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PÓS-ESTRUTURALISMO

E A CRÍTICA COMO REPETIÇÃO

Cristiano Mendes
Universidade de Brasília (UnB), Brasília – DF, Brasil. E-mail: cristianomendes@gmail.com

DOI: http//dx.doi.org/10.17666/308845-59/2015

O artista da fome da que lhe permita sobreviver entre uma tempo-


rada e outra.
Kafka, em seu conto “Um artista da fome” O conto de Kafka é a metáfora das contradi-
(2002), retrata a luta pela sobrevivência de um ções presentes na condição humana. A busca pela
jovem artista de circo medieval. Apresentando-se sobrevivência requer a morte rotineira. A ânsia em
ao público dentro de uma jaula, o artista da fome se manter vivo só é inteligível a partir do contra-
possui o dom de ficar dias em jejum, superando, ponto construído pelo seu inverso. É morrendo a
a cada dia, a capacidade humana de se manter cada dia que conseguimos manter nossa existência.
vivo sem alimentação. O público paga para ver o
espetáculo e conferir, com seus próprios olhos, o
desafio do artista em se manter, a cada tempora- Pós-estruturalismo em Relações
da, um tempo maior sem a ingestão de alimen- Internacionais
tos. O problema do artista está na insaciedade do
público. Quem assiste a ele sempre espera para a O presente artigo pretende questionar quais
apresentação seguinte um número superior de dias seriam as possibilidades críticas passíveis de serem
dentro da jaula. Sendo a capacidade de jejuar o elaboradas a partir de abordagens pós-estruturalis-
único dom do protagonista, este se vê obrigado a tas, mantendo-se a coerência com os pressupostos
ficar cada vez mais sem alimento para ganhar ren- encontrados nessas perspectivas. A partir da análise
Artigo recebido em 08/07/2013 de estratégias utilizadas por autores pós-estrutura-
Aprovado em 03/03/2015 listas no campo das Relações Internacionais, prin-
RBCS Vol. 30 n° 88 junho/2015
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cipalmente vindas da obra de R. Walker, creio que e hedonista da existência (Best e Kellner, 1991).
a radicalização crítica prevista pelo pós-estrutura- Entretanto, enquanto a modernidade enfatiza a ra-
lismo estaria não no conceito tradicional de crítica cionalidade e o papel da coerência e da unidade na
positivista como algo que denuncia contradições ou interpretação do mundo, o pós-modernismo seria
fragilidades de determinado fenômeno que se quer a celebração dos aspectos contraditórios e da não
verdade. Também, a indicação das condições sob unidade da realidade. O conhecimento do mundo
as quais se assenta o conhecimento produzido, bem somente é possível, na abordagem pós-moderna,
como as limitações geradas por metáforas ineren- como perspectivas fragmentadas que não só ex-
tes a este conhecimento, é restrita à necessidade de plicam, mas também participam como elementos
adoção de determinadas categorias espaço-tempo- formadores do real. Assim, o pós-modernismo teria
rais que se quer relativizar. A crítica pós-estrutural uma abordagem que iria além dos limites conside-
estaria, portanto, na repetição daquilo que se quer rados acadêmicos, podendo ser utilizado de manei-
criticar. É pela aceitação incondicional e extrema ra mais ampla para denominar qualquer aspecto da
de um argumento e na reprodução à exaustão da vida, desde as ciências até as artes.
sua verdade que conseguimos esgarçar os sentidos O “pós-estruturalismo”, denominação utiliza-
daquilo que queremos anular. da para referências acadêmicas, é uma das perspec-
Desde a última década do século XX, os de- tivas teóricas da abordagem pós-moderna. Ele, até
bates teóricos no âmbito das Relações Interna- certo ponto, adota e amplia elementos do estrutu-
cionais caracterizam-se pela crescente presença de ralismo para além de suas concepções mais tradicio-
abordagens que questionam as teorias positivistas, nais. Enquanto o estruturalismo abarca a produção,
principalmente o neorrealismo. Dentre as críticas principalmente das ciências humanas, a partir da
produzidas por essas novas perspectivas, dois gran- segunda metade do século XX – não estando incluí­
des grupos podem ser destacados: autores constru- do, portanto, no projeto da pós-modernidade –, o
tivistas, que aceitam elementos das abordagens tra- pós-estruturalismo teria sua gênese nos trabalhos de
dicionais, mas acrescentam variáveis mais subjetivas Derrida e Foucault, a partir da década de 1960, e
às análises1, e autores que relativizam de maneira seria coerente com tradições não racionalistas, so-
radical as perspectivas mainstream a partir de um bretudo com as obras de Nietzsche do século XIX.3
marco pós-estruturalista.2 Estes últimos extrapolam O estruturalismo enfatiza a ideia de estruturas está-
os limites do conceito de estrutura e analisam fe- veis, partindo de pressupostos saussurianos sobre a
nômenos identificando aberturas e instabilidades independência de sistemas. Já os pós-estruturalistas
que produzem um constante fluxo de sentidos em foram além, trabalhando com ideias como insta-
relação ao objeto estudado. Apesar de não haver bilidades estruturais (aberturas) e relativizações do
consenso sobre o significado do termo “pós-estru- processo de significação da realidade.
turalismo”, alguns pontos podem ser destacados.
O conceito de pós-estruturalismo é geralmente Para os pós-estruturalistas, ao contrário [dos
localizado dentro da corrente mais abrangente cha- estruturalistas], o significado é apenas um mo-
mada pós-modernidade. Nascida como extensão mento em um processo de significação sem fim
do período moderno, a pós-modernidade seria a ra- onde o sentido é produzido, não em uma está-
dicalização daquele primeiro movimento caracteri- vel e referencial relação entre sujeito e objeto,
zado por rupturas com o passado e pela emergência mas apenas dentro de um infinito e intertextu-
de um novo paradigma nas artes e na vida de modo al jogo de significações (Best e Kellner, 1991,
geral. A proposta modernista tinha como objetivo p. 21, tradução nossa).
instrumentalizar a individualidade para, com foco
em aspectos institucionais, produzir mais objetivi- Apesar de não haver consenso sobre a designa-
dade na interpretação do mundo. O pós-moder- ção do termo, existe uma percepção minimamente
nismo estenderia essa revolução da modernidade compartilhada de que um dos pressupostos que em-
para a vida rotineira, enfatizando o caráter estético basam qualquer abordagem pós-estrutural é a im-
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possibilidade de definir objetivamente qualquer tipo daquele da ciência política. Através de um processo de
de conceito. Assim, a resposta para a definição do tresvaloração entre o que acontece dentro e fora dos
próprio termo somente será encontrada a partir de Estados, Walker constrói uma argumentação segundo
perspectivas que o negam, mesmo porque a pergun- a qual as perguntas elaboradas sobre o ambiente in-
ta “o que significa pós-estruturalismo?” apenas faz ternacional já seriam limitadas em sua capacidade de
sentido para aqueles que são classificados fora dos li- resposta, uma vez aceita essa metáfora.
mites criados por essa designação. A própria tentati-
va de definição do conceito já implica uma estratégia
de construções limítrofes que, em última instância, Inside/outside
tenta organizar os campos de saber a partir de táticas
que situam discursos em determinadas tradições ou Em seus livros Inside/outside: international rela-
abordagens. Essa tentativa de localização discursiva tions as political theory (1995) e After the globe, be-
pode ser inserida em um projeto maior de classifica- fore the world (2010), Walker resgata a lógica derri-
