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ISBN – 978-85-98213-63-7
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Página
Capítulo 1 – Introdução ..................................................................................................................... 13
Capítulo 2 – Gênesis .......................................................................................................................... 23
Capítulo 3 – A Associação..................................................................................................................31
Capítulo 4 – A “Hutzpa” dos Israelenses e o Krav-Magá ................................................................. 49
Capítulo 5 – As Graduações no Krav-Magá ..................................................................................... 77
Capítulo 6 – Defesa Pessoal ................................................................................................................91
Capítulo 7 – O Krav-Magá Como sistema Eclético ........................................................................ 107
Capítulo 8 – O Espírito Parte I .........................................................................................................119
Capítulo 9 – O Espírito Parte II – O Sexto Sentido do Guerreiro ...................................................133
Capítulo 10 – Os Dez Escolhidos do Imi ...........................................................................................145
Capítulo 11 – A Filosofia do Krav-Magá Parte I – Introdução ..........................................................179
Capítulo 12 – A Filosofia do Krav-Magá Parte II – Que Nada Seja
Estranho Para Nós........................................................................................................184
Capítulo 13 – A Filosofia do Krav-Magá Parte III – Sejam Suaves ..................................................191
Capítulo 14 – A Filosofia do Krav-Magá Parte IV – O Professor Como
Modelo Para Imitação ................................................................................................. 196
Capítulo 15 – A Filosofia do Krav-Magá Parte V – A Mediocridade ............................................. 202
Capítulo 16 – A Filosofia do Krav-Magá Parte VI – O Medo ...........................................................210
Capítulo 17 – Documentos & Testemunhos – O Desfile da Ignorância ............................................218
Capítulo 18 – Documentos & Testemunhos – O Desfile da Vergonha ............................................ 227
Capítulo 19 – A Expansão ................................................................................................................. 289
Capítulo 20 – Imi ............................................................................................................................... 307
Capítulo 21 – Bibliografia...................................................................................................................337
Capítulo 22 – Locais .......................................................................................................................... 345
Lista de Mapas
Lista de fotos
Desenho de Imi, feito pelo artista Israelense – Húngaro Zeev Farkash, 1980. .................................. 32
Os Carimbos da associação .................................................................................................................. 37
Reportagem na Jerusalem Post – 1977. ............................................................................................... 46
Soldado moderno .................................................................................................................................. 49
Final de curso para Dans no Instituto Wingate – 1983........................................................................ 77
Soldados israelenses nas fortificações ao longo do Canal de Suez. .................................................143
A praia de Natanya ..............................................................................................................................147
Café “Ugati” – 2005 ............................................................................................................................147
A academia na cidade de Natanya, na Rua Shmuel Hanatziv 22. ......................................................173
Universidade de Jerusalém – 1974 ......................................................................................................177
Shmuel pulando – 1978 .......................................................................................................................178
Ex-ministro da polícia, General Haim Bar-lev, numa visita a Escola BUKAN – 1986. ....................178
Arte em criação – 1944 .......................................................................................................................183
Defesas contra bastão – 1947 ..............................................................................................................215
A letra do Imi – 1975 ...........................................................................................................................217
Lista de documentos:
1. Correio eletrônico enviado por representante da IKMF, confirmando seu fechamento por um
período de tempo indeterminado. Documentos & Testemunhos. ............................................. 228
2. Correio eletrônico confirmando que a IKMF foi fundada posteriormente à morte de Imi.
Documentos & Testemunhos. .................................................................................................... 229
3. Correio eletrônico da IKMF confirmando que Yaron Lichtenstein é dos alunos mais graduados de
Imi. Documentos & Testemunhos...............................................................................................231
4. Página do site virtual do Sr. Gabi Noah (IKMF) que tenta mostrar que Imi criou um Krav-Magá
militar. Documentos & Testemunhos. ...................................................................................... 232
5. Confirmação do ministério da defesa em Israel (Arquivo das forças armadas) que no ano de 1965
o termo “krav-maga” não existia nas forças armadas. Documentos & Testemunhos. ............ 234
6. Lista de Faixas pretas no site de Eli Avikzar. Os Dez Discípulos do Imi. ................................146
7. O Site oficial de Eli Avikzar. As duas páginas mostram que todos os dirigentes da IKMF, IKMA
e a Federação sul Americana são praticantes de “Krav-Magen” criado pelo Eli Avikzar, e não de
krav-maga. Documentos & Testemunhos. ................................................................................ 257
8. O sistema de graduações de acordo com a IKMF, que não corresponde com o sistema introduzido
no krav-maga pelo Imi. Documentos & Testemunhos. ........................................................... 236
9. O site do diretor da IKMF, onde são apresentados alguns de seus diplomas. Documentos &
Testemunhos. ............................................................................................................................. 237
10. Diploma de Oitavo Dan que o diretor da IKMF alega ter recebido do Imi no ano de 1996.
Documentos & Testemunhos. ................................................................................................... 239
11. Página do site da IKMF, afirmando que depois do falecimento de Imi houve uma ruptura no
Krav-Magá. Documentos & Testemunhos. ...............................................................................241
12. Documento que mostra as letras KM (em Hebraico) como marca registrada em Israel. Documentos
& Testemunhos. ......................................................................................................................... 267
13. Diploma de Perito emitido pela IKMF para o diretor da mesma, por seu Oitavo Dan. Documentos
& Testemunhos. ......................................................................................................................... 243
14. A página inicial no site da IKMF. Documentos & Testemunhos. ............................................. 244
15. “Diploma do Fundador”, alegadamente dado ao diretor da IKMF. Documentos &
Testemunhos. .............................................................................................................................. 247
16. A página inicial no site da IKMA. ............................................................................................. 250
17. Documento oficial anunciando que o Sr. Haim Gideon foi eleito presidente da IKMA. Documentos
& Testemunhos. ..........................................................................................................................251
18. Certificado de fundação da IKMA do Sr. Haim Gideon, 17.03.1983. Documentos &
Testemunhos. ............................................................................................................................. 252
20. Página do site oficial da IKMA, na qual o Sr. Haim Gideon está auto-glorificando. Documentos
& Testemunhos. .......................................................................................................................... 254
21. Página do site oficial da IKMA, erroneamente anunciando que a associação foi fundada em 1978,
sendo a associação original do Imi. Documentos & Testemunhos. .......................................... 265
22. Um livro que o Sr. Haim Gideon alega ter escrito. Documentos & Testemunhos.................... 263
23. Reportagem na Jerusalem Post. A Associação. .......................................................................... 46
24. Página do site oficial da “Federação Sul Americana de Krav-Magá”. Documentos &
Testemunhos. ............................................................................................................................. 278
10
O tradutor.
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Introdução
1. como veremos ao longo do livro todo, a questão do uso da palavra “sistema” em relação ao Krav-
Magá se repete várias vezes e, portanto é necessário esclarecer o assunto logo no começo. Hoje em
dia é largamente comum a utilização do termo “sistema” para descrever o Krav-Magá. Porém, a única
finalidade dessa qualificação é a de esconder o nível profissional de alguns elementos e provavelmente
também oferecer uma certa cobertura jurídica, como também mostraremos mais adiante. A noção de
sistema é totalmente equivocada e inadequada para ser mencionada junto à Krav-Magá e não passa
de um uso cínico do nome do criador Imi e do nome do Krav-Magá.
2. Sr. Darren Levin, em um pequeno livro que escreveu, explica de forma bruta que o Krav-Magá não
é uma arte marcial. E essa “declaração” vem de uma pessoa que, de acordo com nossas investigações,
não treinou em Krav-Magá mais do que algumas semanas. Mais surpreendente é o fato de que em
toda EUA, tão famosa por sua cultura de consumo e de defesa do consumidor, não há ninguém para
verificar o que realmente está sendo vendido sob o nome “Krav-Magá”.
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15
que este livro será uma indispensável fonte de conhecimento sobre a fundação do
Krav-Magá e seus primeiros dias naquela pequena e sangrada região no Oriente
Médio – um país chamado Israel.
Existem no mercado diversos volumes sobre o Krav-Magá, porém estes
tratam puramente do lado profissional e não agradariam a quem procura os fatos
históricos. Muito pelo contrário, na maioria dos livros que pesquisamos, os atos
ditos como “fatos” não passam de uma fértil imaginação que tem por finalidade
única glorificar seus autores, apoiando-se geralmente em equívocos intencionais.
Por isso a atual pesquisa é tão imprescindível.
Acessando sites de Krav-Magá na internet é possível encontrar toda a
história do criador da arte – Sr. Imi Lichtenfield, de A a Z. Quase tudo já foi escrito
lá. Mas a forma como o Krav-Magá foi desenvolvido, quem o criou e por que, quem
são os seus sucessores, quem eram os primeiros e mais leais alunos do Imi, não se
encontra. Como podemos confirmar que alguém que se apresenta como o “escolhido”
realmente é? Por exemplo, há o caso de uma pessoa que afirma ser adotado por Imi,
mas na realidade não existe nenhuma prova para tal acontecimento. Ademais, apesar
de todas as minhas procuras e solicitações, não encontrei uma testemunha para
afirmar que o sujeito em questão em algum tempo foi aluno do fundador (veja capítulo
“Documentos & Testemunhos” – Federação Sul Americana).
Este livro acompanha a história da arte não do ponto de vista de seu criador,
mas de um outro aspecto, completamente diferente e inédito: a visão propriamente
profissional, isto é, como conseguiu o Krav-Magá tornar-se uma arte marcial tão
popular e quais são as razões diretas e indiretas deste êxito fenomenal.
Há alguma relação entre o fato de que apesar de ser um país tão pequeno,
Israel mantém um poderio militar desproporcional em relação ao seu tamanho, que
não envergonharia também as grandes potências? Existe alguma ligação entre os
dois mundos – o militar e o do Krav-Magá? Como um afeta o outro? Será que o
Krav-Magá, que deu seus passos iniciais antes da fundação de Israel, realmente
tinha uma influência significante sobre as forças armadas israelenses? O que veio
primeiro? Qual é o segredo do poder israelense, e, consequentemente, o segredo da
força do Krav-Magá e do seu criador?
Este trabalho é inédito, ou seja, pela primeira vez o leitor poderá conhecer a
história completa do Krav-Magá. Qualquer tentativa de realizar uma pesquisa séria
e de credibilidade sobre o Krav-Magá baseando-se em sites da internet, apresenta
um certo problema. As páginas eletrônicas mudam constantemente e o material
nelas escrito aparece e desaparece na velocidade da luz. Não existe nenhum tipo de
fiscalização sobre o que é feito na internet e assim nós dependemos da imaginação
do dono do site, que nem sempre corresponde aos fatos e à realidade, como veremos
mais adiante 5*. Por outro lado, um livro impresso significa uma responsabilidade
dos autores, da editora e da distribuidora perante os leitores. Livro é algo real,
enquanto o mundo virtual, bom, o próprio nome já diz tudo. Vamos examinar aqui
a criação do Krav-Magá e os acontecimentos que o influenciaram de seu início até
os dias de hoje.
5. Acessando o site da “Wikipedia”, por exemplo, encontraremos alguns autores que elaboraram
histórias completamente imaginárias, no que diz respeito ao Krav-Magá, é claro. Este é só um
exemplo entre vários que podemos achar em páginas da internet.
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Analisaremos os diversos sites de Krav-Magá, que muitas vezes são as únicas fontes
de informação disponíveis para quem busca mais conhecimento sobre o assunto.
Veremos que os criadores desses sites escrevem várias coisas, por vezes verdadeiras
e por vezes não são nada mais do que puras alucinações, desligadas de qualquer
realidade histórica ou profissional. E ao ler esses sites, uma pergunta é inevitável:
o que se passava em suas mentes? Que grau de auto-convencimento, ou de exagero
deliberado certas pessoas precisam ter para demonstrar este nível de burrice, que
acaba prejudicando eles mesmos. Desta perspectiva, a atual pesquisa é destinada não
somente àqueles que já estão praticando Krav-Magá e querem descobrir finalmente
a verdade histórica, mas também contribui para a preservação da humanidade toda.
O Krav-Magá como arte marcial para defesa pessoal é inédito e diferente e
seu fundador é, sem dúvida, um dos maiores gênios do século XX. Poucas pessoas
se dedicam à criação de uma nova arte e somente uma fração delas consegue ver a
sua criação se tornando um caminho de vida para centenas de milhares de pessoas,
que treinam e pesquisam cada movimento, dia e noite. É um êxito imenso e talvez
esta seja a chave para entender por que tantas pessoas, com carga emocional tão
forte, se declaram “os herdeiros” do fundador da arte e mudam os rumos da história
para que sirvam a seus próprios interesses.
Personagens como o Criador do Krav-Magá - o Sr. Lichtenfield - devem
ser estudadas, analisadas e compreendidas de forma absoluta, como eles pensam e
agem, o que os move e de onde eles recebem a sua criatividade. Precisamos guardar
e proteger o legado dessas pessoas para o bem das futuras gerações, por que seus
atos e feitos são parte do patrimônio da humanidade.
No final do dia, todos nós queremos ser melhores, avançar com nossas vidas.
A invenção da tipografia e, consequentemente, a expansão do acesso à informação
foram um grande passo em direção à modernidade. Hoje em dia, qualquer um pode
ir à livraria mais próxima e adquirir em preço acessível todo tipo de conhecimento
que lhe interessa. Este é o grande poder dos livros e também da atual pesquisa. A
necessidade do homem de escrever a sua historiografia sempre existiu, desde que o
homem aprendeu a desenhar nas paredes das cavernas, há milhares de anos atrás, e
muito antes da letra escrita e do papel serem inventados. Se não soubéssemos a nossa
história, não poderíamos chegar onde estamos hoje, nenhuma religião sobreviveria.
Fenômenos astronômicos e meteorológicos que foram observados gerações atrás,
ajudam os cientistas contemporâneos a estabelecer regras, uma vez que eles seguem
os diferentes ciclos da natureza que foram documentados ao longo dos anos.
Por outro lado, em qualquer episódio histórico importante, sempre
encontramos pessoas que tentam conduzir a narração dos eventos para cobrir seus
próprios pecados e ações. Como o Krav-Magá é uma invenção Azul-Branco 6*,
“fabricado” em Israel, fruto da “cabeça judaica”, então talvez o melhor caso seria
os negadores do Holocausto, apesar da magnitude deste exemplo e especialmente
quando estamos debatendo um assunto de menor importância (comparadamente) como o
6. Azul–Branco – as cores da bandeira israelense. Uma grande empresa israelense de alimentos se
divulgou nestas cores e lançou nos anos 90 uma campanha com o slogan: “Israelenses – comprem
Azul-Branco!”, ou seja – comprem produtos israelenses.
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contribuições não direcionaram a pesquisa para um lado ou outro, mas muito pelo
contrário.
Vamos examinar, por exemplo, o mundo da ciência! O ilustre cientista,
também um filho do povo judaico – Albert Einstein, escreveu e publicou suas
pesquisas ao longo da vida dele. O mundo científico analisou, aprovou e aceitou.
Depois de seu falecimento, nenhum cientista ousaria mudar seu caminho, ou roubar
sua glória. Só que na área científica existe o ônus da prova, que é justamente a
função desta pesquisa. No Krav-Magá as coisas funcionam de forma diferente e
infelizmente também as pessoas não são as mesmas. O campo da ciência não está
limpo das cobiças e ambições do homem – ego, poder, controle, fama, reputação,
status, dinheiro etc.. De acordo com o código das artes marciais, os cientistas, por
definição, não são “homens de honra”. Os praticantes das artes marciais deveriam
representar o caminho absoluto do amor-próprio, o espírito do Budo e do Bushido.
Todavia, é pena que no Krav-Magá este exemplo não se repita.
Existe uma quantidade quase infinita de material didático sobre como um
artista marcial precisa se apresentar, quais são as regras corretas de comportamento
e honra. Livros como Hagakure de Yamamoto Tsunetomo, o livro de cinco anéis
do Musashi, A arte cavalheiresca do arqueiro zen de Eugen Herrigel, entre outros,
constituem uma fonte formidável de conhecimento sobre as leis de conduta que são
exigidas de professores de artes marciais, tanto no comportamento do dia-dia como
no Tatami, quando o professor estabelece o mais alto padrão de exemplo para seus
seguidores.
Minhas buscas me levaram às distantes terras da burrice, talvez até ao lugar
de nascimento do absurdo em si. Para melhor explicar esta última frase, sugiro que
façam uma simples e rápida investigação vocês mesmos. Tudo que necessitam é de
um computador com acesso a internet. Já no primeiro olhar, nós nos encontramos
numa situação embaraçosa e confusa. Depois da morte do Imi, naturalmente
vários herdeiros do “seu caminho” se ergueram, mas, de forma enigmática e
arrogante, esses sucessores se orgulham justamente por terem mudado de algum
modo a criação original do fundador. Não conseguimos achar sequer um que tenha
como lema principal as suas qualidades físicas, sua perfeita técnica de chutes, sua
habilidade com as mãos ou qualquer outra ênfase profissional, estes simplesmente
não existem. Os característicos qualitativos que acompanham as artes marciais não
são do interesse daqueles “sucessores” que veem no legado do fundador nada mais
do que uma forma de aumentar o seu próprio prestígio.
Agora, um pensamento nos deixa curiosos: se eles alteraram o caminho
original do Krav-Magá, por que ainda ficam se vangloriando disso? E segundo, no
momento em que eles começaram o processo de transformação, eles não são mais
“herdeiros”, mas criadores e desenvolvedores de uma nova trajetória, sendo esta
melhor ou pior. E mais, por que eles empregam o nome do fundador 7* e do Krav-
Magá num sistema que eles mesmos inventaram? Como o exemplo de um rapaz
alemão que fundou um novo método e o denominou de “Krav-Magá Alex”... Só que
ele nunca viajou para Israel, jamais aprendeu com algum professor qualificado de
Krav-Magá e não há nenhuma semelhança entre as suas técnicas e o Krav-Magá do
Imi. Ele simplesmente abusa de um nome popular e acrescenta seu nome como o
criador de um novo caminho, e, ao fazer isso, ele engana o público e seus alunos que
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acreditam estar praticando Krav-Magá. Mas ele não é o único que lucra com o nome
do Krav-Magá. Eis uma lista incompleta de alguns outros “sistemas” que surgiram
ultimamente:
Krav-Magá Internacional?
Associação de Krav-Magá israelense?
Krav-Magá Kapap?
Krav-Magá Maor?
Krav-Magá Americano?
Krav-Magá Commando?
Krav-Magá Militar?
Krav-Magá Aikikai?
Krav-Magá Operacional?
Krav-Magá Tático?
E esta lista é só o início - com certeza existem outros nomes que minha
pesquisa não encontrou. Mas como podemos distinguir qual desses nomes é o
correto? Quais são os instrumentos que um leigo, à procura de um lugar para treinar,
tem para saber a verdade? As respostas estão entalhadas nas páginas desta pesquisa.
Não é o suficiente anular um nome em favor do outro. Em primeiro lugar, temos
que conhecer o Krav-Magá de forma íntima e profunda e, em seguida, seremos
capazes de julgar por nossos próprios olhos, de separar o joio do trigo. Em cada
bairro, cidade ou país acharemos outra variação do Krav-Magá, de acordo com o
grau de imaginação dos instrutores locais. A pesquisa tentará elucidar as razões
desse fenômeno.
Entrevistei os primeiros e mais veteranos alunos do fundador Imi. Eles
somam um grupo de dez pessoas e são os únicos que tiveram o privilégio de
receber a faixa preta e graduações maiores do Sr. Lichtenfield. Suas histórias foram
essenciais para desvendar os primeiros passos do Krav-Magá. O objetivo do livro é
7. Todos conhecem bem o passado do Imi. Será? Por algum motivo, ninguém nunca investigou o
passado pessoal do Imi, que constitui a base para a criação do Krav-Magá. Vamos pegar, por exemplo,
o caso do presidente de uma organização chamada IKMA, que afirma ter incluído dentro do Krav-
Magá técnicas de “wrestling”.
Imi iniciou seu caminho como pugilista. Essa modalidade combinava bem com sua forma física
e com sua agilidade e flexibilidade natural. Mas, naqueles dias, Imi sonhava em participar na
“Maccabia” – que era um tipo de “olimpíada” destinada a jovens judeus do mundo inteiro. A primeira
Maccabia ocorreu em Israel, no ano de 1932, depois que o Décimo Segundo Congresso Sionista,
realizado em Agosto de 1921, na cidade de Carlsbad, na antiga Tchecoslováquia, decidiu unir todas
as organizações esportivas judaicas sob uma bandeira e fundou a “Histadrut Olamit Maccabi”, ou de
forma abreviada – Maccabi. Os jogos da Macabbia aconteceram a cada 4 anos em Israel. Contudo,
o pugilismo não foi um dos esportes incluídos nessas competições e por isso Imi começou a praticar
luta greco-romana e tornou-se lutador desta modalidade. Porém, depois de conversar com alguns
de seus amigos e conhecidos próximos, uma coisa fica clara: Imi nunca gostou da prática do Greco-
Romano, na qual homens com mínima roupa ficam se abraçando com outros homens... Mesmo que
ele nunca tivesse se expressado abertamente contra esse esporte, vários “comentários” dele sobre o
assunto foram registrados ao longo dos anos. Por isso, também ele nunca criou ou incluiu esse tipo de
técnica no Krav-Magá e nós dizemos isso de forma simples e clara. Esse modo de se gabar em coisas
que não tem nada a ver com o caminho do Imi é característico para alguns israelenses. Daí vem a
grande importância da nossa pesquisa, que permitirá ao leitor entender o caminho do Imi e a lógica
que o guiou em sua criação.
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GÊNESIS
O nascimento – parabéns!
Ser humano significa querer melhorar o tempo todo
Meu pai era um grande sionista e um patriota maior ainda, como o tamanho
do seu coração.
Diferente do que se espera, a história do meu nascimento não é simples. Eu
não nasci no processo normal que inclui primeiro a fase do embrião e depois o ato
de nascer, pois foi uma gravidez longa e difícil, que não contava com a participação
de uma mãe. Todo o trabalho de parto e os primeiros anos da minha infância eram
da responsabilidade do meu pai. Tudo isso não significa que não sou um ser humano,
mas somente que a forma como vim para este mundo era, por assim dizer, diferente.
A época: os anos antes da fundação do Estado de Israel. Meu pai chegou em
Israel depois de ter completado seu serviço no exército Britânico, onde lutou contra
os nazistas. Quando chegou ao país, foi enviado para o “Campo Dora”, localizado nas
proximidades da cidade de Natanya, que mais tarde seria a sua cidade permanente
de residência.
Natanya daqueles dias ainda não era uma cidade turística, cheia de hotéis
extravagantes e cafés elegantes lotados de viajantes como é hoje, apesar da constante
ameaça do terrorismo. A “cidade” não era nada mais do que algumas dezenas de
casas localizadas ao lado da praia e cercadas por infinito mar de dunas de areia
branca e brilhante. No lado sul da cidade estava sendo construído um novo bairro –
“Dora”, destinado aos imigrantes judeus que estavam chegando de todas as partes
do mundo em sua fuga dos horrores da Segunda Guerra Mundial. Ao lado do bairro
estabeleceu-se também uma base militar, que ganhou o mesmo apelido. Só anos
depois, quando a Universidade de esporte – “Wingate” foi criada, mudou-se também
a base militar para dentro das instalações da Universidade, sendo que a praia serviu
como o seu limite traseiro. E sempre quando eu olhava os soldados correndo,
treinando e suando ali, não podia deixar de pensar que a proximidade da praia deve
ser um dos horrores do severo treinamento militar – tão perto, porém tão longe,
uma vez que a entrada dos soldados na água foi proibida e exigia uma autorização
especial. A situação piora durante os quentes verões, quando é possível ver a sua
imagem no vapor que sobe das águas ardentes do mediterrâneo, sem esquecer que
os israelenses apreciam bastante um bom dia na praia.
E foi lá em “Dora” que tomei minhas primeiras respirações e o processo do
meu nascimento começou 1*. Os meus primeiros anos estão densamente ofuscados na
1. A tentativa de atribuir ao Krav-Magá um aspecto militar e apresentá-lo como uma “profissão
militar” constitui uma ofensa direta contra o Krav-Magá como arte marcial israelense única e contra
o nome e a reputação do fundador da arte, Sr. Imi Lichtenfield. Como veremos ao longo do livro, essa
alegação não tem nenhuma base histórica ou factual. Dois anos após a morte do criador, surgiu em
Israel uma organização chamada IKMF, que tinha como lema principal transformar o Krav-Magá
para que ficasse mais “adequado” aos seus objetivos financeiros. Muitos identificaram as vantagens
comerciais do aspecto militar quando relacionado às artes marciais, e principalmente ao Krav-Magá.
Mas a verdade é que não há nenhuma ligação entre o exército e o Krav-Magá ou outras artes marciais,
além do fato de que algumas delas são ensinadas e utilizadas pelas forças armadas.
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2. Tanto nas tradicionais artes marciais japonesas como nas diferentes versões do Kung-Fu Chinês,
existem técnicas inteiras dedicadas e executadas somente por mulheres e, geralmente, em confrontos
com guerreiros homens, foram as mulheres que levaram vantagem. Essa é a origem do dilema do
fundador nos primeiros dias do Krav-Magá, a respeito do tipo de arte que seria – “suave” ou “dura”.
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orgulho até seu último dia, embora já no momento da sua criação esta técnica já
estava obsoleta, isto é, o uso do fuzil como lança, espada ou se for necessário até
como bastão. Essas técnicas receberam do meu pai o nome de “Defesas Contra fuzil
com Baioneta” (Do Hebraico: Haganot Neged Rove Mekudan). Qualquer análise cuidadosa
dos treinos militares ao longo da história bélica, desde a invenção do fuzil e da
baioneta, que dava letalidade máxima também em distância mínima, achará que
nenhum exército nunca realizou um treinamento tão intensivo e organizado com
técnicas de ataque e defesa de fuzil com baioneta. As aulas se concentraram tanto
em casos em que os dois oponentes estão armados com baionetas, como em casos
que o soldado precisa se defender com mãos vazias contra ataque de baioneta. As
técnicas que meu pai criou foram inéditas na história das guerras, mas ironicamente
naquela mesma época, os exércitos começaram a usar armas mais curtas e mais
rápidas e, portanto desapareceu a imagem do fuzil com a baioneta ligada a ele, a
não ser em eventos oficiais, onde os fuzis com a baioneta têm um uso puramente
cerimonial. Sem dúvida que muitos dos velhos guerreiros devem sua vida àquelas
técnicas que meu pai criou.
O país e o seu povo são guiados por um espírito quase religioso, por uma
crença na nossa capacidade de vencer. É um espírito que há seis mil anos está
invencível, imbatível e que nunca se desespera, sejam quais forem os obstáculos.
Foi este espírito que fundou o Estado de Israel como o conhecemos hoje e que com
sua inspiração eu fui criado e respirei pela primeira vez. Esse espírito é meu leite
materno e suas gotas fluem ao longo de cada um de meus movimentos corporais e os
tornam entidades próprias e independentes. Ignorar este espírito significa não saber
nada sobre mim. Ali, naquele lugar onde a esperança venceu a atrocidade, eu cresci
e me desenvolvi.
Os treinos com meu pai eram bastante diversos e muitas vezes treinamos no
mesmo dia várias técnicas completamente diferentes uma da outra. Experimentamos
e provamos tudo para poder separar o correto do errado, o necessário do dispensável,
sabendo que qualquer falha, por menor que seja, significa risco para vida humana,
vida humana tão cara, especialmente para meu pai que passou pelos horrores dos
Nazistas.
Mas não se enganem, meu pai não era pacifista de forma alguma; ele
simplesmente queria que eu fosse um pouco mais suave e delicado e não servir
somente como uma arma altamente letal. Existem algumas técnicas que depois de
perceber como elas são terrivelmente eficazes em tirar a vida de uma pessoa, ele
se arrependeu e começou a temer que talvez não devesse criá-las, apesar do fato
que as pessoas que aprenderam com ele naquela época, não tinham nenhuma arma
disponível além de suas pernas e mãos. Portanto, quando começou a ensinar fora das
forças armadas, muitas dessas técnicas foram reveladas somente para dois de seus
alunos, Eli Avikzar e Yaron, e também deles ele exigiu não divulgar estes exercícios,
mas arquivá-los em algum lugar bem profundo em suas mentes. Para meu pai, vida
humana era o valor supremo. Eu me recordo bem que uma vez, numa discussão
que quase fugiu do controle, alguns oficiais do exército me apelidaram de “arte de
matar”, e meu pai imediatamente respondeu: “Como podem usar o termo arte de
matar, será que para vocês matar pessoas é uma arte? Uma pessoa que é morta vira
um afresco eterno em algum museu?”.
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Ele fundiu em mim as palavras que sempre ensinou para seus alunos, até que
parecia uma lavagem cerebral: “Sejam bons o suficiente para não precisar matar”.
Através desta expressão ele explicou a potência e a capacidade que eu guardo, e
também demonstrou a diferença intelectual entre nós e o resto. Meu pai afastou-se
daqueles que ensinaram a bater mais forte, “quebrar os ossos”, matar e eliminar
o oponente, ficar maiores, mais “bombados”. Meu pai enxergou a fraqueza dessas
pessoas. Do seu jeito, com uma brandura quase “feminina” ele neutralizou cada um
que chegou à sua academia para ver com seus próprios olhos. Cooperando comigo,
meu pai sabia concentrar toda sua força num ponto pequeno só e no lugar onde o
oponente menos esperava e assim nocauteá-lo antes que ele tivesse a chance de
aplicar seu ataque. O medo, assim explicou meu pai, paralisa a inteligência e eu era
o instrumento que ele criou para superar e dominar essa emoção negativa.
Para a fervente mistura dos primeiros anos da minha criação, meu pai
adicionou também sua vasta experiência como pugilista de peso pesado e lutador
Greco – Romana da mesma categoria e, em algumas técnicas ele também incluiu
movimentos típicos da época em que ele era trapezista no circo, apesar do fato de
que sempre quis trabalhar ali com arremesso de facas. Meu pai era, sem dúvida, um
perito nesta área. Quando segurava uma faca, parecia que ela tinha vida própria. Em
suas mãos as facas ganharam forma de seres vivos e eram muito mais do que um
simples pedaço de metal afiado. Eu estava presente nas aulas de arremesso de faca,
quando ensinou e treinou seus dois alunos mais graduados – Eli Avikzar e Yaron 3*
e compartilhou com eles os segredos e as técnicas de arremesso de faca. Meu pai era
capaz de segurar três facas em seus fortes dedos e jogar as três simultaneamente,
acertando todas de forma incrível dentro de um círculo do tamanho de um filtro de
cigarro, que ele sempre desenhava no alvo usando somente a marca “Dunhill”, apesar
de que nunca fumou. As suas explicações e instruções eram claras de tal forma
que depois de muito pouco tempo os dois discípulos demonstraram capacidades
impressionantes de usar, arremessar e mirar a faca. Este é um dos capítulos mais
importantes da minha história como arte marcial para defesa pessoal. Todo este vasto
conhecimento sobre o uso da faca fez parte da minha criação e levou à invenção de
defesas inéditas e nunca antes vistas contra ataques com faca. Esses dois alunos
foram abertamente aperfeiçoados pelo meu pai, que passou para eles muitas técnicas
e ensinamentos secretos, os quais foram lecionados somente para eles e não para
nenhum outro aluno.
3. Os nomes do Eli e Yaron se repetem ao longo do livro todo. É impossível ignorar alguns fatos
relacionados aos dois, que desde o início Imi os marcou como seus sucessores. Provas conclusivas
quanto a esta afirmação podem ser encontradas em vários artigos da pesquisa. Contudo, ninguém tem
um programa para a vida. Eli lançou-se em seu próprio caminho e, infelizmente, sofreu uma grave
doença e faleceu há alguns anos atrás. Eu já escutei alguém dizendo que: “como ele era o primeiro
aluno do Imi enquanto viveu, ele será de novo o pioneiro da seleção eterna que Imi formou no céu”...
Com relação ao Yaron, a última fortaleza do Krav-Magá, ele sim recebeu do criador a função e a
responsabilidade da sucessão, e ele luta para preservar o caminho original do Imi.
É difícil estimar a quantidade de técnicas e conhecimento que O fundador passou para os dois. Apesar
da colaboração que recebi na pesquisa por parte do Yaron, quando tocamos em assuntos profissionais
ele se recusou a revelar o que foi passado do Imi para ele, alegando que esse tipo de conhecimento só
é ensinado ao aluno pelo professor de forma pessoal.
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pudessem aprender e treinar. É claro que esta nova situação foi um tanto desafiadora
para mim e meu pai.
Um dia, um pouco depois do meu “Bar-Mitzva” (Do hebraico – o aniversário
de Treze anos) meu pai decidiu me dar um nome válido e oficial. Um nome, pensou
ele, ajudaria os soldados a entender melhor seus ensinamentos. Algumas tentativas
passadas, como Kapap (luta cara a cara), Makel Neged Makel (bastão contra Bastão),
Neshek Neged Neshek (arma contra arma) e outras não deram certo porque não me
descreveram de forma adequada. Mas finalmente meu pai pronunciou as palavras
e o nome que revolucionariam o mundo: “Hagana Atzmit”: Defesa Pessoal. Este
nome me acompanhou durante alguns anos até que, no final da década de sessenta,
meu pai entendeu que também esse nome não corresponde mais à realidade e no dia
dezesseis de Agosto de 1970 ele estabeleceu o meu nome eterno, que sempre existiu
e sempre existirá:
KRAV-MAGÁ - OMANUT HALERRIMA HAISSRAELIT
LEHAGANA ATZMIT (KRAV-MAGÁ – A Arte Marcial Israelense para Defesa
Pessoal).
Aqui começa a minha vida!
Quando construímos uma casa, precisamos primeiro erguer firmes e fortes
pilares que irão apoiar e segurar a estrutura toda. Da mesma forma meu pai estabeleceu
regras e leis e só depois deu conteúdo para cada uma delas separadamente, sendo
que todas as regras juntas criam um ente completo – eu – o Krav-Magá, a arte
marcial israelense para defesa pessoal. O melhor caminho no mundo para defesa
pessoal, o mais curto e, portanto, também o mais eficaz. Não há um outro nome para
esta criação, e apenas uma compreensão teórica e prática incondicional das regras
possibilitará entender a magnitude do Krav-Magá.
Cada uma das regras tem um único significado e elas não estão sujeitas à
interpretações e plágios, como é de costume no Krav-Magá.
As regras estabelecidas pelo meu pai são:
1. Menor caminho, máxima velocidade, máximo peso em direção ao oponente.
2. Que nada seja estranho para nosso corpo.
3. Sejam suaves.
4. A força dos golpes e chutes no Krav-Magá fica no caminho de volta.
5. Nunca dê as costas para o inimigo.
6. A determinação de entrar.
7. Faça o que puder, mas faça certo.
8. Krav-Magá é ensinado em Hebraico, exatamente como Judô é ensinado em
Japonês, no idioma original da arte.
9. Sejam bons o suficiente para não precisar matar.
10. Vá para e junto com o inimigo.
11. Use a força do oponente contra ele mesmo.
12. Aprendam a “ler” o oponente.
13. Defesa específica contra ataque específico.
14. Sempre manter distância de um passo do inimigo.
15. A mediocridade é o inimigo número um do Krav-Magá e da humanidade toda.
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Meu pai não considerou a última afirmação como uma das regras, mas
sempre a mencionou quando explicava a lista das regras, como se quisesse dizer:
“Se mantermos as regras, evitaremos a mediocridade”.
Quase cada uma das regras ganhou um capítulo próprio, que explica
detalhadamente, usando exemplos práticos, a intenção do meu pai quando criou
a arte. O objetivo é trazer para você, leitor, todas as informações de como eu – o
Krav-Magá, fui criado e desenvolvido, para que todos possam tirar suas próprias
conclusões e serem os juízes e os carrascos. Esta pesquisa pretende ser um meio
informativo direcionado ao consumidor, uma vez que tem como finalidade ajudá-lo
primeiro a decidir quem está ensinando a arte de acordo com o caminho do meu
pai e quem está plagiando para ganhar dinheiro fácil e alimentar seu ego; segundo,
entender quais foram os reais acontecimentos históricos do Krav-Magá.
As regras acima mencionadas são os nossos instrumentos. O marceneiro
tem seu martelo, prego etc., e sem eles não poderia trabalhar. A mesma coisa com
quem ensina o Krav-Magá: quem não segue os princípios não está praticando Krav-
Magá, ponto final, e estou deliberadamente ignorando todos os “novos” Krav-Magá
que foram inventados por aí. A pesquisa se concentra em todos os charlatões que
se dedicam a re-escrever a história, tanto a teórica como a prática, usando o nome
do Krav-Magá e o nome do meu pai, Imi Lichtenfield, como se ele fosse parte da
elaborada teia de alterações que eles fizeram e que nunca foram o caminho dele.
