-inte-
rest" aparece pela primeira vez em inglês mais ou menos na época de Hob­
bes, e realmente deriva da palavra interesse, termo do direito romano para

417
pagamento de ju ro s.'’ Quando a palavra loi Introdu/.lda 110 vii»ft|
inglês, a maioria dos autores parecia entender a ideia de que todu *i vl
mana pode ser explicada como a busca de interesse próprio com» •nu»#
cínica, estrangeira, maquiavélica, uma ideia que entrava em .ui li»•»C
costumes tradicionais ingleses. No século xvm , a maior parte «l«i nu |
instruída já aceitava a palavra em um sentido corriqueiro.
Mas por que “interesse”? Por que foi possível conceber uma totirll
da motivação humana a partir de uma palavra que originalment«' i^utlt»
“penalidade por atraso de pagamento de empréstimo”?
Parte do apelo do termo é o fato de derivar da escrituração meu .intll
matemático. Isso faz com que a palavra pareça objetiva, até cientilit «t IM
que estamos buscando nossos próprios interesses é um modo do de«U(
o emaranhado de paixões e emoções que parecem governar nossa eilM
cia diária e motivar grande parte do que vemos as pessoas fazerem (iiitit
por amor e amizade, mas também por inveja, rancor, devoção, pen.i i »«I>tdfl
vergonha, torpor, indignação e orgulho); além disso, também é um tuud
de descobrir que, apesar disso tudo, a maior parte das decisões re.iInuHlf
importantes é baseada no cálculo racional da vantagem material <tu «fM
também é razoavelmente previsível. “Assim como o mundo físico é >;< i!
nado pelas leis do movimento, o universo moral é governado pelas loi% dtt
interesse”, escreveu Helvétius em uma passagem que lembra Lord Sh.n»>* !*
E, é claro, foi com base nessa suposição que todas as equações quadrál it .ml*
teoria econômica puderam ser construídas.59
O problema é que a origem do conceito não é nada racional. Suas i til
zes são teológicas, e as suposições teológicas que o sustentam na vei il.iilt
nunca desapareceram. O “interesse próprio” tem sua primeira aparição no»
escritos do historiador italiano Francesco Guicciardini (que, aliás, era aml#»»
de Maquiavel) por volta de 1510, como eufemismo para o conceito de "antot
-próprio” em Santo Agostinho. Para Agostinho, o “amor de Deus” nos levn
à benevolência para com nossos companheiros; o amor-próprio, em con
trapartida, refere-se ao fato de sermos todos, desde a Queda, afligidos por
desejos infinitos e fnsaciáveis de autossatisfação - tanto que, se tivéssenu is
de nos virar sozinhos, necessariamente incorreríamos em competição uni

418
f B«>d mé mesmo cm uma guerra. Substituir "amor" por "IntcreMe" parece
uitiii mudança óbvia, pois a suposição de que o amor é a cmoçíln
■ |4 i.... . cra justamente do que autores como G uicdardini tentavam se ll-
B a i t • sentido da palavra também manteve a mesma suposição de desejos
■ irt. itiveis sob o disfarce da matemática impessoal - afinal, o que é o "in-
■ h '" '" " fenào a demanda de que o dinheiro nunca deixe de crescer? Pode-se
^ pp i 11 mesmo de quando o termo passou a ser usado para investimentos -
H vidinum interesse [juro] de 12% naquele empreendimento” - é o dinheiro
n liH itilo a serviço da busca contínua de lucro.60 A própria ideia de que
■ |t i ms humanos são motivados primeiramente pelo “interesse próprio”,
■11 lauto, estava enraizada na suposição profundamente cristã de que todos
■ fh Mimos pecadores incorrigíveis; se tivéssemos de nos virar sozinhos,
n in buscaríamos apenas uma situação de conforto e felicidade para depois
b|ii« aproveitarmos dela; jamais nos conformaríamos entregando os pon-
M», i •uno Simbá, muito menos questionar se precisaríamos entregá-los. E,
fumo Agostinho já havia previsto, desejos infinitos em um mundo finito
Mxnlficam competição eterna, e é por isso que, como insistiu Hobbes, nossa
tiltli a esperança de paz social reside nos arranjos contratuais e na im posi-
t>i<•rígida desses contratos pelo aparato estatal.

A história das origens do capitalismo, portanto, não é a história da destrui-


1gradual das comunidades tradicionais pelo poder impessoal do mercado.
I la é, antes, a história de como uma economia de crédito foi convertida em
n onomia de interesse; da transformação gradual das redes morais pela in-
Irusào do poder impessoal - e muitas vezes vingativo - do Estado. Os aldeões
Ingleses da era elisabetana, dos Tudor, ou do período seguinte, dos Stuart,
iiilo gostavam de apelar ao sistema judiciário, mesmo quando a lei estava a
«eu favor - eles se baseavam principalmente no princípio de que os vizinhos
deviam resolver as coisas entre si, mas sobretudo porque a lei era extraordi­
nariamente dura. Sob o governo de Elizabeth, por exemplo, a punição por
vadiagem (desemprego) era, para a primeira ocorrência, ter as orelhas prega­
das em um pelourinho; para a segunda, a morte.61
O mesmo era válido para a lei da dfvlda, porque, se o credor fosse \m«1
gativo, as dívidas muitas vezes eram tratadas como crime. Em ( I ic Incii, pi»p
volta de 1660,

Margaret Sharples foi acusada de roubar tecido, “que ela transfornum i i '»H
uma anágua para uso próprio”, da loja de Richard Bennett. A defesa afit hiiilt
que ela havia negociado o tecido com um empregado, “mas como nào HhIm
dinheiro suficiente, levou-o com o intuito de pagar tão logo pudesse: dej u>U
negociou um preço com o senhor Bennett”. O lojista confirmou a ncj^«u 1«
ção. Depois de concordar em pagar 22 xelins, Margaret “entregou-lhe iiimh
cesta cheia de produtos como penhor para garantir o pagamento, e qualhl
xelins e nove pennies em dinheiro”. Mas “logo depois ele se arrependeu ■li
fazer negócios com a mulher: devolveu a cesta e os produtos”, e deu inli lo
aos procedimentos legais contra ela.62

Resultado: Margaret Sharples foi enforcada.


Obviamente, o estranho lojista é que queria ver seus clientes irritantes
acabarem na forca. Por isso as pessoas decentes tendiam a evitar os tribunais
Uma das descobertas mais interessantes da pesquisa de Craig Muldrew é que
quanto mais tempo passava, menos isso ocorria.
Mesmo na Idade Média, no caso de empréstimos muito grandes, não ei .1
incomum que os credores prestassem queixas nas cortes locais - mas esse Alt
apenas um modo de garantir a existência de um registro público (lembre 10
de que, na época, a maioria da população era analfabeta). Os devedores pare
ciam dar andamento aos processos até certo ponto porque, se houvesse 111
brança de juros e os devedores não pagassem, o credor seria tão culpado ao»
olhos da lei quanto eles. Menos de 1% desses casos foi levado a julgamento."'
A legalização dos juros começou a mudar a natureza da situação. Nos anos
1580, quando os empréstimos a juros começaram a se tornar comuns entre 0«
aldeões, os credores também começaram a insistir no uso de contratos legais
e assinados; isso levou a um aumento tão grande de apelações nas cortes que,
em muitas cidadezinhas, praticamente cada família havia se envolvido em um
ou outro processo por dívida. Pouquíssimos desses processos eram levade >s

420
ii julgamento: a conduta not tnul ainda cra confiar nu slmplcí* amraçu de |tn
ltl(,.t«i pura encorajar os devedores u liquidar a dívida fora dos trlbunulN,*4
Mi siiui assim, consequentemente, o medo que os devedores sentiam dr ser
(ilesos ou de algo p io r- passou a atormentar todo mundo, e a sociabilidade
i omeçou a ser assombrada pelo crime. Até mesmo o senhor Coward, um
Ki ntíl lojista, foi abatido. O bom crédito que ele tinha se tornou um problema,
principalmente porque ele se sentia obrigado, por uma questão de honra, a
lis.i lo para ajudar os menos afortunados:

Hle também negociava mercadorias com fornecedores de caráter duvidoso,


e começou a se preocupar com pessoas de condições decadentes, das quais
nem lucro nem crédito seria possível obter; preocupava a esposa por fre­
quentar algumas casas de reputação duvidosa. E ela era uma mulher bas­
tante insolente, pois tomava o dinheiro dele às escondidas, e sua situação se
tornou um fardo tão grande que todos os dias ele temia ser preso. Isso, junto
com a vergonha de perder sua antiga reputação, o levou ao desespero e ao
desgosto, tanto que ele se tornou recluso, evitando sair de casa, e morreu de
tristeza e vergonha.65

Talvez isso não seja uma surpresa para quem consulta fontes da época
sobre como eram essas prisões, principalmente para as pessoas que não
provinham da aristocracia. O senhor Coward certamente saberia, pois as
i ondições das prisões mais famosas, como Fleet e Marshalsea, provocavam
escândalos periódicos, quando expostas no Parlamento ou na imprensa po­
pular, enchendo os jornais com histórias de devedores algemados “cobertos
ile sujeira e de bichos, sofrendo até a morte, sem piedade, de fome e febre
tifóide”, enquanto nas mesmas cadeias os aristocratas libertinos alojados no
pavilhão dos mais abastados levavam uma vida boa, recebendo visitas de
manicures e prostitutas.66
A crim inalização da dívida, então, foi a crim inalização do próprio ali­
cerce da sociedade humana. Nunca é demais enfatizar que, em uma comu­
nidade pequena, geralmente todos eram tanto tomadores de empréstimo
como emprestadores. Só podemos imaginar as tensões e tentações que talvez

421
tenham surgido nessas comunidades c as comunidades, embora batciu
no amor, justamente p o r serem baseadas no amor sempre serão cheias dt i m|
rivalidades e paixões - quando ficou claro que com uma intriga e unta mui'
nipulação suficientemente inteligentes, e talvez uma pitada est raU*gU a tlf
suborno, era possível pôr na cadeia ou mandar para a forca as pessoa* tlf
quem não se gostasse. O que será que Richard Bennett realmente tinha i onltfl
Margaret Sharples? Jamais saberemos o contexto da história, mas i .i| ••1*14
quase ganha que haja um histórico de problemas entre os dois. Os elt 1104
da solidariedade coletiva devem ter sido devastadores. O repentino ac essti |
violência de fato ameaçava transformar o que havia sido a essência da si mu >
bilidade em uma guerra de todos contra todos.67 Não surpreende, portanto,
que no século xvn i a própria noção de crédito pessoal tenha adquirido má
fama, com emprestadores e tomadores de empréstimo considerados igtiitl
mente suspeitos.68 O uso de moedas - pelo menos entre as pessoas que II
nham acesso a elas - tornou-se algo de conteúdo moral.

Entender isso tudo nos permite ver alguns dos autores europeus considerai li •*
nos capítulos anteriores sob uma luz nova. Tomemos o elogio de Panurjjí A
dívida: no fim das contas, a verdadeira piada não é a sugestão de que a dívldit
une as comunidades (qualquer camponês inglês ou francês da época simples
mente sabia isso), ou ainda que apenas a dívida une as comunidades; é coloe .11
esse sentimento na perspectiva de um intelectual abastado que, ele sim, é «Ir
fato um criminoso inveterado - ou seja, sustentar a moral como um espellu 1
para satirizar as próprias classes superiores que diziam desaprová-la.
Ou consideremos Adam Smith: “Não é da benevolência do açougueiro,
do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas da consideração
que eles têm pelo próprio interesse. Dirigim o-nos não à sua humanidade,
mas ao seu amor-próprio, e nunca lhes falamos das nossas necessidades, mas
das vantagens de que irão desfrutar”.69
O mais curioso é que, na época em que Smith escreveu essas pala
vras, elas correspondiam à verdade.70 A maioria dos lojistas ainda realizava
grande parte de seus negócios a crédito, ou seja, os consumidores recorriam íi

422
iMMirvolfncia o tempo lodo. í difícil Imaginar que Adam Smlth nflo xoubcxxe
•li ui () que ele faz, em verdade, é traçar um quadro utópico, f ie quer 1.1 Ima
yliMi um mundo cm que todos usassem dinheiro vivo, em parte porque con
nmltiva com a opinião da classe média emergente de que o mundo seria um
liiH.il' melhor se todos se comportassem dessa maneira e evitassem confundir
i |inU'iK Íalmente corromper relações já duradouras. Devemos todos pagar
i ui dinheiro, dizer “por favor” e “obrigado”, e sair da loja. Além disso, ele
MN.i essa ideia utópica para apresentar o argumento mais amplo: mesmo que
Imlos o s negócios funcionassem como as grandes companhias comerciais,
Voltadas apenas para o interesse próprio, não importaria. Mesmo “o egoísmo
r d cobiça naturais” dos ricos, com todos os seus “desejos vãos e insaciáveis”,
rtliula levariam, pela lógica da mão invisível, ao benefício de todos.71
Em outras palavras, Adam Smith simplesmente inventou o papel do cré­
dito ao consumidor em sua época, assim como tinha a própria explicação
|nn a a origem do dinheiro.72 Isso permitiu a ele ignorar o papel da benevo­
lência e da malevolência nas questões econômicas, assim como o espírito da
ii|uda mútua que constituiu a fundação necessária de tudo que pareceria o
livre mercado (ou seja, um mercado que não é criado e mantido pelo Estado)
)■tiimbém a violência e o mero espírito vingativo que de fato criaram mercados
i ompetitivos e voltados para o interesse próprio que ele usava como modelo.
Nietzsche, por sua vez, tomou as premissas de Smith, de que a vida é
l roca, mas expôs tudo aquilo (tortura, assassinato, mutilação) que Smith pre-
leria não comentar. Agora que analisamos pelo menos um pouco do con­
texto social, é difícil interpretaras descrições confusas de Nietzsche sobre os
eaçadores e pastores antigos, que mantinham registros de suas dívidas e exi­
biam os dedos e os olhos dos outros, sem nos lembrarmos imediatamente do
executor a serviço do príncipe Casimiro, que de fato entregou ao seu senhor
uma conta cobrando olhos e dedos arrancados. O que ele de fato descreve é
o que foi preciso para produzir um mundo em que o filho de um próspero
reverendo de classe média, como o próprio Nietzsche, poderia simplesmente
supor que toda vida humana era baseada na troca deliberada e movida para
o interesse próprio.

423
P A R T E II I: D I N H E I R O D E ( H í I>I I O IMI ’ E S S O A I

Um dos motivos que fizeram com que os historiadores levassem tanto Ii<iii|im
para perceber os elaborados sistemas de crédito da Inglaterra nas eras ludui
e Stuart é o fato de os intelectuais da época falarem apenas de maneira imillti
abstrata sobre dinheiro; eles raramente o mencionavam. Para as i lasse* |||M
truídas, “dinheiro” logo passou a significar ouro e prata. A maioria cst n vl*
como se o ouro e a prata sempre tivessem sido usados como dinheiro m»
todas as nações da história e como se isso fosse ocorrer para sempre.
Mas isso não é apenas uma afronta a Aristóteles; é uma contl .idlt,ÂH
direta em relação às descobertas dos exploradores europeus da époi .< <|it»
encontravam dinheiro de conchas, dinheiro de contas, dinheiro de p n im
dinheiro de sal e outras variedades infinitas de outras moedas correntes | mu
onde passavam.73 Contudo, tudo isso só fez com que os economistas ii Am
abandonassem o argumento. Alguns apelaram à alquimia para argumentai
que o status monetário do ouro e da prata tinha base natural; o ouro (qiit*
fazia parte do sol) e a prata (que fazia parte da lua) eram as formas etern.n i
perfeitas de metal para as quais todos os metais comuns tendiam a evoluli '
A maioria, no entanto, não sentia que essa explicação fosse necessária: o v««
lor intrínseco dos metais preciosos era evidente. Como resultado, quandt >111
conselheiros reais ou os polemistas de Londres discutiam problemas n n
nômicos, as questões debatidas eram sempre as mesmas: como impediitmi
que os lingotes saiam do país? Como resolvemos a escassez paralisante das
moedas? Para a maioria, questões do tipo “como mantemos a confiança n<'i
sistemas de crédito locais?” simplesmente não existiam.
Essa situação era ainda mais extrema na Grã-Bretanha do que no contl
nente, onde “apreciar” ou “depreciar” a moeda corrente era uma opção que st
mantinha. Na Grã-Bretanha, depois de uma desastrosa tentativa de desvatori
zação no período Tudor, esses recursos foram abandonados. Daí em diante,
o enfraquecimento da liga metálica se tornou uma questão moral. Para o go
verno, misturar metal comum na substância pura e eterna de uma moeda cru
claramente um erro. Desse modo, o desbaste das moedas - ou coin-clippiny ,
prática quase universal na Inglaterra - era uma versão popular de desvalori

424
íiH .in cia moeda, embora cm menor grau, pois consistiu cm, set rctamcnli■,
I>•s|>.ti a borda das moedas e depois pressioná-las para que continuassem
lendt >a aparência do tamanho original.
Além disso, essas novas formas de dinheiro virtual que começaram u
»ui^ir estavam fortemente arraigadas nessas mesmas suposições. Isso é im-
|hii tante porque ajuda a explicar o que, em outros contextos, pareceria uma
i »1ranha contradição: como esse período de um materialismo implacável, em
ijiie a noção de dinheiro como convenção social era definitivamente rejeitada,
i.imhém presenciou o advento do papel-moeda, junto com toda uma série
•Ir novos instrumentos de crédito e formas de abstração financeira que se
Inmaram tão típicos do capitalismo moderno? E verdade que a maior parte
ilessas formas - cheques, títulos, ações, anuidades - originou-se no ambiente
metafísico da Idade Média. Contudo, nessa nova era, elas passaram por um
llorescimento de grandes proporções.
Se analisarmos a história real, no entanto, logo perceberemos que todas
essas novas formas de moeda não destruíram de modo nenhum a suposi-
(,Jo de que o dinheiro fosse fundamentado no valor “intrínseco” do ouro e
«la prata: na verdade, elas a reforçaram. O que parece ter acontecido é que,
i|uando o crédito foi desatrelado das verdadeiras relações de confiança entre
os indivíduos (fossem eles mercadores ou aldeões), ficou claro que o dinheiro
poderia, de fato, ser produzido simplesmente dizendo que ele existia; mas
quando isso é feito no mundo amoral de um mercado competitivo, a tendên­
cia é levar quase inevitavelmente a fraudes e disputas de credibilidade de todo
I ipo - fazendo com que os guardiães do sistema entrem em pânico de quando
cm quando e busquem novas maneiras de atrelar de volta o valor das várias
lormas de papel ao ouro e à prata.
Essa é a história em geral contada como “a origem do sistema bancário
moderno”. Da nossa perspectiva, no entanto, ela revela apenas como a guerra,
os lingotes e esses novos instrumentos de crédito estavam todos intimamente
conectados. Basta considerar os caminhos não percorridos. Por exemplo, não
havia razão intrínseca para que, em um acordo financeiro, uma letra de câmbio
não pudesse ser endossada para um terceiro, tornando-se assim geralmente
transferível - transformando-se, com efeito, em uma forma de papel-moeda.

425
Foi assim que o papel-mooda surgiu pela pritucita ve/. na ( 'liina, poi cuiiU
Na Europa medieval, houve movimentos periódicos nessa direçAo, ma |
uma variedade de motivos, eles não foram muito longe.75 Por outro la«Im
banqueiros podem gerar dinheiro emitindo créditos para uma quantia miilHÉ
do que eles têm em reserva monetária. Essa é considerada a verdadeira
cia dos bancos modernos e pode levar à circulação de cédulas bancai lai |if|
vadas.76 Alguns passos também foram dados nesse sentido, principalhii nlf
na Itália, mas era uma proposição arriscada, pois havia sempre o pci l»;*•d#
os depositantes entrarem em pânico e debandarem, e a maioria dos g( >vei itti|
medievais ameaçava aplicar penas extremamente duras a banqueiros im « H
zes de fazer restituições nesses casos: como atesta o exemplo de Fran» •mll
Castello, decapitado na porta do próprio banco em Barcelona, em Mfto,"
Nos locais onde os banqueiros controlavam os governos medievais pio
vou-se ser mais seguro e lucrativo manipular as finanças do próprio g<>vei tiit,
A história dos instrumentos financeiros modernos - e a origem defínitIvM
do papel-moeda - começa de fato com a emissão de títulos municipais I
prática foi iniciada pelo governo veneziano no século xn, no momento riu
que precisou de uma rápida injeção de renda para fins militares: foi rcqulil
tado um empréstimo compulsório dos cidadãos contribuintes, prometendit
a cada pessoa 5% de juros anuais, e se permitiu que os “títulos” ou contnili",
se tornassem negociáveis, criando assim um mercado para a dívida púMlt a
Os venezianos tendiam a ser bem meticulosos em relação ao pagamento do
juros, mas, como os títulos não tinham data específica de vencimento, seu*
preços de mercado muitas vezes flutuavam de maneira desenfreada com o*
ventos políticos e militares, bem como com as oscilações resultantes das prt 1
messas de serem quitados algum dia. Práticas semelhantes rapidamente no
espalharam por outras cidades italianas, chegando aos enclaves mercam r.
no norte da Europa: as Províncias Unidas dos Países Baixos financiaram sua
longa guerra de independência contra os Habsburgo (1568-1648) basicamcnie
com uma série de empréstimos compulsórios, embora também tenham feito
diversas emissões de títulos voluntários, lançados no mercado.78
Forçar os ccfntribuintes a fazer empréstimos é, em certo sentido, o
mesmo que exigir que paguem impostos antecipados; mas quando a cidade

426
W nc/a concordou pela primeira vez em pagar juros e, em ler mos IrgulN,
Mirtvii se mais uma vez de Intere.vse, isto é, uma penalidade por pagamento
tiitrfdo ela estava, em princípio, penalizando a si própria por não devolver
|flti<dlatamente o dinheiro que tomara emprestado. É fácil perceber como isso
tthi liaria toda sorte de questões sobre as relações legais e morais entre as
|n v.< ms e o governo. Em última instância, as classes comerciais dessas repú-
lilli iis mercantis, pioneiras nessas novas formas de financiamento, se viram
i i m Is como controladoras do governo do que devedoras dele. Não ocorria só
n mi as classes comerciais: em 1650, a maioria das famílias holandesas deti-
lili.i, pelo menos, uma pequena parcela da dívida do governo.79No entanto,
11 verdadeiro paradoxo só aparece quando começamos a “monetizar” essa
iltvlda - ou seja, aceitar a promessa de que o governo as pagará e permitir que
ti governo as faça circular como moeda corrente.
Embora já no século x v i os mercadores usassem letras de câmbio para
•..mar dívidas, os títulos de dívida pública - rentes, juros, anuidades - eram o
verdadeiro dinheiro de crédito dos novos tempos. É aqui que devemos procu-
1.11 as verdadeiras origens da “revolução de preços” que arruinou os morado-
1i s das cidades e dos vilarejos, antes independentes, e fez com que a maioria
deles fosse reduzida a operários assalariados, trabalhando para quem tinha
ncesso a essas formas mais elevadas de crédito. Mesmo em Sevilha, onde as
I rotas cheias de tesouros do Novo Mundo aportavam primeiro, os lingotes
de ouro ou o de prata não eram muito usados nas transações diárias. A maior
parte do tesouro era levada diretamente para os cofres dos bancos genoveses,
i|ue começavam a operar desde o porto da cidade, e guardada para ser despa-
( liada para o Oriente. Mas, nesse processo, o lingote tornou-se a base de com­
plexos esquemas de crédito, em que seu valor era emprestado ao imperador
para bancar operações militares em troca de papéis que dessem ao portador
o direito a anuidades a juros do governo - papéis que, por sua vez, podiam
ser usados como dinheiro. Dessa maneira, os banqueiros conseguiam m ulti­
plicar quase infinitamente o valor real do ouro e da prata que possuíam, já na
década de 1570 as feiras de lugares como Medina dei Campo, não muito longe
de Sevilha, haviam se transformado em “verdadeiras fábricas de certificados”,
com as transações realizadas exclusivamente em papel.80 Como era sempre

427
incerto se o governo espanhol realmente pagaria suas dívidas, ou t om <|(i#
regularidade as pagaria, os títulos passaram a circular com desconto
cipalmente quando os juros também começaram a ser aceitos no restant# •!«*
Europa gerando uma inflação contínua.81
É apenas com a criação do Banco da Inglaterra, em 1694, que se |»>iU*
começar a falar de fato em papel-moeda, posto que suas cédulas baiu ai Ml
não eram títulos. Elas têm sua origem, como todas as outras, nas dívida* ilf
guerra do rei. Nunca é demais enfatizar isso. O fato de o dinheiro não sei mult
uma dívida devida ao rei, mas uma dívida devida pelo rei, tornou-o difcrriltt
de tudo o que ele já havia sido. Em muitos aspectos, ele agora se tornai .1 u iill
imagem especular das antigas formas de dinheiro.
E interessante lembrar que o Banco da Inglaterra foi criado quanilo uiim
associação de quarenta mercadores de Londres e Edimburgo - quase t<uliil
credores da Coroa - ofereceram ao rei Guilherme ui um empréstimo «!•
1,2 milhão de libras para ajudar a financiar a guerra contra a França. Ao la/f
rem isso, eles também o convenceram, como contrapartida, a deixá-los foriiuti
uma corporação que monopolizasse a emissão de cédulas - que seriam, iiii
verdade, notas promissórias para o dinheiro que o rei agora lhes devia. I sm
foi o primeiro banco central nacional independente, e se tornou a primrlm
câmara de compensação de dívidas entre bancos menores; as notas logi 111
transformaram no prim eiro exemplar de papel-moeda nacional europeu
Contudo, o grande debate público da época sobre a natureza do dinheiro tüo
era sobre o papel-moeda, mas sobre o dinheiro de metal. A década de 1601»
foi um momento de crise para a cunhagem britânica. O valor da prata subir*
tanto que na verdade as novas moedas britânicas (a Casa da Moeda tinha ile
senvolvido a cunhagem com borda serrilhada, usada até hoje, tornando a»
moedas à prova de desbaste) valiam menos que seu conteúdo em prata, com
resultados previsíveis. As moedas de prata pura desapareceram. Aquelas que
continuaram em circulação eram velhas moedas desbastadas, que aos poti
cos se tornaram cada vez mais raras. Algo tinha de ser feito. Seguiu-se uma
polêmica disputa que atingiu seu ponto crítico em 1695, um ano depois da
fundação do banco. O ensaio de Charles Davenant sobre o crédito, já citado
anteriormente, na verdade fazia parte dessa batalha: ele propôs que o Banco (la

428
Inylnlerrra passasse a adotar uma fornia única de dinheiro de crídllo base tido
mm t onfiança pública e sua posição foi ignorada. O Tesouro propôs a reli
iinlii das moedas de circulação para reemiti-las a um peso de 20% a 2s% mais
ImIx» 1, para trazê-las de volta abaixo do preço de mercado da prata. Muitos que
,i|u liaram essa ideia assumiram posições explicitamente cartalistas, insistindo
i|iic .1 prata não tinha valor intrínseco e que o dinheiro não passava de uma
unidade de medida estabelecida pelo Estado.82Quem ganhou a discussão, no
1 nianto, foi John Locke, o filósofo liberal, que atuava como conselheiro de sir
Is.i .ic Newton, na época nomeado diretor da Casa da Moeda. Locke insistia
i|iK‘ era impossível fazer um pedacinho de prata valer mais chamando-o de
"xelim”, assim como era impossível transformar um homem baixo em alto
dei larando que agora um pé equivalia a quinze polegadas em vez de doze.
I ( ouro e a prata tinham um valor reconhecido por todos; o selo do governo
\implesmente atestava o peso e a pureza da moeda, e - como acrescentou
I I k ke em palavras que deixam transparecer sua verdadeira indignação - o fato
de os governos adulterarem as coisas dessa maneira para ter vantagem era um
»no tão criminoso quanto o próprio desbaste das moedas: “A razão de ser e
0 objetivo do selo público são apenas ser garantia e atestado da qualidade da
prata adquirida pelos homens; e o dano causado k fé pública, neste ponto, é o
desbaste e a falsa cunhagem transformarem roubo em traição ”:83
Assim, argumentou ele, o melhor a fazer era recolher a moeda e reemiti-
la exatamente com o mesmo valor que tinha antes.
Isso foi feito, e os resultados foram desastrosos. Nos anos que se segui­
ram, quase não houve moedas em circulação; os preços e os salários caíram;
houve fome e agitações. Apenas os ricos foram poupados, pois conseguiam
1irar vantagem do novo dinheiro de crédito, negociando porções da dívida
do rei na forma de cédulas bancárias. O valor dessas cédulas também flutuou
um pouco no início, mas se estabilizou quando passaram a ser resgatáveis
em metais preciosos. Quanto ao restante, a situação somente melhorou de
lato quando o papel-moeda e, por fim, moedas de baixa denominação tor-
naram-se em geral aceitos. As reformas aconteceram de maneira vertical,
e muito lentamente, mas foram pouco a pouco criando um ambiente em
que as transações comuns e cotidianas, como aquelas feitas com açougueiros

429
e padeiros, eram realizadas cm termo» polidos e Impes.soo In, i mu t
miúdo. Assim, tornou-se possível imaginara vida cotidiana tomo iin iiii
tão de cálculo movido pelo interesse próprio.
E fácil entender por que Locke adotou tal posição. Ele era um tiirt
lista científico. Para ele, a “fé” no governo - como mostra a citaç.lo dii |
anterior - não era a crença dos cidadãos de que o governo cumpt li 14
promessas, mas sim de que o governo não mentiria para eles; era .1 lé d*
o governo, como bom “cientista”, daria informações precisas. Pai .1 11«
comportamento humano era fundamentado nas leis naturais que toiltU
leis da física descritas por Newton pouco tempo antes - eram supri luf
às leis do simples governo. A verdadeira questão é por que o govern»»lt||
nico concordou com ele e resolutamente agarrou-se a essa posição (ipcoilf
todos os desastres anunciados. Pouco tempo depois, em 1717, a Grà-Hi ri .tul
adotou o padrão-ouro e o Império Britânico o manteve até seus últim< >s dl4||
e, junto com ele, a noção de que ouro e prata eram dinheiro.
É verdade que o materialismo de Locke também passou a ser ainplit
mente aceito - a ponto de se tornar o lema de uma era.84 O principal, 1111
entanto, é que a confiança no ouro e na prata parecia fornecer o único uh itlil
de lim itar os perigos envolvidos nas novas formas de dinheiro de credito
que se multiplicaram muito rapidamente - em especial porque os biint
comuns também podiam criar dinheiro. Logo ficou claro que a espet tlU
ção financeira, livre de quaisquer restrições legais ou coletivas, era t apit*
de produzir resultados quase insanos. A República Holandesa, pioneira 110
desenvolvimento dos mercados de ações, já havia passado por isso com it
“tulipomania” de 1637 - a primeira de uma série de “bolhas” especulativa«,
como ficaram conhecidas, em que o preço futuro dos ativos foi supervalot l
zado pelos investidores e depois caiu de repente. Uma série de bolhas desse
tipo atingiu os mercados londrinos na década de 1690, e quase todas surgi
ram em torno de uma nova sociedade anônima - que imitava a Companhia
Britânica das índias Orientais - para investimentos em projetos coloniais.
A famosa “bolha dos Mares do Sul” em 1720 - em que uma empresa comei
ciai recém-formada, com monopólio garantido de comércio com as colônias
espanholas, comprou uma porção considerável da dívida nacional britânica

430
u mias ações dispararem rapidamente antes de despeiu urrm de li u ma
tillhuntc - foi apenas o auge. Seu colapso foi seguido no ano seguinte
11i|iiebra do famoso Banque Royale, de John Law, na ( rança, outro en
• de criação de um banco central-semelhante ao Banco da Inglaterra, file
meu tão rapidamente que, em poucos anos, já tinha absorvido todas as
l|*irsus comerciais coloniais francesas, além de grande parte da dívida da
ii i ui I rancesa, emitindo o próprio papel-moeda, antes de, por fim, quebrar
H11»mpleto, obrigando o presidente a fugir para não ser morto. Em ambos
i asos, a legislação veio depois: na Grã-Bretanha para proibir a criação de
uvas sociedades anônimas (exceto para a construção de rodovias e canais) e
mi I rança para eliminar o papel-moeda baseado totalmente na dívida pública.
Não surpreende, portanto, que a economia newtoniana (se é que pode-
(Hiis chamá-la assim) - a suposição de que não se pode simplesmente criar
illnheiro, tampouco manipulá-lo - passara a ser aceita por quase todo o
inundo. Tinha de haver uma fundação material e sólida para tudo isso - do
11ii it rário, todo o sistema entraria em colapso. A verdade é que os economis-
liis passariam séculos se perguntando sobre qual seria essa fundação (o ouro,
a terra, o trabalho humano, a utilidade ou a durabilidade das mercadorias
i ui geral?), mas ninguém retornou a algo parecido com a visão aristotélica.

<>utra maneira de encarar a questão seria dizer que o espírito da nova época
i ra cada vez mais de incômodo com a natureza política do dinheiro. A polí­
tica, afinal de contas, é a arte da persuasão, é a dimensão da vida social em que
.is coisas realmente se tornam verdadeiras quando uma quantidade suficiente
de pessoas acredita nelas. O problema é que, para entrar efetivamente no
jogo, jamais se pode reconhecer isso abertamente: talvez seja verdade que, se
i'U conseguisse convencer o mundo inteiro de que sou o rei da França, eu de
lato me tornaria o rei da França; mas isso jamais funcionaria se eu admitisse
i|ue essa é a única base da minha afirmação. Nesse sentido, a política se parece
bastante com a mágica - por essa razão, entre outras, tanto a política como
a mágica tendem a ser cercadas, praticamente em todos os lugares, por uma
aura de fraude. Essas desconfianças eram muito alardeadas na época. Em 1711,

431
o satirista Joseph Addison esi rcvou uniu i urta fantasia sobre a drprtitl
do Banco da Inglaterra - e, consequentemente, do sistema monchU |m I
nico-em relação à fé pública na estabilidade política do trono. (( >I •««*lot
Estabelecimento de 1701 foi o projeto que garantiu a sucessão tetil, < umá
ponjase tornou símbolo popular de inadimplência.) Eni um sonho, J11

Avistei a Fé Pública, junto de seu trono no Grocer’s Hall, com a M.U'im t


sobre a cabeça e o Decreto de Estabelecimento bem à sua frente Hmt
que transformava tudo em ouro. Por trás do trono, sacos cheios ilc mi
se amontoavam até o teto. A sua direita, uma porta abriu-se dt m | m1
O Pretendente entra pela porta com uma esponja em uma mão, unm *i|
na outra, com a qual ele lança um golpe sobre o Decreto de Estabelodmrii
O belo Decreto desmaia indo ao chão. O feitiço pelo qual ele transie 11m.t
em ouro tudo ao seu redor é desfeito. Os sacos de dinheiro murcham 1ui|
bexigas soltando o ar. As pilhas de peças de ouro são transformai In» >tu
trouxas de farrapos e montes de talhas de madeira.85

Quando não se acredita no rei, o dinheiro desaparece com ele.


Desse modo, reis, mágicos, mercados e alquimistas estavam todos Iuh
didos no imaginário popular durante essa época, e nós continuamos faluiultl
na “alquimia” do mercado, ou em “mágica financeira”. Em Fausto, Goethe
com que seu herói - na sua capacidade enquanto mágico-alquimista visit»»
o Imperador Romano. O soberano está afundado sob o peso de dívidas In
findáveis que ele acumulou bancando as extravagâncias da corte. Fausto r
seu assistente, Mefistófeles, convencem-no a pagar a seus credores criamlt >11
papel-moeda, o que é representado como um ato de pura prestidigitação. "I I,«
abundância de ouro em algum lugar sob suas terras”, diz Fausto. “Emita not (ti
prometendo dar esse ouro aos seus credores. Como ninguém sabe quanto
ouro há, sua promessa não precisa ter limites.”86
Esse tipo de linguagem mágica quase nunca aparece na Idade Média."'
Talvez somente em uma era decididamente materialista essa capacidade de
produzir as coisas Simplesmente dizendo que elas existem passe a ser vist .1
como escandalosa, talvez até diabólica. E o sinal mais claro de que se está em

432
tu i'i.i materialista ó justamente o lato de ser vista dessa lo i mm Já vimos
iiiHi Kabelals, bem no início dessa época, recorreu a uma linguagem quase
lll U.1 à usada por Plutarco quando criticou os agiotas em tempos roma
l» "riem dos filósofos naturais que sustentam que não c possível produzir
•Uns a partir do nada”, enquanto manipulam seus livros e registros conta­
is exigindo receber um dinheiro que na verdade nunca tiveram. Panurge
Ifivi i leu a fórmula: ao tomar um empréstimo eu crio algo a partir do nada e
mu 11tinsformo em uma espécie de deus.
( onsideremos o trecho a seguir, geralmente atribuído a lorde Josiah
l liiii les Stamp, diretor do Banco da Inglaterra:

() sistema bancário moderno fabrica o dinheiro a partir do nada. O processo


talvez seja o passe de mágica mais espantoso já inventado. A atividade ban­
cária foi concebida na iniquidade, nascida no pecado. Os banqueiros são os
donos da terra; tire deles a terra e deixe-os sem nenhum poder para criar
o crédito, e com um rabisco de caneta eles criarão dinheiro suficiente para
comprá-la de novo. [...] Se quiserem continuar na condição de escravos dos
banqueiros e arcar com os custos da própria escravidão, basta deixar que
continuem criando depósitos.88

Parece extremamente improvável que lorde Stamp tenha dito isso algum
dia, mas a passagem tem sido citada infinitas vezes - na verdade, talvez ela seja
.i passagem mais citada pelos críticos do sistema bancário moderno. Ainda que
|H>ssa ser apócrifa, ela por certo toca em um ponto sensível da questão e apa­
rentemente pela mesma razão: os banqueiros criam algo a partir do nada. Eles
nào são apenas fraudadores e mágicos: são maus, porque brincam de ser Deus.
Mas há um escândalo mais profundo que a mera prestidigitação. Não é
t|ue os moralistas medievais não tenham feito essas objeções por estar confor­
táveis com as entidades metafísicas. Eles tinham um problema muito mais fun­
damental com o mercado: a ganância. A força motriz dos mercados era tida
como inerentemente corrupta. No momento em que a ganância foi legitimada
e o lucro incessante foi considerado viável e um fim em si mesmo, esse ele­
mento mágico e político se tornou um verdadeiro problema, pois queria dizer

433
que aqueles atores corretores, operadores, negociantes quede lato
o sistema funcionar não eram leais a nada, nem mesmo ao propt lo *IM
Hobbes.que descreveu pela primeira vez essa visão da nuturr/i Im
em uma teoria explícita da sociedade, tinha plena consciência desn< dl
representado pela ganância, pois ele é a base de sua filosofia po lílli .1 M
que sejamos racionais o suficiente para entender que viver cm pu/ e
rança é algo intrínseco ao nosso interesse de longo prazo, di/.ia «1« n
interesses de curto prazo muitas vezes são tão urgentes que matai r ..ii|i
são os caminhos obviamente mais lucrativos a tomar, e para tanto st ><
ciso algumas pessoas dispostas a abandonar seus escrúpulos para criai t•.
e a insegurança. Por essa razão ele acreditava que os mercados só pn.ll
existir sob a égide de um Estado absoluto, que nos forçaria a cumpi ii mm
promessas e respeitar a propriedade do outro. Mas o que acontece qiitin
falamos de um mercado em que as dívidas estatais e as obrigações est.iiiil*
que são comercializadas? O que acontece quando não se pode realmente t.iMl
de um monopólio estatal baseado na força porque se opera em um meu iiilii
internacional em que a principal moeda corrente são títulos dos quais o l!<
tado depende para sua capacidade de m obilizar a força militar?
Depois de uma guerra incessante contra todas as formas restantes de
comunismo dos pobres, chegando ao ponto de crim inalizarem o credito,
os mestres do novo sistema mercantil descobriram que não há mais jusl ili
cativas óbvias sequer para manter o comunismo dos ricos - aquele nível «l<
cooperação e solidariedade necessário para manter o sistema econômico em
funcionamento. E verdade que, apesar de suas infinitas tensões e periódic<is
colapsos, o sistema durou até aqui. Mas, como atestou de maneira catastró
fica a crise econômica mundial iniciada em 2008, ele nunca foi resolvido.

P A R T E IV : E N T Ã O O Q U E É O C A P IT A L IS M O ?

Estamos acostumados a ver o capitalismo moderno (junto com as tradições


modernas de governo democrático) como se tivesse surgido em um momento
posterior: com a Idade das Revoluções - a Revolução Industrial, a Revolução

434
h tu una e a Revolução Francesa , com uma sério de rupturas profundas
ui ui,is no final do século xviu que só se tornaram plenamente Institue io
llfiul.is depois do final das Guerras Napoleônicas. Aqui nos vemos diante
um paradoxo específico. É como se todos os elementos do aparato finan-
i n que passamos a associar com o capitalismo - bancos centrais, mercados
lllulos, venda a descoberto, corretoras, bolhas especulativas, securitiza-
ii, .utilidades - já existissem não só antes da ciência da economia (o que
Ivr/ não seja surpreendente), mas também antes do advento das fábricas e
ili, próprio trabalho assalariado.89Trata-se de um genuíno desafio às formas
Hffldk ionais de pensar. Gostamos de imaginar as fábricas e oficinas como a
"tu i inomia real”, e o resto como superestrutura construída acima dela. Mas se
fime realmente assim, então como a superestrutura poderia vir primeiro? As
11lnções imaginárias do sistema poderiam ter criado sua estrutura material?
1’ara começar, tudo isso suscita a questão de o que é o “capitalismo”, uma
i(iii-stão sobre a qual não existe nenhum consenso. A palavra foi inventada
ui finalmente pelos seus oponentes, os socialistas, que viam o capitalismo
11uno um sistema em que os donos do capital comandam o trabalho de quem
não tem capital. Os defensores, em contrapartida, tendem a ver o capitalismo
i omo a liberdade do mercado, que permite àqueles com visão potencialmente
mercadológica juntar recursos para dar existência concreta a seus projetos.
Praticamente todos concordam, no entanto, que o capitalismo é um sis­
tema que exige o crescimento constante e infinito. As empresas precisam
crescer sempre para permanecerem viáveis. O mesmo vale para os países.
A taxa comercial legítima de juros em geral aceita, no início do capitalismo,
era de 5% - ou seja, a taxa de crescimento que qualquer investidor espera
1er, de acordo com o princípio do interesse - , portanto essa é a taxa anual de
crescimento que o p ib de qualquer país deveria ter. O que antes era um meca­
nismo impessoal que obrigava as pessoas a ver tudo ao seu redor como fonte
potencial de lucro passou a ser considerado a única medida objetiva da saúde
da própria comunidade humana.
Começando em 1700, nosso marco inicial, o que vemos na aurora do
capitalismo moderno é um aparelho financeiro gigantesco de crédito e dí­
vida, que funciona - em efeito prático - para extrair cada vez mais trabalho

435
de todas as pessoas que ele abarca, e o resultado é a produção de um voly
infinito de bens materiais. Essa produção nâo se dá apenas pela compul
moral, mas sobretudo pelo uso da compulsão moral para mobill'/.tn i li
física. A todo momento, ressurge o entrelaçamento familiar, partli iil.mu;
europeu, de guerra e comércio - e muitas vezes em novas e surpreemli iti**#
formas. As primeiras bolsas de valores na Holanda e na Grã-Bretanlm i ittH
baseadas principalmente no comércio de ações das Companhias das ludhlf
Orientais e Ocidentais, que eram empreendimentos tanto militares
comerciais. Durante um século, uma dessas corporações privadas, voli nl.t*
para o lucro, governou a índia. As dívidas nacionais da Inglaterra, da 11 iit\4
e dos outros países eram baseadas no dinheiro emprestado não pai a alii tl
canais e erguer pontes, mas para adquirir a pólvora necessária para bomlMpi
dear as cidades e construir os campos necessários para isolar os prisioin liit*
e treinar recrutas. Quase todas as bolhas do século xvin envolveram .d^till)
esquema fantástico para usar a receita dos empreendimentos coloniaisim il
a finalidade de custear as guerras europeias. O papel-moeda era dinheiro d*
dívida, e o dinheiro de dívida era dinheiro de guerra; essa relação se maiiti vi<
Quem financiava os infindáveis conflitos militares da Europa também »'tu
pregava a polícia e as prisões para extrair da população uma produtividade
sempre crescente.
Como todos sabem, o sistema de mercado mundial iniciado pelos lm
périos espanhol e português surgiu por causa da busca de especiarias. Lo^o
ele se estabeleceu em três ramos mais amplos, que podem ser classificai l>m
como o comércio de armas, o comércio de escravos e o comércio de drogas
Este último se refere principalmente a drogas leves, é claro, como café, chá <
açúcar para adoçar essas bebidas, além do tabaco, mas os destilados também
surgiram nesse estágio da história humana, e, como sabemos, os europeus
não tiveram escrúpulo nenhum em relação ao agressivo comércio de ópi< >
na China como forma de finalmente eliminar a necessidade de exportar lin
gotes. O comércio de tecidos veio só mais tarde, depois que a Companhia
Britânica das índias Orientais usou a força m ilitar para bloquear o (mais efi
ciente) mercado dê exportação de algodão indiano. Basta dar uma olhada no
livro que preserva o ensaio de Charles Davenant, de 1696, sobre o crédito e a

436
Iiiliil.irlcdade humana: The 1’oHtlcal and ( ommcrcial Works qfthat ( rlebtuted Wrlier
,nIcs IVAvenant: Relating to the Trade atui RevenucafEngland, the 1’lantatUm IhiJc,
I .ui India Trade and A frican Trade. “Obediência, amor c amizade" deveriam
i suficientes para governar as relações entre os ingleses, mas, nas colônias,
t principal era a obediência.
('(>mo já observamos, o comércio de escravos do Atlântico pode ser visto
mi io uma cadeia gigante de obrigações de dívida, que vai de Bristol a Calabar
I ui uhcceira do rio Cross, onde os negociantes de Aro bancavam suas socieda-
ilrH secretas; assim como no comércio do oceano Indico, cadeias semelhantes
i nnectavam Utrecht ao reino de Gelgel, passando pela Cidade do Cabo e Ja-
i .ii tu, onde os reis balineses promoviam brigas de galo para convencer os súdi­
to* a apostar a própria liberdade. Em cada caso, o produto final era o mesmo:
u i cs humanos arrancados de seus contextos originais, portanto totalmente
ilrsumanizados, colocados fora do campo de alcance da dívida.
Os intermediários nessas cadeias - as várias ligações comerciais da cadeia
ile dívida que conectava os operadores financeiros em Londres aos sacerdotes de
Aro, na Nigéria, aos pescadores de pérolas nas ilhas Aru na Indonésia oriental,
Ui plantações de chá bengali, aos seringueiros da Amazônia - dão a impressão
ile terem sido homens frios, calculistas e sem imaginação. Em cada extremo da
( adeia de dívida, todo o empreendimento parecia depender da capacidade de
manipular fantasias e de incitar o perigo constante de incorrer no que até os
observadores da época consideravam variedades de loucura fantasmagórica.
I )e um lado havia as bolhas periódicas, provocadas em parte pelo boato e pela
fantasia, em parte pela razão de que os cidadãos de lugares como Paris e Lon­
dres com dinheiro disponível de repente descobriram que era possível lucrar
com a especulação, com o fato de que todos sucumbiam ao boato e à fantasia.
:s Mackay nos deixou algumas descrições que permanecem atuais
da primeira dessas bolhas, a famosa “bolha dos Mares do Sul”, de 1710. Na
verdade, a Companhia dos Mares do Sul (que cresceu tanto que chegou a com­
prar grande parte da dívida nacional) foi somente a âncora do que aconteceu.
Era uma corporação gigantesca, e o valor de suas ações subia o tempo todo,
a ponto de parecer que ela era “grande demais para quebrar”, como se diria
hoje. Ela logo se tornou o modelo de centenas de empresas embrionárias:

437
Inúmeras sociedades anônimas surgiram cm todos os lugares. Ida« l<
beram o nome de “bolhas”, palavra mais apropriada que a lmuglnuçAo | m•
conceber. [...] Algumas delas duraram uma semana ou uma quln/eim • d i
sumiram do mapa, enquanto outras nem sequer chegaram a tanto \
noite surgiam novos esquemas e, a cada manhã, novos projetos. ( )s mnit
ilustres da aristocracia estavam tão gananciosos nessa busca implm >\
lucro quanto o mais tenaz dos operadores financeiros em Cornhíll,""

O autor lista, como exemplos arbitrários, 86 esquemas que variam de


a manufatura de sabão ou lona, provisão de seguros para cavalos, ao uh ti
de “fazer painéis com serragem”. Todos emitiam ações; elas eram lançadas t>
tão subiam de preço e depois eram negociadas em tabernas, cafeterias, lu<t
e mercearias de toda a cidade. Em cada caso, o preço dessas ações disp.u .iva
rapidamente - e cada novo comprador acreditava, de fato, que conseguii Id
passá-las para outro tolo mais crédulo antes do inevitável colapso. As pesw
adquiriam cartões ou cupons que lhes dariam o direito de, mais tarde, invrilll
em outras ações. Milhares enriqueceram. Milhares se arruinaram.

O mais absurdo e descabido de todos os esquemas, e que evidenciou, multo


mais do que os outros, a loucura completa das pessoas, foi iniciativa dc um
aventureiro desconhecido, a “Empresa para realização de um empreendimento miillit
vantajoso, mas que ninguém sabe o que é”.
O gênio que se arriscou nesse vitorioso e ousado ataque à credulid.idi
pública simplesmente declarava em seu prospecto que o capital necess.u li i
era de meio milhão, dividido em 5 mil cotas de cem libras, com um deposit« •
de duas libras por ação. Cada investidor, ao fazer seu depósito, teria o direllt 1
a cem libras anuais por participação. Como esse lucro imenso seria obtidii
era algo que ele não se dignaria a informar naquele momento, mas prometeu
que, dentro de um mês, revelaria todos os pormenores do caso e pediria as
98 libras restantes. Na manhã seguinte, às nove horas, o sujeito abriu um
escritório em Cornhill. Uma multidão se juntou à sua porta e, quando ele
fechou o escritório às três da tarde, percebeu que havia vendido nada menos
que 1 milhão de cotas, com depósitos já feitos.

438
l oi sábio o suficiente para se contentar com a aventura e naquela me«tua
tarde partiu para o continente. Nunca mais se teve notíc ia dele.“1

Sc Mackay estiver correto, toda a população de Londres entendeu essa


llii'h>a<>simultânea, não de que o dinheiro podia ser feito a partir do nada, mas
Ijiit i uit ras pessoas eram tolas o bastante para acreditar que poderia ser feito -
t i|uc\ justamente por isso, elas podiam, sim, fazer dinheiro a partir do nada.
Passando para o outro lado da cadeia de dívida, encontramos fanta-
tlus que variam do encantador ao apocalíptico. Há de tudo na literatura
(tntropológica: belas “esposas do mar” dos pescadores de pérolas das ilhas
Ai u, que só revelam os tesouros do oceano se cortejadas com presentes
i um prados a crédito nas lojas chinesas locais;92 mercados secretos em que
proprietários de terras bengalis contratam fantasmas para aterrorizar peões
|n ii dívida insubordinados; dívidas de carne entre os tivs, ou seja, a fantasia
«Ir uma sociedade humana canibalizando a si mesma; e, por fim, ocasiões
nu que o pesadelo tiv parece ter se aproximado bastante da realidade.93
I lm dos mais famosos e perturbadores exemplos foi o grande escândalo de
1’utumayo de 1909-11, em que o público leitor londrino entrou em choque
iio descobrir que os agentes da subsidiária de uma empresa britânica de
borracha, que atuava na floresta tropical peruana, haviam criado seu Co-
1ação das Trevas particular, exterminando dezenas de milhares de índios
uitotos - que os agentes insistiam em chamar de “canibais” - com cenas
ile estupros, torturas e mutilações que lembravam o que houve de pior na
conquista de quatrocentos anos antes.94
Nos debates que se seguiram, o primeiro impulso foi culpar tudo por um
sistema mediante o qual, dizia-se, os nativos caíram em armadilhas de dívida,
tornando-se completamente dependentes dos fornecimentos da companhia:

A raiz de todo o mal era o chamado sistema de patronagem ou peonagem -


uma variação do que na Inglaterra era chamado de “truck system” - pelo
qual o empregado, obrigado a comprar todos os seus suprimentos na loja
do empregador, é mantido em dívida irremediável, já que por lei é incapaz de
abandonar o emprego até sanar a dívida. [...] Na maioria das vezes, portanto,

439
opcon ó um escruvoiir fatio, r como iui.n rcjjlftcs mais rcmotUN do Viimm i
tincnte não há governo efetivo, cie está totalmente à meref de wii mui

Os “canibais” - que por não conseguirem a quantidade snlu ln i|(


borracha eram açoitados até a morte, crucificados, amarrados e us.uli 111
praticar tiro ao alvo, ou ainda cortados em pedaços com facões li n m
caído, segundo se conta, na suprema armadilha da dívida; seduz,Ido* |ii
mercadorias dos agentes da companhia, eles negociavam a própria vldtt,
Uma investigação posterior do Parlamento descobriu que a vnditihMI
história era totalmente diferente. Os uitotos não foram ludibriados prtNj
tornarem peões por dívida. Foram os agentes e supervisores enviados | mi 41
região que, em uma situação semelhante à dos conquistadores, se entllvldil
ram muito - nesse caso, com a companhia peruana que os contratou, a <111.•I
em última instância, recebia crédito de financiadores londrinos. Esses agcnlMI
chegaram com todas as intenções de estender a rede de crédito para inc I11I1 m
índios, mas, ao descobrir que os uitotos não tinham interesse nenhum ihx
tecidos, facões e moedas que levaram consigo para negociar, desistiram 0
começaram a capturar os índios e forçá-los a aceitar empréstimos, sob a inlrA
de armas, e depois estabeleceram a quantidade de borracha que deviam n
Muitos dos índios massacrados, por sua vez, estavam tentando fazer o qm<
qualquer pessoa razoável faria nas mesmas circunstâncias: fugir.
Na realidade, os índios foram então reduzidos à escravidão, mas, cm
1907, ninguém podia admitir isso abertamente. Uma empresa legítima pree 1
sava ter alguma base moral, e a única moralidade que a empresa conhecia ei .1
a dívida. Quando ficou claro que os uitotos rejeitaram a premissa, o sistema
entrou em colapso e a empresa fechou. Assim como no caso do margrave (.1
simiro de Brandemburgo, o empreendimento terminou preso em uma espiral
de terror e revolta que ameaçava destruir sua base econômica.

O escândalo secreto do capitalismo é o fato de ele nunca ter sido organizado


primordialmente em torno da mão de obra livre.97A conquista das Américas
começou com a escravização em massa, que gradualmente se dissolveu em

440
■ h K "rs (oiiio servidão por dívida, escravidão afrli un# e "NrrvIdUn poi um

M in ' \ii\dcnturcdservUe], isto é, um sistema cm que os triibidlwdoirN in iin .i


ft#il> i tci ebiam adiantamento em dinheiro e depois demoravam i im o, Nele,
mu itnos para pagar o que deviam. Desnecessário dizer que os servos poi
ptnihiio eram recrutados legalmente entre pessoas que já eram devedoras.
B n *<'< ulo xvii, em alguns momentos havia tantos devedores brancos quanto
w*( i ,iv<>s africanos trabalhando nas plantações do Sul, e todos se encontra-
IhHii na mesma situação legal, pois, no começo, as empresas donas das plan-
trabalhavam segundo a tradição europeia jurídica que pressupunha
t Inexistência da escravidão. Até os africanos na Carolina do Norte e do Sul
pi iiin a princípio classificados como trabalhadores contratados.98E claro que
Inno mudou quando a ideia de “raça” foi introduzida. Quando os escravos
itli ii anos foram libertados, eles foram substituídos, nas plantações de Bar-
Inn!« is até as Ilhas Maurício, por trabalhadores contratados, agora recrutados
l>i Iik ipalmente na índia ou na China. Trabalhadores chineses contratados
i (instruíram o sistema ferroviário da América do Norte, e os “cules” indianos
itbiiram as minas sul-africanas. Camponeses da Rússia e da Polônia, que na
Idade Média eram trabalhadores livres, foram transformados em servos ape­
nas no início da era capitalista, quando seus senhores começaram a vender
>;i;U)s no novo mercado mundial para suprir as novas cidades industriais a
neste.99 Os regimes coloniais na África e no Sudeste Asiático exigiram re­
gularmente o trabalho forçado de seus subjugados ou criaram sistemas de
Impostos para introduzir à força a população no mercado de trabalho por
Intermédio da dívida. Os senhorios britânicos na índia, começando com a
( ômpanhia Britânica das índias Orientais e continuando com o Governo do
Reino Unido, institucionalizaram a servidão por dívida como meio principal
de criar produtos para venda no exterior.
Trata-se de um escândalo não só porque o sistema algumas vezes sai
do controle, como aconteceu em Putumayo, mas porque ele destrói nossos
pressupostos mais caros sobre o que de fato é o capitalismo - particular­
mente que, em sua essência, o capitalismo teria forte relação com a liberdade.
Para os capitalistas, liberdade significa liberdade de mercado. Para a maior
parte dos trabalhadores, significa trabalho livre. Os marxistas questionaram

441
se o trabalho assalariado, cm última instância, é ou não livre (pois aqui lt t
não tem nada para vender exceto seu corpo não pode ser considri iiiln i
agente verdadeiramente livre), mas mesmo assim tendem a pressupoi q
o trabalho assalariado livre é a base do capitalismo. A imagem dom liiitft
das origens do capitalismo continua sendo a do operário inglês, exausli i, IK
fábricas da Revolução Industrial, e essa imagem pode ser estendida até ■•U ld
do Silício, com uma linha reta de continuidade. Nessa visão, todos .iqui In
milhões de escravos, servos, cules e peões por dívida desaparecem, ou, »f
for preciso falar deles, eles são reduzidos a acidentes de percurso. ( ofuu ,i»
confecções clandestinas que exploram mão de obra, supõe-se que este r ihh
estágio pelo qual os países em processo de industrialização têm de p.r. ,,ti
assim como se acredita que aqueles milhões de peões por dívida, traballudi <
res contratados e trabalhadores de confecções clandestinas ainda exisU iiU'1,
muitas vezes nos mesmos lugares, certamente verão no futuro seus fillit >s »n
tornarem trabalhadores assalariados regulares, com seguro-saúde e ap< >m'H
tadoria, e os netos virando médicos, advogados e empreendedores.
Quando analisamos a história real do trabalho assalariado, mesmo cm
países como a Inglaterra, essa imagem começa a se desfazer. Em grande pai Ir
da Europa setentrional, durante a Idade Média, o trabalho assalariado cr*
principalmente um estilo de vida. Esperava-se que todas as pessoas, mais tmi
menos dos 12 ou 14 anos até os 28 ou 30 anos, trabalhassem como eniprr
gadas na casa de outra pessoa - geralmente com contrato anual, pelo qu.il
recebiam cama, comida, treinamento profissional e geralmente algum tipo tli
salário - até que juntassem recursos suficientes para se casar e criar a próprin
família.100 A primeira consequência da “proletarização” foi que milhões dc
jovens, homens e mulheres, de toda a Europa encontraram-se efetivamenlc
presos em uma espécie de adolescência permanente. Aprendizes e artíficcs
jamais se tornariam “mestres”, ou seja, jamais cresceriam. Por fim, muitos
desistiam e se casavam cedo - para a desgraça dos moralistas, que afirmavam
que o novo proletariado estava produzindo famílias que provavelmente não
poderia manter.101
Existe, e sempre existiu, uma curiosa afinidade entre trabalho assalariado
e escravidão. Não só porque os escravos das plantações de cana do Caribe

442
muni responsáveis pelos produtos de alio teor energético que lai llliaviun o
Mnlmlho dos primeiros trabalhadores assalariados; também não só porque
* HtMioria das técnicas científicas de gestão usadas nas fábricas da Revolução
Industrial remontam aos mesmos canaviais; mas sim porque tanto a relação
rui ir senhor e escravo quanto a relação entre empregador e empregado é,
mii princípio, impessoal: quer você tenha sido vendido, quer tenha alugado
« mi,i lorça de trabalho, no momento em que o dinheiro passa de uma mão
Imit .1 a outra, quem você é supostamente não importa; o que importa é sua
i nptic idade de entender ordens e fazer o que lhe mandam.102
Talvez por essa razão, em princípio, sempre exista a sensação de que
litnto a compra de escravos como a contratação de trabalhadores não deves-
«■III ser feitas a crédito, mas sempre com dinheiro vivo. O problema, como
|ii disse, é que, durante grande parte da história do capitalismo britânico,
dinheiro vivo era algo que simplesmente não existia. Mesmo quando a Casa
il>i Moeda começou a produzir moedas de prata e de cobre de baixas deno­
minações, a oferta era esporádica e inadequada. Foi assim que o “truck sys-
tem" se desenvolveu, em primeiro lugar: durante a Revolução Industrial, os
donos das fábricas muitas vezes pagavam a seus trabalhadores com tíquetes
i ui vouchers válidos apenas nas lojas locais; os empregadores costumavam ter
■ilgum tipo de acordo informal com essas lojas, ou, em regiões mais isoladas
do país, também eram donos delas.103As relações de crédito tradicionais com
os lojistas locais assumiram uma natureza totalmente nova, pois o lojista
era agente do chefe. Outro recurso era pagar aos trabalhadores, pelo menos
cm parte, com mercadorias - e é notável a riqueza do vocabulário para os
•irtigos que os trabalhadores podiam pegar em seus locais de trabalho, prin­
cipalmente do lixo, das sobras ou dos subprodutos: ensanchas, maravalhas,
cadilhos, rebarbas, cisalhas, aparas, tocos, ramentos, restolho, sobejos, cal­
ços, sengas.104“Ensanchas”, por exemplo, eram os retalhos que sobravam da
alfaiataria, “maravalhas” eram pedaços de madeira que os estivadores tinham
o direito de levar do local de trabalho (qualquer pedaço de madeira com me­
nos de sessenta centímetros de comprimento), “cadilhos” eram fios que so­
bravam na urdidura dos teares etc. E, é claro, já ouvimos falar de pagamentos
em espécie na forma de bacalhau e de pregos.

443
ü s empregadores linham um úlilmo rei ui so: esperar o dluht-li«i «t|f
e, enquanto isso não ocorresse, não pagar nada deixavam os cmpic
sobreviver apenas com o que conseguiam achar no chão de fáhrli n, . mi i nf
que suas famílias conseguiam obter por meio de artimanhas em oiili o» |f(|
lhos, receber em caridade, economizarem grupo com amigos e l.imili,iiMtí
quando nada dava certo, contrair empréstimos de agiotas e penlioi IM iiif
logo passaram a ser vistos como o açoite dos pobres trabalhadores. A ili t||fl
chegou a tal ponto que, no século xix, toda vez que um incêndio ilcsi ml« i il f l
casa de penhores em Londres, os vizinhos que pertenciam à classe imImIIhH
dora se preparavam para uma onda de violência doméstica que imedi.it .inwiM
era desencadeada quando muitas esposas se viam obrigadas a confessai uyfl
havia muito tempo tinham penhorado os trajes de domingo dos marido«,*!
Hoje estamos acostumados a associar a situação de uma fábrlcd t mH
dezoito meses de salários atrasados a países que enfrentam uma gnmi||l
recessão econômica, como ocorreu durante o colapso da União Sovlelli a
no entanto, devido às duras políticas monetárias do governo britânico, qu**
estava sempre preocupado em garantir sobretudo que o papel-moed.i nflil
flutuasse em outra bolha especulativa, situações desse tipo não eram Inui
muns nos primórdios do capitalismo industrial. Em Londres, no século x v ui,
o Almirantado Real costumava atrasar um ano o pagamento de salário ili
quem trabalhava nos estaleiros de Deptford - por essa razão, estava semprf
disposto a aceitar que os trabalhadores se apropriassem de maravalhas, sem
falar de cânhamo, lonas, parafusos e cordas. Na verdade, como mostrou 11
nebaugh, a situação só começou de fato a tomar uma forma reconhecível pt m
volta de 1800, quando o governo estabilizou suas finanças, começou a pag.11
salários em dinheiro e em dia, e tentou abolir o que hoje chamamos de “fui
tos em local de trabalho” - uma prática que, apesar de encontrar resistêni ia
significativa dos estivadores, começou a ser punida com chicotadas e prisão,
Samuel Bentham, o engenheiro responsável pela reforma dos estaleiros, teve
de transformá-los em um Estado policial a fim de estabelecer um verdadeiro
sistema de trabalho assalariado. Para tanto, ele teve a ideia de construir uma
grande torre entre os estaleiros para garantir vigilância constante, ideia que
depois seu irmão, Jeremy, tomou emprestada para o famoso Panóptico.106

444
ni us fu m o Ad.un Smllh e Jcrcmy Benth.un et .1111 lilru llsld s, c .il«- ini ^rtlu
vit,iu utópica. Nu entantu, para entendermos a história du i apitulixmo,
vt mus fumeçar por reconhecer que a imagem que temos diante de nus
Milt trabalhadores que batem ponto diariamente pela manhã e recebem
(jiimentos semanais e mensais com base em um contrato temporário que
m Im s as partes podem rescindir a qualquer momento - começou como uma
h*Ai *utópica, foi gradualmente realizada na Inglaterra e nos Estados Unidos,
| nunca chegou a ser, em nenhum momento e em lugar algum, a principal
lui m.i de organização da produção para o mercado.
1’or isso a obra de Adam Smith é tão importante. Ele criou a imagem de
llin mundo imaginário quase totalmente livre da dívida e do crédito, e por
|l«i i livre da culpa e do pecado; um mundo em que homens e mulheres eram
llvi rs para simplesmente calcular seus interesses sabendo que tudo tinha sido
>ii i tmjado por Deus para garantir o bem comum. Essas construções imagi-
11,11 ias são, é claro, o que os cientistas chamam de “modelos”, e não há nada
«Ir intrinsecamente errado com elas. Na verdade, acho que podemos dizer
tuin razão que é impossível pensar sem elas. O problema desses modelos -
pelo menos é o que parece acontecer sempre que modelamos algo chamado
"mercado” - é que, uma vez criados, nós tendemos a tratá-los como realida­
des objetivas, ou até mesmo a ajoelhar diante deles e adorá-los como deuses.
Devemos obedecer aos ditames do mercado!”
Karl Marx, que conhecia bastante a tendência humana de se ajoelhar e
iidorar as próprias criações, escreveu O capital em uma tentativa de mostrar
i|ue mesmo se partirmos da visão utópica dos economistas, enquanto conti­
nuarmos permitindo que algumas pessoas controlem o capital produtivo e
deixem os outros sem nada para negociar, exceto o corpo e a inteligência, os
resultados serão, em muitos aspectos, indistinguíveis da escravidão, e todo
o sistema terminará por se autodestruir. Mas todos parecem se esquecer da
natureza “condicional” de sua análise.107 Marx estava bem ciente de que, na
cidade de Londres daquela época, havia muito mais engraxates, prostitutas,
mordomos, soldados, vendedores ambulantes, limpadores de chaminé, flo­
ristas, músicos de rua, presidiários, babás e taxistas do que operários nas fá­
bricas. Ele jamais sugeriu que o mundo fosse de fato como era em sua análise.

445
Ainda assim, se tlverm osderxlr.ili uma liçAodos últimos sei ulo*. >l>t lil
tória mundial, essa lição seria: visões utópicas podem ser poderosas Im» i «i | | É
tanto para Adam Smith como para aqueles que se posic ionaram to ttlM c lfl
O período entre 1825 e 1975, aproximadamente, representa um esfo iy' liif w
mas determinado, por parte de um pequeno grupo muito poderc >si 1 1u |fl
o apoio ávido de muitas pessoas com menos poder-, de tentar tra n slo ii»«
essa visão em algo parecido com a realidade. A moeda de metal e o ptip«*i
-moeda foram finalmente produzidos em quantidade suficiente para i|ui iitÉ
mesmo as pessoas comuns pudessem realizar suas transações diárias sem IM
de recorrer a tíquetes, vales ou crédito. Os salários começaram a ser | mh"<
em dia. Surgiram novos tipos de lojas e galerias, em que todos pagavam 1m
dinheiro vivo, ou, alternativamente, com o passar do tempo, por melo iln
formas mais impessoais como o crediário. Como resultado, a antiga
puritana de que a dívida era pecado e degradação começou a se enraizat pio
fundamente em muitos daqueles que pertenciam ao que consideravam sei >11
classes trabalhadoras “respeitáveis” - pessoas que, com a mesma certc/,.i <li
que tinham todos os dentes na boca, sentiam orgulho de estar livres das >;.n
ras dos penhoristas e agiotas, diferenciando-se assim de bêbados, prostituiu«
e trabalhadores pouco qualificados.
Falando do ponto de vista de quem foi criado em uma família de cl.issf
trabalhadora (meu irmão viveu 53 anos e recusou até a morte ter um cartío
de crédito), posso atestar que, para alguém que trabalha durante a maior pai li1
do dia cum prindo ordens das outras pessoas, sacar uma carteira cheia dtf
cédulas que são total e incondicionalmente suas pode ser uma forma de libei
dade muito atraente. Não admira que tantos pressupostos dos economistas
- muitos dos quais foram criticados neste livro - tenham sido adotados peli >*
líderes dos históricos movimentos operários, tanto que passaram a mold.11
nossas visões de como seriam as alternativas ao capitalismo. Como demons
trei no capítulo 7, o problema não é só o fato de serem baseadas em uma
concepção profundamente equivocada e até perversa da liberdade humana,
E importante enfatizar isso porque uma resposta típica à espécie de perspec ­
tiva crítica que tenho defendido é dar destaque à liberdade política, ao pro­
gresso tecnológico e à prosperidade em massa que essa economia também

446
uilu/.lu. Náo há dúvida de que os avanços cm produtividade, higiene, edu
|ni,<io c a aplicação do conhecimento científico às ncccssldudcs cotidluniis
Mn xln/iram uma melhora sem precedentes na vida de bilhões de pessoas nos
(klllnios zso anos, mais ou menos, desde a Revolução Industrial, principal
HH'Hte na vida das pessoas fora de seus locais de trabalho; no entanto, para
tuim não está nada claro que todas essas melhorias possam ser atribuídas a
Uliiti única entidade chamada “capitalismo” - ou se é mais sensato encarar as
irliit.tVs econômicas capitalistas, os avanços no conhecimento científico e a
I»ilílíca democrática como fenômenos essencialmente independentes, cada
ui i Micorrendo por si só, mesmo na ausência dos outros dois. Ainda assim, se
11mu edermos ao capitalismo o benefício da dúvida nesse aspecto, uma coisa é
i Ima: ter um mercado global é tão impossível quanto ter um sistema em que
i mi las as pessoas, mesmo que não fossem capitalistas, conseguissem se tornar
li nlialhadores assalariados respeitados, pagos em dia e com acesso a cuidados
i >il<intológicos adequados, por exemplo. Um mundo como esse jamais existiu
r lamais existirá. Além disso, no sistema capitalista, no momento em que até
mesmo a possibilidade de isso acontecer começa a se materializar, todo o
ilslema ameaça começar a ruir.

fA R T E V : A P O C A L IP S E

Retornemos, finalmente, ao ponto em que deixamos Cortés e o tesouro as-


leca. O leitor já deve ter se perguntado: O que aconteceu com o tesouro?
( ôrtés realmente o roubou de seus homens?
A resposta na verdade é que, ao final do cerco, devia restar muito pouco
do tesouro. Cortés parece ter se apoderado de quase todo o tesouro muito
antes de o cerco começar. E boa parte foi obtida por meio de jogos e apostas.
Esta história também está em Bernal Díaz. É estranha e atordoante, mas
lambém, acredito, profunda. Deixem-me preencher algumas lacunas dela.
I )epois de queimar os navios, Cortés começou a formar um exército de alia­
dos locais, o que foi relativamente fácil porque os astecas eram odiados por
toda parte, então ele começou a marchar pela capital. Montezuma, o impe-

447
rador asteca, que acompanhava de perlo a situarão, concluiu que jm
pelo menos descobrir com que tipo de pessoa ele eslava lidarul* >, t | m i *
convocou toda a força espanhola (algumas centenas de homem) |niut
visita oficial a Tenochtitlán. Isso levou a uma série de intrigas, qm li#
com que os homens de Cortés mantivessem brevemente o impei-u !•>i t(
refém antes de expulsá-lo à força.
Durante o período em que foi mantido prisioneiro em seu palíít l<i,
tezuma e Cortés passaram boa parte do tempo se ocupando com um J
asteca chamado totoloque. Eles jogavam apostando ouro, e Cortés, e t D
roubava. Em determinado momento, os homens de Montezunia chamai
a atenção do rei para a trapaça, mas ele simplesmente riu e fez piada da «II
ção - também não se importou posteriormente quando Pedro de Alv n i
primeiro-tenente de Cortés, começou a trapacear de maneira ainda mal»
grante, exigindo ouro a cada ponto perdido e pagando, quando ele iiic m h h

perdia, apenas em seixos que não valiam nada. Por que Montezuma se i iilttl
portou dessa maneira continua sendo um mistério histórico. Díaz irilei pr#
tou como um gesto de altiva magnanimidade, talvez até como a manciui «I*
colocar os mesquinhos espanhóis em seu devido lugar.108
A historiadora Inga Clendinnen sugere uma interpretação alternai Ivn
Para ela, os jogos astecas tendiam a ter uma característica peculiar: por mil
estranho golpe de sorte, sempre havia um modo de sair-se vitorioso. Isso pa­
rece ter sido verdade, por exemplo, em relação a seus famosos jogos de b< >l.t
Os críticos sempre se perguntam, ao ver a posição no pátio dos minúsi nliM
aros de pedra, como era possível acertar o alvo. A resposta parece ser que ele»
não acertavam, pelo menos não da maneira que se pensa. Normalmente, n
jogo não tinha nada a ver com o aro. O esporte era jogado entre dois time»
opostos, trajados como se estivessem prontos para a batalha, que arremes
savam a bola de um lado para o outro:

O sistema de pontuação se dava pela lenta acumulação de pontos. Mas esse


processo podia ser anulado de maneira dramática. Fazer a bola passar p(>i
um dos anéis - uma proeza, dados o tamanho da bola e a largura do ani l,
algo presumivelmente mais raro do que o hole in one, isto é, um acerto de

448
pi Imeira no golfe representava a vitória Imediata, a pnsitede todo* o* brtiN
I rtjiusi.idos e o direito de pilhar as vestimentas dos espei tadores.1"''

Quem vencesse ganhava tudo, até mesmo as roupas dos espec tadores.
I l/i regras semelhantes em jogos de tabuleiro, como aqueles que Cor-
M r Montezuma jogavam: se, por um estranho golpe de sorte, um dos da-
ilni parasse inclinado, o jogo terminava e o vencedor ganhava tudo. Isso,
m^i ic Clendinnen, devia ser o que Montezuma esperava. Afinal, ele estava
Im iii no meio de eventos extraordinários. Criaturas estranhas apareceram,
Ipaientemente do nada, com poderes jamais vistos. Rumores de epide-
f Mias, da destruição de nações vizinhas, já haviam chegado até ele. Se o mo-

I
limito de uma grandiosa revelação dos deuses estava próximo, o momento
pi ><lia ter chegado.

Tal atitude parece em perfeita consonância com o espírito da cultura


rtutcca conhecido por sua literatura, que ostentava um senso de catástrofe
Iminente, talvez determinada pela astrologia, e possivelmente - mas não
provavelmente - evitável. Alguns sugeriram que os astecas devem ter tido
i ICncia de ser uma civilização à beira de uma catástrofe ecológica; outros, que
ii tom apocalíptico é retrospectivo - pois, afinal de contas, o que sabemos da
literatura asteca é quase totalmente proveniente de homens e mulheres que
ilr fato experimentaram sua completa destruição. Ainda assim, parece haver
uma característica violenta em certas práticas astecas - como o sacrifício
de dezenas de milhares de prisioneiros de guerra, muito provavelmente de
acordo com a crença aparente de que, se o Sol não se alimentasse sempre
de corações humanos, ele m orreria e, junto com ele, o mundo - que é difi-
cil de ser explicada de outra maneira.
Se Clendinnen está correta, para Montezuma, ele e Cortés não estavam
simplesmente apostando ouro. O ouro era trivial. O que estava em jogo era
o Universo inteiro.
Montezuma era, acima de tudo, um guerreiro, e todos os guerreiros são
jogadores; mas, diferentemente de Cortés, ele era, em todos os aspectos, um
homem de honra. Como já vimos, a quintessência da honra de um guerreiro,
uma grandeza que só pode vir da destruição e da degradação dos outros,
449
ésua disposição para sc atirarem um (ogo cm que arrisca a mesma •l> ii»i
e degradação de s i-e , a despeito de Cortês, sua disposição de jogui y
mente, e com respeito às regras.110 No momento certo, isso signll« n ,i
disposto a arriscar tudo.
Ele de fato arriscou. E, até onde se sabe, nada aconteceu. Nenhum >1
parou inclinado. Cortés continuou trapaceando, os deuses não li/r i mtl
nhuma revelação, e aquele Universo, por fim, se extinguiu.
Se temos algo a aprender aqui - e eu acho que temos - é que p<>dr lm
uma relação muito mais profunda entre o jogo e o apocalipse. O t .i|>lliill«|
é um sistema que enaltece o jogador como parte essencial de seu lum mi#«
mento, de maneira sem precedentes; contudo, ao mesmo tempo, o . <| <m4
lismo parece ser, de maneira notável, incapaz de conceber a si próprli 111uttH
algo eterno. Será que esses dois fatores podem estar interligados?
Sejamos mais precisos aqui. Não é totalmente verdade que o capii .iluttMl
é incapaz de conceber a própria eternidade. Por um lado, seus delimnn»*
muitas vezes se sentem obrigados a dizer que ele é eterno, pois insistem i|il|
é o único sistema econômico viável possível - um sistema que, como g( >M>mt
de dizer, “existe há 5 mil anos e existirá por mais 5 m il”. Por outro lado, |>.n»1t
que no instante em que uma parte significativa da população começa de liilti
a acreditar nisso e, particularmente, começa a tratar as instituições de cródim
como se fossem durar para sempre, todo o sistema sai de controle. Note nv
aqui como foram os regimes capitalistas mais sóbrios, cautelosos e resp» Ml
sáveis - a República Holandesa do século x v ii e a Comunidade Britânica il> 1
século xvn i, os regimes capitalistas mais escrupulosos em gerir a dívida |iii
blica - que assistiram às explosões mais extremas de delírio especulai ivo: a
“tulipomania” e a “bolha dos Mares do Sul”.
Boa parte disso parece girar em torno da natureza do déficit nacional e 1I11
dinheiro de crédito. A dívida nacional é, como lamentam os políticos pralíi .1
mente desde que essas coisas surgiram, dinheiro emprestado de futuras geri
ções. Mesmo assim, os efeitos sempre foram estranhamente dúbios. Por um
lado, o financiamento de déficit é uma forma de juntar ainda mais poder milit.u
nas mãos de príncipes, generais e políticos; por outro, sugere que o goverm >
deve algo àqueles a quem ele governa. Na medida em que nosso dinheiro no

450
Mmlii n,In passa dc uma extensAoda dívida pública, ent Ao srmprc que compm
» • * um jornal ou uma xícara dc café, ou quando apostamos cm um cavalo, cs
h i i i mnegociando promessas, representações dc algo que o governo m »s dará
M l algum momento futuro, ainda que não saibamos exatamente o que seja. " 1
Immanuel Wallerstein costuma dizer que a Revolução Francesa intro-
■11/111 na política diversas ideias extremamente novas-ideias que, cinquenta
■ liu antes da revolução, a maioria dos europeus instruídos teria descartado
p tltii»insanas, mas que, cinquenta anos depois, praticamente todos sentiam
m c tinham de ao menos fingir que acreditavam nelas. A prim eira é que a
ftliidunça social é inevitável e desejável: que a direção natural da história é
n 1I.1 melhora gradual da civilização. A segunda é que o governo é o agente
I1I1 ,il para efetuar essa mudança. A terceira é que a legitimidade do governo
t ilada por um ente chamado “povo”.112 É fácil perceber como a própria ideia
ilp dívida nacional - a promessa de um crescimento futuro contínuo (no mí­
nimo, 5% ao ano) feita ao povo pelo governo - pode ter colaborado para
Inspirar essa nova perspectiva revolucionária. Ao mesmo tempo, no entanto,
ijiiando observamos homens como Mirabeau, Voltaire, Diderot, Sieyès - os
filiilosophes que propuseram pela primeira vez a noção do que hoje chamamos
"»ivilização” - nos anos que levaram à revolução, percebemos que na verdade
rles falavam muito mais sobre o perigo de uma catástrofe apocalíptica, da
possibilidade de a civilização, como era conhecida, vir a ser destruída pelo
i «lote e pelo colapso econômico.
Parte do problema era óbvia: primeiro, a dívida nacional nasce da guerra;
segundo, ela não é devida a todas as pessoas igualmente, mas sobretudo
aos capitalistas - e, na França daquela época, “capitalista” significava espe-
i ificamente “aqueles que detinham partes da dívida nacional”. Aqueles de
tendência mais democrática acreditavam que a situação como um todo era
vergonhosa. “A teoria moderna da perpetuação da dívida”, escreveu Thomas
(efferson mais ou menos nessa época, “banhou a terra de sangue e esmagou
seus habitantes sob fardos que não param de se acumular.”113 A maioria dos
pensadores ilum inistas temia que a promessa do capitalismo fosse ainda
pior. Afinal, a possibilidade de falência era intrínseca a essa nova noção “mo­
derna” de dívida impessoal.114 A falência, naquela época, era realmente um

451
apocalipse pessoal: significava prisão e dissolução dc património, p
menos afortunados, significava tortura, fome e morte. O que a lalcm I
cional significaria, naquele momento da história, ninguém s.ihi.i Nao |
precedentes. Contudo, enquanto os países travavam guerras cada vi<*
grandiosas e mais sangrentas, e suas dívidas cresciam de forma oxpoo«*
o calote começou a parecer inevitável.115 Abbé Sieyès, por exemplo, ij •««
tou um ambicioso plano de governo representativo primeiro comi •!<11111«
reformar as finanças nacionais, de se esquivar da inevitável catástmli
a dúvida persistia: e quando acontecesse a falência, como seria? () dlttll
perderia todo o seu valor? Os militares tomariam o poder, os regi nu *
toda a Europa seriam obrigados a dar calote e despencar como donttH
mergulhando o continente em barbárie, trevas e guerras infinitas? Mui»
já antecipavam a perspectiva do Terror muito antes da própria revolução,
Essa é uma história curiosa porque estamos acostumados a pensai 1
Iluminismo como a aurora de uma fase única do otimismo humano, nau uU
dos pressupostos de que o avanço da ciência e do conhecimento humano
tornaria inevitavelmente a vida mais sábia, mais segura e melhor para li ulot
- uma fé ingênua que, diz-se, chegou ao auge com o socialismo fabiano d*
década de 1890 para depois ser aniquilada nas trincheiras da Primeira ( iuciffl
Mundial. Na verdade, mesmo os vitorianos foram assombrados pelos f«m a*
mas da degeneração e do declínio. Acima de tudo, os vitorianos partilhavam
da suposição quase universal de que o próprio capitalismo não duraria pai*
sempre. Uma insurreição parecia iminente. Muitos capitalistas vitoriano*
baseavam-se na crença sincera de que poderiam, a qualquer momenlo, *ef
enforcados em árvores. Por exemplo, uma vez, em Chicago, um amigo mt>
levou de carro a uma rua antiga muito bonita, cheia de mansões dos anu*
1870; ele me explicou que a rua tinha aquela configuração porque a maioi la
dos industriais ricos de Chicago, na época, acreditava tanto na iminência da
revolução que se mudou, coletivamente, para a rua que conduzia à base mlll
tar mais próxima. Praticamente nenhum dos grandes teóricos do capitalisnu>,
considerando todo o espectro político, de Karl Marx a Max Weber, de Joscpl 1
Schumpeter a Ludwig von Mises, sentia que o capitalismo existiria por mais
que uma ou duas gerações, no máximo.

452
Ciidcmos ir alem: no momento em <|tie o medo d.i Iminente revoluçAo
iiiI deixou de parecer plausível, ao final da Segunda Guerra Mundial, nós
H* vimos imediatamente diante de outro espectro: aquele de um holoi ausio
Lu lmr.li; Depois, quando isso não parecia mais possível, descobrimos o
M im linento global. Não estou dizendo que essas ameaças não fossem e
it.ii i sejam reais. Contudo, parece estranho que o capitalismo sinta a necessi-
tfi.li constante de imaginar, ou, na verdade, fabricar, meios de sua iminente
lli >.ti ttlção. Em contraste radical, coloca-se o comportamento dos líderes de
ngltues socialistas, de Cuba à Albânia, que, ao assumir o poder, começaram
n ird latamente a agir como se seu sistema fosse durar para sempre - algo
IhMlante irônico se considerarmos que, na verdade, não passaram de breves
oi idnites em termos históricos.
Talvez a razão disso seja que aquilo que era verdade em 1710 ainda per­
manece verdadeiro. Diante da perspectiva da própria eternidade, o capita-
Ihtino - ou, ao menos, o capitalismo financeiro - simplesmente explode.
Afmal, se não há um fim, não há nenhum motivo para gerar crédito - ou seja,
illtiheiro futuro - infinitamente. Os eventos recentes com certeza parecem
11infirmar isso. O período que vai até 2008 foi uma época em que muitos
1omeçaram a acreditar que o capitalismo duraria para sempre; na pior das
hipóteses, ninguém parecia mais capaz de imaginar uma alternativa. O efeito
Imediato foi uma série de bolhas, cada vez mais perigosas, que levaram o
nlstema como um todo ao colapso.

453
12. ’
O começo de algo
ainda por determina
(1971 - presente)
Veja aqueles vagabundos: se ao menos existisse um jeito de
descobrir quanto eles devem.
r e p o m a n : a o n d a p u n k (1984)

Liberte sua mente da ideia de merecimento, da ideia de


lucratividade, e será capaz de pensar.
U R SU LA K. LE G U IN , OS DESPOSSUÍDOS

1111 is de agosto de 1971, o então presidente dos Estados Unidos, Richard Ni-
n(iii, anunciou que os dólares no exterior não seriam mais convertidos em
miro, eliminando assim o último vestígio do padrão-ouro internacional.1
I <>i 0 fim de uma política em vigência desde 1931, confirmada pelos acordos
de Bretton Woods no final da Segunda Guerra Mundial: embora os cida-
dilos dos Estados Unidos não pudessem trocar seus dólares por ouro, toda
moeda dos Estados Unidos fora do país podia ser trocada a uma taxa de 35
dólares por onça. Ao tomar tal decisão, Nixon deu início ao regime de câmbio
llutuante em vigor até hoje.
O consenso entre os historiadores é que Nixon não tinha muita escolha,
l ie foi obrigado a fazê-lo pelos custos ascendentes da Guerra do Vietnã-um a
guerra que, como todas as guerras capitalistas, fora financiada pelo déficit
público. Os Estados Unidos possuíam grande parcela das reservas de ouro
do mundo em seus cofres em Fort Knox (embora cada vez menos no final
da década de 1960, quando outros governos, mais notadamente a França de
Charles de Gaulle, começaram a exigir ouro por seus dólares); os países mais
pobres, em contraste, mantinham suas reservas em dólares. O efeito imediato

455
da desvinculação feita por Nixon foi uma disparada no preço do oiuo,
chegou ao pico de seiscentos dólares por onça em 1980. Isso, é claro | >m
cou um aumento extraordinário no valor das reservas de ouro dos I tM
Unidos. O valor do dólar, em comparação com o ouro, por sua ve/ , dp«fl(
cou. O resultado foi uma maciça transferência de riquezas dos países p<
que careciam de reservas em ouro, para os países ricos, como Estados 1lii(
e Grã-Bretanha, que ainda as mantinham. Nos Estados Unidos tamliriit
desencadeou uma inflação persistente.
Independentemente de quais tenham sido as razões de Nixon, n<> i*nt
tanto, uma vez que o sistema global de dinheiro de crédito se desatfcloil dtl
ouro, o mundo entrou em uma nova fase da história financeira uma litMl
que ninguém compreende por completo. Durante minha infância em NoVf
York, ouvia muitos rumores da existência de cofres secretos de ouro eml»at mi
das torres gêmeas em Manhattan. Supostamente, esses cofres conteriam u.lti
só as reservas de ouro dos Estados Unidos, mas sim das principais potem lit«
econômicas. Dizia-se que o ouro era mantido na forma de barras, empilha
das em cofres separados, um para cada país, e todo ano, quando era fell o 11
balanço, homens usavam empilhadeiras para reorganizar os estoques, tnm«
ferindo, por exemplo, alguns milhões em ouro de um cofre chamado “Brasil
para outro chamado “Alemanha”, e assim por diante.
Aparentemente, muitas pessoas ouviram histórias desse tipo. l.o^M
depois que as torres foram destruídas, em 11 de setembro de 2001, uma
das prim eiras perguntas que muitos nova-iorquinos fizeram foi: “O qiit
aconteceu com o dinheiro?”. Ele estava seguro? Os cofres foram destrui
dos? Talvez o ouro tenha se derretido. Seria esse o verdadeiro objetivo do»
terroristas? Teorias da conspiração surgiram de todos os cantos. Houve
boatos de que legiões de trabalhadores emergenciais teriam sido convo
cadas em segredo para percorrer quilôm etros de túneis superaquecidos,
recolhendo desesperadamente toneladas de lingotes, enquanto equipes
de resgate ainda trabalhavam acima deles. Uma teoria da conspiração
particularm ente exuberante sugeria que todo o ataque havia sido pro­
gramado por especuladores que, como Nixon, queriam ver o valor do
dólar despencar e o do ouro subir em disparada - ou porque as reservas

456
M tili.m i sido destruídas, ou porque os especuladores haviam inimudo pl«t
ko« de roubá-las.2
t ) mais impressionante nessa história é que, depois de acreditar nela du
t«Hir iinos, e entào, depois do 11 de Setembro, ter sido convencido por alguns
Mínimos mais instruídos de que tudo não passava de um grande mito ("Não”,
tllvir um deles, obstinado, como se eu fosse uma criança, “os Estados Unidos
Miiinlém suas reservas de ouro em Fort Knox”), fiz uma rápida pesquisa e
tipo tihri que a história é, sim, verdadeira. As reservas de ouro do Tesouro dos
I «i.ulos Unidos são mantidas em Fort Knox, mas o ouro do Federal Reserve
(n llanco Central americano) e de mais de uma centena de outros bancos cen-
Ihiis, governos e organizações é armazenado em cofres embaixo do prédio do
I rdcral Reserve, na Liberty Street, 33, em Manhattan, a dois quarteirões das
li tires Gêmeas. Pesando aproximadamente 5 m il toneladas, essas reservas
representam, reunidas, segundo o website do Federal Reserve, algo entre um
i|lilnto e um quarto de todo o ouro já extraído da Terra:

O ouro armazenado no Federal Reserve, em Nova York encontra-se prote­


gido em um cofre bastante incomum. Está localizado no subsolo da ilha de
Manhattan - um dos poucos lugares considerados adequados para suportar
o peso do cofre, da porta e do ouro que há lá dentro -, a 24 metros abaixo do
nível da rua e 15 metros abaixo do nível do mar. [...] Para que o ouro chegue
ao cofre, paletas são carregadas de lingotes, colocadas em um dos elevadores
do banco e descem cinco andares abaixo do nível da rua até o cofre. [...] Se
tudo estiver em ordem, o ouro é levado para um ou mais dos 122 comparti­
mentos atribuídos a países depositantes e organizações internacionais, ou
colocados em prateleiras. Os “empilhadores de ouro”, usando elevadores
hidráulicos, mudam o tempo todo o ouro de lugar de um compartimento
para outro a fim de fazerem o balanço de créditos e dívidas —os cofres, no
entanto, são identificados apenas por números, de modo que nem os traba­
lhadores sabem quem está pagando a quem.3

Não há razões para acreditar, contudo, que esses cofres foram, de alguma
maneira, afetados pelos eventos de 11 de setembro de 2001.

457
A realidade, portanto, se tornou trto estranha que é difícil »tdn»|
elementos das grandes fantasias mític as silo de fato apenas faiiluslii t>
são verdadeiros. A imagem de cofres em ruínas, do ouro dei retl«l< > •(#
balhadores secretos correndo pelo subsolo de Manhattan com em |illli
ras para retirar de lá a economia mundial - nada disso existiu, M.n 11
surpreendente que as pessoas tenham imaginado tudo isso?4
O que eu gostaria de fazer neste capítulo não é uma análise Jd .illi
de como o sistema atual funciona, mas de como os padrões de longo pfd
que examinei podem ser entendidos como os mesmos que são us k Ih i
o momento atual e de como eles podem nos dar pelo menos uma pl»)*
direção que será tomada pelo sistema. Ninguém será capaz ou tera .ilpn
chance de dizer o que tudo isso realmente significa para a próxima grt riçM
no mínimo. Por outro lado, como antropólogo, não posso deixar de ver >*IM
confuso jogo de símbolos como importante por sua natureza intriiiM1»4,
papel crucial que desempenha na manutenção das formas de poder qui ■I»
parece representar. Em parte, esses sistemas funcionam porque ninguém
sabe como realmente funcionam.
Nos Estados Unidos, o sistema bancário, desde a época de ThoniM
Jefferson, tem demonstrado uma capacidade impressionante de insplirtf
fantasias paranoides: teorias da conspiração protagonizadas pela maçoiiii
ria, pelos Sábios de Sião, pela ordem secreta dos Illum inati, pelas operaçôei
de lavagem de dinheiro do tráfico de drogas da rainha da Inglaterra, o||
ainda centenas de outras conspirações e grupos secretos. Foi esse o pritu I
pal motivo da tão longa demora para se fundar um Banco Central no puli
De certo modo, não há nada de surpreendente nisso. Os Estados Unido»
sempre foram dominados por certo populism o de mercado, e a capai I
dade dos bancos de “criar dinheiro a partir do nada” - ou, mais que isso, (Ir
evitar que as pessoas o façam - sempre foi o bicho-papão dos populista',
de mercado, pois essa capacidade contradiz diretamente a ideia de que o*
mercados são a simples expressão da igualdade democrática. Mesmo assim,
desde que Nixon estabeleceu o câmbio flutuante, tornou-se evidente que ó
somente o mágico rros bastidores que parece manter a viabilidade de todo
o sistema. Com a ortodoxia do livre mercado que se seguiu fomos levados

458
i ii.ii ,i ideia do i|iu- "o meu ado" é uni sistema autorregulado, no qual a
M o ' i knxa de p re ço s se assemelham às lórças cia natureza, <■ao n in in u
■H hpn lei liamos os ollios para o lato do que, nas páginas do economia,
| i <ii.i so sem muito questionamento que as altas e baixas do mercado são
b iliu Ipalmente uma antecipação ou uma reação às decisões relacionadas às
(iHiui de juros tomadas por Alan Greenspan, Ben Bernanke ou quem quer
| ||ii< esteja a cargo do Federal Reserve (Fed).5

I Ihi elemento, porém, tende a estar ausente de maneira ostensiva mesmo nas
I tu li las da conspiração mais vibrantes sobre o sistema bancário, quanto mais
F tu is relatos oficiais: o papel da guerra e do poder militar. Há uma razão para
ijiie o mágico tenha essa estranha capacidade de criar dinheiro do nada. Por
I lias dele há um homem armado.
I Sim, em certo sentido ele sempre esteve lá, desde o começo. Eu já havia
illio que o dinheiro moderno se baseia na dívida do governo, e que os gover­
nos tomam dinheiro emprestado para financiar guerra. Isso é tão verdade
hoje quanto o foi na época do rei Filipe n. A criação de bancos centrais repre­
sentou uma institucionalização permanente do casamento entre os interesses
tios guerreiros e os dos financistas que começou a se manifestar na Itália
renascentista e se tornou o fundamento do capitalismo financeiro.6
Nixon fez o dólar flutuar para custear uma guerra durante a qual, ape­
nas entre os anos 1970 e 1972, ele ordenou que fossem despejados mais
de 4 milhões de toneladas de explosivos em cidades e vilarejos de toda
a Indochina - o que levou um senador a apelidá-lo de “o maior bombar-
deador de todos os tempos”.7 A crise da dívida foi um resultado direto da
necessidade de pagar pelas bombas, ou, para ser mais preciso, pela ampla
infraestrutura m ilitar necessária para despejá-las. Foi isso que causou um
desfalque enorme nas reservas de ouro dos Estados Unidos. Muitos susten­
tam que, com a flutuação do dólar, Nixon converteu a moeda norte-ame­
ricana em pura “moeda fiduciária” - meros pedaços de papel, sem valor
intrínseco, que eram considerados dinheiro apenas porque o governo dos
Estados Unidos insistia que assim deveria ser. Nesse caso, alguém podia

459
argumentar que a potência m ilitar dos Estados Unidos era naquele u
mento a única instituição que dava suporte à moeda. Isso ó vrrdude. t»
certo sentido, mas a ideia de “moeda fiduciária" supõe que o dinheiro, 4
tes de mais nada, realmente “era” ouro. Na verdade, estamos lidando t r
outra variação do dinheiro de crédito—
Contrariamente à crença popular, o governo dos Estados Unidos u
pode “apenas im prim ir dinheiro” porque o dinheiro norte-americ.mo it
é emitido de modo nenhum pelo governo federal, mas por bancos |>i tvi*
dos, sob a égide do Federal Reserve (Fed). Essa instituição, por sua vr#, |
um híbrido de público e privado, é um consórcio de bancos privados t i i |H
presidente é nomeado pelo presidente dos Estados Unidos, com aprova^Ait
do Congresso, mas que, normalmente, funciona de maneira autónoma
Todas as notas de dólar em circulação nos Estados Unidos são “Códulii*
do Federal Reserve” - o Fed as emite como notas prom issórias e conliiilrt
a Casa da Moeda norte-americana para fazer a impressão, pagando a riu
quatro centavos de dólar por nota.8Esse sistema é apenas uma variaç.U >tl<•
esquema criado originalmente pelo Banco da Inglaterra: o Federal Reservo
“empresta” dinheiro para o governo dos Estados Unidos adquirindo açAfl
do Tesouro, e depois monetiza a dívida do país emprestando o dinhelrn
devido pelo governo a outros bancos.9A diferença é que, enquanto o Baiw o
da Inglaterra originalmente emprestava o ouro do rei, o Banco Central ame
ricano simplesmente faz o dinheiro existir dizendo que ele existe. Por isso,
é o Fed que tem o poder de im prim ir o dinheiro.10 Os bancos que recebem
empréstimos do Fed não têm mais permissão de im prim ir dinheiro, m.is
podem criar moeda virtual fazendo empréstimos ostensivos respeitando a
taxa de reservas fracionárias estabelecida pelo Fed - embora, na prática, ale
mesmo essas restrições tenham se tornado muito teóricas.11
Em tudo isso há um tanto de sim plificação: a política monetária é
infinitamente misteriosa, e muitas vezes parece intencionalmente miste
riosa. (Henry Ford observou que, se os cidadãos comuns norte-americanos
descobrissem como o sistema bancário funciona de fato, uma revolução
explodiria no dia seguinte.) E a ilusão não acaba aqui. Por exemplo, em­
bora o Fed tecnicamente não possa emprestar dinheiro para o governo

460
«•imprando títulos do Tesouro, todos sabem que comprá los liitlitei.imenie
( iimu das principais ra/.ões dc sua existência. I*. quando o governo rm ilr
IIIii los do Tesouro, ele de fato está, em certo sentido, emitindo dinheiro:
«o iolocar cm circulação a moeda sim bólica que - como consequência
ii|i.uentemente paradoxal do câmbio flutuante de Nixon - passara a subs-
lilu ir o ouro como moeda de reserva do mundo; ou seja, como estoque
ilelinitivo de valor no mundo, conferindo aos Estados Unidos enormes
VMittagens econômicas.12
Enquanto isso, a dívida dos Estados Unidos continua a ser, como ocorre
ilcsilc 1790, uma dívida de guerra. O país continua gastando com as Forças
Ai ilíadas mais do que todas as outras nações do mundo juntas, e os gas-
los militares não são apenas a base da política industrial do governo: eles
Mmbém tomam conta de uma proporção tão grande do orçamento que, de
iii ordo com várias estimativas, os Estados Unidos não teriam déficit nenhum
m? não houvesse esse montante de gastos militares.
As Forças Armadas dos Estados Unidos, como nenhuma outra, susten-
l.im a doutrina de projeção mundial de poder: o país deveria ter a capacidade,
por meio de aproximadamente oitocentas bases militares ultramarinas, de
Intervir com força letal em qualquer lugar do planeta. De certo modo, no
entanto, as forças em terra são secundárias; pelo menos desde a Segunda
( iiierra Mundial, a chave para a doutrina m ilitar norte-americana tem sido
.1 confiança na força aérea. Os Estados Unidos não lutaram em nenhuma
guerra sem controlar os céus, e têm confiado nos bombardeios aéreos de ma­
neira muito mais sistemática que quaisquer outras forças armadas - como
11a recente ocupação do Iraque, por exemplo, chegando ao ponto de bom­
bardear regiões residenciais de cidades já claramente sob seu controle. A es­
sência do predomínio m ilitar dos Estados Unidos no mundo é, em última
instância, o fato de eles poderem, conforme sua vontade, com aviso prévio
de apenas algumas horas, bombardear absolutamente qualquer ponto na
superfície da Terra.13 Nenhum outro governo jamais teve uma capacidade re­
motamente parecida com a dos Estados Unidos. Na verdade, pode-se afirmar
com certeza que essa é a força que mantém coeso todo o sistema monetário
mundial, organizado em torno do dólar.