ções textuais que são a base para o controle e a legiti- diana do contraponto gerando a unidade e mostra
mação de perspectivas na produção e na construção as contradições existentes nos discursos sobre Rela-
de campos do saber.4 ções Internacionais. Segundo o autor, o campo de
conhecimento das Relações Internacionais somente
Mas onde os construtivistas quiseram – ou é passível de ser considerado nas suas especificida-
talvez até mesmo tenham visto uma vantagem des a partir da metáfora inside/outside. Como toda
estratégica – adotar um rótulo disciplinar, com metáfora é arbitrária, a dicotomia fundadora do
o passar dos anos muito poucos trabalhos se conceito de internacional também tem como base
autodenominaram pós-modernos ou pós-es- pressupostos não discutidos. Nesse caso, supõe-se
truturalistas. Quando isso ocorreu, geralmente que o ambiente interno aos Estados seja diferente,
foi adotada a última categoria, debatendo pós- em termos qualitativos, ao internacional.
-estruturalismo (não antiestruturalismo) lin- Para Walker (1995), a crença disseminada, prin-
guístico, filosofia, teoria social e teoria literária cipalmente pelas abordagens tradicionais, de que no
(mais especificamente escritores como Nietzs- ambiente internacional vive-se uma situação de anar-
che, Kristeva, Foucault e Derrida), enquanto quia e, consequentemente, de desconfiança, conflitos
o “pós-modernismo” se referia a uma ordem e ausência de homogeneidade cultural tem por base a
histórica particular (Hansen, 1997; Waever, caracterização do ambiente doméstico estatal como o
2002). Essa ausência de autodeclaração impli- lugar da harmonia, da legitimidade da violência e da
cou no fato de que esforços para apresentar o presença de congruên­cias valorativas e culturais. É o
pós-estruturalismo como uma abordagem co- apagamento das distensões e conflitos no interior do
erente foram sustentados mais por seus críti- Estado que possibilita a noção de uma anarquia inter-
cos (para exceções, ver Der Derian e Shapiro, nacional. Enquanto o ambiente doméstico é caracte-
1989; Ashley e Walker, 1990; George, 1994) rizado por um suposto consenso a respeito das regras
(Hansen, 2006, p. 4, tradução nossa). que regem as ações dos agentes no interior do Estado,
o ambiente internacional pode ser visto na maior par-
Entre os autores pós-estruturalistas de Relações te das vezes como o lugar do dissenso e, portanto, da
Internacionais, um dos que mais se destaca é Rob ausência de regras que regulem as ações.
Walker – referência constante em trabalhos acadêmi- Este processo de delineação dicotômica espa-
cos que utilizam esta abordagem. Buscando localizar cial é acompanhado pelo centramento das atenções
as condições de construção das categorias fundacionais no Estado e nas categorias ocidentais de ausência/
do campo de Relações Internacionais, esse autor irá presença. As narrativas seculares da modernidade
propor uma desconstrução da metáfora inside/outside reificam a ontologia do Estado soberano e dimen-
e, consequentemente, realizar uma relativização das sionam a noção de “internacional” por meio de re-
fronteiras que separam esse campo de conhecimento des de inclusão e exclusão, centros e periferias.
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Questões sobre soberania são especialmente raja a distinção constitutiva entre duas tradi-
proeminentes em debates sobre “mudança”, ções de pensamento e análise da vida política
sobre histórias, futuros e temporalidades: de- moderna: a tradição do pensamento político
bates amplamente organizados por afirmações propriamente dito, de um lado, e a tradição
sobre presença e ausência temporais de espa- das teorias de Relações Internacionais, de ou-
ços soberanos articulados e suas fronteiras es- tro. Essa distinção entre dentro e fora, quando
paciais. Quanto mais a soberania é discutida feita explicitamente, como é usual na teoria de
nesse contexto, entretanto, mais um relato es- Relações Internacionais, ou mesmo tacitamen-
pecífico sobre o que soberania deve ser é repro- te, como é usual em textos sobre teoria políti-
duzido em detrimento de possíveis alternativas ca, continua a informar nossa compreensão a
(Walker, 2010, p.150, tradução nossa). respeito de como e quando práticas políticas
efetivas e progressivas podem ser desenvolvidas
(Idem, p. 13, tradução nossa).
Walker e as noções de tempo e espaço
Assim, dois níveis de análise são produzidos.
Segundo Walker (1995), a política contempo- De um lado, a noção de espaço como fundadora
rânea é caracterizada por processos de aceleração do conceito de “internacional”. A atemporalidade
temporal e consequente deslocamentos espaciais. da anarquia e a noção que caracteriza o “interna-
Esse encurtamento das extensões de tempo acaba cional” como um lugar, e não como um momento,
gerando incongruências entre as noções de espaço possibilitando a visão de relações entre atores in-
do ambiente internacional que, por sua vez, refle- ternacionais como ações que se justificam por sua
tem essas contradições a partir de novas articula- localização. É no exterior que a estrutura, em seu
ções de poder e a necessidade de novos parâmetros sentido atemporal, pode ser responsabilizada pelas
para a compreensão dos limites temporais. ações dos agentes. De outro lado, a noção de tempo
Os tradicionais conceitos de fronteira tornam- fornece suporte à vida na pólis, ou seja, no interior
-se limitados para a compreensão das novas relações do Estado. Enquanto o lugar do “internacional” é
de tempo. Entretanto, as demandas por novos pa- constituído por limites espaciais, o âmbito do do-
radigmas não são atendidas de imediato. A distân- méstico seria resultado de articulações no tempo
cia entre as movimentações temporais e a adoção cristalizadas na forma da vida política no interior
de novos conceitos sobre espaço geram cisões na das unidades estatais.
lógica de análise das Relações Internacionais, fazen- Esta dicotomia entre tempo e espaço teria re-
do com que tradicionais concepções de fronteira e flexos práticos na análise das relações internacionais.
dicotomias entre o ambiente internacional e do- Uma vez que o ambiente doméstico é caracterizado
méstico tenham de conviver com a arbitrariedade pela homogeneidade e por uma suposta concor-
das suas divisões. O conceito de soberania estatal dância entre os cidadãos sobre a ação dos agentes
não consegue mais abordar novas demandas que estatais, tem-se a possibilidade de construir exigên-
perpassam as fronteiras espaciais, no seu sentido cias éticas sobre o comportamento dos seus atores.
tradicional. O apagamento dessas contradições, O apagamento das distensões sociais e o silêncio a
que potencialmente desconstruiriam o campo do respeito do privilégio de determinados grupos den-
internacional, torna-se estratégia crucial de sobrevi- tro do Estado geram a legitimação das práticas que
vência dessas delimitações. Sem a aceitação da no- ocorrem no seu interior (Idem). Já no ambiente
ção de que existe algo dentro e fora dos Estados, as externo, internacional, a suposta ausência de he-
Relações Internacionais não teriam razão de existir gemonia cultural e a falta de uma instância centra-
como campo à parte das ciências políticas: lizada e legítima que garanta os padrões de com-
portamento acabam gerando a impossibilidade de
Esta resolução expressa na alegada soberania qualquer cobrança ética em relação às ações dos
estatal é condição crucial que permite e enco- agentes internacionais.
Pós-Estruturalismo e a crítica como repetição   49

