Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
éri
eCo
ncu
rso
s
0
Formação Humanística
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
1
2
Formação Humanística
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
2ª Edição
Porto Alegre
2013
3
Catalogação na Fonte
P116f Pacheco, Antônio Marcelo
Formação humanística / Antônio Marcelo Pacheco. –
2.ed. – Porto Alegre : Verbo Jurídico, 2013.
398 p. ; 21 cm.
ISBN: 978-85-7699-318-6
CDD 340.1
Bibliotecária Responsável
Ginamara DE Oliveira Lima
CRB 10/1204
Porto Alegre, RS
Av. Ipiranga, 2899 - Porto Alegre, RS
(51) 3076-8686
São Paulo, SP
Av. Paulista, 1.159 - conj. 411
Fone: (11) 3266-2724
Curitiba, PR
Rua Cândido de Abreu, 526 - Sala 611 B
verbojuridico@verbojuridico.com.br
www.verbojuridico.com.br
4
Formação Humanística
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
5
2.3 Do Conceito de Sociologia aplicado ao Direito .......................................129
2.4 Direito, Comunicação Social e opinião pública .......................................142
2.5 Introdução à sociologia da administração judiciária................................152
2.6 Conflitos sociais e mecanismos de resolução. Sistemas não
judiciais de composição de litígios .......................................................160
2.7 A importância de Augusto Comte para o pensamento sociológico e
a sua influência no positivismo jurídico ................................................174
2.8 Da crise do Estado, da Regulação e da Governamentalidade em
uma sociedade complexa .....................................................................183
2.8.1 O problema jurídico da regulação estatal enquanto ponto de
partida em relação à teoria do direito: crônica de uma morte
anunciada .............................................................................................183
2.8.2 A Posição Central do Estado no Normativismo Social-Jurídico ...........191
2.8.3 A Análise Econômica do Direito ...........................................................203
2.8.4 As Teorias Regulatórias Contemporâneas ..........................................206
6
Formação Humanística
7
8
Formação Humanística
9
10
Formação Humanística
INTRODUÇÃO
11
segura viagem por uma arqueologia do saber, uma vez que todos eles são
‘intelectuais orgânicos’ na melhor acepção do que disse o pensador itali-
ano Antonio Gramsci.
Neste sentido, os temas são apresentados com certo grau de pro-
fundidade, mas nunca a ponto de se tornarem enfadonhos ou mesmo re-
dundantes. As discussões teóricas que se apresentam somente servem
como substrato teórico para o momento em que os postulantes, sozinhos,
tiverem que enfrentar as questões. Busca-se construir com a apresentação
dos temas aqui destacados os elementos para a dissertação da resposta ao
qual o futuro postulante do cargo público no poder judiciário será subme-
tido; é verdade que, em alguns momentos, se busca provocá-lo, pois ne-
nhuma leitura pode se dar sem um mínimo de prazer, pois sem este ingre-
diente se sabe que é praticamente impossível seduzir o leitor e permitir
com que ele possa digerir os conteúdos que são aqui apresentados.
Contudo, cada leitor carrega a sua expectativa, cada um trás o
seu próprio olhar e todo o olhar ao texto é sempre um olhar comprometi-
do, medido pelo seu interesse. Quer dizer que alguns vão encontrar neste
livro apenas mais um material para um difícil concurso, como todo e
qualquer concurso é hoje em dia – um conjunto de perguntas e respostas,
de preferência ao encontro do que quer o examinador; enquanto alguns
outros poderão encontrar o estímulo para buscar, mais tarde, um aprofun-
damento qualificado dos autores, das idéias aqui destacados.
Enfim, todos poderão encontrar uma bússola, que é o que se
espera, sinceramente. Mas é uma bússola incompleta, pois não há como
se operar milagres sem uma certa dose de cada um que passa pela impor-
tante condição da leitura dos temas, sempre buscando nela uma forma de
compreensão.
Não poderia deixar de destacar que este livro é o resultado de
uma insistência, mias uma vez, de uma crença e de uma determinação que
não passa por este autor. Devo, sinceramente, afirmar que este livro é
fruto da perseverança do Dr. Nylson Paim de Abreu Filho que sempre
acreditou no projeto e na capacidade do autor em buscar realizá-lo. Da
mesma forma, não se poderia deixar de lembrar o apoio e amizade do Dr.
Ricardo que, em muitas situações precisou suportar as dificuldades e
tensões apresentadas ao longo do devir deste livro, isto é, das limitações
do próprio autor.
Contudo, este livro, na sua segunda edição é também o resultado
e o reconhecimento dos alunos que o buscaram, que encontraram nas
intenções do autor a clareza de que se buscou construir um meio, um
12
Formação Humanística
instrumento de auxílio para que nessa trajetória não se sentissem tão per-
didos. Mas importa afirmar que houve uma alteração significativa da
primeira edição para a segunda: a entrada do auto no Doutorado de Socio-
logia da UFRGS.
A experiência do doutorado, a partir das discussões com o pro-
fessor Doutor José Vicente Tavares dos Santos, do professor Alex Niche
Teixeira, do professor Raúl Rojo foram decisivas para que eu pudesse
repensar algumas afirmações.
Igualmente, a experiência como pesquisador do Grupo de Vio-
lência e Cidadania, da UFRGS, a partir de todos que ali labutam para a
construção de uma efetiva cidadania cidadã, especialmente na professora
doutora Rochelle Fellini Fachineto e na incrível e insuperável e impres-
sionante digna colega, secretária, amiga Luciana Santos me fortaleceram
a continuar a escrever esta segunda edição quando tudo parecia que não
conseguiria.
Mas, não posso deixar de citar o colega, amigo e ‘irmão’ Gabriel
Eidelwein Silveira, pela sempre incrível genialidade apesar da sua preco-
ce juventude, que me tem servido de apoio, aprendizagem e camaradagem
quando o desespero intelectual bate com força num cenário ainda tão
pobre de discussões.
A todos o meu muito obrigado!
O que se espera é que o sonho de se construir um conhecimento
que possa, realmente, ser útil, e não somente mais uma projeção da vaida-
de intelectual deste autor, uma vaidade que se não for servir aos sujeitos
não tem sentido de ficar guardada para apenas alguns iniciados, tenha
sido alcançado.
Também não posso deixar de destacar que as modificações que
aconteceram da primeira para a segunda edição resultam de um processo
de maturação que se deve muito ao fato de que cada vez mais acredito na
possibilidade de se construir um agente público responsável, sensível e
capaz de jamais perder o olhar para e pelo social.
Igualmente, esta segunda edição deste livro de Formação Huma-
nística permitiram-me uma condição mais privilegiada à reflexão a partir
das mudanças apresentadas pelas bancas examinadoras, que me obriga-
ram a construir novas abordagens, por exemplo, sobre Augusto Comte
que passaram a estarem presentes desde aquela primeira fase dos concur-
sos públicos para os dias atuais.
Repito, sou grato ao Grupo de Pesquisa e Violência da UFRGS,
mais uma vez em especial aos professores Doutores José Vicente Tavares
13
dos Santos, Alex Niche Teixeira que com uma postura intelectual ética e
cidadã me mostraram o caminho para transformar o sonho de uma socie-
dade mais solidaria e responsável. O primeiro, um exemplo de intelectual
e ser humano, o segundo, não menos intelectual e ser humano, mas res-
ponsável pela minha saída do obscurantismo ao qual me havia imposto.
Sem estes dois professores, o primeiro o meu orientador e o segundo uma
espécie de co-orientador só posso dizer que sou eternamente grato.
Repito: também devo a todos os colegas desse grupo que são
uma família que luta, resiste e transforma unida o a esperança de construir
uma sociedade com maior segurança pública.
Por último, mas não menos importante, à minha esposa Suzana
Ávila Vieira, companheira que nunca criticou minhas inquietações, ao
contrário, quando tudo estava perdido, jamais desistiu, abriu mão de mim,
bem como a Eduarda Ávila Vieira Azambuja Pacheco, minha filha, minha
linda menina Down, que me oportunizou descobrir no coração, na pele o
real significado do preconceito e assim, me permitiu uma autodescoberta
que me levou a uma reconstrução sem a qual, eu não seria nada!
Esperamos, assim, que este livro, este ‘manual’, possa contribuir,
objetivamente ao longo, solitário, angustiante e decisivo processo de
preparação dos futuros pretendentes às carreiras jurídicas, mas, acima de
tudo, que lhes promova o mais importante neste que é reconhecido, pela
doutrina tradicional como os principais ‘operadores do direito’: a vontade
de conhecer para compreender e assim, talvez decidir de uma forma que
se não for mais justa, pelo menos, mais próxima não da verdade, ausente
do mundo jurídico, mas do bom senso, da cidadania, condições de uma
possível e responsável humanidade.
14
Formação Humanística
Capítulo I
FILOSOFIA DO DIREITO
15
discordar pelos mais variados motivos quanto às formas de repartição
dos benefícios e do ônus gerado no convívio social.
Este espaço social, formado por pessoas, não a priori por hu-
manos, uma vez que somente em relação às pessoas é que se pode
compreender a existência do direito, da lei é ponto de tensão constante
entre pulsões individuais e regras sociais, coletivas.
Diante do aumento constante da violência urbana noticiada pela
mídia e cada vez mais próxima da realidade de toda e qualquer pessoa
quer em bairros e ‘cidades’ de zonas nobres, quer em bairros e cidades
onde a pobreza predomina, reduzindo cada vez mais a distância entre
sujeitos de condutas ‘boas’ e ‘ruins’, pela presença de crimes sem
nenhuma justificativa em que o medo transborda sem nenhum contro-
le, surge a indagação inevitável: afinal, o que é justiça? Qual seu papel
na sociedade? Ainda é possível alguma presença da justiça em socie-
dades complexas?
Tais questionamentos nos remetem a estudos desenvolvidos por
observadores das mais diversas áreas do conhecimento produzindo
não só respostas multidisciplinares, mas reflexões sobre os caminhos
que podem ser percorridos na busca da melhoria da qualidade de vida.
Pergunta-se, no primeiro momento sobre a possibilidade de mobilizar
a sociedade para atingir o nível de violência zero. Pode-se almejar
alcançá-la em período mais longo com resultados mais efetivos envol-
vendo toda a sociedade?
Num primeiro momento o que se destaca é que a única resposta
para todos estes questionamentos tem uma natureza negativa. A justi-
ça é um mito, ao qual o sujeito racional precisa romper, se libertar,
mesmo com todas as consequências que esta ‘descoberta do fogo’
possa acarretar. Espera-se que, pelo menos dessa vez nenhum PRO-
METEU se intrometa nesse processo particular do sujeito humano.
Contudo, ainda que esperando encontrar algum espaço para a
presença desse mito na sociedade, a atual, complexa em sua própria
complexidade, dá mostras de que o campo esperado para a justiça é
16
Formação Humanística
17
Um conceito determinado de Constituição pode ser assim com-
preendido como um justo meio para a realização de uma sociedade
mais controlável, ainda que essa regra pareça estar se liquefazendo
atualmente.
O conceito de justiça é usado de forma diferenciada por mora-
listas e juristas, uma vez que os primeiros buscam na justiça uma qua-
lidade subjetiva do indivíduo, isto é, o exercício de sua vontade, uma
virtude; e, os juristas percebem na justiça uma exigência essencial da
vida social. É o caso do jurista Gustav Radbruch que chega a afirmar
que ao jurista só interessa a justiça, considerada em seu sentido obje-
tivo.
Para muitos autores tal conceito de justiça é um princípio supe-
rior da ordem social. Tal percepção, importante de ser destacada em
uma prova dissertativa de concurso, é uma mitologização, uma vez
que tal conceito é sempre uma idealização. (importa esse destaque na
medida em que nos limites de uma prova dissertativa de seleção, o
candidato ao cargo na magistratura deixe claro que toda a constru-
ção do ordenamento jurídico está condicionada à busca e à crença
neste conceito matriz do Poder Judiciário).
Buscando-se objetivá-la, por extensão, a palavra justiça é tam-
bém empregada como referência ao Poder Judiciário e aos seus órgãos
incumbidos de dar uma solução ‘justa’ aos casos que lhe são submeti-
dos.
É esse o sentido do vocábulo quando se assevera sobre recorrer
à “Justiça” ou quando se refere ao Diário da Justiça, Palácio da Justi-
ça, Tribunal de Justiça, Secretaria da Justiça, cartório, juizado, juízo
dentre outros.
Nesta busca de objetivação do conceito de justiça se pode ano-
tar uma normativização que se busca associar ao conceito certa carga
de dever-ser, isto é, de alguma força imperativa sobre as ações que se
espera dos sujeitos sociais. A justiça enquanto simples valor, ideal não
tem o condão de se justificar como instituto fundante da ordem social,
18
Formação Humanística
19
vel a sua visão do conceito ele precisou de uma sociedade igualmente
idealizada.
Platão buscou um olhar sobre uma existência além da própria
física, na medida em que não percebeu no meio em que se encontrava
as condições necessárias para a comprovação daquilo que pretendia
para os sujeitos. Seu mundo, ainda que antropocêntrico estava desde
sempre marcado por um paradoxo idealizante.
Foi, contudo, Aristóteles que marcou o pensamento ocidental
com um olhar muito próximo da mundanidade de seus conterrâneos,
condenados a representar o espaço experimental do seu olhar. Discí-
pulo de Platão e reconhecido por Augusto Comte como o ‘príncipe
dos filósofos’, foi um dos primeiros a constituir um olhar sobre o con-
ceito de justiça, contribuindo, assim, como um dos principais referen-
ciais em torno de tal conceito, uma vez que ele compreendia o concei-
to de justiça num sentido mais amplo, sem, contudo, perder a noção da
própria realidade social.
O mundo de Aristóteles era um mundo possível, formado não
por tipos ideais, mas por sujeitos que sobreviviam no seu dia-a-dia,
manifestando as suas contradições e conflitos, tanto em locais tão
comuns quanto ‘um mercado’, quanto em espaços de discussão reser-
vados aos mais capazes.
Particularmente na obra ÉTICA A NICÔMACOS, onde apre-
senta uma vigorosa observação e reflexão sobre a justiça, Aristóteles
funda os dados iniciais sobre o tema com tal intensidade que esse é
um dos livros mais conhecidos entre os juristas, fundamentalmente o
Livro V desta obra em que aprofunda a sua compreensão, num olhar
que beira a sociologia mais do que a própria filosofia.
Um dos primeiros aspectos que se pode perceber é a aproxima-
ção (não uma condição de sinonímia) que faz entre justiça e virtude,
uma vez que percebe esses dois conceitos a partir de uma facticidade
fenomenológica, pois toda a compreensão da justiça e da virtude está
na própria atividade do homem que revela ao mesmo tempo que cons-
20
Formação Humanística
21
Em outro sentido, o justo é quem observa a Lei, respeitando a
igualdade e a equidade. A equidade é aqui fundamento essencial para
a ideia de justiça em Aristóteles, pois ela consiste numa
adaptação/aplicação de uma regra existente a uma situação concreta,
e ao buscar essa adpatação sem perder os limites da igualdade e da
justiça a equidade permite uma melhor capacidade de adaptação da
regra a um caso específico, o que lhe permite ao fim deixá-la mais
justa.
Como destaca Aristóteles
“O equitativo é justo, superior a uma espécie de justiça – não à
justiça abosluta, mas ao erro proveniente do caráter absoluto da
disposição legal. E essa é a natureza do equitativo: uma correção
da lei quando ela é deficiente em razão de sua universalidade”
22
Formação Humanística
2 Idem, p.130.
3 JUNIOR, Tércio Sampaio. Estudos de Filosofia do Direito. Reflexões sobre o poder, a liber-
dade, a injustiça e o direito. Editora Atlas, 2003, p.180-181.
23
relação a si próprio, pois a iniquidade é o fundamento de sua percep-
ção do entorno (os outros e o ambiente).
Importa destacar que a justiça e a virtude, como a justiça e a i-
gualdade também não são elementos absolutamente iguais, pois na
essência são distintas: a primeira, a justiça, é uma disposição do ser
em sua existência primeira, isto é, em relação a um agir em relação a
outro; já a virtude é certa disposição do ser em não ser iníquo com o
outro, isto é, uma condição da pessoa enquanto sujeito de uma ideia
universalizante de homem, de um sentimento de humanidade.
Tem a justiça, portanto, um caráter prático, objetivo, já que está
numa condição de relacionamento do ser com o ser. Ela é uma virtude
completa, e aqui completa não significa que ela é em absoluto, irres-
trita em abstrato, mas na relação do sujeito com os outros sujeitos ela
tem o escopo de realizar essa relação com um controle mínimo desta
mesma relação.
Prática, a justiça compreende todas as virtudes na medida em
que ela se compreende como referencial de todos os atos exteriores e,
a partir desses atos exteriores se faz compreender ao sujeito, isto é, na
forma ao qual se espera do seu agir em sociedade ao qual se pode
fundar alguma base para o seu julgamento, tanto o que é realizado
pelo grupo, quanto o que ele mesmo realiza a partir de uma maior ou
menor autocrítica.
A virtude requer repetição, hábito, costume e a esses hábitos,
repetições e costumes se insere a presença da justiça, no que resulta
em uma virtude completa, quer isto é, exercitável pelos sujeitos na sua
relação com os outros e com o mundo que os cerca ao mesmo tempo
em que é assim porque reconhecidos pela pessoa enquanto individua-
lidade e o homem enquanto coletivo.
É aqui que se pode constatar o papel da Lei, pois como a Poéti-
ca ela se constitui em uma Paideia (em certo sentido, formação, edu-
cação) da pessoa/cidadão. A Lei é como um instrumento para auxiliar
ao homem na construção do seu caráter (relação do sujeito com o
24
Formação Humanística
4 GAURIGLIA, Osvaldo. Ética y Política según Aristóteles. Buenos Aires: Centro Editor de
América Latina, 1992, p.184.
25
c) Alteridade (que será elaborado logo a seguir)
d) Categórica
e) Concreta
f) Relacional
g) Virtude
26
Formação Humanística
27
A questão da justiça é, assim, resultante de um conjunto de rei-
vindicações que surgem entre os sujeitos na medida em que eles estão
tradicionalmente numa relação de contrato entre eles, o que representa
uma manifesta declaração de necessidades e expectativas que se busca
alcançar na relação de um com o outro.
Em nome de destas expectativas cada sujeito desenvolve meca-
nismos de resistência e defesa para o caso da ação de um outro sujeito
buscar frustrar aquilo que foi acordado direta ou indiretamente. A
justiça é neste sentido um meio de realização contratante entre os
indivíduos obrigados que estão a se compartilhar uns com os outros.
“As questões de justiça surgem quando são apresentadas reivindi-
cações contratantes sobre o planejamento de uma atividade e se
admite previamente que cada um defenderá, enquanto isso lhe for
5
possível, o que ele considera ser seu direito”
5 RAWLS, J. p.172
6 HUME, D. Tratado da Natureza Humana.
28
Formação Humanística
29
a) Que cada parceiro conheça o suficiente da natureza humana;
b) Todos os parceiros devem dispor dos bens sociais primários;
30
Formação Humanística
31
Os recursos aqui não podem ser compreendidos apenas como
aqueles presentes na natureza, mas são todos os que necessários para a
existência do indivíduo, ainda mais aqueles que estão dispostos no
espaço social, como os recursos econômicos, políticos, culturais, etc.
Nesta busca pela presença da justiça pelos sujeitos que não es-
tão em condições iguais, os quais nem mesmo encontram recursos em
condições ideais, Hume reconhece o papel fundamental desta justiça
como elemento que permite uma certa organização neste cenário de
conflito tradicionalmente natural. A justiça é um aspecto tão vital que
ele chega a afirmar que
“É impossível para os homens assassinar uns aos outros sem
estatutos, máximas e uma ideia de justiça e de honra”
Ela é assim mais do que uma mera ideia de justiça, quer dizer, a
própria ideia de justiça traz uma essencialidade ontológica, já que está
para homem assim como este está para a capacidade de se reconhecer
existente. Justiça não é somente o legal, o condizente com a Lei, mas
um estado de coisas, um conjunto de regras, uma série de disposições
cotidianas que organizam, regulamente, pacificam, justificam e consti-
tuem as próprias condições de materialidade do espaço social.
32
Formação Humanística
8 NAUSBAUM, Martha Craven. La fragilidad del bien. Fortuna y ética em la tragédia y la filoso-
fia griega, p.441.
33
sujeito com outros, sendo, assim, uma condição necessária para a
sociedade humana existir.
Ela somente pode existir na condição de relacionamento, de
transitividade social’, pois ela tem o seu fundamento mesmo nessa
relação, já que somente pode ser julgada a partir das ações do sujeito
com o entorno que com ele mantém profunda relação. É a existência
de um, justiça, condicionado a existência do outro, a relação sujei-
to/outros.
No sentido lato, o papel do outro é condição essencial, pois é na
presença desse outro que toda e qualquer realização da virtude ética
acontece, existe na condição de que humano é tudo aquilo que diz
respeito à existência do outro, uma vez que o existir ético está na me-
dida das ações do sujeito com o outro, agindo em variadas e distintas
ações éticas e nas condições resultantes destas mesmas ações para si e
para os outros.
O sentido lato da justiça traz, portanto, a presença de uma fun-
damental alteridade. É essa alteridade que dá o tom e a caracterização
de todas as virtudes da ética, permitindo que todas estas virtudes se-
jam alguma forma de justiça, naquilo que Aristóteles chamou de ‘rai-
nha de todas as virtudes’.
“Nesse sentido, então, a justiça não é uma parte da excelência
moral, mas a excelência moral inteira... Portanto, a justiça é
frequentemente considerada a mais elevada forma de excelên-
cia moral, e ‘nem a estrela vespertina nem a matutina é tão ma-
ravilhosa; e também se diz proverbialmente que na ‘justiça se
resume toda a excelência’.”. 9
34
Formação Humanística
35
características essenciais da norma jurídica. É o que se afirma como
um traço característico da justiça, o direito à exigibilidade.
Conforme Dabin,
“Em vez de estabelecer o dever de deixar à consciência do deve-
dor a efetividade do seu cumprimento, a justiça, para ser respeita-
da, exige, reclama, opondo-se à violação do Direito, perseguindo o
devedor faltoso, bem como impondo reparação por meio da utiliza-
ção de todos os meios proporcionados, inclusive a coação materi-
10
al.”
1010 DABIN, J. A Filosofia da Ordem Jurídica Positiva. Porto Alegre, Sulina, 1978, p.94.
36
Formação Humanística
1111 BITTAR, Eduardo. A justiça em Aristóteles. 2ªed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2001, p.86-87.
37
Em sendo assim fundamental, a noção exata da justiça não pode
prescindir desta igualdade como condição das relações entre os sujei-
tos, mesmo porque tal igualdade, assim como a justiça é igualdade de
todos os indivíduos, constituindo-se, portanto, em direito fundamental
do homem.
Buscando justificar a sua condição de primazia social, a igual-
dade está presente na grande maioria das Constituições Ocidentais,
reafirmada na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de
dezembro de 1948. A igualdade perante a lei realiza, assim, a possibi-
lidade de fundamentar a justiça nos ordenamentos jurídicos contempo-
râneos (veja-se, neste sentido, o caput, do artigo 5º, da Constituição
Federal de 1988).
Importa, em primeiro lugar salientar que toda e qualquer socie-
dade tem o dever de auxiliar na construção de um bem comum, por
mais mitológico que seja. E cada um dos seus membros – e também
ela própria – contribuirá proporcionalmente para a construção desse
bem comum, atentando-se para a ‘respectiva função e responsabilida-
de na vida social’.
É fundamental compreender a igualdade como proporcional.
Contribui-se dentro da necessidade da sociedade, ou comunidade (en-
quanto credora), atendo-se para a responsabilidade e possibilidade do
indivíduo-contribuidor (enquanto devedor).
Desse modo, o que se pode compreender é a sociedade ou a
comunidade como credora de um devido legal e o indivíduo como
devedor daquela obrigação.
André Franco Montoro destaca que é característica desta justiça
social “orientar ‘todas’ as virtudes para o bem comum”, dando com-
pletude aos atos das demais virtudes. Assim, a empresa, a pessoa jurí-
dica que paga um justo tributo pratica um ato de justiça distributiva
para com o Estado e de justiça social para com toda a coletividade que
acaba por ser favorecida por essa ação da pessoa jurídica; no mesmo
sentido, um juiz que resolve um litígio pratica um ato de justiça distri-
38
Formação Humanística
39
encontra realizado em suas aspirações de sobrevivência, não precisará
matar para comer, roubar para fugir do frio; já que ao produzir algo e
por receber por esse trabalho uma retribuição, em tese não precisará
agir contrariando o ordenamento jurídico para garantir a sua subsis-
tência.
É vital destacar o fato de que a solidariedade pressupõe um de-
ver de cooperação que se caracteriza por uma “integração das forças
deficientes e reforço recíproco” e sendo esta solidariedade um fator
determinante para a lei fundamental de toda a vida em comum, exige
de todos os sujeitos contribuintes ou devedores um dever de coopera-
ção.
Contudo é necessário distinguir o ato justo do ato de benefi-
cência. Sem esta, o homem (com)vive, (co)opera, mas sem pressupos-
tos da justiça, o que vem a tornar a convivência e a cooperação como
institutos impossíveis. Assim, a beneficência não compõe o direito;
exclui-o por inteiro.
Em suma, a solidariedade contribui para o alcance de uma soci-
edade justa e pacífica, fundada no respeito e manutenção do “bem
comum”, através de um ato de cooperação.
Destaque-se que a solidariedade deve acontecer tanto no plano
interno quanto no plano externo, isto é, deve ser executada no/dentro
do próprio Estado, mas também na/dentro da comunidade internacio-
nal, fazendo com que os Estados se solidarizem de forma mútua, aju-
dando aqueles mais dependentes economicamente.
40
Formação Humanística
41
Aqui há uma inversão do conceito da justiça distributiva onde
aquilo que é devido é aquilo que é dado pela comunidade ao particu-
lar. Na justiça social é o sujeito particular que figura na condição de
devedor, enquanto é a comunidade ou sociedade, que acaba estando
no polo ativo da relação, quer dizer, como credora.
É correto afirmar que a relação entre sujeitos, como se afirmou
acima, dá-se do particular para a sociedade ou da parte (o sujeito) para
o todo (a comunidade).
Da mesma forma que na justiça distributiva, por comunidade
ou sociedade se devem compreender todos aqueles entes que são por-
tadores de status de instituição com personalidade jurídica, tais como
o Estado, a família, uma associação de classe, sindical etc. No que diz
respeito aos particulares, a compreensão se estende a todas as pessoas
naturais e jurídicas que tenham alguma obrigação de contribuir para a
efetivação do “bem comum”, somando-se a estes sujeitos toda uma
coletividade que não é obrigatoriamente nacional, mas mesmo além
das fronteiras da nação.
42
Formação Humanística
12 MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do Direito. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, 2000, p.124.
43
b) A sociedade deve garantir aos seus indivíduos as condições
de respeito desses direitos fundamentais diante de possíveis violên-
cias, degradações e atentados praticados pelos sujeitos e pelo próprio
Estado. Isto é: a sociedade deve garantir a ordem, a segurança e as
mínimas condições de paz social;
c) Os indivíduos devem ter garantias de uma repartição equita-
tiva dos benefícios de ordem material e moral que informam o concei-
to de bem comum. Não se há de falar na possibilidade de exclusão de
sujeitos;
d) A distribuição desse bem comum deve se dar a partir de
uma garantia de igualdade;
e) A distribuição do bem comum não é um objetivo apenas pa-
ra o tempo presente, mas igualmente nele deve estar subsumida uma
capacidade de distribuição para o futuro, já que a sociedade é um ins-
tituto temporal e o bem comum deve, apesar das particularidades do
momento histórico, sempre ser projetado para a realização das gera-
ções futuras.
Nesta justiça, portanto, a equidade e a igualdade são fundamen-
tais para a realização efetiva do bem comum, já que é a obrigação
precípua do social garantir as condições de ordem, paz e segurança
entre os seus membros sem perder-se de vista a regra da proporciona-
lidade do bem comum.
A doutrina admite, desta forma, como critérios para a aplicação
dessa justiça de tipo distributivo os seguintes:
a) Critério da Dignidade: é uma regra universal de toda a justi-
ça, não somente a distributiva e que significa que os bens sociais de-
vem ser distribuídos segundo a dignidade de cada um dos sujeitos
membros.
b) Critério da Capacidade: todos os sujeitos devem ter garanti-
dos o direito de serem testados na sua real capacidade, propiciando-se
condições iguais para que os desiguais possam disputar as benesses do
viver em sociedade.
44
Formação Humanística
45
ção da fé e da Lei divina, que se impõe sobre a Lei humana, legiti-
mando, desta forma, as condições dessa justiça.
Observe-se que, em assim se definindo tal justiça, a partir do
critério de uma retribuição, pouco ou nada ela se distingue da anterior,
mas essa proximidade é aparente. Em verdade, esta é a justiça com-
preendida como aquela que rege a relação entre sujeitos, mas não no
que diz respeito à condição social igualitária destes, ou seja, ela não
leva em conta os sujeitos da relação, ao contrário, sua preocupação
está com as coisas da relação entre eles, que devem, estes bens, coisas
e objetos estarem em condição igualitária.
Uma vez que tem uma preocupação com as ‘coisas’ da relação
entre sujeitos é conhecida, igualmente, como justiça DIORTÓTICA.
Importa, portanto, aqui nesta forma de justiça medir as condições de
perdas e danos e não as condições dos sujeitos em si, isto é, os seus
méritos.
Conforme Tércio Sampaio Ferraz Júnior,
“justiça diortótica intervém nas transações individuais, voluntárias
ou involuntárias no sentido de consentidas e não consentidas. As
primeiras são as que os atos constituidores são, em sua origem,
fruto de desejo deliberado das partes: é o caso da compra e ven-
da, da locação, do depósito, da caução, etc. As segundas são as
que os atos constituidores são, em sua origem, contra a vontade
deliberada da parte lesada. As transações involuntárias, por sua
vez, subdividem-se em clandestinas, em que a oposição da parte
lesada é presumida desde o início da ação delituosa, mas só se
manifesta posteriormente – é o caso do furto, do adultério, do en-
venenamento, do falso testemunho, etc. – e violentas, em que a
oposição da parte lesada é clara e patente na origem do delito – é
o caso das vias de fato, do seqüestro, assassinato, roubo a mão
13
armada, mutilação, injúria, etc”.
13 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Estudos de Filosofia do Direito. São Paulo: Atlas, 2003,
2ª ed., págs. 187/188
46
Formação Humanística
No dizer de Montoro,
“Essa é a estrutura fundamental da justiça comutativa, que é tam-
bém chamada de corretiva ou sinalagmática. Comutativa, do latim
comutare, porque versa sobre permutas ou trocas. Corretiva, por-
que seu objetivo é corrigir ou retificar a igualdade nas relações en-
14
tre particulares. Sinalagmática, porque bilateral”.
47
pessoas jurídicas de direito público externo, quando, nas suas relações
internacionais, tratam de interesses com outras pessoas de mesma
natureza.
O devido é um devido rigoroso e estrito na medida em assegura
ao sujeito o respeito que lhe é devido, a garantia ao seu direito consti-
tuído. Nesse rol de garantias particulares devidas estão a vida, a digni-
dade, o direito ao trabalho, a integridade física, a honra, a imagem,
etc.
O devido na justiça comutativa pode ser compreendido a partir
de duas dimensões:
a) Em respeito à personalidade do próximo;
b) O cumprimento de obrigações de natureza positiva.
Em respeito à personalidade do próximo significa um dever de
natureza negativa, isto é, o de não contrariar, violentar e ofender a
subjetividade de um outro indivíduo.
Quanto ao cumprimento de obrigações de natureza positiva,
manifesta-se no dever de cumprir uma obrigação, conforme aquilo que
foi ajustado entre os sujeitos de uma relação. Tais obrigações podem
ter natureza contratual ou extracontratual. Contratual, quando se mate-
rializam em um contrato, ou quando abrangendo mais de um negócio
jurídico signifiquem uma série de relações obrigacionais. Extracontra-
tuais, quando forem resultantes de atos ilícitos, alheios, nesse sentido,
à vontade do(s) agente(s), conhecidos, nesse sentido, como atos invo-
luntários que decorrem, por exemplo, da indenização por perdas e
danos.
Montoro destaca também as obrigações legais como aquelas
que têm o dever de dar assistência a parentes, bem como as obrigações
naturais, como aquelas que decorrem da simples exigência da natureza
ou da equidade nos casos em que inexiste disposição legal impositiva.
Finalmente, a igualdade na justiça comutativa se manifesta de
forma simples ou aritmética conforme denominação que foi proposta
48
Formação Humanística
49
A justiça é sempre uma condição relacional, observada em re-
lação ao outro, marcadamente constituída pela alteridade mesmo
quando a partir de uma perspectiva íntima, auto-centrada, mas que tem
obrigatoriamente uma correlação, uma contrapartida em outro ser
humano. Ela é a realização de valores universais do homem e não de
um homem em especial, acontecendo na própria condição de existên-
cia da humanidade. E é isso que a diferencia de uma justiça de nature-
za particular, pois aqui há uma referência à distribuição de ‘bens’, isto
é, de honras, vantagens e coisas.
Desta forma, as ações legítimas são aquelas que são ações jus-
tas no sentido específico de que elas estão adequadas a um sistema
preexistente de uma lei positiva, aceita e imperativa sobre o espaço
social.
Conforme um determinado sistema preexistente de uma lei po-
sitiva, uma ação é justa quando é exigida ou permitida por normas
derivadas da legitimidade legislativa, e é injusta, se proibida por estas
mesmas normas preexistentes na lei positiva.
Isto é o que se pode afirmar como justiça formal ou legalidade,
princípio ao qual a nossa Constituição de 1988, em seu inciso II, arti-
go 5º, confirma enquanto direito fundamental, ainda que colocado de
50
Formação Humanística
51
Aqui, as normas jurídicas podem ser justas ou injustas em seu
sentido formal. O único critério eficaz e capaz de distingui-las é aque-
le que se determina a partir do fato se elas foram postas em vigor con-
forme as normas de competência do sistema jurídico em si, como é o
caso das normas constitucionais.
No que diz respeito à Justiça Formal ela se aplica tanto às nor-
mas morais como àquelas jurídicas. Objetivamente se diz que o pró-
prio conceito de moralidade diz respeito a uma ideia de comportamen-
to dirigido e regido por normas e nele se origina o dever moral de
decidir qualquer eventualidade mais na base de um princípio ético
geral do que na base do seu valor específico.
A reciprocidade moral torna-se, portanto, um caso particular de
imparcialidade moral e as duas são exemplos de justiça for-
mal.16
1616 BOBBIO, Norbeto. Dicionário de Política. 4ª edição. Brasília: UnB, 1992, p.662.
52
Formação Humanística
1.13 Da equidade
A equidade não é tem um significado fácil em matéria filosófi-
co–juridica. Isto porque tal conceito apresenta uma natureza de mul-
tissignificados, o que não a impede de ser percebida como uma cláu-
sula geral, isto é, como uma hipótese legal de ampla significação e
repercussão que está presente em amplas e absolutas experiências
jurídicas do mundo ocidental, fundamentalmente no que diz respeito à
interpretação jurídica.
Conforme Francisco dos Santos Amaral Neto, ela é “excepcio-
nal por natureza, pois somente aplicável nas hipóteses legais previa-
mente estabelecidas, tem vários significados, conforme sua imediata
função”.
Ela acontece em diferentes formas:
a) Equidade interpretativa: quando o juízo, perante a dificul-
dade de estabelecer o sentido e o alcance de um objeto jurídico, por
exemplo, numa relação contratual a partir do objeto do contrato, se vê
obrigado a decidir a partir de um justo comedimento;
b) Equidade corretiva: é aquela que contempla o “equilíbrio
das prestações, reduzindo, por exemplo, o valor da cláusula penal”;
53
c) Equidade quantificadora: é a que atua na hipótese de fixa-
ção de um quantum indenizatório;
d) Equidade integrativa: esta se consolida quando a equidade
é a própria fonte da integração
e) Equidade processual: também compreendida como um ju-
ízo de equidade, isto é, como um conjunto de princípios e diretivas
que o juiz utiliza de modo alternativo, desde (e quando) que a lei auto-
riza ou permite que as partes a requeiram, que é o que acontece nos
casos de arbitragem
Importa destacar que, de início, que a sedes matérias da equi-
dade dizem respeito ao problema de uma realização integral da Justi-
ça, o que significa completar que a Justiça e a equidade são conceitos
inseparáveis.
A justiça é uma virtude que consiste em dar a “cada um o que é
seu”. Ela representa basicamente uma preocupação com a igualdade e
com a proporcionalidade. No que diz respeito à igualdade ela implica
numa ‘correta’ aplicação do Direito ao fato concreto, de modo a evitar
como consequência o arbítrio. Correta no sentido de que não pode
representar uma simples vontade do juiz, pois que além de sua própria
condição de intérprete privilegiado está a necessidade a ele imposta de
buscar realizar a conexão entre a vontade do sujeito com a vontade da
Lei, através dos meios de fundamentação e motivação.
Por sua vez a segunda, a proporcionalidade diz respeito ao
princípio que busca tratar de modo igual os iguais e de modo desigual
os desiguais na proporção de sua própria desigualdade e de acordo
com as condições de seu mérito. As condições de mérito, aqui, não
significam apenas as qualidades intrínsecas dos sujeitos, mas antes, as
suas condições físicas, psíquicas e (ir)racionais dos mesmos enquanto
agentes de ações que ora estão ao encontro da Lei, ora num (de)(s)
encontro conflituoso.
54
Formação Humanística
55
pré-clássico, conforme destaca Pierre Vida é que “a rigidez das nor-
mas de Direito, principalmente do ius civile, era eventualmente con-
trariada e posta de lado em nome da aequitas”, que era um modelo
ideal de Justiça, bem assim como princípio com capacidade para ins-
pirar o Direito.
Uma amostra dessa condição eram as exceptiones que ocorriam
nos meios judiciais onde o pretor concedia a equitatividade como
estratégia para paralisar as actiones. Com tal estratégia ele visava
tornar ineficazes as pretensões baseadas em normas do ius civile.
A relação entre o direito (ius) e a aequitas era antes de proxi-
midade e conexão, do que de sinonímia, como se vê numa conhecida
passagem de Celso, “ius est ars boni et aequi” (o “Direito é a arte do
bom e do eqüitativo”). Ao definir assim o ius ele quis chamar a aten-
ção para a circunstância de que o Direito era intimamente penetrado
pela aequitas, quer dizer que se tratava de um Direito justo.
Desta forma, não é possível de se afirmar que a equidade e a
justiça são elementos iguais, ao contrário, são institutos distintos,
ainda que formem um mesmo gênero.
Para Aristóteles, existe um gênero de justo que envolve a Lei e
a equidade que são espécies desse gênero. Dessa forma, a Lei e a e-
quidade são penetradas pela ideia do justo, num espaço de justiça, mas
com ela não podem ser confundidos, pois não raro ele constata a exis-
tência de algo que não é justo, ainda assim ser bom e vice-versa.
O legislador não é onisciente e, assim, pode constituir uma Lei
que apresente uma lacuna que vem a ferir exercício de direitos subje-
tivos. Esta lacuna, fruto da ação do legislador pode se ocorrer pela
negligência do próprio legislador sem que isso represente a sua vonta-
de ou, reconhecendo que a Lei não pode ser absoluta, por sua vontade
ele estatui princípios gerais que fomentam a existência da lacuna.