461
COMPARATIVO ENTRE A DIVIDA DOS EUA E
O ORÇAMENTO DESTINADO A DEFESA
De 1950 a 2008

1950 1960 1970 1980 1990 2000 2008

Outra vez, estamos falando de poder simbólico. Na verdade, de u


forma de poder que funciona basicamente porque continua sendo simlx >llt *
Na época da Guerra Fria, os Estados Unidos e a U R SS eram consideraili» xti
perpotências principalmente porque seus líderes tinham os meios, grtiv'*
seus arsenais nucleares, de destruir a humanidade apertando um botão. (>! ivln
mente, esse poder só poderia ser traduzido em influência política se não !<in«'
exercido de fato. De maneira mais sutil, o mesmo continua sendo válido p.ii .1ai
ambições cósmicas dos Estados Unidos. Ou seja, o poder não se dá pela anica«,!
direta, mas pela criação de um ambiente político que se define pelo conlici l
mento de um acesso totalmente desproporcional aos meios de violência; csiti
sensação de poder absoluto, no entanto, tende a se dissipar quando a violem Itt
é usada de maneira que ultrapassa a ameaça simbólica.
Como isso funciona em termos econômicos?
Por causa dos déficits comerciais dos Estados Unidos, grandes quantid.i
des de dólares circulam fora do país, e um dos efeitos do câmbio flutuante d<1
dólar é o fato de os bancos centrais estrangeiros não terem muito que fazei
com esses dólares exceto usá-los para comprar títulos do Tesouro dos Esta­
dos Unidos.14Esse é o significado de o dólar se tornar a “moeda de reserva"
do mundo. Esses títulos são, como todos os títulos, supostamente emprés-

462
ii <|iu’ irão vencer e deverão set pagos, mas, como nolou o et oiiomlsl.i
1... 11ludson, o primeiro a observar o fenômeno no iníi lo da dét adu de
u, Isso nunca acontecerá: "Na medida em que esses vales do Tesouro vão
liii orporando na base monetária do mundo, eles jamais serão pagos, mas
to n acumular indefinidamente. Essa característica é a essência da corrida
liiiiu eira dos Estados Unidos, uma taxa imposta à custa do mundo inteiro”.15
Além disso, Hudson nota que, com o tempo, o efeito combinado de paga-
tium <ts a juros baixos e inflação é a perda de valor desses títulos - contribuindo
|mi a o efeito fiscal, ou, como preferi chamar no primeiro capítulo, “tributo”.
()«ei ouomistas preferem chamá-lo de “senhoriagem”. O efeito, contudo, é que
li poder imperial norte-americano se baseia em uma dívida que jamais será -
llrm pode ser - paga. A dívida nacional do país tornou-se uma promessa,
ln llii não apenas ao próprio povo norte-americano, mas também a nações do
mundo inteiro-um a promessa que todos sabem que jamais será cumprida.
Ao mesmo tempo, a política dos Estados Unidos à época insistia que os
países dependentes dos títulos do Tesouro dos Estados Unidos como moeda
ilc reserva se comportassem de maneira oposta: cumprindo políticas mone-
i.irias restritivas e pagando escrupulosamente suas dívidas.
Como já observei, desde os tempos de Nixon os compradores estrangeiros
mais importantes dos títulos do Tesouro dos Estados Unidos tendiam a ser
kmeos em países que, efetivamente, estavam sob ocupação militar dos Estados
l Inidos. Na Europa, o aliado de Nixon mais entusiasmado a esse respeito era a
Alemanha Ocidental, que na época abrigava mais de 300 m il soldados norte-
americanos. Em décadas mais recentes, o foco passou para a Ásia, particular­
mente para os bancos centrais de países como Japão, Taiwan e Coreia do Sul -
outra vez, todos protetorados militares dos Estados Unidos. Além disso, o status
global do dólar é reforçado pelo fato de a moeda ser, desde 1971, a única usada
para comprar e vender petróleo, e todas as tentativas de países da Opep de pas­
sar a negociar em outra moeda foram obstinadamente frustradas pela Arábia
Saudita e pelo Kuwait, também membros da Opep - e, além disso, protetorados
militares dos Estados Unidos.16 Quando Saddam Hussein ousou passar sozi­
nho do dólar para o euro em 2000, seguido pelo Irã em 2001, a retaliação logo
ocorreu, o bombardeio do Iraque e sua ocupação militar pelos Estados Unidos.

463
I impossívii saber até que ponto a dei IsAt nle I liissciti ile se opoi ao dolat |•»>
na decisào dos Estados Unidos de destitui-lo.1 A decisão de pariu tlr unir
“moeda do inimigo”, como ele a chamava, loi apenas um dos gestos lio tlll
ambos os lados. De um jeito ou de outro, provavelmente eles seriam l i ' ,ulnt
guerra; mas é importante aqui lembrar da existência de rumores gene h i l l/ ^ H
de que esse teria sido um dos fatores cruciais, e por isso nenhum esli.iit u ltfi
político em condição de fazer uma mudança semelhante pode ignorar i om |iM
tamente tal possibilidade. Ainda que seus beneficiários não gostem dc.idi iitltfJ
todos os acordos imperiais, cm última instância, baseiam-se no terror.1"

Levando tudo isso em conta, os efeitos imediatos do advento do dólar lliil ii.nti»*
marcaram não uma ruptura com a aliança de guerreiros e financistas si >hi# «
qual se fundou o próprio capitalismo, mas sim algo que se parece muito tiuil#
com sua derradeira apoteose. Tampouco o retorno à moeda virtual levou a uni
grande retorno às relações de honra e confiança: muito pelo contrário, Eslanii m
falando dos primeiros anos do que provavelmente será uma era que irá d ill4)
séculos. Em 1971, a maior parte dessas mudanças nem sequer havia comcçuli 1
American Express, o primeiro cartão de crédito de uso geral, havia sido criado
treze anos antes, e o sistema nacional moderno de cartões de crédito só passt m
a existir com o aparecimento do Visa e do MasterCard em 1968. Os cartõe»
de débito vieram depois, criados na década de 1970, e a economia totalmente
desprovida do uso de dinheiro vivo passou a existir na década de 1990. Todo«
esses novos acordos de crédito eram mediados não por relações interpessoal*
de confiança, mas pelas corporações que buscam o lucro, e uma das primeiras r
maiores vitórias políticas da indústria de cartões de crédito nos Estados Unidi is
foi a eliminação de todas as restrições legais acerca do que cobrar como juros.
Se a história for verdadeira, uma era de moeda virtual deveria implicar o dis
tanciamento da guerra, da ambição imperial, da escravidão e da servidão (ass.i
lariada ou outra qualquer) por dívida, e um movimento rumo à criação de insti­
tuições abrangentes de algum tipo, em escala global, para proteger os devedores.
O que temos visto até,agora é o oposto. A nova moeda global está arraigada no
poder militar com uma firmeza ainda maior que a antiga. A servidão por dívida

464
iilllnuii o principal melo de rei i uliu l rahallio mundialmente se|,i no sentido
mtl, como ocorre em boa parte do Leste Asiático ou du América l.utnu, sc|n no
Hlldo subjetivo, em que a maioria dos que recebem por empreitada ou mesmo
que têm salários fixos sente que o dinheiro que recebe por seu trabalho só dá
|| i i ><

ferti a pagar empréstimos a juros. As novas tecnologias de transporte e comunica-


m•. ,!|>enas facilitaram isso, possibilitando cobrar de trabalhadores domésticos
ihi de operários milhares de dólares em taxas de transporte, levando-os depois
I Ihibalhar em países distantes, onde não têm proteção legal para conseguirem
.1dívida.19Todas essas instituições gigantescas e de largo alcance que foram
1i liidas, e com as quais poderíamos, de algum modo, traçar um paralelo com os
n h divinos do antigo Oriente Médio ou com as autoridades religiosas da Idade
Media, não foram criadas para proteger devedores, mas para impor os direitos
ilns credores. O Fundo Monetário Internacional é apenas o exemplo mais dramá-
lli o sobre o assunto. Encontra-se no topo de uma emergente burocracia global
>íiy;.intesca - o primeiro sistema administrativo genuinamente global da história
liuinana, composto não só das Nações Unidas, do Banco Mundial e da Organiza­
do Mundial do Comércio, mas também de inúmeras associações econômicas,
organizações comerciais e organizações não governamentais que trabalham em
II mjunto -, criada em grande parte com o financiamento dos Estados Unidos.
I (idas essas organizações funcionam de acordo com o princípio de que (a não ser
que se trate do Tesouro dos Estados Unidos, ou do American Insurance Group)
“é preciso pagar as próprias dívidas” - pois se presume que o espectro da ban-
i .irrota de qualquer país põe em risco o sistema monetário mundial, ameaçando,
como na colorida imagem de Addison, transformar todos os sacos de ouro (vir­
tual) do mundo em pedaços de papel sem valor.
Tudo isso é verdade. Mas, ressalto, estamos tratando de um período de ape­
nas quarenta anos do início do que pode ser uma era de quatrocentos ou qui­
nhentos anos. O estratagema de Nixon, que Hudson chama de “imperialismo da
dívida”, já sofreu um desgaste considerável. A primeira vítima foi precisamente
a burocracia imperial dedicada à proteção dos credores (exceto aqueles a quem
os Estados Unidos deviam dinheiro). As políticas do f m i , com sua insistência de
que as dívidas devem ser pagas quase exclusivamente com o dinheiro dos po­
bres, foram de encontro a um movimento igualmente global de rebelião social

465
(o chamado “movimento antigloball/,av'o" embora o nonic seja prolumlan
enganador), seguidas de uma contundente rebelião fiscal tanto no l. c i l e Aaa
como na América Latina. Em 2000, os países do Leste Asiático deram itiu lo 4
boicote sistemático ao f m i . Em 2002, a Argentina cometeu o pecado supi» t
deu um calote-e se saiu bem da história. As subsequentes aventuras milllau1«
Estados Unidos tinham o objetivo claro de aterrorizar e intimidar, mas na< >pai«
ter tido tanto sucesso: parcialmente porque, para financiá-las, os Estatl* *s t in
tiveram de recorrer não só a seus clientes militares, mas também, cada ve/ 11tal*,
China, seu principal rival militar remanescente. Depois do colapso quasi' cc>tii|
de sua indústria financeira, que, apesar de praticamente obter o direito de impi li.
dinheiro à vontade, ainda conseguiu ter trilhões de dívidas que não podi.u 111
paralisando a economia mundial, os Estados Unidos perderam inclusive a 1. i | l
dade de argumentar que o imperialismo da dívida garantia estabilidade.
Para termos uma ideia de como foi extrema a crise de que estamos 1,1
lando, vejamos alguns gráficos estatísticos retirados do site da divis.m ilit
Federal Reserve de St. Louis.20
Eis o tamanho da dívida externa dos Estados Unidos:

DÍVIDA FEDERAL MANTIDA POR INVESTIDORES


ESTRANGEIROS E INTERNACIONAIS
De 1970 a 2010, em US$ bilhões
■ Áreas escuras indicam recessões nos EUA

Fonte: US Department of the Treasury - Financial Management Service


(Departamento do Tesouro dos Estados Unidos - Serviço de Administração Financeira)

466
Enquanto Isso, os bancos privados dos listados Unidos reagiram A »i I nc
lliiindonando toda pretensAo imaginária dc que estamos lidando com uma
Pt onornia de mercado, transferindo todos os ativos disponíveis para os to
ífrs do próprio Federal Reserve, que comprou títulos do Tesouro dos Es-
! .idos Unidos:

MESERVAS TOTAIS DO CONSELHO DE GOVERNADORES


AJUSTADAS PARA MUDANÇAS NAS EXIGÊNCIAS
DE RESERVAS
I ir 1950 a 2010, em US$ bilhões
Areas escuras indicam recessões nos EUA
1 «MH)

1 (MM)

N00

ftOO

400

200

0 ,. ...

I9 6 0 1970

lonte: Board of Governors of the Federal Reserve System


(Conselho de Governadores do banco central dos EUA)

Isso permitiu, por meio de mais um passe de mágica que ninguém teria
capacidade de compreender, que os Estados Unidos, depois de um naufrá­
gio de quase 400 bilhões de dólares, ficassem com reservas muito maiores
do que as que já tiveram em qualquer circunstância histórica:

467
RESERVAS NÃO EMPRESTADAS DE INSTITUIÇÕES
CAPTADORAS DE DEPÓSITOS
De 1950 a 2010 , em US$ bilhões

■ Áreas escuras indicam recessoos noh •*


1.000 ,
800

6 0 0 -----

400

200

0 —

-200

-400 -M----- ------ —


1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010

Fonte: Board of Governors of the Federal Reserve System


(Conselho de Governadores do banco central dos EUA)

Finalmente, alguns credores dos Estados Unidos sentiram que finalmntlf


estavam em posição de exigir que novas agendas políticas fossem levadas nu
conta:

CHINA ALERTA OS EUA SOBRE M ONETIZAÇÃO DA DÍVIDA

Aparentemente em todos os lugares por onde passou em uma recente vl.i


gem à China, Richard Fisher, presidente do Federal Reserve de Dallas, rc
cebeu o mesmo pedido para transmitir uma mensagem a Ben Bernank«\
diretor do Banco Central americano: “Parem de criar crédito a partir do nada
para comprar ações do Tesouro dos Estados Unidos”.21

E difícil saber se devemos encarar o dinheiro desviado da Ásia para apoiar


a máquina de guerra dos Estados Unidos como “empréstimos” ou como “tri
butos”. Contudo, o súbito advento da China como principal detentor de tí
tulos do Tesouro dos Estados Unidos claramente alterou a dinâmica. Alguns
podem perguntar por que, caso esses pagamentos sejam de fato pagamento

468
•1« frllnito.s, o maior rival dos I stados Unidos estaria comprando titulo* do
l i '«mim e ainda concordando com vários acordos monetário» tái Ito» para
Nirititer o valor do dólar e, assim, o poder de compra dos consumidores norte
«Miiericanos.22Acredito, no entanto, que esse seja um excelente exemplo da
nlllldade de adotarmos uma perspectiva histórica de longo prazo.
I )essa perspectiva, o comportamento da China não é nada estranho.
A i aracterística singular do império chinês é o fato de ele ter adotado, desde
pelo menos a dinastia Han, um tipo específico de sistema de tributos pelo
i|iial, em troca de reconhecimento de seu imperador como soberano mun-
<Util, se mostra disposto a abarrotar seus Estados-clientes de presentes em
tnuito maior quantidade do que os que recebe em troca. A técnica parece ter
lido desenvolvida quase como um tipo de truque quando foi preciso lidar
mm os “bárbaros” das estepes do Norte, que sempre ameaçaram as frontei-
i ,is chinesas: foi um modo de oprim i-los com luxos para que se tornassem
11 unplacentes, efeminados e sem disposição para a guerra. Foi sistematizada
na "troca de tributos” praticada com Estados-clientes como Japão, Taiwan,
( ureia e vários países do sul da Ásia, e, por um breve período, entre 1405 e
i.»n, chegou a se estender em escala mundial, sob o comando do famoso
almirante eunuco Zheng He.23 Ele enviou uma série de sete expedições pelo
oceano Índico, sua grande “frota de tesouros” - em espetacular contraste
i om as frotas espanholas de tesouros do século anterior-, carregando não só
milhares de fuzileiros armados, mas infinitas quantidades de seda, porcelana
e outros luxos chineses a fim de presentear os governantes locais dispostos a
reconhecer a autoridade do imperador.24
Tudo isso estava enraizado em uma ideologia de extraordinário chauvi­
nismo (“afinal, existe algo que esses bárbaros possuam de que nós realmente
precisamos?”), mas, aplicado aos vizinhos da China, provou-se uma política
sábia para um império rico cercado por reinos muito menores mas poten­
cialmente perigosos. Na verdade, o governo dos Estados Unidos foi astuto ao
adotar essa mesma política durante a Guerra Fria, criando tratados comer­
ciais favoráveis para Estados - como Coreia, Japão, Taiwan, alguns aliados
favorecidos no Sudeste Asiático - que eram tradicionalmente tributários dos
chineses; nesse caso, o objetivo era conter a China.25

469
Tendo tudo isso cm mcnlc, o quadro geral agora começa a l.i/et «#
tido de novo. Quando os Estados Unidos eram de longe a maior poion*
econômica mundial, eles conseguiam manter Estados tributários, .um «i|
chinês. Assim, esses mesmos Estados, eleitos entre os protctorados niillin
res dos Estados Unidos, puderam lutar contra a pobreza e chegai ao Nlitltfl
de Primeiro Mundo.26 Depois de 1971, como a força econômica dos I m .i i I i M

Unidos em relação ao restante do mundo começou a declinar, eles loitfM


gradualmente transformados em um tipo mais ultrapassado de tribul.it ln|,
Contudo, ao entrar no jogo, a China acrescentou um novo elemento. I rmo«
todas as razões para acreditar que, do seu ponto de vista, esse é o prlnit liu
estágio de um longo processo de reduzir os Estados Unidos a algo parei idi 1n
um tradicional Estado-cliente chinês. E, é claro, os governantes chineses, d«
mesma forma que os governantes de qualquer outro império, não silo um
tivados principalmente pela benevolência. Sempre existe um custo políllul,
e aquela notícia que transcrevemos [p. 468] traz os primeiros vislumbres <U
qual poderia ser esse custo.

Tudo que disse até agora procura chamar a atenção para um dado real
vem se vislumbrando ao longo deste livro: o dinheiro não possui essêm la
Ele não é “realmente” nada; portanto, sua natureza sempre foi e presumi
velmente sempre será uma questão de disputa política. A propósito, esse í>
um fato cuja veracidade se comprova desde os primeiros estágios da histórl»
dos Estados Unidos - como atestam de maneira tão intensa as infindável»
batalhas do século xtx entre defensores do padrão-ouro, do papel-moeda, di 1
sistema bancário livre, do bimetalismo e do uso da prata como padrão mone
tário27- ou considerando-se que os eleitores norte-americanos desconfiaram
tanto da própria ideia de bancos centrais que o sistema do Federal Reserve lol
criado apenas às vésperas da Primeira Guerra Mundial, três séculos depois d<>
Banco da Inglaterra. Até mesmo a monetização da dívida nacional, como já
observei, tem dois lados. Ela pode ser vista - seguindo a linha de raciocínio
de Jefferson - como a aliança perniciosa suprema entre guerreiros e financis
tas, mas também abriu caminho para que encarássemos o próprio govertu >

470
i iimouni devedor morul, c o liberdade como algo que literalmente se deve .1
>. Talvez ninguém tenha colocado a questão de maneira mais eloquente
i|iir Martin Luther King Jr., em seu discurso chamado "Hu tenho 11111 sonho",
proferido na escadaria do Lincoln Memorial, em 1963:

I111 certo sentido, viemos para a capital do país para descontar um cheque.
Quando os arquitetos de nossa república escreveram as magníficas palavras
da Constituição e da Declaração da Independência, assinaram uma nota
promissória da qual cada norte-americano seria herdeiro. Essa nota foi
uma promessa de que todos os homens - sim, tanto negros como brancos
- teriam garantidos os “direitos inalienáveis” de “vida, liberdade e busca da
felicidade”. Está claro que os Estados Unidos deram um calote nessa nota
promissória no que se refere a seus cidadãos de cor. Em vez de honrar essa
obrigação sagrada, o país deu aos negros um cheque sem fundos, um cheque
devolvido com o carimbo de “saldo insuficiente”.

Podemos analisar a crise de 2008 sob a mesma ótica - como o resul-


1,tdo de anos de lutas políticas entre credores e devedores, ricos e pobres. Até
1erto ponto, é exatamente isso o que ela parecia ser: uma fraude, um esquema
1’onzi inacreditavelmente sofisticado, destinado a entrar em colapso quando
Iodos soubessem que os perpetradores seriam capazes de obrigar as vítimas
,1 socorrê-los. Em outro nível, ela pode ser vista como a culminação de uma
batalha sobre a própria definição de dinheiro e crédito.
No final da Segunda Guerra Mundial, o espectro de uma revolta im i­
nente da classe operária, que tanto havia assombrado as classes dominantes
da Europa e da América do Norte no século anterior, desapareceu quase to­
talmente. Isso porque a luta de classes foi suspensa na condição de acordo
tácito. Colocando em termos mais diretos: a classe trabalhadora branca dos
países do Atlântico Norte, dos Estados Unidos até a Alemanha Ocidental,
recebeu a proposta de um acordo. Se concordasse em abandonar quaisquer
fantasias de mudar fundamentalmente a natureza do sistema, ela poderia
manter seus sindicatos, gozar de uma ampla variedade de benefícios sociais
(pensões, férias, assistência médica...), e, talvez o mais importante, graças

471
a instituições edui.11 ionais púhllt .is m m I i i u i i k lamentos generoso* «- • 111
constante expansão, saber que seus filhos teriam uma chance razoável d«- uiii
totalmente da classe trabalhadora. Um dos elementos-chave de tudo Ism >l"i 4
garantia tácita de que o aumento na produtividade dos trabalhadores 11>i 11«
ponderia ao aumento de salários: uma garantia que se manteve muito bem d|É
o final da década de 1970.0 período assistiu então ao aumento muito rapliln
da produtividade e dos salários, o que estabeleceu a base para a economia iln
consumo atual.
Os economistas chamam esse período de “era keynesiana”, pois foi ml*
que as teorias econômicas de John Maynard Keynes, que já haviam sido a I mm»
do New Deal de Roosevelt nos Estados Unidos, passaram a ser adotadas |u l.ii
democracias industriais praticamente em todos os lugares. Com elas, veio junlii
a atitude algo descuidada de Keynes em relação ao dinheiro. O leitor se Icm
brará de que Keynes aceitava totalmente a ideia de que os bancos criam, Mm,
dinheiro “do nada”, e que, por esse motivo, não há uma razão intrínseca qnc
impeça o governo de encorajar isso em períodos de declínio econômico a fim
de estimular a demanda - um posicionamento que, durante bastante temp* 1,
foi idolatrado pelos devedores e odiado pelos credores.
O próprio Keynes era conhecido em sua época por fazer propostas 1,1
dicais, como, por exemplo, sugerir a completa eliminação dessa classe dc
pessoas que vive de dívidas alheias - “a eutanásia dos rentistas”, como dizia ,
embora ele quisesse na verdade sugerir tal eliminação mediante a reduç.l> >
gradual das taxas de juros. Como ocorre em grande parte da teoria keyne
siana, a ideia era muito menos radical do que parecia. Na verdade, ela fazia
parte de uma grande tradição da economia política, que remontava ao ideal
de Adam Smith de um mundo sem dívidas, mas especialmente à condenaç;U 1
por David Ricardo dos proprietários de terras, como parasitas, cuja mera
existência seria hostil ao crescimento econômico. Keynes estava apenas se­
guindo essa mesma linha de pensamento, considerando os rentistas uma
relíquia medieval inconsistente com o verdadeiro espírito da acumulação de
capital. Longe de encarar sua proposta como revolucionária, ele a via, ao
contrário, como avmelhor maneira de evitar uma revolução:

472
Consequentemente, considero o aspecto rentlsta do capitalismo uniu I.im
transitória, que desaparecerá logo que tenha desempenhado su.i Im içA o
lí com o desaparecimento desse aspecto muitas outras transformações de
verão ocorrer. Além disso, a grande vantagem para a ordem dos aconteci­
mentos que preconizo é que a eutanásia dos rentistas, dos investidores sem
função, nada terá de repentino [...] e não precisará recorrer a revoluções.28

Quando as recomendações keynesianas foram finalmente implementadas,


depois da Segunda Guerra Mundial, elas alcançaram apenas uma fatia relativa­
mente pequena da população mundial. Com o passar do tempo, mais e mais
pessoas quiseram fazer parte do acordo. Quase todos os movimentos popula-
i es entre 1945 e 1975, talvez até mesmo os movimentos revolucionários, podiam
ser vistos como demandas de inclusão: demandas de igualdade política que
partiam do princípio de que esta é insignificante sem algum nível de segurança
econômica. Tratava-se de uma verdade não só para os movimentos de minorias
nos países do Atlântico Norte, os primeiros a ser deixados de fora do acordo -
como aqueles para os quais falava Martin Luther King - mas também para os
movimentos de “libertação nacional”, como eram denominados na época, da
Argélia ao Chile, que representavam certos fragmentos de classes do que hoje
chamamos de Sul Global, e, por fim, e talvez de maneira mais dramática, no
linal dos anos 1960 e 1970, para o movimento feminista. Em algum momento
da década de 1970, as coisas atingiram um ponto crítico. Ficou claro que o capi­
talismo, como sistema, simplesmente não poderia estender esse acordo a todo
mundo. Talvez o acordo nem sequer continuasse viável se todos os trabalha­
dores se tornassem trabalhadores assalariados livres; e certamente jamais seria
capaz de dar a todas as pessoas do planeta o mesmo tipo de vida que levava, por
exemplo, um trabalhador da indústria automobilística em Michigan ou Turim,
na década de 1960, com casa própria, garagem e filhos na universidade - e isso
já era evidente muito antes de os filhos começarem a exigir uma vida menos
sufocante. O resultado pode ser chamado de crise de inclusão. No final dos
anos 1970, a ordem vigente estava claramente em colapso, assolada ao mesmo
tempo pelo caos financeiro, por motins por comida, crise do petróleo, profe­
cias apocalípticas generalizadas sobre o fim do crescimento e a crise ecológica
-tud o isso, como se verificou, foi uma maneira de fa/eras camadas popul#
entenderem que os acordos haviam sido desfeitos.
No momento em que começamos a enxergar a história por esse pi lull
fica fácil perceber que os trinta anos seguintes, aproximadamente de i<r 'K
2009, seguiram quase o mesmo padrão. A única diferença foi que o aiordo, fjj
contrato, havia mudado. Quando Ronald Reagan, nos Estados Unidos, e Mar­
garet Thatcher, no Reino Unido, fizeram um ataque sistemático ao podei dm
sindicatos trabalhistas, bem como ao legado de Keynes, esse foi um m<>d< 11I1
dizer explicitamente que todos os contratos anteriores estavam cam el.nlo»
Agora todos podiam ter direitos políticos - na década de 1990 mesmo, qiuitf
todas as pessoas na América Latina e na Á frica-, mas esses direitos polilit u*
se tornariam inexpressivos do ponto de vista econômico. A ligação enliit
produtividade e salários foi totalmente desfeita: as taxas de produtivul.uli
continuaram crescendo, mas os salários estagnaram ou atrofiaram:29

CRESCIMENTO DA PRODUTIVIDADE E DOS SALÁRIOS


De 1947 a 2004
— Produtividade — Salários
2 ,0 %

1947-50 1960 1970 1980 1990 2000-04

Essa tendência foi acompanhada, a princípio, pelo retorno ao “monet.i


rismo”: a doutrina de que, embora a moeda não fosse mais lastreada no ouro,
ou em outra mercadoria qualquer, as diretivas do governo e dos bancos cen
trais deveriam se voltar principalmente para o controle cuidadoso da ofert.i
monetária, garantindo que agiriam como se o dinheiro fosse uma mercadoria
escassa. Mesmo assim, com o tempo, a financeirização do capital fez com que

474
it iimlor parte tio dinheiro Investido no mercado se desligasse' loiulmrnie de
<|n.il(|uer relação com a produção ou o comércio, tornando se puro Instru
fttrnto de especulação.
Porém, isso não quer dizer que mais nada foi oferecido à população em
gi i al, mas que, como afirmei, os termos do acordo haviam mudado. No novo
IIK idclo, os salários não subiriam mais, mas os trabalhadores seriam encora-
I idos a comprar parte do capitalismo. Em vez de os rentistas serem subme-
i ii lt is à eutanásia, todos agora podiam se tornar rentistas - ou seja, podiam se
apoderar de um naco dos lucros criados pelo aumento dramático dos níveis
i le exploração. Os meios para fazer isso eram muitos, e conhecidos. Nos Es-
Iiidos Unidos, havia milhares de fundos de pensão e uma variedade infinita de
i ml ras formas de encorajar cidadãos comuns a operar na bolsa, mas também,
,10 mesmo tempo, a tomar empréstimos. Um dos princípios norteadores do
I lutcherismo e do reaganismo defendia que as reformas econômicas jamais
i il>tcriam apoio generalizado se os trabalhadores comuns não pudessem pelo
menos aspirar à ideia de ter uma casa própria; a isso foram acrescentados,
nos anos 1990 e 2000, esquemas infinitos de refinanciamento de hipotecas
que tratavam casas - cujo valor supostamente subiria sempre - “como se
lossem caixas eletrônicos” (conforme a frase popular na época), embora, em
retrospecto, elas tenham se revelado mais parecidas com cartões de crédito.
I )epois houve a proliferação dos cartões de crédito e dos malabarismos que
se faziam com eles. Então, para muitos, a ideia de “comprar um pedaço do
capitalismo” resvalou furtivamente para algo indistinguível dos conhecidos
llagelos dos trabalhadores pobres: a agiotagem e o penhor. Para piorar, na
década de 1980, as leis federais dos Estados Unidos sobre a usura, que antes
limitavam os juros a uma taxa entre 7% e 10%, foram abolidas pelo Con­
gresso. Assim como os Estados Unidos conseguiram se livrar por completo
do problema da corrupção política tornando o suborno de políticos efetiva­
mente legal (com o nome de “lobby”), o país colocou de lado o problema da
agiotagem com a legalização de taxas de juros reais de 20%, 50%, ou ainda,
em alguns casos (por exemplo, para empréstimos de curto prazo),30 de até
6.000% ao ano - números que teria deixado a Máfia ruborizada - cobra­
das não mais por capangas contratados ou por pessoas que deixam animais

475
mutilados na porta do devedor pura .issiist.i lo, mus sim por Juízrs, utlvi iy#|
dos, oficiais de justiça e pela policia."
Diversas expressões foram usadas para descrever esse novo shii iiih
desde “democratização das finanças” até “financeirização da vida cotldlim<t"11
Fora dos Estados Unidos, ele ficou conhecido como "neoliberalismo" Nfl
plano da ideologia, significou que não apenas o mercado, mas tum hnii M
capitalismo (devo lembrar mais uma vez ao leitor que são coisas dilcrniu»«)
se tornou o princípio organizador de quase tudo. Todos devemos nos
nar como pequenas corporações, organizadas em torno da mesma rcliisAtl
investidor-executivo: entre o bancário e sua matemática fria e calculista, v u
guerreiro que, endividado, abandonou qualquer noção de honra pessoal e
transformou em uma espécie de autômato desencantado.
Num mundo assim, “pagar as próprias dívidas” pode parecer a cxprtfta
são mesma da moralidade, ainda que poucas pessoas consigam fazê-lo h i|
exemplo, muitos tipos de empresas nos Estados Unidos, das grandes cor | m
rações aos pequenos negócios, passaram a adotar a prática de não pagai u*
dívidas para ver o que acontece - reclamando apenas quando são notifii udtt»,
ameaçadas ou quando recebem algum tipo de ordem judicial. Em outras |m
lavras, o princípio da honra foi extinto quase por completo do mercado "
Como resultado, talvez todo o conceito de dívida tenha se envolvido de tinut
aura religiosa.
Na verdade, podemos até falar de uma dupla teologia: uma para os i ir
dores, outra para os devedores. Não é coincidência que a nova fase do impr
rialismo norte-americano da dívida também tenha sido acompanhada pelo
advento da direita evangélica, que - em oposição a quase todas as teologlu»
cristãs anteriores - adotou com entusiasmo a doutrina da “economia pele
lado da oferta” [supply-side economics], aquela de que criar moeda e efetivamente
dá-la aos ricos é a maneira mais biblicamente apropriada de alcançar a pios
peridade nacional. Talvez o mais ambicioso teólogo desse novo credo tenliit
sido George Gilder, cujo livro Wealth and Poverty [Riqueza e pobreza] se toriu ni
campeão de vendas em 1981, bem no início daquilo que ficou conhecido como
a Revolução Reagan. Segundo Gilder, aqueles que achavam que a moeda na< 1
podia ser criada estavam atolados em um materialismo antiquado e ímpio,

476
»••ui perceber que assim como I >cus podia criar algo do nadu, Sua maloi da
Uiva para a humanidade era a própria criatividade, que (uni ionava exatamente
iU mesma maneira. Os investidores podem criar valor a partir do nada graças
.! boa vontade em aceitar o risco inerente ao ato de depositar sua fé na criati­
vidade dos outros. Em vez de ver a imitação dos poderes de criação ex níhilo
de Deus como uma arrogância, para Gilder era exatamente isso que Deus
queria: a criação de dinheiro era uma dádiva, uma bênção, uma canalização
<l.i graça; uma promessa, sim, mas não uma promessa que pode ser cumprida,
ainda que as dívidas continuem se acumulando, pois é pela fé (novamente,
"em Deus confiamos”) que seu valor se torna realidade: “Os economistas que
iiAo creem no futuro do capitalismo tendem a ignorar a dinâmica do acaso
i da fé, que determina fortemente o futuro. Os economistas que desconfiam
tia religião jamais compreenderão os modos de adoração pelos quais se chega
ti( >progresso. O acaso é fundamento da mudança e instrumento do divino”.34
Arroubos desse tipo inspiraram evangelistas como Pat Robertson a de-
( larar a economia pelo lado da oferta como “a primeira teoria verdadeira­
mente divina sobre a criação do dinheiro”.35
Enquanto isso, para os que julgam ser simplesmente impossível criar di­
nheiro, havia uma ordenação teológica bastante diferente. “A dívida é a nova
(ibesidade”, observou recentemente Margaret Atwood, intrigada com a forma
como as publicidades dos ônibus em Toronto deixaram de assustar os passagei­
ros com mensagens sobre o terror que é perder o apelo sexual, e, no lugar disso,
passaram a dar conselhos de como se libertar de pavores muito mais imediatos
provocados por agentes de cobrança:

Há inclusive programas de televisão sobre dívida, com um tom religioso


bem familiar. Nesses programas, há inúmeros relatos de compradores
compulsivos que passaram por surtos de consumo em que tudo era muito
confuso e pouco compreensível, e há confissões entre lágrimas de pessoas
insones que se transformaram em verdadeiras gelatinas trêmulas por causa
das dívidas, e recorreram a mentiras, trapaças, roubos e emissão de cheques
sem fundos. Há testemunhos de famílias e entes queridos cujas vidas foram
destruídas pelo comportamento destrutivo dos devedores.

477
Há também críticas compassivas, mas severas, do apresentador, m
nesse caso faz o papel de padre ou de pregador. I lá entáo o moinmlti i|fl
enxergar a luz, seguido do arrependimento e da promessa de jamais l «
aquilo de novo. Depois vem a penitência imposta - o rec rec da tesout a i oh
tando os cartões de crédito seguida de um regime estrito de rcprewAdfl
compras; e, por fim, se tudo der certo, as dívidas são pagas, os pei «d* is nlit
perdoados, a absolvição é garantida e eis que desponta um novo dia, »M
que você, mais triste, porém mais solvente, se levanta na manhã segiilitliM

Nesse caso, assumir riscos não é de modo nenhum uma reconiCMilai.it"


divina, muito pelo contrário. Mas, para os pobres, as coisas são sempre dlln rit
tes. De certo modo, o que Atwood descreve poderia ser visto como a invn lld
perfeita da voz profética do discurso “Eu tenho um sonho” do reverend» >Ma111m
Luther King: enquanto o primeiro período do pós-guerra consistiu em i xIgOn (
cias coletivas acerca da dívida do país para com seus cidadãos mais humilde«,
e na necessidade de redenção por parte de quem fez falsas promessas, ag< >i *t *|t
ensina a esses mesmos cidadãos humildes que eles devem ver a si próprios i out"
pecadores, que devem buscar algum tipo de redenção puramente individual
para ter o direito de estabelecer vínculos morais com outros seres humam is
Ao mesmo tempo, há algo profundamente enganoso em jogo. Todos
dramas morais partem do pressuposto de que a dívida pessoal é, em última mi
tância, uma questão de autoindulgência, um pecado contra aqueles que ama nu m
- e, portanto, que a redenção deve necessariamente ser uma questão de purga
ção e restauração da abnegação ascética. Antes de tudo, o que se perde de vim a,
nesse aspecto, é o fato de que todos estão endividados (estima-se que, nos Estlidi 1«
Unidos, a dívida das famílias corresponda em média a 130% de seus rendimcn
tos), e uma parte muito pequena dessa dívida foi contraída por pessoas dclt i
minadas a apostar em corridas de cavalos ou a torrar o dinheiro compram!» 1
supérfluos. A maior parte do que se tomou emprestado, o que os economistas
gostam de chamar de “despesas discricionárias”, foi gasta com crianças, com
amigos ou usada para construir e manter relações com outros seres humanos,
relações baseadas em algo mais que o puro cálculo material.37 As pessoas pre­
cisam se endividar para ter uma vida que seja mais que a mera sobrevivência.

478
( '»mo há lambem polítlia envolvida, essa disi ussrto pareie a vai laçAo de
hm i tema visto desde a aurora do capitalismo. Hm última instâiu ia, e a própria
mu iabilidade que é tratada como abusiva, criminosa e demoníaca. A maioria
ili is norte-americanos comuns - incluindo negros e latinos, imigrantes recentes
r outros antes excluídos do crédito-tem respondido a isso com uma insistência
i ilistinada em continuar amando uns aos outros. Eles continuam comprando
i asas para suas famílias, bebidas alcoólicas e aparelhos de som para festas,
presentes para os amigos; até insistem em continuar realizando casamentos
e liinerais, sem considerar que isso possa levá-los à falência - aparentemente
•i incluindo que, como hoje em dia todos têm de se refazer como capitalistas em
miniatura, por que eles também não podem criar dinheiro do nada?
Contudo, é verdade que o papel das despesas discricionárias não pode ser
exagerado. A principal causa de falência nos Estados Unidos são as doenças di­
tas “catastróficas” [que exigem longo tempo de cuidado]; a maior parte dos em­
préstimos não passa de uma questão de sobrevivência (se não se tem carro, não
se pode trabalhar); e, cada vez mais, frequentar a universidade hoje significa
i |tiase necessariamente uma servidão por dívida durante pelo menos metade da
vida produtiva de trabalho dos estudantes.38Mesmo assim, vale destacar que,
para os seres humanos, a sobrevivência raramente basta. Nem deveria bastar.
Nos anos 1990, as mesmas tensões começaram a reaparecer em escala
mundial, à medida que a antiga tendência a contrair empréstimos para pro­
jetos estatais grandiosos, como a represa de Assuã [Egito], deu lugar a uma
enfase no microcrédito. Inspirado pelo sucesso do Grameen Bank em Ban­
gladesh, o novo modelo consistia em identificar empreendedores prom is­
sores nas comunidades pobres e conceder a eles pequenos empréstimos a
juros baixos. “O crédito é um direito humano”, dizia o Grameen Bank. Ao
mesmo tempo, a ideia era recorrer ao “capital social” - conhecimento, redes,
conexões e capacidades que as pessoas do mundo todo já usam para superar
i ircunstâncias difíceis - e convertê-lo em maneira de gerar ainda mais capital
(expansivo), capaz de crescer de 5% a 20% ao ano.
Para antropólogos como Julia Elyachar, o resultado tem dois lados. Con-
lorme lhe explicou, sem medir as palavras, o consultor de uma ONG no Cairo,
cm 1995:

479
O dinheiro dá poder, Esse é um dinheiro que dá poder. Você prei Imi
grande, pensar grande. Aqui os tomadores de empréstimos podem m i | u»<*
sos se não pagarem, então por que se preocupar?
Nos Estados Unidos, recebemos por e-mail dez ofertas de cartão dr t ifi
dito por dia. Pagam-se taxas de juros reais inacreditáveis por esse i icdllii,
algo em torno de 40%. Mas a oferta está feita, então você pega a <.11 leint,
enche-a de cartões de crédito e se sente bem. Ocorreria o mesmo aqui, pilf
que não ajudá-los a se endividar? Você acha que realmente me intei cssit in
ber como usarão o dinheiro, uma vez que paguem o empréstimo? w

A própria incoerência da citação é reveladora. O único tema untli


cador parece ser este: as pessoas deveriam se endividar. É algo bom cm il
mesmo. Dá poder. De todo modo, se ficarem com poder demais, também
podem ser presas. D ívida e poder, pecado e redenção tornam-se qi:.isi
indiscerníveis. Liberdade é escravidão. Escravidão é liberdade. Duranlc 11
tempo que passou no Cairo, Elyachar testemunhou jovens formados cm
um programa de treinamento de uma ong fazendo greve pelo direito <!•<

receber empréstimos para empresas emergentes. Ao mesmo tempo, qiiiiit<


todos davam por certo que a maioria dos estudantes, para não dizer todi n
os envolvidos no programa, era corrupta e explorava o sistema como fonte
de renda pessoal. Aspectos da vida econômica baseados em relações dur»
douras de confiança se tornavam, pela intrusão das burocracias de crédito,
efetivamente crim inalizados.
Ao cabo de mais uma década, o projeto inteiro - mesmo no sul da Asi.i,
onde teve início - começou a parecer semelhante à crise das hipotecas dr
risco nos Estados Unidos: todos os tipos de emprestadores inescrupuloso»
surgiram em abundância, todos os tipos de avaliações financeiras enganos, r,
foram passados para os investidores, os juros se acumularam, os tomado
res de empréstimo reunidos tentaram se recusar a pagar, os em prestados
começaram a contratar capangas para proteger os poucos bens que tinham
(moradias com telhado de zinco, por exemplo) e o resultado final tem sidn
uma epidemia de suicídios de pobres agricultores presos em armadilhas li
nanceiras das quais suas famílias jamais conseguirão sair.40

480
Assim como no pct iodo entre 194S e >975, esse novo 1 ii lo 1nlmlnoii cm
«nitra crise de inclu.s.lo. I liou provada a impossibilidade de realmente traiu*-
formar todas as pessoas do mundo em microempresas ou de "dcmoi ruti/.ai <»
i rédito” para que toda família pudesse ter uma casa (e, se pararmos para pcn
s.ir, se temos os meios para construí-las, por que não construí-las? Há famílias
i|iie não “merecem” ter casas?), bem como a impossibilidade de permitir que
todos os trabalhadores assalariados fossem sindicalizados, recebessem apo­
sentadoria e serviços de saúde. O capitalismo não funciona dessa maneira.
I m última instância, ele é um sistema de poder e exclusão, e, quando atinge o
ponto de ruptura, os sintomas reaparecem, assim como reapareceram na dé­
cada de 1970: motins por comida, crise do petróleo, crise financeira, a súbita
percepção de que o curso das coisas era insustentável em termos ecológicos
seguida da visão de cenários apocalípticos de todos os tipos.
Na esteira da crise do subprim e, o governo dos Estados Unidos foi obri­
gado a decidir quem de fato faz dinheiro a partir do nada: os financistas ou
as pessoas comuns. Os resultados foram previsíveis. Os financistas foram
"socorridos com dinheiro do contribuinte” - ou seja, basicamente o dinheiro
imaginário deles foi tratado como se fosse real. Os detentores de hipotecas
loram em sua maior parte deixados à mercê dos tribunais e sujeitos à lei de
falência que o Congresso havia alterado um ano antes (com uma presciên­
cia bastante suspeita, devo acrescentar), tornando-a muito mais dura com
os devedores. Nada mudou. Todas as decisões importantes foram adiadas.
0 Grande Debate que muitos esperavam jamais aconteceu.

1loje vivemos em uma conjuntura histórica de fato peculiar. A crise do cré­


dito nos deu uma ilustração bem nítida, no capítulo anterior: o capitalismo
realmente não pode funcionar em um mundo em que as pessoas acreditam
que ele durará para sempre.
Nos últimos séculos, a m aioria das pessoas imaginava que o crédito
não podia ser gerado indefinidamente porque se pensava que o próprio sis­
tema económico não duraria para sempre. Era provável que o futuro fosse
muito diverso. No entanto, de algum modo, as revoluções esperadas nunca

481
aconteceram. As estruturas baslias do i«pitalismo financeiro continuai aiit
praticamente no mesmo lugar. Só agora, 110 momento em que fica 1 atia »
mais claro que os acordos atuais não são viáveis, é que nossa im.igniiiçAM
coletiva bate com a cara no muro.
Há uma boa razão para acreditar que, daqui a uma ou duas geraçOc*, u
próprio capitalismo não existirá m ais-m uito provavelmente, como s n ii|n *
lembram os ecologistas, porque é impossível manter uma máquina de <11>«
cimento perpétuo em um planeta finito, e a forma atual de capitalismo mAh
parece ser capaz de produzir as mobilizações e os avanços tecnológii 00 if
volucionários necessários para que comecemos a colonizar outros plunclit*
Contudo, diante da perspectiva do fim do capitalismo, a reação mais coimiffl
- mesmo por parte de quem se diz “progressista” - é o puro medo. Nós m1*
agarramos ao que existe porque perdemos a capacidade de imaginar alguma
alternativa que não venha a ser ainda pior.
Como chegamos a esse ponto? Suspeito que estamos vendo as última«
consequências da militarização do próprio capitalismo norte-americano Nu
verdade, podemos dizer que nos últimos trinta anos assistimos à const ruçAt 1
de um vasto aparato burocrático cujo objetivo é criar e manter a desespp
rança, uma máquina gigantesca feita para, antes de mais nada, destruir qual
quer ideia de possíveis futuros alternativos. Na sua origem está uma veula
deira obsessão por parte dos governantes do mundo todo - em resposia
revoltas dos anos 1960 e 1970 - por garantir que os movimentos sociais na< 1
nasçam, floresçam ou proponham alternativas; de que os que contestam 01
acordos de poder existentes jamais sejam vistos, sob quaisquer circunsiaii
cias, como vencedores.41 Para isso, é preciso criar um vasto aparato formadi»
por exércitos, prisões, polícia, vários tipos de empresas de segurança privada
e de sistemas de inteligência militar, além de instrumentos de propaganda
de todos os tipos concebíveis. A maior parte desse aparato não ataca dire
tamente as alternativas, mas cria um clima de medo universal, de confoi ml
dade chauvinista e puro desespero que faz com que qualquer ideia de mudai
o mundo pareça uma fantasia inútil. Manter esse aparato parece ser ainda
mais importante para os defensores do “livre mercado”, mais ainda do que
manter qualquer tipo viável de economia de mercado. De que outra mane 11a

482
poderíamos explicar o «|iir atontei ou na antiga União Soviet Ua? I >e modo
ycial, pensamos quo o lim da liuerra I ria levaria ao desmantelamento do
exército o da k c .b e à reconstrução de fábricas, mas na verdade o que ocorreu
lol justamente o contrário. Esse é apenas um exemplo extremo do que tem
ii< nntccido em todos os lugares. Em termos econômicos, o aparato é apenas
unia trava no sistema - todas as armas, câmeras de vigilância e instrumen-
li is ile propaganda são extremamente caros e não produzem nada -, e não
Im ilúvida de que ele é mais um elemento que colabora para afundar todo o
»Interna capitalista. Além disso, ele produz a ilusão de um futuro eternamente
i upitalista, ilusão que assentou a base para as infinitas bolhas especulativas.
( I capital financeiro se transformou na compra e venda de nacos desse futuro,
i ,i liberdade econômica, para a maioria de nós, foi reduzida ao direito de
<umprar uma pequena parte da nossa subordinação permanente.
Em outras palavras, parece haver uma profunda contradição entre o im­
perativo político de estabelecer o capitalismo como a única maneira possível
ile gerir tudo e a própria necessidade inconfessa do capitalismo de lim itar
■.eus horizontes futuros para evitar que a especulação, previsivelmente, saia
do controle. Quando isso aconteceu e todo o maquinário capitalista implo-
diu, fomos deixados na estranha situação de não conseguir nem sequer ima­
ginar qualquer outra maneira de arranjar as coisas. A única possibilidade que
M>nios capazes de imaginar é a catástrofe.

Tara começarmos a nos libertar, o primeiro passo que precisamos dar é nos
ver novamente como atores históricos, como pessoas que podem fazer al­
guma diferença no curso dos acontecimentos mundiais. Isso é exatamente o
que a militarização da história está tentando evitar.
Ainda que estejamos no início da virada de um ciclo histórico muito
longo, cabe a nós determinar como será essa reviravolta. Por exemplo: na
ultima vez em que passamos da economia baseada em lingotes para a moeda
virtual, no fim da Idade Axial e início da Idade Média, a mudança imediata
loi vivenciada como uma série de grandes catástrofes. Acontecerá o mesmo
desta vez? É de supor que muito dependa do quão conscientemente nos

483
movimentarmos para garantir que nrto aconteça a mesma coisa. Scríí i|tic uitf
retorno à moeda virtual levará a um afastamento dos impérios e dc ^I iiihIm
exércitos permanentes e à criação dc estruturas mais amplas que llmllcltl ■
atitudes predatórias dos credores? Há boas razões para acreditar que iMiltf
isso acontecerá de novo - e para a humanidade sobreviver provavdiitiHW
será necessário mas não temos ideia de quanto tempo falta p a ra n t i i i i J
nem de como se darão, caso se deem, tais circunstâncias. O capitalism» i u til
transformado o mundo de maneira irreversível. O que tentei fazer neste livra
não foi propor uma visão de como será a próxima era, mas sim abrir mivit|
perspectivas, ampliar nossa percepção das possibilidades e começar a pi<|
guntar o que significaria pensar com profundidade e grandeza apropt laiUt
ao momento.
Vejamos um exemplo. Falei de dois ciclos de movimentos populares dpNM
a Segunda Guerra Mundial. O primeiro (1945-78) em torno da reivindicaçrtt 1df
direitos de cidadania no plano nacional, e o segundo (1978-2008) em torno dit
próprio acesso ao capitalismo. Parece significativo que no Oriente Médio, 1I11
rante o primeiro ciclo, os movimentos populares que contestaram de mane It'd
mais direta o status quo mundial tendessem a ser inspirados no marxismo; mi
caso do segundo, eles se inspiravam em grande parte em alguma variação il< 1
islamismo radical. Considerando que o Islã sempre instalou a dívida no cent 111
de suas doutrinas sociais, é fácil entender o apelo. Mas por que não ampliai a*
coisas ainda mais? Nos últimos cinco mil anos, houve pelo menos dois mo
mentos em que grandiosas inovações financeiras e morais surgiram do pain
que hoje chamamos de Iraque. A primeira inovação foi a invenção da dívida
com juros, talvez por volta de 3000 a.C.; a segunda, por volta de 800 d.C., l<»1
o desenvolvimento do primeiro sistema comercial sofisticado que a rejeitou
explicitamente. Será que estamos preparados para mais uma dessas inovações i*
Essa pergunta talvez pareça estranha para a maioria dos norte-americanos,
pois eles estão acostumados a pensar nos iraquianos ou como vítimas ou con 10
fanáticos (é o que as forças de ocupação sempre pensam a respeito do povo que
vive no território que ocupam), mas vale notar que o movimento mais proemi
nente da classe trabalhadora islâmica contrário à ocupação dos Estados Uni
dos, o sadrista, se refere ao nome de um dos fundadores da economia islâmk a
È
nirmporânea, Muliammad Hnqlr al Sadr. íi verdade que desde então a inalt >i
iit do que se considera economia islâmica atualmente mostrou se pouco
jiiilu ativa.''2Certamente, ela não representa uma ameaça ao capitalismo,
I tifituilo, precisamos lembrar que todas as conversas interessantes sobre, por
Hcinplo, a condição do trabalho assalariado se dão entre movimentos popu-
Iti i < . desse tipo. Ou talvez seja algo simplista procurar algum avanço inovador
[tlii legado puritano da antiga rebelião patriarcal. Talvez ele surja do feminismo.
< >i i do feminismo islâmico. Ou talvez sua procedência seja totalmente inespe-
i iiila. Quem poderá dizer? A única certeza que temos é que a história ainda não
.ii abou, e que as ideias novas e surpreendentes do próximo século surgirão do
' lu^ar que menos esperamos, qualquer que seja ele.

A única coisa clara é que essas ideias não surgirão sem o abandono de boa
parle das nossas categorias habituais de pensamento - que se tornaram um
peso morto, quando não partes intrínsecas do próprio aparato de desespe-
i tinça -, tampouco sem a formulação de novas categorias. Por isso, boa parte
deste livro trata do mercado, mas também da falsa escolha entre Estado e
mercado que monopolizou tanto a ideologia política dos últimos séculos a
ponto de dificultar a discussão sobre qualquer outro assunto.
A verdadeira história dos mercados não tem nada a ver com o que nos
r ensinam a pensar que é. Os primeiros mercados de que temos notícia pare-
I i em ter sido mais ou menos como um transbordamento: efeitos colaterais
dos elaborados sistemas administrativos da Mesopotâmia. Eles funcionavam
basicamente com o crédito. Os mercados à vista surgiram com as guerras:
mais uma vez, sobretudo pelas políticas tributárias feitas originalmente para
aprovisionar soldados, mas que depois se tornaram úteis em todos os aspec­
tos. Foi somente na Idade Média, com o retorno dos sistemas de crédito, que
surgiram as primeiras manifestações do que podemos chamar de populismo
de mercado: a ideia de que os mercados poderiam existir além, contra e fora
dos Estados, como acontecia com os mercados do oceano Índico muçulmano
ideia que ressurgiria depois na China com as grandes revoltas pela prata
no século xv. Ela parece surgir sempre em situações em que os mercadores,

485
por uma ou outra razão, se vecni conjugando esforços com o povo i o iiI m h
maquinário administrativo de algum listado poderoso. Mas o popullsmo«!»*
mercado está sempre rodeado de paradoxos, porque ainda depende, ale t r t n
ponto, da existência do Estado, e sobretudo porque requer que as relaçor« ilfl
mercado sejam fundadas, em última análise, em algo que não seja o men 11 Al*!
culo: nos códigos de honra, de confiança e, por fim, na comunidade e na a|ud4
mútua, mais típicas do que chamei economias humanas.43 Isso, por sua VM
significa relegar a competição a um fator de importância relativamente nin it i|
Adam Smith, ao criar sua utopia de um mercado sem dívida, fundiu elemcnl<l|
desse legado improvável com uma concepção militarista do comportameuto
de mercado, típica do Ocidente cristão. Ao fazer isso, ele foi presciente. Mui
como todos os escritores muito influentes, ele também estava apenas laplu
rando algo do espírito emergente de sua época. O que vemos desde entAo é
uma disputa política interminável entre dois tipos de populismo - o de Estado
e o de mercado -, mesmo que ninguém tenha se dado conta de que eram tl<ilt
lados da mesma moeda.
A principal razão de não termos percebido isso, acredito, é o fato de o
legado da violência ter distorcido tudo ao nosso redor. As guerras, as lon
quistas e a escravidão tiveram papel central na transformação de economiim
humanas em economias de mercado, mas não apenas isso: literalmente, nih >
existe nenhuma instituição na nossa sociedade que não tenha sido afetada
de alguma maneira. A história que contei no final do capítulo 7 - a saber, de
como as nossas concepções de “liberdade” foram transformadas pela insi l
tuição romana da escravidão, que deixaram de dizer respeito à capacidade de
fazer amigos ou de estabelecer relações morais com os outros e se tornaram
sonhos incoerentes de poder absoluto - talvez seja apenas o exemplo mais
dramático, e o mais insidioso, pois faz com que seja muito difícil imaginar
como seria uma liberdade humana plena.44
Se há algo que este livro procura evidenciar é quanto de violência foi
necessário, no decorrer da história humana, para nos deixar em uma situação
em que é possível acreditar, até mesmo, que a vida seja de fato assim - princi­
palmente ao considerarmos quanto da nossa experiência cotidiana contradiz
tudo isso. Como tenho destacado, o comunismo pode ser a fundação de todas

486
in relações humanas o comunismo que, na nossa vida cotidiana, sc man!
li st a sobretudo no que i hamamos de "amor" -, mas sempre ha uma espéi le
de sistema de troca e, muitas vezes, um sistema de hierarquia erguidos sobre
rlc Ksses sistemas de troca podem tomar várias formas, muitas delas perfeita­
mente inócuas. Contudo, estamos falando aqui de um tipo bem específico de
111tea, fundado no cálculo preciso. Como mencionei lá no início: a diferença
i itire dever um favor a alguém e ter uma dívida para com alguém é o fato
ile a dívida poder ser calculada com precisão. O cálculo exige equivalência.
I essa equivalência - principalmente quando envolve a equivalência entre
seres humanos (e sempre parece começar dessa maneira, pois, a princípio,
i is seres humanos são sempre o valor fundamental) - parece ocorrer apenas
quando as pessoas foram arrancadas à força de seus contextos, tanto que po­
dem ser tratadas como idênticas a qualquer outra coisa, como em “sete peles
de marta e doze argolas de prata em troca de seu irmão capturado”, “uma de
Mias três filhas como garantia pelo empréstimo de 150 alqueires de grãos”...
Isso, por sua vez, aponta para a situação constrangedora que assombra
todas as tentativas de representar o mercado como a forma mais elevada
de liberdade humana: o fato de que, historicamente, mercados comerciais
e impessoais têm sua origem no roubo. Mais do que tudo, a recitação sem
fim do mito do escambo, como se fosse uma fórmula mágica, foi o modo
que os economistas encontraram de exorcizar essa incômoda verdade. Esse
lato salta aos olhos. Quem teria sido o primeiro homem a olhar para uma
casa cheia de objetos e avaliá-los de acordo com o que poderia ser usado para
I rocá-los no mercado? Obviamente, só poderia ter sido um ladrão. Ladrões,
soldados saqueadores, talvez até cobradores de dívidas, foram os primeiros
a ver o mundo dessa maneira. Era somente nas mãos dos soldados, logo
depois de eles terem saqueado vilarejos e cidades, que pedaços de ouro ou
prata - derretidos, na maior parte dos casos, depois de serem retirados de
algum tesouro familiar, e que, seja os deuses da Caxemira, seja os peitorais
astecas ou as tornozeleiras usadas pelas mulheres na Babilônia, eram tanto
uma obra de arte como um pequeno compêndio de história - podiam se
tornar pedaços simples e uniformes de moeda corrente sem nenhuma his­
tória, valiosos justamente por não terem história, pois assim podiam ser

487
aceitos em qualquer lugar, sem nenhuma pergunta, H isso continua ‘.nu
verdade. Todo sistema que reduz o mundo a números só pode se susIciMif
pelas armas, seja espadas, porretes ou, como agora, “bombas intelIgenlMi*
lançadas de drones teleguiados.
Esse sistema também só pode funcionar convertendo o amor em dlvlilu
Sei que o uso que faço da palavra “amor” aqui é ainda mais provocad< >r, <) mia
maneira, do que o uso de “comunismo”. Contudo, é importante esclarci iT ||
questão. Assim como acontece com os mercados, que invariavelmente iilcj
meçam a se transformar em redes baseadas na honra, na confiança e nu i t't n
procidade quando se permite que fluam totalmente livres de suas origens vlttJ
lentas, a manutenção dos sistemas de coerção faz constantemente o opoiiuí
transforma os produtos da cooperação, da criatividade, da devoção, do aiuor
e da confiança em números outra vez. Ao fazer isso, o sistema possibilita IniA
ginar um mundo que não passa de uma série de cálculos frios. Além dissi >, AU
converter a própria sociabilidade humana em dívidas, transforma as própi lA I
fundações de nosso ser - afinal de contas, não passamos do somatório du*
relações que temos uns com os outros - em questões de erro, pecado e crime,
e faz do mundo um lugar de desigualdade, a qual só pode ser superada ( .istt
se efetue alguma transação cósmica grandiosa que aniquilará tudo.
Tentar inverter as coisas perguntando “o que devemos à sociedade?", ou
tentando falar sobre nossa “dívida para com a natureza” ou para com algum«
outra manifestação do Cosmos, é uma solução falsa - de fato, é apenas u iu a
luta desesperada para salvar algo da mesma lógica moral que nos separou
do Cosmos. Com efeito, é a culminação do processo, é levar o processo até
o ponto em que ele se manifesta como verdadeira demência, pois se parte
da suposição de que estamos tão absoluta e completamente desenredados
do mundo que podemos jogar todos os outros seres humanos - ou todas as
outras criaturas vivas, ou até o Cosmos - no mesmo saco e depois começar
a negociá-los. Não surpreende que o resultado final, em termos históricos,
seja encararmos a vida como algo que se sustenta sobre falsas premissas,
um empréstimo vencido há muito tempo, e, desse modo, encararmos a pró­
pria existência como crime. Sem dúvida, se há aqui algum crime, é a fraude.
A própria premissa é fraudulenta. O que poderia ser mais presunçoso, ou

488
mais ridículo, do que pensai que ser i.i possível ncgoi iar com os fundamenlt is
•l.i própria existência? Issoé tarefa Impossível. Uma vez que se podem de lalo
rsi .»helecer relações com o Absoluto, isso significa que estamos lidando com
um princípio que existe inteiramente fora do tempo, ou do tempo em escala
humana; portanto, como reconheceram, com razão, os teólogos medievais,
no lidar com o Absoluto não pode existir dívida.

( ONCLUSÃO: T A L V E Z O M U N D O R E A L M E N T E NOS D EVA U M A V ID A

(.1 ande parte da literatura de economia sobre crédito e sistema bancário,


ijuando voltada para questões históricas mais amplas como as tratadas neste
livro, parecem-me pouco mais que argumentos ilusórios. E certo que homens
(nino Adam Smith e David Ricardo suspeitavam dos sistemas de crédito, mas,
|,i em meados do século xix, os economistas preocupados com tais questões
lentavam em larga medida demonstrar que, apesar das aparências, o próprio
sistema bancário era profundamente democrático. Um dos argumentos mais
usados dizia que era um modo de canalizar recursos dos “ricos ociosos” -
que, sem a menor imaginação para investir o próprio dinheiro, o confiavam
,i outros para os “pobres trabalhadores”, que tinham energia e iniciativa para
produzir novas riquezas. Isso justificava a existência dos bancos, mas tam-
bém fortalecia a mão de populistas que exigiam políticas monetárias menos
restritivas, proteção para os devedores etc. - uma vez que, se os tempos eram
difíceis, por que deveriam sofrer justamente os “pobres trabalhadores”, os
agricultores, os artesãos e os pequenos negociantes?
Isso suscitou uma segunda linha de argumentação, conforme a qual sem
dúvida os ricos eram os maiores credores do mundo antigo, mas agora a si-
luação havia se invertido. Assim pensava Ludwig von Mises, que, na década
de 1930, mais ou menos na época em que Keynes sugeria a “eutanásia dos
rentistas”, escreveu;

A opinião pública sempre teve preconceito em relação aos credores; identifica-


-os com o rico ocioso, e os devedores com o trabalhador pobre. Abomina os

489
primeiros, tomando-os por exploradores gananciosos, e aplcdu se do* nltli 1
mos, considerando-os vítimas inocentes da opressão. Julga a açào do noviimm |
que visa reduzir os direitos dos credores como uma medida extrenutnifiit# 1
benéfica para a imensa maioria, à custa de uma pequena minoria de iimm.ti M |
insensíveis. A opinião pública ainda não percebeu que as inovações oipll 1
do século xix mudaram completamente a composição das classes credtH it*# \
devedoras. Na Atenas de Sólon, na Roma das leis agrárias e na Idade Médlit mi 1
credores de modo geral eram os ricos e os devedores, os pobres. Ma1*, m *ld I
nossa época de títulos e debêntures, de bancos hipotecários, sociedadi*<l*>
poupança, apólices de seguro de vida e benefícios previdenciários, as ma^M
populares de menor renda são muito mais credoras do que devedoras.41

Os ricos, portanto, com suas empresas alavancadas em dívidas, ayorH


são os principais devedores. Este é o argumento da “democratização da* (1«
nanças” e não há nada de novo: sempre que houver alguém pedindo a dlml
nação da classe que vive do recebimento de juros, haverá outros para conlc#
tar que tal medida destruirá o sustento de viúvas e pensionistas.
O notável é que, nos dias atuais, defensores do sistema financeiro conIWÍ
mam estar preparados para usar os dois argumentos, apelando a um ou a i ut
tro de acordo com a conveniência retórica do momento. De um lado, lemtn
“especialistas” como Thomas Friedman, que celebra o fato de hoje "todo*"
terem uma parte da Exxon ou do México, e que os ricos devedores, portanto
precisam prestar contas aos pobres. De outro, temos Niall Ferguson, auloi de
A ascensão do dinheiro, publicado em 2009, que ainda pode anunciar, coittlk
uma de suas principais descobertas, que:

A pobreza não resulta de financistas gananciosos que exploram os pi


Ela tem muito mais a ver com a falta de instituições financeiras, com a aiisrn
cia de bancos, do que com a existência deles. É somente quando os empn »
tadores têm acesso a redes de crédito eficazes que eles conseguem fugir da*
garras de agiotas, e é somente quando os poupadores conseguem dep<>*lt||
*
em bancos confiáveis que o dinheiro pode ser canalizado dos ricos o( 111*1Ml
para os trabalhadores pobres.46

490
r.ssitcasituaçAo do debute na literaturadominante. Meu pmpósltuaqui
ii Au foi me envolver tom ela diretamente, mas mostrar tomo ela nos encoraja
0 (empo todo a fazer as perguntas erradas. Tomemos esse parágrafo tomo
ilustração. O que Ferguson está realmente dizendo? A pobreza é causada
|M'U falta de crédito. Os pobres trabalhadores só poderão sair da pobreza se
tiverem acesso a empréstimos de bancos estáveis e respeitados, e não pre-
1harém procurar agiotas ou, presume-se, empresas de cartão de crédito ou
nu préstimos de curto prazo, que hoje cobram taxas de agiotas. Sendo assim,
I oi guson não está preocupado nem um pouco com a “pobreza”, mas sim
i um a pobreza de algumas pessoas, quais sejam, os trabalhadores que não
merecem ser pobres. E os pobres não trabalhadores? É de supor que possam
Ir para o inferno (de maneira bem literal, segundo alguns ramos do cristia­
nismo). Ou talvez seus barcos continuarão sendo levados ao sabor das marés.
Nu entanto, isso é profundamente secundário. Eles são indignos, posto que
m\o são trabalhadores, e por isso o que acontece com eles é irrelevante.
Para mim, é bem isso que a moralidade da dívida tem de tão pernicioso:
0 modo como os imperativos financeiros tentam constantemente reduzir to-
ili is nós, contra nossa vontade, ao equivalente a saqueadores, enxergando no
mundo apenas o que pode ser transformado em dinheiro - e depois tentam
1ii is dizer que somente os que estão dispostos a ver o mundo na qualidade de
«uqueadores é que merecem ter acesso aos recursos necessários para buscar
qualquer coisa na vida que não seja dinheiro. Ela introduz perversões morais
i*m quase todos os níveis. (“Cancelar todos os empréstimos estudantis? Mas
Imo seria injusto com todas as pessoas que lutaram anos para pagar seus em­
préstimos estudantis!” Devo esclarecer ao leitor, como alguém que lutou anos
Imra pagar empréstimos estudantis e por fim conseguiu, que esse argumento
lu/, tanto sentido quanto dizer que seria “uma injustiça” contra uma vítima de
issalto não assaltar também seus vizinhos.)
O argumento talvez fizesse sentido se concordássemos com o pressu-
(insto subjacente de que o trabalho é uma virtude por definição, uma vez
ijuc a medida por excelência do sucesso do homem como espécie é sua
( tipacidade de aumentar a quantidade mundial de produtos e serviços em
pelo menos 5% ao ano. O problema é que se torna cada vez mais óbvio que,

491
se continuarmos seguindo essa linha |>oi muito mais tempo, provavi lm i'i||
destruiremos tudo. Essa gigantesca máquina da dívida que, nos últimos <Iimh
séculos, transformou uma parte crescente da população mundial m>< iiM iyij
lente moral de conquistadores, parece estar enfrentando seus limites ■.<u lalt
e ecológicos. A propensão arraigada do capitalismo de conceber a pio|lH ||
destruição o levou, nos últimos cinquenta anos, a criar cenários qiu .um 1«
çam ruir, levando consigo o mundo inteiro. E não há motivos para at
que essa propensão deixe um dia de existir. A verdadeira pergunta, aj.;tuit, t
como atenuar as coisas um pouco, como seguir rumo a uma sociedade mm
que as pessoas possam viver mais trabalhando menos.
Gostaria de terminar, portanto, falando algo de positivo sobre os pohm
não trabalhadores.47 Pelo menos eles não estão prejudicando ninguém ( i hiim
o tempo que passam fora do trabalho é direcionado para amigos e familiar#«
para aproveitar e cuidar das pessoas que amam, é provável que eles estejam
melhorando o mundo mais do que imaginamos. Talvez devêssemos em ,114
-los como pioneiros de uma nova ordem econômica que não compai tnai la
com a nossa propensão atual à autodestruição.

Neste livro, evitei a todo custo fazer propostas concretas, mas vou encei 1.1 !h
com uma. Parece-me que estamos há muito tempo atrasados para um tipo d*
jubileu ao estilo bíblico: um jubileu que afetaria tanto a dívida internam mal
quanto a dívida do consumidor. Seria salutar não só porque aliviaria niiiltii
o sofrimento humano, mas também porque seria um modo de nos lemln at
mos de que o dinheiro não é algo inefável, que pagar as próprias dívidas 11.)<<
é a essência da moral, que todas essas coisas são acordos humanos e que,
a democracia tem algum sentido, esse sentido é a capacidade de todos c<»11
cordarem em reorganizar as coisas de maneira diferente. Acredito que se|a
digno de nota o fato de grandes Estados imperiais, desde Hamurabi, terem
quase invariavelmente resistido a esse tipo de política. Atenas e Roma estai >c
leceram o paradigma: mesmo confrontados com contínuas crises da dívida,
insistiram em legislar apenas nas bordas do sistema, suavizando seu impai tu,
eliminando abusos óbvios como a servidão por dívida, usando espólios dn

492
r
Império para distribuir todos os tipos do bcnoíít. los extras aos tidadAo* m.ns
pobres (que, afinal do contas, oram os soldados rasos que compunham seus
i uTt itos), a fim de se manterem mais ou menos respirando mas sem de
'.aliarem demais o próprio princípio da dívida. A classe dirigente dos lista
dos Unidos parece ter adotado uma abordagem notadamente semelhante,
i llminando os piores abusos (por exemplo, prisões por dívida), usando os
11 utos do império para dar subsídios, explícitos ou não, para a grande maio­
ria da população - e, nos últimos anos, manipulando as taxas de câmbio
para abastecer o país de produtos baratos da China, mas sem nunca deixar
que as pessoas questionem o princípio sagrado de que todos devemos pagar
nossas dívidas.
A esta altura, porém, já está claro para o leitor que esse princípio é uma
grande mentira. O mais revelador é que nem “todos” entre nós temos que
pagar nossas dívidas. Apenas alguns pagam. Nada seria mais importante do
que passar uma borracha na dívida de todas as pessoas, marcar uma ruptura
tom nossa moral e começar tudo de novo.
Afinal de contas, o que é uma dívida? E apenas a perversão de uma pro­
messa. É uma promessa corrompida pela matemática e pela violência. Se
a liberdade (a verdadeira liberdade) é a capacidade de fazer amigos, então
também é necessariamente a capacidade de fazer promessas reais. Que tipos
de promessas homens e mulheres livres de fato fariam uns para os outros?
Neste momento, não podemos dizer. Interessa mais saber como podemos
chegar a um lugar que nos permita descobrir como seria. E o primeiro passo
ila caminhada é aceitar, numa visão mais abrangente das coisas, que, assim
como ninguém tem o direito de dizer qual é o nosso real valor, ninguém tem
o direito de nos dizer o que realmente devemos.

493
Posfácio
;oi4

Quando resolvi escrever este livro, em meados de 2008, estava muito preo-
I *iipado com o colapso financeiro. A maioria das pessoas interessadas nas
! questões em jogo reconhecia que algum tipo de crise era inevitável - quer
; dl/,cr, também havia quem afirmasse o contrário por interesses comerciais.
I hm' contexto político transformou o que eu havia concebido originalmente
I I imo um livro acadêmico, de orientação teórica, em algo muito mais amplo:
tuna tentativa de examinar se era possível usar as ferramentas intelectuais
disponíveis - ferramentas históricas, etnográficas e teóricas - a fim de influen-
«iar de fato a discussão pública em questões realmente importantes.
Em parte por esse motivo, também decidi escrever um livro de grande
|h>rte, abrangente e enciclopédico - como os que ninguém mais escreve. O que
c especialmente verdade para antropólogos como eu. Sempre achei que havia
uma ironia trágica no modo como os antropólogos atuam na academia. Há pelo
menos um século, eles têm desempenhado o papel de pessoas impertinentes:
sempre que algum teórico ambicioso, na Europa ou nos Estados Unidos, aparece
la/.endo generalizações grandiosas sobre como os seres humanos organizam
ii vida política, econômica ou familiar, surge um antropólogo dizendo que há
povos em Samoa, Terra do Fogo ou Burundi que fazem exatamente o contrário.
Mas, justamente por essa razão, os antropólogos também são os únicos capazes
de fazer generalizações amplas que desafiam as evidências. E, no entanto, cada
vez mais achamos que é errado fazê-las, pois soam como uma forma de arro­
gância, às vezes até como imperialismo intelectual.
Surpreendi-me, porém, com o fato de que um ambicioso esforço de
comparação como este era exatamente o que a época pedia. Duas razões me
lizeram chegar a tal conclusão. Eis a primeira (e mais óbvia): nossa imagina-
; ção coletiva, como observei, sofreu uma espécie de colapso. E quase como se

495
as pessoas tivessem sido levadas a ik redllar que os avanços lei iioló^ji
da nossa época, e a sua tão grande complexidade social, tivessem o elHl
de reduzir nossas possibilidades políticas, sociais e econômicas, cm ve/, 4
expandi-las. Ao invés de aumentar nosso campo de visão, impossibílh.iMiil
qualquer tipo de política visionária. Um livro que levasse em conta a lilMnt tu
em toda a sua amplitude revelaria necessariamente os diferentes modos <(«•>■
os seres humanos encontraram para ordenar sua vida política e econòmli#
no passado e, ao fazê-lo, ajudaria a ampliar nossa percepção do futuro,
A segunda razão - e por isso pensei que uma história de 5 mil anos sei ta
especialmente útil - era mais sutil. Ficou claro que 2008 representav.i uni
divisor de águas histórico, e a verdadeira questão era entender em que esi ,tU
isso se dava. Afinal, quando se está no centro de eventos históricos radl» ul*
que parecem representar algum tipo de ruptura, a coisa mais importante rt
fazer é ter uma noção clara da estrutura rítmica geral. Seria essa crise algum
tipo de fenômeno geracional, um mero movimento dos altos e baixos do
capitalismo ou o desdobramento inevitável de uma onda de Kondraticff, qui
representa ciclos de sessenta anos de inovação e declínio tecnológico'!* <>ti
algo ainda maior e mais memorável? De que maneira todos esses ritmos «•
entrelaçam e se separam? Existe um ritmo central responsável pela condti
ção dos demais? De que maneira eles se apoiam uns nos outros, produzindi 1
síncopes, concatenações, harmonias e colisões?
Quanto mais eu refletia sobre a questão, mais me aproximava da com In
são de que essa crise tinha de ser considerada na maior escala histórica pim
sível, e que, para compreendê-la, precisaríamos repensar totalmente nossic.
ideias sobre os ritmos da história econômica.
Ora, talvez os antropólogos não pareçam os melhores candidato«
para essa tarefa, embora, na verdade, ocupemos uma posição que pode
ser perfeita para realizá-la. Isso porque economistas e historiadores cos
tumam se perder em direções opostas. Os economistas tendem a abordar
a história munidos de modelos matemáticos ainda em vigor e de suposl
ções sobre a natureza humana que eles suscitam: basicamente, trata-se de
*

organizar os dados em torno das equações. Os historiadores, em contra


partida, são tão decididamente empíricos que muitas vezes se recusam ti

496
la/ei conjecturas; na falta tlr Indíc los diretos, por exemplo, de assembleia-,
democráticas populares n.i Idade do Bronze europeia, eles nflo se pergiin
i ,i i i i se não seria razoável supor que tais assembleias existiram, ou se teriam
deixado, nos vestígios disponíveis, alguma pista de sua existência. Hm ve/
disso, os historiadores simplesmente agem como se as assembleias não ti-
vessem existido e não pudessem existir, e portanto consideram que o “nasci­
mento da democracia” tenha ocorrido na Grécia da Idade do Ferro. Por isso
temos tantas “histórias do dinheiro” que na verdade são histórias da cunha­
gem: como as moedas deixam traços óbvios, ao contrário do que costuma
<»correr com os registros de crédito, os historiadores ignoram totalmente a
possibilidade da existência destes. Os antropólogos, por outro lado, além
de ser empíricos - eles não aplicam simplesmente modelos predefinidos
também têm à sua disposição uma riqueza tal de materiais comparativos
i|Ue podem especular sobre como deveriam ser as assembleias nos vilare-
|i is europeus da Idade do Bronze ou os sistemas de crédito na China antiga.
I podem reexaminar os vestígios disponíveis para ver se eles confirmam ou
contradizem suas afirmações.
Por fim, os antropólogos estão plenamente cientes de que não se pode fa­
lar de “vida econômica” como uma categoria a priori. Até pelo menos trezen-
u »sanos atrás “a economia” não existia, pelo menos no sentido de algo a que as
pessoas poderiam se referir como uma entidade em si, com suas próprias leis e
princípios. Para a grande maioria dos seres humanos na história, as “questões
econômicas” eram apenas um aspecto do que chamaríamos de política, lei,
vida doméstica ou até religião. A linguagem econômica sempre foi - e ainda
e - fundamentalmente moral, mesmo quando insiste em não ser (como nos
Imperativos políticos implacáveis da Idade Axial, ou na análise custo-benefício
"racional” dos economistas hoje em dia), e uma genuína história econômica
deve, portanto, também ser uma história da moralidade. Por isso o capítulo
sobre a lógica transacional - comunismo, troca e hierarquia - tem um papel
tão central neste livro. Toda discussão sobre questões econômicas, sobre di­
reitos de acesso a produtos ou recursos de valor, ou sobre a disposição desses
produtos ou recursos, sem falar sobre a dívida, sempre será um emaranhado
de diferentes discursos morais que entram em conflito de variadas maneiras.

497
Desse modo, c provável que minha maior Inspiração tenha siilo o aniiopu
logo francês Mareei Mauss, porque ele foi talvez o primeiro a reconhe» «*r
que todas as sociedades são um amontoado de princípios contrailitói i<11 *•
também porque, em termos mais específicos, foi um dos primeiros a tenlrtl
combinar as ideias da história antiga com as da etnografia contempoi Aih a
para desmascarar as suposições bizarras sobre a vida e a natureza humana*
nas quais se baseia a economia moderna. Mais importante ainda, ele tnilnti
fornecer uma alternativa ao “mito do escambo”, identificado corretamente,
em seus aspectos mais importantes, como o mito fundador da civil!/,n»
ção contemporânea.
Mauss é uma figura curiosa na história da antropologia. Muito embuta
nunca tenha realizado pesquisa de campo nem escrito um livro propi la
mente dito (ele morreu cercado de projetos inacabados), os ensaios esporA
dicos que publicou exerceram notável influência - todos eles ensejaram unia
literatura consistente. Ele tinha o dom extraordinário de fazer as pergunta.
mais interessantes - sobre o sentido do sacrifício, a natureza da magia ou
da dádiva, o modo como as premissas culturais são inscritas na postura e
em outras técnicas do corpo, ou sobre a própria ideia do eu. Essas questõen
vieram definir aquilo em que consiste a própria antropologia. Como teórico,
portanto, Mauss estabeleceu uma obra importante e bem-sucedida. Mas ele
também era ativista político, cooperativista e ávido colaborador de jornal*
e revistas socialistas que procuraram aplicar as constatações da teoria social
aos problemas políticos - e aqui seus esforços não obtiveram sucesso algtm i
Seu trabalho mais conhecido, Etisaio sobre a dádiva, tinha o objetivo de acabai
de uma vez por todas com a noção de que as economias primitivas funciona
vam com base no escambo, e apesar de seu prestígio nos círculos intelectuais
a obra praticamente não teve influência sobre o modo de ensinar economia
ou sobre o entendimento popular da questão.
Enquanto eu escrevia este livro, disse algumas vezes para mim mesmo
que queria fazer um livro que o próprio Mauss teria feito se tivesse conse
guido superar sua persistente desorganização. Não tenho certeza se cumpri
meu objetivo - não sei nem mesmo se teria sido bom se tivesse conseguido
cum pri-lo -, mas estou extremamente satisfeito por realmente ter ajudado

498
.i concretizar um dos ob|c*t 1vt>n de Ioda a vicia de Mauss: ac.ih.ii defmlllva
mente com o niilo do esc ambo. A propósito, esse não era um objetivo apenas
ilc le - a questão vem aborrecendo os antropólogos há mais de cem anos. No
que se refere a esse mito, a sensação que a maioria de nós tinha era a de que
sempre batíamos nossa cabeça contra a parede ao ouvir a mesma história
ser adaptada e repetida ad nauseam por economistas, reproduzida em textos
escolares e cartuns e recontada na forma de senso comum em todo canto, não
Importa quantas vezes demonstrássemos que ela simplesmente não poderia
ser verdadeira. Obviamente, vai demorar ainda algum tempo para perceber­
mos quanto a mudança é realmente profunda ou duradoura, mas parece que
0 sucesso de D ívida finalmente provocou certo impacto. Em 2014, o Banco da
Inglaterra publicou o informe “O papel do dinheiro na economia moderna”,
acompanhado por um vídeo e um texto explicando as origens do dinheiro,
que começa como se fosse contar o mito do escambo (“Imaginem um pesca­
dor e um fazendeiro que, no início dos tempos, quisessem fazer uma troca
entre si...”). Em vez disso, entretanto, fala da história de vales improvisados,
,ilgo que poderia ter sido tirado diretamente do meu livro. Na verdade, um ou
dois amigos acreditam piamente que tenha sido. Eu não saberia d izer-a ideia
também pode ter sido inspirada pela Teoria Monetária Moderna -, mas devo
admitir que minha primeira reação foi estourar uma garrafa de champanhe
em homenagem a todos os antropólogos: depois de um século de trabalho, é
possível que tenhamos finalmente conseguido chegar lá!

Não foi só por isso que o impacto deste livro me deixou surpreso - e até
mesmo chocado, eu diria. Grande parte de seu sucesso se deve, é claro, apenas
no extremo acaso do momento certo. Não falo com ironia aqui, pois antes de
1)ívida minha carreira intelectual tinha sido marcada pelo pior tim ing imaginá­
vel. Escrevi um livro de etnografia longo, detalhado e romanceado (Lost People)
no momento em que publicar etnografias longas tinha se tornado quase im ­
possível; escrevi um livro de teoria antropológica (Toward an Anthropological
l heory o f Value) no momento em que os livros de teoria não despertavam
mais interesse para a disciplina; tornei-me conhecido como ativista, defensor

499
da ação direta, logo depois do u de Setembro. Intflo, em 2011, foi como
todo o tim ing que me faltara durante uma década e meia estivesse agindo eiM
meu favor. Meu livro sobre a dívida apareceu no momento exato em qur a*
pessoas descartaram a ideia de que 2008 representava 11111 acidente liisti 111. o
momentâneo - e quando pareceram dispostas a fazer perguntas sérias mtlnt>
o que a política baseada na dívida realmente significava. Além disso, eu apu
reci em Nova York para promovê-lo no instante em que começava a se lorttuii
um movimento social que arrebataria os Estados Unidos, e até o mumli >. a
partir justamente de discussões sobre a dívida.
Obviamente, falo da minha contribuição pessoal ao Occupy Wall
Street. Quando voltei a Nova York, em junho de 2011, procurei me enga|rt*
em algum projeto de ativismo e acabei me deparando com um dos ollcut«
e tantos militantes que planejaram a ocupação do Zuccotti Park. Na épi ma
porém, eu realmente não percebi como as duas coisas, meu estudo e nu n
ativism o, estavam conectadas. Na verdade, trabalhei duro para m.mti'
-las separadas - afinal, não queria me tornar um intelectual de vanguanla
impondo a um movimento social uma visão ideológica; também .11 h.u ,1
que seria de péssimo gosto usar esse movimento para promover meu !l
vro. Tentei evitar falar sobre o livro, ou sobre as ideias que o compunham,
durante reuniões e encontros com ativistas. Por fim, descobri que a t.mia
ficava cada vez mais difícil. Toda vez que eu falava sobre o livro para algum
jovens, pelo menos um deles - algumas vezes, muitos deles - me proí u
rava depois para perguntar sobre a possibilidade de criar algum tipo ilt<
movimento em torno da questão da dívida estudantil. Depois, qu.mdu
a ocupação do Zuccotti Park começou - e não tínhamos ideia de quem
apareceria na ocupação, se é que alguém apareceria -, descobrimos qu»
o maior contingente era de refugiados da dívida. Depois da repressão ao*
acampamentos, começamos uma série de assembleias públicas a fim ilr
descobrir para onde as pessoas queriam que levássemos o m ovim eiili r
as assembleias sobre a dívida foram gerando maior interesse do que as ou
tras. Não demorou para que eu me juntasse ao Strike Debt! - um grupi >d**
trabalho do Occupy com o qual evitei me envolver nos primeiros dias pelai
mesmas razões descritas acima - e ajudasse a formular a estratégia do I ><bl

500
Keslstors' Operations Manual | M.uiu.il de operações da ro slstíiu la á «li vitl.i |.
do Rolling Jubilee e de otilros projetos.

Ainda resta saber onde tudo isso vai dar. O legado intelectual do livro e o
significado político fundamental dos movimentos de 2011 e das m obiliza­
ções subsequentes que tiveram a dívida como motivador ainda vão demorar
bastante tempo para ser esclarecidos. Suspeito - pelo menos gosto de pensar
■issirn - que os debates mais interessantes sobre as questões levantadas em
I )ivida também pertencem ao futuro. Quase toda a reação inicial correspon­
deu àquela que podemos esperar de um livro que tenta reformular problemas
antigos em termos pouco conhecidos e um tanto inquietantes. Muitos libe­
rais norte-americanos, por exemplo, aceitaram a premissa básica (aquela de
que há milhares de anos existe uma conexão íntima entre a organização dos
impérios e outras formas de violência estatal, dívida e formas de criação de
dinheiro) como uma revelação histórica fascinante - e depois reagiram com
raiva quando sugeri que a premissa continuava válida depois de 1945. (Somos
levados a acreditar que o velho sistema foi substituído por um novo sistema
puramente espontâneo e não imperial que, apenas por acaso, parece funcio­
nar e funciona quase daquela mesma maneira.) Muitos radicais simplesmente
me criticaram por escrever este livro e não outro qualquer (sobre a teoria
do valor em Marx, talvez, ou sobre a história econômica neoclássica). Em­
bora haja exceções brilhantes - Benjamin Kunkel, George Caffentzis, Silvia
lederici são os nomes de que me lembro com mais facilidade -, teremos de
esperar algum tempo, acredito, até que discussões realmente importantes
tenham início.

Meu maior desejo, é claro, seria ver este livro contribuir, de alguma maneira,
para uma reavaliação moral mais ampla das ideias de dívida, trabalho, di­
nheiro, crescimento e até mesmo de “economia”. Como eu disse, a simples
ideia de que existe algo chamado “economia” é relativamente nova. Será que
as crianças nascidas hoje irão conhecer um tempo em que não existirá mais

501
uma “economia", um tempo cm que poderemos examinar todas essas qut>t
tões em termos totalmente diferentes? Como seria um mundo asslnu' I Im
nossa atual posição, é muito difícil imaginá-lo. Mas, se tivermos de i rim uni
mundo que não ameace dizimar nossa humanidade mais ou menos .11tulii
geração, é exatamente nessa escala que precisamos começara repensar .is t h|
sas. E, durante esse processo, muitos dos nossos mais caros princípios st iliif
o valor do trabalho, por exemplo, ou sobre a virtude de pagar as prôpi i.n
dívidas - serão virados de cabeça para baixo.
Foi com tais ideias em mente que resolvi encerrar o livro tal com« 1 \\t,
saudando os pobres não trabalhadores.
Por isso, devo terminar este posfácio de maneira semelhante, com iiiim
reverência a Adam Smith. Sei que o grande filósofo escocês não foi m iillii
bem retratado neste livro, em parte porque abordei apenas uma parcela dt
sua filosofia - seu esforço para conceber uma visão utópica em que cada p<>»
soa pudesse negociar livremente com outras, sempre procurando o mellini
para si e sem dever nada a ninguém. Mas tudo isso se baseava numa tooild
das motivações humanas que pressupunha que as pessoas, em geral, et.1111
estimuladas sobretudo a ser objeto da atenção e da solidariedade dos outro»
As pessoas buscam a riqueza porque sabem que os outros se importam m.tU
com quem é próspero. Por isso, ele acreditava que o livre mercado furu lo
naria para o aperfeiçoamento de todos: estava convencido de que os setr*
humanos comuns não seriam tão diligentes, e portanto tão ambiciosos, par«
continuar buscando vantagens depois de atingir determinada comodidade
ou seja, não continuariam acumulando mais e mais riquezas simplesmente
por acumular. Para Adam Smith, a busca de riquezas além de determinado
ponto em que se atingiu uma posição confortável era inútil, até patológii n,
Por isso, em Teoria dos sentimentos morais, ele relembra esta história de Plutari 1*!

O que o favorito do rei de Epiro disse para seu senhor aplica-se a todos o»
homens nas situações comuns da vida. Quando o rei contou a ele, na ordem
correta, todas as conquistas que se propôs a realizar e chegou à última delas,
o favorito indagôu-lhe:
— E o que Vossa Majestade pretende fazer depois disso?

502
— Pretendo go/at du vld.t com os amigos e fazer <.la rufa lima l>o.i
companhia — respondeu o rei.
— E o que impede Vossa Majestade de começar agora mesmo? - per
guntou o favorito.1

O engraçado dessa história é que, ao lê-la, percebi que se tratava basica­


mente da mesma piada que meu orientador na pós-graduação, o antropólogo
Marshall Sahlins, costumava contar - embora, neste caso, a narrativa tenha
sido transformada no encontro imaginário entre um missionário e um sa-
moano descansando na praia:

m is s io n á r io : Veja só você! Está jogando a vida fora ao ficar deitado o dia


inteiro desse jeito.
sa m o a n o : Por quê? O que acha que eu deveria estar fazendo?
m is s io n á r io : Ora, tem um monte de cocos por aí. Por que você não seca a
polpa e vende?
sa m o a n o : E para que eu faria isso?
m i s s i o n á r i o : Você pode ganhar muito dinheiro. E, com o dinheiro que ga­

nhar, pode comprar uma máquina para secar a polpa mais rapidamente
e ganhar ainda mais dinheiro.
s a m o a n o : Certo, mas para que eu faria isso?

m is s io n á r io : Bom, você ficaria rico. Poderia comprar terras, plantar mais


árvores, expandir suas atividades. A partir de então, nem precisaria mais
fazer o trabalho pesado, poderia contratar outras pessoas para isso.
sa m o a n o : Certo, mas por que eu faria isso?
m is s io n á r io : Bom, ao final, cheio de polpa, propriedades, máquinas, em­
pregados e dinheiro, você poderia se aposentar como um homem rico.
Então não teria de fazer mais nada e poderia passar o dia inteiro deitado
na praia.

503
Notas

I SI HIKE A E X P E R IÊ N C IA DA CO N FUSÃO M O R A L

I ( <>111 os resultados previsíveis de que na verdade não foram construídas para facilitar
» li ti omoção e a circulação do povo no país, mas principalmente para que os produtos
nlilldos nas plantações chegassem aos portos, movimentando o câmbio exterior para
|t«K«r a construção de estradas rodoviárias e linhas férreas.
i ( )s Estados Unidos, por exemplo, só reconheceram a República do Haiti em i860.
A I rança manteve-se obstinadamente presa a sua reivindicação e a República do Haiti foi
li irçada a pagar o equivalente a 21 bilhões de dólares entre 1925 e 1946 - durante a maior
ptirte desse período o país esteve sob ocupação m ilitar dos Estados Unidos.
I I lallam, Henry. The Constitutional History of England, pp. 269-70. Como o governo não
itchava apropriado pagar pela manutenção dos improvidentes, os prisioneiros deviam
iircar com todos os custos da própria prisão. Se não podiam fazê-lo, simplesmente mor­
riam de fome.
4 Se considerarmos as responsabilidades tributárias como dívidas, trata-se da maioria
rsmagadora - e, no mínimo, as duas estão intimamente relacionadas, uma vez que, no
i urso da história, a necessidade de juntar dinheiro para pagar impostos sempre foi o
maior motivo da contração de dívidas.
5 Finley, Moses. Slavery in Classical Antiquity, p. 63; The Ancient Greeks, p. 24; The Ancient
l.conomy, p. 80; Economy and Society in Ancient Greece, p. 106; Politics in the Ancient World,
p. 108. E esses são apenas os que consegui identificar. O que ele diz sobre Grécia e Roma
parece ser igualmente verdadeiro para a China, o Japão ou a índia.
6 Galey, Jean-Claude. “Creditors, Kings and Death”, 1983.
7 Jacques de V itry citado em Le Goff, Jacques. Your Money or Your Life, p. 64.
8 Kyõkai, Record o f Miraculous Events in Japan (c. 822), citado em LaFleur, W illiam R. The
Karma of Words, p. 36. Também Nakamura, Kyoko Motomochi. Miraculous Stories from the
Japanese Buddhist Tradition, pp. 257-9.
9 Kyõkai citado em LaFleur, op. cit., p. 36.
10 Idem, p. 37.
II Jan Hoffman, “Shipping Out o f the Economic C risis”, sobre a única indústria de na­
vegação especializada em desmontagem de navios de carga e venda do material para
ferros-velhos que se expandiu depois de 2008.
12 Simon Johnson, diretor econômico do fm i na época, resumiu essa questão em um
artigo publicado na The Atlantic: “Quase todas as agências reguladoras, legisladores e

505
académicos assumiram que os gerente* desses bancos sabiam o que estavam la/fii«|i«
Em retrospecto, eles nào sabiam. A dlvlsito de produtos financeiros do American
national Group (a ig ), por exemplo, obteve 2,s bilhões de dólares de lucro bruto em n n i||
basicamente revendendo seguros subvalorizados sobre títulos complexos e into mnllfl
bem compreendidos. Geralmente descrita como ‘caçar níqueis na frente de um im Im
compressor’, essa estratégia é lucrativa nos anos comuns e catastrófica nos anos riilltt
Quanto à última queda, o a ig teve seguros não pagos sobre mais de 400 bilhões di do
lares em títulos. Até esta data, o governo dos Estados Unidos, no esforço de n 4
empresa, aplicou cerca de 180 bilhões de dólares em investimentos e empréstimos |niia
cobrir as perdas que a sofisticada modelagem de risco do a ig disse que seriam piiillt a
mente impossíveis” (Johnson, Simon. “The Quiet Coup”, 2009). Johnson, é claro, i^iiort
a possibilidade de que o a ig soubesse perfeitamente bem o que poderia acontei ci, ma*
simplesmente não se im portou, uma vez que sabia que o rolo compressor ai I1.1t <11la
outra coisa qualquer.
13 Em contrapartida, a Inglaterra já teve uma bancarrota nacional em 1571. A tent al Iva i|f
criar uma lei federal de falência nos Estados Unidos em 1800 fracassou; uma lei c iiiio ii
em vigor brevemente entre 1867 e 1878, destinada a aliviar os veteranos endividados da
Guerra C ivil, mas foi abolida por fundamentos morais (ver Mann, Bruce H. RqinMfi nf
Debtors, 2002, para um bom relato recente). Há mais probabilidade de que a reform.i da
falência nos Estados Unidos torne os termos mais rigorosos do que o contrário, comti
aconteceu com as reformas de 2005 de acordo com as exigências da indústria, aproviidii*
pelo Congresso pouco antes do colapso do crédito.
14 O fundo de amparo hipotecário estabelecido depois do resgate financeiro, porexem
pio, forneceu ajuda apenas para uma porcentagem m inúscula de requerentes, e lulu
houve nenhum movimento para a liberalização das leis de falência que de fato tenh.i 11
tornado mais rigoroso, sob a pressão da indústria financeira em 2005, apenas dois .11111«
antes do colapso.
15 Serres, Chris; Howatt, Glenin. “In Jail for Being in Debt”, 2010. Ver “In for a Penny*
The Rise o f Am erica’s New Debtor’s Prisons”, American C ivil Liberties Union, out til un
de 2010, www.aclu.org/files/assets/InForAPenny_web.pdf.
16 Jameson, Angela; Judge, Elizabeth, “im f Warns Second Bailout Would Threaten I >1
mocracy’”, 2009.

2 . O M ITO DO ESCAM BO

x Case, Karl E. et alii. Economics, p. 564. Grifos do original.


2 Idem, ibidem.
3 Begg, David; Fischer, Stanley; Dornbusch, Rudiger. Economics, p. 384. Também Maun
der, Peter et alii. Economics Explained, p. 310. Ainda, Parkin, Michael; King, David. Econo
mics, p. 65.

506
A
•i Siiglit/., Joseph; I írlllill, |olm 1 1imnmks, p. s ii. Mills uni.i ve/, grifos do ui igin.il

* Aristóteles. Política, llv. i, 1,157.