Uma vez que se parte dessa metáfora, as condi- Não se trata, entretanto, de negar, em termos
ções sob as quais ações éticas poderiam ser encon- tradicionais, a perspectiva fundadora do campo das
tradas no espaço exterior aos Estados já estariam Relações Internacionais. O que Walker pretende no
por si limitadas: seu discurso é chamar a atenção para a necessidade
da presença de pressupostos arbitrários que possibi-
A disjunção entre ética e relações interna- litam a gênese da noção de um espaço construído
cionais reflete o cisma entre comunidade e em contraposição àquele espaço tradicionalmente
anarquia, progresso temporal e contingência vinculado à política. Uma vez que esses pressupos-
geopolítica, política e relações. Enquanto es- tos são rompidos, teríamos a necessária desconstru-
paços políticos continuam articulados dessa ção do próprio conceito de “internacional”.
maneira, pode-se dizer que a disjunção entre Outras perspectivas advindas dessa descons-
ética e relações internacionais deve continu- trução, entretanto, não deveriam ser julgadas ne-
ar um lamentável e até mesmo trágico fato cessariamente com base em parâmetros hierarqui-
da vida (Idem, p. 64, tradução nossa). zantes fundados na proximidade com uma suposta
realidade. A alternativa à perspectiva tradicional
A divisão entre o que acontece dentro e fora não deve ser considerada como melhor em termos
dos Estados, com a pressuposição das suas respec- absolutos, quando comparada à usual dicotomia
tivas características, já revelaria, em princípio, o inside/outside. O que se tem à frente é única e sim-
caráter de excepcionalidade de qualquer teoria que plesmente a abertura de espaço para a ampliação
tentasse demonstrar que no ambiente internacional das possibilidades discursivas sobre as relações in-
há regras compartilhadas. Desse modo, mesmo as ternacionais e, sobretudo, a revelação das premissas
teorias que têm por objetivo relativizar os princí- sobre as quais se assentam os discursos tradicionais.
pios do paradigma realista, no que se refere à im- Com isso, seria possível trabalhar sob novas pers-
possibilidade de ética no campo das Relações Inter- pectivas, o que permitiria encontrar respostas até
nacionais, estariam já limitadas pelo pressuposto da então inviabilizadas pelos pressupostos sob os quais
infertilidade desse espaço externo em desenvolver se assentam os conhecimentos atuais, principal-
esse tipo de relação. mente no que se refere à busca de padrões éticos
Assim, relativizar a lógica do paradigma realis- no ambiente internacional. O trabalho de Walker
ta sem desconstruir a metáfora fundadora dos seus é muito mais o de revelar as condições de constru-
princípios e as condições essenciais de sua existência ção de um discurso sobre o “internacional” do que
significaria, no máximo, relativizar um cenário que, de apresentar a melhor alternativa a esse discurso.
por si, não permite subverter a lógica que o funda. A indicação da arbitrariedade fundadora da dico-
Para Walker, mesmo as teorias de contraponto ao tomia entre os dois ambientes objetiva mais uma
rea­lismo partem, em sua maioria, da mesma metáfo- abertura na estrutura que limita a reflexão sobre o
ra que constrói e sustenta a possibilidade dicotômica “internacional” do que propriamente sugerir novas
entre um ambiente doméstico e outro internacional. abordagens no sentido de classificar o que deve ser
A abordagem radical, nessa perspectiva, somente po- considerado certo ou errado.5
deria ser alcançada uma vez desconstruídos os pila-
res de origem da divisão espacial. Enquanto não se Ler teorias de Relações Internacionais dessa ma-
revelar alternativas à lógica inside/outside, as respos- neira, eu já sugeri, significa entendê-las menos
tas possíveis às perguntas formuladas por essa me- como uma explicação do mundo político con-
táfora já estarão sempre dadas. Em outras palavras, temporâneo do que como uma expressão do
enquanto o campo de conhecimento das Relações processo que elas alegam explicar. Como tal,
Internacionais continuar fundado na divisão entre procurei questionar os pressupostos, as reificações
aquilo que se encontra dentro ou fora dos Estados, e as estratégias textuais da teoria das Relações
as possibilidades de conduta ética e comportamento Internacionais, não porque espero contribuir
político desse lado de fora sempre serão limitadas. para uma melhor explicação teórica, pelo menos
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não sobre as relações internacionais, mas com ções históricas sobre as quais ela foi edificada, não
o intuito de problematizar horizontes teóricos e significa que a nova visão oferecida não contenha
práticos que continuam sendo entendidos como também um caráter político.8 A pós-modernidade,
dados (Idem, p. 159, tradução nossa) principalmente aquela que radicaliza as consequên­
cias da virada linguística, caracterizou-se sempre
pela impossibilidade de negação absoluta de pa-
radigmas, uma vez que a adoção de tal estratégia
A relatividade da relatividade significaria a admissão de critérios criados pelo pró-
prio fenômeno negado. Assim, dizer que o conhe-
A estratégia de Walker, entretanto, também é cimento produzido até então não é correto signifi-
delimitada por suas possibilidades e, assim como caria aderir a um paradigma que separa o certo do
qualquer perspectiva de mundo, assenta-se sobre errado, a verdade da mentira.
determinado patamar de arbitrariedade.6 Uma vez A saída para esse dilema foi revestir toda a ar-
que o ambiente internacional só é possível a partir gumentação contemporânea com o véu das possi-
de uma divisão espacial, sendo que o lugar fora do bilidades e moldar todo discurso de crítica com a
Estado pressupõe-se ausente de história, isto é, da anunciada pretensão de somente ampliar o leque de
noção de tempo, devemos notar que é apenas pela opções e mostrar condições pelas quais determina-
separação entre tempo e espaço que essa crítica se dos discursos puderam ser produzidos. Entretanto, a
sustenta e gera abertura para a desconstrução da di- ampliação das visões de mundo repousa, em princí-
cotomia que funda o “internacional”. pio, entre dois dilemas. Primeiro, a sempre presente
Segundo Walker (1995), o principal ponto da possibilidade de os critérios discursivos utilizados
sua crítica gira em torno das novas possibilidades de para determinada crítica serem também conduzidos
articulação entre as noções de tempo e espaço. Assim, contra o crítico que os produz. Assim, uma vez que
como o mundo contemporâneo está cada vez mais se prega a arbitrariedade do conhecimento tradicio-
caracterizado por processos de aceleração temporal, é nal, por meio de uma relativização das suas possibili-
comum que encontremos alguma incongruência en- dades, o mesmo poderia ser dito sobre esse discurso
tre as noções de tempo e espaço que informam e dão perspectivista. O risco de se cair em um niilismo im-
sentido ao mundo em que vivemos. A manipulação produtivo faz com que a própria crítica se proteja,
dessas relações por meio de jogos de poder, portan- afirmando de antemão que não é sua intenção negar
to, teria a capacidade de produzir discursos a partir em termos absolutos a tradição, e sim fornecer olha-
dessas incongruências sem que sua contradição fosse res alternativos a ela, a partir da demonstração das
percebida pelo receptor desse conhecimento. Dis- arbitrariedades que a produziram.9
cursos disciplinares estariam encarregados de apagar Segundo, visto que a fuga dessa possibilida-
todas as contradições e relativizações históricas em de niilista se verifica, o discurso pós-estruturalista
nome de uma suposta neutralidade embasada na utiliza o expediente de ampliar tão somente as
atemporalidade e, também, em prol de uma suposta possibilidades em que novos discursos podem ser
uniformização discursiva, que passaria a ideia de coe- produzidos. Como se a ampliação das opções fosse,
rência dentro do campo de conhecimento. por si mesma, ausente de interesses. Dessa forma, o
O que não se discute, entretanto, são as condi- caráter do arbitrário é ressaltado em relação à tradi-
ções em que essa crítica é possível. Uma vez que o ção que sustenta o saber em determinado campo de
perspectivismo de Walker utiliza a noção de tem- conhecimento, ao mesmo tempo que os discursos
po e espaço, no sentido histórico e geográfico, para pós-estruturalistas enfatizam como principal obje-
denunciar a arbitrariedade das afirmações sobre o tivo a ampliação das possibilidades, em vez de in-
“internacional”, o mesmo poderia ser feito em re- verter a lógica já conhecida. Como em um jogo de
lação ao discurso alternativo que subverte esse pa- espelhos, os autores tentam desconstruir determi-
radigma.7 A intencionalidade anunciada do autor nados fenômenos sem deixar que a desconstrução
em não negar a tradição, e sim mostrar as condi- atinja a própria crítica.
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Entretanto, qualquer tipo de crítica mais tra- Desconstrução e tresvaloração


