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Acta Farm.

Bonaerense 24 (3): 458-67 (2005) Revisiones


Recibido el 9 de abril de 2005
Aceptado el 18 de abril de 2005

Cápsulas Duras com Enchimento Líquido ou Semi-sólido:


Uma Revisão sobre sua Produção
e Aplicação na Liberação de Fármacos
Jonatas Martins DE LUCCA 1, Rodrigo Maculam TEIXEIRA 1,
Helder Ferreira TEIXEIRA 2 & Letícia Scherer KOESTER 1*
1 Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Centro de Ciências da Saúde,
Departamento de Ciências Farmacêuticas, Campus Universitário Trindade,
CEP 88.040-900, Florianópolis, SC, Brasil.
2 Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Faculdade de Farmácia,

Av. Ipiranga, 2752, CEP 90.610-000, Porto Alegre, RS, Brasil.

RESUMO. O presente trabalho tem por objetivo realizar uma revisão da literatura acerca das cápsulas
duras que contém enchimento líquido ou semi-sólido. Aspectos gerais sobre os processos de produção, ti-
pos de invólucros disponíveis, adjuvantes compatíveis, bem como produtos desenvolvidos, são descritos na
primeira parte desta revisão. Em uma segunda parte, são apresentados estudos envolvendo sua aplicação
na liberação de fármacos. Por fim, este artigo demonstra que esta forma farmacêutica apresenta uma série
de vantagens, tais como melhoria de biodisponibilidade e a possibilidade de promover liberação modifica-
da dos fármacos veiculados, por meio de sistemas multifases.
SUMMARY. “Liquid or Semi-solid Filled Hard Capsules: A Review Concerning its Production and Application
on Drug Release”. The present work has the aim to review the literature about hard capsules, which have liquid
or semi-solid content. General aspects concerning production processes, capsule types, adjuvants allowed as well
as developed products are described in the first part of this review. Secondly, studies concerning its application
on drug release are addressed. Finally, this paper demonstrates that this dosage form presents many advantages
such as the improvement of bioavailability as well as the possibility to perform a modified release of drugs
through multiphase systems.

INTRODUÇÃO matrizes semi-sólidas (lipofílicas e hidrofílicas).


As cápsulas duras, juntamente com os com- Inicialmente, o uso dessas cápsulas era indicado
primidos, são as formas mais correntes de admi- para substâncias de baixo ponto de fusão, que
nistração oral de medicamentos. Na produção eram instáveis ao oxigênio ou umidade, ou que
de cápsulas em escala industrial, é amplamente requeriam um aumento da absorção por via
reconhecido que formulações sólidas ou pulve- oral. Hoje, sabe-se que essa forma farmacêutica,
rulentas são incorporadas em cápsulas gelatino- além de promover um incremento da biodispo-
sas duras, enquanto líquidos devem ser incorpo- nibilidade, quando comparada aos comprimi-
rados em cápsulas gelatinosas moles, que são dos, se constitui em um método simples de se
seladas durante o processo de enchimento 1-3. obter diferentes perfis de liberação a partir de
Por outro lado, a selagem de cápsulas duras po- uma dose unitária 5-8. A tecnologia de obtenção
de ser realizada, permitindo a incorporação de dessas cápsulas também é mais simples, quando
líquidos 4-7. comparada à utilizada na obtenção de cápsulas
O uso de cápsulas duras com o propósito de gelatinosas moles e, no que se refere ao enchi-
veicular líquidos é uma estratégia ainda pouco mento com pós, os problemas de variação de
explorada industrialmente, embora se apresente peso são reduzidos, e a contaminação cruzada é
bastante promissora para a administração de fár- praticamente eliminada 5,8,9. Ainda é pouco ex-
macos ou outras substâncias, os quais podem plorada comercialmente a promoção da ab-
ser incorporados a um veículo, líquido, ou em sorção de fármacos através do sistema linfático

PALAVRAS CHAVE: Biodisponibilidade, Cápsulas duras, Enchimento líquido, Enchimento semi-sólido, Libe-
ração modificada.
KEY WORDS: Bioavailability, Hard capsules, Liquid filling, Modified release, Semi-solid filling.
* Autor a quem dirigir a correspondência. E-mail: leticiakoester@gmx.net