Conforme afirma Aristóteles,
“quando a lei dispõe de um modo geral e surge um caso parti-
cular, algo excepcional, vendo que o legislador se cala ou que
se enganou por ter falado em termos absolutos, é imprescindí-
56
Formação Humanística
57
programática. Assim, ele compreende o direito a partir de três aspec-
tos, atitudes:
a) Atitude que refere realidades jurídicas a valores, conside-
rando o direito como fato cultural (atitude essencial da Ciência do
Direito);
b) Atitude valorativa que considera o direito como valor de
cultura (atitude precípua da Filosofia do Direito);
c) Atitude superadora dos valores (atitude da Filosofia Religi-
osa do Direito).
58
Formação Humanística
59
reito e a Moral, mas é possível limitar-nos a alguns pontos de refe-
rência essenciais, inclusive pelo papel que desempenharam no
20
processo histórico.”
60
Formação Humanística
61
presença de valores no direito está dada a partir da existência da nor-
ma que é a condição para determinar um agir humano, impondo ora
um comportamento permitido, ora um comportamento proibido na
medida da experiência do sujeito com outros sujeitos, isto é, no espaço
social.
As definições jurídicas são definições do dever-ser, que exalam
uma determinada legalidade sócio-histórico-cultural, representada
pelo sistema normativo que funda as mínimas condições de convivên-
cia, aproximando condições de existência de um valor justo ou afas-
tando outras tantas condições desta perspectiva de justiça.
A moral pode significar um campo determinado de condutas
aceitas pelo grupo social, mas sem força normativa, pois que represen-
ta um juízo de valor do grupo que se impõe, em geral, ao indivíduo,
mas sobre ele não carrega nenhum terror efetivo sobre a possibilidade
de perda de algum ‘bem’ (concreto ou abstrato), mas é um julgamento
que trabalha no nível da consciência do grupo e do sujeito enquanto
membro do grupo.
A MORAL consiste numa instância de justificação da própria
conduta segundo valores experimentados pelos sujeitos, enquanto
indivíduos e, enquanto sujeitos sociais. Seu centro de legitimidade
está na própria vida do homem a partir de suas experiências repetidas
até o momento destas se tornarem uma memória coletiva do grupo e
do indivíduo (Morus).
O DIREITO, por sua vez, consiste numa instância de justifica-
ção da própria conduta segundo normas constituídas legalmente no
direito positivo e que exalam a força do Estado em se fazer soberano
do agir sócio-político.
A MORAL valoriza a conduta nela mesma, plenamente, man-
tendo uma relação com a condição do sujeito, sem qualquer limitação.
Por sua vez, o DIREITO valoriza a conduta a partir de uma relação
relativa, a Lei, buscando alcançar os sujeitos e a sociedade como um
todo.
62
Formação Humanística
63
b) A justiça é aprovada por causa da sua utilidade;
c) A obediência política e a castidade são aprovadas por causa
da sua utilidade.
64
Formação Humanística
65
O que ele não esquece, corretamente, é que a possibilidade de
qualquer escolha valorativa é também irracional. Isso é assim porque
não há finalidades e valores racionalmente bons (quer dizer, bons em
si) já que é irracionalmente um absurdo pensar em algo racionalmente
bom, uma vez que a racionalidade diz respeito somente aos fatos e não
aos valores.
A razão calcula probabilidades, faz deduções lógicas, mas é in-
capaz de fundar uma moral porque ela não estabelece fins, apenas
esclarece os meios.
Desta forma, não existe um objetivo racional para o homem.
Embora a razão seja inata ao homem, isso não significa que há normas
e valores inatos, ainda mais quando se trata de sentimentos morais.
Desta forma, para poder sustentar a sua posição no que diz res-
peito à relação da sua teoria com o humano, ele utiliza os conceitos de
agente moral, paciente e espectador, que já eram anteriores a ele uma
vez que presentes na teoria de alguns teóricos contemporâneos dele.
O primeiro, o agente moral é aquele que age, realiza e desem-
penha uma determinada ação, expressando o seu sentimento no curso
desta, sentimento que é intimo dele mesmo. Por sua vez, o paciente é
quem vem a sofrer o resultado do agir daquele, uma vez que esta con-
dição de emergência da presença da moral se dá numa relação de alte-
ridade. Contudo, para que se possa estabelecer definitivamente o juízo
moral se faz necessário um terceiro participante: o espectador.
Este é quem observa o agir do primeiro no segundo e, a partir
de seu próprio espaço de sentimentos desaprova ou aprova a ação
realizada. Uma vez que este traz uma faculdade moral que é uma con-
sequência da sua própria convivência no grupo social, é esta faculdade
que lhe permite identificar as qualidades morais classificadas com
aquilo que ele sente, como ‘boas’ ou mesmo ‘más’.
Afirma Adam Smith ao encontro da ideia de Hume que
“Deve-se advertir, entretanto, que por mais benéficas, de um lado,
ou por mais danosas, por outro, que se possam ser as ações ou in-
66
Formação Humanística
tenções da pessoa que age para a outra pessoa sobre quem (se
me permitem a expressão) se atua, se, no primeiro caso, parece
não haver propriedade nos motivos do agente, se não pudermos
compartilhar dos efeitos que influenciaram sua conduta, teremos
pouca simpatia com a gratidão da pessoa que recebe o benefício.
Ou se, no outro caso, parece não haver impropriedade nos motivos
do agente, e se, o contrário, os afetos que influenciaram sua con-
duta são tais que necessariamente deles compartilhamos, não te-
remos nenhuma simpatia com o ressentimento do sofredor.”
67
Importa destacar o fato de que no grupo das virtudes artificiais
ele incluiu a justiça, ao qual deu motivo a uma série de críticas de
inúmeros teóricos. É assim porque o senso de justiça não é fundado
naturalmente, porém é artificialmente derivado da educação e das
convenções dos seres humanos.
Igualmente às teses de Thomas Hobbes e Puffendorf, ele des-
creveu que a sensação de justiça tem sua emergência em sociedades
‘primitivas’, que experimentam um estado de natureza e na busca
pelas melhores condições de sobrevivência evoluem para sociedades
mais complexas. Em sendo assim, esta presença da justiça que traz
condições de força para proteger o bem público é alcançada quando os
seres humanos admitem-na como regra.
Conforme destaca, são três as regras essenciais da justiça:
a) Estabilidade da posse;
b) Transferência por consentimento;
c) Cumprimento de promessas.
Em síntese fundamental, destaca James Fieser,
“Os governos emergem como instrumentos tanto para nos proteger
em nossos acordos como para nos forçar a fazer alguns acordos
para nosso objetivo comum. Exatamente como inventamos as re-
gras de justiça para ajudar a servir nosso desejo de viver numa so-
ciedade pacífica, nós também inventamos obrigações civis que
constituem políticas de obediência assim como leis internacionais
de diplomacia”.
68
Formação Humanística
69
Só se pode alcançar alguma distinção do direito da moral quan-
do se concebe o primeiro como uma ordem de coação. Isto é assim
porque a sanção moral apenas consiste na aprovação de uma conduta
conforme normas não coativas que levam a uma desaprovação da
conduta contrária às normas aceitas pelo grupo e que são, fundamen-
talmente sem emprego de qualquer força física.
Para conseguir distinguir estes dois elementos, Kelsen se funda
na natureza mesma da moral, a sua relatividade:
“(...) os vários sistemas morais possuem valores diferentes, a única
coisa que eles têm em comum é o fato de serem normas sociais”.
70
Formação Humanística
71
O que fundamenta tal teoria que busca a distinção entre a moral
e o direito, portanto, são estes truísmos, estas verdades elementares,
gerais, absolutas.
72
Formação Humanística
73
Igualmente, a ordem jurídica positiva não se constitui somente
de normas gerais, tais como a Constituição, Leis Complementares,
Leis Ordinárias, regulamentos, etc., mas também de normas de natu-
reza particular, tais como aquelas presentes nos negócios jurídicos,
nos estatutos, nos programas, etc., e daquelas compreendidas como
normas individualizadas ou concretas, isto é, sentenças judiciais e
resoluções administrativas. Há, ainda, uma intensa complexidade
relacional entre estes níveis.
Buscam-se criar normas gerais para que se possa legitimar
normas individuais ou mesmo normas particulares, uma vez que as
Leis são sempre uma obra não concluída, o que obriga, aqui, a presen-
ça daquele que avoca o direito de interpretá-las-compreendê-las.
É importante assumir a posição de que tal intérprete, em sendo
o magistrado ou qualquer outro que dedica a sua função ao ordena-
mento jurídico, criam múltiplas capacidades para a Lei e para o orde-
namento jurídico como um todo, quando buscam realizar o caminho
entre estes e o espaço social. O que reforça este papel do intérprete,
mesmo e ainda no caso do magistrado é que o direito positivo, o orde-
namento jurídico não é somente constituído das Leis e das normas,
mas igualmente da função jurisdicional.
No que nos interessa, aqui, o magistrado é uma peça essencial e
indescartável do ordenamento jurídico positivo. Mesmo mantendo
com as Leis uma relação de intérprete, ele não pode abrir mão de bus-
car a compreensão, pois elas não se operam por si mesmas a partir de
uma mera existência codificada.
Não há um método infalível para a interpretação-compreensão
da Lei e das normas jurídicas. Ainda que a tradição do raciocínio lógi-
co-dedutivo tenha sido e seja, apesar de tudo, dominante. Para isso,
apresentou alguns métodos específicos:
a) Método Literal: é aquele que se mantém fixo no significa-
do das palavras da Lei, do regulamento ou da doutrina fundada na
jurisprudência
74
Formação Humanística
75
observa um processo de superação da ideia de que o direito é uma
forma de ciência.
E, mesmo diante de uma insistente resistência positivista que
mantém os ditos ‘operadores’ do direito, que estão como reféns de um
paradigma interpretativo que idolatra a supremacia das regras lógico-
dedutivas em detrimento de princípios constitucionais, o atual orde-
namento jurídico brasileiro, fruto da s influências de um novo texto
nascido do processo constituinte de 1986-1988 procura romper com os
modelos de Estado liberal-individualista e de Direito (apegado exa-
cerbadamente ao positivismo e à dogmática jurídica), a fim de viabili-
zar parâmetros para a instauração de um novo paradigma interpretati-
vo, o qual pretende conferir à própria Constituição a condição de legi-
timação de toda a juridicidade.
Todavia, para tanto, deve a mesma ser compreendida e interpre-
tada, porquanto sua aplicação depende da realização, por parte dos
juízes, de um processo hermenêutico. Tal funcionalidade é corrobora-
da pelo Estado Democrático de Direito que pretendeu, com certa mar-
gem de sucesso introduzir novos valores perante o imaginário social-
jurídico, transferindo ao judiciário a linha de tensão que até seu adven-
to pairava entre legislativo e executivo e que representa o verdadeiro
caráter hermenêutico assumido pelo direito.
Cumpre lembrar que o mote central da hermenêutica relaciona-
se com a busca da compreensão de algo, ou seja, com o processo de
tornar compreensível um texto, um gesto, etc., aproximando através
da linguagem (que é condição de possibilidade) o sujeito cognoscente
(que não instaura, mas é instaurado) do objeto investigado.
76
Formação Humanística
77
nós mesmos, bem assim o exercício de uma transcendência, alertando
que somos aquilo que nos tornamos a partir da tradição.
Toda essa reflexão ainda é agudizada pelas críticas que o méto-
do de interpretação pela lógica do razoável realiza ao sistema lógico-
dedutivo:
“(...) os textos antes de tudo. Interpretar é descobrir o sentido exato
e verdadeiro da lei. Não é modificar, inovar, mas declarar, reco-
21
nhecer.”
21 In LÍDIA REIS DE ALMEIDA PRADO, Alguns aspectos sobre a lógica do razoável na inter-
pretação do direito, Apud BETRAIZ DI GIORGI; CELSO FERNANDO CAMPILONGO e FLÁVIO
PIOVESAN. Direito, Cidadania e Justiça. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995, p.62.
78
Formação Humanística
22 COELHO, Luiz Fernando. Lógica jurídica e interpretação das leis. Rio de Janeiro: Forense,
1981.
79
dizer, ao encontro não da Lei ou da norma jurídica, mas da própria
condição mundana dos sujeitos submetidos ao exercício jurisdicional.
É tão relevante esta observação que aqui o sentido de uma pa-
lavra ou frase, sobremaneira nas normas jurídicas, nunca será absolu-
to, definitivamente determinado e definido, nem completo em todas as
suas dimensões, pois tal significado da norma jurídica existe somente
na relação complexa que mantém com o sistema enquanto um todo e a
singularidade do fato concreto, do próprio problema humano ao qual
deve se realizar para ter existência.
Destarte, esta teoria parte de cinco grandes pressupostos que a
justificam epistemologicamente:
a) Mutabilidade social;
b) Diversidade de obstáculos para materializar um valor em
determinada situação;
c) Experiência quanto à adequação de meios para materializar
um valor;
d) Prioridades emergentes das necessidades sociais, em função
da sua historicidade;
e) Multiplicidade de valores.
80
Formação Humanística
81
co que tem angustiado a humanidade desde que o logos suplantou o
mito. Assim, acreditam – e esse pensamento é ainda dominante no
seio da comunidade jurídica – na possibilidade de alcançar uma cog-
nição livre de (inter) mediações”.
Obrigatório, nesse sentido, é buscar o rompimento com essa
‘racio’ que tem a pretensão de justificar a relação de um sujeito sobe-
rano com o objeto que acredita encontrar em sua plenitude.
Em se conseguindo fazer tal ruptura é que se poderá pretender
diminuir um discurso carregado de déficits em relação ao corpo social
e que, já de há muito mantém uma perigosa e cada vez mais consoli-
dada tensão com o espaço social justificada num desprezo pelo fato
concreto e pelo sujeito enquanto ser e não somente enquanto um sujei-
to (in)determinado na lei.
Podemos afirmar que o critério estabelecido pelo legislador pa-
ra definir as condições que justificam a maior parte de suas decisões é
exemplo típico do paradigma epistemológico da filosofia da consciên-
cia que está na base da crise que está corroendo o modo de interpretar
o Direito.
Crise essa que justifica a tensão que ameaça esvaziar ainda
mais a legitimidade do próprio Estado, já que esse não consegue supe-
rar a crítica que se faz a sua intrínseca (in) capacidade de impor um
discurso que não apenas autoritário, bem assim de elite.
Não há que se negar que a interpretação jurídica no Brasil, em
grande medida, não conseguiu assimilar essa outra revolução coperni-
cana que foi a viragem linguística que ocorreu em meados do século
XX na passagem da filosofia da consciência para a filosofia da lin-
guagem, isto é, da hermenêutica clássica (AUSLEGUNG) para a her-
menêutica filosófica (SINNGEBUNG).
A crise experimentada pela filosofia da consciência refere-se ao
tradicional paradigma da interpretação e que é fundamentalmente
utilizado pela hermenêutica jurídica brasileira.
82
Formação Humanística
83
um fato do universo da cultura, não conseguimos separar inteiramen-
te o sujeito do objeto de que tratamos”.
Essa hermenêutica clássica é também denominada metodológi-
ca, já que se pretende desenvolver enquanto análise da relação do
sujeito-objeto universal, e devido a isto, estabeleceu-se que ela deveria
apresentar um método/caminho para percorrer, e que nesse sentido
seria igualmente universal, pois que na revelação de uma lógica com
uma interpretação abrangente os sujeitos poderiam ser recuperados em
figuras modelares e de consenso.
Em boa parte é essa a certeza da maioria das decisões jurídicas
que ocorrem, uma vez que, na sentença, o juiz acredita ter interpretado
o que acredita ser o fato, isolado de toda a sua contextualidade e pron-
to para ser emoldurado nos limites de sua razão e do seu “livre” con-
vencimento.
84
Formação Humanística
23 Lênio Streck.
85
sofia da linguagem, paradigma da hermenêutica filosófica. Este pro-
cesso foi denominado de giro linguístico, ou viragem linguística.
É reconhecida à filosofia da linguagem a atribuição do sentido,
e ao mesmo tempo em que identificado esse se atenta para o fato de
que ela carrega em si toda uma tradição em que o tempo está tanto
nela, quanto no mundo, bem como nos sujeitos, bem assim no sentido.
Conforme Luiz Rohden,
“A hermenêutica filosófica não se limita ao entendimento instru-
mental dos significados dados. Ao ultrapassar a exploração do
âmbito das respostas dadas – bem ou mal interpretadas –, ela se
abre às possibilidades inesgotáveis do sentido se instaurar através
de um procedimento que não se atém à letra, mas àquilo que na
história se chamou de espírito (Geist)”.
86
Formação Humanística
87
O esquema clássico do sujeito-objeto cai por terra dessa forma por-
que o sujeito acaba tornando-se, igualmente, objeto, e esse um
“outro” sujeito. O método é apenas um desocultar, um desvelar de
um aspecto da coisa.
88
Formação Humanística
89
estruturas lógicas esgotarem todo o nosso modo de ser conhecedor das
coisas e dos objetos é que se justifica a ação da interpretação.
Nesse sentido, Ernildo Stein coloca que
“a interpretação é hermenêutica, é compreensão, portanto, o fato
de nós não termos simplesmente o acesso aos objetos via signifi-
cado, mas via significado num mundo histórico determinado, numa
cultura determinada, faz com que a estrutura lógica nunca dê conta
inteira do conhecimento, de que não podemos dar conta pela aná-
lise de todo o processo do conhecimento. Ao lado da forma lógica
dos processos cognitivos precisamos colocar a interpretação”.
90
Formação Humanística
91
Firma-se, por conseguinte, uma certeza: a de que não existe
uma situação hermenêutica, uma consciência hermenêutica se não
existir uma consciência histórico-efeitual, isto é, uma consciência de
que o ser está determinado pelos fatos históricos ao mesmo tempo em
que estes são por aquele reconhecidos como agentes presentes em sua
própria tradição.
Assim, o ser é sempre ser mundano, no sentido de ser no mun-
do, com uma constante presença no mundo, quer dizer, com uma par-
ticipação efetiva do ser na história.
O mundo ao qual o ser está aí lhe pertence e o determina, desde
o momento em que o ser olha, escuta e experimenta. O mundo é um
mundo de possibilidades ao ser no mundo. Se assim não fosse, ele
seria um ser (do) ente, isto é, isolado de tudo aquilo que lhe é referên-
cia e onde ele reconhece e é reconhecido.
Não pode o homem, assim, colocar-se acima da relatividade da
história, e a compreensão se apresenta obrigatoriamente nas três mo-
dalidades da temporalidade: passado, presente e futuro. Para a com-
preensão histórica isto quer dizer que o passado nunca pode ser visto
como objeto no passado, separando-se totalmente do sujeito no pre-
sente, bem como do futuro.
É nessa linha temporal que surge a historicidade da compreen-
são, pois que a historicidade é uma a temporalidade intrínseca da pró-
pria compreensão na medida em que o mundo é visto e se vê em ter-
mos de passado, presente e futuro, e nesse sentido é tradição, é tempo
e é contexto, todos esses, elementos existenciais para o projeto de
constituir-se do homem.
Diz Stein que,
“o homem tem muitos existenciais. A faticidade, a possibilidade, a
compreensão são alguns desses existenciais. Trata-se, portanto,
de analisar a estrutura deste compreender. Como diz a definição, o
compreender não é só um compreender abstrato de si mesmo.
Mas é um compreender de suas possibilidades.”
92
Formação Humanística
93
Não há nenhuma obrigação para que o ser venha a esquecer a-
quelas opiniões e percepções prévias que ele carrega já desde sempre,
pois ao se realizar a interpretação o que se exige é um estar atento à
opinião do(s) outro(s) ou do(s) texto(s) e ao entrechoque resultante das
historicidades que convergem em busca de uma significação.
Inexorável para essa disposição do ser que haja uma abertura
com certa dose de elasticidade. Portanto, é necessário que se coloque a
opinião que é encontrada no outro ou que se encontra no texto em
contato com alguma(s) categoria(s) dessa relação com o conjunto de
opiniões próprias, isto é, que um se coloque em certa relação com as
do outro.
Aquele que pretende compreender deve estar disposto a abrir-se
ao que o outro ou o texto pode vir a lhe dizer, não esquecendo é claro,
de considerar aquelas suas opiniões prévias, ao mesmo tempo em que
se mantém favorável/aberto ao fato de que esgotar o outro ou o texto
não é possível devido aos limites que eles encerram, sendo isso uma
consequência da sua particular contextualização.
Tanto o outro, quanto o texto trazem uma fala, que é limitada
na própria existência do texto, mas que pode se comunicar com o ser
que exerce sobre ele alguma forma de interpretação. A interpretação,
por sua vez, já traz a tensão possibilidade/limitação do próprio ser em
relação ao outro e ao texto, mas que sem esquecer os seus pré-juízos, é
a base para a convergência do enlace linguístico.
Já no tocante à questão da distância temporal, é importante sali-
entar que se trata do reconhecimento da distância de tempo como uma
possibilidade positiva e produtiva de compreender. Somente com o
tempo se fará com o que seja significativo se destaque daquilo que não
o é.
Isso porque é a função do tempo eliminar aquilo que não é es-
sencial, deixando que o verdadeiro significado oculto na coisa se torne
evidente. Só com o passar do tempo pode-se alcançar o que diz o ou-
tro, bem como o texto.
94
Formação Humanística
95
“Exatamente porque esse conceito traz à tona a dificuldade que deve
ser superada em cada situação concreta nova, na qual se quer com-
preender algo. A ‘aplicação’ é uma exigência hermenêutica que pro-
voca o movimento contínuo no círculo da compreensão”.
A interpretação de um texto, de uma Lei, de uma mensagem ou
de uma obra do passado não se dá, portanto, apenas como o resultado
simplificado de uma aplicação metódica de técnicas, pois ela não é um
invólucro que guarda um sentido que pode ser simplesmente reprodu-
zido. Trata-se de algo que se abre ao ser intérprete como indetermina-
ção e que precisa do instituto da aplicação para uma situação concreta.
Afirma Gadamer a respeito que,
“a aplicação (Applikation) não quer dizer aplicação ulterior de uma
generalidade dada, voltada primeira para si mesma, como a um
caso concreto; mas ela é a primeira verdadeira compreensão da
generalidade que cada texto dado vem a ser para nós. A compre-
ensão é uma forma de efetivação e se sabe a si mesma como efe-
tiva”.
96
Formação Humanística
97
Ao encontrar a observação, a experiência, o ser tem o seu pa-
trimônio de pré-juízos colocados em suspenso, colocados em jogo, o
que cria todo um espaço de insegurança que permite a busca pelo
significado.
Diz Custódio de Almeida que,
“podemos entender, a partir desse ponto, que o encontro com o
outro, com o estranho conduz o intérprete a uma tríplice revelação:
ele se revela para si mesmo (através dos seus próprios preconcei-
tos); o outro (aquilo pelo qual o intérprete se pergunta) se manifes-
ta para ele, e a tradição se mostra como o lugar comum do intér-
prete e do interpretado. Essas três instâncias formam o círculo
hermenêutico; todas são igualmente necessárias à compreensão;
nelas imbricam-se passado, presente e futuro.”
98
Formação Humanística
99
E, como já se disse, essa hermenêutica clássica, mesmo com fô-
lego para resistir à crítica, não consegue mais se apresentar legítima
em relação aos conflitos que envolvem os sujeitos em seu espaço so-
cial, já que ela busca uma verdade absoluta, a partir de um ser sobera-
no e fundante do significado e do sentido.
Bastante comum, assim, é a posição da maior parte dos julga-
dores que acreditam fielmente que primeiro tomam a decisão, que
resulta numa aplicação da lei, em sua manifestação geral, para em
seguida fundamentar tal decisão sob um olhar superficial do caso
concreto.
Em relação a esse procedimento estandardizado, e que deve ser
enfrentado por todos os que sofrem com essa “sagrada” decisão, bem
como aqueles que se pretendem a uma outra hermenêutica, Lênio
Streck afirma que
“Na verdade, aquilo que chamam de ‘fundamento’ nada mais é do
que a explicitação de um standard (vetor) de racionalidade de se-
gundo nível, de caráter argumentativo. Ora, pretender alçar a retó-
rica e/ou a argumentação a um status de ‘condição de possibilida-
de’ do processo interpretativo nada mais é do que uma derivação
da (velha) dualidade metafísica que sustenta a busca da verdade a
partir da revolução moderna do método, no momento em que o
método passa a representar o modo de resolução do problema do
conhecimento, problemática que ex-surge com a passagem da fi-
losofia como problema do conhecimento para uma metafísica do
conhecimento.”
100
Formação Humanística
101
cionalismo ainda não aconteceu em nosso país, fundamentalmente por
que
a) Continuamos a pensar que a lei é a única fonte, bastando,
v.g., ver o que fizemos com o mandado de injunção, “exigindo” uma
“lei regulamentadora”, ignorando que a própria Constituição é a
nova fonte;
b) Continuamos a acreditar no mundo ficcional das regras,
ignorando que a (velha) teoria da norma necessita recepcionar a era
dos princípios, que, fundamentalmente, introduzem no Direito a reali-
dade escamoteada historicamente pelo mundo das regras do positi-
vismo;
c) Não nos damos conta de que o esquema sujeito-objeto, sus-
tentador do modo dedutivo-subsuntivo de interpretar, sucumbiu em
face do giro linguístico-ontológico (em especial, a hermenêutica, sem
olvidar a importância das teorias discursivas);
d) Porque atrelados ao esquema sujeito-objeto, não consegui-
mos compreender a relação entre texto e norma, isto é, do objetivismo
simplificador partimos em direção aos diversos axiologismos. Como
consequência, estabeleceu-se um “ceticismo hermenêutico”, cujo
resultado é a arbitrariedade interpretativa.
102
Formação Humanística
103
produtor do objeto, como um possível consumidor. O que Marx per-
cebe é um descolamento no proletariado da sua condição de ser.
A equivalência burguesa se construiu a partir da maior capaci-
dade do seu discurso ideológico justificar a própria sociedade de clas-
ses, usando de vários subterfúgios, entre eles, o discurso jurídico.
A Lei se apresenta como estratégia de dominação ao criar o fal-
so mito de que todos poderão encontrar ao seu abrigo, uma condição
de equidade, na qual trabalhador e patrão receberão um mesmo e justo
tratamento.
Quer dizer, a justiça é, para Marx, uma nova forma de equilí-
brio social, estando, em realidade, tal justiça, além da justiça.
Afirma Marx que
“Na fase superior da sociedade comunista, quando houver desapa-
recido a subordinação escravizadora dos indivíduos à divisão do
trabalho e, com ela, a oposição entre o trabalho intelectual e o tra-
balho manual; quando o trabalho não for somente um meio de vi-
da, mas a primeira necessidade vital; quando, com o desenvolvi-
mento dos indivíduos em todos os seus aspectos, crescerem tam-
bém as forças produtivas e jorrarem em caudais os mananciais da
riqueza coletiva, só então será possível ultrapassar totalmente o
estreito horizonte do direito burguês e a sociedade poderá inscre-
ver em suas bandeiras: ‘de cada qual segundo sua capacidade, a
cada qual segundo as suas necessidades.”
104
Formação Humanística
105
um tratamento equitativo, base epistemológica da sociedade que se
constitui.
Conforme Eduardo Bittar:
Este momento de igualdade na teoria de Rawls, que leva ao con-
trato de adesão é pura hipótese. Não se trata de um acordo his-
tórico, e sim hipotético. Esse acordo vem marcado pela idéia de
uma igualdade original para optar por direitos e deveres; é essa
igualdade o pilar de toda teoria. Mais que isso, a idéia de recorrer
ao contrato social, e de estudar os sujeitos pactuantes na origem
da sociedade numa posição original, não tem outro fito senão o
de demonstrar a necessidade de se visualizarem as partes num
momento de igualdade inicial. Eis aí a eqüidade (fairness) de sua
teoria.
106
Formação Humanística
107
Rawls afirma que às partes no momento do contrato de adesão preci-
sariam realizar a imparcialidade. Conforme Melkevik:
“Visando preservar a eqüidade na escolha dos princípios e não
fazer com que intervenham as contingências naturais e sociais,
os parceiros ignoram certos tipos de fatos particulares (...). Entre-
tanto eles conhecem todos os fatos gerais que afetam a escolha
dos princípios de justiça’. Por isso a barganha e as relações de
força não podem intervir e a imparcialidade é constitutiva da jus-
tiça”.
108
Formação Humanística
109
E a democracia tem a tenacidade em substituir o contratua-
lismo na medida em que, assegura Habermas, naquela condição origi-
nária a simples capacidade de tomar decisões racionais não tem força
suficiente para superar a presença de um egoísmo racional que na
teoria contratualista se vê prevalecer.
Para Habermas, os direitos não são bens que podem ser dis-
poníveis pelos sujeitos, mas liberdades fundamentais dos sujeitos, na
medida em que tais direitos são antes normas, do que valores.
Em ‘Direito e Democracia: entre facticidade e validade’,
Habermas apresenta uma importante diferenciação do conceito de
normas e valores, em que
“Princípios ou normas mais elevadas, em cuja luz outras normas
podem ser justificadas, possuem um sentido deontológico, ao
passo que os valores têm um sentido teleológico. Normas válidas
obrigam seus destinatários, sem exceção e em igual medida, a
um comportamento que preenche expectativas generalizadas, ao
passo que os valores devem ser entendidos como preferências
compartilhadas intersubjetivamente [...]. Normas surgem com
uma pretensão de validade binária, podendo ser válidas ou invá-
lidas [...]. Os valores, ao contrário, determinam relações de prefe-
rência, as quais significam que determinados bens são mais atra-
tivos do que outros [...]. Portanto, normas e valores distinguem-
se, em primeiro lugar, através de suas respectivas referências ao
agir obrigatório ou teleológico; em segundo lugar, através da co-
dificação binária ou gradual de sua pretensão de validade; em
terceiro lugar, através da obrigatoriedade absoluta ou relativa e,
em quarto lugar, através dos critérios aos quais o conjunto de
sistemas de normas ou de valores deve satisfazer. Por se distin-
guirem segundo essas qualidades lógicas, eles não podem ser
aplicados da mesma maneira”.
110
Formação Humanística
111
futuro intrinsecamente ligada aos processos democráticos, fazendo
referência aos argumentos e as razões sopesadas”.
Portanto, o que se exige agora, é que os princípios que a priori
foram estruturados e fundamentados, passem, nesse momento posteri-
or a partir dos processo democráticos, pelo crivo dos cidadãos e, de
forma inerente, por todas as críticas que eventualmente venham a
sofrer.
É neste sentido que se reconhece o objetivo do “uso público
da razão”, ou seja, é fazer com que as determinações políticas expe-
rimentem a convivência e as exigências do pluralismo, seja ele, políti-
co, cultural, social, econômico, religioso, étnico ou intelectual.
Assim, é que a democracia de Habermas consiste numa em-
presa democrática que busca ampliar e dar autonomia a formação da
opinião e a vontade, que como já se disse estão ligados ao espaço
público.
Outra observação de Habermas a partir da formação da opini-
ão e da vontade democrática é a introdução da perspectiva de uma co-
originalidade entre a autonomia privada e a autonomia pública em
relação com o direito.
Para Habermas a co-originalidade “se trata de um nexo in-
terno que insiste em que os sujeitos de direito não podem desfrutar
da igualdade em matéria de liberdades subjetivas sem que exista
entre eles um acordo acerca do grau e do sentido destas ‘liberdade
subjetivas’ reconhecidas de uma parte a outra, obtidas mediante os
processos democráticos. Concretamente os sujeitos de direito devem
avaliar os aspectos pertinentes em virtude dos quais aquilo que é
similar, deverá ser tratado de uma maneira similar e o que é diferen-
te de uma maneira diferente”.
É, assim, que a síntese entre o conteúdo normativo do proces-
so democrático e o direito somente pode se realizar através de pessoas
jurídicas e não apenas daqueles sujeitos tomados pelo manto da igno-
112
Formação Humanística
rância que prescinde de certa forma dessas pessoas jurídicas que são
constitutivas da emergência e surgimento do espaço social.
113
114
Formação Humanística
Capítulo II
SOCIOLOGIA DO DIREITO
115
cias que surgem, com força avassaladora ou não, mas que partem na
mesma instantaneidade.
Se a sociedade civil é o cenário tradicional dessa passarela de
transformações, o Estado, a sociedade política não conseguiu estabe-
lecer resistências a todo esse processo da segunda modernidade. Tam-
bém ele é assaltado por modismos que nem sempre representam uma
transformação positiva. É o caso do legislador que é pressionado pela
sociedade a criar Leis conforme os seus interesses imediatos e, conse-
qüentemente, é o caso do Poder Judiciário.
Conforme Alexandre Costa de Luna Freire
“O modismo é uma situação que não se limita apenas ao mercado
de consumo. Na política, nas artes, na literatura e no vestuário,
também. A modernidade, entre outras novidades, trouxe o modis-
mo na Administração Pública, embora em cada eleição sempre ha-
ja políticos momentâneos e, mesmo caindo de moda, alguns deles,
criam moda. Estilistas de pronta entrega, costuram as situações ao
prazer da encomenda (...). Voltando ao modismo, a bola da vez é a
Administração Judiciária, embora parte da mídia tenha assestado
as baterias contra os Juízes, como acontece na “sociedade espe-
táculo”.É nua e crua a realidade da Administração Judiciária que
não se confunde com o ofício de julgar, de administrar a tramitação
processual, de proferir decisões rápidas, de conciliar conflitos, de
assegurar igualdade, ou melhor, desigualdade aos desiguais. Ad-
ministração Judiciária é um ramo novo da Ciência da Administra-
ção, ainda incipiente, cujo objeto não está bem definido e a grande
maioria dos Juízes e funcionários o desconhece. Há algumas inici-
ativas visando aperfeiçoá-la, difundi-la, ensiná-la e, principalmente,
aplicá-la intensivamente. Não se concebe em plena era virtual
descrever as maravilhas da internet, ou a força da multimídia (das
várias mídias) com formulários obsoletos para comunicação dos
atos processuais, principalmente, quando a leis processuais são
continuamente alteradas por Medidas Provisórias. Não fosse o
THEOTÔNIO NEGRÃO, indispensável nas mesas de todos os ‘o-
116
Formação Humanística
117
lhido pelo cidadão através do exercício do voto), tudo isso acaba faci-
litando o efeito da dispersão, fragmentação e descolamento da socie-
dade com a Lei, com o Poder Judiciário e com o próprio Estado, en-
quanto um todo movimento assimétrico e anti-sistemático.
Entretanto, a ‘moda’ não está na figura da pressão exercida pela
sociedade no Poder Judiciário quanto ao atendimento mais qualifica-
do, célere e eficaz de suas necessidades determinada pelo século XXI.
Este processo já se iniciara anteriormente, no período em que a pró-
pria condição política de nosso país se transformava com o crescimen-
to da crítica à ditadura e a exigência pela volta da democracia.
No que diz respeito ao nosso interesse, isto é, o tema da admi-
nistração judiciária, as mudanças se tornaram mais ‘necessárias’ a
partir de todo um movimento que ao longo da década de 70 coincidiu
com a crise de vários regimes autoritários e o conseqüente processo de
maior acesso ao judiciário.
Este processo de transformação sentido pelo Poder Judiciário
em nosso país é consequência, ainda que tardia de um movimento que
ocorri fora do Brasil, pois se podia notar em diversos países do mun-
do, o movimento em defesa do “access-to-justice movement”, o qual,
no espaço da academia norte-americana e européia havia legitimado o
“Florence Project”, que veio a ser coordenado por dois dos grandes
teóricos contemporâneos: Mauro Capelletti e Bryant Garth.
Inegável que apesar das limitações desse movimento, ele apor-
tou e se consolidou em nosso país, mas diferentemente do que ocorria
em países que experimentaram uma transformação do Estado liberal
capitalista moderno em busca de uma expansão ao Estado do welfare
state, bem como diferente da necessidade de se tornarem efetivos os
novos direitos conquistados, principalmente, a partir dos anos de 1960
pelas “minorias” étnicas e sexuais.
Ao contrário, em nosso país, a questão fundamental dizia res-
peito a temas mais triviais a serem conquistado, tais como os relacio-
nados aos direitos básicos da população ao qual a maioria ainda não
118
Formação Humanística
119
preparar e amadurecer um ordenamento jurídico tradicionalmente
organizado na defesa dos direitos individuais clássicos para uma soci-
edade que reconhecia uma complexidade de direitos coletivos e difu-
sos, abstratos em uma potência que não presente nosso país apesar do
despertar dessas novas naturezas associadas ao conflito político da
metade final da década de 1970.
Conforme destaca Eliane Botelho Junqueira,
“Se a questão prática do ‘welfare state’ não estava presente na-
quele momento -- tornando absolutamente fora de lugar preocupa-
ções com experiências de conciliação e informalização da Justiça
tais como ocorriam nos países centrais e que, na esteira desse
movimento, vão gerar, logo em seguida, o ‘alternative dispute re-
solution movement’ nos Estados Unidos --, as reflexões brasilei-
ras possuíam outra matriz organizadora. A forte presença do pen-
samento marxista nas ciências sociais de então e a influência dos
trabalhos desenvolvidos por Boaventura de Sousa Santos -- facili-
tada tanto por sua estada no Brasil no início dos anos 70, como
pela acessibilidade de seus artigos, escritos em nosso quase mor-
to idioma -- fizeram com que o tema do pluralismo jurídico fosse
transplantado para as investigações que, indiretamente, se volta-
vam para o tema do acesso à Justiça. Tanto os trabalhos de Boa-
ventura de Sousa Santos, como as pesquisas empíricas desenvol-
vidas no campo, provavelmente porque tomavam como um dado a
própria inacessibilidade da Justiça para os setores populares, não
abordavam explicitamente o tema do acesso à Justiça, mas sim
procedimentos estatais e não estatais de resolução de conflitos.
Mesmo assim, o tema do acesso à Justiça emerge em toda esta
produção”.
120
Formação Humanística
121
seja um ou um conjunto de ‘ações’ que são (re)(a)presentadas ao Po-
der Judiciário.
A distinção é difícil, mesmo sutil e, geralmente ela não está
possível à percepção ou compreensão daqueles que estão menos acos-
tumados com a atividade da Justiça. Assim, se pode compreender os
atos de ‘administração judicial’ inerentes ao processo como aqueles
atos que baseados em um método legal fundamentam o conjunto de
atos da jurisdição onde a ‘ação judicial’ se desenvolve, e na qual a
atividade física e ‘administrativa’ da tramitação dos atos cartorários,
secretarias, de comunicação, da elaboração dos ‘juízos’ nos despachos
não se limita a um mero expediente tradicional de um ‘Cite-se’ ou
‘Cumpra-se’ ou ‘Comunique-se’.
Igualmente, se considera atos administrativos aquele volume de
serviços e atendimentos de todas aquelas ‘demandas’ ou ‘consultas’
ou mesmo ‘informações’ as quais os sujeitos buscam no poder judiciá-
rio. São também atos de administração judicial aqueles relativos ao
patrimônio, aos bens, no processo civil, penal, concursal, de falência e
concordata, de jurisdição voluntária, atividade empresarial etc. Final-
mente, são relativos à administração os bens e materiais, orçamentos e
de pessoal, relativos ao funcionamento de todo o ordenamento jurídi-
co, mesmo em esferas e competências distintas.
Desta forma, esses processos de mudança, alimentados origina-
riamente a partir das transformações políticas pelos quais experimenta
o Brasil e que vai resultar na exposição dos limites do próprio Poder
Judiciário enquanto meio de exclusão, vêm obrigando este mesmo
poder a uma série de transformações nos últimos 20 anos, o que não é
nenhuma coincidência ser este o período de vida da atual Constitui-
ção.
Estas mudanças, marcadas pela ‘moda’, nem sempre necessá-
rias, outras vezes sim, encontram ou não alguma vontade política que
dependendo do ibope do tema é encampado e assim realizado no Con-
gresso Nacional. Mas, infelizmente, a maior parte das modificações
obedeceu aos interesses mediatos do Legislador, interessado em trans-
122
Formação Humanística
123
h) Estudos de custos e orçamentários adequados a cada reali-
dade, a partir de critérios objetivamente definidos;
i) Criação periódica de varas e realização de concursos para
Juiz e funcionários, atendendo-se à realidade de cada órgão.
