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VOLUME V

GT 07 - Educação, Gênero e
Sexualidades
EXPEDIENTE

Título: Educação, Movimentos Sociais e Direitos Humanos: Epistemologias Subversivas

Coordenação Geral: Allene Carvalho Lage

Comissão Científica: Dra. Allene Lage, Me. Andrezza Nogueira, Me. Ariene Gomes de
Oliveira, Me. Aristoteles Veloso, Dr. Benedito Medrado, Dr. Caetano De' Carli Viana Costa,
Me. Cleyton Feitosa, Me. Edima Morais, Me. Elba Ravane Alves Amorim, Me. Elizabeth
Maria da Silva, Esp. Émerson Santos, Dr. Everaldo Fernandes, Me. Fernando Cardoso, Me.
Girleide Lemos, Dr. Gustavo Gomes, Me. Íris Marcolino, Me. Jamerson Kemps Gusmão
Moura, Dra. Júlia Figueredo Benzaquem, Dr. Lourenço da Conceição Cardoso, Dr. Marcelo
Miranda, Dr. Mario de Faria Carvalho, Me. Otávio Rubino, Me. Rafael Lima Vieira e Me.
Sérgio Rêgo.

Grupos de Trabalho:
GT 1 - Movimentos Sociais e Epistemologias de Luta
GT 2 - Democracia e Direitos Humanos
GT 3 - Gestão Pública e Políticas Sociais
GT 4 - Estudos Pós Coloniais
GT 5 - Educação: Infâncias, Currículo e Docência
GT 6 - Educação, Relações Étnico-Raciais e Intolerância Religiosa
GT 7 - Educação, Gênero e Sexualidades
GT 8 - Epistemologia dos Saberes Populares e Memórias Ancestrais
GT 9 - Organizações Escolares e Cultura Local
GT 10 - Pesquisa e Extensão Universitária em Cultura e Educação em Direitos Humanos
GT 11 - Culturas, povos e comunidades tradicionais: rupturas epistêmico-conceituais por uma
educação intercultural
GT 12 - Trajetos formativos e práticas educativas não escolares

Instituição Promotora: Observatório dos Movimentos Sociais na América Latina e


Programa de Pós-graduação em Educação Contemporânea UFPE-CAA
Instituições Apoiadoras: Universidade Federal de Pernambuco/Campus Acadêmico do
Agreste, Programa de Pós-graduação em Direitos Humanos – UFPE, SOS CORPO – Instituto
Feminista para a Democracia, DIVERSA- Centro de Pesquisa em Direitos Humanos, Gênero
e Democracia, Lutas e Cores, GEPIDH – Grupo de Estudos e Pesquisas Interdisciplinares
sobre Direitos Humanos Mércia Albuquerque, Marcha Mundial das Mulheres, MMTR-NE –
Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste, Movimento dos Trabalhadores
Rurais sem Terra e Mais.

Período de Realização: 12 a 14 de junho de 2017

Local de Realização: Universidade Federal de Pernambuco/Campus Acadêmico do Agreste


Avenida Grande, s/n , Nova Caruaru, Caruaru – Pernambuco.

Organização dos Anais: Allene Carvalho Lage, Émerson Silva Santos, Filipe Antonio
Ferreira da Silva, Márcio Rubens de Oliveira; Paloma Raquel de Almeida, Roberta Rayza
Silva de Mendonça e Sérgio Rêgo
PROGRAMAÇÃO

Segunda 12/06
08:00 - 17:00
CREDENCIAMENTO
(Hall do Bloco de Pedagogia)
09:00 - 12:00
APRESENTAÇÃO DE TRABALHOS
(UFPE Bloco de Pedagogia )
13:45 - 17:45
Minicurso: Trabalho Infantil: A Proteção Social à Criança e ao Adolescente
(UFPE)
13:45 - 17:45
Minicurso: Para Encantar, é Preciso Encartar-se: as culturas locais nas práticas escolares
(UFPE)
13:45 - 17:45
Minicurso: Metodologia da Pesquisa Qualitativa em Educação
(UFPE)
13:45 - 17:45
Minicurso: Possibilidades de diálogo entre Transexualidade e Mídia em interface com a
educação
(UFPE)
13:45 - 17:45
Minicurso: O Poder da Liberdade: a atuação dos advogados dos presos políticos na
construção do imaginário social de Democracia e Direitos Humanos no Brasil
(UFPE)
13:45 - 17:45
Minicurso: Educação Popular e Feminismo: ensaios de uma pedagogia de luta e resistência.
(UFPE)
18:45 - 19:10
MESA DE ABERTURA
(Teatro do Shopping Difusora)
19:40 - 21:40
CONFERÊNCIA 1: FEMINISMOS E RESISTÊNCIAS NA AMÉRICA LATINA EM
TEMPOS DE GOLPES | Lilian Soto (Movimento Kunã Pyrenda - Paraguai) e Carmen Silva
(SOS Corpo) |
(Teatro do Shopping Difusora)

Terça 13/06
08:00 - 11:30
CREDENCIAMENTO - 2º DIA - MANHÃ
(Hall do Bloco de Pedagogia)
08:30 - 12:30
Minicurso: Análise Crítica do Discurso: a linguística que não quer calar.
(UFPE)
08:30 - 12:30
Minicurso: O Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN): sua história, perspectivas e
influências nas lutas nacionais e internacionais
(UFPE)
08:30 - 12:30
Minicurso: O dilema da redistribuição e do reconhecimento e as lutas dos novos movimentos
sociais
(UFPE)
08:30 - 12:30
Minicurso: Neoliberalismo, gerencialismo no setor público brasileiro e impactos para as
condições de trabalho docente
(UFPE)
08:30 - 12:30
Minicurso: Por uma Pedagogia Feminista Rural: A Escola de Educadoras Feministas do
MMTR/NE
(UFPE)
08:30 - 12:30
Minicurso: Das locas dos sertões surge a resistência: Arte/Educação e Emoções para auto-
reflexões(UFPE)
08:30 - 12:30
Minicurso: Leitura Crítica da Mídia (UFPE)
08:30 - 12:30
Minicurso: Sistematização de Experiências na Garantia de Direitos Humanos
(UFPE)
14:00 - 14:50
PERFORMANCE ARTÍSTICA - ANTÍGONA
(5º piso do Shopping Difusora)
14:50 - 16:50
DEBATE: ARTE FEMINISTA E ANTI-RACISTA COMO NARRATIVAS CONTRA-
HEGEMÔNICAS
(5º piso do Shopping Difusora)
16:50 - 18:50
Apresentação cultural e intervalo
(5º piso do Shopping Difusora)
18:30 - 20:30
CREDENCIAMENTO - 2º DIA - NOITE
(5º piso do Shopping Difusora)
19:00 - 21:00
CONFERÊNCIA 2: QUILOMBOS: HISTÓRIAS, SENTIDOS E DIREITOS | Denise
Botelho (UFRPE), Miriam Chagas (MPF/RS) e Lourenço Cardoso (UNILAB) |
(5º piso do Shopping Difusora)

Quarta 14/06
08:30 - 12:30
Minicurso: Um banquete com Heidegger: a poética da vida em luta.
(UFPE)
08:30 - 12:30
Minicurso: Práticas socioeducativas com crianças e adolescentes em situação de rua
(UFPE)
08:30 - 12:30
Minicurso: Linha do Tempo e Perspectivas da Educação em Direitos Humanos no Brasil
(UFPE)
08:30 - 12:30
Minicurso: Comunicação, Mídia e Direitos Humanos
(UFPE)
08:30 - 12:30
Minicurso: Sororidade no Feminismo Latino Americano
(UFPE)
08:30 - 12:30
Minicurso: LGBTFOBIA e Educação
(UFPE)
08:30 - 12:30
Minicurso: Capoeira Angola: um olhar feminista a partir do pensamento de Audre Lorde
(UFPE)
08:30 - 12:30
Minicurso: Movimento de Cultura Popular
(UFPE)
14:00 - 16:00
AULA-DEBATE: DEMOCRACIA E AS GRAMÁTICAS MARGINAIS | Márcia Tiburi
(UNIRIO) |
(Teatro do Shopping Difusora)
16:15 - 18:15
CONFERÊNCIA 3: MOVIMENTOS SOCIAIS NA AMÉRICA LATINA:
ARTICULAÇÕES, DESAFIOS E ENFRENTAMENTOS | Paola Estrada (ALBA) e Severino
Silva (UFPB) |
(Teatro do Shopping Difusora)
19:15 - 21:15
CONFERÊNCIA DE ENCERRAMENTO: EPISTEMOLOGIAS SUBVERSIVAS | David
Paul O'Brien (New York University) e Allene Lage (UFPE e Observatório) |
(Teatro do Shopping Difusora)
SUMÁRIO

Apresentação.................................................................................................................................11

GT 7 - Educação, Gênero e Sexualidades

Articulando gênero e raça na educação técnica de nível médio: o caso das estudantes
egressas do IFPE-Campus Ipojuca
Danielle de Farias Tavares Ferreira, Bruna Steffany Gomes da Silva, Jackson F. P. Messias e
Vanessa Estevão..............................................................................................................................13

Escola, socialização e pedagogia: o preconceito enfrentado por professores do sexo


masculino na educação infantil
Mariana Alves Dantas e Maria das Graças Brito de Araújo.........................................................23

Educação e sexualidade: o despreparo da comunidade escolar no trato a diversidade sexual


José Paulo Gomes Teixeira.............................................................................................................34

A influência do patriarcado e do trabalho para a evasão na EJA das escolas do território


campesino
Alcione Alves da Silva e Janssen Felipe da Silva...........................................................................44

Gênero e sexualidade no cotidiano escolar: uma experiência em uma Escola de Referência


da Zona da Mata Pernambucana
Everson Silva Cabral, Luiz Felipe de Oliveira Silva, Larissa Suellen Gomes Andrade de Lima e
Marcelo Henrique Gonçalves de Miranda.....................................................................................60

Sinhazinha Wanderley: práticas culturais e pedagógicas na cidade do Assú/RN


Gilson Lopes da Silva e Marlúcia Menezes de Paiva.....................................................................70

O desafio da coeducação de gênero na escola: uma análise acerca das práticas pedagógicas
Rubem Viana de Carvalho e Ana Rinêuda Targino Alves..............................................................84

Gênero, sexualidade e educação: professoras lésbicas e bissexuais no magistério


Ariane Rafaela de Freitas, Isabella Nara Costa Alves, Paula Polini Nascimento Santos e Robson
da Costa de Souza.........................................................................................................................100

Homossexualidade na escola e o exercício do pensar sobre os preconceitos: como os


estudantes homossexuais são vistos pelos (as) professores (as)
Ednaldo Andrade Barros e Hugo Monteiro Ferreira...................................................................117

LGBTfobia na escola: implicações da gestão escolar


Émerson Silva Santos....................................................................................................................128
A dança nas aulas de educação física: trabalhando com os temas transversais no ensino
fundamental da rede pública municipal de Caruaru-PE
Érica Jacira de Araújo Silva, Viviane Maria Moraes de Oliveira e Roberta de Granville
Barbosa.........................................................................................................................................142

Gênero na educação infantil: a busca pela equidade de gênero na sala de aula


Thamires Fernandes de Assunção................................................................................................160

Breve diálogo entre o movimento LGBT e a perspectiva pós-identitária no combate a


LGBTfobia
Jaqueson Antonio da Silva e Emerson Granja de Araújo Lacerda..............................................171

Estupro coletivo: um olhar da psicologia social no comportamento de grupo


Fernanda Nogueira Silva e Solange Eloi Dias Dantas................................................................185

Interseccionalidades: pensando sobre gênero e refúgio:


Roberta Rayza Silva de Mendonça e Allene Carvalho Lage........................................................195

Contribuições da psicanálise para um debate sobre homofobia e educação


José Kleberson Rodrigues de Almeida Ananias e Claudeni Maria de Lima................................206

Gênero e saúde mental: breve revisão teórica sobre o processo de engendramento das
discussões em saúde mental
Nayra Danyelle Batista da Silva...................................................................................................220

Mulheres na ciência: um debate de gênero


Sacha Biano dos Santos, Nathália da Silva Miranda, Iasmyn de Lima Brito Santiago e Liziane
Martins..........................................................................................................................................234

Estereótipos de gênero e suas implicações para a materialidade do serviço social no Brasil:


breve análise à luz do pensamento de Heleieth Saffioti
Tatianne Amanda Bezerra da Silva e Sérgio Antônio Silva Rêgo................................................244

Movimentos políticos feministas -teóricos em torno das sexualidades e das experiências


queer
Ana Maria Pereira e Regina Lopes Trindade...............................................................................255

Corpo envelhecido: narrativas de vidas de mulheres


Glauber Paiva da Silva.................................................................................................................270

As abordagens contingentes de gênero e de sexualidade no currículo vivido do curso de


pedagogia CAA/UFPE
Maria do Carmo Gonçalo Santos e Maria Eliete Santiago..........................................................285

Reflexões sobre as barreiras enfrentadas por mulheres nos cursos masculinizados


Ludmila Lins Bezerra....................................................................................................................300

Os estereótipos da mulher negra na sociedade contemporânea


Nathalia Maria Fernanda Alves...................................................................................................310
Atuação de psicólogas/os nas políticas para o atendimento a mulheres em situação violência
Verena Souza Souto e Marilda Castelar.......................................................................................324

A presença da população transgênera em pesquisas acadêmicas: um breve estudo sobre a


luta pela inclusão
Jéssica Danielle da Silva Brito, Marcelo Henrique Gonçalves de Miranda, Atinaê Joice da Silva
Pereira e Ana Paula Paulino Germano........................................................................................338

Relações de gênero que oprimem e mata as mulheres: reflexões sobre a violência doméstica
e o feminicídio no estado de Pernambuco
Risonete Rodrigues da Silva, Samuel Pereira da Silva Júnior e Ana Maria Tavares Duarte......349

Guarda unilateral e o mito do amor materno: breves reflexões sobre a predominância das
decisões judiciais dos processos de guarda em favor da mãe
Luciana Maria Lira Cadete de Sousa e Tatianne Amanda Bezerra da Silva...............................361

Direito transgênero: uma análise das legislações que regulamentam a cidadania trans
Esther Cristinna Oliveira Araujo e Luís Felipe Andrade Barbosa..............................................372

Educação e os direitos humanos: interseccionalidade do corpo, gênero, sexualidade e etnia-


raça nas práticas pedagógicas
Larissa Suellen Gomes Andrade de Lima, Marcelo Henrique Gonçalves de Miranda, Everson
Silva Cabral e Luiz Felipe de Oliveira Silva................................................................................381

“Com sedas matei, e com ferros morri”- problematizando a invisibilidade transexual


Claudeni Maria de Lima e José Kleberson Rodrigues de Almeida Ananias................................393

O panorama de violência contra a comunidade LGBT no Brasil e a imprescindibilidade de


inserção da LGBTfobia como crime no ordenamento jurídico pátrio
Alan Jósimo de Santana Galvão...................................................................................................409

O reconhecimento do nome social de pessoas trans na rede de ensino municipal de Caruaru


Antônio Alves de Santana.............................................................................................................419

A condição das mulheres latinoamericanas e a importância da articulação entre o


feminismo e o educar em direitos humanos
Tânia Lúcia Farias Dias, Celma Fernanda de Almeida e Silva e Fernanda Camila Fonseca Silva
dos Santos.....................................................................................................................................432

Metodologias ativas e educação em direitos humanos: vivências no ambiente escolar a partir


do jogo “e se fosse você ?”
Marcela Melo de Carvalho e Maria Eduarda Nunes de Souza....................................................445

Suicídio e pornografia de vingança


Bruno Moraes Arraes Sampaio e Marcela Melo de Carvalho.....................................................457

Ela é o herói: relações de gênero e protagonismo feminino nas princesas da Disney


Hannah Damaris Torres de Lima Silva........................................................................................467
“As meninas super poderosas” uma análise das relações de gênero nos desenhos animados
infantis
Jéssica Ribeiro de Oliveira, Caroline Leite Borges de Oliveira e Mikaela Vieira da Silva........483

Revenge porn: uma análise sobre as práticas violadoras à dignidade sexual feminina
Joanne Suzanil de Lima Alves, Maria Simone Gonzaga de Oliveira e Raissa Braga Campelo..494

Gender faces - conservadorismo e lutas de gênero em espaços digitais: retratos de ativismo


Claudio Matheus da Silva Gomes.................................................................................................506

“Masculinidade hegemônica e os reflexos da construção do “homem de verdade”: uma


análise da animação “Minha Vida de João”
Gabriel Carlos da Silva Carneiro Maranhão, Marina Reis de Souza Guerra de Andrade Lima e
Tatiana Craveiro de Souza...........................................................................................................523

#PRIMEIROASSÉDIO: comunicação e mobilização política das mulheres nas redes sociais


online
Ligyane Tavares dos Reis.............................................................................................................536
APRESENTAÇÃO

A cada dois anos o Observatório dos Movimentos Sociais na América Latina realiza o
SIOMSAL - Seminário Internacional do Observatório dos Movimentos Sociais na
América Latina, evento que congrega uma série de reflexões coletivas sobre questões
emergentes que demandam aprofundamento do conhecimento dentro dos espaços
universitários e em conjunto com os movimentos sociais.
Em 2013 realizamos o I SIOMSAL com o tema Pensamento Pedagógico Latino-
americano, onde foram debatidas pedagogias e experiências latino-americanas, tendo em
conta pensadores latino-americanos/as como referências teóricas das análises dos estudos
discutidos durante o Seminário.
No ano de 2015 realizamos o II SIOMSAL com o tema Educação, Gênero e
Sexualidades na América Latina, onde debatemos questões como as relações de gênero,
sexualidades, sexismo, machismo e misoginia, diversidade sexual e LGBTfobia, relações
étnico-raciais, e as diversas formas de racismo e de intolerância religiosa, como questões
recorrentes dentro da escola.
Agora em 2017 realizamos o III SIOMSAL com o tema EDUCAÇÃO,
MOVIMENTOS SOCIAIS E DIREITOS HUMANOS: Epistemologias subversivas, onde
debatemos conhecimentos e experiências produzidas no âmbito das experiências de luta dos
movimentos sociais e dos direitos humanos.
Nesse debate tiveram relevo as experiências de educação dissidentes das tradicionais
práticas educativas da escola, que apontavam as epistemologias subversivas que estão sendo
construídas dentro do movimentos sociais, coletivos e Organizações Não Governamentais
(ONGs), sem prescindir das experiências inovadoras que estão acontecendo dentro das
instituições escolares. O recorte desse debate se deu dentro das Conferências, dos Grupos de
Trabalho, dos minicursos e demais atividades ocorridas no evento.
Nesse III Seminário recebemos 580 inscrições para participantes. Destes 309
submeteram trabalhos completos para análise. Foram aprovados 280 trabalhos e 263 foram
apresentados nos dias em que ocorreu o Seminário em 12 Grupos de Trabalhos.
Este Anais consta de 263
XX artigos, organizados da seguinte maneira: Volume I –
Artigos do GT 1; Volume II – Artigos do GT 2; Volume III – Artigos do GT 3 ao GT 4;
Volume IV – Artigos do GT 5 ao GT 6; Volume V – Artigos do GT 7; Volume VI – Artigos
do GT 8 ao GT 10; Volume VII – Artigos do GT 11 ao GT 12.
Os GT onde foram apresentados aceitos e apresentados os trabalhos foram os
seguintes: GT 1 - Movimentos Sociais e Epistemologias de Luta; GT 2 - Democracia e
Direitos Humanos; GT 3 - Gestão Pública e Políticas Sociais; GT 4 - Estudos Pós Coloniais;
GT 5 - Educação: Infâncias, Currículo e Docência; GT 6 - Educação, Relações Étnico Raciais
e Intolerância Religiosa; GT 7 - Educação, Gênero e Sexualidades; GT 8 - Epistemologias dos
Saberes Populares e Memórias Ancestrais; GT 9 - Organizações Escolares e Cultura Local;
GT 10 - Pesquisa e Extensão Universitária em Cultura e Educação em Direitos Humanos; GT
11 - Culturas, povos e comunidades tradicionais: rupturas epistêmicas-conceituais por uma
educação intercultural; e GT 12 - Trajetos formativos e práticas educativas não escolares. .
Foram ainda realizados 22 minicursos sobre diversos temas.
Além disso contamos com 4 conferências: Feminismos e Resistências em tempos de
Golpe, com a Dra. Lilian Sotto (Paraguai) e Dra. Carmen Silva moderada pela mestranda
Paloma Almeida; Quilombos: História, Sentidos e Direitos, com a Dra. Miriam Chagas e a
Dra. Denise Botelho, moderado por Dr. Lourenço Cardoso; Movimentos Sociais na América
Latina: Articulações, desafios e enfrentamentos, com a Ativista Paola Estrada e o Dr. Caetano
de Carli, moderado pelo mestrando Sergio Rêgo e; Epistemologias Subversivas com o Dr.
David O'Bryan e a Dra. Allene Lage como debatedora.
Na dimensão da arte, houve a Intervenção Teatral: Antígona, encenada pela Atriz
Sheila Campos e o debate Arte Feminista e antirracista como narrativas contra-hegemônicas
com a Atriz Sheila Campos e a cantora e ativista da Marcha Mundial das Mulheres do Agreste
de Pernambuco Gabi da Pele Preta, com a interlocução de Rafael Vieira. Na programação
constou ainda a Aula-debate Democracia e as Gramáticas Marginais, ministrada por Márcia
Tiburi, com a interlocução de Íris Marcolino.
Por fim, ocorreram as apresentações culturais da Quadrilha junina de cadeirantes da
APODEC, do Grupo de Percussão dos meninos/as do COMVIVA e do Grupo de Capoeira
dos/as meninos/as do CEPA.

Profª. Drª. Allene Carvalho Lage


Coordenadora do Observatórios dos
Movimentos Sociais na América Latina
ARTICULANDO GÊNERO E RAÇA NA EDUCAÇÃO TÉCNICA DE
NÍVEL MÉDIO: O CASO DAS ESTUDANTES EGRESSAS DO IFPE-
CAMPUS IPOJUCA

Danielle de Farias Tavares Ferreira, danielleferreira@ipojuca.ifpe.edu.br, IFPE, Pedagoga.

Bruna Steffany Gomes da Silva, steffanybruna7@gmail.com , IFPE, estudante e bolsista PIBEX.


Jackson F. P. Messias, jacksonphernando@outlook.com , IFPE, estudante e bolsista PIBEX.
Vanessa Estevão, vanessa1818v@gmail.com, IFPE, estudante e bolsista PIBEX.
.

RESUMO

O Núcleo de Gênero e Diversidades do Instituto Federal de Pernambuco-Campus Ipojuca tem


desenvolvido pesquisas e ações acerca da transversalização da relação de gênero e das questões étnico-
raciais a se entrelaçarem nos discursos do cotidiano de instituições de ensino médio técnico. Diante
das inquietações, nosso problemática se referiu ao modo como as jovens negras egressas de cursos
como construção naval e automação industrial se percebiam em salas de aula compostas, em sua
maioria, por estudantes do sexo masculino. Optamos por desenvolver um projeto de cunho científico-
extensionista numa perspectiva de pesquisa-ação. A proposta abarca também descrever as
características sócio demográficas das jovens estudantes egressas e a análise dos discursos delas. O
projeto encontra-se em andamento e espera-se que a partir dos estudos dirigidos sobre o tema, do
levantamento das características relevantes dos atores sociais e da análise discursiva a permear as
vivências desse público, possamos propor ações de divulgação dos resultados de modo a possibilitar
que essas ações se direcionem à promoção de diálogos com a comunidade acadêmica e discussões
pertinentes em momentos de capacitação pedagógica com os docentes e em encontros acadêmicos
com os estudantes.
Palavras-chave: Juventude(s), Gênero, Sexualidade, Raça, Ensino médio técnico.

INTRODUÇÃO

Reconhecer as desigualdades nas relações de gênero e na existência de diversos


mecanismos de discriminação e racismo, a se manifestarem implícita ou explicitamente
dentro das escolas, é o primeiro passo para gerar discussões sobre as construções que ditam o
que é masculino ou feminino, a partir do biológico, e as relações de poder que se estabelecem
nesse processo de demarcação binária. É a partir dessas discussões que o Núcleo de Gênero e
Diversidades do Instituto Federal de Pernambuco- Campus Ipojuca tem desenvolvido pesquisas e
ações para por essa temática em destaque dentro de sua comunidade acadêmica.
Cruz (2012, p.13) considera que estudar as categorias de gênero numa sociedade
contemporânea é analisar as desigualdades de gênero sem abstrair as desigualdades de classe,
etnicidade e de raça, ―que tornam ainda mais dramáticas as vivências dos indivíduos e, mais
especificamente, das mulheres‖. Partindo da compreensão do processo histórico, em que a
sociedade contemporânea está marcada pela submissão ao poder patriarcal, os estudos de
gênero têm se direcionado não apenas a abarcar debates e discussões sobre a submissão
feminina, mas também compreender as amplas vivências de desigualdades nas relações
sociais em que muitos indivíduos são submetidos.
No entender de Oliveira (2015, p. 264):

A valorização do diferente e o respeito às diversas formas de manifestação de


identidades é uma perspectiva adotada pelos estudos de gênero[...] Estudos atuais
mostram a pluralidade de diferença que se faz presente na escola de diversas
maneiras, sejam elas psicológicas, de gênero, de orientação sexual, religiosas e (ou)
étnico racial. A partir desse contexto surge o desafio de articular o comum com o
plural, a igualdade com a diferença, de promover debates sobre como se produzem
os preconceitos[...].

Os estudos de gênero possibilitam que as instituições se questionem sobre seus


posicionamentos diante das diversas identidades, diferenças sexuais e de gênero dos sujeitos
que nelas se encontram inseridos. Percebe-se, assim, os benefícios de se desenvolver projetos
sobre este viés dentro de uma instituição de ensino técnico, proposto em formato de projeto de
pesquisa e extensão, ao passo que tais estudos possibilitam à instituição de ensino se
reconhecer enquanto espaço de embate dos problemas sociais, de acolhimento aos vulneráveis
e de promoção e respeito à diversidade.
Para que discursos de reconhecimento e respeito às diferenças se disseminem e
resultem em mudanças significativas nas relações sociais, faz-se necessário a compreensão da
análise de gênero, na qual ―o sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos,
identidades que não são unificadas ao redor de um ‗eu‘ coerente. (Hall, 1999, p.13).
É sobre esse sujeito contemporâneo de múltiplas identidades que os estudos de gênero
se propõem aliarem-se à educação na intenção de desconstruir o lugar privilegiado dada às
formas universais de se conceber o que é próprio do homem e da mulher, ignorando, assim, as
demais construções culturais para além da demarcação binária.

A afirmação de determinadas diferenças, o processo de assimilação de determinados


grupos à sociedade hegemônica, a promoção do diálogo entre diferentes grupos
socioculturais devem ser práticas recorrentes do cotidiano escolar (Louro,1997,
p.49).

Partindo desses pressupostos, identificamos a relevância em se enveredar por estudos


de gênero e isso promoveu alguns questionamentos sobre nossas práticas enquanto docentes,
técnico-administrativos e estudantes de uma instituição de ensino médio técnico.
Uma de nossas problemáticas se referiu ao modo como as estudantes de cursos
técnicos de construção naval e de automação industrial, se percebiam em salas de aula
composta, em sua maioria, por estudantes do sexo masculino. Outros questionamentos foram
surgindo tais como: De que maneira se deu as relações dessas estudantes com seus
professores e os demais colegas no decorrer do curso? A procura por estágio, obrigatório para
a conclusão do curso, em tais áreas ocorreu de maneira amistosa? Houve dificuldades delas se
inserirem em determinados espaços dentro de nossa instituição de ensino e dentro da empresa
em que estagiou? Como elas se perceberam enquanto mulheres, pardas, negras, oriundas de
escolas públicas e que se inseriram em uma instituição de ensino técnico de nível médio?
Diante dos questionamentos empreendidos, optamos, inicialmente, por desenvolver
um projeto de cunho científico-extensionista numa perspectiva de pesquisa-ação, a qual é
compreendida por alguns autores como Tripp (2005) como um método qualitativo que se situa
entre a prática rotineira e a pesquisa acadêmica.
A proposta abarca também o levantamento de dados sócio demográficos sobre as
jovens estudantes egressas e a análise dos discursos delas. As estudantes egressas foram as
escolhidas por ter esse público completado todo uma trajetória acadêmica desde o ingresso até
a conclusão do curso, com a finalização do estágio obrigatório.
A instituição contemplada para a realização da pesquisa-ação se localiza no município
do Ipojuca-Pernambuco, cidade esta que veio vivenciando significativas mudanças na sua
economia ao deter a posição de segundo maior Produto Interno Bruto (PIB) entre os
municípios pernambucanos, conforme dados do último censo. Isso por integrar-se aos
principais polos econômicos do estado, o que, relativamente, veio resultando numa crescente
ampliação do mercado de trabalho na região.
Em face desta realidade, vivenciada nos últimos anos, o IFPE campus Ipojuca veio
recebendo públicos diversos. A pluralidade de diferenças é vivenciada constantemente no
campus Ipojuca e de modo a convivermos com diferentes identidades, sejam elas de ordem
psicológicas, de gênero, de orientação sexual, religiosas e (ou) étnico racial.
Mesmo com todo esse crescimento econômico do município, e uma peculiar melhora
no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da região, o nível de escolarização da
população explicita ainda a precariedade dos processos de escolarização vivenciados na
cidade.
O contraste entre o desenvolvimento econômico do município não se atrela,
diretamente, às condições de vida de grande parte de sua população, e isso, certamente, vem
afetando as trajetórias de vidas e acadêmicas do público que o campus Ipojuca tem recebido.
O IDH de Ipojuca veio obtendo uma melhora desde 1999, porém a maioria da
população economicamente ativa do município possui uma renda baixa, ao auferir entre ½ a 1
salário mínimo, conforme os dados do último censo. O índice de desemprego entre os jovens
e adultos da cidade do Ipojuca soma 43,2%, e de 80.637 habitantes em Ipojuca, 49,47% são
homens, 50,53% são mulheres, marcando também em seu território a presença acentuada de
mulheres a buscar o sustento de seus lares.
Outro dado relevante ao projeto se refere à população residente do Ipojuca por cor ou raça,
segundo o sexo e a idade. Conforme dados da secretaria de juventude do Ipojuca, colhidos em
2014 e tendo como fonte o censo 2010, identificamos que as mulheres na faixa de 0 a 18 anos se
declaram 8,13% como pardas, 4,32% como brancas, 0,93% pretas 0,05% como indígenas e
0,16% como amarelas. Os homens não diferem muito, pois estando na mesma faixa etária, 8,32%
se declaram pardos, 4,38% brancos, 1,13% pretos, 0,04% indígenas e 0,11% se declaram
amarelos.
Diante dessas características da população ipojucana mais recorrentes para o projeto
de pesquisa e extensão em andamento, compreendemos que a população residente na cidade
do Ipojuca é composta, em sua maioria, por mulheres, e boa parte das jovens se declaram de
cor parda. Essa realidade é refletida na comunidade acadêmica do campus Ipojuca, pois essa
instituição de ensino tem atendido cerca de 720 estudantes por semestre, sendo, em grande
parte, oriundos da educação pública regular que o município oferece e tendo as mulheres
ipojucanas a compor boa parte de seu quadro de discentes.
A partir desses dados, objetivamos, de maneira abrangente, identificar as relações de
gênero empreendidas nas trajetórias acadêmicas das jovens egressas dos cursos técnicos do
campus Ipojuca, tendo como objetivos específicos mapear a trajetória acadêmica das jovens
egressas durante o curso concluído, bem como analisar o modo de recepção e as relações
entre essas estudantes, seus professores e demais colegas nas turmas de maior presença
masculina. Identificar se houve dificuldades das jovens se inserirem em determinados espaços
dentro da instituição de ensino e/ou dentro das empresas em que estagiaram também se
colocou como objetivo a ser alcançado.
Desse modo, consideramos relevante desenvolver um projeto de pesquisa e extensão
que enfatize a trajetória acadêmica dessas mulheres, as manifestações identitárias que
expressam em suas histórias de vida e na busca por inserção no mercado de trabalho. As
dificuldades e superações para concluir cursos em que haja a genuína presença masculina,
ocupando a maioria das vagas no mercado de trabalho, e as relações de gênero empreendidas
nesses espaços são discussões que devem ser trazidas para as escolas, e principalmente numa
escola técnica de nível médio que tem como missão:

A estrutura multicampi e a clara definição do território de abrangência das ações dos


Institutos Federais afirmam, na missão destas instituições, o compromisso de
intervenção em suas respectivas regiões, identificando problemas e criando soluções
técnicas e tecnológicas para o desenvolvimento sustentável com inclusão social [...]
(Pacheco, 2011, p. 14).

As transformações esperadas, a partir da execução desse projeto, promoverão o


fortalecimento do Núcleo de Gênero e Diversidades (NEGED) do campus Ipojuca enquanto
núcleo de estudos, intervenção e apoio à comunidade acadêmica no que tange a essa temática.
Outros discursos se farão presentes dentro da instituição de ensino ao se referirem às mulheres
pardas, pretas, jovens e oriundas das escolas públicas. Esse estudo refletirá a composição de
parte da comunidade do entorno a compor nossa comunidade acadêmica complexa e diversa.

METODOLOGIA
A partir dos objetivos assinalados, estamos desenvolvendo uma pesquisa de
abordagem quantitativa e qualitativa, havendo uma triangulação na utilização de mais de
um método. Para Flick (2009) a triangulação busca as percepções dos sujeitos em suas
práticas para disso decorrer numa triangulação entre métodos e compará-los de forma a
maximizar a validade dos esforços de campo. A metodologia escolhida explicita um
estudo de caso e sua devida transferibilidade de resultados para fins de dar o teor de
confiabilidade e validade ao estudo, como bem salienta Yin (2005).
As quantificações são obtidas a partir da natureza de nosso objeto, dos objetivos e
do instrumento de coleta e por isso estamos a coletar os dados categoriais, os quais se
classificam por sua frequência que ocorre. Exemplo é a distribuição de frequência das
estudantes quanto a raça, classe, idade, ano de conclusão, renda familiar, dentre outros
aspectos que estão sendo levantados no Sistema Q-acadêmico da instituição. Para Gatti
(2004, p.13):
[...]O que se procura ao criar uma tradução numérica ou categorial de fatos, eventos,
fenômenos, é que esta tradução tenha algum grau de validade racional, teórica, no
confronto com a dinâmica observável dos fenômenos.
Nessa direção, o projeto de pesquisa e extensão se configura num formato de
pesquisa-ação, a fim de alcançar coletivamente alternativas para a resolução dos
problemas identificados e relacionados à temática. Para realizar a análise e tratamento dos
dados optamos pela perspectiva das práticas discursivas e de produção de sentidos, as
quais enfatizam o caráter descritivo e explicativo das análises e da participação do
investigador na construção das informações.
As práticas discursivas, assim entendidas de maneira ampla, situam-se em lugares
e no tempo, sendo elas interações discursivas instauradas através de relações que
adquirem sentido. Essa tendência adota a análise crítica dos discursos evidenciando as
relações e as crenças nas falas, tal qual é utilizada pelos informantes numa situação
qualquer, como descreve Iniquez (2004).
Partindo dessas definições, realizamos o levantamento bibliográfico das pesquisas
sobre a temática de gênero e educação, ocorrida nos últimos 5 anos, em bancos de dados
do portal Capes, Scielo, Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), e
realizamos o fichamento das referências levantadas a partir da elaboração de uma
argumentação conceitual, a qual organiza metodologicamente os dados a serem obtidos.
Os instrumentos de análise para o registro de informações serão as entrevistas
semiestruturadas e o desenvolvimento de grupo focal. A entrevista semiestruturada é
aceita como um encontro conversacional em que as questões se tornarão um tópico de
análise tanto quanto as respostas dos entrevistados. As entrevistas terão seus roteiros
elaborados a partir das inquietações sugeridas pelos objetivos propostos.
Com relação à técnica de grupo focal, Gatti (2004) afirma ser oriunda de trabalhos em
grupos desenvolvidos pela psicologia social. Nela se privilegia a seleção de participantes
conforme algumas características em comuns a lhes qualificarem para a discussão central. Sua
utilização em estudos sobre a recepção de programas de televisão e também em processos de
pesquisa-ação se iniciou recorrentes a partir de 1950. Loizos (2008) salienta também ser
pertinente o registro dos instrumentos de análise através de fotografias e dos gravadores de
som, os quais favorecerão um exame sistemático do corpus juntamente com as anotações
contextuais possibilitantes de categorização com maiores detalhes das informações colhidas.

Após estudo e análise dos discursos das jovens egressas, desenvolveremos as ações na
comunidade acadêmica e com os demais envolvidos, as quais consideramos necessárias serem
empreendidas a partir dos resultados obtidos.
RESULTADOS ESPERADOS
Diante do atual desenvolvimento da pesquisa, no qual se encontra na etapa de
conclusão dos fichamentos dos referenciais bibliográficos, conforme o modelo de quadro
abaixo:
Quadro 1 – Trecho de um fichamento bibliográfico

FICHAMENTO BIBLIOGRÁFICO

AUTOR(ES) REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA PALAVRAS-CHAVE

Ana Maria Villela CAVALIERE, Ana Maria Villela. Educação Educação integral.
Cavaliere Integral: Uma nova identidade para a escola Funções da escola.
brasileira? Educ. Soc. Campinas, v.23, n.81, Pragmatismo. Escola
p.247-270, dez. 2002. fundamental

RESUMO CRÍTICO

Neste estudo a autora elabora um quadro sistemático na intenção de revisitar a concepção de


educação integral proposta pela vertente pragmatista de John Dewey e alia-se a essa concepção os
estudos da teoria das diferentes formas de racionalidade, ―ciência e técnica como ideologia‖,
desenvolvido pelo filósofo alemão Habermas. A autora se associa aos estudos desses dois teóricos
com o objetivo de fundamentar uma concepção de educação integral adequada aos desafios da
―modernidade tardia‖ e tendo como inspiração a construção coletiva de outra escola possível.

Seu principal objetivo foi resgatar o contexto em que a corrente pragmatista surgiu, e para
isso realizou um esforço teórico de fundamentar a concepção de educação integral com sugestões que
pudessem responder as necessidades atuais da escola pública. Suas sugestões apontavam para:
experiências diversificadas de formação integral (cognitivos, morais, estéticos,políticos e práticos);
permeabilidade aos fenômenos que ocorrem fora da escola; permeabilidade aos diálogos sócio-
comunitários locais e funcionamento democraticamente sustentado e compreensão dos indivíduos em
suas múltiplas dimensões psicossociais. Finaliza seu artigo defendendo a perspectiva pragmatista por
acreditar que esses fundamentos auxiliariam em direção a uma escola efetivamente integral.

Iniciaremos a coleta dos dados sócio demográficos no sistema de matrícula e notas Q-


acadêmico, adotado pelo IFPE, durante os meses de maio e junho, conforme previsto em
cronograma do projeto. Logo após essa etapa, realizaremos as entrevistas das estudantes, a
partir dos critérios traçados e de nossa elaboração dos roteiros, para, assim, iniciar
propriamente a análise de seus discursos.
Esperamos que, a partir da análise realizada, o projeto possibilite o desenvolvimento
de ações na comunidade IFPE, ao passo que ele será divulgado em espaços propícios para
esse intento, sejam em palestras, encontros pedagógicos, Semana de Ciência e Tecnologia,
dentre outros. A divulgação poderá se ampliar com a participação em eventos nacionais sobre
as relações de gênero em instituições de ensino técnico de nível médio, bem como serem
conhecidas pelas empresas parceiras que ofertam estágios aos discentes do campus.
Os discursos contra hegemônicos que, possivelmente, se revelarão na pesquisa
fortalecerão a importância da atuação do Núcleo de Estudos de Gênero e Diversidades no
campus Ipojuca e auxiliará no desenvolvimento de ações de apoio contínuo e direcionado às
jovens estudantes que dele necessitarem. Ações essas que também poderão ser acompanhadas
e integradas às ações do Núcleo de Arte e Cultura e do setor de Psicologia.
Compreender as dificuldades desse público através do desenvolvimento de uma
pesquisa científica e a partir de seus resultados traçar ações de extensão para diminuir as
dificuldades apontadas, é um dos compromissos primordiais que o Núcleo de Gênero e
Diversidades se propõe realizar através desse projeto de pesquisa e extensão.
Dar-se-á visibilidade às jovens mulheres e as suas diversas maneiras de expressarem
suas identidades, o que em termos de qualidade de vida e acadêmica, possivelmente, gerará
uma noção de pertencimento e reconhecimento da instituição de ensino enquanto instituição
parceira dessas mulheres e não enquanto instituição repressora ou omissa a essas questões.
Um dos impactos sociais esperados é que os discursos nessa direção de respeito e valorização
à diversidade se disseminem e possam ser transformadores diante de uma realidade local em
que a população é genuinamente feminina, negra e pobre.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O projeto encontra-se na fase exploratória de apropriação e fundamentação da
temática e diante disso os dados serão apresentados no decorrer dos meses de junho a julho.
Os núcleo iniciou recentemente com seu projeto e a escolha do tema de investigação foi
motivada pela trajetória acadêmica de seus membros. Diante disso se faz necessário salientar
ainda que temos a preocupação em não fazer uso de teorias divergentes que tratam das
questões de gênero, por consideramos que os pesquisadores quando optam por mais de uma
vertente teórica precisam estar seguros que suas teorias não são divergentes entre si, ou seja,
mostrando que conhece o contexto em que tais teorias foram criadas e quais lhe servirão de
fundamentação.
Desse modo, nosso acompanhamento tem ocorrido de forma sistemática diante da
realização de reuniões periódicas com a equipe envolvida, e durante todo o tempo que durar a
sua realização. A avaliação das etapas da pesquisa e do desenvolvimento das ações de
extensão tem sido acompanhadas e avaliadas pelo público atendido, de modo e solucionar
eventuais dificuldades que possam surgir.

Todos os encontros do grupo de pesquisa são registrados e documentados através de


atas de reuniões bem como as ações de extensão têm seu portfólio de execução. A primeira
ações de discussão na comunidade acadêmica sobre os conceitos de gênero e sexualidade foi
realizado em formato de cineclube em debate durante o mês de março. Nesse momento
inicial, muitas jovens participaram dessa primeira ação do núcleo.

Espera-se, desse modo, que os resultados alcançados a partir dos discursos analisados
das jovens negras em questão nos possibilite vislumbrar pontes para o aprimoramento desse
projeto e de modo a dar visibilidade em outros espaços acadêmicos, bem como em
publicações de revistas e artigos, pois falar em gênero é falar em discursos contra
hegemônicos que necessitam serem tocados, discutidos e praticados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BANCO DIGITAL DE TESES E DISSERTAÇÕES (BDTD). Disponível em: <


http://bdtd.ibict.br/>. Acessado em: 27 de abr. 2017.

BANCO DE TESES PORTAL CAPES. Disponível em: <


http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses>. Acessado em 27 de jan. 2017.

CRUZ, Maria Helena Santana. Refletindo sobre a diversidade de gênero em Educação. São
Paulo, Saberes em Perspec., v.2, n.2, Jan/Abr., 2012.
FLICK, Uwe. Qualidade na pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Artmed, 2009. (Coleção
Pesquisa Qualitativa).
GATTI, Bernadete. Estudos quantitativos em educação. São Paulo, Educação e Pesquisa., v.
30, n.01, p.12-30, Jan./Abr., 2004.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.

INIGUEZ, Lupicínio. Manual de Análise do Discurso em Ciências Sociais. Petrópolis, RJ:


Vozes, 2004.
LOIZOS, Peter. ―Vídeo, filme e fotografias como documento de pesquisa‖. In: BAUER,
Martin W, e GASKELL, George. Pesquisa Qualitativa em texto, imagem e som: Um
manual Prático. Petrópolis: Vozes, 2008.

LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e Educação: Uma perspectiva pós-


estruturalista. 1. ed. São Paulo: Vozes, 1997.

OLIVEIRA, Danilo Araujo de. O espaço escolar numa perspectiva de gênero. In: DIAS, A.F;
CRUZ, M.H.S. Educação e Igualdade de gênero. Jundiaí, Paco Editorial, 2015.

PACHECO, Eliezer. Institutos Federais uma revolução na educação profissional e


tecnológica. São Paulo: Moderna, 2011.

TRIPP, David. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica. São Paulo, Educação e


Pesquisa., v. 31, n. 3, Set./Dez. 2005.
YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2005.
ESCOLA, SOCIALIZAÇÃO E PEDAGOGIA: O PRECONCEITO
ENFRENTADO POR PROFESSORES DO SEXO MASCULINO NA
EDUCAÇÃO INFANTIL

Mariana Alves Dantas, dantasmariana96@gmail


Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Maria das Graças Brito de Araújo, mariabritograca@outlook.com
Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Resumo do artigo: Entre os objetivos deste artigo estão, primeiramente a construção de um


pensamento crítico em relação ao machismo ainda existente na educação infantil, tendo em vista as
atividades que são, diariamente, realizadas pelo professor das séries iniciais, e em seguida a análise
dos depoimentos de alunos, pais e pedagogos, com o intuito de mostrar diferentes opiniões e construir
um pensamento a respeito desse tema que, mesmo com a evolução da educação e as mudanças que
ocorreram no passar dos anos, ainda é um tabu.
Palavras-chave: Educação, machismo, infância.

INTRODUÇÃO
O sistema de desigualdade social entre homens e mulheres não existe de hoje. O sexo
masculino desde os séculos passados é relacionado à uma figura de poder, autoridade e
soberania, e para entender se esta desigualdade passou a estar ou sempre esteve presente no
contexto da educação brasileira, voltaremos alguns anos - até a época da colonização
portuguesa - para entender o porquê de a profissão docente estar diretamente ligada à uma
figura feminina nos dias atuais.

No período colonial, onde a educação vigente era a jesuítica, é certo que o papel de
educador era quase oficialmente masculinizado, já que a mulher não recebia nenhum tipo de
educação ou instrução. Não importava se brancas, ricas, empobrecidas, negras escravas ou
indígenas, as mulheres não tinham acesso à arte de ler e escrever. E isto, naquela época, dava-
se devido à tradição portuguesa, influenciada pela tradição ibérica por mais de 800 anos. Para
o povo ibérico o sexo feminino fazia parte de um grupo imbecil (imbecilitus) de pessoas,
junto às crianças e os doentes mentais. A partir deste pensamento, entre os anos 1500 e 1822,
período em que o Brasil foi colônia de Portugal, a educação feminina ficou geralmente restrita
aos cuidados com a casa, o marido e os filhos. A instrução era reservada aos filhos/homens
dos indígenas e dos colonos.
Com o passar dos anos, as mulheres começaram a reivindicar a favor da sua instrução.
A primeira reivindicação veio dos indígenas, já que estes consideravam as mulheres como
companheiras, o que fazia com que a desigualdade de oportunidades educacionais não fizesse
sentido algum. Porém, este pedido foi negado pela Rainha de Portugal por considera-lo
ousado, já que nem mesmo na corte existia ainda escolas para meninas. Geralmente educava-
se em casa e, ainda assim, as portuguesas eram, em sua maioria analfabetas. Esta realidade era
diferente apenas nos conventos, quando algumas mulheres eram para lá enviadas para serem
educadas.

O século XVIII foi um período no Brasil marcado por disputas entre a igreja e o
Estado, ainda assim, o modelo de educação jesuítica da Companhia de Jesus conseguiu
predominar por séculos no Brasil colonizado. Porém, após a ―Reforma Pombalina‖ decretada
por Marquês de Pombal, que libertou índios escravos e permitiu que estes pudessem casar-se
com portugueses, e também através do governo Absolutista que passou a estar presente ali, foi
necessário a expulsão de centenas de jesuítas dos domínios portugueses, já que estes não
aceitavam que o governo interferisse em seus assuntos. Com isso, deu-se iniciativa a um
processo de laicização da instrução por professores régios, que ministravam aulas isoladas e
que eram prioridade apenas para as elites locais. As instruções para a implantação da
Reforma instituíam o cargo de Diretor de Estudos, que tinha como objetivo planejar, executar
e controlar os professores na metrópole e nas colônias. Este cargo foi criado na reforma de
1759 e era responsável pelos exames públicos para a seleção dos professores régios e o
credenciamento dos mestres particulares.

O primeiro concurso para professores públicos foi realizado em Recife em 1760, e


apenas em 1974 as Aulas Régias (voltadas para o ensino de humanas) iniciaram de fato. A
primeira foi no Rio de Janeiro, ministrada pelo professor Régio Francisco Rodrigues Xavier
Prates. Porém, havia um descaso e também pouco acesso à educação pública, os professores
eram concursados, mas não eram empossados, havia ausência de livros didáticos e disputas
políticas, que no fim impediram que as Aulas Régias obtivessem êxito, fazendo a população
recorrer às aulas particulares. Portanto, a escola particular mantinha um espaço de atuação não
concorrente e privilegiava os filhos dos nobres.

Não havia um sistema estruturado de educação para as mulheres, elas só passaram a


adquirir essa educação a partir de sua introdução em conventos e esse cenário até 1808
continuou o mesmo. As mudanças só passaram a acontecer com a chegada de povos
estrangeiros que passaram a procura-las por parte da família, principalmente católicas
romanas para atuarem como professoras particulares no ensino voltado para a instrução de
meninas.

Além do mais, quando falamos de educação feminina, podemos tomar como maior
exemplo Nísia Floresta, filha da elite Nordestina e uma das primeiras mulheres letradas no
Brasil. Em 1857, inclusive, Nísia escreveu a obra ―A mulher‖, com tom de denúncia e crítica
à educação que se destinava ao sexo feminino. Entre 1838 e 1855, Nísia manteve um colégio
no Rio de Janeiro conhecido como ―Colégio Augusto‖, que trouxe grandes avanços para a
educação daquela época. ―Entre as inovações reconhecidas são sempre lembras o ensino do
Latim, de línguas vivas como o Francês, o Italiano e o Inglês, e das respectivas gramáticas e
literaturas; o estudo da Geografia e da História do país; a prática da Educação Física; e a
limitação do número de alunas por turma como forma de garantir a qualidade do ensino.
‖(DUARTE, Constância Lima). Todas essas inovações destacaram-se, principalmente, pelo
fato de que a maioria das escolas femininas enfatizavam o desenvolvimento de prendas
domésticas e se limitava a um ensino superficial da língua materna.

Com o passar do tempo, principalmente na época contemporânea, quando a profissão


docente passou a ser mais aceita sendo executada por mulheres, começou a ser desenvolvida
uma associação da figura da mulher à um ser puro, meigo e com instinto maternal aflorado, o
que seria um ponto positivo para cuidar das crianças, fazendo com que os homens passassem
a deixar de lado esta profissão.

Depois que a docência passou a ser vista como uma profissão feminina, os homens
que por escolha própria continuaram na atividade passaram a sofrer certos tipos de
preconceito, principalmente quando se diz respeito à educação infantil, já que neste nível o
pedagogo/professor tem um nível de intimidade mais elevado com a criança.

Entre os objetivos deste artigo estão, primeiramente a construção de um pensamento


crítico em relação a este machismo ainda existente na educação infantil, tendo em vista as
atividades que são, diariamente, realizadas pelo professor das séries iniciais, e em seguida a
análise dos depoimentos de alunos, pais e professores, com o intuito de ver diferentes
opiniões e construir um pensamento a respeito desse tema que, mesmo com a evolução da
educação e as mudanças que vieram com o tempo, ainda é um tabu.
METODOLOGIA

O convívio com crianças - de gêneros distintos, vale salientar- é mais aceito e


compreendido quando relacionado à delicadeza e sabedoria da mulher, que, por sua vez,
representa um papel materno. Conquistar sucesso e prestígio na área da educação infantil tem
se tornado cada vez mais, por diversos motivos, difícil para pessoas do sexo masculino.

Segundo Vianna (2001) a decorrência, com relação a uma profissão feminina, imbrica-
se com os significados de masculino e feminino. Com as concepções sobre o que é
socialmente definido como masculino e feminino que acabam refletindo direta ou
indiretamente em sua prática escolar.

A maneira mais prática de observar e entender esse preconceito ainda existente na


educação infantil, foi indo até pais, alunos e professores da cidade de Caicó, tendo em vista
que estes, assim como muitos em outras cidades, convivem em contato direto com essa
situação. Escrever baseado em uma única ideia, um único argumento e uma única visão
tornaria o trabalho falho, já que um único ponto de vista ou ideias semelhantes podem
colocar-se a favor deste machismo, evidenciando-o e considerando-o uma prática normal.
Com isso, a metodologia escolhida para identificar, entender e criticar este assunto através
deste artigo, foi realizar entrevistas entre pessoas com pensamentos distintos, podendo assim,
construir uma opinião crítica a respeito deste tema e dissertar sobre ela.

A primeira pessoa a ser entrevistada chamasse Ângela Maria de Souza, de 30 anos de


idade, que é mãe de duas meninas, uma de 03 anos de idade, aluna do ensino primário e outra
de 10 anos, aluna do ensino fundamental. Como mãe, Ângela alega que não se sente
confortável com a figura masculina dentro da sala de aula, nem mesmo da sua filha mais
velha. A seguir, reproduzimos as palavras desta mãe:

"Eu até entendo que as coisas mudaram e que não é uma profissão só de mulheres,
mas se fosse ao menos um professor 'gay' seria mais fácil de aceitar."

Através do seu discurso, a mãe deixa transparecer um medo implícito, talvez


inconsciente, de assédio sexual, o que é comum entre os pais tendo em vista o alto número de
casos de pedofilia no Brasil. É um tanto óbvio que na sociedade em que vivemos não
podemos generalizar e associar a imagem masculina ao abuso sexual. Porém, é sabido que
Ângela não é a única pessoa com esse pensamento, e esse é sim um dos principais motivos
para que muitas portas na educação infantil ainda estejam fechadas para homens.
O segundo entrevistado chama-se Lucas Silva e é aluno do 7º período do curso de
Licenciatura em Pedagogia pela Universidade Federal do Rio Grande no Norte – UFRN
campus Caicó, que como aluno e estagiário expôs sua opinião e as suas experiências a
respeito do assunto:

"A situação mais satisfatória que vivenciei em relação ao contato direto com a sala de
aula foi durante o estágio II (Docência na Educação Infantil) onde ao concluir pudemos ver
que as atividades propostas e aplicadas deram resultados significantes bem satisfatórios e
reais.

"Em situações diversas percebemos o estranhamento vindo das professoras da escola


e algumas vezes de colegas e em outras vezes dos palestrantes em eventos."

" Nunca pensei em desistir, pois são os desafios que movem o desejo de mudar e de
ser um pedagogo. E acredito que o que podemos fazer é continuar com os sonhos, superando
os preconceitos e paradigmas que são históricos e compõem a base cultural rígida do nosso
país."

Uma terceira entrevista foi realizada com outro aluno da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, que a princípio optou pelo curso de Matemática já que sempre almejou à
docência, porém, logo que conseguiu ingressar no curso de Pedagogia, também pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte mudou de curso e seguiu sua verdadeira
vontade, que era atuar como Pedagogo. Atualmente Saulo Figueiredo é aluno do primeiro
período do curso de Pedagogia e atua como voluntário em um projeto de iniciação à docência,
onde semanalmente tem contato direto com alunos do ensino infantil.

Saulo afirma que ―A princípio o estranhamento veio dos próprios alunos, que por
serem acostumados com professoras mulheres não entendiam o porquê de eu estar ali”.

O pensamento machista e os pré-julgamentos realizados dentro das escolas tanto em


relação aos professores homens como nas associações feitas do seu trabalho com crianças ao
abuso sexual estão presentes de forma marcante e significativa no cotidiano escolar, e é
através destes pré-julgamentos que muitos pais se recusam até mesmo a conhecer o trabalho
do docente, excluindo-o da lista de ―profissionais adequados‖ utilizando como argumento
decisivo apenas o gênero sexual destes.

Um exemplo marcante dos tipos de injustiça que os professores do sexo masculino que
atuam na educação infantil podem sofrer é retratado no filme ―A caça‖, dirigido por Thomas
Vinterberg em 2013, onde um bom professor é acusado de abusar uma de suas alunas e a
partir disso, mesmo inocente, passa a sofrer as consequências, tanto na academia quanto em
sua vida social. O filme retrata não só apenas o que pode acontecer com a vida de um
profissional acusado injustamente, mas também traz uma crítica à forma como são
investigados estes tipos de casos, principalmente com crianças, já que estas sentem-se
pressionadas com toda a situação e podem, por muitas vezes, confirmarem fatos que na
verdade não existiram.

Investigar um caso de abuso sexual é uma atividade complexa. Desconstruir ideias


formadas é uma tarefa árdua. Mas, acima de tudo, desmerecer e desqualificar um bom
profissional por causa do seu sexo chega a ser repugnante, porém, não é nada mais nada
menos que a realidade que muitos precisam encarar.

RESULTADOS E DISCUSSÃO:

Como estudantes do curso de Pedagogia da UFRN, percebemos a dificuldade


enfrentada por colegas de classe – homens, diga-se de passagem – para encontrar estágios e
bolsas, nem tanto pelo número mínimo de vagas, mas, principalmente, pelo estranhamento em
relação à atuação destes. Ao perceber isso surgiu, claro, o interesse em realizar todo esse
estudo, que serviu, sem dúvidas, para comprovar o que a olho nu já era percebido.

Com base nas entrevistas relatadas neste artigo, tal como conversas informais não aqui
descritas, e pesquisas de gráficos e depoimentos feitos pela internet, levantamos os seguintes
questionamentos: No auge do século XXI, onde já não se dá o valor merecido a profissão
docente nem mesmo a própria educação, por que os pais não conseguem confiar a um homem
a educação de seus filhos? Seria culpa da marginalidade? Da cultura? Dos próprios
princípios? O que um professor precisa para ser considerado um bom profissional? Seria usar
saias e ter o cabelo comprido ou ter uma boa formação e uma metodologia diferenciada?

Antes de responder a todas essas indagações como resultado das nossas pesquisas,
ideias e críticas, traremos gráficos de diferentes pesquisas que confirmam o quanto os homens
tem tido um espaço mínimo dentro da educação seja ela infantil ou em qualquer nível de
ensino. Vejamos:
Este gráfico, por exemplo, criado com dados do INEP – Instituto Nacional de
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira no ano de 2012, relata detalhadamente todo o sistema
educacional dividido por gêneros sexuais, e se bem observarmos, na educação infantil o
número de professores homens é muito pequeno em relação a todos os outros níveis –
provavelmente pelo contato íntimo que muitos professores precisam ter, seja na hora de um
banho ou ao acompanhar um aluno até o banheiro.

Outro exemplo a ser mostrado em gráfico é o de ensino básico da rede privada de São
Paulo no ano de 2015. A distribuição de professores por sexo não se dá de forma diferente.
Tanto na educação infantil quanto no ensino fundamental e médio, a presença de professores
homens é muito baixa em relação à de mulheres.
Finalizando a amostra de gráficos, trazemos uma pesquisa de 2013 sobre os docentes
do sexo masculino nas séries do ensino fundamental, realizada por Amanda Oliveira Rabelo,
aluna da Universidade Federal Fluminense. O gráfico, baseado nas pesquisas da aluna, mostra
a porcentagem dos diferentes tipos de discriminação presenciadas ou vivenciadas pelo simples
fato de o professor ser do sexo masculino e atuar nas séries iniciais. Vejamos:
A exposição destes gráficos foi colocada, intencionalmente, antes das respostas das
indagações iniciais, exatamente para enfatizar o preconceito presente dentro da sala de aula,
das famílias e até mesmo dos grupos de amigos. A partir dos dados, é perceptível em
qualquer um dos gráficos, que o número de professores do sexo masculino aumenta junto com
a idade e nível escolar dos alunos, o que caracteriza toda a desigualdade já citada na
perspectiva da educação infantil.

Conseguimos, sem dúvida, entender a preocupação dos pais e familiares em relação a


integridade de seus filhos, tal como a preocupação da escola sobre a opinião dos pais. A
sociedade em si é perigosa. As ameaças estão por todas as partes sim, porém, não é
compreensível que o gênero sexual de um professor possa ser mais importante que a sua
dedicação em sala de aula e que sua masculinidade vá influenciar de forma negativa no
processo de ensino-aprendizagem dos seus alunos.

Em todas as áreas de trabalho e em todos os níveis de educação existem profissionais


frustrados, principalmente no Brasil, que o profissional não tem o seu valor reconhecido e
muitas vezes nem se quer condições para trabalhar. Mesmo assim o nosso país possui, ainda,
profissionais capacitados, muitos apaixonados pela profissão que escolheram e dispostos a
trabalhar, precisando apenas de uma oportunidade e de um voto de confiança. Não é fácil,
principalmente para um profissional da educação, entender e aceitar que um pai acredite que o
futuro do seu filho está melhor encaminhado nas mãos de uma professora frustrada que de um
professor apaixonado.
CONCLUSÃO

Embora no Brasil Colônia a educação fosse uma atividade basicamente masculina e as


mulheres mal recebessem educação, assim que algumas portas foram se abrindo e que as
mulheres passaram a ser enxergadas de uma forma um pouco diferente a profissão passou a
deixar de ser masculinizada.

Através não apenas dos depoimentos dos cidadãos caicoenses, mas também dos
gráficos que nos trazem dados de outras regiões do país, percebemos que ainda existe um
preconceito exacerbado em relação aos professores homens, principalmente na educação
infantil. O tempo inverteu os papeis. A sociedade e a academia, que antes oprimiam e
excluíam a mulher – fosse ela branca, negra, escrava ou índia – hoje desmerecem o homem
que opta pela docência.

Logo, percebemos que mesmo que a educação infantil seja baseada em uma história
carregada de culturas e costumes, mesmo que algumas pessoas tenham consciência de que os
tempos mudaram e que os papeis na sociedade, pelo menos na teoria, não são mais tão
distintos entre homens e mulheres, e mesmo que ao observar os depoimentos de professores
bem formados e bem capacitados algumas pessoas consigam mudar de ideia em relação a
atuação do homem na educação infantil, sabemos que desconstruir paradigmas não é uma
tarefa tão simples e fácil. Sabemos que é necessário além de muita força de vontade e
sabedoria, paciência para enfrentar preconceitos da sociedade em geral – pais, colegas de
profissão, familiares e amigos - que afetam diretamente a sala de aula, neste caso, dos
professores homens em especial.

REFERÊNCIAS

A CAÇA. Thomas Vinterberg. Dinamarca, Suécia: Zentropa Entertainments: California


Filmes, 2013.
As Luzes da Educação: fundamentos, raízes históricas e prática das aulas régias no Rio
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Acesso em: 10 de Maio de 2017.
EDUCAÇÃO E SEXUALIDADE: O DESPREPARO DA COMUNIDADE
ESCOLAR NO TRATO A DIVERSIDADE SEXUAL

José Paulo Gomes Teixeira, jppedagom2015@gmail.com, Universidade Federal de Pernambuco -


UFPE, Estudante do curso de Licenciatura em Pedagogia.
Mitz Helena de Souza Santos (Orientadora), mitzhelena@yahoo.com.br, Docente/Pesquisadora do
Depto de Fundamentos Sócio-Filosóficos da Educação – Centro de Educação – UFPE.

Resumo
A necessidade formativa como futuro profissional da Educação, a fim de preparar-se
da melhor forma para combater qualquer discriminação no ambiente escolar, impulsionou-me
a realizar este estudo na ONG Grupo de Trabalhos em Prevenção Posithivo (GTP+) no
segundo semestre de 2015 no Município de Recife-PE, objetivando compreender as
percepções dos sujeitos LGBT sobre a consequência do despreparo da comunidade escolar no
trato a diversidade sexual. Inicialmente foi realizada uma pesquisa bibliográfica em torno da
temática para fundamentar o estudo. Para a coleta de dados utilizamos questionários mistos
para a população participante da GTP+ e entrevista semiestruturada para o coordenador
pedagógico da ONG. Pelo que foi possível analisar durante a pesquisa podemos inferir que a
rede pública de ensino neste estudo foi caracterizada como a mais homofóbica e que o maior
número de homofobia está relacionado aos estudantes. O problema referente à homofobia
requer uma desconstrução de toda imagem negativa que a nossa sociedade construiu das
expressões sexuais que não seguem o padrão heterossexual. Tais dados evidenciam a
importância de tais discussões dentro dos cursos de formação de profissionais da Educação e
visibilidade nos materiais didáticos, grades obrigatórias dos cursos de licenciaturas e nos
diálogo professor x aluno.

Palavras-chave: Educação, Sexualidade, Diversidade, LGBTfobia.

Introdução
Pesquisas realizadas em 2002 pela UNESCO sobre o Perfil dos Professores Brasileiros
e Homofobia no Espaço Escolar apontaram que a escola ainda carrega consigo paradigmas
que segregam e, por fim, excluem aqueles que estão fora do padrão. Em uma experiência de
convivência com um aluno travesti em uma escola estadual do Recife no ano de 2006, foi
notório o despreparo da escola no trabalho com a diversidade sexual. O estudante ‗H‘, cujo
nome não será revelado para preservar a sua imagem, na época com 16 anos, vinha de uma
família de religião cristã evangélica e lutava arduamente pela aceitação dos familiares. ‗H‘
morava em uma comunidade carente no subúrbio do Recife e cursava o 2º ano do ensino
médio quando começou a construção de sua identidade. A partir de então passou a ser objeto
de escarnio de outros estudantes e em diversas vezes tentaram agredi-lo fisicamente. Os
professores quando presenciavam as agressões verbais e humilhações sempre corrigiam os
agressores, exaltavam que deveriam respeitar uns aos outros, mas em seguida sempre
corrigiam o estudante ‗H‘ com frases como ‗Você sabe que isso acontece porque você é
assim!‘, ‗Se você se vestir normal, será diferente!‘ e ‗A culpa disso acontecer é sua!‘.
Argumentos preconceituosos que colocam a verdadeira vitima como acusado e que resultaram
na evasão do estudante ‗H‘. O caso particular de ‗H‘ pode ser o caso de muitos outros
brasileiros LGBT, infelizmente.
A necessidade formativa como futuro profissional da Educação a fim de preparar-se da
melhor forma para combater qualquer discriminação no ambiente escolar impulsionou-me a
realizar este estudo na ONG Grupo de Trabalhos em Prevenção Posithivo (GTP+) no segundo
semestre de 2015 no Município de Recife-PE. Para a coleta de dados foram utilizados
questionários mistos para a população participante da GTP+ e entrevista semiestruturada para
o coordenador pedagógico. Pelo que foi possível analisar durante a pesquisa podemos inferir
que a rede pública de ensino neste estudo foi caracterizada como a mais homofóbica e que o
maior número de homofobia está relacionado aos estudantes. De modo preocupante as
realidades evidenciadas nas pesquisas realizadas em 2002 pela UNESCO tendem a se
perpetuarem quando não abrimos espaço para tais discussões dentro dos cursos de formação
de profissionais da Educação e, muito menos, no diálogo professor e aluno.

Metodologia

Inicialmente foi realizada uma pesquisa bibliográfica em torno da temática para


fundamentar o estudo. A pesquisa foi de vertente qualitativa descritiva, pois objetivou
descrever as percepções dos sujeitos LGBT sobre a consequência do despreparo da
comunidade escolar no trato a diversidade sexual, e delineamento Pesquisa de Campo em
razão da necessidade de ir a GTP+ para realizar a coleta de dados. Conforme Ludke e André
(1986) este tipo de pesquisa divide-se em três momentos: 1º a fase inicial, dedicada à
preparação do terreno da pesquisa, levantamento de questões, algumas podendo ser
abandonadas. É onde se decide mais precisamente o objeto de pesquisa, seleção das fontes
que serão utilizadas sem predeterminar nenhum posicionamento; 2º momento ocorre a coleta
de dados utilizando os instrumentos selecionados para melhor caracterizar a problemática e 3º
momento é a fase de análise dos dados coletados e elaboração do relatório. Importante
ressaltar que estas fases não seguem uma sequência linear.
A escolha da ONG se deu devido a GTP+ trabalhar com o público LGBT, população
da pesquisa, e está localizada em Recife-PE. Para a coleta de dados foram utilizados
questionários mistos para a população participante da GTP+ e entrevista semiestruturada para
o coordenador da ONG. Os questionários foram respondidos voluntariamente construindo
uma amostragem por estratos devido à divisão da população conforme características pré-
definidas referente à escolaridade e soro positividade dos sujeitos conforme gráfico 1.

Gráfico 1 - Esquema de construção da amostragem por estratos da pesquisa 'Educação e Sexualidade: O


Despreparo da Comunidade Escolar no Trato a Diversidade Sexual' realizada em 2105 na ONG GTP+ em
Recife –PE.

Fonte: Autor da pesquisa

O questionário misto foi utilizado para descrever as características sociodemográficas


com as questões fechadas (sexo, orientação sexual, nível de escolaridade e ocupação) e medir
as variáveis da nossa população com as questões abertas (motivo das possíveis evasões
escolar, conhecimento sobre vulnerabilidade, percepção sobre a preparação da comunidade
escolar para o trato com a diversidade sexual e sobre a importância do apoio/assistência da
GTP+). A aplicação dos questionários ocorreu de forma direta e individual após
esclarecimento dos objetivos do estudo. Os dados coletados foram posteriormente
selecionados e representados graficamente conforme proposto por Andrade (2003).
Com um gravador digital de smartphone foi realizada a entrevista semi-estruturada
objetivando identificar a opinião do coordenador pedagógico da GTP+ sobre o trato da
diversidade sexual no ambiente escolar. O roteiro de entrevista foi elaborado com base nos
dados coletados anteriormente nos questionários. Depois de realizada a entrevista foi
transcrita e analisada. A análise ocorreu conforme pressuposto por Duarte (2004),
organizando os dados nos eixos: a) Trato a diversidade sexual no ambiente escolar; b) Evasão
escolar LGBT; c) Escolaridade e Vulnerabilidade e d) Acolhimento LGBT pela GTP+ e em
seguida foi realizada a interpretação destes fragmentos articulando-os com os objetivos da
pesquisa.

Resultados e Discussão

Os questionários foram respondidos por 10 sujeitos, em razão da GTP+ encontrar-se


com apenas um projeto em efetivação no período da pesquisa, do qual 50% eram masculino e
50% feminino, referente a identidades de gênero; e 30% heterossexual, 40% homossexual,
20% transexual feminina e 10% travesti, referente à orientação sexual. Alusivo a escolaridade
todos haviam frequentado a escola sendo 40% com o ensino médio completo, 20% com o
ensino médio incompleto, 20% com o ensino fundamental incompleto e 30% com o ensino
superior incompleto ou em andamento. Desses apenas um afirmou evasão escolar e quando
questionado sobre o motivo declarou que não se viu representado na escola e que sofreu
homofobia por parte de outros estudantes e professores. Este desencantamento pela escola por
não se ver representado resulta da falta de preparação dos profissionais da Educação para o
trabalho com a diversidade sexual, conforme Seffner (2009) afirma a escola se diz inclusiva
apenas por colocar os excluídos dentro do plano educativo, esquecendo-se de zelar por sua
aprendizagem, por sua frequência escolar juntamente com seus pais ou responsáveis e garantir
a estes sujeitos condições para sua permanência na escola como previsto na Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional 9394/96.

Mas, quem está capacitado para trabalhar com a diversidade sexual no ambiente
escolar? Atualmente na Universidade Federal de Pernambuco as disciplinas sobre sexualidade
e gênero são disciplinas eletivas para os estudantes de pedagogia conforme Figura 1. Sendo
assim um pedagogo que poderá trabalhar diretamente no espaço escolar com a realidade da
diversidade sexual conseguirá chegar no ambiente escolar como profissional capacitado sem
ter recebido uma formação especifica para o trato com a sexualidade de jovens e crianças. O
mesmo consequentemente arriscar-se-á reproduzir o cenário extraído das pesquisas realizadas
pela UNESCO em 2002 e 2004. Conforme Carvalho (2015) explicita ‗A representação nos
interessa pelo que está implicada com os processos identitários e de produção da diferença
cultural‘.

Figura 1 - Captura de Tela da grade curricular do curso de Pedagogia da Universidade Federal de


Pernambuco

Fonte: Autor da pesquisa

Todos os sujeitos da pesquisa responderam que as escolas que frequentaram não


estavam aptas para o trato a diversidade sexual, porém apenas 57% afirmaram que sofreram
homofobia no ambiente escolar sendo desses 75% nas redes públicas de ensino. Embora 43%
dos sujeitos não tenham sofrido homofobia no ambiente escolar, podemos considerar a
questão que muitas crianças e adolescentes quando começam a se descobrir diferentes do
padrão heterossexual ficam amedrontadas pela perseguição e imagem desqualificada que foi
construída dos que não seguem protótipo. Uma vez silenciados, esses indivíduos não sofrem
homofobia no sentido de agressões verbais e físicas, porém sofrem agressões psicológicas por
estarem sendo silenciadas. Esse silêncio, em alguns casos, leva a depressão e até mesmo ao
suicídio conforme Avanci (Apud Braga e Dell‘Aglio, 2013) lista os seguintes coeficientes:
homossexualismo1; oposição familiar a relacionamentos sexuais; bullying; baixa
autoestima; rendimento escolar deficiente; dificuldade de aprendizagem; estresse;
isolamento social; abandono; exposição à violência intrafamiliar e história de abuso físico
como fatores de risco ao suicídio na adolescência. Referente aos atos homofóbicos, o estudo
inferiu que 80% das práticas partem de outros estudantes e 20% dos professores.

A LGBTfobia está tão presente na escola quanto à educação. Segundo Junqueira


(2009) a homofobia nas escolas é um problema de todos, pois almejamos uma sociedade
justa, e para alcançarmos isto temos que construir uma educação justa, uma escola justa onde
a diversidade, em todos os seus aspectos (sexual, racial, cultural), seja trabalhada, respeitada e
valorizada, livre de toda e qualquer forma de discriminação e preconceito e que exalte os
direitos humanos. Mas a realidade atual é que ficamos divididos nessa luta. Se de um lado
estamos dentro da luta pela construção desta escola justa, estamos também envolvidos contra
aquilo com o qual lutamos. A sexualidade e gênero são algo que devem não apenas ser
discutidos, mas impostos aos profissionais da educação para que estes possam construir uma
postura profissional e tenham consciência de como trabalhar com este assunto criando uma
relação de confiança com os alunos, sabendo respeitar a individualidade e promovendo o
respeito e a participação de todos como prevê a LDB 9394/96. Para isto é necessário que o
educador tenha uma formação especifica para que saiba intervir positivamente e para que
tenha uma reflexão sobre seus próprios valores e preconceitos. Conforme Guedes (2015)
afirma ‗na relação docente-discente, o respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um
imperativo ético‘.

Referente à relação entre escolaridade e vulnerabilidade a DST e HIV/AIDS foi


surpreendente o resultado, pois na pesquisa bibliográfica para a fundamentação teórica foi
notório várias citações a esta relação como em Ayres (1997). Por tanto, no campo, os dados
coletados mostraram que 60% dos sujeitos LGBT discordavam e utilizavam argumentos
como ‗Não... O HIV pode ser transmitido de diversas formas, mesmo existindo o
conhecimento de contágio‘ e ‗Não... Escolaridade não quer dizer nada‘. Os que acreditam
nessa relação se baseavam na questão da informação, acreditando que um sujeito que conclui
os estudos é um sujeito mais informado e por tanto terá menor vulnerabilidade. Porém o
acesso a informação é barrado antes mesmo de cruzar a porta de entrada das escola, conforme
Lionço e Diniz (2009) ‗Não se pode saber ou ter informações sobre o que não se pode falar‘.

1
Embora desde abril de 1985 o Conselho Federal de Medicina do Brasil desconsidere a homossexualidade como
uma doença, o artigo datado de 2013 ainda traz a nomenclatura ‗homossexualismo‘.
Referente ao que compreendem por vulnerabilidade foi notório a conceituação como a
exposição do sujeito frágil, fragilidade no sentido de sem recursos primários (moradia,
alimentação, afeto), a situações adversas referentes à população menosprezada pela sociedade,
considerados minorias.

Com os sujeitos soropositivos foi verificado que todos receberam orientação logo que
descobriram sua sorologia, 50% dos sujeitos foram orientados pela GTP+ os outros chegaram
a ONG depois através de amigos. A importância da orientação/assistência da GTP+ fica
dividida entre fortalecimento dos sujeitos LGBT e sujeitos soropositivos, o conhecimento dos
direitos desses sujeitos que são marginalizados, invisibilizados e praticamente declarados
mortos pela sociedade e conscientização sobre DST e HIV/AIDS, pois é forte o pensamento
que a informação é a melhor arma para a prevenção.

O coordenador da GTP+ durante a entrevista explicitou que a maior busca pela GTP+
são de sujeitos LGBT que sofrem algum tipo de violência, estão com problemas de saúde e/ou
referente à sexualidade. O mesmo reforça o despreparo da comunidade escolar no trato a
diversidade sexual afirmando que a grande crise da Educação ocorre, pois o modelo atual de
Educação não está apto para o estudante de hoje. Para Georg Hegel (Apud Novelli, 2015) a
educação é o meio pelo qual o indivíduo assume seu lugar ou a si mesmo no Estado, e
assumindo a si mesmo o indivíduo determina sua individualidade vivendo dentro da
coletividade, excluindo assim a exclusividade particular e singularizando a universalidade.
Porém, para que o aluno se desenvolva plenamente e assuma seu lugar na sociedade, é
necessário primeiramente construirmos uma escola justa, livre de toda e qualquer forma de
discriminação e preconceito, capaz de atender a todos respeitando suas particularidades. O
despreparo da comunidade escolar gera consequências para os indivíduos LGBT, a escola
configura-se em um espaço de preconceito, discriminação e violência de todas as formas
contra esses sujeitos, alguns sem qualquer apoio/assistência dos pais ou responsáveis.
O coordenador da GTP+ discorda que haja uma relação entre escolaridade e
vulnerabilidade a DTS e HIV/AIDS afirmando que os dados públicos sobre DTS e HIV/AIDS
são baseados exclusivamente nas pessoas que utilizam a rede de saúde pública deixando fora
das estatísticas os que não a utilizam.
Conclusões

Pelo que foi possível analisar durante o período da pesquisa pude inferir que a rede
pública de ensino neste estudo foi caracterizada como a mais homofóbica e que o maior
número de homofobia está relacionado aos estudantes. A família se configura como o
primeiro espaço a abordar a sexualidade, seja de forma exposta ou não, cabendo à escola ser o
segundo espaço a aborda-la, sendo diferente da família, livre de qualquer preconceito e/ou
discriminação. A escola deve trabalhar de forma sistematizada e formal, não apontando um
caminho para o aluno, mas aumentando seu conhecimento para que ele escolha seu caminho,
buscando assim preencher as lacunas existentes no estudante diante da sexualidade para que o
individuo possa se desenvolver plenamente como previsto nos princípios e fins da educação
nacional explícitos na LDB 9394/96.

A escola está longe de ser apenas uma transmissora e construtora de conhecimento,


conforme Junqueira (2009) além de transmitir e construir conhecimento a escola também
reproduz padrões sociais, perpetuando valores e concepções. A escola ainda é o instrumento
de modelagem do indivíduo, de fabricação de sujeitos (seus corpos e suas identidades) onde
não há uma educação libertadora, não temos como foco criar sujeitos pensantes e livres,
buscamos fabricar nas escolas ‗cidadãos perfeitos‘ para a nossa sociedade sob os moldes que
considerados ‗normal‘ e ‗moral‘.

O problema referente à homofobia requer uma desconstrução de toda imagem negativa


que a nossa sociedade conservadora, leia-se patriarcal e preconceituosa, construiu das
expressões sexuais que não seguem seu protótipo heterossexual. Conforme Seffner (2009) as
razões pela qual a escola barra os alunos LGBT são na maioria das vezes preconceitos a
sexualidade que a sociedade ainda vê como ‗desviante‘ e assim a diversidade que é tão real na
escola é utópica nos instrumentos pedagógicos sendo quase que invisibilizada. Na pesquisa
intitulada ‗Juventude e Sexualidade‘ realizada pela UNESCO em 2004 foram entrevistados
cinco mil professores e o levantamento mostrou que 60% alegaram não saber lidar com o
preconceito. Tais dados evidenciam a importância da preparação dos profissionais de
Educação para o trato com a diversidade sexual no ambiente escolar e que esta preparação
vise o respeito à individualidade e identidade de cada aluno tornando a educação uma arma
para alcançarmos uma sociedade melhor. Esta transformação é uma árdua batalha tendo em
vista que os LGBT embora ganhem espaço em alguns espaços na sociedade, ainda são
invisibilizados em outros campos importantes e principalmente na Educação.
De modo preocupante as realidades evidenciadas nas pesquisas realizadas em 2002
pela UNESCO sobre o Perfil dos Professores Brasileiros e Homofobia no Espaço Escolar
tendem a se perpetuarem quando não abrimos espaço para as discussões e estudos sobre
sexualidade e gênero dentro dos cursos de formação de profissionais da Educação e
invisibilizamos tais temas nos materiais didáticos, grades obrigatórias dos cursos de
licenciaturas e, muito mais, no diálogo professor e aluno.

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21/04/2015, ás 17h24min.
A INFLUÊNCIA DO PATRIARCADO E DO TRABALHO PARA A
EVASÃO NA EJA DAS ESCOLAS DO TERRITÓRIO CAMPESINO

Autor (1): Alcione Alves da Silva, alcione.mainar@gmail.com, Doutoranda em Educação


UFPE/CE/PPGEDU.
Co-autor: Janssen Felipe da Silva, janssenfelipe@hotmail.com, Doutor em Educação,
UFPE/CAA/CE/PPGEDU.
RESUMO
Este trabalho é recorte da pesquisa de Mestrado concluída: ―A evasão na Educação de Jovens e
Adultos do Território Campesino: o que dizem as/os sujeitas/os que não estão mais na escola‖,
defendida em 2015 no Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal de
Pernambuco. Para este trabalho objetivamos compreender como os aspectos socioeconômicos e
culturais contribuem para a evasão das/dos estudantes da EJA. Esta discussão ancorou-se na
Abordagem Teórica dos Estudos Pós-Coloniais e teve como categorias teóricas Educação de Jovens e
Adultos e a Educação do Campo. Os instrumentos de coleta utilizados na pesquisa foram o
questionário e a entrevista semiestruturada e a técnica de análise dos dados foi a Análise de Conteúdo.
Os dados apresentados no artigo derivam do Eixo de Sentido1 da análise dos dados e foi intitulado:
―Causas da evasão relacionadas aos aspectos socioeconômicos e culturais‖. Este, desdobrou-se em três
categorias: a) Trabalho; b) Família; c) Amigos da Comunidade. A partir da análise do Eixo de Sentido
entendemos que enquanto na vida dos homens o trabalho interfere diretamente na decisão de evasão,
na vida das mulheres o Patriarcado é o fator que melhor explica as causas da sua evasão.
PALAVRAS-CHAVE: EJA, Evasão, Patriarcado, Trabalho.

INTRODUÇÃO
O presente trabalho consiste de um recorte da pesquisa de Mestrado concluída
intitulada: ―A evasão na Educação de Jovens e Adultos do Território Campesino: o que dizem
as/os sujeitas/os que não estão mais na escola‖, defendida em 2015 no Programa de Pós-
Graduação em Educação, da Universidade Federal de Pernambuco. Nesta pesquisa
investigamos as causas da evasão da Educação de Jovens e Adultos no Território Campesino
de Caruaru. Para este recorte, nos deteremos o Eixo de Sentido 1 da análise dos dados que
consistiu em compreender como os aspectos socioeconômicos e culturais influenciavam para
a decisão da evasão na EJA.
Após a constatação do grande índice de evasão, superior a 50% a nível local, estadual,
regional e nacional (INEP, 2010), sentimos a necessidade de verificar como a evasão da EJA
se consolidava nas Escolas do Campo do Território Campesino do Município de Caruaru.
Constatamos que a média local também se aplicava nas escolas campesinas. Assim,
consideramos pertinente verificar quais as causas da evasão da EJA nas escolas do Território
Campesino e tentamos compreender como os aspectos socioeconômicos e culturais
interferiam para a decisão de evasão de alunas e alunos de EJA.
Desta forma, este trabalho está dividido em três partes. Na primeira parte
apresentamos a metodologia da pesquisa, apontando os instrumentos de coleta e análise
eleitos para este trabalho e como estes possibilitaram as leituras dos dados coletados. Na
segunda parte, apresentaremos a organização do Eixo 1 de análise e como a abordagem
Teórica dos Estudos Pós-coloniais (GROSFOGUEL, 2010; QUIJANO, 2000, 2005) nos
auxiliou a compreender como o Patriarcado (AGUIAR, 2000; NARVAZ, KOLLER 2006) e o
Trabalho (LEÃO, 2011; MOLL, 2004; PICONEZ, 2002) contribuem para a evasão na EJA.
Por fim, na terceira parte, traremos as considerações finais com as reflexões que foram
produzidas após a conclusão do trabalho.

METODOLOGIA
Nesta seção, trataremos da organização metodológica que foi desenvolvida nesta
pesquisa. Apresentaremos os elementos constitutivos desta pesquisa, focalizando o campo de
pesquisa, as fontes, as/os sujeitas/os e os procedimentos de coleta e análise.
A modalidade da Educação de Jovens e Adultos em sua constituição passou por
diversas tensões e corresponde a um campo fragilizado da educação (PAIVA, 1973), visto que
é direcionada a sujeitas/os que não foram escolarizadas/os no período considerado regular.
Além da particularidade do retorno da idade adulta para os bancos escolares, as/os estudantes
da EJA ainda sofrem com os estereótipos de incapazes e culpadas/os pela sua condição de
sujeitas/os não escolarizadas/os.
É reconhecendo todas as especificidades que compõem o objeto da pesquisa que
entendemos que a EJA situada nas escolas do Território Campesino constitui um dos ―lados
subalternos da relação de poder‖ (GROSFOGUEL, 2010). Por isso que consideramos que os
Estudos Pós-Coloniais nos possibilitarão a interpretação dos dados a fim de entendermos
quais as causas da evasão nesta modalidade de ensino.
O campo escolhido para a nossa pesquisa foi o Município de Caruaru-PE que está
localizado no Agreste Pernambucano. O mesmo tem 314.951 habitantes, sendo 278.098 de
habitantes das áreas urbanas e 36.853 residentes nos Territórios Campesinos (IBGE, 2010).
No ano de 2013, neste Território Campesino existiam 91 escolas, as quais apenas dez delas
atenderam à modalidade da EJA. Assim, para a escolha das escolas pesquisadas utilizamos
inicialmente como critério de seleção: as escolas que tiveram o maior índice de evasão nas
séries finais do Ensino Fundamental, pertencentes aos 1º e 3º Distritos e que fossem
Escolas Independentes. A definição por Escolas Independentes2 se deu porque das escolas
que atenderam à EJA no campo em 2013 eram, em sua maioria, Independentes.
Neste sentido, as escolas/campo de pesquisa que obtiveram o maior índice de evasão
serão aqui denominadas como E1 (Escola 1) pertencente ao 1º Distrito e E2 (Escola 2)
pertencente ao segundo Distrito. Optamos por esta codificação a fim de preservarmos a
identidade das escolas.
Estas escolas serviram como direcionamento para as/os sujeitas/os da nossa
investigação, mas não foi o objeto central da pesquisa. Com a definição destas, realizamos
aproximações para conseguirmos garantir o acesso aos dados dos estudantes que se evadiram
da escola no ano de 20133. Para tanto, no primeiro momento nos apresentamos munidos de
ofício à gestão de cada uma das escolas, explicando o objetivo da nossa pesquisa e sobre a
necessidade do acesso aos dados de cada estudante evadida/o para tentarmos realizar a
localização destas/es sujeitas/os.
Para atender aos nossos objetivos de pesquisa necessitamos utilizar o questionário e a
entrevista semiestruturada (LANKSHEAR; KNOBEL, 2008). O questionário nos auxiliou a
cumprir com o primeiro objetivo específico da pesquisa: identificar os perfis das/os
estudantes evadidas/os (etnia, gênero, idade, ocupação profissional) da Educação de
Jovens e Adultos em escolas do campo do Município de Caruaru-PE. A entrevista
semiestruturada nos ajudou a dar conta do segundo e o terceiro objetivos específicos:
identificar e caracterizar as causas da evasão das/os estudantes da EJA sujeitas/os da
pesquisa; identificar e caracterizar a influência do Patriarcado para a evasão das
mulheres Sujeitas da pesquisa.
Desta forma, definimos que em cada Distrito pesquisado escolheríamos quatro4
sujeitas/os de pesquisa, dois homens e duas mulheres, a fim de verificarmos como a influência
do Patriarcado contribuía para a evasão em ambos os casos. Considerada a dificuldade de

2
Escolas Independentes são as Escolas do Campo que possuem núcleo gestor próprio.
3
Apesar desta pesquisa ter sido defendida em 2015, no momento da coleta dos dados estávamos em meados
de novembro/dezembro de 2014. O ano letivo ainda não havia se findado e por este motivo que as/os
Sujeitas/os que constituíram este trabalho foram estudantes em 2013. Consideramos evadidas/os àquelas/es
se afastam da escola e não retornam a ela. Não tínhamos como fazer este levantamento em um ano letivo que
não havia se findado.
4
Destacamos que priorizávamos entrevistar uma quantidade maior de Sujeitas/os. Devido a não localização de
um número maior, findamos a pesquisa com oito entrevistadas/os.
localização das/os mesmas/os5, resolvemos que realizaríamos a entrevista com aquelas/es
sujeitas/os que conseguíssemos localizar e que se dispusessem a colaborar com a
investigação. Deste modo, no 1º Distrito, colaboraram com a pesquisa: S1, S2, S3, S4
(Sujeitas/os 6 da Escola 1) e no 3º Distrito, contribuíram com a investigação S5, S6, S7, S8
(Sujeitas/os da Escola 2).
A técnica de tratamento dos dados utilizada nesta pesquisa foi a Análise de Conteúdo, que
Bardin (1977, p. 31) diz que ―não se trata de um instrumento, mas de um leque cheio de
apetrechos; ou, com maior rigor, será um único instrumento, mas marcado por uma grande
disparidade de formas e adaptável a um campo de aplicação muito vasto: as comunicações‖.
Conforme pontuado pela autora, a Análise de Conteúdo pode ser aplicada de diferentes
maneiras e nesta pesquisa utilizamos a Análise Temática que consiste em organizar os dados
em temas ou categorias.
Destacamos que os maiores detalhamentos da análise estarão presentes no próximo
capítulo, momento em que elucidaremos como a Técnica de Análise de Conteúdo (BARDIN,
1977) via Análise Temática (VALLA, 1990) se materializou na pesquisa desenvolvida e como
conseguimos inferir sobre os dados produzidos, a partir do Eixo 1 de análise: Causas da
evasão relacionadas aos aspectos socioeconômicos e culturais.
´
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O eixo de sentido: Causas da evasão relacionadas aos aspectos socioeconômicos e
culturais procurou concentrar os elementos socioeconômicos da vida das/os sujeitas/os da
EJA que, para Carmo (2011), são os elementos do trabalho, da vida financeira e da família.
Concebemos aqui como elementos culturais as relações sociais estabelecidas com familiares e
outras pessoas da comunidade: amigos, vizinhos etc., além dos elementos que permeiam o
universo social das sujeitas e dos sujeitos da pesquisa. Baseamo-nos em Arroyo (2012) para
estabelecer estas experiências culturais como experiências válidas que necessitam compor os
constituintes desta análise. Este eixo de sentido organizou-se em categorias e subcategorias
que direcionaram esta análise conforme exposto na Figura 01.

5
Ressaltamos que após a realização da entrevista piloto, fomos até o 3º Distrito para localizar um/uma dos/as
estudantes evadidos/as em 2013 a fim de também realizarmos outra entrevista piloto e não conseguimos
localizar nenhum. Posteriormente (quase três meses após da entrevista com SP) é que conseguimos
conversar com a primeira Sujeita, que nos deu pistas para chegarmos às/aos outras/os sujeitas/os da
pesquisa.
6
Adotamos a nomenclatura de Sujeitas e Sujeitos porque estas pessoas não são mais estudantes e ao mesmo
tempo a codificação garante a preservação da identidade.
FIGURA 01 - Eixo de Sentido 1: Causas Socioeconômicas e Culturais

Subtração do
tempo escolar

Trabalho Tempo
Tempo que
gera cansaço

01-01Causas
- Causas
Socioeconômicas
Socioeconômicas Família Filhos
e Culturais
e Culturais
Companheiros

Outros
Amigos da familiares
Comunidade

Fonte: Esquema construído a partir dos dados coletados.

Notamos a partir da Figura 01 que o Eixo de Sentido referente às Causas da evasão


relacionadas aos aspectos socioeconômicos e culturais originou três categorias. A primeira
delas refere-se aos trabalhos desenvolvidos pelas/os Sujeitas/os; a segunda refere-se aos
elementos familiares e a terceira está associada à relação das/os Sujeitas/os de pesquisa com
outras pessoas da comunidade, que não possuem parentesco com estas/es. Como a terceira
categoria deste Eixo de Sentido, não expressa causa de evasão, não trataremos dela neste
trabalho.
A primeira categoria do Eixo de Sentido Causas da evasão relacionadas aos aspectos
socioeconômicos e culturais: Trabalho, refere-se a todas as atividades remuneradas7
desenvolvidas pelas/os Sujeitas/os da pesquisa. Notamos que o trabalho é um dos motivos que

7
Compreendemos que as atividades domésticas são um tipo de trabalho silenciado socialmente (NARVAZ;
KOLLER, 2006), entretanto, trataremos apenas das atividades remuneradas porque buscamos compreender
como a saída para o trabalho formalizado interfere na decisão de evasão.
contribuiu para a evasão, pois nas falas destas/es está presente a influência do trabalho para a
decisão de se evadir. Destacamos que das/os oito Sujeitas/os da pesquisa, somente S2, S3 e S5
não trabalharam no ano de 2013.
Ao tratarmos da categoria Trabalho, identificamos que o tempo (carga horária de
trabalho) interfere na frequência escolar de duas formas: a) a subtração do tempo escolar
(ocasionada pela ampla jornada do trabalho; b) o tempo que gera cansaço. Na primeira
situação o tempo do trabalho interfere no tempo da escola, uma vez que a ampla jornada de
trabalho impede a frequência escolar, fazendo com que as/os estudantes faltem ou cheguem
com atraso na escola. Há uma subtração do tempo pedagógico/curricular (SANTIAGO,
1990). Na segunda situação, o horário escolar é comprometido devido ao cansaço ocasionado
pelas amplas jornadas de trabalho, as/os estudantes até vão para a escola, mas não conseguem
acompanhar as aulas.
Para compreendermos como se materializa o Tempo para a decisão de evasão das/dos
Sujeitas/os, iniciaremos o tratamento desta subcategoria, trazendo o seu primeiro
desdobramento: a subtração do tempo escolar. Desta maneira, convém evidenciar que para
Santiago (1990, p. 49),

o tempo curricular, ganhou importância, visto que é com ele e nele que a
escola funciona. [...] É no seu funcionamento que a direção do projeto
pedagógico e a resposta do trabalho dos educadores se fazem. Portanto, é
com e no funcionamento interno que ela materializa a sua função social.

Desta maneira, a garantia deste tempo possibilita também a garantia da função social
da educação. Entendemos que a subtração do tempo curricular expressa a não adequação da
escola e do trabalho às necessidades das/dos sujeitas/os da Educação de Jovens e Adultos.
Conforme asseverado por Piconez (2002), a/o estudante trabalhador necessitaria da dispensa
de pelo menos um dos seus tempos de trabalho para se dedicar aos estudos, visto que a
jornada tripla impede a garantia desta apropriação de conhecimentos.
Para tanto, identificamos na fala de S6 que o tempo dedicado no trabalho interferia no
tempo dedicado à escola. Isto fica evidente quando aponta:

Muitos terminam e muitos desistem por causa do trabalho, pra trabalhar...


Porque eu não ia ter muito tempo pra estudar, sabe? Porque eu trabalho de
dia se eu fosse estudar de noite não ia ter muito tempo de estudar, se fosse
tempo de prova eu não ia ter muito tempo pra estudar.

No caso de S6, apesar da jornada de trabalho não coincidir com o horário das aulas,
ela atribui que as suas atividades diárias, inclusive o trabalho, não possibilitariam que
dedicasse tempo aos estudos. Isto é evidenciado quando aponta que não teria como estudar
para as avaliações. Ainda na direção da subtração do tempo escolar, S8 aponta este como um
dos motivos que o levaram a se evadir, quando diz: ―Não, eu não quis mais ir pra escola...
também, quando chegava em casa do trabalho, tomava um banho e comia já tinha passado da
hora, não dava mais tempo‖.
Na situação apontada por S8 compreendemos que o tempo interfere de maneira
diferente do que S6 evidenciou. Enquanto no primeiro caso nota-se o acúmulo de tarefas e a
falta de tempo para a realização das atividades e estudos extraescolares, na situação de S8 a
sua jornada de trabalho não possibilitava sequer a vivência do tempo escolar, ao passo em que
uma parte da noite era tomada pelo trabalho.
Ainda tratando da subtração do tempo escolar devido ao trabalho como uma causa da
evasão, evidenciamos a fala de S5, que apesar de não trabalhar, aponta este como um dos
motivos das/os estudantes se evadirem, quando destaca: ―... é porque trabalha, não tem tempo
suficiente, arruma filho, se casa, aí muitos não vai‖. Desta forma, entendemos que mesmo
aquelas pessoas que não estão inseridas em trabalhos formalizados, compreendem que há uma
dificuldade em conciliar o tempo de trabalho com o tempo escolar. Além de S5, as/os
outras/os Sujeitas/os que não trabalharam não fizeram nenhuma menção ao fator trabalho
como ocasionador da evasão.
Com as falas das/os Sujeitas/os notamos que o trabalho interfere diretamente na
decisão da evasão. Esta dispersão da escola está associada ao cansaço e sono produzido pela
jornada de trabalho, além do tempo que os estudos tomariam da sua vida. Na realidade das
Sujeitas/os, é mais lógico gastar tempo com o que dê um retorno imediato: o trabalho. Neste
sentido, corroboramos com o pensamento de Moll (2004) que vem pontuar que as/os
estudantes da EJA têm a sua vida marcada com o trabalho desde a infância e que não tiveram
a oportunidade de produzir boas percepções do espaço escolar. Este espaço que deveria ser
promotor de aprendizagens transforma-se em apenas mais uma atribuição para ser cumprida.
Ao percebermos o Trabalho como um dos elementos causadores da evasão,
dialogamos com Leão (2011) no sentido de entender que a ausência desta educação de boa
qualidade pode estar associada à evasão das/dos Sujeitas/os trabalhadores. Contudo, a
discussão da área destaca a necessidade de um diálogo entre a necessidade do trabalho que
estas/es possuem e a sua vida escolar. Em contrapartida, reconhecemos que o mundo do
trabalho também não proporciona com a escola um diálogo que possibilite o rompimento
desta lógica, pois os trabalhos remunerados ocupam sobremaneira o tempo das/dos estudantes
e a carga horária excessiva também interfere na carga horária dos estudos.
Assim, no que se refere ao tempo que gera cansaço ocasionado pela jornada de
trabalho, que entre as/os Sujeitas/os consistiu em um período de oito a dez horas por dia, dois
Sujeitos referiram-se a este elemento como causa da sua evasão. Neste sentido, S7 ao ser
questionado sobre o que mais dificultou a sua permanência na escola responde: ―Eu desisti
porque tive que ir trabalhar mesmo‖. Então, redirecionamos a pergunta para saber em que o
trabalho atrapalhava nos estudos e obtivemos como resposta: ―Trabalhar o dia inteiro e
estudar à noite não é cansativo não? O que torna difícil é ir pra lá ficar olhando a cara dos
outros até dez horas, se sentindo cansado... não tenho mais paciência pra estudar...‖. Notamos
com a fala de S7 que o cansaço da jornada diária de trabalho contribuiu para a decisão de se
evadir da escola.
Além da fala de S7, evidenciamos o cansaço como uma das causas da evasão quando
ouvimos S1 que pontuou: ―É... às vezes a pessoa vai com um pouco de sono para a escola... É
porque a pessoa tem que ir pra num tá faltando, aí a pessoa tá bem cansado do trabalho, aí fica
mei ruim, né?‖.
As falas de S7 e de S1 nos remetem ao pensamento de Piconez (2002) quando pontua
que a oferta do ensino nas escolas públicas se dá de maneira desigual em relação às/aos
sujeitas/os que pertencem a uma camada social historicamente marginalizada. Enquanto às/os
sujeitas/os que têm acesso à oferta de Ensino Regular poderão se inserir nas universidades e
ocupar posições trabalhistas melhores, os que têm acesso à modalidade da EJA estarão
submetidos a condições de trabalho mais difíceis, visto que não se garante a apropriação do
saber socialmente elaborado, validado epistemicamente. Então a questão, antes de ser escolar,
é social e marcada pela Colonialidade do Saber (QUIJANO, 2005) e pela Racialização
(QUIJANO, 2000) existente no espaço territorial do trabalho.
Como não há conexão entre os conhecimentos tratados na escola com a experiência de
trabalhos das/dos Sujeitas/os, não faz sentido a permanência neste espaço. O trabalho
remunerado é uma realidade na vida de cinco (S1, S4, S6, S7 e S8) das/os oito Sujeitas/os
entrevistadas/os. Porém, é mais consistente na vida dos homens entrevistados, visto que três
deles desenvolveram atividade remunerada em 2013 e S3 que não trabalhava em 2013
trabalha em 2014.
Diante do dado exposto, compreendemos que o mundo do trabalho remunerado é uma
arena de afirmação masculina, o que faz com que a causa trabalho seja mais evidenciada nos
homens da pesquisa. Esta evidência traz à tona um duplo silenciamento. Por uma parte o
silenciamento da atividade de produção doméstica no processo de valoração e valorização do
trabalho, por outra parte a ausência significativa das mulheres campesinas nas arenas
remuneradas do mundo do trabalho. Desta maneira, a presença do Patriarcado (NARVAZ;
KOLLER, 2006) é presente não apenas nas relações familiares, como também no exercício do
trabalho (remunerado e não remunerado).
Reconhecemos que as longas jornadas de trabalho contribuem diretamente para o
processo de evasão, entretanto, identificamos outras causas que possuem igual relevância para
este processo, a exemplo da categoria Família, que será tratada a seguir.
A segunda categoria do primeiro Eixo de Sentido – Família – foi dividida em três
subcategorias: filhos, companheiro, outros familiares. Sentimos a necessidade desta divisão
porque percebemos que apesar das/os sujeitas/os de pesquisa apontarem estas pessoas como
familiares, a influência delas para a evasão não ocorreu em nenhum dos casos de maneira
homogênea. Por este motivo, consideramos relevante tratá-las distintamente. Diante do
esquema apresentado, trataremos as subcategorias da categoria Família a partir da ordem de
significância8 em que os dados aparecem nas falas das/os Sujeitas/os.
Conforme posto na seção anterior deste capítulo, todas as mulheres que contribuíram
com a pesquisa são casadas e apenas uma delas, S6, não tem filhos. Desta forma, notamos que
a subcategoria filhos foi um elemento que influenciou para a evasão das Sujeitas da pesquisa,
visto que esta foi a principal causa atribuída ao afastamento dos estudos. Quando as Sujeitas
foram questionadas sobre qual foi o principal motivo que fez com que elas se evadissem da
escola, obtivemos a seguinte resposta de S2: ―[...] é que eu tava grávida e tinha vergonha de ir
no colégio. O outro foi que o menino nasceu, aí não tinha ninguém pra poder ficar com meu
filho pra eu estudar‖.
A fala de S2 expressa que o filho foi a principal causa para a evasão, visto que após o
nascimento da criança não havia quem ficasse com o filho para que pudesse frequentar as
aulas. Além da situação vivenciada por S2, encontramos nas falas de S4 e S5 elementos que
comprovam que a evasão estava principalmente atrelada aos cuidados com os filhos, quando
apontam que:

Porque sempre eu tive vontade de concluir meus estudos todos, né? Aí a


pessoa passa a ser mãe, né? Vem menino, vem casa, vem trabalho, aí fica um
pouco cansativo, né?... Bom, o motivo que mais me... assim que eu... tem o
meu menino que é especial, né? E assim, eu viajava muito e inclusive tô até
aguardando uma cirurgia que ele tá pra fazer... Rapaz... Acho que... A
primeira, né? De todas, é os filhos. Por eu ter um bebê especial e são muito
pequenos ainda... (S4)

8
Definimos aqui como ordem de significância os elementos que apareceram mais vezes nas falas das/os
sujeitas/as da pesquisa.
Principalmente por causa dele (refere-se ao filho), porque ele mama e é
muito chato, não fica com ninguém. Aí, e muitas vezes porque já dificulta
agora né, à noite... Porque à noite eu tenho que cuidar dele, aí no outro dia
ele já acorda cedo e antes não né, não tinha o que fazer e podia passar bem
mais tempo na escola. (S5).

