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Podemos fugir de tudo na vida

Mas uma coisa sempre nos alcançará


e esperará para nós no fim do caminho
a verdade

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gÊnesis
a histÓria do
krav-magÁ

JEFFREY TUCHMAN & GEORGE MAYERS

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Copyright © 2009 por Jeffrey Tuchman e George Mayers
Reservados todos os direitos. Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida por fotocópia, microfilme,
processo fotomecânico ou eletrônico sem a permissão expressa e por escrito dos autores ©.

Gênesis - A História do Krav-Magá.


Jeffrey Tuchman e George Mayers
1ª Edição
1ª tiragem – mês de 2009

Capa: Marcio Barros (versão hebraica e brasileira)


Coordenação Editorial: Jefferson Borges
Copidesque e Revisão de Originais: Paloma Maulaz Moura Paixão
Editoração Eletrônica: Bartholo Fotolito Ltda.
Impressão: Livre Expressão Editora

ISBN – 978-85-98213-63-7

CIP – (Cataloguing-in-Publication) – Brasil – Catalogação na Publicação


Ficha Catalográfica feita na editora

Tuchman, Jeffrey ; Mayers, George


T824g Gênesis - A História do Krav-Magá / Jeffrey Tuchman e George
Mayers ; 1 ed. Rio de Janeiro : Livre Expressão , 2009.
360 p. : il. ; 21cm (broch.) ; Tabelas ; Gráficos

ISBN 978-85-98213-63-7

1. Esporte de combate. 2. Esportes de autodefesa. 3. Esporte de Luta


4. Artes Marciais. 5. Krav-Magá . 6. História do Krav-Magá.
I. Título. II. Tuchman, Jeffrey. III. Mayers, George

CDD 796.8 CDU 796815


796692

Índice para catálogo sistemático


1. Esporte de combate - 796692
2. Esportes de autodefesa - 796692
3. Esporte de Luta - 7968
4. Artes Marciais - 796815

E-mail dos autores: mayersgeorge@gmail.com


jeffreytuchman@gmail.com

Impresso no Brasil, 2009


Printed in Brazil, 2009

Telefones:
• Belo Horizonte-MG: (31) 3231-5686 • Brasília-DF: (61) 3717-1280
• Porto Alegre-RS: (51) 3251-5387 • São Paulo-SP: (11) 3717-4302
• Curitiba-PR: (41) 3941-4714 • Joinville-SC: (47) 3001-5507
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Rua Evaristo da Veiga, 16 (anexo), sala 5 – Centro - Rio de Janeiro - RJ – CEP 20031-040

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Agradecimentos
Nesta pesquisa meio histórica e meio biográfica, empenhamos-nos para agir da forma mais justa
possível quando se trata da complexidade dos diversos artigos, tanto com aqueles relacionados ao
próprio krav-maga como arte marcial, como com os temas ligados a Imi – seu criador e fundador, mas
também e acima de tudo com os indivíduos presentes neste universo e que de fato são os responsáveis
pela existência da pesquisa.
Recebemos assistência e ajuda de inúmeras pessoas físicas e instituições de vários portes. Fomos
bem-recebidos nos lugares onde menos esperávamos e descobrimos muita informação útil que no final
das contas deu vida ao nosso trabalho e, portanto devemos os nossos mais sinceros agradecimentos:
Para a Sra. Hen Gil, Filha de Aviva Gil, que durante muitos anos trabalhou como a secretária e
administradora da academia de Imi na cidade de Tel-Aviv. Aviva, como leal e fiel secretária,
colecionou e arquivou cada documento, recibo ou pedaço de papel que passou no pequeno escritório
da academia. A Sra. Hen depositou em nossas mãos uma antiga caixa de papelão amarela, quase
completamente esfacelada, uma herança de sua mãe. Na caixa estavam todos os registros de todos os
alunos que já fizeram aula na academia em Tel-Aviv, além de documentos que continham informações
de valor essencial para a pesquisa.
Para o porta-voz do exército israelense na cidade de Tel-Aviv, que sua cooperação conosco foi muito
além do exigido e ele forneceu para nós diversas informações, datas e nomes sem os quais não
seriamos capazes de completar o nosso trabalho.
Para a acessória de imprensa do ministério do interior no bairro governamental em Jerusalém, que
nos deu acesso e autorização para verificar diferentes datas históricas.
Para o comandante da escola de preparação física para combate e o responsável pela formação de
krav-maga no exército, que demonstrou paciência sem fim com a nossa causa. Devemos os mesmos
sentimentos de apreciação para a porta-voz da polícia israelense.
Para o Estimado Sr. Moshe Cohen (do acervo do jornal “Maariv”), que durante muitos dias
empenhava-se em achar os desenhos que pedimos. Para o Sr. Yigal Levi (do acervo do jornal
“Yeideioth Aharonoth”) que não economizou esforços para nos ajudar. E para a Sra. Shula Gabriel do
arquivo jornalístico do “Haaretz” que não desistiu de nós e assistiu de qualquer forma possível. Para
David do diário Jerusalem Post.
Para Yaakov Geva do departamento de história no acervo militar.
Para o museu da Resistência. Para o museu da Imigração Ilegal. Para o Museu da “Hagana”. Para o
museu do legado militar israelense.
Para os membros da Associação Israelense de Judô que não hesitaram a colocar à nossa disposição os
registrados da organização.
Para o porta-voz do ministério das relações exteriores em Jerusalém.
Para todos que cederam entrevistas pessoais e telefônicas.
Para a equipe do Instituto Wingate que contribuíram um grande leque de detalhes sobre a história de
Imi, o krav-maga e o Judô em Israel, além de outras informações gerais úteis e valiosas.
Para o Dr. Reuven Miterani, diretor da escola de treinadores do Instituto Wingate, ex-chefe da escola
de fisioterapia do instituto.
Para os Doutores: Mica Kanitz, Gilad Vingerten, Shraga Sade e Uri Shefer, todos membros do
respeitado corpo docente do Instituto Wingate.
Para o Professor Hilel Raskin da Universidade de Jerusalém.

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Para os judocas e colegas de Imi: Gadi Skornik, Yona Melnik, David Anto, Yosef Lev, Amos Gilad,
Amos Greenspen, Moshe Fishfeld, Akiva Moshkovitz, Edmund Buzaglo.
Para o Ex-prefeito da cidade de Rehovot, o Sr. Michael Lapidot.
Para o Ex-Comandante da unidade de Anti-Terrorismo da polícia israelense (Yamam), o Sr. Asaf
Hefetz.
Ao fotógrafo Israelense – Canadense o Sr. Shai Mudahi.
Para os Srs. Yossi Shmueli E Noah Gross.
Para os alunos e praticantes de krav-maga, no passado e no presente:
Tedi Levkovski, Kobi Kartovski, Ofer, Tal, Dani, Ran, Shmulik, Eyal, eitan, Menashe, Reuven, Boaz,
Rafael, Gabriel, Dudi, Oskar, Zvulun, Itzik, Roberto, Guy, Yoav.
Para Avi Abesidon.
Para Yehuda Avikzar, Filho de Eli Avikzar
Para Alex do Instituto Shimshon em Natanya.
Para Oded Modan, da Editora “Modan”, pelos livros e informação que cedeu a nós.
Para as meninas: Dafna, shosh, Orly, Meirav e Íris.
Para o coordenador nacional de educação física em Israel, o Sr. Oded Hecht.
Para a equipe de funcionários da prefeitura de Rishon-LeTzion, e especialmente para a Sra. Malca
Levi e o Sr. Rami Duani.
Para a Sra. Levin, fiscal do imposto de renda na cidade de Natanya, que nos ajudou além de nossas
expectativas. Os mesmos agradecimentos sinceros vão para a Sra. Shoshana Azulai, a fiscal da receita
na cidade de Rehovot.
Para o departamento de registro de associação no ministério do interior, em Jerusalém, por sua
assistência e paciência.
Mais do que tudo, ficamos profunda e especialmente agradecidos aos nove alunos de Imi que falaram
por si mesmos e assim possibilitaram a elaboração de nossa pesquisa.
Para a secretária de Imi na associação que fundou no ano de 1978, que durante anos colecionou e
guardou, e não apenas em sua memória, inúmeros detalhes e informações sobre o krav-maga - as
pessoas, os alunos, os acontecimentos, os documentos e as histórias – sem as quais o nosso trabalho
simplesmente não seria o mesmo.
Para o artista gráfico Marcio Barros – não temos palavras para expressar nossos agradecimentos
eternos, então simplesmente diremos isso: obrigado.
Para o Museu “Zeev Farkash” e a Sra. Dorit Farkash Shuki, que nos autorizou a usar os desenhos e
caricaturas de Imi feitas por seu pai, numa reportagem de setenta anos de Imi, publicada no jornal
“Maariv”.
Para a associação dos autistas na cidade de Rehovot, e especificamente à Sra. Ada, o espírito atrás do
funcionamento da associação.

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ÍNDICE

Página
Capítulo 1 – Introdução ..................................................................................................................... 13
Capítulo 2 – Gênesis .......................................................................................................................... 23
Capítulo 3 – A Associação..................................................................................................................31
Capítulo 4 – A “Hutzpa” dos Israelenses e o Krav-Magá ................................................................. 49
Capítulo 5 – As Graduações no Krav-Magá ..................................................................................... 77
Capítulo 6 – Defesa Pessoal ................................................................................................................91
Capítulo 7 – O Krav-Magá Como sistema Eclético ........................................................................ 107
Capítulo 8 – O Espírito Parte I .........................................................................................................119
Capítulo 9 – O Espírito Parte II – O Sexto Sentido do Guerreiro ...................................................133
Capítulo 10 – Os Dez Escolhidos do Imi ...........................................................................................145
Capítulo 11 – A Filosofia do Krav-Magá Parte I – Introdução ..........................................................179
Capítulo 12 – A Filosofia do Krav-Magá Parte II – Que Nada Seja
Estranho Para Nós........................................................................................................184
Capítulo 13 – A Filosofia do Krav-Magá Parte III – Sejam Suaves ..................................................191
Capítulo 14 – A Filosofia do Krav-Magá Parte IV – O Professor Como
Modelo Para Imitação ................................................................................................. 196
Capítulo 15 – A Filosofia do Krav-Magá Parte V – A Mediocridade ............................................. 202
Capítulo 16 – A Filosofia do Krav-Magá Parte VI – O Medo ...........................................................210
Capítulo 17 – Documentos & Testemunhos – O Desfile da Ignorância ............................................218
Capítulo 18 – Documentos & Testemunhos – O Desfile da Vergonha ............................................ 227
Capítulo 19 – A Expansão ................................................................................................................. 289
Capítulo 20 – Imi ............................................................................................................................... 307
Capítulo 21 – Bibliografia...................................................................................................................337
Capítulo 22 – Locais .......................................................................................................................... 345

Lista de Mapas

1. Mapa de Israel – “A região misteriosa”.......................................................................................... 283


2. Linha ferroviária Egito – Palestina, 1945 .......................................................................................331
3. Localização do Navio de Imigrantes “Pancho” – 1946 .................................................................332

Lista de fotos

Desenho de Imi, feito pelo artista Israelense – Húngaro Zeev Farkash, 1980. .................................. 32
Os Carimbos da associação .................................................................................................................. 37
Reportagem na Jerusalem Post – 1977. ............................................................................................... 46
Soldado moderno .................................................................................................................................. 49
Final de curso para Dans no Instituto Wingate – 1983........................................................................ 77
Soldados israelenses nas fortificações ao longo do Canal de Suez. .................................................143
A praia de Natanya ..............................................................................................................................147
Café “Ugati” – 2005 ............................................................................................................................147
A academia na cidade de Natanya, na Rua Shmuel Hanatziv 22. ......................................................173
Universidade de Jerusalém – 1974 ......................................................................................................177
Shmuel pulando – 1978 .......................................................................................................................178
Ex-ministro da polícia, General Haim Bar-lev, numa visita a Escola BUKAN – 1986. ....................178
Arte em criação – 1944 .......................................................................................................................183
Defesas contra bastão – 1947 ..............................................................................................................215
A letra do Imi – 1975 ...........................................................................................................................217

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O café na esquina das ruas Bograshov e Pinsker. ............................................................................. 322
A academia na cidade de Tel-Aviv, na esquina da Rua Pinsker com a Rua Trumpeldor. ............... 324
O Museu da Hagana ........................................................................................................................... 325
“Medinat Hayehudim” (“O Estado dos Judeus”) – Navio de imigrantes judeus ilegais – 1946. .... 329
A Linhagem do Krav-Magá ............................................................................................................... 348
O lugar de descanso do Imi ................................................................................................................ 349

Lista de documentos:

1. Correio eletrônico enviado por representante da IKMF, confirmando seu fechamento por um
período de tempo indeterminado. Documentos & Testemunhos. ............................................. 228
2. Correio eletrônico confirmando que a IKMF foi fundada posteriormente à morte de Imi.
Documentos & Testemunhos. .................................................................................................... 229
3. Correio eletrônico da IKMF confirmando que Yaron Lichtenstein é dos alunos mais graduados de
Imi. Documentos & Testemunhos...............................................................................................231
4. Página do site virtual do Sr. Gabi Noah (IKMF) que tenta mostrar que Imi criou um Krav-Magá
militar. Documentos & Testemunhos. ...................................................................................... 232
5. Confirmação do ministério da defesa em Israel (Arquivo das forças armadas) que no ano de 1965
o termo “krav-maga” não existia nas forças armadas. Documentos & Testemunhos. ............ 234
6. Lista de Faixas pretas no site de Eli Avikzar. Os Dez Discípulos do Imi. ................................146
7. O Site oficial de Eli Avikzar. As duas páginas mostram que todos os dirigentes da IKMF, IKMA
e a Federação sul Americana são praticantes de “Krav-Magen” criado pelo Eli Avikzar, e não de
krav-maga. Documentos & Testemunhos. ................................................................................ 257
8. O sistema de graduações de acordo com a IKMF, que não corresponde com o sistema introduzido
no krav-maga pelo Imi. Documentos & Testemunhos. ........................................................... 236
9. O site do diretor da IKMF, onde são apresentados alguns de seus diplomas. Documentos &
Testemunhos. ............................................................................................................................. 237
10. Diploma de Oitavo Dan que o diretor da IKMF alega ter recebido do Imi no ano de 1996.
Documentos & Testemunhos. ................................................................................................... 239
11. Página do site da IKMF, afirmando que depois do falecimento de Imi houve uma ruptura no
Krav-Magá. Documentos & Testemunhos. ...............................................................................241
12. Documento que mostra as letras KM (em Hebraico) como marca registrada em Israel. Documentos
& Testemunhos. ......................................................................................................................... 267
13. Diploma de Perito emitido pela IKMF para o diretor da mesma, por seu Oitavo Dan. Documentos
& Testemunhos. ......................................................................................................................... 243
14. A página inicial no site da IKMF. Documentos & Testemunhos. ............................................. 244
15. “Diploma do Fundador”, alegadamente dado ao diretor da IKMF. Documentos &
Testemunhos. .............................................................................................................................. 247
16. A página inicial no site da IKMA. ............................................................................................. 250
17. Documento oficial anunciando que o Sr. Haim Gideon foi eleito presidente da IKMA. Documentos
& Testemunhos. ..........................................................................................................................251
18. Certificado de fundação da IKMA do Sr. Haim Gideon, 17.03.1983. Documentos &
Testemunhos. ............................................................................................................................. 252
20. Página do site oficial da IKMA, na qual o Sr. Haim Gideon está auto-glorificando. Documentos
& Testemunhos. .......................................................................................................................... 254
21. Página do site oficial da IKMA, erroneamente anunciando que a associação foi fundada em 1978,
sendo a associação original do Imi. Documentos & Testemunhos. .......................................... 265
22. Um livro que o Sr. Haim Gideon alega ter escrito. Documentos & Testemunhos.................... 263
23. Reportagem na Jerusalem Post. A Associação. .......................................................................... 46
24. Página do site oficial da “Federação Sul Americana de Krav-Magá”. Documentos &
Testemunhos. ............................................................................................................................. 278

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25. Carta (que jamais chegou ao seu distino) dirigida ao Sr. Reuven Miterani, diretor da escola de
treinadores no Instituto Wingate. Documentos & Testemunhos. ............................................ 266
27. Foto do Sr. Darren Levin junto com Imi. A Associação. ........................................................... 48
29. Página do site oficial do Sr. Haim Zut. Documentos & Testemunhos. .................................... 270
30. Documentos sobre Haim Zut. A Filosofia, Documentos & Testemunhos. .............................. 273
33. Página do site oficial do Sr. Richard Douieb na França. Documentos & Testemunhos. ......... 287
34. Página do site oficial do Sr. Richard Douieb na Itália. Imi de Kimono, o resto não... Documentos
& Testemunhos. .......................................................................................................................... 288

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Introdução À Edição Portuguesa

O livro, escrito originalmente na língua hebraica, foi adequado, na


medida do possível, ao estilo do Imi de se expressar neste idioma, no
intuito de passar ao leitor também o modo de falar do velho professor.
A tradução do Hebraico para o Português de um livro desse gênero,
já é um desafio e tanto, e a obrigação de tentar manter o estilo de falar
do Imi, incluindo seus “regulares” erros gramáticos etc., dificulta mais

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ainda esta tarefa.
Espero ter cumprido com êxito a minha missão.

O tradutor.

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A História do Krav-Magá Introdução

Introdução

As coisas que as pessoas dizem não têm importância. Nossas


crenças também não são relevantes. Somente os fatos
históricos devem ser levados em conta!!!

O principal objetivo desta pesquisa é munir o leitor com os necessários


instrumentos para poder compreender, de uma vez por todas, o que é realmente o
Krav-Magá. Será que é mais um “sistema”, ou “o sistema do Imi” 1* (de Inglês: Imi’s
system) como muitos o chamam hoje em dia (apesar do fato que o próprio Imi nunca usou
essa expressão), ou será que o Krav-Magá é uma arte marcial redonda e completa, um
resultado do perfeccionismo de seu criador?
Em primeiro lugar, teremos que analisar todos os episódios e as condições
nas quais o Krav-Magá foi criado como arte marcial e posteriormente examinar
também as pessoas que estavam ou ainda estão envolvidas na prática da arte: quem
age para o bem do Krav-Magá e quem tem em mente somente seus interesses
pessoais. Assim, poderemos isolar e reconhecer os verdadeiros sucessores do Imi,
em oposto àqueles que fazem mal uso do nome do criador e se empenham para tentar
e re-digitar a história do Krav-Magá, a fim de beneficiar seus próprios objetivos.
O Krav-Magá é uma arte marcial redonda e completa, seu lugar entre as
grandes artes marciais de nossos dias está garantido. E mais, é a única arte marcial
que desde o início foi empregada para defesa pessoal 2*. Para comprovar as origens da
criação da arte foi preciso incluir na pesquisa fontes que, embora não fizessem parte
do Krav-Magá, constituem uma parte íntegra e inseparável desta arte. Usei essas
fontes para mostrar, por exemplo, que o Krav-Magá não é um “sistema eclético”,
como muitos dizem, provavelmente por causa de sua impotência profissional e para
contrariar as pessoas que asseguram que o Krav-Magá não possui um lado filosófico.
Mas também aqui tive que ser cuidadoso ao escolher minhas fontes. Em um caso,
chegou às minhas mãos um livreto que, pelo seu título, deu para entender que tratava
da “filosofia do Krav-Magá”, porém, uma rápida pesquisa mostrou que o autor deste
livro afirma que o Krav-Magá não tem filosofia nenhuma e nós não conseguimos
entender se a intenção desse escritor era ridicularizar ele próprio ou seus leitores...

1. como veremos ao longo do livro todo, a questão do uso da palavra “sistema” em relação ao Krav-
Magá se repete várias vezes e, portanto é necessário esclarecer o assunto logo no começo. Hoje em
dia é largamente comum a utilização do termo “sistema” para descrever o Krav-Magá. Porém, a única
finalidade dessa qualificação é a de esconder o nível profissional de alguns elementos e provavelmente
também oferecer uma certa cobertura jurídica, como também mostraremos mais adiante. A noção de
sistema é totalmente equivocada e inadequada para ser mencionada junto à Krav-Magá e não passa
de um uso cínico do nome do criador Imi e do nome do Krav-Magá.
2. Sr. Darren Levin, em um pequeno livro que escreveu, explica de forma bruta que o Krav-Magá não
é uma arte marcial. E essa “declaração” vem de uma pessoa que, de acordo com nossas investigações,
não treinou em Krav-Magá mais do que algumas semanas. Mais surpreendente é o fato de que em
toda EUA, tão famosa por sua cultura de consumo e de defesa do consumidor, não há ninguém para
verificar o que realmente está sendo vendido sob o nome “Krav-Magá”.

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Introdução A História do Krav-Magá

Nestas páginas incluí toda a concepção do fundador da arte no que diz


respeito à sua criação, com a finalidade de compreender o seu interior através dos
olhos de seus principais discípulos e sucessores. Só assim seremos capazes de
perceber a lógica que moldou esta arte e por que é impossível em qualquer hipótese
separar, cortar, mudar ou ferir a integridade do Krav-Magá. Isso nos levará a uma
compreensão mais ampla da arte e consequentemente entenderemos os motivos pelos
quais certas pessoas procuram modificar essa arte para esconder suas limitações
físicas e mentais, atrapalhando assim aqueles que desejam praticá-la e se dedicarem
a ela de forma completa.
Eu não pretendi julgar ou criticar os caminhos que as pessoas escolheram.
Não obstante, acredito que a partir do momento que uma obra de arte foi finalizada,
ninguém tem o direito de danificá-la. Cada um de nós está livre para criar o seu
próprio caminho, mas não possui a liberdade de corromper e destruir o trabalho
alheio no processo.
A minha intenção inicial era elaborar uma análise acadêmica sobre o Krav-
Magá como arte israelense, focando no fato de que esta arte marcial foi criada por
um povo que aparentemente sustenta uma tradição contrária aos princípios básicos
dessa prática. “A cultura da morte” que existe no país de origem das artes marciais
– o Japão, não se encontra na concepção israelense - judaica. Mas esse ponto de
vista também deve ser observado com cuidado, uma vez que de um lado o suicídio
é proibido na religião judaica, mas do outro lado, a morte em nome de Deus (de
Hebraico – Al Kidush Hashem) é considerada um ato de heroísmo, como podemos ver nos
exemplos históricos de Massada e de Sansão, o herói bíblico. Auto-sacrifício é parte
fundamental dos mitos do povo israelense. E ainda assim, a percepção da morte é
diferente da japonesa. Contudo, não é esse o objeto de meu trabalho e o Krav-Magá
não está relacionado a esta discussão.
No entanto, qualquer tentativa de obter resultados satisfatórios baseando-
se somente em pesquisa acadêmica é destinada ao fracasso, uma vez que há muita
pouca literatura (de qualidade) produzida sobre a história ou as origens antropológicas
do Krav-Magá, isto é, não existe nenhuma análise que explique por que o Krav-
Magá foi criado justamente em Israel. O único conhecimento acadêmico útil que
encontramos foi um trabalho sobre o Krav-Magá como arte marcial para defesa
pessoal, publicado com o apoio da Universidade de Jerusalém.
Assim, a matéria incluída neste livro constitui de fato a primeira tentativa
de colocar por escrito a verdadeira história do Krav-Magá, pulando por cima dos
obstáculos acadêmicos desta obra. A pesquisa se concentra nos primeiros quarenta
anos do Krav-Magá (1967 – 2007), que são os mais importantes e decisivos 3*.
Entretanto, com a falta de apoio acadêmico adicional, não podemos fornecer uma
lista bibliográfica completa como é de costume nesse tipo de trabalho e teremos que
nos basear em um número relativamente reduzido de livros e análises profissionais.
Portanto, uma coisa está certa, acima de qualquer dúvida: qualquer investigação
futura que tenha por tema principal o Krav-Magá como a arte marcial israelense
para defesa pessoal, necessariamente se fundamentará nos fatos revelados aqui,
tanto do ponto de vista histórico – antropológico, como do lado social.

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A História do Krav-Magá Introdução

Antes de começar a ler, entender e avaliar os atos aqui descritos devemos


primeiro responder a uma pergunta considerada fundamental para qualquer análise
histórica: é importante para o mundo de hoje um livro sobre a história do Krav-
Magá?
A população mundial é estimada em cerca de sete bilhões de pessoas.
Desse enorme número, somente uma fração muito pequena realmente conhece o
Krav-Magá e, se olharmos quantos praticantes dessa arte marcial de defesa pessoal
realmente existem, dificilmente chegaremos a mais de cinqüenta mil 4* pessoas. Se
nos esforçarmos, incluiremos também os parentes dos praticantes que, sem querer
tornam-se parte da “mania” ao participar em cerimônias de faixas etc.. Então podemos
dizer que o número total de pessoas diretamente envolvidas e interessadas no Krav-
Magá é de aproximadamente duzentos mil. Parece um porcentual insignificante
quando comparado à população mundial, mas para os admiradores e seguidores da
arte, o Krav-Magá constitui um universo completo, quase que uma religião própria.
Este fenômeno, aliás, não é particular do Krav-Magá e podemos encontrá-lo em
todos os estilos de luta.
Para os praticantes de Krav-Magá a história é importante, tanto como o
presente e o futuro. Os três tempos estão fortemente ligados e cultivam a sede dos
alunos de obter o máximo de informação sobre sua arte. É para eles, sem dúvida,
3. Atualmente, depois que o Krav-Magá tornou-se a arte marcial representativa de Israel e goza de
uma crescente popularidade mundo afora, muitos em Israel tentam se aproveitar do sucesso, fama
e dinheiro que acompanham o Krav-Magá. Cada um tenta mostrar e comprovar que foi o próprio
criador do Krav-Magá, ou pelo menos foi seu irmão ou seu pai, ou que é o único aluno do criador.
Há em Israel uma grande controvérsia acerca dos primeiros anos do Sr. Imi, e nós não entraremos
nesta discussão simplesmente por que ela não é relevante para nossa pesquisa e serve somente aos
interesses de algumas pessoas que querem receber a glória por feitos que não são deles. Porém, como
o trabalho é diretamente relacionado à história do Krav-Magá, devemos alguma explicação. O Sr. Imi
chegou em Israel na época da resistência e juntou-se à organização chamada “Hagana”. Depois da
fundação do Estado de Israel e da criação das forças de defesa israelenses (Tzahal), Imi foi nomeado
como o instrutor-chefe de preparação física para combate e de defesa pessoal (ênfase nas palavras
DEFESA PESSOAL), e comandou este departamento durante 18 anos, até se aposentar no ano de
1966. Nos tempos da resistência e nos primeiros anos depois da fundação do exército israelense, os
treinamentos de defesa pessoal e preparação física ganharam vários apelidos, como – Kapap, Krav
Panim El Panim (combate corpo a corpo), Makel Bemakel, (bastão contra bastão) Yadaim Reikot
(mãos vazias) etc. Esses nomes não tinham nenhuma ligação com o Krav-Magá, além do fato que o
Sr. Imi, sendo o instrutor-chefe, foi o único responsável pelas aulas e pela elaboração dos programas
de treinamentos. È importante entender também que naqueles anos a língua Hebraica falada em Israel
ainda não era tão moderna e atualizada como hoje e todos esses nomes antigos que mencionamos não
representam arte marcial alguma, mas somente uma pequena parte do programa geral de preparação
física do exército nos seus primeiros dias. Ao longo do livro tocaremos mais algumas vezes neste
assunto, porém não de forma detalhada por que não é esse nosso objetivo, e, ao nosso ver, esta questão
está resolvida.
4. É bem possível que nos anos anteriores à pesquisa o número de praticantes ao redor do mundo
alcançou sessenta ou setenta mil, mas mesmo este número é considerado bastante modesto se
comparado a outras artes marciais, e isso é apesar da popularidade do Krav-Magá e de sua comprovada
eficácia. Devemos explicar que os cálculos acima mencionados incluem todas as “formas” e “tipos” do
Krav-Magá, isto é, versões “personalizadas” e diferentes do Krav-Magá que Imi criou, adaptadas às
capacidades físicas particulares (e geralmente mais limitadas) de seus “criadores”, como mostraremos
mais adiante. E este é provavelmente o motivo da baixa presença nas aulas de Krav-Magá, as pessoas
sentem que não estão aprendendo o caminho completo e evitam os treinos quando entendem que não
é qualquer um que diz ensinar o Krav-Magá, que realmente o faz.

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Introdução A História do Krav-Magá

que este livro será uma indispensável fonte de conhecimento sobre a fundação do
Krav-Magá e seus primeiros dias naquela pequena e sangrada região no Oriente
Médio – um país chamado Israel.
Existem no mercado diversos volumes sobre o Krav-Magá, porém estes
tratam puramente do lado profissional e não agradariam a quem procura os fatos
históricos. Muito pelo contrário, na maioria dos livros que pesquisamos, os atos
ditos como “fatos” não passam de uma fértil imaginação que tem por finalidade
única glorificar seus autores, apoiando-se geralmente em equívocos intencionais.
Por isso a atual pesquisa é tão imprescindível.
Acessando sites de Krav-Magá na internet é possível encontrar toda a
história do criador da arte – Sr. Imi Lichtenfield, de A a Z. Quase tudo já foi escrito
lá. Mas a forma como o Krav-Magá foi desenvolvido, quem o criou e por que, quem
são os seus sucessores, quem eram os primeiros e mais leais alunos do Imi, não se
encontra. Como podemos confirmar que alguém que se apresenta como o “escolhido”
realmente é? Por exemplo, há o caso de uma pessoa que afirma ser adotado por Imi,
mas na realidade não existe nenhuma prova para tal acontecimento. Ademais, apesar
de todas as minhas procuras e solicitações, não encontrei uma testemunha para
afirmar que o sujeito em questão em algum tempo foi aluno do fundador (veja capítulo
“Documentos & Testemunhos” – Federação Sul Americana).
Este livro acompanha a história da arte não do ponto de vista de seu criador,
mas de um outro aspecto, completamente diferente e inédito: a visão propriamente
profissional, isto é, como conseguiu o Krav-Magá tornar-se uma arte marcial tão
popular e quais são as razões diretas e indiretas deste êxito fenomenal.
Há alguma relação entre o fato de que apesar de ser um país tão pequeno,
Israel mantém um poderio militar desproporcional em relação ao seu tamanho, que
não envergonharia também as grandes potências? Existe alguma ligação entre os
dois mundos – o militar e o do Krav-Magá? Como um afeta o outro? Será que o
Krav-Magá, que deu seus passos iniciais antes da fundação de Israel, realmente
tinha uma influência significante sobre as forças armadas israelenses? O que veio
primeiro? Qual é o segredo do poder israelense, e, consequentemente, o segredo da
força do Krav-Magá e do seu criador?
Este trabalho é inédito, ou seja, pela primeira vez o leitor poderá conhecer a
história completa do Krav-Magá. Qualquer tentativa de realizar uma pesquisa séria
e de credibilidade sobre o Krav-Magá baseando-se em sites da internet, apresenta
um certo problema. As páginas eletrônicas mudam constantemente e o material
nelas escrito aparece e desaparece na velocidade da luz. Não existe nenhum tipo de
fiscalização sobre o que é feito na internet e assim nós dependemos da imaginação
do dono do site, que nem sempre corresponde aos fatos e à realidade, como veremos
mais adiante 5*. Por outro lado, um livro impresso significa uma responsabilidade
dos autores, da editora e da distribuidora perante os leitores. Livro é algo real,
enquanto o mundo virtual, bom, o próprio nome já diz tudo. Vamos examinar aqui
a criação do Krav-Magá e os acontecimentos que o influenciaram de seu início até
os dias de hoje.
5. Acessando o site da “Wikipedia”, por exemplo, encontraremos alguns autores que elaboraram
histórias completamente imaginárias, no que diz respeito ao Krav-Magá, é claro. Este é só um
exemplo entre vários que podemos achar em páginas da internet.

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A História do Krav-Magá Introdução

Analisaremos os diversos sites de Krav-Magá, que muitas vezes são as únicas fontes
de informação disponíveis para quem busca mais conhecimento sobre o assunto.
Veremos que os criadores desses sites escrevem várias coisas, por vezes verdadeiras
e por vezes não são nada mais do que puras alucinações, desligadas de qualquer
realidade histórica ou profissional. E ao ler esses sites, uma pergunta é inevitável:
o que se passava em suas mentes? Que grau de auto-convencimento, ou de exagero
deliberado certas pessoas precisam ter para demonstrar este nível de burrice, que
acaba prejudicando eles mesmos. Desta perspectiva, a atual pesquisa é destinada não
somente àqueles que já estão praticando Krav-Magá e querem descobrir finalmente
a verdade histórica, mas também contribui para a preservação da humanidade toda.
O Krav-Magá como arte marcial para defesa pessoal é inédito e diferente e
seu fundador é, sem dúvida, um dos maiores gênios do século XX. Poucas pessoas
se dedicam à criação de uma nova arte e somente uma fração delas consegue ver a
sua criação se tornando um caminho de vida para centenas de milhares de pessoas,
que treinam e pesquisam cada movimento, dia e noite. É um êxito imenso e talvez
esta seja a chave para entender por que tantas pessoas, com carga emocional tão
forte, se declaram “os herdeiros” do fundador da arte e mudam os rumos da história
para que sirvam a seus próprios interesses.
Personagens como o Criador do Krav-Magá - o Sr. Lichtenfield - devem
ser estudadas, analisadas e compreendidas de forma absoluta, como eles pensam e
agem, o que os move e de onde eles recebem a sua criatividade. Precisamos guardar
e proteger o legado dessas pessoas para o bem das futuras gerações, por que seus
atos e feitos são parte do patrimônio da humanidade.
No final do dia, todos nós queremos ser melhores, avançar com nossas vidas.
A invenção da tipografia e, consequentemente, a expansão do acesso à informação
foram um grande passo em direção à modernidade. Hoje em dia, qualquer um pode
ir à livraria mais próxima e adquirir em preço acessível todo tipo de conhecimento
que lhe interessa. Este é o grande poder dos livros e também da atual pesquisa. A
necessidade do homem de escrever a sua historiografia sempre existiu, desde que o
homem aprendeu a desenhar nas paredes das cavernas, há milhares de anos atrás, e
muito antes da letra escrita e do papel serem inventados. Se não soubéssemos a nossa
história, não poderíamos chegar onde estamos hoje, nenhuma religião sobreviveria.
Fenômenos astronômicos e meteorológicos que foram observados gerações atrás,
ajudam os cientistas contemporâneos a estabelecer regras, uma vez que eles seguem
os diferentes ciclos da natureza que foram documentados ao longo dos anos.
Por outro lado, em qualquer episódio histórico importante, sempre
encontramos pessoas que tentam conduzir a narração dos eventos para cobrir seus
próprios pecados e ações. Como o Krav-Magá é uma invenção Azul-Branco 6*,
“fabricado” em Israel, fruto da “cabeça judaica”, então talvez o melhor caso seria
os negadores do Holocausto, apesar da magnitude deste exemplo e especialmente
quando estamos debatendo um assunto de menor importância (comparadamente) como o
6. Azul–Branco – as cores da bandeira israelense. Uma grande empresa israelense de alimentos se
divulgou nestas cores e lançou nos anos 90 uma campanha com o slogan: “Israelenses – comprem
Azul-Branco!”, ou seja – comprem produtos israelenses.

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Introdução A História do Krav-Magá

Krav-Magá. Mas um fato é eterno: alterar e apagar partes da história é um ato


criminal, embora muitas vezes passe impune. Fraude é um crime e enganar o público
propositalmente também é.
Todas as descobertas e interpretações que aparecem na pesquisa são baseadas
em matérias escritas que foram publicadas por e em nome de seus articulistas,
enquanto a verdade histórica do Krav-Magá refere-se a ela mesma, isto é, considera-
se exclusivamente a sequência exata e válida dos acontecimentos e aprecia-se apenas
a percepção puramente historiográfica e profissional. Os documentos e testemunhos
que analisei e que são expostos a todos, examinei somente do ponto de vista
histórico, ou seja, verifiquei se realmente o evento em questão aconteceu ou se algum
documento que me foi apresentado (por exemplo: diversas publicações parciais, citações
diretas de sites relacionados ao trabalho, correspondências eletrônicas com diversas organizações
e pessoas ligadas a Krav-Magá e à pesquisa e que comprovem a sua coerência e autenticidade) - é
legítimo, ou, como aconteceu em muitos casos, não passa de uma invenção da pessoa
que o publicou. Quando obtive fatos concretos e indiscutíveis, os publiquei ao pé da
letra e, em algumas ocasiões excepcionais, quando historicamente relacionadas ao
aspecto profissional do Krav-Magá, tornei os esclarecimentos mais explícitos para
facilitar ao leitor o seu entendimento.
Os primeiros dez alunos do fundador Imi, que fizeram uma contribuição
indispensável para a criação do Krav-Magá, eram também essenciais para esta
pesquisa e sem a ajuda que eles me ofereceram eu nunca poderia ter terminado o
meu trabalho. Não há dúvida alguma que sem eles, o Krav-Magá não viria a ser o
que é hoje, estes dez pioneiros merecem o mesmo respeito e reconhecimento dado
ao Imi. Porém, como veremos no capítulo “depoimentos e documentos”, a tendência
geral é ocultar a existência deste grupo para que fique mais fácil “re-escrever”
novas versões da história do Krav-Magá. Portanto, considerei só a informação
que correspondia à realidade correta do caminho da arte e outros documentos que
apresentaram elementos “suspeitos” eu simplesmente ignorei, para não complicar a
leitura de forma desnecessária.
Infelizmente devo dizer que a maioria das “organizações” de Krav-Magá
que funcionam sob uma variedade de nomes e designações (que geralmente são
deslocados de qualquer realidade histórica) não estavam dispostas a cooperar com minha
pesquisa. Os poucos comentários que consegui arrancar recebi de formas indiretas.
Os “líderes” dessas organizações resolveram abusar do seu direito de calar e
especialmente aqueles que foram mencionados neste livro. O Sr. Darren Levin, dos
Estados Unidos, por exemplo, teve o trabalho de nos escrever que ele não comenta
“perguntas políticas”.
Uma exceção a essa regra foi o Sr. Yaron Lichtenstien, que disponibilizou a
meu favor todos os arquivos históricos e profissionais que estavam em sua posse, como
rascunhos escritos pelo próprio Imi, cartas que ele recebeu do Imi, tanto pessoais
como profissionais, que contêm explicações detalhadas - escritas com a famosa
letra de mão do Imi, de como aplicar diferentes defesas, ataques e técnicas. Foram
disponibilizados também fotos, artigos, reportagens e jornais que documentaram
o seu caminho com Imi e todos seus alunos desde 1967. Quero enfatizar que essas

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A História do Krav-Magá Introdução

contribuições não direcionaram a pesquisa para um lado ou outro, mas muito pelo
contrário.
Vamos examinar, por exemplo, o mundo da ciência! O ilustre cientista,
também um filho do povo judaico – Albert Einstein, escreveu e publicou suas
pesquisas ao longo da vida dele. O mundo científico analisou, aprovou e aceitou.
Depois de seu falecimento, nenhum cientista ousaria mudar seu caminho, ou roubar
sua glória. Só que na área científica existe o ônus da prova, que é justamente a
função desta pesquisa. No Krav-Magá as coisas funcionam de forma diferente e
infelizmente também as pessoas não são as mesmas. O campo da ciência não está
limpo das cobiças e ambições do homem – ego, poder, controle, fama, reputação,
status, dinheiro etc.. De acordo com o código das artes marciais, os cientistas, por
definição, não são “homens de honra”. Os praticantes das artes marciais deveriam
representar o caminho absoluto do amor-próprio, o espírito do Budo e do Bushido.
Todavia, é pena que no Krav-Magá este exemplo não se repita.
Existe uma quantidade quase infinita de material didático sobre como um
artista marcial precisa se apresentar, quais são as regras corretas de comportamento
e honra. Livros como Hagakure de Yamamoto Tsunetomo, o livro de cinco anéis
do Musashi, A arte cavalheiresca do arqueiro zen de Eugen Herrigel, entre outros,
constituem uma fonte formidável de conhecimento sobre as leis de conduta que são
exigidas de professores de artes marciais, tanto no comportamento do dia-dia como
no Tatami, quando o professor estabelece o mais alto padrão de exemplo para seus
seguidores.
Minhas buscas me levaram às distantes terras da burrice, talvez até ao lugar
de nascimento do absurdo em si. Para melhor explicar esta última frase, sugiro que
façam uma simples e rápida investigação vocês mesmos. Tudo que necessitam é de
um computador com acesso a internet. Já no primeiro olhar, nós nos encontramos
numa situação embaraçosa e confusa. Depois da morte do Imi, naturalmente
vários herdeiros do “seu caminho” se ergueram, mas, de forma enigmática e
arrogante, esses sucessores se orgulham justamente por terem mudado de algum
modo a criação original do fundador. Não conseguimos achar sequer um que tenha
como lema principal as suas qualidades físicas, sua perfeita técnica de chutes, sua
habilidade com as mãos ou qualquer outra ênfase profissional, estes simplesmente
não existem. Os característicos qualitativos que acompanham as artes marciais não
são do interesse daqueles “sucessores” que veem no legado do fundador nada mais
do que uma forma de aumentar o seu próprio prestígio.
Agora, um pensamento nos deixa curiosos: se eles alteraram o caminho
original do Krav-Magá, por que ainda ficam se vangloriando disso? E segundo, no
momento em que eles começaram o processo de transformação, eles não são mais
“herdeiros”, mas criadores e desenvolvedores de uma nova trajetória, sendo esta
melhor ou pior. E mais, por que eles empregam o nome do fundador 7* e do Krav-
Magá num sistema que eles mesmos inventaram? Como o exemplo de um rapaz
alemão que fundou um novo método e o denominou de “Krav-Magá Alex”... Só que
ele nunca viajou para Israel, jamais aprendeu com algum professor qualificado de
Krav-Magá e não há nenhuma semelhança entre as suas técnicas e o Krav-Magá do
Imi. Ele simplesmente abusa de um nome popular e acrescenta seu nome como o
criador de um novo caminho, e, ao fazer isso, ele engana o público e seus alunos que

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Introdução A História do Krav-Magá

acreditam estar praticando Krav-Magá. Mas ele não é o único que lucra com o nome
do Krav-Magá. Eis uma lista incompleta de alguns outros “sistemas” que surgiram
ultimamente:
Krav-Magá Internacional?
Associação de Krav-Magá israelense?
Krav-Magá Kapap?
Krav-Magá Maor?
Krav-Magá Americano?
Krav-Magá Commando?
Krav-Magá Militar?
Krav-Magá Aikikai?
Krav-Magá Operacional?
Krav-Magá Tático?
E esta lista é só o início - com certeza existem outros nomes que minha
pesquisa não encontrou. Mas como podemos distinguir qual desses nomes é o
correto? Quais são os instrumentos que um leigo, à procura de um lugar para treinar,
tem para saber a verdade? As respostas estão entalhadas nas páginas desta pesquisa.
Não é o suficiente anular um nome em favor do outro. Em primeiro lugar, temos
que conhecer o Krav-Magá de forma íntima e profunda e, em seguida, seremos
capazes de julgar por nossos próprios olhos, de separar o joio do trigo. Em cada
bairro, cidade ou país acharemos outra variação do Krav-Magá, de acordo com o
grau de imaginação dos instrutores locais. A pesquisa tentará elucidar as razões
desse fenômeno.
Entrevistei os primeiros e mais veteranos alunos do fundador Imi. Eles
somam um grupo de dez pessoas e são os únicos que tiveram o privilégio de
receber a faixa preta e graduações maiores do Sr. Lichtenfield. Suas histórias foram
essenciais para desvendar os primeiros passos do Krav-Magá. O objetivo do livro é
7. Todos conhecem bem o passado do Imi. Será? Por algum motivo, ninguém nunca investigou o
passado pessoal do Imi, que constitui a base para a criação do Krav-Magá. Vamos pegar, por exemplo,
o caso do presidente de uma organização chamada IKMA, que afirma ter incluído dentro do Krav-
Magá técnicas de “wrestling”.
Imi iniciou seu caminho como pugilista. Essa modalidade combinava bem com sua forma física
e com sua agilidade e flexibilidade natural. Mas, naqueles dias, Imi sonhava em participar na
“Maccabia” – que era um tipo de “olimpíada” destinada a jovens judeus do mundo inteiro. A primeira
Maccabia ocorreu em Israel, no ano de 1932, depois que o Décimo Segundo Congresso Sionista,
realizado em Agosto de 1921, na cidade de Carlsbad, na antiga Tchecoslováquia, decidiu unir todas
as organizações esportivas judaicas sob uma bandeira e fundou a “Histadrut Olamit Maccabi”, ou de
forma abreviada – Maccabi. Os jogos da Macabbia aconteceram a cada 4 anos em Israel. Contudo,
o pugilismo não foi um dos esportes incluídos nessas competições e por isso Imi começou a praticar
luta greco-romana e tornou-se lutador desta modalidade. Porém, depois de conversar com alguns
de seus amigos e conhecidos próximos, uma coisa fica clara: Imi nunca gostou da prática do Greco-
Romano, na qual homens com mínima roupa ficam se abraçando com outros homens... Mesmo que
ele nunca tivesse se expressado abertamente contra esse esporte, vários “comentários” dele sobre o
assunto foram registrados ao longo dos anos. Por isso, também ele nunca criou ou incluiu esse tipo de
técnica no Krav-Magá e nós dizemos isso de forma simples e clara. Esse modo de se gabar em coisas
que não tem nada a ver com o caminho do Imi é característico para alguns israelenses. Daí vem a
grande importância da nossa pesquisa, que permitirá ao leitor entender o caminho do Imi e a lógica
que o guiou em sua criação.

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A História do Krav-Magá Introdução

conservar ambas as histórias do Krav-Magá: a teórica e a prática, para que


as próximas gerações saibam e conheçam os fatos reais atrás daquela pessoa
maravilhosa e excepcional que criou o caminho do Krav-Magá. Quando comecei
a escrever a obra, fui guiado pela crença de que ninguém tem o direito de distorcer
os rumos da história. Portanto, não coloquei no livro nenhuma técnica e truques
profissionais do Krav-Magá ou de outras artes marciais, mas somente a pura narração
dos acontecimentos, do legado de um povo e da arte que surgiu dele, nada mais do
que uma tentativa de expor a verdade.
Estruturamos a pesquisa como uma série de artigos, sendo que cada um
deles dará ao leitor uma resposta e compreensão a respeito do Krav-Magá e do seu
fundador. De forma mais abstrata, eu diria que cada artigo é uma chave para uma
porta no longo e complexo labirinto das organizações do Krav-Magá, sendo que
a chave para a última porta abre e exibe todas as distorções do início ao fim. Mas
é necessário primeiro ler e entender todo o material para que, no final, tenhamos
uma imagem completa e abrangente sobre a criação do Krav-Magá. Não é suficiente
saber a verdade, precisamos também de uma linha lógica de pensamento que nos
orientará até o nosso objetivo: o conhecimento de que há um outro Krav-Magá,
verdadeiro, diferente, de extraordinária qualidade, e isso só será possível entender
quando, em nossas mentes, juntarmos todos os artigos para uma sólida unidade.
A obrigação de mostrar provas me colocou várias vezes em situações
embaraçosas, como, por exemplo, mencionar o fato de que o próprio fundador Imi
cometeu diferentes erros ao longo dos anos, alguns menores e sem importância,
outros mais influentes. E talvez o maior erro de todos e sua grande desvantagem
como o criador do Krav-Magá, fosse não deixar quase nenhum material escrito que
testemunhe o seu desejo e suas reflexões, tirando os dois primeiros livros do Krav-
Magá, que foram escritos e editados em cooperação com o Sr. Yaron Lichtenstein.
Mas é preciso entender o status e a função do fundador dentro da sociedade do
Krav-Magá. Ele era o eixo central e em volta dele os outros circulavam, portanto,
qualquer erro cometido por ele, menor que seja, imediatamente recebeu dimensões
desproporcionais. Assim sendo, não há escape de uma análise profunda para
descobrir o que foi feito por ingenuidade e que ações de terceiros foram feitas com
más-intenções e não passaram de intrigas políticas que tinham como objetivo único
prejudicar o velho criador e garantir a “sucessão”. Outro ponto, que pode ser visto
com seriedade, ou não: o fundador nasceu no dia 26 de Maio, seu signo era de
Gêmeos. Para quem acredita na astrologia, isso pareceria óbvio e para os céticos
não significaria nada, mas ainda é difícil ignorar os padrões de comportamento do
fundador que são tão característicos para esses signatários. Abandonar um a favor
do outro e depois abandonar o novo a favor de um terceiro, fazendo ao mesmo
tempo promessas para o quarto e no final se juntar ao quinto, que na verdade era o
primeiro. Quem sabe não foi essa incontrolável força que impediu o criador de unir
todo o Krav-Magá sob um teto só. Mas, talvez na sua percepção ou do ponto de vista
da sabedoria do Zen, ou da antiga sabedoria judaica, seu caminho teve êxito, apesar
de tudo e foram os céus que ditaram a direção desta pesquisa.
A verdade é uma e qualquer alteração ou divisão que sofrer
significará que ela não existe mais. E esse é o caminho do krav-maga.

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A História do Krav-Magá Gênesis

GÊNESIS
O nascimento – parabéns!
Ser humano significa querer melhorar o tempo todo

Meu pai era um grande sionista e um patriota maior ainda, como o tamanho
do seu coração.
Diferente do que se espera, a história do meu nascimento não é simples. Eu
não nasci no processo normal que inclui primeiro a fase do embrião e depois o ato
de nascer, pois foi uma gravidez longa e difícil, que não contava com a participação
de uma mãe. Todo o trabalho de parto e os primeiros anos da minha infância eram
da responsabilidade do meu pai. Tudo isso não significa que não sou um ser humano,
mas somente que a forma como vim para este mundo era, por assim dizer, diferente.
A época: os anos antes da fundação do Estado de Israel. Meu pai chegou em
Israel depois de ter completado seu serviço no exército Britânico, onde lutou contra
os nazistas. Quando chegou ao país, foi enviado para o “Campo Dora”, localizado nas
proximidades da cidade de Natanya, que mais tarde seria a sua cidade permanente
de residência.
Natanya daqueles dias ainda não era uma cidade turística, cheia de hotéis
extravagantes e cafés elegantes lotados de viajantes como é hoje, apesar da constante
ameaça do terrorismo. A “cidade” não era nada mais do que algumas dezenas de
casas localizadas ao lado da praia e cercadas por infinito mar de dunas de areia
branca e brilhante. No lado sul da cidade estava sendo construído um novo bairro –
“Dora”, destinado aos imigrantes judeus que estavam chegando de todas as partes
do mundo em sua fuga dos horrores da Segunda Guerra Mundial. Ao lado do bairro
estabeleceu-se também uma base militar, que ganhou o mesmo apelido. Só anos
depois, quando a Universidade de esporte – “Wingate” foi criada, mudou-se também
a base militar para dentro das instalações da Universidade, sendo que a praia serviu
como o seu limite traseiro. E sempre quando eu olhava os soldados correndo,
treinando e suando ali, não podia deixar de pensar que a proximidade da praia deve
ser um dos horrores do severo treinamento militar – tão perto, porém tão longe,
uma vez que a entrada dos soldados na água foi proibida e exigia uma autorização
especial. A situação piora durante os quentes verões, quando é possível ver a sua
imagem no vapor que sobe das águas ardentes do mediterrâneo, sem esquecer que
os israelenses apreciam bastante um bom dia na praia.
E foi lá em “Dora” que tomei minhas primeiras respirações e o processo do
meu nascimento começou 1*. Os meus primeiros anos estão densamente ofuscados na
1. A tentativa de atribuir ao Krav-Magá um aspecto militar e apresentá-lo como uma “profissão
militar” constitui uma ofensa direta contra o Krav-Magá como arte marcial israelense única e contra
o nome e a reputação do fundador da arte, Sr. Imi Lichtenfield. Como veremos ao longo do livro, essa
alegação não tem nenhuma base histórica ou factual. Dois anos após a morte do criador, surgiu em
Israel uma organização chamada IKMF, que tinha como lema principal transformar o Krav-Magá
para que ficasse mais “adequado” aos seus objetivos financeiros. Muitos identificaram as vantagens
comerciais do aspecto militar quando relacionado às artes marciais, e principalmente ao Krav-Magá.
Mas a verdade é que não há nenhuma ligação entre o exército e o Krav-Magá ou outras artes marciais,
além do fato de que algumas delas são ensinadas e utilizadas pelas forças armadas.

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Gênesis A História do Krav-Magá

minha memória e na verdade as lembranças da minha infância baseiam-se


exclusivamente em histórias que escutei e que consegui juntar para completar, na
medida do possível, o quebra-cabeça da minha vida. Meu pai não era um grande
contador de histórias e nunca gostou de falar muito. A seu ver, sua criação já dizia
tudo e sua modéstia sempre vinha em primeiro lugar. Mas as pessoas próximas a ele
sempre o fizeram inúmeras perguntas sobre o assunto, e assim fui capaz de montar
a imagem da minha juventude que, na verdade, por insultuoso que seja, não tem
uma ligação direta para mim, mas somente para meu pai e seu caminho de vida.
Conhecer a história pessoal do meu pai significa entender as origens da criação que
levou, no final, ao meu nascimento.
As memórias mais claras dizem respeito ao desenvolvimento físico, isto
é, de como adquirir a postura certa; os primeiros passos; como andar sobre as
bolas do pé como se fosse um leão ou onça selvagem; desenvolver e manter o certo
equilíbrio; se mover de forma correta; o uso das mãos; em que movimento fica a
força verdadeira e como aplicar este movimento para aproveitar toda a sua energia e
potência; coordenação entre os movimentos das mãos e das pernas durante defesas e
ataques, tanto em situações de avanço como de recuo; o funcionamento de cada uma
das nove direções de movimento; por que chutar assim e não de modo diferente; o
que é permitido e o que é proibido fazer; métodos de concentrar o controle sobre os
nervos para direcionar de forma exata os movimentos corporais e ao mesmo tempo
combinar a força e a velocidade; como desenvolver reação rápida; quais movimentos
melhoram a coordenação física; e como eu, sendo uma entidade própria, poderia
dar segurança e autoconfiança para aqueles que usam minhas habilidades em seus
movimentos.
Todas estas características foram moldadas dentro de mim. O conhecimento
fenomenal que meu pai teve sobre o sistema dos músculos e seu funcionamento no
corpo humano é o motivo para da minha excepcional capacidade de movimento.
Memórias distantes e vagas.
E é justamente hoje, quando meu domínio sobre todas minhas características
é tão completo, que questiono e realito tão profundamente sobre minha identidade
sexual, não do aspecto da reprodução, mas como devo pensar, reagir, me apresentar
e quais são minhas capacidades físicas e mentais. Onde, se é que existem, ficam
meus limites naturais? Fui educado de forma não limitada, que tinha como objetivo
a criação de uma identidade e capacidade igual para os dois sexos. Meu sexo 2*,
portanto, é irreconhecível. De um lado meus movimentos são suaves, lisos, carinhosos
e fluem com uma sensualidade feminina, clara, como dançarina de Samba. No
outro sentido, minha aparência externa é puramente masculina, machista. Poder
físico espantoso, que reflete um vigor determinante, de enorme e incompreensível
potência; em questão de segundos pode virar uma máquina mortífera tão perfeita
que até meu pai ficou assustado com minhas capacidades.

2. Tanto nas tradicionais artes marciais japonesas como nas diferentes versões do Kung-Fu Chinês,
existem técnicas inteiras dedicadas e executadas somente por mulheres e, geralmente, em confrontos
com guerreiros homens, foram as mulheres que levaram vantagem. Essa é a origem do dilema do
fundador nos primeiros dias do Krav-Magá, a respeito do tipo de arte que seria – “suave” ou “dura”.

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A História do Krav-Magá Gênesis

Seria impossível realizar qualquer experimento para estimar ou medir as


minhas competências. Não porque tais instrumentos não existam, mas simplesmente
porque esta avaliação não é executável. Minha força, minha competência mental,
meus poderes e minha autoridade vão muito além da restringida divisão de sexos,
apesar de que ao longo dos anos houve tentativas de me proporcionar uma aparência
mais feminina, porém essas também fracassaram. Naquela época, era de costume
em algumas artes marciais que mulheres, a partir da faixa amarela, colocassem uma
linha branca no meio da faixa, para simbolizar a sua feminilidade. No começo, meu
pai tentou introduzir essa ideia, mas depois admitiu que não era adequado. Ele teve
boas intenções, mas a concepção inicial era completamente equivocada.
A maior dificuldade do meu pai foi a falta de domínio da língua hebraica.
Se não fosse por isso, com certeza entenderia que o primeiro nome dado a mim, no
início do caminho, tinha fortes tonalidades femininas, pelo menos em Hebraico. As
palavras e o termo “Defesa Pessoal” (do Hebraico: “Hagana Atzmit”), são substantivos
femininos na língua hebraica e de lá vem essa sombra feminina, que de certo modo
ainda existe em mim até hoje.
Meu pai contou que recebeu suas primeiras ideias de seu próprio pai, que fez
os primeiros passos na busca do caminho certo. Ele sempre guardava uma foto com
seu pai da época de sua infância na Europa. Meu pai dizia que esta foto sempre estava
no bolso esquerdo da camisa do pai dele, e ela também estava lá quando os nazistas
atiraram nele, portanto a foto está agora toda furada de balas e foi assim que eu a vi
pela primeira vez. Uma foto em preto e branco, de uma época em que essas eram as
únicas cores que gravaram a congelada eternidade no papel fotográfico. Qualquer
um que visitasse o quarto do meu pai poderia ver a foto que estava encostada contra
a prateleira e ficava bem visível. Meu pai, numa mistura de emoções entre a dor da
perda, as saudades, o orgulho e o amor eterno de um filho, contava freqüentemente
a história da foto.
O espírito do meu pai era firme e potente como aço, às vezes parecia que
seu corpo, apesar de ser musculoso e forte além do normal para boxeadores de peso
pesado, não conseguia conter uma alma tão poderosa, que nenhum homem poderia
resistir a ela. Ele é parte de uma espécie de pessoas que levaram a humanidade para
frente ao longo da história. Pessoas que encararam o perigo e a morte e sorrindo
diziam a eles: “vamos ver, tentem seu melhor golpe!”.
Me tornar uma coisa real e eficaz virou quase uma obsessão para meu pai.
Ele ficava dias e noites planejando e construindo diversas técnicas complexas e,
imediatamente depois, correu para o campo de treinamentos comigo em sua mente,
e examinou e provou os novos exercícios junto com os melhores soldados das
unidades de elite.
Naqueles dias a situação de Israel, que ainda não se estabeleceu completamente
como um Estado formado, foi uma das mais difíceis. Poucos guerreiros, com
armamento arcaico e muitas vezes inútil, ministrando uma desesperada guerra
pela sua independência contra centenas de milhares de soldados bem equipados de
diversos países árabes. Nos raros casos em que os soldados israelenses obtiveram
armas de fogo, a escassez de munição era tão grave que não foi possível realizar
treinamentos regulares de tiro. Assim meu pai criou uma técnica que lhe deu

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Gênesis A História do Krav-Magá

orgulho até seu último dia, embora já no momento da sua criação esta técnica já
estava obsoleta, isto é, o uso do fuzil como lança, espada ou se for necessário até
como bastão. Essas técnicas receberam do meu pai o nome de “Defesas Contra fuzil
com Baioneta” (Do Hebraico: Haganot Neged Rove Mekudan). Qualquer análise cuidadosa
dos treinos militares ao longo da história bélica, desde a invenção do fuzil e da
baioneta, que dava letalidade máxima também em distância mínima, achará que
nenhum exército nunca realizou um treinamento tão intensivo e organizado com
técnicas de ataque e defesa de fuzil com baioneta. As aulas se concentraram tanto
em casos em que os dois oponentes estão armados com baionetas, como em casos
que o soldado precisa se defender com mãos vazias contra ataque de baioneta. As
técnicas que meu pai criou foram inéditas na história das guerras, mas ironicamente
naquela mesma época, os exércitos começaram a usar armas mais curtas e mais
rápidas e, portanto desapareceu a imagem do fuzil com a baioneta ligada a ele, a
não ser em eventos oficiais, onde os fuzis com a baioneta têm um uso puramente
cerimonial. Sem dúvida que muitos dos velhos guerreiros devem sua vida àquelas
técnicas que meu pai criou.
O país e o seu povo são guiados por um espírito quase religioso, por uma
crença na nossa capacidade de vencer. É um espírito que há seis mil anos está
invencível, imbatível e que nunca se desespera, sejam quais forem os obstáculos.
Foi este espírito que fundou o Estado de Israel como o conhecemos hoje e que com
sua inspiração eu fui criado e respirei pela primeira vez. Esse espírito é meu leite
materno e suas gotas fluem ao longo de cada um de meus movimentos corporais e os
tornam entidades próprias e independentes. Ignorar este espírito significa não saber
nada sobre mim. Ali, naquele lugar onde a esperança venceu a atrocidade, eu cresci
e me desenvolvi.
Os treinos com meu pai eram bastante diversos e muitas vezes treinamos no
mesmo dia várias técnicas completamente diferentes uma da outra. Experimentamos
e provamos tudo para poder separar o correto do errado, o necessário do dispensável,
sabendo que qualquer falha, por menor que seja, significa risco para vida humana,
vida humana tão cara, especialmente para meu pai que passou pelos horrores dos
Nazistas.
Mas não se enganem, meu pai não era pacifista de forma alguma; ele
simplesmente queria que eu fosse um pouco mais suave e delicado e não servir
somente como uma arma altamente letal. Existem algumas técnicas que depois de
perceber como elas são terrivelmente eficazes em tirar a vida de uma pessoa, ele
se arrependeu e começou a temer que talvez não devesse criá-las, apesar do fato
que as pessoas que aprenderam com ele naquela época, não tinham nenhuma arma
disponível além de suas pernas e mãos. Portanto, quando começou a ensinar fora das
forças armadas, muitas dessas técnicas foram reveladas somente para dois de seus
alunos, Eli Avikzar e Yaron, e também deles ele exigiu não divulgar estes exercícios,
mas arquivá-los em algum lugar bem profundo em suas mentes. Para meu pai, vida
humana era o valor supremo. Eu me recordo bem que uma vez, numa discussão
que quase fugiu do controle, alguns oficiais do exército me apelidaram de “arte de
matar”, e meu pai imediatamente respondeu: “Como podem usar o termo arte de
matar, será que para vocês matar pessoas é uma arte? Uma pessoa que é morta vira
um afresco eterno em algum museu?”.

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A História do Krav-Magá Gênesis

Ele fundiu em mim as palavras que sempre ensinou para seus alunos, até que
parecia uma lavagem cerebral: “Sejam bons o suficiente para não precisar matar”.
Através desta expressão ele explicou a potência e a capacidade que eu guardo, e
também demonstrou a diferença intelectual entre nós e o resto. Meu pai afastou-se
daqueles que ensinaram a bater mais forte, “quebrar os ossos”, matar e eliminar
o oponente, ficar maiores, mais “bombados”. Meu pai enxergou a fraqueza dessas
pessoas. Do seu jeito, com uma brandura quase “feminina” ele neutralizou cada um
que chegou à sua academia para ver com seus próprios olhos. Cooperando comigo,
meu pai sabia concentrar toda sua força num ponto pequeno só e no lugar onde o
oponente menos esperava e assim nocauteá-lo antes que ele tivesse a chance de
aplicar seu ataque. O medo, assim explicou meu pai, paralisa a inteligência e eu era
o instrumento que ele criou para superar e dominar essa emoção negativa.
Para a fervente mistura dos primeiros anos da minha criação, meu pai
adicionou também sua vasta experiência como pugilista de peso pesado e lutador
Greco – Romana da mesma categoria e, em algumas técnicas ele também incluiu
movimentos típicos da época em que ele era trapezista no circo, apesar do fato de
que sempre quis trabalhar ali com arremesso de facas. Meu pai era, sem dúvida, um
perito nesta área. Quando segurava uma faca, parecia que ela tinha vida própria. Em
suas mãos as facas ganharam forma de seres vivos e eram muito mais do que um
simples pedaço de metal afiado. Eu estava presente nas aulas de arremesso de faca,
quando ensinou e treinou seus dois alunos mais graduados – Eli Avikzar e Yaron 3*
e compartilhou com eles os segredos e as técnicas de arremesso de faca. Meu pai era
capaz de segurar três facas em seus fortes dedos e jogar as três simultaneamente,
acertando todas de forma incrível dentro de um círculo do tamanho de um filtro de
cigarro, que ele sempre desenhava no alvo usando somente a marca “Dunhill”, apesar
de que nunca fumou. As suas explicações e instruções eram claras de tal forma
que depois de muito pouco tempo os dois discípulos demonstraram capacidades
impressionantes de usar, arremessar e mirar a faca. Este é um dos capítulos mais
importantes da minha história como arte marcial para defesa pessoal. Todo este vasto
conhecimento sobre o uso da faca fez parte da minha criação e levou à invenção de
defesas inéditas e nunca antes vistas contra ataques com faca. Esses dois alunos
foram abertamente aperfeiçoados pelo meu pai, que passou para eles muitas técnicas
e ensinamentos secretos, os quais foram lecionados somente para eles e não para
nenhum outro aluno.