458 ISSN 0326-2383


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intestinal, por meio do uso de materiais lipídi- tampa, foi possível veicular líquidos em cápsulas
cos como adjuvantes, assim como sistemas auto- duras sem que houvesse perda do conteúdo 6,7.
emulsionantes e microemulsões, os quais po- A tecnologia de selagem por aplicação de
dem ser veiculados nestas cápsulas 4,5,10-13. uma fita nas cápsulas gelatinosas duras surgiu
Alguns produtos já se encontram disponíveis em 1950, e foi desenvolvida para impedir falsifi-
no mercado mundial, principalmente no Japão, cações, e também a separação de cápsulas con-
e duas grandes empresas estão investindo nessa tendo pós, antes mesmo da invenção do sistema
forma farmacêutica, fornecendo cápsulas, ma- de travas 5,6, porém, segundo Jones 6, inicial-
quinário e assessoria técnica: Capsugel e Shio- mente não promovia uma selagem hermética.
nogi Qualicaps. Outras empresas, de médio por- No processo de aplicação da fita, as cápsulas
te, que atuam na área de desenvolvimento e são primeiramente retificadas e passadas uma
produção de produtos são a Encap Drug Deli- ou duas vezes sobre um disco que gira em um
very (Escócia), a Rentschler Pharma (Alemanha), banho de gelatina. Uma quantidade de gelatina
e a Pharmaceutics International (Estados Uni- é coletada pelo disco e aplicada à junção da
dos). Há um centro de pesquisa e desenvolvi- tampa e do corpo. Por fim, as cápsulas perma-
mento do grupo Alembic, uma das maiores in- necem em portadores individuais para a seca-
dústrias farmacêuticas da Índia, denominado gem. A Fig. 1B demonstra o aspecto da tira, que
BioArc Research Solutions, que também investi- pode ter diferentes cores, com vistas a facilitar a
ga esse tipo de formulação. A Fig. 1 mostra cáp- identificação 5,6,9. A Shionogi Qualicaps desen-
sulas duras transparentes ou opacas, contendo volveu equipamentos (Hicapseal®) e um siste-
formulações líquidas 9. ma (Qualiseal®) com essa finalidade 6,14.
Neste contexto, o presente artigo tem por Outra tecnologia de selagem, desenvolvida
objetivo revisar o uso das cápsulas duras com pela Capsugel, e designada LEMSTM (Liquid En-
enchimento líquido ou semi-sólido, e descreve, capsulation by Micro Spray), consiste na apli-
em uma primeira parte, aspectos gerais da fabri- cação de um micro spray de solução hidroalco-
cação dessas formas farmacêuticas, apresentan- ólica na área entre o corpo e a tampa da cápsu-
do as vantagens de sua utilização. Em uma se- la, o que abaixa o ponto de fusão da gelatina,
gunda parte, é abordada a aplicação destas cáp- promovendo a junção entre as partes. Cada cáp-
sulas na liberação de fármacos, investigada em sula é pulverizada individualmente e a secagem
diversos estudos científicos nas últimas décadas. ocorre suavemente em um cilindro giratório 4,5.
Allen et al. descrevem a possibilidade de se-
lagem de cápsulas por fita de gelatina, pelo uso
do agente molhante líquido na área entre corpo
e tampa, ou ainda por simples fusão entre tam-
pa e corpo. De uma forma mais artesanal, cáp-
sulas de uso extemporâneo podem ser seladas
A B pela imersão das cápsulas e revestimento da fa-
Figura 1. Cápsulas duras com enchimento líquido:
ce interna da tampa com uma solução de gelati-
(A) transparentes; (B) opacas, contendo tira de sela- na morna, momentos antes do fechamento.
gem (Modificado de Encap Drug Delivery 9). A maioria das máquinas de enchimento de
cápsulas pode ser modificada para permitir o
ASPECTOS GERAIS DA FABRICAÇÃO DE envase de líquidos à temperatura ambiente ou à
CÁPSULAS DURAS COM ENCHIMENTO quente. Existem equipamentos fabricados pela
LÍQUIDO/SEMI-SÓLIDO Bosch, Harro Hoefliger, IMA (Zanasi), Shionogi
Tecnologia de obtenção Qualicaps, entre outros 5,6. Em 1980, Walker et
De forma geral, a tecnologia para enchimen- al. 15 e, posteriormente, McTaggart et al. 16 des-
to de cápsulas com líquidos existe desde mea- creveram a adaptação de uma encapsuladora
dos de 1800, e o uso desta forma era popular Zanasi LZ64, por meio da substituição do funil e
até o início de 1900, mas problemas de abertura dosador de pós por uma bomba de enchimento
das cápsulas e vazamento ocasionaram a inter- de líquido. A transposição de escala de pro-
rupção de seu uso. Com o desenvolvimento do dução pode ser alcançada aumentando-se o nú-
sistema de travamento de cápsulas, pela Eli Lilly mero de bombas. Há 30 anos, Thompson e
& Co, em 1960, houve um progresso neste senti- Cunningham 17 já pesquisavam o enchimento
do, mas apenas com a selagem das cápsulas, por manual de cápsulas com líquidos. Os autores
meio da aplicação de uma fita entre corpo e desenvolveram um equipamento de bancada

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que permitia o envase de soluções e suspensões quidos) Hibar e de uma máquina de selagem
em cápsulas de gelatina para posterior adminis- com fita desenvolvida pela Shionogi Qualicaps 6.
tração em animais. Como as cápsulas de gelati- O processo de fabricação de cápsulas gelatino-
na amoleciam em contato com o meio aquoso, sas moles é mais complexo e o custo de insta-
os autores verificaram que a adição de gelatina lação, mais elevado 18. Por isso, este tem sido
em pó previamente à adição de água, além do terceirizado pelas empresas, o que dificulta o si-
armazenamento a 9 °C, reduzia o amolecimento. gilo durante o trabalho de desenvolvimento 5.
Quando estocadas à -9 °C, as cápsulas eram ra-
pidamente congeladas e permaneciam estáveis Adjuvantes compatíveis
por mais de seis semanas. Não há praticamente diferenças entre os ad-
Cabe mencionar que são poucos os compo- juvantes utilizados em cápsulas gelatinosas du-
nentes particulares que uma máquina de encap- ras e moles. Entretanto, aqueles usados para
sular líquidos necessita, a citar: um recipiente cápsulas duras podem ter ponto de fusão maior
com homogeneizador, geralmente encamisado que 37 °C no momento do enchimento, sendo
para proporcionar aquecimento; uma bomba que a temperatura máxima recomendada é de
volumétrica, que pode ser mecânica ou pneu- 70 °C. O uso de tais veículos em cápsulas moles
mática, de dosagem precisa; e um sistema de não é permitido, pois estas são seladas a 37 °C
detecção da presença de cápsulas 6,7. 4,6,7. A Tabela 1 apresenta alguns adjuvantes que

