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ENEQ Pernambuco - UFRPE/UFPE
RESUMO: O PROFESSOR ALEX H. JOHNSTONE PROPÔS QUE A QUÍMICA DEVE SER COMPREENDIDA NOS
SEGUINTES NÍVEIS DO CONHECIMENTO: O MACROSCÓPICO, O SUBMICROSCÓPICO E O REPRESENTACIONAL .
DESSA FORMA, DEFENDEU QUE O ENSINO DE QUÍMICA PRECISA SER, PREFERENCIALMENTE, PAUTADO NA
CAPACIDADE DE TRANSITAR ENTRE ESSES TRÊS NÍVEIS . ASSIM, A PARTIR DA PERSPECTIVA DO MATERIALISMO
HISTÓRICO-DIALÉTICO E DA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL, BUSCAMOS IR ALÉM DESSAS IDEIAS E
PROMOVEMOS UMA DISCUSSÃO SOBRE OS NÍVEIS DO CONHECIMENTO QUÍMICO PROPOSTO POR JOHNSTONE.
PORTANTO, APONTAMOS, DIFERENTEMENTE DE JOHNSTONE, QUE OS NÍVEIS MACROSCÓPICO E
SUBMICROSCÓPICO DA QUÍMICA CONSTITUEM UMA UNIDADE DE CONTRÁRIOS E QUE AS REPRESENTAÇÕES DOS
ENTES QUÍMICOS ATUAM COMO MEDIADORAS ENTRE ESSES NÍVEIS.
INTRODUÇÃO
A preocupação demonstrada por educadores e pesquisadores sobre a melhoria
do processo de ensino e da aprendizagem da química não é nova. Essa aflição,
geralmente, é motivada pela dificuldade e/ou insatisfação dos estudantes em aprender
química (MELO, 2015). Nesse sentido, autoras e autores buscaram inúmeras
justificativas para tal fenômeno. Entre elas, podemos evidenciar: a) o não
estabelecimento de relações entre os componentes conceituais e visuais (como
imagens, esquemas, diagramas ou figuras mais adequadas para aquela determinada
situação) do conhecimento apresentado aos educandos (KLEINMAN; GRIFFIN;
KERNER, 1987); b) o ensino é desvinculado da realidade e da experiência sensível dos
estudantes, que acabam memorizando conceitos sem compreendê-los (MORTIMER;
MACHADO; ROMANELLI, 2000); c) o favorecimento de aspectos conceituais e lógico-
matemáticos da química em detrimento dos componentes visuais, de modo que as
imagens, figuras, diagramas sejam meras ilustrações (HABRAKEN, 1996).
Essas constatações moveram a comunidade acadêmica em busca de
conhecimentos que pudessem, além de facilitar a compreensão da problemática,
ajudar a solucionar a dificuldade que os estudantes demostravam em compreender a
química e, consequentemente, auxiliar os professores no processo de ensino. Foi
nesse sentido que o professor Alex H. Johnstone propôs que a química deve ser
compreendida nos seguintes níveis do conhecimento: o macroscópico, o
submicroscópico e o representacional (JOHNSTONE,1993). Desse modo, o mesmo
autor defende que o ensino de química precisa ser, preferencialmente, pautado na
promoção do pensamento dos estudantes para que possam ter a capacidade de
transitar entre os três níveis do conhecimento de forma equitativa.
De acordo com Johnstone, o nível macroscópico está relacionado com o
“tangível, comestível, visível” (JOHNSTONE, 1993, p. 703, tradução nossa). Da mesma
forma, esse nível é compreendido por outros autores como um fenômeno adquirido
pelos sentidos ou suas extensões (GILBERT; TREAGUST, 2009; RAUPP; SERRANO;
MOREIRA, 2009). Portanto, ele é o fenomenológico consistindo das propriedades
empíricas e perceptíveis com relação aos sólidos, líquidos e gases, podendo ser
medidas (GILBERT; TREAGUST, 2009). De acordo com Treagust, Chittleborough e
20º Encontro Nacional de Ensino de Química – ENEQ Pernambuco - UFRPE/UFPE
Recife – PE – 13 a 16 de julho de 2020.