Assim, a existência dos filhos na vida das Sujeitas representa a sua dedicação
prioritária aos cuidados destes. Neste contexto, os pais, na escala de distribuição de
responsabilidades/papéis, não têm hegemonicamente como atribuição o cuidado com os
filhos, visto que a mãe já desempenha esta função. Esta divisão de responsabilidades distancia
a mãe de uma vida profissional/escolar.
Neste sentido, retomamos o pensamento de Narvaz e Koller (2006, p. 52) que definem
mais claramente os estereótipos constituídos acerca dos papéis que devem ser desenvolvidos
pelos membros da família nuclear: pai, mãe e filhos. Deste modo, a mulher, campesina,
estudante da EJA é invisibilizada, silenciada e submetida à lógica da Colonialidade que
subalterniza os povos campesinos, nos eixos do Ser e do Saber. Estes eixos reproduzem a
ideia de que estudantes da EJA são inferiores/ analfabetos. Além da lógica da Colonialidade,
estas mulheres ainda sofrem pela lógica do Patriarcado, que exerce o controle sobre as
decisões das mulheres (AGUIAR, 2000).
O filho não tem sentido em si mesmo como causa da evasão, senão quando está
acompanhado de determinadas atribuições Patriarcais que estabelecem o papel Colonizado
de maternidade. Desta forma, o Patriarcado está presente na relação das Sujeitas campesinas
em suas vivências conjugais. Quando o termo ―filhos‖ aparece indistintamente na fala das
Sujeitas se revela a face Moderna do Patriarcado; ela esconde, todavia, a Colonialidade não
pronunciada na palavra machismo.
Em continuidade com a discussão sobre o Patriarcado, os dados da pesquisa
apontaram outra categoria que apareceu em segundo lugar na incidência das causas da evasão.
Esta se caracteriza pela presença da subcategoria Companheiro e foi comum a todas as
Sujeitas. Iniciamos apontando a fala de S6, única Sujeita que não tem filho e que trabalha em
um espaço diferente do doméstico. Quando indagada sobre a sua evasão, ela responde:
―Assim, porque agora eu trabalho, me casei, e assim, virei uma dona de casa. Deixei de ser
solteira pra ser casada. Também tenho a minha casa, tenho o meu marido, fico muito
ocupada‖.
Nesta fala de S6, percebemos que estudar é uma atividade desenvolvida por mulheres
solteiras e que a mulher casada, naturalmente, não estuda. Ainda na entrevista com S6
questionamos o que o seu esposo acharia se ela voltasse a estudar. Em resposta ela diz:
―Normal. Aceitava‖. Mas quando ela é questionada sobre o desejo de retornar aos bancos
escolares a fala dela aponta que o seu casamento, as tarefas domésticas a impedem de
prosseguir com os estudos, conforme constatamos:
Assim, porque agora eu trabalho,me casei, e assim, virei uma dona de casa. Deixei de
ser solteira pra ser casada... Aí eu tenho o meu trabalho, tenho a minha casa, mesmo se eu
voltasse a estudar só no período da noite porque logo cedo eu trabalho. Também tenho a
minha casa, tenho o meu marido, fico muito ocupada... Assim, o trabalho, o casamento, o
fazer das atividades de dona de casa, tempo também que eu não tenho pra estudar, só isso.
(S6)
A evidência do casamento como uma das causas que conduzem as mulheres à evasão
não se faz presente apenas na fala de S6. Além dela, podemos elucidar o exemplo de S2 que
ao ser questionada se houve alguma circunstância com o marido que contribuiu para a sua
decisão de deixar a escola ela responde: ―Não, ele sempre dizia que era pa estudar direitinho,
não faltar aula nem gazear aula, ele sempre foi a favor de eu estudar‖. A fala de S2 evidencia
a tutela, resultante da lógica Patriarcal. Para que a Sujeita estudasse, era necessário que o seu
companheiro a orientasse sobre o que era necessário ser feito. Desta forma, reconhecemos que
a mulher é tutelada pela figura masculina, as suas ações, decisões necessitam ser autorizadas
pelo companheiro para que sejam exercidas (AGUIAR, 2000).
Em outro momento da entrevista, S2 é questionada sobre os cinco motivos que fizeram
com que ela se evadisse. Em resposta ela diz: ―Porque no tempo eu tinha casado, aí fui
desistindo, não quis mais estudar...‖. Percebemos com a fala da Sujeita uma cisão entre o
estudo e casamento. Enquanto a mulher não estava casada o seu tempo era destinado aos
estudos e com a ocorrência do matrimônio a dedicação anteriormente dada aos estudos passa
a ser direcionada para o casamento.
Notamos também a influência do casamento para a evasão na fala de S5 que pontua:
―É... muitos desistem... às vezes porque se casam, os maridos não deixam, arrumam filhos...‖.
Neste sentido, a única Sujeita que não citou a influência direta do companheiro na decisão de
evadir-se foi S4 ao pontuar: ―O meu marido às vezes diz: ‗mais fia, muitas vezes tu vai se
matricula e nunca termina?‘ E eu digo: é, mai um dia eu termino‖. Diante destes dados
podemos destacar que todas as Sujeitas percebem o casamento como um empecilho para a
permanência na escola.
Mesmo quando as Sujeitas não possuem consciência de sua condição de submissão de
gênero, de ser/sujeita tutelada, as suas falas expressam a influência do Patriarcado em suas
decisões. Os homens nos relacionamentos das Sujeitas exercem o papel de tutores que
decidem ou influenciam as suas escolhas. Estas mulheres são controladas e necessitam da
autorização masculina para decidir se devem ou não estudar, assim como em todas as outras
escolhas de sua vida. Para tanto, o casamento é uma causa de evasão presente na fala das
Sujeitas. Seja pela presença dos filhos, seja pela atribuição de tarefas domésticas ou até
mesmo pela não autorização direta ou indireta do companheiro. Estas questões que se
vinculam ao relacionamento conjugal interferem diretamente na decisão de estudar. Isto não
ocorre em relação aos homens.
Percebemos que a tutela masculina sobre o corpo e a sexualidade das mulheres não
aparece apenas em relacionamentos conjugais. Nas relações entre masculino/feminino há
sempre ações de controle do corpo da mulher. S5 traz em sua fala elementos bem importantes
que auxiliam a nossa compreensão sobre a presença do Patriarcado nas relações (conjugais e
não conjugais) das Sujeitas. Quando foi questionada sobre o que a fez estudar no ano de 2013,
ela pontua que: ―O incentivo, porque meus irmãos voltou a estudar, aí como era à noite e
minha mãe não deixava, aí tinha os meus irmãos, aí foi que ela deixou voltar a estudar‖.
Compreendemos com a fala que S5 aponta que a garantia do direito aos estudos estava
associada à escolha dos irmãos de estudar ou não; a tutela, neste caso, não ocorre com relação
ao companheiro. Quem assume a tutela de S5 são os seus irmãos. Quando prosseguimos com
a entrevista e questionamos por que ela só podia ir para a escola se os irmãos fossem,
obtivemos a seguinte resposta: ―Porque eu aprontava muito (risos). Namorava muito e ficava
fora da sala de aula‖.
Concebemos assim que a segurança de que S5 realmente cumpriria com os seus
objetivos escolares estava associada à presença dos irmãos. Apesar de haver a concessão de
uma figura feminina (mãe) para que a Sujeita fosse para a escola, esta concessão só podia se
materializar com a tutela ―vigilância‖ do seu corpo e decisões, realizadas pelos seus irmãos.
Este controle se expressa quando S5 aponta que gostava de namorar e que os seus irmãos a
vigiavam para que não namorasse.
Ressaltamos que nas duas subcategorias abordadas, Filhos/Companheiro, não
apresentamos nenhum dado dos homens Sujeitos da pesquisa, visto que estes não possuíam no
momento da pesquisa filhos ou esposa. Entretanto, podemos destacar que todos os homens da
pesquisa desenvolviam atividades profissionais fora de casa e que tinham mulheres – não
companheiras – irmãs, mães, tias, avós, para desenvolver para eles as atividades domésticas.
Estas mulheres ficavam com esta função enquanto eles (Sujeitos da pesquisa) e os outros
homens da casa (pais e irmãos) saíam para trabalhar. Esta evidência reafirma a lógica
Patriarcal que vem sendo discutida nesta pesquisa que pode ser comprovada nas falas de S7 e
de S8:

Preciso trabalhar pra me sustentar e sustentar as minhas irmãs, assim...


depois da morte dos meus pais, eu tive que cuidar delas... porque elas não
podem trabalhar, têm que ficar em casa... se eu não fosse, quem ia? (S7)

Preciso trabalhar pra ajudar a minha mãe que fica em casa e cuida de mim
só. (S8)

Neste sentido, compreendemos que os Sujeitos cumprem com a lógica da Família


Nuclear pontuada por Narvaz e Koller (2006, p. 52) que é ―formada pelos pais e seus filhos
dependentes. O papel da mãe ainda remete ao cuidado dos filhos, enquanto o papel do pai,
além de prover o sustento, envolve questões de disciplina e de autoridade‖. Notamos este
exemplo de constituição familiar quando os Sujeitos retratam que necessitam do trabalho para
o sustento e cuidado da família. Para tanto, mães e irmãs necessitam de proteção masculina,
que, nesta situação, é representada pelo irmão e filho.
A fim de compreendermos com mais profundidade sobre a Família para a decisão de
se evadir da escola, é que trouxemos os resultados referentes à terceira subcategoria - Outros
familiares. Buscamos com esta subcategoria entender se a relação com outras pessoas da
família (diferentes de companheiro e filhos) contribuiu para a decisão de evasão das/os
sujeitas/os.
Neste sentido, traçamos perguntas com a seguinte direção: existiram situações familiares que
contribuíram para a sua decisão de se evadir? A resposta de todos/as Sujeitas/es da pesquisa
tomou a direção de que os familiares, pais, irmãos, eram os maiores incentivadores para que
voltassem à escola. Desta forma, destacamos:

Ahh, incentivava... (S1)

Eles num disseram não, ela (referindo-se a mãe) sempre diz que é pra eu
voltar pra estudar, voltar pro colégio, continuar no estudo. Minha mãe
sempre queria que eu fosse po colégio e estudasse direitinho. (S2)

Apoiava a minha ida... Não, a decisão foi minha mesmo. (S3)

As considerações das/dos Sujeitas/os evidenciam que os familiares incentivavam a sua


frequência na escola. Apenas um Sujeito apresentou uma situação familiar que o prejudicou a
continuar a frequentar a escola: foi S1. Ressaltamos que esta interferência não povoa o campo
das relações entre familiares, problema de doença na família, mas, conforme explica:

Teve uns tempo aí que meu avô tava doente, com um caroço nas costa e num
guentava nem se abaixar pá panhar uma coisa no chão. Aí minha vó é
deficiente, cadera de roda, aí tem que ficá alguém pá tirá ele e botar, né? Aí
também atrapalha um pouco. Primeiro foi que meu avô adoeceu e eu não ia
mesmo pra escola, que eu num vô deixar ele ficar pegando em peso sozinho.

Desta forma, a influência da família para a decisão de evadir-se da escola não se


caracterizou pela falta de incentivo ou porque a família não considera a educação formalizada
importante, mas porque existiu a necessidade de cuidar de um familiar doente. Para tanto, os
dados coletados não apontam os outros familiares (diferente do companheiro e filhos) como
causadores da evasão.

CONCLUSÕES
Após a análise do Eixo: Causas socioeconômicas e culturais ampliamos a nossa
compreensão de que existem muitas particularidades que percorrem o território da Educação
de Jovens e Adultos e da evasão. As especificidades presentes em cada uma das categorias da
análise e o contexto em que a pesquisa foi realizada nos direcionam para as múltiplas
situações vividas pelas/os Sujeitas/os da pesquisa que nos possibilitam entender a evasão e a
sua configuração, entretanto, compreendemos o não esgotamento da discussão.
Para tanto, evidenciamos que a compreensão da evasão, não pode estar dissociada dos
contextos sociais a que as/os Sujeitas/os da EJA se inserem. Esta afirmativa só confirma e
coaduna a necessidade de articulação política/epistêmica da escola com os saberes Outros,
que são produzidos nos espaços sociais daqueles que habitam o chão escolar. A omissão desta
articulação e a manutenção da lógica urbanocêntrica no Território Campesino auxiliam na
sustentação da evasão.
Desta forma, a ausência da escuta das/dos Sujeitas/os de Direito, produz
consequências no espaço escolar, mas estas não se dissociam também da experiência que
produzem no espaço social. Neste sentido, a lógica Patriarcal é evidente como um elemento
socioeconômico que interfere no estudo das mulheres Sujeitas da pesquisa. Em contrapartida,
a lógica do mundo do trabalho expressa a causa social mais significativa para a evasão dos
homens Sujeitos da Pesquisa.
Com isto, entendemos que os elementos socioeconômicos e culturais são pilares que
sustentam os outros eixos estruturantes da análise. Consideramos pilares, porque entendemos
que as causas da evasão que se manifestam na escola e na sala de aula são frutos de uma
lógica Moderna/Colonial, que estabelece padrões não apenas no espaço escolar, mas
principalmente no espaço social. Desta forma, a organização da escola e das práticas que nela
se materializam, obedece a esta lógica. Para tanto, por entendermos que nenhuma lógica é
linear e que existem tensões que coexistem, é que evidenciamos a evasão como um
acontecimento que também expressa resistência.
Deste modo, as/os Sujeitas/os de Direito, ao se evadirem da escola, estão dizendo que
esta organização não atende as suas necessidades e modo de vida. Talvez, esta resistência não
seja calculada e estas/es não tenham clareza política da sua ação. Mas o que compreendemos
é que a evasão se transforma em um problema educacional e que as possibilidades para
justificá-la não se esgotam. Assim, temos clareza que os dados elencados nesta pesquisa
representam a leitura do contexto de dois Distritos do Território Campesino de Caruaru-PE, e
que neste contexto, as causas da evasão se sustentam no pilar dos aspectos socioeconômicos e
culturais: Patriarcado e Trabalho e se desdobram na estrutura escolar e nas causas didático-
pedagógicas.

REFERÊNCIAS

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Autor (1) Everson Silva Cabral;

eversonsilva12@gmail.com;

NFD/CAA/UFPE.

Co-autor Luiz Felipe de Oliveira Silva;

lipe-silva-@hotmail.com;

NFD/CAA/UFPE.

Co-autor Larissa Suellen Gomes Andrade de Lima;

larissasuellen39@gmail.com;

NFD/CAA/UFPE.

Co-autor Marcelo Henrique Gonçalves de Miranda;

mm.marcelohenrique@yahoo.com.br;

PPGDH/PPGEDUC/UFPE

RESUMO
Questões sobre gênero e sexualidade têm se tornado temas pertinentes de grande importância, e
trabalhá-los nas escolas se faz necessário enquanto possibilidade de construção de sujeitos sociais
críticos e não preconceituosos. O objetivo deste estudo foi analisar e mapear como estas temáticas são
abordadas em sala de aula de uma escola da zona da mata pernambucana e verificar a prática
pedagógica dos docentes no cotidiano desta escola. Para fazer essa verificação, foi realizada uma
entrevista semiestruturada com cinco perguntas e de cunho qualitativo para analisar o método como
esses temas eram inseridos nas turmas, caso eles realmente estivessem inseridos. O resultado foi
satisfatório e mostrou que ainda temos uma sociedade LGBTfóbica e que parte do grande avanço da
abordagem dos temas gênero e sexualidade em sala se deve aos movimentos sociais que reivindicam
por essa causa.
Palavras-chave: Gênero e Sexualidade, Pesquisa de Campo, Educação Básica.
ABSTRACT
Questions about gender and sexuality have become relevant topics of great importance, and working
them out in schools becomes necessary as a possibility for the construction of critical and
unprejudiced social subjects. The objective of this study was to analyze and map how these themes are
addressed in a classroom of a zone in the forest area of Pernambuco and verify the pedagogical
practice of teachers in the daily life of this school. To carry out this verification, a semistructured
interview with five qualitative questions was carried out to analyze the method as these subjects were
inserted in the classes, if they were actually inserted. The result was satisfactory and showed that we
still have an LGBT phobic society and that part of the great advance of the approach of the themes
gender and sexuality in room is due to the social movements that claim for this cause.

INTRODUÇÃO

Essa pesquisa foi realizada durante a disciplina de Políticas Educacionais:


Organização e Funcionamento da Escola Básica como requisito da segunda avaliação. O
estudo teve como objetivo geral: Analisar como as temáticas de gênero e sexualidade são
abordadas em uma escola de referência, da Educação Básica, na cidade de Vitória de Santo
Antão. Como objetivos específicos tivemos: a) mapear as concepções de gênero e sexualidade
junto aos docentes da disciplina de Direitos Humanos; b) Verificar a prática pedagógica em
decorrência das concepções de gênero e sexualidade no cotidiano da referida escola.
Na Sociedade é perceptível a discriminação que sofrem os gays, lésbicas, travestis,
transexuais e transgêneros. Nesse caminho, o Projeto de Parceria Civil Registrada (PCR), –
uma lei que pretendia garantir direitos básicos a partir do reconhecimento das relações
estáveis entre pessoas do mesmo sexo tramitou, sem ser aprovado no Congresso por mais de
20 anos. Esse projeto de lei não foi promulgado nem mesmo quando havia 70 parlamentares o
apoiando, no então ano de 2003.
Na Instituição educacional não é diferente. Seus agentes também reproduzem uma
inteligibilidade da heterossexualidade compulsória ou da heteronormatividade (BUTLER,
2003, MIRANDA, 2013) que excluem, não reconhecem e tornam essas pessoas como
principais objetos da violência simbólica, física e sexual. Assim, por parte dos agentes que
atuam nessa instituição tais como: docentes, gestores escolares, discentes, funcionários da
escola e a comunidade, de forma geral reproduzem a exclusão mencionada acima.
Nesse caminho, quando tratamos da educação escolar, também temos presentes as
inter-relações assimétricas e de dominação da sociedade mais ampla, necessitamos então
buscar na elaboração das políticas educacionais o enfrentamentos das desigualdades sociais
nos seus meios e nas mais distintas matizes, incluindo entre eles as discriminações de gênero
(RIBEIRO; SOUZA, 2008).
Deve-se também ser cuidadoso nessa busca pela elaboração das políticas educacionais
que reconheçam as desigualdades sociais e combatam as discriminações de gênero e de
orientação sexual, uma vez que ao se separar o "diferente" na especificidade das demandas a
serem solucionadas, não se pode perder de vista sua reintegração ao grupo social. Caso
contrário, esses indivíduos permanecerão como ―diferentes‖ e ―excluídos‖ como nos indica
Claudia Viana ao citar o pensamento de Henri Lefebvre "falando sobre o risco da defesa do
diferencialismo (...) [e] sua possível relação com a manutenção e o acirramento do
preconceito e da exclusão" (VIANNA, 2011, p.124).
Nesse percurso, o campo de produção de conhecimento sobre o sujeito, em uma
perspectiva pós-estruturalista e feminista, como interpelado pelas estruturas simbólicas e seus
desdobramentos em relação ao gênero e à sexualidade tem passado por algumas
transformações que abordaremos abaixo.
Claudia Costa indica que segundo a discussão de várias teóricas feministas, o encontro
entre o Feminismo e o Pós-Estruturalismo é carregado de ambiguidades e contradições, mas
também repleto de possibilidades.
O reconhecimento de que o sujeito se constrói dentro dos sistemas de significado e
de representações culturais, os quais por sua vez encontram-se marcados por
relações de poder permitiu duas importantes estratégias teóricas e epistemológicas:
por um lado, nos forneceu instrumentos valiosos para desconstruir as categorias
tradicionais do indivíduo, inclusive as noções de uma identidade e experiência
femininas universais e, por outro lado, nos proporcionou uma maior sensibilidade
(forjada pelas exigências da política) para compreender os mecanismos
diversificados constitutivos dos diferentes sujeitos no campo social (COSTA, 2006,
p. 58).

A partir do posicionamento acima de Claudia Costa, ao se problematizar a autonomia


do sujeito iluminista como interpelado pelas estruturas sociais, contribui para desestabilizar o
conceito de ontologia em relação ao ser social. Ou seja, os sujeitos reproduzem seus
processos de inteligibilidade pela maneira em que foram socializados e por meio de suas
sociabilidades.
Assim, para Butler, ao se desejar subverter a opressão que as mulheres sofrem é
necessário verificar suas intersecções que podem aumentar ou diminuir as relações de
dominação, de misoginia e sexismo presentes na nossa sociedade. Butler afirma que,
se alguém ―é‖ uma mulher, isso certamente não é tudo o que esse alguém é; o termo
não logra ser exaustivo, não porque os traços predefinidos de gênero da ―pessoa‖
transcendam a parafernália específica de seu gênero, mas porque o gênero nem
sempre se constitui de maneira coerente ou consistente nos diferentes contextos
históricos, e porque o gênero estabelece interseções com modalidades raciais,
classistas, étnicas, sexuais e religiosas de identidade discursivamente constituídas.
Resulta que se tornou impossível separar a noção de ―gênero‖ das interseções
políticas e culturais em que invariavelmente ela é produzida e mantida (BUTLER,
2003, p. 20).

Outro ponto exposto ainda por Butler, diz respeito as categorias de sexo, gênero e
sexualidade. A autora problematiza a linearidade do pensamento que relaciona um corpo de
macho, com o seu gênero homem e sua sexualidade, no caso heterossexualidade. Além de
sublinhar que não apenas o gênero é uma construção sociocultural, mas também o corpo.
assim, as categorias de sexo, gênero e sexualidade são ficcionais.
se o gênero são os significados culturais assumidos pelo corpo
sexuado, não se pode dizer que ele decorra, de um sexo desta ou
daquela maneira. Levada a seu limite lógico, a distinção sexo/gênero
sugere uma descontinuidade radical entre corpos sexuados e gêneros
culturalmente construídos. Supondo por um momento a estabilidade
do sexo binário, não decorre daí que a construção de ―homens‖
aplique-se exclusivamente a corpos masculinos, ou que o termo
―mulheres‖ interprete somente corpos femininos. Além disso, mesmo
que os sexos pareçam não problematicamente binários em sua
morfologia e constituição (...), não há razão para supor que os gêneros
também devam permanecer em número de dois. A hipótese de um
sistema binário dos gêneros encerra implicitamente a crença numa
relação mimética entre gênero e sexo, na qual o gênero reflete o sexo
ou é por ele restrito. Quando o status construído do gênero é teorizado
como radicalmente independente do sexo, o próprio gênero se torna
um artifício flutuante, com a conseqüência de que homem e masculino
podem, com igual facilidade, significar tanto um corpo feminino como
um masculino, e mulher e feminino, tanto um corpo masculino como
um feminino (2003, p. 24).

No campo educacional é exigido ainda mais cuidado na luta pelos direitos


relacionados às diversidades. Dessa maneira, ignorá-las pode acarretar na reprodução da
exclusão e do isolamento; trabalhar exclusivamente com as diversidades/diferenças pode
contribuir em um particularismo. Qual seria a saída possível para esse impasse? Deve-se
apresentar a possibilidade de transformação da sociedade, fortalecimento de uma cultura dos
direitos humanos e de uma sociedade de fato democrática ao se assumir e ter a capacidade de
conviver e se aprender com as diferenças/diversidades.
A diversidade de gênero até recentemente era pouco explorada pelos estudos sobre
educação. Graças a essa ausência nos estudos, a ideia de que a escola é um ambiente onde
apenas as diferenças de classes existem foi perpassada por um longo tempo, com isso
desconsiderando as diversidades de gênero, geração, etnia, entre outros. Com o passar dos
anos alguns pesquisadores ousaram introduzir a diversidade de gênero em suas pesquisas,
inicialmente abordando a questão do exercício do magistério ser realizado em sua grande
maioria por mulheres.
A ausência do homem no exercício do magistério é estigmatizada e o entendimento da
sociedade dessa relação estigmatizada decorre do fato:
do magistério elementar ser uma atividade de mulheres e para mulheres. Desta
forma, a heterossexualidade deste professor é questionada, por ele se encontrar
realizando tarefas ―femininas‖, ou seja, o cuidado infantil. Outro motivo que
contribui para os professores homens serem estigmatizados resulta de representações
que hiper-dimensionam o apetite sexual masculino. Esse homem, tendo um apetite
sexual insaciável, seria visto com desconfiança pela sociedade o relacionando à
pedofilia (MIRANDA, 2003, p. 107).

Nesse artigo, o maior enfoque será dado as diferenças de gênero e seus significados no
interior da escola, mas é importante mencionar que essas questões perpassam os limites das
escolas.

METODOLOGIA

Como requisito da segunda avaliação foi proposto pelo professor na disciplina de


Políticas Educacionais: Organização e Funcionamento da Escola Básica, uma pesquisa a
respeito de gênero e sexualidade.

Pelo fato de os temas gênero e sexualidade serem vítimas de preconceitos no meio


escolar, escolheu-se realizar uma pesquisa de campo, em uma escola, utilizando como método
de coleta de dados uma entrevista semiestruturada com 5 questões, a pesquisa é de cunho
qualitativo, pois objetivava-se analisar e descrever a situação em que a escola se encontrava a
respeito do tratamento que a escola dava aos temas gênero e sexualidade.

Durante a seleção da escola para fazer a pesquisa, foram analisados, a possibilidade de


inserção na escola, a abordagem ou não dos temas gênero e sexualidade nas aulas, visto que
em algumas escolas os temas não são estudados ou em muitos casos são pouco mencionados.
Sendo assim, a pesquisa foi realizada em uma escola de referência, no município de Vitória de
Santo Antão, com duas professoras da educação básica, licenciadas em história, lecionam a
disciplina de direitos humanos e possuem 35 e 40 anos, a professora 1 e a professora 2,
respectivamente.

Durante a pesquisa de campo, tanto a gestão da escola como ambas as professoras


foram bem compreensíveis e entenderam a intenção da pesquisa, dando integral atenção ao
que foi proposto. Portanto, a estas professoras foi aplicado um questionário que continham
cinco perguntas, a fim de analisar a abordagem de gênero e sexualidade nas séries do ensino
básico.

Como se trata de uma pesquisa qualitativa, buscou-se apreender os aspectos


simbólicos sobre as concepções de gênero e sexualidade no cotidiano escolar. Assim, utilizou-
se como técnicas de coleta de dados a entrevista semiestrututurada, pois para Triviños (1987,
p. 146) a entrevista semi-estruturada tem como característica questionamentos básicos que são
apoiados em teorias e hipóteses que se relacionam ao tema da pesquisa. Os questionamentos
dariam frutos a novas hipóteses surgidas a partir das respostas dos informantes. O foco
principal seria colocado pelo investigador-entrevistador. Complementa o autor, afirmando que
a entrevista semi-estruturada ―[...] favorece não só a descrição dos fenômenos sociais, mas
também sua explicação e a compreensão de sua totalidade [...]‖ além de manter a presença
consciente e atuante do pesquisador no processo de coleta de informações (TRIVIÑOS, 1987,
p. 152).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Como se objetivava de maneira geral analisar como as temáticas de gênero e


sexualidade são abordadas em uma escola de referência, da Educação Básica, na cidade de
Vitória de Santo Antão e de maneira específica, mapear as concepções de gênero e
sexualidade junto aos docentes da disciplina de Direitos Humanos e verificar a prática
pedagógica em decorrência das concepções de gênero e sexualidade no cotidiano da referida
escola.

Vale salientar que durante a pesquisa, serão mencionadas como professora 1 a que
possui 35 anos de idade, e professora 2 a que possui 40 anos de idade.

A primeira pergunta da entrevista semiestruturada foi: Você já trabalhou ou trabalha o


assunto de gênero e sexualidade nas séries do ensino básico?

―Sim‖ (PROFESSORA 1); ―Sim‖ (PROFESSORA 2). Com essas duas respostas
afirmativas pode-se observar que a escolha da escola foi realizada de maneira correta, visto
que ambas abordam o assunto em sala.
Com as respostas da primeira pergunta, foi possível realizar a segunda pergunta que
foi: Qual/is a/as série/s que você costuma debater esse assunto?

―1º, 2º e 3º anos‖ (PROFESSORA 1); ―1º, 2º anos‖ (PROFESSORA 2). Vê-se também
que ambas as professoras abordam o tema em uma parte considerável do ensino básico.

Em relação ao que as professoras pensam sobre os objetivos ao se tratar os temas


gênero e sexualidade em sala de aula, foi feita então a terceira pergunta: A sua perspectiva
sobre a abordagem do assunto gênero e sexualidade na sala de aula está mais ligada ao
trinômio corpo/saúde/doença na Orientação Sexual ou à diversidade? Por quê?

―Diversidade é a linha mais abordada, pois o objetivo do núcleo é desenvolver práticas


que estimulem o respeito às diferenças no ambiente escolar. O trinômio corpo/ saúde/ doença
também é abordado‖ (PROFESSORA 1). Pode-se observar que a professora 1 participa de um
núcleo em que o respeito às diferenças é analisado, observa-se também que ela aborda em sala
os temas como respeito à diversidade e como trinômio corpo/saúde/doença na Orientação
Sexual.

―Porque se faz necessário orientar os jovens sobre esses assuntos para formar essas
pessoas conscientes, tolerantes e com senso crítico, principalmente pessoas que tenha respeito
pela diversidade‖ (PROFESSORA 2). A resposta da professora 2 não foi satisfatória pois a
mesma não respondeu qual objetivo ela segue ao abordar os temas gênero e sexualidade em
sala de aula, apesar de a mesma mencionar em sua resposta ―...respeito pela diversidade‖, não
pode-se concluir que esse é o seu objetivo em sala.

Quanto a dificuldade em tratar esses temas na sala de aula da educação básica foi feita
a quarta pergunta: Você acha difícil abordar esse assunto na educação básica? Por quê?

―Sim, pois existe a resistência do próprio corpo docente, além de projetos políticos
contrários a essa abordagem. Embora seja uma temática importante ainda é persistente as
ideias e atitudes preconceituosas‖ (PROFESSORA 1). A resposta da professora 1 nos permite
concluir que muitas vezes os agentes do meio educacional como docentes são reprodutores da
LGBTfobia e que os projetos políticos mesmo que tenham dado um avanço nos últimos anos,
ainda não são suficiente.

―Um pouco sim, por sermos parte de uma sociedade ainda culturalmente machista‖
(PROFESSORA 2). Já a professora 2 pensa que a maior dificuldade em abordar Gênero e
Sexualidade na educação básica é o fato de sermos parte de uma sociedade ainda
culturalmente machista.
Para finalizar a entrevista, buscou-se saber das professoras a importância da
abordagem desses temas em sala, foi elaborada então a quinta pergunta: Para você como
educador, é importante trabalhar esse assunto na sala de aula? Por quê?.

―Sim, pois o ser humano precisa aprender a conviver e a respeitar seu semelhante‖
(PROFESSORA 1); ―Sim, pelo que já respondi na questão 3‖ (PROFESSORA 2). Para ambas
as professoras a importância da abordagem dos temas gênero e sexualidade em sala de aula é
ensinar a seus alunos a respeitarem e conviverem com as diferenças/diversidades.

Portanto, diante do questionário explanado, nota-se que o debate sobre questões de


gênero e sexualidade estão se fazendo mais presentes nas salas de aula, graças a
reivindicações de movimentos e políticas públicas que incentivaram o trabalho sobre
diversidade na educação. Neste colégio, há um núcleo de estudo, mencionado pela professora
1 na questão 3, que debate sobre gênero, sendo prova da ação das políticas públicas na
educação básica. No entanto, como mencionado pelas professoras na questão 4, há ainda
muitas barreiras a serem enfrentadas, já que o preconceito ainda se faz muito presente em
todas as esferas da sociedade.

CONCLUSÃO

Sendo gênero e sexualidade entendidos como formas de construção social, cultural e


histórica, têm-se na escola um lugar privilegiado para se debater e discutir questões tão
necessárias.
O professor, a partir do processo de ensino e aprendizagem, deve contribuir para a
reflexão destes assuntos e agir de modo que haja a mudança de paradigmas através da
produção de conhecimentos que nos leve a construção de uma vida igualitária, já que segundo
Freire (1979), a ação docente é a base de uma boa formação escolar e contribui para a
construção de uma sociedade pensante.
Atualmente, quesitos como machismo, que amedronta e afeta no comportamento de
garotas, divisão desigual de tarefas domésticas, homossexualidade e LGBTfobia, por
exemplo, estão entre os assuntos que mais entram em pauta no nosso cotidiano. Sendo assim,
justifica-se a importância do tratamento de questões relacionadas a gênero e sexualidade na
escola, já que cabe a ela construir reflexões e indagar questionamentos, para assim,
oportunizar a mudança de atitudes nos sujeitos envolvidos na educação.
Logo, através da pesquisa realizada podemos concluir que a abordagem de gênero e
sexualidade deve ser contínua, sistemática e corajosa, onde é necessário que os professores
repensem sua forma de pensar e veicular esses temas. Torna-se também importante que os
docentes busquem conhecimento científico sobre o assunto, visto que o profissional tem que
reconhecer seu papel como cidadão que leva sua contribuição a sociedade.
Em relação ao Estado, fica evidente a necessidade em haver mais políticas públicas
que incentivem a introdução desses temas nas escolas, faltando também aos professores
capacitações que os habilitam no aperfeiçoamento desses temas.
Por conseguinte, identifica-se a importância desses temas na introdução da grade
curricular das escolas ao discutir assuntos tão essenciais e relevantes a fim de contribuir para a
construção de uma sociedade reflexiva, crítica e principalmente livre de preconceitos.

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SINHAZINHA WANDERLEY: PRÁTICAS CULTURAIS E
PEDAGÓGICAS NA CIDADE DO ASSÚ/RN

Gilson Lopes da Silva


gillopes2000@hotmail.com
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação/UFRN
Marlúcia Menezes de Paiva
mmarlupaiva3@gmail.com
Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação/UFRN

Resumo: Por meio desse trabalho procuramos analisar as práticas culturais e pedagógicas
desenvolvidas pela professora Maria Carolina Wanderley Caldas, mais conhecida como Sinhazinha
Wanderley, e a importância dessas práticas para a cidade do Assú. A referida professora nasceu em
1876 e faleceu em 1954. Sinhazinha fazia parte de uma das famílias da elite assuense e viveu numa
época em que a cidade apresentou um florescente desenvolvimento cultural com a publicação de
diversos jornais, a produção de poesias, prosas e versos e atividades teatrais. A professora participou
ativamente de todo esse florescimento cultural e apresentou contribuições importantes escrevendo
peças teatrais, poesias e textos para jornais e compondo hinos religiosos e cívicos. Essa atuação se
mostra significativa por se tratar de um período em que poucas mulheres participavam dos
acontecimentos culturais das cidades. Além dessa produção no contexto cultural, Sinhazinha
Wanderley também contribuiu com a formação educativa de várias gerações de assuenses lecionando
no Externato São José, que funcionava em sua própria residência, e no Grupo Escolar Tenente Coronel
José Correia. A professora também estendeu suas atividades culturais para o universo educacional
utilizando em suas aulas recursos como o canto, a poesia e o teatro, influenciando alguns de seus
alunos.

Palavras-chave: Sinhazinha Wanderley, Cultura, Educação, Cidade do Assú.

Introdução
Maria Carolina Wanderley Caldas, mais conhecida como D. Sinhazinha Wanderley,
nasceu na cidade do Assú, interior do Rio Grande do Norte, no dia 30 de janeiro de 1876.
Era a oitava filha do primeiro casamento de Dr. Luís Carlos Wanderley e D. Francisca
Carolina Lins Caldas, que faleceu um ano e três meses após o nascimento de D. Sinhazinha.
Meses depois da morte da esposa, Dr. Luís Carlos casou-se novamente com a
cunhada Maria Carolina, porém, a recém nascida passou a ser criada pelo Coronel Francisco
Justiniano Lins Caldas e D. Umbelina Wanderley Caldas, tios e amigos de seus pais e que
faziam parte do contexto das famílias mais abastadas do Rio Grande do Norte. Além de
circular na vida política e social da cidade do Assú, o pai adotivo de Sinhazinha Wanderley
também era professor de Latim e o contato da menina com a leitura e a escrita ocorreu em
sua própria casa.
Sinhazinha viveu em Assú numa época em que a pequena cidade sertaneja era marcada por uma
efervescência cultural com destaque para o jornalismo, a poesia, a prosa, o teatro e a música,
manifestações culturais e artísticas que começaram a ganhar ênfase na segunda metade do século XIX e
das quais ela participou ativamente.
Além de uma amante da cultura, Sinhazinha contribuiu para a educação na cidade mantendo o
Externato São José, cujo funcionamento se dava na sala principal de sua casa. Com a implantação do
Grupo Escolar Tenenete Coronel José Correia, em 07 de setembro de 1911, ela passou a fazer parte do
corpo docente, permanecendo nessa instituição até meados da década de 1950.
Nesse contexto, o objetivo desse trabalho é analisar as práticas culturais e pedagógicas
desenvolvidas pela professora e a importância dessas práticas para a cidade do Assú.
Justifica-se pela necessidade da reconstrução dessas práticas e a evidência de Maria
Carolina Wanderley Caldas, Sinhazinha Wanderley, como uma figura importante na educação
e cultura da cidade do Assú.
O referencial teórico está embasado nas reflexões de Magalhães (2004),
principalmente nas noções de comunidade envolvente e agentes e sujeitos. Nesses
conceitos, o autor identifica a presença de gestores, docentes, funcionários e alunos
envolvidos na dinâmica interna das instituições educativas agindo de formas variadas no
sentido de atingir seus intentos, mas que também desenvolvem uma participação ativa nos
itinerários extraescolares, como é o caso de Sinhazinha Wanderley que apresentou
contribuições significativas para o universo cultural e educacional da cidade do Assú.

Práticas culturais: Sinhazinha transitando entre a poesia, a literatura e a imprensa

Como membro de uma das famílias mais importantes na cidade do Assú na passagem
do século XIX para o XX, Sinhazinha recebeu em sua própria casa, e por parte dos
familiares ou de professores particulares, aulas de música, literatura, catecismo, francês,
inglês e latim. Essas aulas de línguas estrangeiras eram oferecidas geralmente às pessoas de
destaque social na cidade principalmente por padres e freiras que estavam de passagem na
localidade e desenvolviam trabalhos religiosos (Pinheiro, 1997).
A cidade do Assú no período em que Sinhazinha viveu foi marcada por uma
efervescência cultural com destaque para o jornalismo, a literatura, com a poesia e a prosa, e
às artes, com o teatro e a música.
Essas manifestações começaram a ganhar ênfase na segunda metade do século XIX
com o início da publicação de diversos jornais que abriram o cenário da vida literária na
cidade. Sob a responsabilidade de João Carlos Wanderley, o jornal O Assuense foi o
primeiro periódico a circular no Assú, em 1867. A partir daí vieram diversos outros
periódicos considerados de grande, médio e pequeno porte, alguns com vida efêmera e
outros com um período de existência mais demorado que destacavam em suas páginas temas
e assuntos variados como política, moral, notícias, críticas, humor, educação, literatura,
poesia, comércio e religião, entre outros.
A produção poética se desenvolveu a partir do final do século XIX. Ferreira (1999),
destaca que a cidade do Assú teve realce no panorama da cultura e literatura potiguar como
uma das detentoras de maior número de poetas, recebendo, assim, o epíteto de Cidade dos
poetas. As produções locais apresentavam estilos diversificados, com temas satíricos,
românticos, modernos, cívicos, populares e regionais, evidenciando ainda as paisagens do
Vale do Açu e registrando aspectos históricos e o amor à terra9.
A família do médico Luiz Carlos Lins Wanderley apresentou contribuições
significativas para o desenvolvimento da arte poética na cidade do Assú por meio das
produções do próprio médico e de seus filhos Segundo Wanderley, Ezequiel Wanderley,
Celestino Wanderley e Maria Carolina Wanderley Caldas (Sinhazinha Wanderley).
Paralelo ao desenvolvimento da literatura assuense, destacamos também o teatro com
a presença de diversas sociedades dramáticas como a Sociedade Recreio Familiar (1884), a
Sociedade Recreio Dramático Juvenil Assuense (1891), a Fênix Dramática Assuense (1902)
e o Clube Dramático Arthur Azevedo (1912). As expressões artísticas dessas agremiações,
que contavam com musicais, dramas e comédias, eram representadas e escritas pelos filhos
da terra e foram encenadas nos espaços teatrais da cidade, como o Teatro São José, Teatro
São João, Teatro Alhambra e Cine Teatro Pedro Amorim (AMORIM, 1972).
A convivência que Sinhazinha manteve com essas práticas culturais desenvolvidas na
cidade despertou nela uma vocação para se dedicar às artes explorando em suas produções os
aspectos locais e demonstrando grande amor por sua terra. Mesmo sendo de uma família
abastada e tendo a possibilidade de migrar para lugares mais desenvolvidos, ampliando seus
conhecimentos ou difundindo suas produções como fizeram alguns de seus parentes, ela
preferiu morar permanentemente no Assú.
9
No livro Poetas do Rio Grande do Norte, lançado em 1922, Ezequiel Wanderley reúne produções e
biografias de 107 poetas potiguares. Entre esses, 39 são de Natal, 27 do Assú, 10 de Ceará-Mirim, 6 de
Macaíba, 4 de São José de Mipibú e de Macau, 2 de Angicos e Nísia Floresta e 1 representante das
cidades de Arês, Mossoró, Caicó, Apodi, Touros, Jardim do Seridó, Canguaretama e Lajes.
Sinhazinha Wanderley participou ativamente da vida cultural da cidade por meio de
uma extensa produção que envolvia a música, com a composição de hinos religiosos e
cívicos, peças teatrais, textos para jornais e poesias, expressando a supervalorização da
religiosidade, do sentimentalismo, do nacionalismo e de um profundo amor que sentia por sua
terra. Inclusive, é de sua autoria o hino oficial da cidade do Assú:10

Qual um canto harmonioso


Das aves, pelo ramado
A minha‘alma te festeja
Meu Assú, idolatrado.

ESTRIBILHO
Torrão bendito hei de amar-te
Dentro do meu coração.
Salve, Assú estremecido,
Salve, salve ó meu sertão.

Palmeiral da minha terra


As várzeas cobrindo estás
Tu qu‘és útil pelo inverno
E pela seca ainda mais

Valoroso, florescente,
Em face dos mais sertões
Hão de erguer-te o nosso esforço
Nossos bravos corações.

Segundo Montenegro (1978, p. 71) ―com a pujança de sua inspiração e amor telúrico
ao seu Açu querido‖, Sinhazinha tornou-se uma musicóloga, escritora e poetisa de grandes
méritos ―que conseguiu perpetuar-se nas músicas que compôs, nos versos que fez. Centenas
de meninos e de fieis cantam nas escolas e nas igrejas, a sua alma poética e mística, através de
hinos religiosos e patrióticos, os mais expressivos‖.
Sinhazinha colaborou em jornais locais escrevendo textos com temas diversos e
poesias, como na Revista Paládio (1915) em que publicou os versos Recreio e A nova Escola,
ou na Revista Atualidades de 1950 em que escrevia textos variados.11 Seus escritos abordam
temas sentimentalistas, filosóficos, sociológicos, existências e decantam as belezas naturais da

10
O Hino oficial da cidade do Assú foi instituído no dia 10 de outubro de 1969 sob a Lei Municipal N°
06/69. Segundo o artigo 3° dessa Lei: ―Fica oficializado, como Hino do Município do Açu, o
composto do poema e música da saudosa poetisa e musicista açuense, Sinhazinha Wanderley‖.
11
Apesar de não ter publicado nenhum livro, a produção intelectual da professora Sinhazinha
Wanderley pode ser encontrada em diversas obras de memorialistas e escritores assuenses como
Wanderley (1965), Vasconcelos (1977), Montenegro (1978), Fonseca Filho (1984), Lopes (2011) e na
coluna Paisagens da Minha Terra que a professora escrevia semanalmente no Jornal Atualidades,
periódico que circulou na cidade do Assú durante o ano de 1950.
terra e os tipos humanos e acontecimentos do Assú, como na poesia que reproduzimos a
seguir publicada na Revista Atualidades em 26 de fevereiro de 1950 (p. 5):

Assú, Às 11 do dia

São horas de almoçar, há movimento,


Badala no Mercado, uma sinêta,
Há gente pelas ruas, na Valeta
Um pequeno tropeça e, no momento...

Um carro a buzinar, corre violento


Um preto a pedinchar uma gorgêta,
Não guarda um só centavo na gaveta,
Compra aguardente em vez de um alimento!

Há silêncio nos lares. Nos hotéis,


Engenheiros, Bancários, Coronéis,
Vão fazer sua farta refeição.

Enquanto um pobre ser, acocorado,


Tira do ―caco‖ um sebo mal torrado
E o põe a misturar-se no feijão...

Fonseca Filho (1984, p. 57), afirma que a Sinhazinha era uma amante dos versos, que
ora se mostravam tristes, ―ora jocosos. Escrevia versos para si e para os outros. Não havia um
batizado, festa de aniversário, bodas de casamento ou outro acontecimento social em que não
estivessem presentes as quadrinhas de Sinhazinha Wanderley‖.

Práticas pedagógicas: a poesia a serviço da educação

Além de uma amante da cultura, Sinhazinha Wanderley exerceu grandes contribuições na


educação da sociedade assuense. Por volta de 1908 ou 1909, já contando quase duas décadas da
implantação do governo republicano, ela manteve com recursos próprios o Externato São José. Essa
escola funcionava na sala principal de sua casa, numa mesa grande com cadeiras ao redor que serviam
de assento aos alunos. A escola funcionava sem subvenção e atendia inclusive crianças pobres dos sexos
feminino e masculino.
A proposta de ensino foi elaborada pela própria professora que enviava correspondências para
livrarias de São Paulo solicitando livros e material de ensino como cubos coloridos, alfabeto com
animais e globo terrestre. Segundo Pinheiro (1997, p. 131), nessas aulas ela distribuía lápis e caderno
para as crianças e ―tinha por hábito realizar passeios às margens do Rio Assu, ou do córrego existente
naquela cidade, onde dava aulas de Ciências e de Geografia. O percurso, durante o qual a professora e
crianças entoavam canções infantis, era feito a pé‖.
Essas práticas desenvolvidas pela professora expressam os novos métodos e as
inovações pedagógicas que estavam se difundindo por todo o Brasil com a reforma
educacional proposta pelo governo republicano, presente nos grupos escolares.
Esses espaços escolares estabeleceram um modelo emergente de modernização do
ensino primário com novas propostas e características pedagógicas, arquitetônicas,
metodológicas e profissionais totalmente diferentes das vigentes durante o período imperial.
Tinham a finalidade de substituir as escolas de primeiras letras que funcionavam nas
residências dos professores ou em outros ambientes insalubres, com métodos e material
pedagógico considerados ultrapassados e contando muitas vezes com professores com pouca
formação.
Na cidade do Assú foi instalado um grupo escolar durante a administração do
Governador Alberto Maranhão que lançou no dia 11 de agosto de 1911 o decreto n° 254
criando ―um Grupo Escolar denominado ‗Tenente Coronel José Correia‘, comprehendendo
duas escolas elementares, uma para cada sexo e uma mista infantil‖ (RIO GRANDE DO
NORTE, 1911). A inauguração do grupo escolar ocorreu no dia 07 de setembro de 1911, data
em que se comemorava a Independência do Brasil.
Na primeira turma de docentes do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia foram
empossados o professor Luiz Correia Soares de Araújo, que também assumiu a direção do
estabelecimento, as professoras Clara Carlota de Sá Leitão e Maria Carolina Wanderley
Caldas (Sinhazinha Wanderley) e o porteiro-zelador Manoel Marcolino Filho.
Clara Carlota de Sá Leitão e Sinhazinha Wanderley foram nomeadas provisoriamente
para assumir as cadeiras feminina elementar e infantil mista, respectivamente. As professoras
não tinham titulação formal na época da criação do Grupo Escolar Tenente Coronel José
Correia. Para assumirem o cargo efetivo era exigida a formação profissional do ensino
primário que deveria ser realizada num curso oferecido pela Escola Normal com um estágio
realizado no Grupo Escolar Augusto Severo, em Natal.
Em 1918 as professoras fazem o pedido de requerimento de inscrição nos exames de
admissão e enfrentaram uma longa viagem que durou três dias, a cavalo, de Assú para Taipu,
onde pegariam o trem para Natal e prestariam os exames de capacitação. As provas foram
realizadas entre os dias 10 e 14 de janeiro de 1918 por uma comissão composta pelos
professores Ivo Cavalcante, Cônego Estevam Dantas, Theódulo Câmara, Tavares Guerreiro e
Luiz Correia Soares de Araújo, antigo colega de trabalho das professoras. Maria Carolina
Wanderley Caldas e Clara Carlota de Sá Leitão receberam seus títulos de professoras
primárias e permaneceram no grupo escolar do Assú até meados da década de 1950.
Em entrevista cedida para Rosanália de Sá Leitão Pinheiro (1997, p. 150), Clarice de
Sá Leitão Soares, que iniciou o curso primário no Grupo Escolar Tenente Coronel José
Correia, apresenta o seguinte depoimento:

O primeiro ano infantil era a classe da alegria. Ali cantava-se,


declamava-se. Fazia-se calistênica12, marchas e evoluções na própria
classe. Ninguém sentia-se cansado. Relembrando tudo isso ainda sinto
saudades, até a emoção. Ao início da aula cantávamos:
Deixemos os brinquedos vamos estudar
O mestre é nosso amigo, a escola outro lar
Atentos pois ouçamos dos mestres as lições
Que ilustram nossa mente
Que nos tornam bons.

O término era com canto também:


Até amanhã escola
Com saudades te deixamos
Na certeza que consola
Que bem cedo voltaremos

Depois de estudarmos tanto


Como é grato repousar
No amparo amigo e santo
Da sombra amável do lar.

Aluna de Sinhazinha Wanderley no grupo escolar, Clarice de Sá Leitão Soares


relembra que a professora ―era o protótipo da educadora‖, pois dava sempre ―aulas
maravilhosas! Era a escola da vida e a pedagogia do amor‖. Sobre o material didático
utilizado em sala, Clarice também informa que ―Havia na classe mapas de linguagem, de
matemática, representado por bolinhas, para ensinar a contar‖ (PINHEIRO, 1997, p. 150).
Também era recorrente no Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia o
desenvolvimento de atividades culturais e literárias incentivadas por alguns dos professores,
12
A calistênica sueca fazia parte das práticas de ginástica que eram desenvolvidas nos grupos
escolares. Era realizada geralmente na própria sala de aula, entre as carteiras, e consistia em
movimentos regulares de cabeça, tronco e membros e evoluções entre as carteiras. Essa prática era
proposta pelo Departamento de Educação com a finalidade de auxiliar e regular o desenvolvimento
do corpo e repousar o espírito dos educandos. Estava em consonância com o ensino proposto pelo
governo republicano, com o objetivo de desenvolver as condições físico-psicológicas e despertar os
aspectos intelectuais, morais e físicos dos alunos. Até mesmo o uso dos cantos, que ocorriam no
início e fim das aulas e no percurso dos passeios escolares, também fazia parte das práticas
recomendadas pelo Departamento de Educação, além dos intervalos para recreio que deveriam ser de
meia hora, interrompendo as quatro horas de aulas diárias.
entre eles, Sinhazinha Wanderley. A professora fazia parte de uma geração de intelectuais, em
sua maioria descendentes de famílias representantes de oligarquias locais, que assumiram
posições importantes no contexto cultural, literário e educacional da cidade do Assú. Essa
realidade se torna importante porque, segundo Faria Filho (2014, p. 17) ―a cidade, descoberta
nos itinerários da escola, impõe-se, mais tarde, como objeto de pesquisa, quando o percurso se
transforma e a tarefa significa reconstruir a trajetória da escola nas trilhas da cidade‖.
O uso da poesia e da literatura durante as aulas, prática constante da professora
Sinhazinha Wanderley, estava em consonância com o Departamento de Educação que
orientava o uso e a declamação de poesias e prosas durante as aulas de língua materna. De
acordo com Clarice de Sá Leitão (PINHEIRO, 1997, p. 151), a professora dava ―poesias,
versinhos, muitos dos quais ela própria fazia para aprendermos. Na hora da declamação ela
chamava cada aluno que tinha que vir a mesa da professora ao lado, e declamar em frente aos
colegas‖.
Esse recurso do uso das poesias em sala e a importância do ato de declamar, que
relacionam ao mesmo tempo a escrita e a oralidade, nos remete a Frago (1993, p. 21). Para o
autor ―justamente porque a linguagem é um fenômeno oral, porque o homem é um ser que
fala – que pensa com a fala e que fala quando e como pensa -, [...] a alfabetização e a
oralidade não devem ser dissociadas‖, pois, opor esses dois elementos essências que
participam tanto do processo de escolarização quanto social, supõe ―um empobrecimento de
ambas‖.
Contudo, Souza (1998, p. 202) afirma que no universo dos grupos escolares, em que as
poesias também estavam voltadas para as propostas de civilidade do ideário republicano, o
professor ―deveria ter escrupuloso cuidado na escolha dos trechos de poesias, a fim de que
não se caísse em certos preceitos pouco próprios à elevação de bons sentimentos‖. Aqui,
também é possível estabelecer relações com as funções escolares e sociais apontadas por
Frago (1993, p. 27), pois no processo de alfabetização os textos ou questões não devem ser
objetos ―de ensino de um modo isolado, separado ou sem relação com a vida e cultura‖ do
alfabetizando. O ato de ―alfabetizar não é só ler, escrever e falar sem uma prática cultural e
comunicativa, uma política cultural determinada‖.
Assim, entendemos que elementos como a poesia e a prosa, utilizadas por Sinhazinha
Wanderley em suas aulas, não exercem funções neutras no contexto educacional. São
atividades que se cruzam e se produzem mutuamente entre as normas da escola e as
necessidades da sociedade.
Dessa interação também surge uma forma diferente de aprendizagem no cotidiano
escolar. Segundo Magalhães (2004, p. 32):

A ação educativa, em síntese, integra um sujeito, um agente, um


argumento, os meios adequados e desenvolve-se num determinado
contexto, com vista a um fim. A educação é constructo que resulta da
interação destes elementos e destes fatores por apropriação do sujeito;
é relação e relacionamento.
Em termos educacionais, não há uma transmissão e uma assimilação
lineares, mas da interação entre os intervenientes e da (re)construção
do argumento cultural que serve de texto e de prática à ação educativa
resulta um (novo) produto e todos os intervenientes são afetados, quer
pela ação, quer pelo seu resultado e reflexão, como revela a evolução
semântica do vocábulo aprendizagem.

Os intervenientes são os agentes e sujeitos citados pelo próprio Magalhães (2004),


que participam efetivamente das instituições educativas e agem no sentido de atingir seus
intentos, demonstrando ser necessário inferir os propósitos, as perspectivas, as formas de
realização e participação e os itinerários escolares e extraescolares.
É importante salientar que a educação e o despertar do gosto para o belo exige uma
atmosfera iluminada e o próprio exemplo do envolvimento dos professores com esse
universo. De acordo com Veiga (2003, p. 411), ―Somente num espaço que combine razão e
sensibilidade é possível a consolidação das práticas pedagógicas destinadas à educação do
gosto e formação do novo cidadão‖.
Dessa forma, os mestres deveriam apresentar gosto artístico e literário, sentimento,
expressão e o envolvimento com o canto. Sinhazinha Wanderley, por circular por todos esses
elementos na cidade do Assú, apresentava condições indispensáveis para influenciar esses
hábitos nos seus alunos.
Alguns deles tornaram-se poetas por influência da convivência com a professora,
como é o caso de Rômulo Chaves Wanderley, que nasceu no Assú em 1910. Amorim (1965,
p. 82) informa que Rômulo foi aluno do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia e fez,
―com notas distintas, todo o curso primário e o complementar, já publicava sonetos e poemas
n‘A Cidade e no Jornal do Sertão, para o qual escreveu as primeiras crônicas, revelando
sempre acentuado amor as letras‖. Mudando-se para Natal, Rômulo atuou nos jornais A
República, Diário de Natal, A Notícia e Tribuna do Norte. Como jornalista nato foi um dos
fundadores da Associação Norte-Rio-grandense de Imprensa e publicou alguns trabalhos13.
Sua obra mais famosa é o poema Canção da Terra dos Carnaubais, registrado em livro
com o mesmo nome no ano de 1965. Rômulo dedicou-o à professora Sinhazinha Wanderley,
que ―no Grupo Escolar Tte. Cel. José Correia, muito procurou ensinar-me, tendo, como
recompensa, modestamente, a minha gratidão e o que consegui aprender‖ (WANDERLEY,
1965, p. 4).
João de Oliveira Fonseca também iniciou os estudos no Grupo Escolar Tenente
Coronel José Correia a partir de 1924, onde teve seu primeiro contato com o mundo das
letras. Sua primeira mestra foi a professora Sinhazinha Wanderley. Em coletânea sobre poetas
do Assú, Lopes (2011) afirma que João de Oliveira Fonseca ―deve sua tendência para poesia
(além de ter nascido na Terra dos Poetas), à sua primeira professora, poetisa Sinhazinha
Wanderley‖.
Em um trabalho em que registra a importância do teatro no Assú e evidencia essa
atividade cultural e artística tão aclamada no passado da cidade, Amorim (1972, p. 20) destaca
que o Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia ―no louvável proposito de estimular os
seus frequentadores nos domínios da literatura e da arte, desde seu início, sempre promoveu
festividades cívicas, cuja programação não era indiferente à arte de representar‖,
demonstrando que essa prática também contribuía ―para o aprimoramento intelectual, moral e
cívico, espiritual e educacional dos moços do Assú, de vez que o treinamento da ribalta
equivale, não apenas a um recreamento do espírito, mas, sobretudo, ao desenvolvimento
educativo‖.
Veiga (2003, p. 413) também afirma que educar os sentidos e torná-los ativos por
meio de práticas como o desenho, a música, o teatro, a dança, entre outras, é:

[...] o objetivo fundamental da educação estética na formação integral


da criança. É necessário, para isso, o exercício efetivo das práticas
artísticas na escola, seja na decoração da sala de aula, na execução de
programas didáticos, na realização de exposições, nas apresentações
em festas, na comemoração das datas nacionais.

Como grande entusiasta da prática teatral a serviço da pedagogia no Grupo Escolar


Tenente Coronel José Correia, Sinhazinha Wanderley escreveu peças didáticas, incentivando

13
Rômulo Chaves Wanderley publicou os seguintes livros: Uma tempestade num copo d‘água (1951),
Arca de Noé (1952), Panorama da poesia norte-rio-grandense (1965), Canção da Terra dos
Carnaubais (1965) e A geografia potiguar na sensibilidade dos poetas (1984).
a criação de elencos formados por seus alunos. Entre essas encenações, destaca-se o texto A
professora de aldeia. Segundo Pinheiro (1997, p. 154), este drama escolar disposto em três
atos foi ensaiado e apresentado pelos alunos do grupo escolar e:

mostra a dinâmica de uma escola da zona rural, daquela época, onde


uma professora recém-formada, descendente de uma família abastada,
que passou a ser arrimo de família, expressa seus receios e ansiedades,
ante a profissão do magistério, no momento em que assume, como
professora, uma classe‖.

O talento da professora Sinhazinha Wanderley para os textos teatrais também é


exaltado por Amorim (1972, p. 23). Segundo o memorialista, no dia 1° de dezembro de 1912,
quando estava encerrando as atividades escolares:

os alunos levaram à cena, em palco adrede preparado, duas


composições da talentosa professora Sinhazinha Wanderley,
denominada ‗A Taba Assú‘ e ‗A Reforma da Instrução‘, que
conquistaram francos aplausos, não só pelo bom desempenho dado,
como pela inteligente elaboração das peças‖.

De acordo com Pinheiro (1997, p. 158), a peça Taba Assú abordava questões da
história da cidade do Assú e ―retratava de forma heroica a atitude do índio frente aos perigos
da dominação dos colonizadores‖.
Os temas dos dois textos escritos pela professora expressam situações cotidianas e
históricas mostrando que a arte também é uma ferramenta importante para refletir sobre temas
mais amplos até mesmo nos espaços de escolarização. Nesse sentido, Veiga (2003, p. 415)
afirma que ―o belo e o sublime perfilam como novas emoções estéticas apresentadas à
população e para o seu desenvolvimento a escola é chamada‖.
Sinhazinha Wanderley continuou exercendo funções no magistério na cidade do Assú
até o ano de 1950. Sua aposentadoria foi publicada no dia 15 de setembro de 1950. Segundo
nota da Revista Atualidades (1950, p. 9), nessa data o Legislativo local concedeu pensão ―no
valor de Cr$ 1.800,00, anuais, a cada um dos professores Maria Carolina Wanderley Caldas e
Manuel Candido Antunes Bezerra a começar de 1° de Agosto do corrente ano‖ abrindo
crédito especial necessário para o pagamento da pensão.
Maria Carolina Wanderley Caldas faleceu na cidade do Assú no dia 20 de setembro de
1954. Segundo Pinheiro (1997, p. 95):
O seu enterro aconteceu de forma simples e humilde, sem as pompas e
honras como é costume no Assú, em enterros de pessoas dos setores
dominantes da sociedade. No cemitério, apenas o comovido discurso
do ex-aluno Francisco Amorim – Chisquito, evocando a velha e
querida professora.

Contudo, uma transcrição do livro de registros do Instituto Padre Ibiapina deixa


entrever a importancia que a professora ainda exercia na cidade do Assú:

Dia 21 (às 11 horas da noite de 20) faleceu a professora Maria


Carolina Wanderley Caldas (Sinhazinha) poetisa, musicista,
antiguíssima professora de Açu. O prefeito deu luto oficial de 3 dias.
Essa professora fez sua última poesia para uma aluna do Instituto
recitar no dia 7 de setembro. Discutimos se o luto oficial se referia a 3
dias sem aulas....e resolvemos (a Diretoria do Instituto) dar 3 dias sem
aula por ser ela (a professora falecida) benfeitora do Instituto (LIMA,
2002, p. 341).

Conclusão

Por meio deste trabalho procuramos reconstruir e analisar as práticas culturais e


pedagógicas desenvolvidas pela professora Maria Carolina Wanderley Caldas, Sinhazinha
Wanderley, e a importância dessas práticas para a cidade do Assú.
A professora passou toda a sua vida nesta cidade do interior do Rio Grande do Norte e
se dedicou integralmente aos aspectos culturais e literários da cidade compondo hinos
religiosos e cívicos, participando de festividades e celebrações, produzindo textos para jornais
e poesias e versos. Sua atuação literária é significativa e importante, pois abrange aspectos
dos tipos e da natureza da cidade do Assú de sua época, possibilitando uma compreensão do
desenvolvimento local e um recorte da importância dos aspectos culturais e literários que
circulavam na cidade.
Compreender a participação efetiva de Sinhazinha na produção cultural e literária local
nas primeiras décadas do século XX também é significativo pois observamos que ela era uma
das únicas mulheres que tinha um acesso à produção dessas práticas numa época em que esse
espaço contava com uma participação expressiva de homens.
Sinhazinha também atuou no magistério na cidade do Assú por quase 40 anos. Toda
uma geração de assuenses recebeu os ensinamentos da professora, que iniciou suas atividades
no Externato São José, escola que funcionava em sua residência, onde ela já aplicava métodos
pedagógicos modernos e inovadores.
Posteriormente, com a implantação do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia a
professora passa a fazer parte da primeira turma de docentes e suas práticas pedagógicas
também estão permeadas de aspectos culturais e literários. No grupo escolar, ela se utilizava
de poesias e versos para ensinar aos seus alunos, cantava e realizava passeios e participava de
festivais escrevendo peças e dramatizações teatrais para serem apresentadas pelos próprios
alunos.
A entronização dessas práticas lúdicas e artísticas no espaço educacional demonstram
que a professora era uma mulher que estava em sintonia com os aspectos culturais que
circulavam na cidade do Assú e se preocupava com a participação de seus alunos nesse
universo. Inclusive, alguns deles participaram da produção literária da cidade por influência
da própria professora.

REFERÊNCIAS

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Imprensa, 1965.

______. História do teatro no Assú. Rio de Janeiro: Serviço Nacional do Teatro, 1972.

FARIA FILHO, Luciano mendes. Dos pardieiros aos palácios: forma e cultura escolar em
Belo Horizonte (1906-1918). Uberlândia: EDUFU, 2014.

FERREIRA, Cláudia Maria Felício. A poesia de Renato Caldas e sua dimensão educativa.
Dissertação (Mestrado em Educação). Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
1999.

FONSECA FILHO, Ezequiel. Poetas e boêmios do Açu. Natal, RN: Editora Clima, 1984.

FRAGO, Antonio Viñao. Alfabetização na sociedade e na história: vozes, palavras e textos.


Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

LIMA, Auricéia Antunes. História da Paróquia do Assú. Assú: Coleção Assuense.


Dezembro, 2002.

LOPES, Gilvan (Org.). Coleção assuense de literatura. Natal: Sebo Vermelho, 2011.

MAGALHÃES, Justino Pereira. Tecendo nexos: história das instituições educativas.


Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2004.

MONTENEGRO, Maria Eugênia Maceira. Lembranças e tradições do Açu. Fundação José


Augusto, Natal-RN, 1978.
PINHEIRO, Rosanália de Sá Leitão. Sinhazinha Wanderley: o cotidiano de Assú em prosa e
verso (1876-1954). Tese (Doutorado em Educação). Natal: Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. 1997.

REVISTA ATUALIDADES. Ano I, Assú, 1950.

RIO GRANDE DO NORTE. Decreto n° 254, de 11 de agosto de 1911. Cria na cidade do


Assú o Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia. Palácio do Governo do Estado do Rio
Grande do Norte, Natal, 11 de agosto de 1911.

SOUZA, Rosa Fátima de. Templos de civilização: a implantação da escola primária


graduada no Estado de São Paulo (1890-1910). São Paulo: Editora Unesp, 1998.

VEIGA, Cynthia Greive. Educação estética para o povo. In: In: FARIA FILHO, Luciano
Mendes de; LOPES, Eliane Marta Teixeira; VEIGA, Cynthia Greive Veiga. 500 anos de
educação no Brasil. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

WANDERLEY, Romulo Chaves. Canção da Terra dos Carnaubais. Natal: Departamento


Estadual de Imprensa, 1965.
O DESAFIO DA COEDUCAÇÃO DE GÊNERO NA ESCOLA: UMA
ANÁLISE ACERCA DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS

Rubem Viana de Carvalho


Graduando em Pedagogia (UFPE – CAA). E-mail: psirubemviana@gmail.com
Ana Rinêuda Targino Alves
Graduanda em Pedagogia (UFPE – CAA). E-mail: anaalveslacerda@gmail.com

A presente pesquisa lança-se na discussão da coeducação de gênero na sala de aula, analisada


a partir das práticas pedagógicas do professor/a do quinto ano do ensino fundamental. Para
compreendermos como é tratada as questões de gênero na educação básica, por acreditarmos
que a educação é um dispositivo importante no enfrentamento as desigualdades de gênero.
Para darmos conta dessa discussão temos como objetivo geral: Analisar como é tratada a
coeducação de gênero nas práticas pedagógicas em sala de aula do Ensino Fundamental I.
Quanto ao método epistemológico, optamos pela pesquisa qualitativa do tipo etnográfico e
para análise dos dados, utilizamos a Análise de Conteúdo. Nos resultados retomaremos os
objetivos específicos ao realizarmos esclarecimentos acerca de cada um deles aproximando
teoria e campo. Por fim, os resultados apontam para a inexistência da coeducação como
prática pedagógica consolidada, no entanto, foi verificado a existência de práticas
coeducativas isoladas ou momentos coeducativos parcialmente politizados nas relações
professor/a/aluno/a.

Palavras-Chave: Educação, Coeducação, Gênero, Práticas Pedagógicas.

Introdução
Desde o surgimento das primeiras experiências escolares na antiguidade, a escola
enquanto instituição social que se prepõe a formação dos sujeitos foi historicamente marcada
pelas desigualdades entre meninos e meninas, desigualdades essas, muitas vezes justificadas
pela diferença dos sexos, discurso que ganhou ainda mais força na idade média com o
monopólio educacional da igreja católica. Assim, por muito tempo, meninas não puderam
frequentar o espaço escolar, ou tiveram uma educação diferente da destinada aos meninos,
pensada para a esfera privada da vida social, por serem consideradas o ―segundo sexo‖, o sexo
que devia ser educado para a família, que deveria assegurar através do casamento filhos a
sociedade. O exercício do pensamento crítico e o ensino para a profissionalização era
destinada aos meninos (ALMEIDA, 2007a, 2007b, 2015).
Desta forma, a escola é historicamente marcada pelas desigualdades de gênero, que
ainda estão presentes em muitas práticas pedagógicas dos espaços escolares contemporâneos
como nos traz Louro (1997), desigualdades que segrega e exclui sujeitos, considerados
diferentes ou desviantes da norma padrão, a mulher, o negro, o homossexual, o transexual
entre outros. No entanto, alguns esforços têm sido tomados para diminuir as desigualdades de
gênero na escola, a partir de olhares que vêm problematizando as práticas pedagógicas, como
é o caso da coeducação defendida por Daniela Auad (2006). Esses novos olhares para as
políticas escolares e para as práticas pedagógicas voltados para as relações de gênero surgiram
com o movimento feminista do final século XIX, através de reivindicações das mulheres ao
sufrágio e por igualdade educacional para meninos e meninas por meio de uma educação
indiferenciada para ambos os sexos, dando surgimento as escolas mistas.
No entanto, a escola mista que hoje temos no Brasil, se revela falha, no que se refere a
educação para a igualdade de gênero, pois a simples mistura entre meninos e meninas não é
suficiente para diminuir as desigualdades de gênero, pois são fruto de uma estrutura social
complexa e histórica, que influencia as relações e práticas pedagógicas, como nos mostra
Auad (2006). Assim, a escola ainda hoje ―fabrica‖ corpos desiguais como afirma Louro
(1997), essa autora, contribui a essa discussão ao afirmar e problematizar que os espaços
escolares são marcados pelas relações de gênero, relações essas que são desiguais, e que
implicam em relações históricas de poder, desta forma, a partir dessa assertiva é possível
apontarmos que a escola contemporânea ainda é sexista e excludente.
Não obstante, ainda com todas essas dificuldades, a escola é um espaço no interior do
qual podem ser construídos novos padrões de aprendizado, convivência, produção e
transmissão de conhecimento, sobretudo se ali valores, crenças, representações e práticas
associadas a preconceitos discriminações e violências de ordem racista, sexista, misógina e
homofóbica forem levados à discussão crítica e política conforme a realidade de cada espaço
escolar.
É diante deste contexto escolar, que aponta para a necessidade de novas práticas
emancipadoras e democráticas que lançamos a seguinte questão provocadora: Como é
tratada a coeducação de gênero nas práticas pedagógicas dos/as docentes do Ensino
Fundamental I? Para podermos refletir sobre como é tratada as relações de gênero na
educação básica a partir das práticas pedagógicas, por acreditarmos que a educação é um
dispositivo importante no enfrentamento as desigualdades de gênero, mesmo sabendo que o
caminho de melhoramento das desigualdades que existem na escola é um processo que deve
envolver leis e medidas que articulem todas as esferas da sociedade, da administração pública
aos docentes em sala de aula. Assim, lançamos aqui mais um olhar sobre as relações de
gênero que se estabelecem nas práticas pedagógicas escolares, apontando a coeducação como
possibilidade de prática pedagógica emancipadora, com o intuito de levantar reflexões e
propor alternativas as práticas pedagógicas tradicionais vigentes.
Nesse exercício de pesquisa, temos como objetivo geral: Analisar o tratamento dado a
coeducação de gênero nas práticas pedagógicas dos/as docentes do Ensino Fundamental I. E
como objetivos específicos: Identificar a existência (ou não) da coeducação na prática
pedagógica mediada pelo/a docente em sala de aula; Compreender as principais questões
relativas a gênero que perpassam as práticas pedagógicas na relação professor/a-aluno/a em
sala de aula.
Partimos do pressuposto central de que, embora as escolas públicas brasileiras sejam
mistas, a coeducação parece ser inexistente na sua totalidade enquanto prática pedagógica
escolar, política e democrática, ancoramos essa hipótese na extensa pesquisa de doutoramento
de Daniela Auad (2004), que posteriormente tornou-se livro, na qual, ela aponta a incipiência
da coeducação nas escolas brasileiras. No entanto, pressupomos também, a possibilidade de
existência na escola de práticas coeducativas isoladas, ou ainda, da possibilidade de existência
de momentos coeducativos não totalmente politizados, já que as práticas pedagógicas são
diversas e cada instituição de ensino tem suas próprias práticas que são reflexo do espaço
formativo, histórico e cultural onde a escola está inserida.

Caminho Metodológico
A fim de construir um novo conhecimento e lançar novas discussões, compreendemos a
intersecção entre a teoria é a prática como elementos fundamentais para o exercício
epistemológico. Assim, pautamos nossa pesquisa numa perspectiva qualitativa, por
acreditarmos que, desta forma, a riqueza sociológica e pedagógica dos fenômenos terá seu
conteúdo preservado. Segundo Minayo (2007, p.21) ―a pesquisa qualitativa responde a
questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade
que não pode ser quantificado‖. Aprofundando-se no mundo dos significados das ações e
relações humanas, num vértice não perceptível e captável em equações, médias e estatísticas.
Nosso campo/tema é a coeducação enquanto prática pedagógica, desta forma, nosso
estudo está delimitado enquanto campo a uma escola pública municipal da cidade de Caruaru
no Agreste Pernambucano. Os sujeitos da pesquisa são dois professores que dividem as
disciplinas do quinto ano do ensino fundamental, na escola escolhida, um professor que
daremos o nome de P1, e uma professora, que daremos o nome de P2, por motivos éticos a
fim de preservar suas identidades na discussão dos dados, a turma de quinto ano escolhida
para pesquisa possui 40 alunos, sendo 17 meninas e 23 meninos.
No que tange ao método epistemológico, nossa pesquisa é do tipo etnográfico realizada
num período de cinco meses, segundo André (2011, p.30), ―esse tipo de pesquisa visa a
descoberta de novos conceitos, novas relações, novas formas de entendimento da realidade‖.
Desta forma, é possível documentar na descrição o que normalmente não é documentado,
levantando e categorizando os fenômenos que perpassam o dia a dia da realidade escolar,
assim esse tipo de pesquisa no contexto escolar:

―Permite, pois, que se chegue bem perto da escola para tentar entender como
operam no seu dia a dia os mecanismos de dominação e resistência, de
opressão e de contestação ao mesmo tempo em que são reelaborados
conhecimentos, atitudes, valores, modos de ver e de sentir a realidade e o
mundo‖ (ANDRÉ, 2011, p. 41).

Para André (2011), uma pesquisa em educação é caracterizada como do tipo etnográfico
quando faz uso de técnicas que tradicionalmente são utilizadas na etnografia como: a
observação participante, entrevista intensiva e a análise de documentos, e quando a ênfase da
pesquisa está no processo, no que está acontecendo em campo, e não nos resultados finais.
Na fase de tratamento dos dados utilizaremos a Análise de Conteúdo por acreditar que
essa técnica metodológica, traduz melhor os significados dos fenômenos obtidos na pesquisa
do tipo etnográfico. Para Bardin (1977) "A análise de conteúdo pode ser considerada como
um conjunto de técnicas de análise de comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e
objetivos de descrição do conteúdo das mensagens" (p. 38). Assim, o significado de um
objeto ou fenômeno pode ser compreendido e categorizado pelas suas significações a partir da
inferência

A Coeducação das relações de gênero na escola: para além das “misturas” entre
meninos e meninas
O movimento feminista Americano e Europeu trouxeram inúmeras contribuições a
nossa sociedade quando reivindicaram e subverteram o lugar da mulher na sociedade
patriarcal. No âmbito da educação não foi diferente, excluídas por séculos da escolaridade,
por serem impedidas de frequentar a escola, que era destinada aos homens, as mulheres desse
movimento, engajaram-se na luta por direitos educacionais de igualdade de gênero. As
feministas consideravam que a melhor forma de se obter igualdade entre os sexos era através
da educação indiferenciada para ambos os sexos, que seria concretizado na escola mista
através da coeducação das relações de gênero (ALMEIDA, 2007a, 2007b, 2015).
No Brasil, por muito tempo a coeducação foi repudiada pela igreja católica que possuía
motivos de ordem cultural/moral e principalmente religiosa, motivos esses, que sempre
recaiam em forma de restrições sobre a mulher, que devia ser educada para a esfera privada,
para ser uma boa esposa, uma boa mãe e boa dona de casa. A educação igual para ambos os
sexos significaria para a igreja católica, uma ameaça para as famílias, assim a
profissionalização feminina, a concessão de direitos civis como o voto e a inserção na política
eram combatidos por serem considerados fatores de desestabilização social, pois de acordo
com Almeida (2007a, p.71) para a igreja:

[...] as leis naturais tinham estabelecido o lugar da mulher no lar e o dos


homens na vida pública. Juntar dois seres tão diversos e com destinação tão
diferente se constituía uma inobservância das leis divinas e da natureza.
Subverter essa ordem seria desobedecer a Deus. [...]

Desta forma para a igreja católica brasileira do final do século XIX o ensino na
coeducação significaria uma ameaça a sociedade, a moral e aos bons costumes e poderia
desvirtuar as mulheres de sua função social preestabelecida pela igreja, calcada sob princípios
biológicos e fundamentalmente religiosos.
Segundo Almeida (2007a, 2007b, 2015), as ideias de escolas coeducativas entram no
Brasil através dos missionários protestantes Norte Americanos por volta de 1870, que
possuíam ideias democráticas de liberdade, que movidos por interesses econômicos
compactuavam com as ideias feministas de igualdade educacionais sem distinção de gênero.
No entanto, as escolas mistas se proliferaram no Brasil, muito mais pelas condições
socioeconômicas em que o país se encontrava, já que custavam menos aos cofres público, do
que, por uma ideologia de igualdade. Auad (2006), ressalta sobre essa discussão que o projeto
inicial de coeducação no Brasil falhou, pois o que de fato foi implantado no país, foi um
modelo de escolas mistas, o projeto de coeducação feminista de equidade de gênero foi
suprimido pelo sistema.
A partir da ―segunda onda‖ o movimento feminista, ganha ainda mais força, no que se
refere aos direitos da mulher, em meados de 1960, surge a teorização da problemática do
conceito gênero no movimento, que agora, se volta para o campo acadêmico, propondo a
teorização das questões relativas ao sujeito mulher na sociedade, para além da militância
política que existia nas ruas, que surgiu no século XIX com o sufrágio, movimento que
propunha a legalidade do direito da mulher ao voto (LOURO, 1997). As estudiosas feministas
denunciam então, o ocultamento da mulher na esfera pública e acadêmica, com estudos que
tinha por objetivo tornar visível o sujeito mulher que historicamente esteve restrito a esfera
privada, estes estudos, então, dão voz aquelas que eram sumariamente silenciadas pela norma
masculina.
Estes estudos questionam principalmente o determinismo biológico que sustentava a
tese de que por serem sexualmente diferentes homens e mulheres teriam posições sociais
diferentes, utilizada por séculos para justificar a desigualdade social entre homens e mulheres.
Assim, os estudos vêm demostrar que não são as características sexuais, mas o que se fala ou
se pensa sobre elas, que vai construir o que é masculino ou feminino em uma sociedade e em
um tempo histórico. O debate vai se construir sobre uma nova análise onde gênero passa a ser
o conceito central da discussão, conceito esse que passa a incluir também as questões do
homem, e das masculinidades (LOURO, 1997).
Dentre as múltiplas marcas que a cultura impõe sobre os corpos, Butler (1990), destaca
o gênero como a inscrição primeira, inauguradora do processo de subjetivação, para a utora:

No lugar de uma identificação original a servir como causa determinante, a


identidade de gênero pode ser preconcebida como uma história
pessoal/cultural de significados recebidos, sujeitos a um conjunto de práticas
imitativas que se referem lateralmente a outras imitações e que, em conjunto,
constroem a ilusão de um eu de gênero primário e interno marcado pelo
gênero, ou parodiam o mecanismo dessa construção (p. 197)

Nesse sentido, a identidade de gênero se forma pelo aprendizado cultural de


significados performativos de modelos fornecidos pela cultura. Sendo assim, a biologia não
define o humano, pois este se mostra necessariamente plástico e consequentemente múltiplo
(BUTLER, 1990). Não obstante, as relações dicotômicas não são suficientes para
compreender as relações de gênero, é preciso observar também que estas relações, que são
sociais e históricas, constituem e são constitutivas dos gêneros e implicam em relações de
poder. Assim, Louro (1997, p.41) afirma que: ―os gêneros se produzem, portanto, nas e pelas
relações de poder. ‖ É no interior das redes de poder que são instituídas e nomeadas as
diferenças e desigualdades.
É a partir da intersecção entre a luta feminista acadêmica e política das relações de
gênero que surge os conceitos contemporâneos de coeducação. Almeida (2007a), conceitua
pedagogicamente coeducação como sendo:

Na terminologia pedagógica, coeducar se refere ao ato educativo no qual


ambos os sexos aprendem na mesma escola, na mesma classe, nas mesmas
horas e utilizando-se os mesmos métodos, as mesmas disciplinas e com os
mesmos professores, todos sob uma direção comum [...] (p. 64).

E ainda para a autora a coeducação acontece de fato quando: ―é colocada a exigência de


cooperação entre os sexos em todas as atividades escolares e se impõe a necessidade de
respeito à individualidade pessoal e sexual de cada educando, o que é também o pressuposto
básico da ação educativa‖ (p. 64). Nessa visão, se estabelece o princípio de igualdade na
diferença, não havendo diferenciação de qualquer natureza entre meninos e meninas. Nessa
perspectiva, para Joan Scott (1990), a igualdade enquanto conceito político pressupõe a
diferença, pois não há sentido em reivindicar igualdade para sujeitos que são idênticos.
Para a autora Daniela Auad (2006), a coeducação ganha um aspecto mais amplo se
configurando como política educacional democrática, que prevê medidas de inter-relações
entre gênero em diversos espaços educativos incluindo a escola:

A um modo de gerenciar as relações de gênero na escola, de maneira a


questionar e reconstruir as ideias sobre o feminino e sobre o masculino.
Trata-se de uma política educacional, que prevê um conjunto de medidas e
ações a serem implementadas nos sistemas de ensino, nas unidades
escolares, nos afazeres das salas de aulas e nos jogos e nas brincadeiras dos
pátios (AUAD, 2006, p. 79).

Auad (2006), faz também, uma diferenciação entre escolas mistas e coeducação pois
para a autora, além dos meninos e meninas, estarem ―misturados‖ realizando as mesmas
atividades de forma que as diferenças sejam respeitadas, é necessário que as oposições
históricas sobre o lugar da mulher e do feminino e do homem e do masculino na sociedade, e
as relações de gênero que também compreendem, relações de poder, sejam questionados na
escola e que as práticas pedagógicas tenham um sentido definido.
A escola ocidental da sociedade capitalista que nos formou e continua a formar, é
historicamente marcada pelas distinções e desigualdades, pois através de seus rituais,
símbolos e códigos historicamente construídos a escola aponta o que deverá ser modelo para
que os sujeitos se reconheçam, ou não, nesses modelos. A escola então, institui múltiplos
sentidos além de marcar desigualdades, pois para a autora citada o modo como a escola
distingue meninos e meninas, apontando o que é correto para um e errado para outro a partir
de suas práticas, produz o corpo escolarizado14. Deste modo, gestos, olhares, movimentos e

14
Termo usado pela autora Guacira Louro no livro: Gênero Sexualidade e Educação: uma análise pós-
estruturalista em 1997, para designar as marcas que a escola produz nos corpos dos sujeitos.
discursos são produzidos no espaço escolar e incorporados ao movimento diário da escola,
por meninos e meninas, tornando-se parte de seus corpos (LOURO, 1997).
Desta forma para Louro (1997), se admitirmos que a escola não só transmite
conhecimentos como também ―fabrica‖ sujeitos, produzindo identidades sociais, temos que
reconhecer que essas identidades são formadas a partir de relações de desigualdade. Assim ao
perceber esse contexto social e histórico, o qual a escola está inserida, encontramos
justificativas para poder intervir na continuidade dessas desigualdades.
A pedagogia feminista, que é uma das pedagogias que vem a influenciar a coeducação,
pode ser pensada como um novo modelo que possa vir a contribuir com o enfrentamento as
desigualdades de gênero na escola, nas palavras de Louro (1997), a pedagogia feminista:

vai propor um conjunto de estratégias, procedimentos e disposições que


devem romper com as relações hierárquicas presentes nas salas de aula
tradicionais. A voz do/a professor/a, fonte da autoridade e transmissora única
do conhecimento legítimo, é substituída por múltiplas vozes, ou melhor, é
substituída pelo diálogo, no qual todos/as são igualmente falantes e ouvintes,
todos/as são capazes de expressar (distintos) saberes (p. 113).

Desta forma, a pedagogia feminista, pelo ideal de coeducação, coloca no plano de


igualdade o saber acadêmico que é passado pelo professor e o saber pessoal do aluno,
estimulando a fala de sujeitos que foram historicamente calados pela cultura hegemônica,
transformando a competição em cooperação, assim as hierarquias e as classificações são
questionadas, subvertendo o modelo tradicional do processo de ensino/aprendizagem, no qual,
apenas um sujeito é detentor de conhecimento. (LOURO, 1997).
Não obstante, segundo Auad (2006), para que a escola possa mudar a forma como trata
das questões de gênero é preciso que algumas transformações aconteçam, tais como:
mudanças na legislação, nos currículos escolares, nos sistemas educacionais, na relação
professor/a aluno/a, nas relações dos agentes da escola, nos livros didáticos para que não
reproduzam desigualdades. No entanto, mesmo se essas ações não se desenvolvam, pois
levam tempo e dependem em sua grande maioria de ações políticas e legislativas, os
professores e professoras podem e devem assumir práticas coeducativas, no dia a dia, da sala
de aula.
O lugar da coeducação nas práticas pedagógicas e as práticas de mistura: Quando
fomentam e quando enfrentam as desigualdades de gênero
A fim de responder nosso primeiro objetivo específico que consiste em: Identificar e
analisar a existência (ou não) da coeducação de gênero nas práticas pedagógicas mediadas
pelo/a docente em sala de aula, faz-se necessário compreendermos as características
comportamentais e relacionais da turma do quinto ano, na qual realizamos a pesquisa, e as
práticas realizadas pelos professores em relação aos/a alunos/as. O quadro a baixo, nos dá a
possibilidade de visualizarmos como os alunos se distribuem na sala de aula:
Quadro 1 –
Disposição dos alunos/as na sala

Fonte: Produzido pelos autores

E claramente visível a partir da disposição dos/as alunos/as no quadro 1 a divisão que


existe na turma, entre meninos e meninas, a turma possui 40 alunos onde 16 são meninas e 24
meninos, nesse dia haviam 37 presentes, onde as meninas são minoria e se sentam sempre do
lado esquerdo, já os meninos, sempre estão em maioria e sentam nas carteiras da frente, e no
canto direito, a partir do extrato do diário de campo a seguir é possível compreendermos
melhor como funciona a turma no que se refere as relações estabelecidas em sala.

Pôde ser observado também que durante atividades em que é solicitado a


interação dos alunos a pouca nenhuma interação entre meninos e meninas, as
interações se dão quase sempre por afinidade menino/menino,
menina/menina, assim como em momentos de distração, ou em momentos
em que o professor sai de sala, Foi observado que os meninos solicitam mais
a atenção do professor os meninos da frente ao questionar atividades,
solicitar correção de atividades e ao participarem das aulas, e os do fundão
através da indisciplina (DIARIO DE CAMPO 2, 26 de outubro de 2016).
A esse respeito Louro (1997), nos alerta para a finalidade naturalizaste das relações que
são constituídas no espaço escolar, assim como, a forma como esse espaço é utilizado de
maneira diferenciada por meninas e meninos, não só o espaço físico, mas também o espaço
sonoro. Pois, ―por um aprendizado eficaz, continuado e sutil, um ritmo, uma cadência, uma
disposição física, uma postura parece penetrar nos sujeitos‖ (p. 61) e produzir, o que a autora
chama de identidade, ou corpo escolarizado.
Na nossa observação verificamos que o uso dos gêneros nas práticas de mistura e
separação são feitas tanto pelo professor P1, quanto pela professora P2 no entanto, essas
práticas são feitas na maioria das vezes com a intenção de conter a indisciplina e não como
uma prática coeducativa de respeito as diferenças, são práticas que ao contrário reforças
divisões e desigualdades de forma normalmente imposta, não obstante, nas entrevistas tanto o
professor P1, quando a professora P2, afirmam que as misturas feitas são por motivos de
integração e que as separações feitas por eles são por motivos de indisciplina.
Entretanto, as observações das aulas nos revelaram que tanto as práticas de misturas
quanto as de separação, ocorrem na maioria das vezes em momentos de indisciplina e não há
uma problematização do motivo da troca ou mistura dos alunos e quando são feitos
solicitações de grupos ou de duplas, estas, são feitas, quase sempre, com o intuito de diminuir
a indisciplina e assim facilitar o andamento da aula, seja grupos ou duplas, de separação ou de
mistura, vejamos as falas do professor P1 a respeito dessa questão:

[...] não sei se vocês já observaram, mais geralmente menino, menina,


menino, menina, menino, menino, é uma das formas que eu utilizo para
separar os alunos nas bancas, não só para evitar conversas uns com os
outros, mas para possibilitar também e quebrar um pouco o gelo, a ideia que
eles têm de que meninas só fica do lado de meninas e meninos do lado de
meninos, e que não pode se misturar. Então, as vezes meio que forçadamente
eu proponho a mistura, para que eles interajam, dialoguem entre eles, mas
também proponho grupos e atividades de modo que haja separação, no
caso, não mistura entre eles, mas uma separação, às vezes quando formo
um grupo, às vezes em hora da saída, mando as meninas na frente, depois os
meninos, ou meninos e meninas. Propositalmente também, às vezes eu
separo, ou formo grupos, só grupos de meninos ou só grupos de meninas
também para diferenciá-los. (Entrevista com P1, 7 de novembro de 2016).

Na fala de P1, fica um pouco confuso e contraditório o motivo da separação e da


diferenciação que ele faz entre meninos e meninas, na nossa observação, ficou evidente que
isso é feito em situações de indisciplina, tanto na situação que ele sugere separação quanto na
situação de mistura, a mistura que ele trata é feita de forma forçada porque os alunos de
gêneros diferentes normalmente não interagem entre si, pois se relacionam quase sempre com
sujeitos do mesmo gênero e não querem sair do grupo que estão.
Desta forma, na nossa observação em campo ocorreram várias situações onde os/as
professores solicitam que os alunos/as formem duplas ou grupos, não obstante, por motivos
de diminuir a indisciplina e facilitar a atividade proposta e como esses grupos são formados
para facilitar a aula, ou as duplas e grupos são formados por proximidade, ou os próprios
alunos formam suas duplas ou grupos se juntando a colegas que têm mais afinidade,
geralmente do mesmo sexo, como pode ser visto no quadro 2 onde P1 solicita que os/as
aluno/as formem duplas afim de viabilizar a atividade proposta:

Quadro 2-
Disposição dos alunos na sala

Fonte: Produzido pelos autores


As duplas formadas nessa atividade como mostra o quadro 2 não viabiliza a mistura de
gênero, tendo em vista que, são feitas pelo critério afinidade ou proximidade, por isso, há
apenas 3 grupos mistos, num total de 15 duplas, essa atividade foi feita na aula do professor
P1, mas também aconteceu isso algumas vezes na aula da professora P2. Na entrevista de P2
sobre essa questão podemos perceber que ela deixa os alunos fazerem suas duplas por
afinidade ou proximidade e que ela não escolhe os gêneros na formação das duplas ou grupos,
o que seria positivo se a turma não fosse tão dividida:

[...] não acho que tem que ter isso de menino com menino e menina com
menina não. Até porque, assim, quando eu faço duplas na sala eu nem
olho quem tá do lado do outro, eu vou juntando quem está próximo, se
for menino vai com menino ou menina. Eu deixo eles ficarem juntos,
portanto que eles façam o trabalho (Entrevista com P2, 7 de novembro de
2016).

Na fala dela, assim como nas falas de P1 é possível perceber que eles de alguma forma
compreendem que as separações de gênero são históricas e correspondem a concepções
arcaicas de sujeitos, no entanto, na prática deles isso não se personifica enquanto atividades
de mistura coeducativa, fica apenas no campo teórico, na fala.
Com relação as práticas de mistura que é condição indispensável para que exista a
coeducação Auad (2006), vem nos alertar para o fato de que se essas práticas não tiverem uma
função pedagógica pensada para integração e respeito as diferenças, essas, não
corresponderão a práticas coeducativas, pois a mistura entre meninos e meninas sem uma
reflexão que vise uma igual valorização de gênero pode cristalizar o aprendizado da separação
reproduzindo hierarquias.
Segundo Louro (1997, 2001), a escola sempre foi, e ainda é, agente de segregação social,
visto que, a partir de seus elementos pedagógicos como: currículos, normas, procedimentos de
ensino, teorias, linguagem, materiais didáticos, processos de avaliação, produz e reproduz
diferenças de gênero, sexualidade etnia e classe, fomentando desigualdades. Tendo em vista
este contexto de desigualdade, o qual a escola faz parte temos como segundo objetivo
específico: Identificar e compreender as principais questões relativas a gênero que perpassam
as práticas pedagógicas na relação professor/a-aluno/a em sala de aula, para que possamos
compreender quando as práticas pedagógicas dos docentes reproduzem desigualdades e
quando as enfrentam em direção a uma prática coeducativa.
Uma das práticas que compreendemos como possível fomentadora de desigualdades
ancorados em Louro (1997), encontrasse na linguagem, pois segundo Louro é seguramente na
linguagem o campo onde as distinções e desigualdades se fazem mais presentes, tanto pelo
fato dela parecer quase sempre como ―natural quanto pelo fato de estar atravessada pelas
práticas que corresponde a repetições de práticas historicamente utilizadas para dar aos
sujeitos masculinos e femininos lugares sociais e papais diferentes colocando a mulher
sempre na condição de ―sexo frágil‖ dando ao homem o lugar de poder. Vejamos uma prática
que acontece em um momento em que o professor P1 está ministrando a aula e tenta intercalar
a participação de meninas e meninos:

P1 pede: ―Os meninos, homens, bonitos da sala leiam‖. Depois: ―agora as


meninas bonitas de laço de fita, leiam‖; ―só as meninas, leiam que eu não
sou menina‖. (DIARIO DE CAMPO 1, 27 de outubro de 2016).
Sobre a linguagem no processo de diferenciação e desigualdade Louro (1997), nos
alerta ainda para o fato de a linguagem não apenas expressar relações de poder como também
ela produz e se propõe a fixar desigualdades e diferenças nos sujeitos, no entanto, a autora
ressalta que isso não e recebido de forma totalmente passiva por parte dos alunos e alunas,
pois eles se envolvem nesse processo de aprendizagem, reagindo respondendo, recusando ou
assumindo integralmente.
Não obstante, foi verificado características ou práticas dos docentes que se forem
aperfeiçoadas e feitas de forma consciente, enquanto seus objetivos e finalidades, podem ser
utilizadas a fim de enfrentar as desigualdades de gênero na escola, ancoramos essas
observações e pontuações na compreensão de Auad (2004, 2006) e Almeida (2007a, 2007b,
2015), sobre coeducação, ressaltando que não são práticas completas de coeducação, são
práticas que na nossa compreensão, tem em alguns momentos características coeducativas
isoladas, ou características importantes para a implantação da coeducação, para além das
misturas.
A primeira característica observada, é a de que, os professores tiveram algum contanto
com as teorias de gênero, essa assertiva foi apontada por eles, e aparece nas falas durante as
entrevistas, mesmo sendo de forma não aprofundada, e por vezes confusa, e não aparecendo
da forma que é colocado nas entrevistas nas práticas, ficando no campo teórico, no entanto, o
que queremos destacar, é o fato de que, tanto o professor P1, quanto a professora P2 tiveram
de alguma forma nas suas formações contato com a problemática de gênero. Desta forma, P1
e P2 parecem compreender mesmo de forma limitada, já que eles têm uma compreensão
confusa sobre a diferença entre gênero e sexualidade, que, o uso das relações de gênero na
escola precisa mudar e não ser tão engessadas com são, como podemos perceber na seguinte
fala:

Não tem esse negócio não, só porque. Antigamente a gente via muito isso
né? E até tem pais que são assim: “ah! Não quero que minha menina faça
né, se junte com um menino”. Mas não pode ser assim, a vida não é
assim. Desde cedo, na escola a gente tem que trabalhar isso com eles.
(Entrevista com P2, 7 de novembro de 2016).

A fala da professora P2 pode ser considerada positiva, pois se aproxima de forma


parcial, as concepções das pedagogias da emancipação e feministas como coloca Louro
(1997), no entanto, para que sejam efetivas precisariam estar presentes em toda prática
docente aliadas a práticas e atitudes problematizadoras de escuta e de consideração dos alunos
enquanto sujeitos de opinião e de fala, para possibilitar o combate às desigualdades de gênero
no espaço escolar.

