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Conflito de lei no espaço e

preenchimento de lacunas jurídicas

Ahyrton Lourenço Neto*


*
Professor de Direito Civil,
Direito do Consumidor e
Direito Internacional Pú-
blico, ministrando aulas
presenciais e telepre-
senciais. Especialista em
Administração Tributária,
pela Universidade Castelo

Conflito de lei no espaço Branco (UCB). Graduado


em Direito, pela Pontifí-
cia Universidade Cató-
lica do Paraná (PUCPR).
Sob a égide do princípio da soberania do Estado, o Estado soberano não Advogado.

está subordinado a leis alienígenas, se assim não o quiser; dessa forma, surge
o princípio da territorialidade, ou seja, a lei produzida em um país terá apli-
cação em seu território.

Mas o princípio da territorialidade não é absoluto; algumas vezes, surge


a necessidade do Estado regulamentar as relações entre nacionais e estran-
geiros, o que permitiu o surgimento do sistema de extraterritorialidade, sem
prejuízo da soberania nacional.

O Brasil adota o princípio da territorialidade moderada. Dessa forma, o Di-


reito alienígena será, em alguns casos, aplicado no Brasil.

 Quanto aos direitos de personalidade – começo e fim da personalidade,


o nome, a capacidade e os direitos de família –, aplica-se o direito do
1
domicílio1, como regra basilar. Domicílio – artigo 70 e
ss. do Código Civil: Art. 70.
O domicílio da pessoa na-
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, tural é o lugar onde ela es-
tabelece a sua residência
com ânimo definitivo.
Art. 7.º A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o
fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.

 Casamentos no Brasil – aplica-se a lei brasileira (impedimentos e for-


malidades).
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,

Art. 7.º [...]

§1.º Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos
impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração.

 Casamento no Brasil de estrangeiros de mesma nacionalidade, domici-


liados no Brasil – pode ser feito no consulado do país.
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Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,

Art. 7.º [...]

§2.º O casamento de estrangeiros poderá celebrar-se perante autoridades diplomáticas ou


consulares do país de ambos os nubentes. (Redação dada pela Lei nº. 3.238, de 1º.8.1957)

 Se os nubentes forem de nacionalidade diferente deve ser realizado


por autoridade brasileira.

 O casamento de ambos os nubentes brasileiros no exterior pode


ser feito perante autoridade consular brasileira.

 Não pode ocorrer no consulado brasileiro casamento de brasileiro


com estrangeira.

 Autoridade Consular Brasileira – competente para realizar casa-


mentos, e atos de Registro Civil e de Tabeliães.
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,

Art. 18. Tratando-se de brasileiros, são competentes as autoridades consulares brasileiras


para lhes celebrar o casamento e os mais atos de Registro Civil e de tabelionato, inclusive
o registro de nascimento e de óbito dos filhos de brasileiro ou brasileira nascido no país
da sede do Consulado. (Redação dada pela Lei nº. 3.238, de 1º.8.1957)

Art. 19. Reputam-se válidos todos os atos indicados no artigo anterior e celebrados pelos
cônsules brasileiros na vigência do Decreto-lei nº. 4.657, de 4 de setembro de 1942, desde
que satisfaçam todos os requisitos legais. (Incluído pela Lei nº. 3.238, de 1º.8.1957)

Parágrafo único. No caso em que a celebração desses atos tiver sido recusada pelas
autoridades consulares, com fundamento no artigo 18 do mesmo Decreto-lei, ao
interessado é facultado renovar o pedido dentro em 90 (noventa) dias contados da data
da publicação desta lei. (Incluído pela Lei nº. 3.238, de 1º.8.1957)

 Invalidade de casamento de nubentes com domicílio diverso – lei do


primeiro domicílio do casal.
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,

Art. 7.º [...]

§3.º Tendo os nubentes domicílio diverso, regerá os casos de invalidade do matrimônio a


lei do primeiro domicílio conjugal.

 Casamento – regime de bens – lei do país do domicílio do casal ou do


primeiro domicílio conjugal.
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,

Art. 7.º [...]