O livro foi escrito de um modo diferente daquele normalmente empregado
para este tipo de livros ou pesquisas e o motivo é simples: o nosso assunto é
“explosivo” e com certeza causará grandes impactos. Portanto, decidimos adotar um
estilo mais leve, acompanhado com um pouco de humor e ironia, mas não se deixem
enganar: a pesquisa e suas intenções são muito sérias, como veremos mais adiante.
Leiam, aprendam e pesquisem as regras do Krav-Magá e da defesa pessoal
na forma que elas aparecem nos diversos artigos. Procurem ao longo da pesquisa, e
também fora dela, o significado completo, escondido em cada uma dessas regras de
aço. Dediquem-se à busca, especialmente durante os treinos teóricos e práticos do
Krav-Magá, mas também quando treinarem outras artes marciais. Só então vocês
poderão entender a genialidade do meu pai ao criar a arte. A importância não fica
somente no entendimento profissional ou na compreensão do caminho do meu pai
como o fundador e o criador, mas também em manter esta tradição e a forma original
das coisas, e não deixar acontecer o que ocorre em muitas artes marciais, quando
a poeira histórica faz a nossa consciência esquecer o processo autêntico de criação.
A Capoeira brasileira, por exemplo, tem suas raízes em cerca de trezentos
anos atrás. Porém, hoje em dia, de todos os milhões de pessoas que a praticam,
somente poucas, que não são necessariamente praticantes (antropólogos, folcloristas
etc.), sabem como chegou ao Brasil e conhecem o processo de desenvolvimento pelo
qual passou, e agora lendas ocupam o vazio espaço factual. Esta é a finalidade da
minha biografia como ela aparece aqui: evitar que aquela poeira histórica esconda a
exata e verdadeira narrativa da minha criação.
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A Associação
A maior parte dos amigos mais próximos do meu pai, especialmente os
colegas profissionais, fez parte do mundo do Judô. Ele sentiu uma certa admiração
pelas pessoas que construíram a associação israelense de Judô. Era claro para ele
que uma organização deste porte não pode existir sem uma dose de política interna,
mas escolheu ignorar isso, por entender o curso natural das coisas. A sua atenção e
entusiasmo se concentraram nos membros daquela organização, como por exemplo,
o Sr. Amos Grinspan, com quem gostava de conversar em Alemão durante horas
para recordar um pouco os anos de sua infância na Europa. Outro amigo era o Gadi
Skornik, um homem extraordinariamente forte, em corpo e espírito, um verdadeiro
homem de honra; e outro famoso judoca Yosef Lev 1*, que desde criança sofreu de uma
paralisia em ambas as pernas por causa do vírus da Pólio, um fato que não o impediu
de alcançar a faixa preta no Judô e ainda desenvolver um sistema excepcional para
ensinar aos cegos as técnicas desta arte Japonesa. Yosef Lev também ajudou vários
instrutores jovens de Krav-Magá a encontrar um lugar para começar a dar aulas.
Meu pai e seus amigos fizeram parte de uma geração de Titãs, que
construíram do zero o Estado de Israel e jamais alguém poderá superar estes feitos.
E ele, que era uma pessoa bem conhecida e de autoridade inquestionável, foi sempre
muito bem vindo e aceito de forma calorosa em qualquer lugar, como se fosse um
parente próximo. Com sua honestidade, integridade e seu intransigente caminho,
nunca ofendeu ninguém e nunca usaria uma frase como: “sim, você está certo,
mas o caminho do Krav-Magá é melhor”. Este estilo de se expressar simplesmente
não era de seu costume. O seu modo paternal e ingênuo de concordar com quem
conversava, sempre sorrindo elegantemente, fazia com que o outro lado rapidamente
não acreditasse mais em suas próprias palavras. Os escritórios da associação de Judô
eram como uma segunda casa para ele, e não passou um dia sem que ele pensasse
no seu maior sonho, que era fundar uma organização parecida para cuidar de seu
bebê, o Krav-Magá. Mas as pessoas que meu pai conhecia do Judô já estavam com
as suas carreiras em curso e sabiam exatamente para onde a vida os levaria. No
judô, é importante lembrar, existem leis e regras claras e cada detalhe ou assunto
menor é tratado por essas regras, enquanto no Krav-Magá, naquela época, existia
só meu pai. As pessoas escutaram e fizeram tudo que meu pai pediu, seguindo seus
sentimentos de respeito e admiração infinita por ele, mas para criar uma organização
de tal porte, é preciso mais do que isso. Só a inspiração não é o suficiente. Meu pai
foi inspirado por seus amigos e colegas, homens virtuosos como ele. Para o judoca,
o judô é seu caminho de vida e de forma igual o Krav-Magá era o caminho do
meu pai. Infelizmente ele nunca enxergava inteiramente a realidade israelense, onde
conversas sobre honra temos de sobra, mas encontrar homens honrosos já é uma
outra história e em Israel há muitos campeões em falar.
1. Yosef Lev, Os princípios do Judô, 1972, página 12. O livro foi publicado em Israel e somente no
Hebraico. No livro, o Sr. Lev afirma que Imi é o fundador do Krav-Magá e adiciona também o fato de
que por breve período de tempo o Krav-Magá fez parte da associação de Judô em Israel.
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pai. Tentei também várias vezes marcar uma entrevista esclarecedora com o Sr.
Darren Levin, ter uma conversa franca e direta com ele, mas o único comentário que
recebi foi: “Nós não respondemos perguntas políticas...” 3*.
Depois de quase ter desistido, consegui convencer o Yaron, que era o segundo
aluno ordenado por Imi a ensinar ao Sr. Levin, a dividir comigo algumas de suas
recordações sobre os eventos em questão: “veja” disse ele, “eu lembro o rapaz, mas
mais do que isso lembro como tudo acabou. Ele chegou um dia para a aula e falou
que tem faixa preta em Caratê, não sei, talvez a comprou como fez com sua faixa
do Imi. Eu e Eli Avikzar trabalhamos um pouco com ele, mas não parecia que o
rapaz possuía algum conhecimento em artes marciais. Eli Avikzar pensou rápido e,
aproveitando o fato de que ele era o mais graduado, inventou algum “compromisso
importante” e me deixou sozinho com o Americano... Dei para ele meia hora de aula
sobre golpe, e ele pareceu que iria desmaiar, e naquele momento acabaram as duas
semanas de treinamento...”.
No final, meu pai deu para o Sr. Darren Levin a faixa preta depois daquelas
duas semanas. Em fotos posteriores, podemos ver o Sr. Darren, já usando a faixa
preta, ficando ao lado do Yaron e outros alunos do meu pai e do Eli. Um aspecto
interessante dessas fotos é o fato que o Eli não aparece nelas – ele fez o papel do
fotógrafo em todas elas. É importante entender isso do ponto de vista adequado.
Eli foi aluno do meu pai durante muitos anos e não seria um exagero dizer que Eli
considerou meu pai como seu próprio pai também e logo adotou muitos de seus
costumes. Um deles era ficar sempre aborrecido com aqueles que queriam tirar
foto junto com ele para ter uma “lembrança”. Naquela altura meu pai já entendia
que muitos abusavam de sua generosidade e o usavam para servir a interesses
particulares, e, portanto, tirava a sua faixa preta e aparecia na foto sem ela 4*.
Às vezes chegou até a tirar toda a parte superior do Kimono, protestando assim
e demonstrando sua insatisfação de forma pacífica. Poucos estavam cientes disso,
mas uma observação mais cautelosa de outras fotos do meu pai, inclusive uma com
o Sr. Darren Levin, mostra que ele sempre está sem sua faixa. Alguns de seus alunos
mais próximos conheceram este costume do meu pai, que explicou para eles seus
motivos e por que só assim apareceria em fotos com eles. Em certo ponto, meu pai
simplesmente resolveu não “contribuir” mais nas fotos. È bem provável que este
também seja o motivo do sumiço do Eli das fotos daquela época. Sem dúvida que as
ações do meu pai o deixaram profundamente agonizado e ofendido - vender a faixa
preta por dinheiro, que o Eli mesmo esperou por ela por quase dez anos.
3. Tentei inúmeras vezes arranjar uma entrevista com o diretor do “Krav-Magá Worldwide” para
receber respostas conclusivas sobre o assunto, mas ele não quis cooperar. O pouco material que
consegui foi obtido de outras formas.
Atualmente o Sr. Darren Levin não leciona mais por motivos diversos, e ele nomeou outros
“sucessores”.
4. Veja foto do meu pai junto com o Sr. Darren Levin, documento número 27, página 48.
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5. Veja os carimbos oficiais da associação ao longo dos anos (página 37). Como podemos observar o
nome original foi “A associação de Krav-Magá”. Mais tarde foi fundada a “Associação de Krav-Magá
Israelense” (refere-se às palavras em Hebraico).
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1978 1983
Depois de 1990
ganhasse a função de diretor ele poderia atrair bastantes pessoas das forças armadas
para as aulas de Krav-Magá; no entanto ele nunca conseguiu fazer isso, muito pelo
contrário.
Meu pai, que não conhecia o “esporte” israelense de “arranjar” empregos
e que confiava nas pessoas erradas, foi iludido e traído. Ele nomeou esse “coronel”
como diretor da associação e até lhe cedeu salário e cobriu suas despesas, só que
a história não acaba por aqui. Os alunos faixas pretas do meu pai que não foram
enganados por aquele diretor, esforçaram–se até o limite para ignorar a sua
existência. Mas ele insistiu, e apareceu até nos treinos semanais de Sábado para
mostrar sua presença e começou a agir como se fosse o vice do meu pai, corrigindo
e dando instruções profissionais para os alunos, que só por causa do respeito que
sentiam por meu pai não deram uma boa tapa na cara do diretor. As reclamações
que meu pai recebeu sobre o comportamento dele foram aumentando a cada dia e
em retrospectiva parece-nos que todas as ações do diretor foram cuidadosamente
planejadas. De um lado, ele justificou seu cargo frente ao meu pai, e do outro lado
continuou desafiando e atrapalhando os alunos faixas pretas. Assim ele conseguiu
convencer meu pai de que a sua função de diretor não tinha nenhum conteúdo
prático e que ele deveria receber também uma graduação profissional no Krav-
Magá, no mínimo a faixa preta para se igualar aos outros alunos. Depois do treino
semanal de Sábado, meu pai informou aos alunos da sua decisão quanto ao diretor,
e todos os alunos, liderados especialmente pelo Eli e Yaron, contestaram fortemente
a posição do meu pai e se opinavam contra ela, destacando que os atos passados do
diretor davam péssimos sinais para o futuro. Mas nada adiantou – a afiada língua do
diretor já havia feito a cabeça do meu pai e, como um dos alunos disse, naquele triste
Sábado: “Esse é o primeiro prego no caixão da associação”.
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Depois de algum tempo meu pai resolveu realizar um curso para graduar
as faixas pretas com Dan 2 e 3, e anunciou e prometeu que o melhor aluno, no final
do curso, ganharia o grau de Dan 4. O curso teve duração de um ano, com treinos
todo sábado no Instituto Wingate, que apoiou formalmente as atividades. Entre os
alunos faixas pretas que participaram estavam também Haim Zut, Eli e Yaron. No
final do curso Eli recebeu Dan 5, Yaron, que atingiu as maiores notas, ganhou Dan
4 e outros receberam Dan 2 e 3 6*. O mesmo diretor que ainda ocupava o cargo
exigiu agora do meu pai uma nova graduação, mais “representativa”, explicando
que agora ele era “só” faixa preta, enquanto os outros já haviam avançado e ele
se sentia inferior em relação a eles, e que não era de sua honra ficar como faixa
preta. O fato é que ele nunca treinou e nem participou no curso de graduação de
Dans e não aparece também na foto oficial do final do curso. Infelizmente meu pai
escolheu mais uma vez não dar ouvidos aos seus alunos e resolveu proporcionar ao
“diretor” o grau de sexto Dan. No sábado seguinte, foi realizado um treino para as
faixas pretas na academia do Eli, que ficava em “Bet-Borocov”, no bairro Shapira,
na cidade de Natanya, e este diretor apareceu na aula carregando a faixa vermelha –
branca. Neste ponto muitos alunos entenderam que algo de ruim estava acontecendo
para a sua arte querida. Foi esse evento que convenceu o Eli, de uma vez por todas,
a romper com o caminho do Imi e seguir outros rumos. O diretor, que não tem
nenhum conhecimento profissional no Krav-Magá, possui até hoje o grau de sexto
Dan. Anos depois, quando a tecnologia avançou e o Eli construiu um site virtual,
ele ignorou todo esse episódio, talvez por seu respeito pelo meu pai e talvez porque
até seu último dia sentiu uma grande dor por tudo que aconteceu, e é uma pena.
Sem dúvida que se o Eli escrevesse suas recordações faria uma grande contribuição
para que a história do Krav-Magá fosse conhecida por todos e para que os feitos dos
“matadores de carpas” 7* fossem revelados.
Meu pai viu no fato de não dominar fluentemente a língua hebraica um de
seus maiores obstáculos e não compreendeu que seu charme era justamente a sua
educação européia, tão remota dos rudes israelenses. Talvez por isso acreditasse
com facilidade em todos os impostores que abusaram de sua ingenuidade e bondade.
6. Mais um fato histórico relativo a este período e que não podemos ignorar: naquela época, o Sr.
Darren Levin viajou para Israel por um período de seis semanas. O motivo da viajem era treinar com
o Sr. Eyal Yanilov, para que ele pudesse avançar nas faixas. Naquele curso para graduação de Dan,
o Sr. Darren Levin não participou, nem como praticante e nem como espectador ou visitante. No
computador do Instituto Wingate também não há registro dele como participante no curso. Contudo,
no último dia do curso ele apareceu e podemos vê-lo na foto que está na primeira página do capítulo
“Graduações no Krav-Magá”, ficando em pé entre Yaron Lichtenstein e Haim Gideon.
7. Guefiltê-fich é uma comida tradicional dos judeus de Descendência européia que se come na sexta
feira à noite. E como matamos a carpa para preparar a Guefiltê-fich? É necessário bater fortemente
com bastão na cabeça do peixe e depois “afundá-lo” na água para ver se está vivo ou morto, depois
batemos nele de novo de qualquer forma. Meu pai sempre contava essa piada no final da década de
sessenta. No exército israelense levaram essa piada à sério e chamaram isso depois de “confirmação
de morte”.
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Até hoje não se sabe o que levou meu pai no final a tirar aquele diretor de
sua função, uma vez que as coisas acabaram numa conversa particular entre os
dois. Embora seja difícil saber a verdade exata, é mais fácil adivinhar e assim foi
aberto o caminho para a nomeação de um novo diretor com poderes mais limitados.
Agora meu pai já havia aprendido a lição, e até desenvolveu um método para se
livrar daqueles que o perturbavam, pechinchando por uma faixa. Ele nunca mais
outorgou graduações para pessoas que não conhecia pessoalmente e só depois de ter
certeza quanto ao nível profissional deles. De fato, ele parou de ceder faixas pretas
ou graduações mais altas. Na última vez que aprovou alguém para faixa preta, a
associação dele já estava praticamente desmontada, e depois disso só outorgou mais
uma graduação – a de nono Dan. Na nova associação, fundada após 1983, a função
dele não passou de um “carimbo oficial”. Um exemplo que talvez explique melhor a
situação na qual estava meu pai, é o caso de um rapaz israelense que morava no Brasil
e um dia apareceu na porta do meu pai, acompanhado por seus pais, para convencer
meu pai de que ele merecia o grau de sexto Dan em Krav-Magá. Eu escutei uma
conversa telefônica do meu pai com um de seus discípulos mais próximos que por
acaso conhecia também o rapaz do Brasil e meu pai contava sobre o que ocorreu:
“E aí”, perguntou o discípulo do outro lado da linha, “você deu para ele a
graduação ou não?”
“Olhe”, disse meu pai, com sua forma diplomática de se expressar, “falei
para ele que ele está morando no Brasil nos últimos 10 anos, desde 1986, ninguém
sabe o que exatamente ele está fazendo ali, comigo ele nunca treinou, tirando uma
vez quando tinha 3 anos de idade e deixei ele brincar no meu tatami em Tel-Aviv,
então graduação não posso dar para ele, mas já que ele faz o que quer mesmo, para
que precisa da minha aprovação?”
O que o rapaz do Brasil não sabia é que para meu pai já havia chegado o
boato que ele está impedindo uma nação de quase duzentos milhões de pessoas
de praticar livremente o Krav-Magá, depois de seguir o péssimo exemplo do Sr.
Darren Levin dos EUA, que registrou o Krav-Magá como marca registrada. Apesar
de não demonstrar suas emoções, meu pai estava furioso com isso. O mesmo rapaz
brasileiro, aliás, publicou um livreto no qual ele se declara membro de um grupo
secreto de treze pessoas treinadas pelo meu pai, além de ser um decorado soldado
no exército israelense (na verdade, o exército não o aceitou por que ele sofre de uma alergia
perigosa). Se não bastasse tudo isso, o rapaz também afirma ter milhões de alunos em
Israel (veja documento número 24, página 278). Será?
No início, a maior parte dos alunos do meu pai não entendeu a importância de
ter uma associação organizada e registrada, com documentos oficiais e instituições
internas como comitê de graduação, comitê profissional etc.. Todos viram o Krav-
Magá crescendo cada dia mais com a ajuda dos dez primeiros alunos do meu pai,
que levaram o Krav-Magá para todos os cantos do país, atraindo mais alunos e
abrindo mais lugares para treinar. Já no ano de 1971, meu pai realizou o primeiro
curso para formação de instrutores de Krav-Magá para os dez primeiros alunos, com
a participação e apoio do Instituto Wingate. Portanto, a afirmação que Krav-Magá é
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do meu pai foi certa, e se meu pai quiser se aposentar, assim todos disseram, então
ele colocará um sucessor que seria a autoridade máxima até a próxima alteração.
A verdade é que todos (menos uma pessoa...8*) aceitaram o Eli como o sucessor
natural do meu pai. Mas o problema era que a organização interna da associação
não seguiu uma lógica institucional firme, e a distribuição dos cargos parecia mais
como um jogo de azar. Por exemplo, meu pai não se colocou no comando do comitê
profissional 9*, criando assim um espaço para amargas discussões, que no final
sempre acabaram sendo resolvidas por ele mesmo, e isso na prática deixou o comitê
sem “dentes de verdade”. Um elemento agravante da situação foi que a pessoa que
chefiou o comitê profissional nunca demonstrou uma capacidade física de qualidade
e, sobre uma parte das técnicas, como chutes e socos, não tinha domínio nenhum.
Os membros do Comitê de graduação não tiveram êxito maior e não conseguiram
impedir a inapropriada concessão de graus e faixas. Os alunos da geração mais
nova, que estavam na faixa verde ou azul, se esforçaram também para pegar “um
pedaço do bolo”, por menor que fosse, e a organização derrubou-se antes mesmo de
se erguer.
Para Eli, ficou obvio que, com tanta política suja em jogo, ele não iria ganhar
a sucessão do meu pai, daí iniciou-se em seu próprio caminho. Yaron, apesar de não
lançar-se numa nova arte marcial, decidiu se afastar das intrigas e das “novelas”
que envolviam naquele momento todos os membros da associação. Diariamente foi
nomeado um outro “chefe”, todos com fala mansa e postura de executivos, mas com
zero conhecimento sobre meu pai e seus ensinamentos. Para Yaron, o impulso final
para sair da associação veio quando descobriu que houve uma tentativa de enganá-
lo e roubar seu grau de quarto Dan, grau este que ganhou depois de terminar o
curso no Instituto Wingate, como o melhor aluno, com a maior nota. A pessoa da
associação que foi indicada pelo meu pai para avisar Yaron sobre a cerimônia de
faixas, que iria acontecer num Sábado na ”cantina do Albert”, no Instituto Wingate,
não cumpriu sua obrigação. Somente às duas horas da madrugada daquele Sábado,
algumas horas antes da cerimônia, meu pai conseguiu entrar em contato com
Yaron, que estava naqueles dias fazendo seu dever anual, servindo como reservista
do exército israelense na fronteira com a Jordânia, e o ordenou a ir receber sua
8. O nome completo está guardado em nossos registros, porém por motivos diversos não podemos
publicá-lo. Mas não temos dúvida de que um olho afiado reconhecerá rapidamente a pessoa em
questão.
9. O comitê profissional foi ideia de um dos alunos que também acabou chefiando o órgão (decidimos
não divulgar seu nome). Entretanto, o assunto todo terminou como uma piada mal contada. Não é
possível ter um comitê deste tipo no Krav-Magá – meu pai me criou e não ninguém além dele. Ademais,
meu pai fez o Krav-Magá como uma só unidade, inseparável e intocável. Porém, os fundadores
da associação se basearam no modelo da associação de Judô, na qual realmente existe um comitê
profissional, embora este comitê não tenha autorização para mudar, tirar ou acrescentar técnicas.
Essa informação é importante também para compreender outros artigos da pesquisa. Na realidade, a
ideia toda não passava de um jogo político. Também o comitê de graus não outorgou nenhuma faixa,
uma vez que naquele tempo meu pai já havia autorizado Eli Avikzar, Yaron Lichtenstein e Haim Zut
a qualificar alunos e ninguém deu para seus alunos o trabalho de Viajar até a cidade de Natanya para
receber a faixa.
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graduação. Não esqueçam que naquela época ninguém nem imaginava ainda a
invenção dos telefones celulares e fazer contato com soldados na fronteira não era
uma missão simples. Meu pai provavelmente percebeu em algum momento que as
coisas não estavam ocorrendo como deveriam e que alguém estava tramando algo
desonesto e decidiu interferir. Apesar do fracasso da trama, o fato é que a pessoa
responsável continuou na mesma função na associação, irritando Yaron, que decidiu
que sua honra não o permitia permanecer naquela organização. O mesmo tramador
foi também quem deu o último empurrão para a saída do Eli Avikzar. Yaron e Eli
tentaram iluminar os olhos do meu pai, mas sem êxito. Entretanto, olhando para o
passado, percebe-se que meu pai sabia melhor que todos sobre o ocorrido na sua
associação, mas sua tão forte e profunda fé na sua capacidade de mudar as pessoas
ao seu redor o fez acreditar que, no final, daria tudo certo. Sempre dizia: “Nem Roma
e nem Israel foram construídos num dia, e também as pessoas precisam de tempo
para mudar”. Ele estava errado.
A fundação da associação era um avanço muito importante tanto para meu
pai como para sua arte. Uma vez tornando o Krav-Magá uma instituição oficial, ele
poderia virar uma arte marcial representativa, como é de costume nas outras
modalidades de esporte. Meu pai conseguiu incluir o Krav-Magá como parte integral
no programa didático geral do curso de formação de professores e treinadores do
Instituto Wingate. Yaron foi o primeiro a ser eleito para ministrar as aulas de Krav-
Magá naquele prestigiado curso de formação de professores e treinadores, no ano
de 1977. Paralelamente a isso, meu pai conseguiu uma vaga para um de seus alunos
no mais conceituado curso do Instituto Wingate – o programa de formação de
treinadores sênior, considerado um dos melhores cursos em Israel na área esportiva
e de educação física. A participação dos alunos do meu pai naquele curso era
imperativa para a futura oficialização do Krav-Magá. A primeira vaga foi preenchida
pelo Yaron, que já tinha vasta experiência no instituto como parte do corpo docente
e depois da excelente atuação dele no programa outros ingressaram no curso. As
aulas no programa foram estreitamente teóricas e o Instituto Wingate deixou o
lado prático nas mãos do meu pai, confiando como sempre na sua integridade e
autoridade profissional.
A quantia inicial que meu pai recebeu do Sr. Darren Levin foi dedicada
completamente para a fundação e para o funcionamento regular da associação.
Entretanto, esse dinheiro se esgotou em passo acelerado com custos como salários,
aluguel, a criação e impressão da logomarca do Krav-Magá (um assunto que até
hoje é motivo de sangrentas brigas), o registro de vários certificados e documentos
etc.. Rapidamente ficou claro que as intrigas políticas internas estão afetando
negativamente a associação e estão colocando em questão a sua própria existência.
Os únicos que trabalharam efetivamente como instrutores naquela época foram
Haim Zut, Eli e Yaron. Contudo, o Eli já estava se dedicando ao desenvolvimento
de seu caminho e de suas ideias e não registrava mais alunos na associação do meu
pai. Yaron, que tinha o maior número de alunos em Israel sob sua supervisão na
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“BUKAN” 10*, na cidade de Rehovot, não formou uma opinião sólida ainda e não
tomava lados na briga. Assim, somente o Haim Zut registrava alunos na associação,
mas o baixo número de inscrições e as matrículas anuais pagas não eram o suficiente
para sustentar as atividades da associação e por isso começou o processo de declínio
e empobrecimento da associação. A mudança na lei das associações contribuiu com
sua parte também e levou ao fechamento final da organização que meu pai fundou.
No ano de 1983, um dos alunos do Eli - o Sr. Haim Gideon, formou uma
nova associação e a chamou de “Associação de Krav-Magá Israelense”. Ao fundar
essa nova organização, o Sr. Haim Gideon também registrou e “raptou” o símbolo
do Krav-Magá do meu pai e por isso a justiça israelense determinou que o nome
Krav-Magá é de domínio público e nenhuma pessoa ou empresa podem ter os
direitos exclusivos sobre ele 11*. O Sr. Haim Gideon convidou meu pai para assumir
a função de presidente da nova associação, com a intenção de que meu pai servisse
como um “selo oficial” da associação, porém, na realidade, não teria voz nela e não
exerceria nenhuma função no seu gerenciamento financeiro ou outro. Mas meu pai,
que desejava muito deixar alguma organização que concentrasse todo o Krav-Magá,
assinou no final como o presidente da nova associação que nem era dele, e esta foi
a última pedra na tumba da associação original 12*. Contudo, algumas das ações
futuras do meu pai indicam que ele nunca se viu como uma parte integrante desta
nova associação 13*. Dos primeiros alunos do meu pai, somente o Haim Zut e o
Eyal Yanilov ingressaram na associação. O último não fazia parte do grupo original
de alunos, mas sua entrada teria um impacto histórico no futuro. Mas também a
entrada desses dois era por tempo limitado, por causa de “disputas territoriais”. O
gerenciamento da associação não estava mais agora nas mãos do meu pai, e sua única
função foi assinar e aprovar os diplomas e certificados outorgados pela associação.
As brigas internas afastaram todas as pessoas que queriam continuar a praticar o
verdadeiro e original Krav-Magá do meu pai, uma situação que continua até hoje.
Os alunos mais antigos do meu pai enfrentaram um outro problema também.
Dentro da academia do meu pai todos se conheciam e a história e qualidade
profissional de cada um era conhecida por todos, não havia como se esconder.
Mas agora, pessoas que dedicaram décadas para se aprimorar e controlar
a arte, encontraram-se de repente confrontando uma organização que estava “se
ajustando” para eliminar o caminho do meu pai e do Krav-Magá. Somente os alunos
10. Na escola BUKAN,em Rehovot, treinaram cerca de 340 alunos sob a direta supervisão do Yaron,
e além disso, a escola possui mais 63 filiais no país todo com aproximadamente 6 mil praticantes.
11. Veja documento número 12, página 267. O documento em questão foi obtido por causa de uma
difícil luta judicial.
12. A associação original que Imi fundou e no carimbo inicial apareceu o nome “associação de Krav-
Magá”. Contudo, em 1983 o Sr. Haim Gideon fundou uma associação nova chamada “Associação de
Krav-Magá ISRAELENSE”, e só mais tarde Imi ingressou nessa nova associação e não foi um de seus
fundadores, como tenta-se mostrar para o público.
13. Apesar das pressões diárias e constantes, meu pai não se rendeu e não cedeu para ninguém
da associação uma carta na qual ele os define como seus sucessores profissionais. Como artista e
criador, meu pai deve ser julgado no final por seus atos e não devemos nos preocupar em analisar seus
pensamentos. Este fato se repete várias vezes ao longo da pesquisa.
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14. Não há uma forma segura de saber onde foi tirada a foto que aparece no documento número 27, na
página... Porém, o fato de Imi aparecer sem nenhuma faixa, preta ou vermelha, prova a sua pacífica
manifestação e indignação.
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verdade todas essas novas “técnicas” estavam totalmente opostas à própria essência
do Krav-Magá como arte marcial. Um exemplo marcante foi o de um rapaz que
resolveu convencer meu pai de que é melhor chutar com a parte superior do pé (as
costas do pé) do que com a bola do pé. O mesmo rapaz aparece num DVD produzido
pelo Sr. Darren Levin com um considerável investimento financeiro, e é interessante
ver esse “gênio” demonstrando e ensinando como aplicar chute “foice”, porém, por
causa de uma falta incrível de coordenação, o seu pé está na posição de chute “faca”.
Fenômenos deste gênero comprovam as mudanças feitas na arte, supostamente com
o conhecimento do meu pai.
Depois de seu falecimento, iniciaram-se obviamente as lutas pela sucessão.
Naquela época os Srs. Eyal Yanilov e Haim Zut eram membros na associação do Sr.
Haim Gideon e por algum tempo dividiram a chefia da associação, uma vez que meu
pai não ocupava mais o cargo da presidência. Mas esta cooperação era bem curta
e um mês depois que meu pai partiu para um lugar melhor, os três se separaram e
cada um deles escolheu um outro caminho. O Sr. Haim Gideon declarou-se “Grão
Mestre” sem que ninguém aprovasse ou autorizasse isso. O Sr. Haim Zut fundou
uma nova associação de Krav-Magá e a denominou de “Kapap”, afirmando agora
que ele inventou o “Krav-Magá Internacional”. O Sr. Eyal Yanilov, depois da morte
do meu pai e depois da ruptura que ele mesmo causou, fundou a “IKMF” – sigla
em Inglês para “Federação de Krav-Magá Israelense”, e declarou que somente ele
está autorizado a ensinar Krav-Magá. Mas quando foi apresentado a ele o fato de
que meu pai nunca fez parte de sua organização e que esta foi fundada sem seu
conhecimento e aval, simplesmente porque foi estabelecida depois de sua morte, o
Sr. Eyal Yanilov preferiu ficar em “sem comentários”.
Em relação à IKMF, é importante mencionar que um de seus fundadores
era o Sr. Darren Levin, dos EUA. Em um de seus bem produzidos DVDs, o Sr.
Levin afirma que ele passou seis semanas treinando em Israel com meu pai (não
existe nenhuma evidência para esta afirmação) e no final recebeu o grau de “level six” (Do
Inglês: nível seis. Hoje, como seu antigo mentor profissional – o presidente da IKMF, o Sr. Levin já se
declarou décimo Dan... ). Então, expressando de forma muito suave, isso não é verdade.
Meu pai nunca cedeu este tipo de graduações e elas foram inventadas somente na
IKMF.
Portanto, é preciso entender que os treinos sobre os quais o Sr. Darren está
falando foram realizados com o Sr. Eyal Yanilov, e não com meu pai ou qualquer
outra pessoa.
Muitas pessoas exigiram o trono para si mesmos, e nesta batalha vários
documentos foram apresentados ou “inventados”, mas nenhum deles comprovou que
seu portador era o herdeiro profissional autorizado pelo meu pai, tirando Yaron, que
recebeu autorização para outorgar graus avançados e também recebeu do meu pai o
grau de faixa preta Nono Dan, além do diploma dele, que foi assinado pelo meu pai
com a presença de testemunhas. Anexado ao diploma há também uma declaração
importante, que afirma ser Yaron o único a ensinar o caminho original do Imi e ser
também o segundo pai fundador do Krav-Magá. É possível examinar as ações do
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meu pai de diversos ângulos interessantes. Será que ele percebeu todas as mentiras
ao seu redor e agiu para se vingar de todos eles, qualificando o Yaron como o Grão
Mestre? Ou talvez por que entendeu que se não reagisse agora, poderia ser tarde
demais? Qual é o verdadeiro motivo atrás da decisão do meu pai de não apontar o
Eli como seu sucessor, antes mesmo do Eli escolher um outro caminho? Será que foi
uma escolha puramente profissional? É possível imaginar que meu pai sabia desde
o início que Eli escolheria um outro caminho e posicionou-se contra os atos do
Eli, mas ao mesmo tempo apoiou outros que também modificaram a sua arte? Eu
duvido! Como magos realizando os maiores feitos que o mundo já viu, inúmeros
documentos surgiram nas mãos das pessoas mais próximas ao meu pai depois da
sua morte, e, como consequência desta pesquisa, tenho enormes dúvidas a respeito
desses documentos, e até a justiça israelense tinha que envolver-se em alguns casos.
Atrevimento, insolência e petulância são atributos que os israelenses têm de sobra.
Ao examinar o Panteão das artes marciais, podemos observar um fato
interessante: em todas as artes, sem exceções, conhecemos os criadores pelo
seu nome completo - O Judô, o Aikidô, o Karatê Shotokan e o Krav-Magá. Mas,
percebemos também que poucos em cada arte conhecem tão bem os sucessores de
cada fundador.
Exatamente a mesma coisa está acontecendo agora no Krav-Magá. Todos
lutam por uma coisa que não é deles. O nome do Imi como o criador do Krav-
Magá sempre será lembrado e os outros rapidamente serão esquecidos, mas a tolice
continua em sua trajetória e ninguém assume o que deveria ser a causa comum: Imi
Lichtenfield e o Krav-Magá. Saibam: no final as pessoas lembrarão apenas o nome
do meu pai.
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Documento 23
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Documento 23
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Documento número 27
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O Soldado Moderno
Krav-Magá Militar ???
O soldado moderno não pode levantar a sua perna para chutar ou a mão para bater.
Mesmo alguém que tentasse atacá-lo de trás, teria que pesar 200KG e
ter altura de 3 metros, para conseguir derrubá-lo.
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isto é, o meu caminho. Os israelenses são um povo arrogante, mas talvez tenham
bons motivos para tal comportamento. O significado do nome Israel vem da bíblia,
e significa “Aquele que viu Deus”: “Não te chamarás mais Jacó, mas Israel; pois
como príncipe lutaste com Deus e com os homens...” (Gênesis, 32:28). Ou seja, em
algum momento de nossa história, nossos representantes ficaram cara a cara com
Deus. Será que é verdade? Só Deus sabe... Entre a narração bíblica e a realidade
passa provavelmente uma corrente de tempo mais exato e confiável.
Não obstante, alguns acontecimentos que ocorreram ao longo de nossa
história como nação, contribuíram de um grau ou outro para o avanço de nossa
arrogância, que também nos dias atuais nos leva a conquistas que deixam nossos
rivais, concorrentes e inimigos bem atrás na corrida, e o Krav-Magá seria um dos
melhores exemplos para este fenômeno. Para compreender a concepção israelense do
mundo, é necessário conhecer as lendas e histórias dos heróis bíblicos de guerra, que
muitos em Israel até hoje não duvidam por um segundo o fato de que eles existiram.
São estas histórias e mitos que dão ao povo israelense seu poder espiritual e seu
vigor físico, tornando-o uma potência.
Essa história moldada por guerras existenciais e o espírito daqueles heróis
são os fatores responsáveis por constituirmos o melhor e o mais sofisticado dos
exércitos. Compensamos a nossa inferioridade numérica com a criação das mais
avançadas técnicas de combate, apoiando-nos nos campos científico e tecnológico.
Falta ainda tratar do elemento mais importante: o espírito do soldado
israelense que luta por sua terra natal. Se não fosse por esta tradição de espírito
guerreiro, não sobreviveríamos durante seis mil anos como nação e Estado soberano.
Sem dúvida que o leite materno das mulheres israelenses é diferente daquele
de outras mães ao redor do mundo 3*. Ainda quando bebê, o futuro soldado israelense
mama dos seios de sua mãe o sabor e o espírito dos heróis nacionais que viveram
ao longo de toda a história judaica, começando com a conquista da terra santa e
a tomada da cidade de Jericó, cujas muralhas caíram e não resistiram aos gritos
dos antigos guerreiros hebreus: “gritou o povo com grande brado; e o muro caiu
abaixo, e o povo subiu à cidade...” (Josué, 6:20). Seria um outro exemplo de arrogância
israelense (que talvez já tivesse me infectado também) afirmar que esta foi a primeira vez na
história humana que usou-se a força do “Kiai”???
Atos de enganação e técnicas de eliminação que exigiram habilidades
físicas e tecnológicas bastante avançadas para a época, mas que já existiam naqueles
dias, servem como modelos de imitação até hoje. Vejam o exemplo do Profeta Eúde
(Juízes, 3:16): “E Eúde fez para si uma espada de dois fios...”
3. A mulher israelense típica possui uma concepção alternativa da vida. Para conquistá-la, o homem
israelense enfrentará um longo caminho e complexos obstáculos, muito mais do que em outros países,
como na América Latina, por exemplo. A mulher israelense é uma das mais rigorosas e exigentes ao
escolher seu homem, e talvez ela tenha uma certa razão - a vida num país que está constantemente
lutando por sua sobrevivência é a principal causa dessa característica da mulher “Sabra”. No entanto,
os afortunados que conseguissem experimentar em seus lábios o sabor que seduziu o Adão no Jardim
de Éden, induvidosamente entenderão a potência e o rigor que se habitam nas mães dos melhores
guerreiros que o mundo já viu. Isto é, com algumas exceções, é claro...