Considerações Finais
Os discursos e práticas dos professores relativos as questões de gênero, sexualidade e
diversidade apontam para uma certa incompreensão, das temáticas revestidas por vezes de
estereótipos e de posicionamentos próprios do senso comum, isso pode dificultar a possibilidade
da existência de práticas que de fato tenham um compromisso coeducativo, assim como
também, agravar ainda mais as desigualdades de gênero existentes na escola.
Em relação a nossa primeira categoria analítica, foi verificado o uso das relações de
gênero nas práticas pedagógicas, no entanto, era feito, na maioria das vezes, para conter a
indisciplina dos alunos/as e assim facilitar a aula. Desta forma, não verificamos práticas
completas de coeducação. Assim, nosso primeiro pressuposto teórico de que embora as
escolas públicas brasileiras sejam mistas a coeducação parece ser inexistente na sua totalidade
enquanto prática pedagógica escolar, política e democrática se confirma, deste modo, o lugar
da coeducação nas práticas do professor P1 e da professora P2 é, por vezes, o ocultamento.
Referente as análises da nossa segunda categoria, os dados obtidos revelaram a
existência de práticas na relação professor/a-aluno/a, que podem fomentar desigualdades, são
práticas que remontam papéis de gênero bastante delimitados, cristalizados e patriarcais, não
obstante, foi verificado também, práticas na relação professor/a-aluno/a, que podem
contribuir para o enfrentamento das desigualdades de gênero na escola, são práticas não
totalmente politizadas e não totalmente conscientes em relação a suas finalidades, no
enteando, podem ser favoráveis se aperfeiçoadas e articuladas a outras práticas
emancipadoras é a políticas públicas, podendo vir a ser coeducativas, desta forma, nossos dois
últimos pressupostos teóricos que são: a possibilidade de existência na escola de práticas
coeducativas isoladas, ou ainda, da possibilidade de existência de momentos coeducativos não
totalmente politizado, também apareceram.
Não obstante, de um modo geral, mesmo em meio a tantas práticas já obsoletas em
relação ao uso dos gêneros em sala de aula, encontramos contribuições significativas, mesmo
que tímidas, rumo ao enfrentamento das desigualdades de gênero, isso no nosso entendimento
tem acontecido pelo aumento da problematização da temática de gênero que pesquisadores/as
e professores/as ousados/as tem levantado nos cursos de licenciatura, assim como, os dados
obtidos apontam. No entanto, sabemos a partir da realidade de desigualdade, na qual, a escola
ainda está emersa que o que tem sido feito precisa ser ampliado, precisa estar nos currículos
de formação docente, e nos currículos escolares, assim como também, precisam se tornar
políticas públicas. Deste modo, conforme analisado e discutido aqui compreendemos que a
coeducação enquanto prática pedagógica parece ser uma alternativa viável se aliada a uma
rede democrática de enfrentamento as desigualdades e promoção de cidadania.

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SCOTT, Joan W. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, Porto
Alegre, n.º 16, p. 5-22, 1995.
GÊNERO, SEXUALIDADE E EDUCAÇÃO:
PROFESSORAS LÉSBICAS E BISSEXUAIS NO MAGISTÉRIO

Ariane Rafaela de Freitas15, rafaelalibras@gmail.com, Universidade Federal Rural de Pernambuco


Isabella Nara Costa Alves16, isabella.athos@live.com, Faculdade dos Guararapes
Paula Polini Nascimento Santos17, paolapolini.santos@gmail.com, Faculdade dos Guararapes
Robson da Costa de Souza18, robssouza@gmail.com, FJN- Fundação Joaquim Nabuco

Este artigo tem como objetivo, a partir de uma compreensão crítica do conceito de identidade,
em Stuart Hall, e da contribuição de autoras(es) atreladas(os) às perspectivas pós-
estruturalistas e aos aportes teóricos ―pós-coloniais‖ e das ―teoria(s) do discurso‖ (Michel
Foucault, Judith Butler, Nancy Fraser, Michèle Barrett, entre outras), a elaboração de um
quadro conceitual favorável à investigação dos desafios vividos pelas professoras lésbicas e
bissexuais, que atuam muitas vezes em ambientes marcados por rígidos dispositivos de
regulação das práticas docentes. Para isso, apresentamos, inicialmente, um breve histórico
acerca dos estudos sobre a atuação das mulheres no magistério. Em seguida, tendo como
referência principal uma pesquisa bibliográfica, trazemos os resultados de uma análise que
procura levar em conta a situação das mulheres lésbicas e bissexuais nesses contextos. Ao
questionarem a ―heteronormatividade‖ no que concerne às questões de gênero e sexualidade,
essas professoras não apenas subvertem as práticas sociais consideradas naturais por nossa
sociedade, como também reconfiguram o próprio ―fazer docente‖ na maneira pela qual
―pensam‖ a sexualidade e as relações sociais de gênero.

Palavras-chave: gênero, sexualidade, docência.

15
Especialista e Bacharela em Língua Brasileira de Sinais – Libras, pela Sociedade Educacional de Santa
Catarina (SOCIESC) e Universidade Federal de Catarina (UFSC). Licenciada em Letras Português-Inglês, pela
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caruaru (FAFICA). Professora Intérprete da Secretaria de Educação
de Pernambuco - Seduc. Tradutora Intérprete da Universidade Federal Rural de Pernambuco - UFRPE.
Integrante da Marcha Mundial das Mulheres e pesquisadora do grupo de Estudos e Pesquisa em Educação, Raça,
Gênero e Sexualidades Audre Lorde – GEPERGES/ UFRPE.
16
Graduanda do curso de Pedagogia da Faculdade dos Guararapes e Pesquisadora do grupo de Estudos e
Pesquisa em Educação, Raça, Gênero e Sexualidades Audre Lorde – GEPERGES/ UFRPE.
17
Graduanda do curso de Pedagogia da Faculdade dos Guararapes.
18
Doutor em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, Brasil. Licenciado em Ciências
Sociais pela UMESP - Universidade Metodista de São Paulo. Também possui graduação em Teologia pelo
Centro Universitário Metodista Bennett e mestrado em Ciências da Religião pela UMESP - Universidade
Metodista de São Paulo. Tem experiência em docência e pesquisa, atuando principalmente nas seguintes áreas:
Sociologia da Religião, Relações de Gênero e Teoria Política. É pesquisador na Fundação Joaquim Nabuco
(Fundaj), onde desenvolve estudos em: gênero, religião e habilidades sociais. Sob o apoio do Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), através da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia
de Pernambuco (FACEPE), coordena, no âmbito da Fundação Joaquim Nabuco (PE), o projeto: ―Religião,
Gênero e Habilidades Sociais: Considerações acerca da Condição Feminina no Protestantismo Brasileiro‖.
Introdução
“Não sou livre enquanto outra mulher for prisioneira,
mesmo que as correntes dela sejam diferentes das minhas”
Audre Lorde

Desde os anos 1970, a categoria ―gênero‖, no plano teórico, tem sido usada em
estudos sobre ―permanências e transformações das lógicas socioculturais‖ (CORRÊA, 2011).
Ao analisar as posições que se ―feminizam‖, BOURDIEU (2003) constatou que as mulheres
tendem a ocupar espaços de trabalho pouco valorizados socialmente. Perseguindo essa
compreensão, as pesquisas sobre a atuação das mulheres no magistério ganharam lugar no
século XX, orientando-se, principalmente, pelas análises sobre a ―feminização‖ no âmbito
dessa carreira.

Mais tarde, na década de 1990, quando houve a proliferação dos estudos de


gênero e sexualidade, essas reflexões intensificaram o questionamento acerca da ―divisão
sexual do trabalho‖ presente em nossa sociedade, de modo geral, e na profissão docente, de
modo particular, em que, segundo a compreensão de muitos, bastaria o ―amor‖ para a
superação de todos os desafios e paradigmas desta profissão (MACIEL, 2015).

Inicia-se, assim, um processo de ―desnaturalização‖ dessa pouca valorizada


―mulher‖ docente (considerada, inclusive, ―missionária‖ por alguns)19. No entanto, muitos
estudos dessa época tratavam as mulheres no magistério como um grupo homogêneo, o que,
ainda que de modo bastante ―androcêntrico‖, começa a ser questionado com a inserção da
temática da homossexualidade nos anos 1990 e o início do século20.

Além disso, a pretensa universalidade de um sujeito feminino único começa a


passar por um questionamento radical nesse período com o fortalecimento da teoria queer. Se,
anteriormente, o protagonismo das mulheres consistia muitas vezes na identidade de uma
mulher branca de classe média, essa época, que também é a nossa, diga-se de passagem, é/ foi
caracterizada pelos procedimentos discursivos centrados na lógica da diferença (cf.
PIERUCCI, 1999. Ver, também, SOUZA, 2013, 2016).

19
Conforme nos adverte MACIEL (2015), em muitos lugares ―ainda há uma associação entre o preconceito com
as mulheres e os baixos salários no magistério, entre os estereótipos femininos e a desqualificação profissional
das docentes da educação básica‖ (p. 258).
20
Orientado pela perspectiva pós-estruturalista, este paper relativiza todas as formas ―essencialistas‖ de
discurso. Como não existe uma essência feminina na base das representações sociais acerca das mulheres,
propositalmente usaremos a expressão ―mulher‖ deste modo: grafado entre aspas. Sobre o assunto, ver,
principalmente, AZERÊDO, 2007.
A partir de então, o campo educacional começa a discutir o impacto dessas
temáticas nas escolas, sobretudo após a inserção do assunto da Orientação Sexual nos
Parâmetros Curriculares Nacionais, em 1997. Nesse cenário, os debates sobre a forma como o
público LGBT (docentes e/ ou discentes) se insere no universo escolar ganham visibilidade
pública, principalmente nos espaços de formação de professores/as (MACIEL, 2015).

Muitos desses estudos são introduzidos a partir das teorias pós-estruturalistas


de Michel FOUCAULT (2004, 2008) e Judith BUTLER (2016) no que se refere aos campos
gênero/sexo/sexualidade/corpo, que serão alvo de discussão no contexto deste artigo. Segundo
FURLANI (2011),

O pós-estruturalismo é uma forma particular de teorização cultural que


faz a crítica do sujeito centrado, autônomo e universal (do modernismo
e do humanismo); aquele sujeito que, ao longo da história, teve o
reconhecimento, a representação positiva e o privilégio social: homem,
branco, ocidental, cristão, burguês, masculino, heterossexual (2011, p.
49).
Essa compreensão teórica, na verdade, trabalha fundamentalmente no nível do
discurso (linguagem e interpelação). Como a formação das identidades sociais e dos grupos
ocorre segundo a lógica das ―práticas discursivas‖, FRASER (2015), de um lado, procura
reforçar o argumento de que as identidades de gênero, enquanto práticas historicamente
determinadas (leia-se: ―engendradas‖ pela/ na ―discursividade da vida social‖), moldam
―significativamente‖ a atuação dos sujeitos (individuais e coletivos).

De outro, trabalha-se com a noção de que as descrições que compõem uma


identidade social ―entram‖ e saem ―de cena‖ sob o pano de fundo das possibilidades
interpretativas disponíveis em contextos sociais múltiplos e, não menos importante,
socialmente determinados (ou, nos termos do ―primeiro‖ Wittgenstein, ―os limites do mundo
são os limites de minha linguagem‖) (cf. SOUZA, 2016).

FRASER (2015), refugiando-se no conceito gramsciano de ―hegemonia‖,


elucida o debate sobre a interseção entre ―poder‖, ―desigualdade‖ e ―discurso‖: as identidades
de gênero não se definem necessariamente de maneira igualitária – nem todos os discursos
têm igual legitimidade (Ibid., p. 182). Deve-se, nesse sentido, também levar em conta a
―lógica da hierarquização‖.

Nessa perspectiva, pensar a questão da sexualidade humana, especialmente os


temas da lesbianidade e da bissexualidade, sob o suporte da categoria ―gênero‖ e, não menos
importante, associada ao exercício do magistério, traduz-se na problematização de um
conjunto de experiências discursivas subversivas, contraditórias e até mesmo ―antinaturais‖
para muitos indivíduos, considerando o contexto de heterossexualidade compulsória e
―monossexualidade‖, conforme veremos ao longo desta comunicação.

Em nossa sociedade, uma forma de representação engendrada pelo discurso


hegemônico de que professoras e professores não têm sexualidade, tende, a partir de um
―olhar‖ normativo acerca dessas profissionais, a naturalizar esses sujeitos (individuais e
coletivos), como se as docentes estivessem destituídas de qualquer carga amorosa/libidinal,
isto é, como se a esfera profissional e a dimensão da individualidade não caminhassem juntas
nem se ―contaminassem‖ (CAETANO, 2016).

Este trabalho, sem negar a existência de outras ―posições de sujeito‖ igualmente


marginalizadas, como é o caso das mulheres negras, pobres, trans, entre outras (ou mesmo
aquelas com algum tipo de deficiência), tem por objetivo, ao colocar em foco os ―modos de
subjetivação‖ das professoras lésbicas e bissexuais, principalmente no exercício da docência,
trazer breves considerações acerca dos efeitos dos discursos hegemônicos sobre essas
mulheres, e como eles atuam diretamente nos corpos delas.

Aqui, objetivando tanto ―desconstruir‖ os ―muros‖ de conceitos previamente


formados como construir ―pontes‖ pedagógicas sob um ―olhar crítico‖ e aberto para a prática
docente totalmente inclusiva (de/para todas/os), reunimos elementos teórico-práticos de
autores que, de diversas maneiras, nos convidam a refletir, apurar nossos sentidos e repensar
nossas práticas pedagógicas21.

Metodologia
Tendo como referência os desafios inerentes às formas distintas e particulares
pelas quais as práticas docentes são exercidas no contexto de nossa sociedade, esta
comunicação, partindo das contribuições teóricas de autores que compartilham estudos e
análises sobre corpo, sexo, gênero e ―relações de poder‖ envolvidas dentro e fora do ambiente
escolar (Judith Butler, Nancy Fraser, Michel Foucault, entre outras/ os), pretende, além de

21
Parte das discussões desenvolvidas neste artigo resulta de instigantes debates e conversas realizadas no âmbito
do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação, Raça, Gênero e Sexualidades ―Audre Lorde‖
(GEPERGES)/UFRPE. Nesse aspecto, somos gratas pelo apoio incondicional da Profª Drª Denise Botelho (líder
do grupo e fonte de inspiração na militância).
romper com um determinado ―olhar‖ normativo acerca do magistério, investigar e analisar a
temática elencada sob uma perspectiva ―pós-estruturalista‖.

Se, do ponto de vista da ―agência‖ dessas ―atrizes‖ sociais, o corpo é a base do


―fazer político‖, sendo a escola o ―palco‖, essas professoras, mesmo em constante (auto)
vigilância no que se refere aos espaços em que atuam, trazem à tona, através de suas práticas
docentes, um conjunto de problematizações acerca do machismo, do ―androcentrismo‖, da
heterossexualidade compulsória, da ―monossexualidade‖ (questionada pela bissexualidade),
do binarismo sexual (heterossexualidade/homossexualidade) e da própria noção de identidade,
criticada tanto por BUTLER (2016) quanto pelas/os outras/os teóricas/os elencadas neste
despretensioso texto, quebrando, nesse sentido, o estatuto da ―normalidade‖.

Num intenso processo de ―reflexivização‖, também ousaremos fazer, mesmo


que de forma tímida, a crítica de um ―novo movimento social‖ que, no contexto de uma luta
por libertação/ emancipação das mulheres, acaba por negar, em nome de uma pretensa
unidade do sujeito feminino, a contextualização política e social, distanciando-se, assim, das
noções de classe, raça/ etnia, entre outros eixos.

Porém, se essa ―unidade‖ do ―coletivo de mulheres‖ não é inferida, nem


estimada, a pergunta pela possibilidade dessa ruptura epistemológica radical torna-se
relevante na medida em que não se quer, com isso, tornar as práticas ―sociais‖ dessas
mulheres inacessíveis à nossa compreensão face ao abandono das categorias analíticas com
pretensão de ―totalidade‖ (sobre o assunto, ver, principalmente, BARRETT, 1996).

Assim, de um ponto de vista meramente teórico-analítico, as singularidades, de


um lado, expressam-se por meio da ―performatividade‖ (BUTLER, 2016). Nesse aspecto, ela
é ―subjetiva e social dos arranjos da personagem que o sujeito interpreta. O sujeito é uma
personagem‖ (CAETANO, 2016, p. 59).

De outro, conforme veremos neste ensaio, principalmente nas considerações


teóricas preliminares e ao término do artigo, a existência das identidades coletivas, no plano
teórico, torna-se uma mera ―fantasia‖/ ficção, para que os corpos não sejam aprisionados num
―re-conhecimento‖ unificado: a ―performatividade‖, marcada, nessa perspectiva, por uma
instabilidade intrínseca ao próprio sujeito (multiplicidade, mutação e transitoriedade), é
identificada com as ―leituras individuais‖ de cada indivíduo.
No que diz respeito ao ambiente escolar, compreendido aqui como partícipe
das instituições sociais e culturais que integram essas pessoas, pode-se afirmar que esta noção
―fragmentada‖ do ―sujeito universal‖ é dada como pressuposta, na medida em que múltiplos
e, muitas vezes, ―indefinidos‖ atores e atrizes ―sociais‖, quer individualmente, quer por meio
dos ―novos movimentos sociais‖, reivindicam seus espaços de atuação, presencialmente ou
mesmo nos currículos (cf. CAETANO, 2016).

Nessa perspectiva, a presença de professoras lésbicas e bissexuais nesses


espaços representa, ela mesma, a desestabilização de um modelo curricular majoritário de
configuração ―monocultural, heteronormativo e androcêntrico‖ em face da multiplicidade de
culturas e sujeitos, uma vez que a escola se torna cada vez mais, no contexto de uma
sociedade que tem por meta contribuir para o fortalecimento da dignidade da pessoa humana,
o ambiente privilegiado para o debate acerca das desigualdades sociais (ibidem.).

Além disso, vivemos diante daquele ―entrelaçamento das redes de poder‖ de


que tanto falava FOUCAULT (2008). Nesse aspecto, resistência e submissão são facetas
ambíguas de uma mesma e única dinâmica: as professoras lésbicas e bissexuais, inseridas
numa cultura reconhecidamente machista e de padrões heteronormativos compulsórios,
desenvolvem estratégias que funcionam ora como ―mecanismos de defesa‖ ora como
―práticas de natureza política‖ engendradas no interior de um universo que, muitas vezes, não
reconhece a pluralidade dessas profissionais, negando a elas todo e qualquer perfil que não
está de acordo com os padrões estabelecidos de maneira social e/ ou cultural no contexto
escolar22.

Portanto, tecer algumas considerações teóricas acerca de situações que


acontecem de maneira habitual em algumas escolas significa não apenas ―dar voz‖ às
professoras lésbicas e bissexuais, como também, de alguma maneira, colaborar para o
desenvolvimento de uma cultura de respeito às pessoas, independentemente das suas
condições sociais, culturais e de opções de qualquer ordem: religiosa, política e orientação
sexual etc. (SILVA, 2010, p. 45).

22
Como exemplos práticos de resistência, pode-se citar o seguinte: a não distinção de gênero no que diz respeito
ao uso de brinquedos e cores; no plano da representação, a inclusão, em sala de aula, dos diversos tipos de
família; dar ao estudante plena liberdade de identificação no que concerne aos personagens literários; por último,
mas não menos importante, discussões sobre estereótipos nos universos de dança, esportes, bem como o debate
sobre os estereótipos de gênero.
Resultados e discussão

No âmbito dos Estudos Culturais, Stuart HALL (2005, 2009), por meio de uma
embasada reflexão teórica sobre as coletividades e o ―descentramento‖ do sujeito no contexto
da assim chamada ―pós-modernidade‖, faz uma revisão crítica acerca do sujeito do
Iluminismo, compreendido geralmente sob um modelo marcadamente individualista (isto é,
dotado de racionalidade e centrado no próprio ―eu‖).

Com os desenvolvimentos da modernidade, a noção de indivíduo, que era, de um


ponto de vista conceitual, representada pela categoria da ―autonomia‖ (Kant), passa por um
intenso processo de ―fragmentação‖ em nossa época, pois o sujeito cartesiano se encontra,
atualmente, diante de uma multiplicidade de relações e interações com outras pessoas. Surge,
a partir desse momento, conforme veremos a seguir, a concepção de um sujeito integrado por
várias identidades, por um lado, e em constante processo de mutação, por outro.

Nessa perspectiva, os indivíduos ―pós-modernos‖, tanto transformados pela


cultura quanto permeados por ―sentimentos subjetivos‖, estão na constante busca por algum
tipo de estabilidade. Aqui, o autor descreve o conceito que ficou conhecido como ―crise de
identidade‖ - o indivíduo ―pós-moderno‖, integrado por várias identidades, bem como
caracterizado por intensas transformações, está em busca de sua própria ―identidade‖, que
passa, a partir desse momento, a ser moldada de acordo com as mudanças culturais e/ou
sociais, assim como pela forma com que nos ―representamos e somos representados‖23.

A ausência de uma identidade essencial e de uma unidade prévia, no


entanto, não impede a construção de múltiplas formas de unidade e de
ação comum. Como resultado de criação de pontos nodais, podem
existir fixações parciais e podem ser estabelecidas formas precárias de
identificação ao redor da categoria ‗mulheres‘, que proporcionem a base
para uma identidade feminista e uma luta feminista (MOUFFE, 1999, p.
46).
Partindo tanto dessa discussão mais ampla acerca dos ―modos de subjetivação‖
em nossa cultura como das considerações feitas por MOUFEE (1999), pode-se, perfeitamente,
relacionar essa questão identitária ao debate acerca da docência no magistério. De um lado, as
professoras, de modo geral, participam ativamente dos processos relacionados acima. De
outro, a idealização, no plano da cultura, permanece inalterada no caso das professoras do
sexo feminino: elas são, geralmente, descritas como pessoas afetivas, ―clérigas‖ e inseridas

23
Segundo FRASER (2015), os discursos não apenas são múltiplos e plurais, mas surgem, se modificam e
desaparecem ao longo do tempo. Dessa forma, as identidades sociais não se constroem de forma definitiva:
mudam juntamente com as práticas sociais e as lealdades dos agentes.
numa vida de intensa dedicação ao magistério (ou, até mesmo, numa linguagem religiosa, de
devoção à profissão).

Portanto, o que se quer questionar aqui, num diálogo profícuo com os assim
conhecidos ―estudos culturalistas‖ e com a perspectiva pós-estruturalista, é a noção de uma
identidade fixa, determinada biologicamente, que está na base dessas representações estáticas
acerca da atividade docente: professoras representadas com características únicas, isto é, sem
qualquer variação identitária. Segundo HALL (2009, p. 108),

As identidades não são nunca unificadas (...). Não são, nunca,


singulares, mas multiplamente construídas ao longo de discursos,
práticas e posições que podem se cruzar ou ser antagônicas. As
identidades estão sujeitas a uma historicização radical, estando
constantemente em processo de mudança e transformação.
Compreendemos, assim, que as feminilidades são múltiplas e diversificadas, isto
é, constituem-se por meio das ―singularidades‖ e, especificamente no caso das professoras
lésbicas e bissexuais, no confronto com os ideais baseados na ―heterossexualidade
compulsória‖ (BUTLER, 2016).

Além disso, essa forma de representação estática também se relaciona com a


temática da sexualidade, pois essas mulheres são, sob o ―olhar‖ do Outro, percebidas como
que partilhando de uma única feminilidade. MADUREIRA & BRANCO (2007),
parafraseando Foucault, afirmam que ―o sexo não é ‗convidado a se calar‘; ao contrário, o
sexo é colocado em discurso, é incitado a se manifestar‖.

MULLER (2013, p. 10), inclusive, argumenta que a ―sexualidade se relaciona


consigo, o que inclui seu corpo e também seu mundo inteiro, composto por seus valores, suas
crenças, sua história de vida, suas emoções, seus sentimentos, seus pensamentos, suas
sensações e suas intuições‖. Em suma, o que essas professoras fazem é produzir ―processos
singulares para se produzirem como mulheres‖, a partir de suas experiências e resistências
(MACIEL; GARCIA, 2014, p. 169).

De um lado, nós, professoras e professores, somos interpelados/as


constantemente no sentido de que nossa atuação precisa resultar numa escola totalmente
inclusiva (de/para todas/os). De outro, ―re-conhecemos‖ na própria escola a atuação de
―mecanismos disciplinares‖ responsáveis pela separação dos sujeitos, seja por faixa etária -
crianças, jovens e adultos; por condição social - ricos e pobres; por gênero – meninos e
meninas; características particulares - pessoas sem e com deficiência; religião - cristãos e não
cristãos; cor - brancos e negros etc.

Ou seja, ao mesmo tempo em que são ―objetivadas‖ e ―capturadas‖ por uma


disciplina que, em termos foucaultianos, ―fabrica‖ indivíduos, os (as) professores (as), na
―instituição das diferenças‖, são, de alguma forma, responsáveis pela reprodução dessas
―relações de poder‖ quando, em vários momentos, através de mecanismos complexos e
sobrepostos, categorizam por raça, gênero, sexualidades etc24.

Aqui, os processos sutis de invisibilização e de regulação dos corpos e da


sexualidade trabalham juntos, seja entre os estudantes, seja nos adultos envolvidos.
Considerando essa relação de dominação e oposição, pode-se afirmar que a escola muitas
vezes perpetua a impregnada visão de um sujeito pretensamente ―universal‖ (homem, branco,
cristão e heterossexual), e de seu necessário ―complemento‖ (a ―mulher‖ frágil, pacífica e
submissa. Em outras palavras, ―bela, recatada e do lar‖), em detrimento de indivíduos
subalternizados, dos quais se pode dizer que não se adequam facilmente a estes padrões
hegemônicos25.

Enquanto ―aparelho ideológico‖, a escola atua eficazmente nesse sentido, quer


no controle dos nossos corpos, quer na produção/reprodução das concepções de gênero e
sexualidade presentes em nossa sociedade (LOURO, 2003, pp. 80-81). No plano discursivo, o
conjunto de distinções se materializa tanto de forma explícita (em adjetivos, analogias ou
associações), quanto de forma velada, tal como no episódio relatado a seguir por uma das
articulistas:

Professor(a): “– Separem a turma em “casais”, ou seja, menina e menino”.


Estudante: “– E os gays professor?”
Professor(a): “– Se você não sabe se é menino ou menina faz as duas
atividades.”
Outro interlocutor(a): “– ele se equivocou, ele quis dizer “Dupla”. Casais não
são necessariamente menino e menina, NÃO É PROFESSOR!?”

24
Docentes ao longo de sua formação aprendem como educar os sujeitos, mas o ensino escolar vai muito além
disto. Tomando emprestadas as palavras de Foucault, em sua obra ―Vigiar e Punir‖ (apud LOURO, 2003, p. 62),
―a disciplina „fabrica‟ indivíduos”, engendrando hierarquias e desigualdades; dominação e oposições;
subordinação e resistências: etc. Nesse sentido, ―ela é a técnica específica de um poder que toma os indivíduos
ao mesmo tempo como objetos e como instrumentos de seu exercício”.
25
Essa noção de ―mulher‖, na verdade, nada tem a ver com a realidade. Trata-se, apenas, uma projeção narcísica
(masculina) que fornece às mulheres a ―substância fantasmática‖ de sua identidade (ŽIŽEK, 2006).
Percebe-se, neste exemplo extraído de ―sala de aula‖, não apenas o ocultamento
das relações que fogem à heteronormatividade, como também o constrangimento reforçado no
que diz respeito ao questionamento acerca da ―identidade de gênero‖ do estudante. Assim, ao
rechaçar da sala de aula a legitimidade de pessoas homoafetivas e/ou com identidade de
gênero não hegemônica, a prática docente tende a reforçar a hierarquização, dando maior
legitimidade à ―heterossexualidade compulsória‖ e a todo um modelo hegemônico centrado
no ―sujeito universal‖. No capítulo ―A construção escolar das diferenças‖, LOURO não
negligencia essa temática:

A negação dos/as homossexuais no espaço legitimado da sala de aula


acaba por confina-los às ‗gozações‘ e aos ‗insultos‘ dos recreios e dos
jogos, fazendo com que, deste modo, jovens gays e lésbicas só possam
se reconhecer como desviantes, indesejados ou ridículos (2003, p. 68).
Nessa perspectiva, a subordinação a esse sistema garante a perpetuação dos
padrões hegemônicos, bem como dos preconceitos deles derivados. Como fomos
disciplinadas e ―fabricadas‖ para reproduzirmos esse modelo, eis a necessidade de atentarmos
para as estratégias que nos cercam e nos subjugam. Aqui, destacamos a importância não
apenas da reflexão teórica, mas também das atitudes de resistência por parte dos sujeitos
subalternizados - mulheres, negras/os, pobres, LGBTs - e demais pessoas conscientes deste
sistema excludente.

Então, qual a importância de desnaturalizar/ desmistificar a sexualidade e trazê-


la para a ―roda de diálogo‖ na escola? Trabalhamos, nesse sentido, com a seguinte hipótese: a
―desnaturalização‖ dessas concepções aprendidas e interiorizadas na escola constitui-se, ela
mesma, num ato político de resistência na medida em que, na busca pela raiz desses processos
de diferenciação, explicitamos a sutileza desses mecanismos discursivos e institucionais de
ocultamento – seja do feminino, das relações étnico-raciais, das classes sociais ou das diversas
formas de expressão da sexualidade.

Partindo dessas breves considerações, pode-se, também, fazer a pergunta acerca


dos condicionamentos: será que, enquanto professoras formadas no contexto filosófico do
―dualismo metafísico ocidental‖, as docentes são tentadas a cada instante a separar instâncias
indissociáveis no plano das práticas ―sociais‖ (como ―mente‖ e ―corpos‖, p.ex.)? Igualmente,
bell hooks (2000), no seu instigante texto “Eros, erotismo e o processo pedagógico‖, já nos
alertava para o seguinte fato: ―Além do domínio do pensamento crítico, é igualmente crucial
que aprendamos a entrar na sala de aula ‗inteiras‘ e não como ‗espíritos descorporificados‘‖.
Aqui, os argumentos de bell hooks (2000) e LOURO (2003) caminham juntos no
sentido de que a sexualidade está presente onde houver ―corpos‖ e ―mente‖. Sendo assim, a
presença do tema da sexualidade é indispensável nesse debate, pois a compreensão da lógica
atuante nos ―mecanismos de invisibilização‖ pode ser o primeiro passo desse indispensável
―processo de conscientização‖:

Chamar atenção para o corpo é trair o legado de repressão e de negação


que nos tem sido passado por nossos antecessores na profissão docente,
os quais têm sido, geralmente, brancos e homens (bell hooks, 2000, p.
82).
Na obra ―Preconceito contra homossexualidades: A hierarquia da
invisibilidade‖, PRADO & MACHADO (2008) compreendem o preconceito como um
mecanismo de manutenção de ―hierarquias sociais‖, que se instala por meio de nossa
incapacidade de enxergarmos o que fora anteriormente ocultado. Ou seja, os mecanismos que
invisibilizam algumas identidades sexuais, na mesma medida em que as inferioriza, justificam
a subalternidade na esfera dos direitos, bem como legitimam a prática da homofobia.

Na verdade, os processos ocorrem sem qualquer tipo de consideração/


problematização no diz respeito à temática da injustiça social, visto que foram naturalizados e
assimilados por meio de uma simplificação de valores culturais dominantes, produzindo uma
certa ―coerência‖ no que concerne às práticas ―sociais‖ (PRADO & MACHADO, 2008, p.
74).

Em outras palavras, a homofobia é um sintoma social gerado a partir dos


preconceitos produzidos pela ―hierarquia sexual‖, a qual existe para, nos termos de BUTLER
(2016), a manutenção/legitimação da ―heterossexualidade compulsória‖. De um ponto de
vista orientado por essa heteronormatividade, as mulheres lésbicas e bissexuais, ainda que
invisibilizadas e/ou violentadas, são representadas de forma ―hipersexualizada‖ no contexto
de nossas sociedades. Condenadas à invisibilidade, essas mulheres são temidas porque a
própria sexualidade é delas temida.

Nesse cenário, a noção de ―sedução‖, associada ao medo da pedofilia, emerge


como uma categoria-chave. Em nome de uma pretensa posição de ―neutralidade ideológica‖,
são muitas vezes taxadas não apenas de ―doutrinadoras‖, como também de instigadoras de
uma prática sexual precoce entre seus alunos e alunas, inclusive de uma sexualidade
―desviante‖.
Torna-se importante, nesse aspecto, ressaltar a trajetória política de Harvey
Milk, declaradamente homossexual e um dos primeiros ativistas nos Estados Unidos, que
lutou contra a proposição 6, do senador republicano John Briggs, que previa a demissão de
professores/as homossexuais e seus/suas apoiadores/as (CAETANO, 2016).

Ainda que esta situação tenha sido vivenciada nos anos de 1970, ela nos inspira
a refletir como os comportamentos de professoras/es LGBTs podem ser considerados
subversivos e até mesmo provocadores da sexualidade das/os discentes. No Brasil, como bem
sinalizou CAETANO (2016), essas discussões estão presentes nos projetos legislativos que
tramitam nos espaços políticos, ainda que sem muita notoriedade.

Há quem acredite que tanto o discurso religioso de natureza fundamentalista


quanto o conservadorismo, visivelmente presentes em nossa sociedade, aliados aos discursos
médico e jurídico, num certo sentido bastante estigmatizantes também, tendem a se tornar os
catalisadores da violência ―LGBTfóbica‖ no Brasil (sobre o assunto, ver uma análise acerca
do discurso das lideranças religiosas em: MACHADO et. al., 2011).

Se caminharmos com a ideia de que a escola é um ―aparelho ideológico de


Estado‖ (Louis Althusser), pode-se inferir, inclusive, que nela, em determinadas situações,
(re)produz-se esse viés preconceituoso, que interdita os movimentos curriculares. Conforme
argumenta CAETANO (2016, p. 272), ―a sexualidade potencializa a vulnerabilidade em suas
relações escolares. As marcas que ela produz no corpo acabam por acirrar tensões cotidianas‖.
Consequentemente, as professoras lésbicas/bissexuais tornam-se fragilizadas nesses espaços,
podendo sofrer desde constrangimentos até a própria exclusão do ambiente de trabalho.

Nesse ponto, cabe levantar a pergunta pelo papel do feminismo nesse


debate. BUTLER (2016), que tem feito uma crítica radical do sujeito estável do feminismo (o
conceito de ―mulher‖ que, como categoria, mesmo quando utilizado no plural, explicita tão
somente a repressão/ regulação dos corpos), argumenta que as mulheres são vítimas do
machismo, da heteronormatividade e, paradoxalmente, do próprio ―movimento feminista‖,
uma vez que a ‗unidade‘ do gênero é o efeito de uma prática reguladora que busca
uniformizar a identidade do gênero por via da heterossexualidade compulsória (BUTLER,
2016).

Conforme BUTLER, para que o movimento feminista não esteja fadado ao


fracasso, a reflexão teórica precisa se libertar da imposição de uma representação única e
permanente. Desta forma, o conceito de identidade é radicalmente criticado pela autora, uma
vez que ―a formação do sujeito ocorre no interior de um campo de poder sistematicamente
encoberto pela afirmação desse fundamento‖ (2016, p. 25).
Vale ressaltar que as mulheres bissexuais, acusadas muitas vezes como traidoras
dos ―coletivos lésbicos‖, tornam-se vítimas dessas convenções (LUNA, 2016). Nessa
perspectiva, os diversos tipos de ―feminismo‖ (o ―negro‖ e o ―lésbico‖, por exemplo, assim
como outras formas de configuração ainda em processo de formação/ consolidação: o
―transfeminismo‖, o ―feminismo bissexual‖ etc.), ainda que acusados de fragmentarem a
suposta solidariedade universal entre todas as mulheres, surgiram enquanto questionamento
dessa pretensa unidade.
Sobre isto, BUTLER (2016) nos aponta um caminho: ―a aceitação de
divergências, rupturas, dissensões e fragmentações, como parcela do processo frequentemente
tortuoso de democratização‖ (2016, p. 40). Para exemplificar estas fragmentações
supracitadas, CAETANO (2016) nos questiona sobre as professoras:

Elas são todas iguais? Possuem as mesmas práticas? Sabemos que o


universo de atuação dessa categoria profissional leva os sujeitos a
assumirem meras configurações, entretanto todos partem de uma figura
singular sobre o que é essa identidade e, com base nesse movimento,
compõem o que poderíamos chamar de sua identificação
performatizada (CAETANO, 2016, p. 60).
Segundo esta lógica, as professoras lésbicas e bissexuais são corpos que
vivenciam múltiplas ―figurações‖ e configurações, suportando as experiências acumuladas no
contexto dos inúmeros grupos de pertencimento.

Considerações Finais
A ―mulher‖ ainda é, majoritariamente, a figura indicada a exercer o magistério,
sobretudo no cuidar/educar de crianças, ainda que lidando com os estigmas e os baixos
salários da profissão, advindos da ―divisão sexual do trabalho‖. Diferentemente do homem,
entendido em nossos padrões de masculinidade como o ser viril, dono de uma sexualidade
―avassaladora‖, a ―mulher‖ é considerada assexuada, sobretudo na figura docente. Neste
sentido, o desvelamento da sexualidade da professora, sobretudo de uma sexualidade não-
heterossexual e/ou não-monossexual constitui-se numa grande ―quebra de tabu‖, causando
desconfortos, conflitos, constrangimentos, entre outras situações.
Assim, a problematização teórica feita pelos teóricos pós-estruturalistas não
apenas nos apontou para um permanente debate sobre as feminilidades, como também como
nos interrogou sobre a abrangência e transformação dos conceitos já existentes, afinal, as
identidades sociais, dependendo das práticas sociais concretas que as constituem, são
totalmente instáveis, podendo ganhar vida ou mesmo se dissolver ao longo dos anos. Desta
forma, as discussões sobre as relações sociais de gênero, de modo geral, e sobre o ser
―mulher‖, de modo específico, são permanentemente prorrogadas/ adiadas, permitindo as
múltiplas convergências e/ ou divergências temáticas em torno do assunto.
Finalmente, há que destacar o seguinte: os ―insights‖ presentes neste artigo não
são apenas ―elucubrações teóricas‖, mas se enraízam perfeitamente no ―mundo da vida‖ na
medida em que nascem das inquietações das/dos próprias(os) articulistas. Futuramente,
pesquisas quantitativas/ qualitativas com as professoras lésbicas e/ ou bissexuais poderão nos
indicar ―novos caminhos‖, bem como reforçarão (ou não) os argumentos apresentados neste
paper.

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HOMOSSEXUALIDADE NA ESCOLA E O EXERCÍCIO DO PENSAR
SOBRE OS PRECONCEITOS: COMO OS ESTUDANTES
HOMOSSEXUAIS SÃO VISTOS PELOS (AS) PROFESSORES (AS)

Autor (1) Ednaldo Andrade Barros- Mestrando em Educação Culturas e Identidades pela
UFRPE/FUNDAJ, Professor das Redes Municipais de Ensino de Recife-PE e São Lourenço da Mata-
PE.Membro do grupo de pesquisa sobre a Transdisciplinaridade, Infâncias e Juventudes-GETIJ-
barrosed@hotmail.com

Co-autor Hugo Monteiro Ferreira- Prof. Hugo Monteiro Ferreira


Universidade Federal Rural de Pernambuco
Departamento de Educação
Núcleo da Formação Docente e da Prática Pedagógica
Representante da Cátedra UNESCO de Leitura em Pernambuco.
hmonteiroferreira@yahoo.com.br.

RESUMO
Este trabalho investiga a compreensão dos professores e professoras acerca da
homossexualidade e como eles/elas lidam com os estudantes ditos ou declaradamente
homossexuais. Os principais objetivos são: compreender o nível de aceitação ou rejeição
dos/das professores/as em relação aos estudantes homossexuais na escola e suas implicações
no combate aos preconceitos sofridos por eles; entender o nível de conhecimento dos (as)
docentes acerca das identidades sexuais; Estabelecer comparação entre a negação do
preconceito no discurso e na prática; descobrir as principais dificuldades dos (as) professores
(as) para se trabalhar a temática em sala e na escola como um todo. Os fundamentos
metodológicos têm ligação com a abordagem da pesquisa qualitativa aplicada a uma situação
de análise do conteúdo e do discurso a partir da exibição do documentário “Bichas, o
documentário‖, para professores e professoras de uma escola da rede municipal de ensino da
cidade do Recife. Como principais resultados do estudo, temos: a) a escola demonstra
incapacidade de trabalhar com a temática; b) a compreensão de que a escola pode ser
elemento influenciador na orientação sexual dos alunos; c) o entendimento de que a
homossexualidade é um problema impróprio para ser discutido na escola.
Palavras Chave: Homossexualidade, Preconceitos, Professores, Estudantes, Escola.

Introdução
São cada vez mais comuns relatos de violência ligados à questão da identidade
homossexual. Infelizmente, isso também tem corrido e com frequência dentro dos muros da
escola. Muitos estudantes têm sofrido perseguições por serem ou aparentarem ser
homossexuais. O espaço escolar pode se constituir um espaço de sofrimento para esses
estudantes que se não forem amparados pelos professores, colegas ou outros atores da
comunidade escolar, podem se afastar da escola quando não termina numa situação mais
comprometedora. Quando essas perseguições são frequentes e ocorrem claramente por conta
da orientação sexual é configurado um quadro de homofobia.

Nesse sentido, faz-se necessário discutir no espaço escolar, essa temática a fim de se
combater essa prática violenta que tem marcado a identidade de muitos dos estudantes
brasileiros e do mundo todo. Sobre o fenômeno da homofobia, Borrillo (2010), afirma:

A homofobia pode ser definida como hostilidade geral, psicológica e social


contra aquelas e aqueles que, supostamente, sentem desejo ou têm práticas sexuais
com indivíduos de seu próprio sexo. Forma específica do sexismo, a homofobia
rejeita, igualmente, todos aqueles que não se conformam com o papel
predeterminado para seu sexo biológico. (BORRILLO, 2010. p34).

No espaço escolar, essa prática assume contornos bastante significativos no processo


de formação da identidade do/da estudante. Nosso trabalho terá como foco apenas a análise
desse processo ocorrido com estudantes do sexo masculino. Nesse contexto, um
questionamento impulsiona nossa vontade de investigar a homofobia na escola: como os
atotes escolares podem contribuir para amenizar o sofrimento causado pelo preconceito de
identidade sexual? Tratar desse assunto na escola não tem sido uma tarefa fácil
principalmente levando em consideração a atual conjuntura do poder legislativo brasileiro. A
religiosidade também é um fator importante a ser considerado na análise dos silenciamentos
das instituições escolares acerca da violência em relação aos alunos tidos como ou
declaradamente homossexuais.

Analisando a homofobia no Brasil, constatamos que se trata de um fenômeno que


ganha força à medida que os homossexuais conquistam a garantia de direitos que na verdade,
deveriam ser socialmente garantidos e estendidos a todos os cidadãos.
A homofobia faz com que muitas pessoas ainda encarem a homossexualidade como
uma doença. Diante dessa realidade é preciso entender as possíveis atitudes das pessoas diante
da homossexualidade. Nessa busca, podemos encontrar com as seguintes alternativas: a
pessoa admite ser preconceituosa; ou diz que não tem preconceito, mas que respeita; ou que
respeita, mas não aceita; ou que tolera, mas não aceita e assim por diante. Em que
consistiriam as diferenças entre estas várias atitudes? Que diferença isso fará no processo de
formação de identidade de uma criança ou adolescentes vistos com comportamento diferente
dos da maioria no tocante às identidades sexuais?

Para encontrar respostas a esses questionamentos apresentamos o objetivo geral de


nosso estudo que é: compreender o nível de aceitação ou rejeição dos (as) professores (as) em
relação aos estudantes homossexuais na escola e suas implicações no combate aos
preconceitos sofridos por estes estudantes. Como objetivos específicos, propomos: entender o
nível de conhecimento acerca das identidades sexuais; Estabelecer comparação entre a
negação do preconceito no discurso e na prática; descobrir as principais dificuldades dos (as)
professores (as) para se trabalhar a temática em sala e na escola como um todo.

Nesse sentido, propomos uma discussão numa escola da rede municipal de ensino da
cidade do Recife a partir da exibição de um documentário que ficou bastante conhecido
principalmente pelas polêmicas causadas nas redes sociais. O documentário ao qual nos
referimos é o “Bichas, o documentário‖, que atualmente já passa das 500.000 visualizações.

Diante do crescente número de ataques aos homossexuais por parte das pessoas que
não conseguem conviver pacificamente com a diferença. O que tem deixado o movimento
LGBT bastante preocupados é o apoio inclusive formal de algumas instituições religiosas nas
perseguições aos homossexuais. No espaço escolar também, é comum a discriminação com os
estudantes homossexuais. A situação de estudantes gays e lésbicas que tentam esconder sua
orientação sexual é bastante difícil já que o silenciamento de sua sexualidade é também uma
forma de violência como destaca Guacira Louro:

Ao não falar a respeito deles e delas, talvez se pretenda ´eliminá- los`, ou, pelo
menos, se pretenda evitar que os alunos e as alunas ´normais` os/as conheçam e
possam desejá-los/as. Aqui, o silenciamento – a ausência da fala – aparece como
uma espécie de garantia da ´norma`. (LOURO, 1997, p. 67-68)

Assim, se tem uma clara violação dos direitos fundamentais das pessoas e mais
precisamente dos adolescentes em relação ao convívio pacífico nos espaços públicos de
aprendizagem. Esse documentário traz à tona questões de emponderamento dos homossexuais
masculinos, dando ao vocábulo ―Bichas‖ outro significado. Pretendeu-se com ele entender
como os (as) professores (as) encaram as violências que os estudantes sofrem no ambiente
escolar por conta de seus traços identitários ligados a comportamentos tidos como de pessoas
homossexuais. O trabalho não assume características de juízo de valor, mas preocupa-se com
o fato de alguns direitos desses alunos poderem estar sendo ignorados à luz do
desconhecimento ou posicionamento político de alguns (as) professores (as).
Para entender o conceito que os (as) professores (as) têm sobre a homossexualidade e
a homofobia nos espaços escolares e como tem atuado frente aos processos de violências que
alguns alunos sofrem no cotidiano entre os muros da escola aplicamos um questionário que
teve como objetivo também compreender as subjetivações na escola e o processo de formação
identitário dentro da perspectiva da alteridade.

Metodologia
Nosso estudo ocorreu a partir da exibição de um documentário seguido da aplicação
de um questionário e uma discussão com os/as participantes da pesquisa sobre a homofobia na
escola. É importante destacar que a discussão não estava prevista inicialmente na
metodologia. Inicialmente foi entregue um termo de consentimento livre e esclarecido para
assinatura de todos os participantes. Os sujeitos da pesquisa deveriam assistir ao
documentário ―BICHAS, O DUMENTÁRIO” e logo sem seguida, responder ao questionário.

A identidade dos (as) professores (as) participantes não seria revelada não sendo
necessária a identificação dos (das) mesmos (as). Após a exibição do documentário os (as)
professores sentiram a necessidade de discutir acerca da temática trazida pelo documentário
principalmente no tocante a violência com os personagens no ambiente escolar. Esse
momento foi muito rico porque várias questões foram postas. Era um momento reservado ao
conselho pedagógico da escola. A direção e coordenação pedagógica foram consultadas
previamente e sinalizaram positivamente para a discussão que julgaram pertinente.

Observamos atentamente todos os diálogos e debate que ocorreram naquele espaço


tomando nota para enriquecer nossas análises. O questionário foi aplicado coletivamente na
sala do auditório onde foi exibido o documentário. A coleta dos dados teve a duração de 02
horas contanto com o tempo da exibição do documentário (38 minutos e 58 segundo), 30
minutos para resposta do questionário e o restante do tempo ficou para a discussão com os
(as) professores (as). Após a entrega dos questionários em uma urna, os/as professores
participantes sinalizaram a necessidade de iniciar uma discussão sobre o tema na tentativa de
tirar dúvidas ou expor suas dificuldades e angustias em se trabalhar essa questão.

O questionário foi elaborado de uma forma que a pessoa que o respondesse deixasse
sua compreensão acerca da homossexualidade no que diz respeito a comportamentos sociais
na escola e como atua frente a questões relacionadas em sua sala de aula e em outros espaços
da escola. O questionário aplicado era composto de dez questões sendo cinco de múltipla
escolha e cinco questões abertas. As perguntas eram interdependentes para facilitar a análise
das respostas.

Participaram da pesquisa 14 professores sendo 12 do sexo feminino e 02 do sexo


masculino. Os professores participantes da pesquisa trabalham em uma escola da rede
municipal de ensino da Cidade do Recife e todos tem título de Especialistas na área de
Educação. Escola onde ocorreu a pesquisa fica situada em um bairro periférico da zona lesta
da cidade do Recife dento da RPA4- (Região Política Administrativa), atende a estudantes do
primeiro ao quinto ano do ensino fundamental e estudantes da modalidade educação de jovens
e adultos. É uma escola de grande porte, atendendo aproximadamente mil estudantes. A
pedido dos/das participantes o nome da escola não será citado no estudo.

A proposta metodológica foi desenhada a partir da concepção da pesquisa qualitativa


por acreditarmos ser esse modelo o mais adequado com o nosso objetivo de estudo, pois
Segundo esta perspectiva, um fenômeno pode ser melhor compreendido no contexto em que
ocorre e do qual é parte, devendo ser analisado numa perspectiva integrada. Para tanto, fomos
a campo buscando entender o fenômeno em estudo a partir da perspectiva das pessoas nele
envolvidas, considerando os pontos de vista que consideramos relevantes.

Adotamos como ferramenta metodológica para análise dos dados, a análise de


conteúdo com intuito de tonar mais completa as análises e entender os resultados do estudo a
que nos propomos. Recorremos a Bardin (1997), que define de forma clara tal ferramenta. O
autor elucida que:

o termo análise de conteúdo designa um conjunto de técnicas de análise


das comunicações visando a obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de
descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que
permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de
produção/recepção(variáveis inferidas) destas mensagens (BARDIN, 1997.p.42)

Seguir este caminho nos propiciou mais clareza dos dados obtidos tanto das respostas
do questionário quanto da análise do debate que ocorreu de forma espontânea após a exibição
do documentário.

Resultados
Os dados foram analisados utilizando a análise do conteúdo e apontam para um
cenário de contradição mesmo entre as respostas dos entrevistados ao questionário, mas
principalmente se comparadas ao discurso durante o debate quantos aos dados do
questionário, todos os (as) participantes da pesquisa responderam que não consideram a
homossexualidade um problema. Esse dado pôde ser discutido com as outras respostas do
questionário e o próprio discurso dos (as) participantes.

Na resposta à pergunta que pretendia saber como agiriam se tomassem conhecimento


que algum (a) estudante era perseguido (a) por ser ou aparentar ser homossexual, 03, portanto,
21,42% dos entrevistados alegaram que não sabiam como agir, mas que também não
poderiam ―estimular‖.

Quanto à questão a questão de comportamento dos estudantes foi perguntado se um


menino fosse presenciado brincando com uma boneca na hora do recreio sob o olhar de todas
as outras crianças e adultos da unidade escolar, 13 dos 14 entrevistados, 92,85% Afirmaram
não intervir no momento lúdico da criança. Desses, 02 disseram que só interviriam se o
menino estivesse sendo vítimas de algum preconceito devido o brinquedo escolhido. Apenas
uma professora respondeu que iria questionar se o menino estava brincando com uma boneca
porque estava assumindo o papel de pai numa situação imaginativa. Essa resposta nos leva a
inferir que a professora não acha certo um menino brincar de boneca a não ser que isso ocorra
como uma representação de um papel masculino a ser assumido posteriormente, mas a análise
será realizada mais especificamente na parte das discussões do estudo.

Quanto à questão de se ter um aluno com trejeitos femininos na sala, todos (as) os
pesquisados afirmaram não se incomodar com isso.

Um dado bastante importante para essa discussão que aparece nos resultados refere-se
ao a questão que quis saber se os professores consideravam importante a escola promover
debates com o corpo docente sobre a diversidade sexual. No questionário apenas uma
professora disse não concordar com a proposição dos debates. Paradoxalmente, durante a
discussão ocorrida após a exibição do documentário, 04 participantes embora afirmassem não
saber como agir com essas questões, não achava que a escola tivesse que se preocupar com
esses debates para não influenciar os estudantes. A preocupação com essa influencia
certamente vem da compreensão de que a questão da homossexualidade é uma escolha o que
já está mais do que comprovado cientificamente ser essa compreensão um grande equívoco.

Sobre a questão que perguntava como o (a) professor (a) agiria ao recebe um estudante
vindo de outra escola e já com histórico de sofrimentos de violência por conta de seu perfil
identitário. A Esmagadora maioria marcou a resposta pede ajuda aos colegas, direção ou
coordenação para atuar preventivamente. Apenas um (a) participante marcou a opção
ignoraria o fato de experiências anteriores de violência e nenhum/a marcou a alternativa
relatar a coordenação que não sabe como lidar com a situação.

Sobre essa questão, podemos afirmar que um educador (a) que apresenta preconceitos,
ou até mesmo dificuldades em expressá-los, dificilmente mudaria de atitudes apenas mediante
conversas ou discussões. Mas também podemos afirmar que propiciar essas discussões servirá
para que ele possa repensar suas posturas e/ou pelo menos, entender que ele/ela não está só na
escola e que do ponto de vista coletivo, ele/ela precisa assumir posturas que respeitem a
diversidade e alteridade conforme reza as legislações vigentes no campo educacional e social
como um todo.
Perguntado explicitamente se o professor soubesse previamente que recebei um estudante
homossexual em sua turma e se tivesse a chance de mudar de sala o que faria 100% dos
pesquisados responderam que não o fariam. Essa questão era objetiva, mas tinha um espaço
para justificar caso desejassem. Sete professoras, (50%) justificaram suas respostas apontando
para o fato que não separam seus alunos por nenhum traço identitário.

Discussão
Podemos constatar nas respostas dos (as) participantes do estudo que esses (as)
professores (as) acreditam que a homossexualidade é uma coisa adquirida. Durante a
discussão alguns colocavam que embora não tivessem nada contra a homossexualidade, não
achavam um fenômeno natural. Sobre essa questão, e Mott (2003), defende que a ideia
obcecada de que há uma lei natural, ou sobrenatural, ou um instinto, dirigindo o sexo,
bastando segui-los, é o maior obstáculo para se compreender a homossexualidade, justamente
porque desvia o olhar do entendimento da cultura como fator importante na construção e
determinação das orientações sexuais.
Um dado bastante importante para essa discussão sobre como se compreende a
homossexualidade na escola, aparece nos resultados referentes à questão que quis saber se os
professores consideravam importante a escola promover debates com o corpo docente sobre a
diversidade sexual. Nas respostas à pergunta apenas um (a) professor (a) disse não concordar
com a proposição dos debates ou apresentações da temática por parte da escola.
Paradoxalmente, durante a discussão ocorrida após a exibição do documentário, 04
professoras embora afirmassem não saber como agir com essas questões, não achavam que a
escola tivesse que se preocupar com esses debates para não influenciar os estudantes. A
preocupação com essa ―influência‖ certamente vem da compreensão de que a questão da
homossexualidade é uma escolha o que já está mais do que comprovado cientificamente ser
essa compreensão um grande equívoco.

Durante a discussão sobre como trabalhar a questão da homossexualidade na escola de


forma geral e mais especificamente na sala de aula, algumas professoras alegaram que
acreditavam que essa discussão era de ordem particular e que a escola não deveria dar conta
dela. Tal uma justificativa tem sido bastante utilizada por professoras e professores para
deixar o tema da diversidade sexual fora das discussões do currículo. Essa atitude pode
aumentar ainda mais o nível de incompreensão das pessoas sobre a diversidade sexual e
consequentemente aumentar o nível de preconceito com as pessoas com orientações sexuais
diferentes dos da maioria. Para Britzman:

Este mito afirma, ao mesmo tempo, uma noção duvidosa de privacidade: que aquilo
que a pessoa ―faz‖ privadamente deve ter pouca consequência pública. [...] Além
disso, a insistência de que a sexualidade deva ser confinada à esfera privada reduz a
sexualidade às nossas específicas práticas sexuais individuais, impedindo que
concebamos a sexualidade como sendo definida no espaço social mais amplo,
através de categorias e fronteiras sociais. (BRITZMAN, 1996, p. 80).

Sobre essa questão, podemos afirmar que um educador (a) que apresenta preconceitos,
ou até mesmo dificuldades em expressá-los, dificilmente mudaria de atitudes apenas mediante
conversas ou discussões. Mas também podemos afirmar que propiciar essas discussões servirá
para que ele possa repensar suas posturas e/ou pelo menos, entender que ele/ela não está só na
escola e que do ponto de vista coletivo, ele/ela precisa assumir posturas que respeitem a
diversidade e alteridade conforme reza as legislações vigentes no campo educacional e social
como um todo.
Nessa perspectiva, se o homossexual é o culpado pelo crime/pecado que comete deve
ser também responsável por qualquer tipo de violência que venha a sofrer. É a partir dessa
contextualização que apresentamos nosso estudo como ferramenta para a compreensão do
problema do preconceito sexual e da homofobia existentes nas escolas, que visa explicar
através de um trabalho qualitativo os impactos negativos na vida das vítimas de violências
simbólica e física por conta de sua orientação sexual.
Alguns estudiosos têm se debruçado sobre a homossexualidade na escola. Para Luiz
Roberto Mott (2003), Homossexualidade significa ―sexo igual‖, podendo ser aplicado tanto
para homem que se relaciona com homem, quanto para a mulher que se relaciona com
mulher. Um conceito tão simples de ser compreendido do ponto de vista semântico, tem se
caracterizado por um dos temas mais polêmicos na educação nos últimos anos. E a escola
enquanto lócus privilegiado de formação precisa empreender um projeto de educação sexual
que aborde e garanta a liberdade. Geralmente na escola os estudantes do sexo masculino que
se comportam, seja na forma de vestir, andar, brincar diferente dos da maioria dos meninos,
são facilmente alvos de chacotas e agressões verbais quando não físicas. Tais comportamentos
com os estudantes tidos como homossexuais pode corroborar para uma postura homofóbica
institucional.
Para Meyer e Borges (2008), a homofobia no Brasil recebe um reforço cultural na
desvalorização de tudo que é feminino ou ―coisa de mulher". Os homens que se aproximam
de um comportamento socialmente identificado como feminino são fortemente vigiados,
discriminados e, certamente, sofrerão vários tipos de penalidades na escola, que envolvem,
muitas vezes, violência física. Essa violência é também problematizada por Oliveira e Martins
(2007)
A violência que se configura dentro do espaço escolar, manifestada através do
comportamento dos alunos, lança professores diante da confusão da possibilidade de
um ensino libertador (caso seja esta a sua proposta) e de uma realidade insuportável,
na qual os educadores recorrem a expedientes autoritários e até mesmo
violentadores, a fim de manter a ―ordem geral‖. São estabelecidas regras, controles,
punições e dominações para disciplinar os alunos em estados de rebeldia.
( OLIVEIRA E MARTINS, 2007, p. 95):

A instabilidade instalada pelos conflitos acaba gerando protocolos de resolução que a um


olhar mais atento, são construídos e emoldurados por ranços de violência e autoritarismos.
Muitas vezes o menino que sofreu a violência acaba sendo culpabilizado por ser do jeito que
é. Diante desses dados apresentados no estudo, torna-se importante, que num primeiro
momento, o professor (a) consiga expor o que pensa e sente, com clareza, sem ludibriar a si
próprio e aos outros. É muito válido começar falando que: é difícil falar sobre, ou que se tem
dificuldade para entender a questão, como se viu em alguns depoimentos acima.
Quando se pede para escrever ou falar o que pensam e sentem sobre
homossexualidade, mesmo em espaço propício para fazê-lo, alguns educadores dão resposta
extremamente sucinta e vaga, parecendo demonstrar, com isto, temer o assunto ou não desejar
pensar sobre o mesmo. Temer essa discussão pode trazer malefícios consideráveis aos
estudantes que sofrem com a não aceitação de suas identidades por parte dos colegas e muitas
vezes por parte dos próprios (as) professores (as).
Nesse sentido, um estudo realizado Pela Secretaria de Educação da Associação
Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - sobre o ambiente
educacional no Brasil- 2015. Esse estudo traz a triste confirmação de que para os/as
adolescentes e jovens, a instituição educacional pode ser um lugar inseguro por diversos
motivos.
Foi perguntado para os/as estudantes que participaram da dessa pesquisa se em algum
momento no último ano letivo se sentiram inseguros/as na instituição educacional por causa
de alguma característica pessoal, incluindo: orientação sexual, gênero, identidade / expressão
de gênero (ou seja, em termos tradicionais, até que ponto a aparência ou os comportamentos
correspondiam a noções tradicionais do ―masculino‖ ou do ―feminino‖), bem como o tamanho
ou o peso corporal. As respostas mostraram que muitos/as dos/ das estudantes LGBT se
sentiam inseguros/as na instituição educacional por causa de sua orientação sexual e
identidade / expressão de gênero: 60,2% afirmaram se sentir inseguros/as na instituição
educacional no último ano por causa de sua orientação sexual. 42,8% se sentiam inseguros/as
por causa da maneira como expressavam o gênero.

São dados expressivos que demonstram no mínimo, uma omissão das instituições
escolares ao longo do Brasil. É fato também que isso não ocorre sem o sofrimento de milhares
de crianças, adolescentes e jovens. É importante trazer também para o hall dessa discussão os
aspectos familiares e culturais. A esse respeito, Borrillo 2010, destaca que:

O processo pedagógico deverá começar pela renúncia do conjunto de códigos


culturais e de estruturas sociais que, ao transmitirem seus valores, fortalecem os
preconceitos e a discrição contra gays e lésbicas. Deve-se, em primeiro lugar,
abordar as famílias, a fim de que os pais sejam capazes de compreender que um
filho gay ou uma filha lésbica não constituem, de modo algum, um problema; em
vez disso, os verdadeiros temas de preocupação devem ser a rejeição ou a não
aceitação dos filhos/as em decorrência de sua orientação sexual, assim como a
violência traumatizante implicada em tal atitude. (BORRILLO, 2010 p. 109)

Trabalhar a questão do preconceito contra os homossexuais com a família é fundamental para


que o trabalho com os estudantes homossexuais na escola se dê em parceria e não em nível de
disputa. O que se tem presenciado em algumas escolas brasileiras que realizam um trabalho
de empoderamentos com estudantes gays é que, muitas vezes esse emponderamento instigado
pela escola deixa os estudantes em situação de risco entre os familiares que muitas vezes
chegam a agredirem fisicamente estes estudantes.

Conclusão
Lançar olhares para o tema da homossexualidade e para as formas como os
professores e professoras lidam com essa questão na escola é sem dúvida, desafiador, não
apenas para o público-alvo da pesquisa que muitas vezes se mostra intimidados em discutir tal
temática no espaço escolar, mas também, para nós pesquisadores. Nossa percepção foi sendo
construída aos poucos, através do que pôde ser compreendido no campo das pesquisas
bibliográficas. Podemos constatar que a escola ainda é uma instituição pensada para alunos
heterossexuais. Os estudantes que se apresentem com orientação diferente muitas vezes são
orientados a silenciar. Ele será aceito pelo grupo se não evidenciar sua diferença. Tal
perspectiva fortalece o preconceito e corrobora para um mundo de sectarismos e negação de
direitos universais.
A discussão sobre sexualidade na escola é quase sempre ensinada de forma ―padrão‖,
colocando como natural que os opostos se relacionarem, ou seja, a mulher e o homem,
reproduzindo comportamentos ditos ―normais‖, tudo que passa dessa ―verdade‖ induzida, a
escola faz ―vistas grossas‖, e diz que não está dentro do cronograma de aprendizagem dos
alunos. Mas uma ―nova escola‖ é possível. E se a escola velha estiver disposta a ouvir todos
(as) os (as) estudantes, uma nova forma de se pensar a educação pode emergir. Uma escola
plural não pode fechar os olhos para as diferenças.
Como reflexões finais possibilitadas pela realização deste estudo, podemos destacar
que os estudantes homossexuais (declarados ou assim vistos) sofrem muito na escola e que
esse sofrimento pode trazer-lhes consequências catastróficas para seu desenvolvimento
acadêmico e pessoal. Mas também traz para as sombras da indiferença, a luz da esperança. Os
próprios estudantes que são vítimas diariamente do preconceito e das múltiplas formas de
violências estão gritando por socorro, ao mesmo tempo, que indicam caminhos possíveis para
se caminhar em paz na escola.
Ouvir os professores e professoras que são os adultos que estão lidando com esses
jovens em desenvolvimento parece ser o caminho mais razoável. Percebemos também com o
diálogo com os (as) participantes do estudo que Os currículos dos cursos de formação inicial
de professores/as (graduação) precisam ter conteúdos específicos sobre o respeito à
diversidade sexual, com formação continuada para profissionais de educação, para que
estejam preparados/as para acolher efetivamente os/as estudantes LGBT e agir diante dos
problemas que surgem nas escolas. Torna-se também imperioso que materiais pedagógicos
baseados em evidências (para professores/as e estudantes) precisam ser elaborados,
disponibilizados e utilizados nas escolas para promover o respeito a todos e a todas, sem
distinção de qualquer característica pessoal. Isto deve ocorrer de forma transversal, com base
na educação em direitos humanos.
Acreditamos ser a escola uma instituição dinâmica, formada essencialmente por
pessoas e acreditamos também que é possível construir na escola espaços de convivência
pacífica com a diferença. Uma escola preocupada como o desenvolvimento pleno de seus /
suas estudantes lançará mão de múltiplas estratégias de integração de seus membros partindo
do principio da alteridade. Nesse sentido, os estudantes devem ser ouvidos para a construção
de uma escola que atentem para suas necessidades.

Referências
Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Secretaria de
Educação. Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Educacional no Brasil 2015: as
experiências de adolescentes e jovens lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais em
nossos ambientes educacionais. Curitiba: ABGLT, 2016.

BARDIN, L Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977

BORRILO, Daniel. Homofobia; história e crítica de um preconceito. Trad. Guilherme João


de Freitas Texeira- Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010.
BRITZMAN, Deborah. O que é esta coisa chamada amor: identidade homossexual, educação
e currículo. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 21, n. 1, p. 71-96, jan/ jun 1996.
LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista.
Petrópolis: Vozes, 1997
MEYER, ZM e Borges, DE (2008). Limites e possibilidades de uma ação educativa na
redução da vulnerabilidade à violência e à homofobia. Ensaio: Aval. Pol. Públ. Educ., RJ, v.
16, n. 58, p. 59-76.
MOTT, Luiz. Homossexualidade: mitos e verdades. 1ª ed. Salvador: Grupo Gay da Bahia,
2003.
OLIVEIRA, É. C. S. e MARTINS, S. T. F. Violência, Sociedade e Escola: da recusa do
diálogo à falência da palavra. Psicologia & Sociedade, 19(1), p. 90-98; jan/abr, 2007.
LGBTFOBIA NA ESCOLA: IMPLICAÇÕES DA GESTÃO ESCOLAR26

Émerson Silva Santos, emersonssantos1@gmail.com, discente do mestrado em educação


contemporânea da Universidade Federal de Pernambuco/Centro Acadêmico do Agreste. Coordenador
da ONG DIVERSA – Centro de Pesquisa em Direitos Humanos, Gênero e Democracia. Ativista do
Coletivo Lutas e Cores.

Resumo

Nos últimos anos, pesquisas promovidas por organizações da sociedade civil, pesquisadores/as e pelo
poder público revelaram um cenário com altos índices de violência motivadas por LGBTfobia
praticadas dentro do ambiente escolar contra a população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e
transexuais (LGBT) e/ou sujeitos/as que não atendam as exigência da norma padrão heterossexual.
Apesar desses indicadores e da visibilidade conquistada pelo Movimento LGBT, persiste, em muitos
casos, alguns processos de silenciamento e cumplicidade com este problema por parte da gestão
escolar. Tal violência tem resultado em evasão escolar, distorções na relação idade-série, dificultado o
processo de aprendizagem dos/das estudantes, além de se configurar como violação de direitos
humanos. Nesse sentido, este trabalho tem por objetivo apresentar quais as implicações da gestão
escolar diante dos processos de LGBTfobia na escola. A opção metodológica para o desenvolvimento
do estudo foi a abordagem qualitativa e pesquisa explicativa. Para a coleta de dados foi realizada uma
pesquisa bibliográfica buscando relacionar as discussões realizadas por pesquisadores/as da área de
gestão escolar (LÜCK; 2009; 2013) e da diversidade sexual na educação (JUNQUEIRA, 2009a;
2009b; 2015; LOURO, 2009; TORRES, 2013). Para a análise e tratamento dos dados levantados foi
utilizada a técnica de análise de conteúdo. Os resultados apontam que compete a gestão escolar
proporcionar as condições ideais para o respeito as diferenças no ambiente escolar. Ainda como
resultados, pudemos compreender que no que diz respeito aos processos de violências motivadas por
LGBTfobia na escola, a gestão escolar pode ser parte do problema e parte da solução. Pode ser parte
do problema quando silencia, é cumplice ou prática violência LGBTfóbica. Por outro lado, pode ser
parte da solução quando apura as denúncias de LGBTfobia na escola, estabelece punições pedagógicas
para os/as agressores/as e atua de forma a coibir esse tipo de pratica no ambiente escolar.

Palavras-Chave: LGBTfobia; Gestão Escolar; Educação.

INTRODUÇÃO

Os debates em torno das questões de diversidade sexual e identidade de gênero vem


ganhando cada vez mais espaço no cenário das pesquisas em educação no Brasil. A motivação
disso pode ser explicada por questões de várias ordens, entre elas a criação do Grupo de
Estudo 23 – Gênero, Sexualidade e Educação nas reuniões da Associação Nacional de Pós

26
Este ensaio é resultado de reflexões iniciais realizadas na pesquisa de mestrado intitulada ―(Des)Respeito à
Diversidade Sexual e a Identidade de Gênero em Escolas de Caruaru-PE: A questão da LGBTfobia e os
enfrentamentos e/ou silenciamentos da gestão escolar‖, desenvolvida no âmbito do Programa de Pós Graduação
em Educação Contemporânea da Universidade Federal de Pernambuco, sob orientação da Professora Dra. Allene
Lage.
Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), como também a atuação do Movimento de
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT).
No início dos anos 2000, a partir da produção acadêmica sobre gênero, sexualidade e
educação, ficou evidente a necessidade desse tema receber maior atenção nas reuniões anuais
da ANPEd. A partir dessa lacuna e da pressão dos/as pesquisadores/as da temática de gênero e
sexualidade, em 2003, a ANPEd criou o Grupo de Estudos (GE) 23 – Gênero, sexualidade e
educação, fase preliminar para a criação de qualquer Grupo Trabalho (GT) nas reuniões da
Associação. No ano de 2006, na 29º Reunião da ANPEd o Grupo de Estudos 23 estabeleceu-
se oficialmente como Grupo de Trabalho.
Alguns anos antes da criação do GT 23 da ANPEd, mais precisamente em 1997, a
pesquisadora Guacira Lopes Louro lançou o livro ―Gênero, Sexualidade e Educação: Uma
perspectiva pós-estruturalista‖. Esta obra é umas das produções mais presentes nas referências
dos estudos de gênero, sexualidade e educação no nosso país. Nela, Louro (2014) reflete
várias questões em torno da construção escolar das diferenças, situações de sexismo e
LGBTfobia27 na escola, desigualdades e hierarquias no espaço escolar, entre outros temas.
Por sua vez, o Movimento LGBT, desde o seu surgimento na década de 1970, vem
denunciando a violência praticada contra a população LGBT, reivindicando a criação de
políticas púbicas e de legislações específicas para a promoção da cidadania destes/as
sujeitos/as (SIMÕES e FACCHINI, 2009). O Movimento LGBT tem dedicado uma especial
atenção ao campo da Educação, pleiteando a elaboração de materiais didáticos para o combate
a LGBTfobia na escola, como livros, cartilhas, cartazes, vídeos, documentários, etc. Ainda no
campo da Educação, o Movimento LGBT também tem reivindicado a criação de programados
de formação para profissionais da educação (professores/as, gestores/as, supervisores/as, etc.)
em gênero e sexualidade, com vistas a descontruir os processos de violência LGBTfóbica no
interior das instituições escolares.
Essas demandas educativas do Movimento LGBT surgem a partir da constatação de
que o espaço escolar ainda tem sido um lugar de recorrentes violações. Alguns estudos
(ABRAMOVAY et al., 2004; CARRARA e RAMOS, 2005; CARRARA et al., 2007) já

27
A utilização da expressão ―LGBTfobia‖ ao invés da expressão ―homofobia‖ para designar os processos de
violências e violações praticados contra sujeitos/as LGBT e/ou que não atendam as exigência da norma padrão
heterossexual, será melhor justificada no item Resultados e Discussão deste artigo. Contudo, adiantamos que em
nossa concepção a expressão ―homofobia‖ é insuficiente para representar os processos de violências e violações
já citados. Cabe destacar que as referências teóricas utilizadas neste artigo não utilizam a expressão
―LGBTfobia‖ para nomear a violência praticada contra população LGBT, pois na época da sua elaboração ainda
não havia a emergência da expressão ―LGBTfobia‖. Assim, as expressões ―homofobia‖, ―lesbofobia‖,
―gayfobia‖, ―bifobia‖, ―travestifobia‖, ―transfobia‖ ou ―homolesbotransfobia‖ podem aparecer em citações
diretas, mas sempre que aparecerem, estamos nos referindo a ―LGBTfobia‖.
revelaram os altos índices de discriminação escolar envolvendo estudantes e professores,
vítimas da violência sexista e LGBTfóbica nas escolas. Em grande medida, essa violência
vem contribuindo para evasão, distorções idade/série, dificuldades de aprendizado e inúmeros
impactos sobre a saúde mental das vítimas. Na compreensão de Rogério Diniz Junqueira, a
escola:

Configura-se um lugar de opressão, discriminação e preconceitos, no qual e em


torno do qual existe um preocupante quadro de violência a que estão submetidos
milhões de jovens e adultos LGBT – muitos/as dos/as quais vivem, de maneiras
distintas, situações delicadas e vulneradoras de internalização da homofobia,
negação, autoculpabilização, auto-aversão. E isso se faz com a participação ou a
omissão da família, da comunidade escolar, da sociedade e do Estado
(JUNQUEIRA. 2009a, p.15).

Por sua vez, Louro (2000, p. 30, grifos do original) afirma que ―a escola é, sem
dúvida, um dos espaços mais difíceis para que alguém ―assuma‖ sua condição de
homossexual ou bissexual‖. Do mesmo modo, a escola também é um espaço de difícil
convivência para pessoas travestis e transexuais, considerando que essas pessoas estão muito
mais expostas, dada as suas demandas e características sociais.
Dentro desse contexto, a gestão escolar tem um papel fundamental, tendo em vista que
entre as suas competências estão buscar meios para garantir a permanência de todos/as os/as
estudantes na escola, fomentar uma cultura escolar de respeito a diversidade e atuar com
vistas a coibir todos os tipos de violências (LUCK, 2009). Todavia, em muitos casos não é
isso que acontece, onde a gestão escolar acaba atuando de forma a silenciar casos de
LGBTfobia na escola, protegendo e justificando as práticas dos agressores, punindo as
vítimas e contribuindo para que elas se evadam da escola.
Junqueira (2015), em uma de suas pesquisas, discutindo sobre essas questões no
cotidiano escolar, afirma:

No relato de uma diretora escolar, surge um ―problema‖: um aluno de seis anos que,
por ser considerado feminino, ela conclui ser homossexual. Ela o aconselhou a
―deixar de desmunhecar para não atrair a ira dos outros‖, ignorando os processos de
reificação, marginalização e desumanização conduzidos pela instituição, bem como
toda a violência física a que ele é rotineiramente submetido (JUNQUEIRA, 2015, p.
115).

Dentro desse contexto, o artigo em tela tem por objetivo apresentar quais as
implicações da gestão escolar diante dos processos de LGBTfobia na escola. A realização
deste estudo justifica-se diante da necessidade de investigações que visem contribuir para
práticas de gestão escolar que respeitem os direitos humanos de todos/as (estudantes,
professores/as, técnicos/as educacionais, equipe gestora, servidores/as), considerando o papel
de transformação social que a educação e a escola desempenham. Acreditamos que a gestão
escolar tem um papel importante na promoção de um ambiente escolar que respeite as
diferenças e pretendemos realizar essa discussão ao longo deste artigo.

ASPECTOS METODOLÓGICOS

Na realização deste trabalho, optamos pela utilização da abordagem qualitativa


(LUDKE; ANDRÉ, 1986; GHEDIN; FRANCO, 2008), tendo em vista que essa abordagem
foi a que mais se adequou ao objetivo deste estudo e por sua afinidade com as pesquisas do
campo das ciências humanas e sociais, onde as pesquisas em educação estão inseridas.
Em relação ao seu objetivo, essa pesquisa é do tipo explicativa. Para Gil (2002), as
pesquisas explicativas têm como preocupação principal a identificação dos fatores que
determinam ou que contribuem para a ocorrência dos fenômenos, além disso, o tipo de
pesquisa explicativa busca relacionar hipóteses em uma visão mais unitária do universo
estudado.
Utilizamos como técnica de coleta de dados a pesquisa bibliográfica, buscando
relacionar as discussões realizadas por pesquisadores/as da área de gestão escolar (LÜCK;
2009; 2013) e de diversidade sexual na educação (JUNQUEIRA, 2009a; 2009b; 2015;
LOURO, 2009; TORRES, 2013), com vistas a alcançar o objetivo deste trabalho em
apresentar as implicações da gestão escolar diante dos processos de LGBTfobia na escola. As
pesquisas bibliográficas são realizadas a partir de materiais já elaborados, sobretudo livros e
artigos científicos. No entendimento de Gil (2002, p. 45), ―a principal vantagem da pesquisa
bibliográfica reside no fato de permitir ao investigador a cobertura de uma gama de
fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente‖.
Como perspectiva analítica, para o exame do material coletado optamos pela técnica
de Análise de Conteúdo (BARDIN, 1998; AMADO, 2000). De acordo com de Amado (2000,
p. 53) a análise de conteúdo ―trata-se de uma técnica que procura ―arrumar‖ num conjunto de
categorias de significação o conteúdo manifesto dos mais diversos tipos de comunicações‖.
Assim, com esse percurso metodológico, buscaremos na sessão seguinte responder ao
objetivo do trabalho em tela.
RESULTADOS E DISCUSSÃO

Antes de adentrar nas reflexões fruto das discussões que realizaremos neste trabalho,
cabe justificar a nossa opção pela utilização da expressão ―LGBTfobia‖ para designar o
conjunto de violência e violações que acometem a população LGBT e/ou qualquer
indivíduo/a que não atenda as expectativas da norma padrão heterossexual.
Em nossa concepção a expressão ―homofobia‖ é insuficiente para representar os
processos de violências e violações já citados. Cabe destacar que as referências teóricas
utilizadas neste artigo não utilizam a expressão ―LGBTfobia‖ para nomear a violência
praticada contra população LGBT, pois na época da sua elaboração ainda não havia a
emergência da expressão ―LGBTfobia‖. Assim, as expressões ―homofobia‖, ―lesbofobia‖,
―gayfobia‖, ―bifobia‖, ―travestifobia‖, ―transfobia‖ ou ―homolesbotransfobia‖ podem aparecer
em citações diretas, mas sempre que aparecerem, estamos nos referindo a ―LGBTfobia‖.
Refletindo sobre o conceito da expressão ―homofobia‖, Daniel Borrillo na sua obra
―Homofobia: história e crítica de um preconceito‖ expõe:

Do mesmo modo que a xenofobia, o racismo ou o antissemitismo, a homofobia é


uma manifestação arbitrária que consiste em designar o outro como contrário,
inferior ou anormal; por sua diferença irredutível, ele é posicionado a distância, fora
do universo comum dos humanos. Crime abominável, amor vergonhoso, gosto
depravado, costume infame, paixão ignominiosa, pecado contra a natureza, vício de
Sodoma – outras tantas designações que, durante vários séculos, serviram para
qualificar o desejo e as relações sexuais ou afetivas entre pessoas do mesmo sexo.
Confinado no papel do marginal ou excêntrico, o homossexual é apontado pela
norma social como bizarro, estranho ou extravagante (BORRILLO, 2010, p. 13 e
14).

Essa definição do conceito de homofobia apresentada por Borrillo (2010), apesar de


recente, já passa a ser questionada e revisada por ativistas do Movimento LGBT e
pesquisadores/as da área de gênero e diversidade sexual. Borrillo (2010) também reconhece a
limitação da expressão ―homofobia‖, mas justifica sua utilização por razões de economia de
linguagem.
Compreendendo as limitações do termo ―homofobia‖ e as disputas internas do
Movimento LGBT em relação a nomeação do conjunto de violações enfrentadas pela
população LGBT, Cleyton Feitosa (2016), reflete:

O uso do verbo ―nomear‖ no passado ocorre porque há uma tendência, cada vez
mais assimilada pela militância brasileira, em adotar o termo ―LGBTfobia‖ para
expressar as violências dirigidas contra a população LGBT. Isso porque a palavra
―homofobia‖ não abarcaria todas as identidades que compõem esse movimento
social, reclamação feita em especial pelas lésbicas, travestis, transexuais e homens
trans (FEITOSA, 2016, p. 119).

Nessa direção, adotaremos nesse artigo o uso da expressão ―LGBTfobia‖,


considerando também a deliberação do Movimento LGBT brasileiro na 3º Conferência
Nacional de Políticas Públicas de Direitos Humanos LGBT, realizada no período de 24 a 27
de Abril de 2016 no Centro Internacional de Convenções do Brasil em Brasília/DF28.
A seguir, entraremos na discussão a que este artigo se propõe. Inicialmente refletimos
sobre os processos de LGBTfobia na escola e em seguida apontamos as implicações da gestão
escolar diante deste fenômeno.

LGBTfobia na Escola

Temos assistido, na atualidade, a consolidação de uma concepção segundo a qual a


escola não apenas educa através da transmissão e construção do conhecimento. Ao contrário,
a escola, também reproduz padrões sociais, coloniza concepções, valores, lugares sociais,
atuando assim na fabricação de sujeitos, influenciando seus corpos e identidades. A escola
também é um lugar de legitimação das relações de poder, construção de hierarquias e de
reprodução da heteronormatividade. Nas palavras de Louro:

Por esta lógica, os sujeitos que, por qualquer razão ou circunstância, escapam da
norma e promovem uma descontinuidade na seqüência serão tomados como
―minoria‖ e serão colocados à margem tanto das preocupações da escola, quanto da
justiça ou da sociedade em geral (LOURO, 2009, p.92).

Assim, aqueles/as que não atendem aos padrões de gênero e sexualidade ou os/as que
provocam uma descontinuidade no padrão sexo-gênero-sexualidade passam a ocupar um
lugar de rejeição, invisibilização e violação no ambiente escolar. Isso ocorre porque a visão
heteronormativa dominante estabelece que os seres humanos só podem nascer como machos
ou fêmeas; pertencendo a um dos dois gêneros possíveis, masculino ou feminino; conduzindo
―naturalmente‖ os/as sujeitos/as a desejarem os/as indivíduos/as de sexo/gênero oposto ao
seu.

28
Essa deliberação foi aprovada através de uma Indicação na plenária final da 3º Conferência Nacional LGBT e
definiu que a expressão ―LGBTfobia‖ é a mais apropriada para se referir ao conjunto de violações e violências
motivadas por intolerância a diversidade sexual e/ou identidade de gênero. Confira o relatório final da 3º
Conferência Nacional LGBT em: http://www.sdh.gov.br/assuntos/conferenciasdh/3a-conferencia-nacional-
lgbt/deliberacoes/relatorio-final-3a-conferencia-nacional-lgbt-1.
Dentro dessa perspectiva, Marco Antônio Torres na sua obra ―A diversidade sexual na
educação e os direitos de cidadania LGBT na escola‖, problematizando a construção de
hierarquias na escola com base no heterossexismo, nos diz que:

Essas hierarquizações podem ser observadas nas piadas que depreciam a população
LGBT, na ausência de personagens LGBT nos livros didáticos, nas agressões físicas
e psicológicas cometidas devido à orientação homossexual ou bissexual, entre
outras. Essa hierarquização atinge de forma diferente os LGBT. Um jovem gay e
outro que seja transexual serão atingidos de maneira diferentes; uma jovem lésbica
que assumiu publicamente seu namoro será mais aviltada do que aquela que se
privar da expressão de sua orientação sexual. O preconceito é moldado de acordo
com as hierarquizações sociais, inclusive etnorraciais, de classe econômica, de
gênero, etc. (TORRES, 2013, p. 40, grifos do original).

Especialmente quando tratamos da escola pública, esse quadro é ainda mais grave,
compreendendo que a escola pública no Brasil tem sido o lugar daqueles/as mais
marginalizados, seja em função da sua classe social, raça, gênero, orientação sexual, etc. Dada
a sua precarização, falta de recursos e ausência/mínima formação continuada para os
profissionais da educação, a escola pública pode ser um lugar onde a manifestação da
LGBTfobia é ainda mais intensa.
A teia de alcance da LGBTfobia se estende por toda instituição escolar e pode atingir
discentes, docentes, equipe gestora e demais profissionais. Isso ocorre a partir de códigos
culturais instalados na sociedade que permitem que a violência LGBTfóbica seja naturalizada.
Nessa direção,

Nas configurações da escola, o preconceito e a subjetivação dele por lésbicas, gays e


especialmente por travestis e transexuais podem criar permissões culturais de
violência e violações dos direitos de cidadania. A violência e a violação atingem
alunos/as e educadores/as que pertencem aos grupos identificados como LGBT;
atinge inclusive aqueles/as que ainda ―estão no armário‖ que ainda não assumiram
publicamente uma orientação sexual e uma identidade de gênero que se oponha ao
heterossexismo (TORRES, 2013, p. 59-60, grifos do original).

Além dessas questões, também há na escola uma grande confusão entre


orientação/identidade sexual e identidade de gênero. Não é incomum que estudantes travestis
e transexuais tenham negadas as suas solicitações de utilização do banheiro correspondente ao
seu gênero, sob a justificativa que o/a estudante não passa de um gay feminizado ou de uma
lésbica masculinizada. Ainda hoje, não há um entendimento razoável nas escolas sobre as
questões relacionadas a identidade de gênero e existência de mulheres e homens transexuais.
Todos esses elementos nos alertam para importância da atuação da gestão escolar frente a
essas questões. Discutiremos sobre essa questão no tópico seguinte.
Implicações da Gestão Escolar

A gestão escolar compreende uma das áreas da educação que tem por objetivo realizar
o planejamento, organização, liderança, orientação, mediação, coordenação, monitoramento e
avaliação do conjunto de processos necessários a efetividade dos objetivos da escola (LÜCK,
2009). É de responsabilidade da gestão escolar atuar para que os processos de formação e
aprendizagem dos/as estudantes ocorram com qualidade.
Nesse sentido:

A gestão escolar, como área de atuação, constitui-se, pois, em um meio para a


realização das finalidades, princípios, diretrizes e objetivos educacionais
orientadores da promoção de ações educacionais com qualidade social, isto é,
atendendo bem a toda a população, respeitando e considerando as diferenças de
todos os seus alunos, promovendo o acesso e a construção do conhecimento a partir
de práticas educacionais participativas, que fornecem condições para que o
educando possa enfrentar criticamente os desafios de se tornar um cidadão atuante e
transformador da realidade sociocultural e econômica vigente, e de dar continuidade
permanente aos seus estudos (LÜCK, 2009, p.23, grifos nossos).

Quando nos referimos a gestão escolar estamos falando, em caráter abrangente, de um


conjunto de atividades que atuam de forma associada, englobando o trabalho da direção
escolar, supervisão ou coordenação pedagógica, orientação educacional e secretaria da escola,
considerando todos esses setores como participantes da equipe gestora das instituições
escolares.
Considerando ainda a definição de Heloísa Lück (2009), compreende-se que também é
atribuição da gestão escolar atuar respeitando as diferenças de todos/as os/as estudantes, mais
que isso, é dever da gestão escolar zelar pelo respeito as diferenças de todos/as os/as
sujeitos/as que estão na instituição escolar. É necessário compreender a gestão escolar para
além das suas atribuições administrativas. Aliás, no entendimento de Lück (2009), as
atividades de gestão administrativa são apenas uma das várias dimensões da gestão escolar.
Vejamos todas as dimensões da gestão escolar na tabela 1.
Tabela 1. Dimensões da Gestão escolar

Dimensões de Organização Dimensões de Implementação


Fundamentos e princípios da educação e
Gestão democrática e participativa
da gestão escolar
Planejamento e organização do trabalho
Gestão de pessoas
escolar
Monitoramento de processos e avaliação Gestão pedagógica
institucional Gestão administrativa
Gestões da cultura escolar
Gestão de resultados educacionais
Gestão do cotidiano escolar
Fonte: Elaborado a partir de Lück (2009).
Dentro da gestão escolar, merece destaque o papel dos/as diretores/as escolares, os/as
quais são os responsáveis diretos/as pela gestão da escola. Nesse sentido, compete ao/a
diretor/a escolar elaborar condições para o bom desempenho de toda a comunidade escolar,
assegurar o bom atendimento de toda a população na escola, zelar pelo cumprimento dos
objetivos das legislações educacionais e sistemas de ensino municipais, estaduais e federal
(LUCK, 2009).
Todavia, para isso é necessário que os/as diretores/as escolares compreendam bem os
objetivos da escola e do sistema educacional. Assim, entende-se que ―a atuação da direção
escolar será tão limitada quão limitada quão limitada for sua concepção sobre a educação, a
gestão escolar e o seu papel profissional na liderança e organização da escola‖ (LÜCK, 2009,
p.15). Lamentavelmente, uma visão limitada de gestão escolar que não considera as
especificidades da variedade de grupos sociais existentes na escola, pode comprometer a
qualidade da educação.
Nesse sentido, o/a diretor/a escolar deve ser ―orientado por princípios e diretrizes
inclusivos, de equidade e respeito à diversidade, de modo que todos os alunos tenham sucesso
escolar e se desenvolvam o mais plenamente possível‖ (LÜCK, 2009, p. 15). A noção de
equidade está intimamente relacionada com os conceito de justiça, pressupõe que os
indivíduos devem ser atendidos de acordo com suas necessidades, oferecendo mais a quem
mais tem necessidades e menos a quem menos precisa.

A equidade é representada pelo reconhecimento de que as pessoas e grupos em


situações diferenciadas ou desfavoráveis necessitam de atenção e condições
especiais, a fim de que possam colocar-se em paridade com seus semelhantes no
processo de desenvolvimento (LÜCK, 2013, p. 50).

Apesar da gestão escolar ter a responsabilidade de promover uma cultura


organizacional de respeito as diferenças na escola, nem sempre isso ocorre. Para Junqueira
(2009b), os/as dirigentes (gestores/as) também praticam discriminações LGBTfóbicas nas
instituições escolares. Ainda na compreensão de Junqueira (2015), não é incomum encontrar
gestores escolares desorientados, indiferentes ou alheios a processos intensos de LGBTfobia
na escola.
É urgente e necessário o reconhecimento, sobretudo pela gestão escolar, de que a
escola também pode ser um lugar de reprodução de preconceitos e de violências praticadas
decorrentes dos processos de LGBTfobia. Para desestabilizar esses processos, se faz
necessário que a gestão escolar compreenda que também pode estar reforçando a LGBTfobia
no ambiente escolar ao não atuar de forma a coibir essas práticas na escola. Nas palavras de
Torres, (2013, p.40) ―devemos notar que o preconceito atinge toda a comunidade escolar –
dos serviçais ao\à diretor/a. Enquanto o preconceito não for reconhecido como um sistema
que regula as relações educacionais de toda a comunidade escolar, ficaremos procurando a
homofobia nas pessoas‖.
Assim, a gestão escolar tem papel importante na construção de um ambiente escolar
que desestabilize as desigualdades, supere práticas discriminatórias e reconheça as diferenças
como um elementos positivos da diversidade humana. Conforme aponta Junqueira (2009b),
arranjos institucionais eficazes podem abalar as estruturas das desigualdades presentes na
escola, contribuindo assim para coibir a LGBTfobia e assegurar um ambiente escolar não
refratário a estudantes LGBT.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entender a dinâmica das violações praticadas contra a população LGBT nas


instituições escolares é urgente, sobretudo para gestores/as escolares que têm a
responsabilidade de assegurar um ambiente educacional onde todos/as os/as estudantes
tenham acesso a educação de forma igualitária, justa e não discriminatória, possibilitando
assim a sua permanência na escola.
Retomando o objetivo deste trabalho em apresentar quais as implicações da gestão
escolar diante dos processos de LGBTfobia na escola, compreendemos que o papel da gestão
escolar não limita-se as questões de cunho administrativo da escola, tampouco a mera
implementação e reprodução das diretrizes e políticas educacionais numa instituição escolar.
Ao contrário, acreditamos que compete a gestão escolar proporcionar as condições
ideais para o acesso e permanência, na escola, de todos os grupos sociais. A escola e a sua
gestão, devem respeitar as diferenças de todos/as os/as seus/as alunos/as, além disso, devem
atuar a coibir casos de violências e segregações. No que diz respeito aos processos de
violências motivadas por LGBTfobia na escola, acreditamos que a gestão escolar pode ser
parte do problema e parte da solução.
A gestão escolar pode ser parte do problema quando se omite e não apura as denúncias
de violências LGBTfóbicas, não estabelece ações e medidas pedagógicas de correção dos/as
agressores/as, e quando não presta um atendimento adequado as vítimas. É ainda parte do
problema, quando a própria gestão escolar tem uma prática cotidiana de violência,
perseguindo estudantes LGBT, estimulando xingamentos, não respeitando o uso do nome
social por parte dos/as estudantes e professores/as transexuais, entre outras posturas
violadoras.
Por outro lado, a gestão escolar pode ser parte da solução dos problemas de violências
LGBTfóbicas na escola quando assume uma postura de combate a tais violações e quando
busca a construção de uma cultura escolar inclusiva, harmônica e de respeito as diferenças.
Também é parte da solução quando se propõe a apurar os casos de LGBTfobia denunciados
por estudantes e professores/as, presta apoio as vítimas e puni os/as agressores/as.
Por fim, compreendemos que neste trabalho em função do seu formato e
características, não foi possível problematizar todos os aspectos que apontam para as
implicações da gestão escolar diante dos processos de LGBTfobia na escola. Investigações
que se valam de outras estratégias metodológicas e/ou de outros referências teóricos poderão
explorar ainda mais essas questões.

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A DANÇA NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA: TRABALHANDO COM
OS TEMAS TRANSVERSAIS NO ENSINO FUNDAMENTAL DA REDE
PÚBLICA MUNICIPAL DE CARUARU-PE

Érica Jacira de Araújo Silva,ericajacira@gmail.com/ ASCES/UNITA


Viviane Maria Moraes De Oliveira, vivianeoliveira@asces.edu./ ASCES/UNITA
Roberta de Granville Barbosa, robertagranville@asces.edu.br/ ASCES/UNITA

Resumo: Os temas transversais são considerados como grandes temas apresentados a sociedade, a
saber, ética, pluralidade cultural, meio ambiente, orientação sexual, trabalho, consumo, e saúde. A
linguagem da dança é uma área privilegiada que possibilita trabalhar, discutir e problematizar os temas
transversais. O objetivo desse estudo foi identificar se os professores de Educação Física contemplam
os temas transversais em suas aulas e de que maneira isso acontece dentro do conteúdo dança nas
aulas de Educação Física escolar. Foi realizada uma pesquisa de natureza transversal de campo, na
qual utilizou-se um questionário com 10 perguntas, em 12 escolas da rede municipal de Caruaru-PE,
com 27 professores de Educação Física Em seus relatos os professores atribuem importância ao
diálogo sobre os temas transversais gênero, preconceito, consumo, saúde, trabalho e mídia através das
dúvidas que surgem nos alunos, sugerindo uma educação autônoma. Consideramos que a dança nas
aulas de Educação Física apresenta um leque de possibilidades que promovem atividades de superação
de preconceitos e quebra de limites impostos historicamente às questões de gênero, trabalho, consumo
e saúde. Entendemos que existe a necessidade do professor buscar estratégias de ensino para
contemplar o conteúdo dança e os temas transversais nas aulas de Educação Física.
Palavras-Chaves: Dança, Educação Física, Pluralidade Cultural, Gênero, Autonomia.

Abstract: Cross-cutting themes are considered as major themes presented to society, namely ethics,
cultural plurality, environment, sexual orientation, work, consumption, and health. The language of
dance is a privileged area that makes it possible to work, discuss and problematize cross-cutting
themes. The purpose of this study was to identify whether Physical Education teachers contemplate
the transversal themes in their classes and how this happens within the dance content in the classes of
Physical Education at school. A cross-sectional field survey was carried out in which a questionnaire
with 10 questions was used in 12 schools of the municipal network of Caruaru-PE, with 27 teachers of
Physical Education. In their reports, teachers attribute importance to the dialogue on the themes
Gender, prejudice, consumption, health, work and the media through the doubts that arise in the
students, suggesting an autonomous education. We believe that the dance in the classes of Physical
Education presents a range of possibilities that promote activities of overcoming prejudices and
breaking limits historically imposed on issues of gender, work, consumption and health. We
understand that there is a need for the teacher to seek teaching strategies to contemplate the dance
content and transversal themes in Physical Education classes.

Key Words: Dance. Physical Education. Cultural Plurality. Genre. Autonomy.


Introdução

Os temas transversais citados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN‘s)


são: ética, meio ambiente, pluralidade cultural, saúde, orientação sexual, como também
trabalho e consumo, embora, seja possível identificar outros temas de interesse, de
acordo com o contexto específico de cada grupo social (MEC, 1998) De forma bastante
simples, esses temas contemplam os problemas da sociedade brasileira, buscando em
sua abordagem encontrar soluções e conscientizar os sujeitos acerca dessa necessidade,
por isso são trabalhados na escola e em outras instituições educacionais(DARIDO,
2011). Desta maneira, é imprescindível o tratamento dos temas transversais em meio às
disciplinas da escola, discutindo e estimulando a reflexão dos estudantes ao que
acontece na sociedade(PLENA; UCB; BASTOS, 2010).
Entende-se a Educação Física escolar como uma disciplina que introduz e
integra o aluno na cultura corporal de movimento, formando o cidadão que vai produzi-
la, reproduzi-la e transformá-la, capacitando-o para usufruir os jogos, os esportes, as
danças, as lutas e as ginásticas em benefício do exercício crítico da cidadania e da
melhoria da qualidade de vida(CONFEF, 2002). A dança é um conteúdo fundamental a
ser trabalhado na escola: verificam-se as infinitas possibilidades de trabalho do/para o
aluno com sua corporeidade por meio dessa atividade(PEREIRA; MARTINS;
LUSSAC, 2009). Com ela, podem-se levar os alunos a conhecerem a si próprios e os
outros; a explorarem o mundo da emoção e da imaginação; a criarem; a explorarem
novos sentidos, movimentos livres.
(MARQUES, 1997)Aponta que o trabalho com os temas transversais na área de
dança tem interface com o conteúdo de diversas disciplinas do currículo em que o corpo
é um dos principais eixos de articulação e trabalho, como é o caso, por exemplo, da
Educação Física e das ciências naturais, ou ainda da história e da geografia. Partindo
desse pressuposto, os temas transversais trabalhados como estratégia de ensino no
conteúdo dança vêm ampliar a prática e suas reflexões sobre o modo de aprendizagem
da dança no âmbito escolar.
(MARQUES, 2011). É importante ressaltar que estes temas transversais não devem
sobrepor-se aos conteúdos específicos da área de dança, mas sim ampliar sua prática e
reflexões de modo a abranger os aspectos sociais, afetivos, culturais e políticos da dança
em sociedade(MARQUES, 2011). Para que isso aconteça é necessário o professor trazer
reflexões sobre a prática nas aulas de danças, sobre respeitar as diferenças, valorizar o
meio ambiente, estimular a praticar de alguma atividade física, trazer reflexões ainda
sobre cuidar bem do próprio corpo e da saúde, assim trabalhando os temas transversais
nas aulas de dança na Educação física como estratégia de ensino(PAULO TADEU
CAMPOS LOPES, MARIA LUCIA RUNELLI, IBELE SASTRE, 2013).
De acordo com (RODRIGUES; DARIDO, 2011), é importante destacar que as
discussões que permeiam os temas transversais nas aulas podem e devem estar atreladas
aos conteúdos que as compõem, ou seja, os temas e os elementos da cultura corporal de
movimento, a qual inclui o esporte, o jogo, a dança, as atividades rítmicas e expressivas,
as lutas, a ginástica e a capoeira. É fundamental que a Dança na escola se realize através
de um professor que não seja o impositor de técnicas e conceitos, mas o fomentador das
experiências, o guia que orienta os alunos para uma descoberta pessoal de suas
habilidades. Através da Dança, então, o aluno poderá recobrar a confiança no ser
humano que é; pleno e capaz, pois é a Dança uma das expressões que suscita o sentido
de ser(MARINA BARBIERI FERRARI, [s.d.]).
Estudos que se proponham a discutir os temas transversais nas aulas de dança na
Educação Física ainda são escassos. Porém alguns autores se dedicam a discutir o
trabalho com os temas transversais na dança(CASTELO, [s.d.]), (COL et al., 2007).
Além disso, na literatura encontramos estudos que abordam o conhecimento dança nas
aulas de Educação Física(COSTA; CARVALHO, 2012), (―Ehrenberg (1).pdf‖, [s.d.]).
Segundo Verderi (2000), a dança, associada à Educação Física, deverá ter um papel
fundamental enquanto atividade pedagógica e despertar no aluno uma relação concreta
sujeito-mundo. Compreender o corpo por meio da dança, como possibilidade de
estabelecer múltiplas relações com outras áreas do conhecimento, analisando,
discutindo, refletindo e contextualizando seu papel na contemporaneidade, favorece a
possibilidade da elaboração de um currículo não restrito ao ensino do desporto e abre
espaço para se trabalhar a dança em suas diferentes abordagens(MARIA; GARIBA,
2007).
Esse estudo surgiu a partir da inquietação de como os temas transversais podem
contribuir com o aprendizado da dança nas aulas de Educação Física, teve como
objetivo identificar se os professores de Educação Física trabalham os temas
transversais dentro do conteúdo dança nas aulas Educação Física e de que maneira isso
acontece. Destaca-se a importância que o presente estudo poderá trazer para a literatura,
fomentando o conhecimento acerca do tema em questão além da possível contribuição
para as várias dimensões da vida social: o ambiente, a cultura, o trabalho, o lazer, o
consumo, a sexualidade e a saúde.