124
Formação Humanística
125
Este amplo espaço obriga aos sujeitos identificados pelo termo
arrogante de ‘operadores’ do direito a sintetizar a tensão entre todos
estes efeitos complexos que exsurgem da relação do discurso jurídico
com e no espaço social. Esta estabilidade é medida, por exemplo,
pelos magistrados quando se veem na difícil tarefa de buscar uma
racionalidade e contingência frente ao fato social para explicá-lo e
controlá-lo frente a doutrina, a jurisprudência, a analogia, os princí-
pios gerais de direito e a Lei.
Ao mesmo tempo em que se realiza esta tarefa de ‘enquadra-
mento-compreensão’, se busca com a sociologia do direito o entendi-
mento daquelas condições que permitem a existência e a reprodução
do controle social dos sujeitos, bem como o estabelecimento dos sig-
nificados míticos de ordem, paz e preservação da estrutura social.
Mesmo que se submetendo a um discurso racionalista que e-
mergiu ao longo dos séculos XVI a XIX, não é tarefa fácil observar
esta estrutura social a partir da sua relação com a Lei e com as normas
jurídicas, a não ser a partir de diferentes teorias que comprometidas
com os seus próprios fins justificam, criticam e afirmam superar os
limites apresentados pelas outras teorias (positivismo, funcionalismo,
liberalismo, marxismo, realismo, etc.).
O que se constata, contudo, é que pelo sim, pelo não, encon-
tramos um espaço social organizado, mesmo com a sua dose de desor-
ganização que é inerente àquela, mas que apesar de sua existência não
nos permite alcançar a plenitude do seu significado, o que nos leva a
compreender o porquê de tantas teorias que se justificam em explicá-
lo(as).
Escolhemos, aqui, como um exemplo, a percepção de Max
Weber sobre aquilo que ele denominou de ‘idealtipos’ do direito a
partir da sua presença/relação com o espaço social:
a) O direito irracional-material;
b) O direito irracional-formal;
c) O direito racional-material;
d) O direito racional-formal.
126
Formação Humanística
127
Esta relação entre o direito e a sociedade, ainda que obrigatória
para a sobrevivência de ambos se desenvolveu em distintos momen-
tos, nem sempre pacíficos em relação às conclusões que os seus repre-
sentantes chegaram, mas que podem ser assim sintetizados:
a) O período dos ensaios, ainda que sem qualquer rigor por
parte dos seus primeiros teóricos (ao longo da segunda metade do
século XVIII). Aqui não se pode afirmar ainda numa ‘ciência’ socio-
logia, ainda mais numa sociologia jurídica, ainda que teóricos como
Montesquieu tenham se preocupado em compreender este fenômeno
associado à sociedade
b) O período consolidado pelo método e pela lógica (dos fins
do século XIX até a 2ª Guerra Mundial). Nesta fase é indiscutível o
surgimento da sociologia, com o fim de justificar as contradições da
sociedade europeia industrializada e que passava por agudas transfor-
mações. Entre os teóricos da sociologia que realizaram profundos
estudos neste período se pode destacar: Durkheim, Marx, Ehrlich,
Weber, Comte, etc.
c) O período da consolidação é aquele que se desenvolve do
final da 2ª Guerra até os meados da década de 70. Consagra definiti-
vamente a sociologia como ciência. Ainda que consagrada em méto-
dos de aplicabilidade racionais, a sociologia busca explicar as trans-
formações de uma sociedade que sofre profundas transformações a
partir da revolução tecnológica, informacional e das mudanças com-
portamentais a partir de uma industrialização que impulsiona o indivi-
dualismo e o descolamento ideológico. São exemplos dessa fase: Ros-
coe Pound, Gurvitch, Parsons, os membros da Escola de Frankfurt
(Adorno, Habermas, etc.)
d) O período de crise do capitalismo diz respeito à década de
1970 até meados do final da década de 80, período que foi determina-
do pela limitação da expansão econômica e consequente recessão, o
que levou a uma série de disjunções e conflitos variados. Exemplos
desta fase: Pierre Bourdieu, Ralph Daherdorf, Giddens, Foucault, Boa
Ventura, etc.
128
Formação Humanística
24 BRUHL, Henri Lévy. Sociologia do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p.20.
129
físico e social, isto é, significam uma modificação da condição dos
sujeitos mesmos e de seu patrimônio.
Em relação ao segundo elemento, já se afirmou que toda a soci-
edade tem o seu direito, pois as normas jurídicas são sempre resultan-
tes desse espaço de cultura, de capital simbólico que constitui o ima-
ginário do grupo ao qual se pertence. Contudo, não é qualquer socie-
dade, mas uma sociedade organizada politicamente, o que não signifi-
ca a presença de um Estado como hoje reconhecemos. Política aqui
significa uma mínima divisão do exercício político com funções de-
terminadas, mesmo que determinadas por fatos específicos. Esta é a
posição, de certa forma, defendida pela TEORIA MONISTA, distinta
da ESCOLA PLURALISTA que não vê na presença de uma organiza-
ção política a condição para a presença do direito (qualquer conjunto
de indivíduos, minimamente organizados pode apresentar o direito).
O direito, enquanto fenômeno social, não pode se encastelar no
tempo, pois se ele é um fenômeno social e este é um fenômeno tempo-
ral, o direito também tem a capacidade de se alterar conforme as alte-
rações da sociedade.
As normas jurídicas não têm um caráter perpétuo e imutável,
pois não há direito sem o domínio do tempo. E esta relação não é uma
relação fácil e sem a presença de conflitos.
O sistema jurídico tem profunda participação na definição que
se faz do sujeito e da sociedade. Isto por que regula a relação entre
singularidades, entre identidades individualizadas que estão obrigadas
a manter entre si alguma forma de envolvimento-existência, alguma
forma de contato.
Inevitavelmente ele conduziu-nos a algumas das opções psíqui-
cas em que foi-nos possível reconhecer o ‘outro’, aqui observado não
apenas como outro sujeito, mas na relação deste com o sistema social.
Na jornada mediada pelo direito em direção a construção do eu
- indivíduo, tal jornada resultou da imposição de regras discursivas
130
Formação Humanística
131
sanções jurídicas tem, assim, uma apreensão diferenciada no grupo
social a partir da sua natureza constitutiva:
a) As sanções civis ou retributivas significam uma condição de
estado frágil da consciência coletiva, pois a sua lesão não repercute
com intensa ojeriza nos indivíduos;
b) As sanções penais, por outro lado, por produzirem uma rea-
ção violenta nos indivíduos, ainda mais a partir do tipo de delito co-
metido que varia conforme a importância configurada pelo grupo
social.
Assim, Durkheim se utiliza no seu estudo da sociologia jurídica
de um método funcionalista, ao qual a sociologia em seu período se
deixou seduzir, e que emprega quando olha o direito pela sociologia.
Sua reflexão, neste sentido, está concentrada na inegável rela-
ção íntima entre o sistema jurídico e o espaço social, enfatizando a
partir dessa relação a condição de estabilidade e de durabilidade das
condições que sustentam essa mesma organização social.
Ele busca para a sua apreensão duas dimensões epistemológi-
cas: uma dimensão teórica e outra, uma dimensão empírica, sem que
nunca se esqueça da condição metodológica para o estabelecimento
desse olhar.
Neste sentido, ele problematiza as condições da manutenção da
ordem social para oferecer a solução de sua própria sobrevivência.
A proposta para este problema se encontra no reconhecimento
de uma existência-presença em toda sociedade, isto é, em um conjunto
de normas, que é denominado de direito e que tem o poder de regular
a ação dos sujeitos sociais.
É assim que Durkheim, em sua teoria estrutural-funcionalista
do controle social, as condições para a sobrevivência do espaço social
estão fundadas no consenso dos sujeitos a respeito do direito, da Lei e
do ordenamento jurídico como símbolos de coesão social, mais forte
132
Formação Humanística
133
também numa crítica ao formalismo jurídico, compreendeu o direito
como um produto da natureza do próprio desenvolvimento social, já
que afirmou que o direito estatal apenas reconhece e institucionaliza
as regras da vida social.
Importa, mais uma vez, destacar a contribuição de Karl Marx,
nunca esquecendo, entretanto, que ele não escreveu especificamente
sobre o direito, mas o compreendeu como um dos instrumentos mais
fundamentais para aquilo que identificou como controle, dominação
de uma classe social sobre outra.
A sua maior contribuição para uma sociologia jurídica está na
sua compreensão de que no espaço social há uma teoria do conflito
constante, teoria esta que estabelece necessariamente como instrumen-
tos de dominação as relações entre o direito, o Estado, a economia e
sociedade.
Esta teoria do conflito constante é móvel que justifica a condi-
ção privilegiada pela qual o ordenamento jurídico cumpre uma função
de pacificação e controle dos conflitos sociais.
A sua percepção sobre o social e a realidade foi calcada na dia-
lética hegeliana, que fortemente o influenciou ainda que ele tenha
rompido com os limites e significados elaborados por aquele.
Fundamental para a sua originalidade foi a utilização de um
método, ao qual ele denominou de método do materialismo histórico-
dialético, essencial para construir o arcabouço da sua teoria social a
partir dos seus objetivos teleológicos e, onde encontramos vestígios de
uma sociologia jurídica.
É desta forma que ao se utilizar de tal método percebe que no
modo de produção capitalista (o presente de sua aventura reflexiva), a
classe dominante, ao qual ele nomeou de burguesia, é a detentora dos
meios de produção, o que lhe permite impor os seus interesses (ideo-
logia) econômicos à outra classe essencial: o proletariado.
Desta feita, frente à existência de uma infraestrutura social con-
flituosa, se constitui outra, ao qual ele denomina de superestrutura
134
Formação Humanística
135
Foi conhecido nos Estados Unidos da América como Critical
Legal Studies (CLS), e desde o seu início este movimento se dedicou à
compreensão e crítica das condições antiliberais dos fenômenos jurí-
dicos. Para isso o Critical Legal Studies se utilizou de uma variada
gama de movimentos e referências teóricas, tais como: o realismo
jurídico, o feminismo, o estruturalismo e, fundamentalmente, do mar-
xismo.
Destacando de forma peremptória o empirismo das ciências so-
ciais e econômicas norte-americanos, o Critical Legal Srudies se a-
proximou da historiografia interpretativa e humanista, o que lhe per-
mitiu estruturar o direito como uma superestrutura relativamente autô-
noma, ao qual Sumner chamou de ideologia, Hyde de legitimação ou,
como Duncan Kennedy, força hegemônica (em clara referência aos
estudos realizados por Antonio Gramsci, no início do século XX, na
Itália).
É relevante destacar algumas palavras para a contribuição da
escola do realismo jurídico, fundamentalmente a escola escandinava.
Esta corrente é constituída por teóricos escandinavos. Entre eles
se percebem preferencialmente os suecos da conhecida escola de Upp-
sala. Na qual se destacam Axel Hagerstrom, Anders Vilhelm Ludstedt
e Karl Olivecrona, assim como o dinamarquês Alf Ross.
O elemento que é comum a este grupo enquadrado enquanto
escola de pensamento é a sua atitude antimetafísica radical, já que eles
concordam que a única realidade a qual correspondem os fenômenos
jurídicos é a realidade psicológica.
A atitude antimetafísica é radical: “a possibilidade do pensa-
mento depende do mundo empírico num tempo e num espaço, conce-
bido como o contexto coerente ao lado do qual nenhum outro é con-
cebido”. Ou seja, não se pode perceber a construção de sentido a prio-
ri, mas somente no seu contexto ontológico.
Isso significa que não pode haver uma ciência que tenha por
objeto outra coisa que não as realidades espaço-temporais, e entre
136
Formação Humanística
137
A escola de Uppsala desenvolveu-se a partir do ponto de vista
do positivismo filosófico uma crítica contundente, sobretudo, à dou-
trina que defende a existência de uma decisão valorativa e dos chama-
dos conceitos jurídicos fundamentais metafísicos e determinantes da
moral, tais como o conceito de direito subjetivo, de obrigação jurídica,
de contrato, de ordem jurídica etc.
Para o realismo escandinavo todos esses conceitos se situam
num grande vazio, pois o que existe realmente no espaço da vida jurí-
dica são os fatos psicológicos e sociais, assim como certas formas de
comportamento social.
Desta feita, não se poder defender a existência de obrigações
jurídicas ou mesmo contratuais. O que existe, realmente, são as san-
ções coativas realizadas, desta forma, realmente efetivas. Ou seja, a
ciência jurídica se prende a conceitos em vez de se ocupar de fatos e
disso decorre, essencialmente, a sua não cientificidade.
Não menos importante é a escola do Realismo norte-americano.
Segundo observa Norberto Bobbio, o Juiz da Suprema Corte, Oliver
Wendell Holmes, pode ser considerado sem equívoco o primeiro,
precisamente no exercício das suas funções de juiz, a desclassificar o
tradicionalismo jurídico das cortes, e a introduzir uma interpretação
evolutiva do direito, quer dizer, mais sensível às mudanças da consci-
ência social.
Em 1897, Holmes fez uma conferência, intitulada “The Path of
the Law”, na Escola de Direito da Universidade de Boston e a sua
repercussão acabou por provocar uma profunda renovação dos estudos
jurídicos nos Estado Unidos da América.
O enfoque inédito dado por Holmes diz respeito ao tema dos
fenômenos jurídicos aos quais propõe se adotar o ponto de vista do
bad man, quando enfrenta as consequências prováveis daquilo que se
reconhece como uma determinada conduta. Para o bad man o impor-
tante é saber se a ação programada ocasionará a reação positiva de um
órgão do Estado, e a condição legítima dessa reação é o direito, a Lei.
138
Formação Humanística
139
nitivamente, as decisões judiciais estão baseadas nos impulsos do
juízo, e estas decisões são extraídas não das leis e dos princípios ge-
rais de direito, mas, sobretudo daqueles fatores individuais que, toda-
via são os elementos mais significativos do que qualquer outra coisa
que se possa vir a ser descrita como pré-juízos políticos, econômicos,
ou morais.
Para Bobbio, inegável o papel e a contribuição de Frank, como
ele destaca,
“(...) a escola realista, cujo principal impulsionador foi Jerome
Frank, foi bem mais adiante dos princípios que podem ser deduzi-
dos de Holmes e Pound. A tese principal da escola realista é esta:
não existe direito objetivo, no sentido de objetivamente dedutível
de fatos reais, oferecidos pelo costume, pela lei ou pelos antece-
dentes judiciais; o direito é uma permanente criação do juiz no
momento em que decide uma controvérsia. Assim se derruba o
princípio tradicional da certeza do direito; pois qual pode ser a pos-
sibilidade de prever as consequências de um comportamento? — e
nisto consiste a certeza — se o direito é uma permanente criação
do juiz? Para Frank, com efeito, a certeza, um dos pilares dos or-
denamentos jurídicos continentais, é um mito derivado de uma es-
pécie de aceitação infantil frente ao princípio de autoridade”.
140
Formação Humanística
141
templativa, entregue aos desígnios dos indivíduos, ou, quando muito,
justificado pelo direito positivo de forte matriz sociológica.
Em relação à perspectiva subjetivista, interessa destacar que ela
se volta para a contribuição esperada dos elementos sobre o sistema,
isto é, em sua correspondência como um projeto de ação, o que aca-
bou por influenciar a reflexão de Weber, mais adiante Giddens, Tour-
raine e Ferrari.
Desse modo, o que se destaca desta influência funcionalista são
as análises objetivistas, responsáveis por aquelas explicações ontoló-
gico-aprioristicas, bem assim metafísicas quanto às funções dos ele-
mentos de um sistema social-jurídico.
Em última instância, a análise funcional como método socioló-
gico importa na medida em que rejeita apriorismos cognitivos e se liga
à perspectiva subjetiva de análise, quer dizer, no sentido de importar
menos a funcionalidade estrutural e o equilíbrio social do que os pro-
jetos individuais e a complexidade dos desequilíbrios e conflitos.
Especificamente no espaço do ordenamento jurídico esse olhar
funcional-teleológico, no qual podemos destacar a presença de Nor-
berto Bobbio, estruturou o seu objeto como o meio que dispõe a ação
jurídica para influenciar a conduta alheia. Desta forma, tal teoria tende
a refletir as funções do direito a partir de mecanismos de uma ação
jurídica, muito mais do que de seus resultados, o que leva à constata-
ção das funções de natureza repressiva e promocional.
Estes são alguns poucos exemplos do papel que o direito assu-
miu na sociologia ao longo do tempo e que nem sempre se confun-
dem, ainda que destacam em comum a necessária associação do sis-
tema jurídico com o espaço social.
142
Formação Humanística
25 In: Berman, Marshall. Tudo que é sólido se desmancha no ar. A aventura da modernidade.
São Paulo: Companhia das Letras, 1986, p.23.
143
e num grau tão intenso que é reduzido ao mercado como um produto
qualquer.
Os efeitos desta redução são nefastos, pois atingem a própria
gênese produtora dos sentidos. Impossível que a natureza do saber
reste intacta, mesmo quando se fala do espaço jurídico e de sua pró-
pria reflexão.
Isso porque a complexidade do sistema jurídico, que é o que
nos interessa aqui, não tem como se submeter e acompanhar os novos
canais de produção e exigência da Lei, ao mesmo tempo em que se
quer tornar operacional a todo o espaço social, a não ser que o conhe-
cimento jurídico possa ser traduzido em quantidades de informação.
Pode-se então prever que tudo o que no saber constituído não é tradu-
zível será abandonado, e que a orientação de novas pesquisas se su-
bordinará à condição de tradutibilidade dos resultados eventuais em
linguagem de máquina.
Tanto os tradicionais ‘produtores’ do saber jurídico como seus
consumidores efetivos devem e deverão ter os meios de traduzir nestas
linguagens o que alguns buscam inventar e outros apreender com as
novas formações do poder estatal e da capacidade fragmentária dos
novos espaços sociais (o caso das periferias).
Pode-se então esperar uma explosiva exteriorização deste saber
jurídico em relação ao sujeito que pretende saber (o velho operador de
direito de Kelsen) em qualquer ponto que este se encontre no processo
de conhecimento.
Outra abordagem que importa destacar aqui diz respeito à posi-
ção adotada por Ulrich Beck quanto à teoria da cisão da modernidade
em duas fases distintas: a) a primeira, compreendendo aquele período
que se estende entre o século XVIII até o fim do século XX, cujas
características determinantes foram desde uma sociedade estatal e
nacional, passando por estruturas coletivas, de pleno emprego, de
rápida industrialização e exploração da natureza não visível, até um
144
Formação Humanística
145
Ao mesmo tempo, estas reflexões que expõem a transformação
da modernidade também nos permitem uma oportunidade de constatar
um fenômeno que se apresenta inicialmente como uma enigmática
contradição: se, de um lado, a vida humana é mais segura na contem-
poraneidade do que era na primeira fase da modernidade, fruto de
todas as transformações na ciência e nas relações jurídicas, porque
aquela época foi marcada pela certeza e a atual pelo risco?
Este é o desafio que é lançado por Ulrich Beck, e ponto de ob-
servação privilegiado de onde podemos vislumbrar o processo de
informatização do Poder Judiciário no Brasil, pois é sob seu ângulo
que se farão as luzes necessárias à fuga do dilema de Abraham Ka-
plan:
“Se eu perdi as chaves no escuro, não as encontrarei embaixo
do poste, somente porque este está iluminado.”
146
Formação Humanística
É certo que com a assertiva acima ele expressa muito mais que
uma proposta epistemológica, mas a própria essência de sua teoria das
relações sociais. A metáfora do trem é, assim, um exemplo isolado, da
mesma forma e de outra maneira em que em outro contexto diverso,
Weber se referira à moda e à regularidade na formação de preços no
147
mercado como tipos ideais, bem assim quanto ao papel da Lei e da
norma como controle típico do espaço social, fundamentalmente a
partir de sua burocratização crescente.
Por tipos ideais se deve buscar compreender aquilo que é o pre-
visível, o hodierno, o contínuo, ou seja, aquela racionalidade
(re)definida como uma adequação entre os meios e os fins. Como ele
afirma:
“conceitos abstratos de relações, que concebemos como relações
estáveis no fluxo do devir, como indivíduos históricos nos quais se
processam desenvolvimentos”
148
Formação Humanística
149
supostos e intenções expressivas, criando assim, mercê da cons-
trução de uma nova visão de mundo, uma relação simbólica de
poder. A interação pode ser fatal para este construto social e para
a manutenção de um mercado de compra e venda de mercadorias
peculiares, que são os serviços jurídicos.
150
Formação Humanística
151
dos Novos Direitos, temas que se configuram segundo a perspectiva
de um novo paradigma científico, o paradigma pós-moderno.
Nesta perspectiva, Volkmer percebe a crescente pluralidade do
discurso jurídico, o qual não pode mais ficar reduzido a um discurso
formalmente procedimental e normativo. As novas tecnologias de
comunicação em muito explicam toda esta emergente complexidade
de cenários de contato entre a sociedade e o campo jurídico.
No que diz respeito ao direito, à comunicação social e à opinião
pública o acesso à justiça e a transição paradigmática do tradicional
modelo racionalista encontram íntima relação com o aperfeiçoamento
processual e da própria instituição do Poder Judiciário para uma me-
lhor compreensão da totalidade da crise atual da justiça. Portanto, se
pode dizer que ocorre uma pluralização da prática do direito a partir
da inclusão de novos sujeitos e de novas formas de se proceder, par-
tindo-se não mais da concepção do fenômeno jurídico apenas como lei
ou instituição física, mas sim como prática de um complexo espaço
social a partir da prerrogativa da exigência de um amplo acesso ao
Poder Judiciário.
No dizer de Capelletti e Garth,
“A expressão ‘acesso à Justiça’ é reconhecidamente de difícil defi-
nição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sis-
tema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar
seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Esta-
do. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; se-
gundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e social-
mente justo.”
152
Formação Humanística
153
forma independente, criando uma prática de autogestão importante
para a ideologia do novo país.
A condição do Poder Judiciário como espaço administrativo e
econômico, em grande medida independente dos outros dois poderes,
apesar da crítica cruel firmada por Tocqueville à idealização da De-
mocracia nos EUA, permitiu-lhe observar aspectos positivos presentes
no novo país. Não por acaso, ao retornar a França ele retoma a tese da
independência do Poder Judiciário de forma ainda mais incisiva.
Sua posição teórica, vivenciada a partir dos EUA, estava ao en-
contro das reformas promovidas, desde o início do século XIX, por
Napoleão Bonaparte. Este fora responsável não somente pela codifi-
cação, pela racionalização da norma na França, mas igualmente por
uma reorganização do Poder Judiciário que, se por um lado ainda o
mantinha atado ao Poder Executivo, compreendido como o Estado
como um todo, já previa uma capacidade de autogestão.
Ao longo do século XIX, as transformações sofridas pela soci-
edade liberal e pelo modo de produção capitalista, a partir dos efeitos
da 2ª Revolução Industrial, obrigaram ao Poder Judiciário a uma cres-
cente burocratização, uma vez que o espaço da Lei, do direito, preci-
sava se constituir enquanto cenário capaz de absorver os conflitos
sociais sem que isso significasse alguma possibilidade de quebra do
contrato social vigente.
As críticas contundentes da nova ideologia surgida, essencial-
mente com Marx, a partir de 1848, quando este publica “O Manifesto
Comunista”, o que leva a uma substancialização dos sindicatos e de
uma mais organizada reação ao modelo liberal-capitalista, fazem e-
mergir discursos de defesa desse modelo que pregam uma maior pre-
sença da racionalidade alienante, bem como a partir desta uma maior
complexidade na auto-organização do Poder Judiciário.
Nesse sentido, as contribuições de Augusto Comte e Hans Kel-
sen, este ao final do século XIX, início do XX, reforçam o papel do
espaço jurídico como campo privilegiado para suportar, ao mesmo
154
Formação Humanística
155
ção, de aceitação e de carisma que o sujeito ou o grupo podem apre-
sentar e que garantem o poder da autoridade
c) Lei: A necessidade de uma organização mais impessoal a-
caba sendo uma condição do processo histórico, presente em todas as
sociedades. Esta organização mais impessoal não pode ser reduzida a
uma mera vontade de um sujeito específico. Ao contrário, seu proces-
so de produção precisa ser descolado de tal forma que mesmo criado
por alguns possa significar para todos um mesmo papel e significado.
Essa ideologização de que através da máxima razão se poderia consti-
tuir a legalidade, a legitimidade permitiu a melhor obediência e sub-
missão. É na Lei que o processo de controle e dominação encontra a
sua condição mais elaborada, permitindo a estruturação do Estado
moderno como ente artificial, mas ainda com capacidade de ser sujeito
de todos os sujeitos a partir de um espaço mitologizado, isto é, o espa-
ço jurídico.
Weber percebeu que o fenômeno jurídico sofreu um longo pro-
cesso de racionalização, iniciando a partir de um poder fundado no
costume e no carisma (fase mítico-irracional) até a fase da ‘Lei-Norma
racional’. É assim que ele caracteriza três sistemas jurídicos distintos
a partir de sua orientação quanto aos elementos que justificam o po-
der:
a) Mágico-religioso: o poder está aí fundado no ‘sobrenatu-
ral’, a partir de uma capacidade de crença naturalista do homem e na
sua força carismática que o tornam autoridade frente aos fatos da vida
e da morte.
b) Tradicional: este é um poder que está num processo de
transição na medida em que já dá mostras de certa racionalização,
fruto do controle do patrimônio, da propriedade, mas que ainda aqui
se encontram mantendo laços com aspectos teológicos.
c) Secularizados: Neste momento, o que impera enquanto
fundamento do poder é a razão, medida de toda e qualquer forma de
organização na qual o poder não é identificado a um sujeito ou grupo
156
Formação Humanística
157
Estas são algumas das contribuições de Weber para o processo
de organização do Poder Judiciário, uma vez que este autor é muito
presente em nosso ordenamento jurídico. Contudo, não é este espaço o
mais adequado para um olhar aprofundado sobre tal teórico da socio-
logia jurídica. Importa, agora, estabelecer algumas observações sobre
o Poder Judiciário em nosso país.
As transformações sofridas pelo Poder Judiciário no Brasil não
se dão descoladas de todo um cenário maior que envolve transforma-
ções do próprio país. Nos últimos 30 anos o Estado brasileiro como
um todo se viu obrigado a significativas modificações frente a neces-
sidades internas e externas que lhe foram impostas.
Em nosso país a percepção de que havia uma crise de grandes
dimensões, seguida de uma obrigatória e imperiosa necessidade de
reformar o Estado (e a sociedade) ocorreu de forma acidentada e con-
traditória, em meio ao desenrolar da própria crise pela qual os espaços
políticos e econômicos passaram ao longo da década de 1970.
A crise do petróleo em 1973 trouxe uma necessidade de se re-
pensar os rumos da economia e do regime num país que baseava o seu
controle político-jurídico exatamente numa ditadura militar que se
apresentava como promotora de um grande desenvolvimento econô-
mico.
O quadro se vê agravado no período de 1979 a 1994, ao qual o
Brasil viveu um período de estagnação da renda per capita, alta de
inflação, fim dos presidentes militares, planos econômicos, constituin-
te, eleições diretas depois de mais de 20 anos e queda de um presiden-
te eleito pelo voto popular.
O esforço de reconstrução nacional se deu em todos os espaços,
incluindo-se aí o do Poder Judiciário, uma vez que fundamentalmente
toda essa crise foi uma crise do Estado e da sociedade.
O Estado experimentou uma crise na sua capacidade fiscal, na
sua capacidade de coordenação e intervenção, no seu papel burocráti-
co e político, o que nos obrigou a reconstruí-lo a partir de vários cam-
158
Formação Humanística
159
No espaço do Poder Judiciário a Constituição de 1988 inaugu-
rou a necessidade de sua transformação, até mesmo para poder aplicar
os princípios que estavam nela previstos. Ou seja, partindo-se de um
Judiciário independente não somente quanto ao espaço político, mas
fundamentalmente no espaço econômico, este se abria como campo
para oferecer a sociedade brasileira uma nova capacidade de resolução
dos problemas, ao mesmo tempo em que se oferecia como aprendiza-
do para erradicar as tradicionais instituições do patrimonialismo e do
patriarcalismo.
Tanto a Magistratura, quanto o Ministério Público, bem assim a
Advocacia, a Defensoria Pública, a Advocacia Geral da União recebe-
ram amplos espaços de competência e legitimidade para se reorgani-
zarem sob os auspícios da Constituição de 1988.
Desta forma, nesses 22 anos o que se presenciou foi uma lenta,
mas gradual capacidade de reinvenção do Estado e dos seus poderes,
incluindo-se aí de forma vital o Poder Judiciário. Entende-se, desta
forma, a responsabilidade que veio a ser depositada na Constituição,
necessária incondicional a ser a força restauradora da legitimidade dos
direitos fundamentais e do Estado Democrático de Direito.
O cumprimento dessas exigências exigiu um Poder Judiciário
que ao mesmo tempo em que buscasse se aparelhar com novas tecno-
logias e com novos agentes escolhidos a partir de um processo de
seleção mais e mais competitivo, não se deixasse levar apenas pelas
necessidades formais, mas que viesse a representar um campo de e-
xercício pleno dos cidadãos.
160
Formação Humanística
161
ram a um estímulo de confronto e estranhamento com o tradicional
tempo de resposta das vias tradicionais.
Este estranhamento não diz respeito somente à legitimidade
sancionadora do direito na medida em que impõe a regra, mas princi-
palmente quando se olha o afastamento do tempo do direito do tempo
social.
Esta disfunção de tempo entre direito e espaço social não é uma
novidade, mas colocada frente aos efeitos do que se entende agora
como sociedade virtual, realidade virtual, velocidade virtual, o confli-
to é novo.
A pretensão do direito vista à luz da dogmática sempre foi bus-
car contextualizar o universo social, naquilo que se entende como
mundo da experiência natural, cotidiana do homem, sem possibilida-
des neste sentido, de prever ou anteceder ao fato, à ação.
O direito sempre buscou, ao contrário, estabelecer um fluxo
temporal determinado, pois através do controle do presente, sempre
consolidado num olhar reflexivo sobre o passado dos fatos, encontrar
aqueles elementos que projetam a observação em direção ao futuro.
Tal caminho temporal culmina com a ‘sentença’, ato de nature-
za decisória que traz sempre um símbolo de certeza naquilo que o
direito entendeu como espaço do indefinido social, isto é, o movimen-
to do sujeito. Mas mesmo esta função ordenadora está colocada frente
a situações que hodiernamente o sistema jurídico não consegue expli-
car.
Reconhecendo-se o papel da complexidade no imaginário soci-
al, se pode dizer que a capacidade temporal do direito não detém mais
a pretensão matemática que em muitos sentidos justificou a sua impo-
sição política na modernidade, sobre o sujeito, e que na soma destas
duas situações o direito enquanto discurso, apesar de manter a sua
reprodutividade, está em um momento de ruptura de paradigmas.
Partindo do princípio que os novos direitos frequentemente e-
xigem novos mecanismos procedimentais que os tornem exequíveis,
162
Formação Humanística
163
a) Rápidas: pois ao invés de demorar anos, pode terminar com
o problema em poucas semanas ou talvez em até apenas uma audiên-
cia de poucas horas;
b) Confidenciais: devido ao seu caráter privado; informal: e-
xistem procedimentos sim, porém sem o rígido formalismo; flexível:
pois as soluções não estão predispostas em precedentes legais, possibi-
litando que haja justiça baseada nos fatos únicos do caso;
c) Econômicas: oferecem custos diversos, mas sempre são
mais baratos que o litígio dentro do sistema formal;
d) Justas: pois se adapta mais às necessidades concretas e par-
ticulares das partes; exitosas: vez que os resultados são muito satisfa-
tórios.
Já Cappelletti destaca a existência de outras questões bastante
complicadas a serem enfrentadas, tais como:
a) Quais as instituições a promover os procedimentos simplifi-
cados?
b) Quais as pessoas para trabalhar nessas instituições?
c) Quais os padrões e garantias mínimos a serem mantidos nos
meios alternativos de solução de conflitos?
Em relação à primeira questão destacada pelo autor se constata
a possibilidade da arbitragem como uma das instituições utilizadas
para promover a solução alternativa dos litígios, e da mesma forma
que alguns outros institutos, ela é um meio paraestatal de solução de
conflitos que são retirados da esfera judicial e entregue a um particular
para serem resolvidos. Esta entrega a um particular visa não somente
responder com maior velocidade ao litígio, como, também, permitir às
partes uma economia de esforços variados numa área extrajudicial.
Ao mesmo tempo em que para o sistema jurídico brasileiro ela
é uma novidade, enquanto instituição é bastante antiga, portanto con-
sagrada em outros sistemas jurídicos, o que permitiria certa segurança
quanto a sua capacidade. A arbitragem traz uma série de vantagens à
164
Formação Humanística
165
mesmo acordo; para que isso ocorra elas são orientadas e conduzidas a
buscar realizar acordos, sem que haja uma necessária interferência real
daquele mediador, o que permite-nos afirmar que a resolução da con-
trovérsia estará sempre no espaço das partes.
O objetivo da mediação é, assim, a responsabilização dos pro-
tagonistas, que são capazes de elaborar, eles mesmos, acordos durá-
veis através da restauração e (re) construção do diálogo e da comuni-
cação, o que lhes permite alcançar a possibilidade de uma pacificação
duradoura.
Entretanto a mediação não pode ser percebida como um institu-
to jurídico, mas antes ela é uma técnica de solução alternativa de con-
flitos que propõe mudanças culturais na forma de enfrentar o conflito,
isto é, descolando o conflito como única natureza da diferença entre
direitos e deveres, já que permite às partes envolvidas, por um lado,
um reconhecimento das suas diferenças, e por outro lado, possibilita-
lhes encontrar soluções viáveis para alcançar a satisfação dos interes-
ses envolvidos no processo em questão.
Ainda que a nossa legislação não contemple a possibilidade de
mediação nada impede, porém, a sua aplicação, pois ela tem como
objetivo principal não a busca do direito a ser aplicado ao conflito,
mas, ao contrário, a busca do apaziguamento das partes envolvidas.
Para Luis Alberto Warat,
“As práticas sociais de mediação se configuram num instrumento
ao exercício da cidadania, na medida em que educam, facilitam e
ajudam a produzir diferenças e a realizar tomadas de decisões
sem a intervenção de terceiros que decidem pelos afetados por um
conflito. Falar de autonomia, de democracia e de cidadania, em um
certo sentido, é se ocupar da capacidade das pessoas para se au-
to determinarem em relação e com os outros; se auto-
determinarem na produção da diferença (produção do tempo com
o outro). A autonomia como uma forma de produzir diferenças e
166
Formação Humanística
167
c) Informalidade do Procedimento, em oposição ao forma-
lismo existente no procedimento judicial, eis que não requer formula-
ção de pedidos ou defesas na forma escrita;
d) Economia Processual, resultante do fato de que com a me-
diação o único gasto é para com a figura do mediador, o qual deverá
ser pago por ambas as partes, não há despesas judiciais, não há custas
a serem pagas e nem mesmo honorários advocatícios eis que a partici-
pação de advogados não se faz obrigatória;
e) Celeridade na solução do conflito, resultante da própria in-
formalidade, salientando-se que a maior celeridade será obtida nas
hipóteses de menor conflituosidade emocional entre as partes envolvi-
das;
f) Preservação do desgaste emocional das partes, pois o
mediador tem o condão de facilitar a conversação dos indivíduos de
modo que possam de uma forma pacífica sem cargas emocionais che-
garem a um acordo.
Desde 1998 está em trâmite projeto de lei, autoria da Deputada
Federal Zulaiê Cobra, para a regulamentação da mediação. Tal projeto
de lei ao mesmo tempo em que busca incentivar o instituto de media-
ção extrajudicial, preservando plenamente a atuação das instituições
entidades e pessoas especializadas, por outro lado se preocupa- em
construir uma ponte entre a mediação e o Poder Judiciário, permitindo
que este a reconheça no seu espaço por intermédio daquilo que se
denomina de uma “mediação paraprocessual”.
Este projeto de Lei destaca duas espécies de mediação: uma,
denominada mediação prévia (que será sempre de natureza facultati-
va) e que poderá ser extrajudicial ou judicial, e que tem como escopo
incentivar as partes interessadas a buscar o meio consensual da media-
ção; a outra, denominada incidental (ao qual a tentativa tem natureza
obrigatória), pois terá lugar sempre que for distribuída demanda sem a
anterior e prévia tentativa de mediação, extrajudicial ou judicial, ao
168
Formação Humanística
169
e, portanto, um procedimento tradicionalmente mais caro e mais for-
mal.
Esta tem sido uma tendência do processo civil moderno, que es-
tá cada vez mais incrementando a participação popular na prestação da
tutela jurisdicional, como forma alternativa de busca da composição
dos conflitos de interesses, através da transação ou conciliação.
Neste sentido, destaca Warat que
“(...)tiene como función el ayudar a cada persona, envuelta en un
conflicto, para que puedan aprovecharlo como oportunidad vital, un
punto de apoyo para renacer, hablarse a sí mismo, reflexionar e
impulsionar mecanismos interiores que los sitúen en una posición
activa delante de sus problemas. El mediador estimula a cada mi-
embro del conflicto para que encuentrem, juntos, el rumbo que van
a seguir salir de la encrucijada y recomenzar a andar por la vida
com outra disposición”
170
Formação Humanística
171
Eis uma reflexão de Cappelletti que sintetiza de forma crucial
toda essa questão experimentada pelo sistema jurídico nesses dias
presentes:
“se é verdade que, em certo sentido, nada é novo sob o sol, não é
menos verdade que tudo é novo, porque nada se repete perfeita-
mente”
172
Formação Humanística
173
vamente o espaço de controle e (re)(des)organização dos conflitos
sociais.
174
Formação Humanística
175
Como ele mesmo afirma:
“Os cientistas e os industriais substituem os sacerdotes e os mi-
litares e passam a fornecer as idéias correspondentes aos prin-
cípios da ordem social”.
176
Formação Humanística
177
ele os acusa de superestimar a eficácia dos mecanismos de troca e de
competição no desenvolvimento da riqueza;
178
Formação Humanística
179
dem segundo a qual são ordenadas as diversas ciências revela a
ordem em que a inteligência se torna positiva nos vários domínios
da razão humana e social.
Comte afirma, então, que a sociologia é o resultado dessa
combinação (a lei dos 03 estados/ciências). Por isso ele defende a
tese de que há uma unidade da história humana que somente pelo
método sintético e universal pode ser percebida. Para que a história
humana seja uma e una só é preciso que:
c) Essa natureza humana e essa natureza social sejam tais que possa-
mos inferir delas as principais características do devenir histórico.
180
Formação Humanística
181
e) Superposição de uma ordem espiritual à hierarquia temporal (Kant);
182
Formação Humanística
183
A atual e necessária questão acerca da efetividade da
regulação jurídica passa, obrigatoriamente, pela revisão do papel
regulatório do Estado na contemporaneidade26. A óbvia, e talvez por
isso tão evitada discussão acerca das formas, dos limites e dos
possíveis conteúdos da regulação estatal através do sistema jurídico
encontra na legitimação o primeiro obstáculo a ser enfrentado27.
Assim, qualquer diálogo nesse contexto deve partir de uma
análise dos diversos discursos herméticos que compõem a sociedade,
salientando a posição dos poderes estatais (Executivo, Legislativo e
Judiciário) na tentativa nem sempre bem-sucedida de atender e
representar tais interesses que se caracterizam por serem plurais e
fragmentados e, não raro, contraditórios em uma sociedade não menos
plural e não menos contraditória.