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era parte da academia de Alex, porém o lugar foi chamado de “Clube Sansão” (não foi
meu pai que deu o nome ao lugar, mas o Alex, o proprietário). Era uma “Sgula” 5*, uma forma
de dizer: “Quem treinar aqui será forte e corajoso como Sansão”.
Um estudo cuidadoso do modo que Gideão (livro Juízes, capítulos 7, 8) escolheu
seus guerreiros mostraria uma semelhança impressionante com o sistema moderno
de seleção usada pelas forças armadas israelenses na atualidade, no que diz respeito
à entrada de novos candidatos para as melhores unidades de elite no mundo. Cada
ano, de milhares de concorrentes, apenas alguns são aceitos. Trata-se de lugares
como a infantaria, os cursos para formação de oficiais navais e cursos da força
aérea. Não é nenhuma surpresa então o fato de que fui criado justamente por um
pai israelense e judeu, em Israel. Sem dúvida que no futuro, embora eu não possa
prever o tempo exato, também meu pai será lembrado como um dos heróis bíblicos
mitológicos do povo de Israel e esta pesquisa e seus artigos serão os responsáveis,
por isso me esforço tanto. Naquele futuro, seja ele próximo ou distante, por causa
destas linhas, todos saberão o caminho puro do meu pai e conhecerão quem eram os
parasitas que apenas tentaram se alimentar de seu nome, glória e da arte que criou.
A história, como sempre, será o mais rígido julgador.
Aquele pequeno pedaço de terra chamado Israel, no meio do Oriente Médio,
é infestado por todos os males que o homem criou: as guerras, o terrorismo e o pior
de todos – a “Hutzpá”. Falando disso, eu não poderia ignorar um boato que ouvi e
que está sendo divulgado por pessoas negativas, que têm como objetivo único incitar
brigas e guerras. O rumor diz que o Krav-Magá é destinado somente a israelenses
e judeus, e eu digo que está afirmação é pura maldade e ignorância. Não existem
milhões de indivíduos fora do Japão que praticam Judô ou Caratê? E o Kung-Fu
Chinês? Ou o Taekwando Coreano? E a Capoeira Brasileira? Desses milhões de
praticantes, quantos realmente conhecem a história do país de origem, ou quantos
mantêm as regras religiosas e costumes locais da terra natal de cada arte? Esta é
a “Hutzpa” israelense em sua forma mais “pura” e nós devemos estudá-la, já que
ela é o objeto da pesquisa e a chave para a compreensão de todo o nosso trabalho.
Entretanto, faz-se necessário lembrar que nem todos os israelenses são assim e que
trata-se apenas de uma minoria barulhenta.
A mídia em Israel gosta de comparar a “Hutzpá” com a Sabra, um tipo de
planta famosa por seus longos e perigosos espinhos. Na verdade, na gíria hebraica
todos os israelenses natos são chamados de “sabras”. Da família dos Cactos, a Sabra
cresce no deserto e tem folhas verdes, grossas e suculentas, cobertas por espinhos
ameaçadores, e é usada para alimentar os camelos e as cabras dos beduínos,
especialmente por causa do alto teor de água presente naquelas folhas 6*. Já as frutas
5. Sgula é uma expressão bíblica através da qual Deus proclama os hebreus como seu povo escolhido.
No Hebraico falado hoje em dia a palavra “Sgula” significa também um sinal de sorte, longa vida e
êxito.
6. A planta é também o símbolo nacional de México e a sua imagem aparece na bandeira nacional
daquele país, embora que sem as frutas, somente as folhas. É de costume no México grelhar as
folhas mais novas e finas e adicioná-las ao famoso “Tacos”, a comida popular (e saborosa) mexicana.
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da Sabra possuem uma casca em cor amarela, também protegida por milhares de
espinhos pequenos e afiados, que se desligam da fruta facilmente com um leve
vento, e podem se enfiar em alguma vítima que desejasse degustar o doce sabor da
mesma. Do momento que os espinhos colam na pessoa, seria impossível removê-los
nos dias seguintes, até que a inflamação se curasse. Entretanto, muitos consideram o
sacrifício razoável para conseguir sentir o sabor único da fruta (a comparação aqui é com
a fruta que está espinhosa de fora e doce de dentro, e os nativos israelenses são exatamente assim, por
isso são chamados de “Sabras”).
No passado, quando o país estava menos desenvolvido
e menos construído e ainda cheio dessas plantas, as crianças israelenses viram na
Sabra um ingrediente obrigatório no seu cardápio diário.
Somando à “Hutzpá”, o senso de humor cínico e a capacidade de invenção
e improvisação dos israelenses, que parece não ter fim, o resultado que recebemos é
uma pura genialidade. Seu complicado estado mental e as incontroláveis necessidades
do israelense de mostrar e demonstrar sua inteligência e coragem, o levam muitas
vezes para lugares além do imaginável. A seguinte história é um exemplo perfeito (e
confiem em mim quando digo que há muitos outros) do modo de pensar e agir do ordinário
“general” israelense. Em uma das minhas várias viagens ao redor do mundo, cheguei
também ao México, e lá encontrei um rapaz israelense que estava trabalhando,
é claro, na área de segurança. Durante um jantar composto de comida mexicana
típica, ouvi uma conversa acerca do espírito de invenção dos israelenses. O jovem
israelense, de apenas vinte e três anos, tentava conseguir um cargo de perito na
polícia do México e contava para os comandantes locais que sua patente no exército
israelense era de Coronel. No entanto, ao perceber que seus locutores o estavam
encarando com olhares cheios de dúvidas, o folgado rapaz não se confundiu e com
uma incomparável tranquilidade subiu nas asas da imaginação e afirmou o seguinte:
“Como vocês devem saber”, explicou para seus entrevistadores, “Israel é um
país que sofre constantemente de guerras e terrorismo e, portanto, as pessoas ali
morrem relativamente jovens e assim os melhores recebem patentes de alto escalão
quando ainda novos”. Evidentemente que a próxima ação dos oficiais mexicanos
era mostrar para o israelense o caminho até a porta e, desde aquele dia, eles não
acreditam em nenhum outro israelense. Isso, claramente, não impede que outros
israelenses desonestos tentem sua sorte de forma parecida em todos os cantos do
mundo.
O objetivo de tudo isso era mostrar aos leitores que a “Hutzpá” não tem
limites e ela aparece em diversas ocasiões ao longo da história. Se não fosse por
aquela “Hutzpa” 7*, tanto a história do meu pai como a minha seriam completamente
diferentes. No que diz respeito à segurança e vigilância, Israel é uma potência
internacional e por este motivo fica muitas vezes difícil fazer as pessoas acreditarem
que somos um país pequenino, de apenas cinco milhões de pessoas. Não há alguma
forma de segurança inventada pelo homem que não possamos encontrar em Israel,
7. De acordo com a concepção israelense, se não fosse por essa “Hutzpá”, os britânicos nunca seriam
expulsos do país e a fundação do Estado de Israel não aconteceria. E mesmo se os fatos históricos
apontam para outras direções, ninguém em Israel realmente se interessa em saber.
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8. Esta é a beleza da coisa, já que os genuínos, aqueles que realmente estavam lá, nunca comentariam
isso, verbalmente ou por escrito. Todos os conhecem e eles conhecem todos, e este grupo sem dúvida
constitui uma elite fortemente fechada e isolada. O sigilo é uma parte inseparável de sua vida, e
eles jamais falariam ou escreveriam sobre isso, uma vez que cada palavra pode afetar seriamente a
segurança do Estado de Israel e de sua população, e esta segurança é o valor supremo deles.
9. Tanto a pesquisa toda como este artigo específico, são completamente focados no Krav-Magá.
Portanto, tudo que é dito e escrito no capítulo deve ser ligado apenas ao Krav-Magá, sem usá-lo com
o objetivo de tirar conclusões sobre a vida em Israel. Apontamos aqui somente para marcar o caminho
de Imi e da história de sua arte.
10. O processo de seleção para aquelas unidades governamentais de segurança tampouco é simples.
Os candidatos passam por exaustivas provas, que incluem testes de inteligência, força, rapidez
e especialmente coordenação motora. A nota exigida para ser aceito é a máxima. No entanto, a
primeira e a mais fundamental condição para sequer ter direito de fazer as provas, é ser veterano de
uma unidade combatente do exército israelense, sendo que os veteranos dos grupamentos de elite têm
maiores chances de serem aceitos. Segue-se o princípio de que os homens que estavam dispostos a
arriscar suas vidas frente ao fogo inimigo, fariam o mesmo pela pessoa que estão protegendo. Apenas
pessoas consideradas de total confiança servem naquela unidade.
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durante vinte e quatro horas por dia, em cada minuto e segundo. O exército israelense
é o único fator que determina se o Estado judaico sobrevive ou não. Não há sequer
uma família em Israel em que um de seus filhos (ou filhas) não esteja servindo no
exército, e o temor pela vida dos filhos e filhas é constante.
A mãe israelense faria tudo que fosse possível para educar seus filhos, mas,
em primeiro lugar, sempre estaria o elemento militar, mesmo se ninguém o admitir,
seja por não estar ciente disso ou por estar em autonegação. Esta é a concepção
básica da educação em Israel: crianças nascem para crescerem e combaterem, ponto
final. O sistema educacional em Israel também opera alguma forma de lavagem
cerebral como parte da qualificação militar. As escolas lá, por exemplo, são
obrigadas pela lei a realizar cerimônias memoriais, nas quais os adolescentes ficam
em pé durante horas como ato de se identificar com os soldados que sacrificaram sua
alma defendendo o país. Muitas das matérias aprendidas nas escolas são dedicadas
ao ensino de eventos históricos relacionados às passadas guerras de Israel, incluindo
histórias e lendas pessoais de vários heróis israelenses que lutaram e morreram por
seu país.
11. Veja o capítulo referente à bibliografia no livro “The Yom-Kippur War – A Moment of Truth”. A
relação do Estado de Israel com os ex-prisioneiros de guerra Israelenses, capturados durante a Guerra
de Yom-Kipur, é a mais adequada para descrever a condição daquela cidade antiga, ao invés de um
país moderno que zela por seus soldados e guerreiros.
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O número de jovens que desejem entrar nas unidades de elite está sempre
crescendo em ritmo acelerado e nunca diminui, já que cada geração nova tem o
dever e necessidade de se provar, e o maior desafio de todos está no exército. Desta
forma, as forças armadas têm o luxo de poder escolher os melhores dos melhores,
como realmente fazem, de modo intransigente.
Os cursos profissionalizantes que, no final dos quais, o soldado se tornaria
um guerreiro, tampouco são simples, e o soldado sabe que no primeiro momento
em que ele mostrasse alguma incapacidade de cumprir os requisitos, ele seria
transferido para um outro lugar. A dura luta interna entre os soldados durante os
cursos de qualificação para ver quem seria o melhor, quem conseguiria terminar
o longo curso e ganhar o direito de usar na sua farda o símbolo da unidade 12*, é
a causa número um da força e do poder dos grupamentos de operações especiais.
Todas estas unidades simplesmente não atingiriam um nível operacional tão elevado
sem aquela “guerra” interna. O orgulho de fazer parte de alguma força especial
no exército é uma das principais características da vida em Israel. Para o soldado
israelense, o orgulho vem em primeiro lugar, a possibilidade de voltar para casa e
contar para todos: a família, os amigos, a namorada etc., que integra uma unidade
de elite – esta é a essência de sua vida. Quem teve êxito e ingressou em uma dessas
unidades, são garantidos para ele os olhares admiradores das mulheres e os cheios
de inveja dos homens.
Por sua vez, evidentemente que o exército cultiva e apaia a cultura do
orgulho militar para continuar sustentando e aumentando o alto nível operacional.
Já a imprensa em Israel, tanto a escrita como a digital, constitui uma peça inerente
ao sistema universal para a elevação da motivação e da moral dos soldados, dos
adolescentes na fase pré-recrutamento e do povo em geral. Quando o apresentador do
noticiário avisasse sobre a realização de uma operação militar por alguma unidade
de elite além das linhas inimigas, ele o faria usando uma voz baixa e vibrante, de
uma forma que a nação toda sentiria como se tomasse parte na ação.
A formação militar interna também é algo bastante interessante e curioso.
Israel, como já vimos, é país pequeno, minúsculo. Quando chega a época do
recrutamento, todos entram juntos no exército, isto é, a geração que completou agora
o Ensino Médio ingressará quase que imediatamente no serviço militar, toda de
uma vez só. Alguns dos jovens virariam soldados “regulares” e outros escolheriam
seguir o curso para formação de oficiais. Assim, é comum ver uma situação na qual
dois amigos de infância tornam-se nas forças armadas comandante e comandado.
Neste caso, o processo de dar ordens e comandos se complica e, portanto, ao longo
dos anos foi criado um certo código de conduta que jamais seria aceito em outros
exércitos ao redor do mundo: as relações entre oficiais e praças no exército israelense
12. Como em todos os exércitos, cada unidade tem seu próprio símbolo, sua fonte de orgulho. Nas
forças armadas israelenses, somente quem terminou com êxito o curso específico de sua unidade é
autorizado a colocar na farda o símbolo de seu grupamento. Entretanto, existem certas unidades de
elite no exército que nem sequer têm um símbolo especial, simplesmente para evitar que alguém possa
identificá-las de alguma forma.
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são pouco formais, distintas das regras severas que existem neste aspecto em outras
forças armadas. Mas é justamente este fenômeno que contribuiu para o sucesso
excepcional do exército israelense.
Em Israel, e especialmente na mídia israelense, as forças armadas são
consideradas e pensadas como “O Exército do Povo”. Quando examinamos a
afirmação do ponto de vista daquela amizade, ela acaba se tornando positiva. Muitos
soldados se sacrificaram para salvar a vida de um outro soldado, que era na verdade
seu amigo desde criança, que cresceu junto com ele e agora estava servindo na mesma
unidade que ele. O exército encoraja esse tipo de comportamento e aplica vários
métodos sócio-psicológicos para tornar os membros de cada equipe de comando um
grupo sólido e firme, não somente no combate, mas também na amizade do dia-a-
dia, seguindo a concepção de que soldados cuidariam um do outro por ser parte de
sua função, porém amigos de verdade morreriam um pelo outro.
O resultado é que no exército israelense percebem-se índices incomparáveis
de sacrifício e bravura individual, especialmente dentro das unidades de elite.
Um verdadeiro guerreiro israelense preferiria morrer a envergonhar seus amigos,
familiares, compatriotas ou a si mesmo. Também os grandes compositores israelenses
escreveram canções e músicas glorificando o autosacrifício no serviço militar, algo
que apenas contribuiu para o fortalecimento da sensação de “Estar numa missão
divina” no soldado. Como já mencionamos, Esparta existe e vive em Israel.
A vida marcial da juventude israelense inicia-se bem antes do dia se seu
recrutamento. Os jovens com motivação mais evidente e especialmente aqueles
que estivessem mais entusiasmados em descobrir e mostrar seu real potencial,
se inscreveriam em cursos preparatórios especiais para o serviço militar. Esses
cursos são ministrados por ex-combatentes das forças especiais que preparam os
adolescentes para o sistema de treinamento do exército da forma mais real possível.
Entretanto, esses cursos preparatórios não constituem de modo algum uma garantia
para os participantes de que aguentarão a vida militar, e isso é por um simples
motivo: esses cursos não são realizados seguindo o regime e a disciplina militar, e
a diferença é imensa. Contudo, esses estágios definitivamente ajudam a melhorar a
forma física dos recrutas e, consequentemente, ao longo prazo, aumentam também
o nível geral do exército. Não obstante, há uma outra questão fundamental aqui: os
cursos acima mencionados são completamente privados, sem nenhum laço com o
exército e, por conseguinte, são caros, por vezes até extremamente caros. Portanto,
nem todos têm a possibilidade de participar nos cursos.
O exército israelense se vê, e com razão, como um responsável direto pela
sobrevivência do país e, sendo assim, ele toma ocasionalmente a liberdade de agir
de maneiras inapropriadas, isto é, criando tentações que um órgão organizado e
experiente como o exército israelense não deveria fazer. Embora, do ponto de vista
militar, a segurança do país e de seus cidadãos vem em primeiro lugar. Muitas
das profissões ensinadas hoje em dia nas forças armadas têm alto valor também
na vida civil, sendo por isso bastante concorridas e há um grande número de
soldados desejando aprendê-las. Desta forma, o exército começou a realizar cursos
60
61
14. “Achvat Lorramim” (Amizade entre soldados): o sistema militar de treinamentos, que qualifica
o soldado como guerreiro e o educa na forma de que sua vida depende de seus companheiros. Está
evidente para cada soldado que a sua vida está nas mãos de seus amigos, e vice-versa. A maior prova
de todos, estar em combate e sob fogo inimigo, é uma coisa de rotina diária em Israel. É nestes
momentos que a verdadeira personalidade de cada um se revela. Quem não reagisse de acordo com o
espírito da equipe, não ficaria ali mais. O resto absorveria, mesmo se de modo inconsciente, o código
de conduta sob fogo e o tornaria uma segunda natureza, uma parte integral de seus pensamentos
e comportamento. A dependência mútua, indivíduo–grupo, fica para sempre e seria extremamente
difícil atingir a sua integridade estrutural–social. As pessoas enxergaram a ajuda ao outro da mesma
forma como se estivessem no meio de uma batalha sangrenta. A coligação entre guerreiros em Israel
é uma ordem moral comportamental, e os que vão contra o fluxo são chamados de “traidores”. A
palavra específica nem sempre é pronunciada abertamente, mas o significado e o entendimento são
perfeitamente claros. Esses indivíduos estão fora do código militar de conduta.
62
15. Assistimos a filmes produzidos pela legião Jordaniana, que documentam treinamentos organizados
de unidades militares em Caratê. O longo período de serviço dos soldados naquele exército e a ordem
de prioridades levou a uma situação que todos são portadores de no mínimo Faixa Preta em Caratê
Shotokan. As aulas são realizadas de forma altamente tradicional, ou seja, todos vestem kimono com
a Faixa Preta. A legião jordaniana é considerada o melhor de todos os exércitos árabes no Oriente
Médio.
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16. No Hebraico, ou mais corretamente, na gíria militar em Israel, os indivíduos que não servem ou
não serviram (ou não foram aceitos) em unidades de combate são apelidados de “Jobnik”. O “Jobnik”
é o tipo de soldado que passa seu tempo pintando paredes do quartel, limpando toaletes, lavando
carros etc.. Não parece que alguém lembra o fato que os “Jobniks” realizam também trabalhos
administrativos essenciais para o funcionamento normal das forças armadas. Num exército ocupado
com guerra diária contra o terrorismo e cercado por centenas de milhões de inimigos que têm como
objetivo principal jogar o estado judaico ao mar, somente os verdadeiros guerreiros têm valor.
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17. Em Israel, qualquer tipo de falsidade relacionada ao aspecto militar, é considerada um grave
crime. Há um departamento especial na polícia do exército que cuida desse tipo de fenômenos. Quem
fosse flagrado cometendo esse crime seria normalmente condenado a diversos períodos de prisão,
dependendo da gravidade de cada caso. Entretanto, essas leis não são válidas quando o fingimento
é cometido fora das fronteiras do país e por isso tantos israelenses tendem a fazê-lo. Em Israel, isso
seria julgado como um ato contra a segurança nacional.
65
para o lugar certo 18*, e a verdade será descoberta imediatamente. A revelação dessa
ferida dolorosa da sociedade israelense descreve da melhor forma o ocorrido dentro
das diversas organizações de Krav-Magá.
Entretanto, existe um outro lado da moeda que devo apresentar e explicar,
que está também fortemente ligado ao Krav-Magá. Falo da vida dentro do exército
israelense, que constitui o melhor exemplo da “Hutzpá” 19* israelense. As forças
armadas israelenses, por razões óbvias, são relativamente pequenas, mas altamente
qualitativas. Desde a declaração de independência do Estado de Israel, no dia 15
de Maio de 1948, as forças de defesa não tinham sequer um dia de descanso. Os
melhores cérebros do país estão constantemente trabalhando para desenvolver e
aprimorar cada invenção possível, seja essas técnicas avançadas de guerrear, seja
a criação de novas armas táticas, como por exemplo: a Sub-metralhadora “Uzi”, a
metralhadora mais pesada “Negev”, capaz de atirar com precisão centenas de balas
por minuto, ou o mais moderno fuzil de ataque, o “Tavor” e, os tanques de guerra
israelenses, os “Merkava”, que são os melhores do mundo. Se antigamente dirigir
ou comandar um tanque era uma tarefa relativamente “simples”, hoje em dia para
operar um tanque de combate é necessário ter formação ampla em informática e às
vezes até em engenharia. E o auge da “Hutzpá”: a força aérea israelense compra seus
caças de guerra dos Estados Unidos, porém estes vêem completamente pelados, isto
é, todo o equipamento tecnológico, armamento de precisão e outros componentes
secretos que tornam o avião uma invencível máquina de guerra, são fabricados no
próprio Israel com uso exclusivo da força aérea daquele país. Exatamente o mesmo
nível de sofisticação está presente no Krav-Magá, e esse fato talvez possa esclarecer
outros fatores importantes relacionados à arte marcial israelense de defesa pessoal.
Quando meu pai chegou ao Israel durante a época da resistência e Guerra
da Independência e ensinou como lutar com as mãos vazias, ou, na melhor das
hipóteses, com bastão ou faca, ele o fez porque aquelas eram as condições e as
necessidades da hora. O país viveu uma realidade triste, de poucos lutando contra
muitos e este ambiente serviu como a base espiritual preliminar do Krav-Magá.
18. Embora tratar-se de uma pesquisa histórica e não de algum romance fofoqueiro, decidimos
excepcionalmente entregar os seguintes endereços, com base puramente informativa e apenas no
intuito de confirmação dos fatos, mesmo quando o assunto é a própria pesquisa.
O porta-voz da polícia israelense fornece certos detalhes. O porta-voz das forças armadas liberaria
informações de acordo com as leis de censura e segurança em Israel. A escola BUKAN dá informação
quanto a credibilidade e veracidade de portadores de faixas pretas e instrutores qualificados. Todos
os consulados e embaixadas do Estado de Israel ao redor do mundo têm um oficial de chancelaria
responsável pelo contato com a mídia local, e todos são autorizados a entregar informações
apropriadas, dependendo do pedido e de seu elaborador. Ademais: Empresas privadas, instituições
governamentais oficiais, jornais, agentes de segurança privada e investigadores particulares, vários
institutos acadêmicos em Israel, como por exemplo, o instituto Wingate, todos colaborariam com
informações úteis e valiosas. Evidentemente que os interessados precisariam explicar detalhadamente
os motivos de suas solicitações.
19. Foi por essa “Hutzpá” que o governo israelense conseguiu obter documentos secretos que
continham dados detalhados sobre a construção do caça francês “Mirage”, e iniciou a fabricação de
um modelo local do mesmo, sem a autorização do governo francês. No final, o caça “israelizado” deu
a absoluta vitória à força aérea israelense na Guerra dos Seis Dias.
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Todos seguiram esta mentalidade, que era adequada e correta para o período, e,
a maioria ainda acredita nela, até hoje. Todavia, desde aqueles primeiros dias de
Gênesis, a “Hutzpá”, a ousadia e a genialidade levaram nosso povo muito para frente.
Nós não lutamos mais com as mãos, ou com facas e bastões, e de fato são raríssimos
os casos de soldados que carregam atualmente facas para o combate: eles preferem se
equipar com a alta tecnologia israelense, e eles estão certos – no moderno campo de
batalha, esta arma branca é inútil, a não ser, é claro, para posar e para o ego
masculino... Nos últimos anos não há nenhum registro de ocorrência no exército de
uma situação na qual os soldados israelenses chegaram a trocar socos e chutes com
terroristas ou soldados inimigos. Os terroristas, que adotam métodos de guerrilha,
mantêm uma distância grande e “segura” dos soldados que os perseguem e utilizam
bombas acionadas por controle remoto etc., enquanto os soldados, por sua vez,
realizam patrulhas a pé usando técnicas de combate que não deixam espaço para
uma luta corpo a corpo acontecer.
Atualmente, na linha de frente, o exército divide suas forças em pequenas
equipes, chamadas de “Tzevet”. O número de guerreiros, em cada equipe, varia
de acordo com a missão e o tipo da unidade operacional. Antes de cada operação,
os soldados montam e treinam sobre um “modelo” que simula o alvo verdadeiro:
ambiente urbano, zona de mato, área montanhosa, etc,. A possibilidade de chegar a
uma distância de queima-roupa do inimigo, que exigiria um uso real do Krav-Magá,
nunca é levada em conta, nem mesmo quando a missão se concentra em regiões
densamente populosas - isso simplesmente não faz parte da formação operacional
do exército. Pelo menos um soldado sempre fica na traseira da equipe para garantir
a segurança de todos. A função desses soldados no calcanhar da unidade é eliminar
imediatamente usando todos os meios disponíveis, qualquer pessoa que possa
interferir na segurança da equipe. O exército não é uma força de policiamento, ou
seja, ele opera em território inimigo e geralmente sob fogo e grande risco de vida.
Em situações assim, a regra é: primeiro atire, depois pergunte.
As armas de hoje em dia não são mais o velho e bom fuzil tcheco com o
qual meu pai começou a ensinar defesas contra baioneta e até como tornar o fuzil
um bastão altamente eficaz. A arma tcheca, apesar de ser extremamente precisa,
era longa e pesada e atirava apenas uma bala de cada vez. As armas modernas
do exército israelense são capazes de realizar dezenas e algumas até centenas de
tiros exatos por segundo, guerra não é um jogo. Portanto, a concepção israelense
adota o fato de que o contato físico entre soldados dos dois lados sumiu 20* quase
completamente. Incidentes raros e isolados não são levados em conta nos cálculos
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68
21. Antes de ingressar no exército israelense, cada jovem passa por uma bateria de diversos testes e
exames que determinariam no final a sua profissão militar durante seus anos de serviço. Entre outros,
são testados o nível de inteligência do candidato, grau de educação, sua capacidade física, origem
social e econômica dele e de seus pais.
22. BUKAN fundou-se no ano de 1978, numa sala alugada. Porém, depois de algum tempo foi recebido
um pedido de desocupação do imóvel, uma vez que o terreno foi vendido a uma grande construtora
que planejava erguer um prédio de luxo no local. Consequentemente, Imi e Yaron resolveram comprar
um lugar que serviria como a sede permanente da escola. Yaron vendeu seu próprio apartamento para
financiar a compra da sede da BUKAN.
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23. Não esqueçam o fato mais importante: quando Imi ensinou defesas de baioneta contra baioneta,
os fuzis mais comuns eram as armas tchecas, feitas metade de carvalho forte e metade de aço. Esses
fuzis não quebravam facilmente, enquanto, hoje em dia, armas populares como o M-16 americano,
são fabricadas de plástico frágil que se despedaça no primeiro golpe.
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(apenas um mês depois do falecimento do meu pai, o Sr. Haim Gideon já se autodeclarou o herdeiro
dele e Décimo Dan de Krav-Magá, e isso embora não tivesse nenhum documento para apoiar seus
atos e declarações). Pensem, meus prezados leitores, vocês concordariam em ser
castrados??? Evidentemente que não!!! Então, por que meu pai deveria aceitar que
algo, pelo qual trabalhou toda sua vida, fosse castrado?
No ponto onde termina a função do soldado israelense como guarda
das fronteiras e guerreiro de anti-terrorismo, começa o papel do policial como
representante da lei. Enquanto o soldado de hoje em dia pode sobreviver com
pouco ou nenhum treinamento de Krav-Magá e defesa pessoal, o policial necessita
destas habilidades da mesma forma que precisa de sua farda, porrete e pistola.
Presentemente, os policiais atuam em ambientes urbanos infectados por violência
física e, muitas vezes, o único elemento que distingue eles e os bandidos é a cor de
seu uniforme.
Quando os alemães fundaram a sua unidade de anti-terrorismo (uma das
melhores no mundo, e que, mais tarde, serviu até como modelo para a criação de uma unidade
parecida nas forças armadas israelenses), naturalmente que a primeira coisa que fizeram
foi convidar meu pai para treiná-los. Entretanto, ele não se sentiu confortável com o
pensamento de que precisaria passar longos períodos morando fora de Israel e voltou
para casa depois de duas semanas. Além disso, também o fato de morar na Alemanha,
o país responsável pelo Holocausto, o incomodou profundamente. Algumas coisas,
aparentemente, ficam para sempre. De qualquer forma, já na unidade israelense de
Anti-Terrorismo, chamada de “Yamam”, começaram a ensinar dois de seus “filhos”:
Yaron e Sami, sendo que o último ficou lá por muitos anos.
O policial, sendo um representante da lei, saca sua arma como parte
de uma estratégia de defesa pessoal. É provável que esta concepção do termo
“defesa pessoal”, do ponto de vista psicológico, varie de um indivíduo para outro,
especialmente quando o mesmo não está suficientemente treinado. Nas pessoas
de menos capacitação, o ponto de reação chega relativamente mais rápido do que
naquelas acostumadas a usar suas mãos e pernas como armas, ou seja, os olhos do
praticante habilitado reagem mais velozmente do que os de pessoas despreparadas.
A missão do policial, por definição, é proteger a vida do cidadão e, é aqui
que a necessidade de ter o Krav-Magá aparece. Não se deve confundir ações e
treinamentos de soldados no exército com a qualificação de agentes da lei. O policial
precisa de mais conhecimento sobre como neutralizar uma pessoa sem machucá-la:
pontos de pressão em áreas sensíveis, criação de “alavancas” e “chaves”, saber se
esquivar de ataques e aplicar defesas. Policial empregado no controle de multidões
necessita possuir noções reais sobre o manuseio do bastão para demonstrar
capacidade e potência pessoal, que vão além da cor da farda, enquanto o soldado
nem conhece esta função básica do porrete.
Acompanhei o Sr. Yaron em uma de suas viagens para treinar agentes da
polícia num país europeu. Lembro que assim que ele começou a dizer que iria explicar
e ensinar uma técnica de chute como preparação para defesa contra faca, alguns
dos oficiais presentes levantaram e reclamaram: “Mas outros professores (Israelenses)
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falaram para nós que no Krav-Magá não há chutes, porque são difíceis de aprender
e aplicar”. Depois de se recuperar do choque inicial, O Sr. Yaron começou a ensinar
várias formas de chutes e, depois de apenas uma semana, os policiais dominaram
totalmente essas técnicas, aumentando sua autoconfiança e elogiando sem fim o
Krav-Magá.
Novamente percebemos a “Hutzpá” dos israelenses. Um instrutor ignorante
que não diferencia entre a sua direita e a sua esquerda, sem a mínima coordenação
motora e, portanto, incapaz de chutar, “vendeu” para eles que no Krav-Magá
não existem chutes 24*, e ele não é o único. Cada um que não consiga executar
algum movimento, chute, soco, defesa ou exercício simplesmente tira, elimina e
corta toda a matéria que ele considera “complicada” – enquanto ele se garante, as
conseqüências não importam. Tem pessoas que chamam isso de “progresso”, ou até
melhor, “sistema em processo de evolução”.
Meu pai criou uma arte marcial longa e complexa, mas ao mesmo tempo
perfeita, incluindo inúmeros ataques, defesas e golpes, e qualquer tentativa de corte
danifica a sua perfeição. Não há necessidade de procurar progresso ou retração, já
que no Krav-Magá tem tudo. Para mim, como israelense, não existe um lugar onde
eu possa me esconder de toda a vergonha da reputação que estamos fazendo para
nós, reputação de enganadores, mentirosos e impostores. Apesar disso, acredito não
ser um grande equívoco afirmar que os leitores deste livro são da minoria normal
que se interessa por saber os fatos reais, sejam eles dolorosos ou prazerosos, e é
justamente por eles que escrevo essas páginas. Nem tudo está perdido – existem
ainda israelenses, e muitos, que seguem o caminho da honestidade e da modéstia,
que dão à vida alheia o mesmo valor que dariam à sua própria, e eles representam a
maioria da nação israelense. Vejam, por exemplo, a lista dos dez primeiros discípulos
no livro “The Book of Krav-Magá – The Bible”, na página 265. Porém, bastam
algumas frutas podres para estragar a cesta toda e difamar um povo inteiro.
Meu pai jamais aceitou conviver com os costumes sócioculturais israelenses
e nunca perdeu uma boa oportunidade de zoar seus alunos: “Vocês realmente não
são israelenses”, ele diria “Mas somente um tipo de asiáticos”. É necessário entender
que na cultura israelense esta afirmação pode causar um certo desconforto, mas
ainda, de seu ponto de vista ele estava correto. Através dos olhos de sua delicada
educação européia, ele não tinha chance de se misturar e se sentir à vontade na
jovem e agitada sociedade israelense que reinava nos primeiros anos da fundação do
país, depois de terminar a luta por sua independência e começar a construir o Estado
com os sobreviventes da guerra na Europa. Não é de se surpreender então que meu
24. Sabemos que, como os autores de uma pesquisa histórica, devemos manter uma distância objetiva
do assunto e ficar neutros a seu respeito. Entretanto, desde o início não se tratava aqui de um trabalho
regular e, portanto, admitimos que, de vez em quando, ao longo dos comentários anexados ao texto,
nós nos expressamos de forma não muito científica. Enganar e iludir agentes de segurança pública,
cujas vidas podem depender do Krav-Magá, é um crime grave em qualquer país do mundo.
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pai mantinha rigidamente a educação e a cultura que recebeu no seu país de origem,
frente aquela “israelensidade”. No entanto, no final de sua vida, este era também o
seu maior obstáculo.
Os mais perspicazes dos leitores provavelmente estão se perguntando
por que não escrevi nada sobre a minha mãe. Pois a verdade é que eu decidi não
mencioná-la em nenhuma parte do livro, porém, depois de uma pressão contínua
feita sobre mim, resolvi fazer meu “dever” e falar dela. Então, tenho uma mãe, mas
ela é grossa e ausente, apesar de que sua potência supera incomparavelmente a do
meu pai, que de fraco não tinha nada. Tenho uma mãe que com o movimento de um
dedo pode determinar a vida e a morte, ela tem poderes quase ilimitados, e ela me
abandonou e fez o mesmo com meu pai. Ela deveria consagrá-lo como um dos pais
fundadores do país, um herói nacional, chamar ruas, praças e universidades em seu
nome e homenagear sua parte na construção da cultura e da identidade israelense.
Quanto a mim, seria a obrigação da minha mãe me declarar um tesouro nacional
e fundar um centro internacional que determinasse quem pode e quem não pode
ensinar meu caminho, impedindo assim o surgimento de todos aqueles charlatões
que desejam nada além de me destruir e prejudicar minha reputação e a da minha
mãe.
Ela também escolheu ignorar o aluno predileto do meu pai, o discípulo que
ele deixou para continuar seu caminho, apesar de todas as tentativas de impedí-lo.
É o único que durante muitos anos lutou a desesperada guerra pelo caminho correto
e completo do Krav-Magá, recebendo sua força de sua inabalável fé no caminho
do meu pai, que ilumina a minha trajetória como um pilar de fogo. Somente ele
foi oficialmente declarado pelo meu criador como Faixa Preta Nono Dan de Krav-
Magá, o Grão Mestre da arte Marcial e meu segundo pai fundador. Então, já que
minha mãe decidiu nos ignorar, tampouco darei atenção a ela. Talvez ela prefira ser
uma mãe sem cultura, como muitos falam atrás de suas costas.
Escrevi este capítulo apenas para explicar e esclarecer o modo de pensar,
a forma de funcionamento da mente israelense. Para mostrar a sua concepção do
mundo e o consequente comportamento do israelense que vive com a sensação
de que tudo lhe é permitido, sem necessidade de obedecer à leis e autoridades, e,
especificamente, aqueles ligados ao mundo do Krav-Magá. Tudo isso com o objetivo
de ajudar na compreensão dos seguintes artigos da pesquisa, que iluminam o
processo de modificação da história do Krav-Magá.
O instrutor israelense de Krav-Magá não realmente sente arrependimento,
culpa ou qualquer outro sentimento quando ele elimina com suas ações e falas as
criações alheias. Nem quando engana e mente para seus alunos “estrangeiros”,
os não-israelenses. No entanto, não se deve tirar disso conclusões generalizadas
sobre toda a cultura israelense. O atual capítulo é a base para entender o raciocínio
daqueles envolvidos hoje em dia no mundo do Krav-Magá em Israel, especialmente
para os leitores que nunca viveram em Israel e que para eles Israel não passa de um
73
nome no mapa mundial. A Hutzpá 25* dos israelenses pode ser identificada ao longo
do livro todo, sobretudo no capítulo “Documentos & Testemunhos”, que constitui o
coração da pesquisa.