(> Tampouco está claro se estamos falando de escambo nesse caso. Aristóteles usa o
Irrm o métadosis, cuja tradução atualmente costuma ser “partilhar” ou “distribuir”. Desde
Smíth, a palavra vem recebendo a tradução “escambo”, mas, como logo destacou Karl
1'olanyi (“Aristotle Discovers the Economy”, p. 93), trata-se provavelmente de um em­
prego impreciso, a não ser que Aristóteles estivesse introduzindo um significado total­
mente novo para o termo. Teóricos que estudam a origem do dinheiro grego, de Bernard
I .ium (Heiliges Geld, 1924) a Richard Seaford (Money and the Early Greek Mind, 2004), desta-
i aram que os consumidores de produtos aquinhoados (por exemplo, saques de guerra,
<arne de sacrifício) provavelmente tiveram um papel importante no desenvolvimento da
moeda grega. (Para uma crítica à tradição aristotélica, que supõe que Aristóteles esteja
I.ilando de escambo, ver Fayazmanesh, Sasan. Money and Exchange, 2006.)
7 Para uma literatura a respeito dessa questão, ver Servet, Jean-Michel. “La fable du
troe”, 1994; “Le troe prim itif”, 2001. Ele também afirma que no século xvm esses relatos
desapareceram de repente e surgiram visões infindáveis sobre “escambo prim itivo” em
relatos sobre a Oceania, a África e as Américas.
K Smith, Adam. A riqueza das nações, liv. 1, 2.1-2. Como veremos, essas palavras parecem
ler sido tiradas de fontes mais antigas.
y Idem. Lectures on Jurisprudence, p. 56: “Se pudéssemos investigar o princípio da mente
luimana na qual se encontra essa tendência para a troca, veríamos que é claramente a in-
I linação natural que se tem de persuadir. Oferecer a alguém um xelim, algo que para nós
parece ter um significado tão simples e claro, é na realidade oferecer um argumento para
persuadir alguém a fazer desta ou daquela maneira como se o fizesse em interesse pró­
prio”. É fascinante perceber que a suposição de que a noção de troca seja a base de nossas
funções mentais, e que ela se manifesta tanto na linguagem (como troca de palavras)
quanto na economia (como troca de bens materiais), remonta a Smith. A maioria dos
antropólogos atribui essa noção a Claude Lévi-Strauss (Structural Anthropology, p. 296).
10 A referência a pastores indica que ele pode estar se referindo a outra parte do mundo;
110 entanto, seus exemplos em outros lugares, como o da troca de veado por castor, deixa
claro que ele está pensando nos bosques do nordeste da América do Norte.
II Smith, Adam. A riqueza das nações, liv. 1,4-2. [Ed. bras.: A riqueza das nações: investigação
mbre sua natureza e suas causas. Tradução de Luiz João Baraúna. São Paulo: Nova Cultural,
1996.]
12 Idem, 4-3.
13 Idem, 4-7.
14 A ideia de uma sequência histórica que parte do escambo, passa pelo dinheiro e chega
ao crédito parece ter surgido pela prim eira vez nas conferências de um banqueiro ita­
liano chamado Bernardo Davanzati (1529-1606). Cf. Waswo, Richard. “Shakespeare and

507
thc Formation of lhe Modem Kconomy”, igyft, l ltt l<>1desenvolvido como leoiiii dwtliiM
às de historiadores econômicos alemães Bruno I llldehrand ("Natural-, ( >cUI uud < o*
ditwirtschaft”, 1864) postulou um estágio pré-histórico de escambo, e entâo, depoh dt
um ou outro retorno ao escambo na Idade Média, um estágio moderno da economia d?
crédito. Essa teoria toma forma canônica na obra de um aluno seu, Karl Bücher (friWuiit
Evolution, 1907). A sequência se tornou senso comum universalmente aceito e reapaim d
em Marx, de maneira tácita, e em Simmel, de maneira explícita - muito embora
toda a pesquisa histórica subsequente a tenha demonstrado errada.
15 No entanto, tiveram impacto sobre muitas outras. O trabalho de Lewis Henry Mm
gan em particular (League o f the Ho-de-no-sau-nee, or Iroquois, 1851; Ancient Sociclv, 1H««|
Houses and House-Life o f the American Aborígines, 1881, republicado em 1965), que dava
destaque tanto aos direitos de propriedade coletiva como à extraordinária impt mani 14
das mulheres, com conselhos femininos que cuidavam sobretudo da vida económh a
impressionou tanto alguns pensadores radicais - inclusive Marx e Engels - que se l<in 11Hl
a base de um tipo de contramito, do comunismo prim itivo e do matriarcado prim i! 1vt 1
16 Pode-se dizer que o artigo de Anne Chapman (“Barter as a Universal Mode <>l l'l
change”, 1980) vai além, notando que se o puro escambo for definido como ligado >i, ><
nas a objetos de troca, e não ao reajuste das relações entre as pessoas, não há evidém 1.1«
claras de que ele existiu. Ver também Heady, Patrick. “Barter”, 2005, além do texto nu 11
cionado: Humphrey, Caroline. “Barter and Economic Disintegration”, p. 48.
17 Lévi-Strauss, Claude. “Guerre et commerce chez les Indiens d’A mérique du Sud", IU4 i
a tradução é de Servet, Jean-Michel. “Primitive Order and Archaic Trade. Part 11”, p. 11
18 Pode-se imaginar que a tentação pela variação sexual deve ser bem forte para homi 11«
e mulheres jovens acostumados a passar a maior parte do tempo, talvez, com uma d*
zena de pessoas da mesma idade.
19 Berndt, Roland. “Ceremonial Exchange in Western Arnhem Land”, p. 161. Cf, <itl
deman, Stephen. The Anthropology o f Economy, pp. 124-5, que faz uma análise bem seme­
lhante à minha.
20 Berndt, Roland, op. cit., p. 162.
21 No entanto, como veremos adiante, não é exatamente como se os acordos comei
ciais internacionais jamais envolvessem música, dança, comida, drogas, prostituías tlf
alto nível ou a possibilidade de violência. Para um exemplo fortuito dos dois úlllim •«
elementos, ver Perkins, John. Confessions of an Economic H it Man, 2005.
22 Lindholm, Charles. Generosity and Jealousy, p. 116.
23 Ver Jean-M ichel Servet (“Le troe p rim itif”, pp. 20-1), em que há uma compilaçflti
enorme desses termos.
24 O argumento é tãcwSbvio que surpreende não ter sido citado com mais frequência 11
único economista clássico que penso ter considerado a possibilidade de que pagameniiM
adiados fariam do escambo algo desnecessário é Ralph Hawtrey (Currency and Credil, |> <),

508
citado em Paul l'lln/1^ (o|i ili p i .) Iodos os outros slmplrsmenlr ptrssupiVm, mmii
motivo nenhum, que («hIun ms iroc «s, mesmo entre vizinhos, seriam necessariamente o
que os economistas gostum de i hamar de “trocas imediatas”.
i$ Bohannan, Paul. “Some Principies of Exchange and Investment among the Tiv”, 1955;
Harth, Frederick. “Economic Spheres in D arfur”, 1969. Cf. M unn, Nancy. The Fame of
( iíiwa, 1986. Também Akin, David; Robbins, Joel. “An Introduction to Melanesian Curren-

cies”, 1998. Um bom resumo do conceito pode ser encontrado em Gregory, Christopher
A. Gifts and Commodities, pp. 48-9. Gregory cita o exemplo de um sistema das Terras Altas
de Papua-Nova Guiné com seis categorias de valores: porcos e casuares vivos estão no
lopo da classificação, “pingentes de conchas, costelas de porco, machados de pedra,
loucados de penas de casuar e tiras de búzios para a cabeça”, em segundo lugar, e assim
por diante. Os itens de consumo geralmente são limitados às duas últimas categorias,
que consistem em alimentos requintados e vegetais básicos, respectivamente.
26 Ver Servet, Jean-Michel. “Démonétarisation et remonétarisation en Afrique-O cci-
ilentale et Équatoriale”, 1998 ; Humphrey, Caroline. “Barter and Economic Disintegra-
tion”, 1985.
27 O ensaio clássico sobre esse assunto é Radford, R. A. “The Economic Organization
of a p o w Camp”, 1945.
28 Nos anos 1600, pelo menos, as antigas denominações carolíngias eram chamadas
de “dinheiro im aginário” - todos continuavam usando libras, xelins e pennies (ou livres,
sous e deniers) durante oitocentos anos, apesar do fato de, na maior parte desse período,
as moedas reais serem totalmente diferentes ou simplesmente não existirem (Einaudi,
l.uigi. “The Theory of Imaginary Money”, 1956).
29 Para outros exemplos do escambo coexistindo com o dinheiro: Orlove, Benjamin.
"Barter and Cash Saleon Lake Titicaca”, 1986; Barnes, Robert; Barnes, Ruth. “Barterand
Money in an Indonesian Village Economy”, 1989.
jo Uma das desvantagens, para um autor, ao ver seu livro se tornar um clássico, é que
muitas vezes as pessoas vão averiguar a veracidade dos exemplos utilizados. (Uma das
vantagens é que, mesmo que descubram que você está errado, as pessoas continuarão
citando seu texto como autoridade.)
U Innes, A. Mitchell. “What is Money?”, p. 378. E prossegue: “Uma breve reflexão mostra
que uma mercadoria básica não poderia ser usada como dinheiro porque, ex hypothesi, o
meio de troca é igualmente recebível por todos os membros da comunidade. Assim , se
os pescadores pagam por seus suprimentos em bacalhau, os comerciantes terão igual­
mente de pagar com bacalhau o bacalhau que adquirem, um absurdo evidente”.
(2 Os templos parecem ter surgido primeiro; os palácios, que se tornaram cada vez mais
importantes com o passar do tempo, herdaram o sistema de administração dos templos.
(3 Smith não sonhou com elas: o termo técnico na época para se referir a esses lingotes
era “hacksilver” [prata cortada grosseiramente] (ver Balmuth, M iriam S. Hacksilber to
Coinage, 2001).

509
(4 l’ara estabelecer uni paralelo com o lí^llo, compare com Grlerion, 1’hllllp. I Ite ( ■Hyiu*
o f Money, p. 17.
35 Ver Hudson, Michael. "Reconstructuring the Orlglns of Interest-Bearing I )< l<i ,
p. 25; Idem. “The Archeology of Money", p. 114.
36 Innes, A. Mitchell. “What is Money?’’, p. 381.
37 O monumental Money and Its Use in Medieval Europe, de Peter Spufford, que ileilk <1
centenas de páginas à exploração de ouro e prata, cunhagem de moedas e adulterado
do processo de cunhagem, menciona apenas duas ou três vezes os vários tipos de mi
das feitas de chumbo ou couro, ou acordos de créditos menores, pelos quais as pessi m»
comuns parecem ter conduzido a maioria de suas transações diárias. Sobre estas. 1K
diz que “podemos conhecer quase nada” (p. 336). Um exemplo ainda mais dramát ti i 1fi
a talha, sobre a qual ainda vamos ouvir muito: o uso de talhas em vez de dinheiro vlvil
era difundido na Idade Média, mas não houve nenhuma pesquisa sistemática sobre r*M)
assunto, sobretudo fora da Inglaterra.

3. D ÍV ID A S P R IM O R D IA IS

1 Gunnar Heinsohn e Otto Steiger (“The Veil of Barter”, 1989) sugerem que seus coleyatf
economistas não abandonaram o relato tradicional porque os antropólogos ainda tutu
forneceram uma alternativa igualmente incontestável. Assim , quase todas as história«
do dinheiro têm início por relatos im aginários sobre o escambo. Outro recurso é In
correr em puras definições circulares: se o “escambo” é uma transação econômica
não emprega a moeda corrente, então qualquer transação econômica que não envolva
moeda corrente, qualquer que seja sua forma ou conteúdo, tem de ser escambo. ( >lyii
Davies (A History of Money from Ancient Times to the Présent Day, pp. 11-3) chega a descrever
as cerim ônias potlatche dos kwakiutles como “escambo”.
2 Para minha interpretação sobre a teoria do valor-trabalho, ver Graeber, Toward an An
tropological Theory o f Value, 2001.

3 Nós geralmente nos esquecemos de que existe um forte elemento religioso nisso tudi 1
O próprio Newton não era ateu - na verdade, ele tentou usar suas habilidades matemái I
cas para confirm ar que o mundo realmente havia sido criado, como antes argumentai a
o arcebispo Ussher, por volta de 23 de outubro de 4004 a.C.
4 Adam Smith usou a expressão “mão invisível” pela prim eira vez em “História da as
tronom ia” (111.2), mas em Teoria dos sentimentos morais (liv. 4,1.10) ele diz explicitamente
que a mão invisível do mercado é a da “providência”. Sobre a teologia de Smith em gei .il,
ver Nicholls, David. God and Government in an “Age o f R eason”, pp. 35-43; sobre sua possível
conexão com o islamismo medieval, ver o capítulo 10.
5 Samuelson, Paul A~Economics, p. 49. Ver Gunnar Heinsohn e Otto Steiger (op. cit.) para
uma crítica a essa posição. Ver também Ingham, Geoffrey. The Nature of Money, 2004.
fi l’ljjou, Arthur ( r i l! I hr Wll 0/ Mmiry, 104g. Mauro Holanovsky (“Bnhm Rarwnk, li
vlng Fisher, and the Term ‘Voll of Money1", 199?) fornece unia história do termo.
7 “Não conhecemos nenhuma economia em que o escambo sistemático aconteça sem
u presença do dinheiro’ - Sasan Fayazmanesh (op. cit., p. 87) refere-se, nesse caso, à
moeda de conta.
K Sobre o papel do governo no estím ulo ao “mercado autorregulado” em geral, ver
Polanyi, Karl. The Great Transformation, 1949. A economia ortodoxa clássica, segundo a
ijual um mercado surge naturalmente quando o governo simplesmente sai do caminho
sem a necessidade de criação de instituições legais, políticas e de polícia apropriadas - ,
foi refutada de forma dramática quando teóricos do livre mercado tentaram im por esse
modelo na antiga União Soviética na década de 1990.
9 Innes (“W hat is Money?”, 1913), como de costume, coloca essa questão muito bem:
“Os olhos jamais viram e as mãos jamais tocaram um dólar. [Temos apenas] a promessa
de pagar ou liquidar uma dívida por uma quantia chamada dólar”. Igualmente, observa
ele, “o mesmo acontece com todas as nossas unidades de medida. Ninguém nunca viu
uma onça, um pé ou uma hora. Um pé é uma distância fixa entre dois pontos, mas nem
a distância nem os pontos têm existência corpórea".
10 Note-se que isso assume algum meio de cálculo desses valores - ou seja, que já existe
algum tipo de moeda de conta. Talvez isso pareça óbvio, mas parece que uma quantidade
notável de antropólogos deixa isso passar.
11 Para dar uma ideia da escala, até mesmo Hong Kong, cidade-Estado comercial relati­
vamente limitada, tem atualmente cerca de 23,3 bilhões de dólares em circulação. Com
uma população de aproximadamente 7 milhões de pessoas, isso representa mais de 3
mil dólares de Hong Kong por habitante.
12 “A teoria estatal pode ser remontada ao século x ix e à obra New Theory o f Money, de
[Adam] M uller, que tentava explicar o valor da moeda como uma expressão da con­
fiança comunitária e da vontade nacional, e culm inou em State Theory o f Money, de [G. F.]
Knapp, publicado em alemão em 1905. Knapp considerava um absurdo tentar entender
o dinheiro ‘sem a ideia de Estado’. O dinheiro não é um meio que surge da troca. Antes,
é um meio de prestação de contas e liquidação de dívidas, sendo as dívidas fiscais as
mais importantes” (Ingham, Geoffrey. The Nature of Money, p. 47). O livro de Ingham é
uma declaração admirável da posição cartalista, e grande parte do meu argumento a
esse respeito pode ser vista com mais detalhes no livro dele. No entanto, como veremos
adiante, eu também discordo dele em alguns aspectos.
13 Na França, livres, sous e deniers.
14 Einaudi, Luigi, op. cit. Cario Cipolla (Money, Prices and Civilisation in the Mediterranean
World, 1967) o chama de “dinheiro fantasma”.
15 Sobre as talhas, ver Jenkinson, C. Hilary. “Exchequer Tallies”, 1911: Idem. “Medieval
Tallies, Public and Private”, 1924; Innes, A. M itchell. “W hat is Money?”, 1913; Grandell,

511
Axel. “The Rei koning Hoard and I idly MU k", I<jr/; lia x1er, W. T. “F.urly Ai miiullnu I In
Tally and Checkerboard”, 1989; Slone, Wlllurd I "The Tally: An Ancient A uoiinlliig
Instrument”, 2005.
16 F. J. Snell ( The Customs o f Old England, p. 240) observa que os reis, ao percorrei mu*
dom ínios, muitas vezes confiscavam o gado ou outros bens pelo direito de “preempt, di 1
e pagavam em talhas, mas depois era muito difícil fazer com que seus represcniuiiit*
liquidassem a dívida: “Os súditos eram obrigados a vender; e o pior era que os ahani
cedores do rei tinham o hábito de pagar não imediatamente, mas sim com uma i.illiit
do erário, ou uma surra. [...] Na prática, não era nada fácil se recuperar nesse sisinna,
que se prestava aos piores tipos de cobranças e é assunto de inúmeras reclamações nu
poesia popular da época”.
17 Nesse aspecto, também é interessante notar que o Banco da Inglaterra ainda mau
tinha na época de Adam Smith as próprias contas internas usando talhas, e som<m*i
abandonou essa prática em 1826.
18 Ver Donald Engels (Alexander the Great and the Logistics of the Macedonian Army, lu 'N)
para um estudo clássico desse tipo de problema.
19 Apelando principalmente aos devedores, que, com razão, eram atraídos pela ideia 1I1
que a dívida não passa de um arranjo social de modo nenhum imutável, mas criado pof
políticas governamentais que poderiam, com a mesma facilidade, ser remanejadas spin
mencionar aqueles que se beneficiariam das políticas inflacionárias.
20 Sobre o imposto, ver Guy Jacob (“Gallieni et l ’im pôt m oralisateur’ à Madagast .11 ",
1987); para o estudo na aldeia dos betsimisaraka, ver Althabe, Gérard. “La circulai loti
monetaire dans un village Betsimisaraka”, 1968; para estudos de caso malgaxes analn
gos, ver Fremigacci, Jean. “Ordre économique colonial et exploitation de l'indigène",
1976; Rainibe, Dahy. LAdministration et la justice coloniales, 1987; Schlemmer, Bernard. 11
Menabe: histoire d'une colonisation, 1983; Feeley-Harnik, G illian. “The King’s Men in Ma
dagascar”, 1982. Para a política colonial de impostos na África em termos mais gerull,
ver Forstater, Mathew. “Taxation and Prim itive Accum ulation”, 2005; Idem. “Taxai li m
Additional Evidence from the H istory o f Thought, Economic History, and Econome
Policy", 2006.
21 Ver, por exemplo, Heinsohn, Gunnar; Steiger, Otto, op. cit., pp. 188-9.
22 A prata era extraída de minas no próprio Centro-Oeste, e adotar o bimetalismii,
tendo o ouro e a prata como auxiliares potenciais para a moeda corrente, foi visto conn 1
um passo na direção do dinheiro de crédito livre e da criação do dinheiro pelos bani 1«
locais. No final do século x ix houve a criação do capitalismo corporativo moderno 1111*
Estados Unidos, e esse capitalism o enfrentou uma resistência fervorosa: a centralí/«
ção do sistema bancário foi o principal campo de batalha, e o mutualism o - sistema
bancário democrátiço e popular (não voltado para o lucro) e acordos de seguro -, uiiiii
das principais formas de resistência. Os bimetalistas foram os sucessores mais mode
rados dos greenbackers, que clamavam por uma moeda corrente totalmente separada

512
ilo dinheiro, como I liuoln ImpO* durante breve período em tempo de guerra. (I »lyjli«'.
kanjit [org.]. The I Hslorlmi» W Uiinl 11/ ( )r, 2002, dá um bom resumo das bases hlstórli as.)
Hies se tornam sapatlnhos de rubi apenas no filme.
24 Alguns sugeriram que Dorothy representa Teddy Roosevelt, uma vez que, silabica-
mente, “Dor-o-thee” equivale a “Thee-o-dor” de trás para a frente.
25 Ver Henry Littlefield (“The W izard of Oz: Parable on Populism”, 1963) e Hugh Rockoff
(“The ‘W izard of Oz’ as a Monetary Allegory”, 1990) para uma argumentação detalhada
de O mágico de Oz como “alegoria monetária”. Baum nunca reconheceu que o livro tem
subtexto político, e é bem provável que essa interpretação tenha surgido só depois da
publicação do livro (ver Parker, David B. “The Rise and Fall o f The W onderful W izard of
Oz as a ‘Parable on Populism’”, 1994; Taylor, Quentin P. “Money and Politics in the Land
of Oz”, 2005), mas a verdade é que o livro adquiriu essa fama. Desse modo, a questão é
apenas se Bauer criou o mito ou se outros o criaram.
26 Pode-se facilmente argumentar que Reagan era praticante do keynesianismo m ilitar
extremo, usando orçamento do Pentágono para criar empregos e im pulsionar o cresci­
mento econômico; de todo modo, a ortodoxia monetária foi abandonada muito rapi­
damente, mesmo em termos retóricos, entre aqueles que de fato gerenciam o sistema.
27 Ver Ingham, Geoffrey. “‘Babylonian Madness’: on the H istorical and Sociological
Origins of Money”, 2000.
28 Keynes, John Maynard. A Treatise on Money, pp. 4-5.
29 Costuma-se aludir a esse argumento como o paradoxo do sistema bancário. Para
fornecer uma versão extremamente simplificada: digamos que exista apenas um banco.
Mesmo que esse banco lhe fizesse um empréstimo de 1 trilhão de dólares sem nenhuma
base em ativos de nenhum tipo, você levaria o dinheiro de volta para o banco, o que
significa que agora o banco teria 1 trilhão em dívida e 1 trilhão em ativo circulante, man­
tendo um equilíbrio perfeito. Se o banco cobrasse em juros mais pelo empréstimo que
foi concedido (o que os bancos sempre fazem), ele também obteria lucro. O mesmo seria
verdade se você gastasse o trilhão - quem quer que recebesse o dinheiro teria de levá-lo
de volta ao banco. Keynes apontou que a existência de m últiplos bancos na verdade não
muda nada, uma vez que os bancos coordenavam seus esforços - algo que, com efeito,
eles sempre fazem.
jo Devo notar que essa suposição ecoa a lógica da teoria econômica neoclássica, a qual
assume que todos os acordos institucionais básicos que definem o contexto da atividade
econômica foram acordados por todas as partes em algum ponto im aginário no pas­
sado, e que, desde então, tudo continuou e continuará existindo de maneira equilibrada.
Vale ressaltar que Keynes rejeitou explicitamente essa suposição em sua teoria da moeda
(Davidson, Paul. “Keynes and Money”, 2006). Os teóricos contratualistas contemporâ­
neos passaram a defender um argumento semelhante: não há a necessidade de assumir
que isso de fato aconteceu; basta dizer que poderia ter acontecido e agir como se tivesse
acontecido.

513
{ï Aglietta é marxista, um dos fundadores da "I siola da Rcgula^io”; Orléan c d rli m
sor da “economia da convenção” apoiada por I hévenot e Boltanskl. A teoria da ilivitl#
prim ordial foi desenvolvida principalmente por um grupo de pesquisadores i ii <mija
centes aos economistas Michel Aglietta e André Orléan, prim eiro em La vlolnur ,h ht
monnaie (1992), que empregava um quadro teórico psicanalítico e girardiano, e di pol»
em um livro chamado Souveraineté, légitimitéde la monnaie (1995) e uma coletânea .......... .
La monnaie souveraine (Aglietta, Michel et alii, 1998), organizada por onze pesqviis.ul> m »
diferentes. Os dois últim os títulos abandonaram a perspectiva girardiana c adotaram 4
perspectiva dumontiana. Nos últimos anos, o principal expoente dessa posição tem ildti
outro regulacionista, Bruno Théret (Regimes économiques de l’ordre politique, 1992; I I hil la
finance et le social, 1995; La monnaie dévoilée par ses crises, 2007; “Les trois états de la monrnilt' ,
2008). Infelizmente, quase nada desse material foi traduzido para o inglês, embora eu
contremos um resumo de muitas das contribuições de Aglietta em Grahl, John. " Moi n>y
as Sovereignty", 2000.
32 Por exemplo, Randall W ray (M oney and Crédit in Capitalist Economies, 1990; Undenhiihl
ing M odern Money, 1998; Crédit and State Theories o f M oney, 2000) e Stephanie Bell ("I Iti
Taxes and Bonds Finance Government Spending?”, 1999; “The Role of the State and liu
Hierarchy of Money”, 2000) nos Estados Unidos, ou Geoffrey Ingham (“Money as 11 Ni»«
ciai Relation”, 1996; “Capitalism, Money, and Banking”, 1999; The Nature of Money, i< »<14)
no Reino Unido. Michael Hudson e outros do grupo i s c a n e e (Conferência Internai n nul
de Pesquisadores de Economias do Antigo Oriente Próximo) tomaram elementos dn
ideia, mas, pelo que sei, não a adotaram por completo.
33 *Rna. Charles Malamoud (“The Theology of Debt in Brahmanism”, p. 22) nota qiir, |A
nos prim eiros textos, a dívida tinha o significado de “bens recebidos como retorno pria
promessa de devolver os próprios bens ou algo de valor pelo menos igual”, bem Coinii
de “crim e” ou “falta”. Também Patrick Olivelle (The Asrama System, p. 48) nota que *iim
“pode significar falta, crime ou culpa - muitas vezes ao mesmo tempo”. No entanto, iiAti
é a mesma palavra usada para “dever”. Para um exemplo típico das prim eiras oraçftM
para libertação da dívida, ver Atharva Veda, livro 6, hinos 117,118 e 119.
34 Satapatha Brahmana, 3.6.2.16
35 Como observou Sylvain Lévi, mentor de Marcel Mauss, se levarmos a sério a dou
trina brâmane, “o único sacrifício autêntico seria o suicídio” (La Doctrine du Sacrifice iliiHI
les Brâhmanas, p. 133). Ver também Keith, Arthur Berriedale. The Religion and Philosophv 11/
the Veda and Upanishads, p. 459. Mas é claro que ninguém leva as coisas assim tão Ion»«'
36 Mais precisamente, o ritual oferecia ao sacrificador um modo de sair de um mundo
em que tudo, inclusive ele mesmo, era uma criação dos deuses - ou seja, um modo dr
dar forma a um corpo divino e im ortal, de ascender aos céus, e assim “nascer em um
mundo criado por ele mesmo” (Satapatha Brahmana, 6.2.2.27), em que todas as dívldrti
seriam pagas, recomprando dos deuses seu corpo imortal abandonado (ver Lévi, Sylvain
La Doctrine du Sacrifice dans les Brâhmanas, pp. 130-2; Malamoud, Charles. “The Theology nf
Debt in Brahmanism”, pp. 31-2). Essa certamente é uma das afirmações mais ambíguas |A

514
feitas sobre a eficácia do vu i ili> |<•, muih alguns sacerdotes na China, nessa rpm .1, lu/,lam
afirmações semelhantes (1'iirtt, Mu hael |. To Become a (íod, 2002).
\7 O termo “sábios" recebeu .1 tradução “santos" na epígrafe deste capítulo, mas, como
se refere aos autores dos textos sagrados, o uso parece apropriado.
(8 Aqui faço a fusão de duas versões levemente diferentes: uma em Tattiriya Sarphita
(ft.?.10.5), segundo a qual todos os brâmanes nascem endividados, mas lista apenas os
deuses, os pais e os sábios, deixando de fora o dever da hospitalidade, e a outra em Sata-
patha Brahmana (1.7.12.1-6), que diz que todos os homens nascem endividados, listando
todas as quatro categorias - mas que parece se referir de fato aos homens nascidos nas
três castas superiores, ou “duas vezes nascidos”. Para uma discussão completa, ver Ma-
lamoud, Charles. “The Theology of Debt in Brahmanism", 1983; Idem. “Le paiement des
actes rituals dans l’lnde védique”, 1998; Olivelle, Patrick. The Asrama System, pp. 46-55.
J9 Théret, Bruno. “The Socio-Cultural Dimensions of the Currency”, pp. 60-1.
40 “A liquidação suprema dessa dívida fundamental é o sacrifício dos vivos para satis­
fazer e expressar gratidão aos ancestrais e às deidades do Cosmos” (Ingham, Geoffrey.
The Nature of Money, p. 90).
41 Idem, ibidem. Ele cita Michael Hudson (“Reconstructing the O rigins of Interest-Bea­
ring Debt”, pp. 12-3) sobre os termos para “culpa” ou “pecado”, mas, como veremos, a
questão remonta a Phillip Grierson (The Origins of Money, pp. 22-3).
42 Laum, Bernard, op. cit. Seu argumento sobre a origem do dinheiro na Grécia, nas dis­
tribuições que havia nos templos, é intrigante e tem como expoentes contemporâneos
Richard Seaford (Money and the Early Greek Mind, 2004) e parcialmente Michael Hudson
(ver “The Creditary/M onetarist Debate in H istorical Perspective”, 2003b), mas na ver­
dade sua teoria diz respeito à origem da cunhagem.
43 Muito mais do que eu sonharia em tentar citar. Há dois trabalhos de pesquisa clás­
sicos sobre “dinheiro prim itivo": o de Hingston Quiggin (A Survey o f Primitive Money) e
o de Paul Einzig (Primitive Money in its Ethnological, Historical, and Ethnographic Aspects),
ambos publicados, curiosamente, em 1949. Os dois constituem análises ultrapassadas,
mas contêm uma quantidade enorme de material útil.
44 O verbo “pay” vem do francês payer, que por sua vez é derivado do latim pacare,
“pacificar”, “fazer as pazes com”. A palavra pacare, por sua vez, está relacionada a pacere,
"chegar a um acordo com a parte ofendida” (Grierson, Phillip. The Origins of Money, p. 21).
45 Idem, p. 20.
46 Idem, p. 26. Na verdade, como observa Grierson, os autores muitas vezes pareciam
rir intencionalmente de si próprios, como no texto irlandês que especifica que o sujeito
pode exigir a compensação por uma picada de abelha, mas somente se for deduzido
primeiro o custo da abelha morta.
47 Como exemplo, nós também temos uma abundância de mitos e hinos da Meso-
potâmia antiga - mas a m aior parte foi descoberta nas ruínas de antigas bibliotecas

515
que também estâo cheias de registrou de julgamento«, contratos de negócios e toi im
pondências pessoais. No caso dos textos s&nscrltos mui* antigos, o literatura u-ligli»« é
tudo o que temos. Além disso, uma ve/, que esses textos foram transmitidos vcrltiilltH •
professor para aluno durante milhares de anos, nem sequer podemos dizer com pie» M il
quando e onde foram escritos.
48 Os empréstimos a juros certamente existiam na Mesopotâmia, mas só aparei <1.1111
no Egito em épocas helenísticas, e no mundo germânico ainda depois. O texto lulii 1I11
“tributo que devo a Yama”, o que pode aludir a “juros”, mas a revisão abrangente dm |>11
meiras fontes legais indianas em History of Dharmasastra, Volume 111 (pp. 411-61), de l\im lii
rang Vaman Kane, não chega a uma conclusão clara sobre quando os juros aparet rnm i
pela prim eira vez; Damodar Dharmanand Kosambi (An Introduction to the Study <>/ liiilhin
History, p. 148) estima que os juros devem ter aparecido em 500 a.C., mas reconhei 1 <|i >■
a informação não passa de um palpite.
49 Mesopotâmia, Egito e China vêm à mente quase que de imediato. A noção de qnv t
vida é um empréstimo feito com os deuses aparece em todos os lugares; ela parece hint rti1
espontaneamente na Grécia antiga mais ou menos na mesma época que o dinhelio |
os empréstimos a juros. “Somos todos devidos como dívida à morte”, escreveu o poett
Simônides por volta de 500 a.C. “O sentimento de que a vida era um empréstimo ,1 *•••*
recompensado pela morte [tornou-se] quase um dito popular” (Millett, Paul. Lendinu iiniI
Borrowing in Classical Athens, p. 6). Pelo que sei, nenhum pensador grego conecta a dlvltlii
especificamente ao sacrifício, embora seja concebível argumentar que o personagem
Céfalo, de Platão, o faça de maneira im plícita em uma passagem de A República (3Jtd)
50 Ver Henri Hubert e Mareei Mauss (Sacrifice: Its Nature and Function, 1964), em que liA
boa pesquisa da literatura antiga a esse respeito.
51 Finley, Moses. Economy and Society in Ancient Greece, p. 90.
52 Tratava-se de uma distinção legalista; na prática, significava que os fundos rei 11II1I
dos na Pérsia eram tecnicamente considerados “doações”, mas isso mostra o podei iln
princípio (Briant, Paul. From Cyrus to Alexander, pp. 398-9).
53 O Egito faraônico e a China im perial certamente cobravam impostos diretos, eitl
dinheiro, artigos ou trabalho, em proporções diferentes e épocas diferentes. Na liidU
antiga, as repúblicas dasgana-sanghas (“assembleias tribais”) não pareciam cobrai Iffl«
postos dos cidadãos, mas as monarquias que substituíram essas repúblicas cobravam
(Rhys Davids, Caroline. "Economic Conditions According to Early Buddhist Literal 1111",
pp. 198-200). Acredito que os impostos não eram inevitáveis e costumavam ser Vision
como marcas de conquista.
54 Sigo o que acredito ser ainda a visão predominante; contudo, pelo menos em algitn«
lugares, os palácios passaram a cuidar praticamente de todas as coisas, e os templo«
foram subordinados (yer Maekawa, Kazuya. “The Development o f the E-Mí in Lagiiih
during Early Dynastic 111”, 1974). Há um debate vigoroso sobre isso, como no caso 1In
equilíbrio entre templos, palácios, clãs e propriedades individuais em diferentes époi « |

516
c lugares, mas cm evito m< . nvulvet nesses debates, por mais que se).iin Interessantes, ,i
nâo ser que tenham relcvAm In direta para o meu argumento.
\s Sigo aqui a interpretação de Mlchael Hudson (“Reconstructing the O rlglns of Inte
rest-Bearing Debt”, 2002), embora outros - por exemplo, Steinkeller, Piotr. “The Renting
of Fields in Early Mesopotamia”, 1980; Van de Mieroop, Marc. “A History of Near Eastern
I )ebt?”, p. 64 - sugiram que os juros podem ter se originado das taxas de aluguel.
s6 Para uma boa síntese, ver Hudson, Michael. “The Lost Tradition o f Biblical Debt
( ancellations”, 1993; Idem. “Reconstructing the Origins of Interest-Bearing Debt”, 2002.
C) significado de amargi foi observado pela primeira vez por Adam Falkenstein (“La cité-
lemple sumérienne”, 1954); ver também Samuel Noah Kramer (The Sumerians, p. 79) e
Niels Peter Lemche (“Andurarum and M isharum", p. 16 n34).
57 No antigo Egito o empréstimo por juros não existia, e sabemos relativamente pouco
sobre os antigos impérios, portanto não sabemos se era prática comum. No entanto, há
Indícios na China no mínimo sugestivos. Os teóricos monetários chineses sempre foram
decididamente cartalistas; além disso, na história clássica sobre as origens da cunhagem,
pelo menos desde a dinastia Han, o fundador m ítico da dinastia Shang, descontente
por ver tantas fam ílias tendo de vender seus filhos durante períodos de penúria, criou
as moedas para que o governo redimisse as crianças e as devolvesse para suas famílias
(ver capítulo 8).
58 O que é o sacrifício, afinal de contas, senão o reconhecimento de que um ato, como
I irar a vida de um animal, mesmo que necessário para o nosso sustento, é algo sério, que
deve ser encarado com uma atitude de humildade perante o Cosmos?
59 A não ser que os credores tenham dívidas com os recebedores, permitindo assim que
todos liquidem circularmente as suas dívidas. Essa questão pode parecer estranha, mas
a liquidação circular de dívidas dessa maneira parece ter sido prática comum em grande
parte da história; ver, por exemplo, a descrição dos “ajustes de contas” no capítulo 11.
60 Não estou necessariamente atribuindo essa posição aos autores dos Brâmanas; estou
apenas seguindo o que considero ser a lógica interna do argumento, em diálogo com
seus autores.
61 Malamoud, Charles. “The Theology o f Debt in Brahmanism”, p. 32.
62 Comte, Auguste. Catecismo positivista, trad. de Miguel Lemos. São Paulo: A b ril Cul­
tural, p. 279.
63 Na França, principalm ente por pensadores políticos como Alfred Fouille e Léon
Bourgeois. Este últim o, líder do Partido Radical nos anos 1890, fez da noção de dívida
social um dos fundamentos conceituais de sua filosofia do “solidarism o” - uma forma
de republicanismo radical que, segundo ele, forneceria um tipo de alternativa interme­
diária para o m arxism o revolucionário e o liberalism o do livre mercado. A ideia era
superar a violência da luta de classes apelando a um novo sistema moral baseado na
noção de dívida comum para com a sociedade - da qual o Estado, é claro, não passava de

517
administradorc representante (Hayward, Jut k "Solidarity: I he Social History ol an Itl* *
in Nineteenth Century France”, 1959; Don/clot, Jacques. i'lnvention du social, 1994: |ol>m
Bruno. “De la solidarité aux solidarités dans la rhétoriquc politique françaisc", n hi|),
Emile Durkheim também era politicamente solidarista.
64 Como slogan, a expressão é geralmente atribuída a Charles Gide, cooperai Iv l« ||
francês do final do século x ix , mas ficou comum nos círculos solidarístas. Tornou in
princípio importante nos círculos sociais turcos na mesma época (Aydan, F.rtuu I lit
Peculiarities of Turkish Revolutionary Ideology in the 1930s, 2003), e, pelo que eu soube, cm !.... .
não tenha conseguido verificar, na América Latina.

4. CR U EL D A D E E RED EN ÇÃ O

1 Hart, Keith. “Heads or Tails? Two Sides of the Coin”, p. 638.


2 O termo técnico para isso é “fiduciaridade”, ou seja, em que medida seu valor c I hi
seado não no conteúdo metálico, mas na confiança pública. Para uma boa dist usulii
sobre a fiduciaridade das moedas correntes antigas, ver Seaford, Richard. Money and llir
Early Greek Mind, pp. 139-46. Quase todas as moedas de metal eram supervalorizadus Si.
o governo estabelecesse o valor abaixo do valor do metal, as pessoas simplesmente a*
derreteriam, claro; quando o valor é estabelecido como idêntico ao valor do metal, iMI
resultados geralmente são deflacionários. Como afirma Bruno Théret (“Les trois et ai«
de la monnaie”, pp. 826-7), apesar das reformas de Locke - que estabeleceram o v.ilm
da soberania britânica como exatamente igual ao seu peso em prata - terem sido Idri 1
logicamente motivadas, elas tiveram efeitos econômicos desastrosos. Obviamente, »r a
cunhagem é enfraquecida ou o valor é muito alto em relação ao conteúdo do metal, l*mu
pode gerar inflação. Mas a visão tradicional de que a moeda corrente foi “destruída" pi li 1
enfraquecimento da liga metálica é claramente falsa, uma vez que houve demora dc an< m
para ocorrer a inflação (Ingham, Geoffrey. The Nature of Money, pp. 102-3).
3 Einzig, Paul, op. cit., p. 104. Fichas de apostas parecidas com essas, no caso feitas .!<
bambu, eram usadas em cidades chinesas no deserto de Gobi (idem, p. 108).
4 Sobre o dinheiro sim bólico inglês, ver W illiam son, George Charles. Trade Tokens /.ww ,1
in the Seventeenth Century, 1889; W hiting, John Roger Scott. Trade Tokens: A Social and lit nun
mic History, 1971; Mathias, Peter. “The People’s Money in the Eighteenth Century", 19 •<>li,
5 Sobre o cacau, M illon, Frances. When Money Grew on Trees, 1955; sobre o dinheiro de mI
da Etiópia, Einzig, Paul, op. cit., pp. 123-6. Tanto Karl Marx (The Grundrisse, p. 223; Capital,
p. 162) como Max Weber (Economy and Society, pp. 673-4) acreditavam que o dinhciin
surgiu do escambo entre as sociedades, e não no interior delas. Karl Bücher (op. d l.)«
Karl Polanyi (“The Semantics of Money Uses”, 1968) sustentavam algo parecido com essa
posição, ao menos porque os dois insistiam que o dinheiro moderno surgiu da triu a
externa. Inevitavelmente, deve ter havido algum tipo de processo entre as moedas . 1.
troca e o sistema contábil local responsável pelo fortalecimento mútuo das duas parlei,
Na medida em que falamos sobre a “invenção" do dinheiro em seu sentido moderno

518
presumivelmente esite m i In nosso Ilidir ile análise, embora em alguns loi ais k i m i i i m
Mesopotãmia isso deva tei montei Ido multo antes do uso da escrita, e por isso, para
nós, a história efetivamente se perdeu.
6 F.inzig (op. cit., p. 266), citando Kulischer (Allgemeine Wirtschaftsgeschichle des Mittelalters
und der Neuzeit, p. 92) e Ilw of ( Tauschhandel und Geldsurrogate in alter und neuer Zeit, p. 36).
7 Nietzsche, Genealogia da moral, pp. 59-60. Tradução de Paulo César de Souza. Ed. Brasil.:
( ompanhia das Letras, 1998.
8 Como observei antes, tanto Adam Smith como Nietzsche, desse modo, antecipam o
famoso argumento de Lévi-Strauss de que a linguagem é “troca de palavras”. O interes­
sante aqui é que muitos conseguiram se convencer de que, com tudo isso, Nietzsche for­
nece uma alternativa radical à ideologia política, até mesmo à lógica da troca. Deleuze e
Guattari, de maneira embaraçosa, insistem que “O grande livro da etnologia moderna
é menos o Ensaio sobre a dádiva, de Mauss, do que a Genealogia da moral, de Nietzsche.
Pelo menos deveria sê-lo”, uma vez que, segundo eles, Nietzsche consegue interpretar
a "sociedade prim itiva” em termos de dívida, enquanto Mauss ainda hesita em romper
com a lógica da troca (Deleuze, Gilles; Guattari, Félix. Anti-Oedipe, pp. 224-5). Inspirada
neles, Nathalie Sarthou-Lajus (L'éthique de la dette, 1997) considera a filosofia da dívida
como uma alternativa às ideologias burguesas da troca que, segundo ela, pressupõem
a autonomia prévia da pessoa. O que Nietzsche propõe não é mesmo uma alternativa,
mas sim outro aspecto da mesma coisa. Tudo isso é um lembrete vívido de como é
fácil confundir formas radicalizadas de nossa tradição burguesa com alternativas a
ela. (Bataille, George. “The Accursed Share” [La part maudite], 1993, em que Deleuze e
Guattari exaltam, na mesma passagem, como mais uma alternativa a Mauss, é mais
um exemplo disso.)
9 Nietzsche, op. cit., p. 54.
10 Nietzsche certamente leu muitas obras de Shakespeare. Não há registro da mutilação
de devedores no mundo antigo; havia muita mutilação de escravos, mas estes eram, por
definição, pessoas que não podiam se endividar. A m utilação por dívida costuma ser
atribuída ao período medieval, mas, como veremos, os judeus tendiam a ser as vítimas,
uma vez que praticamente não tinham direitos e certamente não eram os perpetradores.
Shakespeare virou essa história de ponta-cabeça.
11 Nietzsche, op. cit., p. 77.
12 Idem, p. 80.
13 Freuchen, Peter. Book of the Eskimos, p. 154. Não está claro em que língua isso foi dito,
considerando que não existe escravidão entre os inuítes. Também é interessante porque
a passagem não faria sentido se não existissem alguns contextos em que a troca de ofer-
tas funcionasse, e, desse modo, as dívidas se acumulassem. O caçador está enfatizando
que era importante que essa lógica não se estendesse aos meios básicos da existência
humana, como a alimentação.

519
14 Para dar um exemplo, o vale do (iiin^cs, uu t-poiu de lUidu, cru i helo dr «lyuiim t
tos sobre os méritos relativos das Constituições monárquica e democrática. (
embora filho de um rei, ficou ao lado dos democratas, e muitas das técnicas de i<»nirttl#
de decisões usadas nas assembleias democráticas da época continuam preservada* im
organização dos mosteiros budistas (Muhlenberger, Steven; Paine, Phil. "Demoi ta< y III
Ancient India”, 1997). Não fosse isso, nós não saberíamos nada sobre eles, ou talve/ iietH
ao menos teríamos certeza da existência dessas políticas democráticas.
15 Como exemplo, resgatar as terras de um ancestral (Levítico 25,25-26) ou aljjo i|itt>
tenha sido dado ao templo (Levítico 27).
16 No caso de falência completa, o devedor também perderia sua liberdade. Ver W iiIíh
J. Houston (Contending fo r Justice, 2 006) para uma boa pesquisa da literatura contempt 1
rânea sobre as condições econôm icas na época dos profetas. Baseio-me aqui tin mu
resumo feito por ele e em uma reconstrução de Michael Hudson (“The Lost Tradition nf
Biblical Debt Cancellations”, 1993).
17 Ver, por exemplo, Amós 2,6; 8,2, e Isaias 58.
18 Neemias 5,3-7. (Os trechos bíblicos em português seguem a Bíblia de Jerusalém. | n i |l

19 Ainda há um intenso debate acadêmico sobre se essas leis na verdade foram invent <1
das por Neemias e seus aliados sacerdotais (principalmente Ezra), e se elas de fato foi am
impostas em algum período. Ver Alexander, John B. “A Babylonian Year of Jubilee?", iutH|
North, Robert. Sociology o f the Biblical Jubilee, 1954; Finkelstein, Jacob J. “Ammisadt»|a •
Edict and the Babylonian ‘Law Codes’”, 1961; Idem. “Some NewMisharum Material and It*
Implications”, 1965; Westbrook, Raymond. “Jubilee Laws”, 1971; Lemche, Niels Peter. "Thf
Manumission of Slaves”, 1976; Idem. “Andurarum and Misharum", 1979; Hudson, Micharl
“The Lost Tradition of Biblical Debt Cancellations”, 1993; Houston, Walter J., op. cit.. | >ntit
alguns exemplos. No início havia debates semelhantes sobre se as “tábulas rasas” haviam
sido realmente impostas, até que surgiram evidências indiscutíveis de que sim, foi am
impostas. O montante de informações hoje indica que as leis do Deuteronômio também
foram impostas, embora não saibamos ao certo quão efetivamente.
20 “A cada sete anos farás remissão. Eis o que significa essa remissão: todo credot i|iu
tinha emprestado alguma coisa a seu próxim o remitirá o que havia emprestado” (I )c*tl«
teronôm io 15,3). Quem estiver em seu poder também será libertado. A cada 49 11no*
(50 anos em algumas versões) vinha o Jubileu, momento em que todas as propriedade«
familiares eram devolvidas aos donos originais, e todos os membros da família, os t|ii»
haviam sido vendidos como escravos, eram libertados (Levítico 25,9).
21 O que é previsível, uma vez que a necessidade de fazer empréstimos era quase gcntptv
despertada pela necessidade de pagar impostos aos conquistadores estrangeiros.
22 Michael Hudson observa que, na Babilônia, essas “tábulas rasas” “chamavam-se Ini
bullum (dívida) masaum flavar), literalmente ‘lavaras dívidas [registros]’, ou seja, dissolvet
as tabuletas de argila nas quais se inscreviam as obrigações fiscais” (“The Lost Tradit li mi
of Biblical Debt Cancellations”, p. 19).

520
1 1 Mateus 18,23-34.
>4 l’ara dar uma ideia dot número* cm questão, 10 tnil talentos em ouro era main on
menos o equivalente a todo o recolhimento de impostos feito pelo Império Romano em
suas antigas províncias do que hoje é o Oriente Médio. Cem denários equivaliam aXmle
um talento, ou seja, valiam 600 mil vezes menos.
25 Opheiléma no original grego, que significa “aquilo que é devido”, “dívidas financeiras”
t\ por extensão, “pecado”. Esse termo foi aparentemente usado para traduzir o aramaico
hoyween, que também significa “dívida” e, por extensão, “pecado”. A versão em inglês que
usei (assim como as outras citações bíblicas) segue a versão King James, que nesse caso
so baseia na tradução de 1381 do Pai-nosso feita por John W ycliffe. A maioria dos leitores
provavelmente conhece melhor a versão de 1559 do Livro de Oração Comum, que diz
"perdoai as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”. No
entanto, o original é bem explícito ao dizer “dívidas” [cf. Mateus 6,9-13. ( n . e .)].
26 Mudar para “dívidas espirituais” na verdade não altera o problema.
27 A possibilidade de abuso sexual nessas situações com certeza era um peso enorme
11a imaginação popular. “Há entre nossas filhas algumas que já são escravas”, protesta­
ram os israelenses a Neemias. Tecnicamente, as filhas levadas como escravas por dívida,
sc fossem virgens, não ficariam sexualmente expostas aos credores que não queriam se
casar com elas, ou casar seus filhos com elas (Êxodo 221,7-9; W right, David P. Inventing
God’s Law, pp. 130-3); os escravos tidos como propriedade, no entanto, eram disponibi­
lizados sexualmente (ver Hezser Catherine. “The Impact of Household Slaves”, 2003), e
muitas vezes, na prática, esses papéis se misturavam. Mesmo onde as leis protegiam as
filhas, os pais tinham poucos recursos para protegê-las ou fazer com que as leis fossem
cumpridas. O mesmo vale para os filhos homens. O relato do historiador romano Lívio
sobre a abolição da servidão por dívida em Roma em 326 a.C., por exemplo, fala de um
jovem chamado Caio Publílio, entregue como servo por dívida herdada do pai, que foi
espancado barbaramente por se recusar a prestar favores sexuais ao seu credor (Lívio
2,28). Quando ele foi às ruas e relatou o que lhe aconteceu, uma multidão se juntou a ele
e marchou até o Senado para exigir a abolição dessa prática.
28 Principalmente se os escravos forem estrangeiros capturados em guerra. Como vere­
mos, a crença comum de que não havia objeções morais à escravidão no mundo antigo
c falsa. Havia muitas. Mas, a despeito de certos radicais como os essênios, a instituição
era aceita como uma necessidade infeliz.
29 Michael Hudson (“Reconstructing the Origins of Interest-Bearing Debt”, p. 37) cita o
historiador grego Diodoro Siculo (1.79), que atribui essa ideia ao faraó egípcio Bakenra-
nef, embora ele mesmo ressalte que as considerações m ilitares não eram as únicas, mas
que as anulações refletiam sentimentos mais amplos sobre justiça.
30 Oppenheim, Leo. Ancient Mesopotamia, p. 88. Oppenheim sugere que empréstimos
livres de juros eram comuns no Levante, e que na Mesopotâmia era provável que os so­
cialmente iguais cobrassem juros uns dos outros, mas em termos mais amenos, citando

521
um antigo mercador assírio que fala dos "juro* que um IrmAocohra do outro". Na (ík ,i 1«
antiga, empréstimos amigáveis entre pessoas socialmente iguais eram conhecidos coimh
empréstimos eranos, geralmente de quantias levantadas por uma sociedade Iniprovlsadll
de ajuda mútua e sem envolver o pagamento de juros (Jones, f. Walter. The I aw íiml I tjfill
Theoty o f the Greeks, pp. 171-3; Vondeling, Jan. Eranos, 1961; Finley, Moses. Economy itrtil Sn
ciety in Ancient Greece, pp. 67-8; M illett, Paul. Lending and Borrowing in Classical Alhmv pp
153-5)- Os aristocratas costumavam conceder esses empréstimos uns aos outros, ma«
também grupos de escravos que tentavam juntar dinheiro para comprar de volta a pirt
pria liberdade (H arrill, J. Albert. The M anumission o f Slaves in Early Christianity, p. 167), I nm,i
tendência à ajuda mútua, mais destacada entre as camadas mais altas e as mais haliit«
da escala social, é um padrão consistente até hoje.
31 Daí a constante evocação da expressão “teu irm ão”, como por exemplo "Não em
prestes ao teu irm ão com juros” (Deuteronômio 23,20).

5. B R E V E T R A T A D O SO B RE OS FU N D A M EN T O S M O R A IS D A S R E LA Ç Õ ES ECONÒMII A*

1 Como veremos no capítulo 7, Platão começa A República exatamente da mesma maneti a


2 Para uma avaliação polida, porém devastadora, ver Kahneman, Daniel. “A Psych«>l< 1
gical Perspective on Economics”, 2003.
3 Homans, George. “Social Behavior as Exchange”, 1958; também Blau, Peter. Exdiaiyp
and Power in Social Life, 1964; Lévi-Strauss, Claude. Structural Anthropology, p. 296. Nd .111
tropologia, o prim eiro a propor a reciprocidade como princípio universal foi Richaiil
Thurnwald (“Banaro Society”, 1916), mas a ideia ficou famosa com Malinowski (Argonaull
of the Western Pacific, 1922).

4 Por essa razão, entre outras, nenhum código de leis conhecido jamais conseguiu Im
por esse princípio; a penalidade sempre existiu para ser convertida em algo mais brandi 1,
5 Atwood, Margaret. Payback: Debt and the Shadow Side of Wealth, p. 1. A escritora prossegui
e explora a natureza da nossa noção de moralidade econômica comparando o comporta
mento de macacos enjaulados ao de crianças canadenses de classe média, e argumenta qm
todas as relações humanas são ou de troca ou de apropriação forçada (Idem, p. 49). Apesa»
do brilhantismo de vários de seus argumentos, o resultado é um testemunho bem triste 1I1
como é difícil para os descendentes das classes profissionais do Atlântico Norte não verem
as próprias maneiras características de imaginar o mundo como simples natureza hurrui ia
6 O pai de Seton, magnata das navegações que faliu e se tornou contador, era tão It In
e agressivo, como contou Seton posteriormente, que seu filho passou a maior parle da
juventude na floresta tentando evitá-lo; depois de pagar a dívida - que chegou a 537,111
dólares, uma quantia considerável, mas não im possível de ser paga em 1881 Seinn
mudou de nome e passou grande parte da vida tentando desenvolver técnicas mais pi 1
sitivas para a criação de crianças.
7 Rev. W. H. Beatley citado em Lévy-Bruhl, Lucien. Primitive Mentality, p. 411.

522
K Rev. Fr. üullcon citado nu I cvv hruhl, op. clt., p. 4«.
9 A propósito, a frase nâofól i unhada por Marx; aparentemente era um slogan corrente
110 início do movimento dos trabalhadores na França e apareceu impressa pela primeira
vez em 1839, na obra do socialista Louis Blanc. Marx lançou mão da frase em 1875, em
( rítica do Programa de Gotha, e a partir disso a usou de maneira bastante idiossincrática,
pois o princípio imaginado por ele poderia ser aplicado no nível da sociedade como um
lodo, uma vez que a tecnologia chegasse ao ponto de garantir a abundância material
absoluta. Para Marx, “comunismo” era tanto o movimento político que visava produzir
essa sociedade futura como essa própria sociedade. Baseio-me aqui mais na corrente
alternativa da teoria revolucionária, evidente de maneira mais notória talvez em Apoio
mútuo (Mutua! Aid: A Factor o f Evolution, 1902), de Peter Kropotkin.
10 Pelo menos, a não ser que haja alguma razão para não fazê-lo - por exemplo, uma
divisão hierárquica do trabalho que diga que algumas pessoas têm o direito de tomar
café e outras não.
11 Isso significa, é claro, que economias de controle - indicar burocracias governamen­
tais para coordenar cada aspecto da produção e distribuição de bens e serviços em de­
terminado território nacional - tendem a ser muito menos eficazes que as alternativas
disponíveis. Trata-se de uma verdade óbvia, mas, se ela “simplesmente não funciona”,
fica difícil imaginar como Estados como a União Soviética poderiam ao menos ter exis­
tido, que dirá manter-se como potências mundiais.
12 Evans-Pritchard. E. E. TheN uer: A Description ofthe Modes ofLivelihood, p. 182.
13 De maneira semelhante, é improvável que um pedestre de classe média peça infor­
mações ao membro de uma gangue, e talvez até corra de medo se um deles se aproximar
perguntando as horas, mas isso se deve, mais uma vez, à suposição de que existe um
estado de guerra tácito entre eles.
14 Evans-Pritchard. E. E. The Nuer: A Description of the Modes o f Livelihood, p. 183.
15 Richards, Audrey. Land, Labour and Diet in Northern Rhodesia, p. 197. Max Gluckman,
ao comentar sobre esses costumes, conclui que na medida em que é possível falar de
“comunismo prim itivo”, ele existe no consumo e não na produção, que tende a ser or­
ganizada de maneira muito mais individual (Politics, Law and Ritual in Tribal Society, p. 52).
16 Um exemplo típico: “Se um grupo de pessoas famintas encontra outro cujas provi­
sões ainda não se esgotaram totalmente, este últim o divide com os recém-chegados o
pouco que lhe resta sem que o grupo peça, por mais que, com isso, o grupo se exponha
ao mesmo perigo de sucum bir que aquele a que está ajudando [...]”. Lafitau, Joseph-
-François. Customs o f the American Indians, v. 2, p. 61.
17 The Jesuit Relations 1635 (v. 8, p. 127) citado em Delâge, Denys. Bitter Feast: Amerindians
and Europeans, p. 54.
18 De fato trata-se de um arranjo comum em algumas partes do mundo (principalmente
Andes, Amazônia, ilhas do sul da Ásia e Melanésia), e invariavelmente há algumas regras

523
segundo as quais cada metade é indrpcndniir du mit ru cm relaçilna algumn toisa convide
rada essencial à vida humana. Só se podec.tsur mm ulguém dooutro ladodo vil.u t'|n, <m
só se pode comer porcos criados do outro lado, ou talvez um dos lados precise dl’ pesst m*
do outro lado para apadrinhar os rituais que iniciam os filhos homens na vida adulto,
19 Como já sugeri anteriormente, de acordo com o princípio “de cada um segundo siiiu
capacidades, a cada um segundo suas necessidades". Graeber, David. Toward an AhiIimi
pological Theory of Value, pp. 159-60; cf. Mauss, Marcel. Manuel d’ethnographie, pp. m.| v

20 Estou evitando aqui toda a questão dos exemplos unilaterais discutida em G raibci
David. Toward an Anthropological Theory of Value, p. 218.
21 Marshall Sahlins (Stone Age Economies, 1972) cunhou a expressão “reciprocidade genci till
zada” para descrever esse tipo de relação, segundo o princípio de que, se tudo circul.i livit»
mente, no fim todas as contas serão contrabalanceadas. Marcel Mauss já havia aprescnl 411<>
esse argumento em palestras ministradas na década de 1930 (Manuel d’ethnographie, 104 ‘I
mas ele também reconheceu os problemas: por mais que isso seja verdadeiro em rel.it, A"
às metades iroquesas, algumas relações nunca se contrabalanceiam - por exemplo, ruiu
mãe e filho. Sua solução, a “reciprocidade alternada” - pagamos nossos pais tendo nt >sv 1«
filhos - , é claramente retirada de seu estudo sobre os Vedas, mas, em última instAin U,
demonstra que, se resolvermos que todas as relações se baseiam na reciprocidade, scnipi»
poderemos definir o termo de maneira ampla o suficiente para torná-lo verdadeiro.
22 Para hostis, ver Benveniste, Emile. “Don et échange dans le vocabulaire indo euro
péen”, p. 72. A terminologia latina concernente à hospitalidade enfatiza o domínio .1I1
soluto da casa por parte do proprietário (homem) como precondição de qualquct ,iin
de hospitalidade. Jacques Derrida (O f Hospitality, 2000; Acts o f Religion, 2001) argumenta
que isso aponta para uma contradição central no próprio conceito de hospitalid.iili
uma vez que im plica um domínio ou poder absoluto já existentes em relação aos oui 111«,
cuja forma mais exploradora é encontrada em Ló, quando oferece as próprias filhuN *
um monte de sodomitas para dissuadi-los de violentar seus convidados. No entanto, u
mesmo princípio de hospitalidade pode ser igualmente bem documentado em soclrtlii
des como as dos iroqueses - sociedades que eram tudo, menos patriarcais.
23 Evans-Pritchard, E. E. The Nuer: A Description of the Modes of Livelihood, pp. 154,15K
24 Obviamente, essa é a razão mais clara de os muitos ricos gostarem sobretudo dc lf
relacionar uns com os outros.
25 Em uma linha menos hostil, pode-se falar da troca de prisioneiros, cartas ou elt >gli m
26 Uma excelente fonte sobre esse tipo de negociação é Uchendo, Victor. “Some l’i In
ciples of Haggling in Peasant Markets”, 1967.
27 Bohannan, Laura. Return to Laughter. A n Anthropological Novel, p. 47.
28 Não um acordo com ercial verdadeiro, uma vez que esse tipo de acordo costiiiiiii
envolver m uito vinho, com ida e troca de presentes. Trata-se mais do tipo de acortlu
comercial im aginário que aparece nos manuais de economia.

524
h) Rasta olhar puni .1 v.i*.1.1 liinuliirii antropológica sobre "banquetes compciUIvtin"
por exemplo, Valcrl, Valrrlo. “l-ea.tts", 2001.
to Bourdieu, Pierre. “The Scntiment of Honor in Kabyle Society", 1965. Esse é o prln
i ipal texto, mas ele repete os mesmos argumentos em The Logic of Practice, pp. 98-101.
li Onvlee, Louis. ‘‘The Significance of Livestock on Sumba”, p. 204.
J2 Petrônio. Satyricon, 51; Plínio, o Velho. Naturalis Historiae, liv. x x x v i, § 195; Cassius Dio,
I listoriae Romanae, liv. l v ii, 21.5-7.
t { Ibn Battuta sobre o rei de Sind, uma das quatro províncias do Paquistão: “De todos os
homens, esse rei é o mais viciado na criação de presentes e no derramamento de sangue.
Hm seus portões sempre há algum pobre que enriqueceu ou algum homem executado”.
J4 Ou até os muito ricos. Nelson Rockefeller costumava se orgulhar de nunca carregar
carteira. Ele não precisava. Sempre que trabalhava até mais tarde e precisava comprar
cigarros, pegava “algum” emprestado com um segurança na recepção do Rockefeller
Center, que depois ostentaria o fato de ter emprestado dinheiro a Rockefeller e raramente
pedia devolução. Em contrapartida, o rei português dom Manuel, no século xv i, que en­
riqueceu com o mercado das índias, adotou o título “Senhor do Comércio, da Conquista
e da Navegação da Arábia, Pérsia e índia”. Outros o chamavam de “rei merceeiro” (Ho,
lingseng. “Empire through Diasporic Eyes”, p. 227).
15 Ver Graeber, Toward an Anthropological Theory ofValue, pp. 175- 6.
(6 Mesmo entre estranhos, trata-se de algo um tanto incomum: como enfatizou Servet
("Primitive Order and Archaic Trade. Part 1”, 1981; “Primitive Order and Archaic Trade.
Part n”, 1982), a maioria das “transações prim itivas” acontece por meio de parcerias de
troca e intermediários regionais especializados.
17 Ilustrei dessa maneira porque estou interessado principalm ente na economia. Se
estivéssemos pensando apenas nas relações humanas, suponho que poderíamos dizer
que um extremo é matar e o outro, dar à luz.
(8 Na verdade, parece ser essencial à natureza da caridade que, como no caso de presen­
tes dados a um rei, ela nunca leve à reciprocidade. Ainda que se descubra que o pedinte
de aparência patética é na verdade um deus encarnado caminhando na terra, ou Harun
al-Rashid, sua recompensa será totalmente desproporcional. Ou pense em todas aquelas
histórias sobre m ilionários bêbados que, ao voltar a si depois de uma farra, distribuem
carros luxuosos e casas aos benfeitores. E mais fácil imaginar um mendigo dando a você
lima fortuna do que devolvendo o equivalente exato ao dólar que deu a ele.
<9 Xenofonte. Ciropédia, liv. v i i i , cap. 6; Heródoto. História, liv. 111,89. Ver Briant, Paul, op.
cit., pp. 1 9 3 -4 ,3 9 4 -4 0 4 , que reconhece que algo muito parecido deve ter de fato aconte­
cido, com um sistema de ofertas mais improvisado sob o governo de Ciro e Cambisses
c sistematizado posteriormente por Dário.
40 Marc Bloch (Feudal Society, pp. 114-5) acrescenta: “Qualquer ato, uma vez consumado,
ou antes, repetido três ou quatro vezes, arriscava-se a criar um precedente: até mesmo

525
quando, na sua origem, tinha lidoexcepi lonul, ou mesmo francamente abusivo". Iiml
Emanuel Lourenço Godinho.
41 Essa abordagem costuma ser associada ao antropólogo britânico Alfred M. I I01 ati 1
(Kings and Councillors, 1936). O que importa é que isso não significa necessariamente i|iu>
essas ocupações passassem a ser exclusivas: na maior parte do tempo, as pessoas 10111I
nuavam simples agricultoras, como todas as outras. No entanto, o que elas faziam pm 1
o rei, ou depois, em ocasiões rituais, pela comunidade, era visto como determinimli1<l>
sua natureza essencial, sua identidade no todo.
42 Na verdade, podemos ficar revoltados com ele por um ato de mesquinhat lii <|ti#
jamais consideraríamos mesquinho em ninguém - principalmente em nós.
43 Stillman, Sarah. “The M issing W hite G irl Syndrome”, 2007.
44 Kojin Karatani (Transcritique: On Kantand Marx, pp. 203-5) defende esse argumento ilf
maneira convincente. Os kwakiutle e outros povos antigos da costa noroeste da Aiiiérld#
do Norte são um caso um tanto intermediário - aristocratas, mas, pelo menos 110 |u
ríodo que conhecemos, usavam meios não coercitivos para obtenção de recursos (upeMt
do que diz Codere, Helen. Fighting with Property, 1950).
45 Georges Duby (TheThree Orders: Feudal Society Imagined, 1980) nos apresenta a hlsii 11Im
definitiva desse conceito, que remonta a ideias indo-europeias muito mais antigas,
46 Para um exemplo típico de reciprocidade im aginária entre pais e filhos, ver ( )livt 1
Douglas. A Solomon Island Society, p. 230. Os entusiastas da teoria antropológica pen*
berão que estou adotando aqui a posição de Edmund Leach (Rethinking Anthrojxilnjjv
1961) sobre o problema do “conúbio circulante”. Posteriormente ele aplica o nicsmn
argumento à famosa “cadeia kula" (Idem. “The kula: an alternative view”, 1983).
47 Na verdade, existem relações hierárquicas que explicitamente subvertem a si m r i
mas: a relação entre professor e aluno, por exemplo, pois se o professor tem sucessi 1ao
transm itir seu conhecimento para o aluno, não existe base para a desigualdade.
48 Freuchen, Peter, op. cit., p. 154. Não está claro em que língua isso foi dito, con.sldc
rando que não existe escravidão entre os inuítes. Além disso, a passagem não fariaseniUlo
se não existissem alguns contextos em que a troca de ofertas funcionasse, e, desse nu >d<1,41
dívidas se acumulassem. O caçador está enfatizando que era importante que essa lógli a
não se estendesse aos meios básicos da existência humana, como a alimentação.
49 Firth, Raymond. Economics o f the New Zealand Maori, pp. 411-2 (também Graeber, I la
vid. Toward an Anthropological Theoty ofValue, p. 175). O nome dele era Tei Reinga.
50 Para um famoso exemplo, ver Chagnon, Napoleon A. Yanomamo: Case Studies ín ( ul
tural Anthropology, pp. 170-6.

51 De maneira semelhante, dois grupos podiam formar uma aliança estabelecendo uma
“relação de brincadeira'’, em que qualquer membro de um grupo poderia, pelo meiioi
teoricamente, fazer exigências exageradas semelhantes a um membro do outro (Hébri l ,
Jean-Claude. “La Parenté à Plaisanterie à Madagascar”, 1958).

526
Mareei Mauss, cm m u i l a i i u >-<o I i i m Ii i sulire a dádiva, de w n , algumas ve/rs as tomou
literalmente, e os resultados lonlundlram a discussão durante algumas geiaçócs,
SI Mauss, Marcel. “Commentalres sur un texte de Posidonius", 1925; a fonte grega e
Posidônio. Como de costume, não sabemos até que ponto podemos interpretar essa de­
claração de maneira literal. Mauss a considera provavelmente exata; suspeito que tenha
acontecido uma ou duas vezes.
S4 Recontado por W illiam Ian M iller (Humiliation and Other Essays, pp. 15-6). A primeira
1itação é feita diretamente do original, Egil’s Saga (cap. 78). Egil continua ambivalente
em relação ao escudo: ele o levou para uma festa de casamento e o deixou cair em um
tanque cheio de soro de leite. Depois concluiu que estava danificado e o desmantelou
Inteiro, retirando a matéria-prima.
ss Ver, por exemplo, W allace-Hadrill, Andrew (org.). Patronage in Ancient Society, 1989.
56 Blaxter, Lorraine. “Rendre Service and Jalouisie”, pp. 127-8.
57 Outro antropólogo, por exemplo, define as relações entre patrocinador e cliente
como “relações contratuais de longo prazo em que o apoio do cliente é trocado pela
proteção do patrocinador; há uma ideologia moral que parece descartar a contabilidade
estrita e aberta, mas as duas partes mantêm uma conta tácita e aproximada; os bens e
serviços trocados não são semelhantes, e não há nenhuma implicação de troca leal ou
de equilíbrio de satisfações, uma vez que o cliente é notadamente mais fraco em termos
de força e precisa do patrocinador mais do que este precisa dele” (Loizos, Peter. “Politics
and Patronage in a Cypriot village, 1920-1970”, p. 115). Mais uma vez, a relação tanto é
como não é de troca, tanto se trata como não se trata de uma questão de contabilidade.
s8 Alguém aceita um emprego em uma loja de donuts; legalmente, deveria ser um
contrato entre iguais, mesmo que para dizer isso tenhamos de sustentar a encanta­
dora ficção legal de que uma das partes do contrato é uma pessoa im aginária chamada
“Krispy Kreme”.
59 Por exemplo, a palavra should [deveria], em inglês, é originalmente derivada do alemão
Schuld, que significa “culpa, falta, dívida”. Émile Benveniste dá exemplos semelhantes de
outras línguas indo-europeias (Indo-European Language and Society, 1973). Línguas do Leste
Asiático, como o chinês e o japonês, raramente combinam essas palavras, mas uma iden­
tificação parecida da dívida com pecado, vergonha, culpa e falta pode ser documentada
com facilidade (Malamoud, Charles. “Présentation”, Lien de vie, noeud martel, 1988).
60 Plutarco. Moralia, 303b. Também discutido em Finley, Moses. Economy and Society in
Ancient Greece, p. 152; Millett, Paul. Lending and Borrowing in Classical Athens, p. 42. De ma­
neira semelhante, Santo Tomás de Aquino afirma que, na doutrina católica, os pecados
eram “dívidas de punição” devidas a Deus. U
61 Entre outros motivos, por isso é tão fácil mascarar outros tipos de relação como dívidas.
1)igamos que você queira ajudar um amigo que precisa muito de dinheiro, mas não queira
constrangê-lo. De modo geral, a maneira mais fácil de fazer isso é dar a ele o dinheiro e
insistir que aquilo é um empréstimo (e então deixar que as duas partes convenientemente

527
se esqueçam do que aconteceu). Ou pense em tmlas is omslAcs e em todos os liigHH1* i*iM
que os ricos conseguem empregados adiantando o que aparentemente é um empréstimo

62 Poderíamos argum entarque termos equivalentes .1 "por favor” e “obrigado" s .io en­
contrados em todas as línguas, se estivéssemos decididos a encontrá-los, mas os lei mu»
que costumam os encontrar são usados de maneiras tão diferentes - por exemple 1. apriia*
em contextos rituais ou para superiores em uma hierarquia - que é difícil dar multa I111
portância a esse fato. É significativo que, durante o último século ou algo assim, qua*#
todas as linguagens usadas em escritórios ou para fazer transações em lojas tculniitl
criado term os que funcionam com o equivalentes exatos de “por favor”, “obrigai h 1“ *•
“por nada".

63 Em espanhol, primeiro se pede um favor (porfavor) e depois se diz gradas para uf inuM
que se reconhece o que o outro fez, pois a palavra deriva do latim gratia, que quei dl/w
“influência ou favor". “Appreciate”, em inglês, tem um sentido mais monetário: se vi it t
diz “aprecio muito o que você está fazendo”, está usando uma palavra derivada d<>lai litt
appretiare, “dar um preço”.

64 “You’re welcom e” [literalmente, você é bem-vindo], documentado pela primeira vt>#


na época de Shakespeare, deriva do inglês antigo wileuma - wil significa “prazer” c 1 iniirt,
“convidado”. Por isso as pessoas ainda são bem-vindas a uma casa. E com o a expi rssflii
be my guest [literalmente, seja meu convidado], ou seja, se há algum a obrigação ela 1 ali*>
a m im , pois todo anfitrião é obrigado a ser generoso com seus convidados, e cumpi li
com obrigações desse tipo é um prazer em si. Ainda assim, é interessante percebei 1|iu
os m oralistas raramente repreendem as pessoas quando elas não dizem “yo u ’re wi*l
com e" - é algo opcional.

65 Rabelais, François. Gargantua and Pantagruel, liv. 1,12.


66 Compare com o que diz o filósofo árabe medieval Ibn M iskaway: “O credor quer 11
bem -estar do devedor para receber seu dinheiro de volta, e não porque sente anu >1 pur
ele. O devedor, por outro lado, não tem muito interesse no credor” (cf. Hosseini, I lainlil
“Contributions o f Medieval Muslim Scholars to the H istory o f Economics”, p. 36).
67 Peculiar, uma vez que todo o discurso de Panurge não passa de um a elaboraç.ii 11 rt
mica do argumento de Marsilio Ficino de que todo o Universo é impulsionado pela It >t\#
do amor.

6 . JO G O S COM SEXO E M O RTE

1 Carlson, Peter. “The Relatively Charm ed Life o f Neil Bush". The Washington I'm),
28/12/2003, P- D01.
2 Grierson, Phillip. The Origins o f Money, p. 20.
3 Para fazer justiça a Grierson, depois ele sugere que a escravidão teve um papel impm
tante nas origens do dinheiro - em bora ele nunca leve o gênero em consideração, o i|ii
parece significativo: jovens escravas tam bém serviam com o a denom inação mais ,il

528
da m oeda corrente nu IslAiull« medieval (Williams, Carl O. Thraldom In Anclrril hrhiiid,
IIJÍ7). e, no Rig Veda, presentes e pugumentos grandiosos são regularmente designados
rtn "ouro, gado e escravas" (Chakravarti, Uma. “O f dasas and karm akaras”, pp. s6-7).
1'or sinal, digo “jovens" porque, em todos os lugares, quando escravos são usados com o
unidade m onetária, a unidade supostamente equivale a escravos entre dezoito e vinte
«nos de idade. Uma cumal era considerada o equivalente, em valor, a três vacas leiteiras
ou seis novilhas.
4 Sobre cumal, ver N olan, Patrick. A Monetary History o f Ireland, 1926; Einzig, Paul, op.
i it., pp. 247-8; Gerriets, Marilyn. Money and Clientship in the Ancient Irish Laws, 1978; Idem.
" l'he Organization o f Exchange in Early Christian Ireland”, 1981; Idem. “Money in Early
< hristian Ireland according to the Irish Laws”, 1985; Patterson, Orlando. Slavery and Social
I kath, pp. 168-9; Kelly, Fergus. A Guide to Early Irish Law, pp. 112-3. A maioria deles simples­
mente diz que uma cumal era usada apenas com o unidade de conta, e não sabemos nada
si >bre práticas anteriores. E notável, no entanto, que nos códigos de leis, quando diversas
mercadorias diferentes são usadas com o unidades de conta, elas incluam os produtos
de exportação mais im portantes daquele país e moeda de troca (é por isso que, nos có­
digos russos, as unidades eram pele e prata). Isso implicaria um com ércio significativo
de escravas no período imediatamente anterior às fontes históricas.
5 Como m ostra Bender, 1996.

6 Baseio-m e aqui em um a pesquisa etnográfica detalhada feita p o r A lain Testart


("L'Esdavage pour dettes en Asie Orientale”, 2000; Esclave, la dette et lepouvoir, 2001; “The
extent and significance o f debt slavery”, 2002). Testart faz um trabalho m aravilhoso de
resumo de dados, em bora ele também tenha - com o verem os no próxim o capítulo -
iilguns pontos cegos igualmente estranhos em suas conclusões.

7 "Embora a expressão retórica ‘vender a própria filha à prostituição’ tenha circulação


iinipla [...] o esquema real é apresentado com mais frequência com o um empréstimo à
l.imília ou um pagamento adiantado pelos serviços da garota (geralmente indefinidos ou
deturpados). Os juros nesses ‘empréstim os’ costum am ser de 100% , e o principal pode
.lumentar com outras dívidas - ajuda de custo, assistência médica, propinas - resultan­
tes, uma vez que a menina tenha começado a trabalhar” (Bishop, Ryan; Robinson, Lilian
S. Night Market, p. 105).
K Como nos diz Michael Hudson (citado em Wray, L. Randall. “A n Irreverent O verview
ui the History o f M oney”, 1999), mas isso fica d aro se prestarmos atenção na linguagem
do original: “Não cobiçarás a casa do teu próxim o, não cobiçarás a sua mulher, nem o
seu escravo, nem a sua escrava, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma
que pertença a teu próxim o” (Êxodo 20,17; Deuteronôm io 5,21).
u O wampum é um bom exemplo: os iroqueses parecem nunca tê-lo usado para comprar
i (lisas de m em bros da m esm a comunidade, em bora fosse frequentemente usado para
negociar com os colonos (ver Graeber, David. Toward an Anthropological Theory o f Value,
pp. 117-50). Outros, com o o dinheiro de conchas yurok ou algum as m oedas papuas, são

529
m uilo usados com o moeda corrcntc i o n io u implemento u siuis funções soi laU, ma« n
prim eiro parece ter surgido do segundo.
10 Os textos m ais im portantes a respeito do debate sobre "o preço da no iva1' tAti'
Evans-Pritchard, E. E. “A n Alternative Term for 'Bride-Price'”, 1931; Raglan, baniu di<(
Richard FitzRoy Somerset. “ Bride Price”, 1931; Gray, Robert F. “Sonjo Bride Pi it r anti
the Q uestion o f A frican ‘W ife Purchase’’’, 1968; Com aroff, John L. (org.). The M u iii Iiih
o f Marriage Payments, 1980; Valeri, Valerio. “Buying Women but no Selling Them ’’, m u f
Evans-Pritchard propôs alterar o term o “preço da noiva" para “riqueza da noiva" pm
que, entre outros fatores, a Liga das Nações proibiu a prática em 1926 com o forma <
lt>
escravidão (Guyer, Jane I. “Brideprice”, 1994).

11 Sobre parentesco e economia tiv: Duggan, E. de C. “Notes on the Munshi Tribe", iy 1 1|


Abraham, Roy Clive. The Tiv People, 1933; Downes, Rupert Major. The Tiv Tribe, 1960; Akltyfl
Sai, B. Akiga’s Story, 1939; Bohannan, Laura. “A Genealogical Charter”, 1952; Boh,inn,111
Paul. “Som e Principles o f Exchange and Investment am ong the Tiv”, 1955; Idem. J1MI1 1
and Judgment among the Tiv, 1957; Idem. “The Impact ofM on ey on an A frican Subslsti m *•
Econom y”, 1959; Bohannan, Paul; Bohannan, Laura. The Tiv o f Central Nigeria, 19s I1I1 >11
Tiv Economy, 1968; Tseayo, Justin Iyorbee, Conflict and Incorporation in Nigeria, 19 >s; M l,
Charles. Tiv Song, 1979.

12 Ver Akiga Sai, B. (Akiga’s Story, p. 106) para uma boa análise de com o isso aconiri ru
Para um a reanálise com parativa em perspectiva regional, ver Fardon, Richard. "Mstvrti
W ives, Wards and Daughters. Part 1: ‘The Tiv’”, 1984; Idem. “ Sisters, W ives, Wards ami
Daughters. Part 11: ‘The Transform ations’”, 1985.
13 Paul Bohannan coloca desta maneira: “A relação kem de dívida entre um homem c 11
guardião de sua esposa jam ais é rompida, pois a kem é eterna, a dívida jam ais podr t ff
totalmente paga” (Justice and Judgment among the Tiv, p. 73). O restante da explicaçAi 1 f ilf
Akiga Sai, B. Akiga’s Story, pp. 126-7.

14 Rospabé, Philippe. “Don archaique et monnaie sauvage”, p. 35.


15 Evans-Pritchard, E. E. The Nuer: A Description o f the Modes o f Livelihood, p. 153.
16 Com o diz o etnógrafo, “eles aceitam o gado apenas por um a questão de hom a, 0
não porque estão prontos para aceitá-lo em troca da vida de seu parente m orto” (lilflt||
ibidem).
17 Idem, pp. 154-5.

18 Morgan, Lewis Henry. League o f the Ho-de-no-sau-nee, or Iroquois, p. 332. (Advogadt 1 |itif
form ação, Morgan utiliza o termo técnico “condonation” [perdão tácito], que é dcfiuldft
no Oxford English Dictionary com o “ato de ignorar voluntariamente um delito”.)

19 Idem, p. 333. A base era de cinco braças para um homem, de dez para uma mullet,
mas outros fatores também influenciavam (Idem, pp. 331-4; Smith, Timothy. “WdMfiHlfl
as Primitive Valuables”, p. 236; Parker, Arthur. “A n A nalytical H istory o f the Ni-nw |
Indians”, 1926).

530
i o Evâns-Pritcharil, I l I h r N u n A Description ofthc Modes of l.ivelihood, p. u s; Idem
Kinship and Marriage anniny l/ir Nucr, pp. 109-n; Howell, Paul P. A Manual 0) Nuer I aw. pp.
71-80; Gough, Kathlccn. "Nuer Kinship: a Reexamination", 1971; Hutchinson, Sharon,
Nuer Dilemmas, pp. 62,175-6.
21 Rospabé, Philippe. La dette de vie: aux origines de la monnaie sauvage, pp. 47-8, citando
Peters, E. L. “Som e Structural Aspects o f the Feud Am ong the Camel-Herding Bédouins
o f Cyrenaica”, 1967.
22 Sobre as “guerras de luto”, ver Richter, Daniel K. “War and Culture: the Iroquois Expé­
rience”, 1983; a expressão “punham o nome dele em um tapete” é de Fenton, William N.
"Northern Iroquois Culture Patterns”, p. 315. A propósito, estou supondo que é um homem
i|ue morre, pois esses são os exemplos das fontes. Não está claro se o mesmo era feito com
as mulheres que morriam naturalmente. Vale notar que algo semelhante acontecia entre os
nambiquaras. Mencionei no capítulo 3 que os banquetes realizados depois de um escambo
podiam levar à sedução e ao assassinato motivado por ciúme; Lévi-Strauss acrescenta que
a maneira comum de resolver esses assassinatos era o assassino se casar com a esposa da
vítima, adotar seus filhos e assim se tornar, efetivamente, a pessoa que a vítima costumava
ser (“Guerre et commerce chez les Indiens d’A mérique du Sud", p. 123).
13 Contudo, as pessoas o usavam para obter alguns produtos sofisticados (como ins­
trumentos musicais), feitos por especialistas de outros vilarejos (Douglas, Mary. The Lele
ofthe Kasai, pp. 54-5).

14 Idem. “Raffia Cloth Distribution in the Lele Econom y”, p. 112; Idem. In the Active
Voice, p. 43.

15 Mary Douglas (The Lele o f the Kasai, p. 58) estima que um hom em bem-sucedido, ao
iitingira maturidade social plena, terá gastado pelo menos trezentas peças de tecido de
ráfia em pagamentos, e pelo menos trezentas peças dadas com o presentes.
1 6 Como costumam notar os antropólogos, o fato de a descendência ser traçada pelas
mulheres não significa que elas tenham muito poder. Pode ser que sim, como acontecia en-
Ire os iroqueses e com o acontece agora entre os minangkabaus, mas não necessariamente.
17 Douglas, Mary. The Lele o f the Kasai, pp. 144-5, que na verdade é um a repetição de
I louglas, Mary. “Blood-Debts and Clientship am ong the Lele”, pp. 3-4.
iH Ela era católica conservadora, casada com um economista tóri, e tendia a olhar com
desdém para todos os interesses liberais.
ii) Dando m ais destaque à questão, acreditava-se que os hom ens contraíam um a dí­
vida de vida no m om ento em que tinham filhas (Douglas, Mary. The Lele o f the Kasai, p.
us) —essa dívida só poderia ser paga no m om ento em que ele tomava uma filha de sua
lilha com o peoa. Isso só faz sentido se partirm os do princípio de que apenas os homens
podem dever uma vida, e que, no caso das mulheres, a criação da vida era tida com o gra­
tuita. Os homens, com o visto, também podiam ser peões, mas jamais eram negociados.

to Idem. Purity and Danger, p. 150.

531
31 Sobre “esposas da aldeia”, ver espri lulinriilr I »nublas, Mary, "A Form ol Polyainli t
am ong the L eleo fth e Kasai”, 1951; Idem. Ihe l.ele ofthc Kasai, pp. 12K-40.

32 Idem, p. 76. Compare com o texto d r I )ouglas, Mary. "A Form o f Polyandry ami mu
the Lele o f the Kasai”, p. 11. Claramente, a autora está apenas repetindo a explli açilo 1I11«
inform antes a respeito de um costum e: os leles não “tinham de” criar esse arran|o; mm
verdade, igualmente a m aioria das sociedades africanas.
33 Algum as esposas da aldeia eram literalmente princesas, uma vez que as filhii* 'In*
chefes invariavelmente escolhiam se casar com classes etárias dessa maneira. As IiIIim«
dos chefes podiam fazer sexo com todos que elas quisessem , independentemcntP i Im
classe etária, e também tinham o direito de recusar o sexo, o que geralmente as r spi 1*11*
da aldeia não faziam. Princesas desse tipo eram raras: havia apenas três chefes cm tmlii
o território leles. Por outro lado, M ary Douglas estima que aproximadamente 10% iIm*
mulheres leles se tornavam esposas da aldeia (“A Form o f Polyandry among the I elr uf
the Kasai”, 1951).
34 Por exem plo, Douglas, Mary. “ Blood-Debts and Clientship am ong the Lele' . p 1
Idem. The Lele o f the Kasai, pp. 145-6,168-73; Idem. “M atriliny and Pawnship in ( cm ml
A frica”, p. 303. Obviamente, os homens muitas vezes podiam exercer uma grande 111 c*
são física sobre as mulheres, pelo menos, se todos concordassem que eles tinham um
direito m oral de fazê-lo, mas m esm o nesse aspecto Douglas enfatiza que a maioi la iIm«
mulheres tinha bastante espaço para realizar manobras.
35 Sobre a pacificidade, principalmente: Douglas, Mary. The Lele o f the Kasai, pp. 70-1,
36 Idem, p. 170.

37 Idem, p. 171.
38 Sobre o custo dos escravos: Douglas, Mary. The Lele o f the Kasai, p. 36; Idem. In llir
Active Voice, pp. 46-7.

39 No entanto, esse foi parcialmente o caso, porque o principal propósito dos esc taviH
homens era que eles fossem sacrificados nos funerais de homens importantes (Doii^liH,
Mary. The Lele o f the Kasai, p. 36).
4 0 Ver Graeber, David. Toward an Anthropological Theory o f Value, cap. 4. A grande cxi o ,in
poderia ser o dinheiro de gado dos nuers e de povos pastoris semelhantes. No ent .min,
até m esm o essa moeda serviria com o um tipo de adorno.
4 1 Akiga Sai, B. Akiga’s Story, pp. 121,158-60.
42 O m esm o pode ser dito sobre a prática do casam ento por captura dos tivs (lil< 111
pp. 137-41)-
43 Baseio-m e aqui na análise clássica das “esferas de troca” feita p or Paul BohnnttMH
(“Some Principles ofExchange and Investment among the Tiv”, 1955; “The Impact ol Mil
ney on an A frican Subsistence Econom y”, 1959) e complementada por David D01 wmiJ
(“Precolonial Tiv Trade and Cloth Currency”, 1976) e Jane Guyer (Marginal Gains: Mmirt
Transactions in Atlantic Africa, pp. 27-31).
44 Consoante Aklg.i s»»i. II Altiijin Siory, p. 241; Bohannan, Paul. "Som e PriniIplrx ol
Exchange and Investment among the Tiv”, p. 66; Bohannan, Paul; Bohannan, Launi. I'iv
Economy, pp. 233,235. Com o carisma cm geral, Akiga Sai, B. A kiga’s Story, p. 236; Downes,
Rupert Major. Tiv Religion, p. 29.
45 Ver Abraham, Roy Clive, op. cit., p. 26; Akiga Sai, B. Akiga’s Story, p. 246; Bohannan,
Paul. “Extra-processual Events in Tiv Political Institutions”, p. 3; Downes, Rupert Major.
Tiv Religion, p. 27.
46 Sobre bruxos em geral: Bohannan, Paul. Justice and Judgment among the Tiv, pp. 187-8;
Idem. “Extra-processual Events in Tiv Political Institutions”, 1958; Downes, Rupert Ma­
jor. Tiv Religion, pp. 32-5. Sobre dívidas de carne: Abraham, Roy Clive, op. cit., pp. 81-4;
I )ownes, Rupert Major. Tiv Religion, pp. 36-40.

47 Akiga Sai, B. Akiga’s Story, p. 257.


48 Idem, p. 260.
49 Sigo aqui a ideia de Wilson, Monica Hunter. “Witch Beliefs and Social Structure”, 1951.
so Paul Bohannan (“Extra-processual Events in Tiv Political Institutions”, p. 4) defende
um argumento semelhante, mas não idêntico.
51 Histórias sobre a m igração dos tivs (Abraham, Roy Clive, op. cit., pp. 17-26; Akiga
Sai, B. “The ‘Descent’ o f the Tiv from Ibenda Hill”, 1954; Bohannan, Paul. “The Migration
arid Expansion o f the Tiv”, 1954) não falam explicitamente dessa questão, mas podemos
depreendê-la facilmente. A história de Akiga Sai, B. (Akiga’s Story, p. 137) sobre os migran­
tes tivs que pintavam manchas parecidas com pústulas no corpo das mulheres para que
não fossem levadas por invasores parece particularmente sugestiva. Apesar da falta de
governo, os tivs tinham uma organização de guerra notoriamente eficaz e, como observa
Koy Clive Abraham (op. cit., p. 19), conseguiram com sucesso pôr os fulanis e os jukuns
uns contra os outros, interferindo na própria guerra que tinham uns com os outros.
52 Algumas dessas incursões não davam totalmente certo. Durante algum tempo, pelo
que parece, o domínio vizinho dos jukuns, que fizeram diversas tentativas malsucedidas
de incorporar os tivs no século x v m , parece ter vendido prisioneiros tivs para traficantes
de escravos que atuavam na costa (Abraham, Roy Clive, op. cit., p. 19; Curtin, Philip D.
I he Atlantic Slave Trade, pp. 255,298; Latham, A .J. H. Old Calabar 16 0 0 -18 9 1, p. 29; Tambo,
I »avid C. “The Sokoto Caliphate Slave Trade”, pp. 201-3.) Sem dúvida, é significativo que
muitos tivs afirmassem, na década de 1930, que os jukuns eram canibais e que as origens
1I11 “organização” m batsav residiam sobretudo em certos títulos que os tivs adquiriram
deles quando finalmente chegaram a uma reconciliação política (Abraham, Roy Clive,
op. cit., pp. 33-5)-
s j Jones, G. I. “Native and Trade Currencies in Southern Nigeria”, 1958; Latham, A . J.
II. ‘Currency, Credit and Capitalism ”, 1971; N orthrup, David. Trade Without Rulers, pp.
1s ’-64; Herbert, Eugenia W. Red Gold o f Africa, p. 196. O fam oso viajante medieval árabe
Ihn Battuta, a quem já nos referirmos ao falar da corte do rei de Sind no capítulo 2, viu

533
pessoas usando o cobrc to m o dinheiro nu rrglAo du Nlgérln, nflo multo distante ditll
na década de 1340.
54 Eugenia Herbert (op. cit., p. 181) estima que os europeus exportaram ceri .1 de • mil
toneladas de latão e cobre ingleses para a África entre 1699 e 186s. Eles eram IuIm l< tidul
em Bristol, Cheadle e Birm ingham . A m aior parte dos metais era trocada por esc 1 <«vtn
55 Esses dados são baseados no fato conhecido de que 152.076 escravos foram 1*>*(»• •t’
tados do golfo de Biafra naqueles anos (Eltis, David et alii. The Transatlantic Slaw liiiili.
2000). O tráfico de escravos em Velha Calabar durou aproximadamente de 1650 d
período em que o porto era, de longe, o m aior de Biafra, e as exportações de lá, cm » 11
auge, representavam cerca de 20% da exportação de toda a Á frica (Lovejoy, 1'nul ! !
Richardson, David. “Trust, Pawnship, and Atlantic H istory”, p. 337).
56 Sheridan, R. B. “The Com m ercial and Financial O rganization o f the Britisli Sl,*v»*
Trade", 1958; PriceJacobM . Capital and Crédit in British OverseasTrade, 1980; Idem." Wh. il I Mil
Merchants Do?”, 1989; Idem. “Crédit in the Slave Trade and Plantation Economies", 1901
57 Uma variedade de contas de tam anho maior.
58 Jean Barbot citado em Talbot, P. Amaury. The Peoples o f Southern Nigeria, v. 1, pp. |H| ft
59 Joseph E. Inkori (“The Im port o f Firearms into West A frica”, 1982) m ostra qui nu
final do século x v iii, os navios britânicos que aportavam em Velha Calabar levavuni *
média de quatrocentos mosquetes cada um, e que entre 1757 e 1806 o total expoi trttlw
para a região de Calabar e de Cam arões foi de 22.986 mosquetes. Rum e outras bel'li lin
no entanto, eram produtos bem menos importantes.
60 Um recurso com um , sobretudo nos primeiros anos: os mercadores chegavam mini

m ercados das aldeias com canoas cheias de produtos para trocá-los p or escravos c, **
não atingissem a cota, esperavam anoitecer e simplesmente atacavam as habitaçõei t t)i
m uns ao longo do rio, carregando tudo [e todos] que encontrassem (Thomas Claii<niti
citado em Northrup, David. Trade Without Rulers, p. 66; também citado em Noah, Mondity
Efiong. “Social and Political Developments”, p. 94).
61 A literatura académica existente não ajuda m uito a reconstruir a história de como
um a form a foi transform ada na outra, um a vez que as obras tratam apenas da p«m
nagem com o questão de parentesco (Douglas, Mary. “M atriliny and Pawnship in ( cll
trai A frica ”, 1964; Fardon, Richard. “Sisters, W ives, Wards and Daughters. Part 1: ' I In
Tiv’”, 1984; Idem. “Sisters, W ives, Wards and Daughters. Part 11: ‘The Transformatu hw*
1985) ou de com ércio (Falola, Toyin; Lovejoy, Paul E. Pawnship in Africa, 1994), mas mim n
com param as duas form as. Com o resultado, muitas questões básicas continuam «MN
resposta. Falola e Lovejoy, por exem plo, sugerem que o trabalho dos peões funi loim
com o juros, mas o livro não traz nenhuma inform ação sobre se os empréstimos a Juin«
existiam nas regiões africanas em que a peonagem era praticada.
62 Também está claro que esse tipo de peonagem deve ter se desenvolvido a partir ilr
algo parecido com a instituição lele e muitas regras eram as m esm as. Com o exemplo
assim como entre os |p|rs, h i i i . i garota era prometida, o credor tinha a opçAo d< se

i asar com ela quando sr torniisse adulta, liquidando a dívida.


6} Lovejoy, Paul E.; Richardson, David. “Trust, Pawnship, and Atlantic History", pp.
14 9 -5 1; Idem. “The Business o f Slaving”, 2 0 0 1.

64 Equiano, Olaudah. The Interesting Narrative o f the Life o f Olaudah Equiano, pp. 6-13.
65 Outras incluíam a Akunakuna e a Efik, ambas sediadas em Calabar. A A ro era for­
mada por falantes de igbo, e a região era um a colcha de retalhos de falantes de igbo e
de línguas ibibios.
66 Sobre a Confederação A ro em geral, ver Jones, G. I. “W ho are the A ro?”, 1939; Otten-
herg, Simon. “Ibo Oracles and Intergroup Relations”, 1958; Afigbo, Adiele Eberechukwu.
"The A ro o f Southeastern Nigeria”, 1971; Ekejiuba, Felicia Ifeoma. “The A ro Trade Sys­
tem in the Nineteenth Century”, 1972; Isichei, Elizabeth. A History o f the Igbo People, 1976;
Northrup, David. Trade Without Rulers, 1978; Dike, K. Onwuka; Ekejiuba, Felicia. The Aro
of Southeastern Nigeria, 1990; Nwauwa, A pollos Okwuchi. “Integrating Arochukw u into
the Regional Chronological Structure”, 1991.

67 K. O nwuka Dike e Felicia Ekejiuba (op. cit., p. 150) estim am que 70% dos escravos
vendidos para os europeus no golfo de Biafra vieram da Aro. A m aior parte do restante
era oriunda de outras sociedades mercantis.

68 Um ancião do século x x recorda que “as mulheres que com etiam adultério seriam
vendidas pelo marido, que ficava com o dinheiro. Ladrões eram vendidos, e o dinheiro
ficava com os anciãos cuja responsabilidade era tom ar a decisão” (Northrup, David.
Trade Without Rulers, p. 69).

69 Idem, p. 73.

70 Sobre a Ekpe com o cobradora de dívidas em Calabar: Jones, G. I. “The Political Orga­
nization o f Old Calabar”, 1968; Latham, A. J. H. Old Calabar 1600-1891, pp. 35-41; Lovejoy,
Paul E.; Richardson, David. “Trust, Pawnship, and Atlantic H istory”, pp. 347-9. Sobre a
difusão da Ekpe para Arochukwe e toda a região: Ruel, Malcolm. Leopards and Leaders, pp.
J50-8; Northrup, David. Trade Without Rulers, pp. 109-10; Nwaka, Geoffrey I. “Secret So-
i icties and Colonial Change”, 1978; Ottenberg, Simon; Knudsen, Linda. “Leopard Society
Masquerades”, 1985. Geoffrey Nwaka (op. cit., p. 188) escreve: “A sociedade Ekpe, a mais
difundida em toda a área do rio Cross, formava a base do govem o local. Ela era responsá­
vel pelas funções executivas e judiciais nas áreas em que operava. A s ações de seus m em ­
bros permitiam que as punições fossem aplicadas aos infratores públicos, os costumes
li issem impostos e a autoridade dos anciãos fosse preservada. Até certo ponto, as leis da
I kpe regulavam a vida da maior parte dos membros da comunidade em questões com o
limpeza de ruas e cidades, cobrança de dívidas e outras medidas de benefício público”.
71 Latham, A. J. H. Old Calabar 16 0 0 -189 1, p. 38.

l i Retirado de Walker, Jam es Broom . “Notes on the Politics, Religion, and Commerce
of Old Calabar”, p. 120.

535
71 Ottenberg, Simon; Ottenberg, I’hocbr, "Alikpo Market«: 1900-1900", p. 124,
74 Partridge, Charles. Cross River Natives, p, 7 >.
75 Derivada das palavras portuguesas "penhorar" c "penhor”. [n .T.|
76 Q uando precisavam de um peão, bastava carregar uma criança qualquer de imiÁ
aldeia vizinha, pois seus pais logo sairiam à sua procura.
77 Lovejoy, Paul E.; Richardson, David. “The Business o f Slaving”, p. 74. Para uni >itWI
paralelo em Gana, ver Getz, Trevor R. “Mechanisms o f Slave Acquisition and I xi Ii.hik*
in Late Eighteenth Century A nom abu”, p. 85.
78 Notavelmente, Akiga Sai (Afeiga’s Story, pp. 379-80) afirm a que, entre os tivs, .imIiH
se deu a origem da escravidão: confiscar reféns da mesm a linhagem do devedor i|in w
recusava a pagar. Eles mantinham os reféns agrilhoados durante algum tem po v depitif
os vendiam em outra região: “Esta é a origem da escravidão”.
79 A ssim tam bém nos diz R osem ary Harris (“The H istory o f Trade at Ikom, Linit 111
Nigeria”, p. 128) ao escrever sobre outro distrito no rio Cross, Ikom, um dos prim IpàU
fornecedores de escravos para Calabar. Lá, observa ela, os devedores eram obrigiidu« 4
se entregar à peonagem quando parentes maternos ou paternos intervinham para rvllitf
que eles entregassem mais m em bros da família; com o resultado, eles eram escravl/,idu|
e enviados para Calabar.
80 Não sabem os a proporção disso. O rei Eyo 11 disse a um m issionário britâníi 1 >i|tw
os escravos “eram vendidos por diferentes razões - alguns com o prisioneiros de gUFfft)
outros por dívida, outros por transgredirem as leis e outros ainda por homens li n| •<*t
tantes que os odiavam ” (Noah, M onday Efiong, op. cit., p. 95). Isso sugere que .1 dlvldí
não era insignificante, principalmente porque, com o observa Pier Larson (Hi.vfoi v
Memory in the A ge o f Enslavement, p. 18), todas as fontes na época registrariam "gu rirí*
p or ser considerada a razão mais legítima. Compare com o texto de Northrup, I lavltft
Trade Without Rulers, pp. 76-80.

81 Reid, Anthony. Slavery, Bondage and Dependence in Southeast Asia, p. 8.


82 Idem, ibidem.
83 Idem, p. 10.
84 Adrian Vickers (Bali: A Paradise Created, 1996) nos fornece uma excelente hist*»1 li« dl
imagem de Bali no imaginário do Atlântico Norte, de “Bali selvagem” a paraíso tcrroMM
85 Geertz, Hildred; Geertz, Clifford. Kinship in Bali, 1975; Boon, Jam es A . The AntfmiM
logical Romance o f Bali, pp. 121-4. Segundo Jane Belo (“A Study o f the Balinese Family", |‘
26), informantes na década de 1920 afirmavam que o casamento por captura era rcl 11l l m
mente recente, uma inovação surgida com gangues de homens que roubavam niullii 1**
de aldeias inimigas e, amiúde, exigiam pagamento dos pais para recuperá-las.
86 Boon, Jam es A., op. cit., p. 74.

87 Miguel Covarrubias (Island o f Bali, p. 12) observa que, já em 1619, as mulheres balInwM
eram bastante procuradas nos mercados de escravos na ilha da Reunião.