Em socorro a esta tarefa convém recordar uma obra de
Gabriel Garcia Márquez intitulada Crônica de uma Morte
Anunciada28. Em resumo: em um vilarejo, na costa caribenha da
Colômbia festejava-se um casamento. Contudo, na própria noite de
núpcias ocorre uma desgraça. A bela moça que se casara na véspera
fora devolvida à casa dos pais porque o marido viu que não era
virgem. Logo, decide-se que o “malfeitor” da pobre moça deve morrer
para que a família “lavasse sua honra com sangue”. E quem deve
executá-lo são os irmãos da noiva que nada são estranhos ao
indivíduo, ao contrário, o conhecem desde sempre.
O impressionante na crônica é que todos os moradores no
vilarejo sabem que o crime é iminente, e todos querem evitá-lo,
inclusive aqueles encarregados do assassinato. Contudo, os fatos se
desenvolvem e todos os personagens são conduzidos mesmo contra
vontade íntima, mas de acordo com uma vontade coletiva que nenhum
184
Formação Humanística
29Diz Foucault que o conceito de governamentalidade “É, portanto, o conceito que permite
recortar um domínio específico de relações de poder, em relação ao problema do Estado [...] a
palavra já não designa somente as práticas governamentais constitutivas de um regime de
poder particular (Estado de polícia, ou governo mínimo liberal), mas as maneiras como se
conduz a conduta dos homens...”. in: FOUCAULT, Michel. Segurança, Território e População.
São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 532.
185
processo que reconhece o desrespeito às normas estatais. È o que se
constata ao final, quando depois de presos e processados, os
assassinos são absolvidos unanimemente do crime perante o tribunal
do júri, tribunal dos seus pares.
A comunidade local os absolve de um crime em que todos
foram testemunhas e, muitos dentre eles, até mesmo participaram da
ação em um crime premeditado, com materialidade e autoria
evidentes. É o senso comum que nega aos assassinos a sanção jurídica
que todos sabiam ser devida (e, até que ponto, devida por quem? Pelo
Estado, desafiado? Ou pela sociedade, subvertida e subvertendo a
própria ordem?) e que o ordenamento legítimo impunha. Por que a lei,
o sistema jurídico não foi capaz de evitar o crime? Mais grave: por
que a lei, o sistema jurídico com toda a sua linguagem não é
observado nem mesmo depois do crime cometido?
Como explicar, do ponto de vista de uma teoria do direito,
de uma teoria da governamentalidade a assustadora e diminuta
efetividade da lei neste vilarejo da Colômbia? Como explicar os
desvios coletivos dos habitantes do vilarejo em relação à norma?
Mais ainda: servindo-nos desse pequeno cadinho do mundo,
como explicar a crise que assombra a efetividade da lei no incrível
emaranhado de coletividades humanas que num dado momento as
aproxima quanto a esta paradoxal condição de enfrentamento a
vontade do Estado?
A resposta geral a todas estas questões aparece subsumida
na própria história: a existência de uma orientação normativa
concorrente com a proveniente do Estado que ameaça não só o poder
de regulamentação, mas a própria idéia da governamentalidade, pois é
construído um senso comum sobre a ordenação social-cultural oficial:
aquela determinava a morte do “malfeitor” a todo custo, mesmo que
ao custo de entrar diretamente em choque com a disposição jurídica; a
segunda, que não pode associar-se com a primeira, exige que os
‘justiceiros’ respondam pelo que todos compreendem como a única
ação a ser feita para reordenar as relações sociais abaladas.
Em certo sentido, a resposta do grupo de moradores, ao
natural, age para contrariar o Estado e a sua capacidade de governo e
de governamentalidade, pois se insurgem contra ela, contra o fato de
que ela é “(...) entendida no sentido amplo de técnicas e
186
Formação Humanística
187
violência, ao mesmo tempo redenção e rendição. Conflito esse que
parece ter passado despercebido pelos desenvolvimentos jurídicos em
matéria de teoria do direito, mas que fazem parte da grande discussão
internacional dos últimos quinze anos.
Movimentos como o do Critical Legal Studies31 e da Legal
Deconstruction32, entre outros, colocaram fim na discussão acerca de
qual a orientação a ser seguida: o intervencionismo ou o liberalismo;
princípios individuais ou coletivos; racionalidade material ou formal;
substancialismo ou procedimentalismo.
Apesar de esse debate esvaziar-se totalmente de sentido,
principalmente tendo em vista a desconstrução que esses movimentos
possibilitaram da diferença entre âmbitos privado e público de
regulação, os juristas permanecem nesse dualismo, mesmo que de
forma inconsciente. Tal panorama se deve, em muito, a vetusta
discussão teórica travada nas raias do normativismo e da teoria da
norma jurídica entre correntes neo-positivistas e um renovado jus
naturalismo deontológico que em si já carrega toda a sua fragilidade
frente a uma sociedade que de tão opaca, já não se recria, está, assim,
como quer Giddens, reflexiva, mas na percepção de Boaventura, na
crítica pela crítica em um estado cruel de tautologia.
Ao mesmo tempo, na sociedade, tanto uma ordem global
básica, quanto uma ordem nacional que sejam juridicamente
vinculantes e territorialmente definidas não são mais perceptíveis. As
bases de sustentação do sistema jurídico moderno são abaladas pelas
ondas de choques causadas pela desgastante palavra-conceito
globalização e pela privatização33.
Da mesma forma, cada vez mais atividades sociais são
dirigidas por grupos não governamentais, ONG´s, empresas privadas,
grupos comunitários, etc. Afirmam-se tendências de auto-regulação
social, trabalhando não de forma paralela ao Estado, mas obrigando-o
188
Formação Humanística
189
da ordem estatal-jurídica são abalados e as construções teóricas
normativistas já não se sustentam como condição de possibilidade de
uma compreensão adequada da realidade, de uma compreensão do
fenômeno jurídico, e, muito menos, do fenômeno social da violência.
A fragmentação discursiva da sociedade, seja ela efeito da
globalização ou do surgimento de movimentos sociais, reflete-se
numa espécie de estilhaçamento jurídico interno37.
Contemporaneamente, o maior desafio do Estado e de sua capacidade
de governamentalidade é a perda de uma unidade romântica e a
consequente desconstrução imposta por vários sistemas particulares de
regulação que compõem a arena global.
Lex mercatoria, lex laboralis, lex sportiva internationalis,
entre outros tipos de regulação normativa social constituem-se em
políticas de lei sem ou para além do Estado. Eles são produtos de uma
série de discursos altamente especializados, frutos do
desenvolvimento de regimes privados de governança e que conservam
certa autonomia do sistema jurídico nacional e do sistema jurídico
internacional público38.
Tais fenômenos sociais têm o condão de exercer tarefas
administrativas regulativas e de solução de conflitos em novas áreas e
sob novas formas, que tendem a escapar da estrutura e da burocracia
estatais. São novas áreas na medida em que sempre estiveram ali, mas
não foram contempladas pelo discurso oficial. A sua emergência se
deu, por um lado, pela ampliação das prerrogativas do consumo, dos
direitos exercidos pelos consumidores que foram ampliados
equivocadamente pelo crescimento do status dos direitos
fundamentais, e por outro lado, pela espacialidade diversificada da
violência que deixou de ser restrita aos espaços tradicionais e invadiu
áreas que se acreditava estarem imunes a sua presença.
Contudo, a perda da unidade da governamentalidade deixa
vulneráveis seus âmbitos de regulação, disciplina e segurança,
permitindo que assumam lógicas racionais de outros sistemas sociais,
como a economia ou, perversamente, uma lógica universalista dos
190
Formação Humanística
191
A construção mais influente (ou ao menos a mais
tradicional) passou a ser representada por uma ordem escalonada de
fontes: a ordem eterna, a ordem natural e a ordem humana. No início
da Idade Média surge a necessidade de mais uma instância de
representação do fundamento jurídico: a ordem divina. Direito
eternos, direito divinos, direito naturais, direito Positivos e direitos
fundamentais conformam-se, assim, nas bases fundamentais do
sistema jurídico, da lei. Com a falta de fundamento atribuída à ordem
eterna – porque seus mistérios eram incompreensíveis ao ser humano
– e à ordem divina – como resultado da afirmação da racionalidade
instrumental-científica moderna – direito natural e direito positivo
passam a disputar a posição de destaque na definição ontológica de
Direito, isso, pelo menos, ao longo dos séculos XIX e XX.
Num determinado momento do desenvolvimento do sistema
jurídico, tanto os direitos positivo quanto o Natural convergem sobre
um determinado ponto: a identificação de leis. A lei seja ela expressa
ou escrita pela mão do homem ou deduzível tacitamente pela física ou
pela lógica matemática assume a primazia sobre as demais formas de
expressão da lei. O custo desta pretensão foi a prática de se renegar os
costumes, os dogmas conceituais e os princípios gerais para um
âmbito subsidiário na definição do jurídico.
A existência da lei passa a ser, concomitantemente a
expressão última e o fundamento primeiro do sistema jurídico e da
própria governamentalidade, assim como a forma clássica de
regulação social encontrada pelo Estado. O fato social se vê, desta
forma, compreendido idealmente no espaço da lei, reapresentado
enquanto lógica formal gramatical, sem que se perdesse com tal
absurdo positivista reducionista uma incrível ampliação do sistema
legal na medida em que concentra a regulamentação, a segurança e a
governamentalidade estatal. Como coloca Foucault sobre tal
ampliação:
192
Formação Humanística
193
abre-se a possibilidade de distinguir entre legalidade e legitimidade no
caso de um poder socialmente não aceito, ou tirânico, enquanto que
por outro se aponta levemente a possibilidade de se considerar uma
legitimidade não legal por via de admissão de um direito natural
residual e minimamente operante42.
Contudo, Weber ainda se mantém no domínio com base
numa legitimidade judicialmente sancionada, ou seja, aproximando o
conceito de legitimidade do de legalidade.
Até o início do século XX a criação de uma teoria das fontes
e a supremacia da lei mostram-se como a solução do Estado Moderno
para a questão da regulação e da confirmação de sua capacidade de
governamentalidade. Tal solução, apesar de fortemente contestada
durante longo tempo apenas encontrou outra forma de representação
através da ascensão do normativismo e o desenvolvimento de uma
teoria da norma, por mais formal e mecanicista que tal teoria tenha
vindo a representar.
O problema da regulação e da segurança social encontra,
assim, a partir do início do século passado uma nova resposta: a
norma jurídica. Surgem, então, algumas teorias jurídicas inovadoras,
todas elas considerando o conceito de norma como o conceito
fundamental do sistema jurídico e até de uma ciência jurídica. A
norma jurídica passa a ser até mesmo um indicador do espaço social,
uma vez que ela reagrupa a ação do sujeito social a partir dos seus
limites ideológicos.
Durante todo o século vinte, construções teóricas diferentes,
e até mesmo aparentemente contraditórias, se reúnem sobre a idéia de
norma. Ela passa a representar a unidade perdida do sistema jurídico;
e a normatividade a sua “essência”.
“Com o termo ‘norma’ se quer significar que algo deve ser ou
acontecer, especialmente que um homem se deve conduzir de
determinada maneira. É este o sentido que possuem determi-
nados atos humanos que intencionalmente se dirigem à condu-
ta de outrem. Dizemos que se dirigem intencionalmente à con-
duta de outrem não só quando, em conformidade com o seu
sentido, prescrevem (comandam) essa conduta, mas também
quando a permitem e, especialmente, quando conferem o po-
42Tal legitimidade parece estar relacionada diretamente às ações racionais com relação aos
valores. Ver AYUSO, Miguel. De la ley a la ley. Madrid: Marcial Pons, 2001. p. 20
194
Formação Humanística
43KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6ª. ed. Traduzido por João Baptista Machado. São
Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 5.
44 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Traduzido por Fernando Pavan Baptista e
Ariani Bueno Sudatti. 3 ed. Bauru: EDIPRO, 2005. p. 23.
45 WEBER, Max. Economía y sociedad: esbozo de sociología comprensiva. Traduzido por
José Medina Echavarría. 2. ed. Bogotá: Fondo de Cultura Económica, 1977, p. 173
46 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento. 10ª ed. Traduzido por Maria Celeste Cordeiro
C. Leite dos Santos. Brasília: UNB, 1999. p. 71.
195
sistema jurídico pressupõe uma ordem e uma unidade e ambas devem
ter um fundamento comum.47
O interesse no prisma regulatório remete às concepções de
sistema jurídico que se inserem num paradigma da norma ou que
possam por ele ser influenciadas delimitando consideravelmente a
reflexão. A reunião das características expostas passa a atender pelo
que aqui denominaremos como normativismo. Ou seja, certo modo de
abordar o estudo, uma certa teoria e, até mesmo, uma certa ideologia
do sistema jurídico e da lei na quais se fazem presentes a centralidade
do conceito de norma, a referência a um sistema normativo, a
preocupação com uma linguagem precisa e rigorosa e uma idéia de
governamentalidade estatal.
Tais características reúnem vertentes chamadas de
neopositivismo ou positivismo deontológico ou ainda positivismo
neokantiano. A originalidade dessas correntes positivistas mais
contemporâneas está no seu critério de juridicidade.
A normatividade afasta o sistema jurídico do critério
estritamente legal (positivismo clássico), assim como do critério de
justiça (jus naturalismo). Contudo, na escolha da normatividade como
característica definidora do jurídico, separa-o sobremaneira da
eficácia, do comportamento efetivo de uma comunidade e das ações
humanas concretas (realismo). Essa espécie de assepsia teórica
busca como objetivo a elaboração de um conceito de lei e de direito
que não remete a nenhuma esfera alheia ao mundo formal-jurídico, e,
portanto, a nenhum fundamento externo, ou seja, social. No lugar de
justiça ou eficácia surge a validade como critério próprio, no qual
norma jurídica não é necessariamente justa ou eficaz, mas válida.
“A validade de uma norma jurídica indica a qualidade de tal
norma, segundo a qual existe na esfera do direito ou, em ou-
tros termos, existe como norma jurídica. Dizer que uma norma
jurídica é válida significa dizer que tal norma faz parte de um
ordenamento jurídico real, efetivamente existente numa dada
48
sociedade”.
47O uso do termo “sistema” por inúmeras teorias jurídicas não é algo novo, quer na doutrina
estrangeira (Savigny) quer na doutrina nacional (Pontes de Miranda). No âmbito da ciência
jurídica, não se pode olvidar que o termo tem uma longa história, que não deve ser esquecida,
mas que não se pretende aqui percorrer.
48 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone,
1995. p. 136-137.
196
Formação Humanística
197
Em Kelsen, o termo validade (Geltung) apresenta pelo
menos quatro sentidos50, que estão todos diretamente implicados.
Primeiramente, validade é a qualidade que expressa a própria
existência da norma. Designando a existência específica de uma
norma como a sua “validade”, exprime-se o modo particular no qual
essa norma nos é dada à diferença do existir dos fatos naturais51.
Depois, Kelsen usa o termo validade para significar a
pertinência a um ordenamento jurídico. Não existem normas jurídicas
isoladas, elas se apresentam num sistema normativo. A norma que
pertence a determinado ordenamento é, por si, uma norma válida52. O
termo validade também aparece com o sentido de norma criada na
forma prevista pelo sistema, ou seja, uma norma será válida quando
criada de acordo com outra norma (auto-validação). E, por fim,
validade também é usada por Kelsen com o sentido de
obrigatoriedade, ou seja, como consequência de uma norma válida
(efeito). Dizer que uma norma que se refere à conduta de um
indivíduo “vale”, significa que ela é vinculativa, que o indivíduo se
deve conduzir do modo prescrito na norma53.
Esses vários sentidos de validade54 exigem da teoria
kelsiana um fundamento comum. Assim, para Kelsen, a racionalidade
do sistema é determinada por uma hierarquia normativa, na qual a
validade de uma norma é determinada por uma norma
hierarquicamente superior que determina sua integração ao sistema55.
Assim, será válida a norma que estiver de acordo com uma norma
superior, e esta será também valida se conformada com outra norma
superior a ela. A ordem jurídica apresentaria uma estrutura escalonada
50 NINO, Carlos Santiago. Introducción al análisis del derecho. Buenos Aires: Astrea, 1993. p.
136.
51 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, p. 11.
52 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, p. 33. No mesmo sentido em BOBBIO, Norberto.
Teoria do ordenamento, p. 60.
53 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, p. 215.
54 Norberto Bobbio, na defesa do conceito de validade normativista chega a identificar passos
metodológicos para se identificar a validade de uma determinada norma. Em particular, para
decidir se uma norma é válida (isto é, como regra jurídica pertencente a um determinado
sistema) é necessário com frequência realizar três operações: i) averiguar se a autoridade de
quem ela emanou tinha poder legítimo para emanar normas jurídicas; ii) averiguar se não foi
ab-rogada; iii) averiguar se não é incompatível com outras normas do sistema, particularmente
com uma norma hierarquicamente superior ou com uma norma posterior. BOBBIO, Norberto.
Teoria da norma jurídica, p. 47.
55 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, p. 246 e ss.
198
Formação Humanística
199
logicamente de uma norma fundamental, pressuposta, caracteriza o
sistema estático de normas58.
Quanto ao sistema dinâmico, entende ser a forma pela qual
é outorgado poderes e competências para a instituição de normas, ou
seja, permite a criação de normas por um determinado processo e sob
a custódia de uma determinada autoridade competente. Através do
sistema dinâmico que se constata a forma de criação de normas gerais
e individuais, desde que o processo atenda a prescrição da norma
fundamental, encontrando nela o seu fundamento de validade.
Neste sentido, o conteúdo normativo sempre será valido
desde que formulado pela autoridade competente e pela forma
prescrita, ficando ao critério discricionário do legislador o seu
conteúdo normativo. Assim, o conteúdo do dever-ser prescrito pela
autoridade legislativa não pode ser questionado quando a sua validade,
desde que esta possa ser buscada na norma imediatamente superior
numa cadeia lógica até a norma fundamental, ou seja, desde que seja
uma norma vigente e válida.
O sistema dinâmico ao estabelecer a forma de criação da
norma, consequentemente, apresenta a ordem jurídica a sua forma de
modificação, dando dinamismo para que o conteúdo possa ser alterado
sempre que o legislador competente entender assim necessário.
Kelsen ainda destaca a possibilidade de uma norma
apresentar o princípio estático e o dinâmico, sempre que, além de
valer como fundamento do ordenamento, estipular a forma e a
competência para a produção legislativa. Assim, poderia a norma
fundamental estipular que a Constituição se apresentasse como
fundamento de um ordenamento positivo, atribuindo a ela o poder de
regular a forma e a competência de produção legislativa. Nesse
aspecto, a norma fundamental teria outorgado ao constituinte o poder
de instituir uma fonte positiva com a regulamentação da forma de
validade das normas jurídicas.
Sob este aspecto, o ordenamento teria uma unidade lógica,
onde a norma fundamental estipula que a validade de todas as normas
deve ser submetida à forma e à autoridade competente
constitucionalmente prevista. Contudo, o fundamento de validade do
200
Formação Humanística
201
exercício de governamentalidade é, assim, um discurso que não
consegue evitar estar, como todo o discurso, a residir secretamente em
um já dito, na medida em que consagra a análise histórica do discurso
a ser uma procura e repetição de uma origem que escapa a qualquer
determinação em torno da origem.
Em outras palavras: a norma, instituto fundamental para a
regulamentação e segurança do Estado busca reciclar a condição do
ser social na medida em que busca mitologizar a sua presença sobre
este mesmo social através de um ministério do mistério ao qual o
espaço social tem dificuldade de se reconhecer como o único espaço
capaz de realizar as experiências necessárias para a existência da
própria lei, do sistema jurídico e do próprio poder do Estado.
Todo o esforço teórico de Kelsen se vê, desta maneira,
ameaçado, no caso daqueles moradores do vilarejo colombiano a ruir
completamente, na medida em que a ação que os motiva afronta a
própria capacidade da lei ser a lógica privilegiada para a condução do
agir social.
É um desafio que rompe com a longa emergência ‘de
tecnologias de segurança no interior, seja de mecanismos que são
propriamente mecanismos de controle social, como no caso da
penalidade, seja dos mecanismos que têm por função modificar em
algo o destino biológico da espécie’, uma vez que rompem o
monopólio em torno da idéia da construção de segurança e de
capacidade regulamentar estatal. O desafio da ação daqueles agentes
que lavam a honra aceita pelo grupo social não é uma crise aleatória,
mas uma manobra causal que no exemplo que se fortalece pelo e no
grupo ameaça a quebra da correlação entre a técnica de segurança e a
constituição controlada da população.
Afirma Foucault:
“É preciso renunciar a todos esses temas que tem por função
garantir a infinita continuidade do discurso e sua secreta
presença em si mesmo no jogo da ausência sempre
reconduzida. É preciso acolher cada momento do discurso em
sua irrupção de acontecimento; na pontualidade em que ele
aparece e na dispersão temporal que lhes permite ser repetido,
sabido, esquecido, transformado, apagado até em seus menores
traços, enterrado, bem longe de qualquer olhar, na poeira dos
livros. Não é preciso remeter o discurso à longínqua presença da
202
Formação Humanística
203
sos da teoria econômica, cálculos estatísticos, teoremas econômicos,
teoria dos jogos ou mesmo instrumentos de tomada de decisão política
(public choice). O objeto principal de seus estudos é a análise sistemá-
tica da eficácia das normas jurídicas na qual as sanções encontram
equivalente funcional no preço a pagar pelo exercício das condutas
ilícitas ou proibitórias (custo de oportunidade).
Diante dessa lógica, se o custo é menor que o ganho trazido
pelo exercício dessa oportunidade, a conduta passa necessariamente a
ser avalizada, mesmo que juridicamente proibida. Os aportes dessa
análise percebem-se na disseminação de leis de incentivo em matéria
de responsabilidade civil62 e na diminuição dos custos de transação de
bens63, seja através da diminuição de restrições jurídicas à apropriação
de determinados bens ou da redução das formalidades legais na aqui-
sição e na transferência dos mesmos.
Em certo sentido, esta lógica vai ao encontro da compreensão
de Foucault quando ele destaca que,
“É muito mais a realidade do cereal do que o medo da escassez
alimentar que vai ser o acontecimento que vamos procurar en-
tender. E é nessa realidade do cereal, em toda a sua história e
como todos os vaivens e acontecimentos que podem de certo
modo fazer sua história oscilar ou se mexer em relação a uma li-
nha ideal, é nessa realidade que se vai tentar enxertar um dispo-
sitivo graças ao qual as oscilações da abundância e do preço
baixo, da escassez e da carestia vão se ver, não impedidas de
antemão, não proibidas por um sistema jurídico e disciplinar, que,
impedindo isto, forçando aquilo, deve evitar que elas ocorram [...]
é um trabalho no próprio elemento dessa realidade que é a osci-
lação abundância/escassez, carestia/preço baixo, é apoiando-se
nessa realidade, e não tentando impedir previamente, que um
dispositivo vai ser instalado, um dispositivo que é precisamente,
a meu ver, um dispositivo de segurança e não mais um sistema
jurídico-disciplinar”. (Foucault, 2008: 49)
204
Formação Humanística
205
Apesar de ter destaque em outras partes do mundo, tais estu-
dos ainda não alcançaram posição de destaque no Brasil, infelizmente
mais por desconhecimento do que propriamente por opção teórica64.
64 Os estudos jurídicos ainda são incipientes na área e nenhum revela uma abordagem crítica
relevante.
206
Formação Humanística
207
determinados interesses são efetivamente representados no processo
político e outros não, e foi progressivamente substituída por teorias da
regulação econômica.
208
Formação Humanística
70 NONET, Philippe; SELZNICK, Philip. Law and society in transition: toward responsive law.
2ed. New Brunswick: Transaction Publishers, 2005. p. 14-15.
71Idem, p. 20.
209
jurídico, variando âmbitos de direito repressivo, autônomo ou
responsivo.
O direito responsivo busca uma maior ênfase na defesa e
proteção efetiva de interesses sociais, tido como instrumento para a
intervenção na sociedade de forma finalista, orientado a busca de fins
concretos.
Nessa busca ele tende a ser mais aberto e ao mesmo tempo
mais particularista que o direito formal clássico, apoiando-se em
princípios gerais e conceitos abertos, bem assim em cláusulas gerais.
Tais estruturas além de permitir uma maior capacidade de adaptação,
também possibilitam não a intervenção direta em outros sistemas
sociais, mas permitem a regulação indireta, reflexiva.
O Direito Responsivo busca responder as necessidades
sociais e realizar os objetivos estatais de justiça material através de
estruturas reflexivas capazes de agir indiretamente sobre os interesses
de grupos sociais díspares e contraditórios, deflagrando, assim, uma
função integradora do direito, do Estado e da sociedade.
Como afirma Arnaud:
“É forçoso constatar que não podemos mais falar de regulação social,
de regulação jurídica, de produção normativa, de produção do direi-
to, de tomada de decisão política... sem levar em consideração a
fragmentação da soberania e a segmentação do poder que caracteri-
zam as sociedades contemporâneas”.72
210
Formação Humanística
disso, não precisa ser considerado mais eterno e auto evidente do que
as anteriores”.73
73 VAN CREVELD, Martin. Ascensão e declínio do estado. Traduzido por Jussara Simões. São
Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 595.
211
globalizadas realizam-se mais e mais em sua contingência e
diversidade. De um vilarejo colombiano às transformações reais na
China, nos EUA até a crise no Quebec, ainda canadense, a sociedade
teima em desafiar a gramática correta da lei e do sistema jurídico,
enfrentando a capacidade técnica do Estado e da lei em representar o
sujeito ao próprio sujeito.
212
Formação Humanística
Capítulo III
213
Aqui, Aristóteles expande o significado do conceito, pois o
compreende não somente como um agir do cidadão na PÓLIS, mas
como uma forma de se compreender a natureza, as funções e divisão
do Estado, bem como sobre as várias formas de Governo às quais ele
instituiu uma polaridade positiva e negativa.
Se a Monarquia, a Aristocracia e o Governo Constitucional (po-
litéia) receberam dele uma polaridade positiva, por outro lado, a Tira-
nia, a Oligarquia e a Democracia foram compreendidas a partir de
uma polaridade negativa, como ele mesmo destaca:
“Os desvios das constituições mencionadas são a tirania, corres-
pondendo à monarquia, a oligarquia, à aristocracia e a democra-
cia, ao governo constitucional; de fato, tirania é a monarquia go-
vernando no interesse do monarca; a oligarquia é o governo no in-
teresse dos ricos; a democracia é o governo no interesse dos po-
bres; e nenhuma destas formas governa para o bem de toda a co-
munidade.”
214
Formação Humanística
215
Segundo Louis Althusser, o Direito e a Lei são aparelhos ideo-
lógicos do Estado, pois significam estratégias que estão além da mera
coerção e imposição violenta explícita, na medida em que através da
sanção, bem como da sua correspondente, a garantia de direitos, o
Estado desenvolve meios subjetivos de condicionamento do agir hu-
mano, estabelecendo axiomas (valorização) à práxis humana.
O poder político significa uma categoria de poder do homem
sobre o homem, e desde os Gregos não mais de um poder do homem
sobre a natureza. Esta há muito já foi degradada a mero exercício de
território conquistado pela razão humana, uma vez que os sujeitos
sociais aprenderam a capacidade de dominá-la, alterá-la e destruí-la
sem grandes remorsos morais.
Esta relação de poder do homem sobre o homem se expressa de
variadas formas, onde se podem reconhecer distintas expressões da
linguagem política: relação entre governantes e governados, relação
entre soberanos e súditos, relação entre o Estado/Direito/Lei e os ci-
dadãos, igualmente entre autoridade e obediência, controle e domina-
ção, etc.
Muitas são as formas de poder do homem sobre o homem, pois
o poder político é apenas a forma que mais se destaca no pensamento
político-jurídico-filosófico. Para Aristóteles, o poder apresentava três
formas distintas:
a) Poder Paterno;
b) Poder Despótico;
c) Poder Político;
216
Formação Humanística
217
Uma vez que interessa de forma mais intima O PODER POLÍ-
TICO, importa destacar que se pode dividi-lo em três grandes classes:
a) Poder Político Econômico;
b) Poder Político Ideológico;
c) Poder Político propriamente dito.
218
Formação Humanística
que as condições em que ele é cunhado não são nem aleatórias e nem
a-históricas.
O Poder Ideológico é, desta forma, uma poder de (re)pré-
sentação, isto é, apresenta os elementos da linguagem de um determi-
nado sujeito ou grupo sobre o espaço em que ela está inserido e ao
mesmo tempo espaço que é por ele construído.
O Poder Político, por último, se funda na posse daqueles ins-
trumentos mediante os quais se podem exercer todas as ‘armas’ possí-
veis no controle, na dominação e na repressão que estão ao monopólio
do Estado. É um poder coator no sentido mais tradicional do conceito.
Neste espaço do Poder Político se pode presenciar o Direito como um
dos instrumentos de controle e repressão.
Toda essa percepção esboçada até aqui se dá dentro de uma li-
nha tradicional da ideia de poder e de política. O primeiro como meio
de dominação e o segundo como justificativa para o exercício daquele.
Entretanto, não se pode esquecer que esta visão tradicionalista vem
sofrendo certa reação há já algumas décadas, pois nem todos reduzem
a política e o poder a essa polarização negativa.
Um exemplo disso é Michel Foucault que libera o poder de sua
tradicional negatividade, manifesta através de uma única capacidade
repressiva para compreendê-lo a partir de outros sentidos.
O poder político e o poder como um todo alcançam aqui uma
função criativa, produtiva, positiva e que está presente em todo o es-
paço social, transformando-o, ao mesmo tempo em que exerce sobre
ele estratégias de sedução e dominação.
Conforme Foucault,
“(...) se deve compreender o poder, primeiro, como uma multiplici-
dade de correlações de força imanentes ao domínio onde exercem
uma função constitutiva e organizativa; o jogo que através de lutas
e afrontamentos incessantes as transforma, reforça, inverte; os
apoios que tais correlações encontram umas nas outras, formando
cadeias ou sistemas ou, ao contrário, as defasagens e contradi-
219
ções que as isolam entre si; enfim, as estratégias em que se origi-
nam e cujo esboço geral cristalizam institucionalmente e que to-
mam corpo nos aparelhos estatais, isto é, na formulação da Lei e
nas hegemonias sociais”.
220
Formação Humanística
221
da/soberania sobre a constante tentativa dos sujeitos em subverter ao
próprio contrato social.
“O Leviatã” ou “Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesi-
ástico e Civil” é um estudo provocador da relação dos sujeitos nos
estados de natureza e social, com a necessária e irrenunciável busca
que eles têm da felicidade e da paz e a condição fundamental que
precisam aceitar para poderem transpor o estado original, marcado
pela guerra de todos contra todos para um outro onde se pode presen-
ciar a existência do direito, da lei, da propriedade, enfim, do Estado. O
Contrato social é, portanto, um exercício de vontade ontológica, já que
resultado da experiência dos sujeitos.
Em Locke, no “Segundo Tratado sobre o Governo Civil”, se
percebe uma resposta à obra de Hobbes, pois Locke, apesar de não
renunciar a ideia de um estado natural, percebe ali a presença de uma
regra moral que incide sobre os homens, uma verdadeira Lei Moral.
Diferente do autor do Leviatã, ele já percebia a presença da proprieda-
de, que é natural ao homem.
Ele defende que no processo de crescimento da humanidade a
terra acabou por se tornar insuficiente para todos os que acreditavam
ter direito a ela e por isso foi necessário o estabelecimento de regras
para além daquelas criadas pela experiência da Lei Moral ou Natural.
Contudo, a origem do governo enquanto instituição monopoli-
zadora do Poder Político não está fundada nesta crise/necessidade
econômica, mas sim em noutra causa. Esta situação limite está no fato
de que a Lei Moral que é sempre uma Lei válida, não é, necessaria-
mente, uma Lei que consegue ser mantida em todas as situações. Ain-
da que na sociedade natural todos os homens tenham um mesmo direi-
to de punir um transgressor, o aumento de determinadas condições
obriga-os a realizar essa punição de forma cada vez mais intensa e
cotidiana, o que por si só vai se transformando em novos cenários de
transgressões.
222
Formação Humanística
223
O contraponto a estas teorias que justificavam a necessidade do
Estado veio com Marx, como já se afirmou, que a partir de 1848 apre-
sentou uma contundente crítica tanto ao Estado, quanto ao Capitalis-
mo, bem assim ao Direito, instrumento que ele identificava como
mecanismo de dominação.
Compartimentando a sociedade em infraestrutura e superestru-
tura, ainda que necessariamente complementares uma à outra, Marx
afirmou que a primeira significava o controle dos meios de produção,
das condições de exercício do modo de produção, enquanto a segunda
seria uma manifestação do poder daqueles que controlando a primeira
estariam em condições de igualmente dominar a segunda.
Sua proposta, a partir de um olhar dialético que concebeu a luta
de classes como móvel da história, estava calcada na emergência polí-
tica do proletariado, que adquirindo consciência de sua condição do-
minada, da sua condição alienada e coisificadora, romperia com a
ideologia do capitalismo para realizar uma revolução que viria a per-
mitir a superação do estado presente (capitalismo), para o estado futu-
ro (comunismo).
A resposta das nações ocidentais, surpreendentemente, ao con-
trário do que poderiam esperar muitos marxistas, foi a de envolver as
proposições críticas do marxismo para dentro do espaço jurídico, alte-
rando a natureza da Lei fundamental, a Constituição, de uma 1ª di-
mensão de direitos, para uma 2ª dimensão de direitos, colocando o
Estado, através da Lei, como principal promotor da defesa dos direitos
sociais, esvaziando o discurso da revolução e da ruptura ao capitalis-
mo.
Importa afirmar que até hoje, o tema do Estado ainda é motivo
de reflexões distintas e significativas, inclusive em alguns que defen-
dem a tese da morte do Estado, enquanto outros tantos, saudosistas e
críticos, o observam em suas transformações.
O silêncio, até agora, sobre o papel e a importância que Maqui-
avel representou para o conceito de política e poder não se devem a
224
Formação Humanística
225
Importa que se leia a ideia de uma capacidade de resistência
popular, de uma república a partir do que se compreendia ao final do
século XV e início do XVI. Obviamente se pode chegar à conclusão
das diferenças dos conceitos com o que se compreender hodiernamen-
te.
Segundo ele, esta ideia de resistência do povo e de república
popular está associada à ideia do principado, pois este provém daquele
ou mesmo dos melhores deste, aos quais ele denomina de ‘grandes’,
segundo a oportunidade que tiver uma ou outra dessas partes.
Portanto, ele não desconhece que o início existencial da política
é a presença de uma divisão social entre os ‘grandes’ e o povo, pois
conforme afirma,
“Enquanto o povo não quer ser oprimido pelos grandes, os gran-
des desejam oprimir o povo.”
226
Formação Humanística
baseado na sorte, pois como lembra, ela é uma prostituta que sorri
para todos a qualquer tempo da mesma forma que abandona qualquer
um em qualquer situação.
A virtu conduz o príncipe, sem que este caminho seja ditado
por limites morais calcados na velha tradição platônico-aristotélica-
tomista medieval, já que um dos principais feitos deste florentino foi
ter separado a moral do poder e da política. Mas isso não quer afirmar
que sua tese é fundada numa banalidade do mal na medida em que
afirma justificáveis as ações do príncipe em busca da consagração do
seu fim.
Conforme Marilena Chauí,
“Maquiavel ainda descortina sobre o comportamento do príncipe
em relação à natureza humana e à necessidade das virtudes: Há
uma dúvida se é melhor sermos amados do que temidos, ou vice-
versa. Deve-se responder que gostaríamos de ter ambas as coi-
sas, sermos amados e temidos; mas como é difícil juntar as duas
coisas, se tivermos que renunciar a uma delas, é muito mais segu-
ro sermos temidos do que amados [...] pois dos homens, em geral,
podemos dizer o seguinte: eles são ingratos, volúveis, simuladores
e dissimuladores; eles furtam-se aos perigos e são ávidos de lu-
crar. Enquanto você fizer o bem para eles, são todos seus, ofere-
cem-lhe seu próprio sangue, suas posses, suas vidas, seus filhos.
Isso tudo até o momento que você não tem necessidade. Mas
quando você precisar, eles viram as costas. [...] [...] Os homens
têm menos escrúpulo de ofender quem se faz amar do que quem
se faz temer. Pois o amor depende de uma vinculação moral que
os homens, sendo malvados, rompem, mas o temor é mantido por
um medo de castigo que não nos abandona nunca.”
227
Ele percebe que o contrato fundante do Estado não se funda na
moral do ‘bem’ católico, na ideia de uma condição intrínseca desta
qualidade, mas numa condição muito mais humana que é a do medo,
pulsão tão intensa que coíbe, justifica e controla o agir dos sujeitos no
espaço social. Mesma pulsão que o Estado deve realizar e apresentar
na medida em que busca controlar o campo social.
É assim que ao romper com a tradicional ideia da moral católi-
ca nos espaços do poder e da política, ele percebe uma ética e uma
lógica próprias a estes objetos, mas se isso não deveria surpreender
ninguém, mesmo a época do Renascimento, a forma como ele afirma
causa um mal estar em uma sociedade que apreensiva pela quebra de
seus dogmas se via obrigada a reconstruir novos em bases que não
permitissem uma quebra mínima do conceito de civilização e humani-
dade.
Uma ideia racionalizante de um agir político sem um limite
calcado em uma ética cristã significava construir uma nova condição
na relação entre os campos sociais e políticos.
Sua percepção é realista na medida em que iconoclasta, já que
não poupa de sua crítica nenhuma das idílicas imagens das sociedades
e dos Estados que pertenciam ao imaginário social daquela época.
Afirma:
“Grande é a diferença entre a maneira em que se vive e aquela em
que se deveria viver; assim, quem deixar de fazer o que é de cos-
tume para fazer o que deveria ser feito encaminha-se mais para a
ruína do que para sua salvação. Porque quem quiser comportar-se
em todas as circunstâncias como um homem bom vai ter que pe-
recer entre tantos que não são bons.”
228
Formação Humanística
229
permitindo a aplicação e a eficácia ao elemento normativo, garantindo
e assegurando as condições necessárias a coesão e controle do espaço
sócio-político.
Um dos críticos mais duros a essa posição dualista foi Hans
Kelsen, que em seu livro “Teoria Pura do Direito”, não pode aceitar
essa condição distinta do instituto do Estado daquele do Direito.
Para a teoria monista que se fundamenta num extremismo de
lógica e formalismo da dogmática normativista-positivista, não há de
se falar em dualismo jurídico-estatal, pois o Estado está identificado
com a ordem jurídica, com a Lei, com o Direito, pois ele encarna e
objetiva o Direito na medida em que o realiza através da imposição da
sanção.
Não por acaso que Hans Kelsen afirmava que o Estado é sem-
pre um Estado de Direito permanente, pois que a personalidade jurídi-
ca do Estado é uma clara expressão da unidade normativa do ordena-
mento jurídico, o que impediria descolá-los enquanto elementos dis-
tintos.
Destaca Wolkmer a respeito que
“O Estado configura-se como uma organização de caráter político
que visa não só a manutenção e coesão, mas a regulamentação
da força em uma formação social determinada. Esta força está ali-
cerçada, por sua vez, em uma ordem coercitiva, tipificada pela in-
cidência jurídica. O Estado legitima o seu poder pela segurança e
pela validade oferecida pelo Direito, que, por sua vez, adquire for-
ça no respaldo proporcionado pelo Estado.”
230
Formação Humanística
231
suas malhas ou indivíduos não só circulam, mas estão sempre em
posição de exercer este poder e de sofrer sua ação; nunca são o
alvo inerte ou consentido do poder, são sempre centros de trans-
missão. Em outros termos, o poder não se aplica aos indivíduos,
passa por eles”.