Métodos e Materiais

Este estudo atende as considerações éticas de acordo com a Resolução 466/12 da


Comissão Nacional de Ética e Pesquisa em Seres Humanos, buscou sempre prezar pelos
princípios éticos como forma constitucional à elaboração do trabalho científico. A
pesquisa teve inicio após a sua aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa do centro
universitário ASCES/UNITA, obedecendo aos princípios proferidos na mesma
resolução.
A pesquisa foi de natureza transversal, desenvolvida em 12 escolas do ensino
fundamental na rede municipal de Caruaru-PE com 27 professores. Em estudos
transversais coletam-se simultaneamente, de um grupo ou população de indivíduos,
informações sobre uma variedade de características que são posteriormente cruzadas em
tabelas de contingência, esta coleta é realizada em um único ponto no tempo e,
frequentemente, o pesquisador não sabe o que ocorreu antes desse ponto (ROBERTO;
MIRANDA, 2008). Os sujeitos de pesquisa foram professores e professoras de
Educação Física que ministram aulas no âmbito escolar, sendo critério de inclusão
trabalhar no ensino fundamental em escola pública municipal na cidade de Caruaru-PE.
Buscou-se analisar se os professores de Educação Física tratam dos temas transversais e
de que maneira isso acontece.
A pesquisa iniciou a partir de uma etapa de exploração, as pesquisas
exploratórias são aquelas que têm por objetivo explicitar e proporcionar maior
entendimento de um determinado problema. Posteriormente, foi realizada uma
investigação mais sistematizada dos dados a serem coletados, através de observações
participantes, onde foi destacado levantamento para a investigação do problema, mas,
dando ênfase aos aspectos que mais se relacionam com a dança nas aulas de Educação
Física juntamente com o trabalho dos temas transversais GIL(2008).
Posteriormente utilizarmos um questionário com perguntas direcionadas aos
professores, entregue em cada escola. O questionário é uma técnica de investigação
composta por questões apresentadas por escrito à pessoa Lakatos (1985). Os
questionários são úteis para obtenção de informação qualitativa e opiniões relativamente
simples, Oliveira (2000) Gerhardt (2009).
As questões norteadoras foram: 1) Você Professor sente dificuldade em trabalhar
o conteúdo dança nas aulas de Educação Física? 2) Você Professor sabe o que são temas
transversais? 3) Precisamos da sua total sinceridade, você já trabalhou algum tema
transversal na sua aula de dança na Educação Física? Ética, Meio Ambiente, Pluralidade
Cultural, Saúde, Orientação Sexual, como também Trabalho e Consumo. 4) Seus alunos
mostram ainda preconceito referente ao gênero sobre o conteúdo dança? 5)‖Ensinar
Educação Física não significa tratar apenas de técnicas e táticas, mais do que isso,
significa oferecer uma formação ampla voltada à formação do cidadão crítico‖
(RODRIGUES; DARIDO, 2011). Ao analisar está ideia, qual sua opinião? 6) Você
professor já vivenciou alguma cena ou palavra preconceituosa referente a prática ou
conteúdo da dança nas suas aulas? Se sim, como você lidou com esse fato? 7) Você usa
alguma Estratégia de ensino para aplicação dos temas transversais na aula de dança na
Educação física? Exemplo: vídeos, filmes. 8) Você já trabalhou em alguma aulas sobre
o tema pluralidade cultural? Trata sobre a questão das diversidades culturais (negros,
indígenas, respeito às diferenças)? Justifique a importância. 9) Você consegue aborda as
danças afro descendentes? Justifique. (10) Você como professor acredita que os temas
transversais necessitam ser mais trabalhado no conteúdo dança na Educação Física,
referente a formação cidadã é melhor convívio entre as diferenças?
A partir das respostas obtidas buscou-se fazer uma análise qualitativa, A análise
qualitativa se caracteriza por buscar uma apreensão de significados na fala dos sujeitos,
interligada ao contexto em que eles se inserem e delimitada pela abordagem conceitual
(teoria) do pesquisador, trazendo à tona, na redação, uma sistematização baseada na
qualidade, mesmo porque um trabalho desta natureza não tem a pretensão de atingir o
limiar da representatividade (FERNANDES,1991).
Partindo das respostas às questões obteve-se uma visão geral das ideias como
um todo, se os professores trabalham a dança em suas aulas, se os temas transversais
estão presentes, se há articulação entre os dois e de que maneira os professores
compreendem os assuntos em questão. Buscou-se num segundo momento identificar as
afirmações importantes referentes aos temas abordados para em seguida interpretar de
maneira significativa os discursos separadamente e buscando na literatura embasamento
teórico para analisar tais discursos. Por último, buscou-se interpretar de maneira geral se
os professores de Educação Física trabalham de maneira consciente ou não os temas
transversais dentro do conteúdo dança nas aulas Educação Física.
Os dados dos questionários estarão apresentados em tópicos de acordo com o tema das
questões norteadoras realizada nos questionários. As três categorias englobam
basicamente os seguintes tópicos:
1. A dança nas aulas de Educação Física
2. A resistência dos alunos ao conteúdo dança
3. Importância do trato dos temas transversais na aula de dança.
De acordo com o questionário aplicado com os 27 professores das escolas municipais
da cidade de Caruaru, que participaram pesquisa, foram encontrados as seguintes
respostas: referente à questão 1º Você sabe o que são temas transversais? 25 professores
responderam que sabem o que são os temas transversais, 02 dos professores não
responderam. Os temas transversais constituídos pelos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN's) comtemplam seis áreas, a saber: Ética (Respeito Mútuo, Justiça,
Diálogo, Solidariedade), Orientação Sexual (Corpo: Matriz da sexualidade, relações de
gênero, prevenções das doenças sexualmente Transmissíveis), Meio Ambiente (Os
ciclos da natureza, sociedade e meio ambiente, manejo e conservação ambiental), Saúde
(autocuidado, vida coletiva), Pluralidade Cultural (Pluralidade Cultural e a Vida das
Crianças no país, Pluralidade Cultural e Cidadania) e Trabalho e Consumo (Relações de
Trabalho; Trabalho, Consumo, Meio Ambiente e Saúde)(BRASIL, 1997).
A questão 2º Você sente dificuldade em trabalhar o conteúdo dança nas aulas de
Educação Física? 19 disseram sentir dificuldades para trabalhar o conteúdo dança, e
suas principais razões foram: 04 professores alegam preconceito por parte dos alunos do
gênero masculino, em praticarem dança nas aulas de Educação Física. 06 Professores
alegam existir machismo e pouco interesse por parte dos estudantes. 05 professores
alegam pouco conhecimento e experiências com as aulas práticas de dança. 03
professores afirmam que tiveram uma graduação que ofereceu pouco conhecimento
sobre o conteúdo dança, e suas experiências práticas. 03 Professores afirmam não ter
local adequado para prática, os alunos são resistentes para praticar, ou seja, poucos
participam. Os professores que disseram não ter dificuldades em trabalhar dança
afirmaram que: “... procuro trabalhar o conteúdo dança com o que está mais próximo
da realidade deles” (Professor 22)
“A dança faz parte do cotidiano dos alunos e isso facilita o trabalho com essa forma
de expressão corporal” (Professora 3).
Na questão 03 você já trabalhou algum tema transversal na sua aula de dança na
Educação Física? 11 dos 27 professores afirmam trabalhar os temas transversais nas
aulas de dança
“Ética, pluralidade cultural e orientação sexual são temas importantíssimos na
atualidade‖(Professor 14)
―Através de projetos, trabalhei alguns temas como orientação sexual, saúde,
pluralidade cultural‖ (Professor 11). A transversalidade e a interdisciplinaridade são
modos de se trabalhar o conhecimento que buscam uma reintegração de aspectos que
ficaram isolados uns dos outros pelo tratamento disciplinar. (GARCIA 2007). Com isso,
busca-se conseguir uma visão mais ampla e adequada da realidade através do tema
transversal(POLON, 2013).
A questão 04 Seus alunos mostram ainda preconceito referente ao gênero sobre
o conteúdo dança? 24 professores afirmaram que existe preconceito por parte dos
alunos, e relataram justificativas diversas como: “É natural o preconceito de uma
sociedade machista, mas nós como educadores temos a missão de quebrar este
paradigma” (Professora 5)
“... apresentam preconceitos referente a prática corporal independente do estilo (balé
,swing ,hip hop, contemporânea ,dança regional e etc.)” ( Professor 4).
Percebe-se que a fala dos professores é semelhante ao que foi encontrado na
literatura no que se referente ao preconceito ao conteúdo dança no contexto escolar.
Um dos preconceitos mais fortes em relação á dança na sociedade brasileira ainda diz
respeito ao gênero. Dançar em uma sociedade machista como a nossa ainda é sinônimo
de ―Coisa de mulher‖, ―Efeminação‖, ―Homossexualismo‖(MARQUES, 2011).
A questão 05 ‖Ensinar Educação Física não significa tratar apenas de técnicas e
táticas, mais do que isso, significa oferecer uma formação ampla voltada à formação do
cidadão crítico‖(RODRIGUES; DARIDO, 2011)
Ao analisar está ideia, qual sua opinião? 24 professores relataram a importância do professor
de Educação Física trabalhar a valorização do ser cidadão, do reconhecimento do aluno na
sociedade, do educar para autonomia como prática da liberdade e criticidade.

“É importante tornar um aluno crítico, o fazer entender sua importância na sociedade, o


quanto ele pode modificar o meio em que vive” (Professor 26).

“A obra ESCOLA E DEMOCRACIA de Demerval Saviani diz “o objetivo geral da escola é


educar para autonomia como prática da liberdade e a criticidade é o pressuposto maior da
ampliação e qualificação da prática social do aluno” (Professor 21).
O desenvolvimento moral do indivíduo está intimamente relacionado à afetividade e à
racionalidade, e nas aulas de Educação Física escolar ocorre situações que permitem uma
intensa mobilização afetiva e interação social. Tal cenário apresenta-se como ambiente ideal
para explicitação, discussão, reflexão e aplicação de atitudes e valores considerados éticos ou
não éticos para si e para os outros (DARIDO, 2001).
A questão 6 você professor já vivenciou alguma cena ou palavra preconceituosa
referente a prática ou conteúdo da dança nas suas aulas? Se sim, como você lidou com esse
fato? Na tentativa de contornar essas situações de cenas e palavras preconceituosas referentes
à prática ou o conteúdo da dança, 11 professores disseram lidar buscando esclarecer a
importância do conteúdo dança como elemento da cultura corporal e como ele está presente
em nosso cotidiano. 10 afirmaram que levam o estudante a refletir, a questionar o ato
preconceituoso cometido.
“...apresentam preconceitos referente a prática corporal independente do estilo (balé ,swing
,hip hop, contemporânea ,dança regional e etc.)” (Professor 4).
Para Abreu22, é nas aulas de educação física que ocorre a persistência de antigos
estereótipos ligados ao gênero como a separação sexual entre práticas esportivas e de lazer
dirigidas às meninas e aos meninos, ou ainda, na discriminação sofrida por eles nas escolhas
de atividades ditas ―masculinas‖. Essa visão acerca da construção do corpo ainda está
permeada por valores culturais, estabelecendo padrões de identificação para a caracterização
de gênero.
A questão 07, você usa alguma Estratégia de ensino para aplicação dos temas transversais na
aula de dança na Educação física? Exemplo: vídeos, filmes.
15 dos 27 professores disseram usar: Vídeos, textos e filmes. 12 professores disseram não
usar nenhuma estratégia específica para essa abordagem, o professor 23 relatou não ser
correto tratar tema transversal por não ser conteúdo, 01 professor não respondeu.
“O Trabalho com aulas audiovisuais, acaba despertando ainda mais o interesse do aluno e a
motivação acaba acontecendo” (Professor 2).
BOCCHI et al (1996), fazem considerações acerca da função do professor, do aluno e
do relacionamento entre eles, defendendo as estratégias de ensino com abordagem
humanística. Para Stacciarini26 O professor cria condições facilitadoras para que o aluno
aprenda, estimula sua curiosidade encorajando-o a escolher seus próprios interesses, desde
que seja autodisciplinado, responsável por suas opções e crítico diante das problemáticas do
futuro; oportuniza também sua participação ativa na formação e construção do programa de
ensino do qual faz parte.
A questão 08 você já trabalhou em alguma aula sobre o tema pluralidade cultural? Justifique
a importância. 13 professores afirmam trabalhar o tema pluralidade cultural.

“Etnia no esporte e preconceito racial”( Professor 2)

“Cada nação tem uma cultura, para que as relações sejam harmoniosas é necessário
respeito às divergências” (Professor 3)
O conhecimento da diversidade cultural e perspectiva de aceitação da pluralidade
cultural, visando os desenvolvimentos dos valores e tolerância de otimização das relações
interpessoais entre grupos culturalmente diversos ( CANEN,2000)
A questão 09 Você consegue aborda as danças afras descendentes? Justifique 09
professores dizem não tratar das danças afrodescendentes, por não dominarem o conteúdo,
não tentam. Para ser um professor de Educação Física será que precisamos ser excelentes
atletas, campeões implacáveis de jogos e brincadeiras ou até um senhor resistência para
praticar lutas e ginásticas? A resposta é obvio que não, então porque que professores de
Educação Física acham que precisam ser excelentes dançarinos para ministrar aulas de dança
nas escolas(CANDAU, 2008).
A questão 10 você como professor acredita que os temas transversais necessitam ser
mais trabalhado no conteúdo dança na Educação Física, referente a formação cidadã é melhor
convívio entre as diferenças questão ?
Quanto à opinião do professor sobre haver à necessidade de trabalhar mais os temas
transversais no conteúdo dança na Educação Física, referente à formação cidadã e melhor
convívio entre as diferenças, 21 professores afirmaram ser necessário, porém não só na aula
de dança na Educação Física, como em todas as disciplinas e conteúdos.
“Não tenho dúvida, mas para isso acontecer é necessária uma grande mudança
curricular concomitante com uma formação profissional continuada e critica” (Professor
15).
“As diferenças são fomentadas para garantir a manutenção do status quo vigentes. A
igualdade nunca existirá! “Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos
inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza”.
Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não
produza, alimente ou reproduza as desigualdades” (Boaventura) (Professor 4).
Educar para a cidadania, no aspecto político, é levar o aluno a participar e a tomar suas
próprias decisões. Em outras palavras, ter autonomia de pensamento. No aspecto social,
significa compreender-se como pessoa que possui direitos e deveres dentro da sociedade e, no
campo cultural, implica em levá-lo a respeitar os valores e as diferentes expressões culturais
presentes em nosso meio (WEYH, 2000).
Resultados e Discussão
A dança nas aulas de Educação Física
Quando questionados se sabem o que são temas transversais, uma grande parte dos
professores afirmou ter conhecimento sobre o assunto, dos 27 participantes da pesquisa 25
professores afirmaram que sim e 02 não responderam. Porém 19 professores reconhecem
sentir dificuldade para trabalhar o conteúdo dança, e suas principais razões foram as
seguintes:
- 04 professores alegam preconceito por parte dos alunos do gênero masculino, em praticarem
dança nas aulas de Educação Física. 06 Professores alegam existir machismo e pouco
interesse por parte dos estudantes.
- 05 professores alegam pouco conhecimento e experiências com as aulas práticas de dança.
- 03 professores afirmam que tiveram uma graduação que ofereceu pouco conhecimento sobre
o conteúdo dança, e suas experiências práticas. 03 Professores afirmam não ter local adequado
para prática, os alunos são resistentes para praticar, ou seja, poucos participam.
Os professores que negaram ter dificuldade em trabalhar dança afirmaram que:
“... procuro trabalhar o conteúdo dança, com o que está mais próximo da realidade deles”
(Professor 22)
“A dança faz parte do cotidiano dos alunos e isso facilita o trabalho com essa forma de
expressão corporal” (Professora 3).
Na literatura a dança, associada à Educação Física, deverá ter um papel fundamental
enquanto atividade pedagógica e despertar no aluno uma relação concreta sujeito-mundo.
Deverá propiciar atividades geradoras de ação e compreensão, favorecendo a estimulação
para ação e decisão no desenrolar das mesmas, para assim, poder modificá-las frente a
algumas dificuldades que possam aparecer e através dessas mesmas atividades, reforçar a
autoestima, a autoconfiança e o autoconceito(ROCHA; RODRIGUES, 2007).
A resistência dos alunos ao conteúdo dança
Quando questionados se existe algum tipo de preconceito de gênero com a dança por
parte dos alunos, por exemplo: balé só quem pode dançar é mulher, 24 professores afirmaram
que existe preconceito por parte dos alunos, e relataram justificativas diversas como:
- 05 Professores afirmam existir muito machismo na cidade de Caruaru-PE e no Brasil, por
parte do sexo masculino referente à dança.
Com relação à opinião dos sujeitos da pesquisa sobre o conteúdo dança e a questão de
gênero tem-se que:
“É natural o preconceito de uma sociedade machista, mas nós como educadores temos a
missão de quebrar este paradigma” (Professora 5)
“...apresentam preconceitos referente a prática corporal independente do estilo (balé ,swing
,hip hop, contemporânea ,dança regional e etc.)” ( Professor 4).
“...tudo isso se justifica pelo número de adeptos do sexo em questão na referida dança.
Exemplo: Numa apresentação de balé, certamente o número de bailarinas e imensamente
superior ao de bailarinos”.
( Professor 6)
Os resultados mostraram que dos 27 professores 24 afirmam que seus alunos mostram
ainda um preconceito referente ao gênero sobre o conteúdo dança, uma grande resistência à
prática. Outra característica ressaltada pelos professores é sobre a dificuldade encontrada nas
aulas de dança por não ter local adequado, material e recursos insuficientes. Enquanto
graduando na sua formação, oferecido pela instituição de ensino, o conhecimento dança e suas
experiências práticas foram de forma superficial.
Na tentativa de contornar essas situações de cenas e palavras preconceituosas
referentes à prática ou o conteúdo da dança, 11 professores disseram lidar buscando esclarecer
a importância do conteúdo dança como elemento da cultura corporal e como ele está presente
em nosso cotidiano. 10 afirmaram que levam o estudante a refletir, a questionar o ato
preconceituoso cometido. Percebe-se que a fala dos professores assemelha-se ao que foi
encontrado na literatura no que se referente ao preconceito ao conteúdo dança no contexto
escolar. Um dos preconceitos mais fortes em relação á dança na sociedade brasileira ainda
diz respeito ao gênero. Dançar em uma sociedade machista como a nossa ainda é sinônimo de
―Coisa de mulher‖, ―Efeminação‖, ―Homossexualismo‖(MARQUES, 2011).
Importância do trato dos temas transversais na aula de dança
Os professores reconheceram a importância do papel do professor para uma prática
pedagógica libertadora quando: 24 professores relataram a importância do professor de
Educação Física trabalhar a valorização do ser cidadão, do reconhecimento do aluno na
sociedade, do educar para autonomia como prática da liberdade e criticidade.
O importante na educação libertadora, para Freire, é que os homens se ―sintam sujeitos
de seu pensar, discutindo o seu pensar, sua própria visão de mundo, manifestada implícita ou
explicitamente, nas suas sugestões e nas de seus companheiros‖ ( FREIRE, 1987).
“É importante tornar um aluno crítico, o fazer entender sua importância na
sociedade, o quanto ele pode modificar o meio em que vive” (Professor 26).
―A obra ESCOLA E DEMOCRACIA de Demerval Saviani diz “o objetivo geral da
escola é educar para autonomia como prática da liberdade e a criticidade é o pressuposto
maior da ampliação e qualificação da prática social do aluno” (Professor 21).
“Os conteúdos corporais formam competências elevam o nível de conhecimento
passando do senso comum ao científico, bem como contribuem para a formação de valores
(justiça, igualdade, solidariedade, defesa ao meio ambiente, aplicação dos recursos
públicos...)” (Professor 4).
Quanto às estratégias de ensino para aplicação dos temas transversais na aula de dança
na Educação Física, 15 dos 27 professores disseram usar: Vídeos, textos e filmes. 12
professores disseram não usar nenhuma estratégia específica para essa abordagem, o professor
23 relatou não ser correto tratar tema transversal por não ser conteúdo, 01 professor não
respondeu.
“O Trabalho com aulas audiovisuais, acaba despertando ainda mais o interesse do aluno e a
motivação acaba acontecendo” (Professor 2).
Quanto à opinião do professor sobre haver à necessidade de trabalhar mais os temas
transversais no conteúdo dança na Educação Física, referente à formação cidadã e melhor
convívio entre as diferenças, 21 professores afirmaram ser necessário, porém não só na aula
de dança na Educação Física, como em todas as disciplinas e conteúdos.
“Não tenho dúvida, mas para isso acontecer é necessária uma grande mudança
curricular concomitante com uma formação profissional continuada e critica” (Professor
15).
“As diferenças são fomentadas para garantir a manutenção do status quo vigentes. A
igualdade nunca existirá! “Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos
inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza”.
Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não
produza, alimente ou reproduza as desigualdades” (Boaventura) (Professor 4).
03 professores julgaram não ser necessário o trato dos temas transversais, justificando
que os temas transversais já estão sub inclusos em todos os conteúdos. 01 declarou não ter
opinião sobre o assunto. 01 declarou não entender a pergunta.A diversidade cultural foi
bastante apontada nos discursos dos professores:
“O Brasil não é uma terra de brancos, de negros, é uma terra de todos, é importante os
alunos saberem disso” (Professor 24).
“Principalmente na questão das etnias negra e indígena referenciando a diversidade social e
cultural em que estamos inseridos” (Professor 15).
“O samba que é tão comum em nosso meio é marca dos negros, e por está presente em nosso
meio não é difícil de ser abordado” (Professora 3).
“Pluralidade cultural está diretamente ligada há temas discutidos por outras disciplinas, não
vejo necessidade de uma abordagem na aula de Educação Física” (Professor 16).
09 professores dizem não tratar das danças afrodescendentes, por não dominarem o
conteúdo, não tentam. Para ser um professor de Educação Física será que precisamos ser
excelentes atletas, campeões implacáveis de jogos e brincadeiras ou até um senhor resistência
para praticar lutas e ginásticas? A resposta é obvio que não, então porque que professores de
Educação Física acham que precisam ser excelentes dançarinos para ministrar aulas de dança
nas escolas (CANDAU, 2008).
A temática da Pluralidade Cultural diz respeito ao conhecimento e à valorização das
características étnicas e culturais dos diferentes grupos sociais que convivem no território
nacional, às desigualdades socioeconômicas e à crítica às relações sociais discriminatórias e
excludentes que permeiam a sociedade brasileira, oferecendo ao aluno a possibilidade de
conhecer o Brasil como um país complexo, multifacetado e algumas vezes paradoxal (MEC,
1998).
Para MARQUES (1997), na dança também estão contidas as possibilidades de
compreendermos, desvelarmos, problematizarmos, e transformarmos as relações que se
estabelecem em nossa sociedade entre etnias, gêneros, idades, classes sociais e religiões. Os
Parâmetros Curriculares Nacionais (MEC, 1998), afirmam que a criança na escola convive
com a diversidade e poderá aprender com ela. Singularidades presentes nas características de
cultura, de etnias, de regiões, de famílias, são de fato percebidas com mais clareza quando
colocadas junto a outras. A percepção de cada um, individualmente, elabora-se com maior
precisão graças ao outro, que se coloca como limite e possibilidade. Limite, de quem
efetivamente cada um é. Possibilidade, de vínculos, realizações de ―vir-a-ser‖.
Segundo Guimarães (2003), Os ciclos de aprendizagem apresentam como princípios a
igualdade de acesso ao conhecimento, o reconhecimento das diferenças e a integralidade e
autonomia dos alunos. Cabe ao professor fazer parte da teia que entrelaça esses princípios,
que compreendem a educação como ―ação integrada‖, dentro das interferências de um
contexto sociocultural.
A falta de conhecimento do professor e a carência de materiais e espaço adequado para
trabalhar a dança na escola, apontadas pelos professores como limitações para trabalhar esse
conteúdo nas aulas de Educação Física, foram abordados em estudos Pereira (2009), Sousa
(2010), anteriores. A literatura fala sobre a falta de preparo na formação de professores para
trabalhar a dança de forma pedagógica, segundo Marques6 a formação de professores que
atuam na área de dança é sem dúvida um dos pontos mais críticos no que diz respeito ao
ensino desta arte em nosso sistema escolar, não tendo conhecimento suficiente para a práxis.
Além disso, é recorrente a queixa dos professores em relação às infraestruturas e
materiais, Segundo PIRES, (2008) a falta de infraestrutura e materiais, não impede a prática
do conteúdo em âmbito escolar, ou seja, pretexto para não ministrar as aulas. A própria sala
de aula, um pátio, e um som, já possibilitariam a prática da dança no ambiente escolar.
Conclusão
Dois fatores limitantes à realização desse estudo foram à falta de interesse por parte de
uma minoria dos professores em colaborar com a pesquisa e a dificuldade em encontrar
publicações bibliográficas referentes à dança e os temas transversais na escola e nas aulas de
Educação Física. Buscou-se minimizar a limitação referente a carência bibliográfica dos
temas trazendo à discussão alguns autores que abordam separadamente os temas transversais
e a dança, e a dança nas aulas de Educação Física, articulando as ideias em questão.
A partir dos resultados pudemos perceber que os professores consideram o trabalho
com os temas transversais nas aulas de dança muito interessante, porém, ao mesmo tempo
afirmam que não foram contemplados na sua formação e sentem dificuldade para tratar do
conteúdo dança e inserir o tema transversal na sua aula, quando necessário, além disso, existe
ainda resistência dos alunos por questões culturalmente preconceituosas. Em contrapartida,
fica possível perceber que os professores mesmo que superficialmente chegam a utilizar
algum tema transversal nas aulas de dança.
Segundo COSTA; CARVALHO, (2012) considera-se que a dança e os temas
transversais, nas aulas de Educação Física apresenta-se, como um campo rico de
possibilidades para promover atitudes que objetivem a superação dos preconceitos e limites
impostos historicamente, às questões de gênero. A escola deve possibilitar perspectivas para
amenizar o preconceito cultural, o professor tem como dever trazer vivências da dança com a
sociedade é sua evolução no âmbito cultural, dialogar sobre a importância da saúde, trabalho,
ética e pluralidade cultural. Concordando com COL et al., (2007) acreditamos que a dança na
Educação Física tem papel fundamental na escola, que vai muito além do ensino de
coreografias, cabe a nós professores e futuros professores propor e desenvolver novos planos
e novas propostas de trabalho, que representem significado, ou seja, que tenham relevância
para os nossos alunos na construção de um conhecimento ativo perante a sociedade.
Assim sendo, a utilização dos temas transversais nas aulas de dança se torna uma
proposta viável, pois através deles é possível que o professor antecipe e elabore propostas que
englobem vários conteúdos sociais relevantes. Os temas transversais têm como meio de
modificar a realidade das aulas ditas ―tradicionais‖, onde meramente a reprodução de passos
da mídia aparece sempre como conteúdo predominante e, com isso, as aulas acabam por não
apresentar sentido para os alunos. Logo, um professor que englobe em suas aulas os temas
transversais permitirá aos alunos refletirem não apenas suas capacidades e habilidades
motoras e físicas na dança, mas também seu papel enquanto cidadão estará trazendo
mudanças significativas para Educação Física escolar. Além disso, estará valorizando o
componente curricular indispensável para a vida dos alunos.
A Educação Física possui ainda muitos problemas no ambiente escolar no que diz
respeito à falta de orientação do que lhe é próprio, bem como abordar os conteúdos da cultura
corporal, que vão além do esporte. Segundo DINIZ; DARIDO, (2012) Para tanto, um trabalho
diferenciado pode articular a dança com estes temas, e, desta forma, a Pluralidade Cultural
apresenta-se como uma possibilidade rica para o trabalho com este conteúdo. Existe uma
relação intrínseca entre educação e cultura(s). Estes universos estão profundamente
entrelaçados e não podem ser analisados a não ser a partir de sua intima
articulação(CANDAU, 2008).
A partir do exposto propõe-se que os professores reconheceram a importância dos
temas transversais para formação do aluno, que possam desenvolver estratégias de ensino para
trabalhar o conteúdo dança e os temas transversais nas aulas de Educação Física ao longo do
processo de aprendizagem.
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GÊNERO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: A BUSCA PELA EQUIDADE DE
GÊNERO NA SALA DE AULA.

Autor (1) Thamires Fernandes de Assunção, thamires.assuncao@gmail.com, Universidade Federal de


Pernambuco - Pedagoga).

Resumo do artigo: O presente artigo tem seu caráter de estudo de caso trazendo vivências
ocorridas em uma turma mista composta por alunos (as) do infantil 1 e 2 da Escola Feliz Pra
Sempre, o nome é fictício por não ter permissão da gestão para divulgação sendo esta uma
instituição da rede privada, situada na cidade de Jaboatão dos Guararapes – PE, tendo por
objetivo abordar a importância de debates sobre gênero na educação, mais especificamente na
educação infantil, assim como, trazer estudos bibliográficos que contemplem a temática do
público em questão. A metodologia utilizada foi à observação participante tendo
envolvimento completo com o grupo referente a este estudo de caso. O resultado obtido foi
que as relações de gênero se constroem desde a infância e que as crianças reproduzem os
discursos segregatórios entre gênero a partir da fala e convivência com a família, porém é
possível notar a importância do diálogo com as crianças para romper com os estereótipos
construídos nos âmbitos sociais, culturais, assim como, desconstruir a superioridade
masculina nas relações sociais existente na escola, bem como é possível notar a relação da
escola enquanto reprodutora da opressão sobre as relações de gênero e a ideia de gênero
relacionada à sexualidade.
Palavras-chave: Gênero, Educação Infantil, Estudo de Caso.

INTRODUÇÃO

A educação infantil é alvo de estudos que perpassam desde o comportamento da (o)


estudante, métodos de aprendizagem, déficits, etc., porém materiais que abordam estudos a
respeito de temáticas estigmatizadas pela sociedade civil como, por exemplo: gênero,
sexualidade, etc. são pouco estudados e problematizados.
Os movimentos sociais estão envolvidos nos debates a respeito da necessidade em se
discutir temas como gênero e/ou sexualidade, por exemplo, buscando por políticas públicas
que levem a sociedade reconhecer e respeitar a diversidade. A partir das movimentações de
grupos sociais ligados a gênero e/ou sexualidade e suas lutas, foi possível o auxílio em ações
governamentais relativas à educação como, por exemplo: Plano Nacional de políticas para as
Mulheres (2004); Programa Brasil sem Homofobia (2004); Plano Nacional de Educação em
Direitos Humanos (2006), etc. (BRASIL, 2007).
O espaço escolar é um ambiente propício para trazer questões de gênero, debater e levar a
(o) estudante problematizações cotidianas, pois é na escola que ocorrem diversos processos de
interações, relações sociais e de poder que são exercidas na sociedade. Tal sociedade que
muitas vezes nega e estigmatiza as identidades de gênero e a diversidade sexual e que prefere
silenciar as discussões a respeito de tais temáticas.
Como afirma o Caderno da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade (BRASIL, 2007) a partir dos anos 80, os movimentos sociais viram à necessidade
em discussões relacionadas à identidade e diversidade cultural e as ciências sociais passaram
então a desmistificar e analisar as múltiplas relações entre classe, raça/etnia, gênero, geração,
entre outras categorias.
A partir desta visão dos movimentos sociais e sua importância na luta da equidade de
gênero, assim como tais lutas refletiram na educação avanços significativos, este artigo
objetiva trazer estudos bibliográficos a respeito das relações de gênero e abordar como vem
ocorrendo esse processo de inclusão de debates a respeito de gênero na educação. Diante de
tais estudos bibliográficos, o presente artigo faz uso do estudo de caso das relações de gênero
presentes na educação infantil, numa escola da rede privada de ensino na cidade de Jaboatão
dos Guararapes – PE.

METODOLOGIA

A partir dos estudos bibliográficos relacionados a gênero e educação, assim como


poucos materiais teóricos relativos a tal temática, especificamente na educação infantil, este
artigo baseia-se também no estudo de caso de uma turma de infantil 1 e 2, cujas idades variam
entre 2 e 4 anos, na Escola Feliz pra Sempre, nome fictício, pois a gestão não permitiu a
publicação do nome da mesma, a escola compõe a rede privada de ensino e situa-se na cidade
de Jaboatão dos Guararapes - PE.
Este artigo optou pelo uso do estudo de caso enquanto metodologia de pesquisa por
dialogar com as teorias relacionadas a gênero e educação infantil, temáticas históricas e
contemporâneas, ao mesmo tempo, facilitando a utilização de tal estudo visto por Yin (2001)
como estratégia escolhida ao se examinarem acontecimentos contemporâneos.
O estudo de caso é classificado por Chizzotti (1998) apud Costa et al (2013) como
―um marco de referência de complexas condições socioculturais que envolvem uma realidade
quanto revela a multiplicidade de aspectos globais, presentes em uma dada situação‖, a partir
desta definição a observação participante para composição deste artigo foi realizada numa
turma composta por 8 crianças (5 do sexo feminino e 3 do sexo masculino), de distintas
realidades, comportamentos e relacionamentos entre si. A coleta de dados foi realizada a
partir da observação direta, visto que, a partir da afirmação de Costa, et al (2013) é a partir
deste método que a pesquisadora tem a função/visão de observadora participante em caráter
integral, pois assim tem completo envolvimento com o grupo estudado. Após escolha da
escola e permissão da gestão em aceitar que fosse realizada a pesquisa numa das turmas de
educação infantil ofertada na escola, foram realizadas observações durante uma semana na
sala da turma do infantil 1 e 2, sendo composta por crianças cujas idades variam entre 2 e 4
anos.
As observações se dividiram da seguinte forma: O primeiro dia foi feita uma
apresentação da ideia do artigo à professora, assim como uma pequena conversa informal a
respeito da turma a ser observada, logo em seguida foi feita a minha apresentação à turma e a
observação da rotina em sala de aula, bem como a participação em momentos recreativos das
crianças, tais observações e participações foram realizadas nos outros dias da semana. As
observações participantes feitas durante uma semana foram necessárias para que as crianças
observadas em sua rotina se sentissem a vontade pela minha presença enquanto pesquisadora
durante todo o processo de estudo, facilitando assim o envolvimento com o grupo estudado.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Diante de estudos bibliográficos é possível reconhecer a escola enquanto um espaço de


interação social que tem por função a formação do indivíduo para as necessidades da
sociedade, além de conteúdos pré-determinados por Diretrizes Curriculares, ocorrem
ensinamentos reproduzidos, de valores sociais, morais, éticos e costumes da classe dominante
da sociedade. A promoção da educação vem a ser definida pela Constituição da República
Federativa do Brasil (1988), da seguinte forma:

Art.205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será


promovida com a colaboração da sociedade, visando ao pleno da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho
(Constituição Federal. 1988, p.104).

A escola é reconhecida por Althusser (1970) enquanto aparelho ideológico do estado,


pois reproduz a cultura dominante, suas relações de opressão, visto que a sociedade se
configurou historicamente pela cultura heteronormativa, branca e masculina, assim se
caracterizou a escola que reproduz e potencializa as divisões de gênero.
É necessário reconhecer que a aprendizagem e a reprodução da cultura dominante na
escola não se dão somente através dos conteúdos programados, mas também por meio da
inter-relação com as/os atrizes/atores sociais que fazem parte da comunidade escolar. Através
dos processos de observação foi possível notar a influência da cultura machista que nega e
oprime o gênero feminino nos momentos de conversas e brincadeiras entre as crianças.
Diante de uma atividade de pintura uma das meninas, 3 anos, pinta todo o desenho de
azul, de diversas tonalidades, vendo aquilo um dos meninos questiona: Oh tia, ela pintou de
azul, mas azul é de menino num é tia? Após tal questionamento tanto a menina quanto a
professora respondem que não, a professora explica que não existe isso de cor de menina e de
menino, as cores podem ser usadas de forma livre por qualquer pessoa. Não é por uma cor que
pinta-se o desenho que aquilo me torna menino ou menina trazendo exemplificações das cores
de objetos da sala que ambas as crianças utilizam e que a cor ou brincadeira não as
transformam, mostrando uma embalagem de um dos brinquedos da sala e apresentando que só
mostra a idade da criança que pode brincar com o mesmo, mas não diz se é para menino ou
menina. Logo, após a professora reforçar que, qualquer pessoa pode usar a cor que melhor lhe
agrada, em seguida a menina confirma a fala da professora e afirma que sua mãe falou isso
também que, qualquer pessoa pode gostar e usar qualquer cor.
É possível notar que existe uma diversidade de valores, uma que normatiza a cultura
machista que busca incessantemente a negação do gênero feminino, assim como alimenta a
não equidade de gênero e outra que assim como os movimentos sociais feministas, procura
trabalhar na desconstrução da normatização citada acima e dialoga com o processo de
equidade de gênero. A partir deste momento é possível notar o poder e a necessidade do
diálogo constante em sala de aula para abordar questões que devem ser desmistificadas e
possibilitar questionamentos, inquietações e reflexões as crianças em sala de aula.
É necessário identificar a escola enquanto extensão das relações pessoais exercidas na
sociedade, assim como reconhecer o papel não apenas formador da escola, mas seu papel
fundamental na construção das crianças enquanto seres sociais, do mesmo modo na
composição da identidade das mesmas. Tudo isso é proporcionado através das experiências
dentro e fora de sala de aula, notamos isso a partir da situação dissertada acima, a qual a fala
de cunho machista que reproduz a educação familiar que acredita haver a divisão de cores por
sexo é dita sem uma forma de consciência por parte da criança, mas que a partir da
reprodução constante desta fala em seu cotidiano, por estar sendo ensinada em casa irá fazer
com que a criança de sexo masculino acredite ser aquilo verdade inquestionável.
Reconhecer que através do diálogo, da abordagem explicativa é possível desconstruir
os estigmas a respeito de gênero, a segregação de cores por gênero, portanto é notório que as
cores e brincadeiras infantis, assim como profissões, etc, independem do sexo da pessoa. E
esta abordagem explicativa da educadora é feita de forma que as crianças questionem o
cotidiano delas através do exemplo feito com a embalagem do brinquedo dentro da sala de
aula, além de trazer o questionamento a respeito do uso de determinada cor não irá
transformar a criança no seu sexo oposto. Portanto é extremamente necessário entender o que
é gênero, assim como dissociar gênero de sexualidade.
Para Carvalho (2013) gênero é a construção social relacionada à distinção e hierarquia
masculino/feminino, estando sempre interligada a outras hierarquias e desigualdade de classe,
etc., portanto uma discussão, essencialmente necessária no cotidiano escolar, nos diversos
anos escolares, para romper com as barreiras que estigmatizam e circundam o gênero
feminino, do mesmo modo que excluem a diversidade em que a sociedade foi construída e é
mantida.
Na educação infantil é necessário reconhecer que a brincadeira é natural das
crianças sendo uma forma que as mesmas têm de transmitir seu cotidiano, suas frustrações e
alegrias. É através das atividades lúdicas que as crianças constroem sua identidade e
autonomia, firmando-se no espaço cultural a qual as mesmas estão inseridas, porém não é esta
a visão reconhecida pela maioria da sociedade.
Segundo Wajskop (2007), a brincadeira, desde a antiguidade, era utilizada como um
instrumento para o ensino, contudo, somente depois que se rompeu o pensamento românico
passou-se a valorizar a importância do brincar, pois antes a sociedade via a brincadeira como
uma negação ao trabalho e como sinônimo de irreverência e até desinteresse pelo que é sério.
Mas mesmo com o passar do tempo o termo brincar ainda não está tão definido, pois ele varia
de acordo com cada contexto, os termos brincar, jogar e atividade lúdica serão usados como
sinônimos.
Segundo Perrotti (1990, p.18):

Nossa organização social é de tal modo ‗adultocêntrica‘, que nossas


reflexões sobre a criança e seu universo cultural correm sempre o risco de,
repetindo a organização social, situar a criança em condição passiva face à
cultura. Pensamos sempre na criança recebendo (ou não recebendo) cultura,
e nunca na criança fazendo cultura ou, ainda, na criança recebendo e fazendo
cultura ao mesmo tempo (Perrotti, 1990, p.18).

Com essa visão de que a criança é passiva e que o ato de brincar não irá favorecer a
construção da identidade da criança e, não vendo a importância à atividade lúdica também na
construção de conhecimento, autonomia.
É entorno do meio da ludicidade, da brincadeira que se configurou outro processo de
determinação do que é de menina e menino, outro modo de negação do que deve compreender
por gênero. Em sala de aula a professora separa um tempo para brincadeiras e músicas para
explorar a movimentação do corpo das crianças, rebolam, pulam, imitam animais, etc.
diariamente essa rotina é feita em sala de aula ou fora da mesma. Após a ausência de um dos
alunos em sala de aula, após três dias, prazo determinado pela escola para entrarem em
contato com os responsáveis para saberem o motivo da ausência, a professora é comunicada
pela diretora que a mãe do menino procurou a escola para retirar a criança da instituição, pois
a criança ao ouvir música em casa estava rebolando e dançando e que não admitia ver aquilo,
pois seu filho é macho. Diante de tal ato a diretora propôs a troca de turno da criança, o
menino foi para o turno da tarde, colocado em uma turma, mista, de infantil 3 e 1º ano do
ensino fundamental. A professora questionou por que não foi comunicada sobre tal ação da
mãe da criança, assim como o posicionamento da direção da escola, segundo a diretora a ação
foi realizada para não perder um aluno pagante.
Após tal conversa a professora ficou se questionando por que uma diretora, com
formação em pedagogia, tendo o conhecimento acerca da função social da escola, reproduz
cegamente e fielmente práticas que negam as relações gênero, que segrega tudo por sexo,
assim como sua visão a respeito da criança, sendo vista enquanto aluno pagante.
É possível notar que o interesse desta gestora circunda apenas o financeiro e não a
questão da escola ser extensão da sociedade e de possibilitar a reprodução da cultura
dominante que nega a identidade de gênero, que vincula gênero à sexualidade. Do mesmo
modo é visível à negligência em reunir os responsáveis pela criança, a professora e a gestão
da escola para dialogarem a respeito do ocorrido, assim como trazer para debate as relações
de gênero, pois o que ocorreu foi mais um processo de silenciar o comportamento infantil, as
relações sociais, as identidades de gênero. Sendo assim notória a construção pedagógica desta
escola mediante cultura limitada a negar o diálogo sobre gênero e suas relações.
As construções de pensamentos heteronormativos e a necessidade em nomear e
rotular ações baseadas num dualismo entre masculino e feminino, Louro (1997) explica que
tais ―papéis seriam, basicamente, padrões ou regras arbitrárias que uma sociedade estabelece
para seus membros e que definem seus comportamentos, suas roupas, seus modos de se
relacionar ou de se portar...‖ uma sociedade que nega a diversidade cultural, de gênero,
sexualidade, etc. e procura em cada ação exaltar o gênero masculino e sua cultura, reduzindo
o papel do gênero feminino nas relações sociais.
Esse pensamento que normatiza as divisões por sexo e oculta às identidades de gênero,
assim como as relações entre os gêneros, permeia diariamente nas escolas, que reproduzem a
heteronormatividade, práticas silenciadoras e opressoras sobre as crianças, adolescentes e
adultos, sendo assim perceptíveis nas ações da gestora da escola citada anteriormente.
Como aborda Louro (1997) é necessário entender que, o gênero como constituinte da
identidade dos sujeitos, para entender o que é identidade Hall (2015, p.11) explica que o
núcleo do sujeito sociológico é formado na relação com ―outras pessoas importantes para
ele‖, ou seja, a construção da identidade se faz mediante ―seleção‖ e classificação de
identidades de outros sujeitos. Portanto, como afirma Hall (2011) a identidade é formada na
―interação‖ entre o ―eu‖ e a sociedade.
Então assim como a sociedade na era pós-moderna se configura de forma
multifacetada, fragmentada e composta por diversidade de costumes, etnias, etc. a identidade
de acordo com Hall (2015) também é composta por diferentes identidades, ou seja, múltiplos
fragmentos de outras identidades formam uma identidade.
As pessoas vivem numa busca constante em se encaixar e identificar com
determinadas culturas e comunidades, procura o reconhecimento de sua identidade a partir da
ligação com o grupo ao qual está vinculada (o). Sendo assim, pode-se reconhecer que o ser
humano se constitui através de um mosaico de identidades.
Para Laclau (apud hall 2015) as sociedades da modernidade tardia, são caracterizadas
pela ―diferença‖, elas são atravessadas por diferentes divisões e antagonismos sociais que
produzem uma variedade de diferentes ―posições de sujeito‖ - isto é, identidade - para
indivíduos. Desse modo é a partir de tais diferenças de posições que existem as articulações e
a formação da sociedade. A respeito da identidade Hall (2015, p.24) afirma que é algo
processual, portanto, nos indica chamá-la de identificação, pois sua construção está em
andamento, o mesmo ocorre com a construção da identidade de gênero, algo construído e
negado socialmente. A identidade de gênero na sociedade vive a negação de sua existência
associando gênero à sexualidade, assim como gênero é uma construção histórica, social,
cultural e política, é desconstrução de imagens normatizadas pela cultura dominante
(BRASIL, 2007).
Assim como a sociedade brasileira, a escola foi uma construção heteronormativa, que
valoriza e exalta o homem, branco, heterossexual, e negligencia a diversidade da sociedade
brasileira e tais relações de poder se estendem para a escola e sala de aula.
Como aborda Bourdieu e Passeron (1975) ―as ações pedagógicas escolares
reproduzem a cultura dominante, que reproduz a estrutura das relações de força‖ a partir do
conhecimento destas relações de poder que adentram para as questões de gênero, os
movimentos sociais feministas, buscaram e buscam a desconstrução dos significados
atribuídos às diferenças entre homens e mulheres, a equidade de gênero (CHAGAS, 2007).
Pois tais significados são construções históricas e culturais normatizadas ao longo dos anos
que segregam e oprimem.
A respeito das relações de desigualdade entre gênero Louro (1997) aborda da seguinte
maneira:

As justificativas para as desigualdades precisariam ser buscadas não nas


diferenças biológicas (se é que mesmo essas podem ser compreendidas fora
de sua constituição social), mas sim pelos arranjos sociais, na história, nas
condições, de acesso aos recursos da sociedade, formas de representação
(LOURO, 1997 apud CHAGAS, 2007).

Portanto, estudar gênero leva ao questionamento acerca deste dualismo entre feminino
e masculino, tão naturalizado social e culturalmente, que sempre favorece aquele (a) que
oprime sobre quem é oprimida (o). Para Louro (1997), a partir do momento em que é
considerado o ―caráter social do feminino e masculino, obriga aquelas/es que o empregam a
levar em consideração as distintas sociedades e os distintos momentos históricos de que estão
tratando‖.
Diante de tais questionamentos dos movimentos feministas ocorridos em 1970. No
Brasil, apenas em 1980, conseguiram promover ações sobre gênero dentro das escolas e de
outros espaços sociais (BRASIL, 2007).
Conforme afirma Guacira Louro (2004) apud Brasil (2007) ―as políticas curriculares
são, então, alvo da atuação de [setores conservadores] na tentativa de regular e orientar
crianças e jovens dentro dos padrões que consideram normalmente sãos‖, tal afirmação nos
remete a meta vetada do Plano Nacional de Educação (PNE - Lei nº 13.005, de 25 de junho de
2014) a qual citava ―a superação das desigualdades educacionais com ênfase na promoção da
igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual‖. O PNE do ano de 2014 que foi
aprovado retirou a promoção da igualdade de gênero e de orientação sexual, delegando aos
Estados e municípios a inclusão ou não em seus planos.
Tais discussões a respeito de gênero e orientação sexual foram denominadas de
―ideologia de gênero‖ pelos conservadores e bancada religiosa da Câmara dos Deputados
afirmando que tal abertura de debate e promoção da equidade de gênero feriria a moral da
família brasileira, como pode ser visto no seguinte trecho no Requerimento contra a Lei Nº
13.005/2014 ―O que verdadeiramente está acontecendo é que o conceito de ‗gênero‘ está
sendo utilizado para promover uma revolução cultural sexual de orientação neo-marxista com
o objetivo de extinguir da textura social a instituição familiar‖ (Izalci et al 2015).
A negligência e a naturalização para com o processo de divisão de gênero e
mecanismos de dominação masculina são perceptíveis na sociedade e acima de tudo são
reproduzidos de forma explícita e/ou oculta nas escolas.
Esses padrões de vivências escolares são construções históricas, sociais e
culturalmente predefinindo a ―fragilidade‖ das meninas em determinadas brincadeiras, a
estigmatização do comportamento de meninos e meninas em sala de aula, assim como a
predefinição de escolhas de cores pelas crianças. São essas construções preconceituosas e
estigmatizantes que movimentos feministas e de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e
Transexuais (LGBTT) procuram desconstruir as ações e atos preconceituosos e segregatórios.
Uma luta constante dos movimentos sociais e que em conjunto com membros de movimentos
educacionais poderão permitir um alcance melhor para debates acerca das relações de gênero
e produzirem materiais de apoio em casa de aula que permitam a quebra de paradigmas a
respeito da temática de gênero.

CONCLUSÃO

Diante das fundamentações teóricas abordadas e as observações participantes no


estudo de caso a respeito das relações de gênero numa sala de educação infantil de uma
instituição escolar de cunho particular foi possível notar que os processos de negação das
identidades de gênero construídos historicamente perpassam os muros da escola e se fazem
presente tanto na construção curricular, de atitudes de educadoras/es e gestão educacional,
quanto na inter-relação entre a comunidade escolar cotidianamente de forma explícita ou
oculta, assim como ocorre a desconstrução de tal negação de gênero.
Reconhecer que a escola não tem apenas a função de transmissão de conteúdos, mas
também de trazer situações e debates acerca de temáticas cotidianas não apenas com as (os)
estudantes, mas com a comunidade escolar e com as famílias, fazer com que sejam
corriqueiros os debates, com palestras dirigidas por membros do movimento Feminista e/ou
LGBTT, dinâmicas que possibilitem mais compreensão sobre gênero. Negar a diversidade
social, cultural, de gênero, etc. é negar a essência do ser humano, que se constitui a partir de
várias identidades.
Os movimentos sociais urbanos, assim como o feminista tem exercido trabalho árduo
na desconstrução destes estigmas normativos que circundam a sociedade civil, sua luta é
contínua para conscientizar a necessidade em haver a equidade de gênero, reconhecer que é
impossível rotular os gêneros e seus processos de construção.
A partir de tais lutas é possível notar algumas mudanças no pensamento engessado
historicamente, mudanças nos processos de formação de profissionais da educação que tem
sua função de educar não apenas para construção de conhecimento e mercado de trabalho,
mas educar para reconhecer a diversidade das relações de gênero, cultural, religiosa, etc.
educar para o respeito para com a/o outra/o. Portanto, é necessário que haja o reconhecimento
das lutas pela equidade de gênero e orientação sexual por parte do Governo Federal, para
trazer as discussões para a sala de aula, para a sociedade, para que sejam possíveis mudanças
maiores de respeito à construção social do ser humano.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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produção cultural para a criança. 4. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1990.

WAJSKOP, Gisela. Brincar na pré-escola. 7. ed- São Paulo: Cortez, 2007.


)

BREVE DIÁLOGO ENTRE O MOVIMENTO LGBT E A PERSPECTIVA


PÓS-IDENTITÁRIA NO COMBATE A LGBTFOBIA

Jaqueson Antonio da Silva, jaquesonsilva.direito@gmail.com, PPGDH/UFPE


Emerson Granja de Araújo Lacerda, emerson.granja@hotmail.com, PPGDH/UFPE

Resumo: Ultimamente o termo LGBTfobia tem aparecido com maior frequência nos espaços
de diálogos acadêmicos e nos encontros dos movimentos sociais. Apesar da consolidação do
termo homofobia nos diversos segmentos da sociedade - como por exemplo a academia e o
próprio Estado -, de que forma o surgimento desse novo termo revela a dificuldade ou
avanços em dialogar com a política pós-identitária, levando em consideração que esta última
tem ganhado expressiva notoriedade nas arenas políticas? A fim de provocar essa discussão, o
presente artigo se estrutura em dois momentos: o primeiro procura problematizar o termo
homofobia e pensar a LGBTfobia como fenômeno social que converge e se reforça a partir da
lógica heteronormativa; No segundo momento, trataremos das representações de gênero e da
construção da identidade. Tomando-se por ponto de partida os estudos queer e a organização
social a partir da sexualidade, enfatizando a construção de uma moral sexual que determina as
relações de poder e revela posições hierárquicas de uma perspectiva sexual em face de outras.
Abordaremos, ainda, o conflito existente entre a agenda anti-LGBTfóbica e a política pós-
identitária, ressaltando a mudança epistemológica proposta pela Teoria queer que
efetivamente rompa com a coerência binária e com suas implicações: a hierarquia, a
classificação, a dominação e a exclusão.
Palavras-chave: LGBTfobia; Política Pós-Identitária; Estudos Queer; Heteronormatividade

Introdução
Na 3ª Conferência Nacional de Políticas Públicas de LGBT, ocorrida em 2016 em
Brasília-DF, e que trouxe como tema: ―Por um Brasil que Criminalize a Violência Contra
Lésbicas, Gays, Bissexuais,Travestis e Transexuais‖29 foi discutido a utilização do termo
LGBTfobia ao invés de homofobia, além de outras pautas da agenda anti-homofóbica do
movimento LGBT que desde o início dos anos 2000 tem alcançado um exitoso diálogo com a
academia e com o Estado brasileiro. Logo, houve por parte do Estado a criação e a
implantação de variados artefatos que indica o reconhecimento pelo Estado da LGBTfobia
enquanto fenômeno social. Para ilustrar: em 2010 houve a criação do Conselho Nacional
contra a discriminação (CNCD) e do Programa Nacional de Direitos Humanos 2; em 2004 a

29
Disponível em http://www.sdh.gov.br/assuntos/conferenciasdh/3a-conferencia-nacional-lgbt, acessado em
07/05/2017.
criação do programa Brasil Sem Homofobia - BSH; em 2009, o Plano Nacional de Promoção
da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT (PNPCDH-LGBT) e em 2010 a criação do
Programa Nacional de Direitos Humanos. Com efeito, a criação desses dispositivos
reverberou políticas públicas nas demais esferas do Estado, havendo por parte dos governos
estaduais e municipais a criação de políticas locais, por exemplo, a criação do Centro Estadual
de Homofobia do Pernambuco (CECH) em 2012 e o Centro de Referência em Cidadania
LGBT do Recife-PE em 2014.
Porém, esse relativo sucesso, como aponta Miskolci (2011), apresenta, também suas
dificuldades. O que se pode sentir dentro do debate, principalmente entre a academia e o
movimento LGBT, é que há de um lado os que proclamam uma luta identitária e os Outros,
que são chamados de ―os queer‖ (MISKOLCI, 2011). É bem verdade que ao teorizar os
estudos queer, seus idealizadores, no início dos anos 90 do século passado, procuraram
rechaçar a ideia do orgulho gay, já que o ato de ―sair do armário‖ (SEDGWICK, 2007) não
seria suficiente para pôr em questão os regimes normalizadores que tangenciam as
sexualidades. Entretanto, a lógica pretendida pelos estudos queer, em sua perspectiva
americana, não foi provocar uma cisão, entre os identitários e os não-identitários. Mas, sim e
também, ―propor partir da experiência social da vergonha como meio para trazer ao discurso
as formas como nossa sociedade construiu a fronteira entre a aceitação e o rechaço social com
eixo na sexualidade (MISKOLCI, 2011, p. 58) ‖. A busca pela política pós-identitária, nesse
sentido, é subverte as identidades e apontar para as ―multidões‖ que não seriam contempladas
pela luta identitária. Assim, impõem-se alguns questionamentos: a normalização a fim de se
alcançar a igualdade política e, por conseguinte, a obtenção de direitos tem/teria sucesso no
campo da política? E em caso positivo, não se estaria causando violências éticas àquelas(es)
estranhas(os) à normalização?

É nesse terreno arenoso que o presente artigo caminhará, problematizando essa


possível dualidade que se converge em favor de uma única questão: a LGBTfobia, já que
―homens e mulheres da mídia, da educação, da cultura, da saúde, da justiça, dos movimentos
sociais, entre outras áreas, vêm apontando os dedos para a questão, denunciando ou
finalmente admitindo: a homofobia é um grave problema social (JUNQUEIRA, 2007, p. 2).‖

1. Emergência do termo LGBTfobia

O termo homofobia foi inicialmente empregado pelo psicólogo George Wingerg, em


1972, para designar aversão (medo) de estar na presença de homossexuais, vinculava-se,
então, ao sentimento individual de quem sentia. Assim, afastava-se a análise social que a
homofobia poderia trazer. Por essa razão, foi objeto de revisitação e problematização até pelas
mais variadas áreas de conhecimento, já que detinha uma limitação em seu bojo. Hoje, o
termo homofobia é o adotado pela academia, pelos movimentos sociais e pelas instituições
(inclusive sendo o termo escolhido pelos Relatórios sobre Violência Homofóbica no Brasil:
anos 2011, 2012 e 2013). Prado e Junqueira (2011) utilizam homofobia como o termo que
perde o caráter psicologizante e passa a englobar a discriminação, o preconceito e as
violências dirigidas à comunidade LGBT por conta de sua orientação sexual e/ou identidade
de gênero.
No mesmo sentido, Borrillo (2015) procura utilizar de forma indiscriminada o termo,
afastando, igualmente, o caráter de sentimento individual que porventura o termo possa
carregar. Entretanto, embora o termo homofobia já esteja consolidado pelas instituições, pelo
movimento LGBT e pela academia, sendo, por essa razão, utilizado de modo disseminado
referindo-se a toda violação de direitos, agressões físicas e/ou verbais sofridas pela
comunidade LGBT - bem como aquela(e) que transgrida a norma de gênero e de sexualidade -
o presente artigo utilizará o termo LGBTfobia, por considerar que o termo homofobia seja ele
próprio carregado de hostilidade para com os que não se reconheçam enquanto homossexual,
já que existe o risco de se falar quase que exclusivamente de gays quando se aborda o tema da
homofobia ( JUNQUEIRA, 2007).
Miskolci (2011) apresenta notas sobre a política sexual brasileira contemporânea e
aponta, como já dito, o bom relacionamento existente entre o Estado e o movimento social
organizado, como exemplo traz o bem-sucedido diálogo entre essas esferas no sentido de lidar
com a epidemia de HIV/aids na década de 1980. Nesse cenário, na década de 1990, o
movimento Gay e Lésbico ganha força e passa a ter uma agenda de demandas junto ao Estado
com o auxílio da academia. Posteriormente, passou a ser identificado GLBT e em 2008, passa
se denominar LGBT. Para Miskolci ―ao empregar as frases como ‗a população LGBT‘,
membros do movimento, do Estado ou mesmo da academia ontologizam um grupo político
histórico no Brasil (MISKOLCI, 2011, p. 61)‖, logo tende-se a reduzir muitas sexualidades às
siglas do movimento LGBT, sendo, que, como se sabe, não há como reduzir e acabar todas as
sexualidades estranhas à heterossexual no universo dessas categorias. Aqui a estratégia é
identitária a fim de se reconhecer direitos e unificar uma agenda de demandas.
A agenda anti-LGBTfóbica, nesse sentido, foi sentida como um denominador comum.
―Daí a estratégia vitimizadora que subdivide a homofobia nas chamadas transfobia,
homofobia, lesbofobia apelando para a proteção e a tolerância de identidades ao invés de
problematizar as normas sexuais como um todo (MISKOLCI, 2011, p. 65).‖ Desta forma, a
estratégia utilizada pelo movimento social é fortalezar essa ―ontologização‖ a fim de se obter
direitos, deste modo, acredita-se que o ―essencialismo estratégico‖ em um contexto pontual e
em curto prazo - conforme defende Miskolci (2011) a partir de Foucault - auxiliará no
enfretamento da violência ética dirigida às (os) que não se coadunam à heterossexualidade
compulsória. Na 3º Conferência Nacional de Políticas Públicas de Direitos Humanos de
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais ocorrido em Brasília em 2016, como já
dito, foi votado e aprovado pela plenária o termo LGBTfobia. Por essa razão esse artigo
escolhe LGBTfobia em detrimento da homofobia.
A referida escolha, também, não pretende desqualificar ou desmantelar as
contribuições até aqui já alcançadas, no que se refere à homofobia, como Borrillo (2015),
Rios (2011) e Prado e Machado (2012), muito pelo contrário, acredita-se que, conforme o
ativismo e a academia têm demandado grandes esforços em superar as limitações e as
fronteiras, e que como em outrora os estudos sobre homofobia se apresentaram como grandes
estratégias para discursão, e auxiliaram na implementação de políticas públicas, esse estudo
visa alargar perspectivas rumo a uma melhor efetivação dos Direitos Humanos e busca,
igualmente, dar voz a população diferenciada, que por séculos foi apagada e silenciada. Por
outro lado, será mantido o formato que é apresentado pelas instituições, autores ou
documentos que por ventura o artigo referencie.

1.1. LGBTfobia e heteronormatividade termos que se reforçam

A LGBTfobia e a heteronormatividade são conceitos complexos, mas não são


sinônimos. Porém, é preciso atentar-se que esses dois elementos por vezes devem ser
compreendidos como ―conceitos próximos, convergentes e, não raro, sobrepostos
(JUNQUEIRA, 2007, p.10).‖ Junqueira (2007), atento à arena escorregadia que o termo
homofobia foi cunhado e reproduzido, buscou problematizar os limites e as possibilidades de
sua conceituação. Por essa razão, procura-se pôr em questão o conceito de homofobia e
busca-se compreender a complexidade que esse termo carrega, não sendo, pois, exaustiva a
apresentação sugerida por esse escrito. Ademais, embora tenha já havido um espaço dedicado
à justificativa da escolha do termo LGBTfobia, aqui, ainda, inevitavelmente, se discorrerá
sobre essa opção, já que LGBTfobia se apresenta de forma variada e se apresenta em
definições e questões terminológicas não encerradas.
É bem verdade que o a utilização do termo homofobia tem recebido repetidas críticas e
que, conforme Junqueira (2007), embora haja uma íntima relação entre homofobia e normas
de gênero, não é o termo homofobia que é responsável pelo silenciamento, pela negação ou
pelo deslocamento das sexualidades e identidades de gênero diversas da homossexual. Para
ele a justificativa por essas explicações deve ser buscada em outro lugar e não na
problematização do termo homofobia. ―A intima relação entre homofobia e normas de gênero
tanto se traduz em noções, crenças, valores, expectativas, quanto em atitudes, edificação de
hierarquias opressivas e mecanismos regulatórios discriminatórios (JUNQUEIRA, 2007, p.
8).‖
Porém, a crítica dirigida à edificação do conceito de homofobia se dá pelo fato desse,
possivelmente, já ter realizado seu papel: tornar uníssono a demanda e dar visibilidade à
problemática. Além de que a perpetuação desse termo possa abrir margem para a
invisibilidade e mitigação da lesbofobia, bifobia e transfobia. Hoje, o movimento social
LGBT já se apresenta como um grupo sólido e consegue dialogar com o Estado. A academia,
também, avançou significativamente nos estudos sobre sexualidades, gênero e identidades,
dando um suporte substancial a esse diálogo. Nesse sentido, é bem possível que as agendas
dessas três esferas tenham se convergido em favor de uma política anti-LGBTfóbica.
Entretanto, os dilemas e os litígios entre a academia, o movimento e o Estado seriam
inevitáveis.

Apesar desses impasses, há como partir de uma conceituação comum, assim,


compreende-se a LGBTfobia como sendo a existência de uma investida injusta e violenta
sobre determinadas pessoas da comunidade, não sendo um ato exclusivamente voltado para
pessoas LGBT, e sim, também, para todas e todos que diferenciam ou se distanciam do
conceito heterossexista30. De modo genérico, Rios (2011, p.37) conceitua homofobia,
aplicando, assim de modo disseminado, como a afirmação da heterossexualidade por meio do
repúdio à homossexualidade, atribuindo à essa experiência um caráter doentio ou, ao menos,
condição de desenvolvimento inferior à heterossexualidade (RIOS, 2011, p. 37). Revela-se,
então, que a sexualidade divergente da heterossexual acaba por ganhar um status de inacabada
ou secundária.
Para Prado (2012) o preconceito e as invisibilidades são responsáveis pela manutenção
das hierarquias sociais. Para ele, no que dize respeito à sexualidade, ―o preconceito social
produziu a invisibilidade de certas identidades sexuadas, garantindo a subalternidade de
alguns direitos sociais e por vezes, legitimando práticas de inferiorizações sociais, como a
homofobia (PRADO, 2012, p.70).‖ Ainda para ele há que se atentar ao campo da homofobia
30
Compreende-se heterossexismo como atitude de imposição da heterossexualidade sobre a homossexualidade,
ou qualquer outra forma de orientação sexual, a fim de hierarquizar e excluir as categorias sexuais e de gênero.
institucional, locus em que a violência ganha categoria de ―impensável‖ (PRADO, 2009). Ao
citar Blumenfeld, Prado diz que o principal argumento é que:
Na sua dinâmica, a homofobia assume o lugar do impensável, portanto,
daquilo que não possui palavras, rede de significação e nomes para existir no
mundo público. E, do ponto de vista de sua funcionalidade, exerce a
proteção das fronteiras sexuais e de gênero (PRADO, 2009, p.220).
A LGBTfobia não está somente engendrada na estrutura das instituições, como
mecanismo de poder-saber, ela perpassa as relações em seus meandros capilares, sustenta-se
em técnicas positivas e repressivas. Dando, assim, ensejo na estruturação da hierarquização e
na manutenção das inferiorizações sociais. Deve-se pensar então a homofobia institucional
como lógica presente nas escolas (aqui pensando todas as instituições desde o ensino de
alfabetização até as pós-graduações), nos órgãos de saúde, nas instituições judiciárias além de
outras esferas. Ao complementar o mecanismo da hierarquia e da inferiorização social, Prado
aponta que
O preconceito traz como perspectiva a redução dos dilemas sociais
informando-nos sobre determinadas orientações valorativas que buscam dar
e atribuir uma pretensa coerência às ações sociais. Isto acontece por meio de
discursos cotidianos menos institucionalizados, como relações interpessoais,
pensamentos cotidianos, relações de afeto, acolhimento ou recusa, mas
também se materializa nas instituições públicas que sustentam leis gerais,
normas e práticas governamentais (PRADO, 2012, p. 71).

Integrando essa complexidade à problemática, Borrillo (2015) aduz que a diferença


homo/hétero não é utilizada, tão somente para diferenciar, mas tem um poder ordenatório de
regular o regime das sexualidades, em que o modelo heterossexual é o único que merece
guarida e, também, o único modelo social a ser eleito. Excluindo, deste modo, qualquer outra
sexualidade.
Assim, nessa ordem sexual, o sexo biológico (macho/fêmea) determina um
desejo sexual unívoco (hétero), assim como um comportamento social
específico (masculino/feminino). Sexismo e homofobia aparecem, portanto,
como componentes necessários do regime binário das sexualidades.
(BORRILLO, 2015, p. 16)
Logo, essa compreensão carrega intima relação com a heteronormatividade
apresentada por Miskolci:
A heteronormatividade é um conjunto de prescrições que fundamenta
processos sociais de regulação e controle, até mesmo aqueles que não se
relacionam com pessoas do sexo oposto. Assim, ela não se refere aos
sujeitos legítimos e normalizadores, mas é uma denominação contemporânea
para o dispositivo histórico da sexualidade que evidencia seu objetivo:
formar todos para serem heterossexuais ou organizarem suas vidas a partir
do modelo supostamente coerente, superior e ―natural‖ da
heterossexualidade (MISKOLCI, 2009).
Pensa-se, isto posto, a LGBTfobia como sendo a investida violenta utilizada para
proteção e demarcação dos modelos de sexualidade e gênero eleitos como padrão, além de
serem tomados como naturalizados para o modelo de sociedade ocidental, são eles,
respectivamente, a heterossexualidade e o masculino/feminino. Desta forma, o sexismo e a
LGBTfobia surgem como reguladores necessários ao regime binário das sexualidades.
Portanto, ―a divisão dos gênero e do desejo (hétero) sexual funcionam, de preferência, como
um dispositivo de reprodução da ordem social, e não como um dispositivo de reprodução
biológica da espécie (BORRILLO, 2015, 16).‖ Com a hierarquização das sexualidades, há
que se decotar os efeitos políticos que daí surgem. Logo, não há como avançar sem antes se
fazer algumas digressões sobre os estudos queer, sua perspectiva pós-identitária, a hegemonia
patriarcal e o Heterossexismo.

2. Representações de gênero: A hegemonia patriarcal e o Heterossexismo

A passagem do estado de natureza para a cultura, onde se estabelecem as relações


sociais e os ordenamentos jurídico tem sua origem em uma vedação sexual, qual seja, a
proibição do incesto. Infere-se, portanto, que toda a organização social orbita em torno da
sexualidade.
Tomando-se por ponto de partida a organização social e jurídica a partir da
sexualidade, percebe-se a construção de uma moral sexual que determina as relações de poder
e revela posições hierárquicas de uma perspectiva sexual em face de outras. ― A moral sexual
civilizada adotou o paradigma da moral masculina, na qual as restrições são feitas
principalmente as mulheres‖ (Pereira, 2000, p.54). Assim, ao tratarmos de sexualidade e
gênero, indispensável traçar a trajetória feminista no combate ao patriarcalismo da família,
com vistas a garantir a imposição da liberdade e igualdade entre os sexos.
Não podemos olvidar o advento da heteronormatividade, onde todos os sujeitos devem
ter suas vidas organizadas conforme o modelo heterossexual, sejam heterossexuais ou não e a
imposição da heterossexualidade compulsória, onde os sujeitos devem ser heterossexuais para
serem considerados normais. Assim, a heteronormatividade organiza a vida das pessoas,
sendo um verdadeiro modelo político de organização social. Verdade é que o feminismo e
não-heterossexual foram excluídos do centro das relações sociais.
Por sua vez, Judith Butler, na teoria queer, trata da discussão sobre a dualidade
sexo/gênero. A filósofa americana faz críticas à concepção que confunde gênero com sexo,
quando o feminino é categoria que só funciona dentro do humanismo machista. Para Butler, é
necessário desconstruir a vinculação entre sexo e gênero por meio da ideia de que ―levada a
seu limite lógico, a distinção sexo/gênero sugere uma descontinuidade radical entre corpos
sexuados e gêneros culturalmente construídos‖ (BUTLER, 2015, p. 26). Para Butler, se o
gênero é o conjunto dos significados ostentados pelo corpo sexuado, não se pode afirmar que
ele decorre de um sexo, afinal, ―se o caráter imutável do sexo é contestável, talvez o próprio
constructo chamado ―sexo‖ seja tão culturalmente construído quanto o gênero‖. (BUTLER,
2015, p 27)
Foucault (2005, p. 100) discorre sobre a teoria de poder, problematizando o binômio
sexo/natureza, versando o sexo de forma histórica, afirma:
a sexualidade é o nome que se pode dar a um dispositivo histórico: não à
realidade subterrânea que se apreende com dificuldade, mas à grande rede da
superfície em que a estimulação dos corpos, a intensificação dos prazeres, a
incitação ao discurso, a formação dos conhecimentos, o reforço dos
controles e das resistências, encadeiam-se uns aos outros, segundo algumas
grandes estratégias de saber e de poder.

Na perspectiva da teoria queer, tanto o sexo como o gênero são produzidos


discursivamente e ambos inscritos num conjunto de moralismos, práticas e significados.
Nesse sentido, abandona-se a separação entre o sexo e gênero, como se ambos fossem um só
elemento, inscritos materialmente no corpo. Butler defende o sujeito não preexistente, quer
dizer, ela afirma que o sujeito é construído no discurso pelos atos que executa, ou seja, ele se
constrói e desconstrói o tempo todo. Butler aduz ainda que o gênero não é algo que se é, e
―não deve ser meramente concebido como a inscrição cultural de significado num sexo
previamente dado‖ (2010, p. 25).
Para que a teoria queer seja entendida é necessário também analisar a figura do sujeito
como não sendo pré-existente. Butler (2002, p.13) defende a ideia de que o sujeito vive em
constante processo construtivo, constituído nos discursos pelos atos que ele executa, para isso
ela utiliza a genealogia moral de Nietzsche:
Os corpos vivem e morrem; comem e dormem; sentem dor e prazer;
suportam a enfermidade e a violência e alguém poderia proclamar
ceticamente que estes ―fatos‖ não podem se descartar como uma mera
construção. Seguramente deve haver algum tipo de necessidade que
acompanhe estas experiências primárias e irrefutáveis. E seguramente há.
Porém seu caráter irrefutável de modo algum implica o que significaria
afirmá-las nem através de que meios discursivos.

Butler (2015, p. 19) afirma que ―a construção política do sujeito procede vinculada a
certos objetivos de legitimação e de exclusão‖, tal preceito desagua no estado democrático de
direito que, ―com efeito, a lei produz e depois oculta a noção de ‗sujeito perante a lei.‘‖
Não obstante, Preciado acastela que uma das formas dominantes de ação biopolítica
no capitalismo contemporâneo é a sexopolítica. Defende a ideia de que o sexo entra no
cálculo do poder, fazendo dos diversos discursos sobre identidades sexuais um agente de
controle da vida. A autora traz referências de Foucault em que este contestando a sexopolítica
diz que biopoder não faz mais do que produzir as disciplinas de normatização. A sexopolítica
não pode, portanto, ser reduzida à regulação das condições de reprodução da vida nem aos
processos biológicos que se ―referem a população‖. Bem verdade que anteriormente as
disciplinas biopolíticas funcionaram como uma máquina de naturalizar o sexo. Essa máquina
permitiu a criação da noção de gênero no séc. XIX para possibilitar que crianças intersexuais
e pessoas transexuais tivessem a possibilidade de modificação cirúrgica e hormonal do sexo
genital. Tais pessoas modificadas pela medicina foram categorizadas em minorias construídas
como ―anormais‖ em benefício da regulamentação normativa do corpo da massa. Ora, essa
multiplicidade de anormais reforça a potencialidade do Império Sexual em normatizar e
controlar (2011, p.11-13).
Para Preciado as minorias sexuais tornam-se multidões chamadas de queer. Dentro da
noção de políticas das multidões queer, ―o corpo não é um dado passivo sobre o qual age o
biopoder, mas antes a potência mesma que torna possível a incorporação protéstica dos
gêneros.‖ (PRECIADO, 2011, p. 14). O corpo da multidão é centralizado na
―desterritorialização‖ da heterossexualidade, que afeta tanto o espaço urbano quanto o espaço
corporal. Tal processo do corpo obriga a resistir-se aos processos de tornar-se ―normal‖.
Ora, é preciso admitir que os corpos não são mais dóceis, é preciso ―desidentificação‖,
na medida em que surge das ―sapatas‖ que não são mulheres, das bichas que não são homens,
das trans que não são homens nem mulheres, ―identificações estratégicas‖ quando ―sapatas‖ e
―bichas‖ são transformadas em possíveis lugares de produção de identidades resistentes à
normalização, atentas ao poder totalizante dos apelos à ―universalização‖. (PRECIADO,
2011, p. 14-15)
Saliente-se que os corpos da multidão queer são também as ressignificações da própria
pornografia e da anatomia humana e não estão vinculados a ideia de ―terceiro sexo‖. Portanto,
―a política da multidão queer não repousa sobre uma identidade natural, nem sobre uma
definição pelas práticas sexuais, mas sobre a multiplicidade de corpos que se levantam contra
os regimes que os constroem como normais e anormais.‖ (PRECIADO, 2011, p. 16).
A construção da normalidade sexual repousa na heterossexualidade como modelo de
sexualidade padrão, tornando-o legítimo natural e compulsório. Ou seja, infere-se que as
pessoas no círculo social são heterossexuais por natureza e, sendo assim, a heterossexualidade
torna-se fundamento da sociedade. ―Parte do problema aí proposto é que sexo/gênero tem sido
uma das poucas áreas em que a corporificação pode ser discutida em discursos ocidentais‖
(OLIVEIRA, 2007, p. 139). Outrossim, a sociedade atribui papéis aos gêneros em função do
sexo que dispõem, e consequentemente cria-se uma espécie de hierarquização dos sexos,
fortalecendo a discriminação de gênero. Stephanie Arc (2009, p. 30) afirma que
essas ideologias que pregam a superioridade de um gênero sobre outro
(sexismo) e de uma orientação sexual sobre outra (heterossexismo) dão
sustentação ao sistema social e organizam o controle dos gêneros.

A heterossexualidade compulsória, nada mais é que ―a compreensão de que a ordem


social contemporânea não difere de uma ordem sexual. Sua estrutura está no dualismo
hetero/homo, mas de forma a priorizar a heterossexualidade‖ (Milkolci, 2007 p. 4). Assim, as
obrigações sociais, suas expectativas e demandas, são originadas de um pressuposto de
heterossexualidade natural. Ou seja, a sustentação da heterossexualidade compulsória é a
crença de sua naturalidade como sustentáculo das relações sociais.
Por outro lado, a coerência entre sexo, gênero e sexualidade oculta uma serie de
instabilidades entre tais instâncias, instabilidades estas que emergem por ocasião das
identidades gays, lésbicas bissexuais e transgêneros, e que denunciam o caráter não-original
da própria heterossexualidade, é o que Butler chamou de ―uma falsa estabilidade‖.
Ainda, para Butler (2015, p.29-56), é apenas dentro das dimensões da linguagem, da
cultura e do simbólico, através das práticas performativas de reiteração, que o corpo torna-se
possível de ser pensado. No contexto de segregação e exclusão, a hierarquização do
sexo/gênero excluiu as mulheres, feministas e não-feministas e homens não-heterossexuais da
sociedade organizada, demonstrando o efeito mais negativo da história ocidental. Nesse
contexto não basta afirmar que a sexualidade é historicamente construída, mas é necessário
reconhecer, também, que a história, ela mesma, é sexualmente construída, na medida em que
é construída pelos homens, brancos, heteros, burgueses, e que qualificaram a história como
patriarcal.
Assim, conforme ensina Monique Witting, autora de ―O Pensamento Hétero‖ (1980), a
linguagem enquanto fenômeno tem dominado os sistemas modernos e sociais e como tal,
entrou nas discussões políticas dos movimentos sociais de libertação de lésbicas e mulheres.
Ora, a linguagem é um instrumento direto de poder que é usada por pessoas para transformar
a realidade social.
Witting defende que as disciplinas que se desenvolveram com base no estruturalismo
sofreram grande influência da ciência da linguagem. Percebeu-se que, o mundo inteiro é um
grande registro de linguagens, onde uma se entrelaça na outra, formando uma cadeia,
apoiando-se umas nas outras. A linguística deu origem, portanto, a semiologia e a linguística
estrutural deu origem ao estruturalismo que por sua vez originou o Inconsciente Estrutural.
Essa cadeia de ciências produz uma estática confusa, fazendo com os oprimidos percam de
vista a causa material da opressão e sejam lançados numa espécie de vácuo a-histórico.
Os discursos produzidos por essa cadeia geram inúmeras variantes, a autora cita como
exemplo a linguagem simbólica, pois esta funciona com poucos elementos e assim são fáceis
de serem impostos. Para Witting (1980, p. 2)
a linguagem simbólica é extremamente pobre e na sua essência cheia de
lacunas, as linguagens ou metalinguagens que a interpretam estão-se a
desenvolver, cada uma delas, com uma riqueza, um aparato, que até agora
apenas as exegeses bíblicas conseguiram igualar.

O pensamento hétero é exposto no momento em que ―os discursos que oprimem


lésbicas, mulheres, e homens homossexuais, são aqueles que tomam como certo que a base da
sociedade, de qualquer sociedade, é a heterossexualidade.‖ (Witting, 1980, p. 2).
Butler critica a oposição binária homossexual/heterossexual, em que os discursos de
identidade estão presentes nas declarações LGBTfóbicas e/ou favoráveis a homossexualidade,
defendendo a integração dos não-heterossexuais reivindicando uma espécie própria ou
comunidade exclusiva, bem como ao considerar a sexualidade como socialmente construída,
pauta-se na referência à heterossexualidade como regra-padrão. Para Louro (2001, p. 549):
Ao alertar para o fato de que uma política de identidade pode se tornar
cúmplice do sistema contra o qual ela pretende se insurgir, os teóricos e as
teóricas queer sugerem uma teoria e uma política pós-identitárias. O alvo
dessa política e dessa teoria não seriam propriamente as vidas ou os destinos
de homens e mulheres homossexuais, mas sim a crítica à oposição
heterossexual/homossexual, compreendida como a categoria central que
organiza as práticas sociais, o conhecimento e as relações entre os sujeitos.
Trata-se, portanto, de uma mudança no foco e nas estratégias de análise;
trata-se de uma outra perspectiva epistemológica que está voltada, como diz
Seidman, para a cultura, para as ―estruturas lingüísticas ou discursivas‖ e
para seus ―contextos institucionais‖

Ora, necessário, pois, cultivar uma transformação epistemológica que quebre a cultura
binária e seus efeitos, quais sejam, a hierarquia, a classificação, a dominação e exclusão.
Compreender a homossexualidade e a heterossexualidade como independentes, depende de
uma abordagem desconstrutivista. Em tal ótica, a identidade negada é constitutiva do sujeito,
assombrando-o com instabilidade, questionando-se aos processos pelos quais a
heterossexualidade se tornou regra-padrão e passou a ser concebida como ―natural‖.
(LOURO, 2001, p. 549)

Considerações Finais

Conforme visto alhures, a LGBTfobia e a heteronormatividade embora


conceitos complexos, não são sinônimos. A LGBTfobia teve sua relevância neste estudo, vez
que, como fonte de hierarquização e deslegitimação da sexualidade, é consequência do
heterossexismo e das relações de poder entre os gêneros e sexos. O que de mais relevante
importa é que, a inferiorização dos indivíduos, tendo por base discursos, muitas vezes opostos
aos fundamentos dos direitos humanos, discriminatórios e brutais, qualifica, uma exclusão
perversa, coordenada pelas invisibilidades das identidades sexualizadas. No entanto, enfrentar
a LGBTfobia, implica a compreensão do seu fenômeno, das graves consequências do
heterossexismo e da função das entidades estatais no combate a tão grave violência.

No mais, os estudos sobre a sexualidade são importantes e necessários na


medida em que implica penetrar nos meandros da heternormatividade que de certa forma é
responsável pela materialização da LGBTfobia, como também dos sistemas de controle das
relações afetivas entre pessoas do mesmo sexo. Assim, embora para a teoria queer, o gênero é
um constructo, e como tal, questiona a centralidade dos mecanismos sociais relacionados à
influência do dualismo hetero/homossexual para aparelhamento da vida em sociedade e para a
agenda do movimento LGBT há uma luta identitária na igualdade de direitos, a normalização
a fim de se alcançar a igualdade política e, por conseguinte, a obtenção de direitos tem
sucesso apenas no campo da política.

No campo social ainda não há uma cisão do padrão-normativo, hierarquizado e


excludente das sexualidades. Necessário, pois, se faz como que tanto o movimento LGBT
como as ―multidões queer‖ construam um eixo comum no combate a violência LGBTfóbica
que atinge não somente os não-heterossexuais, mas todo e qualquer indivíduo que esteja em
situação de vulnerabilidade, opressão e dominação.

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ESTUPRO COLETIVO: UM OLHAR DA PSICOLOGIA SOCIAL NO
COMPORTAMENTO DE GRUPO

Autora: Fernanda Nogueira Silva, fernanda.nogueira94@hotmail.com, Faculdade de Ciências


Humanas de Olinda (FACHO).

Coautora: Solange Eloi Dias Dantas, solebely@hotmail.com, Faculdade de Ciências Humanas de


Olinda (FACHO).

Resumo

No Brasil foi noticiado na mídia casos de estupros coletivos, que ocorreram em diferentes cidades. O
caso foi motivo de debates e trouxe a tona o tema ―cultura do estupro‖, algo pouco conhecido pelas
pessoas no geral. Esse artigo tem como objetivo, discutir a cultura do estupro e a influência do
pensamento de grupo no comportamento de homens que participam de estupro coletivo. Para tanto,
entender esse contexto, se faz necessário percorrer um caminho que perpassa do social ao individual,
em que a comunhão da objetificação da mulher e as influências do pensamento de grupo no
comportamento de homens, podem levar ao estupro coletivo. O artigo é de natureza qualitativa e
metodologia bibliográfica, pois não se preocupa com representatividade numérica, mas, sim, com o
aprofundamento da compreensão de um grupo social. A prática do estupro coletivo não é nova, tendo
seus registros na história, contudo, o tema vem sendo debatido e avaliado por cidadãos e a comunidade
científica atualmente. A cada vez que a temática se torna explícita, tende a fomentar pesquisas e
estimular a reflexão a cerca do papel da mulher em nossa sociedade, e a contribuição individual de
cada um para a não perpetuação da ―cultura do estupro‖.

Palavras-chave: Cultura do estupro, Estupro coletivo, Psicologia social.

Abstract

In Brazil, cases of collective rapes that occurred in different cities were reported in the media. The
case was the subject of debate and it brought to light theme "rape culture", a subject almost unknown
by the general public. This article aims to discuss the culture of rape and the influence of group
thinking on men‗s behavior in participating in collective rape. In order to understand this context, it is
necessary to cross a path from the social to the individual, in which the communion of the
objectification of women and the influences of group thinking on the behavior of men can lead to
collective rape. The article is qualitative in nature and bibliographical methodology, because it does
not concern itself with numerical representativeness, but rather with the deepening of the
understanding of a social group. The practice of collective rape is not new, having its records in
history; however, the subject has been debated and evaluated by citizens and the scientific community
lately. Each time the theme becomes explicit, it tends to foster research and stimulate reflection about
the role of women in our society, and the individual contribution of each to the non-perpetuation of the
―rape culture."

Keywords: Rape culture. Collective rape. Social Psychology.


Introdução

No Brasil nos últimos meses, foi notícia em vários meios de comunicação estupros
coletivos, que ocorreram em cidades diferentes do país. Foi motivo de debates acirrados e
trouxe a tona uma nomenclatura criada nos anos 70 nos Estados Unidos: ―cultura do estupro‖,
que apesar de antiga é pouco conhecida e percebida pelas pessoas no geral.
Esse artigo tem como objetivo, discutir a cultura do estupro e a influência do
pensamento de grupo no comportamento de homens que participam de estupro coletivo. Para
tanto, entender esse contexto, se faz necessário percorrer um caminho que perpassa do social
ao individual, em que a comunhão da objetificação da mulher e as influências do pensamento
de grupo no comportamento de homens, podem levar ao estupro coletivo.
A princípio, compreender os aspectos sociais para a fundamentação do artigo, tem o
papel de introduzir as pessoas que realizam o estupro coletivo em um contexto social,
explicando que, não são atos isolados e excludentes, e sim, um aspecto vivenciado há muitos
anos. Esse artigo delimita os indivíduos que praticam o estupro essencialmente em grupo, por
isso, foi abordada a contribuição da psicologia social no estudo de grupos, que tem sido pouco
discutida, e em geral estigmatizada por psicólogos brasileiros que tomaram outros rumos
dentro dos campos de pesquisa.
Como consequência, este se circunscreve por muitos paradigmas, mas que podem
contribuir no estudo do comportamento dos homens que praticam o estupro coletivo, por ser
esse um fenômeno da ordem do social. É no resgate da temática que se contempla a tentativa
de compreender esse comportamento a luz da perspectiva da influencia do pensamento de
grupo.
Portanto, é possível observar a psicologia social como um campo que possibilita
várias vertentes, sentindo-se a necessidade de compreender o comportamento dos grupos na
tentativa de refletir a ação desses indivíduos, com o objetivo de aumentar o campo de estudo.
Como justificativa para a escolha do tema, temos uma problemática atual e intrigante,
podendo contribuir no estudo desse tipo de comportamento, visando obter novos
conhecimentos, diante da escassez de pesquisas psicológicas frente a essa temática.

Metodologia
Foi utilizada no artigo a natureza qualitativa, pois não se preocupa com
representatividade numérica, mas, sim, com o aprofundamento da compreensão de um grupo
social. A pesquisa qualitativa trabalha com o universo de significados, motivos, crenças e
valores, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos
fenômenos. Diante disso será utilizada a metodologia bibliográfica por proporcionar uma
investigação aprofundada sobre a temática, com a utilização dos instrumentos: as fontes
primárias e secundárias para análise, a fim de responder a problemática proposta.
Segundo Amaral (2007, p.1) ―A pesquisa bibliográfica é uma etapa fundamental em
todo trabalho científico, na medida em que der o embasamento teórico em que se baseará o
trabalho. Consistem no levantamento, seleção, fichamento e arquivamento de informações
relacionadas à pesquisa‖. Assim, sua produção de dados se dará através de livros, artigos e
reportagens sobre a ação dos homens em estupros coletivos, e a possível influencia do
pensamento de grupo.

Desenvolvimento
A violência é algo que as sociedades vivenciam de forma cruel. Nada é mais
condenável pela modernidade e pós-modernidade do que as ações violentas. Esse
comportamento é repetido de diversas maneiras em todas as sociedades. A violência traz
consigo muitas vezes, uma manifestação da diferença, o que hipoteticamente pode se tratar de
um jogo de reconhecimento. O que pode se perceber num estupro coletivo, assassinatos,
roubos. (HARTMANN, 2005)
―Após o ato violento temos uma definição de lugares. O que não se refere
somente a posição de agressor e de vítima ou vencedor e perdedor. Essa
definição diz respeito ao fato de que, depois de cometida a violência, as
coisas mudam, um limite aparece, mesmo que provisório.‖ (HARTMANN,
2005, p.45)

A ideia de Birman (2003) sobre o ethos da violência, ou seja, são hábitos de um povo
que visam o ―bem comum‖ de determinada comunidade, pode ser entendido também como a
cultura da violência, e é explicada através da exaltação desenfreada na individualidade em um
mundo que está prezando pelo espetáculo, o que acarreta na dispersão da solidariedade, em
que o outro não é valorizado e preservado e segundo o autor é o lema maior do ethos da
atualidade. Esse contexto implica na impossibilidade de olhar o outro em sua singularidade,
em sua diferença radical, pois isso é a característica da subjetividade na cultura do narcisismo,
já que não se consegue descentralizar de si mesmo.
Nessa perspectiva, o outro é sempre visto como objeto, como algo para ser usufruído e
se não tiver nada para oferecer é eliminado, sendo assim, será manipulado essencialmente
para o gozo. Desta maneira ainda segundo o autor o que lhe interessa é o ―engrandecimento
grotesco da própria imagem. O outro lhe serve apenas como instrumento para o próprio
incremento da autoimagem.‖ (BIRMAN, 2003, p. 25)
Com isso, as relações se tornam verdadeiros entraves, lutas perturbadoras, e na
inexistência de projetos sociais compartilhados resta apenas à extração do gozo do corpo do
outro a qualquer preço. Esse cenário se torna perfeito para a explosão da violência na
atualidade. E ―Saquear o outro, naquilo que este tem de essencial e inalienável, se transforma
quase que no credo nosso de cada dia.‖ (BIRMAN, 2003, p. 25)
No momento em que vivemos e até antes disso, a violência se apresenta e se
apresentou de várias formas, sendo alvo de muitas discursões nos diversos âmbitos. Nesse
cenário, podemos refletir a cerca de nossas ideias de valoração desse outro como algo, como
um objeto, a ser usufruído. Pensando nesse contexto, onde a masculinidade permite que
homens sejam violentos com as mulheres, porque são simplesmente homens e elas, mulheres,
nos faz refletir sobre essa relação desigual e violenta que vem sendo reproduzida ao longo do
tempo.
O cenário da violência contra as mulheres no Brasil tem nos assusta diante do
expressivo quantitativo de casos contabilizados, bem como, nas modalidades de agressões
praticadas. Em especial, aos inaceitáveis casos de estupros coletivos, disponíveis na internet.
Diante dessa visibilidade, pode-se observar um investimento discursivo na espetacularização
desse tipo de violência e de crime, tocando nos pontos mais sensíveis da cultura da violência
contra as mulheres no Brasil, formação de uma inaceitável cultura do estupro coletivo.
(MUNIZ, 2017)
Em 2016 a expressão ―cultura do estupro‖ ganhou o debate público a partir de fatos
como o do estupro coletivo ocorrido no Rio de Janeiro. Mas afinal, o que é a cultura do
estupro? Segundo Almeida (2016), a expressão ―cultura do estupro‖ informa sobre a
banalização social do fenômeno da violência contra as mulheres, especificamente a violência
sexual que atinge todas as classes sociais. O ato do estupro é uma maneira pela qual o homem
exercer o domínio sobre a mulher da forma mais violenta possível, ou seja, a partir do
controle do seu corpo.
Neste contexto, não podemos pensar a cultura do estupro exclusivamente como a
violação em si, mas de como as atitudes sexualmente violentas contra as mulheres como, a
humilhação, objetificação, fragmentação dos corpos femininos, desumanização, possibilitam
que elas sejam percebidas como alvo do desejo e da ação masculina, ao passo que, são
corresponsáveis pela violência contra elas cometidas. Para tanto, não devemos observar o
estupro como um ato individual, mas sim, como uma prática integrada à própria constituição
do ser homem em nossa sociedade. (SILVA, 2017)
A sociedade estabeleceu padrões de interação de gênero em que o corpo da mulher é
permanentemente objetificado e posto a serviço do desejo do homem. E essa objetificação é
banalizada. Cabe destacar que, ao se transformar a mulher em objeto, retira-se dela, num
primeiro momento, a capacidade de agência sobre o processo de violência, a capacidade de
mudar essa situação.
Essa discussão possibilita uma reflexão sobre a prática cultural machista que legitima
certa violência contra a mulher, naturalizando a ideia de que as vítimas são sempre culpadas.
Uma sociedade que coloca mais de 52% de sua população potencialmente nesse lugar é uma
sociedade doente que precisa ser transformada (ALMEIDA, 2016). A cultura do estupro é
algo enraizado em nossa sociedade. A partir do momento em que nós mulheres, nascemos já
recebemos uma série de predefinições de como devemos nos comportar, as roupas que
devemos usar com quem devemos nos relacionar as profissões que devemos ter, enfim, uma
série de padrões impostos por uma sociedade machista que considera o pai de uma menina um
―ex-consumidor e atual fornecedor‖ do produto em questão.
Essa compreensão distorcida e por muitos, reproduzida, nos traz uma reflexão sobre a
violência contra a mulher e de gênero, pois se trata de ‗uma força social‘ que estrutura as
relações de poder entre os gêneros, e modela as dinâmicas sociais. De acordo com
(BANDEIRA, 2017, p.20):
As manifestações da violência presentes nas relações interpessoais e de
gênero são estruturantes, seja pelo fato de normatizar, modelar e regula as
relações interpessoais entre homens e mulheres em nossa sociedade, seja
pela forma indistinguível de poder que assumem, sejam pela dimensão
quantitativa que apresentam.

A violência contra a mulher floresce tão fortemente na sociedade brasileira, como


podemos verificar em alguns casos, que ganharam repercussão na mídia no último ano, como
o da menina de 11 anos, estuprada por três adolescentes no Recanto das Emas, ou os 5 casos
já registrados no Piauí em menos de um ano, reforçam como base o ―não poder ser atribuído a
indivíduos‖, um olhar a cerca da influência do pensamento de grupo no comportamento
desses homens. Santigo (2017, s/p) destaca que um caso de estupro coletivo, acaba revelando
a mentalidade de uma sociedade. ―Os estupros, a violência sexual contra meninas e mulheres
são sintomas de uma sociedade adoecida, a sociedade da desigualdade de gênero, da
subalternização, da materialização da vida e dos corpos‖.
O estudo do estupro coletivo tratado no artigo se dá por um dilema envolvendo o
comportamento do individuo versus o comportamento em grupo, ou seja, se o indivíduo se
comporta de maneira distinta quando se encontra inserido em um grupo. É possível observar
que, qualquer indivíduo pode encontrar base para um grande número de cursos de ação com
relação a um objeto em particular.
Em uma circunstância de grupo certas situações são reforçadas, de tal forma que
indivíduos podem agir de acordo com atitudes que não necessariamente seriam influentes se
estivessem agindo individualmente. Além disso, o indivíduo amplia a sua percepção pensando
no objetivo, no grupo, em si mesmo e nos outros indivíduos. (FRANÇA, 2010).
Martin (1920 apud FRANÇA, 2010) usa o conceito visto por McDougall, como o
papel do instinto contido no indivíduo, na ativação dessa condição mental. Haveria, nesse
caso, uma homogeneidade entre os membros do grupo justamente por terem os mesmos
impulsos reprimidos, entendendo dessa forma algumas características que assumem homens
que praticam estupro coletivo.
Para Freud (apud COSTA, 1986), a violência sexual pode ser dividida em dois
contextos, o primeiro pode estar ligado a uma questão instintiva, pois para ele a violência não
tem outra causa senão a satisfação dos impulsos e desejos destrutivos do homem relacionado
à pulsão de morte. Sendo a segunda ligada a um conflito de interesses, onde estão inclusos
instâncias como o direito e a lei.
É possível identificar nas reportagens que foram divulgadas, sobre estupros coletivos
que os grupos que praticam a agressão são em sua maioria heterogênea, não podendo assim,
definir cor ou classe social, por exemplo. Contudo, é possível observar a participação de um
número expressivo de adolescentes nos atos. Em pesquisas, Chagnon (2009) revela a
predominância de estupros realizados por adolescentes coletivamente aos realizados
individualmente, visto que, segundo C. Legendre & C. Balier (2005, 2003 apud CHAGNON,
2009, p.278), ―os estupros coletivos deveriam ser situados numa dinâmica psíquica própria da
adolescência, e isso num contexto de disfunção parental, de carências identificatórias e de
descontinuidades biográficas‖.
Haveria então, uma busca por identidade sexual e exigiria do adolescente um acesso
ao ato diante do grupo para corroborar uma identificação sexual masculina. O grupo
proporcionaria a desinibição de forma transgressora e violenta e possibilitaria uma afirmação
de si mesmo e de identificação pela dominação da vítima que quase sempre é conhecida.
Não se pode atribuir o fenômeno de grupo a bairros pobres apenas, pois é possível
evocar no ato uma dimensão iniciática aparentada aos ritos de passagem, e a maioria dos
sujeitos envolvidos, individualmente não teria os mesmos comportamentos. Nesse momento,
entramos em contato com outros conceitos referentes às influências de grupo, que podem ser
observados, independente de seguirem uma homogeneidade ou não, como o processo de
desindividuação.
Para entendê-lo é necessário primeiramente conhecer o que seria a ―facilitação social‖,
Zajonc (1965 apud MYERS, 1999) mostra que os grupos podem ativar as pessoas positiva ou
negativamente, para atividades que seria familiar, dominante para o sujeito, contribuindo
dessa forma positivamente, e para atividades complexas contribuiria negativamente, em que
as reações corretas eram inicialmente menos prováveis.
Outro conceito necessário conhecer antes de entender a desindividuação é a ―vadiagem
social‖, Harkins (1979 apud MYERS, 1999), que seria basicamente a difusão em grupos da
responsabilidade. Combinados a excitação e a responsabilidade difusa, as inibições que se
manifestam normalmente diminuem. Nessa perspectiva, os atos podem variar em gritar com o
árbitro de um jogo, autogratificação impulsiva até explosões sociais destrutivas como os
linchamentos.
Esses eventos podem variar suas atenuações, mas em comum tem o poder provocado
por um grupo. Além de estimular seus membros, um grupo pode torna alguém não
identificável e isso independe do seu tamanho, contudo, quanto maior, mais seus membros
perdem a autoconsciência e se tornam capazes e dispostos a cometer barbaridades, como
queimar uma vítima, por exemplo. A apreensão diante da avaliação despenca e o
comportamento se torna passível a situação, sendo a ela atribuída e não a uma opção pessoal.
Portanto, quando combinado a desindividualização com o anonimato físico na maioria das
pessoas desencadeia os piores impulsos, porém felizmente isso não acontece com todo mundo
(MYERS, 1999).
Outra perspectiva existente é a de ativação e distração, em que há uma satisfação auto-
reforçante em praticar um ato impulsivo no momento em que se veem outras pessoas fazendo
o mesmo. Quando vemos outros tendo o mesmo comportamento que nós, pensamos que
sentem como nós sentimos e isso reforça nossos próprios sentimentos. Além disso, a ação
impulsiva do grupo domina a nossa atenção, quando estamos nesse movimento não pensamos
nos nossos valores, reagimos à situação seguinte e podemos nos sentir envergonhados quando
paramos para refletir em seguida. (MYERS, 2000)
Os primeiros teóricos da desindividualização nas massas foram Festinger,
Pepitone e Newcombe (1952) e zimbardo (1970). Com base no conceito de
mente grupal, os autores defendiam que, quando em grupo com os quais se
identificam, as pessoas passam por um processo de perda das restrições
morais e comportamentais, tornando-se mais suscetíveis a agir de forma
diferente da cotidiana e até mesmo de se engajar em práticas antissociais, de
acordo com as orientações do grupo maior. (JESUS, 2013, p. 499)

Existem outras teorias que fomentam o porquê dos indivíduos tomarem certas atitudes
quando se encontram imersos em um grupo, para tanto, será abordado à teoria de Le Bom
(1886), um dos pioneiros na questão de grupos e massas, e se faz relevante nessa temática, por
discorrer sobre o homem que em meio à multidão, adotaria novas propriedades. Uma delas é o
sentimento de poder invencível, com o qual o indivíduo se abandona quando se sente
protegido pelo anonimato e se isenta de responsabilidades.
Em algumas das visões de Freud sobre o tema, reflete outros aspectos da vida
inconsciente e mostra que na multidão ocorre uma abolição das proibições e surgem pulsões
agressivas e sexuais que normalmente são reprimidas pelos sujeitos. A sensação de força que
se encontra paralelo ao fato de se estar em grupo é o que faz o poder ilimitado aparecer
reatualizado. Allport (1924 apud MYERS, 1999) fala em uma interestimulação, uma versão
mais dinâmica do que o contágio mental de Le Bon, e fala que cada um se torna um estímulo
para o outro, a exemplo: que a pessoas a nossa volta criando solicitações que incita a ação.