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§4.º O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os
nubentes domicílio, e, se este for diverso, a do primeiro domicílio conjugal.

 Estrangeiro casado ao naturalizar brasileiro pode alterar o regime de


bens – comunhão parcial de bens – anuência do cônjuge.
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,

Art. 7.º [...]

§5.º O estrangeiro casado, que se naturalizar brasileiro, pode, mediante expressa anuência
de seu cônjuge, requerer ao juiz, no ato de entrega do decreto de naturalização, se apostile
ao mesmo a adoção do regime de comunhão parcial de bens, respeitados os direitos de
terceiros e dada esta adoção ao competente registro. (Redação dada pela Lei nº. 6.515, de
26.12.1977)

 Divórcio no exterior de brasileiros pode ser reconhecido no Brasil – ob-


servadas as normas do Código Civil Brasileiro e homologada a senten- 2
Atenção à EC 45/2004.
ça estrangeira pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ)2. Art. 105, I, “i” da CF.

Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,

Art. 7.º [...]

§6.º O divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, só


será reconhecido no Brasil depois de 1 (um) ano da data da sentença, salvo se houver sido
antecedida de separação judicial por igual prazo, caso em que a homologação produzirá
efeito imediato, obedecidas as condições estabelecidas para a eficácia das sentenças
estrangeiras no país. O Superior Tribunal de Justiça, na forma de seu regimento interno,
poderá reexaminar, a requerimento do interessado, decisões já proferidas em pedidos de
homologação de sentenças estrangeiras de divórcio de brasileiros, a fim de que passem
a produzir todos os efeitos legais. (Redação dada pela Lei 12.036 de 1º de outubro de
2009).

 Domicílio familiar – cônjuge e filhos não emancipados/incapazes –


rege pelo domicílio do chefe de família ou tutor ou curador.
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,

Art. 7.º [...]

§7.º Salvo o caso de abandono, o domicílio do chefe da família estende-se ao outro cônjuge
e aos filhos não emancipados, e o do tutor ou curador aos incapazes sob sua guarda.

 Pessoa sem domicílio – lugar da residência ou lugar que se encontre.


Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,

Art. 7.º [...]

§8.º Quando a pessoa não tiver domicílio, considerar-se-á domiciliada no lugar de sua
residência ou naquele em que se encontre.

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 Bens – qualificação e relações concernentes – aplica-se a lei da situa-


ção da coisa (lex rei sitae).
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,

Art. 8.º Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei
do país em que estiverem situados.

 Bens móveis que trouxer ou que forem transportados para outros lu-
gares – aplica-se a lei do domicílio do proprietário.
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,

Art. 8.º [...]

§1.º Aplicar-se-á a lei do país em que for domiciliado o proprietário, quanto aos bens
móveis que ele trouxer ou se destinarem a transporte para outros lugares.

3
Penhor é um direito real  Penhor3 – aplica-se a lei do domicílio do possuidor da coisa.
que consiste na tradição
de uma coisa móvel ou
mobilizável, suscetível de
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,
alienação, realizada pelo
devedor ou por terceiro ao
credor, a fim de garantir o
Art. 8.º [...]
pagamento do débito.
§2.º O penhor regula-se pela lei do domicílio que tiver a pessoa, em cuja posse se encontre
a coisa apenhada.

 Obrigações – qualificar e reger – lei do país que se originar a obrigação,


mesmo que a execução tenha que ser aplicada no Brasil e observar a
forma alienígena.
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,

Art. 9.º Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se
constituírem.

§1.º Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial,


será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos
extrínsecos do ato.

 Obrigação decorrente de contrato – residência do proponente.


Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,

Art. 9.º [...]

§2.º A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o


proponente.

 Sucessão causa mortis ou ausência – rege-se pela lei do último domicí-


lio do de cujus ou do ausente.

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Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,

Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o
defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens.

 Sucessão de bens no Brasil – aplica-se a lei mais favorável, brasileira ou


estrangeira.
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,

Art. 10. [...]

