Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
GT 07 - Educação, Gênero e
Sexualidades
EXPEDIENTE
Comissão Científica: Dra. Allene Lage, Me. Andrezza Nogueira, Me. Ariene Gomes de
Oliveira, Me. Aristoteles Veloso, Dr. Benedito Medrado, Dr. Caetano De' Carli Viana Costa,
Me. Cleyton Feitosa, Me. Edima Morais, Me. Elba Ravane Alves Amorim, Me. Elizabeth
Maria da Silva, Esp. Émerson Santos, Dr. Everaldo Fernandes, Me. Fernando Cardoso, Me.
Girleide Lemos, Dr. Gustavo Gomes, Me. Íris Marcolino, Me. Jamerson Kemps Gusmão
Moura, Dra. Júlia Figueredo Benzaquem, Dr. Lourenço da Conceição Cardoso, Dr. Marcelo
Miranda, Dr. Mario de Faria Carvalho, Me. Otávio Rubino, Me. Rafael Lima Vieira e Me.
Sérgio Rêgo.
Grupos de Trabalho:
GT 1 - Movimentos Sociais e Epistemologias de Luta
GT 2 - Democracia e Direitos Humanos
GT 3 - Gestão Pública e Políticas Sociais
GT 4 - Estudos Pós Coloniais
GT 5 - Educação: Infâncias, Currículo e Docência
GT 6 - Educação, Relações Étnico-Raciais e Intolerância Religiosa
GT 7 - Educação, Gênero e Sexualidades
GT 8 - Epistemologia dos Saberes Populares e Memórias Ancestrais
GT 9 - Organizações Escolares e Cultura Local
GT 10 - Pesquisa e Extensão Universitária em Cultura e Educação em Direitos Humanos
GT 11 - Culturas, povos e comunidades tradicionais: rupturas epistêmico-conceituais por uma
educação intercultural
GT 12 - Trajetos formativos e práticas educativas não escolares
Organização dos Anais: Allene Carvalho Lage, Émerson Silva Santos, Filipe Antonio
Ferreira da Silva, Márcio Rubens de Oliveira; Paloma Raquel de Almeida, Roberta Rayza
Silva de Mendonça e Sérgio Rêgo
PROGRAMAÇÃO
Segunda 12/06
08:00 - 17:00
CREDENCIAMENTO
(Hall do Bloco de Pedagogia)
09:00 - 12:00
APRESENTAÇÃO DE TRABALHOS
(UFPE Bloco de Pedagogia )
13:45 - 17:45
Minicurso: Trabalho Infantil: A Proteção Social à Criança e ao Adolescente
(UFPE)
13:45 - 17:45
Minicurso: Para Encantar, é Preciso Encartar-se: as culturas locais nas práticas escolares
(UFPE)
13:45 - 17:45
Minicurso: Metodologia da Pesquisa Qualitativa em Educação
(UFPE)
13:45 - 17:45
Minicurso: Possibilidades de diálogo entre Transexualidade e Mídia em interface com a
educação
(UFPE)
13:45 - 17:45
Minicurso: O Poder da Liberdade: a atuação dos advogados dos presos políticos na
construção do imaginário social de Democracia e Direitos Humanos no Brasil
(UFPE)
13:45 - 17:45
Minicurso: Educação Popular e Feminismo: ensaios de uma pedagogia de luta e resistência.
(UFPE)
18:45 - 19:10
MESA DE ABERTURA
(Teatro do Shopping Difusora)
19:40 - 21:40
CONFERÊNCIA 1: FEMINISMOS E RESISTÊNCIAS NA AMÉRICA LATINA EM
TEMPOS DE GOLPES | Lilian Soto (Movimento Kunã Pyrenda - Paraguai) e Carmen Silva
(SOS Corpo) |
(Teatro do Shopping Difusora)
Terça 13/06
08:00 - 11:30
CREDENCIAMENTO - 2º DIA - MANHÃ
(Hall do Bloco de Pedagogia)
08:30 - 12:30
Minicurso: Análise Crítica do Discurso: a linguística que não quer calar.
(UFPE)
08:30 - 12:30
Minicurso: O Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN): sua história, perspectivas e
influências nas lutas nacionais e internacionais
(UFPE)
08:30 - 12:30
Minicurso: O dilema da redistribuição e do reconhecimento e as lutas dos novos movimentos
sociais
(UFPE)
08:30 - 12:30
Minicurso: Neoliberalismo, gerencialismo no setor público brasileiro e impactos para as
condições de trabalho docente
(UFPE)
08:30 - 12:30
Minicurso: Por uma Pedagogia Feminista Rural: A Escola de Educadoras Feministas do
MMTR/NE
(UFPE)
08:30 - 12:30
Minicurso: Das locas dos sertões surge a resistência: Arte/Educação e Emoções para auto-
reflexões(UFPE)
08:30 - 12:30
Minicurso: Leitura Crítica da Mídia (UFPE)
08:30 - 12:30
Minicurso: Sistematização de Experiências na Garantia de Direitos Humanos
(UFPE)
14:00 - 14:50
PERFORMANCE ARTÍSTICA - ANTÍGONA
(5º piso do Shopping Difusora)
14:50 - 16:50
DEBATE: ARTE FEMINISTA E ANTI-RACISTA COMO NARRATIVAS CONTRA-
HEGEMÔNICAS
(5º piso do Shopping Difusora)
16:50 - 18:50
Apresentação cultural e intervalo
(5º piso do Shopping Difusora)
18:30 - 20:30
CREDENCIAMENTO - 2º DIA - NOITE
(5º piso do Shopping Difusora)
19:00 - 21:00
CONFERÊNCIA 2: QUILOMBOS: HISTÓRIAS, SENTIDOS E DIREITOS | Denise
Botelho (UFRPE), Miriam Chagas (MPF/RS) e Lourenço Cardoso (UNILAB) |
(5º piso do Shopping Difusora)
Quarta 14/06
08:30 - 12:30
Minicurso: Um banquete com Heidegger: a poética da vida em luta.
(UFPE)
08:30 - 12:30
Minicurso: Práticas socioeducativas com crianças e adolescentes em situação de rua
(UFPE)
08:30 - 12:30
Minicurso: Linha do Tempo e Perspectivas da Educação em Direitos Humanos no Brasil
(UFPE)
08:30 - 12:30
Minicurso: Comunicação, Mídia e Direitos Humanos
(UFPE)
08:30 - 12:30
Minicurso: Sororidade no Feminismo Latino Americano
(UFPE)
08:30 - 12:30
Minicurso: LGBTFOBIA e Educação
(UFPE)
08:30 - 12:30
Minicurso: Capoeira Angola: um olhar feminista a partir do pensamento de Audre Lorde
(UFPE)
08:30 - 12:30
Minicurso: Movimento de Cultura Popular
(UFPE)
14:00 - 16:00
AULA-DEBATE: DEMOCRACIA E AS GRAMÁTICAS MARGINAIS | Márcia Tiburi
(UNIRIO) |
(Teatro do Shopping Difusora)
16:15 - 18:15
CONFERÊNCIA 3: MOVIMENTOS SOCIAIS NA AMÉRICA LATINA:
ARTICULAÇÕES, DESAFIOS E ENFRENTAMENTOS | Paola Estrada (ALBA) e Severino
Silva (UFPB) |
(Teatro do Shopping Difusora)
19:15 - 21:15
CONFERÊNCIA DE ENCERRAMENTO: EPISTEMOLOGIAS SUBVERSIVAS | David
Paul O'Brien (New York University) e Allene Lage (UFPE e Observatório) |
(Teatro do Shopping Difusora)
SUMÁRIO
Apresentação.................................................................................................................................11
Articulando gênero e raça na educação técnica de nível médio: o caso das estudantes
egressas do IFPE-Campus Ipojuca
Danielle de Farias Tavares Ferreira, Bruna Steffany Gomes da Silva, Jackson F. P. Messias e
Vanessa Estevão..............................................................................................................................13
O desafio da coeducação de gênero na escola: uma análise acerca das práticas pedagógicas
Rubem Viana de Carvalho e Ana Rinêuda Targino Alves..............................................................84
Gênero e saúde mental: breve revisão teórica sobre o processo de engendramento das
discussões em saúde mental
Nayra Danyelle Batista da Silva...................................................................................................220
Relações de gênero que oprimem e mata as mulheres: reflexões sobre a violência doméstica
e o feminicídio no estado de Pernambuco
Risonete Rodrigues da Silva, Samuel Pereira da Silva Júnior e Ana Maria Tavares Duarte......349
Guarda unilateral e o mito do amor materno: breves reflexões sobre a predominância das
decisões judiciais dos processos de guarda em favor da mãe
Luciana Maria Lira Cadete de Sousa e Tatianne Amanda Bezerra da Silva...............................361
Direito transgênero: uma análise das legislações que regulamentam a cidadania trans
Esther Cristinna Oliveira Araujo e Luís Felipe Andrade Barbosa..............................................372
Revenge porn: uma análise sobre as práticas violadoras à dignidade sexual feminina
Joanne Suzanil de Lima Alves, Maria Simone Gonzaga de Oliveira e Raissa Braga Campelo..494
A cada dois anos o Observatório dos Movimentos Sociais na América Latina realiza o
SIOMSAL - Seminário Internacional do Observatório dos Movimentos Sociais na
América Latina, evento que congrega uma série de reflexões coletivas sobre questões
emergentes que demandam aprofundamento do conhecimento dentro dos espaços
universitários e em conjunto com os movimentos sociais.
Em 2013 realizamos o I SIOMSAL com o tema Pensamento Pedagógico Latino-
americano, onde foram debatidas pedagogias e experiências latino-americanas, tendo em
conta pensadores latino-americanos/as como referências teóricas das análises dos estudos
discutidos durante o Seminário.
No ano de 2015 realizamos o II SIOMSAL com o tema Educação, Gênero e
Sexualidades na América Latina, onde debatemos questões como as relações de gênero,
sexualidades, sexismo, machismo e misoginia, diversidade sexual e LGBTfobia, relações
étnico-raciais, e as diversas formas de racismo e de intolerância religiosa, como questões
recorrentes dentro da escola.
Agora em 2017 realizamos o III SIOMSAL com o tema EDUCAÇÃO,
MOVIMENTOS SOCIAIS E DIREITOS HUMANOS: Epistemologias subversivas, onde
debatemos conhecimentos e experiências produzidas no âmbito das experiências de luta dos
movimentos sociais e dos direitos humanos.
Nesse debate tiveram relevo as experiências de educação dissidentes das tradicionais
práticas educativas da escola, que apontavam as epistemologias subversivas que estão sendo
construídas dentro do movimentos sociais, coletivos e Organizações Não Governamentais
(ONGs), sem prescindir das experiências inovadoras que estão acontecendo dentro das
instituições escolares. O recorte desse debate se deu dentro das Conferências, dos Grupos de
Trabalho, dos minicursos e demais atividades ocorridas no evento.
Nesse III Seminário recebemos 580 inscrições para participantes. Destes 309
submeteram trabalhos completos para análise. Foram aprovados 280 trabalhos e 263 foram
apresentados nos dias em que ocorreu o Seminário em 12 Grupos de Trabalhos.
Este Anais consta de 263
XX artigos, organizados da seguinte maneira: Volume I –
Artigos do GT 1; Volume II – Artigos do GT 2; Volume III – Artigos do GT 3 ao GT 4;
Volume IV – Artigos do GT 5 ao GT 6; Volume V – Artigos do GT 7; Volume VI – Artigos
do GT 8 ao GT 10; Volume VII – Artigos do GT 11 ao GT 12.
Os GT onde foram apresentados aceitos e apresentados os trabalhos foram os
seguintes: GT 1 - Movimentos Sociais e Epistemologias de Luta; GT 2 - Democracia e
Direitos Humanos; GT 3 - Gestão Pública e Políticas Sociais; GT 4 - Estudos Pós Coloniais;
GT 5 - Educação: Infâncias, Currículo e Docência; GT 6 - Educação, Relações Étnico Raciais
e Intolerância Religiosa; GT 7 - Educação, Gênero e Sexualidades; GT 8 - Epistemologias dos
Saberes Populares e Memórias Ancestrais; GT 9 - Organizações Escolares e Cultura Local;
GT 10 - Pesquisa e Extensão Universitária em Cultura e Educação em Direitos Humanos; GT
11 - Culturas, povos e comunidades tradicionais: rupturas epistêmicas-conceituais por uma
educação intercultural; e GT 12 - Trajetos formativos e práticas educativas não escolares. .
Foram ainda realizados 22 minicursos sobre diversos temas.
Além disso contamos com 4 conferências: Feminismos e Resistências em tempos de
Golpe, com a Dra. Lilian Sotto (Paraguai) e Dra. Carmen Silva moderada pela mestranda
Paloma Almeida; Quilombos: História, Sentidos e Direitos, com a Dra. Miriam Chagas e a
Dra. Denise Botelho, moderado por Dr. Lourenço Cardoso; Movimentos Sociais na América
Latina: Articulações, desafios e enfrentamentos, com a Ativista Paola Estrada e o Dr. Caetano
de Carli, moderado pelo mestrando Sergio Rêgo e; Epistemologias Subversivas com o Dr.
David O'Bryan e a Dra. Allene Lage como debatedora.
Na dimensão da arte, houve a Intervenção Teatral: Antígona, encenada pela Atriz
Sheila Campos e o debate Arte Feminista e antirracista como narrativas contra-hegemônicas
com a Atriz Sheila Campos e a cantora e ativista da Marcha Mundial das Mulheres do Agreste
de Pernambuco Gabi da Pele Preta, com a interlocução de Rafael Vieira. Na programação
constou ainda a Aula-debate Democracia e as Gramáticas Marginais, ministrada por Márcia
Tiburi, com a interlocução de Íris Marcolino.
Por fim, ocorreram as apresentações culturais da Quadrilha junina de cadeirantes da
APODEC, do Grupo de Percussão dos meninos/as do COMVIVA e do Grupo de Capoeira
dos/as meninos/as do CEPA.
RESUMO
INTRODUÇÃO
METODOLOGIA
A partir dos objetivos assinalados, estamos desenvolvendo uma pesquisa de
abordagem quantitativa e qualitativa, havendo uma triangulação na utilização de mais de
um método. Para Flick (2009) a triangulação busca as percepções dos sujeitos em suas
práticas para disso decorrer numa triangulação entre métodos e compará-los de forma a
maximizar a validade dos esforços de campo. A metodologia escolhida explicita um
estudo de caso e sua devida transferibilidade de resultados para fins de dar o teor de
confiabilidade e validade ao estudo, como bem salienta Yin (2005).
As quantificações são obtidas a partir da natureza de nosso objeto, dos objetivos e
do instrumento de coleta e por isso estamos a coletar os dados categoriais, os quais se
classificam por sua frequência que ocorre. Exemplo é a distribuição de frequência das
estudantes quanto a raça, classe, idade, ano de conclusão, renda familiar, dentre outros
aspectos que estão sendo levantados no Sistema Q-acadêmico da instituição. Para Gatti
(2004, p.13):
[...]O que se procura ao criar uma tradução numérica ou categorial de fatos, eventos,
fenômenos, é que esta tradução tenha algum grau de validade racional, teórica, no
confronto com a dinâmica observável dos fenômenos.
Nessa direção, o projeto de pesquisa e extensão se configura num formato de
pesquisa-ação, a fim de alcançar coletivamente alternativas para a resolução dos
problemas identificados e relacionados à temática. Para realizar a análise e tratamento dos
dados optamos pela perspectiva das práticas discursivas e de produção de sentidos, as
quais enfatizam o caráter descritivo e explicativo das análises e da participação do
investigador na construção das informações.
As práticas discursivas, assim entendidas de maneira ampla, situam-se em lugares
e no tempo, sendo elas interações discursivas instauradas através de relações que
adquirem sentido. Essa tendência adota a análise crítica dos discursos evidenciando as
relações e as crenças nas falas, tal qual é utilizada pelos informantes numa situação
qualquer, como descreve Iniquez (2004).
Partindo dessas definições, realizamos o levantamento bibliográfico das pesquisas
sobre a temática de gênero e educação, ocorrida nos últimos 5 anos, em bancos de dados
do portal Capes, Scielo, Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), e
realizamos o fichamento das referências levantadas a partir da elaboração de uma
argumentação conceitual, a qual organiza metodologicamente os dados a serem obtidos.
Os instrumentos de análise para o registro de informações serão as entrevistas
semiestruturadas e o desenvolvimento de grupo focal. A entrevista semiestruturada é
aceita como um encontro conversacional em que as questões se tornarão um tópico de
análise tanto quanto as respostas dos entrevistados. As entrevistas terão seus roteiros
elaborados a partir das inquietações sugeridas pelos objetivos propostos.
Com relação à técnica de grupo focal, Gatti (2004) afirma ser oriunda de trabalhos em
grupos desenvolvidos pela psicologia social. Nela se privilegia a seleção de participantes
conforme algumas características em comuns a lhes qualificarem para a discussão central. Sua
utilização em estudos sobre a recepção de programas de televisão e também em processos de
pesquisa-ação se iniciou recorrentes a partir de 1950. Loizos (2008) salienta também ser
pertinente o registro dos instrumentos de análise através de fotografias e dos gravadores de
som, os quais favorecerão um exame sistemático do corpus juntamente com as anotações
contextuais possibilitantes de categorização com maiores detalhes das informações colhidas.
Após estudo e análise dos discursos das jovens egressas, desenvolveremos as ações na
comunidade acadêmica e com os demais envolvidos, as quais consideramos necessárias serem
empreendidas a partir dos resultados obtidos.
RESULTADOS ESPERADOS
Diante do atual desenvolvimento da pesquisa, no qual se encontra na etapa de
conclusão dos fichamentos dos referenciais bibliográficos, conforme o modelo de quadro
abaixo:
Quadro 1 – Trecho de um fichamento bibliográfico
FICHAMENTO BIBLIOGRÁFICO
Ana Maria Villela CAVALIERE, Ana Maria Villela. Educação Educação integral.
Cavaliere Integral: Uma nova identidade para a escola Funções da escola.
brasileira? Educ. Soc. Campinas, v.23, n.81, Pragmatismo. Escola
p.247-270, dez. 2002. fundamental
RESUMO CRÍTICO
Seu principal objetivo foi resgatar o contexto em que a corrente pragmatista surgiu, e para
isso realizou um esforço teórico de fundamentar a concepção de educação integral com sugestões que
pudessem responder as necessidades atuais da escola pública. Suas sugestões apontavam para:
experiências diversificadas de formação integral (cognitivos, morais, estéticos,políticos e práticos);
permeabilidade aos fenômenos que ocorrem fora da escola; permeabilidade aos diálogos sócio-
comunitários locais e funcionamento democraticamente sustentado e compreensão dos indivíduos em
suas múltiplas dimensões psicossociais. Finaliza seu artigo defendendo a perspectiva pragmatista por
acreditar que esses fundamentos auxiliariam em direção a uma escola efetivamente integral.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O projeto encontra-se na fase exploratória de apropriação e fundamentação da
temática e diante disso os dados serão apresentados no decorrer dos meses de junho a julho.
Os núcleo iniciou recentemente com seu projeto e a escolha do tema de investigação foi
motivada pela trajetória acadêmica de seus membros. Diante disso se faz necessário salientar
ainda que temos a preocupação em não fazer uso de teorias divergentes que tratam das
questões de gênero, por consideramos que os pesquisadores quando optam por mais de uma
vertente teórica precisam estar seguros que suas teorias não são divergentes entre si, ou seja,
mostrando que conhece o contexto em que tais teorias foram criadas e quais lhe servirão de
fundamentação.
Desse modo, nosso acompanhamento tem ocorrido de forma sistemática diante da
realização de reuniões periódicas com a equipe envolvida, e durante todo o tempo que durar a
sua realização. A avaliação das etapas da pesquisa e do desenvolvimento das ações de
extensão tem sido acompanhadas e avaliadas pelo público atendido, de modo e solucionar
eventuais dificuldades que possam surgir.
Espera-se, desse modo, que os resultados alcançados a partir dos discursos analisados
das jovens negras em questão nos possibilite vislumbrar pontes para o aprimoramento desse
projeto e de modo a dar visibilidade em outros espaços acadêmicos, bem como em
publicações de revistas e artigos, pois falar em gênero é falar em discursos contra
hegemônicos que necessitam serem tocados, discutidos e praticados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CRUZ, Maria Helena Santana. Refletindo sobre a diversidade de gênero em Educação. São
Paulo, Saberes em Perspec., v.2, n.2, Jan/Abr., 2012.
FLICK, Uwe. Qualidade na pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Artmed, 2009. (Coleção
Pesquisa Qualitativa).
GATTI, Bernadete. Estudos quantitativos em educação. São Paulo, Educação e Pesquisa., v.
30, n.01, p.12-30, Jan./Abr., 2004.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.
OLIVEIRA, Danilo Araujo de. O espaço escolar numa perspectiva de gênero. In: DIAS, A.F;
CRUZ, M.H.S. Educação e Igualdade de gênero. Jundiaí, Paco Editorial, 2015.
INTRODUÇÃO
O sistema de desigualdade social entre homens e mulheres não existe de hoje. O sexo
masculino desde os séculos passados é relacionado à uma figura de poder, autoridade e
soberania, e para entender se esta desigualdade passou a estar ou sempre esteve presente no
contexto da educação brasileira, voltaremos alguns anos - até a época da colonização
portuguesa - para entender o porquê de a profissão docente estar diretamente ligada à uma
figura feminina nos dias atuais.
No período colonial, onde a educação vigente era a jesuítica, é certo que o papel de
educador era quase oficialmente masculinizado, já que a mulher não recebia nenhum tipo de
educação ou instrução. Não importava se brancas, ricas, empobrecidas, negras escravas ou
indígenas, as mulheres não tinham acesso à arte de ler e escrever. E isto, naquela época, dava-
se devido à tradição portuguesa, influenciada pela tradição ibérica por mais de 800 anos. Para
o povo ibérico o sexo feminino fazia parte de um grupo imbecil (imbecilitus) de pessoas,
junto às crianças e os doentes mentais. A partir deste pensamento, entre os anos 1500 e 1822,
período em que o Brasil foi colônia de Portugal, a educação feminina ficou geralmente restrita
aos cuidados com a casa, o marido e os filhos. A instrução era reservada aos filhos/homens
dos indígenas e dos colonos.
Com o passar dos anos, as mulheres começaram a reivindicar a favor da sua instrução.
A primeira reivindicação veio dos indígenas, já que estes consideravam as mulheres como
companheiras, o que fazia com que a desigualdade de oportunidades educacionais não fizesse
sentido algum. Porém, este pedido foi negado pela Rainha de Portugal por considera-lo
ousado, já que nem mesmo na corte existia ainda escolas para meninas. Geralmente educava-
se em casa e, ainda assim, as portuguesas eram, em sua maioria analfabetas. Esta realidade era
diferente apenas nos conventos, quando algumas mulheres eram para lá enviadas para serem
educadas.
O século XVIII foi um período no Brasil marcado por disputas entre a igreja e o
Estado, ainda assim, o modelo de educação jesuítica da Companhia de Jesus conseguiu
predominar por séculos no Brasil colonizado. Porém, após a ―Reforma Pombalina‖ decretada
por Marquês de Pombal, que libertou índios escravos e permitiu que estes pudessem casar-se
com portugueses, e também através do governo Absolutista que passou a estar presente ali, foi
necessário a expulsão de centenas de jesuítas dos domínios portugueses, já que estes não
aceitavam que o governo interferisse em seus assuntos. Com isso, deu-se iniciativa a um
processo de laicização da instrução por professores régios, que ministravam aulas isoladas e
que eram prioridade apenas para as elites locais. As instruções para a implantação da
Reforma instituíam o cargo de Diretor de Estudos, que tinha como objetivo planejar, executar
e controlar os professores na metrópole e nas colônias. Este cargo foi criado na reforma de
1759 e era responsável pelos exames públicos para a seleção dos professores régios e o
credenciamento dos mestres particulares.
Além do mais, quando falamos de educação feminina, podemos tomar como maior
exemplo Nísia Floresta, filha da elite Nordestina e uma das primeiras mulheres letradas no
Brasil. Em 1857, inclusive, Nísia escreveu a obra ―A mulher‖, com tom de denúncia e crítica
à educação que se destinava ao sexo feminino. Entre 1838 e 1855, Nísia manteve um colégio
no Rio de Janeiro conhecido como ―Colégio Augusto‖, que trouxe grandes avanços para a
educação daquela época. ―Entre as inovações reconhecidas são sempre lembras o ensino do
Latim, de línguas vivas como o Francês, o Italiano e o Inglês, e das respectivas gramáticas e
literaturas; o estudo da Geografia e da História do país; a prática da Educação Física; e a
limitação do número de alunas por turma como forma de garantir a qualidade do ensino.
‖(DUARTE, Constância Lima). Todas essas inovações destacaram-se, principalmente, pelo
fato de que a maioria das escolas femininas enfatizavam o desenvolvimento de prendas
domésticas e se limitava a um ensino superficial da língua materna.
Depois que a docência passou a ser vista como uma profissão feminina, os homens
que por escolha própria continuaram na atividade passaram a sofrer certos tipos de
preconceito, principalmente quando se diz respeito à educação infantil, já que neste nível o
pedagogo/professor tem um nível de intimidade mais elevado com a criança.
Segundo Vianna (2001) a decorrência, com relação a uma profissão feminina, imbrica-
se com os significados de masculino e feminino. Com as concepções sobre o que é
socialmente definido como masculino e feminino que acabam refletindo direta ou
indiretamente em sua prática escolar.
"Eu até entendo que as coisas mudaram e que não é uma profissão só de mulheres,
mas se fosse ao menos um professor 'gay' seria mais fácil de aceitar."
"A situação mais satisfatória que vivenciei em relação ao contato direto com a sala de
aula foi durante o estágio II (Docência na Educação Infantil) onde ao concluir pudemos ver
que as atividades propostas e aplicadas deram resultados significantes bem satisfatórios e
reais.
" Nunca pensei em desistir, pois são os desafios que movem o desejo de mudar e de
ser um pedagogo. E acredito que o que podemos fazer é continuar com os sonhos, superando
os preconceitos e paradigmas que são históricos e compõem a base cultural rígida do nosso
país."
Uma terceira entrevista foi realizada com outro aluno da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, que a princípio optou pelo curso de Matemática já que sempre almejou à
docência, porém, logo que conseguiu ingressar no curso de Pedagogia, também pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte mudou de curso e seguiu sua verdadeira
vontade, que era atuar como Pedagogo. Atualmente Saulo Figueiredo é aluno do primeiro
período do curso de Pedagogia e atua como voluntário em um projeto de iniciação à docência,
onde semanalmente tem contato direto com alunos do ensino infantil.
Saulo afirma que ―A princípio o estranhamento veio dos próprios alunos, que por
serem acostumados com professoras mulheres não entendiam o porquê de eu estar ali”.
Um exemplo marcante dos tipos de injustiça que os professores do sexo masculino que
atuam na educação infantil podem sofrer é retratado no filme ―A caça‖, dirigido por Thomas
Vinterberg em 2013, onde um bom professor é acusado de abusar uma de suas alunas e a
partir disso, mesmo inocente, passa a sofrer as consequências, tanto na academia quanto em
sua vida social. O filme retrata não só apenas o que pode acontecer com a vida de um
profissional acusado injustamente, mas também traz uma crítica à forma como são
investigados estes tipos de casos, principalmente com crianças, já que estas sentem-se
pressionadas com toda a situação e podem, por muitas vezes, confirmarem fatos que na
verdade não existiram.
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
Com base nas entrevistas relatadas neste artigo, tal como conversas informais não aqui
descritas, e pesquisas de gráficos e depoimentos feitos pela internet, levantamos os seguintes
questionamentos: No auge do século XXI, onde já não se dá o valor merecido a profissão
docente nem mesmo a própria educação, por que os pais não conseguem confiar a um homem
a educação de seus filhos? Seria culpa da marginalidade? Da cultura? Dos próprios
princípios? O que um professor precisa para ser considerado um bom profissional? Seria usar
saias e ter o cabelo comprido ou ter uma boa formação e uma metodologia diferenciada?
Antes de responder a todas essas indagações como resultado das nossas pesquisas,
ideias e críticas, traremos gráficos de diferentes pesquisas que confirmam o quanto os homens
tem tido um espaço mínimo dentro da educação seja ela infantil ou em qualquer nível de
ensino. Vejamos:
Este gráfico, por exemplo, criado com dados do INEP – Instituto Nacional de
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira no ano de 2012, relata detalhadamente todo o sistema
educacional dividido por gêneros sexuais, e se bem observarmos, na educação infantil o
número de professores homens é muito pequeno em relação a todos os outros níveis –
provavelmente pelo contato íntimo que muitos professores precisam ter, seja na hora de um
banho ou ao acompanhar um aluno até o banheiro.
Outro exemplo a ser mostrado em gráfico é o de ensino básico da rede privada de São
Paulo no ano de 2015. A distribuição de professores por sexo não se dá de forma diferente.
Tanto na educação infantil quanto no ensino fundamental e médio, a presença de professores
homens é muito baixa em relação à de mulheres.
Finalizando a amostra de gráficos, trazemos uma pesquisa de 2013 sobre os docentes
do sexo masculino nas séries do ensino fundamental, realizada por Amanda Oliveira Rabelo,
aluna da Universidade Federal Fluminense. O gráfico, baseado nas pesquisas da aluna, mostra
a porcentagem dos diferentes tipos de discriminação presenciadas ou vivenciadas pelo simples
fato de o professor ser do sexo masculino e atuar nas séries iniciais. Vejamos:
A exposição destes gráficos foi colocada, intencionalmente, antes das respostas das
indagações iniciais, exatamente para enfatizar o preconceito presente dentro da sala de aula,
das famílias e até mesmo dos grupos de amigos. A partir dos dados, é perceptível em
qualquer um dos gráficos, que o número de professores do sexo masculino aumenta junto com
a idade e nível escolar dos alunos, o que caracteriza toda a desigualdade já citada na
perspectiva da educação infantil.
Através não apenas dos depoimentos dos cidadãos caicoenses, mas também dos
gráficos que nos trazem dados de outras regiões do país, percebemos que ainda existe um
preconceito exacerbado em relação aos professores homens, principalmente na educação
infantil. O tempo inverteu os papeis. A sociedade e a academia, que antes oprimiam e
excluíam a mulher – fosse ela branca, negra, escrava ou índia – hoje desmerecem o homem
que opta pela docência.
Logo, percebemos que mesmo que a educação infantil seja baseada em uma história
carregada de culturas e costumes, mesmo que algumas pessoas tenham consciência de que os
tempos mudaram e que os papeis na sociedade, pelo menos na teoria, não são mais tão
distintos entre homens e mulheres, e mesmo que ao observar os depoimentos de professores
bem formados e bem capacitados algumas pessoas consigam mudar de ideia em relação a
atuação do homem na educação infantil, sabemos que desconstruir paradigmas não é uma
tarefa tão simples e fácil. Sabemos que é necessário além de muita força de vontade e
sabedoria, paciência para enfrentar preconceitos da sociedade em geral – pais, colegas de
profissão, familiares e amigos - que afetam diretamente a sala de aula, neste caso, dos
professores homens em especial.
REFERÊNCIAS
Resumo
A necessidade formativa como futuro profissional da Educação, a fim de preparar-se
da melhor forma para combater qualquer discriminação no ambiente escolar, impulsionou-me
a realizar este estudo na ONG Grupo de Trabalhos em Prevenção Posithivo (GTP+) no
segundo semestre de 2015 no Município de Recife-PE, objetivando compreender as
percepções dos sujeitos LGBT sobre a consequência do despreparo da comunidade escolar no
trato a diversidade sexual. Inicialmente foi realizada uma pesquisa bibliográfica em torno da
temática para fundamentar o estudo. Para a coleta de dados utilizamos questionários mistos
para a população participante da GTP+ e entrevista semiestruturada para o coordenador
pedagógico da ONG. Pelo que foi possível analisar durante a pesquisa podemos inferir que a
rede pública de ensino neste estudo foi caracterizada como a mais homofóbica e que o maior
número de homofobia está relacionado aos estudantes. O problema referente à homofobia
requer uma desconstrução de toda imagem negativa que a nossa sociedade construiu das
expressões sexuais que não seguem o padrão heterossexual. Tais dados evidenciam a
importância de tais discussões dentro dos cursos de formação de profissionais da Educação e
visibilidade nos materiais didáticos, grades obrigatórias dos cursos de licenciaturas e nos
diálogo professor x aluno.
Introdução
Pesquisas realizadas em 2002 pela UNESCO sobre o Perfil dos Professores Brasileiros
e Homofobia no Espaço Escolar apontaram que a escola ainda carrega consigo paradigmas
que segregam e, por fim, excluem aqueles que estão fora do padrão. Em uma experiência de
convivência com um aluno travesti em uma escola estadual do Recife no ano de 2006, foi
notório o despreparo da escola no trabalho com a diversidade sexual. O estudante ‗H‘, cujo
nome não será revelado para preservar a sua imagem, na época com 16 anos, vinha de uma
família de religião cristã evangélica e lutava arduamente pela aceitação dos familiares. ‗H‘
morava em uma comunidade carente no subúrbio do Recife e cursava o 2º ano do ensino
médio quando começou a construção de sua identidade. A partir de então passou a ser objeto
de escarnio de outros estudantes e em diversas vezes tentaram agredi-lo fisicamente. Os
professores quando presenciavam as agressões verbais e humilhações sempre corrigiam os
agressores, exaltavam que deveriam respeitar uns aos outros, mas em seguida sempre
corrigiam o estudante ‗H‘ com frases como ‗Você sabe que isso acontece porque você é
assim!‘, ‗Se você se vestir normal, será diferente!‘ e ‗A culpa disso acontecer é sua!‘.
Argumentos preconceituosos que colocam a verdadeira vitima como acusado e que resultaram
na evasão do estudante ‗H‘. O caso particular de ‗H‘ pode ser o caso de muitos outros
brasileiros LGBT, infelizmente.
A necessidade formativa como futuro profissional da Educação a fim de preparar-se da
melhor forma para combater qualquer discriminação no ambiente escolar impulsionou-me a
realizar este estudo na ONG Grupo de Trabalhos em Prevenção Posithivo (GTP+) no segundo
semestre de 2015 no Município de Recife-PE. Para a coleta de dados foram utilizados
questionários mistos para a população participante da GTP+ e entrevista semiestruturada para
o coordenador pedagógico. Pelo que foi possível analisar durante a pesquisa podemos inferir
que a rede pública de ensino neste estudo foi caracterizada como a mais homofóbica e que o
maior número de homofobia está relacionado aos estudantes. De modo preocupante as
realidades evidenciadas nas pesquisas realizadas em 2002 pela UNESCO tendem a se
perpetuarem quando não abrimos espaço para tais discussões dentro dos cursos de formação
de profissionais da Educação e, muito menos, no diálogo professor e aluno.
Metodologia
Resultados e Discussão
Mas, quem está capacitado para trabalhar com a diversidade sexual no ambiente
escolar? Atualmente na Universidade Federal de Pernambuco as disciplinas sobre sexualidade
e gênero são disciplinas eletivas para os estudantes de pedagogia conforme Figura 1. Sendo
assim um pedagogo que poderá trabalhar diretamente no espaço escolar com a realidade da
diversidade sexual conseguirá chegar no ambiente escolar como profissional capacitado sem
ter recebido uma formação especifica para o trato com a sexualidade de jovens e crianças. O
mesmo consequentemente arriscar-se-á reproduzir o cenário extraído das pesquisas realizadas
pela UNESCO em 2002 e 2004. Conforme Carvalho (2015) explicita ‗A representação nos
interessa pelo que está implicada com os processos identitários e de produção da diferença
cultural‘.
1
Embora desde abril de 1985 o Conselho Federal de Medicina do Brasil desconsidere a homossexualidade como
uma doença, o artigo datado de 2013 ainda traz a nomenclatura ‗homossexualismo‘.
Referente ao que compreendem por vulnerabilidade foi notório a conceituação como a
exposição do sujeito frágil, fragilidade no sentido de sem recursos primários (moradia,
alimentação, afeto), a situações adversas referentes à população menosprezada pela sociedade,
considerados minorias.
Com os sujeitos soropositivos foi verificado que todos receberam orientação logo que
descobriram sua sorologia, 50% dos sujeitos foram orientados pela GTP+ os outros chegaram
a ONG depois através de amigos. A importância da orientação/assistência da GTP+ fica
dividida entre fortalecimento dos sujeitos LGBT e sujeitos soropositivos, o conhecimento dos
direitos desses sujeitos que são marginalizados, invisibilizados e praticamente declarados
mortos pela sociedade e conscientização sobre DST e HIV/AIDS, pois é forte o pensamento
que a informação é a melhor arma para a prevenção.
O coordenador da GTP+ durante a entrevista explicitou que a maior busca pela GTP+
são de sujeitos LGBT que sofrem algum tipo de violência, estão com problemas de saúde e/ou
referente à sexualidade. O mesmo reforça o despreparo da comunidade escolar no trato a
diversidade sexual afirmando que a grande crise da Educação ocorre, pois o modelo atual de
Educação não está apto para o estudante de hoje. Para Georg Hegel (Apud Novelli, 2015) a
educação é o meio pelo qual o indivíduo assume seu lugar ou a si mesmo no Estado, e
assumindo a si mesmo o indivíduo determina sua individualidade vivendo dentro da
coletividade, excluindo assim a exclusividade particular e singularizando a universalidade.
Porém, para que o aluno se desenvolva plenamente e assuma seu lugar na sociedade, é
necessário primeiramente construirmos uma escola justa, livre de toda e qualquer forma de
discriminação e preconceito, capaz de atender a todos respeitando suas particularidades. O
despreparo da comunidade escolar gera consequências para os indivíduos LGBT, a escola
configura-se em um espaço de preconceito, discriminação e violência de todas as formas
contra esses sujeitos, alguns sem qualquer apoio/assistência dos pais ou responsáveis.
O coordenador da GTP+ discorda que haja uma relação entre escolaridade e
vulnerabilidade a DTS e HIV/AIDS afirmando que os dados públicos sobre DTS e HIV/AIDS
são baseados exclusivamente nas pessoas que utilizam a rede de saúde pública deixando fora
das estatísticas os que não a utilizam.
Conclusões
Pelo que foi possível analisar durante o período da pesquisa pude inferir que a rede
pública de ensino neste estudo foi caracterizada como a mais homofóbica e que o maior
número de homofobia está relacionado aos estudantes. A família se configura como o
primeiro espaço a abordar a sexualidade, seja de forma exposta ou não, cabendo à escola ser o
segundo espaço a aborda-la, sendo diferente da família, livre de qualquer preconceito e/ou
discriminação. A escola deve trabalhar de forma sistematizada e formal, não apontando um
caminho para o aluno, mas aumentando seu conhecimento para que ele escolha seu caminho,
buscando assim preencher as lacunas existentes no estudante diante da sexualidade para que o
individuo possa se desenvolver plenamente como previsto nos princípios e fins da educação
nacional explícitos na LDB 9394/96.
Referências Bibliográficas
ANDRADE, Maria Margarida de. Pesquisa de Campo. In: Introdução à metodologia do
trabalho científico: Elaboração de trabalhos na graduação. 6ª edição. Atlas. São Paulo.
20003. Pg. 152-161.
AYRES, José Ricardo C.M. Vulnerabilidade e AIDS: para uma resposta social à
epidemia. Boletim epidemiológico - C.R.T. – DST/AIDS – C.V.E. – Ano XV – Nº 3 –
Dezembro 1997, São Paulo.
BORRILLO, Daniel. A homofobia. In: Homofobia & Educação: um desafio ao silêncio.
Org.: LIONÇO, Tatiana. DINIZ, Debora. Editora UnB. Brasília. 2009.
BORRILLO, Daniel. Homofobia: História e Critica de um preconceito. Traduzido por
Guilherme João de Freitas Teixeira. Autêntica Editora. 2010. Belo Horizonte.
BRAGA, Luiza de Lima. DELL‘AGLIO, Débora Dalbosco. Suicídio na adolescência: fatores
de risco, depressão e gênero. In: Contextos Clínicos. Vol. 6, n. 1. Janeiro-junho 2013.
Disponível em: < http://pepsic.bvsalud.org/pdf/cclin/v6n1/v6n1a02.pdf > Acessado em:
17/04/2015 ás 17h.
CARVALHO, Rosângela Tenório de. Lili a garota atômica: representação da mulher. In:
Textura. V. 17. Nº 34. Maio/Agosto 2015. Pg. 71-98.
DUARTE, Rosália. A entrevista em pesquisas qualitativas. Educar em revista. Curitiba. Nº
24. Editora UFPR. 2004. Pg. 213-225.
GUEDES, Marilia Gabriela de Menezes. Teorias Críticas do Currículo e o Pensamento de
Paulo Freire. In: Princípios Político-Pedagógicos Freirianos nas Políticas Curriculares e no
Chão da Escola. Editora UFPE. Recife. 2015. Pg. 53-104.
REIS, Toni. Educação e Diversidade Sexual. In: Conferência Nacional de Educação Básica.
2008. Brasília. Pg. 1-67. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/arquivos/conferencia/documentos/toni_reis.pdf> Acesso em:
05/05/2015.
SEFFNER, Fernando. Equívocos e armadilhas na articulação entre diversidade sexual e
políticas de inclusão escolar. In: Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre
a homofobia nas escolas. Org.: UNESCO; Editora UNESCO. Vol. 32. Brasília. 2009.
Pg.125-140.
Documento de Domínio Público:
INTRODUÇÃO
O presente trabalho consiste de um recorte da pesquisa de Mestrado concluída
intitulada: ―A evasão na Educação de Jovens e Adultos do Território Campesino: o que dizem
as/os sujeitas/os que não estão mais na escola‖, defendida em 2015 no Programa de Pós-
Graduação em Educação, da Universidade Federal de Pernambuco. Nesta pesquisa
investigamos as causas da evasão da Educação de Jovens e Adultos no Território Campesino
de Caruaru. Para este recorte, nos deteremos o Eixo de Sentido 1 da análise dos dados que
consistiu em compreender como os aspectos socioeconômicos e culturais influenciavam para
a decisão da evasão na EJA.
Após a constatação do grande índice de evasão, superior a 50% a nível local, estadual,
regional e nacional (INEP, 2010), sentimos a necessidade de verificar como a evasão da EJA
se consolidava nas Escolas do Campo do Território Campesino do Município de Caruaru.
Constatamos que a média local também se aplicava nas escolas campesinas. Assim,
consideramos pertinente verificar quais as causas da evasão da EJA nas escolas do Território
Campesino e tentamos compreender como os aspectos socioeconômicos e culturais
interferiam para a decisão de evasão de alunas e alunos de EJA.
Desta forma, este trabalho está dividido em três partes. Na primeira parte
apresentamos a metodologia da pesquisa, apontando os instrumentos de coleta e análise
eleitos para este trabalho e como estes possibilitaram as leituras dos dados coletados. Na
segunda parte, apresentaremos a organização do Eixo 1 de análise e como a abordagem
Teórica dos Estudos Pós-coloniais (GROSFOGUEL, 2010; QUIJANO, 2000, 2005) nos
auxiliou a compreender como o Patriarcado (AGUIAR, 2000; NARVAZ, KOLLER 2006) e o
Trabalho (LEÃO, 2011; MOLL, 2004; PICONEZ, 2002) contribuem para a evasão na EJA.
Por fim, na terceira parte, traremos as considerações finais com as reflexões que foram
produzidas após a conclusão do trabalho.
METODOLOGIA
Nesta seção, trataremos da organização metodológica que foi desenvolvida nesta
pesquisa. Apresentaremos os elementos constitutivos desta pesquisa, focalizando o campo de
pesquisa, as fontes, as/os sujeitas/os e os procedimentos de coleta e análise.
A modalidade da Educação de Jovens e Adultos em sua constituição passou por
diversas tensões e corresponde a um campo fragilizado da educação (PAIVA, 1973), visto que
é direcionada a sujeitas/os que não foram escolarizadas/os no período considerado regular.
Além da particularidade do retorno da idade adulta para os bancos escolares, as/os estudantes
da EJA ainda sofrem com os estereótipos de incapazes e culpadas/os pela sua condição de
sujeitas/os não escolarizadas/os.
É reconhecendo todas as especificidades que compõem o objeto da pesquisa que
entendemos que a EJA situada nas escolas do Território Campesino constitui um dos ―lados
subalternos da relação de poder‖ (GROSFOGUEL, 2010). Por isso que consideramos que os
Estudos Pós-Coloniais nos possibilitarão a interpretação dos dados a fim de entendermos
quais as causas da evasão nesta modalidade de ensino.
O campo escolhido para a nossa pesquisa foi o Município de Caruaru-PE que está
localizado no Agreste Pernambucano. O mesmo tem 314.951 habitantes, sendo 278.098 de
habitantes das áreas urbanas e 36.853 residentes nos Territórios Campesinos (IBGE, 2010).
No ano de 2013, neste Território Campesino existiam 91 escolas, as quais apenas dez delas
atenderam à modalidade da EJA. Assim, para a escolha das escolas pesquisadas utilizamos
inicialmente como critério de seleção: as escolas que tiveram o maior índice de evasão nas
séries finais do Ensino Fundamental, pertencentes aos 1º e 3º Distritos e que fossem
Escolas Independentes. A definição por Escolas Independentes2 se deu porque das escolas
que atenderam à EJA no campo em 2013 eram, em sua maioria, Independentes.
Neste sentido, as escolas/campo de pesquisa que obtiveram o maior índice de evasão
serão aqui denominadas como E1 (Escola 1) pertencente ao 1º Distrito e E2 (Escola 2)
pertencente ao segundo Distrito. Optamos por esta codificação a fim de preservarmos a
identidade das escolas.
Estas escolas serviram como direcionamento para as/os sujeitas/os da nossa
investigação, mas não foi o objeto central da pesquisa. Com a definição destas, realizamos
aproximações para conseguirmos garantir o acesso aos dados dos estudantes que se evadiram
da escola no ano de 20133. Para tanto, no primeiro momento nos apresentamos munidos de
ofício à gestão de cada uma das escolas, explicando o objetivo da nossa pesquisa e sobre a
necessidade do acesso aos dados de cada estudante evadida/o para tentarmos realizar a
localização destas/es sujeitas/os.
Para atender aos nossos objetivos de pesquisa necessitamos utilizar o questionário e a
entrevista semiestruturada (LANKSHEAR; KNOBEL, 2008). O questionário nos auxiliou a
cumprir com o primeiro objetivo específico da pesquisa: identificar os perfis das/os
estudantes evadidas/os (etnia, gênero, idade, ocupação profissional) da Educação de
Jovens e Adultos em escolas do campo do Município de Caruaru-PE. A entrevista
semiestruturada nos ajudou a dar conta do segundo e o terceiro objetivos específicos:
identificar e caracterizar as causas da evasão das/os estudantes da EJA sujeitas/os da
pesquisa; identificar e caracterizar a influência do Patriarcado para a evasão das
mulheres Sujeitas da pesquisa.
Desta forma, definimos que em cada Distrito pesquisado escolheríamos quatro4
sujeitas/os de pesquisa, dois homens e duas mulheres, a fim de verificarmos como a influência
do Patriarcado contribuía para a evasão em ambos os casos. Considerada a dificuldade de
2
Escolas Independentes são as Escolas do Campo que possuem núcleo gestor próprio.
3
Apesar desta pesquisa ter sido defendida em 2015, no momento da coleta dos dados estávamos em meados
de novembro/dezembro de 2014. O ano letivo ainda não havia se findado e por este motivo que as/os
Sujeitas/os que constituíram este trabalho foram estudantes em 2013. Consideramos evadidas/os àquelas/es
se afastam da escola e não retornam a ela. Não tínhamos como fazer este levantamento em um ano letivo que
não havia se findado.
4
Destacamos que priorizávamos entrevistar uma quantidade maior de Sujeitas/os. Devido a não localização de
um número maior, findamos a pesquisa com oito entrevistadas/os.
localização das/os mesmas/os5, resolvemos que realizaríamos a entrevista com aquelas/es
sujeitas/os que conseguíssemos localizar e que se dispusessem a colaborar com a
investigação. Deste modo, no 1º Distrito, colaboraram com a pesquisa: S1, S2, S3, S4
(Sujeitas/os 6 da Escola 1) e no 3º Distrito, contribuíram com a investigação S5, S6, S7, S8
(Sujeitas/os da Escola 2).
A técnica de tratamento dos dados utilizada nesta pesquisa foi a Análise de Conteúdo, que
Bardin (1977, p. 31) diz que ―não se trata de um instrumento, mas de um leque cheio de
apetrechos; ou, com maior rigor, será um único instrumento, mas marcado por uma grande
disparidade de formas e adaptável a um campo de aplicação muito vasto: as comunicações‖.
Conforme pontuado pela autora, a Análise de Conteúdo pode ser aplicada de diferentes
maneiras e nesta pesquisa utilizamos a Análise Temática que consiste em organizar os dados
em temas ou categorias.
Destacamos que os maiores detalhamentos da análise estarão presentes no próximo
capítulo, momento em que elucidaremos como a Técnica de Análise de Conteúdo (BARDIN,
1977) via Análise Temática (VALLA, 1990) se materializou na pesquisa desenvolvida e como
conseguimos inferir sobre os dados produzidos, a partir do Eixo 1 de análise: Causas da
evasão relacionadas aos aspectos socioeconômicos e culturais.
´
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O eixo de sentido: Causas da evasão relacionadas aos aspectos socioeconômicos e
culturais procurou concentrar os elementos socioeconômicos da vida das/os sujeitas/os da
EJA que, para Carmo (2011), são os elementos do trabalho, da vida financeira e da família.
Concebemos aqui como elementos culturais as relações sociais estabelecidas com familiares e
outras pessoas da comunidade: amigos, vizinhos etc., além dos elementos que permeiam o
universo social das sujeitas e dos sujeitos da pesquisa. Baseamo-nos em Arroyo (2012) para
estabelecer estas experiências culturais como experiências válidas que necessitam compor os
constituintes desta análise. Este eixo de sentido organizou-se em categorias e subcategorias
que direcionaram esta análise conforme exposto na Figura 01.
5
Ressaltamos que após a realização da entrevista piloto, fomos até o 3º Distrito para localizar um/uma dos/as
estudantes evadidos/as em 2013 a fim de também realizarmos outra entrevista piloto e não conseguimos
localizar nenhum. Posteriormente (quase três meses após da entrevista com SP) é que conseguimos
conversar com a primeira Sujeita, que nos deu pistas para chegarmos às/aos outras/os sujeitas/os da
pesquisa.
6
Adotamos a nomenclatura de Sujeitas e Sujeitos porque estas pessoas não são mais estudantes e ao mesmo
tempo a codificação garante a preservação da identidade.
FIGURA 01 - Eixo de Sentido 1: Causas Socioeconômicas e Culturais
Subtração do
tempo escolar
Trabalho Tempo
Tempo que
gera cansaço
01-01Causas
- Causas
Socioeconômicas
Socioeconômicas Família Filhos
e Culturais
e Culturais
Companheiros
Outros
Amigos da familiares
Comunidade
7
Compreendemos que as atividades domésticas são um tipo de trabalho silenciado socialmente (NARVAZ;
KOLLER, 2006), entretanto, trataremos apenas das atividades remuneradas porque buscamos compreender
como a saída para o trabalho formalizado interfere na decisão de evasão.
contribuiu para a evasão, pois nas falas destas/es está presente a influência do trabalho para a
decisão de se evadir. Destacamos que das/os oito Sujeitas/os da pesquisa, somente S2, S3 e S5
não trabalharam no ano de 2013.
Ao tratarmos da categoria Trabalho, identificamos que o tempo (carga horária de
trabalho) interfere na frequência escolar de duas formas: a) a subtração do tempo escolar
(ocasionada pela ampla jornada do trabalho; b) o tempo que gera cansaço. Na primeira
situação o tempo do trabalho interfere no tempo da escola, uma vez que a ampla jornada de
trabalho impede a frequência escolar, fazendo com que as/os estudantes faltem ou cheguem
com atraso na escola. Há uma subtração do tempo pedagógico/curricular (SANTIAGO,
1990). Na segunda situação, o horário escolar é comprometido devido ao cansaço ocasionado
pelas amplas jornadas de trabalho, as/os estudantes até vão para a escola, mas não conseguem
acompanhar as aulas.
Para compreendermos como se materializa o Tempo para a decisão de evasão das/dos
Sujeitas/os, iniciaremos o tratamento desta subcategoria, trazendo o seu primeiro
desdobramento: a subtração do tempo escolar. Desta maneira, convém evidenciar que para
Santiago (1990, p. 49),
o tempo curricular, ganhou importância, visto que é com ele e nele que a
escola funciona. [...] É no seu funcionamento que a direção do projeto
pedagógico e a resposta do trabalho dos educadores se fazem. Portanto, é
com e no funcionamento interno que ela materializa a sua função social.
Desta maneira, a garantia deste tempo possibilita também a garantia da função social
da educação. Entendemos que a subtração do tempo curricular expressa a não adequação da
escola e do trabalho às necessidades das/dos sujeitas/os da Educação de Jovens e Adultos.
Conforme asseverado por Piconez (2002), a/o estudante trabalhador necessitaria da dispensa
de pelo menos um dos seus tempos de trabalho para se dedicar aos estudos, visto que a
jornada tripla impede a garantia desta apropriação de conhecimentos.
Para tanto, identificamos na fala de S6 que o tempo dedicado no trabalho interferia no
tempo dedicado à escola. Isto fica evidente quando aponta:
No caso de S6, apesar da jornada de trabalho não coincidir com o horário das aulas,
ela atribui que as suas atividades diárias, inclusive o trabalho, não possibilitariam que
dedicasse tempo aos estudos. Isto é evidenciado quando aponta que não teria como estudar
para as avaliações. Ainda na direção da subtração do tempo escolar, S8 aponta este como um
dos motivos que o levaram a se evadir, quando diz: ―Não, eu não quis mais ir pra escola...
também, quando chegava em casa do trabalho, tomava um banho e comia já tinha passado da
hora, não dava mais tempo‖.
Na situação apontada por S8 compreendemos que o tempo interfere de maneira
diferente do que S6 evidenciou. Enquanto no primeiro caso nota-se o acúmulo de tarefas e a
falta de tempo para a realização das atividades e estudos extraescolares, na situação de S8 a
sua jornada de trabalho não possibilitava sequer a vivência do tempo escolar, ao passo em que
uma parte da noite era tomada pelo trabalho.
Ainda tratando da subtração do tempo escolar devido ao trabalho como uma causa da
evasão, evidenciamos a fala de S5, que apesar de não trabalhar, aponta este como um dos
motivos das/os estudantes se evadirem, quando destaca: ―... é porque trabalha, não tem tempo
suficiente, arruma filho, se casa, aí muitos não vai‖. Desta forma, entendemos que mesmo
aquelas pessoas que não estão inseridas em trabalhos formalizados, compreendem que há uma
dificuldade em conciliar o tempo de trabalho com o tempo escolar. Além de S5, as/os
outras/os Sujeitas/os que não trabalharam não fizeram nenhuma menção ao fator trabalho
como ocasionador da evasão.
Com as falas das/os Sujeitas/os notamos que o trabalho interfere diretamente na
decisão da evasão. Esta dispersão da escola está associada ao cansaço e sono produzido pela
jornada de trabalho, além do tempo que os estudos tomariam da sua vida. Na realidade das
Sujeitas/os, é mais lógico gastar tempo com o que dê um retorno imediato: o trabalho. Neste
sentido, corroboramos com o pensamento de Moll (2004) que vem pontuar que as/os
estudantes da EJA têm a sua vida marcada com o trabalho desde a infância e que não tiveram
a oportunidade de produzir boas percepções do espaço escolar. Este espaço que deveria ser
promotor de aprendizagens transforma-se em apenas mais uma atribuição para ser cumprida.
Ao percebermos o Trabalho como um dos elementos causadores da evasão,
dialogamos com Leão (2011) no sentido de entender que a ausência desta educação de boa
qualidade pode estar associada à evasão das/dos Sujeitas/os trabalhadores. Contudo, a
discussão da área destaca a necessidade de um diálogo entre a necessidade do trabalho que
estas/es possuem e a sua vida escolar. Em contrapartida, reconhecemos que o mundo do
trabalho também não proporciona com a escola um diálogo que possibilite o rompimento
desta lógica, pois os trabalhos remunerados ocupam sobremaneira o tempo das/dos estudantes
e a carga horária excessiva também interfere na carga horária dos estudos.
Assim, no que se refere ao tempo que gera cansaço ocasionado pela jornada de
trabalho, que entre as/os Sujeitas/os consistiu em um período de oito a dez horas por dia, dois
Sujeitos referiram-se a este elemento como causa da sua evasão. Neste sentido, S7 ao ser
questionado sobre o que mais dificultou a sua permanência na escola responde: ―Eu desisti
porque tive que ir trabalhar mesmo‖. Então, redirecionamos a pergunta para saber em que o
trabalho atrapalhava nos estudos e obtivemos como resposta: ―Trabalhar o dia inteiro e
estudar à noite não é cansativo não? O que torna difícil é ir pra lá ficar olhando a cara dos
outros até dez horas, se sentindo cansado... não tenho mais paciência pra estudar...‖. Notamos
com a fala de S7 que o cansaço da jornada diária de trabalho contribuiu para a decisão de se
evadir da escola.
Além da fala de S7, evidenciamos o cansaço como uma das causas da evasão quando
ouvimos S1 que pontuou: ―É... às vezes a pessoa vai com um pouco de sono para a escola... É
porque a pessoa tem que ir pra num tá faltando, aí a pessoa tá bem cansado do trabalho, aí fica
mei ruim, né?‖.
As falas de S7 e de S1 nos remetem ao pensamento de Piconez (2002) quando pontua
que a oferta do ensino nas escolas públicas se dá de maneira desigual em relação às/aos
sujeitas/os que pertencem a uma camada social historicamente marginalizada. Enquanto às/os
sujeitas/os que têm acesso à oferta de Ensino Regular poderão se inserir nas universidades e
ocupar posições trabalhistas melhores, os que têm acesso à modalidade da EJA estarão
submetidos a condições de trabalho mais difíceis, visto que não se garante a apropriação do
saber socialmente elaborado, validado epistemicamente. Então a questão, antes de ser escolar,
é social e marcada pela Colonialidade do Saber (QUIJANO, 2005) e pela Racialização
(QUIJANO, 2000) existente no espaço territorial do trabalho.
Como não há conexão entre os conhecimentos tratados na escola com a experiência de
trabalhos das/dos Sujeitas/os, não faz sentido a permanência neste espaço. O trabalho
remunerado é uma realidade na vida de cinco (S1, S4, S6, S7 e S8) das/os oito Sujeitas/os
entrevistadas/os. Porém, é mais consistente na vida dos homens entrevistados, visto que três
deles desenvolveram atividade remunerada em 2013 e S3 que não trabalhava em 2013
trabalha em 2014.
Diante do dado exposto, compreendemos que o mundo do trabalho remunerado é uma
arena de afirmação masculina, o que faz com que a causa trabalho seja mais evidenciada nos
homens da pesquisa. Esta evidência traz à tona um duplo silenciamento. Por uma parte o
silenciamento da atividade de produção doméstica no processo de valoração e valorização do
trabalho, por outra parte a ausência significativa das mulheres campesinas nas arenas
remuneradas do mundo do trabalho. Desta maneira, a presença do Patriarcado (NARVAZ;
KOLLER, 2006) é presente não apenas nas relações familiares, como também no exercício do
trabalho (remunerado e não remunerado).
Reconhecemos que as longas jornadas de trabalho contribuem diretamente para o
processo de evasão, entretanto, identificamos outras causas que possuem igual relevância para
este processo, a exemplo da categoria Família, que será tratada a seguir.
A segunda categoria do primeiro Eixo de Sentido – Família – foi dividida em três
subcategorias: filhos, companheiro, outros familiares. Sentimos a necessidade desta divisão
porque percebemos que apesar das/os sujeitas/os de pesquisa apontarem estas pessoas como
familiares, a influência delas para a evasão não ocorreu em nenhum dos casos de maneira
homogênea. Por este motivo, consideramos relevante tratá-las distintamente. Diante do
esquema apresentado, trataremos as subcategorias da categoria Família a partir da ordem de
significância8 em que os dados aparecem nas falas das/os Sujeitas/os.
Conforme posto na seção anterior deste capítulo, todas as mulheres que contribuíram
com a pesquisa são casadas e apenas uma delas, S6, não tem filhos. Desta forma, notamos que
a subcategoria filhos foi um elemento que influenciou para a evasão das Sujeitas da pesquisa,
visto que esta foi a principal causa atribuída ao afastamento dos estudos. Quando as Sujeitas
foram questionadas sobre qual foi o principal motivo que fez com que elas se evadissem da
escola, obtivemos a seguinte resposta de S2: ―[...] é que eu tava grávida e tinha vergonha de ir
no colégio. O outro foi que o menino nasceu, aí não tinha ninguém pra poder ficar com meu
filho pra eu estudar‖.
A fala de S2 expressa que o filho foi a principal causa para a evasão, visto que após o
nascimento da criança não havia quem ficasse com o filho para que pudesse frequentar as
aulas. Além da situação vivenciada por S2, encontramos nas falas de S4 e S5 elementos que
comprovam que a evasão estava principalmente atrelada aos cuidados com os filhos, quando
apontam que:
8
Definimos aqui como ordem de significância os elementos que apareceram mais vezes nas falas das/os
sujeitas/as da pesquisa.
Principalmente por causa dele (refere-se ao filho), porque ele mama e é
muito chato, não fica com ninguém. Aí, e muitas vezes porque já dificulta
agora né, à noite... Porque à noite eu tenho que cuidar dele, aí no outro dia
ele já acorda cedo e antes não né, não tinha o que fazer e podia passar bem
mais tempo na escola. (S5).
Assim, a existência dos filhos na vida das Sujeitas representa a sua dedicação
prioritária aos cuidados destes. Neste contexto, os pais, na escala de distribuição de
responsabilidades/papéis, não têm hegemonicamente como atribuição o cuidado com os
filhos, visto que a mãe já desempenha esta função. Esta divisão de responsabilidades distancia
a mãe de uma vida profissional/escolar.
Neste sentido, retomamos o pensamento de Narvaz e Koller (2006, p. 52) que definem
mais claramente os estereótipos constituídos acerca dos papéis que devem ser desenvolvidos
pelos membros da família nuclear: pai, mãe e filhos. Deste modo, a mulher, campesina,
estudante da EJA é invisibilizada, silenciada e submetida à lógica da Colonialidade que
subalterniza os povos campesinos, nos eixos do Ser e do Saber. Estes eixos reproduzem a
ideia de que estudantes da EJA são inferiores/ analfabetos. Além da lógica da Colonialidade,
estas mulheres ainda sofrem pela lógica do Patriarcado, que exerce o controle sobre as
decisões das mulheres (AGUIAR, 2000).
O filho não tem sentido em si mesmo como causa da evasão, senão quando está
acompanhado de determinadas atribuições Patriarcais que estabelecem o papel Colonizado
de maternidade. Desta forma, o Patriarcado está presente na relação das Sujeitas campesinas
em suas vivências conjugais. Quando o termo ―filhos‖ aparece indistintamente na fala das
Sujeitas se revela a face Moderna do Patriarcado; ela esconde, todavia, a Colonialidade não
pronunciada na palavra machismo.
Em continuidade com a discussão sobre o Patriarcado, os dados da pesquisa
apontaram outra categoria que apareceu em segundo lugar na incidência das causas da evasão.
Esta se caracteriza pela presença da subcategoria Companheiro e foi comum a todas as
Sujeitas. Iniciamos apontando a fala de S6, única Sujeita que não tem filho e que trabalha em
um espaço diferente do doméstico. Quando indagada sobre a sua evasão, ela responde:
―Assim, porque agora eu trabalho, me casei, e assim, virei uma dona de casa. Deixei de ser
solteira pra ser casada. Também tenho a minha casa, tenho o meu marido, fico muito
ocupada‖.
Nesta fala de S6, percebemos que estudar é uma atividade desenvolvida por mulheres
solteiras e que a mulher casada, naturalmente, não estuda. Ainda na entrevista com S6
questionamos o que o seu esposo acharia se ela voltasse a estudar. Em resposta ela diz:
―Normal. Aceitava‖. Mas quando ela é questionada sobre o desejo de retornar aos bancos
escolares a fala dela aponta que o seu casamento, as tarefas domésticas a impedem de
prosseguir com os estudos, conforme constatamos:
Assim, porque agora eu trabalho,me casei, e assim, virei uma dona de casa. Deixei de
ser solteira pra ser casada... Aí eu tenho o meu trabalho, tenho a minha casa, mesmo se eu
voltasse a estudar só no período da noite porque logo cedo eu trabalho. Também tenho a
minha casa, tenho o meu marido, fico muito ocupada... Assim, o trabalho, o casamento, o
fazer das atividades de dona de casa, tempo também que eu não tenho pra estudar, só isso.
(S6)
A evidência do casamento como uma das causas que conduzem as mulheres à evasão
não se faz presente apenas na fala de S6. Além dela, podemos elucidar o exemplo de S2 que
ao ser questionada se houve alguma circunstância com o marido que contribuiu para a sua
decisão de deixar a escola ela responde: ―Não, ele sempre dizia que era pa estudar direitinho,
não faltar aula nem gazear aula, ele sempre foi a favor de eu estudar‖. A fala de S2 evidencia
a tutela, resultante da lógica Patriarcal. Para que a Sujeita estudasse, era necessário que o seu
companheiro a orientasse sobre o que era necessário ser feito. Desta forma, reconhecemos que
a mulher é tutelada pela figura masculina, as suas ações, decisões necessitam ser autorizadas
pelo companheiro para que sejam exercidas (AGUIAR, 2000).
Em outro momento da entrevista, S2 é questionada sobre os cinco motivos que fizeram
com que ela se evadisse. Em resposta ela diz: ―Porque no tempo eu tinha casado, aí fui
desistindo, não quis mais estudar...‖. Percebemos com a fala da Sujeita uma cisão entre o
estudo e casamento. Enquanto a mulher não estava casada o seu tempo era destinado aos
estudos e com a ocorrência do matrimônio a dedicação anteriormente dada aos estudos passa
a ser direcionada para o casamento.
Notamos também a influência do casamento para a evasão na fala de S5 que pontua:
―É... muitos desistem... às vezes porque se casam, os maridos não deixam, arrumam filhos...‖.
Neste sentido, a única Sujeita que não citou a influência direta do companheiro na decisão de
evadir-se foi S4 ao pontuar: ―O meu marido às vezes diz: ‗mais fia, muitas vezes tu vai se
matricula e nunca termina?‘ E eu digo: é, mai um dia eu termino‖. Diante destes dados
podemos destacar que todas as Sujeitas percebem o casamento como um empecilho para a
permanência na escola.
Mesmo quando as Sujeitas não possuem consciência de sua condição de submissão de
gênero, de ser/sujeita tutelada, as suas falas expressam a influência do Patriarcado em suas
decisões. Os homens nos relacionamentos das Sujeitas exercem o papel de tutores que
decidem ou influenciam as suas escolhas. Estas mulheres são controladas e necessitam da
autorização masculina para decidir se devem ou não estudar, assim como em todas as outras
escolhas de sua vida. Para tanto, o casamento é uma causa de evasão presente na fala das
Sujeitas. Seja pela presença dos filhos, seja pela atribuição de tarefas domésticas ou até
mesmo pela não autorização direta ou indireta do companheiro. Estas questões que se
vinculam ao relacionamento conjugal interferem diretamente na decisão de estudar. Isto não
ocorre em relação aos homens.
Percebemos que a tutela masculina sobre o corpo e a sexualidade das mulheres não
aparece apenas em relacionamentos conjugais. Nas relações entre masculino/feminino há
sempre ações de controle do corpo da mulher. S5 traz em sua fala elementos bem importantes
que auxiliam a nossa compreensão sobre a presença do Patriarcado nas relações (conjugais e
não conjugais) das Sujeitas. Quando foi questionada sobre o que a fez estudar no ano de 2013,
ela pontua que: ―O incentivo, porque meus irmãos voltou a estudar, aí como era à noite e
minha mãe não deixava, aí tinha os meus irmãos, aí foi que ela deixou voltar a estudar‖.
Compreendemos com a fala que S5 aponta que a garantia do direito aos estudos estava
associada à escolha dos irmãos de estudar ou não; a tutela, neste caso, não ocorre com relação
ao companheiro. Quem assume a tutela de S5 são os seus irmãos. Quando prosseguimos com
a entrevista e questionamos por que ela só podia ir para a escola se os irmãos fossem,
obtivemos a seguinte resposta: ―Porque eu aprontava muito (risos). Namorava muito e ficava
fora da sala de aula‖.
Concebemos assim que a segurança de que S5 realmente cumpriria com os seus
objetivos escolares estava associada à presença dos irmãos. Apesar de haver a concessão de
uma figura feminina (mãe) para que a Sujeita fosse para a escola, esta concessão só podia se
materializar com a tutela ―vigilância‖ do seu corpo e decisões, realizadas pelos seus irmãos.
Este controle se expressa quando S5 aponta que gostava de namorar e que os seus irmãos a
vigiavam para que não namorasse.
Ressaltamos que nas duas subcategorias abordadas, Filhos/Companheiro, não
apresentamos nenhum dado dos homens Sujeitos da pesquisa, visto que estes não possuíam no
momento da pesquisa filhos ou esposa. Entretanto, podemos destacar que todos os homens da
pesquisa desenvolviam atividades profissionais fora de casa e que tinham mulheres – não
companheiras – irmãs, mães, tias, avós, para desenvolver para eles as atividades domésticas.
Estas mulheres ficavam com esta função enquanto eles (Sujeitos da pesquisa) e os outros
homens da casa (pais e irmãos) saíam para trabalhar. Esta evidência reafirma a lógica
Patriarcal que vem sendo discutida nesta pesquisa que pode ser comprovada nas falas de S7 e
de S8:
Preciso trabalhar pra ajudar a minha mãe que fica em casa e cuida de mim
só. (S8)
Eles num disseram não, ela (referindo-se a mãe) sempre diz que é pra eu
voltar pra estudar, voltar pro colégio, continuar no estudo. Minha mãe
sempre queria que eu fosse po colégio e estudasse direitinho. (S2)
Teve uns tempo aí que meu avô tava doente, com um caroço nas costa e num
guentava nem se abaixar pá panhar uma coisa no chão. Aí minha vó é
deficiente, cadera de roda, aí tem que ficá alguém pá tirá ele e botar, né? Aí
também atrapalha um pouco. Primeiro foi que meu avô adoeceu e eu não ia
mesmo pra escola, que eu num vô deixar ele ficar pegando em peso sozinho.
CONCLUSÕES
Após a análise do Eixo: Causas socioeconômicas e culturais ampliamos a nossa
compreensão de que existem muitas particularidades que percorrem o território da Educação
de Jovens e Adultos e da evasão. As especificidades presentes em cada uma das categorias da
análise e o contexto em que a pesquisa foi realizada nos direcionam para as múltiplas
situações vividas pelas/os Sujeitas/os da pesquisa que nos possibilitam entender a evasão e a
sua configuração, entretanto, compreendemos o não esgotamento da discussão.
Para tanto, evidenciamos que a compreensão da evasão, não pode estar dissociada dos
contextos sociais a que as/os Sujeitas/os da EJA se inserem. Esta afirmativa só confirma e
coaduna a necessidade de articulação política/epistêmica da escola com os saberes Outros,
que são produzidos nos espaços sociais daqueles que habitam o chão escolar. A omissão desta
articulação e a manutenção da lógica urbanocêntrica no Território Campesino auxiliam na
sustentação da evasão.
Desta forma, a ausência da escuta das/dos Sujeitas/os de Direito, produz
consequências no espaço escolar, mas estas não se dissociam também da experiência que
produzem no espaço social. Neste sentido, a lógica Patriarcal é evidente como um elemento
socioeconômico que interfere no estudo das mulheres Sujeitas da pesquisa. Em contrapartida,
a lógica do mundo do trabalho expressa a causa social mais significativa para a evasão dos
homens Sujeitos da Pesquisa.
Com isto, entendemos que os elementos socioeconômicos e culturais são pilares que
sustentam os outros eixos estruturantes da análise. Consideramos pilares, porque entendemos
que as causas da evasão que se manifestam na escola e na sala de aula são frutos de uma
lógica Moderna/Colonial, que estabelece padrões não apenas no espaço escolar, mas
principalmente no espaço social. Desta forma, a organização da escola e das práticas que nela
se materializam, obedece a esta lógica. Para tanto, por entendermos que nenhuma lógica é
linear e que existem tensões que coexistem, é que evidenciamos a evasão como um
acontecimento que também expressa resistência.
Deste modo, as/os Sujeitas/os de Direito, ao se evadirem da escola, estão dizendo que
esta organização não atende as suas necessidades e modo de vida. Talvez, esta resistência não
seja calculada e estas/es não tenham clareza política da sua ação. Mas o que compreendemos
é que a evasão se transforma em um problema educacional e que as possibilidades para
justificá-la não se esgotam. Assim, temos clareza que os dados elencados nesta pesquisa
representam a leitura do contexto de dois Distritos do Território Campesino de Caruaru-PE, e
que neste contexto, as causas da evasão se sustentam no pilar dos aspectos socioeconômicos e
culturais: Patriarcado e Trabalho e se desdobram na estrutura escolar e nas causas didático-
pedagógicas.
REFERÊNCIAS
ARROYO, Miguel González. Outros sujeitos, outras pedagogias. Petrópolis, RJ: Vozes,
2012.
CARMO, Gerson Tavares. Evasão de alunos na EJA e reconhecimento social: crítica ao senso
comum e suas justificativas. 34ª Reunião Anual da ANPEd. GT 18. 2011. Anais... Disponível
em: www.anped.org.br Acesso em Jun. 2013.