536
HK Boon, James A., op, d l p S, V iindcrKruan, Alfons. "Buli: Slovery and Sluvc Iradr
kjKí; Wiener, M arguret). Vlslble iitiil Invlsiblc Kealms, p. 27.
Kg Vickers, Adrian, op. cit.. p. 61. Devo apenas observar que a literatura antropológica
sobre Bali - com m aior destaque dado ao fam oso ensaio de Clifford Geertz sobre as ri­
nhas balinesas com o um “jogo profundo” (“Deep Play: Notes on the Balinese Cockfight”,
1973), espaço em que os balineses podem dar vazão a seus dem ônios internos e contar
histórias sobre si mesmos, ou sua concepção dos governos pré-coloniais com o “estados
teatrais” (Idem. Negara: The Theatre State in Nineteenth-Century Bali, 1980), cuja política era
centrada na reunião de recursos para criar rituais magnificentes - pode muito bem ser
repensada à luz de tudo isso. Há um a cegueira particular nessa literatura. Até m esm o
)ames A . Boon, depois da citação anterior sobre os hom ens escondendo as próprias
lilhas, se refere aos “súditos” do governo com o nada mais que uma “audiência levemente
lurifada para seus rituais” (op. cit., p. 75), com o se a provável perspectiva de estupro,
assassinato e escravização das crianças de fato não importasse, ou, de todo modo, não
llvesse im portância política explícita.
90 Em parte, tudo isso representa uma crítica aos argumentos de Louis Dumont (Essays
mi Individualism, 1992), segundo os quais as únicas sociedades verdadeiramente igualitá­
rias são as modernas, e mesmo assim porque não há opção: com o seu valor supremo é o
Individualismo, e com o cada indivíduo é valioso, acima de tudo, pelo grau de sua unici­
dade, não pode haver base nenhuma para afirm ar que uma pessoa seja intrinsecamente
superior a qualquer outra. Podemos ter o m esm o efeito sem absolutamente nenhuma
doutrina do “individualismo ocidental”. O conceito de “individualismo” com o um todo
precisa ser seriamente repensado.
01 Beattie, John. Bunyoro: An African Kingdotn, p. 61.
Vi Sim, é verdade que em muitas sociedades tradicionais homens que batem excessiva­
mente nas mulheres recebem penalidades severas. Mas, vale ressaltar, a suposição é de
que determinado com portam ento desse tipo seja esperado.
u} Sobre o charivari, ver, por exemplo, Davies, Kenneth Gordon. The North AtlanticWorld
In lhe Seventeenth Century, 1975; Darnton, Robert. The Great Cat Massacre, 1984. Keith Tho-
utas (Religion and the Decline o f Magic, p. 630), que cita essa história nyora ao descrever
ii Ideias inglesas da época, relata toda uma série de sanções sociais - com o atirar na água
ii "megera da aldeia” - que parecem totalmente voltadas para o controle violento das
mulheres, m as ele tam bém afirm a, estranhamente, que o objetivo dos charivaris era
Mpontar os homens que batiam nas esposas, apesar de todas as fontes dizerem o oposto.
04 Não exatamente todas. Mais uma vez, citam os a sociedade iroquesa do m esm o pe-
1 indo como exemplo: em muitos aspectos ela era matriarcal, sobretudo com relação a
i|licstões familiares cotidianas, e as mulheres não eram trocadas,
us Retirado de Trawick, Margaret. Notes on Love in a Tamil Family, p. 185, fig. 11.

u(i Reproduzido de Bohannan, Paul. Justice and Judgment among the Tiv, p. 87.

u ’ Akiga Sai, B. Akiga’s Story, p. 161.

537
98 () m esm o v.ilc pura os leles, rn lic os Mui y I louglus (lh e /.ele 11/ llir Kii.sul, p 10)
observa que era considerado ai eitíivel uçoliui uniu esposa du uldela 1 uso ela se rei hsusm»
a trabalhar ou fazer sexo, o que não era um reflexo da sua condição, uma ve/, que luti
também acontecia com esposas leles casadas com apenas um homem.

7. H O N R A E D E G R A D A Ç Ã O , OU SO B R E A S FU N D A Ç Õ ES DA C IV IL IZ A Ç Ã O ( D N I I M
PO R Â N EA

1 Dicionário antigo de sumério: “Proto-Sumerian dictionary”.

2 Jurisconsulto Florentino (11 d.C.), “Instituições de Justiniano” (1.5.4.1). É interessuttlf


notar que, quando se tenta justificar a escravidão, com eçando com Aristóteles, o eitlo
que geralmente não é dado à instituição, que não é justificável em si, mas sim às quull
dades inferiores de algum grupo étnico que está sendo escravizado.

3 Elwahed, A li Abd (Ali A b d al-Wahid). Contribution à une théorie sociologique de IVs< luv,^
1931. William Clarence-Smith (“Islamic Abolitionism in the Western Indian Ocean 11 oiit
c. 18 0 0 ”, p. 17 nsó) nota que o próprio livro de Al-W ahid surgiu de debates dinàmli 0«
no Oriente Médio sobre o papel da escravidão no Islã, que aconteciam desde meudo*
do século x ix .
4 Elwahed, A li Abd, op. cit., pp. 101-10 passim. Uma lista análoga aparece em Pattei si m
Orlando, op. cit., p. 105.
5 A venda de crianças sempre foi vista com o um sinal de colapso econôm ico e m i>1 ui
Observa Al-W ahid que m esm o os últimos im peradores rom anos, com o Dioclei luno,
apoiavam a caridade voltada explicitamente para o alívio de famílias pobres, paru qu#
elas não tivessem de recorrer a esse tipo de necessidade (Elwahed, Ali Abd, op. cil., pp
89-91).
6 Mitamura, Taisuke. Chinese Eunuchs, 1970.

7 A escravidão por dívida, observa Al-Wahid, foi praticada na Roma antiga porque. <!t
acordo com a Lei das Doze Tábuas, devedores falidos podiam de fato ser mortos, N i
m aior parte dos lugares em que isso não era possível os devedores não eram totalmente
escravizados, m as reduzidos a peões ou servos. Ver Alain Testart (“UEsclavage poiif
dettes en Asie Orientale”, 2000; “The extent and significance o f debt slavery”, 2002) piim
uma explicação completa das diferentes possibilidades.
8 Al-Wahid cita exemplos de Ateneu [de Náucratis] sobre pacientes gregos que se off<
reciam com o escravos aos m édicos que salvavam a vidas deles (Elwahed, A li Abd, it|),
cit., p. 234).
9 Ulpiano (ui d.C.) é preciso: “Em cada ramo da lei, a pessoa que não consegue retoi iiui
de m ãos inim igas é considerada m orta no m om ento em que foi capturada” (Díi.wlOi
49.15.18). A Lex Cornelia, de 84 a.C.-8i a.C., especifica a necessidade de novo casamento,
10 M eillassoux, Claude. The Anthropology o f Slavery, p. 106.

538
ii Patterson, Orlando, o p >it , p n Tscnivtdflo", c o m o ele n define, “t u dom inação
violenta e permanente dr pessoas idlenudas em relação ao nasdm cnto e desonradas dr
maneira geral”.
1 1 Patterson cita Fredrii k I )ouglass com grande efeito: “ Um hom em sem força é des­
provido da dignidade essencial da humanidade. A natureza hum ana é constituída de
m odo tal que não pode honrar um hom em desam parado, m as som ente sentir pena
dele; e m esm o isso p o r pouco tem po, caso os sinais de poder não se m anifestarem ”
(Idem, ibidem).
I { Presumivelmente, também uma mulher honorável, embora, no caso das mulheres,
com o verem os, o assunto envolve, de m aneira inextricável, questões de fidelidade e
castidade.
14 Poul Holm citado em Duffy, Seán; MacShamhráin, Ailbhe; Moynes, James. Medieval
Ireland: An Encyclopedia, p. 431. É verdade que a balança do tráfico parece ter oscilado de
um lado para o outro; em alguns períodos, os navios irlandeses navegaram por águas in­
glesas, e, depois de 800 d.C., os vikings carregaram milhares de pessoas, transformando
I )ublin no m aior mercado de escravos da Europa. Nessa época, no entanto, as cumals não
parecem mais ter sido usadas com o moeda real. Há alguns paralelos aqui com a África,
onde, em determinados m om entos e lugares afetados pelo tráfico, as dívidas também
eram calculadas em escravos (ver Einzig, Paul, op. cit., p. 153).
15 São Patrício, um dos fundadores da Igreja irlandesa, foi um dos prim eiros padres a
se oporem, total e incondicionalmente, à escravidão.
16 Doherty, Charles. “Exchange and Trade in Early Medieval Ireland”, pp. 78-83.
17 Gerriets, M arilyn. Money and Clientship in the Ancient Irish Laws, p. 128; Idem. “The
Organization o f Exchange in Early Christian Ireland”, pp. 171-2; Idem. “Money in Early
( hristian Ireland according to the Irish Laws”, p. 338. A propósito, trata-se de um con­
traste enorme com o direito galês de apenas dois ou três séculos depois, época em que o
preço de todos esses objetos é especificado meticulosamente (Ellis, Thom as Peter. Welsh
I'ribal Law and Custom in the Middle Ages, pp. 379-81). A lista de itens, p or sinal, é um a sele­
ção aleatória dos códigos galeses.
18 Doherty, Charles, op. cit., pp. 73-4-
19 O mesm o é verdadeiro em irlandês e galês, e aparentemente também em outras lín­
guas celtas. Charles- Edwards (“Honour and Status in Some Irish and Welsh Prose Tales”,
p. 130; Early Irish and Welsh Kinship, p. 555) na verdade traduz “preço da honra” [honorprice]
por “valor de face” [face value]. [Vale lembrar que, nesse contexto, “face” também assume,
para as ciências humanas, o significado de “dignidade” ou “prestígio", (n .t .)]

20 A única exceção é um texto eclesiástico antigo: Einzig, Paul, op. cit., pp. 247-8; Ger­
riets, Marilyn. Money and Clientship in the Ancient Irish Laws, p. 71.
21 A principal fonte sobre o sistema m onetário é Marilyn Gerriets (Money and Clientship
In the Ancient Irish Laws, 1978), dissertação que infelizmente nunca foi publicada em forma

539
de livro. Unia tabela tom as laxa* p m liíod c iroi« entre viu as. prata c k . tamhéiii
pode ser encontrada em Charles-tidwurds, i.arly /rí.v/i and Welsh K/n.vfiíp, pp. 478-8%,
22 Gerriets, Marilyn. Money and ( lirnuhip in the Ancient Irish Laws, p. si.

23 Se você emprestasse um cavalo ou uma espada a um homem e ele não a dev<ilvrM#


a tem po de um a batalha, causando perda de prestígio, ou se m esm o um m on^r em
prestasse seu capelo a outro m onge que não o devolvesse a tempo, de m odo que nflii
tivesse um traje apropriado para um sínodo importante, um e outro poderiam exi^li <1
pagamento de seu preço da honra (Kelly, Fergus, op. cit., p. 118).
24 O preço da honra dos reis galeses era bem mais alto (Ellis, Thomas Peter, op. cit . p 144),
25 O preço da noiva dos reis provinciais, de alta posição, era de catorze cumals, e, etlt
teoria, havia um rei supremo em Tara que governava toda a Irlanda, mas a posição to il 11
mava ficar desocupada ou ser contestada (Byrne, Frances. Irish Kings and High Kings, ig '||
26 Tudo isso é uma simplificação do que na verdade é um sistema infinitamente m m
plicado, e alguns aspectos, principalmente os relativos ao casamento - existem divo m *
variedades, com diferentes integrações de preço da noiva e d o te -, continuam obsi 1111 m
No caso de dependentes havia dois pagamentos iniciais feitos pelo soberano, e um deli <
era o preço da honra; com “dependentes livres”, no entanto, o preço da honra ndo
pago e o cliente não era reduzido ao status de servidão. Ver Fergus Kelly (op. cit.) pam
um resum o geral melhor.

27 Código Dimetiano, liv. 11, 24.12 (Howel, King. Ancient Laws and Institutes o f Wale*, p
559). Penalidade semelhante é especificada pelo assassinato de autoridades públii ,i\ •li
alguns distritos (Ellis, Thomas Peter, op. cit., p. 362).
28 “Não há indícios de que os próprios produtos podiam ter preços estabelecidos (>11
seja, em bora as moedas irlandesas pudessem quantificar o status de um indivíduo, rial
não eram usadas para quantificar o valor dos produtos" (Gerriets, M arilyn. “ Money In
Early Christian Ireland according to the Irish Laws”, p. 338).

29 Sutton, David. “A nthropology’s value(s)”, p. 374.


30 Gallant, Thom as W. “Honor, Masculinity, and Ritual Knife Fighting in NineteeniIt
-Century Greece”, 2000. Devemos considerar aqui a expressão “questão de honra”, 1 ui,
aliás, “crim e de honra” - que tam bém deixa claro que tais sentimentos estão longe il*
ser confinados à Grécia rural.
31 Na verdade, poderíam os inverter a questão com a m esm a facilidade: Por que é um
insulto tão grande sugerir que a irm ã de um homem está trocando sexo por dinheli 1 >?
E por essa razão que afirm o que os conceitos de honra ainda moldam nossa percepçíi 1
de um m odo que nem sequer im aginam os - há inúm eros lugares no m undo eni que
a sugestão de que a esposa de alguém esteja fazendo sexo por dinheiro, ou que a imiA
esteja envolvida com vários parceiros, tem uma probabilidade m aior de ser receblil 1
com bom hum or desconcertado do que com uma assassina. Já vim os exem plos 1101
gunw inggus e nos leles.

540
u Obviamente, e*lou dMInuiilnilo o in m oaqul de uni sentido mal* am ploile pall hit
cado usado cm grande pm tr da literatura feminista, ou seja, de qualquer sistema sot l.il
baseado na subordinação da* mulberes pelos homens. Está claro que as origens do pa
Iriarcado nesse sentido mais amplo devem ser buscadas em um período bem anterior
da história, tanto no Mediterrâneo com o no Oriente Próximo.
0 O modelo da “infiltração semita” já é encontrado em algumas fontes clássicas com o
1 lenry Saggs (The Greatness That Was Babylon, 1962). Em term os gerais, o padrão parece
ser de crise urbana periódica, o quase colapso da sociedade ribeirinha seguido de um
renascimento, aparentemente depois do advento de uma nova onda de pecuaristas se­
mitas (Adams, Robert; Lamberg-Karlovsky, C.; Moran, W illiam , “The Mesopotam ian
Social Landscape”, 1974).
34 Ruby Rohrlich (“State Formation in Sum er and the Subjugation o f Women”, 1980)
é ura ótim o exemplo.
)5 É claro que essa é uma simplificação enorme de uma tese associada principalmente
a )ack G oody (Production and Reproduction, 1976; Development o f Marriage and the Family in
t.urope, 1983; The Oriental, the Ancient, and the Primitive, 1990). O princípio básico é que o
dote não é tanto um pagam ento por parte do pai da noiva (poderia ser de am bos os
lados), m as sim um tipo de herança prematura. No entanto, o pouco que G oody disse
sobre a M esopotâm ia (The Oriental, the Ancient, and the Primitive, pp. 315-7) centrou-se
quase exclusivamente na prática das classes altas.
{6 W ilcke, Claus. “ Fam iliengriindung im alten Babylonien”, 1985; W estbrook, R ay­
mond. Old Babylonian Marriage Law, 1988; Greengus, Samuel. “ Bridewealth in Sumerian
Sources”, 1990; Stol, Marten. “Women in Mesopotamia”, pp. 125-7. Para a cidade de Mari;
Lafont, Bertrand. “ Les lilies du roi de M ari”, 1987; para a prática na antiga Babilónia:
Greengus, Samuel. “Old Babylonian Marriage Ceremonies and Rites”, 1966; Idem. “The
Old Babylonian Marriage Contract”, 1969; para a cidade de Nuzi: Grosz, Katarzyna. “Bri­
dewealth and D ow ry in Nuzi”, 1983; Idem. “Som e Aspects o f the Position o f Women in
Nuzi”, 1989.
37 Nossas m elhores fontes são da cidade de Nuzi, c. 1500 a.C., em bora fosse atípica
em alguns aspectos, sobretudo devido à influência hurriana. Em Nuzi parece que os
pagamentos m atrim oniais eram feitos em estágios, p o r exem plo, no nascim ento do
primeiro filho (Grosz, Katarzyna. “Som e Aspects o f the Position o f Women in N uzi”,
p. 176) - padrão conhecido dos antropólogos na Melanésia, na Á frica e em várias outras
partes do mundo.
38 Finkelstein, Jacob J. “Sex Offenses in Sumerian Laws”, 1966; VerSteeg, Russ. Early M e­
sopotamian Law, pp. 121,153 n9i. Os pais podiam reivindicar danos materiais contra aquele
que afirmava falsamente que sua filha não era virgem, presum ivelm ente porque redu­
ziria o preço da noiva (Cooper, Jerrold S. “Virginity in Ancient M esopotam ia”, p. 101).
39 Bottéro, Jean. Everyday Life in Ancient Mesopotamia, p. 113.

40 Stol, Marten, op. cit., p. 126.

541
4> Sobre "adoção m atrim oniar, v«*r ( íulllaum r < urdam lu (‘‘ ■.'adoption matrimonial#
à Babylonc et à Nn/.i”, ivs«>). l>«-ni com o Isuui Mendelsohn (Shivery in lhe A n cln il Nritr
East, pp. 8-12) e Samuel Grecngus ("Sisterhood Adoption at Nu/.i and the 'W ile S I 1 I 1 1

in Genesis”, 1975). Em tempos de penúria, às vezes até m esm o o preço da noiva era dl*
pensado, e uma família faminta poderia entregar a fdha a uma família rica em troi 1 da
promessa de mantê-la viva.

42 Evans-Prichard, E. E. “A n Alternative Term for ‘Bride-Price’’’, 1931; Raglan, bui .)<1 dr,
Richard FitzRoy Somerset, op. cit. E um pouco irônico que o debate tenha ocorrldt 1 na
Inglaterra, um a vez que esse era um dos poucos lugares onde, tecnicamente, ern leyal
vender ou até leiloar a esposa (Menefee, Samuel Pyeatt. Wives fo r Sale, 1981; Stone, I i"
rence. Road to Divorce, pp. 143-8; Pateman, Carole. The Sexual Contract, 1988). Law irm «■
Stone afirma que, embora aparentemente as “vendas públicas de esposas" nos vil.i 1 r|i 1«
ingleses na verdade fossem antecipações de divórcios, “os detalhes do ritual tinham 11
intuito de enfatizar a natureza final da transferência de propriedade, imitando o mu * inn 1
possível a venda de uma vaca ou de uma ovelha. Usava-se um cabresto para levai t» e*
posa de casa até o mercado, e do mercado até a casa do com prador” (Road to Divorer, p
145). A prática, restrita às classes populares, gerou escândalo quando foi documeiiludi»
em The Mayor o f Casterbridge [O prefeito de Casterbridge], de Thomas Hardy, e foi com
pletamente abandonada em 1919.

43 Finley, Moses. Economy and Society in Ancient Greece, pp. 153-5; Steinkeller, Piotr," Mi 1
ney-Lending Practices in Ur hi Babylonia”, 2003; Van de Mieroop, Marc. “The Invention
o f Interest: Sum erian Loans”, pp. 27-8. Van de M ieroop nota que o contrato mais aniityll
desse tipo remonta à Babilônia do século x x i a.C. Trata-se de um exem plo interess.init
para a história do trabalho assalariado. Como observei alhures (Graeber, David. Iin
ning M odes o f Production Inside Out (versão resum ida)”, pp. 66-9; Possibilities: I
on Hierarchy, Rebellion and Desire, pp. 91-4), contratos de trabalho assalariado no mundo
antigo eram principalmente uma questão de aluguel de escravos - prática que, na Mrsi 1
potâmia, foi documentada pela prim eira vez somente em épocas neobabilônicas (< >|i
penheim, Leo, op. cit., p. 78; VerSteeg, Russ. Early Mesopotamian Law, pp. 70-1; para tint
paralelo com o Egito, ver VerSteeg, Russ. Law in Ancient Egypt, p. 197).
44 Toda a questão foi complicada pela afirmação de Heródoto (op. cit., liv. 1,199) de i|iw
as mulheres da Babilônia, exceto as filhas da elite, deveriam se prostituir nos tenipli 1»,
uma vez, para ganhar o dinheiro necessário para seus dotes. Trata-se certamente de um»
afirmação falsa, mas fez com que os termos do debate se confundissem bastante enli r a*
pessoas que insistem na im portância das “hierodulas", ou que afirmam que toda prosti­
tuição era sagrada (Kramer, Samuel Noah. The Sacred Marriage, 1969; Lambert, Willi li d
G. “Prostitution”, 1992), e as pessoas que rejeitam essa ideia com o uma fantasia orinila
lista (Arnaud, Daniel. “La prostitution sacrée en M esopotamie, un m ythe historiquei1",
1973; Westenholz, Joaq.Goodnick. “Tamar, Qedesa, Qadistu, and Sacred Prostitution III
M esopotam ia”, 1989; Beard, M ary; Henderson, John. “With This Body I Thee Worship",
1997; Assante, Julia. “From W hores to Hierodules”, 2003). No entanto, os textos de K l«l|

542
e Slppar publicado* in rn irn in itr drtxam d «ro que os rituals .sexuais envolvendo inn
lheres nos templos, pelo mrtio* algumas que eram pagas pelos serviços, definitivamente
não aconteceram (Ciullery, Maureen L. "Services Obligations o f the Kezertu-Women",
1980; Yoffee, Norm an. "The Economics o f Ritual at Late Babylonian Kish”, 1998; Stol,
Marten, op. cit., pp. 138-9). A propósito, a analogia com as devadasis aparece pela primeira
vez, pelo que sei, em Yoffee, Norman, op. cit., p. 336. Sobre devadasis em geral: Orr, Leslie
(’. Donors, Devotees, and Daughters o f God, 2 0 0 0 ; Jordan, Kay E. From Sacred Servant to Profane
Prostitute, 2003; Vijaisri, Priyadarshini. Recasting the Devadadi, 2004.

45 Kramer, Samuel Noah. The Sumerians: Their History, Culture, and Character, p. 116; Bah-
rani, Zainab. Women o f Babylon, pp. 59-60.
46 Uma história semelhante pode ser encontrada em Bottéro, Jean. Everyday Life in A n­
cient Mesopotamia, p. 96, m as sem a ambivalência destacada por Lerner, Gerda. “The O ri­
gin o f Prostitution in Ancient M esopotamia", p. 247.
47 Ver Lerner, Gerda. “The Origin o f Prostitution in Ancient M esopotam ia”, 1980: Van
derToorn, Karel. “Female Prostitution in Payment o f Vows in Ancient Israel”, 1989; Lam­
bert, W ilfried G., op. cit.
48 Além disso, em muitos lugares pequenas comerciantes eram com paradas ou con­
fundidas com prostitutas, simplesmente por manter múltiplas relações duradouras com
homens sem parentesco ou proximidade (para um exemplo cazaque recente, ver Naz-
pary, Jom o. Post-Soviet Chaos: Violence and Dispossession in Kazakhstan, 2001) - e os papéis
is vezes podem se sobrepor.
49 Diakonoff, Igor. “The Structure o f Near Eastern Society before the Middle o f the 2nd
Millennium bc”, 1982. Grupos dissolutos de pastores nômades ou refugiados, que muitas
vezes também atuavam com o soldados, costumavam ser chamados genericamente de
hapiru ou habiru, tanto na M esopotâm ia com o mais para o Ocidente. Talvez seja essa a
origem do termo “hebreu”, outro grupo que, de acordo com as próprias histórias, fugiu
da servidão, vagou pelo deserto com seus rebanhos e conquistou sociedades urbanas.

50 Heródoto, op. cit., liv. 1,199. Também Estrabão. Geografia, liv. x v i, 1.20.
51 Apocalipse 17,4-5 ■O Apocalipse parece seguir a perspectiva dos seguidores de Pedro
mais do que dos de Paulo. A propósito, entendo que o m ovimento rastafári, a principal
voz profética que usa hoje a imagem da Babilónia com o corrupção e opressão - embora
tenda a atenuar as imagens da corrupção sexual - , na prática tem tratado bastante da
reafirmação da autoridade patriarcal entre os pobres.
52 Lerner, Gerda. “The O rigin o f Prostitution in Ancient M esopotam ia”, pp. 249-54:
Idem. The Creation o f Patriarchy, pp. 123-40. A principal fonte textual é Driver, G odfrey
Rolles; Miles, John C. The Assyrian Laws, 1935: ver também Cardascia, Guillaume. Les lois
assyriennes, 1969.

53 Nos casamentos sumérios, o pai da noiva a cobria com o véu e o noivo o tirava - com
esse ato ele a tom ava com o esposa (Stol, Marten, op. cit., p. 128). Isso tanto demonstra

543
o nível cm que o véu cr« lido com o «imbolo de limit uçito du mulher nu uutoriiluilc <lo
méstica dos homens quanto pode ser vlxto com o u lonte da prática ussíria que lol |un
teriormente adotada.

54 Minha opinião sobre o confucionism o segue a abordagem pouco convent lonul •


Deng, Gang. The Premodern Chinese Economy, 1999. Sobre a m ercadorização de mtilhriM,
ver Watson, Jam es L. “Transactions in People", 1980; sobre sua relação com o dei Imlo
geral das liberdades das mulheres durante a dinastia Song, ver Gates, Hill. “The Commit
ditization o f Women in China”, 1989; parece ter havido outro revés importante cluiiintí
a dinastia Ming - para uma visão geral recente, ver Ko, Dorothy; Haboush, JaHyui 1 K Intl
Piggott, Joan R. Women and Confucian Cultures in Premodern China, Korea, and Japan, jo n j
Alain Testart (“L’Esclavage pour dettes en Asie Orientale”, 2000; Esclave, la dette cl If |mmi
voir, pp. 148-9,190) enfatiza que o caso da China confirm a sua “lei sociológica geral", ilf
que as sociedades praticantes do preço da noiva tam bém perm item a escravidão pui
dívida (Testart, Alain et alii. “Prix de la fiancée et esclavage pour dettes”, 2001), umu vr 1
que esse era o local em que o governo tentava, em vão, acabar com essas duas prál U«11
O utro aspecto do confucionism o é que a escravidão m asculina era vista com o multo
mais dúbia que a escravidão feminina; no entanto, a situação jam ais chegou ao pimlo
do que aconteceu na Coreia, onde, depois da invasão de Hideyoshi, foi aprovada umu li<l
segundo a qual apenas as mulheres poderiam ser escravizadas.

55 Stanley J. Tambiah (“D ow ry and Bridewealth and the Property Rights o f Women In
South A sia”, 1973; “Bridewealth and D ow ry Revisited", 1989) foi o prim eiro a fazet .1 qtif
hoje é considerada a crítica-padrão ao argum ento de Goody. Jack G ood y prefere vpf
essas ações com o pagamentos indiretos de dotes, pois eles geralmente eram pas.sui I*1
para a família (The Oriental, the Ancient, and the Primitive, pp. 178-97).
56 Sobre a honra homérica: Finley, Moses. The World o f Odysseus, pp. 118-9; Adkins, Ar­
thur W. H. Moral Values and Political Behaviour in Ancient Greece, pp. 14-6; Seaford, Rich.ml
Reciprocity and Ritual, pp. 6-7. O gado é mais um a vez a principal unidade de contu, <■ ii
prata tam bém é aparentemente utilizada. Como notaram os classicistas, os únicos .110»
verdadeiros de com pra e venda nas epopeias hom éricas acontecem com estrange1111»
(Von Reden, Sitta. Exchange in Ancient Greece, pp. 58-76; Seaford, Richard. Money ai hl ihi
Early Greek Mind, pp. 26-30; Finley, Moses. The World o f Odysseus, pp. 67-70). Desnecessário
dizer que a sociedade hom érica carecia da precisão legalista da ideia irlandesa de “pi eço
da honra”, m as os princípios eram muito parecidos, uma vez que a palavra time sigulli
cava não só “honra”, mas tam bém “penalidade” e “com pensação”.

57 A palavra time não é usada para o “p reço” de m ercadorias na Ilíada ou na Odl.wlu,


m as tam bém o preço das mercadorias praticamente não é mencionado. No entanto, cia
é usada para a “com pensação”, no sentido de Wergeld, ou de “preço da honra” (Seaford,
Richard. Money and the Early Greek Mind, p. 198 n46). O prim eiro uso confirmado de him»'

com o preço de com pra está no hino hom érico a Dem éter (132), um pouco posterior,
e no qual, com o nota Seaford, parece significativo o fato de ele se referir na verdade u
uma escrava.
sX Aristóteles (( omnIíIiiI^Ih </• Alrriiiv >.)) sc refere à grande crise que levou As rei*h mi,r.
de Sólon, o fam oso "sm iitlli dos lardos” de c. 594 a.C.
59 A escravatura grega nu verdade era mais extrema que qualquer outra situ a d o que
possa ter existido no Oriente Próximo na época (ver, por exemplo, Westermann, Wil
liam L. The Slave Systems o f Greek and Roman Antiquity, 1955; Finley, Moses. The Ancient
Economy, 1974; Idem. Economy and Society in Ancient Greece, 1981; W iedem ann, Thom as.
Greek and Roman Slavery, 1981; Dandamaev, Muhammed. Slavery in Babylonia, 1984; West­
brook, Raymond. “Slave and Master in Ancient Near Eastern Law”, 1995), não só porque
a maior parte dos “escravos” do Oriente Próximo não era tecnicamente de escravos, mas
de servos por dívida resgatável, que por isso, pelo menos em teoria, não podiam sofrer
abuso arbitrário, mas tam bém porque aqueles que eram propriedade privada absoluta
tinham direitos mais consistentes.
60 “A autossuficiência é um fim e o que há de m elhor” (Aristóteles. Política, liv. 1,1.256,
8). Ver Finley, Moses. The Ancient Economy, pp. 109-11; Veyne, Paul-Marie. “Mythe et réalité
de l’autarcie à Rom e”, 1979, para discussões clássicas do que isso significava na prática.
61 Meu argumento aqui é baseado em Kurke, Leslie. Coins, Bodies, Games, and Gold, 1999.
Sobre os bordéis públicos, ver Halperin, David. “The Dem ocratic B ody”, 1990; Kurke,
Leslie. “Pindar and the Prostitutes”, 1996. Na verdade, tam bém existiam prostitutas nos
templos da Grécia, mais notadamente em Corinto, onde Estrabão (op. cit., liv. v iu , 6.20)
afirmou que o Templo de Afrodite tinha mil delas, aparentemente escravas oferecidas
ao templo por adoradores devotos.
62 Com o notado na citação anterior de David Sutton (op. cit.). Para um a am ostra da
literatura antropológica sobre a honra na sociedade grega contemporânea, ver Cam p­
bell, John Kennedy. Honour, Family and Patronage, 1964; Peristiany, John G. “H onour and
Shame in a Cypriot Highland Village”, 1965; Schneider, Jane. “O f Vigilance and Virgins”,
1971; Herzfeld, Michael. “Honour and Sham e”, 1980; Idem. The Poetics o f Manhood, 1985;
Just, Roger. “On the Ontological Status o f Honour”, 2001.
63 Sobre a im propriedade do trabalho fem inino fora de casa, ver Brock, Roger. “The
Labour o f Women in Classical Athens”, 1994. Sobre a segregação das mulheres em geral,
ver Keuls, Eva. The Reign o f the Phallus, 1985; Cohen, David. "Seclusion, Separation and the
Status o f Women in Classical Athens”, 1987; Just, Roger. Women in Athenian Law and Life,
1989; Loraux, Nicole. The Children o f Athena, 1993.
64 Os fatos são claríssim os, m as foram quase ignorados até pouco tempo. Lloyd Lle-
wellyn-Jones observa que a prática com eçou com o um a afetação da aristocracia, mas
que no século v todas as m ulheres respeitáveis “cobriam -se do véu diária e rotineira­
mente, pelo m enos em público ou diante de homens não aparentados” (Aphrodite’s Tor­
toise: The Veiled Woman o f Ancient Greece, p. 14).

65 Sitta von Reden (“Money, Law and Exchange”, p. 174), fazendo alusão a Heródoto (op.
c it., liv. vii, 233) e Plutarco (Vidasparalelas, “Péricles”, 26.4).

545
66 Uma mulher que Aquiles havia reduz ido pessoalmente A e.scravldflo, Briseida <*• >i ilit
cidade troiana de Lirnesso. Depois de Aquiles matar sen m arido e seus trís Irmrtos nu
ataque grego à cidade, ela lhe foi ofertada com o prêmio. (O pai dela, ao saber dlssi i, m>
enforcou.) Na Ilíada, Aquiles insiste que a ama. As opiniões de Briseida nào eram io ih I
deradas dignas de nota; poetas posteriores, contudo, inconform ados com a ideia de qu*
a m aior epopeia da Antiguidade era uma celebração da simples violação, coni ebri am
uma história em que Briseida na verdade era apaixonada por Aquiles havia muito lciii|ni
e de alguma maneira m anipulou o curso dos acontecimentos para provocar a balalhii
67 Os guerreiros hom éricos não eram de fato aristocratas; se o fossem , com o alu 111«
George W. Calhoun (“Classes and Masters in Homer”, p. 308), seriam “apenas no seni ltIn
mais vago da palavra”. Grande parte deles não passava de um grupo formado por lldripi
locais e guerreiros ambiciosos.

68 Ver Leslie Kurke (“Inventing the ‘Hetaira’”, pp. 112-3; Coins, Bodies, Games, and Gold, p|t
197-8), para esclarecim entos gregos sobre o tema. Assim tam bém pensa Richard Ne*
ford: “Enquanto a dádiva hom érica é imbuída da personalidade de seu heroico doadt >1, n
único tipo de pessoa que o dinheiro lembra é a prostituta. Para Shakespeare, ela é 'a pui*
com um de toda a humanidade’” (“ Review: Reading Money: Leslie Kurke on the Polltk *
o f Meaning in Archaic Greece”, p. 156, ênfases do original). Ademais, Seaford esta um
tanto equivocado: Shakespeare descreveu a terra com o a “puta com um da humanidade”,
cujo ventre produz ouro, que é dinheiro (Timão de Atenas, ato iv, cena 111,42-5).

69 Richard Seaford (“Review: Reading Money: Leslie Kurke on the Politics o f Meanlnu
in Archaic Greece”, 2002), em sua análise crítica do livro de Leslie Kurke, nota que a»
fontes gregas vão e voltam o tem po todo nessa questão.
70 Na Odisseia de Homero (liv. x i, 488-91), Aquiles, ao tentar evocar as pessoas mais v!»
e m iseráveis que poderia im aginar, evoca não um escravo, mas um thete, um sitnplet
trabalhador sem ligação com nenhuma unidade familiar.
71 A s porné livres eram sem pre filhas de estrangeiros ou de m oradores estrangeiro*
Aliás, também o eram as cortesãs dos aristocratas.
72 O leitor perceberá que as mulheres simplesmente desaparecem até m esm o dos rei*
tos. N ão tem os nem ideia de quem era a esposa de Polimarco.
73 Lem brem o-nos de que a pederastia era tecnicamente ilegal. Ou, para ser mais exatn,
subm eter-se ao papel passivo na sodom ia era ilegal; podia-se perder a cidadania poi
causa disso. Embora a m aior parte dos hom ens adultos se envolvesse em casos amu
rosos com rapazes, e os rapazes com hom ens, supunha-se que na verdade não havU
relações sexuais entre eles; com o resultado, quase todas as pessoas podiam ser acusadrti
de indecência. O exem plo m ais fam oso é Contra Timarco, de Esquines (ver Von Reden,
Sitta. Exchange in Ancient Greece, pp. 120-3; e também Dillon, John M. Morality and CuMum
in Ancient Greece, pp. 1Ç-28). Exatam ente os m esm os dilem as ressurgiram em Roma,
quando Cícero acusou seu rival M arco A ntônio de ter outrora “ganhado a vida” como
prostituto (Filípicas 2 , 44-45), e Otaviano, o futuro Augusto, tinha grande fama de ter se

546
"prostituído” quando |ovcm puin |ulli> ( ésar, entre outros protetores poderoso* (Sm
tônio, A vida dos d o u ctsarrs, "Aii)ju*lo", 68),
74 Os exem plos mais fam osos aconteceram em Atenas, Corinto e Mégara (Asherl, I >n
vid. “Leggi greche sui problema dei debiti”, 1969; Ste. Croix, Geoffrey. The Class Struggle in
lhe Ancient Greek World, 1981; Finley, Moses. Economy and Society in Ancient Greece, pp. 156-7).

75 A lei foi chamada de palintokia e é conhecida principalmente p or causa de Plutarco


(Moralia, 2çsd), que aparentemente se baseou em uma obra perdida de Aristóteles (Cons­
tituição de M égara). Quase tudo sobre essa lei é falado hoje na academia (Asheri, David,
op. cit., pp. 14-6; Figueira, Thom as J. “The Theognidea and Megarian Society”, pp. 112-
-68; Millett, Paul. “Patronage and its Avoidance”, pp. 21-2; Hudson, Michael. “Did the
Phoenicians Introduce the Idea o f Interest to Greece and Ita ly -A n d If So, When?”, p. 31;
Bryant, Joseph M. Moral Codes and Social Structure in Ancient Greece, pp. 100-4). Hudson, por
exemplo, argumenta que com o o evento parece ter ocorrido por volta de 540 a.C., uma
época em que os empréstimos a juros talvez não existissem, a história com o um todo
pode ter sido propaganda posterior. O utros sugerem que o evento de fato aconteceu
muito tempo depois. É interessante notar que todas as fontes gregas tratam do assunto
tom o uma medida populista extremamente radical e ultrajante - apesar do fato de me­
didas semelhantes terem se tornado a política católica padrão durante grande parte da
Idade Média na Europa.
76 Seed com, no original. A expressão é usada para designar os melhores grãos separados
e usados com o sementes no plantio, mas também se refere ao capital usado para iniciar
um negócio, [n.t.]
77 Não se sabe ao certo se os empréstimos a juros existiram nesse período, pois a pri­
meira referência aparente aos juros é de mais ou menos 475 a.C., e as primeiras referên­
cias totalmente claras são do final do m esm o século (Bogaert, Raym ond. Les Origines
antiques de la banque de dépôt, 1966; Idem. Banques et banquiers dans les citésgrecques, 1968;
Finley, Moses. Economy and Society in Ancient Greece, 1981; Millett, Paul. Lending and Borrow­
ing in Classical Athens, pp. 44-5; Hudson, Michael. “Did the Phoenicians Introduce the Idea
o f Interest to Greece and Italy - And If So, When?”, 1992).
78 Compare, por exemplo, Levitico 25,35-37, que fala da perm issão de transform ar um
pobre “irm ão que vive contigo” em um cliente ou arrendatário, m as não de conceder a
ele empréstimos a juros.
79 Como nos diz Hesíodo em Os trabalhos e os dias (parte 11,344-63); ele é nossa principal
fonte sobre essas questões. Paul Millett (Lending and Borrowing in Classical Athens, pp. 30-5)
faz uma leitura atenta dessa passagem , ilustrando a ambiguidade entre dádivas e em ­
préstimos. Esse livro de Millett é a obra básica sobre o assunto. Estudiosos da economia
grega há m uito se ocupam do que ainda é cham ado (de m odo um tanto anacrônico)
debate prim itivista-m odernista; Millett assum e um a forte posição prim itivista e tem
acalorado, de maneira previsível, o outro extrem o do debate (por exemplo, Cohen, Ed­
ward E. “Review o f ‘Lending and Borrowing in Ancient Athens’”, 1992; Shipley, Graham.

547
The Greek World After Alexander t jf (o mi , iim ) A malor parte da di.si ussjo, no entanto, trata
da prevalência do empréstimo co m m la l, quc diverge das minhas preocupações .11 uuli,
80 A história é notável porque Nasrudln quase nunca se com poria da maneira i|iir m
leitores contem porâneos considerariam injusta ou exploradora. Presume-se qnr, nau
histórias que tratam das relações com o vizinho avarento, o leitor saiba que, uniu vi t
que é avarento, ele necessariamente deve tramar alguma coisa.
81 “Contra Nicostrato” (Demóstenes, 53). Minha versão segue quase à risca a ver \.io 1Ih
Paul Millett (Lending and Borrowing in Classical Athens, pp. 53-9), mas tam bém é biisciidit
emTrevett, Jeremy. Apollodoros the Son o f Pasion, 1992; Dillon, John M., op.cit., pp. 94 HHI|
Harris, Edward M. Democracy and the Rule o f Law in Classical Athens, pp. 261-3. A interpret*
ção dos motivos de Nicostrato é minha; Dillon, por exemplo, suspeita que toda a hUtõHl
do sequestro e do resgate em Egina foi in ven tad a-m as, se esse fosse o caso, acredito <)«•••
A polodoro descobriria e contaria ao júri. O texto não diz explicitamente que Nii <>st 1 iiin
era aristocrata, m as essa parece ser a explicação mais plausível para alguém que tluliii
um a propriedade confortável, m as nenhum dinheiro. Sabia-se de outros context« >s qu«
A polodoro, no entanto, temia que seus concidadãos desdenhassem suas origens I111
mildes e tentou com pensá-las com generosidade excessiva - alguns achavam exi rsstv*
demais (ver Ballin, Theodore N. A Commentary on (Demosthenes) 50, Against Polyklcx, 19 *Ni
Trevett, Jeremy. Apollodoros the Son o f Pasion, 1992).

82 Os atenienses, ao tentarem ser nobres, pelo menos falavam como se seus concidaildi 1*
devessem se com portar assim uns com os outros; em prestar dinheiro a juros para mH
cidadão em necessidade extrema era um comportamento obviamente repreensível (Mil
lett, Paul. Lending and Borrowing in Classical Athens, p. 26). Todos os filósofos que trat.11 tini
do assunto, a com eçar com Platão (As leis, 742c, 921c) e Aristóteles (Política, liv. 1, i.nHi),
criticavam os juros com o imorais. Mas é claro que nem todos pensavam dessa manelnt
Com o no Oriente Médio, de onde o costum e se espalhou (Hudson, Michael. "Dill I hr
Phoenicians Introduce the Idea o f Interest to Greece and Italy - And If So, When?”, i w i ) ,
o dilema era que a cobrança de juros tinha um sentido óbvio no caso de empréstimo*
comerciais, m as se tornou facilmente abusiva no caso dos empréstimos pessoais.
83 Não está claro se a escravidão por dívida, ou pelo m enos a servidão por dívida, 1«it
eliminada p o r com pleto em todos os lugares, e se a crise da dívida continuou acoute
cendo a intervalos regulares em outras cidades que não Atenas (Asheri, David, op. i It ,
Ste. Croix, Geoffrey, op. cit.). Alguns (Rhodes, P. J. A Commentary on the Aristotelian Allir
naion Politeia, pp. 118-27; Cairns, Frances. “The ‘Laws o f Eretria’ (“ ig ” x n .9 ,1.273 e i .j m I

Epigraphic, Legal, Historical, and Political Aspects”, 1991; Harris, Edward M., op. c i t , |>|i
249—80) acreditam que a servidão p or dívida não foi totalmente eliminada em A tinai
Paul Millett (Lending and Borrowing in Classical Athens, p. 76) provavelm ente está conrlrl
quando diz que capitais im periais com o Atenas, e depois Roma, se esquivaram dos |ir
rigos das crises da dívida e da inquietação resultante não tanto proibindo a prática, ma*
sim canalizando o dinheiro dos tributos em program as sociais que proporcionat.i 111
uma fonte de fundos constante para os pobres, tornando a usura em geral desnecess.n la

548
K4 Millrtt, Paul. "Sair, ( rnlu and Im lumgr iu Alhenlan l.aw an d S o ilriy ", pp i8<> <>>
O m esm o era vcrdadrlro na ( íalllrla romana (Goodman, Martin. .State and .Sodriy m Ko
man (ialilee, p. çs) c, presumivelmente, também em Roma (Howgego, Christopher." flic
Supply and Use o f Money in the Roman World”, p. 13).
Kç As Fúrias, que perseguiram Orestes para evitar que ele matasse a própria mãe, insis­
tem que estão cobrando uma dívida devida em sangue (Esquilo, Eumênides, 260,319). Paul
M illett (Lending and Borrowing in Classical Athens, pp. 6-7) reúne vários exemplos. Jan Korver
(!)ie terminologie van het crediet-wezen en het Grieksch, 1934, citado em Millett, Paul. Lending and
Borrowing in Classical Athens, pp. 29-32) m ostra que nunca houve distinção form al entre
"dádiva” e “empréstimo”: continua havendo uma mescla sombria entre os dois conceitos.
86 As duas atitudes eram tidas com o conectadas: Heródoto, de form a memorável, ar­
gum entou que para os persas o m aior crim e era mentir, e que por isso eles proibiam
o empréstim o a juros, um a vez que ele suscitaria necessariam ente o com portam ento
insincero (op. cit., liv. 1,138).
87 Platão, A República, 331c.
88 Idem, 345d. Minha interpretação é fortemente influenciada pela de Marc Shell (The
Economy o f Literature, 1978). O ensaio do prim eiro capítulo de Shell é im portante (“The
Ring o f Gyges”, pp. 11-62), m as tristemente negligenciado, pois parece que os classicistas
parecem citar apenas uns aos outros (pelo menos quando o assunto é “clássicos”).

89 Polemarco, é claro, está evocando a lógica da dádiva heróica e da rixa. Se alguém o


ajuda ou o prejudica, você paga da m esm a maneira, ou melhor. Polemarco na verdade
diz que há duas circunstâncias em que é fácil fazer isso: na guerra e nos negócios de
dinheiro.
90 A República foi escrito em 380 a.C., e esses eventos aconteceram em 388-7 a.C. Ver
Holgar Thesleff (“Platonic Chronology”, p. 5) e Page DuBois (Slaves and Other Objects, pp.
153-4) para as datas e referências de estudos antigos e atuais sobre a questão, os quais
concordam que tais eventos de fato aconteceram . N ão sabem os ao certo se Platão foi
pego em um ato de pirataria, vendido por ordem de um ex-mecenas furioso ou captu­
rado com o prisioneiro de guerra (Egina - local de nascimento de Platão, a propósito -
estava em guerra com Atenas na época). Mas as diferenças se confundem. Curiosamente,
Diógenes, o Cínico, contem porâneo de Platão, porém m ais jovem , tam bém foi captu­
rado por piratas em uma viagem para Egina mais ou m enos na m esm a época. N o caso
dele, ninguém o ajudou (previsivelmente, considerando que ele rejeitou todos os víncu­
los mundanos e tendia a insultar todas as pessoas que conhecia) - ele passou o restante
da vida com o escravo em Corinto (Diógenes Laércio, Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres,
liv. iv, 9). Platão, Aristóteles e Diógenes foram os três filósofos m ais fam osos do século
tv a.C.; o fato de dois deles terem sido leiloados demonstra que esse tipo de coisa poderia
realmente acontecer com qualquer pessoa.
91 Platão reconta os acontecimentos na sua Carta v il, m as A niceres aparece somente
em Diógenes Laércio, op. cit., liv. 111,19-20.

549
92 Ihering, Kuiloll von. (íei.vt (Jr\ KmnhJini Hnhlx iin/ den m schltdenen Stufen vfnri I m
wicklung, 2003.

93 Os direitos in rem, ou "sobre a coisa”, sâo considerados direitos “contra lodo o


m undo”, pois “é incum bido um devera Iodas as pessoas de se absterem dc atos pre)iiill>
ciais ao direito” - o u seja, o oposto de direitos inpersonem, mantidos contra um Indivíduo
específico ou grupo de indivíduos (Digby, Kenelm; Harrison, W illiam . An Introdiu llmi
to the History o f the Law o f Real Property, p. 301). Peter Garnsey (Thinking about Property, pp,
177-8) nota que Pierre-Joseph Proudhon (Qu’est-ce que la propriété?, 1840) estava co m lo
ao dizer que a natureza “absoluta" dos direitos de propriedade no Código Civil Fmiu r»
e em outros docum entos jurídicos m odernos paradigmáticos remonta diretamente 411
direito rom ano, tanto à noção de propriedade privada absoluta como ao direito de si ibe
rania absoluta do imperador.

94 A ideia de que a propriedade rom ana não era um direito rem onta a Michel Vllley
(“ L'Idée du droit subjectif et les systèmes juridiques rom ains”, 1946) e se tornou tonhe
cida na academ ia inglesa com Richard Tuck (Natural Rights Theories, pp. 7-13) e lit Un
Tierney (The ldea o f Natural Rights, 1997), em bora Peter G arnsey (Thinking about (’rii/icilv,
pp. 177-95) tenha defendido recentemente um argumento convincente de que os juriM >*<
romanos viam a propriedade com o direito (ius) no sentido de se ter o direito da alienu\l( 1
e de defender as próprias reivindicações no tribunal. Trata-se de um debate interess.mh1
que se concentra basicamente na definição que se tem de "direito”, mas um pouco 1.111
gencial ao m eu argumento.
95 “A relação paradigm ática entre um a pessoa e um a coisa é a de posse, em boni 01
próprios rom anos não a tenham definido. Para eles, era um a relação de poder iium
form a de potestas - exercida diretamente sobre a própria coisa física” (Samuel, Geofli ry
“Property, Obligations”, p. 302).
96 N o direito rom ano antigo, em que vigorava a Lei das Doze Tábuas (c. 450 a.( ).
os escravos continuavam sendo pessoas, m as de valor reduzido, pois nas ofensas ele*
valiam metade do que valia um a pessoa livre (Lei das Doze Tábuas, vin.io). No final du
República, mais ou menos na época em que surgiu o conceito de dominium, os escr.ivi m
foram redefinidos com o res, coisas, e as ofensas contra eles tinham o mesmo estado le^id
que as ofensas contra animais de granja (Watson, Alan. Roman Slave Law, p. 46).

97 O rlando Patterson (op. cit., p. 310): “E difícil entender por que os rom anos inven
tariam a ideia de relação entre pessoa e coisa (uma noção quase m etafísica, bast.mii
dissonante do m odo rom ano de pensar em outras áreas) [...] a m enos que entendam« 1»
que, para todos os propósitos, a ‘coisa’ que tinham em mente era um escravo”.
98 Ela não aparece na Lei das Doze Tábuas, tam pouco em documentos legais anteriorm,

99 Dominus aparece pela prim eira vez em 111 a.C.; dominium, um pouco depois (Birki,
Peter. “The Rom an Law Concept o f D om inium ”, p. 26). Keith Hopkins (Conquerors iiiiil
Slaves, 1978) estim a que, no final da República, os escravos som avam de 30% a 40% iU
população italiana, talvez a proporção mais alta de qualquer sociedade conhecida.

550
to o Digesto, 9,2.11 p i , I llplmio nu llvro xvin sobre o lidlto.
101 Os exem plos s;W> do I ){gr\to, 47.2.10 pr„ Ulpiano no livro x u sobre Sablno, r I ) lye.it0,
0.2.33 pr., segundo livro de Paulo a Pláucio, respectivamente.
102 Ver Richard Saller (“ Familia, Dom us’, and the Roman Concept o f the Family", 1084)
sobre domus versus familia. A palavra familia, e seus vários cognatos europeus posteriores,
com o famille em francês, fam ily em inglês etc., continuou se referindo principalmente a
uma unidade de autoridade, e não necessariam ente de parentesco, até pelo m enos o
século x v iii (Stone, Lawrence. The Family, Sex and Marriage in England 1500 -18 00,19 68 ;
Flandrin, Jean-Louis. Families in Former Times, 1979; Duby, Georges. Rural Economy and
the Country Life in the Medieval West, pp. 220-3; Ozment, Steven. When Fathers Ruled, 1983;
Herlihy, David. Medieval Households, 1985).

103 Raymond W estbrook (“Vitae Necisque Potestas”, p. 207) analisa os três casos conhe­
cidos desse acontecimento. Parece que aqui a autoridade do pai era considerada idêntica
à do Estado. O pai poderia ser punido se fosse descoberto que havia executado o filho
ilegitimamente.
104 Ou os tom assem com o escravos. De fato, a própria Lei das Doze Tábuas (111.1) pa­
rece ser um a tentativa de reform ar ou m oderar até m esm o as práticas mais severas,
com o apontou Al-W ahid (Elwahed, A li Abd, op. cit., pp. 81-2) talvez pela prim eira vez
na história.
105 M oses Finley (Ancient Slavery and M odem Ideology, p. 143) observa que a disponibili­
dade sexual dos escravos “é tratada com o algo com um na literatura greco-rom ana”. Ver
Saller, Richard P. “Slavery and the Roman fam ily”, pp. 98-9; Glancey, Jennifer A. Slavery
in Early Christianity, pp. 50-7.

106 Há um debate dinâmico sobre se a reprodução de escravos foi extensivamente prati­


cada em Roma: uma teoria comum da escravidão (por exemplo, Meillassoux, Claude, op.
cit.; Anderson, Perry. Passages from Antiquity to Feudalism, 1974) argum enta que a prática
não era lucrativa, e quando o fornecimento de novos escravos era cortado, os escravos
existentes eram ordinariamente convertidos em servos. N ão parece haver razões para
tratar disso aqui; para um resum o, ver Bradley, Keith R. “On the Rom an Slave Supply
and Slavebreeding”, 1987.
107 Sim, os cidadãos romanos, legalmente, não podiam escravizar uns aos outros, mas
podiam ser escravizados por estrangeiros, e piratas e seqüestradores raramente mediam
palavras ao tratar desse assunto.

108 O im perador chinês Wang Mang era tão exigente a esse respeito que uma vez or­
denou a execução do próprio filho pelo assassinato arbitrário de um escravo (Testart,
Alain. “Pourquoi la condition de l’esclave s’améliore-t-elle en régime despotique?”, p. 23).
109 A Lex Petronia, em vigor p o r volta de 19 d.C. a 32 d.C., tecnicam ente proibia os
donos de obrigar escravos a “lutarem com bestas selvagens”, um a diversão pública p o ­
pular; “luta”, no entanto, é geralmente um eufemismo, visto que quem lutava com leões

551
fam intos nào podia usar arm as, ou obviamente usava arm as Inadequadai. Somente um
século depois, sob o governo de Adriano (117 d.( nK d.C.), os proprietários foram piol
bidos de matar escravos, manter cárceres privados ou praticar outras punições 11 m l«.
excessivas. Interessante notar que a limitação gradual do poder dos donos de esc rav* >1 lo|
acom panhada pelo aumento do poder estatal e da expansão da cidadania, mas também
do retorno de várias form as de servidão por dívida e da criação de um cam pesinato
dependente (Finley, M oses. The Ancient Economy, pp. 92-3; Idem. Economy and 5 o< Iriv in
Ancient Greece, pp. 164-5).

110 Tito Lívio (Ah urbe condita libri, 41.9.11) observa que, em 177 a.C., o Senado aprovou
um a lei proibindo italianos que não tivessem cidadania rom ana de vender parente« l
escravidão - com o era feito para que se tornassem cidadãos romanos.

111 A frase foi preservada na obra do velho Sêneca (Controversiae, 4.7) e destacada pot
Moses Finley (Ancient Slavery and Modern Ideology, p. 96), entre outros. Há uma disi uxtfto
detalhada sobre ela em Butrica, Jam es L. “Som e M yths and A nom alies in the Study • •(
Roman Sexuality", pp. 210-23.
112 W irszubski, Chaim. Libertas as a Political Ideal at Rome, 1950. Sobre a etimologia, vn
Benveniste, Émile. Indo-European Language and Society, 1973. De maneira semelhanie. lyji 1*
Kopytoff e Suzanne Miers (“African ‘Slavery’ as an Institution o f Marginality”, 1977) enlatl
zam que, na Africa, “liberdade” sempre significou a incorporação em um grupo de patrii
tesco - apenas os escravos eram “livres" (no nosso sentido) de todas as relações humana«
113 Jurisconsulto Florentino, “Instituições de Justiniano” (1.5.4.1). Alguns sugerem que .t
palavra “natural” na prim eira frase foi inserida apenas em edições posteriores, talve/ no
século iv d.C. A posição de que a escravidão é produto da força ratificada na lei, conita >1
natureza, no entanto, remonta pelo menos ao século iv a.C., quando Aristóteles (PolíHi a
liv. i, 1.253b, 20-30) discorda dela explicitamente (ver Cambiano, Guiseppe. “Aristotle ami
the A nonym ous Opponents o f Slavery”, 1987).
114 Já nessa época, advogados com o A zo e Bracton com eçaram a questionar: se issi 1 !i h
verdade, então os servos também não seriam livres? Ver Harding, Alan. “Political Libert y
in the Middle A ges”, p. 424 n6; ver também Buckland, W illiam W arwick. The Roman I a»'
o f Slavery, p. 1; Watson, Alan, op. cit.

115 Ulpiano escreveu que “todos nasciam livres segundo a lei da natureza”, e que a e*
cravidão era resultado da iusgentium (“lei das nações”), os usos com uns legais da hum«
nidade. Juristas posteriores acrescentaram que a propriedade era originalmente comum,
e a ius gentium era responsável por reinos, propriedade etc. (Digesto, 1.1.5). Com o afirma
Richard Tuck (op. cit., p. 19), essas ideias estavam dispersas e só foram sistematizada«
por pensadores da Igreja, com o Graciano, muito tempo depois, durante o renascimenln
do direito rom ano no século xn.
116 Princeps legibus solittus est (“o príncipe é desobrigado das leis”), frase cunhada Inl
cialmente p or Ulpiano e repetida p or Justiniano (1.3 pr.). Essa noção era muito nova n o
m undo antigo: para os gregos, p or exemplo, em bora os hom ens pudessem agir c o m o
quisessem com suu* iiiiillu n . Iillius e escravos, qualquer governante que exploi.ivse
seus súditos da mesma maneira era i onsiderado tirano. Até mesmo o principio básico da
soberania moderna, de que i» governantes detêm o poder suprem o da vida e da morte
com relação aos súditos (que os m odernos chefes de Estado ainda sustentam para ga
rantir perdões), era visto com suspeita. De maneira semelhante, sob a República, Cícero
argumentou que os governantes que insistiam em sustentar o poder da vida e da morte
eram tiranos por definição, “ainda que preferissem ser chamados de reis” (De Re Publica,
).23). Ver W estbrook, Raym ond. “Vitae Necisque Potestas”, p. 204.
117 The Chronicle o f Walter o f Guisborough, p. 2x6. Ver Clanchy, M. T. From Memory to Written
Record, pp. 2-5.

118 Aylmer, G. E. “The Meaning o f Property in Seventeenth-Century England”, 1980.

119 Para ser justo, os liberais ortodoxos diriam que essa é a conclusão lógica quando se
parte da ideia de liberdade com o ativa e não passiva (ou, com o dizem os filósofos, que
há “direitos subjetivos”) - ou seja, ver a liberdade com o a obrigação dos outros não só de
permitir que façamos o que quer que a lei ou os costumes digam que podemos fazer, mas
também de fazer qualquer coisa que não seja especificamente proibida, e que isso tem
efeitos libertadores enormes. Decerto há alguma verdade nisso. Mas, em termos históri­
cos, esses efeitos foram algo colaterais, e há muitas outras maneiras de chegar à mesm a
conclusão que não exigem que aceitemos as suposições básicas sobre propriedade.
120 Tuck, Richard, op. cit., p. 49; Tully, Jam es. An Approach to Political Philosophy, p. 252;
Blackburn, Robin. The Making o f New World Slavery, pp. 63-4.
121 Note-se que, nesse período, a justificativa não pode ser baseada em nenhum pres­
suposto de inferioridade racial - as ideologias raciais surgiram depois - , m as sim no
pressuposto de que as leis africanas eram legítimas e deveriam ser consideradas irrevo­
gáveis, pelo m enos com relação aos africanos.
122 Já defendi extensivamente o argumento de que o trabalho assalariado está enraizado
na escravidão - ver, por exemplo, Graeber, David. “Turning Modes o f Production Inside
Out (versão resumida)", 2006.
123 E p or essa razão que, com o explicou Craw ford Brough M acPherson (The Political
Theory o f Possessive Individualism, 1962), as “violações aos direitos hum anos” só são evoca­
das nos jornais quando é possível dizer que os governos estão violando a pessoa ou os
bens de uma vítim a - digamos, violentando-a, torturando-a ou m atando-a. A Declara­
ção Universal dos Direitos Humanos, com o praticamente todos os docum entos sem e­
lhantes, também fala dos direitos universais à alimentação e moradia, mas nunca vem os
notícias sobre governos que cometem “violação aos direitos hum anos” quando cortam
o controle de preços dos alimentos básicos, m esm o que o corte leve a uma desnutrição
generalizada, ou quando expulsam os os sem-teto de seus abrigos.
124 Podemos rem ontar essa ideia pelo m enos a Sêneca, que, no século 1 d.C., argum en­
tou que os escravos podiam ser livres na mente, visto que a força só era aplicada à “prisão
do corpo” (De beneficiis, 3.20) - esse parece ter sido um ponto fundam ental de transição

553
entre a ideia de liberdade com o capai Idade de emlabeleicr relações morai* com o« oiiiiim
e liberdade com o interlorlsaçâo do podrr do senhor.

125 Para um autor que relaciona explicitamente essa questão com a dívida, vei knitmail,
Janet. "Unsanctioned Wealth”, p. 224. Há vasta literatura para objetos com o pontos tini
cos na história humana, mas ver Hoskins, Janet. Biographical Objects, 1999; Graebei, I »avid
Toward an Anthropological Theory o f Value, 2001.

126 Pode-se perceber com o a escravidão era incom um pelas suposições dos into » man
tes de que os escravos não faziam ideia de que este seria seu destino.

127 Acentuadamente, no m om ento exato em que sua existência social era a única r »1*
tência que lhe restava. Há registros sobre a matança de escravos nos funerais de reis, mi
de magnatas, da antiga Gália à Suméria, China e Am éricas.
128 Homero, Ilíada, liv. ix, 342-4.

129 E vans-Pritchard., E. E .The Divine Kingship o f the Shilluk o f the Nilotic Sudan, p. }6; Salt
lins, Marshall. “The Stranger-king or Dum ezil am ong the Fijians”, 1981. Para um hi mi
exemplo da identificação entre reis e escravos, ver Feeley-Harnik, Gillian, op. cit. Obvia
mente, todos sabemos muito bem que reis têm famílias, amigos, amantes etc. - a questd»
é que isso sempre é visto com o um problema, pois um rei deveria ser rei igualmente pa 1 a
todos os seus súditos.
130 Sobre a influência do direito rom ano na tradição liberal, é fascinante notar qm
0 autor mais antigo de que temos registro a ter esboçado algo parecido ao m odelo di
Smith, em que o dinheiro - e a cunhagem, em última instância - é criado com o auxilio
para o comércio, é outro jurista romano, Paulo (Digesto, 18.1.1).

131 Mas não foi de modo nenhum eliminada. (Se alguém tiver dúvida disso, recomemli 1
que passeie pela vizinhança sem levar em consideração todos os direitos de propriedade
e veja em quanto tempo as arm as com eçarão a aparecer.)

8. CR ÉD ITO V E R S U S LIN G O T ES E OS CICLO S DA H IS T Ó R IA

1 “Dívida, s. Substituto ingênuo para o grilhão e o chicote do feitor”, escreveu Ambrose


Bierce, cínico notório (The D evil’s Dictionary, p. 49). Decerto para aquelas mulheres tal
landesas que apareceram na porta do quarto de Neil Bush, a diferença entre terem sidt 1
vendidas pelos pais e trabalhar para cum prir um contrato de dívida dos pais era um
m ero detalhe tanto quanto o seria 2 mil anos antes.
2 Um dos poucos autores que enfrentaram a questão de maneira direta, pelo que sei, é
Pierre Dockés (Medieval Slavery and Liberation, 1979), que fez a declaração convincente de
que o desaparecimento da escravidão tem a ver com o poder do Estado: pelo menos, .1
escravidão enquanto instituição foi brevemente revivida no Império Carolíngio e depois
desapareceu de novo.^í interessante que, pelo m enos desde o século x ix , a “transição
do feudalismo ao capitalism o” tenha se tornado nosso paradigm a histórico para uma
m udança social memorável, e ninguém trate da transição da antiga escravidão para o

554
feudalismo, mesmo que h««|a iit/Oes pura acreditar que o que acontece agora se asseme­
lha muito mais a essa tr*milt,tlo,
1 Robin Blackburn (op. cit.) defende esse argumento de maneira bastante convincente.
I louve algum as exceções, notadamente as cidades-Estado italianas. A história é bem
mais com plicada do que parece aqui: durante grande parte da Idade Média, os europeus
foram vítim as de piratas de escravos m ais do que de seus beneficiários, com m uitos
prisioneiros vendidos no norte da Á frica e no Oriente Médio, e esse foi um dos motivos
da hostilidade.
4 A s moedas da região do Egeu eram estampadas; as indianas, puncionadas; as chine­
sas, fundidas. Isso sugere que não estam os falando de um a difusão. A o falar sobre as
moedas indianas, um historiador observa: “A lgo que parece distinto em uma m oeda
vazada é que a pessoa que a criou nunca viu um a m oeda grega - ou, se tivesse visto,
não teria se im pressionado. A moeda puncionada é feita por um processo metalúrgico
totalmente diferente” (Schaps, David. “The Invention o f Coinage in Lydia, in India, and
in China”, p. 9).
5 Pruessner, A . H. (“The Earliest Traces o f Negotiable Instrum ents”, 1928) talvez tenha
sido o prim eiro a m encionar isso.
6 Elas parecem ter sido m uito usadas pelos m ercadores da antiga A ssíria que traba­
lhavam na Anatólia (Veenhof, Karl. “‘M odern’ Features in Old A ssyrian Trade”, 1997).
7 M arvin A . Powell (“A Contribution to the H istory o f M oney in M esopotam ia”, 1978;
“Ancient M esopotam ian Weight M etrology”, 1979; “W ir miissen unsere Nische nutzen:
Monies, Motives and Methods in Babylonian Econom ics”, pp. 14-8) dá uma declaração
excelente sobre esses dados, destacando que os babilônios não produziam escalas pre­
cisas o bastante para medir as quantidades m inúsculas de prata que teriam de usar para
realizar com pras com uns para casa, com o peixe frito, cordões ou lenha, em dinheiro.
Ele conclui que a prata era muito usada nas transações entre mercadores. Supõe-se que
os vendedores dos m ercados, portanto, agiam da m esm a m aneira que agem hoje nos
pequenos mercados na Á frica e na Ásia Central, fazendo listas de clientes confiáveis aos
quais poderiam conceder crédito com o tempo. Ver Hart, Keith. The Memory Bank, p. 201;
Nazpary, Jom o, op. cit.
8 Michael Hudson (“ Reconstructing the O rigins o f Interest-Bearing Debt”, pp. 21-3)
lança a hipótese de que o elemento tem poral foi im portante, pois os m ercadores pre­
sumivelmente atrasariam o uso dos fundos o m áxim o possível. Ver Renger, Johannes.
“Patterns o f Non-Institutional Trade and Non-Com m ercial”, 1984; Idem. “On Economic
Structures in Ancient M esopotam ia”, 1994; Van de M ieroop, Marc. “The Invention o f
Interest: Sumerian Loans”, 2005.
9 Refiro-m e aqui ao qirad e ao mudaraba, arranjos sem elhantes à antiga commenda m e­
diterrânea da Idade Média (Udovitch, Abraham L. Partnership and Profit in Medieval Islam,
1970; Ray, Nicholas Dylan. “The Medieval Islamic System o f Credit and Banking”, 1997).
10 Heródoto, op. cit., liv. 1,138.

555
u Idem. Ilv. ill, 102-1 .
12 Van de M ieroop, Marc. “A H istory of Nrur Eastern Debt?", p. f»t; Idem. “The I m v * ii
tion o f Interest: Sum erian Loans", p. 29. Hie observa que o total de gràos obtido» poi
Entemena em um ano era de aproximadamente 17 m ilhões de litros, fazendo du qiiiuitl
dade que ele reclama ser devida mais de mil vezes m aior que a receita anual do pi t ipi Iti
palácio.

13 Lam bert, M aurice. “ Une Inscription nouvelle d’Entemena prince de Lagash”, n j'ii
Lemche, Niels Peter. “Andurarum and M isharum", p. 16.

14 Michael Hudson (“The Lost Tradition o f Biblical Debt Cancellations", 1991) nos ilit *
visão geral mais detalhada dessa literatura.
15 Idem, p. 20.

16 Phillip Grierson (The Origins o f Money, p. 17) cita Cerny, Jaroslav. “Prices and
in Egypt”, p. 907.
17 Bleiberg, Edward. “Loans, Credit and Interest in Ancient Egypt”, 2002.

18 Uma autoridade no assunto declara categoricamente: “Desconheço quaisquri i!»>


eretos de anulação de dívida emitidos por algum faraó” 0 asnow, Richard Lewis Tit
-demotic Pharaonic sources”, p. 42) e acrescenta que indícios de servidão por dívld.i m
aparecem no final do período dem ótico. E o m esm o período em que as fontes x " Hit*
com eçam a falar dessas duas práticas.

19 VerSteeg, Russ. Law in Ancient Egypt, p. 199. Ver Lorton, David. “The Treatment ol
Criminals in Ancient Egypt”, pp. 42-4.

20 De certa forma, isso lembra as brechas legais criadas no m undo cristão e no mundo
islâmico medievais, cenários em que os juros foram proibidos formalmente; ver, adiiuiii
o capítulo 10.

21 Diodoro Siculo, Biblioteca Histórica, 1.79. Ver William L. Westermann (op. cit., pp. so 1)
para uma com paração de fontes gregas e egípcias sobre o assunto.

22 A história da dissem inação da dívida com juros está apenas com eçando a sei 1r
construída. Ela não aparece ainda em Ebla (c. 2500 a.C.), no Im pério Antigo ou Médio
do Egito ou na Civilização Micênica, mas se torna com um no Levante no final da ldad»
do Bronze, e tam bém na Anatólia hitita. Com o verem os, ela apareceu tarde na Grét la
clássica, e ainda mais tarde em lugares com o Alem anha.
23 Na historiografia chinesa, na verdade, toda essa época é conhecida com o “período
feudal”.

24 Nos textos de Guanzi, de Guan Zhong, citado em Schaps, David. “The Invention o|
Coinage in Lydia, in India, and in China”, p. 20.
25 Li Yung-Ti (“On the Function o f Cowries in Shang and Western Zhou China”, 200ft)
argum entou recentemente que as pessoas não carregavam as conchas, m as nós 11A0
teríam os com o com provar esse fato. François T h ierry (Monnaies de Chine, pp. 39 41)

556
simplesmente siipòr nI i i i . <
- ,ipn ■.<nl.t muitos indícios de seu u n o como unldtuiri dr
conta e meio de pagamento, nms nâo para comprar e vender itens.
26 F.m todo caso, os bii/.ios foram definitivamente usados com o o equivalente a moedas
em períodos posteriores, e o governo periodicamente refreava seu uso ou o reintrodu-
/.ia (Quiggin, A. Hingston, op. cit.; Swann, N ancy Lee. Food and Money in Ancient China,
1950; Thierry, François. M onnaies de Chine, pp. 39-41; Peng, Xinwei. A Monelary History o f
China, 1994). O dinheiro de búzios sobreviveu, junto com as talhas, com o form a com um
de m oeda corrente na província de Yunnan, no extrem o sul, até tem pos relativamente
recentes (Yang, Bin. “Horses, Silver, and Cow ries”, 2002). Há estudos detalhados sobre
isso, m as - pelo que sei - apenas em chinês.
27 Scheidel, Walter. "The Divergent Evolution o f Coinage in Eastern and Western Eu-
rasia”, p. 5.
28 Kan, Lao. “The Early Use o f the Tally in China”, p. 92; M artzloff, Jean-Claude. A
History o f Chinese Mathematics, p. 178. A propósito, há um estudo sobre o sistema quipo
dos incas fascinante a esse respeito; os cordões eram usados para registrar obrigações
que consideraríamos financeiras e outras que consideraríamos rituais, visto que, com o
em m uitas línguas eurasianas, "dívida” e “pecado” tam bém eram representados pela
mesma palavra em quíchua (Quilter, Jeffrey; Urton, Gary. Narrative Threads: Accounting
and Recounting in Andean Khipu, p. 270).

29 Lien-sheng Yang (Money and Credit in China: A Short History, p. 5) encontrou a primeira
referência literária confiável a respeito dos empréstim os a juros no século iv a.C. Xin-
-wei Peng (op. cit., pp. 98-101) observa que os registros mais antigos existentes até hoje
(ossos oraculares e inscrições) não mencionam empréstimos, m as não há m otivos para
mencioná-los; ele também reúne a m aior parte das referências literárias disponíveis, en­
contra muitas referências a empréstimos em períodos antigos e conclui que não há com o
saber se podem os levá-los a sério. No Período dos Reinos Combatentes, no entanto, há
evidências abundantes de usurários locais e de todos os tipos de abusos habituais.
30 Yan Tie Lun, i.2/4b2-6, citado em Gale, Esson McDowell. Discourses on Salt and Iron,
p. 12.

31 Guanzi, 73.12; Rickett, W. Allyn. Guanzi, v. 11, p. 397.

32 A ssim , por volta de 100 a.C., “quando assolados por inundações e secas [...] quem
tinha grãos os vendeu pela metade do preço, e quem não tinha os tom ou emprestados
a juros exorbitantes. A s propriedades paternas m udaram de dono; filhos e netos foram
vendidos para pagar dívidas; os mercadores lucraram em grande escala, e m esmo peque­
nos comerciantes abriram negócios e obtiveram ganhos sem precedentes” (Duyvendak,
Jan Julius Lodewijk. The Book o f Lord Shang, p. 32). Os em préstim os a juros são d ocu­
mentados pela prim eira vez no século iv a.C. na China, m as podem ter existido antes
disso (Yang, Lien-sheng, op. cit., p. 5). Para um caso paralelo de venda de crianças para
pagamento de dívida na antiga índia, ver Rhys Davids, Caroline. “Economic Conditions
According to Early Buddhist Literature”, p. 218.

557
9 - IDADE A X IA I. (8o<> A .t.ftO O D.C.)

1 Jaspers, Karl. Vom Ursprung und Ziel dtrGesc hlchie, 1949.


2 Parkes, Henry Bamford. Gods and Mcn, p. 71.

3 O u, para serm os ainda m ais precisos, deveríam os term iná-lo em 632 d.C., tom
morte do Profeta.

4 Obviamente, o hinduísm o védico é anterior; refiro-m e aqui ao hinduísmo co m i• it


ligião consciente de si, que a princípio tom ou form a com o reação ao budism o r tiu
jainism o mais ou menos nessa época.
5 A data costumava ser estabelecida com o bem anterior, em 650 a.C. ou ainda 700.1 < ,
m as a arqueologia recente colocou isso em questão. A s m oedas da Lídia parecem m i
ainda anteriores, aliás, pois a m aior parte das outras parece ter sido criada anies ilr<w
período também.

6 Prakash, Satya; Singh, Rajendra. Coinage in Ancient índia, 1968; Dhavalikar, Madhukiii
Keshav. "The Beginning o f Coinage in índia”, 1975; Kosambi, Dam odar Dharmanaiul In
dian Numismatics, 1981; Gupta, Parameshwari Lal; Hardaker, T. R. Indian Silver Punchm.nh ,1
Coins, 1995. A data mais recentemente aceita para o surgimento da cunhagem na liullti,
baseada em análises por carbono radioativo, é p or volta de 4 0 0 a.C. (Erdosy, Geoi»«'
Urbanisation in Early Historie índia, p. 115; Idem. “City states in North índia and Pakisiim .11
the time o f the Buddha”, p. 113).

7 Dam odar Dharm anand Kosambi observa que parece haver uma ligação direta ciiti*«
as prim eiras dessas barras e as cidades harappianas da Idade do Bronze: “M esmo dcpi >1*
da destruição de M ohenjo-Daro - um a cidade inteiramente comercial, com o visto p«!i 1
peso m etálico das barras e pelas arm as pobres - , os com erciantes persistiram e com l
nuaram a usar os m esm os pesos precisos daquele período" (Indian Numismatics, p. yi)
Dado o que sabem os sobre a M esopotâm ia, que mantinha contato direto com a civil!
zação harappiana, tam bém parece razoável supor que elas continuaram a usartécnu .11
com erciais m ais antigas e, com efeito, “notas prom issórias” aparecem com o prática*
conhecidas nas fontes literárias mais antigas, com o as “Jatakas” (Rhys Davids, Caroliiu
“Econom ic Conditions in Ancient índia”, p. 16; Thapar, Romila. “The First Millennliiin
BC in N orthern índia”, p. 125; Fiser, Ivo. “The Problem o f the Setthi in Buddhist Jatak.is1,
p. 194), m esm o que tenham aparecido muitos séculos depois; as m arcas supostam entt
confirmavam a precisão do peso e mostravam que não houve diminuição, mas a inspli .1
ção em práticas de crédito anteriores parece provável. Dam odar Dharmanand Kosaml >1
confirm a isso depois: “A s m arcas correspondiam às rubricas m odernas em faturas 1 >11
cheques liquidados pelas câm aras de com pensação” (An Introduction to the Study o f Irulhin
History, pp. 178-9).

8 N osso prim eiro registro literário da cunhagem na China é de um reino que reformi mi
seu sistema m onetário em 524 a.C. - ou seja, ele já tinha sistema m onetário, e provável
mente havia um bom tem po (Li, Xueqin. Eastern Zhou and Qin Civilizations, p. 372).

558
9 Schaps, David. "IIn Invi nil........I ( olnugr In l.ydia, in liuliu,and In ( lim .f, p 14 I’.u.i
um argumento semrllmnir in rntc, vcrSchoenbergcr, Erica. "The Originso( the Market
Economy", 2008.
10 É claro que as primeiras moedas foram de denominações altíssimas e muito prova­
velmente usadas mais para pagar taxas e im postos e adquirir casas e gado do que para
compras cotidianas (Kraay, Colin M. “Hoards, Small Change and the Origin o f Coinage",
1964; Price, Martin Jessop. “Thoughts on the Beginnings o f Coinage”, 1983; Schaps, David.
The Invention o f Coinage and the Monetization o f Ancient Greece, 20 0 4 ; Vickers, Michael J. “Early
Greek Coinage, a Reassessment", 1985). Não se pode dizer que existia uma sociedade de
mercado real na Grécia com o ocorria no século v a.C.: os cidadãos com uns iam para
o mercado carregando minúsculas moedas estampadas, de prata ou de ouro, nas bochechas.
11 Proposta pela prim eira vez por Robert Manuel Cook (“Speculations on the Origins
o f Coinage”, 1958), a explicação veio perdendo força em grande medida (Price, Martin
Jessop, op. cit.; Kraay, Colin M., op. cit.; Wallace, Robert B. “The O rigin o f Electrum
Coinage”, 1987; Schaps, David. The Invention o f Coinage and the Monetization o f Ancient Greece,
pp. 96-101; contudo, cf. Ingham, Geoffrey. The Nature o f Money, p. 100) sob o argumento
de que os soldados somente poderiam ser pagos com m oedas se já houvesse mercados
dispostos a aceitá-las. Para mim trata-se de uma objeção fraca, pois a ausência de m oe­
das não implica a ausência de dinheiro ou de mercados; quase todas as partes envolvidas
no debate (ver, por exemplo, Balmuth, Miriam S. “The Monetary Forerunners o f Coinage
in Phoenicia and Palestine”, 1967; Idem. “ Remarks on the A ppearance o f the Earliest
Coins”, 1971; Idem. “The Critical Moment: the Transition from Currency to Coinage in
the Eastern Mediterranean”, 1975; Idem. Hacksilber to Coinage: New Insights into the Monetary
History o f the Near East and Greece, 20 0 1), que dizem que as peças irregulares de prata já
eram de uso am plo com o moeda, e George Le Rider (La naissance de la monnaie: pratiques
monétaires de 1'Orient ancien, 2001), Richard Seaford (Money and the Early Greek Mind, pp. 318-
-37) e ainda David Schaps (The Invention o f Coinage and the Monetization o f Ancient Greece, pp.
222-35), que argum entam que elas não eram num erosas o suficiente para com por uma
moeda corrente viável; parecem levar m uito em consideração a possibilidade de que a
maior parte das transações com erciais acontecia a crédito. De todo m odo, com o notei
anteriormente, seria fácil demais para o Estado garantir que as m oedas se tornassem
moeda corrente simplesmente afirm ando que esse seria o único m eio aceitável para o
pagamento das obrigações para com o próprio Estado.
12 A m aioria dos banqueiros gregos m ais antigos era de ascendência fenícia, e é bem
possível que tenham introduzido na Grécia, pela primeira vez, o conceito de juros (Hud­
son, Michael. “ Did the Phoenicians Introduce the Idea o f Interest to Greece and Italy
- And If So, W hen?”, 1992).
13 Elayi, Josette; Elayi, A . G. Trésors de monnaiesphéniciennes et circulation monetaire, 1993.
14 Starr, Chester G. The Economic and Social Growth o f Early Greece, p. 113. Ver Lee, Ian.
“Entella: the Silver Coinage o f the Cam panian Mercenaries and the Site o f the Frst Car­
thaginian Mint”, 2000.

559
15 É interessante notar que. |>t'lo que «abrtuoi, as grandes miçiV* com rri lals ndo pio
duziram muita arte ou filosofia.

16 Esparta, obviamente, foi a grande exceção, pois se recusou a emitir a própria m< mia
mas desenvolveu um sistema em que os aristocratas adotaram um estilo de vida rsii lia
mente m ilitar e treinavam permanentemente para a guerra.

17 O próp rio Aristóteles notou essa ligação quando enfatizou que a constituiçSi 1 d»*
um Estado grego poderia ser predita pelo principal exército de suas forças armada
aristocracias, se baseadas na cavalaria (pois os cavalos eram muito caros); oligarquia*,
no caso de infantaria pesada (pois as arm aduras não eram baratas); e democrat in no
caso de infantaria leve ou marinha (pois qualquer pessoa podia manusear uma funda 1 hi
rem ar um bote). Ver Política, liv. iv, 3.1.289b, 33-4 4,13.1.297b, 16-24; liv. VI, 7.1.321a, (> 11
18 David Keyt (Aristotle: Politics Books v and v i, p. 103) resume Política, liv. v, 1.304b, 1 1 11,

19 Tucídides (História da Guerra do Peloponeso, liv. v i, 97.7) afirm ou que 20 mil esi ravm
fugiram das m inas em 421 a.C., o que provavelmente é um exagero, m as a m aior pai t«<
das fontes estima que pelo m enos 10 m il deles, em grande parte daquele século, traba
lhavam agrilhoados e sob condições atrozes (Robinson, Rachel Sargent. The Size 0/ 1I10
Slave Population at Athens, 1973).

20 Ingham, Geoffrey. The Nature o f Money, pp. 99-100.

21 M acDonald, James. A Free Nation Deep in Debt, p. 43.

22 Sobre as necessidades monetárias dos exércitos de Alexandre, ver Davies, Glyn, cip
cit., pp. 80, 83; sobre uma visão mais geral dessa logística, Engels, Donald W., op. c il. ()
núm ero 120 m il inclui não só as tropas em si, mas empregados, vivandeiros etc.
23 Green, Peter. Alexander to Actium: The Historical Evolution o f the Hellenistic Age, p. 366,
24 A instituição romana era chamada nexum, e não sabem os exatamente com o ela 11111
cionava: isto é, se era uma form a de contrato de trabalho, em que se liquidava a divida
p or um term o fixo, ou algo mais parecido com os sistemas de peonagem africanos, «•111
que o devedor - e seus filhos e filhas - serviam em condições parecidas às de escravi 1«
até a redenção. Ver Alain Testart (“The Extent and Significance o f Debt Slavery”, 200
para as possibilidades. Ver tam bém Buckler, W. H. The Origin and History o f Contrai I In
Roman Law, 1895; Brunt, P. A . Social Conflicts in the Roman Republic, 1974; Cornell, Tim I lir
Beginnings o f Rome, pp. 266-7, 330-2.

25 Por essa razão, a m aioria das histórias escandalosas que desencadearam revoll .1 ■.
contra a servidão p or dívida se centravam em casos dram áticos de violência física 011
sexual; obviamente, uma vez que a servidão por dívida foi abolida e o trabalho familiar
com eçou a ser realizado por escravos, esse tipo de violência passou a ser considerado
norm al e aceitável.
26 As primeiras moedas de bronze pagas aos soldados parecem ter sido cunhadas por vt ill a
de 400 a.C. (Scheidel, Walter. “The Divergent Evolution o f Coinage in Eastern and Westci n
Eurasia”, 2006), mas essa é a data tradicional, de acordo com historiadores romanos.

560
17 O que digo c<>nt rui lu Ima pai ir do«al>rr ai adím lco tradii lonal, talve/, mais In-iti n mi

mido por Moses lln lry quando cm reveque "a classe devedora se rebelou na t íréi In e em
koma, mas não noO rienle Próximo" (I t onomy and Society in Ancient Greece, 1981) por isso
reformas com o as de Ncemlas eram no m ínim o temporárias e paliativas. A rebelião do
Oriente Próxim o assum iu uma forma diferente; ademais, as soluções gregas e romanas
foram mais limitadas e mais temporárias do que se supunha.
28 Ver M arina Ioannatou (Affaires d’argent dans la correspondance de Cicéron, 2006) para
um bom exemplo. A conspiração de Catilina em 63 a.C. foi um a aliança de aristocratas
endividados e camponeses desesperados. Sobre a contínua dívida republicana e as cam ­
panhas de redistribuição de terra, ver Mitchell, Richard E. “Demands for Land Redistri­
bution and Debt Reduction in the Roman Republic", 1993.
29 Christopher Howgego diz o seguinte: “Se ouvim os pouco sobre a dívida no Princi­
pado pode ser porque a estabilidade política acabou com a oportunidade de m anifes­
tação dos descontentes. Tal argum ento é apoiado pela maneira problem ática com o a
dívida ressurge em m om entos de revolta geral” (op. cit., p. 13).

io Plutarco. Moralia, 828f-83ia.


31 Desnecessário dizer que há uma literatura ampla e antagônica sobre o assunto, mas
provavelmente a melhor fonte seja Jairus Banaji. Ele enfatiza que, no final do império, “a
dívida era um meio essencial de os empregadores im porem o controle sobre os traba­
lhadores, fragm entando sua solidariedade e ‘personalizando’ as relações entre donos e
empregados” (Agrarian Change in Late Antiquity, p. 205), uma situação que, curiosamente,
ele com para com a da índia.
32 Kosambi, Dam odar Dharmanand. Ancient India: A History o f its Culture and Civilization,
1966; Sharm a, J. P. Republics in Ancient India, 1968; Misra, Shive Nandan. Ancient Indian
Republics, 1976; Altekar, Anant Sadashiv. State and Government in Ancient India, pp. 109-
-38. Historiadores indianos contem porâneos, que se referem a elas com o gana-sanghas
(“assembleias tribais”), tendem a rejeitá-las com o aristocracias de guerreiros apoiadas
por populações de hilotas ou escravos, embora, obviamente, as cidades-Estado gregas
pudessem ser descritas da mesma maneira.
33 Em outras palavras, pareciam-se mais com Esparta do que com Atenas. Os escravos
também eram de propriedade coletiva (Chakravarti, Uma, op. cit., pp. 48-9). Aqui tam ­
bém temos de im aginar até que ponto essa era de fato a regra geral, m as prefiro me ater,
quando se trata dessas questões, à opinião predominante na academia.
34 Arthasãstra, 2.12.27. Ver David Schaps (“The Invention o f Coinage in Lydia, in India,
and in China”, p. 18) para um com entário com parativo interessante.
35 Thapar, Rom ila. “The Role o f the A rm y in the Exercise o f Power in Ancient India”,
p. 34; Dikshitar, V. R. Ramachandra. War in Ancient India, 1948.
36 Também havia im postos, é claro, que costum avam variar de um sexto a um quarto
da produção total (Kosambi, Dam odar Dharmanand. An Introduction to the Study o f Indian

561
History, p. 316; Sthujj, Bulblr Y "Ktuitllya 011 1'ublk ( ínoda and Taxatlon”, 1005), mm* 11«
im postos também serviam com o uma lorma de p<\r produtos 110 mercado.

37 Consoante Kosambi, Dam odar I )harmanand. Ancírnt Imlia: A I Ustory o flls ( iiltiirt ,imiI
Civilization, pp. 152-7.

38 E o trabalho assalariado, dois fenômenos que, com o acontecia com freqtiém l i m <
mundo antigo, em boa parte se sobrepunham: a expressão comum usada para os IuIm
lhadores nos textos da época era dasa-karmakara, “m ercenários-escravos", supondo n
que escravos e trabalhadores trabalhavam juntos e mal se distinguiam (Chakravai ti, l lin.i
op. cit.). Sobre o predomínio da escravidão, ver Sharm a, Ram Sharan. Sudras in An, liitl
índia, 1958; Rai, G. K. Involuntary Labour in Ancient índia, 1981. A amplitude da escraviil.w ><
contestada, mas os primeiros textos budistas parecem assumir que toda família rica tei U
escravos domésticos - o que certamente não aconteceu em outros períodos.
39 D epois da breve conquista do Vale do Indo p o r A lexandre e do estabelecim ento
de colonos no Afeganistão, as m oedas puncionadas tam bém foram substituídas pot
m oedas de estilo egeu, provocando, em última instância, o desaparecim ento de toda
a tradição indiana (Kosambi, D am odar Dharm anand. Indian Numismatics, 1981; Gtipln,
Param eshwari Lal; Hardaker, T. R., op. cit.).

4 0 Costum a ser cham ado de “ Edito do Pilar” (Norman, K. R. “A sok a and Capital l’u
nishm ent”, p. 16).
4 1 Há muito debate sobre quando isso ocorreu: G regory Schopen (“Doing Business li 11
the Lord”, 1994) enfatiza que há poucas evidências de m osteiros budistas importante*
anteriores ao século 1 d.C., talvez até anteriores ao século iv d.C. Com o verem os, is*n
tam bém foi bastante relevante para a monetização.
42 “O comerciante privado era considerado um espinho (kantaka), um inimigo público,
quase um a calam idade nacional, p or Arth. 4.2, taxado e m ultado p or procedimento*
ilegais, m uitos deles admitidos com o naturais" (Kosambi, Dam odar Dharm anand Am
Introduction to the Study o f Indian History, p. 243).

43 Quem quisesse se tornar monge precisava primeiro afirmar que não era devedor (assim
com o tinha de prometer que não era um escravo fugitivo), mas não havia regras dizemli 1
que o próprio mosteiro não podia tom ar dinheiro emprestado. Na China, com o veremi >*,
facilitar os termos de crédito para camponeses era visto com o uma form a de caridade.

44 De maneira semelhante, os m onges budistas não podem ver um exército, se pude


rem evitar (Pacittiya, 48-51).

45 Lewis, M ark Edward. Sanctioned Violence in Early China, 1990.


46 Wilbur, C. Martin. Slavery in China, 1943; Yates, Robin D. S. “Slavery in Early China",
2002 .0 Estado de Qin, durante o Período dos Reinos Combatentes, não só permitia que
oficiais do exército fossem escravos alocados por classe, m as tam bém que mercadores,
artesãos e os “pobres e ociosos” fossem “confiscados com o escravos” (Lewis, Mark Eil
ward, op. cit., pp. 61-2).

562
47 Waller Si heldrl (" I h< I Hvngrnt I volution of Coinage In Eastern and Western In
rasia”, 2006; "The M onetary Systems of the Han and Roman Empires", 2007; Rome and
China, 2009) considerou amplamente a questão e concluiu que a moeda corrente chinesa
assumiu uma form a incomum por duas razões principais: 1) a coincidência histórica de
Qin (que usava moedas de bronze) ter derrotado Chu (que usava ouro) nas guerras civis,
e o conservadorism o subsequente, e 2) a falta de um exército profissional bem pago, que
permitiu que o Estado chinês agisse com o a antiga república rom ana, que tam bém se
limitou às moedas de bronze para os camponeses conscritos - mas, diferentemente da
república romana, a China não era cercada por Estados acostum ados a outras form as
de moeda.
48 Até onde sabemos, Pitágoras foi o prim eiro a tom ar o segundo caminho, fundando
uma sociedade política secreta que, durante algum tempo, controlou as alavancas do
poder político nas cidades gregas do sul da Itália.
49 Hadot, Pierre. Philosophy as a Way o f Life, 1995; Idem. What Is Ancient Philosophy?, 2002.
No m undo antigo, o cristianism o era reconhecido com o filosofia sobretudo porque
tinha as próprias form as de prática ascética.
50 Sobre a Escola Agrônom a: Graham, Angus Charles. “The Nung-Chia ‘School o f the
Tillers’”, 1979; Idem. Studies in Chinese Philosophy and Philosophical Literature, pp. 67-110. Ela
parece ter surgido m ais ou m enos na m esm a época que M ozi, fundador do m oísm o
(aproximadamente 470 a.C-391 a.C.). Os agrônom os acabaram desaparecendo, deixando
para trás uma série de tratados sobre tecnologia agrícola, m as exerceram uma influência
enorm e sobre o taoism o em seus prim órdios - que, p or sua vez, se tornou a filosofia
predileta dos cam poneses rebeldes nos séculos por vir, com eçando com a Rebelião do
Turbante Amarelo em 184 d.C. Por fim, o taoismo foi suplantado por formas messiânicas
de budism o com o ideologia predileta dos camponeses rebeldes.
51 W ei-Ming, Tu. “ Structure and Function o f the Confucian Intellectual in A ncient
China”, 1986; Graham , A ngus Charles. Disputers o f the Too, 1989; Schwartz, Benjamin I.
The World o f Thought in Ancient China, 1985.

52 Conta a lenda que depois que um matemático pitagórico descobriu a existência dos
números irracionais, outros membros do grupo o levaram para um cruzeiro e o jogaram
no mar. Para uma extensa discussão da relação dos primórdios do pitagorismo (530 a.C.-
-400 a.C.) com o advento de um a econom ia m onetizada, ver Seaford, Richard. Money
and the Early Greek Mind, pp. 266-75.

53 Pelo m enos se m inha experiência em M adagascar for significativa o bastante para


nos servir de base.
54 A guerra é bem semelhante: nela tam bém é possível im aginar que todos estão em
um jogo em que as regras e os riscos são surpreendentemente transparentes. A principal
diferença é que, na guerra, ninguém se im porta com os colegas soldados. Sobre a origem
da nossa noção de “interesse próprio”, ver o capítulo 11.

563
ss N ão confundir com o term o conlut lonUtu li, que slgnlln a "ritual" ou "d lq u e ta 1
Posteriormente, li tornou-se a palavra usada para "Interesse" ou seja, nãos«') "tuteiem
próprio”, m as também "pagamento de interesses", no sentido de juros (ver Cart ler, Ml
chel. “ Dette et propriété en Chine”, pp. 26-7). Devo dizer que meu argum ento aqui I>')ji
ao convencional. Benjamin I. Schwartz (The World ofThought ín Ancienl China, pp. 141 mi
afirm a que, em Confúcio, “lucro” tem significado puramente pejorativo, e argumenta
que M ozi interpretou a palavra de maneira subversiva. Acho improvável que Confm
represente o pensamento convencional da época; em bora seus escritos sejam os mal«
antigos a que tem os acesso sobre o assunto, sua p osição continuou sendo m arginal
durante séculos depois de sua m orte. Assum o, ao contrário, que a tradição legalist ,1 |ã
refletia sabedoria com um antes de Confúcio - ou, seguramente, Mêncio.

56 Zhan Guo Ce (“Estratégias dos Reinos Combatentes”), 109,7.175.


57 Annals o f Lü Buwei, 8/5.4.

58 Ver Roger Am es (The Art o f Rulership, 1994) para uma discussão dos principais ternu H|
si li (interesse próprio), shi (vantagem estratégica) e li min (lucro público).

59 Book o f Lord Shang, 947-8: ver Duyvendak, Jan Julius Lodewijk, op. cit., p. 65.

60 Tradução de Dam odar Dharm anand Kosambi (The Culture and Civilisation o f Aiii Irtll
índia, p. 142); a Encyclopedia Britannica prefere “guia do lucro” (no verbete “Cãrvãka”, A n.<111
Sadashiv Altekar (State and Government in Ancient índia, p. 3), “a ciência da riqueza”.
61 Nag, Kalidas; Dikshitar, V. R. Ramachandra. “The Diplom atic Theories o f Am leni
índia and the A rthashastra”, p. 15. D am odar D harm anand Kosam bi argum enta que 1
política m áuria era baseada em uma contradição fundamental: “uma população cuiii
pridora das leis morais governada por um rei com pletam ente am oral” (An Introdui llutt
to the Study o f Indian History, p. 237). Contudo, essa situação não é nada incom um , se|ii
naqueles tem pos ou agora.

62 Tucídides, op. cit., liv. v, 85-113 (ver também liv. 111, 36-49). O evento aconteceu cifl
416 a.C., na m esm a época em que o senhor Shang e Kautilya escreveram. Vale desta» 41
que as próprias objeções de Tucídides a esse com portam ento não são explicitamente
m orais; elas queriam m ostrar que esse com portam ento não era para o “lucro a longo
prazo” do im pério (Kallet, Lisa. Money and the Corrosion o f Power in Thucydides, p. 19). Pui a
uma visão mais geral do materialismo utilitário de Tucídides, ver Sahlins, Marshall. A/m
logies to Thucydides, 2004.

63 Mozi, 6.7b, citado em Hansen, Chad. A Daoist Theory o f Chinese Thought, p. 137.

64 Mêncio, 4.1, citado em Duyvendak, Jan Julius Lodewijk, op. cit., pp. 76-7. Ele parei r
se referir à distinção feita originalm ente pelo próp rio Confúcio: “O hom em superior
entende o que é correto, o hom em inferior entende apenas o que é para lucro pessoal"
(Analectos, 7.4.16).

65 O cam inho moísta - que abarca abertamente a lógica financeira - foi o menos pei
corrido. Já vim os com o na índia e na Grécia as tentativas de enquadrar a moralidade

564
com o dívida n io i hcjjKiiim .1 ln^ai nenhum: m esm o os princípios védicos traiam o s­
tensivam ente da lib e rta-lo tia divida, que tam bém era, com o verem os, tema central
em Israel.
66 Leenhardt, Maurice. Do Kamo: Person and Mytfi in the Melanesian World, p. 164.
67 Essa interpretação contraria diretamente uma das principais críticas acadêmicas so ­
bre a questão, que tende a enfatizar a natureza “transcendental” das ideias da Idade Axial
(ver Schwartz, Benjamin I. “The Age o f Transcendence”, 1975; Eisenstadt, Shmuel N. “The
Axial A ge”, 1982; Idem. “Heterodoxies and Dynam ics o f Civilizations”, 1984; Idem. The
Origins and Diversity o f A xial Age Civilizations, 1986; Roetz, Heiner. Confucian Ethics o f the
Axial Age, 1993; Bellah, Robert N. “What is Axial About the Axial Age?”, 2005).

68 O sistema grego na verdade com eçou com fogo, ar e água, e o indiano com fogo,
água e terra, em bora em cada caso houvesse diversas elaborações. O sistema elemental
chinês era quíntuplo: madeira, fogo, terra, metal e água.
69 No cristianismo, pelo menos na tradição agostiniana, isso é bem explícito: o mundo
material de m odo nenhum participa de Deus; Deus não está nele; ele simplesmente foi
feito por Ele (Santo A gostinho, A Cidade de Deus, liv. iv, 12) - essa separação radical de
espírito e ser natural, segundo Henri Frankfort (Kingship and the Gods, pp. 342-4), é uma
peculiaridade da tradição judaico-cristã. Essa mesma tradição agostiniana, no entanto,
também se baseou em Platão para dizer que a razão, por outro lado - o princípio abs­
trato que nos permite entender as coisas e que é totalmente separado da matéria par­
ticipa do divino (ver Hoitenga, Dewey J. Faith and Reasonfrom Plato to Plantinga, pp. 112-4,
para a divergência com as ideias de Agostinho).
70 O ensaio “The Ring o f Gyges”, de Marc Shell (The Economy o f Literature, pp. 11-62), já foi
citado no capítulo anterior, na discussão sobre Platão; Seaford, Richard. “Tragic M oney”,
1998; Idem. Money and the Early Greek M ind, 20 0 4 .
71 Baseado no fato de que M ileto foi um a das prim eiras cidades, se não a prim eira, a
produzir m oedas de denom inações pequenas o suficiente para serem usadas nas tran­
sações cotidianas (Kraay, Colin M., op. cit., p. 67).
72 Heráclito era da cidade jónica de Efeso, nas proximidades, e Pitágoras da ilha jónica
de Samos. Depois que a Jônia foi incorporada ao Império Persa, uma quantidade enorme
de jônios fugiu para o sul da Itália, que com eçou a se tornar o centro da filosofia grega,
mais um a vez no período em que as cidades gregas com eçaram a ser m onetarizadas.
Atenas se tornou o centro da filosofia grega apenas no século v, período em que era mi-
litarmente dominante e a cunhagem ateniense da "coruja” tornou-se a principal moeda
internacional do Mediterrâneo oriental.
73 Ou, com o afirma Richard Seaford (Money and the Early Greek Mind, p. 208), refletindo a
descrição de Anaxim andro sobre a substância primai, “um a substância distinta, eterna,
impessoal, oniabrangente, ilimitada, hom ogênea, abstrata, reguladora e em eterno m o ­
vimento, destino e origem de todas as coisas” (ou, pelo m enos, “todas as coisas” dispo­
níveis para compra).

565
74 Seaford, Rlchurd. Money and thr l\arly (irrrk M lnJ, pp. i if> 46. Ver Plcard, O llvln "I .«
‘fiduciarité’ des monnaics métalllqur* rn ( ir è ir”, IU75: Wallace, Robert H.,op. cit.; I liii 1 li
W illiam Vernon (org.), "Introduction”, The Monetary Systems ofthe Greeks and Roman y p
10. A moeda puramente “fiduciária", é claro, é o que os mcialistas chamariam dc morda
“sim bólica” ou “privada”, ou os keynesianos chamariam de "dinheiro cartalista”. Apr«ai
dos argumentos de Moses Finley em contrário (Ancient Slavery and Modem Ideology, pp i|i
196), praticamente todo o dinheiro antigo era fiduciário até certo ponto. É fácil pcrt <1 >< 1
por que as moedas circulavam originalmente a um valor nominal mais alto que seu pr«n
em ouro ou prata, pois o preço desses metais tendia a flutuar, mas no mom ento em qut
o valor nom inal da moeda de metal passasse a ser mais baixo que o material de que n a
feita, não haveria mais razão para não derretê-la.