dicional somente é possível através da dicotomia de
determinadas lógicas. O que está em jogo aqui é o Um dos principais instrumentos utilizados
que se entende por crítica. Se utilizado no sentido de por autores pós-estruturalistas é a já aludida des-
contraposição, o discurso crítico sempre terá a possi- construção, estratégia elaborada por Derrida como
bilidade de ser reconfigurado, deixando de ser autor possibilidade crítica às noções estruturais. A pró-
do ataque para virar seu alvo. No entanto, uma vez pria lógica da desconstrução impossibilita uma de-
que a crítica abandone o sentido de contraposição finição objetiva desse conceito. Seguindo a tradi-
e assuma um caráter perspectivista, ela conseguirá ção nietzschiana, Derrida entende todo esforço de
romper com paradigmas, já que desconstruirá não delimitação conceitual como algo sempre fadado à
a argumentação que se tem como alvo, mas os crité- incompletude, uma vez que a busca de interpreta-
rios de legitimação que o sustentam. ções objetivas nos leva apenas a gerar outras inter-
No caso do campo de Relações Internacionais, pretações. Conceituar seria justificável mais pelo
portanto, a radicalidade crítica desenvolvida até en- processo em si do que pelos objetivos almejados.
tão não estaria na contra-argumentação ao paradig- Por outro lado, a dificuldade em torno desse con-
ma realista, ou a qualquer alternativa que relativize ceito não impossibilita apontar o que não deve ser
essa posição, e sim na adoção de perspectivas que considerado como tal.12 A desconstrução seria, as-
não se encontram incluídas no arcabouço conside- sim, uma abordagem que se define pela negação.
rado legítimo para sua sustentação teórica. Entre- Só teremos ideia do que seja desconstruir quando
tanto, pelo fato de essas críticas utilizarem, ainda há clareza daquilo que não se refere a esse conceito.
que de forma alternativa, as próprias noções histó-
ricas sobre as quais se assentam o discurso da arbi- Não é fácil definir “desconstrução” [...]. Como
trariedade das perspectivas, chegamos à conclusão sugere o próprio Derrida, criador da palavra e ini-
de que, apesar de contundente, essa estratégia ainda ciador de um tipo de reflexão que tem agitado os
não significa rompimento radical com o paradig- círculos intelectuais da Europa Ocidental e dos
ma, mas o reposicionamento das categorias sobre as Estados Unidos há quase duas décadas, talvez seja
quais o discurso foi (re)produzido.10 mais adequado dizer o que não é “desconstru-
Se observarmos a estratégia utilizada por ção”: não é um método, nem uma técnica e nem
Walker, podemos verificar que a relativização efeti- tampouco um modelo de crítica que possa ser
vada pelo posicionamento das possibilidades histó- sistematizado e regularmente aplicado a teorias,
ricas não significa total desconstrução da noção de textos ou conceitos (Arrojo, 1992, p. 9).
história como algo linear.11 A rearticulação das rela-
ções entre tempo e espaço, mesmo que essas variá- Em primeiro lugar, não é possível haver des-
veis binárias sejam consideradas como dialeticamen- construção absoluta. A própria possibilidade de se
te constitutivas, não abandona a possibilidade de se denominar algo passível de ser desconstruído gera
visualizar uma dessas variáveis sem a necessidade de a necessidade de algum ponto de referência (mes-
se pressupor a outra de forma tácita. Desse modo, o mo que negativo) a partir do qual o que está sen-
conceito de negação, na sua forma mais radical, não do desconstruído possa ser julgado. Relativizar ao
estaria na inversão da lógica do discurso produzido. infinito significaria, nessa lógica, a impossibilidade
Também não estaria na ampliação das possibilidades de relativização, pois, se tudo é relativo, as coisas
discursivas, nem na relativização de paradigmas por seriam relativas em relação a quê? Portanto, o pro-
via da apresentação das condições históricas sobre as jeto derridiano também deve ser inserido em uma
quais se assentam, mas na adoção de critérios que radicalidade limitada por suas próprias condições
neguem a lógica formal, no sentido de primeiro ser de existência. Desconstruir, assim, significa não
possível discutir a possibilidade da não contradição negar por completo o que se quer relativizar, mas
para, somente depois, posicionarmos discursivamen- aceitar até certo ponto o que está dado para, a par-
te determinadas perspectivas. tir daí, ressignificar o fenômeno.13 Coerente com
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essa lógica, Derrida aceita a visão de realidade biná- ção “libera” características do conceito que são
ria, ao menos até o ponto de poder desconstruí-la. normalmente mantidas em reserva e as estende
Segundo o autor, a noção de realidade sempre foi para além de seus escopos normalmente restri-
criada tendo-se em vista dicotomias que, por opo- tos. Fazendo isso, ela atenua os claros limites
sição, criam a noção do que seja ou não verdadeiro. que sustentam suas restrições (Barnett, 1999,
p. 284, tradução nossa).
O pensamento ocidental, de acordo com Der-
rida, sempre foi estruturado por dicotomias ou A noção de sentido somente seria possível a
polaridades, como bom/mau, presença/ausên- partir da repetição do diferente que se quer o mes-
cia, verdade/erro, identidade/diferença, natu- mo. Derrida cunha o termo différance como um
reza/cultura, fala/escrita. Esses opostos não são neografismo que revela a possibilidade de se ter
nem iguais em valores, nem independentes uns um elemento gráfico que escapa das possibilida-
dos outros. Mais que isso, como Barbara John- des fonéticas. Différance seria o intricado jogo de
son explica, o “segundo termo em cada par é perspectivas que gera sentidos de forma contínua,
considerado o negativo, corrupto, indesejável sem nunca se prenderem a um sentido fixo. Trata-
versão do primeiro, uma degenerescência da- -se de um processo constante de relacionar sentidos
quele”. Então, a oposição implica uma ordem a determinados signos que, por sua vez, estariam
hierárquica. O primeiro termo é temporal e sempre em fuga. Assim, a noção de presença so-
qualitativamente prioritário. “Em geral, o que mente seria compreendida pela ideia de ausência.
as oposições hierárquicas fazem é privilegiar a É o não ser que proporciona a ilusão do ser em um
unidade, a imediaticidade e a presença tem- constante jogo de ressignificações. Desse modo,
poral e espacial sobre distância, diferença e si- a repetição do diferente que se supõe igual é que
mulação e deferimento”.14 A filosofia ocidental construiria a noção de realidade. Existir é repetir-se
sempre caracterizou o ser ou “real” como pre- constantemente em um fluxo que busca estabilizar
sença (Zehfuss, 2002, p. 197, tradução nossa). incongruên­cias por meio de valorações.16
Portanto, caso se faça a opção por uma crítica
Assim, Derrida não se propõe a negar as dico- no sentido tradicional, estaríamos apenas reforçando
tomias criadas pela filosofia tradicional. Contudo, o próprio sistema que se quer desconstruir. Insistir
chama a atenção para o fato de que toda dicotomia em apontar o contraditório só reforça a identidade e
parte de pressupostos valorativos, segundo os quais reafirma a possibilidade de uma presença e verdade
um dos termos de uma polaridade é considerado absolutas. Desconstruir seria reafirmar aquilo a que
sempre superior ao outro. Desconstruir, então, sig- se contrapõe. Partindo do pressuposto de que a esta-
nificaria deslocar a dicotomia, dando maior peso bilidade da estrutura é formada por incoerências, e
àquela polaridade menos valorizada.15 Em vez de de que toda noção de presença é transitória, somente
repetir o erro inicial, a valorização daquilo que é a repetição à exaustão seria capaz de esgarçar os feixes
periférico geraria um descentramento estrutural, de sentidos produzidos por uma centralização da es-
fazendo com que a noção de presença fosse substi- trutura. Desconstruir é não centralizar, não se opor,
tuída pela noção de ausência. Assim, o sentido de não aceitar e, por fim, não reproduzir o diferente.
um fenômeno, em vez de ter sua lógica invertida, A desconstrução descentraliza a lógica estrutural, de-
seria exposto às suas próprias contradições, gerando nunciando a presença de aberturas através das quais
a instabilidade de sua coerência, já que a arbitrarie- os significados escoam em busca de novas relações,
dade dos valores dados se revelaria. De acordo com gerando a sensação de que só é possível existir o mes-
Barnett, citando Derrida: mo a partir da transformação. “Eis por que a ideia
de herança implica não apenas reafirmação e dupla
Desconstrução não suplanta uma gama de injunção, mas a cada instante, em um contexto di-
conceitos por uma gama completamente nova. ferente, uma filtragem, uma escolha, uma estratégia”
Ela suplanta conceitos existentes. Desconstru- (Derrida, 2004b, p. 17).
Pós-Estruturalismo e a crítica como repetição   53