INEP. Dados finais do censo escolar da Educação Básica de 2010. 2010. Disponível em:
http://portal.inep.gov.br/basica-censo. Acesso em nov. 2013.
PICONEZ, Stela Conceição. Bertholo. Educação escolar de jovens e adultos. Campinas, SP:
Papirus, 2002.
eversonsilva12@gmail.com;
NFD/CAA/UFPE.
lipe-silva-@hotmail.com;
NFD/CAA/UFPE.
larissasuellen39@gmail.com;
NFD/CAA/UFPE.
mm.marcelohenrique@yahoo.com.br;
PPGDH/PPGEDUC/UFPE
RESUMO
Questões sobre gênero e sexualidade têm se tornado temas pertinentes de grande importância, e
trabalhá-los nas escolas se faz necessário enquanto possibilidade de construção de sujeitos sociais
críticos e não preconceituosos. O objetivo deste estudo foi analisar e mapear como estas temáticas são
abordadas em sala de aula de uma escola da zona da mata pernambucana e verificar a prática
pedagógica dos docentes no cotidiano desta escola. Para fazer essa verificação, foi realizada uma
entrevista semiestruturada com cinco perguntas e de cunho qualitativo para analisar o método como
esses temas eram inseridos nas turmas, caso eles realmente estivessem inseridos. O resultado foi
satisfatório e mostrou que ainda temos uma sociedade LGBTfóbica e que parte do grande avanço da
abordagem dos temas gênero e sexualidade em sala se deve aos movimentos sociais que reivindicam
por essa causa.
Palavras-chave: Gênero e Sexualidade, Pesquisa de Campo, Educação Básica.
ABSTRACT
Questions about gender and sexuality have become relevant topics of great importance, and working
them out in schools becomes necessary as a possibility for the construction of critical and
unprejudiced social subjects. The objective of this study was to analyze and map how these themes are
addressed in a classroom of a zone in the forest area of Pernambuco and verify the pedagogical
practice of teachers in the daily life of this school. To carry out this verification, a semistructured
interview with five qualitative questions was carried out to analyze the method as these subjects were
inserted in the classes, if they were actually inserted. The result was satisfactory and showed that we
still have an LGBT phobic society and that part of the great advance of the approach of the themes
gender and sexuality in room is due to the social movements that claim for this cause.
INTRODUÇÃO
Outro ponto exposto ainda por Butler, diz respeito as categorias de sexo, gênero e
sexualidade. A autora problematiza a linearidade do pensamento que relaciona um corpo de
macho, com o seu gênero homem e sua sexualidade, no caso heterossexualidade. Além de
sublinhar que não apenas o gênero é uma construção sociocultural, mas também o corpo.
assim, as categorias de sexo, gênero e sexualidade são ficcionais.
se o gênero são os significados culturais assumidos pelo corpo
sexuado, não se pode dizer que ele decorra, de um sexo desta ou
daquela maneira. Levada a seu limite lógico, a distinção sexo/gênero
sugere uma descontinuidade radical entre corpos sexuados e gêneros
culturalmente construídos. Supondo por um momento a estabilidade
do sexo binário, não decorre daí que a construção de ―homens‖
aplique-se exclusivamente a corpos masculinos, ou que o termo
―mulheres‖ interprete somente corpos femininos. Além disso, mesmo
que os sexos pareçam não problematicamente binários em sua
morfologia e constituição (...), não há razão para supor que os gêneros
também devam permanecer em número de dois. A hipótese de um
sistema binário dos gêneros encerra implicitamente a crença numa
relação mimética entre gênero e sexo, na qual o gênero reflete o sexo
ou é por ele restrito. Quando o status construído do gênero é teorizado
como radicalmente independente do sexo, o próprio gênero se torna
um artifício flutuante, com a conseqüência de que homem e masculino
podem, com igual facilidade, significar tanto um corpo feminino como
um masculino, e mulher e feminino, tanto um corpo masculino como
um feminino (2003, p. 24).
Nesse artigo, o maior enfoque será dado as diferenças de gênero e seus significados no
interior da escola, mas é importante mencionar que essas questões perpassam os limites das
escolas.
METODOLOGIA
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Vale salientar que durante a pesquisa, serão mencionadas como professora 1 a que
possui 35 anos de idade, e professora 2 a que possui 40 anos de idade.
―Sim‖ (PROFESSORA 1); ―Sim‖ (PROFESSORA 2). Com essas duas respostas
afirmativas pode-se observar que a escolha da escola foi realizada de maneira correta, visto
que ambas abordam o assunto em sala.
Com as respostas da primeira pergunta, foi possível realizar a segunda pergunta que
foi: Qual/is a/as série/s que você costuma debater esse assunto?
―1º, 2º e 3º anos‖ (PROFESSORA 1); ―1º, 2º anos‖ (PROFESSORA 2). Vê-se também
que ambas as professoras abordam o tema em uma parte considerável do ensino básico.
―Porque se faz necessário orientar os jovens sobre esses assuntos para formar essas
pessoas conscientes, tolerantes e com senso crítico, principalmente pessoas que tenha respeito
pela diversidade‖ (PROFESSORA 2). A resposta da professora 2 não foi satisfatória pois a
mesma não respondeu qual objetivo ela segue ao abordar os temas gênero e sexualidade em
sala de aula, apesar de a mesma mencionar em sua resposta ―...respeito pela diversidade‖, não
pode-se concluir que esse é o seu objetivo em sala.
Quanto a dificuldade em tratar esses temas na sala de aula da educação básica foi feita
a quarta pergunta: Você acha difícil abordar esse assunto na educação básica? Por quê?
―Sim, pois existe a resistência do próprio corpo docente, além de projetos políticos
contrários a essa abordagem. Embora seja uma temática importante ainda é persistente as
ideias e atitudes preconceituosas‖ (PROFESSORA 1). A resposta da professora 1 nos permite
concluir que muitas vezes os agentes do meio educacional como docentes são reprodutores da
LGBTfobia e que os projetos políticos mesmo que tenham dado um avanço nos últimos anos,
ainda não são suficiente.
―Um pouco sim, por sermos parte de uma sociedade ainda culturalmente machista‖
(PROFESSORA 2). Já a professora 2 pensa que a maior dificuldade em abordar Gênero e
Sexualidade na educação básica é o fato de sermos parte de uma sociedade ainda
culturalmente machista.
Para finalizar a entrevista, buscou-se saber das professoras a importância da
abordagem desses temas em sala, foi elaborada então a quinta pergunta: Para você como
educador, é importante trabalhar esse assunto na sala de aula? Por quê?.
―Sim, pois o ser humano precisa aprender a conviver e a respeitar seu semelhante‖
(PROFESSORA 1); ―Sim, pelo que já respondi na questão 3‖ (PROFESSORA 2). Para ambas
as professoras a importância da abordagem dos temas gênero e sexualidade em sala de aula é
ensinar a seus alunos a respeitarem e conviverem com as diferenças/diversidades.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
______. Cuerpos que Importan: sobre lós limites materiales y discursivos Del ―sexo‖.
Buenos Aires, Barcelona, México: Paidós, 2008.
_____________________________________CONDENSAÇÃO DE SENTIDOS E
PARÓDIA: CATEGORIZAÇÃO SOCIAL SOBRE SEXO, GÊNERO E SEXUALIDADE.
Recife, tese de Doutorado do PPGS/UFPE, 2013.
RIBEIRO, Cláudia Maria; SOUZA, Ila Maria Silva de. (Orgs.). Educação Inclusiva: tecendo
gênero e diversidade sexual nas redes de proteção. Lavras: UFLA, 2008.
Resumo: Por meio desse trabalho procuramos analisar as práticas culturais e pedagógicas
desenvolvidas pela professora Maria Carolina Wanderley Caldas, mais conhecida como Sinhazinha
Wanderley, e a importância dessas práticas para a cidade do Assú. A referida professora nasceu em
1876 e faleceu em 1954. Sinhazinha fazia parte de uma das famílias da elite assuense e viveu numa
época em que a cidade apresentou um florescente desenvolvimento cultural com a publicação de
diversos jornais, a produção de poesias, prosas e versos e atividades teatrais. A professora participou
ativamente de todo esse florescimento cultural e apresentou contribuições importantes escrevendo
peças teatrais, poesias e textos para jornais e compondo hinos religiosos e cívicos. Essa atuação se
mostra significativa por se tratar de um período em que poucas mulheres participavam dos
acontecimentos culturais das cidades. Além dessa produção no contexto cultural, Sinhazinha
Wanderley também contribuiu com a formação educativa de várias gerações de assuenses lecionando
no Externato São José, que funcionava em sua própria residência, e no Grupo Escolar Tenente Coronel
José Correia. A professora também estendeu suas atividades culturais para o universo educacional
utilizando em suas aulas recursos como o canto, a poesia e o teatro, influenciando alguns de seus
alunos.
Introdução
Maria Carolina Wanderley Caldas, mais conhecida como D. Sinhazinha Wanderley,
nasceu na cidade do Assú, interior do Rio Grande do Norte, no dia 30 de janeiro de 1876.
Era a oitava filha do primeiro casamento de Dr. Luís Carlos Wanderley e D. Francisca
Carolina Lins Caldas, que faleceu um ano e três meses após o nascimento de D. Sinhazinha.
Meses depois da morte da esposa, Dr. Luís Carlos casou-se novamente com a
cunhada Maria Carolina, porém, a recém nascida passou a ser criada pelo Coronel Francisco
Justiniano Lins Caldas e D. Umbelina Wanderley Caldas, tios e amigos de seus pais e que
faziam parte do contexto das famílias mais abastadas do Rio Grande do Norte. Além de
circular na vida política e social da cidade do Assú, o pai adotivo de Sinhazinha Wanderley
também era professor de Latim e o contato da menina com a leitura e a escrita ocorreu em
sua própria casa.
Sinhazinha viveu em Assú numa época em que a pequena cidade sertaneja era marcada por uma
efervescência cultural com destaque para o jornalismo, a poesia, a prosa, o teatro e a música,
manifestações culturais e artísticas que começaram a ganhar ênfase na segunda metade do século XIX e
das quais ela participou ativamente.
Além de uma amante da cultura, Sinhazinha contribuiu para a educação na cidade mantendo o
Externato São José, cujo funcionamento se dava na sala principal de sua casa. Com a implantação do
Grupo Escolar Tenenete Coronel José Correia, em 07 de setembro de 1911, ela passou a fazer parte do
corpo docente, permanecendo nessa instituição até meados da década de 1950.
Nesse contexto, o objetivo desse trabalho é analisar as práticas culturais e pedagógicas
desenvolvidas pela professora e a importância dessas práticas para a cidade do Assú.
Justifica-se pela necessidade da reconstrução dessas práticas e a evidência de Maria
Carolina Wanderley Caldas, Sinhazinha Wanderley, como uma figura importante na educação
e cultura da cidade do Assú.
O referencial teórico está embasado nas reflexões de Magalhães (2004),
principalmente nas noções de comunidade envolvente e agentes e sujeitos. Nesses
conceitos, o autor identifica a presença de gestores, docentes, funcionários e alunos
envolvidos na dinâmica interna das instituições educativas agindo de formas variadas no
sentido de atingir seus intentos, mas que também desenvolvem uma participação ativa nos
itinerários extraescolares, como é o caso de Sinhazinha Wanderley que apresentou
contribuições significativas para o universo cultural e educacional da cidade do Assú.
Como membro de uma das famílias mais importantes na cidade do Assú na passagem
do século XIX para o XX, Sinhazinha recebeu em sua própria casa, e por parte dos
familiares ou de professores particulares, aulas de música, literatura, catecismo, francês,
inglês e latim. Essas aulas de línguas estrangeiras eram oferecidas geralmente às pessoas de
destaque social na cidade principalmente por padres e freiras que estavam de passagem na
localidade e desenvolviam trabalhos religiosos (Pinheiro, 1997).
A cidade do Assú no período em que Sinhazinha viveu foi marcada por uma
efervescência cultural com destaque para o jornalismo, a literatura, com a poesia e a prosa, e
às artes, com o teatro e a música.
Essas manifestações começaram a ganhar ênfase na segunda metade do século XIX
com o início da publicação de diversos jornais que abriram o cenário da vida literária na
cidade. Sob a responsabilidade de João Carlos Wanderley, o jornal O Assuense foi o
primeiro periódico a circular no Assú, em 1867. A partir daí vieram diversos outros
periódicos considerados de grande, médio e pequeno porte, alguns com vida efêmera e
outros com um período de existência mais demorado que destacavam em suas páginas temas
e assuntos variados como política, moral, notícias, críticas, humor, educação, literatura,
poesia, comércio e religião, entre outros.
A produção poética se desenvolveu a partir do final do século XIX. Ferreira (1999),
destaca que a cidade do Assú teve realce no panorama da cultura e literatura potiguar como
uma das detentoras de maior número de poetas, recebendo, assim, o epíteto de Cidade dos
poetas. As produções locais apresentavam estilos diversificados, com temas satíricos,
românticos, modernos, cívicos, populares e regionais, evidenciando ainda as paisagens do
Vale do Açu e registrando aspectos históricos e o amor à terra9.
A família do médico Luiz Carlos Lins Wanderley apresentou contribuições
significativas para o desenvolvimento da arte poética na cidade do Assú por meio das
produções do próprio médico e de seus filhos Segundo Wanderley, Ezequiel Wanderley,
Celestino Wanderley e Maria Carolina Wanderley Caldas (Sinhazinha Wanderley).
Paralelo ao desenvolvimento da literatura assuense, destacamos também o teatro com
a presença de diversas sociedades dramáticas como a Sociedade Recreio Familiar (1884), a
Sociedade Recreio Dramático Juvenil Assuense (1891), a Fênix Dramática Assuense (1902)
e o Clube Dramático Arthur Azevedo (1912). As expressões artísticas dessas agremiações,
que contavam com musicais, dramas e comédias, eram representadas e escritas pelos filhos
da terra e foram encenadas nos espaços teatrais da cidade, como o Teatro São José, Teatro
São João, Teatro Alhambra e Cine Teatro Pedro Amorim (AMORIM, 1972).
A convivência que Sinhazinha manteve com essas práticas culturais desenvolvidas na
cidade despertou nela uma vocação para se dedicar às artes explorando em suas produções os
aspectos locais e demonstrando grande amor por sua terra. Mesmo sendo de uma família
abastada e tendo a possibilidade de migrar para lugares mais desenvolvidos, ampliando seus
conhecimentos ou difundindo suas produções como fizeram alguns de seus parentes, ela
preferiu morar permanentemente no Assú.
9
No livro Poetas do Rio Grande do Norte, lançado em 1922, Ezequiel Wanderley reúne produções e
biografias de 107 poetas potiguares. Entre esses, 39 são de Natal, 27 do Assú, 10 de Ceará-Mirim, 6 de
Macaíba, 4 de São José de Mipibú e de Macau, 2 de Angicos e Nísia Floresta e 1 representante das
cidades de Arês, Mossoró, Caicó, Apodi, Touros, Jardim do Seridó, Canguaretama e Lajes.
Sinhazinha Wanderley participou ativamente da vida cultural da cidade por meio de
uma extensa produção que envolvia a música, com a composição de hinos religiosos e
cívicos, peças teatrais, textos para jornais e poesias, expressando a supervalorização da
religiosidade, do sentimentalismo, do nacionalismo e de um profundo amor que sentia por sua
terra. Inclusive, é de sua autoria o hino oficial da cidade do Assú:10
ESTRIBILHO
Torrão bendito hei de amar-te
Dentro do meu coração.
Salve, Assú estremecido,
Salve, salve ó meu sertão.
Valoroso, florescente,
Em face dos mais sertões
Hão de erguer-te o nosso esforço
Nossos bravos corações.
Segundo Montenegro (1978, p. 71) ―com a pujança de sua inspiração e amor telúrico
ao seu Açu querido‖, Sinhazinha tornou-se uma musicóloga, escritora e poetisa de grandes
méritos ―que conseguiu perpetuar-se nas músicas que compôs, nos versos que fez. Centenas
de meninos e de fieis cantam nas escolas e nas igrejas, a sua alma poética e mística, através de
hinos religiosos e patrióticos, os mais expressivos‖.
Sinhazinha colaborou em jornais locais escrevendo textos com temas diversos e
poesias, como na Revista Paládio (1915) em que publicou os versos Recreio e A nova Escola,
ou na Revista Atualidades de 1950 em que escrevia textos variados.11 Seus escritos abordam
temas sentimentalistas, filosóficos, sociológicos, existências e decantam as belezas naturais da
10
O Hino oficial da cidade do Assú foi instituído no dia 10 de outubro de 1969 sob a Lei Municipal N°
06/69. Segundo o artigo 3° dessa Lei: ―Fica oficializado, como Hino do Município do Açu, o
composto do poema e música da saudosa poetisa e musicista açuense, Sinhazinha Wanderley‖.
11
Apesar de não ter publicado nenhum livro, a produção intelectual da professora Sinhazinha
Wanderley pode ser encontrada em diversas obras de memorialistas e escritores assuenses como
Wanderley (1965), Vasconcelos (1977), Montenegro (1978), Fonseca Filho (1984), Lopes (2011) e na
coluna Paisagens da Minha Terra que a professora escrevia semanalmente no Jornal Atualidades,
periódico que circulou na cidade do Assú durante o ano de 1950.
terra e os tipos humanos e acontecimentos do Assú, como na poesia que reproduzimos a
seguir publicada na Revista Atualidades em 26 de fevereiro de 1950 (p. 5):
Assú, Às 11 do dia
Fonseca Filho (1984, p. 57), afirma que a Sinhazinha era uma amante dos versos, que
ora se mostravam tristes, ―ora jocosos. Escrevia versos para si e para os outros. Não havia um
batizado, festa de aniversário, bodas de casamento ou outro acontecimento social em que não
estivessem presentes as quadrinhas de Sinhazinha Wanderley‖.
13
Rômulo Chaves Wanderley publicou os seguintes livros: Uma tempestade num copo d‘água (1951),
Arca de Noé (1952), Panorama da poesia norte-rio-grandense (1965), Canção da Terra dos
Carnaubais (1965) e A geografia potiguar na sensibilidade dos poetas (1984).
a criação de elencos formados por seus alunos. Entre essas encenações, destaca-se o texto A
professora de aldeia. Segundo Pinheiro (1997, p. 154), este drama escolar disposto em três
atos foi ensaiado e apresentado pelos alunos do grupo escolar e:
De acordo com Pinheiro (1997, p. 158), a peça Taba Assú abordava questões da
história da cidade do Assú e ―retratava de forma heroica a atitude do índio frente aos perigos
da dominação dos colonizadores‖.
Os temas dos dois textos escritos pela professora expressam situações cotidianas e
históricas mostrando que a arte também é uma ferramenta importante para refletir sobre temas
mais amplos até mesmo nos espaços de escolarização. Nesse sentido, Veiga (2003, p. 415)
afirma que ―o belo e o sublime perfilam como novas emoções estéticas apresentadas à
população e para o seu desenvolvimento a escola é chamada‖.
Sinhazinha Wanderley continuou exercendo funções no magistério na cidade do Assú
até o ano de 1950. Sua aposentadoria foi publicada no dia 15 de setembro de 1950. Segundo
nota da Revista Atualidades (1950, p. 9), nessa data o Legislativo local concedeu pensão ―no
valor de Cr$ 1.800,00, anuais, a cada um dos professores Maria Carolina Wanderley Caldas e
Manuel Candido Antunes Bezerra a começar de 1° de Agosto do corrente ano‖ abrindo
crédito especial necessário para o pagamento da pensão.
Maria Carolina Wanderley Caldas faleceu na cidade do Assú no dia 20 de setembro de
1954. Segundo Pinheiro (1997, p. 95):
O seu enterro aconteceu de forma simples e humilde, sem as pompas e
honras como é costume no Assú, em enterros de pessoas dos setores
dominantes da sociedade. No cemitério, apenas o comovido discurso
do ex-aluno Francisco Amorim – Chisquito, evocando a velha e
querida professora.
Conclusão
REFERÊNCIAS
______. História do teatro no Assú. Rio de Janeiro: Serviço Nacional do Teatro, 1972.
FARIA FILHO, Luciano mendes. Dos pardieiros aos palácios: forma e cultura escolar em
Belo Horizonte (1906-1918). Uberlândia: EDUFU, 2014.
FERREIRA, Cláudia Maria Felício. A poesia de Renato Caldas e sua dimensão educativa.
Dissertação (Mestrado em Educação). Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
1999.
FONSECA FILHO, Ezequiel. Poetas e boêmios do Açu. Natal, RN: Editora Clima, 1984.
LOPES, Gilvan (Org.). Coleção assuense de literatura. Natal: Sebo Vermelho, 2011.
VEIGA, Cynthia Greive. Educação estética para o povo. In: In: FARIA FILHO, Luciano
Mendes de; LOPES, Eliane Marta Teixeira; VEIGA, Cynthia Greive Veiga. 500 anos de
educação no Brasil. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
Introdução
Desde o surgimento das primeiras experiências escolares na antiguidade, a escola
enquanto instituição social que se prepõe a formação dos sujeitos foi historicamente marcada
pelas desigualdades entre meninos e meninas, desigualdades essas, muitas vezes justificadas
pela diferença dos sexos, discurso que ganhou ainda mais força na idade média com o
monopólio educacional da igreja católica. Assim, por muito tempo, meninas não puderam
frequentar o espaço escolar, ou tiveram uma educação diferente da destinada aos meninos,
pensada para a esfera privada da vida social, por serem consideradas o ―segundo sexo‖, o sexo
que devia ser educado para a família, que deveria assegurar através do casamento filhos a
sociedade. O exercício do pensamento crítico e o ensino para a profissionalização era
destinada aos meninos (ALMEIDA, 2007a, 2007b, 2015).
Desta forma, a escola é historicamente marcada pelas desigualdades de gênero, que
ainda estão presentes em muitas práticas pedagógicas dos espaços escolares contemporâneos
como nos traz Louro (1997), desigualdades que segrega e exclui sujeitos, considerados
diferentes ou desviantes da norma padrão, a mulher, o negro, o homossexual, o transexual
entre outros. No entanto, alguns esforços têm sido tomados para diminuir as desigualdades de
gênero na escola, a partir de olhares que vêm problematizando as práticas pedagógicas, como
é o caso da coeducação defendida por Daniela Auad (2006). Esses novos olhares para as
políticas escolares e para as práticas pedagógicas voltados para as relações de gênero surgiram
com o movimento feminista do final século XIX, através de reivindicações das mulheres ao
sufrágio e por igualdade educacional para meninos e meninas por meio de uma educação
indiferenciada para ambos os sexos, dando surgimento as escolas mistas.
No entanto, a escola mista que hoje temos no Brasil, se revela falha, no que se refere a
educação para a igualdade de gênero, pois a simples mistura entre meninos e meninas não é
suficiente para diminuir as desigualdades de gênero, pois são fruto de uma estrutura social
complexa e histórica, que influencia as relações e práticas pedagógicas, como nos mostra
Auad (2006). Assim, a escola ainda hoje ―fabrica‖ corpos desiguais como afirma Louro
(1997), essa autora, contribui a essa discussão ao afirmar e problematizar que os espaços
escolares são marcados pelas relações de gênero, relações essas que são desiguais, e que
implicam em relações históricas de poder, desta forma, a partir dessa assertiva é possível
apontarmos que a escola contemporânea ainda é sexista e excludente.
Não obstante, ainda com todas essas dificuldades, a escola é um espaço no interior do
qual podem ser construídos novos padrões de aprendizado, convivência, produção e
transmissão de conhecimento, sobretudo se ali valores, crenças, representações e práticas
associadas a preconceitos discriminações e violências de ordem racista, sexista, misógina e
homofóbica forem levados à discussão crítica e política conforme a realidade de cada espaço
escolar.
É diante deste contexto escolar, que aponta para a necessidade de novas práticas
emancipadoras e democráticas que lançamos a seguinte questão provocadora: Como é
tratada a coeducação de gênero nas práticas pedagógicas dos/as docentes do Ensino
Fundamental I? Para podermos refletir sobre como é tratada as relações de gênero na
educação básica a partir das práticas pedagógicas, por acreditarmos que a educação é um
dispositivo importante no enfrentamento as desigualdades de gênero, mesmo sabendo que o
caminho de melhoramento das desigualdades que existem na escola é um processo que deve
envolver leis e medidas que articulem todas as esferas da sociedade, da administração pública
aos docentes em sala de aula. Assim, lançamos aqui mais um olhar sobre as relações de
gênero que se estabelecem nas práticas pedagógicas escolares, apontando a coeducação como
possibilidade de prática pedagógica emancipadora, com o intuito de levantar reflexões e
propor alternativas as práticas pedagógicas tradicionais vigentes.
Nesse exercício de pesquisa, temos como objetivo geral: Analisar o tratamento dado a
coeducação de gênero nas práticas pedagógicas dos/as docentes do Ensino Fundamental I. E
como objetivos específicos: Identificar a existência (ou não) da coeducação na prática
pedagógica mediada pelo/a docente em sala de aula; Compreender as principais questões
relativas a gênero que perpassam as práticas pedagógicas na relação professor/a-aluno/a em
sala de aula.
Partimos do pressuposto central de que, embora as escolas públicas brasileiras sejam
mistas, a coeducação parece ser inexistente na sua totalidade enquanto prática pedagógica
escolar, política e democrática, ancoramos essa hipótese na extensa pesquisa de doutoramento
de Daniela Auad (2004), que posteriormente tornou-se livro, na qual, ela aponta a incipiência
da coeducação nas escolas brasileiras. No entanto, pressupomos também, a possibilidade de
existência na escola de práticas coeducativas isoladas, ou ainda, da possibilidade de existência
de momentos coeducativos não totalmente politizados, já que as práticas pedagógicas são
diversas e cada instituição de ensino tem suas próprias práticas que são reflexo do espaço
formativo, histórico e cultural onde a escola está inserida.
Caminho Metodológico
A fim de construir um novo conhecimento e lançar novas discussões, compreendemos a
intersecção entre a teoria é a prática como elementos fundamentais para o exercício
epistemológico. Assim, pautamos nossa pesquisa numa perspectiva qualitativa, por
acreditarmos que, desta forma, a riqueza sociológica e pedagógica dos fenômenos terá seu
conteúdo preservado. Segundo Minayo (2007, p.21) ―a pesquisa qualitativa responde a
questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade
que não pode ser quantificado‖. Aprofundando-se no mundo dos significados das ações e
relações humanas, num vértice não perceptível e captável em equações, médias e estatísticas.
Nosso campo/tema é a coeducação enquanto prática pedagógica, desta forma, nosso
estudo está delimitado enquanto campo a uma escola pública municipal da cidade de Caruaru
no Agreste Pernambucano. Os sujeitos da pesquisa são dois professores que dividem as
disciplinas do quinto ano do ensino fundamental, na escola escolhida, um professor que
daremos o nome de P1, e uma professora, que daremos o nome de P2, por motivos éticos a
fim de preservar suas identidades na discussão dos dados, a turma de quinto ano escolhida
para pesquisa possui 40 alunos, sendo 17 meninas e 23 meninos.
No que tange ao método epistemológico, nossa pesquisa é do tipo etnográfico realizada
num período de cinco meses, segundo André (2011, p.30), ―esse tipo de pesquisa visa a
descoberta de novos conceitos, novas relações, novas formas de entendimento da realidade‖.
Desta forma, é possível documentar na descrição o que normalmente não é documentado,
levantando e categorizando os fenômenos que perpassam o dia a dia da realidade escolar,
assim esse tipo de pesquisa no contexto escolar:
―Permite, pois, que se chegue bem perto da escola para tentar entender como
operam no seu dia a dia os mecanismos de dominação e resistência, de
opressão e de contestação ao mesmo tempo em que são reelaborados
conhecimentos, atitudes, valores, modos de ver e de sentir a realidade e o
mundo‖ (ANDRÉ, 2011, p. 41).
Para André (2011), uma pesquisa em educação é caracterizada como do tipo etnográfico
quando faz uso de técnicas que tradicionalmente são utilizadas na etnografia como: a
observação participante, entrevista intensiva e a análise de documentos, e quando a ênfase da
pesquisa está no processo, no que está acontecendo em campo, e não nos resultados finais.
Na fase de tratamento dos dados utilizaremos a Análise de Conteúdo por acreditar que
essa técnica metodológica, traduz melhor os significados dos fenômenos obtidos na pesquisa
do tipo etnográfico. Para Bardin (1977) "A análise de conteúdo pode ser considerada como
um conjunto de técnicas de análise de comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e
objetivos de descrição do conteúdo das mensagens" (p. 38). Assim, o significado de um
objeto ou fenômeno pode ser compreendido e categorizado pelas suas significações a partir da
inferência
A Coeducação das relações de gênero na escola: para além das “misturas” entre
meninos e meninas
O movimento feminista Americano e Europeu trouxeram inúmeras contribuições a
nossa sociedade quando reivindicaram e subverteram o lugar da mulher na sociedade
patriarcal. No âmbito da educação não foi diferente, excluídas por séculos da escolaridade,
por serem impedidas de frequentar a escola, que era destinada aos homens, as mulheres desse
movimento, engajaram-se na luta por direitos educacionais de igualdade de gênero. As
feministas consideravam que a melhor forma de se obter igualdade entre os sexos era através
da educação indiferenciada para ambos os sexos, que seria concretizado na escola mista
através da coeducação das relações de gênero (ALMEIDA, 2007a, 2007b, 2015).
No Brasil, por muito tempo a coeducação foi repudiada pela igreja católica que possuía
motivos de ordem cultural/moral e principalmente religiosa, motivos esses, que sempre
recaiam em forma de restrições sobre a mulher, que devia ser educada para a esfera privada,
para ser uma boa esposa, uma boa mãe e boa dona de casa. A educação igual para ambos os
sexos significaria para a igreja católica, uma ameaça para as famílias, assim a
profissionalização feminina, a concessão de direitos civis como o voto e a inserção na política
eram combatidos por serem considerados fatores de desestabilização social, pois de acordo
com Almeida (2007a, p.71) para a igreja:
Desta forma para a igreja católica brasileira do final do século XIX o ensino na
coeducação significaria uma ameaça a sociedade, a moral e aos bons costumes e poderia
desvirtuar as mulheres de sua função social preestabelecida pela igreja, calcada sob princípios
biológicos e fundamentalmente religiosos.
Segundo Almeida (2007a, 2007b, 2015), as ideias de escolas coeducativas entram no
Brasil através dos missionários protestantes Norte Americanos por volta de 1870, que
possuíam ideias democráticas de liberdade, que movidos por interesses econômicos
compactuavam com as ideias feministas de igualdade educacionais sem distinção de gênero.
No entanto, as escolas mistas se proliferaram no Brasil, muito mais pelas condições
socioeconômicas em que o país se encontrava, já que custavam menos aos cofres público, do
que, por uma ideologia de igualdade. Auad (2006), ressalta sobre essa discussão que o projeto
inicial de coeducação no Brasil falhou, pois o que de fato foi implantado no país, foi um
modelo de escolas mistas, o projeto de coeducação feminista de equidade de gênero foi
suprimido pelo sistema.
A partir da ―segunda onda‖ o movimento feminista, ganha ainda mais força, no que se
refere aos direitos da mulher, em meados de 1960, surge a teorização da problemática do
conceito gênero no movimento, que agora, se volta para o campo acadêmico, propondo a
teorização das questões relativas ao sujeito mulher na sociedade, para além da militância
política que existia nas ruas, que surgiu no século XIX com o sufrágio, movimento que
propunha a legalidade do direito da mulher ao voto (LOURO, 1997). As estudiosas feministas
denunciam então, o ocultamento da mulher na esfera pública e acadêmica, com estudos que
tinha por objetivo tornar visível o sujeito mulher que historicamente esteve restrito a esfera
privada, estes estudos, então, dão voz aquelas que eram sumariamente silenciadas pela norma
masculina.
Estes estudos questionam principalmente o determinismo biológico que sustentava a
tese de que por serem sexualmente diferentes homens e mulheres teriam posições sociais
diferentes, utilizada por séculos para justificar a desigualdade social entre homens e mulheres.
Assim, os estudos vêm demostrar que não são as características sexuais, mas o que se fala ou
se pensa sobre elas, que vai construir o que é masculino ou feminino em uma sociedade e em
um tempo histórico. O debate vai se construir sobre uma nova análise onde gênero passa a ser
o conceito central da discussão, conceito esse que passa a incluir também as questões do
homem, e das masculinidades (LOURO, 1997).
Dentre as múltiplas marcas que a cultura impõe sobre os corpos, Butler (1990), destaca
o gênero como a inscrição primeira, inauguradora do processo de subjetivação, para a utora:
Auad (2006), faz também, uma diferenciação entre escolas mistas e coeducação pois
para a autora, além dos meninos e meninas, estarem ―misturados‖ realizando as mesmas
atividades de forma que as diferenças sejam respeitadas, é necessário que as oposições
históricas sobre o lugar da mulher e do feminino e do homem e do masculino na sociedade, e
as relações de gênero que também compreendem, relações de poder, sejam questionados na
escola e que as práticas pedagógicas tenham um sentido definido.
A escola ocidental da sociedade capitalista que nos formou e continua a formar, é
historicamente marcada pelas distinções e desigualdades, pois através de seus rituais,
símbolos e códigos historicamente construídos a escola aponta o que deverá ser modelo para
que os sujeitos se reconheçam, ou não, nesses modelos. A escola então, institui múltiplos
sentidos além de marcar desigualdades, pois para a autora citada o modo como a escola
distingue meninos e meninas, apontando o que é correto para um e errado para outro a partir
de suas práticas, produz o corpo escolarizado14. Deste modo, gestos, olhares, movimentos e
14
Termo usado pela autora Guacira Louro no livro: Gênero Sexualidade e Educação: uma análise pós-
estruturalista em 1997, para designar as marcas que a escola produz nos corpos dos sujeitos.
discursos são produzidos no espaço escolar e incorporados ao movimento diário da escola,
por meninos e meninas, tornando-se parte de seus corpos (LOURO, 1997).
Desta forma para Louro (1997), se admitirmos que a escola não só transmite
conhecimentos como também ―fabrica‖ sujeitos, produzindo identidades sociais, temos que
reconhecer que essas identidades são formadas a partir de relações de desigualdade. Assim ao
perceber esse contexto social e histórico, o qual a escola está inserida, encontramos
justificativas para poder intervir na continuidade dessas desigualdades.
A pedagogia feminista, que é uma das pedagogias que vem a influenciar a coeducação,
pode ser pensada como um novo modelo que possa vir a contribuir com o enfrentamento as
desigualdades de gênero na escola, nas palavras de Louro (1997), a pedagogia feminista:
Quadro 2-
Disposição dos alunos na sala
[...] não acho que tem que ter isso de menino com menino e menina com
menina não. Até porque, assim, quando eu faço duplas na sala eu nem
olho quem tá do lado do outro, eu vou juntando quem está próximo, se
for menino vai com menino ou menina. Eu deixo eles ficarem juntos,
portanto que eles façam o trabalho (Entrevista com P2, 7 de novembro de
2016).
Na fala dela, assim como nas falas de P1 é possível perceber que eles de alguma forma
compreendem que as separações de gênero são históricas e correspondem a concepções
arcaicas de sujeitos, no entanto, na prática deles isso não se personifica enquanto atividades
de mistura coeducativa, fica apenas no campo teórico, na fala.
Com relação as práticas de mistura que é condição indispensável para que exista a
coeducação Auad (2006), vem nos alertar para o fato de que se essas práticas não tiverem uma
função pedagógica pensada para integração e respeito as diferenças, essas, não
corresponderão a práticas coeducativas, pois a mistura entre meninos e meninas sem uma
reflexão que vise uma igual valorização de gênero pode cristalizar o aprendizado da separação
reproduzindo hierarquias.
Segundo Louro (1997, 2001), a escola sempre foi, e ainda é, agente de segregação social,
visto que, a partir de seus elementos pedagógicos como: currículos, normas, procedimentos de
ensino, teorias, linguagem, materiais didáticos, processos de avaliação, produz e reproduz
diferenças de gênero, sexualidade etnia e classe, fomentando desigualdades. Tendo em vista
este contexto de desigualdade, o qual a escola faz parte temos como segundo objetivo
específico: Identificar e compreender as principais questões relativas a gênero que perpassam
as práticas pedagógicas na relação professor/a-aluno/a em sala de aula, para que possamos
compreender quando as práticas pedagógicas dos docentes reproduzem desigualdades e
quando as enfrentam em direção a uma prática coeducativa.
Uma das práticas que compreendemos como possível fomentadora de desigualdades
ancorados em Louro (1997), encontrasse na linguagem, pois segundo Louro é seguramente na
linguagem o campo onde as distinções e desigualdades se fazem mais presentes, tanto pelo
fato dela parecer quase sempre como ―natural quanto pelo fato de estar atravessada pelas
práticas que corresponde a repetições de práticas historicamente utilizadas para dar aos
sujeitos masculinos e femininos lugares sociais e papais diferentes colocando a mulher
sempre na condição de ―sexo frágil‖ dando ao homem o lugar de poder. Vejamos uma prática
que acontece em um momento em que o professor P1 está ministrando a aula e tenta intercalar
a participação de meninas e meninos:
Não tem esse negócio não, só porque. Antigamente a gente via muito isso
né? E até tem pais que são assim: “ah! Não quero que minha menina faça
né, se junte com um menino”. Mas não pode ser assim, a vida não é
assim. Desde cedo, na escola a gente tem que trabalhar isso com eles.
(Entrevista com P2, 7 de novembro de 2016).
Considerações Finais
Os discursos e práticas dos professores relativos as questões de gênero, sexualidade e
diversidade apontam para uma certa incompreensão, das temáticas revestidas por vezes de
estereótipos e de posicionamentos próprios do senso comum, isso pode dificultar a possibilidade
da existência de práticas que de fato tenham um compromisso coeducativo, assim como
também, agravar ainda mais as desigualdades de gênero existentes na escola.
Em relação a nossa primeira categoria analítica, foi verificado o uso das relações de
gênero nas práticas pedagógicas, no entanto, era feito, na maioria das vezes, para conter a
indisciplina dos alunos/as e assim facilitar a aula. Desta forma, não verificamos práticas
completas de coeducação. Assim, nosso primeiro pressuposto teórico de que embora as
escolas públicas brasileiras sejam mistas a coeducação parece ser inexistente na sua totalidade
enquanto prática pedagógica escolar, política e democrática se confirma, deste modo, o lugar
da coeducação nas práticas do professor P1 e da professora P2 é, por vezes, o ocultamento.
Referente as análises da nossa segunda categoria, os dados obtidos revelaram a
existência de práticas na relação professor/a-aluno/a, que podem fomentar desigualdades, são
práticas que remontam papéis de gênero bastante delimitados, cristalizados e patriarcais, não
obstante, foi verificado também, práticas na relação professor/a-aluno/a, que podem
contribuir para o enfrentamento das desigualdades de gênero na escola, são práticas não
totalmente politizadas e não totalmente conscientes em relação a suas finalidades, no
enteando, podem ser favoráveis se aperfeiçoadas e articuladas a outras práticas
emancipadoras é a políticas públicas, podendo vir a ser coeducativas, desta forma, nossos dois
últimos pressupostos teóricos que são: a possibilidade de existência na escola de práticas
coeducativas isoladas, ou ainda, da possibilidade de existência de momentos coeducativos não
totalmente politizado, também apareceram.
Não obstante, de um modo geral, mesmo em meio a tantas práticas já obsoletas em
relação ao uso dos gêneros em sala de aula, encontramos contribuições significativas, mesmo
que tímidas, rumo ao enfrentamento das desigualdades de gênero, isso no nosso entendimento
tem acontecido pelo aumento da problematização da temática de gênero que pesquisadores/as
e professores/as ousados/as tem levantado nos cursos de licenciatura, assim como, os dados
obtidos apontam. No entanto, sabemos a partir da realidade de desigualdade, na qual, a escola
ainda está emersa que o que tem sido feito precisa ser ampliado, precisa estar nos currículos
de formação docente, e nos currículos escolares, assim como também, precisam se tornar
políticas públicas. Deste modo, conforme analisado e discutido aqui compreendemos que a
coeducação enquanto prática pedagógica parece ser uma alternativa viável se aliada a uma
rede democrática de enfrentamento as desigualdades e promoção de cidadania.
Referências
ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de. Etnografia da prática escolar. Campinas. São Paulo.
Editora Patirus. 18 ª edição. 2011.
ALMEIDA, Jane Soares de. Meninos e meninas estudando juntos: os debates sobre as classes
mistas nas escolas brasileiras (1890/1930). Revista HISTEDBR On-Line, v. 14, n. 58, 2015.
Disponível em:<http://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/histedbr/article/view/8640382>.
Acesso em:10 de outubro de 2016.
ALMEIDA, Jane Soares de. Co-educação ou classes mistas? Indícios para a historiografia escolar
(São Paulo–1870-1930). Revista brasileira de estudos pedagógicos, v. 86, n. 213/214, 2007a.
Disponível em:< http://emaberto.inep.gov.br/index.php/rbep/article/view/836>. Acesso em: 10 de
outubro de 2016.
ALMEIDA, Jane Soares de. A co-educação dos sexos: apontamentos para uma interpretação
histórica. Revista História da Educação, v. 11, n. 22, p. 61-86, 2007b. Disponível
em:<http://www.seer.ufrgs.br/asphe/article/viewFile/29288/pdf>. Acesso em: 10 de outubro de 2016.
AUAD, Daniela. Educar meninas e meninos: relações de gênero na escola. São Paulo: Contexto,
2006.
LOURO, Guacira Lopes. Gênero, Sexualidade e Educação: uma perspectiva pós estruturalista.
Petrópolis, Rio de Janeiro, Vozes, 1997.
LOURO, Guacira Lopes. Corpo, escola e identidade. Educação & Realidade, v. 25, n. 2, 2000.
Disponível em:
https://scholar.google.com.br/scholar?q=+corpo+escola+e+identidade+Guacira+Lopes+louro&btnG=
&hl=pt-BR&as_sdt=0%2C5>.Acesso em: 10 de outubro de 2016.
SCOTT, Joan W. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, Porto
Alegre, n.º 16, p. 5-22, 1995.
GÊNERO, SEXUALIDADE E EDUCAÇÃO:
PROFESSORAS LÉSBICAS E BISSEXUAIS NO MAGISTÉRIO
Este artigo tem como objetivo, a partir de uma compreensão crítica do conceito de identidade,
em Stuart Hall, e da contribuição de autoras(es) atreladas(os) às perspectivas pós-
estruturalistas e aos aportes teóricos ―pós-coloniais‖ e das ―teoria(s) do discurso‖ (Michel
Foucault, Judith Butler, Nancy Fraser, Michèle Barrett, entre outras), a elaboração de um
quadro conceitual favorável à investigação dos desafios vividos pelas professoras lésbicas e
bissexuais, que atuam muitas vezes em ambientes marcados por rígidos dispositivos de
regulação das práticas docentes. Para isso, apresentamos, inicialmente, um breve histórico
acerca dos estudos sobre a atuação das mulheres no magistério. Em seguida, tendo como
referência principal uma pesquisa bibliográfica, trazemos os resultados de uma análise que
procura levar em conta a situação das mulheres lésbicas e bissexuais nesses contextos. Ao
questionarem a ―heteronormatividade‖ no que concerne às questões de gênero e sexualidade,
essas professoras não apenas subvertem as práticas sociais consideradas naturais por nossa
sociedade, como também reconfiguram o próprio ―fazer docente‖ na maneira pela qual
―pensam‖ a sexualidade e as relações sociais de gênero.
15
Especialista e Bacharela em Língua Brasileira de Sinais – Libras, pela Sociedade Educacional de Santa
Catarina (SOCIESC) e Universidade Federal de Catarina (UFSC). Licenciada em Letras Português-Inglês, pela
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caruaru (FAFICA). Professora Intérprete da Secretaria de Educação
de Pernambuco - Seduc. Tradutora Intérprete da Universidade Federal Rural de Pernambuco - UFRPE.
Integrante da Marcha Mundial das Mulheres e pesquisadora do grupo de Estudos e Pesquisa em Educação, Raça,
Gênero e Sexualidades Audre Lorde – GEPERGES/ UFRPE.
16
Graduanda do curso de Pedagogia da Faculdade dos Guararapes e Pesquisadora do grupo de Estudos e
Pesquisa em Educação, Raça, Gênero e Sexualidades Audre Lorde – GEPERGES/ UFRPE.
17
Graduanda do curso de Pedagogia da Faculdade dos Guararapes.
18
Doutor em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, Brasil. Licenciado em Ciências
Sociais pela UMESP - Universidade Metodista de São Paulo. Também possui graduação em Teologia pelo
Centro Universitário Metodista Bennett e mestrado em Ciências da Religião pela UMESP - Universidade
Metodista de São Paulo. Tem experiência em docência e pesquisa, atuando principalmente nas seguintes áreas:
Sociologia da Religião, Relações de Gênero e Teoria Política. É pesquisador na Fundação Joaquim Nabuco
(Fundaj), onde desenvolve estudos em: gênero, religião e habilidades sociais. Sob o apoio do Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), através da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia
de Pernambuco (FACEPE), coordena, no âmbito da Fundação Joaquim Nabuco (PE), o projeto: ―Religião,
Gênero e Habilidades Sociais: Considerações acerca da Condição Feminina no Protestantismo Brasileiro‖.
Introdução
“Não sou livre enquanto outra mulher for prisioneira,
mesmo que as correntes dela sejam diferentes das minhas”
Audre Lorde
Desde os anos 1970, a categoria ―gênero‖, no plano teórico, tem sido usada em
estudos sobre ―permanências e transformações das lógicas socioculturais‖ (CORRÊA, 2011).
Ao analisar as posições que se ―feminizam‖, BOURDIEU (2003) constatou que as mulheres
tendem a ocupar espaços de trabalho pouco valorizados socialmente. Perseguindo essa
compreensão, as pesquisas sobre a atuação das mulheres no magistério ganharam lugar no
século XX, orientando-se, principalmente, pelas análises sobre a ―feminização‖ no âmbito
dessa carreira.
19
Conforme nos adverte MACIEL (2015), em muitos lugares ―ainda há uma associação entre o preconceito com
as mulheres e os baixos salários no magistério, entre os estereótipos femininos e a desqualificação profissional
das docentes da educação básica‖ (p. 258).
20
Orientado pela perspectiva pós-estruturalista, este paper relativiza todas as formas ―essencialistas‖ de
discurso. Como não existe uma essência feminina na base das representações sociais acerca das mulheres,
propositalmente usaremos a expressão ―mulher‖ deste modo: grafado entre aspas. Sobre o assunto, ver,
principalmente, AZERÊDO, 2007.
A partir de então, o campo educacional começa a discutir o impacto dessas
temáticas nas escolas, sobretudo após a inserção do assunto da Orientação Sexual nos
Parâmetros Curriculares Nacionais, em 1997. Nesse cenário, os debates sobre a forma como o
público LGBT (docentes e/ ou discentes) se insere no universo escolar ganham visibilidade
pública, principalmente nos espaços de formação de professores/as (MACIEL, 2015).
Metodologia
Tendo como referência os desafios inerentes às formas distintas e particulares
pelas quais as práticas docentes são exercidas no contexto de nossa sociedade, esta
comunicação, partindo das contribuições teóricas de autores que compartilham estudos e
análises sobre corpo, sexo, gênero e ―relações de poder‖ envolvidas dentro e fora do ambiente
escolar (Judith Butler, Nancy Fraser, Michel Foucault, entre outras/ os), pretende, além de
21
Parte das discussões desenvolvidas neste artigo resulta de instigantes debates e conversas realizadas no âmbito
do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação, Raça, Gênero e Sexualidades ―Audre Lorde‖
(GEPERGES)/UFRPE. Nesse aspecto, somos gratas pelo apoio incondicional da Profª Drª Denise Botelho (líder
do grupo e fonte de inspiração na militância).
romper com um determinado ―olhar‖ normativo acerca do magistério, investigar e analisar a
temática elencada sob uma perspectiva ―pós-estruturalista‖.
22
Como exemplos práticos de resistência, pode-se citar o seguinte: a não distinção de gênero no que diz respeito
ao uso de brinquedos e cores; no plano da representação, a inclusão, em sala de aula, dos diversos tipos de
família; dar ao estudante plena liberdade de identificação no que concerne aos personagens literários; por último,
mas não menos importante, discussões sobre estereótipos nos universos de dança, esportes, bem como o debate
sobre os estereótipos de gênero.
Resultados e discussão
No âmbito dos Estudos Culturais, Stuart HALL (2005, 2009), por meio de uma
embasada reflexão teórica sobre as coletividades e o ―descentramento‖ do sujeito no contexto
da assim chamada ―pós-modernidade‖, faz uma revisão crítica acerca do sujeito do
Iluminismo, compreendido geralmente sob um modelo marcadamente individualista (isto é,
dotado de racionalidade e centrado no próprio ―eu‖).
23
Segundo FRASER (2015), os discursos não apenas são múltiplos e plurais, mas surgem, se modificam e
desaparecem ao longo do tempo. Dessa forma, as identidades sociais não se constroem de forma definitiva:
mudam juntamente com as práticas sociais e as lealdades dos agentes.
numa vida de intensa dedicação ao magistério (ou, até mesmo, numa linguagem religiosa, de
devoção à profissão).
Portanto, o que se quer questionar aqui, num diálogo profícuo com os assim
conhecidos ―estudos culturalistas‖ e com a perspectiva pós-estruturalista, é a noção de uma
identidade fixa, determinada biologicamente, que está na base dessas representações estáticas
acerca da atividade docente: professoras representadas com características únicas, isto é, sem
qualquer variação identitária. Segundo HALL (2009, p. 108),
24
Docentes ao longo de sua formação aprendem como educar os sujeitos, mas o ensino escolar vai muito além
disto. Tomando emprestadas as palavras de Foucault, em sua obra ―Vigiar e Punir‖ (apud LOURO, 2003, p. 62),
―a disciplina „fabrica‟ indivíduos”, engendrando hierarquias e desigualdades; dominação e oposições;
subordinação e resistências: etc. Nesse sentido, ―ela é a técnica específica de um poder que toma os indivíduos
ao mesmo tempo como objetos e como instrumentos de seu exercício”.
25
Essa noção de ―mulher‖, na verdade, nada tem a ver com a realidade. Trata-se, apenas, uma projeção narcísica
(masculina) que fornece às mulheres a ―substância fantasmática‖ de sua identidade (ŽIŽEK, 2006).
Percebe-se, neste exemplo extraído de ―sala de aula‖, não apenas o ocultamento
das relações que fogem à heteronormatividade, como também o constrangimento reforçado no
que diz respeito ao questionamento acerca da ―identidade de gênero‖ do estudante. Assim, ao
rechaçar da sala de aula a legitimidade de pessoas homoafetivas e/ou com identidade de
gênero não hegemônica, a prática docente tende a reforçar a hierarquização, dando maior
legitimidade à ―heterossexualidade compulsória‖ e a todo um modelo hegemônico centrado
no ―sujeito universal‖. No capítulo ―A construção escolar das diferenças‖, LOURO não
negligencia essa temática:
Ainda que esta situação tenha sido vivenciada nos anos de 1970, ela nos inspira
a refletir como os comportamentos de professoras/es LGBTs podem ser considerados
subversivos e até mesmo provocadores da sexualidade das/os discentes. No Brasil, como bem
sinalizou CAETANO (2016), essas discussões estão presentes nos projetos legislativos que
tramitam nos espaços políticos, ainda que sem muita notoriedade.
Considerações Finais
A ―mulher‖ ainda é, majoritariamente, a figura indicada a exercer o magistério,
sobretudo no cuidar/educar de crianças, ainda que lidando com os estigmas e os baixos
salários da profissão, advindos da ―divisão sexual do trabalho‖. Diferentemente do homem,
entendido em nossos padrões de masculinidade como o ser viril, dono de uma sexualidade
―avassaladora‖, a ―mulher‖ é considerada assexuada, sobretudo na figura docente. Neste
sentido, o desvelamento da sexualidade da professora, sobretudo de uma sexualidade não-
heterossexual e/ou não-monossexual constitui-se numa grande ―quebra de tabu‖, causando
desconfortos, conflitos, constrangimentos, entre outras situações.
Assim, a problematização teórica feita pelos teóricos pós-estruturalistas não
apenas nos apontou para um permanente debate sobre as feminilidades, como também como
nos interrogou sobre a abrangência e transformação dos conceitos já existentes, afinal, as
identidades sociais, dependendo das práticas sociais concretas que as constituem, são
totalmente instáveis, podendo ganhar vida ou mesmo se dissolver ao longo dos anos. Desta
forma, as discussões sobre as relações sociais de gênero, de modo geral, e sobre o ser
―mulher‖, de modo específico, são permanentemente prorrogadas/ adiadas, permitindo as
múltiplas convergências e/ ou divergências temáticas em torno do assunto.
Finalmente, há que destacar o seguinte: os ―insights‖ presentes neste artigo não
são apenas ―elucubrações teóricas‖, mas se enraízam perfeitamente no ―mundo da vida‖ na
medida em que nascem das inquietações das/dos próprias(os) articulistas. Futuramente,
pesquisas quantitativas/ qualitativas com as professoras lésbicas e/ ou bissexuais poderão nos
indicar ―novos caminhos‖, bem como reforçarão (ou não) os argumentos apresentados neste
paper.
Referências
CORRÊA, Sonia. O conceito de gênero: teorias, legitimação e usos. In: BARSTED, Leila
(Org.). O Progresso das Mulheres no Brasil 2003–2010. Rio de Janeiro: CEPIA; Brasília:
ONU Mulheres, 2011. pp. 339-345. Disponível em: http://onumulheres.org.br/wp-
content/themes/vibecom_onu/pdfs/progresso.pdf. Acesso em: 13 jun. 2016.
FRASER, Nancy. ―Los usos y abusos de las teorías francesas del discurso para la política
feminista‖. Diferencia(s): revista de teoría social contemporánea, v.1. n. 1, 2015, pp. 179-
199. Disponível em:
<http://www.revista.diferencias.com.ar/index.php/diferencias/issue/viewIssue/1/2>. Acesso em: 05
mai. 2016.
hooks, bell. Eros, erotismo e o processo pedagógico. in: LOURO, Guacira Lopes (org.). O
Corpo educado. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
LOURO, Guacira Lopes. A Construção Escolar das Diferenças. in: Gênero, Sexualidade e
Educação: Uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis: Editora Vozes, 2003.
LUNA, Sophia Alencar Araripe. A retórica da monossexualidade enquanto norma. Anais XII
CONAGES. 2016. Disponível em:
http://www.editorarealize.com.br/revistas/conages/trabalhos/TRABALHO_EV053_MD1_SA
1_ID1762_02052016160831.pdf. Acesso em: 7 de maio de 2017.
MACHADO et. al. Sexualidade e gênero: os discursos das lideranças religiosas. In:
MACHADO, Maria das Dores Campos; PICCOLO, Fernanda Delvalhas. (Orgs.). Religiões e
homossexualidades. Rio de Janeiro, FGV Editora, 2011. cap.1, pp. 40-79.
MACIEL, Patrícia Daniela. Os desafios de ser professora e lésbica nas escolas: a arte de viver
e produzir o gênero na docência. Revista de estudos indisciplinares em gêneros e
sexualidade. Salvador, n. 4, v.1. 2015. Disponível em: <
https://portalseer.ufba.br/index.php/revistaperiodicus/article/view/15433/10572 >. Acesso em: 2 de
maio de 2017.
MADUREIRA, Ana Flávia do Amaral; BRANCO, Angela Maria Cristina Uchôa de Abreu.
Identidades sexuais não-hegemônicas: processos identitários e estratégias para lidar com o
preconceito. Psic.: Teor. e Pesq., Brasília , v. 23, n. 1, p. 81-90, mar. 2007 . Disponível
em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
37722007000100010&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 11 maio 2017.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722007000100010.
PIERUCCI, Antônio Flávio. Ciladas da diferença. São Paulo: Editora 34, 1999.
SILVA, Ainda Maria Monteiro. Direitos Humanos na Educação Básica In: SILVA, Aida
Maria Monteiro. TAVARES, Celma (Orgs.). Políticas e fundamentos da educação em
direitos humanos. São Paulo: Cortez, 2010.
SOUZA, Robson. Mulheres evangélicas e práticas religiosas: uma análise comparativa na
perspectiva de gênero. 189p. Tese (Doutorado em Serviço Social) – Universidade Federal do
Rio de Janeiro, RJ, 2013. Disponível em:< www.minerva.ufrj.br/>. Acesso em: 19 nov. 2013.
WEEKS, Jeffrey. O corpo e a Sexualidade. in: LOURO, Guacira Lopes (org.). O corpo
educado. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
Autor (1) Ednaldo Andrade Barros- Mestrando em Educação Culturas e Identidades pela
UFRPE/FUNDAJ, Professor das Redes Municipais de Ensino de Recife-PE e São Lourenço da Mata-
PE.Membro do grupo de pesquisa sobre a Transdisciplinaridade, Infâncias e Juventudes-GETIJ-
barrosed@hotmail.com
RESUMO
Este trabalho investiga a compreensão dos professores e professoras acerca da
homossexualidade e como eles/elas lidam com os estudantes ditos ou declaradamente
homossexuais. Os principais objetivos são: compreender o nível de aceitação ou rejeição
dos/das professores/as em relação aos estudantes homossexuais na escola e suas implicações
no combate aos preconceitos sofridos por eles; entender o nível de conhecimento dos (as)
docentes acerca das identidades sexuais; Estabelecer comparação entre a negação do
preconceito no discurso e na prática; descobrir as principais dificuldades dos (as) professores
(as) para se trabalhar a temática em sala e na escola como um todo. Os fundamentos
metodológicos têm ligação com a abordagem da pesquisa qualitativa aplicada a uma situação
de análise do conteúdo e do discurso a partir da exibição do documentário “Bichas, o
documentário‖, para professores e professoras de uma escola da rede municipal de ensino da
cidade do Recife. Como principais resultados do estudo, temos: a) a escola demonstra
incapacidade de trabalhar com a temática; b) a compreensão de que a escola pode ser
elemento influenciador na orientação sexual dos alunos; c) o entendimento de que a
homossexualidade é um problema impróprio para ser discutido na escola.
Palavras Chave: Homossexualidade, Preconceitos, Professores, Estudantes, Escola.
Introdução
São cada vez mais comuns relatos de violência ligados à questão da identidade
homossexual. Infelizmente, isso também tem corrido e com frequência dentro dos muros da
escola. Muitos estudantes têm sofrido perseguições por serem ou aparentarem ser
homossexuais. O espaço escolar pode se constituir um espaço de sofrimento para esses
estudantes que se não forem amparados pelos professores, colegas ou outros atores da
comunidade escolar, podem se afastar da escola quando não termina numa situação mais
comprometedora. Quando essas perseguições são frequentes e ocorrem claramente por conta
da orientação sexual é configurado um quadro de homofobia.
Nesse sentido, faz-se necessário discutir no espaço escolar, essa temática a fim de se
combater essa prática violenta que tem marcado a identidade de muitos dos estudantes
brasileiros e do mundo todo. Sobre o fenômeno da homofobia, Borrillo (2010), afirma:
Nesse sentido, propomos uma discussão numa escola da rede municipal de ensino da
cidade do Recife a partir da exibição de um documentário que ficou bastante conhecido
principalmente pelas polêmicas causadas nas redes sociais. O documentário ao qual nos
referimos é o “Bichas, o documentário‖, que atualmente já passa das 500.000 visualizações.
Diante do crescente número de ataques aos homossexuais por parte das pessoas que
não conseguem conviver pacificamente com a diferença. O que tem deixado o movimento
LGBT bastante preocupados é o apoio inclusive formal de algumas instituições religiosas nas
perseguições aos homossexuais. No espaço escolar também, é comum a discriminação com os
estudantes homossexuais. A situação de estudantes gays e lésbicas que tentam esconder sua
orientação sexual é bastante difícil já que o silenciamento de sua sexualidade é também uma
forma de violência como destaca Guacira Louro:
Ao não falar a respeito deles e delas, talvez se pretenda ´eliminá- los`, ou, pelo
menos, se pretenda evitar que os alunos e as alunas ´normais` os/as conheçam e
possam desejá-los/as. Aqui, o silenciamento – a ausência da fala – aparece como
uma espécie de garantia da ´norma`. (LOURO, 1997, p. 67-68)
Assim, se tem uma clara violação dos direitos fundamentais das pessoas e mais
precisamente dos adolescentes em relação ao convívio pacífico nos espaços públicos de
aprendizagem. Esse documentário traz à tona questões de emponderamento dos homossexuais
masculinos, dando ao vocábulo ―Bichas‖ outro significado. Pretendeu-se com ele entender
como os (as) professores (as) encaram as violências que os estudantes sofrem no ambiente
escolar por conta de seus traços identitários ligados a comportamentos tidos como de pessoas
homossexuais. O trabalho não assume características de juízo de valor, mas preocupa-se com
o fato de alguns direitos desses alunos poderem estar sendo ignorados à luz do
desconhecimento ou posicionamento político de alguns (as) professores (as).
Para entender o conceito que os (as) professores (as) têm sobre a homossexualidade e
a homofobia nos espaços escolares e como tem atuado frente aos processos de violências que
alguns alunos sofrem no cotidiano entre os muros da escola aplicamos um questionário que
teve como objetivo também compreender as subjetivações na escola e o processo de formação
identitário dentro da perspectiva da alteridade.
Metodologia
Nosso estudo ocorreu a partir da exibição de um documentário seguido da aplicação
de um questionário e uma discussão com os/as participantes da pesquisa sobre a homofobia na
escola. É importante destacar que a discussão não estava prevista inicialmente na
metodologia. Inicialmente foi entregue um termo de consentimento livre e esclarecido para
assinatura de todos os participantes. Os sujeitos da pesquisa deveriam assistir ao
documentário ―BICHAS, O DUMENTÁRIO” e logo sem seguida, responder ao questionário.
A identidade dos (as) professores (as) participantes não seria revelada não sendo
necessária a identificação dos (das) mesmos (as). Após a exibição do documentário os (as)
professores sentiram a necessidade de discutir acerca da temática trazida pelo documentário
principalmente no tocante a violência com os personagens no ambiente escolar. Esse
momento foi muito rico porque várias questões foram postas. Era um momento reservado ao
conselho pedagógico da escola. A direção e coordenação pedagógica foram consultadas
previamente e sinalizaram positivamente para a discussão que julgaram pertinente.
O questionário foi elaborado de uma forma que a pessoa que o respondesse deixasse
sua compreensão acerca da homossexualidade no que diz respeito a comportamentos sociais
na escola e como atua frente a questões relacionadas em sua sala de aula e em outros espaços
da escola. O questionário aplicado era composto de dez questões sendo cinco de múltipla
escolha e cinco questões abertas. As perguntas eram interdependentes para facilitar a análise
das respostas.
Seguir este caminho nos propiciou mais clareza dos dados obtidos tanto das respostas
do questionário quanto da análise do debate que ocorreu de forma espontânea após a exibição
do documentário.
Resultados
Os dados foram analisados utilizando a análise do conteúdo e apontam para um
cenário de contradição mesmo entre as respostas dos entrevistados ao questionário, mas
principalmente se comparadas ao discurso durante o debate quantos aos dados do
questionário, todos os (as) participantes da pesquisa responderam que não consideram a
homossexualidade um problema. Esse dado pôde ser discutido com as outras respostas do
questionário e o próprio discurso dos (as) participantes.
Quanto à questão de se ter um aluno com trejeitos femininos na sala, todos (as) os
pesquisados afirmaram não se incomodar com isso.
Um dado bastante importante para essa discussão que aparece nos resultados refere-se
ao a questão que quis saber se os professores consideravam importante a escola promover
debates com o corpo docente sobre a diversidade sexual. No questionário apenas uma
professora disse não concordar com a proposição dos debates. Paradoxalmente, durante a
discussão ocorrida após a exibição do documentário, 04 participantes embora afirmassem não
saber como agir com essas questões, não achava que a escola tivesse que se preocupar com
esses debates para não influenciar os estudantes. A preocupação com essa influencia
certamente vem da compreensão de que a questão da homossexualidade é uma escolha o que
já está mais do que comprovado cientificamente ser essa compreensão um grande equívoco.
Sobre a questão que perguntava como o (a) professor (a) agiria ao recebe um estudante
vindo de outra escola e já com histórico de sofrimentos de violência por conta de seu perfil
identitário. A Esmagadora maioria marcou a resposta pede ajuda aos colegas, direção ou
coordenação para atuar preventivamente. Apenas um (a) participante marcou a opção
ignoraria o fato de experiências anteriores de violência e nenhum/a marcou a alternativa
relatar a coordenação que não sabe como lidar com a situação.
Sobre essa questão, podemos afirmar que um educador (a) que apresenta preconceitos,
ou até mesmo dificuldades em expressá-los, dificilmente mudaria de atitudes apenas mediante
conversas ou discussões. Mas também podemos afirmar que propiciar essas discussões servirá
para que ele possa repensar suas posturas e/ou pelo menos, entender que ele/ela não está só na
escola e que do ponto de vista coletivo, ele/ela precisa assumir posturas que respeitem a
diversidade e alteridade conforme reza as legislações vigentes no campo educacional e social
como um todo.
Perguntado explicitamente se o professor soubesse previamente que recebei um estudante
homossexual em sua turma e se tivesse a chance de mudar de sala o que faria 100% dos
pesquisados responderam que não o fariam. Essa questão era objetiva, mas tinha um espaço
para justificar caso desejassem. Sete professoras, (50%) justificaram suas respostas apontando
para o fato que não separam seus alunos por nenhum traço identitário.
Discussão
Podemos constatar nas respostas dos (as) participantes do estudo que esses (as)
professores (as) acreditam que a homossexualidade é uma coisa adquirida. Durante a
discussão alguns colocavam que embora não tivessem nada contra a homossexualidade, não
achavam um fenômeno natural. Sobre essa questão, e Mott (2003), defende que a ideia
obcecada de que há uma lei natural, ou sobrenatural, ou um instinto, dirigindo o sexo,
bastando segui-los, é o maior obstáculo para se compreender a homossexualidade, justamente
porque desvia o olhar do entendimento da cultura como fator importante na construção e
determinação das orientações sexuais.
Um dado bastante importante para essa discussão sobre como se compreende a
homossexualidade na escola, aparece nos resultados referentes à questão que quis saber se os
professores consideravam importante a escola promover debates com o corpo docente sobre a
diversidade sexual. Nas respostas à pergunta apenas um (a) professor (a) disse não concordar
com a proposição dos debates ou apresentações da temática por parte da escola.
Paradoxalmente, durante a discussão ocorrida após a exibição do documentário, 04
professoras embora afirmassem não saber como agir com essas questões, não achavam que a
escola tivesse que se preocupar com esses debates para não influenciar os estudantes. A
preocupação com essa ―influência‖ certamente vem da compreensão de que a questão da
homossexualidade é uma escolha o que já está mais do que comprovado cientificamente ser
essa compreensão um grande equívoco.
Este mito afirma, ao mesmo tempo, uma noção duvidosa de privacidade: que aquilo
que a pessoa ―faz‖ privadamente deve ter pouca consequência pública. [...] Além
disso, a insistência de que a sexualidade deva ser confinada à esfera privada reduz a
sexualidade às nossas específicas práticas sexuais individuais, impedindo que
concebamos a sexualidade como sendo definida no espaço social mais amplo,
através de categorias e fronteiras sociais. (BRITZMAN, 1996, p. 80).
Sobre essa questão, podemos afirmar que um educador (a) que apresenta preconceitos,
ou até mesmo dificuldades em expressá-los, dificilmente mudaria de atitudes apenas mediante
conversas ou discussões. Mas também podemos afirmar que propiciar essas discussões servirá
para que ele possa repensar suas posturas e/ou pelo menos, entender que ele/ela não está só na
escola e que do ponto de vista coletivo, ele/ela precisa assumir posturas que respeitem a
diversidade e alteridade conforme reza as legislações vigentes no campo educacional e social
como um todo.
Nessa perspectiva, se o homossexual é o culpado pelo crime/pecado que comete deve
ser também responsável por qualquer tipo de violência que venha a sofrer. É a partir dessa
contextualização que apresentamos nosso estudo como ferramenta para a compreensão do
problema do preconceito sexual e da homofobia existentes nas escolas, que visa explicar
através de um trabalho qualitativo os impactos negativos na vida das vítimas de violências
simbólica e física por conta de sua orientação sexual.
Alguns estudiosos têm se debruçado sobre a homossexualidade na escola. Para Luiz
Roberto Mott (2003), Homossexualidade significa ―sexo igual‖, podendo ser aplicado tanto
para homem que se relaciona com homem, quanto para a mulher que se relaciona com
mulher. Um conceito tão simples de ser compreendido do ponto de vista semântico, tem se
caracterizado por um dos temas mais polêmicos na educação nos últimos anos. E a escola
enquanto lócus privilegiado de formação precisa empreender um projeto de educação sexual
que aborde e garanta a liberdade. Geralmente na escola os estudantes do sexo masculino que
se comportam, seja na forma de vestir, andar, brincar diferente dos da maioria dos meninos,
são facilmente alvos de chacotas e agressões verbais quando não físicas. Tais comportamentos
com os estudantes tidos como homossexuais pode corroborar para uma postura homofóbica
institucional.
Para Meyer e Borges (2008), a homofobia no Brasil recebe um reforço cultural na
desvalorização de tudo que é feminino ou ―coisa de mulher". Os homens que se aproximam
de um comportamento socialmente identificado como feminino são fortemente vigiados,
discriminados e, certamente, sofrerão vários tipos de penalidades na escola, que envolvem,
muitas vezes, violência física. Essa violência é também problematizada por Oliveira e Martins
(2007)
A violência que se configura dentro do espaço escolar, manifestada através do
comportamento dos alunos, lança professores diante da confusão da possibilidade de
um ensino libertador (caso seja esta a sua proposta) e de uma realidade insuportável,
na qual os educadores recorrem a expedientes autoritários e até mesmo
violentadores, a fim de manter a ―ordem geral‖. São estabelecidas regras, controles,
punições e dominações para disciplinar os alunos em estados de rebeldia.
( OLIVEIRA E MARTINS, 2007, p. 95):
São dados expressivos que demonstram no mínimo, uma omissão das instituições
escolares ao longo do Brasil. É fato também que isso não ocorre sem o sofrimento de milhares
de crianças, adolescentes e jovens. É importante trazer também para o hall dessa discussão os
aspectos familiares e culturais. A esse respeito, Borrillo 2010, destaca que:
Conclusão
Lançar olhares para o tema da homossexualidade e para as formas como os
professores e professoras lidam com essa questão na escola é sem dúvida, desafiador, não
apenas para o público-alvo da pesquisa que muitas vezes se mostra intimidados em discutir tal
temática no espaço escolar, mas também, para nós pesquisadores. Nossa percepção foi sendo
construída aos poucos, através do que pôde ser compreendido no campo das pesquisas
bibliográficas. Podemos constatar que a escola ainda é uma instituição pensada para alunos
heterossexuais. Os estudantes que se apresentem com orientação diferente muitas vezes são
orientados a silenciar. Ele será aceito pelo grupo se não evidenciar sua diferença. Tal
perspectiva fortalece o preconceito e corrobora para um mundo de sectarismos e negação de
direitos universais.
A discussão sobre sexualidade na escola é quase sempre ensinada de forma ―padrão‖,
colocando como natural que os opostos se relacionarem, ou seja, a mulher e o homem,
reproduzindo comportamentos ditos ―normais‖, tudo que passa dessa ―verdade‖ induzida, a
escola faz ―vistas grossas‖, e diz que não está dentro do cronograma de aprendizagem dos
alunos. Mas uma ―nova escola‖ é possível. E se a escola velha estiver disposta a ouvir todos
(as) os (as) estudantes, uma nova forma de se pensar a educação pode emergir. Uma escola
plural não pode fechar os olhos para as diferenças.
Como reflexões finais possibilitadas pela realização deste estudo, podemos destacar
que os estudantes homossexuais (declarados ou assim vistos) sofrem muito na escola e que
esse sofrimento pode trazer-lhes consequências catastróficas para seu desenvolvimento
acadêmico e pessoal. Mas também traz para as sombras da indiferença, a luz da esperança. Os
próprios estudantes que são vítimas diariamente do preconceito e das múltiplas formas de
violências estão gritando por socorro, ao mesmo tempo, que indicam caminhos possíveis para
se caminhar em paz na escola.
Ouvir os professores e professoras que são os adultos que estão lidando com esses
jovens em desenvolvimento parece ser o caminho mais razoável. Percebemos também com o
diálogo com os (as) participantes do estudo que Os currículos dos cursos de formação inicial
de professores/as (graduação) precisam ter conteúdos específicos sobre o respeito à
diversidade sexual, com formação continuada para profissionais de educação, para que
estejam preparados/as para acolher efetivamente os/as estudantes LGBT e agir diante dos
problemas que surgem nas escolas. Torna-se também imperioso que materiais pedagógicos
baseados em evidências (para professores/as e estudantes) precisam ser elaborados,
disponibilizados e utilizados nas escolas para promover o respeito a todos e a todas, sem
distinção de qualquer característica pessoal. Isto deve ocorrer de forma transversal, com base
na educação em direitos humanos.
Acreditamos ser a escola uma instituição dinâmica, formada essencialmente por
pessoas e acreditamos também que é possível construir na escola espaços de convivência
pacífica com a diferença. Uma escola preocupada como o desenvolvimento pleno de seus /
suas estudantes lançará mão de múltiplas estratégias de integração de seus membros partindo
do principio da alteridade. Nesse sentido, os estudantes devem ser ouvidos para a construção
de uma escola que atentem para suas necessidades.
Referências
Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Secretaria de
Educação. Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Educacional no Brasil 2015: as
experiências de adolescentes e jovens lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais em
nossos ambientes educacionais. Curitiba: ABGLT, 2016.