§1.º A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei brasileira
em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que
não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus. (Redação dada pela Lei nº. 9.047, de
18.5.1995)

 Sucessão – capacidade para suceder – aplica-se a lei do domicílio do


herdeiro.
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,

Art. 10. [...]

§2.º A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder.

 Sociedades e fundações – aplica-se a lei da sua Constituição, mas para


ter filiais no Brasil devem ter aprovação do governo federal, e aplica-se
então a lei brasileira.
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,

Art. 11. As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as


fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituírem.

§1.º Não poderão, entretanto, ter no Brasil filiais, agências ou estabelecimentos antes
de serem os atos constitutivos aprovados pelo Governo brasileiro, ficando sujeitas à lei
brasileira.

 Governo estrangeiro e organizações pertencentes a Estados sobera-


nos não podem adquirir imóveis no Brasil, salvo prédios para ativida-
des diplomáticas.
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,

Art. 11. [...]

§2.º Os Governos estrangeiros, bem como as organizações de qualquer natureza, que


eles tenham constituído, dirijam ou hajam investido de funções públicas, não poderão
adquirir no Brasil bens imóveis ou susceptíveis de desapropriação.

§3.º Os Governos estrangeiros podem adquirir a propriedade dos prédios necessários à


sede dos representantes diplomáticos ou dos agentes consulares.

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 Réu domiciliado no Brasil ou cumprindo obrigações no Brasil – aplica-


-se a lei brasileira, no tocante à competência jurisdicional.
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,

Art. 12. É competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no
Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação.

 Imóveis situados no Brasil – competência exclusiva do Poder Judiciário


brasileiro para julgar.
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,

Art. 12. [...]

§1.º Só à autoridade judiciária brasileira compete conhecer das ações, relativas a imóveis
situados no Brasil.

 Ordem estrangeira – compete à autoridade judiciária brasileira dar


exequatur nos termos da legislação brasileira, quanto à forma, e da lei
estrangeira, quanto ao objeto.
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,

Art. 12. [...]

§2.º A autoridade judiciária brasileira cumprirá, concedido o exequatur e segundo a forma


estabelecida pela lei brasileira, as diligências deprecadas por autoridade estrangeira
competente, observando a lei desta, quanto ao objeto das diligências.

 Produção de provas – leis do país que foram produzidas – no entanto, a


lei brasileira não conhecerá as formas de provas não previstas no Brasil.
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,

Art. 13. A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar,
quanto ao ônus e aos meios de produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas
que a lei brasileira desconheça.

 Se o juiz não conhecer a lei estrangeira, à parte que alegar cabe fazer
prova do estipulado.
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,

Art. 14. Não conhecendo a lei estrangeira, poderá o juiz exigir de quem a invoca prova do
texto e da vigência.

 Sentença estrangeira – validade no Brasil, desde que preenchidos os


requisitos:

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 proferida por juiz competente no exterior;

 haver citação válida ou revelia;

 estar a decisão sem possibilidade de recurso (transitada em julga-


da) e estar passível de execução para o direito estrangeiro;

 estar traduzida por intérprete autorizado;

 ter sido homologada pelo Superior Tribunal de Justiça4. 4


Vide artigo 105, “i” da
CF/88, acrescentado pela
EC 45/2004.
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,

Art. 15. Será executada no Brasil a sentença proferida no estrangeiro, que reúna os
seguintes requisitos:

a) haver sido proferida por juiz competente;

b) terem sido os partes citadas ou haver-se legalmente verificado à revelia;

c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para a execução
no lugar em que foi proferida;

d) estar traduzida por intérprete autorizado;

e) ter sido homologada pelo Supremo Tribunal Federal.