Não poderíamos terminar o artigo sem tocar na Hutzpá demonstrada pelas
autoridades de educação em Israel no que diz respeito ao Krav-Magá. Quando
meu pai realizou o primeiro curso de instrutores era fácil para ele cooperar com
o Instituto Wingate, já que todos ali eram seus amigos e conhecidos. Mesmo se o
instituto não quisesse tanto colaborar, pois o Krav-Magá não é um “esporte” e no
Wingate trabalham somente com modalidades esportivas, mas, no final, a ligação foi
estabelecida e consequentemente foram abertas as portas para os discípulos de meu
pai participarem no prestigiado curso de treinadores da instituição. Mas então, o
Estado de Israel, sendo um “Estado de leis”, fez um grande passo para frente e criou
a “Lei do Esporte” em Israel, de acordo com a qual quem não tenha certificado de
instrutor, treinador ou algum outro diploma que atesta sua qualificação, não estaria
autorizado a ministrar aulas.
Em Israel, a escola de treinadores “Net Holman” no Instituto Wingate e a
escola BUKAN são os responsáveis pela emissão de tais documentos. Antigamente,
no início do caminho, meu pai nomeou Eli Avikzar como o diretor do departamento
de Krav-Magá na escola de treinadores e instrutores no Instituto Wingate e Yaron
Lichtenstein recebeu o cargo de instrutor-chefe no Instituto. Tudo funcionava
exatamente da forma que deveria. Porém, alguns anos mais tarde, Eli retirou-
se do Instituto Wingate por diversos motivos, e Yaron, por sua vez, cometeu um
grande erro quando escolheu não entrar em guerra, na qual com certeza venceria, e
decidiu afastar-se de todo o tumulto e isolar-se atrás dos muros da escola BUKAN. O
Instituto Wingate, em vez de tomar a responsabilidade moral, pública e profissional
26* como a principal universidade de esporte em Israel, começou outorgar diplomas
de instrutores sem critério algum, até para artes marciais que nem sequer existem...
Mas isso não é de nosso interesse no momento.
O falecimento do meu pai criou várias oportunidades para a entrada da
Hutzpá dos israelenses e, eu usarei este espaço para deixar claro, de uma vez por
todas, a inteira verdade sobre os atos de todos aqueles israelenses que abusam do
25. Esta “Hutzpá” levou ao roubo dos “Navios Cherbourg”. Essas embarcações foram construídas na
França ao pedido da marinha israelense, porém, por causa de um embargo anunciado pelo governo
francês, os navios ficaram encalhados no porto de Cherbourg. Uma unidade de elite do exército
israelense chegou até a França e na forma mais audaciosa e sofisticada possível dominou os navios e
os levou para Israel.
26. O Sr. Kluger era durante alguns anos o diretor do departamento de artes marciais na escola de
treinadores do Instituto Wingate, e afirmou ter o Quinto Dan em Karatê-Do. Todavia, como podemos
ver, atualmente, o Sr. Kluger já se apresenta como o fundador do “sistema militar israelense para
defesa pessoal, o Krav-Magá” (e até acrescenta o “R” de marca registrada, apesar de que em Israel
ninguém tem permissão para registrar o Krav-Magá como marca). As únicas pessoas autorizadas a
ensinar Krav-Magá são aquelas que possuem diplomas assinados por Imi até 1983, e a partir daquele
ano os diplomas passaram a ser emitidos pela BUKAN. Caso contrário, eles estariam usando o nome
do Krav-Magá de forma ilegítima, enganando o público de seus alunos. É apenas mais um degrau
da Hutzpá israelense. O Sr. Kluger não é o único que resolveu “juntar-se” ao mundo do Krav-Magá,
e isso deixa somente uma conclusão lógica – essas pessoas se interessam apenas no lado financeiro.
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fato de sua morte para construir sua própria reputação e nome (mesmo que se trate,
maiormente, de israelenses, não vejo motivo para que nem todos saibam a verdade, no mundo inteiro),
e não param mesmo sabendo que suas ações difamam para sempre a memória do
meu pai.
Há uma nova “tendência” em Israel, hoje em dia, de afirmar que meu pai não
era instrutor nas forças armadas. Existe até uma associação, de nome qualquer, que
seus dirigentes 27* insistem em chamar o que praticam de Krav-Magá (apesar de não
passar de um conjunto de alguns movimentos aleatórios com as mãos e as pernas). Conhecemos
o “diretor” desta associação e sabemos de seu passado profissional. Ele tem a
ousadia de dizer que meu pai (Imi) “roubou” o Krav-Magá do pai dele... Poder ser,
já aconteceram coisas mais estranhas do que isso em nosso mundo. Entretanto, esse
indivíduo não possui sequer um documento, um pedaço de prova, menor que seja,
para provar suas alegações. O pai dele não era instrutor-chefe nas forças armadas e
ele mesmo não tem a mínima noção no Krav-Magá, tirando uma foto no magazine
“Budo International” na qual ele aprece vestido com a roupa tradicional completa do
Kendô, porém em suas mãos segura um fuzil M-16... A Hutzpá, Senhoras e senhores,
não tem limites. Os fatos continuam falando por si mesmos – o pai dele não possui
a mesma história pessoal do meu pai, que era pugilista, lutador de Greco-romano,
judoca, professor de dança, trapezista no circo, Faixa preta em Jiu Jitsu Japonês,
entre outros. Pois todos conhecem e sabem o caminho de Imi.
Esperança enche meu coração de que esta pesquisa afastará toda a Hutzpá
para longe do Krav-Magá e todas as tentativas de abusar do nome de meu pai cessem
de vez, embora eu mantenha a ingenuidade longe de mim.
Desfecho:
Este artigo deve ser lido exclusivamente em relação ao Krav-Magá. Não é de nossa intenção
profanar Israel, ou os israelenses, a não ser que haja algum contato direto com os artigos que expõem
conduta inapropriada. Aqueles compatriotas abriram a porta para todos os outros, uma vez que, hoje
em dia, é possível encontrar em qualquer canto instrutores e alunos de segunda e terceira geração
que não possuem o mínimo de conhecimento no Krav-Magá. Existem também pessoas que jamais
treinavam Krav-Magá, mas este mínimo detalhe não os impediu de inventar “sistemas” novos e ferir
a reputação do verdadeiro Krav-Magá e do seu criador - o Sr. Imi Lichtenfield.
Cada país no mundo é baseado nos princípios da natureza humana, nas diferenças entre
homens e nas relações do indivíduo com o outro, dentro de um determinado território e com elementos
humanos específicos. No judaísmo, as relações entre os homens são consideradas um valor supremo,
perdendo apenas para a relação entre o homem e seu Deus. Esta é a origem do nosso desejo de mostrar
o tratamento que Imi recebeu durante sua vida, e como este deteriorou e piorou mais ainda depois de
seu falecimento.
Talvez seja este o lugar para convidar todos os diretores das diversas organizações de Krav-
Magá a lerem a página 492, no livro “The Yom-Kippur War – Moment of Truth”, de Ronen Bergman
& Gil Meltzer.
27. Veja a revista “BudoInternational”, número 106, Abril de 2007, página 50. Nós temos somente
a versão italiana da revista, mas é possível que tenha sido publicada também em outras línguas
(www.budointernational.com).
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GRADUAÇÕES NO KRAV-MAGÁ
Instituto Wingate, 1983. O final de curso com duração de um ano para o
Segundo, Terceiro e Quarto Dan. Como podemos ver,
todos estão com o Gi completo e a Faixa Preta.
77
AS GRADUAÇÕES NO KRAV-MAGÁ
1. A tradicional saudação japonesa, ao contrário do que muitos pensam, não tem como objetivo
principal consolidar o respeito entre os alunos, ou entre o aluno e o professor (essas finalidades são de
menor importância), mas sim honrar o Tatami, sem o qual os treinamentos nas artes marciais, como
quedas, rolamentos, arremessos etc., tornam-se impossíveis.
2. Veja documento número 2, na página 229. Este documento comprova que a IKMF foi fundada
posteriormente à morte do Imi.
78
3. Temos o exemplo de uma reportagem, neste caso publicada em jornal português, que exibe o Imi
vestindo o tradicional Kimono, enquanto todos os outros praticantes usam roupa do dia-dia, sendo
especialmente comum a utilização de tênis e camiseta com o logotipo das diversas organizações.
De fato, foi o princípio de enfatizar ao máximo as marcas das organizações nas roupas dos alunos
que deu início ao processo de sumiço do tradicional Kimono no Krav-Magá. Como podemos ver na
federação Sul-Americana, ali ainda utiliza-se roupas brancas, mas tanto na calça como na camiseta
aparecem, frente e verso, os símbolos da organização, em letras grandes e difíceis de não enxergar,
como se estivessem dizendo: a embalagem vale mais do que o conteúdo. Fazia-se tudo para que os
dirigentes daquelas organizações se sentissem como generais de uma república bananeira de terceiro
mundo.
4. Além do sistema de faixas coloridas, Imi resolveu usar o Kimono, sobretudo por causa da segurança
nos treinamentos. Existem alguns exercícios no Krav-Magá nos quais arremessamos o oponente para
o chão, ou usamos várias pegadas etc.. Portanto, o uso do Kimono é obrigatório, caso contrário o
oponente não teria algo para segurar ao cair, podendo machucar-se gravemente por consequência da
queda e da perda de equilíbrio. Por este motivo, também, Imi preferia usar o Kimono grosso e maciço
do Judô e não o do Caratê, que é mais fino e leve e pode arrebentar facilmente. Evidentemente que
a renúncia ao Kimono levou à extinção daquelas técnicas criadas pelo Imi, inclusas no completo e
verdadeiro Krav-Magá.
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usado no Judô era o mesmo herdado do Jiu-Jitsu e incluía apenas três faixas – a
branca para iniciantes, a marrom e a preta, e o tempo para passar de faixa era bem
demorado. Para não perder alunos e também para atrair o maior número possível
de discípulos novos, o Kawaishi, depois de muito planejamento e reflexão, resolveu
aplicar um sistema de faixas coloridas, que é o mesmo que conhecemos hoje. O novo
sistema de faixas do Judô rapidamente foi adotado por todas as outras artes e é o
mais dominante também nos dias atuais, tirando alguns casos “esquisitos” que não
têm lugar nesta pesquisa.
Rok-Kyu: Faixa Branca para iniciantes, usada apenas para amarrar o Gi.
Gu-Kyu: Faixa Amarela
Yon-Kyu: Faixa Laranja
San-Kyu: Faixa Verde
Ni-Kyu: Faixa Azul
Ik-Kyu: Faixa Marrom
Shou-Dan: Faixa Preta Primeiro Dan
Ni-Dan: Faixa Preta Segundo Dan
San-Dan: Faixa Preta Terceiro Dan
Yo-Dan: Faixa Preta Quarto Dan
Go-Dan: Faixa Preta Quinto Dan
Roku-Dan: Faixa Vermelho-Branca Sexto Dan
Shichi-Dan: Faixa Vermelho-Branca Sétimo Dan
Hachi-Dan: Faixa Vermelho-Branca Oitavo Dan
Kyu-Dan: Faixa Vermelha Nono Dan
Gu-Dan: Faixa Vermelha Décimo Dan
Esta é a ordem das faixas como foi criada pelo Kawaishi, aluno do Jigoro
Kano; meu pai adotou o sistema de forma exata e determinou que fosse usado no
Krav-Magá. Na verdade, foi justamente o sistema de faixas coloridas que levou
meu pai a integrar por algum tempo a Associação Israelense de Judô. Meu pai só
desligou-se da Associação de Judô quando a última tornou-se um membro oficial
da Associação Israelense de Esporte e já que o Krav-Magá nunca foi definido
como uma modalidade esportiva, ele não poderia participar legalmente de alguma
organização desse tipo 5*. Entretanto, o fato de que o Krav-Magá não fazia mais
parte da Associação de Judô não alterou em nada a concepção do meu pai quanto às
faixas no Krav-Magá, pois a partir do momento que decidiu incluí-las, nunca mais
mudou sua ideia.
Meu pai jamais usava os nomes japoneses dos graus / faixas, mas somente
as cores que marcam cada graduação e o termo “Dan”, do número um até o número
5. No Livro “A arte do Judô”, o primeiro livro publicado na língua hebraica sobre o Judô, o Sr. Yosef
Lev menciona, na página 12, pela primeira vez na história do Krav-Magá, a relação entre Imi, o Krav-
Magá e os judocas em Israel, incluindo a Associação Israelense de Judô. O comentário refere-se ao
fato de que no Krav-Magá começaram a utilizar o sistema de faixas coloridas.
80
nove. Meu pai também estabeleceu períodos mínimos de permanência em cada faixa.
Todavia, se nos anos setenta e no início dos anos oitenta era necessário o tempo de
oito a dez anos de treinamento para chegar à faixa preta, hoje em dia este grau pode
ser alcançado muito mais rápido. Os primeiros dez alunos pioneiros esperavam, em
média, entre nove e dez anos até ganhar o direito de vestir a faixa preta.
Meu pai criou algumas regras no que diz respeito à distribuição de graus
no Krav-Magá. Primeiramente, ele baseou a capacitação de instrutores 6* sobre
os mesmos princípios que guiam a escola de treinadores do Instituto Wingate, de
acordo com a seguinte ordem (os mesmos cursos são realizados também na escola BUKAN):
1. “Instrutor Jovem” (Madrich Tsair). A intenção aqui é para “jovem” no Krav-
Magá, não de idade. Este instrutor terá faixa laranja ou verde.
2. “Instrutor Segundo Grau” (Madrich Darga Bet). Pré-requisitos: o aluno deve
ter no mínimo de dois a três anos de treinamento e ser Faixa Azul.
3. “Instrutor Qualificado” (Madrich Musmach). Deve ser portador de Faixa
Marrom e com dois anos de experiência no ensino de Krav-Magá.
4. Treinador qualificado Sênior (Meamen Musmach Barrir). Este curso é
ministrado pelo Instituto Wingate e tem duração de um ano. O curso é considerado
um dos mais prestigiados oferecidos pelo Ministério da Educação. Para ingressar no
curso, é necessário ser no mínimo Faixa Preta Terceiro Dan de Krav-Magá 7*.
O assunto de qualificar e capacitar instrutores de Krav-Magá criou um
outro dilema para meu pai, o qual ele resolveu de forma bastante interessante e
excepcional, no final dos anos setenta, pouco depois de ter fundado a sua associação
de Krav-Magá.
No exército israelense são ensinadas centenas de profissões que não
são apenas militares, mas têm também uma utilidade civil, como por exemplo:
motoristas, cozinheiros, mecânicos, pilotos e assim por diante. É de costume em
Israel que os soldados que foram habilitados em alguma profissão pelo exército
durante seu serviço, passem por um breve curso que os qualifiqur a praticar seu ofício
também na vida civil. E o mesmo ocorre com soldados que passaram pelo curso de
6. De acordo com a legislação vigente em Israel, certificados de Instrutores não têm prazo de validade.
Somente as organizações mencionadas na pesquisa, depois de terem descoberto a possibilidade de
faturar alto através do mecanismo de “Renovação de Certificados”, concedem os diplomas com
validade limitada como parte de sua estratégia para obter lucros máximos e controle sobre seus
instrutores.
7. Este princípio também não se sustenta na realidade israelense. Hoje em dia, qualquer um pode
imprimir para si mesmo o diploma que queira, fundar uma organização com nome que inclua as
palavras “Krav-Magá” e ser aceito para o curso do Instituto Wingate, que, primeiro, nem sequer
verifica os alunos que ingressam nesses cursos e, segundo, tampouco tem a capacidade de o fazer,
uma vez que não há um órgão regularizador oficial do Krav-Magá em Israel e no mundo. A BUKAN,
neste caso, serve apenas como autoridade profissional. A legislação em Israel referente ao assunto é
bastante complexa e praticamente impede a criação de tal órgão, e, portanto, este tipo de certificados,
emitidos após 1994, devem ser tratados e examinados com bastante cuidado. O próprio certificado
não deve ser considerado de forma alguma como autorização da prática verdadeira e correta do
caminho completo do Imi.
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Neste aspecto, o Sr. Eli avikzar fez uma história e estabeleceu o padrão
para o recebimento de Dans. Depois de ser encorajado pelo meu pai, Eli viajou para
a França a fim de aprender a arte marcial do Aikidô. Entretanto, naquela época, o
Sr. Eli ainda não tinha ganhado a Faixa Preta, estava com o grau de Faixa Marrom,
e apesar de todos seus pedidos e solicitações, meu pai recusou-se a lhe dar a Faixa
Preta antes de sua viagem. Para o Eli, de acordo com o testemunho de seus amigos
daqueles dias, meu pai estava preocupado com a possibilidade de que ele não
voltasse para Israel e, portanto, estava adiando a colação do grau de Faixa Preta. Já
o meu pai contava para seus colegas que o Eli realmente merecia receber a Faixa
Preta. Ao mesmo tempo, porém, meu pai ficou com receio de que o Krav-Magá
ainda não estivesse pronto para ser exibido fora de Israel, pois, ele sabia e entendia
que todos iriam querer ver a novidade. Mas meu pai estava equivocado. O Eli de
fato realizou demonstrações de Krav-Magá na academia onde estudou na França e
ganhou inúmeros elogios. Quando voltou para Israel já possuía o grau de Faixa Preta
no Aikido e, portanto, meu pai lhe conferiu também a faixa preta em Krav-Magá,
mais a graduação de Segundo Dan.
No início, meu pai exigia que cada Faixa Preta de Krav-Magá colocasse nas
duas pontas da faixa uma tira branca com três centímetros de largura. A ideia atrás
da exigência era de que ninguém alcançaria um nível tão alto de perfeição no Krav-
Magá que o permitisse usar uma faixa completamente preta. Mas alguns anos mais
tarde ele compreendeu que a sua concepção inicial estava errada, quando percebeu
o nível alcançado por vários de seus alunos pioneiros.
Outras regras inicialmente estabelecidas pelo meu pai são (algumas foram
modificadas ou canceladas por ele mais tarde):
- Portador de Faixa Marrom, que passou por um curso de Instrutores,
colocará na ponta da faixa uma tira branca com um circulo azul pintado no meio.
- Regras relacionadas aos exames de faixa no Krav-Magá:
1. Instrutor Faixa Azul pode examinar alunos até a faixa Laranja, ou seja,
dois graus abaixo dele.
2. De acordo com o mesmo princípio, instrutor Faixa Marrom pode examinar
alunos até a Faixa Verde
3. Instrutor Faixa Preta, portanto, pode examinar até a Faixa Azul.
4. Exames para faixas pretas e marrons serão realizados pelo menos por dois
examinadores, ambos portadores de, no mínimo, Faixa Preta.
Todas as regras acima mencionadas foram escritas e publicadas pela primeira
vez no ano de 1971, no primeiro manual de exercícios elaborado e editado pelo meu
pai. O próprio manual consiste num verdadeiro item histórico, e, até onde sabemos
cópias dele podem ser adquiridas somente no site www.Krav-Magábooks.com.
Ademais, meu pai sempre insistiu em realizar cerimônias oficiais de colação
de grau, como é de costume no Judô. As alterações nas regras foram feitas no intuito
de torná-las adequadas às novas circunstâncias. Ou seja, quando meu pai escreveu o
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manual, todos seus alunos estavam na Faixa Verde ou na Azul, mas, poucos anos mais
tarde, os mesmos alunos já eram Faixa Preta e donos de academias próprias. Meu pai
então autorizou alguns dos mais graduados discípulos a ministrarem eles mesmos os
exames de faixas e outorgarem graus. Os primeiros a receber essa autorização foram
o Eli Avikzar, o Haim Zut e o mais jovem do grupo – Yaron Lichtenstein, que era
seis anos mais novo do que o Eli e cerca de vinte anos mais novo do que o Haim Zut.
Na verdade, no dia em que meu pai fundou a sua associação de Krav-Magá, no ano
de 1978, somente esses três estavam lecionando Krav-Magá de forma ativa, e dos
três escolhidos hoje sobrou somente o Yaron, e ele é o único atualmente que possui
aquela autorização oficial do meu pai para conferir graus no Krav-Magá. Meu pai
cuidou para que esta permissão exclusiva fosse oficializada.
Até o dia em que a associação do meu pai foi fundada, ele mesmo fazia as
cerimônias de faixa, como era de costume, e só isso. Entretanto, com a fundação
da associação e a impressão de certificados com o símbolo que meu pai criou, ele
passou a exigir que para cada aluno aprovado em exame de faixa fosse emitido um
certificado adequado que comprovasse a sua graduação / faixa. Aluno sem diploma
correspondente, ele afirmou, e de forma correta, não possui grau nenhum. Para ele,
cada grau deve vir acompanhado por uma documentação apropriada que habilite e
autorize o portador da faixa. Para não ter erros, meu pai decretou também que cada
diploma concedido pela associação será registrado em seus arquivos e especialmente
os certificados de faixa preta e dos diferentes Dans. Adicionalmente, para cada Faixa
Preta e Dan outorgados ele juntou uma carta curta e pessoal, às vezes com uma linha
escrita só, que confirma o recebimento do grau e da certificação.
Em toda sua vida meu pai sempre subia para o Tatami vestindo a faixa preta.
Foi somente em seus últimos anos, quando sua força estava acabando e ele não
conseguia mais agüentar as infinitas discussões com seus alunos, que ele aceitou
usar a faixa vermelha. Para ele, a Faixa Vermelha não significava absolutamente
nada e ele considerava o seu uso um ato de palhaçada (sem querer ofender ninguém,
mas meu pai sempre afirmava que Faixa Preta é de “machos”, enquanto a Vermelha, ele dizia, era
“feminina”). Ele alegou que a verdadeira prova é o conhecimento que uma pessoa
possua e ficou satisfeito com a sua Faixa Preta.
No mundo todo, os princípios do sistema de faixas de Kawaishi são mantidos
e obedecidos. Também o Eli Avikzar, que desenvolveu um traje completamente
diferente para o caminho que criou, ainda preservou a ordem e as cores das faixas,
sem alterar nada. O sistema de faixas tornou-se tão popular hoje em dia, que até
a Capoeira brasileira, que jamais usava Kimono, mas apenas uma calça branca
amarrada com uma corda grossa, começou, nos últimos anos, a empregar cordas
coloridas correspondentes às faixas de Kawaishi.
Também no filipino Arnis, que não é uma arte marcial e seus praticantes não
fazem uso do Kimono, existe o sistema de faixas. Em todos os países no mundo as
faixas são dividias de acordo com as regras estabelecidas pelo Judô.
Tendo em mente tudo que vimos até agora, fazemos a seguinte afirmação:
em cada arte marcial, mesmo que esta não seja uma arte marcial no seu sentido
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construído uma coisa tão perfeita, tão implacável. Este fenômeno é comum nos seres
humanos e se repete não somente em assuntos relacionados à artes marciais.
Quando a palavra / termo Mestre é relacionada a um praticante de artes
marciais, esperamos ver um indivíduo que saiba não apenas chutar e bater de forma
perfeita, mas que também domine todos os caminhos filosóficos, espirituais da arte.
Mestre que não demonstre controle total nos dois aspectos, não é Mestre. Esses são
apenas dois exemplos do que exigimos de um verdadeiro Mestre de artes marciais.
Porém, se no passado o uso desta noção varia entre raro a inexistente, hoje em
dia percebe-se uma imensa inundação no mundo das artes marciais de pessoas
intitulando-se “Mestres” e até de “Grão Mestres”. O Krav-Magá não é diferente e às
vezes parece que, para uma arte marcial relativamente pouca conhecida e divulgada
como o Krav-Magá, existem “Mestres” demais, dificultando a tarefa de diferenciar
entre os verdadeiros artistas e os falsos, os “auto-declarantes”.
Se tivemos êxito examinando as qualidades esperadas de um Mestre,
já no nível de “Grão Mestre” precisaríamos ir além e nos aprofundamos muito
mais, e mesmo assim seria extremamente difícil enxergar e compreender todo o
conhecimento e sabedoria profissional acumulados por um professor portador de
tal graduação. Controle total e intransigente em todas as técnicas existentes na arte
que pratica; compreensão e domínio absoluto dos caminhos filosóficos de sua arte
marcial; capacidade de corrigir, ensinar e explicar para seus alunos cada exercício
e cada situação possíveis, dentro e fora do Dojo / Tatami; ser capaz de analisar todo
movimento e saber por que este é feito de uma forma e não de outra; possuir um
amplo conjunto de qualidades físicas e mentais. Mas, acima de tudo, jamais uma
pessoa se declararia um “Grão Mestre”. Há apenas duas maneiras de receber o título
de Grão Mestre – a primeira é ser anunciado como um pelo seu professor, isto é,
quando um Grão Mestre passa a tocha para um de seus discípulos. E a outra forma
ocorre quando alguns mestres, portadores dos graus de Sexto, Sétimo e Oitavo Dan,
todos donos de grandes e importantes escolas, se reúnem e decidem apontar um
deles como o Grão Mestre de sua arte marcial, depois de analisar cuidadosamente
suas habilidades profissionais e concluir que aquele fulano é o artista mais adequado
e mais preparado para contribuir com suas imensas habilidades para a promoção da
arte toda. Em arte marcial, por definição, não existe uma auto-declaração de graus,
e quem o faça não é um artista marcial.
Grão Mestre é arte em movimento. Um dos fenômenos mais populares hoje
em dia no Krav-Magá (outras artes marciais não são do nosso interesse) é a auto-intitulação.
Quase ninguém escapa disso. E quando tratamos daqueles modificadores da história
do Krav-Magá, percebemos com que facilidade construíram para si mesmos histórias
pessoais diversas. Depois da morte do meu pai, graduações de Décimo Dan foram
anunciadas pelo Sr. Haim Gideon e também por outras pessoas, como, por exemplo,
o Sr. Haim Zut, que se outorgou o Décimo Dan e também o Sr. Eli Avigzar, que
tampouco resistiu e noticiou a sua coroação para o Décimo Dan, apesar de que neste
caso as circunstâncias eram diferentes.
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Num vídeo postado no site oficial da IKMA assistimos a ocasião na qual o Sr.
Haim Gideon recebeu o Oitavo Dan do meu pai. Com este ato, meu pai afirmou que
o Oitavo Dan é o grau que o Sr. Haim Gideon é autorizado a usar, pois naquela época
meu pai já tinha discretamente entregue os diplomas de Nono Dan e de sucessor ao
Yaron Lichtenstein. O inevitável resultado foi que todos aqueles que se recusavam
a aceitar a decisão do meu pai, conferiram para si o grau que desejavam. O próprio
filme levanta várias perguntas e dúvidas, mas estas não são do nosso direto interesse
aqui. Porém, o mero fato de que meu pai, nos últimos dias de sua vida, ainda seguiu
o bom e velho sistema de faixas de Kawaishi, é a incontestável prova de que ele
jamais eliminou o uso desse tradicional sistema de graduações no Krav-Magá e até
seu último dia considerou-o legítimo, sendo uma parte inseparável do Krav-Magá.
Várias testemunhas afirmaram que meu pai costumava dizer que no Krav-Magá
pode-se chegar no máximo até o Sexto Dan, e também este grau, quando fosse
conferido, seria a base de honra mais do que por motivos puramente profissionais.
Portanto, encontra-se certa a alegação de que a chuva de graduações que caiu sobre
o Krav-Magá nunca foi, de forma alguma, a vontade verdadeira do meu pai.
Eis mais um fato interessante, que embora não sendo diretamente relacionado
ao assunto das graduações no Krav-Magá, ainda possui uma importância histórica:
o diploma que meu pai passou para o Sr. Yaron, qualificando ele e a BUKAN - sendo
a escola original do Krav-Magá, os únicos autorizados a conferir graus no Krav-
Magá. Provavelmente meu pai adotou também esta ideia do mundo do Judô, que ele
tanto apreciou 8*.
Faixa preta é muito mais do que uma mera graduação. É respeito, amor-
próprio, autoconfiança. É uma forma de dizer: “Vejam quem eu sou e do que sou
capaz”. Toda criança conhece o termo Faixa Preta. As artes marciais não chegariam
ao seu estado atual sem a faixa preta. E eu me pergunto: por que uma pessoa seria
tão estúpida de estudar tantos anos sem ter a chance de um dia usar a faixa preta?
Para mim, isso é um exemplo de baixíssima auto-estima!
Uma pesquisa histórica sobre o Krav-Magá não poderia ser completa se não
incluíssemos o seguinte acontecimento, que constitui um pedaço autêntico e real da
história do Krav-Magá:
Em toda arte marcial há um nó especial utilizado para amarrar a faixa no
quadril do praticante, e cada arte tem seus próprios motivos, porque o nó é feito
de certa forma e não de outra. O mesmo ocorre no Krav-Magá. Quando meu pai
começou a dar faixas aos seus primeiros dez alunos, ele lhes mostrou o nó que criou
e que realmente era diferente de todas as técnicas e modos de amarração existentes
8. Com isso, Imi queria garantir que a escola BUKAN, (fundada por ele e pelo Sr. Yaron no ano
de 1978 e que é a única que segue seu caminho original) fosse a responsável pela distribuição de
graus. Nesta altura já estava claro para Imi que, depois de sua morte, o Krav-Magá criado por ele
sobreviveria somente na BUKAN, e realmente foi assim que aconteceu. O Imi considerou a BUKAN
como o equivalente à escola de Judô “Kodokan”, no Japão. Ademais, o Imi estava ciente da enorme
contribuição do Sr. Yaron para a arte, e tampouco poderia ignorar o fato dele ser o único com licença
para ministrar escola particular de Krav-Magá e o privilegiado portador de uma autorização para
realizar cursos de formação de instrutores fora do Instituto Wingate.
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nos anos 1969-1970. Porém, cerca de três anos mais tarde, o Eli avikzar, depois de já
ter recebido a sua faixa preta, chegou um dia para o treino na academia de Tel-Aviv
e ordenou todos os alunos a desamarrarem suas faixas e em seguida os ensinou um
novo nó. Quando meu pai percebeu que todos os alunos estavam usando um novo nó
e não aquele criado por ele, olhou para o Eli com uma grande marca de interrogação
no seu rosto, e o Eli respondeu da seguinte forma: “Olhe, Imi, o nó que você criou é
ótimo, mas o nó que eu inventei é bastante parecido com seu bigode que você puxa
para os lados o tempo todo, como muitos “donos” de bigode costumam fazer...”. E
foi assim que o novo nó do Krav-Magá foi criado. Todos apreciaram o fato de que
o nó não é usado apenas para amarrar a faixa, mas também homenageia e imita
meu pai, que, sem dúvida alguma, merecia esta honra. Desde aquele dia, todos que
seguem o caminho do meu pai e usam o Kimono com a faixa preta, amarram a faixa
com o nó inventado por Eli e no final puxam as duas sobras da faixa para o lado, em
memória ao costume de meu pai de brincar com seu bigode 9*.
9. Uma vez que o livro não vem acompanhado de fotos, não trouxemos aqui a técnica de como
amarrar a faixa no Krav-Magá, mas diremos isso: o segredo do nó fica no ato de rodar a faixa para
dois lados simultaneamente, no momento anterior à fase de apertar o nó. Procurem o filme no site
www.kravmagaexams.pro.br.
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DEFESA PESSOAL 1*
“ MENOR CAMINHO , MÁXIMA VELOCIDADE “
1. O atual capítulo é baseado num artigo acadêmico – “Krav-Magá como arte marcial para defesa
pessoal”, publicado em 1994 na revista acadêmica da faculdade Israelense de Educação Física “Givat
Washington”. O artigo foi aprovado e reconhecido pela Universidade de Jerusalém e constitui uma
verdadeira revolução, sendo que esta foi a única vez, até hoje, que um artigo acadêmico foi publicado
sobre o Krav-Magá, em Israel e no mundo.
91
2. Vimos um exemplo moderno desse bélico caminho de vida nos pilotos japoneses da Segunda
Guerra Mundial, os “Kamikase”. A ideia de escapar ou sair de uma aeronave que está mergulhando
para a morte certa simplesmente não existia.
3. Quarenta e sete Samurais, cujo soberano foi executado pelo Shugon, mataram-se com a tradicional
cerimônia suicida dos Samurais, causando uma grande onda de admiração e compaixão na época.
Seus túmulos, considerados sagrados, são um foco de peregrinação até hoje. Mas é necessário
entender que aqueles Samurais escolheram a morte voluntariamente, respeitando a sua cultura e a de
seu povo. Sobreviver era uma forma de defesa pessoal, e, portanto impensável.
92
morrer de “modo honrado” a serem capturados pelo inimigo, o que seria considerado
uma forma de defesa pessoal e ofensa contra a honra da nação japonesa. Muitos
deles se mataram já nos primeiros sinais de derrota na batalha 4*. Se examinássemos
de perto a arte do Kendô de hoje, a mais próxima para a luta de espadas, não
encontraríamos nenhuma técnica de defesa pessoal e por uma razão bem lógica – a
finalidade do sabre é matar e os portadores da espada são divididos em dois – os
que morrerão na batalha e os que não, e ninguém recebe um programa da vida.
Entretanto, para obter uma perspectiva mais correta e exata, precisaríamos analisar
não somente o Krav-Magá, mas também as outras artes marciais.
No Caratê, por exemplo, e em outros estilos que adotam a concepção do
Caratê, o termo usado para qualquer situação na qual paramos o ataque do oponente
é “bloquear”. “The Book of Krav-Magá – The Bible”, na página 245, mostra e
explica com bastante clareza e precisão porque não existe nenhum movimento de
bloqueio no Krav-Magá como arte marcial para defesa pessoal. No caso em questão,
de defesa contra bastão, mesmo antes de começarmos a aplicar a defesa, a mão que
levantamos já estaria quebrada, e em seguida a nossa cabeça teria o mesmo destino.
É necessário entender isso para compreender o significado da defesa pessoal.
No Krav-Magá este termo não existe em nenhuma forma. A definição no
Hebraico para as palavras “bloqueio” ou “Bloquear” é relacionada ao vocabulário
militar / policial, inapropriados para a percepção do Krav-Magá sobre o tema.
Quando soldados colocam barreiras na estrada para realizar inspeção nos veículos,
isso seria um “bloqueio” em Hebraico. Um canal largo e amplo construído na linha
de combate no intuito de impedir a passagem de tanques, também é um “bloqueio”.
A palavra “bloqueio”, no Hebraico, tem conotações relacionadas à força, uma coisa
que não pode ser penetrada sem uma poderosa invasão ou entrada. Por exemplo, a
“barreira do som”, no Hebraico, seria na verdade “o bloqueio do som”. Não há aqui
alguma definição exata do tipo e quantidade de força aplicada, mas a conotação
ainda fica. No rádio da polícia, em perseguições atrás de suspeitos, é comum ouvir a
expressão “bloqueiem ele”. No Hebraico, a utilização do termo “bloquear” é sempre
acompanhado do uso da força.
E ao examinarmos os movimentos do Caratê percebemos que os “bloqueios”
usados expressam aplicação de muita força. O Caratê é uma arte maravilhosa e este é
seu caminho, mas seus movimentos não combinam com o Krav-Magá. Meu pai não
queria introduzir para o Krav-Magá nenhum elemento de uso da força, especialmente
quando se tratava do aspecto da defesa pessoal. Portanto ele determinou, verbal
e fisicamente, como parte da concepção do próprio Krav-Magá, que não existem
bloqueios no Krav-Magá, apenas defesas. Esta não é somente uma definição oral,
mas sim uma parte da formação mental do aluno. Há diferentes ataques, golpes,
chutes etc., mas os exercícios são denominados defesas. No Krav-Magá usamos só
defesas, ponto final.
4. Vários exemplos desse fenômeno encontram-se presentes na maravilhosa obra do John Toland –
“The Rising Sun”
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5. Neste aspecto devemos tocar na história bíblica do povo de Israel durante seu seis mil anos de
existência. Uma cuidadosa análise das guerras descritas na Bíblia mostra que essas sempre eram
resultado de defesa pessoal e mais, percebe-se que cada vez havia um período de certa espera, e só
depois chegaria a fase da resposta e do ataque. Este comportamento da nação é mantido até os dias
atuais. Os exemplos históricos mais evidentes disso são: o êxodo do Egito e a passagem do Mar
Vermelho, o Rei Davi confrontado o gigante Golias, Sansão que aguardou até o último momento
para derrubar os pilares do palácio dos filisteus, a guerra de Yom-Kipur, em 1973, quando o exército
israelense esperou até o ponto crítico para reagir. Existem outros milhares de exemplos para o que
Imi denominou de “O método de aguardar e ver”, ou seja, ficamos de pé, observando os movimentos
do oponente e escolhendo o momento certo para aplicar nosso ataque. Esta é uma característica
típica do povo e do exército israelenses. Isso levanta uma questão interessante que não poderia ser
respondida pela atual pesquisa: será que se trata aqui de algum código genético excepcional? Não
temos a possibilidade de cientificamente determinar a resposta, mas a nossa opinião pessoal é que
este argumento não deveria ser ignorado.
6. O assunto é abordado de forma mais detalhada no artigo “Sejam Suaves”, no capítulo referente à
filosofia do Krav-Magá.