Considerações Finais
Na mitologia grega, no Brasil colônia, nas propagandas e comerciais de televisão, é
possível identificar em nossa história e ainda na atualidade a misoginia e a perpetuação da
cultura do estupro, visto ainda hoje como natural. A exemplo estão a sexualização de crianças,
tratadas como ―novinhas‖, no educar as filhas a não saírem à noite, ou que lugar de mulher é
dentro do lar. Este discurso ficou evidente com o caso de Valentina, participante de 12 anos
do programa de TV Master Chef, que foi alvo de ameaças de estupro nas redes sociais. O caso
mais recente é o da adolescente de 17 anos, estuprada por 30 homens e exposta nas redes
sociais, em vídeos gravados pelos supostos autores.
Os comentários de culpabilização das adolescentes pela postura e ato criminoso
praticado contra elas, estão facilmente acessíveis. De certo muita coisa vem mudando,
contudo, a cultura enraizada e expressa em pequenos gestos ou palavras coloca a mulher ainda
em uma condição de submissão. Como noticiado na mídia, o estupro coletivo é uma das
formas de violência contra a mulher que foi estudada nesse artigo e que teve como base o
―não poder ser atribuídos a indivíduos‖, ou seja, vista a luz da psicologia social e as
influencias do pensamento de grupo no comportamento, e foi possível entender os aspectos
psicológicos vivenciados pelos autores da agressão no ato criminoso, como a desindividuação
e a interestimulação.
Não podemos dizer que a prática do estupro coletivo é nova, pois há seus registros na
história, contudo, como já mencionado, o tema vem sendo debatido e avaliado por cidadãos e
a comunidade científica atualmente. A cada vez que a temática se torna explícita, tende a
fomentar pesquisas e estimular a reflexão a cerca do papel da mulher em nossa sociedade, e a
contribuição individual de cada um para a não perpetuação da ―cultura do estupro‖.

Referências

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―cultura do estupro‘‘ no Brasil. Revista Ágora: Políticas públicas, comunicação e
governança informacional. Belo Horizonte, v. 1, n. 1, p. 126-131, jan. /jun. 2016. Entrevista
concedida a Maria Aparecida Moura e Douglas de Oliveira Tomaz

AMARAL, João J. F. Como fazer uma pesquisa bibliográfica. Fortaleza – jan.2007.

BIRMAN,J. Mal-estar na atualidade. A psicanálise e as novas formas de subjetivação.


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COLÓQUIO DE ESTUDOS FEMINISTAS E DE GÊNERO, 3., 2017, Brasília. Mulheres e


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FRANÇA, Robson dos Santos. Simulação Multi-Agentes Modelando o Comportamento


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MYERS, David G.. Psicologia Social. 6. ed. Rio de Janeiro: Artmed, 1999.

SANTIAGO, Viviana. „O estupro coletivo revela a mentalidade de uma sociedade


doente‟, diz especialista em gênero. 2017. Por Grasielle Castro. Disponível em:
<http://www.geledes.org.br/o-estupro-coletivo-revela-mentalidade-de-uma-sociedade-doente-
diz-especialista-em-genero/#gs.null>. Acesso em: 13 fev. 2017.
INTERSECCIONALIDADES: pensando sobre gênero e refúgio

Roberta Rayza Silva de Mendonça

E-mail: robertas.mendonca@hotmail.com, Universidade Federal de Pernambuco, Mestranda em


Direitos Humanos, Pós-graduanda em Direitos Humanos: Educação e Ressocialização – UCAM,
Graduada em Direito pelo Centro Universitário do Vale do Ipojuca, Pesquisadora do Grupo de
Estudos e Pesquisas Interdisciplinares sobre Direitos Humanos (Mércia Albuquerque/UNIFAVIP).
Pesquisadora do Grupo Movimentos Sociais, Educação e diversidade na América Latina (CNPq),
Extensionista do DHiálogos: Ciclo de Debates sobre Sociedade e Direitos Humanos.

Allene Carvalho Lage

E-mail: allenelage@yahoo.com.br, Pós-doutora em Direitos Humanos pelo PPGDH/UFPE (2016).


Pós-doutora em Educação na UFRGS (2012). Doutora em Sociologia pela Universidade de Coimbra
(2006). Professora Associada II da Universidade Federal de Pernambuco. Ingressou em março de
2006, lotada no Centro Acadêmico do Agreste (Caruaru). Professora do Curso de Pedagogia, e
Professora Permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação Contemporânea e do Programa
de Pós-graduação em Direitos Humanos. Professora Visitante da Universidade de Salamanca, na
Espanha em 2010, selecionada pelo CNPq. Pesquisadora da área de Movimentos Sociais , Feminismo,
Gênero, Diversidade Sexual e Direitos Humanos. Coordenadora do Observatório dos Movimentos
Sociais na América Latina da UFPE/CAA.

RESUMO

Esta pesquisa busca problematizar o acesso a direitos por mulheres refugiadas, visando analisar, no
tratamento a ela dispensado, interseccionalidades entre acesso a direitos e questões de gênero que
constroem (ou não) uma condição de dupla subalternidade. Pensa-se que a condição de ―ser refugiada‖
guarda relação direta com o (não lugar) de ―ser mulher‖, e vice-versa. Busca-se compreender que
aspectos demarcam o cotidiano e a possível dupla condição de subalternidade desta, e, até que ponto,
essa vulnerabilidade dialoga com o não acesso a direitos. O objetivo geral é: Explorar
interseccionalidades entre questões de gênero e acesso a direitos por mulheres refugiadas. A
metodologia parte do método hipotético-dedutivo, será um estudo bibliográfico, descritivo e
explicativo. Pensa-se ser possível compreender as circunstancias que cerceiam o acesso a direitos para
esta mulher, problematizando a garantia e a efetividade desses direitos a partir de marcadores de
gênero.

Palavras-chaves: Gênero; Mulher; Refugiados; Direitos Humanos.

INTRODUÇÃO

O cenário imigratório atual é marcado por anteriores e sistemáticas violações aos


direitos humanos, por conflitos armados, perseguições com fundamento em discriminações
por etnia, cor, religião, aspectos políticos, além de catástrofes ambientais que fazem com que
inúmeras pessoas sejam obrigadas a deixar seus países de origem e buscar refúgio em outro.
A partir do ano de 2014, que verificou um total de 59,5 milhões de pessoas vítimas de
deslocamento forçado, ficou extremamente claro que o mundo vivia uma grave e crescente
crise humanitária, fato que, marcado pelo aumento da chegada clandestina de refugiados em
países ocidentais, demarca a necessidade de se discutir o tema direitos humanos em
intersecção com o grande tema imigração.
No Brasil, até agosto de 2015, foram reconhecidos um total de 8.400 refugiados
(BRASIL, 2015), e como grandes pontos de apoio para estes refugiados aqui no país, tem-se a
ADUS e Cáritas. Nessa direção, a presente pesquisa considera ser preciso observar aspectos
centrais ligados à mulher refugiada.
Primeiro, sobre o acesso a direitos fundamentais por essas mulheres no país de
refúgio, e, por outro lado, de como questões de gênero estão imbrincadas (ou não) com o
exercício de sua cidadania nesse novo contexto social. Assim, acredita-se haver no tratamento
dispensado a mulheres refugiadas aspectos de interseccionalidade entre questões de gênero e a
afirmação de direitos.
Aqui, apresenta-se a noção de intersecção como sendo a relação entre sua condição de
imigrante e sua condição de mulher, em outras palavras, a condição ―ser refugiada‖ guardaria
relação direta com o (não)lugar – e todos os preconceitos – de ―ser mulher‖.
Portanto, esta pesquisa tem como intenção discutir acesso a direitos numa perspectiva
de gênero, explorando as interseccionalidade no que trata sobre acesso a direitos fundamentais
por estas mulheres, observando que dentro dessa grande ideia de exclusão que existe para as
mulheres refugiadas, existe certa interseccionalidade com a condição de ser mulher refugiada,
a qual, pode ser aprofundada/investigada, e que questões de gênero precisam ser discutidas no
contexto da imigração, como forma de tematizar e desvelar possíveis questões de gênero
implícitas nesse processo.
Assim, nesta proposta de pesquisa tem-se como objetivo geral: Explorar
interseccionalidades entre questões de gênero e acesso a direitos por mulheres
refugiadas. Como pressuposto, pensamos que as reflexões em torno desta questão poderão
ajudar na apresentação de ideias iniciais que busquem compreender/analisar as intersecções
entre acesso a direitos e questões de gênero no cotidiano de mulheres refugiadas.
Inicialmente discute-se como se apresenta o sistema global de proteção aqueles que
são vítimas de deslocamento forçado, depois como se apresenta a condição da mulher dentro
dessa política de refúgio, para em seguida observar as possíveis interssecionalidades
existentes.
A importância dessa discussão surge pelo fato de que é preciso discutir-se a
interseccionalidade desses grandes quadros sociais – acesso a direitos e questões gênero –
com vistas a construir um olhar sobre como mulheres refugiadas são acolhidas e tratadas. Por
outro lado, esta pesquisa caminha a desvelar a dupla condição de subalternidade social de ―ser
imigrante/mulher‖.
Assim, propõe-se a uma discussão, sobre como as mulheres refugiadas tem acesso a
direitos fundamentais, buscando a garantia e efetividade dos direitos humanos através da
perspectiva de gênero, observando os direitos humanos como mecanismo de construção de
uma sociedade mais justa.

METODOLOGIA

Primeiramente, elege-se o Método hipotético-dedutivo (GIL, 2008) como aporte a essa


pesquisa, que nos ajudará a analisar a problemática, o acesso a direitos e as intersecções com
questões de gênero por mulheres refugiadas, buscando construir premissas mais amplas sobre
esse campo.
A pesquisa, tradicionalmente, se organiza sobre uma base, a priori, teórica. Assim,
quanto à área científica, partimos de um Estudo Bibliográfico, teórico, no que diz respeito ao
embasamento e a compreensão dos aspectos referenciais iniciais e/ou delineadores no que diz
respeito à literatura que fundamenta os temas centrais (GIL, 2008).
Ainda, assume este artigo, uma feição Descritiva e Explicativa. Minayo (2001)
esclarece que estes tipos de pesquisa apresentam elementos que instrumentalizam/subsidiam a
análise dos dados e imprimem na análise o aspecto teórico, com base na compreensão crítica
do pesquisador sobre o objeto estudado.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Apresentar-se-á agora os possíveis desdobramentos, considerados importantes para


que se possa entender o grande tema ―refugiados‖, e perceber, a partir dele, os assuntos
concernentes a mulheres refugiadas, e como a noção de interseccionalidade aqui proposta é
entendida como pressuposto a se pensar e compreender a diferença dentro da diferença,
refletir, a partir do acesso a direitos fundamentais por mulheres, como as questões de gênero
demarcam (ou não) esse contexto.
Direitos humanos e refugiamento: Sistema Global

Meneses e Reis (2013), ao tratar sobre os refugiados, falam que existem dois ―grandes
momentos‖, por assim dizer, como se o processo de refugiamento fosse dividido em duas
partes; a primeira quando o sujeito se reconhece enquanto refugiado, bem como as condições
que o levaram a abandonar seu país de origem, e uma segunda parte quando este mesmo
sujeito se encontra em outro país, onde busca por melhores condições de vida e garantia de
direitos fundamentais.
As autoras ainda dizem que ―os debates sobre direitos humanos e refúgio
frequentemente se limitam a demonstrar como os direitos humanos desses indivíduos vêm
sendo desrespeitados nesse ambiente‖ (MENESES; REIS, 2003, p. 145), nos mostrando que a
garantia e proteção aos direitos fundamentais ainda se tímida no que trata sobre os refugiados.
Observa-se assim, a partir de suas ideias, que é preciso pensar para além da segunda
parte do status de refugiado, percebendo a proteção e garantias aos direitos humanos em uma
perspectiva internacional.
Podemos constatar, ainda, que Meneses e Reis (2003) apresentam a ACNUR, que é o
Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, e que é de grande valia, uma vez
que se mostra como órgão a combater as recorrentes violações aos direitos humanos sofridas
pelos refugiados, reconhecendo, por exemplo, que o fato de que eles sofrem perseguições em
seus países de origem acarretam em tantas outras violações a estes direitos fundamentais,
como também admite possíveis violações ao país de acolhida.
Elas mostram que as ações realizadas pela ACNUR, quando reconhecem que os
direitos humanos estão ligados ao refugiado não só em seu reconhecimento como tal, mas
também como será sua vida no país de acolhida, são orientadas (as ações), por ideias
universais de proteção ao sujeito refugiado e noções de direitos humanos, o que garante e
reconhece a importância da agência e suas ações, ações estas que tem como fim o alcance da
segurança desses refugiados.
Sobre a proteção que deveria ser dada, com relação aos direitos humanos, Reis (2011,
p. 59) diz que ―a principal crítica das organizações que defendem os interesses dos imigrantes
no Brasil diz respeito ao fato de que estão em flagrante descompasso com as disposições
relativas ao respeito dos direitos humanos‖.
As violações aos direitos humanos, bem como sua garantia e proteção não se
apresentam apenas quando o sujeito se vê obrigado a sair de seu país de origem, muitas vezes,
ao chegar ao país de acolhida, o refugiado ainda pode se deparar com a falta e/ou dificuldade
no acesso a direitos fundamentais, como o direito á saúde, à liberdade, à vida ou segurança.
Existem algumas normativas utilizadas para garantir e proteger direitos fundamentais,
como por exemplo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, Convenção das
Nações Unidas contra a Tortura, Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, são
algumas delas.
Em se tratando do Brasil, Silva (2013) vai nos falar da Lei 9.474/94, que é o Estatuto
dos Refugiados, ondem já em seu artigo 1º nos fala do aspectos que caracterizam um
individuo como refugiado, e ainda, traz-se aqui a nova Lei de Migração, aprovada pela
Senado, e que segue para sanção presidencial traz algumas medidas importantes, quais sejam:
entende o migrante como sujeito de direitos, desburocratiza o procedimento de regularização
dele aqui no país, repudia xenofobia, racismo e qualquer outra forma de discriminação.
Embora existam algumas normativas que buscam garantir direitos humanos aos
refugiados, Silva (2013) observa que, muitas vezes, o Comitê Nacional para os Refugiados –
CONARE, se preocupa muito mais em saber se o sujeito preenche os critérios para ser
reconhecido como refugiado, do que como vão se dar as relações do sujeito no novo país, ou
como ele será inserido no mercado de trabalho, por exemplo.
Silva (2013) fala ainda do grande processo de imigração que se estabeleceu no ano de
2013, e que diante disso o CONARE aprovou a resolução número 17, que permitia agora um
visto humanitário para regularizar a situação daqueles que fugiam de seu país, para que
posteriormente fosse reconhecida sua condição de refugiado.
Piovesan (2014) ainda diz que quando as pessoas abandonam seus países de origem
para escapar de alguma perseguição, uma série de direitos humanos lhe é negada, entre eles o
direito à vida, liberdade e segurança pessoal, e é preciso que tais direitos sejam assegurados
no país cujo indivíduo obtenha o direito de refúgio.
No próximo tópico será abordada a figura da mulher nas questões de refúgio.

A mulher na política de refugiamento

Calegari (2014) observa que existe um o crescimento sobre estudos acerca das
diferenças entre homens e mulheres refugiados, mesmo que seja pequeno, fazendo com que os
imigrantes sejam tratados de maneira genérica como sendo do gênero masculino, alguns
estudos tocam no tema da mulher, mas não obrigatoriamente no que trata sobre gênero.
A autora ainda fala que, mesmo no ano de 1951, na Convenção para Refugiados, já se
notava uma preocupação quanto a mulher, observando que as relações familiares também
abriam caminho para a discriminação de gênero, assim, buscou-se estabelecer uma igualdade
de gênero quanto ao casamento, estado civil, dissolução da união, planejamento familiar,
responsabilidade com os filhos, adoção, trabalho, entre outros aspectos.
Corroborando com essa ideia de que o gênero coloca a mulher na condição de
subalternidade, Calegari (2014, p.02) fala que ―as relações de gênero são um reflexo da
sociedade, são produto de sua cultura, estrutura social, e política‖, o que deixa garantida a
mulher refugiada uma dupla invisibilidade.
Assis e Kosminsky (2007) falam que no final do século XX houve um aumento de
imigrantes no que toca a diversidade étnica, de classe e em especial de mulheres migrantes
nesse processo de refugiamento.
Ainda explicitam que essa imigração, de inicio, era majoritariamente composta por
homens, e que o aumento do número de mulheres fez refletir sobre sua invisibilidade
enquanto sujeito, e completam dizendo que ―não se trata de reconhecer a importância
proporcional das mulheres ou sua contribuição econômica e social...mas de considerar como
os discursos e as identidades de gênero se redefinem nesses processos‖ (ASSIS;
KOSMINSKY, 2007, p. 695).
Blay (2009) ao tratar sobre as relações de gênero, tendo as refugiadas judias como
foco de seu texto, mostra que o casamento deveria ser realizado também com refugiados
judeus, uma vez que isso serviria para manter a identidade judaica, mesmo que em outro país.
Observa-se ainda que Blay (2009, p. 257) fala que era comum as mulheres procurarem
empregos que elevassem a renda familiar, e que ―relações de gênero hierárquicas, baseadas na
dominação masculina, não encontravam espaço nessas famílias‖, o que nem sempre é a
realidade da maioria das refugiadas.
A ACNUR, em 2001, fixou 05 (cinco) compromissos para garantir uma maior
proteção as mulheres e meninas refugiadas, o que, ao nosso ver, deixa claro que a própria
ACNUR reconhece a interseccionalidade ente o acesso a direitos e questões de gênero por
mulheres refugiadas, e que são esses compromissos que podem ajudar a entender como
funciona a política de refugiamento para a mulher refugiada, quando se trata do acesso a
direitos
Os compromissos propostos pela ACNUR, em 2001, foram: fornecer assistência
sanitária para todas as mulheres e meninas refugiadas; desenvolver estratégias integrais que
combatam a violência sexual e de gênero; promover a participação ativa de mulheres
refugiadas em funções representativas nos campos de refugiados, alcançando uma taxa de
50%; assegurar a participação de mulheres refugiadas a distribuição e gestão de produtos
alimentícios e não alimentícios; e oferecer registro e documentação individual adequada para
todas as mulheres e homens refugiados.
As diferenças de gênero sempre estiveram presentes, o que reforça o patriarcado e
legitima a autoridade masculina, e é através dessa ideia de que há uma hierarquização entre os
gêneros, que acabamos por fortalecer que a mulher ocupa uma condição de inferioridade em
relação ao homem.

Interseccionalidades: acesso a direitos e questões de gênero

O termo interseccionalidade será estudado a partir do conceito trazido por Crenshaw


(2002, p. 177), onde ela diz que: ―é um problema que busca capturar as consequências
estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos da subordinação...‖.
Essa interseccionalidade não se faz a partir de uma percepção de ―subalternidades‖
isoladas, estudadas de maneira individual, mas sim, como se elas confluíssem para desaguar
em uma visão relacional, uma visão do todo.
A interseccionalidade, no que trata sobre acesso a direitos fundamentais por mulheres
refugiadas, ajudará a compreender o objeto maior, que é o refugiamento, observando as
questões implícitas por trás dessa prática, ou desse objeto, podendo desvelar outras questões
implícitas justamente no que trata sobre a subalternidade de gênero presente dentro das
práticas de imigração, que consequentemente repercute no acesso a direitos humanos por
mulheres refugiadas.
Sobre as questões de gênero é preciso reconhecer as diferenças, e Scott (2005. p. 15)
quando fala sobre igualdade diz que ―a igualdade é um princípio absoluto e uma prática
historicamente contingente. Não é a ausência ou a eliminação da diferença, mas sim o
reconhecimento da diferença e a decisão de ignorá-la ou de levá-la em consideração‖.
Isso mostra que a igualdade é duvidosa, que pode ser reconhecida ou descartada.
Entretanto, é justamente a constatação dessa diferença, e o respeito a ela, que pode dar
margem para reconhecer que a mulher também é detentora dos mesmos direitos humanos que
o homem refugiado.
Que as leis que devem proteger os refugiados são universais e indivisíveis, concorda-
se, mas Butler (2015a) diz que uma lei que é universal não garante uma igualdade, tampouco
o sentimento de justiça. Pode apenas significar o fato de que haverá mais uma maneira de
controle sobre as relações pessoais e/ou sociais.
Inúmeros discursos dão margem a formação do sujeito em sua subjetividade, e um dos
mais fortes, que determinam como o sujeito deve se colocar dentro das relações sociais, é o
gênero.
Agier (2011) diz que a cidade, os locais próximos aos quais as pessoas se encontram é
que lhe transmite a ideia de pertencer aquele lugar, de pertencer a uma coletividade, é a
primeira forma de encontrar sua identidade.
Sendo assim, o refugiado, ao chegar ao país que o acolheu, procura se reconhecer
como pertencente aquele espaço social, buscando uma nova identidade, buscando melhores
condições de vida e acesso a direitos.
É preciso reconhecer as diferenças, pois só através desse reconhecimento que será
possível confirmar a igualdade das mulheres refugiadas junto aos homens refugiados.
Sousa (2007), em seus estúdios sobre mulheres refugiadas, observa a importância de
se garantir direitos as mulheres, e acredita que isso constrói uma sociedade mais democrática,
de maneira especial se for dada uma atenção as mulheres mais pobres dessa sociedade. A
autora ainda diz que:

De fato, só recentemente tem se dado visibilidade para o processo migratório


feminino. O imaginário social costuma ser de que a migração feminina se dá em
função da masculina. No entanto, isso nem sempre ocorre, e muitas mulheres têm
um papel protagonista de escolher imigrar para países mais igualitários em termos
de gênero(SOUSA, 2007, p. 351).

Isso mostra que é preciso estudar as interseccionalidades que envolvem o processo de


refugiamento da mulher, uma vez que, por vezes é ela quem escolhe o novo país, e faz tal
escolha observando como se dá a igualdade de gênero nestes.
Alencar-Rodrigues, Strey e Espinosa (2009) dizem que algumas refugiadas encontram
sua autonomia quando passam a ocupar os espaços sociais, quando são inseridas no mercado
de trabalho e passam a ter poder econômico, por exemplo, e vão além, pois observam que esse
―empoderamento‖ se dá quando essas mulheres se encontram em um país mais liberal, pois
assim não reforçam a cultural tradicional de alguns países.
No entanto, observam que a desigualdade de gênero ainda persiste, uma vez que é nas
profissões tidas como essencialmente femininas que as mulheres refugiadas encontram chance
de estarem inseridas no mercado de trabalho, como exemplo, nas atividades domésticas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa, em uma perspectiva político-epistemológica, pretendeu contribuir para


pensar o acesso a direitos por mulheres refugiadas, e como as condições de gênero interferem
(ou não) neste processo de afirmação de direitos fundamentais, pensando, especialmente,
elementos em torno da condição de ser mulher, e – também – refugiada.
No campo teórico, pôde-se apresentar ideias, que, relacionadas, podem apontar aportes
a problematização a ideia de interseccionalidade entre gênero, refúgio e acesso a direitos, de
modo particular aos marcos sobre refugiamento.
De maneira empírica, pôde-se apresentar trajetos a compreensão e a problematização
desse cotidiano, essencial aos estudos humanitários contemporâneos, especialmente no
contexto brasileiro, ainda tão pouco explorado e discutido.
Entendeu-se que levantar, ainda que de maneira primária, como se dá o acesso a
direitos fundamentais pela mulher refugiada, se torna importante, já que o retorno ao seu país
de origem, de maneira segura, ainda pode parecer uma possibilidade distante para grande
parte dos refugiados.
Problematizar como o Sistema Global de proteção a esses refugiados, que vem
abarcando o assunto, ―direitos humanos e refugiados‖, é importante para compreender como
dentro desse sistema de proteção aos direitos humanos, vem sendo arquitetada a proteção aos
refugiados, tentando perceber, a partir desse quadro a atual crise humanitária.
Já a noção de entender a ideia da condição feminina dentro das políticas de
refugiamento, se tornou importante uma vez que pensa-se que é urgente um olhar específico
voltado para à figura feminina dentro das questões imigratórias e humanitárias.
Uma vez que os próprios relatórios anuais apresentados pelo Alto Comissariado das
Nações Unidas para os Refugiados – ACNUR, os chamados “Global Trends”, que dão conta
de várias estatísticas no que trata sobre o deslocamento forçados desses sujeitos, não traz, de
maneira explícita, nenhum dado no que trata sobre questões de gênero.
É preciso dar voz a essas mulheres que são duplamente subalternizadas, entendendo
ainda que existe uma ―feminização das migrações‖ e que estas questões precisam ser
discutidas para que se possa entender esse que processo de refúgio não se dá única e
exclusivamente através de uma perspectiva do gênero masculino.
REFERÊNCIAS

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ALENCAR-RODRIGUES, Roberta de; STREY, Marlene Neves; ESPINOSA, Leonor


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Tese (Doutorado) Ciência Política, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,
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SOUSA, Isabela Cabral Félix de. A integração de imigrantes brasileiras em Roma: conquistas
e dificuldades. Imaginário, São Paulo, v. 13, n. 14, p. 399-415, jun. 2007.
CONTRIBUIÇÕES DA PSICANÁLISE PARA UM DEBATE SOBRE
HOMOFOBIA E EDUCAÇÃO

José Kleberson Rodrigues de Almeida Ananias31


Claudeni Maria de Lima32

Resumo: O presente trabalho problematiza a invisibilidade homossexual no contexto da Educação,


além do bullying homofófico, através da psicanálise. Retrata especialmente, algumas peculiaridades
que influenciam a relação aluno-professor na perspectiva transferencial. Ao trabalharmos,
inicialmente, o bullying homofóbico, realizamos algumas reflexões acerca do conceito psicanalítico de
Estranho-Familiar. Em seguida nos debruçamos sobre o fenômeno da diversidade vivenciada no
contexto escolar, destacando a necessidade do respeito à singularidade e à diferença inerentes ao
sujeito. E, finalmente, discorremos sobre as mudanças no sistema educacional, no sentido de promover
a inclusão e o respeito à diversidade. Esperamos que o nosso trabalho amplie a discussão e o
conhecimento sobre as questões referentes ao bullying homofóbico, problematizando a diversidade e a
inclusão na contemporaneidade. Fornecendo assim, subsídios aos profissionais que lidam direta ou
indiretamente com esta temática.

Palavras-Chave: Psicanálise, Educação, Formação Docente, Homofobia, Bullying.

Introdução

Debruçar-se sobre a temática da diversidade e suas forças antagônicas, especialmente


no que tange a homossexualidade e a homofobia, envolvem dilemas contemporâneos
agregados à subjetividade dos sujeitos pertencentes ao contexto escolar. Gerando diversas
inquietações a esse respeito, pois, o homem contemporâneo parece desejar ser despojado das
suas atitudes e desejos. Muitas vezes, institucionamente busca-se negar as diferenças,
consequentemente calar as possíveis inquietações suscitadas pelas mesmas.
Como sustenta Kehl (2002) no plano subjetivo, os sujeitos buscam se distanciar da
angústia de viver, ao delegar à competência médica e às intervenções químicas a eliminação
da inquietação que o habita em vez de indagar seu sentido. Já no plano institucional o
movimento é semelhante, porém distinto, para calar as inquietações e conflitos as instituições
se utilizam da ordem e do controle, estratégia já trabalhada na obra de Foucault (1987).
Nesse sentido, o trabalho tem o objetivo apresentar as contribuições da psicanálise
para compreensão e combate da invisibilidade homossexual e do bullying homofóbico no

31
E-mail: Klebersonpsicanalise@hotmail.com. Aluno do Mestrado em Literatura e Interculturalidade da
Universidade Estadual da Paraíba.
32
E-mail: Claudenilima@gmail.com. Aluna da Especialização em Gestão Pública do Instituto Federal de
Pernambuco, Psicóloga Especialista em Saúde Mental e Coletiva pela UNIFAVIP Devry.
contexto escolar. Para compreendermos o movimento de ordem e controle institucional,
paralelo ao projetivo de ordem subjetiva e interpretá-los pela via da psicanálise, escolhemos
contextualizá-los por etapas. Inicialmente, iremos problematizar a invisibilidade da
homossexualidade na Educação, para essa tarefa utilizamos Louro (1997) e Junqueira (2012).
Na sequência buscamos conceituar Bullying homofóbico, traçando uma breve
contextualização da categorização dessa forma de violência, para tal utilizamos Medeiros
(2012) como referencial nessa construção.
Posteriormente realizaremos algumas interlocuções entre a Psicanálise e a Educação,
no que diz respeito à compreensão do fenômeno da homofobia e paralelamente do respeito às
diferenças. Para tanto, realizaremos uma análise bibliográfica da obra de Freud (1919), além
de psicanalistas contemporâneos como Kehl (2002), e de pesquisadores da educação como
Coelho (2004). Desejamos refletir sobre a invisibilidade da homossexualidade na educação e
o bullying homofóbico, através do conceito freudiano alemão ‗Unheimlich‘, traduzido para
português como Estranho/ Estrangeiro.
Na sequência nos debruçamos sobre a Pedagogia do Oprimido de Freire (1987), como
fio condutor para refletir como se dão as vivências das diferenças no contexto escolar. Para
isso, nos dedicamos também às obras de autores como Ropoli (2010) e Mantoan (2003).
Finalmente, indagamos acerca das mudanças no sistema educacional no que diz respeito à
diversidade e suas ressonâncias no processo de formação de professores. Não pretendemos
apontar modelos fechados de como lidar com as diferenças existentes no contexto escolar,
mas propor novos olhares para esse processo de mudança de paradigma de uma escola
assexuada e repressora para um ambiente de diversidade de sexualidades, performances e
discursos.

Metodologia

A perspectiva da pesquisa é qualitativa, Gamson (2006) defende que a mesma se


mostra mais adequada aos trabalhos sobre gênero. Destaca ainda que essa metodologia
possibilita trabalhar melhor aspectos como visibilidade, enfrentamento a autodeterminação e
empoderamento. O presente estudo caracteriza-se como uma pesquisa bibliográfica,
classificada como um ―(...) levantamento de referências teóricas já analisadas, e publicadas
por meios escritos e eletrônicos, como livros, artigos científicos, páginas de web sites.‖
(FONSECA, 2002, p. 32).
A revisão bibliográfica iniciou-se a partir da problematização da Invisibilidade
homossexual na Educação com a contribuição de Louro (1997) e Junqueira (2012),
perpassando pela conceituação do bullying homofóbico por meio da obra de Medeiros (2012),
transitando pelas contribuições da psicanálise sobre o tema através de Freud (1919) e Kehl
(2002), e por fim, discorrendo sobre as mudanças no sistema educacional, no sentido da
promoção da inclusão e o respeito à diversidade utilizando especialmente Freire (1987).

Capítulo 1: Invisibilidade homossexual na Educação

Os homossexuais tiveram de permanecer em silêncio por muito tempo sobre a sua


sexualidade no meio educacional. Alunos, professores e demais membros da comunidade
escolar omitiam sua orientação sexual como forma de se preservar de possíveis rechaços
sociais e até criminais. Algo compreensível, tendo em vista a maneira como os homossexuais
foram tratados ao longo da história, como afirma (TREVISAN, 1998, p.183 apud FERRARI,
2003, p. 88):
Historicamente, as punições à homossexualidade incluíram desde multa, prisão,
confisco de bens, banimento, marca com ferro em brasa, execração e açoite público,
até castração, amputação das orelhas, morte na forca, morte por fogueira,
empalamento e afogamento.

Devido a esse cenário de hostilidade e perigo, os homossexuais foram submetidos ao


silêncio. E os demais passaram a se dedicar à vigilância de qualquer atitude que fugisse ao
padrão heteronormativo. Nesse cenário hostil a educação não se mostrou um território menos
perigoso para os gays, a homossexualidade se constituiu inicialmente na educação pela via da
negação, a existência de homossexuais era negada e combatida como um dever moral da
Escola.
Essa visão higienista foi norma institucionalizada até meados do século XX, de acordo
com Ferrari (2003). Mas com as mudanças socias da segunda metade do Século XX, iniciadas
com a Segunda Onda do Movimento Feminista, que veio a influenciar na organização da
população LGBT como um Movimento político em defesa dos seus Direitos Civis, ocorreu
uma mudança na percepção dos mesmos como sujeitos de Direito. A afirmação da própria
sexualidade passou a ser um instrumento político para romper com o silêncio e a
invisibilidade.
Os homossexuais passaram a afirmar a própria sexualidade na esfera pública como um
ato político e libertário. O silêncio não era mais a única alternativa, mas essas mudanças não
ocorreram de maneira homogênea no mundo. O Brasil vivia o período da Ditadura Militar, as
mudanças no plano social ocorriam, mas sobre forte repressão de um aparelho de Estado
autoritário. Depois da redemocratização, os movimentos sociais, entre eles o Movimento
LGBT, ganharam mais protagonismo no país. A Constituição Federal de 1988 passou a
estabelecer no seu artigo ―Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza (...)‖ (BRASIL, 2016), apesar de não fazer menção explícita a orientação sexual, ou
identidade de gênero, a Carta Magna do Brasil passou a representar um avanço na luta por
igualdade no país.
Nesse novo cenário a escola já não atuava mais, explicitamente, na repressão de
manifestações da sexualidade distintas da heterossexualidade. Mas isso não significou o fim
do controle, apenas o seu aperfeiçoamento. A repressão agora se dá no plano simbólico, no
qual o silêncio ainda se faz presente. A violência simbólica sofrida pelas minorias,
historicamente é um arranjo social sofisticado e perverso.
Nesse sentido, Bourdieu et al. (1978) trabalham esse paradigma e apresentam a escola
como um mecanismo a serviço dessa repressão. Esse terreno tornou-se fértil para a
perpetuação de um discurso que sustenta uma imagem da escola como assexuada. Mas esse
distanciamento defendido como estratégia de sublimação que permitiria que professores e
alunos se dedicassem exclusivamente a erudição acadêmica, não se sustenta porque a
sexualidade não se limita a genitalização e ao sexo. Sexualidade num sentido psicanalítico
seria:
(...) sexualidade é energia vital instintiva direcionada para o prazer, passível de
variações quantitativas e qualitativas, vinculada à homeostase, à afetividade, às
relações sociais, às fases do desenvolvimento da libido infantil, ao erotismo, à
genitalidade, à relação sexual, à procriação e à sublimação. (BEARZOTI, 1994, p.
117).

Genericamente, sexualidade pode ser tudo aquilo que nos traz prazer, o conhecimento
opera para muitos como uma importante via para essa energia libidinal. Mas a sexualidade, no
sentido da orientação sexual também opera um registro estruturante no sujeito. A afirmação
da sexualidade por um sujeito representa para muitos um caráter identitário, para alguns essa
afirmação basta na dimensão subjetiva, para outros é necessária que seja pública. Como a
sexualidade não perpassa apenas pela via dos afetos, mas se manifesta no soma dos sujeitos,
para muitos a percepção da sua orientação sexual é uma linguagem não verbal, mas explícita.
Mas a escola na lógica da violência simbólica, nega esse registro, ao negar a
diversidade ela busca novamente silenciar seus homossexuais. Nesse sentido Louro (1997,
p.67) pontua; ―Ao não se falar a respeito deles e delas, talvez se pretenda "eliminá-los/as", ou,
pelo menos, se pretenda evitar que os alunos e as alunas "normais" os/as conheçam e possam
desejá-los/as.‖ Nesse contexto Junqueira (2012) defende a existência de uma Pedagogia do
armário, para ilustrar o controle dos gêneros e da sexualidade na educação. Por sua vez, Bento
(2011) defende a existência de uma Pedagogia da intolerância, aliecerçada no escárnio das
vítimas de homofobia na educação. Como se já não bastasse ser vítima de violência de
gênero, essa violência torna-se legitimada socialmente, marginalizando ainda mais suas
vítimas.
Para conceituarmos, Bullying é uma expressão de origem inglesa a qual seu
significado está atrelado ao ato de intimidar, coagir, no Brasil tem um significado próximo de
assédio moral. A expressão bullying foi utilizada pela primeira vez por Dan Olweus,
pesquisador da Universidade de Bergen na Noruega, nos anos 70, segundo Medeiros (2012).
Caracteriza-se pela sistemática agressão direcionada a uma vítima, podendo ser verbal, física,
sexual, virtual ou simbólica. Manifesta-se através de várias ações de caráter perjorativo e
costuma ser praticada sistematicamente pelos agressores. Não se limita ao ambiente escolar,
mas tem ganhado capilaridade nesse território.
O bullying homofóbico é uma das formas mais comuns de prática dessa violência,
Calhau (2009 apud MEDEIROS, 2012) classifica o bullying homofóbico como sinônimo de
homofobia. Tendo em vista que sua principal característica é a vítima ser, ou parecer
homossexual. No contexto escolar pode ocorrer entre pares, numa relação horizontalizada
aluno-aluno, ou professor-professor. Ou mesmo, num contexto verticalizado entre professor-
aluno, também pode ocorrer de alunos praticarem bullying homofóbico com algum professor.
Mas o mesmo é raro, tendo em vista a desigualdade de poder, a relação de disparidade de
poder entre agressor e vítima é um elemento necessário para caracterizar o bullying.
Como a categorização do fenômeno do bullying é recente, datando apenas de meados
dos anos 70, não existindo uma legislação específica para sua punição ou políticas para a sua
prevenção, muitas vezes o bullying é naturalizado. Essa forma de violência passa a ser
minimizada, sendo atribuída à mesma a falta de intencionalidade, ou mesmo características de
bromas culturalmente aceitas.

Capítulo 2: Reflexões Psicanalíticas

Antes de adentrarmos ao conceito de Estranho-Familiar iremos percorrer algumas das


contribuições da psicanálise sobre a infância e a educação. Para Freud (1913) a relação do
adulto com a criança torna-se cada vez mais complicada porque à medida que tornamo-nos
adultos deixamos de compreender a nossa própria infância, a partir dos recalques a que são
submetidas muitas das situações vivenciadas durante esse período. O Recalque, nesse sentido,
pode ser entendido como sinônimo de Amnésia Infantil à qual todos os seres humanos estão
submetidos. Para ele, portanto, somente alguém que possa ter uma compreensão adequada do
funcionamento psíquico infantil será capaz de educá-las.
Por sua vez, Dolto (2004) defende que só é possível ao ser humano atravessar a
infância de maneira relativamente satisfatória encontrando a sua singularidade e a construção
de seu Nome Próprio, mediante um dizer a verdade a respeito de si mesmo. Destancando a
necessidade da individuação da figura materna no processo de subjetivação na infância. A
partir de sua prática psicanalítica com crianças, Aberastury (1982), pôde comprovar que as
inibições de aprendizagem escolar e as dificuldades para ir à escola têm suas raízes nos
primeiros anos de vida. A autora crê ainda, que uma criança que não brincou bem tampouco
aprende bem.
Já Winnicott (1975), destaca o papel da brincadeira como traço universal que propicia
a saúde e o bem-estar do sujeito na medida em que facilita o crescimento, conduzindo aos
relacionamentos grupais e funcionando como uma forma de comunicação entre adultos e
crianças, e, portanto, entre alunos e professores. No entanto, há de se considerar que cada ser
que se relaciona nesse espaço tem sua própria rede de significações, já apreendida no convívio
da família e ao adentrar a escola, é instaurada uma nova modalidade de vínculo professor-
aluno.
Depois desse breve percurso sobre as contribuições da psicanálise na compreensão da
infância e da educação, iremos nos lançar na concepção de Estranho-Familiar. Para Freud
(1919, p.239), o Estranho (‗Unheimlich‘), o diferente, ―(...) seria sempre algo que não se sabe
como abordar.‖, mas que ao mesmo tempo, convida o sujeito a indagar sobre si mesmo, uma
vez que aquilo que chamamos de Diferente – nos dizeres freudianos, o Estrangeiro -, ―(...) é
aquela categoria do assustador que remete ao que é conhecido, de velho, e há muito familiar‖
(ibid., p.238). O próximo, nesse sentido, não é somente aquele sobre quem o sujeito pode
dizer ―eu existo‖ e ―tu existes‖, mas é também aquele que traz para o sujeito em questão toda
à dimensão dos desconhecimentos sobre si mesmo, definindo-o enquanto pessoa. O que Freud
chama de Estranho em seu texto homônimo de 1919, pode ser relacionado com aquilo que
Kehl (2002) chama de Semelhante:
O primeiro afeto despertado pela intrusão do semelhante em nossa vida é o ódio. O
semelhante, que para nós é sempre um semelhante na diferença, invade nosso campo
narcísico, para nos roubar alguma coisa: ou o amor da mãe (para Freud) ou nossa
certeza sobre nós mesmos (Lacan). Por ser ao mesmo tempo tão semelhante e tão
diferente, o ―próximo‖ vem sempre nos deslocar de nossa ―identidade‖ (uma ilusão
narcísica), pois traz inevitavelmente a questão: se eu sou este e ele se assemelha
tanto a mim mas não é eu, quem é ele? Diante dele quem sou eu? (ibid., p.20).

Por sua vez, para Lacan (1960 apud Kehl, 2002, p.21) é impossível aproximar-se do
próximo sem temê-lo, pois, este carrega sobre si próprio a representação de ―(...) estranho que
existe em mim: o gozo do qual nada quero saber‖. É nesse sentido que as questões de
igualdade de gênero, inclusão de pessoas com deficiência, o respeito às diferenças e minorias
na prática escolar, acabam por reproduzir exclusão. (DRAGO; RODRIGUES, 2008).
Compactuamos, portanto, com Kehl (2002), quando afirma que ―(...) todas as formas de
racismo, intolerância étnica, religiosa ou nacional fundam-se na tentativa de fazer do diferente
um absoluto estranho‖ (ibid., p.22), podemos expandir essa relação para a homofobia e
transfobia.
Nesse sentido a invisibilidade homossexual e o bullying homofóbico no contexto
escolar seriam consequências da atuação de mecanismos de defesa que atuariam no plano
inconsciente, seja pela via da projeção ou identificação na tentativa de lidar com os próprios
conflitos de ordem sexual. Mas essa explicação só abarca o plano subjetivo,
institucionalmente temos que pontuar outros aspectos.
Freud (1921) problematiza a afetação que os grupos operam nos sujeitos, destacando
que os grupos atuam na busca pela homogeneidade. Aqueles que buscam valorizar a sua
subjetividade se vem em conflito, entre seguir seus desejos ou aderir aos valores e normas dos
grupos. O grupo torna-se um grande Outro que influencia nas escolhas dos seus membros,
porém esse movimento não redime os membros das responsabilidades pelas atitudes tomadas
em grupo. Como Freud elabora essa máxima ao analisar grupos institucionalizados como; a
Igreja e o Exército, ele determina que essas instituições exigem que os sujeitos se adequem a
elas, quando isso não ocorre os mesmos são descartados pelo grupo que busca se manter
coeso.
Fazendo uma analogia ao contexto escolar, uma escola que naturaliza a homofobia,
combatê-la significaria sofrer forte pressão social como reação. Por isso muitos sujeitos
toleram a homofobia e outras formas de discriminação, mesmo se afetando, apenas para serem
aceitos em determinados grupos sociais. Outro aspecto a se destacar é a influência dos pares
na adolescência, os grupos exercem papel estruturante para os adolescentes (ABERASTURY;
KNOBEL, 1981). Podemos concluir que manter os homossexuais invisíveis ou mesmo
praticar bullying homofóbico pode perpassar por esses três movimentos; negar conflitos
subjetivos de ordem sexual, seguir o grupo para não sofrer represálias ou seguir o grupo para
ser aceito socialmente ganhando como retorno um valor identitário de pertencimento.
Transferência na Relação Professor-Aluno

Para iniciarmos a problematização sobre a relação Professor-Aluno, partimos da


concepção de Soifer (1989 apud Coelho, 2004), que ressalta acerca do forte impacto que a
entrada do sujeito no contexto escolar gera na família, por envolver uma realidade nova,
vinculada à independência da criança. Neste aspecto, percebe-se um olhar mais direcionado
ao aluno, fato que suscita interesse em investigar e discutir esse processo adaptativo que é
mútuo: aluno-professor. Para Freud (1913) esta estranheza diante do outro surge como
consequência da estranheza do sujeito diante de si mesmo, fenômeno que, por sua vez, advém
daquilo que ele mesmo, alguns anos antes chamou de Transferência.
De acordo com Zygouris (2002), a Transferência pode ser caracterizada como um
vínculo inédito específico, em relação ao Inconsciente, as Pulsões e a Repetição. Para
Moscovitz e Grancher (1992), a Transferência pode ser caracterizada pelo conjunto de
emoções, amor ou ódio, ligadas as lembranças inconscientes que surgem na superfície da
consciência e colocam o sujeito em relação a si mesmo de uma maneira que ele ignora. Para
Freud (1914) a relação professor-aluno estaria também subordinada aos ditames do
Inconsciente, funcionando como certa repetição da relação parental da primitiva infância do
sujeito. Freud (1914) nos fala que a psicanálise pode constatar que as atitudes emocionais dos
indivíduos para com as outras pessoas que são de extrema importância para o seu
comportamento posterior, são estabelecidas precocemente. Segundo ele, a natureza e a
qualidade dessas relações estão intimamente ligadas à maneira como a criança se relacionou
com todas as outras pessoas até seus primeiros seis anos de vida.
A relação Professor-Aluno poderá permitir a criança reviver suas fantasias com as
figuras parentais, ou mesmo fantasias muito primitivas de desagregação, podendo assim, ao
revivê-las por meio da transferência, retificá-las ou mesmo superá-las. Assim escreveu-nos
Freud (1914, p.248-249) a esse respeito:
Ela pode posteriormente desenvolvê-las e transformá-las em certas direções mas não
pode mais livrar-se delas. As pessoas a quem se acha assim ligada são os pais e
irmãos e irmãs. Todos que vem a conhecer mais tarde tornam-se figuras substitutas
desses primeiros objetos de seus sentimentos (...).

Freud chega a afirmar, inclusive, que é muito tênue a linha que separa o bom
desempenho do aluno (ligado exclusivamente ao apego a determinadas disciplinas) do apego
ligado às imagos de seus professores. Muitas vezes nesse movimento transferencial, o aluno
pode idealizar uma relação distinta com os seus professores. O professor ou professora, que
povoou as fantasias infantis ou pueris, acaba sendo um registro comum a quase todos. Algo
que para muitos é da ordem do amor platônico, na verdade é uma manifestação da relação
transferencial, um caso de Transferência de amor. Um movimento comum nas relações
transferenciais clínicas, que também ocorre na relação Professor-Aluno.
Essa relação tão sutil e ao mesmo tempo profunda, entre professores e alunos,
deslocada para o contexto da invisibilidade homossexual e do bullying homofóbico, pode
servir como propulsora de tolerância ou intolerância. Professores tolerantes auxiliam na
retificação subjetiva de alunos intolerantes, mas professores intolerantes podem suscitar
hostilidade. Tendo em vista que toda relação gera afetação em ambos os lados envolvidos,
professores não estão livres dos efeitos da Contratransferência, movimento inconsciente de
reação afetiva relacionada à sua própria biografia, despertada pelos pacientes na clínica, nesse
contexto pelos alunos.
Pacientes e alunos projetam, respectivamente em seus terapeutas e professores, afetos
e fantasias vividas com suas figuras parentais, por sua vez, terapeutas e professores se afetam
com essas projeções de acordo com seus registros inconscientes das suas próprias vivências e
fantasias. A diferença é o que os terapeutas receberam uma formação específica para lidar
com essa carga transferencial, além de terem se submetido a um processo terapêutico antes de
clinicar, o que lhes fornece ferramentas para diferenciar os seus conteúdos dos conteúdos dos
pacientes. Algo que não ocorre com os professores, o que explica que diante desse
movimento, muitos professores terminam alimentando relações destrutivas, ou perversas com
alguns alunos. Algo que diz da falta de autoconhecimento do docente, ou desvio do mesmo.
Mas muitos atuam canalizando a sua energia libidinal e de seus alunos para ganhos coletivos,
seja no campo da aprendizagem, de atividade artística ou esportiva, na ideologia política ou
mesmo no engajamento social. Esses movimentos podem ser conceituados como
Transferência negativa ou positiva:
Aquilo que é denominado de maneira simplista de ―transferência positiva‖ é quando
em geral, no início, essa, ―reedição‖ dos sentimentos se traduz em amor; a
―transferência negativa‖ seria, ao contrário, quando o analisando mantém seu
analista sob reprovação ou sob um julgamento implacável: ―você não sabe tudo‖, e
desenvolve um sentimento de desafio. (MOSCOVITZ; GRANCHER, 1992, p.84)

Voltando a discussão sobre a homossexualidade, especificamente quando o docente é


homossexual, muitas vezes ele/ela acaba sendo o primeiro exemplo fora da ―norma‖
heteronormativa que a criança ou adolescente terá contato. Esse contato se tornará ainda mais
simbólico para um aluno homossexual, a relação de identificação e pertencimento ao
ambiente escolar nesse contexto é reforçada. No entanto, falar sobre os caminhos dessa
relação constitui tarefa inesgotável e complexa, uma vez que além das questões inconscientes
de ordem subjetiva existe uma série de influências socioculturais que podem influenciar a
relação transferencial entre Alunos-Professores.

Capítulo 3: A escola e as mudanças no sistema educacional

De acordo com Ariés (2008), na era medieval, o aprendizado se dava pela prática de
um ofício sendo o serviço doméstico uma prioridade confundida com a aprendizagem e
colocando a escola como uma exceção. A escolarização só ocorreu quando a família passou a
concentrar sua atenção na criança. ―Nesse aspecto, a escola passou a ocupar lugar de
destaque, os pais passaram a se preocupar mais com a conduta dos filhos, com o intuito de
preservar a inocência do jovem, preparando-o para o mundo adulto.‖ (SILVA, 2011, p.16).
Na atualidade, a escola ocupa um lugar bastante relevante na vida do sujeito. Embora
seja coadjuvante na formação da criança, seus movimentos internos de interação, cidadania e
afetividade norteiam a adaptação da criança ao mundo novo, externo ao contexto familiar.
(Silva, 2011). Nesse aspecto, a perspectiva da diversidade se presentifica, uma vez que é na
escola que o sujeito convive o tempo todo com as diferenças, ou seja, com aquilo que lhe é
desconhecido: o Outro. De acordo com Bock (2003) a instituição escolar constitui-se como
uma das mais importantes funções sociais, no sentido de fazer a mediação entre o indivíduo e
a sociedade. Desse modo, ao transmitir a cultura e, consequentemente, modelos de posturas e
valores morais, a escola forneceria à criança a sua humanização, no que diz respeito à que a
mesma possa socializar-se.
Já Fiori (1987), defende que o processo de alfabetização implica a conscientização não
apenas como conhecimento ou reconhecimento, mas como opção, decisão e compromisso,
por parte do sujeito consigo mesmo. Fazendo com que o processo hominização-humanização
não seja mera adaptação, mas também historicização do mundo e do ser. Os caminhos da
inclusão (ibid.), – ou como nos diz Paulo Freire (1987), da libertação, são os de um oprimido
que se liberta, já que uma educação libertadora é incompatível com uma pedagogia que, de
maneira consciente tenha sido prática de dominação. Desse modo, o educador de formação
humanista, ao trabalhar com as técnicas pedagógicas, deve redescobrir através delas o sentido
e o processo histórico pelo qual se constitui a consciência humana, possibilitando ao sujeito a
escrita de sua vida como autor e como testemunha de sua história.
Para Freire (1987) a educação que se apresenta àqueles que verdadeiramente se
comprometem com a inclusão – (libertação) – não se fundamenta na compreensão do homem
como um ser vazio por assim dizer, a quem o processo ensino-aprendizagem possa encher de
conteúdos, mas nos homens como corpos conscientes em suas relações com o mundo e,
consequentemente, protagonistas de suas histórias e instauradores do diálogo. Nesse sentido,
para Kehl (2002), o diálogo só é possível a partir da experiência do encontro, pois ambos só
se dão fora da dimensão de posse, já que submeter o outro (fazer dele meu oprimido-excluído
e eu opressor-promotor da exclusão, nos dizeres freireanos) reduz a sua humanidade.
É nesse interim de acesso ao mundo distinto do núcleo familiar que nasce o conflito
em respeitar e conviver com o estranho, sendo ao mesmo tempo diferença para o outro.
Independente se a diferença seja étnica, religiosa, física, intelectual, sexual, política, de
gênero ou qualquer outra. Fazendo uma analogia com a experiência da inclusão escolar pela
via da deficiência: ―Nas escolas inclusivas, ninguém se conforma a padrões que identificam
os alunos como especiais e normais, comuns. Todos se igualam pelas suas diferenças.‖
(ROPOLI, 2010, p.8). O que devemos buscar não é uma escola assexuada, tampouco uma
escola heteronormativa ou uma escola homossexual, mas escolas tolerantes e democráticas
que acolham seus docentes e discentes, independente da sua orientação sexual ou identidade
de gênero.
Essa experiência só se torna possível se as diferenças forem respeitadas. O artigo 2º da
Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), aprovada na Assembleia Geral das
Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, diz que não deve haver, em nenhum momento,
discriminação por raça, cor, gênero, idioma, nacionalidade, opinião ou qualquer outro motivo.
(ONU, 1948). Dessa forma, refletir sobre as diferenças pressupõe o exercício da cidadania,
posição antagônica à necessidade de incluir, uma vez que cidadãos (de direitos e deveres),
todos somos. Mantoan (2009 apud DRAGO; RODRIGUES, 2008) pontua que na perspectiva
inclusiva, as escolas devem trabalhar sem subdividir, sem discriminação nas regras de
planejamento, aprendizado e avaliação. Ou seja, a escola precisa envolver todos que nela
habitam, em suas atividades e projetos, considerando as necessidades igualitárias do grupo de
alunos.
No sentido da diversidade na educação, tomando o termo num sentido amplo, além
das questões de orientação sexual e identidade de gênero, a escola por se só é um ambiente de
diversidade. Vigotski (1998) ressalta que ao entrar na escola, a criança vem com o
conhecimento adquirido no convívio familiar. Dessa forma, a questão da singularidade é
bastante valorizada e a aprendizagem é colocada numa posição não determinista. Ou seja,
cada ser humano que chega ao contexto escolar, potencializa a escola como um lugar que
abriga a diversidade, uma vez que as experiências são diferentes e exigindo assim, que todos
tenham o olhar para o que está em processo e o potencial de cada um. ―Uma escola que impõe
uma única norma para todos os alunos, esquece-se que ela própria é formada por uma
representação fidedigna da sociedade.‖ (DRAGO, RODRIGUES, 2008, p.63).
Não apenas no que tange a invisibilidade homossexual na educação, ao bullying
homofóbico ou as pautas da diversidade em si, mas todo sistema educacional passa por
transformações, ressignificações. No que diz respeito às modificações do sistema educacional
regular para o sistema educacional inclusivo, no sentido amplo do termo, não se atendo
apenas as necessidades de pessoas com deficiências, mas a inclusão de todos os grupos
minoritários é importante ressaltar que o processo de inclusão deve ir além de ter alunos de
grupos minoritários, mas priorizar a diversidade como um dos pressupostos para que de fato
possa ocorrer a inclusão. Drago (2008) destaca que as escolas que atuam nesse sentido amplo
de inclusão, caracterizam o espaço educacional como homogêneo o que fica evidente na
igualdade entre todos é a diferença, é importante observar a escola como um espaço que
representa e configura um reflexo da sociedade.
De acordo com Birman (2007) a individualidade somente pode ser constituída como
singularidade na medida em que o sujeito da diferença se constitua.
Enunciar pois a existência do sujeito da diferença é formular que este somente pode
ser constituído se o sujeito do desejo também o for ao mesmo tempo. A
consequência mais imediata disso é que a intersubjetividade e a experiência da
alteridade apenas se constituem quando o sujeito é permeado pela diferença e pelo
desejo. (ibid., p.260)

De acordo com Quinet (2003) o desejo é sempre enigmático e por isso mesmo,
demanda o saber, constituindo desse modo a concepção de sujeito articulado ao desejo de
saber. Para Lacan (apud Quinet, 2003) o desejo do homem é desejo de Outro, pois é a partir
do desejo do Outro que é aqui seu semelhante e seu igual, e também seu rival, que o desejo do
homem se estrutura. Birman (2007) prossegue afirmando que a modernidade é a grande
responsável pelo caráter de insuportável que existe no que tange ao reconhecimento da
diferença e da alteridade. Esse autor define ainda que há certa impossibilidade de
reconhecimento e de convívio com a alteridade. Para ele, a própria existência da subjetividade
estaria inteiramente relacionada à manutenção da alteridade como tal, pois é a partir do outro
que o sujeito se permite conhecer. A esse respeito escreve-nos Mucida (2006, p.52):
O semelhante é segregador na medida mesma em que a imagem que vejo nele
perpassar a minha, ali onde o insuportável de uma cena se mostra pelo furo que toda
imagem nos devolve. O semelhante que se odeia ou não se quer ver é a encarnação
de que Freud, em ―O estranho‖ descreve como Unheimlich.

Desse modo, a construção de uma escolarização ligada à prática da inclusão, da


tolerância e do respeito às diferenças está intimamente atrelado ao compromisso e
responsabilidade social do sujeito consigo mesmo. A psicanálise nesse sentido só pode
contribuir pelo viéis ético, pois a ética na psicanálise está atrelada ao desejo do sujeito, desejo
esse que será manifesto independente de qualquer cenário de repressão social.

Considerações Finais

A problemática em torno da questão ligada à diversidade e inclusão nos remete a um


longo e vasto processo que engloba não somente grandes dilemas contemporâneos, mas
envolve diretamente as subjetividades dos sujeitos implicados e/ou referidos nesta causa. As
grandes contribuições deixadas por Freud dizem respeito ao início de uma discursividade
acerca da diversidade e da inclusão, que refletem ainda hoje na relativização do que é
considerado estranho ou diferente, levando o sujeito não só a responsabilizar-se pelos seus
atos, mas também ao exercício da cidadania, no sentido de mobilizar nele, a transformação da
realidade da exclusão e o respeito às diferenças. A conjuntura educacional contemporânea,
sob a ótica da inclusão e abertura para a diversidade, aponta para a necessidade de se repensar
as concepções pedagógicas e modelos homogeneizadores vigentes, haja vista a diversidade
presente nas instituições de ensino e as novas demandas dos alunos que constituem o público-
alvo da Escola.
Mudar a escola para atender com qualidade todos os alunos compreende a efetivação
de uma proposta de trabalho que envolva o compromisso das esferas administrativas públicas,
federal, estaduais, municipais e privadas, no sentido de transformar os sistemas educacionais
em sistemas educacionais inclusivos e tolerantes. A partir de ações específicas para
sensibilizar e qualificar os profissionais da educação, além de prover recursos pedagógicos e
tecnológicos que auxiliem na tarefa de debater gênero nas escolas. Inserir no currículo da
educação básica o debate sobre gênero seria uma alternativa interessante, seja pelo aspecto
político, social ou pedagógico. Por fim, ainda é necessário problematizar o papel da
Psicologia na educação, ainda limitado e estereotipado.

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GÊNERO E SAÚDE MENTAL: breve revisão teórica sobre o processo de
engendramento das discussões em saúde mental.

Nayra Danyelle Batista da Silva (danii_campelo@hotmail.com, Assistente Social, Mestranda em


Políticas públicas, Universidade Federal do Piauí.).

Resumo do artigo: O debate sobre gênero cresceu de forma significativa nos últimos anos, de modo
que a presente comunicação centra-se na importância da categoria para os estudos em saúde mental.
A revisão de literatura que embasa este estudo propõe perceber o processo de inserção da temática no
âmbito da saúde mental, no sentido de buscarmos analisar a possibilidade de ampliação de novas
discussões a partir do viés de gênero, tendo em vista, o seu potencial de transversalidade com outras
categorias, como a questão de classe, por exemplo. Foi realizado levantamento bibliográfico junto às
bases de dados reunidos na Biblioteca Virtual em Saúde - Psicologia (BVS-Psi), no sentido de mapear
as produções existentes, em busca de realmente buscar perceber o que se tem discutido e o que ainda
podemos discutir a partir desse eixo de análise.
Palavras-chave: Gênero, Saúde Mental, Transversalidade.

INTRODUÇÃO

O debate sobre Gênero é cada vez mais crescente na literatura acadêmica nacional
e internacional. A discussão surgiu no contexto nacional acompanhando diferentes momentos
do movimento feminista, como refere Silva (2013, p.108) ao expor que: ―Os movimentos
feministas no Brasil acompanharam a busca pelo sufrágio universal do século XIX, o
pluralismo dos anos de 1960 e 1970 e influenciaram a produção acadêmica das ciências
humanas e sociais‖.
O feminismo é divido em três momentos históricos (conhecidos como ―ondas‖):
século XVIII e XIX – primeira fase; da segunda metade do século XIX ao final do século XX
– segunda fase; e a partir do início do século XXI – terceira fase (SCAVONE, 2008). Na
primeira fase percebemos reinvindicações no plano dos direitos civis: o direito ao voto, ao
estudo, à herança, à propriedade e ao trabalho remunerado, entre outros. A segunda onda do
feminismo reafirmava a identidade da mulher, separada da do homem. Tal discussão surgia
também por meio dos perigos da definição de gênero, pois a partir do momento que definimos
gênero como a construção social dos sexos pode correr o risco de reduzir novamente a teoria
de gênero às diferenças binárias. Os questionamentos e as reivindicações passaram a ser
centrados na mulher e contra a sociedade patriarcal. Como marca da fase do feminismo,
temos a obra “O Segundo Sexo”, de Simone de Beauvoir (PISCITELLI, 2009). Em
discussões mais recentes, com relação à terceira onda do feminismo, percebemos uma
desconstrução de muitos conceitos fixos. E uma nova teorização no sentido que Butlher
aparece com a chamada teórica queer. De acordo com Sousa (2017, p.82):

De acordo com Salih (2013), a preocupação teórica de Butler tem se voltado


para desestabilizar as identidades generificadas e sexuadas postas aos
sujeitos. Por esta razão, Butler tem sido considerada uma teórica queer. A
teoria queer pauta-se nas teorias feministas, psicanalistas e pós-
estruturalistas, ratificam o caráter indeterminado e instável de todas as
identidades generificadas e sexuadas. O próprio termo queer é perturbador
pela dificuldade em defini-lo, representa a instabilidade e a resistência de
enquadramento.

No Brasil é a partir da década de oitenta que se reafirma a necessária


heterogeneidade das experiências a partir da relação de gênero (SILVA, 2000). Não basta
estudar as mulheres é preciso estudar as relações sociais entre os sexos. A partir da concepção
de gênero proposta por Scott (1995) na qual ela propõe que gênero assenta-se em duas
proposições principais: 1) gênero constitui relações sociais baseadas nas diferenças percebidas
entre os sexos, e; 2) gênero dá significado às relações de poder. Entendemos que é importante
desvincular a ideia que gênero é sinônimo da palavra ―mulher‖ e a necessidade de reafirmar a
importância do seu caráter relacional, de modo que gênero vai além do ―ser homem‖ ou ―ser
mulher‖, mas busca por meio do estudo de suas relações superar a possível neutralidade de
seu significado. Como afirma Cisne (2014, p.67), gênero ―é um conceito cujo conteúdo, se
apartado das relações sociais de classe e ‗raça‘ e, da luta pela erradicação das explorações e
opressões dai decorrentes, pouco oferece como ‗arma da crítica‖.
Bandeira (2000, p. 37-38) afirma que ―Gênero é uma palavra que não tem maior
consequência quando empregada separadamente da palavra mulher‖. De modo que estudar
mulheres, é também estudar os homens. Por isso é preciso ir além, para entendermos que
gênero diz respeito também, às relações estabelecidas entre homem e mulher, homens e
homens, mulheres e mulheres. De acordo com Burschini (1992, p.290):

O gênero, como categoria analítica, é um modo de referir à organização


social das relações entre os sexos. Numa rejeição total ao determinismo
biológico, que busca as experiências para a sujeição da mulher em sua
capacidade procriativa ou na força física masculina, o gênero enfatiza as
qualidades fundamentalmente sociais das distinções baseadas no sexo. É
uma categoria relacional, que define homens e mulheres uns em relação aos
outros. Rejeita-se, ao utilizar este conceito, a ideia de esferas separadas para
um e outro sexo. O estudo da condição feminina, do papel da mulher na
história e na sociedade para passa a partir de então a ser substituído pelo
estudo das relações entre homens e mulheres.

Com relação às concepções de gênero, podemos destacar segundo Scott (1994)


que o conceito de gênero é utilizado na perspectiva de relações e representa uma elaboração
cultural sobre sexo, ou seja, é criação inteiramente social de ideias a respeito dos papéis
adequados aos homens e às mulheres, enquanto o termo sexo reporta-se a um significado
biológico. Sem negar, no entanto, que gênero se constitui de corpos sexuados, mas
enfatizando o caráter de sua construção social, pode-se afirmar que ―gênero é uma forma
primeira de significar as relações de poder, ou melhor, é um campo primeiro no seio do qual
ou por meio do qual o poder é articulado‖ (SCOTT, 1988, p.42).
Diante dessa perspectiva, elucidamos o caráter social e histórico do conceito de
gênero, tendo em vista que as relações de poder são mutáveis e possuem significados
diferentes frente às culturas de diferentes povos. Além desses aspectos é importante ressaltar a
importância das estruturas sociais em que estão envolvidos esses sujeitos, como afirma
Mendes (2008, p. 50):
A abordagem de Gênero, nos estudos feministas destaca não só por tratar as
relações entre os sexos como construção social e relações de poder, mas pelo
aspecto relacional que prioriza a analise, entendendo que informações sobre
mulheres dizem respeito a informações sobre homens, e vice-versa, além de
trabalhar dentro da lógica que válida tanto o sujeito quanto o contexto social,
o que indica pensar a inter-relação entre os indivíduos e entre estes as
estruturas sociais em que estão inseridos.

Ainda seguindo essa perspectiva Costa (1998) afirma que gênero não se refere
apenas a homens e mulheres, e, portanto, abre espaço para se pensar nas mais diferentes
relações. Podemos entender a partir de então, que as relações de desigualdade entre gênero,
existem também nas relações homossexuais. Nesse sentindo, como cita Mendes (2008), ao
tempo que eles são vítimas de princípios dominantes androcêntricos, os homossexuais
(masculino e feminino), também, acabam reproduzindo a divisão dos papéis sexuais.
Lembrando que é a partir da conceituação de Gayle Rubin, que ―o gênero é visto como um
sistema responsável tanto pela instituição da desigualdade entre homens e mulheres, quanto
pela coação da heterossexualidade‖ (SOUSA, 2017, p.77).
Enquanto determinante das relações de poder é importante perceber que além dos
aspectos histórico e social, o gênero, que traz consigo uma transversalidade pertinente com
diversas categorias, que se unidas e problematizadas dão maior sentido político e crítico a esse
conceito, além de explicar um pouco das relações de dominação que podem existir. Como
expressa Saffioti (1999, p.142):
Há três eixos principais que estruturam a sociedade brasileira: o gênero, a
raça/etnia e a classe social. Estas contradições não operam isoladamente.
Formaram, ao longo da história, um verdadeiro nó [...]. N novelo, a
contradição encontra-se potenciada, do que decorrem, dentre outras, uma
importante implicação, ou seja, a necessidade de se formularem estratégias
de enfrentamento desta realidade mais complexa, que não está presente em
cada um de seus elementos integrantes.

Diante da construção teórica do conceito de gênero, é valido considerar algumas


diferenciações importantes. Diferentemente da noção de gênero, que traz consigo reflexões de
acordo com o tempo e a sociedade em que se discute o termo, a definição de sexo se refere a
dados mais objetivos, biologicamente passíveis de compreensão. Logo podemos diferir sexo,
gênero e sexualidade , segundo Musskopf (2005, p.187):

1) entendo sexo como o dado físico-biológico, marcado pela presença de


aparelho genital que diferencia os seres humanos entre machos e fêmeas;
além do aparelho genital, a partir de pesquisas recentes, é dada atenção
também ao código genético; 2) entendo gênero como o dado social, formado
por um aparato de regras e padrões de comportamento que configuram a
identidade social das pessoas ―normalmente‖ a partir do substrato físico-
biológico; 3) entendo sexualidade como o dado sexual, composto pela forma
(ou pelas formas) como e com quem é expresso o desejo erótico e sexual.
Esse dado também é chamado por alguns/as de ‗orientação sexual.

Ainda em consonância com esse processo de diferenciação, Saffioti (2004, p.36),


lembra que ―o sexo é socialmente utilizado como referência para a construção da identidade
de gênero, o que não significa que a matriz dominante de inteligibilidade do gênero não possa
ser subvertida por matrizes não hegemônicas, mas competidoras‖.
Além do debate conceitual já bastante adensado na literatura que trata sobre os
estudos de gênero, destaca-se na produção nacional estudos que relacionam gênero e saúde.
Segundo Santos (2008), um mapeamento realizado sobre o campo de estudos de gênero e
saúde na produção científica nacional aponta para pesquisas nos seguintes temas: reprodução
e contracepção; violência de gênero e suas variações, como violência doméstica, familiar,
conjugal e sexual; sexualidade e saúde, com ênfase nas DST/AIDS; trabalho e saúde,
incluindo o trabalho doméstico e o trabalho noturno. Porém, chama atenção dentre os temas
emergentes nesse campo, a pouca incursão dos estudos de gênero relacionados ao âmbito da
saúde mental.
Deste modo, o presente exposto busca realizar levantamento sobre a produção de
conhecimento nacional que trata sobre Gênero e Saúde Mental, na perspectiva de conhecer
por quais caminhos esse debate tem sido realizado no Brasil, percorrendo que linhas de
discussão em torno das contribuições concernentes aos estudos de gênero.

METODOLOGIA

Para realização do trabalho foi realizado levantamento bibliográfico junto as bases


de dados reunidos na Biblioteca Virtual em Saúde - Psicologia (BVS-Psi) - que agrupa a
Scientific Electronic Library Online (SciELO), o Periódicos Eletrônicos em Psicologia
(PePSIC), e o portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES), em Maio de 2017. Inicialmente, o critério para a escolha do material
considerou toda produção científica que incluísse os descritores Gênero e Saúde Mental. Foi
localizado um total de 115 publicações, sendo teses n=15 (13 %), monografia n=1 (0,86%) e
n=99 (86%) de artigos científicos sobre o tema.

A partir de então foi realizada a leitura dos resumos dos 115 arquivos, dos quais
foram excluídos 94 estudos que tratavam sobre saúde e gênero no aspecto global, em algumas
áreas como: câncer, hanseníase, doenças auditivas, questões de saúde bucal, temas sobre
saúde do idoso, alcoolismo e uso de outras drogas; Além de trabalhos sobre atuação de
psicólogos; discussões sobre violência doméstica sem trazer a tona o viés da saúde mental;
por fim, um artigo foi excluído por não ter a versão em português. Em síntese, foram
elencados apenas artigos que tratassem de forma direta as discussões de gênero e saúde
mental. A partir dessa filtragem, o material identificado foi reduzido para 21, ou seja, 18,2%
do total do primeiro levantamento realizado. Foi com base nesse material que utilizamos para
o desenvolvimento deste trabalho.
A estratégia utilizada foi a leitura, na íntegra, dos 21 trabalhos, com o objetivo de
identificarmos os pontos centrais de cada discussão, considerando como foco principal a
abordagem dada a discussão sobre Gênero e Saúde Mental em cada estudo. A partir do
levantamento dessas discussões, realizamos um trabalho de articulação com a literatura, como
forma de contribuir com o debate que tem sido feito em torno do tema.

RESULTADOS E DISCUSSÕES
a) PERFIL DA PRODUÇÃO NACIONAL SOBRE GÊNERO E SAÚDE
MENTAL
O material encontrado no primeiro levantamento (n=115) indica que foram
trabalhos publicados durante a última década, portanto, a partir do ano de 2001. No gráfico 1
é possível visualizarmos essa distribuição temporal.

16
14 13
11 12
8 9
7 7
5 5
1 1 2 2

Gráfico 1. Série histórica das publicações sobre Gênero e Saúde.

De acordo com o gráfico, percebemos um processo de crescimento do estudo na


área a partir de 2009, que manteve essa produção acentuada até 2015. Porém, resolvemos
aprofundar o olhar analítico sobre os 21 estudos que tratam diretamente sobre a temática
proposta. Tomando, pois, como base esse quantitativo (n=21), observamos que 66.6% (n=14)
correspondem a estudos empíricos, enquanto que 33.4% (n=7) são estudos de levantamento
bibliográfico sobre aspectos que correlacionem gênero e saúde mental.
Ainda sobre os 14 estudos empíricos, 21,4% (n=3) utilizaram como instrumento
de coleta de dados o modelo de entrevista semiestruturada, enquanto que 35,7% (n=5)
utilizaram aplicação de questionários e 0.86%. Também foi encontrado estudos utilizando
outros recursos de coletada de dados: método cartográfico (n=1), observação participante
(n=1) e uso da entrevista clínica (anamnese) (n=1).
Identificamos também o cenário em que os estudos foram pensados e/ou
executados: 57,1% dos estudos (n=8) foram realizados em capitais ou regiões metropolitanas
e, consequentemente, trazem uma discussão voltada para essa realidade; por outro lado,
apenas 28,5% (n=4) foram desenvolvidos em municípios do interior. Dois trabalhos não
explicitavam bem as realidades da pesquisa, de modo que não foi possível identificar o locus
da análise.

b) ESTUDOS NA ÁREA DE GÊNERO E SAÚDE MENTAL


Com base nos trabalhos analisados percebemos que os estudos são recentes, se
formos pensar que as produções passaram a se intensificar a partir de 2009. Apresentando
entre seus estudos, as mais variadas questões a partir desse viés. Observamos nos trabalhos
que o gênero não foi trabalhado de forma isolada, onde os autores sempre buscavam nutrir sua
problematização com outros conceitos. Nos trabalhos em que ele foi abordado de forma
relacional/comparativo, percebemos que a categoria surge como uma das respostas, e não
como fator principal.
A temática da violência de gênero foi percebida em um número significativo dos
trabalhos, estando presente em 28,5% (n=6) dos artigos revisados, variando de questões
relacionadas à esfera da violência masculina até casos de violência doméstica sofrida por
mulheres. Essas temáticas se mostram pertinentes para um maior esclarecimento do que seria
violência de gênero, que para Saffioti (2004, p. 64), "a violência de gênero ocorre
normalmente no sentido homem contra a mulher, mas pode ser perpetrada também por um
homem contra outro homem ou por uma mulher contra outra mulher".
Outro ponto relevante de análise foram os artigos que buscaram correlacionar às
categorias de gênero, trabalho e saúde, de modo que essas discussões buscaram em suma,
abordar o impacto das relações de trabalho no processo de adoecimento dos sujeitos, com um
total de 19% (n=4). Esses trabalhos buscaram refletir sobre as condições de vida e trabalho de
diferentes profissionais, sendo apresentadas análises de trabalhadores de cidades
metropolitanas e cidades do interior. A discussão mostra-se interessante quando lembramos o
processo de divisão sexual do trabalho, que foi determinante para a construção social de
muitos papéis sociais imbricados no ideário dos sujeitos.
Atualmente percebemos um número significante de mulheres em condições que as
colocam em duplas jornadas de emprego, além de suas responsabilidades para com o lar e
filhos. A discussão do artigo em questão apontou que trabalhos na área encontram os aspectos
de saúde mental mais comprometido estão entre mulheres.
Outro ponto importante dentre os trabalhos pesquisados e que merece destaque é a
discussão das condições de saúde mental e acesso à saúde de sujeitos de metrópoles e do
interior. No artigo ―Condições de vida, gênero e saúde mental entre trabalhadoras rurais
assentadas‖ (COSTA et al. 2014) percebemos que ainda há muito que se discutir sobre as
condições de acesso de diferentes contextos sociais, tendo em vista que, apesar da relativa
escassez de investigações voltadas às questões de saúde mental em populações rurais, a
literatura (Costa & Ludemir, 2005; Faria Facchini, Fassa, & Tomasi, 2000) vem mostrando
que os residentes dessas áreas, de maneira geral, e os trabalhadores rurais em particular,
representam uma parcela da população que possui um risco substancialmente maior que a
população geral para o desenvolvimento de problemas em relação à saúde mental, que em
geral, são esses os públicos menos assistidos pela rede de saúde mental.
No contexto geral das produções acadêmicas sobre estudos de gênero na área da
saúde, o estudo sobre perfil e tendências da produção cientifica no Brasil, de Aquino (2006,
p.125), aponta que:
Pela produção acadêmica dos cursos de pós-graduação senso-estrito,
constatou-se que foram defendidas 686 dissertações de mestrado e 222 teses
de doutorado, com o termo ―gênero‖ associado a ―saúde‖ e/ou à
―sexualidade‖, de 1987-2004. Os trabalhos distribuem-se em quase duas
dezenas de áreas do conhecimento, mas alguns concentram a maior parte dos
trabalhos: psicologia, educação, enfermagem, ciências sociais, e saúde
coletiva.

Diferente dos estudos sobre saúde coletiva e gênero, não contamos com um
mapeamento na área de saúde mental. Em geral, nos referenciais teóricos dos trabalhos, esse
aspecto da carência é evidenciado. Mas diferentemente de outras categorias, o gênero,
possibilita a criatividade do autor, podendo embasar diversas discussões a partir desse viés.
Como afirma Pisnky (2009, p.164):

A vantagem da categoria de gênero é justamente permitir, e mais, exigir que


o estudo e a análise sejam feitos sem definições preestabelecidas com
relação aos significados ligados às diferenças sexuais. Essas definições
devem ser buscadas em cada contexto. A questão central a ser respondida
pelos pesquisadores parte do "como": como, em situações concretas e
específicas, as diferenças sexuais são invocadas e perpassam a construção
das relações sociais?

Sobre os trabalhos na área de gênero e saúde mental, por meio de um


levantamento realizado sobre ―Sobrecarga de familiares de pacientes psiquiátricos: influência
do gênero do cuidador‖ (BATISTA, 2013), há ainda uma carência de estudos nacionais sobre
a temática, pois a maioria dos estudos encontrados foi desenvolvida no contexto internacional.
Das 18 pesquisas analisadas para o artigo, apenas cinco foram realizadas no Brasil.
É valido respaldar a importância de trabalhos sobre as famílias, que na maioria
dos casos, é o alicerce de cuidado para os usuários de serviços em Saúde Mental. Como
menciona Rosa (2009) no ―Família usuária e sujeito político na reforma psiquiátrica‖, a
família passou a ganhar visibilidade como provedora de cuidado no Brasil, a partir das
produções Vasconcelos (1992). Entretanto, no tocante aos números de trabalhos realizados na
área, ainda são poucos os estudos que estão centrados na influência do gênero dos cuidadores
no cuidado comunitário de seus usuários e na maioria dos casos, as pesquisas buscam a
relação entre cuidador e sobrecarga, deixando de lado a potencialidade da categoria gênero
para a discussão (BATISTA, 2013).
Dos três trabalhos relacionados ao cuidado e sobrecarga, gênero não aparece
como papel determinante dessas sobrecargas. Mas quando aliados a outras questões auxiliam
e ajudam a explicar o processo de sobrecargas e de cuidado. Desse modo, percebemos o
quanto a perspectiva de gênero pode ser abrangente se associada a outros fatores de análise.
Ainda sobre as discussões na área de saúde mental, são comuns trabalhos que
busquem analisar as influências de gênero do usuário no processo de adoecimento. De modo
que os trabalhos centram-se nas diferentes abordagens para entender o adoecimento para além
dos aspectos biologizantes. Como exemplo, temos as discussões, entre as teorias que buscam
justificar o adoecimento de mulheres por conta das questões hormonais (naturalizantes) e os
estudos que buscam trazer a perspectiva de gênero para contribuir com uma reflexão mais
apurada e baseada na influência dos processos sociais. Como afirma Zanello (2012, p. 268):

Refletir acerca do gênero é desnaturalizar certas diferenças tidas como


intrínsecas, cuja biologização levaria a sua reificação e à assunção de sua
inevitabilidade. Isto se torna ainda mais evidente no campo da saúde mental,
no qual há o fortalecimento do discurso cerebrocentista e biológico, e
questões sociais podem ser invisibilidades e medicalizadas. Reler a saúde
mental sob o viés das relações, portanto, a outras reflexões e a compreensão
do quanto a loucura pode ser engendrada.

Os trabalhos desenvolvidos na área demonstram tendências interessantes, de


modo que podemos perceber duas grandes contribuições desses estudos. Citando Phillips e
First apud Zanello (2012, p. 268), ―os estudos de gênero podem contribuir para a
compreensão de pelo menos dois importantes pontos na área da saúde mental: epidemiologia
e etiologia dos transtornos mentais‖. Buscar entender os fatores de difusão e propagação das
doenças (epidemiologia), de modo mais abrangente demonstra a necessidade de perceber os
processos sociais envolvidos no processo de adoecimento, muitas vezes, viabilizados pela
discussão de gênero.
É importante frisar, que essa mudança de pensamento influencia uma remodelação
do entendimento do processo de saúde e doença. Sendo pertinente problematização das
particularidades do gênero a partir dos condicionantes locais e econômicos da saúde mental.
Essa tendência foi verificada em um dos artigos analisados para a pesquisa documental,
intitulado ―Produção social das doenças: a loucura em gênero e classe‖ Souza (2005), no qual
podemos perceber o processo de adoecimento, para além dos fatores biologizantes e
buscarmos uma compreensão mais abrangente desse processo: adoecimento enquanto algo
socialmente produzido.
Por meio do trabalho intitulado ―A incorporação de novos temas e saberes nos
estudos em saúde coletiva: o caso do uso da categoria gênero‖ (VILLELA et. al, 2009.
p.1000), percebe-se uma tendência que é também persistente na área de saúde mental: ―os
estudos são predominantes quantitativos, mulheres e homens são abordados com maior
frequência do que apenas mulheres ou apenas homens‖. E mais uma vez percebemos como o
caráter relacional da categoria é importante e necessário para as discussões no âmbito da
saúde mental.
A maioria dos artigos revisados eram quantitativos ou quantitativos e/ou
qualitativos. Em pelo menos 8 artigos (38%), percebemos a abordagem de gênero pelo viés
relacional, trazendo para discussão aspectos a partir da diferença entre homens e mulheres.
Sendo eles ―Transtornos Mentais Comuns em trabalhadores de Unidades Básicas de Saúde:
Prevalência e fatores associados‖ (CARLOTO, 2016); ―Stress e qualidade de vida: influência
de algumas variáveis pessoais‖ (SADIR et. al, 2010); ―Comportamento violento, gênero e
psicopatologia‖ (VALENÇA et. al, 2010); ―Gênero, saúde e adolescência: uma reflexão a
partir do trabalho com a violência doméstica e sexual‖ (GUEDES, 2009); ―Representação da
sobrecarga familiar e adesão aos serviços alternativos em saúde mental‖ (CAMPOS;
BORGES, 2005); ―Produção social das doenças: a loucura em gênero e classe‖ (SOUZA,
2005); e ―Violência de gênero na perspectiva da saúde mental‖ (RABELO; ARAUJO, 2009).
Ainda como resultado da análise, percebemos muitos estudos centrados na figura
da mulher. Um total de 28,5% (n=5), o que reafirma a importância dos estudos de gênero para
o feminismo, no sentido, que às vezes esses estudos podem ocultar o sujeito político mulher.
Como afirma Cisne 2014, p.67) ―não podemos, em nenhuma situação, ocultar o sujeito
político central: a mulher. Sem esse sujeito, o movimento feminista perde seu sentido e dilui o
seu proposito.‖

CONCLUSÃO

Atualmente 12% da população necessitam de algum atendimento em saúde


mental, seja ele contínuo ou eventual. E ainda a Organização Mundial de Saúde (2001)
acredita que os transtornos mentais serão a segunda causa de adoecimento da população em
2020. De modo que um panorama global de saúde mental aponta diferenças significativas
com bases nas relações sociais de gênero (SANTOS, 2008). Problematizar cada vez mais as
questões pertinentes a essa área de discussão se mostra como algo necessário, tendo em vista
o padrão de adoecimento da população e a qualidade dos serviços disponíveis para assistência
dessas pessoas.
Em suma, o diálogo dessa discussão com a perspectiva de gênero vem se
mostrando como uma realidade crescente e que contribui ativamente para uma compreensão
mais social do processo de adoecimentos dessa população. Viabilizar a ponte de ligação entre
essas categorias pode ser uma forma de contribuir para o aprimoramento de politicas públicas
capazes de solucionar problemas na busca equidade entre os sujeitos.
O estudo de gênero na área de saúde mental possui ainda um desafio pertinente,
que é necessidade de ampliar a capacidade de transversalidade dessa categoria, de modo que é
preciso problematizar as questões de raça/etnia e de classe social. Como bem aponta Cisne
(2014), não podemos deixar o conceito de gênero apenas como aparentemente ―acadêmico‖, e
sim buscar dá substancialidade a essa discussão, de forma crítica e política, por meio da sua
problematização de forma mais abrangente. É preciso ainda nos estudos definir quem e onde
estão os sujeitos a serem analisados, de modo que o gênero participa do processo de
construção do sujeito assim como a raça/etnia e sua classe social (SAFFIOTI, 2004).
É fato que as políticas de gênero ou que incorporem um olhar de gênero pelos
governos, são um processo em construção. De modo que a produção e problematização dessa
categoria vêm contribuindo para o seu novo locus na agenda pública. E enquanto categorias
para produção acadêmica, ainda temos muito para explorar, diante das diversas possibilidades
de discussão desse conceito transversalmente abrangente.

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Nathália da Silva Miranda;nath.miranda1@gmail.com; Universidade do Estado da Bahia- DEDC
Campus X
Iasmyn de Lima Brito Santiago; iasmynlbsantiago@gmail.com; Universidade do Estado da Bahia-
DEDC Campus X
Liziane Martins; lizimartins@gmail.com; Universidade do Estado da Bahia- DEDC Campus X

Resumo
O presente artigo apresenta os resultados do projeto de pesquisa intitulado ―Mulheres na
Ciência: um debate de gênero‖, executado em um colégio estadual localizado no município de
Teixeira de Freitas, Bahia, com o objetivo de sensibilizar para a desconstrução do caráter
androcêntrico do conhecimento científico, a partir do reconhecimento das contribuições de algumas
mulheres para a Ciência. A delineação da intervenção foi esquematizada em encontros, de modo que
cada um possuía um tema norteador principal. Essa metodologia possibilitou o aprendizado de uma
grande diversidade de pautas e termos utilizados nos debates acerca da temática central, aos quais
muitos alunos não conheciam ou tinham uma definição deturpada, e também a problematização acerca
do androcentrismo científico e a representatividade das mulheres participantes da Ciência.Portanto, ao
desenvolver tal intervenção, numa perspectiva crítica histórica e social, os discentes puderam
compreender os fatores que estruturam a Ciência em uma base machista e sexista.
Palavras-chave: Mulheres na Ciência, Gênero, Ciência, Androcentrismo, Sexismo.

Introdução
É possível observar em nossa sociedade principalmente no âmbito discursivo, a
existência da dicotomia de gênero masculino e feminino (SANTOS, 2014). Essa divisão é
advinda de um processo histórico-cultural e de padrões pré-definidos que são estabelecidos
para os sujeitos (SILVA, 2000), de forma que definem comportamentos e condutas que são
esperados para o papel do homem ou da mulher (LOURO,1998). Consequentemente, devido a
essa imposição, há o predomínio de relações de poder de um papel para com o outro (SCOTT,
1990), legitimando, assim, a alegação da persistência do privilégio masculino e a
inferiorização da mulher (BRASIL, 1998), resultando na predeterminação de locais da
sociedade que podem ser ocupados por mulheres ou homens.
Conforme citado por Louro (1998), o gênero se constitui num âmbito em que as
representações sociais históricas, e não somente os atributos biológicos, determinam a
construção da identidade do indivíduo. Ou seja, se refere à construção social do ser humano,
de modo que as distinções entre ―homem‖ e ―mulher‖ são produtos da prática social e não
somente de sua anatomia. Nesse sentido, desde o seu nascimento, homens e mulheres estão
sujeitos a seguir um comportamento pré-definido, pois foi construída ao longo da história da
sociedade a determinação de papeis, também conhecida, como imposição de gênero. Desse
modo, são, basicamente, padrões arbitrários que são estabelecidos para os indivíduos e que
limitam suas condutas (LOURO, 1998).
A partir de uma análise dos estudos de Citeli (2000), Yannoulas (2007), Teixeira e
Costa (2008) e Batista et al. (2013; 2015), podemosperceber que, historicamente, existe uma
invisibilidade do papel da mulher na sociedade e na sua participação da construção do
conhecimento científico. De forma que, ao longo dos tempos, a inserção das mulheres no
meio científico e suas produções foram negadas, resultando na invisibilidade das mesmas
como sujeitos da Ciência (SCHIEBINGER, 1991; LOURO; NECKEL; GOELLNER, 2003).
Porém, apesar da exclusão e invisibilidade social, as mulheres foram grandes protagonistas na
produção do conhecimento científico nas mais diversas áreas (e.g. astronomia, física,
agronomia, filosofia, química, matemática, entre outras).
A exclusão sexista de mulheres do meio científico, desde os primórdios, ocasionou a
retificação de um papel de gênero que restringia às mulheres o cuidado dos filhos e afazeres
domésticos(SCHIEBINGER, 2001). E, mesmo com a liberação do acesso às universidades,
em alguns lugares, a partir do século XVII (SILVA; RIBEIRO, 2010), as mulheres
continuavamlimitadas socialmente a essas atividades serviçais (CHASSOT, 2003; SILVA;
RIBEIRO, 2010). Todavia, mesmo que de forma reduzida, a participação feminina no meio
universitário foi um avanço essencial para a representatividade feminina na Ciência, assim
como, para a produção científica das mais diversas áreas do conhecimento.
Nos dias atuais, podemos notar um aumento significativo de representatividade
feminina na Ciência(LETA, 2003). Porém, essa presença ainda é muito inferior à masculina
(MELO; LASTRES, 2006; SILVA; RIBEIRO, 2009; 2010) e ocorre de forma que as
mulheres, em sua maioria, estejam em áreas do conhecimento e cargos hierarquicamente
inferiores aos dos homens(e.g.área de humanidades e ciências sociais, onde os trabalhos são
vistos como mais leves e que a remuneração e valorização são inferiores) (ROSSITER,
1982).Essas situações são problemáticas, pois reforçam os ideais construídos sócio-
historicamente entorno das diferenças dos papeis de gênero.
Essas diferenças baseadas no gênero existentes na Ciência refletem no contexto
educacional, visto que, geralmente, a ciência é a base de construção do conhecimento escolar.
No Brasil,a temática sexualidade adentrou os currículos escolares através da sua normatização
como tema transversal nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)
(CARVALHO;BERTOLLI-FILHO, 2011; PEREIRA; MONTEIRO, 2013; RIBEIRO, 2002),
documento elaborado pelo Ministério da Educação para orientar a Educação Básica no Brasil
a partir da década de 90 (BRASIL, 1998). E, atrelada às discussões sobre sexualidade, surge
também a relevância do tratamento no contexto escolar das questões de gênero. Visto que, de
acordo com o Centro Latino Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (2009), a escola
é um espaço que proporciona aos alunos o desenvolvimento de um pensamento crítico, para
que se posicionem frente às diversas questões da sociedade e em um mundo de infinitas
diferenças.Dessa forma, o Ministério da Educação consideraimportante que nesse espaço
formativo haja o tratamento da equidade entre os sexos, assim como a atribuição de reflexões
e discussões voltadas para problematizar os padrões de conduta estabelecidos de forma
histórico-cultural pela sociedade para mulheres e homens (BRASIL, 1998).
A partir dessas circunstâncias e visto que dificilmente são desenvolvidas ações para o
tratamento de questões de gênerono espaço escolar, discentes da Universidade do Estado da
Bahia (UNEB), Campus X, desenvolveram um projeto que tratou de questões histórico-
sociais num colégio estadual da cidade Teixeira de Freitas (BA) com o objetivo de
sensibilizar alguns alunos da escola para a desconstrução a concepção androcêntricana
produção do conhecimento científico,a partir do reconhecimento das contribuições de
algumas mulheres para a Ciência.

Metodologia

Para alcançar os resultados a serem discutidos foi elaborado e desenvolvido um


projeto caracterizado como umaintervenção intitulada ―Mulheres na Ciência: um debate de
gênero‖ (Figura 1) que foi desenvolvido em um colégio estadual localizado na cidade de
Teixeira de Freitas, Bahia. Essa proposta obteve como integrantes alguns alunos das turmas
do 1º ao 3º ano do Ensino Médio que tiveram interesse em participar, sendo que, no total, 11
(onze) alunos participaram efetivamente dos encontros. Tal projeto foi idealizado e
organizado por quatro discentes da Universidade do Estado da Bahia (UNEB).
Figura 1. Pôster de divulgação da intervenção elaborada para discussão acerca de Mulheres na Ciência.
Fonte: Elaborada pelos autores.

No processo de planejamento surgiu a oportunidade e foi decidido integrar a proposta


ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID/CAPES), desenvolvido
no colégio em questão, em razão de um dos discentes organizadores ser bolsista e desenvolver
atividades pedagógicas com os alunos. Todo o processo contou com o apoio da coordenação
do colégio e da supervisora do PIBID da escola.
A delineação da intervenção foi cuidadosamente esquematizada em encontros (Quadro
1). Os temas e sua sequência de abordagem, os materiais de apoio e os métodos foram
debatidos e determinados após estudos, conhecimentos prévios e discussões dos
organizadores.

Quadro 1. Sistematização da intervenção, em encontros, dispondo as atividades desenvolvidas na intervenção


pedagógica.

1º Encontro – Tema central: Gênero e Sexualidade


 Apresentação do projeto, dos organizadores e dos alunos participantes;
 Dinâmica: tempestade de ideias;
 Contrato de respeito;
 Aula expositiva dialogada.
2º Encontro – Temas centrais: Construções sociais e Estereótipos
 Exposição de vídeos;
 Dinâmica: ―gênero e construção social‖;
 Discussão sobre estereótipos com a utilização de propagandas e vídeos.
3º Encontro – Tema central: Mulheres na Ciência
 Discussão sobre a inserção das mulheres no campo científico;
 Exposição e conversa sobre o ―Efeito Matilda‖;
 Aula expositiva dialogada sobre representações femininas importantes da história e da Ciência;
 Jogo da memória: Mulheres da Ciência e suas contribuições.
4º Encontro – Tema central: Feminismo
 Roda de conversa com o grupo social ―Coletivo Não me dê Flores‖;
 Encerramento da Intervenção.

Como é possível observar no Quadro 1, cada encontro possui um tema norteador


principal. O foco central da intervenção seria abordar a problemática acerca das mulheres na
Ciência, porém, considerou-se importante introduzir temas que possibilitem discutir a
temática ―Gênero e Sexualidade‖.Dessa forma, é possível viabilizar aos alunos a criação de
certa base de conhecimento teórico e discussões de cunho mais abrangente e significativo.

Resultados e Discussão
No primeiro encontro foi realizada uma técnica de dinâmica de grupo denominada
BrainStorming,ou tempestade de ideias, onde foram apresentados diversos termos (e.g.,
feminismo, gênero, sexismo, homem, mulher, entre outros) aos alunos e eles tiveram que
escrever uma palavra que descrevesse o termo que lhe foi apresentado, a partir de suas
concepções. Deste modo, acreditamos que os resultados dessa atividade permitirão a
identificação de conhecimentos prévios dos participantes. Assim, ao analisarmos o material
obtido, pudemos observar que a maioria dos participantes apresentou dificuldade em definir e
diferenciar os termos. Por exemplo, as palavras ―sexo‖, ―gênero‖, ―identidade de gênero‖ e
―sexualidade‖, por vezes tiveram seus significados confundidos ou deixados sem definição,
por parte dos alunos; alguns deles esclareceram esse fato ao justificarem que possuíam
dúvidas em relação à clareza ou exatidão na definição.
Também percebemos, a partir dos escritos dos alunos, uma concepção,
predominantemente, deturpada, de cunho religiosa econservadoraem relação às palavras da
dinâmica. Onde, por exemplo, a palavra ―gay‖ foi descrita, por um dos participantes,como
―vulgar e aberração‖ e, por outro aluno,como uma patologia.É importante ressaltar que
consideramos que cada indivíduo está inserido em contextossócio-histórico e
culturaldiferentese possui suas próprias representações mentais e cognitivas frente a taistemas,
que sofrem influências do seu cotidiano e de aprendizagens passadas. E, portanto, podem
apresentar suas opiniões de acordo com as influencias dos meios em que estão inseridos.
O primeiro encontro foi encerrado com uma aula expositiva dialogada sobre ―Gênero e
Sexualidade‖, no qual definimos e debatemos sobre ―sexo biológico‖, "identidade de gênero‖
e ―orientação sexual‖, na tentativa de desconstruir possíveis interpretações e entendimentos
errôneos ou controversos frente a tais questões.
Com base na análise da discussão acerca dos vídeos e imagens de propagandas (e. g.,
propagandas de bebidas alcoólicas que utilizam mulheres de biquíni como locutoras e atrizes
principais),momento que ocorreu no segundo encontro, foi observada, a partir dos discursos,
ideias machistas e de objetificação do corpo feminino, por parte dos participantes do gênero
masculino com exceção de um deles. Os mesmos alegaram que tais táticas “eram apenas
uma estratégia de marketing”e, por se tratarem de empresas privadas, “possuem o direito de
produzir as propagandas como acharem mais favorável às vendas”. Em contrapartida, as
mulheres participantes da intervenção sentiram-se fortemente ofendidas pelo conteúdo
exposto e pelo posicionamento dos colegas ali presentes. Pontuaram que as propagandas
exibidas hiperssexualizam e objetificam as mulheres, além de incitar e naturalizar assédio
sexual e estupro.
Ainda no segundo encontro, através da dinâmica denominada ―gênero e construção
social‖ (Figura 2a; 2b),em que os alunos deveriam escrever em um pedaço de papel frases de
imposições que já ouviram ao longo de sua vida por serem mulher ou homem e fixarem num
desenho disposto no quadro (Figura 2b), percebemos, a partir da leitura dos escritos dos
alunos, como as imposições na construção de gênero se manifestam de formas diferentes,
conforme o contexto social a qual o indivíduo está inserido. Após esse momento, conduzimos
um debate sobre as implicações da construção social sobre o gênero (e.g., expectativas e
regras sobre o que é ser homem e o que é ser mulher), assim como a imposição de papéis e
relações de poder na sociedade. Para finalizar, exibimos vídeos e imagens de propagandas
para discutir os estereótipos, de gênero e sexualidade, construídos em nossa sociedade.
No terceiro encontro, visamos focar diretamente no tema ―Mulheres na Ciência‖.
Nesse sentido, conduzimos uma aula expositiva sobre a representatividade feminina no meio
científico, onde apresentamos mulheres importantes (e.g., Chien-Shiung Wu, Marie Curie,
JohannaDöbereiner, Nettie Stevens, entre outras) e suas contribuições para a ciência. Os
discentes, por sua vez,relataramnão terem conhecimentos sobre mulheres cientistas, pelo fato
de nunca terem estudado no espaço escolar ou terem lido sobre descobertas científicas feitas
por mulheres e, além disso, surpreenderam-se com a quantidade de contribuições de cientistas
do sexo feminino que sofreram o ―Efeito Matilda‖33.