Resumo
Nos últimos anos, pesquisas promovidas por organizações da sociedade civil, pesquisadores/as e pelo
poder público revelaram um cenário com altos índices de violência motivadas por LGBTfobia
praticadas dentro do ambiente escolar contra a população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e
transexuais (LGBT) e/ou sujeitos/as que não atendam as exigência da norma padrão heterossexual.
Apesar desses indicadores e da visibilidade conquistada pelo Movimento LGBT, persiste, em muitos
casos, alguns processos de silenciamento e cumplicidade com este problema por parte da gestão
escolar. Tal violência tem resultado em evasão escolar, distorções na relação idade-série, dificultado o
processo de aprendizagem dos/das estudantes, além de se configurar como violação de direitos
humanos. Nesse sentido, este trabalho tem por objetivo apresentar quais as implicações da gestão
escolar diante dos processos de LGBTfobia na escola. A opção metodológica para o desenvolvimento
do estudo foi a abordagem qualitativa e pesquisa explicativa. Para a coleta de dados foi realizada uma
pesquisa bibliográfica buscando relacionar as discussões realizadas por pesquisadores/as da área de
gestão escolar (LÜCK; 2009; 2013) e da diversidade sexual na educação (JUNQUEIRA, 2009a;
2009b; 2015; LOURO, 2009; TORRES, 2013). Para a análise e tratamento dos dados levantados foi
utilizada a técnica de análise de conteúdo. Os resultados apontam que compete a gestão escolar
proporcionar as condições ideais para o respeito as diferenças no ambiente escolar. Ainda como
resultados, pudemos compreender que no que diz respeito aos processos de violências motivadas por
LGBTfobia na escola, a gestão escolar pode ser parte do problema e parte da solução. Pode ser parte
do problema quando silencia, é cumplice ou prática violência LGBTfóbica. Por outro lado, pode ser
parte da solução quando apura as denúncias de LGBTfobia na escola, estabelece punições pedagógicas
para os/as agressores/as e atua de forma a coibir esse tipo de pratica no ambiente escolar.
INTRODUÇÃO
26
Este ensaio é resultado de reflexões iniciais realizadas na pesquisa de mestrado intitulada ―(Des)Respeito à
Diversidade Sexual e a Identidade de Gênero em Escolas de Caruaru-PE: A questão da LGBTfobia e os
enfrentamentos e/ou silenciamentos da gestão escolar‖, desenvolvida no âmbito do Programa de Pós Graduação
em Educação Contemporânea da Universidade Federal de Pernambuco, sob orientação da Professora Dra. Allene
Lage.
Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), como também a atuação do Movimento de
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT).
No início dos anos 2000, a partir da produção acadêmica sobre gênero, sexualidade e
educação, ficou evidente a necessidade desse tema receber maior atenção nas reuniões anuais
da ANPEd. A partir dessa lacuna e da pressão dos/as pesquisadores/as da temática de gênero e
sexualidade, em 2003, a ANPEd criou o Grupo de Estudos (GE) 23 – Gênero, sexualidade e
educação, fase preliminar para a criação de qualquer Grupo Trabalho (GT) nas reuniões da
Associação. No ano de 2006, na 29º Reunião da ANPEd o Grupo de Estudos 23 estabeleceu-
se oficialmente como Grupo de Trabalho.
Alguns anos antes da criação do GT 23 da ANPEd, mais precisamente em 1997, a
pesquisadora Guacira Lopes Louro lançou o livro ―Gênero, Sexualidade e Educação: Uma
perspectiva pós-estruturalista‖. Esta obra é umas das produções mais presentes nas referências
dos estudos de gênero, sexualidade e educação no nosso país. Nela, Louro (2014) reflete
várias questões em torno da construção escolar das diferenças, situações de sexismo e
LGBTfobia27 na escola, desigualdades e hierarquias no espaço escolar, entre outros temas.
Por sua vez, o Movimento LGBT, desde o seu surgimento na década de 1970, vem
denunciando a violência praticada contra a população LGBT, reivindicando a criação de
políticas púbicas e de legislações específicas para a promoção da cidadania destes/as
sujeitos/as (SIMÕES e FACCHINI, 2009). O Movimento LGBT tem dedicado uma especial
atenção ao campo da Educação, pleiteando a elaboração de materiais didáticos para o combate
a LGBTfobia na escola, como livros, cartilhas, cartazes, vídeos, documentários, etc. Ainda no
campo da Educação, o Movimento LGBT também tem reivindicado a criação de programados
de formação para profissionais da educação (professores/as, gestores/as, supervisores/as, etc.)
em gênero e sexualidade, com vistas a descontruir os processos de violência LGBTfóbica no
interior das instituições escolares.
Essas demandas educativas do Movimento LGBT surgem a partir da constatação de
que o espaço escolar ainda tem sido um lugar de recorrentes violações. Alguns estudos
(ABRAMOVAY et al., 2004; CARRARA e RAMOS, 2005; CARRARA et al., 2007) já
27
A utilização da expressão ―LGBTfobia‖ ao invés da expressão ―homofobia‖ para designar os processos de
violências e violações praticados contra sujeitos/as LGBT e/ou que não atendam as exigência da norma padrão
heterossexual, será melhor justificada no item Resultados e Discussão deste artigo. Contudo, adiantamos que em
nossa concepção a expressão ―homofobia‖ é insuficiente para representar os processos de violências e violações
já citados. Cabe destacar que as referências teóricas utilizadas neste artigo não utilizam a expressão
―LGBTfobia‖ para nomear a violência praticada contra população LGBT, pois na época da sua elaboração ainda
não havia a emergência da expressão ―LGBTfobia‖. Assim, as expressões ―homofobia‖, ―lesbofobia‖,
―gayfobia‖, ―bifobia‖, ―travestifobia‖, ―transfobia‖ ou ―homolesbotransfobia‖ podem aparecer em citações
diretas, mas sempre que aparecerem, estamos nos referindo a ―LGBTfobia‖.
revelaram os altos índices de discriminação escolar envolvendo estudantes e professores,
vítimas da violência sexista e LGBTfóbica nas escolas. Em grande medida, essa violência
vem contribuindo para evasão, distorções idade/série, dificuldades de aprendizado e inúmeros
impactos sobre a saúde mental das vítimas. Na compreensão de Rogério Diniz Junqueira, a
escola:
Por sua vez, Louro (2000, p. 30, grifos do original) afirma que ―a escola é, sem
dúvida, um dos espaços mais difíceis para que alguém ―assuma‖ sua condição de
homossexual ou bissexual‖. Do mesmo modo, a escola também é um espaço de difícil
convivência para pessoas travestis e transexuais, considerando que essas pessoas estão muito
mais expostas, dada as suas demandas e características sociais.
Dentro desse contexto, a gestão escolar tem um papel fundamental, tendo em vista que
entre as suas competências estão buscar meios para garantir a permanência de todos/as os/as
estudantes na escola, fomentar uma cultura escolar de respeito a diversidade e atuar com
vistas a coibir todos os tipos de violências (LUCK, 2009). Todavia, em muitos casos não é
isso que acontece, onde a gestão escolar acaba atuando de forma a silenciar casos de
LGBTfobia na escola, protegendo e justificando as práticas dos agressores, punindo as
vítimas e contribuindo para que elas se evadam da escola.
Junqueira (2015), em uma de suas pesquisas, discutindo sobre essas questões no
cotidiano escolar, afirma:
No relato de uma diretora escolar, surge um ―problema‖: um aluno de seis anos que,
por ser considerado feminino, ela conclui ser homossexual. Ela o aconselhou a
―deixar de desmunhecar para não atrair a ira dos outros‖, ignorando os processos de
reificação, marginalização e desumanização conduzidos pela instituição, bem como
toda a violência física a que ele é rotineiramente submetido (JUNQUEIRA, 2015, p.
115).
Dentro desse contexto, o artigo em tela tem por objetivo apresentar quais as
implicações da gestão escolar diante dos processos de LGBTfobia na escola. A realização
deste estudo justifica-se diante da necessidade de investigações que visem contribuir para
práticas de gestão escolar que respeitem os direitos humanos de todos/as (estudantes,
professores/as, técnicos/as educacionais, equipe gestora, servidores/as), considerando o papel
de transformação social que a educação e a escola desempenham. Acreditamos que a gestão
escolar tem um papel importante na promoção de um ambiente escolar que respeite as
diferenças e pretendemos realizar essa discussão ao longo deste artigo.
ASPECTOS METODOLÓGICOS
Antes de adentrar nas reflexões fruto das discussões que realizaremos neste trabalho,
cabe justificar a nossa opção pela utilização da expressão ―LGBTfobia‖ para designar o
conjunto de violência e violações que acometem a população LGBT e/ou qualquer
indivíduo/a que não atenda as expectativas da norma padrão heterossexual.
Em nossa concepção a expressão ―homofobia‖ é insuficiente para representar os
processos de violências e violações já citados. Cabe destacar que as referências teóricas
utilizadas neste artigo não utilizam a expressão ―LGBTfobia‖ para nomear a violência
praticada contra população LGBT, pois na época da sua elaboração ainda não havia a
emergência da expressão ―LGBTfobia‖. Assim, as expressões ―homofobia‖, ―lesbofobia‖,
―gayfobia‖, ―bifobia‖, ―travestifobia‖, ―transfobia‖ ou ―homolesbotransfobia‖ podem aparecer
em citações diretas, mas sempre que aparecerem, estamos nos referindo a ―LGBTfobia‖.
Refletindo sobre o conceito da expressão ―homofobia‖, Daniel Borrillo na sua obra
―Homofobia: história e crítica de um preconceito‖ expõe:
O uso do verbo ―nomear‖ no passado ocorre porque há uma tendência, cada vez
mais assimilada pela militância brasileira, em adotar o termo ―LGBTfobia‖ para
expressar as violências dirigidas contra a população LGBT. Isso porque a palavra
―homofobia‖ não abarcaria todas as identidades que compõem esse movimento
social, reclamação feita em especial pelas lésbicas, travestis, transexuais e homens
trans (FEITOSA, 2016, p. 119).
LGBTfobia na Escola
Por esta lógica, os sujeitos que, por qualquer razão ou circunstância, escapam da
norma e promovem uma descontinuidade na seqüência serão tomados como
―minoria‖ e serão colocados à margem tanto das preocupações da escola, quanto da
justiça ou da sociedade em geral (LOURO, 2009, p.92).
Assim, aqueles/as que não atendem aos padrões de gênero e sexualidade ou os/as que
provocam uma descontinuidade no padrão sexo-gênero-sexualidade passam a ocupar um
lugar de rejeição, invisibilização e violação no ambiente escolar. Isso ocorre porque a visão
heteronormativa dominante estabelece que os seres humanos só podem nascer como machos
ou fêmeas; pertencendo a um dos dois gêneros possíveis, masculino ou feminino; conduzindo
―naturalmente‖ os/as sujeitos/as a desejarem os/as indivíduos/as de sexo/gênero oposto ao
seu.
28
Essa deliberação foi aprovada através de uma Indicação na plenária final da 3º Conferência Nacional LGBT e
definiu que a expressão ―LGBTfobia‖ é a mais apropriada para se referir ao conjunto de violações e violências
motivadas por intolerância a diversidade sexual e/ou identidade de gênero. Confira o relatório final da 3º
Conferência Nacional LGBT em: http://www.sdh.gov.br/assuntos/conferenciasdh/3a-conferencia-nacional-
lgbt/deliberacoes/relatorio-final-3a-conferencia-nacional-lgbt-1.
Dentro dessa perspectiva, Marco Antônio Torres na sua obra ―A diversidade sexual na
educação e os direitos de cidadania LGBT na escola‖, problematizando a construção de
hierarquias na escola com base no heterossexismo, nos diz que:
Essas hierarquizações podem ser observadas nas piadas que depreciam a população
LGBT, na ausência de personagens LGBT nos livros didáticos, nas agressões físicas
e psicológicas cometidas devido à orientação homossexual ou bissexual, entre
outras. Essa hierarquização atinge de forma diferente os LGBT. Um jovem gay e
outro que seja transexual serão atingidos de maneira diferentes; uma jovem lésbica
que assumiu publicamente seu namoro será mais aviltada do que aquela que se
privar da expressão de sua orientação sexual. O preconceito é moldado de acordo
com as hierarquizações sociais, inclusive etnorraciais, de classe econômica, de
gênero, etc. (TORRES, 2013, p. 40, grifos do original).
Especialmente quando tratamos da escola pública, esse quadro é ainda mais grave,
compreendendo que a escola pública no Brasil tem sido o lugar daqueles/as mais
marginalizados, seja em função da sua classe social, raça, gênero, orientação sexual, etc. Dada
a sua precarização, falta de recursos e ausência/mínima formação continuada para os
profissionais da educação, a escola pública pode ser um lugar onde a manifestação da
LGBTfobia é ainda mais intensa.
A teia de alcance da LGBTfobia se estende por toda instituição escolar e pode atingir
discentes, docentes, equipe gestora e demais profissionais. Isso ocorre a partir de códigos
culturais instalados na sociedade que permitem que a violência LGBTfóbica seja naturalizada.
Nessa direção,
A gestão escolar compreende uma das áreas da educação que tem por objetivo realizar
o planejamento, organização, liderança, orientação, mediação, coordenação, monitoramento e
avaliação do conjunto de processos necessários a efetividade dos objetivos da escola (LÜCK,
2009). É de responsabilidade da gestão escolar atuar para que os processos de formação e
aprendizagem dos/as estudantes ocorram com qualidade.
Nesse sentido:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ABRAMOVAY, Miriam; CASTRO, Mary Garcia; SILVA, Lorena Bernadete da. Juventudes
e sexualidade. Brasília: Unesco, 2004.
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2002.
JUNQUEIRA, Rogério Diniz. ―Não temos que lidar com isso. Aqui não há gays nem
lésbicas‖ – Estados de negação da homofobia nas escolas. In: ANPEd: ―Sociedade, cultura e
educação: novas regulações?, 32, 2009a, Caxambu/MG. Anais... Editora ANPEd. 2009. v.1
p.1-14. Disponível em: http://32reuniao.anped.org.br/arquivos/trabalhos/GT23-5521--Int.pdf.
Acesso em: 27/03/2017.
______. Pedagogias da sexualidade. In: LOURO, Guacira Lopes. (Org.). O corpo educado:
pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
Resumo: Os temas transversais são considerados como grandes temas apresentados a sociedade, a
saber, ética, pluralidade cultural, meio ambiente, orientação sexual, trabalho, consumo, e saúde. A
linguagem da dança é uma área privilegiada que possibilita trabalhar, discutir e problematizar os temas
transversais. O objetivo desse estudo foi identificar se os professores de Educação Física contemplam
os temas transversais em suas aulas e de que maneira isso acontece dentro do conteúdo dança nas
aulas de Educação Física escolar. Foi realizada uma pesquisa de natureza transversal de campo, na
qual utilizou-se um questionário com 10 perguntas, em 12 escolas da rede municipal de Caruaru-PE,
com 27 professores de Educação Física Em seus relatos os professores atribuem importância ao
diálogo sobre os temas transversais gênero, preconceito, consumo, saúde, trabalho e mídia através das
dúvidas que surgem nos alunos, sugerindo uma educação autônoma. Consideramos que a dança nas
aulas de Educação Física apresenta um leque de possibilidades que promovem atividades de superação
de preconceitos e quebra de limites impostos historicamente às questões de gênero, trabalho, consumo
e saúde. Entendemos que existe a necessidade do professor buscar estratégias de ensino para
contemplar o conteúdo dança e os temas transversais nas aulas de Educação Física.
Palavras-Chaves: Dança, Educação Física, Pluralidade Cultural, Gênero, Autonomia.
Abstract: Cross-cutting themes are considered as major themes presented to society, namely ethics,
cultural plurality, environment, sexual orientation, work, consumption, and health. The language of
dance is a privileged area that makes it possible to work, discuss and problematize cross-cutting
themes. The purpose of this study was to identify whether Physical Education teachers contemplate
the transversal themes in their classes and how this happens within the dance content in the classes of
Physical Education at school. A cross-sectional field survey was carried out in which a questionnaire
with 10 questions was used in 12 schools of the municipal network of Caruaru-PE, with 27 teachers of
Physical Education. In their reports, teachers attribute importance to the dialogue on the themes
Gender, prejudice, consumption, health, work and the media through the doubts that arise in the
students, suggesting an autonomous education. We believe that the dance in the classes of Physical
Education presents a range of possibilities that promote activities of overcoming prejudices and
breaking limits historically imposed on issues of gender, work, consumption and health. We
understand that there is a need for the teacher to seek teaching strategies to contemplate the dance
content and transversal themes in Physical Education classes.
Métodos e Materiais
“Cada nação tem uma cultura, para que as relações sejam harmoniosas é necessário
respeito às divergências” (Professor 3)
O conhecimento da diversidade cultural e perspectiva de aceitação da pluralidade
cultural, visando os desenvolvimentos dos valores e tolerância de otimização das relações
interpessoais entre grupos culturalmente diversos ( CANEN,2000)
A questão 09 Você consegue aborda as danças afras descendentes? Justifique 09
professores dizem não tratar das danças afrodescendentes, por não dominarem o conteúdo,
não tentam. Para ser um professor de Educação Física será que precisamos ser excelentes
atletas, campeões implacáveis de jogos e brincadeiras ou até um senhor resistência para
praticar lutas e ginásticas? A resposta é obvio que não, então porque que professores de
Educação Física acham que precisam ser excelentes dançarinos para ministrar aulas de dança
nas escolas(CANDAU, 2008).
A questão 10 você como professor acredita que os temas transversais necessitam ser
mais trabalhado no conteúdo dança na Educação Física, referente a formação cidadã é melhor
convívio entre as diferenças questão ?
Quanto à opinião do professor sobre haver à necessidade de trabalhar mais os temas
transversais no conteúdo dança na Educação Física, referente à formação cidadã e melhor
convívio entre as diferenças, 21 professores afirmaram ser necessário, porém não só na aula
de dança na Educação Física, como em todas as disciplinas e conteúdos.
“Não tenho dúvida, mas para isso acontecer é necessária uma grande mudança
curricular concomitante com uma formação profissional continuada e critica” (Professor
15).
“As diferenças são fomentadas para garantir a manutenção do status quo vigentes. A
igualdade nunca existirá! “Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos
inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza”.
Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não
produza, alimente ou reproduza as desigualdades” (Boaventura) (Professor 4).
Educar para a cidadania, no aspecto político, é levar o aluno a participar e a tomar suas
próprias decisões. Em outras palavras, ter autonomia de pensamento. No aspecto social,
significa compreender-se como pessoa que possui direitos e deveres dentro da sociedade e, no
campo cultural, implica em levá-lo a respeitar os valores e as diferentes expressões culturais
presentes em nosso meio (WEYH, 2000).
Resultados e Discussão
A dança nas aulas de Educação Física
Quando questionados se sabem o que são temas transversais, uma grande parte dos
professores afirmou ter conhecimento sobre o assunto, dos 27 participantes da pesquisa 25
professores afirmaram que sim e 02 não responderam. Porém 19 professores reconhecem
sentir dificuldade para trabalhar o conteúdo dança, e suas principais razões foram as
seguintes:
- 04 professores alegam preconceito por parte dos alunos do gênero masculino, em praticarem
dança nas aulas de Educação Física. 06 Professores alegam existir machismo e pouco
interesse por parte dos estudantes.
- 05 professores alegam pouco conhecimento e experiências com as aulas práticas de dança.
- 03 professores afirmam que tiveram uma graduação que ofereceu pouco conhecimento sobre
o conteúdo dança, e suas experiências práticas. 03 Professores afirmam não ter local adequado
para prática, os alunos são resistentes para praticar, ou seja, poucos participam.
Os professores que negaram ter dificuldade em trabalhar dança afirmaram que:
“... procuro trabalhar o conteúdo dança, com o que está mais próximo da realidade deles”
(Professor 22)
“A dança faz parte do cotidiano dos alunos e isso facilita o trabalho com essa forma de
expressão corporal” (Professora 3).
Na literatura a dança, associada à Educação Física, deverá ter um papel fundamental
enquanto atividade pedagógica e despertar no aluno uma relação concreta sujeito-mundo.
Deverá propiciar atividades geradoras de ação e compreensão, favorecendo a estimulação
para ação e decisão no desenrolar das mesmas, para assim, poder modificá-las frente a
algumas dificuldades que possam aparecer e através dessas mesmas atividades, reforçar a
autoestima, a autoconfiança e o autoconceito(ROCHA; RODRIGUES, 2007).
A resistência dos alunos ao conteúdo dança
Quando questionados se existe algum tipo de preconceito de gênero com a dança por
parte dos alunos, por exemplo: balé só quem pode dançar é mulher, 24 professores afirmaram
que existe preconceito por parte dos alunos, e relataram justificativas diversas como:
- 05 Professores afirmam existir muito machismo na cidade de Caruaru-PE e no Brasil, por
parte do sexo masculino referente à dança.
Com relação à opinião dos sujeitos da pesquisa sobre o conteúdo dança e a questão de
gênero tem-se que:
“É natural o preconceito de uma sociedade machista, mas nós como educadores temos a
missão de quebrar este paradigma” (Professora 5)
“...apresentam preconceitos referente a prática corporal independente do estilo (balé ,swing
,hip hop, contemporânea ,dança regional e etc.)” ( Professor 4).
“...tudo isso se justifica pelo número de adeptos do sexo em questão na referida dança.
Exemplo: Numa apresentação de balé, certamente o número de bailarinas e imensamente
superior ao de bailarinos”.
( Professor 6)
Os resultados mostraram que dos 27 professores 24 afirmam que seus alunos mostram
ainda um preconceito referente ao gênero sobre o conteúdo dança, uma grande resistência à
prática. Outra característica ressaltada pelos professores é sobre a dificuldade encontrada nas
aulas de dança por não ter local adequado, material e recursos insuficientes. Enquanto
graduando na sua formação, oferecido pela instituição de ensino, o conhecimento dança e suas
experiências práticas foram de forma superficial.
Na tentativa de contornar essas situações de cenas e palavras preconceituosas
referentes à prática ou o conteúdo da dança, 11 professores disseram lidar buscando esclarecer
a importância do conteúdo dança como elemento da cultura corporal e como ele está presente
em nosso cotidiano. 10 afirmaram que levam o estudante a refletir, a questionar o ato
preconceituoso cometido. Percebe-se que a fala dos professores assemelha-se ao que foi
encontrado na literatura no que se referente ao preconceito ao conteúdo dança no contexto
escolar. Um dos preconceitos mais fortes em relação á dança na sociedade brasileira ainda
diz respeito ao gênero. Dançar em uma sociedade machista como a nossa ainda é sinônimo de
―Coisa de mulher‖, ―Efeminação‖, ―Homossexualismo‖(MARQUES, 2011).
Importância do trato dos temas transversais na aula de dança
Os professores reconheceram a importância do papel do professor para uma prática
pedagógica libertadora quando: 24 professores relataram a importância do professor de
Educação Física trabalhar a valorização do ser cidadão, do reconhecimento do aluno na
sociedade, do educar para autonomia como prática da liberdade e criticidade.
O importante na educação libertadora, para Freire, é que os homens se ―sintam sujeitos
de seu pensar, discutindo o seu pensar, sua própria visão de mundo, manifestada implícita ou
explicitamente, nas suas sugestões e nas de seus companheiros‖ ( FREIRE, 1987).
“É importante tornar um aluno crítico, o fazer entender sua importância na
sociedade, o quanto ele pode modificar o meio em que vive” (Professor 26).
―A obra ESCOLA E DEMOCRACIA de Demerval Saviani diz “o objetivo geral da
escola é educar para autonomia como prática da liberdade e a criticidade é o pressuposto
maior da ampliação e qualificação da prática social do aluno” (Professor 21).
“Os conteúdos corporais formam competências elevam o nível de conhecimento
passando do senso comum ao científico, bem como contribuem para a formação de valores
(justiça, igualdade, solidariedade, defesa ao meio ambiente, aplicação dos recursos
públicos...)” (Professor 4).
Quanto às estratégias de ensino para aplicação dos temas transversais na aula de dança
na Educação Física, 15 dos 27 professores disseram usar: Vídeos, textos e filmes. 12
professores disseram não usar nenhuma estratégia específica para essa abordagem, o professor
23 relatou não ser correto tratar tema transversal por não ser conteúdo, 01 professor não
respondeu.
“O Trabalho com aulas audiovisuais, acaba despertando ainda mais o interesse do aluno e a
motivação acaba acontecendo” (Professor 2).
Quanto à opinião do professor sobre haver à necessidade de trabalhar mais os temas
transversais no conteúdo dança na Educação Física, referente à formação cidadã e melhor
convívio entre as diferenças, 21 professores afirmaram ser necessário, porém não só na aula
de dança na Educação Física, como em todas as disciplinas e conteúdos.
“Não tenho dúvida, mas para isso acontecer é necessária uma grande mudança
curricular concomitante com uma formação profissional continuada e critica” (Professor
15).
“As diferenças são fomentadas para garantir a manutenção do status quo vigentes. A
igualdade nunca existirá! “Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos
inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza”.
Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não
produza, alimente ou reproduza as desigualdades” (Boaventura) (Professor 4).
03 professores julgaram não ser necessário o trato dos temas transversais, justificando
que os temas transversais já estão sub inclusos em todos os conteúdos. 01 declarou não ter
opinião sobre o assunto. 01 declarou não entender a pergunta.A diversidade cultural foi
bastante apontada nos discursos dos professores:
“O Brasil não é uma terra de brancos, de negros, é uma terra de todos, é importante os
alunos saberem disso” (Professor 24).
“Principalmente na questão das etnias negra e indígena referenciando a diversidade social e
cultural em que estamos inseridos” (Professor 15).
“O samba que é tão comum em nosso meio é marca dos negros, e por está presente em nosso
meio não é difícil de ser abordado” (Professora 3).
“Pluralidade cultural está diretamente ligada há temas discutidos por outras disciplinas, não
vejo necessidade de uma abordagem na aula de Educação Física” (Professor 16).
09 professores dizem não tratar das danças afrodescendentes, por não dominarem o
conteúdo, não tentam. Para ser um professor de Educação Física será que precisamos ser
excelentes atletas, campeões implacáveis de jogos e brincadeiras ou até um senhor resistência
para praticar lutas e ginásticas? A resposta é obvio que não, então porque que professores de
Educação Física acham que precisam ser excelentes dançarinos para ministrar aulas de dança
nas escolas (CANDAU, 2008).
A temática da Pluralidade Cultural diz respeito ao conhecimento e à valorização das
características étnicas e culturais dos diferentes grupos sociais que convivem no território
nacional, às desigualdades socioeconômicas e à crítica às relações sociais discriminatórias e
excludentes que permeiam a sociedade brasileira, oferecendo ao aluno a possibilidade de
conhecer o Brasil como um país complexo, multifacetado e algumas vezes paradoxal (MEC,
1998).
Para MARQUES (1997), na dança também estão contidas as possibilidades de
compreendermos, desvelarmos, problematizarmos, e transformarmos as relações que se
estabelecem em nossa sociedade entre etnias, gêneros, idades, classes sociais e religiões. Os
Parâmetros Curriculares Nacionais (MEC, 1998), afirmam que a criança na escola convive
com a diversidade e poderá aprender com ela. Singularidades presentes nas características de
cultura, de etnias, de regiões, de famílias, são de fato percebidas com mais clareza quando
colocadas junto a outras. A percepção de cada um, individualmente, elabora-se com maior
precisão graças ao outro, que se coloca como limite e possibilidade. Limite, de quem
efetivamente cada um é. Possibilidade, de vínculos, realizações de ―vir-a-ser‖.
Segundo Guimarães (2003), Os ciclos de aprendizagem apresentam como princípios a
igualdade de acesso ao conhecimento, o reconhecimento das diferenças e a integralidade e
autonomia dos alunos. Cabe ao professor fazer parte da teia que entrelaça esses princípios,
que compreendem a educação como ―ação integrada‖, dentro das interferências de um
contexto sociocultural.
A falta de conhecimento do professor e a carência de materiais e espaço adequado para
trabalhar a dança na escola, apontadas pelos professores como limitações para trabalhar esse
conteúdo nas aulas de Educação Física, foram abordados em estudos Pereira (2009), Sousa
(2010), anteriores. A literatura fala sobre a falta de preparo na formação de professores para
trabalhar a dança de forma pedagógica, segundo Marques6 a formação de professores que
atuam na área de dança é sem dúvida um dos pontos mais críticos no que diz respeito ao
ensino desta arte em nosso sistema escolar, não tendo conhecimento suficiente para a práxis.
Além disso, é recorrente a queixa dos professores em relação às infraestruturas e
materiais, Segundo PIRES, (2008) a falta de infraestrutura e materiais, não impede a prática
do conteúdo em âmbito escolar, ou seja, pretexto para não ministrar as aulas. A própria sala
de aula, um pátio, e um som, já possibilitariam a prática da dança no ambiente escolar.
Conclusão
Dois fatores limitantes à realização desse estudo foram à falta de interesse por parte de
uma minoria dos professores em colaborar com a pesquisa e a dificuldade em encontrar
publicações bibliográficas referentes à dança e os temas transversais na escola e nas aulas de
Educação Física. Buscou-se minimizar a limitação referente a carência bibliográfica dos
temas trazendo à discussão alguns autores que abordam separadamente os temas transversais
e a dança, e a dança nas aulas de Educação Física, articulando as ideias em questão.
A partir dos resultados pudemos perceber que os professores consideram o trabalho
com os temas transversais nas aulas de dança muito interessante, porém, ao mesmo tempo
afirmam que não foram contemplados na sua formação e sentem dificuldade para tratar do
conteúdo dança e inserir o tema transversal na sua aula, quando necessário, além disso, existe
ainda resistência dos alunos por questões culturalmente preconceituosas. Em contrapartida,
fica possível perceber que os professores mesmo que superficialmente chegam a utilizar
algum tema transversal nas aulas de dança.
Segundo COSTA; CARVALHO, (2012) considera-se que a dança e os temas
transversais, nas aulas de Educação Física apresenta-se, como um campo rico de
possibilidades para promover atitudes que objetivem a superação dos preconceitos e limites
impostos historicamente, às questões de gênero. A escola deve possibilitar perspectivas para
amenizar o preconceito cultural, o professor tem como dever trazer vivências da dança com a
sociedade é sua evolução no âmbito cultural, dialogar sobre a importância da saúde, trabalho,
ética e pluralidade cultural. Concordando com COL et al., (2007) acreditamos que a dança na
Educação Física tem papel fundamental na escola, que vai muito além do ensino de
coreografias, cabe a nós professores e futuros professores propor e desenvolver novos planos
e novas propostas de trabalho, que representem significado, ou seja, que tenham relevância
para os nossos alunos na construção de um conhecimento ativo perante a sociedade.
Assim sendo, a utilização dos temas transversais nas aulas de dança se torna uma
proposta viável, pois através deles é possível que o professor antecipe e elabore propostas que
englobem vários conteúdos sociais relevantes. Os temas transversais têm como meio de
modificar a realidade das aulas ditas ―tradicionais‖, onde meramente a reprodução de passos
da mídia aparece sempre como conteúdo predominante e, com isso, as aulas acabam por não
apresentar sentido para os alunos. Logo, um professor que englobe em suas aulas os temas
transversais permitirá aos alunos refletirem não apenas suas capacidades e habilidades
motoras e físicas na dança, mas também seu papel enquanto cidadão estará trazendo
mudanças significativas para Educação Física escolar. Além disso, estará valorizando o
componente curricular indispensável para a vida dos alunos.
A Educação Física possui ainda muitos problemas no ambiente escolar no que diz
respeito à falta de orientação do que lhe é próprio, bem como abordar os conteúdos da cultura
corporal, que vão além do esporte. Segundo DINIZ; DARIDO, (2012) Para tanto, um trabalho
diferenciado pode articular a dança com estes temas, e, desta forma, a Pluralidade Cultural
apresenta-se como uma possibilidade rica para o trabalho com este conteúdo. Existe uma
relação intrínseca entre educação e cultura(s). Estes universos estão profundamente
entrelaçados e não podem ser analisados a não ser a partir de sua intima
articulação(CANDAU, 2008).
A partir do exposto propõe-se que os professores reconheceram a importância dos
temas transversais para formação do aluno, que possam desenvolver estratégias de ensino para
trabalhar o conteúdo dança e os temas transversais nas aulas de Educação Física ao longo do
processo de aprendizagem.
Referência:
PIRES, M. T. Conteúdo de dança na Educação Física escolar nas séries finais do ensino
fundamental do município de Içara / SC. Universidade do Extremo Sul Catarinense-
UNESC., 2008.
PLENA, L.; UCB, F.; BASTOS, D. M. Jogos Transversais : uma proposta de abordagem dos
temas transversais nas aulas de Educação Física. revista digital buenos aires, 2010.
ROBERTO, P.; MIRANDA, Y. DE. Drogas : Cartilha para educadores. [s.l: s.n.].
Lakatos, E. M.; Marconi, M. A.: Fundamentos de Metodologia Científica. São Paulo. Ed.
Atlas, 1985. Disponível em: http://www.webartigos.com/artigos/conceitos-em-pesquisa-
cientifica/10409/#ixzz4AGyewp8p]
Resumo do artigo: O presente artigo tem seu caráter de estudo de caso trazendo vivências
ocorridas em uma turma mista composta por alunos (as) do infantil 1 e 2 da Escola Feliz Pra
Sempre, o nome é fictício por não ter permissão da gestão para divulgação sendo esta uma
instituição da rede privada, situada na cidade de Jaboatão dos Guararapes – PE, tendo por
objetivo abordar a importância de debates sobre gênero na educação, mais especificamente na
educação infantil, assim como, trazer estudos bibliográficos que contemplem a temática do
público em questão. A metodologia utilizada foi à observação participante tendo
envolvimento completo com o grupo referente a este estudo de caso. O resultado obtido foi
que as relações de gênero se constroem desde a infância e que as crianças reproduzem os
discursos segregatórios entre gênero a partir da fala e convivência com a família, porém é
possível notar a importância do diálogo com as crianças para romper com os estereótipos
construídos nos âmbitos sociais, culturais, assim como, desconstruir a superioridade
masculina nas relações sociais existente na escola, bem como é possível notar a relação da
escola enquanto reprodutora da opressão sobre as relações de gênero e a ideia de gênero
relacionada à sexualidade.
Palavras-chave: Gênero, Educação Infantil, Estudo de Caso.
INTRODUÇÃO
METODOLOGIA
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Com essa visão de que a criança é passiva e que o ato de brincar não irá favorecer a
construção da identidade da criança e, não vendo a importância à atividade lúdica também na
construção de conhecimento, autonomia.
É entorno do meio da ludicidade, da brincadeira que se configurou outro processo de
determinação do que é de menina e menino, outro modo de negação do que deve compreender
por gênero. Em sala de aula a professora separa um tempo para brincadeiras e músicas para
explorar a movimentação do corpo das crianças, rebolam, pulam, imitam animais, etc.
diariamente essa rotina é feita em sala de aula ou fora da mesma. Após a ausência de um dos
alunos em sala de aula, após três dias, prazo determinado pela escola para entrarem em
contato com os responsáveis para saberem o motivo da ausência, a professora é comunicada
pela diretora que a mãe do menino procurou a escola para retirar a criança da instituição, pois
a criança ao ouvir música em casa estava rebolando e dançando e que não admitia ver aquilo,
pois seu filho é macho. Diante de tal ato a diretora propôs a troca de turno da criança, o
menino foi para o turno da tarde, colocado em uma turma, mista, de infantil 3 e 1º ano do
ensino fundamental. A professora questionou por que não foi comunicada sobre tal ação da
mãe da criança, assim como o posicionamento da direção da escola, segundo a diretora a ação
foi realizada para não perder um aluno pagante.
Após tal conversa a professora ficou se questionando por que uma diretora, com
formação em pedagogia, tendo o conhecimento acerca da função social da escola, reproduz
cegamente e fielmente práticas que negam as relações gênero, que segrega tudo por sexo,
assim como sua visão a respeito da criança, sendo vista enquanto aluno pagante.
É possível notar que o interesse desta gestora circunda apenas o financeiro e não a
questão da escola ser extensão da sociedade e de possibilitar a reprodução da cultura
dominante que nega a identidade de gênero, que vincula gênero à sexualidade. Do mesmo
modo é visível à negligência em reunir os responsáveis pela criança, a professora e a gestão
da escola para dialogarem a respeito do ocorrido, assim como trazer para debate as relações
de gênero, pois o que ocorreu foi mais um processo de silenciar o comportamento infantil, as
relações sociais, as identidades de gênero. Sendo assim notória a construção pedagógica desta
escola mediante cultura limitada a negar o diálogo sobre gênero e suas relações.
As construções de pensamentos heteronormativos e a necessidade em nomear e
rotular ações baseadas num dualismo entre masculino e feminino, Louro (1997) explica que
tais ―papéis seriam, basicamente, padrões ou regras arbitrárias que uma sociedade estabelece
para seus membros e que definem seus comportamentos, suas roupas, seus modos de se
relacionar ou de se portar...‖ uma sociedade que nega a diversidade cultural, de gênero,
sexualidade, etc. e procura em cada ação exaltar o gênero masculino e sua cultura, reduzindo
o papel do gênero feminino nas relações sociais.
Esse pensamento que normatiza as divisões por sexo e oculta às identidades de gênero,
assim como as relações entre os gêneros, permeia diariamente nas escolas, que reproduzem a
heteronormatividade, práticas silenciadoras e opressoras sobre as crianças, adolescentes e
adultos, sendo assim perceptíveis nas ações da gestora da escola citada anteriormente.
Como aborda Louro (1997) é necessário entender que, o gênero como constituinte da
identidade dos sujeitos, para entender o que é identidade Hall (2015, p.11) explica que o
núcleo do sujeito sociológico é formado na relação com ―outras pessoas importantes para
ele‖, ou seja, a construção da identidade se faz mediante ―seleção‖ e classificação de
identidades de outros sujeitos. Portanto, como afirma Hall (2011) a identidade é formada na
―interação‖ entre o ―eu‖ e a sociedade.
Então assim como a sociedade na era pós-moderna se configura de forma
multifacetada, fragmentada e composta por diversidade de costumes, etnias, etc. a identidade
de acordo com Hall (2015) também é composta por diferentes identidades, ou seja, múltiplos
fragmentos de outras identidades formam uma identidade.
As pessoas vivem numa busca constante em se encaixar e identificar com
determinadas culturas e comunidades, procura o reconhecimento de sua identidade a partir da
ligação com o grupo ao qual está vinculada (o). Sendo assim, pode-se reconhecer que o ser
humano se constitui através de um mosaico de identidades.
Para Laclau (apud hall 2015) as sociedades da modernidade tardia, são caracterizadas
pela ―diferença‖, elas são atravessadas por diferentes divisões e antagonismos sociais que
produzem uma variedade de diferentes ―posições de sujeito‖ - isto é, identidade - para
indivíduos. Desse modo é a partir de tais diferenças de posições que existem as articulações e
a formação da sociedade. A respeito da identidade Hall (2015, p.24) afirma que é algo
processual, portanto, nos indica chamá-la de identificação, pois sua construção está em
andamento, o mesmo ocorre com a construção da identidade de gênero, algo construído e
negado socialmente. A identidade de gênero na sociedade vive a negação de sua existência
associando gênero à sexualidade, assim como gênero é uma construção histórica, social,
cultural e política, é desconstrução de imagens normatizadas pela cultura dominante
(BRASIL, 2007).
Assim como a sociedade brasileira, a escola foi uma construção heteronormativa, que
valoriza e exalta o homem, branco, heterossexual, e negligencia a diversidade da sociedade
brasileira e tais relações de poder se estendem para a escola e sala de aula.
Como aborda Bourdieu e Passeron (1975) ―as ações pedagógicas escolares
reproduzem a cultura dominante, que reproduz a estrutura das relações de força‖ a partir do
conhecimento destas relações de poder que adentram para as questões de gênero, os
movimentos sociais feministas, buscaram e buscam a desconstrução dos significados
atribuídos às diferenças entre homens e mulheres, a equidade de gênero (CHAGAS, 2007).
Pois tais significados são construções históricas e culturais normatizadas ao longo dos anos
que segregam e oprimem.
A respeito das relações de desigualdade entre gênero Louro (1997) aborda da seguinte
maneira:
Portanto, estudar gênero leva ao questionamento acerca deste dualismo entre feminino
e masculino, tão naturalizado social e culturalmente, que sempre favorece aquele (a) que
oprime sobre quem é oprimida (o). Para Louro (1997), a partir do momento em que é
considerado o ―caráter social do feminino e masculino, obriga aquelas/es que o empregam a
levar em consideração as distintas sociedades e os distintos momentos históricos de que estão
tratando‖.
Diante de tais questionamentos dos movimentos feministas ocorridos em 1970. No
Brasil, apenas em 1980, conseguiram promover ações sobre gênero dentro das escolas e de
outros espaços sociais (BRASIL, 2007).
Conforme afirma Guacira Louro (2004) apud Brasil (2007) ―as políticas curriculares
são, então, alvo da atuação de [setores conservadores] na tentativa de regular e orientar
crianças e jovens dentro dos padrões que consideram normalmente sãos‖, tal afirmação nos
remete a meta vetada do Plano Nacional de Educação (PNE - Lei nº 13.005, de 25 de junho de
2014) a qual citava ―a superação das desigualdades educacionais com ênfase na promoção da
igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual‖. O PNE do ano de 2014 que foi
aprovado retirou a promoção da igualdade de gênero e de orientação sexual, delegando aos
Estados e municípios a inclusão ou não em seus planos.
Tais discussões a respeito de gênero e orientação sexual foram denominadas de
―ideologia de gênero‖ pelos conservadores e bancada religiosa da Câmara dos Deputados
afirmando que tal abertura de debate e promoção da equidade de gênero feriria a moral da
família brasileira, como pode ser visto no seguinte trecho no Requerimento contra a Lei Nº
13.005/2014 ―O que verdadeiramente está acontecendo é que o conceito de ‗gênero‘ está
sendo utilizado para promover uma revolução cultural sexual de orientação neo-marxista com
o objetivo de extinguir da textura social a instituição familiar‖ (Izalci et al 2015).
A negligência e a naturalização para com o processo de divisão de gênero e
mecanismos de dominação masculina são perceptíveis na sociedade e acima de tudo são
reproduzidos de forma explícita e/ou oculta nas escolas.
Esses padrões de vivências escolares são construções históricas, sociais e
culturalmente predefinindo a ―fragilidade‖ das meninas em determinadas brincadeiras, a
estigmatização do comportamento de meninos e meninas em sala de aula, assim como a
predefinição de escolhas de cores pelas crianças. São essas construções preconceituosas e
estigmatizantes que movimentos feministas e de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e
Transexuais (LGBTT) procuram desconstruir as ações e atos preconceituosos e segregatórios.
Uma luta constante dos movimentos sociais e que em conjunto com membros de movimentos
educacionais poderão permitir um alcance melhor para debates acerca das relações de gênero
e produzirem materiais de apoio em casa de aula que permitam a quebra de paradigmas a
respeito da temática de gênero.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOURDIEU, Pierre; Passeron, Jean Claude. A Reprodução - Elementos para uma Teoria
do Sistema de Ensino. Disponível em < http://docslide.com.br/documents/bourdieu-
passeron-a-reproducao-elementos-para-uma-teoria-do-sistema-de.html>. Acessado em 09 de
Janeiro de 2017.
CARVALHO, Marília Pinto de. Gênero na sala de aula: uma questão do desempenho
escolar. In: MOREIRA, A. F. B.; CANDAU, V. M. (Org.). Multiculturalismo: diferenças
culturais e práticas pedagógicas. 10. ed. Petrópolis: Vozes, 2013. p. 90-124.
COSTA, Alexandre de Souza, et al. InCID: R.Ci.Ing.eDoc., O uso do método estudo de caso
na ciência da informação no Brasil. Ribeirão Preto, v.4, n.1, p.49-69, jan/jun. 2013.
Disponível em < http://www.revistas.usp.br/incid/article/view/59101>. Acessado em 29 de
Novembro de 2016.
CHAGAS, Juliana Torres das. Gênero e sexualidade na educação infantil. Campinas, SP:
[s.n.], 2007. Disponível em
<http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?down=000414211>. Acessado em 02 de
Dezembro de 2016.
Yin, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos; trad. Daniel Grassi - 2.ed. -Porto
Alegre : Bookman, 2001.
Resumo: Ultimamente o termo LGBTfobia tem aparecido com maior frequência nos espaços
de diálogos acadêmicos e nos encontros dos movimentos sociais. Apesar da consolidação do
termo homofobia nos diversos segmentos da sociedade - como por exemplo a academia e o
próprio Estado -, de que forma o surgimento desse novo termo revela a dificuldade ou
avanços em dialogar com a política pós-identitária, levando em consideração que esta última
tem ganhado expressiva notoriedade nas arenas políticas? A fim de provocar essa discussão, o
presente artigo se estrutura em dois momentos: o primeiro procura problematizar o termo
homofobia e pensar a LGBTfobia como fenômeno social que converge e se reforça a partir da
lógica heteronormativa; No segundo momento, trataremos das representações de gênero e da
construção da identidade. Tomando-se por ponto de partida os estudos queer e a organização
social a partir da sexualidade, enfatizando a construção de uma moral sexual que determina as
relações de poder e revela posições hierárquicas de uma perspectiva sexual em face de outras.
Abordaremos, ainda, o conflito existente entre a agenda anti-LGBTfóbica e a política pós-
identitária, ressaltando a mudança epistemológica proposta pela Teoria queer que
efetivamente rompa com a coerência binária e com suas implicações: a hierarquia, a
classificação, a dominação e a exclusão.
Palavras-chave: LGBTfobia; Política Pós-Identitária; Estudos Queer; Heteronormatividade
Introdução
Na 3ª Conferência Nacional de Políticas Públicas de LGBT, ocorrida em 2016 em
Brasília-DF, e que trouxe como tema: ―Por um Brasil que Criminalize a Violência Contra
Lésbicas, Gays, Bissexuais,Travestis e Transexuais‖29 foi discutido a utilização do termo
LGBTfobia ao invés de homofobia, além de outras pautas da agenda anti-homofóbica do
movimento LGBT que desde o início dos anos 2000 tem alcançado um exitoso diálogo com a
academia e com o Estado brasileiro. Logo, houve por parte do Estado a criação e a
implantação de variados artefatos que indica o reconhecimento pelo Estado da LGBTfobia
enquanto fenômeno social. Para ilustrar: em 2010 houve a criação do Conselho Nacional
contra a discriminação (CNCD) e do Programa Nacional de Direitos Humanos 2; em 2004 a
29
Disponível em http://www.sdh.gov.br/assuntos/conferenciasdh/3a-conferencia-nacional-lgbt, acessado em
07/05/2017.
criação do programa Brasil Sem Homofobia - BSH; em 2009, o Plano Nacional de Promoção
da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT (PNPCDH-LGBT) e em 2010 a criação do
Programa Nacional de Direitos Humanos. Com efeito, a criação desses dispositivos
reverberou políticas públicas nas demais esferas do Estado, havendo por parte dos governos
estaduais e municipais a criação de políticas locais, por exemplo, a criação do Centro Estadual
de Homofobia do Pernambuco (CECH) em 2012 e o Centro de Referência em Cidadania
LGBT do Recife-PE em 2014.
Porém, esse relativo sucesso, como aponta Miskolci (2011), apresenta, também suas
dificuldades. O que se pode sentir dentro do debate, principalmente entre a academia e o
movimento LGBT, é que há de um lado os que proclamam uma luta identitária e os Outros,
que são chamados de ―os queer‖ (MISKOLCI, 2011). É bem verdade que ao teorizar os
estudos queer, seus idealizadores, no início dos anos 90 do século passado, procuraram
rechaçar a ideia do orgulho gay, já que o ato de ―sair do armário‖ (SEDGWICK, 2007) não
seria suficiente para pôr em questão os regimes normalizadores que tangenciam as
sexualidades. Entretanto, a lógica pretendida pelos estudos queer, em sua perspectiva
americana, não foi provocar uma cisão, entre os identitários e os não-identitários. Mas, sim e
também, ―propor partir da experiência social da vergonha como meio para trazer ao discurso
as formas como nossa sociedade construiu a fronteira entre a aceitação e o rechaço social com
eixo na sexualidade (MISKOLCI, 2011, p. 58) ‖. A busca pela política pós-identitária, nesse
sentido, é subverte as identidades e apontar para as ―multidões‖ que não seriam contempladas
pela luta identitária. Assim, impõem-se alguns questionamentos: a normalização a fim de se
alcançar a igualdade política e, por conseguinte, a obtenção de direitos tem/teria sucesso no
campo da política? E em caso positivo, não se estaria causando violências éticas àquelas(es)
estranhas(os) à normalização?
Butler (2015, p. 19) afirma que ―a construção política do sujeito procede vinculada a
certos objetivos de legitimação e de exclusão‖, tal preceito desagua no estado democrático de
direito que, ―com efeito, a lei produz e depois oculta a noção de ‗sujeito perante a lei.‘‖
Não obstante, Preciado acastela que uma das formas dominantes de ação biopolítica
no capitalismo contemporâneo é a sexopolítica. Defende a ideia de que o sexo entra no
cálculo do poder, fazendo dos diversos discursos sobre identidades sexuais um agente de
controle da vida. A autora traz referências de Foucault em que este contestando a sexopolítica
diz que biopoder não faz mais do que produzir as disciplinas de normatização. A sexopolítica
não pode, portanto, ser reduzida à regulação das condições de reprodução da vida nem aos
processos biológicos que se ―referem a população‖. Bem verdade que anteriormente as
disciplinas biopolíticas funcionaram como uma máquina de naturalizar o sexo. Essa máquina
permitiu a criação da noção de gênero no séc. XIX para possibilitar que crianças intersexuais
e pessoas transexuais tivessem a possibilidade de modificação cirúrgica e hormonal do sexo
genital. Tais pessoas modificadas pela medicina foram categorizadas em minorias construídas
como ―anormais‖ em benefício da regulamentação normativa do corpo da massa. Ora, essa
multiplicidade de anormais reforça a potencialidade do Império Sexual em normatizar e
controlar (2011, p.11-13).
Para Preciado as minorias sexuais tornam-se multidões chamadas de queer. Dentro da
noção de políticas das multidões queer, ―o corpo não é um dado passivo sobre o qual age o
biopoder, mas antes a potência mesma que torna possível a incorporação protéstica dos
gêneros.‖ (PRECIADO, 2011, p. 14). O corpo da multidão é centralizado na
―desterritorialização‖ da heterossexualidade, que afeta tanto o espaço urbano quanto o espaço
corporal. Tal processo do corpo obriga a resistir-se aos processos de tornar-se ―normal‖.
Ora, é preciso admitir que os corpos não são mais dóceis, é preciso ―desidentificação‖,
na medida em que surge das ―sapatas‖ que não são mulheres, das bichas que não são homens,
das trans que não são homens nem mulheres, ―identificações estratégicas‖ quando ―sapatas‖ e
―bichas‖ são transformadas em possíveis lugares de produção de identidades resistentes à
normalização, atentas ao poder totalizante dos apelos à ―universalização‖. (PRECIADO,
2011, p. 14-15)
Saliente-se que os corpos da multidão queer são também as ressignificações da própria
pornografia e da anatomia humana e não estão vinculados a ideia de ―terceiro sexo‖. Portanto,
―a política da multidão queer não repousa sobre uma identidade natural, nem sobre uma
definição pelas práticas sexuais, mas sobre a multiplicidade de corpos que se levantam contra
os regimes que os constroem como normais e anormais.‖ (PRECIADO, 2011, p. 16).
A construção da normalidade sexual repousa na heterossexualidade como modelo de
sexualidade padrão, tornando-o legítimo natural e compulsório. Ou seja, infere-se que as
pessoas no círculo social são heterossexuais por natureza e, sendo assim, a heterossexualidade
torna-se fundamento da sociedade. ―Parte do problema aí proposto é que sexo/gênero tem sido
uma das poucas áreas em que a corporificação pode ser discutida em discursos ocidentais‖
(OLIVEIRA, 2007, p. 139). Outrossim, a sociedade atribui papéis aos gêneros em função do
sexo que dispõem, e consequentemente cria-se uma espécie de hierarquização dos sexos,
fortalecendo a discriminação de gênero. Stephanie Arc (2009, p. 30) afirma que
essas ideologias que pregam a superioridade de um gênero sobre outro
(sexismo) e de uma orientação sexual sobre outra (heterossexismo) dão
sustentação ao sistema social e organizam o controle dos gêneros.
Ora, necessário, pois, cultivar uma transformação epistemológica que quebre a cultura
binária e seus efeitos, quais sejam, a hierarquia, a classificação, a dominação e exclusão.
Compreender a homossexualidade e a heterossexualidade como independentes, depende de
uma abordagem desconstrutivista. Em tal ótica, a identidade negada é constitutiva do sujeito,
assombrando-o com instabilidade, questionando-se aos processos pelos quais a
heterossexualidade se tornou regra-padrão e passou a ser concebida como ―natural‖.
(LOURO, 2001, p. 549)
Considerações Finais
REFERÊNCIAS
ARC, Stéphanie. As lésbicas: Mitos e verdades. São Paulo: Edições GLS, 2009.
BORRILLO, Daniel. Homofobia - História e Crítica de Um Preconceito. Trad. Guilherme
João de Freitas Teixeira. Belo Horizonte: Autentica, Editora, 2015.
FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade. O Uso dos Prazeres. Rio de Janeiro. Edições
Graal, 2005.
LOURO, Guacira Lopes. Teoria Queer - Uma Política Pós-Identitária Para A Educação.
Estudos Feministas: Florianópolis, v. 9, n. 2, 2001.
MISKOLCI, Richard. A teoria Queer e a questão das diferenças: por uma analítica da
normalização. In: 16º CONGRESSO DE LEITURA DO BRASIL. Campinas: UNICAMP,
2007. Anais eletrônicos 16º Congresso de Leitura do Brasil.
__________ Richard. Não ao sexo rei: da estética da existência foucaultiana à política queer.
Michel Foucault: sexualidade, corpo e direito / Luiz Antônio Francisco de Souza, Thiago
Teixeira Sabatine e Boris Ribeiro de Magalhães, organizadores. – Marília. : Oficina
Universitária; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011.
PRECIADO, B. Multidões queer: notas para uma política dos “anormais”. Estudos
Feministas: Florianópolis, v.19, n.1, jan./abril, 2011.
WITTIG, Monique. The Straight Mind and Other Essays. Boston: Beacon Press, 2002.
ESTUPRO COLETIVO: UM OLHAR DA PSICOLOGIA SOCIAL NO
COMPORTAMENTO DE GRUPO
Resumo
No Brasil foi noticiado na mídia casos de estupros coletivos, que ocorreram em diferentes cidades. O
caso foi motivo de debates e trouxe a tona o tema ―cultura do estupro‖, algo pouco conhecido pelas
pessoas no geral. Esse artigo tem como objetivo, discutir a cultura do estupro e a influência do
pensamento de grupo no comportamento de homens que participam de estupro coletivo. Para tanto,
entender esse contexto, se faz necessário percorrer um caminho que perpassa do social ao individual,
em que a comunhão da objetificação da mulher e as influências do pensamento de grupo no
comportamento de homens, podem levar ao estupro coletivo. O artigo é de natureza qualitativa e
metodologia bibliográfica, pois não se preocupa com representatividade numérica, mas, sim, com o
aprofundamento da compreensão de um grupo social. A prática do estupro coletivo não é nova, tendo
seus registros na história, contudo, o tema vem sendo debatido e avaliado por cidadãos e a comunidade
científica atualmente. A cada vez que a temática se torna explícita, tende a fomentar pesquisas e
estimular a reflexão a cerca do papel da mulher em nossa sociedade, e a contribuição individual de
cada um para a não perpetuação da ―cultura do estupro‖.
Abstract
In Brazil, cases of collective rapes that occurred in different cities were reported in the media. The
case was the subject of debate and it brought to light theme "rape culture", a subject almost unknown
by the general public. This article aims to discuss the culture of rape and the influence of group
thinking on men‗s behavior in participating in collective rape. In order to understand this context, it is
necessary to cross a path from the social to the individual, in which the communion of the
objectification of women and the influences of group thinking on the behavior of men can lead to
collective rape. The article is qualitative in nature and bibliographical methodology, because it does
not concern itself with numerical representativeness, but rather with the deepening of the
understanding of a social group. The practice of collective rape is not new, having its records in
history; however, the subject has been debated and evaluated by citizens and the scientific community
lately. Each time the theme becomes explicit, it tends to foster research and stimulate reflection about
the role of women in our society, and the individual contribution of each to the non-perpetuation of the
―rape culture."
No Brasil nos últimos meses, foi notícia em vários meios de comunicação estupros
coletivos, que ocorreram em cidades diferentes do país. Foi motivo de debates acirrados e
trouxe a tona uma nomenclatura criada nos anos 70 nos Estados Unidos: ―cultura do estupro‖,
que apesar de antiga é pouco conhecida e percebida pelas pessoas no geral.
Esse artigo tem como objetivo, discutir a cultura do estupro e a influência do
pensamento de grupo no comportamento de homens que participam de estupro coletivo. Para
tanto, entender esse contexto, se faz necessário percorrer um caminho que perpassa do social
ao individual, em que a comunhão da objetificação da mulher e as influências do pensamento
de grupo no comportamento de homens, podem levar ao estupro coletivo.
A princípio, compreender os aspectos sociais para a fundamentação do artigo, tem o
papel de introduzir as pessoas que realizam o estupro coletivo em um contexto social,
explicando que, não são atos isolados e excludentes, e sim, um aspecto vivenciado há muitos
anos. Esse artigo delimita os indivíduos que praticam o estupro essencialmente em grupo, por
isso, foi abordada a contribuição da psicologia social no estudo de grupos, que tem sido pouco
discutida, e em geral estigmatizada por psicólogos brasileiros que tomaram outros rumos
dentro dos campos de pesquisa.
Como consequência, este se circunscreve por muitos paradigmas, mas que podem
contribuir no estudo do comportamento dos homens que praticam o estupro coletivo, por ser
esse um fenômeno da ordem do social. É no resgate da temática que se contempla a tentativa
de compreender esse comportamento a luz da perspectiva da influencia do pensamento de
grupo.
Portanto, é possível observar a psicologia social como um campo que possibilita
várias vertentes, sentindo-se a necessidade de compreender o comportamento dos grupos na
tentativa de refletir a ação desses indivíduos, com o objetivo de aumentar o campo de estudo.
Como justificativa para a escolha do tema, temos uma problemática atual e intrigante,
podendo contribuir no estudo desse tipo de comportamento, visando obter novos
conhecimentos, diante da escassez de pesquisas psicológicas frente a essa temática.
Metodologia
Foi utilizada no artigo a natureza qualitativa, pois não se preocupa com
representatividade numérica, mas, sim, com o aprofundamento da compreensão de um grupo
social. A pesquisa qualitativa trabalha com o universo de significados, motivos, crenças e
valores, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos
fenômenos. Diante disso será utilizada a metodologia bibliográfica por proporcionar uma
investigação aprofundada sobre a temática, com a utilização dos instrumentos: as fontes
primárias e secundárias para análise, a fim de responder a problemática proposta.
Segundo Amaral (2007, p.1) ―A pesquisa bibliográfica é uma etapa fundamental em
todo trabalho científico, na medida em que der o embasamento teórico em que se baseará o
trabalho. Consistem no levantamento, seleção, fichamento e arquivamento de informações
relacionadas à pesquisa‖. Assim, sua produção de dados se dará através de livros, artigos e
reportagens sobre a ação dos homens em estupros coletivos, e a possível influencia do
pensamento de grupo.
Desenvolvimento
A violência é algo que as sociedades vivenciam de forma cruel. Nada é mais
condenável pela modernidade e pós-modernidade do que as ações violentas. Esse
comportamento é repetido de diversas maneiras em todas as sociedades. A violência traz
consigo muitas vezes, uma manifestação da diferença, o que hipoteticamente pode se tratar de
um jogo de reconhecimento. O que pode se perceber num estupro coletivo, assassinatos,
roubos. (HARTMANN, 2005)
―Após o ato violento temos uma definição de lugares. O que não se refere
somente a posição de agressor e de vítima ou vencedor e perdedor. Essa
definição diz respeito ao fato de que, depois de cometida a violência, as
coisas mudam, um limite aparece, mesmo que provisório.‖ (HARTMANN,
2005, p.45)
A ideia de Birman (2003) sobre o ethos da violência, ou seja, são hábitos de um povo
que visam o ―bem comum‖ de determinada comunidade, pode ser entendido também como a
cultura da violência, e é explicada através da exaltação desenfreada na individualidade em um
mundo que está prezando pelo espetáculo, o que acarreta na dispersão da solidariedade, em
que o outro não é valorizado e preservado e segundo o autor é o lema maior do ethos da
atualidade. Esse contexto implica na impossibilidade de olhar o outro em sua singularidade,
em sua diferença radical, pois isso é a característica da subjetividade na cultura do narcisismo,
já que não se consegue descentralizar de si mesmo.
Nessa perspectiva, o outro é sempre visto como objeto, como algo para ser usufruído e
se não tiver nada para oferecer é eliminado, sendo assim, será manipulado essencialmente
para o gozo. Desta maneira ainda segundo o autor o que lhe interessa é o ―engrandecimento
grotesco da própria imagem. O outro lhe serve apenas como instrumento para o próprio
incremento da autoimagem.‖ (BIRMAN, 2003, p. 25)
Com isso, as relações se tornam verdadeiros entraves, lutas perturbadoras, e na
inexistência de projetos sociais compartilhados resta apenas à extração do gozo do corpo do
outro a qualquer preço. Esse cenário se torna perfeito para a explosão da violência na
atualidade. E ―Saquear o outro, naquilo que este tem de essencial e inalienável, se transforma
quase que no credo nosso de cada dia.‖ (BIRMAN, 2003, p. 25)
No momento em que vivemos e até antes disso, a violência se apresenta e se
apresentou de várias formas, sendo alvo de muitas discursões nos diversos âmbitos. Nesse
cenário, podemos refletir a cerca de nossas ideias de valoração desse outro como algo, como
um objeto, a ser usufruído. Pensando nesse contexto, onde a masculinidade permite que
homens sejam violentos com as mulheres, porque são simplesmente homens e elas, mulheres,
nos faz refletir sobre essa relação desigual e violenta que vem sendo reproduzida ao longo do
tempo.
O cenário da violência contra as mulheres no Brasil tem nos assusta diante do
expressivo quantitativo de casos contabilizados, bem como, nas modalidades de agressões
praticadas. Em especial, aos inaceitáveis casos de estupros coletivos, disponíveis na internet.
Diante dessa visibilidade, pode-se observar um investimento discursivo na espetacularização
desse tipo de violência e de crime, tocando nos pontos mais sensíveis da cultura da violência
contra as mulheres no Brasil, formação de uma inaceitável cultura do estupro coletivo.
(MUNIZ, 2017)
Em 2016 a expressão ―cultura do estupro‖ ganhou o debate público a partir de fatos
como o do estupro coletivo ocorrido no Rio de Janeiro. Mas afinal, o que é a cultura do
estupro? Segundo Almeida (2016), a expressão ―cultura do estupro‖ informa sobre a
banalização social do fenômeno da violência contra as mulheres, especificamente a violência
sexual que atinge todas as classes sociais. O ato do estupro é uma maneira pela qual o homem
exercer o domínio sobre a mulher da forma mais violenta possível, ou seja, a partir do
controle do seu corpo.
Neste contexto, não podemos pensar a cultura do estupro exclusivamente como a
violação em si, mas de como as atitudes sexualmente violentas contra as mulheres como, a
humilhação, objetificação, fragmentação dos corpos femininos, desumanização, possibilitam
que elas sejam percebidas como alvo do desejo e da ação masculina, ao passo que, são
corresponsáveis pela violência contra elas cometidas. Para tanto, não devemos observar o
estupro como um ato individual, mas sim, como uma prática integrada à própria constituição
do ser homem em nossa sociedade. (SILVA, 2017)
A sociedade estabeleceu padrões de interação de gênero em que o corpo da mulher é
permanentemente objetificado e posto a serviço do desejo do homem. E essa objetificação é
banalizada. Cabe destacar que, ao se transformar a mulher em objeto, retira-se dela, num
primeiro momento, a capacidade de agência sobre o processo de violência, a capacidade de
mudar essa situação.
Essa discussão possibilita uma reflexão sobre a prática cultural machista que legitima
certa violência contra a mulher, naturalizando a ideia de que as vítimas são sempre culpadas.
Uma sociedade que coloca mais de 52% de sua população potencialmente nesse lugar é uma
sociedade doente que precisa ser transformada (ALMEIDA, 2016). A cultura do estupro é
algo enraizado em nossa sociedade. A partir do momento em que nós mulheres, nascemos já
recebemos uma série de predefinições de como devemos nos comportar, as roupas que
devemos usar com quem devemos nos relacionar as profissões que devemos ter, enfim, uma
série de padrões impostos por uma sociedade machista que considera o pai de uma menina um
―ex-consumidor e atual fornecedor‖ do produto em questão.
Essa compreensão distorcida e por muitos, reproduzida, nos traz uma reflexão sobre a
violência contra a mulher e de gênero, pois se trata de ‗uma força social‘ que estrutura as
relações de poder entre os gêneros, e modela as dinâmicas sociais. De acordo com
(BANDEIRA, 2017, p.20):
As manifestações da violência presentes nas relações interpessoais e de
gênero são estruturantes, seja pelo fato de normatizar, modelar e regula as
relações interpessoais entre homens e mulheres em nossa sociedade, seja
pela forma indistinguível de poder que assumem, sejam pela dimensão
quantitativa que apresentam.
Existem outras teorias que fomentam o porquê dos indivíduos tomarem certas atitudes
quando se encontram imersos em um grupo, para tanto, será abordado à teoria de Le Bom
(1886), um dos pioneiros na questão de grupos e massas, e se faz relevante nessa temática, por
discorrer sobre o homem que em meio à multidão, adotaria novas propriedades. Uma delas é o
sentimento de poder invencível, com o qual o indivíduo se abandona quando se sente
protegido pelo anonimato e se isenta de responsabilidades.
Em algumas das visões de Freud sobre o tema, reflete outros aspectos da vida
inconsciente e mostra que na multidão ocorre uma abolição das proibições e surgem pulsões
agressivas e sexuais que normalmente são reprimidas pelos sujeitos. A sensação de força que
se encontra paralelo ao fato de se estar em grupo é o que faz o poder ilimitado aparecer
reatualizado. Allport (1924 apud MYERS, 1999) fala em uma interestimulação, uma versão
mais dinâmica do que o contágio mental de Le Bon, e fala que cada um se torna um estímulo
para o outro, a exemplo: que a pessoas a nossa volta criando solicitações que incita a ação.
Considerações Finais
Na mitologia grega, no Brasil colônia, nas propagandas e comerciais de televisão, é
possível identificar em nossa história e ainda na atualidade a misoginia e a perpetuação da
cultura do estupro, visto ainda hoje como natural. A exemplo estão a sexualização de crianças,
tratadas como ―novinhas‖, no educar as filhas a não saírem à noite, ou que lugar de mulher é
dentro do lar. Este discurso ficou evidente com o caso de Valentina, participante de 12 anos
do programa de TV Master Chef, que foi alvo de ameaças de estupro nas redes sociais. O caso
mais recente é o da adolescente de 17 anos, estuprada por 30 homens e exposta nas redes
sociais, em vídeos gravados pelos supostos autores.
Os comentários de culpabilização das adolescentes pela postura e ato criminoso
praticado contra elas, estão facilmente acessíveis. De certo muita coisa vem mudando,
contudo, a cultura enraizada e expressa em pequenos gestos ou palavras coloca a mulher ainda
em uma condição de submissão. Como noticiado na mídia, o estupro coletivo é uma das
formas de violência contra a mulher que foi estudada nesse artigo e que teve como base o
―não poder ser atribuídos a indivíduos‖, ou seja, vista a luz da psicologia social e as
influencias do pensamento de grupo no comportamento, e foi possível entender os aspectos
psicológicos vivenciados pelos autores da agressão no ato criminoso, como a desindividuação
e a interestimulação.
Não podemos dizer que a prática do estupro coletivo é nova, pois há seus registros na
história, contudo, como já mencionado, o tema vem sendo debatido e avaliado por cidadãos e
a comunidade científica atualmente. A cada vez que a temática se torna explícita, tende a
fomentar pesquisas e estimular a reflexão a cerca do papel da mulher em nossa sociedade, e a
contribuição individual de cada um para a não perpetuação da ―cultura do estupro‖.
Referências
COSTA, Elis Regina da; OLIVEIRA, Kênia Eliane de. A SEXUALIDADE SEGUNDO A
TEORIA PSICANALÍTICA FREUDIANA E O PAPEL DOS PAIS NESTE
PROCESSO. Intinerarius Reflectionis, Góias, v. 2, n. 11, p.1-17, 2011. Disponível em:
<https://www.revistas.ufg.br/rir/article/viewFile/20332/19287>. Acesso em: 10 abr. 2017.
RESUMO
Esta pesquisa busca problematizar o acesso a direitos por mulheres refugiadas, visando analisar, no
tratamento a ela dispensado, interseccionalidades entre acesso a direitos e questões de gênero que
constroem (ou não) uma condição de dupla subalternidade. Pensa-se que a condição de ―ser refugiada‖
guarda relação direta com o (não lugar) de ―ser mulher‖, e vice-versa. Busca-se compreender que
aspectos demarcam o cotidiano e a possível dupla condição de subalternidade desta, e, até que ponto,
essa vulnerabilidade dialoga com o não acesso a direitos. O objetivo geral é: Explorar
interseccionalidades entre questões de gênero e acesso a direitos por mulheres refugiadas. A
metodologia parte do método hipotético-dedutivo, será um estudo bibliográfico, descritivo e
explicativo. Pensa-se ser possível compreender as circunstancias que cerceiam o acesso a direitos para
esta mulher, problematizando a garantia e a efetividade desses direitos a partir de marcadores de
gênero.
INTRODUÇÃO
METODOLOGIA
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Meneses e Reis (2013), ao tratar sobre os refugiados, falam que existem dois ―grandes
momentos‖, por assim dizer, como se o processo de refugiamento fosse dividido em duas
partes; a primeira quando o sujeito se reconhece enquanto refugiado, bem como as condições
que o levaram a abandonar seu país de origem, e uma segunda parte quando este mesmo
sujeito se encontra em outro país, onde busca por melhores condições de vida e garantia de
direitos fundamentais.
As autoras ainda dizem que ―os debates sobre direitos humanos e refúgio
frequentemente se limitam a demonstrar como os direitos humanos desses indivíduos vêm
sendo desrespeitados nesse ambiente‖ (MENESES; REIS, 2003, p. 145), nos mostrando que a
garantia e proteção aos direitos fundamentais ainda se tímida no que trata sobre os refugiados.
Observa-se assim, a partir de suas ideias, que é preciso pensar para além da segunda
parte do status de refugiado, percebendo a proteção e garantias aos direitos humanos em uma
perspectiva internacional.
Podemos constatar, ainda, que Meneses e Reis (2003) apresentam a ACNUR, que é o
Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, e que é de grande valia, uma vez
que se mostra como órgão a combater as recorrentes violações aos direitos humanos sofridas
pelos refugiados, reconhecendo, por exemplo, que o fato de que eles sofrem perseguições em
seus países de origem acarretam em tantas outras violações a estes direitos fundamentais,
como também admite possíveis violações ao país de acolhida.
Elas mostram que as ações realizadas pela ACNUR, quando reconhecem que os
direitos humanos estão ligados ao refugiado não só em seu reconhecimento como tal, mas
também como será sua vida no país de acolhida, são orientadas (as ações), por ideias
universais de proteção ao sujeito refugiado e noções de direitos humanos, o que garante e
reconhece a importância da agência e suas ações, ações estas que tem como fim o alcance da
segurança desses refugiados.
Sobre a proteção que deveria ser dada, com relação aos direitos humanos, Reis (2011,
p. 59) diz que ―a principal crítica das organizações que defendem os interesses dos imigrantes
no Brasil diz respeito ao fato de que estão em flagrante descompasso com as disposições
relativas ao respeito dos direitos humanos‖.
As violações aos direitos humanos, bem como sua garantia e proteção não se
apresentam apenas quando o sujeito se vê obrigado a sair de seu país de origem, muitas vezes,
ao chegar ao país de acolhida, o refugiado ainda pode se deparar com a falta e/ou dificuldade
no acesso a direitos fundamentais, como o direito á saúde, à liberdade, à vida ou segurança.
Existem algumas normativas utilizadas para garantir e proteger direitos fundamentais,
como por exemplo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, Convenção das
Nações Unidas contra a Tortura, Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, são
algumas delas.
Em se tratando do Brasil, Silva (2013) vai nos falar da Lei 9.474/94, que é o Estatuto
dos Refugiados, ondem já em seu artigo 1º nos fala do aspectos que caracterizam um
individuo como refugiado, e ainda, traz-se aqui a nova Lei de Migração, aprovada pela
Senado, e que segue para sanção presidencial traz algumas medidas importantes, quais sejam:
entende o migrante como sujeito de direitos, desburocratiza o procedimento de regularização
dele aqui no país, repudia xenofobia, racismo e qualquer outra forma de discriminação.
Embora existam algumas normativas que buscam garantir direitos humanos aos
refugiados, Silva (2013) observa que, muitas vezes, o Comitê Nacional para os Refugiados –
CONARE, se preocupa muito mais em saber se o sujeito preenche os critérios para ser
reconhecido como refugiado, do que como vão se dar as relações do sujeito no novo país, ou
como ele será inserido no mercado de trabalho, por exemplo.
Silva (2013) fala ainda do grande processo de imigração que se estabeleceu no ano de
2013, e que diante disso o CONARE aprovou a resolução número 17, que permitia agora um
visto humanitário para regularizar a situação daqueles que fugiam de seu país, para que
posteriormente fosse reconhecida sua condição de refugiado.