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se fecha. A rigidez é nada mais do que a pessoa deixando seu ego falar”. A suavidade
se expressa ao longo do Krav-Magá em muitas defesas difíceis e complicadas, e,
de fato, sem essa técnica, muitas situações seriam impossíveis de ser pensadas,
como por exemplo: o rolamento especial aplicado no exercício contra ameaça de
fuzil automático e em situação de reféns, defesas contra bastão, contra ameaça de
pistola etc. Todos esses movimentos não têm correspondente em nenhuma outra arte
marcial e especialmente não têm naquelas que adicionam ao seu nome as palavras
“defesa pessoal”.
E não se deixem enganar quanto à suavidade – “Suavidade não significa
fraqueza”. As defesas no Krav-Magá são aplicadas usando a força e principalmente
a direção do movimento do oponente para desviar a trajetória de seu ataque e este,
claro, é apenas um exemplo dentre centenas de outras possibilidades. Evidentemente
que a criação de uma arte marcial tão longa e complexa, baseada sobre esse princípio
exigiria um imenso conhecimento sobre o corpo humano, sobre a formação dos
músculos, dos tendões, dos ossos e a direção de seu funcionamento. Mas é justamente
essa a genialidade do meu pai como o criador da arte e do Krav-Magá - o “produto
final”.
Um aprofundamento no estudo teórico da defesa pessoal confirmaria
facilmente o fato de que nenhum outro fundador das artes marciais tradicionais fazia
uso do termo “defesa pessoal”. Na literatura profissional que acompanha cada uma
destas artes não há nenhuma menção sobre essa expressão. Refiro-me à literatura
original escrita pelos próprios criadores ou pelos seus mais próximos discípulos até
meados da década de setenta do século XX. Depois desta data, a noção de “defesa
pessoal” tornou-se tão popular mundo afora que cada professor de qualquer arte
marcial declarou ser praticante de “defesa pessoal”, seja isso verdadeiro ou não.
Meu pai abriu suas duas academias no ano de 1967 quase que paralelamente,
com apenas algumas semanas de diferença. A primeira, na cidade onde morava –
Natanya, na Rua Sheshet Hayamim número dois (de Hebraico – Rua da “Guerra dos Seis
Dias) e a outra na cidade de Tel-Aviv, na esquina das ruas Pinsker e Trumpeldor
(Trumpeldor era um lendário guerreiro, um tipo de “Musashi” israelense. Na história de Israel, ele
foi um dos primeiros que lutaram pela independência do país e continuou lutando, mesmo depois de
perder um de seus braços em um dos combates. A história daquela época conta que depois de ficar
gravemente ferido em combate, suas últimas palavras antes de morrer foram: “É bom morrer por
nosso país”). Nas duas academias foi colocado na porta um cartaz declarando que
aquele era um lugar para aprender defesa pessoal. Foi isso que ele ensinou naqueles
dias.
Meu pai recebeu a confiança para começar e divulgar a sua arte para o
público em geral, isto é, fora das forças armadas, das entusiasmadas reações dos
soldados que ensinou e, sobretudo, de seus comandantes de todos os níveis. Essas
eram as únicas indicações à disposição dele no começo do caminho. Foram eles
que reconheceram o seu empenho em diversos campos: aumento da autoconfiança
dos soldados, o aprimoramento de vários aspectos do condicionamento físico dos
militares e o aperfeiçoamento da capacidade de movimentação dos mesmos. O ensino
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de rolamento para frente, por exemplo, ajudou bastante aos paraquedistas daquela
época, quando o paraquedas básico ainda era bastante primitivo (em comparação com o
que está no mercado hoje em dia) e no momento em que o soldado tocava no chão, no final
da queda, ele tinha que realizar um movimento estranho que parecia como meio
rolamento lateral para amortizar o impacto.
Entretanto, tampouco faltavam alguns “santos”, que mereciam um bom e
inesquecível tapa na cara, que de vez em quando vinham para meu pai ou para
um de seus alunos e diziam: “Defesa pessoal.... Que é exatamente defesa pessoal?
Somente mulheres aprendem defesa pessoal, homens de verdade lutam!” Mas meu
pai sempre reagia dando apenas um sorriso silencioso acompanhado por um olhar
que parecia estar ridicularizando a pessoa a sua frente, e dizia, com uma calma
que enlouquecia seus locutores, uma das frases que o tornou o maior professor de
todos os tempos: “No final, todos virão para a minha rua”. Ele explicava para seus
conhecidos e alunos mais próximos que este era um ditado que veio originalmente
do Húngaro, que ele considerava ser o idioma mais bonito do mundo e, do seu ponto
de vista, ele estava certo.
Essas eram as primeiras reações à criação do meu pai, única do seu gênero.
Somente mais tarde a arte marcial dele virou popular, muito popular e o nome
eterno de sua criação virou “Krav-Magá” 7*. De repente, pouco tempo depois, todos
começaram a denominar as suas artes, sistemas e estilos como “defesa pessoal”.
Talvez fosse o medo de perder sua fonte de renda, ou alguma necessidade de imitar
ou seguir a “onda”, ou talvez porque o público naturalmente exigia e preferia
aprender defesa pessoal, já que todos querem ser capazes de se defender, mas nem
todo mundo está apto a estudar uma luta. Então, todos os professores começaram a
usar as palavras “defesa pessoal”, sem realmente entender o significado do termo e
sem ter algo em comum com os princípios da defesa pessoal.
Evidentemente que eu não poderia nem desejaria subestimar a contribuição
pessoal que cada indivíduo pode ter ao praticar qualquer arte marcial, cada uma com
suas vantagens relativas. Fazê-lo seria antiético, imoral e incorreto. Entretanto, o
Krav-Magá jamais pretendia ser algo que não é, ou seja, algo além de defesa pessoal.
Então, por que deveríamos ser como o avestruz, que enterra sua cabeça na terra sem
ver e sem ouvir como o nome do Krav-Magá e da defesa pessoal está sendo usado
por pessoas que nem sequer sabem seu significado? Na compreensão do termo
“defesa pessoal” já estão presentes a sabedoria e o conhecimento, entretanto apenas
o entendimento teórico não é o suficiente.
No Hebraico existe um ditado que provavelmente tem variações em todas
as línguas do mundo: “Ler nas entrelinhas”, e é exatamente isso que meu pai fez
quando começou a construir o Krav-Magá, baseando-se na imensa experiência que
teve em áreas como o Pugilismo, Luta Greco-romana, Judô e Jiu-Jitsu Japonês.
7. “Krav-Magá – Arte Marcial Israelense Para Defesa Pessoal” é o nome completo e exato dado pelo
Imi. Ele não desejava deixar apenas o nome Krav-Magá e buscou a conexão israelense, adicionando,
portanto, as palavras “Arte Marcial Israelense” e “Defesa Pessoal” depois do nome Krav-Magá.
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8. Uma vez que assim entraremos numa luta. Luta não é defesa pessoal, mas também esta afirmação
não é absolutamente exata. Para compreender o assunto por completo, é necessário praticar os
exercícios do Krav-Magá, mas a finalidade da nossa pesquisa não é fornecer respostas profissionais,
e sim apontar para a existência de um caminho diferente e mais completo, desconhecido pela maioria
do público.
9. Esta regra é a base sobre a qual o Imi construiu a defesa pessoal no Krav-Magá, juntando os
dois e tornando-os uma arte marcial completa e acabada. Este preceito não existe em nenhuma
outra arte marcial e foi justamente este que fez do Krav-Magá a arte marcial que é hoje. Portanto, o
descumprimento desta “regra de aço” do Imi significa que o Krav-Magá para de ser a melhor arte
marcial do gênero e torna-se uma simples atividade física, sem fins e sem conteúdo. Apenas uma
compreensão profunda deste princípio daria ao praticante capacidades físicas extraordinárias.
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10. Muitos tentam imitar o Imi e especialmente o Krav-Magá, sem possuir a mínima noção do que
é defesa pessoal e quais são seus pilares e princípios. Eles usam o termo “defesa pessoal” e ensinam
toda combinação possível de movimentos, menos o caminho correto. Defesa pessoal não é somente a
capacidade de afastar o cano da pistola, ou aplicar algum movimento contra ataque de faca.
11. Quando se trata de defesas contra faca, e especialmente em caso de facada regular de curta
distância, a defesa não é aplicada no mesmo estilo de Trezentos e Sessenta Graus, mas usa-se uma
técnica específica que “acompanha” e abaixa a mão do oponente, aproveitando o momento de seu
ataque. No livro “The Book of Krav-Magá – The Bible” esta técnica aparece em duas formas – uma
vez aplicada de Seza e na outra de pé. Como autores da pesquisa, sabemos e conhecemos a pessoa e
a organização responsáveis por este “método” de usar o exercício de Trezentos e Sessenta Graus em
situações inexistentes no caminho original do Imi, porém, para evitar um caráter de vingança pessoal
na pesquisa, decidimos não publicar os nomes.
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12. Estou consciente de que não é a minha função, ou a da pesquisa, tocar neste gênero de temas. Mas
sinto uma necessidade incontrolável de no mínimo uma vez ao longo da pesquisa dizer a minha opinião
pessoal sobre aqueles que modificaram o Krav-Magá e ensinam exercícios que não se sustentam na
realidade do dia-a-dia. Dezenas, se não centenas de vezes eu já vi as reações de alunos e instrutores
quando aprenderam, pela primeira vez, a forma correta de aplicar defesas contra faca em vez de
usar Trezentos e Sessenta Graus, nos diversos cursos e seminários ministrados pela escola BUKAN.
Sempre aparece a mesma marca de interrogação nos rostos dos alunos, como se quisessem falar:
“por que nunca ensinaram o modo certo de fazer a defesa, por que nos enganaram esse tempo todo?”
A compreensão da lógica e da praticidade do exercício correto ocorre dentro de alguns instantes, e
assim também a aprendizagem prática. Todos aqueles charlatões devem parar com seus atos, se não...
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realizar 13* a defesa indo para o oponente e somente no último momento aplicar
a própria defesa, quando já parece ser tarde demais. Só que é justamente este o
princípio: fazer o oponente pensar que não conseguimos nos defender e deixá-lo
completamente concentrado no seu ataque sem que ele tenha tempo para alterar seu
ataque, ou pior, nos empurrar para uma situação de luta. Ele estaria tão convencido
de seu sucesso que quando executássemos nossa defesa ele não teria tempo para
reagir e mudar de tática.
As pessoas simplesmente têm dificuldades de ficar em pé e enfrentar o
perigo que está se aproximando, seja ele um golpe, chute ou algum agarramento.
Entretanto, quem conseguir, sem dúvida alguma melhoraria a sua capacidade
imensamente. Usaremos como exemplo livramento de estrangulamento de frente,
onde ajudamos o agressor a chegar mais perto de nós, mas ao mesmo tempo chutamos
com força de centenas de quilogramas e enfiamos nosso joelho nos seus testículos.
É uma posição clássica de aproveitamento da “Entrada para o oponente”. Mulheres,
quando vêem a técnica pela primeira vez, normalmente comentam: “Além de sermos
menores e mais fracas, ainda precisamos ajudar o agressor a chegar mais perto?”.
Mas no momento que elas treinam com homens como parceiros elas descobrem que
conseguem fazer o exercício sem problema nenhum. Algumas, alegadamente sem
intenção prévia, atingem o seu parceiro para ver que as coisas realmente funcionam.
Este é apenas um exemplo introdutório para o repertório de movimentos no
Krav-Magá, como no caso de defesas contra faca, quando existe um medo verdadeiro
de entrar contra o movimento da mão que segura a faca. Novamente devemos
reconhecer a incomensurável importância do aspecto espiritual como componente
indispensável para o Krav-Magá. O canal de televisão “National Geographic”
transmitiu um programa sobre artes marciais e, ao final, o apresentador resumiu
tudo ao afirmar que: “O órgão mais importante para um praticante de artes marciais
é sua coragem”. Verdade! Sem coragem seríamos nada mais do que covardes. Ser
valente não garante a vitória eterna, mas pelo menos confere a oportunidade de
evitar uma humilhação maior. Cada um pode e deve aprender a se defender, é a
nossa obrigação para nós mesmos, uma forma de declarar – “Eu tomo controle do
meu próprio destino”.
13. O ensino de defesas contra golpes no Krav-Magá deve ser analisado de alguns pontos de vista
simultaneamente. No Krav-Magá, as coisas nem sempre são o que parecem ser. A aplicação de
defesas contra golpes não constitui um exercício ou movimento completamente fechado. Ou seja,
no que diz respeito à execução da técnica específica constitui sim, porém não do aspecto geral do
Krav-Magá. Imi criou o conjunto de movimentos no Krav-Magá de forma que um complementa o
outro. Portanto, pular, ou não entender uma fase, obrigatoriamente impede a aplicação correta e a
compreensão da próxima fase. Exemplo clássico disso seriam as defesas contra ataque de faca. No
início, na faixa laranja, alguém eliminou um movimento, provavelmente por falta de conhecimento, e
mais adiante, na faixa azul, ele já tinha perdido a capacidade de aplicar defesas contra faca. Somente
se soubermos o caminho completo de Imi, sem atalhos e sem cortes, entenderemos a forma como
ele fundiu os movimentos e exercícios da defesa pessoal e do Krav-Magá para criar um conjunto
finalizado. Elimine o mínimo dos detalhes e o prédio inteiro desaba. O objetivo da atual pesquisa,
como já foi explicado várias vezes ao longo do livro, não é o de fornecer soluções profissionais – estas
precisamos procurar nos lugares adequados. Krav-Magá é a melhor arte marcial para defesa pessoal
no mundo inteiro, porém poucos, hoje em dia, desfrutam do poder e da sabedoria que o Krav-Magá
tem a oferecer.
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o resultado final, porém jamais alguém poderá saber como irá terminar o combate,
e esta é a grande diferença entre os dois universos.
Parece-me que a resposta dada pelo Sr. Haim Zut aponta a grave incapacidade
individual de lidar com os requisitos de desempenho que as defesas no Krav-Magá
apresentam. Se você está em um beco escuro no meio da noite e um agressor está
andando na sua direção armado com faca ou bastão e você está desarmado, tudo que
pode fazer é tentar se defender da melhor forma. É possível implorar por sua vida,
ou apostar em fugir, mas se você já é Faixa Preta de Krav-Magá, então não agiria
como medroso e ficaria no seu lugar para combater o perigo – e prevalecer. Não há
outro jeito.
De novo podemos perceber e analisar o caminho que levou às modificações
extremas feitas no Krav-Magá, resultantes da falta de compreensão mínima da
noção de defesa pessoal e do que ela exige, e também do desvio das regras básicas
estabelecidas pelo meu pai, e, sem essas, a defesa pessoal não existe. Um exemplo
marcante disso encontra-se na técnica de defesa contra dois agressores armados
– um com bastão e o outro com faca. Meu pai determinou que a arma mais longa
é sempre a mais perigosa, ou seja, o bastão neste caso. Ele se baseou nas armas
criadas no Japão para defesa pessoal e que eram especialmente destinadas para uso
por mulheres, uma vez que as armas se destacaram por seu comprimento e por sua
capacidade de manter o inimigo longe de nós, como a lança japonesa. Um bastão
longo poderia nos atingir sem que chegássemos a uma distância que possibilitaria
acertar o oponente, isto é, o nosso rival pode nos atacar sem se arriscar.
Mas o temor da faca levou à alteração. O medo da facada é mais forte do que
a capacidade do bastão de quebrar ossos – mais uma testemunha da burrice. Todos
que aprenderam com meu pai a utilizar bastão e os alunos graduados faixas pretas
da escola BUKAN, que eu pessoalmente testemunhei alguns de seus treinos com
bastão, sabem muito bem que essa arma “branca” é muito mais eficaz e perigosa
do que a faca em certas distâncias. O cérebro humano transmite uma sensação de
medo ao reparar na palavra / termo “facada”. A faca pode ser enfiada em nosso
corpo, ferir, abrir um buraco no coração, nos fazer sangrar até a morte etc. Mas este
modo de pensar é um equívoco que pode custar a vida das pessoas. Há no mercado
atualmente bastões e porretes inquebráveis, feitos de p.v.c denso, que é um material
pesado e de impacto desastroso. Um bastão assim, com comprimento de oitenta
centímetros, daria ao seu portador uma potência tão grande de ataque que cada
golpe quebraria no mínimo um osso do nosso corpo enquanto o agressor está fora
de nosso alcance de contra-ataque, e nós, com cotovelo ou joelho quebrado, estamos
acabados. Agora, tudo que o oponente com a faca na mão precisa fazer é cortar
nossa garganta enquanto nós estamos praticamente indefesos.
Esta foi a linha que guiou meu pai quando criou as defesas contra armas
longas. Ademais, de acordo com a concepção da defesa pessoal, no momento que
eliminamos o oponente com o bastão, tomamos também controle dessa arma longa
e ela está agora em nossas mãos. A partir de agora, a vantagem é nossa, já que
nós seguramos a arma mais longa / perigosa e o nosso oponente tem apenas uma
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faca curta. Por outro lado, se escolhêssemos dominar primeiro o adversário com a
faca, então estaríamos agora segurando uma faca e com ela teríamos que confrontar
um inimigo com bastão de oitenta centímetros que provavelmente tirasse a faca
de nossa mão antes que percebêssemos 14*. Eis a inquestionável lógica do meu pai,
mas também a fonte da total ignorância, da falta de conhecimento básico em defesa
pessoal e de uso do bastão daqueles que modificaram sua criação.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, pode-se citar outros exemplos
relevantes. Os agressores poderiam estar armados, um com faca e o outro com espada,
ou um com espada e o outro segurando uma lança de dois metros de comprimento.
Novamente percebe-se que a arma mais longa é também a mais perigosa. E não
adianta dizer que “ninguém mais anda com este tipo de armas” – é bem possível
encontrar oponentes utilizando faca e um porrete estilo “baseball”. Ademais, o
mesmo princípio se repete também quando se trata de armas de fogo, como pistolas
e fuzis. Uma pistola comum, que tem cano curto, é eficaz a uma distância de trinta a
quarenta metros. Enquanto o fuzil, por exemplo, o popular M-16, possui um alcance
maior que supera os trezentos metros. Já as armas do tipo “sniper” têm cano maior e
alguns chegam a atingir alvos com precisão a dois quilômetros de distância.
Esta era a visão do meu pai sobre os princípios da defesa pessoal, e qualquer
outro caminho simplesmente não passaria na prova da realidade, como acabamos
de ver. Entre outros motivos, as situações desse gênero me levaram a escrever a
atual pesquisa. Profissionais da área de segurança, policiais, soldados, agentes de
segurança e até cidadãos comuns podem pagar com suas vidas se não souberem
e conhecerem o caminho exato e completo do meu pai, construído seguindo um
raciocínio lógico e claro. Qualquer desvio dele eliminaria o Krav-Magá todo.
E se não bastasse tudo isso, eis um outro ponto de vista – o exemplo do
livramento de estrangulamento de frente. Muitos, hoje em dia, “misturam” vários
livramentos no intuito de criar algo novo 15*, maiormente por causa de seu fracasso
pessoal e incapacidade individual de aplicar o livramento. Praticantes, alunos
e instrutores que não conhecem suficientemente as técnicas de livramento de
estrangulamento de frente tentam aplicá-las utilizando exercícios de força de outras
fontes desconhecidas. No livro “The Book of Krav-Magá – The Bible” é contada de
forma bastante detalhada a história de como meu pai chegou a criar os exercícios de
livramento de estrangulamento de frente e a técnica de giro do corpo e do quadril
para impedir que o oponente possa nos estrangular e nos colocar em perigo. Só
que aqueles que não conheçam o primeiro livramento pecam novamente ao usarem
um outro livramento, completamente diferente. Foi aquela primeira técnica de
livramento que guiava meu pai na criação da arte marcial toda.
14. É o mesmo princípio usado pelos Samurais na prática da espada. Atacar com a espada no intuito
de cortar seu inimigo – indiferentemente do local onde a “Katana” acertasse, o oponente ficaria
neutralizado. E o mesmo princípio se mantém ao usar o bastão – a eliminação total e imediata de
nosso rival.
15. O problema começa quando aquelas pessoas não têm a mínima noção de como aplicar o
estrangulamento, e, portanto, não sabem também como fazer o livramento. Imi sempre dizia: para se
defender é necessário saber atacar.
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16. Também o mundo do Judô passou por uma revolução quando o gigante holandês Anton Geesink
ganhou a medalha de ouro nos jogos olímpicos de 1964, em Tókio. Até então, acreditava-se no Judô
que o tamanho dos oponentes não tinha importância – venceria quem estivesse mais preparado,
mais bem treinado, mais veloz. No entanto, Anton Geesink provou que quando dois oponentes, com
experiência e habilidades iguais, se enfrentam, quem tiver mais força e mais peso leva vantagem.
Percebemos este problema em livramentos de pegadas de pescoço do lado e de trás. Imi sempre dizia
e explicava que, neste caso, é necessário aplicar bastante força, mas ainda é possível fazer a defesa.
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e sessenta graus. Quando ele ensinou defesas contra ataque de faca, ele advertiu
repetitivamente sobre um certo “ponto morto” no corpo do defensor, que é por onde
o ataque inimigo sempre penetraria. E é precisamente este ponto que fica exposto
quando utiliza-se trezentos e sessenta graus para defender contra facadas. E ainda,
percebe-se que (quase) todos os “professores”, hoje em dia, ensinam trezentos
e sessenta graus contra faca. Por quê? Há múltiplos motivos para tal. Talvez o
movimento seja mais rápido e mais curto, a coordenação olho – mão é mais eficaz,
tudo isso está correto. Entretanto, a faca sempre atingirá aquele “ponto morto”. Meu
pai, no começo de seu caminho (a técnica foi desenvolvida nos anos 1974- 1975) ensinou
uma técnica de ataque com faca criada no intuito de penetrar qualquer posição
possível de defesa, e o alvo foi exatamente aquele ponto morto acima mencionado.
Como ficou quase impossível defender-se contra esse tipo de ataque, meu pai pediu
a seus dez discípulos que não mostrassem para mais ninguém. Eli Avikzar, até onde
eu sei, realmente não ensinou para ninguém e também Yaron evita fazê-lo, já que
não há nenhuma referência à técnica nem nos livros em Hebraico que escreveu com
meu pai e tampouco no “The Book of Krav-Magá – The Bible”.
Assim, esse exercício de ataque ficou mantido em segredo até hoje. Não
citaremos nem seu nome para não insinuar sobre seus movimentos. Ensinar trezentos
e sessenta graus contra ataque de faca é contrário à lógica do Krav-Magá. Isso
mostra covardia, ignorância profissional e falta de domínio nas técnicas de controle
do oponente!!! 17*
Meu pai sempre advertiu: “Entrem para o oponente, ou ele vai “entrar”
em vocês”. Seu exemplo favorito para demonstrar sucesso ou fracasso na aplicação
de alguma técnica era: dois boxeadores estão se enfrentando. Sempre um vencerá
e o outro perderá. Isso significa que um deles é pior do que o outro? Não, apenas
significa que hoje ele perdeu. Amanhã ele vencerá. Este é o caminho do mundo.
Explicar todos os princípios da defesa pessoal no Krav-Magá é um objetivo
irreal, especialmente num livro que trata da história da arte e não no seu aspecto
prático. Toquei levemente no assunto, apenas no intuito de afiar a compreensão e o
pensamento e explicar a lógica profissional que guiou meu pai ao criar as defesas
e a arte marcial toda. Do mesmo modo que Moisés desceu do Monte Sinai e não
modificou e adequou os dez mandamentos de acordo com a festança que lhe esperava
aos pés da montanha, ninguém tem o direito de mudar a criação histórica do meu
pai, o fundador da arte marcial israelense para defesa pessoal – o Krav-Magá.
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e não a todas as versões deficientes e inválidas hoje apresentadas, que são o principal
objeto da nossa pesquisa. Sobre estas, pode-se comentar e escrever tudo. Os
ensinamentos originais do meu pai, mesmo se não estejam tão expostos ao público
como já estavam, ainda existem e são aprendidos por muitos no mundo inteiro, pelos
verdadeiros fãs e seguidores da arte.
Ademais, em relação ao ocorrido hoje em dia no mundo do Krav-Magá,
excluindo evidentemente o caminho original do meu pai, é certamente possível
chamar de “sistema” todos aqueles miseráveis conjuntos de movimentos e
exercícios que de alguma forma conseguiram sobreviver, e chamar até de “sistema
eclético” (veja os comentários do Sr. Haim Zut, no capítulo “Documentos & Testemunhos”).
Não há nenhum segredo aqui: os praticantes daquelas versões limitadas admitem
e anunciam publicamente a adição de diversas técnicas e exercícios, tornando “seus
sistemas” de fato “ecléticos”. Entretanto, no caminho original do meu pai a realidade
é completamente diferente.
Os acontecimentos históricos diários estabelecem fatos interessantes. Não
passa sequer um dia sem que alguma “arte marcial” nova surgia em algum lugar
no mundo. Por exemplo, já ouvimos falar de um indivíduo mexicano que afirmava
que um grande sacerdote asteca apareceu no seu sonho e a noite toda os dois
treinaram e praticaram e, de manhã, quando o grande antecessor voltou ao céu, o
mortal mexicano já conhecia de forma detalhada toda a antiga arte marcial asteca.
Qualquer um, com mínima de inteligência, sabe que os astecas não desenvolveram
nenhuma arte marcial. Mas tudo isso não tem nenhuma importância, já que aquele
indivíduo foi esquecido na mesma velocidade em que ganhou sua “fama”, e nós
somos provavelmente os únicos no mundo que ainda o lembram e o mencionam. O
mesmo destino de sumiço total ocorreu também com muitos “sistemas” de Caratê,
que eram bastante populares, há cerca de vinte anos atrás. E não se enganem a
pensar que a sua vida chegou ao fim por causa do progresso, o fato é que “sistemas
de luta” não fornecem as respostas que o público busca. Esses sistemas sempre se
perderão com o tempo, simplesmente por que são baseados puramente no ego de
seus criadores e na sua vontade de ganhar dinheiro e rápido, enganando os leigos e
os ingênuos.
No estado atual, o mesmo perigo se espera para o Krav-Magá 2*, a não
ser que seus praticantes aprendam a controlar seus enormes egos e se unam sob
um nome, um caminho, um líder, seguindo os ensinamentos originais do meu pai,
que poucos hoje em dia conhecem. O fim do Krav-Magá como arte marcial está
próximo e o sistema de pequenos principados espalhados ao redor dos países jamais
funcionará. No dia em que aparecesse um feudal faminto de poder e domínio,
somente a cooperação salvaria os pequenos. Senão, o “Grande Feudal da História”
2. Cerca de uma década se passou desde a morte de Imi até a elaboração destas linhas. E realmente
já estamos testemunhando o lento sumiço de todos aqueles “sistemas” que surgiram depois de seu
falecimento, roubando seu nome e o do Krav-Magá. É provável que na próxima década elas desapareçam
por completo. Em sua famosa música, Bob Marley canta: “Você pode enganar uma parte das pessoas
numa parte do tempo, mas não todas as pessoas o tempo todo” (You can fool some of the people some
of the time, but not all the people all the time). Este princípio se aplica aqui, sem dúvida nenhuma.
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apagaria seus nomes dos registros e arquivos de seu tempo e isso é o pior de tudo. E,
novamente, este processo não significaria nada, uma vez que por cada “sistema” que
some, surgem dois no seu lugar, apenas os melhores sobrevivem. Seria uma espécie
de teoria da evolução das artes marciais.
Levanta-se aqui mais uma vez a pergunta fundamental: qual seria a
definição correta e verdadeira de uma arte marcial? Precisaremos, primeiramente,
compreender a moldura que contém todas as artes marciais para depois selecionar
e entender os componentes ecléticos que constroem uma arte marcial. Em seguida,
a análise de uma arte marcial daria a nós os instrumentos adequados e necessários
para termos a chave da absoluta compreensão das diferentes combinações.
Para aprender e compreender o que significa o termo “arte marcial”,
precisamos inicialmente chegar à fonte, ao ponto onde tudo teve início. A origem
desta noção não é de nenhuma língua européia, e de fato a expressão “arte marcial”
não aparece ao longo da história militar daquele continente, e isso apesar de ter
passado por inúmeras guerras e conquistas. Eventualmente se fundou alguma ordem
de guerreiros, principalmente na Idade Média, na época dos cavaleiros heróicos que
usavam armadura maciça e espadas pesadas demais para serem manipuladas em
batalha.
Tudo começou, então, no ano de 1274, quando os mongóis, liderados pelo
temido Kublai-Khan, tentaram invadir o Japão. Entretanto, o desembarque nas ilhas
orientais acabou se tornando uma humilhante derrota ao líder mongol. A cultura
japonesa da guerra não era conhecida pelos invasores e esse foi o principal motivo
do desastre militar. A notória espada do Samurai, apesar de ainda não ter assumido a
sua forma mais aperfeiçoada, já era mais fina e mais leve do que as espadas pesadas
usadas fora do Japão.
O sabre japonês, sendo mais ligeiro e fácil de manusear, ao contrário de
armas estrangeiras, exigia o uso de apenas uma mão para cortar, atacar e defender.
Os japoneses adequaram sua principal arma às proporções modestas de seus corpos,
tornando-a a sua maior vantagem. Apesar de o uso da espada não ter alcançado o
amadurecimento cognitivo completo, os japoneses perceberam que a vitória naquela
batalha, naquela tentativa de invasão, foi devido a sua espada e a sua técnica de
combater com a espada. O processo tinha começado, mas ainda não havia chegado
ao ponto de uma criação perfeita. Esta aconteceria sete anos mais tarde, no ano de
1281, quando os mongóis tentaram novamente invadir o Japão. Desta vez, o triunfo
dos militares japoneses foi maior ainda e a supremacia da espada japonesa virou um
fato incontestável. Daquele momento em diante, começou o processo de veneração
da espada do Samurai e ela tornou-se mais importante do que o próprio guerreiro
que a segurava.
A concepção japonesa (estamos nos referindo àquela época e ao campo das artes
marciais) é minimalista, ou seja, “Máxima criação com mínima movimentação”. Um
dos exemplos mais marcantes disso, que existe até hoje, é o método de “Escrita
Zen” ou a arte da pintura japonesa. Podemos observar esta técnica minimalista nas
pinturas do Yamamoto Musashi. O tema da percepção japonesa do conjunto das
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3. O código de honra e regras de conduta aparecem no livro “Haga-Kurê”, traduzido para quase todos
os idiomas no mundo. Este conjunto de leis explica detalhadamente como um Samurai ou artista
marcial devem se comportar e agir. Essas regras são também conhecidas pelo nome “Bushidô”. As
escrituras não são fáceis de ser compreendidas, simplesmente por fazerem parte de uma época que,
em favor da argumentação, poderíamos afirmar que já passou e acabou há muito tempo. Mas será?
Ainda existem praticantes de artes marciais – no Judô, no Aikidô, no Kendô, na arco e flecha, no
Caratê, no Kung-Fu e acima de tudo no Krav-Magá - que ainda agem e seguem religiosamente essas
leis e regras. Não existe outro caminho quando se trata do termo “arte marcial”. A leitura da “Haga-
Kurê” daria ao leitor os instrumentos necessários para entender a pesquisa toda, uma vez que fomos
guiados pelos mesmos princípios de amor próprio e amor ao outro. E, acima de tudo, infinito amor e
respeito ao professor – Imi, em nosso caso, exatamente como aparece na “Haga-Kurê”.
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4. O mesmo princípio se aplica quando se trata das diversas técnicas de chutes. Ao chutar com a
bola do pé, somos capazes de penetrar através da “armadura” e dos músculos abdominais de nosso
oponente. Contudo, um chute com as costas do pé não teria força suficiente para atravessar os
abdominais e peitorais de um oponente bem treinado. O elemento crucial de cada arte marcial é a
capacidade humana, a possibilidade do praticante de fortalecer a si mesmo e ao seu corpo até o ponto
em que suas pernas e mãos tornem-se armas próprias. A descrição mais adequada aqui seria o termo
“Arma Humana”. Podemos observar um exemplo disso nos treinos do Caratê, no qual se quebra
madeiras usando apenas as mãos. Imi sempre duvidou deste método e costumava dizer: “é fácil bater
num pedaço de madeira que não bate de volta”. Porém, ele também sempre afirmava que o corpo deve
estar preparado para tudo, e que as bolas do pé e os punhos devem ficar fortes para causar o maior
estrago possível ao oponente. Por isso, Imi sempre alegava que o exercício mais difícil para aplicar
no Krav-Magá é o golpe com a mão esquerda para frente. Com mínimo caminho e mínimo tempo
precisamos alcançar velocidade máxima, força máxima, passar o máximo de peso em direção ao
oponente e com um único golpe quebrar seu maxilar e o derrubar. Este também é o motivo pelo qual
criou a tão especial técnica, exclusiva para o Krav-Magá – “A técnica do caminho de volta”.
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Os princípios são:
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5. Na arte do Calari não se usa o Gi do Judô, mas apenas calças curtas e o corpo todo é ungido de óleo
antes do treino. Obviamente que não há nenhuma relação entre o Zen Budismo e esta arte, apesar dela
ter suas origens na Índia. Também a prática da Ioga não é ligada à arte indiana, um fato surpreendente
por si. Entretanto, uma parte dos treinamentos de flexibilidade daquele método indiano de luta, sem
dúvida foi adotada da Ioga. Como regra geral, a arte da Calari baseia-se no uso de diferentes armas de
origem local, e, portanto, estas armas não são conhecidas no Kung-Fu. Seu uso nunca foi observado
fora das fronteiras indianas.
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giro (veja “The Book of Krav-Magá – The Bible, página 335). Essas ações não podem ser
consideradas uma criação eclética, ponto final (há uma clara e conclusiva diferença entre
treinar para dominar uma certa técnica e um ato eclético).
Uma profunda análise sobre o núcleo das artes marciais alheias para encontrar
o que falta nelas no campo da defesa pessoal - esta é uma verdadeira criação original,
da mesma forma que através da observação e junção dos movimentos de dança
hinduísta cria-se uma arte marcial. Ver o que não está ali, descobrir o caminho
secreto que o levaria aonde ninguém antes pisou, foram estes os atos do meu pai ao
desenhar os movimentos do Krav-Magá. As características adquiridas por aqueles
que praticam o caminho completo do meu pai são as responsáveis pela alteração da
concepção geral em relação à defesa pessoal no mundo inteiro.
Sempre existirão tolos que seguirão o “fundador” de um sistema ou outro,
a história humana é cheia de exemplos desse tipo, isso não é nenhuma novidade,
mas eles tendem a sumir rapidamente nas nuvens do tempo e do esquecimento
histórico. É necessário muito mais do que a mera combinação de alguns exercícios
e teorias filosóficas vagas para criar uma verdadeira arte marcial, que se sustentará
e sobreviverá por milhares de anos. O público não é tão inteligente, mas também
está longe da estupidez, e, no final, ele entende que a “mercadoria” vendida não
vale o preço exigido. Os gigantes que criaram as tradicionais artes marciais foram
abençoados com “algo a mais”. Carisma, genialidade, habilidades físicas e mentais,
nem sempre são o suficiente. Muitos possuem esses característicos, mas isso ainda
não os torna criadores. Milhões têm o dom para pintar, praticam esta arte em cursos,
em sua casa, no seu tempo livre, e a maioria deles ficará anônima para sempre. Isto
se aplica a qualquer campo artístico. Milhões de pessoas servem nas forças armadas
ao redor do mundo como soldados e oficiais e somente um milésimo deles, ou até
menos do que isso, se tornaria general no final de seu caminho, e desses, apenas
pouquíssimos ganhariam uma verdadeira glória em combate.
Os fundadores das tradicionais artes marciais cabiam, normalmente de
forma não intencional, dentro de um inexplorado nicho das artes marciais em
relação ao seu tempo. Deliberadamente ou não, os fundadores surgiram com
seus estilos marciais justamente nos momentos em que a humanidade estava
procurando substitutos para as clássicas lutas do pugilismo e Greco-Romana,
que são relativamente repetitivas e pouco empolgantes. E, de repente, novos
jogadores apareceram. O Judô Japonês, acompanhado pelo exotismo e mistério do
oriente, ingressou quase que imediatamente para as olimpíadas. Também o Caratê
milagrosamente encontrou o seu canto, com treinamentos e competições de exibição
nas quais se ganha medalhas quebrando vários materiais, mostrando sua força e
seguindo os caminhos espirituais do oriente. Não é por acaso que esta arte marcial
se popularizou tão rapidamente em todo o mundo – era exatamente o que todos
estavam procurando. Já o Aikidô é reservado àqueles que buscam uma maior e mais
precisa compreensão dos ensinamentos mentais / filosóficos japoneses, através da
aprendizagem e do uso de “KI” – uma tremenda e inexplicável força, controlada
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somente por aqueles que entendem e percebem a sua inimaginável potência, que
aos olhos leigos passaria despercebida. Somente o medo das pessoas de “tocar” nos
aspectos filosóficos impediu uma maior popularização do Aikidô. E neste ponto
chegamos ao Krav-Magá.