3. Os nomes do Eli e Yaron se repetem ao longo do livro todo. É impossível ignorar alguns fatos
relacionados aos dois, que desde o início Imi os marcou como seus sucessores. Provas conclusivas
quanto a esta afirmação podem ser encontradas em vários artigos da pesquisa. Contudo, ninguém tem
um programa para a vida. Eli lançou-se em seu próprio caminho e, infelizmente, sofreu uma grave
doença e faleceu há alguns anos atrás. Eu já escutei alguém dizendo que: “como ele era o primeiro
aluno do Imi enquanto viveu, ele será de novo o pioneiro da seleção eterna que Imi formou no céu”...
Com relação ao Yaron, a última fortaleza do Krav-Magá, ele sim recebeu do criador a função e a
responsabilidade da sucessão, e ele luta para preservar o caminho original do Imi.
É difícil estimar a quantidade de técnicas e conhecimento que O fundador passou para os dois. Apesar
da colaboração que recebi na pesquisa por parte do Yaron, quando tocamos em assuntos profissionais
ele se recusou a revelar o que foi passado do Imi para ele, alegando que esse tipo de conhecimento só
é ensinado ao aluno pelo professor de forma pessoal.

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Gênesis A História do Krav-Magá

Paralelamente ao mundo do pugilismo, ao Greco-romano e a acrobacia,


ele era também professor numa das mais conceituadas escolas de Valsa na cidade
Austríaca de Viena, que era “a capital da Europa” naquela época. Realmente, quem
observar com cuidado poderá perceber os movimentos suaves e as diferentes técnicas
de conduzir o oponente que foram baseadas nesta área. Tão suaves e delicados, mas
ao mesmo tempo duros e mortais. Os nomes de algumas técnicas do Krav-Magá
são até parecidos com os nomes de alguns movimentos da dança clássica. Não é
surpresa então que alguns anos mais tarde, ao alcançar a minha maturidade artística
e profissional, eu tenho me tornado uma arte marcial tão perfeita!!!
No início meu pai tentou, através de mim, ensinar os soldados a agir e usar
as suas habilidades somente quando estivessem em perigo, mas os jovens guerreiros
tinham outras ideias em mente e começaram a empregar parte dos movimentos
que aprenderam também em operações de combate. Eles tornaram-se excelentes
“soldados das sombras” utilizando as técnicas que meu pai desenvolveu para
eliminações silenciosas, seja com mãos vazias, com faca, corda, bastão etc.. Meu
pai nunca concordou com esses atos, mas entendeu que às vezes, na guerra, é preciso
matar, e é melhor fazer isso da forma mais rápida e eficaz possível. Portanto, também
resolveu criar técnicas de eliminação para situações especiais de terrorismo e reféns.
A minha força foi aumentando com cada movimento e exercício que meu
pai ensinou e a minha presença como um ser vivo em si cresceu – ganhei cada
vez mais massa e mais vitalidade. A minha consciência também se fortaleceu.
Absorvi grandes quantidades de energia de alguns alunos altamente talentosos
que chegaram a aprender com meu pai, e que tinham elevado grau de agudeza,
além disso, entenderam rapidamente as explicações do meu pai e seus corpos
alcançaram movimentos perfeitos. Estes seletos alunos viraram meus arquétipos e
seus movimentos estão para sempre gravados nas mais profundas celas da minha
memória - exatamente como cada mínimo movimento deve ser feito, como e onde
parar a perna que chuta para que fique reta, mas não travada, e o mesmo com o
cotovelo. Dos soldados guerreiros que estiveram no campo de batalha por muito
tempo, eu aprendi como desenvolver a visão periférica, ver tudo sem mexer meus
olhos, nem para esquerda e nem para direita.
A lista dos exercícios que podem ser aprendidos pelas próximas gerações
não acaba por aqui. O talento e a genialidade do meu pai possibilitaram me desenhar
de um modo singular. Em suas buscas pelo real significado da defesa pessoal,
ele encontrou e visitou lugares que nenhum homem tinha achado. Sua crença e
inteligência o levaram a compreensão de que é a mais severa rigorosidade, com os
mínimos detalhes (aqueles que parecem não ter a menor importância) que fará a diferença
entre sucesso ou fracasso.
O grande salto para meu pai e eu veio quando a base mudou de
“Dora” para instituto Wingate. Naqueles dias o exército israelense já havia se
organizado e se institucionalizado. Naquele quartel, meu pai aceitou a missão de
começar e qualificar não somente alguns soldados que participavam em missões
especiais, mas realizar cursos periódicos para o exército inteiro, para que todos

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A História do Krav-Magá Gênesis

pudessem aprender e treinar. É claro que esta nova situação foi um tanto desafiadora
para mim e meu pai.
Um dia, um pouco depois do meu “Bar-Mitzva” (Do hebraico – o aniversário
de Treze anos) meu pai decidiu me dar um nome válido e oficial. Um nome, pensou
ele, ajudaria os soldados a entender melhor seus ensinamentos. Algumas tentativas
passadas, como Kapap (luta cara a cara), Makel Neged Makel (bastão contra Bastão),
Neshek Neged Neshek (arma contra arma) e outras não deram certo porque não me
descreveram de forma adequada. Mas finalmente meu pai pronunciou as palavras
e o nome que revolucionariam o mundo: “Hagana Atzmit”: Defesa Pessoal. Este
nome me acompanhou durante alguns anos até que, no final da década de sessenta,
meu pai entendeu que também esse nome não corresponde mais à realidade e no dia
dezesseis de Agosto de 1970 ele estabeleceu o meu nome eterno, que sempre existiu
e sempre existirá:
KRAV-MAGÁ - OMANUT HALERRIMA HAISSRAELIT
LEHAGANA ATZMIT (KRAV-MAGÁ – A Arte Marcial Israelense para Defesa
Pessoal).
Aqui começa a minha vida!
Quando construímos uma casa, precisamos primeiro erguer firmes e fortes
pilares que irão apoiar e segurar a estrutura toda. Da mesma forma meu pai estabeleceu
regras e leis e só depois deu conteúdo para cada uma delas separadamente, sendo
que todas as regras juntas criam um ente completo – eu – o Krav-Magá, a arte
marcial israelense para defesa pessoal. O melhor caminho no mundo para defesa
pessoal, o mais curto e, portanto, também o mais eficaz. Não há um outro nome para
esta criação, e apenas uma compreensão teórica e prática incondicional das regras
possibilitará entender a magnitude do Krav-Magá.
Cada uma das regras tem um único significado e elas não estão sujeitas à
interpretações e plágios, como é de costume no Krav-Magá.
As regras estabelecidas pelo meu pai são:
1. Menor caminho, máxima velocidade, máximo peso em direção ao oponente.
2. Que nada seja estranho para nosso corpo.
3. Sejam suaves.
4. A força dos golpes e chutes no Krav-Magá fica no caminho de volta.
5. Nunca dê as costas para o inimigo.
6. A determinação de entrar.
7. Faça o que puder, mas faça certo.
8. Krav-Magá é ensinado em Hebraico, exatamente como Judô é ensinado em
Japonês, no idioma original da arte.
9. Sejam bons o suficiente para não precisar matar.
10. Vá para e junto com o inimigo.
11. Use a força do oponente contra ele mesmo.
12. Aprendam a “ler” o oponente.
13. Defesa específica contra ataque específico.
14. Sempre manter distância de um passo do inimigo.
15. A mediocridade é o inimigo número um do Krav-Magá e da humanidade toda.

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Gênesis A História do Krav-Magá

Meu pai não considerou a última afirmação como uma das regras, mas
sempre a mencionou quando explicava a lista das regras, como se quisesse dizer:
“Se mantermos as regras, evitaremos a mediocridade”.
Quase cada uma das regras ganhou um capítulo próprio, que explica
detalhadamente, usando exemplos práticos, a intenção do meu pai quando criou
a arte. O objetivo é trazer para você, leitor, todas as informações de como eu – o
Krav-Magá, fui criado e desenvolvido, para que todos possam tirar suas próprias
conclusões e serem os juízes e os carrascos. Esta pesquisa pretende ser um meio
informativo direcionado ao consumidor, uma vez que tem como finalidade ajudá-lo
primeiro a decidir quem está ensinando a arte de acordo com o caminho do meu
pai e quem está plagiando para ganhar dinheiro fácil e alimentar seu ego; segundo,
entender quais foram os reais acontecimentos históricos do Krav-Magá.
As regras acima mencionadas são os nossos instrumentos. O marceneiro
tem seu martelo, prego etc., e sem eles não poderia trabalhar. A mesma coisa com
quem ensina o Krav-Magá: quem não segue os princípios não está praticando Krav-
Magá, ponto final, e estou deliberadamente ignorando todos os “novos” Krav-Magá
que foram inventados por aí. A pesquisa se concentra em todos os charlatões que
se dedicam a re-escrever a história, tanto a teórica como a prática, usando o nome
do Krav-Magá e o nome do meu pai, Imi Lichtenfield, como se ele fosse parte da
elaborada teia de alterações que eles fizeram e que nunca foram o caminho dele.
O livro foi escrito de um modo diferente daquele normalmente empregado
para este tipo de livros ou pesquisas e o motivo é simples: o nosso assunto é
“explosivo” e com certeza causará grandes impactos. Portanto, decidimos adotar um
estilo mais leve, acompanhado com um pouco de humor e ironia, mas não se deixem
enganar: a pesquisa e suas intenções são muito sérias, como veremos mais adiante.
Leiam, aprendam e pesquisem as regras do Krav-Magá e da defesa pessoal
na forma que elas aparecem nos diversos artigos. Procurem ao longo da pesquisa, e
também fora dela, o significado completo, escondido em cada uma dessas regras de
aço. Dediquem-se à busca, especialmente durante os treinos teóricos e práticos do
Krav-Magá, mas também quando treinarem outras artes marciais. Só então vocês
poderão entender a genialidade do meu pai ao criar a arte. A importância não fica
somente no entendimento profissional ou na compreensão do caminho do meu pai
como o fundador e o criador, mas também em manter esta tradição e a forma original
das coisas, e não deixar acontecer o que ocorre em muitas artes marciais, quando
a poeira histórica faz a nossa consciência esquecer o processo autêntico de criação.
A Capoeira brasileira, por exemplo, tem suas raízes em cerca de trezentos
anos atrás. Porém, hoje em dia, de todos os milhões de pessoas que a praticam,
somente poucas, que não são necessariamente praticantes (antropólogos, folcloristas
etc.), sabem como chegou ao Brasil e conhecem o processo de desenvolvimento pelo
qual passou, e agora lendas ocupam o vazio espaço factual. Esta é a finalidade da
minha biografia como ela aparece aqui: evitar que aquela poeira histórica esconda a
exata e verdadeira narrativa da minha criação.

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A História do Krav-Magá

O Aniversário de Setenta Anos do Meu Pai, 26.05.1980

Quando meu pai completou setenta anos de idade, o jornal “Maariv” – o


segundo maior em Israel, publicou uma reportagem detalhada sobre o trabalho e a
vida dele – tanto na área do krav-maga, como sobre a imensa contribuição que fez
para o Estado de Israel. O desenho mostra a imagem do meu pai através dos olhos do
artista húngaro-israelense, o Sr. Zeev Farkash, que faleceu alguns anos atrás.
O desenho abre uma janela através da qual poderíamos conhecer meu pai
de um ângulo um pouco diferente. Meu pai era parte da comunidade de imigrantes
judeus que vieram da Hungria para Israel e contribuíram imensamente para a
diversificação da cultura do novo país, a terra de seus ancestrais. Sem a contribuição
da comunidade húngara, Israel sem dúvida não seria o mesmo país que é hoje, e uma
pesquisa tão curta simplesmente não seria o bastante para descrever a importância
destes imigrantes do leste europeu.
Parece que os judeus nascidos na Hungria possuem algum dom, talvez seja
algo que respiraram ou beberam na sua terra natal. Vejam o talento demonstrado no
desenho do meu pai feito pelo Sr. Zeev Farkash, também de origem húngara. Aliás,
todos os desenhos do querido Sr. Farkash capturam de forma perfeita a experiência
israelense, e isso apesar de não ter nascido e crescido em Israel. O maior de todos
os descendentes húngaros, no entanto, era provavelmente o dramaturgo, roteirista
e autor o Sr. Efraim Kishon, cujas obras foram traduzidas para inúmeras línguas
ao redor do mundo e mudaram para sempre a forma que o teatro e o cinema são
percebidos em Israel. E claro que não podemos deixar de mencionar meu pai.
Pedimos desculpa a todos aqueles que por causa da falta de espaço não
podíamos citá-los. Nosso único objetivo era mostrar o fato que meu pai fazia parte
de um grupo de elite de artistas israelenses com raízes na Hungria, cuja contribuição
para a formação cultural israelense a tornou famosa no mundo inteiro. Dorit, a
filha do Sr. Zeev Farkash fundou um museu em sua memória. O Sr. Efraim Kishon
ganhou inúmeros prêmios e homenagens por seu magnífico trabalho. E somente meu
pai, que centenas de milhares de pessoas em todo o mundo consagram seu nome e
querem aprender seu caminho e sua arte marcial, viu lá do céu sua criação sendo
completamente distorcida e castrada depois de sua morte. Meu pai, como artista
e criador, integra aquele grupo de pessoas com inteligência acima da média. São
artistas que afastam-se da mediocridade como se fosse fogo infernal. Caso contrário,
não chegariam a onde estão.
Só resta agradecer ao Deus que criou e nos deu aqueles únicos indivíduos,
para iluminar e clarificar nossas vidas e nossos olhos.
Agradecemos a Sra. Dorit Farkash Shuki pela autorização de usar este
desenho de Imi, tirado do museu que ela fundou para a memória do pai dela.

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A História do Krav-Magá

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A História do Krav-Magá A Associação

A Associação
A maior parte dos amigos mais próximos do meu pai, especialmente os
colegas profissionais, fez parte do mundo do Judô. Ele sentiu uma certa admiração
pelas pessoas que construíram a associação israelense de Judô. Era claro para ele
que uma organização deste porte não pode existir sem uma dose de política interna,
mas escolheu ignorar isso, por entender o curso natural das coisas. A sua atenção e
entusiasmo se concentraram nos membros daquela organização, como por exemplo,
o Sr. Amos Grinspan, com quem gostava de conversar em Alemão durante horas
para recordar um pouco os anos de sua infância na Europa. Outro amigo era o Gadi
Skornik, um homem extraordinariamente forte, em corpo e espírito, um verdadeiro
homem de honra; e outro famoso judoca Yosef Lev 1*, que desde criança sofreu de uma
paralisia em ambas as pernas por causa do vírus da Pólio, um fato que não o impediu
de alcançar a faixa preta no Judô e ainda desenvolver um sistema excepcional para
ensinar aos cegos as técnicas desta arte Japonesa. Yosef Lev também ajudou vários
instrutores jovens de Krav-Magá a encontrar um lugar para começar a dar aulas.
Meu pai e seus amigos fizeram parte de uma geração de Titãs, que
construíram do zero o Estado de Israel e jamais alguém poderá superar estes feitos.
E ele, que era uma pessoa bem conhecida e de autoridade inquestionável, foi sempre
muito bem vindo e aceito de forma calorosa em qualquer lugar, como se fosse um
parente próximo. Com sua honestidade, integridade e seu intransigente caminho,
nunca ofendeu ninguém e nunca usaria uma frase como: “sim, você está certo,
mas o caminho do Krav-Magá é melhor”. Este estilo de se expressar simplesmente
não era de seu costume. O seu modo paternal e ingênuo de concordar com quem
conversava, sempre sorrindo elegantemente, fazia com que o outro lado rapidamente
não acreditasse mais em suas próprias palavras. Os escritórios da associação de Judô
eram como uma segunda casa para ele, e não passou um dia sem que ele pensasse
no seu maior sonho, que era fundar uma organização parecida para cuidar de seu
bebê, o Krav-Magá. Mas as pessoas que meu pai conhecia do Judô já estavam com
as suas carreiras em curso e sabiam exatamente para onde a vida os levaria. No
judô, é importante lembrar, existem leis e regras claras e cada detalhe ou assunto
menor é tratado por essas regras, enquanto no Krav-Magá, naquela época, existia
só meu pai. As pessoas escutaram e fizeram tudo que meu pai pediu, seguindo seus
sentimentos de respeito e admiração infinita por ele, mas para criar uma organização
de tal porte, é preciso mais do que isso. Só a inspiração não é o suficiente. Meu pai
foi inspirado por seus amigos e colegas, homens virtuosos como ele. Para o judoca,
o judô é seu caminho de vida e de forma igual o Krav-Magá era o caminho do
meu pai. Infelizmente ele nunca enxergava inteiramente a realidade israelense, onde
conversas sobre honra temos de sobra, mas encontrar homens honrosos já é uma
outra história e em Israel há muitos campeões em falar.

1. Yosef Lev, Os princípios do Judô, 1972, página 12. O livro foi publicado em Israel e somente no
Hebraico. No livro, o Sr. Lev afirma que Imi é o fundador do Krav-Magá e adiciona também o fato de
que por breve período de tempo o Krav-Magá fez parte da associação de Judô em Israel.

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A Associação A História do Krav-Magá

Com a ajuda e apoio dos amigos, foram publicadas reportagens históricas


nos jornais “Jerusalém Post” e na revista americana “People Magazine”, no dia
10 de Junho de 1977 2*. Essas eram matérias grandes, acompanhadas de fotos que
mostraram e explicaram detalhadamente o trabalho do meu pai no desenvolvimento
do Krav-Magá como a arte marcial israelense para defesa pessoal e também os
princípios da defesa pessoal. As reportagens causaram um grande impacto positivo
no mundo inteiro e conseqüentemente diferentes pessoas de vários lugares entraram
em contato com meu pai. Entre elas destacou-se um rapaz norte-americano, o Sr.
Darren Levin, que viajou dos Estados Unidos para Israel, unicamente para aprender
o Krav-Magá e depois ensiná-lo e divulgá-lo nos EUA e fundar uma filial ali, que
nos anos seguintes ganhou o nome de “Krav-Magá Worldwide”. O jovem americano
foi mais longe ainda e ofereceu ao meu pai uma quantia considerável de dinheiro em
troca da faixa preta, quantia que poderia fazer realizar o antigo sonho do meu pai
de fundar uma associação, incluindo alugar um pequeno escritório e contratar uma
secretária para formar uma sede que ministraria o Krav-Magá.
Os alunos do meu pai começaram a dar aulas independentemente e ganharam
cada vez mais alunos e fizeram uma contribuição histórica para o desenvolvimento
do Krav-Magá. Diariamente as turmas de Krav-Magá no país todo cresceram
ilimitadamente. Meu pai não era mais jovem e ele queria ver tudo sendo organizado
enquanto ainda tinha força e vigor, afinal de contas, ele sofria um pouco também da
famosa obsessão alemã pela ordem. Ele juntou todos seus alunos veteranos para uma
reunião especial, sabendo que eles poderiam se sentir ofendidos com tal decisão.
Mas as respostas que recebeu lhe causaram mais confusão ainda. Unanimemente
os alunos expressaram seu total apoio para o velho professor e sua confiança nas
decisões dele e acrescentaram que o rapaz americano mora do outro lado do oceano,
ou seja, o que o olho não vê o coração não sente... E de qualquer forma ninguém
daria muita atenção para uma pessoa que compra sua faixa preta por dinheiro depois
de algumas poucas semanas de treinamento, um pensamento que acabou sendo um
dos maiores erros na história do Krav-Magá. Ficou claro que uma oportunidade
como esta de conseguir uma quantia tão grande de dinheiro e tão rapidamente
poderia não se repetir.
Enquanto estava deliberando na sua cabeça sobre a oferta, meu pai marcou
com dois de seus discípulos que treinariam junto com o americano durante as duas
semanas que ele planejava ficar na cidade de Natanya. Outros instrutores não estavam
disponíveis na ocasião. Eu queria trazer a versão de um dos alunos escolhidos, o Sr.
Eli Avikzar, mas infelizmente ele faleceu antes que eu tivesse a chance. No site do
Eli, de qualquer forma, achei algumas datas incorretas, mas são detalhes mínimos
e não muito importantes. Quanto aos outros equívocos que encontrei no site dele,
acredito que foram intencionais, objetivando proteger a honra e reputação do meu

2. veja documento número 23, página 46. Fotos da reportagem.

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A História do Krav-Magá A Associação

pai. Tentei também várias vezes marcar uma entrevista esclarecedora com o Sr.
Darren Levin, ter uma conversa franca e direta com ele, mas o único comentário que
recebi foi: “Nós não respondemos perguntas políticas...” 3*.
Depois de quase ter desistido, consegui convencer o Yaron, que era o segundo
aluno ordenado por Imi a ensinar ao Sr. Levin, a dividir comigo algumas de suas
recordações sobre os eventos em questão: “veja” disse ele, “eu lembro o rapaz, mas
mais do que isso lembro como tudo acabou. Ele chegou um dia para a aula e falou
que tem faixa preta em Caratê, não sei, talvez a comprou como fez com sua faixa
do Imi. Eu e Eli Avikzar trabalhamos um pouco com ele, mas não parecia que o
rapaz possuía algum conhecimento em artes marciais. Eli Avikzar pensou rápido e,
aproveitando o fato de que ele era o mais graduado, inventou algum “compromisso
importante” e me deixou sozinho com o Americano... Dei para ele meia hora de aula
sobre golpe, e ele pareceu que iria desmaiar, e naquele momento acabaram as duas
semanas de treinamento...”.
No final, meu pai deu para o Sr. Darren Levin a faixa preta depois daquelas
duas semanas. Em fotos posteriores, podemos ver o Sr. Darren, já usando a faixa
preta, ficando ao lado do Yaron e outros alunos do meu pai e do Eli. Um aspecto
interessante dessas fotos é o fato que o Eli não aparece nelas – ele fez o papel do
fotógrafo em todas elas. É importante entender isso do ponto de vista adequado.
Eli foi aluno do meu pai durante muitos anos e não seria um exagero dizer que Eli
considerou meu pai como seu próprio pai também e logo adotou muitos de seus
costumes. Um deles era ficar sempre aborrecido com aqueles que queriam tirar
foto junto com ele para ter uma “lembrança”. Naquela altura meu pai já entendia
que muitos abusavam de sua generosidade e o usavam para servir a interesses
particulares, e, portanto, tirava a sua faixa preta e aparecia na foto sem ela 4*.
Às vezes chegou até a tirar toda a parte superior do Kimono, protestando assim
e demonstrando sua insatisfação de forma pacífica. Poucos estavam cientes disso,
mas uma observação mais cautelosa de outras fotos do meu pai, inclusive uma com
o Sr. Darren Levin, mostra que ele sempre está sem sua faixa. Alguns de seus alunos
mais próximos conheceram este costume do meu pai, que explicou para eles seus
motivos e por que só assim apareceria em fotos com eles. Em certo ponto, meu pai
simplesmente resolveu não “contribuir” mais nas fotos. È bem provável que este
também seja o motivo do sumiço do Eli das fotos daquela época. Sem dúvida que as
ações do meu pai o deixaram profundamente agonizado e ofendido - vender a faixa
preta por dinheiro, que o Eli mesmo esperou por ela por quase dez anos.

3. Tentei inúmeras vezes arranjar uma entrevista com o diretor do “Krav-Magá Worldwide” para
receber respostas conclusivas sobre o assunto, mas ele não quis cooperar. O pouco material que
consegui foi obtido de outras formas.
Atualmente o Sr. Darren Levin não leciona mais por motivos diversos, e ele nomeou outros
“sucessores”.
4. Veja foto do meu pai junto com o Sr. Darren Levin, documento número 27, página 48.

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A Associação A História do Krav-Magá

No dia 22 de Outubro de 1978, meu pai finalmente conseguiu fundar a


organização que tanto queria e a chamou de “associação de Krav-Magá” 5*, com
sede na Rua Smilansky 10, na cidade de Natanya. A lei israelense vigente sobre
associações tinha suas raízes históricas da época da ocupação otomana de Israel,
que acabou por volta do ano 1917. Portanto, as associações em Israel chamavam-
se oficialmente de “associações otomanas” (do Hebraico: “Aguda Otomanit”). Mas, no
ano de 1980, o congresso israelense modificou a lei e todas as associações foram
obrigadas a encerrar suas atividades. Em seguida, eram restauradas com novo nome,
agora apenas como “associação” (do Hebraico: “Amuta”). A mudança era pequena,
mas os nomes ficaram mais atualizados e mais adequados ao Hebraico moderno.
Contudo, essas alterações geraram muitos problemas em várias associações. As
diversas organizações esportivas, que naturalmente competiram entre si o tempo
todo, tentaram roubar uma o nome da outra, nas diversas modalidades. O mesmo
aconteceu no Krav-Magá.
Desde o primeiro momento a associação não funcionava como meu pai
tinha imaginado ao observar a associação de Judô. Mas temos que entender que
esta situação ocorreu em grande parte por causa do comportamento do meu pai,
que era uma pessoa aberta, que acreditava genuinamente na bondade e na boa
natureza do homem em geral e mais ainda quando se tratava de seus alunos. Este foi
o motivo pelo qual ele não pensou em criar um sistema que o colocaria como o único
responsável pelas graduações de faixas, realização de eventos etc., e rapidamente ele
perdeu todos os meios de controle sobre a organização. Aliás, ele corrigiu este erro
alguns anos mais tarde, quando determinou que somente a BUKAN e seu diretor-
chefe Yaron estariam autorizados a outorgar graus.
Cada faixa preta da primeira geração dos alunos do meu pai queria ter
alguma função influente na associação, uma vez que todos se achavam merecidos
desta honra, depois de ter provado a sua contribuição para o Krav-Magá, cada um
individualmente e todos coletivamente. E assim, muitos que não receberam os cargos
que esperavam, ficaram ofendidos e ultrajados. Para piorar, foi nomeado como
diretor da associação uma pessoa sem nenhuma qualificação ou conhecimento em
Krav-Magá. Depois de preencher a vaga da secretária, meu pai começou a procurar
conteúdos que dariam à associação o reconhecimento formal que merecia como o
centro ideológico do Krav-Magá. “Amigos” e colegas que viram a oportunidade de
fazer um lucro, imediatamente saíram à caçada, como ratos que surgem de seus
buracos ao cheirar o queijo. No final, quem foi nomeado como o primeiro diretor
da associação pelo meu pai foi um coronel que ele conhecia da época de seu serviço
militar, porém não se enganem, apesar de sua divisa, este coronel nunca serviu numa
unidade de combate, mas somente em funções administrativas, então isso realmente
não conta... De qualquer forma, o coronel conseguiu convencer meu pai de que se

5. Veja os carimbos oficiais da associação ao longo dos anos (página 37). Como podemos observar o
nome original foi “A associação de Krav-Magá”. Mais tarde foi fundada a “Associação de Krav-Magá
Israelense” (refere-se às palavras em Hebraico).

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A História do Krav-Magá A Associação

1978 1983

Depois de 1990

ganhasse a função de diretor ele poderia atrair bastantes pessoas das forças armadas
para as aulas de Krav-Magá; no entanto ele nunca conseguiu fazer isso, muito pelo
contrário.
Meu pai, que não conhecia o “esporte” israelense de “arranjar” empregos
e que confiava nas pessoas erradas, foi iludido e traído. Ele nomeou esse “coronel”
como diretor da associação e até lhe cedeu salário e cobriu suas despesas, só que
a história não acaba por aqui. Os alunos faixas pretas do meu pai que não foram
enganados por aquele diretor, esforçaram–se até o limite para ignorar a sua
existência. Mas ele insistiu, e apareceu até nos treinos semanais de Sábado para
mostrar sua presença e começou a agir como se fosse o vice do meu pai, corrigindo
e dando instruções profissionais para os alunos, que só por causa do respeito que
sentiam por meu pai não deram uma boa tapa na cara do diretor. As reclamações
que meu pai recebeu sobre o comportamento dele foram aumentando a cada dia e
em retrospectiva parece-nos que todas as ações do diretor foram cuidadosamente
planejadas. De um lado, ele justificou seu cargo frente ao meu pai, e do outro lado
continuou desafiando e atrapalhando os alunos faixas pretas. Assim ele conseguiu
convencer meu pai de que a sua função de diretor não tinha nenhum conteúdo
prático e que ele deveria receber também uma graduação profissional no Krav-
Magá, no mínimo a faixa preta para se igualar aos outros alunos. Depois do treino
semanal de Sábado, meu pai informou aos alunos da sua decisão quanto ao diretor,
e todos os alunos, liderados especialmente pelo Eli e Yaron, contestaram fortemente
a posição do meu pai e se opinavam contra ela, destacando que os atos passados do
diretor davam péssimos sinais para o futuro. Mas nada adiantou – a afiada língua do
diretor já havia feito a cabeça do meu pai e, como um dos alunos disse, naquele triste
Sábado: “Esse é o primeiro prego no caixão da associação”.

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A Associação A História do Krav-Magá

Depois de algum tempo meu pai resolveu realizar um curso para graduar
as faixas pretas com Dan 2 e 3, e anunciou e prometeu que o melhor aluno, no final
do curso, ganharia o grau de Dan 4. O curso teve duração de um ano, com treinos
todo sábado no Instituto Wingate, que apoiou formalmente as atividades. Entre os
alunos faixas pretas que participaram estavam também Haim Zut, Eli e Yaron. No
final do curso Eli recebeu Dan 5, Yaron, que atingiu as maiores notas, ganhou Dan
4 e outros receberam Dan 2 e 3 6*. O mesmo diretor que ainda ocupava o cargo
exigiu agora do meu pai uma nova graduação, mais “representativa”, explicando
que agora ele era “só” faixa preta, enquanto os outros já haviam avançado e ele
se sentia inferior em relação a eles, e que não era de sua honra ficar como faixa
preta. O fato é que ele nunca treinou e nem participou no curso de graduação de
Dans e não aparece também na foto oficial do final do curso. Infelizmente meu pai
escolheu mais uma vez não dar ouvidos aos seus alunos e resolveu proporcionar ao
“diretor” o grau de sexto Dan. No sábado seguinte, foi realizado um treino para as
faixas pretas na academia do Eli, que ficava em “Bet-Borocov”, no bairro Shapira,
na cidade de Natanya, e este diretor apareceu na aula carregando a faixa vermelha –
branca. Neste ponto muitos alunos entenderam que algo de ruim estava acontecendo
para a sua arte querida. Foi esse evento que convenceu o Eli, de uma vez por todas,
a romper com o caminho do Imi e seguir outros rumos. O diretor, que não tem
nenhum conhecimento profissional no Krav-Magá, possui até hoje o grau de sexto
Dan. Anos depois, quando a tecnologia avançou e o Eli construiu um site virtual,
ele ignorou todo esse episódio, talvez por seu respeito pelo meu pai e talvez porque
até seu último dia sentiu uma grande dor por tudo que aconteceu, e é uma pena.
Sem dúvida que se o Eli escrevesse suas recordações faria uma grande contribuição
para que a história do Krav-Magá fosse conhecida por todos e para que os feitos dos
“matadores de carpas” 7* fossem revelados.
Meu pai viu no fato de não dominar fluentemente a língua hebraica um de
seus maiores obstáculos e não compreendeu que seu charme era justamente a sua
educação européia, tão remota dos rudes israelenses. Talvez por isso acreditasse
com facilidade em todos os impostores que abusaram de sua ingenuidade e bondade.

6. Mais um fato histórico relativo a este período e que não podemos ignorar: naquela época, o Sr.
Darren Levin viajou para Israel por um período de seis semanas. O motivo da viajem era treinar com
o Sr. Eyal Yanilov, para que ele pudesse avançar nas faixas. Naquele curso para graduação de Dan,
o Sr. Darren Levin não participou, nem como praticante e nem como espectador ou visitante. No
computador do Instituto Wingate também não há registro dele como participante no curso. Contudo,
no último dia do curso ele apareceu e podemos vê-lo na foto que está na primeira página do capítulo
“Graduações no Krav-Magá”, ficando em pé entre Yaron Lichtenstein e Haim Gideon.
7. Guefiltê-fich é uma comida tradicional dos judeus de Descendência européia que se come na sexta
feira à noite. E como matamos a carpa para preparar a Guefiltê-fich? É necessário bater fortemente
com bastão na cabeça do peixe e depois “afundá-lo” na água para ver se está vivo ou morto, depois
batemos nele de novo de qualquer forma. Meu pai sempre contava essa piada no final da década de
sessenta. No exército israelense levaram essa piada à sério e chamaram isso depois de “confirmação
de morte”.

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A História do Krav-Magá A Associação

Até hoje não se sabe o que levou meu pai no final a tirar aquele diretor de
sua função, uma vez que as coisas acabaram numa conversa particular entre os
dois. Embora seja difícil saber a verdade exata, é mais fácil adivinhar e assim foi
aberto o caminho para a nomeação de um novo diretor com poderes mais limitados.
Agora meu pai já havia aprendido a lição, e até desenvolveu um método para se
livrar daqueles que o perturbavam, pechinchando por uma faixa. Ele nunca mais
outorgou graduações para pessoas que não conhecia pessoalmente e só depois de ter
certeza quanto ao nível profissional deles. De fato, ele parou de ceder faixas pretas
ou graduações mais altas. Na última vez que aprovou alguém para faixa preta, a
associação dele já estava praticamente desmontada, e depois disso só outorgou mais
uma graduação – a de nono Dan. Na nova associação, fundada após 1983, a função
dele não passou de um “carimbo oficial”. Um exemplo que talvez explique melhor a
situação na qual estava meu pai, é o caso de um rapaz israelense que morava no Brasil
e um dia apareceu na porta do meu pai, acompanhado por seus pais, para convencer
meu pai de que ele merecia o grau de sexto Dan em Krav-Magá. Eu escutei uma
conversa telefônica do meu pai com um de seus discípulos mais próximos que por
acaso conhecia também o rapaz do Brasil e meu pai contava sobre o que ocorreu:
“E aí”, perguntou o discípulo do outro lado da linha, “você deu para ele a
graduação ou não?”
“Olhe”, disse meu pai, com sua forma diplomática de se expressar, “falei
para ele que ele está morando no Brasil nos últimos 10 anos, desde 1986, ninguém
sabe o que exatamente ele está fazendo ali, comigo ele nunca treinou, tirando uma
vez quando tinha 3 anos de idade e deixei ele brincar no meu tatami em Tel-Aviv,
então graduação não posso dar para ele, mas já que ele faz o que quer mesmo, para
que precisa da minha aprovação?”
O que o rapaz do Brasil não sabia é que para meu pai já havia chegado o
boato que ele está impedindo uma nação de quase duzentos milhões de pessoas
de praticar livremente o Krav-Magá, depois de seguir o péssimo exemplo do Sr.
Darren Levin dos EUA, que registrou o Krav-Magá como marca registrada. Apesar
de não demonstrar suas emoções, meu pai estava furioso com isso. O mesmo rapaz
brasileiro, aliás, publicou um livreto no qual ele se declara membro de um grupo
secreto de treze pessoas treinadas pelo meu pai, além de ser um decorado soldado
no exército israelense (na verdade, o exército não o aceitou por que ele sofre de uma alergia
perigosa). Se não bastasse tudo isso, o rapaz também afirma ter milhões de alunos em
Israel (veja documento número 24, página 278). Será?
No início, a maior parte dos alunos do meu pai não entendeu a importância de
ter uma associação organizada e registrada, com documentos oficiais e instituições
internas como comitê de graduação, comitê profissional etc.. Todos viram o Krav-
Magá crescendo cada dia mais com a ajuda dos dez primeiros alunos do meu pai,
que levaram o Krav-Magá para todos os cantos do país, atraindo mais alunos e
abrindo mais lugares para treinar. Já no ano de 1971, meu pai realizou o primeiro
curso para formação de instrutores de Krav-Magá para os dez primeiros alunos, com
a participação e apoio do Instituto Wingate. Portanto, a afirmação que Krav-Magá é

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do meu pai foi certa, e se meu pai quiser se aposentar, assim todos disseram, então
ele colocará um sucessor que seria a autoridade máxima até a próxima alteração.
A verdade é que todos (menos uma pessoa...8*) aceitaram o Eli como o sucessor
natural do meu pai. Mas o problema era que a organização interna da associação
não seguiu uma lógica institucional firme, e a distribuição dos cargos parecia mais
como um jogo de azar. Por exemplo, meu pai não se colocou no comando do comitê
profissional 9*, criando assim um espaço para amargas discussões, que no final
sempre acabaram sendo resolvidas por ele mesmo, e isso na prática deixou o comitê
sem “dentes de verdade”. Um elemento agravante da situação foi que a pessoa que
chefiou o comitê profissional nunca demonstrou uma capacidade física de qualidade
e, sobre uma parte das técnicas, como chutes e socos, não tinha domínio nenhum.
Os membros do Comitê de graduação não tiveram êxito maior e não conseguiram
impedir a inapropriada concessão de graus e faixas. Os alunos da geração mais
nova, que estavam na faixa verde ou azul, se esforçaram também para pegar “um
pedaço do bolo”, por menor que fosse, e a organização derrubou-se antes mesmo de
se erguer.
Para Eli, ficou obvio que, com tanta política suja em jogo, ele não iria ganhar
a sucessão do meu pai, daí iniciou-se em seu próprio caminho. Yaron, apesar de não
lançar-se numa nova arte marcial, decidiu se afastar das intrigas e das “novelas”
que envolviam naquele momento todos os membros da associação. Diariamente foi
nomeado um outro “chefe”, todos com fala mansa e postura de executivos, mas com
zero conhecimento sobre meu pai e seus ensinamentos. Para Yaron, o impulso final
para sair da associação veio quando descobriu que houve uma tentativa de enganá-
lo e roubar seu grau de quarto Dan, grau este que ganhou depois de terminar o
curso no Instituto Wingate, como o melhor aluno, com a maior nota. A pessoa da
associação que foi indicada pelo meu pai para avisar Yaron sobre a cerimônia de
faixas, que iria acontecer num Sábado na ”cantina do Albert”, no Instituto Wingate,
não cumpriu sua obrigação. Somente às duas horas da madrugada daquele Sábado,
algumas horas antes da cerimônia, meu pai conseguiu entrar em contato com
Yaron, que estava naqueles dias fazendo seu dever anual, servindo como reservista
do exército israelense na fronteira com a Jordânia, e o ordenou a ir receber sua

8. O nome completo está guardado em nossos registros, porém por motivos diversos não podemos
publicá-lo. Mas não temos dúvida de que um olho afiado reconhecerá rapidamente a pessoa em
questão.
9. O comitê profissional foi ideia de um dos alunos que também acabou chefiando o órgão (decidimos
não divulgar seu nome). Entretanto, o assunto todo terminou como uma piada mal contada. Não é
possível ter um comitê deste tipo no Krav-Magá – meu pai me criou e não ninguém além dele. Ademais,
meu pai fez o Krav-Magá como uma só unidade, inseparável e intocável. Porém, os fundadores
da associação se basearam no modelo da associação de Judô, na qual realmente existe um comitê
profissional, embora este comitê não tenha autorização para mudar, tirar ou acrescentar técnicas.
Essa informação é importante também para compreender outros artigos da pesquisa. Na realidade, a
ideia toda não passava de um jogo político. Também o comitê de graus não outorgou nenhuma faixa,
uma vez que naquele tempo meu pai já havia autorizado Eli Avikzar, Yaron Lichtenstein e Haim Zut
a qualificar alunos e ninguém deu para seus alunos o trabalho de Viajar até a cidade de Natanya para
receber a faixa.

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graduação. Não esqueçam que naquela época ninguém nem imaginava ainda a
invenção dos telefones celulares e fazer contato com soldados na fronteira não era
uma missão simples. Meu pai provavelmente percebeu em algum momento que as
coisas não estavam ocorrendo como deveriam e que alguém estava tramando algo
desonesto e decidiu interferir. Apesar do fracasso da trama, o fato é que a pessoa
responsável continuou na mesma função na associação, irritando Yaron, que decidiu
que sua honra não o permitia permanecer naquela organização. O mesmo tramador
foi também quem deu o último empurrão para a saída do Eli Avikzar. Yaron e Eli
tentaram iluminar os olhos do meu pai, mas sem êxito. Entretanto, olhando para o
passado, percebe-se que meu pai sabia melhor que todos sobre o ocorrido na sua
associação, mas sua tão forte e profunda fé na sua capacidade de mudar as pessoas
ao seu redor o fez acreditar que, no final, daria tudo certo. Sempre dizia: “Nem Roma
e nem Israel foram construídos num dia, e também as pessoas precisam de tempo
para mudar”. Ele estava errado.
A fundação da associação era um avanço muito importante tanto para meu
pai como para sua arte. Uma vez tornando o Krav-Magá uma instituição oficial, ele
poderia virar uma arte marcial representativa, como é de costume nas outras
modalidades de esporte. Meu pai conseguiu incluir o Krav-Magá como parte integral
no programa didático geral do curso de formação de professores e treinadores do
Instituto Wingate. Yaron foi o primeiro a ser eleito para ministrar as aulas de Krav-
Magá naquele prestigiado curso de formação de professores e treinadores, no ano
de 1977. Paralelamente a isso, meu pai conseguiu uma vaga para um de seus alunos
no mais conceituado curso do Instituto Wingate – o programa de formação de
treinadores sênior, considerado um dos melhores cursos em Israel na área esportiva
e de educação física. A participação dos alunos do meu pai naquele curso era
imperativa para a futura oficialização do Krav-Magá. A primeira vaga foi preenchida
pelo Yaron, que já tinha vasta experiência no instituto como parte do corpo docente
e depois da excelente atuação dele no programa outros ingressaram no curso. As
aulas no programa foram estreitamente teóricas e o Instituto Wingate deixou o
lado prático nas mãos do meu pai, confiando como sempre na sua integridade e
autoridade profissional.
A quantia inicial que meu pai recebeu do Sr. Darren Levin foi dedicada
completamente para a fundação e para o funcionamento regular da associação.
Entretanto, esse dinheiro se esgotou em passo acelerado com custos como salários,
aluguel, a criação e impressão da logomarca do Krav-Magá (um assunto que até
hoje é motivo de sangrentas brigas), o registro de vários certificados e documentos
etc.. Rapidamente ficou claro que as intrigas políticas internas estão afetando
negativamente a associação e estão colocando em questão a sua própria existência.
Os únicos que trabalharam efetivamente como instrutores naquela época foram
Haim Zut, Eli e Yaron. Contudo, o Eli já estava se dedicando ao desenvolvimento
de seu caminho e de suas ideias e não registrava mais alunos na associação do meu
pai. Yaron, que tinha o maior número de alunos em Israel sob sua supervisão na

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“BUKAN” 10*, na cidade de Rehovot, não formou uma opinião sólida ainda e não
tomava lados na briga. Assim, somente o Haim Zut registrava alunos na associação,
mas o baixo número de inscrições e as matrículas anuais pagas não eram o suficiente
para sustentar as atividades da associação e por isso começou o processo de declínio
e empobrecimento da associação. A mudança na lei das associações contribuiu com
sua parte também e levou ao fechamento final da organização que meu pai fundou.
No ano de 1983, um dos alunos do Eli - o Sr. Haim Gideon, formou uma
nova associação e a chamou de “Associação de Krav-Magá Israelense”. Ao fundar
essa nova organização, o Sr. Haim Gideon também registrou e “raptou” o símbolo
do Krav-Magá do meu pai e por isso a justiça israelense determinou que o nome
Krav-Magá é de domínio público e nenhuma pessoa ou empresa podem ter os
direitos exclusivos sobre ele 11*. O Sr. Haim Gideon convidou meu pai para assumir
a função de presidente da nova associação, com a intenção de que meu pai servisse
como um “selo oficial” da associação, porém, na realidade, não teria voz nela e não
exerceria nenhuma função no seu gerenciamento financeiro ou outro. Mas meu pai,
que desejava muito deixar alguma organização que concentrasse todo o Krav-Magá,
assinou no final como o presidente da nova associação que nem era dele, e esta foi
a última pedra na tumba da associação original 12*. Contudo, algumas das ações
futuras do meu pai indicam que ele nunca se viu como uma parte integrante desta
nova associação 13*. Dos primeiros alunos do meu pai, somente o Haim Zut e o
Eyal Yanilov ingressaram na associação. O último não fazia parte do grupo original
de alunos, mas sua entrada teria um impacto histórico no futuro. Mas também a
entrada desses dois era por tempo limitado, por causa de “disputas territoriais”. O
gerenciamento da associação não estava mais agora nas mãos do meu pai, e sua única
função foi assinar e aprovar os diplomas e certificados outorgados pela associação.
As brigas internas afastaram todas as pessoas que queriam continuar a praticar o
verdadeiro e original Krav-Magá do meu pai, uma situação que continua até hoje.
Os alunos mais antigos do meu pai enfrentaram um outro problema também.
Dentro da academia do meu pai todos se conheciam e a história e qualidade
profissional de cada um era conhecida por todos, não havia como se esconder.
Mas agora, pessoas que dedicaram décadas para se aprimorar e controlar
a arte, encontraram-se de repente confrontando uma organização que estava “se
ajustando” para eliminar o caminho do meu pai e do Krav-Magá. Somente os alunos
10. Na escola BUKAN,em Rehovot, treinaram cerca de 340 alunos sob a direta supervisão do Yaron,
e além disso, a escola possui mais 63 filiais no país todo com aproximadamente 6 mil praticantes.
11. Veja documento número 12, página 267. O documento em questão foi obtido por causa de uma
difícil luta judicial.
12. A associação original que Imi fundou e no carimbo inicial apareceu o nome “associação de Krav-
Magá”. Contudo, em 1983 o Sr. Haim Gideon fundou uma associação nova chamada “Associação de
Krav-Magá ISRAELENSE”, e só mais tarde Imi ingressou nessa nova associação e não foi um de seus
fundadores, como tenta-se mostrar para o público.
13. Apesar das pressões diárias e constantes, meu pai não se rendeu e não cedeu para ninguém
da associação uma carta na qual ele os define como seus sucessores profissionais. Como artista e
criador, meu pai deve ser julgado no final por seus atos e não devemos nos preocupar em analisar seus
pensamentos. Este fato se repete várias vezes ao longo da pesquisa.

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da segunda geração, pupilos do Eli e Yaron, juntaram-se à associação e geralmente


fizeram isso por motivos pessoais e de auto-glorificação. Os treinos do meu pai com
seus alunos mais graduados pararam, primeiro porque não existia mais um lugar
para treinar – Eli recusou-se a liberar sua academia para os treinos semanais aos
Sábados, e segundo, meu pai já não era mais uma pessoa jovem e sua força e vigor
para subir no Tatame e ministrar aulas intensivas estava se esgotando rapidamente.
Eli, declaradamente, retirou-se da função de braço direito do meu pai e os outros
discípulos pioneiros não aceitavam que os alunos com níveis bem menores de
conhecimento profissional, que estavam de fato gerenciando a associação agora,
também ministrassem as aulas, e lentamente afastaram-se para regiões mais
remotas do país. Essa diáspora voluntária dos alunos antigos só fortaleceu a posição
dos alunos novos na associação, que obviamente não gostavam de sentir os olhos
daqueles fantásticos profissionais da primeira geração os vigiando o tempo todo, e
preferiam vê-los sumindo com a névoa do esquecimento.
Assim iniciou-se também o rapto profissional da arte marcial do meu pai.
Os únicos momentos positivos na vida profissional do meu pai desde então foram
as visitas que realizava na academia do Haim Zut, na cidade de Pardes-Hana, e na
escola “BUKAN”, que foi ministrada pelo Yaron na cidade de Rehovot, os únicos
dois que ainda mantiveram o Krav-Magá que meu pai criou. Sua famosa expressão
– “Faça o que pode, mas faça certo” foi doentemente invertida e levou á elaboração
desta pesquisa. Como bisturi que corta a carne viva, as pessoas começaram a
cortar e tirar pedaços inteiros do Krav-Magá, eliminando técnicas completas que
acharam difíceis demais para fazer, usando para tal desculpas e motivos ridículos:
que a arte é muito longa e complexa e para torná-la mais popular é necessário e
desejável cortá-la, e não tinha ninguém para dizer o contrário. E assim, guiados
por burrice e ignorância, as pessoas foram incisando o Krav-Magá, e ao mesmo
tempo convenceram meu pai de que suas ações eram necessárias 14*. Naquela época,
meu pai já não tinha nenhuma influência sobre os acontecimentos e as alterações
feitas no Krav-Magá foram apresentadas a ele como fatos durante os treinamentos, e
mesmo se ele quisesse contestar, não havia quem escutasse. Aproximando-se do seu
octogésimo aniversário e exausto das cansativas lutas diárias, achou seu único escape
nas visitas em “BUKAN”, na cidade de Rehovot. Ali, seus ensinamentos originais
foram mantidos de forma assustadoramente fanática, deixando todas as guerras de
ego, tão presentes na associação, do lado de fora. Talvez o motivo para isso foram
as aulas e técnicas secretas que meu pai passou para Yaron, e que se recusou a
ensinar para outros, depois de entender o que estava acontecendo na associação.
Apesar de seu estado físico, a mente do meu pai estava afiada como sempre e ele
leu e percebeu tudo que ocorria ao seu redor. Todos estavam se esforçando para
mostrar que as “suas” alterações são as melhores para o Krav-Magá, enquanto na

14. Não há uma forma segura de saber onde foi tirada a foto que aparece no documento número 27, na
página... Porém, o fato de Imi aparecer sem nenhuma faixa, preta ou vermelha, prova a sua pacífica
manifestação e indignação.

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A Associação A História do Krav-Magá

verdade todas essas novas “técnicas” estavam totalmente opostas à própria essência
do Krav-Magá como arte marcial. Um exemplo marcante foi o de um rapaz que
resolveu convencer meu pai de que é melhor chutar com a parte superior do pé (as
costas do pé) do que com a bola do pé. O mesmo rapaz aparece num DVD produzido
pelo Sr. Darren Levin com um considerável investimento financeiro, e é interessante
ver esse “gênio” demonstrando e ensinando como aplicar chute “foice”, porém, por
causa de uma falta incrível de coordenação, o seu pé está na posição de chute “faca”.
Fenômenos deste gênero comprovam as mudanças feitas na arte, supostamente com
o conhecimento do meu pai.
Depois de seu falecimento, iniciaram-se obviamente as lutas pela sucessão.
Naquela época os Srs. Eyal Yanilov e Haim Zut eram membros na associação do Sr.
Haim Gideon e por algum tempo dividiram a chefia da associação, uma vez que meu
pai não ocupava mais o cargo da presidência. Mas esta cooperação era bem curta
e um mês depois que meu pai partiu para um lugar melhor, os três se separaram e
cada um deles escolheu um outro caminho. O Sr. Haim Gideon declarou-se “Grão
Mestre” sem que ninguém aprovasse ou autorizasse isso. O Sr. Haim Zut fundou
uma nova associação de Krav-Magá e a denominou de “Kapap”, afirmando agora
que ele inventou o “Krav-Magá Internacional”. O Sr. Eyal Yanilov, depois da morte
do meu pai e depois da ruptura que ele mesmo causou, fundou a “IKMF” – sigla
em Inglês para “Federação de Krav-Magá Israelense”, e declarou que somente ele
está autorizado a ensinar Krav-Magá. Mas quando foi apresentado a ele o fato de
que meu pai nunca fez parte de sua organização e que esta foi fundada sem seu
conhecimento e aval, simplesmente porque foi estabelecida depois de sua morte, o
Sr. Eyal Yanilov preferiu ficar em “sem comentários”.
Em relação à IKMF, é importante mencionar que um de seus fundadores
era o Sr. Darren Levin, dos EUA. Em um de seus bem produzidos DVDs, o Sr.
Levin afirma que ele passou seis semanas treinando em Israel com meu pai (não
existe nenhuma evidência para esta afirmação) e no final recebeu o grau de “level six” (Do
Inglês: nível seis. Hoje, como seu antigo mentor profissional – o presidente da IKMF, o Sr. Levin já se
declarou décimo Dan... ). Então, expressando de forma muito suave, isso não é verdade.
Meu pai nunca cedeu este tipo de graduações e elas foram inventadas somente na
IKMF.
Portanto, é preciso entender que os treinos sobre os quais o Sr. Darren está
falando foram realizados com o Sr. Eyal Yanilov, e não com meu pai ou qualquer
outra pessoa.
Muitas pessoas exigiram o trono para si mesmos, e nesta batalha vários
documentos foram apresentados ou “inventados”, mas nenhum deles comprovou que
seu portador era o herdeiro profissional autorizado pelo meu pai, tirando Yaron, que
recebeu autorização para outorgar graus avançados e também recebeu do meu pai o
grau de faixa preta Nono Dan, além do diploma dele, que foi assinado pelo meu pai
com a presença de testemunhas. Anexado ao diploma há também uma declaração
importante, que afirma ser Yaron o único a ensinar o caminho original do Imi e ser
também o segundo pai fundador do Krav-Magá. É possível examinar as ações do

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A História do Krav-Magá A Associação

meu pai de diversos ângulos interessantes. Será que ele percebeu todas as mentiras
ao seu redor e agiu para se vingar de todos eles, qualificando o Yaron como o Grão
Mestre? Ou talvez por que entendeu que se não reagisse agora, poderia ser tarde
demais? Qual é o verdadeiro motivo atrás da decisão do meu pai de não apontar o
Eli como seu sucessor, antes mesmo do Eli escolher um outro caminho? Será que foi
uma escolha puramente profissional? É possível imaginar que meu pai sabia desde
o início que Eli escolheria um outro caminho e posicionou-se contra os atos do
Eli, mas ao mesmo tempo apoiou outros que também modificaram a sua arte? Eu
duvido! Como magos realizando os maiores feitos que o mundo já viu, inúmeros
documentos surgiram nas mãos das pessoas mais próximas ao meu pai depois da
sua morte, e, como consequência desta pesquisa, tenho enormes dúvidas a respeito
desses documentos, e até a justiça israelense tinha que envolver-se em alguns casos.
Atrevimento, insolência e petulância são atributos que os israelenses têm de sobra.
Ao examinar o Panteão das artes marciais, podemos observar um fato
interessante: em todas as artes, sem exceções, conhecemos os criadores pelo
seu nome completo - O Judô, o Aikidô, o Karatê Shotokan e o Krav-Magá. Mas,
percebemos também que poucos em cada arte conhecem tão bem os sucessores de
cada fundador.
Exatamente a mesma coisa está acontecendo agora no Krav-Magá. Todos
lutam por uma coisa que não é deles. O nome do Imi como o criador do Krav-
Magá sempre será lembrado e os outros rapidamente serão esquecidos, mas a tolice
continua em sua trajetória e ninguém assume o que deveria ser a causa comum: Imi
Lichtenfield e o Krav-Magá. Saibam: no final as pessoas lembrarão apenas o nome
do meu pai.

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A Associação A História do Krav-Magá

Documento 23

Uma foto vale mil palavras. Reportagem histórica no Jornal


Jerusalém Post, publicada em 10 de Junho de 1977. As fotos foram
tiradas no Insituto Wingate, e aparecem nelas: Victor Bracha,
Miki Asulin, Dudi Klein, Tzvi Murik, Yaron Lichtenstein, Haim
Hakani, Avner Hazan, Haim Zut, Zvulun e Itzik, Tedi Levkovski e
seu filho.
Não é o suficiente escrever a história, temos que mostrá-la
também.

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A História do Krav-Magá A Associação

Documento 23

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A Associação A História do Krav-Magá

Documento número 27

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A História do Krav-Magá A “Hutzpá” Israelense

A “HUTZPÁ” ISRAELENSE E O KRAV-MAGÁ

O Soldado Moderno
Krav-Magá Militar ???

O soldado moderno não pode levantar a sua perna para chutar ou a mão para bater.
Mesmo alguém que tentasse atacá-lo de trás, teria que pesar 200KG e
ter altura de 3 metros, para conseguir derrubá-lo.

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A “Hutzpá” Israelense A História do Krav-Magá

A “HUTZPÁ” ISRAELENSE E O KRAV-MAGÁ

Explicação para a versão portuguesa:


O termo “Hutzpá”, o tema do próximo capítulo, é impossível de ser traduzido
para língua alguma. A palavra “Hutzpá” se origina do dialeto iídiche, que era popular
nas comunidades judaicas no leste europeu. Em Israel, a noção de “A Hutzpá israelense”
constitui uma parte da concepção geral do mundo e da percepção do israelense de si
mesmo.
Entrei em contato com os melhores tradutores e especialistas lingüísticos dos
idiomas Hebraico, Iídiche e Português, mas ninguém conseguiu fornecer uma palavra
adequada ou paralela ao termo “Hutzpá”. Mais do que uma palavra, é um modo de vida
em Israel.
“Hutzpa” é de um lado: combinação de ousadia, audácia e capacidade de
sobrevivência, e do outro: grosseria, rudeza, falta de consideração em relação ao outro,
mentir e enganar para conseguir seus objetivos.
O tradutor.

Para entender as artes marciais originadas no Oriente, é necessário primeiro aprofundar-se


em sua cultura e religião. Para compreender esta pesquisa, suas explicações e o Krav-Magá por ela
representada, devemos inicialmente conhecer o espírito israelense.
Não precisamos ser israelenses, apenas descobrir as concepções deste povo e saber sobre a
vida em Israel de forma geral – não existe um outro caminho a ser tomado.
Neste capítulo decidimos deixar o próprio Krav-Magá falar em nome de si mesmo. O artigo
todo foi escrito desse ponto de vista.

Escrevi, re-escrevi, revisei e formulei o atual capítulo várias vezes, tentando


aprimorar e aperfeiçoar. Sem dúvida alguma que é um dos mais importantes para
entender a pesquisa e as mentes que agem através das diversas organizações de
Krav-Magá. Isso não foi um desafio fácil, uma vez que não foi do meu interesse criar
uma impressão negativa, não é esta a finalidade da pesquisa.
Pessoas são como peixes. Há vários tipos de peixes, ou como meu pai
sempre dizia – “Não existem duas pessoas iguais”. Já que nasci em Israel, sou um
israelense, um verdadeiro “Sabra”. Minha data de nascimento oficial é 16.8.1970.
Tem também a data hebraica tradicional 1*, mas eu nunca fui muito próximo da
religião judaica para conseguir lembrar esta segunda data. Ao falar do dia do meu
aniversário, refiro-me ao dia em que recebi do meu pai meu nome completo e eterno
– “Krav-Magá – A arte Marcial Israelense para Defesa Pessoal”. Para muitos, Israel
é o centro do mundo, a Terra Santa, uma potência militar, e claro, a pátria do Krav-
Magá. Entretanto, o único assunto que será abordado por mim é o Krav-Magá, o
resto não é de meu interesse.

1. Em Israel, sendo um país predominantemente judaico, usa-se, além do calendário gregoriano,


também e principalmente um calendário judaico, composto por combinações de letras hebraicas e
não por números.

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A História do Krav-Magá A “Hutzpá” Israelense

Examinei inúmeros caminhos na tentativa de achar um que seria o mais


adequado para realizar esta minha jornada de explicações, mas acabei eliminando
e desqualificando todos. Um caminho, no seu sentido prático, não seria apropriado
para tal jornada de revelações. Nem um trilho, que às vezes está pavimentado e
sua areia é misturada com água salgada para torná-la mais rígida 2*. Talvez a mais
adequada descrição seria a de um equilibrista andando sobre uma corda esticada
entre suas montanhas, sabendo que qualquer erro acabará numa queda longa e
dolorosa.
Entre os perigos da jornada eu não poderia evitar de matar algumas vacas
sagradas. Para quem não sabe, há um universo inteiro que separa entre a carne da
vaca normal e entre a sagrada. A primeira, no final de sua vida e depois de dar todo
o leite que podia, é levada à matança para que sua carne seja degustada mais tarde.
Por outro lado, a única finalidade da vaca sagrada é o ato da imolação, sendo que
seu sangue pode pular para qualquer direção e tempo e se mover como nos filmes de
ficção científica, manchando em vermelho irremovível tudo que ele tocasse, e para
tirá-lo seria necessário usar matérias de limpeza de um tipo diferente. No momento
em que o sangue da vaca sagrada atingir seus criadores, os últimos fariam de tudo
para removê-lo, mas não há garantia de que iriam conseguir. Mas, talvez seja cedo
demais contar esta jornada para os campos da guerra verbal.
Israel não é apenas um país para os israelenses que o habitam, ou para os
milhões de israelenses e judeus que vivem fora de suas fronteiras e sonham em
imigrar para lá um dia (em hebraico a “gíria” para imigrar é “Aliyah”), mas o Estado
representa também uma forma de esperança. O povo israelense, mais do que uma
nação, é um tipo de fenômeno cheio de contradições que se movem umas contra as
outras e parecem que a cada momento irão se separar, porque a cola que as segura
não consegue mais aguentar as pressões e os esforços, e tudo está pendurado por
um fio. Mas esta cola, fabricada provavelmente com ingredientes divinos, secretos e
desconhecidos, já está se comprovando durante seis mil anos de história repleta de
transformações do povo judaico. Não se pode entender o processo da minha criação
como a melhor arte marcial para defesa pessoal no mundo sem primeiramente
revisar os heróis momentâneos que surgiram no povo israelense e tornaram sua
tradição uma longa lista de mitos universalmente conhecidos e estudados, uma
tradição vigorosamente mantida pelo povo judaico em Israel, e com razão. Para
muitos, sem este nosso caminho não sobreviveríamos por tantos anos.
Entretanto, parece que, entre aqueles capazes de manter uma tradição,
existem alguns que não têm a competência de cultivar e preservar outras tradições,
não menos importantes, e eles podem causar a destruição do caminho do meu pai,

2. O processo de pavimento de estradas em Israel é um pouco diferente daquele aplicado em outros


países. Numa das fases anteriores à colocação do asfalto, usa-se água salgada para molhar a areia
seca. Essas águas são trazidas em caminhões-pipa do Mar Morto. O motivo: esta água possui uma
característica especial que ajuda a evitar nuvens de areia nas primeiras etapas do pavimento. Também
em trilhos não pavimentados aplica-se a água do Mar Morto.

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A “Hutzpá” Israelense A História do Krav-Magá

isto é, o meu caminho. Os israelenses são um povo arrogante, mas talvez tenham
bons motivos para tal comportamento. O significado do nome Israel vem da bíblia,
e significa “Aquele que viu Deus”: “Não te chamarás mais Jacó, mas Israel; pois
como príncipe lutaste com Deus e com os homens...” (Gênesis, 32:28). Ou seja, em
algum momento de nossa história, nossos representantes ficaram cara a cara com
Deus. Será que é verdade? Só Deus sabe... Entre a narração bíblica e a realidade
passa provavelmente uma corrente de tempo mais exato e confiável.
Não obstante, alguns acontecimentos que ocorreram ao longo de nossa
história como nação, contribuíram de um grau ou outro para o avanço de nossa
arrogância, que também nos dias atuais nos leva a conquistas que deixam nossos
rivais, concorrentes e inimigos bem atrás na corrida, e o Krav-Magá seria um dos
melhores exemplos para este fenômeno. Para compreender a concepção israelense do
mundo, é necessário conhecer as lendas e histórias dos heróis bíblicos de guerra, que
muitos em Israel até hoje não duvidam por um segundo o fato de que eles existiram.
São estas histórias e mitos que dão ao povo israelense seu poder espiritual e seu
vigor físico, tornando-o uma potência.
Essa história moldada por guerras existenciais e o espírito daqueles heróis
são os fatores responsáveis por constituirmos o melhor e o mais sofisticado dos
exércitos. Compensamos a nossa inferioridade numérica com a criação das mais
avançadas técnicas de combate, apoiando-nos nos campos científico e tecnológico.
Falta ainda tratar do elemento mais importante: o espírito do soldado
israelense que luta por sua terra natal. Se não fosse por esta tradição de espírito
guerreiro, não sobreviveríamos durante seis mil anos como nação e Estado soberano.
Sem dúvida que o leite materno das mulheres israelenses é diferente daquele
de outras mães ao redor do mundo 3*. Ainda quando bebê, o futuro soldado israelense
mama dos seios de sua mãe o sabor e o espírito dos heróis nacionais que viveram
ao longo de toda a história judaica, começando com a conquista da terra santa e
a tomada da cidade de Jericó, cujas muralhas caíram e não resistiram aos gritos
dos antigos guerreiros hebreus: “gritou o povo com grande brado; e o muro caiu
abaixo, e o povo subiu à cidade...” (Josué, 6:20). Seria um outro exemplo de arrogância
israelense (que talvez já tivesse me infectado também) afirmar que esta foi a primeira vez na
história humana que usou-se a força do “Kiai”???
Atos de enganação e técnicas de eliminação que exigiram habilidades
físicas e tecnológicas bastante avançadas para a época, mas que já existiam naqueles
dias, servem como modelos de imitação até hoje. Vejam o exemplo do Profeta Eúde
(Juízes, 3:16): “E Eúde fez para si uma espada de dois fios...”

3. A mulher israelense típica possui uma concepção alternativa da vida. Para conquistá-la, o homem
israelense enfrentará um longo caminho e complexos obstáculos, muito mais do que em outros países,
como na América Latina, por exemplo. A mulher israelense é uma das mais rigorosas e exigentes ao
escolher seu homem, e talvez ela tenha uma certa razão - a vida num país que está constantemente
lutando por sua sobrevivência é a principal causa dessa característica da mulher “Sabra”. No entanto,
os afortunados que conseguissem experimentar em seus lábios o sabor que seduziu o Adão no Jardim
de Éden, induvidosamente entenderão a potência e o rigor que se habitam nas mães dos melhores
guerreiros que o mundo já viu. Isto é, com algumas exceções, é claro...