3.3 Ideologia
O conceito de ideologia é uma outra dificuldade ao qual um
simples comentário em um dicionário não tem como esgotar. Tal con-
ceito aparece em diferentes linguagens, desde discursos políticos,
filosóficos, jurídicos etc., ela alcança uma gama de significados distin-
tos.
232
Formação Humanística
233
Importa ressaltar que Marx não utilizou o conceito de ideologia
como uma crença falsa como sinonímia de falsa consciência, esta
expressão, por sinal, foi enunciada por Engels.
Conforme Larrain,
“Quando Marx fala em ideologia, ele sempre se refere a um ti-
po de distorção ou inversão da realidade. Ele nunca se refere à
sua própria teoria como uma ideologia ou uma ideologia pro-
letária, nem jamais considera a possibilidade de uma ideologia
servir aos interesses do proletariado.”
234
Formação Humanística
235
Mesmo não sendo provável a exatidão do olhar que Marx ela-
borou ao conceito de ideologia, contudo, permanece o fato de que ele
a identificou como um instrumento pelo qual se pode compreender a
condição de submissão do proletariado.
Esta significação sofreu alterações ao longo do século XX, uma
vez que ainda que mantida a sua natureza de mitificação, nem sempre
ela foi associada a uma estratégia de dominação de classe tão explici-
tamente como queria Marx a partir do controle da infraestrutura.
Gramsci, um dos mais cultuados teóricos marxistas não a con-
cebia como referencial exclusivo da infraestrutura, discordando radi-
calmente de Marx quanto a este fator, já que para ele a ideologia era
uma concepção de mundo que se manifesta implicitamente não só na
economia, mas na arte, no direito, bem como em todas as manifesta-
ções da vida intelectual e coletiva. Igualmente, ele não a compreendia
como exclusiva do chamado grupo dirigente
Como afirma,
“A ideologia difundida nas camadas sociais dirigentes é evidente-
mente mais elaborada que os seus fragmentos encontrados na cul-
tura popular (...) na cúpula, a concepção de mundo mais elabora-
da, a filosofia, ao nível mais baixo, o folclore. Há entre esses dois
níveis extremos, o senso comum (...). A ideologia não é inerente
ao sujeito, mas fruto de todo um processo social (...). Cada cama-
da social possui seu próprio senso comum (...) seu traço funda-
mental mais característico é o de constituir (mesmo em nível de
cada cérebro) uma concepção fragmentária, incoerente, inconse-
qüente, conforme a situação social e cultural da multidão para a
qual esse traço também é a filosofia”
236
Formação Humanística
237
O Direito e, a Lei são instrumentos mitificadores na medida em
que ao normatizar o fato humano em fato jurídico-humano possibili-
tam uma reificação da realidade em norma, com a sua correspondente
capacidade de permissão e sanção. O que se deve evitar é cair na cila-
da fácil de estabelecer algum axioma aos institutos da ideologia, uma
vez que a própria identificação com uma natureza positiva ou negativa
já será um exercício de ideologização.
Neste sentido, diz-nos Istvan Meszáros
“(...) as várias formas ideológicas de consciência social acarretam
diversas implicações práticas de longo alcance na arte, no direito e
na literatura, bem como na filosofia e na teoria social, independen-
temente de sua ancoragem sócio-política em posições progressis-
tas ou conservadoras”.
3.4 Hegemonia
O conceito de hegemonia tem particular relação com os concei-
tos de ideologia e Direito. Isso porque a hegemonia é uma manifesta-
ção de dominação complexa e de refinado discurso de legitimação na
medida em que tanto seduz, quanto domina aos que se deixam consti-
tuir por ela.
Neste terreno, um dos principais teóricos já de há muito tem si-
do Ernesto Laclau, juntamente com a contribuição de Chantal Mouffe.
Laclau afirma que isso é assim porque o campo geral da emer-
gência da hegemonia é o das práticas articulatórias, compreendida
aqui a articulação como qualquer prática que estabeleça uma relação
entre elementos tal que a sua identidade é possível de ser modificada.
O direito é uma prática articulatória, na medida em que se faz
discurso de representação no espaço social, já que ele é um discurso
de enorme capacidade de representação de uma forma de ser e estar
fundamentais para a construção da hegemonia política.
238
Formação Humanística
239
cursiva, por exemplo, o discurso jurídico; e o terreno antagônico
aonde ele é constituído, até porque a sociedade não é formada de
um único grupo social é o da formação hegemônica. Esta forma-
ção hegemônica tem a capacidade de reunir, seduzir e controlar
uma variada gama de sujeitos e de grupos sociais a partir da ca-
pacidade unificadora de uma estratégia discursiva; mais uma vez:
o discurso jurídico.”
240
Formação Humanística
na maior parte das reflexões dos teóricos que se deixaram seduzir por
esse tema, verifica-se a partir da vivência do direito como um direito
da natureza ou do cumprimento das leis históricas.
Tal condição de conquista de direitos se encontra em crise neste
fim de século, pois este é um tempo em que muitos daqueles direitos
compreendidos como líquidos e certos se percebem ameaçados; tais
como o direito a vida, a dignidade humana, etc.
No que pese na maioria dos países Latino-Americanos ele ter
sido sempre vivido como falta, o direito, mesmo aí, sempre foi signifi-
cado como algo sem contestação. Ora, na atualidade, este direito foi
subvertido por uma lógica darwinista do social em que vida digna não
é mais um direito, mas um efeito de concorrência entre sujeitos com-
petentes no mercado.
O deslocamento de sentido de garantia de vida digna é um bom
exemplo da precariedade dos sentidos e da falta de literalidade. O tipo
de argumento acima deixa transparecer uma perigosa, porém, não
distante da realidade, possibilidade de contestação dos chamados di-
reitos universais.
Aqui se pode recordar da tese de François Jullien que afirma
“(...) toda justificação ideológica de uma universalidade dos direitos
humanos é impossível, da mesma forma que são vãs as opera-
ções reducionistas de todo o tipo em que foram propostas: a pre-
tensão à universalidade dos direitos do homem não me parece de-
fensável, a bem da verdade, senão de um ponto de vista lógico.
Em vez de cogitar atenuar o conceito dos direitos do homem en-
tregando-o acomodações que os tornem transculturalmente acei-
táveis, porque depreciados, cortarei por minha vez com esse dis-
curso da boa vontade, impotente, mas loquaz. Tomando o partido
oposto: o de depositar confiança em seu efeito de conceito, do
qual eles extraem um ganho ao mesmo tempo de operatividade e
de radicalidade”
241
E, ainda:
“Os direitos humanos fornecem exemplo perfeito do que, juízo do
belo, ou mais precisamente de sua articulação paradoxal – mas le-
gítima – do absoluto e do singular, é transponível à ordem dos va-
lores e do político: os ocidentais os estabelecem, até mesmo os
impõem, como dever-ser universal, ao passo que é manifesto que
esses direitos são oriundos de um condicionamento histórico parti-
cular, exigindo que todos os povos subscrevam-nos absolutamen-
te, sem exceção nem redução possíveis, ainda que não possam
deixar de constatar que outras opções culturais, através do mundo,
os ignorem ou contestem (...) Todos aqueles que, mundo afora, in-
vocam hoje os direitos humanos nem por isso aderem à ideologia
ocidental (será que a conhecem?).”
242
Formação Humanística
243
A partir deste espírito, marcado, repita-se, pela ideologia dos
países vencedores na 2ª Guerra Mundial, em 1948 veio a ser organiza-
da a Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Importa destacar que apesar de todas as boas intenções, não se
discutiu à época, e mesmo agora a discussão ainda é difícil, sobre o
que significava esta condição de ‘universalidade’ proposta nesta De-
claração.
Inegável que a 3ª dimensão de direitos é caudatária desse pro-
cesso, na medida em que se firmaram a defesa de direitos abstratos, da
solidariedade, da fraternidade e da solidariedade, bem assim dos direi-
tos difusos. Contudo, o espaço global não tem uma única ideia de
homem e de direitos do homem, o que vem causando um mal estar
nestes últimos 62 anos, na medida em que tais direitos universais são
na realidade, direitos de uma determinada comunidade histórica, a
Europeia, com os seus derivados na América.
Em que medida a ideia de dignidade humana é universal no
sentido em que ela foi cunhada no cenário europeu? No que tange ao
direito à vida, a ideia de vida é a mesma entre culturas tão díspares
como as da Índia, China, mundo muçulmano e Ocidente? Mesmo no
Ocidente estes conceitos têm uma mesma base de significação?
Estas perguntas fazem parte de todo um rol de questionamentos
que permitem a filosofia jurídica e política repensarem a eficácia des-
ses direitos ditos universais, o que contraria todos os que tentam cons-
truir uma ideia de cidadania cosmopolita, de um Estado Democrático
de Direito, mesmo de globalização da lei.
Não significa que os que construíram essa generalização dos
conceitos estão errados e os seus críticos certos. Não se trata de ‘certo’
ou ‘errado’. Mas de se aceitar uma tendência a mitificar o universal, a
idéia de homem universal e seus respectivos direitos.
Como destaca François Jullien,
“O ‘homem’ como conceito, pensado no modo do universal, não
passa de um atributo genérico, conferido a partir de fora (abstra-
244
Formação Humanística
Preâmbulo
Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a
todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inali-
enáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo,
Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos
humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da
Humanidade e que o advento de um mundo em que os todos gozem de
liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do
temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do
ser humano comum,
Considerando ser essencial que os direitos humanos sejam
protegidos pelo império da lei, para que o ser humano não seja compe-
lido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão,
245
Considerando ser essencial promover o desenvolvimento de
relações amistosas entre as nações,
Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram,
na Carta da ONU, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dig-
nidade e no valor do ser humano e na igualdade de direitos entre ho-
mens e mulheres, e que decidiram promover o progresso social e me-
lhores condições de vida em uma liberdade mais ampla,
Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a
promover, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal
aos direitos e liberdades humanas fundamentais e a observância desses
direitos e liberdades,
Considerando que uma compreensão comum desses direitos e
liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse
compromisso,
Agora, portanto, proclama
Artigo I
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignida-
de e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em
relação uns aos outros com espírito de fraternidade.
246
Formação Humanística
247
meios de adquirir e possuir propriedades, de procurar obter a felici-
dade e a segurança.”
Influencia direta, a revolução francesa não iria prescindir, por
sua vez de apresentar a sua própria ratificação dessa igualdade dos
homens, agora também reconhecidos como cidadãos, conceito políti-
co importante para caracterizar este novo status da pessoa humana
quando do processo de crise e queda do absolutismo. Desta forma ‘A
Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão’ de 1789,
estabelece logo em seu artigo 1º que “Os homens nascem e vivem
livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem ser funda-
das sobre a utilidade comum”. Já no seu artigo 2º, a liberdade e a
legitimidade da associação dita política, in verbis: “O fim de toda
associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescri-
tíveis do homem. Estes direitos são: a liberdade, a propriedade, a
segurança e a resistência á opressão.” E, no seu artigo 6º é consa-
grado não mais o direito dos reis, sua personificação, mas o princípio
fundamental da legalidade, este fruto do legítimo representante popu-
lar: “A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o
direito de concorrer pessoalmente, ou por seus representantes, para
sua formação. Ela deve ser a mesma para todos, seja protegendo, seja
punindo".
Esta igualdade é maior ainda do que a garantia para que os
homens pudessem aspirar a um tratamento equitativo, pois ela susten-
ta de forma inédita que os homens, cidadãos do Estado são igualmen-
te por ele admitidos a todas as dignidades, cargos e empregos públi-
cos, segundo sua capacidade e sem outra distinção que a das suas
virtudes e dos seus talentos
Contudo, como se percebe atualmente em nosso ordenamento
jurídico, importa lembrar que nenhuma liberdade individual se apre-
senta no espaço social em sua forma absoluta, uma vez que se faz ne-
cessário respeitar o fato de que podem ocorrer conflitos entre estas
liberdades que precisarão, assim, respeitar as condições da teoria da
248
Formação Humanística
Artigo II
1 - Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos
e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de
qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, origem nacional
ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.
2 - Não será também feita nenhuma distinção fundada na
condição política, jurídica ou internacional do país ou território a
que pertença uma pessoa, quer se trate de um território indepen-
dente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer
outra limitação de soberania.
Comentário: Este artigo se destaca de forma peremptória con-
tra a realidade dos preconceitos e de todas aquelas distinções feitas
em decorrência da raça, da cor, do sexo, da língua, da religião, da
opinião política, da origem nacional ou social, da riqueza, nascimen-
to etc. O que se quer aqui é criar uma resistência capaz de enfrentar
toda e qualquer forma de distinção.
Diz Dom Pedro Casaldáliga que,
“Proclamar esse primeiro, inviolável, direito, mãe de todos os direi-
tos humanos. abre-nos a uma perspectiva da humanidade como
verdadeira fraternidade. Já alguém recordou oportuna mente que
249
os direitos humanos são muito mais que uma realidade jurídica,
enquanto refletem um ‘dever ser’, uma desafiadora prospectiva
que a humanidade se impõe para respeitar sua própria dignidade;
para ser uma humanidade não apenas hominizada. mas plena-
mente humanizada.”
Artigo III
Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segu-
rança pessoal.
Comentário: Igualmente este artigo está consagrado no caput
do artigo 5º de nossa Constituição como se pode anotar em sua parte
final que destaca que nenhum brasileiro ou estrangeiro residente
sofrerá qualquer discriminação quanto a vida, liberdade, igualdade,
segurança e propriedade.
Afirma José Afonso da Silva que,
“A vida humana não é apenas um conjunto de elementos materi-
ais. Integram-na, outrossim, valores imateriais, como os morais. A
Constituição, mais que as outras, realçou o valor da moral indivi-
dual, tornando-a mesmo um bem indenizável (art. 5º - V e X). A
moral individual sintetiza a honra da pessoa. o bom nome, a boa
fama, a reputação que integram a vida humana como dimensão
imaterial.”
250
Formação Humanística
251
Artigo IV
Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escra-
vidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas
formas.
Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou
castigo cruel, desumano ou degradante.
Comentário: René Ariel Dotti afirma que,
“Em senso comum, a servidão implica numa relação de dependên-
cia de uma pessoa sobre outra que é o servo ou escravo. Sociolo-
gicamente. o vocábulo é empregado para traduzir a relação de de-
pendência entre um grupo ou camada social sobre outra como o-
corre na aristocracia e que é submetida ao pagamento de tributos
e a obrigação de prestar serviços.”
252
Formação Humanística
253
tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas ou degra-
dantes”, adotada pela Resolução n.º. 39/46 de 1984, a seguinte acep-
ção acerca da definição de tortura:
“(...) qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos
ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de
obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de
castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido, ou
seja, suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa
ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discrimi-
nação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são
infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício
de funções públicas, ou por sua instigação, ou com seu consenti-
mento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores
ou sofrimento que sejam consequência unicamente de sanções le-
gítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decor-
ram.”
254
Formação Humanística
Artigo VI
Todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares,
reconhecido como pessoa perante a lei.
Comentário: A dignidade humana é princípio matriz de todo o
constitucionalismo contemporâneo e a sua realização se dá na medi-
da em que a Lei busca de todas as formas e não somente através da
sanção, mas até mesmo numa condição pedagógica, coibir qualquer
atentado contra a pessoa humana.
Apesar da redundância “pessoa humana”, há por causa da
longa experiência demonstrada através dos conflitos do último século,
um grande processo que seguidamente agride esse princípio. Portanto
a redundância se justifica na medida em que nunca é demais tentar
construir uma cultura que compreenda, finalmente, que a ideia de
pessoa é a ideia do atual estado de coisas, do próprio constituciona-
lismo.
Embora pareça chavão, não se pode olvidar de que a crítica
marxiana sobre a ‘coisificação’ da pessoa humana a partir das ondas
de revolução tecnológica segue sendo uma ameaça presente a esta
ideia de direitos e garantia de tratamento a pessoa, pois o mercado de
trabalho não tem por hábito, ainda, constituir esse conceito como um
critério de sua essencialidade.
Conforme alerta Konder Comparato,
255
“Enquanto o capital é, por assim dizer, personificado e elevado à
dignidade de sujeito de direito, o trabalhador é aviltado à condição
de mercadoria, de mero insumo no processo de produção, para ser
ultimamente, na fase de fastígio do capitalismo financeiro, dispen-
sado e relegado ao lixo social como objeto descartável.”
Artigo VII
Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer
distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual prote-
ção contra qualquer discriminação que viole a presente Declara-
ção e contra qualquer incitamento a tal discriminação.
Comentário: A parte inicial do caput do artigo 5º, da Constitu-
ição Federal traz de forma explícita a presença deste artigo, uma vez
que declara que “Todos são iguais perante a Lei”. Esta igualdade de
natureza formal, mas nem por isso menos importante é corolário defi-
nidor de uma série de outros tantos direitos postos na Constituição,
como por exemplo, o princípio da individualidade da pena, de quem
ninguém é culpado a não ser a partir da sentença condenatória, etc.
O que é importante ressaltar é que tanto na Constituição de
1988, quanto na Declaração Universal houve por bem o legislador
destacar a condição de que “todos” são iguais, sem qualquer discri-
minação de qualquer forma. E em nosso caso isso é tão explícito que
no próprio inciso XXXV, desse mesmo artigo constitucional se ratifica
que “todos têm acesso ao judiciário”, buscando com isso criar um
campo próprio, isto é, a Lei, como cenário da possibilidade de cons-
trução deste mito de igualdade irrestrita, mito este fundamental para
a maior capacidade de manutenção do velho e tradicional e por que
não dizer ultrapassado, conceito de contrato social.
256
Formação Humanística
Artigo VIII
Todo ser humano tem direito a receber dos tribunais nacio-
nais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direi-
tos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou
pela lei.
Comentário: O acesso de todos ao poder judiciário, a garantia
de que o devido processo legal, com todos os seus institutos (contradi-
tório, ampla defesa, impossibilidade de utilização de prova ilícita,
direito ao recurso e ao duplo grau de jurisdição, bem assim o fato de
que ninguém é culpado antes da condenação em sentença que transi-
tou em julgado) é uma das mais fundamentais qualidades do Estado
Democrático de Direito. O constituinte originário compreendeu esse
corolário e o destacou em nosso texto constitucional.
Importa lembrar que tal princípio não é resultante da declara-
ção de 1948, mas retroage a própria Carta Magna, já citada anteri-
ormente. Mesmo aqui, até a Constituição a prestação jurisdicional
não abre mão, também, da figura do juízo natural, pois o devido pro-
cesso legal é fim mesmo dessa capacidade legítima do magistrado.
Neste sentido diz René Ariel Dotti que,
“O juiz (ou tribunal) natural é aquele já instituído ao tempo do
fato. O principio se opõe ao juízo ou tribunal de exceção, proi-
bido pela CF (art. 5 - XXXVII), ou seja, o órgão judicante cria-
do para determinado caso já ocorrido ou que venha a ocor-
rer.”
Assim, o inciso VII resgata a função legítima e legal dos Tribu-
nais, dos seus operadores, reconhecidos como os agentes responsá-
veis pela aplicação daquele conjunto de Leis capaz de buscar a solu-
ção ao conflito sem gerar novos círculos de disputa e resistência, na
medida em que se sustentam sobre o mito da imparcialidade, do livre
convencimento e da independência das decisões.
257
Artigo IX
Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.
Comentário: A Constituição de 1988 compreendeu de forma
direta este preceito da Declaração de 1948, tanto que no inciso LXI
afirma que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por
ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente,
salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente mili-
tar, definidos em lei”.
Mais do que destacar as formas de prisão, o constituinte origi-
nário estabeleceu os exemplos possíveis em que a regra da liberdade
pode ser violada pelo Estado, permitindo uma garantia deste princí-
pio contra os próprios atos arbitrários do ente público detentor da
soberania.
Lembra Michel Foucault que a
“prisão, peça essencial no conjunto das punições, marca certa-
mente um momento importante na história da justiça penal: seu
acesso à humanidade. Mas também um momento importante na
história desses mecanismos disciplinares que o novo poder de
classe estava desenvolvendo: o momento em que aqueles coloni-
zam a instituição judiciária. O atestado de que a prisão fracassa
em reduzir os crimes deve talvez ser substituído pela hipótese de
que a prisão conseguiu muito bem produzir a delinqüência... O su-
cesso é tal que, depois de um século e meio de ‘fracassos’ a pri-
são continua a existir, produzindo os mesmos efeitos e que se têm
os maiores escrúpulos em derrubá-las.”
258
Formação Humanística
259
Artigo X
Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma
justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e
imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do funda-
mento de qualquer acusação criminal contra ele.
Comentário: É de se observar que o princípio da igualdade é
novamente o fio condutor deste artigo da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, mas que agora é unido à independência e à condi-
ção de imparcialidade perante o Poder Judiciário, tendo como fim a
garantia de uma decisão efetivamente oriunda de um tribunal legal-
mente constituído.
Mais uma vez se pode observar que a Constituição também foi
escrita ao abrigo dessa preocupação, como se nota no artigo 5º, da
Constituição Federal que nos seus incisos XXXVI a LXXIII garante e
abriga o principio da segurança jurídica, bem como indo mais além,
estabelecendo a obrigatoriedade de apreciação do Poder Judiciário
quanto às matérias que lhe são submetidas, não se esquecendo de
garantir também, o principio do juiz natural e a inexistência de tribu-
nais de exceção.
Reconhece ainda a instituição do júri para julgamento dos cri-
mes dolosos contra a vida, assegurando também a plena defesa, in-
clusive o sigilo das votações, bem como a soberania dos veredictos.
Mais além, a Constituição busca consagrar como pressupostos
dessa garantia declaratória, a defesa do direito adquirido, do ato
jurídico perfeito e da coisa julgada, na medida mesma em que até a
Lei não poderá vir a ofender estes três princípios.
Resume, assim, Evandro de Lins e Silva:
“A Declaração é expressa: assegura a qualquer pessoa direito de
audiência junto ao poder judiciário, que é independente e imparci-
al. não só por torça da investidura de seus membros... mas tam-
bém por pertencer a um poder que. pela Constituição. não é su-
bordinado a nenhum outro.”
260
Formação Humanística
Artigo XI
1. Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o di-
reito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha
sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual
lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua
defesa.
2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omis-
são que, no momento, não constituíam delito perante o direito
nacional ou internacional. Também não será imposta pena mais
forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao
ato delituoso.
Comentário: Este artigo da Declaração dos Direitos do Ho-
mem consagra um importante instituto: a culpa não se presume, ela
necessita de comprovação por parte do Estado que não pode na busca
que faz para estabelecer o nexo causal entre um possível autor com o
resultado, negar a quem é suspeito o direito ao devido processo legal,
bem como ser considerado inocente até prova em contrário.
A Constituição de 1988 consagra o princípio da presunção da
inocência, uma vez que o constituinte parece ter deixado claro que
garantir a inocência e a liberdade eram compromissos inalienáveis
do Estado e da Lei Fundamental.
Ao mesmo tempo, consagra também dois institutos fundamen-
tais no ordenamento jurídico nacional: o princípio da anterioridade e
o da reserva legal, pois somente se pode constituir o agir ilícito a
partir de sua previa existência normativa, a qual passa, necessaria-
mente, pela ação do legislador, único autorizado a constituir a trans-
posição do espaço do ser para o dever-ser.
Finalmente, está ratificado aqui o principio da irretroatividade
da lei penal. Nesse caso, a Constituição Federal não só determina a
impossibilidade da retroação da lei penal, como a excepciona, desde
que para beneficio do acusado. Em nosso Direito Penal a irretroati-
261
vidade do advento da lei mais severa se complementa com a retroati-
vidade da lei mais benigna ou mais favorável ao réu.
Artigo XII
Ninguém será sujeito à interferência em sua vida privada,
em sua família, em seu lar ou em sua correspondência, nem a ata-
que à sua honra e reputação. Todo ser humano tem direito à pro-
teção da lei contra tais interferências ou ataques.
Comentário: A vida privada e todos os elementos que a conso-
lidam e a consagram representam uma conquista da defesa da pró-
pria dignidade humana. O privado é o espaço mais íntimo do ser
humano, ao qual não se pode ferir a qualquer tempo e por razão al-
guma.
Neste sentido, diz José Afonso da Silva:
“A vida privada, em última análise, integra a esfera íntima da pes-
soa, porque é repositório de segredos e particularidades do foro
moral e intimo do indivíduo. A tutela constitucional visa proteger as
pessoas de dois atentados particulares: (a) ao segredo da vida pri-
vada; e (b) à liberdade da vida privada.b”
262
Formação Humanística
Artigo XIII
1. Todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção e
residência dentro das fronteiras de cada Estado.
2. Todo ser humano tem o direito de deixar qualquer país,
inclusive o próprio, e a este regressar.
Comentário: O direito de livre ir e vir, de locomoção ao longo
do território nacional é uma prerrogativa da privacidade do sujeito,
uma vez que nacional tem garantido esse direito discricionário. Con-
tudo, este não é uma garantia absoluta, uma vez que em nossa Consti-
tuição se assegura esta condição em tempos de paz, o que significa
afirmar que em condição contrária o mesmo poderá ser limitado.
Esta limitação se apresenta ao longo, por exemplo, dos artigos
136 e 137, respectivamente Estado de Defesa e Estado de Sítio. Nes-
tas duas condições excepcionais de proteção do próprio Estado quan-
do frente a situações que o ameaçam, se pode falar em uma restrição
263
de alguns direitos fundamentais, entre eles, o direito de livre locomo-
ção em território nacional. Mas estas restrições somente podem ocor-
rem ao encontro da extrema legalidade.
Artigo XIV
1. Todo ser humano, vítima de perseguição, tem o direito de
procurar e de gozar asilo em outros países.
2. Este direito não pode ser invocado em caso de persegui-
ção legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por
atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas.
Comentário: O ser humano é um conceito que em senso comum
se compreende como universal, aos quais todos os países vêm assu-
mindo o compromisso de protegê-lo na medida em que a ideia da
globalização acontece a partir de um comprometimento entre as na-
ções promovido pelo processo de globalização. Isto significa que
tratamento de exceções não serão aceitáveis pela comunidade inter-
nacional a partir do momento em que a exceção se constituir em a-
fronta ao acordado em acordos, tratados ou convenções. (neste senti-
do os artigos 4º e 5º da CF/88)
Não se trata de defender um enfraquecimento da soberania in-
terna, mas ao contrário, é uma adaptação aos novos tempos que obri-
gam uma maior troca entre as nações, objetivando esvaziar a velha
tradição dos Estados liberais em buscar estratégias beligerantes para
resolver seus conflitos e diferenças.
Esta cooperação se estende a relação com os indivíduos em ca-
sos de expulsão, deportação e extradição, bem assim na concessão de
asilo político, ao qual se busca instituir uma legalidade ao encontro
dos valores dos direitos do homem.
Importa destacar jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
sobre a matéria pela sua relevância temática.
264
Formação Humanística
265
importância, a garantia do due process of law. Em tema de direito
extradicional, o STF não pode e nem deve revelar indiferença di-
ante de transgressões ao regime das garantias processuais fun-
damentais. É que o Estado brasileiro – que deve obediência irres-
trita à própria Constituição que lhe rege a vida institucional – as-
sumiu, nos termos desse mesmo estatuto político, o gravíssimo
dever de sempre conferir prevalência aos direitos humanos (art. 4º,
II)." (Ext 633, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 28-8-1996,
Plenário, DJ de 6-4-2001.)
Artigo XV
1. Todo homem tem direito a uma nacionalidade.
2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionali-
dade, nem do direito de mudar de nacionalidade.
Comentário: A nacionalidade é existir numa comunidade, num
espaço cultural e histórico que permita a integração. Esta é mais do
que ter direitos em uma nação, mas é constituir uma forma institucio-
nal de proteção à dignidade humana, já que a ausência de uma na-
cionalidade caracteriza ofensa ao homem.
Destaca o STF que:
“A perda da nacionalidade brasileira, por sua vez, somente pode
ocorrer nas hipóteses taxativamente definidas na Constituição da
República, não se revelando lícito, ao Estado brasileiro, seja medi-
ante simples regramento legislativo, seja mediante tratados ou
convenções internacionais, inovar nesse tema, quer para ampliar,
quer para restringir, quer, ainda, para modificar os casos autoriza-
dores da privação – sempre excepcional – da condição político-
266
Formação Humanística
Artigo XVI
1. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer res-
trição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair
matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em
relação ao casamento, sua duração e sua dissolução.
267
2. O casamento não será válido senão com o livre e pleno
consentimento dos nubentes.
3. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e
tem direito à proteção da sociedade e do Estado.
Comentário: A Constituição Federal em seu artigo 226, caput
ao encontro do que prevê a Declaração Universal destacou o signifi-
cado desta instituição social: “A família, base da sociedade, tem es-
pecial proteção do Estado”. O constituinte originário compreendeu-a
como base, fundamento, essência da própria sociedade.
Este olhar sobre a instituição familiar é uma herança antiga na
tradição ocidental, pois desde sociedades remotas como as da Grécia
e Roma, a família já era compreendida como núcleo estrutural do
espaço social.
Ela cumpre uma primeira fase de socialização, iniciando o
processo de inclusão do sujeito num espaço mais amplo do que o da
sua própria psique, na medida em que amplia as redes de contato e de
linguagem entre os sujeitos. É um dever do Estado, assim, garantir-
lhe toda a assistência possível.
Artigo XVII
1. Todo ser humano tem direito à propriedade, só ou em so-
ciedade com outros.
2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua proprie-
dade.
Comentário: A propriedade tem sido associada à ideia da civi-
lização desde a antiguidade, fundamentalmente com a civilização
romana.
Em um primeiro momento, acompanhando o processo liberta-
dor da figura do indivíduo, ela alcançou um caráter absoluto, ainda
268
Formação Humanística
269
cedimentos fixados na própria Constituição da República. O aces-
so à terra, a solução dos conflitos sociais, o aproveitamento racio-
nal e adequado do imóvel rural, a utilização apropriada dos recur-
sos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente consti-
tuem elementos de realização da função social da propriedade.”
(ADI 2.213-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 4-4-2002,
Plenário, DJ de 23-4-2004.) No mesmo sentido: MS 25.284, Rel.
Min. Marco Aurélio, julgamento em 17-6-2010, Plenário, DJE de 13-
8-2010.”
Artigo XVIII
Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento,
consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de
religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou
crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, em
público ou em particular.
Comentário: A Constituição de 1988 foi construída sob o signo
da transformação, uma vez que o Brasil abandonara uma longa fase
de ditadura militar para um retorno à Democracia.
Esta é o fio condutor de um grande grupo de interesses do
constituinte originário e que o coloca ao encontro deste artigo XVIII
da Declaração Universal de Direitos. Uma dignidade plena não pode
prescindir de um direito à livre manifestação do pensamento, inde-
pendente da natureza deste, quer dizer, seja político, religioso, filosó-
fico, etc.
O Pluralismo Político é um dos fundamentos de uma sociedade
consolidada em torno do regime democrático. Independente do espa-
ço, esta é uma motivação que permite homeopaticamente a convivên-
cia dos diferentes que, confirmados numa experiência de confrontos
sem conflitos aprendem a regra número 01 da democracia: a tolerân-
cia.
270
Formação Humanística
Artigo XIX
Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e ex-
pressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter
opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias
por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.
Comentário: A condição do espaço social é a condição da al-
teridade. O espaço social é o campo do encontro dos outros com ou-
tros, desta maneira, é um espaço de grande capacidade de circulação
de informações que alimentam este cenário com um conjunto comple-
xo de signos.
Para que a informação possa ser um ‘bem’ difuso se faz neces-
sário, como quis o artigo anterior garantir a livre manifestação do
271
pensamento, na mesma medida em que se deve ser responsável com o
nome, a imagem e a honra que podem estar envolvidos nesta manifes-
tação. Mas a sua existência é inexorável.
José Afonso da Silva chega a afirmar que,
“Nesse sentido, a liberdade de informação compreende a pro-
cura, o acesso, o recebimento e a difusão de informações ou
ideias, por qualquer meio, e sem dependência de censura, res-
pondendo cada qual pelos abusos que cometer.”
272
Formação Humanística
Artigo XX
1. Todo ser humano tem direito à liberdade de reunião e as-
sociação pacífica.
2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associa-
ção.
Comentário: Este direito faz parte da imagem que se tem de
uma sociedade democrática, na medida em que esta busca, pelo me-
nos oficialmente, diminuir os espaços ‘secretos’ e ‘sagrados’ ao con-
junto dos cidadãos, pois não basta afirmar democracia, é preciso
exercê-la intensa e mundanamente.
A natureza da reunião é a construção de um espaço aberto in-
termitentemente aos sujeitos, na medida em que o espaço público é
público na medida mesma em que pertence ao público. Todos, pacifi-
camente e sem armas, em locais abertos ao público têm o direito de se
273
reunir, sem nenhuma necessidade de prévia autorização por parte do
Estado.
Neste sentido ressalta Alexandre de Moraes que,
“O direito de reunião é uma manifestação coletiva da liberdade de
expressão, exercitada por meio de uma associação transitória de
pessoas e tendo por finalidade o intercâmbio de ideias, a defesa
de interesses, a publicidade de problemas e de determinadas rei-
vindicações. O direito de reunião apresenta-se, ao mesmo tempo,
como um direito individual em relação a cada um de seus partici-
pantes e um direito coletivo no tocante a seu exercício conjunto.”
Artigo XXI
1. Todo ser humano tem o direito de fazer parte no governo
de seu país diretamente ou por intermédio de representantes li-
vremente escolhidos.
2. Todo ser humano tem igual direito de acesso ao serviço
público do seu país.
274
Formação Humanística
Artigo XXII
Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito
à segurança social, à realização pelo esforço nacional, pela coope-
ração internacional e de acordo com a organização e recursos de
cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispen-
sáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua persona-
lidade.
Comentário: Existir enquanto sujeito social significa um pro-
cesso de dupla natureza: por um lado, o indivíduo renuncia a um
poder que é seu desde o nascimento e que lhe confere um direito de
ação em tese ilimitado. Contudo, como desta situação as consequên-
cias podem representar uma guerra de todos contra todos, celebra-se
no espaço social as condições de controle para que os membros deste
possam alcançar algumas expectativas, tais como segurança e reco-
nhecimento de que tal nação não está independente do mecanismo de
controle sobre o agir absoluto.
275
Artigo XXIII
1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha
de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à prote-
ção contra o desemprego.
Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a i-
gual remuneração por igual trabalho.
3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remu-
neração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua
família, uma existência compatível com a dignidade humana e a
que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção soci-
al.
4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a
neles ingressar para proteção de seus interesses.
Comentário: O corolário da Declaração de 1948 não rompeu
com elementos fundamentais do modelo econômico liberal, bem assim
com as alterações sofridas pela emergência dos direitos de segunda
dimensão a partir do Welfare State.
Tanto é assim, que este artigo consagra o direito ao trabalho,
um dos mais significativos processos de controle e socialização ela-
borados pelo espaço social.
Esta preocupação da Declaração de 1948 está presente na
nossa Constituição de 1988, fundamentalmente no inciso IV, artigo 1º,
e nos artigos 7º a 11º, na medida em que ali está regulado o trabalho,
sua proteção, seus direitos e garantias, as responsabilidades do tra-
balhador, bem assim do próprio Estado.
Artigo XXIV
Todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive a
limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas
periódicas.
Comentário: A Declaração Universal de 1948 inaugurou um
rol novo de direitos dispostos aos sujeitos sociais, abstratos em sua
276
Formação Humanística
Artigo XXV
1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz
de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive ali-
mentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços
sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desempre-
go, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos
meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assis-
tência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do
matrimônio gozarão da mesma proteção social.
Comentário: Este artigo acaba por ser uma repetição dos an-
teriores na medida em que aprofunda outros conceitos à defesa da
dignidade humana. No que tange a relação com a nossa Constituição,
ele pode ser percebido nos artigos 6º a 9º, 170 e 226 a 230.
Artigo XXVI
1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução se-
rá gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A
instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico profis-
sional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta
baseada no mérito.
277
2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvol-
vimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito
pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instru-
ção promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre
todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as
atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de
instrução que será ministrada aos seus filhos.
Comentário: O Supremo Tribunal Federal vem ratificando essa
garantia prevista neste artigo da Declaração Universal, bem assim
naquilo que está disposto no artigo 205 de nossa Constituição. Deci-
diu que
“A educação é um direito fundamental e indisponível dos indiví-
duos. É dever do Estado propiciar meios que viabilizem o seu e-
xercício. Dever a ele imposto pelo preceito veiculado pelo artigo
205 da Constituição do Brasil. A omissão da administração importa
afronta à Constituição.” (RE 594.018-AgR, Rel. Min. Eros Grau,
julgamento em 23-6-2009, Segunda Turma, DJE de 7-8-2009.)
Artigo XXVII
1. Todo ser humano tem o direito de participar livremente
da vida cultural da comunidade, de fruir das artes e de participar
do progresso científico e de seus benefícios.
278
Formação Humanística
279
Artigo XXVIII
Todo ser humano tem direito a uma ordem social e interna-
cional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente
Declaração possam ser plenamente realizados.
Comentário: Trata aqui de um direito que impõe como pressu-
posto básico em uma proposta de mundo que se pretendia globalizado
a existência de uma organização social e jurídica, tanto no seu senti-
do de âmbito nacional, interno, quanto em seu sentido de âmbito in-
ternacional, global. Em ambos os casos o que se busca é a garantia,
em conjunto, de uma eficácia no cumprimento dos postulados decla-
ratórios, assegurando existência e o funcionamento de uma estrutura
tal, que permita a plena materialização das conquistas da humanida-
de em prol dos direitos fundamentais e a operacionalização da sua
efetiva proteção
René Ariel Dotti destaca que
“Todo homem tem direito à vida, à liberdade, à segurança. â inte-
gridade física e moral, ao patrimônio e a outros bens de interesse e
necessidade individual e coletiva. Conseqüentemente. tem o direito
de invocar uma ordem social interna que lhe assegure o exercício
desses direitos e dessas liberdades essenciais. Nos dias corren-
tes, o desenvolvimento dos sistemas formais e materiais de prote-
ção fazem com que o homem seja, também, sujeito e objeto de
uma ordem social internacional.”
Artigo XXIX
1. Todo ser humano tem deveres para com a comunidade,
na qual o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é
possível.
2. No exercício de seus direitos e liberdades, todo ser huma-
no estará sujeito apenas às limitações determinadas pela lei, exclu-
sivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e res-
peito dos direitos e exigências da moral, da ordem pública e do
bem-estar de uma sociedade democrática.
280
Formação Humanística
281
Artigo XXX
Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser in-
terpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou
pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qual-
quer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liber-
dades aqui estabelecidos.
Comentário: A Declaração Universal dos Direitos do Homem,
apesar de sua reconhecida importância ainda enfrenta algumas resis-
tências quanto a sua capacidade de ser efetivamente eficaz, na medi-
da em que é mais uma declaração do que um procedimento de reali-
zação.
Entretanto, não se pode discutir a importância que ela alcan-
çou no constitucionalismo contemporâneo na medida em que buscou
normatizar os direitos fundamentais do homem, permitindo-lhes al-
cançar uma normatividade que a tradição anterior não havia conse-
guido realizar.
É um norte principiológico que se busca estabelecer na condução
das relações dos sujeitos com os sujeitos, destes com o Estado e este com
outros tantos Estados que compõem o cenário internacional.
Mesmo que se reconhecendo a sua condição de mínimo exis-
tencial, a mundanidade dos conflitos experimentados ao longo do
século XX, bem como dos que emergiram já neste início do novo sécu-
lo, tornam esta Declaração uma alternativa necessária a sobrevivên-
cia das ideias de civilização e humanidade, bem como uma diretriz
capaz de opor resistência àquilo que já foi conhecido como ‘banali-
dade do mal’ e que tanto ameaçou levar a sucumbência os valores
míticos de homem e humanidade.