Piovesan (2014) ainda diz que quando as pessoas abandonam seus países de origem
para escapar de alguma perseguição, uma série de direitos humanos lhe é negada, entre eles o
direito à vida, liberdade e segurança pessoal, e é preciso que tais direitos sejam assegurados
no país cujo indivíduo obtenha o direito de refúgio.
No próximo tópico será abordada a figura da mulher nas questões de refúgio.
Calegari (2014) observa que existe um o crescimento sobre estudos acerca das
diferenças entre homens e mulheres refugiados, mesmo que seja pequeno, fazendo com que os
imigrantes sejam tratados de maneira genérica como sendo do gênero masculino, alguns
estudos tocam no tema da mulher, mas não obrigatoriamente no que trata sobre gênero.
A autora ainda fala que, mesmo no ano de 1951, na Convenção para Refugiados, já se
notava uma preocupação quanto a mulher, observando que as relações familiares também
abriam caminho para a discriminação de gênero, assim, buscou-se estabelecer uma igualdade
de gênero quanto ao casamento, estado civil, dissolução da união, planejamento familiar,
responsabilidade com os filhos, adoção, trabalho, entre outros aspectos.
Corroborando com essa ideia de que o gênero coloca a mulher na condição de
subalternidade, Calegari (2014, p.02) fala que ―as relações de gênero são um reflexo da
sociedade, são produto de sua cultura, estrutura social, e política‖, o que deixa garantida a
mulher refugiada uma dupla invisibilidade.
Assis e Kosminsky (2007) falam que no final do século XX houve um aumento de
imigrantes no que toca a diversidade étnica, de classe e em especial de mulheres migrantes
nesse processo de refugiamento.
Ainda explicitam que essa imigração, de inicio, era majoritariamente composta por
homens, e que o aumento do número de mulheres fez refletir sobre sua invisibilidade
enquanto sujeito, e completam dizendo que ―não se trata de reconhecer a importância
proporcional das mulheres ou sua contribuição econômica e social...mas de considerar como
os discursos e as identidades de gênero se redefinem nesses processos‖ (ASSIS;
KOSMINSKY, 2007, p. 695).
Blay (2009) ao tratar sobre as relações de gênero, tendo as refugiadas judias como
foco de seu texto, mostra que o casamento deveria ser realizado também com refugiados
judeus, uma vez que isso serviria para manter a identidade judaica, mesmo que em outro país.
Observa-se ainda que Blay (2009, p. 257) fala que era comum as mulheres procurarem
empregos que elevassem a renda familiar, e que ―relações de gênero hierárquicas, baseadas na
dominação masculina, não encontravam espaço nessas famílias‖, o que nem sempre é a
realidade da maioria das refugiadas.
A ACNUR, em 2001, fixou 05 (cinco) compromissos para garantir uma maior
proteção as mulheres e meninas refugiadas, o que, ao nosso ver, deixa claro que a própria
ACNUR reconhece a interseccionalidade ente o acesso a direitos e questões de gênero por
mulheres refugiadas, e que são esses compromissos que podem ajudar a entender como
funciona a política de refugiamento para a mulher refugiada, quando se trata do acesso a
direitos
Os compromissos propostos pela ACNUR, em 2001, foram: fornecer assistência
sanitária para todas as mulheres e meninas refugiadas; desenvolver estratégias integrais que
combatam a violência sexual e de gênero; promover a participação ativa de mulheres
refugiadas em funções representativas nos campos de refugiados, alcançando uma taxa de
50%; assegurar a participação de mulheres refugiadas a distribuição e gestão de produtos
alimentícios e não alimentícios; e oferecer registro e documentação individual adequada para
todas as mulheres e homens refugiados.
As diferenças de gênero sempre estiveram presentes, o que reforça o patriarcado e
legitima a autoridade masculina, e é através dessa ideia de que há uma hierarquização entre os
gêneros, que acabamos por fortalecer que a mulher ocupa uma condição de inferioridade em
relação ao homem.
BLAY, Eva Alterman. Gênero, resistência e identidade: imigrantes judeus no Brasil. Tempo
soc., São Paulo , v. 21, n. 2, p. 235-258, 2009 .
CALEGARI, Marília. Gênero e migração de crise no Brasil: reflexões iniciais. In: III
Simpósio Gênero e Políticas Públicas, 2014, Londrina. Anais. Londrina: Universidade
Estadual de Londrina, 2014. p. 01 - 09.
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
MENEZES, Thais Silva; REIS, Rossana Rocha. Direitos humanos e refúgio: uma análise
sobre o momento pós-determinação do status de refugiado. Rev. bras. polít. int., Brasília , v.
56, n. 1, p. 144-162, 2013
PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. 7. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2014.
SILVA, Cesár Agusto S. da. A política brasileira para refugiados (1998-2012). 2013. 292 f.
Tese (Doutorado) Ciência Política, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,
2013.
SOUSA, Isabela Cabral Félix de. A integração de imigrantes brasileiras em Roma: conquistas
e dificuldades. Imaginário, São Paulo, v. 13, n. 14, p. 399-415, jun. 2007.
CONTRIBUIÇÕES DA PSICANÁLISE PARA UM DEBATE SOBRE
HOMOFOBIA E EDUCAÇÃO
Introdução
31
E-mail: Klebersonpsicanalise@hotmail.com. Aluno do Mestrado em Literatura e Interculturalidade da
Universidade Estadual da Paraíba.
32
E-mail: Claudenilima@gmail.com. Aluna da Especialização em Gestão Pública do Instituto Federal de
Pernambuco, Psicóloga Especialista em Saúde Mental e Coletiva pela UNIFAVIP Devry.
contexto escolar. Para compreendermos o movimento de ordem e controle institucional,
paralelo ao projetivo de ordem subjetiva e interpretá-los pela via da psicanálise, escolhemos
contextualizá-los por etapas. Inicialmente, iremos problematizar a invisibilidade da
homossexualidade na Educação, para essa tarefa utilizamos Louro (1997) e Junqueira (2012).
Na sequência buscamos conceituar Bullying homofóbico, traçando uma breve
contextualização da categorização dessa forma de violência, para tal utilizamos Medeiros
(2012) como referencial nessa construção.
Posteriormente realizaremos algumas interlocuções entre a Psicanálise e a Educação,
no que diz respeito à compreensão do fenômeno da homofobia e paralelamente do respeito às
diferenças. Para tanto, realizaremos uma análise bibliográfica da obra de Freud (1919), além
de psicanalistas contemporâneos como Kehl (2002), e de pesquisadores da educação como
Coelho (2004). Desejamos refletir sobre a invisibilidade da homossexualidade na educação e
o bullying homofóbico, através do conceito freudiano alemão ‗Unheimlich‘, traduzido para
português como Estranho/ Estrangeiro.
Na sequência nos debruçamos sobre a Pedagogia do Oprimido de Freire (1987), como
fio condutor para refletir como se dão as vivências das diferenças no contexto escolar. Para
isso, nos dedicamos também às obras de autores como Ropoli (2010) e Mantoan (2003).
Finalmente, indagamos acerca das mudanças no sistema educacional no que diz respeito à
diversidade e suas ressonâncias no processo de formação de professores. Não pretendemos
apontar modelos fechados de como lidar com as diferenças existentes no contexto escolar,
mas propor novos olhares para esse processo de mudança de paradigma de uma escola
assexuada e repressora para um ambiente de diversidade de sexualidades, performances e
discursos.
Metodologia
Genericamente, sexualidade pode ser tudo aquilo que nos traz prazer, o conhecimento
opera para muitos como uma importante via para essa energia libidinal. Mas a sexualidade, no
sentido da orientação sexual também opera um registro estruturante no sujeito. A afirmação
da sexualidade por um sujeito representa para muitos um caráter identitário, para alguns essa
afirmação basta na dimensão subjetiva, para outros é necessária que seja pública. Como a
sexualidade não perpassa apenas pela via dos afetos, mas se manifesta no soma dos sujeitos,
para muitos a percepção da sua orientação sexual é uma linguagem não verbal, mas explícita.
Mas a escola na lógica da violência simbólica, nega esse registro, ao negar a
diversidade ela busca novamente silenciar seus homossexuais. Nesse sentido Louro (1997,
p.67) pontua; ―Ao não se falar a respeito deles e delas, talvez se pretenda "eliminá-los/as", ou,
pelo menos, se pretenda evitar que os alunos e as alunas "normais" os/as conheçam e possam
desejá-los/as.‖ Nesse contexto Junqueira (2012) defende a existência de uma Pedagogia do
armário, para ilustrar o controle dos gêneros e da sexualidade na educação. Por sua vez, Bento
(2011) defende a existência de uma Pedagogia da intolerância, aliecerçada no escárnio das
vítimas de homofobia na educação. Como se já não bastasse ser vítima de violência de
gênero, essa violência torna-se legitimada socialmente, marginalizando ainda mais suas
vítimas.
Para conceituarmos, Bullying é uma expressão de origem inglesa a qual seu
significado está atrelado ao ato de intimidar, coagir, no Brasil tem um significado próximo de
assédio moral. A expressão bullying foi utilizada pela primeira vez por Dan Olweus,
pesquisador da Universidade de Bergen na Noruega, nos anos 70, segundo Medeiros (2012).
Caracteriza-se pela sistemática agressão direcionada a uma vítima, podendo ser verbal, física,
sexual, virtual ou simbólica. Manifesta-se através de várias ações de caráter perjorativo e
costuma ser praticada sistematicamente pelos agressores. Não se limita ao ambiente escolar,
mas tem ganhado capilaridade nesse território.
O bullying homofóbico é uma das formas mais comuns de prática dessa violência,
Calhau (2009 apud MEDEIROS, 2012) classifica o bullying homofóbico como sinônimo de
homofobia. Tendo em vista que sua principal característica é a vítima ser, ou parecer
homossexual. No contexto escolar pode ocorrer entre pares, numa relação horizontalizada
aluno-aluno, ou professor-professor. Ou mesmo, num contexto verticalizado entre professor-
aluno, também pode ocorrer de alunos praticarem bullying homofóbico com algum professor.
Mas o mesmo é raro, tendo em vista a desigualdade de poder, a relação de disparidade de
poder entre agressor e vítima é um elemento necessário para caracterizar o bullying.
Como a categorização do fenômeno do bullying é recente, datando apenas de meados
dos anos 70, não existindo uma legislação específica para sua punição ou políticas para a sua
prevenção, muitas vezes o bullying é naturalizado. Essa forma de violência passa a ser
minimizada, sendo atribuída à mesma a falta de intencionalidade, ou mesmo características de
bromas culturalmente aceitas.
Por sua vez, para Lacan (1960 apud Kehl, 2002, p.21) é impossível aproximar-se do
próximo sem temê-lo, pois, este carrega sobre si próprio a representação de ―(...) estranho que
existe em mim: o gozo do qual nada quero saber‖. É nesse sentido que as questões de
igualdade de gênero, inclusão de pessoas com deficiência, o respeito às diferenças e minorias
na prática escolar, acabam por reproduzir exclusão. (DRAGO; RODRIGUES, 2008).
Compactuamos, portanto, com Kehl (2002), quando afirma que ―(...) todas as formas de
racismo, intolerância étnica, religiosa ou nacional fundam-se na tentativa de fazer do diferente
um absoluto estranho‖ (ibid., p.22), podemos expandir essa relação para a homofobia e
transfobia.
Nesse sentido a invisibilidade homossexual e o bullying homofóbico no contexto
escolar seriam consequências da atuação de mecanismos de defesa que atuariam no plano
inconsciente, seja pela via da projeção ou identificação na tentativa de lidar com os próprios
conflitos de ordem sexual. Mas essa explicação só abarca o plano subjetivo,
institucionalmente temos que pontuar outros aspectos.
Freud (1921) problematiza a afetação que os grupos operam nos sujeitos, destacando
que os grupos atuam na busca pela homogeneidade. Aqueles que buscam valorizar a sua
subjetividade se vem em conflito, entre seguir seus desejos ou aderir aos valores e normas dos
grupos. O grupo torna-se um grande Outro que influencia nas escolhas dos seus membros,
porém esse movimento não redime os membros das responsabilidades pelas atitudes tomadas
em grupo. Como Freud elabora essa máxima ao analisar grupos institucionalizados como; a
Igreja e o Exército, ele determina que essas instituições exigem que os sujeitos se adequem a
elas, quando isso não ocorre os mesmos são descartados pelo grupo que busca se manter
coeso.
Fazendo uma analogia ao contexto escolar, uma escola que naturaliza a homofobia,
combatê-la significaria sofrer forte pressão social como reação. Por isso muitos sujeitos
toleram a homofobia e outras formas de discriminação, mesmo se afetando, apenas para serem
aceitos em determinados grupos sociais. Outro aspecto a se destacar é a influência dos pares
na adolescência, os grupos exercem papel estruturante para os adolescentes (ABERASTURY;
KNOBEL, 1981). Podemos concluir que manter os homossexuais invisíveis ou mesmo
praticar bullying homofóbico pode perpassar por esses três movimentos; negar conflitos
subjetivos de ordem sexual, seguir o grupo para não sofrer represálias ou seguir o grupo para
ser aceito socialmente ganhando como retorno um valor identitário de pertencimento.
Transferência na Relação Professor-Aluno
Freud chega a afirmar, inclusive, que é muito tênue a linha que separa o bom
desempenho do aluno (ligado exclusivamente ao apego a determinadas disciplinas) do apego
ligado às imagos de seus professores. Muitas vezes nesse movimento transferencial, o aluno
pode idealizar uma relação distinta com os seus professores. O professor ou professora, que
povoou as fantasias infantis ou pueris, acaba sendo um registro comum a quase todos. Algo
que para muitos é da ordem do amor platônico, na verdade é uma manifestação da relação
transferencial, um caso de Transferência de amor. Um movimento comum nas relações
transferenciais clínicas, que também ocorre na relação Professor-Aluno.
Essa relação tão sutil e ao mesmo tempo profunda, entre professores e alunos,
deslocada para o contexto da invisibilidade homossexual e do bullying homofóbico, pode
servir como propulsora de tolerância ou intolerância. Professores tolerantes auxiliam na
retificação subjetiva de alunos intolerantes, mas professores intolerantes podem suscitar
hostilidade. Tendo em vista que toda relação gera afetação em ambos os lados envolvidos,
professores não estão livres dos efeitos da Contratransferência, movimento inconsciente de
reação afetiva relacionada à sua própria biografia, despertada pelos pacientes na clínica, nesse
contexto pelos alunos.
Pacientes e alunos projetam, respectivamente em seus terapeutas e professores, afetos
e fantasias vividas com suas figuras parentais, por sua vez, terapeutas e professores se afetam
com essas projeções de acordo com seus registros inconscientes das suas próprias vivências e
fantasias. A diferença é o que os terapeutas receberam uma formação específica para lidar
com essa carga transferencial, além de terem se submetido a um processo terapêutico antes de
clinicar, o que lhes fornece ferramentas para diferenciar os seus conteúdos dos conteúdos dos
pacientes. Algo que não ocorre com os professores, o que explica que diante desse
movimento, muitos professores terminam alimentando relações destrutivas, ou perversas com
alguns alunos. Algo que diz da falta de autoconhecimento do docente, ou desvio do mesmo.
Mas muitos atuam canalizando a sua energia libidinal e de seus alunos para ganhos coletivos,
seja no campo da aprendizagem, de atividade artística ou esportiva, na ideologia política ou
mesmo no engajamento social. Esses movimentos podem ser conceituados como
Transferência negativa ou positiva:
Aquilo que é denominado de maneira simplista de ―transferência positiva‖ é quando
em geral, no início, essa, ―reedição‖ dos sentimentos se traduz em amor; a
―transferência negativa‖ seria, ao contrário, quando o analisando mantém seu
analista sob reprovação ou sob um julgamento implacável: ―você não sabe tudo‖, e
desenvolve um sentimento de desafio. (MOSCOVITZ; GRANCHER, 1992, p.84)
De acordo com Ariés (2008), na era medieval, o aprendizado se dava pela prática de
um ofício sendo o serviço doméstico uma prioridade confundida com a aprendizagem e
colocando a escola como uma exceção. A escolarização só ocorreu quando a família passou a
concentrar sua atenção na criança. ―Nesse aspecto, a escola passou a ocupar lugar de
destaque, os pais passaram a se preocupar mais com a conduta dos filhos, com o intuito de
preservar a inocência do jovem, preparando-o para o mundo adulto.‖ (SILVA, 2011, p.16).
Na atualidade, a escola ocupa um lugar bastante relevante na vida do sujeito. Embora
seja coadjuvante na formação da criança, seus movimentos internos de interação, cidadania e
afetividade norteiam a adaptação da criança ao mundo novo, externo ao contexto familiar.
(Silva, 2011). Nesse aspecto, a perspectiva da diversidade se presentifica, uma vez que é na
escola que o sujeito convive o tempo todo com as diferenças, ou seja, com aquilo que lhe é
desconhecido: o Outro. De acordo com Bock (2003) a instituição escolar constitui-se como
uma das mais importantes funções sociais, no sentido de fazer a mediação entre o indivíduo e
a sociedade. Desse modo, ao transmitir a cultura e, consequentemente, modelos de posturas e
valores morais, a escola forneceria à criança a sua humanização, no que diz respeito à que a
mesma possa socializar-se.
Já Fiori (1987), defende que o processo de alfabetização implica a conscientização não
apenas como conhecimento ou reconhecimento, mas como opção, decisão e compromisso,
por parte do sujeito consigo mesmo. Fazendo com que o processo hominização-humanização
não seja mera adaptação, mas também historicização do mundo e do ser. Os caminhos da
inclusão (ibid.), – ou como nos diz Paulo Freire (1987), da libertação, são os de um oprimido
que se liberta, já que uma educação libertadora é incompatível com uma pedagogia que, de
maneira consciente tenha sido prática de dominação. Desse modo, o educador de formação
humanista, ao trabalhar com as técnicas pedagógicas, deve redescobrir através delas o sentido
e o processo histórico pelo qual se constitui a consciência humana, possibilitando ao sujeito a
escrita de sua vida como autor e como testemunha de sua história.
Para Freire (1987) a educação que se apresenta àqueles que verdadeiramente se
comprometem com a inclusão – (libertação) – não se fundamenta na compreensão do homem
como um ser vazio por assim dizer, a quem o processo ensino-aprendizagem possa encher de
conteúdos, mas nos homens como corpos conscientes em suas relações com o mundo e,
consequentemente, protagonistas de suas histórias e instauradores do diálogo. Nesse sentido,
para Kehl (2002), o diálogo só é possível a partir da experiência do encontro, pois ambos só
se dão fora da dimensão de posse, já que submeter o outro (fazer dele meu oprimido-excluído
e eu opressor-promotor da exclusão, nos dizeres freireanos) reduz a sua humanidade.
É nesse interim de acesso ao mundo distinto do núcleo familiar que nasce o conflito
em respeitar e conviver com o estranho, sendo ao mesmo tempo diferença para o outro.
Independente se a diferença seja étnica, religiosa, física, intelectual, sexual, política, de
gênero ou qualquer outra. Fazendo uma analogia com a experiência da inclusão escolar pela
via da deficiência: ―Nas escolas inclusivas, ninguém se conforma a padrões que identificam
os alunos como especiais e normais, comuns. Todos se igualam pelas suas diferenças.‖
(ROPOLI, 2010, p.8). O que devemos buscar não é uma escola assexuada, tampouco uma
escola heteronormativa ou uma escola homossexual, mas escolas tolerantes e democráticas
que acolham seus docentes e discentes, independente da sua orientação sexual ou identidade
de gênero.
Essa experiência só se torna possível se as diferenças forem respeitadas. O artigo 2º da
Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), aprovada na Assembleia Geral das
Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, diz que não deve haver, em nenhum momento,
discriminação por raça, cor, gênero, idioma, nacionalidade, opinião ou qualquer outro motivo.
(ONU, 1948). Dessa forma, refletir sobre as diferenças pressupõe o exercício da cidadania,
posição antagônica à necessidade de incluir, uma vez que cidadãos (de direitos e deveres),
todos somos. Mantoan (2009 apud DRAGO; RODRIGUES, 2008) pontua que na perspectiva
inclusiva, as escolas devem trabalhar sem subdividir, sem discriminação nas regras de
planejamento, aprendizado e avaliação. Ou seja, a escola precisa envolver todos que nela
habitam, em suas atividades e projetos, considerando as necessidades igualitárias do grupo de
alunos.
No sentido da diversidade na educação, tomando o termo num sentido amplo, além
das questões de orientação sexual e identidade de gênero, a escola por se só é um ambiente de
diversidade. Vigotski (1998) ressalta que ao entrar na escola, a criança vem com o
conhecimento adquirido no convívio familiar. Dessa forma, a questão da singularidade é
bastante valorizada e a aprendizagem é colocada numa posição não determinista. Ou seja,
cada ser humano que chega ao contexto escolar, potencializa a escola como um lugar que
abriga a diversidade, uma vez que as experiências são diferentes e exigindo assim, que todos
tenham o olhar para o que está em processo e o potencial de cada um. ―Uma escola que impõe
uma única norma para todos os alunos, esquece-se que ela própria é formada por uma
representação fidedigna da sociedade.‖ (DRAGO, RODRIGUES, 2008, p.63).
Não apenas no que tange a invisibilidade homossexual na educação, ao bullying
homofóbico ou as pautas da diversidade em si, mas todo sistema educacional passa por
transformações, ressignificações. No que diz respeito às modificações do sistema educacional
regular para o sistema educacional inclusivo, no sentido amplo do termo, não se atendo
apenas as necessidades de pessoas com deficiências, mas a inclusão de todos os grupos
minoritários é importante ressaltar que o processo de inclusão deve ir além de ter alunos de
grupos minoritários, mas priorizar a diversidade como um dos pressupostos para que de fato
possa ocorrer a inclusão. Drago (2008) destaca que as escolas que atuam nesse sentido amplo
de inclusão, caracterizam o espaço educacional como homogêneo o que fica evidente na
igualdade entre todos é a diferença, é importante observar a escola como um espaço que
representa e configura um reflexo da sociedade.
De acordo com Birman (2007) a individualidade somente pode ser constituída como
singularidade na medida em que o sujeito da diferença se constitua.
Enunciar pois a existência do sujeito da diferença é formular que este somente pode
ser constituído se o sujeito do desejo também o for ao mesmo tempo. A
consequência mais imediata disso é que a intersubjetividade e a experiência da
alteridade apenas se constituem quando o sujeito é permeado pela diferença e pelo
desejo. (ibid., p.260)
De acordo com Quinet (2003) o desejo é sempre enigmático e por isso mesmo,
demanda o saber, constituindo desse modo a concepção de sujeito articulado ao desejo de
saber. Para Lacan (apud Quinet, 2003) o desejo do homem é desejo de Outro, pois é a partir
do desejo do Outro que é aqui seu semelhante e seu igual, e também seu rival, que o desejo do
homem se estrutura. Birman (2007) prossegue afirmando que a modernidade é a grande
responsável pelo caráter de insuportável que existe no que tange ao reconhecimento da
diferença e da alteridade. Esse autor define ainda que há certa impossibilidade de
reconhecimento e de convívio com a alteridade. Para ele, a própria existência da subjetividade
estaria inteiramente relacionada à manutenção da alteridade como tal, pois é a partir do outro
que o sujeito se permite conhecer. A esse respeito escreve-nos Mucida (2006, p.52):
O semelhante é segregador na medida mesma em que a imagem que vejo nele
perpassar a minha, ali onde o insuportável de uma cena se mostra pelo furo que toda
imagem nos devolve. O semelhante que se odeia ou não se quer ver é a encarnação
de que Freud, em ―O estranho‖ descreve como Unheimlich.
Considerações Finais
Referências
BENTO, Berenice. Na escola se aprende que a diferença faz a diferença. In: Estudos
Feministas, v. 19, n. 2, p. 548-559, 2011.
FIORI, Ermani Maria. Aprender a dizer a sua palavra. In: FREIRE, Paulo. Pedagogia do
Oprimido, 38. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
FONSECA, José João Saraiva da. Metodologia da pesquisa científica. Fortaleza: UEC,
2002.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 38. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
____. O estranho. (1919), Obras psicológicas completas de Sigmund Freud, vol. 17. Rio de
Janeiro: Imago, 1996.
____. Algumas reflexões sobre a psicologia do escolar. (1914), Obras psicológicas
completas de Sigmund Freud, vol. 13. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
KEHL, Maria Rita. Sobre ética e psicanálise. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Inclusão escolar: o que é? por quê? como fazer? São
Paulo: Moderna, 2003.
MUCIDA, Ângela. O sujeito não envelhece: psicanálise e velhice. Rio de Janeiro: Autêntica,
2006.
ONU, Declaração Universal dos Direitos Humanos. Assembleia Geral das Nações Unidas,
Genebra, 1948. Disponível em: http://www.comitepaz.org.br Acesso em: 06 de dezembro de
2016.
Resumo do artigo: O debate sobre gênero cresceu de forma significativa nos últimos anos, de modo
que a presente comunicação centra-se na importância da categoria para os estudos em saúde mental.
A revisão de literatura que embasa este estudo propõe perceber o processo de inserção da temática no
âmbito da saúde mental, no sentido de buscarmos analisar a possibilidade de ampliação de novas
discussões a partir do viés de gênero, tendo em vista, o seu potencial de transversalidade com outras
categorias, como a questão de classe, por exemplo. Foi realizado levantamento bibliográfico junto às
bases de dados reunidos na Biblioteca Virtual em Saúde - Psicologia (BVS-Psi), no sentido de mapear
as produções existentes, em busca de realmente buscar perceber o que se tem discutido e o que ainda
podemos discutir a partir desse eixo de análise.
Palavras-chave: Gênero, Saúde Mental, Transversalidade.
INTRODUÇÃO
O debate sobre Gênero é cada vez mais crescente na literatura acadêmica nacional
e internacional. A discussão surgiu no contexto nacional acompanhando diferentes momentos
do movimento feminista, como refere Silva (2013, p.108) ao expor que: ―Os movimentos
feministas no Brasil acompanharam a busca pelo sufrágio universal do século XIX, o
pluralismo dos anos de 1960 e 1970 e influenciaram a produção acadêmica das ciências
humanas e sociais‖.
O feminismo é divido em três momentos históricos (conhecidos como ―ondas‖):
século XVIII e XIX – primeira fase; da segunda metade do século XIX ao final do século XX
– segunda fase; e a partir do início do século XXI – terceira fase (SCAVONE, 2008). Na
primeira fase percebemos reinvindicações no plano dos direitos civis: o direito ao voto, ao
estudo, à herança, à propriedade e ao trabalho remunerado, entre outros. A segunda onda do
feminismo reafirmava a identidade da mulher, separada da do homem. Tal discussão surgia
também por meio dos perigos da definição de gênero, pois a partir do momento que definimos
gênero como a construção social dos sexos pode correr o risco de reduzir novamente a teoria
de gênero às diferenças binárias. Os questionamentos e as reivindicações passaram a ser
centrados na mulher e contra a sociedade patriarcal. Como marca da fase do feminismo,
temos a obra “O Segundo Sexo”, de Simone de Beauvoir (PISCITELLI, 2009). Em
discussões mais recentes, com relação à terceira onda do feminismo, percebemos uma
desconstrução de muitos conceitos fixos. E uma nova teorização no sentido que Butlher
aparece com a chamada teórica queer. De acordo com Sousa (2017, p.82):
Ainda seguindo essa perspectiva Costa (1998) afirma que gênero não se refere
apenas a homens e mulheres, e, portanto, abre espaço para se pensar nas mais diferentes
relações. Podemos entender a partir de então, que as relações de desigualdade entre gênero,
existem também nas relações homossexuais. Nesse sentindo, como cita Mendes (2008), ao
tempo que eles são vítimas de princípios dominantes androcêntricos, os homossexuais
(masculino e feminino), também, acabam reproduzindo a divisão dos papéis sexuais.
Lembrando que é a partir da conceituação de Gayle Rubin, que ―o gênero é visto como um
sistema responsável tanto pela instituição da desigualdade entre homens e mulheres, quanto
pela coação da heterossexualidade‖ (SOUSA, 2017, p.77).
Enquanto determinante das relações de poder é importante perceber que além dos
aspectos histórico e social, o gênero, que traz consigo uma transversalidade pertinente com
diversas categorias, que se unidas e problematizadas dão maior sentido político e crítico a esse
conceito, além de explicar um pouco das relações de dominação que podem existir. Como
expressa Saffioti (1999, p.142):
Há três eixos principais que estruturam a sociedade brasileira: o gênero, a
raça/etnia e a classe social. Estas contradições não operam isoladamente.
Formaram, ao longo da história, um verdadeiro nó [...]. N novelo, a
contradição encontra-se potenciada, do que decorrem, dentre outras, uma
importante implicação, ou seja, a necessidade de se formularem estratégias
de enfrentamento desta realidade mais complexa, que não está presente em
cada um de seus elementos integrantes.
METODOLOGIA
A partir de então foi realizada a leitura dos resumos dos 115 arquivos, dos quais
foram excluídos 94 estudos que tratavam sobre saúde e gênero no aspecto global, em algumas
áreas como: câncer, hanseníase, doenças auditivas, questões de saúde bucal, temas sobre
saúde do idoso, alcoolismo e uso de outras drogas; Além de trabalhos sobre atuação de
psicólogos; discussões sobre violência doméstica sem trazer a tona o viés da saúde mental;
por fim, um artigo foi excluído por não ter a versão em português. Em síntese, foram
elencados apenas artigos que tratassem de forma direta as discussões de gênero e saúde
mental. A partir dessa filtragem, o material identificado foi reduzido para 21, ou seja, 18,2%
do total do primeiro levantamento realizado. Foi com base nesse material que utilizamos para
o desenvolvimento deste trabalho.
A estratégia utilizada foi a leitura, na íntegra, dos 21 trabalhos, com o objetivo de
identificarmos os pontos centrais de cada discussão, considerando como foco principal a
abordagem dada a discussão sobre Gênero e Saúde Mental em cada estudo. A partir do
levantamento dessas discussões, realizamos um trabalho de articulação com a literatura, como
forma de contribuir com o debate que tem sido feito em torno do tema.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
a) PERFIL DA PRODUÇÃO NACIONAL SOBRE GÊNERO E SAÚDE
MENTAL
O material encontrado no primeiro levantamento (n=115) indica que foram
trabalhos publicados durante a última década, portanto, a partir do ano de 2001. No gráfico 1
é possível visualizarmos essa distribuição temporal.
16
14 13
11 12
8 9
7 7
5 5
1 1 2 2
Diferente dos estudos sobre saúde coletiva e gênero, não contamos com um
mapeamento na área de saúde mental. Em geral, nos referenciais teóricos dos trabalhos, esse
aspecto da carência é evidenciado. Mas diferentemente de outras categorias, o gênero,
possibilita a criatividade do autor, podendo embasar diversas discussões a partir desse viés.
Como afirma Pisnky (2009, p.164):
CONCLUSÃO
REFERÊCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CISNE, Mirla. Feminismo e consciência de classe no Brasil. São Paulo: Cortez, 2014.
COSTA, A. G., & Ludermir, A. B. (2005). Transtornos mentais comuns e apoio social:
Estudo em comunidade rural da Zona da Mata de Pernambuco, Brasil. Cadernos de
Saúde Pública, 21(1), 73-79.
COSTA; Maria da Graça Silveira Gomes da; DIMENSTEIN; Magda Diniz Bezerra; LEITE,
Jáder Ferreira. Condições de vida, gênero e saúde mental entre trabalhadoras rurais
assentadas. Estud. psicol. (Natal) vol.19 n.2 Natal Apr./June 2014.
FARIA, N. M. X, Facchini, L. A., Fassa, A. G., & Tomasi, E. (2000). Processo de produção
rural e saúde na Serra Gaúcha: Um estudo descritivo. Cadernos de Saúde Pública, 16(1),
115-128.
GUEDES, Maria Eunice Figueiredo; MOREIRA, Ana Cleide Guedes. Gênero, saúde e
adolescência: uma reflexão a partir do trabalho com a violência doméstica e sexual .
Revista Mudanças. 17(2): 79-91, jul.-dez. 2009.
PEREIRA, Lusia Ribeiro. A questão do gênero como categoria histórica de Análise na busca
da efetivação do estado democrático de Direito. In: Diferença Sexual e desconstrução da
subjetividade em perspectiva. Belo horizonte: Editora D‘Plácido, 2016.
SADIR, Maria Angelica; BIGNOTTO, Marcia Maria; LIPP, Marilda Emmanuel Novaes.
Stress e qualidade de vida: influência de algumas variáveis pessoais. Revista Paidéia
(Ribeiräo Preto); 20(45): 73-81, jan.-abr. 2010.
SANTOS, Anna Maria Corbi. Gênero e Saúde Mental: a vivência de identidades femininas
e masculinas e o sofrimento psíquico na sociedade brasileira contemporânea. Algumas
reflexões a partir de relatos dos pacientes diagnosticados como portadores de transtornos
mentais severos do CAPS – Araraquara – SP (dissertação). São Paulo (SP): Universidade de
São Paulo; 2008.
_____. Diferença ou Indiferença: Gênero, raça/etnia, classe social. In: Políticas Púbicas e
igualdade de gênero. São Paulo: Coordenadoria Especial da Mulher, 2004.
_____.Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004.
SOUZA, Maria Cristina Andrade. Produção social das doenças: a loucura em gênero e
classe. (Tese). Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2005, 92 p.
Disponivel em:< http://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/pte-34697>. Acesso em o6 de
Maio de 2017.
______. Preface agender and politics of history. In: Cadernos Pagus, n.3, 1994.
ZANELLO, Valeska; SILVA, René Marc Costa. Saúde Mental, gênero e violência
estrutural. Rev. Bioét (Impr), 2012; 20 (2): 267-279.
MULHERES NA CIÊNCIA: UM DEBATE DE GÊNERO
Resumo
O presente artigo apresenta os resultados do projeto de pesquisa intitulado ―Mulheres na
Ciência: um debate de gênero‖, executado em um colégio estadual localizado no município de
Teixeira de Freitas, Bahia, com o objetivo de sensibilizar para a desconstrução do caráter
androcêntrico do conhecimento científico, a partir do reconhecimento das contribuições de algumas
mulheres para a Ciência. A delineação da intervenção foi esquematizada em encontros, de modo que
cada um possuía um tema norteador principal. Essa metodologia possibilitou o aprendizado de uma
grande diversidade de pautas e termos utilizados nos debates acerca da temática central, aos quais
muitos alunos não conheciam ou tinham uma definição deturpada, e também a problematização acerca
do androcentrismo científico e a representatividade das mulheres participantes da Ciência.Portanto, ao
desenvolver tal intervenção, numa perspectiva crítica histórica e social, os discentes puderam
compreender os fatores que estruturam a Ciência em uma base machista e sexista.
Palavras-chave: Mulheres na Ciência, Gênero, Ciência, Androcentrismo, Sexismo.
Introdução
É possível observar em nossa sociedade principalmente no âmbito discursivo, a
existência da dicotomia de gênero masculino e feminino (SANTOS, 2014). Essa divisão é
advinda de um processo histórico-cultural e de padrões pré-definidos que são estabelecidos
para os sujeitos (SILVA, 2000), de forma que definem comportamentos e condutas que são
esperados para o papel do homem ou da mulher (LOURO,1998). Consequentemente, devido a
essa imposição, há o predomínio de relações de poder de um papel para com o outro (SCOTT,
1990), legitimando, assim, a alegação da persistência do privilégio masculino e a
inferiorização da mulher (BRASIL, 1998), resultando na predeterminação de locais da
sociedade que podem ser ocupados por mulheres ou homens.
Conforme citado por Louro (1998), o gênero se constitui num âmbito em que as
representações sociais históricas, e não somente os atributos biológicos, determinam a
construção da identidade do indivíduo. Ou seja, se refere à construção social do ser humano,
de modo que as distinções entre ―homem‖ e ―mulher‖ são produtos da prática social e não
somente de sua anatomia. Nesse sentido, desde o seu nascimento, homens e mulheres estão
sujeitos a seguir um comportamento pré-definido, pois foi construída ao longo da história da
sociedade a determinação de papeis, também conhecida, como imposição de gênero. Desse
modo, são, basicamente, padrões arbitrários que são estabelecidos para os indivíduos e que
limitam suas condutas (LOURO, 1998).
A partir de uma análise dos estudos de Citeli (2000), Yannoulas (2007), Teixeira e
Costa (2008) e Batista et al. (2013; 2015), podemosperceber que, historicamente, existe uma
invisibilidade do papel da mulher na sociedade e na sua participação da construção do
conhecimento científico. De forma que, ao longo dos tempos, a inserção das mulheres no
meio científico e suas produções foram negadas, resultando na invisibilidade das mesmas
como sujeitos da Ciência (SCHIEBINGER, 1991; LOURO; NECKEL; GOELLNER, 2003).
Porém, apesar da exclusão e invisibilidade social, as mulheres foram grandes protagonistas na
produção do conhecimento científico nas mais diversas áreas (e.g. astronomia, física,
agronomia, filosofia, química, matemática, entre outras).
A exclusão sexista de mulheres do meio científico, desde os primórdios, ocasionou a
retificação de um papel de gênero que restringia às mulheres o cuidado dos filhos e afazeres
domésticos(SCHIEBINGER, 2001). E, mesmo com a liberação do acesso às universidades,
em alguns lugares, a partir do século XVII (SILVA; RIBEIRO, 2010), as mulheres
continuavamlimitadas socialmente a essas atividades serviçais (CHASSOT, 2003; SILVA;
RIBEIRO, 2010). Todavia, mesmo que de forma reduzida, a participação feminina no meio
universitário foi um avanço essencial para a representatividade feminina na Ciência, assim
como, para a produção científica das mais diversas áreas do conhecimento.
Nos dias atuais, podemos notar um aumento significativo de representatividade
feminina na Ciência(LETA, 2003). Porém, essa presença ainda é muito inferior à masculina
(MELO; LASTRES, 2006; SILVA; RIBEIRO, 2009; 2010) e ocorre de forma que as
mulheres, em sua maioria, estejam em áreas do conhecimento e cargos hierarquicamente
inferiores aos dos homens(e.g.área de humanidades e ciências sociais, onde os trabalhos são
vistos como mais leves e que a remuneração e valorização são inferiores) (ROSSITER,
1982).Essas situações são problemáticas, pois reforçam os ideais construídos sócio-
historicamente entorno das diferenças dos papeis de gênero.
Essas diferenças baseadas no gênero existentes na Ciência refletem no contexto
educacional, visto que, geralmente, a ciência é a base de construção do conhecimento escolar.
No Brasil,a temática sexualidade adentrou os currículos escolares através da sua normatização
como tema transversal nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)
(CARVALHO;BERTOLLI-FILHO, 2011; PEREIRA; MONTEIRO, 2013; RIBEIRO, 2002),
documento elaborado pelo Ministério da Educação para orientar a Educação Básica no Brasil
a partir da década de 90 (BRASIL, 1998). E, atrelada às discussões sobre sexualidade, surge
também a relevância do tratamento no contexto escolar das questões de gênero. Visto que, de
acordo com o Centro Latino Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (2009), a escola
é um espaço que proporciona aos alunos o desenvolvimento de um pensamento crítico, para
que se posicionem frente às diversas questões da sociedade e em um mundo de infinitas
diferenças.Dessa forma, o Ministério da Educação consideraimportante que nesse espaço
formativo haja o tratamento da equidade entre os sexos, assim como a atribuição de reflexões
e discussões voltadas para problematizar os padrões de conduta estabelecidos de forma
histórico-cultural pela sociedade para mulheres e homens (BRASIL, 1998).
A partir dessas circunstâncias e visto que dificilmente são desenvolvidas ações para o
tratamento de questões de gênerono espaço escolar, discentes da Universidade do Estado da
Bahia (UNEB), Campus X, desenvolveram um projeto que tratou de questões histórico-
sociais num colégio estadual da cidade Teixeira de Freitas (BA) com o objetivo de
sensibilizar alguns alunos da escola para a desconstrução a concepção androcêntricana
produção do conhecimento científico,a partir do reconhecimento das contribuições de
algumas mulheres para a Ciência.
Metodologia
Resultados e Discussão
No primeiro encontro foi realizada uma técnica de dinâmica de grupo denominada
BrainStorming,ou tempestade de ideias, onde foram apresentados diversos termos (e.g.,
feminismo, gênero, sexismo, homem, mulher, entre outros) aos alunos e eles tiveram que
escrever uma palavra que descrevesse o termo que lhe foi apresentado, a partir de suas
concepções. Deste modo, acreditamos que os resultados dessa atividade permitirão a
identificação de conhecimentos prévios dos participantes. Assim, ao analisarmos o material
obtido, pudemos observar que a maioria dos participantes apresentou dificuldade em definir e
diferenciar os termos. Por exemplo, as palavras ―sexo‖, ―gênero‖, ―identidade de gênero‖ e
―sexualidade‖, por vezes tiveram seus significados confundidos ou deixados sem definição,
por parte dos alunos; alguns deles esclareceram esse fato ao justificarem que possuíam
dúvidas em relação à clareza ou exatidão na definição.
Também percebemos, a partir dos escritos dos alunos, uma concepção,
predominantemente, deturpada, de cunho religiosa econservadoraem relação às palavras da
dinâmica. Onde, por exemplo, a palavra ―gay‖ foi descrita, por um dos participantes,como
―vulgar e aberração‖ e, por outro aluno,como uma patologia.É importante ressaltar que
consideramos que cada indivíduo está inserido em contextossócio-histórico e
culturaldiferentese possui suas próprias representações mentais e cognitivas frente a taistemas,
que sofrem influências do seu cotidiano e de aprendizagens passadas. E, portanto, podem
apresentar suas opiniões de acordo com as influencias dos meios em que estão inseridos.
O primeiro encontro foi encerrado com uma aula expositiva dialogada sobre ―Gênero e
Sexualidade‖, no qual definimos e debatemos sobre ―sexo biológico‖, "identidade de gênero‖
e ―orientação sexual‖, na tentativa de desconstruir possíveis interpretações e entendimentos
errôneos ou controversos frente a tais questões.
Com base na análise da discussão acerca dos vídeos e imagens de propagandas (e. g.,
propagandas de bebidas alcoólicas que utilizam mulheres de biquíni como locutoras e atrizes
principais),momento que ocorreu no segundo encontro, foi observada, a partir dos discursos,
ideias machistas e de objetificação do corpo feminino, por parte dos participantes do gênero
masculino com exceção de um deles. Os mesmos alegaram que tais táticas “eram apenas
uma estratégia de marketing”e, por se tratarem de empresas privadas, “possuem o direito de
produzir as propagandas como acharem mais favorável às vendas”. Em contrapartida, as
mulheres participantes da intervenção sentiram-se fortemente ofendidas pelo conteúdo
exposto e pelo posicionamento dos colegas ali presentes. Pontuaram que as propagandas
exibidas hiperssexualizam e objetificam as mulheres, além de incitar e naturalizar assédio
sexual e estupro.
Ainda no segundo encontro, através da dinâmica denominada ―gênero e construção
social‖ (Figura 2a; 2b),em que os alunos deveriam escrever em um pedaço de papel frases de
imposições que já ouviram ao longo de sua vida por serem mulher ou homem e fixarem num
desenho disposto no quadro (Figura 2b), percebemos, a partir da leitura dos escritos dos
alunos, como as imposições na construção de gênero se manifestam de formas diferentes,
conforme o contexto social a qual o indivíduo está inserido. Após esse momento, conduzimos
um debate sobre as implicações da construção social sobre o gênero (e.g., expectativas e
regras sobre o que é ser homem e o que é ser mulher), assim como a imposição de papéis e
relações de poder na sociedade. Para finalizar, exibimos vídeos e imagens de propagandas
para discutir os estereótipos, de gênero e sexualidade, construídos em nossa sociedade.
No terceiro encontro, visamos focar diretamente no tema ―Mulheres na Ciência‖.
Nesse sentido, conduzimos uma aula expositiva sobre a representatividade feminina no meio
científico, onde apresentamos mulheres importantes (e.g., Chien-Shiung Wu, Marie Curie,
JohannaDöbereiner, Nettie Stevens, entre outras) e suas contribuições para a ciência. Os
discentes, por sua vez,relataramnão terem conhecimentos sobre mulheres cientistas, pelo fato
de nunca terem estudado no espaço escolar ou terem lido sobre descobertas científicas feitas
por mulheres e, além disso, surpreenderam-se com a quantidade de contribuições de cientistas
do sexo feminino que sofreram o ―Efeito Matilda‖33.
33
O ―Efeito Matilda‖ é um fenômeno sexista, nomeado por Rossiter (1993), que acontece quando as descobertas
e contribuições científicas femininas são atribuídas a pesquisadores do sexo masculino, resultando na
invisibilidade ou completa negação do mérito de mulheres.
Encerramos esse momento com um jogo da memória, desenvolvido pelos autores,
denominado ―Mulheres da Ciência e suas contribuições‖ (Figura 2c). Esse material apresenta
parte da base teórica discutida com os alunos(as mulheres da Ciência e suas contribuições) e
caracteriza-se como um jogo de cartas, sendo 10 (dez) cartas ―Nome e Imagem‖ e 10 (dez)
cartas ―Frase de contribuição‖. No processo da intervenção, as cartas foram embaralhadas e
dispostas com a face contendo a informação para baixo, cada aluno teve uma chance, por vez,
para combinar um par de cartas, sendo uma que representava a mulher e a outra a sua correta
contribuição. Os participantes presentes apresentaram dificuldades para assimilar a
representação feminina à sua contribuição, esse fator pode ser justificado devido à grande
quantidade de novas informações que os mesmosreceberam durante a aula expositiva. Porém,
a atividade foi concluída com êxito e executada novamente a pedido dos alunos.
Além disso, ainda nesse encontro, foi proposto um debate sobre a problemática acerca
das mulheres na Ciência, com o objetivo de incentivar discussões e levantar hipóteses sobre a
pouca divulgação de descobertas e experimentos científicos desenvolvidos por mulheres e o
pouco interesse de meninas pela área científica (assim como, as nuances históricas e
socioculturais por trás dessa questão).
No quarto e último encontro, conduzimos uma roda de conversa com o―Coletivo Não
me dê Flores‖ (Figura 2d), um grupo, da comunidade regional, de movimento político,
filosófico e social que defende a equidade de direitos entre os sexos e busca levantar as
questões da mulher, nesses âmbitos. Consideramos, com esse momento, uma ótima
oportunidade para valorizar um grupo social local detentor de bastante conhecimento e
argumentação acerca de questões que envolvem temas norteadores dessa intervenção. Nessa
roda de conversa foi pautado o movimento feminista e sua luta pela equidade de gênero no
âmbito científico, político, social, entre outros. Os estudantes utilizaram do momento para
esclarecerem suas dúvidas sobre o feminismo, suas vertentes,pautas e bases teóricas.Foi um
momento de grande relevância para compreenderem melhor esse movimento de luta que
contribui para a conquista da representatividade feminina nos espaços historicamente
masculinos.
Ao final, propusemos uma discussão de encerramento da intervenção, para que os
estudantes pudessem expressar suas opiniões gerais acerca da intervenção e realizar
comentários.Desse modo, alguns dos participantes afirmaram nunca ter tido um momento de
debate sobre questões de gênero, sexualidade e masculinismona ciência, na escola ou
qualquer outro ambiente. Ademais, relataram que aprenderam diversas coisas que antes não
possuíam conhecimento de forma detalhada,principalmente em relação aos termos
apresentados durante os encontros e, também, emrelação à problematização acerca do
androcentrismo científico e representatividade dasmulheres participantes da Ciência.
Figura 2- Momentos da intervenção. a) Dinâmica ―gênero e construção social‘ (Encontro II); b) Boneco da
dinâmica ―gênero e construção social‘ (Encontro II); c) Jogo da memória: Mulheres da Ciência e suas
contribuições; d) Roda de conversa com o grupo social ―Coletivo Não me dê Flores‖.
Fonte: Elaborada pelos autores
Conclusões
Tendo em vista a análise dos dados obtidos ao longo da aplicação dessa intervenção,
acreditamos quepromovemos, de certo modo, a elucidação das questões de gênero
relacionadas à invisibilidade e inferiorização da mulher no meio científico, e o
redescobrimento dos significados de termos utilizados nos debates de gênero e diversidade
sexual. Assim como, incentivamos, através dos debates, o questionamento de conceitos pré-
concebidos na construção social de cada indivíduo. Possibilitamos também, espaços para
discussões no ambiente escolar, proporcionando aos alunos momentos de reflexão,
argumentação e pensamento crítico, principalmente sobre o papel da mulher na ciência e na
sociedade.
Portanto, concluímos que ao desenvolvermos tal intervenção, conseguimos, através de
uma perspectiva crítica, na qual abordamos questões históricas e sociais, discutir com os
alunos as questões sobre hierarquia de gênero no âmbito científico, assim como,
proporcionamos, através dos momentos, a sensibilização dos participantes para a
desconstrução da concepção do caráter androcêntrico do conhecimento científico, enraizada
em nossa sociedade.
Referências
BATISTA, I. L. de; SOUZA, D. C.; KIKUCHI, L. A. et al. Formação de Professores no
Brasil e Questões de Gênero Feminino em Atividades Científicas. In: X Encontro Nacional de
Pesquisa em Educação em Ciências – X ENPEC, 2015, Águas de Lindóia- SP. Anais...Águas
de Lindóia: ABRAPEC, 2015.
BATISTA, I. L. de. HEERDT, B.; KIKUCHI, L. A.; et al. Saberes docentes e invisibilidade
feminina nas Ciências. In: X Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências – X
ENPEC, 2013, Águas de Lindóia- SP. Anais...Águas de Lindóia: ABRAPEC, 2013.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares
nacionais:orientação sexual. Brasília: MEC/SEF, 1998.
CARVALHO, A. F.; BERTOLLI-FILHO, C. Sexualidade e educação sexual: enunciações e
dispositivos nos contextos de ensino de ciências. In. VIII ENPEC- Encontro nacional de
pesquisa no ensino em ciências, 2011, Campinas. VIII ENPEC.Anais... Campinas:
ABRAPEC, p.1-10, 2011.
CHASSOT, A. A Ciência é masculina? São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2003.
CITELI, M. T. Mulheres nas ciências: mapeando campos de estudo. Cadernos
Pagu(UNICAMP), Campinas, n.15, p. 39-75, 2000.
CLAM. Gênero e diversidade na escola: formação de professoras/es em gênero, orientação
sexual e relações étnico-raciais. Centro Latino Americano em Sexualidade e Direitos
Humanos. Livro de conteúdo. Versão 2009. Rio de Janeiro: CEPESC; Brasília: SPM, 2009.
LETA, J. As mulheres na ciência brasileira: crescimento, contrastes e um perfil de
sucesso.Estudos Avançados, v. 17, n. 49, p. 271-284, 2003.
LOURO, G. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista. Rio de
Janeiro: Vozes, 1998.
LOURO, G.L.; NECKEL, F.J.; GOELLNER, V.S. (Org.). Corpo, gênero e sexualidade: um
debate contemporâneo na educação. Petrópolis: Vozes, 2003.
MELO, H. P.; LASTRES, H. M. M. Ciência e tecnologia numa perspectiva de gênero: o
caso do CNPq. In: S., L. W. et al. (Orgs.) Ciência, tecnologia e gênero: desvelando o feminino
na construção do conhecimento. Londrina: IAPAR, 2006, p.131-160.
PEREIRA, Z. M.; MONTEIRO, S. Gênero e sexualidade no ensino de ciências no Brasil:
análise da produção científica. Revista Contexto Educação, v. 30, p. 117-146, 2015.
RIBEIRO, P. R. C. Inscrevendo a sexualidade: discursos e práticas de professoras das séries
iniciais do Ensino Fundamental. Tese(Doutorado) – PortoAlegre: PPG Bioquímica/UFRGS,
2002.
ROSSITER, M. W. The Matthew Matilda Effect in Science. Social Studies of Science, v.
23, n. 2, p. 325-341,mai/1993.
ROSSITER, Margaret. Women scientists in America: Struggles and strategies to 1940.
Baltimore, The Johns Hopkins University Press, 1982.
SANTOS, M.S. F. O que dizem os professores sobre gênero e sexualidade na escola:
experiências vividas na rede municipal de Palmas-TO. In: RISCAROLI E. (Org.).
DIVERSIDADES:Diálogos (im)pertinentes entre educação, literatura e sexualidade. 1ed.
Curitiba: CRV, v. 1, p. 55-59, 2014.
SCHIEBINGER, L. O feminismo mudou a ciência? Bauru, SP: EDUSC, 2001.
SCOTT, J. W. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação &Realidade. Porto
Alegre, v. 16, n. 2, jul/dez, p. 5-22, 1990.
SILVA, F. F.; RIBEIRO, P. R. C. Gênero no sistema de ciência e tecnologia daFAPERGS. In:
SIMPÓSIO NACIONAL DE TECNOLOGIA E SOCIEDADE: Desafios para
aTransformação Social, 3, 2009, Curitiba, PR. Anais do III Simpósio Nacional de
Tecnologia e Sociedade, Curitiba, PR. 2009.
SILVA, F. F.; RIBEIRO, P. R. C. Mulheres na ciência: problematizando discursos e práticas
sociais na constituição de ―mulheres-cientistas‖. In: VIII CONGRESSO IBERO
AMERICANO DE CIÊNCIA TECNOLOGIA E GÊNERO, 2010, Curitiba. Anais... Curitiba:
UTFPR, 2010.
SILVA, S. G. Masculinidade na história: a construção cultural da diferença entre os sexos.
Psicologia: Ciência& Profissão, Brasília, v. 20, n. 3, p. 8-15, 2000.
TEIXEIRA, R. R. P.; COSTA, P. Z. da. Impressões de estudantes universitários sobre a
presença das mulheres na ciência. Revista Ensaio – Pesquisa, Educação e Ciência, v. 10, n.
2, p. 207-220, 2008.
YANNOULAS, S. Mulheres e Ciência. SérieAnis,n. 47, Brasília, Letras Livres, p. 1-10,
2007.
ESTEREÓTIPOS DE GÊNERO E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A
MATERIALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL: BREVE
ANÁLISE À LUZ DO PENSAMENTO DE HELEIETH SAFFIOTI
RESUMO: A presente comunicação busca, mediante uma breve revisão e análise bibliográfica da
pensadora brasileira Heleieth Saffioti, problematizar a construção histórico-social dos estereótipos de
gênero e suas implicações na determinação da materialidade do Serviço Social enquanto profissão
majoritariamente feminina no Brasil. As atribuições socialmente estabelecidas como femininas ou os
postos de trabalho hegemonicamente ocupados por mulheres são, no modo de produção capitalista,
comumente desvalorizados ou mais intensamente explorados. Neste contexto, profissões como Serviço
Social acabam por sofrer mais diretamente as consequências das desigualdades entre sexos, portanto,
merecem ser objeto de reflexão, de modo a problematizar e superar estas questões no interior da
profissão.
Palavras-chave: Gênero, Feminismo, Heleieth Saffioti, Serviço Social.
Introdução
Gênero como elemento de análise dos papéis sociais atribuídos às diferentes categorias
de sexo
Se pensar (ou lutar por) a diferença, assim como a igualdade, isoladamente, envolve
sérias armadilhas, afirmar a primazia da diferença pode conduzir à absolutização da
cultura, hipostasiando-se ela na seguinte fórmula: a cultura é o destino. Atribui-se
aqui o mesmo valor à igualdade e à diferença, na medida em que não constituem um
par dicotômico, mutuamente exclusivo, mas são cada uma a condição da outra.
(SAFFIOTI, 1994, p. 272).
O modo capitalista [...] lança mão da tradição para justificar a marginalização efetiva
ou potencial de certos setores da população do sistema produtivo de bens e serviços.
Assim é que o sexo, fator de há muito selecionado como fonte de inferiorização
social da mulher, passa a interferir de modo positivo para a atualização da sociedade
competitiva, na constituição das classes sociais. A elaboração social do fator natural
sexo, enquanto determinação comum que é, assume, na nova sociedade, uma feição
inédita e determinada pelo sistema de produção. (Ibidem, p. 67)
34
Essa opressão, discriminação e determinação para ocupação de postos periféricos na sociedade é uma realidade
não somente as mulheres, mas, conforme ressaltado, também de grupos étnico-raciais. Negras/os e índias/os são,
comumente, mais exploradas/os e relegadas/os a uma posição periférica em nossa sociedade. Quando realizamos
uma união entre as diversas opressões, a situação se torna ainda mais problemática. Uma mulher negra ou
indígena, por exemplo, encontra-se em uma posição ainda mais periférica do que a mulher branca, do mesmo
modo que uma mulher branca e pobre encontra-se em uma posição menos privilegiada do que uma mulher
branca e rica, embora todas sejam vítimas das desigualdades de gênero.
da apropriação privada do fruto de seu trabalho. O ―destino social profundamente
determinado pelo sexo” (SAFFIOTI, 2013, p. 95), todavia, não justifica apenas as posições
periféricas no mercado de trabalho, mas também no ambiente doméstico.
O espaço doméstico e privado é frequentemente atribuído ao sexo feminino. A
construção do ser mulher inclui a atribuição de funções ligadas ao ato de cuidar. Aos homens,
entretanto, são associadas características ligadas à força, à ordem e à direção. A sociedade
investe grandes esforços neste artifício, fazendo crer que se trata de um processo natural e que
à mulher cabe tanto a atribuição do espaço doméstico, quanto a capacidade de ser mãe. A
educação cumpre papel fundamental na determinação destes papéis e habilidades,
delimitando, com muita precisão, os campos onde podem operar as mulheres, da mesma
forma que determinam os campos onde podem atuar os homens (SAFFIOTI, 1987).
Não obstante todas estas diferenças, que tornam a vida de mulher mais ou menos
difícil, a responsabilidade última pela casa e pelos filhos é imputada ao elemento
feminino. Torna-se, pois, clara a atribuição, por parte da sociedade, do espaço
doméstico à mulher. Trabalhando em troca de um salário ou não, na fábrica, no
escritório, na escola, no comércio, ou a domicílio, como é o caso de muitas mulheres
que costuram, que fazem crochê, tricô, doces e salgados, a mulher é socialmente
responsável pela manutenção da ordem na residência e pela criação e educação dos
filhos. Assim, por maiores que sejam as diferenças de renda encontradas no seio do
contingente feminino, permanece esta identidade básica entre todas as mulheres.
(ibidem, p. 9)35.
35
Neste ponto a autora ratifica as diferenciações entre classe e afirma que ―se a classe operária gasta duas horas
por dia no trânsito, mais oito na fábrica, e quatro nos serviços domésticos, a burguesa dispõe de serviçais que
executam os trabalhos domésticos em sua residência‖ (SAFFIOTI, 1987, p. 9).
O ato de romper com o mundo privado e ir para o mundo público é visto como um
elemento ambíguo para a mulher,36 ao passo que, segundo a autora, ao mesmo tempo em que
a inserção no mercado de trabalho tende a constituir-se na dupla jornada de trabalho (privado
e público), com condições de trabalho e salariais inferiores (SAFFIOTI, 2013, p. 107),
também representa um movimento de reivindicação de aspirações, quer sejam elas políticas,
sociais, filosóficas, artísticas, etc.
A ocupação de espaços considerados de visibilidade procura trazer a ideia de seu
protagonismo ao sair do ocultamento perpetrado pelo mundo machista e patriarcal. Com isso
as mulheres passam a construir sua própria história e a criar espaços de decisão em setores
que até então não reconheciam suas contribuições. Portanto, em um processo dialético, ao
mesmo tempo em que a saída da mulher para o ambiente público significa sua inclusão com
posição periférica no mercado de trabalho e a posiciona em condições desiguais, também
possibilita uma ampliação de seus espaços de socialização e politização.
36
A autora destaca como historicamente as mulheres ocuparam postos de trabalho exercidos por homens, muitas
vezes como consequência da ausência de mão-de-obra masculina, haja vista a convocação dos mesmos para
guerras (SAFFIOTI, 2013). Porém, apesar de ocupar espaços socialmente atribuídos aos homens, esses grupos
femininos ainda não poderiam ser considerados feministas. Tornam-se assim, por sua vez, quando tomam
consciência do papel social de transformação e lutam pela igualdade entre gêneros propondo políticas públicas,
reivindicando direitos e problematizando as discrepâncias que existem nos diversos setores da sociedade. Daí a
necessidade de consideração e diferenciação entre grupos de mulheres e grupos feministas.
assistente social deve ser capaz de fazer com que muitos desses valores passem por um
processo de mutação, com vista a eliminar posturas preconceituosas ou discriminatórias.
Ademais, de acordo com os autores supracitados, o Serviço Social está inserido tanto
em uma ―divisão social‖ do trabalho, como em uma ―divisão sexual‖, tendo esta como base a
subalternidade da mulher em relação ao homem. O fato de as/os assistentes sociais serem
majoritariamente mulheres leva à suposição de que o gênero tem um papel fundamental na
determinação dessa profissão, não simplesmente por ela ser composta em sua maioria por
mulheres, conforme ressaltado, mas por tradicionalmente haver uma determinação feminina
para a carreira, posto que sua materialidade é um atributo social tradicionalmente designado
às mulheres.
Alguns estudos pioneiros do serviço social, como o de Iamamoto e Carvalho (2011),
problematizam as raízes dessa designação social do Serviço Social para as mulheres. A obra
analisa as protoformas da profissão no início do século XX, seu cariz caritativo e influências
para determinação do Serviço Social enquanto profissão feminina.
O Serviço Social, enquanto profissão inscrita na divisão sóciotécnica do trabalho,
possuía em suas protoformas o objetivo de desenvolver, mediante ação social e movimento de
reação católica, a divulgação do pensamento social da Igreja para a classe operária, formação
das bases organizacionais e doutrinárias do apostolado laico e a intervenção ―educativa‖
direta junto ao proletariado, para, assim, afastá-lo de influências subversivas37.
Ele surge como uma organização das elites, com objetivo de defender a família e a
classe operária das ―más‖ influências socialistas e dos ―males‖ oriundos da industrialização,
como, por exemplo, a saída da mulher para o mercado de trabalho38.
37
Iamamoto e Carvalho (2011) destacam em sua obra como o significado histórico do Serviço Social só pode ser
desvendado em sua inserção na sociedade. Como uma profissão só existe em condições e relações sociais
historicamente determinadas, é a partir da compreensão das determinações históricas que se poderá desvendar o
significado atribuído a esta determinada profissão dentro da divisão social do trabalho capitalista. No caso do
Serviço Social brasileiro, portanto, o surgimento e o desenvolvimento da profissão são vistos a partir do prisma
da ―Questão Social‖, isto é, a partir do desenvolvimento do capitalismo no Brasil no início do século XX,
exasperação de suas sequelas sociais e o nascimento do proletariado com expressão política própria. O trabalho
das assistentes sociais é requisitado pelas classes dominantes como meio de exercício de seu poder, controle das
lutas sociais trabalhistas, afastamento das influências socialistas, com grande força mundial em decorrência da
revolução socialista Russa de 1917, e manutenção da ordem social.
38
Era considerada fonte de grande preocupação a saída da mulher para o mercado de trabalho, ―deixando a
família‖ e buscando independência. Este era comumente considerado um perigo à ordem moral da época,
portanto, era um fenômeno fortemente controlado e combatido pelas elites. Todavia, se não era aceita essa
profissionalização feminina, como se configurava então a situação das mulheres que vinham se
profissionalizando naquela época como assistentes sociais? Para Bezerra e Veloso (2015, p. 196), ―a
legitimidade e a aceitação das mulheres na profissão de assistente social, no que se refere ao gênero, dão-se em
razão de essa profissão demandar qualidades e atributos considerados femininos, ou seja, a mulher
desempenhava, na esfera profissional, atividades semelhantes às que desempenhava na esfera doméstica. Era,
portanto, uma saída para se profissionalizarem com a atenuação dos preconceitos e da discriminação‖.
As ações sociais eram desenvolvidas por mulheres de classe abastada que, além de
exemplo de boa conduta, eram consideradas as mais adequadas para desenvolver atividades
educativas e caridosas junto aos necessitados. Citando a tese apresentada na 4ª Semana de
Ação Social, desenvolvida em 1940, Iamamoto e Carvalho (2011, p. 183) demonstram
elementos discursivos da época que justificam a atribuição destas funções às mulheres:
A pesquisa de Madelaine Guilbert revela não apenas que as mulheres são postas em
funções menos privilegiadas na indústria, desenvolvendo os trabalhos mais
repetitivos e fragmentários, mas também que, mesmo quando o nível profissional do
trabalho do homem e da mulher é o mesmo, esta recebe menor remuneração e é
hierarquizada abaixo daquele. A valorização da força física do homem serve de
justificativa à hierarquização dos sexos. Todavia, esta justificativa se torna
extremamente vulnerável quando o homem desempenha funções que não requerem
força muscular ou quando um trabalhador norte-americano, empregando força física
de trabalho, é posto mais ou menos nas mesmas condições que a mulher.
Preconceitos de raça e sexo desempenham, pois, um papel relevante quer na
conservação do domínio do homem branco, quer na acumulação do capital. (ibidem,
p. 82)
CISNE, Mirla. Gênero, divisão sexual do trabalho e Serviço Social. 2ª Ed. São Paulo:
outras expressões, 2015.
A reflexão sobre as perspectivas teóricas e práticas feministas que têm contribuindo para os
questionamentos as categorias de gênero e sexualidade e, principalmente, sobre a fixidez das
identidades, nos remete a efervescência política produzida nos espaços onde os micropoderes
fortalecem discursos e práticas de uma diversidade de atrizes que protagonizam estratégias de
empoderamento e visibilidade massiva. Com base nas reivindicações e performances lesbianas essa
escrita toma um formato de diálogo com o objetivo de provocar ponderações sobre poder,
performatividades e identidades políticas. Neste sentido, as teóricas Judith Butler (2003), Beatriz
Preciado (2010) e as experiências da militância lésbica no Brasil foram tomadas como referência para
constituírem o quadro teórico-político desse texto. Por fim, estão postas ponderações acerca de alguns
discursos performáticos e apontamentos a partir das vozes lesbianas e dos estudos queer.
Palavras chaves: Feminismos; Performatividade; Lesbianidade; Identidades Políticas.
Introdução
Este diálogo está exposto em dois momentos: no primeiro a partir das categorias
gênero, lesbianidade e performatividade discorremos sobre as nossas experiências e vivências
políticas em encontros onde a militância feminista e lésbica se intercruzam em pontos que
horas coadunam pactos para avançar no âmbito das políticas públicas, horas são divergentes
no sentido de estabelecer métodos e prioridades das pautas políticas; no segundo momento,
dialogando com as teorias queer produzidas no anglo-saxão trazemos para o centro do debate
as sexualidades enquanto disputa de poder e as identidades políticas a partir das vozes
lesbianas.
39
A sigla do Movimento pela Livre Expressão Sexual no Brasil foi sendo construída em meio a tensões políticas
e movimentos teóricos, inicialmente na década de oitenta o MBHO – Movimento Brasileiro de Homossexual -
buscava construir estratégias de resistência no Brasil. Em 13 de maio de 1980 teve a sua primeira manifestação
pública no centro de São Paulo contra o Delegado Reichetti. Em abril desse mesmo ano foi realizado o I
Encontro Brasileiro de Homossexuais - EBHO. Em 1993 a realização do VII encontro incorporou o L que
passaria a reconhecer o protagonismo das lésbicas no movimento, devido a não fluidez linguística da sigla
MBLHO, o movimento terminou ficando conhecido como GLS representando os seguimentos de gays, lésbicas
e simpatizantes e ou movimento gay. Em 1995 durante o VIII Encontro Nacional realizado na cidade de Curitiba
– RS, em meio à pressão das travestis por maior reconhecimento e visibilidade, deliberou-se que o T entraria na
representação escrita do Movimento e nesse mesmo encontro se deu o passo histórico de criar a primeira
instituição de representação nacional desse segmento: Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis -
ABGLT. No X Encontro Nacional ocorrido na cidade de Maceió, sob o lema ―Duas Décadas de Movimento
GLT no Brasil: conquistas para sempre!, entre outras questões, as lésbicas publicizaram a insatisfação
relacionada a prática machista existente no movimento e destacaram que reconheciam a importância do trabalho
junto as ONGs Aids, mas que o protagonismo lesbiano e suas pautas não eram reconhecidas, momento em que
anunciaram a importância da fundação de uma rede específica. No inicio daquela década, com base na categoria
―transgênero‖ trazida por alguns militantes - sob a influencia das teorias queer- para o debate nacional, as
travestis e transexuais também passaram a reivindicar o reconhecimento das suas especificidades e a inclusão do
segundo T na sigla do movimento. Tal inclusão tinha um proposito político: afirmar que no âmbito da promoção
das políticas públicas e da visibilidade massiva suas especificidades deveriam ser observadas. Antes que
acontecesse a deliberação em encontro nacional, vários militantes incorporaram nos seus discursos e escritos a
sigla LGBTT; no mesmo passo, as lésbicas que transitavam entre movimento social e academia passaram a
problematizar suas pautas teoricamente e a se referir ao movimento como LGBT. Durante a I Conferência
Nacional de Políticas para gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais, o então presidente da República
oficializou a abertura do evento saudando o movimento LGBT, e assim, deflagrou-se uma manhã inteira de
reflexão sobre as práticas políticas que não incorporavam as demandas lesbianas e em meio a polarização
política do momento, ficou deliberado que a partir dali o movimento passaria a inverter os lugares das letrinhas
G e L, ficando legitimada a sigla LGBT.
No percurso dessas trilhas, inicialmente o mais desafiador foi a nossa imersão no
Movimento pela Livre Expressão Sexual no final dos anos noventa a partir dos convites do
Grupo Gay de Alagoas – GGAL ao Diretório Central dos Estudantes – DCE - da
Universidade Federal de Alagoas para tratar de possíveis parcerias entre os movimentos
objetivando fortalecer estratégias de denúncias dos crimes hediondos cometidos contra gays e
travestis que não eram investigados, bem como a visibilidade massiva através do slogam ―É
legal ser homossexual!‖. A partir dali, indagações sobre direitos humanos, normatividades,
corpos, sexualidades, cidadania passaram a fervilhar nossos pensamentos e a ganhar outras
dimensões: percebemos ali, que a coerção social engessa não apenas os movimentos dos
nossos corpos, mas produz enquadramentos dos nossos afetos, dos nossos orgasmos e nos
destituí da condição de ser sujeito. Dessa forma, a noção de liberdade de expressão que tanto
discutíamos nos movimentos partidário, estudantil e feminista não mais atendia as nossas
expectativas. E a indagação posta naquele momento, era sobre o que poderia ser feito para
burlar as normas coercitivas.
40
Os discursos em torno das sexualidades que não condizem com a heteronormatividade terminam incorporando
termos pejorativos que negam os constructos sociais das diversas formas de vivenciar os prazeres sexuais. Não é
raro nos depararmos com termos como fanchas, caminhoneiras, saboeiras, bolacheiras e tantos outros que jogam
os prazeres dissidentes das normas phalocêntricas no mundo do não dito. Entretanto, na perspectiva queer esses
termos podem ser positivados e saboreados.
Na oportunidade41 da aproximação com as teorias queer42, percebi que o conceito de
performatividade trazido por Judith Butler (2003), provocava-nos para desatarmos alguns nós
políticos conceituais que não conseguimos afrouxar a partir da categoria gênero. Assim como
a maioria das teóricas feministas, Butler43 inicia suas análises tomando como ponto de partida
a celebre afirmação de Simone de Beauvoir (1949) ―não se nasce mulher, torna-se mulher!‖.
Compreende assim, que o sujeito é um eterno devir, não há identidades fixas, estamos sempre
agregando novas formas de ser e estar no mundo. Nesta perspectiva, a fluidez também
perpassa pela produção social dos corpos e das nossas performances. Dessa forma, ―se não
nasce mulher, se pode tornar a ser‖; ―também não se nasce homem, torna-se a sê-lo.‖; assim,
podemos ser o que quisermos ser e romper com a concepção binária da organização social.
Neste sentido, as lesbianas, as transexuais, as travestis ao assumirem tais identidades políticas
trilham caminhos para desestabilizar e superar a função policialesca do gênero.
Para Butler, o gênero é tão norma que exerce formas coercitivas sobre nós, impedindo-
nos de fazer o que quisemos dos nossos corpos e assim o problematiza: ―...gênero é
culturalmente formado, mas também é um domínio de agência ou de liberdade. É
principalmente importante resistir a violência impostas pelas normas ideais de gênero,
especialmente contra aquelas pessoas que são diferentes em relação aos gêneros desviantes
em sua representação44‖. Desta forma, é necessário compreendê-lo como campo de
ambivalência e que está em disputa, questão que pode ser observada a partir das
performatividades daquelas que jogam com as normas sociais, desafiam a nossa
inteligibilidade e fazem micro revoluções. Esses sujeitos, através dos discursos de seus corpos
desfilam em nossas telas gritando contra o sistema patriarcal e, irreverentemente
deslegitimam a organização social baseada exclusivamente em dois gêneros, mesmo que não
se mobilizem politicamente. Em contrapartida, não podemos esquecer que os sentimentos
41
Enquanto bolsista do Programa GRAL – Gênero, Reprodução, Ação e Liderança - da Fundação Carlos Chagas
em parceria com a MarcArtur Fundation - tive a possibilidade de protagonizar nos movimentos feministas e de
lésbicas feministas em diversos eventos. Momentos em que percebi a importância de lesbianizar as teorias, já
que as especialidades lesbianas não eram tratadas com esmero nas pautas da maioria dos eventos feministas, e
assim, se deu as primeiras leituras sobre os estudos queer. Entretanto, ao escrever Lesbianidade: um assunto
familiar!, epistemologicamente optei pelo diálogo com os feminismos, os estudos gays e lésbicos e a perspectiva
Foucaultiana.