Pode-se ressaltar duas grandes vantagens da podem ser utilizados nas cápsulas duras.
utilização desta tecnologia. A primeira corres- Entretanto, alguns adjuvantes são incompatí-
ponde à diminuição do risco de contaminações veis com o invólucro das cápsulas gelatinosas
cruzadas e, conseqüentemente, ao aumento da duras, principalmente quando presentes de for-
segurança para os operadores de máquinas, ma isolada. Dentre estes encontram-se: etanol,
uma vez que não há geração de pós no proces- glicerina, glicofurol 75, monoglicerídeos de ca-
so de produção 6,8,13. A segunda está relaciona- deia média, polietilenoglicóis com peso molecu-
da à facilidade na execução do trabalho de ban- lar inferior a 4000, Pharmasolve®, propilenogli-
cada e na transposição de escala 6,8,9,13. Em uma col, Span 80®, Transcutol P® 4,5. Portanto, é ne-
menor escala, os líquidos podem ser envasados cessário realizar um estudo de otimização das
nas cápsulas com o uso de uma seringa. Já em proporções destes adjuvantes nos veículos das
escala piloto, existem vários equipamentos dis- cápsulas. Alguns estudos já foram feitos no sen-
poníveis, a exemplo da encapsuladora (para lí- tido de definir a proporção de água passível de

Tipo de material Exemplos


Líquidos lipofílicos Óleos: amendoim, rícino, algodão, milho, oliva, soja, girassol,
gergelim. Laurato de propilenoglicol (Lauroglycol FCC®),
Monolinoleato de glicerila (Maisine 35-1®), monooleato de
glicerila (Peceol®)
Óleos hidrogenados Amendoim, rícino, algodão, soja, palma
Triglicerídeos de cadeia média e seus ésteres Akomed E® e R®, Bergabest®, Captex 300®, 350®, 355®,
Labrafac CC® e PG®, Miglyol 810®, 812®, 829®, 840®,
Myritol®, Neobee M5®, Nesatol®, Softisan 645®, Waglinol
3/9280®
Macrogóis (PM > 4000) Carbowax®, Lipoxol®, Lutrol E®, Pluriol E®
Glicerídeos de polietilenoglicóis Oleil-6 (Labrafil M 1944 CS®), linoleil-6 (Labrafil M2125 CS®),
capril-caproil-8 (Labrasol®), lauroil-32 (Gelucire 44/14®),
stearoil-32 (Gelucire 50/13®)
Gliceril-ésteres de ácidos graxos Gelucire 33/01®, 39/01®, 43/01®
Tensoativos, agentes solubilizantes Éter monoetílico de dietilenoglicol (Transcutol HP®),
monoestearato de glicerila (Imwitor®), Dioleato de 6-poliglicerol
(Plurol oleique CC497®), derivados de óleo de rícino com
polioxietileno (Cremophor RH40®), Poloxamer 124® e 188®,
Softigen 701® e 767®, Tagat TO®, Tween 80®.
Agentes espessantes e veículos semi-sólidos Álcool cetoestearílico, álcool cetílico, beenato de glicerila
(Compritol 888 ATO®), dióxido de silício coloidal.
Tabela 1. Exemplos de adjuvantes utilizados em cápsulas duras 4-6.

