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RESUMO. O presente trabalho tem por objetivo realizar uma revisão da literatura acerca das cápsulas
duras que contém enchimento líquido ou semi-sólido. Aspectos gerais sobre os processos de produção, ti-
pos de invólucros disponíveis, adjuvantes compatíveis, bem como produtos desenvolvidos, são descritos na
primeira parte desta revisão. Em uma segunda parte, são apresentados estudos envolvendo sua aplicação
na liberação de fármacos. Por fim, este artigo demonstra que esta forma farmacêutica apresenta uma série
de vantagens, tais como melhoria de biodisponibilidade e a possibilidade de promover liberação modifica-
da dos fármacos veiculados, por meio de sistemas multifases.
SUMMARY. “Liquid or Semi-solid Filled Hard Capsules: A Review Concerning its Production and Application
on Drug Release”. The present work has the aim to review the literature about hard capsules, which have liquid
or semi-solid content. General aspects concerning production processes, capsule types, adjuvants allowed as well
as developed products are described in the first part of this review. Secondly, studies concerning its application
on drug release are addressed. Finally, this paper demonstrates that this dosage form presents many advantages
such as the improvement of bioavailability as well as the possibility to perform a modified release of drugs
through multiphase systems.
PALAVRAS CHAVE: Biodisponibilidade, Cápsulas duras, Enchimento líquido, Enchimento semi-sólido, Libe-
ração modificada.
KEY WORDS: Bioavailability, Hard capsules, Liquid filling, Modified release, Semi-solid filling.
* Autor a quem dirigir a correspondência. E-mail: leticiakoester@gmx.net
intestinal, por meio do uso de materiais lipídi- tampa, foi possível veicular líquidos em cápsulas
cos como adjuvantes, assim como sistemas auto- duras sem que houvesse perda do conteúdo 6,7.
emulsionantes e microemulsões, os quais po- A tecnologia de selagem por aplicação de
dem ser veiculados nestas cápsulas 4,5,10-13. uma fita nas cápsulas gelatinosas duras surgiu
Alguns produtos já se encontram disponíveis em 1950, e foi desenvolvida para impedir falsifi-
no mercado mundial, principalmente no Japão, cações, e também a separação de cápsulas con-
e duas grandes empresas estão investindo nessa tendo pós, antes mesmo da invenção do sistema
forma farmacêutica, fornecendo cápsulas, ma- de travas 5,6, porém, segundo Jones 6, inicial-
quinário e assessoria técnica: Capsugel e Shio- mente não promovia uma selagem hermética.
nogi Qualicaps. Outras empresas, de médio por- No processo de aplicação da fita, as cápsulas
te, que atuam na área de desenvolvimento e são primeiramente retificadas e passadas uma
produção de produtos são a Encap Drug Deli- ou duas vezes sobre um disco que gira em um
very (Escócia), a Rentschler Pharma (Alemanha), banho de gelatina. Uma quantidade de gelatina
e a Pharmaceutics International (Estados Uni- é coletada pelo disco e aplicada à junção da
dos). Há um centro de pesquisa e desenvolvi- tampa e do corpo. Por fim, as cápsulas perma-
mento do grupo Alembic, uma das maiores in- necem em portadores individuais para a seca-
dústrias farmacêuticas da Índia, denominado gem. A Fig. 1B demonstra o aspecto da tira, que
BioArc Research Solutions, que também investi- pode ter diferentes cores, com vistas a facilitar a
ga esse tipo de formulação. A Fig. 1 mostra cáp- identificação 5,6,9. A Shionogi Qualicaps desen-
sulas duras transparentes ou opacas, contendo volveu equipamentos (Hicapseal®) e um siste-
formulações líquidas 9. ma (Qualiseal®) com essa finalidade 6,14.
Neste contexto, o presente artigo tem por Outra tecnologia de selagem, desenvolvida
objetivo revisar o uso das cápsulas duras com pela Capsugel, e designada LEMSTM (Liquid En-
enchimento líquido ou semi-sólido, e descreve, capsulation by Micro Spray), consiste na apli-
em uma primeira parte, aspectos gerais da fabri- cação de um micro spray de solução hidroalco-
cação dessas formas farmacêuticas, apresentan- ólica na área entre o corpo e a tampa da cápsu-
do as vantagens de sua utilização. Em uma se- la, o que abaixa o ponto de fusão da gelatina,
gunda parte, é abordada a aplicação destas cáp- promovendo a junção entre as partes. Cada cáp-
sulas na liberação de fármacos, investigada em sula é pulverizada individualmente e a secagem
diversos estudos científicos nas últimas décadas. ocorre suavemente em um cilindro giratório 4,5.