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A História do Krav-Magá A “Hutzpá” Israelense

Aqui faz-se necessário dissertar sobre duas personagens excêntricas que


sejam talvez as mais famosas em toda a mitologia judaica. O primeiro caso é a
história sobre o Rei Davi enfrentando o gigante Golias (Samuel 1, 17:49): “E tomou
dali uma pedra e com a funda lha atirou, e feriu o filisteu na testa...”. O uso da
funda de Davi existe até hoje, e eu mesmo já vi pessoas especialistas no assunto que
alcançaram boas capacidades na utilização desta antiga arma. Nos primeiros anos
depois da fundação do Estado de Israel, a “Rugatca” (Hebraico para Funda), uma versão
aprimorada da funda, era o brinquedo mais popular entre as crianças israelenses.
Uma faixa de borracha tirada da parte interna do pneu da bicicleta era esticada
sobre uma madeira no formato da letra “V” e assim os garotos conseguiriam uma
ótima pontaria, especialmente um no outro e nas janelas do vizinho... O país ficou
inundado de pequenos “Davis”.
Seria possível não comparar a habilidade do Davi na funda com a dos
artistas japoneses do arco e flecha, que acertam o alvo sem vê-lo, apenas guiam-se do
conhecimento de onde ele esteja, com seu espírito levando suas flechas para o alvo?
Será que o Rei Davi, que viveu na natureza, era entre os primeiros a descobrirem a
força do “Ki” e a forma de usá-la?
E não poderíamos seguir sem mencionar o maior herói bíblico de todos
os tempos – Sansão. A descrição nas escrituras definitivamente levanta algumas
questões sobre seu poder (Juízes, 16:30): “E inclinou-se com força, e a casa caiu...”.
Seria um grande equívoco afirmar que esse monge 4* conhecia a potência do
“Ki”? Temos alguma prova concreta e cientificamente incontestável que aponte uma
outra realidade? Para a cultura israelense e para os israelenses, Sansão não é apenas
uma personagem bíblica histórica, mas ele consisti uma parte da experiência diária
daquele país. Na tentativa de fazer seu filho comer mais, é comum escutar uma
mãe israelense dizendo: “Coma para você crescer e se tornar forte como Sansão, o
herói”. Depois da fundação do país começaram a surgir por todo lado academias e
clubes esportivos para “bodybuilding”, e o nome desses lugares quase sempre incluía
a palavra “Sansão”: Clube Sansão, Academia Sansão, ginásio Sansão etc.. Enquanto
o nome do estabelecimento incluía a palavra Sansão, o resto não era importante. A
segunda academia do meu pai, na cidade de Natanya, na Rua Shmuel Hanatziv 22,
4. A Bíblia começou a ser escrita cerca de cinco mil anos atrás. Qualquer análise mostrará o
caso de Sansão ser excepcional. A personagem agiu e comportou como se fosse um monge, um
fenômeno estranho ao judaísmo. Ademais, é impossível ignorar certos elementos na sua história, que
são paralelos à conduta dos Samurais e de sua cultura, que surgiu apenas dois mil anos mais tarde.
Também uma das marcas da potência e rigor do Samurai era o seu cabelo, uma característica típica
de todas as culturas orientais. Na China, por exemplo, cabelo cumprido era considerado um símbolo
masculino clássico. Tanto em Israel como no Japão, há pesquisadores que afirmam que os japoneses
são na verdade descendentes das dez tribos perdidas. E embora a religião judaica não direcione a
natureza da mesma forma que o Zen, ainda existem algumas personagens bíblicas que tinham a
natureza como a inspiração de sua força: Sansão, Rei Davi, Rei Salomão, etc.. Algumas daquelas
capacidades e fenômenos provavelmente nunca serão entendidas, mas há aqui uma outra pergunta
curiosa:– será que Imi era o resultado de uma combinação genética de cinco mil anos ?!?!

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A “Hutzpá” Israelense A História do Krav-Magá

era parte da academia de Alex, porém o lugar foi chamado de “Clube Sansão” (não foi
meu pai que deu o nome ao lugar, mas o Alex, o proprietário). Era uma “Sgula” 5*, uma forma
de dizer: “Quem treinar aqui será forte e corajoso como Sansão”.
Um estudo cuidadoso do modo que Gideão (livro Juízes, capítulos 7, 8) escolheu
seus guerreiros mostraria uma semelhança impressionante com o sistema moderno
de seleção usada pelas forças armadas israelenses na atualidade, no que diz respeito
à entrada de novos candidatos para as melhores unidades de elite no mundo. Cada
ano, de milhares de concorrentes, apenas alguns são aceitos. Trata-se de lugares
como a infantaria, os cursos para formação de oficiais navais e cursos da força
aérea. Não é nenhuma surpresa então o fato de que fui criado justamente por um
pai israelense e judeu, em Israel. Sem dúvida que no futuro, embora eu não possa
prever o tempo exato, também meu pai será lembrado como um dos heróis bíblicos
mitológicos do povo de Israel e esta pesquisa e seus artigos serão os responsáveis,
por isso me esforço tanto. Naquele futuro, seja ele próximo ou distante, por causa
destas linhas, todos saberão o caminho puro do meu pai e conhecerão quem eram os
parasitas que apenas tentaram se alimentar de seu nome, glória e da arte que criou.
A história, como sempre, será o mais rígido julgador.
Aquele pequeno pedaço de terra chamado Israel, no meio do Oriente Médio,
é infestado por todos os males que o homem criou: as guerras, o terrorismo e o pior
de todos – a “Hutzpá”. Falando disso, eu não poderia ignorar um boato que ouvi e
que está sendo divulgado por pessoas negativas, que têm como objetivo único incitar
brigas e guerras. O rumor diz que o Krav-Magá é destinado somente a israelenses
e judeus, e eu digo que está afirmação é pura maldade e ignorância. Não existem
milhões de indivíduos fora do Japão que praticam Judô ou Caratê? E o Kung-Fu
Chinês? Ou o Taekwando Coreano? E a Capoeira Brasileira? Desses milhões de
praticantes, quantos realmente conhecem a história do país de origem, ou quantos
mantêm as regras religiosas e costumes locais da terra natal de cada arte? Esta é
a “Hutzpa” israelense em sua forma mais “pura” e nós devemos estudá-la, já que
ela é o objeto da pesquisa e a chave para a compreensão de todo o nosso trabalho.
Entretanto, faz-se necessário lembrar que nem todos os israelenses são assim e que
trata-se apenas de uma minoria barulhenta.
A mídia em Israel gosta de comparar a “Hutzpá” com a Sabra, um tipo de
planta famosa por seus longos e perigosos espinhos. Na verdade, na gíria hebraica
todos os israelenses natos são chamados de “sabras”. Da família dos Cactos, a Sabra
cresce no deserto e tem folhas verdes, grossas e suculentas, cobertas por espinhos
ameaçadores, e é usada para alimentar os camelos e as cabras dos beduínos,
especialmente por causa do alto teor de água presente naquelas folhas 6*. Já as frutas

5. Sgula é uma expressão bíblica através da qual Deus proclama os hebreus como seu povo escolhido.
No Hebraico falado hoje em dia a palavra “Sgula” significa também um sinal de sorte, longa vida e
êxito.
6. A planta é também o símbolo nacional de México e a sua imagem aparece na bandeira nacional
daquele país, embora que sem as frutas, somente as folhas. É de costume no México grelhar as
folhas mais novas e finas e adicioná-las ao famoso “Tacos”, a comida popular (e saborosa) mexicana.

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A História do Krav-Magá A “Hutzpá” Israelense

da Sabra possuem uma casca em cor amarela, também protegida por milhares de
espinhos pequenos e afiados, que se desligam da fruta facilmente com um leve
vento, e podem se enfiar em alguma vítima que desejasse degustar o doce sabor da
mesma. Do momento que os espinhos colam na pessoa, seria impossível removê-los
nos dias seguintes, até que a inflamação se curasse. Entretanto, muitos consideram o
sacrifício razoável para conseguir sentir o sabor único da fruta (a comparação aqui é com
a fruta que está espinhosa de fora e doce de dentro, e os nativos israelenses são exatamente assim, por
isso são chamados de “Sabras”).
No passado, quando o país estava menos desenvolvido
e menos construído e ainda cheio dessas plantas, as crianças israelenses viram na
Sabra um ingrediente obrigatório no seu cardápio diário.
Somando à “Hutzpá”, o senso de humor cínico e a capacidade de invenção
e improvisação dos israelenses, que parece não ter fim, o resultado que recebemos é
uma pura genialidade. Seu complicado estado mental e as incontroláveis necessidades
do israelense de mostrar e demonstrar sua inteligência e coragem, o levam muitas
vezes para lugares além do imaginável. A seguinte história é um exemplo perfeito (e
confiem em mim quando digo que há muitos outros) do modo de pensar e agir do ordinário
“general” israelense. Em uma das minhas várias viagens ao redor do mundo, cheguei
também ao México, e lá encontrei um rapaz israelense que estava trabalhando,
é claro, na área de segurança. Durante um jantar composto de comida mexicana
típica, ouvi uma conversa acerca do espírito de invenção dos israelenses. O jovem
israelense, de apenas vinte e três anos, tentava conseguir um cargo de perito na
polícia do México e contava para os comandantes locais que sua patente no exército
israelense era de Coronel. No entanto, ao perceber que seus locutores o estavam
encarando com olhares cheios de dúvidas, o folgado rapaz não se confundiu e com
uma incomparável tranquilidade subiu nas asas da imaginação e afirmou o seguinte:
“Como vocês devem saber”, explicou para seus entrevistadores, “Israel é um
país que sofre constantemente de guerras e terrorismo e, portanto, as pessoas ali
morrem relativamente jovens e assim os melhores recebem patentes de alto escalão
quando ainda novos”. Evidentemente que a próxima ação dos oficiais mexicanos
era mostrar para o israelense o caminho até a porta e, desde aquele dia, eles não
acreditam em nenhum outro israelense. Isso, claramente, não impede que outros
israelenses desonestos tentem sua sorte de forma parecida em todos os cantos do
mundo.
O objetivo de tudo isso era mostrar aos leitores que a “Hutzpá” não tem
limites e ela aparece em diversas ocasiões ao longo da história. Se não fosse por
aquela “Hutzpa” 7*, tanto a história do meu pai como a minha seriam completamente
diferentes. No que diz respeito à segurança e vigilância, Israel é uma potência
internacional e por este motivo fica muitas vezes difícil fazer as pessoas acreditarem
que somos um país pequenino, de apenas cinco milhões de pessoas. Não há alguma
forma de segurança inventada pelo homem que não possamos encontrar em Israel,

7. De acordo com a concepção israelense, se não fosse por essa “Hutzpá”, os britânicos nunca seriam
expulsos do país e a fundação do Estado de Israel não aconteceria. E mesmo se os fatos históricos
apontam para outras direções, ninguém em Israel realmente se interessa em saber.

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A “Hutzpá” Israelense A História do Krav-Magá

e a verdade é que o homem de segurança tornou-se uma parte integral da vida e da


tradição israelense. Nós aprimoramos e melhoramos o conceito de segurança até
seu nível máximo. No passado não muito distante, um pouco antes da fundação do
Estado de Israel, existia a figura do “Chomer”. Sua função principal era proteger a
comunidade judaica de criminosos e ladrões árabes, que normalmente vieram de
aldeias próximas. Normalmente o “Chomer” era um herói local, que falava Hebraico
e Árabe fluentemente, montava um nobre cavalo árabe e se vestia de acordo com a
última moda. Ele estava armado com duas pistolas, uma de cada lado de sua cintura,
um facão nas costas, faixa de balas cruzada no seu peito e nas mãos segurava
seu melhor amigo – o fuzil. Desta forma, o “Chomer” manteve a ordem e a paz
entre os judeus e os árabes naquela época e por vezes servia até como um policial,
perseguindo ladrões de vacas e cavalos.
Atualmente as coisas são um pouco diferentes, especialmente no que diz
respeito às roupas. O segurança de hoje geralmente é um funcionário público,
pelo menos os melhores deles são. Eles ganham salários altos e são considerados o
“sonho de consumo” de cada mãe à procura de um noivo para sua filha, mas o que
realmente importa são a glória e a fama que os acompanham. Eles sempre aparecem
nos noticiários nacionais e internacionais, ficando atrás de algum político conhecido
e de alto escalão, munidos de seus eternos óculos escuros para que ninguém pudesse
ver os movimentos de seus olhos quando procuram possíveis assassinos.
Em Israel, aqueles que não fazem parte dos seguranças governamentais,
vivem com uma constante frustração. Eles fariam de tudo para ingressar nesta
“classe”. No seu currículo 8* encontram-se sempre detalhes e palavras vagas que
dificultam a entender se realmente integram ou não alguma unidade especial de
guarda-costas. Esse fenômeno é mais comum ainda com os professores de krav-
maga 9*: para eles, é inaceitável que um praticante, faixa preta de krav-maga, não
servisse numa dessas unidades, esta simplesmente seria uma humilhação intolerável
10*. Uma verificação cuidadosa dos sites desses “instrutores faixas pretas” revelaria

8. Esta é a beleza da coisa, já que os genuínos, aqueles que realmente estavam lá, nunca comentariam
isso, verbalmente ou por escrito. Todos os conhecem e eles conhecem todos, e este grupo sem dúvida
constitui uma elite fortemente fechada e isolada. O sigilo é uma parte inseparável de sua vida, e
eles jamais falariam ou escreveriam sobre isso, uma vez que cada palavra pode afetar seriamente a
segurança do Estado de Israel e de sua população, e esta segurança é o valor supremo deles.
9. Tanto a pesquisa toda como este artigo específico, são completamente focados no Krav-Magá.
Portanto, tudo que é dito e escrito no capítulo deve ser ligado apenas ao Krav-Magá, sem usá-lo com
o objetivo de tirar conclusões sobre a vida em Israel. Apontamos aqui somente para marcar o caminho
de Imi e da história de sua arte.
10. O processo de seleção para aquelas unidades governamentais de segurança tampouco é simples.
Os candidatos passam por exaustivas provas, que incluem testes de inteligência, força, rapidez
e especialmente coordenação motora. A nota exigida para ser aceito é a máxima. No entanto, a
primeira e a mais fundamental condição para sequer ter direito de fazer as provas, é ser veterano de
uma unidade combatente do exército israelense, sendo que os veteranos dos grupamentos de elite têm
maiores chances de serem aceitos. Segue-se o princípio de que os homens que estavam dispostos a
arriscar suas vidas frente ao fogo inimigo, fariam o mesmo pela pessoa que estão protegendo. Apenas
pessoas consideradas de total confiança servem naquela unidade.

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A História do Krav-Magá A “Hutzpá” Israelense

insinuações de duplo significado sobre o suposto passado deles naquela “unidade”.


Linhas que não dizem nada (ou dizem tudo, depende de quem leia). Mas tudo isso é nada
comparado ao serviço militar.
O exército: Israel é a maior potência bélica no mundo. Mesmo que esta
afirmação não seja totalmente exata, é assim que Israel é concebido pelos olhos da
opinião pública global. Diariamente são exibidas reportagens em redes mundiais e
locais de televisão, que apresentam Israel na forma mais conveniente a eles, com
o objetivo de atrair números maiores de telespectadores. Resultado: muitas vezes
o que vemos na televisão não tem nenhuma ligação com a realidade. O tamanho
das forças armadas israelenses é bem menor do que se pensa, e isso é por causa
do extremamente limitado território do Estado de Israel. O número de cidadãos
que podem servir no exército também é bastante restrito e, portanto, o número de
soldados disponível é relativamente pequeno. Entretanto, evidentemente que um
detalhe tão minúsculo e insignificante como a inferioridade numérica de Israel
frente aos seus inimigos, não tenha efeito nenhum. Os fatos falam por si mesmos:
Israel é um país soberano com poderio militar incomparável, no coração do Oriente
Médio, cercado por Estados hostis que tentam aniquilá-lo há mais de setenta anos.
A antiga cidade dos guerreiros gregos – a Esparta, existia entre os anos
1.000 a.C. até 300 a.C. e depois dessa época foi extinta da história grega. No entanto,
tenho um anúncio a fazer, em parte bom e no outro um pouco triste. Esparta não
foi destruída, ela simplesmente mudou de lugar: para Israel... Israel é uma Esparta
11* moderna em todos seus sentidos. A vida naquele país roda em volta do exército

durante vinte e quatro horas por dia, em cada minuto e segundo. O exército israelense
é o único fator que determina se o Estado judaico sobrevive ou não. Não há sequer
uma família em Israel em que um de seus filhos (ou filhas) não esteja servindo no
exército, e o temor pela vida dos filhos e filhas é constante.
A mãe israelense faria tudo que fosse possível para educar seus filhos, mas,
em primeiro lugar, sempre estaria o elemento militar, mesmo se ninguém o admitir,
seja por não estar ciente disso ou por estar em autonegação. Esta é a concepção
básica da educação em Israel: crianças nascem para crescerem e combaterem, ponto
final. O sistema educacional em Israel também opera alguma forma de lavagem
cerebral como parte da qualificação militar. As escolas lá, por exemplo, são
obrigadas pela lei a realizar cerimônias memoriais, nas quais os adolescentes ficam
em pé durante horas como ato de se identificar com os soldados que sacrificaram sua
alma defendendo o país. Muitas das matérias aprendidas nas escolas são dedicadas
ao ensino de eventos históricos relacionados às passadas guerras de Israel, incluindo
histórias e lendas pessoais de vários heróis israelenses que lutaram e morreram por
seu país.

11. Veja o capítulo referente à bibliografia no livro “The Yom-Kippur War – A Moment of Truth”. A
relação do Estado de Israel com os ex-prisioneiros de guerra Israelenses, capturados durante a Guerra
de Yom-Kipur, é a mais adequada para descrever a condição daquela cidade antiga, ao invés de um
país moderno que zela por seus soldados e guerreiros.

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A “Hutzpá” Israelense A História do Krav-Magá

Já com idade relativamente nova, os adolescentes começam a tomar parte


das atividades preparatórias para o serviço militar. Essas atividades são conhecidas
como “Gadna” (abreviação em Hebraico para “Batalhões da Juventude”) e nelas os jovens
aprendem como segurar um fuzil e até atiram algumas balas, algo que em idade
tão nova pode ser bastante empolgante, tentador e divertido. A juventude do país
também passa por uma qualificação especial para atuar como parte da defesa civil
em caso de ataque não convencional contra alguma cidade, um fato que novamente
deixa os adolescentes do país com a sensação e o total significado da concepção
militar como parte da vida cotidiana em Israel, além da enorme responsabilidade
que eles recebem, ligada diretamente à sobrevivência do país.
Os jovens israelenses, homens e mulheres, quando completam dezoito anos
de idade, são obrigados a servir no exército: todos, sem exceções. Somente pessoas
com doenças graves e permanentes, ou deficientes físicos ou mentais, podem receber
uma liberação do serviço militar. O processo de recrutamento inclui duas fases
preliminares: na primeira, os candidatos passam por uma serie de testes que têm
como objetivo determinar se eles são adequados para ingressar no exército ou não,
se poderão se adaptar à dura vida ou não. Esta fase é realizada normalmente quando
os jovens ainda estão cursando o ensino médio, geralmente com cerca de dezesseis
anos e meio. Aproximadamente um ano mais tarde, os jovens enfrentarão a segunda
fase, onde farão exames exaustivos que têm por fim estabelecer o nível de inteligência
dos candidatos, seu status socioeconômico, situação familiar etc.. Assim, ao final
dos exames, o exército terá todas as informações e detalhes necessários sobre os
futuros recrutas e, muitas vezes, as forças armadas sabem mais sobre o candidato
do que ele mesmo.
De acordo com os dados recolhidos durante o processo de recrutamento,
será determinada a capacidade do jovem de servir no exército israelense. Os que
alcançarem os mais altos resultados, serão convocados para participar nos testes
de acesso às unidades de elite, que por sua vez também realizam competição nada
discreta sobre quem conseguiria angariar os melhores soldados. Isso acontece
porque, apesar do serviço militar ser obrigatório, o soldado recebe alguma liberdade
para escolher por si mesmo a unidade onde servirá.
Os testes de acesso às unidades de elite são difíceis e exaustivos e alguns
exigem habilidades super-humanas, considerando o fato de que os participantes nos
exames são apenas garotos e garotas com dezoito anos de idade, que na melhor das
hipóteses terminaram o Ensino Médio poucas semanas atrás e a maioria ainda não
possui a capacitação física e a habilidade militar necessária para aguentar os testes.
No entanto, percebe-se novamente que a comparação com a antiga cidade de Esparta
é mais do que apropriada, uma vez que apesar dos obstáculos, muitos candidatos,
mostrando coragem e determinação acima do normal, conseguem passar nos testes
e serem aceitos nos grupamentos especiais. Evidentemente que o nível dos testes
aumenta constantemente, pois cada vez que um grande número de recrutas ingressa
nas forças especiais, o nível de dificuldade é intensificado.

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O número de jovens que desejem entrar nas unidades de elite está sempre
crescendo em ritmo acelerado e nunca diminui, já que cada geração nova tem o
dever e necessidade de se provar, e o maior desafio de todos está no exército. Desta
forma, as forças armadas têm o luxo de poder escolher os melhores dos melhores,
como realmente fazem, de modo intransigente.
Os cursos profissionalizantes que, no final dos quais, o soldado se tornaria
um guerreiro, tampouco são simples, e o soldado sabe que no primeiro momento
em que ele mostrasse alguma incapacidade de cumprir os requisitos, ele seria
transferido para um outro lugar. A dura luta interna entre os soldados durante os
cursos de qualificação para ver quem seria o melhor, quem conseguiria terminar
o longo curso e ganhar o direito de usar na sua farda o símbolo da unidade 12*, é
a causa número um da força e do poder dos grupamentos de operações especiais.
Todas estas unidades simplesmente não atingiriam um nível operacional tão elevado
sem aquela “guerra” interna. O orgulho de fazer parte de alguma força especial
no exército é uma das principais características da vida em Israel. Para o soldado
israelense, o orgulho vem em primeiro lugar, a possibilidade de voltar para casa e
contar para todos: a família, os amigos, a namorada etc., que integra uma unidade
de elite – esta é a essência de sua vida. Quem teve êxito e ingressou em uma dessas
unidades, são garantidos para ele os olhares admiradores das mulheres e os cheios
de inveja dos homens.
Por sua vez, evidentemente que o exército cultiva e apaia a cultura do
orgulho militar para continuar sustentando e aumentando o alto nível operacional.
Já a imprensa em Israel, tanto a escrita como a digital, constitui uma peça inerente
ao sistema universal para a elevação da motivação e da moral dos soldados, dos
adolescentes na fase pré-recrutamento e do povo em geral. Quando o apresentador do
noticiário avisasse sobre a realização de uma operação militar por alguma unidade
de elite além das linhas inimigas, ele o faria usando uma voz baixa e vibrante, de
uma forma que a nação toda sentiria como se tomasse parte na ação.
A formação militar interna também é algo bastante interessante e curioso.
Israel, como já vimos, é país pequeno, minúsculo. Quando chega a época do
recrutamento, todos entram juntos no exército, isto é, a geração que completou agora
o Ensino Médio ingressará quase que imediatamente no serviço militar, toda de
uma vez só. Alguns dos jovens virariam soldados “regulares” e outros escolheriam
seguir o curso para formação de oficiais. Assim, é comum ver uma situação na qual
dois amigos de infância tornam-se nas forças armadas comandante e comandado.
Neste caso, o processo de dar ordens e comandos se complica e, portanto, ao longo
dos anos foi criado um certo código de conduta que jamais seria aceito em outros
exércitos ao redor do mundo: as relações entre oficiais e praças no exército israelense

12. Como em todos os exércitos, cada unidade tem seu próprio símbolo, sua fonte de orgulho. Nas
forças armadas israelenses, somente quem terminou com êxito o curso específico de sua unidade é
autorizado a colocar na farda o símbolo de seu grupamento. Entretanto, existem certas unidades de
elite no exército que nem sequer têm um símbolo especial, simplesmente para evitar que alguém possa
identificá-las de alguma forma.

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são pouco formais, distintas das regras severas que existem neste aspecto em outras
forças armadas. Mas é justamente este fenômeno que contribuiu para o sucesso
excepcional do exército israelense.
Em Israel, e especialmente na mídia israelense, as forças armadas são
consideradas e pensadas como “O Exército do Povo”. Quando examinamos a
afirmação do ponto de vista daquela amizade, ela acaba se tornando positiva. Muitos
soldados se sacrificaram para salvar a vida de um outro soldado, que era na verdade
seu amigo desde criança, que cresceu junto com ele e agora estava servindo na mesma
unidade que ele. O exército encoraja esse tipo de comportamento e aplica vários
métodos sócio-psicológicos para tornar os membros de cada equipe de comando um
grupo sólido e firme, não somente no combate, mas também na amizade do dia-a-
dia, seguindo a concepção de que soldados cuidariam um do outro por ser parte de
sua função, porém amigos de verdade morreriam um pelo outro.
O resultado é que no exército israelense percebem-se índices incomparáveis
de sacrifício e bravura individual, especialmente dentro das unidades de elite.
Um verdadeiro guerreiro israelense preferiria morrer a envergonhar seus amigos,
familiares, compatriotas ou a si mesmo. Também os grandes compositores israelenses
escreveram canções e músicas glorificando o autosacrifício no serviço militar, algo
que apenas contribuiu para o fortalecimento da sensação de “Estar numa missão
divina” no soldado. Como já mencionamos, Esparta existe e vive em Israel.
A vida marcial da juventude israelense inicia-se bem antes do dia se seu
recrutamento. Os jovens com motivação mais evidente e especialmente aqueles
que estivessem mais entusiasmados em descobrir e mostrar seu real potencial,
se inscreveriam em cursos preparatórios especiais para o serviço militar. Esses
cursos são ministrados por ex-combatentes das forças especiais que preparam os
adolescentes para o sistema de treinamento do exército da forma mais real possível.
Entretanto, esses cursos preparatórios não constituem de modo algum uma garantia
para os participantes de que aguentarão a vida militar, e isso é por um simples
motivo: esses cursos não são realizados seguindo o regime e a disciplina militar, e
a diferença é imensa. Contudo, esses estágios definitivamente ajudam a melhorar a
forma física dos recrutas e, consequentemente, ao longo prazo, aumentam também
o nível geral do exército. Não obstante, há uma outra questão fundamental aqui: os
cursos acima mencionados são completamente privados, sem nenhum laço com o
exército e, por conseguinte, são caros, por vezes até extremamente caros. Portanto,
nem todos têm a possibilidade de participar nos cursos.
O exército israelense se vê, e com razão, como um responsável direto pela
sobrevivência do país e, sendo assim, ele toma ocasionalmente a liberdade de agir
de maneiras inapropriadas, isto é, criando tentações que um órgão organizado e
experiente como o exército israelense não deveria fazer. Embora, do ponto de vista
militar, a segurança do país e de seus cidadãos vem em primeiro lugar. Muitas
das profissões ensinadas hoje em dia nas forças armadas têm alto valor também
na vida civil, sendo por isso bastante concorridas e há um grande número de
soldados desejando aprendê-las. Desta forma, o exército começou a realizar cursos

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de qualificação pré-militar, ou seja, além de contribuir três anos seguidos de sua


vida para o exército e depois mais vinte e cinco anos servindo na reserva (além dos
três anos, cada soldado dará às forças armadas mais trinta a quarenta e cinco dias de cada ano, até
completar quarenta e cinco anos de idade), o indivíduo precisa, se quiser preencher uma
das vagas profissionais das forças armadas, dedicar seu próprio tempo e participar
de um desses cursos de qualificação oferecidos pelo exército, assim, no dia de seu
recrutamento, já estaria totalmente apto a exercer sua função. Só que deste modo, o
soldado de fato serve muito mais do que três anos obrigatórios pela lei.
Muitos cargos nas forças armadas, hoje em dia, são igualmente abertos para
homens e mulheres. Na verdade, quase todo o sistema de instrução do exército,
atualmente, está em mãos femininas e é comum ver soldadas dando aulas sobre
manuseio e operação de diferentes tipos de armas como fuzil, tanques, canhão
pesado ou até ensinarem técnicas e táticas de combate para os que virão a ser os
melhores guerreiros no mundo. Embora passando por múltiplas dificuldades, no final
foi aberto ao sexo feminino o acesso também para o curso militar mais prestigiado
de todos: o de pilotos de caça na força aérea israelense. Percebe-se claramente uma
tendência nas forças armadas israelenses de diminuir cada vez mais a diferença
entre homens e mulheres, tendência que não necessariamente se repete na própria
sociedade israelense.
As forças armadas israelenses são provavelmente os menos formais no
mundo e não é raro ver praças chamando seus oficias pelo nome 13*, sem acrescentar
nenhum título. A disciplina (ou pelo menos a versão israelense deste termo) é reservada para
o combate, dizem ali. A tradição militar de bater continência ao se deparar com um
oficial de escalão maior é raramente mantida nas unidades combatentes, sendo usada
mais em cerimônias especiais e eventos oficiais. Como já vimos, o ambiente marcial
em Israel baseia-se nos princípios da amizade e nada simboliza mais a distância
e separação entre as diversas patentes e cargos do que a tradicional saudação
militar. O exército prefere enfatizar a excelência em combate e nos treinamentos
e o aprimoramento do guerreiro não é alcançado através de rígida disciplina. Na
verdade, a disciplina severa encontra-se justamente nas unidades não combatentes,
em quartéis administrativos localizados longe da linha de combate, onde não há nada
a fazer além de manter a disciplina. Nesses lugares servem normalmente soldados
com funções administrativas e de capacidade operacional limitada ou inexistente e
que sua vontade inicial de servir nas forças armadas é significantemente reduzida,
se comparada àquela dos soldados nas unidades combatentes. Lá, a motivação
pessoal é tão alta que mesmo quando se procura voluntários para alguma missão,
é necessário escolher por causa do grande número que sempre se apresenta. Sem
dúvida nenhuma que o Estado de Israel deve a sua sobrevivência àqueles jovens,
homens e mulheres que a cada geração carregam em seus ombros a responsabilidade
pela segurança do país.
13. Imi nunca concordou em ser chamado de “comandante” ou “senhor”, como é de costume no
exército. Ao invés disso, exigiu que todos falassem com ele mencionando seu nome e patente, e
realmente todos que serviram com Imi, o chamam até hoje de “Sargento Imi”.

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Amizades traçadas durante o serviço militar, forjadas sob fogo cruzado do


inimigo, continuam para sempre, mesmo depois fora exército. Ariel (“Arik” para seus
conhecidos) Sharon é um dos generais mais famosos na história israelense e no mundo
em geral, e também ocupou o cargo de primeiro ministro do país por alguns anos.
No dia em que ele se aposentou do exército e resolveu ingressar na política, entrou
em contato com todas as pessoas que lutaram sob seu comando, para que votassem
nele nas próximas eleições. A aceitação chegou a quase cem por cento. Em Israel
este fenômeno é conhecido como “Achvat Lorramim” 14*: os que lutaram juntos uma
vez, para sempre continuarão lutando juntos. Israel, como Estado soberano, sente
orgulho deste fenômeno e o cultiva ao máximo.
O exército israelense, como outros ao redor do mundo, investe recursos
infinitos no aprimoramento tecnológico do soldado individual e do exército em
geral. Os esforços são feitos em dois sentidos: primeiro, para desenvolver meios
tecnológicos de combater o inimigo e, segundo, para aperfeiçoar as técnicas de
combate. O próprio exército, durante o processo de criação de novos métodos e
sistemas de combate, desenvolve o tempo todo ideias inovadoras com o objetivo
de preservar a vida de seus soldados. A Guerra do Líbano durou cerca de vinte
anos e constituiu uma tentativa israelense de deter os ataques terroristas contra os
cidadãos no norte do país. Durante o conflito, os terroristas fizeram de tudo para
atingir os soldados que realizavam patrulhas ao longo da fronteira para impedir
incursões inimigas. O método favorito de ação dos terroristas era colocar explosivos
e minas clandestinas, operadas por controle remoto e à distância. No início, essa
sofisticada arma causou grande número de baixas entre os soldados, até que o
exército teve êxito em desenvolver um contra-método: iniciou-se a utilização de
cachorros especialmente adestrados para usar seus olfatos no intuito de descobrir
e localizar os explosivos de distância relativamente grande, possibilitando assim o
trabalho de neutralização do perigo pelos especialistas do esquadrão de bombas.
Em outras ocasiões, um dos oficiais da patrulha simplesmente atiraria com seu fuzil
nos explosivos, mantendo uma distância segura deles, para garantir que ninguém se
ferisse.

14. “Achvat Lorramim” (Amizade entre soldados): o sistema militar de treinamentos, que qualifica
o soldado como guerreiro e o educa na forma de que sua vida depende de seus companheiros. Está
evidente para cada soldado que a sua vida está nas mãos de seus amigos, e vice-versa. A maior prova
de todos, estar em combate e sob fogo inimigo, é uma coisa de rotina diária em Israel. É nestes
momentos que a verdadeira personalidade de cada um se revela. Quem não reagisse de acordo com o
espírito da equipe, não ficaria ali mais. O resto absorveria, mesmo se de modo inconsciente, o código
de conduta sob fogo e o tornaria uma segunda natureza, uma parte integral de seus pensamentos
e comportamento. A dependência mútua, indivíduo–grupo, fica para sempre e seria extremamente
difícil atingir a sua integridade estrutural–social. As pessoas enxergaram a ajuda ao outro da mesma
forma como se estivessem no meio de uma batalha sangrenta. A coligação entre guerreiros em Israel
é uma ordem moral comportamental, e os que vão contra o fluxo são chamados de “traidores”. A
palavra específica nem sempre é pronunciada abertamente, mas o significado e o entendimento são
perfeitamente claros. Esses indivíduos estão fora do código militar de conduta.

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O cachorro e seu treinador sempre andariam no começo da coluna para


que o animal pudesse avisar no momento que sentiria o cheiro dos explosivos. As
pessoas das organizações de proteção a animais provavelmente não aprovariam esse
método, mas a verdade é que os cachorros salvaram inúmeras vidas humanas. Além
disso, antes de iniciar sua “carreira militar”, os cachorros usados pelo exército não
passavam de vira-latas sem donos que vagavam pelas ruas das cidades israelense.
Nas forças armadas os bichos ganharam a melhor comida e bastante atenção de
seus treinadores e dos outros soldados, cujas vidas ajudaram a salvar. Muitos dos
cachorros sobreviveram às batalhas e chegaram a viver muitos anos no melhor
ambiente que a tecnologia pode oferecer. Desta forma, este ponto de vista também
deve ser levada em consideração.
Uma das unidades mais importantes nas forças armadas é aquela
responsável pelo desenvolvimento de todos esses meios e tecnologias bélicas. Na
verdade, a unidade, chamada de “Talpiot”, é tão secreta que o exército por muitos
anos negou a sua existência, e também hoje pouquíssimos detalhes foram liberados
sobre o seu funcionamento. Durante os anos noventa, alguns oficiais da unidade se
qualificaram em Krav-Magá através da escola BUKAN e chegaram até a faixa preta.
O objetivo era examinar o Krav-Magá e as influências imediatas e de longo prazo
sobre as forças armadas em geral e sobre o soldado individual de forma específica.
O experimento, é preciso mencionar, não foi realizado em condições favoráveis ao
Krav-Magá, já que desde o início estava claro para todos que a prioridade é dada
aos treinamentos nas diferenças técnicas e tecnologias de tiro e não para as aulas de
golpes e chutes do Krav-Magá. E realmente, quando a pesquisa foi concluída no ano
de 1996, foi comprovada acima de qualquer dúvida que a influência do Krav-Magá
ou de qualquer outra técnica de combate, por eficaz que seja, da forma rápida, curta
e intensa que são ensinadas hoje em dia no exército, não é o suficiente para afetar o
desempenho do soldado. Entretanto, há uma exceção: caso os guerreiros treinassem
número suficiente de anos para chegar à faixa preta 15*, com certeza sua capacidade
pessoal melhoraria significantemente.
Porém, os soldados servem por um período de apenas três anos nas forças
armadas e esse não é tempo bastante para qualificá-los no grau de faixa preta
Ademais, cada momento livre dos soldados é dedicado aos treinamentos de tiro,
uma vez que o objetivo do exército é tornar cada guerreiro um atirador de elite
com forma física excepcional. As forças de defesa israelenses baseiam-se em
mobilidade de alto nível, e isso é alcançado principalmente através da realização
extrema de longas marchas, nas quais os soldados e guerreiros andam por vezes
mais de cem quilômetros sem parar, carregando quarenta a cinquenta quilogramas

15. Assistimos a filmes produzidos pela legião Jordaniana, que documentam treinamentos organizados
de unidades militares em Caratê. O longo período de serviço dos soldados naquele exército e a ordem
de prioridades levou a uma situação que todos são portadores de no mínimo Faixa Preta em Caratê
Shotokan. As aulas são realizadas de forma altamente tradicional, ou seja, todos vestem kimono com
a Faixa Preta. A legião jordaniana é considerada o melhor de todos os exércitos árabes no Oriente
Médio.

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de equipamento cada um. Além disso, durante as marchas, os soldados praticam


levar feridos nas costas ou em macas.
É quase impossível descrever com palavras o grau de dificuldade dos
treinamentos. Imaginem caminhar quarenta quilômetros com quarenta quilogramas
nas costas e quem julgue isso ser fácil está convidado a tentar. São tremendas as
forças físicas e mentais exigidas dos soldados para cumprir as diversas missões, e
a lealdade dos soldados e dos guerreiros ao seu país vai muito além do normal e é
incompreensível por pessoas que jamais passaram pela experiência de participar em
uma batalha.
No dia de seu ingresso às diferentes unidades, os novos recrutas são
proibidos de contar onde estão servindo e realmente muitos deles guardam em
segredo a sua função, até de seus familiares. Eles não deixariam ninguém tirar
deles alguma informação de valor. Em alguns dos grupamentos de elite é de praxe
também realizar um treinamento especial que simula captura pelo inimigo, com
o objetivo de preparar o guerreiro para tal acontecimento no campo de batalha.
Evidentemente que a eficácia desse tipo de treinamento é bastante limitada, uma
vez que ser prisioneiro de guerra não se compara em nada a uma curta série de
preparação com duração de alguns dias.
Em Israel, cada jovem que completa dezoito anos é obrigado a servir no
exército, homens por um período de três anos e mulheres dois anos. Os garotos,
no princípio, tentariam entrar nas melhores unidades de combate, especialmente
porque desde o dia de deu nascimento eles estavam passando por uma lavagem
cerebral do tipo: quem não fosse a uma unidade combatente, não é “homem” o
suficiente, não é “macho”. Esta é a nossa diretriz primária como nação e país: sem
o melhor exército não seríamos capazes de defender nossa pátria. O próprio Estado
encoraja essa concepção – os soldados das unidades de combate ganham vários
benefícios e preferências extensas no dia-a-dia, como descontos no pagamento
de imposta de renda, bolsas parciais e integrais para os estudos acadêmicos e,
sobretudo, têm anterioridade para escolher os melhores empregos quando terminam
seu serviço militar. Do outro lado, os “outros”, aqueles que não fizeram parte de
uma unidade combatente, além de sofrer a primeira humilhação 16*, ainda aturam
preconceitos da parte da população e são menosprezados por ela, especialmente
pelas mulheres, que sempre preferem os homens que serviram na linha de combate

16. No Hebraico, ou mais corretamente, na gíria militar em Israel, os indivíduos que não servem ou
não serviram (ou não foram aceitos) em unidades de combate são apelidados de “Jobnik”. O “Jobnik”
é o tipo de soldado que passa seu tempo pintando paredes do quartel, limpando toaletes, lavando
carros etc.. Não parece que alguém lembra o fato que os “Jobniks” realizam também trabalhos
administrativos essenciais para o funcionamento normal das forças armadas. Num exército ocupado
com guerra diária contra o terrorismo e cercado por centenas de milhões de inimigos que têm como
objetivo principal jogar o estado judaico ao mar, somente os verdadeiros guerreiros têm valor.

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A História do Krav-Magá A “Hutzpá” Israelense

e provaram estar merecendo ser chamados de “homens”, pelo menos de acordo


com a concepção israelense do termo. Na verdade, este motivo leva muitos jovens
israelenses a procurarem mulheres fora do país, e outros a inventarem um passado
pessoal que jamais existiu. Eles fazem isso especialmente depois de deixar Israel e
de preferência numa língua considerada “exótica” (do ponto de vista israelense), supondo
que assim diminuem as chances de alguém descobrir e expor suas pequenas (ou
grandes, depende...) mentiras.
É difícil enganar 17* as autoridades israelenses e mais ainda os cidadãos,
porque Israel é um país pequeno e, no final, sempre haverá uma pessoa que conheça
um sujeito, que conheça um fulano, que serviu com aquele rapaz no exército e sabe
de todas as mentiras. E de novo, como é possível que um professor de Krav-Magá
não tenha participado em, no mínimo, algumas incursões no Líbano? Quem não
participou, simplesmente inventa. “Os campos da batalha verbal” estão lotados de
refugiados daquela vergonha que criaram para si mesmos outras vidas, imaginárias.
Eu só gostaria de estar presente quando seus familiares, amigos e alunos lessem ou
visitassem Israel e descobrissem toda a verdade. Adoraria ver seus rostos ficando
vermelhos de vergonha, apesar de que eu acredito que eles simples e facilmente
inventariam novas mentiras para apoiar as antigas, que foram descobertas.
O israelense comum se considera e se enxerga como no mínimo um general
e qualquer grau mais baixo constituiria uma ferida incurável ao seu ego. Um sábio
disse uma vez: “Em Israel há mais generais do que soldados”. Infelizmente, o Krav-
Magá não está livre desses fenômenos e alguns indivíduos com atitudes parecidas
se infiltraram em suas linhas. Eu conheço muito bem essas pessoas, já a mais de
quarenta anos. O exército não os aceitou por motivos médicos ou mentais e outros
serviram em funções administrativas, como secretários, motoristas, mecânicos etc.
Alguns deles têm um “Book” completo de fotos como se integrassem algum grupo
de elite, mas é tudo falso, todas as fotos foram eletronicamente manipuladas, graças
à tecnologia moderna da informática. Estes últimos constituem o pior tipo de todos:
eles vendem sua mercadoria, isto é, conhecimento operacional em defesa pessoal e
Krav-Magá para militares e policiais fora de Israel, evidentemente, já que dentro do
país ninguém jamais os contrataria depois de descobrir a verdade sobre eles (Israel,
não esqueçam, é uma potência de tecnologia e de informação). Esta já não é mais “Hutzpá”,
mas uma pura enganação. Os ingênuos, que vivem fora de Israel e acreditam nos
mentirosos, não sabem que só precisam realizar uma ligação ou enviar um e-mail

17. Em Israel, qualquer tipo de falsidade relacionada ao aspecto militar, é considerada um grave
crime. Há um departamento especial na polícia do exército que cuida desse tipo de fenômenos. Quem
fosse flagrado cometendo esse crime seria normalmente condenado a diversos períodos de prisão,
dependendo da gravidade de cada caso. Entretanto, essas leis não são válidas quando o fingimento
é cometido fora das fronteiras do país e por isso tantos israelenses tendem a fazê-lo. Em Israel, isso
seria julgado como um ato contra a segurança nacional.

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para o lugar certo 18*, e a verdade será descoberta imediatamente. A revelação dessa
ferida dolorosa da sociedade israelense descreve da melhor forma o ocorrido dentro
das diversas organizações de Krav-Magá.
Entretanto, existe um outro lado da moeda que devo apresentar e explicar,
que está também fortemente ligado ao Krav-Magá. Falo da vida dentro do exército
israelense, que constitui o melhor exemplo da “Hutzpá” 19* israelense. As forças
armadas israelenses, por razões óbvias, são relativamente pequenas, mas altamente
qualitativas. Desde a declaração de independência do Estado de Israel, no dia 15
de Maio de 1948, as forças de defesa não tinham sequer um dia de descanso. Os
melhores cérebros do país estão constantemente trabalhando para desenvolver e
aprimorar cada invenção possível, seja essas técnicas avançadas de guerrear, seja
a criação de novas armas táticas, como por exemplo: a Sub-metralhadora “Uzi”, a
metralhadora mais pesada “Negev”, capaz de atirar com precisão centenas de balas
por minuto, ou o mais moderno fuzil de ataque, o “Tavor” e, os tanques de guerra
israelenses, os “Merkava”, que são os melhores do mundo. Se antigamente dirigir
ou comandar um tanque era uma tarefa relativamente “simples”, hoje em dia para
operar um tanque de combate é necessário ter formação ampla em informática e às
vezes até em engenharia. E o auge da “Hutzpá”: a força aérea israelense compra seus
caças de guerra dos Estados Unidos, porém estes vêem completamente pelados, isto
é, todo o equipamento tecnológico, armamento de precisão e outros componentes
secretos que tornam o avião uma invencível máquina de guerra, são fabricados no
próprio Israel com uso exclusivo da força aérea daquele país. Exatamente o mesmo
nível de sofisticação está presente no Krav-Magá, e esse fato talvez possa esclarecer
outros fatores importantes relacionados à arte marcial israelense de defesa pessoal.
Quando meu pai chegou ao Israel durante a época da resistência e Guerra
da Independência e ensinou como lutar com as mãos vazias, ou, na melhor das
hipóteses, com bastão ou faca, ele o fez porque aquelas eram as condições e as
necessidades da hora. O país viveu uma realidade triste, de poucos lutando contra
muitos e este ambiente serviu como a base espiritual preliminar do Krav-Magá.
18. Embora tratar-se de uma pesquisa histórica e não de algum romance fofoqueiro, decidimos
excepcionalmente entregar os seguintes endereços, com base puramente informativa e apenas no
intuito de confirmação dos fatos, mesmo quando o assunto é a própria pesquisa.
O porta-voz da polícia israelense fornece certos detalhes. O porta-voz das forças armadas liberaria
informações de acordo com as leis de censura e segurança em Israel. A escola BUKAN dá informação
quanto a credibilidade e veracidade de portadores de faixas pretas e instrutores qualificados. Todos
os consulados e embaixadas do Estado de Israel ao redor do mundo têm um oficial de chancelaria
responsável pelo contato com a mídia local, e todos são autorizados a entregar informações
apropriadas, dependendo do pedido e de seu elaborador. Ademais: Empresas privadas, instituições
governamentais oficiais, jornais, agentes de segurança privada e investigadores particulares, vários
institutos acadêmicos em Israel, como por exemplo, o instituto Wingate, todos colaborariam com
informações úteis e valiosas. Evidentemente que os interessados precisariam explicar detalhadamente
os motivos de suas solicitações.
19. Foi por essa “Hutzpá” que o governo israelense conseguiu obter documentos secretos que
continham dados detalhados sobre a construção do caça francês “Mirage”, e iniciou a fabricação de
um modelo local do mesmo, sem a autorização do governo francês. No final, o caça “israelizado” deu
a absoluta vitória à força aérea israelense na Guerra dos Seis Dias.

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A História do Krav-Magá A “Hutzpá” Israelense

Todos seguiram esta mentalidade, que era adequada e correta para o período, e,
a maioria ainda acredita nela, até hoje. Todavia, desde aqueles primeiros dias de
Gênesis, a “Hutzpá”, a ousadia e a genialidade levaram nosso povo muito para frente.
Nós não lutamos mais com as mãos, ou com facas e bastões, e de fato são raríssimos
os casos de soldados que carregam atualmente facas para o combate: eles preferem se
equipar com a alta tecnologia israelense, e eles estão certos – no moderno campo de
batalha, esta arma branca é inútil, a não ser, é claro, para posar e para o ego
masculino... Nos últimos anos não há nenhum registro de ocorrência no exército de
uma situação na qual os soldados israelenses chegaram a trocar socos e chutes com
terroristas ou soldados inimigos. Os terroristas, que adotam métodos de guerrilha,
mantêm uma distância grande e “segura” dos soldados que os perseguem e utilizam
bombas acionadas por controle remoto etc., enquanto os soldados, por sua vez,
realizam patrulhas a pé usando técnicas de combate que não deixam espaço para
uma luta corpo a corpo acontecer.
Atualmente, na linha de frente, o exército divide suas forças em pequenas
equipes, chamadas de “Tzevet”. O número de guerreiros, em cada equipe, varia
de acordo com a missão e o tipo da unidade operacional. Antes de cada operação,
os soldados montam e treinam sobre um “modelo” que simula o alvo verdadeiro:
ambiente urbano, zona de mato, área montanhosa, etc,. A possibilidade de chegar a
uma distância de queima-roupa do inimigo, que exigiria um uso real do Krav-Magá,
nunca é levada em conta, nem mesmo quando a missão se concentra em regiões
densamente populosas - isso simplesmente não faz parte da formação operacional
do exército. Pelo menos um soldado sempre fica na traseira da equipe para garantir
a segurança de todos. A função desses soldados no calcanhar da unidade é eliminar
imediatamente usando todos os meios disponíveis, qualquer pessoa que possa
interferir na segurança da equipe. O exército não é uma força de policiamento, ou
seja, ele opera em território inimigo e geralmente sob fogo e grande risco de vida.
Em situações assim, a regra é: primeiro atire, depois pergunte.
As armas de hoje em dia não são mais o velho e bom fuzil tcheco com o
qual meu pai começou a ensinar defesas contra baioneta e até como tornar o fuzil
um bastão altamente eficaz. A arma tcheca, apesar de ser extremamente precisa,
era longa e pesada e atirava apenas uma bala de cada vez. As armas modernas
do exército israelense são capazes de realizar dezenas e algumas até centenas de
tiros exatos por segundo, guerra não é um jogo. Portanto, a concepção israelense
adota o fato de que o contato físico entre soldados dos dois lados sumiu 20* quase
completamente. Incidentes raros e isolados não são levados em conta nos cálculos

20. Antigamente a eliminação de terroristas obrigatoriamente significava a entrada de soldados


para o território inimigo, a identificação do alvo e sua neutralização. Atualmente, a alta tecnologia
permite pular essa fase: os terroristas são aniquilados do ar, com helicópteros que atirem mísseis
“inteligentes”, de distância que chega a mais de dez quilômetros. Este é apenas mais um exemplo da
qualidade tecnológica empregada pelas forças de segurança israelenses, com o objetivo de evitar ao
máximo qualquer contato perigoso entre os soldados e o inimigo.

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A “Hutzpá” Israelense A História do Krav-Magá

estatísticos feitos pelos elaboradores dos programas de treinamentos e técnicas


operacionais nas unidades de elite e nas forças armadas em geral.
A influência do meu pai, como pessoa e soldado, durante o período que
serviu como instrutor chefe de defesa pessoal no exército impediu a infiltração de
vários “vigaristas” neste consagrado departamento das forças armadas. Depois
de sua aposentadoria, entrou no seu lugar seu primeiro aluno, o Sr. Eli Avikzar,
que também se caracterizou por sua ousadia, mas não conseguiu completamente
“Fechar a estrebaria” (nem sempre por culpa dele, pois afinal de contas ele era soldado e tinha que
obedecer às ordens que recebeu) e a pequena racha que sobrou era o suficiente para alguns
oficiais de alto escalão colocarem seus familiares em cargos no departamento de
defesa pessoal e Krav-Magá, que era bastante requisitada e prestigiada. Em outros
casos, certos comandantes da escola de preparação física para combate, queriam
demonstrar a sua “moderna” e especialmente ignorante concepção e deixaram que
outros estilos e lutas, além do Krav-Magá, fossem incluídos dentro dos treinamentos
de defesa pessoal, o que constituiu um ato impercebível, não somente em relação ao
Krav-Magá, mas para qualquer arte marcial.
E assim, com a incursão de todos aqueles “elementos estranhos” no
departamento de Krav-Magá do exército, em que qualquer ligação entre eles e as
artes marciais e, especificamente, o Krav-Magá é uma mera coincidência, começou
o fim do caminho do Krav-Magá nas forças armadas. Na verdade, hoje em dia o
próprio chefe do departamento de Krav-Magá não é praticante da arte, apenas o
nome sobrou. O Krav-Magá nas forças armadas, hoje em dia, é apenas uma sombra
do que era, uma coleção eclética, escassez de qualquer sentido e lógica, ou como se
diz na gíria militar: “Alguém atirou no seu próprio pé...”.
Combatentes, tanto soldados como oficiais, não são estúpidos, muito pelo
contrário. Eles merecem cada elogio que recebem. Rapidamente eles entenderam que
os cursos de Krav-Magá, em seu novo formato na escola militar de preparação física
para combate, não passam de um “bônus” a algum soldado destacado, um tipo de
“férias” ou talvez até “escolinha de verão” para guerreiros... Os militares apreciam
muito a participação num desses cursos por causa das simpáticas instrutoras do
quartel e da presença das estudantes do outro lado do muro, do Instituto Wingate,
mas não por nenhum motivo profissional.
De fato, o exército perdeu a confiança em si mesmo, em tudo que diz respeito
ao Krav-Magá. Os altos comandantes, aqueles que tomam as decisões, que montam
e elaboram os programas de treinamento que guiariam o soldado no campo de
batalha, entenderam que não há mais necessidade operacional para o Krav-Magá ou
qualquer outra técnica de luta do gênero. Talvez sirva para ajudar abaixar a tensão
e o estresse dos combatentes, ou apenas como atividade física, mas não existe uma
utilidade prática em tudo isso. Hoje em dia, quando um atirador pode atingir seu
alvo a uma distância superior a dois mil metros, não há lugar para arriscar a vida
de soldados em luta corpo a corpo. Contribuiu também o fato de que não existe
atualmente algum órgão que possa tomar a responsabilidade e o controle sobre a
situação, como existia na época do meu pai. O estado caótico que ocorre hoje entre as

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A História do Krav-Magá A “Hutzpá” Israelense

diversas organizações do Krav-Magá, dirigidas como se fossem “juntas” militares,


é o principal responsável pelo ocorrido. No início, o exército seguiu o primeiro
livro escrito pelo meu pai e Yaron, mas sem a presença de uma mão que guiasse e
mostrasse o caminho, todos os pilares abalaram-se. Desta forma, o exército recebeu
a apreensão para livrar-se daquela concepção primária que estava certa há quarenta
anos atrás. As “juntas”, as organizações de Krav-Magá, ainda estão lá.
E se desejam saber o significado da palavra “absurdo”, eis uma história
curiosa: Dafna (o nome completo está guardado nos arquivos da pesquisa) era uma aluna de
um dos professores mais veteranos de Krav-Magá em Israel, uma ótima aluna, aliás.
Quando chegou a sua hora de ingressar no serviço militar, foram feitos esforços
grandes para torná-la instrutora de Krav-Magá nas forças armadas, como deveria
ser. Porém, o exército, depois de examiná-la, decidiu que ela é boa demais 21*, ou
seja, seus dados qualitativos eram altos e o exército preferiu enviá-la para curso
de formação de oficiais, e nada adiantou. Mas, Dafna ficou irritada com as forças
armadas e “se reprovou” de propósito no curso, como vingança por não ser instrutora
de Krav-Magá e, consequentemente, ela foi mandada para re-colocação em outra
unidade. Quando chegou a falar com o oficial responsável pela re-colocação, o
mesmo disse a ela o seguinte, sem sequer sentir um pouco de vergonha:
“Por ficar reprovada no curso de formação de oficiais, foi decidido puní-la
e você será mandada para curso de instrutores de Krav-Magá. Espero que tenha
aprendido sua lição”. E esta é a pura verdade.
A verdade operacional / militar geral, que inclui o curso de capacitação do
guerreiro, fica em algum lugar no meio entre as sofisticadas técnicas de combate e
entre o que não é mais o Krav-Magá no exército israelense de hoje. No entanto, quanto
aos israelenses que adotaram o título de “Mestres de Krav-Magá”, uma análise de
seu currículo militar mostraria que, além de Yaron, nenhum deles jamais serviu em
algum grupamento de combate e nem tomou parte em alguma ação operacional
das forças armadas israelenses. Eles não conhecem o significado de olhar nos olhos
do inimigo, ou ouvir as balas passando perto de você e não sabem a essência de
ser um guerreiro. Todos eles são prisioneiros de sua ignorância profissional e, por
isso, seguem concepções antigas da época da fundação do Estado e da Guerra da
Independência.
No ano de 1982 22*, numa cerimônia de inauguração da nova academia que
abriu junto com Yaron na cidade de Rehovot, meu pai aproveitou a oportunidade e
deu um curto discurso para os alunos e os convidados que estavam presentes. Ele

21. Antes de ingressar no exército israelense, cada jovem passa por uma bateria de diversos testes e
exames que determinariam no final a sua profissão militar durante seus anos de serviço. Entre outros,
são testados o nível de inteligência do candidato, grau de educação, sua capacidade física, origem
social e econômica dele e de seus pais.
22. BUKAN fundou-se no ano de 1978, numa sala alugada. Porém, depois de algum tempo foi recebido
um pedido de desocupação do imóvel, uma vez que o terreno foi vendido a uma grande construtora
que planejava erguer um prédio de luxo no local. Consequentemente, Imi e Yaron resolveram comprar
um lugar que serviria como a sede permanente da escola. Yaron vendeu seu próprio apartamento para
financiar a compra da sede da BUKAN.

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A “Hutzpá” Israelense A História do Krav-Magá

explicou, já naquela época, que o Krav-Magá ensinado no exército, seguindo os


programas de treinamento que ele mesmo elaborou, não só está em extinção, mas
sua contribuição real não era mais a mesma. O soldado moderno, explicou meu
pai, está equipado com um veste cerâmico, impenetrável por tiros de pistolas ou
fuzis. É um item importante que salva vidas, entretanto, ao mesmo tempo é pesado
e complica a movimentação livre dos usuários, principalmente os movimentos que
requerem velocidade e agilidade.
Outro exemplo são as defesas contra faca, ou seja, se o veste para balas, então
com certeza nenhuma faca o penetraria. Na cabeça, os soldados usam capacetes e,
além disso, carregam nas costas seu equipamento de combate, incluindo munição,
alimentação, aparelhos de visão noturna etc., que podem chegar a um peso total
de trinta quilogramas. Nas mãos, o soldado segura a sua arma e, nos pés, calça
botas militares pesadas. Com todo esse aparelhamento, não é prático esperar que o
guerreiro ainda possa bater ou chutar. Como exatamente ele deveria aplicar defesas?
Isto é, será que ele deveria largar sua arma para fazê-las? Isso jamais acontece no
exército israelense - nenhum soldado deixaria seu fuzil. Talvez aplicar a defesa
usando o fuzil? Esta opção é raramente disponível, pois, o problema é que ao usar a
arma para defender seu corpo, ele pode danificá-la 23*.
Durante o combate as coisas pioram, já que soldados que participam em
incursões atrás das linhas inimigas levam às vezes nas costas mais de quarenta
quilogramas de equipamento e, em caso de encontro com o inimigo, o perigo viria
de balas e granadas, não de golpes com as mãos e as pernas. Portanto, quando certos
indivíduos se apresentam como peritos de Krav-Magá e defesa pessoal na frente de
soldados e combatentes, mas na verdade não possuem a mínima noção de como é
estar sob fogo inimigo, isso é um exemplo de incomparável “Hutzpá”. Entretanto, a
culpa não é toda dos charlatões, mas também e, principalmente, das pessoas do alto
escalão, que nem sequer se dão ao trabalho de verificar as credenciais de alguém que
jamais foi visto em um campo de batalha, não conhece técnicas de combate e nunca
atirou ou manuseou uma arma, e o resultado: instrutores sem qualificação nenhuma
treinam os melhores soldados. É uma tentativa de trazer de volta um dinossauro que
ninguém precisa, tirando alguns ignorantes que o exército israelense não leva muito
a sério. Tudo isso só agrava a falta de credibilidade profissional (entre verdadeiros
profissionais, é claro) em relação ao Krav-Magá e ao caminho completo do meu pai.
Infelizmente, em seus últimos dias, como acontece com muitas outras
pessoas, a mente do meu pai perdeu um pouco de sua agudeza e não era mais a
mesma de sua juventude, e sua realidade foi drasticamente afetada pelos vários
remédios que tomava. Todos estavam esperando a sua morte, para que pudessem
chutar no “traseiro” de sua criação no momento que ele fechasse os olhos para
sempre. A situação toda parecia mais como uma telenovela de quinta categoria

23. Não esqueçam o fato mais importante: quando Imi ensinou defesas de baioneta contra baioneta,
os fuzis mais comuns eram as armas tchecas, feitas metade de carvalho forte e metade de aço. Esses
fuzis não quebravam facilmente, enquanto, hoje em dia, armas populares como o M-16 americano,
são fabricadas de plástico frágil que se despedaça no primeiro golpe.

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A História do Krav-Magá A “Hutzpá” Israelense

(apenas um mês depois do falecimento do meu pai, o Sr. Haim Gideon já se autodeclarou o herdeiro
dele e Décimo Dan de Krav-Magá, e isso embora não tivesse nenhum documento para apoiar seus
atos e declarações). Pensem, meus prezados leitores, vocês concordariam em ser
castrados??? Evidentemente que não!!! Então, por que meu pai deveria aceitar que
algo, pelo qual trabalhou toda sua vida, fosse castrado?
No ponto onde termina a função do soldado israelense como guarda
das fronteiras e guerreiro de anti-terrorismo, começa o papel do policial como
representante da lei. Enquanto o soldado de hoje em dia pode sobreviver com
pouco ou nenhum treinamento de Krav-Magá e defesa pessoal, o policial necessita
destas habilidades da mesma forma que precisa de sua farda, porrete e pistola.
Presentemente, os policiais atuam em ambientes urbanos infectados por violência
física e, muitas vezes, o único elemento que distingue eles e os bandidos é a cor de
seu uniforme.
Quando os alemães fundaram a sua unidade de anti-terrorismo (uma das
melhores no mundo, e que, mais tarde, serviu até como modelo para a criação de uma unidade
parecida nas forças armadas israelenses), naturalmente que a primeira coisa que fizeram
foi convidar meu pai para treiná-los. Entretanto, ele não se sentiu confortável com o
pensamento de que precisaria passar longos períodos morando fora de Israel e voltou
para casa depois de duas semanas. Além disso, também o fato de morar na Alemanha,
o país responsável pelo Holocausto, o incomodou profundamente. Algumas coisas,
aparentemente, ficam para sempre. De qualquer forma, já na unidade israelense de
Anti-Terrorismo, chamada de “Yamam”, começaram a ensinar dois de seus “filhos”:
Yaron e Sami, sendo que o último ficou lá por muitos anos.
O policial, sendo um representante da lei, saca sua arma como parte
de uma estratégia de defesa pessoal. É provável que esta concepção do termo
“defesa pessoal”, do ponto de vista psicológico, varie de um indivíduo para outro,
especialmente quando o mesmo não está suficientemente treinado. Nas pessoas
de menos capacitação, o ponto de reação chega relativamente mais rápido do que
naquelas acostumadas a usar suas mãos e pernas como armas, ou seja, os olhos do
praticante habilitado reagem mais velozmente do que os de pessoas despreparadas.
A missão do policial, por definição, é proteger a vida do cidadão e, é aqui
que a necessidade de ter o Krav-Magá aparece. Não se deve confundir ações e
treinamentos de soldados no exército com a qualificação de agentes da lei. O policial
precisa de mais conhecimento sobre como neutralizar uma pessoa sem machucá-la:
pontos de pressão em áreas sensíveis, criação de “alavancas” e “chaves”, saber se
esquivar de ataques e aplicar defesas. Policial empregado no controle de multidões
necessita possuir noções reais sobre o manuseio do bastão para demonstrar
capacidade e potência pessoal, que vão além da cor da farda, enquanto o soldado
nem conhece esta função básica do porrete.
Acompanhei o Sr. Yaron em uma de suas viagens para treinar agentes da
polícia num país europeu. Lembro que assim que ele começou a dizer que iria explicar
e ensinar uma técnica de chute como preparação para defesa contra faca, alguns
dos oficiais presentes levantaram e reclamaram: “Mas outros professores (Israelenses)

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A “Hutzpá” Israelense A História do Krav-Magá

falaram para nós que no Krav-Magá não há chutes, porque são difíceis de aprender
e aplicar”. Depois de se recuperar do choque inicial, O Sr. Yaron começou a ensinar
várias formas de chutes e, depois de apenas uma semana, os policiais dominaram
totalmente essas técnicas, aumentando sua autoconfiança e elogiando sem fim o
Krav-Magá.
Novamente percebemos a “Hutzpá” dos israelenses. Um instrutor ignorante
que não diferencia entre a sua direita e a sua esquerda, sem a mínima coordenação
motora e, portanto, incapaz de chutar, “vendeu” para eles que no Krav-Magá
não existem chutes 24*, e ele não é o único. Cada um que não consiga executar
algum movimento, chute, soco, defesa ou exercício simplesmente tira, elimina e
corta toda a matéria que ele considera “complicada” – enquanto ele se garante, as
conseqüências não importam. Tem pessoas que chamam isso de “progresso”, ou até
melhor, “sistema em processo de evolução”.
Meu pai criou uma arte marcial longa e complexa, mas ao mesmo tempo
perfeita, incluindo inúmeros ataques, defesas e golpes, e qualquer tentativa de corte
danifica a sua perfeição. Não há necessidade de procurar progresso ou retração, já
que no Krav-Magá tem tudo. Para mim, como israelense, não existe um lugar onde
eu possa me esconder de toda a vergonha da reputação que estamos fazendo para
nós, reputação de enganadores, mentirosos e impostores. Apesar disso, acredito não
ser um grande equívoco afirmar que os leitores deste livro são da minoria normal
que se interessa por saber os fatos reais, sejam eles dolorosos ou prazerosos, e é
justamente por eles que escrevo essas páginas. Nem tudo está perdido – existem
ainda israelenses, e muitos, que seguem o caminho da honestidade e da modéstia,
que dão à vida alheia o mesmo valor que dariam à sua própria, e eles representam a
maioria da nação israelense. Vejam, por exemplo, a lista dos dez primeiros discípulos
no livro “The Book of Krav-Magá – The Bible”, na página 265. Porém, bastam
algumas frutas podres para estragar a cesta toda e difamar um povo inteiro.
Meu pai jamais aceitou conviver com os costumes sócioculturais israelenses
e nunca perdeu uma boa oportunidade de zoar seus alunos: “Vocês realmente não
são israelenses”, ele diria “Mas somente um tipo de asiáticos”. É necessário entender
que na cultura israelense esta afirmação pode causar um certo desconforto, mas
ainda, de seu ponto de vista ele estava correto. Através dos olhos de sua delicada
educação européia, ele não tinha chance de se misturar e se sentir à vontade na
jovem e agitada sociedade israelense que reinava nos primeiros anos da fundação do
país, depois de terminar a luta por sua independência e começar a construir o Estado
com os sobreviventes da guerra na Europa. Não é de se surpreender então que meu

24. Sabemos que, como os autores de uma pesquisa histórica, devemos manter uma distância objetiva
do assunto e ficar neutros a seu respeito. Entretanto, desde o início não se tratava aqui de um trabalho
regular e, portanto, admitimos que, de vez em quando, ao longo dos comentários anexados ao texto,
nós nos expressamos de forma não muito científica. Enganar e iludir agentes de segurança pública,
cujas vidas podem depender do Krav-Magá, é um crime grave em qualquer país do mundo.

