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Os Lusíadas – Reflexões do Poeta

«Camões apresenta-se nas suas reflexões como guerreiro e poeta a


quem não “falta na vida honesto estudo,/ Com longa experiência
misturado,/ Nem engenho” (C. X, est. 154). Um poeta que, ainda que
perseguido pela sorte e desprezado pelos seus contemporâneos,
assume o papel humanista de intervir, de forma pedagógica, na vida
contemporânea. Por isso critica a ignorância e o desprezo pela cultura
dos homens de armas (C. V); denuncia o desprezo pelo bem comum, a
ambição desmedida, o poder exercido com tirania, a hipocrisia dos
aduladores do Rei, a exploração dos pobres (C. VII); denuncia o poder
corruptor do ouro (C. VIII) e propõe um modelo humano ideal de
“Heróis esclarecidos” que terão ganho o direito de ser na “Ilha de
Vénus recebidos” (C. IX, est.95).
Mas o poema, acima de tudo, evidencia a grandeza do passado de
Portugal: um pequeno povo que cumpriu ao longo da sua História a
missão de dilatar a Cristandade, que abriu novos rumos ao
conhecimento, que mostrou a capacidade do Homem de concretizar o
sonho.

Ao cantar a gesta heróica do passado, o poeta pretende mostrar aos


seus contemporâneos a falta de grandeza do Portugal presente, metido
“No gosto da cobiça e na rudeza/Dhua austera, apagada e vil
tristeza.” (C. X, est.145) e incentivar o Rei a conduzir os portugueses
para um futuro glorioso, para uma nova era de orgulho nacional.»
(In Plural, Lisboa Editora)
O Poeta tece, ao longo de Os Lusíadas, diversas considerações, no
início (Canto I – Dedicatória) e no fim dos Cantos da sua epopeia,
criticando e aconselhando os Portugueses.

Por um lado, refere os «grandes e gravíssimos perigos», a tormenta e o


dano no mar, a guerra e o engano em terra; por outro lado, faz a
apologia da expansão territorial para divulgar a Fé cristã, manifesta o
seu patriotismo e exorta D. Sebastião a dar continuidade à obra
grandiosa do povo português.
Nas suas reflexões, que assumem uma feição didáctica, moral e
severamente crítica, há não só louvores, mas também o lamento e o
queixume de quem sente amargamente a ingratidão, ou os
desconcertos do mundo. Se realça o valor das honras e da glória
alcançadas por mérito próprio, lamenta, por exemplo, que os
Portugueses nem sempre saibam aliar a força e a coragem ao saber e à
eloquência, destacando a importância das Letras. Se critica os povos
que não seguem o exemplo do povo português que, com atrevimento,
chegou a todos os cantos do Mundo, não deixa de queixar-se de todos
aqueles que pretendem alcançar a imortalidade, dizendo-lhes que a
cobiça, a ambição e a tirania são honras vãs que não dão verdadeiro
valor ao homem. Daí, também, lamentar a importância atribuída ao
dinheiro, fonte de corrupção e de traições.

Lembrando o seu «honesto estudo», «longa experiência» e «engenho»,


«Cousas que juntas se acham raramente», confessa estar cansado de
«cantar a gente surda e endurecida» que não reconhecia nem
incentivava as suas qualidades artísticas.

Canto I (est. 103 – 106)


Acontecimento motivador das reflexões – chegada a Mombaça,
cujo rei fora avisado por Baco para receber os portugueses e os
destruir.
Reflexões do poeta
Depois de ter contado as traições e os perigos a que os
navegadores estiveram sujeitos – ciladas, hostilidade disfarçada que
reduz as defesas e cria esperanças – o poeta interrompe a Narração
para expor as suas reflexões sobre a insegurança da vida e a impotência
do homem, «um bicho da terra tão pequeno», exposto a todos os
perigos e incertezas e vítima indefesa do «Céu sereno». São palavras-
chave: veneno, engano, gravíssimos perigos, nunca certo, pouca
segurança, mar, tormenta, dano, morte, guerra, engano.
Não será por acaso que esta reflexão surge no final do Canto I, quando
o herói ainda tem um longo e penoso percurso a percorrer. Ver-se-á, no
Canto X, até onde a ousadia, a coragem e o desejo de ir sempre mais
além pode levar o “bicho da terra tão pequeno”, tão dependente da
fragilidade da sua condição humana.