Allen et al. descrevem a possibilidade de se-
lagem de cápsulas por fita de gelatina, pelo uso
do agente molhante líquido na área entre corpo
e tampa, ou ainda por simples fusão entre tam-
pa e corpo. De uma forma mais artesanal, cáp-
sulas de uso extemporâneo podem ser seladas
A B pela imersão das cápsulas e revestimento da fa-
Figura 1. Cápsulas duras com enchimento líquido:
ce interna da tampa com uma solução de gelati-
(A) transparentes; (B) opacas, contendo tira de sela- na morna, momentos antes do fechamento.
gem (Modificado de Encap Drug Delivery 9). A maioria das máquinas de enchimento de
cápsulas pode ser modificada para permitir o
ASPECTOS GERAIS DA FABRICAÇÃO DE envase de líquidos à temperatura ambiente ou à
CÁPSULAS DURAS COM ENCHIMENTO quente. Existem equipamentos fabricados pela
LÍQUIDO/SEMI-SÓLIDO Bosch, Harro Hoefliger, IMA (Zanasi), Shionogi
Tecnologia de obtenção Qualicaps, entre outros 5,6. Em 1980, Walker et
De forma geral, a tecnologia para enchimen- al. 15 e, posteriormente, McTaggart et al. 16 des-
to de cápsulas com líquidos existe desde mea- creveram a adaptação de uma encapsuladora
dos de 1800, e o uso desta forma era popular Zanasi LZ64, por meio da substituição do funil e
até o início de 1900, mas problemas de abertura dosador de pós por uma bomba de enchimento
das cápsulas e vazamento ocasionaram a inter- de líquido. A transposição de escala de pro-
rupção de seu uso. Com o desenvolvimento do dução pode ser alcançada aumentando-se o nú-
sistema de travamento de cápsulas, pela Eli Lilly mero de bombas. Há 30 anos, Thompson e
& Co, em 1960, houve um progresso neste senti- Cunningham 17 já pesquisavam o enchimento
do, mas apenas com a selagem das cápsulas, por manual de cápsulas com líquidos. Os autores
meio da aplicação de uma fita entre corpo e desenvolveram um equipamento de bancada
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que permitia o envase de soluções e suspensões quidos) Hibar e de uma máquina de selagem
em cápsulas de gelatina para posterior adminis- com fita desenvolvida pela Shionogi Qualicaps 6.
tração em animais. Como as cápsulas de gelati- O processo de fabricação de cápsulas gelatino-
na amoleciam em contato com o meio aquoso, sas moles é mais complexo e o custo de insta-
os autores verificaram que a adição de gelatina lação, mais elevado 18. Por isso, este tem sido
em pó previamente à adição de água, além do terceirizado pelas empresas, o que dificulta o si-
armazenamento a 9 °C, reduzia o amolecimento. gilo durante o trabalho de desenvolvimento 5.
Quando estocadas à -9 °C, as cápsulas eram ra-
pidamente congeladas e permaneciam estáveis Adjuvantes compatíveis
por mais de seis semanas. Não há praticamente diferenças entre os ad-
Cabe mencionar que são poucos os compo- juvantes utilizados em cápsulas gelatinosas du-
nentes particulares que uma máquina de encap- ras e moles. Entretanto, aqueles usados para
sular líquidos necessita, a citar: um recipiente cápsulas duras podem ter ponto de fusão maior
com homogeneizador, geralmente encamisado que 37 °C no momento do enchimento, sendo
para proporcionar aquecimento; uma bomba que a temperatura máxima recomendada é de
volumétrica, que pode ser mecânica ou pneu- 70 °C. O uso de tais veículos em cápsulas moles
mática, de dosagem precisa; e um sistema de não é permitido, pois estas são seladas a 37 °C
detecção da presença de cápsulas 6,7. 4,6,7. A Tabela 1 apresenta alguns adjuvantes que
Pode-se ressaltar duas grandes vantagens da podem ser utilizados nas cápsulas duras.