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ser incorporada nas formulações, pois deve clusão de pequenas quantidades de água (5%) e
existir um balanço, no complexo processo de glicerol (5%) 20. Cole et al. 20 avaliaram a in-
difusão existente entre formulação, invólucro e fluência do uso de tensoativos na biodisponibili-
umidade do ambiente. dade de d-α-tocoferol e acetato de d-α-tocoferol
Por exemplo, Kuentz & Röthlisberger 19 ana- (vitamina E) e β-caroteno. No estudo, utilizan-
lisaram a textura de cápsulas de gelatina dura do-se este recurso, as cápsulas foram estáveis
contendo dois tipos de formulações, com e sem por três meses. Cremophor EL® foi o tensoativo
água. A primeira, uma mistura de polietilenogli- selecionado, pois foi o que melhor solubilizou
col 400 (Polyglykol 400®) e polivinilpirrolidona as preparações de vitamina E. Os resultados
(PVP, Povidone K17®), e a segunda, glicerídeos confirmaram que os tensoativos não-iônicos po-
do macrogol cáprico e caprílico (Labrasol ® ) dem atuar substituindo os ácidos biliares in vivo
contendo até 3 % de dióxido de silício coloidal e promover um aumento na dissolução e biodis-
(Aerosil® 200). Em relação ao primeiro modelo, ponibilidade de substâncias pouco solúveis.
hidrofílico, foram produzidas e avaliadas formu-
lações de concentrações diferentes, onde a Propriedades reológicas do conteúdo
maior quantidade de água era de 37,5%. No se- As formulações para o enchimento de cápsu-
gundo modelo, anfifílico, a maior concentração las gelatinosas duras podem ser líquidos Newto-
de água foi de 15%. As cápsulas foram armaze- nianos, géis tixotrópicos, ambos envasados à
nadas em folhas de alumínio (simulando um temperatura ambiente 21, e sistemas termo-regu-
blister) à 25 °C e 60% de umidade relativa, por láveis, que em temperaturas elevadas de enchi-
uma ou duas semanas (até atingir o equilíbrio). mento (70 °C), são líquidos, e à temperatura
O primeiro tipo de formulação apresentou uma ambiente são sólidos 22. As formulações tixotró-
variação de massa de ± 2%, o que é aceitável picas ou termo-ajustáveis eliminam a necessida-
para cápsulas de gelatina dura. As formulações de de selagem das cápsulas 6,7,21.
sem adição de água apresentaram um aumento Problemas de variação de peso têm sido re-
em sua massa. As cápsulas com 12,5% (v/v) de lacionados à viscosidade da formulação na tem-
água, entretanto, demostraram uma pequena di- peratura de enchimento 22,23. Uma viscosidade
minuição de peso. Esta mudança foi mais acen- entre 0,01 e 25 Pa.s normalmente apresenta um
tuada para as cápsulas com concentrações maio- envase satisfatório, sendo que o limite máximo
res de água. Quanto à rigidez, as cápsulas sem de viscosidade é determinado pelas característi-
acréscimo de água tiveram um aumento, en- cas das bombas 23.
quanto que as cápsulas com adição de água Como a dissolução do fármaco no veículo
mostraram uma diminuição. Para esse primeiro tem uma influência sobre a reologia do sistema
modelo, a concentração de água considerada disperso, esta pode influenciar o envase do ma-
adequada foi de 10 a 12% (v/v), dependendo da terial. Assim, os efeitos da fase dispersa no en-
quantidade de PVP. Quanto ao segundo mode- chimento líquido foram investigadas por Rowley
lo, este se comportou de forma semelhante ao et al. 23. Lactose foi escolhida como modelo de
anterior, onde as cápsulas sem adição de água substância de baixa solubilidade em polietileno-
apresentaram um aumento na rigidez e na mas- glicol, nas temperaturas típicas de enchimento.
sa, e as que receberam água, o contrário. Para Primeiramente, os autores avaliaram a va-
esse tipo de modelo a quantidade de água ideal riação de peso das cápsulas após enchimento
é de 4 a 6%, dependendo da concentração de apenas com os diferentes veículos, Dynafill®,
Aerosil® 200. Formulações líquidas hidrofílicas Lutrol F68® (copolímeros de polióxietileno-po-
ou anfifílicas são freqüentemente recusadas por lióxipropileno) e Dynasan-114® (triglicerídeo de
serem incompatíveis com cápsulas. Este estudo ácido miristílico) e polietilenoglicóis (PEG) de
demonstrou que é possível veicular formulações diferentes pesos moleculares (6000, 8000, 10000
que contenham concentrações adequadas de e 20000). Destes, apenas o PEG 20000 e Dyna-
água. san-114 ® apresentaram problemas de enchi-
Outra limitação refere-se ao uso de tensoati- mento. Com o PEG 20000 foi observado um co-
vos. Formulações contendo altas concentrações eficiente de variação de 3,8% no peso das cáp-
de tensoativos apresentam problemas de vaza- sulas, o que foi atribuído à formação de “pon-
mento. Esse fenômeno é provavelmente causa- tes” durante o envase, como pode ser visualiza-
do pela remoção de água da estrutura protéica do na Fig. 2. Este fato também foi observado
da gelatina, resultando na perda da flexibilidade em um estudo realizado por Hawley et al. 22. Já
do invólucro, mas pode ser minimizado pela in- o Dynasan-114® não ocasionou um coeficiente

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as tornam mais suscetíveis à umidade e à mi-


gração do veículo 4-8.
A água presente nas cápsulas gelatinas du-
ras, geralmente em uma concentração de 13%,
atua como plastificante, conferindo certa flexibi-
lidade. Entretanto, interações indesejadas po-
dem ocorrer na presença de adjuvantes higros-
cópicos, o que fez com que se buscasse utilizar
outros tipos de materiais para essas cápsulas
6,7,25. Adicionalmente, a busca por alternativas