Tudo começou no final dos anos sessenta do século XX, no ano de 1967, para
ser exato. O Estado de Israel, um lugar microscópico no mapa global, foi fundado
depois e como consequência da destruição e horrores da Segunda Guerra Mundial,
na qual a maioria da nação judaica foi extinta. Em seus primeiros dias, o Estado
de Israel recebeu refugiados judeus de todas as partes do mundo. Até hoje, mais
de sessenta anos depois de sua fundação, esse país ainda vive épocas constantes
de terror e guerras sem fim, perdendo todo dia os melhores de seus filhos, de seus
guerreiros. No entanto, esse povo, com seu minúsculo e remoto território, tem algo
que nenhuma outra nação possui. Algo que nem seus quatrocentos milhões de
inimigos, que o cercam de todos os lados do Oriente Médio, conseguem derrotá-lo
e aniquilá-lo: em cada conflito ou guerra ocorrida, o povo israelense sempre saiu
prevalecendo. A forma como o Estado foi fundado e a sua trajetória de sobrevivência
são fontes diárias de notícias para jornais e noticiários em todo mundo, por que
todos gostam de heróis e o consistente tratamento dado ao Estado judeu só o torna
cada vez mais popular. Todos querem descobrir o grande “segredo”, até aqueles que
não nutrem muito “afeto” pelo pequeno país.
Voltando ao ano de 1967, depois de uma inesquecível e glorificante vitória,
quando Israel derrotou todos seus inimigos em apenas seis dias e conquistou territórios
em todo o Oriente Médio, apareceu um homem grande e modesto, como se saísse de
alguma lenda local. Com seu carisma e charme, ele apresentou ao faminto mundo a
arte marcial israelense, algo que ninguém esperava ou acreditava na sua existência.
Os mais velhos, aqueles da geração que lutou na guerra dos seis dias, recordam
claramente as reportagens e artigos na imprensa internacional sobre a “teoria da
conspiração”, de acordo com a qual Israel usou uma arma altamente secreta na
guerra dos seis dias, e que somente por isso venceu a guerra tão facilmente. Para
combater essas “alegações”, o exército e o governo israelenses publicaram livros e
álbuns especiais para comemorar a vitória, e neles apresentaram sempre fotos de
dois soldados israelenses, um homem e uma mulher, ao lado estava escrito: “Essa é
a nossa arma secreta!”. E foi justamente este nicho que meu pai encontrou no Krav-
Magá: a procura mundial pela “arma secreta” de Israel, seja ela verdadeira ou não.
Ou seja, usando a linguagem de pescadores que meu pai apreciava, o mundo engoliu
a isca, a vara, a linha e até o próprio pescador.
Mas não era apenas a situação global que estava à procura de algo renovador,
nem a bravura das pessoas ou de um país. O público descobriu o que estava lhe
faltando nas tradicionais artes marciais – a defesa pessoal. A criminalidade estava
crescendo mundo afora, o terror começou a se erguer e os cidadãos exigiram,
corretamente, soluções rápidas e eficazes. Neste ponto, o Krav-Magá parecia ter
sido costurado sob medida para o mundo – o homem certo – Imi, a arte certa – o
117
Krav-Magá 6*, o tempo e o local certos – Israel. Não há uma receita melhor do que
esta para o sucesso. Assim, é possível que um dia alguém desenvolva uma arte
marcial nova, original e única, mas se não couber no nicho certo e no tempo certo,
provavelmente sumirá no esquecimento histórico.
Desde que o Krav-Magá começou a se popularizar, muitos tentavam
aproveitar de seu êxito. Porém, a maioria deles não possui nem o mínimo de
conhecimento sobre esta arte. Portanto, não se pode julgar uma arte marcial tão
longa, complexa, completa e perfeita de acordo com as afirmações de algumas bocas
ignorantes. Esperamos que esta pesquisa esclareça este tema de uma vez por todas!
6. É necessário entender um outro fator aqui: é possível que nem Imi e nem sua criação chegassem
aonde estão hoje sem a incrível capacidade do Imi de comprovar com atos a eficácia e eficiência de
suas técnicas e das defesas que criou.
Pessoas de vários campos e ocupações como artistas marciais, militares, policias, agentes dos serviços
secretos etc., examinaram e analisaram, no começo do caminho de Imi, cada mínimo movimento
dentro do conjunto de exercícios que compõem o Krav-Magá. Somente depois que compreenderam
e ficaram convencidos das proporções bíblicas de sua criação e da capacidade do Krav-Magá de dar
soluções de defesa pessoal, deu-se início ao grande entusiasmo. No entanto, hoje em dia percebemos
cada vez mais a utilização do nome Krav-Magá, mas sem a inclusão prática de todos os exercícios de
ataque e defesa criados por Imi. Muitas pessoas “inventam” defesas contra faca ou contra arma que
não funcionam na realidade. Imi e o Krav-Magá foram os primeiros, e até este momento os únicos,
que criaram defesas reais e comprovadamente eficazes. Assim, a glória do Krav-Magá não apareceu
do nada, mas baseou-se em profissionalismo e compreensão profissional. E de novo mencionamos um
fato curioso: todos aqueles que tentam vender um “Krav-Magá militar” nunca foram combatentes no
exército. Cada instrutor de Krav-Magá não necessariamente tem que ser israelense, pelo contrário.
No Caratê, por exemplo, há um número suficiente de praticantes ao redor do mundo para surgirem
bons professores, mesmo se não são japoneses. Mas o Caratê já existe há bastante tempo, enquanto o
Krav-Magá ainda é relativamente novo. Muitos daqueles que afirmam estar ensinando o Krav-Magá,
não o fazem realmente.
É parecido com a situação de um homem que tem um encontro romântico com um outro homem
fantasiado de mulher e o primeiro nem imagina a surpresa que o aguarda....
118
O espírito - parte I
Zen está presente no Krav-Magá da mesma forma que existem nele chutes e golpes, ataques
e defesas. Porém, o machado da re-modificação de sua história tampouco poupou essa gloriosa parte
de importância máxima na qualificação de qualquer artista marcial e de um praticante de Krav-Magá,
especificamente. O objetivo deste capítulo não é ensinar Zen, mas mostrar e explicar a sua existência,
suas finalidades e razões e porque constitui um componente integral e inseparável do Krav-Magá.
Queremos, inclusive, comprovar que o fundador do Krav-Magá conhecia o espírito do Oriente e sabia
como fundi-lo delicadamente dentro da arte marcial que criou.
119
2. Veja no livro “Zen Buddhism and Psychoanalysis”, de Dr. D.T Suzuki, páginas 44-48. Embora a
explicação seja referente à arte da espada, na realidade, quando se trata do aspecto de Zen, não há
diferença entre uma arte marcial e outra.
120
3. Esses livros são considerados hoje itens para colecionadores. De fato, qualquer livro sobre o Krav-
Magá que foi escrito posteriormente a esses dois, é nada mais do que uma péssima imitação.
121
122
o pai das artes marciais, por ter criado o Kung-Fu, do qual surgiram posteriormente
o resto das artes marciais do Oriente. No começo, o Kung-Fu servia ao objetivo de
fortalecer os corpos e mentes dos monges, para prepará-los melhor para as tarefas
diárias. Todos os exercícios foram construídos baseando-se no mesmo princípio:
o princípio da natureza, isto é, o fortalecimento dos músculos absorvendo energia
espiritual. Essa capacidade de coordenar os diferentes movimentos corporais e os
músculos de um lado, e a focalização da espiritualidade do outro lado, mantendo uma
simbiose perfeita entre os dois, é um dos pilares de qualquer arte marcial. Podemos
achar um exemplo clássico disso ao observar a prática milenar do Tai-Chi-Chuan
(mesmo que esta não seja uma arte marcial no sentido completo da palavra).
Budidaharama recebeu a inspiração para desenvolver o Kung-fu de
sua especialidade na dança indiana folclorista e ritual religiosa de adoração aos
diversos deuses do panteão Hindu, na qual cada deus simboliza um outro animal
e cada técnica de dança é caracterizada por movimentos que imitam, lembram e
se originam de algum animal específico. Em dias de feriados sagrados dedicados a
esse fim, as garotas mais novas, especialmente treinadas para tal, caminharam até os
templos demonstrando os passos e movimentos rituais da dança. Muitas vezes era
exigido um profundo conhecimento para entender totalmente todos os movimentos,
acompanhados por uma música tocada também com uma técnica distinta 4*. Seria
impossível imaginar alguém que dominasse todo o vasto e complexo conjunto de
movimentos de dança dos diferentes deuses indianos.
Há uma corrente que afirma ser justamente essa exigência de perfeição na
movimentação que constituiu os primeiros passos no caminho para o desenvolvimento
de Zen, da forma que ele aparece atualmente nas artes da espada, do arco e também
no Krav-Magá. E ao examinarmos a genialidade dos fundadores das artes marciais,
esse pensamento se torna possível: Budidaharama, depois de passar nove anos
dentro de uma caverna até alcançar a iluminação que lhe possibilitou enxergar o
mundo como ele é, começou a criar e construir o Kung-Fu. Entretanto, a primeira
abordagem em relação ao Budidaharama deve ser de um ponto de vista anterior ao
Kung-Fu. No início de sua trajetória, Budidaharama era um monge budista, e quando
estava a caminho da China entendeu que necessitava encontrar o “caminho” certo.
Este ato o levou a um período de prolongado isolamento na caverna, durante nove
anos, ao final dos quais descobriu o Zen-Budismo.
De fato, ele é o criador de Zen da forma como o conhecemos hoje em dia.
Sendo assim, é fácil entender como ele chegou a criar o Kung-Fu, embora devamos
mencionar mais uma vez que a criação elementar de alguma arte marcial nunca é
baseada apenas em Zen. Isso explica também por que o Kung-Fu sobreviveu e ficou
4. Interessante ver que também no Brasil, onde a capoeira possui o status de uma arte nacional, os
movimentos da dança são aplicados com o acompanhamento de instrumento musical especial chamado
de Berimbau e normalmente também se junta à dança o ritmo da bateria. O ponto curioso é que há
muitos no Brasil e fora de lá que tentam apresentar a Capoeira como arte marcial. Só resta esperar e ver
se no futuro a Capoeira seguirá os passos do Kung-Fu.
123
até hoje como arte marcial chinesa. Na China, o caminho adotado não é Zen, mas
sim o “Caminho de Tao”. Apenas quando o Zen-Budismo desembarcou no Japão é
que ele chegou ao seu estado atual e levou à criação das artes marciais.
O Kung-Fu combina com o povo chinês como luva na palma da mão. É uma
arte bastante colorida, que possui movimentos longos, teatrais e variados, mesmo
que por vezes esses movimentos não tenham nenhum valor do ponto de vista de uma
arte marcial, já que eles se originam em movimentos “suaves” da dança delicada das
garotas dos templos. Talvez seja este o motivo para o grande número de mulheres
que praticam o “suave” Kung-Fu, cerca de cinquenta por cento do número total
de praticantes, enquanto nas artes marciais mais “duras” o número de alunas cai
drasticamente, especialmente no Ocidente.
As técnicas de “força do espírito” existentes no Kung-Fu ainda não se igualam
em sua potência às mesmas técnicas das artes marciais japonesas. Atualmente, nas
grandes escolas de Kung-Fu na China, e especialmente depois que essas abriram suas
portas para turistas ocidentais, a ênfase está mais no aspecto teatral dessa maravilhosa
arte do que na parte principal. Tampouco faltam imitações vergonhosas que parecem
ter saído diretamente de um filme americano de ação. Mas de qualquer forma, todos
os praticantes de artes marciais na atualidade devem seus agradecimentos a este
imenso povo, o berço de uma cultura global.
O Kung-Fu, devemos lembrar, foi criado por e para pessoas de corpo
relativamente modesto, como as diversas nações asiáticas que possuem uma
concepção mental e espiritual da força, baseada maiormente nos princípios do
Budismo e do Taoísmo. Isso difere muito da percepção dos ocidentais (o Cristianismo
considera a “carne” mais importante do que o espírito), que por natureza são maiores e mais
duros, e têm corpos mais “quadrados”.
Seja qual for a nossa perspectiva, o praticante de artes marciais é ligado
à capacidade mental que conecta o aluno e a arte, da mesma forma que o feto se
alimenta da mãe através do cordão umbilical. O nível e a qualidade da espiritualidade
de cada arte marcial, separadamente, é o fator que determinará o caminho final do
praticante como artista e ser humano.
No aspecto físico, o Kung-Fu certamente pode ser definido como uma arte
de movimentos fantásticos, imaginários. Mas por mais que louvemos o Kung-Fu,
ainda é necessário ir mais em direção ao leste asiático – até o Japão, no intuito de
aprofundar e diferenciar nosso envolvimento no assunto, examinar e ver as artes
marciais que surgiram naquelas distantes ilhas e aprender sobre o processo de seu
surgimento. Adquirir inteligência profissional é uma necessidade (apesar do paradoxo)
para quem deseja aprimorar seus conhecimentos a respeito do desenvolvimento das
artes marciais. Esta aprendizagem tem influências diretas e imediatas sobre o Krav-
Magá, uma vez que assim seríamos capazes de perceber e julgar sobre a definição
de uma arte marcial. Será que qualquer combinação de socos e chutes é uma arte
marcial?
Hoje em dia não existe quase um país no mundo inteiro onde não haja sido
criado algum estilo local de luta, como o Sambo russo, o Lima Lama mexicano,
124
125
matéria prima do uniforme varia às vezes de uma arte para outra, como tecido mais
fino e sem necessidade de costuras fortes no Taekwando, no qual não se pratica
arremessos e pegadas e, portanto, a roupa é mais leve (no entanto, se mantém os mesmos
princípios do Gi); também o sistema de faixas coloridas de Kawaishi, aluno de Jigoro
Kano, é copiada por todos os praticantes de artes marciais, desde o dia em que foi
criado.
Para o fundador de uma nova arte marcial é extremamente difícil continuar
fiel a um modo de pensar que emprega pluralismo de vastos horizontes, onde cada
um tem a permissão e a liberdade de praticar a arte que quiser e talvez até inventar
uma. E, por outro lado, seria talvez mais impossível ainda estabelecer regras que
obrigassem o mundo todo. Será?
Jikoro Kano o fez pelo Judô e, portanto, devemos considerá-lo como o
primeiro teste de uma arte marcial. O Gi do Judô é mais do que uma roupa, talvez
seja mais do que um símbolo também. O Judô é o “caminho Delicado” e por mais
que o Judô moderno dos jogos olímpicos seja um esporte puro, incluindo regras e
arbitragem, a alma ainda existe. Mesmo que nas competições fique difícil identificar e
perceber o espírito original, durante o processo de aprendizagem do Judô tradicional
- cada exercício separadamente e não como um conjunto de tentativas para ganhar
uma medalha - vemos a qualidade do espírito único das artes orientais 5*.
Também nas próprias competições é possível perceber, de vez em quando,
movimentos que foram feitos através do espírito e não do corpo. Em antigos filmes
didáticos e demonstrativos, ainda da época em que tudo foi filmado em preto e branco,
podemos ver técnicas do início do Judô, de quando os primeiros gigantes artistas do
Judô estavam examinando e desenvolvendo diferentes exercícios em comparação à
técnica de flutuação da água, que consiste em um universo completo por si, dentro
da experiência espiritual japonêsa de Zen.
Esses filmes apresentam o processo correto da criação do Judô, anteriormente
a sua transformação num esporte olímpico. É fácil sentir e perceber a presença da
força “Ki”, fluindo das históricas filmagens diretamente para seus ossos e músculos.
Mesmo se não o desejasse, você sente as ondas de energia enchendo e tomando
conta de você, dando uma sensação superior, reservada apenas para quem tenha a
sorte de ver essa tão rara perfeição 6*. O professor Kano queria e conseguiu tornar
o Judô uma prática mundial, com uma organização regularizadora. A aceitação
do Judô como modalidade olímpica deu aos dirigentes da arte a possibilidade de
trancar e proteger o Judô: não há mais lugar para improvisos, todos os professores
5. O livro “The Sport of Judo as Practiced in Japan”, de Kiyoshi Kobayashi & Harold E. Sharp.
Na página 11 são citados os três principais objetivos do Judô: Desenvolvimento do corpo (Renshin-
dô), Conhecimento da arte marcial (Shoô-buhô), desenvolvimento espiritual (Shishin-hô). As mesmas
finalidades ocorrem também no Krav-Magá.
6. Especialmente nos filmes que mostram a combinação da concepção de Zen sobre a água flutuante e
o direcionamento da espiritualidade e da praticidade física para a aplicação de movimentos e exercícios
do Judô. Para quem se interesse em saber como se cria uma arte marcial, sugerimos não economizar
esforços para conseguir assistir a esses filmes. É uma verdadeira experiência eterna para qualquer
artista marcial!
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está na posição de base, é como se ele fosse uma montanha – nada poderia machucá-
lo ou prejudicá-lo. Depois de algum tempo o aluno começa a sentir isso, inicia nele o
processo de obtenção da autoconfiança, e esse é o lado espiritual. É uma técnica em
si, exatamente como aplicar um golpe ou chutar.
Nos primeiros anos de nosso caminho, meu pai realmente afirmou que o
Krav-Magá, de certo modo, e ele sempre enfatizou as palavras “de certo modo” ao
falar desse assunto, não possuía filosofias e influências espirituais. Ele se referiu
especialmente aos cursos curtos e intensivos que passou aos soldados, sejam cursos
de instrutores ou sejam treinamentos regulares de Krav-Magá. Meu pai claramente
distinguiu o Krav-Magá que ensinou no exército, que era relativamente limitado e
carente de conteúdo, da arte que ensinou para seus dez discípulos, com os quais de
fato construiu o Krav-Magá.
Mas tudo isso aconteceu quando eu ainda era uma criança e nem mesmo meu
pai sabia onde chegaria meu desenvolvimento e meus limites. Todos os primeiros dez
alunos lembram perfeitamente o programa que criou e que denominou de “Mental
Training” (treinamento mental). Portanto, eu estranho aqueles que alegam ter o Krav-
Magá ausência de toda forma de filosofia espiritual. Ademais, a única conclusão
possível é de que esses indivíduos não conhecem realmente o Krav-Magá e são
controlados por sua ignorância e idiotice, enquanto perseguem uma honra que não
existe.
Um dos objetivos da pesquisa é mostrar os fatos históricos referentes à
criação do Krav-Magá pelo seu fundador. Entretanto, é preciso compreender este
capítulo no seu contexto correto e exato. Apresento aqui aos leitores somente os
fatos diretamente relacionados às tentativas de suprimir a existência do espírito
como parte inseparável da arte marcial Krav-Magá (há quem negue até o fato do Krav-Magá
ser uma arte marcial), existência que não depende apenas das escrituras e do desejo de
enxergar as coisas de determinado modo, mas que é real e concreto como o próprio
Krav-Magá, mesmo se esse espírito não contribuísse em nada. Ademais, também se
a arte toda dependesse exclusivamente da compreensão do espírito não seria este o
lugar adequado para ensinar, explicar e mostrar. Nosso objetivo no trabalho atual
se resume a apontar os fatos indiscutíveis, em favor do conhecimento universal,
puramente científico. Ou como meu pai disse: “Para adquirir uma capacidade
profissional intelectual”.
O caminho filosófico é o caminho da força invisível, mas não se enganem – a
finalidade de juntar a espiritualidade na arte do Krav-Magá não é o único caminho
filosófico do meu pai como ser humano e fundador da arte marcial. É apenas mais
um ingrediente da imensa receita que compõe o Krav-Magá como arte marcial para
defesa pessoal, que escolhi dar como exemplo da grandeza do meu pai.
Soluções práticas para a aprendizagem de Zen não serão encontradas em
nossa pesquisa. Este não é um livro de estudo de Zen, mas somente uma prova
para a forte presença e função do mesmo dentro do Krav-Magá, da mesma forma
que tem participação em qualquer outra arte marcial tradicional. Os negadores não
conseguem apenas pela força de sua negação eliminar o fato da existência de Zen –
130
o ignorante não pode alegar que a sabedoria não existe. Os que aceitam Zen devem
procurar um professor legítimo, para que possam entender e encontrar a verdadeira
potência do Krav-Magá como a única arte marcial israelense.
Eu não poderia terminar essa parte do capítulo sem incluir a seguinte história:
Um dos maiores professores de Krav-Magá em Israel, nos meados da quinta
década de sua vida, decidiu seguir o caminho do Musashi e dedicar-se durante três
anos para a prática de uma outra arte, desligada do campo das artes marciais. Ele
resolveu não limitar-se apenas à arte espiritual do corpo, isto é, uma arte marcial,
mas desejava experimentar também uma prática produtiva, no intuito de testar sua
arte e o si mesmo. Logo, ele construiu uma pequena oficina em um canto isolado nos
laranjais que cercavam a sua cidade. Ali, começou sua carreira como ferreiro artesão,
desenvolvendo obras artesanais de ferro e metais, usando apenas um forno antigo,
movido a lenha para esquentar e moldar a matéria prima, um martelo e uma bigorna.
Estive presente na sua oficina quando ele tomou em suas mãos uma pesada
barra de ferro com cumprimento de um metro e meio e grossura de trinta milímetros e
a colocou no fogo. Ele esperou com paciência até que o ferro alcançasse temperatura
próxima a novecentos graus Celsius e recebesse uma cor única amarela - laranja,
parecido com a do sol, o que significa que o metal está pronto para ser trabalhado.
Então, ele tirou a barra do fogo e começou a bater nela com seu imenso martelo e
com uma potência igual à de um compressor hidráulico – batendo e esquentando,
batendo e esquentando, até que a barra ficou meio metro mais longa e sua ponta
tornou-se redonda e fina como uma agulha, para que esta pudesse ser moldurada
novamente.
Ele trabalhou sem parar durante horas, sem que o martelo saísse de suas
mãos e não mostrou nenhum sinal de cansaço. Perguntei a ele como sabe quando e
como bater, pois em um momento a barra está grossa, dura e invencível, e, no outro,
é fina e delicada e cada erro pequeno poderia frustrar horas de esforços e suor. O
gigante artista olhou para mim e disse:
“Quando chuto - não sou eu que realmente chuta, quando soco – não sou eu
quem dá o golpe. Qualquer movimento, de ataque ou defesa, na verdade não é feito
por mim. E o mesmo princípio se aplica aqui – ao bater no ferro fervente, não sou eu
quem o faz. Meu olho enxerga e sabe, meu braço sente e reconhece, minhas pernas
sempre me mantêm na posição certa. Todos meus órgãos têm vontade própria, e meu
coração entende e chefia tudo. É ele que direciona e comanda todos os movimentos.
Eu não faço nada e não guio nada”.
“No combate”, acrescentou e explicou ele, “você precisa abafar, esquecer
seus sentidos e sentimentos. Se pensar, sentirá medo e, consequentemente, perderá
sua confiança e não saberá quando e como reagir. Deixa o corpo levá-lo e você
chegará aonde deve chegar. Desta forma eu bato / não bato no ferro”.
É difícil encontrar hoje em dia um artista e professor de artes marciais desta
altura, especialmente no mundo do Krav-Magá.
No aniversário de setenta anos do meu pai, ele foi entrevistado pelo jornalista
israelense Levi Yitzhak Hayerushalmi, e a entrevista foi publicada na revista “Sof
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Shavua”, do jornal “Maariv” (um dos maiores e mais populares em Israel). A reportagem,
que era bastante favorável, centrava no caminho do meu pai como o fundador do
Krav-Magá, sua trajetória e status nas forças armadas etc. Em três lugares diferentes
ao longo da entrevista meu pai fez questão de explicar a total unificação no Krav-
Magá entre o lado físico e o aspecto espiritual, que é uma consequência do primeiro
e ambos são inseparáveis. A reportagem foi publicada em 1980, alguns anos antes
do início do processo de modificação da história do Krav-Magá. De qualquer modo,
essa entrevista serve como prova para a concepção do meu pai de que o Krav-Magá
é uma arte marcial que junta o corpo e o espírito em um só. Aliás, na reportagem meu
pai aborda o assunto de diversos ângulos, tanto práticos como filosóficos.
Podemos praticar Zen apenas para a prática em si, podemos treinar Krav-
Magá e ignorar completamente seus aspectos espirituais e podemos juntar os dois e
saber tudo. Porém, ninguém tem o direito de anular o que não conhece e não entende.
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O espírito - parte II
O sexto sentido do guerreiro 1*
O fato de que o cego não ver o nascer do sol significa que o sol irá parar de iluminar o dia?
Devemos aceitar aqueles que desejam colocar máscaras em nossos rostos e olhos como as do
cavalo que o impedem de olhar para os lados?
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Essa sensação que faz uma pessoa sentir que algo de ruim está prestes a
acontecer é uma parte inseparável da vida cotidiana dos praticantes de artes marciais
que aceitam os caminhos espirituais de Zen e desenvolvem os antigos sentidos de
combate, não apenas com seus corpos, mas também nos seus espíritos. O fenômeno
do “Saki” não é imaginário e ele se repete o tempo todo nos livros históricos que
documentam os legados dos grandes Samurais e guerreiros japoneses da espada.
Não é possível apelidar esse fenômeno. Talvez seja uma chama mística ligada ao
Zen, ou alguma influência parapsicológica, ou somente uma intuição telepática.
Ninguém jamais pesquisou profundamente esses fenômenos para poder conhecer e
determinar sua origem, suas raízes e como ou se é possível torná-los utilizáveis por
todos. Talvez até aprender a controlá-los no intuito de salvar vidas humanas. Mas
isso também pode não ser necessário – basta praticar todos os aspectos de uma arte
marcial e já estaríamos no caminho certo.
Para compreender o espírito de Zen precisamos primeiramente tentar
entender as diferenças entre as diversas religiões mais conhecidas. O Judaísmo, sendo
a religião condutora, consiste em princípios do corpo e da carne, em mandamentos
de “Faça” e “Não Faça”, proibições severas e no temor dos seguidores frente a ira
de Deus. O Cristianismo e o Islamismo, com exceção de algumas modificações,
fundamentam-se nos mesmos princípios. Assim, somente no Hinduismo, com todas
suas versões e correntes, sendo Zen apenas uma delas, percebemos que o espírito
vem antes de tudo. A primeira e principal finalidade dos seguidores é a eliminação
dos desejos corporais em favor da elevação espiritual.
Quando Siddhartha foi perguntado sobre o que sabia fazer, sua resposta
imediata era: “Eu sei jejuar” (veja o magnífico livro do Autor Hermann Hesse – “SIDDHARTHA”).
O jejum é o modo de oprimir o corpo e fortalecer a alma. O corpo é apenas um meio
para armazenar o espírito. Esta concepção é totalmente contrária às outras religiões,
que consagram e valorizam justamente o corpo. Talvez por isso seja tão difícil para
os ocidentais aceitar essa abordagem, uma vez que, para a maioria deles, Zen é
ligado normalmente à imagem de monges em togas laranjas mendigando por comida
na rua.
Ademais, mesmo para aqueles que já praticam alguma arte marcial e querem
muito conhecer todos os panos da arte, existem pouquíssimos professores no
ocidente que realmente tenham a capacidade de passar os ensinamentos completos
deste caminho para o aluno, que saibam juntar de forma exata o “espírito” e o corpo.
Para melhor entender as coisas voltaremos à criação do Kung-Fu pelo
Budidaharama. Por que motivo ele precisou se isolar na caverna durante nove anos
até achar as respostas que procurava? Hoje em dia pegamos um livro em nossas
mãos, abrimos na página certa e dentro de alguns segundos encontramos a resposta
que queríamos. Budidaharama tinha que buscar as repostas dentro de si, com a força
de sua compreensão e sua própria capacidade de análise de equações. Ele não tinha
nenhum livro ou material escrito sobre o assunto. Essa lógica explica por que ele
precisou de nove anos para alcançar a iluminação.
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2. No livro “The Book of Krav-Magá – The Bible”, e também na versão anterior em Hebraico escrito
por Imi e Yaron, afirma Imi que cada movimento e exercício no Krav-Magá / Defesa pessoal têm uma
vida própria. Cada um deles é um ente vivo. Nós, os guerreiros (tanto na defesa como no ataque) apenas
os sustentam como parte da nossa essência existencial. A qualidade final do desempenho do exercício
depende da nossa condição física, mental e espiritual. Essas são as palavras de Imi e de Yaron.
3. Pura: refere-se àquela espontaneidade intocável e inexplicável. Tudo que podemos fazer é agir de
acordo com ela.
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fiquei viciado nessa comida (até que fui demitido, quando descobriram que comi muito mais do
que fabriquei...).
Então, planejei que no dia seguinte, quando a maioria dos soldados no
posto estaria de jejum e a entrada para a cozinha estaria liberada, faria minha
4. A pessoa nomeada pelo rabinato militar para fiscalizar as regras religiosas a respeito da alimentação
e preparação da comida. Por exemplo, de acordo com o Judaísmo, é proibido comer porco ou misturar
leite com carne.
5. “Yom-Kipur” – O Dia do Perdão constitui-se de vinte e quatro horas de jejum completo e orações.
6. Um tipo de massa fritada que é servida junto com sopas.
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própria “incursão”. E assim, pensando em todos os tipos de sopa que podia fazer
com aquelas migalhas, subi para a minha cama, que estava no segundo andar do
beliche.
Não sobrou muito tempo para dormir, a patrulha sairia às quatro e meia
da manhã (isto é, da madrugada...), e como era o dia de Yom-Kipur, nem café decente
tivemos. Não sei como é possível andar quase vinte quilômetros na areia e no calor
do deserto procurando por sinais de terroristas sem, no mínimo, tomar um café da
manhã, mas fazer o que... Vesti meu colete com toda a munição, botei o capacete na
cabeça, joguei a maca nas costas e vamos lá! Mais um dia no calor infernal e nas
areias que fazem suas pernas afundar até o joelho!
Já estou vasculhando diariamente o mesmo percurso há mais de um mês,
sempre de manhã. A patrulha é realizada ao longo do “Pequeno Amargo Lago”
na margem oriental do Canal de Suez. As águas são rasas e claras e é possível
ver cada peixinho e cada caranguejo que habitam por lá, olhando para nós, os
soldados da patrulha, tentando entender o que exatamente nós perdemos neste
lugar tão remoto e esquecido. O objetivo da ronda de hoje foi encontrar rastos
de penetração de terroristas ou de soldados egípcios. Estrategicamente, esta era a
região perfeita para isso – afastado de qualquer posto de observação que poderia
perceber a incursão e com águas rasas que podem ser atravessadas facilmente com
barcos infláveis.
Somos transportados até um certo ponto com jipes e, de lá, para atravessar
as dunas que nem os veículos quatro por quatro conseguem passar, usamos
blindados especiais apelidados de “zeldas”, capazes de “arrebentar” nas areais
e alcançar uma velocidade máxima de cinquenta a sessenta quilômetros por hora.
Quando chegássemos ao ponto inicial começaríamos a andar ao longo da margem
do canal, até o ponto final, onde ficaria esperando uma força de ataque pronta para
perseguição imediata, para caso nós descobríssemos algum sinal de penetração
feita durante a noite.
No entanto, pelo menos o último mês foi bastante tranquilo e a única função
da força de ataque era esperar e nos levar nas “Zeldas” até o local onde deixamos
nossos jipes leves. Geralmente, durante a patrulha, eu me concentro na deslumbrante
vista, uma mistura única de deserto e mar, cercada por tranquilidade especial,
remota. Dizem que as montanhas altas causam no homem uma sensação de temor
e respeito pela natureza, enquanto o mar ativa emoções místicas. Não sei em que
medida essas crenças são exatas e verdadeiras, mas pensamentos iguais passaram
nas cabeças de todos nós naquele lugar abandonado até por Deus. Nenhum barulho
perturba o silêncio eterno, até os passarinhos e as gaivotas se mudaram para longe
daqui.
Estamos andando em formação de combate, e isso significa que a distância
entre nós é grande demais para conversar um com o outro. A selvagem natureza,
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139
7. A história completa do posto avançado “Mefatzearr C” aparece no livro: “The Yom-Kippur War –
Moment of Truth”, Ronen Bergman & Gil Meltzer. Editora: Yedioth Ahronoth, 2003. Veja Bibliografia.
140
das mesas e limpar, como é de praxe, normalmente. Somente eu fiquei ali sentado,
degustando cada colher de sopa fervente e cheia daquelas migalhas, apreciando
cada mordida nos pequenos e frescos cubos crocantes de massa fritada em óleo.
Eu estava no meu terceiro prato de sopa quando, de repente, o meu braço,
que estava no meio do caminho entre o prato e a minha boca, simplesmente ficou
parado, e não consegui mexê-lo. Senti uma sensação muito estranha, sensação
de algo ruim que até hoje não consigo explicar. Alguma coisa além da minha
capacidade de compreender ou controlar me fez derrubar toda a comida das minhas
mãos e naquele momento ficou claro para mim que eu precisava sair do refeitório
imediatamente.
Eu estava sentado no lado oposto da porta de entrada e demoraria cerca de
trinta segundos para passar a distância até lá, mas de alguma forma eu sabia que não
tinha todo esse tempo. Na parede atrás de mim tinha um buraco pequeno, resultado
de uma placa de lata que estava faltando. Do buraco eu podia pular diretamente
para o túnel fortificado e evitar precisar correr até a porta. Eu não lembro de ter
pulado, apenas me recordo do que aconteceu depois: uma explosão imensa deixou o
posto todo coberto de pó e areia. Eu fiquei deitado no fundo do canal completamente
neutralizado pela potência da explosão. Levei alguns momentos para me recuperar
e me arrastar em direção à sala de combate que estava pesadamente protegida.
O refeitório, que foi atingido por um míssil terra-terra carregado com
toneladas de explosivos, sumiu da face da terra. No local criou-se um canhão
gigantesco. Se eu demorasse apenas mais um segundo com meu pulo para dentro do
profundo túnel com suas paredes protetoras, muito provavelmente eu me evaporaria
junto com o refeitório. Assim começou a Guerra do Yom-Kipur, durante a qual pelo
menos mais duas vezes e de forma consciente, eu senti a sensação de perigo invisível
se aproximando e reagi antes mesmo que as coisas acontecessem, impedindo assim
minha morte certa.
141
exatamente a obra prima criada pelo meu pai e que transformou o mundo das artes
marciais. Por este motivo mesmo escrevi a atual pesquisa histórica. Não podemos
aceitar viver em um mundo no qual qualquer um re-escreve e modifica a verdade
para que esta sirva a seus interesses particulares. Quando os políticos agem dessa
forma, a mídia – “O cão de Guarda da democracia”, tenta imediatamente expor os
acontecimentos e causar o maior impacto possível, já que é a sua fonte de alimento
e para isso ela existe. Entretanto, uma arte marcial israelense, por popular que seja,
não está no topo da pirâmide de preocupações de nenhum jornalista ambicioso e
justiceiro.
Tudo isso ficou mais evidente ainda quando tentamos verificar a veracidade
de certas testemunhas, que teoricamente deveriam ser reais e confiáveis. Mas aqui
tampouco tivemos algum êxito. O “livro” (na verdade, apenas um fino livreto), elaborado
por um indivíduo que se apelidou de “Mestre”, que nós pensamos até em usar como
material bibliográfico, é simplesmente uma cópia do primeiro livro do Krav-Magá
que meu pai publicou junto com Yaron – “Krav-Magá – Guia Para Defesa Pessoal”.
Mas o pior de tudo é que o livreto foi publicado apenas em Português e no Brasil,
distante geográfica e linguisticamente de Israel. Portanto, são incluídas no livro
várias fantasias particulares do autor, histórias desligadas por completo de qualquer
realidade. Na melhor das hipóteses, o livro tem como finalidade principal enganar o
público brasileiro.
Do outro lado das Américas, nos Estados Unidos, foi publicado um outro
livro, denominado “Complete Krav-Maga”. E eis uma pergunta bastante peculiar:
como uma pessoa que de acordo com seu próprio depoimento passou apenas poucas
semanas em Israel (seis, para ser exato) e aprendeu uma versão curtíssima do Krav-
Magá, pode escrever um livro que contenha o “Krav-Magá Completo”?
Mais surpreendente ainda é que se trata do berço da cultura consumista
moderna, os EUA. Qualquer júri julgaria culpado cada comerciante que ousasse
vender alguma mercadoria defeituosa. Além disso, nessa superpotência de consumo
operam centenas de organizações de proteção ao consumidor que verificam e
examinam tudo que pode ser verificado e examinado. Como então trezentos milhões
de pessoas continuam a comprar um produto que não funciona e ninguém levanta e
grita “O rei está pelado!”. Em todo o território daquele gigante país existe a opção para
cada um escolher o item mais adequado para si, é direito elementar do consumidor
e do cidadão 8*. O professor ou instrutor de Krav-Magá é obrigado a deixar o
8. “Krav-Magá Worldwide”, dirigido pelo Sr. Darren Levin e atuante nos EUA, impede, através de
uma marca registrada sobre as palavras “Krav-Magá”, o ensino do caminho verdadeiro, original e
completo de Imi, do Krav-Magá e do espírito israelense que levou à criação desta arte marcial. Em
troca, “Krav-Magá WorldWide” ensina, nos Estados Unidos, uma versão encurtada que não possui
nenhuma semelhança com a arte original. O público americano nem sequer pode distinguir e escolher
entre o certo e o errado, uma vez que no país berço da democracia moderna existe apenas o errado. O
Sr. Darren Levin certificou-se de que nenhum professor do verdadeiro Krav-Magá pudesse ensinar e se
divulgar nos Estados Unidos da América.