Desconstrução e repetição Nessa perspectiva, assim como o estruturalis-


mo, o pós-estruturalismo aceitaria, em princípio, a
A posição de Derrida como um autor pós- possibilidade de se explicar os fenômenos da reali-
-estruturalista acompanha a lógica segundo a qual dade a partir da sua abstração em estruturas lógicas.
o prefixo “pós” não designa negação absoluta do Entretanto, ao contrário do estruturalismo, que
conceito de estrutura, e sim uma superação daquilo considera a sustentabilidade das estruturas lógicas
que ele adjetiva. Caso se fixasse como simples ne- gerada pela coerência dos termos e pressupostos
gação das tradições estruturalistas, o pós-estrutura- que a compõem, o pós-estruturalismo chamaria a
lismo estaria repetindo a lógica de tudo o que, em atenção para o fato de toda estrutura somente se
princípio, tenta relativizar. Pelo próprio fato de o sustentar a partir de contradições. Uma vez que o
pós-estruturalismo denunciar os critérios binários significado gerado a partir de um fenômeno, ou
de exclusão – como, por exemplo, a dicotomia ver- conceito, só se torna apreensível a partir do seu
dade/mentira –, Derrida não poderia negar obje- oposto, a própria existência da unidade teria como
tivamente as abordagens estruturais. Fazê-lo seria base a sua negação.17 Aquilo que na superfície apa-
inserir-se por completo na própria lógica daquilo renta uma coerência intrinsecamente lógica, segun-
que se quer superar. do o pós-estruturalismo, somente o seria a partir do
Portanto, o pós-estruturalismo derridiano não momento em que as contradições de seus termos
busca se contrapor em termos absolutos às abor- sejam apagadas.
dagens sistêmico-estruturais, mas ir além delas sem Por outro lado, apesar de essas contradições
as abandonar por completo. Trata-se de inverter a que formam as bases das estruturas poderem ser ig-
lógica tradicional do conceito de estrutura a partir noradas por certo tempo, possibilitando a formação
de suas próprias premissas. Para Derrida, a única de um sentido superficial sobre determinado fenô-
opção que não o levaria a repetir aquilo que se nega meno, elas não deixariam de gerar uma constante
seria a utilização das mesmas armas dadas pelas tensão, que acabaria por corroer o significado mais
abordagens que se quer questionar. Assim, o desa- geral da estrutura. Neste ponto, é importante res-
fio imposto ao autor seria o de ir além do estrutu- saltar que: (1) a unidade lógica das estruturas so-
ralismo a partir de estratégias até então criadas por mente ganha sentido a partir das suas contradições.
essa mesma abordagem. É o apagamento do não lógico que gera a sensação
de unidade e sentido a toda estrutura; (2) a pró-
Com efeito, e para o desespero total daqueles pria existência de um fenômeno só se sustenta no
que ainda lhe resistem, a desconstrução se apre- tempo pela repetição de seus significados. Assim, é
senta como nada além do próprio estruturalis- a constante afirmação daquilo que é contraditório
mo levado às suas últimas consequências. Isto que possibilita a formação de um sentido conside-
é, como o que pode ser visto como o mais intri- rado lógico.
gante de todos os paradoxos, o desconstrutivista Essa constante necessidade de afirmação do
revela ser, no fundo, um estruturalista que leva contraditório para gerar coerência estrutural aca-
a sua empresa com um empenho e dedicação ba, contudo, ressaltando as tensões existentes en-
que os próprios estruturalistas praticantes e in- tre os termos que compõem as próprias estruturas.
veterados não foram capazes de mobilizar. Ele Com o excesso de repetição, a sustentação da ló-
os desafia e os incomoda ao insistir em convidá- gica superficial das estruturas não resistiria à pres-
-los a serem estruturalistas até o fim como ele e são conceitual de termos incompatíveis e acabaria
a assumirem a sua fé na plenitude de suas con- gerando um processo de erosão da própria lógica.
sequências. A desconstrução não aborda o estru- Isso significa que, apesar de ser possível para os pós-
turalismo do lado de fora; ela o faz de dentro, -estruturalistas explicar e dar sentido aos fenôme-
trabalhando com o próprio instrumental que o nos a partir de abstrações estruturais, tais abstrações
estruturalismo forjou (cf. Hutton, 1989, p. 75) teriam que, mais cedo ou mais tarde, enfrentar o
(Rajagopalan, 1992, p. 26). inevitável: toda estrutura é instável, e essa instabili-
54  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 30 N° 88

dade é gerada pela repetição incessante daquilo que menos, desde então. E esta repetição é a pos-
gera sua unidade, a contradição conceitual. sibilidade do devir sensível, a não idealidade.
Desse modo, tentando gerar um sentido cons- Do lado da não filosofia, da não memória, da
tante e estabilizar as interpretações estruturais dos hipomnésia, da escritura. Aqui a tautologia é
fenômenos, os processos de explicação estrutural a saída sem retorno da vida fora de si. Repe-
acabariam provocando sua própria ruína. O resul- tição de morte. Despesa sem reserva. Excesso
tado dessa implosão do sentido pela repetição seria irredutível, pelo jogo do suplemento, de toda
a geração de novas estruturas que, nascidas a partir intimidade a si do vivo, do bem, do verdadei-
de resquícios da anterior, também seriam sustenta- ro (Derrida, 2005b, p. 122).
das por novas contradições passíveis de implosões
conceituais criadas pela constante repetição do
sentido. Nessa lógica, a negação radical de deter- O paradigma realista e a desconstrução pela
minada perspectiva não estaria no contraponto à (re)afirmação
mesma, mas na repetição à exaustão dos seus enun-
ciados, que acabaria por gerar um excesso de tensão As abordagens pós-estruturalistas do campo
nas contradições que sustentam essa perspectiva e a das Relações Internacionais têm como objetivo a
desconstruiria pela instabilidade advinda desse pro- radicalização das críticas às teorias mais convencio-
cesso. É repetindo o diferente que se desconstrói nais por meio do questionamento dos elementos
aquilo que se afirma. que produzem suas sustentações. A obra de Robert
Walker (1995) propõe a desconstrução desse cam-
A desaparição da face ou a estrutura de repe- po de conhecimento, denunciando a arbitrariedade
tição não se deixam, pois, dominar pelo valor da dicotomia inside/outside. A tresvaloração dessas
de verdade. A oposição do verdadeiro e do não polaridades revelaria os limites impostos pela sua
verdadeiro está, ao contrário, inteiramente própria aceitação. Essa estratégia pós-estruturalista,
compreendida, inscrita nessa estrutura ou nes- entretanto, deveria sempre se esquivar de dois peri-
sa escritura geral. O verdadeiro e o não ver- gos inerentes a qualquer radicalidade crítica: a pos-
dadeiro são uma espécie de repetição. E só há sibilidade de a relativização proposta por esses au-
repetição possível no gráfico da suplementari- tores atingir o próprio processo de desconstrução e
dade, acrescentando, na falta de uma unidade a necessidade, intrínseca à lógica pós-estrutural, de
plena, uma outra unidade vem supri-la, sendo proteger seu próprio arcabouço lógico pela negação
ao mesmo tempo a mesma o bastante e outra o de uma hierarquização de perspectivas e pela enun-
bastante para substituir acrescentando. Assim, ciação dessa nova abordagem crítica como apenas
por um lado, a repetição é isso sem o que não uma ampliação das possibilidades na produção de
haveria verdade: a verdade do ente sob a for- saber sobre o “internacional”. Assim, as conside-
ma inteligível da idealidade descobre no eîdos rações de Walker estariam limitadas à sua própria
o que pode se repetir, sendo o mesmo, o claro, condição de existência. Para que os conceitos de
o estável, o identificável em sua igualdade a inside e outside fossem passíveis de relativização, as
si. E apenas o eîdos pode dar lugar à repetição noções tradicionais de tempo e espaço, necessaria-
como anamnésia ou maêutica, dialética ou di- mente, precisariam ser mantidas.18 Simultâneos a
ática. Aqui a repetição se dá como repetição essa estratégia, os objetivos da abordagem também
de vida. A tautologia é a vida só saindo de si tiveram de ser limitados a uma proposta de simples
para voltar a entrar em si. Mantendo-se junto ampliação das possibilidades, uma vez que qual-
a si na mnéme, no lógos e na phoné. Mas, por quer tentativa de valoração das novas perspectivas
outro lado, a repetição é o próprio movimento produziria uma perda da capacidade crítica por
da não verdade: a presença do ente perde-se adotar critérios do paradigma questionado.
nele, dispersa-se, multiplica-se por mimemas, A manutenção de referências fixas em uma
ícones, fantasmas, simulacros etc. Por fenô- análise pós-estrutural representa uma necessidade
Pós-Estruturalismo e a crítica como repetição   55