devido a questões religiosas ou nutricionais,


bem como por segurança em relação à encefa-
Figura 2. Representação da formação de pontes entre
as cápsulas durante o envase de PEG 20000 fundido lopatia espongiforme transmissível e outras do-
(Modificado de Rowley et al. 23). enças, aumentaram esta necessidade 9,13,14. Entre
os tipos de invólucro encontram-se: a hidroxi-
de variação elevado, mas houve vazamento na propilmetilcelulose (HPMC), que por ser de ori-
bomba e esguicho durante a liberação do bocal gem vegetal, tem sido uma tendência de merca-
de enchimento. Após, os autores avaliaram os do 18, além da gelatina derivada de peixe, gelati-
coeficientes de variação obtidos com o enchi- na humana, e gelatina derivada do amido.
mento de dispersões de lactose (α-monoidrata- As cápsulas de hidroxipropilmetilcelulose
da), de maior e menor faixa granulométrica, nos (HPMC) têm sido recomendadas para o envase
polietilenoglicóis de diferentes pesos molecula- de líquidos. Nessas cápsulas, a água, presente
res. Os resultados demonstraram que o tamanho em concentrações menores, 4-6%, está adsorvi-
de partícula e o peso molecular da fase disper- da à superfície, e não atua como plastificante.
sante e, conseqüentemente, a viscosidade resul- Logo, mesmo que a concentração de água seja
tante, afetam o processo de enchimento. Segun- reduzida a menos que 1%, a cápsula não se tor-
do Cole 4, o tamanho de partícula do fármaco nará quebradiça 6,7,24,25. Além disso, as cápsulas
em suspensão deve ser inferior a 50 µm. de HPMC podem ser envasadas à temperatura
ambiente ou mais elevada, não sofrem ligações
Tipos de invólucros cruzadas, não possuem a vulnerabilidade da ge-
A gelatina é obtida a partir do colágeno da latina aos aldeídos, e ainda podem tolerar as
pele e ossos de animais, geralmente bovinos, e formulações termo-ajustáveis que contêm cinco
constitui o material tradicional para a fabricação a dez por cento de água (que amolecem as cáp-
de cápsulas duras 3,13,24,25. A cápsula gelatinosa sulas de gelatina) 14,24. Uma restrição é a sua
dura para líquidos possui a mesma composição maior permeabilidade ao oxigênio atmosférico
que a cápsula utilizada para pós, e compreende do que os invólucros de gelatina. Isto deve ser
gelatina, água e agentes corantes e opacifican- observado no caso de substâncias sensíveis à
tes. Porém, para que haja uma selagem eficien- oxidação, tais como o óleo de prímula 14. Ainda,
te, é importante que o material de enchimento segundo Bowtle 14, a selagem dessas cápsulas
não penetre na zona entre o corpo e a tampa da só pode ser realizada com a aplicação de uma
cápsula. Para auxiliar neste sentido, a Capsugel fita (Sistema Qualiseal®). Um aspecto abordado
e a Shionogi Qualicaps desenvolveram cápsulas por Jones 25 é o fato de que cada fabricante uti-
especiais, designadas LicapsTM e Posilok®, res- liza seu próprio processo de gelificação, paten-
pectivamente. Além disso, para evitar derrama- teado, na produção dos invólucros de HPMC.
mento durante o enchimento, as cápsulas de- Isto faz com que nem todas as cápsulas de
vem ser envasadas até 90% de sua capacidade 4-6. HPMC sejam intercambiáveis, pois o processo
Cabe ressaltar que, no caso das cápsulas que de gelificação influencia a solubilidade da cáp-
contém líquidos, há um contato mais íntimo en- sula em diferentes valores de pH. As cápsulas
tre o conteúdo e o invólucro, o que aumenta a de HPMC estão disponíveis comercialmente pela
possibilidade de migração e interações. Compa- Capsugel, Shionogi Qualicaps e Su Heung, sob
rando-se as cápsulas gelatinosas moles e duras, as denominações de Vcaps®, Quali-V® e EMBO
o potencial de interação é maior para as moles, Caps VG®, respectivamente 13,26,27.
isto porque elas apresentam um invólucro mais As escamas dos peixes representam uma
espesso e que contém plastificante (geralmente fonte alternativa para o colágeno e dois tipos de
30% de glicerol), além da gelatina e água, o que gelatina estão disponíveis comercialmente. A ge-

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latina de peixe de água morna e a de peixe de Figura 3.


água fria. Suas estruturas químicas principais DuoCaps’
(cadeias de polipeptídeos) são similares àquelas (Modificado de
Encap Drug
da gelatina de mamíferos, mas as de peixes de
Delivery 9).
água morna apresentam níveis relativos dos
aminoácidos prolina e hidroxiprolina (importan-
tes para a formação de gelatina), mais próximos
aos do colágeno de mamíferos. Entretanto, as Neste caso, a permeabilidade da HPMC, que
principais restrições ao uso desta gelatina são a constitui o invólucro, é uma vantagem, pois o
disponibilidade limitada e custo elevado, além odor pode ser percebido. As cápsulas patentea-
da não inclusão nas farmacopéias. A segurança das de AbusolveTM têm o propósito de solucio-
com relação às pessoas com alergia aos peixes nar o uso indevido de fármacos como o flunitra-
ainda deve ser determinada 13,14. zepam. Este tipo de formulação flutua em mistu-
A gelatina “humana”, desenvolvida pela Fi- ras de água e álcool, e não se dissolve em líqui-
broGen, Inc. (São Francisco, EUA), por meio de dos gelados. Devido aos excipientes semi-sóli-
uma tecnologia de expressão transgênica em dos utilizados, torna-se também impossível reti-
plantas, produz o colágeno precursor da gelati- rar o conteúdo com uma seringa. O Organic Sa-
na. A exploração comercial dependerá do de- chetTM é uma cápsula de HPMC de maior volu-
senvolvimento de sistemas de produção em me (3-5 mL), que pode ter uso veterinário ou
grande quantidade, de um produto com alta outras aplicações, tais como carrear uma dose
qualidade 13. única de creme dental 8,9,13.
Ainda, Burns et al. 28 citam o uso de cápsulas Segundo Jones 6, o número de produtos que
de amido de batata, designadas Capill®, para chegou ao mercado não refletiu o trabalho de
veicular um sistema de liberação bifásica de pesquisa e desenvolvimento despendido na
propranolol (HALOTM), em um estudo descrito aplicação desta tecnologia. Alguns dos produtos
na segunda parte deste trabalho. Segundo os já lançados foram: Aprical® (nifedipino), Arko-
autores, o uso destas cápsulas é interessante farma (óleos de plantas), Captoril® (captopril e
quando se deseja realizar um revestimento enté- ácido ascórbico), Colpermin® (óleo de hortelã-
rico, pois estas apresentam melhor aderência a pimenta), Danthron (dantron e Poloxamer 188),
filmes, quando comparadas às cápsulas gelati- Piascledine ® (óleos de abacate e soja),
nosas. Solufen® (ibuprofeno) e Vancocin® (cloridrato
de vancomicina) 4,5,29. O produto Piascledine®,
Produtos desenvolvidos por exemplo, contém uma mistura dos óleos de
As cápsulas gelatinosas duras com enchi- abacate e soja para o tratamento de desordens
mento líquido são facilmente moduladas em re- da pele, e teve seu processo de produção redu-
lação à liberação de substâncias ativas e melho- zido, de cinco etapas para a obtenção de um
ria da biodisponibilidade. Uma simples mu- comprimido, a simples mistura e enchimento 5.
dança nos adjuvantes geralmente aumenta ou Já a vancomicina teve sua estabilidade aumenta-
diminui essas propriedades, e alguns equipa- da quando formulada na forma de uma matriz
mentos permitem o envase de mais de um tipo semi-sólida de polietilenoglicol 6000
de material, aumentando a possibilidade de for- (Vancocin® Matrigel) 6.
mulações 7.
Neste sentido, é possível se obter sistemas APLICAÇÃO DAS CÁPSULAS DURAS COM
bifásicos ou mesmo multifásicos. Um exemplo é ENCHIMENTO LÍQUIDO/SEMI-SÓLIDO NA
o DuoCapsTM, desenvolvido pela Encap Drug LIBERAÇÃO DE FÁRMACOS
Delivery 8,9. Neste sistema, uma cápsula é colo- Os estudos descritos a seguir demonstram a
cada dentro de outra, maior, as quais ainda po- aplicação destas formas farmacêuticas no au-
dem ser revestidas, promovendo uma liberação mento da biodisponibilidade e controle da libe-
pulsátil ou bimodal, ou mesmo possibilitando a ração de fármacos. Merecem destaque as inves-
incorporação de substâncias incompatíveis 13. A tigações acerca do propranolol, que reúnem os
Fig. 3 apresenta este tipo de cápsula. Outros sis- dois objetivos, sendo que o aumento da biodis-
temas desenvolvidos pela empresa são as Chew- ponibilidade ocorreria por meio da promoção
CapsTM, AbusolveTM e Organic SachetTM. As pri- da absorção pelo sistema linfático intestinal, a
meiras são cápsulas mastigáveis, que contém qual evita o metabolismo de primeira passagem.
uma matriz semi-sólida, de sabor agradável. A via de absorção linfática intestinal é aquela