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Mamiala (2003), o nível macro refere-se aos fenômenos observáveis do dia a dia, como
mudança na coloração e aparecimento ou desaparecimento de substâncias, por
exemplo.
O nível submicroscópico para Johnstone (1993) está relacionado com o
“molecular, atômico” (Johnstone, 1993, p. 703, tradução nossa). Esse nível é utilizado
para explicar, qualitativamente, o fenômeno, envolvendo partículas, átomos, moléculas,
íons etc. (GILBERT; TREAGUST, 2009).
Já o nível representacional, está relacionado com as fórmulas químicas, os
“símbolos, equações, estequiometria e matemática” (Johnstone, 1993, p. 703, tradução
nossa). Com relação à representação simbólica, Al-Balushi (2013) traz uma explicação
quantitativa do fenômeno, com símbolos que representam as reações entre os átomos,
íons ou moléculas, ou ainda, equações químicas balanceadas que representam as
reações químicas ocorridas (GILBERT; TREAGUST, 2009).
A ideia de níveis do conhecimento químico ficou conhecida como triplete do
conhecimento químico (TALANQUER, 2011) ou triângulo de Johnstone, conforme a
figura 1.
Figura 1: os três componentes básicos da “nova Química”. Fonte: adaptado de Jonhstone (1993).
Uma categoria que será central para este trabalho é a “unidade de contrários”
ou “unidade de opostos”. Na dialética materialista, segundo Marquit (1981), as
categorias são os conceitos filosóficos mais básicos e, portanto, não podem ser
definidos separadamente de maneira fechada – do contrário, não seriam os conceitos
mais básicos. O significado de uma categoria deve ser elaborado por meio da
investigação de sua inter-relação com outras categorias e das leis que a abrangem.
Opostos dialéticos são caracterizados pela sua interpenetração e por duas
especificidades: eles estão, reciprocamente, condicionando e, reciprocamente,
excluindo. A primeira especificidade significa que a existência do polo de um par de
opostos está condicionada pela existência do outro polo do par. Por exemplo, na
química, o conceito de entes macroscópicos surge apenas porque ele produz o
conceito oposto de entes microscópicos (ou melhor, submicroscópicos). Não faria
sentido falar em algo macroscópico se não existisse o seu contrário. Dois tipos
diferentes de níveis da realidade foram necessários para justificar os fenômenos
químicos. Dessa maneira, a fonte dos conceitos de condicionamento recíproco entre o
nível macroscópico e o nível submicroscópico é a existência objetiva de dois tipos de
níveis do conhecimento químico tendo sua relação dialética objetiva caracterizada pelo
conceito. Isso significa que a simples designação de símbolos, por exemplo a
representação estrutural de uma molécula orgânica, não expressa em si a relação
dialética entre os níveis. Essa designação deve ser acompanhada por alguma inter-
relação teórica que a justifique.
A forma de ver a realidade química, a partir do que foi explanado, nos coloca,
portanto, em contradição dialética, lidando com dois opostos interpenetrantes: os níveis
macroscópico e submicroscópico possuem uma relação de dependência, na qual um
produz o outro.Isso provoca a impossibilidade de separação, a qual chamamos de
“unidade de contrários”.
Ainda nessa perspectiva, de acordo com Marquit (1981), para que duas
características sejam opostas elas devem ter algo em comum e ser a causa uma da
outra. Para ilustrar essa ideia, ele argumenta que tanto o dia como a noite
correspondem a orientações da superfície da Terra em relação ao Sol. Trazendo para o
campo da discussão química, tanto o nível macro quanto o submicro do conhecimento
químico comungam de um mesmo fenômeno. Por exemplo, podemos evidenciar uma
reação química entre duas substâncias a partir de características macroscópicas, como
mudança de cor do sistema, liberação de gás, variação de temperatura, mudanças nas
propriedades, entre outras. Porém, podemos ir além disso e captar a essência do
fenômeno e explicá-lo, recorrendo ao nível submicroscópico na composição das
substâncias, suas fórmulas estruturais, suas possíveis interações, a predição dos
possíveis produtos, entre outras. Podemos denominar essas características comuns
dos opostos como identidade na diferença.