intrínseca à própria desconstrução. Como já discu- alismo, por exemplo, somente uma sobredemanda
tido, somente é possível relativizar um fenômeno a em seu arcabouço teórico geraria uma radicalização
partir do momento em que determinados aspectos crítica suficiente para que sua capacidade de expli-
continuem intocados, pois, para que a noção de cação se extinguisse.
mudança seja percebida, algo precisa ser entendido Uma vez que o neorrealismo se concentra no
como fixo. Entretanto, seguindo a própria lógica da papel da estrutura para explicar o comportamento
desconstrução derridiana, é preciso que toda crítica das unidades, uma crítica atual, mais radical, estaria
produzida esteja sempre em constante processo de na reafirmação desse conceito, forçando-o a expli-
radicalização, para que os efeitos verificados em um car todo o fenômeno do “internacional”. O refor-
primeiro momento possam manter sua intensida- ço da ideia de estrutura geraria uma sobrecarga de
de. Assim, uma vez que as abordagens mainstream significantes sobre ela, fazendo com que o próprio
das Relações Internacionais passaram por um pro- conceito não suportasse sua lógica. Se a intenção
cesso de contextualização do adjetivo “internacio- inicial do neorrealismo era mover por um momen-
nal” e que a dicotomia inside/outside foi denunciada to o foco das unidades e transferi-lo para o sistema,
como arbitrária, restaria elaborar novas formas de caso essa lógica fosse levada até as últimas conse-
críticas que pudessem continuar a desconstruir esse quências, o conceito de estrutura não conseguiria
campo de conhecimento em um constante proces- sobreviver às suas contradições. O foco que havia
so de reelaboração do saber.19 sido transportado das unidades para o contexto se-
A nova radicalidade possível em relação às ria reafirmado até perder a própria nitidez. A ten-
abordagens tradicionais do “internacional” não são existente entre o papel das unidades e o papel
poderia ser encontrada mais na sua contestação da estrutura seria catalisada a ponto de o próprio
tradicional, já que, segundo a lógica derridiana, modelo ser desconstruído. A relação dialética – por
o contraponto geraria mais reforço que relativiza- meio da qual a unidade cria a estrutura que, por
ção daquilo que se quer desconstruído. Também a sua vez, é responsável pela noção de unidade – so-
relativização através da contextualização temporal mente se sustenta na superficialidade. Estando o
não possuiria mais a intensidade inicial, uma vez centro é deslocado, o que exige que a estrutura dê
que o processo de relativização através da história conta não somente do comportamento das unida-
e do contexto já passa a ser aceito como uma pers- des, mas também de sua própria criação, a noção
pectiva factível de ser aplicada a qualquer fenôme- de fenômeno encontraria sua abertura.
no. O passo seguinte, portanto, seria a produção de Essa estratégia adotada evitaria duas possibili-
uma radicalidade mais imprevisível. Ao contrário dades enfrentadas por abordagens mais clássicas: na
do confronto e da relativização, a negação das teo- medida em que a inversão da lógica afirmada está
rias mais tradicionais do campo das Relações Inter- sendo trocada pela própria reafirmação dessa lógica
nacionais estaria na sua própria reafirmação. Uma (nesse caso a lógica da estrutura do neorrealismo),
repetição que, devido à própria intensidade, acaba- a crítica não precisaria responder à sua própria in-
ria por anular sua força explicativa, fazendo com versão. A relativização da abordagem estrutural terá
que o esgotamento do seu opositor seja operado a sido feita reafirmando a própria abordagem. Não
partir do próprio recurso à sua lógica. Visto que to- se trata de negar algo, mas de exigir uma carga de
das as estruturas explicativas são instáveis e susten- coer­ência a um conceito que, como todos os ou-
tadas por incoerências, sua desconstrução somente tros, não se fecha por completo. Por outro lado, ao
seria possível, agora, através de demandas às suas abrir mão do processo de genealogia e arqueologia
capacidades analíticas. Os limites que produzem as que, até certo ponto, consegue relativizar a tradição
tensões necessárias à manutenção da unidade teó- em questão, estaríamos, também, evitando a ado-
rica seriam desfeitos, pois o contraponto deixaria ção de categorias historicamente conservadoras. A
de existir. Fenômenos que se formam pela diferen- própria noção de possibilidade temporal contém
ciação em relação às demais possibilidades não se como pressuposto a ideia de evolução, mesmo que
sustentam na ausência destas. No caso do neorre- não no sentido tradicional. A relação tempo/espaço
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deixa de ser um campo de possibilidades combi- da vontade do artista, sua lógica não se sustentaria.
natórias sobre as quais seja possível fazer relativi- Qualquer indivíduo no lugar do artista seria prota-
zações e passa a ser uma categoria dispensável, pois gonista do espetáculo não por dom, mas pela abso-
a reafirmação daquilo que se nega não necessita da luta falta de alternativa. O discurso que informa ser
relação entre essas variáveis. o espetáculo produto da vontade do jejuador em
mostrar suas habilidades esconde a completa falta
de opção daquele homem. A força do espetáculo
O artista da fome e a estrutura do espetáculo não consegue sobreviver à falta de alternativas en-
contrada pelo artista.
O artista da fome de Kafka é apenas uma das Se hoje o circo medieval não faz mais sentido
partes que formam o espetáculo. Sem a presença é porque a estrutura que o mantinha perdeu seu
do público que o observa, a condição do artista da centro. As aberrações que séculos atrás eram con-
fome poderia ser resumida a uma insanidade indi- sideradas dignas de se observar não chamam mais
vidual ou à constatação de uma mendicância que a atenção por falta de sentido do ser. Se qualquer
se instaura pela simples falta de alternativas. O fim indivíduo, nas mesmas circunstâncias, fizesse o
último do conto não está centrado na situação do mesmo, o espetáculo já não possuiria atrativos. No
famigerado, nem no interesse mórbido dos que o circo medieval era o desejo de se mostrar do artis-
observam. O todo deve ser julgado pela relação en- ta que fascinava o olhar. Com o fim da vontade
tre as partes. O centramento em qualquer uma das do sujeito, que deixa de ser autor e se torna apenas
perspectivas – artista, público ou situação – rouba- centro da estrutura, termina também o feixe de sig-
ria o sentido do espetáculo. É a contradição da luta nificados do fenômeno. Mostrar a verdade daqueles
pela sobrevivência que gera o interesse na apresen- artistas através do discurso sobre a estrutura da sua
tação. É a tentativa de manter-se vivo através da condição significa rebaixar a tensão dos sentidos. O
morte lenta que constrói o sentido do ritual. É o foco na estrutura da cena significa mostrar a contra-
contraponto àqueles que não passam fome que gera dição do espetáculo. Esse deslocamento faz o artista
a singularidade do espetáculo. A fome do jejuador ser ao mesmo tempo centro e periferia. Centro das
não é produto das circunstâncias, mas a própria au- atenções, mas sempre à margem da estrutura. Nin-
tora da situação. guém está mais diante do improvável; pelo contrá-
Qualquer tentativa de negar esse modo de se rio, a apresentação do artista passou a ser encarada
ganhar a vida esbarraria nos limites construídos não a partir da perspectiva de um autor que produz
pelo próprio contexto. Querer salvar o artista da o contexto, mas de um contexto que produz o au-
fome dando-lhe o que comer é matá-lo. Tentar ga- tor. Um processo interminável de repetições que, se
rantir-lhe o sustento com a manutenção desse em- em princípio gerava significado ao espetáculo, com
prego também significaria a sua morte. Uma outra o tempo acabou por desestabilizar qualquer pos-
ocupação para o protagonista significaria ausência sibilidade de significação. Um contexto no qual a
do problema e, portanto, não faria mais sentido repetição do diferente era chamada a gerar continu-
encontrar a resposta. O contraponto àquilo a que amente a presença do mesmo. Nenhuma estrutura
se assiste estaria simplesmente na sua afirmação. A resiste a tamanha responsabilidade.
única saída para o artista dessa estrutura cíclica es-
taria no aumento da intensidade da sua própria tra-
ma. Intensidade que deve ser suficiente para trans- Notas
formar as contradições em aspectos insustentáveis
pela própria estrutura. A contradição do conto é 1 O autor mais exemplar desse grupo é Wendt, que,
que baliza o espetáculo. O contexto de fome cons- sem abandonar a noção de estrutura, considera-a
trói a tragédia. Entretanto, é seu encobertamento mais como produto do compartilhamento de ideias
do que da distribuição material de poder. Ainda de
que dá sentido ao enredo. Se a fome sentida pelo
acordo com esse autor, ao contrário das abordagens
ator fosse compreendida a partir do contexto e não
Pós-Estruturalismo e a crítica como repetição   57