33
O ―Efeito Matilda‖ é um fenômeno sexista, nomeado por Rossiter (1993), que acontece quando as descobertas
e contribuições científicas femininas são atribuídas a pesquisadores do sexo masculino, resultando na
invisibilidade ou completa negação do mérito de mulheres.
Encerramos esse momento com um jogo da memória, desenvolvido pelos autores,
denominado ―Mulheres da Ciência e suas contribuições‖ (Figura 2c). Esse material apresenta
parte da base teórica discutida com os alunos(as mulheres da Ciência e suas contribuições) e
caracteriza-se como um jogo de cartas, sendo 10 (dez) cartas ―Nome e Imagem‖ e 10 (dez)
cartas ―Frase de contribuição‖. No processo da intervenção, as cartas foram embaralhadas e
dispostas com a face contendo a informação para baixo, cada aluno teve uma chance, por vez,
para combinar um par de cartas, sendo uma que representava a mulher e a outra a sua correta
contribuição. Os participantes presentes apresentaram dificuldades para assimilar a
representação feminina à sua contribuição, esse fator pode ser justificado devido à grande
quantidade de novas informações que os mesmosreceberam durante a aula expositiva. Porém,
a atividade foi concluída com êxito e executada novamente a pedido dos alunos.
Além disso, ainda nesse encontro, foi proposto um debate sobre a problemática acerca
das mulheres na Ciência, com o objetivo de incentivar discussões e levantar hipóteses sobre a
pouca divulgação de descobertas e experimentos científicos desenvolvidos por mulheres e o
pouco interesse de meninas pela área científica (assim como, as nuances históricas e
socioculturais por trás dessa questão).
No quarto e último encontro, conduzimos uma roda de conversa com o―Coletivo Não
me dê Flores‖ (Figura 2d), um grupo, da comunidade regional, de movimento político,
filosófico e social que defende a equidade de direitos entre os sexos e busca levantar as
questões da mulher, nesses âmbitos. Consideramos, com esse momento, uma ótima
oportunidade para valorizar um grupo social local detentor de bastante conhecimento e
argumentação acerca de questões que envolvem temas norteadores dessa intervenção. Nessa
roda de conversa foi pautado o movimento feminista e sua luta pela equidade de gênero no
âmbito científico, político, social, entre outros. Os estudantes utilizaram do momento para
esclarecerem suas dúvidas sobre o feminismo, suas vertentes,pautas e bases teóricas.Foi um
momento de grande relevância para compreenderem melhor esse movimento de luta que
contribui para a conquista da representatividade feminina nos espaços historicamente
masculinos.
Ao final, propusemos uma discussão de encerramento da intervenção, para que os
estudantes pudessem expressar suas opiniões gerais acerca da intervenção e realizar
comentários.Desse modo, alguns dos participantes afirmaram nunca ter tido um momento de
debate sobre questões de gênero, sexualidade e masculinismona ciência, na escola ou
qualquer outro ambiente. Ademais, relataram que aprenderam diversas coisas que antes não
possuíam conhecimento de forma detalhada,principalmente em relação aos termos
apresentados durante os encontros e, também, emrelação à problematização acerca do
androcentrismo científico e representatividade dasmulheres participantes da Ciência.

Figura 2- Momentos da intervenção. a) Dinâmica ―gênero e construção social‘ (Encontro II); b) Boneco da
dinâmica ―gênero e construção social‘ (Encontro II); c) Jogo da memória: Mulheres da Ciência e suas
contribuições; d) Roda de conversa com o grupo social ―Coletivo Não me dê Flores‖.
Fonte: Elaborada pelos autores

Conclusões
Tendo em vista a análise dos dados obtidos ao longo da aplicação dessa intervenção,
acreditamos quepromovemos, de certo modo, a elucidação das questões de gênero
relacionadas à invisibilidade e inferiorização da mulher no meio científico, e o
redescobrimento dos significados de termos utilizados nos debates de gênero e diversidade
sexual. Assim como, incentivamos, através dos debates, o questionamento de conceitos pré-
concebidos na construção social de cada indivíduo. Possibilitamos também, espaços para
discussões no ambiente escolar, proporcionando aos alunos momentos de reflexão,
argumentação e pensamento crítico, principalmente sobre o papel da mulher na ciência e na
sociedade.
Portanto, concluímos que ao desenvolvermos tal intervenção, conseguimos, através de
uma perspectiva crítica, na qual abordamos questões históricas e sociais, discutir com os
alunos as questões sobre hierarquia de gênero no âmbito científico, assim como,
proporcionamos, através dos momentos, a sensibilização dos participantes para a
desconstrução da concepção do caráter androcêntrico do conhecimento científico, enraizada
em nossa sociedade.
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ESTEREÓTIPOS DE GÊNERO E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A
MATERIALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL: BREVE
ANÁLISE À LUZ DO PENSAMENTO DE HELEIETH SAFFIOTI

Autora: Tatianne Amanda Bezerra da Silva


E-mail: tatiannebezerra1@hotmail.com
Assistente Social e Mestranda em Educação Contemporânea (PPGEduC, UFPE-CAA)

Co-autor: Sérgio Antônio Silva Rêgo


E-mail: santoniorego@ig.com.br
Mestre em Educação Contemporânea (PPGEduC, UFPE-CAA)

RESUMO: A presente comunicação busca, mediante uma breve revisão e análise bibliográfica da
pensadora brasileira Heleieth Saffioti, problematizar a construção histórico-social dos estereótipos de
gênero e suas implicações na determinação da materialidade do Serviço Social enquanto profissão
majoritariamente feminina no Brasil. As atribuições socialmente estabelecidas como femininas ou os
postos de trabalho hegemonicamente ocupados por mulheres são, no modo de produção capitalista,
comumente desvalorizados ou mais intensamente explorados. Neste contexto, profissões como Serviço
Social acabam por sofrer mais diretamente as consequências das desigualdades entre sexos, portanto,
merecem ser objeto de reflexão, de modo a problematizar e superar estas questões no interior da
profissão.
Palavras-chave: Gênero, Feminismo, Heleieth Saffioti, Serviço Social.

Introdução

Os estudos feministas desenvolvidos, sobretudo, ao longo dos séculos XX e XXI


postulam que as diferenças entre os sexos feminino e masculino são construções biológicas;
porém, a observação da relação entre eles, assim como as criações de suas imagens e
características, aprofundam-se mediante estruturação sociocultural, ou seja, apesar das
diferenciações biológicas entre os sexos, os papéis sociais atribuídos a cada um, e, como
consequência, as desigualdades estabelecidas entre seus atributos, são construções sócio-
históricas, denominadas gênero.
Existe uma variada gama de concepções feministas que problematizam essas
diferenciações entre sexo e gênero. Todavia, as análises mais críticas propõem a necessidade
de vinculação aos conceitos de classe e raça, por entender que as desigualdades não se dão
apenas do ponto de vista do gênero.
As obras de Saffioti se situam nesta vertente ao tratar sobre estereótipos de gênero. A
autora leva em consideração a tríade categórica, que, em sua visão, são indissociáveis e
necessárias para uma compreensão mais crítica da condição feminina na sociedade capitalista.
Para Saffioti (2013), o caráter submisso e hierarquicamente inferior atribuído às
mulheres é utilizado no capitalismo como forma de elevação da extração de mais-valia, como
também para maior exploração desta força de trabalho. Nesse sentido, analisar a construção
histórica de atribuições desiguais entre os sexos requer analisar sua utilização pelo
capitalismo, que oprime o feminino e o insere perifericamente no mercado, em funções menos
privilegiadas na indústria, com menores salários, desenvolvendo trabalhos mais repetitivos e
fragmentários.
As atribuições socialmente estabelecidas como femininas ou os postos de trabalho
majoritariamente ocupados por mulheres são, no capitalismo, comumente desvalorizados ou
mais intensamente explorados. Neste contexto, profissões como Serviço Social acabam por
sofrer as consequências das desigualdades entre os sexos.
Portanto, considerando o fato de as assistentes sociais serem majoritariamente
mulheres e, como consequência, o gênero possuir um papel fundamental na determinação da
profissão, visamos neste artigo, mediante breve revisão de literatura, problematizar a
construção histórica-social dos estereótipos de gênero e suas implicações na determinação da
materialidade do Serviço Social enquanto profissão hegemonicamente feminina no Brasil.

Gênero como elemento de análise dos papéis sociais atribuídos às diferentes categorias
de sexo

O feminismo enquanto movimento social possui diversas articulações e se dispõe a


discutir e propor alternativas à conjuntura na qual se encontra. Sendo assim, na terceira
geração do feminismo, em fins da década de 1980 e início da década de 1990, a inclusão da
noção de gênero tratou-se de uma revisão do que há muito o movimento havia se debruçado e
analisado, buscando avançar em suas problematizações e superar as noções reducionistas que
tratavam das diferenças apenas levando em consideração elementos biológicos (SAFFIOTI,
1994).
Pensando nisso, a expressão gênero possui um sentido de análise maior do que a
discussão do ser do sexo feminino ou do sexo masculino, pois procura romper com a questão
do essencialismo, do meramente biológico como definidor de papéis sociais. Com isso, o
movimento expande sua área de atuação e aprofunda as questões referentes à identidade
socialmente construída do que é ser mulher e ser homem. Entretanto, segundo Saffioti, é
preciso estar atento à virada cultural do feminismo, posto que a noção do exclusivamente
cultural pode conduzir também a um profundo determinismo. Nos termos da autora:

Se pensar (ou lutar por) a diferença, assim como a igualdade, isoladamente, envolve
sérias armadilhas, afirmar a primazia da diferença pode conduzir à absolutização da
cultura, hipostasiando-se ela na seguinte fórmula: a cultura é o destino. Atribui-se
aqui o mesmo valor à igualdade e à diferença, na medida em que não constituem um
par dicotômico, mutuamente exclusivo, mas são cada uma a condição da outra.
(SAFFIOTI, 1994, p. 272).

A categoria gênero, apreendida, sobretudo, nas ciências sociais e humanas, ampliou


significativamente o arcabouço teórico e metodológico das mesmas. Contudo, essa apreensão
não se deu de maneira isolada, mas associada a outras categorias já existentes, como raça e
classe, enriquecendo ainda mais a análise e possibilitando a superação de reducionismos
teóricos.
As análises levam em consideração a forma como classe, gênero e raça estão
imbricados, formando uma relação dialética na sociedade capitalista. Destacam ainda como o
capitalismo utiliza dessas opressões historicamente construídas para a exploração e
expropriação mais intensa da força de trabalho das mulheres.
Para Saffioti (2013, p. 67), o caráter submisso que há milênios as sociedades vêm
moldando nas mulheres facilita o aumento da espoliação capitalista do trabalho excedente
feminino. Por sua vez, as desvantagens sociais que elas enfrentam permitiram e permitem à
sociedade capitalista posicioná-las em postos de trabalho precários, arrancar delas o máximo
de mais-valia, intensificar suas jornadas, pagar salários mais baixos do que recebem os
homens etc.34 Conforme a autora:

O modo capitalista [...] lança mão da tradição para justificar a marginalização efetiva
ou potencial de certos setores da população do sistema produtivo de bens e serviços.
Assim é que o sexo, fator de há muito selecionado como fonte de inferiorização
social da mulher, passa a interferir de modo positivo para a atualização da sociedade
competitiva, na constituição das classes sociais. A elaboração social do fator natural
sexo, enquanto determinação comum que é, assume, na nova sociedade, uma feição
inédita e determinada pelo sistema de produção. (Ibidem, p. 67)

Na compreensão de Saffioti, embora na sociedade capitalista tanto o homem quanto a


mulher sejam submetidos à alienação do trabalho, ela sofre mais fortemente as consequências

34
Essa opressão, discriminação e determinação para ocupação de postos periféricos na sociedade é uma realidade
não somente as mulheres, mas, conforme ressaltado, também de grupos étnico-raciais. Negras/os e índias/os são,
comumente, mais exploradas/os e relegadas/os a uma posição periférica em nossa sociedade. Quando realizamos
uma união entre as diversas opressões, a situação se torna ainda mais problemática. Uma mulher negra ou
indígena, por exemplo, encontra-se em uma posição ainda mais periférica do que a mulher branca, do mesmo
modo que uma mulher branca e pobre encontra-se em uma posição menos privilegiada do que uma mulher
branca e rica, embora todas sejam vítimas das desigualdades de gênero.
da apropriação privada do fruto de seu trabalho. O ―destino social profundamente
determinado pelo sexo” (SAFFIOTI, 2013, p. 95), todavia, não justifica apenas as posições
periféricas no mercado de trabalho, mas também no ambiente doméstico.
O espaço doméstico e privado é frequentemente atribuído ao sexo feminino. A
construção do ser mulher inclui a atribuição de funções ligadas ao ato de cuidar. Aos homens,
entretanto, são associadas características ligadas à força, à ordem e à direção. A sociedade
investe grandes esforços neste artifício, fazendo crer que se trata de um processo natural e que
à mulher cabe tanto a atribuição do espaço doméstico, quanto a capacidade de ser mãe. A
educação cumpre papel fundamental na determinação destes papéis e habilidades,
delimitando, com muita precisão, os campos onde podem operar as mulheres, da mesma
forma que determinam os campos onde podem atuar os homens (SAFFIOTI, 1987).

Não obstante todas estas diferenças, que tornam a vida de mulher mais ou menos
difícil, a responsabilidade última pela casa e pelos filhos é imputada ao elemento
feminino. Torna-se, pois, clara a atribuição, por parte da sociedade, do espaço
doméstico à mulher. Trabalhando em troca de um salário ou não, na fábrica, no
escritório, na escola, no comércio, ou a domicílio, como é o caso de muitas mulheres
que costuram, que fazem crochê, tricô, doces e salgados, a mulher é socialmente
responsável pela manutenção da ordem na residência e pela criação e educação dos
filhos. Assim, por maiores que sejam as diferenças de renda encontradas no seio do
contingente feminino, permanece esta identidade básica entre todas as mulheres.
(ibidem, p. 9)35.

Amabilidade, docilidade, afeto, carinho, ternura, fragilidade, cuidado, são


características habitualmente atribuídas às mulheres, e aquelas que não fazem parte desse
conjunto de adjetivações tornam-se marginais, subversivas, seres inadequados aos quadros
sociais que foram estabelecidos a piori e que se tornaram regras da sociedade.
Essa hierarquia proposta por uma sociedade patriarcal irá determinar, nesse contexto,
o masculino como o único capaz de prover, sustentar e manter a família, cujo parâmetro de
modelo nuclear é burguês. O feminino passa a ser o meramente receptor dessa realidade,
reproduzindo-a, frequentemente, como consequência da educação doméstica.

Não basta, entretanto, conhecer a capacidade humana de transformar o reino animal.


É preciso atentar para o processo inverso, que consiste em naturalizar processos
socioculturais. Quando se afirma que é natural que a mulher se ocupe do espaço
doméstico, deixando livre para o homem o espaço público, está-se, rigorosamente,
naturalizando um resultado da história. (SAFFIOTI, 1987, p. 11).

35
Neste ponto a autora ratifica as diferenciações entre classe e afirma que ―se a classe operária gasta duas horas
por dia no trânsito, mais oito na fábrica, e quatro nos serviços domésticos, a burguesa dispõe de serviçais que
executam os trabalhos domésticos em sua residência‖ (SAFFIOTI, 1987, p. 9).
O ato de romper com o mundo privado e ir para o mundo público é visto como um
elemento ambíguo para a mulher,36 ao passo que, segundo a autora, ao mesmo tempo em que
a inserção no mercado de trabalho tende a constituir-se na dupla jornada de trabalho (privado
e público), com condições de trabalho e salariais inferiores (SAFFIOTI, 2013, p. 107),
também representa um movimento de reivindicação de aspirações, quer sejam elas políticas,
sociais, filosóficas, artísticas, etc.
A ocupação de espaços considerados de visibilidade procura trazer a ideia de seu
protagonismo ao sair do ocultamento perpetrado pelo mundo machista e patriarcal. Com isso
as mulheres passam a construir sua própria história e a criar espaços de decisão em setores
que até então não reconheciam suas contribuições. Portanto, em um processo dialético, ao
mesmo tempo em que a saída da mulher para o ambiente público significa sua inclusão com
posição periférica no mercado de trabalho e a posiciona em condições desiguais, também
possibilita uma ampliação de seus espaços de socialização e politização.

Serviço Social enquanto profissão majoritariamente feminina no Brasil

Muitas vezes secundarizadas, as relações de gênero estão imbricadas no cotidiano do


Serviço Social não somente em decorrência das demandas apresentadas no agir profissional,
mas, sobretudo, como resultado da forma de ser do Serviço Social, de sua constituição
histórica enquanto profissão majoritariamente feminina no Brasil.
Em vista disso, torna-se fundamental que o currículo do curso possua disciplinas e
conteúdos críticos que versem sobre o tema, de modo a construir uma formação
problematizadora e desmistificadora das desigualdades historicamente construídas e
reproduzidas entre os sexos.
Segundo Bezerra e Veloso (2015), não é admissível, por exemplo, que uma/um
assistente social que vá atuar junto a mulheres vítimas de violência entenda que ―se a mulher
apanhou, foi porque alguma coisa fez para merecer‖ ou que ―se uma mulher continua em um
relacionamento violento, é porque gosta de apanhar‖. A/o profissional possui um conjunto de
valores próprios incorporados no processo de socialização, contudo, a formação da/o

36
A autora destaca como historicamente as mulheres ocuparam postos de trabalho exercidos por homens, muitas
vezes como consequência da ausência de mão-de-obra masculina, haja vista a convocação dos mesmos para
guerras (SAFFIOTI, 2013). Porém, apesar de ocupar espaços socialmente atribuídos aos homens, esses grupos
femininos ainda não poderiam ser considerados feministas. Tornam-se assim, por sua vez, quando tomam
consciência do papel social de transformação e lutam pela igualdade entre gêneros propondo políticas públicas,
reivindicando direitos e problematizando as discrepâncias que existem nos diversos setores da sociedade. Daí a
necessidade de consideração e diferenciação entre grupos de mulheres e grupos feministas.
assistente social deve ser capaz de fazer com que muitos desses valores passem por um
processo de mutação, com vista a eliminar posturas preconceituosas ou discriminatórias.
Ademais, de acordo com os autores supracitados, o Serviço Social está inserido tanto
em uma ―divisão social‖ do trabalho, como em uma ―divisão sexual‖, tendo esta como base a
subalternidade da mulher em relação ao homem. O fato de as/os assistentes sociais serem
majoritariamente mulheres leva à suposição de que o gênero tem um papel fundamental na
determinação dessa profissão, não simplesmente por ela ser composta em sua maioria por
mulheres, conforme ressaltado, mas por tradicionalmente haver uma determinação feminina
para a carreira, posto que sua materialidade é um atributo social tradicionalmente designado
às mulheres.
Alguns estudos pioneiros do serviço social, como o de Iamamoto e Carvalho (2011),
problematizam as raízes dessa designação social do Serviço Social para as mulheres. A obra
analisa as protoformas da profissão no início do século XX, seu cariz caritativo e influências
para determinação do Serviço Social enquanto profissão feminina.
O Serviço Social, enquanto profissão inscrita na divisão sóciotécnica do trabalho,
possuía em suas protoformas o objetivo de desenvolver, mediante ação social e movimento de
reação católica, a divulgação do pensamento social da Igreja para a classe operária, formação
das bases organizacionais e doutrinárias do apostolado laico e a intervenção ―educativa‖
direta junto ao proletariado, para, assim, afastá-lo de influências subversivas37.
Ele surge como uma organização das elites, com objetivo de defender a família e a
classe operária das ―más‖ influências socialistas e dos ―males‖ oriundos da industrialização,
como, por exemplo, a saída da mulher para o mercado de trabalho38.

37
Iamamoto e Carvalho (2011) destacam em sua obra como o significado histórico do Serviço Social só pode ser
desvendado em sua inserção na sociedade. Como uma profissão só existe em condições e relações sociais
historicamente determinadas, é a partir da compreensão das determinações históricas que se poderá desvendar o
significado atribuído a esta determinada profissão dentro da divisão social do trabalho capitalista. No caso do
Serviço Social brasileiro, portanto, o surgimento e o desenvolvimento da profissão são vistos a partir do prisma
da ―Questão Social‖, isto é, a partir do desenvolvimento do capitalismo no Brasil no início do século XX,
exasperação de suas sequelas sociais e o nascimento do proletariado com expressão política própria. O trabalho
das assistentes sociais é requisitado pelas classes dominantes como meio de exercício de seu poder, controle das
lutas sociais trabalhistas, afastamento das influências socialistas, com grande força mundial em decorrência da
revolução socialista Russa de 1917, e manutenção da ordem social.
38
Era considerada fonte de grande preocupação a saída da mulher para o mercado de trabalho, ―deixando a
família‖ e buscando independência. Este era comumente considerado um perigo à ordem moral da época,
portanto, era um fenômeno fortemente controlado e combatido pelas elites. Todavia, se não era aceita essa
profissionalização feminina, como se configurava então a situação das mulheres que vinham se
profissionalizando naquela época como assistentes sociais? Para Bezerra e Veloso (2015, p. 196), ―a
legitimidade e a aceitação das mulheres na profissão de assistente social, no que se refere ao gênero, dão-se em
razão de essa profissão demandar qualidades e atributos considerados femininos, ou seja, a mulher
desempenhava, na esfera profissional, atividades semelhantes às que desempenhava na esfera doméstica. Era,
portanto, uma saída para se profissionalizarem com a atenuação dos preconceitos e da discriminação‖.
As ações sociais eram desenvolvidas por mulheres de classe abastada que, além de
exemplo de boa conduta, eram consideradas as mais adequadas para desenvolver atividades
educativas e caridosas junto aos necessitados. Citando a tese apresentada na 4ª Semana de
Ação Social, desenvolvida em 1940, Iamamoto e Carvalho (2011, p. 183) demonstram
elementos discursivos da época que justificam a atribuição destas funções às mulheres:

Intelectualmente o homem é empreendedor, combativo, tende para a dominação. Seu


temperamento prepara-o para a vida exterior, para a organização e para a
concorrência. A mulher é feita para compreender e ajudar. Dotada de paciência,
ocupa-se eficazmente de seres fracos, das crianças, dos doentes. A sensibilidade
torna-a amável e compassiva. É, por isso, particularmente indicada a servir de
intermediária, a estabelecer e manter relações.

O cuidado, a paciência, a resignação, a delicadeza, o amor ao próximo, etc., são


defendidos como atributos naturalmente femininos, justificando a presença destas em
profissões onde o ato de assistir é frequente, como Enfermagem, Serviço Social e Pedagogia.
Em contrapartida, aos homens são atribuídas características como determinação, dominação,
resolução, execução, etc., tornando-os, por conseguinte, mais preparados para ocupar cargos
de liderança ou que demandem escolhas de grande risco, como, por exemplo, Engenharia,
Administração e Medicina.
Como evidenciado anteriormente, para Saffioti (2013), o caráter submisso que há
milênios as sociedades atribuem às mulheres facilita enormemente a elevação do montante de
seu trabalho excedente, ou seja, o capital utiliza da subalternização feminina para dela auferir
maiores lucros. Deste modo, problematizar a construção histórica de atribuições desiguais
entre os sexos requer analisar também a utilização destas formas pelo capitalismo para maior
opressão das mulheres. Nos termos da autora:

A pesquisa de Madelaine Guilbert revela não apenas que as mulheres são postas em
funções menos privilegiadas na indústria, desenvolvendo os trabalhos mais
repetitivos e fragmentários, mas também que, mesmo quando o nível profissional do
trabalho do homem e da mulher é o mesmo, esta recebe menor remuneração e é
hierarquizada abaixo daquele. A valorização da força física do homem serve de
justificativa à hierarquização dos sexos. Todavia, esta justificativa se torna
extremamente vulnerável quando o homem desempenha funções que não requerem
força muscular ou quando um trabalhador norte-americano, empregando força física
de trabalho, é posto mais ou menos nas mesmas condições que a mulher.
Preconceitos de raça e sexo desempenham, pois, um papel relevante quer na
conservação do domínio do homem branco, quer na acumulação do capital. (ibidem,
p. 82)

As desvantagens presentes nas características atribuídas ao sexo feminino permitem


à sociedade capitalista a extração de maior mais-valia e oferta de menor remuneração. Logo,
não é coincidência a determinação de remunerações mais baixas para trabalhos historicamente
atribuídos ao sexo feminino, como é o caso, novamente, do Serviço Social, Enfermagem e
Pedagogia. Quando realizamos um comparativo entre os salários destinados a estas funções e
às predominantemente masculinas, as desigualdades entre gêneros se tornam gritantes.
Profissões majoritariamente masculinas, como Engenharia, Direito e Medicina
possuem remunerações mais elevadas, embora também sejam formações de nível superior,
como as anteriores, colaborando para reprodução das relações desiguais entre os sexos, visto
que a subalternização feminina não é apenas sócio-histórica, mas também econômica.
Corroborando com esta assertiva, Cisne (2015, p. 122) destaca como habilidades
proferidas como femininas e dons são apropriados pelo capital para maior exploração da força
de trabalho a baixo custo, visto que as atividades profissionais desenvolvidas por mulheres
são caracterizadas como atributos naturais, extensões de sua personalidade, dons e não
trabalho. Ademais, uma vez feminilizada, a tarefa executada por mulheres passa a ser
classificada como menos complexa. ―Este ‗menos complexa‘ vem a ser a justificação de
desprestígio e de desvalorização do trabalho feminino‖, o que justifica sua baixa remuneração
e subalternização.
Contudo, paradoxalmente, foi mediante a entrada subordinada no mercado de
trabalho, objetivando a manutenção do status quo, bem como reproduzindo papéis
discriminatórios e periféricos, que as mulheres conseguiram ganhar espaço social, maior
conscientização política e revisão crítica de valores historicamente construídos.
O Serviço Social é sintomático desta realidade. Apesar do processo de
profissionalização das assistentes sociais ter se dado de forma conservadora e reprodutora de
estereótipos de gênero, a profissão possui atualmente um projeto profissional vinculado ao
processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação, exploração de classe,
étnica ou de gênero. Portanto, apesar da construção conservadora do serviço social e da última
grande pesquisa organizada pelo Conselho Federal de Serviço Social - CFESS (2005) -
apontar para uma continuidade da predominância feminina na profissão, contando apenas com
3% de homens, isso não significa complacência da categoria.
As/os assistentes sociais construíram historicamente um projeto profissional crítico e
seguem lutando para que o conservadorismo seja combatido no interior da profissão.
Ademais, não descansa em seu combate contra qualquer forma de exploração ou opressão,
afirmando a importância fundamental das novas gerações de assistentes sociais possuírem
uma formação teórico-prática que as habilitem para a luta.
NOTAS À GUISA DE CONCLUSÃO

Para Saffioti (1994; 2015), é impraticável o uso exclusivo da discussão de gênero


sem inserir no mesmo a categoria patriarcado, o que para muitas feministas, sobretudo as dos
estudos pós-modernos, é uma categoria ―ultrapassada‖. Todavia, concordamos com Saffioti
por considerar que não há uma homogeneização do feminismo e sim múltiplos feminismos,
por questões de localidades, identidades, categorias, etc. A associação dessas categorias é
necessária para uma compreensão mais consistente da situação das mulheres na sociedade de
classes.
Além disso, a discriminação feminina, reproduzida por um modelo de sociedade
fundamentado na desigualdade e acúmulo de bens advindo da expropriação do trabalho,
aprisiona tanto mulheres quanto homens mediante a criação de constructos sociais. Esses, por
sua vez, são amplamente enraizados e difundidos por estruturas sociais, tais como: religião,
escola, meios de comunicação, entre outros, que condicionam a vida social a uma homogênea
criação do patriarcado, procurando uniformizar vidas, gestos, prazeres, etc.
Mediante essas concepções podemos compor o cenário de criação das características
ditas como femininas e masculinas, que direcionam as escolhas dos cursos de ensino superior.
Cursos predominantemente femininos, tais como: Pedagogia, Enfermagem e Serviço Social e
cursos majoritariamente masculinos, como Direito, Administração, Engenharia.
Precisamos questionar em que medida, mesmo após um maior nível de escolarização
por parte das mulheres e acesso às problematizações de gênero, suas escolhas por
determinadas profissões ainda se dão mediante tais construções sociais. A uniformização de
padrões femininos não interfere apenas na escolha da formação, mas penetra na ciência de
diversas formas, como, por exemplo, hierarquizando saberes. Isso se reflete, dentre outros
fatores, considerando atividades predominantemente masculinas como mais complexas,
pagando-lhes maiores salários, ofertando-lhes melhores condições de trabalho, etc.
Assim, ratificamos a importância de desmistificar os padrões e estereótipos de
gênero no interior das profissões, isto é, como se manifestam e se consolidam os ditos padrões
sociais atribuídos ao feminino ou mesmo ao masculino na sociedade capitalista, bem como se
efetiva essa relação na materialidade das profissões, mediante determinação e hierarquização
de cursos descritos como femininos ou masculinos.
REFERÊNCIAS

BEZERRA, Vanessa; VELOSO, Renato. Gênero e Serviço Social: desafios a uma


abordagem crítica. São Paulo: Saraiva, 2015.

CISNE, Mirla. Gênero, divisão sexual do trabalho e Serviço Social. 2ª Ed. São Paulo:
outras expressões, 2015.

CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL – CFESS (Org.). Assistentes sociais no


Brasil: elementos para estudo do perfil profissional. Brasília: CFESS, 2005.

IAMAMOTO, Marilda; CARVALHO, Raul. Relações sociais e serviço social no Brasil:


esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 34ª Ed. São Paulo: Cortez, 2011.

SAFFIOTI, Heleieth I. B. Gênero, patriarcado e violência. 2ª Edição. São Paulo: Expressão


Popular: Fundação Perseu Abramo, 2015.

SAFFIOTI, Heleieth I. B. A mulher na sociedade de classes. 3ª Edição. São Paulo:


Expressão Popular, 2013.

SAFFIOTI, Heleieth I. B. O poder do macho. 6ª Edição. São Paulo: Moderna, 1987.

SAFFIOTI, Heleieth I. B. Conceituando o gênero. In SAFFIOTI, Heleieth I. B.; MUÑOZ-


VARGAS, Monica. (Orgs). Mulher brasileira é assim. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos:
NIPAS: Brasília, D.F.: UNICEF, 1994. Pp. 271-283.
MOVIMENTOS POLÍTICOS FEMINISTAS -TEÓRICOS EM TORNO
DAS SEXUALIDADES E DAS EXPERIÊNCIAS QUEER.

Ana Maria Pereira – E-mail: anapereira30@yahoo.com.br – Assistente Social – Instituto Feminista


Jarede Viana.
Regina Lopes Trindade – regitratri@gmail.com – Socióloga – Instituto Feminista Jarede Viana

A reflexão sobre as perspectivas teóricas e práticas feministas que têm contribuindo para os
questionamentos as categorias de gênero e sexualidade e, principalmente, sobre a fixidez das
identidades, nos remete a efervescência política produzida nos espaços onde os micropoderes
fortalecem discursos e práticas de uma diversidade de atrizes que protagonizam estratégias de
empoderamento e visibilidade massiva. Com base nas reivindicações e performances lesbianas essa
escrita toma um formato de diálogo com o objetivo de provocar ponderações sobre poder,
performatividades e identidades políticas. Neste sentido, as teóricas Judith Butler (2003), Beatriz
Preciado (2010) e as experiências da militância lésbica no Brasil foram tomadas como referência para
constituírem o quadro teórico-político desse texto. Por fim, estão postas ponderações acerca de alguns
discursos performáticos e apontamentos a partir das vozes lesbianas e dos estudos queer.
Palavras chaves: Feminismos; Performatividade; Lesbianidade; Identidades Políticas.

Introdução

No intuito de provocar um diálogo sobre os discursos performáticos das pessoas que


burlam a normatividade dos gêneros e das sexualidades, trazendo alguns apontamentos a luz
das teorias queer e dos feminismos, o texto que hora apresentamos, perpassa pela experiência
da visibilidade e das nossas identidades políticas. Do ponto de vista metodológico a
preocupação centra-se em caminhar livremente pelas teorias, coadunar pensamentos possíveis
sem prender-nos as amarras e divergências das diferentes escolas feministas. Partimos da
concepção que a construção das teorias lesbianas deve entrelaçar as nossas experiências e, por
isso, anunciar a militância na Liga Brasileira de Lésbicas e no Instituto Feminista Jarede
Viana revela o lugar de onde falamos e, coloca-nos também enquanto objeto de
problematização e reflexão junto a outras lesbianas.

Este diálogo está exposto em dois momentos: no primeiro a partir das categorias
gênero, lesbianidade e performatividade discorremos sobre as nossas experiências e vivências
políticas em encontros onde a militância feminista e lésbica se intercruzam em pontos que
horas coadunam pactos para avançar no âmbito das políticas públicas, horas são divergentes
no sentido de estabelecer métodos e prioridades das pautas políticas; no segundo momento,
dialogando com as teorias queer produzidas no anglo-saxão trazemos para o centro do debate
as sexualidades enquanto disputa de poder e as identidades políticas a partir das vozes
lesbianas.

Experiências Lesbianas e suas performatividades como constructos revolucionários.

O trilhar pelos caminhos da ―histórica da sexualidade‖ e das experiências nos


movimentos feministas e LGBT39 - possibilitou-nos fazer algumas reflexões acerca dos
dispositivos de controle e de alguns desafios postos a inteligibilidade produzida pelo
arcabouço das normas heterosexistas, trazidos principalmente, pelas performatividades das
pessoas que quebram a lógica binária dos gêneros firmados exclusivamente no ―ser homem‖ e
no ser ―mulher‖, entre elas, destacam-se as lésbicas, as travestis, as transexuais e os gays.

39
A sigla do Movimento pela Livre Expressão Sexual no Brasil foi sendo construída em meio a tensões políticas
e movimentos teóricos, inicialmente na década de oitenta o MBHO – Movimento Brasileiro de Homossexual -
buscava construir estratégias de resistência no Brasil. Em 13 de maio de 1980 teve a sua primeira manifestação
pública no centro de São Paulo contra o Delegado Reichetti. Em abril desse mesmo ano foi realizado o I
Encontro Brasileiro de Homossexuais - EBHO. Em 1993 a realização do VII encontro incorporou o L que
passaria a reconhecer o protagonismo das lésbicas no movimento, devido a não fluidez linguística da sigla
MBLHO, o movimento terminou ficando conhecido como GLS representando os seguimentos de gays, lésbicas
e simpatizantes e ou movimento gay. Em 1995 durante o VIII Encontro Nacional realizado na cidade de Curitiba
– RS, em meio à pressão das travestis por maior reconhecimento e visibilidade, deliberou-se que o T entraria na
representação escrita do Movimento e nesse mesmo encontro se deu o passo histórico de criar a primeira
instituição de representação nacional desse segmento: Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis -
ABGLT. No X Encontro Nacional ocorrido na cidade de Maceió, sob o lema ―Duas Décadas de Movimento
GLT no Brasil: conquistas para sempre!, entre outras questões, as lésbicas publicizaram a insatisfação
relacionada a prática machista existente no movimento e destacaram que reconheciam a importância do trabalho
junto as ONGs Aids, mas que o protagonismo lesbiano e suas pautas não eram reconhecidas, momento em que
anunciaram a importância da fundação de uma rede específica. No inicio daquela década, com base na categoria
―transgênero‖ trazida por alguns militantes - sob a influencia das teorias queer- para o debate nacional, as
travestis e transexuais também passaram a reivindicar o reconhecimento das suas especificidades e a inclusão do
segundo T na sigla do movimento. Tal inclusão tinha um proposito político: afirmar que no âmbito da promoção
das políticas públicas e da visibilidade massiva suas especificidades deveriam ser observadas. Antes que
acontecesse a deliberação em encontro nacional, vários militantes incorporaram nos seus discursos e escritos a
sigla LGBTT; no mesmo passo, as lésbicas que transitavam entre movimento social e academia passaram a
problematizar suas pautas teoricamente e a se referir ao movimento como LGBT. Durante a I Conferência
Nacional de Políticas para gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais, o então presidente da República
oficializou a abertura do evento saudando o movimento LGBT, e assim, deflagrou-se uma manhã inteira de
reflexão sobre as práticas políticas que não incorporavam as demandas lesbianas e em meio a polarização
política do momento, ficou deliberado que a partir dali o movimento passaria a inverter os lugares das letrinhas
G e L, ficando legitimada a sigla LGBT.
No percurso dessas trilhas, inicialmente o mais desafiador foi a nossa imersão no
Movimento pela Livre Expressão Sexual no final dos anos noventa a partir dos convites do
Grupo Gay de Alagoas – GGAL ao Diretório Central dos Estudantes – DCE - da
Universidade Federal de Alagoas para tratar de possíveis parcerias entre os movimentos
objetivando fortalecer estratégias de denúncias dos crimes hediondos cometidos contra gays e
travestis que não eram investigados, bem como a visibilidade massiva através do slogam ―É
legal ser homossexual!‖. A partir dali, indagações sobre direitos humanos, normatividades,
corpos, sexualidades, cidadania passaram a fervilhar nossos pensamentos e a ganhar outras
dimensões: percebemos ali, que a coerção social engessa não apenas os movimentos dos
nossos corpos, mas produz enquadramentos dos nossos afetos, dos nossos orgasmos e nos
destituí da condição de ser sujeito. Dessa forma, a noção de liberdade de expressão que tanto
discutíamos nos movimentos partidário, estudantil e feminista não mais atendia as nossas
expectativas. E a indagação posta naquele momento, era sobre o que poderia ser feito para
burlar as normas coercitivas.

Passei a observar, mais atentamente, o quanto as pessoas se preocupavam em indagar


se A ou B era ―homossexual‖, ―bula‖, das ―estórias‖ ou ―entendida40‖. Obviamente que a
preocupação não estava centrada no princípio da solidariedade e da disponibilidade de acolher
alguém caso fosse vítima de violência, mas sim, profundamente enraizada as normas da
heterossexualidade compulsória como diria Judith Butler (2003) ou no sentido de vigiar e
punir na perspectiva de Michel Foucault (2001).

Ao perceber que as indagações geralmente eram motivadas pelas observações que as


pessoas faziam sobre as nossas performances, mais especialmente, que as performatividades
lesbianas, as travestilidades e as expressões dos gays rompiam com os padrões ditos
femininos e masculinos; questionavam as relações binárias do gênero e também provocavam
discussões efervescentes em vários espaços de sociabilidade, passamos a embrenharmo-nos
no movimento político-teórico e a percebê-lo como estratégico no sentido de pensarmos uma
sociedade para além de dois gêneros.

40
Os discursos em torno das sexualidades que não condizem com a heteronormatividade terminam incorporando
termos pejorativos que negam os constructos sociais das diversas formas de vivenciar os prazeres sexuais. Não é
raro nos depararmos com termos como fanchas, caminhoneiras, saboeiras, bolacheiras e tantos outros que jogam
os prazeres dissidentes das normas phalocêntricas no mundo do não dito. Entretanto, na perspectiva queer esses
termos podem ser positivados e saboreados.
Na oportunidade41 da aproximação com as teorias queer42, percebi que o conceito de
performatividade trazido por Judith Butler (2003), provocava-nos para desatarmos alguns nós
políticos conceituais que não conseguimos afrouxar a partir da categoria gênero. Assim como
a maioria das teóricas feministas, Butler43 inicia suas análises tomando como ponto de partida
a celebre afirmação de Simone de Beauvoir (1949) ―não se nasce mulher, torna-se mulher!‖.
Compreende assim, que o sujeito é um eterno devir, não há identidades fixas, estamos sempre
agregando novas formas de ser e estar no mundo. Nesta perspectiva, a fluidez também
perpassa pela produção social dos corpos e das nossas performances. Dessa forma, ―se não
nasce mulher, se pode tornar a ser‖; ―também não se nasce homem, torna-se a sê-lo.‖; assim,
podemos ser o que quisermos ser e romper com a concepção binária da organização social.
Neste sentido, as lesbianas, as transexuais, as travestis ao assumirem tais identidades políticas
trilham caminhos para desestabilizar e superar a função policialesca do gênero.

Para Butler, o gênero é tão norma que exerce formas coercitivas sobre nós, impedindo-
nos de fazer o que quisemos dos nossos corpos e assim o problematiza: ―...gênero é
culturalmente formado, mas também é um domínio de agência ou de liberdade. É
principalmente importante resistir a violência impostas pelas normas ideais de gênero,
especialmente contra aquelas pessoas que são diferentes em relação aos gêneros desviantes
em sua representação44‖. Desta forma, é necessário compreendê-lo como campo de
ambivalência e que está em disputa, questão que pode ser observada a partir das
performatividades daquelas que jogam com as normas sociais, desafiam a nossa
inteligibilidade e fazem micro revoluções. Esses sujeitos, através dos discursos de seus corpos
desfilam em nossas telas gritando contra o sistema patriarcal e, irreverentemente
deslegitimam a organização social baseada exclusivamente em dois gêneros, mesmo que não
se mobilizem politicamente. Em contrapartida, não podemos esquecer que os sentimentos

41
Enquanto bolsista do Programa GRAL – Gênero, Reprodução, Ação e Liderança - da Fundação Carlos Chagas
em parceria com a MarcArtur Fundation - tive a possibilidade de protagonizar nos movimentos feministas e de
lésbicas feministas em diversos eventos. Momentos em que percebi a importância de lesbianizar as teorias, já
que as especialidades lesbianas não eram tratadas com esmero nas pautas da maioria dos eventos feministas, e
assim, se deu as primeiras leituras sobre os estudos queer. Entretanto, ao escrever Lesbianidade: um assunto
familiar!, epistemologicamente optei pelo diálogo com os feminismos, os estudos gays e lésbicos e a perspectiva
Foucaultiana.
42
As principais teóricas queer passaram a ganhar visibilidade a partir da segunda metade da década de oitenta,
entre elas destacam-se as pioneiras nos estadunidenses Eve Kosofsky Sedgwick, Judith Butler e atualmente
Judith Halbestam. Na Europa a voz ativa é da francesa Monique Wittig e da espanhola radicada na França
Beatriz Preciado. Enquanto no Brasil, destacam-se Berenice Bento na área jurídica, Miriam Grossi e Larissa
Pelúcio na antropologia, Guacira Louro na educação entre outr@s teóric@s de diversas áreas de produção do
conhecimento acadêmico.
43
Documentário BUTLER. Judith, Filósofa en todo Género (2006).
44
Idem, ibid.
conflitantes gerados a partir de olhares preconceituosos lançados sobre os corpos que não
atendem aos padrões de masculinidades e feminilidades normatizados, e consequentemente,
aos modelos binários do gênero, põem a sociedade em reflexão, mas muitas vezes, também
produzem práticas violentas.

Já a categoria gênero, quando apropriada pelos feminismos como marco conceitual


impulsionador das problematizações teóricas em torno da promoção de políticas para as
mulheres, questionamento ao sistema patriarcal e a violação de direitos, foi analisada por Joan
Scott (1990, p. 14-15) a partir de quatro dimensões:

Os símbolos culturalmente disponíveis que evocam representações simbólicas, e


com frequência contraditórios (...) em segundo lugar, os conceitos normativos que
põem em evidências as interpretações do sentido dos símbolos (...) a noção de
política bem como uma referência as instituições e à organização social; [e por fim,]
a identidade subjetiva.

Apesar das quatro dimensões problematizadas por Scott, a categoria gênero ganhou
visibilidade nos discursos feministas a partir da bipolaridade sexo e poder e dos conceitos
normativos incorporados pelas instituições de controle. Entretanto, a identidade subjetiva que
poderia nos fornecer pistas para compreensão da noção das alteridades e dos processos de
disciplinamento dos desejos não entrou como pauta prioritária nas primeiras décadas de
organização dos feminismos. Obviamente que tal escolha teórica-metodológica resvalou nas
formas de fazer política e estabelecer as bandeiras prioritárias, o que terminou gerando pontos
de tensões entre a militância feminista e LGBT.

De certo, jamais se poderia pensar no feminismo enquanto movimento singular. Faz-se


necessário entendê-lo em seus múltiplos processos de construção política, no que estava posto
em cada conjuntura, bem como a multiplicidade de atrizes que o protagoniza. Segundo
Betânia Ávila (2005) 45:

Há, no movimento feminista, uma diversidade de organizações e lutas, mas há


também desigualdade entre as mulheres que o compõe: mulheres de classes
desiguais; mulheres de raças diferentes e transformadas historicamente em
desigualdades; mulheres negras; mulheres indígenas e rurais; trabalhadoras
domésticas, que constituem majoritariamente a classe das mulheres pobres;
desigualdades entrelaçadas de classe, de raça e gênero. (...) Mulheres de várias
gerações que trazem os conflitos inerentes entre transmissão e reinvenção.

45
Fragmentos do discurso realizado na mesa de abertura do X EFLAC tendo como eixo a “Radicalização do
feminismo e da democracia”.
Na busca constante dessa reinvenção os feminismos travaram discussões variadas a
partir de correntes teóricas como marxista, hegeliana, cramisciana, foucaultiana, e nos últimos
anos, tem havido uma aproximação de várias feministas com a corrente pós-estruturalista.
Acirram-se assim, as problematizações sobre a pós-colonialidade e a intercessão entre classe,
raça e sexualidades; consequentemente, os diversos sujeitos políticos começam ativar suas
próprias vozes e visibilizar suas identidades políticas: negras, lésbicas, travestis, dentre tantas
outras, passaram a falar sobre si na produção dos saberes e dar novos significados a partir das
suas experiências. Segundo Altamira Simões46 (2015):

O feminismo nos meios populares não se prende ao certo, ao definido, ao lido e


publicado. É uma prática mais latente, pulsante, corriqueira e oscilante na forma de
vivenciar e transmitir. (...) Feminista sim, porque o termo pode ser único, mas as
práticas são inúmeras, diversas. As especificidades de cada ser social determinará o
jeito de experimentar uma vida longe das amarras do patriarcado.

Desacomodar a noção de patriarcado tão enraizada e supostamente natural, espraiada


em todos os espaços onde o capitalismo significa símbolo das relações e a organização
sociotécnica do trabalho gira em torno da divisão sexual, exige a construção e reconstrução de
métodos políticos, de fortalecimento dos micropoderes, dos autoquestionamentos e, tudo isso,
gera tensões, dissidências, junções estratégicas no sentido de buscar outras formas de
sociabilidades. Assim sendo, os feminismos não passariam ilesos às tensões, porque eles
fazem parte do fazer política.

Nesta perspectiva poderia partilhar inúmeras experiências de tensões vivenciadas em


reuniões e eventos47, mas na impossibilidade de prolongar-me, limitar-me-ei a dois momentos
que considero emblemáticos: o X Encontro Feminista Latino Americano e Caribenho -
EFLAC48 e o Encontro Nacional Pensando Gênero e Ciência49. O primeiro teve como eixo
central: Feminismos e Democracia. Entre painéis e diálogos complexos, houve uma especial
ênfase às reflexões em torno das pautas raça/etnia, sexualidade/lesbianidade, gerações e
46
Militante da Liga Brasileira de Lésbica. Escreve para o site http://www.geledes.org.br/ e se identifica como
mulher, negra, lésbica e de periferia. Revelando assim, o local de onde produz seus discursos.
47
A exemplo do X Encontro Nacional de gays, lésbicas e travestis ocorrido em novembro de 2001, na cidade de
Maceió/AL. Na oportunidade, reuniram-se trezentos militantes e foi marcado por inúmeras discussões em torno
dos direitos civis e enfrentamento a Aids. As lésbicas pautaram o machismo existente no movimento misto e a
pouca valorização das suas especificidades nas pautas do movimento, bem como a importância de protagonizar
uma rede política de representação nacional.
48
X EFLAC ocorrido entre os dias 9 e 12 de outubro de 2005 na cidade de Serra Negra/ SP, contou com 1250
(mil e duzentas e cinquenta) protagonistas da América Latina, Caribe, Europa e Estados Unidos. Com uma
formatação de painéis e entrevistas nos diálogos complexos.
49
O Encontro que ocorreu entre os dias 29, 30 e 31 de março de 2006 na cidade de Brasília/DF, reuniu Núcleos
Temáticos de Pesquisa das Universidades, Instituições de fomento a pesquisa, pesquisadoras autônomas e
militantes de redes feministas.
classes sociais. Diferentes pautas estavam em disputa, mas apesar da diversidade de
feministas que protagonizaram o X EFLAC, parecia que estávamos coadunando para
convergir nossas pautas. Entretanto, ao chegarmos aos ―diálogos complexos‖ sobre
feminismos e lesbianidade, sexualidades e democracia; estavam presentes as lésbicas
autônomas, um grupo de mulheres que se denominou de pansexuais50, Liga Brasileira de
Lésbica, as Lesbianas Feministas en Colectiva, da República Dominicana e poucas outras
feministas que não assumiam uma identidade política lesbiana.

O fato de a pauta lesbiana ter sido inserida na programação central do evento, sem
dúvida, representou um avanço para o movimento de lésbicas feministas. Todavia,
percebemos ali, que naquela conjuntura, as protagonistas da radicalização da democracia em
torno da legitimação da livre expressão sexual na sociedade seríamos nós que compomos o
segmento LGBT, pois o princípio da solidariedade precisava ser fortalecido entre os
diferentes movimentos políticos. Na plenária final, o nó que precisou ser desatado circundou
em torno das identidades de gênero. A proposta da participação das travestis e transexuais nos
eventos feministas foi o maior ponto de tensão: inúmeros discursos acalorados em torno da
legitimação ou negação de tais identidades foram proferidos.

Naquele momento, parecia que todas as discussões em torno do constructo social do


―ser mulher‖, alavancado por Simone de Beauvoir em ―O Segundo Sexo‖ (1949), havia
voltado ao ponto de partida ao não reconhecer as travestis e transexuais que apresentam
identidades de gênero ditas femininas construídas socialmente, caindo ali na cilada do
essencialismo. Ao negar o phalo, afirmar uma identidade desviante daquilo que a
representação social diz a partir das genitálias, transformar o próprio corpo e produzir
discursos performáticos longínquos das normas do ser ―homem‖, parece-me bastante
revolucionário para ser negado em espaços que apresentam a proposta de radicalizar a
democracia. E creio que apesar dos pontos de tensão, essa foi a compreensão da maioria das
protagonistas daquela plenária final, ao deliberar a favor da participação das travestis e
transexuais com identidade de gênero feminina nos eventos feministas. Todavia, saímos
daquele espaço com a certeza latente de que se fazia necessário lesbianizar os espaços
políticos e, para tanto, seria necessário fortalecer a Liga Brasileira de Lésbicas - LBL, investir

50
Ao apresentarem-se enquanto pansexuais alegaram que defendiam o direito dos prazeres e dos orgasmos
livres, não precisariam entrar em caixas definidoras de identidades, mas militavam a favor da defesa do direito
de se relacionarem com o que e com quem sentisse desejos: pessoas, objetos, natureza ou simplesmente pelo
direito de não transar.
no empoderamento e autonomia do movimento e provocar uma visibilidade massiva das
lesbianas.

Já em Brasília, durante o I Encontro Nacional Pensando Gênero e Ciência, o qual


desvelava no próprio título o objetivo do evento, formatado em mesas redondas e dez grupos
de trabalho, nos oportunizou o sabor de refletir, junto as principais teóricas dos feminismos, o
―campo de pesquisas e estudos sobre gênero e ciências no Brasil‖, transversalizando pautas
como regionalidade, feminismos, carreiras acadêmicas, questão racial, divulgação da
produção do conhecimento, dentre outras.

A LBL51, que nascera em meio a um turbilhão de discussões políticas, manteve a


preocupação para não cair naquilo que se denomina de política monotemática. Entre suas
pautas e análises está o projeto político do movimento, autonomia, produção do
conhecimento, opressões e discriminações da sociedade capitalista, phalocêntrica, misógina e
racista. Nessa perspectiva, estrategicamente ocupamos as cadeiras e protagonizamos em todos
os grupos do I Encontro Nacional Pensando Gênero e Ciência, buscando, através das
intervenções, fortalecer identidades políticas, visibilizar as lesbianidades e a multiplicidade de
expressões da vivência sexual, bem como chamar atenção para os racismos
institucionalizados reverberados na produção do conhecimento.

Para a surpresa da militância lésbica, as reflexões e propostas realizadas nos grupos


haviam sido supressas do relatório posto em avaliação na plenária final, e os destaques -
realizados pelas vozes lesbianas - parecia não ecoar aos ouvidos das relatoras. Em meio às
tensões e disputas, as nossas intervenções só ressoaram, quando em bloco, nos deslocamos e
ocupamos a frente do plenário. Ali, falamos da importância de democratizar a ciência e que as
lesbianidades não perpassavam apenas pela esfera das nossas vidas privadas, se constituía
numa categoria política, assim como a categoria gênero constitui-se como base para os
feminismos, a visibilidade lésbica era o ponto impulsionador para a autonomia do movimento
lesbiano no Brasil e para discutirmos as especificidades LGBT no âmbito da produção do
conhecimento.

Surpreendentemente uma das representantes das maiores redes de estudos sobre


gênero e sexualidade na América Latina, interviu afirmando que enquanto lésbica,

51
Fundada durante o III Fórum Social Mundial realizado em Porto Alegre no mês de fevereiro de 2003 e
deliberada a sua oficialização enquanto rede nacional de representação política das lésbicas no Brasil, na plenária
final do V Seminário Nacional de Lésbicas - SENALE – em junho de 2003, na cidade de São Paulo, culminando
com a I Caminhada Nacional de Lésbicas.
compreendia que não havia necessidade de inserir nas plataformas e sistemas de banco de
dados do governo as alternativas sobre identidades de gênero e sexual. Entretanto, a
alternativa sobre identidades ético-racial era salutar para a produção do conhecimento.

Em meio às divergências daquele momento, ficou explícito que a dimensão subjetiva


da categoria gênero não era considerada, pior que isso, ela estava sendo dilacerada em
detrimento de discursos que buscavam prender nos armários as nossas subjetividades; mas
também, o movimento teórico político nos dava mostras que seria necessário tomarmos outros
marcos conceituais para analisarmos os constructos da liberdade dos nossos corpos, das
sexualidades, dos movimentos, dos prazeres distantes ―da epistemologia heterocentrada
própria ao feminismo branco emancipacionista‖, como diria Beatriz Preciado (2010, p.19).

Saímos daquela instigante plenária com a certeza de que para ―radicalizar contra as
heranças do padrão heterossexual dominante‖ como bem afirmou Betânia Ávila (2005), seria
necessário lesbianizar a produção do conhecimento, e para assumir uma identidade política
lesbiana, não bastava se relacionar afetivo-sexualmente com outra pessoa do mesmo sexo,
seria necessário politizar as sexualidades e entendê-las como lócus privilegiado de disputa,
romper as perspectivas que buscam normatizar os nossos corpos a partir dos binarismos de
um sistema estruturado nas bases da violência e das desigualdades.

Corpos discursivos e performatividades revolucionárias

As teorias queer foram gestadas no movimento pós-estruturalista com forte influência


dos estudos gays e lésbicos e dos escritos de Michel Foucault, o qual problematizou os
dispositivos de controle da sexualidade, as grades políticas que cerceiam prazeres e controlam
os corpos.

Considerada uma das percussoras desse movimento teórico, Judith Butler (2002. p.
58), afirma que ―Queer adquire todo o seu poder precisamente através da invocação reiterada
que o relaciona com acusações, patologias e insultos‖. Assim, Butler propõe uma
ressignificação e apropriação daquilo que a priori pode soar como bizarro, bem como
aprendermos a desfrutar das performances não normatizadas. A peculiaridade e o teor
revolucionário das performances que se distanciam das normas socialmente aceitas é
justamente o estranhamento que elas causam ao desfilarem diante das nossas telas. A autora
(2003) nos desafia ao indagar sobre ―que tipos de práticas culturais produzem uma
descontinuidade e uma dissonância subversiva entre sexo, gênero e desejos, e questionam
suas supostas relações‖.

A partir do questionamento de Butler, podemos trazer as nossas vivências cotidianas


nos diversos espaços de sociabilidades e associá-las aos inúmeros discursos e embates nos
quais nos envolvemos nos últimos vinte anos, provocados geralmente por performances
consideradas esquisitas ou no mínimo inadequadas. Desta forma, poderemos nos surpreender
com nossos enquadramos as normas que questionamos através dos discursos ditos: a bichinha
quaquá que não precisa quebrar a munheca pra dizer que é gay; a maricona que envelheceu e
não aprendeu a procurar o lugar descente; as sapatonas que não precisam se travestir num ser
homem pra dizer que é lésbica; as pessoas que devem tomar cuidado para não ficarem
estereotipadas; a assombração que as travestis causam aos padrões de ser ―homem‖ ou
―mulher‖ através das suas maquiagens e vestimentas ‗exageradas‘; a crença de que as pessoas
podem ser o que quiser entre quatro paredes, mas que não precisam mostrar nem falar pra
ninguém, dentre outros. Enfim, são tantas justificativas no sentido de não burlar as normas
heterosexistas, que muitas vezes, não percebemos os nossos próprios preconceitos. Na
contramão de tais convencionalismos, a perspectiva queer nos apresenta a possibilidade de
nos deleitarmos com essa diversidade, pois, se não há uma universalidade do Ser, as nossas
esquisitices também são frutos dos nossos constructos sociais. Assim, comungando com o
ponto de vista de Butler - ao nos deliciarmos e legitimarmos tais diferenças - poderemos
corroborar para produzir uma descontinuidade dos arquétipos do gênero, do desejo e do sexo
colonizados e normatizados.

Partimos do pressuposto que essa perspectiva tem uma aproximação direta com a ideia
de micropoderes discutida por Michel Foucault (1986), pois ao analisar as relações de poder,
o autor parte da compreensão que é necessário transpor os limites normatizantes da concepção
jurídica do poder e entender a sua operacionalidade na biopolítica. Se por um lado, a
―anátomo-política‖ submete o prazer à racionalidade heteronormativa e estabelece
mecanismos de controle do corpo social através do conjunto de dispositivos institucionais e
não institucionais, ditos e não ditos; por outro lado, o poder não é fixo nas instituições e nas
leis, ele é circulante e todos nós - inclusive os marcados como indesejáveis – detêm
possibilidades de empoderamento no sentido de promover outros sistemas capazes de corroer
as grades políticas que nos prendem.
Na perspectiva do autor, o poder coercitivo só existe enquanto há capilaridade. Neste
sentido, por mais grandiosa que seja a coerção social e os dispositivos de controle, aqueles
que não se enquadram as normas, travam correlações de forças, exercem e compartilham os
micropoderes que também são capazes de produzir ressonância social. Ao analisar a história
da sexualidade, Michel Foucault (2005, pág.33), revela que:

(...) a partir do século XVIII, a vida tem sido objeto de poder, a vida e o corpo (...) o
sexo está exatamente imbricado em seu lugar de articulação entre as disciplinas
individuais do corpo e da regulação da população. O sexo vem ser aquilo, o qual se
pode garantir a vigilância sobre os indivíduos. É o elo entre a anátamo-política e a
biopolítica, ele está na encruzilhada das disciplinas e das regulações, e é nessa
função que se transforma no fim do século XX em uma peça política de primeira
importância para fazer da sociedade uma máquina de produzir.

Todavia, apesar de serem constituídos objetos de disputa, ―o corpo e o sexo‖ de


sujeitos que não se submetem aos dispositivos de controle, não abrem fissuras para o poder
hierarquizado ganhar capilaridade, e assim, a partir das correlações de forças, os ―anormais‖
podem criar estratégias para se estabilizarem. Nesta direção, podemos dizer que o
deslocamento do gênero e os discursos performáticos que se produzem nos ―tecidos sociais
periféricos‖, fazem brotar outros poderes que enfrentam diretamente as forças externas que
buscam impor a docilização dos corpos.

Associada ao movimento teórico radical da produção queer, Beatriz Preciado (2010, p.


20), afirma que é preciso ―pensar num sistema global sexo-raça-capital como um campo de
forças no qual nada fica de fora‖, anunciando assim, o pós-colonialismo como fonte
inspiradora do seu fazer político-ciência. A autora destaca que:

―... no contexto da globalização, o Queer trata de ―abrir pontos de fuga, de


multiplicar os espaços de ação micropolítica e de gerar alianças estratégicas não
essencialistas. A formação dos movimentos anarco-okupas-queer é também uma
reação à globalização progressiva. É uma forma de produção cultural que desafia as
fronteiras nacionais e linguísticas‖.

Nessa perspectiva, as alianças estratégicas devem ser costuradas a partir da


interseccionalidade política entre classe, sexo e raça. Dessa forma, é possível reagir às
variadas formas de opressão e aos poderes dominantes; bem como desfazer as ortodoxias em
torno do corpo, do sexo, dos poderes, da ciência heterocentrada. Entrecruzar os pontos de
estratificação, na perspectiva da autora, não significa apenas demarcar uma especificidade,
uma variante junto às outras formas de opressão, mas principalmente, como todos esses
pontos – gênero, classe, sexo, raça, corpo – fazem parte de um mesmo sistema. Quando se
analisa de forma entrecruzada, evita-se a hierarquização das opressões e é possível
compreender como estão conectadas num sistema global onde o capitalismo continua sendo
símbolo de organização econômica.

Ao partir da concepção que a ―sexopolítica é uma das formas dominantes da ação


biopolítica no capitalismo contemporâneo‖, os discursos sobre o sexo e o corpo formulados
no arcabouço político-econômico se constituem em estratégias de controle da vida social.
Portanto, as organizações políticas em torno de pautas como direitos civis, reivindicação de
igualdade, solidificação de identidades, reconhecimento de familiaridades através do
matrimônio, não pode significar mais que uma busca de integração a esse mesmo sistema tão
questionado em nossos discursos. Nessa direção, quando se reivindica uma ―identidade‖
homossexual se caí na esparrela da binaridade. Assim como um sistema produzido a base da
divisão sexual do trabalho a partir da relação homem/mulher; a organização da sexualidade
dividida entre hetero/homo também legitima e normatiza a sexualidade a partir da lógica
binária.

Nas palavras de Beatriz Preciado (2010), ―os movimentos queer representam o


transbordamento da própria identidade homossexual‖. Neste ponto de vista, o ser queer
ultrapassa as reivindicações de categorias que o dê nomes e o reifique, assim, será
continuamente sujeito em movimento na construção de si mesmo, está sempre como um devir
ser.

Ainda partindo da critica a ―identidade da homossexualidade‖, Judith Butler (2006),


compreende que o termo é derivado da concepção médico-jurídica do homossexualismo
cunhado no final do século XIX. Segundo ela, distancia-se do termo homossexualidade,
porque este, por sua vez, ―parece ter saído diretamente de um diagnóstico, parece atender a
um contexto hospitaleiro. Evoca um médico examinando um paciente‖. No intuito de
provocar um distanciamento de tal perspectiva e também dos modelos de mulher, passou a se
autoreferenciar enquanto lésbica, o que no primeiro momento parecia algo terrorista aos seus
14 (quatorze) anos, logo, foi significado como estratégia de manter viva as suas relações.

Podemos dizer que a ressignificação de Butler não aconteceu no sentido de se


categorizar, e sim enquanto um movimento político de deslocamento do gênero. Ao avançar
com suas criticas sobre as normatizações do corpo e do sexo, destaca a preocupação com
relação aos movimentos gays e lésbico que reivindicam o matrimônio para si, pois para ela, ―o
matrimônio não é mais que uma forma de organizar a sexualidade e o parentesco‖52‖. Na
contramão de tais normatizações é possível organizar outras formas de ―familiaridades‖ ou de
estabelecer a própria vida para além da institucionalização dos nossos corpos, orgasmos e
prazeres, burlando assim, o regime político da heterossexualidade, e para tanto, não é
necessário reivindicar para si o ―reconhecimento de uma normalidade‖. É justamente o
distanciamento dos conceitos de normalidade que os movimentos queer provocam. Segundo
Beatriz Preciado, (2011, pág. 05)

A multidão queer não tem a ver com um ―terceiro sexo‖ ou um ―mais além dos gêneros‖.
Dedica-se á reapropriação das disciplinas dos saberes/poderes sobre os sexos, à rearticulação
e a reconversão das tecnologias sexopolíticas concretas de produção dos corpos ―normais‖ e
―desviados‖. (...) a política da multidão queer não se baseia em uma identidade natural
(homem/mulher), nem em uma definição baseada nas práticas (heterossexuais/homossexuais),
mas em uma multiplicidade de corpos que se levantam contra os regimes que os constroem
como ―normais‖ ou ―anormais‖: são as drag-king, as bolachas lobas, as mulheres barbudas, os
trans-bichas sem pênis, os deficientes-ciborg... O que está em jogo é como resistir ou como
reconverter as formas de subjetivação sexopolíticas.

Reconverter movimentos a partir dos diversos sujeitos políticos, daqueles que se


desviam e rompem as normas. Essa é a mirada de Preciado (2011). Para tanto, faz-se
necessário provocar deslocamentos do gênero, das ciências heterocentradas, romper a
perspectiva binária, se sobrepor aos dispositivos de controle; e o movimento político -
entrelaçado a produção do conhecimento a partir das experiências - é capaz de ―produzir
rupturas epistemológicas‖. Portanto, o ―acesso dos subalternos às tecnologias de produção de
saber abre possibilidades para uma nova topografia do conhecimento‖.

Conclusão

Decerto, esse diálogo não pode ser posto como rematado. Foram pontuadas algumas
questões relacionadas ao movimento político, à construção dos saberes, dos poderes, das
sexualidades, dos feminismos. A anátomo-política para Foucault ou a sexopolítica para as
multidões queer muito será problematizada. Seja a partir das perspectivas integralistas ou
revolucionárias – os movimentos teóricos não se findam porque a humanidade se reinventa,
diluí certezas, impulsionam novas indagações. Entretanto, é importante pensar a
territorialidade – tempo e espaço - onde houve ebulições para fazer surgir novas perguntas
sobre as relações sociais.

52
Idem, ibd.
Nas sociedades onde a ética de respeito à vida se consolidou, onde há movimentos
efervescentes em torno de defesa da vida, os movimentos integralistas podem não responder
as novas perguntas geradas nesse processo do se reinventar. Todavia, por mais
revolucionárias que se ponham as multidões queer, penso, que no Nordeste do Brasil, onde a
vida deixou de ser símbolo de humanidade e as identidades políticas não se consolidaram,
ainda faz-se necessário encontrarmos estratégias de diálogos teóricos, no sentido de
compreender onde eles coadunam para a construção de processos de proteção a vida e de uma
sociabilidade libertária.

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_____________ , http://www.geledes.org.br/de-que-adianta-a-lei-do-ventre-livre-se-a-mae-
esta-em-situacao-de-escravidao .
Cidade do interior do estado da P

CORPO ENVELHECIDO: NARRATIVAS DE VIDAS DE MULHERES.

Glauber Paiva da Silva


Universidade Federal Rural de Pernambuco

RESUMO
O presente artigo busca contextualizar todo o trabalho do projeto de pesquisa Na Movência de
Saberes, de Menina á Mulher: Direitos Humanos e Educação nas Narrativas de Idosas Negras que
ocorreu na cidade Campina Grande-PB. Trata-se de uma pesquisa qualitativa realizada com mulheres
idosas com o intuito de entender a partir delas como elas percebem o envelhecimento. Essa pesquisa
tem por objetivo geral discutir as representações de mulheres idosas a partir de suas narrativas, suas
lutas, suas dificuldades e suas opiniões. Para o referencial teórico foi utilizado autores que trabalham
as questões de gênero e envelhecimento como Andrea Moraes, Andréia Lisly Gonçalves, Mirian
Goldenberg e Isildinha B. Nogueira. A metodologia ocorreu a partir da história oral, desse modo
trabalhamos com as memórias de idosas a partir de entrevistas. Por fim analisamos todas as
entrevistas, e refletimos a partir deles questões de gênero e envelhecimento.
Palavras-chaves: Gênero. Idosa. Envelhecimento.

INTRODUÇÃO

No decorrer da vida humana os temas concernentes à demarcação de idade se


perfazem em cada fase da vida, contudo, os estudos específicos sobre a temática de gênero
começaram a ser dissertadas somente no século XX. A partir deste ponto a história passou a
tratar este assunto tão vasto e importante, como essencial para a compreensão dos aspectos
históricos e sociológicos percebidos em cada lugar, sendo o estudo de cada um deles
valorizado pelo fator da singularidade de aspectos econômicos, culturais, ético e valores que
se diferenciam em cada localidade.

No contexto social a observação e posterior análise, das faixas-etárias tem sua


importância cada vez mais destacada, uma vez que ao conhecer fatores predominantes como
história de vida, experiência social, ideologias e perspectivas imersas em um discurso simples
e expressamente narrativo, mostram diferenças e semelhanças de opinião trabalhadas.

O objetivo geral deste trabalho é observar e analisar as perspectivas de gênero e


envelhecimento a partir de depoimentos de mulheres idosas negras que a partir da história oral
repassaram suas experiências de vida e transmitiram suas opiniões a respeito de temas atuais e
do passado, acrescentando ao discurso uma ótica paralela ao presente, denotando de certa
forma a sua perspectiva sobre a velhice e todos os fatores que à rodeiam.

Este artigo é resultado da pesquisa intitulada Na movência de saberes, de menina a


mulher: Direitos humanos e educação nas narrativas de idosas negras, da Universidade
Estadual da Paraíba que aconteceu no período de um ano, em um determinado bairro da
cidade de Campina Grande, tendo como foco discutir a representação das pessoas idosas a
partir de suas narrativas em diferentes gerações. O intuito da pesquisa foi à conscientização
dos jovens universitários quanto à beleza da história de vida dessas idosas. Assim sua
principal metodologia utilizada neste trabalho se deu a partir da história oral, se utilizando das
narrativas de vida extraídas por meio de entrevistas.

Este trabalho se justifica principalmente por trazer a tona uma importante discussão
sobre o envelhecimento das mulheres negras na sociedade. Sabemos que a mulher na
sociedade já tem amplos desafios para vencer, nessa perspectiva a mulher idosa e, além disso,
negra tem em sua história de vida uma trajetória de luta para se afirmar em meio à sociedade.
Assim a discussão pelo seu próprio ponto de vista é algo inovador e de grande relevância em
questões de gênero e da luta negra.

METODOLOGIA

A metodologia em nosso trabalho partiu através de entrevistas com mulheres idosas,


contanto com perguntas sobre sua vida que partem desde a sua infância até sua idade atual. O
trabalho com as memórias em nossa discussão foi fundamentado a partir da história oral que
nos possibilita refletir a respeito da vivencia daquelas mulheres idosas e nos faz entender um
pouco mais do que elas pensam sobre a vida atualmente do idoso e suas necessidades.

A história oral é uma metodologia de conhecimento e seu emprego faz sentido em um


contexto de investigação cientifica, sendo assim normalmente em um projeto de pesquisa.
Desta maneira muito antes de pensar em se utilizar da história oral é necessário que existam
questões que justifiquem o empenho para esse determinado trabalho. Para assim, além de
análisar e definir o método a ser utilizado, a escolha dos entrevistados, o número de
entrevistados e a escolha do tipo de entrevista convêm entender o papel do projeto de pesquisa
em programas de história oral.
A temática utilizada também é importante, pois deve realmente contribuir para o
desenvolvimento da pesquisa histórica e se relacionar com a história oral. Já que é o trabalho
com os resquícios de memória de pessoas que estavam inseridos em determinado contexto.
Nesse sentido a pesquisa sobre o estudo de gênero com mulheres negras idosas dentro da
perspectiva da história oral é inovador e extremamente relevante. Já que a pesquisa conta a
memória da vida dessas mulheres, suas dificuldades e experiências como também as questões
relacionadas ao envelhecimento, corpo e gênero.

A pesquisa iniciou-se a partir das leituras bibliográficas que foram utilizadas como
referencial teórico, e em seguida teve inicio a pesquisa de campo acompanhada por coleta de
dados que foi feita por meio de entrevistas e informações dessas mulheres idosas. Por fim, se
sucedeu as transcrições dessas entrevistas e a análise das mesmas que poderão ser observadas
nos resultados desse artigo. As idosas entrevistadas tem a faixa etária entre 58-84 anos e no
momento todas são aposentadas. Quando trabalhavam exerciam a profissão de domésticas,
funcionarias pública e professoras e residem no bairro da Liberdade, localizado na cidade de
Campina Grande - PB.

As perguntas partem da sua infância e vão até sua idade atual focando em problemas,
dificuldades e felicidades vividas. O significado dos momentos vividos são observados, como
também o significado do ―ser idoso‖ e os desafios imposto pelo processo de envelhecimento.
Além disso, a importância do idoso no contexto social, a inserção das entrevistadas em grupos
sociais ativos e a importância desta participação social para a suas vidas também são
questionamentos feitos. A partir destas perguntas iniciais, pré-estabelecidas, eram feitas
reflexões sobre as mesmas, por parte das entrevistadas. Reflexões estas que serão analisadas
sobre a ótica do embasamento teórico feito.

DISCUSSÃO

Ao longo dos tempos, as concepções de feminino e masculino no ocidente tiveram


como principal determinante apenas as características sexuais biológicas, isso ocorreu em
grande parte por conta das correntes de pensamentos que dominaram a sociedade, entre elas o
naturalismo, no qual se tinha a mulher como objeto puramente reprodutor e não um ser social
e político como eram visto o homem.
No decorrer da história estas concepções foram ganhando forças através de diversos
autores, os quais viam a diferença biológica como um fator determinante. Entre eles, podemos
citar o historiador Michelet(1798-1874) para o qual havia sim uma relação entre homens e
mulheres, no entanto essa relação era naturalmente uma relação desigual, onde as mulheres
representariam a natureza, no seu sentido dual de maternidade e selvageria, e os homens
representariam a civilização e a cultura. Para ele a natureza encontrava-se sempre contrária a
mulher, mesmo esta fazendo parte dela (GONÇALVES, 2007).

Do mesmo modo que ele afirmava haver um dualismo na natureza feminina é possível
perceber neste autor traços vitorianos do dualismo ―público/privado‖, onde o privado seria a
esfera da realização feminina, limitando sua atuação a esta esfera; o autor também postula que
se a mulher saísse da sua esfera natural seria revelada a sua natureza selvagem e indomável,
caracterizando o que ele afirmava ser a natureza dual feminina. Para reforçar as catástrofes
que poderiam surgir da ascensão feminina da esfera privada à esfera social o autor usava-se de
eventos históricos tais como a mudança na monarquia francesa, segundo Gonçalves (2007):
―A feminilização da Monarquia, no final do século XVII, também é a marca da decadência‖
(GONÇALVES, 2007, p. 50).

Diante disto é possível observar neste autor uma característica comum a muitos
pensadores: o das desigualdades entre homens e mulheres vistas com ênfase em fatores
supostamente biológicos e pré-estabelecidos e não como relações e representações construídas
historicamente. Para que houvesse uma mudança nesta ênfase foram necessários muito tempo
e diversas colocações historiográficas diferentes a cada época, o que mostra uma inter-relação
entre as correntes historiográficas e a história das mulheres, mostrando uma superação
temporal das desigualdades naturalizada entre os sexos.

A escola dos Annales incorporou através de alguns dos seus representantes a mulher
na historiografia, principalmente quando se passou a ver o cotidiano a partir de uma
perspectiva histórica, fato este que não havia sido trabalhado até então, assim havendo a
necessidade de se colocar as mulheres neste contexto, ainda que não em posição privilegiada.
Ao fazer este alargamento do campo histórico ao cotidiano, esta corrente cria condições
propícias para a incorporação da mulher como sujeito histórico.

Após essa incorporação da mulher como sujeito histórico pelos Annales, a história das
mulheres passou a ser trabalhada por diversos historiadores, principalmente durante e após o
Movimento Feminista, o que mostra que a emergência da história das mulheres como um
campo de estudo historiográfico é uma consequência da evolução do feminismo para as
mulheres e para a questão do gênero.

Deste modo, o gênero antes entendido apenas como ―masculino e feminino‖ passa por
uma necessidade de reformulação, pois cada autor e pesquisador tinham suas próprias
definições sobre estas classificações. Reformulações estas que não poderiam se focar a
restrições biológicas, mas sim a posicionamento dos sujeitos em relação a sua masculinidade
e feminilidade. Apesar de não negar as características biológicas do sexo, a noção dos papéis
sexuais passou a ser visto como uma construção social, derivada da contextualização das
relações em um momento histórico especifico.

No capitulo do livro O Corpo no Tempo: Velhos e Envelhecimento produzido por


Andrea Moraes, parte da coletânea História do Corpo no Brasil de Mary Del Priore e Marcia
Amantino, a autora vem tratar a velhice como construção histórica tal como qualquer outra
etapa da vida humana orientado pela perspectiva dos estudos das reações sociais. A velhice
também é uma faixa etária permeada por disputas de poder e prestigio no âmbito da sociedade
de forma a classificar e distinguir os indivíduos de acordo com seus atributos adquiridos ao
longo de suas vidas. As sociedades ocidentais modernas atribuem status de acordo com a
identidade cronológica, ela também é responsável pelo regramento social das classificações
etárias que estabelece cada fase do curso da vida de cada individuo, tal como o tempo
adequado para casar, ter filhos, entrar e sair do mercado de trabalho.

O envelhecimento é uma problemática bastante discutida na contemporaneidade a


partir reflexos dos desenvolvimentos ocorridos ao longo dos tempos, para exemplificar temos
o momento de ruptura ocorrido entre os séculos XIX para o XX, onde ocorreram os
desenvolvimentos dos saberes médicos, urbanizações, industrializações, institucionalização
das aposentadorias e também momento onde a velhice passa a ser entendida como ―problema
social‖ onde a capacidade física encontra-se comprometida pela idade. Segundo Moraes
(2011) na segunda metade do século XX ocorre uma transformação no tratamento da velhice
conjugada ao hedonismo, ao prazer e a realização pessoal:

Tal transformação é a entrada tardia das gerações mais novas no


mercado de mercado de trabalho, prorrogando o período de transição
para a vida adulta e atrasando a chegada à maturidade; uma
estratificação social complexa com maiores chances de mobilidade
ascendente entre gerações, melhorando as condições de vida em geral
e impulsionando as demandas por serviços sociais e por consumo; o
aumento da longevidade e a redução da idade para aposentadoria,
responsáveis por maior dissociação entre esta ultima e a velhice.
(MORAES, 2011, p. 431)

Ao tratar de envelhecimento, a autora Mirian Goldenberg em seu artigo, Corpo,


envelhecimento e felicidade na cultura brasileira, aponta para uma velhice tida como um
problema e um fardo pela maioria das mulheres brasileiras, tal perspectiva está ligada a todos
os conceitos e pré-conceitos relacionados ao corpo.

O corpo, segundo a autora, é o significado de riqueza e de capital simbólico,


econômico e social, podendo ser considerado o maior investimento atual dentro da cultura
brasileira, seja mulher ou homem; para a mulher, tal investimento resulta em embelezamento
e aprimoramento do corpo, resultando que o corpo é o adereço mais importante e trabalhado
na sociedade brasileira. Desta maneira ocorre à transformação do corpo natural para o corpo
trabalhado, o corpo como capital. Desta maneira, o corpo também é tido como sinônimo de
erotização para a maioria das mulheres e este torna-se seu destino dentro da sociedade: ser um
objetivo erótico diante dos homens. Ao envelhecer e com a deterioração natural do corpo,
com consequentes perdas de suas belezas, a mulher brasileira perde o seu papel dentro da
sociedade e isso gera consequências psicológicas, sociais e pessoais na vida da mulher idosa.

Diante disso, a autora cita a filosofa existencialista Simone de Beauvoir para expressar
a possibilidade de uma velhice plena, que não seja focada no corpo e em suas implicações
trazidas com a velhice, se desprendendo das normas sociais colocadas para si e para seus
corpos, reinventado sua sexualidade, não aceitando o imperativo de ―ser um velho‖ ou
qualquer outra rotulação, priorizando o próprio prazer e não o corpo. A mudança de foco no
envelhecimento requer um desprendimento de normas e representações sociais, para a
liberdade de envelhecer dignamente, isso requer uma maior quebra das diferenças entre as
concepções de gêneros.

Fatores exteriores impressos pela sociedade também influem e afetam o corpo humano
assim como a religião, grupo familiar, classe, cultura e outras intervenções sociais. O corpo
absolve os valores sociais e nele a sociedade impõe seus sentidos e valores, partindo dessa
perspectiva, pensar o corpo do negro implica refletir o lugar social do negro remontando ao
período escravocrata.

Com a institucionalização da escravidão os negros se inscrevem em uma escola


biológica aproximada a animais e coisas. O negro não tinha cidadania livre e na condição de
escravo não era pessoa e sim objeto e dessa forma o negro acabou excluído do corpo social e
com isso a possibilidade de se tornar individuo, tal como o elemento branco. Após a abolição
o negro tenta superar esse estado de coisa ao qual esteve relegado durante séculos. As
representações associadas ao corpo esta intimamente ligada à herança do sistema escravagista
onde o negro tinha como principal utilidade o uso como mão-de-obra, além de serem
relegados as condições de vida miseráveis. Seu corpo historicamente destituído de sua
condição humana, coisificado, alimentava toda sorte de perversidade sexual que tinham seus
senhores. (NOGUEIRA, 1999)

O espaço social a qual a mulher negra estava inserida não permitia que ela exercesse
sua feminilidade, a única atividade que mais aproximava dessa característica eram as
mulheres utilizadas como amas de leite. No final do século XIX com a promulgação da Lei do
Ventre Livre elas passam a acumular a função materna e paterna na organização familiar, por
tanto mulheres fortes em regime matriarcado. (NOGUEIRA, 1999)

Mesmo com o passar dos séculos nossa sociedade ainda manter resquícios dessa visão
a cerca do corpo da mulher negra, atualmente relegada a sambista, mulata, domestica, herança
desse passado histórico que reduziu a humanização do individuo negro com relação às demais
etnias que compõem a sociedade brasileira.

RESULTADOS
A luta das mulheres perpassaram séculos para chegar ao nível de aceitação que temos
atualmente em nossa sociedade. Muitas delas sofreram diversos tipos de preconceitos, seja
por seu próprio gênero, seja por sua cor, seja por sua cultura. Com o envelhecimento delas o
preconceito continua. Seu corpo não esta mais tão forte quanto antes, mas o seu estado de
espírito, a sua memória e suas opiniões continuam firmes em seu discurso. Deste modo, a
partir da história oral podemos compreender através de entrevistas suas falas, memórias,
anseios e preocupações que permeiam ainda suas vidas.

Nesse sentido, o presente artigo teve como principal objetivo refletir a respeito da
história de vida da infância até a juventude de idosas, sendo assim observada as suas
memórias. Buscamos isso a partir da análise de algumas respostas de quatro mulheres idosas
negras. Outro foco, também trabalhada nas entrevistas foram a da opinião da situação atual
dos idosos, e de como elas se sentem como tal. Ainda foi perguntado como elas veem as
mulheres hoje, os locais de sociabilidade delas, e suas atividades.
Deste modo, a primeira questão feita na entrevista foi sobre a infância delas na
comunidade em que viviam e o que significa esses momentos para elas. Assim M. G. F. S. de
64 anos respondeu: ―Minha infância meu filho foi tão trabalhada [...] a gente veio morar em
Campina Grande mataram meu pai foi um ―sufrimento‖ ―terrivi‖. Então eu num gosto de
lembrar isso não eu vou pular que eu num gosto de de lembrar... [...], e então a gente ficou
morando eu minha mãe, minha avó e dois irmãos. Ai só que eu era a mais velha a gente
trabalhava na roça e meu tio era muito rigoroso com a gente... Ai foi um auê da vida. [...]o
momento do meu lazer era trabalhar com meu pai quando a gente era pequeno, que a gente
não tinha condições assim de fazer muitas coisa então ele ―butava‖ eu e meu irmão pra tirar
pedra do ―mei‖ do roçado pra ―butar‖ num acostamento pra ficar o terreno limpo pra eles
cavar e pra ―pratrar‖, ai depois quando a gente fazia aquilo, ai a gente ―samiava‖, eu
―samiava‖ a fava e meu irmão botava o milho e a gente plantava depois o feijão cavava e a
gente plantava. Foi uma luta muito grande muito terrível a minha vida, a minha infância eu
num quero nem que você sonhe que dirá você passar por ela. Teve uma época que foi uma
fome tão grande, que você credita que o pessoal ―prantava‖ e depois que ―prantava‖ que
―culhia‖ a gente ia catar aqueles caroços de feijão ou de fava que sobrava que ―estarava‖ por
último a gente ia catar pra ―cumer‖. Eu num quero nem que vocês sonhem na minha situação
que eu passei. [...]‖.

Da mesma forma J. S. S. de 84 anos comentou a respeito da sua infância: ―A gente


num saia pra lugar nenhum não, a única rua que a gente conheceu foi em Queimadas 53... [...]
Meu pai morreu, tava com quarenta e dois anos, morreu e deixou uma família grande, tudo
pequeno. [...] meu filho, brincar ninguém brincava, a gente brincava uma horinha um ―tantim‖
assim, quando chegava do roçado ó com a inchadinha nas costas trabalhando no roçado,
―tudim‖ trabalhava na roça, por que a terra não era da gente, [...]‖.

Refletindo a partir desses depoimentos citados e dos outros, podemos observar a


infância difícil que cada mulher entrevistada passou. Normalmente todas tiveram que
trabalhar, ou sofreram com familiares rígidos e morte de parentes. Já os momentos de lazer
foram poucos ou inexistentes. Suas infâncias não foram fáceis e a maior parte se emocionou a
comentar a respeito dessas memórias.

Após isso, a entrevista continuou focando nas memórias das entrevistadas, assim foi
perguntado como foi à juventude daquelas mulheres e quais os momentos daquela época que

53
Cidade do interior do estado da Paraíba.
elas gostavam de lembrar. Assim A. D. de 69 anos disse: ―[..] minha juventude foi um pouco
conturbada, porque eu num tinha assim... um trabalho, porque eu morava com essas minha
irmã de criação, eu num tinha trabalho. Eu queria assim... uma roupa e não podia comprar...
ou, o meu pai de criação era vivo, morava num sitio em Lagoa Seca54, lá tudo era dele... mas
assim, eu num tinha uma renda de nada, eu só trabalhava. Ai depois que eu tava lá no sitio eu
vim embora pra aqui, pra Campina Grande trabalhar, que era com sobrinho do meu pai de
criação, entende? Ai eu vim trabalhar, foi quando eu pegava mais em dinheiro e comprava as
coisas pra mim. Ai nesse meio ai, foi quando eu conheci uma pessoa, um rapaz, ai com essa
pessoa, eu tive um caso com ele. Por causa disso eu fui muito discriminada, foi um sofrimento
pra mim muito grande. [...]eu tive muito problema familiar, por causa do caso que eu tive com
esse rapaz e ―nóis‖ num casou, né... eu era menor, 17 anos [...] eu gosto de lembrar da,
assim... dos bailes... Olhe a minha diversão, que gostava muito era de dançar, ai quando era
são joão, natal, por esses tempos assim tinha muito baile lá no Sitio, lá em Lagoa Seca, que
eu morava lá. Ai, depois que eu vim morar aqui, que eu vim trabalhar, né; ai os momentos
assim, que eu tenho muita lembrança assim... Nossa! A gente começava a dançar dez horas e
ia até outro dia... eu era levando bronca tudo, mas eu ia. Num ia escondido, pedia pra ir e
juntava as colegas e ia; era o momento melhor que eu tinha, sim, era o baile.‖

Ainda respondendo sobre juventude, M. G. F. S. de 64 anos comentou: ―Ah meu ―fí‖,


ah meu ―fí‖... Eu namorei tanto, mais foi tão bom! Vocês nunca vão ter o direito que eu tive.
―Oí‖, ―oi‖... mais eu namorei, eu dancei, eu fui apaixonada [...] Mas que foi bom foi. Mar meu
―fí‖ é bom ―dimais‖ namorar ave Maria. Ou coisa boa... dancei tanto. [...] A gente dançava lá
no sitio, ai inventava umas radiolas que tinha um bracinho assim oh! Sabe? Ai a gente
dançava forró, no tempo de Zé lagoa se ajuntava com ―azamiga‖ de Zé lagoa e a gente
aprendeu a dançar nisso ai. Mais era bom, aí... depois minha juventude foi isso ai que eu to
dizendo a você. Mais que foi boa foi, eu num vou dizer que meu tempo foi só ruindade.
Conheci esse rapaz que ele me ajudou muito tempo eu com essa minha filha que foi uma
benção, conheci esse outro que casei, com esse eu casei, ai passei trinta e três ano ―cum‖ ele,
e hoje eu to aqui na velhice escapando pra não morrer de fome.‖

De acordo com os relatos das mulheres entrevistadas podemos observar que em sua
juventude acontece uma mudança em relação a sua infância. Evidente que não ocorre algo tão
extremo, elas ainda continuam com muitas dificuldades. No entanto os momentos de lazer,
nos bailes e nos forrós muitas vezes faziam elas esquecer as tristezas da vida como, por
54
Cidade do interior do estado da Paraíba.
exemplo, a não aceitação por parte da família de namorar determinados rapazes. Aqui
podemos ver as diferenças das diversões da juventude atual e da passada, bem como das suas
dificuldades com relacionamentos.

A próxima indagação pede para elas responderem como elas próprias veem a pessoa
idosa. A. D. de 69 anos, respondeu: ―eu acho que... o idoso, hoje, ele... pra vista, do meu
tempo, eles tão mais... tem mais é... recursos... veio essas aposentadorias pra todo mundo,
todos os idosos, todas as pessoas... que chegou na idade. Graças a deus, eu sou aposentada
pela Prefeitura e... eu acho, assim... que... eles, pelo menos esses que eu fui visitar, não tão
mais nas condições que tava no meu tempo, que eu morava lá no sitio... e eu acho que... essas
aposentadorias, o governo mesmo olhou muito pro nordeste, porque esse nordeste, na minha
época, que era criança e que eu era adulta, pelo amor de Deus, vocês não alcançaram, mas eu
alcancei... [...] agora, também tem idosos hoje, eles ainda são muito maltratados pela família,
que a gente vê muito pela televisão [...]E também houve muita coisa a ―favoravi‖ pelo menos
a terceira idade, né, que foi... que é um projeto federal, e todo estado, todo município tem o
seu grupo [...]‖.

Da mesma forma positiva J. S. S. de 84 anos diz: ―Ah hoje ta uma maravilha, ta uma
benção os negócios dos idosos, porque agora tem esses benefícios ―tudim‖ que tem pra os
idosos. Hoje é uma maravilha, a vida que eu não vivi quando era criança, acredita?! [...]tem o
grupo da terceira idade [...]‖.

Em suma refletindo sobre as respostas relacionadas a idosas, podemos perceber que


segundo elas a vida das idosas melhorou, visto as dificuldades de quando elas eram crianças.
Além disso, elas citam as questões dos programas do governo para os idosos como a
aposentadoria, e também grupos de sociabilidade como o grupo da terceira idade que não
existiam quando elas eram pequenas, e que as ajudam hoje no seu cotidiano. No entanto, elas
admitem haver muitos maus tratos para com os idosos, e que estes fatos são vistos através das
mídias de comunicação.

O seguinte questionamento se refere às próprias entrevistadas e pergunta como é ser


uma mulher idosa. Respondendo esse questionamento L. G. S. de 58 anos disse: ―Eu não me
sinto velha, eu me sinto nova ainda sabe? Canto, eu brinco; eu agora que eu me libertei, que
casei... depois de casada eu me libertei. Vou pra onde eu quero; canto, brinco sou muito
brincalhona... eu num me considero uma pessoa idosa, certo? Aí quando eu tiver lá pros
setenta aí a gente vê né isso?‖. Já A. D. de 69 anos relatou: ―Olhe, há... uma pessoa idosa
dependendo da mente da pessoa, com o decorrer do tempo a gente cresce , pelo menos, eu na
minha idade que to agora eu cresci muito [...], eu acho que... a... é... assim... o idoso, ele tem
que ter a idade, pode ter a idade avançada mas o ―espirtu jove‖, e é isso que eu tenho, eu sinto
que eu tenho, eu tenho a idade mais o ―espirtu‖ jovem, a carne morre, mais meu ―espirtu‖ não
[...]‖.

A partir dessas respostas, podemos refletir que aconteceu uma divergência sobre o
que é ser idoso, algumas das entrevistadas não conseguiam admitir o processo de estar
envelhecendo, demonstrando assim uma negação de um processo natural, que por outras é
aceito e até visto como um estado de espírito e de consciência de ser idoso, que pode ou não
acompanhar o processo de envelhecimento do corpo. Essa consciência tem o significado de
crescimento e de experiências acumuladas ao longo da vida.

A pergunta seguinte questiona os desafios das mulheres idosas na sociedade. L. G. S.


de 58 anos relatou: ―Ninguém olha pra idoso né? Você vê, você anda ali no ônibus. Quando
você anda no ônibus você vê pessoas jovens que poderia muito bem tá em pé, e dá o assento
ao pobre velho, não vê isso né? Deixa o idoso de segundo plano, deixa pra lá... é como se não
fosse ninguém que tivesse ali. E a gente não poder ser assim né? Que amanhã é o nosso dia de
ser velho também. Precisa as pessoas ter mais atenção, mais respeito pelos idosos. Hoje ainda
a gente não alcançou isso não... o respeito pelo mais velho!‖.

Já A. D. de 69 anos disse: ―Os desafios... Olhe... tem muitos, tem muitos desafio, na
década de hoje, a gente é... é... num é todos os lugares, mas as vezes a gente entra no
―oinbus‖, e ta completo, ―nois‖ de idade tem direito a um lugar no ―oinbus‖, só mostrar a
carteira de idade ele já vê que ―nois‖, tem lugar, agora.. as vezes a gente... o que eu tenho que
fazer... eu fico em pé [...] muito idoso tem dificuldade , pra se encaixar com os ―jovi‖, eles
desrespeitam muito os idosos, ainda... em partes... em varias partes, de respeito, de xingar
[...]‖.

Nestas repostas a visão de mulheres tem a perspectiva do idoso como um ser invisível
para a sociedade principalmente para as pessoas mais jovens, em ambientes onde elas
conhecem os seus direitos, mas não veem os mesmos serem respeitados.

A próxima pergunta é referente aos desafios que elas tiveram em seu trabalho. Para
essa pergunta J. S. S. de 84 anos disse: ―Ah o desafio era muito grande, era uma coisa muito
ruim, na época ―mermo‖ que a gente foi trabalhar nessa fabrica lá, eu num sei como era aquilo
não, por que eu nunca vivi em rua, era só em mato e num tinha nada, e chegar num ambiente
daquele né? ―Apessoa‖ fica até desorientado, né?! Lá num tinha uma ordem sincera, uma
coisa mais direita que nem é agora né? Por que era tudo mais atrasado né. Tudo era mais
atrasado. Lá era muito ruim, os operários quando saia arengava, discutiam, botavam apelido
nos outros. [...], a gente ainda ganhemos uns apelidozinho também. Era uma coisa horrível. E
os que administrava o trabalho da gente, a gente era muito excluído por eles. [...] a segurança
era pouca viu? [...]. Era muito ruim! A gente trabalhava pelo jeito, porque tinha a necessidade
e tinha que trabalhar ―mermo‖. Porque se num trabalhasse aquele trabalho num dava, num
tinha roça mais pra trabalhar. Tinha que trabalhar porque era sujeito obrigado a trabalhar pra o
sustento da gente né? E sustentar os outros mais novos que tinha, que era menor. Foi uma
vida muito de tropeço a minha vida, vou dizer que foi, foi ―mermo‖. Do mesmo modo L. G.
S. de 58 anos comenta: ―Não, que eu nunca dei margem a isso entendeu? Eu nunca dei
margem as pessoas montarem em cima de mim por causa da minha cor [...]‖.

Com esses relatos podemos observar um paralelo existente entre as mulheres


entrevistadas e talvez por todas as mulheres negras hoje. Aquelas que trabalham e sofre com
bastantes problemas por causa de uma série de fatores e aceitam isso, pois precisam do
emprego, e aquelas que não aceitam provocações e querem respeito a todo modo. Esse
paralelo pode ser observado na nossa sociedade, e perpassa como podemos observar por
várias décadas. Vemos enfatizado pelas entrevistadas o preconceito no ambiente de trabalho.

A próxima pergunta questiona como elas veem as mulheres na comunidade delas. J. S.


S. de 84 anos falou: ―Vejo muito bom, por que antigamente mulher num tinha quase direito de
assumir emprego, assumir essas coisa e hoje tem tudo né, tem até mulher que é prefeita, tem
tudo que é coisa, advogada e outras coisa. Formada e tudo isso. E naquele tempo era pouca
coisa que tinha né.‖; Com o mesmo pensamento L. G. S. de 58 anos respondeu: ―Pouco a
pouco a mulher está ocupando seus espaços, né. Antigamente a mulher não tinha direito a
nada, né. [...] hoje a mulher, você vê é tudo, neé, entra em todas as áreas [...]‖. Ao observar
isso podemos compreender como essas mulheres observaram o desenvolvimento das
mulheres no sentido profissional. No tempo da juventude delas, elas relatam que as
oportunidades eram poucas, e que muito poucas conseguiam. No entanto hoje elas veem uma
gama de possibilidades para essas jovens que estão estudando e almejando melhores
possibilidades de vida.

A pergunta seguinte quer saber qual a importância da mulher idosa na comunidade.


Assim A. D. de 69 anos decorreu: ―[...] eu acho que a importância da mulher idosa, é que
ela... ela... assim.. tem uma certa experiência, porque ela teve uma experiência de vida, lá
atrás, e outra, ela pode... pode passar essa experiência para os ―jovi‖, mais infelizmente os
―Jovi‖ não quer escutar a gente. [...]‖; Já L. G. S. de 58 anos disse: ―Eu acho ativa, viste?
Porque aqui tem um clube de mães ali, eles participam. O clube de terceira idade, elas
participam... eu acho que elas tem mais vibração que certas mulheres novas que ficam lá
acomodas, sem nenhum tipo de recreação, nem um tipo e envolvimento com o meio [...]‖.

Por meio das respostas podemos observa a importância da mulher idosa


principalmente focado na sabedoria e experiência que elas podem passar para os jovens, no
entanto também fica claro a necessidade desses jovens separarem um pouco do seu tempo
para essas senhoras. Evidente que as experiências da vida ensinaram muito para essas
mulheres e que ter a oportunidade de conversar com elas e refletir a partir das suas narrativas
ajuda bastante a qualquer pessoa. Além disso, podemos destacar também as mulheres idosas
como fonte de vida, já que apesar de seu corpo ter envelhecido, elas não se acomodam por
isso, e tentam sempre estar em locais de sociabilidade, apontando um estado de espírito jovem
em relação ao corpo.

O questionamento seguinte quer saber quais os locais de sociabilidade dessas


senhoras, e qual a importância deles para a vida delas. M. G. S. de 64 anos respondeu essa
pergunta assim: ―Pra mim é tudo meu ―fí‖, participo do centro cultural, participo do E.C da
―catredal‖, participo da irmandade do coração de Jesus, comunidade aqui da liberdade e é
uma ―bença‖. [...] pra mim é uma ―bença‖, quando chega o dia de me encontrar com elas pra
mim é uma ―bença‖. Isso não importa se é de tarde, se é de manha, de madrugada a gente vai
se embora.‖. Já J. S. S. de 84 anos falou: ―Faço, faço, da igreja e do grupo dos idosos. Clube
de mãe eu já vivi mais num sabe, mas depois que a gente vai ficando idoso num vai ficando
mais do jeito que era né? [...] A importância maior é da igreja né? Mas sempre a gente somos
bem atendido [...] aprende as coisas que a gente num sabia, nem coisa de nada da vida a gente
num sabia, e tamo aprendendo agora.‖

Os grupos de sociabilidade além de tirar as mulheres idosas muitas vezes do ócio,


ajudam no divertimento em fazer novas amizades e aprender novas atividades, se tornando
assim de fundamental importância para essas pessoas e para o seu cotidiano. Podemos
observar que esta socialização das mulheres idosas se da principalmente com pessoas da
mesma idade, apontando para uma necessidade de trocas de experiências, mas também para a
pouca receptividade que os idosos têm em círculos mais jovens.
A última indagação quer saber se essas mulheres desenvolvem outro tipo de atividade.
Para essa pergunta L. G. S. de 58 anos comentou: ―Faço um curso de teclado, lá do Centro
Cultural, de manhã duas vezes por semana‖. Da mesma maneira A. D. de 69 anos disse:
―Não... Não... só dona de casa mesmo. [...] a atividade que eu mas fazia era visitar os doentes
[...] agora que lembrei, eu levo a atividade e palavra de Deus para os doentes.‖

Apesar da idade e do corpo um pouco mais debilitado podemos observar que essas
mulheres ainda possuem atividades que estão presentes em suas vidas, e que diferente do que
muitas pessoas pensam, elas não estão paradas esperando apenas a morte, mas procuram viver
e são bastante ativas. Suas histórias de vida normalmente são muito ricas, e muito pode ajudar
os jovens com seus problemas e desafios, basta eles quererem e tentarem dar mais atenção a
pessoas extraordinárias como essas entrevistadas. Não faltam oportunidades, mas motivação
para isso. Até porque o corpo pode envelhecer, as palavras podem não ser tão bem
pronunciadas como antes, mas a alma e a mente continuam ali firmes e fortes, esperando
apenas uma oportunidade de espalhar sabedoria.