Atenção
Foi revogado pela Lei 12.036/2009 o dispositivo da Lei de Introdução
5
às Normas do Direito Brasileiro, que determinava que não dependiam de Na lição do Exmo. Minis-
tro do STJ, professor Teori
homologação as sentenças meramente declaratórias5. Albino Zavascki: a ação
puramente declaratória, e,
portanto, a sentença que
nela vier a ser proferida,
tem por objeto, segundo
Na homologação de sentenças estrangeiras, a análise do juízo é apenas o artigo 4.º do CPC, a de-
claração “da existência ou
sobre a forma do ato. O juiz analisa apenas se o ato ou a decisão ofende a inexistência de relação
jurídica” ou “da autenti-
ordem pública, a soberania nacional ou o bom costume e, caso não ofen- cidade ou falsidade de
documento”. Segundo os
dam, o juiz não faz análise de mérito, caso ofendam não são aplicáveis. padrões tradicionais, não
compõe seu objeto o juízo
a respeito da violação da
norma individualizada ou
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, da sanção corresponden-
te. A declaração de certe-
za, nestas ações, refere-se,
Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de como ensinava Calaman-
vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem drei, ao preceito primário
pública e os bons costumes. (“no transgredido todavia,
pero incierto”) e não ao
mandado sancionatório.
Não é necessária a homologação de cartas rogatórias (pois sem caráter (ZAVASCKI, 2010).

executivo) e execução de título executivo extrajudicial oriundo de estado


estrangeiro (CPC, art. 585, §2.º).

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Art. 585. [...]

§2.º Não dependem de homologação pelo Supremo Tribunal Federal, para serem
executados, os títulos executivos extrajudiciais, oriundos de país estrangeiro. O título,
para ter eficácia executiva, há de satisfazer aos requisitos de formação exigidos pela lei
do lugar de sua celebração e indicar o Brasil como o lugar de cumprimento da obrigação.
(Redação dada pela Lei nº. 5.925, de 1º.10.1973)

Preenchimento de lacunas jurídicas


O legislador, ao elaborar as leis, deve atentar pela clareza e aplicabilidade
prática da norma criada, contudo, a lei elaborada será sempre geral (genéri-
ca), com o objetivo de abranger o maior número de situações possível.

Por essa generalidade, o legislador não conseguirá abranger todas as si-


tuações no presente, tampouco as futuras. Como o juiz não pode se eximir
de julgar, sob o pretexto de que inexiste lei ou que a lei é omissa, a Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro orienta como as lacunas jurídicas
devem ser preenchidas.
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,

Art. 4.º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os
costumes e os princípios gerais de direito.

CPC,

Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade
da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo,
recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito. (Redação dada pela
Lei nº. 5.925, de 1º.10.1973)

Dessa forma, o juiz, no caso concreto, por intermédio da integração do


ordenamento jurídico e das normas, não deixará nenhum caso sem decisão.

Mas o juiz deve observar uma hierarquia na utilização dos mecanismos


de solução de lacunas. Deve utilizar a analogia primeiramente, pois, como
a lei para o sistema jurídico brasileiro é a principal fonte formal, o juiz deve
buscar em primeiro plano uma solução em uma outra norma, para depois
utilizar outros mecanismos.

Analogia
A analogia consiste na aplicação de uma norma jurídica constituída para
um caso a uma outra determinada situação de fato semelhante, entendida
na expressão romana: ubi eadem ratio, ibi idem jus.
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Alguns autores distinguem analogia legis (aplicar uma norma existente


ao caso concreto sem norma específica) da analogia juris (aplicar um con-
junto de normas, para obter elementos que permitam a aplicabilidade para
solucionar um caso concreto sem lei específica). Exemplo: a Lei 2.681/12,
que regulamenta a responsabilidade das companhias de estrada de ferro
no transporte de passageiros e bagagens, pode ser aplicada por analogia a
todas as espécies de transporte coletivo terrestre, de pessoa ou bagagem,
ante à falta de legislação específica.

Costume
O costume resulta da prática geral, uniforme, constante, pública de atos
pelas pessoas, com a convicção de sua necessidade jurídica. A repetição ge-
neralizada e reiterada de certos atos praticados é o elemento material do
costume.

A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro estabelece o costume


como forma supletiva de lacunas jurídicas, mas o juiz somente pode aplicá-
-lo se esgotados os meios de aplicação da analogia.