42
As principais teóricas queer passaram a ganhar visibilidade a partir da segunda metade da década de oitenta,
entre elas destacam-se as pioneiras nos estadunidenses Eve Kosofsky Sedgwick, Judith Butler e atualmente
Judith Halbestam. Na Europa a voz ativa é da francesa Monique Wittig e da espanhola radicada na França
Beatriz Preciado. Enquanto no Brasil, destacam-se Berenice Bento na área jurídica, Miriam Grossi e Larissa
Pelúcio na antropologia, Guacira Louro na educação entre outr@s teóric@s de diversas áreas de produção do
conhecimento acadêmico.
43
Documentário BUTLER. Judith, Filósofa en todo Género (2006).
44
Idem, ibid.
conflitantes gerados a partir de olhares preconceituosos lançados sobre os corpos que não
atendem aos padrões de masculinidades e feminilidades normatizados, e consequentemente,
aos modelos binários do gênero, põem a sociedade em reflexão, mas muitas vezes, também
produzem práticas violentas.
Apesar das quatro dimensões problematizadas por Scott, a categoria gênero ganhou
visibilidade nos discursos feministas a partir da bipolaridade sexo e poder e dos conceitos
normativos incorporados pelas instituições de controle. Entretanto, a identidade subjetiva que
poderia nos fornecer pistas para compreensão da noção das alteridades e dos processos de
disciplinamento dos desejos não entrou como pauta prioritária nas primeiras décadas de
organização dos feminismos. Obviamente que tal escolha teórica-metodológica resvalou nas
formas de fazer política e estabelecer as bandeiras prioritárias, o que terminou gerando pontos
de tensões entre a militância feminista e LGBT.
45
Fragmentos do discurso realizado na mesa de abertura do X EFLAC tendo como eixo a “Radicalização do
feminismo e da democracia”.
Na busca constante dessa reinvenção os feminismos travaram discussões variadas a
partir de correntes teóricas como marxista, hegeliana, cramisciana, foucaultiana, e nos últimos
anos, tem havido uma aproximação de várias feministas com a corrente pós-estruturalista.
Acirram-se assim, as problematizações sobre a pós-colonialidade e a intercessão entre classe,
raça e sexualidades; consequentemente, os diversos sujeitos políticos começam ativar suas
próprias vozes e visibilizar suas identidades políticas: negras, lésbicas, travestis, dentre tantas
outras, passaram a falar sobre si na produção dos saberes e dar novos significados a partir das
suas experiências. Segundo Altamira Simões46 (2015):
O fato de a pauta lesbiana ter sido inserida na programação central do evento, sem
dúvida, representou um avanço para o movimento de lésbicas feministas. Todavia,
percebemos ali, que naquela conjuntura, as protagonistas da radicalização da democracia em
torno da legitimação da livre expressão sexual na sociedade seríamos nós que compomos o
segmento LGBT, pois o princípio da solidariedade precisava ser fortalecido entre os
diferentes movimentos políticos. Na plenária final, o nó que precisou ser desatado circundou
em torno das identidades de gênero. A proposta da participação das travestis e transexuais nos
eventos feministas foi o maior ponto de tensão: inúmeros discursos acalorados em torno da
legitimação ou negação de tais identidades foram proferidos.
50
Ao apresentarem-se enquanto pansexuais alegaram que defendiam o direito dos prazeres e dos orgasmos
livres, não precisariam entrar em caixas definidoras de identidades, mas militavam a favor da defesa do direito
de se relacionarem com o que e com quem sentisse desejos: pessoas, objetos, natureza ou simplesmente pelo
direito de não transar.
no empoderamento e autonomia do movimento e provocar uma visibilidade massiva das
lesbianas.
51
Fundada durante o III Fórum Social Mundial realizado em Porto Alegre no mês de fevereiro de 2003 e
deliberada a sua oficialização enquanto rede nacional de representação política das lésbicas no Brasil, na plenária
final do V Seminário Nacional de Lésbicas - SENALE – em junho de 2003, na cidade de São Paulo, culminando
com a I Caminhada Nacional de Lésbicas.
compreendia que não havia necessidade de inserir nas plataformas e sistemas de banco de
dados do governo as alternativas sobre identidades de gênero e sexual. Entretanto, a
alternativa sobre identidades ético-racial era salutar para a produção do conhecimento.
Saímos daquela instigante plenária com a certeza de que para ―radicalizar contra as
heranças do padrão heterossexual dominante‖ como bem afirmou Betânia Ávila (2005), seria
necessário lesbianizar a produção do conhecimento, e para assumir uma identidade política
lesbiana, não bastava se relacionar afetivo-sexualmente com outra pessoa do mesmo sexo,
seria necessário politizar as sexualidades e entendê-las como lócus privilegiado de disputa,
romper as perspectivas que buscam normatizar os nossos corpos a partir dos binarismos de
um sistema estruturado nas bases da violência e das desigualdades.
Considerada uma das percussoras desse movimento teórico, Judith Butler (2002. p.
58), afirma que ―Queer adquire todo o seu poder precisamente através da invocação reiterada
que o relaciona com acusações, patologias e insultos‖. Assim, Butler propõe uma
ressignificação e apropriação daquilo que a priori pode soar como bizarro, bem como
aprendermos a desfrutar das performances não normatizadas. A peculiaridade e o teor
revolucionário das performances que se distanciam das normas socialmente aceitas é
justamente o estranhamento que elas causam ao desfilarem diante das nossas telas. A autora
(2003) nos desafia ao indagar sobre ―que tipos de práticas culturais produzem uma
descontinuidade e uma dissonância subversiva entre sexo, gênero e desejos, e questionam
suas supostas relações‖.
Partimos do pressuposto que essa perspectiva tem uma aproximação direta com a ideia
de micropoderes discutida por Michel Foucault (1986), pois ao analisar as relações de poder,
o autor parte da compreensão que é necessário transpor os limites normatizantes da concepção
jurídica do poder e entender a sua operacionalidade na biopolítica. Se por um lado, a
―anátomo-política‖ submete o prazer à racionalidade heteronormativa e estabelece
mecanismos de controle do corpo social através do conjunto de dispositivos institucionais e
não institucionais, ditos e não ditos; por outro lado, o poder não é fixo nas instituições e nas
leis, ele é circulante e todos nós - inclusive os marcados como indesejáveis – detêm
possibilidades de empoderamento no sentido de promover outros sistemas capazes de corroer
as grades políticas que nos prendem.
Na perspectiva do autor, o poder coercitivo só existe enquanto há capilaridade. Neste
sentido, por mais grandiosa que seja a coerção social e os dispositivos de controle, aqueles
que não se enquadram as normas, travam correlações de forças, exercem e compartilham os
micropoderes que também são capazes de produzir ressonância social. Ao analisar a história
da sexualidade, Michel Foucault (2005, pág.33), revela que:
(...) a partir do século XVIII, a vida tem sido objeto de poder, a vida e o corpo (...) o
sexo está exatamente imbricado em seu lugar de articulação entre as disciplinas
individuais do corpo e da regulação da população. O sexo vem ser aquilo, o qual se
pode garantir a vigilância sobre os indivíduos. É o elo entre a anátamo-política e a
biopolítica, ele está na encruzilhada das disciplinas e das regulações, e é nessa
função que se transforma no fim do século XX em uma peça política de primeira
importância para fazer da sociedade uma máquina de produzir.
A multidão queer não tem a ver com um ―terceiro sexo‖ ou um ―mais além dos gêneros‖.
Dedica-se á reapropriação das disciplinas dos saberes/poderes sobre os sexos, à rearticulação
e a reconversão das tecnologias sexopolíticas concretas de produção dos corpos ―normais‖ e
―desviados‖. (...) a política da multidão queer não se baseia em uma identidade natural
(homem/mulher), nem em uma definição baseada nas práticas (heterossexuais/homossexuais),
mas em uma multiplicidade de corpos que se levantam contra os regimes que os constroem
como ―normais‖ ou ―anormais‖: são as drag-king, as bolachas lobas, as mulheres barbudas, os
trans-bichas sem pênis, os deficientes-ciborg... O que está em jogo é como resistir ou como
reconverter as formas de subjetivação sexopolíticas.
Conclusão
Decerto, esse diálogo não pode ser posto como rematado. Foram pontuadas algumas
questões relacionadas ao movimento político, à construção dos saberes, dos poderes, das
sexualidades, dos feminismos. A anátomo-política para Foucault ou a sexopolítica para as
multidões queer muito será problematizada. Seja a partir das perspectivas integralistas ou
revolucionárias – os movimentos teóricos não se findam porque a humanidade se reinventa,
diluí certezas, impulsionam novas indagações. Entretanto, é importante pensar a
territorialidade – tempo e espaço - onde houve ebulições para fazer surgir novas perguntas
sobre as relações sociais.
52
Idem, ibd.
Nas sociedades onde a ética de respeito à vida se consolidou, onde há movimentos
efervescentes em torno de defesa da vida, os movimentos integralistas podem não responder
as novas perguntas geradas nesse processo do se reinventar. Todavia, por mais
revolucionárias que se ponham as multidões queer, penso, que no Nordeste do Brasil, onde a
vida deixou de ser símbolo de humanidade e as identidades políticas não se consolidaram,
ainda faz-se necessário encontrarmos estratégias de diálogos teóricos, no sentido de
compreender onde eles coadunam para a construção de processos de proteção a vida e de uma
sociabilidade libertária.
Bibliografia
BEAUVOIR, Simone de. O segundo Sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
BUTLER. Judith, Filósofa en todo Género (2006) es un documental realizado por Paule
Zadjermann para Arte France. Publicado em 23 de fevereiro de 2013.
https://www.youtube.com/watch?v=KkB8O7-jGoM – Parte 01
https://www.youtube.com/watch?v=z0bpayvVy58 – Parte 02
https://www.youtube.com/watch?v=F40x7h3YX8U Parte 03
HALL, Stuart. Da Diáspora: identidades e mediações culturais. Liv Sovik (Org.). Belo
Horizonte: Editora UFMG; Brasília: representação da UNESCO no Brasil, 2003.
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. In E. M. T. Lopes & G. L.
Louro (Org). Educação & Realidade, 16, 5-22, 1990.
_____________ , http://www.geledes.org.br/de-que-adianta-a-lei-do-ventre-livre-se-a-mae-
esta-em-situacao-de-escravidao .
Cidade do interior do estado da P
RESUMO
O presente artigo busca contextualizar todo o trabalho do projeto de pesquisa Na Movência de
Saberes, de Menina á Mulher: Direitos Humanos e Educação nas Narrativas de Idosas Negras que
ocorreu na cidade Campina Grande-PB. Trata-se de uma pesquisa qualitativa realizada com mulheres
idosas com o intuito de entender a partir delas como elas percebem o envelhecimento. Essa pesquisa
tem por objetivo geral discutir as representações de mulheres idosas a partir de suas narrativas, suas
lutas, suas dificuldades e suas opiniões. Para o referencial teórico foi utilizado autores que trabalham
as questões de gênero e envelhecimento como Andrea Moraes, Andréia Lisly Gonçalves, Mirian
Goldenberg e Isildinha B. Nogueira. A metodologia ocorreu a partir da história oral, desse modo
trabalhamos com as memórias de idosas a partir de entrevistas. Por fim analisamos todas as
entrevistas, e refletimos a partir deles questões de gênero e envelhecimento.
Palavras-chaves: Gênero. Idosa. Envelhecimento.
INTRODUÇÃO
Este trabalho se justifica principalmente por trazer a tona uma importante discussão
sobre o envelhecimento das mulheres negras na sociedade. Sabemos que a mulher na
sociedade já tem amplos desafios para vencer, nessa perspectiva a mulher idosa e, além disso,
negra tem em sua história de vida uma trajetória de luta para se afirmar em meio à sociedade.
Assim a discussão pelo seu próprio ponto de vista é algo inovador e de grande relevância em
questões de gênero e da luta negra.
METODOLOGIA
A pesquisa iniciou-se a partir das leituras bibliográficas que foram utilizadas como
referencial teórico, e em seguida teve inicio a pesquisa de campo acompanhada por coleta de
dados que foi feita por meio de entrevistas e informações dessas mulheres idosas. Por fim, se
sucedeu as transcrições dessas entrevistas e a análise das mesmas que poderão ser observadas
nos resultados desse artigo. As idosas entrevistadas tem a faixa etária entre 58-84 anos e no
momento todas são aposentadas. Quando trabalhavam exerciam a profissão de domésticas,
funcionarias pública e professoras e residem no bairro da Liberdade, localizado na cidade de
Campina Grande - PB.
As perguntas partem da sua infância e vão até sua idade atual focando em problemas,
dificuldades e felicidades vividas. O significado dos momentos vividos são observados, como
também o significado do ―ser idoso‖ e os desafios imposto pelo processo de envelhecimento.
Além disso, a importância do idoso no contexto social, a inserção das entrevistadas em grupos
sociais ativos e a importância desta participação social para a suas vidas também são
questionamentos feitos. A partir destas perguntas iniciais, pré-estabelecidas, eram feitas
reflexões sobre as mesmas, por parte das entrevistadas. Reflexões estas que serão analisadas
sobre a ótica do embasamento teórico feito.
DISCUSSÃO
Do mesmo modo que ele afirmava haver um dualismo na natureza feminina é possível
perceber neste autor traços vitorianos do dualismo ―público/privado‖, onde o privado seria a
esfera da realização feminina, limitando sua atuação a esta esfera; o autor também postula que
se a mulher saísse da sua esfera natural seria revelada a sua natureza selvagem e indomável,
caracterizando o que ele afirmava ser a natureza dual feminina. Para reforçar as catástrofes
que poderiam surgir da ascensão feminina da esfera privada à esfera social o autor usava-se de
eventos históricos tais como a mudança na monarquia francesa, segundo Gonçalves (2007):
―A feminilização da Monarquia, no final do século XVII, também é a marca da decadência‖
(GONÇALVES, 2007, p. 50).
Diante disto é possível observar neste autor uma característica comum a muitos
pensadores: o das desigualdades entre homens e mulheres vistas com ênfase em fatores
supostamente biológicos e pré-estabelecidos e não como relações e representações construídas
historicamente. Para que houvesse uma mudança nesta ênfase foram necessários muito tempo
e diversas colocações historiográficas diferentes a cada época, o que mostra uma inter-relação
entre as correntes historiográficas e a história das mulheres, mostrando uma superação
temporal das desigualdades naturalizada entre os sexos.
A escola dos Annales incorporou através de alguns dos seus representantes a mulher
na historiografia, principalmente quando se passou a ver o cotidiano a partir de uma
perspectiva histórica, fato este que não havia sido trabalhado até então, assim havendo a
necessidade de se colocar as mulheres neste contexto, ainda que não em posição privilegiada.
Ao fazer este alargamento do campo histórico ao cotidiano, esta corrente cria condições
propícias para a incorporação da mulher como sujeito histórico.
Após essa incorporação da mulher como sujeito histórico pelos Annales, a história das
mulheres passou a ser trabalhada por diversos historiadores, principalmente durante e após o
Movimento Feminista, o que mostra que a emergência da história das mulheres como um
campo de estudo historiográfico é uma consequência da evolução do feminismo para as
mulheres e para a questão do gênero.
Deste modo, o gênero antes entendido apenas como ―masculino e feminino‖ passa por
uma necessidade de reformulação, pois cada autor e pesquisador tinham suas próprias
definições sobre estas classificações. Reformulações estas que não poderiam se focar a
restrições biológicas, mas sim a posicionamento dos sujeitos em relação a sua masculinidade
e feminilidade. Apesar de não negar as características biológicas do sexo, a noção dos papéis
sexuais passou a ser visto como uma construção social, derivada da contextualização das
relações em um momento histórico especifico.
Diante disso, a autora cita a filosofa existencialista Simone de Beauvoir para expressar
a possibilidade de uma velhice plena, que não seja focada no corpo e em suas implicações
trazidas com a velhice, se desprendendo das normas sociais colocadas para si e para seus
corpos, reinventado sua sexualidade, não aceitando o imperativo de ―ser um velho‖ ou
qualquer outra rotulação, priorizando o próprio prazer e não o corpo. A mudança de foco no
envelhecimento requer um desprendimento de normas e representações sociais, para a
liberdade de envelhecer dignamente, isso requer uma maior quebra das diferenças entre as
concepções de gêneros.
Fatores exteriores impressos pela sociedade também influem e afetam o corpo humano
assim como a religião, grupo familiar, classe, cultura e outras intervenções sociais. O corpo
absolve os valores sociais e nele a sociedade impõe seus sentidos e valores, partindo dessa
perspectiva, pensar o corpo do negro implica refletir o lugar social do negro remontando ao
período escravocrata.
O espaço social a qual a mulher negra estava inserida não permitia que ela exercesse
sua feminilidade, a única atividade que mais aproximava dessa característica eram as
mulheres utilizadas como amas de leite. No final do século XIX com a promulgação da Lei do
Ventre Livre elas passam a acumular a função materna e paterna na organização familiar, por
tanto mulheres fortes em regime matriarcado. (NOGUEIRA, 1999)
Mesmo com o passar dos séculos nossa sociedade ainda manter resquícios dessa visão
a cerca do corpo da mulher negra, atualmente relegada a sambista, mulata, domestica, herança
desse passado histórico que reduziu a humanização do individuo negro com relação às demais
etnias que compõem a sociedade brasileira.
RESULTADOS
A luta das mulheres perpassaram séculos para chegar ao nível de aceitação que temos
atualmente em nossa sociedade. Muitas delas sofreram diversos tipos de preconceitos, seja
por seu próprio gênero, seja por sua cor, seja por sua cultura. Com o envelhecimento delas o
preconceito continua. Seu corpo não esta mais tão forte quanto antes, mas o seu estado de
espírito, a sua memória e suas opiniões continuam firmes em seu discurso. Deste modo, a
partir da história oral podemos compreender através de entrevistas suas falas, memórias,
anseios e preocupações que permeiam ainda suas vidas.
Nesse sentido, o presente artigo teve como principal objetivo refletir a respeito da
história de vida da infância até a juventude de idosas, sendo assim observada as suas
memórias. Buscamos isso a partir da análise de algumas respostas de quatro mulheres idosas
negras. Outro foco, também trabalhada nas entrevistas foram a da opinião da situação atual
dos idosos, e de como elas se sentem como tal. Ainda foi perguntado como elas veem as
mulheres hoje, os locais de sociabilidade delas, e suas atividades.
Deste modo, a primeira questão feita na entrevista foi sobre a infância delas na
comunidade em que viviam e o que significa esses momentos para elas. Assim M. G. F. S. de
64 anos respondeu: ―Minha infância meu filho foi tão trabalhada [...] a gente veio morar em
Campina Grande mataram meu pai foi um ―sufrimento‖ ―terrivi‖. Então eu num gosto de
lembrar isso não eu vou pular que eu num gosto de de lembrar... [...], e então a gente ficou
morando eu minha mãe, minha avó e dois irmãos. Ai só que eu era a mais velha a gente
trabalhava na roça e meu tio era muito rigoroso com a gente... Ai foi um auê da vida. [...]o
momento do meu lazer era trabalhar com meu pai quando a gente era pequeno, que a gente
não tinha condições assim de fazer muitas coisa então ele ―butava‖ eu e meu irmão pra tirar
pedra do ―mei‖ do roçado pra ―butar‖ num acostamento pra ficar o terreno limpo pra eles
cavar e pra ―pratrar‖, ai depois quando a gente fazia aquilo, ai a gente ―samiava‖, eu
―samiava‖ a fava e meu irmão botava o milho e a gente plantava depois o feijão cavava e a
gente plantava. Foi uma luta muito grande muito terrível a minha vida, a minha infância eu
num quero nem que você sonhe que dirá você passar por ela. Teve uma época que foi uma
fome tão grande, que você credita que o pessoal ―prantava‖ e depois que ―prantava‖ que
―culhia‖ a gente ia catar aqueles caroços de feijão ou de fava que sobrava que ―estarava‖ por
último a gente ia catar pra ―cumer‖. Eu num quero nem que vocês sonhem na minha situação
que eu passei. [...]‖.
Após isso, a entrevista continuou focando nas memórias das entrevistadas, assim foi
perguntado como foi à juventude daquelas mulheres e quais os momentos daquela época que
53
Cidade do interior do estado da Paraíba.
elas gostavam de lembrar. Assim A. D. de 69 anos disse: ―[..] minha juventude foi um pouco
conturbada, porque eu num tinha assim... um trabalho, porque eu morava com essas minha
irmã de criação, eu num tinha trabalho. Eu queria assim... uma roupa e não podia comprar...
ou, o meu pai de criação era vivo, morava num sitio em Lagoa Seca54, lá tudo era dele... mas
assim, eu num tinha uma renda de nada, eu só trabalhava. Ai depois que eu tava lá no sitio eu
vim embora pra aqui, pra Campina Grande trabalhar, que era com sobrinho do meu pai de
criação, entende? Ai eu vim trabalhar, foi quando eu pegava mais em dinheiro e comprava as
coisas pra mim. Ai nesse meio ai, foi quando eu conheci uma pessoa, um rapaz, ai com essa
pessoa, eu tive um caso com ele. Por causa disso eu fui muito discriminada, foi um sofrimento
pra mim muito grande. [...]eu tive muito problema familiar, por causa do caso que eu tive com
esse rapaz e ―nóis‖ num casou, né... eu era menor, 17 anos [...] eu gosto de lembrar da,
assim... dos bailes... Olhe a minha diversão, que gostava muito era de dançar, ai quando era
são joão, natal, por esses tempos assim tinha muito baile lá no Sitio, lá em Lagoa Seca, que
eu morava lá. Ai, depois que eu vim morar aqui, que eu vim trabalhar, né; ai os momentos
assim, que eu tenho muita lembrança assim... Nossa! A gente começava a dançar dez horas e
ia até outro dia... eu era levando bronca tudo, mas eu ia. Num ia escondido, pedia pra ir e
juntava as colegas e ia; era o momento melhor que eu tinha, sim, era o baile.‖
De acordo com os relatos das mulheres entrevistadas podemos observar que em sua
juventude acontece uma mudança em relação a sua infância. Evidente que não ocorre algo tão
extremo, elas ainda continuam com muitas dificuldades. No entanto os momentos de lazer,
nos bailes e nos forrós muitas vezes faziam elas esquecer as tristezas da vida como, por
54
Cidade do interior do estado da Paraíba.
exemplo, a não aceitação por parte da família de namorar determinados rapazes. Aqui
podemos ver as diferenças das diversões da juventude atual e da passada, bem como das suas
dificuldades com relacionamentos.
A próxima indagação pede para elas responderem como elas próprias veem a pessoa
idosa. A. D. de 69 anos, respondeu: ―eu acho que... o idoso, hoje, ele... pra vista, do meu
tempo, eles tão mais... tem mais é... recursos... veio essas aposentadorias pra todo mundo,
todos os idosos, todas as pessoas... que chegou na idade. Graças a deus, eu sou aposentada
pela Prefeitura e... eu acho, assim... que... eles, pelo menos esses que eu fui visitar, não tão
mais nas condições que tava no meu tempo, que eu morava lá no sitio... e eu acho que... essas
aposentadorias, o governo mesmo olhou muito pro nordeste, porque esse nordeste, na minha
época, que era criança e que eu era adulta, pelo amor de Deus, vocês não alcançaram, mas eu
alcancei... [...] agora, também tem idosos hoje, eles ainda são muito maltratados pela família,
que a gente vê muito pela televisão [...]E também houve muita coisa a ―favoravi‖ pelo menos
a terceira idade, né, que foi... que é um projeto federal, e todo estado, todo município tem o
seu grupo [...]‖.
Da mesma forma positiva J. S. S. de 84 anos diz: ―Ah hoje ta uma maravilha, ta uma
benção os negócios dos idosos, porque agora tem esses benefícios ―tudim‖ que tem pra os
idosos. Hoje é uma maravilha, a vida que eu não vivi quando era criança, acredita?! [...]tem o
grupo da terceira idade [...]‖.
A partir dessas respostas, podemos refletir que aconteceu uma divergência sobre o
que é ser idoso, algumas das entrevistadas não conseguiam admitir o processo de estar
envelhecendo, demonstrando assim uma negação de um processo natural, que por outras é
aceito e até visto como um estado de espírito e de consciência de ser idoso, que pode ou não
acompanhar o processo de envelhecimento do corpo. Essa consciência tem o significado de
crescimento e de experiências acumuladas ao longo da vida.
Já A. D. de 69 anos disse: ―Os desafios... Olhe... tem muitos, tem muitos desafio, na
década de hoje, a gente é... é... num é todos os lugares, mas as vezes a gente entra no
―oinbus‖, e ta completo, ―nois‖ de idade tem direito a um lugar no ―oinbus‖, só mostrar a
carteira de idade ele já vê que ―nois‖, tem lugar, agora.. as vezes a gente... o que eu tenho que
fazer... eu fico em pé [...] muito idoso tem dificuldade , pra se encaixar com os ―jovi‖, eles
desrespeitam muito os idosos, ainda... em partes... em varias partes, de respeito, de xingar
[...]‖.
Nestas repostas a visão de mulheres tem a perspectiva do idoso como um ser invisível
para a sociedade principalmente para as pessoas mais jovens, em ambientes onde elas
conhecem os seus direitos, mas não veem os mesmos serem respeitados.
A próxima pergunta é referente aos desafios que elas tiveram em seu trabalho. Para
essa pergunta J. S. S. de 84 anos disse: ―Ah o desafio era muito grande, era uma coisa muito
ruim, na época ―mermo‖ que a gente foi trabalhar nessa fabrica lá, eu num sei como era aquilo
não, por que eu nunca vivi em rua, era só em mato e num tinha nada, e chegar num ambiente
daquele né? ―Apessoa‖ fica até desorientado, né?! Lá num tinha uma ordem sincera, uma
coisa mais direita que nem é agora né? Por que era tudo mais atrasado né. Tudo era mais
atrasado. Lá era muito ruim, os operários quando saia arengava, discutiam, botavam apelido
nos outros. [...], a gente ainda ganhemos uns apelidozinho também. Era uma coisa horrível. E
os que administrava o trabalho da gente, a gente era muito excluído por eles. [...] a segurança
era pouca viu? [...]. Era muito ruim! A gente trabalhava pelo jeito, porque tinha a necessidade
e tinha que trabalhar ―mermo‖. Porque se num trabalhasse aquele trabalho num dava, num
tinha roça mais pra trabalhar. Tinha que trabalhar porque era sujeito obrigado a trabalhar pra o
sustento da gente né? E sustentar os outros mais novos que tinha, que era menor. Foi uma
vida muito de tropeço a minha vida, vou dizer que foi, foi ―mermo‖. Do mesmo modo L. G.
S. de 58 anos comenta: ―Não, que eu nunca dei margem a isso entendeu? Eu nunca dei
margem as pessoas montarem em cima de mim por causa da minha cor [...]‖.
Apesar da idade e do corpo um pouco mais debilitado podemos observar que essas
mulheres ainda possuem atividades que estão presentes em suas vidas, e que diferente do que
muitas pessoas pensam, elas não estão paradas esperando apenas a morte, mas procuram viver
e são bastante ativas. Suas histórias de vida normalmente são muito ricas, e muito pode ajudar
os jovens com seus problemas e desafios, basta eles quererem e tentarem dar mais atenção a
pessoas extraordinárias como essas entrevistadas. Não faltam oportunidades, mas motivação
para isso. Até porque o corpo pode envelhecer, as palavras podem não ser tão bem
pronunciadas como antes, mas a alma e a mente continuam ali firmes e fortes, esperando
apenas uma oportunidade de espalhar sabedoria.
CONCLUSÃO
A partir das entrevistas e questionários realizados pode-se observar muito mais do que
belíssima histórias de vida, mas tudo o que é discutido por parte de gênero, envelhecimento e
direitos humanos. As mulheres além de discutirem sobre sua própria vida, discutem sobre o
―ser idoso‖ e refletem em vários questionamentos relevantes que integram a sociedade. Desta
maneira o trabalho com elas foi fundamental para o decorrer desse artigo, pois conseguimos
buscar através de informações primárias as respostas e reflexões para temas importantes em
nossa sociedade.
Por meio das entrevistas ainda podemos discorrer sobre gênero no sentido das
diferenças na vida das mulheres resultantes do fato de pertencerem ao sexo feminino. Como
também podemos observar todas as dificuldades que isso gerou para elas, tais como
discriminação e falta de liberdade por parte dos pais delas, apenas por serem mulheres. O
preconceito também está refletido por causa da sua cor em sua vida e no seu trabalho.
Por fim ressaltamos a necessidade de atenção e da importância que deveria ser dado a
população idosa em geral. Suas memórias e experiências são vastas, e muitas vezes se perdem
por falta da devida importância, ou simplesmente por ninguém querer escuta-las. Mulheres
que lutaram em seu tempo de juventude, seja pelo seu gênero, ou por sua cor, e que mesmo
com o envelhecimento continuam ativas, e lutando a partir de seus discursos por uma
sociedade melhor.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS:
GONÇALVES, Andréa Lisly. Anatomia e destino. In: História & Gênero. PAIVA, Eduardo
França. ANASTASIA, Carla Maria Junho.(Org‘s) Coleção: História & Reflexão. Autentica
editora. 45-130.
GOLDENBERG, Mirian. Corpo, envelhecimento e felicidade na cultura brasileira. In:
Contemporânea. 2011. 78-85.
MORAES, Andrea. O corpo no tempo: velhos e envelhecimento. In: PRIORE, Del Mary.
AMANTINO, Marcia. (Org‘s.).História do Corpo no Brasil. Unesp. 2011. 427-452.
NOGUEIRA, Isildinha B. O corpo da mulher negra. In: Revista de Psicanálise. São Paulo.
1999. 40-45.
AS ABORDAGENS CONTINGENTES DE GENERO E DE
SEXUALIDADE NO CURRÍCULO VIVIDO DO CURSO DE
PEDAGOGIA CAA/UFPE
Este trabalho, recorte da tese de doutorado, trata das abordagens contingentes de gênero e de
sexualidade no currículo vivido do Curso de Pedagogia do CAA/UFPE. As diferenças são situadas na
perspectiva do multiculturalismo crítico, que problematiza a centralização cultural e de poder,
geradora de desigualdades. Gênero e sexualidade como categorias teóricas e de análise se articulam
para evidenciar as (des)construções dos padrões binários e heteronormativos. O diálogo entre
abordagens crítica e pós-crítica do currículo revela as tensões e intensões no trato com gênero e
sexualidade. O Curso de Pedagogia do CAA foi o campo de pesquisa, no qual analisamos a prática
pedagógica docente-discente em três disciplinas. A observação participante foi o procedimento básico
de coleta de dados; além da pesquisa documental, da entrevista e questionário. A análise de Conteúdo
possibilitou identificar que o currículo vivido aborda gênero e sexualidade na perspectiva da justiça
curricular, porque questiona a cultura hegemônica, centrada no androcentrismo, nos papéis de gênero e
na heteronormatividade e propõe a valorização das diferenças culturais. As dimensões dialogais e
plurais de gênero; bem como, a versão não tolerada da sexualidade orientam o currículo vivido.
Entretanto, referentes moral-religiosos, terapêuticos e do paradigma naturalista perpassam situações da
prática pedagógica, sobretudo, discente.
Introdução:
Na teoria do currículo, assim como ocorre na teoria social mais geral, a teoria pós-
crítica deve se combinar com a teoria crítica para nos ajudar a compreender os
processos pelos quais, através de relações de poder e controle, nos tornamos aquilo
que somos. Ambas nos ensinaram, de diferentes formas, que o currículo é uma
questão de saber, identidade e poder (SILVA, T., 2007, p. 147).
Metodologia:
Segredo Sexualidade
Virgindade
Aborto
Considerações:
O currículo vivido mostra que gênero e sexualidade são conteúdos da formação, que
perpassam as aulas das disciplinas, para além dos espaços específicos dos seminários
temáticos. A continuidade das discussões relativas a gênero e sexualidade emerge da
articulação com os conteúdos específicos, das dinâmicas do local e do global, provocadas por
fatos da realidade, pelas vivências das professoras e dos professores, como também pelo
diálogo com os relatos das experiências pessoais das e dos estudantes.
Gênero e sexualidade são categorias trabalhadas em abordagens programadas e em
abordagens contingentes no currículo. Embora estejam imbricadas e tratadas de forma
articulada, têm referenciais e temáticas próprias. A partir das dimensões universal, dialogal e
plural de gênero e da versão não tolerada do trabalho com a sexualidade, o currículo da
formação contribui para a superação dos binarismos e da heteronormatividade, com foco na
educação.
Desse modo, gênero e sexualidade são abordadas na formação como produzidas pela
história, pela sociedade e pelos discursos. A revisão das duas categorias ajuda a compreender
que as identidades/identificações de gênero são diversas e móveis, que as orientações sexuais
nem sempre correspondem ao gênero identificado, e também podem assumir movimentos
diversos. Essas compreensões têm implicações na educação, devido ao trato com as e os
estudantes nas escolas.
A importância da nomeação das diferenças, presente no currículo vivido, impele os
sujeitos a enfrentarem suas resistências, inclusive, no uso da linguagem. O contato das e dos
estudantes com situações reais de discriminação e de preconceito, através dos relatos,
promove a sensibilização e a compreensão sobre o contexto de vida de homossexuais,
bissexuais e transexuais, atentando para a necessidade de práticas educativas justas.
Gênero e sexualidade não são temas ou categorias inseridas em parte ou em um tempo
dessas disciplinas, mas são abordagens presentes na formação que contribuem para a revisão
do currículo, do que está posto como conteúdo ou cultura dominante. Apesar dessa investida,
algumas práticas discentes sinalizam para resistências em relação à desnaturalização dos
padrões de gênero e de sexualidade, recorrendo, muitas vezes, a argumentos religiosos e
biológicos para sustentar seus posicionamentos. Há ainda os discursos discentes apoiados no
multiculturalismo humanista liberal (MCLAREN, 1997), traduzidos na ―aceitação‖,
―tolerância‖ e ―respeito‖ às diferenças, fortalecendo a relação entre centro e margem.
Em contrapartida, a prática docente, geralmente, insiste na desconstrução desses
padrões, argumentando acerca das desigualdades sociais implicadas nas diferenças, levando-
nos a considerar as contribuições do multiculturalismo crítico na formação. Esses movimentos
ratificam que gênero e sexualidade são temáticas que geram tensão no currículo, são campos
de disputa e de resistências.
O acesso aos conteúdos e às vivências do currículo prescrito e do currículo vivido da
formação contribui para a prática pedagógica das professoras com as diferenças de gênero e
de sexualidade na Educação Básica, uma vez que fornece referentes teóricos, conceituais e
reflexivos para suas concepções e práticas.
Referências:
AUAD, Daniela. Feminismo: Que história é essa? Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
______. Educar meninas e meninos: relações de gênero na escola. 2. ed. São Paulo:
Contexto, 2012.
BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Trad. Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro.
Lisboa, Portugal: Edições 70, 1977.
BENTO, Berenice. A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual.
2. ed. Rio de Janeiro: Garamond, 2014.
CARVALHO FREIRE, Eleta de. O currículo e suas implicações nas relações sociais de
gênero entre estudantes do ensino fundamental da Rede Municipal de Ensino do Recife–
PE. 2010. 242f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal de Pernambuco,
Recife, 2010.
FELIPE, Jane; GUIZZO, Bianca Salazar. Erotização dos corpos infantis na sociedade de
consumo. Revista Proposições. Unicamp. Campinas, v. 14, n. 3. p. 119-129, 2003.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança. 16. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2009.
FURLANI, Jimena. Educação sexual na sala de aula: relações de gênero, orientação sexual e
igualdade étnico-racial numa proposta de respeito às diferenças. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.
GIMENO SACRISTÁN, José. O currículo: uma reflexão sobre a prática. Tradução Ernani F.
da F. Rosa. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2000.
GROSSI, Mirian Pillar. O masculino e o feminino na educação. In: GROSSI, E. P.; BORDIN,
J. (orgs.). Paixão de aprender. 5. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1992. p. 252-258.
MCLAREN, Peter. Multiculturalismo crítico. Tradução Bebel Orofino Schaefer. São Paulo:
Cortez, 1997.
MORENO, Montserrat. Como se ensina a ser menina: o sexismo na escola. Trad. Ana
Venite Fuzatto. Campinas, SP: UNICAMP, 1999.
SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade. Porto
Alegre. v. 16, n. 2, p. 5-22, jul/dez, 1990.
SEFFNER, Fernando. Um bocado de sexo, pouco giz, quase nada de apagador e muitas
provas: cenas escolares envolvendo questões de gênero e sexualidade. Revista Estudos
Feministas. Florianópolis, v. 19, n. 2, maio/ago. 2011.
Resumo: A história da educação das mulheres é caracterizada pela segregação ou limitação. Escolas
ou classes separadas, restrição a determinadas disciplinas e foco nos trabalhos domésticos sempre
foram situações naturalizadas para as mulheres. Até os dias de hoje ainda há ambientes de trabalho
que são genuinamente masculinizados. Os campos são abrangentes e nosso foco será nos cursos
superiores de Engenharia Mecânica, Física e nas Ciências da Computação. A participação das
mulheres é limitada a ponto de tornar-se muitas vezes invisibilizada. Nesse sentido, objetivamos
refletir e discutir as barreiras enfrentadas por mulheres em ambientes acadêmicos que ainda são
masculinizados. Na elaboração deste artigo, nos pautamos a partir de pesquisas bibliográficas
existentes tratando-se do tema. Buscaremos compreender quais foram os desafios vivenciados pelas
mulheres que optaram inserir-se num local composto basicamente por homens, bem como quais foram
suas motivações. E, por fim, discutiremos e faremos uma reflexão quanto às mudanças que ainda são
necessárias para que haja uma equidade de gênero nos ambientes acadêmicos.
Palavras-chave: Gênero, Feminismo, Mulheres, Curso Superior.
INTRODUÇÃO
No final do século XX, após muitas lutas, houve um grande avanço referente a
conquista dos direitos das mulheres. Contudo, ainda há situações de desigualdade de sexo e
gênero na sociedade, como em ambientes de trabalho, na educação e na participação política.
As mulheres por muitos anos foram invisibilizadas e sua existência era apenas como
subordinada do homem, seja na posição de filha ou esposa, sua participação era na maioria
das vezes nos serviços domésticos e cuidar das crianças.
O presente artigo possui como objetivo geral analisar as barreiras enfrentadas pelas
mulheres ao ocuparem espaços acadêmicos genuinamente masculinizados. Como objetivos
específicos apontamos: categorizar tais barreiras; conhecer as motivações que as mulheres
tiveram ao ingressar nos ambientes ocupados por homens em sua maioria; apontar estratégias
que possibilitem o protagonismo feminino no campo acadêmico e profissional.
Esclarecer os motivos que me levaram a iniciar essa pesquisa implica retomar a minha
época de graduação. Durante meu curso de Pedagogia, percebi que haviam graduações
constituídas por homens e outras por mulheres. Na minha turma de 30 alunos/as, havia apenas
um homem. Nos cursos de Engenharia, Física, Ciências da Computação e outros da área de
Exatas, a proporção era a mesma, porém os gêneros eram inversos. Havia poucas ou nenhuma
mulher nos cursos de Exatas e essa diferenciação sempre me inquietou.
METODOLOGIA
Essa pesquisa se caracteriza como uma investigação quantitativa que parte de uma
concepção bibliográfica de construção do conhecimento, a partir de pesquisas em Teses,
Dissertações e livros que se acerquem do tema estudado.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O movimento feminista tem uma característica muito particular que deve ser
tomada em consideração pelos interessados em entender sua história e seus
processos: é um movimento que produz sua própria reflexão crítica, sua
própria teoria.
O compromisso com a sociedade requer uma prática em que seja possível a equidade
de gênero e que de fato inclua os/as cidadãos/ãs de forma equânime e democrática. A
sociedade é multiculturalista e é necessária uma abordagem multiperspectivista para
considerar suas múltiplas identidades, respeitando suas peculiaridades e diferenças.
Diante dessa reflexão, mesmo após tantas lutas, os espaços profissionais ainda se
mantêm desiguais. Ainda não se confia na capacidade das mulheres de liderarem e ocuparem
espaços genuinamente masculinizados. Se a sociedade luta pela igualdade e democracia, no
ambiente acadêmico e profissional, o trabalho dos homens continua valendo mais do que o
das mulheres.
Tabela
FEMININO MASCULINO
Emoção Razão
Cultura Natura
Simplicidade Poder
Subjetivo Objetivo
Concreto Abstrato
Passivo Ativo
Sentimento Pensamento
Irracional Racional
Fonte: Adaptado de Maffia (2002).
É notório observar que os estereótipos são extremamente opostos. Com isso, percebe-
se claramente que os rótulos femininos são mais limitados, sendo os masculinos mais
abrangentes. Esses dados nos auxiliam a analisar o comportamento masculino e o feminino e
perceber que são culturalmente construídos.
Segundo Lombardi (2006) citado por Daniel (2011), ―dentro da Engenharia são
reproduzidas lógicas que restringem o campo de trabalho das mulheres, atribuindo diferentes
tarefas (e valores) ao trabalho dos engenheiros e engenheiras‖. Na rotina acadêmica e
profissional, as mulheres se sujeitam a comentários dicotômicos e preconceituosos que
marcam as diferenças entre homens e mulheres.
MULHERES NA FÍSICA
Um dos problemas que existem são assédio moral, sexual e discriminação no ambiente
de trabalho. Segundo Mazzi (2012), ―um levantamento recente aponta que 32% das mulheres
entrevistadas afirmam sofrer ou já ter sofrido assedio sexual no trabalho‖. Por questões
culturais e machistas, as mulheres são mais sujeitas ao assédio moral e/ou sexual em
ambientes acadêmicos e profissionais. Tais questões podem se pautar na ―objetificação do
corpo das mulheres‖ e pela errônea ideia do poder masculino sobre o corpo feminino.
Wilson (2003) afirma que não faltam competências das mulheres para o exercício na
profissão, o que falta é o incentivo.As mulheres que aceitam se inserir nesse campo
masculinizado, automaticamente aceitam comprovar que essa ideia de que há campos
femininos e masculinos nada mais é que rótulo cultural e segregacionista.
Uma das hipóteses levantadas nessa pesquisa é de que é necessário trabalhar e discutir
as questões de gênero desde a escola. Na educação escolar que se constrói a personalidade
do/a aluno/a, portanto, é necessário que desde a construção de valores até nas práticas
educativas sejam trabalhadas e refletidas as situações cotidianas que envolvam questões de
gênero, machismo ou homofobia. Trabalhar a partir de questionamentos e diálogo faz com
que a questão discutida torne-se mais significativa aos envolvidos.
CONCLUSÕES
Inclusive é no espaço escolar que se busca educar para o respeito e a tolerância, este é
um compromisso dos/as educadores/as, portanto ―[...] qualquer discriminação é imoral e lutar
contra ela é um dever por mais que se reconheça a força dos condicionamentos a enfrentar.‖
(FREIRE, 1981, p.60).
Percebemos que são muitas as barreiras enfrentadas por mulheres que optam estudar e
trabalhar em campos masculinizados. Muitas situações de segregação, preconceito, assédio
sexual e moral fazem parte desse desafio empoderador feminino. É necessário que
desconstrua os diversos paradigmas construídos patriarcalmente e que se perceba que o
gênero não define comportamento ou capacidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade. Porto
Alegre: FACED/ UFRGS, v. 20, n. 2, jul./dez. 1995.
LEITÃO, Elaine V.. A mulher na língua do povo. 2ªed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1988.
LOURO, Guacira Lopes; NECKEL, Jane Felipe; GOELLNER, Silvana Vilodre (Orgs.).
Corpo, gênero e sexualidade: um debate contemporâneo na educação. Petrópolis: Vozes,
2003.
PINTO, C. R. J.. Feminismo, história e poder. Ver. Sociol. Polít., Curitiba, v.18, n. 36, p.
15-23, jun. 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rsocp/v18n36/03.pdf> Acesso
em 01 maio 2017.
Resumo:
As mulheres negras deparam-se diariamente com uma sociedade baseada no patriarcalismo racista que
encube a elas uma serie de desvantagens que acabam incitando lutas a serem travadas na tentativa de
autonomia de gênero e de garantia de direitos baseados na igualdade racial. Essas desvantagens
encontram-se associadas aos estereótipos relacionados à mulher negra que permeiam o imaginário da
sociedade moderna atual, porém, eles foram frutos de uma construção social que foi concebida ainda
no período colonial. A mulher negra, no período da colonização brasileira, sofreu um processo de
invisibilidade e violência sobre sua identidade, cultura, corpo e mente que, por gerar alienação
extrema que só tinha saída na conscientização, as conduziu a um inevitável processo de resistência ao
regime. O racismo e o sexismo que envolveram essas mulheres negras no período colonial
ultrapassaram as décadas e atualmente é um problema que acarreta a dificuldade de sociabilidade das
negras na sociedade moderna. Portanto, essa pesquisa teve/tem como finalidade identificar o processo
de empoderamento da mulher negra no Brasil a partir dos achados históricos sobre o tema, e verificar
quais os impactos que os estereótipos relacionados à sexualização/objetificação e demandas de
trabalho podem acarretar nesse processo.
1- Introdução
É a partir dessa concepção que estudamos sobre a opressão das mulheres numa
perspectiva histórica e social mais generalista para, aos poucos, ir mapeando a opressão das
mulheres negras demonstrando o quanto a junção do signo gênero e raça pode ser perverso no
sentido de uma dupla marginalização e violência. Verificamos que, estereótipos
compartilhados socialmente sobre a categoria de gênero e raça aos quais a mulher negra está
inserida, fortalecem e/ou mantém a condição de marginalização destas. Por isso, buscamos
destacar no sentido de gerar questionamento tais estereótipos presentes na bibliografia
histórica e, principalmente, em poemas consagrados.
2- METODOLOGIA
O estudo foi elaborado através de pesquisa bibliográfica sobre o processo histórico que
envolve as questões centrais das desigualdades raciais e de gênero as quais acometem as
mulheres negras na sociedade brasileira. Fizemos uma busca bibliográfica assim como a
seleção de músicas e poemas que expressem esses estereótipos naturalizados sobre as negras,
visto que, futuramente intentamos mapear como as mulheres negras são representadas nos
poemas do poeta pernambucano Ascenso Ferreira.
[...] numa sociedade como a nossa - mas, afinal de contas, em qualquer sociedade -
múltiplas relações de poder perpassam, caracterizam, constituem o corpo social; elas
não podem dissociar-se, nem estabelecer-se, nem funcionar sem uma produção, uma
acumulação, uma circulação, um funcionamento do discurso verdadeiro
(FOUCAULT, 1999, p. 28).
Relações de poder - na dialética foucaultiana - são todas as relações que envolvem os sujeitos
sociais e que demonstram as posições que encontram-se mediante os atributos de imposição e
concessão, que se manifestam no cotidiano a partir do que destacamos por ―discursos de verdade‖. Os
discursos de verdade seriam imposições do poder no qual os indivíduos são forçados a produzi-los e
que assim sendo tornam-se normas que geram efeitos de poder sobre os mesmos na sociedade. Para
tanto esses discursos de verdade são imposições que teriam relação com os discursos criados em cima
da figura das mulheres na sociedade, pois um discurso de verdade poderá dar brechas para a
formulação de outros discursos (FOUCAULT, 1999).
Simone de Beauvoir (2008) irá questionar de onde vem a submissão das mulheres
afirmando que todas as outras formas de opressão a determinados grupos de sujeitos sociais
tiveram um fato ou um determinante que antecedeu a ação do opressor e que gerou os
agravantes das desigualdades, porém com as mulheres não houve um dado evento que
possibilitasse tal opressão. Conosco, as mulheres, houve a apropriação de uma discursiva
verdadeira, na lógica foucaultiana, que foi o marco precursor de forjados discursos de
verdades que foram utilizados para justificar a opressão.
E foi desta forma que a opressão vivenciada pelas mulheres na sociedade desenrolou-
se no transformar de uma constante em praticamente todos os povos, raças e nações do
mundo. Trazemos como exemplo embasador para as afirmações que assim se seguem o
destaque de Beauvoir que trata da diferenciação social que existia e existe entre homens e
mulheres, apontando que um fator que conota tal circunstância é a utilização da palavra
―homem‖ para designar a raça humana. Portanto, ao nomear todo um conjunto de pessoas
com o substantivo que classifica o gênero masculino, entende-se que tal gênero esteja em
maior evidência na sociedade, não pela visão quantitativa, mas sim pela qualitativa, para
tanto, a mulher compreende, na concepção de Beauvoir, a posição do outro, do segundo,
daquela que vem depois do homem (BEAUVOIR, 2008).
Todavia, muitas mulheres reinaram em países africanos nos séculos XVI e XVII.
Mulheres que além de comandar o dia a dia de seus povos no que tangia ao cumprimento das
leis, regras e tradições locais, direcionavam os afazeres da esfera econômica e produtiva em
55
Destaca-se aqui que a MGF é uma pratica ―tradicional‖ recorrente até os dias atuais em alguns países
africanos. Hoje a MGF é considerada uma prática proibida de tortura, controle e submissão das mulheres aos
homens e, ainda, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) estima-se que cerca de 200
milhões de garotas e mulheres no mundo, com alarmantes especiais para os países africanos, foram submetidas à
mutilação. A MGF é uma prática ofensiva ao corpo da mulher que acarreta inúmeros problemas de saúde as
mesmas, muitas vão a óbito e as que sobrevivem passam a sofrer com infertilidade, dores no ciclo menstrual,
dores durante o ato sexual, problemas psicológicos, entre outros (acessado através do site da ONU:
nacoesunidas.org).
geral e organizavam planos de luta contra a colônia portuguesa que escravizava os mesmos.
Essas mulheres guerreiras e empoderadas construíram em cima das histórias de opressão e
violência pessoais e sociais um percurso histórico de resistência. Aqualtune, escravizada no
Brasil, por exemplo, foi uma dessas figuras femininas de destaque.
E a partir disso, a vida de Aqualtune foi semelhante à de várias outras mulheres negras
que foram escravizadas aqui no Brasil. Submetidas à violência de seus corpos e almas,
proibidas de manifestar suas crenças religiosas e seus costumes culturais, as mulheres negras
tiveram que aprender a sobreviver com as suas dores em meio a um dos maiores crimes
históricos: a escravidão negra.
Se a história da mulher negra na África foi marcada por vários processos de opressão e
violência, aqui no Brasil elas passaram a ser escravas e assim foram submetidas aos mais altos
níveis de vulnerabilidade. Entretanto a dor vivida por elas não foi capaz de silenciar os gritos
de luta dessas fortes e guerreiras mulheres.
Sabe-se que o Brasil foi descoberto no ano de 1500 pela colônia portuguesa. A
princípio, o foco da colônia foi o de desbravar o território afim de seu reconhecimento.
Somente em meados de 1530 foi dado de fato o inicio no processo de colonização do país,
sendo seu fim no ano de 1822.
Segundo Fausto (1995), o Brasil Colônia pode ser dividido em três momentos, sendo
eles: 1) chegada de Cabral até o estabelecimento do governo geral, em 1549; 2) do governo
geral até os últimos decênios do século XVIII; 3) a partir daí até a independência, em 1822.
Esses períodos têm em comum o processo de exploração territorial e da mão-de-obra escrava,
principalmente dos negros africanos que foram arrancados de suas origens e trazidos ao país
na condição de escravos.
Segundo Pacheco (2010), em 1532, por meio da criação do primeiro centro produtor
de açúcar na Vila São Vicente, por Martim Afonso de Souza, em São Paulo, é que houve a
primeira desembarcação de escravos africanos no território, já tendo sido a comercialização
do mercado escravista formalizado por D. Catarina, dando início ao período da escravidão
negra no Brasil.
A história da escravidão no Brasil é pouco comentada e quando o é, é baseada na
camuflagem dos reais fatos. Pouco se fala, por exemplo, que esse período nasceu e
desenvolveu-se por meio da ambição extrativista e exploratória que almejava o lucro
desenfreado dos bens produzidos na colônia e em benefício da metrópole. O capitalismo que
daí se originou apóia-se na lógica da exploração da força de trabalho do ser humano que
frente a ela gera todo um processo de pauperização da classe operária, que incide nos diversos
aspectos da vida social dos trabalhadores gerando assim a chamada Questão Social (SANTOS
& COSTA, 2002).
A escravidão dos povos africanos teve como maior aspecto a inferiorização do ser
negro. Os escravos eram submetidos a todos os tipos de violação dos direitos humanos e não
possuíam nem os direitos mínimos que pudessem garantir a sua sobrevivência enquanto ser
vivo. A pessoa negra não era vista como ser humano, mas sim como propriedade de seu
senhor que devia acatar aos seus mandos servindo também como moeda de troca em
aquisições comerciais (QUEIROZ, 1990).
A força de trabalho não era o único aspecto dos negros a ser explorado. O corpo dos
negros, mais especificamente o das mulheres, foi utilizado para sexualização e reprodução na
colônia. Segundo Baseggio e Silva (2015), a colonização quase não contava com a presença
das mulheres brancas e, por isso, as mulheres negras serviram para os homens brancos como
objetos de satisfação sexual e povoamento.
A submissão das mulheres negras já começava pelo local onde elas estavam
sujeitadas. Elas cozinhavam, limpavam e deitavam-se – nem sempre por concordarem, mas
sim por pressão – com os senhores da casa. E assim as negras, índias e mulatas serviram no
povoamento e miscigenação nas terras brasílicas (BASEGGIO E SILVA, 2015).
Nos primeiros anos da colônia no solo brasileiro, habitavam poucas mulheres brancas
vindas da Europa. Isso acabava por facilitar a poligamia dos homens brancos que deitavam-se
e geravam filhos com as índias, mulatas e negras escravizadas. Conforme o desenvolvimento
da colônia ia acontecendo, alguns homens portugueses eram destinados a cargos de chefia dos
engenhos e das casas grandes e a partir daí é que as mulheres brancas passaram a habitar com
mais freqüência o país. Aqui elas foram as responsáveis por trazer os costumes da cultura
européia que, unindo-se aos da cultura indígena e negra, foram desenvolvendo a cultura
brasileira (BASEGGIO E SILVA, 2015).
As diferenças de classe e gênero já eram um forte meio de repressão social, pois, a luz
das compreensões e do discurso Católico sobre o papel feminino nas sociedades, tinha-se o
medo de que as mulheres, em geral, possuindo ―indícios‖ de pecaminosidade, levassem ao
descontrole da sociedade e assim a ruptura do bem social estabelecido à época.
A visão sobre a pecaminosidade da mulher aqui abordada orienta-se através da
concepção do discurso teológico de que a mulher é descendente direta de Eva, que para o
Cristianismo foi a primeira pessoa do sexo feminino a ser criada por Deus. Eva, portanto,
seria a gênese de todas as mulheres e como a mesma, seguindo relatos dos escritos bíblicos
contidos no livro de Gêneses capítulo 3, cai em tentação levando o homem (Adão) a
desobedecer seu Criador, ela teria mais propensão a ceder ao pecado. Para Mota-Ribeiro
(2000), essa essência natural e pecaminosa de Eva teria sido transpassada para as mulheres
através do discurso teológico que influenciou o social.
(...) assim, desde muito cedo a mulher devia ter seus sentimentos devidamente
domesticados e abafados. A própria Igreja, que permitia casamentos tão precoces,
cuidava disso no confessionário, vigiando de perto gestos, atos, sentimentos e até
sonhos, como instruem os manuais de confessores da época (ARAÚJO, 2001, p. 51).
As mulheres brancas não ficaram isentas da exploração sexual do Brasil Colônia. Uma
vez casadas, elas tinham que se submeter ao regime de seus esposos e ficavam, por influencia
da igreja católica, aptas ao parto. Segundo Baseggio e Silva (2015), as mulheres emendavam
gravidez em cima de gravidez, não podiam se precaver a fim da não gestação porque era visto
como pecado, e um dos fatores de muitas negras terem sido encaminhadas para cuidar dos
filhos das brancas seria porque elas, na maioria das vezes, nem descansavam de um parto que
já se via em outra gravidez.
No fim brancas, negras, mulatas ou índias, todas sofreram durante o período colonial com
o peso de serem mulheres e possuírem capacidade de gestação. Foram reprimidas no corpo e
na alma, sendo-lhes impostos papéis que fugiam a racionalidade de ser humano com algum
direito de existir. Elas apenas serviam e eram violentadas e desrespeitadas pelos homens, pela
sociedade e pela igreja que lhes direcionou a formulação de vários estereótipos ainda ativos
na sociedade atual.
4 - CONCLUSÃO
As mulheres negras passaram a serventia das casas grandes e no período pós-abolição elas
foram aquelas que assumiram o papel de domésticas na sociedade, por já terem sido
submetidas a essa esfera do trabalho.
O ascender socialmente para a mulher negra passou a ser um processo de cunho mais
complicado do que para as mulheres brancas, pois, essas têm de vencer mais obstáculos
sociais e provar mais vezes que são capazes de assumir qualquer outra posição social, visto
que os estereótipos criados na escravidão foram perpetuados até os dias atuais, disseminando
uma concepção popular de que as mulheres negras servem apenas para a sexualização e os
trabalhos domésticos (SANTOS, 2009, p. 02).
Para tanto, as mulheres negras que conseguem ascender na sociedade, enfrentaram um
caminho árduo de provações e constatações das suas capacidades, pois, ―é possível afirmar
que a questão de gênero é um complicador, mas se esta for somada a questão de raça, o
resultado é maior exclusão e dificuldades‖ (SANTOS, 2009, p. 02).
As mulheres negras são as que menos possuem acesso aos atendimentos médicos e são as
que mais têm os direitos violados na hora da realização do parto. Segundo o site Geledés -
Instituição da Mulher Negra:
São as mulheres negras que mais sofrem violência obstétrica, pois são as que mais
peregrinam na hora do parto, ficaram mais tempo em espera para serem atendidas,
tem menos tempo de consulta, estão submetidas a procedimentos dolorosos sem
analgesia, estão em maior risco de morte materna. Cerca de 60% das mulheres que
morrem de morte materna são negras (GOES, 2016).
Além de serem as mais vulneráveis ao estupro, visto que desde o período da
escravidão são vistas como objetos sexuais.
A mulher negra então é aquela que não possui vida psicológica, afetiva e intelectual.
Enquanto a mulher branca era ‖guardada e vigiada‖, a mulher negra era submetida
ao abuso sexual, ao estupro e a humilhações. No período escravocrata estuprar uma
negra não era crime, e sim um sinal de virilidade do homem branco (SANTOS,
2009, p. 03).
Foram ainda as mulheres negras escravizadas no país que mantiveram vivas as
tradições do povo africano, bem como a preservação do culto da religião de matriz africana,
junto de todas as suas formas identitárias (SANTOS, 2009, p. 03).
No que tange a fomentação de políticas públicas que possam reduzir e acabar com
essas estatísticas, sente-se o déficit de representatividade das mulheres nos cargos políticos.
Isso se agrava ainda mais por haver uma representatividade bem menor de mulheres negras.
Alcançar um momento histórico no qual não será mais espantoso ver mulheres negras
portando diplomas de doutoras ao invés de vê-las nas cozinhas das grandes casas tem que ser
fruto de uma afirmação da identidade negra e da elaboração e efetivação de políticas que
preservem essa afirmação.
4- Referências
ARAÚJO, E. (2001). A Arte da Sedução: Sexualidade Feminina na Colônia. In: M. D. PRIORE, & C.
BASSANEZI, HISTÓRIA DAS MULHERES NO BRASIL (pp. 45-77). São Paulo: Contexto.
ARRAES, J. (19 de Janeiro de 2016). Revista Forum. Acesso em 24 de Março de 2017, disponível em
http://www.revistaforum.com.br/questaodegenero/2016/01/29/aqualtune-princesa-congo-mas-escrava-
brasil/
Baseggio, J. K., & Silva, L. F. (2015). AS CONDIÇÕES FEMININAS NO BRASIL COLONIAL.
Revista Maiêutica , 19-30.
BEAUVOIR, S. D. (2008). A Mulher Independente. Rio de Janeiro: PocketOuro.
Brasil, P. (17 de Março de 2016). Acesso em 24 de Março de 2017, disponível em Brasil.gov:
http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2016/03/trabalho-domestico-e-a-ocupacao-de-5-9-
milhoes-de-brasileiras
FAUSTO, B. (1995). HISTORIA DO BRASIL. SÃO PAULO: Editora da Universidade de São Paulo.
FOUCAULT, P.-M. (1999). Em Defesa da Sociedade: Curso no College de France (1975-1976). São
Paulo: Martins Fontes.
FREYRE, G. (2008). CASA GRANDE & SENZALA: FORMAÇÃO DA FAMÍLIA BRASILEIRA SOB O
REGIME DE ECONOMIA PATRIARCAL (48ª ed.). (J. L. ALVES, Ed.) Recife, Pernambuco, Brasil:
Global Editora.
GIACOMINI, S. M. (1988). Mulher e escrava: Uma Introdução ao Estudo da. Rio de Janeiro: Vozes.
GOES, E. (19 de Agosto de 2016). www.geledes.org.br. Acesso em 15 de Fevereiro de 2017,
disponível em Geledés - Instituto da Mulher Negra: http://www.geledes.org.br/violencia-obstetrica-e-
o-vies-racial/#gs.q_ie4dc
MATOS, G. D. (1992). Obra Poética. Rio de Janeiro: Editora Record.
PACHECO, L. C. (2010). Identidades: interface entre religião e negritude. São Cristovão.
PERNAMBUCO, S. D. (2011). Mulheres Construindo a Igualdade: Caderno Etnicorracial. Recife:
CDI/SecMulher.
SANTOS, E. P., & COSTA, G. M. (2002). Sobre as origens da questão social. VIII ENCONTRO
NACIONAL DE PESQUISADORES EM SERVIÇO SOCIAL - ENPESS/ABEPSS. JUIZ DE FORA.
SANTOS, W. C. (2009). A mulher negra brasileira. REVISTA AFRICA E AFRICANIEDADES .
ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS/OS NAS POLÍTICAS PARA O
ATENDIMENTO A MULHERES EM SITUAÇÃO VIOLÊNCIA
Autor (1) (Verena Souza Souto, verena.souto@gmail.com, Escola Bahiana de Medicina e Saúde
Pública).
Co-autor (Marilda Castelar, marildacastelar@gmail.com, Escola Bahiana de Medicina e Saúde
Pública).
Resumo do artigo: Introdução: Existem muitos fatores associados ao contexto de violência contra as
mulheres. Por isso, serviços foram criados para o enfrentamento desta questão e são compostos por
equipes multiprofissionais que incluem psicólogas/os. Objetivo: O presente estudo objetiva
compreender quais podem ser os desafios e possibilidades da prática de psicólogas/os nas políticas
para o atendimento de mulheres em situação de violência, perpassando o caminho histórico da criação
dessas políticas. Metodologia: Trata-se de uma revisão narrativa de literatura com buscas feitas nas
bases eletrônicas BVS-Psi, PubMed, ERIHPLUS e manualmente em publicações previamente
identificadas que contemplassem a prática psicológica no atendimento a mulheres em situação de
violência. Resultados e discussão: A inserção de psicólogas/os nas políticas de enfrentamento à
violência contra as mulheres é fundamental para o acolhimento às demandas, a construção da
autonomia de suas usuárias e para superação da violência. Entretanto, devido à complexidade do
fenômeno e ao pouco tempo de construção dessa política, há uma dificuldade no entendimento e na
consolidação da psicologia nestes serviços. Conclusões: Observa-se avanços na construção de
equipamentos para atender mulheres em situação de violência. Contudo, há ainda uma sistematização
incipiente da práxis da psicologia nesse contexto, o que denota a necessidade de pesquisas para
investiga-la.
Palavras-chave: violência, mulheres, psicologia, conselhos, serviços especializados.
INTRODUÇÃO
METODOLOGIA
Este estudo trata-se de uma revisão narrativa de literatura com a busca dos artigos de
embasamento feita em bases eletrônicas que compõe a BVS-Psi Brasil (Biblioteca Virtual em
Saúde – Psicologia Brasil), como LILACS (Literatura Latino Americana e do Caribe em
Ciências da Saúde), SciELO (Scientific Electronic Library Online), PEPSIC (Periódicos
Eletrônicos em Psicologia), MedLine (Sistema Online de Busca e Análise de Literatura
Médica), além de outras como ERIHPLUS (European Reference Index for the Humanities
and Social Sciences) e PubMed (National Library of Medicine, EUA). Foram utilizados os
descritores ―violência‖, ―mulheres‖, ―psicologia‖, ―conselhos‖ e ―serviços especializados‖
encontrados no DeCS (Descritores em Ciências da Saúde); os descritores ―psychology‖,
―domestic violence‖, ―women‖, ―violence‖ e ―family violence‖ encontrados no MeSH
Browser; e os descritores ―violência contra mulher‖, ―violência na família‖, ―atuação do
psicólogo‖ encontrados no Terminologias em Psicologia BVS-PSI Brasil. Foi utilizado,
também, o recurso da investigação manual em publicações previamente identificadas,
incluindo busca na Biblioteca do Conselho Regional de Psicologia da Bahia, na Biblioteca da
Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública e na Biblioteca Virtual do Conselho Nacional
dos Direitos da Mulher - CNDM. Além de consulta de forma complementar a diretrizes,
legislações, manuais de políticas públicas e outros documentos oficiais voltados para o
enfrentamento à violência contra as mulheres.
Foram incluídas publicações nacionais e internacionais entre os anos 2010 a 2017, que
abordassem o tema das possibilidades de atuação das/os profissionais de psicologia no
enfrentamento à violência contra as mulheres.
O quantitativo de artigos encontrados foram: BVS-PSI (314); ERIHPLUS (198), Pubmed
(5.943). Destes foram selecionados 44 artigos, considerando, através da análise dos resumos,
a relação deles com o tema pesquisado. Após leitura cuidadosa de cada um dos escritos, foram
utilizados para esta publicação 12 artigos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Intervenção Interdisciplinar
A estruturação de tantos serviços de origens diversas, denota a compreensão de que este é um
fenômeno com múltiplas determinações e implicações. De modo que a intervenção deve ser
interdisciplinar na construção da rede de atendimento e enfrentamento, a partir de uma
composição multiprofissional de suas equipes. Dessa forma, deve haver uma articulação entre
as necessidades identificadas, o objeto de intervenção, a finalidade e os instrumentos,
compondo assim, uma tecnologia assistencial capaz de prover intervenções para todas as
pessoas envolvidas nas situações de violência (HANADA; D‘OLIVEIRA; SCHRAIBER,
2010).
As/Os psicólogas/os têm sido cada vez mais demandadas/os nos serviços especializados e não
especializados da rede de atendimento à violência doméstica, com as mais diversas
configurações. Isso tem ocorrido, pois, embora, seu trabalho ainda seja visto como
estritamente terapêutico e individual, a/o psicóloga/o atua no contexto de violência como
facilitadora/or de mudanças subjetivas que promovem autonomia e, consequentemente,
possibilidades de superação e transformação (SECRETARIA, 2011).
Portanto, sua atuação profissional deve se embasar no fortalecimento do protagonismo das
mulheres, reconhecendo o trabalho da equipe multiprofissional (CFP, 2012), que organiza sua
prática de acordo com as técnicas que instrumentalizam cada profissional e que são próprias
de seus campos de atuação (HANADA; D‘OLIVEIRA; SCHRAIBER, 2010).
Dificuldades teórico-metodológicas
Há uma dificuldade dos profissionais de outras áreas, da sociedade e, muitas vezes, da/o
própria/o psicóloga/o em entender qual o seu papel no enfrentamento, acolhimento e
atendimento das mulheres em situação de violência. As assistências psicológica, social, moral
e religiosa ainda são confundidas, demonstrando um desconhecimento das especificidades de
cada uma e colocando os limites da competência da/o assistente social, da/o psicóloga/o, dos
grupos de apoio ou da igreja como difusos (HANADA; D‘OLIVEIRA; SCHRAIBER, 2010).
Observa-se, em algumas situações, uma confusão sobre o trabalho da/o psicóloga/o, em
função da dificuldade de entendimento sobre qual o seu papel. Isto provoca demanda desta/e
profissional para outros serviços e cria expectativas difíceis de serem alcançadas pela/o
mesma/o (CFP, 2012), (PORTO, 2008).
Em outros casos, percebe-se uma restrição desta/e profissional apenas na intervenção
psicoterápica individual dentro dos serviços especializados, como forma de delinear sua
atuação profissional, uma vez que há uma diversidade de práticas ainda pouco embasadas e a
atuação da/o psicóloga/o possui contornos ainda muito difusos. Há uma escassez de
elementos norteadores, já que as cartilhas, documentos governamentais e as próprias políticas
públicas possuem diretrizes insuficientes para a construção de intervenções psicológicas
assertivas (SOUZA; SOUSA, 2015).
É importante salientar que, esse conjunto de habilidades técnicas desenvolvidas pelas/os
psicólogas/os se apresentam como recursos tecnológicos que delineiam a relação entre os
profissionais e as usuárias, através do acesso, acolhimento e vínculo, que definem as ações
para a melhoria da saúde e da qualidade de vida dessas mulheres como mais acolhedoras,
ágeis e resolutivas (COELHO; JORGE, 2009).
Há aqui uma predominância de recursos técnicos próprios da psicologia que se referem às
relações, utilizadas no contexto de atendimento à mulher em situação de violência no
transcorrer dos processos de acolhimento, planejamento da atuação/atendimento,
encaminhamento, acompanhamento, criação de vínculos, trabalhos grupais, dentre outros
procedimentos de trabalho da/o psicóloga/o.
Espaços de controle social como fator determinante para o fortalecimento das políticas
públicas
Cabe pontuar a necessidade da inserção de psicólogas/os nos espaços de controle social dessas
políticas. Pois estes, tem a potencialidade de formular e propor estratégias, além de controlar a
execução da política para que ela seja efetivada de modo a atender as necessidades de suas
usuárias (WENDHAUSEN; CARDOSO, 2007). Portanto, compete à/ao psicóloga/o se
entender nesse espaço a partir do seu compromisso ético-político, para auxiliar na garantia de
direitos do indivíduo e da sociedade (CFP, 2012).
Assim, participar dos Conselhos Municipais e Estaduais de Defesa dos Direitos das Mulheres
(CMDDM), significa contribuir, com base na prática profissional da psicologia, para a
construção, efetivação, avanço e fortalecimento das políticas de enfrentamento à violência
contra a mulher. Além de fornecer subsídios para o empoderamento das usuárias dos serviços
de atendimento à mulher em situação de violência, pontuando as lacunas e deficiências destes
e atuando na sua melhoria.
As poucas experiências registradas até então, têm mostrado que é necessário que a Psicologia
avance no debate sobre a violência doméstica e intrafamiliar e amplie sua participação neste
campo de atuação, sendo convocada pelo movimento feminista a refletir sobre sua prática e
suas contribuições para este contexto (LUZ, 2013).
CONCLUSÕES
Um dos caminhos para fazer avançar a Psicologia no Brasil são investimentos em pesquisa
sobre a profissão e a psicóloga Brasileira na sua condição de mulher. Além de seu
posicionamento quanto a violência contra as mulheres, aspecto que deve permear a formação
em psicologia, bem como maior capacitação das profissionais que atuam no campo. Da
mesma forma o estímulo aos registros dos relatos de experiências profissionais sobre o tema,
maior aproximação do movimento de mulheres e participação nos espaços de controle social,
em especial, nos Conselhos de Defesa dos Direitos das Mulheres.
Existem algumas referências que apresentam indícios das contribuições que a psicologia pode
oferecer nas políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres. Assim como quais as
possíveis lacunas que ainda precisam ser debatidas, para melhorar a atuação profissional
das/os psicólogas/os nesse contexto. No entanto, não foi encontrado nenhum relato no
contexto Bahia sobre como tem se dado a prática das/os psicólogas/os no atendimento a
mulheres em situação de violência, embora existam informações sobre a luta do movimento
feminista pela garantia de direitos das mulheres.
Alguns avanços têm sido observados na construção de equipamentos especializados e não
especializados que atendam mulheres em situação de violência na Bahia. Porém, a
sistematização de informações sobre a práxis da psicologia nesse contexto ainda é muito
incipiente. Isso denota a necessidade de se promover pesquisas que visem investigar esta
prática, aprimorando e compartilhando os saberes e os recursos tecnológicos desenvolvidos,
para que a psicologia possa contribuir de maneira a auxiliar no combate, prevenção e
enfrentamento a violência contra a mulher.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BANDEIRA, L. M.; ALMEIDA, T. C. M. Vinte anos da Convenção de Belém do Pará e a
Lei Maria da Penha. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, ano 23, n. 2, Mai/Ago.,
2015. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/0104-026X2015v23n2p501. Acessado em:
26/03/16.
BRASIL. Lei nº 7.353, de 29 de Agosto de 1985. Cria o Conselho Nacional dos Direitos da
Mulher – CNDM e dá outras providências. Brasília, 1985.
BRASIL. Lei nº 13.104, de 09 de Março de 2015. Altera o art. 121 do Decreto-Lei no 2.848,
de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância
qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990,
para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos. Brasília, DF. 2015.
RESUMO
Falar de movimento social significa falar de luta, motivo pelo qual sempre fazerem parte da sociedade
do mundo inteiro. No Brasil, o surgimento do movimento homossexual ocorreu em 1978, com a
fundação do ―Jornal Lampião da Esquina‖ no Rio de Janeiro, em oposição ao regime militar vigente
na época. Posteriormente, com o objetivo de abarcar a diversidade que surgia pouco a pouco, outras
categorias foram sendo incluídas no movimento, chegando-se a atual sigla LGBT. Dentro desses
movimentos, dando recorte aos preconceitos relacionados à homossexualidade, é necessário
reconhecer as necessidades de conscientização, já que se constatam os LGBTs como o principal grupo
estigmatizado, marginalizado e vítima de preconceito. Sobre transexuais e transgêneros, últimas
categorias incluídas no movimento homossexual no Brasil, estudos realizados constataram o número
bastante reduzido de travestis que chegam à educação superior e ainda a baixa expectativa de vida,
menos de 35 anos. Assim, buscou-se mapear as produções de conhecimento no site da BDTD, do
IBICT, sobre as temáticas relacionadas à população transgênera e transexual, comparando com a área
da educação, nos últimos 5 anos, através do estado da arte. Os resultados mostram uma quantidade de
estudos realizados sobre a população trans ainda muito pequena, especialmente na Educação.