CONCLUSÃO

Tendo em vista o aprimoramento do conhecimento, o respaldo social e o interesse


científico, o trabalho Na Movência de Saberes, de Menina á Mulher: Direitos Humanos e
Educação nas Narrativas de Idosas Negras realizado no período de 1 ano na cidade de
Campina Grande-PB e que contou com a colaboração de algumas mulheres idosas negra,
cumpriu seu papel na democratização do conhecimento e interesse acadêmico, cientifico e
social, levando em consideração os objetivos alcançados por meio deste.

A partir das entrevistas e questionários realizados pode-se observar muito mais do que
belíssima histórias de vida, mas tudo o que é discutido por parte de gênero, envelhecimento e
direitos humanos. As mulheres além de discutirem sobre sua própria vida, discutem sobre o
―ser idoso‖ e refletem em vários questionamentos relevantes que integram a sociedade. Desta
maneira o trabalho com elas foi fundamental para o decorrer desse artigo, pois conseguimos
buscar através de informações primárias as respostas e reflexões para temas importantes em
nossa sociedade.

Por meio das entrevistas ainda podemos discorrer sobre gênero no sentido das
diferenças na vida das mulheres resultantes do fato de pertencerem ao sexo feminino. Como
também podemos observar todas as dificuldades que isso gerou para elas, tais como
discriminação e falta de liberdade por parte dos pais delas, apenas por serem mulheres. O
preconceito também está refletido por causa da sua cor em sua vida e no seu trabalho.

Além de remeter ao tema gênero, podemos analisar também o corpo e envelhecimento


que a discussão nos traz. Observamos como apesar do corpo daquelas mulheres não serem
mais os mesmos da sua juventude, e de como o envelhecimento traz além de experiência,
algumas dificuldades no próprio corpo que podem debilitar alguns fatores da sua vida, mas
que não impedem que continuem suas vidas ativas, procurando locais de sociabilidade e lazer,
e passando para os jovens suas sabedorias. Desta maneira o envelhecimento não deve ser visto
como um fator determinante para a perda da altivez perante a vida, nem deve haver
recriminação para com um processo natural. .

Por fim ressaltamos a necessidade de atenção e da importância que deveria ser dado a
população idosa em geral. Suas memórias e experiências são vastas, e muitas vezes se perdem
por falta da devida importância, ou simplesmente por ninguém querer escuta-las. Mulheres
que lutaram em seu tempo de juventude, seja pelo seu gênero, ou por sua cor, e que mesmo
com o envelhecimento continuam ativas, e lutando a partir de seus discursos por uma
sociedade melhor.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS:
GONÇALVES, Andréa Lisly. Anatomia e destino. In: História & Gênero. PAIVA, Eduardo
França. ANASTASIA, Carla Maria Junho.(Org‘s) Coleção: História & Reflexão. Autentica
editora. 45-130.
GOLDENBERG, Mirian. Corpo, envelhecimento e felicidade na cultura brasileira. In:
Contemporânea. 2011. 78-85.
MORAES, Andrea. O corpo no tempo: velhos e envelhecimento. In: PRIORE, Del Mary.
AMANTINO, Marcia. (Org‘s.).História do Corpo no Brasil. Unesp. 2011. 427-452.
NOGUEIRA, Isildinha B. O corpo da mulher negra. In: Revista de Psicanálise. São Paulo.
1999. 40-45.
AS ABORDAGENS CONTINGENTES DE GENERO E DE
SEXUALIDADE NO CURRÍCULO VIVIDO DO CURSO DE
PEDAGOGIA CAA/UFPE

SANTOS, Maria do Carmo Gonçalo (UPE/Garanhuns)


SANTIAGO, Maria Eliete (UFPE)

Este trabalho, recorte da tese de doutorado, trata das abordagens contingentes de gênero e de
sexualidade no currículo vivido do Curso de Pedagogia do CAA/UFPE. As diferenças são situadas na
perspectiva do multiculturalismo crítico, que problematiza a centralização cultural e de poder,
geradora de desigualdades. Gênero e sexualidade como categorias teóricas e de análise se articulam
para evidenciar as (des)construções dos padrões binários e heteronormativos. O diálogo entre
abordagens crítica e pós-crítica do currículo revela as tensões e intensões no trato com gênero e
sexualidade. O Curso de Pedagogia do CAA foi o campo de pesquisa, no qual analisamos a prática
pedagógica docente-discente em três disciplinas. A observação participante foi o procedimento básico
de coleta de dados; além da pesquisa documental, da entrevista e questionário. A análise de Conteúdo
possibilitou identificar que o currículo vivido aborda gênero e sexualidade na perspectiva da justiça
curricular, porque questiona a cultura hegemônica, centrada no androcentrismo, nos papéis de gênero e
na heteronormatividade e propõe a valorização das diferenças culturais. As dimensões dialogais e
plurais de gênero; bem como, a versão não tolerada da sexualidade orientam o currículo vivido.
Entretanto, referentes moral-religiosos, terapêuticos e do paradigma naturalista perpassam situações da
prática pedagógica, sobretudo, discente.

Palavras-chave: Diferença, gênero, sexualidade, currículo, prática pedagógica.

Introdução:

As demandas culturais que desafiam a escola a lidar com as dinâmicas de gênero, de


sexualidades, de raças, etnias, religiões revelam os limites e também as possibilidades do
trabalho com as diferenças nas práticas pedagógicas e nos currículos de formação de
professoras, professores.
Este artigo apresenta as abordagens contingentes de gênero no currículo vivido do
Curso de Pedagogia do CAA/UFPE, tratadas na pesquisa de doutorado sobre as contribuições
do currículo da formação para a prática pedagógica docente com gênero e sexualidade na
Educação Básica.
As questões e discussões que envolvem as diferenças de gênero e de sexualidade nos
deixam mais viva, instigam nossa prática e dinamizam nosso trabalho docente, indicando que
esse é o nosso campo principal de interesse, por nos identificar e mobilizar no engajamento na
luta contra o preconceito.
A formação pode contribuir com a justiça curricular por possibilitar a revisão dos
preconceitos incrustados na nossa cultura, olhar para a realidade de forma articulada e
compreender as diferenças como potencialidades humanas. A formação, apoiada na
perspectiva do multiculturalismo crítico (CANDAU, 2008; MCLAREN, 1997), atribui ao
conhecimento uma finalidade social, relacional e transformadora das injustiças sociais.
As produções acadêmicas também sinalizam para a importância do trabalho com
gênero e sexualidade na formação, pela ausência da discussão ou pela necessidade de revisão
das abordagens relativas a essas diferenças (AUAD, 2012; CARVALHO FREIRE, 2010;
FURLANI, 2011; FELIPE; GUIZZO, 2003; SEFFNER, 2011; PAVAN, 2013).
As questões centrais da pesquisa são: qual o lugar e as abordagens de gênero e de
sexualidade no currículo da formação de professoras e de professores na relação entre
Universidade e Educação Básica? Quais as contribuições do currículo da formação inicial à
prática pedagógica docente com gênero e sexualidade na Educação Básica?
Na tese buscamos analisar as contribuições do currículo para a prática pedagógica
docente com gênero e sexualidade na Educação Básica. Buscamos também identificar a
presença e os sentidos das abordagens das diferenças de gênero e de sexualidade no currículo
da formação de professoras e professores, assim como analisar a tradução dos elementos e das
abordagens da formação de professoras e professores, relativos a gênero e sexualidade na
prática pedagógica na Educação Básica.
O pressuposto é que o currículo do Curso de Pedagogia do CAA aborda as diferenças
de gênero e de sexualidade com possíveis intervenções na prática pedagógica na Educação
Básica.
As diferenças de gênero e de sexualidade são situadas na perspectiva do
multiculturalismo crítico. Como força de resistência em nossa sociedade, o multiculturalismo
crítico situa os sujeitos de direitos, ratificando a legitimidade das suas vivências e do seu
empoderamento que as e os possibilitam falar a partir de si e não apenas sobre si, em busca da
justiça social. (MCLAREN, 1997).
Gênero enquanto categoria teórica e política (SCOTT,1990), fruto dos movimentos e
da epistemologia feminista (AUAD, CAROSIO, 2009, HARDING, 1993) problematiza as
construções sociais para os sujeitos, produzidas por discursos que reiteram a lógica binária
(BUTLER, 2013). O trabalho situa as abordagens universal (questiona a determinação
biológica atribuída às mulheres), dialogal (propõe a revisão dos papeis de gênero para o
masculino e o feminino) e plural (supera a determinação binária e propõe a construção de
identificações móveis e plurais de gêneros) (BENTO, 2014, LOURO, 1997).
A abordagem plural ganha relevo, tendo em vista que as relações vão para além dos
pares binários, envolvem identidades/identificações plurais, orientações sexuais dinâmicas e
instáveis. Para nós ela avança em relação às anteriores porque considera que a diferença é em
relação às potencialidades humanas de se descobrir, construir e se reconstruir e não ao
construto cultural fundado no sexo biológico. Além disso, essa tendência possibilita
evidenciar as desigualdades que as pessoas homossexuais, bissexuais, intersex e trans sofrem
cotidianamente e são invisibilizadas nas tendências anteriores porque estão presas ao referente
heterossexual e aos pares binários.
Sexualidade enquanto dispositivo histórico de vigilância (FOUCAULT, 2012),
também assume o sentido de energia impulsionadora que nos possibilita conhecer e partir
para o enfrentamento (LOURO, 2010); assim, diz dos nossos desejos, das nossas vontades,
que abarca a dimensão cultural, geralmente, silenciada na escola (BRITZMAN, 2010).
Para Britzman (2010), a sexualidade pode ser compreendida como cruzamento e
oposição de fronteiras. Desse modo, é movimento; envolve distintas concepções e mobiliza
diferentes vivências a partir do desejo pela integralidade, à revelia das tentativas de
domesticação. E ainda, a sexualidade envolve o imaginário, potencializa a curiosidade e a
aprendizagem que, na escola, geralmente, é censurada. Essa é a ―versão não tolerada da
sexualidade‖ (BRITZMAN, 2010) que também sustenta o nosso trabalho.
Desse modo, gênero e sexualidade são dinâmicas das diferenças, construídas
socialmente, que desafiam o currículo, intensificando as tensões e as lutas culturais. A
formação de professoras e professores como um dos lócus de construção partilha a
ressignificação de conhecimentos, também como espaço multicultural, lida com os padrões
binários de gênero e de sexualidade ainda existentes na sociedade.
A partir de um diálogo possível entre as teorias críticas e pós-críticas, com suas
respectivas ênfases, na determinação econômica e na força da linguagem, elas evidenciam as
relações de poder presentes no currículo, como um campo de tensões e conflitos. Nas teorias
críticas, as diferenças guardam relação com as estruturas sociais, com a hierarquia presente
nas instituições, com a força da ideologia. Nas teorias pós-críticas as diferenças também são
construídas a partir de relações discursivas, nas sutilezas e miudezas do poder, nas
significações atribuídas à realidade.
Nesse sentido,

Na teoria do currículo, assim como ocorre na teoria social mais geral, a teoria pós-
crítica deve se combinar com a teoria crítica para nos ajudar a compreender os
processos pelos quais, através de relações de poder e controle, nos tornamos aquilo
que somos. Ambas nos ensinaram, de diferentes formas, que o currículo é uma
questão de saber, identidade e poder (SILVA, T., 2007, p. 147).

As contribuições das teorias críticas e das teorias pós-críticas, com enfoques


específicos, podem dialogar superando o dualismo entre prática e discurso, que ajuda a
enxergar que os poderes (materiais e discursivos) estão presentes no currículo produzindo
relações e sujeitos. A nossa configuração como mulher, homem, hetero/bi/transexual é
composta a partir de elaboração própria, como pessoa que pensa, intervém, cria e recria; no
entanto, também somos influenciadas e influenciados pelo contexto, inclusive, educacional,
através de discursos e práticas que nos ensinam como ―devemos ser‖.
A intenção não é descobrir a ―forma‖ de fazer o currículo, mas centrar o olhar para as
intencionalidades e os efeitos desse currículo. Muito próxima da teorização feminista, as
teorias críticas do currículo consideram as histórias de vida dos sujeitos, a autobiografia, suas
experiências, e os significados conferidos à realidade, além do exercício da conscientização
através do conhecimento (SILVA, T., 2007).
Este artigo apresenta uma síntese do percurso metodológico da pesquisa, sobretudo,
relativa ao currículo vivido da formação; em seguida, evidencia as abordagens contingentes
de gênero e de sexualidade, identificadas nesse currículo e tece considerações acerca das
contribuições e limites dessas abordagens na formação.

Metodologia:

A pesquisa, na íntegra se deu a partir do multiculturalismo crítico, que questiona o


imperialismo da cultura dominante, dos padrões de ciência e do determinismo econômico
(KINCHELOE; MCLAREN, 2006).
A identificação do campo de pesquisa guiada pelas abordagens teórico-metodológicas
exige a delimitação territorial, geográfica e político-social do lugar, do contexto mais amplo
onde as relações se dão. Assim, o município de Caruaru foi o cenário onde a pesquisa ocorreu.
A criação da Universidade Federal de Pernambuco em Caruaru, através do processo de
interiorização das universidades públicas, representa a possibilidade de acesso à educação
superior pública. O Centro Acadêmico do Agreste (CAA/UFPE) surge em um tempo de
conflitos e de conquistas políticas em vista do processo de democratização da educação
pública, da luta por qualidade social da educação e, também, da efervescência dos conflitos
culturais em nível nacional, regional e local, referentes às dinâmicas de gênero, sexualidade,
etnia, religião.
O Curso de Pedagogia foi eleito por ser ele responsável pela formação de professores e
professoras para atuar na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Essas
são etapas da Educação Básica onde as construções sociais de gênero e de sexualidade
demandam os desafios iniciais e intensificados à prática pedagógica. A trajetória histórica do
Curso de Pedagogia tem relevância nesta pesquisa por ser um campo de formação permeado
por questões de gênero, interesses políticos, governamentais. Merece destaque os movimentos
de resistência da categoria, sobretudo, das professoras em relação ao processo de
feminização/feminilização do magistério (SANTOS, 2004).
Desse modo, o nosso campo foi a Universidade Federal de Pernambuco, no Centro
Acadêmico do Agreste (Caruaru-PE), onde investigamos o currículo do curso de Pedagogia,
com foco na prática pedagógica discente-docente de três disciplinas (Fundamentos
Psicológicos 2, Currículos e Programas, Educação e Diversidade Cultural). As disciplinas
foram indicadas pelos/as estudantes como aquelas que mais abordam as temáticas; além disso,
por atender ao critério de ser disciplina ofertada do meio para o final do curso. Além do
CAA/UFPE duas escolas municipais também compuseram o campo de pesquisa, mas não
ganham evidencia neste artigo, devido ao recorte realizado, que aborda o currículo da
formação.
A prática docente-discente nas disciplinas da pesquisa envolveu os sujeitos em relação
pedagógica. Entretanto, os sujeitos principais da investigação são duas estudantes do Curso de
Pedagogia que atuam como professoras. A intenção foi acompanhar o processo formativo e
sua prática pedagógica com gênero e sexualidade, vivenciados nos espaços da Universidade e
da escola de Educação Básica.
A observação participante (LÜDKE; ANDRÉ, 1986) foi procedimento principal
porque possibilitou maior aproximação do currículo vivido da formação de professoras e
professores. Também nos valemos dos questionários, da entrevista e da pesquisa documental
para coleta e aprofundamento dos dados.
A observação deu-se em dois espaços: no espaço da formação e da atuação
profissional. No da formação, o currículo tem centralidade e desdobra-se nos conteúdos,
abordagens e metodologias, bem como nas relações pedagógicas vivenciadas na sala de aula.
Essa observação foi realizada durante o semestre letivo de 2015.1, nos meses de maio a julho
de 2015, em encontros semanais de cada disciplina, no horário de 19h às 22h para as
disciplinas da terça e da quinta-feira e das 8h às 12h na disciplina do sábado, de forma que a
nossa presença regular no CAA ocorria três vezes por semana.
A análise de conteúdo, nas suas fases de organização, exploração e tratamento do
material da pesquisa (BARDIN, 1977) revela que gênero e sexualidade são trabalhadas no
currículo da formação, através das abordagens programadas e das abordagens contingentes,
contribuindo com a prática pedagógica das professoras na Educação Básica.

As abordagens contingentes de gênero no currículo vivido: abordagens acadêmicas, de


identidades/identificações, de linguagens de gênero e socioculturais

Chamamos de abordagens contingentes de gênero aquelas que emergem das práticas


pedagógicas docentes e discentes na vivência das aulas. As abordagens contingentes de
gênero ratificam os temas e as referências evidenciados pelas abordagens programadas
(planejadas), destacadas nas aulas, mesmo sem sua programação prévia. As regularidades
fazem parte da rotina da sala de aula, mas as professoras, os professores também se deparam
com acontecimentos que exigem deles, delas atitudes, conhecimentos e decisões nem sempre
pensadas e previstas (GAUTHIER et al., 2006).
Definimos como currículo vivido a construção cultural realizada pelos sujeitos da
prática pedagógica institucional e coletiva, que abarca os e as docentes, discentes e gestão
(SOUZA, 2009). A construção cultural que chamamos de currículo vivido, diz das relações,
das vivências e dos saberes anunciados, discutidos e partilhados que envolvem e ultrapassam
os conteúdos das disciplinas definidos pelo currículo prescrito. O currículo prescrito é o
instrumento de regulação da política curricular, que define objetivos, conteúdos e
metodologias para a educação, de acordo com as intencionalidades que direcionam essa
política (GIMENO SACRISTÁN, 2000).
Nesse contexto dinâmico e desafiador, questões de gênero decorrem da necessidade,
articulação e pertinência da realidade pessoal e/ou profissional dos sujeitos, expressos através
de falas, discussões, imagens, gestos, exemplos, citações, metáforas utilizadas na composição
das aulas, em geral. Essas abordagens contingentes são traduzidas nas: abordagens
acadêmicas, abordagens de identidades/identificações de gênero, abordagens de linguagens de
gênero e abordagens socioculturais, como passamos a tratá-las.
Quadro 1 - A prática pedagógica docente-discente do CAA/UFPE relativa a gênero

Abordagens contingentes de gênero

Abordagens acadêmicas de  Abordagens universal, dialogal e plural de gêneros


gênero  Base legal: PCN, RCNEI, Plano Estadual e Municipal de
Educação.
 Encontros, pesquisas e revista científica de gênero

Abordagens de identidades/  Atributos e papéis de gênero


identificações de gênero  Identificações plurais e móveis

Abordagens de linguagens de  A flexão de gêneros


gênero  O feminino genérico sem flexão
 O masculino genérico sem e com flexão
 A universalização do masculino e o feminino universal
 Substantivos sobrecomuns

Abordagens socioculturais  Violência de gênero


 Feminismos
Fonte: Construção própria com base no diário de campo
As abordagens acadêmicas de gênero ocorrem a partir da prática pedagógica
docente-discente que sinaliza referências de autoras e autores de trabalhos com gênero, a base
legal que referenda a discussão na educação escolar, e também encontros e produções
científicas dedicada ao tema. Essa abordagem contribui para a ampliação dos referentes no
currículo, possibilitando o aprofundamento e a socialização do conhecimento.
O que se depreende das abordagens acadêmicas sobre gênero é a diversidade de
tendências teóricas no processo formativo, que garantem à estudante, ao estudante um olhar
ampliado para o campo, bem como a possibilidade de analisar essas tendências para a
assunção de posicionamentos. As abordagens acadêmicas também revelam que as referências
dialogam com os conteúdos das disciplinas, indicando que gênero é uma discussão que
transversaliza o currículo nessas disciplinas. A contingência dessas discussões, presentes em
todas as aulas, mostra que esse é um conteúdo relevante para a formação das professoras e dos
professores.
As abordagens de identidades/identificações de gênero compõem os conteúdos que
ocupam mais espaço no currículo da formação. Elas são tratadas nas aulas a partir dos
exemplos que ilustram as discussões, das imagens utilizadas, das provocações das
professoras, dos professores e estudantes. A prática pedagógica aponta essas abordagens nos
conteúdos referentes aos atributos e papéis de gênero, bem como das configurações plurais e
móveis; promovendo a compreensão acerca das construção sociais e suas possíveis
desconstruções.
Os atributos referem-se às definições essencialistas que caracterizariam, de forma
binária, ―o homem‖ e ―a mulher‖, opondo características como força, objetividade,
racionalidade ao primeiro polo, e fragilidade, subjetividade, sensibilidade ao segundo polo
(AUAD, 2012; MORENO, 1999; SANTOS, 2004). Papéis de gênero dizem das funções
sociais determinadas para homens e para mulheres, em acordo com os atributos de gênero
(GROSSI, 1992; LOURO, 1997). Na contracorrente, as identidades/identificações de gênero
dizem da diversidade, da possibilidade de trânsito na identificação das construções de gênero,
que ultrapassam os pares binários.
As abordagens de linguagens de gênero são tratadas a partir da flexão dos gêneros;
do feminino genérico sem flexão; da universalização do masculino e do feminino universal; e
dos substantivos sobrecomuns. A linguagem, tradutora e produtora das diferenças de gênero,
como uma das abordagens de gênero na prática pedagógica, tem o poder de reproduzir ou de
intervir nas diferenças de gênero e de sexualidade. A linguagem machista é um problema de
discriminação e injustiça, uma maneira colonial de tratamento, tão grave quanto classe social
(FREIRE, 2009).
Ao flexionar o gênero, as professoras e os professores produzem um currículo
atravessado pelas diferenças de gênero, no sentido de anunciar a desnaturalização da
linguagem. Nem sempre estas e estes estudantes percebem as intencionalidades da flexão,
mas o ―som diferente‖ já representa alguma alteração no que se considera por ―norma‖. A
modificação na linguagem ―padrão‖ realizada pelas professoras e professores pode ser
desagradável para quem escuta por conta do alongamento da frase que, de costume, seria bem
mais curta, mas o incômodo é indicativo de intervenção. A flexão também indica o
posicionamento político deles e delas em relação às diferenças de gênero.
O lugar a partir do qual estas professoras e estes professores falam (HALL, 2006),
com suas referências, desenvolvendo uma prática pedagógica institucional, possibilita mexer
com a naturalização da linguagem androcêntrica. Junto ao uso da flexão de gênero,
professoras e professores também fazem intervenções diretas em relação à dimensão política
da linguagem.
A intervenção crítica, no sentido de evidenciar os atravessamentos do androcentrismo
na linguagem, esteve mais presente na prática pedagógica docente, revelando o compromisso
com a justiça social.
As abordagens socioculturais despontaram nas práticas pedagógicas a partir de
temáticas que se articulam na luta contra as desigualdades sociais. Violências de gênero e
movimentos feministas foram temas destacados a partir das discussões, das leituras, de
exemplos do cotidiano, de imagens que guardam relação com o conteúdo específico da
disciplina.
As violências de gênero compõem um tema recorrente nas disciplinas observadas,
desdobradas nas formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, violência contra a
mulher negra e violência contra a população LGBT. Dentre as formas de violência de gênero
tratadas nas abordagens socioculturais, a violência doméstica e familiar foi situada como uma
das mais evidentes. Esse tipo de violência ultrapassa a relação entre homens e mulheres,
envolve, inclusive, crianças, tendo em vista as culturas androcêntrica e adultocêntrica,
sobretudo, ocidental urbana, que se interligam na promoção da violência de gênero
(SAFFIOTTI, 2001).
As abordagens socioculturais de gênero também são configuradas pela subtemática
dos Movimentos Feministas, tratando das concepções, diversidades e diferenças. Através de
imagens, discussões, exemplos, os movimentos feministas são conteúdo da formação. O
feminismo é tomado como conteúdo contingente da formação capaz de expressar as
contradições sociais, com possíveis repercussões nas práticas das e dos estudantes na
educação básica, tendo em vista que eles e elas conseguem estabelecer a distinção entre o que
é próprio dos movimentos e o que é distorcido. Além disso, a pluralidade dos movimentos foi
destacada, atentando para a diversidades de demandas e de frentes de luta.
Em síntese, as abordagens de gênero no currículo da formação contemplam as
dimensões universal, relacional e plural (BENTO, 2014), atentando para a produção das
relações naturalizadas em pares binários, com foco na desconstrução dos papéis de gênero que
permeiam as práticas sociais e escolares. As abordagens de gênero e de sexualidade foram
categorizadas separadamente para tratarmos das suas especificidades, embora estejam
entrelaçadas no campo teórico e prático, conforme identificamos no tratamento e análise dos
dados.

Abordagens de sexualidade no currículo vivido da formação de professoras e


professores em Pedagogia

A categoria sexualidade, articulada a gênero, também se configura no currículo vivido


através de abordagens programadas e de abordagens contingentes. As abordagens
contingentes de sexualidade emergem das vivências dos sujeitos, através dos relatos das suas
experiências pessoais e profissionais. A contingência também é promovida pelos fatos do
contexto global, apresentados pela mídia, nas conversas informais, que suscitam discussões,
reflexões e articulações nas disciplinas. Além disso, a temática da sexualidade guarda relação
com as temáticas específicas de cada componente, muitas vezes, assumindo o centro das
discussões.
A contingência das abordagens, portanto, são contextuais, articuladas e envolvem o
local e o global. As abordagens contingentes da sexualidade situam: o corpo, a orientação
sexual, o segredo, a violência sexual como temáticas que emergem no percurso formativo, às
vezes, articuladas às abordagens programadas, mas com enfoques não previstos na
programação.

Quadro 2 - A prática pedagógica docente-discente do CAA/UFPE relativa à sexualidade

Abordagens contingentes de sexualidade

Corpo  Conhecimento e controle sobre o corpo


 Transformações corporais

Orientação  Definição do conceito


sexual  Nomeação das diferenças
 Concepções sobre as orientações sexuais e homofobia
 Sexualidade na escola

Segredo  Sexualidade
 Virgindade
 Aborto

Violência  Abuso sexual infantil


sexual  Estupro
 Prostituição
Fonte: Construção própria com base no diário de campo

A temática do corpo esteve presente nas três disciplinas da pesquisa, evidenciada e


trabalhada por perspectivas diversas, relativas ao conhecimento e controle sobre o corpo e às
transformações corporais. Estas temáticas apontaram para a compreensão de que os corpos
ultrapassam a dimensão física, que as transformações não se limitam ao processo natural, pois
são modificados pela intervenção humana e pela cultura. Nessa perspectiva, as práticas
pedagógicas lidam com diferenças construídas pelos sujeitos na sua relação com o mundo,
nem sempre correspondendo aos padrões binários e heteronormativos.
A orientação sexual como a possibilidade dinâmica e inacabada de a humanidade
vivenciar sua sexualidade de formas diversas, para além da heterossexual, envolve rupturas
com compreensões, normatizações e vigilâncias. A prática pedagógica considera as
discussões acerca da orientação sexual como conteúdo curricular da formação. Trata,
portanto, do conceito, nomeação das diferenças, concepções sobre as orientações sexuais e
homofobia e sexualidade na escola. A temática da orientação sexual no currículo da formação
indica que a prática pedagógica docente promove estudos, discussões e reflexões acerca da
instabilidade e dinamicidade da sexualidade, atenta para os padrões heteronormativos e para o
cuidado com práticas e discursos homofóbicos.
No currículo vivido da formação, a sexualidade tratada enquanto segredo, junto à
discussão sobre a virgindade e o aborto são temas mais próximos do sentido devivência
sexual e, às vezes, mostram-se envolvidos em um clima de mistério, motivo de risos e olhares
diferenciados. Além disso, o silêncio evidencia discursos e práticas segregadoras e
discriminatórias, que demandam discussão crítica, problematizadora e interventiva, sobretudo,
porque essas temáticas guardam relação com a cobrança de papéis sociais de gênero,
sobretudo para as mulheres, ligados ao casamento e à reprodução. E ainda, denunciam a
exploração infantil e das mulheres negras.
No currículo da formação, a violência sexual foi abordada a partir do abuso sexual
infantil, do estupro e da prostituição. O abuso sexual infantil foi tema de estudo e discussão
nas aulas, situando as relações de poder entre adultos, adultas e crianças e entre as próprias
crianças. As diferenças culturais e a exploração da mídia também deram sentido ao tema.Esse
foi tratado no currículo no sentido de orientar o trabalho da professora, do professor em
relação às situações de violência sexual, tendo em vista a vulnerabilidade infantil e as culturas
que a legitimam. A discussão sobre o estupro evidenciou a articulação entre gênero e
sexualidade, devido à possibilidade de refletir sobre os referentes culturais, que através de
discursos e práticas ―autorizam‖ e potencializam a violência sexual em relação às mulheres.
As falas evidenciam os elementos históricos e culturais dessa violência, deslegitimando os
paradigmas naturalistas que sustentam os abusos masculinos em relação à sexualidade das
mulheres.
A temática da prostituição é situada a partir do contexto de desigualdades e violências
sofridas por mulheres e travestis. A condição de violência que envolve a prostituição foi
abordada no sentido da crítica ao contexto de vulnerabilidade da violência sexual em relação
às crianças, mulheres e travestis. O direcionamento foi muito mais em relação ao abuso sexual
intrafamiliar, ao abuso infantil e à violência sexual contra travestis do que, propriamente,
condenar ou absorver a prostituição.
As abordagens contingentes de sexualidade oportunizam às estudantes e aos
estudantes acessarem os conteúdos referentes à sexualidade, em vista da superação do
preconceito, da formação humana, interventiva e competente para a atuação em espaços
educativos. Através de temáticas, referências e discussões contemporâneas sobre sexualidade
as práticas docente e discente abordam questões relativas ao corpo, à orientação sexual, ao
segredo, à violência sexual.
Embora a sexualidade faça parte da vida, essas temáticas nem sempre são trabalhadas
no campo da educação, tendo em vista os silenciamentos e as vigilâncias que ainda refreiam e,
ao mesmo tempo, incitam a discussão. Entretanto, as abordagens crítica e pós-crítica do
currículo que põem em questão os conflitos, as relações de poder, os atravessamentos
culturais, religiosos e econômicos que envolvem a temática apontam para uma formação
crítica e humanizadora, comprometida com a transformação social.
Em síntese, a análise do currículo vivido indica que há uma articulação, ampliação e
aprofundamento das discussões de gênero e de sexualidade em relação ao currículo prescrito.
Os sujeitos da pesquisa tomam gênero e sexualidade como conteúdo educacional, através dos
processos de recognição e de ressocialização (SOUZA, 2009).
A intenção é efetivar a ressocialização, que envolve a recognição (construção de
conhecimentos) e a reinvenção (desenvolvimento da sensibilidade e da ação dos sujeitos da
prática pedagógica) visando à ampliação da cultura em vista de relações humanas, justas e
respeitosas.

Considerações:

O currículo vivido mostra que gênero e sexualidade são conteúdos da formação, que
perpassam as aulas das disciplinas, para além dos espaços específicos dos seminários
temáticos. A continuidade das discussões relativas a gênero e sexualidade emerge da
articulação com os conteúdos específicos, das dinâmicas do local e do global, provocadas por
fatos da realidade, pelas vivências das professoras e dos professores, como também pelo
diálogo com os relatos das experiências pessoais das e dos estudantes.
Gênero e sexualidade são categorias trabalhadas em abordagens programadas e em
abordagens contingentes no currículo. Embora estejam imbricadas e tratadas de forma
articulada, têm referenciais e temáticas próprias. A partir das dimensões universal, dialogal e
plural de gênero e da versão não tolerada do trabalho com a sexualidade, o currículo da
formação contribui para a superação dos binarismos e da heteronormatividade, com foco na
educação.
Desse modo, gênero e sexualidade são abordadas na formação como produzidas pela
história, pela sociedade e pelos discursos. A revisão das duas categorias ajuda a compreender
que as identidades/identificações de gênero são diversas e móveis, que as orientações sexuais
nem sempre correspondem ao gênero identificado, e também podem assumir movimentos
diversos. Essas compreensões têm implicações na educação, devido ao trato com as e os
estudantes nas escolas.
A importância da nomeação das diferenças, presente no currículo vivido, impele os
sujeitos a enfrentarem suas resistências, inclusive, no uso da linguagem. O contato das e dos
estudantes com situações reais de discriminação e de preconceito, através dos relatos,
promove a sensibilização e a compreensão sobre o contexto de vida de homossexuais,
bissexuais e transexuais, atentando para a necessidade de práticas educativas justas.
Gênero e sexualidade não são temas ou categorias inseridas em parte ou em um tempo
dessas disciplinas, mas são abordagens presentes na formação que contribuem para a revisão
do currículo, do que está posto como conteúdo ou cultura dominante. Apesar dessa investida,
algumas práticas discentes sinalizam para resistências em relação à desnaturalização dos
padrões de gênero e de sexualidade, recorrendo, muitas vezes, a argumentos religiosos e
biológicos para sustentar seus posicionamentos. Há ainda os discursos discentes apoiados no
multiculturalismo humanista liberal (MCLAREN, 1997), traduzidos na ―aceitação‖,
―tolerância‖ e ―respeito‖ às diferenças, fortalecendo a relação entre centro e margem.
Em contrapartida, a prática docente, geralmente, insiste na desconstrução desses
padrões, argumentando acerca das desigualdades sociais implicadas nas diferenças, levando-
nos a considerar as contribuições do multiculturalismo crítico na formação. Esses movimentos
ratificam que gênero e sexualidade são temáticas que geram tensão no currículo, são campos
de disputa e de resistências.
O acesso aos conteúdos e às vivências do currículo prescrito e do currículo vivido da
formação contribui para a prática pedagógica das professoras com as diferenças de gênero e
de sexualidade na Educação Básica, uma vez que fornece referentes teóricos, conceituais e
reflexivos para suas concepções e práticas.

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REFLEXÕES SOBRE AS BARREIRAS ENFRENTADAS POR
MULHERES NOS CURSOS MASCULINIZADOS

Ludmila Lins Bezerra


Faculdade Nossa Senhora de Lourdes – CINTEP
ludlins_@hotmail.com

Resumo: A história da educação das mulheres é caracterizada pela segregação ou limitação. Escolas
ou classes separadas, restrição a determinadas disciplinas e foco nos trabalhos domésticos sempre
foram situações naturalizadas para as mulheres. Até os dias de hoje ainda há ambientes de trabalho
que são genuinamente masculinizados. Os campos são abrangentes e nosso foco será nos cursos
superiores de Engenharia Mecânica, Física e nas Ciências da Computação. A participação das
mulheres é limitada a ponto de tornar-se muitas vezes invisibilizada. Nesse sentido, objetivamos
refletir e discutir as barreiras enfrentadas por mulheres em ambientes acadêmicos que ainda são
masculinizados. Na elaboração deste artigo, nos pautamos a partir de pesquisas bibliográficas
existentes tratando-se do tema. Buscaremos compreender quais foram os desafios vivenciados pelas
mulheres que optaram inserir-se num local composto basicamente por homens, bem como quais foram
suas motivações. E, por fim, discutiremos e faremos uma reflexão quanto às mudanças que ainda são
necessárias para que haja uma equidade de gênero nos ambientes acadêmicos.
Palavras-chave: Gênero, Feminismo, Mulheres, Curso Superior.

INTRODUÇÃO

No final do século XX, após muitas lutas, houve um grande avanço referente a
conquista dos direitos das mulheres. Contudo, ainda há situações de desigualdade de sexo e
gênero na sociedade, como em ambientes de trabalho, na educação e na participação política.
As mulheres por muitos anos foram invisibilizadas e sua existência era apenas como
subordinada do homem, seja na posição de filha ou esposa, sua participação era na maioria
das vezes nos serviços domésticos e cuidar das crianças.

Essa divisão de trabalhos e dos conhecimentos acabou acarretando uma construção de


carreiras femininas e masculinas. Para Scott (1990, p.15) ―gênero é um elemento constitutivo
de relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos. O gênero é um
primeiro modo de dar significado às relações de poder‖.
Esses estereótipos de gênero acabaram limitando o espaço das mulheres e valorizando
as carreiras ditas masculinas. A justificativa para tal divisão parte da diferença biológica,
partindo do princípio que algumas atividades são aptas aos homens por serem biologicamente
adequados para realiza-las. Portanto a natureza dos corpos que seria a responsável por rotular
―trabalhos masculinos‖ e ―trabalhos femininos‖.

O presente artigo possui como objetivo geral analisar as barreiras enfrentadas pelas
mulheres ao ocuparem espaços acadêmicos genuinamente masculinizados. Como objetivos
específicos apontamos: categorizar tais barreiras; conhecer as motivações que as mulheres
tiveram ao ingressar nos ambientes ocupados por homens em sua maioria; apontar estratégias
que possibilitem o protagonismo feminino no campo acadêmico e profissional.

Esclarecer os motivos que me levaram a iniciar essa pesquisa implica retomar a minha
época de graduação. Durante meu curso de Pedagogia, percebi que haviam graduações
constituídas por homens e outras por mulheres. Na minha turma de 30 alunos/as, havia apenas
um homem. Nos cursos de Engenharia, Física, Ciências da Computação e outros da área de
Exatas, a proporção era a mesma, porém os gêneros eram inversos. Havia poucas ou nenhuma
mulher nos cursos de Exatas e essa diferenciação sempre me inquietou.

Abordaremos o pensamento feminista como suporte para guiar a discussão do presente


artigo e também a compreensão dos conceitos de gênero e sexo no âmbito profissional. Todas
estas questões dialogam com a pesquisa em questão, pois são as questões de poder que
limitaram e ainda limitam o acesso às mulheres nos espaços ―masculinos‖. Foram a partir de
questionamentos e insatisfações, que as mulheres uniram forças e a partir do feminismo
conseguiram ter voz para demonstrar sua capacidade de empoderar-se e ocupar os espaços
que desejarem.

METODOLOGIA
Essa pesquisa se caracteriza como uma investigação quantitativa que parte de uma
concepção bibliográfica de construção do conhecimento, a partir de pesquisas em Teses,
Dissertações e livros que se acerquem do tema estudado.

As pesquisas que se utilizam da abordagem qualitativa possuem a facilidade


de poder descrever a complexidade de uma determinada hipótese ou
problema, analisar a interação de certas variáveis, compreender e classificar
processos dinâmicos, experimentados por grupos sociais, apresentar
contribuições no processo de mudança, criação ou formação de opiniões de
determinado grupo e permitir em maior grau de profundidade, a
interpretação das particularidades dos comportamentos, ou atividades
individuais. (OLIVEIRA, 2003, p. 53)

Como procedimentos, abordamos a revisão de literatura a partir das contribuições dos


Estudos Culturais com foco nos Estudos de Gênero. As análises dos dados foram realizadas
de forma transversal do diálogo entre alguns teóricos dos Estudos Culturais e dos Estudos de
Gênero.

Fazendo esse diálogo transversal, trazemos as palavras de Louro (1997, p.28):

Numa aproximação às formulações mais críticas dos Estudos Feministas e


dos Estudos Culturais, compreendemos os sujeitos como tendo identidades
plurais, múltiplas; identidades que se transformam, que não são fixas ou
permanentes, que podem, até mesmo ser contraditórias.

Nesse sentido, importa tratar os Estudos de Gênero e Estudos Culturais como


elementos que estão intimamente relacionados que corroboram diretamente para a
democratização dos espaços que constituem a sociedade e o respeito às diferenças. Para
compreender o outro, é preciso considerar as diferenças existentes entre os sujeitos, sejam
sociais, étnicas ou de gênero.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

É importante contextualizar, mesmo que de forma breve, a história do feminismo para


que possamos fazer referências aos Estudos de gênero e ambos nos auxiliem em nossa
pesquisa. No Brasil, o feminismo teve seus movimentos no século XIX e suas primeiras
manifestações vinculadas à primeira onda lutavam pelo direito ao voto e espaço das mulheres
no ambiente de trabalho.

O movimento feminista tem uma característica muito particular que deve ser
tomada em consideração pelos interessados em entender sua história e seus
processos: é um movimento que produz sua própria reflexão crítica, sua
própria teoria.

(PINTO, 2010, p. 15)

A beleza, delicadeza e sensualidade são adjetivos que foram culturalmente denominados


como pertencentes às mulheres. Com o movimento feminista, a sociedade masculina sentiu a
necessidade ―atacar‖ modificando os estereótipos de forma oposta, como nos mostra Matos (
2008, p. 338):

O grande esforço da primeira onda do feminismo foi o de questionar, refletir,


procurando desconstruir inúmeras formas de instituições e relações
patriarcais, no selo das quais se mantinham e se reproduziam estratégias de
dominação masculina: isso se dando na arena do sufrágio universal.[...]
Infelizmente o que acaba por ´restar´ para o senso comum e mais rasteiro
desse primeiro e corajoso movimento foi a sua própria descaracterização ,
em que o feminismo passou a ser equiparado pelas ´forças hegemônicas´que
o pretendiam deslegitimar com várias categorias degradantes ao ser mulher:
― mal- amadas‖, ―infelizes‖, ―mal-cheirosas‖ e ―feias‖.

O compromisso com a sociedade requer uma prática em que seja possível a equidade
de gênero e que de fato inclua os/as cidadãos/ãs de forma equânime e democrática. A
sociedade é multiculturalista e é necessária uma abordagem multiperspectivista para
considerar suas múltiplas identidades, respeitando suas peculiaridades e diferenças.

Na maioria das vezes, quando trata-se de ambientes profissionais, a mulher ainda é


vista de maneira limitada aos afazeres domésticos e quando elas ocupam cargos de liderança
ainda há uma diferença salarial, onde seus salários são menores comparados aos dos homens.
Há muitas dificuldades ao acesso em determinados cargos, pois ainda há o rótulo de serem
trabalhos efetivamente ocupados por homens.

O avanço da participação feminina no trabalho aumenta consideravelmente,


porém a posição real da mulher não é das mais promissoras. Apesar de
encontrar-se aberto para ela no mercado de trabalho, ainda é considerada
mão de obra reserva. Mesmo quando possui qualificação profissional, é
induzida a exercer profissões femininas e os cargos mais importantes ainda
são reservados aos homens. Até hoje impera o preconceito de que as
mulheres foram feitas para desempenhar tarefas secundárias.

(LEITÃO, 1988, p. 74)

As lutas feministas vieram para ressignificar as questões de poder, visando encontrar


um equilíbrio para que as diferenças entre os gêneros não sejam barreiras para uma
convivência saudável. As mulheres buscaram ter voz numa sociedade tão masculinizada, onde
elas eram sempre colocadas em posições subordinadas aos homens, sem direito de atuar em
suas próprias vidas.
Tanto a educação brasileira quanto a situação das mulheres avançaram nas
últimas décadas do século XX. Todavia, como se demonstra a seguir, ainda
existe um déficit de escolarização considerável, especialmente no acesso e
sucesso no nível superior; e no que tange às mulheres, observa-se que,
apesar de terem conquistado taxas mais altas de frequência e conclusão em
todos os níveis de escolaridade, e de terem ultrapassado os homens em
indicadores educacionais, continuam ganhando menos no mercado de
trabalho e assumindo mais o trabalho doméstico.

(CARVALHO; RABAY, 2013, p.43)

Diante dessa reflexão, mesmo após tantas lutas, os espaços profissionais ainda se
mantêm desiguais. Ainda não se confia na capacidade das mulheres de liderarem e ocuparem
espaços genuinamente masculinizados. Se a sociedade luta pela igualdade e democracia, no
ambiente acadêmico e profissional, o trabalho dos homens continua valendo mais do que o
das mulheres.

MULHERES NA ENGENHARIA MECÂNICA

Antes de expor propriamente os dados da pesquisa, será feita uma revisão


bibliográfica sobre o perfil profissional feminino e masculino. Abordaremos alguns campos
acadêmicos que ainda são ocupados, em sua maioria, pela presença masculina. Iniciaremos
com o curso de Engenharia Mecânica. De acordo com Huff e Koppe (2016, p. 10)
―historicamente, as engenharias e os cursos tecnológicos são compostos de forma
preponderante por estudantes do sexo masculino. Muitas vezes, essa opção de escolha
profissional tem sido associada a uma carreira inerentemente masculina da área das ciências
exatas‖.

Baseada nos estudos de Maffia (2002) foram caracterizados estereótipos masculinos e


femininos, expostos na tabela abaixo:

Características e palavras atribuídas segundo o estereótipo:

Tabela

FEMININO MASCULINO
Emoção Razão
Cultura Natura
Simplicidade Poder
Subjetivo Objetivo
Concreto Abstrato
Passivo Ativo
Sentimento Pensamento
Irracional Racional
Fonte: Adaptado de Maffia (2002).

É notório observar que os estereótipos são extremamente opostos. Com isso, percebe-
se claramente que os rótulos femininos são mais limitados, sendo os masculinos mais
abrangentes. Esses dados nos auxiliam a analisar o comportamento masculino e o feminino e
perceber que são culturalmente construídos.

Após a sistematização de todos os dados, entrevistas e pesquisas, os autores


perceberam que o espaço da Engenharia Mecânica é ocupado principalmente por homens.
Segundo os autores da pesquisa (HUFF; KOPPE, 2016, p.17) ―entende-se que ainda
permanece a ideia masculina de que existem algumas profissões destinadas às mulheres e
outras aos homens, sendo esse fato uma provável barreira ao acesso das estudantes no curso
de Engenharia Mecânica‖.

Segundo Lombardi (2006) citado por Daniel (2011), ―dentro da Engenharia são
reproduzidas lógicas que restringem o campo de trabalho das mulheres, atribuindo diferentes
tarefas (e valores) ao trabalho dos engenheiros e engenheiras‖. Na rotina acadêmica e
profissional, as mulheres se sujeitam a comentários dicotômicos e preconceituosos que
marcam as diferenças entre homens e mulheres.

MULHERES NA FÍSICA

O trabalho escolhido como base de estudo foi a publicação de duas autoras


(BEZEERA; BARBOSA, 2016) do Instituto de Física da UFRGS, que fizeram uma linha do
tempo das principais mulheres na história das ciências exatas e uma pesquisa de campo
comprovando a baixa representação feminina no campo da física.

As mulheres tiveram atuação importante, muitas vezes invisível na


construção da física do Brasil. Com a implementação de políticas que
eliminem as barreiras e os estereótipos, bem como penalizem as diversas
formas de assédio, a presença das mulheres irá se ampliar e elas se tornarão
visíveis. O Brasil precisa de 100% dos seus talentos para ter um
desenvolvimento sustentável e socialmente justo. (BEZERRA; BARBOSA,
2016, p.130)

Um dos problemas que existem são assédio moral, sexual e discriminação no ambiente
de trabalho. Segundo Mazzi (2012), ―um levantamento recente aponta que 32% das mulheres
entrevistadas afirmam sofrer ou já ter sofrido assedio sexual no trabalho‖. Por questões
culturais e machistas, as mulheres são mais sujeitas ao assédio moral e/ou sexual em
ambientes acadêmicos e profissionais. Tais questões podem se pautar na ―objetificação do
corpo das mulheres‖ e pela errônea ideia do poder masculino sobre o corpo feminino.

MULHERES NAS CIÊNCIAS DA COMPUTAÇÃO

A sociedade machista, organizada por um sistema excludente aos direitos das


mulheres limita seus espaços, moldando-os de forma que eles se mantenham exclusivamente
masculinos de forma naturalizada. A tecnologia e as ciências são consideradas ―coisas de
homem‖. A ocupação, mesmo que mínima ainda, das mulheres neste espaço desafiam e
quebram este paradigma existente há tanto tempo. O trabalho se pautará nas pesquisas
realizadas por Lima (2013) e Carvalho; Rabay (2013).

De acordo com Lima (2013, p.795):

Na tentativa de compreender a relação entre ciência e mulheres, é impossível


desconsiderar as relações sociais de gênero historicamente construídas.
Apesar dos avanços das mulheres em diversas áreas e profissões, a ciência
moderna ainda é caracterizada como masculina e exclui as mulheres de
diversas formas, seja pela manutenção de redutos de homens, como acontece
nas engenharias, física, na matemática, na computação, seja pela
invisibilidade de seus feitos.

Wilson (2003) afirma que não faltam competências das mulheres para o exercício na
profissão, o que falta é o incentivo.As mulheres que aceitam se inserir nesse campo
masculinizado, automaticamente aceitam comprovar que essa ideia de que há campos
femininos e masculinos nada mais é que rótulo cultural e segregacionista.

Uma das hipóteses levantadas nessa pesquisa é de que é necessário trabalhar e discutir
as questões de gênero desde a escola. Na educação escolar que se constrói a personalidade
do/a aluno/a, portanto, é necessário que desde a construção de valores até nas práticas
educativas sejam trabalhadas e refletidas as situações cotidianas que envolvam questões de
gênero, machismo ou homofobia. Trabalhar a partir de questionamentos e diálogo faz com
que a questão discutida torne-se mais significativa aos envolvidos.

Problemas que envolvem os preconceitos sejam étnico, racial, gênero, cultural ou


religioso, ainda são presentes no cenário da sociedade atual, são situações de violências reais
que aumentam diariamente.

CONCLUSÕES

Os dados obtidos bibliograficamente apontam que há segregação das mulheres nas


áreas das Exatas. Ser mulher em campos culturalmente masculinos é um desafio constante
que implica muita determinação e resistência às discriminações tanto de professores quanto
dos próprios colegas de classe.

Embora o feminismo ainda seja tema desconhecido e analisado de maneira


preconceituosa, inclusive por algumas mulheres, não há como negar suas conquistas. Ainda
há muito o que se conquistar, descobrir e ressignificar sobre o que é ser mulher e perceber que
o gênero não define suas capacidades cognitivas.

O papel/função social da escola é preparar e proporcionar um ensino de qualidade que


respeite as diferenças e individualidades dos sujeitos pertencentes do espaço escolar. É
importante que seja um espaço de diálogos, reflexões e que estimule o senso crítico dos
alunos. Tratar as questões de gênero a partir de uma concepção igualitária e respeitosa desde a
escola, auxilia na formação de alunos/as seguros e independentes.

Inclusive é no espaço escolar que se busca educar para o respeito e a tolerância, este é
um compromisso dos/as educadores/as, portanto ―[...] qualquer discriminação é imoral e lutar
contra ela é um dever por mais que se reconheça a força dos condicionamentos a enfrentar.‖
(FREIRE, 1981, p.60).

As perspectivas emergentes de educação corroboram com a formação de um indivíduo


crítico, reflexivo e comprometido com as diferenças e seu papel na sociedade. Visto desta
forma, a construção do ser humano depende bastante da superação dos entraves que
promovem a exclusão social, ao invés de inclusão e equidade de gênero.

Percebemos que são muitas as barreiras enfrentadas por mulheres que optam estudar e
trabalhar em campos masculinizados. Muitas situações de segregação, preconceito, assédio
sexual e moral fazem parte desse desafio empoderador feminino. É necessário que
desconstrua os diversos paradigmas construídos patriarcalmente e que se perceba que o
gênero não define comportamento ou capacidade.

Por fim, a generificação do trabalho e padronização de comportamentos acaba


desperdiçando muitas potencialidades acadêmicas e profissionais. Quando as mulheres se
inserem em espaços onde elas são minoria, é necessário desconstruir e reconstruir esses
espaços para que eles possam acolher todos de maneira democrática, sem estereótipos ou
limitações culturais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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MATOS, Marlise. Teorias de gênero ou teorias e gênero? Se e como os estudos de gênero
e feministas se transformam em um campo novo para as ciências. Revista Estudos
Feministas. V.16, n.2: 333-357, 2008. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/ref/v16n2/03.pdf> Acesso em: 02 maio 2017.

PINTO, C. R. J.. Feminismo, história e poder. Ver. Sociol. Polít., Curitiba, v.18, n. 36, p.
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em 01 maio 2017.

HUFF, M. S. e KOPPE, L. R. O espaço das mulheres na área de Engenharia Mecânica:


um estudo de caso referente às questões de gênero no Instituto Federal Sul-rio-
grandense- campus Sapucaia do Sul. Revista Liberato, Novo Hamburgo, v.17, n.27, p. 01-
118, jan./jun. 2016. Disponível em:
<http://www.liberato.com.br/sites/default/files/arquivos/Revista_SIER/v.%2017%2C%20n.%
2027%20%282016%29/04-Engenharia-02-Jun.pdf> Acesso em: 02 maio 2017.
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OS ESTEREÓTIPOS DA MULHER NEGRA NA SOCIEDADE


CONTEMPORÂNEA

Nathalia Maria Fernanda Alves – Discente de Serviço Social (UPE).

Resumo:
As mulheres negras deparam-se diariamente com uma sociedade baseada no patriarcalismo racista que
encube a elas uma serie de desvantagens que acabam incitando lutas a serem travadas na tentativa de
autonomia de gênero e de garantia de direitos baseados na igualdade racial. Essas desvantagens
encontram-se associadas aos estereótipos relacionados à mulher negra que permeiam o imaginário da
sociedade moderna atual, porém, eles foram frutos de uma construção social que foi concebida ainda
no período colonial. A mulher negra, no período da colonização brasileira, sofreu um processo de
invisibilidade e violência sobre sua identidade, cultura, corpo e mente que, por gerar alienação
extrema que só tinha saída na conscientização, as conduziu a um inevitável processo de resistência ao
regime. O racismo e o sexismo que envolveram essas mulheres negras no período colonial
ultrapassaram as décadas e atualmente é um problema que acarreta a dificuldade de sociabilidade das
negras na sociedade moderna. Portanto, essa pesquisa teve/tem como finalidade identificar o processo
de empoderamento da mulher negra no Brasil a partir dos achados históricos sobre o tema, e verificar
quais os impactos que os estereótipos relacionados à sexualização/objetificação e demandas de
trabalho podem acarretar nesse processo.

Palavras-chave: Mulher Negra, Estereótipos, Opressão, Empoderamento.

1- Introdução

O Brasil, a partir da colonização Européia, desenvolveu-se economicamente


apropriando-se da mão de obra escrava dos negros africanos e esse processo desigual entre
raças baseadas pela cor da pele foi evidenciado e arrastado ao longo dos séculos no país. No
que tange a relação de gênero, as negras eram vistas como objetos de posse de seus senhores e
por meio disso elas sofriam, e ainda sofrem, com os estereótipos racistas e sexistas que
estimulavam a violação de seu corpo causando vários impactos psicossociais para as mesmas.

As mulheres sempre foram caracteristicamente desvalorizadas em sua gênese e


essência passando a assumir determinados ―lugares próprios‖ a uma sociabilidade forjada. A
negra, especificamente, passa também por esse processo de encaixe social dos moldes
femininos, só que de uma forma ainda mais precária e agressiva à sua condição humana de
ser. E os estereótipos contribuem para essa precariedade das condições de vida que acometem
o ser negra na sociedade, pois estimulam uma percepção socialmente negativa sobre elas que
passa a compor, de forma forjada, um senso comum sobre essas mulheres.

É a partir dessa concepção que estudamos sobre a opressão das mulheres numa
perspectiva histórica e social mais generalista para, aos poucos, ir mapeando a opressão das
mulheres negras demonstrando o quanto a junção do signo gênero e raça pode ser perverso no
sentido de uma dupla marginalização e violência. Verificamos que, estereótipos
compartilhados socialmente sobre a categoria de gênero e raça aos quais a mulher negra está
inserida, fortalecem e/ou mantém a condição de marginalização destas. Por isso, buscamos
destacar no sentido de gerar questionamento tais estereótipos presentes na bibliografia
histórica e, principalmente, em poemas consagrados.

2- METODOLOGIA

O estudo foi elaborado através de pesquisa bibliográfica sobre o processo histórico que
envolve as questões centrais das desigualdades raciais e de gênero as quais acometem as
mulheres negras na sociedade brasileira. Fizemos uma busca bibliográfica assim como a
seleção de músicas e poemas que expressem esses estereótipos naturalizados sobre as negras,
visto que, futuramente intentamos mapear como as mulheres negras são representadas nos
poemas do poeta pernambucano Ascenso Ferreira.

3- NEGRAS ESCRAVIZADAS - UMA HISTÓRIA DE INVISIBILIDADE E


LUTA

É perceptivo na sociedade contemporânea que existem padrões preestabelecidos que


forjam relações de poder entre os indivíduos, colocando-os em posicionamentos de superior e
inferioridade que embasam as classificações diferenciadoras de classe, gênero, raça, religião e
orientação sexual. Esses padrões desenvolveram-se a partir de concepções desiguais
instituídas ao longo da existência humana, porém a desigualdade é um fator proveniente da
formação cultural dos sujeitos sociais, ou seja, elas se compõem nas relações humanas
(PERNAMBUCO, 2011).
As relações de poder acima citadas irão se adequar através da concepção abordada
pelo filósofo Michel Foucault, que a partir da década de 70 iniciou estudos com a finalidade
de identificar as atuações dos indivíduos para com outros indivíduos. O escopo do filósofo,
então, era o de compreender como essas relações de poder eram expressas nos vínculos
humanos afetivo manifestados na sociedade (FOUCAULT, 1999).

O que analisamos a partir delas são ramificações da correlação entre opressor e


oprimido, destacando-se ainda que elas não delimitam-se apenas nas esferas institucionais,
antes são exteriorizadas em todos os campos das relações humanas. O poder não limita-se aos
aparelhos estatais, uma vez que não é fruto fixo do Estado, mas é percebido micro poderes os
quais são dados nas relações entre sujeitos e que perpassam todos os níveis sociais, e é por
meio disso que pode-se desvendar as relações desiguais estabelecidas entre gênero, raça e etc
(FOUCAULT, 1999).

[...] numa sociedade como a nossa - mas, afinal de contas, em qualquer sociedade -
múltiplas relações de poder perpassam, caracterizam, constituem o corpo social; elas
não podem dissociar-se, nem estabelecer-se, nem funcionar sem uma produção, uma
acumulação, uma circulação, um funcionamento do discurso verdadeiro
(FOUCAULT, 1999, p. 28).
Relações de poder - na dialética foucaultiana - são todas as relações que envolvem os sujeitos
sociais e que demonstram as posições que encontram-se mediante os atributos de imposição e
concessão, que se manifestam no cotidiano a partir do que destacamos por ―discursos de verdade‖. Os
discursos de verdade seriam imposições do poder no qual os indivíduos são forçados a produzi-los e
que assim sendo tornam-se normas que geram efeitos de poder sobre os mesmos na sociedade. Para
tanto esses discursos de verdade são imposições que teriam relação com os discursos criados em cima
da figura das mulheres na sociedade, pois um discurso de verdade poderá dar brechas para a
formulação de outros discursos (FOUCAULT, 1999).

De fato, o princípio da formulação das desigualdades entre homens e mulheres se deu


a partir da apropriação de uma discursiva verdadeira, a diferença genética. Essa apropriação
de um discurso verdadeiro forjou a criação de vários outros discursos inexatos sobre o papel
da mulher na sociedade.

Simone de Beauvoir (2008) irá questionar de onde vem a submissão das mulheres
afirmando que todas as outras formas de opressão a determinados grupos de sujeitos sociais
tiveram um fato ou um determinante que antecedeu a ação do opressor e que gerou os
agravantes das desigualdades, porém com as mulheres não houve um dado evento que
possibilitasse tal opressão. Conosco, as mulheres, houve a apropriação de uma discursiva
verdadeira, na lógica foucaultiana, que foi o marco precursor de forjados discursos de
verdades que foram utilizados para justificar a opressão.

E foi desta forma que a opressão vivenciada pelas mulheres na sociedade desenrolou-
se no transformar de uma constante em praticamente todos os povos, raças e nações do
mundo. Trazemos como exemplo embasador para as afirmações que assim se seguem o
destaque de Beauvoir que trata da diferenciação social que existia e existe entre homens e
mulheres, apontando que um fator que conota tal circunstância é a utilização da palavra
―homem‖ para designar a raça humana. Portanto, ao nomear todo um conjunto de pessoas
com o substantivo que classifica o gênero masculino, entende-se que tal gênero esteja em
maior evidência na sociedade, não pela visão quantitativa, mas sim pela qualitativa, para
tanto, a mulher compreende, na concepção de Beauvoir, a posição do outro, do segundo,
daquela que vem depois do homem (BEAUVOIR, 2008).

Se procurarmos analisar o princípio desse processo de opressão que envolve e


inferioriza as mulheres, não conseguiríamos de fato encontrar aspectos que remetam a ele,
mas, sem dúvidas, um fator que possibilitou a manutenção de tal hierarquização social hoje
em dia foi às interpretações que se seguiriam dos escritos Bíblicos. Essas compreensões
possibilitaram que fosse iniciado um discurso sobre o papel da mulher na sociedade que é
utilizado como um dos justificadores mais antigos e conservadores do desenvolvimento da
desigualdade entre gêneros no seio social.

Não havendo considerações sobre aspectos e momentos históricos em que foram


desenvolvidas as bases da religião, o processo de secularização não foi capaz de romper com
os estigmas criados para o posicionamento feminino. Silvana Mota Ribeiro (2000), descreve
que, anteriormente à criação da religião Cristã já existia uma hierarquia sexual estabelecida
que teria forte influência sociocultural na concepção da mulher nas sociedades desde então.
Porém, ao serem consideradas as escrituras Bíblicas como textos sagrados norteadores de uma
das religiões mais populares do mundo, o teor de seu conteúdo passa a ser respaldo guiador
para todas as ações de seus seguidores. Nessa ótica, a mulher então, passa a ser sim vista
como o segundo sexo, sendo ela aquela que nasce das costelas de Adão (o primeiro homem)
(Gênesis, 2, 21-23), para tanto deverá ser submissa a ele.

Antes do processo de colonização brasileira onde os africanos foram trazidos ao país


na condição de escravos, em alguns locais do Continente africano a diferença entre os gêneros
não anulava de todo a representação positiva da mulher na sociedade. Assumindo papéis de
destaque nessa sociabilidade, as mulheres tinham assiduidade nas esferas públicas e privadas.
O comércio nessas regiões era praticamente comandado por mulheres que vendiam desde
utensílios materiais até produtos alimentícios (PERNAMBUCO, 2011).

Nesse mesmo período a opressão às mulheres na África concentrava-se mais nos


núcleos familiares, pois, de forma cultural, em alguns países do continente, a poligamia
masculina não era visto como uma prática proibida e os homens poderiam livremente
construir outras famílias com quantas mulheres eles pudessem escolher. Essa prática
masculina, de certa forma, acabou por ―beneficiar‖ e/ou ―facilitar‖ o empoderamento familiar
materno das mulheres, pois, se o homem possuísse outros núcleos familiares logo a presença
dele nos demais não seria tão assídua, o que obrigava as mulheres, que eram as mães das
famílias, a saírem em busca de sustento para sobrevivência pessoal e dos seus dependentes. O
que por um lado beneficiou o empoderamento das mulheres e a criação da figura da mulher
como a mantedora do lar e assim um legado matriarcal familiar, por outro as prejudicou
porque elas passaram a exercer varias funções e a trabalhar por elevadas jornadas de trabalho
no lar e fora dele (PERNAMBUCO, 2011).

Outra forma de opressão e violência à mulher comum em alguns locais do continente


africano era a violência corporal relacionada à sexualidade das mesmas. Conhecido
mundialmente, a prática da Mutilação Genital Feminina (MGF) encontra-se presente em
aproximadamente 30 países da África, estando entre eles a Etiópia, a Libéria, o Quênia, a
Nigéria e o Senegal. A prática aparece como tradição de povos que visava interromper o
processo natural de sexualidade da mulher. Acontecia que as mulheres ainda em fase infantil
eram submetidas à retirada do clitóris, que é a parte genital que estimula o prazer sexual
feminino. Essa violência à mulher ainda na fase infantil era para, justamente, evitar que as
mulheres sentissem prazer nas relações sexuais, era o controle da sexualidade feminina por se
acreditar e se propagar a lógica da mulher como apenas um objeto reprodutivo55.

Todavia, muitas mulheres reinaram em países africanos nos séculos XVI e XVII.
Mulheres que além de comandar o dia a dia de seus povos no que tangia ao cumprimento das
leis, regras e tradições locais, direcionavam os afazeres da esfera econômica e produtiva em

55
Destaca-se aqui que a MGF é uma pratica ―tradicional‖ recorrente até os dias atuais em alguns países
africanos. Hoje a MGF é considerada uma prática proibida de tortura, controle e submissão das mulheres aos
homens e, ainda, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) estima-se que cerca de 200
milhões de garotas e mulheres no mundo, com alarmantes especiais para os países africanos, foram submetidas à
mutilação. A MGF é uma prática ofensiva ao corpo da mulher que acarreta inúmeros problemas de saúde as
mesmas, muitas vão a óbito e as que sobrevivem passam a sofrer com infertilidade, dores no ciclo menstrual,
dores durante o ato sexual, problemas psicológicos, entre outros (acessado através do site da ONU:
nacoesunidas.org).
geral e organizavam planos de luta contra a colônia portuguesa que escravizava os mesmos.
Essas mulheres guerreiras e empoderadas construíram em cima das histórias de opressão e
violência pessoais e sociais um percurso histórico de resistência. Aqualtune, escravizada no
Brasil, por exemplo, foi uma dessas figuras femininas de destaque.

Aqualtune era africana


Era princesa importante
Rei do Congo era seu pai
Homem mui preponderante
E por isso era criada
Como parte bem reinante.

O poema da autora Jarid Arraes, intitulado ―Aqualtune‖ narra à história da princesa


que após a derrota em um confronto entre o reino que seu pai governava com outros reinos
africanos, foi vendida, juntamente com outros negros, para ser escrava em outras terras.

Aqualtune foi vendida


Em escrava transformada
Foi levada para um porto
Onde foi então trocada
Por moeda, por dinheiro
Pruma vida aprisionada.

Parou num navio negreiro


Que ao Brasil foi viajar
Nos porões do sofrimento
Muito teve que enfrentar
Pois não era ele cruzeiro
Que alguém fosse desejar.

E a partir disso, a vida de Aqualtune foi semelhante à de várias outras mulheres negras
que foram escravizadas aqui no Brasil. Submetidas à violência de seus corpos e almas,
proibidas de manifestar suas crenças religiosas e seus costumes culturais, as mulheres negras
tiveram que aprender a sobreviver com as suas dores em meio a um dos maiores crimes
históricos: a escravidão negra.

Foi vendida como escrava


Chamada reprodutora
Imagine o pesadelo
Que função mais redutora
Pois seria estuprada
De escravos genitora.

Sua principal função


Seria a de procriar
Estuprada na rotina
Muita dor pra suportar
Imagine uma princesa
Isso tudo enfrentar!

Se a história da mulher negra na África foi marcada por vários processos de opressão e
violência, aqui no Brasil elas passaram a ser escravas e assim foram submetidas aos mais altos
níveis de vulnerabilidade. Entretanto a dor vivida por elas não foi capaz de silenciar os gritos
de luta dessas fortes e guerreiras mulheres.

3.1- Representação da Mulher no Brasil Colônia.

Sabe-se que o Brasil foi descoberto no ano de 1500 pela colônia portuguesa. A
princípio, o foco da colônia foi o de desbravar o território afim de seu reconhecimento.
Somente em meados de 1530 foi dado de fato o inicio no processo de colonização do país,
sendo seu fim no ano de 1822.

Segundo Fausto (1995), o Brasil Colônia pode ser dividido em três momentos, sendo
eles: 1) chegada de Cabral até o estabelecimento do governo geral, em 1549; 2) do governo
geral até os últimos decênios do século XVIII; 3) a partir daí até a independência, em 1822.
Esses períodos têm em comum o processo de exploração territorial e da mão-de-obra escrava,
principalmente dos negros africanos que foram arrancados de suas origens e trazidos ao país
na condição de escravos.

Nesse momento da história brasileira a desigualdade formulou-se como um fator


comum e até mesmo necessário para o desenvolvimento da colônia. Os negros que aqui
chegaram, bem como os povos indígenas que aqui já habitavam, foram submetidos a varias
formas de violência expressas em seus corpos, mentes e cultura. Para tanto esse tópico irá
discorrer sobre representação feminina no período do Brasil Colônia, explicitando
especificamente sobre as três principais culturas que participaram desse processo: indígena,
negra e portuguesa.

3.2- Mulheres indígenas

A mulher na sociedade indígena no Brasil tinha um papel fundamental para a


sobrevivência dos povos e da cultura. Eram elas que, diferente da cultura européia, detinham
em maior parte a força produtiva do trabalho no campo e do vínculo familiar. Enquanto aos
homens cabiam as funções das produções artísticas (BASEGGIO E SILVA, 2015).

A chegada dos portugueses ao território brasileiro levou os índios a acreditarem que


eles seriam uma espécie de deuses vindos de outro mundo. Isso levou as mulheres a se
submeterem a práticas sexuais com os homens brancos, e faziam a fim de receberem objetos
trazidos por eles do continente Europeu. (BASEGGIO & SILVA, 2015).

Para o prelúdio do processo de colonização, os portugueses acreditaram que os índios


poderiam servir como mão-de-obra barata para o trabalho de exploração do território
brasileiro (a saber – o início da colonização foi marcado pela extração e exploração do pau
Brasil, no século XVI), visto que não havia um número suficientemente razoável de
portugueses que tinham interesse em povoar a terra a princípio. No entanto, obtiveram a
percepção de que havia uma diferença cultural em relação ao trabalho entre eles que
inviabilizava o intuito primordial dos colonos que era a máxima lucratividade adquirida pela
comercialização.

Do vínculo sexual entre os portugueses e os ameríndios o resultado foi, segundo


Fausto (1995), uma catástrofe que dizimou grande parte dos milhões de índios que a
habitavam as terras brasileiras. Isso pode ser justificado pelas doenças trazidas pelos
portugueses que atingiram e levaram a óbito essa população. Porém pode-se dizer que essas
relações foram os primórdios da miscigenação do povo brasileiro.

3.3- Mulheres Negras

Os colonos direcionaram suas visões para os africanos após perceberem que as


diferenças culturais em relação às perspectivas de trabalho entre eles e os índios eram motivo
suficiente para a não adequação ao sistema colonial. Os africanos, porém, possuíam um modo
de trabalho mais parecido com o europeu (QUEIROZ, 1990).

Segundo Pacheco (2010), em 1532, por meio da criação do primeiro centro produtor
de açúcar na Vila São Vicente, por Martim Afonso de Souza, em São Paulo, é que houve a
primeira desembarcação de escravos africanos no território, já tendo sido a comercialização
do mercado escravista formalizado por D. Catarina, dando início ao período da escravidão
negra no Brasil.
A história da escravidão no Brasil é pouco comentada e quando o é, é baseada na
camuflagem dos reais fatos. Pouco se fala, por exemplo, que esse período nasceu e
desenvolveu-se por meio da ambição extrativista e exploratória que almejava o lucro
desenfreado dos bens produzidos na colônia e em benefício da metrópole. O capitalismo que
daí se originou apóia-se na lógica da exploração da força de trabalho do ser humano que
frente a ela gera todo um processo de pauperização da classe operária, que incide nos diversos
aspectos da vida social dos trabalhadores gerando assim a chamada Questão Social (SANTOS
& COSTA, 2002).

A escravidão dos povos africanos teve como maior aspecto a inferiorização do ser
negro. Os escravos eram submetidos a todos os tipos de violação dos direitos humanos e não
possuíam nem os direitos mínimos que pudessem garantir a sua sobrevivência enquanto ser
vivo. A pessoa negra não era vista como ser humano, mas sim como propriedade de seu
senhor que devia acatar aos seus mandos servindo também como moeda de troca em
aquisições comerciais (QUEIROZ, 1990).

A força de trabalho não era o único aspecto dos negros a ser explorado. O corpo dos
negros, mais especificamente o das mulheres, foi utilizado para sexualização e reprodução na
colônia. Segundo Baseggio e Silva (2015), a colonização quase não contava com a presença
das mulheres brancas e, por isso, as mulheres negras serviram para os homens brancos como
objetos de satisfação sexual e povoamento.

A submissão das mulheres negras já começava pelo local onde elas estavam
sujeitadas. Elas cozinhavam, limpavam e deitavam-se – nem sempre por concordarem, mas
sim por pressão – com os senhores da casa. E assim as negras, índias e mulatas serviram no
povoamento e miscigenação nas terras brasílicas (BASEGGIO E SILVA, 2015).

Gilberto Freyre (2008) exprimiu uma visão romantizada da posição de opressão em


que encontravam-se as mulheres negras nesse período. Para ele, em todos os aspectos diários,
desde a amamentação dos filhos das casas grandes até a primeira experiência sexual dos
mesmos, encontravam-se marcas de influência da mulher negra.

Percebe-se que na sociedade escravocrata se fez ―normal‖ a exploração do corpo da


mulher negra na tentativa de satisfazer os desejos sexuais dos homens brancos e a fim da
reprodução que serviam para gerar mais escravos para a colônia e assim a mão-de-obra
escrava crescia na medida em que se desenvolvia a colônia portuguesa no Brasil. A
sexualidade dos africanos era para os portugueses um motivo de instigação, pois os negros
usavam de estímulos diferenciados aos costumes da metrópole. Para os homens brancos era
mais fácil ter relacionamentos sexuais com as mulheres negras porque este se dava fora da
esfera de cortejo galanteador que eles passavam, nos moldes europeus, para conquistar uma
mulher do seio social. Com as negras eles praticavam do abuso sexual e ainda usavam de
justificativas para culpabilizar as vítimas, colocando-as em patamar de deterioradoras da
ordem sexual da sociedade (BASEGGIO E SILVA, 2015).

Criou-se a partir disso, concepções estereotipadas sobre a negra baseadas em uma


sexualidade que era fruto da violência. Essas concepções eram justificativas para a prática da
violência e variavam entre termos como ―provocativas‖. Esses estereótipos de sexualização
que foram forjados em cima da figura da mulher negra perduram até os dias atuais e tem, de
acordo com Giacomini (1988), uma ―função justificadora‖ no seio social.

Portanto, a história da mulher negra no Brasil vai se formando através da criação de


uma visão de objetificação das mesmas em relação aos seus senhores. Como foram inseridas
nas casas grandes para a realização dos trabalhos de cunho domestico, o pós-abolição trouxe
ainda a essa cena uma carga de estereótipos ligados a função social atribuídos aos espaços de
trabalhos domésticos como se esses fossem os únicos espaços apropriados e cabíveis à figura
da negra.

3.4- Mulheres Portuguesas.

Nos primeiros anos da colônia no solo brasileiro, habitavam poucas mulheres brancas
vindas da Europa. Isso acabava por facilitar a poligamia dos homens brancos que deitavam-se
e geravam filhos com as índias, mulatas e negras escravizadas. Conforme o desenvolvimento
da colônia ia acontecendo, alguns homens portugueses eram destinados a cargos de chefia dos
engenhos e das casas grandes e a partir daí é que as mulheres brancas passaram a habitar com
mais freqüência o país. Aqui elas foram as responsáveis por trazer os costumes da cultura
européia que, unindo-se aos da cultura indígena e negra, foram desenvolvendo a cultura
brasileira (BASEGGIO E SILVA, 2015).

As diferenças de classe e gênero já eram um forte meio de repressão social, pois, a luz
das compreensões e do discurso Católico sobre o papel feminino nas sociedades, tinha-se o
medo de que as mulheres, em geral, possuindo ―indícios‖ de pecaminosidade, levassem ao
descontrole da sociedade e assim a ruptura do bem social estabelecido à época.
A visão sobre a pecaminosidade da mulher aqui abordada orienta-se através da
concepção do discurso teológico de que a mulher é descendente direta de Eva, que para o
Cristianismo foi a primeira pessoa do sexo feminino a ser criada por Deus. Eva, portanto,
seria a gênese de todas as mulheres e como a mesma, seguindo relatos dos escritos bíblicos
contidos no livro de Gêneses capítulo 3, cai em tentação levando o homem (Adão) a
desobedecer seu Criador, ela teria mais propensão a ceder ao pecado. Para Mota-Ribeiro
(2000), essa essência natural e pecaminosa de Eva teria sido transpassada para as mulheres
através do discurso teológico que influenciou o social.

A maior forma de repressão à mulher dava-se no âmbito de sua intimidade corporal. A


sexualidade da mulher era um ponto de questionamento e controle social. Portanto, o corpo e
a sexualidade da mulher no Brasil Colônia sempre foram analisados a partir de dogmas
religiosos e estereótipos sociais de comportamentos. Segundo os costumes eclesiásticos, as
mulheres deveriam sempre estar submissas aos homens e, como forma de submissão,
deveriam estar abaixo das ordenanças de comportamento baseados na concepção de pureza e
dignidade estabelecidas por seus pais, maridos, irmãos, homens da sociedade em geral que
tinham por obrigação honrar com o pudor social (ARAÚJO, 2001).

As responsabilidades atribuídas às mulheres brancas eram a de cuidar do marido, dos


filhos, da casa e sobretudo gerar mais filhos para serem os herdeiros dos engenhos. Gregório
de Matos (1992), em poema denominado ―Crônicas do viver baiano seiscentista.‖, descreve
um pouco da realidade de vigilância em que viviam as mulheres nesse período:

Irá mui poucas vezes à janela,


Mas as mais que puder irá à panela;
Ponha-se na almofada até o jantar,
E tanto há de coser como há de assar.
A partir dos 12 anos de idade, as meninas já deveriam estar prontas para se
submeterem ao casamento, que, apesar de precoce, não era caracterizado na época como uma
prática de abuso de crianças e adolescentes, pois os pais eram responsáveis por conduzir suas
filhas ao casamento. Aos 15 anos de idade as meninas já deveriam estar casadas e, se não
estivessem, causariam certo incomodo aos pais. Tudo isso era feito com a decisão de inibir a
sexualidade daquelas que na sociedade eram vistas como disseminadoras do pecado, aptas a
destruírem com a ordem social estabelecida e vigiada de perto pelos dogmas religiosos.

(...) assim, desde muito cedo a mulher devia ter seus sentimentos devidamente
domesticados e abafados. A própria Igreja, que permitia casamentos tão precoces,
cuidava disso no confessionário, vigiando de perto gestos, atos, sentimentos e até
sonhos, como instruem os manuais de confessores da época (ARAÚJO, 2001, p. 51).
As mulheres brancas não ficaram isentas da exploração sexual do Brasil Colônia. Uma
vez casadas, elas tinham que se submeter ao regime de seus esposos e ficavam, por influencia
da igreja católica, aptas ao parto. Segundo Baseggio e Silva (2015), as mulheres emendavam
gravidez em cima de gravidez, não podiam se precaver a fim da não gestação porque era visto
como pecado, e um dos fatores de muitas negras terem sido encaminhadas para cuidar dos
filhos das brancas seria porque elas, na maioria das vezes, nem descansavam de um parto que
já se via em outra gravidez.

No fim brancas, negras, mulatas ou índias, todas sofreram durante o período colonial com
o peso de serem mulheres e possuírem capacidade de gestação. Foram reprimidas no corpo e
na alma, sendo-lhes impostos papéis que fugiam a racionalidade de ser humano com algum
direito de existir. Elas apenas serviam e eram violentadas e desrespeitadas pelos homens, pela
sociedade e pela igreja que lhes direcionou a formulação de vários estereótipos ainda ativos
na sociedade atual.

4 - CONCLUSÃO

Como já visto anteriormente, o papel da mulher negra na sociedade escravista tornou-se


enquadrado na perspectiva de funcionalidade e submissão. Como as mulheres em geral eram
vistas como aptas somente aos lares, não podendo assumir papéis de destaque na
sociabilidade, criou-se uma visão da funcionalidade da mulher negra nos núcleos familiares.

As mulheres negras passaram a serventia das casas grandes e no período pós-abolição elas
foram aquelas que assumiram o papel de domésticas na sociedade, por já terem sido
submetidas a essa esfera do trabalho.

O ascender socialmente para a mulher negra passou a ser um processo de cunho mais
complicado do que para as mulheres brancas, pois, essas têm de vencer mais obstáculos
sociais e provar mais vezes que são capazes de assumir qualquer outra posição social, visto
que os estereótipos criados na escravidão foram perpetuados até os dias atuais, disseminando
uma concepção popular de que as mulheres negras servem apenas para a sexualização e os
trabalhos domésticos (SANTOS, 2009, p. 02).
Para tanto, as mulheres negras que conseguem ascender na sociedade, enfrentaram um
caminho árduo de provações e constatações das suas capacidades, pois, ―é possível afirmar
que a questão de gênero é um complicador, mas se esta for somada a questão de raça, o
resultado é maior exclusão e dificuldades‖ (SANTOS, 2009, p. 02).

O mercado de trabalho apresenta-se para as mulheres negras como um verdadeiro


intensificar do preconceito racial e de gênero, segundo pesquisa divulgada pelo Ministério do
Trabalho e Previdência e Ipea, é nele que se encontram o maior número de mulheres negras
empregadas em cargos com características precárias e de pouca qualificação social. Em 2014,
cerca de 17% das mulheres negras exerciam cargo de domésticas no país.

As mulheres negras são as que menos possuem acesso aos atendimentos médicos e são as
que mais têm os direitos violados na hora da realização do parto. Segundo o site Geledés -
Instituição da Mulher Negra:

São as mulheres negras que mais sofrem violência obstétrica, pois são as que mais
peregrinam na hora do parto, ficaram mais tempo em espera para serem atendidas,
tem menos tempo de consulta, estão submetidas a procedimentos dolorosos sem
analgesia, estão em maior risco de morte materna. Cerca de 60% das mulheres que
morrem de morte materna são negras (GOES, 2016).
Além de serem as mais vulneráveis ao estupro, visto que desde o período da
escravidão são vistas como objetos sexuais.

A mulher negra então é aquela que não possui vida psicológica, afetiva e intelectual.
Enquanto a mulher branca era ‖guardada e vigiada‖, a mulher negra era submetida
ao abuso sexual, ao estupro e a humilhações. No período escravocrata estuprar uma
negra não era crime, e sim um sinal de virilidade do homem branco (SANTOS,
2009, p. 03).
Foram ainda as mulheres negras escravizadas no país que mantiveram vivas as
tradições do povo africano, bem como a preservação do culto da religião de matriz africana,
junto de todas as suas formas identitárias (SANTOS, 2009, p. 03).

É perceptível na sociedade, que as mulheres são a parcela populacional que mais


encontra-se vulnerável a violação de direitos e, nesse caso, as mulheres negras são ainda as
que apresentam um índice a mais de violação por estarem sempre sendo relacionadas a
―capacidade‖ doméstica e/ou sexual.

No que tange a fomentação de políticas públicas que possam reduzir e acabar com
essas estatísticas, sente-se o déficit de representatividade das mulheres nos cargos políticos.
Isso se agrava ainda mais por haver uma representatividade bem menor de mulheres negras.

É nítido e histórico o processo de discriminação da pessoa negra e o preconceito diante


suas formas de expressão da identidade. A luta quanto a essa repressão tem crescido
diariamente nesse contexto, entretanto, existe um longo caminho ainda a ser percorrido. Tem
que se pensar nas políticas públicas para as mulheres diferenciando as questões de gênero e
raça, visto que as mulheres negras encontram-se em maior nível de vulnerabilidade.

Alcançar um momento histórico no qual não será mais espantoso ver mulheres negras
portando diplomas de doutoras ao invés de vê-las nas cozinhas das grandes casas tem que ser
fruto de uma afirmação da identidade negra e da elaboração e efetivação de políticas que
preservem essa afirmação.

4- Referências

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SANTOS, W. C. (2009). A mulher negra brasileira. REVISTA AFRICA E AFRICANIEDADES .
ATUAÇÃO DE PSICÓLOGAS/OS NAS POLÍTICAS PARA O
ATENDIMENTO A MULHERES EM SITUAÇÃO VIOLÊNCIA

Autor (1) (Verena Souza Souto, verena.souto@gmail.com, Escola Bahiana de Medicina e Saúde
Pública).
Co-autor (Marilda Castelar, marildacastelar@gmail.com, Escola Bahiana de Medicina e Saúde
Pública).

Resumo do artigo: Introdução: Existem muitos fatores associados ao contexto de violência contra as
mulheres. Por isso, serviços foram criados para o enfrentamento desta questão e são compostos por
equipes multiprofissionais que incluem psicólogas/os. Objetivo: O presente estudo objetiva
compreender quais podem ser os desafios e possibilidades da prática de psicólogas/os nas políticas
para o atendimento de mulheres em situação de violência, perpassando o caminho histórico da criação
dessas políticas. Metodologia: Trata-se de uma revisão narrativa de literatura com buscas feitas nas
bases eletrônicas BVS-Psi, PubMed, ERIHPLUS e manualmente em publicações previamente
identificadas que contemplassem a prática psicológica no atendimento a mulheres em situação de
violência. Resultados e discussão: A inserção de psicólogas/os nas políticas de enfrentamento à
violência contra as mulheres é fundamental para o acolhimento às demandas, a construção da
autonomia de suas usuárias e para superação da violência. Entretanto, devido à complexidade do
fenômeno e ao pouco tempo de construção dessa política, há uma dificuldade no entendimento e na
consolidação da psicologia nestes serviços. Conclusões: Observa-se avanços na construção de
equipamentos para atender mulheres em situação de violência. Contudo, há ainda uma sistematização
incipiente da práxis da psicologia nesse contexto, o que denota a necessidade de pesquisas para
investiga-la.
Palavras-chave: violência, mulheres, psicologia, conselhos, serviços especializados.

INTRODUÇÃO

A violência tem ocorrido frequentemente no cotidiano de muitas mulheres, sobretudo no


âmbito doméstico e intrafamiliar. Esse fenômeno faz parte de suas vidas desde a infância,
quando são violentadas por familiares, e se perpetua posteriormente pelos companheiros. São
muitos os fatores que compõem um contexto de violência e afetam a vida de uma mulher de
diversas maneiras, com consequências muito graves. Estas vão desde as variadas formas de
sofrimento psíquico, o uso e/ou abuso de álcool e outras drogas, e passa pelos diversos
agravos à saúde física, podendo levá-la à morte seja por suicídio ou por homicídio, além de
atingir a toda família (CFP, 2012).
Por tudo isso, entende-se a necessidade de uma atuação multiprofissional qualificada e
articulada na construção de medidas efetivas de enfrentamento à violência contra a mulher.
Tais medidas necessitam ser amplas encampadas pelo poder público, nesse sentido como
resultado da luta histórica do Movimento de Mulheres surgem as Políticas Públicas de
Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (CFP, 2012). Estas têm se fortalecido e se
tornado cada vez mais acessíveis a todas as mulheres e englobam as diferentes modalidades
pelas quais a violência se expressa (SECRETARIA, 2011).
Essas políticas pressupõem a criação de equipamentos especializados e o fortalecimento de
redes de serviços para o atendimento da mulher em situação de violência, ampliando as
estratégias e ações de enfrentamento a este contexto. Neste sentido, este trabalho requer a
constituição e a qualificação de equipes multiprofissionais para sua efetivação e a inserção de
psicólogas/os nestas equipes tem sido cada vez mais demandada para compor essas equipes e
também auxiliar em sua qualificação. Nota-se que há profissionais de psicologia inseridos em
todos os tipos de serviço de acolhimento ou prevenção da violência contra mulher: nos
setores, especializados ou não, de saúde, assistência social, justiça, segurança pública, além de
Organizações Não Governamentais (ONG‘s) diversas (HANADA; D‘OLIVEIRA;
SCHRAIBER, 2010). Em todos esses lugares as/os psicólogas/os têm desenvolvido ações e
estratégias de trabalho para atender às inúmeras demandas e especificidades que surgem nesse
contexto de violência, no qual cerca de 47% dessas/es profissionais atuam em equipes
multidisciplinares (CFP, 2012).
No entanto, parece existir na literatura poucos relatos da prática profissional de psicologia no
enfrentamento à violência contra as mulheres. Entender como as/os psicólogas/os tem se
inserido nesses serviços, de modo a contribuir de maneira efetiva para o fortalecimento das
políticas públicas de defesa dos direitos das mulheres, tanto nos serviços especializados de
atendimento, quanto nos organismos de controle social dessas políticas, é uma necessidade.
Considerando a importância da psicologia nessa política pública, o objetivo do presente
estudo é compreender quais os desafios e possibilidades da prática de psicólogas/os nas
políticas para o atendimento a mulheres em situação de violência, perpassando o caminho
histórico da criação dessas políticas.

METODOLOGIA

Este estudo trata-se de uma revisão narrativa de literatura com a busca dos artigos de
embasamento feita em bases eletrônicas que compõe a BVS-Psi Brasil (Biblioteca Virtual em
Saúde – Psicologia Brasil), como LILACS (Literatura Latino Americana e do Caribe em
Ciências da Saúde), SciELO (Scientific Electronic Library Online), PEPSIC (Periódicos
Eletrônicos em Psicologia), MedLine (Sistema Online de Busca e Análise de Literatura
Médica), além de outras como ERIHPLUS (European Reference Index for the Humanities
and Social Sciences) e PubMed (National Library of Medicine, EUA). Foram utilizados os
descritores ―violência‖, ―mulheres‖, ―psicologia‖, ―conselhos‖ e ―serviços especializados‖
encontrados no DeCS (Descritores em Ciências da Saúde); os descritores ―psychology‖,
―domestic violence‖, ―women‖, ―violence‖ e ―family violence‖ encontrados no MeSH
Browser; e os descritores ―violência contra mulher‖, ―violência na família‖, ―atuação do
psicólogo‖ encontrados no Terminologias em Psicologia BVS-PSI Brasil. Foi utilizado,
também, o recurso da investigação manual em publicações previamente identificadas,
incluindo busca na Biblioteca do Conselho Regional de Psicologia da Bahia, na Biblioteca da
Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública e na Biblioteca Virtual do Conselho Nacional
dos Direitos da Mulher - CNDM. Além de consulta de forma complementar a diretrizes,
legislações, manuais de políticas públicas e outros documentos oficiais voltados para o
enfrentamento à violência contra as mulheres.
Foram incluídas publicações nacionais e internacionais entre os anos 2010 a 2017, que
abordassem o tema das possibilidades de atuação das/os profissionais de psicologia no
enfrentamento à violência contra as mulheres.
O quantitativo de artigos encontrados foram: BVS-PSI (314); ERIHPLUS (198), Pubmed
(5.943). Destes foram selecionados 44 artigos, considerando, através da análise dos resumos,
a relação deles com o tema pesquisado. Após leitura cuidadosa de cada um dos escritos, foram
utilizados para esta publicação 12 artigos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Violência contra a mulher


Apesar dos avanços no que diz respeito às transformações da condição feminina, muitas
mulheres ainda vivenciam inúmeras limitações referentes à liberdade de decidir suas vidas, a
sua constituição enquanto sujeitos, ao exercício do poder, dentre outros (COSTA, 2012). Isso
denota o quanto as divisões de gênero possuem efeitos de relação de poder que produzem
violência contra mulher em diversas esferas: doméstica, institucional, psicológica, física,
moral, patrimonial, racial, sexual, tráfico de mulheres, assédio sexual, etc. Não estando,
portanto, relacionada apenas à imposição da força física, mas, sobretudo, ao conceito de
submissão socialmente entrelaçado nas relações de gênero, em que homens são colocados na
condição de dominantes e mulheres como seres inferiores (SILVA et al., 2015).
Este contexto tem submetido inúmeras mulheres a situação de violência com consequências
muito graves. De acordo com a Convenção de Belém do Pará de Organização dos Estados
Americanos (1994), a violência contra a mulher é conceituada como ―qualquer ato ou conduta
baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à
mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada‖ (p. 1). O que torna este assunto uma
questão de saúde pública e deve ser entendida como um problema social complexo e
multifacetado, que afeta diferentes mulheres, com classes sociais e raças distintas de diversas
regiões do país.
Embora não seja um fenômeno recente, apenas a partir da década de 80 é que se começou a
quantificar os números referentes a esta conjuntura no Brasil e, recentemente, houve a
sistematização estatística apontando para a magnitude deste fenômeno. De acordo com o
Mapa da Violência 2015 (WAISELFISZ, 2015), 106.093 mulheres foram vítimas de
assassinato entre os anos de 1980 e 2013. Isso demonstra que, nesse contexto, o que se
apresenta como novidade muito recente é a preocupação com a superação dessa violência
como condição necessária para a construção da nossa humanidade. Assim como, a
judicialização do problema que criminaliza a violência contra a mulher, através da criação de
leis e consolidação de estruturas específicas para proteger as vítimas e/ou punir os agressores
(BANDEIRA; ALMEIDA, 2015). Em função disso, alguns instrumentos têm sido criados
com o objetivo de dar base conceitual e política de enfrentamento à questão.

Histórico da criação da Política Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as


Mulheres e das conquistas do Movimento Social
Historicamente, desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, já se
reconhecia os direitos humanos como inalienáveis, universais e sem distinção da condição de
gênero (BANDEIRA; ALMEIDA, 2015). A partir daí, surgiu a necessidade de realizar ações
e criar estratégias sistemáticas para reconhecer, assegurar, implantar e garantir os direitos das
mulheres no contexto sociojurídico dos países. Mas, foi só em 1975, na primeira Conferência
Mundial sobre a situação jurídica e social da mulher, realizada no México, que a Organização
das Nações Unidas (ONU) retirou, definitivamente, as questões de gênero do âmbito privado
e as trouxe para a realidade internacional, tornando-as preocupações globais (BANDEIRA;
ALMEIDA, 2015).
Essas movimentações, tiveram como consequência o estabelecimento do marco inicial, em
âmbito internacional, na luta pela garantia dos direitos das mulheres. Foi aprovada pela ONU
em 1979, a convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher – CEDAW, que passou a vigorar a partir de 1981. Esta teve como fundamentação a
obrigatoriedade dos Estados de assegurar a igualdade entre homens e mulheres e eliminar
todos os tipos de discriminação contra a mulher, e foi ratificada pelo Brasil em 1984 (CFP,
2012). Em 1985 foi criada a primeira Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher
(DEAM).
Outro marco importante que foi apresentado em Belém do Pará pela Comissão Interamericana
de Mulheres, na Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), é a
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, mais
conhecida como a Convenção de Belém do Pará. Promulgada em 1994, entrando em vigor,
inclusive no Brasil, em 1995, representou um grande avanço ao delegar aos Estados a
responsabilidade e o dever de erradicar e sancionar as situações de violência contra as
mulheres (BANDEIRA; ALMEIDA, 2015).
No Brasil, dentre outras ações, foi criado o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres -
PNPM (2004), resultante das demandas da I Conferência Nacional de Política para as
Mulheres (CNPM). Em 2006 foi sancionada a Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha) que visa
criar mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher
(BRASIL, 2006). No ano seguinte em 2007, ocorreu a II Conferência Nacional de Política
para as Mulheres que deu origem ao II PNPM. E, embora tenha ocorrido a 4º Conferência
Nacional de Política para as Mulheres em 2016, vigora, atualmente, o Plano Nacional de
Políticas para as Mulheres (2013-2015), resultado da III CNPM (2011) (PRESIDÊNCIA,
2013).
Vale ressaltar, ainda, a Lei 7.353/85 (BRASIL, 1985) a qual cria o Conselho Nacional dos
Direitos da Mulher – CNDM, que surgiu com a finalidade de promover políticas para a
eliminação da discriminação contra a mulher e assegurar sua participação nas atividades
políticas, econômicas e culturais. Passou por diversas alterações nas suas funções e
atribuições de 1985 até 2015. Começou a assumir um papel mais significativo enquanto
dispositivo de controle social em 2003, quando foi criada a Secretaria Nacional de Políticas
para as Mulheres - SPM, da qual o CNDM passou a fazer parte e a ter em sua composição
representantes da sociedade civil e do governo (BRASIL, 2011).
Esta Secretaria passou a assumir a condição de Ministério no ano de 2010, quando a titular da
pasta tornou-se Ministra de Estado e, em 2012, sofreu alterações de estrutura e cargos, o que a
fortaleceu enquanto organismo responsável pelas políticas para as mulheres dentro do
governo federal (BRASIL, 1985).
Em 2015 foi promulgada a Lei 13.104, mais conhecida como a Lei do Feminicídio, que altera
o Código Penal Brasileiro e coloca o feminicídio no rol de crimes hediondos. Este tipo de
crime ocorre quando a morte de uma mulher se dá por razões da sua condição de sexo
feminino em contexto de violência doméstica e intrafamiliar ou menosprezo e discriminação à
sua condição de mulher (BRASIL, 2015).
Todos esses marcos legais têm servido de fundamentação na formulação e execução de
políticas públicas para a prevenção, o combate e o enfrentamento à violência contra as
mulheres e assistência das que se encontram neste contexto.
Importante salientar, a necessidade premente de fortalecer a manutenção e a efetivação dessas
políticas reforçando as ações do Movimento de Mulheres, já que, mesmo com os avanços,
uma série de retrocessos vem se apresentando. Projetos como o Estatuto do Nascituro (PL
478/07) ou que dificultam o tratamento adequado a mulheres que sofreram estupro
(PL6022/13), além da extinção da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da
República (BRASIL, 2016) e de uma sintomática eliminação da representatividade de
mulheres no governo, são alguns exemplos recentes.
Apesar dessas medidas no âmbito Federal, muitos Estados e Municípios seguem com ações
concretas no enfrentamento da violência de gênero. Seja por já existir um Movimento de
Mulheres mais fortalecido que consegue pressionar o poder público local ou mesmo por uma
certa compreensão de que se trata de um problema ancorado em uma estrutura social com um
amplo sistema de valores, normas e símbolos culturais (CFP, 2012). O que exige uma análise
dos mecanismos históricos, sociais e culturais que permitem a manutenção e a reprodução da
dominação/opressão do homem sobre a mulher embasando, sobretudo, a violência doméstica
(LUZ, 2013). Por sua complexidade e diversidade de fatores envolvidos, há uma necessidade
da implementação de políticas e estratégias específicas para a sua erradicação.
Encontra-se em vigor no Brasil a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher
(2004) e o Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência Doméstica (2007) que envolve
diversas instituições do Governo Federal. Além disso, foi criada a Política Nacional de
Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (2008) que visa estabelecer conceitos,
princípios, diretrizes e ações de prevenção e combate à violência contra as mulheres,
assegurando assistência e garantindo diretos às mesmas em situação de violência
(SECRETARIA, 2011). Esta política se fundamenta nas normativas e instrumentos
internacionais, bem como na legislação nacional, inclusive na Lei Maria da Penha.
A Política de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres é ampla e inclui estratégias de
prevenção, garantia de direitos e responsabilização dos agressores. A partir de sua criação em
2008, a Rede de Enfrentamento se amplia por compreender que a mulher em situação de
violência deve ter uma atenção integral com ações setoriais articuladas e integradas, no
sentido de atender às demandas do movimento de mulheres e seguir as diretrizes da
Convenção de Belém do Pará (SANTOS, 2015). Na atualidade, esta rede realiza o
desenvolvimento de estratégias de prevenção e de criação e execução de políticas que visem
combater, prevenir, assistir e garantir direitos, para dar conta da complexidade do fenômeno
da violência contra as mulheres.
Dentro da Rede de Enfrentamento localiza-se a Rede de Atendimento que compreende o eixo
da assistência/atendimento e até 2008 era composta apenas por Casas Abrigos e Delegacias
Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAM‘s). Hoje ela se configura pelo conjunto de
ações e serviços de diferentes setores (justiça, segurança pública, educação, saúde e
assistência social), que objetivam o atendimento, a identificação e o encaminhamento
adequado das mulheres em situação de violência (SECRETARIA, 2011).
Para garantir um atendimento humanizado e qualificado a essas mulheres, a rede de
atendimento não só é dividida em quatro principais setores/áreas (saúde, justiça, segurança
pública e assistência social), como também, compreende duas categorias fundamentais: a) os
serviços não-especializados de atendimento à mulher, que é caracterizado por equipamentos
não específicos nos quais as mulheres vão buscar ajuda incialmente, por isso constituem a
porta de entrada delas na rede (exemplo, hospitais gerais, serviços de atenção básica,
delegacias comuns, Centros de Referência de Assistência Social/ CRAS e os
Especializados/CREAS etc); b) os serviços especializados de atendimento à mulher os quais
atendem exclusivamente mulheres em situação de violência, pois são preparados para isso
(SECRETARIA, 2011).