neorrealistas, que restringem suas análises ao estudo ção e vocês se apressarão em objetar isso, não? – bem,
do impacto da estrutura no comportamento das uni- tanto melhor!” (Nietzsche, 1992, pp. 28-29).
dades, Wendt considera que essa estrutura também 10 É preciso notar, neste ponto, que o alvo dessas obje-
influencia a constante construção e reconstrução das ções não está em criticar ou relativizar o trabalho de
identidades estatais (Wendt, 2003). Walker. A questão colocada aqui diz respeito a até que
2 Além dessas abordagens, podemos citar, também, ponto é possível levar as estratégias de desconstrução
autores da Teoria Crítica. Esta não será abordada no para além do que já foi feito no sentido de radicalizar
presente artigo, a despeito da sua importância para ainda mais a possibilidade de crítica a um paradig-
os atuais debates em Relações Internacionais, devido ma. Em outras palavras, já que conceitos como “so-
à distância que ela se encontra em relação às críticas berania”, “anarquia” e mesmo as especificidades das
pós-estruturalistas, objeto do presente estudo. Relações Internacionais já foram denunciados como
3 Neste trabalho, considera-se que a tradição estrutura- produtos históricos de condições arbitrárias, como se
lista, apesar de se expandir somente a partir da segun- pode proceder para que a desconstrução continue seu
da metade do século XX, tem suas bases na linguística fluxo em busca de maior relatividade?
de Saussure. Este autor, apesar de não trabalhar di- 11 Isso não é algo que vá de encontro à prática da des-
retamente com o conceito de estrutura, desenvolveu construção. Como será discutido, até mesmo o pro-
abordagens sistêmicas que podem ser consideradas cesso de relativização necessita da manutenção de um
protoestruturalistas (Mussalim e Bentes, 2006). ponto de referência para que um fenômeno possa ser
4 Para a relação entre classificações e produções de sa- desconstruído. No caso de Walker, o ponto balizador
ber, ver Foucault (2004b). foi a história, que conserva em sua obra um sentido
tradicional. A proposta, agora, é saber até que ponto
5 Isto não significa dizer que, segundo Walker, a hie-
esse processo de relativização por meio da denúncia
rarquização de perspectivas não seja possível. O au-
de condições históricas pode continuar sendo eficaz
tor afirma ser possível distinguir entre uma boa e má
no seu intento de crítica às condições analisadas. Para
abordagem. Entretanto, as alternativas chegam a um
a possibilidade de desconstrução da noção tradicional
limite que seria superado apenas pela desconstrução
de história, ver Fasolt (2004).
de determinados pressupostos (Walker, 1995).
12 Em Assim falava Zaratustra, Nietzsche enumera as
6 Isto não significa que o autor não se dê conta disso.
características do Übermensch apenas pela negação da-
Até certo ponto, a crítica feita pelos pós-estruturalistas
quilo que o mesmo seria. Conceituar, nesse sentido,
no sentido de apontar condições sobre as quais se as-
seria limitar e restringir a inovação aos padrões já exis-
senta a produção de conhecimento ocidental necessi-
tentes (Nietzsche, 1985).
ta ser limitada às próprias categorias do pensamento
ocidental. 13 A partir dessa visão, Derrida irá trabalhar com a no-
ção de rastro. Este seria a negação de uma origem pri-
7 Em sua obra de 2010 After the globe, before the world,
mordial e a aceitação de que não existe um momento
o autor dá sequência aos argumentos desenvolvidos
fundador. O rastro seria a continuidade daquilo que
no livro Inside/outside. Desta vez, Walker trabalha
não é e, portanto, única herança possível do antigo
com novas noções espaço-temporais com foco na
ser. Isso, contudo, não significa que a noção de ras-
complexidade das periferias e fronteiras, mas ainda se
tro tenha de ser considerada metafísica. Rastro seria
atém às categorias da tradição do pensamento anglo-
justamente a presença possibilitada pela ausência. “A
-americano.
ausência de um outro aqui-agora, de um outro pre-
8 Talvez seja esse um dos motivos pelo qual o autor sente transcendental, de uma outra origem do mun-
prefere trabalhar com o conceito de tempo, e não de do manifestando-se como tal, apresentando-se como
história, que, segundo ele, vem sendo utilizado pelas ausência irredutível na presença do rastro, não é uma
visões mais conservadoras no sentido de historicismo fórmula metafísica substituída por um conceito cien-
(Walker, 1995). tífico da escritura” (Derrida, 2004, p. 57).
9 Essa possibilidade de crítica já era reconhecida desde os 14 Nessa citação, a autora se refere a Derrida. Ver Der-
escritos de Nietzsche, sobre os quais se alegava que as rida (2004a).
relatividades das interpretações apontadas pelo autor
15 Mais uma vez, a tradição nietzschiana aparece em
poderiam ser utilizadas contra a própria abordagem
Derrida. Assim como Nietzsche, Derrida acredita-
que as denunciava. A essa crítica Nietzsche responde:
va serem as noções de verdade geradas por critérios
“Acontecendo de também isto ser apenas interpreta-
58  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 30 N° 88