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pela qual lipídeos oriundos da dieta, vitaminas cional), no mesmo intervalo de tempo. Também
lipossolúveis e outros componentes, bem como foi observado no trabalho que velocidades de
fármacos lipofílicos, podem ter acesso à circu- agitação entre 70 e 100 rpm, bem como pHs
lação sistêmica. Porter & Charman 10, e Hum- 6,75, 6,8 e 8,0, levam a perfis de dissolução bi-
berstone & Charman 12 apresentam revisões fásicos e reprodutíveis.
aprofundadas sobre esse tema. Em estudo realizado por Barnwell et al. 32,
Burns et al. 30 investigaram a liberação de com o sistema bifásico HALO™-propanolol, de-
propranolol a partir de cápsulas duras com en- monstrou-se um aumento da biodisponibilidade
chimento líquido, que constituem o sistema pa- do propranolol, em humanos, em 300% em
tenteado HALO™, revestidas com copolímero comparação ao produto comercial disponível
de ácido metacrílico (Eudragit® L 100). Este sis- (Half-Inderal® LA). Esse aumento de biodispo-
tema de liberação foi desenvolvido para melho- nibilidade foi verificado apenas quando o siste-
rar a biodisponibilidade de fármacos que sofrem ma bifásico com a porção ácido oléico era ava-
extenso metabolismo de primeira passagem, co- liado. Quando a biodisponibilidade das cápsulas
mo o propranolol. Trata-se de um sistema bifási- contendo apenas a porção sustentada foi com-
co, constituído por uma porção de liberação rá- parada à do produto comercial (ambas conten-
pida e outra de liberação sustentada. A porção do uma dose de 80 mg de fármaco), nenhuma
rápida contém fármaco dissolvido em ácido diferença foi observada. O sistema de liberação
oléico, o qual promove a absorção linfática, evi- sustentada evita a saturação de absorção do sis-
tando o metabolismo de primeira passagem. A tema linfático. No caso do sistema HALO™, a
liberação sustentada é garantida por uma matriz co-administração de ácido oleico em um sistema
semi-sólida que sofre erosão, preparada a partir bifásico pode, segundo os autores, restaurar e
de Gelucire®. O Gelucire® é uma base anfifíli- manter a produção linfática, promovendo a libe-
ca, de glicerídeos poliglicosilados que está dis- ração linfática do propranolol.
ponível como produtos semi-sólidos a sólidos, Entretanto, segundo Porter & Charman 10, o
de diferentes pontos de fusão, e valores de EHL, propranolol é um fármaco moderadamente lipo-
e, portanto, capaz de promover diferentes velo- fílico e, portanto, não é um bom candidato para
cidades de liberação 31. O revestimento entérico, a absorção linfática intestinal, uma vez que as
proporcionado pelo Eudragit®, é necessário pa- estratégias de formulação (como a co-adminis-
ra que se mantenha a liberação bifásica. tração de lipídeos) têm o efeito de maximizar o
No estudo, os autores avaliaram a eficiência transporte linfático de compostos que possuem
do revestimento entérico por meio de testes de uma afinidade inerente pelo mesmo. Neste sen-
desintegração e dissolução. Os resultados de- tido, o envolvimento do sistema linfático intesti-
monstraram que um revestimento de no mínimo nal no aumento da biodisponibilidade do pro-
8 mg/cm2 é necessário para promover uma pro- pranolol, segundo os autores, pode ocorrer por
teção ao pH gástrico. Os testes de estabilidade outros mecanismos.
com cápsulas com revestimento de 4 mg/cm2, Estudos de estabilidade realizados por Burns
que geralmente promove uma proteção adequa- et al. 33, com o sistema HALO™-propranolol, de-
da, durante 8 meses a 4 °C, revelaram que estas monstraram haver uma mistura de fases, obser-
cápsulas são instáveis nessas condições, possi- vada visualmente em cápsulas não revestidas,
velmente devido a fenômenos de contração e levando a problemas na liberação bifásica, a
expansão térmica 30. elevadas temperaturas de armazenagem. Segun-
Burns et al. 31, desenvolveram um método de do os autores, isso ocorre pela solubilização dos
dissolução in vitro específico para avaliar os componentes de baixo ponto de fusão, do Ge-
perfis de liberação bifásicos do sistema sistema lucire®, da matriz de liberação sustentada, pelo
HALO™-propranolol. Como estas cápsulas flu- ácido oléico presente na fase de liberação rápi-
tuam, os autores observaram que para demons- da, líquida. A penetração do ácido oléico seria
trar os perfis bifásicos, era necessário modificar favorecida pelos canais formados pelo dióxido
o método de agitação com pás. No caso, o topo de silício coloidal, bem como tensoativos, pre-
da pá deve tocar a superfície do meio e, assim, sentes na porção de liberação sustentada. Duas
ocorre erosão da matriz e maior liberação de formulações foram então testadas para contor-
fármaco. Com esta modificação do método de nar esse problema. A primeira contém uma fase
pás, 72% do fármaco foi liberado após 300 min, “barreira” hidrofílica, composta por Gelucire
em comparação com apenas 23% no caso das 44/14®, a qual provavelmente resiste à solubili-
cestas, e 43% no caso das pás (método conven- zação pela fase hidrofóbica líquida e, assim,