utilização desta tecnologia. A primeira corres- Entretanto, alguns adjuvantes são incompatí-
ponde à diminuição do risco de contaminações veis com o invólucro das cápsulas gelatinosas
cruzadas e, conseqüentemente, ao aumento da duras, principalmente quando presentes de for-
segurança para os operadores de máquinas, ma isolada. Dentre estes encontram-se: etanol,
uma vez que não há geração de pós no proces- glicerina, glicofurol 75, monoglicerídeos de ca-
so de produção 6,8,13. A segunda está relaciona- deia média, polietilenoglicóis com peso molecu-
da à facilidade na execução do trabalho de ban- lar inferior a 4000, Pharmasolve®, propilenogli-
cada e na transposição de escala 6,8,9,13. Em uma col, Span 80®, Transcutol P® 4,5. Portanto, é ne-
menor escala, os líquidos podem ser envasados cessário realizar um estudo de otimização das
nas cápsulas com o uso de uma seringa. Já em proporções destes adjuvantes nos veículos das
escala piloto, existem vários equipamentos dis- cápsulas. Alguns estudos já foram feitos no sen-
poníveis, a exemplo da encapsuladora (para lí- tido de definir a proporção de água passível de
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ser incorporada nas formulações, pois deve clusão de pequenas quantidades de água (5%) e
existir um balanço, no complexo processo de glicerol (5%) 20. Cole et al. 20 avaliaram a in-
difusão existente entre formulação, invólucro e fluência do uso de tensoativos na biodisponibili-
umidade do ambiente. dade de d-α-tocoferol e acetato de d-α-tocoferol
Por exemplo, Kuentz & Röthlisberger 19 ana- (vitamina E) e β-caroteno. No estudo, utilizan-
lisaram a textura de cápsulas de gelatina dura do-se este recurso, as cápsulas foram estáveis
contendo dois tipos de formulações, com e sem por três meses. Cremophor EL® foi o tensoativo
água. A primeira, uma mistura de polietilenogli- selecionado, pois foi o que melhor solubilizou
col 400 (Polyglykol 400®) e polivinilpirrolidona as preparações de vitamina E. Os resultados
(PVP, Povidone K17®), e a segunda, glicerídeos confirmaram que os tensoativos não-iônicos po-
do macrogol cáprico e caprílico (Labrasol ® ) dem atuar substituindo os ácidos biliares in vivo
contendo até 3 % de dióxido de silício coloidal e promover um aumento na dissolução e biodis-
(Aerosil® 200). Em relação ao primeiro modelo, ponibilidade de substâncias pouco solúveis.
hidrofílico, foram produzidas e avaliadas formu-
lações de concentrações diferentes, onde a Propriedades reológicas do conteúdo
maior quantidade de água era de 37,5%. No se- As formulações para o enchimento de cápsu-
gundo modelo, anfifílico, a maior concentração las gelatinosas duras podem ser líquidos Newto-
de água foi de 15%. As cápsulas foram armaze- nianos, géis tixotrópicos, ambos envasados à
nadas em folhas de alumínio (simulando um temperatura ambiente 21, e sistemas termo-regu-
blister) à 25 °C e 60% de umidade relativa, por láveis, que em temperaturas elevadas de enchi-
uma ou duas semanas (até atingir o equilíbrio). mento (70 °C), são líquidos, e à temperatura
O primeiro tipo de formulação apresentou uma ambiente são sólidos 22. As formulações tixotró-
variação de massa de ± 2%, o que é aceitável picas ou termo-ajustáveis eliminam a necessida-
para cápsulas de gelatina dura. As formulações de de selagem das cápsulas 6,7,21.
sem adição de água apresentaram um aumento Problemas de variação de peso têm sido re-
em sua massa. As cápsulas com 12,5% (v/v) de lacionados à viscosidade da formulação na tem-
água, entretanto, demostraram uma pequena di- peratura de enchimento 22,23. Uma viscosidade
minuição de peso. Esta mudança foi mais acen- entre 0,01 e 25 Pa.s normalmente apresenta um
tuada para as cápsulas com concentrações maio- envase satisfatório, sendo que o limite máximo
res de água. Quanto à rigidez, as cápsulas sem de viscosidade é determinado pelas característi-
acréscimo de água tiveram um aumento, en- cas das bombas 23.