Os perigos que espreitam o ser humano (o herói), tão pequeno diante


das forças poderosas da natureza (tempestades, o mar, o vento…), do
poder da guerra e dos traiçoeiros enganos dos inimigos.

Canto V (est. 92 – 100)


Acontecimento motivador das reflexões – final da narração de
Vasco da Gama (História de Portugal e a Viagem de Belém a Melinde) e
elogio do Rei de Melinde à bravura, à lealdade e à nobreza dos
portugueses.
Reflexões do poeta
Ao longo destas estâncias, Camões apresenta uma invectiva contra os
portugueses seus contemporâneos que desprezavam a poesia. O poeta
começa por mostrar como o canto, o louvor, incita à realização dos
feitos; dá em seguida exemplos do apreço dos Antigos pelos seus
poetas, bem como da importância dada ao conhecimento e à cultura,
que levava a que as armas não fossem incompatíveis com o saber.
Não é, infelizmente, o que se passa com os portugueses: não se pode
amar o que não se conhece, e a falta de cultura dos heróis nacionais é
responsável pela indiferença que manifestam pela divulgação dos seus
feitos. Apesar disso, o poeta, movido pelo amor da pátria, reitera o seu
propósito de continuar a engrandecer, com os seus versos, as “grandes
obras” realizadas. Manifesta, desta forma, a vertente pedagógica da sua
epopeia, na defesa da realização plena do Homem, em todas as suas
capacidades.

Canto VI (est. 95 – 99)


Acontecimento motivador das reflexões – Após Vénus ter
acalmado os ventos que deram origem à tempestade desencadeada por
Neptuno, a pedido de Baco, a armada portuguesa, guiada pelo piloto
melindano, avista-se Calecut e Vasco da Gama agradece a Deus.
Reflexões do poeta
Continuando a exercer a sua função pedagógica, o poeta defende um
novo conceito de nobreza, espelho do modelo da virtude renascentista:
a fama e a imortalidade, o prestígio e o poder adquirem-se pelo esforço
– na batalha ou enfrentando os elementos, sacrificando o corpo e
sofrendo pela perda dos companheiros; não se é nobre por herança,
permanecendo no luxo e na ociosidade, nem pela concessão de favores
se deve alcançar lugar de relevo. Nestas estâncias, o Poeta realça o
verdadeiro valor das honras e da glória alcançadas por mérito próprio.
O herói faz-se pela sua coragem e virtude, pela generosidade da sua
entrega a causas desinteressadas.

Nota – Estas estâncias, particularmente a 98 e 99, contêm a


afirmação, única na obra de Camões, de que o Homem pode escolher o
seu percurso de vida e determinar-se impondo a sua própria vontade.
Canto VII (est. 78 – 87)
Acontecimento motivador das reflexões – Após o desembarque
de Vasco da Gamao Catual visita a nau capitaina, onde é recebido por
Paulo da Gama, a quem pergunta o significado das figuras presentes
nas bandeiras de seda.
Reflexões do poeta
Nesta reflexão Camões queixa-se da ingratidão de que é vítima. Ele que
sonhava com a coroa de louros dos poetas, vê-se votado ao
esquecimento e à sorte mais mesquinha, não lhe reconhecendo, os que
detêm o poder, o serviço que presta à Pátria.

Usando um texto de tom marcadamente autobiográfico Camões faz


referência a várias etapas da sua vida. O poeta exprime um estado de
espírito bem diferente do que caracterizava, no Canto I, a Invocação às
Tágides – «cego, … insano e temerário», percorre um caminho «árduo,
longo e vário», e precisa de auxílio porque, segundo diz, teme que o
barco da sua vida e da sua obra não chegue a bom porto. Uma vida que
tem sido cheio de adversidades, que enumera: a pobreza, a desilusão,
perigos do mar e da guerra, «Nua mão sempre a espada e noutra a
pena», Como não ver neste retrato a intenção de espelhar o modelo de
virtude enunciado em momentos anteriores?

Em retribuição, recebe novas contrariedades – de novo a critica aos


contemporâneos, e o alerta, para a inevitável inibição do surgimento de
outros poetas, em consequência de tais exemplos.

Mas a crítica aumenta de tom na parte final, quando são enumerados


aqueles que nunca cantará e que, implicitamente, denuncia abundarem
na sociedade do seu tempo: os ambiciosos, que sobrepõem os seus
interesses aos do«bem comum e do seu Rei», os dissimulados, os
exploradores do povo, que não defendam “que se pague o suor da servil
gente”.