142
aluno decidir ele mesmo seu próprio caminho. Meu pai jamais obrigou alguém
a seguir seu caminho completo, mas apenas comentou que há treinos semanais a
cada Sábado, destinados a quem realmente queira conhecer o caminho completo do
Krav-Magá. Os interessados e mais apaixonados chegaram às aulas com insistência
quase religiosa e outros não. Mas a possibilidade sempre existia. Assim, e somente
desta forma, deve-se enxergar o caminho do meu pai ao criar o Krav-Magá como
arte marcial.
143
O posto:
1. Canal de combate 12. Canhão 20 Milímetros
2. Metralhadora leve 13. Entrada do abrigo subsolo
3. Parede protetora 14. Abrigo no canal de combate
4. Barreira “Burro Espanhol” 15. Posto de observação
5. Área minada 16. Morteiro 81 Milímetros
6. Metralhadora e arma antitanque. 17. Abrigo fortificado de munição
7. Canhão antiaéreo 18. Banheiros
8. Arcos de ferro 19. Tanque de água
9. Abrigo fortificado principal 20. Refeitório
10. Linhas paralelas de ferro 21. Gerador
11. Camada contra explosões. 22. Metralhadora 0.5
144
Desde o início não tínhamos a menor dúvida de que esta pesquisa seria
única e excepcional em seu conteúdo e essência. Portanto, decidimos consciente
e deliberadamente ignorar as técnicas convencionais usadas para elaborar este
tipo de trabalhos, e tomamos a liberdade de direcionar o livro de acordo com os
acontecimentos do ponto de vista histórico e não necessariamente seguindo algum
método lógico. Embora que, em última instância, este padrão de narração facilitaria
a compreensão da pesquisa. Sendo assim, juntamos todos os artigos relevantes ao
livro acompanhando apenas a ordem de ocorrência. De fato, foi o artigo atual o
catalisador do livro todo. A ideia original surgiu quando encontramos por acaso
um site na internet que mencionara os nomes dos dez primeiros alunos do Imi.
Imediatamente a nossa curiosidade profissional acordou e resolvemos pesquisar:
será que o fundador do Krav-Magá realmente qualificou dez faixas pretas 1*? E o
que houve com aqueles seletos alunos e a arte de forma geral?
Como autores e pesquisadores experientes, sabemos que a informação que
aparece na maioria dos sites da internet é de pouca credibilidade, e assim demos início
a uma busca histórica para localizar os dez discípulos e ouvir de primeira mão a sua
impressão e visão sobre a criação de uma arte marcial que se tornou tão popular ao
longo dos anos. Queríamos saber qual foi a contribuição deles como alunos diretos e
pioneiros do fundador, qual foi a parte de cada um deles na criação da arte e se eles
merecem ser honrosamente apelidados de “a geração dos fundadores”. Tínhamos
também o objetivo de coletar testemunhas sobre as ações, concepções e intenções
do fundador da arte através dos olhos dos dez primeiros alunos dele, usando suas
histórias pessoais durante a convivência com meu pai.
O site onde reparamos inicialmente nos nomes do grupo dos dez constituiu
o ponto de partida da nossa cruzada. Pela primeira vez examinamos os sites virtuais
existentes no campo do Krav-Magá. E foi justamente esta análise preliminar que nos
convenceu de forma decisiva sobre a grande necessidade de um trabalho abrangente
que aprofundasse, de uma vez por todas, a criação do Krav-Magá como arte marcial,
focalizando-se unicamente no aspecto histórico do desenvolvimento da arte e não no
lado prático / profissional. Muitos livros já foram escritos sobre o Krav-Magá, mas o
1. No campo das tradicionais artes marciais esse número é bastante excepcional. Normalmente os
criadores da arte qualificaram entre três a quatro sucessores cada, embora às vezes fosse um discípulo
só. Portanto, o número de dez alunos parecia, em primeiro olhar, exagerado, e também causou certa
confusão durante a análise do material para a pesquisa, até que entendemos o total significado da
escolha do Imi de qualificar dez discípulos – como o resultado final mostra, do grupo inteiro somente
um “sobreviveu”.
145
Documento número 6
146
Aqui, na praia de Natanya, no ano de 1973, Imi criou e começou a ensinar ao Yaron a
técnica da água
Nesta praça, no centro da cidade de Natanya, estava o café favorito do Imi, Café Ugati.
147
processo histórico correto, completo e exato foi, até agora, totalmente ignorado em
todas as obras. E isso, profissionalmente falando, tanto no campo das artes marciais
como em outras áreas da ciência – Antropologia, Psicologia social, ciência do
comportamento etc., jamais foi realizado, e também no aspecto profissional, quando
pessoas que poderiam testemunhar o processo de criação ainda estão conosco.
Contudo, ficamos imensamente surpreendidos ao descobrir que entre as
centenas de sites existentes, não há quase nenhum que seja realmente relacionado a
um dos primeiros dez da geração fundadora. A nossa jornada atrás daqueles dez e
atrás da verdade histórica do Krav-Magá nos levou para vários cantos de Israel, e
também fora de lá. Realizamos cerca de sessenta entrevistas com ex-alunos, amigos e
conhecidos do Imi, que o acompanharam desde que começou a criar a arte, em 1967.
Nas próximas páginas deste artigo encontrarão as histórias pessoais, relacionadas ao
Krav-Magá, daqueles que conseguimos localizar. Mas já nesta altura podemos por
certeza afirmar uma coisa: Imi outorgou apenas dez faixas pretas, e a lista completa
aparece no documento número 6 na página 146, e também pode ser encontrada no
“The Book of Krav-Magá – The Bible”, na página 295.
Sendo cidadãos israelenses com domínio completo na língua Hebraica, era
relativamente fácil para nós passar algumas férias longas em Israel, todas totalmente
dedicadas à procura da história do Krav-Magá em Israel, à realização de reuniões,
entrevistas e ligações, viagens ao longo do país todo em busca de pistas históricas
de trinta ou quarenta anos atrás. Às vezes precisávamos estimular as memórias e
recordações dos entrevistados para poder completar a nossa pesquisa e coletar todo
o material nele incluso. E, acima de tudo, dedicamos o atual trabalho para aquele
grupo pioneiro dos dez, que sem eles, e isso é um fato indiscutível, o Krav-Magá
nunca existiria.
Depois de aposentar-se do exército, meu pai procurava uma forma de
aproveitar toda a experiência e conhecimento de defesa pessoal que acumulou
durante seu serviço militar em benefício da população civil. Apesar de ter servido
vinte anos como instrutor-chefe de defesa pessoal e preparação física, meu pai
jamais se considerou como um militar. Para ele, seu trabalho no exército era um
dever e ele tentou fazê-lo da melhor maneira possível, como qualquer outra coisa
em sua vida. Porém, percebemos que no momento que tirou o uniforme pela última
vez, cortou de imediato as ligações com seu passado militar. Entre seus amigos mais
próximos não encontramos nenhum militar, um fato surpreendente considerando o
fato de que passou mais de vinte anos nas forças armadas. Ele manteve contato com
vários conhecidos da época de seu serviço, mas nada que poderia ser chamado de
profunda amizade, embora todos, sem exceções, só tenham elogiado e exaltado seu
trabalho nas forças de segurança. No dia que ele aposentou-se do serviço militar,
seu caminho já estava claro e a criação do Krav-Magá já era uma ideia acabada na
sua cabeça. Agora faltava apenas o desenvolvimento prático e final. Para alcançar
seus objetivos, precisava compor um grupo de praticantes que funcionassem como
“cobaias” durante o processo de construção da arte, que nesta altura existia somente
148
em sua mente, nada mais do que uma visão 2*. Uma característica do meu pai, que
era bastante estranha para a forma de pensar dos israelenses, é a paciência. Todos os
entrevistados na pesquisa afirmaram que meu pai era o campeão da paciência. Meu
pai tinha uma doutrina fixa que ele seguia, e o fato que teria que aguardar a criação
do Krav-Magá até completar o grupo todo, jamais o perturbaria.
(como veremos mais adiante, o Imi realmente era uma pessoa bastante paciente, não
somente no caso da criação do Krav-Magá e a longa espera até a formação do grupo exato que queria,
com seus dez escolhidos. Quanto ao processo de construção do grupo e o resultado final de seus
treinamentos junto a Imi, há várias especulações no mundo do Krav-Magá em Israel. Contudo, todos
os membros daquele seleto grupo testemunham da mesma forma. É claro que a maior parte dos contos
sobre o grupo são divulgados por pessoas com segundas intenções, e que normalmente têm como
objetivo principal mudar a historiografia do Krav-Magá e, consequentemente, a história daqueles
dez, para que eles possam desenvolver sua própria história individual. Mas a pesquisa comprova, de
maneira clara e indiscutível, que somente esses dez praticantes pioneiros receberam a faixa preta do
Imi, que demorou quase três anos para completar a formação do grupo, e qualquer outra alegação é
historicamente inválida).
Meu pai, ao longo de toda sua vida, agiu com uma estranha duplicidade,
que pode ser explicada de várias formas. Porém, não é do nosso interesse atual
realizar uma análise de caráter deste tipo, mas somente trazer os fatos concretos. É
difícil dizer qual era o principal motivo para seu modo de fazer as coisas, poderia
ser a sua inspiração à perfeição, e poderia ter sido uma outra razão, mas as ações
falam por si mesmas, e eis alguns dos melhores exemplos: como atleta profissional,
competiu em duas áreas completamente diferentes uma da outra – pugilismo e luta
greco-romana. Ele fundou uma escola de dança e ao mesmo tempo era um artista
trapezista no circo. Estabeleceu uma academia na cidade de Natanya e outra na
cidade de Tel-Aviv, e dividiu igualmente o grupo dos dez entre as duas academias.
Cultivou dois alunos: Eli Avikzar e Yaron Lichtenstein. Escreveu dois livros junto
com Yaron. E se examinarmos com cuidado os movimentos e as técnicas do Krav-
Magá, perceberíamos que quase todos são compostos de números pares.
Para capacitar aquele primeiro grupo ele abriu, como já sabemos, suas
duas academias, e nelas de fato começou a desenvolver o Krav-Magá. O objetivo
da pesquisa, a partir do primeiro momento, é a narração da história pessoal de cada
2. O maior empregador em Israel é o exército. Muitos aposentados das forças armadas tentam dar
continuidade a sua profissão militar também na vida civil, alguns conseguem e outros nem tanto. Tudo
que Imi desejava era preencher algumas de suas horas livres. A ideia de tornar “institucionalizadas”
todas aquelas técnicas de defesa pessoal, como acabou acontecendo, só surgiu depois que ele já havia
começado a ensinar aos primeiros alunos e percebido seu entusiasmo e seu nível perfeito de execução
das técnicas, elementos que ele não viu com os soldados, que na verdade não mostraram grande
interesse em defesa pessoal. Assim, os primeiros alunos merecem uma boa porção do crédito pela
existência e criação do Krav-Magá. Há vários testemunhos de que o Imi desenvolveu alguns dos mais
extraordinários movimentos do Krav-Magá como consequência de pedidos especiais feitos por seus
discípulos pioneiros. Mas é importante mencionar que tudo isso ocorreu antes do ano de 1973, no
qual o Krav-Magá já havia virado uma coisa acabada e pronta, embora houvessem algumas exceções,
como, por exemplo, as técnicas contra granada e ameaça de reféns, que foram desenvolvidas nos anos
de 1976-77 depois de solicitações específicas recebidas de oficiais do grupamento de antiterrorismo
do exército, que perceberam uma verdadeira necessidade destes exercícios.
149
uma daquelas dez pessoas, sem as quais não conheceríamos hoje o Krav-Magá.
Nossa obrigação com eles não é menos importante do que com meu pai. Ele, claro,
é o eterno fundador, mas todo artista necessita de “instrumentos” e “materiais” para
fazer a sua obra. O pintor tem o pincel e a tela para pintar, o escultor tem o martelo,
cinzel e um pedaço de mármore para trabalhar etc., e da mesma forma meu pai
precisava de seus materiais, que seriam os dez alunos pioneiros. Eles serviram como
a matéria prima, intocável, como a tela do pintor e a pedra do escultor. E realmente,
meu pai iniciou-se na criação de sua obra somente depois de terminar a montagem
do grupo.
Meu pai era uma personagem grande, suave e paternal, e no momento
que iniciasse uma conversa, dificilmente alguém resistiria a seu charme. Como
nas narrações dos irmãos Grimm, onde encontramos um herói vestido de capote
cumprido, por vezes segurando um longo bastão e em outras ocasiões utilizando
uma espada brilhante, com seus magníficos cabelos e barba branca, andando em
caminhos infinitos – é assim que podemos imaginar meu pai em sua busca para
achar as pessoas certas que formariam o primeiro grupo. Não se enganem – foi meu
pai que achou seus alunos, e nunca ao contrário. Foi ele que procurou, colocou iscas,
mandou mensageiros, atraiu e caçou. Todos os meios eram válidos para alcançar seu
supremo objetivo – montar o grupo que queria. Se um dia, antes que seja tarde de
mais, alguém pesquisasse o fator humano do grupo, provavelmente descobriria um
outro lado escondido do meu pai. Cada um dos integrantes do grupo possuía diversas
peculiaridades físicas e mentais que meu pai procurava de forma específica 3* para
que eles servissem como o modelo para o desenvolvimento da arte. A intenção era
fazer dos corpos e das almas dos dez um só. Foi assim que conheceu o Eli, em
suas viagens ao longo do país, ministrando aulas e demonstrações para encontrar
os candidatos adequados. Mais tarde fundou as duas academias para aumentar a
atração ao Krav-Magá.
Pela primeira vez meu pai estava procurando por uma pessoa jovem e ativa
que pudesse preencher algumas funções simultaneamente, como por exemplo:
assumir a liderança do grupo, ter experiência em luta e combate corpo a corpo para
que pudesse aprimorar a técnica de realização de lutas que meu pai colocou dentro
do Krav-Magá, etc.. As qualidades que meu pai buscava eram: movimentação suave,
velocidade, rapidez e boa capacidade de reação. Naqueles anos era extremamente
3. Como parte da busca pela verdade absoluta, apresentamos algumas perguntas idênticas para
todos os alunos do Imi que entrevistamos para a pesquisa. Sobretudo estávamos interessados em
descobrir até que grau é verdadeira a história do Sr. Yaakov (kobi) Lichtenstein que afirma ser, num
pequeno livro que escreveu, um dos alunos mais graduados do Imi, além de fazer parte de um grupo
de treze pessoas escolhidas e treinadas pelo Imi. De todos os entrevistados recebemos a mesma
resposta: ninguém nunca ouviu falar daquele grupo, e segundo, todos realmente conhecem o Yaron
Lichtenstein, mas nenhum deles jamais viu o Sr. Yaakov Lichtenstein participando nos treinos de
Sábado, ou em qualquer outra aula. Estas respostas comprovam que não há base fatorial para essas
histórias, que têm como objetivo único construir a biografia pessoal daquele indivíduo, uma biografia
desligada do real processo histórico do Krav-Magá. Ademais, há outros trechos do mesmo livro que
são completamente desconectados da realidade, e aconteceram exclusivamente na mente de seu autor.
150
difícil encontrar um praticante com passado em alguma arte marcial e, além disso,
meu pai não desejava alguém com experiência, ao contrário. Assim chegou ao Eli
Avikzar. A “química” entre os dois foi imediata. Até seu último dia o Eli afirmava
que sem meu pai sua vida seria uma catástrofe.
Ao praticar, o Eli agiu sem pensamento prévio, confiando nos seus rápidos
instintos, e foi justamente esta característica que encantou meu pai e levou à criação
de uma das técnicas mais notórias do Krav-Magá – “Trezentos e Sessenta Graus”.
No ano de 1970 meu pai começou a ensinar técnicas de realização de lutas. Até
então, todos atacaram e defenderam um ao outro ao mesmo tempo. Porém, quando
começaram a praticar lutas, os chutes teoricamente “simples”, como “Foice” e chute
regular, rapidamente viraram técnicas combinadas de enganação do oponente. Este
método, de acordo com Avner, era aplicado especialmente pelo Shlomo e Yaron,
um fato que deixou os outros praticantes numa posição de desvantagem, uma vez
que eles não conseguiram perceber e prever quando e como a perna que chuta iria
mudar de direção. Assim meu pai iniciou a construção do exercício de “Trezentos e
Sessenta Graus” com o intuito de melhorar a capacidade de reação durante uma luta,
e a eficiência desta metodologia foi comprovada inúmeras vezes. Originalmente
a técnica incluía seis defesas com cada mão, mas com o tempo Eli experimentou
acrescentar mais uma defesa, alegando que aplicando somente seis defesas sobra
um “ponto morto” desprotegido. A tendência do meu pai era concordar com a
sétima defesa, mas depois de algum tempo a cancelou, porque estava contra a mais
importante regra do Krav-Magá: “Menor Caminho, Máxima Velocidade”. Pois,
na sua imaginação, concebeu o Krav-Magá como arte marcial moderna, jovem e
vívida, com princípios contrários àqueles existentes nas tradicionais artes marciais,
pelo menos no que diz respeito à defesa pessoal. Na rua, sempre dizia, não há tempo
para pensar. Devemos agir rápido, muito rápido.
E Eli enquadrou na função como luva na palma da mão. Uma das técnicas do
Eli consistia de movimentos rápidos com a mão ao aplicar golpes Esquerda–Direita
e outros golpes com o punho. Meu pai, que no início adotou a forma tradicional do
Boxe de aplicar golpes, percebeu rapidamente que esta técnica poderia não funcionar
tão bem na rua. Eli ensinou todos os dez pioneiros como repetir o mesmo movimento
/ golpe numa sequência só e com velocidade enorme. Assim meu pai tirou de vez do
Krav-Magá as movimentações tradicionais do Boxe e trabalhou de modo diferente,
cooperando com a nova situação ao ensinar como impedir uma tentativa de pegar a
mão que bate, pelo oponente, mas somente depois que nós já entramos para dentro
do ataque rival com o objetivo de fazer a defesa. Ou seja, pegamos a mão ou a
manga do adversário e só depois de neutralizá-lo. E ele foi mais longe ainda quando
tratava-se de defesas contra faca – a mão que segura a faca pode executar vários
movimentos de esfaquear, ida e volta, e este é o grande perigo da faca, que apenas
poucos conhecem. Sem dúvida alguma que a contribuição do Eli para o Krav-Magá
é grande e indispensável. Como consequência desta técnica, meu pai criou o ditado:
“Nosso oponente é sempre melhor do que nós, portanto nunca o subestime”.
151
Eli trouxe consigo para o grupo, que estava se formado, o Rafi Algrisi, que
era seu amigo e vizinho ainda na época que os dois moravam no Marrocos, antes de
migrar para Israel. Rafi teve algumas histórias bastante divertidas sobre as relações
entre Eli e meu pai:
“Apesar de ser altamente talentoso no Tatami, fora dele o Eli foi, de forma
delicada, um pouco menos hábil... Naqueles dias chegou ao Israel um famoso
comercial do fabricante de refrigerantes - a Coca-Cola, e rapidamente todos
assobiaram a música da propaganda, inclusive o Imi, que nem sequer gostou daquela
bebida. O Eli também tentou repetir a melodia do comercial, mas definitivamente
música não era o seu lado forte, e suas ridículas e repetitivas tentativas deixaram
Imi enlouquecido. Durante semanas se empenhou a ensinar Eli como cantar a
música corretamente, mas foi tudo em vão”.
Rafi recorda de tudo isso com lágrimas misturadas de alegria e tristeza,
limpando seus olhos discretamente, como se algo entrasse neles.
“Mas a coisa mais engraçada”, continua Rafi, “É a história sobre um dos
restaurantes favoritos do Imi, onde ele sempre gostava de almoçar. Imi costumava
começar suas refeições com uma porção de picles e Pimentões em vinagre, e uma
vez o Eli perguntou o Imi sobre o motivo deste costume, que respondeu que nos
picles e no Pimentão em vinagre há uma substância que ajuda a digestão. Eli, que
não gostava de “picles”, pediu para o garçom, que o conhecia pessoalmente: traga
para mim aquela substância para digestão que vocês colocam nos legumes”...
Por bem ou por mal, esse era o Eli Avikzar, que nem sempre prestava muita
atenção no que dizia.
Rafi veio para Israel no ano de 1961, e como praticante de Boxe ainda da
época de sua adolescência na sua terra natal de Marrocos, aproveitou a oferta de seu
amigo de infância e apareceu também para os treinamentos com Imi. Era seu jeito de
falar para Eli: “não vou te deixar ser o mais forte entre nós dois, tudo que você pode
- eu posso também”. No início os dois ainda tentavam treinar juntos, mas depois de
algum tempo desistiram. Pois, enquanto todos os praticantes, mesmo se atingissem
às vezes um ao outro, não o fizessem deliberadamente, Eli e Rafi ministravam
uma verdadeira guerra de honra entre si. Assim, quando ambos chegaram à faixa
marrom, pararam de trabalhar como parceiros nas aulas – Eli normalmente treinou
com Yaron e Rafi trocava de par cada aula, mas sempre preferia treinar com um
outro amigo de sua infância –Shlomo. As dimensões físicas do Shlomo, que era mais
alto do que o Rafi e incrivelmente flexível, o tornaram um parceiro inadequado para
Rafi, mas o Shlomo nunca falou nada. Porém, cada vez que praticaram chutes na
aula, e Rafi ofereceu para oShlomo treinar juntos, Shlomo comentou que todos seus
chutes acabam acima da cabeça do Rafi. Rafi entendeu que ele estava o caçoando,
mas nunca aprendeu a lição e sempre escolheu trabalhar com Shlomo.
A situação ficou mais engraçada ainda quando praticavam defesas contra
chutes “Foice”, tanto para frente como para trás. Shlomo chutava acima da cabeça
do Rafi, que ficou ali desesperado enquanto seu amigo Eli estava rindo em voz alta,
perguntando se Rafi desejava uma escada para conseguir fazer as defesas. No início
152
meu pai tentou intervir, mas percebeu que era uma causa perdida e juntou-se ao
grupo todo que estava se divertindo a cada momento do duelo de palavras entre os
dois.
Shlomo, no seu jeito, continuou fazendo as brincadeiras, mas sem nenhum
sorriso. Como verdadeiro artista, ele se realizou e sentiu prazer através de sua
capacidade de aplicar aquelas técnicas. A rivalidade meio séria meio amigável entre
Eli e Rafi nunca teve descanso. Meu pai muitas vezes caçoou dos dois e aumentou
ainda mais a irritação deles, especialmente depois que já havia ficado claro que Eli
era o número um do grupo.
Rafi jamais se viu seguindo carreira de praticante de Krav-Magá, isto é,
não tinha planos de ser instrutor e dar aulas – ele era o dono de uma grande gráfica
em Natanya, especializada no desenvolvimento de outdoors. Porém, por um curto
período de tempo e como tentativa de competir com Eli, o Rafi colocou Tatami
numa pequena área de sua oficina e tentou arrumar alguns alunos. Obviamente que
não teve êxito. Naqueles anos – 1971-1981, Eli era o rei absoluto das artes marciais
em Natanya, todos o conheciam e sabiam que ele era o aluno mais graduado do meu
pai, qualquer um que aprendeu Krav-Magá em Natanya, o fez com Eli. Foi somente
anos depois, quando o Eli resolveu criar um novo caminho, que abriu-se a porta para
“outras pessoas” darem aulas de Krav-Magá em Natanya.
Qualquer praticante de arte marcial na cidade conheceu a “Gangue do Café
Ugati” – Eli, Yaron, Rafi, Itzik, o judoca David Anto, apelidado de “Gingi” pelo
meu pai, por causa de seu cabelo vermelho, de vez em quando também o Haim
Zut e especialmente amigos da terra natal do meu pai e ocasionais visitantes.
Considerando as proporções da cidade de Natanya naquela época, meu pai era
um tipo de celebridade local e a sua mesa no “Café Ugati” sempre atraiu diversas
pessoas, que procuravam “tirar” do meu pai algum movimento ou técnica que eles
poderiam usar para seu próprio benefício. Várias vezes o Eli, colaborando com Rafi
ou Yaron, caçoou dos importunadores, inventando movimentos e exercícios que não
existem.
Hoje, Rafi tem sessenta e três anos e pratica só para “manter a forma”,
contudo ele não faz mais Krav-Magá, mas escolheu ingressar no novo caminho
criado pelo seu eterno amigo, Eli. Mais do que uma livre escolha, era seu jeito de
expressar a sua lealdade quando se trata de antigos conhecidos. Amizade talvez seja
o melhor feito que duas pessoas podem fazer, mesmo quando a morte já os separa.
Rafi, que sempre teve um lado religioso, frequentava regularmente a sinagoga aos
Sábados, e por isso sempre chegava atrasado para os treinos, dando assim uma
oportunidade para Eli contar piadas 4*. Hoje a religião tornou a principal ocupação do
4. Ironicamente também o Eli, na medida em que sua doença ficou mais grave, procurou também uma
solução na religião, apesar de não se tornar muito religioso. Contudo, seu filho, por causa da doença
do pai, virou bastante ortodoxo e adotou a religião como seu caminho de vida. Esta é provavelmente
também uma das razões para a ruptura entre o sucessor profissional do Eli – o Sr. Avi Abesidon, e o
filho do Eli.
153
Rafi, que fechou sua gráfica de outdoors e passou a trabalhar no tribunal rabínico
5*. Mesmo não admitindo abertamente na nossa frente, é possível perceber que o
motivo central de sua volta à religião foi a morte de seu amigo Eli, que o abalou
profundamente. Rafi, como veremos mais adiante, não é o único entre os alunos do
meu pai que achou refúgio na religião.
Atualmente, alguns anos depois do falecimento do meu pai e de seu amigo
Eli, o Rafi encontra-se involuntariamente atraído para dentro daquela suja política na
qual cada um proclama para si o título de ser o primeiro aluno do meu pai. Durante a
conversa, Rafi deseja deixar muito claro que a sua cooperação com a pesquisa é feita
pela memória de seu querido amigo Eli Avikzar, que tantas pessoas tentam roubar o
legado histórico dele como o primeiro aluno do meu pai. Rafi ainda reside na cidade
de Natanya, o lugar mais insuportável, para um praticante de Krav-Magá, de morar
em Israel. Naquela cidade meu pai vivia, ensinava e criava o Krav-Magá, e não há
um habitante que não o conheça e o admire. Na mesma cidade também cresceu,
viveu e ensinou Eli Avikzar, não menos reconhecido, mesmo se fosse somente pelo
fato de ser o primeiro aluno do meu pai. Outras duas pessoas, ambos alunos do Eli,
também habitam esta cidade: o Sr. Haim Gideon e o Sr. Eyal Yanilov. Hoje em dia,
os dois juntos e cada um separadamente alegam serem os primeiros alunos do meu
pai e também os herdeiros dele. Como todos moram e ensinam em Natanya, que não
é tão grande para começar, é difícil não encontrar um ou outro na rua de vez em
quando.
A guerra verbal, que frequentemente vai além das palavras, é inevitável.
E Rafi revela que apesar de não querer fazer parte desta guerra, ele se sente
incontrolavelmente arrastado por ela. Quando apresentamos ao Rafi a nossa pergunta
que sempre se repete – se já ouviu falar de um grupo de treze pessoas especialmente
treinado pelo meu pai, ele responde com uma gargalhada. Ele explica:
“nos últimos anos e depois da morte do Imi, eu já escutei tantas histórias
inventadas que vocês não fazem ideia!!!”. “Imaginem”, ele continua, “que na nossa
cidade, onde literalmente todo mundo conhece todo mundo, há pessoas que dizem
ser alunos de Krav-Magá antes do Eli! Então, avisem a todos esses folgados que eu
quero vê-loa falando aquelas coisas na minha cara!”.
O olhar no seu rosto deixa claro que não há garantia nenhuma que uma
pessoa que tentasse fazer isso, terminaria a frase com todos seus dentes no lugar...
Fisicamente, o Rafi (vejam a foto na primeira página do artigo “As Graduaçõess no Krav-
Magá”, ficando em pé na segunda linha, o quinto da esquerda) era idêntico ao Eli Avikzar, um
pouco menos agressivo e com reações mais lentas, mais calmo em seus movimentos
e forma de agir, porém não menos veloz e flexível do que Eli. Para dizer a verdade,
todos os membros do grupo foram abençoados com velocidade e flexibilidade acima
da média. Talvez a única vantagem relativa que o Rafi tinha sobre o Eli era a sua
5. Em Israel, assuntos ligados à casamentos e divórcios são resolvidos num tribunal religioso especial,
conhecido como “tribunal rabínico”. Estes fóruns são notórios por seus princípios discriminatórios
entre homens e mulheres (obviamente a discriminação é exercida contra o sexo feminino).
154
155
“veja”, ele explica, “eu fui o melhor amigo do Eli e Rafi, que por sua parte
eram os mais próximos para Imi. A minha técnica de chutes era única em Israel
naquela época, e o Imi sempre me chamou quando precisava de alguém para
demonstrar chutes especiais. Tenho certeza que se tal grupo existisse, eu, no mínimo,
ouviria falar disso. A gente, os alunos de faixas pretas que treinavam juntos aos
Sábados, sempre conversamos sobre tudo. Este assunto nunca surgiu e eu duvido
se o Imi sequer tinha tempo de treinar outras pessoas. Mas se vocês querem ter
certeza, podem falar com Yaron de Rehovot, por muitos anos ele acompanhou o Imi
para qualquer lugar, então se alguém sabe de alguma coisa, é ele”.
Quando perguntamos por que não seguiu os passos de seu amigo Rafi e
ingressou no novo caminho do Eli, recebemos uma resposta pouco surpreendente:
“vejam”, disse ele com um visível desconforto, “eu comecei a treinar por
causa do Imi, se não fosse por ele que me deu tanto, eu não ficaria lá nem um
segundo. Eli era meu amigo e colega, mas como homem e praticante de Krav-Magá,
minha lealdade primeiramente é com Imi. Se ele não está, eu também não. No início
eu até tentei treinar em Natanya algumas vezes, mas a partir do momento que o
grupo parou de treinar sob a direta supervisão do Imi, eu entendi que não tenho
mais nada a fazer lá. Todos os anos eu aperfeiçoei o meu “trabalho de pernas” e
nas aulas “ali” eles cortaram quase todos os chutes. Na verdade, todos paravam de
treinar ali por causa do baixo nível”.
Estas foram as palavras do Shlomo. Nos últimos anos ele interrompeu quase
completamente suas atividades no Krav-Magá, por causa de sua idade avançada,
mas principalmente por ter sofrido um grave ferimento no seu joelho que necessita
de uma intervenção cirúrgica complicada, que ele prefere evitar mesmo que o preço
fosse abrir mão de qualquer atividade física.
Outra coisa que deve ser compreendida sobre o grupo dos dez é que eles
não eram os únicos alunos do meu pai, ou seja, não se entende disso que ele tinha
apenas cinco alunos em cada academia, ao contrário. Em cada lugar treinavam cerca
de trinta alunos, número significante naquela época. Entretanto, no seu jeito meu
pai diferenciava entre aquele grupo seleto e ou outros. Quando começou os treinos
aos Sábados, destinados apenas para os dez escolhidos, ele tinha um objetivo só –
desenvolver o Krav-Magá. A técnica era muito simples – durante a aula regular o Eli
chamava cada um deles para um dos cantos do Tatami e lhe informava sobre o treino.
Nunca ninguém faltava. Posteriormente, no final dos anos setenta, quando todos os
membros do grupo já tinham recebido a sua faixa preta e a consolidação do Krav-
Magá como arte marcial já havia se completado, meu pai suavizou ligeiramente seus
critérios e gradualmente deixou que outros alunos também participassem nas aulas
de Sábado. Na verdade, aqueles alunos não eram mais do meu pai, mas do Yaron e
Eli – o primeiro levou quatro de seus alunos faixa azul, e o Eli trouxe cinco ou seis
de seus discípulos. Os alunos do Haim Zut começaram a participar nos treinos de
Sábado somente depois que ganharam a faixa preta. Entretanto, também aqui meu
pai interveio e dividiu as aulas para dois grupos – um formado apenas de faixas
pretas e o outro grupo incluiu o resto dos alunos.
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O Haim Zut (veja “Desfecho”) afirma que conheceu meu pai num curso de defesa
pessoal que ele ministrou no exército e assim chegou a ser seu aluno, depois que meu
pai já tinha aberto a sua academia na cidade de Natanya, na Rua Shmuel Hanatziv,
número vinte dois. O Haim Zut trabalhava como agricultor toda sua vida e seu
tamanho físico e força bruta eram intimadores. Meu pai gostava dos movimentos “de
urso” dele – lentos e grandes, porém esmagadores. Meu pai apreciava especialmente
a potência que Haim Zut tinha em sua palma da mão – sendo uma pessoa que passou
sua vida trabalhando no campo, o Haim Zut possuía uma pegada imensa, que ajudou
meu pai a criar e desenvolver os livramentos em situações de pegadas de mão. Meu
pai sabia aproveitar as dimensões físicas excepcionais do Haim Zut também para
construir os diversos livramentos de estrangulamentos e agarramentos, seguindo a
concepção de que: “Quem consegue sair do Haim, consegue se livrar de qualquer
um”. Meu pai não realmente precisava de toda essa ajuda, mas ele queria comprovar
para seus alunos que as técnicas funcionam de fato, e que eles mesmos entendessem
isso. Portanto, certificou-se de que o grupo examinaria e aprovaria todos os
exercícios e movimentos, e às vezes estes experimentos o levaram a aprimorar ou
melhor direcionar um certo movimento. Para meu pai, o Haim Zut, o mais velho
do grupo 6*, era um de seus alunos favoritos e ele sempre gostava de “se convidar”
à casa do Haim Zut na pequena cidade de Pardes-Hana e degustar da “Hallawa” 7*
caseira preparada pela esposa do Haim.
E já que estamos falando do Haim Zut, devemos contar a seguinte história:
O Tedi Levkovski era metade aluno do meu pai e metade aluno do Eli Avikzar, e até
o próprio Tedi tem dificuldades de decidir quem exatamente era seu professor. De
qualquer forma, ele possuía um veículo do tipo Jeep quatro por quatro, que era carro
raro nas estradas israelenses de 1975. O Tedi foi um notório guloso, mas seu amor
pela comida não chegou nem perto do apetite do Haim Zut, que teve seu tamanho e
dimensões físicas como testemunhas. Ao tentar imaginar o Haim Zut, pensem num
urso grande e paternal, com voz profunda. Curiosamente, por muitos anos o Haim
Zut trabalhava como apicultor, extraindo mel das colméias de abelhas – e novamente
repete-se aqui o “fator do urso”. A cidade onde Haim Zut morava – Pardes-Hana, é
cercada de infinitos campos, plantações e laranjeiras que servem também como lar
para milhares de javalis. O Yaron era conhecido por sua paixão pela caça de animais.
E assim foi criado o triplo: Tedi, que era amigo do Yaron também fora do Tatami,
ofereceu ao Haim levar o Yaron para caçar um javali, e no final da caça eles iriam
assar o animal e fazer um grande banquete, e Yaron claro que não recusou. Ótimo.
6. Imi sabia que O Haim “rendeu-se” às vontades de seus alunos e estava ensinando para eles
exercícios e movimentos que ele nunca introduziu no Krav-Magá. Somente por isso o Imi incluiu
“A Teoria do Medo” numa palestra que deu sobre a filosofia atrás da aplicação das técnicas do Krav-
Magá. Lendo o que o S.r Haim Zut escreve sobre si mesmo, é possível compreender as tentativas do
Imi de mudar a situação. Contudo, parece que até o grande professor falhou neste ponto, que hoje em
dia é característica de quase todos os praticantes do Krav-Magá.
7. Hallawa – uma comida doce, feita de gergelim e mel, encontrada principalmente no Oriente Médio.
Tem suas origens prováveis na Turquia, mas é bastante comum também em Israel. É um alimento rico
em energia e faz parte das rações de combate dadas aos soldados no exército israelense.
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8. No que diz respeito ao Sr. Haim Zut, trouxemos aqui dois pontos de vista completamente distintos
um do outro. O primeiro é relativo à sua participação verdadeira e histórica como membro dos
primeiros dez alunos do Imi, enquanto o segundo ponto aparece no capítulo “Documentos &
Testemunhos”. Sentimos muito o fato que o Sr. Haim decidiu travar a guerra para glorificar seu
próprio nome em vez de apoiar o Imi e seu caminho, já que foi Imi que lhe ensinou tudo que sabe
sobre Krav-Magá. Todos querem ser respeitados, mas não fazem o mesmo com seu professor – Imi.