quanto que as cápsulas com adição de água Como a dissolução do fármaco no veículo
mostraram uma diminuição. Para esse primeiro tem uma influência sobre a reologia do sistema
modelo, a concentração de água considerada disperso, esta pode influenciar o envase do ma-
adequada foi de 10 a 12% (v/v), dependendo da terial. Assim, os efeitos da fase dispersa no en-
quantidade de PVP. Quanto ao segundo mode- chimento líquido foram investigadas por Rowley
lo, este se comportou de forma semelhante ao et al. 23. Lactose foi escolhida como modelo de
anterior, onde as cápsulas sem adição de água substância de baixa solubilidade em polietileno-
apresentaram um aumento na rigidez e na mas- glicol, nas temperaturas típicas de enchimento.
sa, e as que receberam água, o contrário. Para Primeiramente, os autores avaliaram a va-
esse tipo de modelo a quantidade de água ideal riação de peso das cápsulas após enchimento
é de 4 a 6%, dependendo da concentração de apenas com os diferentes veículos, Dynafill®,
Aerosil® 200. Formulações líquidas hidrofílicas Lutrol F68® (copolímeros de polióxietileno-po-
ou anfifílicas são freqüentemente recusadas por lióxipropileno) e Dynasan-114® (triglicerídeo de
serem incompatíveis com cápsulas. Este estudo ácido miristílico) e polietilenoglicóis (PEG) de
demonstrou que é possível veicular formulações diferentes pesos moleculares (6000, 8000, 10000
que contenham concentrações adequadas de e 20000). Destes, apenas o PEG 20000 e Dyna-
água. san-114 ® apresentaram problemas de enchi-
Outra limitação refere-se ao uso de tensoati- mento. Com o PEG 20000 foi observado um co-
vos. Formulações contendo altas concentrações eficiente de variação de 3,8% no peso das cáp-
de tensoativos apresentam problemas de vaza- sulas, o que foi atribuído à formação de “pon-
mento. Esse fenômeno é provavelmente causa- tes” durante o envase, como pode ser visualiza-
do pela remoção de água da estrutura protéica do na Fig. 2. Este fato também foi observado
da gelatina, resultando na perda da flexibilidade em um estudo realizado por Hawley et al. 22. Já
do invólucro, mas pode ser minimizado pela in- o Dynasan-114® não ocasionou um coeficiente
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pela qual lipídeos oriundos da dieta, vitaminas cional), no mesmo intervalo de tempo. Também
lipossolúveis e outros componentes, bem como foi observado no trabalho que velocidades de
fármacos lipofílicos, podem ter acesso à circu- agitação entre 70 e 100 rpm, bem como pHs
lação sistêmica. Porter & Charman 10, e Hum- 6,75, 6,8 e 8,0, levam a perfis de dissolução bi-
berstone & Charman 12 apresentam revisões fásicos e reprodutíveis.
aprofundadas sobre esse tema. Em estudo realizado por Barnwell et al. 32,
Burns et al. 30 investigaram a liberação de com o sistema bifásico HALO™-propanolol, de-
propranolol a partir de cápsulas duras com en- monstrou-se um aumento da biodisponibilidade
chimento líquido, que constituem o sistema pa- do propranolol, em humanos, em 300% em
tenteado HALO™, revestidas com copolímero comparação ao produto comercial disponível
de ácido metacrílico (Eudragit® L 100). Este sis- (Half-Inderal® LA). Esse aumento de biodispo-
tema de liberação foi desenvolvido para melho- nibilidade foi verificado apenas quando o siste-
rar a biodisponibilidade de fármacos que sofrem ma bifásico com a porção ácido oléico era ava-
extenso metabolismo de primeira passagem, co- liado. Quando a biodisponibilidade das cápsulas
mo o propranolol. Trata-se de um sistema bifási- contendo apenas a porção sustentada foi com-
co, constituído por uma porção de liberação rá- parada à do produto comercial (ambas conten-
pida e outra de liberação sustentada. A porção do uma dose de 80 mg de fármaco), nenhuma
rápida contém fármaco dissolvido em ácido diferença foi observada. O sistema de liberação
oléico, o qual promove a absorção linfática, evi- sustentada evita a saturação de absorção do sis-
tando o metabolismo de primeira passagem. A tema linfático. No caso do sistema HALO™, a
liberação sustentada é garantida por uma matriz co-administração de ácido oleico em um sistema
semi-sólida que sofre erosão, preparada a partir bifásico pode, segundo os autores, restaurar e
de Gelucire®. O Gelucire® é uma base anfifíli- manter a produção linfática, promovendo a libe-
ca, de glicerídeos poliglicosilados que está dis- ração linfática do propranolol.
