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Casos motivadores VI

Caso Clínico
IDENTIFICAÇÃO
J.R.C, 15 anos, sexo masculino, natural e procedente de Abaetetuba- Pará
QUEIXA PRINCIPAL
Febre, fraqueza.
HDA
Menor apresentou quadro há 5 meses de febre alta (variando entre 38,5
o
a 39 C), irregular mantendo alguns dias sem febre. Associado aos
episódios febris notou adinamia, anorexia, astenia e aumento progressivo
do volume abdominal. No mesmo período apresentou tosse produtiva.
Nega vômitos, diarréia, Vem apresentando episódios esporádicos de
epistaxe e gengivorragia. Diurese normal.
Familiares levaram adolescente ao Hospital ANITA GEROSA em
Ananindeua onde permaneceu 5 dias e foi tratada para pneumonia (SIC) e
realizou parasitológico de fezes que revelou Giárdia e Ancilostomídeo.

INTERROGATÓRIO COMPLEMENTAR
Habita em casa de madeira com 7 pessoas, e tem cachorros doentes
no peridomicílio. Irmãos saudáveis. Presença de duas crianças na
vizinhança com quadro semelhante

EXAME FÍSICO
Paciente em regular estado geral, eupnéico, hidratado, adinâmico, febril,
acianótica, anictérica, exatemapetequial em tronco e membros, mucosas
hipocrômicas +++/4+, emagrecida Dados Vitais: FR. 25 ipm, FC. 110
o
bpm, T. 39,7 C, Cabeça e pescoço: sem alterações. Orofaringe:
sem alterações. Gânglios: Não palpáveis. Pele: ressecada, com turgor
e elasticidade mantidas. AP. Som claro pulmonar, murmúrio vesicular
rude sem ruídos adventícios. ACV. Precórdio calmo, bulhas rítmicas
e normofonéticastaquicárdicas em 2 tempos, sem sopros. ABD. Globoso
com fígado palpável a 4 cm do rebordo costal direito e a 3 cm do apêndice
xifóide, baço palpável a 7 cm do rebordo costal esquerdo
(Esplenomegalia Grau 3). Extremidades bem
perfundidas e sem edema. Sem sinais de irritação meníngea.

1 - Evidenciar a (s) síndrome (s ) contemplada (s) no quadro


clínico, bem como identificar o (s) diagnóstico (s) mais provável (eis)
(incluir diagnóstico nutricional);
O paciente apresenta quadro com diversas síndromes, dentre elas
temos a síndrome febril , caracterizada pela temperatura corpórea acima da
normalidade, hepato-esplênica representada onde há um aumento do
fígado e baço, síndrome consumptiva onde se tem à perda de peso
acelerada, anemia, perda de apetite e fadiga.
Do ponto de vista nutricional não se tem informações suficientes
sobre as refeições e nem IMC do paciente porem com a anorexia e
estado emagrecido podemos deduzir que o paciente se apresenta
distrófico, com alimentação desequilibrada e deficiência na quantidade
e frequência de alimentos ricos em vitaminas. Sendo assim, chegamos
a hipótese diagnóstica de Leishmaniose Visceral, por conta dos
quadros sindrômicos que o mesmo apresenta paciente quais são
característico da doença, além disso é importante frisar o fato de que
o mesmo vive em um área endêmica, com quadros semelhantes na
vizinhança além da presença de cachorros doentes nas proximidades,
também foi relatada a presença de giárdia e ancilostomídeo em
exame parasitológico de fezes, o que indica carência de saneamento básico.