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9. O nome da pessoa que alega a existência daquele grupo não foi revelado para o Sr. Haim Zut e
nem para qualquer outro entrevistado. Por motivos éticos, não achamos isso justificado. Porém, é
interessante saber o que o Sr. Haim Zut faria se soubesse o nome daquela pessoa, que conta uma
história para pessoas que não falam Hebraico, mas elabora uma história completamente diferente para
aqueles que falam somente Hebraico...
10. O Oskar Klein trabalhou na companhia nacional Israelense de Ônibus, chamada de EGED. Ele
tinha experiência em Boxe Inglês, e sempre brincou com Shmulik Kurtzveil que apesar de Shmulik
ser muito mais jovem, ele ainda sempre apanha do Oskar. E foi assim que o Shmulik chegou a treinar
com Imi – ele veio uma vez para olhar, e ficou. Contudo, a saudável rivalidade entre os dois causou
várias situações engraçadas e até ridículas. Shmulik, que no dia-a-dia era na verdade o chefe do
Oskar, apanhava dele todo Sábado nas aulas semanais, e nem sempre estava claro se os golpes do
Oskar eram de verdade ou não. O Oskar nunca admitiu que batesse de verdade e o Shmulik, por sua
parte, alegou que nem sequer sentia os golpes do Oskar...
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mais arrogante do grupo e talvez por isso foi escolhido pelo meu pai – para testar a
paciência dos outros, ou possivelmente prepará-los a lidar com este tipo de pessoas
no futuro, quando eles mesmos seriam instrutores. Interessantemente também o
Shmulik achou refúgio na religião, e é o quinto dos dez alunos a fazê-lo. Mas não
devemos subestimar a contribuição de cada um daquele grupo para a formação final
do Krav-Magá, uma vez que cada um no seu jeito contribuiu com a sua parte. Meu
pai enxergava e planejava para o muito longo prazo – a formação do grupo não era
puramente profissional, como já vimos e ainda veremos – mas incluía outros fatores
e elementos.
A inclusão do Shmulik deve ser vista como uma tentativa de dar a sua seleta
equipe certa experiência em administração, mesmo se de forma pouco convencional.
Apesar de que a intenção não foi passar para o grupo um rápido curso em
gerenciamento, mas das entrevistas que realizamos e das testemunhas que coletamos,
fica evidente que o grupo absorveu do Shmulik importantes conhecimentos, alguns
o fizeram sem sequer perceber isso. A informação simplesmente ficou guardada em
suas mentes até o momento que virou útil para eles. É deste modo que precisamos
examinar a criação do grupo – não somente do ponto de vista profissional, mas
também de aspectos organizacionais, que anteciparam os futuros acontecimentos.
Uns mais e os outros menos, mas todos sem exceções construíram e
montaram a arte junto com meu pai 11*. Para trazer a trajetória histórica completa
do grupo, acreditamos ser essencial incluir alguns acontecimentos que não são
diretamente ligados aos dez pioneiros, mas a outras pessoas que também fizeram
parte da criação do Krav-Magá.
Vejam uma história sobre uma faixa preta que quase causou uma guerra
total entre o grupo dos dez escolhidos do meu pai. Um dos amigos do meu pai,
conhecido como Jamil, que tinha mais ou menos a mesma idade dele, era o dono de
uma academia de ginástica na cidade de Tel-Aviv 12*. O Sr. Jamil sempre sentia uma
atração natural pelo mundo das artes marciais, embora tenha passado a maior parte
de sua vida como fisiculturista profissional e ganhado várias competições nacionais
nesta modalidade. Para fazer parte do mundo das artes marciais, mesmo que de
11. É possível ver esta construção do Krav-Magá como reflexão da criação do Kung-Fu, mas com uma
grande diferença. O Kung-Fu foi criado imitando movimentos de vários animais, enquanto Imi criou
o Krav-Magá baseando-se no conjunto de movimentos daqueles dez pioneiros, que eram ao mesmo
tempo a geração fundadora e também as cobaias no laboratório do Imi. Mas sem dúvida que foi a
qualidade conjunta deles que tornou o Krav-Magá a arte marcial que é hoje, pelo menos para aqueles
que treinam e conhecem o caminho original do Imi. Já o Imi, conscientemente, queria coletar os
movimentos de pessoas que representam, com suas capacidades e limitações, a média da população,
para que a arte, como arte, seja adequada a todos.
12. O bairro de Yad-Eliyaho, na cidade de Tal-Aviv, No Clube “Galit”. Para este local mudaram-se
Yaron e Imi depois que Yaron assumiu a academia do Imi. A academia estava sob a administração
de dois sócios – o Sr. Gadi Skornik, que era Judoca e praticante de Jiu-Jitsu Japonês, e o Sr. Jamil,
responsável pela parte da musculação.
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13. Percebemos o mesmo fenômeno com a faixa vermelha do Imi, que foi usada por ele pouquíssimas
vezes em toda sua vida, e também naquelas ocasiões raras somente depois de uma longa discussão.
Mais do que O Imi queria usar a faixa vermelha, as pessoas ao seu redor o desejavam, para justificar
as faixas vermelho-brancas deles mesmos. Para Imi, a faixa preta já foi o suficiente. Procurem no site
do youtube.com o filme no qual Imi outorga ao Sr. Haim Gideon o oitavo Dan, mas sem usar Kimono.
Vemos a mesma continuidade com Yaron, que usa somente a faixa preta que recebeu do Imi, ao
contrário dos outros que utilizam uma faixa vermelho-branca, alguns deles sem ter a qualificação
necessária para tal – o grau de sexto Dan. Aliás, o próprio Imi também nunca usava uma faixa
vermelho-branca.
161
De repente meu pai sinalizou para o Eli terminar a aula, que em seguida
pediu que os alunos formassem uma linha e sentassem na posição de “Zesa”, para
realizar a tradicional saudação do final da aula. Mas surpreendentemente meu pai
passou a sentar também, um ato pouco comum, realizando a saudação junto com
o grupo, e depois disse para Yaron fazer um passo para frente e ficar na frente
dele e do Eli. Agora o segredo já tinha sido revelado – tratava-se da cerimônia de
faixa preta, e um grande sorriso apareceu no rosto de todos. Neste ponto meu pai
surpreendeu de novo, fazendo uma coisa nunca vista antes – ele tirou a sua faixa
preta de seda, dobrou-a em quatro partes iguais e a colocou na cintura do Yaron, que
ficou mais abalado ainda e demorou alguns minutos para se recuperar do choque.
Na percepção do meu pai, este era o “crime perfeito”... Yaron e Jamil também
eram bons amigos e o último até se arrependeu por não ter trazido uma outra faixa
para Yaron, por não saber que em breve ganharia o novo grau. E desta forma meu
pai conseguiu se livrar da faixa de seda sem ofender o Jamil, que até ficou feliz
que o Yaron a ganhou. Todavia, as coisas não ficaram assim e logo começaria uma
terceira guerra mundial... O Eli ficou furioso com meu pai e alegou, com razão, que,
como o aluno mais graduado, era ele quem merecia ter recebido a faixa do meu pai,
enquanto os outros alunos simplesmente nem tentaram esconder seus sentimentos
de inveja e ciúme. Algumas semanas depois meu pai cedeu às infinitas pressões e
solicitou ao Yaron trocar com ele a faixa de novo. Desta vez o Yaron recebeu a faixa
original do meu pai, que está guardada com ele até hoje, e o Eli recebeu a faixa
brilhante, e andou com ela por mais algumas semanas, orgulhosamente mostrando-a
para todos, até que um dia resolveu jogá-la ao lixo, compreendendo que realmente
não era adequada para o Krav-Magá.
Além das dez faixas pretas dadas pelo meu pai, nos anos 1975-1983, outras
pessoas treinaram com ele e chegaram a graus elevados, apesar de não ganhar a faixa
preta, e julgamos importante mencionar seus nomes ou no mínimo de alguns deles,
para manter a história correta e exata do Krav-Magá. Não fomos capazes de coletar
e guardar os nomes de todos, por causa do longo tempo que passou desde então e
também pelo fato que a maioria deles já não está praticando Krav-Magá ativamente
por décadas. Infelizmente, alguns não conseguimos localizar e eles provavelmente
ficarão anônimos para sempre, e nós nos desculpamos por isso.
162
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algumas semanas como parte de exame para faixa laranja. Contudo, o Sr. Douieb
explicou para meu pai que deseja voltar com a sua família para a França e dar aula
de Krav-Magá ali. No final meu pai cedeu e mandou Yaron realizar uma cerimônia
e outorgar ao Sr. Douieb a faixa azul, e de acordo com nossas investigações e
conhecimento, este é seu grau oficial em Krav-Magá até hoje. É interessante ver que
no seu site o Sr. Douieb resolveu “ignorar” a existência do Yaron, provavelmente
para evitar que seu grau verdadeiro seja revelado. Mas não apenas o nome foi tirado
do site – quase todos os dez escolhidos do meu pai 17* não aparecem ali, e é claro
que o próprio Sr. Douieb torna a personalidade mais importante no mundo do Krav-
Magá, o que não poderia ser mais longe da verdade.
Alguns dos alunos alcançaram no final a faixa preta, mas não como
discípulos do meu pai e sim como alunos do Eli e Yaron. De qualquer forma, a
partir do ano 1984 não podemos mais considerar os alunos do Eli como praticantes
de Krav-Magá, mas como alunos do novo caminho que o ele criou, denominado de
“Krav-Magen Israelense” 18*, que de modo algum pode ser visto como o Krav-Magá
do meu pai. Depois de 1983, o ano no qual o Sr. Haim Gideon fundou a “Associação
de Krav-Magá Israelense”, meu pai começou assinar também os certificados
dessa organização. Nós, pessoalmente e do ponto de vista da pesquisa, duvidamos
seriamente dos documentos emitidos por aquela associação. Meu pai nem sempre
assinou os documentos com sua própria assinatura – muitas vezes aparece nos
documentos uma espécie de carimbo que teoricamente “imitaria” a sua verdadeira
assinatura, e este carimbo, é importante mencionar, nem sempre estava nas mãos
dele e sob seu completo controle. Ou seja, apenas podemos confiar nos documentos
onde aparece a assinatura verdadeira do meu pai, como por exemplo, os certificados
que entregou para Yaron, assinados na mão com a presença de testemunhas e
autenticados por advogado.
Sendo assim, e sem querer ofender a ninguém, devemos suspeitar da
veracidade de todos aqueles que surgiram depois do falecimento do meu pai dizendo
ter recebido dele a faixa preta (veja capítulo Documentos & Testemunhos). Nossa única
vontade é apontar ao fato de que nos anos 1984 – 1996, mesmo de forma clandestina,
lançou-se uma cruzada para a modificação do caminho do meu pai e do Krav-Magá,
17. Não podemos nem desejamos dizer às pessoas como construir seus sites. Contudo, a visão da
pesquisa é que “Os Dez” são uma unidade só, e qualquer um que não os inclui no processo histórico
da criação do Krav-Magá, nega a verdade.
18. Eli, apesar da honestidade e dignidade que demonstrou ao longo dos anos durante seu processo
de desligamento do Imi e a criação de seu próprio caminho, “ajustou” de vez em quando algumas
datas para que servissem melhor aos seus objetivos. Das entrevistas que realizamos com pessoas
que trabalhavam com Eli na época que ele era o instrutor-chefe de Krav-Magá na escola militar de
preparação física para combate, fica claro que já nos anos de 1982-1983 ele começou a alterar aos
poucos a matéria do Krav-Magá. Assim, a associação do Eli foi fundada oficialmente só em 1987, mas
o processo de mudanças, cortes e acréscimos teve início alguns anos mais cedo. Portanto, estando
fiéis ao verdadeiro processo histórico, levamos em conta na pesquisa os anos 1982-1983 como os reais
anos históricos da modificação. Da mesma forma, O Imi começou desenvolver o Krav-Magá nos anos
1966-1970 e só depois criou o nome da arte, e uma associação só foi oficialmente estabelecida em 1978.
164
165
se a ausência do Eli, pois naquela época ele já havia se desligado das atividades do
Krav-Magá e especialmente daquelas organizadas pela “Associação de Krav-Magá
Israelense” (IKMA) e não se considerou mais parte deste universo, apesar de manter
profundas relações amigáveis com meu pai. Presumimos que a decisão de realizar a
aula na escola BUKAN veio com o intuito de apresentá-la para o grupo todo. Na aula
estavam presentes tanto alunos faixas pretas do Eli e do Yaron, como membros da
21. O curso para Dans que foi ministrado pelo Imi por mais de um ano, cada Sábado no Instituto
Wingate, foi marcado pela transição para a nova “associação de Krav-Magá Israelense”. Muitos dos
membros do grupo não gostaram da idéia, e como podemos ver na foto do final do curso, somente
quatro integrantes do grupo pioneiro participaram no curso: Haim Zut, Rafi Algrisi, Avner Hazan e
Yaron Lichtenstein. Os outros participantes no curso eram alunos de Yaron, Eli e Haim Zut. Algumas
das pessoas não apareceram para o curso também por causa de sua longa duração e do tempo que
exigiu. Às vezes pessoas com famílias não podiam largar tudo todo final de semana durante mais de
um ano. O interessante é que o Yaron, sem perceber, repetiu o mesmo erro do Imi quando realizou
o primeiro curso de faixas pretas para alunos da “BUKAN”, que também durou um ano. Porém,
mais tarde ele e o Imi desenvolveram juntos um novo método de exames de faixas que diminuiu
significantemente o tempo e a duração.
22. “BUKAN” – significa “escola do guerreiro” em Japonês. O edifício onde fica a escola, na cidade
de Rehovot, foi construído em 1948 e usado como filial do colégio técnico internacional “Ort”. Mais
tarde, quando a cidade cresceu e o edifício se tornou pequeno demais para o grande número de alunos,
o colégio mudou-se para outro endereço e o edifício ficou abandonado por muitos anos, até finalmente
ser adquirido pelo Yaron, que também recebeu as plantas originais do lugar, que contém assinaturas
de várias personalidades históricas da época da fundação de Israel. Apesar de vários pedidos feitos
pela “Ort Internacional” para Yaron doar as plantas originais, ele se recusou alegando que elas fazem
parte da história do Krav-Magá, que não é menos importante.
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um momento que se não fosse por meu pai e seus esforços, ele nunca seria aceito
na polícia israelense, seu local de trabalho até hoje, mesmo ele já tendo completdo
cinqüenta e três anos.
Depois do fim da associação do meu pai e da mudança dele para a “Associação
de Krav-Magá Israelense” (IKMA), o Haim ainda continuou frequentando as aulas,
que agora foram realizadas na academia da IKMA, mas foi principalmente por
causa do fato, e isso ele admite sem vergonha nenhuma, que emocionalmente não
conseguia ficar longe do meu pai.
“Entretanto”, ele explica e nós percebemos que apenas a recordação já causa
uma certa sensação desagradável, “não é possível para uma pessoa ficar treinando
a vida toda...”
Um comentário “político” e bem planejado, feito para não denegrir
ninguém sem querer. Como mencionamos já várias vezes ao longo da pesquisa, os
alunos diretos do meu pai foram abençoados por um forte senso de honestidade e
integridade, que infelizmente são ausentes do mundo do Krav-Magá hoje em dia.
A forma suave de Haim de se expressar até hoje, muitos anos depois, comprova
novamente a enorme influência do meu pai e o poder da educação que deu aos seus
discípulos. E com o mesmo estilo delicado e indireto o Sr. Hakani articula a sua
resposta sobre a questão daquele “grupo secreto” de treze pessoas, teoricamente
treinado pelo meu pai:
“Eu moro e vivo em Israel”, explica ele, “conheço meu povo e conheço
intimamente a capacidade de invenção dele. Se tivesse tal grupo – eu seria parte
dele – mas nunca existiu”.
Há alguma dificuldade de entrevistar o Haim Hakani de forma direta, uma
vez que sua função na polícia israelense exige uma autorização especial por cada
entrevista que ele deseje ceder. O mesmo processo ocorre também com soldados e
oficias do exército. Portanto o Haim ofereceu:
“consigam aquela autorização, e eu irei preencher para vocês alguns livros
apenas com as histórias que já escutei”.
Decidimos não solicitar a autorização da polícia simplesmente por não
querer expor as matérias da pesquisa antes do tempo, mesmo se isso significasse
abrir mão de uma entrevista longa e completa com o Sr. Hakani, e tivemos que
ficar satisfeitos com o que ele definia como “permitido pela lei”. Se entregássemos
uma solicitação oficial à polícia, teríamos que dar uma explicação bem detalhada
sobre o conteúdo do nosso trabalho e assim anunciar de fato a sua existência e seus
princípios guiadores, uma coisa que, como autores experientes, não estávamos
dispostos a fazer de maneira alguma.
O Haim Hakani, apesar de seu corpo magro e altura baixa, é excepcionalmente
flexível e veloz, e chegou até a trabalhar, por curto período de tempo, como dublê
na indústria cinematográfica israelense. Seu temperamento era tão ardente como
o do Eli Avikzar, e todos mantinham uma distância segura para não o irritar sem
querer. Mas dentro da casca grossa estava escondida uma personalidade delicada e
agradável. De vez em quando surpreendia meu pai e o resto dos alunos com truques
novos que realizou para algum filme de ação israelense. Ele tinha a melhor técnica de
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rolamentos no grupo, e serviu como a “cobaia” do meu pai para as diferentes técnicas
de rolamentos que estava desenvolvendo. Apesar de ter algumas dificuldades em
controlar as diversas técnicas de chutes, sua incrível capacidade de salto ajudou meu
pai a desenvolver os chutes em perseguição, que existem unicamente no Krav-Magá.
Essas duas características - os rolamentos e os saltos, constituem sua principal
contribuição para o repertório de movimentos do Krav-Magá durante seu processo
de criação. Meu pai contava com a rápida reação do Haim Hakani quando queria
examinar se os diversos movimentos e exercícios de defesa que criou funcionam
contra ataques reais, e assim mandava o Haim atacar os alunos enquanto eles se
defendiam. Também quando meu pai demonstrou defesas pessoalmente, escolheu
muitas vezes o Haim como o agressor para provar que as técnicas funcionam. Houve
alguma sensação no grupo de que “se conseguimos defender contra Haim Hakani,
então o exercício funciona”. No primeiro manual publicado pelo meu pai no ano
de 1971, o Haim Hakani aparece na contracapa, atacando meu pai com faca. Seus
movimentos eram muito rápidos e ao mesmo tempo bastante curtos. Seu corpo e
suas mãos moveram-se na mesma velocidade e, portanto, sua habilidade ofensiva
era maior da defensiva, um fato que deu ao meu pai a possibilidade de aprimorar
também as técnicas de ataque no Krav-Magá, e não somente as defensivas. Meu
pai sempre afirmava que para aprender a defender corretamente, é preciso atacar
corretamente, por este motivo os ataques no Tatami devem ser mais duros ainda do
que ataques na rua, ou seja, contra ataques nas aulas é mais difícil proteger-se por
causa do profissionalismo dos praticantes, mas assim facilitamos o nosso trabalho na
rua, na realidade. Em uma das principais bases de treinamento do exército israelense
foi colocada uma grande placa, dizendo: “Difícil nos treinos, fácil no combate”.
Haim Hakani é um dos que mais contribuíram para o desenvolvimento de técnicas
de ataque que meu pai incluiu no Krav-Magá.
Quem olhar a foto coletiva na primeira página do artigo “Graduações no
Krav-Magá” verá o Avner, sentado primeiro da direita. É necessário ter um olho
afiado e experiente na leitura de linguagem corporal para perceber a potência
escondida neste “baixinho” (curiosamente, sete dos dez pioneiros tinham altura abaixo
da média). Prestem atenção para os seguintes movimentos do Avner: vejam como
todos os sentados na primeira linha colocam suas mãos em cima do joelho ou da
coxa. Mas agora observem a posição dos polegares – o polegar direito do Avner
e o dedo indicador parecem estar tocando um noutro. Olhem na situação dos
ombros e na forma como os abdominais são esticados para dentro, puxando assim
o nó da faixa na mesma direção. O Avner possui movimentos corporais perfeitos
e é capaz de passar no mesmo movimento de ataque para defesa 23* sem que o
oponente sequer sentisse. Sua rapidez e suavidade foram fundamentais para que
23. Avner afirma que durante anos praticou e treinou também Yoga. Consequentemente suas
capacidades físicas melhoraram imensamente. Este fato nos liga novamente à origem das artes
marciais, para Budidaharama, que viajou da Índia para a China. Tanto faz qual for o ponto de partida,
sempre chagaremos ao mesmo ponto final. É necessário ressaltar que embora as artes marciais tenham
tido raízes na Índia, este país não possui nenhuma ligação com as artes marciais.
169
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24. “Técnicas de chão” nas artes marciais requerem menos coordenação do que técnicas aplicadas em
pé. Quando deitados, não há necessidade de manter o equilíbrio e, portanto, essas técnicas são mais
fáceis de ser executadas. Percebemos muitos “sistemas” que incluem cada vez mais técnicas de chão
em seus treinamentos, e o motivo é este mesmo. A execução dessas técnicas é mais simples ainda para
aqueles que não possuem altos níveis de capacidade física (em relação ao Krav-Magá).
25. Novamente percebemos que o Imi tinha um plano perfeito, complexo, de longo prazo e projetado
até os mínimos detalhes. Ele aceitava os grandes riscos de seu planejamento e, por algum momento,
parecia também para ele que o plano teria mais chances de fracassar do que de ter êxito. Mas, no final,
conseguiu passar por todos os obstáculos e perigos que estavam na sua longa trajetória e ele garantiu
a continuação de seu caminho por pelo menos mais uma geração.
171
26. Temos em nossos arquivos todas as provas, testemunhas e documentos necessários sobre a
história pessoal de qualquer personagem influente no mundo do Krav-Magá em Israel, daqueles que
ajudaram a criá-lo e também daqueles que tentam re-escrever a sua história. Não é de nossa intenção
divulgar atos individuais de uma natureza ou outra que não sejam diretamente relacionados ao Krav-
Magá. Está claro para nós que uma vez publicada a pesquisa, algumas pessoas tentarão usá-la para
prejudicar outras. O fato de que não publicamos certas informações é devido a motivos éticos, e não
por falta de conhecimento.
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Shmuel Hanatziv 22. Para este local na cidade de Natanya o Imi mudou-se da
Rua Shehset Hayamim. A entrada da academia era um corredor comprido,
no final do qual estavam alguns degraus que levaram até a porta da academia.
A foto da esquerda mostra a entrada da rua para o corredor,
enquanto a segunda mostra o corredor.
O Victor começou a treinar quase junto com o Avner, no início de 1969, e era
entre os primeiros alunos da academia em Tel-Aviv. O Victor é bastante simpático
e leve, e trabalhou por muitos anos no ramo dos diamantes, e encontrou meu pai
porque procurava uma forma de praticar alguma atividade física e, portanto, no
início o Krav-Magá era para ele nada mais do que um agradável passatempo. Mas
como aconteceu com o resto do grupo, no momento que o Victor pisou no Tatami
e meu pai percebeu seus movimentos corporais, a teia foi preparada e o Victor foi
introduzido para dentro da seleta equipe. Seus movimentos eram ainda mais suaves
daqueles do Avner. Enquanto o Avner era autodidata e se educou no caminho da
suavidade, o Victor simplesmente nasceu assim. Do ponto de vista do professor,
o Victor é o aluno perfeito. Jamais discutiu, rejeitou ou dificultou com perguntas.
Treinaria com máxima concentração, até que conseguisse ensinar a seu corpo o
novo movimento.
Quando o Victor aperfeiçoava algum movimento ou exercício, meu pai
sabia que ele pode avançar na matéria. O Victor virou uma espécie de padrão do
meu pai para medir a capacidade e nível de performance do grupo. Cada professor
decide passar para a próxima técnica de acordo com seus próprios parâmetros, e
no caso do meu pai era o Victor. Não porque ele foi lento ou de péssima percepção,
mas por causa de seu jeito de absorver as coisas até alcançar a perfeição. Talvez o
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seu emprego como polidor de diamantes (o Victor era especialista em trabalhar com a pedra
toda, não somente sobre um ângulo específico) o tornou assim, é um trabalho que requer um
exame altamente detalhado da pedra e profunda concentração, uma vez que cada
erro, menor que seja, pode tornar um diamante estimado em centenas de milhares
de Dólares em uma pedra sem valor nenhum. O Victor sabia aproveitar todas estas
características em favor do Krav-Magá, e foi isso que o fez um grande praticante.
O Victor, mesmo se não viu no meu pai uma figura paternal, era fiel e
honesto com meu pai, como o resto dos membros do grupo, e a seguinte história
mostrará até que grau:
De vez em quando chegaram para a academia em Tel-Aviv vários
profissionais de diversas artes marciais, como Judô, Caratê etc.. Meu pai, nos dias
em que o “espírito da boa hospitalidade” estava presente nele, concordava em
demonstrar algumas técnicas para aqueles visitantes. Num dia desses, o Yaron e
o Victor treinavam juntos e meu pai pediu para o Victor demonstrar defesa contra
ataque com faca, e foi assim que o Victor contou a história para nós, com um sorriso
meio sério no seu rosto:
“O Yaron já estava cansado e falou no meu ouvido que ele iria fingir que
estava pulando no ar e assim eu não iria precisar fazer a defesa com toda a seriedade
– ou seja – iríamos fazer um pouco de “teatro”, como já tínhamos feito em algumas
ocasiões, já que além do Imi ninguém entendia nada mesmo. Mas eu nunca fiz esse
tipo de coisa e o Yaron, que não estava preparado, quase quebrou seu braço”.
O Victor riu e continuou contando que ele lembra tudo isso especialmente
por causa da “vingança” do Yaron, que lhe deu uma horrível mordida nas costas,
que até hoje ele ainda sente. No ano de 1983 o Victor, como muitos outros, retirou-
se da prática ativa de Krav-Magá e nem tomou parte no curso para Dans dois, três
e Quatro que meu pai realizou. Ao apresentar aquela tão importante pergunta sobre
o tal de um grupo secreto de treze pessoas treinado pelo meu pai, um ponto de
interrogação apareceu no rosto do Victor:
“O que?”, ele pergunta, “O Imi tinha mais um grupo? Como é possível então
que ninguém jamais tenha ouvido falar desse grupo?”
Ficamos com a inevitável sensação de que deixamos o Victor profundamente
ofendido com a nossa pergunta, que veio insinuar que existia um grupo que ele não
conhecia, uma coisa que agora sabemos ser uma invenção imaginária de uma só
pessoa, desligada da realidade histórica do Krav-Magá e de sua criação. O Victor
demorou quase um mês para retornar uma ligação e afirmar que conversou com
vários de seus conhecidos e todos disseram a mesma coisa – esse “grupo secreto”
nunca existiu !
Fechando a lista é o Yaron. Dedicamos um artigo completo para narrar
seu trabalho junto com a Escola BUKAN e acrescentaríamos apenas isso: quem
genuinamente deseje ver, entender, aprender e saber o que meu pai criou, quem
realmente queira conhecer a criação completa do meu pai, quem além de força
muscular possua também mente forte, e se sinta valente o suficiente em corpo e
alma, quem considere-se um verdadeiro artista de Krav-Magá, deveria treinar no
mínimo uma vez na sua vida com este grande professor, o verdadeiro sucessor do
caminho do meu pai.
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Desfecho:
Eli Avikzar:
Esse é um assunto bastante sensível e polêmico, e nós resolvemos escrevê-lo com total
respeito para o Eli, que não está mais conosco, mas ao mesmo tempo respeitar também a ética
profissional e aqueles que ainda estão aqui. A complexidade deste tema é grande e nós esperamos que
nas próximas linhas consigamos explicar e esclarecer tudo.
A importância do Eli à pesquisa vem do fato dele ser o primeiro e por muitos anos o mais
graduado discípulo do Imi. Seu papel na criação do Krav-Magá é indispensável e incontestável. Sem
ele, o Krav-Magá não seria o mesmo, ou talvez nem existisse. Porém, neste ponto termina também a
sua parte, uma vez que ele fez as suas decisões e resolveu criar seu próprio caminho.
Eis algumas testemunhas pessoais:
Quando conversamos com o Sr. Haim Zut, ele afirmou ser ele mesmo o primeiro aluno do
Imi!!!
Do outro lado, quando entrevistamos o Sr. Rafi Algrisi, ele também alegou que é o primeiro
aluno do Imi, e que na verdade foi ele quem trouxe o Eli para as aulas !!!
Ao falar com o Sr. Yehuda Avikzar, o filho do Eli, ele confirmou por alguma razão a versão
do Sr. Haim Zut, e disse que realmente o Eli não foi o primeiro aluno do Imi, mas somente o mais
graduado. Quando perguntamos se sabia como seu pai iniciou-se nos treinamentos de Krav-Magá, o
Sr. Yehuda narrou a seguinte história:
“Meu pai – o Eli Avikzar, realizou demonstrações de lutas (Wrestling) na praia de Natanya.
Um dia veio alguém e lhe recomendou a treinar com uma pessoa chamada Imi que ensinava Krav-
Magá, e foi assim que tudo começou”.
Como os escritores desta pesquisa histórica, e tendo em mão todas as provas da verdade,
ficamos chocados por alguns instantes. Pois sabemos claramente que o Eli nunca praticava este tipo de
luta, e na época que o Eli conhecia Imi, o nome Krav-Magá nem existia ainda. Por isso ficamos muitos
surpresos do fato que os herdeiros do Eli apoiam uma versão histórica completamente incorreta.
Mas qual seria o motivo disso? Nós acreditamos que o filho do Eli abre mão da primogenitura
de seu pai, coisa que o próprio Eli nunca fez, para esconder e encobrir as circunstâncias reais de como
o Eli e o Imi se encontraram e se conheceram. Entretanto, sempre existe a possibilidade de que o
Sr. Yehuda nem saiba toda a verdade. Nós sabemos todos os fatos completos sobre aquele encontro
histórico, mas como já mencionamos ao longo do livro, não é do interesse da pesquisa divulgar essa
história, uma vez que não tem nenhuma influência sobre a criação e a trajetória do Krav-Magá. As
próximas gerações, caso considerem tão importante, poderão realizar sua própria pesquisa. Para nós,
está evidente que a publicação destes fatos prejudicará a nossa integridade ética e a de nossa profissão,
sem mencionar que muitas pessoas usarão esta informação de forma maldosa, e isso também não é
de nosso interesse.
Observamos também, naquela conversa com o filho do Sr. Eli Avikzar, como um novo
processo histórico é constituído, com o intuito de criar para o Eli e a construção de seu novo caminho
explicações diversas, que não são necessariamente ligadas à verdade histórica. De acordo com o
filho do Eli, várias pessoas ligadas à Associação de Krav-Magá Israelense (IKMA) pressionaram
pesadamente o Imi para que ele tomasse de volta o grau de sexto Dan que cedeu para o Eli, alegando
que o Eli não o merecia. Mas não há fundamentos históricos e factuais para esta história, não
encontramos nenhuma outra pessoa que testemunhe o mesmo. O único objetivo desta lenda é criar
uma justificativa histórica para a saída do Eli da IKMA e a criação de seu novo caminho, e mostrar
que ele foi o primeiro a se desligar dessa organização.
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Conhecendo o comportamento dos dirigentes da IKMA naquela época, é bem possível que o
Imi tivesse sido pressionado por eles para reagir de alguma forma, mas na realidade isso não ocorreu.
E mais, o Eli ainda foi promovido pelo Imi para o grau de oitavo Dan. De nosso ponto de vista, todas
essas histórias são desnecessárias. As pessoas deveriam atuar como verdadeiros praticantes de Krav-
Magá, com autorespeito e com bravura, exatamente como o próprio Eli agiu. Talvez assim as coisas
fossem completamente diferentes. O desligamento do Eli do Krav-Magá do Imi não foi sua culpa,
embora sendo uma iniciativa particular dele. Contudo, com seu feito ele marcou o caminho para todos
os outros, pois no final, não podemos esquecer, todos eram ex-alunos dele. Vemos assim como as
histórias inventadas vêm crescendo cada vez mais. Sem a atual pesquisa, daqui a alguns anos, até os
poucos que ainda conhecem os verdadeiros conhecimentos, não saberão mais. A próxima geração já
não reconheceria a história do Krav-Magá e das pessoas que o criaram junto com o Imi.
Para elaborar uma historiografia é necessário ter provas sobre atos que ocorreram centenas
e milhares de anos atrás. Para consegué-las, os pesquisadores e historiadores atuais baseiam-se em
manuscritos e testemunhas da época que estão investigando, exatamente como um dia esta pesquisa
será a base de uma análise histórica deste gênero. Para ter acesso a todos os documentos e provas
autênticas e concretas, nossas buscas nos levaram até os escritórios e os arquivos do imposto de
renda da cidade de Natanya. Ali, no infinito labirinto burocrático do Ministério da Fazenda de Israel,
encontramos cópias de recibos do aluguel pago por meu pai pelo local que seria a sua primeira
academia, aberta na cidade de Natanya, na Rua Sheshet Hayamim, número dois. Essas provas serviram
para comprovar a versão de todos aqueles que nos contaram sobre aquela primeira academia. E este
foi o grande buraco histórico de todos os modificadores da história do Krav-Magá. Todos mencionam,
como já vimos ao longo da pesquisa, que começaram treinar com meu pai em Natanya, mas na Rua
Shmuel Hanatziv, número vinte dois, um fato que mostra que eles foram entre os primeiros que
começaram treinar Krav-Magá, mas não eram os verdadeiros pioneiros escolhidos pelo meu pai. Eli
Avikzar, Rafi, Avner, Yaron, Zvulun, Victor – eles realmente iniciaram a sua educação na academia
da Rua Sheshet Hayamim e só depois mudaram-se, junto com o Imi, para a Rua Shmuel Hanatziv. E
assim cobrimos o buraco histórico pelo qual muitos passariam sem hesitar...
Haim Zut:
Numa longa entrevista telefônica realizada com o Sr. Haim Zut, recebemos dele toda a
cooperação possível, e ele tem nossos agradecimentos por isso. Entretanto, não podemos escapar de
analisar alguns pontos adicionais. As pessoas da associação de “Krav-Magá International – Kapap”,
que têm como presidente o Sr. Haim Zut, estão numa situação de guerra constante. A maioria dos
personagens do Krav-Magá em Israel luta por sua reputação e status. Sem exceções, todos aqueles
que fundaram as várias organizações, associações ou federações em Israel estão hoje em dia sob o
controle das pessoas que operam aquelas organizações, exatamente como o Imi não tinha autoridade
nenhuma quando era o presidente da “Associação de Krav-Magá Israelense”. Este fenômeno se repete
em quase todas as organizações. No caso do Sr. Haim Zut, ele estava bastante disposto a doar algumas
fotos históricas nas quais aparecem ele, Imi e outros alunos veteranos, mas explicava que todas suas
fotos relacionadas ao Krav-Magá ficam na sede da associação e a decisão de como, quando e por que
usá-las e publicá-las não é dele, mas do diretor da organização – um tal de Sr. Meny e que deveríamos
conversar com aquele diretor, uma coisa que também fizemos. Logo descobrimos que a foto do Sr.
Meny aparece no dicionário, ao lado da palavra “desconfiança”... Em vez de entrevistá-lo sobre a
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história de sua associação e receber informação sobre o presidente de sua organização, foi ele que
começou a nos questionar e interrogar. No final ele pediu desculpas e disse que todos tentam enganá-
lo, como por exemplo, solicitar fotos do Haim Zut para depois poder dizer que eram alunos dele etc.,
uma atitude que não conseguimos compreender, pois cada instituição que se respeite guarda lista de
todos seus alunos. Aos nossos olhos isso não passa de mais uma demonstração de desconfiança, um
costume popular de muitos praticantes de Krav-Magá em Israel. Mas nós não desistimos e até o final
da “conversa” o Sr. Meny prometeu enviar uma foto de cerimônia de colação de grau que foi realizado
pelo Imi junto com O Haim Zut. Até hoje estamos esperando pela prometida foto... Assim tivemos que
usar a foto que o Sr. Haim zut divulga na internet e na mídia em Israel. E foi assim que os Srs. Zut e
Meny perderam a chance de entrar genuinamente para a história do Krav-Magá.
O fenômeno se repete quase o tempo todo. Pessoas do Krav-Magá temem tocar no assunto
e evitam cooperar ao perceberem o menor sinal de exposição na mídia.
Novamente, não podemos ignorar a união criada entre o Sr. Haim Zut e o Sr. Denis Hanover.
O Sr. Haim Zut provavelmente sente alguma necessidade de se aproximar à uma figura maior e mais
forte do que ele, enquanto o Sr. Denis Hanover aproveita a proximidade entre os dois para se vender
como professor de Krav-Magá. Então, nós repetimos mais uma vez: o Sr. Denis Hanover não tem
nenhuma ligação com o Krav-Magá e qualquer tentativa de mostrar a existência de tal ligação é uma
mera enganação do público.
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