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previne o contato com a fase hidrofóbica de li- mg Danocrine®. As biodisponibilidades relativas


beração sustentada. A outra estratégia consiste de cada 100 mg de fármaco, das formulações,
em solidificar a porção de liberação rápida com foram comparadas à biodisponibilidade da cáp-
Gelucire 33/01®. Essas formulações se mantive- sula de 100 mg Danocrine®. A biodisponibilida-
ram estáveis, a temperatura ambiente, por 18 e de relativa do danazol, a partir das formulações
12 meses, respectivamente. Quando a tempera- de PEG 400 e de Polissorbato 80, foi aumentada
tura de armazenamento é superior ao ponto de em 3,7 e 15,8 vezes, respectivamente, quando
fusão da fase solidificada Gelucire 33/01® (30- comparada à obtida com Danocrine® 100 mg.
35 °C), ocorre mistura de fases. Também foi obtido um aumento de 4 horas no
O uso desta fase solidificada contendo Gelu- tempo de meia vida da formulação contendo
cire 33/01® veio a sanar o vazamento dos com- Polissorbato 80, em relação ao Danocrine® 200
ponentes da porção líquida a partir de cápsulas mg e à formulação de PEG 400. Isso foi atribuí-
de amido de batata (Capill®) contendo o siste- do ao aumento da biodisponibilidade e à distri-
ma HALO™-propranolol, sem que houvesse al- buição do fármaco altamente lipofílico nos teci-
teração no perfil de liberação do fármaco. Neste dos, resultando em uma depuração mais lenta
outro estudo de Burns et al. 28, o uso deste tipo do que a prevista. Neste estudo, obteve-se um
de cápsula bem como seu revestimento com Eu- aumento da biodisponibilidade absoluta do da-
dragit® L100 foram investigados. Testes de dis- nazol, em cães, de 5,1% para, aproximadamen-
solução demonstraram ocorrer uma diminuição te, 80,6%, o que significa uma possibilidade de
na liberação de propanolol a partir das cápsulas redução de dose e freqüência de dosagem.
Capill®, em comparação às cápsulas gelatinosas Galal et al. 35 investigaram a possibilidade de
duras com revestimento entérico. Entretanto, os melhorar a dissolução de glibenclamida a partir
autores observaram que aumentando-se a con- de cápsulas duras e moles com enchimento lí-
centração de ácidos biliares do meio de disso- quido ou matrizes semi-sólidas. Nove formu-
lução (a níveis provavelmente existentes no tra- lações foram preparadas: três continham apenas
to gastrintestinal), a liberação de fármaco se tetraglicol como veículo e 1,8; 2,5 ou 3,5% de
normalizava. Assim, os autores concluíram que glibenclamida; quatro continham uma mistura
os problemas de liberação eram causados pela de tetraglicol e 25% de polietilenoglicol 6000, e
presença de componentes lipofílicos do revesti- 1,8 ; 2,5; 3,5 ou 5,0 % de glibenclamida, e duas
mento entérico e sua interação com a cápsula continham Gelucire® 44/14, e 2,5 ou 5,0% do
de amido, o que foi solucionado com o ajuste fármaco. Os resultados demonstraram que a dis-
dos níveis de ácidos biliares. Estas cápsulas re- solução da glibenclamida a partir das cápsulas
presentam, portanto, um invólucro alternativo de gelatina dura ou mole, contendo uma so-
para sistemas complexos como o HALO™. lução de 2,5 % de fármaco em tetraglicol ou na
Erlich et al. 34 avaliaram a biodisponibilidade mistura de tetraglicol/polietilenoglicol 6000, foi
relativa do danazol em cães, a partir de cápsulas altamente superior às formulações comerciais de
gelatinosas duras com enchimento liquido. Este comprimidos. Entretanto, comparando-se os in-
fármaco apresenta uma biodisponibilidade de vólucros, a velocidade de dissolução nos pri-
30%, em humanos, a partir de cápsulas conven- meiros 15 minutos foi um pouco menor para as
cionais. Em cães, a biodisponibilidade da sus- cápsulas moles, o que foi atribuído à desinte-
pensão convencional é de apenas 5,1%. Neste gração mais lenta.
estudo, foram preparadas duas formulações de O uso de matrizes semi-sólidas contendo Ge-
danazol, uma contendo Polissorbato 80 e outra lucire®, incorporadas a cápsulas duras, tem sido
com Polietilenoglicol 400 (PEG 400) contendo bastante investigado na última década 36-40. Este
30% de PVP. O uso do PVP nesta concentração tipo de formulação elimina a necessidade de se-
aumentou a solubilidade do danazol, em PEG lagem das cápsulas, pois é líquida somente du-
400, de 33,4 mg/ml para 56 mg/ml. As formu- rante o envase. No nome comercial destas ba-
lações foram introduzidas em cápsulas gelatino- ses, os primeiros números correspondem ao
sas de tamanho 000, correspondendo a 50 mg ponto de fusão enquanto os outros referem-se
de danazol por cápsula. Quatro cães receberam, ao valor de equilíbrio hidrófilo-lipófilo (EHL).
em diferentes ocasiões, uma cápsula de Dano- Em alguns destes estudos, o objetivo era promo-
crine® 200 mg, duas cápsulas de danazol 50 mg ver uma liberação sustentada de fármaco, como
em PEG 400-PVP e duas cápsulas de danazol 50 foi observado para a indometacina em matrizes
mg em Polissorbato 80. Em um período poste- contendo Gelucire® 46/07 e 33/01 36, bem co-
rior, os animais receberam uma cápsula de 100 mo para o cloreto de potássio, a partir de dife-