75 No caso de Estados muito grandes, com o o Império Rom ano ou o Máuria, a inllat,A< <
p or fim surgiu, mas os plenos efeitos só foram sentidos pelo menos um século dcpt >1«
Para boas discussões a respeito da situação romana, ver Ingham, Geoffrey. The Nulim
ofM oney, pp. 101-4; Kessler, David; Temin, Peter. “M oney and Prices in the Early Roman
Empire”, 2008; Harris, W illiam Vernon (org.). “The Nature o f Roman M oney”, 2ooHh
76 Seaford, Richard. Money and the Early Greek Mind, pp. 138-9.

77 Nesse ponto me inspiro parcialmente nos argumentos de Mareei Mauss sobre o com clli 1
de substância (Allen, N. J. “The Category o f Substance: a Maussian Theme Revisited”, mH)

78 Por essa razão, com o verem os, a posição de Aristóteles de que uma moeda era apr
nas uma convenção social (Ética a Nicômaco, 1.133a, 29-31) continuou uma visão da mim 1
ria no m undo antigo. Ela só se tornou predominante depois, na Idade Média.
79 Ele é conhecido com o Payasi nas escrituras budistas e com o Paesi nos escritos jainl«
tas. Para os materialistas indianos antigos, ver Bronkhorst, Johannes. Greater Magadhii
Studies in the Culture o f Early índia, pp. 143-59. Para a escola materialista posterior, à qual >r
diz ter pertencido Kautilya, ver Chattopadhyaya, Debiprasad. Carvaka/Lokayata, 1994. Kai I
Jaspers (Way to Wisdom, p. 135), ao escrever sobre a índia, fala do surgimento de todas
tendências filosóficas, incluindo o ceticismo e o m aterialismo, a sofística e o niilismo”
- um a lista im portante, pois obviam ente não se trata da lista de “todas” as tendência«
filosóficas, mas apenas das mais materialistas.

80 Em Platão (A República, op. cit.) essa tentativa é rejeitada de imediato. Na índia, como
argumentei, a tradição hindu só parece abarcá-la. Os budistas, jainistas e outras filosofia i
antagônicas não utilizam o termo.
81 Fílon de Alexandria, que escreveu na época de Cristo, diz sobre os essênios; “Nem
um escravo sequer é encontrado entre eles, pois que todos são livres, trocam serviço«
uns com os outros e denunciam os donos de escravos, não apenas pela injustiça dr
ultrajar a lei da igualdade, m as tam bém p o r sua im piedade em anular o estatuto da
natureza” (Fílon de A k xan d ria, Quod omnisprobus libersit, 79). Os Therapeutae, outro
gru p o tam bém form ado por judeus, rejeitavam todas as form as de propriedade, mas
viam a escravidão “com o uma coisa absoluta e totalmente contrária à natureza, pois u

566
natureza crlaru todo« ns humens livres” (Idcm. De vita contemplativa, 70). A semelhança
com as ideias juridli as ri ununti* (• notável. Má boa docum entação a respeito dos grupos
judeus, o que é incomtim; se selt.is semelhantes existiram, por exemplo, naTrácia ou na
Numídia, provavelmente nào saberíamos.
82 Posteriormente diz a lenda que seu pai era um rei e que ele crescera em um palácio,
mas o cargo de "rei” Sakya na época era na verdade eletivo e rotativo (Kosambi, Damodar
Dharmanand. The Culture and Civilisation o f Ancient índia in Historical Outline, p. 96).

1 0 . ID A D E M ÉD IA ( 6 0 0 D .C .-I45O D.C.)

1 A s m oedas produzidas pelos Estados bárbaros sucessores geralm ente não tinham
grande quantidade de ouro ou de prata; com o resultado, tendiam a circular apenas no
principado do rei ou barão que as emitia e eram predom inantem ente inúteis para o
comércio.
2 Pierre Dockés (op. cit., pp. 62-70) dá uma visão geral da situação - de maneira literal,
uma vez que o entendimento com um da extensão dos Estados escravistas romanos na
França é baseado em grande parte na aerofotografia. Com o tempo, m esm o as com u­
nidades livres atingiam a servidão por dívida de um ou outro tipo, ou presas às terras
como servos (em latim, coloni).
3 Como vimos, Dam odar Kosambi considerava Mágada o ponto alto da m onetização.
Ram Sharan Sharma (Early Medieval Indian Society, pp. 119-62) argumenta que a cunhagem
continuou sendo lugar-com um sob o dom ínio do Im pério Gupta (280 d .C -550 d.C.),
mas depois desapareceu quase completamente. No entanto, m esm o que ele esteja cor­
reto quando diz que a quantidade de m oedas em circulação não diminuíra até aquela
época, ele m esm o afirma que a população total das Grandes Planícies quase triplicou
nesse período (Idem, p. 143). Portanto, este seria o m arco de um declínio uniforme.
4 Para um a visão geral; Sharm a, Ram Sharan. “U sury in Medieval índia”, 1965; Kane,
Pandurang Vaman, op. cit., pp. 411-61, Chatterjee, Heramba. The Law o f Debt in Ancient
índia, 1971. Especialmente, Gregory Schopen ("Doing Business for the Lord”, 1994) enfa­
tiza que as técnicas ficaram mais sofisticadas no decorrer da Idade Média, por exemplo,
desenvolvendo recursos de escrituração contábil para com binar juros com postos com
pagamentos parciais.
5 Documentos sobre a regulamentação de questões m onásticas dão muita atenção aos
detalhes: com o o dinheiro seria emprestado; com o os contratos seriam assinados, se­
lados e guardados no tem plo diante de testemunhas; com o deveria ser faturada uma
garantia ou fiança duas vezes m aior que o empréstimo; com o "irm ãos laicos devotos”
deveriam ser nom eados para cuidar do investim ento etc. (Schopen, Gregory. “Doing
Business for the Lord”, 1994).
6 Do árabe dinar, que, p or sua vez, deriva do rom ano denarius. N ão sabem os se essas
quantias eram pagas em moedas nessa época: um antigo manual monástico, ao falar de

567
objetos que poderiam sei relegado« ao« lesoiinm Inesgotáveis, e assim disponibiliza
dos a juros, menciona "ouro e pram, se)u nu lorma de moedas, ac abadas ou brutas, em
grandes ou pequenas quantidades, puras ou ligadas, ou na forma de utensílios, ai abado»
ou inacabados” (Mahàsãmghika Vinaya, citado em Gernet, Jacques. Buddhism in < hliif»
Society, p. 165).

7 Fleet, John Faithful. Inscriptions o f the Early Gupta Kings, pp. 260-2, com o tradu/idi >em
Schopen, Gregory. “Doing Business for the Lord”, pp. 532-3. Desnecessário observai ,1
ironia da ênfase na eternidade no budism o, uma religião fundada no reconhecimento
da im perm anência de todos os vínculos mundanos.

8 Os empréstimos comerciais estão documentados em uma inscrição no m osteiro cm


Karla (Lévi, Sylvain. Linde civilisatrice, p. 145; Gernet, Jacques. Buddhism in Chinese .Six Irty,
p. 164; Bareau, André. “Indian and Ancient Chinese Buddhism ”, pp. 444-7), e as assem
bleias em templos tâmeis posteriores (Ayyar, P. V. “Jagadisa”, pp. 40-68; Sharm a, Hum
Sharan. “Usury in Medieval India”, 1965). Não se sabe se alguns desses empréstimos n .11 n
comerciais ou mais parecidos com o costume budista posterior da jisa, ainda comtm 1 in 1
Tibete, no Butão e na Mongólia, em que um indivíduo - coletivo ou grupo de famílias ,
disposto a apoiar uma cerim ônia específica ou, digam os, um projeto educacional, <r
ceberia um empréstimo “perpétuo” de quinhentas rúpias e então forneceria oitoceni.ii
rupias por ano para organizar a cerim ônia. A s responsabilidades são então herdaduv
posto que o “em préstim o” pode ser transferido (Miller, Robert J. “Monastic Economy
The Jisa Mechanism”, 1961; Murphy, George. “Buddhist Monastic Economy: The Jisa Mr
chanism: Comment", 1961).

9 Kalhana, Rajatarangini, 7.1.091-8. Ver Basham, A rthur Llewellyn. “Harsa o f Kashmli


and the Iconoclast Ascetics”, 1948; Riepe, Dale Maurice. The Naturalistic Tradition in Indhm
Thought, p. 44 n49. Os monges eram provavelmente ajikivas, que ainda existiam na ép< >1.1

10 Ver Satyendra Nath Naskar (Foreign Impact on Indian Life and Culture, 1996) e Ram Sh.i
ran Sharm a (Early Medieval Indian Society, pp. 45-66) sobre a descrição purana da “Idade de
Kali”, que parece ser com o os brâm anes posteriores se referiam ao período do reinadi 1
de A lexandre até a Alta Idade Média, aproxim adam ente, um a época de insegurança c
inquietação, em que as dinastias estrangeiras governaram quase toda a índia e as hierai
quias de casta foram amplamente contestadas ou rejeitadas.

11 Manu, M anusmrti, 8.5.257. Im portante destacar que a dívida para com outros seres
humanos desaparece totalmente nesses textos.
12 Idem, 8.5.270-2. A língua dos sudras também seria cortada em caso de insulto a um
m em bro das castas dos considerados “duas vezes nascidos" (Idem, 8.270).

13 Sharm a, Ram Sharan. Sudras in Ancient India, 1958; Idem, Urban Decay in India c. 300-c.
10 0 0 ,19 8 7 ; Chauhan, Gian Ghand. An Economic History o f Early Medieval Northern India,
2003. m

14 “Um sudra, embora emancipado por seu senhor, não é libertado, por aquele que pode
dele se desfazer, de um estado de servidão, para um estado que lhe é natural?” (Manu,

568
Manu.vmrti, 8 . 5 , 4 1 9 ) , m i ainda “ ( >« Htulras devem ser reduzidos à escravidão, seja pela
compra ou nâo, porque foram i rlados por Deus para servir aos outros” (Vijnaneshwara,
Yãjnavalkya Smrti, K.v4h).

15 Kautilya permitia 60% para empréstimos comerciais, 120% para “empreendimentos


que envolvem jornadas pelas florestas”, e o dobro para jornadas que envolvem o trans­
porte m arítim o de produtos (Kautilya, Arthasãstra, 3.11). Um código posterior (Vijna­
neshwara, Yãjnavalkya Smrti, 2.38) segue essa mesma linha.
16 Vijnaneshwara, Yãjnavalkya Smrti, 2.37; Manu, Manusmrti, 8.143; Vishnu, Vishnusmriti,
5.6.2. Ver Kane, Pandurang Vaman, op. cit., p. 421.
17 Sharm a, Ram Sharan. “U sury in Medieval Índia”, p. 68. De maneira similar, os pri­
meiros códigos de leis especificavam que qualquer pessoa inadimplente no pagamento
de uma dívida renasceria com o escravo ou animal dom éstico na casa do credor. Um
texto budista chinês posterior foi ainda mais exato, especificando que para cada oito wen
devidos deve-se passar um dia com o boi, ou, para cada sete wen devidos, um dia com o
cavalo (Zhuang Chun citado em Xinwei Peng, op. cit., p. 244ni7).
18 Dumont, Louis. Homo Hierarchicus: Essai sur le système des castes, 1966.
19 Gyan Prakash (Bonded Histories: Genealogies o f Labor Servitude in Colonial India, p. 184)
defende este raciocínio para o período colonial: quando as antigas hierarquias de casta
com eçaram a ser tratadas com o questões de servidão por dívida, os subordinados se
transformaram em pessoas com direitos iguais, que haviam sido temporariamente “sus­
pensos”.
20 Para dizer a verdade, podem os argum entar que é possível que cam poneses endi­
vidados tam bém estejam no com ando de mais recursos, e assim são mais capazes de
organizar uma rebelião. Sabem os m uito pouco sobre insurreições populares na índia
medieval, mas a quantidade de revoltas parece ter sido relativamente baixa em com pa­
ração com a China, onde o clima de rebelião era quase incessante. No entanto, sobre a
índia, ver Guha, Ranjanit. Elementary Aspects o f Peasant Insurgency in Colonial India, 1999;
Palat, Ravi Arvind. “ Popular Revolts and the State in Medieval South India”, 1986; Idem.
From World-Empire to World-Economy, pp. 205-15; Kosambi, D am odar Dharm anand. An
Introduction to the Study o f Indian History, pp. 392-3.

21 “Ninguém sabe quantas rebeliões aconteceram na história chinesa. Os registros ofi­


ciais m ostram que houve m ilhares de incidentes em apenas três anos, de 613 d.C. a 615
d.C., provavelmente mil ao ano (Zheng, Wei et alii. “Report o f the Imperial Historians”,
636 d.C.). Segundo James Bunyan Parsons f The Peasant Rebellions o f the Late M ing Dynasty,
1970), durante o período 1629-44, houve nada mais, nada menos que 234.185 insurreições
na China, uma média de 43 ao dia, ou 1,8 rebelião por hora (Deng, Gang. The Premodern
Chinese Economy, p. 220).

22 Seguindo a interpretação de Deng, Gang, op. cit.


23 Huang, Ray. Broadening the Horizons o f Chinese History, p. 231.

569
24 Esses empréstimos parei em tri sido iiiim cxicnuAoilu lógica dos arm azéns cniuImU
que estocavam alimentos; alguns seriam vendidos cm momentos estratégicos para mun
ter os preços baixos, outros seriam distribuídos gratuitamente em m omentos de penu
ria, e ainda outros seriam emprestados a juros baixos com o alternativa aos usurário»,
25 Huang, Ray. Broadening the Horizons o f Chinese History, 1999; Xu, Zhuoyun; Dull, |.u k
L. Han Agriculture, pp. 22-4. Para suas com plexas reform as da moeda corrente: I'nttf,
Xinwei, op. cit., pp. 111-4.

26 De m odo geral, as taxas de juros foram fixadas a no m áxim o 20%, e os juros coot
postos foram proibidos. A s autoridades chinesas adotaram também o princípio indíai 111
de que os ju ros não podiam exceder o principal (Cartier, Michel, op. cit., p. 28; Yung,
Lien-sheng, op. cit., pp. 92-103).

27 Braudel, Fernand. Civilisation matérielle, économie et capitalisme, 1979; Wallerstein, Im


manuel. “Braudel on Capitalism, or Everything Upside D ow n”, 1991; Idem. The End <>/ the
World as We Know It, 2001.

28 Sigo aqui principalmente a obra de Roy Bin Wong (China Transformed: Historical ( han\r
and the Limits o f European Experience, 1997; “Between Nation and World: Braudelian Region*
in A sia”, 2003). Ver tam bém Eric Mielants (“Europe and China Com pared”, 2002; I hr
Origins o f Capitalism and the “Rise o f the West”, 2007). Decerto a maioria dos braudeliant 11
considera apenas as dinastias posteriores, com o Ming, com o personificação plena deste
princípio, mas acredito que ele pode ser projetado para o passado.
29 Enquanto os m ercados em si eram considerados benéficos, o governo também
intervinha sistematicamente para evitar flutuações de preço, estocando m ercadorias
quando eram baratas e pondo-as em circulação quando o preço subia. Houve period« •»
na história da China em que os governantes conjugavam esforços com os comerciante v
mas o resultado costumava ser uma grande revolta popular (Deng, Gang, op. cit., p. 140);
30 Ver Kenneth Pomeranz (The Great Divergence: China, Europe, and the Making o f the Modern
World Economy, 1998) e Jack A. Goldstone (“Efflorescences and Economic Growth in World
History", 2002) para uma introdução à vasta literatura sobre os padrões comparativo«
de vida. A índia também caminhou muito bem durante grande parte de sua história.
31 Ziircher, Erik. The Buddhist Conquest o f China, p. 282.
32 Gernet, Jacques. Buddhism in Chinese Society, pp. 241-2; pará a discussão subsequente,
ver Gernet, Jacques. “Les suicides par le feu”, i960; Jan, Yiin-hua. “Buddhist Self-Immo
lation in Medieval China”, 1965; Kieschnick, John. The Eminent Monk, 1997; Benn, jam ei
A. “Where Text Meets Flesh”, 1998; Idem. Burning fo r the Buddha, 2007.
33 Tsan-ning (919 d .C .-ioo i d.C.), citado em Jan, Yiin-hua, op. cit., p. 263. Outros re
correram à história dos bodisatvas e reis pios que ofereciam o próprio corpo, como
o rei que, em mom ento de penúria, se matou para que seu corpo se transformasse em
um a m ontanha de carne, com m ilhares de cabeças, olhos, lábios, dentes e línguas, que
durante 10 mil anos só fez crescer, não im portava quanto daquela m ontanha os seres

570
humanos c os animal« ltinril««cm (Hcnn, James A. Burning fo r the Buddha, pp. 95. 108; d .
Ohnuma, Relko. Head. I yr\, Flrdi, and Hlood, 2007).
<4 Tu Mu, citado cm Gcrnct, Jacques. Buddhism in Chinese Society, p. 245).
35 Talvez seja uma surpresa, visto que a expressão “dívida cárm ica” é usada com tanta
frequência na contemporaneidade ocidental, tornando-se quase um clichê da Nova Era.
Mas os euro-americanos parecem se afetar muito mais com a expressão do que os india­
nos. Apesar da associação estreita entre dívida e pecado na tradição indiana, escolas bu­
distas mais antigas evitavam o conceito - em grande parte por implicar a continuidade
do eu, que, para eles, era efêmero e no fundo ilusório. A exceção era a Escola Sammitiya,
os chamados “personalistas” por acreditarem em um eu duradouro, que desenvolveu a
noção de avipranasa, segundo a qual o resultado de boas ou más ações - carma - “perdura
com o uma folha de papel na qual se inscreve uma dívida”, com o elemento inconsciente
do eu que passa de uma vida para a outra (Lamotte, Etienne. Karmasiddhi Prakarana, pp.
22-4, 86-90; Lusthaus, Dan. Buddhist Phenomenology, pp. 209-10). A ideia teria m orrido
com essa seita se não tivesse sido tomada pelo fam oso filósofo m aaiana Nagarjuna, que
a comparou a uma "nota prom issória imperecível” (Kalupahana, David. M ulamadhyama-
kakarika o f Nagarjuna, pp. 54-5, 249). Sua escola Madhyamaka, por sua vez, tornou-se a
Sanlun, ou “Escola dos Três Tratados” na China; a noção de dívida cárm ica foi adotada,
em particular, pela “Escola dos Três Estágios” ou “Três Níveis”, criada pelo monge Hsin-
-Hsing (540 d.C.-594 d.C.). Ver Hubbard, Jamie. Absolute Delusion, Perfect Buddhahood, 2001.

36 “Comm entary on the Dharma o f the Inexhaustible Storehouse o f the Mahayana Uni­
verse”, traduzido para o inglês por Jamie Hubbard (op. cit., p. 265), com leves mudanças
baseadas em Jacques Gernet (Buddhism in Chinese Society, p. 246).

37 Hubbard, Jamie, op. cit., p. 266.


38 Dao Shi, citado em Cole, Alan. Mothers and Sons in Chinese Buddhism, p. 117 .0 livro de
Cole contêm um excelente resumo dessa literatura. Ver tam bém Ahern, Emily. The Cult
o f the Dead in a Chinese Village, 1973; Teiser, Stephen F. The Ghost Festival in Medieval China,
1988; Knapp, Keith N. “Reverent Caring: the Parent-son Relation in Early Medieval Tales
o f Filial O ffspring”, 2004; Oxfeld, Ellen. ‘“When You Drink Water, Think o f its Source’”,
2004. Alguns textos medievais centram-se exclusivamente na mãe, outros nos pais de
modo geral. Vale notar que a mesm a ideia de “dívida de leite” infinita e impagável para
com a mãe também aparece na Turquia (ver White, Jenny Barbara. Money Makes us Re­
latives, pp. 75-6).

39 “Sutra for the Recompense o f Gratitude”, citado em Baskind, James. “Mortification


Practices in the O baku School”, p. 166. Aqui, “4 bilhões de an os” traduz “kalpa”, que,
tecnicamente, é 4,32 bilhões de anos. Tam bém mudei “lhes” para "lhe”, referindo-se à
mãe, pois o contexto se refere a um hom em que corta a própria carne especificamente
em nome da mãe.
40 Os budistas chineses não inventaram as casas de penhores, m as parecem ter sido os
primeiros a patrociná-las em larga escala. Sobre as origens da corretagem de penhores

571
em geral, ver I lardaker, Alfrcd. A lirle /1 ll.viory «/ Pdwnlmiklni;, iKyj; Ku/neis, Solom on
"Pawnbroking”, 1933.Especificamente sobre 11 ( lilnit: (,crnet,Jaiqnes. Huddhlsm In( lilnrw
Society, pp. 170-3; Yang, Lien-sheng, op. t il., pp, 71 1; Wlielan, T. S. lhe Pawnshop In ( Iiln.i
1979. Em um paralelo notável, as primeiras casas de penhores “formais" na Europa 1,1111
bém surgiram de mosteiros com propósitos semelhantes: o monti dí piei a, ou monlcpli >■»,
criados pelos franciscanos na Itália no século xv. Xinwei Peng (op. cit., p. 245) lambem
destaca o m esm o paralelo.

41 Gernet, Jacques. Buddhism in Chinese Society, pp. 142-86; Ch’en, Kenneth. Buddhlsm In
China, pp. 262-5: Collins, Randall. Weberian Social Theory, pp. 66-71; Peng, Xinwei, op, t li
pp. 243-5. Parece que os mosteiros taoistas, que também se multiplicaram nesse pet 11 hI< ■
proibiram os empréstimos (Kohn, Livia. M onasticLife in Medieval Daoism, p. 76), talvc/ nu
parte para m arcar uma distinção.

42 Jacques Gernet (Buddhism in Chinese Society, p. 228) escreve sobre isso de form a mr
morável: “Os doadores dos Tesouros Inesgotáveis eram acionistas, não no domínio n o
nôm ico, m as no dom ínio da religião”. Pelo que sei, o único estudioso contempor.lnco
que defendeu plenamente a premissa de que na verdade essa era uma form a primil iv.i de
capitalismo é Randall Collins (Weberian Social Theory, 1986), que vê um capitalismo mo
nástico semelhante também na Europa da Baixa Idade Média. A historiografia chinc.ii
reconhecida tendia a localizar as prim eiras “sementes do capitalism o" algum tempo
depois, na dinastia Song, que foi m uito m enos hostil para os m ercadores que o u trii
dinastias, seguidas da adoção completa do mercado - mas firme rejeição do capitalisim 1
- nas dinastias Ming e Qing. A principal questão é a organização do trabalho, e na ép< h tt
da dinastia Tang ela continua um tanto obscura, pois m esm o que houvesse estatísi li .1 ■,
disponíveis, o que não é o caso, seria difícil saber o que de fato os termos “servo", "ri
cravo” e “trabalho assalariado” significavam na prática.
43 Ver Jacques Gernet (Buddhism in Chinese Society, pp. 116-39) e Kenneth Ch’en (op. t il.
pp. 269-71) para reivindicação de terras e escravos m onásticos.
44 “Afirm a-se que o propósito dessa generosidade é aliviar os pobres e órfãos, quand. 1
na verdade não passa de excesso e fraude. N ão se trata de um negócio legítim o." Vri
Gernet, Jacques. Buddhism in Chinese Society, pp. 104-5, 211.
45 Idem, p. 22.

46 Ver Adamek, Wendi L. “The Impossibility ofthe Given”, 2005; Walsh, Michael J. "Tl ie
Economics o f Salvation”, 2007.
47 E provavelmente por isso que abstrações com o Verdade, Justiça e Liberdade cosi 11
mam ser representadas por figuras femininas.

48 Marco Polo observou a prática na província meridional de Yunnan, no século xm : "I


quando negociam uns com os outros, usam um pedaço redondo ou quadrado de gravcio
e partem -no em doisfeada pessoa fica com a metade. Mas, antes de o partirem, fazem
dois ou três entalhes, ou tantos quantos quiserem . A ssim , quando um vier pagar tio
outro, dá-se o dinheiro em troca da outra metade de graveto” (Benedetto, Luigi Foscoli 1

572
IheTravels ofM arm hilti, j< hm) Vh lambém Yang, Lien shrug, op. cit., p. 92; Kun, 1.10,
op .cit.; Peng, Xlnwri. op t It ,pp. 120, n o , 508; Trombcrt, Eric. Le credit à Dunhuang, pp.
12-5. Talhas des.se tipo pureiem, segundo Kan, ter precedido a escrita; e diz uma lenda
que o m esm o homem, ministro de Huang Di, o Imperador Amarelo, inventou sim ulta­
neamente a escrita e os contratos de talha (Trombert, Eric, op. cit., p. 13).
49 Graham, A ngus Charles. The Book ofLieh-Tzu, p. 179.
50 Na verdade, essa semelhança foi observada também na Antiguidade: Laozi (Daode-
jing, 27) fala daqueles que podem “contar sem uma talha, segurar uma porta sem fecha­
dura”. De form a memorável, ele também afirmou que, “quando os sábios guardam a ta­
lha como penhor, eles não pressionam os devedores por suas dívidas. Homens virtuosos
se prendem às talhas; homens sem virtude reclamam a dívida” (Idem, 79).
51 Ou, poderíam os dizer, transform ando-as, com o estalo da madeira se quebrando,
de dívidas m onetárias em dívidas m orais, pois o sim ples fato de saberm os a história
significa que, no fim, ele foi recompensado (Peng, Xinwei, op. cit., p. 100). Talvez valha
ressaltar que a palavra fu , que significa “talha”, também podia significar “presságio aus­
picioso concedido a um príncipe com o sinal de sua convocação pelos Céus” (Mathews,
Robert Henry. Mathews' Chinese-English Dictionary, p. 283). De maneira semelhante, Peng
nota uma passagem de Z/tan Guo Ce (“ Estratégias dos Reinos Combatentes") sobre um
soberano que tenta obter apoio popular: “Feng corre até Bi, onde os fiscais haviam reu­
nido todos os endividados, para que suas talhas fossem correlacionadas às suas. Depois
de com paradas, Feng proclam ou a falsa ordem de perdoar as dívidas e queimou as ta­
lhas. Todos aplaudiram” (Peng, Xinwei, op. cit., p. 100 n9). Para paralelos tibetanos, ver
Uebach, Helg. “From Red Tally to Yellow Paper”, 2008.
52 Algo semelhante acontecia na Inglaterra, onde os primeiros contratos eram divididos
em dois, em uma im itação das antigas talhas: a expressão indentured servant [“servo por
contrato”] deriva dessa prática, pois se trata de trabalhadores contratados; a palavra
deriva de indentation, reentrâncias ou sulcos na talha usada com o contrato (Blackstone,
sir William. Commentaries on the Laws o f England, v. 1, p. 218).
53 Yang, Lien-sheng, op. cit., p. 52; Peng, Xinwei, op. cit., pp. 329-31. Xinwei Peng, com
grande discernimento, observa que “esse método de unir talhas para retirar dinheiro na
verdade foi uma consequência do processo usado no em préstim o de dinheiro, exceto
que a circulação dos empréstimos no tempo foi transformada em circulação no espaço”
(op. cit., p. 330).
54 Os bancos eram cham ados “lojas de depósito”, e Lien-sheng Yang (op. cit., pp. 78-
-80) os chama de “protobancos”. Xinwei Peng (op. cit., pp. 323-7) observa que algo nessa
linha já estava em funcionamento, pelo menos para mercadores e viajantes, na dinastia
Tang, m as o governo exercia controles estritos que proibiam banqueiros de reinvestir
o dinheiro.
55 A prática com eçou em Sichuan, que tinha sua form a peculiar de dinheiro em ferro,
e não em bronze, e portanto de m anuseio muito mais difícil.

573
56 IVug. Xmwci, op. tit., p. soH (vcr lambéin pp. m i , Hm ). Tudo sc parocc bastante m m
o dinheiro sim bólico que circulava cm grande parte il.i liuropa na Idade Media,

57 Em bora Xinwei Peng (op. cit.) afirm e algo parecido, o expoente académ ico mal«
im portante dessa visão é Richard von Glahn ("Myth and Reality o f China's Sevcnierni h
Century M onetary Crisis”, 1996b), que parece ser a predominante entre os economlM ii«
conhecidos e não conhecidos.
58 Diagrama de James MacDonald, op. cit., p. 65.

59 Uma das imagens mais lembradas para falar do governo dos legalistas, sob a odiada
Primeira Dinastia, é que eles construíram grandes caldeirões de latão, nos quais cad.i lei
era explicada pública e claramente, e depois eles eram usados para ferver criminosos vivi 1«
60 Ver Bulliet, Richard W. Conversion to Islam in the Medieval Period, 1979. Ver também lia
Lapidus (A History o f Islamic Societies, pp. 141-6) sobre o processo de conversão. Richanl
W. Bulliet enfatiza (op. cit., p. 129) que o principal efeito da conversão em massa era í.i/ri
com que a aparente justificativa do governo, com o protetor e difusor da fé, parcccMr
cada vez mais insignificante. O apoio popular aos califas e líderes políticos reaparn eu
em alguns períodos, com o as cruzadas ou durante a reconquista na Espanha, quando n
próprio Islã parecia estar na m ira dos ataques. Por razões semelhantes, o m esm o acon
tece em grande parte do m undo islâmico atual.

61 “Na m aior parte das vezes, os círculos inferiores pagavam tributos altíssimos e cuíd.i
vam de si próprios. De maneira semelhante, o governo recebia os tributos, dava alguma
segurança e se ocupava com questões de seu interesse: guerra externa, patronagem d< •«
estudos e das artes, uma vida de luxuosa ostentação” (Pearson, Michael N. “Premodci n
Muslim Political System s”, p. 54).

62 O provérbio, atribuído ao próprio Profeta, aparece em Abu A m id al-Ghazali (7In


Kitab a l-‘Ilm, 284), seguido de um a longa lista de declarações semelhantes: “Sa’id Hm
Musaiyab disse: ‘Quando vires um sábio religioso prestando visita a um príncipe, evila <1,
pois que é um ladrão’. Al-A uza’i disse: ‘Nada é mais detestável para Alá do que um sáhlo
religioso que presta visita a um oficial’ [...]” etc. Essa atitude não desapareceu. A grandi'
m aioria dos aiatolás iranianos, por exemplo, se opõe à ideia de um Estado muçulmam 1,
sob a alegação de que ele necessariamente corrom pe a religião.
63 Lom bard, M aurice. “Les bases m onétaires d’une suprém atie économ ique”, 194;;
Grierson, Phillip. “The Monetary Reforms o f ‘Abd al-Malik”, i960. Essa política costuma
ser representada com o a atitude sábia de não “enfraquecer” a cunhagem, m as poderia
igualm ente significar que a assinatura do califa não acrescentava valor nenhum. I In 1
experim ento com papel-m oeda estilo chinês realizado em Basra, em 1294, fracassou,
pois ninguém queria aceitar dinheiro respaldado apenas pela confiança estatal (Ashtoi,
Eliahu. A Social and Economic History o f the Middle East, p. 257).
64 MacDonald, James; op. cit., p. 64. Aos poucos, essa diferença salarial se tornou insu
portável e os impérios muçulmanos adotaram o sistema iqta, mais tipicamente medieval,
em que os soldados recebiam a arrecadação fiscal de territórios específicos.

574
6s Tam pouco (t.i eu uivo», dride cnido, foram empregados com o soldados, exceto em
circunstâncias temp<>iáiIhi e anõm alai (por exemplo, pelos manchus ou em Barbados).

66 Parece significativo que i) a "inquisição” de 832, tentativa abássida fracassada de con­


trolar os ulemás; 2) a mais importante conversão em m assa dos súditos do califado ao
Islã, com o auge em 825-850; e 3) a ascensão definitiva dos soldados escravos turcos nos
exércitos abássidas, geralmente datada de 838, tenham todas acontecido mais ou menos
na mesma época.
67 Elwahed, A li Abd, op. cit., pp. 111-35. Com o ele m esm o afirm a (op. cit., p. 127), “a
inalienabilidade da liberdade é um dos princípios fundam entais e incontestáveis do Islã”.
Os pais não têm o direito de vender os filhos, e os indivíduos não têm o direito de se
venderem - ou pelo m enos, se o fizerem, nenhum tribunal reconhecerá posteriores
reivindicações de posse. Entendo que esse é o exato oposto da abordagem do "direito
natural” que se desenvolveu posteriormente na Europa.
68 Há uma controvérsia aqui: alguns estudiosos, incluindo pesquisadores contem po­
râneos muçulmanos contrários ao movimento econômico islâmico, insistem que a riba,
claramente proibida no Alcorão, não se referia originalmente a “ju ros” em geral, m as à
prática árabe pré-islâmica de multar um pagamento atrasado duplicando o dinheiro de­
vido, e que a condenação geral dos juros é má interpretação (Rahman, Fashur. “Riba and
Interest”, 1964; Kuran, Timur. “Islamic Economics and the Islamic Subeconom y”, 1995).
Não estou em posição para intervir, mas, se for verdade, isso sugere que a proibição à
usura de fato surgiu no Iraque com o parte do processo de criação dos fundam entos
islâmicos, o que de fato ajudaria a reforçar meu argumento geral.

69 Os melhores registros que temos são os de uma comunidade de mercadores judeus


que viveram no século x n no Egito, relatada no Geniza (ver Kahle, Paul Ernst. The Cairo
Geniza, 1947), em que havia a proibição aos juros inclusive nas negociações feitas entre
si. Quando ouvim os falar da cobrança de juros, percebemos que ela ocorria na mesm a
área em que a coerção tam bém era executada regularmente, ou seja, em negociações
com reis, vizires e oficiais, que costum avam tom ar em prestadas grandes quantias de
dinheiro - principal mas não exclusivamente de banqueiros judeus ou cristãos - para pa­
gar a suas tropas. Atender a um pedido de empréstimo ilegal era perigoso, mas recusá-lo
era ainda mais perigoso (para exem plos abássidas, ver Ray, Nicholas Dylan, op. cit., pp.
68-70, que se baseia principalmente em Fischel, Walter J. Jews in the Economic and Political
Life o f Medieval Islam, 1937).

70 Também havia toda um a série de subterfúgios legais (cham ados hiyal), aos quais
era possível recorrer se o sujeito estivesse absolutamente determinado a cobrar juros:
por exemplo, com prar a casa de um devedor pela quantia do empréstimo, cobrar dele
aluguel e depois perm itir que ele a com prasse de volta pela m esm a quantia; convencer
o devedor a com prar determinado produto mensalmente e vendê-lo com desconto; e
assim por diante. Algum as escolas de direito islâmico baniam totalmente essas práticas;
outras apenas as desaprovavam. Costumava-se acreditar que esses métodos fossem am ­
plamente adotados, pois a m aioria dos historiadores econôm icos supunha que os juros

575
cram um elem ento necessário do i rnliio, mu* pesquisa* rccenie» n io dAo evlilêm lit
nenhuma de que fossem especialm ente com u n i (para a vis,to mais antiga: Khan, Mil
Siadat Ali. “The M ohammedan Laws against Usury and I low They Are Evaded" t<m
para a visão nova: Ray, Nicholas Dylan, op. cit., pp. 58-9).
71 Mez, Adam . Die Renaissance des Islams, p. 448, citado em Labib, Subhi Y. “Capitalism in
Medieval Islam ”, p. 89. Note-se que Basra, a cidade onde todas as transações c o m m i.tl*
eram feitas com cheques, tam bém era a cidade em que, um século depois, as tentativa«
m ongóis de introduzir o papel-m oeda emitido pelo governo sofreram ampla reslxii'u
cia. A palavra sakk, por sinal, deu origem à palavra check [cheque], em inglês. A 01 Igrm
suprem a do sakk é m otivo de controvérsia: Eliahu A shtor (“Banking Instrum ents hei
ween the Muslim East and the Christian West”, p. 555) sugere ser bizantina; jam shrnl
K. Chosky (“Loan and Sales Contracts in Ancient and Early Medieval Iran”, 1988), pet tit
72 Shelom o D ovG oiten (“Banker’s Accounts from the Eleventh Century A .D .”, i960; A
Mediterranean Society, The Jewish Communities o f the Arab World as Portrayed in the Documniis
o f the Cairo Geniza, 1967; Letters o f Medieval Jewish Traders, 1973) apresenta um resum o del a
lhado das práticas financeiras entre os mercadores judeus no Egito do século xii. Quit**
todas as transações envolviam o crédito em certa medida. Os cheques, extrem am cnl*
parecidos aos que usamos hoje, eram de uso com um - em bora sacos fechados de nu >r
das de metal fossem ainda mais com uns nas transações cotidianas.
73 Aparentem ente, no entanto, às vezes os governos pagavam salários com cheque*
(Tag El-Din, Saif I. “Capital and Money Markets o f M uslim s”, p. 69). N ão estou, de modi 1
nenhum, m enosprezando aqui o papel do governo: houve, por exemplo, tentativas tli'
fundar bancos centrais, e decerto um com prom etim ento, em princípio, de que o go
verno devia im por padrões e regras comerciais. Entretanto, parece que isso dificilmente
acontecia na prática.
74 Udovitch, Abraham L. Partnership and Profit in Medieval Islam, pp. 71-4.

75 M uham m ad al-Sarakhsi (?-no6) citado em Udovitch, Abraham L. “Reflections on


the Institutions o f Credit and Banking in the Medieval Islamic Near East”, p. 11, que tern
uma boa discussão sobre as questões envolvidas. Ver tam bém Ray, Nicholas Dylan, op
cit., pp. 59-60.

76 Talvez tam bém interesse aos estudantes de Pierre Bourdieu o fato de ele ter defen
dido um fam oso argumento, baseado em estudo da sociedade cabila na Argélia, de que
a honra dos homens em um a sociedade desse tipo é uma form a de “capital simbólico",
análoga ao capital econôm ico, porém mais im portante que ele, pois é possível trans
form ar horror em dinheiro, m as não o contrário (Bourdieu, Pierre. Outline o f a Theory of
Practice, 1977; Idem. The Logic o f Practice, 1990). Não, o texto não diz exatamente isso, m.i s
podem os im aginar até que ponto essa poderia ser um a conclusão de Bourdieu e com
que simplicidade ela reflete o senso com um de seus informantes.

77 Sigo aqui Kirti N. Chaudhuri (Trade and Civilization in the Indian Ocean, p. 197). A ex
pansão do Islã foi liderada tanto por irmandades sufistas com o por legalistas; muito*

576
mercadores ui umuluvmn uiim »!.<•. dum atividades, ou ambus. A literatura especializada
sobre essa q u cstào í rxi q u tonalmente rica. Ver, por exemplo, Chaudhuri, Kirti N. Trade
and Civilization in the Indian (hrun, iy8s; Idem, Asia Before Europe, 1990; Risso, Patricia. Mer­
chants and Faith, 199s; Subrahmanyam, Sanjay. “O f Imarat and Tijarat”, 1996; Barendse,
RenéJ. The Arabian Seas: The Indian Ocean World o f the Seventeenth Century, 2 0 0 2 ; Beaujard,
Philippe, op. cit.
78 Goody, Jack. The East in the West, p. 91.
79 Lombard, Maurice, The Golden Age o f Islam, pp. 177-9.
80 Tradução para o inglês de sir Richard F. Burton (The Book o f a Thousand Nights and a
Night, v. iv, 1934).
81 Além disso, os oficiais empregaram os próprios banqueiros pessoais e faziam uso
abrangente de instrumentos de crédito, com o sujjata, tanto para transferir pagamentos
de im postos com o para guardar ganhos obtidos de form a ilícita (Hodgson, Marshall G.
S. The Venture o f Islam: Conscience and History in a World Civilization, v. 1, p. 301; Udovitch,
Abraham L. “Reflections on the Institutions o f Credit and Banking in the Medieval Isla­
mic Near East”, p. 8; Ray, Nicholas Dylan, op. cit., pp. 69-71).

82 “Para Muhammad, essa regulação natural do mercado corresponde a uma regulação


cósmica. Os preços sobem e caem, assim com o a noite se segue ao dia, as marés baixas
seguem-se às altas, e a im posição de preços, além de ser uma injustiça com o mercador,
é uma desordenação da ordem natural das coisas” (Essid, Yassine. A Critique o f the Origins
o f Islamic Economic Thought, p. 153).

83 Eram feitas pouquíssim as exceções, com o em m om entos de desastre, p o r isso a


maior parte dos estudiosos afirm ou que era sempre m elhor fornecer um alívio direto
aos necessitados do que interferir nas forças do mercado. Ver Ghazanfar, Shaikh M.; Is-
lahi, Abdul Azim . “Explorations in Medieval Arab-Islamic Thought”, 2003; Islahi, Abdul
Azim . Contributions o f Muslim Scholars to Economic Thought and Analysis, pp. 31-2. Para uma
discussão mais com pleta das visões de M uham m ad sobre a estruturação dos preços,
ver Tuma, Elias. “Early Arab Economic Policies”, 1965; Essid, Yassine. “Islamic Economic
Thought”, 1988; Idem. A Critique o f the Origins o f Islamic Economic Thought, 1995.
84 Hosseini, Hamid S. “Seeking the Roots o f Adam Sm ith’s Division o f Labor in Me­
dieval Persia”, p. 672; Idem. “Contributions o f Medieval Muslim Scholars to the History
o f Econom ics”, p. 37: “Os dois indicam que anim ais, com o cães, não trocam um osso
por outro”.
85 Hosseini, Hamid S. “ Seeking the Roots o f Adam Sm ith’s Division o f Labor in Me­
dieval Persia”, 1998; Idem. “Contributions o f Medieval Muslim Scholars to the H istory
o f Econom ics”, 2003. Smith diz que visitou uma fábrica pessoalmente, o que pode ser
verdade, m as o exem plo dos dezoito passos aparece originalmente no verbete Epingle,
no volume 5 da Encyclopédie francesa, publicada em 1755, vinte anos antes. Hosseini tam ­
bém observa que “a biblioteca pessoal de Smith continha as traduções latinas das obras
de estudiosos persas (e árabes) do período medieval” (Hosseini, Hamid S. “ Seeking the

577
Roots ol Adam Smith's I »vision of lob oi In Medieval Peril«", p. fi;y), «ugcrlndo q u r « 1«
pode ter retirado os exemplos diretamente d oiotIgln alv ( )utras ionics im port.m ln poia
os precedentes islâmicos da teoria econôm ica posterior incluem Rodlnson, Maxlim
Islam and Capitalism, 1978; Islahi, Abdul Azim. "ibn Taimiyah's Concept of Market Met ha
nism ”, 1985; Essid, Yassine. "Islamic Economic Thought", 1988; Hosseini, Hamid S "I In
derstanding the Market Mechanism before Adam Sm ith”, 1995; Ghanzafar, Shaikh M
“Scholastic Economics and Arab Scholars: The ‘Great Gap’ Thesis Reconsidered", muij
Idem. “The Econom ic Thought o f A bu Hamid A l-G hazali and St. Thom as Aquino«",
2000; Idem (org.). Medieval Islamic Economic Thought, 2003; Ghazanfar, Shaikh M.; Islahi
A bdul A zim . The Economic Thought o f al-Ghazali, 1997; Idem. “ Explorations in Medieval
A rab-Islam ic Thought”, 2003. Está ficando cada vez m ais claro que grande parte do
pensamento iluminista remonta à filosofia islâmica: o cogito de Descartes, por exempl« 1
parece derivar de Ibn Sina (conhecido com o Avicena); o fam oso argumento de Humc dc
que a observância de conjunções constantes não prova a causalidade aparece em Aim
Am id al-Ghazali; e eu m esm o encontrei a definição kantiana de esclarecimento na boi 0
de um pássaro m ágico no poeta persa Rumi, do século x iv.

86 Tusi, Nasir ad-Din. The Nasirean Ethics, em Sun, Guang-Zhen. “Fragment: Nasir oil
-Din Tusi on social cooperation and the division o f labor”, p. 409.
87 Ghazanfar, Shaikh M.; Islahi, Abdul Azim . “Explorations in Medieval Arab-lslamii
Thought”, p. 58; Ghazanfar, Shaikh M. (org.). Medieval Islamic Economic Thought, pp. u -1
88 Entre os princípios éticos de A l-G hazali encontram os “o com prador deve ser Ir
niente ao barganhar com um vendedor pobre e rígido ao negociar com um vended« u
rico” e “as pessoas deviam estar dispostas a vender aos pobres que não têm com o pay.t 1
e estender crédito a eles sem a expectativa de pagam ento” (Al-Ghazali, A bu Am id. Tht
Masteries o f Almsgiving, 79-82, citado em Ghazandar, Shaikh M.; Islahi, Abdul Azim . I hr
Economic Thought o f al-Ghazali, p. 22) - a segunda citação, obviamente, lembra Lucas 6, t \

89 A bu A m id al-Ghazali citado em Ghazandar, Shaikh M.; Islahi, A bdul A zim . Thf


Economic Thought o f al-Ghazali, p. 27.

90 Idem, p. 32.
91 Idem, ibidem.

92 Idem, p. 35. Sobre carteiros no Islã medieval: Goitein, Shelom o Dov. “The commei
cial m ail service in medieval Islam ”, 1964. A posição de Al-Ghazali aqui lembra Ética 0
N icômaco (1.121b), de Aristóteles, e sem dúvida é influenciada por ela: com o o dinheiro
é um a convenção social feita para facilitar a troca, desviá-lo para a usura é ir contra seu
propósito; seu objetivo supremo, no entanto, é outro: aproxim a-se mais do argumenin
de Tomás de Aquino, segundo o qual o dinheiro é basicamente uma medida, deturpada
pela usura, e do argum ento de Henrique de Gante, de que “o dinheiro é um m eio em
troca, não um térm ino” - nada surpreendente, posto que A quino provavelm ente foi
influenciado por ele (Ghazanfar, Shaikh M. “The Economic Thought o f Abu Hamid Al-
-Ghazali and St. Thomas A quinas”, 2000).

578
<M Nunca édrm uix dctut >n n \,i quest Ao. A ir m rsm o a lamosa “curva clr l.alíri ", com a
c|ual o governo dr Kragan, na ilci ada de 1980, trntou defender que o corte nos impostos
aumentaria a a rre c a d a d o pública por estimular a atividade econôm ica, costum a ser
chamada de “curva de l.affer-Khaldun" porque foi proposta pela prim eira vez, com o
princípio geral, em Muqaddimah, de Ibn Khaldun, em 1377. [Ver, entre outros, Boulakia,
Jean David C. “ Ibn Khaldun: A Fourteenth-Century Economist”, 1971. (n.e.)]
94 Ver Goitein, Shelom o Dov. “The Rise and Fall o f the Middle Eastern Bourgeoisie in
Early Islamic Tim es”, 1957, para o advento da “burguesia do Oriente Médio”.
95 A “depreciação” funcionava com o um aumento nos im postos, uma vez que as pes­
soas teriam de pagar mais ecus para compensar uma alíquota fixada em xelins. Como os
salários eram fixados em libras, xelins e pennies, isso também tinha o efeito de aumentar
o valor, e por essa razão era muito popular. O “enaltecimento”, em contrapartida, tinha
o efeito de baixar o valor efetivo das unidades de conta. Ele podia ser útil para reduzir a
dívida pessoal de um rei - ou de seus aliados - , medidas em tal unidade, mas também
baixava a renda de quem recebia salário ou qualquer outro tipo de renda fixa, por isso
costumava haver protestos.
96 Langholm, Odd. Price and Value in the Aristotelian Tradition, 1979; Wood, Diana. Medieval
Economic Thought, pp. 73-6.

97 Sobre a literatura patrística a respeito da usura, ver Maloney, Robert P. “The Tea­
ching o f the Fathers on U sury”, 1983; Gordon, Barry. The Economic Problem in Biblical and
Patristic Thought, 1989: Moser, Thom as. “The Idea o f Usury in Patristic Literature”, 2000;
Holman, Susan R. The Hungry are Dying, pp. 112-26; Jones, David. Reforming the Morality
o f Usury, pp. 25-30.

98 Mateus 5,42.
99 São Basílio de Cesareia, “Homilia 11 in psalmum x iv ” (pg 29,268-9).
10 0 Idem, ibidem.
10 1 Idem.

102 Santo Am brósio, De officiis ministrorum, 2.25.89.


103 Idem, De Tobia, 15,51. Ver Nelson, Benjamin. The Idea o f Usury, pp. 3-5; Gordon, Barry.
The Economic Problem in Biblical and Patristic Thought, pp. 114-8.

10 4 Mas não de todo. Vale notar que, na época, a principal oferta de escravos para o
im pério vinha dos bárbaros germ ânicos fora do império, adquiridos ou pela guerra ou
pela dívida.
10 5 “Se cada um ”, escreve São Basílio, “depois de retirar de suas riquezas pessoais tudo
aquilo que satisfaria suas necessidades pessoais, deixasse o supérfluo para quem carece
de tudo que é necessário, não haveria ricos ou pobres” (“ Homilia in illud Lucae”, pg 31,
49D) - o próprio Basílio nasceu aristocrata, mas vendeu seus bens im óveis e distribuiu
a renda entre os pobres.

579
1 0 6 Id e m , "H o m ilia ii In p s a lm u m x t v " (r<. m , 1 7 7 c ). K o fe rin c In a P ro vérb io « 19,17,

10 7 Santo Tomás de Aquino, Summa Theologha, 8. t.i. t: "Com o a graça 6 com edida ll
vremente, ela exclui a ideia dc dívida. |...| Do modo nenhum a divida significa qur I V ic
deve algo a outra criatura”.

10 8 Bartolom é Clavero (“The Jurisprudence on Usury as a Social Paradigm in the III*


tory o f Europe”, 1986) indica esse ponto com o um conflito básico sob rea nature/. 1 do
contrato, e portanto sobre a base legal das relações hum anas na história europeia a
u s u ra - e , p or extensão, o lu c r o -e r a criticada, mas o aluguel, base das relações feudal«,
nunca foi contestado.

10 9 Gordon, Barry. The Economic Problem in Biblical and Patristic Thought, p. 115. “O qur <
o com ércio”, escreveu Cassiodoro (485 d.C-585 d.C.), “senão a vontade de vender 1 ai o o
que se pode comprar barato? Por isso são detestáveis os mercadores que, sem conside 1 a 1
a justiça de Deus, oneram seus produtos mais com perjúrios do que com valor. O Senlii >1
os expulsa do templo dizendo: ‘Não fazeis da casa de meu Pai um covil de ladrões'" (vrt
Langholm, Odd. “The Medieval Schoolm en”, p. 454).

110 Sobre a tradição judaica concernente à usura, ver Stein, Siegfried. “Laws o f Intet 1 it
in the Old Testament”, 1953: Idem. “The Development o f the Jewish Law o f Interest from
the Biblical Period to the Expulsion o f the Jew s from England”, 1955; Kirschenbamn
Aaron. “Jewish and Christian Theories o f Usury in the Middle A ges”, 1985.
111 Poliakov, Léon. Jewish Bankers and the Holy See, p. 21.

112 Benjamin Nelson (op. cit.) parte do pressuposto de que a “Exceção” muitas vezes ve
aplicava a relações entre cristãos e judeus, mas John T. Noonan (The Scholastic Analysis 0/
Usury, pp. 101-2) insiste que ela se aplicava apenas a “hereges e infiéis, principalmente o»
sarracenos”, e, em alguns casos, nem a eles.
113 Até 52% com garantia, até 120% sem garantia (Homer, Sydney. A History o f InterMl
Rates, p. 91).

114 A s prisões exclusivas para devedores existiram na Inglaterra som ente depois de
1263, mas a detenção de devedores tem uma história muito mais longa. Antes de tudo, 11«
emprestadores judeus parecem ter se dedicado à transform ação do dinheiro de crédito
em cunhagem, coletando a prata da família de devedores inadimplentes e levando-a pat a
Casas da Moeda. Eles tam bém ganhavam o direito sobre grande parte da propriedade
de um devedor inadimplente, e a m aior porção dela ia parar nas m ãos de barões ou de
m osteiros (Singer, Sholom A. “The Expulsion o f the Jew s from England”, 1964; Bowel i.
Richard H. “ From Rolls to R iches”, 1983; Schofield, Phillipp R.; Mayhew, N. J. (o rg s)
Credit and Debt in Medieval England, 2002).

115 Roger de Wendover, Flowers o f History, 1849. Roger não nomeia a vítima; em versõe*
posteriores, seu nome é Abraão; em outras, Isaac.

116 Matthew Prior (1664-1721), citado em Bolles, John Augustus. A Treatise on Usury aiiif
Usury Laws, p. 13.

580
117 Ou ainda, ullA*. la m .iii.n «Ir Nlrl/.xchc sobro a origem «la justiça na mutilação.
Enquanto o primeiro n u uma projeção em judeus de atrocidades de fato com etidas
contra os judeus, Nlri/s« lie cs« revia em uma época em que os verdadeiros “selvagens"
«>stumavam ser punidos com torturas e mutilações semelhantes por não pagarem suas
dívidas às entidades fiscais coloniais, com o atesta o notório escândalo no Congo Belga,
de Leopoldo II.
118 Mundill, Robin R. England’s Jewish Solution, 2 0 0 2 ; Brand, Paul. “The Jewish Com m u­
nity o f England in the Records o f the English Royal Governm ent”, 2003.
119 Cohn, Norman. The Pursuit o f the Millennium, p. 80.
120 Peter Cantor (Petrus Cantor, ?-ii97), citado em Nelson, Benjamin, op. cit., pp. 10-1.
121 Uma firma de Cahors recebeu a propriedade dos judeus ingleses quando estes foram
expulsos em 1920. No entanto, durante muito tempo lombardos e cahorsianos depende­
ram de favores reais e raramente ocupavam posição melhor que a dos judeus. Na França,
os reis pareciam expropriar e expulsar judeus e lom bardos alternadamente (Poliakov,
Léon, op. cit., p. 42).
122 Noonan, John T., op. cit., pp. 18-9; Le Goff, Jacques, op. cit., pp. 23-7.
123 “Com o dissemos antes, essa arte se desdobra em duas, e um de seus ram os é de na­
tureza comercial, enquanto o outro pertence à econom ia doméstica; este último ramo
é necessário e louvável, enquanto o ram o ligado à permuta é jtistamente censurado (ele
não é conform e à natureza, e nele alguns hom ens ganham à custa de outros). Sendo
assim, a usura é detestada com muita razão, pois seu ganho vem do próprio dinheiro, e
não daquilo que levou à sua invenção. Efetivamente, o objetivo original do dinheiro foi
facilitar a permuta, mas os juros aumentam a quantidade do próprio dinheiro (esta é a
verdadeira origem da palavra [tofeos]: a prole se assemelha aos progenitores, e os juros
são dinheiro nascido de dinheiro); logo, essa form a de ganhar dinheiro é de todas a
mais contrária à natureza” (Aristóteles. Política, liv. 1 ,1.258b). A Ética a Nicômaco (1.121b) é
igualmente condenatória. Para uma excelente análise geral da tradição aristotélica sobre
a usura, ver Langholm, Odd. The Aristotelian Analysis o f Usury, 1984.
124 Noonan, John T., op. cit., pp. 105-12; Langholm, Odd. The Aristotelian Analysis o f Usury,
p. 50.
125 O termo técnico para a renda perdida é lucrum cessans [lucros cessantes]; ver O’Brien,
George. An Essay on Medieval Economic Teaching, pp. 107-10; Noonan, John T., op. cit., pp.
114-28; Langholm , Odd. Economics in the Medieval Schools, pp. 60-1; Idem. The Legacy o f
Scholasticism in Economic Thought, p. 75; Spufford, Peter, op. cit., p. 260.

126 Como os mercadores germânicos também fizeram nas cidades bálticas da aliança han-
seática. Sobre o banco dos Médici como exemplo, ver De Roover, Raymond. “The Mediei
Bank”, 1946; Idem. The Rise and Decline o f the Mediei Bank, 1963; Parks, Tim. Mediei Money, 2005.

127 A situação em Veneza, pioneira nessas questões, é marcante: não havia guilda de
mercado, mas guildas de ofícios, um a vez que as guildas eram criadas essencialmente

581
com o proteção contra o jjoverno r, rin Vtnrza, os mere adores rrimi o governo (Miti
Kenney, Richard. Tradesmen and leaders, 1087; Mauro, Frederic . "Merchant ( om m im llu *",
pp. 259-60).

128 Eles foram acusados de heresia e sodomia. Ver Barber, Malcolm. The Thai <>/ f/i< Inn
plars, 1978.

129 Não se pode “provar” a inspiração islâmica para as letras de câmbio europeias, nun
considerando a abrangência do com ércio entre os dois lados do Mediterrâneo, nc^.i In
seria bizarro. Fernand Braudel (The Mediterranean and the Mediterranean World, v. 2, pp. Sift
-17) propõe que a ideia deve ter chegado à Europa pelos mercadores judeus, que, pelo <|ik
sabemos, usavam essas letras de câmbio havia muito tem po no Egito.

130 Sobre letras de câmbio: Usher, Abbot Payson. “The Origin o f the Bill o f Exchange",
1914: De Roover, Raymond. “The Scholastics, Usury and Foreign Exchange”, 1967; Hi 1
yer-Xambeu, Marie-Therese; Deleplace, Ghislain; Gillard, Lucien. Private Money 6 I’ublh
Currencies, 1994: Munro, John H. “The Medieval Origins o f the Financial Revolution", |>|•
542-6; Denzel, Markus A. “The European Bill o f Exchange”, 2006. Havia muitas moeda*
correntes, e cada uma delas poderia, a qualquer momento, ser “enaltecida”, “depreclmlit"
ou ter flutuação de valor. A s letras de câm bio tam bém perm itiam que os mercadine*
se envolvessem efetivamente na especulação financeira, que até contornassem as Irh
da usura, pois se tornara possível pagar uma letra de câm bio emitindo outra letra 1I1
câmbio, com data para m uitos m eses depois, por um a quantia um pouco maior. I v.,i
prática era cham ada dry exchange [câm bio seco] (De Roover, Raym ond. “W hat is I >1 v
Exchange?”, 1994) e, com o tem po, a Igreja se tornou ainda mais cética, gerando nnit*
uma onda de criatividade financeira para contornar as leis da usura. Vale notar que a 1.1 *
de juros nesses empréstimos comerciais era geralmente muito baixa: 12% no máximt >,
em contraste radical com os em préstim os aos consum idores. Trata-se de um sinal 1I11
risco cada vez menor dessas transações. Ver Homer, Sydney, op. cit., para uma história
das taxas de juros.

131 Lane, Frederic Chapin. Venetian Ships and Shipbuilders o f the Renaissance, 1934.

132 “Em muitos aspectos, com o organização do trabalho escravo, gestão das colônluv
administração imperial, instituições comerciais, tecnologia marítima e navegação e «rll
lharia naval, as cidades-Estado italianas foram as precursoras do Império Português e do
Império Espanhol, tendo contribuído profundamente para sua formação e dividido seu»
lucros de maneira ampla” (Brady Jr., Thomas A. “The Rise o f Merchant Empires”, p. iso)
133 Eles parecem ter usado servos gregos prim eiro, e às vezes árabes capturados mis
cruzadas, somente depois africanos. Mesmo assim, esse foi o modelo econôm ico trans
portado posteriorm ente pelos m ercadores portugueses para ilhas do Atlântico comi 1
Canárias, e depois para o Caribe (Verlinden, Charles. The Beginnings o f Modem Colonization,
1970; Phillips, W illiam p . Slavery From Roman Times to the Early Transatlantic Trade, pp. <m
Solow, Barbara. “Capitalism and Slavery in the Exceedingly Long Run”, 1987; Wartbury,
Marie Louise von. “Production de sucre de canne à Chypre”, 1995).

582
1 14 Stam m cll, Jcllrry Vaughan I hr World Encompassed, pp. 173-5.

i?5 Spufford, Peter, op, i It., p. 142.


136 Sobre a noção de aventura: Auerbach, Erich. Mimesis: The Representation o f Reality in
Western Literature, 2003; Nerlich, Michael. Ideology o f Adventure, 1987.

137 Georges Duby (Guerriers etpaysans, v i i ’ -x i i 1 siècle, 1973) defende esse argumento. O ri­
ginalmente, a “távola redonda” foi um tipo de torneio, e, especialmente nos anos 1300,
tornou-se com um fazer desses torneios uma imitação explícita da corte do rei Arthur,
com os cavaleiros das competições assum indo o papel dos cavaleiros originais: Galaaz,
Gawain, Boor etc.
138 Também uma época em que as mudanças tecnológicas, principalmente a invenção
do arco e o advento dos exércitos profissionais, começavam a tornar o papel dos cavalei­
ros em combate cada vez mais irrelevante (Vance, Eugene. “Signs o f the City: Medieval
Poetry as Detour”, 1973).
139 Kelly, Amy. “Eleanor o f Aquitaine and Her Courts o f Love”, p. 10.
14 0 Ver Schoenberger, Erica, op. cit., para uma interpretação recente e convincente: a
com paração do papel da m obilização de guerra na criação de mercados na Grécia e em
Roma com a Europa ocidental na Idade Média clássica.
14 1 Wolf, Robert L. "The Mortgage and Redemption o f an Em peror’s Son”, 1954.

142 Argum ento defendido originalmente por Eugene Vance (“Chretien’s Yvain and the
Ideologies o f Change and Exchange”, p. 48). A semelhança é mais óbvia em Parsifal, do
poeta alemão Wolfram von Eschenbach, escrito talvez vinte anos depois, em que os ca­
valeiros “percorrem livremente Espanha, norte da África, Egito, Síria, até Bagdá, A rm ê­
nia, índia, Ceilão” (Adolf, Helen. “Christendom and Islam in the Middle A ges”, p. 113) - e
as referências islâmicas são numerosas (Adolf, Helen. “New Light on Oriental Sources
for W olfram’s Parzival and Other Grail Romances”, 1947; Idem. “Christendom and Islam
in the Middle Ages”, 1957) - , ou seja, regiões conhecidas dos europeus da época somente
pelo mercado. O fato de os mercadores reais, nas raras ocasiões em que apareciam, não
serem nunca personagens carismáticos é pouco relevante.
143 Richard Wagner, Die Wibelungen: Weltgeschichte aus der Sage (1848) - cuja tradução
em inglês é “ História mundial contada em saga”. Meu relato se baseia no argum ento
de Wagner tirado de outro ensaio m aravilhoso, extravagante em alguns m om entos, de
Marc Shell, chamado “Accounting for the Grail” (Money, Language, and Thought, pp. 37-8).
O argumento de Wagner é realmente mais complexo: centra-se na tentativa fracassada
de Frederico Barbarossa, imperador do Sacro Império Rom ano-Germ ânico, de subjugar
as cidades-Estado italianas, e no abandono de seu princípio de que a propriedade pode
proceder apenas do rei; em vez disso, temos o advento da propriedade privada mercantil,
que foi reverberada pela abstração financeira.
144 Marc Shell interpreta o Graal como uma transformação da antiga noção de cornuco­
pia ou uma busca inesgotável em uma era que “começava a se familiarizar com cheques e

583
crédito” ressaltando a conexão da Irnda m m os tn npl.it lo», r lato é que ( 'hrétlrn, i u|o
nome significa "cristã»)", provavclmriite, poi essa ra/.rto, rra judeu convertido. W oliiam
também afirmou ter obtido a lenda a partir de uma fonte judaica (Idem, pp. 44-5).
145 “O banquete”, em Diálogos/Platão. Tradução e notas de José Cavalcante de Sou, .1
Jorge Paleikat e jo ã o Cruz Costa. Coleção Os pensadores. 5a ed. São Paulo: Nova Cull mal,
1991. Na tradução inglesa usada pelo autor, a palavra grega symbolon, que será abordada
nesse capítulo, representa tanto “téssera” com o “com plem ento”. [ n .t .J
14 6 Até a China foi muitas vezes dividida e fraturada. Praticamente todos os grandes
projetos de construção de im périos da Idade Média não foram obra de exércitos pr< >lr.
sionais, mas de povos nômades: árabes, m ongóis, tártaros e turcos.
147 Aristóteles. Ética a Nicômaco, 1.133a, 29-31.

14 8 Ele com para o dinheiro não apenas a um carteiro, mas também a um “governante",
que se posiciona fora da sociedade para governar e regular nossas interações. É inte
ressante notar que Tomás de Aquino, que pode ter sido influenciado diretamente pot
A bu Am id al-Ghazali (Ghazanfar, Shaikh M. “The Economic Thought o f Abu Hamid .1!
-Ghazali and St. Thomas Aquinas”, 2000), aceitava o argumento aristotélico de que o ill
nheiro era uma convenção social que os homens podiam modificar facilmente. Em cert« >
período, no final da Idade Média, essa visão se tornou predominante entre os católico»,
149 Pelo que sei, o único estudioso a m ostrar essa conexão é Bernard Faure. Ver Faute,
B. “The Buddhist Icon and the Modern G aze”, p. 798; Idem. Visions o f Power, p. 225.
150 Ainda mais tarde, quando as transações a crédito ficaram comuns, o termo era apll
cado a pequenas quantias de dinheiro oferecidas com o pagamento de entrada, parecidi >
com a expressão inglesa earnest money, ou “sinal”. Sobre os symbola em geral: Beauchct,
Ludovic. Histoire du droit privé de la République athénienne, 1897; Jones, J. Walter, op. cit., p
217; Shell, Marc. The Economy o f Literature, pp. 32-5.

151 Descat, Raym ond. “L’économ ie antique et la cité grecque”, p. 986.


152 Aristóteles. Da interpretação, 1 , 16-17. C. W. A . Whitaker, desse m odo, observa que,
para Aristóteles, “o significado de um a palavra é fixo p o r convenção, assim com o a
im portância atribuída a um a talha, a um a ficha ou a um tíquete depende do acordo
entre as partes envolvidas” (Aristotle’s “De interpretatione": Contradiction and Dialectic, p. 10).
153 Aristóteles. Ética a Nicômaco, 1.133a, 29-31.

154 Mas eles acreditavam que essas fórmulas resumiam ou "agrupavam ” a essência des
sas verdades secretas reveladas pelos M istérios - symbolon, palavra derivada do verbo
symballein, significa “reunir, juntar ou com parar”.

155 Miiri, Walter. Symbolon: Wort-und sachgeschichtliche Studie, 1931; Meyer, M arvin W. The
Ancient Mysteries, 1999. O único conhecim ento que tem os dessas symbola vem de fontes
cristãs; posteriorm ente, os cristãos adotaram seu próprio symbolon, o Credo, que con
tinuou com o o principal referente do term o “sím bolo” por toda a Idade Média (Ladner,
Gerhardt B. “Medieval and Modern Understanding o f Sym bolism ”, 1979).

584
is6 Ou Pseudo I >lonl*ln. |miii <i verdadeiro Dlonísio, o Areopagita, foi um ateniense do
século I convertido ao i rUlIanlsmo por São Paulo. A obra do Pseudo-Dionisio é uma
tentativa de conciliar o neoplatonismo - e sua noção de filosofia com o processo de li­
bertação da alma da t ria«, .lo material e sua reunificação com o d iv in o -c o m a ortodoxia
cristã. Infelizmente, sua obra mais relevante, Teologia simbólica, se perdeu, m as as que
sobreviveram tratam da questão até certo ponto.
157 Barasch, Moshe. Icon: Sudies in the History 0/an Idea, p. 161.
158 Pseudo-Dionísio, Sobre a hierarquia celeste, 141 A-c. Sobre a teoria de Dionísio a respeito
do sim bolism o em geral e sua influência, ver Barasch, M oshe, op. cit., pp. 158-80. Ver
também Goux, Jean-Joseph. Symbolic Ecotiomies, p. 67; Gadamer, Hans-Georg. Truth and
Method, pp. 63-4.

159 Com o a com unhão, ele as cham a de “dádivas que nos são garantidas em m odo
sim bólico” (Pseudo-Dionísio, Sobre a hierarquia celeste, 124A).
160 Mathews, Robert Henry, op. cit., p. 283. Compare com a definição de symbolon:

a) ou: talha, isto é, cada um a das duas metades ou partes correspondentes de um osso
ou outro objeto, que dois convidados, ou duas partes de um contrato, quebram de c o ­
mum acordo, e cada um guarda uma parte com o prova da identidade do ofertante para
o outro.
b) ou: diz-se de outros dispositivos com o m esm o propósito, isto é, um selo ou lacre
de cera,
1. qualquer sinal que sirva com o prova de identidade

2. garantia
3. sinal, especialmente de boa vontade.
Baseado em Liddell, Henry George; Scott, Robert, pp. 1.676-7, sem os exem plos e com
as palavras gregas para “osso” e “convidado” traduzidas para o inglês.
161 Rotours, Robert des. “Les insignes en deux parties (fou) sous la dynastie des T’ang”,
p. 6. Sobre uma abordagem mais geral do fu (ou qi, outra palavra para talhas de dívida
que podiam ser usadas de m odo geral com o “sinais”): Rotours, Robert des, op. cit.; Kal-
tenmark, Max. “Ling pao: Notes sur un terme du taoYsme religieux”, 1960; Kan, Lao, op.
cit.; Faure, Bernard. Visions 0/ Power, pp. 221-9; Falkenhausen, Lothar von. "The E Jun Qi
Metal Tallies: Inscribed Texts and Ritual Contexts”, 2005.
162 Há um a tensão curiosa aqui: a vontade dos céus é tam bém , em certo sentido, a
vontade do povo, e a ênfase era dada de form a diferente pelos pensadores chineses.
Xunzi, p or exemplo, supunha que a autoridade do rei se baseia na confiança do povo.
Ele tam bém argum entava que, em bora a confiança entre as pessoas seja m antida por
contratos garantidos pela correspondência de talhas, sob um reinado verdadeiramente
justo, a confiança social será tanta que os objetos se tornarão desnecessários (Roetz,
Heiner, op. cit., pp. 73-4).

585
i6 ) Kohn, l.ivia. Dooism I landhook, p. n u Algo Nrmcllinnlr ucontrilw 110 JapAo: vrr hum
Bernard. Visions o f Power, p. 227.
16 4 Na Encyclopedia ofTaoism, eles sâo desc rilos com » "diagram as, concebidos com »
form a de escrita celestial, cujo poder deriva da parte celestial equivalente guardada 10111
as deidades que os concederam ” (Bokenkamp, Stephen R. "Eu: Talisman, Tally, < li.n m"
p. 35). Sobre o f u taoista, ver Kaltenm ark, Max, op. cit.; Seidel, Anna. “ Imperial lir a
sures and Taoist Sacram ents”, 1983; Strickm ann, Michel. Chinese Magical Medicine , pp
190-1; Verellen, Franciscus. “The Dynam ic Design: Ritual and Contemplative Craphli 1
in Daoist Scriptures”, 2006; para paralelos budistas, ver Faure, Bernard. “The Buddhist
Icon and the Modern Gaze”, 1998; Robson, James. “Signs o f Power: Talismanic Writ Inn
in Chinese Buddhism", 2008.
165 Sasso, Michael. “What is the Ho-Tu?”, 1978. A origem do simbolo^in-jyang com Inmi
obscura e contestada, m as os sinólogos que consultei consideram essa explicação pl.m
sível. A palavra genérica para “sím bolo” em chinês contem porâneo éfú hào, derivada
diretamente de/u.
166 Uma vez que estou tratando do debate sobre a questão “por que o mundo islâmiu >1nl« 1
desenvolveu o capitalismo moderno?”, parece-me que são importantes tanto o argummi 11
de Abraham L. Udovitch (“Reflections on the Institutions o f Credit and Banking in the
Medieval Islamic Near East”, pp. 19-21), de que o mundo islâmico nunca desenvolveu met .1
nismos de crédito impessoais, com o a objeção de Nicholas Dylan Ray (op. cit., pp. 39 |<•)
de que a proibição dos juros e do seguro era mais relevante. A sugestão de R ay de que a«
diferenças no direito de sucessão podem ser importantes também merece ser invest iguda
167 Maitland, Frederick W illiam . The Constitutional History o f England, p. 54.

168 Davis, John. Corporations, 1904.


169 No sentido platônico: assim com o todo pássaro físico específico que porventtua
observarm os em uma árvore próxim a é apenas uma amostra da ideia geral de “páss.i r»“
(que é imaterial, abstrata, angelical), tam bém os vários objetos indivíduos físicos e moi
tais, que se juntam para criar uma corporação, tornam -se uma ideia abstrata e angelic ,il
Ernst H. Kantorowicz (The King’s Two Bodies, pp. 280-1) argumenta que foi preciso diversa *
inovações intelectuais para tornar possível a ideia de corporação: notavelmente, a ideia
de éon ou aevum, tem po eterno, ou seja, tem po que dura para sempre, em oposiç.W 1 A
eternidade agostiniana, que está totalmente fora do tem po e era considerada a m o i ad.i
dos anjos, até a retomada das obras de Dionísio, o Areopagita.
170 Idem, pp. 282-3.

171 Com o exemplo, o direito islâmico, além de não desenvolver a noção de pessoa In
tícia, resistiu duramente a reconhecer as corporações até pouco tem po (Kuran, Timm
“The Absence o f the Corporation in Islamic Law ”, 2005).
172 Principalmente Randall Collins (Weberian Social Theory, pp. 52-8), que também la/ a
com paração com a China. Cf. Coleman, Janet. “Property and Poverty”, 1988.

173 Ver Nerlich, Michael, op. cit., pp. 121-4.

586
II. IDADB DOS (,l< A N U I S IMI'f MIUS « Al’l I'ALISTAS (14SO D.C.-I97I D.C.)

1 Sobre os salários Inglrsrs, vn I )yer, Christopher. Standards o f Living in the Later Middle
Ages, 1989; sobre a vlda lest íva Inglesa, há vasta literatura, mas uma fonte recente muito
boa é Humphrey, Chris, lhe Politics o f Carnival, 2001. Silvia Federici (Caliban and the Witch,
2004) oferece uma síntese recente fascinante.
2 Para uma pequena amostra dos debates mais recentes sobre a “revolução dos preços”,
ver Hamilton, Earl J. American Treasure and the Price Revolution in Spain, 1934; Cipolla, Carlo
M., op. cit.; Flynn, Dennis. “The Population Thesis View o f Sixteenth-Century Inflation
Versus Economics and History”, 1982; Goldstone, Jack A. “Urbanization and Inflation”,
1984; Idem. “Monetary Versus Velocity Interpretations o f the ‘Price Revolution’”, 1991;
Fisher, Douglas. “The Price Revolution: A Monetary Interpretation”, 1989; Munro, John
H. “The Monetary Origins o f the ‘Price Revolution’: South German Silver Mining, Mer­
chant Banking, and Venetian Commerce, 1470-1540”, 2003a; Idem. “Review o f Earl J.
Hamilton, American Treasure and the Price Revolution in Spain”, 2007. O principal
debate é entre os monetaristas que continuam argumentando que o aumento na quan­
tidade de dinheiro em espécie foi responsável pela inflação, e aqueles que destacam o
papel do rápido crescimento populacional; no entanto, os argumentos mais específicos
têm nuances mais consideráveis.
3 Os historiadores falam de uma “escassez de lingotes" - como as minas mais ativas “seca­
ram”, o ouro e a prata que não eram extraídos na Europa para pagar os supérfluos orientais
foram se ocultando cada vez mais, gerando todo tipo de dificuldades para o comércio. Na
década de 1460, a escassez de dinheiro em espécie em cidades como Lisboa foi tão grave
que muitas vezes os navios mercantes que passavam pelo porto, carregados de produtos,
tinham de voltar para casa sem vender nada (Spufford, Peter, op. cit., pp. 339-62).
4 Brook, Timothy. The Confusions o f Pleasure, 1998. Desnecessário dizer que estou sim­
plificando demais as coisas: outro problema foi o crescimento das propriedades arren­
dáveis, com muitos pequenos proprietários se endividando com o senhorio por serem
incapazes de pagar. A medida que os membros da família real, cada vez maior, e de
outras famílias favorecidas ganhavam isenções de impostos do Estado, a carga tributária
imposta aos pequenos proprietários foi ficando tão pesada que muitos foram obrigados
a vender suas terras para famílias poderosas em troca de acordos de inquilinato para
libertar as terras dos impostos.
5 Os historiadores chineses contam 77 “revoltas de mineiros” diferentes durante as dé­
cadas de 1430 e 1440 (Harrison, James P. “Communist Interpretations o f the Chinese
Peasant Wars”, pp. 103-4; Tong, James W. Disorder Under Heaven, pp. 60-4; Gernet, Jacques.
A History o f Chinese Civilization, p. 414). Essas revoltas, entre 1445 e 1449, tornaram-se uma
séria ameaça, pois os mineradores de prata, sob a liderança do rebelde Ye Zongliu, se
juntaram aos agricultores arrendatários e aos pobres que moravam nas cidades super-
povoadas de Fujian e Shaxian, gerando um levante que se espalhou para diversas pro­
víncias, apoderando-se de diversas cidades e expulsando boa parte da aristocracia rural.

587
6 Richard Von Glahn (lim nialn <1/ (orlunr, pp. mi 8j) dm umcnt« o pro» esso, ).ii (|iu n
Gernet (A History o f Chinese Civilization, pp. 41s ft) mosini com o, enlrc 14S0 c isoo, 11 malm
parte dos im postos se tornou pagivel cm pruta. () processo culminou no método i !m
mado de “uma única chibatada”: reformas fisc ais realizadas entre 1530 e ísHi (ver I lu.uiy
Ray. Taxation and Governmental Finance, 1974; Arrighi Giovanni et alii. "Historical < aplla
lism, East and West”, pp. 272-3).

7 Wong, Roy Bin. China Transformed: Historical Change and the Limits o f European Expcr inu r,
1997; Pomeranz, Kenneth, op. cit.; Arrighi, Giovanni. Adam Smith in Beijing, 2007, cnl 1>
outros defensores desse argumento.
8 Pomeranz, Kenneth, op. cit., p. 273.
9 O valor da prata na China (medido em ouro) continuou, durante o século xvi, diut«
vezes maior do que o preço em Lisboa ou Antuérpia (Flynn, Dennis; Giráldez, A m u o
“Born with a ‘Silver Spoon’”, 1995; Idem. “Cycles o f Silver”, 2002).
10 Von Glahn, Richard. “Myth and Reality o f China’s Seventeenth Century Mom 1.11 \
Crisis”, p. 440; Atwell, William S. “Ming China and the Emerging World Economy”, 190N
11 Challis, Christopher Edgar. The Tudor coinage, p. 157.
12 A China teve sua própria “idade da exploração” no início do século xv, mas a c«w
período não se seguiram a conquista e a escravização em massa.
13 E possível que eles estejam errados. De modo geral, houve um declínio em 90% 11>
populações mesmo nas áreas em que não aconteceu um genocídio direto. Mas, na niali 11
parte dos lugares, depois de uma ou duas gerações, as populações começaram a se rei 11
perar; na ilha de Santo Domingo e em muitas partes do México e do Peru, em voli.i da«
minas, a mortalidade máxima se aproximava dos 100%.
14 Todorov, Tzvetan. The Conquest o f America, pp. 137-8; para o original, Icazbalceta, )i ui
quin García. Memoriales de Fray Toribio de Motolinia, pp. 23-6.
15 Um historiador observa: “No final do século xvi, o lingote, principalmente de pi ala
representava 95% de tudo que era exportado da América Espanhola para a Europa. Qu.ise
a mesma porcentagem da população indígena foi destruída no processo de tomada dessa«
riquezas” (Stannard, David E. American Holocaust: The Conquest o f the New World, p. 221).
16 Diaz, Bernal. The Conquest o f New Spain, p. 43.
17 Bernal Diaz: a citação é uma síntese da tradução de Lockhart (The Memoirs o f the ( km
quistador Bernal Diaz del Castillo, v. 11, p. 120) e da tradução de Cohen (The Conquest o f New
Spain, p. 412), embora pareçam se basear em originais levemente diferentes.

18 Diaz, Bernal. The Conquest o f New Spain, op. cit.


19 Cortés, Hernán. The Fifth Letter o f Hernán Cortés to the Emperor Charles v , p. 141.
20 A maioria dos conquistadores tem histórias semelhantes. Balboa foi para as Amei 1
cas para fugir dos credores; Pizarro fez tantos empréstimos para financiar sua expedl^li 1
ao Peru que, depois das primeiras derrotas, foi o medo de ser preso por dívida que u

588
Impediu do volui |uti >t u r.m .unii, I nuuIsco dc Montejo teve de penhorar todas as suas
posses mexicanas poi um rmpréltlmo de 8 mil pesos para financiar sua expedição a
Honduras; Pedro de Alvarado também se afundou em dívidas, e por fim dedicou-se
totalmente a um projeto de conquistar as ilhas Molucas e a China - quando morreu,
seus credores tentaram imediatamente levar suas propriedades a leilão.
21 Ver Pagden, Anthony. The Fali o f Natural Man, 1986.
22 Gibson, Charles. The Aztecs Under Spanish Rule, p. 253. Tudo isso lembra bastante, e
de maneira perturbadora, a atual política global, em que a Organização das Nações
Unidas incita os países pobres a tornarem a educação gratuita e disponível para todos,
mas ao mesmo tempo o Fundo Monetário Internacional (que, legalmente, faz parte das
Nações Unidas) insiste que esses mesmos países façam exatamente o oposto, impondo
taxas escolares como parte de “reformas econômicas” mais amplas como condição para
refinanciar os empréstimos feitos por eles.
23 Sigo aqui William Pietz (“The Problem o f the Fetish, 1”, p. 8), que estudou relatos dos
primeiros aventureiros-mercadores da África ocidental; ver também Tzvetan Todorov
(op. cit., pp. 129-31), que tinha perspectiva semelhante sobre os conquistadores.
24 Alguns entraram em falência - como exemplo, uma ramificação da família Fugger.
Mas esse caso foi surpreendentemente raro.
25 Martinho Lutero, Von Kaufshandlung und Wucher [On Trading and Usury], 1524, citado
em Nelson, Benjamin, op. cit., p. 50.
26 Na época de Lutero, a principal questão era uma prática chamada Zinskauf, tecnica­
mente a cobrança de aluguel sobre uma propriedade arrendada, que era basicamente
uma forma disfarçada de empréstimo a juros.
27 Baker, J. Wayne. “Heinrich Bullinger and the Idea o f Usury”, pp. 53-4. A referência a
Paulo é de Romanos 13,7.
28 Ele argumentou que o fato de o Deuteronômio permitir a usura sob quaisquer cir­
cunstâncias demonstra que essa lei não poderia ter sido uma “lei espiritual” universal,
mas sim uma lei política criada especificamente para a antiga situação israelita, e que,
por isso, podia ser considerada irrelevante em outras situações.
29 E, na verdade, isso é o que originalmente significava “capital”. O termo remonta
à antiga palavra latina capitale, que significava “fundos, reserva de mercadorias, soma
de dinheiro ou dinheiro sujeito a juros” (Braudel, Fernand. Civilization and Capitalism, p.
232). A palavra surge em inglês em meados do século x vi, como um termo emprestado
principalmente das técnicas contábeis italianas (ver, por exemplo, dois textos com o
mesmo título: Cannan, Edwin. “Early History o f the Term Capital”, 1921; Richard, R.
D. “Early History of the Term Capital”, 1926), para designar aquilo que restava quando
propriedades, créditos e dívidas eram liquidados; no entanto, até o século xix, as fontes
inglesas preferiram, em geral, a palavra stock [fundos, reserva] - suspeita-se, em parte,
que tinha havido a preferência porque a palavra “capital” era associada à usura.

589
)o Nações que. afinal de contai, também pratli avam .1 usura umas com as outras Ni I
son, Benjamin, op. cit., p. 76.
31 Idem, ibidem. Ben Nelson enfatiza essa qucstío.
32 Midelfort, H. C. Erik. Mad Princes o f Renaissance Germany, p. 39.
33 Zmora, Hillay. “The Princely State and the Noble Family”, pp. 6-8. 0 financiamento pu
blico, nesse período, era basicamente o disfarce de empréstimos a juros da pequena nobi r / a,
que também representava a camada social de onde vinham os administradores locals,
34 Sobre as terras da Igreja: Dixon, C. Scott. The Reformation and Rural Society, p. 91. Sobu1
as dívidas de jogo de Casimiro: Janssen, Johannes. A History o f the German People at tint h>«'
o f the Middle Ages, v. iv, p. 147. Sua dívida geral chegou a meio milhão de florins em 1•, 1 N,
e mais de três quartos de milhão em 1541 (Zmora, Hillay, op. cit., p. 13 n55).
35 Depois ele foi acusado de conspirar com o conde Guilherme de Henneburg, que
havia se juntado aos rebeldes, para se tornar duque secular dos territórios agora comaii
dados pelo bispo de Wurzburg.
36 De "Report o f the Margrave’s Commander, Michel Gross from Trockau”, citado cm
Scott, Tom; Scribner, Bob (orgs.), The German Peasants' War, p. 301. A soma baseia sc ihi
promessa de um florim por execução, meio florim por mutilação. Não sabemos se ( ,1
simiro chegou a pagar essa dívida específica.
37 Para alguns relatos interessantes da revolta e da repressão: Seebohm, Frederic. I hi
Era o f the Protestant Revolution, pp. 141-5; Janssen, Johannes, op. cit., v. iv, pp. 323-6; Blii k lt\
Peter. The Revolution o f 1525,1977; Endres, Rudolf. “The Peasant War in Franconia”, 19 •<),
Vice, Roy L. “Leadership and Structure o f the Tauber Band during the Peasants’ Wat In
Franconia”, 1988; Robisheaux, Thomas. Rural Society and the Search for Order in Early Modi'1 11
Germany, pp. 48-67; Sea, Thomas F. ‘“The German Princes’ Responses to the Peasant«'
Revolt o f 1525”, 2007. Acredita-se que Casimiro, no fim, tenha estabelecido multas pe
sadas, exigindo de seus súditos 104 mil florins como compensação.
38 Peter Linebaugh (The Magna Carta Manifesto, 2008) faz uma bela análise desse tipo dr
fenômeno em seu ensaio sobre as origens sociais da Carta Magna.
39 E notável que, apesar das reprimendas infindáveis contra o povo, nenhum dos prfn
cipes da nobreza alemã, mesmo aqueles que colaboraram abertamente com os rebeldes,
foi responsabilizado de alguma maneira.
40 Muldrew, Craig. “Interpreting the Market”, 1993a; Idem. “Credit and the Courts”,
1993b; Idem. “The Culture o f Reconciliation”, 1996; Idem. The Economy o f Obligation, 199H;
Idem. ‘“Hard Food for Midas’”, 2001. Cf. McIntosh, Marjorie K. “Money Lending on the
Periphery o f London, 1300-1600”, 1988; Zell, Michael. “Credit in the Pre-Industrial F.n
glish Woollen Industry”, 1996; Waswo, Richard. “Crises o f Credit”, 2004; Ingram, |lll
Phillips. Idioms o f SelfJnterest, 2 0 0 6 ; Valenze, Deborah M. The Social Life o f Money in flir
English Past, 2006; Kitch, Aaron. “The Character o f Credit and the Problem o f Belief In
Middleton’s City Comedies”, 2007. Concordo fortemente com a maioria das conclusões

590
de Craig Muldrrw, fu/nulo pnuquhftlmas ressalvas: por exemplo, sua rejeição do .irgu
mento de Crawford Hrougli M.u 1’lierson sobre o individualismo possessivo (op. cit.)
é desnecessária para mim, pois acredito que esse argumento identifica mudanças que
estão acontecendo em um nível estrutural mais profundo e menos acessível ao discurso
explícito. Ver Graeber, David. “Manners, Deference and Private Property”, 1997.
41 Craig Muldrew (Hard Food fo r Midas, p. 92) estima que, por volta de 1600,8 mil merca­
dores londrinos possuíam pelo menos um terço de todo o dinheiro da Inglaterra.
42 Williamson, George Charles, op. cit.; Whiting, John Roger Scott, op. cit.; Mathias,
Peter. “The People’s Money in the Eighteenth Century”, 1979b; Valenze, Deborah M., op.
cit., pp. 34-40.
43 O ouro e a prata representavam uma parcela muito pequena da riqueza familiar: os
inventários revelam, em média, 15 xelins de crédito para cada um em moeda (Muldrew,
Craig. The Economy o f Obligation, 1998).
44 Esse princípio do direito à subsistência é fundamental para o que Edward Palmer
Thompson chamou de “economia moral da multidão” (“The Moral Economy o f the
English Crowd in the 18th Century", 1971) na Inglaterra do século xvm , ideia que Craig
Muldrew (“Interpreting the Market”, 1993a) pensa poder ser aplicada a esses sistemas de
crédito como um todo.
45 Stout, William. The Autobiography o f William Stout o f Lancaster 1665-1752, pp. 74-5; partes
da mesma passagem são citadas em Craig Muldrew (“Interpreting the Market”, p. 178;
The Economy o f Obligation, p. 152).

46 Para ser mais exato, ou a piedade (no caso calvinista) ou a boa sociabilidade (no caso
de quem se opunha a elas em nome de valores festivos mais antigos) - nos anos que
antecederam a Guerra Civil, muitos governos paroquiais foram divididos entre homens
“religiosos” e homens “honestos” (Hunt, William. The Puritan Moment, p. 146).
47 Shepard, Alexandra. “Manhood, Credit and Patriarchy in Early Modern England”,
2000; Walker, Garthene. “Expanding the Boundaries o f Female Honour in Early Modern
England”, 1996; para a minha visão sobre o “ciclo dos serviços” e o trabalho assalariado,
ver, de novo, Graeber, David. “Manners, Deference and Private Property”, 1997.
48 Hill, Christopher. The World Turned Upside Down, pp. 39-56; Wrightson, Keith; Levine,
David. Poverty and Piety in an English Village, 1979; Beier, A. Lee. Masterless Men: The Vagrancy
Problem in England 1560-16 4 0 , 1985.

49 Muldrew, Craig. Hard Food fo r Midas, p. 84.


50 Para uma declaração clássica sobre a conexão entre mercados, festivais e aspectos
morais no período Tudor, ver Agnew, Jean-Christophe. Worlds Apart: The Market and the
Theater in Anglo-American Thought, 1986.

51 Johnson, Lynn. “Friendship, Coercion, and Interest”, pp. 56-8. Sobre as duas con­
cepções de justiça: Wrightson, Keith. “Two Concepts o f Order”, 1980. O ensaio de
Jean Bodin (De Republica [Les six livres de la République, 1576, esp. liv. 1]) foi muito lido.

591
Ele se baseia na visâo de Aqulno »obre o «mor r ti «ml/.adr como anteriores àordrm |uil
dica que, por sua vez, remonta a Aristóteles (Ética a Nlcómaco), que i hcgou à Europa .ttnivt'«
de fontes gregas. Não sabemos se houve também uma influência direta das próprias limit'*
islâmicas, mas, considerando o nível de envolvimento mútuo geral (Ghazanlai. Shaikh
M. “Explorations in Medieval Arab-Islamic Thought”, 2003), é bem provável que sim
52 Malynes, Gerard de (The Maintenance o f Free Trade, 1622), citado em Muldrew, ( 'raljj I li*
Economy o f Obligation, p. 98; ver também seu ensaio Hard Food fo r Midas, p. 83.

53 A obra de Chaucer é cheia de trocadilhos: “O conto da mulher de Bath" tem niullo ii


dizer sobre dívidas conjugais (ver Cotter, James Finn. “The Wife of Bath and the ( 'onjii^l
Debt”, 1969). Foi realmente no período entre 1400 e 1600 que tudo começou a ser cnqu«
drado como dívida, refletindo supostamente os primeiros impulsos do individualism! 1
possessivo, e tentativas de reconciliá-lo com antigos paradigmas morais. Delloyd J. ( iiillt
(“The Age o f Debt”, 2008), historiador jurídico, chama esses séculos de “idade da dívida ,
que foi substituída em 1600 pela “idade do contrato”.
54 Davenant, Charles. “Discourses on the Public Revenues and on Trade”, p. 152.
55 Marshall Sahlins (“The Sadness o f Sweetness”, 1996; The Western Illusion o f Human N,i
ture, 2008) vem enfatizando as raízes teológicas de Hobbes há algum tempo. Boa pat tc
da análise que se segue é baseada nele.
56 O próprio Hobbes não usa o termo "interesse próprio”, mas fala em interesses “ptit
ticulares”, “privados" e “comuns”.
57 Vale lembrar que a palavra “interesse” em português também significa “juro recebtd» 1
de capital” ou “participação de funcionários nos lucros de uma empresa”, [n .t .]
58 Helvétius, De L’Esprit, 53, citado em Hirschman, Albert O. Rival Views o f Market Soclfi v,
p. 45. Explorar o contraste entre o “lucro” de Shang e o “interesse” de Helvétius set ta
interessante por si só. Não se trata do mesmo conceito.
59 A palavra inglesa interest (de interesse) entrou em uso comum como eufemismo pata
usura no século xiv, mas passou a ser usada em seu sentido mais familiar e geral apen.is
no século xvi. Como já registrado em nota anterior, Hobbes não usa “interesse próprii 1",
embora fale de interesses "privados” e “comuns”. Contudo, o termo já era corrente, tendi 1
aparecido na obra de Francesco Guicciardini, o amigo de Maquiavel, em 1512. Ela adqttii r
uso comum no século xvn i (ver Hirschman, Albert O. The Passions and the Interests, 1977;
Idem, op. cít., principalmente o capítulo 2, “O conceito de interesse”). Ver também I )u
mont, Louis. From Mandeville to M arx, 1981; Myers, Milton L. The Soul o f Modem Economh
M an, 1983; Heilbron, Johan. “French Moralists and the Anthropology o f the Modem
Era”, 1998.
60 Henri Eugène Sée (Modem Capitalism, p. 187) observa que, até por volta de 1800, “in
teresse” era a palavra £omum para “capital” em francês; em inglês, a palavra mais usada
era stock. E curioso notar que Adam Smith, por exemplo, na verdade recupera o uso
agostiniano, “amor-próprio”, em sua famosa passagem sobre o açougueiro e o padeiro
(A riqueza das nações, liv. 1, 2.2).

592
61 Beier,A .L ee ,o p ili ,p p iv j ft|.( f.D o h b , Muurice..SiuJir.sinthrOcvrlopmrnt^Cdpitd-
lism, p. 234. Consort lai sr li m u Iganos também era crime capital. No caso da vadiagem,
era tão difícil para os jui/.cs emontrar pessoas dispostas a fazer denúncias que eles foram
obrigados a reduzir a pena para açoitamento em público.
62 Walker, Garthene, op. cit., p. 244.
63 Helmholtz, Richard H. “Usury and the Medieval English Church Courts”, 1986;
Brand, Paul. “Aspects o f the Law o f Debt, 1189-1307”, 2002; Guth, Delloyd ]., op. cit.
64 Helmholz, Richard H., op. cit.; Muldrew, Craig. The Economy o f Ohligation, p. 255; Scho-
field, Phillipp R.; Mayhew, N. J. (orgs.), op. cit.; Guth, Delloyd J., op. cit.
65 Stout, William, op. cit., p. 121.
66 “Os horrores de Fleet e Marshalsea foram revelados em 1729. Os devedores pobres
foram encontrados amontoados no ‘lado comum’ - cobertos de sujeira e de bichos,
sofrendo até a morte, sem piedade, de fome e febre tifóide. [...] Não se tentava distinguir
os devedores fraudulentos dos desafortunados. O vigarista rico - capaz de pagar suas
dívidas, mas sem nenhuma vontade de fazê-lo - passava o tempo no luxo e na deprava­
ção, enquanto seus colegas de prisão pobres e desafortunados eram deixados famintos
e apodrecendo no ‘lado comum”’ (Hallam, Henry, op. cit., pp. 269-70).
67 Não estou dizendo que a narrativa mais familiar do “acúmulo primitivo”, do cer-
camento de terras comuns e do advento da propriedade privada, o deslocamento de
milhares de antigos agricultores que se tornaram trabalhadores sem-terra, é falsa. Estou
apenas salientando um lado menos familiar da história. E especialmente útil salientá-lo
porque há debates acalorados sobre até que ponto o período Tudor e o período Stuart fo­
ram de fato marcados pelo advento dos cercamentos (ver Wordie, J. R. “The Chronology
of English Enclosure, 1500-1914”, 1983). O uso da dívida para desintegraras comunidades
segue a mesma linha de raciocínio que o brilhante argumento de Silvia Federici (op. cit.)
sobre o papel das acusações de bruxaria na inversão dos ganhos populares da Idade
Média tardia e a abertura do caminho para o capitalismo.
68 “O crédito pessoal foi muito criticado no século x v iii . Costumava-se dizer que era
errado se endividar simplesmente para pagar por produtos de consumo diário. Era cele­
brada uma economia monetizada, e a virtude da prudência na administração doméstica
e a da parcimônia eram exaltadas. Consequentemente, o crédito ao comércio varejista, a
corretagem de penhores e o empréstimo financeiro foram todos criticados, tendo como
alvo tanto emprestadores como tomadores de empréstimo” (Hoppit, Julian. “Attitudes
to Credit in Britain, 1680-1790”, pp. 312-3).
69 Smith, Adam. A riqueza das nações, liv. 1,2.2.
70 Craig Muldrew defende esse argumento: "Interpreting the Market”, p. 163.
71 Smith, Adam. Teoria dos sentimentos morais, liv. vi, 1.10.
72 “A pessoa que toma emprestado para gastar logo se arruina, e quem lhe empresta
geralmente terá que arrepender-se da insensatez cometida. Tomar emprestado ou

593
em prestar para esse fim, portanto, em lodo« os i usos em que nâo houver usura, é um
trário aos interesses das duas partes; e embora às ve/es aconteça i ertas pessoas la/< u ui
isso, podem os estar certos deque, devido ;1 consideração que cada um tem pelo sett pin
prio interesse, isso não ocorre com tanta frequência com o talvez poderíamos Imaginai
(Smith, Adam . A riqueza das nações, liv. ti, 4.2). Ele reconhece algum as vezes a exisii'm 1,«
do crédito ao com ércio varejista, mas não dá im portância a ele.

73 Reeves, Eileen. “As Good as Gold”, 1999. Reeves, assim como Jean-Michel Servel ("I «
fable du troc”, 1994; “Le troc prim itif’, 2001), mostra que muitos sabiam da vat In Iat If
das coisas usadas como moeda: Samuel von Pufendorf (On the Duty o f Man and ( lll/ni,
1682), por exemplo, fez uma longa lista delas.
74 Quando atribuímos valor ao ouro, portanto, estamos apenas reconhecendo isso, ( >
mesmo argumento costumava ser usado para resolver o antigo enigma medieval sobt
os diamantes e a água: por que os diamantes são tão caros, embora inúteis, e a água, 111 ll
de todas as maneiras, praticamente não vale nada? A solução comum era: os diamanii 1
são a forma eterna de água. (Galileu, que rejeitava a premissa como um todo, sugn lit
em determinado momento que quem afirma esse tipo de coisa deveria ser transformai It <
em estátua. Dessa maneira, sugeriu ele, em estilo renascentista inimitável, todos sn I a m
felizes, porque 1) seriam eternos, e 2) o restante de nós não teria mais de ouvir argumen
tos estúpidos.) Ver Wennerlind, Carl. “Credit-money as the Philosopher’s Stone”, 2001,
que observa, de modo interessante, que a maioria dos governos europeus emprega va
alquimistas no século x v ii para fabricar ouro e prata para moedas; foi somente quandt >
esse esquema se provou um fracasso que os governos passaram a usar o papel-monla
75 Kindleberger, Charles P. A Financial History o f Western Europe, 1984; Boyer-Xanibm,
Marie-Thérèse; Deleplace, Ghislain; Gillard, Lucien, op. cit.; Ingham, Geoffrey. The Nultur
o f Money, p. 171. Em vez disso, o caminho acabou levando à criação das bolsas de v a l o n s
a primeira bolsa pública, em Bruges e em Antuérpia no século xv, começou n ã o pela
troca de cotas em investimentos anônimos, que praticamente não existiam na épo< »,
mas sim “descontando" letras de câmbio.
76 Abbot Payson Usher (“The Origins o f Banking”, 1934; The Early History o f Deposit Bon
king, 1943) introduziu originalmente a distinção entre “sistema bancário primitivo”, n u
que simplesmente se empresta o que se tem, e “sistema bancário moderno”, baseado cm
algum tipo de sistema de reserva fracionário - ou seja, empresta-se mais do que se tem,
criando efetivamente o dinheiro. Essa seria outra razão de nos movermos agora para
algo que não o “sistema bancário moderno” - ver mais adiante.
77 Spufford, Peter, op. cit., p. 258, baseado em Usher, Abbot Payson. The Early History 11/
Deposit Banking, pp. 239-42. Embora notas de depósito fossem usadas, as cédulas priva
das, baseadas no crédito, apareceram somente depois - com os ourives ingleses, que
também atuavam como banqueiros, nos séculos x v i i e xvu i.
«*
78 Ver Munro, John H. “The Medieval Origins of the Financial Revolution”, 2 0 0 3 b , pat a
um excelente resumo.

594
79 MacDonald, (iimrv up i t i p i\f>.