No final, retoma a definição do seu herói – o que arrisca a vida «por


seu Deus, por seu Rei».
Canto VIII (est. 96 – 99)
Acontecimento motivador das reflexões – Traição e suborno do
Catual. Regresso de Gama às naus.
Reflexões do poeta
Nesta reflexão o poeta retoma a função pedagógica do seu canto e
apontando para um dos males da sociedade sua contemporânea,
orientada por valores materialistas e faz uma severa crítica: o alvo é o
poder corruptor do dinheiro e do «ouro».

A propósito da narração do suborno do Catual e das suas exigências aos


navegadores, são agora enumerados os efeitos perniciosos do ouro –
provoca derrotas, faz dos amigos traidores, mancha o que há de mais
puro, deturpa o conhecimento e a consciência; os textos e as leis são
por ele condicionados; está na origem de difamações, da tirania de
Reis, corrompe até os sacerdotes, sob a aparência da virtude.
Canto IX (est. 51- 87 – Ilha dos Amores; est. 88 – 92,v.4 – Significado
da ilha; est. 92, v. 5 – 95 Exortação do poeta dirigida aos que suspiram
por imortalizar o seu nome).
Estando os navegantes na viagem de regresso a Portugal, Vénus
prepara-lhes, com a ajuda das ninfas e de seu filho, Cupido, uma
recompensa pelos perigos e tormentas que enfrentaram, vitoriosos. Fá-
los aportar a uma ilha paradisíaca, povoada de ninfas amorosas que
lhes deleitam os sentidos. Numa atitude estudada de sedução, as
divindades fingem assustar-se com a presença dos marinheiros, mas
logo se rendem aos prazeres do amor.

Esta ilha não existe na realidade, mas na imaginação, no sonho que dá


sentido à vida. O sonho que permite atingir a plenitude da Beleza, do
Amor, da Realização.

A grandeza dos Descobrimentos também se mede pela grandeza do


prémio, e esse foi o da imortalidade, simbolicamente representada na
união homens-deusas o que faz com que os Portugueses deixem de ser
simples mortais, transcendam a condição humana e recebam os dotes
de uma experiência divina – são heróis – por isso poderão regressar à
Pátria sem perigo. Através deste contacto deusas-heróis, estes tornam-
se imortais bem como a História de Portugal.

O poeta não perde o ensejo, no final do Canto, de esboçar o perfil dos


que podem ser “nesta ilha de Vénus recebidos”, reiterando valores
como a justiça, a coragem, o amor à Pátria, a lealdade ao Rei.

No canto X, No banquete com que homenageiam os navegantes (est. 1-


4), uma ninfa profetiza futuras vitórias dos portugueses (est.5-7). Tétis,
a ninfa com cujo amor Vasco da Gama fora premiado, condu-lo agora
ao cume de um monte para lhe mostrar a “Máquina do Mundo” (est.
74-90) e lhe dar a noção do que será o Império Português. É o auge da
glorificação – Vasco da Gama vê o que só aos deuses é dado ver. É a
glorificação simbólica do conhecimento, do saber proporcionado pelo
sonho da descoberta. O “bicho da terra tão pequeno” venceu as suas
próprias limitações e foi além “do que prometia a força humana”.

A nível da estrutura do poema, significativamente, os três planos


sobrepõem-se: os viajantes confraternizam com as entidades
mitológicas e ouvem a História de Portugal futura.

Nota – Não há dúvida que a Ilha dos Amores apresenta uma das mais
belas descrições da nossa literatura clássica: o Poeta, utilizando uma
gradação decrescente, partindo do geral para o particular, apresenta
esse locus amoenos seguindo as regras da descrição duma paisagem
real.

Acontecimento motivador das reflexões – Encontro dos


marinheiros com as Deusas – Ilha dos Amores.
Exortação e reflexão do poeta
exortação dirigida aos que aspiram a imortalizar o seu nome. o poeta
retoma a função pedagógica do seu canto e apontando para um dos
males da sociedade sua contemporânea, orientada.

Canto X (est. 144 – 156)


Acontecimento motivador das reflexões – Após o banquete
oferecido por Tethys, esta mostra a Gama uma miniatura do Universo,
descobrindo, no globo terrestre, os lugares, onde os Portugueses vão
praticar altos feitos e despede-se dos marinheiros que embarcam.
Chegada à Pátria

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