O costume é composto de dois elementos: o uso (elemento externo) e a


convicção da necessidade jurídica (elemento interno).

Existem três espécies de costume:

 secundum legem – quando a prática do costume leva ao reconheci-


mento da lei;

 praeter legem – quando a prática do costume visa complementar uma


lei omissa (ex.: cheque pré-datado);

 contra legem – quando a prática usual é contrária ao dispositivo legal.


Contudo, juridicamente o costume não revoga ou modifica a lei.

Princípios gerais do Direito


O juiz, não encontrando uma resposta ideal na analogia ou no costume,
poderá utilizar-se dos princípios gerais do Direito para alcançar uma respos-
ta justa à lacuna legal.

Os princípios gerais do Direito são constituídos pelas regras gerais, que se


encontram na consciência coletiva e são universalmente reconhecidas.

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Algumas estão positivadas e outras tantas encontram-se apenas no in-


consciente coletivo, como, por exemplo:

 “dai a César o que é de César”, ou seja, ninguém pode lesar o próximo,


6
regra consubstanciada no artigo 186 do CC6;
Art. 186. Aquele que, por
ação ou omissão voluntá-
ria, negligência ou im-
prudência, violar direito
 ninguém pode se enriquecer ilicitamente (CC, arts. 1.226, 1.220 etc.);
e causar dano a outrem,
ainda que exclusivamente
moral, comete ato ilícito.  ninguém pode alegar o desconhecimento da norma para não cumpri-
-la (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, art. 3.º);

 “ninguém pode se prevalecer da própria torpeza”;

 “a boa-fé é presumida”;

 “ninguém pode transferir direitos que não tem”;

 “deve-se prevalecer mais aquele que tenta evitar um dano do que


aquele que busca um ganho”; entre outros.

Equidade
A equidade consiste na aplicação do “bom senso” para solucionar um pro-
blema jurídico, é a aplicação do princípio da razoabilidade na aplicação da
lei ao caso concreto, ou, em latim, ars boni et aequi – arte do bom e do justo,
princípio formador do Direito da Antiguidade Clássica.

Importante salientar que a equidade não está presente na Lei de In-


trodução às Normas do Direito Brasileiro como meio de solução de lacu-
nas legais, mas é um recurso para auxiliar o preenchimento.

Dessa forma, somente pode ser utilizada quando a lei assim previr, como
é o caso do artigo 127 do CPC, ou nas hipóteses em que o legislador formula
várias alternativas e determina que o juiz escolha a melhor, no caso concreto,
como ocorre nos artigos 1.586 ou 1.740, II, ambos do CC.
CPC,

Art. 127. O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei.

CC,

Art. 1.586. Havendo motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos,
regular de maneira diferente da estabelecida nos artigos antecedentes a situação deles
para com os pais.

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[...]

Art. 1.740. Incumbe ao tutor, quanto à pessoa do menor:

II - reclamar do juiz que providencie, como houver por bem, quando o menor haja mister
correção;

[...]

Resolução de questão
1. (Esaf ) Assinale a opção correta.

a) A analogia juris é a aplicação de uma norma que rege caso semelhan-


te ao não previsto.

b) O princípio da territorialidade pode e deve ser sempre aplicado de


modo absoluto.

c) Os princípios gerais de direito são normas de valor genérico que


orientam a compreensão do ordenamento jurídico, em sua aplicação
e integração, estejam ou não positivadas.

d) É irretroativa a norma que se aplica a qualquer situação jurídica cons-


tituída anteriormente.

e) A derrogação é a supressão total da norma anterior.

Assertivas:

a) Errada. Analogia juris ou jus é aplicar um conjunto de normas, para


obter elementos que permitam a aplicabilidade para solucionar um
caso concreto, sem lei específica.

b) Errada. O princípio da territorialidade não é absoluto; algumas vezes,


surge a necessidade do Estado regulamentar as relações entre nacio-
nais e estrangeiros, o que permite o surgimento do sistema de extra-
territorialidade, sem prejuízo da soberania nacional.

c) Certa.

d) Errada. A irretroatividade das normas não é absoluta, pois, por razões


de política legislativa, podem recomendar que em determinada situa-
ção a nova lei seja retroativa, atingindo os efeitos jurídicos praticados
sob o império da norma revogada.

e) Errada. É a supressão parcial da norma.