80 Tomás de Mcri ado (,\mnu dt tratosy contratos, 1571) citado em Flynn, Dennis. “A New
Perspective on the Spanish Price Revolution”, p. 400.
81 Ver Flynn, Dennis. “Spanish-American Silver and World Markets in the Sixteenth
Century”, 1979; Braudel, Fernand. Civilization and Capitalism, pp. 522-3; Stein, Stanley J.;
Stein, Barbara H. Silver, Trade, and War, pp. 501-5, 960-2; Tortella, Gabriel; Comin, Fran­
cisco. “Fiscal and Monetary Institutions in Spain, 1600-1900”, 2002. A quantidade de
juros em circulação passou de 3,6 milhões de ducados em 1516 para 80,4 milhões em 1598.

82 O mais famoso defensor dessa posição foi Nicholas Barbon (A Discourse o f Trade,
1690), que dizia que “o dinheiro é um valor estabelecido pela lei” e uma medida da
mesma maneira que polegadas, horas ou onças fluidas. Ele também enfatizou que a
maior parte do dinheiro era crédito.
83 John Locke (“Further Considerations Concerning Raising the Value o f Money”, p.
144), também citado em Caffentzis, Constantine George. Clipped Coins, Abused Words, and
Civil Government, pp. 46-7, que continua o resumo mais revelador do debate e suas impli­
cações. Compare com Perlman, Mark; McCann, Charles Robert. The Pillars o f Economic
Understanding, pp. 117-20; Letwin, William. Origins o f Scientific Economics, pp. 71-8; Valenze,
Deborah M., op. cit., pp.-40-3.
84 Nós tendemos a nos esquecer de que o materialismo da tradição marxista não é um
desvio radical - Marx, assim como Nietzsche, tomava pressupostos burgueses (embora,
no caso de Marx, diferentes) e os levava para direções que indignariam seus proponen­
tes originais. De todo modo, há boas razões para acreditar que o que chamamos hoje
de “materialismo histórico” não passa do acréscimo de Engels ao projeto. Engels nada
mais representava que um sujeito de histórico e consciência burgueses (ele era um fiel
partidário da Bolsa de Valores de Colônia).
85 Macauley, barão Thomas Babington. The History o f England, p. 485; o ensaio original
foi publicado no jornal Spectator, i°/3/i7ii.
86 Goethe, Fausto 11, ato 1. Ver Shell, Marc. Money, Language, and Thought, 1992; Binswanger,
Hans Christoph. Money and Magic, 1994, para uma análise detalhada. A conexão com a alqui­
mia é reveladora. Quando, em 1300, Marco Polo observou que o imperador chinês "parecia
ter dominado a arte da alquimia”, por sua capacidade de transformar o simples papel em
algo tão bom quanto o ouro, ele obviamente fazia uma piada; no século x v i i , a maioria dos
monarcas europeus empregou alquimistas para tentar produzir ouro a partir de metais
comuns; o fracasso deles levou à adoção do papel-moeda (Wennerlind, Cari, op. cit.).
87 Não é como se as suspeitas em relação ao dinheiro não existissem; elas existiam,
mas tendiam a se centrar em questões morais e metafísicas (p. ex., “o roubo do tempo”).
88 Supostamente dito em uma conferência na Universidade do Texas em 1927, mas, na
verdade, embora a passagem seja infinitamente citada em livros recentes, e sobretudo
na internet, não há como atribuir data anterior a 1975. As primeiras duas linhas parecem

595
derivar do que disse tun consultor (main elro lu lltinlt o t liamado la w n iu e Anjjas t in
1937: "O sistema bancário moderno fubrlt a o dinheiro .1 partir do nada. O protesxo l.il
vez seja o truque mais estarrecedor já inventado. Com efeito, os bancos podem Inlliu,
forjar e desforjar a moeda moderna decorrente de lançamento contábil” (Slump A/imiI Ih
Bonds, pp. 20-1). As outras partes da citação provavelmente são invenções posteriores c
lorde Stamp nunca sugeriu nada parecido em seus escritos publicados. Um trechi 1 se
melhante - “os bancos têm o beneficio de todo o interesse que criam a partir do nada"
atribuído a William Patterson, primeiro diretor do Banco da Inglaterra, provavclmrnii
é da década de 1930, mas também deve se tratar de um apócrifo.
89 As sociedades anônimas foram criadas no início do período colonial com a Conipa
nhia Britânica das índias Orientais e empreendimentos relacionados, mas em boa pai ir
desapareceram no período da Revolução Industrial e foram retomadas apenas no final
do século xix, a princípio nos Estados Unidos e na Alemanha. Como afirmou Giov.miil
Arrighi (The Long Twentieth Century, 1994), o auge do capitalismo britânico foi niari adi 1
por pequenas empresas familiares de altas finanças; foram os Estados Unidos e ,1 Ali
manha, que passaram a primeira metade do século x x disputando a posição de quem
substituiria a Grã-Bretanha como poder hegemônico, que introduziria o capitalism* 1
corporativo e burocrático moderno.
90 Mackay, Charles. Memoirs o f Extraordinary Popular Delusions and the Madness o f Crowd»,
p. 52.
91 Idem, pp. 53-4.
92 Spyer, Patricia. “The Eroticism o f Debt”, 1997.
93 Prakash, Gyan, op. cit., pp. 209-16.
94 Hardenburg, Walter Ernest; Casement, sir Roger. The Putumayo: The Devil's Paradlsr,
1913; a história foi analisada de forma memorável e brilhante por Michael Taussig (“( ill
ture o f Terror-Space o f Death”, 1984; Shamanism, Colonialism, and the Wild Man, 1987).
95 Encyclopaedia Britannica, 1911 (1. ed.), verbete “Putumayo”.
96 Como observa Michael Taussig (“Culture o f Terror-Space o f Death”, p. 482), quandi 1
perguntaram depois ao diretor da empresa o que significava “canibal”, ele disse, simples
mente, que eram índios que se recusavam a negociar com outras pessoas.
97 Trata-se de um argumento demonstrado com riqueza de detalhes em um livro im
portante de Yann Moulier-Boutang (De 1’esclavage au salariat, 1997), infelizmente jamais
traduzido para o inglês.
98 Davies, Kenneth Gordon. The North Atlantic World in the Seventeenth Century, p. S9;
indentured deriva de indentation, reentrâncias ou sulcos nas talhas usadas amplamenle
como contratos, pois a maioria desses servos não sabia ler (Blackstone, sir William, op,
cit., v. i, p. 218).
99 Immanuel Wallerstein (The M odem World Sustem, 1974) faz uma análise clássica dess.i
“segunda servidão".

596
10 0 A prnpósli», iiMi t in viillilo paru lodo o eipcctro de classes: esperavu-se que Io­
dos fizessem isso, d,is ordeiiludoras c aprendizes humildes às “damas de companhia” e
escudeiros da nobreza. 1’or essa razão, entre outras, os contratos de trabalho não pare­
ceram ser uma grande mudança no século x v i i ; houve apenas um prolongamento do
tempo de contrato, passando de um para cinco ou sete anos. Mesmo na época medieval
também havia trabalhadores diaristas adultos, mas eles eram indistinguíveis de simples
criminosos.
101 A própria palavra “proletariado” alude a isso de certa maneira, pois tem origem no
termo romano para “aqueles que têm filhos”.
102 James, C. L. R. The Black Jacobins, 1938; Williams, Eric. Capitalism and Slavery, 1944.
103 “Havia muitos meios pelos quais os empresários economizavam no uso do dinheiro
para pagamento de salários - o pagamento só podia ser feito a longos intervalos; o pa­
gamento poderia consistir em créditos dados aos outros (pagamentos em mercadorias,
tíquetes ou vouchers que podiam ser usados nas lojas etc., ou fornecimento de vales e notas
privadas)”. Mathias, Peter. “Capital, Crédit, and Enterprise in the Industrial Révolution”, p. 95.
104 Na verdade, a lista completa é bem mais extensa. Ver Linebaugh, Peter. The London
Hanged, p. 449. Ver também Rule, John. The Labouring Classes in Early Industrial England, pp.
115-7; Linebaugh, Peter. “Labour History without the Labour Process”, 1982.
105 Tebbutt, Melanie. Making Ends Meet, p. 49. Sobre corretagem de penhores em gérai:
Hardaker, Alfred, op. cit.; Hudson, Kenneth. Pawnbroking, 1982; Caskey, John P. F ringe
Banking, 1994; Fitzpatrick, Jim. Three Brass Balls, 2001.

106 Linebaugh, Peter. The London Hanged, pp. 371-404.


107 Geralmente, a fim de concluir que hoje, é claro, vivemos em um mundo totalmente
diferente, porque é evidente que já não é mais assim. Talvez seja útil lembrar ao leitor
que Marx acreditava estar escrevendo uma “crítica da economia política” - ou seja, da
teoria e da prática da economia de sua época.
108 Ver a tradução de Lockhart para Bernai Díaz (The M emoirs o f the Conquistador Bernai
Diaz dei Castillo, v. 11, p. 396), que dá diferentes versões da história, retirada de diversas
fontes.
109 Clendinnen, Inga. Aztecs: A n Interprétation, p. 144.
110 Baseado nisso, Alain Testart distingue a escravidão devida à aposta, em que o joga­
dor arrisca a si próprio, e a escravidão por dívida, mesmo que, em última instância, se­
jam dívidas de aposta: “A mentalidade desse jogador que arrisca diretamente sua pessoa
no jogo é muito mais parecida com a do guerreiro, que arrisca perder a própria vida na
guerra ou ser reduzido à escravidão, do que com a da pessoa disposta a se vender para
sobreviver” (“The Extent and Significance o f Debt Slavery”, p. 180).
111 A propósito, é por isso que queixas sobre a imoralidade dos déficits são tão profun­
damente insinceras: como o dinheiro moderno efetivamente é dívida do governo, se
não houvesse déficit, os resultados seriam desastrosos. Sim, o dinheiro também pode

597
ser gerado privativamente, pelos bancos, mas paru c haver limites paru Isso. |'or rv.i
motivo, as elites financeiras dos I stados l Iniilos, levadas por Alan (ireenspan, ruiimam
em pânico no final da década de igyo quando o governo ( linton começou a ai uuuilai
superávits orçamentários; a redução de impostos do governo Bush parece ler side>pio
jetada especialmente para garantir que o déficit fosse mantido.
112 Wallerstein, Immanuel. “The French Revolution as a World-Historical Event", mjH.j

113 Jefferson, Thomas. Political Writings, p. 600.


114 A Grã-Bretanha aprovou sua primeira lei de falência em 1542.
115 Sem dúvida, isso é o que apontava Goethe quando Fausto aconselha espedíu a
mente o imperador a pagar suas dívidas com vales. Afinal, todos sabemos o que atonin c
quando chega sua hora.
116 Michael Sonenscher (Before the Deluge, 2007) fornece uma longa e detalhada hisiúi 1.1
desses debates.
117 Podemos identificar um elemento religioso aqui: na época de Augustus, um grii|n 1
de cultistas religiosos no Oriente Médio concebeu a ideia de que o fogo viria do céu 1
consumiria o planeta. Nada parecia menos improvável na época. Deixe-os no comam I*1
de um pedacinho do mundo por 2 mil anos e eles descobrirão uma maneira de fazer isso,
Mas, ainda assim, isso é claramente parte de um padrão bem maior.

12 . O CO M EÇO DE A L G O A IN D A P O R D E T E R M IN A R (19 7 1-P R E SE N T E )

1 Entendi o significado verdadeiro dessa data com o colega antropólogo Christophei


Gregory (Savage Money, pp. 265-96) e também com Michael Hudson (Super Imperialism,
2003a). Os cidadãos dos Estados Unidos não conseguiam trocar dinheiro por ouro desdr
1934. A análise que se segue é inspirada em Gregory e Hudson.
2 Uma versão que soa plausível, que cita quantidades mínimas de lingotes, pode si r
lida em Reuters. “Buried w t c gold returns to futures trade”, 2001. Para uma versão mais
fictícia e divertida, ver Herman, Douglas. “Confessions o f a 911 Hitman”, 2006.
3 Ver Federal Reserve Bank o f New York, “The Federal Reserve Bank o f New York: Tin-
Key to the Gold Vault”, 2008.
4 Como comentário à parte, lembro-me de na época ler algumas notícias da existêni ia
de várias joalherias caras localizadas nas galerias logo abaixo das torres, e que todo 11
ouro delas de fato desapareceu. Provavelmente foi embolsado pela equipe de resgate,
mas, considerando as circunstâncias, parece que não houve sérias objeções - pelo me
nos nunca ouvi dizer sobre algum tipo de investigação, muito menos de processos.
5 Decerto não é coincidência que William Greider tenha chamado sua maravilhosa
história do Federal Reserve de “Segredos do Templo”. É assim que a maioria de seus
funcionários a descreve em privado. Ele cita um deles: “O Sistema é como a Igreja [... |
Tem um papa, que é o chefe; e um grupo de cardeais, que são os governadores e os

598
presidentes do batuo; r i . i i i i I m i i i uma i m ia, u direção. O equivalente aos laicos seriam
os bancos comeu iais |...|. lemos até diferentes ordens de pensamento religioso, como
jesuítas, francisi anos e domink anos, mas os chamamos de pragmatistas, monetaristas
e neokeynesianos" (Secrets oj the Temple, p. 54).
6 Não se trata de uma constatação nova, e ela se baseia em parte na escola braude-
liana (sistemas mundiais), por exemplo, a recente obra de Eric Mielants (The Origins o f
Capitalism and the “Rise o f the West", 2007). Para uma versão marxista mais clássica desen­
volvendo a conexão desde a época de Nixon, ver Custers, Peter. Questioning Globalized
Militarism, 2 0 0 6 . Para tratamentos neoclássicos mais predominantes da conexão, ver
MacDonald, Scott B.; Gastmann, Albert L. A History o f Credit & Power in the Western World,
2001; MacDonald, James, op. cit.
7 Senador J. William Fulbright, citado em McDermott, Rose, Presidential Leadership, Illness,
and Decision Making, p. 190.

8 Vejo que isso vai diretamente contra o propósito da Constituição dos Estados Unidos
(1.8.5), que especifica que é da competência do Congresso “cunhar moedas e regular o seu
valor” - sem dúvida a pedido dos jeffersonianos, que se opunham à criação de um banco
central. Os Estados Unidos ainda observam a letra da lei: as moedas de metal do país
são cunhadas diretamente pelo Tesouro. O papel-moeda dos Estados Unidos, enquanto
assinado pelo chefe do Tesouro, não é emitido pelo Tesouro, mas pelo Federal Reserve.
Tecnicamente, o papel-moeda são cédulas bancárias, embora, assim como acontece no
Banco da Inglaterra, um banco tenha o monopólio garantido de emissão.
9 Para quem não sabe como o Federal Reserve funciona: tecnicamente, há uma série
de estágios. De modo geral, o Tesouro disponibiliza títulos para o público e o Federal
Reserve os compra de volta. O Fed, então, empresta a outros bancos o dinheiro assim
criado, cobrando uma taxa especial de juros baixa (“taxa preferencial”), para que esses
bancos possam emprestá-lo a taxas mais altas. Nessa capacidade como reguladora do
sistema bancário, o Federal Reserve também estabelece a taxa de reserva fracionária:
quantos dólares esses bancos podem “emprestar” - efetivamente, criar - para cada dólar
que tomam emprestado do Fed, ou possuem em depósito, ou podem contar como ati­
vos. Tecnicamente, a taxa é 10 para 1, mas várias brechas legais permitem que os bancos
subam bastante essa taxa.
10 O que suscita a interessante questão: para que servem de fato as reservas de ouro?
11 O papel exato dos bancos centrais na criação do dinheiro é assunto de uma discussão
política considerável no momento. Alguns defendem que o Federal Reserve realmente
é, ou deveria ser, uma extensão da política governamental; outros insistem que ele efeti­
vamente é uma voz autônoma da classe investidora. Seu papel na criação do dinheiro e
o status do sistema bancário de reserva fracionária são muito contestados, como mos­
tram debates recentes entre Paul Krugman, representando a abordagem neoclássica, e
Steve Keen, defensor da Teoria Monetária Moderna (t m m ). O Banco da Inglaterra en­
trou na discussão em um relatório recente chamado “Criação do Dinheiro na Economia

599
Moderna", cm que, para nossa sui prriu, drlendru rxplii itumrntr u pnslçdo da i mm tlr
que o dinheiro é de lalo criado pelos ham os privados e que o sistema de reserva lia
cionária efetivamente não limita sua capacidade dr criá-lo. Trata-se de uma dei laniyln
expressiva-basicamente o reconhecimento de que quase toda a linguagem usad.i pui.i
justificar os programas de austeridade está simplesmente errada.
12 Aliás, o governo dos Estados Unidos tem uma maneira de realmente imprimli •li
nheiro, embora não tenha se aproveitado dessa opção: imprimindo moedas de alt.i drm i
minação. Como a Constituição estabelece que apenas o governo federal pode "cunhiii
dinheiro, a moeda de metal continua a ser produzida diretamente pelo Tesouro, mr*nn <
que o papel-moeda seja produzido pelo Federal Reserve. Embora a moeda de denomi
nação mais alta produzida atualmente pelo governo seja a de um dólar, não há nenhum
motivo legal que o impeça, digamos, de produzir uma “moeda de platina” equivalente
a i trilhão de dólares e usá-la para pagar as próprias dívidas. Essa solução chegou íi m i
proposta pelos defensores da Teoria Monetária Moderna durante a crise financeira dr
2010 e discutida na imprensa; aparentemente, no entanto, nunca foi levada a sério pel#
administração de Obama.
13 Na verdade, talvez a maior concessão à força mundial dos Estados Unidos nos til
timos anos seja o fato de hoje haver um único lugar - a região da China de frente pai .1
Taiwan - onde as defesas aéreas são tão densas e sofisticadas que a Força Aérea amei 1
cana não tem certeza se consegue penetrá-la livremente.
14 Ou colocar o dinheiro na Bolsa de Valores dos Estados Unidos, o que, em últini.i
instância, tem um efeito similar. Como observa Michael Hudson, “os diplomatas norte
-americanos deixaram claro que comprar o controle de empresas dos Estados Unidi is
ou até mesmo devolver o ouro seria visto como um ato inamistoso” (Super Imperialism ,
p. 7). Assim, a menos que eles queiram se livrar totalmente dos dólares, o que seria
considerado um ato ainda mais inamistoso, há pouca alternativa. Sobre como seriam
recebidos atos “inamistosos”, ver a seguir.
15 Idem, p. 12.
16 Como muitos notaram, os três países que passaram para o euro na época-lrã, Iraqiir
e Coreia do Norte - foram justamente os países escolhidos por Bush como “Eixo do Mal"
E claro, podemos falar aqui em causa e efeito. Também é significativo que Estados cent ra 1s
do euro, como França e Alemanha, opunham-se uniformemente à guerra, enquanto 1«
aliados dos Estados Unidos eram países céticos em relação ao euro, como o Reino Unidi 1,
17 Para algumas opiniões características a respeito da relação entre dólar e império,
ver: de uma perspectiva conservadora neoclássica, Niall Ferguson (The Cash Nexus, 2001;
Colossus: The Price o f America's Empire, 20 0 4); de uma perspectiva keynesiana radical, Hud
son, Michael. Super Imperialism, 2003a; de uma perspectiva marxista, Brenner, Robert
The Boom and the Bubbly 2 0 0 2.

18 Há uma discussão tanto entre economistas da corrente dominante quanto entre eci 1
nomistas heterodoxos sobre se o fato de as vendas de petróleo serem realizadas em dólar

600
realmente confine .ilynmn v.iniii^em de senhoriagem aos Kstados Unidos. Para nossos
propósitos, o que realmente Importa é que os estrategistas políticos dos Estados Unidos
parecem sentir que são simbolicamente importantes e resistem a qualquer tentativa de
alterar essa condição.
19 Até a c i a se refere hoje a esses acordos como “escravidão”, embora a servidão por
dívida seja tecnicamente diferente.
20 Compare com o infográfko da dívida federal e do orçamento de defesa na página
462 - a curva é efetivamente idêntica.
21 Ver The Daily Bail. "China Warns U.S. Debt Monetization”, 2009. A história é ba­
seada em um artigo de Mary Anastasia O’Grady veiculado no Wail Street Journal (“Don’t
Monetize the Debt: the President o f the Dallas Fed on Inflation Risk and Central Bank
Independence”, 2009). Devo acrescentar que, hoje em dia, a expressão “monetizar a
dívida” [to monetize the debt] é geralmente usada como sinônimo de “imprimir dinheiro”
para pagar a dívida. Esse uso se tornou quase universal, mas não é o sentido original da
expressão, que significa transformar a própria dívida em dinheiro. O Banco da Inglaterra
não imprimiu dinheiro para pagar a dívida nacional; ele transformou a própria dívida
nacional em dinheiro. Aqui também há uma profunda colocação em jogo sobre a na­
tureza do próprio dinheiro.
22 O acordo costuma ser chamado de Bretton Woods 11 (Dooley, Michael P.; Folkerts-
-Landau, David; Garber, Peter. “The Revived Bretton Woods System", 2004; Idem. “Bret­
ton Woods 11 Still Defines The International Monetary System”, 2009). Trata-se, efeti­
vamente, de um acordo mantido desde a década de 1990 pelo menos, para manter, por
diversos métodos não oficiais, o valor do dólar artificialmente alto e o valor das moedas
do Leste Asiático - particularmente a chinesa - artificialmente baixo, com o intuito de
exportar mercadoria asiática barata para os Estados Unidos. Tendo em conta que os sa­
lários reais nos Estados Unidos estagnaram ou diminuíram regularmente desde a década
de 1970, essa situação, e o acúmulo da dívida do consumidor são os únicos motivos de
os padrões de vida nos Estados Unidos não caírem drasticamente.
23 Sobre Zheng He (1371-1433), ver Dreyer, Edward L. Zheng He: China and the Oceans in
the Early M ing Dynasty, 2006; Wade, Geoffrey. “The Zheng He Voyages: A Reassessment”,
2004; Wake, Christopher. “The Great Ocean-going Ships o f Southern China”, 1997. So­
bre a troca de tributos em geral, ver: Moses, Larry W. “T’ang Tribute Relations with
the Inner Asian Barbarian”, 1976; Yü, Ying-shih. Trade and Expansion in Han China, 1967;
Hamashita, Takeshi. “Tribute Trade System and Modern Asia”, 1994; Idem. “Tribute and
Treaties”, 2003; Di Cosmo, Nicola; Wyatt, Don J. (orgs.). Political Frontiers, Ethnic Bounda­
ries, and Human Geographies in Chinese History, 2005.

24 Minha hipótese aqui se baseia em Giovanni Arrighi et alii, op. cit., e alguns de seus
elementos refletem ideias da obra mais recente de Arrighi (Adam Smith in Beijing, 2007).
25 Giovanni Arrighi, por exemplo, argumentou que os Estados Unidos não tentaram
transformar sua dívida em sistema de tributos, o que, em última instância, foi insustentável:

601
"A revitalização econAmlca dos Isud os I Inldo« na dei ada ilc igyoe .1 depondfm la um
tinuada da economia mundial cm rclaçdo A oionomia 1 roseente dos l iu d o s I Jnldim
basearam-se no aumento da divida curandeira do pais, uma dívida sem precedentes nu
história mundial. Uma situação como essa dific ilmente poderia ser reproduzida, em
muito ou pouco tempo, sem se transformar num tributo categórico, ou 'pagamento dt<
proteção’ - os mais de 2 bilhões de dólares (até agora) de que os Estados Unidos |n n 1
sam diariamente para equilibrar suas contas-correntes com o resto do mundo. M c......
assim [...] as tentativas dos Estados Unidos de transformar a coleta desse tributo (|>ela
primeira vez na história) na fundação de um novo império verdadeiramente unlvri sal
fracassaram miseravelmente, criando uma situação de instabilidade política global sem
comparativos desde as décadas de 1920 e 1930” (2009, p. 164). Para Arrighi, foi justamente
essa tentativa que levou à crise de 2008.
26 O Japão, é claro, foi uma exceção, pois supostamente atingiu o que podemos chamai
de status de Primeiro Mundo bem antes disso.
27 Respectivamente,goldenbugs, greenbackers.free bankers, bi-metallists e silverites. [n. 1, |
28 Keynes, John Maynard. The General Theory o f Employment, Interest andMoney. [Ed. bi ,:s
A teoria geral do emprego, do juro e da moeda. Trad. de Mário R. da Cruz. São Paulo; Nova
Cultural, 1996, p. 345. (Coleção Os Economistas).]
29 Ver Feller, David E. “How as Low Wage Economy with Weak Labor Laws Brought 11*
the Mortgage Credid Crisis”, 2008.
30 No original, payday loans. Assemelham-se aos empréstimos consignados no Br.isll,
em que as parcelas são descontadas diretamente da folha de pagamento do empregadi 1
ou pensionista, [ n .t .]
31 A principal legislação foi a “Lei de Controle Monetário e Desregulamentação de Ins
tituições Depositárias de 1980” ("Depository Institutions Deregulation and Monet.u y
Control Act”), que derrubou todas as leis federais de agiotagem; nitidamente, tratou se
de uma reação à inflação rompante do final da década de 1970; no entanto, elas ndo
foram recuperadas quando se conseguiu controlar a inflação nos últimos 25 anos. ( >s
tetos de juros de cada Estado permaneceram intactos, mas instituições como empresa*
de cartão de crédito puderam cumprir as leis dos Estados em que estão registradas,
independentemente de onde operavam. Por esse motivo, a maioria está registrada cm
Dakota do Sul, que não tem taxa máxima de juros.
32 O primeiro termo é de Thomas Friedman (The Lexus and the Olive Tree, 1999), um livi o
arrogante e vazio; o segundo, que dá título ao livro, é de Randy Martin (Financializalimi
o f Daily Life, 2002).

33 Nos Estados Unidos, essa “alteridade universal” é realizada sobretudo pelo racisim 1
Por esse motivo, quase todos os pequenos varejos nos Estados Unidos são geridos sobi c
linhas étnicas. Por exemplo, mercearias ou lavanderias coreanas, que fazem acordos
de crédito entre si, cujos clientes, no entanto, são tão distantes socialmente que não I1.1
sequer a possibilidade de estender o crédito ou de esperar relações básicas de confiam,.1

602
uma vez que )a iumimh iii qu< cleirliislas. serralheiros ou outros prestadores de ser­
viços pelo m enos tcntni Ao lhes passar a perna. Em essência, o mercado que atravessa
linhas étnicas ou raciais torna se o que tem por certo que todos são amalecitas.
34 Gilder, George. Wealth and Poverty, p. 266, citado em Cooper, Melinda. Life as Surplus,
p. 7. 0 ensaio de Melinda Cooper é uma exploração brilhante da relação entre o imperia­
lismo da dívida - expressão que parece ter sido cunhada por ela, inspirada por Michael
Hudson - e o cristianismo evangélico e é altamente recomendado. Ver também Naylor,
Robin Thomas. Dominion o f Debt, 1985.
35 Robertson, Pat. The Secret Kingdom, p. 153. Também em Cooper, Melinda. Life as Surplus,
2008.
36 Atwood, Margaret, op. cit., p. 42.
37 A propósito, essa também é a melhor resposta para as críticas convencionais que
justificam a dívida dos pobres dizendo que eles são incapazes de guardar sua gratificação
- outra maneira de a lógica econômica, com todos os seus pontos cegos, distorcer toda
compreensão possível das reais motivações dos “consumidores”. Em termos racionais,
como os C D B s rendem por volta de 4% anuais, e os cartões de crédito cobram 20%, os
consumidores deveriam poupar para manter uma reserva e só se endividar quando tives­
sem absoluta necessidade, adiando compras desnecessárias até que sobre algum dinheiro.
Pouquíssimas pessoas agem assim, mas raramente por imprudência (não conseguir es­
perar para comprar determinado vestido), e sim porque as relações humanas não podem
ser proteladas da mesma maneira que “compras de consumo” imaginárias: a filha só fará
aniversário de cinco anos uma vez na vida, e o avô só tem mais alguns anos pela frente.
38 Há tantos livros sobre o assunto no mercado que hesito em citá-los; no entanto, os
melhores exemplos são Anya Kamentz (Generation Debt, 20 0 6 ) e Brett Williams (Debt
fo r Sale, 2004). O argumento mais amplo sobre demandas de dívida como uma forma
de luta de classes é basicamente inspirado pelo Midnight Notes Collective, segundo o
quai, por mais paradoxal que seja, “o neoliberalismo inaugurou uma nova dimensão da
luta entre o capital e a classe trabalhadora no domínio do crédito” (“Promissory Notes:
From Crises to Commons”, p. 7). Segui essa análise até certo ponto, mas tentei me dis­
tanciar da definição economicista do ser humano como “reprodução de mão de obra”,
que tanto prejudica a literatura marxista - a ênfase na vida além da sobrevivência pode
ter uma vaga semelhança com a visão de Raoul Vaneigem (Traité de savoir-vivre à l’usage
des jeunes générations, 1967), mas em geral recai sobre minha obra a respeito da teoria do
valor (Graeber, David. Toward an Anthropological Theory o f Value, 2001).
39 Elyachar, Julia. “Empowerment Money”, p. 510.
40 Ver, por exemplo, Biswas, Soutik. “India’s Micro-finance Suicide Epidemic”, 2010.
41 Tenho observado isso em primeira mão, e em diversas ocasiões, no meu trabalho
como ativista: como exemplo, a polícia tem o prazer de fechar efetivamente cúpulas
de comércio, somente para garantir que não haja a possibilidade de os manifestantes
sentirem que foram bem-sucedidos em alguma ocasião.

603
42 Na prática, ria conslítr baxlt amrnlr nn acordou bancário« "livre* dr jurou", «tipo»
tamente ligados à ideia de partliIpaçAo nos Im ros, mas na verdade funciona da mesma
maneira que qualquer outro banco. O problema é que se os bancos baseados na pari 1« I
pação nos lucros competem com bancos mais tradicionais no mesmo mercado, aqtirli
que antecipam que suas empresas obterão altos rendimentos gravitam rumo Aquele«
que oferecem empréstimos a juros fixos, e apenas aqueles que antecipam rendimento«
baixos recorrem à opção de participação nos lucros (Kuran, Timur. "Islamic Economli *
and the Islamic Subeconomy”, p. 162). Para que a transição para um sistema bani .111>•
sem juros funcione, ela tem de ser total.
43 No califado, para garantir a oferta monetária; na China, pela intervenção sistemA
tica para estabilizar os mercados e evitar monopólios capitalistas; por fim, nos Kst ad<
Unidos e outras repúblicas do Atlântico Norte, permitindo-se a monetização da própi la
dívida.
44 Sim, como mostrei no capítulo 5, a vida econômica sempre consistirá em prim ípii 11
opostos, e por isso incoerentes em certo sentido. Na verdade, não acho que isso sc|>i
algo ruim - na pior das hipóteses, trata-se de algo infinitamente produtivo. Para mim,
as distorções nascidas da violência são particularmente insidiosas.
45 Mises, Ludwig von. Human Action: A Treatise on Economics, pp. 540-1. O texto origltt.il
alemão foi publicado em 1940 e supostamente escrito um ou dois anos antes.
46 Ferguson, Niall. The Ascent o f Money: A Financial History o f the World, p. iv.
47 Posso falar com certa autoridade; sou conhecido pelos meus amigos como um m i
jeito viciado em trabalho - para desgosto deles - e estou plenamente ciente de que esse
tipo de comportamento é, na melhor das hipóteses, levemente patológico, e com certe/ .1
não faz de ninguém uma pessoa melhor.

P 0 S F Á C 10 -2 0 14

1 Theory o f Moral Sentiments 3. 36. A história é sobre Pirro, rei de Épiro, que realmente
deveria ter escutado o conselho de seu favorito.
Bibliografia

a b rah am , Roy Clive. The Tiv People. Lagos: Government Printer, 1933.
ab u lu g h o d , Janet. Before European Hegemony. Oxford: Oxford University Press,
1989.
adam ek, Wendi L. “The Impossibility o f the Given: Representations of Merit and
Emptiness in Medieval Chinese Buddhism". History o f Religions, v. 45, n. 2, pp.
135-80,2005.
ad am s, Robert McC.; l a m b e r g - k a r l o v s k y , C ; m o r a n , William L. “The
Mesopotamian Social Landscape: The View from the Frontier”. Bulletin o f the
American Schools o f Oriental Research. Supplementary Studies 20, Reconstructing
Complex Societies: An Archaeological Colloquium, pp. 1-20,1974.
a d k in s , Arthur W. H. Mora! Values and Political Behaviour in Ancient Greece: From
Homer to the End o f the Fifth Century. Nova York: Norton, 1972.
Helen. “New Light on Oriental Sources for Wolfram’s Parzival and Other
a d o lf,
Grail Romances”, p m la , v. 62, n. 2, pp. 306-24,1947.
_____ . “Christendom and Islam in the Middle Ages: New Light on ‘Grail Stone’
and ‘Hidden Host’”. Speculum, v. 32, n. 1, pp. 103-15,1957.
AFIGBO, Adiele Eberechukwu. “The Aro o f Southeastern Nigeria: A Socio-Histo-
rical Analysis o f Legends of Their Origins”. African Notes 6, pp. 31-46,1971.
M.; o r l é a n , A. La violence de la monnaie. Paris: Presses Universitaires de
a g lie tta ,
France, 1992.
_____ (orgs.). Souveraineté, légitimité de la monnaie. Paris: Association d’Economie
Financière, 1995. (Cahiers finance, éthique, confiance).
_____ (orgs.). La monnaie souveraine. Paris: Odile Jacob, 1998.
a g lie tta ,M.; o r l é a n , A. et alii. “Introduction”. In: a g l i e t t a , M.; o r l é a n , A.
(orgs.). La monnaie souveraine. Paris: Odile Jacob, 1998, pp. 9-31.
a g n e w , Jean-Christophe. Worlds Apart: The Market and the Theater in Anglo-American
Thought. Cambridge: Cambridge University Press, 1986.
ah e rn ,Emily. The Cult o f the Dead in a Chinese Village. Stanford: Stanford University
Press, 1973.
B. A kiga’s Story: The Tiv Tribe as Seen by One o f Its Members. Traduçâo
a k i g a s a i,
para o inglês e notas de Rupert East. Londres/Nova York: Oxford University
Press, 1939.

605
__. "The 'Dcsccnt' of the l iv front Ihcndu Hill". Irudução par« <>Ingles dr
Paul Bohannan. Africa: Journal <>/ ihr International A/rnan Institute, v. 2 4 , 11. 4, pp
295-310,1954-
a k in ,David; r o b b in s , Joel. "An Introduction to Melanesian Current Irs
Agencies, Identity, and Social Reproduction”. In: a k i n , David; r o b b in s , Joel
(orgs.). Money and Modernity: State and Local Currencies in Melanesia. Pittsburgh
University o f Pittsburgh Press, 1998, pp. 1-40.
ALEXAN D ER, John B. “A Babylonian Year o f Jubilee?”. Journal o f Biblical Literature s
pp. 55-79,1938.
A L-G H A Z A Li, Abu Amid. The Kitab al-‘Ilm. (The Book o f Knowledge). In: Ihya^Ulum a I
-Din. (The Revival o f the Religious Sciences). Tradução para o inglês de Nabih Amin
Faris. Disponível em: www.ghazali.org/site/ihya.htm. Acesso em: 8/12/2015.
N. J. “The Category o f Substance: a Maussian Theme Revisited”. In:
a lle n ,
Wendy; a l l e n , N. J. (orgs.). Marcel M auss: A Centenary Tribute. Londres
Ja m e s ,
Berghahn Books, 1998, pp. 175-91.
ALTEKAR, Anant Sadashiv. State and Government in Ancient India. Nova Déli: Motihil
Banarsidass, 1977.
_____ . The Position o f Women in Hindu Civilization. Déli: Motilal Banarsidass, 19 8 }.
a lth a b e , Gérard. “La circulation monetaire dans un village Betsimisaraka”. Tanv
Gasy 8, pp. 35-46,1968.
a m es,Roger. The Art ofRulership: A Study o f Ancient Chinese Political Thought. Albany:
State University o f New York Press, 1994.
an d erso n , Perry. Passagesfrom Antiquity to Feudalism. Londres: Verso, 1974.
an gas, Lawrence Lee Bazley. Slump Ahead in Bonds. Nova York: Somerset Pub.
Co., 1937.
Annals o f Lit Buwei: A Complete Translation and Study.
a n n a l s o f l ü BUW Ei. The
Tradução para o inglês de John Knoblock e Jeffrey Riegel. Stanford: Stanford
University Press, 2000.
Tradução de Mario da Gama Kury. Brasilia: Editor«
A r i s t ó t e l e s . Política.
Universidade de Brasilia, 1985.
_____ . Ética a Nicômaco. Tradução de Antonio de Castro Caieiro. São Paulo: Atlas,
2009.
_____ . Constituição de Atenas. Tradução de Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2 0 11.
_____ . Da interpretação. Tradução de José Veríssimo Teixeira Da Mata. São Paulo:
Unesp, 2013. •
ARNAU D , Daniel. “La prostitution sacrée en Mesopotamie, un mythe historique?”.
Revue de l’histoire des religions 183, pp. 111-5 , 1973-

606
arrigh i, (ilov.mtii I In 1 1my lUrntlrth Century: Money, Power, and the Origins of Our
Times. L o n d rn : V m o , ivq4
_____ . A d am Smith in IMjing: l ineages o f theTwenty-First Century. Londres: Verso, 2007.
A R R iG H i, Giovanni et alii. “ Historical Capitalism, East and West”. In: a r r ig h i,

Giovanni; h a m a s h it a , Takeshi; seld en , Mark (orgs.). The Resurgence o f East


A sia : 500 ,150, and 50 year perspectives. Londres: Routledge, 2003, pp. 259-333.

a s h e r i, David. “Leggi greche sui problem a dei debiti”. Studii classici e orientali 18,
pp. 5-122,1969.
a sh to r, Eliahu. “Banking Instrum ents between the M uslim East and the
Christian W est”. Journal o f European Economic History 1, pp. 559-73,1972.
______. A Social and Economic H istory o f the M iddle East. Berkeley: U niversity o f
California Press, 1976.
a ssa n te, Julia. “From W hores to Hierodules: The Historiographic Invention o f
M esopotam ian Female Sex Professionals”. In: do nah ue, A . A .; fu llerto n ,

M ark D. (orgs.). Ancient A rt and Its Historiography. Cam bridge: Cam bridge
U niversity Press, 2003, pp. 13-47.
A t w o o d , Margaret. Payback: D ebt and the Shadow Side o f Wealth. Londres:
Bloom sbury, 2008.
auerbach , Erich. Mimesis: The Representation o f Reality in Western Literature.
Princeton: Princeton University Press, 2003.
ayd an , Ertan. The Peculiarities o f Turkish Revolutionary Ideology in the 193 o s: the iiliiku
version o f Kem alism , 1933-1936. Tese de doutorado. Bilkent University, Ancara,
2003. Disponível em: ww w.thesis.bilkent.edu.tr/0002416.pdf. A cesso em:
8/12/2015.
aylm er, G. E. “The M eaning o f Property in Seventeenth-Century England”. Past
and Present 86, pp. 87-97,1980.

ayyar , P. V. “Jagadisa”. South Indian Shrines: Ilustrated. Nova Déli: A pex, 1982.

b a h r a n i, Zainab. W omen o f Babylon: G ender and Representation in M esopotam ia.


Londres: Routledge, 2001.
baker, Jennifer. Securing the Comm onwealth: Debt, Speculation, and W riting in the
M ak in g o f Early A m erica. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2005.

baker, Joseph Wayne. “Heinrich Bullinger and the Idea o f U sury”. The Sixteenth
Century Journals 1, pp. 49-70,1974.

b a l l in , Theodore N. A Comm entary on (Demosthenes) 50, A gain st Polykles. Tese de


doutorado. U niversity o f W ashington, Seattle. A nn Arbor/Londres: U niversity
M icrofilms, 1978.

607
BALMUTH, Mm.im S. "The Monetary I m i t uimci s ol Coinage ln Phoenicia
and Palestine”. In: k in d i i k, Aryeli (i»i>{.). international Numismatic Cimvention,
Jerusalem, 27-31 December 1963: The Patterns oj Monetary Development in Phoenicia
and Palestine in Antiquity. Tel Aviv: Shocken, 1967, pp. 25-32.
_____ . “Remarks on the Appearance o f the Earliest Coins". In: M ITTEN, David (, ,
p e d le y , John Griffiths; s c o t t , Jane Ayer (orgs.). Studies Presented to George M. A
Hanfmann. Mainz: Philipp von Zabern, 1971, pp. 1-7.

_____ . “The Critical Moment: The Transition from Currency to Coinage in I Ill-
Eastern Mediterranean”. World Archeology 6, pp. 293-9,1975-
_____ . Hacksilber to Coinage: N ew Insights into the Monetary History o f the Near East and
Greece. Nova York: American Numismatic Society, 2001. (Numismatic Studies
24)-
B A N A ji, Jairus. Agrarian Change in Late Antiquity: Gold, Labour, and Aristocrat^
Dominance. Oxford: Oxford University Press, 2001.

Moshe. Icon: Studies in the History o f an Idea. Nova York: New York
b a ra sch ,
University Press, 1993.
b arb er, Malcolm. The Trial o f the Templars. Cambridge: Cambridge University
Press, 1978.
b are au , André. “Indian and Ancient Chinese Buddhism: Institutions Analogous
to the Jisa”. Comparative Studies in Society and History, v. 3, n. 4, pp. 443-51,1961.
René J. The Arabian Seas: The Indian Ocean World o f the Seventeenth Century.
b aren d se,
Armonk: M. E. Sharpe, 2002.
Robert Harrison; b a r n e s , Ruth. “Barter and Money in an Indonesian
b a rn e s,
Village Economy”. M an (New Series), v. 24, n. 3, pp. 399-418,1989.
B a rth ,Frederick. “Economic Spheres in Darfur”. In: Themes in Economic
Anthropology. Londres: Tavistock, 1969, pp. 149-74. ( a s a Monographs 6).
b ash am , Arthur Llewellyn. “Harsa o f Kashmir and the Iconoclast Ascetics”.
Bulletin o f the School o f Oriental and African Studies, v. 12, n. 3-4, pp. 668-99,1948.
James. “Mortification Practices in the Obaku School”. In: w i t t e r n ,
b a s k in d ,
Christian; l i s h a n , Shi (orgs.). Essays on East A sian Religion and Culture, Festschrift
in Honour o f Nishiwaki Tsuneki on the Occasion o f his 65th Birthday. Kyoto: Kyoto
University, 2007.
Georges. “The Accursed Share, Volume in, Sovereignty, Part One:
b a ta ille ,
‘What I Understand by Sovereignty’”. In: The Accursed Share, Volumes 11 & ill.
Nova York: Zone Books, 1993, pp. 197-257.
B a x te r, W. T. “Earfy Accounting: The Tally and Checkerboard”. Accounting
Historians Journal, v. 16, n. 2, pp. 43-83,1989.

608
heard, Mary; in ni>i h su n , John. "With This Body I I'hee Worship: Sacred
Prostitution In Aiiili|iiity". (iender& H istory 9, pp. 480-503,1997.
BEATTIE, John. Hunyoro: An African Kingdom. Nova York: Holt, Rinehart and
Winston, i960.
Ludovic. Histoire du droit privé de la République athénienne. Paris: Chevalier
b ea u ch e t,
Maresoq, 1897.
BEAUJARD, Philippe. “The Indian Ocean in Eurasian and African World-Systems
before the Sixteenth Century”. Journal o f World History, v. 16, n. 4, pp. 411-65,2005.
BEGG, David; f i s c h e r , Stanley; D o r n b u s c h , Rudiger. Economics. 8. ed. Berkshire:
McGraw-Hill, 2005.
A. Lee. M asterless Men: The Vagrancy Problem in England 1560-1640. Londres:
B e ie r ,
Routledge, 1985.
b e ll, Stephanie. “Do Taxes and Bonds Fnance Government Spending?” Journal o f
Economic Issues 34, pp. 603-20,1999.
. “The Role o f the State and the Hierarchy o f Money”. Cambridge Journal o f
Economics 25, pp. 149-63, 2000.
Stephanie; h e n r y , John F. “Hospitality versus Exchange: the Limits of
b e ll,
Monetary Economics”. Review o f Social Economics, v. 54, n. 2, pp. 203-26, 2001.
BELLAH, Robert N. “What is Axial About the Axial Age?”. Archives o f European
Sociology, v. 46, n. 1, pp. 69-87,2005.
b e lo ,Jane. “A Study o f the Balinese Family”. American Anthropologist, v. 38, n. 1,
pp. 12-31,1936.
Luigi Foscolo. The Travels o f Marco Polo. Tradução para o inglês de
b e n e d e tto ,
Aldo Ricci. Londres: Routledge & Kegan Paul, 1931.
ben n, James A. “Where Text Meets Flesh: Burning the Body as an Apocryphal
Practice in Chinese Buddhism”. History o f Religions, v. 37, n. 4, pp. 295-322,1998.
_____ . Burning fo r the Buddha: Self-Immolation in Chinese Buddhism. Honolulu:
University o f Hawaii Press, 2007.
Émile. “Don et échange dans le vocabulaire indo-européen”. In:
b e n v e n is te ,
Problèmes de linguistique générale. Paris: Gallimard, 1972.
BERNDT, Ronald M. “Ceremonial Exchange in Western Arnhem Land”. Southwestern
Journal o f Anthropology, v. 7, n. 2, pp. 156-76,1951.
BINSWANGER, Hans Christoph. Money and Magic: A Critique o f the Modern Economy
in the Light o f Goethe’s Faust. Chicago: University o f Chicago Press, 1994.
Peter. “The Roman Law Concept o f Dominium and the Idea o f Absolute
B ir k s ,
Ownership”. Acta Juridica 7, pp. 1-37,1985.

609
bishop, Ryan; rohinson, Milan S. Nlf>ht Market StxwiU ulturrstindthe Ihal Fxonomh
Miracle. Nova York: Routledgc, 1998.
B la c k b u r n , Robin. The Making of New World Slavery: From the Baroque to the Modeln,
14 9 2-18 0 0 . Londres: Verso, 1997.

sir William. Commentaries on the law s o f England. Londres: I


b la c k s t o n e ,
Duyckinck, 1827. 4 v.
b la n c , Louis. L'organisation du travail. Paris: Au Bureau du Nouveau Monde, iX w,
b la u , Peter. Exchange and Power in Social Life. Nova York: Wiley, 1964.
b la x te r , Lorraine. “Rendre service and Jalousie”. In: b a i l e y , F. G. (org.). Gifts and
Poison. Londres: Basil Blackwell, 1971, pp. 119-30.

Edward. “Loans, Credit and Interest in Ancient Egypt”. In: H u d s o n ,


b le ib e r g ,
Michael; v a n d e m ie r o o p , Marc (orgs.). Debt and Economic Renewal in the Ancient
Near East. Bethesda: c d l Press, 2002, pp. 257-76.
Peter. The Revolution o f 1525: The German Peasant’s Warfrom a New Perspective
b lic k le ,
Tradução para o inglês de Thomas Brady e Erik Midelfort. Baltimore: Johns
Hopkins University Press, 19 77 .
Marc. Feudal Society. Chicago: University o f Chicago Press, 19 6 1. 2 v. [Ed.
b lo c h ,
port.: Sociedade feudal. 2. ed. Tradução de Emanuel Lourenço Godinho. Lisboa:
Edições 7 0 ,19 8 7 .]
b o g a e rt, Raymond. Les Origines antiques de la banque de dépôt. Leiden: Sijthoff, 1966.
_____ . Banques et banquiers dans les cités grecques. Leiden: Sijthoff, 19 6 8 .
bohannan, Laura. “A Genealogical Charter”. Africa: Journal o f the International
African Institute, v. 22, n. 4, pp. 301-15,1952.
_____ . “Political Aspects of Tiv Social Organization”. In: m id d le t o n , John; TAIT,
David (orgs.). Tribes Without Rulers. Londres: Routledge & Kegan Paul, 1958, pp. 33-66.
_____ . Return to Laughter: A n Anthropological Novel. Nova York: Praeger, 1964. (Sob
o pseudônimo de “Elenore Bowen Smith”.)
bohannan, Paul. “The Migration and Expansion o f the Tiv”. Africa: Journal o f the
International African Institute, v. 24, n. 1, pp. 2-16,1954.

_____ . “Some Principles o f Exchange and Investment among the Tiv”. American
Anthropologist 57, pp. 60-7,1955.
_____ .Justice and Judgment among the Tiv. Londres: Oxford University Press, 1957.
_____ . “Extra-processual Events in Tiv Political Institutions”. American Anthropologist
60, pp. 1-12,1958.
_____ . “The Im pact'of Money on an African Subsistence Economy”. Journal of
Economic History 19, pp. 491-503,1959.

610
BOHANNAN, I'.iul in ti I a NNa n , Laura. The liv of Central Nigeria. Londres:
International A l t u un Institute, 1 9 5 3 .
_____ . Tiv Economy. Evanston: Northwestern University Press, 1968.
_____ . A Source Notebook on Tiv Religion. New Haven: Human Relations Area Files,
1969. 5 v.
BOiANOVSKY, Mauro. “Bohm-Baewerk, Irving Fisher, and the Term ‘Veil o f
Money’”. History o f Political Economy, v. 25, n. 4, pp. 725-38,1993.
bokenkam p, Stephen R. “Fu: Talisman, Tally, Charm”. In: p r e g a d i o , Fabrizio
(org.). The Encyclopedia o f Taoism. Londres: Routledge, 2008, pp. 35-8.
b o lle s , John Augustus. A Treatise on Usury and Usury Laws. Boston: James Munroe,
1837-
boon, James A. The Anthropological Romance o f Bali, 1597-1972: Dynamic Perspectives
in Marriage and Caste, Politics, and Religion. Cambridge: Cambridge University
Press, 1977.
Jean. “Desordre économique et annulation des dettes en Mesopotamie
b o tté ro ,
à l’époque paleo-babylonienne”. Journal o f the Economic and Social History o f the
Orient 4, pp. 113-64,1961.
_____ . Everyday Life in Ancient Mesopotamia. Tradução para o inglês de Antonia
Nevill. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1992.
Pierre. “The Sentiment o f Honor in Kabyle Society”. In: p e r i s t i a n y ,
b o u r d ie u ,
J. G. (org.). Honour and Shame: The Values o f Mediterranean Society. Londres: Trinity
Press, 1965, pp. 191-242.
_____ . Outline o f a Theory o f Practice. Cambridge: Cambridge University Press, 1977.
_____ . The Logic o f Practice. Tradução para o inglês de Richard Nice. Cambridge:
Polity Press, 1990.
b o w ers,Richard H. “From Rolls to Riches: King’s Clerks and Moneylending in
Thirteenth-Century England”. Speculum, v. 58, n. 1, pp. 60-71,1983.
b o yer-xam b eu , Marie-Thérèse; d e l e p l a c e , Ghislain; g i l l a r d , Lucien. Private
Money & Public Currencies: The i6 ,h Century Challenge. Tradução para o inglês de
Azizeh Azodi. Armonk: M. E. Sharpe, 1994.
Keith R. “On the Roman Slave Supply and Slavebreeding”. In: f i n l e y ,
B r a d le y ,
M. I. (org.). Classical Slavery. Londres: Routledge, 1987, pp. 42-64.
Thomas A. “The Rise o f Merchant Empires, 1400-1700. A European
B r a d y jr .,
Counterpoint”. In: t r a c y , James D. (org.). The Political Economy o f Merchant
Empires. Cambridge: Cambridge University Press, 1997, pp. 117-60.

611
Paul. “Aspect* o f the Law ol I >eht, i iH<> 1 1117". In: s< h o f i k i d , Phllllpp K ;
hr an d ,
MAYHEW,N.J. (orgs.). Credit und I )ebl In Medieval England, c. 11 Ko-c. us«. Londres
Oxbow, 2002, pp. 19-41.
_____ . “The Jewish Community o f England in the Records o f the English Royal
Government”. In: s k i n n e r , Patricia (org.). The Jews in Medieval Britain: Historical,
Literary, and Archaeological Perspectives. Woodbridge: Boyden and Brewer, 20 0 1,
pp. 73- 96.
b ra u d e l, Fernand. Civilisation matérielle, économie et capitalisme, x v e- x v n ir siècle, j: I r
temps du monde. Paris: A. Colin, 1979.

_____ . Civilization and Capitalism, 15 Century: The Wheels o f Commerce. Berkeley:


University o f California Press, 1992.
_____ . The Mediterranean and the Mediterranean World in the Age o f Philip 11. Berkeley:
University o f California Press, 1995. 2 v.
Robert. The Boom and the Bubble: The u s in the World Economy. Londres/
b ren n er,
Nova York: Verso, 2002.
Paul. From Cyrus to Alexander: A History o f the Persian Empire. Nova York:
b ri a n t,
Eisenbrauns, 2006.
Roger. “The Labour o f Women in Classical Athens”. The Classical Quarterly
b ro ck ,
(New Series), v. 44, n. 2, pp. 336-46,1994.
b ro n k h o rst, Johannes. Greater Magadha: Studies in the Culture o f Early India. Leiden:
Brill, 2007.
Timothy. The Confusions o f Pleasure: Commerce and Culture in M ing China.
b ro o k ,
Berkeley: University o f California Press, 1998.
b ru n t, P. A. Social Conflicts in the Roman Republic. Nova York: Norton, 1974.
Joseph M. Moral Codes and Social Structure in Ancient Greece: A Sociology oj
b ry a n t,
Greek Ethics from Homer to the Epicureans and Stoics. Albany: State University ol
New York Press, 1996.
Karl. Industrial Evolution. Tradução para o inglês de S. Morley Wickett.
b û ch e r,
Nova York: Holt, 1907.
William Warwick. The Roman Law o f Slave?}». Cambridge: Cambridge
b u c k la n d ,
University Press, 1908.
b u c k le r , W. H. The Origin and History o f Contract in Roman Law down to the End o f the
Republican Period. Londres: C. J. Clay & Sons, 1895.
Richard W. Conversion to Islam in the Medieval Period: A n Essay in Quantitative
b u llie t,
History. Cambridge Harvard University Press, 1979.
sir Richard F. The Book o f a Thousand Nights and a Night. Nova York:
b u rto n ,
Heritage Press, 1934. 6 v.

612
BU TR K A , (anus I "Some Myths and Anomalies In the Study of Roman
Sexuality". In: viksihai it. Bcert C.; p r o v e n ç a l , Vernon (orgs.). Same-Sex
Desire and l.ovc in Greco-Roman Antiquity and in the Classical Tradition o f the West.
Berkeley: University o f California Press, 2006, pp. 209-70.
B yrn e, Frances. “Tribes and Tribalism in Early Ireland”. Eriu 22, pp. 128-66,1971.
_____ . Irish Kings and High Kings. Londres: Batsford, 1973.
CAFFENTZis, Constantine George. Clipped Coins, Abused Words, and Civil Government:
John Locke’s Philosophy o f Money. Nova York: Autonomedia, 1989.
Francis. “The ‘Laws o f Eretria’ (“ i g ” xn .9 ,1.273 e 1.274): Epigraphic, Legal,
c a irn s ,
Historical, and Political Aspects”. Phoenix, v. 45, n. 4, pp. 296-313,1991.
George W. “Classes and Masters in Homer”. Classical Philology 29, pp.
C a lh o u n ,
192-206,301-16,1934.
CAM BiANO , Guiseppe. “Aristotle and the Anonymous Opponents o f Slavery”. In:
fin le y , M. I. (org.). Classical Slavey. Londres: Frank Cass, 1987, pp. 28-53.
C a m p b e ll, John Kennedy. Honour, Family and Patronage: A Study o f Institutions and
Moral Values in a Greek Mountain Community. Oxford: Oxford University Press,
1964.
can n an , Edwin. “Early History o f the Term Capital”. Quarterly Journal o f Economics,
v. 35, n. 3, pp. 469-81,1921.
c a r d a s c ia , Guillaume. “L’adoption matrimoniale à Babylone et à Nuzi”. Revue
historique de droit français et étranger 37, pp. 1-16,1959.
_____ . Les lois assyriennes. Paris: Cerf, 1969. (Littératures Anciennes du Proche-
-Orient 2).
c a r tie r , Michel. “Dette et propriété en Chine”. In: m a l a m o u d , Charles (org.).
Lien de Vie: Noued Martel: les représentations de la dette en Chine, au Japan, et dans le
monde Indien. Paris: Editions de l’Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales,
1988, pp. 17-29.
case, Karl E. et alii. Economics. Londres: Prentice Hall, 1996.
caskey, John P. Fringe Banking: Check-Cashing Outlets, Pawnshops, and the Poor. Nova
York: Russell Sage Foundation, 1994.
cern y, Jaroslav. “Prices and Wages in Egypt in the Ramesside Period”. Cahiers
d’histoire mondiale 4, pp. 903-21,1954.
CHAGNON, Napoleon A. Yanomamo: Case Studies in Cultural Anthropology. 5. ed.
Texas: Harcourt Brace, 1996. [Ed. bras.: Nobres Selvagens: minha vida entre duas
tribos perigosas - os ianomâmis e os antropólogos. São Paulo: Três Estrelas, 2014.]

613
CHAKRAVARTl, Um*. "Of dasas and k.n in.ik.ii «is: Servile Labor In Ancient India"
In: p a tn a ik , Ursa; d in g w a n k y , Manjarl ( « ( hdin.v <>/ Servitude: lUtndttgr iiml
Slavery in India. Reno: University of Nevada Press, 198s, pp. 15-75.
chapm an, Anne. “Barter as a Universal Mode o f Exchange”. L'Homme, v. 22,11 1.
pp. 33-83,1980.
T. M. “Honour and Status in Some Irish and Welsh Prose
c h a r le s - e d w a r d s ,
Tales”. Eriu 29, pp. 123-41,1978.
_____ . Early Irish and Welsh Kinship. Oxford: Oxford University Press, 1993.
c h a t t e r je e , Heramba. The Law o f Debt in Ancient India. Calcutá: Sanskrit College,
1971.
Debiprasad. Carvaka/Lokayata: A n Anthology o f Source Materials
ch a tto p a d h y a y a ,
and Some Recent Studies. Nova Déli: Mrinal Kanti Gangopadhyaya, 1994.
c h a u d h u ri, Kirti N. Trade and Civilisation in the Indian Ocean: A n Economic History
from the Rise o f Islam to 1750. Cambridge: Cambridge University Press, 1985.
_____ . Asia Before Europe: Economy and Civilization o f the Indian Ocean from the Rise 0/
Islam to 1750. Cambridge: Cambridge University Press, 1990.
chau han , Gian Ghand. An Economic History o f Early Medieval Northern India. Nov»
Déli: Atlantic Publishers, 2003.
Kenneth K. S. Buddhism in China: A Historical Survey. Princeton: Princeton
c h ’e n ,
University Press, 1964.
ch o ksy, Jamsheed K. “Loan and Sales Contracts in Ancient and Early Medieval
Iran”. Indo-Iranian Journal, v. 31, n. 3, pp. 191-218,1988.
c ip o lla , Carlo M. Money, Prices and Civilisation in the Mediterranean World: Fifth to
Seventeenth Centuries. Princeton: Princeton University Press, 1967.
M. T. From Memory to Written Record, England 1066-1307. Oxford:
c la n c h y ,
Blackwell, 1993.
William G. “Islamic Abolitionism in the Western Indian
c la r e n c e - s m it h ,
Ocean from c. 1800”. Apresentado na conferência Slavery and the Slave Trades
in the Indian Ocean and Arab Worlds: Global Connections and Disconnections, Yale
University, 7 e 8 de novembro de 2008. Disponível em: www.yale.edu/glc/
indian-ocean/smith.pdf Acesso em: 8/12/2015.
Bartolomé. “The jurisprudence on Usury as a Social Paradigm in the
c la v e r o ,
History o f Europe”. In: h e y e n , Erik Volkmar (org.). Historische Soziologie der
Rechtswissenschaft. Frankfurt: Vittorio Klostermann, 1986, pp. 23-36.
co d ere, Helen. Fighting with Property: A Study o f Kwakiutl Potlatching and Warfare
1792-1930. Nova York: American Ethnological Society, 1950. (Monograph 18).

614
c 6 dic ; o d im i i i a n o I In I Mmcllim Code (Bookof Blacgwyrd).
COHEN, David. "Sn ItiNlon, Separation and the Status o f Women in Classical
Athens". Greece ami Rome, v. j6, n. 1, pp. 1-15,1987.
co h en ,Edward E. “Review o f ‘Lending and Borrowing in Ancient Athens’”. Bryn
M awr Classical Review, v. 3, n. 4,1992.
cohn, Norman. The Pursuit o f the Millennium: Revolutionary Millenarians and Mystical
Anarchists o f the M iddle Ages. Nova York: Oxford University Press, 1972.
co le, Alan. Mothers and Sons in Chinese Buddhism. Palo Alto: Stanford University
Press, 1998.
co lem an , janet. “Dominium in 13th and 14th Century Political Thought and its
17th Century Heirs: John o f Paris and Locke”. Political Studies 33, pp. 73-100,1985.
_____ . “Property and Poverty”. In: b a r n e s , J. H. (org.). The Cambridge History o f
Medieval Political Thought, c. 1350-1450. Cambridge: Cambridge University Press,
1988, pp. 607-48.
c o l l in s , Randall. Weberian Social Theory. Cambridge: Cambridge University Press,
1986.
_____ . The Sociology o f Philosophies: A Global Theory o f Intellectual Change. Cambridge:
Harvard University Press, 1989.
cook, Robert Manuel. “Speculations on the Origins o f Coinage”. Historia 7, pp.
257-67,1958.
co o per, Frederick. “The Problem o f Slavery in African Studies”. Journal o f African
History 20, pp. 103-25,1979.
co o per, Jerrold S. Sumerian and Akkadian Royal inscriptions, Volume 1: Presargonic
Inscriptions. New Haven: American Oriental Society, 1986.
_____ . “Virginity in Ancient Mesopotamia”. Compte Rendu, Rencontre Assyriologique
Internationale 47, pp. 91-112, 2002.
co o per, Melinda. “The Unborn Born Again: Neo-Imperialism, the Evangelical
Right and the Culture o f Life”. Postmodern Culture, v. 17, n. 1, 2006.
_____ . Life as Surplus: Biotechnology and Capitalism in the Neoliberal Era. Seattle:
University o f Washington Press, 2008.
C o r n e l l , Tim. The Beginnings o f Rome: Italy and Rome from the Bronze A ge to the Punic
Wars (c. 10 0 0 -2 6 4 b c ) . Londres: Routledge, 1995.
co rtes, Hernan. The Fifth Letter o f Hernan Cortes to the Emperor Charles v, Containing
an Account o f his Expedition to Honduras. Londres: Hakluyt Society, 1868.
co tter, James Finn. “The Wife o f Bath and the Conjugal Debt”. English Language
Notes 6, pp. 169-72,1969.

615
cova Kr u b i a s , Miguel. Island of Kali. londres K<>ui ledjjc K Kcgun Paul, k;J7.
Philip D. The Atlantic Slave Trade: A Census. Madison: University <>l
C u r tin ,
Wisconsin Press, 1969.
Cu r t in ,Philip D.; v a n s i n a , Jan. “Sources o f the Nineteenth Century Atlantic
Slave Trade”. Journal o f African History, v. 5, n. 2, pp. 189-208,1964.
cu sters, Peter. Questioning Globalized Militarism: Nuclear and Military Production and
Critical Economic Theory. Monmouth: Merlin Press, 2006.
d an d am aev, Muhammed. Slavery in Babylonia, from Nabopolasser to Alexander the
Great (626-331 b c ) . Illinois: Northern Illinois University Press, 1984.
darnto n , Robert. The Great Cat Massacre. Nova York: Vintage Books, 1984.
d aven an t, Charles. “Discourses on the Public Revenues and on Trade.
Discourse 11: Concerning Credit, and the Means and Methods by which it May
be Restored”. In: w h i t w o r t h , sir Charles (org.). The Political and Commercial
Works o f that Celebrated Writer Charles DAvenant: Relating to the Trade and Revenue
o f England, the Plantation Trade, the East-India Trade and African Trade. Londres: R.
Horsefeld, 1771, pp. 150-206.
d a v id s o n , Paul. “Keynes and Money". In: Philip: s a w y e r , Malcolm
a r e s t is ,

(orgs.). A Handbook o f Alternative Monetary Economics. Cheltenham: Edward Elgar


Press, 2006, pp. 139-53.
Glyn. A History o f Money from Ancient Times to the Present Day. Cardiff:
d a v ie s ,

University o f Wales Press, 1996.


Kenneth Gordon. The North Atlantic World in the Seventeenth Century. St.
d a v ie s ,

Paul: University o f Minnesota Press, 1975.


Da v i s , John. Corporations. Nova York: Capricorn, 1904.
d e l â g e , Denys. Bitter Feast: Amerindians and Europeans in Northeastern North America,
1 6 0 0 -6 4 . Vancouver: University o f British Columbia Press, 1993.
d eleu ze, Gilles; GUATTARI, Félix. Anti-Oedipe. Tradução para o inglês de Robert
Hurley, Mark Seem e Helen R. Lane. Nova York: Continuum, 2004.
den g, Gang. The Premodern Chinese Economy: Structural Equilibrium and Capitalist
Sterility. Londres: Routledge, 1999.
d en zel,Markus A. “The European Bill o f Exchange”. Artigo apresentado no xi v
International Economic History Congress, Helsinque, Finlândia, 21 a 25 de
agosto de 2006. Disponível em: www.helsinki.fi/iehc2006/papers1/Denzel2.
pdf. Acesso em: 8/12/2015.
de ro o ver, Raymond. “The Medici Bank”. Journal o f Economic History 6, pp. 24-52,
153-72,1946.

616
_____ . Mon«*)', Hiiiikliii;. iimiI ( redit in Medieval Hrugev Cambridge: Mediaeval
A cadem y of A m erk u, 1948.
_____ .The Rise and Decline oj the Medici Bank: 1397-1494. Nova York: W. W. Norton,
1963.
_____ . “The Scholastics, Usury and Foreign Exchange". Business History Review, v.
41, n. 3, pp. 257-71,1967.
_____ . “What is Dry Exchange? A Contribution to the Study o f English
Mercantilism”. Journal o f Political Economy 52, pp. 250-66,1994.
DERRIDA, Jacques. O f Hospitality: Anne Dufourmantelle Invites Jacques Derrida
to Respond. Tradução para o inglês de Rachel Bowlby. Stanford: Stanford
University Press, 2000.
_____ . Acts o f Religion. Londres: Routledge, 2001.
d esca t, Raymond. “L’économie antique et la cité grecque: Un modèle en
question”. Annales Histoire, Sciences Sociales, v. 50, n. 5, pp. 961-89,1995.
Madhukar Keshav. “The Beginning o f Coinage in India”. World
d h a v a l ik a r ,

Archaeology, v. 6, n. 3, pp. 330-8,1975.


Igor. “The Structure o f Near Eastern Society before the Middle o f the
d ia k o n o f f ,

2nd Millennium b c ” . Oikumene 3, pp. 7-100,1982.


d ía z , Bernal. The Memoirs o f the Conquistador Bernal Diaz del Castillo, Written by
Himself, Containing a True and Full Account o f the Discovery and Conquest o f Mexico
and New Spain. Tradução para o inglês de John Ingram Lockhart. Boston: J.
Hatchard and Son, 1844. 2 v.
_____ . The Conquest o f New Spain. Tradução para o inglês de J. M. Cohen. Nova
York: Penguin Books, 1963.
Di c o sm o , Nicola; w yatt, Don J. (orgs.). Political Frontiers, Ethnic Boundaries, and
Human Geographies in Chinese History. Londres: Routledge Curzon, 2005.
DIGBY, Kenelm Edward; h a r r i s o n , William Montagu. An Introduction to the History
o f the Law o f Real Property with Original Authorities. 5. ed. Oxford: Clarendon Press,
1897.
DiGHE, Ranjit (org.). The Historian’s Wizard o f Oz: Reading L. Frank Baum ’s Classic
as a Political and Monetary Allegory. Westport: Greenwood Publishing Group,
2002.
d ik e , K. Onwuka; e k e jiu b a , Felicia. The Aro o f Southeastern Nigeria, 1650-1 980 : A
Study o f Socio-Economic Formation and Transformation in Nigeria. Ibadan: University
Press, 1990.
d ik s h it a r , V. R. Ramachandra. War in Ancient India. Déli: Motilal Banarsidass,
1948.

617
D illo n ,John M. Morality and < uvfom in Arnirnl Greece. Bloomington: Indiana
University Press, 2004.
Di x o n , C. Scott. The Reformation and Rural Society: The Parishes o f Brandenburg
-Ansbach-Kulmbach, 1528-1603. Cambridge: Cambridge University Press, 2002.
DOCKÉS, Pierre. Medieval Slavery and Liberation. Tradução para o ingles de Artlim
Goldhammer. Chicago: University of Chicago Press, 1979.
Do h e r t y , Charles. “Exchange and Trade in Early Medieval Ireland”. Journal o f the
Royal Society o f Antiquaries o f Ireland 110, pp. 67-89,1980.
DONZELOT, Jacques. L’invention du social: essai sur le déclin des passions politiques. Paris:
Seuil, 1994.
do rw ard, David C. “Precolonial Tiv Trade and Cloth Currency”. International
Journal o f African Historical Studies, v. 9, n. 4, pp. 576-91,1976.
d o u g l a s , Mary. “A Form o f Polyandry among the Lele o f the Kasai”. Africa: Journal
o f the International African Institute, v. 21, n. 1, pp. 1-12,1951. (Artigo publicado com
a assinatura de Mary Tew.)
_____ . “Raffia Cloth Distribution in the Lele Economy”. Africa: Journal o f the Inter­
national African Institute, v. 28, n. 2, pp. 109-22,1958.
_____ . “Blood-Debts and Clientship among the Lele”./ouma! o f the Royal Anthropological
Institute o f Great Britain and Ireland, v. 90, n. 1, pp. 1-28, i960.
_____ . “The Lele Compared with the Bushong: A Study in Economic Backward­
ness”. In: b o h a n n a n , Paul; d a l t o n , George (orgs.). Markets in Africa. Chicago:
Northwestern University Press, 1962, pp. 211-23.
_____ . The Lele o f the Kasai. Londres: Oxford University Press, 1963.
_____ . “Matriliny and Pawnship in Central Africa”. Africa: Journal o f the International
African Institute, v. 34, n. 4, pp. 301-13,1964.

_____ . Purity and Danger: A n Analysis o f Concepts o f Pollution and Taboo. Londres:
Routledgc & Kegan Paul, 1966.
_____ . In the Active Voice. Londres: Routledge & Kegan Paul, 1982.
_____ . “Sorcery Accusations Unleashed: The Lele Revisited, 1987”. Africa: Journal
o f the International African Institute, v. 69, n. 2, pp. 177-93,1999-
d o w n es, Rupert Major. The Tiv Tribe. Kaduna: Government Printer, 1969.
_____ . Tiv Religion. Ibadan: Ibadan University Press, 1971.
d reyer, Edward L. Zheng He: China and the Oceans in the Early M ing Dynasty, 1405-
-1433. Nova York: Pearson Longman, 2006.
«*
Godfrey Rolles;
d r iv e r , m il e s , John C. The Assyrian Laws. Oxford: Clarendon
Press, 1935.

618
d u b o is , l’axe Vlíiwv Iin,l ( Ulirr ( )bjecl\. ( hie ago: University of C hicago Press, 2003.
DUBY, Georges. Guerriers el paysans, V ll'- X ll' siècle: Premier essor Je l'économie
européenne. Paris: Gallimard, 1973.
_____ . The Three Orders: Feudal Society Imagined. Tradução para o inglês de Arthur
Goldhammer. Chicago: University o f Chicago Press, 1980.
_____ . Rural Economy and the Country Life in the Medieval West. Nova York: Routledge
& Kegan Paul, 1982.
D u ffy , Seán; m a c s h a m h r á i n , Ailbhe; m o y n e s , James (orgs.). Medieval Ireland:
A n Encyclopedia. Dublin: c r c Press, 2005.
D uggan, E. de C. “Notes on the Munshi Tribe”. Journal o f the African Society 31, pp.
173-82,1932.
d u m o n t, Louis. Homo Hierarchicus: Essai sur le système des castes. Paris: Gallimard,
1966.
_____ . From M andeville to M arx: The Genesis and Triumph o f Economic Ideology. Chica­
go: University o f Chicago Press, 1981.
_____ . Essays on Individualism: Modern Ideology in Anthropological Perspective. Chicago:
University o f Chicago Press, 1992.
duyvendak, Jan Julius Lodewijk. The Book of Lord Shang. Londres: Arthur
Probsthain, 1928.
d yer, Christopher. Standards o f Living in the Later Middle Ages: Social Change in
England, c. 1200-1520. Cambridge: Cambridge University Press, 1989.
Luigi. “The Theory o f Imaginary Money from Charlemagne to the
e in a u d i,
French Revolution”. In: l a n e , F. C.; r i e m e r s m a , J. C. (orgs.). Enterprise and
Secular Change. Londres: Allen & Unwin, 1956.
Paul. Primitive Money in its Ethnological, Historical, and Ethnographic Aspects.
EiN ZiG ,
Nova York: Pergamon Press, 1949.
Shmuel N. “The Axial Age: The Emergence o f Transcendental
e is e n s ta d t,
Visions and the Rise o f Clerics”. European Journal o f Sociology, v. 23, n. 2, pp. 294-
-314,1982.
_____ . “Heterodoxies and Dynamics o f Civilizations”. Proceedings o f the American
Philosophical Society, v. 128, n. 2, pp. 104-13,1984.
_____ . The Origins and Diversity o f Axial Age Civilizations. Albany: State University
o f New York Press, 1986.
Felicia Ifeoma. “The Aro Trade System in the Nineteenth Century”.
e k e jiu b a ,
Ikenga, v. 1, n. 1, pp. 11-26; v. 1, n. 2, pp. 10-21,1972.

619
ELAYi, Josette; m.ayi, A. (i. I résors de monnalr» jMnirlninn et circulation monctulrr
(v'-iv* siècle avant J.-C'.J. Paris: Ciabalda, 199 j.
e l l i s , Thomas
Peter. Welsh Tribal Law and ( ustom in the Middle Ages. Oxford: Oxford
University Press, 1926.
David et alii. The Transatlantic Slave Trade: A Database. Cambridge: Cambridge
e l t is ,

University Press, 2000.


e lw a h e d , Ali Abd (Ali Abd al-Wahid). Contribution à une théorie sociologique de
l’esclavage: étude des situations génératrices de l’esclavage, avec appendice sur l’esclavage de
la femm e et bibliographie critique. Paris: Editions Albert Mechelinck, 1931.

elyach ar, Julia. “Empowerment Money: The World Bank, Non-Governmental


Organizations, and the Value o f Culture in Egypt”. Public Culture, v. 14, n. 3, pp.
493-513» 2 0 0 2 .

_____ . Markets o f Dispossession: n g o s , Economic Development, and the State in Cairo.


Durham: Duke University Press, 2005.
en d res, Rudolf. “The Peasant War in Franconia”. In: s c r i b n e r , Bob; b e n e c k k ,
Gerhard (orgs.). The German Peasant War o f 1525: New Viewpoints. Londres: Allen
& Unwin, 1979, pp. 63-83.
en g els, Donald W. Alexander the Great and the Logistics o f the Macedonian Army.
Berkeley: University o f California Press, 1978.
eq u ia n o , Olaudah. The Interesting Narrative o f the Life o f Olaudah Equiano: or, Gustavus
Vassa, the African. Nova York: Modern Library, 2004.
erd o sy,George. Urbanisation in Early Historic India. Oxford: British Archaeological
Reports, 1988.
_____ . “City states in North India and Pakistan at the time of the Buddha". In:
a l l i c h i n , Frank; e r d o s y , George (orgs.). The Archaeology o f Early Historic South

A sia: The Emergence o f Cities and States. Cambridge: Cambridge University Press,
1995. p p . 9 9 - 12 2 .
e s s id , Yassine. “Islamic Economic Thought”. In: lo w ry, Todd (org.). Preclassical
Economic Thought: From the Greeks to the Scottish Enlightenment. Boston: Kluwer,
1988, pp. 77-102.
_____ . A Critique o f the Origins o f Islamic Economic Thought. Leiden: E. J. Brill, 1995.
e v a n s - p r it c h a r d , E. E. “An Alternative Term for ‘Bride-Price’”. Man 31, p p . 36-9,
1931.
_____ . The Nuer: A Description o f the Modes o f Livelihood and Political Institutions o f a
Nilotic People. Oxford: Clarendon Press, 1940.
_____ . The Divine Kingship o f the Shilluk o f the Nilotic Sudan. The Frazer Lecturefo r 1948.
Cambridge: Cambridge University Press, 1948.

620
______ . Kinship uniI Mitiihiyi ainong the N u it. Oxford: Clarendon Press, 1951.
I <it hat von. "The E Jun Qi Metal Tallies: Inscribed Texts and
fa lk e n h a u s e n ,
Ritual Contexts”. In: KERN, Martin (org.). Text and Ritual in Early China. Seattle:
University o f Washington Press, 2005, pp. 79-123.
f a l k e n s t e i n , Adam. “La cité-temple sumérienne”. Cahiers d ’histoire mondiale 1, pp.
784-814,1954.
f a l o l a , Toyin; l o v e j o y , Paul
E. (orgs.). Pawnship in Africa: Debt Bondage in Historical
Perspective. Boulder: University o f Colorado Press, 1994.
fard o n , Richard. “Sisters, Wives, Wards and Daughters: A Transformational
Analysis of the Political Organization o f the Tiv and their Neighbours. Part 1:
‘The Tiv”’. Africa: Journal o f the International African Institute, v. 54, n. 4, pp. 2-21,1984.
_____ . “Sisters, Wives, Wards and Daughters: A Transformational Analysis
o f the Political Organization o f the Tiv and their Neighbours. Part 11: ‘The
Transformations’”. Africa: Journal o f the International African Institute, v. 55, n. 1,
pp. 77-91,1985.
faure, Bernard. “The Buddhist Icon and the Modern Gaze”. Critical Inquiry, v. 24,
n. 3, pp. 768-813,1998.
_____ . Visions o f Power: Imagining Medieval Japanese Buddhism. Princeton: Princeton
University Press, 2000.
, Sasan. Money and Exchange: Folktales and Reality. Nova York:
fa ya zm a n esh

Routledge, 2006.
fed e r a l r eser v e b a n k of n ew y o r k . “The Federal Reserve Bank o f New York:
The Key to the Gold Vault”, 2008.
FEDERici, Silvia. Caliban and the Witch: Women, the Body and Primitive Accumulation.
Nova York: Autonomedia, 2004.
feeley-h a r n ik , Gillian. “The King’s Men in Madagascar: Slavery, Citizenship
and Sakalava Monarchy”. Africa: Journal o f the International African Institute, v. 52,
n. 2, pp. 31-50,1982.
William N. “Northern Iroquois Culture Patterns”. In: s t u r t e v a n t , W.;
fen to n ,

B. (orgs.). Handbook o f the North American Indians, Volume x v , Northeast.


t r ig g e r ,

Washington, d c : Smithsonian Institute Press, 1978, pp. 296-321.


Niall. The Cash Nexus: Money and Power in the Modern World, 1700-2000.
ferg u so n ,

Londres: Allen Lane, 2001.


_____ . Colossus: The Price o f America's Empire. Londres: Penguin, 2004.
_____ . The Ascent o f Money: A Financial History o f the World. Londres: Penguin,
2007.

621
Jacob ). "Ammlsaduq« s l illii and the Babylonian 'I.aw Codes'".
f in k k i .s t e i n ,

Journal o f Cuneiform Studies is. pp. 91 104,19(11.


_____ . “Some New Misharum Material and Its Implications". Assyriological Studies
16, pp. 233-46,1965.
_____ . “Sex Offenses in Sumerian Laws”. Journal o f the American Oriental Society X(>,
pp. 355-72,1966.
F in le y , Moses I. The World o f Odysseus. Nova York: Viking Press, 1954.
_____ . Slavery in Classical Antiquity: Views and Controversies. Cambridge: W. Heffer
& Sons, i960.
_____ . The Ancient Greeks: A n Introduction to Their Life and Thought. Nova York:
Viking Press, 1963.
_____ . “Between Slavery and Freedom”. Comparative Studies in Society and History,
v. 6, n. 3, pp. 233-49,1964.

_____ . The Ancient Economy. Berkeley: University o f California Press, 1974.


_____ . Ancient Slavery and M odern Ideology. Londres: Penguin, 1980.
_____ . Economy and Society in Ancient Greece. Nova York: Penguin, 1981.
_____ . Politics in the Ancient World. Cambridge: Cambridge University Press, 1983.
_____ . Studies in Land and Credit in Ancient Athens, 500-200 B.C.: The “Horns” Inscrip­
tions. New Brunswick: Transaction Publishers, 1985.
firth , Raymond. Economics o f the New Zealand Maori. Wellington: R. E. Owen, 19 59 .
Walter J. Jews in the Economic and Political Life o f Medieval Islam. Londres:
fis c h e l,
Royal Asiatic Society, 1937.
Ivo. “The Problem o f the Setthi in Buddhist Jatakas”. In: c h a k r a v a r t i ,
fis e r ,
Ranabir (org.). Trade in Early India. Oxford: Oxford University Press, 2004, pp.
166-98.
fis h e r , Douglas. “The Price Revolution: A Monetary Interpretation". Journal o f
Economic History, v. 49, n. 1, pp. 884-902,1989.

F itz p a tr ic k , jim. Three Brass Balls: The Story o f the Irish Pawnshop. Dublin: Collins
Press, 2001.
fla n d rin ,Jean-Louis. Families in Former Times. Cambridge: Cambridge University
Press, 1979.
fle e t, John Faithful. Inscriptions o f the Early Gupta Kings and Their Successors, Corpus
Inscriptionium Indicarum, Volume HI. Calcutá: Government Printer, 1888.
fly n n ,Dennis. “A^New Perspective on the Spanish Price Revolution: The
Monetary Approach to the Balance o f Payments”. Explorations in Economic
History 15, pp. 388-406,1978.

622
__. “Spanish Amci li .an Silver and World Markets in the Sixteenth Century".
Economic Forum io, |>|>. 46*71. 1979-
_____ . “The Population Thesis View o f Sixteenth-Century Inflation Versus
Economics and History". In: i r s i g l e r , F.; v a n c a u w e n b e r g h e , E. H. G. (orgs.).
Munzpragung, Geldumlauf und Wechselkurse/Mintage, Monetary Circulation and
Exchange Rates. Akten der C/-Section des 8th International Economic History Confess
Budapest 1982. Trier: THF-Verlag, 1982, pp. 361-82.
Dennis; g i r á l d e z , Arturo. “Born with a ‘Silver Spoon’: The Origin of
fly n n ,
World Trade in 1571”. Journal o f World History, v. 6, n. 2, pp. 201-11,1995.
_____ . “Cycles o f Silver: Global Economic Unity through the Mid-Eighteenth
Century ’’.Journal o f World History, v. 13, n. 2, pp. 391-427,2002.
Mathew. “Taxation and Primitive Accumulation: The Case of
fo rs ta te r,
Colonial Africa”. Research in Political Economy 22, pp. 51-64, 2005.
_____ . “Taxation: Additional Evidence from the History o f Thought, Economic
History, and Economic Policy”. In: s e t t e r f i e l d , M. (org.). Complexity, Endogenous
Money, and Exogenous Interest Rates. Chetlenham: Edward Elgar Press, 2006.
fr a n k fo rt, Henri. Kingship and the Gods: A Study o f Ancient Near Eastern Religion as
the Integration o f Society and Nature. Chicago: University o f Chicago Press, 1948.
FREMiGACCi, Jean. “Ordre économique colonial et exploitation de l’indigène: petits
colons et forgerons Betsileo (1900-1923)”. Archipel, v. 11, n. 1, pp. 177-222,1976.
fr e u c h e n , Peter. Book o f the Eskimos. Ohio: World Publishing Co., 1961.
Thomas L. The Lexus and the Olive Tree. Nova York: Farrar, Straus and
fr ie d m a n ,
Giroux, 1999.
gad am er, Hans-Georg. Truth and Method. Tradução para o inglês de Joel
Weinsheimer e Donald G. Marshall. Londres: Continuum, 2004.
Esson McDowell. Discourses on Salt and Iron: A Debate on State Control o f
g a le ,
Commerce and Industry in Ancient China (by Huan K'uan). Taipei: Ch’eng-Wen, 1967.
Jean-Claude. “Creditors, Kings and Death: Determinations and Implica­
g a le y ,
tions o f Bondage in Tehri-Gathwal (Indian Himalayas)”. In: m a l a m a u d , Char­
les (org.). Debts and Debtors. Londres: Vikas, 1983, pp. 67-124.
Thomas W. “Honor, Masculinity, and Ritual Knife Fighting in Nineteenth-
g a lla n t,
-Century Greece”. American Historical Review, v. 105, n. 2, pp. 359-82,2000.
g a lle r y , Maureen L. “Services Obligations o f the Kezertu-Women”. Orientalia
49. PP- 333-8,1980.
Geoffrey. “The Primacy o f Trade Debts in the Development o f Money”.
g a r d in e r ,
In: W r a y , L. Randall (org.). Credit and State Theories o f Money: The Contributions o f
A. Mitchell Innes. Cheltingham: Edward Elgar Press, 2004.

623
GARNSEY, Peter. Ideas of Slavery from Aristotle to Augustine. Cambridge: Cam bridge
University Press, 19 9 6 .
_____ . Thinking about Property: From Antiquity to the Age o f Revolution. Cambridge;
Cambridge University Press, 2008.
g a tes,Hill. “The Commoditization o f Women in China”. Signs, v. 14 , n. 4, pp,
799-832,1989.
g e e r t z , Clifford. “Deep play: notes on the Balinese cockfight”. In: The Interpretation
o f Culture. Nova York: Basic Books, 1973.

geertz, Hildred; geertz, Clifford. Kinship in Bali. Chicago: University o f Chicago


Press, 1975.
gernet, Jacques. “Les suicides par le feu chez les bouddhiques chinoises du V
au X e siècle”. Mélanges publiés par l'institut des Hautes Études Chinoises 11, i960, pp.
527-58.
_____ . A History o f Chinese Civilization. Cambridge: Cambridge University Press,
1982.
_____ . Buddhism in Chinese Society: A n Economic History from the Fifth to the Tenth
Centuries. Tradução para o inglês de Franciscus Verellen. Nova York: Columbia
University Press, 1995.
g e r r i e t s , Marilyn.
Money and Clientship in the Ancient Irish Laws. Tese de doutorado.
University o f Toronto, Canadá, 1978.
_____ . “The Organization o f Exchange in Early Christian Ireland”. Journal o f
Economic History, v. 41, n. 1, pp. 171-6,1981.

_____ . “Money in Early Christian Ireland according to the Irish Laws”. Comparative
Studies in Society and History, v. 27, n. 2, pp. 323-39,1985.

_____ . “Kinship and Exchange in Pre-Viking Ireland”. Cambridge Medieval Celtic


Studies 13, pp. 39-72,1987.
getz, Trevor R. “Mechanisms o f Slave Acquisition and Exchange in Late
Eighteenth Century Anomabu: Reconsidering a Cross-Section o f the Atlantic
Slave Trade”. African Economic History 31, pp. 75-89, 2003.
g h azan far, Shaikh M. “Scholastic Economics and Arab Scholars: The ‘Great
Gap’ Thesis Reconsidered”. Diogenes: International Review o f Human Sciences 154,
pp. 117-33,1991.
_____ . “The Economic Thought o f Abu Hamid Al-Ghazali and St. Thomas
Aquinas: Some Comparative Parallels and Links”. History o f Political Economy, v.
32, n. 4, pp. 857-88,2000.
_____ . (org.). Medieval Islamic Economic Thought: Filling the “Great Gap" in European
Economics. Nova York: Routledge, 2003.

624
GHAZANFAR, Shaikh M.; islahi, Abdul Azim. The Economic Thought oj al-Ghazali
(450-505 A .H ./1058-1111 a . d . , Jida: Scientific Publishing Centre King Abdulaziz
University, 1997.
_____ . “Explorations in Medieval Arab-Islamic Thought: Some Aspects o f Ibn
Taimiyah’s Economics”. In: g h a z a n f a r , S. (org.). Medieval Islamic Economic
Thought: Filling the “Great Gap” in European Economics. Nova York: Routledge,
2 0 0 3 , p p . 53-71.

Charles. The Aztecs Under Spanish Rule: A History o f the Indians o f the Valley o f
G ib s o n ,
Mexico, 1519-1810. Stanford: Stanford University Press, 1964.
g ild e r , George. Wealth and Poverty. Nova York: Basic Books, 1981.
_____ . Microcosm: The Quantum Revolution in Economics and Technology. Nova York:
Simon & Schuster, 1990.
g la n c e y , Jennifer A. Slavery in Early Christianity. Oxford: Oxford University Press,
2006.
g lu c k m a n , Max. Politics, Law and Ritual in Tribal Society. Londres: Basil Blackwell,
1971.
Shelomo Dov. “From the Mediterranean to India: Documents on the
g o ite in ,
Trade to India, South Arabia, and East Africa from the Eleventh to Twelfth
Centuries”. Speculum, v. 29, n. 2, pp. 181-97,1954.
_____ . “The Rise and Fall o f the Middle Eastern Bourgeoisie in Early Islamic
Times”. Journal o f World History 3, pp. 583-603,1957.
_____ . “The Commercial Mail Service in Medieval Islam”. Journal o f the American
Oriental Society 84, pp. 118-23,1964.
_____ . “Banker’s Accounts from the Eleventh Century a . d . ” . Journal o f the Economic
and Social History o f the Orient 9, pp. 28-66,1966.
_____ . A Mediterranean Society, The Jewish Communities o f the Arab World as Portrayed
in the Documents o f the Cairo Geniza. Berkeley: University o f California Press, 1967.
_____ . Letters o f Medieval Jewish Traders. Princeton: Princeton University Press, 1973.
Jack A. “Urbanization and Inflation: Lessons from the English Price
g o ld s to n e ,
Revolution of the Sixteenth and Seventeenth Centuries”. American Journal o f
Sociology, v. 89, n. 5, pp. 1.122-60,1984.
_____ . “Monetary Versus Velocity Interpretations o f the ‘Price Revolution’: A
Comment”. Journal o f Economic History, v. 51, n. 1, pp. 176-81,1991.
_____ . “Efflorescences and Economic Growth in World History: Rethinking the
‘Rise o f the West’ and the Industrial Revolution”. Journal o f World History, v. 13,
n. 2, pp. 323-89, 2002.

625
G o o d m a n , Marlin. Slate and Society in «(»man (iaHltt, a .n. 112-212. I.mul re*
Valentine Mitchell, m Sj.
goody, Jack. Production and Reproduction: A ( omparativc Study oj the I )omestic I hmiahi
Cambridge: Cambridge University Press, 1976.
_____ . Development o f Marriage and the Family in Europe. Cambridge: Cambridge
University Press, 1983.
_____ . The Oriental, the Ancient, and the Primitive: Systems o f Marriage and the Family in
the Pre-Industrial Societies o f Eurasia. Cambridge: Cambridge University Press, 1 1
_____ . The East in the West. Cambridge: Cambridge University Press, 1996.
goody, Jack; t a m b i a h , Stanley J. Bridewealth and Dowry. Cambridge: Cambridge
University Press, 1973.
Barry. “Lending at Interest: Some Jewish, Greek, and Christian Approaches,
G o rd o n ,
800 b c - a d 100”. History o f Political Economy, v. 14, n. 3, pp. 406-26,1982.
_____ . The Economic Problem in Biblical and Patristic Thought. Leiden: E. J. Brill, 198«}.
gough, Kathleen. “Nuer Kinship: A Reexamination”. In: b e i d e lm a n , T. (org.).
The Translation o f Culture: Essays to E. E. Evans-Pritchard. Londres: Tavistock
Publications, 1971, pp. 79-123.
goux, Jean-Joseph. Symbolic Economies: After M arx and Freud. Tradução para o
inglês de Jennifer Curtiss Gage. Ithaca: Cornell University Press, 1990.
graeb er, David. “Manners, Deference and Private Property: The Generalization
o f Avoidance in Early Modern Europe”. Comparative Studies in Society and History,
v. 39, n. 4, pp. 694-728,1997.

. Toward an Anthropological Theory o f Value: The False Coin o f Our Own Dreams.
Nova York: Palgrave, 2001.
_____ . “Fetishism and Social Creativity, or Fetishes are Gods in Process of
Construction”. Anthropological Theory, v. 5, n. 4, pp. 407-38, 2005.
_____ . “Turning Modes o f Production Inside Out: Or, Why Capitalism Is a
Transformation o f Slavery (versão resumida)”. Critique o f Anthropology, v. 26, n.
1, pp. 61-81, 2006.
_____ . Possibilities: Essays on Hierarchy, Rebellion and Desire. Oakland: a k Press, 2007.
_____ . “Debt, Violence, and Impersonal Markets: Polanyian Meditations”. In:
h a n n , Chris; h a r t , Keith (orgs.). Market and Society: The Great Transformation
Today. Cambridge: Cambridge University Press, 2009, pp. 106-32.
g ra h a m , Angus Charles. The Book o f Lieh-Tzu. Londres: John Murray, i960.
_____ . “The Nung-thia ‘School o f the Tillers’ and the Origin o f Peasant
Utopianism in China”. Bulletin o f the School o f Oriental and African Studies, v. 42,
n. 1, pp. 66-100,1979.
Disputers oj the Ian Philosophical Argument in Ancient ( hina. Illinois: Open
Court Press, 1989.
_____ . Studies in Chinese Philosophy and Philosophical Literature. Albany: State
University o f New York Press, 1994.
g r a h l, John. “Money as Sovereignty: The Economics o f Michel Aglietta”. New
Political Economy, v. 5, n. 2, pp. 291-316, 2000.
g r a n d e ll, Axel. “The reckoning Board and Tally Stick”. Accounting Historians
Journal, v. 4, n. 1, pp. 101-5, 1977-
g ray, Robert F. “Sonjo Bride-Price and the Question o f African ‘Wife Purchase’”.
American Anthropologist 62, pp. 34-47,1968.
green , Peter. Alexander to Actium: The Historical Evolution o f the Hellenistic Age.
Berkeley: University o f California Press, 1993.
g reen gu s,Samuel. “Old Babylonian Marriage Ceremonies and Rites”. Journal o f
Cuneiform Studies 20, pp. 57-72,1966.
_____ . “The Old Babylonian Marriage Contract”. Journal o f the American Oriental
Society 89, pp. 505-32,1969.
_____ . “Sisterhood Adoption at Nuzi and the ‘Wife-Sister’ in Genesis”. Hebrew
Union College Annual 46, pp. 5-31,1975.
_____ . “Bridewealth in Sumerian Sources”. Hebrew Union College Annual 61, pp.
25-88,1990.
g reg o ry, Christopher A. Gifts and Commodities. Nova York: Academic Press, 1982.
_____ . Savage Money: The Anthropology and Politics o f Commodity Exchange.
Amsterdam: Harwood Academic Publishers, 1998.
William. Secrets o f the Temple: How the Federal Reserve Runs the Country.
g r e id e r ,
Nova York: Simon & Schuster, 1989.
g r ie r s o n , Phillip. “Commerce in the Dark Ages: A Critique of the Evidence”.
Transactions o f the Royal Historical Society 9, pp. 123-40,1959. (Fifth Series).
_____ . “The Monetary Reforms o f ‘Abd al-Malik: Their Metrological Basis and
Their Financial Repercussions”. Journal o f the Economic and Social History o f the
Orient 3, pp. 241-64, i960.
_____ . The Origins o f Money. Londres: Athlone Press, 1977.
_____ . “The Origins o f Money”. Research in Economic Anthropology, n. 1, pp. 1-35,1978.
_____ . Dark Age Numismatics. Londres: Variorium Reprints, 1979.
gro sz, Katarzyna. “Bridewealth and Dowry in Nuzi”. In: c a m e r o n , A.; k u h r t ,
A. (orgs.). Images o f Women in Antiquity. Detroit: Wayne State University Press,
1983, pp. 193-206.

627
______. “Some Aspects o l the Position of W om en In Nii/,1". In: ii s k d , BhiI mm
S. (org.). Women's Earliest Records from Ancient Igypt and Western Asia. AiLim.i
Scholar’s Press, 1989, pp. 167-80.
gudem an, Stephen. The Anthropology o f Economy. Londres: Blackwell, 2 0 0 2 .
guha, Ranjanit. Elementary Aspects o f Peasant Insurgency in Colonial India. I )ut Ii.imi
Duke University Press, 1999.
GUISBOROUGH, William o f. The Chronicle o f William o f Guisborough. I.omlien
Camden, 1954. (Edição de H. Rothwell.)
Parameshwari Lai; h a r d a k e r , T. R. Indian Silver Punchmarked Coin*
g u p ta ,
Magadha-Maurya Karshapana Series. Nashik: Indian Institute o f Research In
Numismatic Studies, 1985.
g u th ,Delloyd J. “The Age o f Debt: The Reformation and English Law”. In: can II,
Delloyd J.; m c k e n n a , John W. (orgs.). Tudor Rule and Revolution: Essays fo r CM
Elton from His American Friends. Cambridge: Cambridge University Press, 200M,
pp. 69-86.
g u ye r, Jane I. “Brideprice”. In: s t e a r n s , Peter N. (org.). The Encyclopedia o f Six i.il
History. Londres: Taylor & Francis, 1994, p. 84.
_____ . M arginal Gains: Monetary Transactions in Atlantic Africa. Chicago: Universit v
o f Chicago Press, 2004.
Pierre. Philosophy as a Way o f Life: Spiritual Exercises from Socrates to Foucaull
h a d o t,
Tradução para o inglês de Michael Chase. Oxford: Blackwell, 1995.
_____ . What Is Ancient Philosophy? Cambridge: Belknap Press, 2002.
h a lla m , Henry. The Constitutional History o f England, from the Accession o f Henry VII
to the Death o f George 11. Londres: Widdelton, 1866.

David. “The Democratic Body: Prostitution and Citizenship in


h a lp e r in ,
Classical Athens”. In: h a l p e r i n , David (org.). One Hundred Years o f Homosexuality
and Other Essays on Greek Love. Nova York: Routledge, 1990, pp. 88-112.
h a m a s h ita ,Takeshi. “Tribute Trade System and Modern Asia”. In: l a t h a m ,
A. J. H.; k a w a k a t s u , H. (orgs.). Japanese Industrialization and the Asian Economy.
Londres/Nova York: Routledge, 1994, pp. 91-107.
_____ . “Tribute and Treaties: Maritime Asia and Treaty Port Networks in the Era
o f Negotiations, 1800-1900”. In: a r r i g h i , Giovanni et alii (orgs.). The Resurgence
o f East Asia, 500, 150 and 50 Year Perspectives. Londres/Nova York: Routledge,
2003, pp. 15-70.
Earl J. American Treasure and the Price Revolution in Spain, 1501-1650.
H a m ilt o n ,
Cambridge: Harvard University Press, 1934.

628
HANSEN, Chad. A Dot) 1st theory o f Chinese Thought: A Philosophical Interpretation.
Oxford: Oxford University Press, 2000.
HARDAKER, Alfred. A Hrief History o f Pawnbroking. Londres: Jackson, Ruston and
Keeson, 1892.
HARDENBURG, Walter Ernest; c a s e m e n t , sir Roger. The Putumayo: The Devil's
Paradise; Travels in the Peruvian Amazon Region and an Account o f the Atrocities
Committed Upon the Indians Therein. Londres: T. F. Unwin, 1913.
Alan. “Political Liberty in the Middle Ages”. Speculum, v. 55, n. 3, pp.
H a rd in g ,
423-43,1980.
J. Albert. The Manumission o f Slaves in Early Christianity. Tübingen: Mohr
h a r r ill,
Siebek, 1998.
H a r r is , Edward M. Democracy and the Rule o f Law in Classical Athens: Essays on Law,
Society, and Politics. Cambridge: Cambridge University Press, 2006.
H a r r is ,Rosemary. “The History of Trade at Ikom, Eastern Nigeria”. Africa: Journal
o f the International African Institute, v. 42, n. 2, pp. 122-39,1972.
H a r r is , William Vernon (org.). “A Revisionist View of Roman Money". Journal o f
Roman Studies 96, pp. 1-24, 2006.
_____ . “Introduction”. In: H a r r i s , W. V. (org.). The Monetary Systems o f the Greeks
and Romans. Oxford: Oxford University Press, 2008a, pp. 1-12.
_____ . “The Nature o f Roman Money”. In: H a r r i s , W. V. (org.). The Monetary
Systems o f the Greeks and Romans. Oxford: Oxford University Press, 2008b, pp.
174-207.
James P. “Communist Interpretations o f the Chinese Peasant Wars”.
h a r r is o n ,
The China Quarterly 24, pp. 92-118,1965.
h a rt, Keith. “Heads or Tails? Two Sides o f the Coin”. Man (New Series), v. 21, n.
4, pp. 637-56,1986.
_____ . The Memory Bank: Money in an Unequal World. Londres: Perpetua Books,
1999 .
h a w tre y , Ralph G. Currency and Credit. 3 . ed. Londres: Longmans, Green and Co.,
1928.
Jack. “Solidarity: The Social History o f An Idea in Nineteenth Century
h a yw a rd ,
France”. International Review o f Social History 4, pp. 261-84,1959.
heady, Patrick. “Barter”. In: c a r r i e r , James (org.). Handbook o f Economic
Anthropology. Cheltenham: Edward Elgar Press, 2005, pp. 262-74.
Jean-Claude. “La Parenté à Plaisanterie à Madagascar: Etude d’Ethnologie
h é b e rt,
Juridique”. Bulletin de Madagascar, n. 142-3, pp. 122-258,1958.