INTRODUÇÃO
METODOLOGIA
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Nas mais diversas áreas, pessoas transgêneros vêm sendo incluídas nos estudos ao
longo dos anos. Ao todo, encontramos 37 trabalhos, sendo 28 dissertações e 9 teses.
A tabela 1, apresentada abaixo, mostra a incidência de trabalhos por período de tempo.
Tabela 1 - Incidência por período de trabalhos acadêmicos, teses e dissertações, relacionados ao tema
―Transgêneros‖ – Biblioteca Digital de Teses e Dissertações.
Descritores Anos
Transgêneros 2012 2013 2014 2015 2016
4 9 7 5 12
Total 37 trabalhos
Como pode ser observado pelo exposto acima, no qüinqüênio, a maior incidência de
trabalhos é em Direito, embora diversas áreas do conhecimento tenham apresentado a
temática da transgeneralidade, cada uma com suas especificidades. A área do Direito ficou
com sete estudos. Tal situação pode ser compreendida em relação às práticas sociais, a
dificuldade de se reconhecer as pessoas trans, ou seja, um indivíduo que ―nasceu‖56 homem e
56
A palavra nasceu está entre aspas para deixar em evidência seu caráter ficcional. Segundo a perspectiva
epistemológica da desconstrução, não apenas os gêneros são criados social e culturalmente, mas também os
se transformou em mulher trans ou um indivíduo que ―nasceu‖ mulher e se transformou em
um homem trans. Essas transformações sociais trazem um dilema para a área do direito não
reconhecerem juridicamente essas pessoas. Isto é, há uma abjeção. Esses indivíduos não são
considerados humanos e muito menos cidadãos (BUTLER, 2003, 2008; GAMSON, 2010;
LOURO, 2004; MIRANDA, 2013).
Para os autores acima mencionados, dentre outros, há uma completa negação, exclusão
e falta de reconhecimento por parte das instituições sociais: educacional, mídia, religião, e
Estado. As pessoas trans por não "existirem", serem abjetos, terminam não conseguindo
emprego, não podem assumir oficialmente a sua identidade, pois seus documentos as
identificam com a pessoa que ela foi antes da mudança de gênero. Assim, a transgeneralidade
se constitui em grande problema para o campo de produção do conhecimento do Direito.
Em Educação, infelizmente esse quantitativo ainda é muito pequeno, tendo em vista
que nos anos 2013, 2015 e 2016 não foi registrado nenhum trabalho na área na base de dados
pesquisada. Essa situação pode ser encarada como o outro lado da mesma moeda. Isto é, do
mesmo modo que o Direito tem muita dificuldade em reconhecer as pessoas transgêneros, a
Educação, como processo de socialização e de sociabilidade vem pesquisando de um modo
muito incipiente.
Numa tentativa de compreender essa situação, faz-se necessário pensar no crescimento
do conservadorismo, do neoliberalismo na sociedade brasileira. A título de exemplo, temos
proibição de se trabalhar o conteúdo de gênero e sexualidade em vários Planos Municipais e
Estaduais de Educação, em todo o país.
Outra situação foi a tentativa de impor que o Programa Escola Sem Partido se tornasse
lei, o que felizmente não foi aprovado. No entanto, o referido programa defende
equivocadamente as seguintes ideias como deveres do docente:
Deveres do professor57:
1. O professor não se aproveitará da audiência cativa dos alunos para promover os
seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas,
religiosas, morais, políticas e partidárias.
corpos/sexos de macho e fêmea. Nessa perspectiva os corpos assumem um status de pré-discursivos. No entanto,
os sentidos sobre a materialidade são engendrados na linguagem ou como Butler aponta, nos atos de fala
(BUTLER, 2003). Assim, tanto os corpos, os gêneros e a heterossexualidade ou a homossexualidade são criações
em que os indivíduos são interpelados via linguagem.
57
Fonte: http://www.programaescolasempartido.org/
2. O professor não favorecerá nem prejudicará os alunos em razão de suas convicções
políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou a falta delas.
3. O professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará
seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas.
4. Ao tratar de questões políticas, sócio-culturais e econômicas, o professor
apresentará aos alunos, de forma justa – isto é, com a mesma profundidade e
seriedade -, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a
respeito.
5. O professor respeitará o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação
moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.
6. O professor não permitirá que os direitos assegurados nos itens anteriores sejam
violados pela ação de terceiros, dentro da sala de aula.
Vale ressaltar que as ideias do Programa da Escola Sem Partido ferem a Diretrizes e
Base da Educação 9394/96, de incentivar a formação cidadã, o pensamento crítico e uma
democracia participativa nos processos de decisões políticas do Brasil. Ou seja, a Escola Sem
Partido queria proibir o debate e processo de formação crítica sobre os aspectos sócio-
culturais utilizando um discurso de neutralidade quando na verdade se constituía como um
processo ideológico conservador e neoliberal dos setores mais retrógrados da sociedade
brasileira.
No campo da produção sobre gênero e sexualidade há a denúncia de que o Brasil ainda
é um país extremamente violento com as mulheres, tendo uma prática no cotidiano da cultura
do estupro, além de ser o país onde mais se mata no mundo transexuais e transgêneros 58.
Nesse triste caminho, as pessoas transgêneros estariam sendo consideradas como coisas e ou
animais, nunca como seres humanos. Abaixo, destacamos a tabela em que resumo o total das
pesquisas sobre transgeneralidade, no quinquênio.
58
Fonte: Jornal Estado de Minas: http://www.em.com.br/app/noticia/especiais/dandara/2017/03/09/noticia-
especial-dandara,852965/brasil-e-pais-que-mais-mata-travestis-e-transexuais.shtml. Acessado em 10.05.17.
Artes Cênicas 1
Cultura e Sociedade 1
Direito 7
Geografia 1
Letras 1
Serviço Social 2
Ciência da Comunicação 2
Psicologia 2
Saúde Coletiva 1
Turismo 1
Arte 1
Enfermagem 1
Linguística 1
Medicina 1
Psiquiatria 2
Ao analisar a tabela acima, percebemos que, como dito anteriormente, o Direito ficou
em primeiro lugar com o número maior de produção de conhecimento, sete estudos; em
segundo lugar veio a Educação, com quatro trabalhos; em terceiro lugar ficaram as Ciências
Sociais; Antropologia e a Sociologia. Ambas com três pesquisas, no quinquênio.
Então, com base nos dados levantados, a área da Educação, como a área das Ciências
Sociais, estão começando a se debruçar mais sobre a transgeneralidade.
Ao trocar o descritor da pesquisa, observamos um número maior de trabalhos nas
áreas elencadas. Encontramos um total de 83 trabalhos, sendo 62 dissertações e 21 teses.
Em nossa quarta tabela, mostraremos a incidência de trabalhos por área do
conhecimento, também entre os anos de 2012 e 2016, porém com o descritor ―transexual‖.
Destacamos mais uma vez que a nossa finalidade é mapear o quantitativo de pesquisas
realizadas na área da Educação.
Tabela 4 - Incidência por período de trabalhos acadêmicos relacionados ao tema ―Transexual‖ – Biblioteca
Digital de Teses e Dissertações.
CONCLUSÃO
A constituição federal de 1988, em seu artigo 5º, afirma que ―Todos são iguais perante
a lei, sem distinção de qualquer natureza [...]‖, e em seu artigo 205 que a educação é direito de
todos. No entanto, diante de tudo que foi exposto anteriormente, percebe-se que,
principalmente em relação às pessoas trans, esses dois artigos da constituição não estão sendo
respeitados.
A quantidade de estudos realizados sobre as pessoas transexuais e travestis ainda é
muito pequena, inclusive na área da Educação. Lamentamos esse fato, e esperamos que, em
breve, essa realidade mude. Porém, mais que incluir as pessoas trans em estudos, é preciso
incluí-las também em espaços que são delas por direito, para que a sua visibilidade e
aceitação aumentem cada vez mais, a fim de uma sociedade mais justa e igualitária.
REFERÊNCIAS
Resumo:
O presente artigo trata-se de uma reflexão sobre a relação de gênero, violência domestica e o
feminicídio no Estado de PE. Tendo como objetivo geral: compreender as relações de gêneros que
oprimem e matam as mulheres. Como específicos: identificar à necessidade de aborda a questão de
gêneros nas escolas; verificar a influência da lei Maria da Penha para o aumento ou diminuição da
violência contra a mulher. Trata-se de uma pesquisa Bibliográfica, na metodologia usamos mapas de
violência de domínio público, material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos
científicos. Assim, concluímos que a Lei 11.340/2006, contribui para a diminuição, ainda que discreta,
da violência contra a mulher no Estado de Pernambuco e que o estudo da relação de gênero se faz
necessário para a conscientização que mulher e homem são sujeitos de direitos e deveres e que somos
todos iguais perante a Constituição Brasileira.
Palavras-chave:
Violência doméstica, Relações de Gênero, Feminicídio, Empoderamneto.
Introdução
Diante da violência que assola nosso País, onde as pessoas são assassinadas
bruscamente deixando seus familiares em condições de vulnerabilidades sentindo-se
impotente diante de tamanha dor e violação dos seus direitos garantidos por lei. A
Constituição Federal de 88 no artigo 5º, inciso XV nos garante o direito de ir e vir, mas o
medo da violência e da falta de segurança muitas vezes nos impede de fazer algum trajeto ou
frequentar certo espaço.
A falta de segurança pública nas cidades brasileiras é notória. A cada dia aumenta o
número nas estatísticas de criminalidade em nosso país. Os meios de comunicação vêm
59
Mestranda (PPGECM) – UFPE/CAA – Pedagoga pela Universidade Federal de Pernambuco – Centro
Acadêmico do Agreste – UFPE/CAA. Integrante do Grupo de Pesquisa Educação, Inclusão Social e Direitos
Humanos -CNPq – UFPE. risoneteprof@gmail.com
60
Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela ESA-PE. E-MAIL: samuel.junior89@outlook.com.
61
Prof Adjunto na Universidade Federal de Pernambuco – Centro Acadêmico do Agreste – UFPE/CAA. Líder do
Grupo de Pesquisa Educação, Inclusão Social e Direitos Humanos – CNPq –UFPE.
mostrando o crescimento da violência, onde é recorrente o confronto entre policiais e
bandidos, furto, sequestros, latrocínios, etc. A ausência da impunidade, penas brandas podem
ser também um dos motivos do crescimento absurdo em relação aos números de violência,
contra a população brasileira.
Muitas pessoas deixam de se divertirem, de passear e constroem verdadeiras muralhas
em suas residências com o intuído de se sentirem seguras e protegidas. Mas, Infelizmente em
muitos casos a violência está presente no próprio lá e geralmente os agressores são integrantes
da própria família.
O artigo 5º da lei 11.340 de 07 de agosto de 2006, "configura violência doméstica e
familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte,
lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial". A Lei acima
citada, também conhecida como Lei Maria da Penha, tem como objetivo lidar de forma
adequada com a problemática da violência doméstica que tem origem na sociedade machista e
patriarcal.
A violência domestica é um tema que vem ganhando espaço nos debates dos
movimentos sociais e sendo divulgada pela mídia e pelas autoridades competentes. Porém, a
violência em modo geral não é só uma questão de segurança, drogas ou desigualdades
socioeconômica é também uma questão cultural.
A violência é um problema maior do que se possa imaginar, quase sempre
inerente aos poderes dos homens que, muitas vezes, para firma-los, fazem
uso da violência contra suas companheiras, seja física e/ou psicológica.
(SILVA, 2010, p. 22)
Diante, desse tema polémico e que está constantemente na mídia onde o número de
violência contra as mulheres fazem parte da estatística inclusive de feminicídio. Surgiu uma
inquietação sobre a violência doméstica. Assim, construímos esta pesquisa Bibliográfica, na
qual elencamos como objetivo geral: compreender as relações de gêneros que oprimem e
matam as mulheres. E como específicos: identificar à necessidade de aborda a questão de
gêneros nas escolas; verificar a influência da lei Maria da Penha para o aumento ou
diminuição da violência contra a mulher.
A partir de leituras prévias como Chaves (2015); Silva (2010); Castells (2000); Silva e
Barros (20014); Saffioti (1987); Constituição Federal (1988) entre outros, sobre o tema
estudado, elegemos categorias que venham contemplar nossos objetivos, respondendo nossas
inquietações para que este trabalho possa contribuir com a sociedade despertando o interesse
ao tema pesquisado.
Violência doméstica
A violência doméstica pode acontecer contra crianças, adolescentes, mulheres e
idosos, sendo que os agressores são os próprios familiares das vítimas. O que torna mais
difícil de ser denunciado, pois a vitima em muitos casos depende financeiramente do agressor.
No art. 7º da lei 11.340/2006 a violência domestica pode ser subdividida
em violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.
A violência física é entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou
saúde corporal; a psicológica é uma conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da
autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento; a violência sexual é
entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de
relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; a
patrimonial entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição
parcial ou total de seus objetos, e a violência moral entendida como qualquer conduta que
configure calúnia, difamação ou injúria.
Também é considerada violência doméstica o abuso sexual de uma criança e maus tratos
em relação a idosos. Há casos de violência doméstica contra o homem, mas a maioria dos
casos verificados é de violência doméstica contra a mulher. Portanto, a pertinência da
criação de leis específica de proteção à mulher, como a Lei 11.340 que:
De acordo com Silva e Barros (2014, p.443) A lei acima citada é também conhecida
como Lei Maria da Penha, por ser uma homenagem a farmacêutica bioquímica Maria da
Penha Maia Fernandes, que passou anos de sua vida sendo agredida pelo seu companheiro, o
economista e professor universitário, colombiano, Marco Antônio Heredia Viveros.
A senhora Maria da Penha foi vítima de duas tentativas de homicídio no ano de 1983,
uma delas enquanto dormia. Foi atingida por um tiro de espingarda desferido pelo seu marido
Marco Antônio, que a deixou paraplégica.
Portanto, a violência domestica não esta restrita a famílias de classe baixa ou com
sujeitos não alfabetizados. Mulheres da classe social alta e com estudo de nível superior
também sofre violência domestica e muitas não denunciam para não perder seus status ou por
medo da represália de seus agressores. Pois, medo, insegurança, constrangimento são alguns
sentimentos que fazem parte da rotina de mulheres vítimas de violência doméstica.
Relações de Gêneros
As relações de gênero é um processo que se inicia na gestação e continua ao longo
de toda a vida. Antes da criança nascer, a mãe e o pai começam a preparar o quarto e o
enxoval do bebê de acordo com o órgão genital da criança, rosa para feminino e azul para
masculino. Seguindo assim, o modelo de uma sociedade patriarcal, na qual a mulher tende a
ser passiva, sensível, frágil e dependente.
Esse modelo patriarcal é perpetuado através da escola com filas de meninos e
meninas, balé clássico para meninas e futebol para meninos, além dos brinquedos e jogos
infantis que reforçam o papel da menina de ser mãe, dona de casa e consequentemente
responsáveis por todas as tarefas domesticas.
Feminicídio
Segundo Monteiro, Costa e Mendes (2015, p. 24) “A expressão femicídio foi utilizado
pela primeira vez por Diana Russel em 1976, perante o Tribunal Internacional Sobre Crimes
Contra as Mulheres, realizado em Bruxelas, para caracterizar o assassinato de mulheres pelo
fato de serem mulheres‖. O feminicídio é nova modalidade de homicídio qualificado,
entrando, portanto, no rol dos crimes hediondos.
A Lei nº 13.104/2015, sancionada em março de 2015, alterou o Código Penal incluindo
mais um inciso ao artigo 121, que discorre sobre o crime de homicídio. O inciso VI afirma
que feminicídio é o crime praticado contra a mulher por razões da condição de gênero, ou
seja, pelo fato da vítima ser mulher. O crime pode ocorrer nas hipóteses de violência
doméstica e familiar ou quando há menosprezo ou discriminação à condição da mulher. A
Lei previu também três causas de aumento de pena exclusivas para o feminicídio.
Metodologia
Segundo Minayo (2013, p.14), a metodologia ―é o caminho do pensamento e a prática
exercida na abordagem da realidade‖. Incluindo simultaneamente a teoria, os instrumentos e a
criatividade do pesquisador. De acordo Deslandes (2013) destaca que:
Este estudo trata-se de uma pesquisa bibliográfica, segundo Gil (2010, p.50) ―a
pesquisa Bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído
principalmente de livros e artigos científicos‖. Assim, procuramos analisar documentos que
possuem domínio público, mapas da secretaria de Segurança, a lei Maria da Penha, livros,
artigos e teses. Com o intuito de contemplar nossos objetivos que são: compreender as
relações de gêneros que oprimem e matam as mulheres; identificar à necessidade de aborda a
questão de gêneros nas escolas; verificar a influência da lei Maria da Penha para o aumento
ou diminuição da violência contra a mulher.
No nosso percurso metodológico, construímos um quadro com base nos mapas da
secretária de Segurança do Estado de Pernambuco. Começando com o ano de 2006, ano que
foi promulgada a Lei 11.340, para podermos verificar o índice de assassinatos de mulheres
antes e depois da lei Maria da Penha.
Resultados e Discussão
62
Fonte: MS/SVS/CGIAE - Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM. O numero de homicídios na UF de ocorrência
foi obtido pela soma das seguintes CIDs 10: X85- Y09, ou seja: óbitos causados por agressão. Elaboração Diest/Ipea. Nota:
Dados de 2014 são preliminares. (ATLAS DA VIOLENCIA, 2016). **http://www.pe.gov.br/blog/seguranca/?offset=3
* www.folhape.com.br/noticias/noticias/cotidiano/2017/03/03/.
Embora esses dados sejam alarmantes, o debate em torno da violência contra
a mulher por vezes fica invisibilizado diante dos ainda maiores números da
violência letal entre homens, ou mesmo pela resistência em reconhecer este
tema como um problema de política pública. (ATLAS, 2016, p.26).
A mulher vitima de violência domestica, pode contar com serviço de abrigamento que
foi instituído, no âmbito do estado de Pernambuco, através da Lei Nº 13.977, de 16 de
Dezembro de 2009. O inciso 1º da Lei Estadual de Abrigamento define as casas-abrigo como
―estruturas de abrigamento provisório e excepcional, de caráter sigiloso, voltadas para
proteger as mulheres vítimas de violência doméstica ou familiar sob risco de morte, e, quando
for o caso, seus filhos ou dependentes legais menores de 18 (dezoito) anos‖.
Empoderamento
Segundo Bordonal e Fortuna (2008, p. 8) “Empoderar-se significa a alteração radical das
estruturas que reproduzem a posição da mulher como submissa. O empoderamento também pode ser
uma forma de combate à pobreza e de mudança nas relações de poder‖. Assim, o acesso a educação é
primordial para que a mulher tenha conhecimento de seus direitos.
Mesmo com as mudanças que estão ocorrendo nas estruturas familiares, sociais e
políticas do país. Apesar dos direitos, leis,vitorias e da presença das mulheres na política,
ainda é esmagadora a presença masculina na política, e de homens com ideologias
preconceituosas, machistas e patriarcal.
Conclusões
O estudo desenvolvido contemplou nossos objetivos, inicialmente anunciados que
eram: . compreender as relações de gêneros que oprimem e matam as mulheres; identificar à
necessidade de aborda a questão de gêneros nas escolas; verificar a influência da lei Maria da
Penha para o aumento ou diminuição da violência contra a mulher.
Assim, concluímos que as desigualdades de gênero continuam profundamente
arraigadas em todas as sociedades, apesar dos avanços e conquistadas. Identificamos que após
a promulgação da lei Maria da Penha houve diminuição da violência contra a mulher,
mesmo que de forma lenta. Desta forma, se faz necessário o estudo das relações de gêneros
para a conscientização de que mulheres e homens são sujeitos de direitos e deveres e que
somos todos iguais perante a Constituição Brasileira.
No entanto, identificamos que as mulheres ainda enfrentam segregação,
discriminação e defasagens de remuneração vinculadas a gênero. Muitas vezes lhes é negado
o acesso á educação básica e saúde. As mulheres em todas as partes do mundo sofrem
violência e discriminação independente da classe social, econômica, da etnia, da religião ou
nível escolar. Mesmo com avanços e conquistas, as mulheres têm pouca representação nos
processos políticos e que é de fundamental importância de aborda a questão de gênero, quer
seja, na escola, na igreja e na comunidade.
Referências Bibliográficas
GIL, Antonio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 6. ed. – reimpr. - São Paulo:
Atlas, 2010.
MINAYO, M.CS & DESLANDES, S.F. (org.) Pesquisa Social: teoria, métodos e
criatividade. 33. ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.
MONTEIRO, Elma Cristina da Silva; COSTA, Natália Vivianni Muniz; MESNDES, Soraya
Daniele da Costa. Políticas Públicas de Enfrentamento da Violência Doméstica contra as
Mulheres: a casa-abrigo e o centro de referencia de Pernambuco sob o olhar das profissionais
envolvidas no atendimento. TCC - Curso de Especialização em Gênero, Desenvolvimento e
Políticas Públicas, da Universidade Federal de Pernambuco, Secretaria da Mulher de
Pernambuco e Fundação Joaquim Nabuco. 2015.
SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. O poder do macho. São Paulo: Moderna, 1987
SILVA, Cláudia Melissa de Oliveira Guimarães. Violência contra as mulheres: a Lei Maria
da Penha e suas implicações jurídicas e sociais em Dourados-MS. / Cláudia Melissa de
Oliveira Guimarães Silva. – Dourados, MS : UFGD, 2010.
GUARDA UNILATERAL E O MITO DO AMOR MATERNO: BREVES
REFLEXÕES SOBRE A PREDOMINÂNCIA DAS DECISÕES
JUDICIAIS DOS PROCESSOS DE GUARDA EM FAVOR DA MÃE
RESUMO: Apesar da legislação brasileira sobre a guarda compartilhada determinar que esta deva ser
prioritária e a unilateral excepcional, percebemos, mediante pesquisa desenvolvida pelo IBGE (2015),
que o percentual de guardas entregues unilateralmente à mãe continua expressivo. Esse dado aponta
para a necessidade de reflexão sobre a construção social de papéis atribuídos ao sexo feminino, isto é,
a determinação da maternidade como atribuição essencialmente feminina e suas implicações para as
decisões judiciais dos processos de guarda. Em vista disto, apresentamos como objetivo geral de nosso
trabalho problematizar a construção do mito do amor materno e sua possível influência nas sentenças
judiciais dos processos de guarda, de modo a identificar se a preferência pela guarda unilateral em face
da mãe está apenas relacionada ao melhor interesse da criança ou à reprodução histórica relativa ao
papel social da mulher. Como caminho metodológico, utilizaremos abordagem qualitativa e pesquisa
bibliográfica acerca do tema. Para problematização seguiremos autores como Roudinesco (2003),
Badinter (1985), Wagner (2011) e a legislação atual.
Palavras-chaves: Mito do amor materno, Decisões judiciais, Guarda compartilhada.
Introdução
Quando falamos de dominação e desigualdade, entre muitas lutas, a que nos vem à
cabeça é a luta feminista. A disparidade entre mulheres e homens vem de épocas remotas.
Desde a Grécia antiga, a esposa era aquela figura que, carinhosa e devotadamente cuidava do
esposo, da casa e da prole, seu objetivo era manter o equilíbrio doméstico para que seu
marido/senhor tivesse condições de lutar pela sobrevivência de todos. Desta forma, a
mãe/mulher tinha como características a docilidade, bondade, ternura e amabilidade, pois
longe da maternidade esta estaria negando sua condição, seu instinto (ROUDINESCO, 2003).
A história da mulher é muito entrelaçada à família, seu lugar no seio familiar sofreu
grandes transformações ao longo dos séculos, como também houve variações de acordo com a
cultura (CEZAR-FERREIRA, 2007; POESCHL, 2003; GRZBOWSKI, 2007). Segundo
Moura (2004) a instituição familiar recebeu importantes revisões por Ariès (1981), Badinter
(1985), Chodorow (1990) e Donzelot (1986), fazendo referência à exaltação do amor materno
como uma construção relativamente recente na civilização ocidental, tendo como marco
inicial o século XVIII.
Ainda seguindo Moura (2004), a partir de 1760 inúmeras publicações foram
difundidas com o discurso médico instruindo de que era responsabilidade da mulher/mãe o
cuidado pelos filhos, sendo estes cuidados uma valiosa fonte de saúde para prole. Desta
forma, as mães deveriam mudar de atitude em nome de seus filhos, uma vez que a prole era
entregue aos cuidados de terceiros, passando a lhe dedicar tempo e afeto, renunciando à vida
social em prol dos rebentos e nome do amor. Necessitaria também se ocupar da educação
livrando os pequenos da má influência das amas de leite. (ARIÈS, 1985)
Com a mulher voltada para os cuidados maternos, passa a ganhar ares de ―rainha do
lar‖, a figura que representa o amor, a imaculada, representante da bondade e da ternura.
Sendo a esta creditada toda sorte de sentimentos afetuosos para seus filhos, de maneira
incondicional, a ponto de sacrificar sua vida, seus sonhos em nome desses descendentes
(ROUDINESCO, 2003). Qualquer movimento da mulher fora desse sentido seria visto como
um ato contra a natureza, deixando-a culpada e estigmatizada. A partir dessas concepções
surge o instinto materno como algo inerente à condição feminina, o Mito do Amor Materno,
uma construção social que se cristalizou na nossa sociedade (BADINTER, 1985)
Com o advento da pílula anticoncepcional, o homem começa perder relativo controle
sobre o corpo da mulher, e esta passa a decidir de maneira mais forte sobre a procriação,
dissociando sexualidade de reprodução. De acordo com Roudinesco (2003), a medida que o
homem perdia o controle sobre a mulher, esta se reafirmava como figura detentora de seus
desejos e de seu corpo. Surge, então, a partir desta perspectiva, uma nova forma de relação
entre homem e mulher e esta reivindica cada vez mais seu lugar para além do maternal. Brota
a mulher com sexualidade, profissão, que reivindica o lugar de parceira, abandona a
submissão diante do esposo, o casamento por amor aparece mais fortemente etc. (WAGNER,
2011). A partir deste momento, o homem ―entra em crise‖, pois já não se reconhece diante
diminuição do seu poder e do aumento da força de decisão dessa nova mulher.
Com a luta das feministas pela igualdade dos direitos e com a emancipação da
mulher, surge também um novo projeto de sociedade. Foi através desta luta que elas
conquistaram a lei do divórcio, a inserção no mundo do trabalho, o direito a recusar a
maternidade etc. (BRITO, 2005; GRISARD FILHO, 2003; PEREIRA, 2003; WAGNER,
2011). ―Com isso passaram também a questionar a naturalização do ciclo evolutivo vital, que
preconiza a seguinte ordem nascer, crescer, casar e multiplicar-se‖ (WAGNER, 2011, p. 53).
Surge a mulher contemporânea.
As imposições culturais antes naturalizadas começaram a aprisionar a mulher, e a
maternidade para algumas se tornou, de certa forma, um fardo (TRINDADE, 1993; CEZAR-
FERREIRA, 2007). Ganham força cada vez maior os questionamentos sobre a maternidade.
As mulheres, não satisfeitas com seu lugar, começam a interrogar ou a recusar esse espaço
social e historicamente determinado.
Uma das mais célebres feministas a levantar os questionamentos sobre o instinto
materno foi Simone Beauvoir, autora do livro O Segundo Sexo, que escandalizou sua época,
segundo Roudinesco, não somente por seu conteúdo, mas também pela sua ousadia de
escrever um livro, atividade estritamente masculina, na época em que viveu. Nos termos da
autora, o texto foi ―[...] escrito por uma mulher e invertia o olhar que o gênero humano havia
lançado sobre o sexo e o corpo das mulheres até então‖ (2003, p. 140).
Beauvoir criticava a psicanálise pelo lugar que esta reservou à mulher. No segundo
capítulo de seu livro choca com a expressão ―Não se nasce mulher, torna-se mulher‖
(ROUDINESCO apud BEAUVOIR, 2003, p.141). Sua ideia de feminilidade era separada da
maternidade, pois ―longe de remeter as mulheres a seu estado de mãe, chegava inclusive a
recusar a ideia de que a maternidade fosse outra coisa que não uma coerção ligada a uma
insatisfação‖ (ROUDINESCO, 2003, p. 143). Pelas suas ideias e seu modo de vida foi
considerada subversiva e escandalosa. Porém, suas ideias influenciaram cada vez mais as
mulheres que insatisfeitas começaram reivindicar seus direitos (ROUDINESCO, 2003).
Teóricos como Bowlby (2006), Winnicott (1975), embasaram suas teorias nos
primeiros anos de vida e na importância de uma boa maternagem, defendendo conceitos como
―mãe suficientemente boa‖, ―apego materno‖. Contudo, considerando que a maternagem ou
função materna pode ser exercida por qualquer ser humano que estabeleça cuidados e
vínculos com o bebê, não estando atrelada ao feminino ou masculino, ou seja, que a
maternagem independe do sexo biológico, tanto um homem como uma mulher podem exercer
de forma adequada os cuidados com a prole (BUSTAMANTE, 2005; FERES-CARNEIRO,
1998).
No entanto, as teorias caíram no senso comum, perdendo sua essência e servindo
para subsidiar um discurso social, que preconizava a mulher como ser essencialmente
materno. Isto é, um ser que devia ficar no ambiente doméstico cuidando dos filhos, pois
ninguém como ela poderia fazer tais tarefas ou ato de amor, reforçando assim, o mito do amor
materno. Portanto, partindo dessa lógica o homem estaria naturalmente inabilitado para
exercer a função materna (cuidado), uma vez que estaria responsável pelo sustento material da
família (GRZBOWSKI, 2010; POESCH, 2003; WAGNER, 2011; CEZAR-FERREIRA,
2007; CARTE MCGOLDRICK, 1995; TRINDADE, 1993). Esse processo se reflete em uma
compartimentalização dos lugares de cada um dos sexos, com fronteiras fixas.
Atualmente mesmo com as mudanças sociais recentes, provocadas pelas diversas
configurações familiares, a inserção da mulher, que através de muita luta chega ao mercado
de trabalho, ainda é perceptível a valorização da imagem da mãe que cuida afetivamente e o
pai protetor, em discrepância com as mudanças sociais (CEZAR-FERREIRA, 2007;
WAGNER, 2011).
Vemos constantemente essas representações até mesmo no discurso daqueles que
julgam defender os direitos iguais, quando elogiam a atitude paterna de fazer ou ajudar nos
afazeres domésticos e na maternagem. Pois bem, se partirmos do pressuposto de que homens
e mulheres têm direitos e deveres iguais, portanto, qualquer um pode exercer adequadamente
essa função, porque esse homem/pai que cuida da prole deve ser enaltecido como alguém que
faz mais do que o seu papel?
Atitudes cotidianas, exaltações das ações masculinas e enaltecimento o pai
―cuidadoso‖ possuem preconceitos imbuídos. Parte-se da ideia de que esta atitude do homem
não é natural e deve, portanto, ser louvável, diferentemente da mulher, que nasce e tem sua
essência para fazer tal trabalho.
Os operadores do Direito e a determinação da guarda unilateral em favor da mãe
Frequentemente o litígio vem em seu bojo no processo judicial pela guarda das
crianças. Historicamente sabemos que, por muito tempo, a supremacia da guarda unilateral
materna foi absoluta. Foram décadas desse reinado, que culminou na cristalização da cultura
da mãe como guardiã natural, pois apenas em casos de risco eminente aos filhos, não seria
determinada à guarda unilateral materna (SILVA, 2012).
Com o passar dos anos, com as novas teorias, a sociedade e pesquisas em diversas
áreas, surge a modalidade de guarda compartilhada, primeiramente na Inglaterra, na década de
1960, como joint custody. Na França ela surge na década de 1970, assim como nos Estados
Unidos. Essa lei permite que ambos os pais possam cuidar e acompanhar seus filhos de uma
forma mais equilibrada, pois tanto o pai como a mãe têm acesso livre à prole, o que possibilita
o estreitamento dos laços afetivos para ambos pais, como também não coloca toda a
responsabilidade em um único guardião (BRITO, 2005; CERVENY & CHAVES, 2010;
SILVA, 2012).
[...] a guarda conjunta conduz os pais a tomarem decisões conjuntas, levando-os a
dividir inquietudes e alegrias, dificuldades e soluções relativas ao destino dos filhos.
Esta participação de ambos na condução da vida do filho é extremamente salutar à
criança e aos pais, já que ela tende a minorar as diferenças e possíveis rancores
oriundos da ruptura. A guarda comum [...] facilita a responsabilidade cotidiana dos
genitores, que passa a ser dividida entre pai e mãe, dando condições iguais de
expansão sentimental e social a ambos os genitores. (LEITE, 2003, p. 282).
No Brasil, apenas em 2008 foi aprovada pelo Congresso a Lei n. 11.698/08 que
instituiu e regulamentou a guarda compartilhada. Em 2014, uma nova alteração por meio da
Lei n. 13.058/14, determina: "Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda
do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a
guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a
guarda do menor".
Com essa nova lei, a guarda compartilhada passa a ser a regra, ou seja, no
julgamento do juiz, ele deve sempre priorizar essa modalidade, a menos que um dos genitores
abra mão da guarda ou não esteja apto, podendo colocar a vida da criança em risco. Deste
modo, a partir dessa lei, a guarda unilateral passa à excepcionalidade (LOBO, 2008; SILVA,
2012).
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), anualmente divulga a
estatística do Registro Civil. Esta análise é o resultado da coleta de informações prestadas
pelos cartórios de registros civis de pessoas naturais, varas de família, foros ou varas cíveis e
tabelionatos de notas. Tratam-se de dados importantes, capazes de nos apontar informações
valiosas sobre a realidade da guarda compartilhada brasileira após as determinações legais.
Tabela 1: O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – Estatística anual do
Registro Civil
UNILATERAL UNILATERAL
ANO MATERNA PATERNA COMPARTILHADA OUTROS
2014 85,1% 5,4% 7,5% 2%
2015 78,8% 5,2% 12,9% 3,1%
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE
Considerações Finais
Esta análise não tem a pretensão de fazer um estudo profundo ou esgotar a temática,
propõe sim a realizar uma problematização que possibilite levar o leitor à reflexão do tema e
estimular pesquisas mais profundas. Compreendemos por meio da pesquisa bibliográfica, que
apesar de a legislação entender a mudança social, assim atualizando-se, ainda encontra
barreiras fazendo a aplicação de a lei evoluir lentamente.
Assim, verificamos que a construção social dos papéis atribuídos ao sexo feminino
tende a persistir no imaginário dos operadores do direito, apesar das evoluções conquistadas
nas ultimas décadas, dificultando a aplicação da Lei. Nesse sentido, entendemos que a
despeito da lei que incentiva a guarda compartilhada, o mito do amor materno permeia o
imaginário coletivo, exercendo ainda grande influência sobre as decisões daqueles que
aplicam a lei em nosso país.
Referências
ARIÉS, P. História Social da Criança e da Família. 2ª Ed. Rio de Janeiro: LTC, 2011.
BOWLBY, J. Cuidados maternos e saúde mental. 5ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
BRASIL. Código Civil Brasileiro. 13º Ed. São Paulo: Saraiva. 2002
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 e janeira de 2002. Institui o código Civil. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 04.05.2017.
BRASIL. Lei nº 11.698, de 13 de junho de 2008. Lei sobre guarda compartilhada. Brasília,
DF: Presidência da República. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11698.htm> Acesso em:
05.05.2017.
BRASIL. Lei nº 13.058, de 22 de dezembro de 2014. Altera os arts. 1.583, 1.584, 1.585 e
1.634 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para estabelecer o
significado da expressão "guarda compartilhada" e dispor sobre sua aplicação. Disponível em:
< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13058.htm>. Acesso em:
04.05.2017.
LEITE, E.O. Famílias monoparentais. A situação jurídica de pais e mães solteiros, e pais e
mães separados e dos filhos na ruptura da vida conjugal. 2ª Ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003.
LÔBO, P. Guarda e convivência dos filhos após a Lei n. 11.698/2008. Revista brasileira de
direito das famílias e sucessões. Porto Alegre: Magister, n. 6, pp. 23-35. 2008.
Resumo do artigo: Desde os anos 1960 que o movimento LGBT vem lutando pelo
reconhecimento de direitos e da diversidade sexual, assim como a promoção de seus
interesses dentro do âmbito político brasileiro. Devido a todo o contexto político do país, na
época, o movimento só veio a ganhar mais visibilidade a partir da década de 1970, por meio
do movimento estudantil e pela abertura política de 1974. Entretanto, ainda não existia
visibilidade para as pessoas transexuais, pois os principais movimentos que estavam em foco
eram o estudantil, o feminista e o LGBT. A partir do final do século XX é que o movimento
transgênero passa a ter visibilidade, como uma ramificação do movimento LGBT - uma vez
que este possui o seu direcionamento voltado à orientação sexual e não à identidade de
gênero, como o movimento transgênero, cujas pautas são mais específicas, como o acesso à
serviços de saúde sem discriminação, a mudança do prenome e do gênero sem a necessidade
cirúrgica, de origem judicial ou laudo psiquiátrico, assim como a utilização da documentação
com o reconhecimento do nome social. A partir deste panorama, serão analisados
comparativamente a legislação vigente no Brasil e os projetos de lei que visam facilitar os
atuais procedimentos, em relação à legislação internacional sobre o tema, especificamente de
países que têm influência política e cultural no Brasil. Ademais, o presente trabalho procura
identificar os procedimentos para a solicitação da documentação e redesignação sexual destes
cidadãos, sinalizando-se para os principais entraves existentes em termos de atuação da
Administração Pública brasileira.
2. Processos de Transgenitalização
Como explicado anteriormente, a pessoa trans é aquela que não se identifica com o seu
gênero de origem e, em uma tentativa de maior inclusão, de melhorar a saúde mental dessas
pessoas, foram regulamentados e legalizados, em 2013, os processos de transgenitalização,
sendo eles o tratamento hormonal e a cirurgia de transgenitalização.
3. Documentação
Dentre as várias pautas que estão no movimento transgênero, uma das principais é a
questão do uso do nome social e da adequação do seu gênero na documentação pois, por
diversas vezes, é extremamente degradante para a pessoa que é trans ter a sua documentação
solicitada e lá conste o seu nome e gênero de nascença, que não condiz com o seu nome ou
gênero atual, causando-se confusão e constrangimento tanto para a pessoa trans quanto para
terceiros.
Para evitar situações de constrangimento e fundamentando-se nos princípios
constitucionais da dignidade da pessoa humana, promoção do bem estar de todos sem
qualquer discriminação e na inviolabilidade do direito à liberdade, igualdade e segurança,o
Decreto n° 8.727/2016 dispõe sobre o uso do nome social e reconhecimento da identidade de
gênero das pessoas trans no âmbito da Administração Pública federal.
Ainda nesse mesmo decreto, é assegurado o direito da pessoa trans solicitar a
documentação a qualquer momento, bem como a distinção entre nome social e identidade de
gênero e também a exigência de utilização do nome civil da pessoa trans apenas em casos de
interesse público, salvaguardando-se direitos de terceiros e fins administrativos internos.
PL 6424/2013
Esse projeto de lei foi baseado em dados estatísticos da Secretaria de Direitos
humanos da Presidência da República sobre violência homofóbica no Brasil, que chega a ter o
índice atual de mais de 325,5 mortes ao ano. Por isso, esse projeto institui a notificação
compulsória em todo o território nacional nos casos de violência contra transexuais, travestis,
lésbicas, bissexuais e gays que forem buscar atendimento nos serviços de saúde, tanto da rede
pública quanto privada, visando-se assim identificar o panorama real do problema, de forma a
se construir políticas públicas que visem repercutir em termos de diminuição do número de
mortes por crime de ódio.
PL 5002/2013
Já o projeto de lei João W. Nery ou Lei de Identidade de Gênero tem como principal
objetivo facilitar a questão de documentação e os procedimentos transexualizadores, uma vez
que este ainda é tratado com extremo rigor e existe demasiada burocracia para que se possa
conseguir realizá-lo.
Ocorre que, durante o acompanhamento com a equipe multidisciplinar, tem que ser
comprovado que a pessoa trans tem um transtorno psicológico irreversível para que ela possa
se afirmar como realmente se identifica, o que muitas vezes vai de encontro com os princípios
da dignidade da pessoa humana e da liberdade, pois é extremamente degradante que para
conseguir ser realmente quem é se tenha que alegar a existência de uma patologia psicológico
e que a liberdade para se expressar, vestir, se sentir representada ou apenas ser, da maneira
como se sinta bem, dependa da avaliação e autorização de terceiros.
Pode-se salientar que apenas o PL 5002/2013 é que tem o seu inteiro teor voltado para
as pessoas trans, enquanto os demais projetos abarcam toda a comunidade LGBT,
observando-se que desde 2007 há uma produção maior de projetos de leis com foco no
movimento LGBT, mas apenas em 2009 é que surgem projetos favoráveis à pessoas
transgênero.
5. Legislação Internacional
Diversos países já reconheceram a necessidade das pessoas trans, tanto na questão da
documentação, quanto na questão médico-cirúrgica, sendo de suma importância destacar
algumas destas legislações para se entender o que se adequa melhor ao contexto político-
social nacional e avançar na garantia do direito à liberdade que ainda é bastante limitado no
Brasil.
Dentre os países selecionados para a análise, destaca-se a Argentina, o Uruguai e
Portugal, uma vez que a Argentina e o Uruguai são países latino-americanos que tem uma
estreita relação política com o Brasil, e Portugal pela herança cultural deixada no país,
inclusive na maneira discriminatória de tratar as pessoas, além do fato da legislação nacional
assemelhar-se à portuguesa.
O Uruguai foi o primeiro país da América Latina a regulamentar e ter lei sobre
identidade de gênero, em 2009. Nela é regulamentada desde a mudança para o uso do nome
social, independente de cirurgia, até a questão de discriminação contra as pessoas trans.
Para ser solicitada a documentação, basta que seja requerida no órgão responsável a
mudança e como requisitos básicos eles apenas solicitam que o nome, o gênero ou ambos
estejam em discordância com o que está no Registro de Estado Civil e a permanência dessa
discordância durante dois anos contínuos, que será verificada por uma equipe multidisciplinar
com especialidade em identidade de gênero.
Este foi o único país que regulamenta a possibilidade de ser feita a volta para o nome
original, mas somente após o prazo de 5 anos depois de feita a alteração para o nome social.
Também regulamentou a questão matrimonial entre pessoas trans e a questão de
discriminação e violência contra essas pessoas.
6. Considerações Finais
O presente trabalho teve como objetivo ressaltar aspectos iniciais sobre a questão trans
no ordenamento jurídico brasileiro, ressaltando suas particularidades que inviabilizam o pleno
exercício da autodeterminação desta população, baseada no direito ao próprio reconhecimento
enquanto sujeito. Neste panorama, destacam-se a existência de alguns Projetos de Lei sobre o
tema no cenário nacional, assim como do contexto da legislação de países que possuem
estreita relação política e histórico-cultural, particularmente do Uruguai, Argentina e Portugal.
Pode-se averiguar que a legislação brasileira sobre identidade de gênero sofreu e sofre
demasiada influência da legislação dos países supramencionados. Por esse motivo, ela se
torna contraditória em alguns momentos quando, ao mesmo tempo, dá a possibilidade de ser
exercido o direito à liberdade de ser quem queira, porém limita esse direito a uma aprovação
por parte de terceiros indicados pelo Estado.
Falta também uma garantia de que essas pessoas serão tratadas com respeito, pois
antes de tudo são seres humanos, garantia estabelecida pela Declaração Universal do Direitos
Humanos, que disciplina em seu Art.1º que ―Todos os seres humanos nascem livres e iguais
em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos
outros com espírito de fraternidade.‖ (ONU, 1948, p. 4). Porém, mesmo com a garantia de um
princípio criado por um organismo internacional, adotado pela Constituição Federal de 1988
como uma cláusula pétrea e considerado um direito fundamental, verifica-se seu desrespeito
de tal forma a gerar um índice de violência tão alta contra a população trans, como as 318
mortes no ano de 2015, vítimas diretas da violência homofóbica.
Por isso, é necessário que o Estado democrático de direito brasileiro volte a sua
atenção para a existência dessas pessoas, reconhecendo-se que, independente da sua
identidade de gênero, são cidadãos e, por isso, devem ter o seu direito à autodeterminação e
segurança pessoal respeitado e garantido.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Projeto de Lei 6.424/2013. Câmara dos Deputados. 25 de Set. 2013. Disponível em:
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=111A2E626C7
F82CC32BAAADEA7E5452E.proposicoesWebExterno2?codteor=1142678&filename=PL+6
424/2013>. Acesso em 24 de Janeiro de 2017.
BRASIL. Projeto de Lei 5.002/2013. Câmara dos Deputados. 20 de Fev. 2013. Disponível
em:
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1059446&filena
me=PL+5002/2013>. Acesso em 24 de Jan de 2017.
RESUMO
Em meio às relações de poder que permeia o gênero na sociedade atual, essa pesquisa tem como
objetivo analisar como as EREM localizada nas cidades de Caruaru/PE e Vitória de Santo Antão/PE,
promovem uma educação em e para os Direitos Humanos no fortalecimento do combate ao racismo e
à LGBTfobia via uma pedagogia antibullying. Utilizou-se como técnica de coleta de dados conversas
informais, observação não participante e análise documental. Como resultados parciais, constatou-se
nas duas EREM que as docentes promovem uma prática pedagógica que problematiza uma reflexão a
cerca dos marcadores sociais que incluem ou excluem indivíduos e ou grupos sociais. Entretanto,
percebe-se que temáticas relacionadas a sexualidades para além da prevenção de DST/AIDS e
gravidez na adolescência ainda são poucos abordados no cotidiano escolar.
INTRODUÇÃO
Na nossa sociedade, de forma geral, e no cotidiano escolar, de maneira específica,
vemos opiniões, representações e práticas sociais baseadas no que é considerado ser macho ou
fêmea, ser homem ou ser mulher, ser heterossexual ou homossexual, ser branco ou ser
afrobrasileiro, ser pobre ou ser rico. Esse processo educacional em relação às categorias
dicotômicas, hierarquizadas e excludentes do sexo (macho-fêmea), gênero (homem-mulher),
sexualidade (heterossexualidade-homossexualidade) e etnia-raça (branco-afrobrasileiro)
dizem respeito a uma estrutura de inteligibilidade social heteronormativa que elege o homem
branco, de camada média e heterossexual como a referência de poder. Tal estrutura coloca a
heterossexualidade como ―normal‖, ―natural‖ e, ainda ―sadia‖ e a homossexualidade como o
outro elemento do par inferiormente hierarquizado (BUTLER, 2003; MATTOS, 2011;
MIRANDA, 2013). Assim, há surgimento de categorias que estão relacionadas à
multiplicidade de diferenciações, ou seja, interseccionalidades articuladas com o gênero e a
sexualidade, materializando hierarquizações no social (GOMES, 1996, 2012; PISCITELLI,
2008).
Dessa maneira, brinquedos e brincadeiras, comportamentos, roupas, profissões,
sonhos, desejos, práticas esportivas, interações sociais tanto no espaço privado (seus lares),
como no espaço público decorrem dessa estrutura heteronormativa de compreensão e
construção da realidade social (SCOTT, 1996).
Nesse processo de socialização e sociabilidade, a escola, assim como seu corpo
docente e sua gestão no cotidiano institucional são constituídos, para Louro (1997), por
categorias dicotômicas de sexo, gênero e sexualidade: "sendo impossível pensar sobre esta
instituição sem que se lance mão das construções sociais e culturais de masculino e de
feminino" (p. 89). A pesquisadora reflete que, para alguns autores, a escola é feminina porque
é primordialmente um lugar de atuação de mulheres, que organizam e ocupa o espaço, elas
são as professoras, são as gestoras. Ou seja, a atividade escolar é marcada pelo cuidado,
vigilância e educação, tarefas tradicionalmente considerada feminina. No entanto, para outros,
a escola é masculina, uma vez que lida fundamentalmente com conhecimento, e esse
"conhecimento" foi historicamente produzido pelos homens; dessa forma, mesmo que os
agentes de ensino sejam mulheres, elas se ocupariam de um universo marcadamente
masculino, porque é centrado no conhecimento.
Entretanto, a materialização dos desejos vem demonstrando que os agentes sociais não
são cem por cento engendrados nesse processo de inteligibilidade heteronormativo de pares
categorias dicotômicos, excludentes e hierarquizados entre macho-fêmea, homem-mulher,
hetorossexual-homossexual. Há ―falhas‖. Os casais heterossexuais que preferem práticas
sexuais invertidas de penetração; os/as crossdressing, as parodias corporais tais como: as
travestis, os/as transgêneros e as drag queens e os drag kings demonstram que há uma
separação/descolagem das categorias de sexo, gênero e sexualidade. Assim, um corpo
masculino necessariamente não tem de materializar um ―homem‖, nem uma
heterossexualidade (BUTLER, 2003, 2008, MIRANDA, 2013).
Entretanto, infelizmente, na sociedade brasileira, ainda há atitudes preconceituosas e
discriminatórias que materializam uma cultura predominantemente lesbofóbica, homofóbica,
transfóbica e racista presenciada nas ruas, dentro das famílias, nas escolas, nas religiões
evangélicas (pentecostais e neopentecostais) veiculadas nos jornais, telejornais, entre outras
mídias. Essas pessoas são agredidas e desmoralizadas por serem afrobrasileiras e por
apresentarem uma orientação sexual diferente da heterossexualidade que é assumida como
modelo e como ―normalidade‖ ou simplesmente por terem comportamentos que não
correspondem a um modelo masculinidade hegemônica, independente de sua orientação
sexual.
Dessa forma, os debates sobre a diferença sejam de gênero, sexualidade, classe social
e etnia-raça são modificados em decorrência das bases epistemológicas e teóricas presentes
em distintas épocas da sociedade. Para Louro (1997), a atribuição da diferença está sempre
implicada em relações de poder. A diferença, para ela, é nomeada a partir de um determinado
lugar que se coloca como referência. Logo, tudo que não se assemelhe a cultura da
heterossexualidade como hegemônica, atualmente, é tido como diferente, sendo então passível
de preconceito. A autora ainda ressalta que é possível que um indivíduo viva,
simultaneamente, várias condições de subordinação: a classe social, a raça/etnia, o gênero e a
sexualidade. Cada uma dessas condições de subordinação pode está inscrita no interior da
outra, gerando múltiplas identidades e, consequentemente, múltiplas formas de discriminação.
Nessa perspectiva, Fante (2005) afirma que o bullying está relacionado a um conjunto de
atividades:
63
O termo clássico utilizado na literatura é homofobia definida como atitudes de hostilidades contra as/os
homossexuais (In BORRILLO, Daniel, Homofobia: história e crítica de um preconceito, 2010). No entanto, com
a finalidade de marcar as violências especificas sofridas por lésbicas e pessoas transgêneros (travestis e
transexuais), esse campo de produção de conhecimento tem empregado os termos lesbofobia e transfobia.
Outro aspecto que destacamos diz respeito ao racismo praticado no cotidiano
educacional, presente da Educação Infantil à Pós-Graduação. Tal prática resulta de um
processo histórico da constituição de um Estado racista promovendo uma política de
branqueamento; do mito de uma democracia racial que perpetua um processo de exclusão,
sobretudo, na interseccionalidade entre os marcadores sociais de classe social, raça/etnia,
gênero e sexualidade (BATISTA, 2013; MATTOS, 2011).
No entanto, não há apenas notícias negativas. Em resposta a tais violações dos direitos
humanos, foi publicada, no Diário Oficial da União, a Lei nº 13.185/2015 que combate o
bullying na sociedade brasileira, colocando a escola como um local privilegiado em promover
uma educação antibullying. A referida lei centra suas ações no combate às intimidações
sistemáticas (bullying) que podem ser compreendidas como:
todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem
motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas,
com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em
uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas (BRASIL, 2015).
METODOLOGIA
Como se trata de uma investigação acerca da: a) análise, em uma das escolas de
referências, a prática pedagógica, na sala de aula do componente disciplinar dos direitos
humanos sobre as temáticas de gênero, sexualidade e etnia-raça; e de b) averiguar, na segunda
escola de referência, a prática pedagógica do grupo de estudo sobre gênero em relação das
temáticas de gênero, sexualidade e etnia-raça, escolhemos as técnicas de coletas de dados:
entrevista semiestruturada, conversas informais, observação e análise documental.
Essas técnicas possibilitam o acesso ao mundo subjetivo (GASKELL, 2011) das
interações das práticas pedagógicas tanto na sala de aula como no grupo de estudo sobre
gênero entre docente-discente e discente-discente. A partir desses dados, pode-se mapear uma
possível construção de uma cultura de fortalecimento dos direitos humanos com o respeito e
aprendizado com as diferenças em um ambiente democrático.
Sabido que a pesquisa ainda não está concluída, a realização de gravação das
entrevistas com os dois docentes ainda está para ser realizado. Tal ação tem a finalidade de
registrar o máximo de informação possível para posteriores averiguações. Desse modo, além
de estarmos mais livres no momento da gravação para fazermos observações escritas de
situações que escapem ao recurso da gravação em áudio, também poderemos ter uma melhor
interação com nosso entrevistado, pois ficaremos mais atentos ao conteúdo das suas
verbalizações. Assim, especularemos temas do discurso dos entrevistados que surgiram no
momento da realização da entrevista e que nos parecerão importantes para apreensão da
realidade socialmente construídas nesses dois espaços pedagógicos.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
De início, sabendo que a interseccionalidade permite analisar a estrutura social e as
representações simbólicas, com o intuito de compreender a dinâmica da dominação social
injusta. Nesse contexto, destacamos a importância da interseccionalidade para mapear
relações de dominação específicas em que apenas a utilização de uma categoria: gênero,
etnia/raça ou sexualidade não dá conta das especificidades das relações de poder que
compõem a intersecção desses marcadores sociais.
Diante disso, no primeiro ponto sobre os resultados parciais, trazemos as visitas que
foram feitas a Escola de Referências de Ensino Médio (EREM) de Caruaru. Como
mencionado, nessa escola analisar-se-á a prática pedagógica, na sala de aula do componente
disciplinar dos Direitos Humanos sobre a interseccionalidade (gênero, sexualidade e etnia
raça).
Em uma conversa informal realizada com a docente, a referida comentou que trabalha
as temáticas de gênero e diversidade em suas aulas. No entanto, achava difícil trabalhar essa
temática devido às resistências e preconceitos ainda persistentes. Em seguida, disponibilizou-
me os componentes curriculares de Direitos Humanos, dos três anos do Ensino Médio, no
qual analisaremos a seguir.
2º ano 3º ano
1º ano
Corrupção, tranparencia e
Dia internacional da mulher Justiça ecológica
fiscalização.
Violação dos direitos humanos Educação para relações étnico
na américa latina – artigos da raciais Tráfico humano
declaração universal dos direitos
humanos
Direitos humanos durante e pós-
A dignidade humana Direitos trabalhistas
ditadura militar
Educação escolar e
A sociedade humana e a
reafirmação da cultura Direitos trabalhistas
alteridade
indígena
A relação entre ética e moral e as
Politicas públicas para o idoso Inclusão social
práticas de humanização
Relações de poder e
S.o.s. Cidadania Educação fiscal
desigualdades sociais
Relações de casamento
Lei seca: causas e consequências
homoafetivos
Comportamento seguro e
Direito a saúde – o futuro do sus
preventivo no trânsito
No segundo ponto sobre os resultados parciais está a segunda EREM visitada que foi
na cidade de Vitória de Santo Antão. Nessa escola há um núcleo de estudo de gênero, que será
o alvo de pesquisa. Vale ressaltar que nem todas as EREM têm núcleo de estudo de gênero,
mas todas as escolas têm a disciplina de Direitos Humanos.
Nas visitas que foi feito na EREM, em outubro e novembro de 2016, os alunos
estavam se preparando para uma apresentação de uma atividade para concluir a matéria de
Direitos Humanos e o encerramento das atividades do Núcleo de Estudos de Gênero daquele
ano. Na atividade observada, os discentes abordaram a temática do reconhecimento da
inserção da mulher na economia, no mercado de trabalho e na política.
Outro ponto a ser destacados pelos alunos foi os motivos do número de mulheres que
sofrem agressões físicas, sexuais, e simbólicas ainda serem tão grandes. Tal denúncia da
violência contra a mulher foi contextualizada com a importância da Lei Maria da Penha. Logo
em seguida, os apresentadores começaram a abordar sobre A dependência financeira e falta de
estrutura familiar.
Na I unidade, como visto, o assunto tratado foi racismo. O dia que teve destaque da
referida temática foi 24 de março de 2017. A sala estava dividida em quatro grupos para uma
dinâmica, no qual tinha como tema o Racismo e as Políticas Públicas afrodescendentes para o
combate. Durante o debate, um dos grupos que não concordava com as cotas proferiu o
seguinte discurso: ―Não concordo com as cotas raciais. Pois, por que um negro tem mais
―vantagens‖ que um branco? Ao invés de cotas para negros, eu acharia melhor cotas sociais,
no qual o pobre seria o beneficiário dessa política‖. Diante do que já se havia debatido sobre a
história do Brasil em relação à dívida social para com os negros, mesmo depois da
escravatura, que perpetuou a permanência da população afrobrasileira nas camadas mais
baixas da sociedade; a professora frisou sobre a importância da promoção de uma política
equitativa de inclusão por meio das cotas.
Em seguida, a docente fez a seguinte pergunta: ―Vocês sabem que vocês podem estar
falando de vocês mesmos?‖ E completou: ―Aqui nessa sala pode ter negros e pobres que vêm
de uma família que não teve oportunidades, vítimas ainda do sistema que não deu
oportunidades para o negro desde a abolição da escravatura‖.
Nessa associação, podemos notar que a professora fez uma intersecção das categorias
raça e classe, no entanto o racismo ligado ao gênero e a sexualidade, por exemplo, não foram
mencionados em nenhum momento.
Analisando parcialmente esse início de discussão sobre gênero. Vale ressaltar que não
foi apresentado as tendências atuais no campo de produção sobre gênero e sexualidade em
que especifica que o sexo também é uma criação sociocultural ( BUTLER, 2003). Logo,
podemos analisar que a professora diferenciou de maneira clássica a distinção entre sexo e
gênero. No entanto, até o momento questões ligadas às intersecções das categorias de
diferenciação relacionadas à desigualdade e ao preconceito não foram abordadas.
CONCLUSÕES
Dependendo da variabilidade histórica e social, o conceito de gênero, sexualidade
respeito e racismo podem sofrer modificações motivando ações de combate a essas violências
e desigualdades.
Assim, retomando a análise da prática pedagógica exposta nesse artigo sobre as duas
professoras, podemos concluir que a inserção de temas que promovem uma educação para o
respeito às desigualdades está sendo incluída tanto nos planos pedagógicos como em suas
práticas docentes. No entanto, se faz necessário a intensificação sobre esses debates, para que
assim a sociedade vá atenuando o preconceito, discriminação, sexismo, misoginia e
LGBTfobia que por séculos se faz presente.
REFERÊNCIAS
DIAZ, Gabriela A., SOUZA, Mériti. Bullying Homofóbico: um nome ―diferente‖ para a
violência? In Anais do Fazendo Gênero 9: Diásporas, Diversidade, Deslocamentos,
Florianópolis, 2010.
SCOTT, Joan W. Gênero: uma categoria útil para a análise histórica. Recife: SOS Corpo,
1996.
Introdução
64
E-mail: Claudenilima@gmail.com. Aluna da Especialização em Gestão Pública do Instituto Federal de
Pernambuco, Psicóloga Especialista em Saúde Mental e Coletiva pela UNIFAVIP Devry.
65
E-mail: Klebersonpsicanalise@hotmail.com. Aluno do Mestrado em Literatura e Interculturalidade da
Universidade Estadual da Paraíba, Psicólogo do Centro de Referência em Assistência Social de Cachoeirinha-
Pernambuco.
surgimento do conceito de Transexualidade, realizando um pequeno esboço histórico a
respeito da invenção da categoria como tal.
No segundo capítulo, retratamos o Caso Gisberta a partir de um recorte biográfico, que
relata um pouco de sua trajetória no Brasil e assassinato em Portugal. Com o intuito de
realizarmos uma síntese a respeito dos aspectos jurídicos do combate a Transfobia em
Portugal e no Brasil. Por sua vez, no terceiro capítulo, lançamos um olhar crítico sobre os
Direitos Humanos, com o intuito de refletir a respeito do fenômeno da Invisibilidade
Transexual no campo da Educação, ressaltando o papel da Escola na ressignificação da
violência de gênero. Além de problematizarmos os recentes retrocessos sofridos pelo campo
da diversidade na política nacional de educação.
Para tanto, realizamos uma análise bibliográfica da obra de autores que buscam
elucidar questões pertinentes ao fenômeno transexual, como Márcia Arán e Berenice Bento.
Além de filósofos contemporâneos que lançam um olhar diferenciado para a problemática dos
gêneros e das performances sexuais como Configurações de Poder e domínio sobre os
Corpos, tais como Judith Butler e Michel Foucault. Finalmente, nos debruçamos sobre os
escritos de Guacira Lopes Louro, a fim de refletir acerca das implicações do fenômeno
transexual no campo da Educação.
Compreendendo, portanto, que a Transexualidade não corresponde a desvio de
comportamento e que a Psicologia deve colaborar com a erradicação dos preconceitos e
discriminações oriundos das questões relacionadas às práticas sexuais ou performances como
um todo. Esperamos, contudo, que este trabalho contribua com a discussão acadêmica e social
em torno da problemática transexual, ressaltando a evidência desse fenômeno, dando
subsídios necessários aos profissionais que trabalham ou estudam direta ou indiretamente com
esta temática.
Metodologia
O estudo qualitativo, portanto, mostrou-se mais adequado a essa pesquisa por se tratar
de uma questão de caráter social. Nesse sentido Gamson (2006) destaca a relação entre
pesquisas de gênero e o método qualitativo, especialmente pelos aspectos da visibilidade e de
enfrentamento da autodeterminação.
O presente estudo caracteriza-se como uma pesquisa bibliográfica que de acordo com
Fonseca (2002), consiste em um levantamento de dados de trabalhos já publicados, como
artigos científicos, livros e revistas periódicas. Essa revisão bibliográfica iniciou-se a partir da
compreensão sócio-histórica da transexualidade, perpassando pela história de Gisberta e os
reflexos da transfobia nas sociedades lusófonas, até a problematização do papel da Educação
na ressignificação da violência de gênero e promoção de políticas afirmativas sobre
identidades de gênero. A pesquisa documental também se fez necessária no levantamento de
dados, especialmente sobre Gisberta, a consulta ocorreu em jornais portugueses
disponibilizados online.
66
Atualmente utiliza-se o termo Homossexualidade, para referir-se às práticas e/ou atração sexual entre pessoas
do mesmo sexo, uma vez que o sufixo ismo que denota doença. Mas como o trabalho remete nesse trecho a um
recorte histórico, iremos pontualmente utilizar esse termo.
que a conceituação de identidade de gênero se estabeleceu na tentativa de abarcar
experiências que estavam à margem da orientação sexual. A categorização que busca
classificar e relacionar os sujeitos por uma ligação identitária posterior à definição de
orientação sexual passou a abarcar o campo fronteiriço do gênero. Especialmente dos que não
se adequavam ao gênero atribuído no nascimento, como veremos na sequência há uma
correlação do saber médico nessa categorização, como ocorreu no campo das orientações
sexuais.
No que diz respeito ao campo da transexualidade, segundo Arán (2009), Magnus
Hirschfeld foi o primeiro a utilizar o termo transexualismo, ainda na primeira década do
século XX. Também foi o responsável em 1923, por uma das primeiras cirurgias de
transgenitalização que se tem conhecimento, realizada no pintor dinamarquês Einar Wegener,
que veio a adotar o nome de Lili Elbe. O caso de Lili Elbe é para muitos o primeiro de
transgenitalização que se tem conhecimento, mas Arán (2006) defende que Feliz Abraham,
aluno de Magnus, em 1921 já havia realizado a primeira cirurgia de transgenitalização da
história, em um paciente conhecido como Rudolf.
Como há poucos registros sobre o caso de Rudolf, e o início das pesquisas no campo
da transgenitalização era marcado pela experimentação e clandestinidade, alguns autores
como Castel (2001) defendem que Rudolf era na verdade um pseudônimo de Lili Elbe. Sendo
a dinamarquesa a primeira transexual da história a passar por uma readequação de gênero.
Paralelamente a essa discussão do marco inicial da transgenitalização, o procedimento só viria
a ganhar visibilidade nos anos 50, depois da cirurgia de Christine Jorgensen.
Jorgensen foi militar na Segunda Guerra Mundial e, depois de sua volta para os
Estados Unidos, toma conhecimento da possibilidade de ―mudar de sexo‖ através do
trabalho do endocrinologista dinamarquês Christian Hamburguer sobre hormônios
femininos. (LEITE JR., 2009 apud BARBOSA, 2013, p. 359- 360).
68
Instituição de abrigo de crianças e adolescentes que funcionou até 2010, mantida pela Diocese do Porto.
Associada a uma série de denúncias de abuso sexual contra os internos, os crimes só foram investigados depois
da intensa cobertura do Caso Gisberta. (OLIVEIRA; DIAS, 2012).
transexual, prostituta, sem-abrigo, toxicodependente e soropositiva.‖ (FIGUEIREDO, 2007,
p.5). Não é mais da doce e inofensiva Gisberta que estamos falando, e sim de uma narrativa
que engloba uma série de sujeitos, sob o rotúlo de nonperson, ou seja, não-pessoa.
(ORWELL, 2003 apud FIGUEIREDO, 2007). O que vem a justificar não apenas a violência
sofrida por Gisberta, como também a incoerência da punição reservada aos seus assassinos
diante da gravidade do crime.
A definição de nonperson aproxima-se da concepção de Corpos Abjetos defendida por
Butler (PRINS; MEIJER, 2002), pessoas classificadas como à margem da condição humana.
Não sendo reconhecidas como tal, podem ser submetidas a qualquer forma de violência. O
registro dessas pessoas para sociedade estaria distante, impossibilitando qualquer gesto de
empatia. As transexuais têm transitado nessa lacuna de não pertencimento, seja na
comunidade LGBT, ou, na sociedade em geral na qual vigora a norma cisgênero. O que as
têm deixado em situação de extrema vulnerabilidade, esse estranhamento representado pelos
conceitos de nonperson e corpos abjetos é apenas uma tentativa de compreensão, para que um
caso de tamanha barbárie não ter tido uma resposta jurídica convincente.
Para esclarecer possibilidades e desdobramentos que o Caso Gisberta suscitou no
âmbito jurídico faz-se necessário apresentar um breve recorte da legislação sobre homofobia
vigente em Portugal. O Código Penal de Portugal estabelece agravo penal motivado por
discriminação em função do sexo ou orientação sexual da vítima, no caso de homicídio
qualificado ou ofensa à integridade física qualificada, isso é equivalente à tentativa de
homicídio ou lesão corporal grave aqui no Brasil. (LIMA, 2014).
Esse avanço apesar de recente data de 2007 (LIMA, 2014), chama nossa atenção para
o processo de mudança e adequação do Estado Português em relação à proteção dos direitos
da população LGBT. Mesmo não existindo uma legislação específica para os crimes de
homofobia, outros dispositivos asseguram à proteção dessa população. A Constituição
portuguesa estabelece a não discriminação por orientação sexual, ou identidade de gênero.
(LIMA, 2014). O Código Penal, também assegura responsabilização em função da
discriminação racial, religiosa ou sexual.
O Brasil por sua vez, não possui uma legislação específica sobre os crimes associados
à homofobia. Nem mesmo leis mais genéricas que possam servir de respaldo para um agravo
na pena, quando o crime for motivado pela orientação sexual ou identidade de gênero da
vítima. Tramitou na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 122/2006 intitulado de lei anti-
homofobia, que propõe a criminalização do preconceito motivado pela orientação sexual e
pela identidade de gênero. O projeto busca equiparar a homofobia e a transfobia ao crime de
Racismo já criminalizado pela Lei 7716/89. O projeto de Lei 122/2006 foi batizado como Lei
Alexandre Ivo69. O projeto tramita atualmente no Senado, depois de várias alterações no seu
texto inicial e enfrenta resistência da bancada conservadora e de seguimentos da sociedade.
(BOMFIM, 2011).
Diante desse cenário, podemos colocar que a situação de ambos os países do ponto de
vista jurídico merece aperfeiçoamento. Portugal ainda demanda uma legislação específica,
que criminalize a homofobia. Não podemos opinar sobre a aplicação da lei vigente no Caso
Gisberta, tendo em vista que os adolescentes foram julgados antes da regulamentação do
agravo pela orientação sexual. Reafirmamos que a mesma lei foi aprovada em 2007, e o
julgamento do Caso Gisberta ocorreu em 2006. E por sua vez, o Brasil ainda engatinha no
tema por não criminalizar a homofobia, e sequer punir como agravo os casos de violência
motivados por homofobia ou transfobia.
Esses aspectos representam um atraso para os dois países, tendo em vista que ambos
exercem extrema influência sobre as demais nações lusófonas. Como lideranças no âmbito
econômico, político, cultural e social da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
CPLP70, tinham o dever de exercer seu papel na luta e na defesa dos Direitos Humanos na
comunidade. Das nações membros da CPLP, muitas ainda criminalizam a homossexualidade
como ocorre em Angola e Moçambique, dessa forma podemos imaginar a vulnerabilidade da
população transexual nessas nações.
Para finalizar esse ciclo do Caso Gisberta como crônica da transfobia, vale destacar a
repercursão do mesmo no âmbito cultural. O Caso foi tão impactante na sociedade
portuguesa, que acabou sensibilizando o cantor e compositor Pedro Abrunhosa, na autoria da
música Balada de Gisberta. A interpretação mais célebre da música ficou registrada na voz da
cantora brasileira Maria Bethânia no ano de 2010, em seu trabalho Amor, Festa e Devoção.
69
Jovem morto e torturado aos 14 anos, por três homens no estado do Rio de Janeiro, devido a sua orientação sexual.
70
Comunidade formada por nações lusófonas.
norteamericana e pela Declaração dos Direitos do Homem da Revolução Francesa. (JELIN,
1994).
Nesse sentido, o campo dos Direitos Humanos no Direito Internacional tornou-se
emergente apenas após a Segunda Guerra Mundial, como reflexo das barbáries do Regime
Nazista. Depois do Holocausto a questão das minorias esteve em pauta, tornando-se
necessário um dispositivo jurídico que assegurasse proteção mínima para toda a humanidade.
A criação da Organização das Nações Unidas – ONU - em 1945 viabilizou essa normatização,
tendo em vista que as resoluções da ONU são deliberativas e devem ser seguidas pelos países-
membros.
A demanda por uma normatização que assegurasse o mínimo de proteção para os
homens e o surgimento da ONU culminou na Declaração Universal dos Direitos Humanos,
em 1948 (JELIN, 1994), tornando-se o maior símbolo de avanço e integração universal do
período pós-guerra, representando um momento de apogeu ideológico da ONU como
instituição. Por sua vez, no texto da Declaração dos Direitos Humanos é evidenciado no artigo
primeiro que ―Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos
[...]‖ (ONU, 1948). Essa premissa em si serve de parâmetro para problematização da
invisibilidade e vulnerabilidade dos transexuais, que tem seus direitos violados.
Para compreender como ocorre essa violação é necessário tipificar as formas de
discriminação relacionadas à orientação sexual e identidade de gênero. Para conceituação
vamos nos ater à origem e significado dos termos homofobia e transfobia. Segundo Rios
(2007), o conceito de homofobia surgiu nos anos 60 como fruto de uma pesquisa do psicólogo
americano George Weinberg. Nessa pesquisa, George buscou classificar o comportamento de
hostilidade em relação aos homens homossexuais com o uso termo homofobia. Ainda de
acordo com Rios (2007), outras formas associadas à discriminação por orientação sexual
como a lesbofobia (lésbicas), ou identidade de gênero como a transfobia (transexuais),
seguiram o mesmo modelo de classificação estabelecido inicialmente por Weinberg.
Adentrando no âmbito da educação, a diversidade sexual ainda enfrenta muitos
desafios, mas o maior aparentemente é romper com a invisibilidade. Nesse sentido Louro
(1997, p.67-68, aspas da autora) pontua;
Ao não se falar a respeito deles e delas, talvez se pretenda "eliminá-los/as", ou, pelo
menos, se pretenda evitar que os alunos e as alunas "normais" os/as conheçam e
possam desejá-los/as. Aqui o silenciamento — a ausência da fala — aparece como
uma espécie de garantia da "norma".
Referências
ABRUNHOSA, Pedro. Balada de Gisberta. In: BETHÂNIA, Maria. Amor, Festa, Devoção.
Rio de Janeiro, Biscoito Fino, 2010. DVD.
BARBOSA, Bruno Cesar. ―Doidas e putas‖: usos das categorias travesti e transexual. In:
Sexualidad, Salud y Sociedad-Revista Latinoamericana, n. 14, p. 352-379, 2013.
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: A experiência vivida. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1980.
____. Diocese do Porto iliba Oficina de S. José pela morte de transexual sem-abrigo. 05
de abril de 2006. Disponível em:<http://www.dn.pt/arquivo/2006/interior/diocese-do-porto-
iliba-oficina-de-s-jose-pela-morte-de-transexual-semabrigo-638573.html>Acesso em: 29 de
Novembro de 2016.
FONSECA, José João Saraiva da. Metodologia da pesquisa científica. Fortaleza: UEC,
2002.