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A História do Krav-Magá A “Hutzpá” Israelense

pai mantinha rigidamente a educação e a cultura que recebeu no seu país de origem,
frente aquela “israelensidade”. No entanto, no final de sua vida, este era também o
seu maior obstáculo.
Os mais perspicazes dos leitores provavelmente estão se perguntando
por que não escrevi nada sobre a minha mãe. Pois a verdade é que eu decidi não
mencioná-la em nenhuma parte do livro, porém, depois de uma pressão contínua
feita sobre mim, resolvi fazer meu “dever” e falar dela. Então, tenho uma mãe, mas
ela é grossa e ausente, apesar de que sua potência supera incomparavelmente a do
meu pai, que de fraco não tinha nada. Tenho uma mãe que com o movimento de um
dedo pode determinar a vida e a morte, ela tem poderes quase ilimitados, e ela me
abandonou e fez o mesmo com meu pai. Ela deveria consagrá-lo como um dos pais
fundadores do país, um herói nacional, chamar ruas, praças e universidades em seu
nome e homenagear sua parte na construção da cultura e da identidade israelense.
Quanto a mim, seria a obrigação da minha mãe me declarar um tesouro nacional
e fundar um centro internacional que determinasse quem pode e quem não pode
ensinar meu caminho, impedindo assim o surgimento de todos aqueles charlatões
que desejam nada além de me destruir e prejudicar minha reputação e a da minha
mãe.
Ela também escolheu ignorar o aluno predileto do meu pai, o discípulo que
ele deixou para continuar seu caminho, apesar de todas as tentativas de impedí-lo.
É o único que durante muitos anos lutou a desesperada guerra pelo caminho correto
e completo do Krav-Magá, recebendo sua força de sua inabalável fé no caminho
do meu pai, que ilumina a minha trajetória como um pilar de fogo. Somente ele
foi oficialmente declarado pelo meu criador como Faixa Preta Nono Dan de Krav-
Magá, o Grão Mestre da arte Marcial e meu segundo pai fundador. Então, já que
minha mãe decidiu nos ignorar, tampouco darei atenção a ela. Talvez ela prefira ser
uma mãe sem cultura, como muitos falam atrás de suas costas.
Escrevi este capítulo apenas para explicar e esclarecer o modo de pensar,
a forma de funcionamento da mente israelense. Para mostrar a sua concepção do
mundo e o consequente comportamento do israelense que vive com a sensação
de que tudo lhe é permitido, sem necessidade de obedecer à leis e autoridades, e,
especificamente, aqueles ligados ao mundo do Krav-Magá. Tudo isso com o objetivo
de ajudar na compreensão dos seguintes artigos da pesquisa, que iluminam o
processo de modificação da história do Krav-Magá.
O instrutor israelense de Krav-Magá não realmente sente arrependimento,
culpa ou qualquer outro sentimento quando ele elimina com suas ações e falas as
criações alheias. Nem quando engana e mente para seus alunos “estrangeiros”,
os não-israelenses. No entanto, não se deve tirar disso conclusões generalizadas
sobre toda a cultura israelense. O atual capítulo é a base para entender o raciocínio
daqueles envolvidos hoje em dia no mundo do Krav-Magá em Israel, especialmente
para os leitores que nunca viveram em Israel e que para eles Israel não passa de um

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A “Hutzpá” Israelense A História do Krav-Magá

nome no mapa mundial. A Hutzpá 25* dos israelenses pode ser identificada ao longo
do livro todo, sobretudo no capítulo “Documentos & Testemunhos”, que constitui o
coração da pesquisa.
Não poderíamos terminar o artigo sem tocar na Hutzpá demonstrada pelas
autoridades de educação em Israel no que diz respeito ao Krav-Magá. Quando
meu pai realizou o primeiro curso de instrutores era fácil para ele cooperar com
o Instituto Wingate, já que todos ali eram seus amigos e conhecidos. Mesmo se o
instituto não quisesse tanto colaborar, pois o Krav-Magá não é um “esporte” e no
Wingate trabalham somente com modalidades esportivas, mas, no final, a ligação foi
estabelecida e consequentemente foram abertas as portas para os discípulos de meu
pai participarem no prestigiado curso de treinadores da instituição. Mas então, o
Estado de Israel, sendo um “Estado de leis”, fez um grande passo para frente e criou
a “Lei do Esporte” em Israel, de acordo com a qual quem não tenha certificado de
instrutor, treinador ou algum outro diploma que atesta sua qualificação, não estaria
autorizado a ministrar aulas.
Em Israel, a escola de treinadores “Net Holman” no Instituto Wingate e a
escola BUKAN são os responsáveis pela emissão de tais documentos. Antigamente,
no início do caminho, meu pai nomeou Eli Avikzar como o diretor do departamento
de Krav-Magá na escola de treinadores e instrutores no Instituto Wingate e Yaron
Lichtenstein recebeu o cargo de instrutor-chefe no Instituto. Tudo funcionava
exatamente da forma que deveria. Porém, alguns anos mais tarde, Eli retirou-
se do Instituto Wingate por diversos motivos, e Yaron, por sua vez, cometeu um
grande erro quando escolheu não entrar em guerra, na qual com certeza venceria, e
decidiu afastar-se de todo o tumulto e isolar-se atrás dos muros da escola BUKAN. O
Instituto Wingate, em vez de tomar a responsabilidade moral, pública e profissional
26* como a principal universidade de esporte em Israel, começou outorgar diplomas

de instrutores sem critério algum, até para artes marciais que nem sequer existem...
Mas isso não é de nosso interesse no momento.
O falecimento do meu pai criou várias oportunidades para a entrada da
Hutzpá dos israelenses e, eu usarei este espaço para deixar claro, de uma vez por
todas, a inteira verdade sobre os atos de todos aqueles israelenses que abusam do

25. Esta “Hutzpá” levou ao roubo dos “Navios Cherbourg”. Essas embarcações foram construídas na
França ao pedido da marinha israelense, porém, por causa de um embargo anunciado pelo governo
francês, os navios ficaram encalhados no porto de Cherbourg. Uma unidade de elite do exército
israelense chegou até a França e na forma mais audaciosa e sofisticada possível dominou os navios e
os levou para Israel.
26. O Sr. Kluger era durante alguns anos o diretor do departamento de artes marciais na escola de
treinadores do Instituto Wingate, e afirmou ter o Quinto Dan em Karatê-Do. Todavia, como podemos
ver, atualmente, o Sr. Kluger já se apresenta como o fundador do “sistema militar israelense para
defesa pessoal, o Krav-Magá” (e até acrescenta o “R” de marca registrada, apesar de que em Israel
ninguém tem permissão para registrar o Krav-Magá como marca). As únicas pessoas autorizadas a
ensinar Krav-Magá são aquelas que possuem diplomas assinados por Imi até 1983, e a partir daquele
ano os diplomas passaram a ser emitidos pela BUKAN. Caso contrário, eles estariam usando o nome
do Krav-Magá de forma ilegítima, enganando o público de seus alunos. É apenas mais um degrau
da Hutzpá israelense. O Sr. Kluger não é o único que resolveu “juntar-se” ao mundo do Krav-Magá,
e isso deixa somente uma conclusão lógica – essas pessoas se interessam apenas no lado financeiro.

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A História do Krav-Magá A “Hutzpá” Israelense

fato de sua morte para construir sua própria reputação e nome (mesmo que se trate,
maiormente, de israelenses, não vejo motivo para que nem todos saibam a verdade, no mundo inteiro),
e não param mesmo sabendo que suas ações difamam para sempre a memória do
meu pai.
Há uma nova “tendência” em Israel, hoje em dia, de afirmar que meu pai não
era instrutor nas forças armadas. Existe até uma associação, de nome qualquer, que
seus dirigentes 27* insistem em chamar o que praticam de Krav-Magá (apesar de não
passar de um conjunto de alguns movimentos aleatórios com as mãos e as pernas). Conhecemos
o “diretor” desta associação e sabemos de seu passado profissional. Ele tem a
ousadia de dizer que meu pai (Imi) “roubou” o Krav-Magá do pai dele... Poder ser,
já aconteceram coisas mais estranhas do que isso em nosso mundo. Entretanto, esse
indivíduo não possui sequer um documento, um pedaço de prova, menor que seja,
para provar suas alegações. O pai dele não era instrutor-chefe nas forças armadas e
ele mesmo não tem a mínima noção no Krav-Magá, tirando uma foto no magazine
“Budo International” na qual ele aprece vestido com a roupa tradicional completa do
Kendô, porém em suas mãos segura um fuzil M-16... A Hutzpá, Senhoras e senhores,
não tem limites. Os fatos continuam falando por si mesmos – o pai dele não possui
a mesma história pessoal do meu pai, que era pugilista, lutador de Greco-romano,
judoca, professor de dança, trapezista no circo, Faixa preta em Jiu Jitsu Japonês,
entre outros. Pois todos conhecem e sabem o caminho de Imi.
Esperança enche meu coração de que esta pesquisa afastará toda a Hutzpá
para longe do Krav-Magá e todas as tentativas de abusar do nome de meu pai cessem
de vez, embora eu mantenha a ingenuidade longe de mim.

Desfecho:

Este artigo deve ser lido exclusivamente em relação ao Krav-Magá. Não é de nossa intenção
profanar Israel, ou os israelenses, a não ser que haja algum contato direto com os artigos que expõem
conduta inapropriada. Aqueles compatriotas abriram a porta para todos os outros, uma vez que, hoje
em dia, é possível encontrar em qualquer canto instrutores e alunos de segunda e terceira geração
que não possuem o mínimo de conhecimento no Krav-Magá. Existem também pessoas que jamais
treinavam Krav-Magá, mas este mínimo detalhe não os impediu de inventar “sistemas” novos e ferir
a reputação do verdadeiro Krav-Magá e do seu criador - o Sr. Imi Lichtenfield.
Cada país no mundo é baseado nos princípios da natureza humana, nas diferenças entre
homens e nas relações do indivíduo com o outro, dentro de um determinado território e com elementos
humanos específicos. No judaísmo, as relações entre os homens são consideradas um valor supremo,
perdendo apenas para a relação entre o homem e seu Deus. Esta é a origem do nosso desejo de mostrar
o tratamento que Imi recebeu durante sua vida, e como este deteriorou e piorou mais ainda depois de
seu falecimento.
Talvez seja este o lugar para convidar todos os diretores das diversas organizações de Krav-
Magá a lerem a página 492, no livro “The Yom-Kippur War – Moment of Truth”, de Ronen Bergman
& Gil Meltzer.

27. Veja a revista “BudoInternational”, número 106, Abril de 2007, página 50. Nós temos somente
a versão italiana da revista, mas é possível que tenha sido publicada também em outras línguas
(www.budointernational.com).

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A História do Krav-Magá As Graduações no Krav-Magá

GRADUAÇÕES NO KRAV-MAGÁ
Instituto Wingate, 1983. O final de curso com duração de um ano para o
Segundo, Terceiro e Quarto Dan. Como podemos ver,
todos estão com o Gi completo e a Faixa Preta.

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As Graduações no Krav-Magá A História do Krav-Magá

AS GRADUAÇÕES NO KRAV-MAGÁ

Primeiramente, para compreender o princípio das faixas / graus no Krav-


Magá, precisamos conhecer não apenas a história do Krav-Magá, mas também
como o sistema de faixas coloridas foi inicialmente introduzido nas artes marciais.
A regra número um para a existência de uma arte marcial na sua essência
tradicional e única é o uso do Gi do Judô, por completo, como foi incluído no Judô
pelo seu fundador - o Sr. Jigoro Kano, e que é utilizado até hoje mundo afora. O uso
do Gi abrange também a faixa que indica o grau do aluno e estes dois elementos não
podem em hipótese nenhuma ser separados, isto é, um praticante de artes marciais
jamais vestiria a faixa se não fosse sobre o tradicional Gi de Judô. Entretanto, o
método de alteração e modificação da história do Krav-Magá atingiu também essa
antiga e maravilhosa tradição de uso do Gi, e isso apesar do fato de todos saberem
como meu pai apreciou e apoiou o uso do Gi no processo de construção da arte
marcial Krav-Magá. Muitos ajudaram a criar um sistema enganoso com o objetivo
de eliminar o tradicional traje. Os primeiros eram os dirigentes da IKMF. Eles, além
de modificar completamente a arte, explicaram também aos seus alunos que no
Krav-Magá não se usa o Gi (Kimono) e até permitiram, para não dizer exigiram, que
os alunos subissem no Tatami calçando os mesmos sapatos com os quais andaram na
rua o dia inteiro, pisando em urina e fezes de animais e todo gênero de imundice que
a vida urbana oferece hoje em dia. Assim, com os alunos usando sapatos e roupas de
vários tipos, eles insistiram, por algum motivo, em realizar a tradicional cerimônia
1* de saudação e cumprimento no final e início da aula (aparentemente a perseguição por

trás do respeito nunca tem fim...).


Pessoas de todos os cantos do mundo, que dedicaram-se honestamente
ao Krav-Magá, foram levadas a acreditar que meu pai, como o fundador da arte,
realmente preferia o uso de trajes diários ao kimono, e como vemos nas testemunhas
da própria IKMF, ela realmente 2* foi fundada depois da morte do meu pai, o Sr.
Imi Lichtenfield. No entanto, não apenas meu pai nunca deu autorização para a
eliminação e retirada do tradicional kimono do Krav-Magá, como também nem
poderia saber dos atos cometidos pelas pessoas da IKMF e o abuso do seu nome.
Ademais, em centenas de artigos, reportagens, fotos e imagens publicadas por aquela

1. A tradicional saudação japonesa, ao contrário do que muitos pensam, não tem como objetivo
principal consolidar o respeito entre os alunos, ou entre o aluno e o professor (essas finalidades são de
menor importância), mas sim honrar o Tatami, sem o qual os treinamentos nas artes marciais, como
quedas, rolamentos, arremessos etc., tornam-se impossíveis.
2. Veja documento número 2, na página 229. Este documento comprova que a IKMF foi fundada
posteriormente à morte do Imi.

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A História do Krav-Magá As Graduações no Krav-Magá

e outras organizações, meu pai 3* sempre aparece vestindo o tradicional JudoGi e


usando a Faixa Preta. O surpreendente em tudo isso é o fato de que os alunos que
vêem ele nas diversas imagens constantemente usando o kimono, nunca pararam
para perguntar qual é o caminho certo.
Na foto que abre este capítulo podemos ver meu pai cercado por alguns de
seus discípulos pioneiros que chegaram junto com seus próprios alunos para o curso
de Dans, realizado no Instituto Wingate. O Sr. Eyal Yanilov, que é aluno do Eli
Avikzar, está também usando o tradicional Kimono com a Faixa Preta. Ele fica em pé
entre os Srs. Haim Zut e Avi Abesidon, o aluno mais graduado do Eli. A IKMF, como
parte de sua jornada para distorcer a história do Krav-Magá, foi mais longe ainda
e explicou (e isso é absolutamente errado) que o Krav-Magá é puramente militar, e logo
deveríamos usar apenas uniformes marciais durante os treinos. Os fatos da pesquisa
colocam também o tradicional Gi no seu lugar, mostrando imagens conclusivas e
indiscutíveis do meu pai, algumas junto com os mesmos modificadores da história
(outras fotos do meu pai com o tradicional Kimono encontram-se no livro “The Book of Krav-Magá
– The Bible). O atual capítulo expõe e esclarece detalhadamente, pela primeira vez na
história da arte, a insolência e falta de respeito de algumas pessoas e organizações
do mundo do Krav-Magá. Somente agora, quando entendemos a importância e
obrigação de usar o Kimono 4* nas aulas do Krav-Magá, podemos continuar a nossa
trajetória rumo à compreensão dos pensamentos e reflexões que guiavam meu pai
quando determinou a utilização do tradicional JudoGi no Krav-Magá.
O Jiu-Jitsu é uma das mais antigas e tradicionais artes marciais do Japão.
O fundador do Judô, o Sr. Jigoro Kano, também iniciou seu caminho aprendendo o
Jiu-Jitsu. Um dos alunos do Sr. Kano – o Sr. Kawaishi, mudou-se, como muitos de
sua época, do Japão para os Estados Unidos e lá começou a lecionar a arte de seu
mestre. Rapidamente ele ficou ciente do fato de que os “ocidentais” não possuem o
mesmo nível de paciência dos povos orientais. Naqueles dias o sistema de graduação

3. Temos o exemplo de uma reportagem, neste caso publicada em jornal português, que exibe o Imi
vestindo o tradicional Kimono, enquanto todos os outros praticantes usam roupa do dia-dia, sendo
especialmente comum a utilização de tênis e camiseta com o logotipo das diversas organizações.
De fato, foi o princípio de enfatizar ao máximo as marcas das organizações nas roupas dos alunos
que deu início ao processo de sumiço do tradicional Kimono no Krav-Magá. Como podemos ver na
federação Sul-Americana, ali ainda utiliza-se roupas brancas, mas tanto na calça como na camiseta
aparecem, frente e verso, os símbolos da organização, em letras grandes e difíceis de não enxergar,
como se estivessem dizendo: a embalagem vale mais do que o conteúdo. Fazia-se tudo para que os
dirigentes daquelas organizações se sentissem como generais de uma república bananeira de terceiro
mundo.
4. Além do sistema de faixas coloridas, Imi resolveu usar o Kimono, sobretudo por causa da segurança
nos treinamentos. Existem alguns exercícios no Krav-Magá nos quais arremessamos o oponente para
o chão, ou usamos várias pegadas etc.. Portanto, o uso do Kimono é obrigatório, caso contrário o
oponente não teria algo para segurar ao cair, podendo machucar-se gravemente por consequência da
queda e da perda de equilíbrio. Por este motivo, também, Imi preferia usar o Kimono grosso e maciço
do Judô e não o do Caratê, que é mais fino e leve e pode arrebentar facilmente. Evidentemente que
a renúncia ao Kimono levou à extinção daquelas técnicas criadas pelo Imi, inclusas no completo e
verdadeiro Krav-Magá.

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usado no Judô era o mesmo herdado do Jiu-Jitsu e incluía apenas três faixas – a
branca para iniciantes, a marrom e a preta, e o tempo para passar de faixa era bem
demorado. Para não perder alunos e também para atrair o maior número possível
de discípulos novos, o Kawaishi, depois de muito planejamento e reflexão, resolveu
aplicar um sistema de faixas coloridas, que é o mesmo que conhecemos hoje. O novo
sistema de faixas do Judô rapidamente foi adotado por todas as outras artes e é o
mais dominante também nos dias atuais, tirando alguns casos “esquisitos” que não
têm lugar nesta pesquisa.

Rok-Kyu: Faixa Branca para iniciantes, usada apenas para amarrar o Gi.
Gu-Kyu: Faixa Amarela
Yon-Kyu: Faixa Laranja
San-Kyu: Faixa Verde
Ni-Kyu: Faixa Azul
Ik-Kyu: Faixa Marrom
Shou-Dan: Faixa Preta Primeiro Dan
Ni-Dan: Faixa Preta Segundo Dan
San-Dan: Faixa Preta Terceiro Dan
Yo-Dan: Faixa Preta Quarto Dan
Go-Dan: Faixa Preta Quinto Dan
Roku-Dan: Faixa Vermelho-Branca Sexto Dan
Shichi-Dan: Faixa Vermelho-Branca Sétimo Dan
Hachi-Dan: Faixa Vermelho-Branca Oitavo Dan
Kyu-Dan: Faixa Vermelha Nono Dan
Gu-Dan: Faixa Vermelha Décimo Dan

Esta é a ordem das faixas como foi criada pelo Kawaishi, aluno do Jigoro
Kano; meu pai adotou o sistema de forma exata e determinou que fosse usado no
Krav-Magá. Na verdade, foi justamente o sistema de faixas coloridas que levou
meu pai a integrar por algum tempo a Associação Israelense de Judô. Meu pai só
desligou-se da Associação de Judô quando a última tornou-se um membro oficial
da Associação Israelense de Esporte e já que o Krav-Magá nunca foi definido
como uma modalidade esportiva, ele não poderia participar legalmente de alguma
organização desse tipo 5*. Entretanto, o fato de que o Krav-Magá não fazia mais
parte da Associação de Judô não alterou em nada a concepção do meu pai quanto às
faixas no Krav-Magá, pois a partir do momento que decidiu incluí-las, nunca mais
mudou sua ideia.
Meu pai jamais usava os nomes japoneses dos graus / faixas, mas somente
as cores que marcam cada graduação e o termo “Dan”, do número um até o número

5. No Livro “A arte do Judô”, o primeiro livro publicado na língua hebraica sobre o Judô, o Sr. Yosef
Lev menciona, na página 12, pela primeira vez na história do Krav-Magá, a relação entre Imi, o Krav-
Magá e os judocas em Israel, incluindo a Associação Israelense de Judô. O comentário refere-se ao
fato de que no Krav-Magá começaram a utilizar o sistema de faixas coloridas.

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nove. Meu pai também estabeleceu períodos mínimos de permanência em cada faixa.
Todavia, se nos anos setenta e no início dos anos oitenta era necessário o tempo de
oito a dez anos de treinamento para chegar à faixa preta, hoje em dia este grau pode
ser alcançado muito mais rápido. Os primeiros dez alunos pioneiros esperavam, em
média, entre nove e dez anos até ganhar o direito de vestir a faixa preta.
Meu pai criou algumas regras no que diz respeito à distribuição de graus
no Krav-Magá. Primeiramente, ele baseou a capacitação de instrutores 6* sobre
os mesmos princípios que guiam a escola de treinadores do Instituto Wingate, de
acordo com a seguinte ordem (os mesmos cursos são realizados também na escola BUKAN):
1. “Instrutor Jovem” (Madrich Tsair). A intenção aqui é para “jovem” no Krav-
Magá, não de idade. Este instrutor terá faixa laranja ou verde.
2. “Instrutor Segundo Grau” (Madrich Darga Bet). Pré-requisitos: o aluno deve
ter no mínimo de dois a três anos de treinamento e ser Faixa Azul.
3. “Instrutor Qualificado” (Madrich Musmach). Deve ser portador de Faixa
Marrom e com dois anos de experiência no ensino de Krav-Magá.
4. Treinador qualificado Sênior (Meamen Musmach Barrir). Este curso é
ministrado pelo Instituto Wingate e tem duração de um ano. O curso é considerado
um dos mais prestigiados oferecidos pelo Ministério da Educação. Para ingressar no
curso, é necessário ser no mínimo Faixa Preta Terceiro Dan de Krav-Magá 7*.
O assunto de qualificar e capacitar instrutores de Krav-Magá criou um
outro dilema para meu pai, o qual ele resolveu de forma bastante interessante e
excepcional, no final dos anos setenta, pouco depois de ter fundado a sua associação
de Krav-Magá.
No exército israelense são ensinadas centenas de profissões que não
são apenas militares, mas têm também uma utilidade civil, como por exemplo:
motoristas, cozinheiros, mecânicos, pilotos e assim por diante. É de costume em
Israel que os soldados que foram habilitados em alguma profissão pelo exército
durante seu serviço, passem por um breve curso que os qualifiqur a praticar seu ofício
também na vida civil. E o mesmo ocorre com soldados que passaram pelo curso de

6. De acordo com a legislação vigente em Israel, certificados de Instrutores não têm prazo de validade.
Somente as organizações mencionadas na pesquisa, depois de terem descoberto a possibilidade de
faturar alto através do mecanismo de “Renovação de Certificados”, concedem os diplomas com
validade limitada como parte de sua estratégia para obter lucros máximos e controle sobre seus
instrutores.
7. Este princípio também não se sustenta na realidade israelense. Hoje em dia, qualquer um pode
imprimir para si mesmo o diploma que queira, fundar uma organização com nome que inclua as
palavras “Krav-Magá” e ser aceito para o curso do Instituto Wingate, que, primeiro, nem sequer
verifica os alunos que ingressam nesses cursos e, segundo, tampouco tem a capacidade de o fazer,
uma vez que não há um órgão regularizador oficial do Krav-Magá em Israel e no mundo. A BUKAN,
neste caso, serve apenas como autoridade profissional. A legislação em Israel referente ao assunto é
bastante complexa e praticamente impede a criação de tal órgão, e, portanto, este tipo de certificados,
emitidos após 1994, devem ser tratados e examinados com bastante cuidado. O próprio certificado
não deve ser considerado de forma alguma como autorização da prática verdadeira e correta do
caminho completo do Imi.

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instrutores de Krav-Magá na academia militar de preparação física para combate.


Um dia chegaram dois jovens, ambos ex-instrutores de Krav-Magá no exército e
que recentemente haviam terminado o serviço militar, que falaram para meu pai
o seguinte: “Veja, nas forças armadas éramos instrutores de Krav-Magá, temos
experiência e recomendações, mas os nossos certificados de instrutores, emitidos
pelo exército, não são aceitos em nenhuma academia regular”. Todas as academias
exigiam um diploma “civil”, isto é, um documento concedido ou pela escola de
treinadores do Instituto Wingate ou pela associação do meu pai, que naquela época
já era reconhecida nacionalmente, e no certificado deveria constar também o grau
/ faixa do instrutor. Os dois rapazes que fizeram essa pequena história eram os Srs.
Yossi Shmueli e Richard Douieb. O primeiro veio para a academia do Yaron em
Tel-Aviv e o segundo apareceu na porta do meu pai, na cidade de Natanya. Meu
pai refletiu e examinou o assunto durante alguns dias e no final determinou que
cada ex-instrutor militar que viesse para treinar Krav-Magá em alguma academia de
aluno seu, receberia automaticamente a Faixa Laranja e o título de “Instrutor Jovem”
(Madrich Tsair). O Sr. Shmueli, aliás, continuou estudando com o Sr. Yaron e alcançou
a faixa preta pela escola BUKAN, enquanto o Sr. Douieb, depois de passar algumas
poucas semanas na academia do meu pai, em Natanya, (onde também foi treinado pelo
Yaron), conseguiu “tirar” do meu pai a faixa azul, quando contou a ele que tinha a
intenção de voltar para sua família na França e começar a lecionar ali Krav-Magá.
De acordo com nossas fontes de informação e segundo o material coletado por esta
pesquisa, até hoje a faixa azul é o único grau verdadeiro que o Sr. Douieb recebeu
no Krav-Magá.
Meu pai estabeleceu regras também no que diz respeito ao recebimento da
Faixa Preta. A seriedade e a atenção dadas por ele quando se tratava do assunto das
faixas no Krav-Magá, mostra repetitivas vezes como era importante para ele incluí-
las na sua arte. Além do mais, este fato comprova indubitavelmente que visionava
criar o Krav-Magá como uma verdadeira e completa arte marcial, em todos os
sentidos. Ele determinava que um aluno pudesse receber Faixa - Preta Primeiro Dan,
ou apenas Faixa Preta, sem o grau de Primeiro Dan. Para receber a Faixa Preta, o
examinado deveria ser um instrutor ativo. Meu pai sempre considerava a instrução
um ponto muito importante e explicava que, somente através da formação do maior
número possível de instrutores, o Krav-Magá poderia avançar e se espalhar. Ele
expressou essa preocupação ao tornar a instrução um requisito para a Faixa Preta.
Cada instrutor Faixa Preta que praticasse ativamente a instrução da arte
poderia ganhar um Dan adicional a cada sete anos, mas este princípio não se aplica
por mais de duas vezes (duas graduações de Dan ao máximo). Faixa Preta em Krav-Magá,
que recebesse uma Faixa Preta em Judô ou Aikido (de uma organização oficialmente
reconhecida), poderia receber também um Dan adicional no Krav-Magá. Meu pai
anunciou que poderia outorgar Dans também por atividades e feitos excepcionais
no Krav-Magá.

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Neste aspecto, o Sr. Eli avikzar fez uma história e estabeleceu o padrão
para o recebimento de Dans. Depois de ser encorajado pelo meu pai, Eli viajou para
a França a fim de aprender a arte marcial do Aikidô. Entretanto, naquela época, o
Sr. Eli ainda não tinha ganhado a Faixa Preta, estava com o grau de Faixa Marrom,
e apesar de todos seus pedidos e solicitações, meu pai recusou-se a lhe dar a Faixa
Preta antes de sua viagem. Para o Eli, de acordo com o testemunho de seus amigos
daqueles dias, meu pai estava preocupado com a possibilidade de que ele não
voltasse para Israel e, portanto, estava adiando a colação do grau de Faixa Preta. Já
o meu pai contava para seus colegas que o Eli realmente merecia receber a Faixa
Preta. Ao mesmo tempo, porém, meu pai ficou com receio de que o Krav-Magá
ainda não estivesse pronto para ser exibido fora de Israel, pois, ele sabia e entendia
que todos iriam querer ver a novidade. Mas meu pai estava equivocado. O Eli de
fato realizou demonstrações de Krav-Magá na academia onde estudou na França e
ganhou inúmeros elogios. Quando voltou para Israel já possuía o grau de Faixa Preta
no Aikido e, portanto, meu pai lhe conferiu também a faixa preta em Krav-Magá,
mais a graduação de Segundo Dan.
No início, meu pai exigia que cada Faixa Preta de Krav-Magá colocasse nas
duas pontas da faixa uma tira branca com três centímetros de largura. A ideia atrás
da exigência era de que ninguém alcançaria um nível tão alto de perfeição no Krav-
Magá que o permitisse usar uma faixa completamente preta. Mas alguns anos mais
tarde ele compreendeu que a sua concepção inicial estava errada, quando percebeu
o nível alcançado por vários de seus alunos pioneiros.
Outras regras inicialmente estabelecidas pelo meu pai são (algumas foram
modificadas ou canceladas por ele mais tarde):
- Portador de Faixa Marrom, que passou por um curso de Instrutores,
colocará na ponta da faixa uma tira branca com um circulo azul pintado no meio.
- Regras relacionadas aos exames de faixa no Krav-Magá:
1. Instrutor Faixa Azul pode examinar alunos até a faixa Laranja, ou seja,
dois graus abaixo dele.
2. De acordo com o mesmo princípio, instrutor Faixa Marrom pode examinar
alunos até a Faixa Verde
3. Instrutor Faixa Preta, portanto, pode examinar até a Faixa Azul.
4. Exames para faixas pretas e marrons serão realizados pelo menos por dois
examinadores, ambos portadores de, no mínimo, Faixa Preta.
Todas as regras acima mencionadas foram escritas e publicadas pela primeira
vez no ano de 1971, no primeiro manual de exercícios elaborado e editado pelo meu
pai. O próprio manual consiste num verdadeiro item histórico, e, até onde sabemos
cópias dele podem ser adquiridas somente no site www.Krav-Magábooks.com.
Ademais, meu pai sempre insistiu em realizar cerimônias oficiais de colação
de grau, como é de costume no Judô. As alterações nas regras foram feitas no intuito
de torná-las adequadas às novas circunstâncias. Ou seja, quando meu pai escreveu o

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manual, todos seus alunos estavam na Faixa Verde ou na Azul, mas, poucos anos mais
tarde, os mesmos alunos já eram Faixa Preta e donos de academias próprias. Meu pai
então autorizou alguns dos mais graduados discípulos a ministrarem eles mesmos os
exames de faixas e outorgarem graus. Os primeiros a receber essa autorização foram
o Eli Avikzar, o Haim Zut e o mais jovem do grupo – Yaron Lichtenstein, que era
seis anos mais novo do que o Eli e cerca de vinte anos mais novo do que o Haim Zut.
Na verdade, no dia em que meu pai fundou a sua associação de Krav-Magá, no ano
de 1978, somente esses três estavam lecionando Krav-Magá de forma ativa, e dos
três escolhidos hoje sobrou somente o Yaron, e ele é o único atualmente que possui
aquela autorização oficial do meu pai para conferir graus no Krav-Magá. Meu pai
cuidou para que esta permissão exclusiva fosse oficializada.
Até o dia em que a associação do meu pai foi fundada, ele mesmo fazia as
cerimônias de faixa, como era de costume, e só isso. Entretanto, com a fundação
da associação e a impressão de certificados com o símbolo que meu pai criou, ele
passou a exigir que para cada aluno aprovado em exame de faixa fosse emitido um
certificado adequado que comprovasse a sua graduação / faixa. Aluno sem diploma
correspondente, ele afirmou, e de forma correta, não possui grau nenhum. Para ele,
cada grau deve vir acompanhado por uma documentação apropriada que habilite e
autorize o portador da faixa. Para não ter erros, meu pai decretou também que cada
diploma concedido pela associação será registrado em seus arquivos e especialmente
os certificados de faixa preta e dos diferentes Dans. Adicionalmente, para cada Faixa
Preta e Dan outorgados ele juntou uma carta curta e pessoal, às vezes com uma linha
escrita só, que confirma o recebimento do grau e da certificação.
Em toda sua vida meu pai sempre subia para o Tatami vestindo a faixa preta.
Foi somente em seus últimos anos, quando sua força estava acabando e ele não
conseguia mais agüentar as infinitas discussões com seus alunos, que ele aceitou
usar a faixa vermelha. Para ele, a Faixa Vermelha não significava absolutamente
nada e ele considerava o seu uso um ato de palhaçada (sem querer ofender ninguém,
mas meu pai sempre afirmava que Faixa Preta é de “machos”, enquanto a Vermelha, ele dizia, era
“feminina”). Ele alegou que a verdadeira prova é o conhecimento que uma pessoa
possua e ficou satisfeito com a sua Faixa Preta.
No mundo todo, os princípios do sistema de faixas de Kawaishi são mantidos
e obedecidos. Também o Eli Avikzar, que desenvolveu um traje completamente
diferente para o caminho que criou, ainda preservou a ordem e as cores das faixas,
sem alterar nada. O sistema de faixas tornou-se tão popular hoje em dia, que até
a Capoeira brasileira, que jamais usava Kimono, mas apenas uma calça branca
amarrada com uma corda grossa, começou, nos últimos anos, a empregar cordas
coloridas correspondentes às faixas de Kawaishi.
Também no filipino Arnis, que não é uma arte marcial e seus praticantes não
fazem uso do Kimono, existe o sistema de faixas. Em todos os países no mundo as
faixas são dividias de acordo com as regras estabelecidas pelo Judô.
Tendo em mente tudo que vimos até agora, fazemos a seguinte afirmação:
em cada arte marcial, mesmo que esta não seja uma arte marcial no seu sentido

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clássico e tradicional, o sistema de faixas de Kawaishi ainda é amplamente aceito e


utilizado. Afinal de contas, todos nós queremos vestir a Faixa Preta ao término do
caminho.
Além da Faixa Preta e dos diferentes graus de Dan, existem no Krav-Magá,
como nas outras artes marciais, graduações e designações especiais destinadas a
professores com vasta experiência e conhecimento comprovado. Professor portador
de Terceiro Dan tem o direito de anexar ao seu nome o respeitado título de “Sensei”.
Este expressa não apenas altos níveis de sabedoria profissional, mas também
profunda compreensão dos ensinos filosóficos e espirituais da arte. O significado
mais exato do termo “Sensei” seria “Guia do Caminho”, isto é, o caminho certo a
ser tomado que nos levasse até a iluminação e o saber absoluto. Um professor que
fundasse a sua própria escola e nela ensinasse os segredos da arte de forma leal,
mantendo ao mesmo tempo firmes laços com outras escolas e professores da mesma
arte marcial, asseguraria para si o título de Sensei.
Na verdade, simplificando, percebemos que não é necessário ter
características excepcionais para se tornar um “Sensei”. Acima do nível do Sensei
está o grau de “Mestre”. Nas artes marciais, a definição de “Mestre” não significa
professor. Não é possível definir o termo Mestre do ponto de vista profissional.
Não é o suficiente afirmar que alguém poderia ser chamado de Mestre se apenas
recebeu de forma legal e oficial o grau de Sexto Dan, ou acima, já que muitos são os
portadores de tais graus e que mesmo assim não se apresentam como Mestres. Há
quem relacione a ideia de “Mestre” aos próprios fundadores e criadores das artes
marciais, entretanto, esta concepção tampouco está correta. Vejam por exemplo o
panteão das artes marciais. Meu pai fez questão de ser chamado apenas pelo seu
primeiro nome – Imi; Jigoro Kano recebeu o respeitado título de “Professor Kano”;
Morihei Ueshiba é chamado até hoje de Sensei Ueshiba, ou “Ô Sensei” (Grande Sensei)
e claro que Gichin Funakoshi, em nenhum de seus livros ou nos artigos publicados
sobre ele, é chamado de “Mestre”. Ninguém jamais ousaria duvidar, por uma fração
de segundo, das perfeitas e incontestáveis habilidades daqueles gigantes e ainda
nenhum deles tomou para si um título tão poderoso como o do “Mestre”.
Talvez possamos compreender melhor o conceito de Mestre através do
mundo do Judô, no qual acredita-se que o praticante deve aspirar a um nível tão
avançado de domínio físico e mental que seja capaz de controlar simultaneamente
seu corpo e o de seu adversário, e, consequentemente, saber com antecedência tanto
os movimentos que ele mesmo irá executar, como as manobras que seu oponente
aplicará. Um indivíduo que alcançasse tal capacidade de controle seria visto como
alguém que terminasse uma vida e começasse uma outra, mas agora com um ritmo
mais acelerado, mais veloz, muito além do normal. Um verdadeiro artesão como
este mereceria a definição de Mestre. E é justamente essa explicação que esclarece
para nós por que os grandes artistas marciais, criadores das principais artes marciais
que conhecemos hoje, jamais tomaram para si mesmos títulos tão extravagantes
e pretensiosos. É provável que, como fundadores de novos caminhos e levando
em conta a sua total aspiração à intransigente perfeição, eles não acreditaram ter

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As Graduações no Krav-Magá A História do Krav-Magá

construído uma coisa tão perfeita, tão implacável. Este fenômeno é comum nos seres
humanos e se repete não somente em assuntos relacionados à artes marciais.
Quando a palavra / termo Mestre é relacionada a um praticante de artes
marciais, esperamos ver um indivíduo que saiba não apenas chutar e bater de forma
perfeita, mas que também domine todos os caminhos filosóficos, espirituais da arte.
Mestre que não demonstre controle total nos dois aspectos, não é Mestre. Esses são
apenas dois exemplos do que exigimos de um verdadeiro Mestre de artes marciais.
Porém, se no passado o uso desta noção varia entre raro a inexistente, hoje em
dia percebe-se uma imensa inundação no mundo das artes marciais de pessoas
intitulando-se “Mestres” e até de “Grão Mestres”. O Krav-Magá não é diferente e às
vezes parece que, para uma arte marcial relativamente pouca conhecida e divulgada
como o Krav-Magá, existem “Mestres” demais, dificultando a tarefa de diferenciar
entre os verdadeiros artistas e os falsos, os “auto-declarantes”.
Se tivemos êxito examinando as qualidades esperadas de um Mestre,
já no nível de “Grão Mestre” precisaríamos ir além e nos aprofundamos muito
mais, e mesmo assim seria extremamente difícil enxergar e compreender todo o
conhecimento e sabedoria profissional acumulados por um professor portador de
tal graduação. Controle total e intransigente em todas as técnicas existentes na arte
que pratica; compreensão e domínio absoluto dos caminhos filosóficos de sua arte
marcial; capacidade de corrigir, ensinar e explicar para seus alunos cada exercício
e cada situação possíveis, dentro e fora do Dojo / Tatami; ser capaz de analisar todo
movimento e saber por que este é feito de uma forma e não de outra; possuir um
amplo conjunto de qualidades físicas e mentais. Mas, acima de tudo, jamais uma
pessoa se declararia um “Grão Mestre”. Há apenas duas maneiras de receber o título
de Grão Mestre – a primeira é ser anunciado como um pelo seu professor, isto é,
quando um Grão Mestre passa a tocha para um de seus discípulos. E a outra forma
ocorre quando alguns mestres, portadores dos graus de Sexto, Sétimo e Oitavo Dan,
todos donos de grandes e importantes escolas, se reúnem e decidem apontar um
deles como o Grão Mestre de sua arte marcial, depois de analisar cuidadosamente
suas habilidades profissionais e concluir que aquele fulano é o artista mais adequado
e mais preparado para contribuir com suas imensas habilidades para a promoção da
arte toda. Em arte marcial, por definição, não existe uma auto-declaração de graus,
e quem o faça não é um artista marcial.
Grão Mestre é arte em movimento. Um dos fenômenos mais populares hoje
em dia no Krav-Magá (outras artes marciais não são do nosso interesse) é a auto-intitulação.
Quase ninguém escapa disso. E quando tratamos daqueles modificadores da história
do Krav-Magá, percebemos com que facilidade construíram para si mesmos histórias
pessoais diversas. Depois da morte do meu pai, graduações de Décimo Dan foram
anunciadas pelo Sr. Haim Gideon e também por outras pessoas, como, por exemplo,
o Sr. Haim Zut, que se outorgou o Décimo Dan e também o Sr. Eli Avigzar, que
tampouco resistiu e noticiou a sua coroação para o Décimo Dan, apesar de que neste
caso as circunstâncias eram diferentes.

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A História do Krav-Magá As Graduações no Krav-Magá

Num vídeo postado no site oficial da IKMA assistimos a ocasião na qual o Sr.
Haim Gideon recebeu o Oitavo Dan do meu pai. Com este ato, meu pai afirmou que
o Oitavo Dan é o grau que o Sr. Haim Gideon é autorizado a usar, pois naquela época
meu pai já tinha discretamente entregue os diplomas de Nono Dan e de sucessor ao
Yaron Lichtenstein. O inevitável resultado foi que todos aqueles que se recusavam
a aceitar a decisão do meu pai, conferiram para si o grau que desejavam. O próprio
filme levanta várias perguntas e dúvidas, mas estas não são do nosso direto interesse
aqui. Porém, o mero fato de que meu pai, nos últimos dias de sua vida, ainda seguiu
o bom e velho sistema de faixas de Kawaishi, é a incontestável prova de que ele
jamais eliminou o uso desse tradicional sistema de graduações no Krav-Magá e até
seu último dia considerou-o legítimo, sendo uma parte inseparável do Krav-Magá.
Várias testemunhas afirmaram que meu pai costumava dizer que no Krav-Magá
pode-se chegar no máximo até o Sexto Dan, e também este grau, quando fosse
conferido, seria a base de honra mais do que por motivos puramente profissionais.
Portanto, encontra-se certa a alegação de que a chuva de graduações que caiu sobre
o Krav-Magá nunca foi, de forma alguma, a vontade verdadeira do meu pai.
Eis mais um fato interessante, que embora não sendo diretamente relacionado
ao assunto das graduações no Krav-Magá, ainda possui uma importância histórica:
o diploma que meu pai passou para o Sr. Yaron, qualificando ele e a BUKAN - sendo
a escola original do Krav-Magá, os únicos autorizados a conferir graus no Krav-
Magá. Provavelmente meu pai adotou também esta ideia do mundo do Judô, que ele
tanto apreciou 8*.
Faixa preta é muito mais do que uma mera graduação. É respeito, amor-
próprio, autoconfiança. É uma forma de dizer: “Vejam quem eu sou e do que sou
capaz”. Toda criança conhece o termo Faixa Preta. As artes marciais não chegariam
ao seu estado atual sem a faixa preta. E eu me pergunto: por que uma pessoa seria
tão estúpida de estudar tantos anos sem ter a chance de um dia usar a faixa preta?
Para mim, isso é um exemplo de baixíssima auto-estima!
Uma pesquisa histórica sobre o Krav-Magá não poderia ser completa se não
incluíssemos o seguinte acontecimento, que constitui um pedaço autêntico e real da
história do Krav-Magá:
Em toda arte marcial há um nó especial utilizado para amarrar a faixa no
quadril do praticante, e cada arte tem seus próprios motivos, porque o nó é feito
de certa forma e não de outra. O mesmo ocorre no Krav-Magá. Quando meu pai
começou a dar faixas aos seus primeiros dez alunos, ele lhes mostrou o nó que criou
e que realmente era diferente de todas as técnicas e modos de amarração existentes

8. Com isso, Imi queria garantir que a escola BUKAN, (fundada por ele e pelo Sr. Yaron no ano
de 1978 e que é a única que segue seu caminho original) fosse a responsável pela distribuição de
graus. Nesta altura já estava claro para Imi que, depois de sua morte, o Krav-Magá criado por ele
sobreviveria somente na BUKAN, e realmente foi assim que aconteceu. O Imi considerou a BUKAN
como o equivalente à escola de Judô “Kodokan”, no Japão. Ademais, o Imi estava ciente da enorme
contribuição do Sr. Yaron para a arte, e tampouco poderia ignorar o fato dele ser o único com licença
para ministrar escola particular de Krav-Magá e o privilegiado portador de uma autorização para
realizar cursos de formação de instrutores fora do Instituto Wingate.

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As Graduações no Krav-Magá A História do Krav-Magá

nos anos 1969-1970. Porém, cerca de três anos mais tarde, o Eli avikzar, depois de já
ter recebido a sua faixa preta, chegou um dia para o treino na academia de Tel-Aviv
e ordenou todos os alunos a desamarrarem suas faixas e em seguida os ensinou um
novo nó. Quando meu pai percebeu que todos os alunos estavam usando um novo nó
e não aquele criado por ele, olhou para o Eli com uma grande marca de interrogação
no seu rosto, e o Eli respondeu da seguinte forma: “Olhe, Imi, o nó que você criou é
ótimo, mas o nó que eu inventei é bastante parecido com seu bigode que você puxa
para os lados o tempo todo, como muitos “donos” de bigode costumam fazer...”. E
foi assim que o novo nó do Krav-Magá foi criado. Todos apreciaram o fato de que
o nó não é usado apenas para amarrar a faixa, mas também homenageia e imita
meu pai, que, sem dúvida alguma, merecia esta honra. Desde aquele dia, todos que
seguem o caminho do meu pai e usam o Kimono com a faixa preta, amarram a faixa
com o nó inventado por Eli e no final puxam as duas sobras da faixa para o lado, em
memória ao costume de meu pai de brincar com seu bigode 9*.

9. Uma vez que o livro não vem acompanhado de fotos, não trouxemos aqui a técnica de como
amarrar a faixa no Krav-Magá, mas diremos isso: o segredo do nó fica no ato de rodar a faixa para
dois lados simultaneamente, no momento anterior à fase de apertar o nó. Procurem o filme no site
www.kravmagaexams.pro.br.

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A História do Krav-Magá As Graduações no Krav-Magá

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A História do Krav-Magá Defesa Pessoal

DEFESA PESSOAL 1*
“ MENOR CAMINHO , MÁXIMA VELOCIDADE “

O marceneiro usa seus instrumentos – a plaina, o cinzel, a grosa e a coleção de facas


especiais para cortar a madeira fazer e a sua arte. Estes são expostos a todos. O oculto é o dom, que
ninguém sabe onde está ou qual é a sua origem, mas ele guia o marceneiro em seu trabalho.
Cada um tem seus instrumentos. O médico não serra seus pacientes, da mesma forma que
o marceneiro não cura. O advogado não poli seus clientes, e o polidor de diamantes não defende suas
pedras preciosas. Cada profissional restringe-se à sua área, como deveria ser.
O cirurgião também utiliza vários instrumentos para salvar vidas – o bisturi, a cureta, a
porta-agulha, tesouras específicas, monitores, aparelhos de respiração etc. Com a ajuda de todos esses
instrumentos o cirurgião realiza operações para salvar vidas humanas. Esta é a parte descoberta. O
lado escondido está dentro de seu cérebro – o conhecimento adquirido que guia suas mãos e dedos
dentro do corpo do paciente.
Os instrumentos do advogado são completamente diferentes. Ele usa caneta, papel, teclado
e a lei escrita. Todos vêem isso. O invisível é a sua inteligência e língua afiada enquanto enfrenta o
juiz ou um júri.
O polidor de diamantes pesa e examina cada pedra antes de trabalhar com ela. Às vezes, o
período de análise pode chegar a um ano, sendo que um movimento errado pode causar um prejuízo
enorme. Portanto, cada ponto, ângulo ou possibilidade devem ser levados em conta.
Meu pai tinha respeito sem limites aos seus colegas do judô e das outras artes marciais.
Jamais ousaria comentar algo inadequado. Entretanto, hoje em dia todos usam o termo “Defesa
pessoal” sem ter a mínima noção do que significa ou o que é realmente defesa pessoal. Será que cada
arte marcial consiste também em uma forma de defesa pessoal? Meu pai afirmou que não e o Krav-
Magá é a prova disso.

Eu li e re-li os rascunhos deste capítulo repetidamente para verificar se


não me equivoquei com nenhuma palavra ou letra, ou pior, uma frase ou expressão
inteira. Admito sem vergonha que o medo de cometer algum erro, por menor que
fosse, num assunto tão complexo e crítico como a defesa pessoal no Krav-Magá e
numa visão mais ampla também no universo geral das artes marciais, me fez refletir
sobre a possibilidade de desistir da pesquisa. Pensei até em esquecer da minha
vontade de revelar e contar os verdadeiros acontecimentos históricos e abrir uma
janela através das nuvens de poeira que começaram a cobrir a verdade histórica.
Entretanto, a honra perdida do meu pai, e em parte a minha também, gritam das
profundidades da minha alma para eu não me render, custe o que custar, mesmo que
seja apenas por aqueles que ainda seguem incorruptivelmente o caminho do meu
pai, ou para as próximas gerações, caso desejem saber como tudo começou, quem
são os verdadeiros discípulos e sucessores do meu pai e quem são meros charlatões.
No entanto, durante os repetitivos exames da matéria, descobri que não
tenho outra opção a não ser pedir o perdão dos leitores antecipadamente. E o motivo,
para minha imensa surpresa, foi que verifiquei estarem, entre as linhas, escondidos,

1. O atual capítulo é baseado num artigo acadêmico – “Krav-Magá como arte marcial para defesa
pessoal”, publicado em 1994 na revista acadêmica da faculdade Israelense de Educação Física “Givat
Washington”. O artigo foi aprovado e reconhecido pela Universidade de Jerusalém e constitui uma
verdadeira revolução, sendo que esta foi a única vez, até hoje, que um artigo acadêmico foi publicado
sobre o Krav-Magá, em Israel e no mundo.

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Defesa Pessoal A História do Krav-Magá

sinais claros e preocupantes de arrogância da minha parte. Trata-se apenas de


arrogância profissional, nada mais do que algumas faíscas que dificilmente tomarão
as dimensões de um incêndio real, mas o fato é que eles ainda estão lá. Evidentemente
que esta confissão não tem valor nenhum, já que num aperto de dedo o texto pode
ser completamente alterado, e tudo que não esteja apropriado será apagado, porém,
algo dentro de mim quer deixar as palavras da forma como estão. E por que eu
deveria fazê-lo? Este artigo, especificamente, e a pesquisa toda vão provocar uma
profunda revolução, então julgo melhor prosseguir de acordo com meu caminho e a
minha vontade.
Está claro para mim que se meu pai estivesse vivo e ao meu lado agora,
ele não ficaria tão contente com a atitude direta e crítica que decidi adotar, mas ele
mesmo declarou inúmeras vezes, com o orgulho de um pai / criador, que o Krav-
Magá é a melhor arte marcial para defesa pessoal. Dedicaremos então este capítulo
e as próximas páginas para descobrir de uma vez por todas os motivos e elementos
que fazem do Krav-Magá a melhor (e a única) arte marcial do gênero para defesa
pessoal, até que grau o Krav-Magá é vinculado à vida do dia-dia na Terra Santa e o
que realmente significa o termo “Defesa Pessoal”.
Em seu eterno, glorioso e célebre livro – “O Livro de Cinco Anéis”,
Miyamoto Musashi (um livro obrigatório para quem queira conhecer a arte dos Samurais e a
concepção universal das artes marciais) não menciona sequer uma vez as palavras “Defesa
Pessoal”. A cultura dos Samurais cresceu e floresceu num contexto sócio-cultural
no qual a defesa pessoal não tem significado nenhum. Ao contrário, esta noção
simbolizava um certo grau de covardia e desonra pessoal, pois o Samurai viveu para
lutar e estava disposto a sacrificar sua vida por este fim, seguindo a crença de que
sua morte seja gloriosa tanto quanto a sua resistência 2*. Portanto, a vida do Samurai
é comparada ao curto florescimento da flor da cerejeira (época que até hoje é considerada
um feriado nacional no Japão) – breve, mas cheia de beleza, esplendor e magnificência.
Esta abordagem a respeito do caminho dos Samurais constitui também o
caminho para a compreensão global das artes marciais, sendo que de uma forma ou
outra todas elas foram afetadas pelos conceitos e preceitos dos antigos guerreiros
japoneses. O “Hagakure”, o livro das regras de conduta e leis de honra dos Samurais,
apoia a ideia de que o Samurai deve morrer no serviço de seu senhoril 3*. O conceito
de proteger a vida do senhoril existe no sentido geral de guarda-costas, guardas
do palácio etc., mas caso o próprio mestre chegasse a uma situação de combate e
enfrentasse a possibilidade de morte, então só restaria esperar que o mesmo tivesse
uma morte digna. Durante a Segunda Guerra muitos soldados japoneses preferiam

2. Vimos um exemplo moderno desse bélico caminho de vida nos pilotos japoneses da Segunda
Guerra Mundial, os “Kamikase”. A ideia de escapar ou sair de uma aeronave que está mergulhando
para a morte certa simplesmente não existia.
3. Quarenta e sete Samurais, cujo soberano foi executado pelo Shugon, mataram-se com a tradicional
cerimônia suicida dos Samurais, causando uma grande onda de admiração e compaixão na época.
Seus túmulos, considerados sagrados, são um foco de peregrinação até hoje. Mas é necessário
entender que aqueles Samurais escolheram a morte voluntariamente, respeitando a sua cultura e a de
seu povo. Sobreviver era uma forma de defesa pessoal, e, portanto impensável.

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A História do Krav-Magá Defesa Pessoal

morrer de “modo honrado” a serem capturados pelo inimigo, o que seria considerado
uma forma de defesa pessoal e ofensa contra a honra da nação japonesa. Muitos
deles se mataram já nos primeiros sinais de derrota na batalha 4*. Se examinássemos
de perto a arte do Kendô de hoje, a mais próxima para a luta de espadas, não
encontraríamos nenhuma técnica de defesa pessoal e por uma razão bem lógica – a
finalidade do sabre é matar e os portadores da espada são divididos em dois – os
que morrerão na batalha e os que não, e ninguém recebe um programa da vida.
Entretanto, para obter uma perspectiva mais correta e exata, precisaríamos analisar
não somente o Krav-Magá, mas também as outras artes marciais.
No Caratê, por exemplo, e em outros estilos que adotam a concepção do
Caratê, o termo usado para qualquer situação na qual paramos o ataque do oponente
é “bloquear”. “The Book of Krav-Magá – The Bible”, na página 245, mostra e
explica com bastante clareza e precisão porque não existe nenhum movimento de
bloqueio no Krav-Magá como arte marcial para defesa pessoal. No caso em questão,
de defesa contra bastão, mesmo antes de começarmos a aplicar a defesa, a mão que
levantamos já estaria quebrada, e em seguida a nossa cabeça teria o mesmo destino.
É necessário entender isso para compreender o significado da defesa pessoal.
No Krav-Magá este termo não existe em nenhuma forma. A definição no
Hebraico para as palavras “bloqueio” ou “Bloquear” é relacionada ao vocabulário
militar / policial, inapropriados para a percepção do Krav-Magá sobre o tema.
Quando soldados colocam barreiras na estrada para realizar inspeção nos veículos,
isso seria um “bloqueio” em Hebraico. Um canal largo e amplo construído na linha
de combate no intuito de impedir a passagem de tanques, também é um “bloqueio”.
A palavra “bloqueio”, no Hebraico, tem conotações relacionadas à força, uma coisa
que não pode ser penetrada sem uma poderosa invasão ou entrada. Por exemplo, a
“barreira do som”, no Hebraico, seria na verdade “o bloqueio do som”. Não há aqui
alguma definição exata do tipo e quantidade de força aplicada, mas a conotação
ainda fica. No rádio da polícia, em perseguições atrás de suspeitos, é comum ouvir a
expressão “bloqueiem ele”. No Hebraico, a utilização do termo “bloquear” é sempre
acompanhado do uso da força.
E ao examinarmos os movimentos do Caratê percebemos que os “bloqueios”
usados expressam aplicação de muita força. O Caratê é uma arte maravilhosa e este é
seu caminho, mas seus movimentos não combinam com o Krav-Magá. Meu pai não
queria introduzir para o Krav-Magá nenhum elemento de uso da força, especialmente
quando se tratava do aspecto da defesa pessoal. Portanto ele determinou, verbal
e fisicamente, como parte da concepção do próprio Krav-Magá, que não existem
bloqueios no Krav-Magá, apenas defesas. Esta não é somente uma definição oral,
mas sim uma parte da formação mental do aluno. Há diferentes ataques, golpes,
chutes etc., mas os exercícios são denominados defesas. No Krav-Magá usamos só
defesas, ponto final.

4. Vários exemplos desse fenômeno encontram-se presentes na maravilhosa obra do John Toland –
“The Rising Sun”

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Defesa Pessoal A História do Krav-Magá

Ataque também é uma forma de defesa. O ponto básico inicial segue


o princípio de que praticantes de Krav-Magá são inteligentes o suficiente para
não atacar – não temos necessidade de usar violência, nós apenas estamos nos
defendendo quando não temos outra opção. O nome oficial do exército israelense
é – “As Forças de defesa Israelenses”. Ou seja, exército sim, mas apenas como meio
de defesa. Quando o Estado de Israel foi fundado e paralelamente foi criado seu
exército, os líderes do país podiam escolher qualquer nome para o exército, mas
a decisão foi chamá-lo de “Forças de Defesa de Israel”, isto é, a única função do
exército seria defender o país, e realmente esta é a sua função até hoje. O mesmo
princípio vale também para o Krav-Magá: arte marcial para defesa pessoal. É nisso
que os israelenses são melhores. Ao longo de toda sua história, a concepção da
defesa pessoal domina o povo de Israel, e é a mesma concepção por trás da criação
do Krav-Magá como arte marcial para defesa pessoal 5*.
Para quem busca uma explicação um pouco mais prática, a intenção aqui
é também para a diferença no ponto de vista corporal do Krav-Magá quanto à
técnica de enfrentar o oponente. Quando ficamos em pé numa posição dura, todos
os músculos do corpo estão esticados e em funcionamento pleno. Para ativá-los
no momento certo, com o objetivo de fazer um movimento rápido, estaríamos na
verdade realizando duas ações separadas: uma para relaxar o músculo e a outra para
acioná-lo. Enquanto isso, se ficássemos desde o início numa posição de absoluto
relaxamento, mas claro que ainda em controle total do corpo, economizaríamos
um movimento inteiro, apesar de este ser tão rápido e curto que o olho humano
dificilmente distinguiria as diferenças. Por exemplo, se medíssemos com a ajuda de
aparelhos num laboratório a velocidade de duas pessoas que estão se enfrentando,
evidentemente que aquele que realizou apenas um movimento seria o mais rápido.
Meu pai sempre tentou explicar e ensinar como ser “suave” 6*, fazer
movimentos suaves, se movimentar suavemente. A suavidade explanou ele, “Oferece
tempo adicional para a visão periférica do espaço e da situação. Quando está
suave, o indivíduo se mantém esperto, enquanto num estado de dureza corporal ele

5. Neste aspecto devemos tocar na história bíblica do povo de Israel durante seu seis mil anos de
existência. Uma cuidadosa análise das guerras descritas na Bíblia mostra que essas sempre eram
resultado de defesa pessoal e mais, percebe-se que cada vez havia um período de certa espera, e só
depois chegaria a fase da resposta e do ataque. Este comportamento da nação é mantido até os dias
atuais. Os exemplos históricos mais evidentes disso são: o êxodo do Egito e a passagem do Mar
Vermelho, o Rei Davi confrontado o gigante Golias, Sansão que aguardou até o último momento
para derrubar os pilares do palácio dos filisteus, a guerra de Yom-Kipur, em 1973, quando o exército
israelense esperou até o ponto crítico para reagir. Existem outros milhares de exemplos para o que
Imi denominou de “O método de aguardar e ver”, ou seja, ficamos de pé, observando os movimentos
do oponente e escolhendo o momento certo para aplicar nosso ataque. Esta é uma característica
típica do povo e do exército israelenses. Isso levanta uma questão interessante que não poderia ser
respondida pela atual pesquisa: será que se trata aqui de algum código genético excepcional? Não
temos a possibilidade de cientificamente determinar a resposta, mas a nossa opinião pessoal é que
este argumento não deveria ser ignorado.
6. O assunto é abordado de forma mais detalhada no artigo “Sejam Suaves”, no capítulo referente à
filosofia do Krav-Magá.

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A História do Krav-Magá Defesa Pessoal

se fecha. A rigidez é nada mais do que a pessoa deixando seu ego falar”. A suavidade
se expressa ao longo do Krav-Magá em muitas defesas difíceis e complicadas, e,
de fato, sem essa técnica, muitas situações seriam impossíveis de ser pensadas,
como por exemplo: o rolamento especial aplicado no exercício contra ameaça de
fuzil automático e em situação de reféns, defesas contra bastão, contra ameaça de
pistola etc. Todos esses movimentos não têm correspondente em nenhuma outra arte
marcial e especialmente não têm naquelas que adicionam ao seu nome as palavras
“defesa pessoal”.
E não se deixem enganar quanto à suavidade – “Suavidade não significa
fraqueza”. As defesas no Krav-Magá são aplicadas usando a força e principalmente
a direção do movimento do oponente para desviar a trajetória de seu ataque e este,
claro, é apenas um exemplo dentre centenas de outras possibilidades. Evidentemente
que a criação de uma arte marcial tão longa e complexa, baseada sobre esse princípio
exigiria um imenso conhecimento sobre o corpo humano, sobre a formação dos
músculos, dos tendões, dos ossos e a direção de seu funcionamento. Mas é justamente
essa a genialidade do meu pai como o criador da arte e do Krav-Magá - o “produto
final”.
Um aprofundamento no estudo teórico da defesa pessoal confirmaria
facilmente o fato de que nenhum outro fundador das artes marciais tradicionais fazia
uso do termo “defesa pessoal”. Na literatura profissional que acompanha cada uma
destas artes não há nenhuma menção sobre essa expressão. Refiro-me à literatura
original escrita pelos próprios criadores ou pelos seus mais próximos discípulos até
meados da década de setenta do século XX. Depois desta data, a noção de “defesa
pessoal” tornou-se tão popular mundo afora que cada professor de qualquer arte
marcial declarou ser praticante de “defesa pessoal”, seja isso verdadeiro ou não.
Meu pai abriu suas duas academias no ano de 1967 quase que paralelamente,
com apenas algumas semanas de diferença. A primeira, na cidade onde morava –
Natanya, na Rua Sheshet Hayamim número dois (de Hebraico – Rua da “Guerra dos Seis
Dias) e a outra na cidade de Tel-Aviv, na esquina das ruas Pinsker e Trumpeldor
(Trumpeldor era um lendário guerreiro, um tipo de “Musashi” israelense. Na história de Israel, ele
foi um dos primeiros que lutaram pela independência do país e continuou lutando, mesmo depois de
perder um de seus braços em um dos combates. A história daquela época conta que depois de ficar
gravemente ferido em combate, suas últimas palavras antes de morrer foram: “É bom morrer por
nosso país”). Nas duas academias foi colocado na porta um cartaz declarando que
aquele era um lugar para aprender defesa pessoal. Foi isso que ele ensinou naqueles
dias.
Meu pai recebeu a confiança para começar e divulgar a sua arte para o
público em geral, isto é, fora das forças armadas, das entusiasmadas reações dos
soldados que ensinou e, sobretudo, de seus comandantes de todos os níveis. Essas
eram as únicas indicações à disposição dele no começo do caminho. Foram eles
que reconheceram o seu empenho em diversos campos: aumento da autoconfiança
dos soldados, o aprimoramento de vários aspectos do condicionamento físico dos
militares e o aperfeiçoamento da capacidade de movimentação dos mesmos. O ensino

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Defesa Pessoal A História do Krav-Magá

de rolamento para frente, por exemplo, ajudou bastante aos paraquedistas daquela
época, quando o paraquedas básico ainda era bastante primitivo (em comparação com o
que está no mercado hoje em dia) e no momento em que o soldado tocava no chão, no final
da queda, ele tinha que realizar um movimento estranho que parecia como meio
rolamento lateral para amortizar o impacto.
Entretanto, tampouco faltavam alguns “santos”, que mereciam um bom e
inesquecível tapa na cara, que de vez em quando vinham para meu pai ou para
um de seus alunos e diziam: “Defesa pessoal.... Que é exatamente defesa pessoal?
Somente mulheres aprendem defesa pessoal, homens de verdade lutam!” Mas meu
pai sempre reagia dando apenas um sorriso silencioso acompanhado por um olhar
que parecia estar ridicularizando a pessoa a sua frente, e dizia, com uma calma
que enlouquecia seus locutores, uma das frases que o tornou o maior professor de
todos os tempos: “No final, todos virão para a minha rua”. Ele explicava para seus
conhecidos e alunos mais próximos que este era um ditado que veio originalmente
do Húngaro, que ele considerava ser o idioma mais bonito do mundo e, do seu ponto
de vista, ele estava certo.
Essas eram as primeiras reações à criação do meu pai, única do seu gênero.
Somente mais tarde a arte marcial dele virou popular, muito popular e o nome
eterno de sua criação virou “Krav-Magá” 7*. De repente, pouco tempo depois, todos
começaram a denominar as suas artes, sistemas e estilos como “defesa pessoal”.
Talvez fosse o medo de perder sua fonte de renda, ou alguma necessidade de imitar
ou seguir a “onda”, ou talvez porque o público naturalmente exigia e preferia
aprender defesa pessoal, já que todos querem ser capazes de se defender, mas nem
todo mundo está apto a estudar uma luta. Então, todos os professores começaram a
usar as palavras “defesa pessoal”, sem realmente entender o significado do termo e
sem ter algo em comum com os princípios da defesa pessoal.
Evidentemente que eu não poderia nem desejaria subestimar a contribuição
pessoal que cada indivíduo pode ter ao praticar qualquer arte marcial, cada uma com
suas vantagens relativas. Fazê-lo seria antiético, imoral e incorreto. Entretanto, o
Krav-Magá jamais pretendia ser algo que não é, ou seja, algo além de defesa pessoal.
Então, por que deveríamos ser como o avestruz, que enterra sua cabeça na terra sem
ver e sem ouvir como o nome do Krav-Magá e da defesa pessoal está sendo usado
por pessoas que nem sequer sabem seu significado? Na compreensão do termo
“defesa pessoal” já estão presentes a sabedoria e o conhecimento, entretanto apenas
o entendimento teórico não é o suficiente.
No Hebraico existe um ditado que provavelmente tem variações em todas
as línguas do mundo: “Ler nas entrelinhas”, e é exatamente isso que meu pai fez
quando começou a construir o Krav-Magá, baseando-se na imensa experiência que
teve em áreas como o Pugilismo, Luta Greco-romana, Judô e Jiu-Jitsu Japonês.