2- Destacar os dados da anamnese e do exame físico, que


sugerem o(s) diagnóstico(s):
A febre alta do paciente, mesmo sendo um sintoma inespecífico, é
necessário para o diagnóstico de Leishmaniose, a febre alternada é explicada
pelo ciclo do parasita que altera em promastigota para amastigota,
aumento do volume abdominal: hepatomegalia e esplenomegalia que
ocorrem devido a preferência do parasita pelo
sistema retículo endotelial.
Associado aos episódios febris, notou adinamia, anorexia que se dá
pelo tempo de anemia por conta do parasita e astenia. No mesmo
período apresentou tosse produtiva provavelmente pelo ciclo pulmonar
do parasita e vem apresentando episódios esporádicos de epistaxe e
gengivorragia (sangramento da mucosa do nasal e da gengiva devido
à mudança da hemostasia normal causada pela pancitopenia cursada
na doença).
Além disso o contato com cachorros doentes é forte indicativo de um
quadro de leishmaniose visceral visto que em sua fisiopatologia o
cachorro é o reservatório da doença. No interrogatório complementar, o
paciente relata habitar em casa de madeira com 7 pessoas (um indicativo
baixa renda, que se enquadra como fator de risco para LV), tem
cachorros doentes no peridomicílio (reservatório natural da leishmaniose)
e a presença de duas crianças na vizinhança com quadro semelhante
(demonstrando quadro endêmico e preferência do parasita por crianças,
muito provavelmente ao sistema imune imaturo)

3 - Identificar e justificar os fatores de risco:


A doença acomete principalmente crianças e adultos jovens, com
maior prevalência no sexo masculino, sendo mais incidente em regiões
tropicais, principalmente em populações de baixa renda, em áreas em
que houve um desenvolvimento urbano desordenado e desmatamento.
A moradia em locais impróprios, principalmente nas periferias, contribui como
fator de risco, pois essas áreas geralmente possuem pouco saneamento
básico, o que contribui para proliferação do vetor. Além do mais, o
principal reservatório doméstico é o cachorro, logo o convívio muito
próximo do homem com cães aumenta a densidade do vetor.
Na área peridomiciliar do paciente, possuem cães doentes, crianças
com quadro clínico semelhantes, o que pode reforçar a suspeita do quadro de
Leshimaniose
04. Correlacionar os sintomas com a fisiopatologia.
Instalada a infecção, o paciente apresenta pancitopenia devido ao
parasitismo celular da medula óssea e do hiperesplenismo. Em atenção
ao mielograma, observa-se: série branca - hipercelularidade da série
granulocítica; neutropenia - redução reserva medular, sequestro esplênico,
autoimunidade; série vermelha - hipercelularidade relativa
da série vermelha; anemia - sequestro esplênico, hemólise imune; série
megacarocítica - normo ou hipocelular, mas plaquetopenia, secundária a
redução da maturação e destruição periférica; macrófagos- amentados
em número e tamanho parasitados por amastigotas de Leishmania.
Esta neutropenia periférica contribui para o quadro de
leucopenia.
O baço apresenta-se, na maioria dos casos, com elevado aumento,
de característica o baço se encontra na maioria dos casos, bastante
aumentado, de característica consistente, congesto, com focos hemorrágicos,
cápsula espessada e estrias fibrosas no parênquima.
O fígado também apresenta aumentado volume, principalmente após a
fase inicial, e seu parênquima atrofia e degenera de forma intensa em torno
das células parasitadas. A disfunção imune com acentuada alteração
na imunidade humoral e celular é uma marca típica e peculiar da
leishmaniose visceral.
A leishmania é um parasita intracelular de macrófagos que escapa
dos mecanismos oxidativos destas células. Esta incapacidade do
macrófago responder deve-se a apresentação do antígeno, diferenciação
dos linfócitos T (Th2 predomina), produção de interleucinas (diminuição Th1
- > IFN, IL-2 e aumento Th2 - > IL-4, IL-10) e a ativação de macrófagos
comprometida.
A LV manifesta em seu padrão típico da doença o aumento importante
do órgão, sem alteração da consistência ou da regularidade da borda,
assim como a hipertorfia e hiperplasia difusa das células de Kupffer
com citoplasma preenchido por amastigotas de Leishmania. Observa-se que
a patogênese da LV está associada com a depressão da imunidade
celular e, considerando o desenvolvimento da infecção, compreende-se
que a LV curse com febre alta, adinamia,
progressivo emagrecimento, manifestações hemorrágicas como petéquias,
epistaxes, sangramento gengival e um abdome volumoso, à custa de
hepatoesplenomegalia.