____. História da sexualidade 3: o cuidado de si. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985.
____. História da sexualidade 1: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988.
LIMA, Andréa Moreira. Um recorte histórico sobre a política de direitos LGBT no Brasil e
em Portugal. In: Revista Científica Vozes dos Vales, n.06, ano III, 2014.
MEAD, Margaret. Sexo e temperamento. São Paulo: Editora Perspectiva S.A., 3ª Ed. 1988.
MINAYO, Cecília de Souza (org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis:
Vozes, 1994.
OLIVEIRA, Mariana; DIAS, Pedro Sales. Tribunais julgam 14 crimes de abusos sexuais
com jovens de lar da Igreja. 17/03/2012. Disponível em: <http://www.publico.pt/sociedade/
noticia/tribunais-julgam-14-crimes-de-abusos-sexuais-com-jovens-de-lar-da-igreja-
1538327>Acesso em: 29 de Novembro de 2016.
ONU, Declaração Universal dos Direitos Humanos. Assembleia Geral das Nações Unidas,
Genebra, 1948. Disponível em: http://www.comitepaz.org.br Acesso em: 06 de dezembro de
2016.
PRINS, Baukjer; MEIJER, Irene Costera. Como os corpos se tornam matéria: entrevista com
Judith Butler. In: Revista Estudos Feministas, v.10, n. 1, p.155-167, 2002.
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade. Porto
Alegre: Faculdade de Educação/UFRGS, Vol.6,1990.
RESUMO: Consta-se, no Brasil, que indivíduos que têm uma orientação sexual diversa do padrão
heteronormativo imposto pela sociedade, como gays, lésbicas e bissexuais, e pessoas com identidade
de gênero diversa do seu sexo nascimento, ou seja, transexuais, são vítimas, de maneira corriqueira, de
crimes de ódio, isto é, infrações motivadas exclusivamente pela intolerância contra a comunidade
LGBT. Diante deste contexto de acentuadas violações aos direitos humanos de tal grupo, o presente
artigo almejou discorrer sobre o atual panorama de violência contra a comunidade LGBT no Brasil e a
consequente imprescindibilidade de inserção da LGBTfobia como crime no ordenamento jurídico
pátrio. Para a consecução de tal objetivo, foi utilizada a pesquisa de referenciais escritos, constando-se,
ao fim, que criminalizar a LGBTfobia é um dever do legislador, tendo em conta o mandamento
constitucional de que a lei deve punir quaisquer discriminações atentatórias dos direitos e liberdades
individuais, servindo, ainda, para reprimir as usais violações à dignidade humana que as pessoas gays,
lésbicas, bissexuais e transexuais sofrem no território pátrio e combater o preconceito e a
discriminação motivados unicamente pela orientação sexual e/ou identidade de gênero das vítimas.
Palavras-chaves: Violência, crimes de ódio, LGBTfobia, criminalização.
1. INTRODUÇÃO
2. METODOLOGIA
Averígua-se que gênero é a construção social do sexo, sendo este qualificado como
uma caracterização anatômica e fisiológica do ser humano (SILVA, 2016). Nos dizeres de
Izquierdo (1990), gênero é obra cultural, modelo de comportamento que diz respeito às
definições concernentes ao ser masculino ou feminino, ou seja, a exteriorização destes
caracteres perante a sociedade.
Por sua vez, identidade de gênero é o modo como o indivíduo, de forma independente
do seu sexo biológico, se autopercebe (ANDRADE NETO; ALVES, 2015). Jaqueline Gomes
de Jesus (2012) deixa claro que a definição do que é homem ou mulher não é pertinente aos
cromossomos ou a conformação genital, mas a auto-percepção e a maneira com que o
indivíduo se expressa socialmente. No que concerne a tal, verifica-se que a pessoa transexual
apresenta percepção de que a definição sexual que lhe é atribuída está caracterizada pela
dissonância da realidade, isto é, não lhe é própria (MIZRAHI, 2006), identificando-se, assim,
com o gênero oposto do seu sexo de nascimento.
No que diz respeito à orientação sexual, esta é conceito ligado ao interesse afetivo-
sexual de determinado sujeito (CUNHA, 2014). Pode ser compreendida como a forma com
que o indivíduo manifesta sua sexualidade, sendo heterossexual, homossexual, bissexual ou
assexual (MALUF, 2010). Refere-se ao sexo ou ao gênero objeto de desejo de uma pessoa,
não implicando consciência, intenção ou quaisquer opções (SILVA, 2016).
Percebe-se, no Brasil, que pessoas que possuem uma identidade de gênero diversa do
seu sexo de nascimento, ou seja, transexuais, e indivíduos que têm orientação sexual que se
afasta da heteronormatividade imposta pela sociedade tradicional, como lésbicas, gays e
bissexuais, sofrem diariamente com a chamada LGBTfobia, a qual, conforme Lemos e Branco
(2015), pode ser entendida como a atitude marcada pela hostilidade geral, psicológica e
social, contra o ser humano que sente desejo afetivo-sexual por indivíduos do mesmo sexo ou
de ambos, havendo, também, rejeição àqueles que não se resignam com a identidade de
gênero preestabelecida para o seu sexo biológico. Neste contexto de ódio descomunal contra a
comunidade LGBT, além de um preconceito nefasto, mortes, agressões, torturas, violência
psicológica e outras violações tornam-se frequentes.
Em 2015, canais como Disque 100 e Humaniza Redes registraram 1.983 queixas de
violações aos direitos humanos contra a população LGBT brasileira. De acordo com a
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 23% das vítimas são gays, 12%
travestis, 10% lésbicas, 9% transexuais e 2% bissexuais. Das denúncias, 47% foram de
pessoas entre 18 e 30 anos (LUIZ, 2016).
Os assassinatos contra a comunidade LGBT não param de crescer no Brasil. Em 2000,
foram 130. Em 2010, 260. Após 5 anos, em 2015, 318 morreram em virtude de crimes de
ódio. As estatísticas deixam claro que a inércia do Poder Público em buscar reverter o quadro
de violência LGBTfóbica contribui de maneira acentuada com o aumento da selvageria
direcionada à pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transexuais no território brasileiro. Deste
modo, em 2016, segundo levantamento do Grupo Gay da Bahia, o número de homicídios
bateu recorde histórico, chegando a 343, o que representa um óbito a cada 25 horas. São
Paulo, com 49 vítimas, é o estado que mais registrou mortes no ano supracitado. Em termos
regionais, o Norte lidera o número de assassinatos por habitantes, sendo computados 3,02
homicídios para cada um milhão de pessoas (ALVIM, 2017). Das vítimas, 32% tinham entre
19 a 30 anos e 20,6% eram menores de 18. Das mortes, 173 foram de gays, 144 de trans e
travestis, 10 de lésbicas, 4 de bissexuais e 12 de heterossexuais que estavam em um
relacionamento com pessoas trans ou que morreram por defender LGBTs. A pesquisa
constatou, ainda, que, proporcionalmente, uma mulher trans tem 14 vezes mais chances de ser
assassinada do que um homem cisgênero gay (CANOFRE, 2017).
O modo de execução dos assassinatos deixa claro o teor de crime de ódio nos casos
apurados. Por exemplo, o bacharel Helmiton Figueiredo, de 30 anos, foi morto com 60
facadas em Cabo de Santo Agostinho, Pernambuco. Bruno C. Xavier teve sua vida dizimada
em Diadema, São Paulo, sendo esquartejado e cimentado em seu apartamento. Pablo Garcez,
em Manaus, teve seu tronco e braços decepados. Além da morte bárbara, todos estes têm em
comum o fato de terem suas vidas dilaceradas pelo único fato fazerem parte da comunidade
LGBT (TALENTO, 2016).
Eduardo Michels, coordenador do banco de dados da pesquisa do GGB, indica que a
realidade deve ultrapassar em muito tais estimativas, tendo em vista que os números apurados
são construídos a partir de notícias em geral e, ademais, familiares das vítimas, policiais e
delegados, sem provas ou base teórica, descartam de modo precoce a presença de LGBTfobia
em muitos desses assassinatos (TALENTO, 2016). Luiz Mott, fundador do GGB, enfatiza
que, como não há levantamentos governamentais sobre crimes de ódio, muitos casos acabam
sendo deixados de lado e que as próprias delegacias não têm sistema ou protocolo para a
inserção de termos relativos a sexualidade em seus boletins, dificultando, por conseguinte, a
obtenção de dados e as investigações (CANOFRE, 2017).
Na mesma linha, a violência contra transexuais no Brasil coloca o país no topo do
ranking dos que mais matam pessoas trans no mundo, fazendo com que a expectativa de vida
destas não passe dos 35 anos. Neste cenário de exacerbada brutalidade, dados da Associação
Nacional de Transexuais e Travestis do Brasil mostram que 40% dos assassinatos de
indivíduos trans registrados no mundo ocorrem em solo brasileiro (JORNAL DO
COMÉRCIO, 2016).
As ocorrências evidenciam a crueldade por trás destes homicídios. Em 2014, no Rio
de Janeiro, uma menina trans de 8 anos foi espancada até a morte pelo pai, que visava ensiná-
la a se comportar como homem. Na zona leste de São Paulo, Laura Vermont, com um tiro em
seu braço esquerdo e a cabeça ensanguentada, foi encontrada jogada na rua por seus próprios
pais. No hospital, com 18 anos, não resistiu e morreu em consequência de um traumatismo
craniano. Policiais militares foram os responsáveis pelo tiro que pôs fim a vida de Laura.
Segundo estes, o disparo foi motivado pela resistência da mesma. Contudo, o laudo
necroscópico aponta que o projétil partiu de baixo para cima, o que indica a possibilidade dela
já estar rendida no momento do ataque. Ainda, cinco rapazes foram acusados de espancar a
jovem e acabaram por confessar a prática do delito, mas respondem em liberdade (CARTA
CAPITAL, 2015). Natylla Mota Barreto, de 21 anos, ao chegar ao hospital após ser atacada
com socos, chutes e facadas, foi novamente vítima de agressão. Três mulheres e um homem
chutaram-na no rosto, verbalizando, também, inúmeras ofensas transfóbicas. Funcionários,
enfermeiras, seguranças e direção do local estão sendo investigados pelo crime de
prevaricação (CELESTINO, 2016).
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do fato de que, no Brasil, pessoas lésbicas, bissexuais, gays e transexuais são
vítimas das mais diversas formais de violência unicamente em decorrência de suas
orientações sexuais e/ou identidades de gênero, verifica-se que o Estado, como responsável
pelo resguardo dos direitos e garantias de todos os cidadãos, deve atuar de modo a coibir
referido panorama marcado por acentuada violação à dignidade dos indivíduos da
comunidade LGBT.
Averígua-se que, em 2016, foram registrados 343 óbitos de indivíduos pertencentes a
supracitado grupo, o que representa uma morte a cada 25 horas. Homicídios estes motivados
pela intolerância, discriminação e ódio. Ademais, destaca-se que a realidade ultrapassa, em
muito, tal estimativa, uma vez que as delegacias não possuem suporte para incluir em suas
ocorrências termos ligados à sexualidade e identidade de gênero, o que obsta a obtenção de
dados e investigações. Outrossim, familiares das vítimas, policiais e delegados, de modo
precoce, com ausência de instrumentos probatórios, afastam a presença da LGBTfobia em
muitos destes assassinatos.
Criminalizar a LGBTfobia, portanto, mais do que uma impreterível necessidade diante
do panorama de acentuada violência contra a comunidade LGBT no Brasil, é um dever do
legislador, tendo em conta o mandamento constitucional de que a lei deve punir quaisquer
discriminações atentatórias dos direitos e liberdades individuais. Referida tipificação,
também, serve para reprimir as usais violações à dignidade humana que as pessoas gays,
lésbicas, bissexuais e transexuais sofrem no território pátrio. É, ainda, meio para combater o
preconceito e a discriminação motivados unicamente pela orientação sexual e/ou identidade
de gênero das vítimas, o que contribuirá para a coibição dos crimes de ódio, apuração dos
delitos e consequente efetiva proteção dos indivíduos LGBTs.
REFERÊNCIAS
ALVIM, Mariana. Homofobia mata uma pessoa a cada 25 horas; Norte tem maior índice.
2017. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/sociedade/homofobia-mata-uma-pessoa-cada-
25-horas-norte-tem-maior-indice-20819002>. Acesso em: 26 jan. 2017.
ANDRADE NETO, Carlos Gonçalves; ALVES, Jaiza Sammara de Araújo. Direito ao nome
e identidade de gênero no Brasil e na Argentina. Iusgentium, v.12, n.6: p. 65-90, jul-dez.
2015.
CANOFRE, Fernanda. A cada 25 horas, uma pessoa LGBT morreu vítima de violência no
Brasil em 2016. 2017. Disponível em: <http://www.revistaforum.com.br/2017/01/24/a-cada-
25-horas-uma-pessoa-lgbt-morreu-vitima-de-violencia-no-brasil-em-2016/>. Acesso em: 24
jan. 2017.
CAZARRÉ, Marieta. Com 600 mortes em seis anos, Brasil é o que mais mata travestis e
transexuais. 2015. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-
humanos/noticia/2015-11/com-600-mortes-em-seis-anos-brasil-e-o-que-mais-mata-travestis-
e>. Acesso em: 28 dez. 2016.
IZQUIERDO, M.J. Bases materiais del sistema sexo/gênero. São Paulo: SOF, 1990.
LEMOS, Diego José Sousa; BRANCO, Thayara Castelo Branco. Contra a LGBTfobia.
2015. Disponível em: <http://justificando.cartacapital.com.br/2015/03/26/contra-a-lgbtfobia-
mas-a-luta-nao-deve-passar-pela-ampliacao-do-sistema-penal/>. 04 jan. 2017.
LUIZ, Gabriel. Disque 100 recebe 137,5 mil queixas de violação de direitos em 2015.
2016. Disponível em: <http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2016/01/disque-100-
recebe-1375-mil-queixas-de-violacao-de-direitos-em-2015.html>. Acesso em: 04 jan. 2017.
ROSA, Ana Beatriz. Violência homofóbica: Brasil tem 5 denúncias por dia, mas números
reais são muito maiores, diz relatório. 2016. Disponível em:
<http://www.brasilpost.com.br/2016/02/26/relatorio-
homofobia_n_9330692.html?utm_hp_ref=brasil-gay>. Acesso em: 28 dez. 2016.
TALENTO, Biaggio. 318 homossexuais foram mortos no Brasil em 2015. 2016. Disponível
em: <http://atarde.uol.com.br/brasil/noticias/1742381-318-homossexuais-foram-mortos-no-
brasil-em-2015>. Acesso em: 04 jan. 2017.
Resumo do artigo: O presente trabalho explora a categoria gênero na perspectiva dos direitos
humanos no que se refere ao reconhecimento do nome social por pessoas trans na educação. A ideia
central é compreender a relação da luta pelo reconhecimento do nome social como elemento
constitutivo das identidades de transexuais e travestis no espaço escolar no município de Caruaru.
Ressalta-se que o reconhecimento e uso do nome social, já se configura como direito adquirido com
base em algumas normativas legais. O decreto o Decreto N° 050, de 27 de Maio de 2014, por
exemplo, que dispõe sobre a inclusão e uso do nome social de pessoas travestis e transexuais nos
registros municipais relativos a serviços público municipal. O reconhecimento e o uso nome social por
pessoas trans nos espaços públicos e privados, garantem o mínimo de dignidade desses/as cidadãs/ãos,
o respeito a sua identidade de gênero e assegura algum respeito à pessoa humana.
1.Introdução
O presente trabalho explora a categoria gênero na perspectiva dos direitos humanos no
que se refere ao reconhecimento do nome social por pessoas trans na educação. O nome social
é usado por pessoas que não se identificam com o seu sexo biológico, ou seja, necessitam ser
tratadas de acordo com sua orientação sexual e de gênero. A ideia central é compreender a
relação da luta pelo reconhecimento do nome social, como elemento constitutivo das
identidades de transexuais e travestis no espaço escolar no município de Caruaru.
A cidade de Caruaru é marcada por discursos conservadores e preconceituosos
historicamente construídos e reproduzidos na trajetória social brasileira, onde o estigma, a
segregação e a discriminação se tornaram instrumentos de poder que subalternizam e limitam
culturalmente e socialmente a cidadania de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais
(LGBT), sobretudo as pessoas trans que, nesse cenário de intensa violência, são alvos
recorrentes da discriminação social.
O não reconhecimento do direito ao nome social pelas instituições educativas,
infelizmente acaba contribuindo para com o processo perverso, que invisibiliza e segrega
todos/as aqueles/as que apresentam identidades de gênero que fogem aos padrões de
normalização estabelecidos pela sociedade ou como alguns autores preferem chamar,
dissidentes de gênero e sexualidade.
Diante destas questões pretendemos responder ao seguinte problema: Quais os
desafios que as pessoas trans enfrentam para o reconhecimento do nome social na escola?
Com base no nosso problema, tivemos por objetivo geral analisar como as escolas da rede
Pública de Ensino Municipal em Caruaru/Pernambuco se posicionam sobre o direito ao nome
social de pessoas trans. Para tanto, elencamos como objetivos específicos (1) Levantar a
legislação vigente que assegura o uso do nome social das pessoas trans na educação; (2)
Recuperar a história do movimento trans e as reivindicações no campo da educação e (3)
Analisar experiências escolares envolvendo o nome social de estudantes trans de Caruaru.
Considerando os objetivos do nosso trabalho, a metodologia utilizada lançou mão do
diálogo com autores/as que discutem a problemática do nome social de pessoas trans como
Bento (2014), Hogemann (2014), entre outros/as. Fizemos uso de abordagem qualitativa de
pesquisa, documental, bibliográfica e entrevistas semiestruturadas com alunos/as trans,
delimitamos entrevistar 2(duas) mulheres trans e 1(um) homem trans matriculados/as na rede
de Ensino Municipal de Caruaru.
O ineditismo desse tipo de pesquisa em Caruaru demonstra sua importância para o
campo teórico de gênero, sexualidade e educação na Perspectiva dos direitos humanos,
visando romper o silenciamento, a exclusão, a violência e a ―eliminação social‖ que tem
acompanhado a trajetória das pessoas trans. A contribuição do nosso trabalho para a
sociedade é a sistematização dos marcos legais que amparam e acolhem as reivindicações por
direitos sociais, presente na pauta de reivindicações do movimento LGBT no cenário nacional
e local. O reconhecimento e o uso nome social por pessoas trans nos espaços públicos e
privados garantem o mínimo de dignidade desses/as cidadãs/ãos, o respeito a sua identidade
de gênero e assegura algum respeito à pessoa humana.
2.1 Bases normativas e marcos legais do nome social de pessoas trans no Brasil
Considerações Finais
O presente trabalho teve por objetivo contribuir com as discursões sobre as questões
de gênero e políticas públicas de reconhecimento das novas demandas identitárias fruto da
pauta de reivindicações do movimento LGBT. O reconhecimento do nome social por pessoas
trans na rede de Ensino Municipal em Caruaru representa um grande passo, uma conquista
como também um desafio para emancipação da cidadania plena de pessoas trans na
sociedade.
A nossa pesquisa se deu por meio de leituras referentes ao tema e por meio de
entrevistas individuais realizadas com pessoas trans, a partir dai foi possível estabelecer uma
discursão de forma crítica sobre o olhar na educação no campo dos direitos humanos que visa
não apenas a igualdade de direitos, mas também o reconhecimento da diversidade sexual e de
gênero como uma questão social complexa, mas legítima. Assim, podemos concluir que são
grandes os desafios que as pessoas trans enfrentam para o reconhecimento do nome social na
escola, mas certamente há significativos avanços para promover a inclusão de todos/as e
assegurar o direito à educação.
Por outro lado, identificamos a necessidade de ampliar as discursões sobre as questões
gênero e diversidade, ou seja, formação continuada para todos/as profissionais da rede
municipal, a fim de perceber o decreto como instrumento de inclusão enquanto direito da
pessoa travestir e transexual e reconhecer a legitimidade do uso do nome social, ―quebrando‖
a resistência dos profissionais de educação em reconhecer o uso do nome social como direito
de travestis e transexuais. Compreendemos que a escola pública é um espaço de ensino
aprendizagem para todos/as, ou seja, necessita que as diversas esferas do poder público
colaborem para construção da igualdade e no combate das mais diversas formas de violências
e discriminação que acomete a população LGBT, ou seja, promover uma educação
efetivamente laica, mais igualitária e menos excludente.
REFERÊNCIAS
ALVES, Isabela Ferreira. Transexual quer voltar ao Exercito. Jornal Diário de Pernambuco.
Recife, PE, 20 abr 2008, p.A10.
BENTO, B. Nome social para pessoas trans: cidadania precária e gambiarra legal.
Contemporânea. V.4, n. 1 p.165-182. Jan-Jun. 2014.
BRASIL Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de Educação
em Direitos Humanos: 2006. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2006.
Disponível em: http://www.ufal.edu.br/aedhesp/bibliteca-virtual/downloads/pnedh-2006-1
Acesso em 23 de outubro de 2015.
BRASIL. Câmera dos Deputados. Projeto de Decreto Legislativo N.º 26, de 2015 Conselho
Nacional de Combate à Discriminação e Promoções dos Direitos de Lésbicas, Gays, Travestis
e Transexuais. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb Acesso em 26 de
outubro de 2015.
Brasil. Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da Republica
Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília DF 5 out. 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm Acesso em 10 de
setembro de 2015.
BRASIL. Plano Nacional de Educação - PNE/Ministério da Educação. Brasília, DF: INEP,
2014. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2014/lei/l13005.htm Acesso em 26 de setembro de 2015.
BRASIL. Senado Federal. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: nº 9394/96.
Brasília: 1996. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf Acesso em 10 de
setembro de 2015.
CARUARU. Decreto N° 050, 27 de maio de 2014. Dispõe sobre a inclusão e uso do nome
social de pessoas travestis e transexuais nos registros municipais relativos a serviços públicos
prestados no âmbito da Administração Publica Direta e indireta e da outras providencias.
LOURO, G. L. Teoria Queer-uma política pós-identitária para a educação. Estudos
Feministas. V. 9, n.2. 2º semestre, 2001.
MANSUR, Maria Elisabete do Valle. Diversidade Sexual e Nome Social no Espaço Escolar.
Disponível em:
http://www.anpae.org.br/IBERO_AMERICANO_IV/GT4/GT4_Comunicacao/Maria
ElisabetedoValleMansur_GT4_integral.pdf. Acesso em: 07 de setembro de 2015.
MEIRA, Luiz Batista. Sexo aquilo que os pais não sabem falaram para os filhos. 22. Ed. João
Pessoa. PB: Universitária, UFPE. 2002.
OLIVEIRA, Anna Luiza A. R. Martins. Diversidade Sexual e Escolar: reflexões sobre os
discursos dos profissionais da Educação. Disponível em: <
http://www.abrapee.psc.br/xconpe/trabalhos/1/112.pdf> Acesso em 02 de outubro de 2015.
PERNAMBUCO. Decreto Nº 35.051, de 25 de maio de 2010. Dispõe sobre a inclusão e uso
do nome social de travestis e transexuais nos registros estaduais relativos a serviços públicos
prestados no âmbito da administração pública estadual direta, autárquica e fundacional, e dá
outras providências. Disponível em: http://www.abglt.org.br/ Acesso em 23 de outubro de
2015.
A CONDIÇÃO DAS MULHERES LATINOAMERICANAS E A
IMPORTÂNCIA DA ARTICULAÇÃO ENTRE O FEMINISMO E O
EDUCAR EM DIREITOS HUMANOS
Resumo do artigo: A América Latina foi construída com base em diversas formas de violência
como colonizações e ditaduras, que fazem a região possuir especificidades que não podem ser
comparadas a realidades como a europeia e/ou norte-americana. As mulheres são submetidas
a uma subalternização que se alastra nas mais diversas fases, regiões e momentos históricos,
de modo que em meio aos acontecimentos da América Latina foram violadas de forma
específica considerando sua condição de mulher, o que torna, em tais contextos, ainda mais
importante uma atuação do movimento feminista. A educação em direitos humanos propõe
uma educação para a sociedade baseada no respeito aos direitos humanos, para prevenir o
retorno a realidades tão cruéis a grande parte da população. Nesse sentido, o presente trabalho
questiona quais as contribuições da educação em direitos humanos para o movimento
feminista no contexto das América Latina, e se propõe a realizar tal análise através de
pesquisa bibliográfica.
Introdução
A América Latina teve sua história construída por diferentes formas de violência como
a colonização, as ditaduras, as crises econômicas e políticas, entre outras, que fazem com que
seus países possuam especificidades que não podem ser comparadas a realidades mais
hegemônicas como europeia e/ou norte-americana.
Por se situarem em condições de subalternização na sociedade, independente do país
ao qual pertencem, as mulheres foram submetidas a violências muito específicas em meio aos
acontecimentos da América Latina. A colonização dizimou povos indígenas, mas, as mulheres
além de terem seu trabalho explorado e sua população dizimada, eram estupradas
constantemente pelos colonizadores, assim como em seguida as escravas também o eram.
Posteriormente ao período colonial, em contexto de ditaduras, as mulheres também
eram estupradas, tinham seus corpos violados de maneira física, moral e psicológica. E
quando não eram presas, torturadas e mortas, sofriam por seus companheiros e familiares.
Esses e outros acontecimentos fazem não apenas a realidade latino-americana distinta de
demais regiões, mas, e principalmente, a realidade das mulheres inseridas em tal contexto
político.
Assim, no que se refere ao feminismo, considerando tais especificidades dos países
latino-americanos, de acordo com estudiosas (STERNBACH; et al., 1992), o movimento se
desenvolve nos anos de 1970 (em alguns casos nos anos 1960), em meio aos regimes militares
e democracias nominais, de modo a nasceram como movimentos de oposição que
questionavam não apenas o patriarcado e a dominação machista, como também a exploração e
opressão econômica, social e política.
Nessa perspectiva, ao considerar esse desenvolvimento particular latino-americano,
não apenas do movimento feminista, mas de movimentos sociais na região, Bringel (2010),
afirma que se tornaram necessárias abordagens teóricas mais plurais e inclusivas sem que
houvessem perdas nos enfoques clássicos. Assim, o autor defende a importância de uma
―epistemologia alternativa‖ que questione o caráter patriarcal, racista, capitalista e
eurocêntrico do conhecimento.
Ao entender a importância da construção de uma epistemologia própria latino-
americana, deve ser entendido a necessidade de uma articulação entre teoria e prática para o
fortalecimento dos movimentos sociais, e a maneira a qual tais estratégias se articulam, seria
através da produção de conhecimento orientada para a ação (BRINGEL, 2010).
É nessa perspectiva das especificidades da América Latina que a educação em direitos
humanos (EDH) se desenvolve na região, quase como uma necessidade, com o intuito de
educar na promoção do respeito à toda a população, de prevenir guerras, assim como a
desigualdade, o retorno a golpes e ditaduras, entre outras. (ZENAIDE 2014).
Diante desse contexto, e considerando a escassez de trabalhos que abordem a
necessária articulação entre feminismo e direitos humanos, o presente artigo busca abordar as
contribuições da educação em direitos humanos para o movimento feminista no contexto da
América Latina.
O trabalho está estruturado em três partes mais as considerações finais. Na primeira se
apresenta a metodologia utilizada. Na segunda se aborda as principais questões teóricas
referentes ao tema de estudo. Na terceira se discute, no contexto latino-americano, as
potencialidades de diálogo e articulação entre estes dois campos – EDH e feminismo.
1. Procedimentos metodológicos
Para fundamentar o processo metodológico do trabalho a opção foi pelo estudo de
natureza qualitativa (STAKE, 2011; LUDKE; ANDRÉ). De acordo com Stake (2011), a
pesquisa qualitativa, também definida como pesquisa interpretativa, é aquela que depende
muito da definição e da redefinição dos observadores sobre os significados daquilo que veem
e ouvem e lida em detalhes com algumas das complexidades da experiência humana.
Como metodologia de trabalho foi realizada uma revisão bibliográfica, entendendo tal
procedimento como um método de pesquisa que ―prevê o levantamento das obras,
principalmente livros e artigos científicos, fundamentais para o estudo em questão, a partir das
palavras-chaves elencadas como representantes do assunto‖ (GAIO; et al., 2008, p.155). As
palavras-chave utilizadas foram: movimentos sociais latino-americanos; feminismo latino-
americano e educação em direitos humanos.
Com base neste parâmetro, buscou-se identificar obras relevantes neste campo
temático, de autores brasileiros e latino-americanos, que pudessem contribuir com o objetivo
do estudo e aportar reflexões para o avanço na inter-relação entre feminismo e direitos
humanos, por meio das contribuições da EDH.
Considerações finais:
Conforme discutido anteriormente, a América Latina foi submetida a diversas formas
de violência como a colonização, as ditaduras, as crises econômicas e políticas, entre outras,
que fazem com que seus países possuam especificidades que reverberam em suas populações
até os dias de hoje.
No que se refere às mulheres latino-americanas, estas, foram submetidas a violências
ainda mais específicas, uma vez que eram estupradas, tinham seus corpos violados de maneira
física, moral, psicológica, etc. Isso fez com que o movimento feminista se desenvolvesse em
tais contextos de maneira distinta de outras realidades mais hegemônicas como europeia e/ou
norte-americana.
Ao entender essas especificidades latino-americanas, diversos autores defendem a
importância de uma construção do conhecimento próprio, que considere tais especificidades
da região. Essa construção do conhecimento, em meio aos movimentos sociais latino-
americanos, deve vir articulada a uma prática social, ou seja, a ação deve vir orientada pela
teoria construída a partir de contextos específicos.
Parte-se das especificidades da América Latina para a possível aplicação e defesa da
educação em direitos humanos, que tem por objetivo promover o respeito à população, assim
como prevenir o retorno a realidades como colonizações e, consequentemente o genocídio e
escravização de povos indígenas e africanos, e a volta a períodos ditatoriais, responsáveis por
diversas formas de violação aos direitos humanos.
71
http://www.savethechildren.org/atf/cf/%7B9def2ebe10ae432c9bd0df91d2eba74a%7D/EVERY%20LAST%20G
IRL%20REPORT%20FINAL.PDF Acesso em 15/11/16
Nesse sentido, ao entender a realidade das mulheres latino-americanas em meio às
consequências de suas especificidades, após o que foi abordado no presente trabalho, foi
possível concluir a importância de uma educação em direitos humanos articulada ao
movimento feminista.
Foi possível perceber a necessidade de uma educação em direitos humanos que auxilie
a desmistificar a imagem negativa atribuída ao movimento; a importância da memória para
evitar que as atrocidades realizadas contra as mulheres ocorram novamente; a defesa de uma
formação em direitos humanos integral, que considere todos os aspectos dos indivíduos,
inclusive a situação de subalternização das mulheres; o questionamento a naturalidade ou
normalidade das opressões; e os desafios impostos ainda hoje à aplicação de uma educação
em direitos humanos, assim como a difícil realidade das mulheres até os dias atuais.
Assim, apesar dos desafios impostos diariamente a quem se propõe a educar para os
direitos humanos como a falta de recursos, os desafios impostos pelo senso comum, a
carência de profissionais qualificados, entre outros, é importante ressaltar a importância de
sua articulação ao movimento feminista, ao considerar a realidade de constante violação de
direitos aos quais as mulheres latino-americanas são submetidas até os dias atuais.
É por meio do processo da educação que os indivíduos serão educados para respeitar
todos os outros, independentemente do sexo, da raça, da sexualidade, ou de qualquer outra
especificidade que for. O que traz mais uma vez a necessidade dessa educação em direitos
humanos e latino-americana, que vai de encontro à construção do conhecimento mais
hegemônica que por muitas vezes ignora nossas especificidades e, principalmente,
especificidades de mulheres que aqui vivem.
REFERÊNCIAS
BITTAR, Eduardo C. B. Educação e metodologia para os direitos humanos. In: SILVEIRA,
Rosa Maria Godoy [et.al.]. Educação em Direitos Humanos: Fundamentos teórico-
metodológicos. João Pessoa, Editora UFPB, 2007, p. 313-334.
BRINGUEL, Breno. Ativismo transnacional. O estudo dos movimentos sociais e as novas
geografias pós-coloniais. IN: Estudos de Sociologia, Rev. do Progr. de Pós-Graduação em
Sociologia da UFPE, v. 16, n. 2, p. 185 – 215, 2010. Disponível em:
http://www.revista.ufpe.br/revsocio/index.php/revista/article/view/122. Acesso em:
25/03/2016.
CANDAU, Vera; SACAVINO, Suzana. Educação em direitos humanos e formação de
educadores. Educação (Porto Alegre, impresso), v. 36, n. 1, p. 59-66, jan./abr. 2013.
COSTA, A. É viável o feminismo nos trópicos? Resíduos de insatisfação – São Paulo, 1970.
Cadernos de Pesquisa, Fundação Carlos Chagas, n. 66, capa, 1988. Disponível em:
<http://publicacoes.fcc.org.br/ojs/index.php/cp/article/view/1206/1212>. Acesso em: 20 jun.
2016.
DUSSEL, Enrique. Filosofia da Libertação. São Paulo: Edições Loyola, 1977.
GAIO, Roberta; CARVALHO, Roberto Brito de; SIMÕES, Regina. ―Métodos e técnicas de
pesquisa: A metodologia em questão‖. In: Roberta Gaio (Org). Metodologia de Pesquisa e
Produção de Conhecimento. Petrópolis: Editora Vozes, 2008.
LAGARDE, Marcela. La ciudadanía y los derechos de las mujeres. En: ______. El feminismo
en mi vida. México, Instituto de Mujeres- DF, 2012, p. 91-116.
LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo,
EPU, 1986.
MIRZA, Christian Adel. Movimientos sociales y sistemas políticos em América Latina. (Parte
I. Cap. I. Razones, motivaciones e impulsos: ¿Por qué estudiar los movimentos sociales e su
relación com los sistemas políticos em América Latina). Buenos Aires: Clacso, 2006.
PRÁ, J; EPPING, L. Cidadania e feminismo no reconhecimento dos direitos humanos das
mulheres. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 20, n. 1, p. 33, maio 2012. ISSN 0104-026X.
Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/S0104-
026X2012000100003/21850>. Acesso em: 20 jun. 2016.
SARTI, C. O feminismo brasileiro desde os anos 1970: revisitando uma trajetória. Estudos
Feministas, Florianópolis, v. 12, n. 2, p. 35, jan. 2004. ISSN 0104-026X. Disponível em:
<https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/S0104-026X2004000200003/7860>.
Acesso em: 20 jun. 2016.
STAKE, Robert. Pesquisa qualitativa: estudando como as coisas funcionam. Porto Alegre:
Penso, 2011.
STERNBACH, Nancy Saporta; NAVARRO-ARANGUREN, Marysa; CHUCHRYK,
Patricia; ALVAREZ, Sonia E.. Feministas na América Latina: de Bogotá a San Bernardo. In:
Estudos Feministas, p. 255-295, Nº 2/94
TAVARES, Celma. Perspectivas da Educação em Direitos Humanos na realidade latino-
americana e brasileira. Revista Jurídica da Universidade Portucalense Infante D. Henrique, v.
16, p. 23-33, 2012.
VARGAS, Virgínia. Los feminismos latinoamericanos en su tránsito al nuevo milenio. En:
MATO, Daniel (comp.). Estudios y otras prácticas intelectuales latino-americanas en cultura y
poder. CLACSO, Caracas, 2002, p. 1-12.
ZENAIDE, Nazaré. A linha do tempo da educação em direitos humanos na América Latina.
In: RODINO, Ana María [et.al.]. Cultura e Educação em Direitos Humanos na América
Latina. João Pessoa, Editora UFPB, 2014, p. 29-60.
METODOLOGIAS ATIVAS E EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS:
VIVÊNCIAS NO AMBIENTE ESCOLAR A PARTIR DO JOGO “E SE
FOSSE VOCÊ ?”
Resumo
O presente trabalho visa apresentar um relato de experiência acerca do projeto ―E se fosse você ?‖
realizado na rede pública estadual de Juazeiro do Norte, CE. O projeto trabalhou a questão das
diversidades presentes no ambiente escolar a partir de um jogo de tabuleiro, onde os alunos deveriam
desenvolver a empatia – já que lhes eram apresentadas situações de conflito no ambiente escolar
envolvendo preconceitos e diversidades as quais eles deveriam se colocar naquela situação e
soulucioná-la. Tal projeto além de trabalhar contra o preconceito e o bullying escolar, visou o debate,
a troca de informações e conhecimentos, além de atuar na esfera da educação e da promoção dos
Direitos Humanos.
Palavras-chaves: diversidade, educação, jogos, metodologia ativa, Direitos Humanos.
Introdução
Toda pesquisa requer escolhas e caminhos a serem percorridos, e com esta pesquisa não foi
diferente. Por uma questão de recorte temático e para melhor aproveitamento da experiência
pedagógica, optamos por trabalhar com as diversidades religiosa, étnica, sexual e de gênero.
Nesse sentido, surgiu a ideia de se trabalhar tais temáticas através de um jogo vem na intenção de
abordar tais assuntos tidos como tabus, de forma dinâmica, interativa e lúdica, aplicando uma
metodologia ativa de aprendizagem, a partir da qual o aprendizado se dá a partir de problemas e
situações reais – nesse caso, os preconceitos no ambiente escolar.
A ideia do projeto surge de uma necessidade percebida nas escolas, que é a questão do
preconceito: 92 % das pessoas que participaram do projeto – dentre alunos, professores e núcleo
gestor - afirmam já terem presenciado alguma situação de preconceito na escola. Sendo assim,
nossa intenção é a de que o jogo atue como um material de apoio a professores e alunos, dentro e
fora de sala de aula.
Embora esses temas estejam presentes em nosso dia-a-dia na escola e em nossa sociedade,
fala-se muito pouco sobre eles e os motivos são diversos – falta de informação, medo,
preconceito, falta de interesse, dentre outros. Acreditamos que o silêncio também é um lugar de
fala, e nesse caso, o silêncio grita. Grita sobre a violência, o preconceito, a falta de informação
que faz com que jovens sofram, morram, matem sem nem saber o que fazer ou como ou a quem
pedir ajuda.
A escola enquanto formadora de cidadãos críticos tem o dever de educar e informar esses
jovens sobre as diferenças, a tolerância e o respeito. Nesse sentido, corroboramos com Maria
Victoria Benevides que defende a necessidade de uma educação em Direitos Humanos, a partir de
um trabalho de educação continuada, a educação para a mudança e a educação compreensiva, no
sentido de ser compartilhada e de atingir tanto a razão quanto a emoção 72. Aliado a tais questões,
acreditamos que o uso de metodologias ativas no ambiente escolar podem ser um ponto de partida
para avançar nesse processo mais de reflexão, de integração cognitiva, de generalização, de
reelaboração de novas práticas. Se queremos que os alunos sejam proativos, precisamos adotar
metodologias em que os alunos se envolvam em atividades cada vez mais complexas, em que
tenham que tomar decisões e avaliar os resultados, com apoio de materiais relevantes. Se
72 BENEVIDES, Maria Victoria. Educação em Direitos Humanos: De que se trata? In BARBOSA, Raquel
Lazzari Leite (org.). Formação de educadores: desafios e perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 2003, p. 15.
queremos que sejam criativos, eles precisam experimentar inúmeras novas possibilidades de
mostrar sua iniciativa.
Para Maria Victoria Benevides,
Esperamos assim, estar contribuindo de alguma forma para a formação de uma sociedade
mais humana, mais acolhedora, mais respeitosa e mais plural.
Metodologia
73 Idem.
preconceito na escola? Já presenciou algum tipo de preconceito? Como sua escola aborda a
questão do preconceito?
Tanto para o levantamento de dados, como no estudo de análise de conteúdo desse
material, optamos por trabalhar com o método de análise denominado ―investigação por
métodos mistos" (mixed methods) – também conhecido como ―triangulação‖. A investigação
por métodos mistos é uma integração de métodos qualitativos e quantitativos num único
estudo, com o objetivo de obter uma visão mais abrangente e uma compreensão mais
profunda do ―fenômeno‖ em estudo, ora atribuindo mais peso a um do que a outro, ora
iniciando-se com um e concluindo-se com outro, sem um marco rígido quanto a isso74.
Enveredamos por essa via de investigação, por considerá-la mais adequada aos nossos
objetivos, já que o método misto inclui estratégias de recolha de dados (questionários,
entrevistas, observações, quantificações), métodos de investigação (experiências, relatos
pessoais) e em nossa pesquisa seria imprescindível termos um levantamento em números
(quantitativo), para mostrar, em números reais, a quantidade de casos de preconceito nas
escolas, o quanto as omissões são gritantes: 86% dos alunos participantes do projeto afirmam
já ter sofrido algum tipo de preconceito na escola; 75% afirmam que seus professores não
abordam temáticas relacionadas a diversidade étnica, religiosa, de gênero ou sexual. O que
fizemos aqui nada mais foi do que quantificar a realidade vivida e percebida por todos nós
que fazemos parte da comunidade escolar. Por outro lado mostrar os números não seria
suficiente, era preciso dar voz a essas pessoas, ouvir suas histórias, e ajudá-las de alguma
forma, por isso a preocupação em utilizar esse material qualitativo, não só no intuito de
coletar os dados, mas também para utilizá-las no jogo ―E se fosse você?‖ como situações.
Como uma das intenções do projeto é a busca do conhecimento e da informação para
desmistificar preconceitos, realizamos algumas visitas técnicas na cidade de Juazeiro do
Norte. No que se refere a religiosidade, visitamos o terreiro de candomblé Ilê Alaketu Ijobá
Asé Logun y Oyá, localizado no bairro Pedrinhas – Aeroporto, onde conversamos com o
sacerdote do terreiro, Pai Isaac. Posteriormente fizemos outras visitas a este terreiro a convite
do sacerdote, para conversarmos com a juventude do terreiro e aplicarmos o jogo; visitamos o
budista Luan Luna; o GEFIS Grupo Espírita da Fraternidade Irmã Sheilla, no bairro Vila
Fátima, onde fomos recebidos por Gandhi Morais, e o Grupo Jovem Católico da Paróquia de
São Miguel. Em todas essas visitas priorizamos conhecer cada uma dessas religiões através da
74 Nosso questionário foi montado de acordo com o modelo recomendado por John Creswell, onde usamos
perguntas fechadas (objetivas) e abertas (discursivas). CRESWELL, JOHN W. Projeto de Pesquisa: Métodos
Qualitativo, Quantitativo e Misto; Tradução Magda Lopes. 3 ed. Porto Alegre: ARTMED, 2010.
visão de seus adeptos e ouvimos diversos relatos sobre o preconceito religioso que sofrem –
dentro e fora do ambiente escolar – e como lidam com essa questão75. Vale ressaltar que a
cidade, Juazeiro do Norte, é extremamente católica, devido a devoção ao Padre Cícero e
muitas vezes outras denominações religiosas não são bem aceitas por grande parte da
população.
Nosso contato com os movimentos sociais LGBT se deu com o Grupo Akuenda a
Diversidade, e seu representante Pablo Soares e com a Associação Beneficente Madre Maria
Villac (ABEMAVI) e seu representante Ronildo Oliveira. Em um de nossos encontros
tivemos a oportunidade de conhecer a professora Brenda Vlazacj, transexual, que muito
contribuiu com o projeto ao nos contar sobre sua experiência enquanto ativista, professora de
adolescentes e sobre a sua adequação sexual – nome dado ao processo de transição da
identidade masculina para feminina ou vice-versa.
Já com o movimento negro, conhecemos as meninas do Negras Simoas, (Jessica
Diniz, Karina Cardoso e Karla Alves) ativistas não só do movimento negro, mas que também
lutam pela equidade de gênero e contra a lesbofobia e bifobia.
Destacamos também os encontros e as discussões traçadas dentro do LIEV –
Laboratório Interdisciplinar de Estudos da Violência - e da UNILEÃO – Centro Universitário
Dr. Leão Sampaio - e com o professor do curso de Enfermagem da URCA – Universidade
Regional do Cariri - e pesquisador de gênero e ativista LGBT, Glauberto Quirino.
A partir do levantamento dessas informações iniciamos a construção e aplicação do jogo
―E se fosse você?‖– maneira pelo qual aplicamos nossa metodologia ativa. Nossa sugestão é
de que as partidas sejam jogadas por 04 equipes ou por até 04 duplas que disputam entre si,
para que assim haja a troca de ideias, o debate.
No jogo são apresentadas situações cotidianas do ambiente escolar as quais os
jogadores deverão "solucionar". Essas situações foram selecionadas a partir de um
levantamento de situações reais envolvendo pessoas na faixa etária do nosso público alvo -
alunos de Ensino Médio, entre 14 e 18 anos, professores e gestores - a partir de pesquisas na
mídia (tv, jornais, internet e nos questionários respondidos pelos alunos, professores e
gestores). Tivemos o cuidado de preservar a identidade dos envolvidos, modificando detalhes
como nomes e cidade. A intenção é que o jogador, se colocando na pele daquele seu
75 Sobre essa temática, embora envolvendo outra faixa etária, recomendamos a leitura de SOUSA, K. Entre a
escola e a religião: Desafios para crianças de candomblé em Juazeiro do Norte. 2010. 145 f. Dissertação
(Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação. UFC, Fortaleza. 2010.
.
personagem, solucione, debata, se depare com uma situação de conflito sob uma ótica
diferente de seu habitual. A partir da experiência do jogo, ao se colocar nas situações
apresentadas, o jogador é estimulado a pensar a partir de outra perspectiva, ao tentar
solucionar a situação que lhe foi apresentada. Não existe uma resposta correta. A intenção
aqui é o debate, a discussão e ―o se colocar no lugar do outro‖. O aplicador do jogo lerá a
situação até um certo ponto, quando será colocada a questão ―E se fosse você?‖, o que faria,
como reagiria? Depois de um breve debate, a equipe dará a sua solução para o caso, e em
seguida, será lido o desfecho real da situação.
No decorrer do jogo, o jogador irá acumulando estrelas, que o farão subir de nível
(Primário, Secundário, Graduado, Especialista, Mestrado e Doutorado), ganhando o jogo
quem primeiro alcançar o grau Doutorado ou se alguma equipe retirar no baralho ―NOTÍCIA‖
a carta que encerra a partida – nesse caso ganhará a equipe que estiver com o grau mais
avançado. O jogador poderá conseguir estrelas ao cair na casa ―ESTRELA‖ do tabuleiro, onde
ele irá rodar a roleta para saber se ganha ou perde estrelas; e ao responder alguma situação,
quando cair na casa ―E SE FOSSE VOCÊ?‖. Existem ainda a casa ―PRISÃO‖ e ―VÁ PARA
A PRISÃO‖, que deixa o jogador uma rodada sem jogar. O baralho ―NOTÍCIA‖ trará
informações histórias, culturais, estatísticas, legislativas, curiosidades sobre as diversidades
citadas, podendo ser boas ou ruins.
Nosso grande desafio em uma segunda etapa do projeto foi confeccionar um tabuleiro
na versão gigante, como uma forma de estimular mais ainda a participação de alunos e
professores no projeto. A ideia era que pudéssemos visitar as escolas de nossa região com esta
versão gigante, e até mesmo realizar uma espécie de competição entre as escolas – ambos os
objetivos conseguiram ser alcançados. A metragem do tabuleiro (7 X 9 m) foi escolhida para
que coubesse no refeitório ou quadra das escolas. Cada casa do tabuleiro ficou medindo,
aproximadamente 1 X 0,70 m, e tentamos reproduzir ao máximo o tabuleiro pequeno em
versão gigante.
Resultados e Discussões
JÁ PRESENCIOU OU TEM
CONHECIMENTO DE ALGUÉM QUANDO É CABÍVEL, O(A) PROFESSOR(A)
QUE SOFREU ALGUM TIPO DE ABORDA EM SUAS AULAS QUESTÕES
PRECONCEITO? SOBRE AS DIVERSIDADES DE GÊNERO,
ETNIA, SEXUAL E RELIGIOSA?
8%
SIM 48%
52% SIM
NÃO
92% NÃO
RESULTADOS - ALUNOS
30 %
14 %
SIM
70 % NÃO SIM
NÃO
86 %
RESULTADOS – PROFESSORES E GESTÃO
JÁ PRESENCIOU OU TEM
CONHECIMENTO DE ALGUÉM
QUE SOFREU ALGUM TIPO DE
PRECONCEITO?
VOCÊ ACREDITA QUE O JOGO
13 % FACILITA A ABORDAGEM DE
CERTOS ASSUNTOS
SIM
NAS AULAS ?
NÃO
87 %
FEEDBACK
100 %
100 %
59 % SIM
41 % NÃO
Considerações Finais
A receptividade do jogo foi muito boa, não houve nenhuma declaração ou repercussão
negativa nesse sentido. Alunos e professores que participaram da experiência concordaram
que introduzir a dinâmica através de um jogo facilitou a introdução de assuntos considerados
tabus e delicados e mesmo alunos tidos como mais inibidos, se motivaram a expressar sua
opinião e se inserir no debate. Os professores afirmaram ainda que o jogo seria um excelente
instrumento para auxiliá-los nas aulas, já que a falta de uma formação específica, de
informação e até de incentivo colaboram negativamente para o desenvolvimento de tais
temáticas no ambiente escolar. Muitos alunos se mostraram mais receptivos e curiosos sobre o
tema, e algumas informações trazidas pelo jogo não eram de conhecimento da maioria dos
jogadores – o que reforça o caráter informativo do projeto.
Para termos um feedback em relação a hipótese do projeto, a opinião, receptividade de
docentes e discentes e sugestões sobre o jogo, aplicamos um questionário para todos os alunos
e professores que participaram das partidas. Esses questionários também foram respondidos
de forma anônima, e houve uma aceitação geral e excelente receptividade da metodologia,
tanto por alunos e professores.
Ao comparar dados anteriores e posteriores a aplicação do jogo, vimos que nossos
objetivos – debate, esclarecimento, troca de informações, incentivo para se trabalhar as
temáticas ligadas a diversidade em sala de aula – foram atingidos com sucesso, visto que
muitas vezes os próprios alunos pedem para que o jogo seja aplicado em algumas aulas.
Compreendemos que não se faz uma educação de qualidade sem uma educação
cidadã, uma educação que valorize as diversidades. Espera-se, portanto, que uma prática
educativa de enfrentamento das desigualdades e valorização da diversidade vá além, seja
capaz de promover diálogos, a convivência e o engajamento na promoção da igualdade. Não
se trata, simplesmente, de desenvolver metodologias para trabalhar a diversidade e tampouco
com ―os diversos‖. É repensar as relações que se dão no ambiente escolar na perspectiva do
respeito à diversidade e de construção da igualdade, contribuindo para a superação dos
preconceitos nas relações entre pessoas, independente de gênero, sexualidade, religião, etnia
para a qualidade da educação. É no ambiente escolar que os estudantes podem construir suas
identidades individuais e de grupo, podem exercitar o direito e o respeito às diferenças.
Nas palavras de Maria Victoria Benevides,
Referências Bibliográficas
.
JUNQUEIRA, Rogério Diniz. (Org.). Diversidade Sexual na Educação: problematizações
sobre a homofobia nas escolas. Brasília: MEC/Secad/Unesco, 2009.
LAZARI, Rafael Jose Nadim De; LEAL, Bruno Bianco; BERNARDI, Renato (orgs.).
Liberdade Religiosa no Estado Democrático de Direito: Questões históricas, filosóficas e
políticas. São Paulo: Lumen Juris, 2014.
LIMA, Maria Nazaré Mota de (org). Escola Plural – a diversidade está na sala de aula.
Salvador. Cortez: UNICEF – CEAFRO, 2006.
PINSKY, Jaime. As doze faces do preconceito. São Paulo, Editora Contexto, 2009.
RIBEIRO, P. et. al. (Orgs.). Corpo, Gênero e Sexualidade: Discutindo práticas educativas.
Rio Grande: FURG, 2007.
SUICÍDIO E PORNOGRAFIA DE VINGANÇA
RESUMO
Este artigo tem, como foco, discutir a influência de fotos e vídeos íntimos expostos nas
redes sociais por ex parceirxs, no suicídio de alguns jovens, analisando essa exposição como
uma ruptura de valores até então construídos pelas vítimas no convívio social, familiar e
escolar. Ressalta a pressão de valores de um grupo social no psicológico de crianças,
adolescentes e mulheres, que buscam o suicídio com a finalidade de destruir a vergonha, dor,
desonra e humilhação causadas pelas postagens dessas imagens e vídeos, e não de destruir a
própria vida. O estudo reflete uma nova forma de violência de gênero, que surge no final do
século XX e início do século XXI, através das redes sociais e seu poder de alta escala de
compartilhamento. Buscando construir este artigo por meio de referenciais teóricos de Émile
Durkheim, Michel Foucault e Simone Beauvoir, que trazem em suas obras a influência da
sociedade nas tomadas de decisões dos indivíduos, análise das instituições e estudos sobre
sexualidade, feminismo, gênero, violência e educação.
INTRODUÇÃO
77
Graduando em Direito do Centro Universitário Dr. Leão Sampaio (UNILEÃO) b.arraes@icloud.com
² Mestre em História Social da Cultura PUC-RJ. Professora do Centro Universitário Dr. Leão Sampaio
(UNILEÃO) marcelamcarvalho@gmail.com
Em um tempo anterior, a mulher era vista pela sociedade como um ser inferior ao
homem, sendo assim, suas ações acabavam por ter uma certa limitação. Na atualidade, as
mulheres vêm lutando para que haja uma maior valorização do seu gênero, porém, ainda traz
consigo raízes de um passado não muito remoto, repleto de várias formas de preconceitos.
A violência pode ser considerada uma das práticas que mais acometem as pessoas do
gênero feminino, violência essa, que chega a ser tão grave a ponto de mulheres atentarem
contra a própria vida.
A presente pesquisa tem como objetivo analisar como a pornografia de vingança,
considerada uma violência contra mulher, pode contribuir para à ação do suicídio.
Compreendendo responder, não só a questão feminina, mas do suicídio em si, suas formas de
cometimento, formas de evitá-lo, causas e consequências não só para o agente mas para
outros indivíduos que, de alguma forma, fazem parte do processo.
SUICÍDIO
Suicídio é a ação de subtrair a própria vida, ação essa que tem graves implicações
sociais. A maioria das pessoas que realizam esse ato, sofrem de problemas psicológicos por
meio de estresses agudos e experiências de vida. Essa prática é utilizada como um modo de
escapatória, fuga da realidade, é um estado interior chamado de ambivalência, a busca de
atenção.
A Universidade de Campinas realizou um estudo onde foi possível observar que
―(...)17% dos brasileiros, em algum momento, pensaram seriamente em dar um fim à própria
vida, e desses, 4,8% chegaram a elaborar um plano para isso(...)"
Na visão de Émile Durkheim o indivíduo quer acabar com a dor que sente, e então,
retira a própria vida. Seus estudos afirmam que esta ação é mais que um ato individual, e sim
um fato social. Durkheim traz em sua obra, três conceitos.
PORNOGRAFIA DE VINGANÇA
A mulher é mais fraca do que o homem; ela possui menos força musculas, menos
glóbulos vermelhos, menor capacidade respiratória; corre menos depressa, ergue
pesos menos pesados, não há quase nenhum esporte em que possa competir com ele;
não pode enfrentar o macho na luta.
78
http://Revistamarieclaire.Globo.com/mulheres-do-mundo/noticia/2013/11/pornografia-de-revanche-nossa-
sociedade-julga-mulheres-como-se-o-sexo-denegrisse-a-honra-diz-romario
Os casos têm se tornado cada vez mais frequentes. Além das notícias que repercutem
na mídia, há incidência em pessoas próximas. Como legislador, toda vez que diagnosticamos
um problema, tentamos pensar numa solução.
METODOLOGIA
A presente pesquisa qualitativa tem por base o levantamento bibliográfico que segundo
Lakatos:
(...) permite compreender que, se de um lado a resolução de um problema pode ser
obtido através dela, por outro, tanto a pesquisa de laboratório quanto à de campo
(documentação direta) exigem, como premissa, o levantamento do estudo da questão
que se propõe a analisar e solucionar. A pesquisa bibliográfica pode, portanto, ser
considerada também como o primeiro passo de toda pesquisa científica.
(LAKATOS, 1992, p.44)
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O intuito desta pesquisa é fazer uma análise mínima acerca da relação existente entre a
prática do suicídio e a pornografia de vingança a fim de proporcionar uma melhor
compreensão sobre os aspectos que englobam essa questão.
A problematização do gênero acerca dessa nova violência contemporânea, que atinge
na sua maioria mulheres, crianças e adolescentes, faz-se necessária devido ao ápice de
surgimento de suicídio sendo resultado de um constrangimento psicológico, avaliados em
decorrência das relações de poder, advindas do patriarcado ao longo dos anos, moldando
então, as experiências de vida em cada geração.
A respeito do aumento de casos de cyberbullying ocorridos no âmbito escolar e
acadêmico, vale ressaltar a responsabilidade cabível aos pais, gestores e professores no
que diz respeito a uma melhor orientação sobre os riscos e consequências oriundas de tais
abusos.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo: A experiência vivida. 2. ed. São Paulo: Difusão
Europeia do Livro, 1967.
________. O Segundo Sexo: fatos e mitos. 4. ed. São Paulo: Difusão Europeia do Livro,
1970.
BOURDIEU, Pierre. A Dominação Masculina. 12. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014.
DURKHEIM, Émile. O Suicídio: Estudo de sociologia. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
GOMES, Marilise Mortágua. ―As Genis do século XXI‖: Análise de casos de pornografia de
vingança através das redes sociais. Orientadora: Cristiane Henriques Costa. Rio de Janeiro:
UFRJ/ECO. Monografia em Jornalismo.
Resumo do artigo: Este trabalho teve como objetivo geral verificar os estágios da Jornada do Herói
de Campbell nas Princesas da Disney, discutindo a representação de gênero e o protagonismo
feminino nas veiculações infantis, entendendo estas últimas como meios de construção de educação.
Compreendendo gênero como um constructo social foram realizadas reflexões sobre a produção social
do protagonismo de gênero, para tal a figura do herói foi utilizada como instrumento de verificação do
protagonismo das personagens. Foi possível indagar se as Princesas da Disney estariam
configuradas também na estrutura de heroínas, visto que são protagonistas de seus filmes. Os
dados encontrados foram analisados estabelecendo relação entre as ações ativas e passivas
observadas nas narrativas dos filmes analisados. Diante dos dados encontrados pode-se
concluir que a maior parte das princesa têm sua trajetória configurada com a mesma estrutura
da Jornada do Herói, protagonizando as narrativas. No entanto no que se refere ao caráter
ativo durante o ápice da história a maioria delas ocupa papel de passividade, precisando ser
salva, ou ainda estando a mercê de acontecimentos totalmente alheios a si mesma. Observou-
se também a evolução dos padrões de atividade das personagens em linha histórica.
INTRODUÇÃO:
Este trabalho teve como objetivo geral verificar os estágios da Jornada do Herói
(CAMPBELL, 2004) nas Princesas da Disney, discutindo a representação de gênero e o
protagonismo feminino (LOURO, 1997) nas veiculações infantis, entendendo estas últimas
como meios de construção de educação (GONNET, 2004).
Para Louro (1997) a cisão entre os gêneros masculino e feminino acabou por criar um
universo feminino invisível, ao passo que o universo masculino é constituído daquelas
atividades externas, ativas e visíveis. O universo feminino é composto de atividades veladas,
discretas, passivas e internas muitas vezes ao ambiente doméstico. Em muitos cenários
segundo este autor o pape da mulher é secundário, ―de apoio‖ ou coadjuvante. A ideia de
protagonismo está, portanto, em alguma medida distante do mundo feminino. Louro (1997)
menciona ainda que os estudos feministas e seu caráter político tornaram possível a
compreensão acerca das vidas femininas e suas múltiplas facetas, bem como a construção
social do ser mulher.
Gonnet (2004) propõe a mídia com um meio de educação, uma vez que esta cruza o
caminho da educação no sentido de produzir e divulgar informação. Segundo Setton a mídia é
uma matriz de cultura originando representações e socialização (SETTON, 2013). Diante
disto os papeis representados por esta via de informação são relevantes constructos do
desenvolvimento do sujeitos consumidores das tais. Para trabalhar a perspectiva de
representação de gênero na educação ao público infantil, este trabalho tomou como objeto de
análise as Princesas da Disney, como veículos de representação de gênero estabelecendo
relação com heróis.
Para Campbell (2004) o herói é aquele que protagoniza sua própria história, tomando o
papel central no espaço e no tempo da narrativa, distinguindo-se dos demais. Assim o
conceito de herói Campbelliano está intimamente relacionado à atividade de caráter relevante
para o enredo, isto é, aquelas ações capazes de mudar o curso da história e que indiciam seu
autor como potente e distinto, como agente principal da situação mediante a importância de
suas decisões/ações.
MÉTODO:
Este trabalho é fruto de uma pesquisa documental de caráter exploratório que buscou
observar os filmes de animação da Disney sobre princesas a fim de verificar o papel de
protagonismo exercido pelas mesmas em seus respectivos filmes mediante a Jornada do Herói
proposta por Campbell (2004). Os dados coletados foram tratados mediante métodos
comparativos, estabelecendo paralelos entre a teoria e o objeto de pesquisa, de modo
descritivo e analítico, mediante observação do fenômeno e descoberta de relações.
Para efeito desta pesquisa foram analisadas as princesas da que integram a franquia
―Princesas Disney‖ acrescidas das últimas personagens do gênero lançadas no Brasil até 2016
que ainda não integram a franquia. No total foram analisadas 13 princesas, sendo elas: Branca
de Neve, Cinderela, Aurora, Ariel, Bela, Jasmim, Pocahontas, Mulan,Tiana, Rapunzel,
Mérida, Anna e Elsa. Estas personagens foram analisadas de acordo com as etapas descritas
por Campbell como compondo a Jornada do Herói a fim de configurar a atuação como
também papéis heroicos no sentido de protagonismo.
RESULTADOS E DISCURSÃO:
Após as correlações entre a história narrada nos filmes das Princesas e possíveis
configurações heroicas das protagonistas, elas foram observadas quanto ao protagonismo de
gênero e os papeis ativo/passivo em seus próprios enredos ainda de acordo com o conceito de
herói Campbelliano. Cada princesa foi analisada de acordo com os estágios da Jornada do
Herói:
Branca de Neve
Após algum tempo vivendo com os anões chegam as ‗provas‘, isto é, o momento em
que no filme os anões saem a trabalho e a princesa é instruída a ter cuidado com estranhos
(regras do ‗mundo mágico‘, floresta). Neste momento percebe-se que a rainha transformada
em bruxa aproxima-se e ao induzir a princesa a comer da maçã torna-se uma metáfora a
tentação do herói, que neste caso também apresenta-se figurado por uma mulher. A partir
daqui observa-se que curiosamente o ato de comer a fruta, movido por ingenuidade e
inocência é também um ato de ‗quebra de sintonia com o pai‘ e descumprimento das ‗regras‘
do mundo em agora está inserida a princesa.
A princesa então entra em ―sono de morte‖ como é descrito no longa. Passado algum
tempo surge o Príncipe Encantado como ‗resgate com auxílio externo‘ e com um beijo de
‗amor verdadeiro‘ traz a princesa de volta. A qual sai da floresta, passando pelo ‗limiar do
retorno‘ e volta a seu mundo que é a vida no castelo, agora como esposa do príncipe (senhora
de dois mundos) alcançando aquela ‗liberdade para viver‘ que é almejada pela protagonista ao
início do filme.
Cinderela
Após isso Cinderela passa pelo ―caminho de provas‖ (atritos com as irmãs e
madrasta). No momento crítico a personagem tem um encontro com a fada madrinha e sai
revitalizada o que pode ser configurado tanto como ―encontro com a deusa‖ como ―apoteose‖.
Ao fim da magia que confere a personagem a possiblidade de ir ao baile existe uma ―benção
última‖ seguida também de um advertência/lei mediante a qual a personagem manterá
sintonia com a ordem dada.
Estando no baile a personagem fica envolta pelo mundo exterior e apresenta felicidade
e realização, sendo lembrada da advertência/lei apenas quando ao som das 12 badalas da meia
noite (recusa do retorno). Deste ponto em diante ao invés de apresentar uma ―fuga mágica‖ a
magia se desfaz ao longo da fuga. Ao retornar a sua vida cotidiana, a personagem é buscada
por ordem do príncipe e é encontrada graças ao ―resgate com auxílio externo‖ dos
animaizinhos que intervém salvando a personagem. Ela passa então pelo ―segundo limiar‖
voltando ao mundo exterior (castelo). E passando a ser Princesa (senhora de dois mundos)
ganhando a tão almejada ao início do filme ―liberdade para viver‖.
Aurora
No filme A Bela Adormecida que narra a história de Aurora (1959), o enredo inicia
com a celebração do nascimento da personagem, um ponto de partida como uma gênese da
história. O chamado para a aventura acontece quando a protagonista é vista em suas
atividades diárias e a rotina é quebrada com a iminência de seu 16º aniversário. Ao tomar
ciência de quem é, a princesa recusa o chamado em virtude de sua recente paixão pelo jovem
desconhecido da floresta, mesmo assim ela segue seu dever atravessando o primeiro limiar em
direção ao castelo (ambiente externo à floresta onde crescera). Não foi observada a presença
dos demais estágio na narrativa, os eventos seguem a ordem cronológica do destino estando
dispostos em um formato linear e não sofrendo influência da princesa. Ao fim do filme
encontra-se o voo mágico, o modo inesperado pelo qual a protagonista é liberta, também é
creditado ao destino, visto que esta lamenta estar apaixonada por um jovem e prometida em
casamento ao príncipe Felipe até que descobre ser o mesmo homem. Os atos de heroísmo e
salvamento neste filme também são feitos do príncipe Felipe.
Ariel
A recusa momentânea deste chamado pode ser observada quando ela volta para o mar
deixando o príncipe na praia. Após conflitos com o pai a princesa torna mais forte sua decisão
de ir ao encontro do príncipe. Para realizar seus objetivos ela vai em busca da Bruxa do mar e
consegue assim o auxílio sobrenatural, a princesa então passa pelo primeiro limiar ao sair do
mar para encontrar o príncipe. Os três dias que a princesa passa no mundo dos humanos
configuram o período no ‗ventre da baleia‘ em que ela conta com seus amigos do mar e tem
de lidar com oponentes e desventuras passando também pelo caminho de provas.
A figura feminina entra em cena como rival da personagem quando a Bruxa do mar
disfarçada de humana e com a própria voz da Princesa intenta roubar o par romântico desta. A
voz da Princesa estabelece uma conexão com seu estado inicial e ao mesmo tempo a figura
representa um desvio do rumo heroico que a personagem deve seguir. No momento de
criticidade e ação a personagem toma a decisão de salvar o príncipe (que está enfeitiçado) e
reunindo toda força de que dispõe (aliados) ela salva o príncipe atingindo o ponto mais crítico
da narrativa, ficando ela própria em perigo. Neste momento o pai da princesa surge (sintonia
com o pai) e reunindo poderes ele (apoteose) ele salva a princesa ficando em perigo, e o
príncipe efetua este salvamento final, sendo este o ato heroico que salva o mundo comum da
princesa.
Bela
Bela (1991) inicia a trama da animação em seu contexto diário, efetuando suas
atividades comuns. Os eventos que se seguem constroem o chamado para ao aventura, que
tem seu ponto máximo quando Bela precisa escolher sair da vila para salvar seu pai, a recusa
ao chamado pode identificada durante a ida, mediante os medos manifestos pela personagem,
embora ela mantenha-se firme na decisão de ir. A personagem passa pelo primeiro limiar
entrando no castelo na floresta saindo de seu mundo habitual. E mesmo durante a estadia dela
no castelo pode-se ver a recusa ao chamado, nas cenas que apresentam a personagem em seu
quarto no castelo chorando e angustiada. É durante sua estadia no castelo que Bela recebe
ajuda sobrenatural dos seres do castelo que são mágicos e aprende as ―regras do mundo
mágico‖, isto é, as proibições impostas pela fera e as possibilidades (ventre da baleia).
Quando a personagem mantém um contato mais próximo com a fera, dá-se início à
sucessão de conquistas graduais no sentido de ―educar‖ a fera, e dar-lhe modos. A sintonia
com o pai é vista no momento em que a personagem deixa o castelo da fera para salvar seu
pai. No momento de maior tensão em que a fera é vista sendo atacada pelos homens do
mundo convencional da Bela. Ela própria efetua o ato heroico que traz a fera de volta a vida
(a grande conquista).
A princesa Jasmim (1992) aparece no filme que leva o nome de seu par romântico
(Aladim), sendo este o protagonista do filme. Apesar da animação ser protagonizada pelo
personagem Aladim, neste trabalho foi feito um recorte da história referente à princesa em
virtude dela compor o rol de Princesas Disney. Ao aparecer, Jasmim é apresentada em suas
atividades diárias de princesa, o chamado para a aventura se manifesta com a emergência da
obrigatoriedade de casar-se e o desejo de conhecer o mundo fora do palácio.
Apesar do breve temor (recusa ao chamado) a princesa sai do castelo para o mundo
exterior (travessia do primeiro limiar). Uma vez no mundo exterior a princesa passa pelo
estágio do ―ventre da baleia‖ passando a tomar conhecimento das regras do mundo exterior,
bem como fazendo vínculos e aliados (Aladim e Abu). A princesa então retorna ao palácio ao
revelar sua identidade para salvar o rapaz (Aladim). Ela então passa pelo caminho de provas
que neste caso consiste num período de tristeza, decepção e culpa. A princesa, que é de
espirito forte e vontade firme, mantém-se leal a suas próprias convicções e obtém êxito
também com o uso da estratégia.
Pocahontas
A princesa salva seu amado, e este por sua vez salva o pai da princesa garantindo a paz
entre os dois povos (grande conquista) de uma forma inesperada e garantindo à personagem o
retorno a suas atividades cotidianas (voo mágico). Pocahontas recusa o retorno a situação
inicial, mas com a partida de Smith ela permanece em sua tribo agora como senhora de dois
mundos e conhecedora da paz entre povos.
Mulan
Mulan (1998) é vista em seu cotidiano, em sua lida que já apresenta desde o início
certo grau de desconformidade com os papeis atribuídos a seu gênero. A normalidade do
cotidiano é quebrada quando seu pai é convocado pelo exército e ela decide tomar seu lugar.
As cenas seguintes apresentam um misto de receio e coragem que dialogam com a recusa ao
chamado no sentido do medo diante do desafio desconhecido. Mulan parte e a ajuda
sobrenatural aparece na figura de Mushu (um pequeno dragão, enviado pelos ancestrais para
sua proteção). A travessia do primeiro limiar ocorre quando ela se disfarça de homem e sai de
seu lar e conforto e entrar para o exército. No exército ela aprende as normas deste mundo
exterior ao seu, bem como faz aliados e inimigos (o ventre da baleia), é também aí que ela
passa por uma sucessão de superações e conquistas (o caminho de provas).
Neste momento em que Mulan toma esta decisão, Mushu (representando ajuda
sobrenatural) põe-se ao seu lado, bem como os amigos que ela fez no exército incluindo o
Capitão Lee Shang. Vê-se aí o estabelecimento de aliança e o uso de todos os recursos do
herói. Segue-se a batalha final onde todos os poderes da heroína são testados e ela obtém
vitória salvando a todos incluindo o Capitão Lee Shang. Nas cenas de maior ação nos
momentos finais ela revela ao arquinimigo ser mulher e tê-lo derrotado antes. Ao final de seu
ato heroico ela recebe a honra do imperador e de todo o povo, bem como um título de heroína
que a integrou ao rol de Princesas Disney.
Tiana
A figura da mãe de Tiana representa ao mesmo tempo o encontro com a deusa (uma
benção da infância) e uma ligação com seu passado. Durante todo o filme percebe-se a
sintonia com o pai que ela estabelece através da realização do sonho deste e manutenção de
seus ideais. O estágio da barriga da baleia acontece quando a personagem começa a
compreender as regras do mundo externo e a fazer amigos. E o auxílio sobrenatural corre por
meio da magia através da personagem Mama Odie, nas florestas e pântanos a princesa passa
pelas estrada de provas vivenciando aventuras.
Tiana é tentada pelo Mestre das Sombras, mas num momento de memória mantém a
sintonia com o pai e reunindo toda sua força de caráter e propósito (apoteose) e obtém êxito (a
grande conquista). De modo inesperado e por intervenção mágica (voo mágico e auxilio
externo através da Mama Odie) quando Tiana casa com o príncipe-sapo eles são
transformados em humanos novamente. Assim ela volta a seu mundo (travessia do limiar de
retorno) e agora acompanhada pelo príncipe, sendo agora senhora de dois mundos, e abre o
restaurante realizando o seu sonho (liberdade para viver).
Rapunzel
O filme Enrolados lançado em 2010 traz a história de Rapunzel assim como Aurora
inicia com o princípio da história; situando o nascimento da princesa no contexto histórico
antes de mostrar o mundo comum dos afazeres habituais da princesa. O chamado para a
aventura surge quando José Bezerra aparece na torre quebrando a rotina causando grande
receio e temor que seriam a recusa ao chamado, no entanto este chamado é atendido quando
ela atravessa o primeiro limiar saindo da torre que é sua zona de segurança e adentrando o
mundo exterior.
Uma vez fora da torre ela passa a assimilar as regras do mundo exterior com José
Bezerra que lhe transmite algum conhecimento sobre a vida fora da torre, ao mesmo tempo
pode-se observar em várias cenas a temeridade da personagem (a recusa ao chamado). Neste
novo ambiente (fora da torre) a princesa passa por uma série de aventuras e desventuras (o
caminho de provas) até que a figura da Gothel surge causando uma situação de crise que
requererá da personagem a reunião de todos os esforços a recursos adquiridos (a grande
conquista), aqui também a personagem recobra alguma memória e estabelece certo grau de
sintonia com seu passado.