7. “Krav-Magá – Arte Marcial Israelense Para Defesa Pessoal” é o nome completo e exato dado pelo
Imi. Ele não desejava deixar apenas o nome Krav-Magá e buscou a conexão israelense, adicionando,
portanto, as palavras “Arte Marcial Israelense” e “Defesa Pessoal” depois do nome Krav-Magá.

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A História do Krav-Magá Defesa Pessoal

Ele começou a investigar os componentes e os movimentos que existem em todas


as artes marciais, analisando e examinando tudo que estava faltando no campo da
defesa pessoal, e assim criou a arte marcial para defesa pessoal – o Krav-Magá.
Portanto, é mera ignorância alegar que essas ações tornam o Krav-Magá uma arte
marcial eclética.
Dentro do Krav-Magá meu pai incluiu algumas regras e leis que não existem
em nenhuma outra arte marcial e determinou que apenas uma rígida conservação
destas possibilitaria a manutenção dos princípios do Krav-Magá e da defesa pessoal
e dariam ao público a capacidade de diferenciar entre o certo e o errado, entre defesa
pessoal e charlatanismo.
A lei número um, “A regra de aço” que deve ser mantida sem o menor
desvio é: “Defesa específica contra ataque específico, sendo que ao mesmo tempo
impedimos que o oponente ataque novamente” 8*.
A segunda lei, talvez a mais importante de todas 9*, conhecida somente por
poucos e mantida por menos ainda é: “Menor Caminho, Máxima Velocidade”. Esta
regra é diretamente ligada ao princípio do “Caminho de Volta”.
A primeira regra demonstra e explica (para aqueles que conhecem o verdadeiro
caminho do meu pai e não alguma versão curta e miserável) a imensa dedicação do meu pai em
achar o caminho certo. Quando ele ensinou alguma defesa aplicada contra um golpe
vindo de um ângulo específico, sempre estava presente alguém com real experiência
que enxergou e percebeu a situação antes dos outros e apresentava várias perguntas
ao meu pai – por que assim e não dessa forma e dezenas de outras dúvidas que
deram conhecimento e experiência ao meu pai e ao Krav-Magá. Consequentemente,
de vez em quando ele criava um novo golpe para que ninguém pudesse surpreender
seus alunos, ou como ele sempre dizia: “Devemos treinar nosso corpo para que nada
seja estranho para nós” (veja o artigo sobre o assunto no capítulo “A Filosofia”).
Essas não eram apenas afirmações vazias, mas o caminho que o guiava
quando construiu sua arte, e é uma pena que todos os charlatões que fingem seguir
seus ensinamentos não ajam de acordo com esses sagrados princípios. Assim, o
Krav-Magá chegou a ter trinta e oito golpes com o punho, a palma da mão e a mão
e quando chegamos aos chutes tudo já fluía naturalmente. Meu pai incluía no Krav-
Magá dezenas de chutes de cada forma, direção, tipo e potência, para que ninguém
pudesse pegar de surpresa um praticante experiente de Krav-Magá.

8. Uma vez que assim entraremos numa luta. Luta não é defesa pessoal, mas também esta afirmação
não é absolutamente exata. Para compreender o assunto por completo, é necessário praticar os
exercícios do Krav-Magá, mas a finalidade da nossa pesquisa não é fornecer respostas profissionais,
e sim apontar para a existência de um caminho diferente e mais completo, desconhecido pela maioria
do público.
9. Esta regra é a base sobre a qual o Imi construiu a defesa pessoal no Krav-Magá, juntando os
dois e tornando-os uma arte marcial completa e acabada. Este preceito não existe em nenhuma
outra arte marcial e foi justamente este que fez do Krav-Magá a arte marcial que é hoje. Portanto, o
descumprimento desta “regra de aço” do Imi significa que o Krav-Magá para de ser a melhor arte
marcial do gênero e torna-se uma simples atividade física, sem fins e sem conteúdo. Apenas uma
compreensão profunda deste princípio daria ao praticante capacidades físicas extraordinárias.

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Defesa Pessoal A História do Krav-Magá

Ele sempre explicava: defesa pessoal é dar ao indivíduo a possibilidade


de se defender. Ninguém pode prever o estilo de ataque que o agressor escolheria.
No intuito de aprender a se defender é necessário também saber atacar. Para poder
trabalhar em pares e estudar defesa pessoal precisamos saber atacar melhor que
todos. Portanto, ele desenvolveu muitas técnicas de ataque e para cada uma a técnica
de defesa adequada. Quem não o faz – não pratica defesa pessoal, ponto final.
Este, na verdade, era o “período de aprendizagem” do Krav-Magá, no qual
acumulou-se conhecimento e experiência operacional incomparáveis no campo da
defesa pessoal. Sempre praticou-se algumas técnicas de defesa contra o mesmo
ataque, para que cada um possa escolher a maneira mais apropriada para si mesmo.
Por isso que temos dezesseis livramentos contra estrangulamento de frente, no
mínimo duas ou três defesas contra cada ataque de faca, e assim por diante, e essas são
apenas algumas gotas de um oceano de exemplos. Não existe no Krav-Magá sequer
um movimento de defesa usada duplamente, ou seja, o movimento de defesa contra
ataque de mão jamais seria usado contra ataque de perna. Para cada movimento de
ataque há um movimento de defesa e é justamente este o significado da regra “Defesa
específica contra ataque específico”. Talvez por isso o ensino do Krav-Magá seja tão
prolongado, pois precisamos aprender tudo. Meu pai odiava atalhos e especialmente
as pessoas que adotam esse comportamento. De um lado, pode-se dizer que o longo
período exigido para alcançar a faixa preta é uma desvantagem, mas do outro lado
aqueles que entendam genuinamente os caminhos das artes marciais e desejem
honestamente adquirir tais qualidades físicas e mentais, veriam no Krav-Magá o
meio ideal para fazê-lo. A eficácia é uma parte integral tanto das aulas e treinos
como da concepção básica geral, e quem não a segue não faz defesa pessoal.
O Judô, sendo uma luta esportiva olímpica, jamais precisou dos aspectos
da defesa pessoal. O mesmo acontece com o pugilismo ou luta livre olímpica. O
caminho de cada praticante dessas modalidades é claro a ele mesmo e dentro de seu
campo esportivo. O objetivo principal das três formas de lutas que mencionei acima
é a prática de uma atividade esportiva (e não a defesa pessoal), ou seja, ganhar medalha.
Portanto, é mais fácil citar exemplos (com o intuito de esclarecer o princípio da defesa pessoal)
deste campo de duplo universo: arte marcial e esporte. No Judô, por exemplo, em
queda para trás (Mao-Kemi), ao cair no chão, o praticante levanta suas duas pernas no
ar no final da queda. A ênfase fica em bater com as mãos no Tatami para parar ou
amortecer a queda do corpo. Mas meu pai enxergou as coisas de maneira diferente:
se na rua você cair e colocar as duas pernas no ar desta forma, com certeza levará
um chute no seu traseiro antes mesmo de conseguir elevar as pernas. Ou seja, se
salvar da queda não é o suficiente. O corpo inteiro deve estar preparado para mais
ataques e defesas. Por isso, no Krav-Magá, no final de queda para trás nós temos
opções adicionais, como chute e alavanca para quebrar o joelho do oponente. O
princípio que nos guia em casos como esse é: nunca deixar um ponto exposto, e
essa talvez seja a virtude daqueles que conhecem de verdade a defesa pessoal e o
caminho do meu pai no Krav-Magá, que sempre fez do atacante o atacado.

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A História do Krav-Magá Defesa Pessoal

Eis uma outra interpretação da regra: “Defesa específica contra ataque


específico”. Em defesas contra ameaça de pistola, por exemplo, movimentos tão
curtos, eficazes e exatos não existem em nenhuma outra arte marcial, especialmente
quando hoje em dia o mundo das artes marciais é dominado por movimentos
teatrais onde as maiores estrelas são as de Hoollywood. Tudo que precisamos fazer
é desviar a arma e a mão que a segura para longe de nós. Será!? E o que fazemos
com a pequena criança que está ao nosso lado, ou a jovem e grávida garota do outro
lado? O primeiro tiro, que sempre acontece, atingiu e matou um deles – será que
esta é a defesa pessoal? 10* É assim que gostaríamos de ver as coisas acontecendo?
Evidentemente que não é este o lugar e o tempo adequados para ensinar os exercícios
completos.
Acompanhei o Sr. Yaron Lichtenstein em uma de suas viagens ao oeste de
Israel, para observar o treino de um grupo de indivíduos que alegaram ser faixas
pretas de Krav-Magá. Era um bando bastante duvidoso e seu professor, que parecia
magro e doente, como se fosse tirado de um filme de horror, estava ensinando
defesa contra faca. Claramente que ninguém conseguia aplicar a defesa e todos
acabaram “mortos”. Dei uma olhada em Yaron e vi que ele perdeu temporariamente
a capacidade de falar. Seus lábios se mexeram, mas sem emitir nenhuma voz.
Finalmente ele conseguiu andar até a piada falante que se intitulou professor e
perguntou a ele, delicadamente, sem que nenhum aluno escutasse: “Quem te ensinou
a fazer trezentos e sessenta graus contra faca, você não vê que isso não funciona?
Você não conhece a técnica correta para essa situação?” E o “professor” respondeu
com a tranquilidade de um mentiroso profissional: “como assim, eu sou o aluno
predileto do fundador, ele mesmo me ensinou”.
Tentei entrar no cérebro de Yaron e fazê-lo arrancar alguns dos dentes
daquele “mestre”, mas acho que não tenho o dom da telepatia. Entretanto, não houve
uma pessoa no Dojô que não tivesse ouvido o chio dos dentes de Yaron enquanto se
segurava para não pegar o palhaço e jogá-lo pela janela de sua academia. Meu pai
sempre dizia: “Trezentos e sessenta graus é um exercício meramente didático, sem
nenhum valor operacional além do aprimoramento da capacidade de reação olho –
mão” 11*. Aqueles que desejavam encurtar a parte da defesa pessoal no Krav-Magá

10. Muitos tentam imitar o Imi e especialmente o Krav-Magá, sem possuir a mínima noção do que
é defesa pessoal e quais são seus pilares e princípios. Eles usam o termo “defesa pessoal” e ensinam
toda combinação possível de movimentos, menos o caminho correto. Defesa pessoal não é somente a
capacidade de afastar o cano da pistola, ou aplicar algum movimento contra ataque de faca.
11. Quando se trata de defesas contra faca, e especialmente em caso de facada regular de curta
distância, a defesa não é aplicada no mesmo estilo de Trezentos e Sessenta Graus, mas usa-se uma
técnica específica que “acompanha” e abaixa a mão do oponente, aproveitando o momento de seu
ataque. No livro “The Book of Krav-Magá – The Bible” esta técnica aparece em duas formas – uma
vez aplicada de Seza e na outra de pé. Como autores da pesquisa, sabemos e conhecemos a pessoa e
a organização responsáveis por este “método” de usar o exercício de Trezentos e Sessenta Graus em
situações inexistentes no caminho original do Imi, porém, para evitar um caráter de vingança pessoal
na pesquisa, decidimos não publicar os nomes.

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Defesa Pessoal A História do Krav-Magá

misturaram e modificaram tudo de forma irreconhecível e assim, um exercício


destinado somente para treinamento virou uma situação de combate perigosíssima
(para o defensor) 12*. Mas como vocês já sabem, a burrice, apesar de ser uma doença
permanente, não mata ninguém e tampouco dói. Que pena!
“Menor Caminho, Máxima Velocidade”. Qualquer um que tivesse a sorte
de treinar e aprender pessoalmente com meu pai (é lamentável que tão poucos o fizeram)
e estudar o simples golpe de esquerda reta para frente, ouviria também a explicação
dele que este soco é o movimento mais difícil de aplicar em todo o Krav-Magá. Com
“Menor Caminho” precisa-se alcançar máxima força, máxima velocidade, passar
o peso do corpo em direção ao golpe / alvo e simultaneamente aplicar também o
caminho de volta. Poucos, por exemplo, conseguem chegar à perfeição na execução
do golpe “Gancho”, o golpe mais curto no Krav-Magá e provavelmente de todas as
artes marciais, com cerca de quinze a vinte centímetros de alcance. Não se usa esse
golpe como uma técnica de ataque em si, mas é resultado de alguma defesa que
inclui a entrada direta contra o ataque rival, e o golpe “Gancho” é a fase final do
exercício. Muitos têm dificuldades para perceber que um soco tão curto, porém com
movimentos precisos, poderia facilmente despedaçar o queixo do oponente.
Pois, é exatamente esta a explicação da técnica / regra de “Menor Caminho
Máxima Velocidade” que está presente em todas as defesas, exercícios, técnicas e
livramentos do Krav-Magá. Qualquer tentativa de usar força em cada um desses
casos comprovaria algumas coisas. Primeiro, que o instrutor não sabe Krav-Magá,
e segundo, que ele não tem confiança no exercício, na arte e principalmente nele
mesmo (lembrem que utilizar força significa tempo de reação mais demorado). São os curtos e
rápidos movimentos que deram ao Krav-Magá a sua fama e glória.
Não é fácil aprender e entender tudo e é possível que para tal seja necessário
uma vida inteira. O título “Artista Marcial” é como o título de Doutor – eterno. Não
se pode aprender as coisas de forma instantânea, na realidade isso simplesmente não
funciona – ou o indivíduo se dedica totalmente ou que ele vá procurar um cursinho
rápido no qual aprenderia os básicos da defesa pessoal (algo bastante popular ultimamente)
e com isso ele teria que se virar na rua.
A técnica de aplicação de defesas no Krav-Magá parece às vezes irreal e
talvez ela seja assim mesmo. Muitos alunos iniciantes passam por dificuldades nas
primeiras etapas para perceberem e entenderem a lógica que guia a concepção de

12. Estou consciente de que não é a minha função, ou a da pesquisa, tocar neste gênero de temas. Mas
sinto uma necessidade incontrolável de no mínimo uma vez ao longo da pesquisa dizer a minha opinião
pessoal sobre aqueles que modificaram o Krav-Magá e ensinam exercícios que não se sustentam na
realidade do dia-a-dia. Dezenas, se não centenas de vezes eu já vi as reações de alunos e instrutores
quando aprenderam, pela primeira vez, a forma correta de aplicar defesas contra faca em vez de
usar Trezentos e Sessenta Graus, nos diversos cursos e seminários ministrados pela escola BUKAN.
Sempre aparece a mesma marca de interrogação nos rostos dos alunos, como se quisessem falar:
“por que nunca ensinaram o modo certo de fazer a defesa, por que nos enganaram esse tempo todo?”
A compreensão da lógica e da praticidade do exercício correto ocorre dentro de alguns instantes, e
assim também a aprendizagem prática. Todos aqueles charlatões devem parar com seus atos, se não...

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A História do Krav-Magá Defesa Pessoal

realizar 13* a defesa indo para o oponente e somente no último momento aplicar
a própria defesa, quando já parece ser tarde demais. Só que é justamente este o
princípio: fazer o oponente pensar que não conseguimos nos defender e deixá-lo
completamente concentrado no seu ataque sem que ele tenha tempo para alterar seu
ataque, ou pior, nos empurrar para uma situação de luta. Ele estaria tão convencido
de seu sucesso que quando executássemos nossa defesa ele não teria tempo para
reagir e mudar de tática.
As pessoas simplesmente têm dificuldades de ficar em pé e enfrentar o
perigo que está se aproximando, seja ele um golpe, chute ou algum agarramento.
Entretanto, quem conseguir, sem dúvida alguma melhoraria a sua capacidade
imensamente. Usaremos como exemplo livramento de estrangulamento de frente,
onde ajudamos o agressor a chegar mais perto de nós, mas ao mesmo tempo chutamos
com força de centenas de quilogramas e enfiamos nosso joelho nos seus testículos.
É uma posição clássica de aproveitamento da “Entrada para o oponente”. Mulheres,
quando vêem a técnica pela primeira vez, normalmente comentam: “Além de sermos
menores e mais fracas, ainda precisamos ajudar o agressor a chegar mais perto?”.
Mas no momento que elas treinam com homens como parceiros elas descobrem que
conseguem fazer o exercício sem problema nenhum. Algumas, alegadamente sem
intenção prévia, atingem o seu parceiro para ver que as coisas realmente funcionam.
Este é apenas um exemplo introdutório para o repertório de movimentos no
Krav-Magá, como no caso de defesas contra faca, quando existe um medo verdadeiro
de entrar contra o movimento da mão que segura a faca. Novamente devemos
reconhecer a incomensurável importância do aspecto espiritual como componente
indispensável para o Krav-Magá. O canal de televisão “National Geographic”
transmitiu um programa sobre artes marciais e, ao final, o apresentador resumiu
tudo ao afirmar que: “O órgão mais importante para um praticante de artes marciais
é sua coragem”. Verdade! Sem coragem seríamos nada mais do que covardes. Ser
valente não garante a vitória eterna, mas pelo menos confere a oportunidade de
evitar uma humilhação maior. Cada um pode e deve aprender a se defender, é a
nossa obrigação para nós mesmos, uma forma de declarar – “Eu tomo controle do
meu próprio destino”.

13. O ensino de defesas contra golpes no Krav-Magá deve ser analisado de alguns pontos de vista
simultaneamente. No Krav-Magá, as coisas nem sempre são o que parecem ser. A aplicação de
defesas contra golpes não constitui um exercício ou movimento completamente fechado. Ou seja,
no que diz respeito à execução da técnica específica constitui sim, porém não do aspecto geral do
Krav-Magá. Imi criou o conjunto de movimentos no Krav-Magá de forma que um complementa o
outro. Portanto, pular, ou não entender uma fase, obrigatoriamente impede a aplicação correta e a
compreensão da próxima fase. Exemplo clássico disso seriam as defesas contra ataque de faca. No
início, na faixa laranja, alguém eliminou um movimento, provavelmente por falta de conhecimento, e
mais adiante, na faixa azul, ele já tinha perdido a capacidade de aplicar defesas contra faca. Somente
se soubermos o caminho completo de Imi, sem atalhos e sem cortes, entenderemos a forma como
ele fundiu os movimentos e exercícios da defesa pessoal e do Krav-Magá para criar um conjunto
finalizado. Elimine o mínimo dos detalhes e o prédio inteiro desaba. O objetivo da atual pesquisa,
como já foi explicado várias vezes ao longo do livro, não é o de fornecer soluções profissionais – estas
precisamos procurar nos lugares adequados. Krav-Magá é a melhor arte marcial para defesa pessoal
no mundo inteiro, porém poucos, hoje em dia, desfrutam do poder e da sabedoria que o Krav-Magá
tem a oferecer.

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Defesa Pessoal A História do Krav-Magá

Todo indivíduo escolhe a arte marcial mais adequada a si mesmo e avança de


acordo com seu nível, talvez chegue à faixa preta, talvez não. Ninguém precisa ser um
super-homem para tal. Entretanto, quem escolher o Krav-Magá deve compreender
a imensa responsabilidade que está carregando. Não é diferente da dedicação das
pessoas para outras modalidades que acabam se tornando um caminho de vida.
Então, por que não combinar uma atividade física e social e ao mesmo tempo
aprender também defesa pessoal? Com o risco de parecer ingênuo, mas assim o
mundo inteiro seria um lugar melhor.
A minha intenção ao longo da pesquisa toda e especialmente neste
capítulo nunca foi direcionada para a parte profissional e prática. Porém, em certos
casos fui impedido de me manter apenas no lado teórico / histórico. Às vezes, a
compreensão de alguns movimentos esclarece melhor que tudo a própria história.
São movimentos e exercícios que meu pai incluía no Krav-Magá e que consistem em
unidades históricas completas e independentes. Somente através da análise dessas
variadas técnicas defensivas torna-se possível entender o espírito da defesa pessoal
e do Krav-Magá.
Os problemas se criam e se iniciam quando estamos prestes a aplicar as
defesas mais “difíceis”, mais complicadas e perigosas do Krav-Magá, aquelas contra
armas – brancas ou de fogo. É possível perceber o ponto de partida da modificação
do Krav-Magá nestas defesas, ou mais precisamente, no grau de dificuldade presente
na sua aplicação e execução, ou até no nível de disposição para implementá-las do
jeito que meu pai as criou e as ensinou. Essas alterações foram feitas especialmente
nas defesas consideradas “perigosas” e, hoje em dia, são apresentadas por todos,
normalmente acompanhadas por explicações pobres de conteúdo e ricas em palavras
como “sistema” ou “sistema em desenvolvimento”. Qualquer um que visse meu pai
aplicando as técnicas ou assistisse a alguns de seus primeiros discípulos fazendo
as defesas, entenderia na hora que aqui não há espaço para palavras bombásticas.
O Krav-Magá, sendo uma arte marcial para defesa pessoal, é uma arte fechada,
redonda até o nível de perfeição.
Quando se trata de entrar contra a faca, as pessoas sentem medo,
especialmente os indivíduos sem experiência, passado ou com capacidade mental
inadequada, que se caracteriza por baixa autoconfiança, baixa confiança na arte
e também no exercício. São essas características que tornam um homem simples
guerreiro e praticante de Krav-Magá, e sem elas não é possível cumprir as exigências
da defesa / técnica. O resultado – as pessoas procuram um caminho mais fácil, que
não existe na realidade. O único caminho viável é aquele criado por meu pai.
Uma confirmação da falta de autoconfiança percebe-se nas afirmações do
Sr. Haim Zut, no fórum israelense “Tapuz” (aparece apenas no Hebraico) sobre artes
marciais. Ele diz que quem defende contra faca é melhor ter uma faca na mão
também... Só que no momento que você tem uma arma e a usa contra o agressor,
já não é mais defesa pessoal e sim uma luta pura. Pessoas que querem aprender
a se defender não necessariamente desejam saber como fazer combate com facas,
bastão, espada e atirar com pistolas e M-16... Em defesa pessoal, você sempre sabe

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A História do Krav-Magá Defesa Pessoal

o resultado final, porém jamais alguém poderá saber como irá terminar o combate,
e esta é a grande diferença entre os dois universos.
Parece-me que a resposta dada pelo Sr. Haim Zut aponta a grave incapacidade
individual de lidar com os requisitos de desempenho que as defesas no Krav-Magá
apresentam. Se você está em um beco escuro no meio da noite e um agressor está
andando na sua direção armado com faca ou bastão e você está desarmado, tudo que
pode fazer é tentar se defender da melhor forma. É possível implorar por sua vida,
ou apostar em fugir, mas se você já é Faixa Preta de Krav-Magá, então não agiria
como medroso e ficaria no seu lugar para combater o perigo – e prevalecer. Não há
outro jeito.
De novo podemos perceber e analisar o caminho que levou às modificações
extremas feitas no Krav-Magá, resultantes da falta de compreensão mínima da
noção de defesa pessoal e do que ela exige, e também do desvio das regras básicas
estabelecidas pelo meu pai, e, sem essas, a defesa pessoal não existe. Um exemplo
marcante disso encontra-se na técnica de defesa contra dois agressores armados
– um com bastão e o outro com faca. Meu pai determinou que a arma mais longa
é sempre a mais perigosa, ou seja, o bastão neste caso. Ele se baseou nas armas
criadas no Japão para defesa pessoal e que eram especialmente destinadas para uso
por mulheres, uma vez que as armas se destacaram por seu comprimento e por sua
capacidade de manter o inimigo longe de nós, como a lança japonesa. Um bastão
longo poderia nos atingir sem que chegássemos a uma distância que possibilitaria
acertar o oponente, isto é, o nosso rival pode nos atacar sem se arriscar.
Mas o temor da faca levou à alteração. O medo da facada é mais forte do que
a capacidade do bastão de quebrar ossos – mais uma testemunha da burrice. Todos
que aprenderam com meu pai a utilizar bastão e os alunos graduados faixas pretas
da escola BUKAN, que eu pessoalmente testemunhei alguns de seus treinos com
bastão, sabem muito bem que essa arma “branca” é muito mais eficaz e perigosa
do que a faca em certas distâncias. O cérebro humano transmite uma sensação de
medo ao reparar na palavra / termo “facada”. A faca pode ser enfiada em nosso
corpo, ferir, abrir um buraco no coração, nos fazer sangrar até a morte etc. Mas este
modo de pensar é um equívoco que pode custar a vida das pessoas. Há no mercado
atualmente bastões e porretes inquebráveis, feitos de p.v.c denso, que é um material
pesado e de impacto desastroso. Um bastão assim, com comprimento de oitenta
centímetros, daria ao seu portador uma potência tão grande de ataque que cada
golpe quebraria no mínimo um osso do nosso corpo enquanto o agressor está fora
de nosso alcance de contra-ataque, e nós, com cotovelo ou joelho quebrado, estamos
acabados. Agora, tudo que o oponente com a faca na mão precisa fazer é cortar
nossa garganta enquanto nós estamos praticamente indefesos.
Esta foi a linha que guiou meu pai quando criou as defesas contra armas
longas. Ademais, de acordo com a concepção da defesa pessoal, no momento que
eliminamos o oponente com o bastão, tomamos também controle dessa arma longa
e ela está agora em nossas mãos. A partir de agora, a vantagem é nossa, já que
nós seguramos a arma mais longa / perigosa e o nosso oponente tem apenas uma

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Defesa Pessoal A História do Krav-Magá

faca curta. Por outro lado, se escolhêssemos dominar primeiro o adversário com a
faca, então estaríamos agora segurando uma faca e com ela teríamos que confrontar
um inimigo com bastão de oitenta centímetros que provavelmente tirasse a faca
de nossa mão antes que percebêssemos 14*. Eis a inquestionável lógica do meu pai,
mas também a fonte da total ignorância, da falta de conhecimento básico em defesa
pessoal e de uso do bastão daqueles que modificaram sua criação.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, pode-se citar outros exemplos
relevantes. Os agressores poderiam estar armados, um com faca e o outro com espada,
ou um com espada e o outro segurando uma lança de dois metros de comprimento.
Novamente percebe-se que a arma mais longa é também a mais perigosa. E não
adianta dizer que “ninguém mais anda com este tipo de armas” – é bem possível
encontrar oponentes utilizando faca e um porrete estilo “baseball”. Ademais, o
mesmo princípio se repete também quando se trata de armas de fogo, como pistolas
e fuzis. Uma pistola comum, que tem cano curto, é eficaz a uma distância de trinta a
quarenta metros. Enquanto o fuzil, por exemplo, o popular M-16, possui um alcance
maior que supera os trezentos metros. Já as armas do tipo “sniper” têm cano maior e
alguns chegam a atingir alvos com precisão a dois quilômetros de distância.
Esta era a visão do meu pai sobre os princípios da defesa pessoal, e qualquer
outro caminho simplesmente não passaria na prova da realidade, como acabamos
de ver. Entre outros motivos, as situações desse gênero me levaram a escrever a
atual pesquisa. Profissionais da área de segurança, policiais, soldados, agentes de
segurança e até cidadãos comuns podem pagar com suas vidas se não souberem
e conhecerem o caminho exato e completo do meu pai, construído seguindo um
raciocínio lógico e claro. Qualquer desvio dele eliminaria o Krav-Magá todo.
E se não bastasse tudo isso, eis um outro ponto de vista – o exemplo do
livramento de estrangulamento de frente. Muitos, hoje em dia, “misturam” vários
livramentos no intuito de criar algo novo 15*, maiormente por causa de seu fracasso
pessoal e incapacidade individual de aplicar o livramento. Praticantes, alunos
e instrutores que não conhecem suficientemente as técnicas de livramento de
estrangulamento de frente tentam aplicá-las utilizando exercícios de força de outras
fontes desconhecidas. No livro “The Book of Krav-Magá – The Bible” é contada de
forma bastante detalhada a história de como meu pai chegou a criar os exercícios de
livramento de estrangulamento de frente e a técnica de giro do corpo e do quadril
para impedir que o oponente possa nos estrangular e nos colocar em perigo. Só
que aqueles que não conheçam o primeiro livramento pecam novamente ao usarem
um outro livramento, completamente diferente. Foi aquela primeira técnica de
livramento que guiava meu pai na criação da arte marcial toda.
14. É o mesmo princípio usado pelos Samurais na prática da espada. Atacar com a espada no intuito
de cortar seu inimigo – indiferentemente do local onde a “Katana” acertasse, o oponente ficaria
neutralizado. E o mesmo princípio se mantém ao usar o bastão – a eliminação total e imediata de
nosso rival.
15. O problema começa quando aquelas pessoas não têm a mínima noção de como aplicar o
estrangulamento, e, portanto, não sabem também como fazer o livramento. Imi sempre dizia: para se
defender é necessário saber atacar.

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A História do Krav-Magá Defesa Pessoal

Quando um policial ou soldado se instrui para atirar com pistola ou fuzil,


aprende a atingir com precisão o centro do alvo e quando não acerta isso implica que
não sabe atirar, ponto final. Não há lógica em alguém carregar uma arma e atingir
todas as pessoas inocentes menos os terroristas ou bandidos. E o mesmo exemplo se
aplica ao Krav-Magá – toda defesa é pontual por definição, isto é, ela é do tamanho
do ponto criado do encontro exato entre a caneta e o papel com as marcas da letra
deixadas pela mesma, e qualquer desvio significa um erro.
As coisas podem parecer difíceis e complicadas, mas anos de experiência
e milhares de alunos comprovaram que a precisão não é problema. As pessoas
são capazes de aprender defesas complexas dentro de alguns minutos – os alunos
percebem e absorvem as técnicas com rapidez. Eles compreendem a presença
de erros e entendem que não existe um processo de aprendizagem sem errar no
caminho. O problema começa justamente com os professores e instrutores, ou seja,
o mestre sempre tem medo do fracasso, teme que algum aluno faça uma pergunta
que ele não saberia responder, então ele improvisa. Mas o pupilo dificulta e insiste:
“Por que não consigo aplicar esta técnica?” Um professor confiante faria o aluno
“sentir” a maneira correta de fazer o movimento, demonstrando pessoalmente para
o aluno, da mesma forma que meu pai fazia. Mas aqui o problema só aumenta. Caso
o instrutor não domine suficientemente todos os detalhes da defesa, falhará na frente
de seus alunos, algo que ele jamais poderia suportar. E nesse momento as mudanças
se iniciam.
Não é que os instrutores não possam estudar – eles simplesmente não
querem, uma vez que alterar a técnica é muito mais fácil. A sabedoria, a compreensão
e a capacidade exigidas para ser um grande professor são significantes. Quando o
professor faz a técnica de forma correta, mas o aluno na sua frente é mais forte do
que ele, o professor deveria admitir para seus discípulos: “vocês podem perceber
que, em casos extremos, a pura técnica não é o suficiente, é necessário aplicar mais
um pouco de força física 16*, vão e treinem mais forte”.
E eis um outro exemplo, talvez o pior de todos: aqueles “professores” que
ensinam o exercício trezentos e sessenta graus como parte de defesa contra faca e
assim só confirmam o fato de que realmente não aprenderam com meu pai, mas
apenas “roubaram” (assim escolheu se expressar um desses “professores”) movimentos e
exercícios de filmes americanos de ação. O objetivo no ensinamento do exercício
trezentos e sessenta graus é o de melhorar a coordenação olho – mão, olho – mão
– perna etc., e só isso. O exercício não consiste de modo algum em um treinamento
de luta. Meu pai sempre certificou-se de deixar bem clara essa regra de trezentos

16. Também o mundo do Judô passou por uma revolução quando o gigante holandês Anton Geesink
ganhou a medalha de ouro nos jogos olímpicos de 1964, em Tókio. Até então, acreditava-se no Judô
que o tamanho dos oponentes não tinha importância – venceria quem estivesse mais preparado,
mais bem treinado, mais veloz. No entanto, Anton Geesink provou que quando dois oponentes, com
experiência e habilidades iguais, se enfrentam, quem tiver mais força e mais peso leva vantagem.
Percebemos este problema em livramentos de pegadas de pescoço do lado e de trás. Imi sempre dizia
e explicava que, neste caso, é necessário aplicar bastante força, mas ainda é possível fazer a defesa.

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Defesa Pessoal A História do Krav-Magá

e sessenta graus. Quando ele ensinou defesas contra ataque de faca, ele advertiu
repetitivamente sobre um certo “ponto morto” no corpo do defensor, que é por onde
o ataque inimigo sempre penetraria. E é precisamente este ponto que fica exposto
quando utiliza-se trezentos e sessenta graus para defender contra facadas. E ainda,
percebe-se que (quase) todos os “professores”, hoje em dia, ensinam trezentos
e sessenta graus contra faca. Por quê? Há múltiplos motivos para tal. Talvez o
movimento seja mais rápido e mais curto, a coordenação olho – mão é mais eficaz,
tudo isso está correto. Entretanto, a faca sempre atingirá aquele “ponto morto”. Meu
pai, no começo de seu caminho (a técnica foi desenvolvida nos anos 1974- 1975) ensinou
uma técnica de ataque com faca criada no intuito de penetrar qualquer posição
possível de defesa, e o alvo foi exatamente aquele ponto morto acima mencionado.
Como ficou quase impossível defender-se contra esse tipo de ataque, meu pai pediu
a seus dez discípulos que não mostrassem para mais ninguém. Eli Avikzar, até onde
eu sei, realmente não ensinou para ninguém e também Yaron evita fazê-lo, já que
não há nenhuma referência à técnica nem nos livros em Hebraico que escreveu com
meu pai e tampouco no “The Book of Krav-Magá – The Bible”.
Assim, esse exercício de ataque ficou mantido em segredo até hoje. Não
citaremos nem seu nome para não insinuar sobre seus movimentos. Ensinar trezentos
e sessenta graus contra ataque de faca é contrário à lógica do Krav-Magá. Isso
mostra covardia, ignorância profissional e falta de domínio nas técnicas de controle
do oponente!!! 17*
Meu pai sempre advertiu: “Entrem para o oponente, ou ele vai “entrar”
em vocês”. Seu exemplo favorito para demonstrar sucesso ou fracasso na aplicação
de alguma técnica era: dois boxeadores estão se enfrentando. Sempre um vencerá
e o outro perderá. Isso significa que um deles é pior do que o outro? Não, apenas
significa que hoje ele perdeu. Amanhã ele vencerá. Este é o caminho do mundo.
Explicar todos os princípios da defesa pessoal no Krav-Magá é um objetivo
irreal, especialmente num livro que trata da história da arte e não no seu aspecto
prático. Toquei levemente no assunto, apenas no intuito de afiar a compreensão e o
pensamento e explicar a lógica profissional que guiou meu pai ao criar as defesas
e a arte marcial toda. Do mesmo modo que Moisés desceu do Monte Sinai e não
modificou e adequou os dez mandamentos de acordo com a festança que lhe esperava
aos pés da montanha, ninguém tem o direito de mudar a criação histórica do meu
pai, o fundador da arte marcial israelense para defesa pessoal – o Krav-Magá.

17. O exercício Trezentos e Sessenta Graus constituiu um ponto de transformação no Krav-Magá, e


por este motivo o exercício é mencionado várias vezes na pesquisa, cada vez com outros aspectos e de
diferentes pontos de vista e análise prática e teórica, que no final levam ao mesmo resultado.

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A História do Krav-Magá O Krav-Magá Como Sistema Eclético

O Krav-Magá como sistema eclético 1*


Uma mulher que chegasse a algum evento social e reparasse numa outra
mulher que usasse o mesmo vestido que ela, ou uma roupa igual, reagiria com um
ataque emocional misturado à dor, inveja e fúria. Ela seria capaz até de abandonar o
local na hora, seja com o objetivo de não voltar nunca mais, seja para buscar alguma
alternativa visual.
Homens, por natureza e definição, são diferentes. Eles não se preocupam
nem um pouco com roupas idênticas. No entanto, percebendo a presença de um
“Macho-Alfa”, representando o glamour da masculinidade, mais bonito, vestido
de acordo com a última moda, mais musculoso, mais inteligente, mais charmoso e
rápido em suas reações, qualquer homem se sentiria ameaçado imediatamente. Não
seria uma forma de ameaça onde há risco de vida, nem o tipo de ameaça que poderia
levar à realização de um duelo mortal. Contudo, esse sentimento causa uma sensação
de baixa autoconfiança. Em casos assim, é provável que sejam feitas tentativas de
achar elementos mais conhecidos e através deles encontrar encorajamento, força e
claro, procurar defeitos naquele “bem sucedido”, já que cada distorção encontrada
aumentará a nossa própria autoestima. Este é o modo de pensar humano.
O mesmo ocorre em conversas sobre o Krav-Magá, o nosso “Macho-Alfa”.
Sempre se repete a questão da arte marcial eclética, às vezes com a finalidade de
obter respostas sérias e em outras apenas para “queimar o filme” do Krav-Magá e
de sua reputação e tentar diminuir sua qualidade, duvidando assim de seu “status”
de Macho-Alfa. Ou seja, não há nada atrás dessas afirmações a não ser inveja ou
ausência total de conhecimento dos locutores. Está na hora de acabar com toda essa
ignorância, abrir os olhos de todos e explicar de uma vez por todas o significado do
termo “sistema eclético” e como este se diferencia de arte marcial, já que o Krav-
Magá não é um “sistema eclético”, nem “arte eclética” e claro que tampouco, um
sistema. Aqueles que sentem-se intimidados com a presença do Krav-Magá podem
simplesmente mudar para o lado vencedor e começar a praticá-lo.
É necessário explanar aqui que minhas palavras referem-se ao ato original
de criação do Krav-Magá pelo meu pai, ao seu caminho completo, perfeito e único,
(uma vez que é justamente este caminho que atrai a maioria dos comentários a respeito do “eclético),
1. No ano de 1988, lançou-se o primeiro livro do Krav-Magá, que se tornou quase imediatamente o
manual oficial do exército, da polícia e de outros serviços de segurança em Israel. Consequentemente,
foram publicadas na imprensa israelense algumas reportagens que rejeitaram o caminho de Imi
e o livro que elaborou junto com Yaron, alegando que o Krav-Magá não passa de um “sistema
eclético”. Em resposta, a revista acadêmica da Universidade de Jerusalém divulgou um contra-artigo,
explicando e esclarecendo os motivos pelos quais o Krav-Magá não é um sistema eclético, dando
um fim às discussões sobre o assunto. O artigo atual é baseado maiormente sobre o escrito naquelas
reportagens parciais, que foram guiadas sobretudo pelo editor de um grande jornal em Israel, ele
mesmo envolvido na tentativa de criar um novo “sistema de luta”. Obviamente que sabemos o nome
daquele editor, mas não achamos razão para anunciá-lo. O principal objetivo daqueles artigos era
tentar e legitimar o uso do nome de Imi e do Krav-Magá para inventar diversos “sistemas” ausentes
de qualquer conteúdo real.

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Defesa Pessoal A História do Krav-Magá

e não a todas as versões deficientes e inválidas hoje apresentadas, que são o principal
objeto da nossa pesquisa. Sobre estas, pode-se comentar e escrever tudo. Os
ensinamentos originais do meu pai, mesmo se não estejam tão expostos ao público
como já estavam, ainda existem e são aprendidos por muitos no mundo inteiro, pelos
verdadeiros fãs e seguidores da arte.
Ademais, em relação ao ocorrido hoje em dia no mundo do Krav-Magá,
excluindo evidentemente o caminho original do meu pai, é certamente possível
chamar de “sistema” todos aqueles miseráveis conjuntos de movimentos e
exercícios que de alguma forma conseguiram sobreviver, e chamar até de “sistema
eclético” (veja os comentários do Sr. Haim Zut, no capítulo “Documentos & Testemunhos”).
Não há nenhum segredo aqui: os praticantes daquelas versões limitadas admitem
e anunciam publicamente a adição de diversas técnicas e exercícios, tornando “seus
sistemas” de fato “ecléticos”. Entretanto, no caminho original do meu pai a realidade
é completamente diferente.
Os acontecimentos históricos diários estabelecem fatos interessantes. Não
passa sequer um dia sem que alguma “arte marcial” nova surgia em algum lugar
no mundo. Por exemplo, já ouvimos falar de um indivíduo mexicano que afirmava
que um grande sacerdote asteca apareceu no seu sonho e a noite toda os dois
treinaram e praticaram e, de manhã, quando o grande antecessor voltou ao céu, o
mortal mexicano já conhecia de forma detalhada toda a antiga arte marcial asteca.
Qualquer um, com mínima de inteligência, sabe que os astecas não desenvolveram
nenhuma arte marcial. Mas tudo isso não tem nenhuma importância, já que aquele
indivíduo foi esquecido na mesma velocidade em que ganhou sua “fama”, e nós
somos provavelmente os únicos no mundo que ainda o lembram e o mencionam. O
mesmo destino de sumiço total ocorreu também com muitos “sistemas” de Caratê,
que eram bastante populares, há cerca de vinte anos atrás. E não se enganem a
pensar que a sua vida chegou ao fim por causa do progresso, o fato é que “sistemas
de luta” não fornecem as respostas que o público busca. Esses sistemas sempre se
perderão com o tempo, simplesmente por que são baseados puramente no ego de
seus criadores e na sua vontade de ganhar dinheiro e rápido, enganando os leigos e
os ingênuos.
No estado atual, o mesmo perigo se espera para o Krav-Magá 2*, a não
ser que seus praticantes aprendam a controlar seus enormes egos e se unam sob
um nome, um caminho, um líder, seguindo os ensinamentos originais do meu pai,
que poucos hoje em dia conhecem. O fim do Krav-Magá como arte marcial está
próximo e o sistema de pequenos principados espalhados ao redor dos países jamais
funcionará. No dia em que aparecesse um feudal faminto de poder e domínio,
somente a cooperação salvaria os pequenos. Senão, o “Grande Feudal da História”

2. Cerca de uma década se passou desde a morte de Imi até a elaboração destas linhas. E realmente
já estamos testemunhando o lento sumiço de todos aqueles “sistemas” que surgiram depois de seu
falecimento, roubando seu nome e o do Krav-Magá. É provável que na próxima década elas desapareçam
por completo. Em sua famosa música, Bob Marley canta: “Você pode enganar uma parte das pessoas
numa parte do tempo, mas não todas as pessoas o tempo todo” (You can fool some of the people some
of the time, but not all the people all the time). Este princípio se aplica aqui, sem dúvida nenhuma.

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A História do Krav-Magá O Krav-Magá Como Sistema Eclético

apagaria seus nomes dos registros e arquivos de seu tempo e isso é o pior de tudo. E,
novamente, este processo não significaria nada, uma vez que por cada “sistema” que
some, surgem dois no seu lugar, apenas os melhores sobrevivem. Seria uma espécie
de teoria da evolução das artes marciais.
Levanta-se aqui mais uma vez a pergunta fundamental: qual seria a
definição correta e verdadeira de uma arte marcial? Precisaremos, primeiramente,
compreender a moldura que contém todas as artes marciais para depois selecionar
e entender os componentes ecléticos que constroem uma arte marcial. Em seguida,
a análise de uma arte marcial daria a nós os instrumentos adequados e necessários
para termos a chave da absoluta compreensão das diferentes combinações.
Para aprender e compreender o que significa o termo “arte marcial”,
precisamos inicialmente chegar à fonte, ao ponto onde tudo teve início. A origem
desta noção não é de nenhuma língua européia, e de fato a expressão “arte marcial”
não aparece ao longo da história militar daquele continente, e isso apesar de ter
passado por inúmeras guerras e conquistas. Eventualmente se fundou alguma ordem
de guerreiros, principalmente na Idade Média, na época dos cavaleiros heróicos que
usavam armadura maciça e espadas pesadas demais para serem manipuladas em
batalha.
Tudo começou, então, no ano de 1274, quando os mongóis, liderados pelo
temido Kublai-Khan, tentaram invadir o Japão. Entretanto, o desembarque nas ilhas
orientais acabou se tornando uma humilhante derrota ao líder mongol. A cultura
japonesa da guerra não era conhecida pelos invasores e esse foi o principal motivo
do desastre militar. A notória espada do Samurai, apesar de ainda não ter assumido a
sua forma mais aperfeiçoada, já era mais fina e mais leve do que as espadas pesadas
usadas fora do Japão.
O sabre japonês, sendo mais ligeiro e fácil de manusear, ao contrário de
armas estrangeiras, exigia o uso de apenas uma mão para cortar, atacar e defender.
Os japoneses adequaram sua principal arma às proporções modestas de seus corpos,
tornando-a a sua maior vantagem. Apesar de o uso da espada não ter alcançado o
amadurecimento cognitivo completo, os japoneses perceberam que a vitória naquela
batalha, naquela tentativa de invasão, foi devido a sua espada e a sua técnica de
combater com a espada. O processo tinha começado, mas ainda não havia chegado
ao ponto de uma criação perfeita. Esta aconteceria sete anos mais tarde, no ano de
1281, quando os mongóis tentaram novamente invadir o Japão. Desta vez, o triunfo
dos militares japoneses foi maior ainda e a supremacia da espada japonesa virou um
fato incontestável. Daquele momento em diante, começou o processo de veneração
da espada do Samurai e ela tornou-se mais importante do que o próprio guerreiro
que a segurava.
A concepção japonesa (estamos nos referindo àquela época e ao campo das artes
marciais) é minimalista, ou seja, “Máxima criação com mínima movimentação”. Um
dos exemplos mais marcantes disso, que existe até hoje, é o método de “Escrita
Zen” ou a arte da pintura japonesa. Podemos observar esta técnica minimalista nas
pinturas do Yamamoto Musashi. O tema da percepção japonesa do conjunto das

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O Krav-Magá Como Sistema Eclético A História do Krav-Magá

artes criativas é fundamental para entender o caminho de criação da arte da espada


e das artes marciais em geral. O artista japonês confere uma importância crucial não
apenas à aparência final de sua obra, mas principalmente à sua noção de Zen e de
como esta é demonstrada e expressa na sua obra.
Todas estas características focaram-se na construção de uma classe de super-
guerreiros, semi-sagrados, autorizados a carregar e lutar com a sua santa espada, por
uma santa finalidade. Como é de praxe em todos os campos de suas vidas, os japoneses
estabeleceram um sistema de leis rígidas e severas, que constituem as regras de
honra: honra com a espada, honra com o portador da arma, honra ao senhor feudal.
E, acima de tudo, adotaram uma conduta de honra cruel e intransigente os próprios
portadores da espada, os Samurais: eram as regras do autorespeito, da honra própria.
Esses códigos de comportamento são considerados até hoje uma parte inseparável de
qualquer arte marcial 3*, praticantes que não os mantenham não fazem arte marcial
e com certeza não poderiam ser chamados de artistas marciais. Evidentemente que
esses preceitos influenciaram também o procedimento de criação do sabre japonês.
Poucos têm a sorte de presenciar o processo de forjamento da espada nas oficinas
artesanais especializadas e observar como as regras de honra são respeitadas acima
de tudo, sendo elas meramente tradicionais ou vigorosamente religiosas. O artesão
sempre veste branco – Akama branca e por cima dela a parte superior do Gi, também
completamente branco. É este conceito de idealização e consagração do processo de
criação da espada que a levou aos níveis tão extraordinários de perfeição, que até
hoje, apesar de toda a tecnologia disponível, este processo ainda não foi copiado pela
ciência moderna.
Enquanto no ocidente os artesãos das espadas focalizaram apenas a
própria produção da espada, os japoneses adotaram uma atitude que, apesar de sua
crueldade, deu à espada a sua incomparável qualidade e seu status, estabelecendo
o alto padrão dos artesãos japoneses. Prisioneiros que foram condenados à morte,
tornaram-se “cobaias” para testar novas espadas, antes que essas fossem entregues
aos guerreiros. Desta forma, ficou possível aperfeiçoar o processo de fabricação do
metal e da espada toda, dando início à primeira arte marcial inteira, totalizada. O
Samurai que usava o sabre sabia que estava segurando a arma perfeita.

3. O código de honra e regras de conduta aparecem no livro “Haga-Kurê”, traduzido para quase todos
os idiomas no mundo. Este conjunto de leis explica detalhadamente como um Samurai ou artista
marcial devem se comportar e agir. Essas regras são também conhecidas pelo nome “Bushidô”. As
escrituras não são fáceis de ser compreendidas, simplesmente por fazerem parte de uma época que,
em favor da argumentação, poderíamos afirmar que já passou e acabou há muito tempo. Mas será?
Ainda existem praticantes de artes marciais – no Judô, no Aikidô, no Kendô, na arco e flecha, no
Caratê, no Kung-Fu e acima de tudo no Krav-Magá - que ainda agem e seguem religiosamente essas
leis e regras. Não existe outro caminho quando se trata do termo “arte marcial”. A leitura da “Haga-
Kurê” daria ao leitor os instrumentos necessários para entender a pesquisa toda, uma vez que fomos
guiados pelos mesmos princípios de amor próprio e amor ao outro. E, acima de tudo, infinito amor e
respeito ao professor – Imi, em nosso caso, exatamente como aparece na “Haga-Kurê”.

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A História do Krav-Magá O Krav-Magá Como Sistema Eclético

Foi essa atitude em relação à espada e ao processo de sua fabricação que


abriram o caminho em direção à perfeição física e mental que, por sua vez, levaram
à criação da primeira arte marcial japonesa, a “mãe” de todas as artes marciais – o
Jiu-Jitsu Japonês, baseada naquelas intransigentes regras e princípios. De fato, o
Jiu-Jitsu Japonês foi criado para ser usado mais por exércitos grandes e organizados
do que por indivíduos solitários. A arte foi aprimorada por dezenas e centenas de
milhares de soldados, durante as infinitas guerras internas e diversas invasões que
o Japão passou ao longo dos séculos. Apenas o capricho japonês, o “Olhar de Zen”
poderia ter criado uma arte marcial tão abrangente e completa como o Jiu-Jitsu
Japonês, do qual se separaram mais tarde o Caratê ShotoKan, o Judô, o Aikidô e até
certas partes do Krav-Magá, que foram inspiradas nele. Lembramos que meu pai era
portador de faixa preta no Jiu-Jitsu Japonês e no Judô. Sem dúvida foi o espírito do
guerreiro japonês que levou à criação da arte.
Há um outro ponto de vista que, embora não seja diretamente relacionado ao
aspecto japonês, ainda precisa ser analisado por ter contribuído imensamente para
o desenvolvimento da técnica de pensar e entender o significado das artes marciais.
Quando os japoneses conquistaram a pequena ilha de Okinawa, eles proibiram os
habitantes locais de portar qualquer tipo de arma, enquanto os soldados imperiais
protegiam seu corpo utilizando armaduras feitas de Bambu. E foi assim que os
nativos da ilha criaram pela primeira vez a técnica de uso do punho, para quebrar
e penetrar através das armaduras japonesas e machucar seus corpos. A técnica é
baseada no fortalecimento dos dois maiores ossos na fonte dos dedos indicador e
do dedo médio, que podem ser calejados quase sem limite 4*. Essa técnica é vista
como um protótipo das artes marciais, ou seja, sem conhecer este método, a prática
das artes marciais é nula. Um artista marcial é obrigado a seguir os princípios que
guiaram a construção das artes marciais no Japão. Em caso contrário, ele não seria
um artista marcial e tampouco a sua prática poderia ser considerada como arte
marcial.

4. O mesmo princípio se aplica quando se trata das diversas técnicas de chutes. Ao chutar com a
bola do pé, somos capazes de penetrar através da “armadura” e dos músculos abdominais de nosso
oponente. Contudo, um chute com as costas do pé não teria força suficiente para atravessar os
abdominais e peitorais de um oponente bem treinado. O elemento crucial de cada arte marcial é a
capacidade humana, a possibilidade do praticante de fortalecer a si mesmo e ao seu corpo até o ponto
em que suas pernas e mãos tornem-se armas próprias. A descrição mais adequada aqui seria o termo
“Arma Humana”. Podemos observar um exemplo disso nos treinos do Caratê, no qual se quebra
madeiras usando apenas as mãos. Imi sempre duvidou deste método e costumava dizer: “é fácil bater
num pedaço de madeira que não bate de volta”. Porém, ele também sempre afirmava que o corpo deve
estar preparado para tudo, e que as bolas do pé e os punhos devem ficar fortes para causar o maior
estrago possível ao oponente. Por isso, Imi sempre alegava que o exercício mais difícil para aplicar
no Krav-Magá é o golpe com a mão esquerda para frente. Com mínimo caminho e mínimo tempo
precisamos alcançar velocidade máxima, força máxima, passar o máximo de peso em direção ao
oponente e com um único golpe quebrar seu maxilar e o derrubar. Este também é o motivo pelo qual
criou a tão especial técnica, exclusiva para o Krav-Magá – “A técnica do caminho de volta”.

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O Krav-Magá Como Sistema Eclético A História do Krav-Magá

Os princípios são:

1. Amor próprio acima de tudo.


2. Respeito ao outro.
3. O uso do Gi branco como sinal de pureza.
4. Profundos conhecimentos nas filosofias das artes marciais
5. Domínio do “KI”.
6. Sabedoria mental em relação ao espírito das artes marciais.
7. Capacidade de compreender e ligar a alma ao corpo, seguindo os princípios de
Zen.
8. A vontade de estudar e se aprimorar constantemente, até alcançar controle total
do corpo.

Estes característicos são e sempre foram a base prática e teórica de todos os


praticantes de artes marciais e estão presentes também no Krav-Magá, sendo uma
arte marcial tradicional. Meu pai certificou-se de incluir estas regras, considerando
duas delas como valores supremos – o amor próprio e o amor ao outro. A explicação
e descrição completa da criação das artes marciais constituiriam um livro separado
e bem grosso. Eu trouxe os esclarecimentos acima mencionados apenas no intuito
de relacionar as artes marciais de forma que cada praticante saiba e entenda quais
são as exigências que ele deve manter e cumprir, e como identificá-las dentro do
Krav-Magá.
As perfeições absolutas que existem no Kendô, ou no Jiu-Jitsu Japonês,
permanecem no mesmo modo também no Krav-Magá que meu pai criou, e eis a
importância da compreensão destes elementos. É possível analisar as coisas de um
ângulo diferente. Hoje em dia, todo atleta profissional acaba se machucando de uma
forma ou outra, seja durante os treinamentos, seja durante a competição. O corpo
humano nunca seria forte o suficiente para suprir todas nossas necessidades. Os
fatores que impulsionam o esportista a continuar treinando e se esforçando são sua
mente e força de vontade. Médicos que tratam lesões causadas por atividade esportiva
sempre ordenam em primeiro lugar um longo e absoluto descanso. Mas, para o atleta
machucado, o corpo jamais derrotaria o espírito e, portanto, eles normalmente não
escutam as recomendações dos médicos e continuam suas atividades, apesar dos
ferimentos. O nome arte marcial é o mais popular, porém o mais adequado seria
“Arma Humana”.
Ao olharmos o Jiu-Jitsu Japonês através do mesmo ponto de vista que
denomina o Krav-Magá como “sistema” eclético, teríamos necessariamente que
chamar também esta antiga e complexa arte marcial com o mesmo “apelido”. O Jiu-
Jitsu Japonês junta dentro de si o Caratê, o Judô, o Aikidô, o Kendô, a arte do arco e
flecha e outras formas de luta com armas antigas, algumas mais conhecidas do que
outras. Será que este fato torna o Jiu-Jitsu Japonês um “sistema” eclético ? A história
pessoal e o currículo profissional do meu pai se estendem para vários campos: ele era
pugilista, lutador de greco-romana, fez dança, trabalhou como trapezista e praticou
Judô e Jiu-Jitsu Japonês.

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A História do Krav-Magá O Krav-Magá Como Sistema Eclético

Agora, vamos realizar um pequeno experimento (como nós realmente fizemos):


Acharemos um verdadeiro perito das artes marciais que serviria para examinar,
avaliar e dar sua sentença final. Por exemplo, alguém com capacidade comprovada de
controle sobre a técnica de emprego das pernas e dos pés nos diferentes chutes, que
compreenda perfeitamente aqueles princípios e saiba diferenciar entre os exercícios
e técnicas de cada arte marcial e distinguir entre os movimentos corporais típicos de
cada arte marcial (eu me refiro aqui especificamente às artes marciais clássicas, como o Jiu-Jitsu
Japonês, o Caratê, o Judô, o Aikidô etc.). Então, uma pessoa desta magnitude perceberia
imediatamente que os praticantes de Krav-Magá não têm os mesmos movimentos e
a mesma linguagem corporal peculiar de nenhuma outra arte marcial. Em que parte
no Krav-Magá, exatamente, existe algum exercício que remotamente lembra algum
movimento do Caratê e do Judô? Ou alguma técnica de qualquer outra arte marcial?
A essência dos exercícios diferencia muito um dos outros.
No artigo sobre o Krav-Magá como arte marcial para defesa pessoal, é
explicado de forma clara e comprovada que os movimentos e técnicas presentes
no Krav-Magá não podem ser encontrados em nenhuma outra arte marcial. Aqui
voltamos novamente ao ponto de partida: a sensação de intimidação e a falta de
autoconfiança são as causas da perda de controle verbal nas pessoas (afinal, quantos
professores têm a autoconfiança de admitir que o Krav-Magá é a melhor arte marcial para defesa
pessoal? É verdade, normalmente - diria o instrutor - o nosso caminho também é bom, mas o
Krav-Magá é o melhor de todos. Da mesma forma que uma modelo fulano é a mais bonita e a mais
requisitada, ou um jogador de futebol etc.).
Existe um outro argumento teórico - filosófico, usado pelos verdadeiros
ignorantes e incapazes: mas, dizem eles, no Krav-Magá há golpes, chutes e também
rolamentos, quedas e livramentos, ataques e defesas. Pois, qual arte marcial não
inclui estes elementos ? O pai das artes marciais, Budidaharma, sentou dentro de
uma caverna ao lado do templo do Shao-Lin durante nove anos, e após essa época
começou a criar o Kung-Fu. Ele montou esta arte juntando e imitando movimentos
de diversos animais, baseando-se nas movimentações folcloristas da antiga dança
indiana–budista, na qual vários bichos são usados para simbolizar os deuses do
panteão indiano, sendo que cada animal é representado por diferentes movimentos,
como os do macaco, da cobra, do grilo, do galo, etc. (apenas quem já viu uma luta de galos,
entenderia a potência de um chute para trás ou até para frente que a pequena ave possui e esta é a
origem dos chutes traseiros). Evidentemente que xistem aqueles que levantariam aqui a
bandeira da combinação eclética e, na verdade, eles estariam certos. Eu concordo
com esta visão totalmente – a arte de Budidaharama é o perfeito exemplo do termo
“criação eclética”, não há dúvida nenhuma quanto a isso. Trata-se neste caso da
mistura de movimentos aleatórios sem o estabelecimento de relação direta entre
eles e a arte.
Mas assim se esgotam também as alegações a respeito do tema, uma vez
que todas as artes marciais existentes hoje em dia são em última instância derivadas
do primário e puro Kung-Fu. Percebe-se, então, que todos os estilos marciais são na
verdade ecléticos, a não ser que aceitemos a equação física de que “não se cria algo

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O Krav-Magá Como Sistema Eclético A História do Krav-Magá

do nada”. Desta forma, também Budidaharama está inocente da acusação eclética,


já que usou elementos deixados pela natureza para criar os movimentos do Kung-Fu,
exatamente como Colombo não descobriu a América – ela estava ali o tempo todo
e ele apenas encontrou o caminho até lá e redesenhou os mapas. Seguindo esses
princípios, devemos nos conformar e aceitar que o Kung-Fu não é um “sistema”
eclético, e, portanto, nem o Krav-Magá.
Vamos examinar os requisitos para a invenção de um “sistema” (no artigo
“Documentos & Testemunhos” dissertamos amplamente sobre o significado da noção de “sistema”,
popularmente utilizado em relação às artes marciais em geral e ao Krav-Magá em específico). Quando
um indivíduo levanta de manhã e declara ter inventado um novo “sistema” mas, na
verdade, tudo que fez foi juntar, por exemplo, um terço de Caratê, um terço de Judô
e um terço de Jiu-Jitsu Japonês, então aqui percebe-se com clareza uma ação eclética
deliberada. Essas três artes marciais já existem há muito tempo e são aprendidas e
conhecidas por milhões de pessoas em todo o mundo. Uma re-modulação dos três
componentes não significa a criação de algo novo, isso sim poderia ser chamado
de um “sistema eclético”. O Kung-Fu não é uma combinação de outras artes
marciais previamente existentes; quando essa arte marcial chinesa foi desenvolvida,
não havia ainda outras artes marciais, o que a torna a pioneira de todos os estilos
marciais. Os movimentos de dança que inspiraram os primeiros exercícios do Kung-
Fu não podem ser considerados uma forma de luta, mas muito pelo contrário, as
movimentações tradicionais da dança são por natureza suaves e delicadas, ausentes
de qualquer vestígio de violência. O propósito da dança é o de agradar aos deuses e
não intimidá-los (os movimentos da dança incluem também elementos “ameaçadores”, mas estes
não constituem uma parte ativa dela e são expressados apenas pela compreensão dos espectadores do
conjunto de movimentos e acontecimentos da cerimônia inteira). Há uma vasta confirmação
acadêmica para o fato de que ambas as danças folclóricas, budistas e hinduístas,
não possuem sinais de uma arte marcial. Na verdade, foi justamente a arte marcial
indiana tradicional 5* que se afastou em seus movimentos da dança, do Kung-Fu e
das artes marciais japonesas.
Ademais, ao examinar as técnicas de golpes e chutes no Kung-Fu,
percebemos que essas não são nada parecidas com as do Krav-Magá. Na verdade, as
formas de aplicação dos diferentes golpes e chutes no Krav-Magá não têm igual em
nenhuma outra arte marcial. Os movimentos de ataque no Krav-Magá baseiam-se no
princípio da “volta”, uma concepção exclusiva do Krav-Magá. Esta técnica, apesar
de ser mais difícil e complicada em relação às de outras artes marciais, comprovou-
se como a mais eficaz pela velocidade e potência insuperáveis que o praticante pode

5. Na arte do Calari não se usa o Gi do Judô, mas apenas calças curtas e o corpo todo é ungido de óleo
antes do treino. Obviamente que não há nenhuma relação entre o Zen Budismo e esta arte, apesar dela
ter suas origens na Índia. Também a prática da Ioga não é ligada à arte indiana, um fato surpreendente
por si. Entretanto, uma parte dos treinamentos de flexibilidade daquele método indiano de luta, sem
dúvida foi adotada da Ioga. Como regra geral, a arte da Calari baseia-se no uso de diferentes armas de
origem local, e, portanto, estas armas não são conhecidas no Kung-Fu. Seu uso nunca foi observado
fora das fronteiras indianas.