ponível como produtos semi-sólidos a sólidos, Entretanto, segundo Porter & Charman 10, o
de diferentes pontos de fusão, e valores de EHL, propranolol é um fármaco moderadamente lipo-
e, portanto, capaz de promover diferentes velo- fílico e, portanto, não é um bom candidato para
cidades de liberação 31. O revestimento entérico, a absorção linfática intestinal, uma vez que as
proporcionado pelo Eudragit®, é necessário pa- estratégias de formulação (como a co-adminis-
ra que se mantenha a liberação bifásica. tração de lipídeos) têm o efeito de maximizar o
No estudo, os autores avaliaram a eficiência transporte linfático de compostos que possuem
do revestimento entérico por meio de testes de uma afinidade inerente pelo mesmo. Neste sen-
desintegração e dissolução. Os resultados de- tido, o envolvimento do sistema linfático intesti-
monstraram que um revestimento de no mínimo nal no aumento da biodisponibilidade do pro-
8 mg/cm2 é necessário para promover uma pro- pranolol, segundo os autores, pode ocorrer por
teção ao pH gástrico. Os testes de estabilidade outros mecanismos.
com cápsulas com revestimento de 4 mg/cm2, Estudos de estabilidade realizados por Burns
que geralmente promove uma proteção adequa- et al. 33, com o sistema HALO™-propranolol, de-
da, durante 8 meses a 4 °C, revelaram que estas monstraram haver uma mistura de fases, obser-
cápsulas são instáveis nessas condições, possi- vada visualmente em cápsulas não revestidas,
velmente devido a fenômenos de contração e levando a problemas na liberação bifásica, a
expansão térmica 30. elevadas temperaturas de armazenagem. Segun-
Burns et al. 31, desenvolveram um método de do os autores, isso ocorre pela solubilização dos
dissolução in vitro específico para avaliar os componentes de baixo ponto de fusão, do Ge-
perfis de liberação bifásicos do sistema sistema lucire®, da matriz de liberação sustentada, pelo
HALO™-propranolol. Como estas cápsulas flu- ácido oléico presente na fase de liberação rápi-
tuam, os autores observaram que para demons- da, líquida. A penetração do ácido oléico seria
trar os perfis bifásicos, era necessário modificar favorecida pelos canais formados pelo dióxido
o método de agitação com pás. No caso, o topo de silício coloidal, bem como tensoativos, pre-
da pá deve tocar a superfície do meio e, assim, sentes na porção de liberação sustentada. Duas
ocorre erosão da matriz e maior liberação de formulações foram então testadas para contor-
fármaco. Com esta modificação do método de nar esse problema. A primeira contém uma fase
pás, 72% do fármaco foi liberado após 300 min, “barreira” hidrofílica, composta por Gelucire
em comparação com apenas 23% no caso das 44/14®, a qual provavelmente resiste à solubili-
cestas, e 43% no caso das pás (método conven- zação pela fase hidrofóbica líquida e, assim,
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rentes matrizes de Gelucire ® (62/05, 53/10, lidade, podendo preparar cápsulas contendo so-
48/09 e 44/14), nas quais quanto maior o ponto luções, suspensões, semi-sólidos e até sistemas
de fusão da base, mais lenta era a liberação da multifases. A despeito das vantagens apresenta-
substância 37. Em outros, objetiva-se um aumen- das, são poucos os produtos disponíveis comer-
to de biodisponibilidade, onde o melhor resulta- cialmente, e o mesmo pode ser observado a res-
do observado para uma dose de 350 mg do ini- peito dos estudos científicos realizados, que se
bidor de HIV-protease DMP 323, foi alcançado concentram em um número restrito de fárma-
utilizando-se 86 % de Gelucire® 44/14 e 14% de cos. Os estudos descritos na segunda parte do
PEG 400 (em uma concentração de 75 mg/g de trabalho demonstram que há um crescente inte-
fármaco) 38. Com o piroxicam, foi observado um resse pelo uso de enchimento semi-sólido, ou
incremento de biodisponibilidade semelhante seja, que é líquido apenas durante o processo
ao observado a partir dos comprimidos comer- de enchimento, o qual é, provavelmente, menos
ciais contendo o complexo piroxicam: β-ciclo- suscetível a interações.
dextrina, utilizando-se matrizes semi-sólidas de
Gelucire® 44/14 e Labrasol® 39. Em um estudo REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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