629
h e ilb r o n , Johan. "French Moralists und ihr Anthropology of Ihe Modern h i
On the Genesis of the Notions ol 'Interest' .itul 'Commercial Society’”, In
w i i t r o c k , Bjorn; HEILBRON, Johan; m a g n u s s o n , Lars (orgs.). The Rise oj lilt
Social Sciences and the Formation oj Modernity: Conceptual Change in Context, i 'so
-1850. Dordrecht: Kluwer Academic Publishers, 1998, pp. 77-106.
HEINSOHN, Gunnar; s t e i g e r , Otto. “The Veil o f Barter: The Solution t o ‘The I.cl
o f Obtaining Representations o f an Economy in which Money is Essential"
ln: k r e g e l , J. A. (org.). Inflation and Income Distribution in Capitalist Crisis: lissavs
in Memory o f Sidney Weintraub. Nova York: New York University Press, 1989, pp.
175-202.
h elm h o lz,Richard H. “Usury and the Medieval English Church Courts".
Speculum 61, n. 2, pp. 364-80,1986.

Eugenia W. Red Gold o f Africa: Copper in Precolonial History and Culture.


He r b e r t ,
Madison: University o f Wisconsin Press, 2003.
h e r l ih y , David. Medieval Households. Cambridge: Harvard University Press, 198s.
h erzfeld , Michael. “Honour and Shame: Problems in the Comparative Analysis
o f Moral Systems”. Man 15, pp. 339-51,1980.
_____ . The Poetics o f Manhood. Princeton: Princeton University Press, 1985.
h ezser,Catherine. “The Impact of Household Slaves on the Jewish Family in
Roman Palestine”. Journal fo r the Study ofJudaism, v. 34, n. 4, pp. 375-424, 2003.
h il d e b r a n d , Bruno. “Natural-, Geld- und Creditwirtschaft”. Jahrbuch National­
ökonomie, 1864.

h il l , Christopher. The World Turned Upside Down. Nova York: Penguin, 1972.
h ir s c h m a n , Albert
O. The Passions and the Interests: Political Argumentsfor Capitalism
Before its Triumph. Princeton: Princeton University Press, 1977.
_____ . Rival Views o f Market Society and Other Recent Essays. Cambridge: Harvard
University Press, 1992.
ho, Engseng. “Empire through Diasporic Eyes: A View from the Other Boat”.
Comparative Studies in Society and History, v. 46, n. 2, pp. 210-46, 2004.
h o cart, Alfred M. Kings and Councillors: A n Essay in the Comparative Anatomy o f
Human Society. Chicago: University of Chicago Press, 1936.
h o d g so n , Marshall G. S. The Venture o f Islam: Conscience and History in a World
Civilization. Chicago: University o f Chicago Press, 1974. 3 v.
Dewey J. Faith and Reason from Plato to Plantinga: A n Introduction to
h o it e n g a ,

Reformed Epistemolegy. Albany: State University o f New York Press, 1991.


Susan R. The Hungry are Dying: Beggars and Bishops in Roman Cappadocia.
h o lm an ,

Nova York: Oxford University Press, 2002.

630
Ho m a n s , George. “Social Behavior as Exchange”. American Journal o f Sociology, v.
63, n. 6, pp. 597-606, »958.
h o m er,Sydney. A History o f Interest Rates. 2. ed. New Brunswick: Rutgers
University Press, 1987.
Keith. Conquerors and Slaves: Sociological Studies in Roman History.
Ho p k i n s ,
Cambridge: Cambridge University Press, 1978.
HOPPIT, Julian. “Attitudes to Credit in Britain, 1680-1790”. The Historical Journal, v.
33, n. 2, pp. 305-22,1990.
Ho s k i n s , Janet. Biographical Objects: How Things Tell the Stories o f People’s Lives. Nova
York: Routledge, 1999.
HOSSEINI, Hamid S. “Understanding the Market Mechanism before Adam Smith:
Economic thought in Medieval Islam”. History o f Political Economy, v. 27, n. 3, pp.
539-61,1995.
_____ . “Seeking the Roots o f Adam Smith’s Division o f Labor in Medieval Persia”.
History o f Political Economy, v. 30, n. 4, pp. 653-81,1998.
_____ . “Contributions o f Medieval Muslim Scholars to the History o f Economics
and Their Impact: A Refutation of the Schumpeterian Great Gap”. In: s a m u e l s ,
Warren J.; b i d d l e , Jeff; d a v i s , John Bryan (orgs.). The Blackwell Companion to
Contemporary Economics, in : A Companion to the History o f Economic Thought.
Londres: Wiley-Blackwell, 2003, pp. 28-45.
Walter J. Contending fo r Justice: Ideologies and Theologies o f Social Justice in
Ho u s t o n ,
the Old Testament. Londres: T & T Clark, 2006.
h o w el,King. Ancient Laws and Institutes o f Wales: Laws Supposed to Be Enacted by
Howel the Good. Nova Jersey: The Lawbook Exchange, Ltd., 2006.
Paul P. A Manual o f Nuer Law. Londres: International Africa Institute/
h o w ell,

Oxford University Press, 1954.


HOWGEGO, Christopher. “The Supply and Use o f Money in the Roman World 200
B.C. to a . d . 300 ’’.Journal o f Roman Studies 82, pp. 1-31,1992.
huang, Ray. Taxation and Governmental Finance in Sixteenth-Century China. Cambrid­
ge: Cambridge University Press, 1974.
_____ . Broadening the Horizons o f Chinese History: Discourses, Syntheses, and Compari­
sons. Amonk: M. E. Sharpe, 1999.
h ubbard , Jamie.
Absolute Delusion, Perfect Buddhahood: The Rise and Fall o f a Chinese
Heresy. Honolulu: University o f Hawaii Press, 2001.
Henri; m a u s s , Marcel. Sacrifice: Its Nature and Function. Tradução para o
Hu b e r t ,
inglês de W. D. Halls. Londres: Cohen and West, 1964.

631
Kenneth. Pawnbmkli\g: An As/mt <>/ HHfi.v/i .Social I llstory. Lend res: I hr
H u d so n ,
Bodley Head, 1982.
Michael. “Did the Phoenicians Introduce the Idea ol Interest to Greece
H u d so n ,
and Italy-A n d If So, When?”. In: k o p c k e , Gunter; i o k u m a r u , Isabelle (orgs).
Greece Between East and West: io 'h-i8 'h Centuries BC. Mainz: Verlag Philipp von
Zabern, 1992, pp. 128-43.
_____ . “The Lost Tradition o f Biblical Debt Cancellations”. Artigo de
pesquisa apresentado na Hentry George School o f Social Science, 1991.
Disponível em: http://michael-hudson .com/wp-content /uploads /2010/0 j /
HudsonLostTradition.pdf. Acesso em: 8/12/2015.
_____ . “Reconstructing the Origins of Interest-Bearing Debt and the Logic of
Clean Slates”. In: H u d s o n , Michael; v a n d e m ie r o o p , Marc (orgs.). Debt and
Economic Renewal in the Ancient Near East. Bethesda: c d l Press, 2 0 0 2 , p p . 7-58.
_____ . Super Imperialism: The Origins and Fundamentals o f U.S. World Dominance.
Londres: Pluto Press, 2003a.
_____ . “The Creditary/Monetarist Debate in Historical Perspective”. In: b e l l ,
Stephanie; n e l l , Edward (orgs.). The State, the Market, and Euro: Chartalism versus
Metallism in the Theory o f Money. Cheltenham: Edward Elgar Press, 2003b, pp. 39-76.
_____ . “The Archeology o f Money: Debt vs. Barter Theories o f Money”. In: w r a y ,
Randall (org.). Credit and State Theories o f Money. Cheltenham: Edward Elgar
Press, 2004a, pp. 99-127.
_____ . “The Development o f Money-of-Account in Sumer’s Temples”. In:
H u d s o n , Michael; w u n s c h , Cornelia (orgs.). Creating Economic Order: Record-
-Keeping, Standardization and the Development o f Accounting in the Ancient Near East.
Baltimore: c d l Press, 2 0 0 4 b , p p . 30 3-29 .
H u d so n , Michael; v a n d e m ie r o o p , Marc (orgs.). Debt and Economic Renewal in the
Ancient Near East. Bethesda: c d l Press, 2 0 0 2 .
HUMPHREY, Caroline. “Barter and Economic Disintegration”. M an (New Series),
v. 20, n. 1, pp. 48-72,1985.
_____ . “Fair Dealing, Just Rewards: The Ethics o f Barter in North-East Nepal”. In:
HUMPHREY, Caroline; h u g h - j o n e s , Stephen (orgs.). Barter, Exchange, and Value:
A n Anthropological Approach. Cambridge: Cambridge University Press, 1994, pp.
107-41.
HUMPHREY, Chris. The Politics o f Carnival: Festive Misrule in Medieval England.
Manchester: Manchester University Press, 2001.
hunt, William. The Puritan Moment: The Coming o f Revolution in an English County.
Cambridge: Harvard University Press, 1983.

632
Sharon. Nuer Dilemmas: Coping with Money, War, and the State.
h u tc h in so n ,
Berkeley: University o f California Press, 1996.
1325-1354. Tradução para o inglês de H. A.
IBN B a t t u t a . Travels in Asia and Africa,
R. Gibb. Londres: Routledge & Kegan Paul, 1929.
Joaquin Garcia. Memoriales de Fray Toribio de Motolinia. Charleston:
ic a z b a l c e t a ,

BiblioBazaar, 2008.
IHERING, Rudolf von. Geist des Römischen Rechts auf den verschiedenen Stufen seiner
Entwicklung. Berlim: Adamant Media Corporation, 2003.
ILWOF, Franz. Tauschhandel und Geldsurrogate in alter und neuer Zeit. Graz: Leuschner
& Lubensky, 1882.
In g h a m , Geoffrey. “Money as a Social Relation”. Review o f Social Economy, v. 54, n.
4, pp. 507-29,1996.
_____ . “Capitalism, Money, and Banking: A Critique o f Recent Historical Socio­
logy”. British Journal o f Sociology, v. 5, n. 1, pp. 76-96,1999.
_____ . ‘“Babylonian Madness’: On the Historical and Sociological Origins of
Money”. In: s m it h i n , John (org.). What is Money? Nova York: Routledge, 2 0 0 0 ,
pp. 16-41.
_____ . The Nature o f Money. Cambridge: Polity Press, 2004.
In g ra m , Jill Phillips. Idioms o f Self-Interest: Credit, Identity and Property in English
Renaissance Literature. Nova York: Routledge, 2006.
Joseph E. “The Import o f Firearms into West Africa, 1750 to 1807: A
in k o r i,
Quantative Analysis”. In: i n k o r i , J. E. (org.). Forced Migration: The Impact o f the
Export Slave Trade on African Societies. Londres: Hutchinson University Library,
1982, pp. 126-53.
in n é s , A. Mitchell. “What is Money?”. Banking Law Journal, v. 30, n. 5, pp. 377-408,
1913.
_____ . “Credit Theory o f Money?”. Banking Law Journal, v. 31, n. 2, pp. 151-68,1914.
io a n n a t o u ,Marina. Affaires d’argent dans la correspondance de Cicéron: l’aristocratie
sénatoriale face à ses dettes. Paris: De Boccard, 2006.
i s iC H E i, Elizabeth. A History o f the Igbo People. Londres: Basingstoke, 1976.
ISLAHI, Abdul Azim. “Ibn Taimiyah’s Concept o f Market Mechanism”. Journal o f
Research in Islamic Economics 2, pp. 55-65,1985.
_____ . Contributions o f Muslim Scholars to Economic Thought and Analysis (11-
-9 0 5 A .H ./632-15 0 0 A.D.). Jidá: Scientific Publishing Center/King Abdulaziz
University, 2 0 0 5 .

633
ja c o b , Guy. “Gallienl cl Tlm pôt moi allumeur' A Mailaguscur: théorie, pratique*
et conséquences, 1901-1905”. Kîvuc i Mfiçdivc d'I lislolrt d'Oulit-m er, v, 74,11. 177,
PP- 431- 73 .19 8 7 .
Ja m es, C. L. R. (Cyril Lionel Robert). The Black Jacobins: Toussaint L'Ouverture ami lin
San Domingo Revolution. Londres: Seeker and Warburg, 1938.
Angela; j u d g e , Elizabeth, “ im f warns second bailout would 'threaten
Ja m e s o n ,
democracy’”, 2009. Disponível em: http://www.thetimes.co.uk/tto/busiiu'ss/
economics/article2i5i357.ece. Acesso em: 8/12/2015.
JAN , Yün-hua. “Buddhist Self-Immolation in Medieval China”. History o f Religions,
v. 4, n. 2, pp. 243-68,1965.

J a n s s e n , Johannes. A History o f the German People at the Close o f the Middle Ages.
3. ed.
Tradução para o inglês de A. M. Christie. Londres: Kegan Paul, Trench, Trubni i
& Co., 1910.16 v.
ja s n o wRichard Lewis. “Pre-demotic Pharaonic Sources”. In: w e s t b r o o k , R.;
,
, R. (orgs.). Security fo r Debt in Ancient Near Eastern Law. Leiden/Boston/
ja s n o w

Colônia: Brill, 2001, pp. 35-45.


ja s p e r s , Karl. Vom Ursprung und Ziel der Geschichte. Munique: Piper Verlag, 1949.
_____ . Way to Wisdom: A n Introduction to Philosophy. New Haven: Yale University
Press, 1951.
Thomas. Political Writings. Cambridge: Cambridge University Press,
je f f e r s o n ,
1988. (Organização de Joyce Oldham Appleby e Terence Ball.)
je n k in s o n , C. Hilary. “Exchequer Tallies”. Archaeologia 62, pp. 367-80,1911.
_____ . “Medieval Tallies, Public and Private”. Archaeologia 74, pp. 289-324,1924.
je v o n s , W. Stanley. Theory o f Political Economy. Nova York: MacMillan & Co., 1871.
_____ . Money and the Mechanism o f Exchange. Nova York: Appleton and Company, 1875.
Bruno. “De la solidarité aux solidarités dans la rhétorique politique
jo b e r t ,

française”. In: b e c c , C.; p r o c a c c i , G. (orgs.). De la responsabilité solidaire. Paris:


Syllepses, 2003, pp. 69-83.
Jo h n so n ,Lynn. “Friendship, Coercion, and Interest: Debating the Foundations
o f Justice in Early Modern England”. Journal o f Early Modern History, v. 8, n. 1, pp.
46-64, 2004.
J o h n s o n , Simon. “The Quiet Coup”, 2009. Disponível em: www.theatlantic.com/
magazine/archive/2009/05/the-quiet-c0up/307364/. Acesso em: 8/12/2015.
jo n e s , David. Reforming the Morality o f Usury: A Study o f Differences that Separated the
Protestant Reformers. Lanham: University Press o f America, 2004.
jo n e s , G. I. “Who are the Aro?”. Nigerian Field 8, pp. 10 0 -3, 1939-

634
_____ . "Native and Trade Currencies in Southern Nigeria during the Eighteenth
and Nineteenth Centuries”. Africa: Journal o f the International African Institute, v.
28, n. 1, pp. 43-56,1958.
_____ . “The Political Organization o f Old Calabar”. In: f o r d e , D. (org.). Efik
Traders o f Old Calabar. Londres: International African Institute, 1968.
j o n e s , J. Walter. The Law and Legal Theory o f the Greeks. Oxford: Clarendon Press, 1956.
jo rd a n , Kay E. From Sacred Servant to Profane Prostitute: A History o f the Changing
Legal Status o f Devadasis in India, 1857-1947. Nova Déli: Manohar, 2003.
ju s t , Roger. Women in Athenian Law and Life. Londres: Routledge, 1989.
_____ . “On the Ontological Status o f Honour”. In: h e n d r y , Joy; w a t s o n , C. W.
(orgs.). An Anthropology o f Indirect Communication. Londres: Routledge, 2001, pp.
34-50. ( a s a Monographs 37.)
kahnem an, Daniel. “A Psychological Perspective on Economics”. American
Economic Review, v. 93, n. 2, pp. 162-68, 2003.
k a lle t , Lisa. Money and the Corrosion o f Power in Thucydides: The Sicilian Expedition
and Its Aftermath. Berkeley: University o f California Press, 2001.
k a lte n m a r k , Max. “Ling pao: Notes sur un terme du taoïsme religieux”. Mélanges
publiés par l’institut des Hautes Études Chinoises 2, pp. 559-88, i960.
k a lu p a h a n a , David. Mulamadhyamakakarika o f Nagarjuna: The Philosophy o f the
M iddle Way. Nova Déli: Motilal Banarsidas, 1991.
Anya. Generation Debt: Why Now is a Terrible Time to Be Young. Nova York:
k a m e n tz ,
Riverhead Books, 2006.
kan, Lao. “The Early Use of the Tally in China”. In: r o y , David T.; t s i e n , Tsuen-
-hsuin (orgs.). Ancient China: Studies in Early Civilization. Hong Kong: Chinese
University Press, 1978, pp. 91-8.
kane, Pandurang Vaman. History o f Dharmasastra, Volume ill. Poona: Bhandarkar
Oriental Research Institute, 1968.
Ernst H. The King’s Two Bodies: A Study in Medieval Political Theology.
K A N TO R O W icz,
Princeton: Princeton University Press, 1957.
k a r a ta n i, Kojin. Transcritique: On Kant and Marx. Cambridge: m it Press, 2003.
k e il, Charles. Tiv Song. Chicago: University o f Chicago Press, 1979.
Arthur Berriedale. The Religion and Philosophy o f the Veda and Upanishads.
k e ith ,
Cambridge: Harvard University Press, 1925.
k e lly ,Amy. “Eleanor o f Aquitaine and Her Courts o f Love”. Speculum, v. 12, n. 1,
pp. 3-19,1937.

635
Fergus. A Guldr Io larly (rlvli l inv. Dublin: Dublin Institute lor Advimcnl
K e lly ,
Studies, 1988.
David; t e m in , Peter. “ Money and Prices in the Early Roman Hmpirc".
k e s s le r ,
In: H a r r i s , W. V. (org.). The Monetary Systems o f the Greeks and Romans. Oxford;
Oxford University Press, 2008, pp. 137-60.
Eva. The Reign o f the Phallus: Sexual Politics in Ancient Athens. Cambridge
k e u ls,
Harper & Row, 1985.
keyn es, John Maynard. A Treatise on Money. Londres: MacMillan, 1930.
_____ . The General Theory o f Employment, Interest and Money. Londres: MacMillan, 193(1.
David. Aristotle: Politics Books v and v i. Oxford: Clarendon Press, 1999.
k e y t,
(Clarendon Aristotle Series.)
khan, Mir Siadat Ali. “The Mohammedan Laws against Usury and How They
Are Evaded”. Journal o f Comparative Legislation and International Law, v. 11, n. 4, pp.
233-44,1929. (Third Series.)
k i e s c h n i c k , John. The Eminent Monk: Buddhist Ideals in Medieval Chinese Hagiography.
Honolulu: University o f Hawaii Press, 1997.
KIM, Henry S. “Archaic Coinage as Evidence for the Use o f Money”. In: m e a d o w s ,
A.; s h i p t o n , K. (orgs.). Money and Its Uses in the Ancient Greek World. Oxford:
Oxford University Press, 2001, pp. 7-21.
_____ . “Small Change and the Moneyed Economy”. In: c a r t l e d g e , Paul; c o h e n ,
Edward E.; f o x h a l l , Lin (orgs.). Money, Labour and Land: Approaches to the
Economies o f Ancient Greece. Nova York: Routledge, 2002.
k in d le b e r g e r , Charles P. A Financial History o f Western Europe. Londres: MacMillan,
1984.
_____ . Manias, Panics, and Crashes: A History o f Financial Crises. Londres: MacMillan,
1986.
Aaron. “Jewish and Christian Theories o f Usury in the Middle
k irs c h e n b a u m ,
Ages”. The Jewish Quarterly Review, v. 75, n. 1, pp. 270-89,1985.
Aaron. “The Character o f Credit and the Problem o f Belief in Middleton’s
k itc h ,
City Comedies”. Studies in English Literature, v. 47, n. 2, pp. 403-26, 2007.
K le in , Martin A. “The Slave Trade and Decentralized Societies”. Journal o f African
History, v. 41, n. 1, pp. 49-65, 2000.
knapp, Georg Friedrich. The State Theory o f Money. Tradução para o inglês de H. M.
Lucas e J. Bonar. Londres: MacMillan, 1925.
knapp, Keith N. “Reverent Caring: The Parent-Son Relation in Early Medieval
Tales o f Filial Offspring”. In: c h a n , Alan Kam-leung; t a n , Sur-hoon (orgs.).
Filial Piety in Chinese Thought and History. Londres: Routledge, 2004, pp. 44-70.

636
KO, Dorothy; HABOUSH, Jiillyim Kim; PIGGOTT, Joan R. (orgs.). Women and
Confucian Cultures in Premodern China, Korea, and japan. Berkeley: University of
California Press, 2003.
kohn, Livia. Daoism Handbook. Leiden: E. J. Brill, 2000.
_____ . Monastic Life in Medieval Daoism: A Cross-cultural Perspective. Honolulu:
University of Hawaii Press, 2002.
Igor; m ie r s , Suzanne. “African ‘Slavery’ as an Institution of Margi-
k o p y to ff,
nality”. In: m ie r s , Suzanne; k o p y t o f f , Igor (orgs.). Slavery in Africa: Historical
and Anthropological Perspectives. Madison: University of Wisconsin Press, 1977,
pp. 1-84.
k o rver, Jan. Die terminologie van het crediet-wezen en het Grieksch. Amsterdam: H. J.
Paris, 1934.
k o s a m b i, Damodar Dharmanand. The Culture and Civilisation o f Ancient India in
Historical Outline. Londres: Routledge & Kegan Paul, 1965.
_____ . Ancient India: A History o f Its Culture and Civilization. Nova York: Pantheon
Books, 1966.
_____ . Indian Numismatics. Hyderabad: Orient Longman, 1981.
_____ . An Introduction to the Study o f Indian History. Mumbai: Popular Prakashan,
1996.
k raay, Colin M. “Hoards, Small Change and the Origin o f Coinage”. Journal o f
Hellenic Studies 84, pp. 76-91,1964.
k ram er,Samuel Noah. The Sumerians: Their History, Culture, and Character. Chicago:
University o f Chicago Press, 1963.
_____ . The Sacred Marriage: Aspects o f Faith, Myth and Ritual in Ancient Sumer.
Bloomington: Indiana University Press, 1969.
k r o p o t k in , Peter. Mutual A id: A Factor o f Evolution. Londres: William Heinemann,
1902.
Josef. Allgemeine Wirtschaftsgeschichte des Mittelalters und der Neuzeit.
k u lis c h e r ,
Munique: R. Oldenbourg, 1928.
Timur. “Islamic Economics and the Islamic Subeconomy”. Journal o f
k u ra n ,
Economic Perspectives, v. 9, n. 4, pp. 155-73,1995.
_____ . “The Absence o f the Corporation in Islamic Law: Origins and Persistence”.
American Journal o f Comparative Law, v. 53, n. 4, pp. 785-834, 2005.
k u rk e, Leslie. “Pindar and the Prostitutes, or Reading Ancient ‘Pornography’”.
Arion, v. 4, n. 2, pp. 49-75,1996. (Third Series.)
_____ . “Inventing the ‘Hetaira’: Sex, Politics, and Discursive Conflict in Archaic
Greece”. Classical Antiquity, v. 16, n. 1, pp. 106-50,1997.

637
_____ . Coins. Bodies, (lames, and Gold: Ihr Politics of Mratting In Archaic Greet e
Princeton: Princeton University Press, igpy.
KUZNETS, Solomon. “Pawnbroking". In: s k l i g m a n , Edwin R. A. (or#.).
Encyclopaedia o f the Social Sciences, v. Vll, p. 38. Nova York: MacMillan, lg » .
LABiB, Subhi Y. “Capitalism in Medieval Islam”. The Journal o f Economic History, v.
29, n. 1, pp. 79-96,1969.
Gerhardt B. “Medieval and Modern Understanding o f Symbolism: A
L ad n er,
Comparison”. Speculum, v. 54, n. 2, pp. 223-56,1979.
LAFiTAU, Joseph-François. Customs o f the American Indians Compared with the Customs
o f Primitive Times. Organizado e traduzido para o inglês por William N. Fenton
e Elizabeth L. Moore. Toronto: Champlain Society, 1974. 2 v.
la fle u r , William R. The Karma o f Words: Buddhism and the Literary Arts in Medieval
Japan. Berkeley: University o f California Press, 1986.

la fo n t, Bertrand. “Les lilies du roi de Mari”. In: d u r a n d , J.-M. (org.). La femme


dans le Proche-Orient antique. Paris: e r c , 1987, pp. 113-23.
Maurice. “Une inscription nouvelle d’Entemena prince d e Lagash".
la m b e r t,
Revue du Louvre 21, pp. 231-6,1971.
la m b e r t, Wilfried G. “Prostitution”. In: h a a s , V. (org.). Aussenseiter und Randgrup­
pen: Beitrage zu einer Sozialgeschichte des Alten Orients. Konstanz: Universitatsver-
lag, 1992, pp. 127-57.
LAMOTTE, Etienne. Karmasiddhi Prakarana: The Treatise on Action by Vasubandhu.
Freemont: Asian Humanities Press, 1997.
Frederic Chapin. Venetian Ships and Shipbuilders o f the Renaissance. Baltimore:
la n e ,
Johns Hopkins University Press, 1934.
la n g h o lm ,Odd. Price and Value in the Aristotelian Tradition. Oslo: Universitetsfor-
laget, 1979.
_____ . The Aristotelian Analysis o f Usury. Bergen: Universitetsforlaget, 1984.
_____ . Economics in the Medieval Schools: Wealth, Exchange, Value, Money and Usury
According to the Paris Theological Tradition, 1200-1350. Leiden: E. J. Brill, 1992.
(Studien und Texte zur Geistesgeschichte des Mittelalters 29.)
_____ . “The Medieval Schoolmen, 1200-1400”. In: l o w r y , S. Todd; g o r d o n ,
Barry (orgs.). Ancient and Medieval Economic Ideas and Concepts o f Social Justice.
Leiden: E. J. Brill, 1996, pp. 439-502.
_____ . The Legacy o f Scholasticism in Economic Thought: Antecedents o f Choice and Power.
Cambridge: Cambridge University Press, 1998.
_____ . The Merchant in the Confessional: Trade and Price in the Pre-Reformation Penitential
Handbooks. Leiden: E. J. Brill, 2002.

638
LAP)DUS, Ira. "State and Religion in Islamic Societies”. Fast and Present 151, pp. 3-27,
1995.
_____ . A History o f Islamic Societies. 2. ed. Cambridge: Cambridge University Press,
2002.
L arso n ,Pier. History and Memory in the Age o f Enslavement: Becoming Merina in
Highland Madagascar, 1770-1822. Portsmouth: Heinemann, 2000.
A. J. H. “Currency, Credit and Capitalism on the Cross River in the
L a th a m ,
Precolonial Era”. Journal o f African History, v. 12, n. 4, pp. 599-605,1971.
_____ . Old Calabar 16 0 0 -18 9 1: The Impact o f the International Economy Upon a
Traditional Society. Oxford: Clarendon Press, 1973.
_____ . “The Pre-Colonial Economy; The Lower Cross Region”. In: a b a s i a t t a i ,
Monday B. (org.). A History o f the Cross River Region o f Nigeria. Calabar: University
o f Calabar Press, 1990, pp. 70-89.
LAUM, Bernard. Heiliges Geld: Eine historische Untersuchung lieber den sakralen Ursprung
des Geldes. Tübingen: J. C. B. Mohr, 1924.
la w , Robin. “On Pawning and Enslavement for Debt in the Pre-colonial Slave
Coast”. In: f a l o l a , Toyin; l o v e j o y , Paul E. (orgs.). Pawnship in Africa: Debt Bondage
in Historical Perspective. Boulder: University of Colorado Press, 1994, pp. 61-82.

le a c h , Edmund R. Rethinking Anthropology. Londres: Athlone Press, 1961.


_____ . “The kula: an alternative view”. In: l e a c h , Jerry (org.). The Kula: New
Perspectives on Massim Exchange. Cambridge: Cambridge University Press, 1983,
pp. 529-38.
Ian. “Entella: the Silver Coinage o f the Campanian Mercenaries and the Site
le e ,
of the First Carthaginian Mint, 410-409 b c ” . Numismatic Chronicle 160, pp. 1-66,
2000.
Maurice. Do Kamo: Person and Myth in the Melanesian World. Chicago:
le e n h a r d t,
University o f Chicago Press, 1979.
Jacques. Your Money or Your Life: Economy and Religion in the M iddle Ages.
l e G o ff,
Tradução para o inglês de Patricia Ranum. Nova York: Zone Books, 1990.
le g u in , Ursula. The Disposessed. Nova York: Avon, 1974.
LEMCHE, Niels Peter. “The ‘Hebrew Slave’: Comments on the Slave Law, Ex. Xxi
2-11”. Vetus Testamentum 25, pp. 129-44,1975-
_____ . “The Manumission o f Slaves: The Fallow Year, The Sabbatical Year, The
Jobel Year”. Vetus Testamentum 26, pp. 38-59,1976.
_____ . “Andurarum and M isharum: Comments on the Problems o f Social Edicts
and their Application in the Ancient Near East”. Journal o f Near Eastern Studies
38, pp. 11-18,1979.
___ . Ancient Israel: A New I Ustory 0/ IvnuHlc Sm lety. Sheffield: Sheffield Academic
Press, 1985.
George. La naissance de la monnaie: pratiques monétaires Je l'Orient ai nient.
le r id e r ,

Paris: Presses Universitaires de France, 2001.


lern er, Abba P. “Money as a Creature o f the State". American Economic Review,
Papers a n J ProceeJings, v. 37, n. 2, pp. 312-7,1947.

lern er, Gerda. “The Origin o f Prostitution in Ancient Mesopotamia". Signs, v. II,
n. 2, pp. 236-54,1980.
_____ . “Women and Slavery”. Slavery and Abolition: A Journal o f Comparative StuJies,
v. 4, n. 3, pp. 173-98,1983.
_____ . The Creation o f Patriarchy. Nova York: Oxford University Press, 1989.
LETW IN, William. Origins o f Scientific Economics: English Economic Thought, 16 60 -
-1776. Londres: Routledge, 2003.
l e v I, Sylvain. La Doctrine du Sacrifice dans les Brâhmanas. Paris: Ernest Leroux, 1898.
_____ . L'Inde civilisatrice. Paris: Institut de Civilisation Indienne, 1938.
LÉVI-STRAUSS, Claude. “Guerre et commerce chez les Indiens d’Amérique du
Sud”. Renaissance, v. 1, n. 1-2,1943.
_____ . Structural Anthropology. Tradução para o inglês de C. Jacobson e B. G.
Schoepf. Nova York: Basic Books, 1963. [Ed. bras.: Antropologia estrutural.
Tradução de Beatriz Perrone-Moisés. São Paulo: Cosac Naify, 2008.]
lév y-bru h l, Lucien. Primitive Mentality. Londres: Allen & Unwin, 1923.
Mark Edward. Sanctioned Violence in Early China. Albany: State University of
l e w is ,

New York Press, 1990.


Li, Xueqin. Eastern Zhou and Qin Civilizations. Tradução para o inglês de K. C.
Chang. New Haven: Yale University Press, 1985.
LIDDELL, Henry George; sco tt, Robert. A Greek-English Lexicon, Revised and
Augmented throughout by Sir Henry Stuart Jones with the Assistance o f Roderick
McKenzie. Oxford: Clarendon Press, 1940.

LINDHOLM, Charles. Generosity and Jealousy: The Swat Pukhtun o f Northern Pakistan.
Nova York: Columbia University Press, 1982.
LiNEBAUGH, Peter. “Labour History without the Labour Process: A Note on John
Gast and His Times”. Social History, v. 7, n. 3, pp. 319-28,1982.
_____ . The London Hanged: Crime and Civil Society in the Eighteenth Century. Cambridge:
Cambridge University Press, 1993.
_____ . The M agna Carfa Manifesto: Liberties and Commonsfo r A ll. Berkeley: University
o f California Press, 2008.

640
LITTLEFIELD, Henry. ‘The Wizard ofO z: Parable on Populism". American Quarterly,
v. 16, n. 1, pp. 47-98,1963.
LLEWELLYN-JONES, Lloyd. Aphrodite’s Tortoise: The Veiled Woman o f Ancient Greece.
Swansea: Classical Press o f Wales, 2003.
Locke, John. “Further Considerations Concerning Raising the Value o f Money”.
In: The Works o f John Locke. Londres: W. Otridge & Son, 1812, v. 5, pp. 131-206.
_____ . Two Treatises on Government. Cambridge: Cambridge University Press, 1988.
L o iz o s , Peter. “Politics and patronage in a Cypriot village, 1920-1970”. In: g e l l n e r ,
Ernest: w a t e r b u r y , John (orgs.). Patrons and Clients. Londres: Duckworth, 1977,
pp. 115-35.
Maurice. “Les bases monétaires d’une suprématie économique: l’or
lo m b a r d ,
musulman du v n e au XIe siècle”. Annales 2, pp. 143-60,1947.
_____ . The Golden A ge o f Islam. Princeton: Markus Wiener Publishers, 2003.
lo ra u x , Nicole. The Children o f Athena: Athenian Ideas About Citizenship and the
Division Between the Sexes. Princeton: Princeton University Press, 1993.
LORTON, David. “The Treatment o f Criminals in Ancient Egypt: Through the
New Kingdom”. Journal o f the Economic and Social History o f the Orient, v. 20, n. 1,
pp. 2-64,1977-
LOVEJOY, Paul E.; r i c h a r d s o n , David. “Trust, Pawnship, and Atlantic History:
The Institutional Foundations o f the Old Calabar Slave Trade”. American
Historical Review 104, pp. 333-55,1999.
_____ . “The Business o f Slaving: Pawnship in Western Africa, c. 1600-1810”.
Journal o f African History, v. 42, n. 1, pp. 67-84, 2001.
_____ . “This Horrid Hole’: Royal Authority, Commerce and Credit at Bonny,
1690-1840”. Journal o f African History, v. 45, n. 3, pp. 363-92, 2004.
Dan. Buddhist Phenomenology: A Philosophical Investigation o f Yogacara
lu s th a u s ,
Buddhism and the Ch’eng Wei-shih Lun. Nova York: Routledge, 2002. (Curzon
Critical Studies in Buddhism 13.)
M a c a u la y , barão Thomas Babington. The History o f England, from the Accession o f
James the Second. Londres: Longmans, Green and Co., 1886.
James. A Free Nation Deep in Debt: The Financial Roots o f Democracy.
m a c d o n a ld ,
Princeton: Princeton University Press, 2006.
Scott B.; g a s t m a n n , Albert L. A History o f Credit & Power in the
m a c d o n a ld ,
Western World. New Brunswick: Transaction Publishers, 2001.
m ackay, Charles. Memoirs o f Extraordinary Popular Delusions and the Madness o f
Crowds. Londres: G. Routledge and Sons, 1854. Disponível em: www.econlib.
org/library/Mackay/macEx.html. Acesso em: 8/12/2015.

641
MA( K i.N N i y, Richard f h d n m r n and Ihii/m Ihr World oj ihr Guilds in Venice mid
Europe (c. 125o-c. 1650). Totowa: Haines Xi Noble, i<;87.
MACPHERSON, Crawford Brough. I hr Political Theory o f Possessive Individualism:
Hobbes to Locke. Oxford: Clarendon Press, 19 6 2.

MAEKAWA, Kazuya. “The development o f the É-MÍ in Lagash during Early


Dynastic in”. Mesopotamia 8-9, pp. 77-144,1974.
M a itla n d , Frederick William. The Constitutional History o f England: A Course 0/
Lectures Delivered. Cambridge: Cambridge University Press, 1908.
Charles. “The Theology o f Debt in Brahmanism”. In: m a l a m o u d ,
m a la m o u d ,
Charles (org.). Debts and Debtors. Londres: Vices, 1983, pp. 21-40.
_____ . “Presentation”. In: m a l a m o u d , Charles (org.). Lien de vie, noeud martel. Les
représentations de la dette en Chine, au Japan et dans le monde indien. Paris: e h e s s ,
19 8 8 , p p . 7-15.

_____ . “Le paiement des actes rituels dans l’Inde védique”. In: a g l i e t t a , Michael;
o r l é a n , André (orgs.). La monnaie souveraine. Paris: Odile Jacob, 19 9 8 , p p . 35-54.

M a lin o w s k i, Bronislaw. Argonauts o f the Western Pacific: A n Account o f Native


Enterprise and Adventure in the Archipelagoes o f Melanesian New Guinea. Londres:
Routledge, 1922.
Robert P. “The Teaching o f the Fathers on Usury: An Historical Study
m a lo n e y ,
on the Development o f Christian Thinking”. Vigiliae Christianae, v. 27, n. 4, pp.
241-65,1983.
m ann,Bruce H. Republic o f Debtors: Bankruptcy in the A ge o f American Independence.
Cambridge: Harvard University Press, 2002.
m a rtin , Randy. Financialization o f Daily Life. Filadélfia: Temple University Press, 2002.
m a r tz lo ff, Jean-Claude. A History o f Chinese Mathematics. Berlim: Springer Ver­
lag, 2006.
m arx, Karl. “The British Rule in India”, 1853. Disponível em: www.marxists.org/
archive/marx/works/i853/o6/25.htm. Acesso em: 8/12/2015.
_____ . Pre-Capitalist Economic Formations. Tradução para o inglês de Jack Cohen.
Nova York: International Publishers, 1965.
_____ . Capital: A Critique o f Political Economy. Nova York: New World Paperbacks,
1967.3 v.
_____ . The Grundrisse. Nova York: Harper and Row, 1973.
Robert Henry. Mathews’ Chinese-English Dictionary. Cambridge: Harvard
m a th e w s,
University Press, 1931.
m a th ia s ,Peter. “Capital, Credit, and Enterprise in the Industrial Revolution”.
In: m a t h i a s , Peter (org.). The Transformation o f England: Essays in the Economic

642
and Social History <>/1upland in the Eighteenth Century. Londres: Taylor & Francis,
1979a, pp. 88-115.
_____ . “The People’s Money in the Eighteenth Century: The Royal Mint, Trade
Tokens and the Economy”. In: m a t h i a s , Peter (org.). The Transformation o f En­
gland: Essays in the Economic and Social History o f England in the Eighteenth Century.
Londres: Taylor & Francis, 1979b, pp. 190-208.
m a u n d e r, Peter et alii. Economics Explained. 3. ed. Londres: Harper Collins, 1991.
m au ro , Frederic. “Merchant Communities, 1350-1750”. In: t r a c y , James D. (org.).
The Rise o f Merchant Empires: Long-distance Trade in the Early M odem World, 1350-
-1750. Cambridge: Cambridge University Press, 1993, pp. 255-86.
m au ss,Marcel. “Essai sur le don. Forme et raison de l’échange dans les sociétés
archaïques”. Année Sociologique 1, pp. 30-186,1924. (Seconde Série.)
_____ . “Commentaires sur un texte de Posidonius. Le suicide, contre-prestation
suprême”. Revue celtique 42, pp. 324-29,1925.
_____ . Manuel d'ethnographie. Paris: Payot, 1947.
M c In to sh ,Marjorie K. “Money Lending on the Periphery o f London, 1300-1600”.
Albion, v. 20, n. 4, pp. 557-71,1988.
MEiLLASSOUX, Claude. The Anthropology o f Slavery: The Womb o f Iron and Gold.
Tradução para o inglês de Alide Dasnois. Chicago: University of Chicago Press,
1996.
M e n d e ls o h n , Isaac. Slavery in the Ancient Near East: A Comparative Study o f Slavery in
Babylonia, Assyria, Syria and Palestine from the Middle o f the Third Millennium to the
End o f the First Millennium. Westport: Greenwood Press, 1949.
Samuel Pyeatt. Wives fo r Sale: A n Ethnographic Study o f British Popular
m e n e fe e ,
Divorce. Oxford: Blackwell, 1981.
m en ger, Karl. “On the Origins of Money”. Economic Journal, v. 2, n. 6, pp. 239-55,1892.
m e ye r, Marvin W. The Ancient Mysteries: A Sourcebook: Sacred Texts o f the Mystery
Religions o f the Ancient Mediterranean World. Filadélfia: University o f Pennsylvania
Press, 1999.
m ez, Adam. Die Renaissance des Islams. Heidelberg: C. Winter, 1922.
MIDELFORT, H. C. Erik. M ad Princes o f Renaissance Germany. Charlottesville:
University o f Virginia Press, 1996.
“Promissory Notes: From Crises to Commons”,
m id n ig h t n o t e s c o l l e c t i v e .
2009. Disponível em: www.midnightn0tes.0rg/Pr0miss0ry%20N0tes.pdf).
Acesso em: 8/12/2015.
M iELANTS, Eric. “Europe and China Compared”. Review (Fernand Braudel Center),
v. 25, n. 4, pp. 401-49,2002.

643
_____ . The Origins of Capitalism ami th<• "Rlir oj the West", liladilfiu: Tcmplr
University Press, 2007.
m ille r ,Joseph. Way o f Death: Merchant Capitalism and the Angolan Slave Trade 17 !<»-
-1830. Madison: University o f Wisconsin Press, 1988.
m ille r ,Robert J. “Monastic Economy: The Jisa Mechanism”. Comparative Studies in
Society and History, v. 3, n. 4, pp. 427-38,1961.

William Ian. Humiliation and Other Essays on Honor, Social Discomfort, and
m ille r ,
Violence. Ithaca: Cornell University Press, 1993.
_____ . An Eye fo r A n Eye. Ithaca: Cornell University Press, 2006.
m ille t t , Paul. “Patronage and its Avoidance”. In: w a l l a c e - h a d r i l l , A. (org.).
Patronage in Ancient Society. Londres: Routledge, 1989, pp. 15-47.
_____ . Lending and Borrowing in Classical Athens. Cambridge: Cambridge University
Press, 1991a.
_____ . “Sale, Credit and Exchange in Athenian Law and Society”. In: c a r t i l e d g e ,
P.; m i l l e t t , P. C.; t o d d , S. C. (orgs.). Nomos. Cambridge: Cambridge University
Press, 1991b, pp. 167-94.
Frances. When Money Grew on Trees: A Study o f Cacao in Ancient Mesoamerica.
m illo n ,
Tese de doutorado. Columbia University, Nova York, 1955.
Ludwig von. Human Action: A Treatise on Economics. New Haven: Yale
m ise s,
University Press, 1949.
m is r a , Shive Nandan. Ancient Indian Republics: From the Earliest Times to the 6th
Century A.D . Nova Deli: Upper India Publishing House, 1976.
Taisuke. Chinese Eunuchs: The Structure o f an Intimate Politics. Rutland:
m it a m u r a ,
Charles E. Tuttle Company, 1970.
Richard E. “Demands for Land Redistribution and Debt Reduction in
m itc h e ll,
the Roman Republic”. In: i r a n i , K. D.; s i l v e r , Morris (orgs.). Social Justice in the
Ancient World. Westport: Greenwood Press, 1993, pp. 199-214.
M o rg a n ,Lewis Henry. League o f the Ho-de-no-sau-nee, or Iroquois. Secaucus: Citadel
Press, 1851.
_____ . Ancient Society. Nova York: Henry Holt, 1877.
_____ . Houses and House-Life o f the American Aborigines. Chicago: University of
Chicago Press, 1965.
m o ser,Thomas. “The Idea o f Usury in Patristic Literature”. In: p s a l i d o p o u l o s ,
Michalis (org.). The Canon in the History o f Economics: Critical Essays. Londres:
Routledge, 2000, prp. 24-44.

644
M O SES, Larry W. "T’ang Tribute Relations with the Inner Asian Barbarian". In:
p e r r y , John
C.; s m i t h , Bardwell L. (orgs.). Essays on T ’ang Society: The Interplay o f
Social, Political and Economic Forces. Leiden: Brill, 1976, pp. 61-89.
Yann. De l’esclavage au salariat: économie historique du salariat
m o u l ie r - b o u t a n g ,

bridé. Paris: Presses Universitaires de France, 1997.


m u h len berg er,Steven; p a i n e , Phil. “Democracy in Ancient India”. World
History o f Democracy, 1997.
m uldrew , Craig. “Interpreting the Market: The Ethics o f Credit and Community
Relations in Early Modern England”. Social History, v. 8, n. 2, pp. 163-83,1993a-
_____ . “Credit and the Courts: Debt Litigation in a Seventeenth-Century Urban
Community”. The Economic History Review (New Series), v. 46, n. 1, pp. 23-38,
1993b.
_____ . “The Culture o f Reconciliation: Community and the Settlement o f
Economic Disputes in Early Modern England”. The Historical journal, v. 39, n. 4,
pp. 915-42,1996.
_____ . The Economy o f Obligation: The Culture o f Credit and Social Relations in Early
Modern England. Nova York: Palgrave, 1998.
_____ . ‘“Hard Food for Midas’: Cash and Its Social Value in Early Modern En­
gland”. Past and Present 170, pp. 78-120, 2001.
Robin R. England’s Jewish Solution: Experiment and Expulsion, 1262-1290.
m u n d il l ,

Cambridge: Cambridge University Press, 2002.


munn , Nancy. The Fame o f Gawa: A Symbolic Study o f Value Transformation in a Massim
(Papua New Guinea) Society. Cambridge: Cambridge University Press, 1986.
m unro , John H. “The Monetary Origins o f the ‘Price Revolution’: South German
Silver Mining, Merchant Banking, and Venetian Commerce, 1470-1540”. In:
f l y n n , D.; g i r â l d e z , A.; v o n g l a h n , R. (orgs.). Global Connections and Monetary

History, 14 7 0 -18 0 0 . Burlington: Ashgate, 2003a, pp. 1-34.


_____ . “The Medieval Origins o f the Financial Revolution: Usury, Rents, and
Negotiability”. International History Review, v. 25, n. 3, pp. 505-62, 2003b.
_____ . “Review o f Earl J. Hamilton, American Treasure and the Price Revolution
in Spain, 1501-1650”, 2007.
m û r i,Walter. Symbolon: Wort-und sachgeschichtliche Studie. Berna: Beilage zum
jahresbericht tiber das stadtische Gymnasium Bern, 1931.
m u r p h y , George. “Buddhist Monastic Economy: The Jisa Mechanism: Comment”.
Comparative Studies in Society and History, v. 3, n. 4, pp. 439-42,1961.
m yers, Milton L. The Soul o f Modern Economic M an: Ideas o f Self-Interest, Thomas
Hobbes to A dam Smith. Chicago: University o f Chicago Press, 1983.

645
nag , Kalitla.s; d ik sh iia k , V. K. K.im.n li.nuli.i "Ilu- Diplomatic Theories <>l
Ancient India and the Art hash, istia Journal <>/ llulian I Ustory, v. ft, it. 1, pp. is m s ,

19 2 7.

N ak am u ra, Kyoko Motomochi. Miraculous Stories from the Japanese Buddhist


Tradition: The Nihon ryõiki o f the Monk Kyõkai. Londres: Rout ledge, 1996.
n ask ar, Satyendra Nath. Foreign Impact on Indian Life and Culture (c. 326 B.C. to c. 10 0
a .d .) Nova Déli: Abhinav Publications, 1996.
Robin Thomas. Dominion o f Debt: Centre, Periphery and the international
n a y lo r ,
Economic Order. Londres: Black Rose Books, 1985.
n a z p a r y , Jomo. Post-Soviet Chaos: Violence and Dispossession in Kazakhstan. Londres:
Pluto, 2001.
Benjamin. The Idea o f Usury: From Tribal Brotherhood to Universal Otherhood.
n e ls o n ,
Oxford: Oxford University Press, 1949.
, Michael. Ideology o f Adventure: Studies in Modern Consciousness, 110 0 - 17 5 0 .
n e r l ic h

Tradução para o inglês de Ruth Crowley. Minneapolis: University o f Minnesota


Press, 19 8 7 .
NiCHOLLS, David. God and Government in an “Age o f Reason”. Nova York: Routledge,
2003.
NOAH, Monday Efiong. “Social and Political Developments: The Lower Cross
Region, 1600-1900”. In: a b a s i a t t a i , Monday B. (org.). A History o f the Cross
River Region o f Nigeria. Calabar: University o f Calabar Press, 1990, pp. 90-108.
NOLAN, Patrick. A Monetary History o f Ireland. Londres: King, 1926.
NOONAN, John T. The Scholastic Analysis o f Usury. Cambridge: Harvard University
Press, 1957.
n o rm an , K. R. “Asoka and Capital Punishment: Notes on a Portion o f Asoka’s
Fourth Pillar Edict, with an Appendix on the Accusative Absolute Construc­
tion”. The Journal o f the Royal Asiatic Society o f Great Britain and Ireland 1, pp. 16-24,
1975-
n o rth , Robert. Sociology o f the Biblical Jubilee. Roma: Pontifical Biblical Institute, 1954.
n o rth ru p , David. Trade Without Rulers: Pre-Colonial Economic Development in South­
eastern Nigeria. Oxford: Clarendon Press, 1978.
_____ . Indentured Labor in the A ge o f Imperialism, 1834-1922. Cambridge: Cambridge
University Press, 1995.
nw aka, Geoffrey I. “Secret Societies and Colonial Change: A Nigerian Example
(Sociétés secrètes el politique coloniale: un exemple nigérian)”. Cahiers d'Etudes
Africaines, v. 18 , n. 6 9 -7 0 , pp. 1 8 7 - 2 0 0 ,19 7 8 .

646
nw auw a Apollos Okwuchi. "Integrating Arochukwu into the Regional
,
Chronological Structure". History in Africa 18, pp. 297-310,1991.
George. An Essay on Medieval Economic Teaching. Londres: Longmans,
o ’b r i e n ,
Green & Co., 1920.
ohnum a, Reiko. Head, Eyes, Flesh, and Blood: Giving Away the Body in Indian Buddhist
Literature. Nova York: Columbia University Press, 2007.
o liv e lle , Patrick. The Asrama System: The History and Hermeneutics o f a Religious
Institution. Oxford: Oxford University Press, 1992.
_____ . M anu’s Code o f Law: A Critical Edition and Translation o f the Mânava
Dharmasâstra. Oxford: Oxford University Press, 2005.
_____ . “Explorations in the Early History o f Dharmasâstra”. In: o l i v e l l e , Patrick
(org.). Between the Empires: Society in India 300 b c e to 4 0 0 c e . Nova York: Oxford
University Press, 2006, pp. 169-90.
_____ . “Dharmasâstra: A Literary History”. In: l u b i n , T.; d a v i s , D. (orgs.). The
Cambridge Handbook o f Law and Hinduism. Cambridge: Cambridge University
Press, 2009, pp. 112-43.
O liv e r , Douglas. A Solomon Island Society. Cambridge: Harvard University Press, 1955.
o n v le e , Louis. “The Significance o f Livestock on Sumba”. In: f o x , James J. (org.).
The Flow o f Life: Essays on Eastern Indonesia. Cambridge: Harvard University Press,
19 8 0 , p p . 19 5 -2 0 7 .

OPPENHEiM, Leo. Ancient Mesopotamia: Portrait o f a Dead Civilization. Chicago:


University o f Chicago Press, 1964.
o r lÉ a n ,André. “La monnaie auroreferentielle”. In: a g l i e t t a , M.; o r l e a n , A.
(orgs.). La monnaie souveraine. Paris: Odile Jacob, 1998, pp. 359-86.
ORLOVE, Benjamin. “Barter and Cash Sale on Lake Titicaca: A Test o f Competing
Approaches”. Current Anthropology, v. 27, n. 2, pp. 85-106,1986.
o rr, Leslie C. Donors, Devotees, and Daughters o f God: Temple Women in Medieval
Tamilnadu. Oxford: Oxford University Press, 2000.
o tte n b e rg ,Simon. “Ibo Oracles and Intergroup Relations”. Southwestern Journal
o f Anthropology, v. 14, n. 3, pp. 295-317,1958.
Linda. “Leopard Society Masquerades: Symbolism a n d
______ ; k n u d s e n ,
Diffusion”. African Arts, v. 18, n. 2, pp. 37-44,1985.
Phoebe. “Afikpo Markets: 1900-1960”. In: b o h a n n a n , Paul;
______ ; o t t e n b e r g ,
George (orgs.). Markets in Africa. Chicago: Northwestern University
d a lto n ,
Press, 1962, pp. 118-69.

647
o x i ki d, Ellen. ‘“ When You Drink Wtiler, Ihlnk ol Its Source': Morality, Status,
and Reinvention in Chinese Funerals”. journal of Aslan Studies, v. (>{, n. 4, pp.
9 6 1-9 0 , 2 0 0 4 .

o z m e n t , Steven. When Fathers Ruled. Cambridge: Cambridge University Press, 1983.


pagden, Anthony. The Fall o f Natural Man: The American Indian and the Origins o f
Comparative Ethnology. Cambridge: Cambridge University Press, 1986.
Ravi Arvind. “Popular Revolts and the State in Medieval South India: A
p a la t,
Study o f the Vijayanagara Empire (1360-1565)”. Bijdragen tot de taal-, Land-, en
Volkenkunde, v. 142, n. 1, pp. 128-44,1986.

_____ . From World-Empire to World-Economy: Southeastern India and the Emergence o f


the Indian Ocean World-Economy (1350-1650). Tese de doutorado. State University
o f New York, Binghamton, 1988.
p ark er, Arthur. “An Analytical History o f the Seneca Indians”. Researches and
Transactions, v. 6, n. 1-5, 1926. (New York State Archaeological Association,
Lewis H. Morgan Chapter).
David B. “The Rise and Fall o f The Wonderful Wizard o f O z as a ‘Parable
p ark er,
on Populism”’. Journal o f the Georgia Association o f Historians 15, pp. 49-63,1994.
p ark es,Henry Bamford. Gods and Men: The Origins o f Western Culture. Nova York:
Vintage Books, 1959.
Michael: k i n g , David. Economics. 2. ed. Londres: Addison-Wesley Pu­
p a r k in ,
blishers, 1995.
Tim. Medici Money: Banking, Metaphysics, and A rt in Fifteenth-Century Florence.
p ark s,
Nova York: Norton, 2005.
p a r tr id g e , Charles. Cross River Natives: Being Some Notes on the Primitive Pagans o f
Obubura Hill District, Southern Nigeria. Londres: Hutchinson & Co., 1905.
p a s a d ik a , Bhikkhu. “The concept o f avipranasa in Nagarj una”. In: Recent
Researches in Buddhist Studies: Essays in Honour o f Y. Karunadasa. Kuala Lumpur: Y.
Karunadasa Felicitation Committee & Chi Ying Foundation, 1997, pp. 516-23.
p a te m a n , Carole. The Sexual Contract. Stanford: Stanford University Press, 1988.
Orlando. Slavery and Social Death: A Comparative Study. Cambridge:
p a tte rso n ,
Harvard University Press, 1982.
p earso n ,Michael N. “Premodern Muslim Political Systems”. Journal o f the
American Oriental Society, v. 102, n. 1, pp. 47-58,1982.

peng, Xinwei. A Monetary History o f China (Zhongguo Huobi Shi). Tradução para
o inglês de Edward,H. Kaplan. Bellingham: Western Washington University,
1994 (“two volume set”, 982 p.). (East Asian Research Aids and Translations 5.)

648
p e r lm a n , Mark; m c c a n n , Charles Robert. The Pillars o f Economic Understanding:
Ideas and Traditions. Ann Arbor: University o f Michigan Press, 1998.
E. L. “Some Structural Aspects o f the Feud Among the Camel-Herding
p e te rs,
Bedouins o f Cyrenaica”. Africa 37, pp. 261-82,1967.
PHILLIPS,William D. Slavery from Roman Times to the Early Transatlantic Trade.
Minneapolis: University o f Minnesota Press, 1985.
p ic a r d , Olivier. “La ‘fiduciarité’ des monnaies métalliques en Grèce”. Bulletin de la
Société Française de Numismatique, v. 34, n. 1, pp. 604-9, 1975-
p ie tz , William. “The Problem o f the Fetish, 1”. r e s : Anthropology and Aesthetics 9,
p p . 5 - 17 ,19 8 5 .
p ig o u , Arthur Cecil. The Veil o f Money. Londres: MacMillan, 19 4 9 .
p o l a n y i, Karl. The Great Transformation. Nova York: Rinehart, 19 4 9 .
_____ . “Aristotle Discovers the Economy”. In: p o l a n y i , K.; a r e n s b e r c . , C.;
p e a r s o n , H. (orgs.). Trade and Market in the Early Empires. Glencoe: The Free
Press, 1957a, pp. 64-94.
_____ . “The Economy as an Instituted Process”. In: p o l a n y i , K.; a r e n s b e r g ,
C.; p e a r s o n , H. (orgs.). Trade and Market in the Early Empires. Glencoe: The Free
Press, 1957b, pp. 243-69.
_____ . “The Semantics o f Money Uses”. In: d a l t o n , George (org.). Primitive,
Archaic, and Modern Economies: Essays o f Karl Polanyi. Nova York: Anchor, 1968.

P o lia k o v , Léon. Jewish Bankers and the Holy See from the Thirteenth to the Seventeenth
Century. Londres: Routledge & Kegan Paul, 1977.
Kenneth. The Great Divergence: China, Europe, and the Making o f the
p o m e ran z,
Modern World Economy. Princeton: Princeton University Press, 1998.
p o w e ll,Marvin A. “A Contribution to the History o f Money in Mesopotamia
Prior to the Invention o f Coinage”. In: h r u s k a , B.; k o m o r o c z y , G. (orgs.).
Festschrift Lubor Matous. Budapeste: E. Lorand/O. Tanszék, 1978, v. 11, pp. 211-43.
_____ . “Ancient Mesopotamian Weight Metrology: Methods, Problems and
Perspectives”. In: p o w e l l , M. A.; s a c k , R. H. (orgs.). Studies in Honor o f Tom B.
Jones. Amsterdam: Kevelaer/Neukirchen-Vluyn, 1979, pp. 71-109.
_____ . W ir müssen unsere Nische nutzen: Monies, Motives and Methods in
Babylonian Economics”. In: d e r k s e n , J. G. (org.). Trade and Finance in Ancient
Mesopotamia, Proceedings o f the First M os Symposium (Ledien 1997). Istambul:
Nederlands Historich-Archeologisch Instituut, 1999, pp. 5-24.
Gyan. Bonded Histories: Genealogies o f Labor Servitude in Colonial India.
p ra k a sh ,
Cambridge: Cambridge University Press, 2003.

649
I’ R a kash , Salya; S I NCH, Kajcndru. ( V>In<h,'i' In Ancient India. Nova D ill: Research
Institute o f Ancient Scientific Studies, n;f»S.
p r i c e , Jacob M. Capital and Credit in British ( fverseas I'rade: The View from the Chesapeake,
1700-1776 . Cam bridge: Harvard University Press, 1980.
_____ . “What Did Merchants Do? Reflections on British Overseas Trade, 1660-
-1790”. The Journal o f Economic History, v. 49, n. 2, pp. 267-84,1989.
_____ . “Credit in the Slave Trade and Plantation Economies”. In: s o l o w , Barbara
L. (org.). Slavey and the Rise o f the Atlantic System. Cambridge: Cambridge
University Press, 1991, pp. 313-7.
Martin Jessop. “Thoughts on the Beginnings o f Coinage”. In: b r o o k e ,
p ric e ,
C. N. L. et alii (orgs.). Studies in Numismatic Method Presented to Philip Grierson.
Cambridge: Cambridge University Press, 1983, pp. 1-10.
P ro u d h o n , Pierre-Joseph. Q u’est-ce que la propriété? ou Recherche sur le principe du
Droit et du Gouvernement. Premier mémoire. Paris: J.-F. Brocard, 1840.
p u e tt, Michael J. To Become a God: Cosmology, Sacrifice, and Self-Divinization in Early
China. Cambridge: Harvard University Press, 2002.
QUIGGIN, A. Hingston. A Survey o f Primitive Money: The Beginning o f Currency.
Londres: Methuen, 1949.
q u ilte r , Jeffrey; u r t o n , Gary. Narrative Threads: Accounting and Recounting in
Andean Khipu. Austin: University o f Texas Press, 2002.
R. A. “The Economic Organization of a p o w Camp”. Economica, v. 12,
ra d fo r d ,
n. 48, pp. 189-201,1945.
r a g la n , barão de, Richard FitzRoy Somerset. “Bride Price”. Man 31, p. 75,1931.
Ra h m an , Fashur. “Riba and Interest”. Islamic Studies 3, p p . 1- 4 3 ,19 6 4 .
ra i, G. K. Involuntary Labour in Ancient India. Allahabad: Chaitanya Press, 1981.
Nicholas Dylan. “The Medieval Islamic System o f Credit and Banking: Legal
ra y ,
and Historical Considerations”. Arab Law Quarterly, v. 12, n. 1, pp. 43-90,1997.
reev es,Eileen. “As Good as Gold: The Mobile Earth and Early Modern
Economics”. Journal o f the Warburg and Courtauld Institutes 62, pp. 126-66,1999.
REID,Anthony. Slavery, Bondage and Dependence in Southeast Asia. Nova York: St.
Martin’s Press, 1983.
ren g er, Johannes. “Patterns o f Non-Institutional Trade and Non-Commercial.
Exchange in Ancient Mesopotamia at the Beginning o f the Second Millennium
b .c .” . In: a r c h i , A. (org.). Circulation o f Goods in Non-palatial Contexts in the Ancient
Near East. Roma: EcKzioni dell’A teneo, 1984, pp. 31-123.

_____ . “On Economic Structures in Ancient Mesopotamia”. Orientalia 18, pp. 157-
-208,1994.

650
r h y s d a v id s , Caroline A. F. "Economic Conditions in Ancient India”. The
Economic journal, v. 11, n. 43, pp. 305-20,1901.
_____ . “Economic Conditions According to Early Buddhist Literature”. In:
r a p s o n , E. J. (org.). The Cambridge History o f India, Volume 1: Ancient India.
Cambridge: Cambridge University Press, 1922, pp. 198-219.
ric h a r d , R. D. “Early History o f the Term Capital”. Quarterly journal o f Economics,
v. 40, n. 2, pp. 329-38,1926.
Audrey. Land, Labour and Diet in Northern Rhodesia. Londres: Oxford
ric h a r d s ,
University Press, 1939.
RICHTER, Daniel K. “War and Culture: The Iroquois Experience”. William and
Mary Quarterly 40, pp. 528-59,1983. (Third Series.)
r ic k e tt,W. Allyn. Guanzi: Political, Economic, and Philosophical Essays from Early
China. Princeton: Princeton University Press, 1998. 2 v.
Dale Maurice. The Naturalistic Tradition in Indian Thought. Seattle: University
r ie p e ,
ofW ashington Press, 1961.
Risso, Patricia. Merchants and Faith: Muslim Commerce and Culture in the Indian Ocean.
Boulder: Westview Press, 1995.
ro b e rtso n , Pat. The Secret Kingdom. Dallas/Londres: Word Publishing, 1992.
ro b in s o n , Rachel Sargent. The Size o f the Slave Population at Athens during the Fifth
and Fourth Centuries Before Christ. Westport: Greenwood Press, 1973.
ROBiSHEAUX, Thomas. Rural Society and the Search fo r Order in Early Modern Germany.
Cambridge: Cambridge University Press, 1989.
Hugh. “The ‘Wizard o f Oz’ as a Monetary Allegory”, journal o f Political
r o c k o ff,
Economy, v. 98, n. 4, pp. 739-60,1990.
RODINSON, Maxime. Islam and Capitalism. Austin: University o f Texas Press, 1978.
ro e tz , Heiner. Confucian Ethics o f the A xial Age: A Reconstruction under the Aspect
of the Breakthrough toward Postconventional Thinking. Albany: State University of
New York Press, 1993.
ROHRLICH, Ruby. “State Formation in Sumer and the Subjugation o f Women”.
Feminist Studies, v. 6, n. 1, pp. 76-102,1980.
ROiTM AN, Janet.“Unsanctioned Wealth; or, the Productivity o f Debt in Northern
Cameroon”. Public Culture, v. 15, n. 2, pp. 211-37, 2003.
ro sp ab é, Philippe. “Don archaïque et monnaie sauvage”. In: Ce que donner veut dire:
don et intérêt. Paris: Éditions La Découverte/MAUSS, 1993, pp. 33-59.
_____ . La dette de vie: aux origines de la monnaie sauvage. Paris: Editions La Découverte/
m a u ss, 19 9 5 .

651
ro to u rs, Robert des. “Lex inslgnes cn deux parties (lou) sous Li dynastic lies
T’ang (618-907)". T'oung Pao, v. 41, n. 1 i, pp. 1 148,1952.
r u e l, Malcolm. Leopards and Leaders. Londrcs: Tavistock, 1969.
John. The Labouring Classes in Early Industrial England, 1750-1850. Londrcs:
r u le ,
Longman, 1986.
saggs, Henry William Frederick. The Greatness That Was Babylon. Nova York:
Mentor Books, 1962.
s a h l in s , Marshall. Stone Age Economics. Chicago: Aldine, 19 72 .
_____ . “The Stranger-King or Dumezil among the Fijians”. Journal o f Pacific History
16, pp. 107-32,1981.

_____ . “Cosmologies o f Capitalism”. Proceedings o f the British Academy 74, pp. 1-51,
1988.
_____ . “The Sadness o f Sweetness: The Native Anthropology o f Western
Cosm ology”. Current Anthropology, v. 37, n. 3, pp. 395-428,1996.
_____ . Apologies to Thucydides: Understanding History as Culture qnd Vice Versa.
Chicago: University o f Chicago Press, 2004.
_____ . The Western Illusion o f Human Nature. Chicago: Prickly Paradigm Press, 2008.
s a lle r , Richard P. ‘“Familia, Domus’, and the Roman Concept o f the Family”.
Phoenix, v. 38, n. 4, pp. 336-55,1984.

_____ . “Slavery and the Roman family”. In: f i n l e y , Moses (org.). Classical Slavery.
Londres: Frank Cass, 1987, pp. 82-110.
Geoffrey. “Property, Obligations: Continental and Comparative Pers­
s a m u e l,
pectives”. In: H u d s o n , Alastair (org.). New Perspectives on Property Law, Human
Rights, and the Home. Londres: Cavendish Publications, 2003, pp. 295-318.
s a m u e ls o n , Paul A. Economics. Nova York: McGraw Hill, 1948.
_____ . “An Exact Consumption-loan Model o f Interest with or without the Social
Contrivance o f Money”. In: STIG LITZ, Joseph E.; s a m u e l s o n , Paul A. (orgs.).
The Collected Scientific Papers o f Paul A . Samuelson. Cambridge: m it Press, 1958, v.
1, pp. 219-33.
s a r t h o u - la ju s , Nathalie. L'Ethique de la dette. Paris: Presses Universitaires de
France, 1997.
sasso , Michael. “What is the Ho-Tu?”. History o f Religions, v. 17, n. 314, pp. 399-416,
1978.
Jeffrey Vaughan. The World Encompassed: The First European Maritime
s c a m m e ll,
Empires c. 8 0 0 -16 5 0 ’. Londres: Taylor & Francis, 1981.

652
SC'HAPS, David. The Invention o f Coinage and the Monetization o f Ancient Greece. Ann
Arbor: University o f Michigan Press, 2004.
_____ . "The Invention o f Coinage in Lydia, in India, and in China”, x iv
International Economic History Congress, Helsinque, 2006.
Walter. “The Divergent Evolution o f Coinage in Eastern and
s c h e id e l,
Western Eurasia”, 2006. Disponível em: www.princeton.edu/~pswpc/pdfs/
scheidel/o4o6o3.pdf. Acesso em: 8/12/2015.
_____ . “The Monetary Systems o f the Han and Roman Empires", 2007. Disponível
em: www.princet0n.edu/~pswpc/pdfs/scheidel/020803.pdf). Acesso em:
8/12/2015.
_____ . Rome and China: Comparative Perspectives on Ancient World Empires. Oxford:
Oxford University Press, 2009.
s c h le m m e r, Bernard. Le M enabe: histoire d'une colonisation. Paris: Orstom, 1983.
Jane. “O f Vigilance and Virgins: Honor, Shame, and Access to
s c h n e id e r,
Resources in Mediterranean Societies”. Ethnology 10, pp. 1-24,1971.
Erica. “The Origins o f the Market Economy: State Power,
sch o e n b e rg e r,
Territorial Control, and Modes o f War Fighting”. Comparative Studies in Society
and History, v. 50, n. 3, pp. 663-91, 2008.
S c h o fie ld , Phillipp R.; m a y h e w , N. J. (orgs.). Credit and Debt in Medieval England,
c. 1180-c. 1350. Londres: Oxbow, 2002.
sch o p en ,Gregory. “Doing Business for the Lord: Lending on Interest and Written
Loan Contracts in the Mulasarvãstivãda-vinaya”. Journal o f the American Oriental
Society, v. 114, n. 4, pp. 527-54,1994.
_____ . “Monastic Law Meets the Real World: A Monk’s Continuing Right to
Inherit Family Property in Classical India”. History o f Religions, v. 35, n. 2, pp.
101-23,1995-
_____ . Bones, Stones, and Buddhist Monks: Collected Papers on the Archaeology, Epigraphy,
and Texts o f Monastic Buddhism in India. Honolulu: University o f Hawaii Press, 1997.
_____ . Buddhist Monks and Business Matters: Still More Papers on Monastic Buddhism in
India. Honolulu: University o f Hawaii Press, 2004.
S c h u m p e te r, Joseph. History o f Economic Analysis. Nova York: Oxford University
Press, 1934.
S c h w a rtz , Benjamin I. “The Age o f Transcendence". Daedalus 104, pp. 1-7,1975.
_____ . The World o f Thought in Ancient China. Cambridge: Harvard University
Press, 1985.
sco tt, Tom; s c r i b n e r , Bob (orgs.). The German Peasants’ War: A History in
Documents. Nova Jersey: Humanities Press, 1991.

653
sea, Thomas F. Flic German Prlncca' KcxponscN to ilie IVasant*' Revolt of 1525".
Central European History, v. 40, n. 2, pp. 21g 40, 2007.

s e a fo rd , Richard. Reciprocity and Ritual. Homer and tragedy in the Developing City-
Sta te. Oxford: Oxford University Press, 1994.
_____ . “Tragic Money”. Journal o f Hellenic Studies 110, pp. 76-90,1998.
_____ . “Review: Reading Money: Leslie Kurke on the Politics o f Meaning in
Archaic Greece”. Arion, v. 9, n. 3, pp. 145-65, 2002. (Third Series.)
_____ . Money and the Early Greek M ind: Homer, Philosophy, Tragedy. Cambridge:
Cambridge University Press, 2004.
se e ,Henri Eugène. Modern Capitalism: Its Origin and Evolution. Nova York: Adelphi,
1928.
seeb o h m , Frederic. The Era o f the Protestant Revolution. Londres: Longmans, Green
& Co., 1877.
s e id e l, Anna. “Imperial Treasures and Taoist Sacraments: Taoist Roots in
Apocrypha”. In: s t r i c k m a n n , Michel (org.). Tantric and Taoist Studies in Honor
o f R o lf A . Stein. Bruxelas: Institut Belge des Hautes Études Chinoises, 1983, v. 11,
pp. 291-371.
se rv et, Jean-Michel. “Primitive Order and Archaic Trade. Part 1”. Economy and
Society, v. 10, n. 4, pp. 423-50,1981.
_____ . “Primitive Order and Archaic Trade. Part 11”. Economy and Society, v. 10, n.
1, pp. 22-59,1982.
_____ . “La fable du troc”. Revue x v n f siècle 26, pp. 103-15,1994.
_____ . “Démonétarisation et rémonétarisation en Afrique-Occidentale et
Équatoriale (xixe-xxe siècles)”. In: a g l i e t t a , M.; o r l é a n , A. (orgs.). La monnaie
souveraine. Paris: Odile Jacob, 1998, pp. 289-324.
_____ . “Le troc primitif, un mythe fondateur d’une approche économiste de la
monnaie”. Revue numismatique, v. 6, n. 157, pp. 15-32,2001.
sh arm a, J. P. Republics in Ancient India: c. 1500-c. 500 b c . Leiden: E. J. Brill, 1968.
sh arm a, Ram Sharan. Sudras in Ancient India. Nova Déli: Mohtial Banarsidas,
1958.
_____ . “Usury in Medieval India (a.D . 400-1200)”. Comparative Studies in Society and
History, v. 8, n. 1, pp. 56-77,1965.

_____ . Urban Decay in India c. 300-c. 1000. Nova Déli: Munshiram Manoharlal,
1987.
_____ . Early Medievat Indian Society: A Study in Feudalisation. Hyderbad: Orient
Longman, 2001.

654
SHELL, Marc .T he Economy o f Literature. Baltimore: Johns Hopkins University Press,
1978.
_____ . Money, Language, and Thought. Baltimore: Johns Hopkins University Press,
1992.
R. B. “The Commercial and Financial Organization of the British
s h e r id a n ,
Slave Trade, 1750-1807”. The Economic History Review (New Series), v. 11, n. 2, pp.
249-63,1958.
Morris. Economic Structures o f the Ancient Near East. Londres: Taylor &
s ilv e r ,
Francis, 1985.
Sholom A. “The Expulsion o f the Jews from England in 1290”. The Jewish
s in g e r ,
Quarterly Review (New Series), v. 55, n. 2, pp. 117-36,1964.
Quentin. Liberty before Liberalism. Cambridge: Cambridge University
s k in n e r ,
Press, 1998.
Adam. A n Inquiry into the Nature and Causes o f the Wealth o f Nations. Oxford:
s m it h ,
Clarendon Press, 1976.
_____ . “History o f Astronom y”. In: Essays on Philosophical Subjects. Indianápolis:
Liberty Fund, 1982a. (Glasgow Edition o f the Works and Correspondence of
Adam Smith 3.)
_____ . Lectures on Jurisprudence. Indianápolis: Liberty Fund, 1982b. (Glasgow
Edition o f the Works and Correspondence o f Adam Smith 5.)
_____ . Theory o f Moral Sentiments. Cambridge: Cambridge University Press, 2002.
[Ed. bras.: Teoria dos sentimentos morais. Tradução de Lya Luft. São Paulo: Martins
Fontes, 1999.]
Edwin; d a l e , Andrew Murray. The IIa Speaking Peoples O f Northern Rhodesia.
s m it h ,
Londres: Kessinger, 1968. 2 v.
s m it h , Timothy. “Wampum as Primitive Valuables”. Research in Economic Anthropo-
l°g y 5. PP- 225-46,1983.
s n e ll, F. J. The Customs o f Old England. Londres: Methuen, 1919.
SOLOW, Barbara. “Capitalism and Slavery in the Exceedingly Long Run”. Journal o f
Interdisciplinary History, v. 17, n. 4, pp. 711-37,1987.
so n en sch er, Michael. Before the Deluge: Public Debt, Inequality, and the Intellectual
Origins o f the French Revolution. Princeton: Princeton University Press, 2007.
Peter. Money and its Use in Medieval Europe. Cambridge: Cambridge
s p u ffo rd ,
University Press, 1988.
sp yer, Patricia. “The Eroticism o f Debt: Pearl Divers, Traders, and Sea Wives in the
Aru Islands o f Eastern Indonesia”. American Ethnologist, v. 24, n. 3, pp. 515-38,1997.

655
s ta n n a rd , I )avid L. American I ioloi auxi I hr ( onqurst 0/ the New World. Nova York:
O xford University Press, 199?.
sta rr, Chester G. The Economic and Social Growth oj Early Greece. 800-500 flC. Nova
York: Oxford University Press, 1977.
Geoffrey Ernest Maurice de. The Class Struggle in the Ancient Greek World:
ste . c r o ix ,
From the Archaic A ge to the Arab Conquests. Ithaca: Cornell University Press, 1981.
s t e in , Siegfried. “Laws o f Interest in the Old Testament”. Journal o f Theological
Studies 4, pp. 161-70,1953.

_____ . “The Development o f the Jewish Law o f Interest from the Biblical Period
to the Expulsion o f the Jews from England”. Historia Judaica 17, pp. 3-40,1955.
s t e in , S t a n l e y s t e i n , Barbara H. Silver, Trade, and War: Spain and America in the
M aking o f Early Modern Europe. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2000.
Piotr. “The Renting o f Fields in Early Mesopotamia and th e
s te in k e lle r ,
Development o f the Concept o f ‘Interest’ in Sumerian”. Journal o f the Economic
and Social History o f the Orient 24, pp. 113-45,1980.
_____ . “Money-Lending Practices in Ur ill Babylonia: The Question o f Economic
Motivation”. In: H u d s o n , Michael; v a n d e m ie r o o p , Marc (orgs.). Debt and
Economic Renewal in the Ancient Near East. Bethesda: c d l , 2003, pp. 109-37.
STIG LITZ, Joseph; d r i f f i l l , John. Economics. Nova York: W. W. Norton, 2000.
s to l, Marten. “Women in Mesopotamia”. Journal o f the Economic and Social History
o f the Orient, v. 38, n. 2, pp. 123-44, 1995-

Lawrence. The Family, Sex and Marriage in England 1500-1800. Londres:


sto n e ,
Unwin, 1968.
_____ . Road to Divorce: England 1530-1987. Oxford: Oxford University Press, 1990.
sto n e , Willard E. “The Tally: An Ancient Accounting Instrument”. Abacus, v. 11,
n. 1, pp. 49-57. 2005.
William. The Autobiography ofW illiam Stout o f Lancaster 1665-1752. Manchester:
sto u t,
Manchester University Press, 1967. (Organização de John Duncan Marshall.)
s tric k m a n n , Michel. Chinese Magical Medicine. Stanford: Stanford University
Press, 2002.
su b rah m an y am , Sanjay. “O f Imarat and Tijarat: Asian Merchants and State
Power in the Western Indian Ocean, 1400 to 1750”. Comparative Studies in Society
and History, v. 37, n. 4, pp. 750-80,1996.

su n ,Guang-Zhen. “Fragment: Nasir ad-Din Tusi on Social Cooperation and the


Division o f LaborrFragment from The Nasirean Ethics”. Journal o f Institutional
Economics, v. 4, n. 3, pp. 403-13, 2008.

656
Su t t o n ,David. “Anthropology’s Value(s)’’. Anthropological Theory, v. 4, n. pp.
373-9, 2004.
sw a n n , Nancy Lee. Food and Money in Ancient China: The Earliest Economic History
o f China to A . D. 25. Han Shu 24 with Related Texts. Han Shu 91 and Shih-chi 129.
Princeton: Princeton University Press, 1950.
tag e l - d i n , Saif I. “Capital and Money Markets o f Muslims: The Emerging

Experience in Theory and Practice”. Kyoto Bulletin o f Islamic Area Studies 1-2 , pp.
54-71. 2007.
talbo t, P. Amaury. The Peoples o f Southern Nigeria. Londres: Oxford University
Press, 1926.4 v.
t a m b ia h , Stanley J.
“Dowry and Bridewealth and the Property Rights o f Women
in South Asia”. In: g o o d y , Jack; t a m b i a h , S. J. (orgs.). Bridewealth and Dowry.
Cambridge: Cambridge University Press, 1973, pp. 59-169.
_____ . “Bridewealth and Dowry Revisited: The Position o f Women in Sub-
-Saharan Africa and North India”. Current Anthropology, v. 30, n. 4, pp. 413- 34.
1989.
tam bo , David C. “The Sokoto Caliphate Slave Trade in the Nineteenth Century”.
International Journal o f African Historical Studies, v. 9, n. 2, pp. 187-217,1976.
Michael. “Culture o f Terror-Space o f Death. Roger Casement’s
Ta u s s i g ,
Putumayo Report and the Explanation o f Torture”. Comparative Studies in Society
and History, v. 26, n. 3, pp. 467-97,1984.
_____ . Shamanism, Colonialism, and the Wild Man. Chicago: University o f Chicago
Press, 1987.
t a y l o r , Quentin P. “Money and Politics in the Land o f Oz”. The Independent Review,
v. 9, n. 3, pp. 413-26,2005.
tebbu tt, Melanie. Making Ends Meet: Pawnbroking and Working-Class Credit. Nova
York: St. Martin’s Press, 1983.
Stephen F. The Ghost Festival in Medieval China. Princeton: Princeton
t e is e r ,

University Press, 1988.


testa rt, Alain. “Le mise en gage de personnes: sociologie comparative d’une
institution”. Archives Européenes de Sociologie 38, pp. 38-67,1997.
_____ . “Pourquoi la condition de l’esclave s’améliore-t-elle en régime despoti­
que?”. Revue Française de Sociologie, v. 39, n. 1, pp. 3-38,1998.
_____ . “L’Esclavage pour dettes en Asie Orientale”. Moussons 2, pp. 3-29, 2000.
_____ . Esclave, la dette et le pouvoir: études de sociologie comparative. Paris: Errance,
2001.

657
_____ . “The extent and significance of debt slavery". Krvur I rari^j/vc de Sociologie,
v. 43, n. supl., pp. 173-204, 2002.
testa rt, Alain et alii. “ Prix de la fiancée et esclavage pour dettes: IJn exemple de
loi sociologique”. Etudes rurales 159-160, pp. 9-33, 2001.
th apar, Romila. “The First Millennium b c in Northern India”. In: t h a p a r , r .
(org.). Recent Perspectives o f Early Indian History. Nova Déli: Book Review Trust,
1995. PP- 87-150 .

_____ . “The Role o f the Arm y in the Exercise o f Power in Ancient India”. In:
c h a n i ó t i s , Angelos; d u c r e , Pierre (orgs.). Arm y and Power in the Ancient World.

Heidelberg: Franz Steiner Verlag, 2002, pp. 25-39. (Heidelberger althistorische


Beiträge und epigraphische Studien 37).

th éret, Bruno. Régimes économiques de l’ordre politique: esquisse d ’une théorie


régulationniste des limites de l'État. Paris: Presses Universitaires de France, 1992.
_____ . (org.). L’Etat, la finance et le social. Souveraineté nationale et construction
européenne. Paris: Editions La Découverte, 1995.
_____ . “The Socio-Cultural Dimensions o f the Currency: Implications for the
Transition to the Euro”. Journal o f Consumer Policy 22, pp. 51-79,1999.
_____ . (org.). La monnaie dévoilée par ses aises. Paris: Éditions de 1’e h e s s , 2007.2 v.
_____ . “Les trois états de la monnaie: approche interdisciplinaire du fait
monétaire”. Revue Economique, v. 59, n. 4, pp. 813-42,2008.
THESLEFF, Holgar. “Platonic Chronology”. Phronesis, v. 34, n. 1, pp. 1-26,1989.
T h ie r r y , François. Monnaies de Chine. Paris: Bibliothèque Nationale, 1992.
_____ . “Sur le s s p é c ifité s fo n d a m e n ta le s d e la m o n n a ie c h in o is e ” . In: t e s t a r t ,
Alain (org.). A u x origines de la monnaie. Paris: Éditions Errance, 2001, pp. 109-44.
t h o m a s, Keith. Religion and the Decline o f Magic: Studies in Popular Beliefs in Sixteenth
and Seventeenth Century England. Nova York: Scribners, 1972.
Edward Palmer. “The Moral Economy o f the English Crowd in the
Th o m pso n ,
18th Century”. Past and Present 50, pp. 76-136,1971.
TH URNW ALD, Richard C. “Banaro Society: Social Organization and Kinship
System o f a Tribe in the Interior o f New Guinea”. Memoirs o f the American
Anthropological Association 8, pp. 251-391,1916.
t ie r n e y , Brian. The Idea o f Natural Rights: Studies on Natural Rights, Natural Law and
Church Law 1150-1625. Atlanta: Scholars Press, 1997. (Emory University Studies in
Law and Religion 5.)
TODOROV, Tzvetan.The Conquest o f America: The Question o f the Other. Chicago:
University o f Chicago Press, 1984. [Ed. bras.: A conquista da América: a questão
do outro. Tradução de Beatriz Perrone-Moisés. São Paulo: Martins Fontes, 1983.]

658
TONG, James W. Disorder Under Heaven: Collective Violence in the Ming Dynasty.
Stanford: Stanford University Press, 1991.
t o r t e l l a , Gabriel; c o m i ' n , Francisco. “Fiscal and Monetary Institutions in Spain,
1600-1900”. In: bordo, Michael D.; c o n d e , Roberto Cortés (orgs.). Transferring
Wealth and Power from the Old to the New World: Monetary and Fiscal Institutions in
the i / h through the 19th Century. Cambridge: Cambridge University Press, 2002,
pp. 140-86.
Margaret. Notes on Love in a Tamil Family. Berkeley: University of
t r a w ic k ,

California Press, 1992.


t r e v e t t , Jeremy. Apollodoros the Son o f Pasion. Oxford: Clarendon Press, 1992.
_____ . “Coinage and Democracy at Athens”. In: m e a d o w s , A.; s h i p t o n , K.
(orgs.). Money and its Uses in the Ancient Greek World. Oxford: Oxford University
Press, 2001, pp. 23-34.
tro m bert, Eric. Le crédit à Dunhuang: Vie matérielle et société en Chine médiévale. Paris:
Ihec/Institut des Hautes Etudes, 1995.
tsea yo , Justin Iyorbee. Conflict and Incorporation in Nigeria: The Integration o f the Tiv.
Nigéria: Gaskiya, 1975.
tuck, Richard. Natural Rights Theories: Their Origin and Development. Cambridge:
Cambridge University Press, 1979.
Tu l l , Herman Wayne. The Vedic Origins o f Karma: Cosmos as Man in Ancient Indian
Myth and Ritual. Albany: State University of New York Press, 1989.
James. An Approach to Political Philosophy: Locke in Contexts. Cambridge:
tu lly,

Cambridge University Press, 1993.


tum a , Elias. “Early Arab Economic Policies, ist-7th and 4,h-ioth Centuries”. Islamic
Studies, v. 4, n. 1, pp. 1-23,1965.
uch endo , Victor. “Some Principles o f Haggling in Peasant Markets”. Economic
Development and Cultural Change, v. 16, n. 1, pp. 37-50,1967.
, Abraham L. Partnership and Profit in Medieval Islam. Princeton: Princeton
u d o v it c h

University Press, 1970.


_____ . “Reflections on the Institutions o f Credit and Banking in the Medieval
Islamic Near East”. Studia Islamica 41, pp. 5-21,1975.
uebach Helg. “From Red Tally to Yellow Paper: The Official Introduction of
,
Paper in Tibetan Administration in 744-745”. Revue d ’Etudes Tibétaines 14, pp. 57-
-69, 2008.
u sh er, Abbot Payson. “The Origin o f the Bill o f Exchange”. Journal o f Political
Economy 22, pp. 566-76,1914.

659
_. "The Origins of Banking: I hr Primitive* Bank of Deposit, 1200 1600".
Economic History Review, v. 4, n. 4, pp. Í00-42K. 1014.

_____ . The Early History o f Deposit Hanking in Mediterranean l.uropc. Cambridge:


Harvard University Press, 1943.
valen ze, Deborah M. The Social Life o f Money in the English Past. Cambridge:
Cambridge University Press, 2006.
Valerio. “Buying Women but no Selling Them: Gift and Commodity
Va l e r i ,
Exchange in Huaulu Alliance”. M an (New Series), v. 29, n. 1, pp. 1-26,1994.
_____ . “Feasts”. In: Fragmentsfrom Forests and Libraries. Durham: Carolina Academic
Press, 2001, pp. 1-27.
Eugene. “Signs o f the City: Medieval Poetry as Detour”. New Literary
Va n c e ,
History, v. 4, n. 3, pp. 557-74,1973-
_____ . “Chretien’s Yvain and the Ideologies o f Change and Exchange”. Yale French
Studies 70, pp. 42-62,1986.
v a n d e m ie r o o p , Marc. “A History o f Near Eastern Debt?”. In: H u d s o n , Michael;
v a n d e m ie r o o p , Marc (orgs.). Debt and Economic Renewal in the Ancient Near East.
Bethesda: cdl, 2 0 0 2 , p p . 59 -95.

_____ . “The Invention o f Interest: Sumerian Loans”. In: g o e t z m a n n , William


N.; ROUWENHORST, K. Geert (orgs.). The Origins o f Value: The Financial Innovations
That Created Modern Capital Markets. Oxford: Oxford University Press, 2005, pp.
17-30.
van der k r a a n , Alfons. “Bali: Slavery and Slave Trade”. In: r e i d , Anthony (org.).
Slavery, Bondage and Dependence in Southeast Asia. Nova York: St. Martin’s Press,
1983, pp. 315-40.
van der to o rn , Karel. “Female Prostitution in Payment o f Vows in Ancient
Israel”. Journal o f Biblical Literature, v. 108, n. 2, pp. 193-205,1989.
v a n e ig e m , Raoul. Traité de savoir-vivre à l’usage des jeunes générations. Paris: Gallimard,
1967.
veen h o f, Karl. “‘Modern’ Features in Old Assyrian Trade”. Journal o f the Economic
and Social History o f the Orient 4 0 , pp. 336-66,1997.
verellen , Franciscus. “The Dynamic Design: Ritual and Contemplative Graphics
in Daoist Scriptures”. In: p e n n y , Benjamin (org.). Daoism in History: Essays in
Honor o f Liu Ts’un-yan. Londres: Routledge, 2006, pp. 159-82. (Colaboração de
Cunren Liu.)
v e r l in d e n , Charles. The Beginnings o f Modern Colonization: Eleven Essays with an
Introduction. Ithaca: Cornell University Press, 1970.

660
VERSTEEG, Russ. Early Mesopotamian Law. Durham: Carolina Academic Press, 2 0 0 0 .
_____ . Law in Ancient Egypt. Durham: Carolina Academic Press, 2002.
veyn e, Paul-Marie. “Mythe et réalité de l’autarcie à Rome”. Revue des études
anciennes 81, pp. 261-80,1979.
Roy L. “Leadership and Structure o f the Tauber Band during the Peasants’
v ic e ,

War in Franconia”. Central European History, v. 24, n. 2, pp. 175-95,1988.


v ic k e r s , Adrian. Bali: A Paradise Created. Cingapura: Peri Plus Editions, 1996.
Michael J. “Early Greek Coinage, a Reassessment”. Numismatic Chronicle
v ic k e r s ,

145, pp. 1-44,1985.


Priyadarshini. Recasting the Devadadi: Patterns o f Sacred Prostitution in
v ija is r i,

Colonial South India. Nova Déli: Kanishka, 2004.


Michel. “L’Idée du droit subjectif et les systèmes juridiques romains”.
v il l e y ,

Revue historique de droit français et étranger 23, pp. 201-27,1946. (Quatrième Série.)
VONDELING, Jan. Eranos. Groningen: J. B. Wolters, 1961. (Com sumário em inglês.)
v o n GLAHN, Richard. Fountain o f Fortune: Money and Monetary Policy in China, 10 0 0 -
-1700. Berkeley: University o f California Press, 1996a.
_____ . “Myth and Reality o f China’s Seventeenth Century Monetary Crisis".
Journal o f Economic History, v. 56, n. 2, pp. 429-54,1996b.
von red en , Sitta. Exchange in Ancient Greece. Londres: Duckworth, 1995.
_____ . “Money, Law and Exchange: Coinage in the Greek Polis”. Journal o f Hellenic
Studies 117, pp. 154-76,1997.
w ade, Geoffrey. “The Zheng He Voyages: A Reassessment”, 2004. Disponível
em: www.ari.nus.edu.sg/wps/wps04_031.pdf. Acesso em: 8/12/2015.
w ake, Christopher. “The Great Ocean-going Ships o f Southern China in the
Age o f Chinese Maritime Voyaging to India, Twelfth to Fifteenth Centuries”.
International Journal o f Maritime History, v. 9, n. 2, pp. 51-81,1997.
w alker, Garthene. “Expanding the Boundaries o f Female Honour in Early
Modern England”. Transactions o f the Royal Historical Society 8, pp. 235-45,1996.
(Sixth Series.)
w alker, James Broom. “Notes on the Politics, Religion, and Commerce o f Old
Calabar”. The Journal o f the Anthropological Institute o f Great Britain and Ireland 6,
pp. 119-24,1875-
w allace, Robert B. “The Origin o f Electrum Coinage”. American Journal o f
Archaeology 91, pp. 385-97,1987.
w a l l a c e - h a d r i l l , Andrew
(org.). Patronage in Ancient Society. Londres: Routledge,
1989. (Leicester-Nottingham Studies in Ancient Society 1.)

661
w a l l e r s I'F.iN, Immunucl. f he Modern World System, Volume I. Novu York: Academic
Press, 1974.
______. “The French Revolution as a W orld-Historical Event". Social Research, v. 56,
n. 1, pp. 33-52,1989.
_____ . “Braudel on Capitalism, or Everything Upside Down". Journal o f Modern
History, v. 63, n. 2, pp. 354-61,1991.

_____ . The End o f the World as We Know It: Social Science fo r the Twenty-First Century.
Minneapolis: University o f Minnesota Press, 2001.
Michael J. “The Economics of Salvation: Toward a Theory o f Exchange
Wa l s h ,
in Chinese Buddhism”. Journal o f the American Academy o f Religion, v. 75, n. 2, pp.
353-82, 2007.
w a r b u r t o n , David. “Before the i m f : The Economic
Implications o f Unintentional
Structural Adjustment in Ancient Egypt”. Journal o f the Economic and Social
History o f the Orient, v. 43, n. 2, pp. 65-131, 2000.

. “State and Economy in Ancient Egypt”. In: d e n e m a r k , Robert et alii


(orgs.). World System History: The Social Science o f Long-term Change. Nova York:
Routledge, 2001, pp. 169-84.
w artbu rg, Marie Louise von. “Production de sucre de canne à Chypre”. In:
balard Michel ; d u c e l l i e r , Alain (orgs.). Coloniser au Moyen Age. Paris: A.
,
Colon, 1995, pp. 126-31.
w a sw o ,Richard. “Shakespeare and the Formation o f the Modern Economy”,
1996. Surfaces, v. 6, n. 217, pp. 5-32. Disponível em: www.pum.umontreal.ca/
revues/surfaces/vol6/waswo.html. Acesso em: 8/12/2015.
_____ . “Crises of Credit: Monetary and Erotic Economies in the Jacobean Theater”.
In: m e h l , Dieter; s t o c k , Angela; z w i e r l e i n , Anne-Julia (orgs.). Plotting Early
Modern Londres: New Essays on Jacobean City Comedy. Londres: Ashgate Publishing,
2004, pp. 55-74.
w a t s o n , Alan. Roman Slave Law. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1987.

w a tso n , James L. “Transactions in People: The Chinese Market in Slaves,


Servants, and Heirs”. In: w a t s o n , James L. (org.). Asian and African Systems o f
Slavery. Cambridge: Cambridge University Press, 1980, pp. 223-50.
w eber, Max. General Economic History. Nova York: Collier Books, 1961.
_____ . The Agrarian Sociology o f Ancient Civilizations. Tradução para o inglês de R. I.
Frank. Londres: Verso, 1976. (Fundations o f History Library.)
_____ . Economy and, Society: A n Outline o f Interpretive Sociology. Tradução para o
inglês de Ephrain Fischoff. Berkeley: University o f California Press, 1978.

662
Tu. “Structure and Function o f the Confucian Intellectual in Ancient
w e i- m in g ,

China". In: e i s e n s t a d t , S. N. Origins and Diversity o f Axial Age Civilizations.


Albany: State University o f New York Press, 1986, pp. 360-73.
W ENNERLiND, Carl. “Credit-money as the Philosopher’s Stone: Alchemy and the
Coinage Problem in Seventeenth-century England”. History o f Political Economy
35, pp. 234-61, 2003.
Westbro o k , Raymond. “Jubilee Laws”. Israel Law Review 6, p p . 209-26,1971.
_____ . “The Enforcement o f Morals in Mesopotamian Law”.Journal ofthe American
Oriental Society 104, pp. 753-56,1984.
_____ . Old Babylonian Marriage Law. Horn: F. Burger, 1988. (Archiv für
Orientforschung, Beiheft 23).
_____ . “Adultery in Ancient Near Eastern Law”. Revue biblique 97, pp. 542-80,
1990.
_____ . Property and the Family in Biblical Law. Sheffield: Sheffield Academic Press,
1991.
_____ . “Slave and Master in Ancient Near Eastern Law”. Chicago-Kent Law Review
70, pp. 1.631-76,1995.
_____ . “Vitae Necisque Potestas”. Historia: Zeitschrift fü r alte Geschichte, v. 48, n. 2,
pp. 203-23,1999.
w e s t e n h o l z , Joan
Goodnick. “Tamar, Qedesa, Qadistu, and Sacred Prostitution
in Mesopotamia”. Harvard Theological Review 82, pp. 245-65,1989-
, William L. The Slave Systems o f Greek and Roman Antiquity. Filadélfia:
w esterm a n n

American Philosophical Society, 1955.


Wh elan , T. S. The Pawnshop in China. Ann Arbor: University o f Michigan, 1979.
(Centre for Chinese Studies.)
C. W. A. Aristotle’s “De interpretatione”: Contradiction and Dialectic.
W h it a k e r ,
Oxford: Oxford University Press, 2002.
Jenny Barbara. Money Makes Us Relatives: Women's Labor in Urban Turkey.
w h it e ,

Londres: Routledge, 2004.


John Roger Scott. Trade Tokens: A Social and Economic History. Londres:
w h it in g ,

Newton Abbot, 1971.


w ie d e m a n n , Thomas. Greek and Roman Slavery. Nova York: Routledge, 1981.
w ie n e r , Margaret J. Visible and Invisible Realms: Power, Magic, and Colonial Conquest
in Bali. Chicago: University o f Chicago Press, 1995.
w i l b u r , C.
Martin. Slavery in China during the Former Han Dynasty. Chicago: Chicago
Field Museum o f Natural History, 1943. (Anthropological Series 34.)

663
WILCKE, Claus, “ Famlliengrundung Im ultcn Knbylonlcn". In: MUi i i k, I W. (orjj.).
Ceschlechtsreije und Legitimation zur Zeugung. I relburg/Munique: Alber, 198s, pp.
213-317.
Brett. Debtfo r Sale: A Social History o f the Credit Trap. Filadelfia: University
w il l ia m s ,

o f Pennsylvania Press, 2004.


Carl O. Thraldom in Ancient Iceland: A Chapter in the History o f Class Rule.
w il l ia m s ,

Chicago: University o f Chicago Press, 1937.


Eric. Capitalism and Slavery. Chapel Hill: University o f North Carolina
w il l ia m s ,

Press, 1944.
W i l l i a m s o n , George Charles. Trade tokens issued in the seventeenth century in England,
Wales, and Ireland, by corporations, merchants, tradesmen, etc. Illustrated by numerous
plates and woodcuts, and containing notes o f family, heraldic, and topographical interest
respecting the various issuers o f the tokens. Londres: E. Stock, 1889.

W il s o n , Monica Hunter. “Witch Beliefs and Social Structure”. The American


Journal o f Sociology, v. 56, n. 4, pp. 307-31,1951.