É possível perceber que captar a essência da realidade implica abstrair – ou
suspender –, momentaneamente, as formas fenomênicas e decodificar as leis
explicativas que regem o desenvolvimento do fenômeno. Isso significa que todo
fenômeno singular contém em si determinações universais (PASQUALINI; MARTINS,
2015).
Outra categoria que é essencial para nossa discussão é a mediação, mais
especificamente, o papel do signo como mediador. Para tratar dessas ideias, tomamos
como base a psicologia histórico-cultural elaborada por Lev S. Vigotski e
contribuidores. Essa concepção compreende a abstração como ferramenta teórica, a
qual atua como mediadora da análise essencial da realidade objetiva e supera
conclusões sustentadas nas definições imediatas da superfície aparente (VYGOTSKI,
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1982; 1991). Dessa forma, a realidade objetiva não pode ser apreendida pela
consciência humana de forma imediata, como uma cópia mecânica exata e fidedigna
do mundo exterior (MARTINS, 2013).
A captação e o domínio das relações essenciais que delineiam os
determinantes da realidade advêm da complexificação dos processos mentais,
conquistada por meio da atividade vital humana – o trabalho social –, a qual se interpõe
nas relações dialéticas de apropriação dos signos da cultura e objetivação das
características essencialmente humanas (Vygotski, 1983; 1995). Assim, a
aprendizagem da química, mais especificamente da química orgânica e de toda a sua
simbologia, não pode ocorrer de forma rasa, superficial, na aparência primária, sendo
necessário estabelecer articulações entre os níveis macro e submicroscópicos e a
totalidade, como também com o movimento dialético, da mesma forma entre o aspecto
material e representacional. Dentro dessas premissas, Vigotski (2009) anunciou o signo
– sua manifestação, especialmente, no significado da palavra – como o elemento
representativo da unidade mínima de análise do psiquismo humano, dado que esta
categoria contém em si as tendências contraditórias elementares, as quais delineiam
os pressupostos de desenvolvimento da consciência. Esta categoria é parte inalienável
do pensamento verbalizado, em que cada palavra sintetiza uma generalização “que
reflete a realidade de um modo completamente diferente de como o fazem as
sensações e percepções imediatas” (Vigotski, 2009, p. 18).
Para a psicologia histórico-cultural, é função do signo promover a mediação
entre o pensamento e a linguagem, não em uma perspectiva associativa, mas, sim, em
uma união de contrários, numa perspectiva dialética. O ato mediado por signo introduz
profundas mudanças no comportamento humano, posto que entre a resposta da
pessoa e o estímulo do ambiente se interpõe o novo elemento designado signo.
Martins (2015) afirma que “o signo, então, opera como um estímulo de segunda ordem
que, retroagindo sobre as funções psíquicas, transforma suas expressões
espontâneas, naturais, em expressões volitivas, culturais” (p. 46, grifos da autora).
Nesse sentido, o que a autora anuncia como estímulos de segunda ordem diz respeito
à cultura e não com os estímulos puramente biológicos.
Vale ressaltar que tanto os instrumentos quanto os signos se incluem no
conceito mais geral de atividade mediadora, isto é, “um tipo de atividade que permite
aos que participem dela exercerem entre si, a partir de suas propriedades essenciais,
uma influência recíproca” (MARTINS, 2015, p. 47). Entretanto, a mesma autora chama
a atenção para o fato de que o conceito de mediação ultrapassa a ideia de uma mera
relação aparente entre coisas, mas está dentro da esfera das intervinculações entre as
propriedades essenciais das coisas, ou seja, algo que se interpõe e ao mesmo tempo
carrega as propriedades tanto de um quanto de outro.
No que confere à discussão deste trabalho, conceber o signo dentro desta
perspectiva psicológica é essencial, pois a química carrega formas de representações
simbólicas que funcionam como signos, como mediadoras da compreensão desta
Ciência.