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Atividades de aplicação
1. (Esaf ) A analogia juris:

a) surge do fato de que as notas, que trazem a tônica da semelhança de um


objeto a outro, convenham ao segundo em grau distinto do primeiro.

b) é o argumento consistente em ter por ordenado ou permitido, de


modo implícito, algo menor do que o que está determinado ou auto-
rizado expressis verbis.

c) parte do fato de que uma disposição normativa inclui certo compor-


tamento num modo deôntico, excluindo-se de seu âmbito qualquer
outra conduta, isto é, um comportamento “C” estando proibido, qual-
quer conduta “não C” está permitida.

d) estriba-se num conjunto de normas, para extrair elementos que possibi-


litem sua aplicabilidade ao caso concreto não contemplado, mas similar.

e) consiste em passar da validade de uma disposição normativa menos


extensa para outra mais ampla, necessitando-se, para tanto, do auxí-
lio de valorações.

2. (Esaf ) Aponte a opção correta.

a) O costume contra legem é o que se forma em sentido contrário ao da


lei, mas não seria o caso de consuetudo abrogatoria, implicitamente re-
vogatória das disposições legais, nem da desuetudo, que produz a não
aplicação da lei, uma vez que a norma legal passa a ser letra morta.

b) A analogia juris estriba-se num conjunto de normas para extrair ele-


mentos que possibilitem sua aplicabilidade ao caso concreto não pre-
visto, mas similar.

c) Os princípios gerais do direito não são normas de valor genérico, nem


orientam a compreensão do direito, em sua aplicação e integração.

d) São condições para a vigência do costume sua continuidade, diutur-


nidade e não obrigatoriedade.

e) Não há possibilidade de existirem, no ordenamento jurídico, princí-


pios e normas latentes capazes de solucionar situações não previstas,
expressamente, pelo legislador.

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3. (Esaf ) Assinale a opção errônea.

a) A hermenêutica é a teoria científica da arte de interpretar.

b) A técnica interpretativa lógica pretende desvendar o sentido e o al-


cance da norma, mediante seu estudo, por meio de raciocínios lógi-
cos, analisando os períodos da lei e combinando-os entre si, com o
escopo de atingir perfeita compatibilidade.

c) Para integrar a lacuna, o juiz recorre, preliminarmente, à analogia, que


consiste em aplicar a um caso não previsto de modo direto ou especí-
fico por uma norma jurídica uma norma que prevê hipótese distinta,
mas semelhante ao caso não contemplado.

d) A derrogação é a supressão total da norma anterior e a ab-rogação


torna sem efeito uma parte da norma.

e) O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei.

Dica de estudo
Muito importante o estudo das expressões em latim, embora as pessoas
a considerem uma língua morta, não é para o Direito.

O Direito brasileiro é extremamente influenciado pelo Direito romano,


dessa forma, quando aparecem expressões em latim, atenção redobrada,
pois não são raras as questões de provas em latim e, se você não souber o
significado, não responde a prova.

Referências
BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria Geral do Direito Civil. 4. ed. Brasília: Ministério da Jus-
tiça, 1972.

CRETELLA JÚNIOR; José. Curso de Direito Romano: o Direito Romano e o Direito


Civil Brasileiro no Novo Código Civil. 30. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: teoria geral do Direito
Civil. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 1.

GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2007.

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GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil – parte geral. 13. ed. São Paulo: Saraiva,
2003. (Coleção Sinopses Jurídicas).

______. Direito Civil – parte geral. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. (Coleção Sinop-
ses Jurídicas).

LIMONGI FRANÇA, R. Forma do Ato Jurídico. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 192.
(Enciclopédia Saraiva do Direito). v. 38.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil – parte I. 32. ed. São
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Gabarito
1. D

2. B

3. D

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