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DE LUCCA J.M., TEIXEIRA R.M., TEIXEIRA H.F. & KOESTER L.S.

rentes matrizes de Gelucire ® (62/05, 53/10, lidade, podendo preparar cápsulas contendo so-
48/09 e 44/14), nas quais quanto maior o ponto luções, suspensões, semi-sólidos e até sistemas
de fusão da base, mais lenta era a liberação da multifases. A despeito das vantagens apresenta-
substância 37. Em outros, objetiva-se um aumen- das, são poucos os produtos disponíveis comer-
to de biodisponibilidade, onde o melhor resulta- cialmente, e o mesmo pode ser observado a res-
do observado para uma dose de 350 mg do ini- peito dos estudos científicos realizados, que se
bidor de HIV-protease DMP 323, foi alcançado concentram em um número restrito de fárma-
utilizando-se 86 % de Gelucire® 44/14 e 14% de cos. Os estudos descritos na segunda parte do
PEG 400 (em uma concentração de 75 mg/g de trabalho demonstram que há um crescente inte-
fármaco) 38. Com o piroxicam, foi observado um resse pelo uso de enchimento semi-sólido, ou
incremento de biodisponibilidade semelhante seja, que é líquido apenas durante o processo
ao observado a partir dos comprimidos comer- de enchimento, o qual é, provavelmente, menos
ciais contendo o complexo piroxicam: β-ciclo- suscetível a interações.
dextrina, utilizando-se matrizes semi-sólidas de
Gelucire® 44/14 e Labrasol® 39. Em um estudo REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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têm representado uma estratégia bastante pro-
Vol. II, págs. 683-706.
missora para o aumento da biodisponibilidade
3. Allen, Jr., L.V., N.G. Popovich & H.C Ansel
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servado em um trabalho de revisão recente de and Drug Delivery Systems”, Lippincott Wi-
Gursoy & Benita 41. Estes sistemas são constituí- lliams & Wilkins, Baltimore, 8th ed., págs. 204-
dos por óleos, tensoativos e, em alguns casos, 26.
solventes hidrofílicos e co-solventes ou co-ten- 4. Cole, E.T. (2002) “Liquid-Filled and -Sealed
soativos que, uma vez em contato com o meio Hard Gelatin Capsule Technologies” en “Modi-
aquoso e sob agitação moderada, tal como ocor- fied-Release Drug Delivery Technology” (Rath-
re no trato gastrintestinal, formam emulsões bone, M., ed.), Marcel Dekker, New York,
óleo em água (O/A) ou mesmo microemulsões. Chapter 14, págs 177-90.
Como pode ser observado, os constituintes des- 5. Cole, E.T. (2004) Liquid filled and sealed hard
sas formulações são aqueles que, de forma ge- gelatin capsules. Capsugel Library. Disponível
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Entretanto, segundo os autores, deve-se ter cui- quid.pdf>. Acesso em: 20 julho 2004.
dado com a presença de álcoois ou outros co- 6. Jones, B.E. (2004) Liquid-filled capsules: The
solventes voláteis, que podem evaporar pelo in- new frontier. Shionogi Qualicaps, Madrid. Dis-
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ou mesmo moles, levando à precipitação de fár- em: 15 setembro 2004.
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emergence of liquid-filled hard capsules. Shio-
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Por meio deste trabalho foi possível observar capsules.com/free/tc-20040101_15.pdf>. Aces-
que estas cápsulas apresentam diversas vanta- so em: 20 julho 2004.
gens em relação às cápsulas duras com enchi- 8. Encap Drug Delivery (2004) New liquid fill
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tais como o aumento da biodisponibilidade, di- 9. Encap Drug Delivery (2003) In: Encap Drug
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problemas de produção e de vazamento, e o 11. Pouton, C.W. & W.N. Charman (1997) Adv.
maquinário disponível apresenta grande versati- Drug Del. Rev. 25: 1-2.

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