É preciso evidenciar que essas representações não têm o papel de estabelecer
meramente uma “ponte”, um “elo” ou um “meio” entre, por exemplo, o que tange à
realidade submicroscópica e a macroscópica dos fenômenos químicos designados
através das representações de estruturas moleculares. Ao contrário disso, a mediação
que esses símbolos desempenham é uma interposição que provoca transformação,
carregam as propriedades da realidade macro e submicroscópica, guarda a
intencionalidade socialmente construída e promove desenvolvimento.
entender a matéria, nos moldes atuais, sem a relação dos aspectos macro e submicro
na química. Aspectos esses que são mediados pelas representações.
Apesar das propriedades dos compostos orgânicos em escala macroscópica já
serem observadas há muito tempo, antes mesmo da concepção de partículas
submicroscópicas na ciência, isso não implica que estas não existiam. O que se pode
perceber é que essas partículas já existiam, porém os seres humanos não tinham
sistematização cultural suficiente para compreendê-las. A relação entre essas
dimensões podem ser observadas, por exemplo, quando um químico, trabalhando no
laboratório, elabora a síntese de um composto e, para verificá-lo, utiliza de indícios de
absorção de infravermelho, absorção atômica, entre outros métodos de caracterização
para estabelecer a relação com sua estrutura submicroscópica. Ou seja, ele utiliza de
técnicas experimentais embasadas de teorias, modelos, símbolos representacionais e
de signos para promover a mediação entre a esfera fenomênica da aparência
macroscópica com a esfera da essência microscópica.
Imagine que há, até então, uma fronteira entre os níveis macroscópico e
submicroscópico da realidade. Os seres humanos possuem capacidade de acesso
direto aos fenômenos que acontecem na realidade em nível macro através dos
sentidos ou de instrumentos de detecção. Porém, no que diz respeito ao nível submicro
da realidade, não possuem essa mesma capacidade. No entanto, para ter acesso ao
nível submicroscópico utilizou-se de de conhecimentos conceituais elaborados e
através dos indícios fenomênicos. Deste modo, os seres humanos foram capazes de
inferir sobre essa realidade através de processos de abstração. E são nessas
abstrações (que está em um plano diferente dos níveis do conhecimento macro e
submicro) que se encontram as representações dos entes químicos, exercendo um
papel mediador como, por exemplo, as representações das estruturas de moléculas
orgânicas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com essa discussão, entendemos a importância das ideias de Johnstone
manifestadas no que ficou conhecido como “triângulo de Johnstone”, de modo situado
no seu tempo. Contudo, apontamos que é preciso avançar em termos de discussões
epistemológicas dentro da química, com a finalidade de buscar sanar os problemas
educacionais no que tange à aprendizagem e ao ensino dessa ciência. Tomar as
proposições de autores, como as de Johnstone, sem uma discussão sobre suas razões
de ser levam professores e pesquisadores a se preocuparem com a forma e
esquecerem a natureza dos aspectos propostos.
Entretanto, indicamos que essa discussão sobre níveis do conhecimento
químico, baseada no materialismo histórico-dialético e na psicologia histórico-cultural,
pode render novas compreensões, situando os verdadeiros níveis do conhecimento
químico em seu plano e sobre o real papel mediador das representações dos entes
químicos. Essas novas compreensões podem apontar para pesquisas que objetivem
auxiliar os professores a lidar com as problemáticas em seus processos de ensino e
aprendizagem de química que aparecem na sala de aula.
REFERÊNCIAS
AL-BALUSHI, S.M. The effect of different textual narrations on students’ explanations at
the submicroscopic level in chemistry. Eurasia Journal of Mathematics, Science and
Technology Education, 9(1), 3-10. 2013.
TALANQUER, V. Macro, submicro and symbolic: the many faces of the chemistry
“triplet”. International Journal of Science Education, v. 33, n. 2, p. 179-195, 2011.
VYGOTSKI, L. S. (1995). Obras escogidas (Tomo III). Madrid: Visor. (Trabalho original
publicado em 1983).