morais. Deslocar, nesse sentido, seria o mesmo que 18 Essa visão pressupõe que a manutenção das categorias
tresvalorar (termo nietzschiano), ou seja, inverter as tradicionais da relação entre tempo e espaço é impres-
oposições morais. Ver Nietzsche (1992). cindível no trabalho proposto por Walker. Ir além,
16 Repetição no sentido derridiano é a possibilidade de entretanto, significaria deslocar essa relação do centro
gerar sentidos pretensamente fixos a partir do cons- estrutural e reacomodar as perspectivas críticas em
tante movimento da existência. Isso significa a aceita- busca de maior radicalidade.
ção do ser e da mudança no sentido dado por Kierke- 19 Como bem observado por um parecerista anônimo, até
gaard ao termo repetition. Para este autor, recollection certo ponto R. Walker trabalha com a repetição enquan-
seria a base de toda filosofia grega, seria o passo atrás, to crítica, utilizando autores clássicos da ciência políti-
enquanto repetition seria a lógica do cristianismo, isto ca para desconstruir seus próprios legados. A diferença,
é, repetir a partir da inovação. Recollection e repetition contudo, estaria no fato de Walker trabalhar a repetição
seriam estratégias diferentes para lidar com a presença como recollection e não como repetition (ver nota 16).
do constante fluxo. “Sem recollection ou repetition não
há nada a não ser o fluxo, nada a não ser a desordem
sem sentido. Recollection mantêm a desordem; repe-
tition encontra uma forma de manter o sentido no
BIBLIOGRAFIA
meio disto. Recollection diz que tudo que é importante
já aconteceu algum dia. Repetition diz que a atuali-
ARROJO, R. (org.). (1992), O signo desconstruído:
dade precisa ser continuamente produzida, trazida à implicações para a tradução, a leitura e o ensino.
frente novamente, outra vez e outra vez. A identida- Campinas, Pontes.
de precisa ser estabelecida, produzida. A identidade, ASHLEY, R. K. & WALKER, R. B. J. (orgs.).
como Derrida diria, é um efeito da repetição” (Capu- (1990), “Speaking the language of exile: dis-
to, 1987, p. 17, tradução nossa). sidence in international studies”. International
17 Enquanto a teoria sistêmica de Saussure considera Studies Quarterly, 34 (3): 259-268.
o contraponto como crucial na relação entre signos, BARNETT, C. (1999), “Desconstructing context:
a abordagem de Derrida chama a atenção para algo exposing Derrida”. Transactions of the Institute
que vai além da simples contraposição. Para Saussu- of British Geographers, 24 (3): 277-293.
re (2006), os signos somente são completos de sen- BEST, S. & KELLNER, D. (1991), Postmodern
tidos quando colocados em posição de comparação
theory: critical interrogations. Nova York, The
com outros signos (em um processo que possibilita
a verificação das semelhanças e diferenças entre eles).
Guilford Press.
Para Derrida, não só a posição relativa dos signos é CAPUTO, J. (1987), Radical hermeneutics: repeti-
importante na produção de significação, como tam- tion, desconstruction and the hermeneutic pro-
bém a aceitação de que toda estrutura de sentido ject. Indianapolis, Indiana University Press.
deve, necessariamente, conviver com elementos que DER DERIAN, J. & SHAPIRO, M. J. (eds.).
se excluem em termos absolutos. Assim, o sentido não (1989), International/intertextual relations:
estaria na mera relação entre significante e significado postmodern readings of world politics. Lexing-
ou no posicionamento horizontal dos signos, mas no ton, Lexington Books.
ato de se estabelecer quais relações de sentido serão DERRIDA, J. (2001), Posições. Belo Horizonte,
privilegiadas, em detrimento de várias outras relações
Autêntica.
possíveis. Utilizando o exemplo derridiano da palavra
phármakon (termo que pode designar tanto “remédio”
_______. (2004), Gramatologia. São Paulo,
quanto “veneno”), teremos a produção de sentido so- Perspectiva.
mente no processo de decisão sobre qual dos dois se _______. (2005a), A escritura e a diferença. São
enfatizará (Derrida, 2005b). Em última instância, po- Paulo, Perspectiva.
rém, a escolha de um dos sentidos apenas se estabelece _______. (2005b), A farmácia de Platão. São
enquanto o outro permanecer adormecido, ignorado Paulo, Iluminuras.
pelo leitor. Assim, o que é contraponto necessário _______. (s. d.), A voz e o fenômeno. Lisboa,
para gerar sentido, segundo Saussure, torna-se con- Edições 70.
tradição imprescindível para esse mesmo processo, de DERRIDA, J. & ROUDINESCO, E. (2004), De
acordo com Derrida.
que amanhã.... Diálogo. Rio de Janeiro, Zahar.
Pós-Estruturalismo e a crítica como repetição   59

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RESUMOS / ABSTRACTS / RESUMÉS  60

PÓS-ESTRUTURALISMO E A POST-STRUCTURALISM AND LE POSTSTRUCTURALISME ET


CRÍTICA COMO REPETIÇÃO CRITICISM AS REPETITION LA CRITIQUE EN TANT QUE
RÉPÉTITION

Cristiano Mendes Cristiano Mendes Cristiano Mendes

Palavras-chave: Pós-estruturalismo; Crí- Keywords: Post-Structuralism; Criticism; Mots clés: poststructuralisme; Critique;
tica; Repetição; Derrida; Walker. Repetition; Derrida; Walker. Répétition; Derrida; Walker.

O presente artigo faz uma reflexão sobre This article examines the possibility of Cet article propose une réflexion à pro-
as possibilidades de crítica a partir das criticisms based on post-structuralist ap- pos des possibilités de critique à partir
abordagens pós-estruturalistas no âmbi- proaches in International Relations. In des abordages poststructuralistes dans
to das Relações Internacionais. Para isso, this sense, it offers a broad view about le cadre des relations internationales.
apresentamos um panorama da utiliza- the use of post-structuralism in this Nous présentons ainsi un panorama de
ção do pós-estruturalismo neste campo knowledge field focusing on the ap- l’utilisation du poststructuralisme dans
de conhecimento destacando a obra de proach of Robert Walker and his criti- ce domaine de savoir en mettant en évi-
Robert Walker e sua crítica às correntes cisms on the mainstream currents. In line dence le travail de Robert Walker et sa
mainstream. Chamamos a atenção para o with the author´s relativistic view, it calls critique aux courants mainstream. Nous
fato de que todo esforço de relativização attention to the fact that any effort of rel- attirons l’attention sur le fait que tous
empreendido pelo pós-estruturalismo ativization undertook by Post-Structur- les efforts de relativisation entrepris par
necessita, de forma intrínseca, a aceitação alism requires the intrinsic acceptance of le poststructuralisme sous-entendent, de
de elementos já estabelecidos e imunes à previously established elements immune façon intrinsèque, l’acceptation des élé-
relativização. Em seguida, apresentamos to this relativization. Following that, the ments établis et immunes à la relativisa-
dois instrumentos utilizados por essa article presents two instruments used in tion. Nous présentons ensuite deux outils
perspectiva teórica: a desconstrução e a this theoretical perspective: deconstruc- utilisés par cette perspective théorique:
tresvaloração. Elaboramos a partir daí tion and transvaluation. From these two la déconstruction et la transvaluation.
uma reflexão sobre as possibilidades de concepts, it elaborates on the possibili- Nous avons, à partir de cela, préparé une
posicionamento crítico. Ao final, conclu- ties of critical perspectives supported by réflexion sur les possibilités de position-
ímos que a repetição do paradigma a ser Post-Structuralism. Finally, the article nement critique. Finalement, nous avons
desconstruído deve ser considerada uma concludes that the repetition of the para- conclu que la répétition du paradigme
das formas possíveis de crítica em acordo digm to be deconstructed ought to be à être déconstruit doit être considéré
com os pressupostos da abordagem teóri- considered one of the possible forms of comme l’une des formes possibles de cri-
ca em questão. criticism, according to the assumptions tique conformément aux hypothèses de
of the theoretical approach under con- l’approche théorique en question.
sideration.

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