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A História do Krav-Magá O Krav-Magá Como Sistema Eclético

alcançar ao utilizá-las. Quando meu pai criou as técnicas de chutes do Krav-Magá,


cerca de quarenta anos atrás, elas estavam em total contradição com tudo que era
conhecido no campo das artes marciais, como por exemplo, chute para os testículos
ou outras partes do corpo usando a bola do pé, em vez das costas do pé (também
este movimento tão único já foi alterado por alguns de seus “sucessores”). Muitos instrutores
e professores de luta mudaram seus conceitos profissionais depois de observar os
métodos do meu pai. A concepção do Krav-Magá - sempre depois da aplicação de
algum golpe ou chute voltaremos à nossa base, à posição de saída - também era
bastante inovadora e pioneira. Mas comparando com o conjunto universal das artes
marciais, as renovações que mencionamos aqui são apenas uma mínima parcela
dos movimentos revolucionários introduzidos pelo meu pai através do Krav-Magá.
Portanto, perguntamos novamente: onde ficam os elementos ecléticos? O processo
de integração no Krav-Magá dos diferentes exercícios e movimentos, originários
das diversas técnicas não existe em nenhuma outra arte marcial e talvez seja por isso
que o “produto” final é considerado uma arte completa.
No entanto, seguindo os princípios da justiça e da honestidade social,
devemos mencionar o fato de que meu pai empenhou-se para que seus dez discípulos
se educassem não apenas no Krav-Magá, mas também em outros estilos de luta e
modalidades esportivas relacionadas à área. Vários de seus mais próximos amigos e
colegas foram “recrutados” para passar lições de outras técnicas de combate, como
Luta Greco-Romana e aulas de pugilismo que eram ministradas principalmente pelo
Sr. Oskar Klein, um velho e bom companheiro do meu pai. No primeiro curso para
formação de instrutores, por exemplo, ele convidou o famoso judoca israelense, o
Sr. Edmund Buzaglo para demonstrar e ensinar exercícios do Judô. Nas tradicionais
aulas aos Sábados, Eli Avikzar, depois de ter recebido a sua faixa preta, começou
a dar treinamentos regulares de Aikidô. A finalidade do meu pai era simples: ele
queria que cada instrutor ou praticante faixa preta de Krav-Magá tivesse o que ele
denominou de “intelectualidade profissional”, isto é, uma compreensão e percepção
ampliadas ao máximo sobre as outras artes marciais existentes. “Conheçam seu
inimigo”, nas palavras do meu pai, “Aprendam e observem as posturas, as posições
e os movimentos corporais do oponente, tornem-se peritos na leitura da linguagem
corporal”. E realmente alguns de seus alunos mais graduados alcançaram um grau
tão avançado na leitura da linguagem corporal alheia, que a aplicação evoluiu ao
nível de uma estratégia obrigatória no ensino de técnicas de luta – “preveja os
movimentos de seu rival”.
Esses atos comprovam mais uma vez a autoconfiança e a coragem do meu
pai, infelizmente características raras nas pessoas hoje em dia. O Sr. Yaron, sendo
um discípulo do meu pai, abraçou e adotou de braços abertos a atitude “livre” do
meu pai de convidar professores de outras áreas. E foi mais longe ainda quando
(com o objetivo de aprimorar e melhorar técnicas específicas) chamou um instrutor de Balé
que treinou com seus alunos faixas pretas durante algum tempo sobre a aplicação
de piruetas no ar, para aperfeiçoar sua capacidade de fazer chute faca voador com

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O Krav-Magá Como Sistema Eclético A História do Krav-Magá

giro (veja “The Book of Krav-Magá – The Bible, página 335). Essas ações não podem ser
consideradas uma criação eclética, ponto final (há uma clara e conclusiva diferença entre
treinar para dominar uma certa técnica e um ato eclético).
Uma profunda análise sobre o núcleo das artes marciais alheias para encontrar
o que falta nelas no campo da defesa pessoal - esta é uma verdadeira criação original,
da mesma forma que através da observação e junção dos movimentos de dança
hinduísta cria-se uma arte marcial. Ver o que não está ali, descobrir o caminho
secreto que o levaria aonde ninguém antes pisou, foram estes os atos do meu pai ao
desenhar os movimentos do Krav-Magá. As características adquiridas por aqueles
que praticam o caminho completo do meu pai são as responsáveis pela alteração da
concepção geral em relação à defesa pessoal no mundo inteiro.
Sempre existirão tolos que seguirão o “fundador” de um sistema ou outro,
a história humana é cheia de exemplos desse tipo, isso não é nenhuma novidade,
mas eles tendem a sumir rapidamente nas nuvens do tempo e do esquecimento
histórico. É necessário muito mais do que a mera combinação de alguns exercícios
e teorias filosóficas vagas para criar uma verdadeira arte marcial, que se sustentará
e sobreviverá por milhares de anos. O público não é tão inteligente, mas também
está longe da estupidez, e, no final, ele entende que a “mercadoria” vendida não
vale o preço exigido. Os gigantes que criaram as tradicionais artes marciais foram
abençoados com “algo a mais”. Carisma, genialidade, habilidades físicas e mentais,
nem sempre são o suficiente. Muitos possuem esses característicos, mas isso ainda
não os torna criadores. Milhões têm o dom para pintar, praticam esta arte em cursos,
em sua casa, no seu tempo livre, e a maioria deles ficará anônima para sempre. Isto
se aplica a qualquer campo artístico. Milhões de pessoas servem nas forças armadas
ao redor do mundo como soldados e oficiais e somente um milésimo deles, ou até
menos do que isso, se tornaria general no final de seu caminho, e desses, apenas
pouquíssimos ganhariam uma verdadeira glória em combate.
Os fundadores das tradicionais artes marciais cabiam, normalmente de
forma não intencional, dentro de um inexplorado nicho das artes marciais em
relação ao seu tempo. Deliberadamente ou não, os fundadores surgiram com
seus estilos marciais justamente nos momentos em que a humanidade estava
procurando substitutos para as clássicas lutas do pugilismo e Greco-Romana,
que são relativamente repetitivas e pouco empolgantes. E, de repente, novos
jogadores apareceram. O Judô Japonês, acompanhado pelo exotismo e mistério do
oriente, ingressou quase que imediatamente para as olimpíadas. Também o Caratê
milagrosamente encontrou o seu canto, com treinamentos e competições de exibição
nas quais se ganha medalhas quebrando vários materiais, mostrando sua força e
seguindo os caminhos espirituais do oriente. Não é por acaso que esta arte marcial
se popularizou tão rapidamente em todo o mundo – era exatamente o que todos
estavam procurando. Já o Aikidô é reservado àqueles que buscam uma maior e mais
precisa compreensão dos ensinamentos mentais / filosóficos japoneses, através da
aprendizagem e do uso de “KI” – uma tremenda e inexplicável força, controlada

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A História do Krav-Magá O Krav-Magá Como Sistema Eclético

somente por aqueles que entendem e percebem a sua inimaginável potência, que
aos olhos leigos passaria despercebida. Somente o medo das pessoas de “tocar” nos
aspectos filosóficos impediu uma maior popularização do Aikidô. E neste ponto
chegamos ao Krav-Magá.
Tudo começou no final dos anos sessenta do século XX, no ano de 1967, para
ser exato. O Estado de Israel, um lugar microscópico no mapa global, foi fundado
depois e como consequência da destruição e horrores da Segunda Guerra Mundial,
na qual a maioria da nação judaica foi extinta. Em seus primeiros dias, o Estado
de Israel recebeu refugiados judeus de todas as partes do mundo. Até hoje, mais
de sessenta anos depois de sua fundação, esse país ainda vive épocas constantes
de terror e guerras sem fim, perdendo todo dia os melhores de seus filhos, de seus
guerreiros. No entanto, esse povo, com seu minúsculo e remoto território, tem algo
que nenhuma outra nação possui. Algo que nem seus quatrocentos milhões de
inimigos, que o cercam de todos os lados do Oriente Médio, conseguem derrotá-lo
e aniquilá-lo: em cada conflito ou guerra ocorrida, o povo israelense sempre saiu
prevalecendo. A forma como o Estado foi fundado e a sua trajetória de sobrevivência
são fontes diárias de notícias para jornais e noticiários em todo mundo, por que
todos gostam de heróis e o consistente tratamento dado ao Estado judeu só o torna
cada vez mais popular. Todos querem descobrir o grande “segredo”, até aqueles que
não nutrem muito “afeto” pelo pequeno país.
Voltando ao ano de 1967, depois de uma inesquecível e glorificante vitória,
quando Israel derrotou todos seus inimigos em apenas seis dias e conquistou territórios
em todo o Oriente Médio, apareceu um homem grande e modesto, como se saísse de
alguma lenda local. Com seu carisma e charme, ele apresentou ao faminto mundo a
arte marcial israelense, algo que ninguém esperava ou acreditava na sua existência.
Os mais velhos, aqueles da geração que lutou na guerra dos seis dias, recordam
claramente as reportagens e artigos na imprensa internacional sobre a “teoria da
conspiração”, de acordo com a qual Israel usou uma arma altamente secreta na
guerra dos seis dias, e que somente por isso venceu a guerra tão facilmente. Para
combater essas “alegações”, o exército e o governo israelenses publicaram livros e
álbuns especiais para comemorar a vitória, e neles apresentaram sempre fotos de
dois soldados israelenses, um homem e uma mulher, ao lado estava escrito: “Essa é
a nossa arma secreta!”. E foi justamente este nicho que meu pai encontrou no Krav-
Magá: a procura mundial pela “arma secreta” de Israel, seja ela verdadeira ou não.
Ou seja, usando a linguagem de pescadores que meu pai apreciava, o mundo engoliu
a isca, a vara, a linha e até o próprio pescador.
Mas não era apenas a situação global que estava à procura de algo renovador,
nem a bravura das pessoas ou de um país. O público descobriu o que estava lhe
faltando nas tradicionais artes marciais – a defesa pessoal. A criminalidade estava
crescendo mundo afora, o terror começou a se erguer e os cidadãos exigiram,
corretamente, soluções rápidas e eficazes. Neste ponto, o Krav-Magá parecia ter
sido costurado sob medida para o mundo – o homem certo – Imi, a arte certa – o

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O Krav-Magá Como Sistema Eclético A História do Krav-Magá

Krav-Magá 6*, o tempo e o local certos – Israel. Não há uma receita melhor do que
esta para o sucesso. Assim, é possível que um dia alguém desenvolva uma arte
marcial nova, original e única, mas se não couber no nicho certo e no tempo certo,
provavelmente sumirá no esquecimento histórico.
Desde que o Krav-Magá começou a se popularizar, muitos tentavam
aproveitar de seu êxito. Porém, a maioria deles não possui nem o mínimo de
conhecimento sobre esta arte. Portanto, não se pode julgar uma arte marcial tão
longa, complexa, completa e perfeita de acordo com as afirmações de algumas bocas
ignorantes. Esperamos que esta pesquisa esclareça este tema de uma vez por todas!

6. É necessário entender um outro fator aqui: é possível que nem Imi e nem sua criação chegassem
aonde estão hoje sem a incrível capacidade do Imi de comprovar com atos a eficácia e eficiência de
suas técnicas e das defesas que criou.
Pessoas de vários campos e ocupações como artistas marciais, militares, policias, agentes dos serviços
secretos etc., examinaram e analisaram, no começo do caminho de Imi, cada mínimo movimento
dentro do conjunto de exercícios que compõem o Krav-Magá. Somente depois que compreenderam
e ficaram convencidos das proporções bíblicas de sua criação e da capacidade do Krav-Magá de dar
soluções de defesa pessoal, deu-se início ao grande entusiasmo. No entanto, hoje em dia percebemos
cada vez mais a utilização do nome Krav-Magá, mas sem a inclusão prática de todos os exercícios de
ataque e defesa criados por Imi. Muitas pessoas “inventam” defesas contra faca ou contra arma que
não funcionam na realidade. Imi e o Krav-Magá foram os primeiros, e até este momento os únicos,
que criaram defesas reais e comprovadamente eficazes. Assim, a glória do Krav-Magá não apareceu
do nada, mas baseou-se em profissionalismo e compreensão profissional. E de novo mencionamos um
fato curioso: todos aqueles que tentam vender um “Krav-Magá militar” nunca foram combatentes no
exército. Cada instrutor de Krav-Magá não necessariamente tem que ser israelense, pelo contrário.
No Caratê, por exemplo, há um número suficiente de praticantes ao redor do mundo para surgirem
bons professores, mesmo se não são japoneses. Mas o Caratê já existe há bastante tempo, enquanto o
Krav-Magá ainda é relativamente novo. Muitos daqueles que afirmam estar ensinando o Krav-Magá,
não o fazem realmente.
É parecido com a situação de um homem que tem um encontro romântico com um outro homem
fantasiado de mulher e o primeiro nem imagina a surpresa que o aguarda....

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A História do Krav-Magá O Espírito – Parte I

O espírito - parte I
Zen está presente no Krav-Magá da mesma forma que existem nele chutes e golpes, ataques
e defesas. Porém, o machado da re-modificação de sua história tampouco poupou essa gloriosa parte
de importância máxima na qualificação de qualquer artista marcial e de um praticante de Krav-Magá,
especificamente. O objetivo deste capítulo não é ensinar Zen, mas mostrar e explicar a sua existência,
suas finalidades e razões e porque constitui um componente integral e inseparável do Krav-Magá.
Queremos, inclusive, comprovar que o fundador do Krav-Magá conhecia o espírito do Oriente e sabia
como fundi-lo delicadamente dentro da arte marcial que criou.

Essa impotência com a qual tentam infectar meus movimentos, ignorando a


minha respiração, o sopro do Krav-Magá. As defesas, os ataques, os golpes e chutes
e o conjunto inteiro de exercícios no Krav-Magá não existiria sem aquele espírito.
Quando este é removido e não está mais presente e influente, ou não foi incluído
desde o início, haverá no final um sentimento de carência, de escassez, que por sua
vez levará a uma busca por alguma recompensa ou substituição, que normalmente
aparece na forma de movimentos brutais que exigem força significante para serem
aplicados.
Vejam como são executadas hoje em dia defesas contra faca ou livramentos
de estrangulamentos e agarramentos: utiliza-se muita força, que é um elemento
estranho aos princípios da defesa pessoal no Krav-Magá. É necessário ler, aprender
e entender o modo correto de aplicação das defesas e dos livramentos como eles
são demonstrados e explicados no livro “The Book of Krav-Magá – The Bible”, e
não como já vimos em vários outros “livros”, nos quais se ensina a usar uma dose
desnecessária de força física.
O ato de refugiar-se na utilização da força aponta para vários equívocos e para
um desentendimento básico do Krav-Magá como arte marcial em geral e como arte
marcial para defesa pessoal em específico, além de mostrar falta de profissionalismo,
que se origina em período curto demais de qualificação. E claro, o mais importante
de tudo, o total desconhecimento do “outro lado” do Krav-Magá. A ignorância se
reflete em situações como defesas contra ataque de faca, por exemplo, onde há uso
da técnica de trezentos e sessenta graus, que neste caso é um pecado indesculpável.
Esse padrão se repete em outras oportunidades e nenhuma pessoa tem o direito
de afirmar “Eu pratico somente a parte física do Krav-Magá, evitando qualquer
ligação com o lado espiritual”. Isso é parecido com alguém que vá ao rabino e diz
a ele: “Rabino, sou um homem religioso e honesto, sigo os ensinamentos de Deus,
rezo todo dia, mantenho o sagrado Sábado e as regras da comida “Kosher”, mas às
Sextas Feiras como carne de porco cozido com leite” 1*.
1. Já que o objeto desta pesquisa é o Krav-Magá, originado em Israel, trouxemos um exemplo adequado
para tal. De acordo com a religião judaica, comer carne de porco é um pecado indesculpável e ainda
admitir isso em frente ao rabino – ninguém ousaria a fazê-lo. Misturar carne com leite é um pecado
igualmente severo. Segundo as leis judaicas, carne e leite devem ser ingeridos separadamente, com
intervalo mínimo de seis horas entre cada refeição.

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O Espírito – Parte I A História do Krav-Magá

O Krav-Magá inclui dentro dele as desamarradas pontas daquele espírito que


o aluno deve agarrar com ambas suas palmas e amarrar junto com seus pensamentos
e compreensão. Não ouso tomar a liberdade de tentar explicar a forma como Zen
constitui parte inseparável do Krav-Magá 2*. A pesquisa não trata desse tema, porque
é um assunto profissional, factual e não histórico. Ademais, o objetivo do nosso
trabalho nunca foi o lado prático do Krav-Magá.
Entretanto, não é possível ignorar a ligação entre os dois – a história de
Zen frente a do Krav-Magá. Mesmo quando a falta de atenção não é deliberada e
ocorre por falta de conhecimento simples, não se aceita esta desculpa. Alunos de Zen
costumavam passar uma década com seus educadores, até serem qualificados eles
mesmos como professores. E realmente os alunos do meu pai esperavam dez anos
até receberem a faixa preta.
E um outro fenômeno curioso: a maioria dos mestres de Zen também
formou cada um cerca de apenas dez alunos; novamente a semelhança nos atinge. A
minha intenção aqui não é dizer que meu pai tinha somente dez alunos, mas que ele
escolheu esses dez para completar o longo caminho até a faixa preta. Não acredito
que só por isso podemos determinar de forma conclusiva que meu pai conheceu e se
aprofundou nos ensinamentos de Zen. Porém, é necessário entender que uma pessoa
como meu pai, mesmo não tenho seguido uma concepção universal de Zen, criou
uma arte marcial complexa e perfeita, o que já significa que ele possuía uma visão
mais ampla, mesmo que não fosse completamente “consciente”.
Não é raro ver grandes artistas que não podem explicar com palavras os
abençoados momentos de inspiração que os levaram a criar a sua imortal obra-
prima. Quando meu pai desenvolveu e ensinou as diferentes formas de chutes no
Krav-Magá, ele deu uma atenção máxima às técnicas de controle do pé e da perna,
do corpo e de nosso equilíbrio (infelizmente essas técnicas quase foram extintas nas versões
limitadas do Krav-Magá). De modo geral, quem aprendeu e conheceu essas técnicas sabe
que não é possível dominá-las sem ter uma mínima compreensão de Zen, para tentar
e combinar a força mental com os vários movimentos corporais.
E uma vez aprendidos os caminhos espirituais, o aluno não poderá mais
continuar sem eles – é o espírito que domina agora seus movimentos. Novamente
não há escape em citar como referência o livro “The Book of Krav-Magá – The
Bible” para aqueles interessados em expandir suas noções sobre o assunto. E para
quem se interessa em compreender a conexão espiritual entre os dois universos,
recomendamos fortemente ler o maravilhoso livro do alemão Eugen Harrigel – “A
Arte do Arco e Flecha”, ou o livro de Lie Yu-Kou – “Liezi”, que descreve como já há
dois mil e seiscentos anos atrás os arqueiros e lutadores chineses combinavam Zen
(em seu estado primário) com a própria prática da arte marcial.

2. Veja no livro “Zen Buddhism and Psychoanalysis”, de Dr. D.T Suzuki, páginas 44-48. Embora a
explicação seja referente à arte da espada, na realidade, quando se trata do aspecto de Zen, não há
diferença entre uma arte marcial e outra.

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A História do Krav-Magá O Espírito – Parte I

E de novo não podemos deixar de pensar que a comercialização do Krav-


Magá e a sua transformação de uma arte marcial redonda e completa em algo
confuso e sem nenhuma destinação além de seu nome - como é apresentado hoje
em dia, totalmente castrado - não é o verdadeiro caminho do meu pai. Isso está
especialmente certo quando examinamos com mais atenção o livro “The Book of
Krav-Magá – The Bible”, ou os primeiros dois livros sobre o Krav-Magá, publicados
somente em Hebraico os quais meu pai foi parceiro ativo na elaboração. O primeiro:
“Krav-Magá – Guia para Defesa Pessoal” e o segundo: “Krav-Magá – A Potência, O
Mistério, A Verdade” 3*.
Não é possível se esquivar dos fatos concretos que constroem a inabalável
sequência lógica, segundo a qual o Krav-Magá é baseado do início ao fim nos
fundamentos espirituais existentes, embora de modo um pouco variável, em algumas
das outras artes marciais. É difícil apontar o ponto preciso de ligação, como por
exemplo, que estilo de luta é o mais próximo do Krav-Magá em sua essência
espiritual.
Visamos a técnica mental do Krav-Magá, fundamentada nos princípios
da “Entrada” e da penetração contra o “Território” inimigo no intuito de defender
ou atacar. Encontramos uma atitude igual no “caminho” descrito no imortal livro
de Yamamoto Musashi, “O Livro dos Cinco Anéis”. Ali achamos uma descrição
exata da visão do meu pai, especialmente no que diz respeito à defesa pessoal e à
penetração do ataque inimigo durante a luta. Essa atitude tem suas fontes também no
passado do meu pai, que era pugilista e lutador de peso pesado. Portanto, o espírito
da arena, as lutas, a vitória e a derrota eram seus companheiros e parte permanente e
integral de sua concepção do mundo.
Assim, afirmamos que a abordagem de Musashi sobre a essência da luta
não é diferente da sua percepção aos olhos do meu pai ou de guerreiros de seu nível,
nomeadamente no ambiente militar que servia como o berço do Krav-Magá, quando
meu pai recebeu liberdade absoluta para treinar soldados de unidades de elite como
parte de sua preparação para o combate.
Entretanto, já com seus dez pupilos pioneiros, meu pai enfatizou a parte
prática do Krav-Magá como arte marcial, especificamente a técnica de controle
do corpo, seja num movimento isolado como golpe esquerdo para frente, seja em
conjuntos mais complexos como os variáveis chutes regulares, ou técnicas de chutes
voadores que nos levam para uma viagem através do passado de meu pai como
trapezista. Ser trapezista não é uma profissão fácil e não é qualquer um que pode
exercê-la, ficar lá em cima, pendurado entre a vida e a morte, com rede de segurança
ou não (meu pai nunca usava a rede), para isto é necessário ter algo a mais. Não sei
quantos trapezistas já ouviram falar de Musashi, mas nenhum artista voador desse
tipo, além do meu pai, jamais criou alguma arte marcial e esta é a inevitável conexão
entre os dois universos: o espiritual e o físico / corporal.

3. Esses livros são considerados hoje itens para colecionadores. De fato, qualquer livro sobre o Krav-
Magá que foi escrito posteriormente a esses dois, é nada mais do que uma péssima imitação.

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O Espírito – Parte I A História do Krav-Magá

Há quem julgue (e eu conheço pessoas assim pessoalmente) ser a melhor forma


simplesmente mandar entregar pelo correio a faixa preta com o diploma. E por que
não? A mesma prática está presente também em áreas ligadas à preservação de vidas
humanas.
Mas por outro lado, sempre existem aqueles que são contra, que estão
dispostos a dedicar tempo e esforço para treinar, aprender e educar-se, sem procurar
sequer um atalho. Mesmo que as palavras “Krav-Magá” ou o termo arte marcial
estejam extintos de nosso mundo (e talvez no futuro viveremos num mundo sem palavras),
desde o início da humanidade e até seu último dia, sempre teremos alguns corajosos
dispostos a seguir um outro caminho, a buscar a iluminação se preferirem, aqueles
que não aceitam o óbvio como tal, que entendem que a força não está apenas nos
músculos e que de fato há algo que move os músculos. Meu pai era uma dessas
pessoas que levam a sociedade global para frente.
Não nos referimos aqui ao aspecto filosófico do Krav-Magá – esta é uma
outra dimensão distinta. Com a palavra / noção “Espírito” pretendemos tratar da
abordagem espiritual do próprio Krav-Magá e dos resultados de sua aplicação no
corpo e na mente do praticante, da mesma forma que a mãe gestante carrega seu filho
no útero. A filosofia já é a próxima fase, que explica e demonstra como iria agir o
aluno que leva dentro de si “Os caminhos espirituais” do Krav-Magá.
A tentativa de apresentar o Krav-Magá como árido nesta área constituiu
uma ignorância sem precedentes. Meu pai jamais conseguiria criar sua arte marcial
sem este espírito. Os maiores guerreiros na história humana eram constantemente
acompanhados pela espiritualidade, como uma sombra eterna. E se no passado
essa “mística” não tinha um nome definido (pelo menos no Ocidente), então agora sua
definição está clara e entendida por todos seus cantos e ângulos e virou até objeto de
múltiplas pesquisas e teses acadêmicas que conferem aos seus elaboradores diversas
nomeações, graduações e cargos altos como professores e diretores acadêmicos. Na
verdade, duvido que seja possível chamar uma arte marcial de tal sem a existência
dos princípios espirituais.
Não se deve ignorar a incontestável presença de Zen dentro do Krav-Magá.
Uma análise cuidadosa de muitos dos exercícios e movimentos comprovaria que é
impossível desconhecer este fato, especialmente quando se trata das várias técnicas
de chutes e livramentos, nas quais se aplica em específico o princípio de penetrar no
território do agressor, uma vez que não apenas Zen aparece ao longo de toda a arte,
mas também um de seus “descendentes” - Ki.
Esta força e o modo de usá-la foram demonstrados e explicados em inúmeras
ocasiões pelo meu pai. Portanto, no intuito de enxergar o caminho do Krav-Magá
como arte marcial com todos seus significados, precisamos primeiramente ter
conhecimento e compreensão do que é exatamente Krav-Magá, ou no que constituem
as artes marciais em geral.
No primeiro livro do Krav-Magá, lançado no ano de 1988, o Sr. Yaron
publicou pela primeira vez um artigo que expõe o monge indiano Budidaharama como

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A História do Krav-Magá O Espírito – Parte I

o pai das artes marciais, por ter criado o Kung-Fu, do qual surgiram posteriormente
o resto das artes marciais do Oriente. No começo, o Kung-Fu servia ao objetivo de
fortalecer os corpos e mentes dos monges, para prepará-los melhor para as tarefas
diárias. Todos os exercícios foram construídos baseando-se no mesmo princípio:
o princípio da natureza, isto é, o fortalecimento dos músculos absorvendo energia
espiritual. Essa capacidade de coordenar os diferentes movimentos corporais e os
músculos de um lado, e a focalização da espiritualidade do outro lado, mantendo uma
simbiose perfeita entre os dois, é um dos pilares de qualquer arte marcial. Podemos
achar um exemplo clássico disso ao observar a prática milenar do Tai-Chi-Chuan
(mesmo que esta não seja uma arte marcial no sentido completo da palavra).
Budidaharama recebeu a inspiração para desenvolver o Kung-fu de
sua especialidade na dança indiana folclorista e ritual religiosa de adoração aos
diversos deuses do panteão Hindu, na qual cada deus simboliza um outro animal
e cada técnica de dança é caracterizada por movimentos que imitam, lembram e
se originam de algum animal específico. Em dias de feriados sagrados dedicados a
esse fim, as garotas mais novas, especialmente treinadas para tal, caminharam até os
templos demonstrando os passos e movimentos rituais da dança. Muitas vezes era
exigido um profundo conhecimento para entender totalmente todos os movimentos,
acompanhados por uma música tocada também com uma técnica distinta 4*. Seria
impossível imaginar alguém que dominasse todo o vasto e complexo conjunto de
movimentos de dança dos diferentes deuses indianos.
Há uma corrente que afirma ser justamente essa exigência de perfeição na
movimentação que constituiu os primeiros passos no caminho para o desenvolvimento
de Zen, da forma que ele aparece atualmente nas artes da espada, do arco e também
no Krav-Magá. E ao examinarmos a genialidade dos fundadores das artes marciais,
esse pensamento se torna possível: Budidaharama, depois de passar nove anos
dentro de uma caverna até alcançar a iluminação que lhe possibilitou enxergar o
mundo como ele é, começou a criar e construir o Kung-Fu. Entretanto, a primeira
abordagem em relação ao Budidaharama deve ser de um ponto de vista anterior ao
Kung-Fu. No início de sua trajetória, Budidaharama era um monge budista, e quando
estava a caminho da China entendeu que necessitava encontrar o “caminho” certo.
Este ato o levou a um período de prolongado isolamento na caverna, durante nove
anos, ao final dos quais descobriu o Zen-Budismo.
De fato, ele é o criador de Zen da forma como o conhecemos hoje em dia.
Sendo assim, é fácil entender como ele chegou a criar o Kung-Fu, embora devamos
mencionar mais uma vez que a criação elementar de alguma arte marcial nunca é
baseada apenas em Zen. Isso explica também por que o Kung-Fu sobreviveu e ficou

4. Interessante ver que também no Brasil, onde a capoeira possui o status de uma arte nacional, os
movimentos da dança são aplicados com o acompanhamento de instrumento musical especial chamado
de Berimbau e normalmente também se junta à dança o ritmo da bateria. O ponto curioso é que há
muitos no Brasil e fora de lá que tentam apresentar a Capoeira como arte marcial. Só resta esperar e ver
se no futuro a Capoeira seguirá os passos do Kung-Fu.

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O Espírito – Parte I A História do Krav-Magá

até hoje como arte marcial chinesa. Na China, o caminho adotado não é Zen, mas
sim o “Caminho de Tao”. Apenas quando o Zen-Budismo desembarcou no Japão é
que ele chegou ao seu estado atual e levou à criação das artes marciais.
O Kung-Fu combina com o povo chinês como luva na palma da mão. É uma
arte bastante colorida, que possui movimentos longos, teatrais e variados, mesmo
que por vezes esses movimentos não tenham nenhum valor do ponto de vista de uma
arte marcial, já que eles se originam em movimentos “suaves” da dança delicada das
garotas dos templos. Talvez seja este o motivo para o grande número de mulheres
que praticam o “suave” Kung-Fu, cerca de cinquenta por cento do número total
de praticantes, enquanto nas artes marciais mais “duras” o número de alunas cai
drasticamente, especialmente no Ocidente.
As técnicas de “força do espírito” existentes no Kung-Fu ainda não se igualam
em sua potência às mesmas técnicas das artes marciais japonesas. Atualmente, nas
grandes escolas de Kung-Fu na China, e especialmente depois que essas abriram suas
portas para turistas ocidentais, a ênfase está mais no aspecto teatral dessa maravilhosa
arte do que na parte principal. Tampouco faltam imitações vergonhosas que parecem
ter saído diretamente de um filme americano de ação. Mas de qualquer forma, todos
os praticantes de artes marciais na atualidade devem seus agradecimentos a este
imenso povo, o berço de uma cultura global.
O Kung-Fu, devemos lembrar, foi criado por e para pessoas de corpo
relativamente modesto, como as diversas nações asiáticas que possuem uma
concepção mental e espiritual da força, baseada maiormente nos princípios do
Budismo e do Taoísmo. Isso difere muito da percepção dos ocidentais (o Cristianismo
considera a “carne” mais importante do que o espírito), que por natureza são maiores e mais
duros, e têm corpos mais “quadrados”.
Seja qual for a nossa perspectiva, o praticante de artes marciais é ligado
à capacidade mental que conecta o aluno e a arte, da mesma forma que o feto se
alimenta da mãe através do cordão umbilical. O nível e a qualidade da espiritualidade
de cada arte marcial, separadamente, é o fator que determinará o caminho final do
praticante como artista e ser humano.
No aspecto físico, o Kung-Fu certamente pode ser definido como uma arte
de movimentos fantásticos, imaginários. Mas por mais que louvemos o Kung-Fu,
ainda é necessário ir mais em direção ao leste asiático – até o Japão, no intuito de
aprofundar e diferenciar nosso envolvimento no assunto, examinar e ver as artes
marciais que surgiram naquelas distantes ilhas e aprender sobre o processo de seu
surgimento. Adquirir inteligência profissional é uma necessidade (apesar do paradoxo)
para quem deseja aprimorar seus conhecimentos a respeito do desenvolvimento das
artes marciais. Esta aprendizagem tem influências diretas e imediatas sobre o Krav-
Magá, uma vez que assim seríamos capazes de perceber e julgar sobre a definição
de uma arte marcial. Será que qualquer combinação de socos e chutes é uma arte
marcial?
Hoje em dia não existe quase um país no mundo inteiro onde não haja sido
criado algum estilo local de luta, como o Sambo russo, o Lima Lama mexicano,

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A História do Krav-Magá O Espírito – Parte I

o Box Tailandês, a Capoeira brasileira, o Calari indiano, e a lista ainda é longa e


não acaba por aqui. Se analisássemos e examinássemos cada um desses “sistemas”
separadamente, veríamos que existe uma ligação antropológica com os nativos mais
do que alguma relação concreta com a concepção pura e completa das artes marciais.
Em muitos desses estilos percebe-se número reduzido de golpes com a mão e a
perna, além de ausência total de técnicas complexas, especialmente quando se trata
de técnicas de controle do corpo, como as do Caratê e do Krav-Magá. A tradicional
Capoeira brasileira, por exemplo, não tem nenhuma forma de golpes ou chutes, uma
vez que a sua origem está nos movimentos de uma dança africana sem quaisquer
elementos espirituais orientais. Muito estranho é o fato de que, atualmente, tentam
denominar “arte marcial” os movimentos desta dança folclorista.
O sistema indiano tampouco demonstra em sua técnica de chutes a divisão
clássica para quatro posições de movimentação em cada chute - eles aplicam um
movimento só, como se estivessem levantando a perna em vez de propriamente
chutar no sentido profissional correto. Se continuarmos neste caminho, veríamos que
cada “sistema” foi criado de acordo com as condições locais e seguindo a conduta
espiritual e física dos habitantes naquele ambiente e não necessariamente como
tentativa de copiar ou imitar as origens.
Somente os japoneses tiveram a capacidade de desenvolver seus estilos de
luta baseando-se nos princípios de Yen e Yang. Propositalmente ou não, as artes
marciais japonesas são diversas e variadas, mas todas possuem a mesma base
espiritual, apesar de serem tão diferentes umas das outras no aspecto da prática física.
Cada um dos estilos marciais japoneses têm suas próprias características distintas,
mas todas as artes juntas formam uma única moldura completa que representa todo o
povo japonês. A abordagem japonesa é diferente da chinesa, não apenas pela vontade
de introduzir mudanças, mas também por causa das diferenças físicas e concepções
mentais distintas dos dois povos. Uma leitura da linguagem corporal do chinês
comum revela uso exagerado de movimentos corporais que têm como objetivo
disfarçar e esconder as reais intenções atrás dos movimentos teatrais. Enquanto isso,
o japonês é mais direto, mais crítico e possui uma linguagem corporal mais clara e
evidente, que serve como extensão da expressão verbal de suas idéias e palavras,
especialmente quando observamos a combinação entre a movimentação das palmas
da mão como ponto de ligação com o resto dos movimentos corporais.
Jigoro Kano, o fundador do Judô, estabeleceu algumas regras de conduta
que até hoje constituem os fundamentos elementares de todos os praticantes de
artes marciais. O kimono (JudoGi), que nós conhecemos, foi criado seguindo códigos
rígidos: quantas costuras devem ser feitas e em que parte da roupa para que ele
fique fortalecido; kimonos diferentes para alunos e para instrutores; e, acima de tudo,
a utilização do kimono branco por quem se respeita. Esta lei existe em todas as
tradicionais artes marciais e inclusive no Aikidô, no qual além da Akama usa-se a
parte superior do Gi.
Na arte marcial indiana, por exemplo, percebemos que o único traje vestido
é uma calça curta, já que os indianos passam óleo no seu corpo antes da luta. A

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O Espírito – Parte I A História do Krav-Magá

matéria prima do uniforme varia às vezes de uma arte para outra, como tecido mais
fino e sem necessidade de costuras fortes no Taekwando, no qual não se pratica
arremessos e pegadas e, portanto, a roupa é mais leve (no entanto, se mantém os mesmos
princípios do Gi); também o sistema de faixas coloridas de Kawaishi, aluno de Jigoro
Kano, é copiada por todos os praticantes de artes marciais, desde o dia em que foi
criado.
Para o fundador de uma nova arte marcial é extremamente difícil continuar
fiel a um modo de pensar que emprega pluralismo de vastos horizontes, onde cada
um tem a permissão e a liberdade de praticar a arte que quiser e talvez até inventar
uma. E, por outro lado, seria talvez mais impossível ainda estabelecer regras que
obrigassem o mundo todo. Será?
Jikoro Kano o fez pelo Judô e, portanto, devemos considerá-lo como o
primeiro teste de uma arte marcial. O Gi do Judô é mais do que uma roupa, talvez
seja mais do que um símbolo também. O Judô é o “caminho Delicado” e por mais
que o Judô moderno dos jogos olímpicos seja um esporte puro, incluindo regras e
arbitragem, a alma ainda existe. Mesmo que nas competições fique difícil identificar e
perceber o espírito original, durante o processo de aprendizagem do Judô tradicional
- cada exercício separadamente e não como um conjunto de tentativas para ganhar
uma medalha - vemos a qualidade do espírito único das artes orientais 5*.
Também nas próprias competições é possível perceber, de vez em quando,
movimentos que foram feitos através do espírito e não do corpo. Em antigos filmes
didáticos e demonstrativos, ainda da época em que tudo foi filmado em preto e branco,
podemos ver técnicas do início do Judô, de quando os primeiros gigantes artistas do
Judô estavam examinando e desenvolvendo diferentes exercícios em comparação à
técnica de flutuação da água, que consiste em um universo completo por si, dentro
da experiência espiritual japonêsa de Zen.
Esses filmes apresentam o processo correto da criação do Judô, anteriormente
a sua transformação num esporte olímpico. É fácil sentir e perceber a presença da
força “Ki”, fluindo das históricas filmagens diretamente para seus ossos e músculos.
Mesmo se não o desejasse, você sente as ondas de energia enchendo e tomando
conta de você, dando uma sensação superior, reservada apenas para quem tenha a
sorte de ver essa tão rara perfeição 6*. O professor Kano queria e conseguiu tornar
o Judô uma prática mundial, com uma organização regularizadora. A aceitação
do Judô como modalidade olímpica deu aos dirigentes da arte a possibilidade de
trancar e proteger o Judô: não há mais lugar para improvisos, todos os professores

5. O livro “The Sport of Judo as Practiced in Japan”, de Kiyoshi Kobayashi & Harold E. Sharp.
Na página 11 são citados os três principais objetivos do Judô: Desenvolvimento do corpo (Renshin-
dô), Conhecimento da arte marcial (Shoô-buhô), desenvolvimento espiritual (Shishin-hô). As mesmas
finalidades ocorrem também no Krav-Magá.
6. Especialmente nos filmes que mostram a combinação da concepção de Zen sobre a água flutuante e
o direcionamento da espiritualidade e da praticidade física para a aplicação de movimentos e exercícios
do Judô. Para quem se interesse em saber como se cria uma arte marcial, sugerimos não economizar
esforços para conseguir assistir a esses filmes. É uma verdadeira experiência eterna para qualquer
artista marcial!

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e instrutores de Judô, no mundo inteiro, ensinam exatamente as mesmas coisas e da


mesma forma. Os nomes de todas as técnicas são no Japonês, o idioma de origem, e
ninguém pode proclamar algum grau que não recebeu legalmente, uma vez que tudo
está organizado, registrado e fiscalizado pelas associações locais.
É justamente essa técnica de registro que a BUKAN, em Israel, a primeira
escola de Krav-Magá fundada por meu pai e o Sr. Yaron, tenta manter. Mas no estado
atual de guerra total entre as várias organizações, isso é quase impossível. Cada um
se outorga o grau e título que queira, sendo que o preço final é pago pelo público,
pelos praticantes que acabam muitas vezes treinando com pessoas que não passam
de charlatães.
O Judô ganhou a sua grande e imediata popularidade por causa de sua
atitude relativamente “suave”, mas também porque para ser um judoca é necessário
ter um certo caráter, e, sem dúvida, as pessoas que escolhem o Judô como caminho
de vida são distintas dos indivíduos que adotam uma luta mais “dura” como, por
exemplo, o Caratê. Refiro-me aqui ao Caratê clássico, isto é, o Caratê Shotokan, que
constitui o lado oposto do Judô, é uma luta puramente masculina, machista que inclui
alguns fatos e elementos antropológicos curiosos. Parte dos movimentos do Caratê,
se aplicados em algumas regiões ao redor do Mar Mediterrâneo (com população total
estimada em meio bilhão de pessoas), poderiam significar gestos rudes e ofensivos, um tipo
de xingamento com a mão. É o tipo de movimento que, cometido no lugar errado
e para a pessoa errada, pode terminar com facas enfiadas na garganta de alguém.
Isso prova novamente que algo pode ser adequado para um lugar geográfico, mas
completamente inapropriado para outro. De forma consciente ou não, no Krav-Magá,
que se origina no Oriente Médio, não existe esse tipo de movimentos. É possível que
seja algo inconsciente ou até genético. De qualquer forma, o resultado final fala por
si mesmo.
Gichin Funakushi criou o Caratê para ser uma arte “reta”, todos os movimentos
são fortes, duros e exigem bastante força. Não há no Caratê “cantos redondos” ou
pontos de deslizamento como no Judô. O praticante de Caratê é arrastado para dentro
do regime de movimentos que o cercam, criando um torvelinho de sentidos que
protege o aluno e o atrai cada vez mais ao fundo. São movimentos que dão sensação
de força e controle, uma impressão de poder. É fácil identificar um praticante de
Caratê, mesmo que o indivíduo tenha feito apenas algumas aulas há vinte anos atrás,
e esta é a grandeza dessa arte marcial. Funakushi levou os diferentes movimentos
do Caratê ao maior nível possível de controle mental e físico, e de fato uma parte
dos exames de faixa no Caratê inclui demonstrações desse controle. Os árbitros e
examinadores, de olho afiado e intransigente, identificam rapidamente o espírito do
empenho correto, empenho que não se fundamenta somente no lado corporal.
Zen é um fenômeno espiritual que toma do praticante o controle de seu corpo,
não é você que move seus órgãos, mas são eles que agem independentemente. É uma
situação na qual a “arte sem arte” cresce e opera o corpo do seu subconsciente. No
magnífico livro do filósofo alemão Professor Eugen Herrigel – “Zen e a Arte de Arco
e Flecha”, o autor descreve de forma clara e objetiva e com considerável talento

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O Espírito – Parte I A História do Krav-Magá

o processo de posse de Zen sobre o nosso subconsciente e dele para o consciente.


Funakushi também introduziu esse espírito no Caratê. Uma análise dos lutadores
de Caratê de duas ou três décadas atrás deixa uma profunda sensação de admiração
sobre o domínio corporal demonstrado. Novamente percebe-se a convivência do
físico junto ao mental, colados um ao outro inseparavelmente.
Outro exemplo clássico indispensável, e talvez o mais importante de todos,
é o do Aikidô, desenvolvido pelo Morihei Ueshiba. Não existe uma prova melhor
e mais adequada para uma arte marcial ligada de forma total a Zen e “Ki”. Creio
que a maioria dos seres humanos, e provavelmente também muitos dos praticantes
de artes marciais, não está ciente da completa criação das coisas da forma como
aconteceram e estão acontecendo e não como alguns interesseiros tentam apresentá-
las, modificando e corrompendo a história.
Seria uma injustiça usar o Aikidô como exemplo, uma coisa que tendemos a
fazer (neste caso específico). Porém, não fazemos isso apenas porque nosso espaço aqui
é limitado demais para descrever cada arte marcial e suas características especiais e,
além disso, nós buscamos os elementos comuns de todas juntas, não as distinções, o
que unifica, em vez do que separa. O Aikidô é o caminho quase perfeito do espírito
que se conecta ao corpo e de lá sai harmonicamente junto com os movimentos
corporais tanto do praticante como do oponente, sendo “Ki” o responsável por todo
o processo. Quem não procura saber o caminho espiritual não deve praticar o Aikidô.
Novamente percebe-se que é impossível negar um fato: as artes marciais
foram baseadas em elementos espirituais. O teste do ovo e da galinha não se
aplica aqui sob hipótese alguma, o espírito aqui precedeu ao corpo sem nenhuma
dúvida. Primeiro era necessário estabelecer uma base mental e somente depois um
caminho corporal, e os dois foram juntados para criar as diferentes artes marciais,
começando no caminho da espada samurai, através do Aikidô, até o Krav-Magá,
alguns anos mais tarde. Por isso, ao analisar algum estilo marcial, não se deve deixar
de ser facilmente impressionado por nomes bonitos que muitas vezes encobrem um
passado profissional duvidoso do “chefe” do sistema, e o mesmo vale para as bem
planejadas demonstrações. Hoje em dia é bastante comum contratar um coreógrafo
especialista para montar o “show”, que normalmente não possui semelhança alguma
com a realidade.
As pessoas demonstram um receio inicial, instintivo, quando escutam falar
sobre o aspecto filosófico das artes marciais. A ignorância e o medo de precisar abrir
mão de uma parte de sua personalidade em favor daquela “espiritualidade” originam-
se na falta de conhecimento concreto sobre o assunto. Para facilitar a compreensão
do tema, daremos o seguinte exemplo: Realizaremos um grande pulo dos países de
origem das tradicionais artes marciais, isto é, Japão e China, e iremos até Israel, a
terra natal do Krav-Magá, o lugar onde eu cresci e passei os anos da minha infância
e juventude e, portanto, conheço bastante todos seus lados complexos. Facilmente
eu poderia apontar as explicações adequadas, de onde realmente surgiu o elemento
espiritual / filosófico.

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A História do Krav-Magá O Espírito – Parte I

Como exemplo, usaremos o exército israelense. Os guerreiros das forças


especiais das unidades de elite do exército, os quais eu conheço pessoalmente, me
deram muito conhecimento e me ensinaram sobre seu processo de qualificação,
chamado de “Maslul” (seria “o curso” ou “a trajetória” de formação do guerreiro). “Maslul” é o
tempo que o soldado passa estudando sua profissão – ser um combatente. O período
de cada “Maslul” varia de uma unidade para outra, mas em média tem duração de
dezesseis a dezoito meses. Durante esse tempo o soldado aprende diversas técnicas
de tiro, técnicas de ataque contra diferentes alvos, manuseio de múltiplas armas,
sobrevivência em campo de combate etc. Entretanto, do ponto de vista do exército,
um dos objetivos cruciais é ver se o soldado em questão é adequado para ser um
guerreiro numa unidade de elite, ou até ser um guerreiro.
Aqui faz-se necessário entender algo de suma importância. Guerreiro não é
alguém que sabe segurar um fuzil e atirar. Em Israel, um país infectado por guerras
e constantes atentados terroristas, qualquer jovem de catorze ou quinze anos já
aprende a atirar. Não há nada especial nisso. A verdadeira prova é estar sob fogo
inimigo, com as balas do AK-47 inimigas e as granadas do RPG-7 voando em sua
direção numa velocidade como a do som triplicada, invisíveis para o olho humano.
E se sentisse uma delas, provavelmente seria a última coisa que sentiria. Esse é o
verdadeiro teste.
Durante o processo de qualificação e formação do guerreiro, parte do
treinamento inclui um período de tempo servindo na linha de frente do combate, para
ver se o soldado nasceu com o “material necessário” para se tornar um guerreiro.
Algumas pessoas, uma vez estando sob fogo real, ficariam neutralizadas de medo
e horror, incapazes de se locomover, mesmo sabendo que estar naquele lugar pode
significar uma morte certa. Outros descobrirão que realmente não sentem medo, mas
que esta forma de vida não é o seu passatempo favorito. Já pessoas do terceiro tipo
perceberão que é exatamente isso que eles estavam procurando o tempo todo: a
adrenalina fluindo no sangue, a sua própria existência pendurada no limite entre a
morte e a vida. Só que até agora essa característica estava escondida e apenas depois
da primeira experiência começou a se revelar. Essas pessoas descobrem agora a sua
autoconfiança. E o que seria essa autoconfiança? Algum músculo oculto no corpo?
Um tipo de órgão desconhecido pela medicina moderna? Autoconfiança é um estado
de pensamento, ponto final.
Estado de pensamento é um processo espiritual, mais um ponto final.
Todo processo de paz mental ou autoconfiança é primeiramente cognitivo.
Quando um indivíduo compra um carro e deseja ter paz interna, ele adquire um
seguro contra acidente e roubo. Este é um pensamento e ao mesmo tempo processo
mental – espiritual. Hoje é seguro de carro, amanhã é saber chutar, golpear e defender.
Não há diferença.
Então, o que na verdade se faz no Krav-Magá?
O aluno sobe no Tatami pela primeira vez e aprende a posição de base do
Krav-Magá e que essa constitui o pilar do Krav-Magá. Nessa posição ele estaria
mais equilibrado, mais flexível, dali ele defenderá e atacará. Quando o praticante

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O Espírito – Parte I A História do Krav-Magá

está na posição de base, é como se ele fosse uma montanha – nada poderia machucá-
lo ou prejudicá-lo. Depois de algum tempo o aluno começa a sentir isso, inicia nele o
processo de obtenção da autoconfiança, e esse é o lado espiritual. É uma técnica em
si, exatamente como aplicar um golpe ou chutar.
Nos primeiros anos de nosso caminho, meu pai realmente afirmou que o
Krav-Magá, de certo modo, e ele sempre enfatizou as palavras “de certo modo” ao
falar desse assunto, não possuía filosofias e influências espirituais. Ele se referiu
especialmente aos cursos curtos e intensivos que passou aos soldados, sejam cursos
de instrutores ou sejam treinamentos regulares de Krav-Magá. Meu pai claramente
distinguiu o Krav-Magá que ensinou no exército, que era relativamente limitado e
carente de conteúdo, da arte que ensinou para seus dez discípulos, com os quais de
fato construiu o Krav-Magá.
Mas tudo isso aconteceu quando eu ainda era uma criança e nem mesmo meu
pai sabia onde chegaria meu desenvolvimento e meus limites. Todos os primeiros dez
alunos lembram perfeitamente o programa que criou e que denominou de “Mental
Training” (treinamento mental). Portanto, eu estranho aqueles que alegam ter o Krav-
Magá ausência de toda forma de filosofia espiritual. Ademais, a única conclusão
possível é de que esses indivíduos não conhecem realmente o Krav-Magá e são
controlados por sua ignorância e idiotice, enquanto perseguem uma honra que não
existe.
Um dos objetivos da pesquisa é mostrar os fatos históricos referentes à
criação do Krav-Magá pelo seu fundador. Entretanto, é preciso compreender este
capítulo no seu contexto correto e exato. Apresento aqui aos leitores somente os
fatos diretamente relacionados às tentativas de suprimir a existência do espírito
como parte inseparável da arte marcial Krav-Magá (há quem negue até o fato do Krav-Magá
ser uma arte marcial), existência que não depende apenas das escrituras e do desejo de
enxergar as coisas de determinado modo, mas que é real e concreto como o próprio
Krav-Magá, mesmo se esse espírito não contribuísse em nada. Ademais, também se
a arte toda dependesse exclusivamente da compreensão do espírito não seria este o
lugar adequado para ensinar, explicar e mostrar. Nosso objetivo no trabalho atual
se resume a apontar os fatos indiscutíveis, em favor do conhecimento universal,
puramente científico. Ou como meu pai disse: “Para adquirir uma capacidade
profissional intelectual”.
O caminho filosófico é o caminho da força invisível, mas não se enganem – a
finalidade de juntar a espiritualidade na arte do Krav-Magá não é o único caminho
filosófico do meu pai como ser humano e fundador da arte marcial. É apenas mais
um ingrediente da imensa receita que compõe o Krav-Magá como arte marcial para
defesa pessoal, que escolhi dar como exemplo da grandeza do meu pai.
Soluções práticas para a aprendizagem de Zen não serão encontradas em
nossa pesquisa. Este não é um livro de estudo de Zen, mas somente uma prova
para a forte presença e função do mesmo dentro do Krav-Magá, da mesma forma
que tem participação em qualquer outra arte marcial tradicional. Os negadores não
conseguem apenas pela força de sua negação eliminar o fato da existência de Zen –

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A História do Krav-Magá O Espírito – Parte I

o ignorante não pode alegar que a sabedoria não existe. Os que aceitam Zen devem
procurar um professor legítimo, para que possam entender e encontrar a verdadeira
potência do Krav-Magá como a única arte marcial israelense.
Eu não poderia terminar essa parte do capítulo sem incluir a seguinte história:
Um dos maiores professores de Krav-Magá em Israel, nos meados da quinta
década de sua vida, decidiu seguir o caminho do Musashi e dedicar-se durante três
anos para a prática de uma outra arte, desligada do campo das artes marciais. Ele
resolveu não limitar-se apenas à arte espiritual do corpo, isto é, uma arte marcial,
mas desejava experimentar também uma prática produtiva, no intuito de testar sua
arte e o si mesmo. Logo, ele construiu uma pequena oficina em um canto isolado nos
laranjais que cercavam a sua cidade. Ali, começou sua carreira como ferreiro artesão,
desenvolvendo obras artesanais de ferro e metais, usando apenas um forno antigo,
movido a lenha para esquentar e moldar a matéria prima, um martelo e uma bigorna.
Estive presente na sua oficina quando ele tomou em suas mãos uma pesada
barra de ferro com cumprimento de um metro e meio e grossura de trinta milímetros e
a colocou no fogo. Ele esperou com paciência até que o ferro alcançasse temperatura
próxima a novecentos graus Celsius e recebesse uma cor única amarela - laranja,
parecido com a do sol, o que significa que o metal está pronto para ser trabalhado.
Então, ele tirou a barra do fogo e começou a bater nela com seu imenso martelo e
com uma potência igual à de um compressor hidráulico – batendo e esquentando,
batendo e esquentando, até que a barra ficou meio metro mais longa e sua ponta
tornou-se redonda e fina como uma agulha, para que esta pudesse ser moldurada
novamente.
Ele trabalhou sem parar durante horas, sem que o martelo saísse de suas
mãos e não mostrou nenhum sinal de cansaço. Perguntei a ele como sabe quando e
como bater, pois em um momento a barra está grossa, dura e invencível, e, no outro,
é fina e delicada e cada erro pequeno poderia frustrar horas de esforços e suor. O
gigante artista olhou para mim e disse:
“Quando chuto - não sou eu que realmente chuta, quando soco – não sou eu
quem dá o golpe. Qualquer movimento, de ataque ou defesa, na verdade não é feito
por mim. E o mesmo princípio se aplica aqui – ao bater no ferro fervente, não sou eu
quem o faz. Meu olho enxerga e sabe, meu braço sente e reconhece, minhas pernas
sempre me mantêm na posição certa. Todos meus órgãos têm vontade própria, e meu
coração entende e chefia tudo. É ele que direciona e comanda todos os movimentos.
Eu não faço nada e não guio nada”.
“No combate”, acrescentou e explicou ele, “você precisa abafar, esquecer
seus sentidos e sentimentos. Se pensar, sentirá medo e, consequentemente, perderá
sua confiança e não saberá quando e como reagir. Deixa o corpo levá-lo e você
chegará aonde deve chegar. Desta forma eu bato / não bato no ferro”.
É difícil encontrar hoje em dia um artista e professor de artes marciais desta
altura, especialmente no mundo do Krav-Magá.
No aniversário de setenta anos do meu pai, ele foi entrevistado pelo jornalista
israelense Levi Yitzhak Hayerushalmi, e a entrevista foi publicada na revista “Sof

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O Espírito – Parte I A História do Krav-Magá

Shavua”, do jornal “Maariv” (um dos maiores e mais populares em Israel). A reportagem,
que era bastante favorável, centrava no caminho do meu pai como o fundador do
Krav-Magá, sua trajetória e status nas forças armadas etc. Em três lugares diferentes
ao longo da entrevista meu pai fez questão de explicar a total unificação no Krav-
Magá entre o lado físico e o aspecto espiritual, que é uma consequência do primeiro
e ambos são inseparáveis. A reportagem foi publicada em 1980, alguns anos antes
do início do processo de modificação da história do Krav-Magá. De qualquer modo,
essa entrevista serve como prova para a concepção do meu pai de que o Krav-Magá
é uma arte marcial que junta o corpo e o espírito em um só. Aliás, na reportagem meu
pai aborda o assunto de diversos ângulos, tanto práticos como filosóficos.
Podemos praticar Zen apenas para a prática em si, podemos treinar Krav-
Magá e ignorar completamente seus aspectos espirituais e podemos juntar os dois e
saber tudo. Porém, ninguém tem o direito de anular o que não conhece e não entende.

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A História do Krav-Magá O Espírito – Parte II

O espírito - parte II
O sexto sentido do guerreiro 1*
O fato de que o cego não ver o nascer do sol significa que o sol irá parar de iluminar o dia?
Devemos aceitar aqueles que desejam colocar máscaras em nossos rostos e olhos como as do
cavalo que o impedem de olhar para os lados?

Israel é um grande exército, todos já serviram ou estão servindo nas forças


armadas ou serão convocados algum dia como reservistas. Isso é um fato inevitável
num país que se transformou em uma sociedade bélica. Da mesma forma, também
grande parte da gíria usada no dia-dia da rua se origina em termos militares que
foram “civilizados” e agora já se tornaram parte integrante da língua falada, apesar
de não fazer parte do idioma original. Indiferente do lugar ou da ocasião, no final a
conversa sempre se concentraria em assuntos relacionados ao exército.
E nessas conversas muitas vezes repete-se uma história parecida de um dos
participantes:
“Se eu não pulasse naquele momento, iria tomar uma rajada de tiros no
corpo. Eu não sei o que me fez sair do meu lugar justamente naquele segundo”.
Do outro lado, é possível escutar civis, que num país infectado pelo terrorismo, vão
contar a seguinte história:
“Saí tarde de casa e perdi o primeiro ônibus e tive que esperar o próximo
passar, só que por causa disso sobrevivi – um homem bomba subiu no primeiro
ônibus e se explodiu dentro dele, junto com todos os passageiros”. Essas histórias
são ouvidas frequentemente em Israel. Antigamente a mídia focava nesses casos
e tornava os sobreviventes heróis por uma noite, mas, hoje em dia, a novidade já
passou – nós simplesmente aprendemos a conviver com o fenômeno.
No maravilhoso e altamente recomendado filme do diretor japonês Akira
Kurosawa – “Os Sete Samurais”, podemos assistir como os Samurais são testados
e escolhidos. O protagonista do filme ordena a um dos meninos do vilarejo ficar
escondido atrás da porta segurando um bastão grande e pesado e bater na cabeça de
cada um que quisesse entrar na casa. Seria esse o teste para descobrir quem são os
verdadeiros Samurais. Assim, cada guerreiro japonês que chega é convidado a entrar
pela porta. No início, o bastão acerta a cabeça de alguns deles, mas outros param
seu avanço e não ousam sequer subir os três degraus que levam para o quarto e até
gritam perguntando ao Samurai que está sentado na sala esperando por eles que tipo
de brincadeira ele está tentando fazer. Esses são os verdadeiros Samurais.
Não é que tenhamos começado de repente apoiar filmes americanos de
segundo grau, muito pelo contrário. Só que este filme não é uma versão americana
medíocre e a cena em questão é muito bem feita e apresenta o melhor da cultura
japonesa da espada. A cena ganhou críticas positivas não apenas no nosso livro,
mas em muitas outras pesquisas que tratavam da cultura japonesa e da sua infinita
preocupação, inclusive nos dias atuais, com a espada Samurai e os próprios Samurais.
1. “Zen Buddhism and Psychoanalysis”, de Dr. D.T Suzuki, páginas 49 – 50.

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O Espírito – Parte II A História do Krav-Magá

Essa sensação que faz uma pessoa sentir que algo de ruim está prestes a
acontecer é uma parte inseparável da vida cotidiana dos praticantes de artes marciais
que aceitam os caminhos espirituais de Zen e desenvolvem os antigos sentidos de
combate, não apenas com seus corpos, mas também nos seus espíritos. O fenômeno
do “Saki” não é imaginário e ele se repete o tempo todo nos livros históricos que
documentam os legados dos grandes Samurais e guerreiros japoneses da espada.
Não é possível apelidar esse fenômeno. Talvez seja uma chama mística ligada ao
Zen, ou alguma influência parapsicológica, ou somente uma intuição telepática.
Ninguém jamais pesquisou profundamente esses fenômenos para poder conhecer e
determinar sua origem, suas raízes e como ou se é possível torná-los utilizáveis por
todos. Talvez até aprender a controlá-los no intuito de salvar vidas humanas. Mas
isso também pode não ser necessário – basta praticar todos os aspectos de uma arte
marcial e já estaríamos no caminho certo.
Para compreender o espírito de Zen precisamos primeiramente tentar
entender as diferenças entre as diversas religiões mais conhecidas. O Judaísmo, sendo
a religião condutora, consiste em princípios do corpo e da carne, em mandamentos
de “Faça” e “Não Faça”, proibições severas e no temor dos seguidores frente a ira
de Deus. O Cristianismo e o Islamismo, com exceção de algumas modificações,
fundamentam-se nos mesmos princípios. Assim, somente no Hinduismo, com todas
suas versões e correntes, sendo Zen apenas uma delas, percebemos que o espírito
vem antes de tudo. A primeira e principal finalidade dos seguidores é a eliminação
dos desejos corporais em favor da elevação espiritual.
Quando Siddhartha foi perguntado sobre o que sabia fazer, sua resposta
imediata era: “Eu sei jejuar” (veja o magnífico livro do Autor Hermann Hesse – “SIDDHARTHA”).
O jejum é o modo de oprimir o corpo e fortalecer a alma. O corpo é apenas um meio
para armazenar o espírito. Esta concepção é totalmente contrária às outras religiões,
que consagram e valorizam justamente o corpo. Talvez por isso seja tão difícil para
os ocidentais aceitar essa abordagem, uma vez que, para a maioria deles, Zen é
ligado normalmente à imagem de monges em togas laranjas mendigando por comida
na rua.
Ademais, mesmo para aqueles que já praticam alguma arte marcial e querem
muito conhecer todos os panos da arte, existem pouquíssimos professores no
ocidente que realmente tenham a capacidade de passar os ensinamentos completos
deste caminho para o aluno, que saibam juntar de forma exata o “espírito” e o corpo.
Para melhor entender as coisas voltaremos à criação do Kung-Fu pelo
Budidaharama. Por que motivo ele precisou se isolar na caverna durante nove anos
até achar as respostas que procurava? Hoje em dia pegamos um livro em nossas
mãos, abrimos na página certa e dentro de alguns segundos encontramos a resposta
que queríamos. Budidaharama tinha que buscar as repostas dentro de si, com a força
de sua compreensão e sua própria capacidade de análise de equações. Ele não tinha
nenhum livro ou material escrito sobre o assunto. Essa lógica explica por que ele
precisou de nove anos para alcançar a iluminação.

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A História do Krav-Magá O Espírito – Parte II

Em cada artigo, livro, trabalho ou pesquisa sobre Zen encontram-se as


noções de subconsciente e espontaneidade. Esses são conceitos-chaves para a
compreensão de Zen. Mas onde fica o subconsciente? E se não estamos conscientes
dele, como poderíamos controlá-lo do modo que Zen ensina? E a que se refere o
uso da palavra “espontaneidade”? Em anúncios de encontros e relacionamentos é
comum encontrar a expressão: “Homem sensível e espontâneo...” será que essa é a
intenção? Evidentemente que não. Na verdade, o subconsciente e a espontaneidade
consagrados em Zen são um elemento só: a espontaneidade serve como o catalisador
do subconsciente e não existe um sem o outro.
Voltaremos por um instante ao Kung-Fu, que, como já sabemos, foi criado
observando e imitando os movimentos e as características de vários animais.
Inicialmente, olharam e aprenderam a velocidade deles. Este é o segredo para a
compreensão das coisas e para a vitória. Assistam a um dos canais globais focados
na natureza e vejam a maneira de correr do jaguar ou da onça atrás do cervo. Notem
como durante sua fuga o cervo muda a direção da corrida. Agora concentrem o olhar
no perseguidor e em como ele corrige a direção de sua perseguição, antes mesmo da
presa o fazer. Outro exemplo seriam os macacos que realizam pulos inacreditáveis
nas alturas das árvores, às vezes numa altitude de trinta metros, e nunca erram o
alvo, ou como eles aplicam rolamentos completos no ar sem nenhuma preparação.
Observem a velocidade de suas mãos.
Nem a onça e nem o macaco possuem subconsciente e espontaneidade e com
certeza jamais aprenderam Zen. Mas será? O Tao-Budismo, o Zen-Budismo, Zen,
Shinto e o resto das religiões orientais, todas se baseiam em princípios naturais, isto
é, a natureza é tudo. Nós, os humanos, também somos uma parte da natureza, só que
não somos mais tão “naturais”. O momento em que a onça “lê” a linguagem corporal
de sua presa e altera a direção de seu ataque, esta é a espontaneidade, o tempo de
revelação de Zen.
“Quando o Samurai segura a sua espada, desaparece toda a habilidade
técnica dele e o treinado subconsciente toma o controle. A espada age como se fosse
um ser vivo em si, um ente 2* independente que domina tanto quem a segura como
seu oponente. O vencedor do combate não é necessariamente o mais rápido ou o
mais habilidoso, mas aquele que tenha uma alma mais pura 3*, e, consequentemente,
é capaz de penetrar mais profundamente na alma de seu inimigo. A espada enxerga
isso no espelho da verdade e sabe atingir o lugar certo”.

2. No livro “The Book of Krav-Magá – The Bible”, e também na versão anterior em Hebraico escrito
por Imi e Yaron, afirma Imi que cada movimento e exercício no Krav-Magá / Defesa pessoal têm uma
vida própria. Cada um deles é um ente vivo. Nós, os guerreiros (tanto na defesa como no ataque) apenas
os sustentam como parte da nossa essência existencial. A qualidade final do desempenho do exercício
depende da nossa condição física, mental e espiritual. Essas são as palavras de Imi e de Yaron.
3. Pura: refere-se àquela espontaneidade intocável e inexplicável. Tudo que podemos fazer é agir de
acordo com ela.