282
Formação Humanística
Capítulo IV
283
Para a Teoria Geral do Direito isso significou uma emancipação
da filosofia, permitindo-lhe, para o ‘bem’ e para o ‘mal’ a possibilida-
de de construir toda uma sistemática independente para pensar o Di-
reito. Neste ponto podem ser inseridos os conceitos de direito objetivo
e subjetivo.
Em relação ao primeiro, o direito objetivo é concebido como
aquele direito estatal, normativo, onde se encontra aquele conjunto de
normas que impõe o agir, isto é, a norma agendi. É a partir desse con-
junto de normas que se pode compreender quando uma conduta reali-
zável é correta ou incorreta no espaço jurídico.
O direito subjetivo, por sua vez, é o direito faculdade, direito
poder, direito prerrogativa. Ou seja, é um direito de alguém. Este di-
reito é conhecido na linguagem jurídica como facultas agendi, que diz
respeito à faculdade de agir, a uma condição pela qual o sujeito poderá
conduzir a sua ação.
Miguel Reale destaca que,
“(...) o direito subjetivo, no sentido específico e próprio do termo, só
existe quando a situação subjetiva implica a possibilidade de uma
pretensão, unida à exigibilidade de uma prestação ou de um ato de
outrem. O núcleo do conceito de direito subjetivo é a pretensão
(ANSPRUCH), a qual pressupõe que sejam correspectivos aquilo
que é pretendido por um sujeito e aquilo que é devido pelo outro
(tal como se dá nos contratos) ou que pelo menos entre a preten-
são do titular do direito subjetivo e o comportamento exigido de ou-
trem haja certa proporcionalidade compatível com a regra de direi-
to aplicável à espécie.”
284
Formação Humanística
285
ça. (...) A segurança jurídica do gozo é a base jurídica do direito. Os
direitos são interesses juridicamente protegidos. A ação é, pois, a ver-
dadeira pedra de toque dos direitos privados. Onde não há lugar para
a ação, o direito civil deixa de proteger os interesses, e a administração
ocupa o seu posto”.
c) Teoria eclética: ela tem em Georg Jellinek um dos seus
maiores expoentes. Esta teoria considerou insuficientes as teorias
anteriores, julgando-as incompletas. Para a Teoria Eclética o direito
subjetivo não seria apenas uma vontade, nem somente um interesse,
mas sim uma reunião de ambos. Desta forma o direito subjetivo seria
“o bem ou interesse protegido pelo reconhecimento do poder da von-
tade”.
d) Teoria objetiva ou realista de Duguit: Aqui se nega a ideia
do direito subjetivo, uma vez que o substitui por um conceito mais
formal que é o de função social. Para Duguit, o ordenamento jurídico
se fundamenta não na proteção dos direitos individuais, mas na neces-
sidade de manter a estrutura social, cabendo a cada indivíduo cumprir
uma função social.
e) Teoria Formalista ou Normativista de Hans Kelsen: Kelsen
não poderia aceitar a existência de um direito subjetivo, uma vez que
na sua ‘Teoria Pura do Direito’ identifica o direito e a norma positiva,
neste sentido, do Estado, eliminando, assim, do espaço jurídico todos
aqueles conceitos estranhos ao sistema de normas instituídas pelo ente
estatal. A função básica das normas jurídicas é a de impor o dever e,
secundariamente, o poder de agir. Desta forma, o direito subjetivo não
se distingue, em essência, do Direito objetivo. Afirmou Kelsen que “o
direito subjetivo não é algo distinto do Direito objetivo, é o Direito
objetivo mesmo, de vez que quando se dirige, com a consequência
jurídica por ele estabelecida, contra um sujeito concreto, impõe um
dever, e quando se coloca à disposição do mesmo, concede uma fa-
culdade”. O Estado é a única expressão da ordem jurídica e somente
ele pode criar direito. Por outro lado, reconheceu no direito subjetivo
286
Formação Humanística
287
ou direitos das partes litigantes por ela estatuídos, ou da atribuição
de competência ao órgão que tem de executar esta decisão. Num
sentido jurídico-positivo, fonte do Direito só pode ser o direito. (…).
A equivocidade ou pluralidade de significações do termo fonte do
direito fá-lo aparecer como juridicamente imprestável. É aconse-
lhável empregar, em lugar desta imagem que facilmente induz em
erro, uma expressão que inequivocamente designe o fenômeno ju-
rídico que se tem em vista.”
288
Formação Humanística
289
toda uma gama de complexidade e de linguagem que veio a ser toma-
do o discurso jurídico.
Contudo, para efeitos de concurso público, ainda se pode ob-
servar o que se segue.
Uma das principais características das fontes do direito é a sua
generalidade, já que elas servem a um conjunto de situações fáticas,
juridicamente relevantes. Elas podem ser divididas a partir da seguinte
sistematização:
a) Fontes ditas FORMAIS OU DIRETAS do direito: a lei
(ainda aceita pela tradição positivista como a principal das fontes do
direito), a analogia, o costume e os princípios gerais do direito;
b) Fontes ditas NÃO FORMAIS OU INDIRETAS: a dou-
trina e a jurisprudência. Tradicionalmente se afirma que estas fontes
não criam a norma, mas serve de base para decisões judiciais. Entre-
tanto, em nosso país é interessante de se observar o papel que a juris-
prudência tem assumido, principalmente a partir dos Tribunais Supe-
riores, em especial o STF e o STJ. Nesse sentido, é de se observar a
posição em uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (AgReg em
ERESP n° 279.889-AL), na qual o Ministro Humberto Gomes de
Barros assim se pronunciou: “Não me importa o que pensam os dou-
trinadores. Enquanto for Ministro do Superior Tribunal de Justiça,
assumo a autoridade da minha jurisdição. O pensamento daqueles
que não são Ministros deste Tribunal importa como orientação. A
eles, porém, não me submeto. Interessa conhecer a doutrina de Bar-
bosa Moreira ou Athos Carneiro. Decido, porém, conforme minha
consciência. Precisamos estabelecer nossa autonomia intelectual,
para que este Tribunal seja respeitado. É preciso consolidar o enten-
dimento de que os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins e Hum-
berto Gomes de Barros decidem assim, porque pensam assim. E o STJ
decide assim, porque a maioria de seus integrantes pensa como esses
Ministros. Esse é o pensamento do Superior Tribunal de Justiça, e a
doutrina que se amolde a ele. É fundamental expressarmos o que
somos. Ninguém nos dá lições. Não somos aprendizes de ninguém.
290
Formação Humanística
291
estatal, ela apresenta limites que ajudam a ampliar a atual crise do
ordenamento jurídico.
Segundo Hervarth, dois são os elementos negativos desse pro-
cesso constitutivo atual das Leis:
a) o decretismo, isto é, o excesso de leis;
292
Formação Humanística
293
limitações relativas ao conteúdo da proposta de emenda. Assim, prevê
o texto constitucional em seu artigo 60, § 4º, da CF/88 que não será
objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - do Presidente da República;
294
Formação Humanística
295
4.5 Das Leis Complementares e Leis Ordinárias
As leis complementares são aquelas que se situam entre os li-
mites da rigidez do processo de formação e modificação do texto
constitucional e a flexibilidade da legislação ordinária. Uma questão
muito discutida refere-se a sua hierarquia.
Ainda com relação a sua análise em face das leis ordinárias
cumpre destacar a existência de diferenças do ponto de vista material
e do ponto de vista formal.
Quanto aos aspectos materiais, deve-se destacar que a Constitu-
ição prevê taxativamente as hipóteses de regulamentação através de
Lei Complementar (Constituição Federal, artigos: 7º, I; 14, § 9º; 18,
§§ 2º, 3º, 4º; 21, IV; 22, parágrafo único; 23, parágrafo único; 25, § 3º;
37, XIX; 40, §§ 4º e 15º; 41, § 1º, III; 43, §1º; 45, §1º; 49, II; 59, pará-
grafo único; 68, §1º; 79, parágrafo único; 84, XXII; 93, caput; 121,
caput; 128, II, § 4º;, 129, VI e VII; 131, caput; 134, parágrafo único;
142, § 1º; 146; 148; 153, VII; 154, I; 155, § 1º, III; 155, X, “a”; 155,
XII; 156, III; 156, § 3º; 161; 163; 165, § 9º; 166, § 6º; 168; 169, caput;
169, §§ 2º, 3º e 4º; 184, § 3º; 192, caput; 195, § 11; 201, § 1º; 202, §§
1º, 4º, 5º e 6º; 231, § 6º. ADCT, artigos: 29, §§ 1º e 2º; 34, §§ 7º, 8º e
9º).
Por sua vez, a Lei Ordinária possui seu campo material ocupa-
do de forma residual, ou seja: tudo o que não for regulamentado por
Lei Complementar, Decreto Legislativo (CF, art. 49 – matérias de
competência exclusiva do Congresso Nacional) e Resoluções (CF,
arts. 51 e 52 – matérias de competência privativa, respectivamente, da
Câmara dos Deputados e do Senado Federal).
Do ponto dos aspectos formais, a diferença refere-se ao quorum
de aprovação. A Lei Complementar exige maioria absoluta (CF, art.
69), enquanto que a Lei Ordinária requer apenas maioria simples (CF,
art. 47).
Maioria absoluta se refere ao número total de integrantes da
respectiva casa legislativa. Daí porque, no mínimo, a Câmara de De-
296
Formação Humanística
297
a) Iniciativa concorrente (geral) – é aquela atribuída a mais de
uma pessoa ou órgão, que podem exercê-la em conjunto ou iso-
ladamente. Ocorre, por exemplo, no caput do art. 61 da Consti-
tuição;
b) Iniciativa privativa – é atribuída a determinada pessoa ou
órgão. Ocorre nas hipóteses do art. 61, § 1º, art. 93 e art. 96, II,
todas da Lei Maior;
c) Iniciativa conjunta – quando a iniciativa compete, simulta-
neamente, a mais de uma pessoa, devendo ser exercida de for-
ma consensual. Exemplo de projeto de lei que exige iniciativa
conjunta é aquele que tem por objeto fixar o subsídio dos mi-
nistros do Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 48,
XV;
d) Iniciativa popular – significa a possibilidade de qualquer ci-
dadão propor projetos de leis ordinárias e complementares. De-
corre da previsão constitucional de hipótese de democracia di-
reta, nos moldes do art. 14, III. A iniciativa popular propria-
mente dita vem regulada no § 2º do art. 61.
298
Formação Humanística
299
delegada será elaborada pelo Presidente da República mediante prévia
solicitação ao Congresso Nacional, ao que se denomina de iniciativa
solicitadora.
Encaminhada a solicitação, ela será submetida à votação pelas
Casas do Congresso Nacional, em sessão bicameral conjunta ou sepa-
radamente. Sua aprovação se dá por quorum de maioria simples e
tomará a forma de resolução, especificando o conteúdo da delegação e
os termos de seu exercício (art. 68, § 2º).
Tal delegação possui caráter temporário e que não poderá exce-
der a legislatura. Além disso, nada impede que o Congresso Nacional
legisle sobre a matéria objeto da delegação ou desfaça a delegação.
Os limites do objeto da delegação estão determinados na pró-
pria Constituição em seu artigo 68, § 1º:
a) os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional;
d) a legislação sobre:
300
Formação Humanística
301
A medida provisória decorre de ato unilateral de competência
privativa do Presidente da República (artigo 84, XXVI).
Adotada a medida provisória e enviada ao Congresso Nacional,
caberá à comissão mista de deputados e senadores examinar as medi-
das provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas,
em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congres-
so Nacional (artigo 62, §9º).
Como consequência a medida provisória segue para votação em
cada uma das Casas legislativas, iniciando-se pela Câmara dos Depu-
tados (artigo 62, § 8º). A deliberação de cada uma das Casas do Con-
gresso Nacional sobre o mérito das medidas provisórias dependerá de
juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais
(artigo 62, § 5º).
Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cin-
co dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência
constitucional, subseqüentemente, em cada uma das Casas do Con-
gresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação,
todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tra-
mitando (artigo 62, § 6º).
Aprovada sem alterações quanto ao mérito será ela convertida
em lei, e promulgada pelo Presidente da Mesa do Congresso Nacional
(Presidente do Senado Federal – artigo 57, § 5º), sendo desnecessária
a submissão do seu texto ao Presidente da República.
Aprovada com alterações (emendas) será submetida à apreci-
ação do Presidente da República o texto da lei de conversão para que
ele sancione ou vete, no exercício discricionário (conveniência e opor-
tunidade) de suas atribuições constitucionais.
Importa destacar que aprovado o projeto de lei de conversão al-
terando o texto original da medida provisória esta se manterá inte-
gralmente em vigor até que seja sancionado ou vetado o projeto (arti-
go 62, § 12).
302
Formação Humanística
303
encontrava suspensa em virtude da nova medida com finalidade de ab-
rogação.
O § 1º do art. 62, da Constituição estabelece uma série de veda-
ções sobre matérias que não podem sofrer influência da medida provi-
sória, tais como nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos
políticos e direito eleitoral, direito penal, processual penal e processu-
al civil, organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a
carreira e a garantia de seus membros, etc.
Outra restrição material decorre do artigo 246 da Constituição
que afirma que “É vedada a adoção de medida provisória na regula-
mentação de artigo da Constituição cuja redação tenha sido alterada
por meio de emenda promulgada entre 1º de janeiro de 1995 até a
promulgação desta emenda, inclusive”.
Ou seja, em virtude da Emenda Constitucional nº 32/2001, não
cabem medidas provisórias que visem regulamentar dispositivos da
Constituição que tenham sido alterados entre 1º. 01.1995 a
11.09.2001.
Por sua vez, os dispositivos da Constituição alterados após
11.09.2001 não encontram restrição quanto a sua regulamentação
através de medida provisória. Em relação às editadas anteriormente à
Emenda Constitucional nº 32/2001, de acordo com o seu artigo 2º,
elas “continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revo-
gue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacio-
nal”.
Ainda sobre as limitações materiais, cumpre ressaltar que a
“vedação constitucional atual em matéria de direito penal é absoluta,
não se permitindo, tampouco, a edição de medidas provisórias sobre
matéria penal benéfica” Em relação à matéria tributária, medida pro-
visória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os
previstos nos artigos. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos
no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o
último dia daquele em que foi editada (artigo 62, § 2º).
304
Formação Humanística
305
nas no âmbito da respectiva Casa sendo promulgada pelo respectivo
Presidente, salvo no caso de competência do Congresso Nacional
quando deve tramitar por ambas as Casas (aprovação bicameral) e,
então, a promulgação e publicação incumbe ao Presidente do Senado
Federal. Assim como no caso do Decreto Legislativo, não ocorre ma-
nifestação do Presidente da República. Na Constituição, a única hipó-
tese expressa de Resolução é a do artigo 68, § 2º (conhecida por dele-
gação de competência legiferante).
A Lei não é um processo ao acaso, nem mesmo um procedi-
mento informal. Há um ritual constitutivo que obedece aos limites
pretendidos e consagrados na Constituição.
Tal procedimento previsto na Constituição e reconhecido como
o processo legislativo deve ser compreendido como o conjunto de atos
preordenados que visa à criação de normas de direito. Em outras pala-
vras, representa o conjunto de atos realizados pelos órgãos legislativos
com o objetivo de compor leis constitucionais, complementares, reso-
luções e decretos.
Estes atos traduzem-se em um processo complexo, decompon-
do-se em várias fases, a saber: iniciativa, emenda, votação,sanção ou
veto, promulgação e publicação.
O modo pelo qual os atos do processo legislativo se realizam é
chamado de procedimento legislativo strito senso. Diz respeito ao
andamento da matéria nas Casas Legislativas; na prática, chama-se de
tramitação do projeto. O procedimento legislativo pode ser:
a) ORDINÁRIO: É aquele que se destina à elaboração das leis
ordinárias, sendo o procedimento comum mais demorado. Enseja mais
oportunidades para o exame, o estudo e a discussão do projeto. Com-
põe-se de várias fases: introdutória, que consiste na apresentação do
projeto; a do exame do projeto nas comissões permanentes, onde se dá
seu estudo, cabendo-lhes emitir pareceres favoráveis ou não, sendo
também admitidas emendas e até mesmo substitutivos ao projeto; a
fase das discussões, onde surgem oportunidades de se oferecerem
306
Formação Humanística
307
Câmara dos Deputados e o Senado terão o prazo global de quarenta e
cinco dias para manifestar-se sobre o projeto. Se ocorrer a hipótese de
uma ou outra Casa não se manifestar nesse prazo, a proposição será
incluída na ordem do dia, sobrestando-se a deliberação sobre os de-
mais assuntos, a fim de que se ultime a votação da matéria urgente.
Dentro ou fora do prazo, findo o pronunciamento de ambas as
Casas, sem emenda do Senado, o projeto irá à sanção. Se houver a-
provação do projeto no Senado, com emendas, dentro do prazo de dez
dias, a Câmara deverá analisá-las.
Aceitando-as ou não, o projeto vai à sanção. Ocorrendo desres-
peito ao prazo, sobrestar-se-á a deliberação sobre outros assuntos, até
que a votação seja ultimada, indo o projeto à sanção.
Os prazos acima referidos não fluem durante o período de re-
cesso do Congresso Nacional. Além disso, esse procedimento não é
aplicado a projetos de Código. Não ocorre mais a aprovação de proje-
tos por decurso de prazo; portanto, estes terão de ser votados, dentro
ou fora do prazo, sendo afinal aprovados ou rejeitados.
c) PROCEDIMENTOS LEGISLATIVOS ESPECIAIS: São
os procedimentos estabelecidos para a elaboração de emendas consti-
tucionais, leis financeiras, leis delegadas, medidas provisórias e leis
complementares. Estas diferem das leis ordinárias quanto ao procedi-
mento de formação, por exigirem o voto da maioria absoluta das Ca-
sas Legislativas para sua aprovação.
Em resumo, são formadas mediante procedimento ordinário,
com quorum especial. Já as leis financeiras são apreciadas pelas duas
Casas, na forma do regimento comum. As emendas serão apresentadas
a uma comissão mista, que sobre elas emitirá parecer. Serão aprecia-
das, na forma regimental, pelo plenário das duas Casas do Congresso
Nacional.
Este processo apresenta os seguintes institutos:
a) Iniciativa de Lei: com exceção daqueles previstos no rol
taxativo para a proposição de iniciativas para uma Emenda
308
Formação Humanística
309
dos deputados e senadores reunidos, na forma de uma votação
secreta. Se o prazo não for respeitado, sem sofrer deliberação,
tal projeto entra em sessão no dia seguinte ao fim do prazo e em
condição prioritária;
e) Promulgação: Ordinariamente, quem dá existência à Lei é
o Presidente da República. Esta consiste numa declaração for-
mal que reconhece a existência da Lei a partir daquele momen-
to. No caso de ter sido o veto presidencial rejeitado, o projeto
de Lei será encaminhado ao Presidente para que em 48h o pro-
mulgue e em não realizando isso, o mesmo será encaminhado
ao Presidente do Senado, e, respectivamente ao vice-presidente
do Senado para no mesmo prazo promulgar;
f) Publicação: Este ato é indispensável para que a Lei possa
adquirir plena existência e entrar em vigor, o que exige publi-
cação em órgão oficial. Pode entrar no ato de publicação em
vigor ou cumprir o lapso da vacatio legis.
Uma vez que a Lei passe a vigorar, a ter uma presentação no
espaço social, ela obriga aos sujeitos sociais. E estes não poderão se
escusar dela, pois temos como herança o princípio de que “Nemo jus
ignorare censetur”, conforme o que está previsto no artigo 3º, da Lei
de Introdução ao Código Civil que destaca que
“ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhe-
ce.”
310
Formação Humanística
311
No que tange à Lei mais que perfeita, esta é aquela que impõe a
aplicação de duas sanções, por exemplo, uma prisão e uma obrigação
(no caso da inescusável inadimplência da obrigação de alimentos).
A lei de natureza perfeita é aquela que prevê a nulidade no ato,
sendo esta nulidade compreendida como uma punição ao infrator.
A Lei dita menos que perfeita é a que não acarreta a nulidade
ou anulação no ato, somente impondo ao violador a figura da respecti-
va sanção.
Finalmente, a Lei dita imperfeita é aquela cuja violação não a-
carreta nenhuma consequência, como as obrigações decorrentes de
dívidas de jogo e de dívidas prescritas, condições estas determinadas
no próprio conjunto de legalidade.
Em relação a sua NATUREZA, as leis podem ser assim apre-
sentadas:
a) Substantivas;
b) Adjetivas.
312
Formação Humanística
313
Quanto à REVOGAÇÃO, esta é uma forma de supressão da
força obrigatória da lei, retirando-lhe a eficácia — o que só pode ser
feito por outra lei. Ela apresenta como espécies:
a) Ab-rogação: que significa uma supressão total da norma
anterior incompatível;
b) Derrogação: que significa uma supressão parcial do texto
de lei incompatível.
c) Expressa: que diz respeito ao fato de que a Lei nova declara
que a Lei anterior está revogada a partir da vigência daquela;
d) Tácita: quando ocorre a incompatibilidade entre a Lei ‘ve-
lha’ e a Lei nova, conforme o que está disposto no artigo 2º,
§1º, da LICC.
314
Formação Humanística
315
sistema se mantenha alguma condição de incoerência ou conflito na
falta de uma norma explícita.
Sua aplicabilidade não é tarefa fácil, pois o magistrado não é
autômato para realizar esta tarefa analógica. Necessário se faz toda
uma atenção aos componentes do Morus social, aos seus princípios
éticos, bem assim a própria contribuição da doutrina que permite uma
condição de justificativa ao exercício da analogia.
A doutrina aceita a divisão da analogia em duas espécies distin-
tas:
a) A analogia legal;
b) A analogia jurídica.
No caso da primeira, se pode compreendê-la a partir de uma
condição do próprio ato legislativo, quer dizer, empregada a partir da
ação do legislador que não traz uma completude à sua ação; por sua
vez, a segunda, diz respeito quando no ordenamento jurídico se perce-
be a presença de uma determinada condição de lacuna a qual se faz
necessário restabelecer a uniformidade a partir da utilização da analo-
gia.
Importa destacar que a analogia somente é prejudicial e conde-
nável em matéria de Direito Penal, para efeito de enquadramento em
figuras delituosas, em penas ou como fator de agravamento destas.
Não se aplica também o procedimento analógico no Direito de nature-
za fiscal, quando for o caso de se impor tributos ou penas à figura do
contribuinte.
316
Formação Humanística
317
São princípios que não obedecem a regra de estarem sempre positiva-
dos, escritos. Eles se constituem enquanto valores direcionais do or-
denamento jurídico, pois orientam a compreensão do sistema jurídico
em sua aplicação e integração, independente destes princípios estarem
ou não incluídos no direito positivo. O crescimento do constituciona-
lismo e da 3ª e 4ª dimensões de direito significaram um crescimento
considerável do papel desses princípios, encontrando a partir da im-
portância das constituições um papel que transcende a sua mera con-
dição axiomática.
Conforme Mans Puirgarnau se pode decompor esse instituto al-
cançando-se a seguinte compreensão de cada um dos conceitos que o
informam:
a) Princípios: ideia de fundamento, origem, começo, razão,
condição e causa;
b) Gerais: a ideia de distinção entre o gênero e a espécie e a
oposição entre a pluralidade e a singularidade;
c) Direito: caráter de juridicidade, isto é, o que está conforme a
reta razão, o que dá a cada um o que lhe pertence.
318
Formação Humanística
319
A jurisprudência em sentido amplo é compreendida como
uma coletânea de decisões que são prolatas pelos Tribunais sobre
determinada matéria. Isso significa um rol de decisões uniformes
(quando ocorre das decisões serem convergentes), bem como decisões
contraditórias, quando as decisões acontecem em contradição a partir
de um mesmo tema ou matéria.
A jurisprudência em sentido estrito é a que consiste em um
mero conjunto de decisões uniformes que são proferidas pelos órgãos
do ordenamento jurídico sobre uma questão jurídica específica. É o
que se define a partir do princípio “auctoritas rerum similiter judica-
torum”, isto é, autoridade dos casos julgados semelhantemente. Há,
aqui, uma uniformidade de julgamento.
A jurisprudência igualmente apresenta tipos, que são os seguin-
tes:
a) Jurisprudência secundum legem, que é aquela que se limita a
interpretar segundo de regras determinadas no ordenamento ju-
rídico;
b) Jurisprudência praeter legem, que ocorre na medida em que
faltam regras específicas, quer dizer, quando se pode observar
uma omissão na própria Lei;
c) Jurisprudência contra legem, na expressão usual é aquela
que se dá ‘no arrepio da Lei’, em síntese, que contraria a Lei.
Ocorre quando o magistrado se vê frente à presença de Leis a-
nacrônicas ou mesmo injustas.
4.17 Da doutrina
Não se pode olvidar de que esta fonte indireta tem uma impor-
tância capital para a existência do Direito. Isso é assim porque o dis-
curso jurídico, consentâneo da sociedade, necessita de um olhar atento
a todas as complexidades que surgem para poder auxiliar o discurso
jurídico nos Tribunais sobre aquelas alterações e modificações pelas
quais passa o discurso jurídico.
320
Formação Humanística
321
é outra forma de se perceber o sujeito no mundo, num procedimento
que busca atribuir um conjunto de sentidos aos seres e às coisas, na
mesma medida em que alcança significado por e para eles, isto é, o
pensamento complexo é uma condição de reinventar tanto um lugar
para o sujeito, quanto uma significação do sujeito, compreendendo-o
não mais como um mero ser-jogado-no-mundo, um algo externo e
imposto, mas como um sujeito-ator mundano, numa práxis e numa
presentidade como ser e não como simples objeto.
É, então, uma condição de existência e de referência aos sujei-
tos o reconhecimento dessa complexidade jurídica. É condição de
existência na medida em que a ideia de civilização não pode prescin-
dir de certa capacidade de ordenamento de comandos que determinam
condutas, sociais e individuais; e é uma condição de referência na
medida em que sem o outro, o ser-em-si-mesmo fica em dificuldades.
Não sabe mais, por assim dizer, a quem se voltar; e, igualmen-
te, o estar-junto fica em perigo, pois só uma referência comum a um
mesmo Outro permite aos diferentes indivíduos pertencimento a uma
mesma comunidade.
“Outro” é a instância através da qual se torna possível uma or-
dem jurídica, política e temporal. Segundo Dufour, o “Outro”, que é o
que estabelece para o sujeito uma anterioridade fundadora, quando
não está posto deixa o indivíduo perdido, levando-o a substituí-lo por
outros mecanismos que podem constituir falsos referenciais.
O Outro, aqui, é o sistema jurídico. Ao longo dos últimos cinco
séculos toda a ideia de modernidade, de uma forma ou de outra, esteve
associada a esta capacidade de governança da lei.
É assim que a doutrina se apresenta a partir de três funções bá-
sicas para o discurso jurídico realizar-se na relação com e do Outro:
a) Atividade Criadora: acompanhando as alterações da e na pró-
pria sociedade, no espaço do imaginário social, se faz obrigatório a
criação de conceitos e institutos que não são exclusivos da lingua-
322
Formação Humanística
323
É, talvez, esta resistência ao papel da doutrina, uma resistência
que é em muitos aspectos mero capricho de vaidades dos que têm um
poder político de decidir através da Lei o conflito social, que se pode
compreender uma parte significativa da crise do ordenamento jurídico.
Ainda, o enunciado da lei – oral e escrito, primário e secundá-
rio, em qualquer esfera de comunicação – proposto pelo sistema jurí-
dico é na sua própria proposição um bem simbólico coletivo, queren-
do com isso desconhecer que todo enunciado é sempre uma significa-
ção individual, e por isso mesmo incapaz de refletir a individualidade
de quem fala, ou escreve, bem como não tem como impedir que a
compreensão seja sempre resultante de uma pré-compreensão de quem
ouve ou lê. Nesta exata medida a doutrina se justifica.
Portanto, o falante, seja o sistema jurídico, ou mesmo o indiví-
duo em condições de fala privilegiada tem, desse modo, a possibilida-
de de se individualizar e também ao seu discurso não por meio de um
egocêntrico sistema gramatical da Lei na Lei, ou da expressão de uma
subjetividade pré-social, a suposta imparcialidade do operador do
direito, mas como interação viva de todas aquelas vozes sociais que o
formam, vozes estas que somente são percebidas quando à fala da Lei
se incorpora, no quantum possível, a doutrina.
Autorar, nesse sentido transmoderno, é orientar-se na atmosfera
heteroglótica, é assumir uma posição estratégica no contexto da circu-
lação das vozes sociais; é explorar o potencial da tensão criativa da
heteroglossia dialógica de toda a fala. Não basta desta forma, uma
mera aplicabilidade do bom senso do juiz calcado num a posteriori
experimental, mas igualmente na sua abertura aos contributos da dou-
trina.
A língua, enquanto significação da fala penetra nos enunciados,
aqui enquanto condutas normativas que igualmente pretendem pene-
trar na fala. Sem uma contextualização mais complexa essa penetração
é falha ou sem sentido, mas em qualquer caso, descolada da realidade
social.
324
Formação Humanística
325
vistas ao aperfeiçoamento do desempenho daqueles comportamentos
coletivos e esperados do que necessariamente a defesa de um sujeito.
Castigar é exercitar sobre o sujeito a fabulação da ordem da lei,
da conduta permitida, do comportamento possível. O sistema de mi-
cropenalidades que especifica punições em caso de desvios nos com-
portamentos (in)desejados, não poderia abdicar do fechamento especí-
fico em uma interioridade, ou seja, não poderia prescindir de um tipo
de confinamento que assegure a organização e distribuição interna dos
corpos a serem disciplinados.
Além disso, o controle minucioso do tempo também obedece à
lógica da disciplina, articulando a permanente recorrência do ciclo
processual – o que pretensa e arrogantemente parece garantir uma
defesa de direitos individuais.
É aqui que a relação Estado/sociedade/direito/indivíduo se co-
loca a mercê, como quer o positivismo, em todo e qualquer fato, a
uma detenção da lei na vontade do Estado-juiz/pastor, que encarna
aqui a figura do (ir)responsável pela (des)ordem social.
O Estado, como a mídia, busca acondicionar conceitos no ima-
ginário, mas como o mercado simbólico não é uma racionalidade de
mão única, inclusive no próprio espaço virtualizado, a resposta é a
criação constante e inflacionária de leis, ao mesmo tempo em que se
entrega ao Estado-juiz/pastor a condução de toda e qualquer (re)ação
do sujeito, transformando-o numa condição de zelador de verdades
(re)veladas e parciais, o que contrário senso, amplia o espaço de resis-
tência e conflito.
Finalmente, sem o reconhecimento devido à doutrina toda esta
complexa matiz de produção de fala jurídica corre o risco de tornar-se
anacrônica e assimétrica ao espaço social.
Destaca René David que
“(...) quem quer alimentar ficções ou denominar Direito à parcela
do mesmo constituída pelas normas legislativas, pode fazê-lo; mas
quem quer ser realista e ter uma visão mais ampla e, em nosso ju-
326
Formação Humanística
327
mais nada que expressões sintetizadas de entendimentos consolidados
da Corte Constitucional.
Assim sendo, estas súmulas tradicionais do STF representam
uma sinopse da jurisprudência predominante, isto é, do processo de
edição de enunciados por parte do STF que busca, desta forma, tradu-
zir uma orientação jurisprudencial do mesmo, para todo ordenamento
jurídico se constituindo, portanto, em um repositório oficial de juris-
prudência (art.99 do Regimento Interno do STF - RISTF). Conforme o
seu regimento interno:
Art.102. A jurisprudência assentada pelo Tribunal será compendia-
da na Súmula do Supremo Tribunal Federal.
328
Formação Humanística
329
chamados a interpretar e, por isso, inevitavelmente, a esclarecer,
integrar, plasmar e transformar, e não raro a criar ex novo o Direito.
Isso não significa, porém, que eles sejam legisladores. Existe, real-
mente, essencial diferença entre os processos legislativo e jurisdicio-
nal”.
Ao encontro dessa posição, Muscari afirma que no caso da sú-
mula vinculante a sua compreensão deve se dar na condição de se
perceber que ela é mais do que a jurisprudência e menos do que a Lei,
isto é, a súmula vinculante é um meio caminho entre estes dois pólos.
Isto é assim porque no que tange a sua condição de jurispru-
dência ela é resultado de uma construção do Poder Judiciário, relacio-
nada a uma situação fática concreta que explicam a sua própria reali-
zação por parte do STF, mas ao mesmo tempo é próxima da figura da
Lei na medida em que se reveste de obrigatoriedade e imposição, não
admitindo contrariedade por parte do próprio ordenamento jurídico.
Em relação aos efeitos percebidos na edição das súmulas, se
pode destacar:
a) Com eficácia suasória: se dá a partir da persuasão dos ór-
gãos administrativos e judiciários que a ela estão submetidos –
§1º, artigo 102, CF/88;
b) Com eficácia vinculante: resulta no poder de invalidar os
atos administrativos e jurisdicionais produzidos em dissonância
com o entendimento presente na súmula – artigo 103-A, CF/88;
c) Com eficácia obstativa: significa esta eficácia na capacidade
que a súmula tem de impedir a produção demasiada e descabida
(procrastinação) de recursos, pois ao juízo está facultado negar
a possibilidade de prosseguimento do recurso que contraria a
jurisprudência dominante e majoritária – conforme o artigo 38,
Lei 8038/90 e §1º, artigo 518 e caput do artigo 557, do CPC,
bem como texto presente nas Leis 9756/98 e 11276/06.
330
Formação Humanística
331
Impossível, aqui, não se destacar a posição de Lênio Streck, ar-
guto crítico deste instituto criado como uma resposta de uniformiza-
ção e que, nas palavras do ex-ministro VICTOR NUNES LEAL, a
expressão “súmula” servia para definir, em pequenos enunciados, o
que o Supremo Tribunal Federal vinha decidindo de modo reiterado
acerca de temas que se repetiam em seus julgamentos.
Curioso que para uma forma de perceber a linguagem esta se
parece com outra, ainda que em cada uma o fato a qual ele se refere
seja único e essencialmente particular.
Como bem observou Lênio Streck, há uma questão importante
sobre o tema da súmula vinculante que diz respeito a sua relação com
as duas famílias tradicionais do direito ocidental.
.Na tradição do direito da Common Law, o precedente judicial
sempre teve força preponderante na aplicação do direito, sendo por
isso fundamental a doutrina do stare decisis para se ter asseguradas à
estabilidade, a coerência e a continuidade do sistema.
O efeito vinculante do precedente decorre assim do funciona-
mento do sistema, encontrando-se arraigado na própria compreensão
da atividade jurisdicional. Em outras palavras, o efeito vinculante do
precedente no Common Law é uma decorrência natural do próprio
sistema.
Por sua vez, na tradição da Civil Law, esse papel preponderante
é assumido pela lei. É ela que se configura como ponto de partida para
a compreensão do direito. A jurisprudência tem uma função apenas
subsidiária na aplicação do direito, sendo invocada tradicionalmente
para auxiliar na interpretação da lei ou em casos de lacuna. Conse-
qüentemente, não se tem aqui como natural o efeito vinculante das
decisões judiciais. Ao contrário, o seu efeito é tido como meramente
persuasivo. Importa destacar, como bem destaca Streck que apenas a
lei tem caráter vinculante para o aplicador do direito nos sistemas de
Civil Law.
332
Formação Humanística
333
compreensão uma decisão estilizada e exógena daquilo que ele é como
pessoa.
Neste sentido, afirma Estevão Mallet que:
“Ademais, como prevalece o entendimento de que a sentença não
cria direito novo, apenas interpreta direito já existente, acabará a
jurisprudência obrigatória, forçosamente, por ser invocada mesmo
de modo retroativo, para situações ocorridas antes até de sua con-
solidação, o que – não é difícil perceber – compromete considera-
velmente a estabilidade das relações sociais e mesmo a seguran-
ça dos cidadãos. De outra parte, parece inegável que decisões ju-
diciais obrigatórias enrijecem, ainda mais, o sistema legal, por na-
tureza pouco flexível, tornando mais complexas as inevitáveis e
necessárias adaptações da lei às novas realidades. Como escre-
veu certa feita importante jurista francês, ‘ce que était le droit hier
peut être l‘injustice demain’ (Paul Roubier). Em tempos de rápidas
transformações econômicas, sociais e mesmo políticas, isso talvez
seja um fardo bastante pesado para se carregar.”
334
Formação Humanística
335
ram a força e a limitação do discurso jurídico tanto para a sua realiza-
ção, enquanto instrumento de controle do social, como para a experi-
ência da atual crise, pois que depois de tantos séculos é impossível se
aceitar que tal discurso se mantenha sobre bases de velhos e cansados
paradigmas.
E, ainda,
“Que o Judiciário necessita de reformas não é novidade e tampou-
co é contestado por ninguém, o que ensejaria, de imediato uma
discussão mais aprofundada sobre os diversos âmbitos da crise
(estrutural, funcional e individual) que atravessa a administração
da justiça brasileira. Diríamos que esse é um dos problemas. Po-
rém, de qualquer sorte, não parece ser do interesse do establish-
ment jurídico-dogmático a discussão desses pontos, mormente de
forma mais aprofundada. Ao contrário, preferem “resolver” desde
logo e de uma vez o problema, atacando a contradição secundária
do problema, deixando de lado a contradição principal.”
336
Formação Humanística
337
338
Formação Humanística
Capítulo VI
DA ÉTICA E DO CÓDIGO
DE ÉTICA DA MAGISTRATURA
6.1 Da Ética
Antes de se apresentar o código de ética se faz necessário al-
gumas observações ordinárias e meramente ilustrativas do tema geral
da Ética em nossa atual realidade contemporânea.
Não é raro se utilizar o conceito de ética como expressão sinô-
nima do conceito de moral.
Por outro lado, igualmente é bastante comum encontrar distin-
ções entre esses dois termos nos compêndios de ética. Para uns, ética é
a disciplina filosófica, já a moral ficaria restrita aos códigos morais ou
mesmo aos costumes (pré)conceituosos de um grupo social.
Para outros, caso de Jürgen Habermas, a ética tem como fun-
damento o tratamento da felicidade, enquanto que a moral estaria
preocupada com o instituto do dever e com a justiça.
Entretanto, a própria proposição que ele faz, isto é, a de cons-
truir uma ética discursiva, não respeita essa distinção, pois, no caso
específico, não se trata, de forma alguma, de uma ética da felicidade,
mesmo ele tendo definido a ética como tratando da vida boa.
339
No que diz respeito aos interesses aqui propostos, se parte de
uma tentativa de diferenciação, mas em regra os termos são emprega-
dos sem distinção.
Buscando uma compreensão mais didática, se pode dividir as
teorias morais ao menos a partir de duas grandes correntes, as quais
podem ser denominadas:
a) Ética da Virtude ou Felicidade;
b) Ética do dever ou da Justiça.
340
Formação Humanística
341
Contudo, não se pode deixar de fazer menção à contribuição de
Kant ao tema da ética, ainda que de forma bastante simplificada pelas
dimensões e limites que aqui se propõe.
O problema da filosofia prática, em Kant é, assim, apresenta-
do: se a razão pura é prática, qual é a lei e qual é a natureza da vontade
que pode obedecer a essa lei?
O instituto da analítica, na Crítica da Razão Prática, tem co-
mo objetivo buscar determinar o princípio supremo da moralidade.
Os princípios de determinação da vontade, que têm por base a
sensibilidade, não estabelecem leis da razão, isso porque têm por fun-
damento o desejo de felicidade e, portanto, não podem fornecer leis da
razão.
Desta maneira, a lei dita moral só pode vir a ser estabelecida
independentemente de todo e qualquer desejo, de toda e qualquer
matéria, isto é, ela somente pode ser estabelecida quando de sua forma
ideal, qual seja, através de sua universalidade.