5- Identificar a (s) etiologia (s) e correlacioná- la (s) com o quadro


clínico da (s) doença (s);
Sendo a leishmaniose uma infecção causada por um protozoário
(Leishmania) heteroxeno, que tem em seu ciclo de vida duas formas evolutivas:
a forma promastigota, de formato alongado, flagelada, citoplasma com
granulação e pequenos vacúolos, encontrado no tubo digestivo e nas
glândulas salivares dos flebotomíneos; e a forma
amastigota, que é parasita intracelular, encontrado parasitando células
do sistema monoclear fagocitário do hospedeiro vertebrado, de formato
ovóide/esférico, citoplasma com vários vacúolos e único núcleo esférico/ovóide
e sem flagelo livre.
Sua transmissão ao homem se da pela picada da fêmea do mosquito
Lutzomya, onde o protozoário, com tropismo pelo macrófago, que após
ser fagocitada, ao invés de ser digerida, sofre transformação e origina
a forma amastigota. Este parasitismo se concentra em órgãos onde
essas células são numerosas – à exemplo, medula óssea e baço.
Considerando a presença de cães no peridomicílio e duas crianças
na vizinhança com sintomas similares, é provável que o ciclo de
transmissão da doença tenha passado através desses hospedeiros, visto
que cerca de 30% das pessoas que habitam áreas endêmicas tem
intradermorreação com leishmanina fortemente reator e sem história
prévia da doença e cerca de 75% dos casos são oligossintomáticos
(manifestações inespecíficas: febre, tosse seca, diarréia, adinamia;
discreta visceromegalia, baço geralmente não palpável; de resolução
espontânea em 3-6 meses é comum e onde a desnutrição favorece
evolução para calazar) e muitas vezes confundido com infecções
respiratórias e parasitoses.
No caso descrito, o paciente recebeu tratamento para pneumonia e
se investigou parasitoses intestinais. Quando a cura espontânea não
acontece, os sintomas e sinais evoluem para sangramentos devido à
plaquetopenia, hepatoesplenomegalia e emagrecimento, todos observados
no caso descrito, e isso é comumente chamado de calazar clássico, o qual
evolui de forma subclínica e crônica
6- Apresentar e justificar os diagnósticos diferenciais
No Brasil, uma vez que áreas endêmicas s e sobrepõem, a investigação
aprofunda a cerca de doenças febris se faz necessário, um exemplo
de doença comumente confundida com a Leishmaniose é a Malária,
devido a febre alta e esplenomegalia.
Além desta, tuberculose, brucelose, esquistossomose, Histoplasmose e
febre tifoide podem ser confundidas com esta patologia. Pode haver
suspeita de síndrome de esplenomegalia tropical devido a
esplenomegalia por hipertensão portal.
Suspeita de leucemia Linfoide Aguda também pode ocorrer pela
ocorrência de perda de peso, pancitopenia, palidez e sangramentos.
Essa grande variedade de diagnósticos diferenciais se deve a
variabilidade clínica da doença, em um quadro clínico inicial o
paciente pode manifestar esplenomegalia, hepatomegalia, palidez, febre,
aumento do volume abdominal, emagrecimento, astenia, anorexia,
manisfestações hemorrágicas, edema e icterícia. Esse diagnóstico diferencial
só pode ser concluído por meio de provas laboratoriais que comprovem a
leishmaniose visceral como o exame de imunofluorescência indireta, o
teste de ELISA e o padrão ouro o aspirado da medula óssea onde
é possível identificar o protozoário.