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O Espírito – Parte II A História do Krav-Magá

Em nosso passado remoto, quando começamos a descer das árvores e andar


retos, vivemos desta maneira, em perseguição permanente atrás da presa. Porém,
milhões de anos se passaram e o homem se civilizou. O que era parte inseparável de
nossa vida, hoje precisamos re-aprender. O macaco não pensa, ele simplesmente age
de acordo com seu caminho. Esta é a compreensão alcançada por Budidaharama.
Com base nas características únicas de cada animal que compõe o panteão dos deuses
budistas, ele construiu e criou os movimentos do Kung-Fu. De lá ele continuou e
tornou o Budismo para Zen-Budismo e Zen.
Diz-se que os animais “cheiram” o perigo. Mas os animais não cheiram
o perigo, eles o sentem com aquela mesma espontaneidade dos Samurais e dos
verdadeiros artistas marciais. É o “Saki” na sua forma mais pura.
A história do “Saki” aparece de modo diferente no caso de um outro
Samurai, que estava passeando no seu jardim, apreciando e admirando a florescência
da cerejeira, quando sentiu em seu corpo a sensação ameaçadora de “Saki”.
Imediatamente ele virou para trás procurando a pessoa que desejava matá-lo,
mas além do menino que serviu como seu ajudante ele não viu ninguém. Sendo
um guerreiro altamente treinado, pois essa sensação já havia salvado sua vida
várias vezes, ele aprendeu a confiar nos seus sentidos e no si mesmo. O fato de
não conseguir identificar a fonte do perigo o deixava visivelmente irritado. Seus
serventes ficaram com medo e se afastaram dele por causa do tamanho de sua raiva,
por não conseguir resolver o enigma do “Saki”. No final, o mais velho dos serventes
veio falar com ele e perguntou a razão de sua fúria. Quando ouviu o motivo, chamou
todos os empregados e inquiriu se um deles havia visto ou escutado alguma coisa.
Finalmente, o jovem ajudante que estava com o Samurai na hora fez um passo para
frente e confessou que quando viu seu mestre sozinho no jardim e sem sua espada
para protegê-lo, pensou como seria fácil chegar atrás dele e matar o famoso Samurai.
Zen não é uma ciência e qualquer tentativa de analisá-lo, seguindo padrões
científicos, acabará num fracasso total. Zen é baseado na percepção dos sentidos
naturais de forma que apenas aqueles que o tornassem seu caminho de vida seriam
capazes de entender e enxergar. Esses fenômenos constituem uma parte inseparável
da vida natural: todos os animais possuem uma capacidade de sentir um perigo
se aproximando. Menos nós, os humanos, que subimos de grau e não somos mais
“animais”. Agora precisamos re-desenvolver todos esses sentidos e sensações num
processo de re-aprendizagem. A prática de meditação e Ioga tem como finalidade a
aquisição dessas características. Aparentemente, alguns vestígios da época dos mais
antigos ancestrais da raça humana ainda estão presentes em nossos códigos genéticos.
Em algum lugar, bem no fundo de nosso cérebro, há um minúsculo grupo de células
sobreviventes, uma vez que podemos afirmar acima de qualquer dúvida, apoiando-
nos em provas concretas e infalíveis, que este sentido / característica especial exista,
como vimos no início do capítulo. De novo estamos obrigados a retornar para a
criação original do meu pai.
Meu pai passou a Segunda Guerra Mundial servindo como guerreiro no
exército de sua majestade, anexado à legião Tcheca. Meu pai treinou milhares, ou

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A História do Krav-Magá O Espírito – Parte II

talvez dezenas de milhares de soldados no exército israelense. Sem dúvida sentiu a


mesma sensação de perigo quando estava em combate e provavelmente ouviu várias
testemunhas e histórias de casos parecidos dos soldados que treinou no Campo Dora,
e mais tarde no Instituto Wingate. Ademais, quando ensinou defesa contra pegada de
ombro de trás, explicou repetidamente que a técnica não é baseada sobre a pegada
física, mas tem como objetivo fazer o aluno sentir a aproximação do agressor por
trás, por que no momento em que ele colocou sua mão sobre o ombro, já está um
pouco tarde demais para aplicar a defesa apropriadamente (veja a técnica completa no
“The Book of Krav-Maga – The Bible”, página 218). Novamente percebemos que meu pai
conhecia e estava ciente deste “sentido”, e o encaixou dentro da arte marcial que
criou.
E eis a história pessoal de um soldado israelense, praticante de Krav-Magá,
que lutou na Guerra do Yom-Kipur nas fortificações israelenses ao longo do Canal
de Suez. A história foi publicada pela primeira vez em um livro lançado em Israel,
apenas no Hebraico:

Durante uma chamada de ordens especiais para o feriado do Dia do


Perdão, o oficial responsável pela manutenção das regras religiosas à respeito
da cozinha (conhecidas como “Cachrut) 4*, anunciou que amanhã, sendo ambos Sábado
e o sagrado feriado, não teremos alimentação na cozinha do quartel. Entretanto,
uma vez que todos nós estávamos num posto avançado operacional, cada um podia
decidir por si mesmo se gostaria de comer ou ficar de jejum 5*. O cozinheiro do
posto, avisou o oficial, é autorizado a escolher se fecha ou abre a cozinha.
Eu, pessoalmente, não costumo ficar de jejum. Eu acho ridículo acreditar
que jejum de vinte e quatro horas é o suficiente para ser perdoado de todos meus
pecados cometidos ao longo do ano. E não menos absurdo me pareceu o fato de
que o cozinheiro vai deixar a cozinha aberta para que o pessoal que sai amanhã na
patrulha matinal possa se abastecer livremente do armazém de alimentos. Na minha
imaginação, já me vi preparando várias das minhas receitas favoritas. Alguns dias
atrás, chegou para o posto um caminhão de abastecimento carregado de comidas
fresca, e já naquele dia eu botei meu olho no gigante saco de “Migalhas de Sopa”
6*. Antes de ingressar nas forças armadas trabalhei numa fabrica de massas, e ali

fiquei viciado nessa comida (até que fui demitido, quando descobriram que comi muito mais do
que fabriquei...).
Então, planejei que no dia seguinte, quando a maioria dos soldados no
posto estaria de jejum e a entrada para a cozinha estaria liberada, faria minha

4. A pessoa nomeada pelo rabinato militar para fiscalizar as regras religiosas a respeito da alimentação
e preparação da comida. Por exemplo, de acordo com o Judaísmo, é proibido comer porco ou misturar
leite com carne.
5. “Yom-Kipur” – O Dia do Perdão constitui-se de vinte e quatro horas de jejum completo e orações.
6. Um tipo de massa fritada que é servida junto com sopas.

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O Espírito – Parte II A História do Krav-Magá

própria “incursão”. E assim, pensando em todos os tipos de sopa que podia fazer
com aquelas migalhas, subi para a minha cama, que estava no segundo andar do
beliche.
Não sobrou muito tempo para dormir, a patrulha sairia às quatro e meia
da manhã (isto é, da madrugada...), e como era o dia de Yom-Kipur, nem café decente
tivemos. Não sei como é possível andar quase vinte quilômetros na areia e no calor
do deserto procurando por sinais de terroristas sem, no mínimo, tomar um café da
manhã, mas fazer o que... Vesti meu colete com toda a munição, botei o capacete na
cabeça, joguei a maca nas costas e vamos lá! Mais um dia no calor infernal e nas
areias que fazem suas pernas afundar até o joelho!
Já estou vasculhando diariamente o mesmo percurso há mais de um mês,
sempre de manhã. A patrulha é realizada ao longo do “Pequeno Amargo Lago”
na margem oriental do Canal de Suez. As águas são rasas e claras e é possível
ver cada peixinho e cada caranguejo que habitam por lá, olhando para nós, os
soldados da patrulha, tentando entender o que exatamente nós perdemos neste
lugar tão remoto e esquecido. O objetivo da ronda de hoje foi encontrar rastos
de penetração de terroristas ou de soldados egípcios. Estrategicamente, esta era a
região perfeita para isso – afastado de qualquer posto de observação que poderia
perceber a incursão e com águas rasas que podem ser atravessadas facilmente com
barcos infláveis.
Somos transportados até um certo ponto com jipes e, de lá, para atravessar
as dunas que nem os veículos quatro por quatro conseguem passar, usamos
blindados especiais apelidados de “zeldas”, capazes de “arrebentar” nas areais
e alcançar uma velocidade máxima de cinquenta a sessenta quilômetros por hora.
Quando chegássemos ao ponto inicial começaríamos a andar ao longo da margem
do canal, até o ponto final, onde ficaria esperando uma força de ataque pronta para
perseguição imediata, para caso nós descobríssemos algum sinal de penetração
feita durante a noite.
No entanto, pelo menos o último mês foi bastante tranquilo e a única função
da força de ataque era esperar e nos levar nas “Zeldas” até o local onde deixamos
nossos jipes leves. Geralmente, durante a patrulha, eu me concentro na deslumbrante
vista, uma mistura única de deserto e mar, cercada por tranquilidade especial,
remota. Dizem que as montanhas altas causam no homem uma sensação de temor
e respeito pela natureza, enquanto o mar ativa emoções místicas. Não sei em que
medida essas crenças são exatas e verdadeiras, mas pensamentos iguais passaram
nas cabeças de todos nós naquele lugar abandonado até por Deus. Nenhum barulho
perturba o silêncio eterno, até os passarinhos e as gaivotas se mudaram para longe
daqui.
Estamos andando em formação de combate, e isso significa que a distância
entre nós é grande demais para conversar um com o outro. A selvagem natureza,

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A História do Krav-Magá O Espírito – Parte II

essa paisagem virgem descrita no livro do “Gênesis” me afeta profundamente.


Confio nos meus instintos que me avisarão caso ocorra algum perigo real, embora
sendo mais provável que sejamos atingidos por uma rajada de tiros antes mesmo de
perceber o que está acontecendo.
Entretanto, desta vez a patrulha era diferente e também hoje, quando já
conheço o motivo, ainda não posso explicá-lo. Durante o tempo todo não consegui
manter a distância certa entre mim e os soldados que estavam na minha frente e atrás
de mim. Os vários tipos de peixes que normalmente me atraem na longa caminhada,
não me interessaram agora. Todos meus pensamentos focaram-se em voltar para o
posto e terminar aquela panela de sopa cheia de migalhas.
De repente, aproximadamente cinquenta metros na minha frente, o soldado
que carregava o rádio ajoelhou-se e, em seguida, o pelotão todo, sem pensar e
sem hesitar fez o mesmo, colocando já os dedos no gatilho da arma, prontos para
tudo. Durante um mês de rondas matinais não nos atrapalharam sequer uma
vez e se o encarregado pelo rádio fica de joelho para receber uma mensagem, a
situação é crítica. Tudo isso passa na minha cabeça numa velocidade sobre a qual
o tempo não tem controle. Reuven, o sargento do posto, levanta sua mão e sinaliza
“concentração” e imediatamente todos ficam de pé e correm para ele. Nesta altura
já está evidente que algo ruim tinha acontecido. A mensagem recebida no rádio
era clara: a artilharia egípcia do outro lado do canal está mirando seus canhões
em nossa direção. Recebemos uma ordem imediata para interromper a patrulha e
caminhar para um pré-marcado ponto de encontro, onde está esperando por nós um
veiculo de resgate, cerca de um quilômetro e meio do nosso local atual. Passamos
a distância até o carro numa velocidade máxima, considerando o fato de que com
cada passo ficamos mais e mais afundados na areia. O pesado armamento e a
grande quantidade de munição nas costas pesam mais ainda nesses momentos de
alta tensão, impossibilitam um avanço rápido demais.
Às onze horas da manhã já estávamos de volta ao posto, uma hora mais cedo
do que o normal. Sedentos e famintos, cada um prepara a sua bebida e refeição, e
eu, claro, agora já na tranquilidade do posto, esqueço de toda a situação e logo
estou na cozinha, fazendo minha sopa e tirando a sacola de migalhas do esconderijo
que arrumei no dia anterior. Poucos minutos depois, todos os soldados já estvam
no refeitório prazerosamente dando as primeiras mordidas na sua refeição, quando
Rafi - o comandante do posto, geralmente um oficial sério e calmo, invadiu a
sala correndo e avisou que estávamos em “Alerta de Quedas” (isto é, as balas dos
canhões egípcios já estão a caminho para cá) e que todos deveriam largar tudo e descer
imediatamente para a sala de controle e se equipar para combate.
Praticamente todos levantavam imediatamente de seus lugares e correram
para a porta, e de lá para a sala de combate onde estava guardado o equipamento
tático e operacional.

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O Espírito – Parte II A História do Krav-Magá

Eu não fazia parte da tripulação permanente do posto 7*. Eu cheguei


como reforço de uma outra unidade e o orgulho que tenho por fazer parte de um
grupamento de batedores de elite me faz sentir um pouco fora da divisão que existe
dentro do pelotão permanente do posto, como o comandante, o sargento etc. Não
me vejo como subordinado deles e não executo nenhuma ordem, e eles entendem
isso e não me atrapalham, ou seja, não me digam o que fazer e eu não direi o
quanto estúpidos considero vocês. E isto, senhoras e senhores, não é arrogância.
Nos arquivos da história militar israelense estão escritos e guardados os registros
daquele e de outros postos avançados, e quase qualquer um pode entrar e verificar
por si mesmo.
O mesmo método foi usado para a construção de todos os postos israelenses
de combate ao longo do Canal de Suez, depois da Guerra dos Seis Dias. Enormes
traves de aço, com capacidade incomparável de resistência a explosivos, foram
colocadas uma em cima da outra e sobre elas montaram pilhas de pedras e rochas
que alcançaram altura de alguns metros cada. E por cima de tudo os engenheiros
bélicos botaram camadas de areia densa, que tornaram a fortificação um tipo de
gigante colina artificial. A parte traseira do morro era direcionada ao Canal, isto é,
ao inimigo egípcio, enquanto a seção frontal ficou um pouco mais baixa no intuito
de ocultá-la dos olhos e binóculos inimigos. O lado de frente da base consiste numa
plataforma reta de areia e no meio há um portão pesado feito de ferro e movido
por motor elétrico, também de dimensões nada modestas. O portão é, na verdade, o
único acesso de entrada e saída do posto. Imediatamente depois dele a plataforma
de areia prossegue mais um pouco, e sobre ela foi construído um galpão grande com
área coberta de dez metros por dez metros. O teto e as paredes da edificação foram
feitos de uma lata ondulada e o lugar servia como o refeitório / cozinha do posto.
Do lado direito da entrada do refeitório começou o primeiro túnel, que levou
a um labirinto infinito de outros túneis fortificados, que por sua vez terminaram na
sala de controle e comando.
A fortaleza toda era, na verdade, uma teia de túneis e canais com altura
média de cento e sessenta a cento e oitenta centímetros. O túnel que ligava a sala
de controle para ao refeitório era um pouco mais profundo e chegou a quase dois
metros e meio de altura. Este túnel, com longitude de algumas dezenas de metros,
era o maior do posto, especialmente porque deu uma longa volta ao redor do
refeitório, ou seja, ele foi planejado deliberadamente para que a saída do túnel fosse
diretamente para o galpão de lata. O objetivo de toda essa explicação era apenas
facilitar o entendimento dos acontecimentos naquele dia decisivo.
De volta ao nosso assunto, todos os soldados abandonaram seu almoço,
deixando os pratos cheios nas mesas e ninguém pensou em tirar a comida e as louças

7. A história completa do posto avançado “Mefatzearr C” aparece no livro: “The Yom-Kippur War –
Moment of Truth”, Ronen Bergman & Gil Meltzer. Editora: Yedioth Ahronoth, 2003. Veja Bibliografia.

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A História do Krav-Magá O Espírito – Parte II

das mesas e limpar, como é de praxe, normalmente. Somente eu fiquei ali sentado,
degustando cada colher de sopa fervente e cheia daquelas migalhas, apreciando
cada mordida nos pequenos e frescos cubos crocantes de massa fritada em óleo.
Eu estava no meu terceiro prato de sopa quando, de repente, o meu braço,
que estava no meio do caminho entre o prato e a minha boca, simplesmente ficou
parado, e não consegui mexê-lo. Senti uma sensação muito estranha, sensação
de algo ruim que até hoje não consigo explicar. Alguma coisa além da minha
capacidade de compreender ou controlar me fez derrubar toda a comida das minhas
mãos e naquele momento ficou claro para mim que eu precisava sair do refeitório
imediatamente.
Eu estava sentado no lado oposto da porta de entrada e demoraria cerca de
trinta segundos para passar a distância até lá, mas de alguma forma eu sabia que não
tinha todo esse tempo. Na parede atrás de mim tinha um buraco pequeno, resultado
de uma placa de lata que estava faltando. Do buraco eu podia pular diretamente
para o túnel fortificado e evitar precisar correr até a porta. Eu não lembro de ter
pulado, apenas me recordo do que aconteceu depois: uma explosão imensa deixou o
posto todo coberto de pó e areia. Eu fiquei deitado no fundo do canal completamente
neutralizado pela potência da explosão. Levei alguns momentos para me recuperar
e me arrastar em direção à sala de combate que estava pesadamente protegida.
O refeitório, que foi atingido por um míssil terra-terra carregado com
toneladas de explosivos, sumiu da face da terra. No local criou-se um canhão
gigantesco. Se eu demorasse apenas mais um segundo com meu pulo para dentro do
profundo túnel com suas paredes protetoras, muito provavelmente eu me evaporaria
junto com o refeitório. Assim começou a Guerra do Yom-Kipur, durante a qual pelo
menos mais duas vezes e de forma consciente, eu senti a sensação de perigo invisível
se aproximando e reagi antes mesmo que as coisas acontecessem, impedindo assim
minha morte certa.

Esse testemunho, um entre milhares de outras histórias parecidas, comprova


mais uma vez que o espírito de Zen tem um impacto incompreensível para os sensos
normais que estão a nossa disposição para examinar a vida e entendê-la. Ademais,
esses episódios confirmam a existência daquela força evasiva, apenas pelo fato de
que pessoas sem nenhuma relação com Zen ou artes marciais viram sua vida sendo
salva pela mesma coisa que justamente aqueles que deveriam estudá-la e ensiná-la,
duvidam tanto na sua presença.
De novo enfrentamos a questão crucial: será que meu pai, que conheceu
e experimentou essa sensação, abriria mão de colocá-la dentro de sua arte, a qual
ele tanto se empenhou para desenvolver e dar a ela o status de igual entre as artes
marciais?
A poça de água rasa e ausente de qualquer inspiração que é o Krav-
Magá apresentado hoje pelas diversas organizações de nomes bombásticos, não é

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O Espírito – Parte II A História do Krav-Magá

exatamente a obra prima criada pelo meu pai e que transformou o mundo das artes
marciais. Por este motivo mesmo escrevi a atual pesquisa histórica. Não podemos
aceitar viver em um mundo no qual qualquer um re-escreve e modifica a verdade
para que esta sirva a seus interesses particulares. Quando os políticos agem dessa
forma, a mídia – “O cão de Guarda da democracia”, tenta imediatamente expor os
acontecimentos e causar o maior impacto possível, já que é a sua fonte de alimento
e para isso ela existe. Entretanto, uma arte marcial israelense, por popular que seja,
não está no topo da pirâmide de preocupações de nenhum jornalista ambicioso e
justiceiro.
Tudo isso ficou mais evidente ainda quando tentamos verificar a veracidade
de certas testemunhas, que teoricamente deveriam ser reais e confiáveis. Mas aqui
tampouco tivemos algum êxito. O “livro” (na verdade, apenas um fino livreto), elaborado
por um indivíduo que se apelidou de “Mestre”, que nós pensamos até em usar como
material bibliográfico, é simplesmente uma cópia do primeiro livro do Krav-Magá
que meu pai publicou junto com Yaron – “Krav-Magá – Guia Para Defesa Pessoal”.
Mas o pior de tudo é que o livreto foi publicado apenas em Português e no Brasil,
distante geográfica e linguisticamente de Israel. Portanto, são incluídas no livro
várias fantasias particulares do autor, histórias desligadas por completo de qualquer
realidade. Na melhor das hipóteses, o livro tem como finalidade principal enganar o
público brasileiro.
Do outro lado das Américas, nos Estados Unidos, foi publicado um outro
livro, denominado “Complete Krav-Maga”. E eis uma pergunta bastante peculiar:
como uma pessoa que de acordo com seu próprio depoimento passou apenas poucas
semanas em Israel (seis, para ser exato) e aprendeu uma versão curtíssima do Krav-
Magá, pode escrever um livro que contenha o “Krav-Magá Completo”?
Mais surpreendente ainda é que se trata do berço da cultura consumista
moderna, os EUA. Qualquer júri julgaria culpado cada comerciante que ousasse
vender alguma mercadoria defeituosa. Além disso, nessa superpotência de consumo
operam centenas de organizações de proteção ao consumidor que verificam e
examinam tudo que pode ser verificado e examinado. Como então trezentos milhões
de pessoas continuam a comprar um produto que não funciona e ninguém levanta e
grita “O rei está pelado!”. Em todo o território daquele gigante país existe a opção para
cada um escolher o item mais adequado para si, é direito elementar do consumidor
e do cidadão 8*. O professor ou instrutor de Krav-Magá é obrigado a deixar o

8. “Krav-Magá Worldwide”, dirigido pelo Sr. Darren Levin e atuante nos EUA, impede, através de
uma marca registrada sobre as palavras “Krav-Magá”, o ensino do caminho verdadeiro, original e
completo de Imi, do Krav-Magá e do espírito israelense que levou à criação desta arte marcial. Em
troca, “Krav-Magá WorldWide” ensina, nos Estados Unidos, uma versão encurtada que não possui
nenhuma semelhança com a arte original. O público americano nem sequer pode distinguir e escolher
entre o certo e o errado, uma vez que no país berço da democracia moderna existe apenas o errado. O
Sr. Darren Levin certificou-se de que nenhum professor do verdadeiro Krav-Magá pudesse ensinar e se
divulgar nos Estados Unidos da América.

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A História do Krav-Magá O Espírito – Parte II

aluno decidir ele mesmo seu próprio caminho. Meu pai jamais obrigou alguém
a seguir seu caminho completo, mas apenas comentou que há treinos semanais a
cada Sábado, destinados a quem realmente queira conhecer o caminho completo do
Krav-Magá. Os interessados e mais apaixonados chegaram às aulas com insistência
quase religiosa e outros não. Mas a possibilidade sempre existia. Assim, e somente
desta forma, deve-se enxergar o caminho do meu pai ao criar o Krav-Magá como
arte marcial.

Soldados israelenses nas fortificações ao longo do Canal de Suez,


durante a década de setenta.

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O Espírito – Parte II A História do Krav-Magá

O posto:
1. Canal de combate 12. Canhão 20 Milímetros
2. Metralhadora leve 13. Entrada do abrigo subsolo
3. Parede protetora 14. Abrigo no canal de combate
4. Barreira “Burro Espanhol” 15. Posto de observação
5. Área minada 16. Morteiro 81 Milímetros
6. Metralhadora e arma antitanque. 17. Abrigo fortificado de munição
7. Canhão antiaéreo 18. Banheiros
8. Arcos de ferro 19. Tanque de água
9. Abrigo fortificado principal 20. Refeitório
10. Linhas paralelas de ferro 21. Gerador
11. Camada contra explosões. 22. Metralhadora 0.5

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A História do Krav-Magá Os dez escolhidos do Imi

OS DEZ ESCOLHIDOS DO IMI


O passado já aconteceu e foi esquecido. Sobre o futuro, nem sempre temos controle.
Porém, existe também o presente, o momento de leitura destas linhas.
Estes dez merecem toda a honra e a glória. Eles têm a nossa continência.

Desde o início não tínhamos a menor dúvida de que esta pesquisa seria
única e excepcional em seu conteúdo e essência. Portanto, decidimos consciente
e deliberadamente ignorar as técnicas convencionais usadas para elaborar este
tipo de trabalhos, e tomamos a liberdade de direcionar o livro de acordo com os
acontecimentos do ponto de vista histórico e não necessariamente seguindo algum
método lógico. Embora que, em última instância, este padrão de narração facilitaria
a compreensão da pesquisa. Sendo assim, juntamos todos os artigos relevantes ao
livro acompanhando apenas a ordem de ocorrência. De fato, foi o artigo atual o
catalisador do livro todo. A ideia original surgiu quando encontramos por acaso
um site na internet que mencionara os nomes dos dez primeiros alunos do Imi.
Imediatamente a nossa curiosidade profissional acordou e resolvemos pesquisar:
será que o fundador do Krav-Magá realmente qualificou dez faixas pretas 1*? E o
que houve com aqueles seletos alunos e a arte de forma geral?
Como autores e pesquisadores experientes, sabemos que a informação que
aparece na maioria dos sites da internet é de pouca credibilidade, e assim demos início
a uma busca histórica para localizar os dez discípulos e ouvir de primeira mão a sua
impressão e visão sobre a criação de uma arte marcial que se tornou tão popular ao
longo dos anos. Queríamos saber qual foi a contribuição deles como alunos diretos e
pioneiros do fundador, qual foi a parte de cada um deles na criação da arte e se eles
merecem ser honrosamente apelidados de “a geração dos fundadores”. Tínhamos
também o objetivo de coletar testemunhas sobre as ações, concepções e intenções
do fundador da arte através dos olhos dos dez primeiros alunos dele, usando suas
histórias pessoais durante a convivência com meu pai.
O site onde reparamos inicialmente nos nomes do grupo dos dez constituiu
o ponto de partida da nossa cruzada. Pela primeira vez examinamos os sites virtuais
existentes no campo do Krav-Magá. E foi justamente esta análise preliminar que nos
convenceu de forma decisiva sobre a grande necessidade de um trabalho abrangente
que aprofundasse, de uma vez por todas, a criação do Krav-Magá como arte marcial,
focalizando-se unicamente no aspecto histórico do desenvolvimento da arte e não no
lado prático / profissional. Muitos livros já foram escritos sobre o Krav-Magá, mas o

1. No campo das tradicionais artes marciais esse número é bastante excepcional. Normalmente os
criadores da arte qualificaram entre três a quatro sucessores cada, embora às vezes fosse um discípulo
só. Portanto, o número de dez alunos parecia, em primeiro olhar, exagerado, e também causou certa
confusão durante a análise do material para a pesquisa, até que entendemos o total significado da
escolha do Imi de qualificar dez discípulos – como o resultado final mostra, do grupo inteiro somente
um “sobreviveu”.

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Os dez escolhidos do Imi A História do Krav-Magá

Documento número 6

Encontramos esta lista em várias fontes. Apesar de haver equívocos em algumas


datas e na ordem de recebimento das faixas, estes são de menor importância. A nossa
principal intenção aqui é mostrar os únicos dez alunos aos quais o Imi deu a faixa
preta. Quem não está na lista, não era discípulo do Imi.

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A História do Krav-Magá Os dez escolhidos do Imi

Aqui, na praia de Natanya, no ano de 1973, Imi criou e começou a ensinar ao Yaron a
técnica da água

Nesta praça, no centro da cidade de Natanya, estava o café favorito do Imi, Café Ugati.

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Os dez escolhidos do Imi A História do Krav-Magá

processo histórico correto, completo e exato foi, até agora, totalmente ignorado em
todas as obras. E isso, profissionalmente falando, tanto no campo das artes marciais
como em outras áreas da ciência – Antropologia, Psicologia social, ciência do
comportamento etc., jamais foi realizado, e também no aspecto profissional, quando
pessoas que poderiam testemunhar o processo de criação ainda estão conosco.
Contudo, ficamos imensamente surpreendidos ao descobrir que entre as
centenas de sites existentes, não há quase nenhum que seja realmente relacionado a
um dos primeiros dez da geração fundadora. A nossa jornada atrás daqueles dez e
atrás da verdade histórica do Krav-Magá nos levou para vários cantos de Israel, e
também fora de lá. Realizamos cerca de sessenta entrevistas com ex-alunos, amigos e
conhecidos do Imi, que o acompanharam desde que começou a criar a arte, em 1967.
Nas próximas páginas deste artigo encontrarão as histórias pessoais, relacionadas ao
Krav-Magá, daqueles que conseguimos localizar. Mas já nesta altura podemos por
certeza afirmar uma coisa: Imi outorgou apenas dez faixas pretas, e a lista completa
aparece no documento número 6 na página 146, e também pode ser encontrada no
“The Book of Krav-Magá – The Bible”, na página 295.
Sendo cidadãos israelenses com domínio completo na língua Hebraica, era
relativamente fácil para nós passar algumas férias longas em Israel, todas totalmente
dedicadas à procura da história do Krav-Magá em Israel, à realização de reuniões,
entrevistas e ligações, viagens ao longo do país todo em busca de pistas históricas
de trinta ou quarenta anos atrás. Às vezes precisávamos estimular as memórias e
recordações dos entrevistados para poder completar a nossa pesquisa e coletar todo
o material nele incluso. E, acima de tudo, dedicamos o atual trabalho para aquele
grupo pioneiro dos dez, que sem eles, e isso é um fato indiscutível, o Krav-Magá
nunca existiria.
Depois de aposentar-se do exército, meu pai procurava uma forma de
aproveitar toda a experiência e conhecimento de defesa pessoal que acumulou
durante seu serviço militar em benefício da população civil. Apesar de ter servido
vinte anos como instrutor-chefe de defesa pessoal e preparação física, meu pai
jamais se considerou como um militar. Para ele, seu trabalho no exército era um
dever e ele tentou fazê-lo da melhor maneira possível, como qualquer outra coisa
em sua vida. Porém, percebemos que no momento que tirou o uniforme pela última
vez, cortou de imediato as ligações com seu passado militar. Entre seus amigos mais
próximos não encontramos nenhum militar, um fato surpreendente considerando o
fato de que passou mais de vinte anos nas forças armadas. Ele manteve contato com
vários conhecidos da época de seu serviço, mas nada que poderia ser chamado de
profunda amizade, embora todos, sem exceções, só tenham elogiado e exaltado seu
trabalho nas forças de segurança. No dia que ele aposentou-se do serviço militar,
seu caminho já estava claro e a criação do Krav-Magá já era uma ideia acabada na
sua cabeça. Agora faltava apenas o desenvolvimento prático e final. Para alcançar
seus objetivos, precisava compor um grupo de praticantes que funcionassem como
“cobaias” durante o processo de construção da arte, que nesta altura existia somente

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A História do Krav-Magá Os dez escolhidos do Imi

em sua mente, nada mais do que uma visão 2*. Uma característica do meu pai, que
era bastante estranha para a forma de pensar dos israelenses, é a paciência. Todos os
entrevistados na pesquisa afirmaram que meu pai era o campeão da paciência. Meu
pai tinha uma doutrina fixa que ele seguia, e o fato que teria que aguardar a criação
do Krav-Magá até completar o grupo todo, jamais o perturbaria.
(como veremos mais adiante, o Imi realmente era uma pessoa bastante paciente, não
somente no caso da criação do Krav-Magá e a longa espera até a formação do grupo exato que queria,
com seus dez escolhidos. Quanto ao processo de construção do grupo e o resultado final de seus
treinamentos junto a Imi, há várias especulações no mundo do Krav-Magá em Israel. Contudo, todos
os membros daquele seleto grupo testemunham da mesma forma. É claro que a maior parte dos contos
sobre o grupo são divulgados por pessoas com segundas intenções, e que normalmente têm como
objetivo principal mudar a historiografia do Krav-Magá e, consequentemente, a história daqueles
dez, para que eles possam desenvolver sua própria história individual. Mas a pesquisa comprova, de
maneira clara e indiscutível, que somente esses dez praticantes pioneiros receberam a faixa preta do
Imi, que demorou quase três anos para completar a formação do grupo, e qualquer outra alegação é
historicamente inválida).
Meu pai, ao longo de toda sua vida, agiu com uma estranha duplicidade,
que pode ser explicada de várias formas. Porém, não é do nosso interesse atual
realizar uma análise de caráter deste tipo, mas somente trazer os fatos concretos. É
difícil dizer qual era o principal motivo para seu modo de fazer as coisas, poderia
ser a sua inspiração à perfeição, e poderia ter sido uma outra razão, mas as ações
falam por si mesmas, e eis alguns dos melhores exemplos: como atleta profissional,
competiu em duas áreas completamente diferentes uma da outra – pugilismo e luta
greco-romana. Ele fundou uma escola de dança e ao mesmo tempo era um artista
trapezista no circo. Estabeleceu uma academia na cidade de Natanya e outra na
cidade de Tel-Aviv, e dividiu igualmente o grupo dos dez entre as duas academias.
Cultivou dois alunos: Eli Avikzar e Yaron Lichtenstein. Escreveu dois livros junto
com Yaron. E se examinarmos com cuidado os movimentos e as técnicas do Krav-
Magá, perceberíamos que quase todos são compostos de números pares.
Para capacitar aquele primeiro grupo ele abriu, como já sabemos, suas
duas academias, e nelas de fato começou a desenvolver o Krav-Magá. O objetivo
da pesquisa, a partir do primeiro momento, é a narração da história pessoal de cada

2. O maior empregador em Israel é o exército. Muitos aposentados das forças armadas tentam dar
continuidade a sua profissão militar também na vida civil, alguns conseguem e outros nem tanto. Tudo
que Imi desejava era preencher algumas de suas horas livres. A ideia de tornar “institucionalizadas”
todas aquelas técnicas de defesa pessoal, como acabou acontecendo, só surgiu depois que ele já havia
começado a ensinar aos primeiros alunos e percebido seu entusiasmo e seu nível perfeito de execução
das técnicas, elementos que ele não viu com os soldados, que na verdade não mostraram grande
interesse em defesa pessoal. Assim, os primeiros alunos merecem uma boa porção do crédito pela
existência e criação do Krav-Magá. Há vários testemunhos de que o Imi desenvolveu alguns dos mais
extraordinários movimentos do Krav-Magá como consequência de pedidos especiais feitos por seus
discípulos pioneiros. Mas é importante mencionar que tudo isso ocorreu antes do ano de 1973, no
qual o Krav-Magá já havia virado uma coisa acabada e pronta, embora houvessem algumas exceções,
como, por exemplo, as técnicas contra granada e ameaça de reféns, que foram desenvolvidas nos anos
de 1976-77 depois de solicitações específicas recebidas de oficiais do grupamento de antiterrorismo
do exército, que perceberam uma verdadeira necessidade destes exercícios.

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Os dez escolhidos do Imi A História do Krav-Magá

uma daquelas dez pessoas, sem as quais não conheceríamos hoje o Krav-Magá.
Nossa obrigação com eles não é menos importante do que com meu pai. Ele, claro,
é o eterno fundador, mas todo artista necessita de “instrumentos” e “materiais” para
fazer a sua obra. O pintor tem o pincel e a tela para pintar, o escultor tem o martelo,
cinzel e um pedaço de mármore para trabalhar etc., e da mesma forma meu pai
precisava de seus materiais, que seriam os dez alunos pioneiros. Eles serviram como
a matéria prima, intocável, como a tela do pintor e a pedra do escultor. E realmente,
meu pai iniciou-se na criação de sua obra somente depois de terminar a montagem
do grupo.
Meu pai era uma personagem grande, suave e paternal, e no momento
que iniciasse uma conversa, dificilmente alguém resistiria a seu charme. Como
nas narrações dos irmãos Grimm, onde encontramos um herói vestido de capote
cumprido, por vezes segurando um longo bastão e em outras ocasiões utilizando
uma espada brilhante, com seus magníficos cabelos e barba branca, andando em
caminhos infinitos – é assim que podemos imaginar meu pai em sua busca para
achar as pessoas certas que formariam o primeiro grupo. Não se enganem – foi meu
pai que achou seus alunos, e nunca ao contrário. Foi ele que procurou, colocou iscas,
mandou mensageiros, atraiu e caçou. Todos os meios eram válidos para alcançar seu
supremo objetivo – montar o grupo que queria. Se um dia, antes que seja tarde de
mais, alguém pesquisasse o fator humano do grupo, provavelmente descobriria um
outro lado escondido do meu pai. Cada um dos integrantes do grupo possuía diversas
peculiaridades físicas e mentais que meu pai procurava de forma específica 3* para
que eles servissem como o modelo para o desenvolvimento da arte. A intenção era
fazer dos corpos e das almas dos dez um só. Foi assim que conheceu o Eli, em
suas viagens ao longo do país, ministrando aulas e demonstrações para encontrar
os candidatos adequados. Mais tarde fundou as duas academias para aumentar a
atração ao Krav-Magá.
Pela primeira vez meu pai estava procurando por uma pessoa jovem e ativa
que pudesse preencher algumas funções simultaneamente, como por exemplo:
assumir a liderança do grupo, ter experiência em luta e combate corpo a corpo para
que pudesse aprimorar a técnica de realização de lutas que meu pai colocou dentro
do Krav-Magá, etc.. As qualidades que meu pai buscava eram: movimentação suave,
velocidade, rapidez e boa capacidade de reação. Naqueles anos era extremamente

3. Como parte da busca pela verdade absoluta, apresentamos algumas perguntas idênticas para
todos os alunos do Imi que entrevistamos para a pesquisa. Sobretudo estávamos interessados em
descobrir até que grau é verdadeira a história do Sr. Yaakov (kobi) Lichtenstein que afirma ser, num
pequeno livro que escreveu, um dos alunos mais graduados do Imi, além de fazer parte de um grupo
de treze pessoas escolhidas e treinadas pelo Imi. De todos os entrevistados recebemos a mesma
resposta: ninguém nunca ouviu falar daquele grupo, e segundo, todos realmente conhecem o Yaron
Lichtenstein, mas nenhum deles jamais viu o Sr. Yaakov Lichtenstein participando nos treinos de
Sábado, ou em qualquer outra aula. Estas respostas comprovam que não há base fatorial para essas
histórias, que têm como objetivo único construir a biografia pessoal daquele indivíduo, uma biografia
desligada do real processo histórico do Krav-Magá. Ademais, há outros trechos do mesmo livro que
são completamente desconectados da realidade, e aconteceram exclusivamente na mente de seu autor.

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A História do Krav-Magá Os dez escolhidos do Imi

difícil encontrar um praticante com passado em alguma arte marcial e, além disso,
meu pai não desejava alguém com experiência, ao contrário. Assim chegou ao Eli
Avikzar. A “química” entre os dois foi imediata. Até seu último dia o Eli afirmava
que sem meu pai sua vida seria uma catástrofe.
Ao praticar, o Eli agiu sem pensamento prévio, confiando nos seus rápidos
instintos, e foi justamente esta característica que encantou meu pai e levou à criação
de uma das técnicas mais notórias do Krav-Magá – “Trezentos e Sessenta Graus”.
No ano de 1970 meu pai começou a ensinar técnicas de realização de lutas. Até
então, todos atacaram e defenderam um ao outro ao mesmo tempo. Porém, quando
começaram a praticar lutas, os chutes teoricamente “simples”, como “Foice” e chute
regular, rapidamente viraram técnicas combinadas de enganação do oponente. Este
método, de acordo com Avner, era aplicado especialmente pelo Shlomo e Yaron,
um fato que deixou os outros praticantes numa posição de desvantagem, uma vez
que eles não conseguiram perceber e prever quando e como a perna que chuta iria
mudar de direção. Assim meu pai iniciou a construção do exercício de “Trezentos e
Sessenta Graus” com o intuito de melhorar a capacidade de reação durante uma luta,
e a eficiência desta metodologia foi comprovada inúmeras vezes. Originalmente
a técnica incluía seis defesas com cada mão, mas com o tempo Eli experimentou
acrescentar mais uma defesa, alegando que aplicando somente seis defesas sobra
um “ponto morto” desprotegido. A tendência do meu pai era concordar com a
sétima defesa, mas depois de algum tempo a cancelou, porque estava contra a mais
importante regra do Krav-Magá: “Menor Caminho, Máxima Velocidade”. Pois,
na sua imaginação, concebeu o Krav-Magá como arte marcial moderna, jovem e
vívida, com princípios contrários àqueles existentes nas tradicionais artes marciais,
pelo menos no que diz respeito à defesa pessoal. Na rua, sempre dizia, não há tempo
para pensar. Devemos agir rápido, muito rápido.
E Eli enquadrou na função como luva na palma da mão. Uma das técnicas do
Eli consistia de movimentos rápidos com a mão ao aplicar golpes Esquerda–Direita
e outros golpes com o punho. Meu pai, que no início adotou a forma tradicional do
Boxe de aplicar golpes, percebeu rapidamente que esta técnica poderia não funcionar
tão bem na rua. Eli ensinou todos os dez pioneiros como repetir o mesmo movimento
/ golpe numa sequência só e com velocidade enorme. Assim meu pai tirou de vez do
Krav-Magá as movimentações tradicionais do Boxe e trabalhou de modo diferente,
cooperando com a nova situação ao ensinar como impedir uma tentativa de pegar a
mão que bate, pelo oponente, mas somente depois que nós já entramos para dentro
do ataque rival com o objetivo de fazer a defesa. Ou seja, pegamos a mão ou a
manga do adversário e só depois de neutralizá-lo. E ele foi mais longe ainda quando
tratava-se de defesas contra faca – a mão que segura a faca pode executar vários
movimentos de esfaquear, ida e volta, e este é o grande perigo da faca, que apenas
poucos conhecem. Sem dúvida alguma que a contribuição do Eli para o Krav-Magá
é grande e indispensável. Como consequência desta técnica, meu pai criou o ditado:
“Nosso oponente é sempre melhor do que nós, portanto nunca o subestime”.

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Os dez escolhidos do Imi A História do Krav-Magá

Eli trouxe consigo para o grupo, que estava se formado, o Rafi Algrisi, que
era seu amigo e vizinho ainda na época que os dois moravam no Marrocos, antes de
migrar para Israel. Rafi teve algumas histórias bastante divertidas sobre as relações
entre Eli e meu pai:
“Apesar de ser altamente talentoso no Tatami, fora dele o Eli foi, de forma
delicada, um pouco menos hábil... Naqueles dias chegou ao Israel um famoso
comercial do fabricante de refrigerantes - a Coca-Cola, e rapidamente todos
assobiaram a música da propaganda, inclusive o Imi, que nem sequer gostou daquela
bebida. O Eli também tentou repetir a melodia do comercial, mas definitivamente
música não era o seu lado forte, e suas ridículas e repetitivas tentativas deixaram
Imi enlouquecido. Durante semanas se empenhou a ensinar Eli como cantar a
música corretamente, mas foi tudo em vão”.
Rafi recorda de tudo isso com lágrimas misturadas de alegria e tristeza,
limpando seus olhos discretamente, como se algo entrasse neles.
“Mas a coisa mais engraçada”, continua Rafi, “É a história sobre um dos
restaurantes favoritos do Imi, onde ele sempre gostava de almoçar. Imi costumava
começar suas refeições com uma porção de picles e Pimentões em vinagre, e uma
vez o Eli perguntou o Imi sobre o motivo deste costume, que respondeu que nos
picles e no Pimentão em vinagre há uma substância que ajuda a digestão. Eli, que
não gostava de “picles”, pediu para o garçom, que o conhecia pessoalmente: traga
para mim aquela substância para digestão que vocês colocam nos legumes”...
Por bem ou por mal, esse era o Eli Avikzar, que nem sempre prestava muita
atenção no que dizia.
Rafi veio para Israel no ano de 1961, e como praticante de Boxe ainda da
época de sua adolescência na sua terra natal de Marrocos, aproveitou a oferta de seu
amigo de infância e apareceu também para os treinamentos com Imi. Era seu jeito de
falar para Eli: “não vou te deixar ser o mais forte entre nós dois, tudo que você pode
- eu posso também”. No início os dois ainda tentavam treinar juntos, mas depois de
algum tempo desistiram. Pois, enquanto todos os praticantes, mesmo se atingissem
às vezes um ao outro, não o fizessem deliberadamente, Eli e Rafi ministravam
uma verdadeira guerra de honra entre si. Assim, quando ambos chegaram à faixa
marrom, pararam de trabalhar como parceiros nas aulas – Eli normalmente treinou
com Yaron e Rafi trocava de par cada aula, mas sempre preferia treinar com um
outro amigo de sua infância –Shlomo. As dimensões físicas do Shlomo, que era mais
alto do que o Rafi e incrivelmente flexível, o tornaram um parceiro inadequado para
Rafi, mas o Shlomo nunca falou nada. Porém, cada vez que praticaram chutes na
aula, e Rafi ofereceu para oShlomo treinar juntos, Shlomo comentou que todos seus
chutes acabam acima da cabeça do Rafi. Rafi entendeu que ele estava o caçoando,
mas nunca aprendeu a lição e sempre escolheu trabalhar com Shlomo.
A situação ficou mais engraçada ainda quando praticavam defesas contra
chutes “Foice”, tanto para frente como para trás. Shlomo chutava acima da cabeça
do Rafi, que ficou ali desesperado enquanto seu amigo Eli estava rindo em voz alta,
perguntando se Rafi desejava uma escada para conseguir fazer as defesas. No início

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A História do Krav-Magá Os dez escolhidos do Imi

meu pai tentou intervir, mas percebeu que era uma causa perdida e juntou-se ao
grupo todo que estava se divertindo a cada momento do duelo de palavras entre os
dois.
Shlomo, no seu jeito, continuou fazendo as brincadeiras, mas sem nenhum
sorriso. Como verdadeiro artista, ele se realizou e sentiu prazer através de sua
capacidade de aplicar aquelas técnicas. A rivalidade meio séria meio amigável entre
Eli e Rafi nunca teve descanso. Meu pai muitas vezes caçoou dos dois e aumentou
ainda mais a irritação deles, especialmente depois que já havia ficado claro que Eli
era o número um do grupo.
Rafi jamais se viu seguindo carreira de praticante de Krav-Magá, isto é,
não tinha planos de ser instrutor e dar aulas – ele era o dono de uma grande gráfica
em Natanya, especializada no desenvolvimento de outdoors. Porém, por um curto
período de tempo e como tentativa de competir com Eli, o Rafi colocou Tatami
numa pequena área de sua oficina e tentou arrumar alguns alunos. Obviamente que
não teve êxito. Naqueles anos – 1971-1981, Eli era o rei absoluto das artes marciais
em Natanya, todos o conheciam e sabiam que ele era o aluno mais graduado do meu
pai, qualquer um que aprendeu Krav-Magá em Natanya, o fez com Eli. Foi somente
anos depois, quando o Eli resolveu criar um novo caminho, que abriu-se a porta para
“outras pessoas” darem aulas de Krav-Magá em Natanya.
Qualquer praticante de arte marcial na cidade conheceu a “Gangue do Café
Ugati” – Eli, Yaron, Rafi, Itzik, o judoca David Anto, apelidado de “Gingi” pelo
meu pai, por causa de seu cabelo vermelho, de vez em quando também o Haim
Zut e especialmente amigos da terra natal do meu pai e ocasionais visitantes.
Considerando as proporções da cidade de Natanya naquela época, meu pai era
um tipo de celebridade local e a sua mesa no “Café Ugati” sempre atraiu diversas
pessoas, que procuravam “tirar” do meu pai algum movimento ou técnica que eles
poderiam usar para seu próprio benefício. Várias vezes o Eli, colaborando com Rafi
ou Yaron, caçoou dos importunadores, inventando movimentos e exercícios que não
existem.
Hoje, Rafi tem sessenta e três anos e pratica só para “manter a forma”,
contudo ele não faz mais Krav-Magá, mas escolheu ingressar no novo caminho
criado pelo seu eterno amigo, Eli. Mais do que uma livre escolha, era seu jeito de
expressar a sua lealdade quando se trata de antigos conhecidos. Amizade talvez seja
o melhor feito que duas pessoas podem fazer, mesmo quando a morte já os separa.
Rafi, que sempre teve um lado religioso, frequentava regularmente a sinagoga aos
Sábados, e por isso sempre chegava atrasado para os treinos, dando assim uma
oportunidade para Eli contar piadas 4*. Hoje a religião tornou a principal ocupação do
4. Ironicamente também o Eli, na medida em que sua doença ficou mais grave, procurou também uma
solução na religião, apesar de não se tornar muito religioso. Contudo, seu filho, por causa da doença
do pai, virou bastante ortodoxo e adotou a religião como seu caminho de vida. Esta é provavelmente
também uma das razões para a ruptura entre o sucessor profissional do Eli – o Sr. Avi Abesidon, e o
filho do Eli.

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Os dez escolhidos do Imi A História do Krav-Magá

Rafi, que fechou sua gráfica de outdoors e passou a trabalhar no tribunal rabínico
5*. Mesmo não admitindo abertamente na nossa frente, é possível perceber que o

motivo central de sua volta à religião foi a morte de seu amigo Eli, que o abalou
profundamente. Rafi, como veremos mais adiante, não é o único entre os alunos do
meu pai que achou refúgio na religião.
Atualmente, alguns anos depois do falecimento do meu pai e de seu amigo
Eli, o Rafi encontra-se involuntariamente atraído para dentro daquela suja política na
qual cada um proclama para si o título de ser o primeiro aluno do meu pai. Durante a
conversa, Rafi deseja deixar muito claro que a sua cooperação com a pesquisa é feita
pela memória de seu querido amigo Eli Avikzar, que tantas pessoas tentam roubar o
legado histórico dele como o primeiro aluno do meu pai. Rafi ainda reside na cidade
de Natanya, o lugar mais insuportável, para um praticante de Krav-Magá, de morar
em Israel. Naquela cidade meu pai vivia, ensinava e criava o Krav-Magá, e não há
um habitante que não o conheça e o admire. Na mesma cidade também cresceu,
viveu e ensinou Eli Avikzar, não menos reconhecido, mesmo se fosse somente pelo
fato de ser o primeiro aluno do meu pai. Outras duas pessoas, ambos alunos do Eli,
também habitam esta cidade: o Sr. Haim Gideon e o Sr. Eyal Yanilov. Hoje em dia,
os dois juntos e cada um separadamente alegam serem os primeiros alunos do meu
pai e também os herdeiros dele. Como todos moram e ensinam em Natanya, que não
é tão grande para começar, é difícil não encontrar um ou outro na rua de vez em
quando.
A guerra verbal, que frequentemente vai além das palavras, é inevitável.
E Rafi revela que apesar de não querer fazer parte desta guerra, ele se sente
incontrolavelmente arrastado por ela. Quando apresentamos ao Rafi a nossa pergunta
que sempre se repete – se já ouviu falar de um grupo de treze pessoas especialmente
treinado pelo meu pai, ele responde com uma gargalhada. Ele explica:
“nos últimos anos e depois da morte do Imi, eu já escutei tantas histórias
inventadas que vocês não fazem ideia!!!”. “Imaginem”, ele continua, “que na nossa
cidade, onde literalmente todo mundo conhece todo mundo, há pessoas que dizem
ser alunos de Krav-Magá antes do Eli! Então, avisem a todos esses folgados que eu
quero vê-loa falando aquelas coisas na minha cara!”.
O olhar no seu rosto deixa claro que não há garantia nenhuma que uma
pessoa que tentasse fazer isso, terminaria a frase com todos seus dentes no lugar...
Fisicamente, o Rafi (vejam a foto na primeira página do artigo “As Graduaçõess no Krav-
Magá”, ficando em pé na segunda linha, o quinto da esquerda) era idêntico ao Eli Avikzar, um
pouco menos agressivo e com reações mais lentas, mais calmo em seus movimentos
e forma de agir, porém não menos veloz e flexível do que Eli. Para dizer a verdade,
todos os membros do grupo foram abençoados com velocidade e flexibilidade acima
da média. Talvez a única vantagem relativa que o Rafi tinha sobre o Eli era a sua

5. Em Israel, assuntos ligados à casamentos e divórcios são resolvidos num tribunal religioso especial,
conhecido como “tribunal rabínico”. Estes fóruns são notórios por seus princípios discriminatórios
entre homens e mulheres (obviamente a discriminação é exercida contra o sexo feminino).

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A História do Krav-Magá Os dez escolhidos do Imi

técnica de chutes e trabalho com o pé, resultado de seus constantes treinamentos no


Krav-Magá. Rafi também foi quem trouxe para o grupo o Shlomo que, como o Eli,
era seu amigo de infância ainda da época que viveu no Marrocos. Quando o Shlomo
ouviu falar do meu pai e de suas aulas, ele juntou-se à outra turma que treinava
na academia em Tel-Aviv. E, novamente, deparamos aqui com aquele inexplicável
fenômeno – a maneira do meu pai agir sempre em duas dimensões paralelas. Se
observarmos com cuidado, veríamos que cada academia “contribuiu” com o mesmo
número de alunos para o grupo escolhido – cinco de Natanya e cinco de Tel-Aviv.
Por algum tempo os dois grupos treinavam separadamente um do outro, e os
únicos dois que conheciam todo mundo eram na verdade Eli e Yaron. O último, que
treinou nas duas academias naquele tempo – em Natanya e em Tel-Aviv – colocou-se
à disposição do meu pai como seu “motorista particular”, e o levou para onde fosse
preciso, já que meu pai não possuía carro e nem tinha carteira de motorista. Eli,
profissionalmente, já era o braço direito do meu pai e o ajudou a ministrar aulas nas
duas academias. Somente dois – três anos mais tarde, no ano de 1971, quando todos
já haviam ganhado o grau de faixa azul, meu pai deu início aos famosos treinos de
Sábado e assim juntou as duas turmas para um grupo unido, ou se quiserem, um
corpo só.
Shlomo, apelidado de Sami pelos seus amigos e colegas, era um rapaz tímido
e tranqüilo, que se ingressou no grupo seleto de forma imediata, ajudado pela sua
flexibilidade e por seu controle nas técnicas de chutes regulares e chutes voadores.
O Shlomo iniciou-se nos treinamentos alguns anos depois de terminar o seu serviço
de três anos no exército Israelense, que é obrigatório para todos os jovens entre 18-
21 anos de idade, e ele trabalhava na polícia das fronteiras e mais tarde começou a
lecionar Krav-Magá também na polícia regular. Foram seus tão suaves e flexíveis
movimentos que levaram meu pai a criar as três variações de chute “Foice” para
frente. Isso se deve principalmente ao fato de que o Shlomo conseguiu assimilar
perfeitamente os movimentos corporais do meu pai e como resultado terminou cada
chute, seja ele aplicado de forma rápida e forte, seja com deliberada lentidão, com
a perna ficando parada na posição final de seu movimento. Somente por isso que
surgiu na cabeça do meu pai a ideia de criar os três chutes “Foice”. Mais tarde esses
chutes tornam o eixo central da técnica de controle do pé e um dos princípios de
treinamento e aprendizagem mais importantes do Krav-Magá – deixar a perna que
chuta no ar no final do movimento como parte do aprimoramento da capacidade
física e também da técnica de “Mental Training” (treinamento mental) que meu pai
tanto apreciava.
Naqueles dias, Shlomo era o único do grupo que obteve controle sobre seu
corpo em nível que permitisse que meu pai o aproveitasse para desenvolver e ensinar
seus chutes. A foto do Shlomo pulando com total controle sobre seu corpo diz tudo.
Hoje o Shlomo tem sessenta e três anos e é pai de dois filhos e duas filhas, nenhum
dos quais escolheu continuar o glorioso caminho de seu pai. Ao ser perguntado se já
havia ouvido falar daquele “grupo secreto” de treze pessoas treinadas pelo meu pai,
respondeu o seguinte:

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Os dez escolhidos do Imi A História do Krav-Magá

“veja”, ele explica, “eu fui o melhor amigo do Eli e Rafi, que por sua parte
eram os mais próximos para Imi. A minha técnica de chutes era única em Israel
naquela época, e o Imi sempre me chamou quando precisava de alguém para
demonstrar chutes especiais. Tenho certeza que se tal grupo existisse, eu, no mínimo,
ouviria falar disso. A gente, os alunos de faixas pretas que treinavam juntos aos
Sábados, sempre conversamos sobre tudo. Este assunto nunca surgiu e eu duvido
se o Imi sequer tinha tempo de treinar outras pessoas. Mas se vocês querem ter
certeza, podem falar com Yaron de Rehovot, por muitos anos ele acompanhou o Imi
para qualquer lugar, então se alguém sabe de alguma coisa, é ele”.
Quando perguntamos por que não seguiu os passos de seu amigo Rafi e
ingressou no novo caminho do Eli, recebemos uma resposta pouco surpreendente:
“vejam”, disse ele com um visível desconforto, “eu comecei a treinar por
causa do Imi, se não fosse por ele que me deu tanto, eu não ficaria lá nem um
segundo. Eli era meu amigo e colega, mas como homem e praticante de Krav-Magá,
minha lealdade primeiramente é com Imi. Se ele não está, eu também não. No início
eu até tentei treinar em Natanya algumas vezes, mas a partir do momento que o
grupo parou de treinar sob a direta supervisão do Imi, eu entendi que não tenho
mais nada a fazer lá. Todos os anos eu aperfeiçoei o meu “trabalho de pernas” e
nas aulas “ali” eles cortaram quase todos os chutes. Na verdade, todos paravam de
treinar ali por causa do baixo nível”.
Estas foram as palavras do Shlomo. Nos últimos anos ele interrompeu quase
completamente suas atividades no Krav-Magá, por causa de sua idade avançada,
mas principalmente por ter sofrido um grave ferimento no seu joelho que necessita
de uma intervenção cirúrgica complicada, que ele prefere evitar mesmo que o preço
fosse abrir mão de qualquer atividade física.
Outra coisa que deve ser compreendida sobre o grupo dos dez é que eles
não eram os únicos alunos do meu pai, ou seja, não se entende disso que ele tinha
apenas cinco alunos em cada academia, ao contrário. Em cada lugar treinavam cerca
de trinta alunos, número significante naquela época. Entretanto, no seu jeito meu
pai diferenciava entre aquele grupo seleto e ou outros. Quando começou os treinos
aos Sábados, destinados apenas para os dez escolhidos, ele tinha um objetivo só –
desenvolver o Krav-Magá. A técnica era muito simples – durante a aula regular o Eli
chamava cada um deles para um dos cantos do Tatami e lhe informava sobre o treino.
Nunca ninguém faltava. Posteriormente, no final dos anos setenta, quando todos os
membros do grupo já tinham recebido a sua faixa preta e a consolidação do Krav-
Magá como arte marcial já havia se completado, meu pai suavizou ligeiramente seus
critérios e gradualmente deixou que outros alunos também participassem nas aulas
de Sábado. Na verdade, aqueles alunos não eram mais do meu pai, mas do Yaron e
Eli – o primeiro levou quatro de seus alunos faixa azul, e o Eli trouxe cinco ou seis
de seus discípulos. Os alunos do Haim Zut começaram a participar nos treinos de
Sábado somente depois que ganharam a faixa preta. Entretanto, também aqui meu
pai interveio e dividiu as aulas para dois grupos – um formado apenas de faixas
pretas e o outro grupo incluiu o resto dos alunos.

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A História do Krav-Magá Os dez escolhidos do Imi

O Haim Zut (veja “Desfecho”) afirma que conheceu meu pai num curso de defesa
pessoal que ele ministrou no exército e assim chegou a ser seu aluno, depois que meu
pai já tinha aberto a sua academia na cidade de Natanya, na Rua Shmuel Hanatziv,
número vinte dois. O Haim Zut trabalhava como agricultor toda sua vida e seu
tamanho físico e força bruta eram intimadores. Meu pai gostava dos movimentos “de
urso” dele – lentos e grandes, porém esmagadores. Meu pai apreciava especialmente
a potência que Haim Zut tinha em sua palma da mão – sendo uma pessoa que passou
sua vida trabalhando no campo, o Haim Zut possuía uma pegada imensa, que ajudou
meu pai a criar e desenvolver os livramentos em situações de pegadas de mão. Meu
pai sabia aproveitar as dimensões físicas excepcionais do Haim Zut também para
construir os diversos livramentos de estrangulamentos e agarramentos, seguindo a
concepção de que: “Quem consegue sair do Haim, consegue se livrar de qualquer
um”. Meu pai não realmente precisava de toda essa ajuda, mas ele queria comprovar
para seus alunos que as técnicas funcionam de fato, e que eles mesmos entendessem
isso. Portanto, certificou-se de que o grupo examinaria e aprovaria todos os
exercícios e movimentos, e às vezes estes experimentos o levaram a aprimorar ou
melhor direcionar um certo movimento. Para meu pai, o Haim Zut, o mais velho
do grupo 6*, era um de seus alunos favoritos e ele sempre gostava de “se convidar”
à casa do Haim Zut na pequena cidade de Pardes-Hana e degustar da “Hallawa” 7*
caseira preparada pela esposa do Haim.
E já que estamos falando do Haim Zut, devemos contar a seguinte história:
O Tedi Levkovski era metade aluno do meu pai e metade aluno do Eli Avikzar, e até
o próprio Tedi tem dificuldades de decidir quem exatamente era seu professor. De
qualquer forma, ele possuía um veículo do tipo Jeep quatro por quatro, que era carro
raro nas estradas israelenses de 1975. O Tedi foi um notório guloso, mas seu amor
pela comida não chegou nem perto do apetite do Haim Zut, que teve seu tamanho e
dimensões físicas como testemunhas. Ao tentar imaginar o Haim Zut, pensem num
urso grande e paternal, com voz profunda. Curiosamente, por muitos anos o Haim
Zut trabalhava como apicultor, extraindo mel das colméias de abelhas – e novamente
repete-se aqui o “fator do urso”. A cidade onde Haim Zut morava – Pardes-Hana, é
cercada de infinitos campos, plantações e laranjeiras que servem também como lar
para milhares de javalis. O Yaron era conhecido por sua paixão pela caça de animais.
E assim foi criado o triplo: Tedi, que era amigo do Yaron também fora do Tatami,
ofereceu ao Haim levar o Yaron para caçar um javali, e no final da caça eles iriam
assar o animal e fazer um grande banquete, e Yaron claro que não recusou. Ótimo.
6. Imi sabia que O Haim “rendeu-se” às vontades de seus alunos e estava ensinando para eles
exercícios e movimentos que ele nunca introduziu no Krav-Magá. Somente por isso o Imi incluiu
“A Teoria do Medo” numa palestra que deu sobre a filosofia atrás da aplicação das técnicas do Krav-
Magá. Lendo o que o S.r Haim Zut escreve sobre si mesmo, é possível compreender as tentativas do
Imi de mudar a situação. Contudo, parece que até o grande professor falhou neste ponto, que hoje em
dia é característica de quase todos os praticantes do Krav-Magá.
7. Hallawa – uma comida doce, feita de gergelim e mel, encontrada principalmente no Oriente Médio.
Tem suas origens prováveis na Turquia, mas é bastante comum também em Israel. É um alimento rico
em energia e faz parte das rações de combate dadas aos soldados no exército israelense.

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Os dez escolhidos do Imi A História do Krav-Magá

Os três se organizaram e entraram com o carro do Tedi para os campos


perto da cidade do Haim. Era noite e, portanto, Yaron andava armado em frente
ao carro enquanto Haim e Tedi ficaram dentro do veículo e atrás do Yaron,
acompanhando ele e mantendo os faróis ligados, para poder localizar os javalis. De
repente aparecia no lado direito do carro uma gironda enorme, seguida por alguns
de seus filhotes. Quando uma gironda vira mãe, ela protege os filhotes de forma
muito feroz e perigosa, e não se parece em nada com os javalis que crescem no
cativeiro. Rapidamente ficou claro que a fera iria cabecear o carro, e o Tedi não
pensou duas vezes – pisou no acelerador com toda sua força e sumiu de lá junto com
o Haim, deixando o Yaron sozinho para enfrentar a fúria da besta. Uma coisa Yaron
sabia: quando está de pé, não tente atirar no javali - este animal tem uma capacidade
extraordinária de sobrevivência. Assim ficavam a gironda e Yaron encarando um ao
outro. Quem temia mais? Difícil dizer, mas os dois “oponentes” sobreviveram vinte
minutos depois, quando Tedi e Haim voltaram para buscar Yaron...
Essa história foi o próprio Tedi que contou para nós, e decidimos publicá-la
somente para demonstrar as relações que foram formadas dentro do grupo também
fora das aulas no Tatami. Já o Tedi, apesar de não chegar para a faixa preta e não
fazer parte do grupo seleto, era bastante popular por todos os alunos e também meu
pai gostava dele, e ele era considerado o campeão das brincadeiras nos treinos de
Sábado.
Quando conversou 8* conosco, o Haim tentou recordar o acontecimento
mais engraçado que lhe aconteceu nas décadas que passou ao lado do meu pai:
“O Imi”, conta Haim, “nunca deixou os alunos pagar a conta de algum
restaurante ou café. Contudo, uma vez, eu e minha mulher sentamos junto com Imi
no “café Ugati” e antes que ele conseguisse levantar para pagar, a minha esposa
pagou a conta e literalmente fugiu, para não “levar bronca” do Imi. Porém, assim
que ele descobriu o que ela tinha feito e apesar de sua idade, ele começou a correr
atrás dela no restaurante todo...” e o Haim continua: “não só aqueles dois estavam
correndo um atrás do outro como gato e rato, eu também com toda minha idade e
peso corria atrás do Imi para tentar pará-lo, para que ele não enfartasse...”. É claro
que no final tudo acabou com sorrisos.
Apresentamos ao Haim aquela pergunta perturbadora sobre a suposta
existência de um grupo secreto de treze pessoas treinadas pelo meu pai. “Escute”
ele começa com um tom esclarecedor e simultaneamente respira uma grande

8. No que diz respeito ao Sr. Haim Zut, trouxemos aqui dois pontos de vista completamente distintos
um do outro. O primeiro é relativo à sua participação verdadeira e histórica como membro dos
primeiros dez alunos do Imi, enquanto o segundo ponto aparece no capítulo “Documentos &
Testemunhos”. Sentimos muito o fato que o Sr. Haim decidiu travar a guerra para glorificar seu
próprio nome em vez de apoiar o Imi e seu caminho, já que foi Imi que lhe ensinou tudo que sabe
sobre Krav-Magá. Todos querem ser respeitados, mas não fazem o mesmo com seu professor – Imi.