A forma geral da lei moral se constitui, desta maneira, num im-
perativo categórico: como destaca Kant “age apenas segundo uma
máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei
universal”.
Isso quer dizer que no estabelecimento de uma lei moral, con-
corre apenas à razão, que é compreendida como imediatamente legis-
ladora, fundamentando e se sobredeterminando, dessa maneira, aquela
vontade.
A Lei, assim constituída pela razão é uma expressão da própria
essência da vontade de um ser tomado pela razão, racional, a saber, é a
liberdade em sentido positivo, que não é nada mais do que uma plena
condição de autonomia.
Consequentemente, a lei moral nada mais exprime do que aque-
la autonomia da razão prática pura, isto é, a condição de liberdade.
Portanto, como efeito, a autonomia da vontade é o único princípio a
342
Formação Humanística
priori da razão prática pura, pois que os seus outros institutos somente
podem se dar a posteriori.
Em Kant o dever acaba por se apresentar a partir de dois aspec-
tos fundamentais:
a) Vontade boa;
b) Lei moral.
Em relação à lei moral, se deve observar que ela deverá ser en-
contrada, uma vez que não se pode esquecer o seu caráter metodológi-
co a priori, na exclusão de todo o espaço empírico quando restará,
portanto, apenas uma legalidade da universalidade.
Importa, agora, compreender bem de qual lei se está buscando
compreender, qual seu estatuto, bem como a sua possibilidade. Essa
lei assume, para um ser racional finito, a forma de um imperativo,
traduzindo, dessa maneira, o dever-ser de conformidade a uma lei
universal.
Trata-se, evidente nesse caso, como quer Kant, de “descrever
claramente a faculdade prática da razão, partindo de suas regras
universais de determinação, até o ponto que dela brota o conceito de
dever”.
Claro está que se percebem dois objetivos na citação acima:
a) Estabelecer as regras da razão prática pura: a lei moral;
b) Estabelecer a noção de dever, pois dada a nossa constitui-
ção, que não se determina necessariamente pela lei moral, essa
assume a forma de imperativos que ‘são apenas fórmulas para
exprimir a relação entre leis objetivas do querer em geral e a
imperfeição subjetiva desse ou daquele ser racional, da vonta-
de humana, por exemplo. ’
343
Em relação aos primeiros, os imperativos hipotéticos, eles re-
presentam uma necessidade de ação como meio fundamental para
alcançar certo fim. Por sua vez, aqueles outros, os imperativos categó-
ricos apresentam uma ação como objetivamente necessária, indepen-
dente do fim que pretendemos necessariamente alcançar. No primeiro
caso, temos uma ação boa como meio, no segundo, como boa em si.
Uma ação boa como meio significa que ela não trás em si todas
as propriedades que se espera, uma vez que ela precisa de um meio
para a sua realização plena; ao contrário, sendo boa em si a norma da
Lei tem uma aplicabilidade mais direta, já que é plena na sua realiza-
ção sobre o sujeito.
Destaca ainda Kant, uma dupla rodada de apresentação desses
imperativos. A primeira é feita a partir da intenção daquilo que ele
identifica como o querer. Nesse caso, temos, para o imperativo cate-
górico, o qual independe de intenção, um princípio apodítico, isto é,
incontestavelmente demonstrado.
Esta condição de incontestavelmente acontece na mesma medi-
da de sua proporcionalidade, na medida em que sem esta última fica
muito mais íngreme o projeto de construir uma ideia geral sobre as
relações dos homens e destes com o próprio Estado.
344
Formação Humanística
345
E, quando real, o que se tem é um princípio assertórico-prático.
Os princípios problemáticos podem chamar-se também imperativos de
destreza, os quais nos são fornecidos pelas ciências e artes em geral.
O princípio assertórico-prático tem importância e deve assim
ter um olhar pormenorizado, uma vez que a intenção de que trata é
algo que todos têm por uma necessidade natural e, desta forma, não é
só possível, como real. A destreza, nesse caso, pode chamar-se pru-
dência, ou seja, a doutrina dos meios para atingir a felicidade.
Um segundo momento ocorre a partir da diferença da obrigação
imposta à vontade.
Neste espaço, o imperativo categórico é um mandamento, isto
é, um imperativo moral. Quanto ao imperativo hipotético, por sua vez,
se trata de regras da destreza, quer dizer, são imperativos técnicos ou
de conselhos da prudência, ou seja, imperativos pragmáticos.
Destaque que se justifica aqui nesse ponto é o fato de que os
imperativos pragmáticos referentes à prudência, postos a partir do fato
de que a sua necessidade é torná-los possível analiticamente como
imperativos técnicos, isto se torna problemático na medida mesma em
que não é fácil dar um conceito determinado de felicidade, o qual
envolveria um todo absoluto na consideração de um máximo de bem
estar.
Kant destaca que, ‘a felicidade não é um ideal da razão, mas
da imaginação’. A partir dessa máxima ele objetiva estabelecer como
são possíveis esses imperativos. Em realidade, a dificuldade dele é
como estabelecer um querer necessário, isto é, um dever, de certos
fins, isto é, de imperativos apodíticos que ordenam fins necessários;
isso porque, no caso dos imperativos hipotéticos, dado o fim o qual
está sobre o arbítrio da vontade escolhê-los ou não, o que se seguem,
analiticamente, para uma vontade racional os meios, pois quem quer o
fim quer o meio.
O contrário, isto é, desejar o fim e não desejar os meios é uma
contradição da própria vontade, pois que um princípio objetivo não
346
Formação Humanística
347
vez que busca enquadrar qualquer tipo de humanidade no seu centro
de significação.
Finalmente, percebida a ética como um conhecimento sobre um
conjunto de valores que constituem no espaço social a identidade de
axiomas de certo/errado, bem/mal, normal/anormal, é de se questionar
em que medida se pode ainda defender esse espaço maniqueísta de
ética em uma sociedade marcada pelo culto ao individualismo, a li-
quidez dos valores e dos conceitos, enfim, aos efeitos de tudo aquilo
que se convencionou conhecer pela expressão de pós-modernidade.
Segundo Stein, em arguta observação,
“Dentro dos meus limites, devo primeiro pensar o que é pós-
modernidade. Talvez se possa afirmar que a pós-modernidade se
define por contraste com a modernidade. Se a modernidade lutou
para encontrar uma normatividade, a pós-modernidade é a era da
desregulamentação. Se a modernidade procurava projeto e sentido
para o futuro, a pós-modernidade se entrega ao acaso e ao pre-
sente. Se a modernidade lutava por uma homogeneidade, a pós-
modernidade acontece no fluxo da dispersão e da heterogeneida-
de. Se a modernidade se caracteriza pela consolidação do político,
do espaço público, a pós-modernidade é a era da despolitização
dos nichos domésticos. Se a modernidade sonhou com uma uni-
dade no âmbito da cultura, da política, do saber, a pós-
modernidade é a época da desintegração, da multiculturalidade, do
recolhimento ao privado, é o tempo dos saberes. Se a modernida-
de se apoiava na ideologia como convocação para engajamento,
na pós-modernidade desaparece a ideologia. Se na modernidade o
tecido social era sustentado pelas instituições, na pós-
modernidade as instituições se tornam fluídas e o tecido social se
esgarça. Se a modernidade confia nas grandes instituições, a pós-
modernidade é móvel, nômade. Disso tudo se pode concluir que a
pós-modernidade procura a diferença, a miniaturização das ideias,
o descompromisso social, o tribalismo conivente, o presenteísmo
imediatista, o hedonismo do carpe diem, o normatismo das emo-
ções, o império da imagem e, como consequência, a onipresença
348
Formação Humanística
349
Por óbvio que a discussão em torno do conceito de ética não é
recente, nem mesmo a possibilidade de sua condição presente entre e
nos sujeitos. Esta é uma discussão que se desenvolve há muito tempo,
conduzindo uma série de teóricos a contribuir com suas elucubrações.
Assim, que Martin Heidegger via no ‘fragmento 119’ atribuído
a Heráclito de Éfeso, o sentido originário do termo ‘ética’, o qual se
compreendia como um lugar onde o homem habita, sua morada, dife-
rente, portanto, da concepção axiomática de bem (agathon) socrático e
platônico que se deveria buscar num mundo ideal.
Heidegger, igualmente, buscava amparo, para tanto, na passa-
gem “Das Partes dos Animais”, de Aristóteles, na qual se conta uma
anedota em torno de Heráclito que teria dito a estrangeiros que temi-
am se aproximar de sua humilde casa: “pois aqui também moram os
deuses”.
Deste modo, de acordo com o significado fundamental da pala-
vra ethos, Ética diz respeito ao que medita a habitação do homem,
quer dizer, aquele pensar que pensa a verdade do ser como o elemento
primordial do homem enquanto alguém que existe em si e num outro,
o que já é em si a condição da Ética originária. Contudo, a compreen-
são de Heidegger percebe que não se trata apenas da Ética, mas i-
gualmente de uma condição de ontologia. Pois ele compreende que é
na ontologia que pensa sempre apenas o ente (on) em seu ser.
Portanto, a percepção de Heidegger nessa busca ética por um
conhecimento próprio como uma investigação ontológica era, assim
também, uma busca pela essência do ser. A partir desta constatação,
um sentido originário de ética estaria reduzido a um domínio da meta-
física em que se teria de comprometer com aquelas verdades absolutas
e tão difíceis de sustentar, tais como as pretensões de uma ética tradi-
cional apoiada numa revelação divina e onipresente.
Contudo, se ao sujeito falível da era contemporânea está veda-
do o acesso ao verdadeiro conhecimento das essências e a crença em
Deus e mesmo na ciência que não passa de uma crença entre outras a
ser privilegiada, então uma ética centrada no sujeito precisa abrir mão
350
Formação Humanística
351
Como última reflexão geral sobre o conceito de ética se destaca
o tema da relação desta com a sociedade e o indivíduo, pois não se
pode manter a tradicional visão de que o sujeito da ética é um “deus
onisciente e transcendental à realidade”.
A ética acontece nos sujeitos, estes mesmos sujeitos que como
todos nós acabamos por se encontrar implicados em uma mundanida-
de política, econômica, profissional etc. A ética é uma resposta, pura e
simplesmente sobre aquilo que se pretende atribuir algum sentido,
quer dizer, dirigir nas várias dimensões da própria existência, na
mesma medida em que ela é algo que se quer compensar a partir do
reconhecimento de muitas insuficiências e dissabores na existência
que a condição de existir permite (re)conhecimento por parte dos su-
jeitos.
Desta feita ela acontece tanto no sujeito, quanto no espaço soci-
al, já que ambos são espaços consumidores dela. Na mesma medida
em que consomem o seu arrazoado conceitual, elaboram novos senti-
dos a partir de sua condição ontológica, sem que isso signifique uma
capacidade de resposta e definição completas. Diz Eusébio Fernandez
que,
“A moral é originária e materialmente social, mas é fundamen-
talmente pessoal ou autônoma.”
352
Formação Humanística
353
Assim, o Código de Ética apresenta os seguintes eixos funda-
mentais:
a) Independência;
b) Imparcialidade;
c) Transparência;
e) Diligência e Dedicação;
f) Cortesia;
g) Prudência;
h) Sigilo Profissional;
i) Conhecimento e Capacitação;
354
Formação Humanística
355
Diz Pierre Bourdieu que “o auctor, mesmo quando só diz com
autoridade aquilo que é, mesmo quando se limita a enunciar o ser,
produz uma mudança no ser: ao dizer as coisas com autoridade, quer
dizer, à vista de todos e em nome de todos, publicamente e oficialmen-
te, ele subtrai-as ao arbitrário, sanciona-as, santifica-as, consagra-
as, fazendo-as existir como dignas de existir, como conformes à natu-
reza das coisas, ‘naturais’”.
O magistrado se faz autor, na medida em que ao recontar o con-
to da vida, o fato levado ao seu juízo tem a autoridade e a qualidade de
sagrar a vida para os próprios agentes da vida através do discurso
jurídico.
A imparcialidade é estratégia definitiva para esta capacidade de
tornar a sentença uma condição de imposição sobre a leitura do fato,
na medida em que ela carrega uma força simbólica “das partes envol-
vidas nesta luta que nunca é completamente independente da sua
posição no jogo [conflito], mesmo que o poder propriamente simbó-
lico da nomeação constitua uma força relativamente autônoma pe-
rante as outras formas de força social”. (grifei)
Portanto, não se quer afirmar que a imparcialidade é o não en-
volvimento, a não identificação com os conceitos de um ou outro
discurso a partir do próprio preconceito que o magistrado carrega em
si, mas uma qualidade de legitimação, uma condição de crença de que
o juiz, pela sua condição, pela posição que ocupa no campo jurídico
precisa conservar e reproduzir para continuar a ser o representante do
Estado frente à sociedade.
356
Formação Humanística
357
que o agente, o sujeito do cargo alcança no grupo social em que está
inserido.
Desta forma, por exemplo, o agir prudente é mais do que uma
agir de ‘virtude que faz prever e procura evitar as inconveniências e
os perigos; cautela, precaução’, é uma estratégia discursiva de legiti-
mação, uma manifestação mais ou menos eficiente de um agir simbó-
lico que permite que à qualidade do sujeito (juiz) alcance a sua ação
(sentença) no espaço social.
358
Formação Humanística
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1º. O exercício da magistratura exige conduta compatível com os
preceitos deste Código e do Estatuto da Magistratura, norteando-se
359
pelos princípios da independência, da imparcialidade, do conhecimento
e capacitação, da cortesia, da transparência, do segredo profissional, da
prudência, da diligência, da integridade profissional e pessoal, da digni-
dade, da honra e do decoro.
Art. 2º Ao magistrado impõe-se primar pelo respeito à Constituição da
República e às leis do País, buscando o fortalecimento das instituições e
a plena realização dos valores democráticos.
Art. 3º A atividade judicial deve desenvolver-se de modo a garantir e
fomentar a dignidade da pessoa humana, objetivando assegurar e pro-
mover a solidariedade e a justiça na relação entre as pessoas.
CAPÍTULO II
INDEPENDÊNCIA
Art. 4º Exige-se do magistrado que seja eticamente independente e que
não interfira, de qualquer modo, na atuação jurisdicional de outro cole-
ga, exceto em respeito às normas legais.
Art. 5º Impõe-se ao magistrado pautar-se no desempenho de suas ativi-
dades sem receber indevidas influências externas e estranhas à justa
convicção que deve formar para a solução dos casos que lhe sejam sub-
metidos.
Art. 6º É dever do magistrado denunciar qualquer interferência que vise
a limitar sua independência.
Art. 7º A independência judicial implica que ao magistrado é vedado
participar de atividade político-partidária.
CAPÍTULO III
IMPARCIALIDADE
Art. 8º O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade
dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo
o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de
360
Formação Humanística
CAPÍTULO IV
TRANSPARÊNCIA
Art. 10. A atuação do magistrado deve ser transparente, documentando-
se seus atos, sempre que possível, mesmo quando não legalmente pre-
visto, de modo a favorecer sua publicidade, exceto nos casos de sigilo
contemplado em lei.
Art. 11. O magistrado, obedecido o segredo de justiça, tem o dever de
informar ou mandar informar aos interessados acerca dos processos sob
sua responsabilidade, de forma útil, compreensível e clara.
Art. 12. Cumpre ao magistrado, na sua relação com os meios de comuni-
cação social, comportar-se de forma prudente e eqüitativa, e cuidar
especialmente:
I - para que não sejam prejudicados direitos e interesses legítimos de
partes e seus procuradores;
II - de abster-se de emitir opinião sobre processo pendente de julgamen-
to, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos,
sentenças ou acórdãos, de órgãos judiciais, ressalvadas a crítica nos
autos, doutrinária ou no exercício do magistério.
361
Art. 13. O magistrado deve evitar comportamentos que impliquem a
busca injustificada e desmesurada por reconhecimento social, mormente
a autopromoção em publicação de qualquer natureza.
Art. 14. Cumpre ao magistrado ostentar conduta positiva e de colabora-
ção para com os órgãos de controle e de aferição de seu desempenho
profissional.
CAPÍTULO V
INTEGRIDADE PESSOAL E PROFISSIONAL
Art. 15. A integridade de conduta do magistrado fora do âmbito estrito
da atividade jurisdicional contribui para uma fundada confiança dos
cidadãos na judicatura.
Art. 16. O magistrado deve comportar-se na vida privada de modo a
dignificar a função, cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional
impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos ci-
dadãos em geral.
Art. 17. É dever do magistrado recusar benefícios ou vantagens de ente
público, de empresa privada ou de pessoa física que possam comprome-
ter sua independência funcional.
Art. 18. Ao magistrado é vedado usar para fins privados, sem autoriza-
ção, os bens públicos ou os meios disponibilizados para o exercício de
suas funções.
Art. 19. Cumpre ao magistrado adotar as medidas necessárias para evitar
que possa surgir qualquer dúvida razoável sobre a legitimidade de suas
receitas e de sua situação econômico-patrimonial.
362
Formação Humanística
CAPÍTULO VI
DILIGÊNCIA E DEDICAÇÃO
Art. 20. Cumpre ao magistrado velar para que os atos processuais se
celebrem com a máxima pontualidade e para que os processos a seu
cargo sejam solucionados em um prazo razoável, reprimindo toda e
qualquer iniciativa dilatória ou atentatória à boa-fé processual.
Art. 21. O magistrado não deve assumir encargos ou contrair obrigações
que perturbem ou impeçam o cumprimento apropriado de suas funções
específicas, ressalvadas as acumulações permitidas constitucionalmente.
§ 1º O magistrado que acumular, de conformidade com a Constituição
Federal, o exercício da judicatura com o magistério deve sempre priori-
zar a atividade judicial, dispensando-lhe efetiva disponibilidade e dedica-
ção.
§ 2º O magistrado, no exercício do magistério, deve observar conduta
adequada à sua condição de juiz, tendo em vista que, aos olhos de alu-
nos e da sociedade, o magistério e a magistratura são indissociáveis, e
faltas éticas na área do ensino refletirão necessariamente no respeito à
função judicial.
CAPÍTULO VII
CORTESIA
Art. 22. O magistrado tem o dever de cortesia para com os colegas, os
membros do Ministério Público, os advogados, os servidores, as partes,
as testemunhas e todos quantos se relacionem com a administração da
Justiça.
Parágrafo único. Impõe-se ao magistrado a utilização de linguagem es-
correita, polida, respeitosa e compreensível.
Art. 23. A atividade disciplinar, de correição e de fiscalização serão exer-
cidas sem infringência ao devido respeito e consideração pelos correi-
cionados.
363
CAPÍTULO VIII
PRUDÊNCIA
Art. 24. O magistrado prudente é o que busca adotar comportamentos e
decisões que sejam o resultado de juízo justificado racionalmente, após
haver meditado e valorado os argumentos e contra-argumentos disponí-
veis, à luz do Direito aplicável.
Art. 25. Especialmente ao proferir decisões, incumbe ao magistrado
atuar de forma cautelosa, atento às consequências que pode provocar.
Art. 26. O magistrado deve manter atitude aberta e paciente para rece-
ber argumentos ou críticas lançados de forma cortês e respeitosa, po-
dendo confirmar ou retificar posições anteriormente assumidas nos
processos em que atua.
CAPÍTULO IX
SIGILO PROFISSIONAL
Art. 27. O magistrado tem o dever de guardar absoluta reserva, na vida
pública e privada, sobre dados ou fatos pessoais de que haja tomado
conhecimento no exercício de sua atividade.
Art. 28. Aos juízes integrantes de órgãos colegiados impõe-se preservar o
sigilo de votos que ainda não hajam sido proferidos e daqueles de cujo
teor tomem conhecimento, eventualmente, antes do julgamento.
CAPÍTULO X
CONHECIMENTO E CAPACITAÇÃO
Art. 29. A exigência de conhecimento e de capacitação permanente dos
magistrados tem como fundamento o direito dos jurisdicionados e da
sociedade em geral à obtenção de um serviço de qualidade na adminis-
tração de Justiça.
364
Formação Humanística
CAPÍTULO XI
DIGNIDADE, HONRA E DECORO
Art. 37. Ao magistrado é vedado procedimento incompatível com a dig-
nidade, a honra e o decoro de suas funções.
Art. 38. O magistrado não deve exercer atividade empresarial, exceto na
condição de acionista ou cotista e desde que não exerça o controle ou
gerência.
365
Art. 39. É atentatório à dignidade do cargo qualquer ato ou comporta-
mento do magistrado, no exercício profissional, que implique discrimina-
ção injusta ou arbitrária de qualquer pessoa ou instituição.
CAPÍTULO XII
DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 40. Os preceitos do presente Código complementam os deveres
funcionais dos juízes que emanam da Constituição Federal, do Estatuto
da Magistratura e das demais disposições legais.
Art. 41. Os Tribunais brasileiros, por ocasião da posse de todo Juiz, en-
tregar-lhe-ão um exemplar do Código de Ética da Magistratura Nacional,
para fiel observância durante todo o tempo de exercício da judicatura.
Art. 42. Este Código entra em vigor, em todo o território nacional, na
data de sua publicação, cabendo ao Conselho Nacional de Justiça pro-
mover-lhe ampla divulgação.
TÍTULO I
Do Poder Judiciário
CAPÍTULO I
Dos Órgãos do Poder Judiciário
Art. 1º - O Poder Judiciário é exercido pelos seguintes órgãos:
I - Supremo Tribunal Federal;
366
Formação Humanística
367
Art. 4º - O Tribunal Federal de Recursos, com sede na Capital da
União e jurisdição em todo o território nacional, compõe-se de
vinte e sete Ministros vitalícios, nomeados pelo Presidente da Re-
pública, após aprovada a escolha pelo Senado Federal, salvo
quanto à dos Juízes Federais, sendo quinze dentre Juízes Fede-
rais, indicados em lista tríplice pelo próprio Tribunal; quatro dentre
membros do Ministério Público Federal; quatro dentre advogados
maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e de repu-
tação ilibada; e quatro dentre magistrados ou membros do Ministé-
rio Público dos Estados e do Distrito Federal.
Art. 5º - Os Juízes Federais serão nomeados pelo Presidente da
República, escolhidos, sempre que possível, em lista tríplice, or-
ganizada pelo Tribunal Federal de Recursos, dentre os candidatos
com idade superior a vinte e cinco anos, de reconhecida idoneida-
de moral, aprovados em concurso público de provas e títulos, além
da satisfação de outros requisitos especificados em lei.
§ 1º - Cada Estado, bem como o Distrito Federal, constitui uma
Seção Judiciária, que tem por sede a respectiva Capital, e Varas
localizadas segundo o estabelecido em lei.
§ 2º - Nos Territórios do Amapá, Roraima e Rondônia, a jurisdição
e as atribuições cometidas aos Juízes Federais caberão aos juízes
da Justiça local, na forma que a lei dispuser. O Território de Fer-
nando de Noronha está compreendido na Seção Judiciária do
Estado de Pernambuco.
Art. 6º - O Superior Tribunal Militar, com sede na Capital da União
e jurisdição em todo o território nacional, compõe-se de quinze
Ministros vitalícios, nomeados pelo Presidente da República, de-
pois de aprovada a escolha pelo Senado Federal, sendo três den-
tre Oficiais-Generais da Marinha, quatro dentre Oficiais-Generais
do Exército e três dentre Oficiais-Generais da Aeronáutica, todos
da ativa, e cinco dentre civis, maiores de trinta e cinco anos, dos
quais três cidadãos de notório saber jurídico e idoneidade moral,
368
Formação Humanística
369
§ 1º - A lei pode outorgar a outros Juízes competência para fun-
ções não decisórias.
§ 2º - Para a apuração de eleições, constituir-se-ão Juntas Eleito-
rais, presididas por Juízes de Direito, e cujos membros, indicados
conforme dispuser a legislação eleitoral, serão aprovados pelo
Tribunal Regional Eleitoral e nomeados pelo seu Presidente.
Art. 12 - O Tribunal Superior do Trabalho, com sede na Capital da
União e jurisdição em todo o território nacional, compõe-se de
dezessete Ministros, nomeados pelo Presidente da República,
onze dos quais, togados e vitalícios, depois de aprovada a escolha
pelo Senado Federal, sendo sete dentre magistrados da Justiça do
Trabalho, dois dentre advogados no exercício efetivo da profissão,
e dois dentre membros do Ministério Público da Justiça do Traba-
lho, maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e
reputação ilibada, e seis classistas e temporários, em representa-
ção paritária dos empregadores e dos trabalhadores, de conformi-
dade com a lei, e vedada a recondução por mais de dois períodos
de três anos.
Art. 13 - Os Tribunais Regionais do Trabalho, com sede, jurisdição
e número definidos em lei, compõe-se de dois terços de Juízes
togados e vitalícios e um terço de Juízes classistas e temporários,
todos nomeados pelo Presidente da República, observada, quanto
aos Juízes togados, a proporcionalidade fixada no art. 12 relativa-
mente aos Juízes de carreira, advogados e membros do Ministério
Público da Justiça do Trabalho e, em relação aos Juízes classis-
tas, a proibição constante da parte final do artigo anterior.
Art. 14 - As Juntas de Conciliação e Julgamento têm a sede, a
jurisdição e a composição definidas em lei, assegurada a paridade
de representação entre empregadores e trabalhadores, inadmitida
a recondução dos representantes classistas por mais de dois perí-
odos de três anos.
370
Formação Humanística
371
§ 3º - Os Juízes de Direito e os Juízes substitutos têm a sede, a
jurisdição e a competência fixadas em lei.
§ 4º - Poderão os Estados instituir, mediante proposta do respecti-
vo Tribunal de Justiça, ou órgão especial, Juízes togados, com
investidura limitada no tempo e competência para o julgamento de
causas de pequeno valor e crimes a que não seja cominada pena
de reclusão, bem como para a substituição dos Juízes vitalícios.
§ 5º - Podem, ainda, os Estados criar Justiça de Paz temporária,
compete para o processo de habilitação e celebração de casa-
mento.
Art. 18 - São órgãos da Justiça Militar estadual os Tribunais de
Justiça e os Conselhos de Justiça, cujas composição, organização
e competência são definidos na Constituição e na lei.
Parágrafo único - Nos Estados de Minas, Paraná, Rio Grande do
Sul e São Paulo, a segunda instância da Justiça Militar estadual é
constituída rolo respectivo Tribunal Militar, integrado por oficiais do
mais alto posto da Polícia Militar e por civis, sempre em número
ímpar, excedendo os primeiros aos segundos em uma unidade.
Art. 19 - O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios,
com sede na Capital da União, tem a composição, a organização e
a competência estabelecidas em lei.
Art. 20 - Os Juízes de Direito e os Juízes substitutos da Justiça do
Distrito Federal e dos Territórios, vitalícios após dois anos de e-
xercício, investido mediante concurso público de provas e títulos, e
os Juízes togados temporários, todos nomeados pelo Presidente
da República, têm a sede, a jurisdição e a competência prescritas
em lei.
CAPÍTULO II
Dos Tribunais
Art. 21 - Compete aos Tribunais, privativamente:
372
Formação Humanística
CAPÍTULO III
Dos Magistrados
Art. 22 - São vitalícios:
I - a partir da posse:
a) os Ministros do Supremo Tribunal Federal;
b) os Ministros do Tribunal Federal de Recursos;
c) os Ministros do Superior Tribunal Militar;
d) os Ministros e Juízes togados do Tribunal Superior do Trabalho
e dos Tribunais Regionais do Trabalho;
373
e) os Desembargadores, os Juízes dos Tribunais de Alçada e dos
Tribunais de segunda instância da Justiça Militar dos Estados;
(Redação dada pela Lei Complementar nº 37, de 13.11.1979)
II - após dois anos de exercício:
a) os Juízes Federais;
b) os Juízes Auditores e Juízes Auditores substitutos da Justiça
Militar da União;
c) os Juízes do Trabalho Presidentes de Junta de Conciliação e
Julgamento e os Juízes do Trabalho Substitutos;
d) os Juízes de Direito e os Juízes substitutos da Justiça dos Es-
tados, do Distrito Federal e dos Territórios, bem assim os Juízes
Auditores da Justiça Militar dos Estados. (Redação dada pela Lei
Complementar nº 37, de 13.11.1979)
§ 1º - Os Juízes mencionados no inciso II deste artigo, mesmo que
não hajam adquirido a vitaliciedade, não poderão perder o cargo
senão por proposta do Tribunal ou do órgão especial competente,
adotada pelo voto de dois terços de seus membros efetivos. (Re-
dação dada pela Lei Complementar nº 37, de 13.11.1979)
§ 2º - Os Juízes a que se refere o inciso Il deste artigo, mesmo
que não hajam adquirido a vitaliciedade, poderão praticar todos os
atos reservados por lei aos Juízes vitalícios. (Redação dada pela
Lei Complementar nº 37, de 13.11.1979)
Art. 23 - Os Juízes e membros de Tribunais e Juntas Eleitorais, no
exercício de suas funções e no que lhes for aplicável, gozarão de
plenas garantias e serão inamovíveis.
Art. 24 - O Juiz togado, de investidura temporária (art. 17, § 4º),
poderá ser demitido, em caso de falta grave, por proposta do Tri-
bunal ou do órgão especial, adotado pelo voto de dois terços de
seus membros efetivos.
Parágrafo único - O quorum de dois terços de membros efetivos
do Tribunal, ou de seu órgão especial, será apurado em relação
374
Formação Humanística
375
Art. 27 - O procedimento para a decretação da perda do cargo terá
início por determinação do Tribunal, ou do seu órgão especial, a
que pertença ou esteja subordinado o magistrado, de ofício ou
mediante representação fundamentada do Poder Executivo ou
Legislativo, do Ministério Público ou do Conselho Federal ou Se-
cional da Ordem dos Advogados do Brasil.
§ 1º - Em qualquer hipótese, a instauração do processo preceder-
se-á da defesa prévia do magistrado, no prazo de quinze dias,
contado da entrega da cópia do teor da acusação e das provas
existentes, que lhe remeterá o Presidente do Tribunal, mediante
ofício, nas quarenta e oito horas imediatamente seguintes à apre-
sentação da acusação.
§ 2º - Findo o prazo da defesa prévia, haja ou não sido apresenta-
da, o Presidente, no dia útil imediato, convocará o Tribunal ou o
seu órgão especial para que, em sessão secreta, decida sobre a
instauração do processo, e, caso determinada esta, no mesmo dia
distribuirá o feito e fará entregá-lo ao relator.
§ 3º - O Tribunal ou o seu órgão especial, na sessão em que or-
denar a instauração do processo, como no curso dele, poderá
afastar o magistrado do exercício das suas funções, sem prejuízo
dos vencimentos e das vantagens, até a decisão final.
§ 4º - As provas requeridas e deferidas, bem como as que o rela-
tor determinar de ofício, serão produzidas no prazo de vinte dias,
cientes o Ministério Público, o magistrado ou o procurador por ele
constituído, a fim de que possam delas participar.
§ 5º - Finda a instrução, o Ministério Público e o magistrado ou seu
procurador terão, sucessivamente, vista dos autos por dez dias,
para razões.
§ 6º - O julgamento será realizado em sessão secreta do Tribunal
ou de seu órgão especial, depois de relatório oral, e a decisão no
sentido da penalização do magistrado só será tomada pelo voto de
dois terços dos membros do colegiado, em escrutínio secreto.
376
Formação Humanística
377
CAPÍTULO II
Das Prerrogativas do Magistrado
Art. 33 - São prerrogativas do magistrado:
I - ser ouvido como testemunha em dia, hora e locais previamente
ajustados com a autoridade ou Juiz de instância igual ou inferior;
II - não ser preso senão por ordem escrita do Tribunal ou do órgão
especial competente para o julgamento, salvo em flagrante de
crime inafiançável, caso em que a autoridade fará imediata comu-
nicação e apresentação do magistrado ao Presidente do Tribunal
a que esteja vinculado (vetado);
III - ser recolhido à prisão especial, ou a sala especial de Estado-
Maior, por ordem e à disposição do Tribunal ou do órgão especial
competente, quando sujeito a prisão antes do julgamento final;
IV - não estar sujeito a notificação ou a intimação para compare-
cimento, salvo se expedida por autoridade judicial;
V - portar arma de defesa pessoal.
Parágrafo único - Quando, no curso de investigação, houver indí-
cio da prática de crime por parte do magistrado, a autoridade poli-
cial, civil ou militar, remeterá os respectivos autos ao Tribunal ou
órgão especial competente para o julgamento, a fim de que pros-
siga na investigação.
Art. 34 - Os membros do Supremo Tribunal Federal, do Tribunal
Federal de Recursos, do Superior Tribunal Militar, do Tribunal
Superior Eleitoral e do Tribunal Superior do Trabalho têm o título
de Ministro; os dos Tribunais de Justiça, o de Desembargador;
sendo o de Juiz privativo dos outros Tribunais e da Magistratura
de primeira instância.
378
Formação Humanística
TÍTULO III
Da Disciplina Judiciária
CAPÍTULO I
Dos Deveres do Magistrado
Art. 35 - São deveres do magistrado:
I - Cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exa-
tidão, as disposições legais e os atos de ofício;
II - não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar ou
despachar;
III - determinar as providências necessárias para que os atos pro-
cessuais se realizem nos prazos legais;
IV - tratar com urbanidade as partes, os membros do Ministério
Público, os advogados, as testemunhas, os funcionários e auxilia-
res da Justiça, e atender aos que o procurarem, a qualquer mo-
mento, quanto se trate de providência que reclame e possibilite
solução de urgência.
V - residir na sede da Comarca salvo autorização do órgão disci-
plinar a que estiver subordinado;
VI - comparecer pontualmente à hora de iniciar-se o expediente ou
a sessão, e não se ausentar injustificadamente antes de seu tér-
mino;
VII - exercer assídua fiscalização sobre os subordinados, especi-
almente no que se refere à cobrança de custas e emolumentos,
embora não haja reclamação das partes;
VIII - manter conduta irrepreensível na vida pública e particular.
Art. 36 - É vedado ao magistrado:
I - exercer o comércio ou participar de sociedade comercial, inclu-
sive de economia mista, exceto como acionista ou quotista;
379
II - exercer cargo de direção ou técnico de sociedade civil, associ-
ação ou fundação, de qualquer natureza ou finalidade, salvo de
associação de classe, e sem remuneração;
III - manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre
processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo
depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos
judiciais ressalvados a crítica nos autos e em obras técnicas ou no
exercício do magistério.
Parágrafo único - (Vetado.)
Art. 37 - Os Tribunais farão publicar, mensalmente, no órgão ofici-
al, dados estatísticos sobre seus trabalhos no mês anterior, entre
os quais: o número de votos que cada um de seus membros, no-
minalmente indicado, proferiu como relator e revisor; o número de
feitos que lhe foram distribuídos no mesmo período; o número de
processos que recebeu em consequência de pedido de vista ou
como revisor; a relação dos feitos que lhe foram conclusos para
voto, despacho, lavratura de acórdão, ainda não devolvidos, em-
bora decorridos os prazos legais, com as datas das respectivas
conclusões.
Parágrafo único - Compete ao Presidente do Tribunal velar pela
regularidade e pela exatidão das publicações.
Art. 38 - Sempre que, encerrada a sessão, restarem em pauta ou
em mesa mais de vinte feitos sem julgamento, o Presidente fará
realizar uma ou mais sessões extraordinárias, destinadas ao jul-
gamento daqueles processos.
Art. 39 - Os juízes remeterão, até o dia dez de cada mês, ao órgão
corregedor competente de segunda instância, informação a respei-
to dos feitos em seu poder, cujos prazos para despacho ou deci-
são hajam sido excedidos, bem como indicação do número de
sentenças proferidas no mês anterior.
380
Formação Humanística
CAPÍTULO II
Das Penalidades
Art. 40 - A atividade censória de Tribunais e Conselhos é exercida
com o resguardo devido à dignidade e à independência do magis-
trado.
Art. 41 - Salvo os casos de impropriedade ou excesso de lingua-
gem o magistrado não pode ser punido ou prejudicado pelas opi-
niões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir.
Art. 42 - São penas disciplinares:
I - advertência;
II - censura;
III - remoção compulsória;
IV - disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de
serviço;
V - aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais ao
tempo de serviço;
VI - demissão.
Parágrafo único - As penas de advertência e de censura somente
são aplicáveis aos Juízes de primeira instância.
Art. 43 - A pena de advertência aplicar-se-á reservadamente, por
escrito, no caso de negligência no cumprimento dos deveres do
cargo.
Art. 44 - A pena de censura será aplicada reservadamente, por
escrito, no caso de reiterada negligência no cumprimento dos de-
veres do cargo, ou no de procedimento incorreto, se a infração
não justificar punição mais grave.
Parágrafo único - O Juiz punido com a pena de censura não pode-
rá figurar em lista de promoção por merecimento pelo prazo de um
ano, contado da imposição da pena.
381
Art. 45 - O Tribunal ou seu órgão especial poderá determinar, por
motivo de interesse público, em escrutínio secreto e pelo voto de
dois terços de seus membros efetivos:
I - a remoção de Juiz de instância inferior;
II - a disponibilidade de membro do próprio Tribunal ou de Juiz de
instância inferior, com vencimentos proporcionais ao tempo de
serviço.
Art. 46 - O procedimento para a decretação da remoção ou dispo-
nibilidade de magistrado obedecerá ao prescrito no art. 27 desta
Lei.
Art. 47 - A pena de demissão será aplicada:
I - aos magistrados vitalícios, nos casos previstos no art. 26, I e Il;
II - aos Juízes nomeados mediante concurso de provas e títulos,
enquanto não adquirirem a vitaliciedade, e aos Juízes togados
temporários, em caso de falta grave, inclusive nas hipóteses pre-
vistas no art. 56.
Art. 48 - Os Regimentos Internos dos Tribunais estabelecerão o
procedimento para a apuração de faltas puníveis com advertência
ou censura.
CAPÍTULO III
Da Responsabilidade Civil do Magistrado
Art. 49 - Responderá por perdas e danos o magistrado, quando:
I - no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude;
Il - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que
deva ordenar o ofício, ou a requerimento das partes.
Parágrafo único - Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas
no inciso II somente depois que a parte, por intermédio do Escri-
vão, requerer ao magistrado que determine a providência, e este
não lhe atender ao pedido dentro de dez dias.
382
Formação Humanística
CAPÍTULO IV
Do Conselho Nacional da Magistratura
Art. 50 - Ao Conselho Nacional da Magistratura cabe conhecer de
reclamações contra membros de Tribunais, podendo avocar pro-
cessos disciplinares contra Juízes de primeira instância e, em
qualquer caso, determinar a disponibilidade ou a aposentadoria de
uns e outros, com vencimentos proporcionais ao tempo de Servi-
ço.
Art. 51 - Ressalvado o poder de avocação, a que se refere o artigo
anterior, o exercício das atribuições específicas do Conselho Na-
cional da Magistratura não prejudica a competência disciplinar dos
Tribunais, estabelecida em lei, nem interfere nela.
Art. 52 - A reclamação contra membro de Tribunal será formulada
em petição, devidamente fundamentada e acompanhada de ele-
mentos comprobatórios das alegações.
§ 1º - A petição a que se refere este artigo deve ter firma reconhe-
cida, sob pena de arquivamento liminar, salvo se assinada pelo
Procurador-Geral da República, pelo Presidente do Conselho Fe-
deral ou Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil ou pelo
Procurador-Geral da Justiça do Estado.
§ 2º - Distribuída a reclamação, poderá o relator, desde logo, pro-
por ao Conselho o arquivamento, se considerar manifesta a sua
improcedência.
§ 3º - Caso o relator não use da faculdade, prevista no parágrafo
anterior mandará ouvir o reclamado, no prazo de quinze dias, a fim
de que, por si ou por procurador, alegue, querendo, o que enten-
der conveniente a bem de seu direito.