Merida
A travessia do primeiro limiar ocorre quando ela e sua mãe-urso entram na floresta em
busca de solucionar o erro, lá elas passam pelo caminho de provas que é ao mesmo tempo um
período de reconexão com a mãe (sintonia). No momento de maior perigo Merida consegue
reunir toda força, coragem e intuição de que dispõe (apoteose) e salva as mãe e irmãos
(grande conquista). Após o ato de heroísmo o filme retrata a harmonia restaurada no reino e a
Princesa como senhora de dois mundos e livre para viver suas próprias escolhas conciliando
seu caminho e seu afeto e relação com a mãe (liberdade para viver).
Anna
Anna, juntamente com sua irmã Elza tendo uma franquia própria (Frozen, 2013), não
integram a franquia Princesas Disney, porém foram incluídas nesta lista por enquadrarem-se
no gênero sendo princesas e da Disney. Anna é apresentada inicialmente em sua infância
como um ponto de partida que oferece subsidio como uma gênesis para a história. O chamado
para a aventura aparece quando por ocasião da manifestação de poderes e fuga inesperada de
Elza ela decide ir em busca de sua irmã. Nesta narrativa a princesa manifesta receio em
atender o chamado a aventura, mas não o evita.
O auxílio externo e inesperado nesta história advém de Kristoff, Sven e Olaf que não
pertencem ao mundo comum da protagonista. Ela ultrapassa o primeiro limiar ao sair de seu
reino para as terras geladas. Uma vez no mundo exterior ela passa a agir de acordo com as
normas deste conforme aprende com Kristoff (a ventre da baleia), o caminho de provas pode
ser percebido na trajetória de aventuras até acalcarem o castelo de gelo de Elza. Anna então é
atingida pela irmã acidentalmente e expulsa do castelo em seguida. Ela conhece os trolls, este
encontro com os trolls também pode ser visto com uma referência àquela benção da infância
por estabelecer ligação direta com o passado da personagem.
Anna é levada para Arendelle onde descobre a fraude do homem com quem pretendia
se casar, no momento crucial da história Anna passa pela apoteose quando supera seu próprio
sofrimento e salva sua irmã (grande conquista) se sacrificando por ela, ato este que por
configurar-se como ―amor verdadeiro‖ também salva a própria Anna imediatamente, sendo
também o estágio do voo mágico. O filme então mostra o reino restaurado e a relação das
irmãs reconciliada, Anna então é senhora de dois mundo conciliando sua relação restaurada
com a irmã e seu amor, Kristoff, (liberdade para viver).
Elsa
Elza (2013), inicia o filme inserida em seu mundo normal, o chamado para a aventura
em Elza surge de modo acidental e ela é compelida a sair de seu mundo comum, quando
expõe seus poderes e congela seu próprio reino, ela então foge passando pelo primeiro limiar,
com medo e temeridade (recusa ao chamado). A intervenção sobrenatural surge como fruto da
magia da própria Elza, o mundo exterior neste caso é muito peculiar pois é a própria expansão
e manifestação da princesa. Ao adentrar esse mundo que é em suma sua liberdade, Elza
manifesta-se satisfeita e realizada, porém solitária, logo não há oponentes ou aliados e nem
adequação às regras uma vez que essas são determinadas por suas próprias ações, o estágio do
ventre da baleia ocorre de modo singular.
Quando sua irmã aparece em seu castelo pode-se perceber uma ligação com o passado
e a figura feminina como ponte entre o presente e a ―benção da infância‖. Depois de
acidentalmente atingir sua irmã no coração Elsa é ainda capturada pelo duque e levada de
volta para Arendelle. O caminho de provas para Elsa na volta para o reino é também um
período de culpa e medo. No momento em que é ameaçada e acusada pelo príncipe Hans, Elsa
manifesta seu poder novamente, ainda sem controle (apoteose), e o ato de maior heroísmo é
realizado por sua irmã que salva-a. Neste momento Elsa descobre o segredo de controlar seu
poder: o amor (a grande conquista). O filme então apresenta o recuperação odo reino e da
relação das irmãs e Elsa passa a ser senhora de dois mundos (seu mundo pessoal e o reino de
Arendelle) e ganha a liberdade para viver.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Diante dos dados encontrados pode-se concluir que a maior parte das princesa têm sua
trajetória configurada com a mesma estrutura da jornada do herói, sendo protagonistas de seus
filmes. No entanto no que se refere ao caráter ativo durante o ápice da história a maioria delas
ocupa papel de passividade, precisando ser salva, ou ainda estando a mercê de acontecimentos
totalmente alheios a si mesma, não tendo assim ação influente ou relevante para o curso da
trama.
Foi possível observar que 8 das princesas (Branca de Neve, Cinderela, Aurora, Ariel,
Pocahontas, Jasmim, Mulan, Rapunzel) têm a ideia de liberdade associada diretamente à
liberdade de escolha de parceiro e o ―final feliz‖ está em paralelo ao casamento em 8 (Branca
de Neve, Cinderela, Aurora, Ariel, Jasmim, Mulan, Rapunzel, Tiana). Dentre as princesas
analisadas 6 apresentaram como parte do chamado a aventura questões relacionadas aos
papeis de gênero de suas culturas e mostram-se rompendo com estereótipos de gênero (Bela,
Pocahontas, Mulan, Jasmim, Tiana, Merida).
ALADDIN, Dicionário: Ron Clements e John Musker, Produção: Walt Disney Feature
Animation, 1992.
A BELA E A FERA, Direção: Gary Trousdal e Kirk Wise, Produção: Walt Disney Animation
Studios, 1991.
A PEQUENA SEREIA, Direção: Ron Clements e John Musker, Produção: Walt Disney
Animation Studios, 1989.
A PRINCESA E O SAPO, Direção: Ron Clements e John Musker, Produção: Walt Disney
Animation Studios, 2009.
BRANCA DE NEVE e os sete anões. Direção: David Hand, Produção: Walt Disney, 1937.
CINDERELA. Direção: Clyde Geronimi, Hamilton Luske e Wilfred Jackson, Produção: Walt
Disney, 1950.
ENROLADOS, Direção: Nathan Greno e Byron Howard, Produção: Walt Disney Animation
Studios, 2010.
FROZEN Uma aventura congelante, Direção: Chris Buck e Jennifer Lee, Produção: Walt
Disney Animation Studios, 2013.
POCAHONTAS, Direção: Mike Gabriel e Eric Goldberg, Produção: Walt Disney Feature
Animation, 1995.
SETTON, Maria Graça. Mídia e educação. Editora Contexto, 2013.
VALENTE, Direção: Mark Andrews e Brenda Chapman, Produção: Pixar Animation Studios,
2012.
“AS MENINAS SUPER PODEROSAS” UMA ANÁLISE DAS
RELAÇÕES DE GÊNERO NOS DESENHOS ANIMADOS INFANTIS
Resumo: Este trabalho tem como foco a análise das relações de gênero do desenho animado infantil
―As Meninas Super Poderosas‖ na ótica do movimento de contracultura. Produzido pela Cartoon
Network nos Estados Unidos, lançado no final dos anos 90 e início dos anos 2000, ganhando um
reboot no ano de 2016. Entretanto, para analisarmos o discurso implícito do desenho animado infantil,
precisamos buscar na teoria as relações estabelecidas entre a mídia e sua influência cultural. A partir
da década de 50, com a popularização do rádio, o currículo que antes era relacionado à apenas textos
escritos, passa a não ser mais exclusividade da escola. A veiculação da cultura pelos meios de
comunicação de massa, apesar de gerar uma maior visibilidade de expressões culturais de grupos
dominados, desencadeou também um predomínio de formas dominantes com objetivo de
homogeneizar os padrões da cultura. Nesse período em que o desenho é lançado, na década de 90,
onde as identidades de gênero, não são respeitadas, sendo sempre estereotipadas através de diversos
materiais pedagógicos e culturais, dentro e fora da sala de aula, tais preconceitos passaram a ser
amplamente difundidos e internalizados na sociedade, determinando papéis de homens e mulheres na
convivência social.
Introdução: Este trabalho tem como foco a análise das relações de gênero do desenho
animado infantil ―As Meninas Super Poderosas‖ na ótica do movimento de contracultura, As
Meninas Super Poderosas é um desenho criado por Craig McCraken, produzido pela Cartoon
Network nos Estados Unidos, lançado no final dos anos 90 e início dos anos 2000, ganhando
um reboot no ano de 2016.
Entretanto, para analisarmos o conteúdo implícito do desenho animado infantil,
precisamos buscar na teoria as relações estabelecidas entre a mídia e sua influência cultural.
Conforme Sloterdijk (apud Carvalho 2015, p.74) as mídias são ―os meios comunitários e
comunicativos pelos quais os homens se formam a si mesmos para o que podem, e o que vão,
se tornar‖. Silva (2000) em um de seus escritos vai nos dizer que é através da representação
que a identidade se une aos sistemas de poder. Quem tem o poder da representação define e
determina a identidade.
Para Carvalho (2015) a representatividade é importante para a construção das
identidades e da produção da diferença cultural. Nos desenhos animados infantis, preocupa-
nos as implicações na formação das crianças que consomem essa mídia. Os desenhos
animados podem ser problematizados como pedagogias culturais, ou seja, um artefato cultural
no qual está envolvido na transmissão de atitudes e valores.
A partir da década de 50, com a popularização do rádio, o currículo que antes era relacionado
a apenas textos escritos, passa a não ser mais exclusividade da escola. Com a veiculação da
cultura pelos meios de comunicação de massa, apesar de gerar uma maior visibilidade de
expressões culturais de grupos dominados, houve também um predomínio de formas
dominantes com objetivo de homogeneizar os padrões da cultura. Isto fica evidente com o que
diz Silva: ―A cultura é um campo de produção de significados no qual os diferentes grupos
sociais, situados em posições diferentes de poder, lutam pela imposição de seus significados à
sociedade mais ampla.‖ (SILVA, 2010, p.133-134). Desse modo, surgem os Estudos Culturais
que são um campo de estudos a fim de analisar os conhecimentos transmitidos pelas
diferentes formas culturais e seu sistema de significação, que possui vínculo com as relações
de poder, questionando assim, os interesses dominantes submersos na cultura de massa.
Porém, é apenas nos anos 90 que os estudos culturais ganham força, no contexto do
surgimento da pós-modernidade e efervescência dos movimentos sociais.
Como uma das categorias de pesquisa atual dos Estudos Culturais, está gênero e sexualidade.
―O termo ―gênero‖ faz referência aos aspectos socialmente construídos do processo de
identificação sexual‖ (SILVA, 2010, p.91). Dessa forma, os desenhos infantis, transmitem
valores e significados que povoam o imaginário das crianças, influenciando a construção de
suas noções de sexualidade, assim como diz Teresa de Lauretis: ―o gênero como
representação e como auto representação, é produto de diferentes tecnologias sociais como o
cinema, por exemplo, e de discursos, epistemologias e práticas críticas institucionalizadas,
bem como das práticas da vida cotidiana‖. (LAURETIS, 1994:2008)
Analisamos assim, alguns episódios do desenho animado: As Meninas Super Poderosas, da
animação original da década de 90 e do reboot de 2016, por ter feito bastante sucesso no
mundo nas últimas décadas, e voltar às telas na atualidade.
Portanto, como estudantes de Pedagogia, investigamos criticamente as imagens e
mensagens veiculadas ao público infantil, que contribuem para a construção da representação
de infância atual a fim de compreender elementos da cultura contemporânea.
Resultados e discussão: Inicialmente foi feito um estudo bibliográfico, buscamos
compreender o que nos diz a literatura e o que os episódios nos revelariam. The Powerpuff
Girls, no Brasil As Meninas Superpoderosas desenho animado criado por Craig McCracken e
produzido pela Cartoon Network, final da década de 90 e início dos anos 2000 as meninas
superpoderosas tornam-se uma febre nos Estados Unidos, tendo sua estreia em Novembro de
1998 e último episódio exibido em Março de 2005. O desenho conta com, 78 episódios, dois
curtas, um especial de Natal e um filme. Em 2016 a série tem um retorno à TV, tendo uma
repaginada tecnológica, ganhando um visual mais moderno. Além dos desenhos animados a
marca The Powerpuff Girls produz diversos produtos de consumo como brinquedos,
lancheiras, bolsas e etc. destinados ao público infantil, onde o foco do mercado se concentra
nas meninas.
O desenho descreve a história de três garotas com super poderes: Florzinha (Blossom),
Lindinha (Bubbles) e Docinho (Buttercup) que moram na cidade Towsville. Sendo criadas
pelo professor Utônio79 com o intuito de criar a ―garota perfeita‖, a receita contém ―açúcar,
especiarias e tudo que há de bom‖, porém o professor deixa cair acidentalmente Elemento X
na receita, gerando as meninas com superpoderes.
Florzinha é a líder do grupo, bastante organizada e confiante, batalhadora, inteligente e apesar
de sua delicadeza possui bastante força. Lindinha é meiga, destemida, apesar de ter medo do
escuro, inocente e observadora. Docinho é a competitiva, possui bastante atitude, apesar de
não demonstrar tanto, ela é bastante sensível, se escondendo muitas vezes por traz de sua
personalidade forte e aparentemente agressiva.
A receita na qual as meninas foram criadas pode até nos remeter a uma análise
negativa, considerando que açúcar e tudo que há de bom são ingredientes considerados
tipicamente femininos, por efeito da construção da identidade feminina, em uma sociedade
machista, onde a mulher assume um papel passivo ligado a sentimentalismo, fragilidade e
submissão. Desconsiderando que a humanidade, independentemente de sua identidade de
gênero, pode ser capaz de possuir tanto características boas quanto ruins, negativas ou
positivas. Apesar disso as meninas trazem de um modo bastante peculiar diversas situações
onde tentam quebrar tais estereótipos.
Nesse período em que o desenho é lançado, ainda que na década de 90, onde as
identidades de gênero, não são respeitadas, sendo sempre estereotipadas através de diversos
79
Professor Utônio: Além de ser o cientista responsável pela criação das meninas superpoderosas, representa
uma figura paterna para elas.
materiais pedagógicos e culturais, dentro e fora da sala de aula, tais estereótipos, que colocam
a mulher no lugar de subserviência e passividade, excluindo-a da construção das
subjetividades de sua própria identidade, passaram a ser amplamente difundidos e
internalizados na sociedade, determinando papéis de homens e mulheres na convivência
social.
As teorias pós-critica do currículo passam a direcionar, um olhar mais atento a esses
objetos pedagógicos e culturais, pois não se tratava mais de garantir o acesso igualitário às
instituições e sim de como o conhecimento estava sendo transmitido. Como afirma Silva ―não
se trata mais simplesmente de ganhar acesso às instituições e formas de conhecimento do
patriarcado mas de transformá-las radicalmente para refletir os interesses e as experiências
das mulheres.‖ (SILVA, 2005 p.93). Deste modo, se analisarmos alguns dos episódios das
meninas super poderosas na década de 90 e nos anos 2000, poderemos perceber algumas
tentativas em que o autor preocupa-se em quebrar diversos padrões internalizados e que a
pedagogia crítica tenta analisar e transformar.
No episódio (79) intitulado ―Somente Membros,‖ se inicia com a transmissão do
grande evento da Associação Mundial dos Super Homens, ao vivo pela televisão a toda
população. Um evento que reúne os maiores super heróis – homens e fortes (entre eles um
intitulado de Machista e outro, o principal dos heróis, de Capitalista).
A desconstrução de que as meninas superpoderosas não poderiam fazer parte dessa
associação como membro começa quando elas passam por testes de força, velocidade e
heroísmo e vencem todos os testes. A idéia de que a força é um atributo masculino, é
desconstruída por Docinho quando ela mostra ter mais força que o super herói mais forte,
porém elas são impedidas de entrar por serem apenas ―menininhas‖ e segundo os membros da
associação elas deveriam estar em casa aprendendo a serem mamães.
Imagem 1: Professor Utônio lavando os pratos (à direita), Super Herói Capitalista líder da liga dos Super
Homens (à esquerda). Fonte: acervo do google.
80
Macaco Louco: Originalmente criado pelo professor Utônio. Ao se expor ao Elemento X, torna-se o vilão.
buscar outros para criar os meninos. Além disso, os nomes dos três personagens masculinos
fazem menção a características atribuídas à masculinidade (fortão, durão e explosão), em
contraposição ao nome das meninas que fazem menção à feminilidade (florzinha, lindinha e
docinho). Apesar das meninas super poderosas serem meninas fortes, seguras e super heroínas
há uma contradição quando elas aparecem frágeis e infantilizadas para derrotá-los, utilizando
seus ―poderes femininos‖, representados em seus comportamentos, gestos e posturas. Essas
representações evidenciam os discursos sobre como se espera que seja uma mulher.
Ao encontrar as meninas superpoderosas, os meninos desordeiros são surpreendidos
pelos superpoderes e a não submissão delas à força deles. Em outro episódio (100), eles
retornam mais resistentes, e quando as meninas ressaltam a masculinidade deles, eles se
tornam maiores e mais poderosos, e ao contrário ele diminuem de tamanho.
Além disso, no episódio Brinquedos de meninos (103), Lindinha se transveste de
menino para tentar se passar por um deles, o que ocorre constantemente durante a série. Já no
episódio Disputa de paternidade (125), em Townsville está se comemorando o dia dos pais
gerando uma disputa entre os vilões: Macaco Louco e Ele81, para saber quem é o pai dos
meninos, sendo no final decidido serem ambos os pais. Apesar de esses episódios
desconstruírem alguns conceitos, ainda assim as personagens são bastante diminuídas, ficando
claro através do tempo da luta, que se estende por maior parte do episódio.
Do mesmo modo o episódio ―De igual para igual‖ (70), uma vilã feminina, chamada
mulher fatal, surge na cidade, com a imagem de defesa das mulheres. Entretanto, ela se revela
femista ao longo do episódio ao abordar diversas vezes que as mulheres são melhores que os
homens, e portanto estes as oprime. Ela questiona que na cidade não há vilãs, e que as super
heroínas acabam sendo extensões de super heróis já existentes. Isto fica claro na cena em que
a vilã questiona as meninas se há alguma super heroína em exceção, e a única de quem se
lembram, é da Mulher Maravilha.
Além disso, essa vilã apenas rouba moedas de Susan B. Anthony, que foi uma
importante feminista que lutou pelos direitos das mulheres no século XIX. Durante o episódio
as meninas acabam acreditando na vilã e passa a oprimir os homens/meninos, até que em um
82
determinado momento, outras personagens femininas como a professora Keane e a Srta.
Belo83, promovem uma conversa para falar com as meninas que a injustiça existe, mas
81
Ele: É considerado o vilão mais mal de todos. Faz uma alusão a um diabo homossexual. Possui a voz, em
certos momentos, fina e aguda e em outros, grossa e perversa. Usa vestido e bota.
82
Professora Keane: É a professora da “Escola Carvalhinho”, que é o lugar onde as meninas estudam.
83
Srta. Belo: É a assistente do prefeito. Possui cabelos ruivos e uma voz sedutora. Apesar dos personagens
dizerem que ela possui um rosto bonito, ele não é mostrado no desenho.
devemos buscar a igualdade lutando pelos direitos de todos, e não apenas de um lado. Apesar
de ser um episódio que, trata claramente a questão do feminismo, a vilã torna-se bastante
estereotipada por ser loira e ter o corpo dito ―ideal‖.
"O conceito de gênero foi criado precisamente para enfatizar o fato de que as
identidades masculina e feminina são histórica e socialmente produzidas. É suficiente
observar como sua definição varia ao longo da história e entre as diferentes sociedades
para compreender que elas não tem nada de fixo, de essencial ou de natural." (SILVA,
2010, p.105-106).
Além disso, As Meninas Super Poderosas opõem-se aos contos de fadas por ter como
personagens principais meninas que são fortes e inteligentes. Isso é claramente visto quando
Docinho não aceita ser chamada de princesa no episódio 06, intitulado O garotão. "Não me
chame de Princesa!", diz docinho ao garotão machista.
Imagem 5: Garotão machista irritado com Docinho e mostrando sua força na barba (à esquerda), Lindinha,
Docinho e Florzinha se preparando para entrar em confronto com o Garotão Machista.
Conclusões: Ainda que no passado as meninas abordem diversas discussões, não apenas sobre
gênero, mas questões que envolvem ensinamentos sobre moral, respeito ao próximo e
companheirismo, deixam a desejar em alguns aspectos sobre o papel das mulheres na cidade
de Townsville.
As únicas personagens femininas do desenho além das próprias meninas se resumem
à senhorita Belo, que é secretária do prefeito e sua função é ajudar o prefeito em todas as
situações da prefeitura sempre ficando à sombra deste, além de ter o corpo estereotipadamente
sensualizado através de suas curvas, e a professora que aparece sempre em episódios que se
passam na escola. Resumindo assim atividades a que mulheres estão predestinadas, caso não
possuam superpoderes como é o caso das personagens principais.
Na temporada 2016, a senhorita Belo retorna à série abandonando o prefeito e,
o avisa através de um bilhete, que vai tirar as férias nunca tiradas antes, deixando claro que
não mais se submeterá aos caprichos e mimos deste.
A nova temporada ainda é muito recente, lançada em abril de 2016, conta até então com 39
episódios reproduzidos no Brasil, e já se pode ver através deles que Craig McCracken traz de
volta as meninas superpoderosas com perfil de luta política e pedagógica muito mais social,
direcionada para as discussões de identidade de gênero de modo muito mais contundente,
apesar do recorte social geral não abordar questões de classe e raça.
As representações contidas na série deixam claro que o autor não pretende silenciar
ou intimidar as lutas de gênero tão presentes no cenário político atual, deixando explícita sua
intenção em usar a cultura como Pedagogia ao reproduzir discussões sobre a identidade
social dos gêneros no desenho.
Referências Bibliográficas
Joanne Suzanil de Lima Alves, graduada em Direito no Centro Universitário do Vale do Ipojuca -
DeVry|UNIFAVIP. Extensionista no DHiálogos: ―Ciclo de Debates Sobre Sociedade e Direitos
Humanos‖. Pesquisadora voluntária e extensionista no GEPIDH Mércia Albuquerque. E-mail:
jsuzanil@gmail.com
Maria Simone Gonzaga de Oliveira, aluna Especial do Mestrado em Direitos Humanos – UFPE.
Graduada em Direito pelo Centro Universitário do Vale do Ipojuca – UNIFAVIP|DeVry. MBA em
Gestão Pública pelo Centro Universitário do Vale do Ipojuca – UNIFAVIP|DeVry. Pesquisadora e
extensionista no GEPIDH Mércia Albuquerque. Extensionista no DHiálogos: ―Ciclo de Debates Sobre
Sociedade e Direitos Humanos‖.E-mail: Simone.gonzaga@outlook.com.br
Raissa Braga Campelo, mestre em Gestão Empresarial pela Faculdade de Boa Viagem, Especialista
em Ciências Criminais pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus, Graduada em Direito pela
Associação Caruaruense de Ensino Superior ASCES, Docente no Centro Universitário do Vale do
Ipojuca.
RESUMO
Entre os novos desafios da globalização, encontra-se, lidar com determinadas condutas difundidas no
ciberespaço, tal qual a violência de gênero na figura da pornografia de vingança Foram estudadas as
interfaces entre gênero e a pornografia de vingança, fundamentada a partir de Beauvoir (1970), Neto e
Gurgel (2014). Foi utilizado o método de pesquisa fenomenológico, abordagem qualitativa, tipo de
pesquisa descritiva e exploratória, coleta de dados bibliográfica e exploração dos dados através da
análise de conteúdo. Fora verificado que a globalização e a consequente consolidação da sociedade da
informação e evolução digital, pressionaram o direito penal a evoluir para atender os anseios e
necessidades do novo contexto social, no entanto, apesar do desenvolvimento do Direito Penal em
relação ao crime no ciberespaço, este ainda não é suficiente no combate às dificuldades encontradas,
como a incapacidade técnica de apuração dos crimes virtuais, o surgimento de novas condutas
criminosas, e principalmente, a garantia dos direitos sociais de cada indivíduo.
INTRODUÇÃO
METODOLOGIA
Para o pesquisador que aborda esse método em sua pesquisa, o que importa é
proporcionar uma descrição direta da experiência ―o modo como o conhecimento se dá‖ (GIL,
1999, p.33).
A pesquisa será descritiva, uma vez que será pautada na técnica de coleta de dados
através da análise documental, observando, registrando e analisando o fenômeno pesquisado,
uma vez que ―as pesquisas descritivas têm como objetivo primordial a descrição das
características de determinada população ou fenômeno ou, então, o estabelecimento de
relações entre variáveis‖ (GIL, 2008, p.42).
Ainda de acordo com Gil (2008, p.42) a pesquisa exploratória busca ―proporcionar
maior familiaridade com o problema (explicitá-lo). Pode envolver levantamento bibliográfico,
entrevistas com pessoas experientes no problema pesquisado. Geralmente, assume a forma de
pesquisa bibliográfica e estudo de caso‖.
A técnica utilizada para análise de dados será a análise de conteúdo, visto ser
conduzida a pesquisa com descrição sistemática de dados para se chegar a uma compreensão
maior do objeto pesquisado.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
A falta de fronteiras do mundo virtual não permite a atuação eficaz, onde ―leis
materiais e processuais dos Estados, concebidas para atuarem dentro de limites territoriais,
perdem a efetividade‖ (BADDAUY, 2009, p. 1763).
Pode ser verificado que os meios virtuais são utilizados muitas vezes com a ideia
deturpada de propagar a liberdade de expressão, mas, no entanto, acabam violando o direito à
intimidade e a privacidade do outro. Os direitos da personalidade se encontram desprotegidos
e vulneráveis diante da difícil tarefa de limitar o que é privado e o que é público no mundo
virtual.
Com o desenvolvimento das mídias digitais, e em especial a internet, ―O Estado
perdeu o controle da informação, importante forma de conter as forças criminosas, o que
fragilizou a segurança internacional‖ (MARWELL, 2011, P. 04). A globalização tecnológica
deu margem ao surgimento de uma diversidade de crimes, onde qualquer indivíduo pode se
tornar vítima ou criminoso.
Pode ser afirmado que a violência de gênero, o controle do homem sobre a mulher e
essa relação desigual dominam qualquer espaço. Não diferente seria o espaço virtual, sendo
este utilizado como o novo mecanismo para se exercer essa dominação, praticando-se a
violência de gênero através do mundo virtual da mesma maneira que ocorre no mundo real
(TRINDADE apud PLOU, 2013).
Neste diapasão, percebe-se que a pornografia de vingança, na era da informação e
tecnologia, representa mais uma violação à intimidade da mulher ―como ato de violência de
gênero‖ (GUIMARÃES; DRESCH, 2014, p. 06).
No entanto, é preciso esclarecer que a pornografia de vingança não se trata de
conduta que fere apenas os direitos da mulher, apesar de na grande maioria dos casos esta ser
a vítima, os homens também podem se encontrarem no papel de vítima (TRINDADE, 2015).
Ainda de acordo com Trindade (2015), 90% das mulheres são vítimas da Revenge
Porn, isso segundo pesquisa requisitada pela campanha ―End Revenge Porn‖ 84.
Para Trindade (2015, p.01) ―O substantivo ―vingança‖ está no termo, pois,
inicialmente, a RP tratava-se da reação a um possível término de um relacionamento
duradouro‖. Ou seja, o termo vingança se encontra na nomenclatura, pois se entende que a
84
A campanha é uma das ações do Ciber Civil Rights Initiative – instituição criada por um grupo de
profissionais norte-americanas (da área jurídica, da psicologia, entre outras) para auxiliar mulheres que são alvo
de Revenge Porn e de outras ações que ferem os direitos civis, sobretudo a privacidade na rede (TRINDADE,
2015, p. 4).
divulgação deste tipo de material é realizada como retaliação pelo término ao ex-parceiro,
com o qual teve uma relação longa. Contudo, deve ser destacado que esses relacionamentos,
nem sempre se tratam de relações duradouras, pois podem decorrer de uma relação casual,
muitas vezes de uma noite só.
Esse caso analisado pelo Tribunal teve como vítima uma jornalista conhecida na
cidade de Maringá, e os danos sofridos por esta foram muito além do constrangimento de ter
sua intimidade revelada, pois além de ter sua imagem vinculada como prostituta, esta perdeu a
guarda de seu filho mais novo e o emprego. Vale destacar que o ex-namorado da vítima teve
como cúmplice um assistente técnico que prestava serviços de manutenção dos computadores
da empresa do réu.
Visto todas as consequências extremamente graves, sofridas pela vítima, bem como
comprovada a materialidade e autoria da conduta por parte do réu, o então apelante, o
Tribunal de Justiça do Paraná manteve a pena estipulada na sentença condenatória, culminada
em 1 (um) ano, 11 (onze) meses e 20 (vinte) dias de detenção, mais 88 (oitenta e oito) dias-
multa, cumprido com regime inicial aberto, no entanto revertida a pena a restritiva de direito,
o réu pagará através de prestação de serviços a comunidade e também com o pagamento
mensal do valor de R$1.200,00 (um mil e duzentos reais) destinados a vítima pelo período
estipulado da pena.
Como observado, a pena estipulada ao réu foi ínfima diante dos danos ocasionados a
vítima, uma vez que está foi afetada em seu âmbito familiar, profissional e social, isso
demonstra a necessidade da devida tipificação da conduta, e com buscar meios mais efetivos
de coibir essa conduta, visto que a penalidade imposta não atua repressivamente e mal cobre
os prejuízos causados à vítima.
Verificar-se-á que na maioria das vezes a conduta não é punida no âmbito penal,
sendo tratado como mero caso de danos morais, como é verificado em decisão proferida pelo
Tribunal de Justiça do Rio Grande do sul. Vejamos:
RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. UTILIZAÇÃO
DESAUTORIZADA E INADEQUADA DE IMAGEM. USO VEXATÓRIO,
OFENSIVO A REPUTAÇÃO. Hipótese em que a imagem, captada sem
autorização, e ainda que consentida fosse, foi divulgada na internet. Tudo isto,
obviamente, sem a autorização e o conhecimento da dona da imagem. Inegável a
ofensa à honra. Poder-se-ia dizer que o uso, no caso, foi inadequado e desautorizado,
dando ensejo, por estas duas razões, à indenização pelos danos que a exposição
causou. A lei tutela o direito à imagem, mormente quando o uso é abusivo e
ofensivo à reputação, causando... (TJ-RS, Relator: Marilene Bonzanini Bernardi,
Data de Julgamento: 12/12/2012, Nona Câmara Cível).
Porém, o que fica bastante claro é que ao invés de buscar diminuir ou exaurir os
danos advindos da conduta violadora, o magistrado preocupou-se em analisar a postura moral
e a falta ou não de amor próprio da apelada, ao afirmar que ―A imagem da autora na sua
forma grosseira demonstra não ter ela amor-próprio e autoestima‖ (colocar voto do revisor).
Pelo exposto pode ser afirmado que o arcaísmo presente nesta decisão é assombroso,
que não foi observado a proteção constitucional à intimidade e à honra da pessoa, ou melhor,
neste caso, o que não foi respeitado na decisão do magistrado, foi a honra e intimidade da
mulher, podendo concluir que a decisão está impregnada de fundamentação machista e
desrespeitosa.
Por todo o observado, é visualizado que por mais que seja feita a adequação da
pornografia de vingança a outros tipos penais, e que haja a responsabilização no âmbito cível
da conduta, pelo que fora apresentado, nota-se que o modo em que são solucionados os casos,
não se mostra eficazes para reprimir o ato violador, e muito menos, reparar as consequências
sofridas pelas vítimas, e com isso, é averiguada a necessidade da tipificação da Revenge Porn
ou Pornografia de Vingança, para que haja mecanismos mais eficazes de combate e punição
da conduta.
Contudo, vale salientar que o problema que foi percebido não se encontra apenas na
não atualização legislativa em relação à pornografia de vingança, o problema antes de
qualquer coisa é cultural, e, principalmente, moral.
CONCLUSÕES
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 1999.
GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo : Atlas, 2008, 6. ed.
Resumo
Indivíduos da comunidade LGBT e mulheres em suas resistências por igualdade, sempre foram
sufocados por um Brasil onde qualquer sinal ativismo foi reprimido. Passaram-se séculos para que
mulheres não fossem vistas como submissas e inferiores ao gênero masculino e a homossexualidade
não fosse tratada como uma doença. Com a internet tais grupos ganharam espaços estratégicos de
resistência às opressões, a força do meio virtual deu a eles um pilar para propagação de ideais, e poder
de luta cívica e cultural. Ao passo que isso aconteceu, páginas voltadas a este tipo de propagação
como a do Grupo Gay da Bahia, e a Women‘s March Global surgiram. A primeira tem como objetivos
a luta contra a homofobia, informar sobre a homossexualidade e conscientizar sobre os direitos
LGBT(Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais), suas publicações discutem todos estes pontos a fim
de contribuir para a comunidade homoafetiva no Brasil. A segunda se posiciona pela defesa dos
direitos e da segurança das mulheres e suas famílias, incentivando a igualdade e diversidade entre
estas, e se mostra como uma das mais relevantes quando se diz respeito aos direitos femininos.
Objetiva-se com este trabalho estudar as experiências supracitadas, com base nos escritos de Langner,
Ihering e Saffioti.
Palavras-chave: Mulheres. LGBT. Internet. Militância. Empoderamento.
Introdução
Com a internet emergiu a resistência por direitos que chamamos de ativismo, pelo qual
muitos conflitos foram vencidos, porém o conservadorismo sempre se fez presente durante
toda essa trajetória, seja por aqueles do início da formação do país, os extremistas do Brasil
República ou os conservadoristas modernos de hoje, a negação a aceitar novos grupos na
população nunca deixou de existir, seja esta em maior ou menor quantidade, e no meio digital
não foi diferente. Com a ascensão e fortalecimento destes dois agrupamentos sociais, houve
uma grande quantidade de pessoas que não estavam contentes com o fato deles estar
ganhando espaço na mídia e no país, passando isso para seus descendentes pelo tempo.
Logo faz-se necessário trazer tal temática para uma apreciação tanto jurídica como social,
visto que como acima tratado, os aspectos da propagação do gênero feminino e da população
LGBT vem tomando dos meios comunicacionais de forma a na contemporaneidade estar
fortemente presente no meio virtual, este por sua vez novo se comparado a outras invenções
humanas, necessitando de regulação necessária pelo estado, que é o responsável supremo por
garantir a harmonia social. Já na gama da sociedade, é necessário tratar do proposto, visto que
a população ainda encontra-se muito desinformada e introvertida em relação aos direitos
destes grupos vulneráveis, além de existir grande preconceito e resistência em desfavor dos
mesmos, sendo estas apenas possíveis de ser superadas com discussão e desenvolvimento
conjunto de todos. Objetiva-se com este trabalho estudar experiências de ativismo de gênero
no meio virtual, no que diz respeito a militância e liberdade de expressão cultural e política,
ainda arguindo sobre as causas e consequências do ativismo LGBT e feminino na internet, e
suas reflexões no mundo real.
No que diz respeito aos procedimentos será utilizada a pesquisa documental, na qual
serão usadas pesquisas estatísticas, como número de pessoas de pessoas LGBT e do gênero
feminino que sofrem ataques na internet, a taxa crescimento de páginas e grupos virtuais dos
mesmos na internet, entre outras. O pesquisador de campo, além das observações efetuadas,
deve lidar com tradições orais. Estas tendem, ao longo das gerações, a adquirir elementos
fantasiosos, transformando-se geralmente em lendas e mitos, logo os documentos seriam a
forma de retificar e reposicionar essas tradições. É necessário para cada tipo de fonte
fornecedora de dados, o investigador conhecer meios e técnicas para testar tanto a validade
quanto a fidedignidade das informações (LAKATOS, 2003).
Outro tipo de pesquisa neste mesmo viés que também será utilizada é a bibliográfica,
nesta por sua vez, através de doutrinadores específicos no que diz respeito ao assunto serão
trazidas visões e conceitos dos três fatores principais do presente trabalho, luta, internet e
evolução social, assim buscando mesclar definições e corroborar teorias, de modo a
possibilitar produção teórica multifacetada e progressiva, que a se desenrolar permita o pleno
entendimento do que se pretende defender. Tal tipo de pesquisa oferece meios para definir,
resolver, não somente problemas já conhecidos, como também explorar novas áreas onde os
problemas não se cristalizaram suficientemente e tem por objetivo permitir ao pesquisador o
reforço paralelo na análise de suas pesquisas ou manipulação de suas informações
(LAKATOS, 2003). Além disso, entende-se que qualquer trabalho científico inicia-se com
uma pesquisa bibliográfica, vez que este permite ao pesquisador conhecer o que já se estudou
sobre o assunto (SILVEIRA e GERHARDT, 2009).
Páginas em destaque
Das várias organizações e movimentos virtuais defensores das Lésbicas, Gays, Bissexuais e
Transexuais e das mulheres, duas em especial chamam atenção pela sua abrangência e
importância na militância de seus respectivos grupos, assim como na divulgação de dados
importantes a suas comunidades, e o incentivo a busca por direitos e luta para superação de
momentos de extrema conturbação.
Por fim verifica-se um esforço imenso do grupo Gay da Bahia de fazer com que os membros
do grupo social aqui abordado, conheçam o que podem fazer para se defender de modo
correto e eficiente, estimulando a busca pela implementação de direitos civis para estes, e
mobilizando consequente massas para o embate político e cívico (IHERING, 1909). Desta
maneira através dos meios virtuais que possui o grupo discutido busca melhorar a situação
social de todos que são parte da comunidade LGBT, porém isso não significa que a mesma o
faz sem ter que enfrentar desafios. A página diariamente sofre preconceito e discriminação,
como xingamentos, e até mesmo mobilizações extremistas-conservadoras pactuando para
enfraquecer ou dizima-la, além dos constantes ataques proferidos por alguns membros
cristãos protestantes de relevância social, mas por meio de divulgação de dados, e militância
continua a propagar suas ideias, servindo como mais um pilar de apoio a lésbicas,
homossexuais e transexuais.
Dentre suas muitas atribuições o Grupo Gay da Bahia se destaca por ser um pioneiro na
exposição online de números relacionados a violência contra a população formada por
Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais, revelando uma realidade deplorável e chamando
atenção para informações chocantes, a exemplo destes dados, segue abaixo uma tabela como
números públicas pela organização em seus site, no ano de 2016.
Porcentagem Perfil
1% Bissexuais
3% Lésbicas
4% T-lovers
42% Transexuais
50% Homossexuais
Women's March
A segunda página denominada Women‘s March Global se posiciona pela defesa dos direitos e
da segurança das mulheres e suas famílias, incentivando a igualdade e diversidade entre estas,
esta defende um movimento que recentemente vem ganhando o mundo se mostrando como
uma das mais relevantes quando se diz respeito aos direitos femininos. Pautada sob uma
manifestação física e por meio de postagens, vídeos e notícias internacionais, esta busca
reafirmar os direitos femininos, trazendo por arrastamento outras minorias como
homossexuais e negros. Assim a página por meio de campanhas e encontros marcados
virtualmente pugna pela segurança das mulheres, vez que nos dias de hoje com a objetificação
das mulheres e uma segregação sexista tornou-se corriqueiro ver o espancamento ou a morte
de mulheres quando não se assentam no papel que a massa machista a colocou, não sendo
possível por exemplo uma mulher andar sozinha tarde da noite sem que seja no mínimo
ameaçada de estupro ou de qualquer outro tipo de violência física, ou até mesmo seja
humilhada por termos de baixo calão. O medo instalou-se no sexo feminino de forma que ir a
um estacionamento ou acampar desacompanhada gera espanto e desconfiança, de forma que
tais aspectos não são inerentes a idade ou orientação sexual, mas sim ao fato de ser do sexo
feminino.
Quantidade País
2,705 Ásia
Outro ponto abordado pela Women‘s March seja pelo site, ou outros meios virtuais é a
diversidade feminina, pois atualmente como fruto de uma idolatria ao tipo perfeito de mulher,
que seria a caucasiana, magra e não muito alta, mulheres tem se submetido a procedimentos
estéticos drásticos e muitas vezes danosos a saúde, incentivados principalmente pela
divulgação de propagandas na internet que remetem a um único tipo de beleza, situação essa
que encontra seu ápice na adolescência, levando muitas vezes a separação de garotas de
grupos sociais por não estarem nos padrões sociais empurrados pela comunidade (SAFFIOTI,
1987). Desta forma o grupo acima citado, por meio de vídeos e movimentos publicitários
virtuais incentiva a pluralidade de corpos, etnias e estilos, de modo a criar uma sociedade
mais humana e menos artificial. Ainda cabe ressaltar que é comum ver links que noticiam
acontecimentos marcantes nas marchas como a queima de bonecos de opressores ao sexo
feminino ou o levantamento simultâneo de bandeiras de apoio a causa além do suporte de
personalidades importantes ao movimento, sejam estas de cunho político, como Hillary
Clinton ou artístico como Madona, ambos tipos de acontecimentos repercutem fortemente na
internet dando a Women‘s March mais força a cada dia.
A expansão social física propriamente dita, recebe direta influencia da virtual, pois num
mundo como o deste século, internet e realidade andam de mãos dadas, de forma que os
embates cibernéticos trazem reflete quase que instantaneamente no mundo
palpável(LANGNER, ZULIANI e MENDONÇA, 2015). Logo, os grupos sociais em questão
usam deste meio para luta cívica, discutindo pautas, marcando manifestações, desenvolvendo
problemáticas e até mesmo construindo novos meios de interação entre si, estas ações
influenciando diretamente em atos no mundo real, vez que é possível reunir milhões em
determinados lugares, apenas criando eventos em sites, ou impulsionar projetos de leis
compartilhando links e escrevendo depoimentos, esses últimos cumprindo um papel
importantes ao ser um dos mais importantes no momento de trazer pessoas para a causa.
Outrossim, com o aumento da propagação de ideias de luta LGBT e feminina, aqueles que
participam destes grupos tendem a se sentir livres para expressar suas ideias no mundo real,
seja por meio de vestimenta, de conversas com amigos ou família, ou até mesmo dentre as
discussões da vida acadêmica e da profissional, bem como tal aumento também proporciona
um número maior de ligações in vita reali, por que alguém que não tinha conhecimento de
uma organização ou grupo que o engloba por perto, acaba por ter e seguir de longe ou filiar-se
este, e até entrar em contato com outras pessoas em sua localidade que apesar de não ser de
uma organização, divide com este o fato de serem do mesmo grupo social, nascendo assim
uma infinita possibilidade de redes.
As mulheres que no modelo conservador nascem para apenas cuidar do lar, e dos filhos, bem
como ser submissa ao homem aceitando todas suas decisões de bom grado, são reprimidas
quando usam as redes sociais para buscar o contrário, sendo vítimas constantes de
xingamentos e repressões violentas que atentam contra a dignidade humana, e acabam por
evidenciar quão diferente a população cria homens e mulheres(SAFFIOTI,1987), censurando
as últimas por buscar ter os mesmo direitos que o gênero masculino tem, revelando deste
modo o machismo e o sexismo presente no meio cibernético, mesmo com o constante
amadurecimento de ideias. No que diz respeito aos homoafetivos, lésbicas, bissexuais e
transexuais, estes por incrível que pareça ainda são tratados como se possuíssem distúrbios
mentais por ter sexualidade diferenciada da heterossexual ignorando o reconhecimento da
dignidade coletiva na qual não importa o ser humano ou sua condição, sua dignidade será
pautada em seus atos em relação a sociedade não sua condição física ou cultural(MAURER,
STARCK, SARLET, SEELMAN, NAEPTER, HABERLE, NIRSTE, e NEUMANN, 2013),
poreḿ a tradicional relação homem-mulher fixa-se como uma rocha no pensamento involátil
da comunidade como um todo, e desvios deste são condenados, de maneira que quando há
militância em pro deste na internet, surge um repudio brutal, justificado pelos defensores dos
moldes conservadores como atos para defesa do núcleo familiar padrão formado por um
homem, uma mulher e filhos.
Assim percebe-se que ambas as dimensões devem se complementar, não é possível apenas
reconhecer a dignidade em si de maneira ontológica, já embutida na personalidade sócio-
jurídica, é necessário haver o reconhecimento desta pelo outro, estabelecendo-a por meio da
comunicação, buscando relacionar-se num ciclo de ações sinalagmáticas, abandonando
esteriótipos e pré-compreensões arcaicas, alcançando assim o verdadeiro ápice da dignidade.
Conclusão e Referências
O ativismo e a militância proporcionadores das mudanças vistas neste artigo, devem continuar
emergindo ao passo que a evolução cibernética continua, de forma a manter tal meio como
forte aliado para sua propagação, vez que agora que iniciado e extremamente agarrado a
sociedade tem a chance de através das lutas de gênero fazer como quem milita utilizando
deste ascenda e conquiste igualdade e dignidade, está última tanto no campo individual como
coletivo, incentivando a busca incansável pelo ―eu‖ e pelo ―nós‖ dentro de um contexto
permeado da ideia de que nascemos já com dignidade, esta deve ser respeitada e protegida,
pois como seres humanos compartilha-se de uma máxima universal de que todos são dignos
não importando sua origem ou transformações(MAURER, STARCK, SARLET, SEELMAN,
NAEPTER, HABERLE, NIRSTE, e NEUMANN, 2013).
As páginas virtuais em destaque analisadas, Grupo Gay da Bahia e Women's March, assim
como outras, representam grandes suportes para a luta contra a ignorância e o
conservadorismo, pois desbravam caminhos que são alvo de críticas duras por maioria da
comunidade global, sendo de grande importância para a evolução da sociedade e a defesa dos
direitos humanos, vez que tratam não só de assuntos políticos mas de temas como doenças
sexualmente transmissíveis e diversidade cultural, proporcionando um ponto de partida para
discussões mais profundas, além de servir como apoio sócio-pessoal para seus respectivos
grupos. Essas organizações por meio da internet confirmam que certamente o meio virtual
trouxe em si uma espada acompanhada de um escudo para estruturar o gênero feminino e a
população LGBT, que com evolução informática para qual o mundo caminha com certeza
serão um fator de enorme relevância para aceitação e ascensão sociocultural de tais grupos
sociais (IHERING, 1909).
O conservadorismo ao entrar em embate com a expansão social tende a aumentar pois são
forças opostas que brigam, sendo o resultado da disputa incerto, para isso entende-se que
compreender as experiências da população LGBT(Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais)
e das mulheres no meio virtual é de grande importância, vez que ao faze-lo absorvendo todos
os traços de sua funcionalidade e constância, cria-se uma base teórica com tais
comportamentos e a partir desta, nascem premissas para a criação de dispositivos que servirão
como suporte para a propagação dessas experiências(ROXIN, 1993), bem como regular
possíveis situações hostis que apareçam durante essas experiências, assegurando o direito de
expressão e de luta cívica. Há então de certa forma uma mutação jurídica no que se trata do
sujeito, pois o direito que antes tratava apenas de relações in vita reali tem que mudar sua
forma de produzir normas e aplicá-las, agora pensando de uma perspectiva temporal e
espacial não palpável, além do fato de que compreender identidades nesse novo meio tornasse
mais trabalhoso, vez que tudo pode ser mudado a cada segundo, resultando assim num campo
de atuação escorregadio, no qual dever se ter cautela. Porém, também pode se mostrar como
uma ótima oportunidade para que aconteça uma renovação do sistema jurídico de forma a
abranger as tecnologias e costumes de agora, abrindo precedentes para novos direitos. Desta
forma o direito deve cumprir com seu propósito maior o de garantir a harmonia social e
produzir uma legislação erga omnes, que atinja a população de forma garantista e igual
seguindo os parâmetros da equidade e da proporcionalidade, visto que há uma lacuna
significativa em relação aos direitos na internet, principalmente no que se trata dos grupos
discutidos neste trabalho devendo os poderes legislativo, judiciário e executivo trabalharem
em conjunto para seu preenchimento.
IHERING, Rudolf. A luta pelo direito. Recife: Faculdade de Direito do Recife, 1909.
GERHARDT, Tatiana Engel; SILVEIRA, Denise Tolfo. Métodos de Pesquisa. Rio Grande do
Sul: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2009.
CASTELO, Judith Leão. 80 anos do voto feminino. Espírito Santo: Tribunal Regional
Eleitoral do Espírito Santo, 2014.
MAHAWASALA, Samantha. A História das Drag Queens – Parte 1. São Paulo: Fashion
Bubbles, 2016.
ROXIN, Claus. Tem futuro o direito penal?. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo,
1993.
“MASCULINIDADE HEGEMÔNICA E OS REFLEXOS DA
CONSTRUÇÃO DO “HOMEM DE VERDADE”: UMA ANÁLISE DA
ANIMAÇÃO “MINHA VIDA DE JOÃO”
INTRODUÇÃO
―Eu sou homem com ‗H‘, com ‗H‘ sou muito homem (...) cabra macho prá danar‖. Com
esse trecho da música ―Homem com H‖, na famosa interpretação de Ney Matogrosso,
sintetiza-se o ideal de masculinidade construído por meio dos estereótipos de gênero e
constantemente exigido pela sociedade. O ―H‖ de homem reforça a existência de um modelo
masculino hegemônico, superior, privilegiado, que não abre mão do status que lhe foi
atribuído, e, por isso, rechaça comportamentos que sejam próximos do feminino ou de uma
masculinidade contra-hegemônica.
Esse modelo de masculinidade é bastante discutido por conta das relações hierárquicas
de gênero, pois afeta negativamente as mulheres. Entretanto, ao contrário do que se possa
pensar, a manutenção dos paradigmas da superioridade masculina provoca suas reações
adversas também entre os homens.
Sendo assim, a ideia central deste trabalho é discutir, através dos estudos teóricos
sobre a masculinidade e da análise dos exemplos e discursos trazidos pelo curta-metragem
―Minha Vida de João‖, como a imposição do modelo masculino hegemônico repercute na
vida dos indivíduos que, mesmo homens, ―ousam contrariar‖ esse padrão hegemônico.
METODOLOGIA
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As diferenças físicas nos corpos de homens e mulheres são óbvias. Segundo Cabral e
Diaz (1998), sexo refere-se às características biológicas, ou seja, àquelas específicas dos
aparelhos reprodutores femininos e masculinos, ao seu funcionamento e aos caracteres
sexuais secundários decorrentes dos hormônios que diferenciam, sexualmente, machos e
fêmeas. O sexo tem a ver com as funções orgânicas, uma questão física.
Entretanto, ao longo da história, atribuiu-se valor às diferenças físicas e, interpretou-
se essas diferenças de modo simbólico, estabelecendo significados e relações de poder,
definindo uma hierarquização, comportamentos e papéis sociais baseados no sexo. A essa
identidade socialmente construída, denominou-se gênero.
Então, quando se discute sobre o significado de ser homem ou mulher, em geral, tal
significado está menos atrelado ao conceito de sexo, do ponto de vista biológico, do que ao de
gênero. Scott (1989, p. 14) afirma que ―o gênero é um elemento constitutivo de relações
sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é um primeiro
modo de dar significado às relações de poder‖ e acrescenta, ―o gênero é o primeiro campo do
meio social no seio do qual ou por meio do qual o poder é articulado‖ (SCOTT, 1989, p. 16).
A respeito do tema, Saffioti revisita sua obra ao dizer que, a rigor:
Embora não haja formulado o conceito de gênero, Simone de Beauvoir mostra que
só lhe faltava a palavra, pois em sua famosa frase – ‗Ninguém nasce mulher, mas
torna-se mulher‘ – estão os fundamentos do conceito de gênero. Lutando contra o
essencialismo biológico (...) enveredou pela ação da sociedade na transformação do
bebê em mulher ou em homem, tendo sido a precursora do conceito de gênero.
(SAFFIOTI, 2004, p. 107)
Diante disso, é preciso, então, tentar estabelecer como uma criança vem a pensar em
si própria como ―menino‖ ou ―menina‖ e como as crianças desenvolvem a ideia de que é
masculino comportar-se de uma forma e feminino comportar-se de outra.
Retratando brevemente essa construção social baseada no gênero, pode-se observar
que esta perpassa as diferentes dimensões da vida, moldando e domesticando os diferentes
sexos. Assim, desde a concepção no ventre materno, ou mesmo ainda no imaginário dos
genitores e de familiares, vão sendo idealizados os estilos de comportamentos dos meninos e
meninas, geralmente, reproduzindo modelos estereotipados, inspirados na ideia artificial de
masculino e feminino.
É algo comum, ao se descobrir o sexo do bebê, que o enxoval da criança passe a
utilizar as cores referenciadas ao sexo do bebê, sendo, rosa para menina e azul para menino.
Outro fato comum é, durante a gestação, atribuir-se maior vivacidade e vitalidade ao bebê de
sexo masculino e passividade ao bebê de sexo feminino.
As diferentes formas de socialização (educação formal e informal) seguem
condicionando os seres humanos de acordo com o gênero. Dessa forma, há representação de
gênero nos brinquedos: as meninas são estimuladas a brincadeiras de "casinha" com
panelinhas e bonecas, que representam o espaço privado, as futuras atribuições dos afazeres
domésticos e de cuidado com a prole, já o menino é estimulado a brinquedos como bola,
carrinhos, aviõezinhos, que representam o mundo do público. Serão os futuros carros que ele
irá dirigir ou aviões que ele irá pilotar; além de armas e brincadeiras de bater, para estimular a
ousadia, agressividade e coragem.
Então, socialmente, são produzidos e reproduzidos papéis e comportamentos
predeterminados de tal forma que pareça ―natural‖ uma hierarquia entre homens e mulheres,
moldando padrões de masculinidade e feminilidade construídos social e culturalmente, numa
determinada sociedade.
Pode-se citar, dentre as características atribuídas à masculinidade: força, coragem,
insensibilidade, desorganização, rudeza, agressividade, racionalidade, seriedade, domínio do
espaço público. No que diz respeito aos atributos da feminilidade, destacam-se: fragilidade,
medo, sensibilidade, organização, delicadeza, doçura, intuição, futilidade e domínio do espaço
privado. Assim é que meninos e meninas crescem condicionados aos papeis de gênero,
reproduzem o modelo aprendido, naturalizam a hierarquia e sofrem as repercussões dos
comportamentos limitadores.
Sobre a construção do estereótipo do homem, Gay, coloca que:
Ainda sobre a construção dos papeis sociais, Connell (1995, p.118) define
masculinidade como sendo ―uma configuração de prática em torno da posição dos homens na
estrutura das relações de gênero‖. Destaca ainda que existe ―mais de uma configuração em
qualquer ordem de gênero de uma sociedade‖, entretanto, dentre as diversas masculinidades,
existiria uma que se apresentaria como sua forma ―hegemônica‖, aquela que corresponderia a
um ideal de masculinidade.
Além disso, segundo Connell (2013, p. 245), ―essa masculinidade hegemônica foi
entendida como um padrão de práticas que possibilitou que a dominação dos homens sobre as
mulheres continuasse‖.
A animação ―Minha Vida de João‖, elaborada pelas ONGs Instituto Promundo (Rio de
Janeiro), Instituto PAPAI (Recife), ECOS (São Paulo) e Salud y Género (México) ilustra, de
maneira didática, os reflexos da masculinidade hegemônica, e expõe ao expectador a
influência do pensamento machista e sexista na vida do personagem principal, João, desde a
sua infância até a vida adulta.
Apesar de não possuir diálogos, o curta-metragem apresenta os estereótipos atribuídos
ao masculino e ao feminino e como os marcos regulatórios de gêneros impõem ao indivíduo
que sua conduta social esteja em consonância com o sexo biológico, dentro da lógica binária
homem/mulher.
Logo no início do curta-metragem, João aparece, ainda bebê, nos braços da mãe que,
ao mesmo tempo, cozinha e cuida dele, enquanto o pai assiste a um jogo de futebol na
televisão. Em um segundo momento, João engatinha até o pai e a cena mostra os dois
brincando.
A cena é interrompida por um ―lápis com borracha‖ que apaga a cena de pai e filho e
recoloca o menino nos braços da mãe. A metáfora do ―apagar‖ durante todo o filme é
utilizada várias vezes para situar o público sobre uma situação hipotética que poderia/deveria
acontecer, mas que, no contexto de uma sociedade baseada nos papeis de gênero, não ocorre.
Já por esta primeira cena, é possível problematizar a delimitação das performances de
gênero que são frequentemente atribuídos ao homem e a mulher dentro do contexto familiar.
A cena acima descrita ilustra perfeitamente como à mulher/mãe é imputado o papel
dos cuidados domésticos e dos filhos, enquanto ao homem/pai é destinado o status de
provedor do lar, sendo assim, a casa corresponde para o homem um espaço de descanso, lazer.
Avançando na narrativa do documentário, João aparece brincando de bola na rua,
quando passa ao seu lado uma mulher e ele a acompanha com o olhar.
Em seguida, vê-se a imagem de uma sombra de João de frente ao espelho vestindo
saltos altos. Aqui o ―lápis apagador‖ entra em cena novamente e desconstrói a imagem. Fica
claro, portanto, o efeito da masculinidade hegemônica que não permite ao homem qualquer
aproximação com a feminilidade, pois isso põe em xeque a suposta superioridade do homem
em relação à mulher. Qualquer traço que possa associar um indivíduo do sexo masculino às
representações simbólicas do feminino fere a lógica da hierarquização do homem em relação
à mulher.
Saindo do ambiente familiar, o documentário também trata das relações de João com
os amigos ainda na fase da infância. Em meio a uma festa com os colegas, João esbarra com
outro menino e a aproximação dos corpos entre crianças do mesmo sexo é logo substituída
pelo ―lápis apagador‖ que desenha no lugar uma menina.
Da mesma forma, as brincadeiras de infância também são discutidas durante o filme:
João aparece brincando de boneca com outra menina e logo o ―corretor‖ trata de substituí-la
por uma arma de brinquedo apontada para a criança do sexo feminino.
A partir dessas duas cenas, fica evidente como, desde os primeiros anos de vida, os
marcos regulatórios da sexualidade delimitam aquilo que é ―de menino‖ e ―de menina‖ e cria
os preconceitos e estereótipos: o menino não pode de forma alguma ter contato físico com
outro homem. Da mesma forma, também não pode brincar de boneca, pois segundo as ―regras
sociais‖ não se espera tal comportamento de uma criança do sexo masculino.
Desde cedo, portanto, os comportamentos são medidos pela régua da masculinidade e,
assim, a liberdade de quem não se adequa aos padrões atribuídos aos gêneros é tolhida e
vigiada. A respeito do medo de intersecção entre o masculino e o feminino, discorre o
psicólogo Sérgio Gomes da Silva no trabalho ―Masculinidade na história: a construção
cultural da diferença entre os sexos‖:
Pode-se dizer, assim, que, desde a infância, a criança é estimulada rechaçar tudo que
possa ser contrário ao padrão da heterossexualidade. Aqueles que arriscam romper com essa
lógica passam a ser tidos como ameaças ao ―império da masculinidade‖. As regras e condutas
atribuídas à masculinidade hegemônica, portanto, modelam as relações entre os indivíduos até
mesmo quando crianças, fase em que o indivíduo nem mesmo tem consciência do sistema
regulatório que o enquadra de acordo com o sexo que nasceu.
Outro ponto trazido pelo filme é a relação da masculinidade e violência. O masculino
sempre está associado ao uso da força como forma de opressão. A ―lei do mais forte‖
determina a intensa realidade de competição entre os indivíduos do sexo masculino. A força,
entre os homens, é tida como meio principal para manutenção da hierarquização.
Aquele que não entra na lógica violenta do ―macho‖ é tido como ―fracote‖,
―menininha‖, sendo inferiorizado pelos seus pares. Isso ocasiona algumas das situações de
bullying no ambiente escolar.
Ao falar sobre a adolescência de João, o documentário enfoca o despertar do desejo
sexual e as descobertas amorosas do personagem. Neste ponto, é interessante destacar que o
protagonista é motivo de chacota dos amigos por estar apaixonado e por demonstrar seus
sentimentos. Isso porque expressar emoções é tido como algo que não pode ser atribuído ao
homem, pois denota fraqueza e falta de controle.
Ao masculino, num contexto ainda fortemente machista, incumbe a racionalidade e
frieza. Daí advém a célebre frase ―os homens não choram‖. Ao falar sobre sentimentos e
comportamentos, o antropólogo Marcel de Almeida Freitas (2002, p.38), no artigo
―Masculinidade Hegemônica na Cultura Brasileira‖, conclui:
E acrescenta: ―assim, surgem algumas dificuldades na vida dos homens, pois a sua
experiência social é justamente o diálogo por vezes difícil entre a complexidade polimorfa dos
seus sentimentos e comportamentos e o maniqueísmo dos padrões (...)‖ (FREITAS, 2002,
p.38).
Na parte final do vídeo educativo, a história demonstra como a masculinidade
construída na fase da infância e adolescência repercute na vida adulta com a reprodução de
comportamentos que insistem em colocar o masculino em patamar de superioridade com o
feminino. Ao corresponder ao padrão de ―homem de verdade‖, João acaba repetindo atitudes
praticadas pelo seu pai. Em uma cena, João briga com a sua companheira e relembra as
discussões que os seus pais tinham dentro de casa e que ele foi testemunha.
Isso é a prova que os padrões de masculinidade que são imputados constantemente ao
longo de todo desenvolvimento da criança correspondem a mecanismos de perpetuação da
opressão desenvolvida pela masculinidade hegemônica. Sobre esse sistema de opressão em
torno da sexualidade, bem discorre Prado e Junqueira, num trecho extraído do artigo
―Homofobia, hierarquização e humilhação social‖:
Aos meninos e homens frutos dos padrões estereotipados, é presumível uma vida
emocional empobrecida, permeada de dores, conflitos, renúncia e castração, como sinaliza
Albuquerque Júnior (2010), que ainda chama atenção para a necessidade de se debater os
custos que a masculinidade hegemônica impõe aos homens, às mulheres, às crianças e à
sociedade como um todo, pois, o poder dos homens no mundo tem um custo para todos nós.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Máquina de fazer machos: gênero e práticas
culturais, desafio para o encontro das diferenças. In: MACHADO, Charliton José dos Santos;
SANTIAGO, Idalina Maria Freitas Lima; NUNES, Maria Lúcia da Silva. Gênero e práticas
culturais: Desafios históricos e saberes interdisciplinares. Campina Grande: Eduepb, 2010. p.
23-34.
CABRAL, F.; DÍAZ, M. Relações de gênero. In: Secretaria Municipal de Educação de Belo
Horizonte; Fundação Odebrecht. Cadernos afetividade e sexualidade na educação: um
novo olhar. Gráfica e Editora Rona Ltda, Belo Horizonte, 1998. p. 142-150.
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. In: Educação & Realidade. V.
16, nº 2, jul/dez. Porto Alegre: UFRGS,1990.
SILVA, Sérgio Gomes da. Masculinidade na história: a construção cultural da diferença entre
os sexos. Psicol. cienc. prof. 2000, vol.20, n.3, p. 8-15.
Autor: Ligyane Tavares dos Reis, ligys.tav@gmail.com UFRN, graduanda de Ciências Sociais.
Resumo do artigo:
Reconhecendo a importância do Movimento Social Feminista para diversas transformações sociais ao
longo do tempo, e em concernência com a dimensão e amplitude possibilitada pela internet a partir da
demarcação feita no contexto do ativismo virtual, este artigo se propõe a tarefa de buscar compreender
a inter-relação entre a sociedade, as novas tecnologias da informação e, sobretudo, analisar como a
militância feminista se constitui e se estrutura quando essa relação social é transferida para as redes
sociais online. Para tanto, o projeto toma como recorte inicial a proposta de acompanhar a mobilização
política das mulheres na campanha de hasthtag #primeiroassédio, identificando a necessidade de
reflexão e pesquisa sobre essa nova forma de atuação política, convívio social e tecnológico.
Introdução
No campo de estudos das Ciências Sociais não é raro que algum momento o enfoque
em processos de comunicação - dinâmicas culturais de linguagem, modificações nos meios de
interação - ao passo que as sociedades são transpassadas por transformações tecnológicas na
comunicação, nas formas de integração (escrita, oral e audiovisual) e na contemporaneidade
pela criação e desenvolvimento de redes interativas (CASTELLS, 1999), a relação entre
cultura e tecnologia estreita-se cada vez mais, uma vez que nesse processo de interpretação de
signos culturais há a reformulação da ideia de tempo e espaço. Falando em termos atuais, a
mudança mais significativa em relação à interação social e política são aquelas possibilitadas
pelo ciberespaço, sobretudo as mediadas pela internet, sendo propícia e muito profícua no
sentido de articulação e mobilização de diversos movimentos sociais. Através dos
compartilhamentos em rede, os sujeitos tem se identificado com as causas reivindicadas e,
cada vez mais, acompanham blogs, fanpages e perfis de grupos ou indivíduos engajados com
as mais diversas questões políticas que permeiam a sociedade.
Neste artigo, a proposta é refletir sobre a mobilização política das mulheres ao usar a
hashtag em campanhas de cunho feminista, por reconhecer a necessidade de reflexão e
pesquisa sobre essa nova forma de ativismo, convívio social e tecnológico. Acompanhar
como as relações militantes, suas expressões e práticas, são travadas socialmente online,
estejam elas, ou não, conectadas à militância offline, pode propiciar uma melhor compreensão
do manejo dessas novas tecnologias da informação pelas mulheres na contemporaneidade,
como também das suas contribuições e entraves para a atuação do Movimento Feminista. Para
tanto, vamos discorrer sobre o alcance dessa forma de atuação política tomando como objeto
de análise a campanha #primeiroassédio.
Metodologia
O principal método utilizado foi a análise do conteúdo a partir de uma abordagem
sociológica articulada à pesquisa bibliográfica, sendo a principal fonte de informação a página
virtual do Think Olga, coletivo impulsionador da campanha #primeiroassédio,
Discussão
A Internet, até pouco tempo, era assinalada como apenas mais um meio de
comunicação, no entanto, sua organização em rede tornou-se a base tecnológica para a
estrutura do que chamamos de Era da Informação. Qualquer esfera da sociedade que
comporte relações sociais e compartilhe valores e objetivos comuns entre pessoas ou
organizações é uma rede social. E para falarmos de rede social, é importante compreender que
o termo se refere ao significado mais amplo de rede, que independe de sua relação ou não
com a internet.
Esse foco contemporâneo dado às questões políticas intrínsecas à vida das mulheres
reflete-se notadamente no contexto político virtual feminista, principalmente, a partir das
mobilizações e campanhas desenvolvidas online. O uso das hashtags em campanhas políticas
coletivas dentro das redes sociais online tem sido uma das mais significativas práticas
políticas desenvolvidas no ciberespaço.
A hashtag, conhecida também como jogo da velha ou cerquilha, já estava presente em
artefatos tecnológicos mais antigos, como a calculadora e a máquina de escrever, no entanto,
foi nas redes sociais contemporâneas que o símbolo passou a exercer um papel fundamental
enquanto código de comunicação de massa. O microblog Twitter foi a primeira rede social a
utilizar as hashtags, posteriormente, o Facebook e o Instagram também aderiram, usando-as
como palavras chaves que indexam os assuntos em pauta, ou seja, elas assumem a função de
hiperlink, assim ao clicar ou pesquisar determinada hashtag temos acesso a todas as postagens
publicadas sobre ela. No entanto, para além da indexação, o uso das hashtags permite aos
indivíduos que compõem o ciberespaço exteriorizar ideais, preferências, indignações e
posicionamentos sobre temas variados. Nesse sentido, é possível afirmar que nas
manifestações políticas fomentadas dentro das redes sociais online, o papel das hashtags
consiste, sobretudo, em agrupar esses atores virtuais por meio do compartilhamento comum.
A primeira campanha feminista de hashtag de alcance massivo foi a
#EuNãoMereçoSerEstuprada. A campanha emergiu no início do ano de 2014, um dia após o
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), divulgar que 65% dos brasileiros
acreditavam que a mulher que mostra o corpo merece ser estuprada. Dias depois, o IPEA
divulgou uma nota informando que o resultado divulgado estava errado: o certo era 26% e não
65% que apoiaram os ―ataques‖ às mulheres, ainda assim, muitos movimentos feministas
brasileiros acreditam que o Instituto só assumiu essa postura devido a tamanha repercussão da
campanha. A partir daí, outras mulheres, organizações e coletivos passaram a lançar outras
campanhas, como exemplos: #agoraéquesãoelas85, #nãotiraobatomvermelho86 e
87
#meuamigosecreto . Mesmo realizando uma breve análise, é possível identificar
subjetividades que atravessam as questões políticas reclamadas nessas campanhas, que vão
desde questionar a compreensão cultural que culpabiliza a vítima pela violência sofrida,
discutir relacionamentos abusivos, até debater a invisibilidade das mulheres nos espaços de
produção de informação e conteúdo.
Os meios de comunicação de massa, de maneira geral, não abrem espaço para esses
debates. Muitas vezes, ainda reforçam em suas programações cotidianas a lógica desigual de
poder presente nas relações de gênero. Em contrapartida, o movimento feminista descobriu no
ciberespaço um meio de promover a desmistificação de tabus históricos como a cultura do
estupro e a erotização infantil, que naturalizam a violência de gênero, a fim de levar a
sociedade a refletir sobre casos como o de Valentina.
O caso despontou como polêmica nas redes em 20 de Outubro de 2015, na estreia do
programa MasterChef Júnior, no qual crianças entre 9 e 13 anos eram desafiadas a mostrar
suas habilidades culinárias. Durante o programa, vários comentários de assédio foram
direcionados, através do Twitter, à participante Valentina: ―A culpa da pedofilia é dessa
molecada gostosa‖, ―Essa Valentina fazendo esses pratos: que vagabunda!‖ e ―Com 14 anos
ela vai virar secretária de filme pornô‖. Esses foram alguns dos tuítes encaminhados por
homens adultos à uma menina de 12 anos.
85
Campanha cuja ideia consistia em dar visibilidade à exclusão das mulheres na fala pública, incentivando os
homens que possuem espaço na mídia a cederem suas colunas durante uma semana à mulheres ativistas
feministas para escrever e publicar sobre seus direitos e questões de gênero.
86
Surgiu a partir de um vídeo da youtuber Jout Jout listando comportamentos que caracterizam um
relacionamento abusivo, a campanha tinha o objetivo de incentivar as mulheres a não se calar diante dessas
situações.
87
A campanha que fazia referência à brincadeira típica de final de ano e tinha o objetivo principal de expor e
denunciar práticas machistas de colegas e conhecidos.
Impactadas e indignadas com os comentários, várias ativistas e coletivos feministas se
manifestaram sobre o ocorrido. O coletivo feminista Think Olga, criado em abril de 2013 com
a missão de empoderar mulheres por meio da informação, lançou a campanha
#primeiroassédio no Twitter com o objetivo de mobilizar e encorajar as mulheres a contar
sobre a primeira vez que foram assediadas, em pouco tempo a campanha chegou ao Facebook
onde mais mulheres relataram suas experiências.
Resultados e Conclusões
Cinco dias após o início da campanha, a hashtag já havia sido replicada mais de 82
mil vezes só no Twitter. No mês de dezembro, esse número chegava a mais de 250 mil. De
acordo com o Google Trends, foram mais de 11 milhões de buscas relacionadas à campanha,
na qual usuários procuravam saber o que era assédio, como ele acontece em casa e no
trabalho, etc. A repercussão foi tanta que até mesmo órgãos públicos como o portal do
Governo Federal e a Unicef também aderiram à hashtag aproveitando o assunto em pauta
para reforçar suas campanhas contra a violência sexual infantil.
Os dados do IPEA estimam que das 500 mil mulheres vítimas de estupro a cada ano
no país, 70% são crianças e adolescentes – sendo 51% menores de 13 anos. Confirmando esse
percentual, a campanha #primeiroassédio revelou que a maioria das mulheres e meninas
participantes tiveram sua primeira experiência de assédio entre 9 e 10 anos. Juliana de Faria ,
fundadora do Think Olga, pontua que foi possível notar que a pedofilia está mais próxima do
que costuma-se imaginar e a partir da identificação de palavras como ―casa‖, ―pai‖ e ―escola‖
como as mais usadas nos tuítes da campanha, ela afirma que a maioria dos assédios infantis
acontecem dentro de uma relação de confiança, o que comprova a existência de uma cultura
do estupro presente no cotidiano das mulheres desde a infância (Think Olga, 2015).
Recentemente o BBC Trending, blog da BBC, falou sobre os casos mais comentados
nas redes sociais e contou a história da campanha brasileira #primeiroassédio, o que levou
mulheres da Grã-Bretanha, Estados Unidos, Chile, Portugal e Holanda a também contar suas
histórias de assédio usando a hashtag #firstharassment. Juliana afirma que essa repercussão
só "comprova que falamos sobre um problema universal". Em relação à importância de relatar
o primeiro assédio, ela afirma que trata-se de se apoderar da própria história, pois assim ―a
vítima se reconhece como vítima‖ e pontua que esse passo é fundamental para enxergar que a
opressão é, de fato, uma opressão e não ―parte da vida‖, perceber com clareza que existe um
culpado, e que não é a mulher vítima de assédio. Luíse Bello, publicitária e gerente de
conteúdo da comunidade Think Olga, complementa afirmando que ―falar é mostra que [o
problema] existe, é usar nossa voz para mostrar que acontece sim, que incomoda sim, e que
nenhuma criança merece passar por isso‖ (Think Olga, 2015).
Máximo aborda em sua tese a ideia de uma nova comunicação que compreende a
noção de participação e assimila a comunicação como performance da cultura e conclui que
―comunicar é, acima de tudo, pôr em comum, compartilhar, estar em relação‘ (MÁXIMO,
2006). A autora soma a essa compreensão o conceito de expressão exposto por Bruner
_________________. Castells: „As redes sociais não são uma virtualidade em nossa vida:
é nossa realidade que se fez virtual‟. São Paulo, Webmanario, 26/09/2010. Entrevista a Alec
Duarte. Disponível em:
<https://webmanario.com/2010/09/26/castells-a-rede-social-nao-e-uma-virtualidade -em-
nossa-vida-e-nossa-realidade-que-se-fez-virtual/> Acesso em: 14/06/2016.