Andre. Al-H ind: Early Medieval India and the Expansion o f Islam, f h- n thcenturies.
w in k ,

Leiden: E. J. Brill, 2002.


w ir s z u b s k i, Chaim. Libertas as a Political Ideal at Rome During the Late Republic and
Early Principate. Cambridge: Cambridge University Press, 1950.
w o lf,Robert L. “The Mortgage and Redemption o f an Emperor’s Son: Castile
and the Latin Empire of Constantinople”. Speculum, v. 29, n. 1, pp. 45-85,1954.
w ong, Roy Bin. China Transformed: Historical Change and the Limits o f European
Experience. Ithaca: Cornell University Press, 1997.
_____ . “Between Nation and World: Braudelian Regions in Asia”. Review (Fernand
Braudel Center), v. 26, n. 1, pp. 1-45, 2003.
w ood, Diana. Medieval Economic Thought. Cambridge: Cambridge University
Press, 2002.
w o r d ie , J. R. “The Chronology o f English Enclosure, 1500-1914”. The Economic
History Review, v. 36, n. 4, pp. 483-505,1983. (Second Series.)

w ray, L. Randall. Money and Credit in Capitalist Economies. Aldershot: Edward Elgar
Press, 1990.
_____ . Understanding Modern Money: The Key to Full Employment and Price Stability.
Cheltenham: Edward Elgar Press, 1998.
_____ . “An Irreverent Overview o f the History o f Money from the Beginning of
the Beginning to-the Present”. Journal o f Post Keynesian Economics, v. 21, n. 4, pp.
679-87,1999-

664
_____ . Credit and State Theories o f Money. Cheltenham: Edward Elgar Press, 2000.
David P. Inventing God’s Law: How the Covenant Code o f the Bible Used and
W r ig h t ,
Revised the Laws o f Hammurabi. Oxford: Oxford University Press, 2009.
W RIGHTSON, Keith. “Two Concepts o f Order: Justices, Constables and Jurymen
in Seventeenth-Century England”. In: b r e w e r , John; s t y l e s , John (orgs.).
A n Ungovernable People: The English and Their Law in the Seventeenth and Eighteenth
Centuries. Londres: Hutchinson, 1980, pp. 21-46.
W RIGHTSON, Keith; l e v i n e , David.
Poverty and Piety in an English Village. Cambridge:
Cambridge University Press, 1979.
xu, Zhuoyun; d u l l , Jack L. Han Agriculture: The Formation o f Early Chinese Agrarian
Economy, 206 b . c .- a . d . 220. Seattle: University of Washington Press, 1980. (Han
Dynasty China 2.)
yan g, Bin. “Horses, Silver, and Cowries: Yunnan in Global Perspective”. Journal o f
World History, v. 15, n. 3, pp. 281-322, 2002.
yang , Lien-sheng. Money and Credit in China: A Short History. Cambridge: Harvard
University Press, 1971. (Harvard-Yenching Institute Monographs 12.)
ya tes, Robin D. S. “Slavery in Early China: A Socio-Cultural Approach”. Journal o f
East Asian Archaeology, v. 3, n. 1-2, pp. 283-331,2002.
yo ffee, Norman. “The Economics o f Ritual at Late Babylonian Kish”. Journal o f
the Economic and Social History o f the Orient, v. 41, n. 3, pp. 312-43,1998.
YÜ, Ying-shih. Trade and Expansion in Han China. A Study in the Structure in Sino-
-Barbarian Economic Relations. Berkeley: University o f California Press, 1967.
y u n g -t i , Li. “On the Function o f Cowries in Shang and Western Zhou China”.
Journal o f East Asian Archaeology 5, pp. 1-26,2006.
zell, Michael. “Credit in the Pre-Industrial English Woollen Industry”. The
Economic History Review (New Series), v. 49, n. 4, pp. 667-91,1996.
zm o ra, Hillay. “The Princely State and the Noble Family: Conflict and Co­
operation in the Margraviates Ansbach-Kulmbach in the Early Sixteenth
Century”. The Historical Journal 49, pp. 1-21, 2006.
Z ü r c h e r , Erik. The Buddhist Conquest o f China: The Spread and Adaptation o f Buddhism
in Early Medieval China. Leiden: E. J. Brill, 1958. (Sinica Leidensia 2.)

665
'«Nul

-
índice remissivo

A A kiga Sai 172, 530 nu, 533 n5i

Abissínia 39 Akunakunas, com erciantes 198, 535 n65

abolicionismo 215 A lco rão 235, 575 n68

acionista, etimologia de 66 Alemanha


ajuda dos Estados Unidos à 471
acúmulo prim itivo 593 n67
euro e 75, 600 ni6
adal-badal (toma lá, dá cá) 48
pagamentos de reparação feitos pela 12
Addison, Joseph 432,465 títulos do Tesouro dos E U A e 14
adultério Alexandre, o Grande 280, 290,
na cultura lele 179,183 292-3,297, 560 n22, 562 n39,
visão bíblica do 168, 535 n68 568 mo
Á frica alma, noções de 301
colonialismo na 441
alquimia 424,432, 595 n86
dinheiro de tecido na 168
al-Sadr, Muhammad Baqir 485
hom ens cabila (Argélia) 138
imagem negativa da 201 Althabe, Gérard 69
Islã na 347-8 Alvarado, Pedro de 448, 589 n20
moeda na 193,195
al-Wahid, A li’A b d 217, 349, 538 n3, n5, n7 e
reciprocidade, exemplos de 121-3
n8, 551 nio4
sistemas de escam bo na 37,42
ver também lele, povo; escravidão; tiv, am argi (liberdade) 87, 277
povo A m azônia, costum es funerários na 523
agentes de cobrança 477 m8
agiotagem/agiotas 17-9,41, 69,107, 250, Am brósio, Santo 359, 361-2, 364-6
329-30,337, 361-2,365-8,374,398, 433, 444 , Am érica Latina, dívida internacional da
446,475,490-1, 602 n3i 465-6
Aglietta, Michel 74-5, 5141131 A m erican Express 464
Agni (deus) 76 Am éricas, conquista europeia das 397-402,
Agostinho, Santo 418-9, 565 nó9 440-1
tradições agosdnianas 5651169, 586 11169, am izades com o dívida 415-6, 592 nçi
592 n6o
amor, conceitos de 417-9, 592 n5i
agressão militar, definição de 12
am orita, língua 230
ahim sa, princípios da 298,326
A m ó s 97
AIG (American International Group, Inc.) 28,
analfabetismo 420
506 ni2
Anaxim andro/Anaxím enes 311, 565 n73
ajuda mútua 154, 279,369,413

667
anéis dr ferro com o morda c o rrrn ir Hu A 111, l lliu* 417, 4 10

Angas, Law rencc L. B. 596 nXX Am i-rnilo 1I0 dinheiro, A (1'crguson) 490
A niceres 253, 549 1191 Asoka, im perador 298-300, »16, }2J
anistia da dívida assassinato com o forma de pagamento
Jubileu, Lei do 9,108,492 176-77 .531 n22
“ tábulas rasas” 87, 280, 294, 520 n22
Assuã, represa de 479
A ntigo Testamento astecas
ver Bíblia conquista europeia dos 597-8,400,411-2,
apeiron (o ilimitado) 311 447-9
Apocalipse 543 1151 jogos dos 448-9
M ontezum a 448-9
appretiare (estabelecer um preço) 5281163
Atlantic, The 505 ni2
apreciar, etimologia de 528 n63
A tw o o d , Margaret 120,477-8,522115
Aquiles 243, 267, 546 n66 e 1170
Augustin, carrasco 410
Aquino, Tomás de 321,363, 380, 386, 527
nóo, 578 1192, 580 11107, 58411148, 592 1151 Augusto 364, 546 n73

Aquitânia, Leonor da 373 Austrália


povo gunw inggu 44-7,49,165, 540 n3i
Arábia Saudita 463
povo maori 151-2
aramaico, língua 230
autossuficiência, ideal de
arcadiano, língua 230 na China 392
Argélia na Grécia 240, 244,545 n6o
hom ens cabila na 138,576 n76 nos vilarejos indianos 326
m ovim entos de libertação aventureiros-m ercadores 37, 370,372-3,387,
nacional na 473 399,402,408,438-9, 589 n23
Argentina 52
calote na dívida externa 466
B
aristocracia
Babilônia
endividam ento da 295,521-21130
ver Mesopotâmia
superioridade, noções de 145-6, 526 1144
bacalhau seco com o moeda corrente 39,
Aristóteles
53. 65, 443, 509 n3i
aristotélicos de Bagdá 359
sobre agiotagem 581 ni23 Bagdá, aristotélicos de 345

sobre as origens do dinheiro 37 Bakenranef, faraó 280, 521 n29


sobre o Estado grego 5601117 Balboa, Vasco Núnez de 588 n2o
sobre sistemas de escam bo 507 n6
Bali, tráfico de escravos em 201-3,437,537
armadilha de crédito 603 n34 n88
A ro , confederação 196,199, 209, 535 n66 Banaji, Jairus 5611131
A rrigh i, Giovanni 5961189, 601-2 n25 Banco da Inglaterra 62, 66,428-9,431-3,460,
Arthasãstra (Kautilya) 67,297,306 569 1115 470, 499 , 599 n8

A rthur, rei 372, 583 ni37 m onetização da dívida e 470

668
Ranco Mundial 465 beduínos 17(1

bancos centrais 62,458-9,462-3, 600 ni2 Begg, David 35, 506 n3


ver também Federal Reserve (banco central bengali 437,439
americano)
Bentham, Jerem y 445
bancos/sistemas bancários
Bentham, Samuel 444
“ atividades bancárias prim itivas” 594
n7Ó Bernanke, Ben 459,468
cédulas privadas 4 2 6 ,5 9 4 1177 Berndt, Ronald 44
crise financeira de 2008 e 24-6,453,471,
Bíblia
505 nu
conceito de liberdade 108
“go-go banking" 8
conceito de perdão 110
lei islâmica sobre 350-6, 575 n68,
linguagem da dívida na 110
na Europa medieval 369-70
sobre a prostituição 235
na Grécia 290, 559 ni2
sobre cobiça e adultério 168
na Itália 369-70
sobre dívida e redenção 106-13
“ protobancos” 573 n54
sobre honrar dívidas 214
provérbios sobre 7
sobre o patriarcado 228
sistemas bancários m odernos 595-6 n88
valores da hospitalidade na 524 n22
sistemas m onetários globais 464-5
Bierce, Am brose 554 ni
teorias da conspiração sobre 456-8
ver também bancos centrais; Federal bimetalismo 470, 512 n22
Reserve (banco central americano) Blackburn, Robin 553 ni20
Bangladesh, m icrocrédito em 479 Blanc, Louis 523 n9
Banking Law Journal 56 Blaxter, Lorraine 154, 527 n56
Banque Royale (França) 431 Bloch, Marc 143, 525 n40
banquete, O (Platão) 376 Bodin, Jean 391,416, 591 n5i
banquetes Boesoou (escultor) 309-10, 314
hospitalidade nos 128
Bohannan, Laura 136,189, 524 n27, 530 nn
potencial para a violência nos 44-8,137,
Bohannan, Paul 189, 509 n25, 530 nn e ni3,
152.165
troca com petitiva de dádivas nos 153-4, 532 n43
248-9 bolhas financeiras 62, 349,430,435-8,444,
Barbarossa, Frederico 583 ni43 450, 453.483

Barbon, Nicholas 595 n82 Bolívia 12, 25

Bardi (entidade bancária) 370 Bolsa de Valores


bolhas financeiras 62, 349,430,435-8,
barras brutas 40, 55
444 ,4 5 0 , 453,483
Bataille, Georges 519 n8 criação da 430-1,434-7
batalha de Edessa 243 inovações financeiras e 24-5,345,484
nos Estados Unidos 600 ni4
Battuta, Ibn 139, 525 n33, 533 n53
prim eiros m ercados 485
Baum, L. Frank 71, 513 n25
ver também capitalismo; corporações
bazares no Oriente Médio 135-6,358

669
Boltanski, Luc s ■4 n 11 litidWmo <lime* 10, iM 4t
bom bas inteligentes 4HK 1 iipilul de iiivrsliiiienio, origens do 111
divida e 145
Book o f the Eskimos (Freuchen) 104, 150, is4,
mulheres no 3)7-41, 572 1147
5191113, 5261148
budismo indiano 302, 316, 323, 562 1141
Bosm an, W illiam 198
bullae (labuletas de argila) 275
bosquím anos do Kalahari 50
Bulliet, Richard W. 574 n6o
Bourdieu, Pierre 138, 352, 5251130, 576 1176
Bush, George W. 600 ni6
Bourgeois, Léon 5171163
redução de impostos 597-8 nin
Brâmanas, 75-6,89-90,106, 517 n6o
Bush, Neil 165,167, 528 ni, 554 m
brâmanes, deveres dos 326
Buw ei, Lü 305
Brasil
búzios 172, 281, 287, 509 n25, 557 n2ó
nambiquaras, índios 43,46-7,49,165,
531 n22

Braudel, Fernand 332, 570 n27, 582 ni29 C

braudelianos (sistemas mundiais) 570 nz8 cadeia de dívida/armadilha da dívida 71,


437. 439,4 4 0
Bretton W oods 455
cahorsianos, agiotas franceses 367,
Bretton W oods 11 601 n22
581 ni2i
ver também títulos do Tesouro dos Estados
Unidos Calabar, tráfico de escravos em 193-7, 264,
437, 534 n 55
bronze, m oedas de 312,379-80, 393, 560
n26, 563 n47 cálculo com ercial 105

bruxos, sociedade dos (mbatsav) 190, 533 n52 califado 217, 346-50,385, 574 n6o, 575 n66

Bryan, W illiam Jennings 71-2 califado abássida 346, 349, 575 n66

Bücher, Karl 507-8 ni4, 518 n5 calote


Argentina e 466
Buda 285-6, 296,318,324, 333,
leis sobre 404
339. 520 ni4
visto com o crime 451
budismo
calvinism o 399
costum e de jisa 568 n8
crenças sobre eternidade 568 n7 Calvino, João 407-8

darma 333,337-8,342 "câm bio seco” 582 ni30


dívida, dever de pagar 339-40 Camelot 373
doutrina maaiana 338
cam poneses 55, 69, 86,10 0,10 7,112-3,141-2,
na Idade A xia l 274
145,148, 201, 203, 246-7, 262, 278, 296,
natureza ilusória do eu no 334, 571 n35
302, 317,323, 329-30, 337, 391, 393,396,406,
princípios de ahimsa 298, 326
410-2,441, 561 n28, 562 n43, 563 n47 e n50,
sangha (mosteiros budistas) 318
569 n20
sobre a escravidão 298*561-2 n36
sobre mercados e humanidade 106, 520 ni4 canhotos, etimologia de 66
ver também Vedas canibalismo 190,439, 596 n96

670
capital tráfico dc escravos r 4(9-4;
"capital sim bólico" 5761176 visão geral sobre 434-44
capital de investim ento, origens do 30 visões históricas do 441-2
capital social 479 vs. com unism o 123-4
com o crédito no Islã 345-58 ver também livre mercado, ideologias de;
juros
capital, O (Marx) 445
capitalista, definição de 451-2
capitale (capital), significado original de
589 n29 caridade 360, 363
reciprocidade e 141-2
capitalismo
acesso ao 483 carism a (tsav) 189-90
cadeia de dívida/armadilha da dívida 71, Carlos Magno 65
437, 439, 440
Carlos v, im perador rom ano-germ ânico e
capitalismo britânico 432-3,443-4, 5961189
rei da Espanha 402-4
capitalismo de mercado 369
com ércio e 434-7 carm a 21, 326, 5711135
crise financeira do 24 Cartago 290, 292
defensores do 435
cartalism o 64-5, 68,73, 330,429, 511 ni2, 517
definição de 332
n57, 566 n74
dem ocracia e 28
desum anização no 105-6, 249-50, 340, casamento
ver noiva, riqueza da; matrimônio
437, 445-6
economia pelo lado da oferta 476 Case, Karl E. 34, 506 m
falhas do 488-91 Casim iro, margrave 408-12,423,440, 590
futuro do 451-3,481-3 n34, n36en37
guerra e 436-7,485
castas, sistemas de 113,144, 326-8,327, 568
ideias sobre mudanças no 470-2,483-4
ni2, 569 ni9
ideologias religiosas, influência no
476-8, 589 n28 Castello, Francesch 426
inovações financeiras e 24-5, 345,484 castidade e honra 227-32, 540 n3i
jogos de azar e 374
Catecismo positivista (Comte) 92, 517 n62
lingotes no 274
Catilina, conspiração de 561 n28
M arx sobre o 441-2,452-3
m ilitarização e 436,482 catolicism o
modelos utópicos e 445-7 na vida festiva inglesa 391
na China 331-2 positivism o e 92-3
na Europa medieval 5721142 sobre agiotagem 18-9, 360-2
necessidade de crescim ento 435,479-80 sobre interações sociais 584 ni48
neoliberalismo 476 tradições agostinianas 418, 565 n69,
origens do 419 586 ni69
pobreza e 489-91 ver também cristianismo
práticas correntes 473-83 cavaleiros medievais 141,148, 372-5,402
prosperidade e 438-9
Cavaleiros Templários 370
protestos contra o 482
trabalho assalariado e 435 Caxem ira 325,487

671
cédula* 1 Idiidtinltl nu« iiiuul, direito* A 4N4
ver papel-moeda i latino* mh ttfti
cédula* do Federal Reserve 460
cigarros com o moeda corrente si
Céfalo 516 n49
Cilihank K, 11, 26
Celebes, servidão por dívida em 200
civilização, noções de 451
Chapman, A n n e 508 m6
classes sociais 133,145-6, 293-4, 526 1144. 561
charta (lâmina de metal) 64 n28
Chase (banco) 8 ver também relações hierárquicas

Chaucer, G eoffrey 416, 592 n53 Clavero, Bartolomé 580 nio8

Chaudhuri, Kirti N. 576-7 n77 Clendinnen, Inga 448-9

cheques 351,576 n7i cobiça 168,183, 399, 529 n8

Chicago, industrialização em 452 cobre 40, 62,19 3-4,19 6,204,279,282,28 8,


Chile, m ovim entos de libertação nacional 292, 298, 301, 312, 339,443, 533 n53, 534 n 54

no 473 códigos de leis assírios 236-7, 543n53

China códigos de leis bárbaras 81,102,166, 222,


com unism o na 123 322
crédito para camponeses na 273, 562 n43 códigos de leis franceses 550 n93
dinheiro na 272-3, 281,300, 393
códigos de leis galeses 81-2,166, 539 ni7
dívida existencial na, crenças sobre 384,
sobre o preço da honra 225
514 n3ó, 516 n49, 571 n35
dívida na 282,331,335,338-9,342, 384,396 códigos de leis germ ânicos 81
em préstim os na 282, 331 códigos de leis hindus 20, 325, 328
escravatura na 272,300, 544 n54
códigos de leis irlandeses 221, 224
honra patriarcal na 167
im postos na 330,344,392-3, 516 n53 Cohn, Norm an 366, 581 mi9

inflação na 344, 395-6 coleta da dívida


m oedas na 273, 281-3,301,338, 342-4, 393, reis e 512 ni6
517 n57 violência e 14-5,23-4,249-50
m onetização da dívida dos Estados ver também agiotagem/agiotas
Unidos e 468,470 Collins, Randall 572 n42
notas prom issórias na 289,343
Colom bo, Cristóvão 37,131,394
preço da noiva na 238, 544 n54
produtos baratos da 493,570 n29 colonialismo
rebeliões campesinas na 330-1, 392, 569 efeito sobre países devedores 12
n20 e n2i em M adagascar 12, 68-9
reform as tributárias na 331, 393 na Á fric a 441
servidão p or dívida na 238 nas A m éricas 397-402
taxas de juros na 331, 385 no Haiti 13, 505 n2
títulos do Tesouro dos Estados Unidos no Sudeste Asiático 441
e 14,466-9 “pacificação” e 12
venda de crianças na 283, 517 n57 ver também conquistadores; conquistas
europeias
C ícero 546 n73

672
Com aroff, John 266 conceitos bíblicos
Deuteronôm io 108,114,365, 4118, S20 mg
comércio 39-40,46,56-7,86,128,168,194-5,
e n20, 522 n3i, 529 n8, 589 n28
203,215,221, 235, 238-9,242,252,256,272-3,
ver também cristianismo
288-90,297-300,304,321-33,350-3,364,368-71,
387, 391- 5,398,406-8,414-6,430,436-7, 475, confecções clandestinas 442
529114, 55411130,567 ni, 580 mo9, 587113 confiança, conceitos de
ver também sistemas de escambo dinheiro virtual e 396,464
com ércio de tributos 6011123 em Deus 477
no governo 342, 351-2, 511 m2, 574 n63
com ida, divisão de 128-9,132, 519 ni3
no poder e nas políticas
ver também banquetes
governam entais 312
commerçants (servos) 373
nos sistemas de crédito 72, 97, 274, 396,
Companhia Britânica e Companhia 414-6 ,424-5,429 ,46 4
Holandesa das índias Orientais 404,430, troca de ofertas e 413,416
436,441
Confúcio 285-6, 304, 314, 564 n55 e n64
com plexo de cunhagem militar escravista
confucionismo 286,300,302,308, 316, 329-33,
292,298, 306, 315-6
338,347,368, 377,384,544 n54, 564 n55
Comte, Auguste 92-3
conquistas europeias
comunidade, definição de 98 das A m éricas 391-2, 394, 397,399-400,
comunidades utópicas 318 403,440, 588 n20
do povo asteca 397-400,411-2,447-9
comunismo
im périos espanhol e português 394,436,
“ com unism o de base” 127,129-31,135,160,
582 ni32
356
moral e i i 2 , 142, 260
“ com unism o dos rico s" 412,434
ver também conquistadores
“ com unismo épico” 124
“ com unism o m ítico” 124 conquistadores
“ com unism o prim itivo” 124, 508 niç, Alvarado, Pedro de 448, 588-9 n20
523 ni5 Balboa, Vasco Nunez de 588-9 n20
“ de cada um segundo suas Colom bo, Cristóvão 37,131, 394
capacidades” , princípio 123-4,126-7, Cortés, Hernán 399-402,404-5,411-2,447-8
130, 524 ni9 M arco Polo 572 048, 595 n86
com o princípio moral 123,132-3 Pizarro. Francisco 392, 588 n20
definição de 123,127,129 Vasco da Gam a 394
direitos de propriedade coletiva 124 Constantino, im perador 316
em Cuba 123
Constantinopla 375,377
Escola Agrô n o m a (School of the Tillers)
Constituição de Atenas (Aristóteles) 240, 245,
302, 563 nso
M arx sobre 508 ni5, 523 n9 545 1158

mitos sobre 124 Constituição de M égara (obra perdida de


na China 123, 331-2 Aristóteles) 547 n75
na Rússia 123 consumidor/consum idores 54, 86-7,132,
vs. capitalismo 124 2 77,4 22-3,4 69,49 2,50 7 n6, 582 ni30, 601
ver também Marx, Karl n22, 603 n37

673
contas a p-igar COmo «ImieniU <lr crédito t icdo, omçdo (mIiiiIk>1
«>) 476, ■\H.| m ss
28
»m lo rrs , v is ío «orinl dos 4N9
contas de bar e tabernas 64 crianças
contas de despesas 28 dívida para com os pais « 6-7
Contra Timarco (Ésquines) 546 n73 dívidas de leite 336-7,341, 384, 571 n}8

contrato social, teorias de 74 crime


calote da dívida com o 27, 415
contratos
crim inalização com o dívida 421
ver sistemas de crédito
crim inosos, punições para 574 n59
“ conúbio circulante” 5261146 dívida social dos crim inosos 156-7
Cook, capitão James 131 hierarquia e 141-4
oferta na surdina 142-4
Cook, Robert Manuel 559 nn
redenção e troca 29-30
Cooper, Melinda 6031134
crim e de honra 540 n3o
Coreia do N orte, euro e 600 mó
crise da dívida
Coreia do Sul 316,463,469 bolhas financeiras e 4 30 ,435-8,444
títulos do Tesouro dos E U A e 14 crise da hipoteca e 25,480
corporações 27,184,338,385-6,404,436, crise das hipotecas de risco nos Estados
464,476,58611171 Unidos 480
corpus intellectuale (corpo intelectual) 386 crise financeira global de 2008 24-6

corpus misticum (corpo místico) 386 dívida internacional dos Estados


Unidos e 465
Cortés, Hernán 399-402,404-5,411-2,
em Roma 293-4
447-8
na Grécia 293-4
cortesias civis 158 no Terceiro Mundo 8-9,12-3
costum es de negociação nos Estados Unidos (década de 1970) 459
barganhas em bazares 135, 578 n88 recessões econôm icas e 27
em Java 133 resolvida com a guerra 294
em M adagascar 135 crise, etimologia de 227
no Islã 358
crise do petróleo (década de 1970) 8
Cow ard, H enry 414,421
cristianismo
crédito conceito de redenção 105,180
com o direito humano 479-81 e sacrifício 103
com o “ reputação” im portante 480 igualdade e dívida, visões sobre 110-1,117
crédito pessoal, visão negativa do 422, índios norte-am ericanos e 397-8
593 n68 judaísm o vs.108, 286, 346
e poder 479 liberdade e, conceito de 363, 58onio7
crédito, cartões de M artinho Lutero e 405-6
cartões de débito 464 m ercadores no, visões sobre os 363-8
criação dos 464 na Idade Média 271, 286, 304,363-4
taxas e juros cobrados pelos 480,491, no mundo antigo 301
602 n3i, 603 n37 noções sobre Deus 103, 565 nó9
sím bolos no 584 ni55

674
sobre a pobreza 491 Decreto de (iraciano tos
sobre agiotagem 360-8,403-4 déficitsgovernam entais450,462, 597-8 mu
sobre direitos de propriedade 368-9
dege (mingau de milho e leite) 218
ver também Bíblia; conceitos bíblicos;
catolicismo Deleuze, Gilles 519 n8

Crítica do Programa de Gotha (Marx) 523 nç demagogos 292

Cross, sociedades do rio 193,196,198, 209, democracia


437, 535 nzo, 536 1179 capitalismo e 28,472
na Grécia 292,497, 560 ni7
cruzadas 370, 574 n6o, 582 11133
resgates financeiros e ameaça à 28
Cuba 123,453
dem ocratização das finanças 476, 490
culpa e pecado, conceitos de
“ de nada” (you're welcome) 159
agiotagem e 21-2
conceitos religiosos morais e dívida 75 deniers (moeda francesa) 65, 371, 509 n28, 511
cumals 81, 221-3, 539 ni4 m3
dívida vista com o pecado 250,280 ,446 depreciação/enaltecimento 579 n95
linguagem sobre a dívida 16, 75,101-2,156,
derivativos financeiros 24-5
5271159
Schuld (dívida, falha, culpa) 101-2, 5271159 derrotados 17

servas 81,166 desigualdade


ver igualdade/desigualdade

despesas universitárias, dívida e 479


D

Da interpretação (Aristóteles) 58411152 Deus, noções sobre


“ em Deus confiam os” 477
dádiva 52,82,10 4,118,136 -8,141,150 ,153-6 ,
ver também ideologias religiosas
171,187-9,
“ dádivas heróicas” 549 1189 Deuteronôm io, visões da dívida no 108,
114, 365,408, 520 ni9 e n20, 522 n3i, 529 n8,
Dakota do Sul 602 1131
589 n28
dançarinas dos templos
devadasis (dançarinas dos templos) 233, 542-3
na Grécia 545 n6i
n44
na M esopotâm ia 85
D ez Mandamentos 168
Dário, rei 295, 525 n39
Dharm asastra 325, 516 n48
darma 333, 337-8, 342
diamantes vs. água 594 n74
Davanzati, Bernardo 507 ni4
Diaz del Castillo, Bernal 399, 588 ni7, 597
Davenant, Charles 411, 416-7,428,436, 592
nio8
n54
didjeridu 45
De Republica [Os seis livros da República]
(Bodin) 416, 5911151 Die Wibelungen (Wagner) 583 ni43

“de rieti” (de nada, agradecimento) 159 dignidade


ver honra, conceitos de
De Tobia (Santo Ambrósio) 361
Dike, K. O nw uka 535 n67
Decreto de Estabelecimento de 1 7 0 1 432

675
diiiuir.N t dirrds 124, hN. im, %(tj 11(1 illnlirlm pi iitièllv«>
dinastias chinesas .in e K <lf Ict r o o u d r I11IA0 Ho, 170
h iim llu iii set o iu, 5 1, <t\
Han 282, 300 -1, 316, 3 2 9 - 5 0 ,) ) ) . \ 4 1 - i , 4(ig,
ciicu u 9 9 , 5iH 115
517 n 57
Liang 333 conchas ou búzios )g, 17 0 ,18 7 , 281, 282,

Qing 30 1,330,572 1142 424, 509 1125, 529 n9

Shang 54. 517 ti57 contas 8 0 ,18 7 ,4 2 4


Song 343-4, 544 n54, 572 n42 escalpos de pica-pau 80
Sung 330 fichas de jogo chinesas 98

Tang 330, 346, 572 n42, 573 n 54 gado 3 8 ,6 1,7 9 - 8 0 ,12 8 ,17 2 ,17 5 ,5 2 8 - 9 n3,
Yuan 330 532 n 4 0

Zh o u 287 peles ou couros preparados 38 -9 ,8 1


penas 8 0 ,18 7 ,4 2 4
“ dinheiro cartalista” 566 n74
sal 3 9 ,4 2 4 , 518 n s
dinheiro com suporte do governo 71, 344, sândalo 17 9 ,18 4 -7 ,2 0 5
459, 566 n74 tabaco 39 ,4 5-6 , 5 3 - 4 ,10 0 ,18 7
dinheiro, conceitos de tecido de ráfia 179 ,183-5, 531 n25
com o conceito matemático 70 wampum 8 0 ,16 8 ,17 5 -6 , 529 n9
com o criação do governo 37 dinheiro, origens do
com o ilimitado 311-3 lendas sobre 563 n52
com o m ercadoria 39,51-2,6 2-3,97-8,509 na G récia 37, 507 n6
n 25 en3i na Mesopotâm ia 54-7, 518-9 n5
com o m oeda social 170,177,198,203 primeiras moedas de metal 422, 599 n8
com o poder 480 prim eiras práticas legais e 80 -2
com o sím bolo 378-83 sistemas de crédito e 9 7 -10 0 ,5 18 n5
com o sím bolo de degradação 242-3 teoria da dívida primordial 7 4 ,10 3 ,17 6 ,
com o vale 97-100 514 n 3i
com o valor criado na lei 428,577 n8i ver também escam bo, m ito do
e linguagem 250
dinheiro sim bólico de madeira, chumbo
honra e 220
ou couro 9 8 ,4 12
moeda de conta e 511 n9 e mo
pensam ento filosófico sobre 310-4 dinheiro, tipos de

teoria da dívida impagável de Rospabé barras de cobre 193-6

sobre 169-77, 203-4 dinheiro fiduciário 459-60

valor de medida e 62-5 gado 38, 6 1,7 9 - 8 0 ,12 8 ,17 2 ,17 5 , 528 n3, 532
n40
dinheiro de concha 424,529119
latão 8 0 ,17 0 - 3 ,18 8 ,19 4 ,19 8
dinheiro de contas 80 ,424 nas prisões e nos cam pos de guerra 297
dinheiro de crédito prata 2 8 ,3 3 , 54-6, 61, 63, 6 5 ,6 7 ,7 1, 8 0 ,8 6 ,
ver dinheiro virtual 9 8 ,18 7 ,2 3 1, 273, 275, 288, 358-9, 366, 393-
7 ,4 2 4 - 3 0 ,4 4 3 ,4 7 0
dinheiro eletrônico
tabaco 39 ,4 5-6 , 5 3 - 4 ,10 0 ,18 7
ver dinheiro virtual
<0 dinheiro virtual
“ dinheiro fantasma” 511 ni4
com o form a original de dinheiro 28
“ dinheiro im aginário” 65, 359,481, 509 n28 confiança e 464-5

676
e cunhagem do iiiord«» % dívidas de lrilr ««f> 7, 141, 1K4,17111 |K
na Idade Média 378 dívidas dc sangue 177,179-82,184
nova era do 28 dívidas de vida 181, 336
prim órdios do 2 8,34 1-2,357,378 ,39 0 ,4 24 inutilidade do dinheiro para 169-77
visão geral sobre 27-9 moralidade e 155-7
mulheres usadas com o moeda corrente
"Dinheiro Voador” 343
para pagamentos 155-6
Diógenes, o Cínico 549 n90 e n9i
nas economias humanas 176
Dionísio, o Areopagita (Pseudo-Dionísio) relação kem e 530 ni3
380, 383, 585 nisó, 586 mó9 riqueza da noiva com 171-2
obras de 585 11158 e ni59 vendetas e 81,132,173,203
direito islâmico 347-9, 367, 575 n 7 0 ,586 ni7i dívida infinita 87-8, 91, 340
direito romano dívida internacional 492
ius (direitos) 255, 5501194 padrão-ouro internacional 72,455
iusgentium (lei das nações) 552 mi5
dívida social
Lex Petronia 551 ni09
“ solidarism o” e 517 n63
direitos de propriedade “ todos nascemos em dívida para com 11
códigos de leis franceses sobre 550 n93 sociedade” 93
direitos in personem 550 n93
dívida, tipos de
direitos in rem 550 n93
“ dívida cárm ica” 335-6, 341, 571 n35
na Roma antiga 253-60, 550 n94-5
dívida social 92-3
“ poder absoluto” nos 254-6, 264
dívidas de carne 190-1,416,439
ditadores 8-9, 25 dívidas de leite 336-7, 341. 384. 57« «138
dívida dívidas de sangue 177,179-82,184
com o valor 463 dívidas de vida 181, 336
conceito de 252 relações morais com o dívidas 277,416
dever de pagar, obrigação moral 10-1, dívidas de sangue
102 povo 1ele e 177,179-82
impostos e 94
“ doações perpétuas” 324
na Mesopotâm ia 106
D ockés, Pierre 554 n2, 567 n2
no budismo 339
“ pagar” , etimologia de 80, 515 n44 doença, falência e 479

“ dívida” , definição de dólar, Estados Unidos


no Oxford English Dictionary 7 atrelado ao ouro 71-2, 274,455-6
bancos centrais e 462
dívida dos Estados Unidos, Federal
com o “ moeda de reserva” mundial 455-
R eserve e 15,460-1
6,461, 600 ni2
dívida existencial 91, 93,110
greenbackers e 71, 512 n22
dívida familiar nos Estados Unidos 478 status global do 462-3
dívida de guerra nos Estados Unidos 461 trocado por ouro 455
vendas de petróleo e 463
dívida impagável
dinheiro prim itivo usado para 169-77 dominicanos 368, 598-9 n5
dívidas de carne 190-1,416,439 domínio militar dos Estados Unidos 461

677
dominium (propriedade) 254, lift 7, Jfti t, n o H r « » ,» Idtidr dr •,(>s 1172
1196 e 1199 I lik. «>« irdudr coinrrciul s is nfts
Dornbusch, Rudiger 3;
I gil (viking) 152-3, 249, 527 1154
dotes 239 Egilo 8 4 , 1 0 8 , 1 1 4 , 2 6 8 , 279-80, 283, 289, 293,
ver noiva, riqueza da
346-7, 349, 372, 516 n48, n 49 e n 53. 517 n 57.
Douglas, Frederick 539 m2 556 n22, 575 n69, 576 n72, 582 ni29, 583

Douglas, M a ry 177,180-6, 5311125, 532 1133 e ni42


1134, 5381198 Einzig, Paul 508-9 n24, 515 n43, 518 n3 e n5,

doutrina brâmane 514 1135 529 n 4 ,539 ni4 en20


ver também Vedas “ Eixo do M ai” 600 m6

Dragon (navio) 194 Ekejiuba, Felicia 535 n67


Driffill, John 36 Ekpe, sociedade secreta 196-7, 209, 535 n70

Duby, Georges 526 n45, 583 ni37 Elizabeth, rainha 419

Dum ont, Louis 328, 537 n90 Elyachar, Julia 479

“ dupla coincidência de desejos” 35-6,49, 51 empilhadeiras de ouro 456

Durkheim , Émile 93, 517-8 nó3 empresas emergentes 480,

dzamalag (cerimonial) 44-6 empréstim os


crise da dívida no Terceiro Mundo e 8-10
empréstim os com erciais 86, 277,324,327,
E
350,369,407, 548 n82, 568 n8, 569 ni5,
economia, conceito de 36-7,41 582 ni3o
economia, disciplina da 37,41,47,118 empréstim os eranos 521-2 n30
descoberta da 60-1 empréstim os irresponsáveis e crise da
“ econom ias reais” 61 dívida u, 25
vocabulário técnico na 41 empréstim os obrigatórios 17,426
ver também Smith, Adam na China 89,167,282-3,331, 468, 516 n49
economia newtoniana 431 vs. dádivas 247,337,363, 547 n79, 549 n85
vs. sistemas de tributos 14,468
economias de m ercado
ver também sistemas de crédito; agiotagem/
colapso das 52-3
agiotas
surgim ento a partir da ajuda mútua 279,
369 em préstim os a juros 465,479, 516 n48 e n49,
ver também capitalismo 534 n6i, 547 n75, n77 e n78, 557 n29 e n32,
590 n33, 604 n42
Economics (Begg, Fischer e Dornbusch) 35
Engels, Friedrich 508 ms, 595 n84
Economics (Case et alii) 34
Enkidu, história de 233-5
Economics (Parkin e King) 35
Ensaio sobre a dádiva (Mauss) 118, 519 n8, 527
Economics Explained (Maunder et alii) 35
n52
“Edito do Pilar” 562 n40 •
Entemena, rei 277, 556 m2
Eduardo I, rei 262
Equiano, Olaudah 214-5, 220

678
eranos, empréstimo* n<>, •, 1 1 > mi» a r lg tn id o d in h r lr o c itv M u m 4
tráfico 169, 192-5,199-202, 2o H-H>, 21), 221,
Era dos D escobrim entos iHy
264, 534 nss
“ era keynesiana” 472
ver também venda de crianças; servidão
escam bo, mito do por dívida; escravas
crença continuada no 59, 61, 510 ni
escravidão, leis sobre
dissipação do 508 n24
direito islâmico 349
papel na sociedade do 47-57,486-7
direito romano 216, 218, 256, 550 ng6
A dam Sm ith sobre escam bo 34-7,48-50,
leis africanas 218
62-3,472
lei das nações 216, 261, 552 nii5
escam bo cerim onial 44
escrituração 418, 567 n4
escam bo prim itivo 507 n7
esfera de consumo 47
Eschenbach, W olfram Von 376, 583 ni42
esferas de troca 52,189
Escola A grônom a (School of the Tillers)
Esparta 40 ,560 m6, 561 n33
302, 563 nso
espontaneidade no taoismo 308
Escola da Regulação 514 n3i
esposa
Escola Histórica Alem ã 65
direito do marido de vender a 166
escravas
"esposas da aldeia” 184, 532 n3i-3
cumals 81, 221-3, 5391114
“ esposas do m ar” 439
na Grécia 243-4, 545 n6i
na Islândia 528-9 n3 "esposa fantasma” 175, 204
servas 81,166, 226, 234, 237 esquimós
usadas com o moeda corrente 528-9 n3, ver inuítes
52 9 n 4
Esquines 546 n73
escravidão / escravatura
essênios 318, 521 n28, 566 n8i
em Rom a 256-65,322, 551 nio5-7, 567 n2
fim da antiga forma de 271-3, 554 n2 Estado islâmico 349, 574 nó2
forma clássica de 218-9, 271-2,300, 327, Estados Unidos
545n 59 civilidade, costum es de 158-9
histórias de horror baseadas na 192-3, com o “ im pério” 14
218-9 dívida de guerra dos 461
justificativas para a 216-8, 538 n2 dívida dos 15,460-1
na China 272,300, 544 n54 domínio militar dos 461
na Europa 371, 582 ni33 embargo ao Haiti pelos 13
na Europa medieval 579 11104 força global, declínio da 470
na Grécia 242-3, 292, 545n59, 548 1182, inflação nos 456, 602 n3i
na Idade Média 376 monetização da dívida 468,470
na índia 296-7,327 poder global baseado na dívida nos 463
na Itália 371 populismo de m ercado nos 458,485-6
no Egito 267-8 reservas em ouro dos 456
no Islã 217-9, 348-9, 538 n3-8, 551 nio4, 575 sistemas de escam bo nos 36, 507 n7
n65 Terceiro Mundo, políticas de dívida
no Peru 439-40 do 13

679
estagnando salarial 4 ’4, 601 n j ;
estampagem de moedas tu Fiilr, U.iy C. 14
estruturalism o 119 falêiu ias 10, 26, 2 76 ,190, 4S2, 479, 481, 506

eternidade, crenças na nn-4, 520 1116, 589 1124, 598 11114


crenças budistas na 568 n7 família 257, 551 nio2
eternidade agostiniana 586 11169
fa tid ra (irmandade de sangue) 151
E tic a a Nicômaco (Aristóteles) 5661178, 578 Faure, Bernard 584 ni49
n ç2, 58111123, 584 ni47 e ni53, 591-2 n5i
Fausto (Goethe) 432, 595 n86
euro
Federal R eserve (banco central americano)
adoção global do 74,463,600 1116
dívida internacional dos Estados
Alem anha e 75, 600 ni6
U nidos e 15,460-1,467-8
Europa em N ova York 457
capitalismo de m ercado na 368-9, 581 em préstim os feitos ao governo 460-1
ni26 poder para imprimir dinheiro 460, 600
capitalismo na 572 n42 ni2
econom ias de m ercado, surgim ento das
feiras e festivais medievais 370-4,387,401,
168-9
em préstim os a juros na 582 ni30
427
escravidão na Idade Média na 376 feminismo, advento do 473
hierarquia na 384 feminismo islâmico 485
Idade das Trevas na 271,322
feudalismo 148,554 n2
inflação na 389-92,395-6,428, 587 m
islamismo na 346 fichas de jogo chinesas 98

na Idade Média 359-76, 5721142 Ficino, M arsilio 528 n67


peste negra e 390 fiduciário, definição de 459
prata, falta de 394
filhas com o moeda corrente para
"revolução dos p reços” na 396-7, 587 n2
pagam ento de dívida 17,23,111,166-8
sistemas bancários na 369-70, 58211132
ver tam bém escravas
sistemas de dívida baseados em moeda
sim bólica 56-7, 65, 5741156 “ Filhos de D eus”
títulos do Tesouro dos Estados Unidos ver Aro, confederação
e 4Ó3 Filipe 11, rei da Espanha 404,459
tráfico de escravos na 221-3, 555 113
Filipinas com o país devedor 12
tum ulto econôm ico na 389-92
Fílon de Alexandria 566 n8i
Evans-Pritchard, E. E. 126,128,174, 530 mo
filosofia, conceito de 310
êxodo, visõ es sobre a dívida no 235,293,
filosofia materialista, conceito de 313-5
317
exploradores financiamento público 590 n33
ver conquistadores Finley, M oses 16, 84
Eyo 11, rei 536 n8o sobre o dinheiro antigo 16

Fischer, Stanley 35

Fleet, prisão 14,421, 593 n66

680
Força Aérea dos Estados Unidos 600 m3 Galey, Jean-Claude 17

Ford, H enry 460 Galilei, Galileu 594 1174

Fort K nox 455,457 Gallieni, general Joseph 12, 68

Fouillé, A lfre d 517 1163 Gam a, Vasco da 394

França Ganesha (deus) 341


estruturalism o na 119 Gardiner, G eoffrey W. 271
euro e 600 m6
Gargântua e Pantagruel (Rabelais) 161
Haiti, conquista do 13, 505 n2
Madagascar, invasão de 12-3, 69-70 Gärtner, M anfred 34
solidarism o, filosofia do 517 n63 Gautam a, Siddhartha 296, 520 ni4
franciscanos 368, 571-21140, 598-9 n5 Genealogia da moral (N ietzsch e ) 100, 5 19 i'X
francos m algaxes 68 General M otors 26
Franklin, Benjamin 85 generosidade e com partilham ento com o
Frederico 1, m argrave 408 valor cultural 128-31,134, 523 ni6

Free Silver, plataform a eleitoral 71 Gênesis 228

Freuchen, Peter 104,150,154, 519 m3, 526 Gernet, Jacques 333- 5,338, 342, 571 n36
n48 Ghazali, profeta A b u A m id al-Ghazali
Friedman, Thom as 490, 602 n32 355-8 , 368, 378, 574 n62, 577-8 n85, n88-<>,
1192, 58411148
fructus (frutos) 255
Iliya (The Kitab al-'!lm e The Mysteries of
fu ou fu hao (símbolo) 379 Almsgiving) 355
Fugger, família 405, 5891124 Gide, Charles si8 1164
Fundo M onetário Internacional (f m i)
Gifts and Spoils 154
capitalismo global e 28
Gilder, George 476-7
condição legal do 589 n22
dívida do Terceiro Mundo e 8-io, 465-6 G irard, René 514 n3i
insistência no pagamento das dívidas Gluckm an, M ax S23 1115
465-6
"go-go banking” 8
oposição ao 465-6
goal e padah (redenção) 106
fundos de amparo hipotecário 506 ni4
Goethe, Johann W olfgang von 432, 598 nns
fundos de pensão 25,475
Fausto 432,595 n86
funerais, com o despesas de vida 17
Goldm an Sachs 125
Fúrias 162, 549 n85
golfo de Biafra 193, 214, 534 1155, 535 n67
furtos em local de trabalho 444
G oody, Jack 541 n35, 544 n55

governo, diretivas e poder do 344,474, 554


G n2
Gabão 25,92 Graciano (Franciscus Gratianus) 552 nns
gado com o moeda corrente 38, 61,79-80, Decreto de Graciano 365
128,172,175, 528-9 n3, 532 n40 “gracias” (obrigado) 528 n63

681
G ram em Rank (li;iny>la(U*Kh) 479 Kiiililimlr m irra d o m 174-1,124, nK, <11,
Grande Depressão 72 Ift7. «N6
judeus excluídos das <6s
gratia (influência) 528 n63
Guilherm e 111, rei 42 8
Grécia
autossuficiência na 244, 545 n6o gunw inggu, povo 4 4 - 9 , 1 6 ; , 5 4 0 n ji

crise da dívida na 227, 548 n82 Guth, D elloyd J. 592 n53


dem agogos na 292
escravidão na 242-3, 292, 545059, 548 n82
H
honra e dívida na 227
honra hom érica 241, 544 n$6 “ hacksilver” 509 n33
livre campesinato na 291 Hadot, Pierre 563 n49
m oedas na, origem das 114, 559 mo
haida, povo 152
patronagem na 246
política na 292-6, 563 n48 Haiti 13, 505 n2
prostituição na 545 n6o Hallam, H en ry 505 n3, 593 n66
sistemas m onetários na 84, 98-100,113-4, Han, dinastia 282,300-1,316, 329-30,333,
239-46, 289-96, 310-2, 521-2 n30, 547 n75
342-3,469, 517 ns7
e n77, 548 n8i-2, 556 m2, 565 n72
harappiana, civilização 558 n7
vida econôm ica na 244-8
Hardy, Thom as 542 n42
Grécia, origem do dinheiro na
Seaford sobre 311-2, 544 n57, 546 n68, 559 Harris, R osem ary 536 n79
nu, 565 n73 Harsa (governante) 325
greenbackers 71, 512 n22 Hart, Keith 63, 97
Greenspan, A lan 459,597-8 m u H awtrey, Ralph 508 n24
G regory, Ch ristopher A . 509 n25, 598 m He, Zh en g 469
Greider, W illiam 598 n$ Heather, Ken 34
Grierson, Phillip 81,166, 510 n34, 515 n4i e Helvétius 418, 592 n58
n4Ó, 528 n3
Henneburg, Guilherm e de 590 n35
Guanzi (Guan Zhong) 282-3, 556 n24
Henrique de Gante 578 n92
Guattari, Félix 519 n8
Henrique 11 (Henry II), rei 36 ,49-66
guerra
Henrique h i, rei 366
m ercados à vista 484
princípio de troca e a origem do Henrique, o Liberal 373, 375

dinheiro na 435-6,482 Heráclito 565 n72


ver também Idade Axial H eródoto 236, 276, 542 n44, 545 n65, 549 n86
G uerra do Vietnã 455 Hesiodo 547 n79
G uerra Fria 462,469,483 hierarquia patriarcal
guerras de luto 531 n22 • autoridade paternal em Rom a 257, 551

Guicciardini, Francesco 418 mo2


castidade e propriedade sexual 228-31,
530 m3, 540 n3i, 541 n38

682
liberdade das mulheres, restrições à honra guerreira 449-50
229-31, 544 n54 honra hom érica 241, 544 1156
na China 229 honrar as próprias dívidas, conceito
na índia 229 de 214
na M esopotâm ia 227-239 linguagem e 213-4, 227, 544 n57
na Sum éria 228-9 “ perda de prestígio” e 540 n23
no O riente Médio 167, 228, 541 n32 significados contraditórios da 220
origens da 227,235-6 valor do dinheiro e 220
prostituição e 234-9, 542-3 n44 vendetas e 81,132,173, 203
uso obrigatório de véu e 229, 242, 543-4 ver também hierarquia patriarcal
n 53. 545 n64 hospitalidade 48, 59 ,77,128,131,153, 515 rn8,
“ venda de esposa” 230-1, 542 n42 524 n22
hieróglifos egípcios 54 Hosseini, Hamid S. 5771185
Hildebrand, Bruno 508 1114 host, hostile, hostage [hospedeiro, hostil,
hinduísmo refém], etimologia de 131
sobre a dívida 75, 91,328 hostis (hospitalidade) 524 n22
sobre em préstim os a juros 20, 327
H ow gego, Christopher 561 n29
sobre prostituição 233
hoyweetl (di'vida) 521 n25
hipoteca
crise nos Estados Unidos 27-8,480-1 Huang, Qin Shi 305
esquemas de refinanciamento 475 Hudson, Michael 87, 278,463,465, 514 n 32,
hipotecas de risco nos Estados Unidos, 517 n55, 521 n29, 529 n8, 555 n8, 598 ni, 600
crise das 480-1 ni4
Hiromushime, história de 20, 22-3 "tábulas rasas” 520 n22

“ História da A stronom ia” (Smith) 510 n4 Hume, D avid 577-8 n85

History o f Dharmasastra (Kane) 516 1148 Hum phrey, Caroline 43

hiyal (subterfúgios legais) 575 n70 Hussein, Saddam 12,463-4

Hobbes, Thom as 264, 268,411,417,419,434,


592 n55-6en59 I
Leviatã 417
Idade A xial
Hodja, Nasrudin 133,138-9, 246-8, 348,356, ascensão da cunhagem na 274
548 n8o guerra durante a 293-4
Hohenzollern, dinastia 408 materialismo, busca de lucros e 302-8
m ercenários com o moeda corrente
Holanda, bolsas de valores na 436
288-9, 559 nu
Homans, George 119
moeda, origens da 287-9
Hom ero 54,79, 227, 243, 245, 289 pensam ento religioso na 285-9
honra, conceitos de idade da dívida 592 n53
castidade e propriedade sexual 227-32,
idade da exploração 389, 588 ni2
539 ni3, 540 n3i
desonestidade e 247-50 idade das revoluções 434
hom ens de honra 215,219,227,267,353 Idade das Trevas 271, 322

683
"Idade de K ali" 56X 1110 ImpoNio*
Idade do Bronze 229, 2X1-2, 296-7, 556 1122, " d r p r c t h i ç A o / M u p c r v u l o r i / .M ç A o " 1 5 9 , 414
558 n7 c o m o c a u s a d e d í v i d a 1 0 8 - 9 , 1 1 2 , s< >s 114
com o marcas de conquista 516 1152
Idade do Ferro 77,285,497
curva de l.afTer e 118, 579 n93
Idade Média dívida primordial e 79,85
abstração, m ovim ento rum o à 341 em Madagascar 11-2,68-9, 505 ni
dinheiro virtual de crédito na 274, 359 em Rom a 84
escravidão na 377 na China 343-4, 392,396
sistemas m onetários na, sofisticação na índia 83-4
dos 323, 567 n3-5 na M esopotâm ia 87
ideologia burguesa, Nietzsche sobre 104, na Pérsia 84
519 n8 no direito islâmico 574 n6i
no Egito 84
ideologias religiosas 309-18, 380-1
no mundo antigo 84
ideologias utópicas m arxistas 445,452-3 no Oriente Médio 358
igualdade/desigualdade objeções ao pagamento de 111-2
dádiva e 153, 527 n6i política monetária internacional dos
em préstim os a juros e 113-4, 521 n 29-30 Estados Unidos e 455,462
nas relações hierárquicas 130,149-50, redução pelo governo Bush 597-8 nin
328, 524 n2i 526 n46-8 sistemas mongóis de im postos 344
violência com o causa de 147 usados para criar m ercados 230

igualdade, suposição de, na dívida 113-4, “ impôt moralisateur” 68


521 n29-30 inclusão, crise de 473,481
Ihering, R udolf von 253-4 índia
Ihya (The Kitab al-‘Ilm e The Mysteries 0/ Arthasãstra (Kautilya) 67, 297, 306, 569 ni5
Almsgiving) (Ghazali) 355 escravidão na 296-7,327

Ilíada (Homero) 152, 243, 267, 544 n57, 546 Kosala, im pério 296

n66 Mágada, im pério 296-7, 299


moedas na, origens das 272, 287, 555 n4,
ilimitado (apeiron), conceito de 311
558 n6
Iluminismo 377,452 Nalanda (centro de estudos budistas) 376
“ im perialism o da dívida” 465-6,476 sistema de castas na 238-9
sistemas m onetários na 287, 296-300,
Império Bizantino 345
323-9, 516 n52, 561-2 n36, 567 n5, 569 ni5 e
Império Carolíngio 53, 554 ri2 ni7, 570 n26
deniers (moeda francesa) no 65,371, 509
índias Ocidentais, sistemas de escam bo
n28, 511 ni3
nas 37
Im pério Gupta 567 n3
índios am ericanos
Im pério O tom ano 390 astecas 39 8 ,40 0 ,4 11-2,4 48 -9 ,48 7
Im pério Sassânida 347 * conquista europeia e 397

im périos espanhol e português 394,436, conversão ao cristianism o 403

582 ni32 costum es funerários 523 ni8


kwakiutles 152, 510 ni, 526 n44

684
reciprocidade entre os 148 instituições de proteção ao devedor 27
sistemas de escam bo entre os 38 ver também Fundo Monetário
ver também inuítes; iroqueses Internacional

individualismo instrum entos financeiros m odernos 426


individualismo possessivo 590-11140, interação social
592 n 53 cortesias civis e 157-60, 528 nó2
nas sociedades igualitárias 537 n89 teorias da 119
Indo, civilização no vale do 54, 296, interesse próprio
562 n39 Adam Smith sobre 423
“ infiltração semita” , modelo de 229, com o m otivação para a troca 60,148,
541 n33 417-23
desejo de lucrar e 417-9, 592 ns8
inflação
Hobbes sobre 417-9, 592 n5ó e 59
bancos alemães e 75
interesse próprio com ercial 148, 430
crescim ento populacional e 587 n2
durante a "idade da exploração” 401 na guerra 563 n54
natureza humana e 119, 252,417-23, 507
enfraquecim ento da moeda e 40, 312,
n9, 592 ns8
518 n2
"revolução dos preços” e 396-7, 587 m no islamismo 359
noção de 417-9, 563 n54, 592 n56-59
inflação contínua 428
relações entre devedor e credor e 160 -1,
Ingham, Geofifrey 78, 292, 511 ni2, 515 n40, 528 n66-67
518 n2 si li (interesse próprio) 564 n58
Inglaterra ver também lucro, conceitos de
capitalismo britânico 443, 596 1189 intuição no taoismo 308
controle monetário governam ental na
inuítes 122,150, 519 ni3, 526 n48
Idade Média 64-9, 512 ni6-i8
iqta, sistema salarial 574 n64
dinheiro de crédito na 63
envolvim ento no com ércio de escravos Irã 463
193-5 euro e 600 ni6
período Stuart 419,424, 593 nó7 Iraque, 461,484, 575 n68, 600 m6
período Tudor 395,419,424, 593 1167 dívida para com o Kwait 12
período vitoriano 452 euro e 600 ni6
sistemas de dívida baseados em moeda Forças Arm adas dos Estados Unidos
sim bólica 56-7, 64 no 461
trabalho assalariado na 442-4 Hussein, Saddam 12
“ truck system ” na 439,443 inovações financeiras do 484, 575 n68
tumulto econôm ico na 391 visões norte-am ericanas sobre 484
vida festiva, Inglaterra 415
Irlanda
Innes, A lfred Mitchell 53, 56-7, 62, 64, 509 códigos de leis na 81
n3i, 511 n9 cumals 81, 221-3, 539 ni4
Inocêncio iv , papa 386 escravas na 221-3

inovações financeiras 24-5,34 5,484 preço da honra na 220-7, 539 ni9, 540 ni6

dinheiro virtual 28, 274,321,425 irmãos de sangue 130,151

6 Xs
iroqueses Jrllrr«oM, I liomii* UiH, 451, .|sN, 470
costum es funerários s2» mK Jrrrm U a (prnfrtl) 10K,
dívidas de vida 176
Jevons, Stanley 41-2
papel social e valor das mulheres 524
1121-22, 537 1194 jisa, costum e da 568 n8
reciprocidade 130 João (Sem Terra), rei 365-6
visão geral sobre 42,148, 5081115
Johnson, Sim on 505 ni2
ivampum, dinheiro de conchas 80,168,
Jorge, o Pio 410
175-6, 529 n9
Islã/islamismo Jubileu, Lei do 9,108,492
ajuda m útua no 279,369, 5911151 judaísmo
A lco rão 235, 575 n68 Deus, noções sobre 565 n69
bazares e 135-6,354-8,354-6 redenção no 106-8
capital com o crédito na Idade Média sobre conceito de redenção 106-8
345-58 vs. cristianism o 364-9
Islã radical 484
judeus
m ercados, papel na sociedade 352-3,
agiotagem, atitudes em relação a 364-9
355-7 agiotagem, papel na 19-20, 364-8
m oeda corrente no 348-53 com o escravos no Islã 349
sobre o escam bo 357
com o m ercadores 576 n72
Islândia, escravas na 528-9 n3 discriminação e ofensa a 102,365-8, 581
Israel, dívida com o questão moral em ni2i

564-5 n65 exclusão das guildas 365


visões de dívidas para com os 365
Itália
escravidão na 371 Jukun, reino 533 n5i e n52
guildas de m ercadores na 371, 581 ni27 Júlio César 546-7 n73
sistemas bancários na 369,370-1, 582
juro (interesse)
n i32,448
escrituração contábil e 417-8
ius (direitos) 255, 550 n94 etimologia de 419,5921158-59
prim eira aparição 83, 515-6 n47
princípio do 36 8,419,426,436, 581 ni23,
J 592 n58-59
jainism o 286, 296, 558 n4 tokos (Aristóteles) 581 ni23
Japão 15, 316,329,393,469 juro, restrições ao
Banco Central no 463 na China 330-1,570 n26
títulos do Tesouro dos na índia 330-1, 570 n26
Estados Unidos e 14 no Islã 575 n69-70, 586 ni65
Jaspers, Karl 285-6, 566 1179 juros (títulos de dívida) 427
Java justiça, origens e conceitos de 119-20,
costum es de barganha em 133 14 7 , 2 5 1 - 2 , 3 15 , 3 4 7 , 416, 57 2 n 4 7 ,
tráfico de escravos em 201-3 581 nii7

686
K Larson, Pier 5 3 6 n 8o

kalanoro (espírito) 41 Laum, Bernard 79, 507 n6, 515 n42

Kam entz, A n y a 6031138 Law, John 431

Kan, Lao 557 n28, 572-3 1148, 585 11161 Leach, Edm und 526 n46

Kane, Pandurang Vaman 516 n48 Leenhard, Maurice 309-10

kantaka (espinho) 562 n42 legalistas, escola dos 306, 576 n77

K an to ro w icz, Ernst 386, 586 m 6g Lehman Brothers 26

Kautilya 297-8, 318, 564 n62, 566 n79, 569 ms lei das nações 216, 261, 552 mi5
ArthaJãstra 67, 297, 306, 569 ni5 “ Lei de Controle M onetário e
Kelly, A m y 373 Desregulam entação de Instituições
Depositárias de 19 8 0 ” 602 n3i
kem, relação 530 m3

K eynes, John Maynard leis, A s (Platão) 548 n82

"tradição alternativa” 72-3 leis de falência 10,

keynesianism o 72, 513 n2ó na Inglaterra 506 ni4, 598 m i4


nos Estados Unidos 26, 481
neokeynesianos 73-4, 598-9 ns
Reagan e 513 n26 lele, povo (África) 177-89,195, 204, 208, 267,

KGB 483 532 n32


Lerner, Gerda 236
Khaldun, Ibn 142, 579 n93
curva de Laffer-Khaldun (curva de letras de câmbio europeias
Laffer) 118, 579 n93 inspiração islâmica para as 370-2,376,

King, David 35 582 ni29


visão geral sobre 415,427, 582 ni30
King, M artin Luther, Jr. 471
Lévi, Sylvain 514 n35
Knapp, G . F. 65,73, 511 m2
Leviatâ (Hobbes) 417
Kosala, im pério 296
Lévi-Strauss, Claude 119, 507 n9, 519 n8, 531
Kosam bi, Dam odar Dharm anand 516 n48,
n22
558 n7, 564 n6i, 567 n3
Levítico, visões sobre a dívida no 108, 547
Kropotkin, Peter 523 n9
n/8
Kuwait
Lévy-Bruh l, Lucien 121
dívida do Iraque para com o 12
Lex Petronia 551 nio9
euro no 463

kwakiutle, povo 152, 510 m, 526 n44 li (lucro) 304

liberdade
amargi (sumeriano) 87, 277, 517 ns6
L
libertas (livre) 260-1
Laffer, cu rva de (curva de Khaldun-Laffer)
ver também escravidão
118, 579 n93
Lídia, reino da 273, 287, 311
laissez-faire, econom ia de
m oedas lidianas 290,558 n>
ver capitalismo; livre mercado
Liezi (Laozi) 342
Laozi (Lao Zi ou Lao-tsé) 573 nso

687
L ig a M .m s c .iiin i i<»> M
li min (lucro público) 564 nsK iiiiiiiiiinii, doutrina 1 (K, 571 ihn

lingotes Mackay. Charles 4 3 7 , 419


na Idade Média 55, 274, 279, 288-90, 301, maçonaria 458
321, 390-1,427, 483, 587 n3
MacPherson, C raw ford B. 553 11123, 59(>-i
no capitalismo 274,343,396,456-7
n40
ver também ouro e prata
M adagascar 11-4,41-2, 68-9,135,151, 563 n53
língua suméria, mudanças na 229
Madhyam aka, Escola, 571 n35
linguagem, definição de 380
Mágada, im pério 296-7, 299, 567 n3
linguagem mágica 432
Maharastra, motins de 18 7 ; em 329
linguagem ofensiva e rival
na troca com petitiva de ofertas 137-9, Mahavira (jainismo) 296
151-3 Malamoud, Charles 514 n33, 527 n59
no com unism o 125-7
malgaxes
Lívio (Tito Lívio) 293, 5211127, 552 nno ver Madagascar
livre, etimologia de 260 M alinowski, Bronislaw K. 522 n3
livre m ercado, ideologias de 30, 60,354, m am elucos (Egito) 268, 349,372
358, 385, 502, 517 nÓ3
manas (homem) 101
ver também capitalismo; corporações;
Fundo Monetário Internacional Manuel, dom 525 n34

livres (moeda francesa) 65, 509 n28 “ mão invisível” , teoria da 60,355,423, 510
114
Llewellyn-Jones, Lloyd 545 nó4
Maom é, profeta 286, 347,350, 355,364
lobby, políticas de, nos Estados Unidos 475
maori, povo 151-2
Locke, John 37,6 2,26 8,4 29 -30 ,518 n 2 ,595
n83 M arco A n tô n io 546 n73

Loizos, Peter 527 n57 M arco Aurélio 309

Lom bard, M aurice 353, 574 nó3 M arco Polo 572 n48, 595 n86

lom bardos, agiotas italianos 367,581 ni2i Marduque (deus) 278

Londres Marechal, Guillaume le 374

ver Inglaterra Mares do Sul, Companhia dos 437

lucro, conceitos de “ bolha dos Mares do Sul” 430 ,437,450

li (lucro) 305 Marshall, John e Lorna 50


li min (lucro público) 564 n58 Marshalsea, prisão 421, 593 n66
shi (vantagem estratégica) 564 n58
M artin, R an d y 602 n32
si li (interesse próprio) 564 ns8
M arx, Karl
lucrum cessans (lucro cessante) 581 ni25
sobre o capitalismo 441-2,452-3
Lutero, M artinho 4 0 5-6,4 S 9 ,417, 589 1126 sobre o com unism o 508 ni5, 523 n9
Luther K ing, M artin 471,478 sobre as origens do dinheiro 507-8 ni4

688
m arxism o Menger, Karl 41
alternativas ao 517 nó3 m ercado
influência do 484 com o autorregulador 459
materialismo do 595 n84 conceitos de 412-3
trabalho e 485 definição de 148-9
vs. capitalismo 484-5 desum anização e 106, 249-50, 34 0 -1,4J7,
ver também comunismo 445-6
M asterCard 464 mercadores
materialismo histórico 595 n84 Islã e 352-3

Mateus (evangelista) 521 n25 no cristianismo, visão dos 363-8


restrições aos 366
m atriarcado prim itivo 508 ni5
riqueza dos m ercadores ingleses 412-3,
matrim ônio 591 n4i
com o m aior despesa da vida 17,170,172, sociedades de m ercado e tráfico de
178, 531 n25 escravos 195-8, 209, 535 nó5-ó7
diagrama do padrão antropológico do
m ercadoria, dinheiro com o 39, 51-2, 62-3,
206
97-80,443-4, 509 n25 e n3i, 597 mo3
na cultura lele 178, 531 n25, 534 nó2
na cultura sumeriana 543-4 n53 m ercados, origens dos
em Madagascar 68-9
na cultura tiv 171-2,187, 532 n42
p or captura 202, 532 n42 na Idade A xiabo 3-4

práticas de agiotagem e 17 m ercenários com o moeda corrente 298,


ver também noiva, riqueza da 562 n38

Maunder, Peter 35 “ m erci” (obrigado) 159

Máuria, im pério 98, 297-8, 325, 564 n6i, 566 Mesopotâmia


n75 dinheiro, origens do 54-7,98-100, 518 n2-5
dívida existencial na, crenças sobre 516 n48
Mauss, Mareei 118,141,498-9, 519 n8, 524 n2i
sobre econom ias de dádiva 141 honra e patriarcado 227-39, 54?
islamismo na 246
m batsav (sociedade dos bruxos) 190, 533 n52
liberdade, conceito de 108
Médici (entidade bancária) 370, 581 ni2ó redenção na, conceito de 106, 520 ni9
“ m edieval” , visões negativas da palavra registros cuneiform es na 54,72
321 tabuletas de argila (bullae) 275
ver também Suméria
Mediterrâneo 88,154,167, 213, 227, 247, 258,
286, 290, 296, 311,346,371,394, 541 n32, 565 métadosis (partilhar, distribuir) 507 n6
n72, 582 ni29 metais preciosos
Mefistófeles 432 m ineração na Grécia 292, 560 ni9
queda no valor dos 391-2
Megástenes 299, 323
ver também lingotes; ouro e prata
“ melhores am igos” 130-1
metais usados com o dinheiro
ver também irmãos de sangue
barras brutas 40, 55
M êncio 308, 564 n55, nÓ4 bimetalismo 470, 512 n22
Mencken, H. L. 33 cobre 40, 534 n54

689
ferro 4 0 iiiordM«/('iinliii)(<*nt, tipo* dr
latão 4 0 lirnfm (moeda Iranccta) 6«, {71, 509 n;K,
na Idade A xial 287-8 Jii nu
M éxico dinarese dirrils {24, { 4 8 , 15>, 317, 385, 567

astecas, conquista europeia dos 597-8, n6

4 0 0 ,411-2,44 7-9 francos malgaxes 68

m ineração de prata no 394, 588 n6 livres (moeda francesa) 65,509 n28


minas m esopotâm icas 55, 294
m icrocrédito 479
m oedas de bronze 312,379-80, 393, 560
Midnight N otes Collective 603 n38 n26, 563 n47
mil e uma noites, A s 353 siclos de prata m esopotâm icos 231, 275
sous (moeda francesa) 65, 509 n28, 511 ni3
Mileto 311,313, 565 n7i
ver também dinheiro primitivo
m ilitarização, econom ia global e 434,482-3
m oeda "fiduciária” 72,322, 344, 566 n74
Miller, R oger LeR o y 35
moeda sim bólica
Miller, W illiam Ian 527 n54 ver cartalismo; sistemas de dívida baseados
Millett, Paul 547 n79, 548-9 n8i-5 em moeda simbólica

Lending and Borrowing in Ancient Athens m oeda social 170,177,198, 203


547 n 79 m oísm o 307, 563 nso
m ineiros, revoltas dos 587 n5 m onetarism o 474
M ises, Lu dw ig von 452,489 m onetização da dívida 468,470
modelos utópicos de capitalismo 445-7 monges budistas
moedas/cunhagem m oedas, derretim ento de 339
cam pesinato livre e 291 restrições aos 299,338
com o vales 62-6 m ongóis 344,349,392, 576 n7i, 584 ni4ó
com plexo de cunhagem militar
M ontejo, Francisco de 588-9 n20
escravista 292,298,306,315-6
definições de 286-7 M ontezum a 448-9
derretidas para confecção de estátuas Moralia (Plutarco) 527 n6o, 547 n75
288
moralidade, conceitos de
dois lados das 97
déficits governam entais com o imorais
estampagem 313
447. 462
guerra e 273-4
dívida impagável e 155-8,527 n6o
história do dinheiro e 34-7
hierarquia e 141-7
m oedas lidianas 290, 558 ns
m ercado e vida humana 117-8
poder governam ental de emissão de 66
moral econôm ica 120,447-8, 518 n5
supervalorização das 97,518 n2
práticas bancárias e 24-8,469, 505 nu
valor no m undo antigo 311-4
variações culturais na 147-53
valor reduzido por liga adulterada 40,
ver também reciprocidade
312, 518 n2
vs. dinheiro virtual 56-7, 274, 396 Morgan, Lew is H enry

vs. sistemas de crédito 273 sobre as Seis Nações dos Iroqueses 42,
175, 508 ni5, 530 m8

690
mosteiros indianos medievais 323 neoliberalismo 476, 60) nj8

Motolinia, frei Toribio de 398,403 N e w Deal 472

m ovim ento econôm ico islâmico 350-8, N ew ton, Isaac 60 ,429-31,510 n3


575 n68 nexum 560 n24
M ozi 307-8, 563 n50, 564 n55 Nicostrato 248-50, 253, 548 n8i
M uldrew, Craig 412,420, 590-1040-1, 591 Nietzsche, Friedrich 100-6,423, 519 n8 e
n43-5 mo, 581 nii7, 595 n84
Muller, A dam 511 ni2 Nigéria 136,146,171,192,437, 534 n 53
mulheres Nixon, Richard 72, 274,455-65, 599 n6
castidade, expectativas de 229-32
noiva, riqueza da
com o peoas 180 -5,244
com o dívida impagável 172-3
“ esposa fantasm a” 175, 204
com o form a de escravidão 230-1
hierarquia patriarcal e 229-31, 544 n54
dotes 230-1, 540 n26
m atriarcado prim itivo 508 ni5
na China 238
“mulheres respeitáveis” , noção de 237,
origens do dinheiro e 170
242, 244, 545 n64
pagamentos às noivas na Mesopotâmia
papel nos sistemas de escam bo 42-4
229-30
usadas com o moeda corrente para
preço da honra 220-6
pagar dívidas 17-8,23,111,166-7
prostituição com o dote 232-3
violência usada no controle das 205-6
terhatum (pagamento à noiva) 231
ver também escravas
“ venda de esposa” 230-1, 542 n42
Musaiyab, Sa’id Bin 574 nó2 ver também preço da honra
mutilação de devedores 423, 519 mo, 581 nokri (estrangeiro) 362
nii7, 590 n36
notas de depósito 594 n77
M yers, D anny 35
notas prom issórias
na China 289, 343
N no Oriente Médio 289-90, 351

Nabucodonosor, rei 107 Nova York, cidade de


11 de setem bro (2001) 456-7, 500
Nações Unidas 465, 589 n22
nuers
Nagarjuna (filósofo) 571 n35
gado com o moeda corrente 128,175, 532
Nalanda (centro de estudos budistas) 376
n40
nambiquaras, índios (Brasil) 43,46-7,49, vendetas 132,173
165, 531 n22
núm eros irracionais 563 n52
nascim ento com o dívida 77
Nuzi (Mesopotâmia) 231-2, 541 n36-7
Neem ias (profeta) 107-8,112-3,167,360 ,364,
520 ni9, 521 n27, 561 n27
O
Nelson, Benjamin 580 nii2
“ obrigado”
neokeynesianos
costum es de civilidade e 155-8, 528 n62
ver keynesianismo
etimologia de 159

691
obtenção de riqur/.as, tipos de tfiH P

Oceania, sistemas de escam bo na S07 n7 pai are (paclln ur) sis 1144
oceano Índico, m ercado no 202, 347,351-2, pachtun, etnia 4 8 ,53
371, 437,485 pacificação 12
Odisseia 243, 544 n57, 546 n70 padahegoal (redenção) 106
oferta e procura padrão-ouro 72,430 ,455,470
lendas populares sobre 133
pagar, etimologia de 80, 515 n44
"olho por olh o” 120,123
pais, dívida dos filhos com os 120,122, 522
Olivelle, Patrick 5141133
n6, 524 n2i
O nze de Setem bro (atentados em 2001) Palestina, venda de esposas 167
456-7, 500
pânico de 1893 72
O pep, países da 8,463
Panóptico 444
opheiléma (aquilo que é devido) 521 n25
Panurge (personagem de Rabelais) 161,163,
O ppenheim , Leo 521 n30, 542 n43 422,433, 528 n67
orçam ento de defesa dos Estados Unidos panyarring (penhorar) 198
461-3
Papai Noel/São Nicolau 142
O rdem Militar dos Cavaleiros do Templo
papel-moeda
de Salom ão 370
na China 344-5,392-3,426, 574 n63
O rdem Secreta dos Illuminati 458 propósito do 62
O rganização Mundial do Com ércio 465 surgim ento do 382

O riente Médio 27, 89,108,132,135,154,167, ver também lingotes; moedas/cunhagem;

169, 213, 235, 237,242, 245, 276, 294, 349-50, dólar

356,465,484, 521 n24, 538 n3, 548 n82, 555 Papua-Nova Guiné 80,146, 509 n25
n3, 598 mi7 Paquistão 48, 298, 525 n33
Orléan, A n d ré 74,514 n3i “ parceria dos sem dinheiro” (sharika al-
ouro e prata mafalis) 352
com o suporte para moeda corrente 71-2 Parkin, Michael 35
enfraquecim ento da liga de 287
Parsifal (Wolfram von Eschenbach, poema)
m ineração de 392,403
(Wagner, ópera) 375, 583 ni42
m oedas antigas feitas de 273, 510 n37,
567-8 n6 partilha e generosidade com o valor
na China 98, 342,392 cultural 128-9,131
usados com o dinheiro 54, 63,187,424, paterfamilias 257
430
patronagem
valor atrelado ao dólar 71, 274,455-64
na Grécia 245
valor intrínseco de 312,487, 594 n74
vs. servidão por dívida 200-1
ouro, inflação e 456 •
Patterson, Orlando 219,256,539 mi-2,
ouro, mitos nos Estados Unidos sobre 456 550 n97
Slavery and Social Death 218

692
Patterson, W illiam 595-6 n88 peste negra <90

Paulo (apóstolo) 163,407, 543 n5i, 55411130, Pitágoras 285-6,303, 563 1148, 565 1172
585 11156 pitagorism o 563 n52
Payasi/Paesi, rei 314, 566 1179 Pizarro, Francisco 392, 588 n2o
pecado Platão
ver culpa e pecado, conceitos de sobre anjos 386, 518 m 6ç
pederastia 241, 546 n73 sobre Deus 314

pena, dinheiro de 80 ,187,424 Plutarco 157,295,433, 502, 547 n75

penawing (esposa de casta inferior) 202 pobreza


capitalismo e 489-91
Peng, X in w ei 557 n2ó e n29, 573 n5i, 573-4
“pobreza apostólica” 368
1153-7
poder absoluto
penhor, resgates de 106
(abuso/destruição) 255
penhores, lojas de/corretagem de, origens
do Estado e monarcas 262-4,410,417
de 337,420 ,444, 571-2 n40
nos direitos de propriedade 253-7
peões/peonagem
Polanyi, Karl 507 n6, 511 n8, 518 n5
com o punição legal 538 n7
Política (Aristóteles) 37, 507 n5, 545 n6o,
na cultura lele 180-4, 531 029, 534 n62
548 n82, 552 nii3, 560 ni7, 581 ni23
peões por dívida 240
peões por dívida em em préstim o 232 política
peões por dívida no tráfico de escravos m otivos militares e 469
195-9, 201, 536 n78 na Grécia 292-5, 563 n48
vs. escravos 181,184 Nações Unidas e 464, 589 n22
ver também servidão por dívida natureza do dinheiro e 308-11

Percival e o Santo Graal 372 política global atual 589 n22

“ perdão” , linguagem sobre dívida 16 Pom eranz, Kenneth 394

“ perdão tácito” 530 ni8 Ponzi, esquema 471

“ Período dos Reinos Com batentes” 273, populism o de m ercado 458,485-6


300, 557 n29, 562 n4Ó “ por favo r”
Pérsia costum es de civilidade e 158-60, 528 n62
im postos na 84 etimologia de 159, 528 n63
mentira na 276 porné (meninas-escravas) 241, 243, 546 n7i
m oedas na, origem das 276-7
Portugal, “ escassez de lingotes” em 587 n3
na Idade Média 355
teorias de livre m ercado na 30 positivism o 92-3

personajicta (pessoa fictícia) 386 povo, conceito de 451

Peru Prakash, Gyan 569 ni9


povo uitoto no 439,440 prata com o moeda corrente
mineração de prata no 392-4, 399, ver também lingotes; ouro e prata
588 ni3
precedentes islâmicos de econom ia 577-8
Peruzzi (entidade bancária) 370 n85

693
preço da honra 1 2 1 - 7 , 267, f w mg, 540 njft, punlçAr* uo drvrdor 117, <49, |6|,4J1, JI71160
544 n s 6-7 Ptilumayo, rscAndiilo 419, 441
preço de sangue 223
vs. Wergeld 173, 223
Q
“ preem pção” 512 ni6
Qin, Estado de 300, 562 1146
Primeira G uerra Mundial 452,470
quantificação, relações humanas e 23-4,
Princeps legibus solutus est (“o príncipe é
33,145
desobrigado das leis”) 552 nn6
“ questão de honra” 153,174,412, 530 ni6,
prisões 540 n3o
condições nas 14
Quiggin, A . Hingston 515 n 43,557 m 6
form as de moeda corrente nas 52
nos Estados Unidos 27 quipo, sistema dos incas 282, 557 m 8
na Inglaterra 14,436, 580 nii4
prisões de devedores 14, 27, 580 mi4
R
prisões Fleet e Marshalsea 421, 593 n66
Rabelais, François 161,163,433
Produto Interno Bruto (p i b ) 26,435
raça, hierarquia e 144
progressistas 264
racional, etimologia de 303
proletariado, etimologia de 71, 597 moi
racism o dos pequenos varejistas 602 n33
propriedade privada
ver direitos de propriedade ráfia, tecido

propriedades arrendáveis 587 n4 Ram sés n 279

propriedades escravistas rom anas 322, Ranavalona 111, rainha 12

567 n2 Reagan, Ronald 72,474, 513 n2ó, 579 n93

prostituição reaganism o/Revolução Reagan 475-6


devadasis (dançarinas dos templos) 233, recessões econôm icas 27
542-3 n44
reciprocidade
Enkidu, história sobre 233-5
ajuste de contas 131,145,413,416, 517 n59
honra patriarcal e 232-9, 542-3 n44
caridade e 141-5, 525 n38
na cultura hindu 232-3
“ olho por olho” 120
nas culturas grega e romana 241-4,
princípio universal de 119-21, 522 n3
545 n6i
“ reciprocidade alternada” 524 n2i
origens da 232-7
“ reciprocidade generalizada” 524 n2i
prostituição masculina 241, 546-7 n73
salvando uma vida e 120-1
protestantism o variações culturais nas expectativas de
Lutero, M artinho 405-6,409,417, 589 ri26 121-2,148
sobre a vida festiva inglesa 391 vs. ideais com unistas 133,148,157
“ protobancos” 573 n54 redenção, conceitos de 105
providência divina 60, 356 Egito e 108

Pseudo-Dionísio linguagem sobre, na dívida 16,105-6

ver Dionísio, o Areopagita na índia 106


na M esopotâm ia 106

694
pai-nosso e 110, 5211125 relações
visões bíblicas da dívida e 106,108-14 am igos e inimigos 132
ver também anistia da dívida baseadas em com pra e venda 101,186,

redução de im postos 597-8 nm 519 n8


entre credor e devedor 161-3, 528 n66 ■
reencarnação 21, 326
interesse próprio e 161-3, 528 n66-67
Reeves, Eileen 594 n73 relações humanas, troca e 22-4, 28 to,
reform a da falência 506 ni3 81-2
ver também relações hierárquicas
registros de dívidas, preservação de
moedas sonantes vs. acordos de relações hierárquicas
crédito e 34 cortesias civis e 157-60, 528 n62
na China 54 desigualdade nas 130,150,154-5, 328, 524
na civilização do vale do Indo 54, 296, n2i, 526 n46-48,427 n57
562 n39 divisão com unista nas 151
na Mesopotâm ia 24,33, 54-5,72, 515-6 n47 m odelos matemáticos de 147-50
na Sum éria 55 patronagem e 246
no Egito 54 senhores e escravos 216,219
ver também hierarquia patriarcal;
regulação do m ercado, papel do governo
escravidão
na 405
relações morais com o dívidas 277,416
regulamentação do governo
econom ia de m ercado indiana 298-300 religiões mundiais
confucionism o 286, 300, 302, 308, 316,
regulamentação monetária do governo
32 9- 33»338, 347, 368, 377, 384, 544 n54.
controle dos reis sobre o dinheiro 65-9
de im postos 65-9
564 n55
jainism o 286, 296, 558 n4
direitos de propriedade e 263-4
judaísm o 107, 286, 346
econom ias sem Estado e 80
m oísm o 307, 563 n50
“ fé” no governo 430
taoism o 286, 377, 382, 563 n50
m onetização da dívida e 468,470
zoroastrism o 106, 286
na índia 330-2
ver também budismo; cristianismo;
na Inglaterra medieval 65-7
hinduísmo; islamismo
relação moral humana com 427
visão geral sobre 60-1, 92-3 ren, ideal confucionista do 308
ver também Federal Reserve (banco central rendre Service (prestar serviço) 154
Americano)
rentes (títulos de dívida) 427
Reid, A n th o n y 200-1
república, A (Platão) 251, 516 n49, 522 m, 549
reis n90, 566 n8o
dádiva aos 138-40,142,525 n36
repúblicas xátrias 296
dinheiro dos, avaliação do 359-60,
reservas de ouro dos Estados Unidos 456
579 n 95
identificação com escravos 267-9, “ revolução dos preços” 396-7, 587 n2
554 ni29 revoltas dos m ineiros de prata 587 n5
im postos instituídos pelos 86-7
Revolução Francesa 6 5,9 2,124 ,435,451
preço da honra dos 222-4, 5 4 ° n24-25

695
Revolução Industrial <)}, 414, 442-), 447, \iittffhti (montílms InidUtus) iiN
596 1189 Siinlo Dom ingo, ilha dr mi, 399, 5NH mi
revolução social, tem or da 124,453
Santo (iraal {72,37;, 58111144
R icardo, D avid 472,489 sarracenos 365, 580 11112
Richards, A u d re y 128 Sarthou-Lajus, Nathalie 519 n8
ricos e pobres, luta entre 16 Sasso, Michael 586 ni65
R ig Veda 59,75,429 n3 Satapatha Brahmana 59, 514 n36, 515 n38
riqueza das nações, A (Smith) 53, 59-62, 592 Schaps, D avid 288, 559 nu
n6o, 593-4 n72
School o f the Tillers (Escola Agrônoma)
rituais de sacrifício 76,514-5 n35-8, 5161148 302, 563 n50
para pagar dívidas 102-3
Schopen, G reg o ry 562 n4i, 567 n4
Robertson, Pat 477
Schum peter, Joseph 452
Rockefeller, Nelson 525 n34
Seaford, Richard 311-4, 507 n6, 544 n57, 546
Roma n68-9, 559 nil, 565 n73
antiga moeda corrente em 98-100
Secrets o f the Temple (Greider) 598-9 n5
autoridade paternal em 257-8, 551 ni03
contratos de trabalho nexum 560 n24 securitização 25,435
escravidão em 256-65,322,551 nio5-7,567112 Segunda Guerra Mundial 453,455,461,471,
m oedas, origens das 114, 293, 560-1 n26 473,484
servidão p or dívida em 521 n27
sequestro
venda de crianças em 167
casam ento por captura 202,532 n42
Roosevelt, Theodore 472, 513 n24 para escravidão 188,193,196, 217, 349
Rospabé, Philippe 169-73,176, 203-4, 340 venda de crianças e 217

ruq ’a (notas) 351 servas (cumals) 81,166, 221-3, 539 ni4


ver também cumals
Rússia
com unism o na 123 Servet, Jean-M ichel 507 n7, 525 n36, 594 n73
ideologias de livre m ercado na 511 n7 servidão por dívida
União Soviética, fracasso da 52,44 4 abolição em Roma da 521 n27
condições na 167-8
filhas vendidas para pagar dívidas na 17,
S
23,111,166-8, 521 n27, 529 n7
Sábios de Sião 458 Jubileu, Lei do 9 ,108,492
sahib al-m al (mercadores) 385 peões/peonagem 199-201

Sahlins, Marshall 503, 524 n2i, 592 n55 revoltas contra a 293-5, 560 n25
servidão por contrato e 441
sakk (cheques) 351, 576 n7i
servos 262,28 0 ,29 5,322-4,327-8,364,367,
sal com o m oeda corrente 39 ,4 24,518 n5
441-2, 538 n7, 545 n59, 551 nioó, 567 n2
Sam uelson, Paul 60 .
Seton, Ernest Thom pson 120,123, 522 n6
sândalo africano, dinheiro de 179,184-7,
sexo, indústria do
205
ver escravas; prostituição

696
Shakespeare, W illiam no O riente Médio 4 7 6 , ? s o - i , S 75 nftH mi,
sobre mutilação de devedores 366, 519 576 n7i-73
nio sistema quipo dos incas 2 8 2 , 557 niK
sobre prostituição 546 n68 suftaja muçulmana 351 , 370
visões negativas dos 422
Shapur 1, im perador 243
ver também em préstim os a juros; dinheiro
sharika al-mafalis (parceria dos sem
virtual
dinheiro) 352
sistemas de dívida baseados em moedu
Sharples, M argaret 420 ,422
sim bólica 57, 65
Shell, Marc cartalism o 64-5, 68,73,330,429, 511 ni i,
“A ccounting for the G rail" 583 ni43 517 n57
“ Th e R ing o f G yges” 549 n88, 565 n70 dinheiro simbólico de madeira,
shi (vantagem estratégica) 564 ns8 chum bo ou couro 98,412

“ s’il vous plaît” (por favor) 158-9 sistemas de escambo


adal-badal (toma lá, dá cá) 48
si li (interesse próprio) 564 ns8
A ristóteles sobre 37, 507 n6
siclos de prata m esopotâm icos 231, 275 bosquím anos do Kalahari 50
Siculo, D iodoro 521 n29 divisão do trabalho e 356
“ dupla coincidência de desejos” 35-6,
Sidon 290, 292
49, 51
Sieyès, Ab bé 451-2
etnia pachtun 48, 53
sím bolo, dinheiro com o 378-83 inuítes 122,150, 519 ni3, 526 n48
sím bolo, etimologia de 378 nambiquaras, índios (Brasil) 43,46-7,49,
165, 531 n22
Sim m el, G eorg 507-8 ni4
nativos norte-am ericanos 38-9, 507 m o
sindicatos 471,474 opiniões negativas sobre 369-70
Síria, islamismo na 347 origens do dinheiro e 33,42-3, 507-8

sistema bancário prim itivo 5941176 ni4-i6


papel das mulheres no 42-4, 508 ni5
sistema de troca 341,487
pontos de vista dos econom istas sobre
sistema elemental chinês 565 n68 os 34-42, 51-4, 508-9 n24
sistema elemental grego 565 n68 potlatche entre os kwakiutles 510 ni
povo gunw inggu 44-7,49,165, 540 n3i
sistema quipo dos incas 282, 557 n28
sociabilidade nos 42-6
sistemas bancários m odernos 595-6 n88 troca cerim onial 44-7, 50,165, 508 ni8 e
sistemas de crédito n2i, 540 n3i
cartões de débito e crédito 464,475 valores de hospitalidade e 43-7
confiança nos 97,413-15,425,428-30 violência e 46, 508 n2i
m icrocrédito 479 sistemas de m ercado autorreguladores
na China 281-3, 342-3, 556-7 n25, 557 n28,
459
562 n43, 573 n54
sistemas de troca
na G récia 294-5
ver sistem as de escam bo; troca de ofertas
na índia 325-9
(dádivas), costum es
na Mesopotâm ia 275-8
sistemas de vilarejo na índia 298-9

697
sistemas europeu* m rdirvuh s7, ftft, uH «nlldiirUitio M7 1161
100, 574 n;6 Solou .|uo
sistemas heroicos de honra 1 47-50 reform as de 291, 545 nsH

sistemas m onetários globais 463-66 vouv (moeda francesa) 65,509 niH, 5111113

sistemas tributários 484 Spufford, Peter 510 n37, 587 n?


na China 468-9 Stamp, Charles 433, 595-6 n88
Sm ith, A d am 30,36-7,42-3,47-55, 59-62, Stiglitz, Joseph 36
67-70,101-6, 263, 265,268,355,422-3,445-6,
Stillman, Sarah 145
472,486,489, 502, 507 n6, 509 n33, 510 n4,
519 n8, 554 ni30, 577 n85, 592 n6o stock, etimologia de 66, 589 n29

Snell, F. J. 512 ni6 Stout, W illiam 414

sociabilidade Stuart, período, na Inglaterra 419,424, 593


calvinism o e 399,407-8, 5911146 nÓ7
capitalismo e 477 subsistência, direito à 356
com o valor básico 23
Sudeste Asiático
linguagem da 5911145
colonialism o no 441
nos sistemas de escam bo 43-8
dívida internacional do 463-5
ver também relações
tráfico de escravos no 199-203
socialism o fabiano 452
sudras, casta 327, 568 ni2, 568-9 ni4
sociedade, conceitos de 148
Suécia, bancos centrais na 62
baseada em suposições de eternidade
130-1 suftaja (carta de crédito) muçulmana 351,

divisões de classe e 138-41,155, 525 n33-4 370


ideias de dívida para com a 87-9,176,488 suicídio 290,333-7, 514 n35
Nietzsche sobre 103-4 com o resultado de dívida 480
variações na 147-8 Sum éria
Sociedade dos Aventureiros-M ercadores costum es matrimoniais na 543-4 n53
387 em préstim os a juros na 277
ver também “aventureiros-mercadores” história econôm ica da 55, 509 n32

sociedades anônimas honra patriarcal na 167

ver corporações liberdade na, conceito de 86-7, 277


m oedas na, origens das 276-7
sociedades heróicas 151-2,267
prostituição na 230-1, 542-3 n44, 543 n48
sociedades igualitárias, individualismo registros de dívida na 55, 509 n32
nas 537 n89 templos e palácios na, econom ia dos 55,
sociedades prim itivas 131 509 n32
venda de crianças na 167
sociedades tradicionais 167, 205, 537 n9i
ver também Mesopotâmia
sociologia, disciplina da 93
symbola de Dionísio 383
Sócrates 89, 242, 251-2 »
symbolon (talha) 379-80, 584 ni45 e ni54-5,
sodom ia, leis contra a 546 n73 585 m6o

698
teorias rio n õm iiu v
“ tesouros inesgotáveis” »24, 337-41, 185,
tabaco com o moeda corrente 39,45-6, 53-4,
100,187 567-8 n6, 572 n42
bimetalism o 470, 512 n22
tabuletas de argila (bullae) 275
cartalism o 64-5, 68, 73, 517 n57
Tailândia, servidão por dívida na 200 “ esferas de troca” 52,189
títulos do Tesouro dos Estados Unidos estruturalism o 119
e 14 keynesianism o 72, 513 n26
taille (talha) 416 Nietzsche sobre 100-4,423, 519 n8-io, 581
nii7
Taiwan 14,463,469, 600 ni3
precedentes islâmicos nas 577-8 n8ç
talhas 66, 342-4, 359,379, 381-3,396,432,470, reaganismo/ Revolução Reagan 475-6
510 n37, 512 ni6, 557 n2ó, 573 n50-3, 585 solidarism o 517 n63
ni62 teoria da “ mão invisível” 60,355,423,
Tambiah, Stanley J. 5441155 510 n4
teoria da dívida impagável 169-77, 203-5
taoismo 286, 377, 382, 563 n50
teoria da dívida primordial 74,103,176,
Tattiriya Sarphita 515 n38
514 n3i
Taussig, Michael 596 nyó teoria da escolha racional 119
taxa preferencial 599 119 teoria da troca social (Homans) 119
teoria do crédito, 62-70
tecido de ráfia, dinheiro de 179,183-5, 531
teoria monetária chinesa 330
n25
teorias do contrato social 118
templários 370, 583-411144 teorias dumontianas 328, 514 n3i, 537 n9<>
templos e palácios 55-6,86,106, 275-6, 279 teorias estatais da moeda 68
“ tesouros inesgotáveis” 324,337-41, 385,
Tenochtitlán 397,399-400,448
567-8 n6, 572 n42
Teologia simbólica (Dionísio, o Areopagita)
thatcherism o 475
585 ni56
ver também capitalismo
teoria creditícia da moeda, 62-70
teorias estatais da moeda
teoria da dívida primordial 74,103,176, 514 cartalism o 64-5, 68,73, 330,429, 511 ni2,
n3i 517 n57
teoria da escolha racional 119 dólar dos Estados Unidos e 71-2

Teoria dos sentimentos morais (Smith) 60, teorias m onetárias


502, 510 n4 ver teorias econômicas

teoria monetária chinesa 330 Terceiro Mundo, dívida do 8,12-3

teoria monetária moderna terhatum (pagamento da noiva) 231


ver cartalismo term inologia alemã
teorias da conspiração sobre atividades Geld (dinheiro) 79
bancárias 456 Schuld (dívida, falta, culpa) 101-2, 527 n59

teorias da dívida term inologia árabe


ver teorias econômicas ruq’a (notas) 351
sakk (cheques) 351, 576 n7i

699
vharika al-majali\ (parier I» do» sein ((oihímIiiim (proprifdudr) 244,156*7,261-2,
dinheiro) 352 550 nuft
term inologia aramaica Jamllia (família) 257. ssi 11102
hoyween (divida) 521 n25 fructus (frutos) 255
gratia (influência) 528 nfi3
term inologia chinesa
hostis (hospitalidade) 524 1122
fu oufu hao (símbolo) 379
ius (direitos) 255, 550 n94
li (lucro) 304
iusgentium (lei das nações) 552 nii5
li min (lucro público) 564 n;8
juros (títulos de dívida) 427
shi (vantagem estratégica) 564 n58
liberto (livre) 260-1
si li (interesse próprio) 564 ns8
lucrum cessans (lucros cessantes) 581 ni25
term inologia espanhola pacare (pacificar) 515 n44
“de nada" 159 personajicta (pessoa fictícia) 386
“gracias” (obrigado) 528 nó3 rentes (títulos de dívida) 427
“por favor” 159 usus (uso de uma coisa) 255
term inologia francesa term inologia portuguesa
“de rien” (de nada) 159 “ obrigado” 155,158-60,423, 528 n62
“ merci” (obrigado) 159
term inologia suméria
rendre service (prestar favor) 154
amargi (liberdade) 87, 277, 517 n56
“ s’il vous plaît” (por favor) 158-9
ur (honra) 213
taille (talha) 416
Terra de Arnhem
term inologia grega
ver Austrália
métadosis (partilhar, distribuir) 507 n6
opheiléma (aquilo que é devido) 521 n25 Terra N ova 39, 53

porné (meninas-escravas) 546 n7i Tesouro dos Estados Unidos


symbolon (talha) 379-80, 584 ni45 e ni54-5, ver títulos do Tesouro dos Estados Unidos
585 nióo
“ tesouros inesgotáveis” 324,337-41,385,
time (honra) 227, 239, 544 n5ó-7 567-8 n6, 572 n42
term inologia hebraica
Testart, A lain 529 n6, 544 n54, 597 mio
goal (redenção) 106
Thatcher, Margaret 72,474
nokri (estrangeiro) 362
padah (redenção) 106 thatcherism o 475

term inologia inglesa (do inglês antigo) Théret, Bruno 74,77-8, 514 n3i, 518 n2
Geild (dinheiro) 79 Thévenot, Melchisedech 514 n3i
“welcome” (de nada) 159
Thierry, François 556 n25
term inologia latina
Thom pson, E. P. 591 n44
abusus (abuso/destruição) 255
appretiare (estabelecer um preço) 528 nó3 Tibério, imperador 98,139, 259
bullae (tabuleta de argila) 275 time (honra) 227, 239, 544 n56-7
capitale (capital) 589 n29 tinglit, povo 152
charta (lâmina de metal) 64
Tiro 290-3
corpus intellectuale (corpo intelectual) 386
corpus misticum (corpo místico) 386 títulos de dívida 427

títulos de dívida pública 427

700
tílulos do lesouro dos b la d iM Unidos lin lo r , p e r ío d o , na ln ^ ltilrt tm 19 « , 4 1 9 , 4 14 ,

China e 14,466-9 593 n 67

tiv, povo (Nigéria) 141,171,192 tugudu (tipo de tecido Iclc) 189

Todorov, Tzvetan 397, 589 n23 Turquia 246, 287, 571 n38

torres gêm eas, mitos do ouro e 456 Tusi 355-6,415-6

totoloque (jogo asteca) 448


trabalhadores cativos 256, 293, 338 U

trabalho assalariado 155, 264,435,442-4. uitotos, índios (Amazônia colombiana c


485, 542 n43, 553 ni22, 562 n38, 572 n42 peruana) 439-40

trabalho com o algo virtuoso 491-2 ulemás (sábios versados em direito) 347, 575
n66
trabalho, divisão do
no islamismo 356 Ulpiano 256, 538 n9, 552 mi5-6
sindicatos 481 ver também direito romano
sistemas de escam bo e 38-9 União Cristã 410
trabalho forçado União Soviética
ver peonagem por dívida; escravidão ver Rússia

trabalho livre ur (honra) 213


ver escravidão Urukagina 277
“ tradição alternativa" 72-3 Usher, A b bo t Payson 582 ni30
Trasím aco (sofista) 251,306 usurário/usura
Tratado sobre a moeda (Keynes) 72 ver agiotagem/agiotas

Traven, B. 389 usus (uso de uma coisa) 255

Três Estágios, Escola dos 335, 338, 571 n35

troca V
ver também sistemas de escambo vadiagem 419, 593 n6i
troca, moral na vales
“ mutualidade” e 133 talhas com o 66
troca com petitiva de dádivas 153 ver também sistemas de crédito

troca de objetos 204 valiosos 414

troca de ofertas (dádivas), costum es 137-8, Van de M ieroop, M arc 517 n55, 542 n43
151-2, 519 ni3, 525 n38 vantagem , conceito de 304
“ troca e escam bo” , etimologia de 48 Vedas 24,75, 85, 214, 524 n2i
trocas imediatas 508-9 n24 vegetarianismo 326
Troyes, Chrétien de 372-3 venda de esposas 230-1, 542 n42
tsav (carisma) 189-91 vendetas 81,132,173, 203
Tucídides 307, 5601119, 564 n.62 véu m onetário 61
Tuck, Richard 264, 550 n94, 552 nii5 véu obrigatório 229, 242, 543-4 n53. 545 n(>4

701
Vickers, Adriun í o j , \\(> 1184 WiiiiK Mung (nilllui Iniilxlii) 111, sm nniH

vida com o divida infinita 140 W rbrr, M a* U9, ivu, 4S J, si8 115
dívidas de leite {{6-7, {41. 184,571 mH tWl< mini (de nada) 5 281164
dívidas de sangue 177,179-82,184
W illiam s, Brett 603 n )8
dívidas de vida 181,336
Mágico de Oz, O (Baum) 7 1 , 513 n 25
vikings, escravidão e 539 ni4
W right, David P. 521 n 27
violações aos direitos humanos 553 ni23
W right, Steven 15
violência
assassinato com o forma de pagamento W u-Ti, im perador 316
de dívida 170-6 W ycliffe, John 521 n 25
banquetes, troca de ofertas e 42-8, 50,
152-3,165
coleta de empréstim os e 12-4,23-4, 249- X

50 xá trias, repúblicas 296


com o causa de desigualdade social 147 Xenofonte 143, 5251139
desum anização e 249-50
expressões filosóficas da 23-4
m ercados impessoais 623-4 Y
no com ércio de escravos 186,188, 204-5, Yama (deus) 76, 5161148
208-10, 536 n79
Yang, Lien-sheng 557 n29 e n32, 570 n26,
origens do princípio de troca e 29-30
571-2 n40, 572-3 n48, 573 n53 e n54
usada para controlar as mulheres 205,
537 n92-3, 5381198 yin-yang, sím bolo 383, 586 ni65

vendetas 81,132,173, 203 Yung-Ti, Li 556 n25

virgindade
ver castidade e honra Z
Virgínia, tabaco com o moeda corrente na Zinskauf (propriedade arrendada) 589 1126
39, 54,100, 214
zona do euro, criação da 75
V isa 464
Zongliu, Ye 587 n5
vitoriano, período, na Inglaterra 452
zoroastrism o 106, 286
V itry, Jacques de 18
zum bi, histórias de 218
Von Glahn, Richard 5741157, 588 n6

Wagner, Richard 375-6, 583 ni43

Wall, N an cy 35

Wall Street Journal 601 n2i

Wallerstein, Immanuel 451

wampum, dinheiro de concha 80,168,175-6,


529 n9

702
Este livro foi composto na4onte Albertina
e impresso em dezembro de 2015 pela Corprint,
sobre papel pólen soft 80 g/m2.

Você também pode gostar