§ 4º - Com a resposta do reclamado, ou sem ela, deliberará o
Conselho sobre o arquivamento ou a conveniência de melhor ins-
trução do processo, fixando prazo para a produção de provas e
para as diligências que determinar.
383
§ 5º - Se desnecessárias outras provas ou diligências, e se o Con-
selho não concluir pelo arquivamento da reclamação, abrir-se-á
vista para alegações, sucessivamente, pelo prazo de dez dias, ao
reclamado, ou a seu advogado, e ao Procurador-Geral da Repú-
blica.
§ 6º - O julgamento será realizado em sessão secreta do Conse-
lho, com a presença de todos os seus membros, publicando-se
somente a conclusão do acórdão.
§ 7º - Em todos os atos e termos do processo, poderá o reclamado
fazer-se acompanhar ou representar por advogado, devendo o
Procurador-Geral da República oficiará neles como fiscal da lei.
Art. 53 - A avocação de processo disciplinar contra Juiz de instân-
cia inferior dar-se-á mediante representação fundamentada do
Procurador-Geral da República, do Presidente do Conselho Fede-
ral ou Secional da Ordem dos Advogados do Brasil ou do Procu-
rador-Geral da Justiça do Estado, oferecida dentro de sessenta
dias da ciência da decisão disciplinar final do órgão, a que estiver
sujeito o Juiz, ou, a qualquer tempo, se, decorridos mais de três
meses do início do processo, não houver sido proferido o julga-
mento.
§ 1º - Distribuída a representação, mandará o relator ouvir, em
quinze dias, o Juiz e o órgão disciplinar que proferiu a decisão que
deveria havê-la proferido.
§ 2º - Findo o prazo de quinze dias, com ou sem as informações,
deliberará o Conselho Nacional da Magistratura sobre o arquiva-
mento da representação ou avocação do processo, procedendo-se
neste caso, na conformidade do §§ 4º a 7º do artigo anterior.
Art. 54 - O processo e o julgamento das representações e recla-
mações serão sigilosos, para resguardar a dignidade do magistra-
do, sem prejuízo de poder o relator delegar a instrução a Juiz de
posição funcional igual ou superior à do indiciado.
384
Formação Humanística
385
§ 4º - O aproveitamento de magistrado posto em disponibilidade
nos termos do item IV do art. 42 e do item Il do art. 45, observará
as normas dos parágrafos deste artigo.
Art. 58 - A aplicação da pena de disponibilidade ou aposentadoria
será imediatamente comunicada ao Presidente do Tribunal a que
pertencer ou a que estiver sujeito o magistrado, para imediato
afastamento das suas funções. Igual comunicação far-se-á ao
Chefe do Poder Executivo competente, a fim de que formalize o
ato de declaração da disponibilidade ou aposentadoria do magis-
trado.
Art. 59 - O Conselho Nacional da Magistratura, se considerar exis-
tente crime de ação pública, pelo que constar de reclamação ou
representação, remeterá ao Ministério Público cópia das peças
que entender necessárias ao oferecimento da denúncia ou à ins-
tauração de inquérito policial.
Art. 60 - O Conselho Nacional da Magistratura estabelecerá, em
seu Regimento Interno, disposições complementares das constan-
tes deste Capítulo.
TÍTULO IV
Dos Vencimentos, Vantagens e Direitos dos Magistrados
CAPÍTULO I
Dos Vencimentos e Vantagens Pecuniárias
Art. 61 - Os vencimentos dos magistrados são fixados em lei, em
valor certo, atendido o que estatui o art. 32, parágrafo único.
Parágrafo único. À Magistratura de primeira instância da União
assegurar-se-ão vencimentos não inferiores a dois terços dos va-
lores fixados para os memros de segunda instância respectiva,
assegurados aos Ministros do Supremo Tribunal Federal venci-
mentos pelo menos iguais aos dos Ministros de Estado, e garanti-
386
Formação Humanística
387
Art. 65 - Além dos vencimentos, poderão ser outorgadas aos ma-
gistrados, nos termos da lei, as seguintes vantagens:
I - ajuda de custo, para despesas de transporte e mudança;
II - ajuda de custo, para moradia, nas localidades em que não
houver residência oficial à disposição do Magistrado. (Redação
dada pela Lei nº 54, de 22.12.1986)
III - salário-família;
IV - diárias;
V - representação;
VI - gratificação pela prestação de serviço à Justiça Eleitoral;
VII - gratificação pela prestação de serviço à Justiça do Trabalho,
nas Comarcas onde não forem instituídas Juntas de Conciliação e
Julgamento;
VIII - gratificação adicional de cinco por cento por qüinqüênio de
serviço, até o máximo de sete;
IX - gratificação de magistério, por aula proferida em curso oficial
de preparação para a Magistratura ou em Escola Oficial de Aper-
feiçoamento de Magistrados (arts. 78, § 1º, e 87, § 1º), exceto
quando receba remuneração específica para esta atividade;
X - gratificação pelo efetivo exercício em Comarca de difícil provi-
mento, assim definida e indicada em lei.
§ 1º - A verba de representação, salvo quando concedida em ra-
zão do exercício de cargo em função temporária, integra os ven-
cimentos para todos os efeitos legais.
§ 2º - É vedada a concessão de adicionais ou vantagens pecuniá-
rias não previstas na presente Lei, bem como em bases e limites
superiores aos nela fixados.
388
Formação Humanística
CAPÍTULO II
Das Férias
Art. 66 - Os magistrados terão direito a férias anuais, por sessenta
dias, coletivas ou individuais.
§ 1º - Os membros dos Tribunais, salvo os dos Tribunais Regio-
nais do Trabalho, que terão férias individuais, gozarão de férias
coletivas, nos períodos de 2 a 31 de janeiro e de 2 a 31 de julho.
Os Juízes de primeiro grau gozarão de férias coletivas ou indivi-
duais, conforme dispuser a lei.
§ 2º - Os Tribunais iniciarão e encerrarão seus trabalhos, respecti-
vamente, nos primeiro e último dias úteis de cada período, com a
realização de sessão.
Art. 67 - Se a necessidade do serviço judiciário lhes exigir a contí-
nua presença nos Tribunais gozarão de trinta dias consecutivos de
férias individuais, por semestre:
I - os Presidentes e Vice-Presidentes dos Tribunais;
II - os Corregedores;
III - os Juízes das Turmas ou Câmaras de férias.
§ 1º - As férias individuais não podem fracionar-se em períodos
inferiores a trinta dias, e somente podem acumular-se por imperio-
sa necessidade do serviço e pelo máximo de dois meses.
§ 2º - É vedado o afastamento do Tribunal ou de qualquer de seus
órgãos judicantes, em gozo de férias individuais, no mesmo perío-
do, de Juízes em número que possa comprometer o quorum de
julgamento.
§ 3º - As Turmas ou Câmaras de férias terão a composição e
competência estabelecidas no Regimento Interno do Tribunal.
Art. 68 - Durante as férias coletivas, nos Tribunais em que não
houver Turma ou Câmara de férias, poderá o Presidente, ou seu
389
substituto legal, decidir de pedidos de liminar em mandado de
segurança, determinar liberdade provisória ou sustação de ordem
de prisão, e demais medidas que reclamam urgência.
CAPÍTULO III
Das Licenças
Art. 69 - Conceder-se-á licença:
I - para tratamento de saúde;
II - por motivo de doença em pessoa da família;
III - para repouso à gestante;
IV - (Vetado.)
Art. 70 - A licença para tratamento de saúde por prazo superior a
trinta dias, bem como as prorrogações que importem em licença
por período ininterrupto, também superior a trinta dia, dependem
de inspeção por Junta Médica.
Art. 71 - O magistrado licenciado não pode exercer qualquer das
suas funções jurisdicionais ou administrativas, nem exercitar qual-
quer função pública ou particular (vetado).
§ 1º - Os períodos de licenças concedidos aos magistrados não
terão limites inferiores aos reconhecidos por lei ao funcionalismo
da mesma pessoa de direito público. (Redação dada pela Lei
Complementar nº 37, de 13.11.1979)
§ 2º - Salvo contra-indicação médica, o magistrado licenciado po-
derá proferir decisões em processos que, antes da licença, lhe
hajam sido conclusos para julgamento ou tenham recebido o seu
visto como relator ou revisor. (Redação dada pela Lei Complemen-
tar nº 37, de 13.11.1979)
390
Formação Humanística
CAPÍTULO IV
Das Concessões
Art. 72 - Sem prejuízo do vencimento, remuneração ou de qual-
quer direito ou vantagem legal, o magistrado poderá afastar-se de
suas funções até oito dias consecutivos por motivo de:
I - casamento;
II - falecimento de cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.
Art. 73 - Conceder-se-á afastamento ao magistrado, sem prejuízo
de seus vencimentos e vantagens:
I - para freqüência a cursos ou seminários de aperfeiçoamento e
estudos, a critério do Tribunal ou de seu órgão especial, pelo pra-
zo máximo de dois anos; (Redação dada pela Lei Complementar
nº 37, de 13.11.1979)
II - para a prestação de serviços, exclusivamente à Justiça Eleito-
ral.
III - para exercer a presidência de associação de classe. (Inciso
incluído pela Lei Complementar nº 60, de 6.10.1989)
CAPÍTULO V
Da Aposentadoria
Art. 74 - A aposentadoria dos magistrados vitalícios será compul-
sória, aos setenta anos de idade ou por invalidez comprovada, e
facultativa, após trinta anos de serviço público, com vencimentos
integrais, ressalvado o disposto nos arts. 50 e 56.
Parágrafo único - Lei ordinária disporá sobre a aposentadoria dos
Juízes temporários de qualquer instância.
Art. 75 - Os proveitos da aposentadoria serão reajustados na
mesma proporção dos aumentos de vencimentos concedidos, a
qualquer título, aos magistrados em atividade.
391
Art. 76 - Os Tribunais disciplinarão, nos Regimentos Internos, o
processo de verificação da invalidez do magistrado para o fim de
aposentadoria, com observância dos seguintes requisitos:
I - o processo terá início a requerimento do magistrado, por ordem
do Presidente do Tribunal, de ofício, em cumprimento de delibera-
ção do Tribunal ou seu órgão especial ou por provocação da Cor-
regedoria de Justiça;
II - tratando-se de incapacidade mental, o Presidente do Tribunal
nomeará curador ao paciente, sem prejuízo da defesa que este
queira oferecer pessoalmente, ou por procurador que constituir;
III - o paciente deverá ser afastado, desde logo, do exercício do
cargo, até final decisão, devendo ficar concluído o processo no
prazo de sessenta dias;
IV - a recusa do paciente em submeter-se a perícia médica permi-
tirá o julgamento baseado em quaisquer outras provas;
V - o magistrado que, por dois anos consecutivos, afastar-se, ao
todo, por seis meses ou mais para tratamento de saúde, deverá
submeter-se, ao requerer nova licença para igual fim, dentro de
dois anos, a exame para verificação de invalidez;
VI - se o Tribunal ou seu órgão especial concluir pela incapacidade
do magistrado, comunicará imediatamente a decisão ao Poder
Executivo, para os devidos fins.
Art. 77 - computar-se-á, para efeito de aposentadoria e disponibili-
dade, o tempo de exercício da advocacia, até o máximo de quinze
anos, em favor dos Ministros do Supremo Tribunal Federal e dos
membros dos demais Tribunais que tenham sido nomeados para
os lugares reservados a advogados, nos termos da Constituição
federal.
392
Formação Humanística
TÍTULO V
Da Magistratura de Carreira
CAPÍTULO I
Do Ingresso
Art. 78 - O ingresso na Magistratura de carreira dar-se-á mediante
nomeação, após concurso público de provas e títulos, organizado
e realizado com a participação do Conselho Secional da Ordem
dos Advogados do Brasil.
§ 1º - A lei pode exigir dos candidatos, para a inscrição no concur-
so, título de habilitação em curso oficial de preparação para a Ma-
gistratura.
§ 2º - Os candidatos serão submetidos a investigação relativa aos
aspectos moral e social, e a exame de sanidade física e mental,
conforme dispuser a lei.
§ 3º - Serão indicados para nomeação, pela ordem de classifica-
ção, candidatos em número correspondente às vagas, mais dois,
para cada vaga, sempre que possível.
Art. 79 - O Juiz, no ato da posse, deverá apresentar a declaração
pública de seus bens, e prestará o compromisso de desempenhar
com retidão as funções do cargo, cumprindo a Constituição e as
leis.
CAPÍTULO II
Da Promoção, da Remoção e do Acesso
Art. 80 - A lei regulará o processo de promoção, prescrevendo a
observância dos critérios ele antigüidade e de merecimento, alter-
nadamente, e o da indicação dos candidatos à promoção por me-
recimento, em lista tríplice, sempre que possível.
§ 1º - Na Justiça dos Estados:
I - apurar-se-ão na entrância a antigüidade e o merecimento, este
em lista tríplice, sendo obrigatória a promoção do Juiz que figurar
pela quinta vez consecutiva em lista de merecimento; havendo
393
empate na antigüidade, terá precedência o Juiz mais antigo na
carreira;
II - para efeito da composição da lista tríplice, o merecimento será
apurado na entrância e aferido com prevalência de critérios de
ordem objetiva, na forma do Regulamento baixado pelo Tribunal
de Justiça, tendo-se em conta a conduta do Juiz, sua operosidade
no exercício do cargo, número de vezes que tenha figurado na
lista, tanto para entrância a prover, como para as anteriores, bem
como o aproveitamento em cursos de aperfeiçoamento;
III - no caso de antigüidade, o Tribunal de Justiça, ou seu órgão
especial, somente poderá recusar o Juiz mais antigo pelo voto da
maioria absoluta do seus membros, repetindo-se a votação até
fixar-se a indicação;
IV - somente após dois anos de exercício na entrância, poderá o
Juiz ser promovido, salvo se não houver, com tal requisito, quem
aceite o lugar vago, ou se forem recusados, pela maioria absoluta
dos membros do Tribunal de Justiça, ou de seu órgão especial,
candidatos que hajam completado o período.
§ 2º - Aplica-se, no que couber, aos Juízes togados da Justiça do
Trabalho, o disposto no parágrafo anterior.
Art. 81 - Na Magistratura de carreira dos Estados, ao provimento
inicial e à promoção por merecimento precederá a remoção.
§ 1º - A remoção far-se-á mediante escolha pelo Poder Executivo,
sempre que possível, de nome constante de lista tríplice, organi-
zada pelo Tribunal de Justiça e contendo os nomes dos candida-
tos com mais de dois anos de efetivo exercício na entrância.
§ 2º - A juízo do Tribunal de Justiça, ou de seu órgão especial,
poderá, ainda, ser provida, pelo mesmo critério fixado no parágra-
fo anterior vaga decorrente de remoção, destinando-se a seguinte,
obrigatoriamente, ao provimento por promoção.
394
Formação Humanística
395
§ 2º - O disposto no parágrafo anterior aplica-se ao acesso dos
Juízes Federais ao Tribunal Federal de Recursos.
Art. 88 - Nas promoções ou acessos, havendo mais de uma vaga
a ser preenchida por merecimento, a lista conterá, se possível,
número de magistrados igual ao das vagas mais dois para cada
uma delas.
TÍTULO VI
Do Tribunal Federal de Recursos
CAPÍTULO ÚNICO
Art. 89 - O Tribunal Federal de Recursos funciona:
I - em Tribunal Pleno;
II - em Seções de Turmas especializadas;
III - em Turmas especializadas.
§ 1º - Compete ao Tribunal Pleno processar e julgar:
a) os Juízes Federais, os Juízes dos Tribunais Regionais do Tra-
balho e os da primeira instância da Justiça do Trabalho, bem como
os membros dos Tribunais de Conta dos Estados e do Distrito
Federal e os do Ministério Público da União, nos crimes comuns e
nos de responsabilidade;
b) os mandados de segurança e habeas corpus contra ato de Mi-
nistro de Estado, do Diretor-Geral da Polícia Federal, do Presiden-
te do próprio Tribunal ou de suas Turmas ou Seções;
c) os conflitos de jurisdição entre as Seções;
d) as revisões criminais e ações rescisórias de seus próprios jul-
gados.
§ 2º - Compete, ainda, ao Tribunal Pleno:
a) uniformizar a jurisprudência em caso de divergência na interpre-
tação do direito entre as Seções;
396
Formação Humanística
397
§ 7º - O Presidente, o Vice-Presidente e o Corregedor-Geral da
Justiça Federal não integrarão Turma, podendo a ela comparecer
para julgar feitos a que estejam vinculados.
Art. 90 - O Regulamento Interno disporá sobre as áreas de espe-
cialização do Tribunal Federal de Recursos e o número de Turmas
especializadas de cada uma das Seções bem assim sobre a forma
de distribuição dos processos.
§ 1º - Com finalidade de abreviar o julgamento, o Regimento Inter-
no poderá também prever casos em que será dispensada a re-
messa do feito ao revisor, desde que o recurso verse matéria pre-
dominantemente de direito.
§ 2º - O relator julgará pedido ou recurso que manifestamente haja
perdido objeto, bem assim, mandará arquivar ou negará segui-
mento a pedido ou recurso manifestamente intempestivo ou inca-
bível ou, ainda, que contrariar as questões predominantemente de
direito, súmula do Tribunal ou do Supremo Tribunal Federal. Deste
despacho caberá agravo, em cinco dias, para o órgão do Tribunal
competente, para o julgamento do pedido ou recurso, que será
julgado na primeira sessão seguinte, não participando o relator da
votação.
TÍTULO VII
Da Justiça do Trabalho
CAPÍTULO ÚNICO
Art. 91 - Os cargos da Magistratura do Trabalho são os seguintes:
I - Ministro do Tribunal Superior do Trabalho;
II - Juiz do Tribunal Regional do Trabalho;
III - Juiz do Trabalho Presidente de Junta de Conciliação e Julga-
mento;
IV - Juiz do Trabalho substituto.
398
Formação Humanística
399
IV - a receita tributária;
V - o movimento forense.
§ 1º - Os critérios a serem fixados, conforme previsto no caput
deste artigo, deverão orientar, conforme índices também estabele-
cidos em lei estadual, o desdobramento de Juízos ou a criação de
novas Varas, nas Comarcas de maior importância.
§ 2º - Os índices mínimos estabelecidos em lei poderão ser dis-
pensados, para efeito do disposto no caput deste artigo, em rela-
ção a Municípios com precários meios de comunicação.
Art. 98 - Quando o regular exercício das funções do Poder Judiciá-
rio for impedido por falta de recursos decorrente de injustificada
redução de sua proposta orçamentária, ou pela não-satisfação
oportuna das dotações que lhe correspondam, caberá ao Tribunal
de Justiça, pela maioria absoluta de seus membros, solicitar ao
Supremo Tribunal Federal a intervenção da União no Estado.
CAPÍTULO II
Dos Tribunais de Justiça
Art. 99 - Compõe o órgão especial a que se refere o parágrafo
único do art. 16 o Presidente, o Vice-Presidente do Tribunal de
Justiça e o Corregedor da Justiça, que exercerão nele iguais fun-
ções, os Desembargadores de maior antigüidade no cargo, respei-
tada a representação de advogados e membros do Ministério Pú-
blico, e inadmitida a recusa do encargo.
§ 1º- Na composição do órgão especial observar-se-á, tanto quan-
to possível, a representação, em número paritário, de todas as
Câmaras, Turmas ou Seções especializadas.
§ 2º - Os Desembargadores não integrantes do órgão especial,
observada a ordem decrescente de antigüidade, poderão ser con-
vocados pelo Presidente para substituir os que o componham, nos
casos de afastamento ou impedimento.
400
Formação Humanística
401
três dos seus membros, se maior o número de composição de
umas ou outras.
§ 2º - As Seções especializadas serão integradas, conforme dis-
posto no Regimento Interno, pelas Turmas ou Câmaras da respec-
tiva área de especialização.
§ 3º - A cada uma das Seções caberá processar e julgar:
a) os embargos infringentes ou de divergência das decisões das
Turmas da respectiva área de especialização;
b) os conflitos de jurisdição relativamente às matérias das respec-
tivas áreas de especialização;
c) a uniformização da jurisprudência, quando ocorrer divergência
na interpretação do direito entre as Turmas que a integram;
d) os mandados de segurança contra ato de Juiz de Direito;
c) as revisões criminais e as ações rescisórias dos julgamentos de
primeiro grau, da própria Seção ou das respectivas Turmas.
§ 4º - Cada Câmara, Turma ou Seção especializada funcionará
como Tribunal distinto das demais, cabendo ao Tribunal Pleno, ou
ao seu órgão especial, onde houver, o julgamento dos feitos que,
por lei, excedam a competência de Seção.
Art. 102 - Os Tribunais, pela maioria dos seus membros efetivos,
por votação secreta, elegerão dentre seus Juízes mais antigos, em
número correspondente ao dos cargos de direção, os titulares
destes, com mandato por dois anos, proibida a reeleição. Quem
tiver exercido quaisquer cargos de direção por quatro anos, ou o
de Presidente, não figurará mais entre os elegíveis, até que se
esgotem todos os nomes, na ordem de antigüidade. É obrigatória
a aceitação do cargo, salvo recusa manifestada e aceita antes da
eleição.
Parágrafo único - O disposto neste artigo não se aplica ao Juiz
eleito, para completar período de mandato inferior a um ano.
402
Formação Humanística
403
§ 2º - Se o total de processos judiciais distribuídos no Tribunal de
Justiça, durante o ano anterior, superar índice de seiscentos feitos
por Juiz e não for proposto o aumento de número de Desembar-
gadores, o acúmulo de serviços não excluirá a aplicação das san-
ções previstas nos arts. 56 e 57 desta Lei.
§ 3º - Para efeito do cálculo a que se referem os parágrafos ante-
riores, não serão computados os membros do Tribunal que, pelo
exercício de cargos de direção, não integrarem as Câmaras, Tur-
mas ou Seções, ou que, integrando-as, nelas não servirem como
relator ou revisor.
§ 4º - Elevado o número de membros do Tribunal de Justiça ou
dos Tribunais inferiores de segunda instância, ou neles ocorrendo
vaga, serão previamente aproveitados os em disponibilidade, sal-
vo o disposto no § 2º do art. 202 da Constituição federal e no § 1º
do art. 57 desta Lei, nas vagas reservadas aos magistrados.
§ 5º - No caso do parágrafo anterior, havendo mais de um concor-
rente à mesma vaga, terá preferência o de maior tempo de dispo-
nibilidade, e, sendo este o mesmo, o de maior antigüidade, suces-
sivamente, na substituição e no cargo.
Art. 107 - É vedada a convocação ou designação de Juiz para
exercer cargo ou função nos Tribunais, ressalvada a substituição
ocasional de seus integrantes (art. 118).
CAPÍTULO III
Dos Tribunais de Alçada
Art. 108 - Poderão ser criados nos Estados, mediante proposta
dos respectivos Tribunais de Justiça, Tribunais inferiores de se-
gunda instância, denominados Tribunais de Alçada, observados os
seguintes requisitos:
I - ter o Tribunal de Justiça número de Desembargadores igual ou
superior a trinta;
404
Formação Humanística
405
ou contravenções relativas a tóxicos ou entorpecentes, e a falên-
cia. (Alínea incluída pela Lei Complementar nº 37, de 13.11.1979)
Parágrafo único - Nos Estados em que houver mais de um Tribu-
nal de Alçada, caberá privativamente a um deles, pelo menos,
exercer a competência prevista no inciso IV deste artigo. (Parágra-
fo incluído pela Lei Complementar nº 37, de 13.11.1979)
Art. 109 - Nos casos de conexão ou continência entre ações de
competência do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Alçada, pror-
rogar-se-á a do primeiro, o mesmo ocorrendo quando, em matéria
penal, houver desclassificação para crime de competência do últi-
mo.
Art. 110 - Os Tribunais de Alçada terão jurisdição na totalidade ou
em parte do território do Estado, e sede na Capital ou em cidade
localizada na área de sua jurisdição.
Parágrafo único - Aplica-se, no que couber, aos Tribunais de Alça-
da, o disposto nos arts. 100, caput, §§ 1º, 2º e 5º, 101 e 102.
Art. 111 - Nos Estados com mais de um Tribunal de Alçada é as-
segurado aos seus Juízes o direito de remoção de um para outro
Tribunal, mediante prévia aprovação do Tribunal de Justiça, ob-
servado o quinto constitucional.
CAPÍTULO IV
Da Justiça de Paz
Art. 112 - A Justiça de Paz temporária, criada por lei, mediante
proposta do Tribunal de Justiça, tem competência somente para o
processo de habilitação e a celebração do casamento.
§ 1º - O Juiz de Paz será nomeado pelo Governador, mediante
escolha em lista tríplice, organizada pelo Presidente do Tribunal
de Justiça, ouvido o Juiz de Direito da Comarca, e composta de
eleitores residentes no Distrito, não pertencentes a órgão de dire-
ção ou de ação de Partido Político. Os demais nomes constantes
da lista tríplice serão nomeados primeiro e segundo suplentes.
406
Formação Humanística
407
urgente. Em caso de vaga, ressalvados esses processos, os de-
mais serão atribuídos ao nomeado para preenchê-la.
Art. 117 - Para compor o quorum de julgamento, o magistrado, nos
casos de ausência ou impedimento eventual, será substituído por
outro da mesmo Câmara ou Turma, na ordem de antigüidade, ou,
se impossível, de outra, de preferência da mesma Seção especia-
lizada, na forma prevista no Regimento Interno. Na ausência de
critérios objetivos, a convocação far-se-á mediante sorteio público,
realizado pelo Presidente da Câmara, Turma ou Seção especiali-
zada.
Art. 118. Em caso de vaga ou afastamento, por prazo superior a
30 (trinta) dias, de membro dos Tribunais Superiores, dos Tribu-
nais Regionais, dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais de Alça-
da, (Vetado) poderão ser convocados Juízes, em Substituição
(Vetado) escolhidos (Vetado) por decisão da maioria absoluta do
Tribunal respectivo, ou, se houver, de seu Órgão Especial: (Reda-
ção dada pela Lei Complementar nº 54, de 22.12.1986)
§ 1º - A convocação far-se-á mediante sorteio público dentre:
I - os Juízes Federais, para o Tribunal Federal de Recursos;
II - o Corregedor e Juízes Auditores para a substituição de Ministro
togado do Superior Tribunal Militar;
III - Os Juízes da Comarca da Capital para os Tribunais de Justiça
dos Estados onde não houver Tribunal de Alçada e, onde houver,
dentre os membros deste para os Tribunais de Justiça e dentre os
Juízes da Comarca da sede do Tribunal de Alçada para o mesmo;
IV - os Juízes de Direito do Distrito Federal, para o Tribunal de
Justiça do Distrito Federal e dos Territórios;
V - os Juízes Presidentes de Junta de Conciliação o Julgamento
da sede da Região para os Tribunais Regionais do Trabalho.
408
Formação Humanística
409
de disposição regimental, estejam, na data da publicação desta
Lei, cumprindo mandato de um ano.
Art. 124. O Magistrado que for convocado para substituir, em pri-
meira ou segunda instância, perceberá a diferença de vencimen-
tos correspondentes ao cargo que passa a exercer, inclusive diá-
rias e transporte, se for o caso. (Redação dada pela Lei Comple-
mentar nº 54, de 22.12.1986)
Art. 125 - O Presidente do Tribunal, de comum acordo com o Vice-
Presidente, poderá delegar-lhe atribuições.
Art. 126 - O Conselho da Justiça Federal compõe-se do Presiden-
te e do Vice-Presidente do Tribunal Federal de Recursos, e de
mais três Ministros eleitos pelo Tribunal, com mandato de dois
anos.
Parágrafo único - O Tribunal Federal de Recursos, ao eleger os
três Ministros que integrarão o Conselho, indicará, dentre eles, o
Corregedor-Geral, bem como elegerá os respectivos suplentes.
Art. 127 - Nas Justiças da União, os Estados e do Distrito Federal
e dos Territórios, poderão existir outros órgãos com funções disci-
plinares e de correição, nos termos da lei, ressalvadas as compe-
tências dos previstos nesta.
Art. 128 - Nos Tribunais, não poderão ter assento na mesma Tur-
ma, Câmara ou Seção, cônjuges e parentes consangüíneos ou
afins em linha reta, bem como em linha colateral até o terceiro
grau.
Parágrafo único - Nas sessões do Tribunal Pleno ou órgão que o
substituir, onde houver, o primeiro dos membros mutuamente im-
pedidos, que votar, excluirá a participação do outro no julgamento.
Art. 129 - O magistrado, pelo exercício em órgão disciplinar ou de
correição, nenhuma vantagem pecuniária perceberá, salvo trans-
porte e diária para alimentação e pousada, quando se deslocar de
sua sede.
410
Formação Humanística
411
ainda não providos à data da vigência desta Lei, somente o serão
uma vez satisfeito o requisito constante do art. 106, § 1º.
Art. 138 - Aos Juízes togados, nomeados mediante concurso de
provas e ainda sujeitos a concurso de títulos consoante as legisla-
ções estaduais, computar-se-á, no período de dois anos de está-
gio para aquisição da vitaliciedade, o tempo de exercício anterior a
13 de abril de 1977.
Art. 139 - Dentro de seis meses contados da vigência desta Lei, os
Estados adaptarão sua organização judiciária aos preceitos e aos
constantes da Constituição federal.
§ 1º - Nos Estados em que houver Tribunal de Alçada, os Tribu-
nais de Justiça observarão quanto à competência o disposto no
art. 108, incisos III e IV. (Redação dada pela Lei Complementar nº
37, de 13.11.1979)
§ 2º - Os Tribunais de Justiça e os de Alçada conservarão, residu-
almente, sua competência, para o processo e julgamento dos fei-
tos e recursos que houverem sido entregues, nas respectivas Se-
cretarias, até a data da entrada em vigor da lei estadual de adap-
tação prevista no art. 202 da Constituição, ainda que não tenham
sido registrados ou autuados. (Redação dada pela Lei Comple-
mentar nº 37, de 13.11.1979)
Art. 140 - Vencido o prazo do artigo anterior, ficarão extintos os car-
gos de Juiz substituto de segunda instância, qualquer que seja a sua
denominação, e seus ocupantes, em disponibilidade, com vencimen-
tos integrais até serem aproveitados.
§ 1º - O aproveitamento far-se-á por promoção ao Tribunal de
Justiça ou ao Tribunal de Alçada, conforme o caso, respeitado o
quinto constitucional, alternadamente, pelos critérios de antigüida-
de e merecimento, e, enquanto não foi possível, nas Varas da
Comarca da Capital, de entrância igual à dos ocupantes aos car-
gos extintos.
412
Formação Humanística
413
Art. 143 - O disposto no § 4º do art. 100 não se aplica às vagas
ocorrentes antes da data da entrada em vigor desta Lei.
Art. 144 - (Vetado.)
Parágrafo único - (Vetado.)
Art. 145 - As gratificações e adicionais atualmente atribuídos a
magistrados, não previstos no art. 65, ou excedentes das percen-
tagens e limites nele fixados, ficam extintos e seus valores atuais
passam a ser percebidos como vantagem pessoal inalterável no
seu quantum, a ser absorvida em futuros aumentos ou reajustes
de vencimentos.
Parágrafo único - A absorção a que se refere este artigo não se
aplica ao excesso decorrente do número de qüinqüênios e não
excederá de vinte por cento em cada aumento ou reajuste de ven-
cimento.
Art. 146 - Esta Lei entrará em vigor sessenta dias após sua publi-
cação.
Art. 147 - Revogam-se as disposições em contrário.
Brasília, 14 de março de 1979; 128º da Independência e 91º da
República.
ERNESTO GEISEL
Armando Falcão
414
Formação Humanística
415
artigo 60, §4º, IV. Mas, igualmente, a idéia que percorre todo o texto cons-
titucional é a de que os valores ali defendidos se impõem enquanto impe-
rativos categóricos, na perspectiva kantiana de defesa intransigente de
tudo aquilo que faz parte do patrimônio do ser humano, em uma perspec-
tiva psíquica, física e material, pois há uma idéia de complexidade desses
valores indissociáveis da condição humana. Desta forma, interpretar a
CF/88 é sempre realizar uma interpretação que mais se aproxime da
proteção dos valores do homem, mesmo quando se contraria a vontade
do Estado.
416
Formação Humanística
417
STF acabou por quebrar o equilíbrio previsto no artigo 2º, uma vez que
com a EC n.º 45/04, esta corte passou a reinterpretar a Constituição em
detrimento daquela reserva originária que contemplava fundamentalmente
ao poder legislativo a capacidade legiferante. Para muitos, o poder judici-
ário, através do STF e as súmulas vinculantes, bem como o poder execu-
tivo através da prática das MP suplantaram o poder legislativo, reduzindo-
o em muitos casos a uma mera função e não mais como um poder inde-
pendente.
418
Formação Humanística
419
Sugestão para a resolução da questão: O artigo 97 trata do tema da
reserva de plenário, quer dizer, permite aos tribunais ou aos seus órgãos
plenos decidirem sobre a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo do poder público. Nesse sentido, sua condição procedimental
não se configura como um justo meio aristotélico, mas como um meio
teleológico, conforme pregava Maquiavel, para se alcançar um determi-
nado fim. O justo meio não é um procedimento formal, mas uma condição
que permeia a ação do sujeito humano em si. No caso, o fim, a declara-
ção de inconstitucionalidade é uma decisão política de um órgão a partir
daquilo que lhe foi reservada pela Constituição.
420
Formação Humanística
421
Por outro lado, vale lembrar que “professor” e “mestre” são tí-
tulos exclusivos dos que se dedicam ao magistério, após concluído o
curso de mestrado. Embora a expressão “senhor” confira a desejada
formalidade às comunicações - não é pronome -, e possa até o autor
aspirar distanciamento em relação a qualquer pessoa, afastando inti-
midades, não existe regra legal que imponha obrigação ao empregado
do condomínio a ele assim se referir.
O empregado que se refere ao autor por “você”, pode estar sen-
do cortês, posto que “você” não é pronome depreciativo. Isso é forma-
lidade, decorrente do estilo de fala, sem quebra de hierarquia ou inci-
dência de insubordinação. Fala-se segundo sua classe social. O brasi-
leiro tem tendência na variedade coloquial relaxada, em especial a
classe “semi-culta”, que sequer se importa com isso.
Na verdade “você” é variante - contração da alocução - do tra-
tamento respeitoso “Vossa Mercê”. A professora de linguística Eliana
Pitombo Teixeira ensina que os textos literários que apresentam altas
freqüências do pronome "você", devem ser classificados como for-
mais. Em qualquer lugar desse país, é usual as pessoas serem chama-
das de “seu” ou “dona”, e isso é tratamento formal.
Em recente pesquisa universitária, constatou-se que o simples
uso do nome da pessoa substitui o senhor/a senhora e você quando
usados como prenome, isso porque soa como pejorativo tratamento
diferente. Na edição promovida por Jorge Amado “Crônica de Viver
Baiano Seiscentista”, nos poemas de Gregório de Matos, destacou o
escritor que Miércio Táti anotara que “você” é tratamento cerimonio-
so. (Rio de Janeiro, São Paulo, Record, 1999).
Urge ressaltar que tratamento cerimonioso é reservado a círcu-
los fechados da diplomacia, clero, governo, judiciário e meio acadê-
mico, como já se disse. A própria Presidência da República fez publi-
car Manual de Redação instituindo o protocolo interno entre os demais
Poderes. Mas na relação social não há ritual litúrgico a ser obedecido.
Por isso que se diz que a alternância de “você” e “senhor” traduz-se
422
Formação Humanística
423
jurídicas. Controle social e o Direito. Transformações sociais e o Di-
reito); item 4. (Filosofia do Direito) sub-item 4.1 (Sentido estrito de
Justiça como valor jurídico-político).
424
Formação Humanística
425
4. DIREITO, se consubstancia num conjunto de regras obriga-
tórias para todos viverem em sociedade e sancionadas em caso de
descumprimento.
Historicamente reservado e discreto, na pós-modernidade, o Ju-
iz passou a ser tema recorrente, discutido, cobrado e criticado pela
Sociedade. Ou seja,... Nos últimos anos, a crise do Juiz é atualidade
constante e problema de certa acuidade, que suscita aos protagonistas
vivas reações, comentários apaixonados e verdadeiras polêmicas,
embora o debate não seja recente, nem menor ou secundária a sua
importância. De tal maneira, tais respingos parecem atingir a própria
imagem tradicional da instituição judiciária (op.cit. p.15 e 43).
Nos parâmetros postos discorra entre 10 a 20 linhas SO-
BRE A CRISE DE IDENTI-DADE DO JUIZ.
426
Formação Humanística
BIBLIOGRAFIA
427
DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. São Paulo:
Martins Editora, 2002.
DOTTI, René Ariel. Declaração Universal dos Direitos do Homem. São Paulo:
Aduaneiras, 2006.
FERNANDEZ, Eusébio. Estudios de Etica Juridica. Madri: Editorial Debate,
1990.hj
FIESER, James. O contrato e sua função social. Coimbra: Conferências na
Faculdade de Direito, 1999.
FONTAINHA, Fernando de Castro. Acesso à Justiça – Da Contribuição de
Mauro Cappelletti – A realidade Brasileira. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009
FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade. V.1 e V.2. Rio de Janeiro: Graal
Editora, 2010.
_________________. Vigiar e Punir. Rio de Janeiro: Vozes, 2007.
_________________. As palavras e as Coisas. Vozes, 2010.
-------------------------. O Governo de si e os outros. São Paulo: Martins Fontes,
2010.
FREIRE, Alexandre Costa de Luna. Administração Judiciária. Texto Internet.
GADAMER, Hans Georg. Verdade e Método. V.01. Rio de Janeiro: Vozes,
2008.
GAURIGLIA, Osvaldo. Ética y Política según Aristóteles. Buenos Aires: Centro
Editor de América Latina, 1992.
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. V.1. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1999.
HOBBES, Thomas. O Leviatã. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Editora
Abril, 1992.
HUME, D. Tratado da Natureza Humana. São Paulo: UNESP, 2009.
ÍDIA REIS DE ALMEIDA PRADO, Alguns aspectos sobre a lógica do razoável
na interpretação do direito, Apud BETRAIZ DI GIORGI; CELSO FERNANDO
CAMPILONGO e FLÁVIO PIOVESAN. Direito, Cidadania e Justiça. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 1995.
JULLIEN, François. Diálogo entre as Culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.
JUNIOR, Tércio Sampaio. Estudos de Filosofia do Direito. Reflexões sobre o
poder, a liberdade, a injustiça e o direito. Editora Atlas, 2003.
JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Acesso à justiça: Um olhar retrospectivo. Texto
Internet.
428
Formação Humanística
429
PALMER, Richard E. Hermenêutica. Lisboa: Edições 70, 1986.
PEREIRA, José Bresser. A Reforma do Estado Brasileiro. Texto Internet.
PINTO, Celi Regina Jardim. A Sociedade Civil “Institucionalizada”. Texto Inter-
net.
PUIRGARNAU, Jaime Mans. Decretales de Gregório IX. Versión Medieval
Española. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1942.
RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
__________________. Introdução A Ciência do Direito. São Paulo: Martins
Fontes, 2010.
REALE, Miguel Jr. Lições Preliminares de Direito. São Paulo, Saraiva, 2009.
ROCHA, Leonel Severo. A Construção do tempo pelo direito. In: Anuário do
Programa de Pós-Graduação em Direito da UNISINOS, São Leopoldo: Editora
Unisinos, 2004.
430
Formação Humanística
431
Porto Alegre, RS
Av. Ipiranga, 2899 - Porto Alegre, RS
(51) 3076-8686
São Paulo, SP
Av. Paulista, 1.159 - conj. 411
Fone: (11) 3266-2724
Curitiba, PR
Rua Cândido de Abreu, 526 - Sala 611 B
verbojuridico@verbojuridico.com.br
www.verbojuridico.com.br
432