7- Delinear exames subsidiários e justificar a relevância da solicitação


a) Exames para visualização direta do parasita
O diagnóstico do calazar deve ser confirmado pela demonstração do parasito
por métodos diretos, buscando encontrar as formas amastigotas no interior
de macrófagos ou monócitos. O principal exame é aspirado de medula
óssea. Embora a sensibilidade do aspirado esplênico seja superior a
90-95%, caiu em desuso pelo risco de
sangramentos.
Outra forma de se buscar o diagnóstico é pela cultura da Leishmania
em meios apropriados – sendo os mais utilizados: NNN (Novy, Mc-
Neal, Nicolle), Schneider e LIT. Além disso, tem-se o método do PCR
(amplificação do DNA do parasit a) como
uma nova perspectiva para o diagnóstico da leishmaniose visceral,
com 94% de sensibilidade. Entretanto, seus resultados dependem de
algumas variáveis envolvidas, entre elas: área endêmica, tipo de
amostra, alvo do D NA utilizado para amplificação, método de extração
do DNA etc.

b) Teste intradérmico de Montenegro


A injeção intradérmica do extrato de antígenos de Leishmania é um
teste semelhante ao PPD, baseando- se na “memória imunológica”
dependente de linfócitos Th1. O teste é sempre negativo durante a
fase ativa da doença, oi seja, a baixa imunidade Th1 específica é
uma condição quase que sinequa non para o desenvolvimento do
calazar. Após a resolução do quadro (espontânea ou pós-tratamento bem-
sucedido), o teste se torna pos itivo, assim permanecendo por longos
anos. O teste nunca deve ser utilizado para diagnóstico da leishmaniose,
e s im como vigilância epidemiológica.

c) Exames sorológicos
A pesquisa de anticorpos específicos para os antígenos da Leishmania
sp. Pode ser utilizada como triagem diagnóstica, uma vez que possui
sensibilidade elevada, especialmente o ELISA. No entanto , como são
feitos com extratos de Leishmania, a especificidade é limitada pelas
reatividades cruzadas com doença de Chagas, tuberculose, lepra,
leishmaniose tegumentar e histoplasmose. Por isso, um resultado
positivo deve sempre ser confirmado pela pesquisa direta do parasita.

8. Esquematizar e justificar a conduta clínica e terapêutica


O paciente deve ser internado para iniciar o tratamento que é feito
com a administração de compostos Antimoniais P entavalentes, como o
Antimoniato de meglumina e Estibogluconato de sódio, aplicadas em doses
intramusculares ou venosas, por 20 a 30 dias.
A segunda opção envolve o uso de Anfotericina B. No caso do
paciente, nada impede de proceder ao tratamento das parasitoses
antes ou durante a administração da medicação para o calazar.

9- Descrever a predição e a prevenção de complicações;


Devido a fisiopatologia da doença cursar com depressão do sistema
imune as infecções bacteriana estão entre as principais complicações,
são exemplos clássicos de complicações relacionadas a Leishmaniose
Visceral: infecções nos pulmões e trato urinário, otite média, e
piodermites, o tratamento dessas complicações é realizado com
antimicrobianos, em casos não tratados o paciente pode ir a óbito
devido ao desenvolvimento de um quadro séptico. Epistaxe e
Gengivorragia são comumente encontradas como consequências
secundárias a plaquetopenia.
O paciente também pode apresentar anemia aguda, hemorragia digestiva
e icterícia como indicadores de gravidade da doença.
Diante do exposto, as infecções oportunistas podem acometer o
paciente, portanto, a evolução do quadro do clínico deve ser
acompanhada de perto pelo profissional, avaliando a melhora da
imunidade, da clínica e dos exames laboratoriais.
Além disso, investigações epidemiológicas são necessárias uma vez que
no Brasil áreas endêmicas se sobrepõe, e medidas de prevenção devem
ser adotadas dentre as quais podemos destacar a eliminação de
reservatórios, combate ao vetor da doença, busca ativa de casos,
notificação compulsória e tratamento adequado dos infectados, além de
incentivar a participação da própria comunidade nas ações de educação em
saúde.

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