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A História do Krav-Magá Os dez escolhidos do Imi

e profunda quantidade de ar para abastecer o seu enorme corpo o maior tempo


possível. Tenho que admitir que o Haim gosta de falar e quando ele começa é um
pouco difícil interrompê-lo e até o pequeno gravador passou por dificuldades para
conseguir acompanhar o ritmo acelerado da fala do Haim:
“Eu tenho um pouco mais de setenta anos e nos últimos anos já ouvi tantas
histórias inventadas sobre Imi que vocês poderiam montar uma enciclopédia só das
invenções que cada um faz sobre ele para benefício próprio. Não existia nenhum
grupo secreto, se houvesse tal grupo com certeza eu faria parte dele e quem contou
para vocês essa história deve ser internado num hospício, ou vocês podem o trazer
para cá, a gente coloca ele junto com as minhas abelhas um pouco” 9*.
Esse é o estilo de se expressar do Haim, um estilo reservado para agricultores
acostumados a ficar no estábulo e conversar com as vacas, misturado com um senso
de humor diferente.
Já o Shmuel Kurtzveil, conhecido mais como “Shmulik”, chegou às aulas
seguindo a recomendação de um amigo. Sendo um gerente junior na companhia
israelense nacional de ônibus 10*, ele tentou inserir os mesmos métodos de
gerenciamento no grupo dos dez alunos. Porém, seu caminho foi bloqueado por
todos quase que imediatamente, já no primeiro momento. Não que isso o impedisse
de tentar cada vez mostrar que ele era o “gerente” da equipe. Evidentemente que
ninguém escutava seus conselhos e até meu pai, mesmo se ocasionalmente fingia
que estava prestando atenção, só para não aparecer rude e grosseiro, de fato isso
nunca resultou em alguma alteração significante.
A verdade é que não tinha nada para gerenciar. O grupo todo funcionava
como um tentáculo com múltiplos braços, tendo meu pai como a cabeça. Qualquer
palavra, pedido ou ordem do meu pai foi executado de forma imediata, sem pensar
e sem hesitar, como se fosse um instinto. Os movimentos do Shmulik eram curtos
e afiados, e ele sempre tirou e enfatizou seus cotovelos, se foi preciso ou não. De
acordo com todas as testemunhas, profissionalmente o Shmulik era a personagem
menos significante do grupo. Entretanto, todos testemunharam que Shmulik é o

9. O nome da pessoa que alega a existência daquele grupo não foi revelado para o Sr. Haim Zut e
nem para qualquer outro entrevistado. Por motivos éticos, não achamos isso justificado. Porém, é
interessante saber o que o Sr. Haim Zut faria se soubesse o nome daquela pessoa, que conta uma
história para pessoas que não falam Hebraico, mas elabora uma história completamente diferente para
aqueles que falam somente Hebraico...
10. O Oskar Klein trabalhou na companhia nacional Israelense de Ônibus, chamada de EGED. Ele
tinha experiência em Boxe Inglês, e sempre brincou com Shmulik Kurtzveil que apesar de Shmulik
ser muito mais jovem, ele ainda sempre apanha do Oskar. E foi assim que o Shmulik chegou a treinar
com Imi – ele veio uma vez para olhar, e ficou. Contudo, a saudável rivalidade entre os dois causou
várias situações engraçadas e até ridículas. Shmulik, que no dia-a-dia era na verdade o chefe do
Oskar, apanhava dele todo Sábado nas aulas semanais, e nem sempre estava claro se os golpes do
Oskar eram de verdade ou não. O Oskar nunca admitiu que batesse de verdade e o Shmulik, por sua
parte, alegou que nem sequer sentia os golpes do Oskar...

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Os dez escolhidos do Imi A História do Krav-Magá

mais arrogante do grupo e talvez por isso foi escolhido pelo meu pai – para testar a
paciência dos outros, ou possivelmente prepará-los a lidar com este tipo de pessoas
no futuro, quando eles mesmos seriam instrutores. Interessantemente também o
Shmulik achou refúgio na religião, e é o quinto dos dez alunos a fazê-lo. Mas não
devemos subestimar a contribuição de cada um daquele grupo para a formação final
do Krav-Magá, uma vez que cada um no seu jeito contribuiu com a sua parte. Meu
pai enxergava e planejava para o muito longo prazo – a formação do grupo não era
puramente profissional, como já vimos e ainda veremos – mas incluía outros fatores
e elementos.
A inclusão do Shmulik deve ser vista como uma tentativa de dar a sua seleta
equipe certa experiência em administração, mesmo se de forma pouco convencional.
Apesar de que a intenção não foi passar para o grupo um rápido curso em
gerenciamento, mas das entrevistas que realizamos e das testemunhas que coletamos,
fica evidente que o grupo absorveu do Shmulik importantes conhecimentos, alguns
o fizeram sem sequer perceber isso. A informação simplesmente ficou guardada em
suas mentes até o momento que virou útil para eles. É deste modo que precisamos
examinar a criação do grupo – não somente do ponto de vista profissional, mas
também de aspectos organizacionais, que anteciparam os futuros acontecimentos.
Uns mais e os outros menos, mas todos sem exceções construíram e
montaram a arte junto com meu pai 11*. Para trazer a trajetória histórica completa
do grupo, acreditamos ser essencial incluir alguns acontecimentos que não são
diretamente ligados aos dez pioneiros, mas a outras pessoas que também fizeram
parte da criação do Krav-Magá.
Vejam uma história sobre uma faixa preta que quase causou uma guerra
total entre o grupo dos dez escolhidos do meu pai. Um dos amigos do meu pai,
conhecido como Jamil, que tinha mais ou menos a mesma idade dele, era o dono de
uma academia de ginástica na cidade de Tel-Aviv 12*. O Sr. Jamil sempre sentia uma
atração natural pelo mundo das artes marciais, embora tenha passado a maior parte
de sua vida como fisiculturista profissional e ganhado várias competições nacionais
nesta modalidade. Para fazer parte do mundo das artes marciais, mesmo que de

11. É possível ver esta construção do Krav-Magá como reflexão da criação do Kung-Fu, mas com uma
grande diferença. O Kung-Fu foi criado imitando movimentos de vários animais, enquanto Imi criou
o Krav-Magá baseando-se no conjunto de movimentos daqueles dez pioneiros, que eram ao mesmo
tempo a geração fundadora e também as cobaias no laboratório do Imi. Mas sem dúvida que foi a
qualidade conjunta deles que tornou o Krav-Magá a arte marcial que é hoje, pelo menos para aqueles
que treinam e conhecem o caminho original do Imi. Já o Imi, conscientemente, queria coletar os
movimentos de pessoas que representam, com suas capacidades e limitações, a média da população,
para que a arte, como arte, seja adequada a todos.
12. O bairro de Yad-Eliyaho, na cidade de Tal-Aviv, No Clube “Galit”. Para este local mudaram-se
Yaron e Imi depois que Yaron assumiu a academia do Imi. A academia estava sob a administração
de dois sócios – o Sr. Gadi Skornik, que era Judoca e praticante de Jiu-Jitsu Japonês, e o Sr. Jamil,
responsável pela parte da musculação.

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A História do Krav-Magá Os dez escolhidos do Imi

forma pouco convencional, começou a costurar Kimonos de Judô e Caratê para


todos os praticantes em Israel. Naqueles anos – 1967-1970 e também mais tarde,
foi muito difícil conseguir Kimonos de boa qualidade em Israel, e se alguma loja já
tinha bons uniformes, os valores seriam muito altos. O Sr. Jamil costurava Kimonos
com qualidade razoável e preços mais razoáveis ainda e assim foi o primeiro a fazer
Kimonos para os dez alunos do meu pai.
Um dia o Sr. Jamil resolveu realizar o sonho de sua mulher, e levou-a para
uma viagem na Tailândia. Ali, é claro, não conseguiu resistir e visitou algumas lojas
especializadas na venda de produtos e roupas para artes marciais, principalmente
para o tradicional Boxe Tailandês. Numa das lojas ele encontrou uma faixa preta
especial, feita de seda, e decidiu na hora adquirir a faixa e dar de presente para meu
pai. O Sr. Jamil julgou que nada é mais apropriado para a função e a posição do
meu pai do que aquela faixa preta de seda brilhante. O fato que este tipo de faixa é
inadequado para o Krav-Magá por ser muito fina e delicada demais, não passou na
cabeça do Sr. Jamil. Para ele o importante era a dádiva em si. E assim, meu pai sentiu-
se obrigado a usar a faixa, uma vez que não queria ofender seu próximo amigo. Mas
de todos os alunos dele que entrevistamos, recebemos o mesmo comentário – meu
pai odiava aquela faixa brilhante que, de acordo com ele, o fez parecer com cara de
palhaço 13*. Porém, Jamil era uma pessoa amada por todos e se meu pai tirasse a
faixa, ele com certeza ficaria chateado, e meu pai ficou com a faixa.
Todavia, enquanto meu pai procurava por qualquer saída possível desse
problema preto e brilhante, para os seus discípulos a faixa era uma verdadeira fonte
de orgulho, mas também de inveja, que meu pai realmente estava usando uma faixa
de seda. Quando ninguém viu, eles a tocaram e sentiram seu contato macio com a
pele, até que um dia meu pai percebeu a importância que a faixa tinha para seus
alunos e imediatamente começou a elaborar e planejar uma manobra “política”
genial, que poderia acabar com o “castigo” de seda. Algumas semanas antes Yaron
havia sido aprovado no exame de faixa preta, porém, por diversos motivos, meu pai
ainda não tinha realizado a cerimônia oficial de colação de grau. Mas no momento
que surgiu na sua cabeça a nova ideia, ele ligou para todos os alunos e os chamou
para vir no próximo Sábado para um treino, mencionando que a presença de todos
era obrigatória. Evidentemente que o grupo inteiro apareceu, e até o final da aula os
alunos já estavam cheios de curiosidade e só conversaram e tentaram adivinhar o
motivo pelo qual haviam sido chamados, uma vez que ficou claro que o treino em si
não era a razão principal.

13. Percebemos o mesmo fenômeno com a faixa vermelha do Imi, que foi usada por ele pouquíssimas
vezes em toda sua vida, e também naquelas ocasiões raras somente depois de uma longa discussão.
Mais do que O Imi queria usar a faixa vermelha, as pessoas ao seu redor o desejavam, para justificar
as faixas vermelho-brancas deles mesmos. Para Imi, a faixa preta já foi o suficiente. Procurem no site
do youtube.com o filme no qual Imi outorga ao Sr. Haim Gideon o oitavo Dan, mas sem usar Kimono.
Vemos a mesma continuidade com Yaron, que usa somente a faixa preta que recebeu do Imi, ao
contrário dos outros que utilizam uma faixa vermelho-branca, alguns deles sem ter a qualificação
necessária para tal – o grau de sexto Dan. Aliás, o próprio Imi também nunca usava uma faixa
vermelho-branca.

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Os dez escolhidos do Imi A História do Krav-Magá

De repente meu pai sinalizou para o Eli terminar a aula, que em seguida
pediu que os alunos formassem uma linha e sentassem na posição de “Zesa”, para
realizar a tradicional saudação do final da aula. Mas surpreendentemente meu pai
passou a sentar também, um ato pouco comum, realizando a saudação junto com
o grupo, e depois disse para Yaron fazer um passo para frente e ficar na frente
dele e do Eli. Agora o segredo já tinha sido revelado – tratava-se da cerimônia de
faixa preta, e um grande sorriso apareceu no rosto de todos. Neste ponto meu pai
surpreendeu de novo, fazendo uma coisa nunca vista antes – ele tirou a sua faixa
preta de seda, dobrou-a em quatro partes iguais e a colocou na cintura do Yaron, que
ficou mais abalado ainda e demorou alguns minutos para se recuperar do choque.
Na percepção do meu pai, este era o “crime perfeito”... Yaron e Jamil também
eram bons amigos e o último até se arrependeu por não ter trazido uma outra faixa
para Yaron, por não saber que em breve ganharia o novo grau. E desta forma meu
pai conseguiu se livrar da faixa de seda sem ofender o Jamil, que até ficou feliz
que o Yaron a ganhou. Todavia, as coisas não ficaram assim e logo começaria uma
terceira guerra mundial... O Eli ficou furioso com meu pai e alegou, com razão, que,
como o aluno mais graduado, era ele quem merecia ter recebido a faixa do meu pai,
enquanto os outros alunos simplesmente nem tentaram esconder seus sentimentos
de inveja e ciúme. Algumas semanas depois meu pai cedeu às infinitas pressões e
solicitou ao Yaron trocar com ele a faixa de novo. Desta vez o Yaron recebeu a faixa
original do meu pai, que está guardada com ele até hoje, e o Eli recebeu a faixa
brilhante, e andou com ela por mais algumas semanas, orgulhosamente mostrando-a
para todos, até que um dia resolveu jogá-la ao lixo, compreendendo que realmente
não era adequada para o Krav-Magá.
Além das dez faixas pretas dadas pelo meu pai, nos anos 1975-1983, outras
pessoas treinaram com ele e chegaram a graus elevados, apesar de não ganhar a faixa
preta, e julgamos importante mencionar seus nomes ou no mínimo de alguns deles,
para manter a história correta e exata do Krav-Magá. Não fomos capazes de coletar
e guardar os nomes de todos, por causa do longo tempo que passou desde então e
também pelo fato que a maioria deles já não está praticando Krav-Magá ativamente
por décadas. Infelizmente, alguns não conseguimos localizar e eles provavelmente
ficarão anônimos para sempre, e nós nos desculpamos por isso.

Oscar Klein – Faixa Marrom


Dudi Klein – Faixa Marrom
Itzik – Faixa Marrom
Zvulun – Faixa Marrom
Miki Avrahami – Faixa Marrom
Tedi Levkovski – Faixa Azul
Yeruham – Faixa Azul
Aldema Tzirinski – Faixa Azul

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A História do Krav-Magá Os dez escolhidos do Imi

Yosi – Faixa Azul 14*


Tzvi Murik – Faixa Verde 15*

Yaakov (kobi) Lichtenstein – Faixa Laranja, que recebeu do Yaron


Lichtenstein de acordo com o pedido do meu pai, apesar de nunca ter treinado com
meu pai, nem nas aulas regulares e nem nos treinos de Sábado. Yaakov era um
menino de três anos de idade que costumava brincar no Tatami quando acompanhou
seu irmão mais velho, que ocasionalmente serviu de “babá”, aos treinamentos
semanais. Meu pai fez o melhor que podia para encorajar o pequeno Yaakov a
participar nas aulas, e por isso pediu ao Yaron para dar para ele a faixa laranja.
Porém, o Yaakov só iniciou suas aulas de Krav-Magá quando completou quatorze
anos de idade e Yaron passou a ensinar no clube “Galit”, na cidade de Tel-Aviv. O
nível profissional e as exigências físicas na antiga academia em Tel-Aviv e mais
tarde na BUKAN eram elevados. Os alunos mais graduados do Yaron daquela época,
como Boaz, Tal, Ran, Eitan, Eyal, Menashe, Reuven e outros, que já estavam na
faixa azul, contaram para nós que tentavam e se empenharam para ajudar o Yaakov
em qualquer forma possível, para que ele pudesse acompanhar o ritmo das aulas.
Contudo, embora sendo o irmão mais novo do professor e apesar da boa vontade
de todos, eles acabaram desistindo do jovem. Este seria provavelmente o motivo
pelo qual o Yaakov resolveu treinar com Eli e praticar seu novo caminho, e como
podemos ver, no final foi o Eli que lhe deu as faixas marrom e preta.
Richard Douieb (atualmente vive na França) – Faixa Azul. Ele também recebeu
a sua graduação do Yaron 16*, que seguindo um pedido do meu pai o treinou por
14. É necessário trazer a história pessoal do Yossi aqui, uma vez que ele teve uma influência profunda
sobre o desenvolvimento do Krav-Magá como arte marcial para defesa pessoal. Não mencionaremos
seu sobrenome simplesmente porque ele pediu para manter o seu anonimato. Yossi trabalhou naquela
época (1977) como pintor de uma construtora na cidade de Jafa. Uma vez, depois de terminar um
trabalho, ele marcou dia e hora e veio buscar seu salário do empreiteiro. Porém, o empreiteiro, que
não estava com vontade de pagar, esperava por Yossi com outros dois pedreiros de origem árabe.
Em vez de pagá-lo, os dois pedreiros sacaram suas facas. O Yossi imediatamente mudou, de forma
sucedida, para posição de defesa. Fazendo defesa contra facada na barriga ele conseguiu tirar a faca
das mãos do primeiro agressor e aplicou defesa contra a mão do segundo rival. Ambos os pedreiros
ficaram gravemente feridos e o empreiteiro fugiu. De acordo com a lei em Israel, Yossi foi preso até o
final de seu julgamento. Durante o processo o advogado do Yossi chamou Imi, que veio junto com Eli
E Rafi, para testemunhar e o Imi demonstrou para o juiz as defesas contra faca no Krav-Magá. Yossi
foi inocentado depois de provar que realmente agiu em autodefesa. Este acontecimento serviu como
jurisprudência no caso de um outro professor de Krav-Magá, que agiu em circunstâncias parecidas e
também foi inocentado.
15. Num livro publicado pela Editora “Dekel”, o Sr. Tzvi Murik afirma que recebeu da IKMF
um diploma de faixa preta “de honra”. Aliás, o dono da editora “Dekel” é o próprio Sr. Murik...
16. É interessante ver o documento número 33, na página 287 que mostra e explica os princípios
da organização que o Sr. Douieb Fundou na França. Misturando nomes e pessoas sem nenhuma
lógica, ele inventa para si uma autoridade que na prática não existe. Como por exemplo, o fato que
o Sr. Kobi não é aluno do Imi, como já vimos, e o mesmo vale para o Sr. Darren Levin dos Estados
Unidos. O próprio Sr. Douieb também não é aluno do Imi. Tudo isso não passa de mais uma tentativa
de re-criar a história para benefício próprio, uma história incompatível com a realidade. Ademais,
também a Associação Israelense de Krav-Magá, chefiada pelo Sr. Haim Gideon, negou, através de um
correio eletrônico, qualquer relação com a organização do Sr. Douieb. Pedimos ver os diplomas do Sr.
Douieb, mas não recebemos nenhuma resposta. No gráfico podemos ver que o Sr. Douieb é um aluno
do Eli Avikzar, porém não há nenhum registro ou conhecimento dele na associação do Eli, e com
certeza não de quinto Dan. Ademais, suspeitamos que o Sr. Douieb nem conheça algumas das pessoas
que montam seu mapa, uma vez que no lugar do Eli Avikzar realmente aparece o Eli, mas no lugar do
Haim Zut há uma outra foto do Eli... Yaron, o único que lhe deu a faixa azul, não aparece no mapa.

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Os dez escolhidos do Imi A História do Krav-Magá

algumas semanas como parte de exame para faixa laranja. Contudo, o Sr. Douieb
explicou para meu pai que deseja voltar com a sua família para a França e dar aula
de Krav-Magá ali. No final meu pai cedeu e mandou Yaron realizar uma cerimônia
e outorgar ao Sr. Douieb a faixa azul, e de acordo com nossas investigações e
conhecimento, este é seu grau oficial em Krav-Magá até hoje. É interessante ver que
no seu site o Sr. Douieb resolveu “ignorar” a existência do Yaron, provavelmente
para evitar que seu grau verdadeiro seja revelado. Mas não apenas o nome foi tirado
do site – quase todos os dez escolhidos do meu pai 17* não aparecem ali, e é claro
que o próprio Sr. Douieb torna a personalidade mais importante no mundo do Krav-
Magá, o que não poderia ser mais longe da verdade.
Alguns dos alunos alcançaram no final a faixa preta, mas não como
discípulos do meu pai e sim como alunos do Eli e Yaron. De qualquer forma, a
partir do ano 1984 não podemos mais considerar os alunos do Eli como praticantes
de Krav-Magá, mas como alunos do novo caminho que o ele criou, denominado de
“Krav-Magen Israelense” 18*, que de modo algum pode ser visto como o Krav-Magá
do meu pai. Depois de 1983, o ano no qual o Sr. Haim Gideon fundou a “Associação
de Krav-Magá Israelense”, meu pai começou assinar também os certificados
dessa organização. Nós, pessoalmente e do ponto de vista da pesquisa, duvidamos
seriamente dos documentos emitidos por aquela associação. Meu pai nem sempre
assinou os documentos com sua própria assinatura – muitas vezes aparece nos
documentos uma espécie de carimbo que teoricamente “imitaria” a sua verdadeira
assinatura, e este carimbo, é importante mencionar, nem sempre estava nas mãos
dele e sob seu completo controle. Ou seja, apenas podemos confiar nos documentos
onde aparece a assinatura verdadeira do meu pai, como por exemplo, os certificados
que entregou para Yaron, assinados na mão com a presença de testemunhas e
autenticados por advogado.
Sendo assim, e sem querer ofender a ninguém, devemos suspeitar da
veracidade de todos aqueles que surgiram depois do falecimento do meu pai dizendo
ter recebido dele a faixa preta (veja capítulo Documentos & Testemunhos). Nossa única
vontade é apontar ao fato de que nos anos 1984 – 1996, mesmo de forma clandestina,
lançou-se uma cruzada para a modificação do caminho do meu pai e do Krav-Magá,

17. Não podemos nem desejamos dizer às pessoas como construir seus sites. Contudo, a visão da
pesquisa é que “Os Dez” são uma unidade só, e qualquer um que não os inclui no processo histórico
da criação do Krav-Magá, nega a verdade.
18. Eli, apesar da honestidade e dignidade que demonstrou ao longo dos anos durante seu processo
de desligamento do Imi e a criação de seu próprio caminho, “ajustou” de vez em quando algumas
datas para que servissem melhor aos seus objetivos. Das entrevistas que realizamos com pessoas
que trabalhavam com Eli na época que ele era o instrutor-chefe de Krav-Magá na escola militar de
preparação física para combate, fica claro que já nos anos de 1982-1983 ele começou a alterar aos
poucos a matéria do Krav-Magá. Assim, a associação do Eli foi fundada oficialmente só em 1987, mas
o processo de mudanças, cortes e acréscimos teve início alguns anos mais cedo. Portanto, estando
fiéis ao verdadeiro processo histórico, levamos em conta na pesquisa os anos 1982-1983 como os reais
anos históricos da modificação. Da mesma forma, O Imi começou desenvolver o Krav-Magá nos anos
1966-1970 e só depois criou o nome da arte, e uma associação só foi oficialmente estabelecida em 1978.

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A História do Krav-Magá Os dez escolhidos do Imi

e qualquer um que estivesse próximo a “mesa de negociações” garantiu para si cada


documento possível, teoricamente com a assinatura do meu pai, que nem sempre
sabia o que estava assinando, isto é, se realmente foi ele que assinou. Meu pai não lia
e nem escrevia Hebraico e todas as alegações que os documentos foram traduzidos
para a língua Alemã, que meu pai lia e entendia, são irrelevantes. Em primeiro
lugar, não houve problema nenhum entregar para ele um documento em Alemão
que diz uma coisa, mas no documento em Hebraico escrevia coisas completamente
diferentes. Evidentemente que também podiam ler para ele o documento em
Hebraico, mas sem mencionar, ou mudar, as partes “indesejáveis”. Estes são apenas
dois exemplos fáceis que nós conseguimos pensar, mas sem dúvida que há várias
outras maneiras. Ao ler o artigo de “Documentos e Testemunhas”, essa possibilidade
nos parece cada vez mais real. Em segundo lugar, a tradução de documentos oficiais
em Israel é caríssima, e dificilmente alguma associação, por rica que fosse, poderia
financiar a tradução de centenas de certidões e diplomas 19*.
Não temos uma explicação definitiva por que alunos que chegaram até a
faixa marrom, como Oskar e Dudi Klein, por exemplo, não receberam do meu pai a
faixa preta 20*. Seria, provavelmente, mais um ponto de vista para a compreensão de
seu caminho para o futuro. Ademais, faz-se necessário entender que a qualificação
daqueles dez exigiu do meu pai muitos longos e intensivos anos de total dedicação,
durante a época na qual todos juntos estavam criando a arte e, uma vez finalizada
a obra, ele decidiu abrir mão do controle e continuar no caminho como mero
espectador passivo. Além disso, a avançada idade dele – já estava chegando aos seus
oitenta anos, junto com seu deteriorante estado de saúde, o impediram de praticar
atividades físicas.
19. Israel é um país que aceita e encoraja imigrantes judeus de todos os lugares e, portanto, a legislação
sobre o tratamento de imigrantes desde a fundação do Estado em 1948 é diferente do resto do mundo.
Por exemplo, é da responsabilidade do Estado ensinar a todos os imigrantes a língua Hebraica. Para
evitar fraudes e atos parecidos, pessoas que não leem e escrevem o Hebraico, só podem dar uma
declaração no seu idioma de origem, que depois seria traduzida para Hebraico, e não ao contrário.
Esse tipo de declaração pode ser prejudicial para outros e, portanto, o processo é realizado de tal
forma que o declarante não poderia alegar que suas palavras foram alteradas e que não entendia
corretamente o que foi escrito. A lei é bem elaborada e completa. Além disso, naquela época Imi
estava em seus últimos anos e sua saúde já não era tão boa, e em situações assim é necessário trazer
um atestado médico que afirme o declarante estar apto para tal. Nossa intenção não é dizer que as
coisas não aconteceram daquela forma, mas ninguém nunca viu a declaração original em Alemão, e
nem o atestado médico. Tendo tudo isso em mente, nós pessoalmente duvidamos profundamente da
veracidade dos documentos apresentados pela IKMA, mais ainda porque julgamos difícil que o Imi
colaborasse na elaboração de tais documentos.
20. Apesar de não ser completamente exato, é possível observar este fato de um outro ponto de vista e
alegar que, da perspectiva do Imi, eles não estavam profissionalmente aptos para receber a faixa preta.
Sem dúvida que alguns não estavam merecendo o grau, mas outros mereciam sim. Durante muitos
anos o Oskar Klein dizia que o Imi teria sentimentos pessoais contra ele. Não menos interessante é o
fato de que o Oskar foi nomeado, como podemos ver em documento número 17 página 251 como um
dos diretores da associação fundada pelo Sr. Haim Gideon.

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Os dez escolhidos do Imi A História do Krav-Magá

Podemos observar que em diplomas emitidos pela participação em treinos


especiais realizados no Instituto Wingate, meu pai realmente assinou no lado direito
inferior do certificado, como o presidente da associação, mas no lugar reservado
para o nome do instrutor já aparece a assinatura do Eli Avikzar. Contudo, a partir
dos anos 1984 – 1985 essa situação mudou e o nome do Eli não estava mencionado
mais, primeiramente porque ele estava dedicando-se completamente à construção
de seu novo caminho, mas também contribuíram para tal as decisões “políticas”
dentro da associação. Assim, chegou ao fim o trabalho regular do grupo e os treinos
de Sábado também pararam. Quando meu pai terminou a realização de curso para
Dans 21*, ele veio para as aulas com o tradicional Gi do Judô, mas quem ministrava
os treinamentos era o Eli. Mais tarde ele ainda deu algumas aulas na escola BUKAN,
mas naquelas ocasiões ele só apoiava e supervisionava, enquanto Yaron ficava
responsável pela parte prática / física. Também na BUKAN sempre apareceu com seu
tradicional Kimono, e é possível até ver algumas fotos que foram tiradas por alunos
da BUKAN junto com meu pai naquelas aulas no livro “The Book of Krav-Magá –
The bible”.
No inverno de 1986, cerca de um ano e meio depois do término do curso
para Dans, meu pai tentou pela última vez reunir o grupo de seus seletos alunos. Foi
ele mesmo que organizou tudo e ministrou uma aula excepcional na escola BUKAN
22*. Quase todos os membros daquela turma especial estavam presentes. Destacou-

se a ausência do Eli, pois naquela época ele já havia se desligado das atividades do
Krav-Magá e especialmente daquelas organizadas pela “Associação de Krav-Magá
Israelense” (IKMA) e não se considerou mais parte deste universo, apesar de manter
profundas relações amigáveis com meu pai. Presumimos que a decisão de realizar a
aula na escola BUKAN veio com o intuito de apresentá-la para o grupo todo. Na aula
estavam presentes tanto alunos faixas pretas do Eli e do Yaron, como membros da

21. O curso para Dans que foi ministrado pelo Imi por mais de um ano, cada Sábado no Instituto
Wingate, foi marcado pela transição para a nova “associação de Krav-Magá Israelense”. Muitos dos
membros do grupo não gostaram da idéia, e como podemos ver na foto do final do curso, somente
quatro integrantes do grupo pioneiro participaram no curso: Haim Zut, Rafi Algrisi, Avner Hazan e
Yaron Lichtenstein. Os outros participantes no curso eram alunos de Yaron, Eli e Haim Zut. Algumas
das pessoas não apareceram para o curso também por causa de sua longa duração e do tempo que
exigiu. Às vezes pessoas com famílias não podiam largar tudo todo final de semana durante mais de
um ano. O interessante é que o Yaron, sem perceber, repetiu o mesmo erro do Imi quando realizou
o primeiro curso de faixas pretas para alunos da “BUKAN”, que também durou um ano. Porém,
mais tarde ele e o Imi desenvolveram juntos um novo método de exames de faixas que diminuiu
significantemente o tempo e a duração.
22. “BUKAN” – significa “escola do guerreiro” em Japonês. O edifício onde fica a escola, na cidade
de Rehovot, foi construído em 1948 e usado como filial do colégio técnico internacional “Ort”. Mais
tarde, quando a cidade cresceu e o edifício se tornou pequeno demais para o grande número de alunos,
o colégio mudou-se para outro endereço e o edifício ficou abandonado por muitos anos, até finalmente
ser adquirido pelo Yaron, que também recebeu as plantas originais do lugar, que contém assinaturas
de várias personalidades históricas da época da fundação de Israel. Apesar de vários pedidos feitos
pela “Ort Internacional” para Yaron doar as plantas originais, ele se recusou alegando que elas fazem
parte da história do Krav-Magá, que não é menos importante.

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A História do Krav-Magá Os dez escolhidos do Imi

nova associação fundada em 1983. Também o anfitrião do evento – Yaron, não


conseguiu fornecer uma explicação detalhada para a inédita decisão do meu pai.
Todavia, todos os participantes daquela aula mostraram grande entusiasmo e
exaltação na forma como a escola foi construída, suas instalações e equipamentos
disponíveis. Muitos deles já ouviram falar da escola, mas nunca tiveram a chance de
visitá-la. Era o jeito do meu pai de mostrar para todos a sua visão sobre o futuro do
Krav-Magá. Este treino foi também a última vez que meu pai vestiu seu Kimono e
ministrou uma aula completa para seus alunos, e os membros do grupo nunca mais
se encontraram para realizar um treinamento conjunto.
Os dois grupos, aquele de Tel-Aviv e o outro de Natanya, dividiram-se na
seguinte forma:
Em Natanya treinavam: Rafi Algrisi, Haim Zut, Shmulik Kurtzveil, Haim
Hakani, Eli Avikzar. E no grupo em Tel-Aviv tivemos: Victor Bracha, Avner Hazan,
Shlomo Avisra, Miki Asulin, Yaron Lichtenstein.
Mas na verdade, não seria exato dizer que o Eli Avikzar treinava, uma vez
que naquela época ele já havia se tornado, profissionalmente, o braço direito do meu
pai e o acompanhava para todas as academias. Yaron treinava todos os dias – duas
vezes na semana em Tel-Aviv, três vezes em Natanya, cinco dias por semana no
total. Desta forma só Eli e Yaron conheceram o grupo inteiro nos primeiros anos.
Houve também uma diferença na natureza das aulas entre Natanya e Tel-Aviv –
na primeira os treinamentos eram mais dedicados à realização de lutas, enquanto
na segunda destacou-se o lado artístico. Novamente testemunhamos aqui o jeito
estranho do meu pai de agir com duplicidade – dois grupos em duas cidades. Será
que isso estaria relacionado ao seu signo de Gêmeos?
O Sr. Haim Hakani entrou no grupo por causa do Rafi Algrisi. O Rafi, que
já tinha ganhado a sua faixa amarela, seguiu uma ordem do meu pai e visitou todos
os clubes e academias na cidade de Natanya e nas redondezas à procura de novos
alunos. De acordo com o Sr. Haim Hakani, ele estava brincando com alguns de seus
amigos, tentando sem êxito imitar os movimentos que viram em filmes de Caratê e
artes marciais. O Rafi veio e mostrou para eles os movimentos verdadeiros e assim o
Haim chegou para fazer uma aula experimental e ficou para sempre. O Haim diz que
esse ato era a única coisa boa que fez em toda sua vida. Até hoje ele acredita que se
não encontrasse meu pai, provavelmente acabaria no crime, como aconteceu com a
maioria de seus amigos no pobre bairro onde cresceu. Para ele, meu pai é o homem
mais querido no mundo, mais do que seu pai biológico, a quem nunca deu ouvido.
De novo não podemos ignorar o fato de que meu pai usou uma rede de pescadores,
literalmente, para seguir seu coração e formar aquele grupo especial, no qual o Rafi
tinha uma parte considerável.
Quando chegou para a faixa marrom, contou o Haim, meu pai lhe avisou
que até que ele concluísse o ensino médio (o qual ele tinha largado no ano retrasado) por
completo, não ganharia também a faixa preta que tanto desejava. Desta forma, e
depois que meu pai interveio pessoalmente e conversou com o diretor do colégio, o
Haim retornou para as aulas e conseguiu se formar com sucesso. Ele não duvida por

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Os dez escolhidos do Imi A História do Krav-Magá

um momento que se não fosse por meu pai e seus esforços, ele nunca seria aceito
na polícia israelense, seu local de trabalho até hoje, mesmo ele já tendo completdo
cinqüenta e três anos.
Depois do fim da associação do meu pai e da mudança dele para a “Associação
de Krav-Magá Israelense” (IKMA), o Haim ainda continuou frequentando as aulas,
que agora foram realizadas na academia da IKMA, mas foi principalmente por
causa do fato, e isso ele admite sem vergonha nenhuma, que emocionalmente não
conseguia ficar longe do meu pai.
“Entretanto”, ele explica e nós percebemos que apenas a recordação já causa
uma certa sensação desagradável, “não é possível para uma pessoa ficar treinando
a vida toda...”
Um comentário “político” e bem planejado, feito para não denegrir
ninguém sem querer. Como mencionamos já várias vezes ao longo da pesquisa, os
alunos diretos do meu pai foram abençoados por um forte senso de honestidade e
integridade, que infelizmente são ausentes do mundo do Krav-Magá hoje em dia.
A forma suave de Haim de se expressar até hoje, muitos anos depois, comprova
novamente a enorme influência do meu pai e o poder da educação que deu aos seus
discípulos. E com o mesmo estilo delicado e indireto o Sr. Hakani articula a sua
resposta sobre a questão daquele “grupo secreto” de treze pessoas, teoricamente
treinado pelo meu pai:
“Eu moro e vivo em Israel”, explica ele, “conheço meu povo e conheço
intimamente a capacidade de invenção dele. Se tivesse tal grupo – eu seria parte
dele – mas nunca existiu”.
Há alguma dificuldade de entrevistar o Haim Hakani de forma direta, uma
vez que sua função na polícia israelense exige uma autorização especial por cada
entrevista que ele deseje ceder. O mesmo processo ocorre também com soldados e
oficias do exército. Portanto o Haim ofereceu:
“consigam aquela autorização, e eu irei preencher para vocês alguns livros
apenas com as histórias que já escutei”.
Decidimos não solicitar a autorização da polícia simplesmente por não
querer expor as matérias da pesquisa antes do tempo, mesmo se isso significasse
abrir mão de uma entrevista longa e completa com o Sr. Hakani, e tivemos que
ficar satisfeitos com o que ele definia como “permitido pela lei”. Se entregássemos
uma solicitação oficial à polícia, teríamos que dar uma explicação bem detalhada
sobre o conteúdo do nosso trabalho e assim anunciar de fato a sua existência e seus
princípios guiadores, uma coisa que, como autores experientes, não estávamos
dispostos a fazer de maneira alguma.
O Haim Hakani, apesar de seu corpo magro e altura baixa, é excepcionalmente
flexível e veloz, e chegou até a trabalhar, por curto período de tempo, como dublê
na indústria cinematográfica israelense. Seu temperamento era tão ardente como
o do Eli Avikzar, e todos mantinham uma distância segura para não o irritar sem
querer. Mas dentro da casca grossa estava escondida uma personalidade delicada e
agradável. De vez em quando surpreendia meu pai e o resto dos alunos com truques
novos que realizou para algum filme de ação israelense. Ele tinha a melhor técnica de

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A História do Krav-Magá Os dez escolhidos do Imi

rolamentos no grupo, e serviu como a “cobaia” do meu pai para as diferentes técnicas
de rolamentos que estava desenvolvendo. Apesar de ter algumas dificuldades em
controlar as diversas técnicas de chutes, sua incrível capacidade de salto ajudou meu
pai a desenvolver os chutes em perseguição, que existem unicamente no Krav-Magá.
Essas duas características - os rolamentos e os saltos, constituem sua principal
contribuição para o repertório de movimentos do Krav-Magá durante seu processo
de criação. Meu pai contava com a rápida reação do Haim Hakani quando queria
examinar se os diversos movimentos e exercícios de defesa que criou funcionam
contra ataques reais, e assim mandava o Haim atacar os alunos enquanto eles se
defendiam. Também quando meu pai demonstrou defesas pessoalmente, escolheu
muitas vezes o Haim como o agressor para provar que as técnicas funcionam. Houve
alguma sensação no grupo de que “se conseguimos defender contra Haim Hakani,
então o exercício funciona”. No primeiro manual publicado pelo meu pai no ano
de 1971, o Haim Hakani aparece na contracapa, atacando meu pai com faca. Seus
movimentos eram muito rápidos e ao mesmo tempo bastante curtos. Seu corpo e
suas mãos moveram-se na mesma velocidade e, portanto, sua habilidade ofensiva
era maior da defensiva, um fato que deu ao meu pai a possibilidade de aprimorar
também as técnicas de ataque no Krav-Magá, e não somente as defensivas. Meu
pai sempre afirmava que para aprender a defender corretamente, é preciso atacar
corretamente, por este motivo os ataques no Tatami devem ser mais duros ainda do
que ataques na rua, ou seja, contra ataques nas aulas é mais difícil proteger-se por
causa do profissionalismo dos praticantes, mas assim facilitamos o nosso trabalho na
rua, na realidade. Em uma das principais bases de treinamento do exército israelense
foi colocada uma grande placa, dizendo: “Difícil nos treinos, fácil no combate”.
Haim Hakani é um dos que mais contribuíram para o desenvolvimento de técnicas
de ataque que meu pai incluiu no Krav-Magá.
Quem olhar a foto coletiva na primeira página do artigo “Graduações no
Krav-Magá” verá o Avner, sentado primeiro da direita. É necessário ter um olho
afiado e experiente na leitura de linguagem corporal para perceber a potência
escondida neste “baixinho” (curiosamente, sete dos dez pioneiros tinham altura abaixo
da média). Prestem atenção para os seguintes movimentos do Avner: vejam como
todos os sentados na primeira linha colocam suas mãos em cima do joelho ou da
coxa. Mas agora observem a posição dos polegares – o polegar direito do Avner
e o dedo indicador parecem estar tocando um noutro. Olhem na situação dos
ombros e na forma como os abdominais são esticados para dentro, puxando assim
o nó da faixa na mesma direção. O Avner possui movimentos corporais perfeitos
e é capaz de passar no mesmo movimento de ataque para defesa 23* sem que o
oponente sequer sentisse. Sua rapidez e suavidade foram fundamentais para que

23. Avner afirma que durante anos praticou e treinou também Yoga. Consequentemente suas
capacidades físicas melhoraram imensamente. Este fato nos liga novamente à origem das artes
marciais, para Budidaharama, que viajou da Índia para a China. Tanto faz qual for o ponto de partida,
sempre chagaremos ao mesmo ponto final. É necessário ressaltar que embora as artes marciais tenham
tido raízes na Índia, este país não possui nenhuma ligação com as artes marciais.

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Os dez escolhidos do Imi A História do Krav-Magá

meu pai se investisse no desenvolvimento da técnica denominada “Sejam Suaves”,


presente exclusivamente no Krav-Magá.
Hoje em dia, um dos treinamentos mais populares são as “aulas de
agressividade”, que na verdade nem existem no Krav-Magá, ao contrário, a suavidade
é o nosso movimento principal. Um praticante com capacidade mental e coragem
para entrar e atacar seu oponente não precisa de nenhuma agressividade. Tudo que
ele necessita é uma técnica correta e vencedora. Agressividade faz parte do mundo
dos medrosos, daqueles que têm zero conhecimento profissional. Qualquer estudante
de Psicologia sabe – agressividade é o substituto, não a fonte. Neste caso, a fonte é
conhecimento profissional no Krav-Magá, como foi criado pelo meu pai, com sua
suavidade, pela qual devemos profundos agradecimentos ao Avner. Os movimentos
do Avner acabaram influenciando todos os alunos pioneiros e o nível de suavidade
de seus movimentos era o mais alto possível.
Para Avner, a suavidade não se limitava somente ao aspecto físico, mas
fazia parte de sua personalidade e sua concepção de vida. Para ter movimentos
mais suaves ainda, o Avner começou a praticar também Yoga, deixando bastante
satisfeito o meu pai, que por sua vez resolveu “empurrar” também o Yaron para
dentro do “mundo filosófico” que completa os elementos físicos. Entrevistando os
primeiros alunos faixa preta, é difícil receber uma resposta absoluta e unânime
sobre o conhecimento e sabedoria do meu pai no assunto. Alguns alegam que ele
sabia e entendia muito mais do que desejava admitir, revelar e ensinar, e outros
afirmam que ele tinha certo conhecimento no tema, mas que aquele era limitado e
mal aprofundado. De qualquer forma, nenhum dos lados tem autoridade e domínio
suficientes para determinar de forma decisiva o nível de aprofundamento do meu
pai no assunto. Entretanto, todos mencionaram o fato de que depois de algumas
aulas, ministradas pelo Avner, sobre técnicas de respiração correta (essas técnicas
foram adicionadas no final para a técnica de realização de lutas no Krav-Magá), meu pai começou
a trabalhar e ensinar o que ele chamou de “Mental Training” (Treinamento Mental) e
dedicou grande parte do tempo dele para seu desenvolvimento.
Naquela época, o profissionalismo do Eli e seu “jeito” de se mover foram os
mais influentes no grupo, e sem dúvida que sua técnica de lutas foi a melhor jamais
vista. Mas o Eli agiu normalmente aproveitando a velocidade natural do seu corpo,
este era seu único modo de operar. Já com o Avner a situação era completamente
diferente – sua habilidade de se movimentar com total suavidade e alterar as suas
posições corporais com a mesma qualidade e agilidade lhe deram a capacidade de
enfatizar cada movimento até o máximo. Em outras palavras – se atacasse com soco
terminaria o movimento e a mesma coisa se usasse um chute – também concluiria
a movimentação e somente depois passaria para o próximo movimento. Foi
observando o Avner que meu pai percebeu que não era possível basear a técnica de
realização de lutas apenas numa concepção. Portanto, juntou alguns componentes e
técnicas para criar a estratégia geral do Krav-Magá, tendo justamente o Avner como
ponto de partida - a filosofia de “Sejam Suaves”. A suavidade, e não flexibilidade ou
agilidade, era a grande diferença entre o Avner e o Eli Avikzar.

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A ideia atrás do “Mental Training” era a aplicação lenta dos movimentos


dos chutes, alcançando assim os níveis máximos de: “flexibilidade e alongamento
dos músculos da perna, equilíbrio e estabilidade, controle sobre o equilíbrio
corporal, e, consequentemente, domínio total na técnica de controle do pé”. Este
exercício constitui o pilar para o trabalho de pernas criado pelo meu pai e sem o
qual não saberíamos chutar. Ademais, o fato de que meu pai convenceu também
o Yaron a seguir o caminho do Avner comprova que ele tinha vasto conhecimento
no assunto. Fotos da juventude do meu pai demonstram que possuía flexibilidade
considerável, característica de praticantes de Yoga e, portanto, não devemos rejeitar
a possibilidade de que meu pai tenha praticado também Yoga por algum tempo.
O Avner chegou até a faixa preta e depois continuou seus treinamentos por
mais algum tempo, mas seu trabalho no dia-a-dia estava consumindo cada vez mais
de seu tempo até que, no final, ele parava de treinar regularmente. Como o resto
de seus colegas, o Avner não aceitou o fato de que meu pai foi nomeado como
presidente de uma associação que não era dele e recusou-se, e com toda a razão, a
treinar com pessoas profissionalmente inferiores a ele, uma vez que meu pai já não
estava lecionando mais. Na verdade, exatamente o mesmo aconteceu com todos os
alunos faixas pretas do meu pai.
Quando, como sempre, perguntamos sobre aquele “grupo secreto” composto
de treze pessoas e treinado pelo meu pai, o Avner olhou para nós e pareceu estar
pensando: “o que eles querem de mim?” Ele estica seus braços para os lados, como
se estivesse perguntado qual é exatamente a nossa intenção... E acrescenta:
“Escutem, eu sou como os três macacos, sem política, nós éramos o grupo
mais “secreto”, e só isso!” E de fato, observando filmes que aparecem no site do
“Youtube.com” percebemos que os instrutores da IKMA praticam hoje em dia mais
“Jiu-Jitsu Brasileiro” do que Krav-Magá... E de acordo com algumas opiniões
profissionais que recebemos, trata-se ainda de “Jiu-Jitsu Brasileiro” de péssima
qualidade... E eis mais um motivo para a saída dos pioneiros daquela organização
– meu pai nunca incluiu essas técnicas inferiores de “Wrestling” no Krav-Magá 24*.
Miki Assulin ingressou na academia de Tel-Aviv no ano de 1971. De acordo
com ele, o motivo era que conheceu o Krav-Magá e o Imi e foi imediatamente
“capturado”. Do grupo todo, Miki é o aluno que esperou o menor tempo até receber
a faixa preta. Meu pai, por alguma razão, decidiu que até 1978 todos os membros do
grupo seriam faixas pretas 25*. Ele provavelmente já queria ver o fim deste capítulo

24. “Técnicas de chão” nas artes marciais requerem menos coordenação do que técnicas aplicadas em
pé. Quando deitados, não há necessidade de manter o equilíbrio e, portanto, essas técnicas são mais
fáceis de ser executadas. Percebemos muitos “sistemas” que incluem cada vez mais técnicas de chão
em seus treinamentos, e o motivo é este mesmo. A execução dessas técnicas é mais simples ainda para
aqueles que não possuem altos níveis de capacidade física (em relação ao Krav-Magá).
25. Novamente percebemos que o Imi tinha um plano perfeito, complexo, de longo prazo e projetado
até os mínimos detalhes. Ele aceitava os grandes riscos de seu planejamento e, por algum momento,
parecia também para ele que o plano teria mais chances de fracassar do que de ter êxito. Mas, no final,
conseguiu passar por todos os obstáculos e perigos que estavam na sua longa trajetória e ele garantiu
a continuação de seu caminho por pelo menos mais uma geração.

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Os dez escolhidos do Imi A História do Krav-Magá

Nem todos os integrantes do grupo necessariamente contribuíram de


forma prática e profissional para o caminho do meu pai. Seria preciso um grupo
de pesquisadores que preparasse, como é o costume neste tipo de trabalhos, um
caderno bem grosso, com centenas de páginas contendo milhares de perguntas para
apresentar a cada um dos membros do grupo, com o intuito de montar um perfil
de comportamento. Talvez assim pudéssemos entender de forma mais científica
as intenções do meu pai ao formar sua equipe, porque escolheu certas qualidades
físicas e mentais etc.. Evidentemente que nós pulamos por cima deste obstáculo,
uma vez que não está diretamente relacionado ao aspecto prático e é baseado em
puras especulações, inadequadas a uma análise séria como esta.
Porém, é provável que no Miki meu pai procurasse justamente aqueles
comentários críticos a respeito da capacidade ou incapacidade de aplicar os diferentes
movimentos e técnicas, e assim meu pai teria a chance de fornecer respostas longas
e precisas sobre cada exercício, seu objetivo e intenção. Na verdade, o Miki foi
uma das pessoas que levaram meu pai a colocar dentro do Krav-Magá o ditado:
“Devemos ter uma intelectualidade profissional”. A intelectualidade profissional,
explicava meu pai, é conseqüência de conhecimento profissional e autoconfiança
do praticante, mas, acrescentava, isso vale também para outras áreas, não apenas
para o Krav-Magá. A diferença entre ser um médico e ser um bom médico, é
aquele profissionalismo e comportamento profissional, e sem os dois somos apenas
mais duas pessoas com diplomas pendurados na parede. Portanto, sempre que
era necessário, meu pai pedia para o grupo ficar sentado enquanto ele explicava
e demonstrava tudo, às vezes brevemente e em outras vezes durante horas, cada
movimento e cada exercício, e como no final, todos se conectam para um só. Ele
ficava explanando e ilustrando até ter certeza de que a concepção fundamental de
profissionalismo estava clara para todos.
Por isso que meu pai enxergou a atitude do Miki de forma diferente do
resto do grupo. O Miki começou a dar aulas de Krav-Magá na Universidade de Tel-
Aviv, mas ele não era o único instrutor lá – estavam presentes outras artes marciais
como Caratê, Tae-Kwan-Do, Judô etc., e os estudantes lhe apresentaram o tempo
todo questões que ele não conseguia responder sozinho, e ele passou as perguntas
adiante, para o grupo e meu pai, usando seu jeito cínico que ninguém gostava 26*,
embora todos admitissem que adoravam as perfeitas explicações e demonstrações
do meu pai das quais, diziam, aprenderam mais do que imaginavam possível.

26. Temos em nossos arquivos todas as provas, testemunhas e documentos necessários sobre a
história pessoal de qualquer personagem influente no mundo do Krav-Magá em Israel, daqueles que
ajudaram a criá-lo e também daqueles que tentam re-escrever a sua história. Não é de nossa intenção
divulgar atos individuais de uma natureza ou outra que não sejam diretamente relacionados ao Krav-
Magá. Está claro para nós que uma vez publicada a pesquisa, algumas pessoas tentarão usá-la para
prejudicar outras. O fato de que não publicamos certas informações é devido a motivos éticos, e não
por falta de conhecimento.

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A História do Krav-Magá Os dez escolhidos do Imi

Shmuel Hanatziv 22. Para este local na cidade de Natanya o Imi mudou-se da
Rua Shehset Hayamim. A entrada da academia era um corredor comprido,
no final do qual estavam alguns degraus que levaram até a porta da academia.
A foto da esquerda mostra a entrada da rua para o corredor,
enquanto a segunda mostra o corredor.

O Victor começou a treinar quase junto com o Avner, no início de 1969, e era
entre os primeiros alunos da academia em Tel-Aviv. O Victor é bastante simpático
e leve, e trabalhou por muitos anos no ramo dos diamantes, e encontrou meu pai
porque procurava uma forma de praticar alguma atividade física e, portanto, no
início o Krav-Magá era para ele nada mais do que um agradável passatempo. Mas
como aconteceu com o resto do grupo, no momento que o Victor pisou no Tatami
e meu pai percebeu seus movimentos corporais, a teia foi preparada e o Victor foi
introduzido para dentro da seleta equipe. Seus movimentos eram ainda mais suaves
daqueles do Avner. Enquanto o Avner era autodidata e se educou no caminho da
suavidade, o Victor simplesmente nasceu assim. Do ponto de vista do professor,
o Victor é o aluno perfeito. Jamais discutiu, rejeitou ou dificultou com perguntas.
Treinaria com máxima concentração, até que conseguisse ensinar a seu corpo o
novo movimento.
Quando o Victor aperfeiçoava algum movimento ou exercício, meu pai
sabia que ele pode avançar na matéria. O Victor virou uma espécie de padrão do
meu pai para medir a capacidade e nível de performance do grupo. Cada professor
decide passar para a próxima técnica de acordo com seus próprios parâmetros, e
no caso do meu pai era o Victor. Não porque ele foi lento ou de péssima percepção,
mas por causa de seu jeito de absorver as coisas até alcançar a perfeição. Talvez o

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Os dez escolhidos do Imi A História do Krav-Magá

seu emprego como polidor de diamantes (o Victor era especialista em trabalhar com a pedra
toda, não somente sobre um ângulo específico) o tornou assim, é um trabalho que requer um
exame altamente detalhado da pedra e profunda concentração, uma vez que cada
erro, menor que seja, pode tornar um diamante estimado em centenas de milhares
de Dólares em uma pedra sem valor nenhum. O Victor sabia aproveitar todas estas
características em favor do Krav-Magá, e foi isso que o fez um grande praticante.
O Victor, mesmo se não viu no meu pai uma figura paternal, era fiel e
honesto com meu pai, como o resto dos membros do grupo, e a seguinte história
mostrará até que grau:
De vez em quando chegaram para a academia em Tel-Aviv vários
profissionais de diversas artes marciais, como Judô, Caratê etc.. Meu pai, nos dias
em que o “espírito da boa hospitalidade” estava presente nele, concordava em
demonstrar algumas técnicas para aqueles visitantes. Num dia desses, o Yaron e
o Victor treinavam juntos e meu pai pediu para o Victor demonstrar defesa contra
ataque com faca, e foi assim que o Victor contou a história para nós, com um sorriso
meio sério no seu rosto:
“O Yaron já estava cansado e falou no meu ouvido que ele iria fingir que
estava pulando no ar e assim eu não iria precisar fazer a defesa com toda a seriedade
– ou seja – iríamos fazer um pouco de “teatro”, como já tínhamos feito em algumas
ocasiões, já que além do Imi ninguém entendia nada mesmo. Mas eu nunca fiz esse
tipo de coisa e o Yaron, que não estava preparado, quase quebrou seu braço”.
O Victor riu e continuou contando que ele lembra tudo isso especialmente
por causa da “vingança” do Yaron, que lhe deu uma horrível mordida nas costas,
que até hoje ele ainda sente. No ano de 1983 o Victor, como muitos outros, retirou-
se da prática ativa de Krav-Magá e nem tomou parte no curso para Dans dois, três
e Quatro que meu pai realizou. Ao apresentar aquela tão importante pergunta sobre
o tal de um grupo secreto de treze pessoas treinado pelo meu pai, um ponto de
interrogação apareceu no rosto do Victor:
“O que?”, ele pergunta, “O Imi tinha mais um grupo? Como é possível então
que ninguém jamais tenha ouvido falar desse grupo?”
Ficamos com a inevitável sensação de que deixamos o Victor profundamente
ofendido com a nossa pergunta, que veio insinuar que existia um grupo que ele não
conhecia, uma coisa que agora sabemos ser uma invenção imaginária de uma só
pessoa, desligada da realidade histórica do Krav-Magá e de sua criação. O Victor
demorou quase um mês para retornar uma ligação e afirmar que conversou com
vários de seus conhecidos e todos disseram a mesma coisa – esse “grupo secreto”
nunca existiu !
Fechando a lista é o Yaron. Dedicamos um artigo completo para narrar
seu trabalho junto com a Escola BUKAN e acrescentaríamos apenas isso: quem
genuinamente deseje ver, entender, aprender e saber o que meu pai criou, quem
realmente queira conhecer a criação completa do meu pai, quem além de força
muscular possua também mente forte, e se sinta valente o suficiente em corpo e
alma, quem considere-se um verdadeiro artista de Krav-Magá, deveria treinar no
mínimo uma vez na sua vida com este grande professor, o verdadeiro sucessor do
caminho do meu pai.

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A História do Krav-Magá Os dez escolhidos do Imi

Desfecho:
Eli Avikzar:
Esse é um assunto bastante sensível e polêmico, e nós resolvemos escrevê-lo com total
respeito para o Eli, que não está mais conosco, mas ao mesmo tempo respeitar também a ética
profissional e aqueles que ainda estão aqui. A complexidade deste tema é grande e nós esperamos que
nas próximas linhas consigamos explicar e esclarecer tudo.
A importância do Eli à pesquisa vem do fato dele ser o primeiro e por muitos anos o mais
graduado discípulo do Imi. Seu papel na criação do Krav-Magá é indispensável e incontestável. Sem
ele, o Krav-Magá não seria o mesmo, ou talvez nem existisse. Porém, neste ponto termina também a
sua parte, uma vez que ele fez as suas decisões e resolveu criar seu próprio caminho.
Eis algumas testemunhas pessoais:
Quando conversamos com o Sr. Haim Zut, ele afirmou ser ele mesmo o primeiro aluno do
Imi!!!
Do outro lado, quando entrevistamos o Sr. Rafi Algrisi, ele também alegou que é o primeiro
aluno do Imi, e que na verdade foi ele quem trouxe o Eli para as aulas !!!
Ao falar com o Sr. Yehuda Avikzar, o filho do Eli, ele confirmou por alguma razão a versão
do Sr. Haim Zut, e disse que realmente o Eli não foi o primeiro aluno do Imi, mas somente o mais
graduado. Quando perguntamos se sabia como seu pai iniciou-se nos treinamentos de Krav-Magá, o
Sr. Yehuda narrou a seguinte história:
“Meu pai – o Eli Avikzar, realizou demonstrações de lutas (Wrestling) na praia de Natanya.
Um dia veio alguém e lhe recomendou a treinar com uma pessoa chamada Imi que ensinava Krav-
Magá, e foi assim que tudo começou”.
Como os escritores desta pesquisa histórica, e tendo em mão todas as provas da verdade,
ficamos chocados por alguns instantes. Pois sabemos claramente que o Eli nunca praticava este tipo de
luta, e na época que o Eli conhecia Imi, o nome Krav-Magá nem existia ainda. Por isso ficamos muitos
surpresos do fato que os herdeiros do Eli apoiam uma versão histórica completamente incorreta.
Mas qual seria o motivo disso? Nós acreditamos que o filho do Eli abre mão da primogenitura
de seu pai, coisa que o próprio Eli nunca fez, para esconder e encobrir as circunstâncias reais de como
o Eli e o Imi se encontraram e se conheceram. Entretanto, sempre existe a possibilidade de que o
Sr. Yehuda nem saiba toda a verdade. Nós sabemos todos os fatos completos sobre aquele encontro
histórico, mas como já mencionamos ao longo do livro, não é do interesse da pesquisa divulgar essa
história, uma vez que não tem nenhuma influência sobre a criação e a trajetória do Krav-Magá. As
próximas gerações, caso considerem tão importante, poderão realizar sua própria pesquisa. Para nós,
está evidente que a publicação destes fatos prejudicará a nossa integridade ética e a de nossa profissão,
sem mencionar que muitas pessoas usarão esta informação de forma maldosa, e isso também não é
de nosso interesse.
Observamos também, naquela conversa com o filho do Sr. Eli Avikzar, como um novo
processo histórico é constituído, com o intuito de criar para o Eli e a construção de seu novo caminho
explicações diversas, que não são necessariamente ligadas à verdade histórica. De acordo com o
filho do Eli, várias pessoas ligadas à Associação de Krav-Magá Israelense (IKMA) pressionaram
pesadamente o Imi para que ele tomasse de volta o grau de sexto Dan que cedeu para o Eli, alegando
que o Eli não o merecia. Mas não há fundamentos históricos e factuais para esta história, não
encontramos nenhuma outra pessoa que testemunhe o mesmo. O único objetivo desta lenda é criar
uma justificativa histórica para a saída do Eli da IKMA e a criação de seu novo caminho, e mostrar
que ele foi o primeiro a se desligar dessa organização.

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Os dez escolhidos do Imi A História do Krav-Magá

Conhecendo o comportamento dos dirigentes da IKMA naquela época, é bem possível que o
Imi tivesse sido pressionado por eles para reagir de alguma forma, mas na realidade isso não ocorreu.
E mais, o Eli ainda foi promovido pelo Imi para o grau de oitavo Dan. De nosso ponto de vista, todas
essas histórias são desnecessárias. As pessoas deveriam atuar como verdadeiros praticantes de Krav-
Magá, com autorespeito e com bravura, exatamente como o próprio Eli agiu. Talvez assim as coisas
fossem completamente diferentes. O desligamento do Eli do Krav-Magá do Imi não foi sua culpa,
embora sendo uma iniciativa particular dele. Contudo, com seu feito ele marcou o caminho para todos
os outros, pois no final, não podemos esquecer, todos eram ex-alunos dele. Vemos assim como as
histórias inventadas vêm crescendo cada vez mais. Sem a atual pesquisa, daqui a alguns anos, até os
poucos que ainda conhecem os verdadeiros conhecimentos, não saberão mais. A próxima geração já
não reconheceria a história do Krav-Magá e das pessoas que o criaram junto com o Imi.
Para elaborar uma historiografia é necessário ter provas sobre atos que ocorreram centenas
e milhares de anos atrás. Para consegué-las, os pesquisadores e historiadores atuais baseiam-se em
manuscritos e testemunhas da época que estão investigando, exatamente como um dia esta pesquisa
será a base de uma análise histórica deste gênero. Para ter acesso a todos os documentos e provas
autênticas e concretas, nossas buscas nos levaram até os escritórios e os arquivos do imposto de
renda da cidade de Natanya. Ali, no infinito labirinto burocrático do Ministério da Fazenda de Israel,
encontramos cópias de recibos do aluguel pago por meu pai pelo local que seria a sua primeira
academia, aberta na cidade de Natanya, na Rua Sheshet Hayamim, número dois. Essas provas serviram
para comprovar a versão de todos aqueles que nos contaram sobre aquela primeira academia. E este
foi o grande buraco histórico de todos os modificadores da história do Krav-Magá. Todos mencionam,
como já vimos ao longo da pesquisa, que começaram treinar com meu pai em Natanya, mas na Rua
Shmuel Hanatziv, número vinte dois, um fato que mostra que eles foram entre os primeiros que
começaram treinar Krav-Magá, mas não eram os verdadeiros pioneiros escolhidos pelo meu pai. Eli
Avikzar, Rafi, Avner, Yaron, Zvulun, Victor – eles realmente iniciaram a sua educação na academia
da Rua Sheshet Hayamim e só depois mudaram-se, junto com o Imi, para a Rua Shmuel Hanatziv. E
assim cobrimos o buraco histórico pelo qual muitos passariam sem hesitar...

Haim Zut:
Numa longa entrevista telefônica realizada com o Sr. Haim Zut, recebemos dele toda a
cooperação possível, e ele tem nossos agradecimentos por isso. Entretanto, não podemos escapar de
analisar alguns pontos adicionais. As pessoas da associação de “Krav-Magá International – Kapap”,
que têm como presidente o Sr. Haim Zut, estão numa situação de guerra constante. A maioria dos
personagens do Krav-Magá em Israel luta por sua reputação e status. Sem exceções, todos aqueles
que fundaram as várias organizações, associações ou federações em Israel estão hoje em dia sob o
controle das pessoas que operam aquelas organizações, exatamente como o Imi não tinha autoridade
nenhuma quando era o presidente da “Associação de Krav-Magá Israelense”. Este fenômeno se repete
em quase todas as organizações. No caso do Sr. Haim Zut, ele estava bastante disposto a doar algumas
fotos históricas nas quais aparecem ele, Imi e outros alunos veteranos, mas explicava que todas suas
fotos relacionadas ao Krav-Magá ficam na sede da associação e a decisão de como, quando e por que
usá-las e publicá-las não é dele, mas do diretor da organização – um tal de Sr. Meny e que deveríamos
conversar com aquele diretor, uma coisa que também fizemos. Logo descobrimos que a foto do Sr.
Meny aparece no dicionário, ao lado da palavra “desconfiança”... Em vez de entrevistá-lo sobre a

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história de sua associação e receber informação sobre o presidente de sua organização, foi ele que
começou a nos questionar e interrogar. No final ele pediu desculpas e disse que todos tentam enganá-
lo, como por exemplo, solicitar fotos do Haim Zut para depois poder dizer que eram alunos dele etc.,
uma atitude que não conseguimos compreender, pois cada instituição que se respeite guarda lista de
todos seus alunos. Aos nossos olhos isso não passa de mais uma demonstração de desconfiança, um
costume popular de muitos praticantes de Krav-Magá em Israel. Mas nós não desistimos e até o final
da “conversa” o Sr. Meny prometeu enviar uma foto de cerimônia de colação de grau que foi realizado
pelo Imi junto com O Haim Zut. Até hoje estamos esperando pela prometida foto... Assim tivemos que
usar a foto que o Sr. Haim zut divulga na internet e na mídia em Israel. E foi assim que os Srs. Zut e
Meny perderam a chance de entrar genuinamente para a história do Krav-Magá.
O fenômeno se repete quase o tempo todo. Pessoas do Krav-Magá temem tocar no assunto
e evitam cooperar ao perceberem o menor sinal de exposição na mídia.
Novamente, não podemos ignorar a união criada entre o Sr. Haim Zut e o Sr. Denis Hanover.
O Sr. Haim Zut provavelmente sente alguma necessidade de se aproximar à uma figura maior e mais
forte do que ele, enquanto o Sr. Denis Hanover aproveita a proximidade entre os dois para se vender
como professor de Krav-Magá. Então, nós repetimos mais uma vez: o Sr. Denis Hanover não tem
nenhuma ligação com o Krav-Magá e qualquer tentativa de mostrar a existência de tal ligação é uma
mera enganação do público.

A universidade Hebraica – Jerusalém, 1976. A primeira demonstração pública


do Krav-Magá. Os alunos faixa preta do Imi (da direita para a esquerda):
Victor Bracha, Haim Hakani, Yaron Lichtenstein, Shmulik Kurtzvile, Imi,
Eli Avikzar e o organizador do evento.

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Os dez escolhidos do Imi A História do Krav-Magá

Shlomo Avisra, aluno faixa preta do Imi, demonstrando técnica de chute


voador na academia do Yaron em Tel-Aviv, 1978.

Ex-Chefe do Estado-Maior e ministro da policia, o Sr. Haim Bar-Lev numa


visita oficial a BUKAN – Escola de Krav-Magá, 1988.

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