A participação da Psicologia no enfrentamento à violência contra a mulher: desafios e


possibilidades
As lutas do Movimento Feminista promoveram a criação de diversas políticas de inclusão,
empoderamento, proteção, fortalecimento e valorização das mulheres. Com o avanço delas,
passa-se a observar a subjetividade das mulheres em situação de violência como elemento
estruturado nas experiências de violências de gênero. Isso traz como consequência o
sofrimento psíquico, não necessariamente patológico, mas que explica como cada mulher cria
estratégias para lidar com o contexto de violência (PORTO, 2008).
Questões como a ambiguidade da mulher com relação ao agressor e a si mesma, a necessidade
de reconciliação, apesar das possibilidades de conscientização do seu lugar de submissão e do
rompimento da situação de violência, além das motivações que levam um número
significativo de mulheres a permanecerem em situação de violência, trazem à tona a
necessidade de uma abordagem técnica dos fatores cíclicos do processo de violência, que
promova mudanças na construção das identidades e das subjetividades de cada uma dessas
mulheres, através de uma escuta não punitiva (PORTO, 2008), (PORTO; BUCHER-
MALUSCHKE, 2014).
A psicologia se apresenta com a função de acolher essas mulheres em seu sofrimento
considerando as suas fragilidades, com o objetivo de fortalecer e construir a sua autonomia
para que possam fazer suas escolhas de modo mais consciente, contemplando não só a elas,
mas também suas/seus filhas/os e demais familiares (SOUZA; SOUSA, 2015).
É importante ressaltar que a psicologia em seu cotidiano depara-se com problemas
semelhantes aos relatadas até aqui quanto a desigualdade de gênero. Por ser uma categoria
majoritariamente feminina (89% de mulheres), enfrenta questões relacionadas ao trabalho e à
remuneração, à divisão de tarefas domésticas (76% são responsáveis por ela), aos cuidados
com os filhos (67% não contam a ajuda de seus companheiros) e à violência (27% já sofreram
algum tipo). Portanto, não se diferenciam muito das mulheres as quais atendem, enquanto
profissionais (CFP, 2013).
Nesse sentido, é salutar que estas/es profissionais se impliquem no processo de construção da
sua prática e do debate voltados para o atendimento a mulheres em situação de violência,
sendo convocadas/os pelas lutas do movimento feminista a refletir sobre suas contribuições
para esta realidade. (LUZ, 2013)

Intervenção Interdisciplinar
A estruturação de tantos serviços de origens diversas, denota a compreensão de que este é um
fenômeno com múltiplas determinações e implicações. De modo que a intervenção deve ser
interdisciplinar na construção da rede de atendimento e enfrentamento, a partir de uma
composição multiprofissional de suas equipes. Dessa forma, deve haver uma articulação entre
as necessidades identificadas, o objeto de intervenção, a finalidade e os instrumentos,
compondo assim, uma tecnologia assistencial capaz de prover intervenções para todas as
pessoas envolvidas nas situações de violência (HANADA; D‘OLIVEIRA; SCHRAIBER,
2010).
As/Os psicólogas/os têm sido cada vez mais demandadas/os nos serviços especializados e não
especializados da rede de atendimento à violência doméstica, com as mais diversas
configurações. Isso tem ocorrido, pois, embora, seu trabalho ainda seja visto como
estritamente terapêutico e individual, a/o psicóloga/o atua no contexto de violência como
facilitadora/or de mudanças subjetivas que promovem autonomia e, consequentemente,
possibilidades de superação e transformação (SECRETARIA, 2011).
Portanto, sua atuação profissional deve se embasar no fortalecimento do protagonismo das
mulheres, reconhecendo o trabalho da equipe multiprofissional (CFP, 2012), que organiza sua
prática de acordo com as técnicas que instrumentalizam cada profissional e que são próprias
de seus campos de atuação (HANADA; D‘OLIVEIRA; SCHRAIBER, 2010).

Limitação de estruturação da rede e dos serviços


Inúmeras são as limitações nesse campo de atuação, sobretudo, no que se refere a estruturação
restrita dos serviços, para dar conta da complexidade do problema e da quantidade de
demandas. Nem sempre essas mulheres têm acesso a profissionais qualificadas/os para a
escuta e o suporte para a família, e as/os que possuem essa qualificação, ainda estão em
número insuficiente; o espaço físico não é adequado e não garante sigilo, além de ser restrito
para o atendimento da demanda (SOUZA; SOUSA, 2015).
Cabe observar que as condições de trabalho, um maior número de técnicas/os e uma estrutura
adequada podem auxiliar no melhor suporte a essas mulheres, pois embasam o
aperfeiçoamento do atendimento às situações de violência (VIEIRA; HASSE, 2017).
Outro desafio é a garantia de uma assistência integral às mulheres, considerando as
linguagens diferentes que são específicas de cada setor assistencial e de cada profissão. Isso
apresenta para a rede a necessidade de superar os conflitos e as divergências referentes à
concepção do objeto e às formas de intervenção, para dirimir impasses e construir ações
articuladas e complementares (HANADA; D‘OLIVEIRA; SCHRAIBER, 2010).
Nesse sentido, cabe à/ao psicóloga/o ampliar seus conhecimentos sobre as normas e
legislações referentes a esta temática. Bem como, sobre a rede de atendimento para possíveis
encaminhamentos, orientando todas as suas possibilidades de atuação pelo entendimento
multidimensional da violência, que é produto das relações desiguais legitimadas e produzidas
nas diversas sociedades.
Ainda são muitos os desafios encontrados pelas/os psicólogas/os para atuar no enfrentamento
à violência contra a mulher. A rede especializada é deficiente e não chega a todas as
mulheres, há poucas/os profissionais capacitadas/os para atuar nesta temática
(SECRETARIA, 2011), serviços despreparados, falta de fluxos e protocolos para o
atendimento, dificuldade de trabalho coordenado em rede, tudo isso desencoraja as mulheres a
continuarem em busca da superação da violência (VIEIRA; HASSE, 2017). Estas podem
facilmente entrar no isolamento e na ‗rota crítica‘ por serem direcionadas a serviços que não
apresentarão respostas às suas demandas, deixando-as vulneráveis, inclusive ao risco de morte
(VIEIRA; HASSE, 2017).
Considerando todo o tecido social no qual a violência contra a mulher se prolifera, faz-se
necessário que a psicologia se instrumentalize para lidar com esta temática, através de um
conjunto de habilidades técnicas e éticas que envolvam confidencialidade, acolhimento,
escuta, trabalhos em grupo e reflexão da ação e da prática, considerando o surgimento de
diversas formas de sofrimento psíquico que podem acometer uma mulher em situação de
violência, bem como toda a sua família, sobretudo as/os filhas/os (CFP, 2012), (SOUZA;
SOUSA, 2015).

Dificuldades teórico-metodológicas
Há uma dificuldade dos profissionais de outras áreas, da sociedade e, muitas vezes, da/o
própria/o psicóloga/o em entender qual o seu papel no enfrentamento, acolhimento e
atendimento das mulheres em situação de violência. As assistências psicológica, social, moral
e religiosa ainda são confundidas, demonstrando um desconhecimento das especificidades de
cada uma e colocando os limites da competência da/o assistente social, da/o psicóloga/o, dos
grupos de apoio ou da igreja como difusos (HANADA; D‘OLIVEIRA; SCHRAIBER, 2010).
Observa-se, em algumas situações, uma confusão sobre o trabalho da/o psicóloga/o, em
função da dificuldade de entendimento sobre qual o seu papel. Isto provoca demanda desta/e
profissional para outros serviços e cria expectativas difíceis de serem alcançadas pela/o
mesma/o (CFP, 2012), (PORTO, 2008).
Em outros casos, percebe-se uma restrição desta/e profissional apenas na intervenção
psicoterápica individual dentro dos serviços especializados, como forma de delinear sua
atuação profissional, uma vez que há uma diversidade de práticas ainda pouco embasadas e a
atuação da/o psicóloga/o possui contornos ainda muito difusos. Há uma escassez de
elementos norteadores, já que as cartilhas, documentos governamentais e as próprias políticas
públicas possuem diretrizes insuficientes para a construção de intervenções psicológicas
assertivas (SOUZA; SOUSA, 2015).
É importante salientar que, esse conjunto de habilidades técnicas desenvolvidas pelas/os
psicólogas/os se apresentam como recursos tecnológicos que delineiam a relação entre os
profissionais e as usuárias, através do acesso, acolhimento e vínculo, que definem as ações
para a melhoria da saúde e da qualidade de vida dessas mulheres como mais acolhedoras,
ágeis e resolutivas (COELHO; JORGE, 2009).
Há aqui uma predominância de recursos técnicos próprios da psicologia que se referem às
relações, utilizadas no contexto de atendimento à mulher em situação de violência no
transcorrer dos processos de acolhimento, planejamento da atuação/atendimento,
encaminhamento, acompanhamento, criação de vínculos, trabalhos grupais, dentre outros
procedimentos de trabalho da/o psicóloga/o.

Espaços de controle social como fator determinante para o fortalecimento das políticas
públicas
Cabe pontuar a necessidade da inserção de psicólogas/os nos espaços de controle social dessas
políticas. Pois estes, tem a potencialidade de formular e propor estratégias, além de controlar a
execução da política para que ela seja efetivada de modo a atender as necessidades de suas
usuárias (WENDHAUSEN; CARDOSO, 2007). Portanto, compete à/ao psicóloga/o se
entender nesse espaço a partir do seu compromisso ético-político, para auxiliar na garantia de
direitos do indivíduo e da sociedade (CFP, 2012).
Assim, participar dos Conselhos Municipais e Estaduais de Defesa dos Direitos das Mulheres
(CMDDM), significa contribuir, com base na prática profissional da psicologia, para a
construção, efetivação, avanço e fortalecimento das políticas de enfrentamento à violência
contra a mulher. Além de fornecer subsídios para o empoderamento das usuárias dos serviços
de atendimento à mulher em situação de violência, pontuando as lacunas e deficiências destes
e atuando na sua melhoria.
As poucas experiências registradas até então, têm mostrado que é necessário que a Psicologia
avance no debate sobre a violência doméstica e intrafamiliar e amplie sua participação neste
campo de atuação, sendo convocada pelo movimento feminista a refletir sobre sua prática e
suas contribuições para este contexto (LUZ, 2013).

CONCLUSÕES
Um dos caminhos para fazer avançar a Psicologia no Brasil são investimentos em pesquisa
sobre a profissão e a psicóloga Brasileira na sua condição de mulher. Além de seu
posicionamento quanto a violência contra as mulheres, aspecto que deve permear a formação
em psicologia, bem como maior capacitação das profissionais que atuam no campo. Da
mesma forma o estímulo aos registros dos relatos de experiências profissionais sobre o tema,
maior aproximação do movimento de mulheres e participação nos espaços de controle social,
em especial, nos Conselhos de Defesa dos Direitos das Mulheres.
Existem algumas referências que apresentam indícios das contribuições que a psicologia pode
oferecer nas políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres. Assim como quais as
possíveis lacunas que ainda precisam ser debatidas, para melhorar a atuação profissional
das/os psicólogas/os nesse contexto. No entanto, não foi encontrado nenhum relato no
contexto Bahia sobre como tem se dado a prática das/os psicólogas/os no atendimento a
mulheres em situação de violência, embora existam informações sobre a luta do movimento
feminista pela garantia de direitos das mulheres.
Alguns avanços têm sido observados na construção de equipamentos especializados e não
especializados que atendam mulheres em situação de violência na Bahia. Porém, a
sistematização de informações sobre a práxis da psicologia nesse contexto ainda é muito
incipiente. Isso denota a necessidade de se promover pesquisas que visem investigar esta
prática, aprimorando e compartilhando os saberes e os recursos tecnológicos desenvolvidos,
para que a psicologia possa contribuir de maneira a auxiliar no combate, prevenção e
enfrentamento a violência contra a mulher.

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Acessado em: 31/03/17.
A PRESENÇA DA POPULAÇÃO TRANSGÊNERA EM PESQUISAS
ACADÊMICAS: UM BREVE ESTUDO SOBRE A LUTA PELA
INCLUSÃO
Autora: Jéssica Danielle da Silva Brito NFD/UFPE – Licenciatura em Química. Email:
jdaniielle@gmail.com

Co-autor: Marcelo Henrique Gonçalves de Miranda (NFD/PPGDH/PPGEDUC/UFPE), email:


mm.marcelohenrique@yahoo.com.br

Co-autora: Atinaê Joice da Silva Pereira NFD/UFPE – Licenciatura em Química. Email:


atinae.joice@gmail.com

Co-autora: Ana Paula Paulino Germano NFD/UFPE – Licenciatura em Química. Email:


nna.paulagermano@gmail.com

RESUMO
Falar de movimento social significa falar de luta, motivo pelo qual sempre fazerem parte da sociedade
do mundo inteiro. No Brasil, o surgimento do movimento homossexual ocorreu em 1978, com a
fundação do ―Jornal Lampião da Esquina‖ no Rio de Janeiro, em oposição ao regime militar vigente
na época. Posteriormente, com o objetivo de abarcar a diversidade que surgia pouco a pouco, outras
categorias foram sendo incluídas no movimento, chegando-se a atual sigla LGBT. Dentro desses
movimentos, dando recorte aos preconceitos relacionados à homossexualidade, é necessário
reconhecer as necessidades de conscientização, já que se constatam os LGBTs como o principal grupo
estigmatizado, marginalizado e vítima de preconceito. Sobre transexuais e transgêneros, últimas
categorias incluídas no movimento homossexual no Brasil, estudos realizados constataram o número
bastante reduzido de travestis que chegam à educação superior e ainda a baixa expectativa de vida,
menos de 35 anos. Assim, buscou-se mapear as produções de conhecimento no site da BDTD, do
IBICT, sobre as temáticas relacionadas à população transgênera e transexual, comparando com a área
da educação, nos últimos 5 anos, através do estado da arte. Os resultados mostram uma quantidade de
estudos realizados sobre a população trans ainda muito pequena, especialmente na Educação.

PALAVRAS-CHAVE: Estado da Arte, Transgênero, Transexual, Educação.

INTRODUÇÃO

Os movimentos sociais, bem como a participação popular, fizeram parte das


sociedades no mundo inteiro ao longo da história, e é possível afirmar que sempre estarão
presentes. São ações sociais coletivas, com um caráter sócio-político e cultural, que propiciam
meios para a população expor suas necessidades (GOHN, 2008). Ainda segundo Gohn
(2013), ao contrário do que antigas análises ensinavam e do que políticos tradicionais e
conservadores afirmam, os movimentos sociais não são agentes de perturbação da ordem.
―Falar em movimento social significa falar também numa constante luta a longo prazo,
dependendo do que se objetiva alcançar, dos valores, ideologias e classes envolvidas no
movimento‖ (BEZERRA et al, 2013, p. 314).
No Brasil, os movimentos sociais tiveram seu início na década de 1950, no meio rural,
e intensificaram-se na década de 1970, em oposição ao regime militar vigente na época. Foi
nessa década, mais precisamente em 1978, que as primeiras ações do movimento
homossexual tiveram início. Seu surgimento ocorreu com a fundação do ―Jornal Lampião da
Esquina‖, no Rio de Janeiro, editado por 11 pessoas, entre eles jornalistas, intelectuais e
artistas homossexuais, que buscaram vínculos com outras ―minorias‖, como negros,
feministas e índios, para tratar abertamente sobre a homossexualidade. Ainda nesse contexto,
em 1979, foi a vez do grupo ―SOMOS – Grupo de Afirmação Homossexual‖ surgir, em São
Paulo, com o objetivo de combater a vida ―de gueto‖ que os homossexuais estavam
subordinados a viver (FRY, 1993).
Porém, em 1980, com uma epidemia de HIV/AIDS, sendo equivocadamente
denominada de peste ou câncer gay (TRAVISAN, 1986), ou seja, estabelecendo uma suposta
associação com a homossexualidade, esses movimentos perderam a força que tinham
conseguido até então. Em meados de 1990, surgem campanhas de conscientização e
prevenção à HIV/AIDS, tentando desconstruir pré-conceitos estabelecidos pela sociedade,
contribuindo para a modificação da noção de grupo de risco para comportamento de risco.
Nessa perspectiva, os homossexuais como principal grupo estigmatizado,
marginalizado e vítima de preconceito termina por questionar as atitudes e procedimentos das
campanhas governamentais de prevenção a HIV/AIDS cumprindo uma cidadania participativa
na elaboração e problematização das campanhas de saúde em vigor naquela época. Essa
participação resultou em um aumento dos grupos ativistas, devolvendo força ao movimento
homossexual. Paralelo a esse momento, surgem ações contra a discriminação e violência
sofrida pelo grupo, popularizando o termo ―homofobia. (BEZERRA et al, 2013)
Nesse novo período, encontros nacionais foram realizados por entidades
homossexuais. Neles houve a busca para incluir, cada vez mais, as diversas subjetividades e
seus desdobramentos identitários que surgiam no cotidiano da sociedade. Assim, as categorias
gays e lésbicas não davam conta da dinâmica das realizações dos para além de uma
sexualidade apenas heterossexual. Isto é, há pessoas bissexuais, travestis, transgêneros e
intersexo (BUTLER, 2003; GAMSON, 2010; MISKOLCI, 2007) em que os desejos não se
limitam a uma inteligibilidade dicotômica, excludente e hierarquizada da heterossexualidade
compulsória ou da heteronormatividade.
Nesse caminho, as siglas que representavam o movimento começaram a ser
modificadas, incluindo e adaptando-se às novas subjetividades e realidades que surgiam.
Assim, se os seis primeiros encontros (1980-1992) foram chamados de Encontros
Brasileiros de Homossexuais, o sétimo (1993) passou a se chamar de Encontro
Brasileiro de Lésbicas e Homossexuais; o oitavo, de Encontro Brasileiro de Gays e
Lésbicas; o nono (1997) intitulou-se Encontro Brasileiro de Gays, Lésbicas e
Travestis. Depois disso, até o XII Encontro, realizado nas dependências do
Congresso Nacional, em 2005, os encontros foram designados como Encontros
Brasileiros de Gays, Lésbicas e Transgêneros (RAMOS; CARRARA. 2006, p. 187).

Atualmente, vários estudos sobre transexuais e transgêneros, últimas categorias


incluídas no movimento homossexual no Brasil, vêm sendo realizados. Na área da educação,
essa inclusão tem sido feita de forma ainda mais lenta, pois há um processo de exclusão com
discentes que são transgêneros, transexuais e travestis. Tal eliminação pode ser constatada
devido ao número bastante reduzido de travestis que chegam à Educação Superior ou ainda
pela sua baixa expectativa de vida, menos de 35 anos, que não chega a metade da expectativa
de vida das pessoas heterossexuais, 75 anos.
Outra maneira de constatação desse contexto tão violento e de exclusão em relação às
pessoas trans pode ser por meio de um levantamento das lacunas nas produções de
conhecimento.
Dessa maneira, o ―estado da arte‖ para Romanowski e Ens procura:
identificar os aportes significativos da construção da teoria e prática pedagógica,
apontar as restrições sobre o campo em que se move a pesquisa, as suas lacunas de
disseminação, identificar experiências inovadoras investigadas que apontem
alternativas de solução para os problemas da prática e reconhecer as contribuições da
pesquisa na constituição de propostas na área focalizada (2006, p. 39).

Nesse percurso, o objetivo geral desse trabalho é mapear as produções de


conhecimento na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD), do Instituto Brasileiro
de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) sobre as temáticas relacionadas à população
transgênera e transexual, na área da educação.
Como objetivos específicos: a) identificar quais áreas produziram mais estudos sobre
os referidos descritores; b) eleger uma comparação entre a área da Educação e as demais áreas
em relação aos descritores.

METODOLOGIA

Tendo como referência o objetivo geral, realizamos um levantamento na Biblioteca


Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD). Esse levantamento foi efetuado em abril
de 2017 e mostra a quantidade de estudos realizados, no quinquênio, entre os anos de 2012 a
2016, utilizando os descritores: transgêneros e transexuais.
Ressaltamos que a seleção de 5 anos sobre os dados decorre da nossa formação inicial
como docente, no curso de Licenciatura em Química e seus desdobramentos acerca das
questões de promoção de respeito e aprendizado com as diferenças de gênero e sexualidade
como meta para o cotidiano escolar da Educação Básica. Assim, o ano de 2012 foi o
escolhido para o inicio da referida pesquisa.
Os resultados indicados abaixo serão apresentados mediante uma análise entre o
quantitativo de estudos com os descritores transgênero e transexual e as áreas em que foram
produzidos como campo de construção de conhecimento.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nas mais diversas áreas, pessoas transgêneros vêm sendo incluídas nos estudos ao
longo dos anos. Ao todo, encontramos 37 trabalhos, sendo 28 dissertações e 9 teses.
A tabela 1, apresentada abaixo, mostra a incidência de trabalhos por período de tempo.

Tabela 1 - Incidência por período de trabalhos acadêmicos, teses e dissertações, relacionados ao tema
―Transgêneros‖ – Biblioteca Digital de Teses e Dissertações.

Descritores Anos
Transgêneros 2012 2013 2014 2015 2016
4 9 7 5 12
Total 37 trabalhos

Percebe-se que, em 2012 e 2015 houve a menor quantidade de pesquisas realizadas,


quatro e cinco trabalhos respectivamente. Em 2013 e 2014 houve um aumento do quantitativo
de estudos efetuados com a temática sobre transgêneros. Teremos algumas pistas sobre esses
quantitativos a partir da tabela abaixo que faz uma separação por área e ano em relação aos
estudos realizados.
Assim, na tabela 2, demonstraremos a quantidade de trabalhos por área, em cada ano,
para o descritor ―transgênero‖. Vale ressaltar que o nosso objetivo é mapear o quantitativo das
pesquisas com a temática transgênero no campo de produção de conhecimento da Educação.
Tal mapeamento possibilita verificar o espaço e o interesse que a temática da
transgeneralidade está despertando ou não no referido campo de conhecimento. Vale ressaltar
que optamos em relacionar todos as pesquisa nas diversas áreas para poder traçar um perfil
comparativo em relação à produção na área da Educação.
Tabela 2 - Incidência por área de trabalhos acadêmicos relacionados ao tema ―Transgêneros‖ – Biblioteca Digital
de Teses e Dissertações.

Ano Área Quantidade de trabalhos


Ciências Humanas 1
Educação 2
2012 Sociologia 1
Antropologia 1
Artes cênicas 1
Cultura e Sociedade 1
Direito 3
2013
Geografia 1
Letras 1
Serviço social 1
Ciências da comunicação 1
Direito 1
Educação 2
Psicologia 1
2014
Saúde coletiva 1
Sociologia 1
Antropologia 1
Comunicação 1
2015 Direito 2
Turismo 1
Antropologia 1
Artes 1
Direito 1
Enfermagem 1
Geografia 1
2016 Linguística 1
Medicina 1
Psicologia 1
Psiquiatria 2
Serviço social 1
Sociologia 1

Como pode ser observado pelo exposto acima, no qüinqüênio, a maior incidência de
trabalhos é em Direito, embora diversas áreas do conhecimento tenham apresentado a
temática da transgeneralidade, cada uma com suas especificidades. A área do Direito ficou
com sete estudos. Tal situação pode ser compreendida em relação às práticas sociais, a
dificuldade de se reconhecer as pessoas trans, ou seja, um indivíduo que ―nasceu‖56 homem e

56
A palavra nasceu está entre aspas para deixar em evidência seu caráter ficcional. Segundo a perspectiva
epistemológica da desconstrução, não apenas os gêneros são criados social e culturalmente, mas também os
se transformou em mulher trans ou um indivíduo que ―nasceu‖ mulher e se transformou em
um homem trans. Essas transformações sociais trazem um dilema para a área do direito não
reconhecerem juridicamente essas pessoas. Isto é, há uma abjeção. Esses indivíduos não são
considerados humanos e muito menos cidadãos (BUTLER, 2003, 2008; GAMSON, 2010;
LOURO, 2004; MIRANDA, 2013).
Para os autores acima mencionados, dentre outros, há uma completa negação, exclusão
e falta de reconhecimento por parte das instituições sociais: educacional, mídia, religião, e
Estado. As pessoas trans por não "existirem", serem abjetos, terminam não conseguindo
emprego, não podem assumir oficialmente a sua identidade, pois seus documentos as
identificam com a pessoa que ela foi antes da mudança de gênero. Assim, a transgeneralidade
se constitui em grande problema para o campo de produção do conhecimento do Direito.
Em Educação, infelizmente esse quantitativo ainda é muito pequeno, tendo em vista
que nos anos 2013, 2015 e 2016 não foi registrado nenhum trabalho na área na base de dados
pesquisada. Essa situação pode ser encarada como o outro lado da mesma moeda. Isto é, do
mesmo modo que o Direito tem muita dificuldade em reconhecer as pessoas transgêneros, a
Educação, como processo de socialização e de sociabilidade vem pesquisando de um modo
muito incipiente.
Numa tentativa de compreender essa situação, faz-se necessário pensar no crescimento
do conservadorismo, do neoliberalismo na sociedade brasileira. A título de exemplo, temos
proibição de se trabalhar o conteúdo de gênero e sexualidade em vários Planos Municipais e
Estaduais de Educação, em todo o país.
Outra situação foi a tentativa de impor que o Programa Escola Sem Partido se tornasse
lei, o que felizmente não foi aprovado. No entanto, o referido programa defende
equivocadamente as seguintes ideias como deveres do docente:

Deveres do professor57:
1. O professor não se aproveitará da audiência cativa dos alunos para promover os
seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas,
religiosas, morais, políticas e partidárias.

corpos/sexos de macho e fêmea. Nessa perspectiva os corpos assumem um status de pré-discursivos. No entanto,
os sentidos sobre a materialidade são engendrados na linguagem ou como Butler aponta, nos atos de fala
(BUTLER, 2003). Assim, tanto os corpos, os gêneros e a heterossexualidade ou a homossexualidade são criações
em que os indivíduos são interpelados via linguagem.

57
Fonte: http://www.programaescolasempartido.org/
2. O professor não favorecerá nem prejudicará os alunos em razão de suas convicções
políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou a falta delas.
3. O professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará
seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas.
4. Ao tratar de questões políticas, sócio-culturais e econômicas, o professor
apresentará aos alunos, de forma justa – isto é, com a mesma profundidade e
seriedade -, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a
respeito.
5. O professor respeitará o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação
moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.
6. O professor não permitirá que os direitos assegurados nos itens anteriores sejam
violados pela ação de terceiros, dentro da sala de aula.

Vale ressaltar que as ideias do Programa da Escola Sem Partido ferem a Diretrizes e
Base da Educação 9394/96, de incentivar a formação cidadã, o pensamento crítico e uma
democracia participativa nos processos de decisões políticas do Brasil. Ou seja, a Escola Sem
Partido queria proibir o debate e processo de formação crítica sobre os aspectos sócio-
culturais utilizando um discurso de neutralidade quando na verdade se constituía como um
processo ideológico conservador e neoliberal dos setores mais retrógrados da sociedade
brasileira.
No campo da produção sobre gênero e sexualidade há a denúncia de que o Brasil ainda
é um país extremamente violento com as mulheres, tendo uma prática no cotidiano da cultura
do estupro, além de ser o país onde mais se mata no mundo transexuais e transgêneros 58.
Nesse triste caminho, as pessoas transgêneros estariam sendo consideradas como coisas e ou
animais, nunca como seres humanos. Abaixo, destacamos a tabela em que resumo o total das
pesquisas sobre transgeneralidade, no quinquênio.

Tabela 3 – Quantitativo com todas as áreas e o respectivo número de estudos no quinquênio .

Todas as Áreas Total Geral


Ciências Humanas 1
Educação 4
Sociologia 3
Antropologia 3

58
Fonte: Jornal Estado de Minas: http://www.em.com.br/app/noticia/especiais/dandara/2017/03/09/noticia-
especial-dandara,852965/brasil-e-pais-que-mais-mata-travestis-e-transexuais.shtml. Acessado em 10.05.17.
Artes Cênicas 1
Cultura e Sociedade 1
Direito 7
Geografia 1
Letras 1
Serviço Social 2
Ciência da Comunicação 2
Psicologia 2
Saúde Coletiva 1
Turismo 1
Arte 1
Enfermagem 1
Linguística 1
Medicina 1
Psiquiatria 2

Ao analisar a tabela acima, percebemos que, como dito anteriormente, o Direito ficou
em primeiro lugar com o número maior de produção de conhecimento, sete estudos; em
segundo lugar veio a Educação, com quatro trabalhos; em terceiro lugar ficaram as Ciências
Sociais; Antropologia e a Sociologia. Ambas com três pesquisas, no quinquênio.
Então, com base nos dados levantados, a área da Educação, como a área das Ciências
Sociais, estão começando a se debruçar mais sobre a transgeneralidade.
Ao trocar o descritor da pesquisa, observamos um número maior de trabalhos nas
áreas elencadas. Encontramos um total de 83 trabalhos, sendo 62 dissertações e 21 teses.
Em nossa quarta tabela, mostraremos a incidência de trabalhos por área do
conhecimento, também entre os anos de 2012 e 2016, porém com o descritor ―transexual‖.
Destacamos mais uma vez que a nossa finalidade é mapear o quantitativo de pesquisas
realizadas na área da Educação.

Tabela 4 - Incidência por período de trabalhos acadêmicos relacionados ao tema ―Transexual‖ – Biblioteca
Digital de Teses e Dissertações.

Área do Quantidade de Trabalhos por ano Total Geral


2012 2013 2014 2015 2016
conhecimento
Antropologia 2 - 1 5 - 8
Arquitetura e urbanismo 1 - - - - 1
Artes - - - 1 1 2
Ciências da saúde 1 - - 1 - 2
Ciências humanas 1 - 1 - - 2
Ciências sociais - 1 - 1 - 2
Comunicação 1 - - 2 1 3
Direito - 1 3 2 3 9
Direitos humanos 1 1 - - - 2
Educação 1 - 3 - 1 5
Educação em ciências - - 2 - - 2
Enfermagem - - - - 2 2
Filologia e L. Portuguesa - 1 - - - 1
Geografia 1 - - 1 2 4
História - - 2 - - 2
Letras 1 - - - - 1
Medicina - - - - 1 1
Psicologia 2 2 3 4 2 13
Psiquiatria 2 - 2 1 2 7
Saúde coletiva - - 1 - - 1
Saúde pública - - - 1 - 1
Serviço social - 2 2 1 1 6
Sociologia - 1 1 - 1 3
Turismo - - - 1 - 1
Total por ano 14 10 21 21 17 -
Total geral = 83 trabalhos

No quinquênio, constatamos que as áreas Psi, ou seja, da Psicologia, treze estudos, e


da Psiquiatria, sete estudos, lideram as produções com um total de 20 pesquisas relacionadas à
transexualidade. Esse índice pode ser compreendido pelo fato que as mudanças oficiais sobre
documentos e a respectiva alteração dos nomes só são conseguidas após um período de 2 anos
de acompanhamento dessas pessoas que desejam a cirurgia de redesignação sexual por um
profissional da área da saúde mental (Psicologia ou Psiquiatria).

Um dos principais argumentos, já contestados por pesquisadores, é a patologização


das pessoas que teriam um transtorno ao não reconhecerem o seu sexo "natural". Nesse
percurso os pesquisadores defendem que as pessoas podem mudar seu sexo, mas sem terem
de assumir uma patologia. Isto é, defende-se a despatologização do transtorno de identidade
de gênero para além do saber/poder da clínica médica (BENTO, 2006, 2008, 2010;
FERRARI e CAPELAR, 2014).
Em segundo lugar, estão as Ciências Sociais: Antropologia (nove pesquisas),
Sociologia (três trabalhos) e a área em conjunta denominada de Ciências Sociais (dois
trabalhos), assumindo um total de 13 pesquisas sobre a transexualidade. O terceiro lugar,
ainda ficou com o Direito, constituído por nove trabalhos. E em quarto lugar ficou a Educação
(Educação e Educação em Ciências), com sete trabalhos.
Percebe-se que nas áreas citadas acima, houve um aumento da produção de
conhecimento. O que não podemos afirmar é quais foram os sentidos dessa produção de
conhecimento, ou seja, se as pesquisas defendiam o direito à transexualidade em um
argumento de respeito à diferença ou a defendia com um argumento patologizante, ou ainda,
em alguma medida criticavam essa prática social.

CONCLUSÃO

A constituição federal de 1988, em seu artigo 5º, afirma que ―Todos são iguais perante
a lei, sem distinção de qualquer natureza [...]‖, e em seu artigo 205 que a educação é direito de
todos. No entanto, diante de tudo que foi exposto anteriormente, percebe-se que,
principalmente em relação às pessoas trans, esses dois artigos da constituição não estão sendo
respeitados.
A quantidade de estudos realizados sobre as pessoas transexuais e travestis ainda é
muito pequena, inclusive na área da Educação. Lamentamos esse fato, e esperamos que, em
breve, essa realidade mude. Porém, mais que incluir as pessoas trans em estudos, é preciso
incluí-las também em espaços que são delas por direito, para que a sua visibilidade e
aceitação aumentem cada vez mais, a fim de uma sociedade mais justa e igualitária.

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RELAÇÕES DE GÊNERO QUE OPRIMEM E MATA AS MULHERES:
REFLEXÕES SOBRE A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E O FEMINICÍDIO
NO ESTADO DE PERNAMBUCO.

Risonete Rodrigues da Silva59


Samuel Pereira da Silva Júnior60
Ana Maria Tavares Duarte61

Resumo:
O presente artigo trata-se de uma reflexão sobre a relação de gênero, violência domestica e o
feminicídio no Estado de PE. Tendo como objetivo geral: compreender as relações de gêneros que
oprimem e matam as mulheres. Como específicos: identificar à necessidade de aborda a questão de
gêneros nas escolas; verificar a influência da lei Maria da Penha para o aumento ou diminuição da
violência contra a mulher. Trata-se de uma pesquisa Bibliográfica, na metodologia usamos mapas de
violência de domínio público, material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos
científicos. Assim, concluímos que a Lei 11.340/2006, contribui para a diminuição, ainda que discreta,
da violência contra a mulher no Estado de Pernambuco e que o estudo da relação de gênero se faz
necessário para a conscientização que mulher e homem são sujeitos de direitos e deveres e que somos
todos iguais perante a Constituição Brasileira.
Palavras-chave:
Violência doméstica, Relações de Gênero, Feminicídio, Empoderamneto.

Introdução
Diante da violência que assola nosso País, onde as pessoas são assassinadas
bruscamente deixando seus familiares em condições de vulnerabilidades sentindo-se
impotente diante de tamanha dor e violação dos seus direitos garantidos por lei. A
Constituição Federal de 88 no artigo 5º, inciso XV nos garante o direito de ir e vir, mas o
medo da violência e da falta de segurança muitas vezes nos impede de fazer algum trajeto ou
frequentar certo espaço.
A falta de segurança pública nas cidades brasileiras é notória. A cada dia aumenta o
número nas estatísticas de criminalidade em nosso país. Os meios de comunicação vêm

59
Mestranda (PPGECM) – UFPE/CAA – Pedagoga pela Universidade Federal de Pernambuco – Centro
Acadêmico do Agreste – UFPE/CAA. Integrante do Grupo de Pesquisa Educação, Inclusão Social e Direitos
Humanos -CNPq – UFPE. risoneteprof@gmail.com
60
Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela ESA-PE. E-MAIL: samuel.junior89@outlook.com.
61
Prof Adjunto na Universidade Federal de Pernambuco – Centro Acadêmico do Agreste – UFPE/CAA. Líder do
Grupo de Pesquisa Educação, Inclusão Social e Direitos Humanos – CNPq –UFPE.
mostrando o crescimento da violência, onde é recorrente o confronto entre policiais e
bandidos, furto, sequestros, latrocínios, etc. A ausência da impunidade, penas brandas podem
ser também um dos motivos do crescimento absurdo em relação aos números de violência,
contra a população brasileira.
Muitas pessoas deixam de se divertirem, de passear e constroem verdadeiras muralhas
em suas residências com o intuído de se sentirem seguras e protegidas. Mas, Infelizmente em
muitos casos a violência está presente no próprio lá e geralmente os agressores são integrantes
da própria família.
O artigo 5º da lei 11.340 de 07 de agosto de 2006, "configura violência doméstica e
familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte,
lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial". A Lei acima
citada, também conhecida como Lei Maria da Penha, tem como objetivo lidar de forma
adequada com a problemática da violência doméstica que tem origem na sociedade machista e
patriarcal.
A violência domestica é um tema que vem ganhando espaço nos debates dos
movimentos sociais e sendo divulgada pela mídia e pelas autoridades competentes. Porém, a
violência em modo geral não é só uma questão de segurança, drogas ou desigualdades
socioeconômica é também uma questão cultural.
A violência é um problema maior do que se possa imaginar, quase sempre
inerente aos poderes dos homens que, muitas vezes, para firma-los, fazem
uso da violência contra suas companheiras, seja física e/ou psicológica.
(SILVA, 2010, p. 22)

Diante, desse tema polémico e que está constantemente na mídia onde o número de
violência contra as mulheres fazem parte da estatística inclusive de feminicídio. Surgiu uma
inquietação sobre a violência doméstica. Assim, construímos esta pesquisa Bibliográfica, na
qual elencamos como objetivo geral: compreender as relações de gêneros que oprimem e
matam as mulheres. E como específicos: identificar à necessidade de aborda a questão de
gêneros nas escolas; verificar a influência da lei Maria da Penha para o aumento ou
diminuição da violência contra a mulher.
A partir de leituras prévias como Chaves (2015); Silva (2010); Castells (2000); Silva e
Barros (20014); Saffioti (1987); Constituição Federal (1988) entre outros, sobre o tema
estudado, elegemos categorias que venham contemplar nossos objetivos, respondendo nossas
inquietações para que este trabalho possa contribuir com a sociedade despertando o interesse
ao tema pesquisado.
Violência doméstica
A violência doméstica pode acontecer contra crianças, adolescentes, mulheres e
idosos, sendo que os agressores são os próprios familiares das vítimas. O que torna mais
difícil de ser denunciado, pois a vitima em muitos casos depende financeiramente do agressor.
No art. 7º da lei 11.340/2006 a violência domestica pode ser subdividida
em violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.
A violência física é entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou
saúde corporal; a psicológica é uma conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da
autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento; a violência sexual é
entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de
relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; a
patrimonial entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição
parcial ou total de seus objetos, e a violência moral entendida como qualquer conduta que
configure calúnia, difamação ou injúria.
Também é considerada violência doméstica o abuso sexual de uma criança e maus tratos
em relação a idosos. Há casos de violência doméstica contra o homem, mas a maioria dos
casos verificados é de violência doméstica contra a mulher. Portanto, a pertinência da
criação de leis específica de proteção à mulher, como a Lei 11.340 que:

Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a


mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra
as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar
a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de
Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras
providências. (BRASIL, LEI 11.340/2006).

De acordo com Silva e Barros (2014, p.443) A lei acima citada é também conhecida
como Lei Maria da Penha, por ser uma homenagem a farmacêutica bioquímica Maria da
Penha Maia Fernandes, que passou anos de sua vida sendo agredida pelo seu companheiro, o
economista e professor universitário, colombiano, Marco Antônio Heredia Viveros.
A senhora Maria da Penha foi vítima de duas tentativas de homicídio no ano de 1983,
uma delas enquanto dormia. Foi atingida por um tiro de espingarda desferido pelo seu marido
Marco Antônio, que a deixou paraplégica.
Portanto, a violência domestica não esta restrita a famílias de classe baixa ou com
sujeitos não alfabetizados. Mulheres da classe social alta e com estudo de nível superior
também sofre violência domestica e muitas não denunciam para não perder seus status ou por
medo da represália de seus agressores. Pois, medo, insegurança, constrangimento são alguns
sentimentos que fazem parte da rotina de mulheres vítimas de violência doméstica.

Relações de Gêneros
As relações de gênero é um processo que se inicia na gestação e continua ao longo
de toda a vida. Antes da criança nascer, a mãe e o pai começam a preparar o quarto e o
enxoval do bebê de acordo com o órgão genital da criança, rosa para feminino e azul para
masculino. Seguindo assim, o modelo de uma sociedade patriarcal, na qual a mulher tende a
ser passiva, sensível, frágil e dependente.
Esse modelo patriarcal é perpetuado através da escola com filas de meninos e
meninas, balé clássico para meninas e futebol para meninos, além dos brinquedos e jogos
infantis que reforçam o papel da menina de ser mãe, dona de casa e consequentemente
responsáveis por todas as tarefas domesticas.

O patriarcalismo é uma das estruturas sobre as quais se assentam todas as


sociedades, contemporâneas. Caracteriza-se pela autoridade, imposta
institucionalmente, do homem sobre a mulher e filhos no âmbito familiar.
Para que essa autoridade possa ser exercida, é necessário que o
patriarcalismo permeie toda a organização da sociedade, da produção e do
consumo à política, à legislação e à cultura. (CASTELLS, 2000, p. 169).

Em uma sociedade patriarcal, os meninos são criados para serem fortes,


inteligentes, aventureiros e o provedor da mulher. O que os tornam muitas vezes, homens
machistas. Para Saffioti (1987) o patriarcalismo deixa marcas profundas também no homem,
exigindo condutas e padrões que interferem no desenvolvimento emocional. Como exemplo
podemos citar a ―famosa‖ frase: homem não chora!

Não parece justo, ao discorrer-se sobre as discriminações praticadas contra


as mulheres, esquecer os homens. Como no processo de reprodução
biológica, também na reprodução social homens e mulheres são seres
complementares. Numa sociedade em que as práticas cotidianas mutilam
várias dimensões da personalidade feminina, existem também condutas
impostas aos homens, que limitam extraordinariamente seu
desenvolvimento. (SAFFIOTI, 1987, p. 27)
As condutas impostas aos homens pelo sistema patriarcal que eles são superiores as
mulheres e que os mesmos devem ser valentões, com exagerado senso de orgulho masculino,
e virilidade agressiva, os tornam machistas.
O patriarcado produziu efeitos negativos tanto em mulheres quanto em
homens, pois ambos foram atingidos pelas consequências dessa opressão.
Porém, as mulheres de uma forma geral foram subjugadas de forma mais
expressiva, o que lhes roubou sua autonomia e as sujeitou aos patriarcas do
sistema. (SILVA, 2010, p. 21).

Segundo Silva (2010, p. 22) o patriarcalismo ―é um conjunto de procedimentos


sociais, configurados em poderes, criados nas relações desiguais entre as pessoas, subjugando
as mulheres‖. Esta relação de desigualdade, muitas vezes, coloca as mulheres em situações de
violência que se manifesta de diversas maneiras, chegando ao extremo do feminicídio.

Feminicídio
Segundo Monteiro, Costa e Mendes (2015, p. 24) “A expressão femicídio foi utilizado
pela primeira vez por Diana Russel em 1976, perante o Tribunal Internacional Sobre Crimes
Contra as Mulheres, realizado em Bruxelas, para caracterizar o assassinato de mulheres pelo
fato de serem mulheres‖. O feminicídio é nova modalidade de homicídio qualificado,
entrando, portanto, no rol dos crimes hediondos.
A Lei nº 13.104/2015, sancionada em março de 2015, alterou o Código Penal incluindo
mais um inciso ao artigo 121, que discorre sobre o crime de homicídio. O inciso VI afirma
que feminicídio é o crime praticado contra a mulher por razões da condição de gênero, ou
seja, pelo fato da vítima ser mulher. O crime pode ocorrer nas hipóteses de violência
doméstica e familiar ou quando há menosprezo ou discriminação à condição da mulher. A
Lei previu também três causas de aumento de pena exclusivas para o feminicídio.

Inciso I: A pena imposta ao feminicídio será aumentada se, no momento do


crime, a vítima (mulher) estava grávida ou havia apenas 3 meses que ela
tinha tido filho(a). A razão de ser dessa causa de aumento está no fato de
que, durante a gravidez ou logo após o parto, a mulher encontra-se em um
estado físico e psicológico de maior fragilidade e sensibilidade, revelando-
se, assim, mais reprovável a conduta; Inciso II: A pena imposta ao
feminicídio será aumentada se, no momento do crime, a mulher (vítima)
tinha menos de 14 anos, era idosa ou deficiente. A vítima, nesses três casos,
apresenta uma fragilidade (debilidade) maior, de forma que a conduta do
agente se revela com alto grau de covardia. Como o tipo utiliza a expressão
―com deficiência‖, devemos entendê-la em sentido amplo, de forma que
incidirá a causa de aumento em qualquer das modalidades de deficiência
(física, auditiva, visual, mental ou múltipla); Inciso III: A pena imposta ao
feminicídio será aumentada se o delito foi praticado na presença de
descendente ou de ascendente da vítima; Aqui a razão do aumento está no
intenso sofrimento que o autor pode provocar aos descendentes ou
ascendentes da vítima que presenciaram o crime, fato que irá gerar graves
transtornos psicológicos;

Esses crimes ocorrem geralmente na intimidade dos relacionamentos e com frequência


caracterizam-se por formas extremas de violência e barbárie. São crimes cujo impacto é
silenciado, praticados sem distinção de lugar, de cultura, de raça ou de classe, além de ser a
expressão perversa de um tipo de dominação masculina ainda fortemente cravada na cultura
brasileira. Cometidos por homens contra as mulheres, suas motivações são o ódio, o desprezo
ou o sentimento de perda da propriedade sobre elas.
O homem que enxerga a mulher como sua posse, não aceita ―perdê-la‖ – o
que gera o clichê ―se ela não é minha, não será de mais ninguém‖. ―A
violência é uma maneira de adestrar as mulheres para que se mantenham em
uma posição de inferioridade. Por isso, o ápice de um contínuo de agressões
é a morte de algumas delas‖, completa a professora Stela Meneghel.
(DEBELAK, 2015, p.1)

O feminicídio representa a última etapa de uma serie de violência contra a mulher,


que leva à morte. Precedido por outros eventos, tais como abusos físicos e psicológicos, que
tentam submeter as mulheres a uma lógica de dominação masculina e a um padrão cultural
que subordina a mulher e que foi aprendido ao longo de gerações, trata-se, portanto, de parte
de um sistema de dominação patriarcal.

Metodologia
Segundo Minayo (2013, p.14), a metodologia ―é o caminho do pensamento e a prática
exercida na abordagem da realidade‖. Incluindo simultaneamente a teoria, os instrumentos e a
criatividade do pesquisador. De acordo Deslandes (2013) destaca que:

A metodologia requerer dedicação e cuidado do pesquisador. Mais que uma


descrição formal dos métodos e técnicas a serem utilizados, indica as
conexões e a leitura operacional que o pesquisador fez do quadro teórico e
de seus objetivos de estudos. (DERLANDES, 2013, p. 46)

Este estudo trata-se de uma pesquisa bibliográfica, segundo Gil (2010, p.50) ―a
pesquisa Bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído
principalmente de livros e artigos científicos‖. Assim, procuramos analisar documentos que
possuem domínio público, mapas da secretaria de Segurança, a lei Maria da Penha, livros,
artigos e teses. Com o intuito de contemplar nossos objetivos que são: compreender as
relações de gêneros que oprimem e matam as mulheres; identificar à necessidade de aborda a
questão de gêneros nas escolas; verificar a influência da lei Maria da Penha para o aumento
ou diminuição da violência contra a mulher.
No nosso percurso metodológico, construímos um quadro com base nos mapas da
secretária de Segurança do Estado de Pernambuco. Começando com o ano de 2006, ano que
foi promulgada a Lei 11.340, para podermos verificar o índice de assassinatos de mulheres
antes e depois da lei Maria da Penha.

Resultados e Discussão

Número de homicídio no Estado de Pernambuco62 – 2006, 2010 a 2016.

Ano Mulheres Total de assassinatos Percentual %


Mulheres
assassinadas
em PE.
2006 310 4.481 7 ,0%
2010 246 3.448 7.1%
2011 261 3.468 7.6%
2012 215 3.314 6.6%
2013 256 3.121 8.0%
2014 235 3.315 7.0%
2015* 245 3.889 6.3%
2016** 280 4.479 6.3%

De acordo com o quadro acima, em Pernambuco, o número de mulheres assassinadas


no ano de 2006 foi de 310 mortes. Este foi o ano que a lei 11.340 – Lei Maria da Penha foi
homologada. Podemos perceber que esse número ainda é grande, mas vem diminuindo nos
anos seguintes.

62
Fonte: MS/SVS/CGIAE - Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM. O numero de homicídios na UF de ocorrência
foi obtido pela soma das seguintes CIDs 10: X85- Y09, ou seja: óbitos causados por agressão. Elaboração Diest/Ipea. Nota:
Dados de 2014 são preliminares. (ATLAS DA VIOLENCIA, 2016). **http://www.pe.gov.br/blog/seguranca/?offset=3
* www.folhape.com.br/noticias/noticias/cotidiano/2017/03/03/.
Embora esses dados sejam alarmantes, o debate em torno da violência contra
a mulher por vezes fica invisibilizado diante dos ainda maiores números da
violência letal entre homens, ou mesmo pela resistência em reconhecer este
tema como um problema de política pública. (ATLAS, 2016, p.26).

Outro fator, que invisibiliza o feminicídio, é como os canais de comunicação


apresentam as matérias. Geralmente o jornalismo policial apresenta o tema
descontextualizado da realidade social em que está inserido.

Em diversos programas jornalísticos televisivos podemos citar os casos de


feminicídio e violência doméstica atenuados pelas manchetes de ―crime
passional‖, abrandando-se a culpa do agressor. É uma forma de justificar o
crime por um motivo nobre: a paixão. Fala-se em paixão quando se deveria
falar em crimes ligados ao machismo, à cultura de posse do homem sobre a
mulher. (CHAVES, 2015, p. 5).

Assim, a expressão violência doméstica costuma ser empregada como sinônimo de


violência familiar e, não raramente, de violência de gênero. O que perpetua a ―negação‖ do
feminicídio tanto através dos meios de comunicação como da própria sociedade, o que torna
fundamental aborda o tema de relações de gêneros nas escolas, igrejas, mídia, etc. Para que
as pessoas tenham conscientização e possam contribuir para uma sociedade menos violenta e
machista.

A implantação da Lei Maria da Penha tem contribuído para que problemas


relativos às mulheres, sobretudo, quanto à violência doméstica, sejam
colocados em evidência, apontando-os como problemáticas sociais que
merecem ser debatidas para que sejam resolvidas e não mais mantidas entre
quatro paredes. (SILVA, 2010, p.23).

A mulher vitima de violência domestica, pode contar com serviço de abrigamento que
foi instituído, no âmbito do estado de Pernambuco, através da Lei Nº 13.977, de 16 de
Dezembro de 2009. O inciso 1º da Lei Estadual de Abrigamento define as casas-abrigo como
―estruturas de abrigamento provisório e excepcional, de caráter sigiloso, voltadas para
proteger as mulheres vítimas de violência doméstica ou familiar sob risco de morte, e, quando
for o caso, seus filhos ou dependentes legais menores de 18 (dezoito) anos‖.

O Art.2º da Lei de Abrigamento define sobre a Rede de Abrigamento: ―(...)


composta por Casas-abrigo, tem por finalidade, além da garantia da
integridade física e psicológica dos seus destinatários, a prestação de
assistência social, psicológica, orientação, informação e encaminhamento
aos serviços e programas sociais ou profissionais desenvolvidos no âmbito
do Estado e dos Municípios, possibilitando a reconstrução de suas vidas‖.
(Art. 2º Lei Nº 13.977/2009)
Bianca Rocha, diretora geral de Enfrentamento da Violência de Gênero da SecMulher-
PE, explicou que em 2016 foram assassinadas 280 mulheres e que nenhuma delas pediu
ajuda, registrou boletim de ocorrência, solicitou medida protetiva ou recebeu a visita da
Patrulha Maria da Penha. ―Isso mostra o quanto é importante que as mulheres denunciem a
violência e não se calem porque o silêncio pode custar uma vida‖. Bianca Rocha (2016).
Contudo, deve-se levar em consideração que o medo do agressor, a dependência
financeira, a preocupação com a criação dos filhos, a falta de conhecimento de seus direitos, a
insegurança entre outras fatores impedem das mulheres denunciarem seus agressores.

Empoderamento
Segundo Bordonal e Fortuna (2008, p. 8) “Empoderar-se significa a alteração radical das
estruturas que reproduzem a posição da mulher como submissa. O empoderamento também pode ser
uma forma de combate à pobreza e de mudança nas relações de poder‖. Assim, o acesso a educação é
primordial para que a mulher tenha conhecimento de seus direitos.

O Empoderamento das mulheres é condição para a equidade de gênero. O


primeiro passo para o Empoderamento deve ser o despertar da consciência
por parte das mulheres em relação à discriminação de gênero: reconhecer
que existe desigualdade entre homens e mulheres, indignar-se com esta
situação e querer transformá-la. (LISBOA, 2008, p.2. Apud. BORDONAL
E FORTUNA, 2011, p.8)

A dependência financeira é um dos fatores que impedem as mulheres, vitimas de


violência doméstica, denunciarem seus agressores. Contudo, o empoderamento feminino não
deve se restringir apenas a questão financeira. A mulher tem direitos e devem ocupar seu
espaço em todas as áreas da sociedade, como agente do desenvolvimento econômico, social e
cultural.
A incompletude relacionada às mulheres em se entenderem como extensão
dos homens é que sustenta a sua passividade diante da violência, e como
dissemos, tem diversas causas, tais como: a maneira como foram educadas,
segundo critérios de docilidade e de subserviência; questões religiosas;
presença de um poder masculino ainda bastante referendado socialmente;
dificuldades em proverem seus sustentos, uma vez que o mundo do trabalho
ainda é masculino, tanto em postos de trabalho, como em salários. (SILVA,
2010, p. 38).

Portanto, as mulheres vitimadas pela violência doméstica, não possuem autoestima


suficiente para pôr fim à situação de opressão a que estão subjugadas. A baixa autoestima
auxilia no fortalecimento do sentimento de incapazes, visualizando a presença dos homens
violentos como indispensável para suprirem as necessidades básicas da família por mais que
haja a sua rejeição. Segundo Silva (2010) em sua dissertação, após entrevistar varias mulheres
vitimas de violência doméstica conclui que:

A ―religiosidade‖ que tem permitido e alavancado as relações de subjugação


e violência quando se negam dialogar e buscar o meio adequado para o
término da violência doméstica. Muitos religiosos assistem calados ao
sofrimento e à dor de mulheres, crianças, homens, idosos. Então refletimos
que a igualdade para ser real requer esforço coletivo da sociedade civil,
movimentos sociais, governantes, igrejas, escolas. (SILVA, 2010, p. 39).

Mesmo com as mudanças que estão ocorrendo nas estruturas familiares, sociais e
políticas do país. Apesar dos direitos, leis,vitorias e da presença das mulheres na política,
ainda é esmagadora a presença masculina na política, e de homens com ideologias
preconceituosas, machistas e patriarcal.

Conclusões
O estudo desenvolvido contemplou nossos objetivos, inicialmente anunciados que
eram: . compreender as relações de gêneros que oprimem e matam as mulheres; identificar à
necessidade de aborda a questão de gêneros nas escolas; verificar a influência da lei Maria da
Penha para o aumento ou diminuição da violência contra a mulher.
Assim, concluímos que as desigualdades de gênero continuam profundamente
arraigadas em todas as sociedades, apesar dos avanços e conquistadas. Identificamos que após
a promulgação da lei Maria da Penha houve diminuição da violência contra a mulher,
mesmo que de forma lenta. Desta forma, se faz necessário o estudo das relações de gêneros
para a conscientização de que mulheres e homens são sujeitos de direitos e deveres e que
somos todos iguais perante a Constituição Brasileira.
No entanto, identificamos que as mulheres ainda enfrentam segregação,
discriminação e defasagens de remuneração vinculadas a gênero. Muitas vezes lhes é negado
o acesso á educação básica e saúde. As mulheres em todas as partes do mundo sofrem
violência e discriminação independente da classe social, econômica, da etnia, da religião ou
nível escolar. Mesmo com avanços e conquistas, as mulheres têm pouca representação nos
processos políticos e que é de fundamental importância de aborda a questão de gênero, quer
seja, na escola, na igreja e na comunidade.

Referências Bibliográficas

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BORDONAL, Lygia Mariane; FORTUNA, Sandra Lourenço de Andrade. Empoderamento:


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CHAVES , Fabiana Nogueira. A mídia, a naturalização do machismo e a necessidade da


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MONTEIRO, Elma Cristina da Silva; COSTA, Natália Vivianni Muniz; MESNDES, Soraya
Daniele da Costa. Políticas Públicas de Enfrentamento da Violência Doméstica contra as
Mulheres: a casa-abrigo e o centro de referencia de Pernambuco sob o olhar das profissionais
envolvidas no atendimento. TCC - Curso de Especialização em Gênero, Desenvolvimento e
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SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. O poder do macho. São Paulo: Moderna, 1987

SILVA, Cláudia Melissa de Oliveira Guimarães. Violência contra as mulheres: a Lei Maria
da Penha e suas implicações jurídicas e sociais em Dourados-MS. / Cláudia Melissa de
Oliveira Guimarães Silva. – Dourados, MS : UFGD, 2010.
GUARDA UNILATERAL E O MITO DO AMOR MATERNO: BREVES
REFLEXÕES SOBRE A PREDOMINÂNCIA DAS DECISÕES
JUDICIAIS DOS PROCESSOS DE GUARDA EM FAVOR DA MÃE

Autora: Luciana Maria Lira Cadete de Sousa


E-mail: cadete.luciana@gmail.com
Psicóloga do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE)

Co-autora: Tatianne Amanda Bezerra da Silva


E-mail: tatiannebezerra1@hotmail.com
Assistente Social e Mestranda em Educação Contemporânea (PPGEduC – UFPE - CAA)

RESUMO: Apesar da legislação brasileira sobre a guarda compartilhada determinar que esta deva ser
prioritária e a unilateral excepcional, percebemos, mediante pesquisa desenvolvida pelo IBGE (2015),
que o percentual de guardas entregues unilateralmente à mãe continua expressivo. Esse dado aponta
para a necessidade de reflexão sobre a construção social de papéis atribuídos ao sexo feminino, isto é,
a determinação da maternidade como atribuição essencialmente feminina e suas implicações para as
decisões judiciais dos processos de guarda. Em vista disto, apresentamos como objetivo geral de nosso
trabalho problematizar a construção do mito do amor materno e sua possível influência nas sentenças
judiciais dos processos de guarda, de modo a identificar se a preferência pela guarda unilateral em face
da mãe está apenas relacionada ao melhor interesse da criança ou à reprodução histórica relativa ao
papel social da mulher. Como caminho metodológico, utilizaremos abordagem qualitativa e pesquisa
bibliográfica acerca do tema. Para problematização seguiremos autores como Roudinesco (2003),
Badinter (1985), Wagner (2011) e a legislação atual.
Palavras-chaves: Mito do amor materno, Decisões judiciais, Guarda compartilhada.

Introdução

A vara de família é palco de encontros, desencontros e demandas de reparação.


Nessas demandas os sujeitos que não conseguiram lidar com suas questões depositam
esperanças de que o juiz as resolva. É nesse ambiente tenso que batalhas visíveis e invisíveis
são travadas, também é ali que o inominável (inconsciente) se apresenta na constante angústia
dos litigantes.
Entre os processos presentes na vara da família, os de guarda nos chamam a atenção.
Entre as diversas questões que se podem observar neste tipo de ação, uma delas é o lugar da
mulher construído socialmente. É a mãe que, na maioria das vezes, fica com a guarda dos
filhos, no modelo denominado guarda unilateral materna, o que faz com que este tipo de
guarda tenha percentual elevado. Contudo, considerando que a legislação determina que o
convívio de forma igualitária com ambos os pais é mais benéfico para o desenvolvimento da
criança, e sendo então a guarda compartilhada a que melhor atende a esta possibilidade
(SILVA, 2012; LOBO, 2008), insta-se investigar porque a unilateral insiste em prevalecer.
Nosso ordenamento jurídico conta com dois tipos de guarda: a unilateral e a
compartilhada (Lei n. 10.406, 2002). A legislação teve como referência o princípio do melhor
interesse da criança, conforme preconizado na Declaração dos Direitos da Criança,
confirmado pelo Decreto n. 99.710/1990. No entanto, durante muitos anos a guarda unilateral
materna era a regra, desta forma, naturalmente comum, sem questioná-la, a menos que a prole
estivesse em risco (TRINDADE, 1993).
Como resultado de mudanças na sociedade, entre elas, as novas configurações
familiares, a mulher ganhando espaço no mercado de trabalho e uma maior equidade entre
gêneros, surge um novo marco com a Lei da Guarda Compartilhada n. 13.058/2014, que tem
por objetivo atribuir aos pais, de forma igualitária, a guarda de seus filhos, permitindo a cada
um deles conservar os seus direitos e obrigações em relação à prole. Conforme prevê a
legislação, somente em casos excepcionais e em pleno acordo, a guarda unilateral deverá ser
acionada (WAGNER, 2011; ROUDINESCO, 2003; GRISARD FILHO, 2009; PEREIRA,
2003).
No entanto, na prática observa-se que prevalece o privilégio materno na detenção
maciça da guarda unilateral. Mesmo sendo evidente que a guarda compartilhada é a opção que
melhor atende aos anseios dos filhos, uma vez que possibilita a convivência equilibrada com
ambos os pais. (SILVA, 2012; ALEXANDRE & VIEIRA, 2009; CERVENY & CHAVES,
2010).
Partimos do pressuposto de que a predominância reservado à mulher para guarda dos
filhos pode estar relacionada à ideia socialmente construída da mulher como portadora de um
instinto materno, isto é, o discurso produzido e difundido socialmente que naturaliza o amor
materno e que coloca a maternidade como uma condição inerente à mulher (BADINTER,
1985; CEZAR-FERREIRA, 2007). Diante disto, propomos como objetivo geral problematizar
a construção do mito do amor materno e sua possível influência nas sentenças judiciais nos
processos de guarda, de modo a identificar se a preferência pela guarda unilateral em face da
mãe está relacionada ao melhor interesse da criança ou à reprodução histórica relativa ao
papel social da mulher na sociedade.
Como caminho metodológico, utilizamos abordagem qualitativa e pesquisa
bibliográfica acerca do tema. Segundo Alves-Mazzotti (1998), uma característica da pesquisa
qualitativa é que esta segue a tradição interpretação, ou seja, isto significa que parte da
compreensão de que as pessoas atuam em função das suas crenças e valores e que seu
comportamento e o sentido deste, às vezes não explicito, necessita ser desvendado.

O mito do amor materno e a construção da mãe imaculada

Quando falamos de dominação e desigualdade, entre muitas lutas, a que nos vem à
cabeça é a luta feminista. A disparidade entre mulheres e homens vem de épocas remotas.
Desde a Grécia antiga, a esposa era aquela figura que, carinhosa e devotadamente cuidava do
esposo, da casa e da prole, seu objetivo era manter o equilíbrio doméstico para que seu
marido/senhor tivesse condições de lutar pela sobrevivência de todos. Desta forma, a
mãe/mulher tinha como características a docilidade, bondade, ternura e amabilidade, pois
longe da maternidade esta estaria negando sua condição, seu instinto (ROUDINESCO, 2003).
A história da mulher é muito entrelaçada à família, seu lugar no seio familiar sofreu
grandes transformações ao longo dos séculos, como também houve variações de acordo com a
cultura (CEZAR-FERREIRA, 2007; POESCHL, 2003; GRZBOWSKI, 2007). Segundo
Moura (2004) a instituição familiar recebeu importantes revisões por Ariès (1981), Badinter
(1985), Chodorow (1990) e Donzelot (1986), fazendo referência à exaltação do amor materno
como uma construção relativamente recente na civilização ocidental, tendo como marco
inicial o século XVIII.
Ainda seguindo Moura (2004), a partir de 1760 inúmeras publicações foram
difundidas com o discurso médico instruindo de que era responsabilidade da mulher/mãe o
cuidado pelos filhos, sendo estes cuidados uma valiosa fonte de saúde para prole. Desta
forma, as mães deveriam mudar de atitude em nome de seus filhos, uma vez que a prole era
entregue aos cuidados de terceiros, passando a lhe dedicar tempo e afeto, renunciando à vida
social em prol dos rebentos e nome do amor. Necessitaria também se ocupar da educação
livrando os pequenos da má influência das amas de leite. (ARIÈS, 1985)
Com a mulher voltada para os cuidados maternos, passa a ganhar ares de ―rainha do
lar‖, a figura que representa o amor, a imaculada, representante da bondade e da ternura.
Sendo a esta creditada toda sorte de sentimentos afetuosos para seus filhos, de maneira
incondicional, a ponto de sacrificar sua vida, seus sonhos em nome desses descendentes
(ROUDINESCO, 2003). Qualquer movimento da mulher fora desse sentido seria visto como
um ato contra a natureza, deixando-a culpada e estigmatizada. A partir dessas concepções
surge o instinto materno como algo inerente à condição feminina, o Mito do Amor Materno,
uma construção social que se cristalizou na nossa sociedade (BADINTER, 1985)
Com o advento da pílula anticoncepcional, o homem começa perder relativo controle
sobre o corpo da mulher, e esta passa a decidir de maneira mais forte sobre a procriação,
dissociando sexualidade de reprodução. De acordo com Roudinesco (2003), a medida que o
homem perdia o controle sobre a mulher, esta se reafirmava como figura detentora de seus
desejos e de seu corpo. Surge, então, a partir desta perspectiva, uma nova forma de relação
entre homem e mulher e esta reivindica cada vez mais seu lugar para além do maternal. Brota
a mulher com sexualidade, profissão, que reivindica o lugar de parceira, abandona a
submissão diante do esposo, o casamento por amor aparece mais fortemente etc. (WAGNER,
2011). A partir deste momento, o homem ―entra em crise‖, pois já não se reconhece diante
diminuição do seu poder e do aumento da força de decisão dessa nova mulher.
Com a luta das feministas pela igualdade dos direitos e com a emancipação da
mulher, surge também um novo projeto de sociedade. Foi através desta luta que elas
conquistaram a lei do divórcio, a inserção no mundo do trabalho, o direito a recusar a
maternidade etc. (BRITO, 2005; GRISARD FILHO, 2003; PEREIRA, 2003; WAGNER,
2011). ―Com isso passaram também a questionar a naturalização do ciclo evolutivo vital, que
preconiza a seguinte ordem nascer, crescer, casar e multiplicar-se‖ (WAGNER, 2011, p. 53).
Surge a mulher contemporânea.
As imposições culturais antes naturalizadas começaram a aprisionar a mulher, e a
maternidade para algumas se tornou, de certa forma, um fardo (TRINDADE, 1993; CEZAR-
FERREIRA, 2007). Ganham força cada vez maior os questionamentos sobre a maternidade.
As mulheres, não satisfeitas com seu lugar, começam a interrogar ou a recusar esse espaço
social e historicamente determinado.
Uma das mais célebres feministas a levantar os questionamentos sobre o instinto
materno foi Simone Beauvoir, autora do livro O Segundo Sexo, que escandalizou sua época,
segundo Roudinesco, não somente por seu conteúdo, mas também pela sua ousadia de
escrever um livro, atividade estritamente masculina, na época em que viveu. Nos termos da
autora, o texto foi ―[...] escrito por uma mulher e invertia o olhar que o gênero humano havia
lançado sobre o sexo e o corpo das mulheres até então‖ (2003, p. 140).
Beauvoir criticava a psicanálise pelo lugar que esta reservou à mulher. No segundo
capítulo de seu livro choca com a expressão ―Não se nasce mulher, torna-se mulher‖
(ROUDINESCO apud BEAUVOIR, 2003, p.141). Sua ideia de feminilidade era separada da
maternidade, pois ―longe de remeter as mulheres a seu estado de mãe, chegava inclusive a
recusar a ideia de que a maternidade fosse outra coisa que não uma coerção ligada a uma
insatisfação‖ (ROUDINESCO, 2003, p. 143). Pelas suas ideias e seu modo de vida foi
considerada subversiva e escandalosa. Porém, suas ideias influenciaram cada vez mais as
mulheres que insatisfeitas começaram reivindicar seus direitos (ROUDINESCO, 2003).
Teóricos como Bowlby (2006), Winnicott (1975), embasaram suas teorias nos
primeiros anos de vida e na importância de uma boa maternagem, defendendo conceitos como
―mãe suficientemente boa‖, ―apego materno‖. Contudo, considerando que a maternagem ou
função materna pode ser exercida por qualquer ser humano que estabeleça cuidados e
vínculos com o bebê, não estando atrelada ao feminino ou masculino, ou seja, que a
maternagem independe do sexo biológico, tanto um homem como uma mulher podem exercer
de forma adequada os cuidados com a prole (BUSTAMANTE, 2005; FERES-CARNEIRO,
1998).
No entanto, as teorias caíram no senso comum, perdendo sua essência e servindo
para subsidiar um discurso social, que preconizava a mulher como ser essencialmente
materno. Isto é, um ser que devia ficar no ambiente doméstico cuidando dos filhos, pois
ninguém como ela poderia fazer tais tarefas ou ato de amor, reforçando assim, o mito do amor
materno. Portanto, partindo dessa lógica o homem estaria naturalmente inabilitado para
exercer a função materna (cuidado), uma vez que estaria responsável pelo sustento material da
família (GRZBOWSKI, 2010; POESCH, 2003; WAGNER, 2011; CEZAR-FERREIRA,
2007; CARTE MCGOLDRICK, 1995; TRINDADE, 1993). Esse processo se reflete em uma
compartimentalização dos lugares de cada um dos sexos, com fronteiras fixas.
Atualmente mesmo com as mudanças sociais recentes, provocadas pelas diversas
configurações familiares, a inserção da mulher, que através de muita luta chega ao mercado
de trabalho, ainda é perceptível a valorização da imagem da mãe que cuida afetivamente e o
pai protetor, em discrepância com as mudanças sociais (CEZAR-FERREIRA, 2007;
WAGNER, 2011).
Vemos constantemente essas representações até mesmo no discurso daqueles que
julgam defender os direitos iguais, quando elogiam a atitude paterna de fazer ou ajudar nos
afazeres domésticos e na maternagem. Pois bem, se partirmos do pressuposto de que homens
e mulheres têm direitos e deveres iguais, portanto, qualquer um pode exercer adequadamente
essa função, porque esse homem/pai que cuida da prole deve ser enaltecido como alguém que
faz mais do que o seu papel?
Atitudes cotidianas, exaltações das ações masculinas e enaltecimento o pai
―cuidadoso‖ possuem preconceitos imbuídos. Parte-se da ideia de que esta atitude do homem
não é natural e deve, portanto, ser louvável, diferentemente da mulher, que nasce e tem sua
essência para fazer tal trabalho.
Os operadores do Direito e a determinação da guarda unilateral em favor da mãe

Frequentemente o litígio vem em seu bojo no processo judicial pela guarda das
crianças. Historicamente sabemos que, por muito tempo, a supremacia da guarda unilateral
materna foi absoluta. Foram décadas desse reinado, que culminou na cristalização da cultura
da mãe como guardiã natural, pois apenas em casos de risco eminente aos filhos, não seria
determinada à guarda unilateral materna (SILVA, 2012).
Com o passar dos anos, com as novas teorias, a sociedade e pesquisas em diversas
áreas, surge a modalidade de guarda compartilhada, primeiramente na Inglaterra, na década de
1960, como joint custody. Na França ela surge na década de 1970, assim como nos Estados
Unidos. Essa lei permite que ambos os pais possam cuidar e acompanhar seus filhos de uma
forma mais equilibrada, pois tanto o pai como a mãe têm acesso livre à prole, o que possibilita
o estreitamento dos laços afetivos para ambos pais, como também não coloca toda a
responsabilidade em um único guardião (BRITO, 2005; CERVENY & CHAVES, 2010;
SILVA, 2012).
[...] a guarda conjunta conduz os pais a tomarem decisões conjuntas, levando-os a
dividir inquietudes e alegrias, dificuldades e soluções relativas ao destino dos filhos.
Esta participação de ambos na condução da vida do filho é extremamente salutar à
criança e aos pais, já que ela tende a minorar as diferenças e possíveis rancores
oriundos da ruptura. A guarda comum [...] facilita a responsabilidade cotidiana dos
genitores, que passa a ser dividida entre pai e mãe, dando condições iguais de
expansão sentimental e social a ambos os genitores. (LEITE, 2003, p. 282).

No Brasil, apenas em 2008 foi aprovada pelo Congresso a Lei n. 11.698/08 que
instituiu e regulamentou a guarda compartilhada. Em 2014, uma nova alteração por meio da
Lei n. 13.058/14, determina: "Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda
do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a
guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a
guarda do menor".
Com essa nova lei, a guarda compartilhada passa a ser a regra, ou seja, no
julgamento do juiz, ele deve sempre priorizar essa modalidade, a menos que um dos genitores
abra mão da guarda ou não esteja apto, podendo colocar a vida da criança em risco. Deste
modo, a partir dessa lei, a guarda unilateral passa à excepcionalidade (LOBO, 2008; SILVA,
2012).
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), anualmente divulga a
estatística do Registro Civil. Esta análise é o resultado da coleta de informações prestadas
pelos cartórios de registros civis de pessoas naturais, varas de família, foros ou varas cíveis e
tabelionatos de notas. Tratam-se de dados importantes, capazes de nos apontar informações
valiosas sobre a realidade da guarda compartilhada brasileira após as determinações legais.
Tabela 1: O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – Estatística anual do
Registro Civil
UNILATERAL UNILATERAL
ANO MATERNA PATERNA COMPARTILHADA OUTROS
2014 85,1% 5,4% 7,5% 2%
2015 78,8% 5,2% 12,9% 3,1%
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE

Conforme podemos vislumbrar na tabela acima, em 2014 a guarda compartilhada


representava 7,5% dos casos, a unilateral materna com 85,1% e a unilateral paterna apenas
54,4 % dos casos. No que se refere ao ano de 2015, tivemos uma pequena mudança nos
números, contudo, ainda prevalece a preferência pela guarda unilateral em favor da mãe.
No referido ano 78,8% dos casos determinaram a guarda unilateral materna, 5,2%
unilateral paterna e 12,9% compartilhada. Percebemos um aumento no número de guardas
compartilhadas, podendo ser entendido como resultado da legislação em vigor, contudo, esse
aumento é ainda muito ínfimo no que se refere à permanência de determinações judiciais em
favor da mãe. O número de determinações em favor do pai, além de baixas, sofreram
reduções no ano de 2015, o que também parece apontar para conservação de estereótipos de
gênero. Esses percentuais são claramente perceptíveis por aqueles que trabalham no cotidiano
das varas de família em nossos tribunais.
A legislação de uma sociedade acompanha as mudanças sociais, são essas pressões
que fazem com que a legislação altere a lei, para acompanhar as mudanças sociais, uma vez
que os valores mudam em torno das leis obsoletas (TRINDADE, 1993). Desta forma, a lei
tenta acompanhar os costumes. É curioso que no caso dos processos de guarda litigiosos, a lei
esteja à frente, uma vez que, apesar da Guarda Compartilhada ser prioritária, ainda sofre
sérias dificuldades na evolução do seu percentual de implantação, conforme demonstra os
dados das pesquisas. Estaria o mito do amor materno, cristalizado pelas representações sociais
influenciando esses operadores?
Partimos desses questionamentos e problematizamos, pois a justiça é feita por
homens e mulheres, pais e mães que estão sujeitos aos mesmos constructos sociais,
conscientes e inconscientes, tais quais os demais membros da sociedade. Portanto, não estão
imunes às reproduções e perpetuação de preconceitos. Sobre o véu do princípio do melhor
interesse da criança e do privilegio materno, pode esconder-se as desigualdades entre gêneros.
Se os próprios operadores do direito, o Poder Judiciário, sucumbe aos estereótipos,
torna pouco aplicável a lei que poderia tratar de forma mais igualitária os pais e as mães, os
homens e as mulheres, poderia, pois, possibilitar um melhor exercício da parentalidade.
Não podemos negar a evolução do direito na busca em contemplar as mulheres e
reparar as injustiças praticadas ao longo da historia. Porém não podemos fechar os olhos para
a realidade que insiste em colocar a mulher no lugar passivo, maternal, angelical por natureza
etc., justificando, portanto, seu sacrifício em prol da prole e em nome do amor. Quantas
mulheres são julgadas como mães ―boas‖ e ―más‖ como decorrência de seu interesse em
entregar ou dividir a guarda de seus filhos? Supomos que muitas outras ficam, na escuridão,
renegando seu desejo em buscar desenvolver uma vida profissional além da maternidade, ou
apesar da maternidade, no entanto, estão até certo modo sujeitas a uma posição, a qual a
sociedade convencionou que faz parte da natureza feminina, portanto, deve ser aceita.
Quando a justiça desiste de cumprir a lei, que determina a prioridade da guarda
compartilhada reforça o estereótipo da mulher ou do feminino como a única capaz e
responsável pelos cuidados de seus filhos, deixando de contribuir com a luta da mulher pelo
reconhecimento de seus direitos.
Apesar de os psicanalistas estarem falando da função materna, podendo essa ser
exercida por outro e não necessariamente pela mãe, as imposições culturais aprisionam a
mulher, e a maternidade para algumas se torna, de certa forma, um peso. Estaria esse
―privilégio materno‖ ligado a herança da família senhorial da colônia, onde a mulher como
agente passivo devia cuidar das ―riquezas‖ do marido e dos filhos? (ROUDINESCO, 2003).
Ultimamente estamos vivendo uma onda de retrocessos, onde temos a surpresa de em
uma cerimônia do dia internacional da mulher, o presidente da República Federativa da
Brasil, em seu discurso, reduziu o papel da mulher aos afazeres domésticos, educação dos
filhos e cuidados do orçamento doméstico. Essas declarações machistas que parecem surgir
do túmulo do século passado reforçam o discurso sobre a mulher doméstica, que não tem
possibilidade de cuidar das suas finanças e de si própria, muito embora possa organizar o
orçamento doméstico observando os preços do supermercado.

Considerações Finais

Esta análise não tem a pretensão de fazer um estudo profundo ou esgotar a temática,
propõe sim a realizar uma problematização que possibilite levar o leitor à reflexão do tema e
estimular pesquisas mais profundas. Compreendemos por meio da pesquisa bibliográfica, que
apesar de a legislação entender a mudança social, assim atualizando-se, ainda encontra
barreiras fazendo a aplicação de a lei evoluir lentamente.
Assim, verificamos que a construção social dos papéis atribuídos ao sexo feminino
tende a persistir no imaginário dos operadores do direito, apesar das evoluções conquistadas
nas ultimas décadas, dificultando a aplicação da Lei. Nesse sentido, entendemos que a
despeito da lei que incentiva a guarda compartilhada, o mito do amor materno permeia o
imaginário coletivo, exercendo ainda grande influência sobre as decisões daqueles que
aplicam a lei em nosso país.

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DIREITO TRANSGÊNERO: UMA ANÁLISE DAS LEGISLAÇÕES QUE
REGULAMENTAM A CIDADANIA TRANS.

Esther Cristinna (Esther Cristinna Oliveira Araujo, esthercristinna@gmail.com, Centro Universitário


Tabosa de Almeida ASCES-UNITA, Direito).
Me. Luís Felipe Barbosa (Luís Felipe Andrade Barbosa, luisbarbosa@asces.edu.br, Professor ASCES-
UNITA, Doutorando em Ciência Política pela UFPE).

Resumo do artigo: Desde os anos 1960 que o movimento LGBT vem lutando pelo
reconhecimento de direitos e da diversidade sexual, assim como a promoção de seus
interesses dentro do âmbito político brasileiro. Devido a todo o contexto político do país, na
época, o movimento só veio a ganhar mais visibilidade a partir da década de 1970, por meio
do movimento estudantil e pela abertura política de 1974. Entretanto, ainda não existia
visibilidade para as pessoas transexuais, pois os principais movimentos que estavam em foco
eram o estudantil, o feminista e o LGBT. A partir do final do século XX é que o movimento
transgênero passa a ter visibilidade, como uma ramificação do movimento LGBT - uma vez
que este possui o seu direcionamento voltado à orientação sexual e não à identidade de
gênero, como o movimento transgênero, cujas pautas são mais específicas, como o acesso à
serviços de saúde sem discriminação, a mudança do prenome e do gênero sem a necessidade
cirúrgica, de origem judicial ou laudo psiquiátrico, assim como a utilização da documentação
com o reconhecimento do nome social. A partir deste panorama, serão analisados
comparativamente a legislação vigente no Brasil e os projetos de lei que visam facilitar os
atuais procedimentos, em relação à legislação internacional sobre o tema, especificamente de
países que têm influência política e cultural no Brasil. Ademais, o presente trabalho procura
identificar os procedimentos para a solicitação da documentação e redesignação sexual destes
cidadãos, sinalizando-se para os principais entraves existentes em termos de atuação da
Administração Pública brasileira.

Palavras-chave: Movimento Transgênero; Cidadania Trans; Ordenamento Jurídico brasileiro;


Legislação internacional.
1. Pessoa Trans
Diferentemente do movimento LGBT que tem a sua visibilidade voltada para os
homossexuais, gays, lésbicas e bissexuais, o movimento transgênero é voltado para as pessoas
trans, sendo os principais agentes ativos: travestis, transexuais e transgêneros, cada um deles
tendo as suas particularidades para assim pleitear direitos mais específicos.
 Travestis
As pessoas que se identificam como travestis, geralmente são aquelas que
fazem o uso de tratamento hormonal e se vestem de acordo com o gênero que
se identificam, mas não realizam a cirurgia de transgenitalização, mantendo o
órgão genital do nascimento.
 Transexuais
Já as pessoas transexuais são aquelas que realizam a cirurgia de
transgenitalização, fazem o uso do tratamento hormonal e se vestem de
acordo com o gênero que se identificam.
 Transgêneros
O uso do termo transgênero é um pouco mais abrangente, uma vez que esse
termo é utilizado para caracterizar, qualquer pessoa que não identifique-se
com o seu gênero de nascença, independente de realizar cirurgia ou
tratamento hormonal.

2. Processos de Transgenitalização
Como explicado anteriormente, a pessoa trans é aquela que não se identifica com o seu
gênero de origem e, em uma tentativa de maior inclusão, de melhorar a saúde mental dessas
pessoas, foram regulamentados e legalizados, em 2013, os processos de transgenitalização,
sendo eles o tratamento hormonal e a cirurgia de transgenitalização.

 Hormonioterapia (Tratamento Hormonal)


A hormonioterapia ou tratamento hormonal, como é mais conhecido, consiste
no tratamento no qual a pessoa trans irá fazer uso de um coquetel de
hormônios para que seu corpo vá se adaptando e transformando-se o mais
próximo possível do gênero desejado, evitando-se intervenções cirúrgicas
demasiadas e às vezes desnecessárias.
 Cirurgia de Transgenitalização
A cirurgia de redesignação sexual é o procedimento no qual ocorre a
mudança dos órgãos genitais para que estes fiquem adequados ao do gênero
pretendido, podendo ocorrer a retirada da musculatura peniana ou das mamas
e a implantação de próteses, sejam elas penianas ou mamárias.

2.1 Condições para a realização do processo transexualizador


Para regulamentar o procedimento do processo transexualizador, o Conselho Federal
de Medicina (CFM) emitiu a Resolução n° 1.955/2010, que estabelece as condições na qual
pode ser realizado esse processo. A legislação estipula que a terapia hormonal pode ser
realizada somente a partir dos 18 anos; entretanto, o CFM emitiu o Parecer n° 8/2013 que
regulamenta o processo em adolescentes de 16 anos, caso seja comprovado o transtorno de
identidade de gênero (TIG).Taldocumento também informa que, se for diagnosticado o TIG
antes dos 16 anos, pode ser feita a intervenção hormonal para o bloqueio da puberdade do
gênero do nascimento e, aos 16 anos, ser induzida a puberdade do gênero escolhida.
Contudo, para ser realizada a cirurgia de transgenitalização, são exigidas condições
mais rígidas, estabelecendo-se como requisitos essenciais ser a pessoa maior de 21 anos,
passar por acompanhamento por uma equipe multidisciplinar por no mínimo 02 (dois) anos
contínuos, ter o diagnóstico de TIG e o desejo expresso de eliminar os genitais, perder as
características primárias e secundárias do próprio gênero e adquirir as do gênero oposto.

3. Documentação
Dentre as várias pautas que estão no movimento transgênero, uma das principais é a
questão do uso do nome social e da adequação do seu gênero na documentação pois, por
diversas vezes, é extremamente degradante para a pessoa que é trans ter a sua documentação
solicitada e lá conste o seu nome e gênero de nascença, que não condiz com o seu nome ou
gênero atual, causando-se confusão e constrangimento tanto para a pessoa trans quanto para
terceiros.
Para evitar situações de constrangimento e fundamentando-se nos princípios
constitucionais da dignidade da pessoa humana, promoção do bem estar de todos sem
qualquer discriminação e na inviolabilidade do direito à liberdade, igualdade e segurança,o
Decreto n° 8.727/2016 dispõe sobre o uso do nome social e reconhecimento da identidade de
gênero das pessoas trans no âmbito da Administração Pública federal.
Ainda nesse mesmo decreto, é assegurado o direito da pessoa trans solicitar a
documentação a qualquer momento, bem como a distinção entre nome social e identidade de
gênero e também a exigência de utilização do nome civil da pessoa trans apenas em casos de
interesse público, salvaguardando-se direitos de terceiros e fins administrativos internos.

4. Projetos de Lei em Tramitação


Mesmo com tantos avanços, a doutrina sobre este tema ainda é muito escassa, fazendo
com que existam situações as quais não foram regulamentadas no nosso ordenamento
jurídico. Em paralelo, verifica-se que o Congresso Nacional ainda é muito dividido, pois não é
desconstruído o suficiente para analisar de uma forma imparcial, sem dissociar as suas
convicções pessoais no momento de tomar decisões que interferem na vida de terceiros.
Observa-se, também, que muitos dos projetos de lei sobre o tema como pauta principal
a promoção de direitos básicos como liberdade e segurança, que são garantidos pela
constituição a qualquer pessoa como é expresso no caput do ―Art. 5º: Todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade.‖ (BRASIL, 1988).
Já os demais projetos visam questões mais complexas, devido a formação social
brasileira, com o casamento e a adoção por essas pessoas, sobre o casamento o STF já a
reconhece desde 2011, porém somente em 2017 é que o STF vem a afirmar que casamento de
união estável tem o mesmo regime de herança mesmo quando homoafetivo. Entretanto a
discussão sobre adoção por parte das pessoas trans ainda não é permitida, pois é considerado
que as pessoas trans só estão nessa condição pois tem um transtorno de personalidade, as
impedindo assim de constituírem família.

 PL 6424/2013
Esse projeto de lei foi baseado em dados estatísticos da Secretaria de Direitos
humanos da Presidência da República sobre violência homofóbica no Brasil, que chega a ter o
índice atual de mais de 325,5 mortes ao ano. Por isso, esse projeto institui a notificação
compulsória em todo o território nacional nos casos de violência contra transexuais, travestis,
lésbicas, bissexuais e gays que forem buscar atendimento nos serviços de saúde, tanto da rede
pública quanto privada, visando-se assim identificar o panorama real do problema, de forma a
se construir políticas públicas que visem repercutir em termos de diminuição do número de
mortes por crime de ódio.
 PL 5002/2013
Já o projeto de lei João W. Nery ou Lei de Identidade de Gênero tem como principal
objetivo facilitar a questão de documentação e os procedimentos transexualizadores, uma vez
que este ainda é tratado com extremo rigor e existe demasiada burocracia para que se possa
conseguir realizá-lo.
Ocorre que, durante o acompanhamento com a equipe multidisciplinar, tem que ser
comprovado que a pessoa trans tem um transtorno psicológico irreversível para que ela possa
se afirmar como realmente se identifica, o que muitas vezes vai de encontro com os princípios
da dignidade da pessoa humana e da liberdade, pois é extremamente degradante que para
conseguir ser realmente quem é se tenha que alegar a existência de uma patologia psicológico
e que a liberdade para se expressar, vestir, se sentir representada ou apenas ser, da maneira
como se sinta bem, dependa da avaliação e autorização de terceiros.
Pode-se salientar que apenas o PL 5002/2013 é que tem o seu inteiro teor voltado para
as pessoas trans, enquanto os demais projetos abarcam toda a comunidade LGBT,
observando-se que desde 2007 há uma produção maior de projetos de leis com foco no
movimento LGBT, mas apenas em 2009 é que surgem projetos favoráveis à pessoas
transgênero.

5. Legislação Internacional
Diversos países já reconheceram a necessidade das pessoas trans, tanto na questão da
documentação, quanto na questão médico-cirúrgica, sendo de suma importância destacar
algumas destas legislações para se entender o que se adequa melhor ao contexto político-
social nacional e avançar na garantia do direito à liberdade que ainda é bastante limitado no
Brasil.
Dentre os países selecionados para a análise, destaca-se a Argentina, o Uruguai e
Portugal, uma vez que a Argentina e o Uruguai são países latino-americanos que tem uma
estreita relação política com o Brasil, e Portugal pela herança cultural deixada no país,
inclusive na maneira discriminatória de tratar as pessoas, além do fato da legislação nacional
assemelhar-se à portuguesa.

 Argentina – Lei 26.743/2012


A legislação da Argentina não é tão burocrática quanto a brasileira, trazendo previsões
importantes a respeito da identidade de gênero:
Identidade de gênero é a vivência interna e individual do gênero tal qual como cada
pessoa se sente, podendo corresponder ou não com o sexo designado no momento
do nascimento, incluindo a vivência do corpo. Isto pode envolver a modificação da
aparência corporal ou função corporal, por meios farmacológicos, cirúrgicos ou
outros, desde que seja escolhido livremente. Também inclui outras expressões de
gênero, incluindo a vestimenta, a maneira de falar e os modos. (ARGENTINA.
2012)

Para solicitar a mudança de gênero na documentação é necessário ser maior de 18


anos, apresentar perante o Registro Nacional de las Personas uma solicitação informando que
está amparado pela lei de identidade de gênero e solicitando a mudança na documentação
conservando o número original e informar qual o nome social será utilizado. Todavia o menor
de idade pode obter a documentação com o seu nome social, a solicitação deverá ser feita
pelos seus representantes legais e com a sua expressa confirmação.
Os únicos requisitos solicitados para a realização da cirurgia de transgenitalização ou a
hormonioterapia é a maior idade e o consentimento informado da pessoa e no caso dos
menores de idade se aplica a mesma regra para a mudança na documentação, a solicitação tem
que ser feita pelos seus representantes e existir a confirmação expressa do menor.

 Uruguai – Lei 18.620/2009

O Uruguai foi o primeiro país da América Latina a regulamentar e ter lei sobre
identidade de gênero, em 2009. Nela é regulamentada desde a mudança para o uso do nome
social, independente de cirurgia, até a questão de discriminação contra as pessoas trans.
Para ser solicitada a documentação, basta que seja requerida no órgão responsável a
mudança e como requisitos básicos eles apenas solicitam que o nome, o gênero ou ambos
estejam em discordância com o que está no Registro de Estado Civil e a permanência dessa
discordância durante dois anos contínuos, que será verificada por uma equipe multidisciplinar
com especialidade em identidade de gênero.
Este foi o único país que regulamenta a possibilidade de ser feita a volta para o nome
original, mas somente após o prazo de 5 anos depois de feita a alteração para o nome social.
Também regulamentou a questão matrimonial entre pessoas trans e a questão de
discriminação e violência contra essas pessoas.

 Portugal – Lei 7/2011


A lei de identidade de gênero portuguesa ainda trata o assunto como um grande tabu,
uma vez que para ser solicitada a mudança da documentação, é necessário que a pessoa seja
maior de idade, tenha nacionalidade portuguesa e um laudo diagnosticando ―perturbação de
identidade de gênero‖. Realizada a solicitação, existe um prazo de 08 (oito) dias para que o
pedido seja analisado, podendo ou não ser deferido.
Porém, a legislação de Portugal trata muito das questões familiares, como a alteração
para o nome social dos pais na certidão de nascimento dos filhos maiores de idade, quando
requerido, a mudança na certidão do outro cônjuge quando declarado o consentimento perante
órgão responsável e, no caso da pessoa ser casada, quando solicitada a mudança de sexo, deve
existir o consentimento expresso do cônjuge.

6. Considerações Finais
O presente trabalho teve como objetivo ressaltar aspectos iniciais sobre a questão trans
no ordenamento jurídico brasileiro, ressaltando suas particularidades que inviabilizam o pleno
exercício da autodeterminação desta população, baseada no direito ao próprio reconhecimento
enquanto sujeito. Neste panorama, destacam-se a existência de alguns Projetos de Lei sobre o
tema no cenário nacional, assim como do contexto da legislação de países que possuem
estreita relação política e histórico-cultural, particularmente do Uruguai, Argentina e Portugal.
Pode-se averiguar que a legislação brasileira sobre identidade de gênero sofreu e sofre
demasiada influência da legislação dos países supramencionados. Por esse motivo, ela se
torna contraditória em alguns momentos quando, ao mesmo tempo, dá a possibilidade de ser
exercido o direito à liberdade de ser quem queira, porém limita esse direito a uma aprovação
por parte de terceiros indicados pelo Estado.
Falta também uma garantia de que essas pessoas serão tratadas com respeito, pois
antes de tudo são seres humanos, garantia estabelecida pela Declaração Universal do Direitos
Humanos, que disciplina em seu Art.1º que ―Todos os seres humanos nascem livres e iguais
em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos
outros com espírito de fraternidade.‖ (ONU, 1948, p. 4). Porém, mesmo com a garantia de um
princípio criado por um organismo internacional, adotado pela Constituição Federal de 1988
como uma cláusula pétrea e considerado um direito fundamental, verifica-se seu desrespeito
de tal forma a gerar um índice de violência tão alta contra a população trans, como as 318
mortes no ano de 2015, vítimas diretas da violência homofóbica.
Por isso, é necessário que o Estado democrático de direito brasileiro volte a sua
atenção para a existência dessas pessoas, reconhecendo-se que, independente da sua
identidade de gênero, são cidadãos e, por isso, devem ter o seu direito à autodeterminação e
segurança pessoal respeitado e garantido.

Referências Bibliográficas

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BRASIL. Constituição Federal de 1988. Brasília. 1988. Disponível em:


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CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA (CFM - Brasil). Resolução nº 1955/2010. Diário


Oficial da União. Brasília. 3 de Set. 2010. Seção I, p. 109-10. Disponível em:
<http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2010/1955_2010.htm>. Acesso em 11 de
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CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA (CFM - Brasil). Parecer nº 8/2013. Portal Médico.


Brasília. 22 de Fev. 2013. Disponível em:
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<http://www.onu.org.br/img/2014/09/DUDH.pdf>. Acesso em 11 de Maio de 2017.
PORTUGAL. Lei nº 7/2011. Diário da República, 1ª série, Nº 52. 15 de Mar. 2011.
Disponível em: <http://ilga-portugal.pt/noticias/Noticias/lei72011.pdf>. Acesso em 11 de
Maio de 2017.

URUGUAI. Lei nº 18.620/2009. Diario Oficial, Nº 27858. 17 de Novembro de 2009.


Disponível em:
<http://tbinternet.ohchr.org/Treaties/CCPR/Shared%20Documents/URY/INT_CCPR_ADR_
URY_15485_S.pdf>. Acesso em 11 de Maio de 2017.
EDUCAÇÃO E OS DIREITOS HUMANOS: INTERSECCIONALIDADE
DO CORPO, GÊNERO, SEXUALIDADE E ETNIA-RAÇA NAS
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS

Larissa Suellen Gomes Andrade de Lima


larissasuellen39@gmail.com
NFD/CAA/UFPE

Marcelo Henrique Gonçalves de Miranda


mm.marcelohenrique@yahoo.com.br
NFD/CAA/PPGDH/PPGEDUC/UFPE

Everson Silva Cabral


eversonsilva12@gmail.com
NFD/CAA/UFPE

Luiz Felipe de Oliveira Silva


lipe-silva-@hotmail.com
NFD/CAA/UFPE

RESUMO

Em meio às relações de poder que permeia o gênero na sociedade atual, essa pesquisa tem como
objetivo analisar como as EREM localizada nas cidades de Caruaru/PE e Vitória de Santo Antão/PE,
promovem uma educação em e para os Direitos Humanos no fortalecimento do combate ao racismo e
à LGBTfobia via uma pedagogia antibullying. Utilizou-se como técnica de coleta de dados conversas
informais, observação não participante e análise documental. Como resultados parciais, constatou-se
nas duas EREM que as docentes promovem uma prática pedagógica que problematiza uma reflexão a
cerca dos marcadores sociais que incluem ou excluem indivíduos e ou grupos sociais. Entretanto,
percebe-se que temáticas relacionadas a sexualidades para além da prevenção de DST/AIDS e
gravidez na adolescência ainda são poucos abordados no cotidiano escolar.

Palavras chave: Gênero, Interseccionalidade, Direitos Humanos, Educação.

INTRODUÇÃO
Na nossa sociedade, de forma geral, e no cotidiano escolar, de maneira específica,
vemos opiniões, representações e práticas sociais baseadas no que é considerado ser macho ou
fêmea, ser homem ou ser mulher, ser heterossexual ou homossexual, ser branco ou ser
afrobrasileiro, ser pobre ou ser rico. Esse processo educacional em relação às categorias
dicotômicas, hierarquizadas e excludentes do sexo (macho-fêmea), gênero (homem-mulher),
sexualidade (heterossexualidade-homossexualidade) e etnia-raça (branco-afrobrasileiro)
dizem respeito a uma estrutura de inteligibilidade social heteronormativa que elege o homem
branco, de camada média e heterossexual como a referência de poder. Tal estrutura coloca a
heterossexualidade como ―normal‖, ―natural‖ e, ainda ―sadia‖ e a homossexualidade como o
outro elemento do par inferiormente hierarquizado (BUTLER, 2003; MATTOS, 2011;
MIRANDA, 2013). Assim, há surgimento de categorias que estão relacionadas à
multiplicidade de diferenciações, ou seja, interseccionalidades articuladas com o gênero e a
sexualidade, materializando hierarquizações no social (GOMES, 1996, 2012; PISCITELLI,
2008).
Dessa maneira, brinquedos e brincadeiras, comportamentos, roupas, profissões,
sonhos, desejos, práticas esportivas, interações sociais tanto no espaço privado (seus lares),
como no espaço público decorrem dessa estrutura heteronormativa de compreensão e
construção da realidade social (SCOTT, 1996).
Nesse processo de socialização e sociabilidade, a escola, assim como seu corpo
docente e sua gestão no cotidiano institucional são constituídos, para Louro (1997), por
categorias dicotômicas de sexo, gênero e sexualidade: "sendo impossível pensar sobre esta
instituição sem que se lance mão das construções sociais e culturais de masculino e de
feminino" (p. 89). A pesquisadora reflete que, para alguns autores, a escola é feminina porque
é primordialmente um lugar de atuação de mulheres, que organizam e ocupa o espaço, elas
são as professoras, são as gestoras. Ou seja, a atividade escolar é marcada pelo cuidado,
vigilância e educação, tarefas tradicionalmente considerada feminina. No entanto, para outros,
a escola é masculina, uma vez que lida fundamentalmente com conhecimento, e esse
"conhecimento" foi historicamente produzido pelos homens; dessa forma, mesmo que os
agentes de ensino sejam mulheres, elas se ocupariam de um universo marcadamente
masculino, porque é centrado no conhecimento.
Entretanto, a materialização dos desejos vem demonstrando que os agentes sociais não
são cem por cento engendrados nesse processo de inteligibilidade heteronormativo de pares
categorias dicotômicos, excludentes e hierarquizados entre macho-fêmea, homem-mulher,
hetorossexual-homossexual. Há ―falhas‖. Os casais heterossexuais que preferem práticas
sexuais invertidas de penetração; os/as crossdressing, as parodias corporais tais como: as
travestis, os/as transgêneros e as drag queens e os drag kings demonstram que há uma
separação/descolagem das categorias de sexo, gênero e sexualidade. Assim, um corpo
masculino necessariamente não tem de materializar um ―homem‖, nem uma
heterossexualidade (BUTLER, 2003, 2008, MIRANDA, 2013).
Entretanto, infelizmente, na sociedade brasileira, ainda há atitudes preconceituosas e
discriminatórias que materializam uma cultura predominantemente lesbofóbica, homofóbica,
transfóbica e racista presenciada nas ruas, dentro das famílias, nas escolas, nas religiões
evangélicas (pentecostais e neopentecostais) veiculadas nos jornais, telejornais, entre outras
mídias. Essas pessoas são agredidas e desmoralizadas por serem afrobrasileiras e por
apresentarem uma orientação sexual diferente da heterossexualidade que é assumida como
modelo e como ―normalidade‖ ou simplesmente por terem comportamentos que não
correspondem a um modelo masculinidade hegemônica, independente de sua orientação
sexual.
Dessa forma, os debates sobre a diferença sejam de gênero, sexualidade, classe social
e etnia-raça são modificados em decorrência das bases epistemológicas e teóricas presentes
em distintas épocas da sociedade. Para Louro (1997), a atribuição da diferença está sempre
implicada em relações de poder. A diferença, para ela, é nomeada a partir de um determinado
lugar que se coloca como referência. Logo, tudo que não se assemelhe a cultura da
heterossexualidade como hegemônica, atualmente, é tido como diferente, sendo então passível
de preconceito. A autora ainda ressalta que é possível que um indivíduo viva,
simultaneamente, várias condições de subordinação: a classe social, a raça/etnia, o gênero e a
sexualidade. Cada uma dessas condições de subordinação pode está inscrita no interior da
outra, gerando múltiplas identidades e, consequentemente, múltiplas formas de discriminação.

Nas escolas, tais dinâmicas resultam em dois aspectos: a) em um alto índice de


violências físicas, emocionais, sexuais, racistas praticadas pelos colegas, docentes e gestão
contra as professoras, estudantes mulheres e aos indivíduos (docentes, alunos/alunas,
gestores/gestoras) que não correspondem aos comportamentos da heterossexualidade
compulsória ou da heteronormatividade branca; b) em violência simbólica e ou física que
comprometem a qualidade da educação e o rendimento escolar, influenciam negativamente na
retenção, na reprodução de desigualdades sociais e ou na expulsão desses discentes dos
ambientes educacionais, caracterizando uma pedagogia excludente.
São perceptíveis já na educação básica os índices alarmantes de violência física e
emocional contra jovens, ocasionados por seus colegas, docentes, gestores e por parte
sociedade tradicional, machista, homofóbica e racista. Tal contexto de violência escolar pode
ser compreendido pela relação entre bullying, racismo e LGBTfobia63. Esse último termo
problematizando as relações de poder e denunciando uma estrutura de inteligibilidade da
heterossexualidade compulsória e ou heteronormativa que contribui na compreensão de quem
são os grupos alvos e das práticas do bullying no ambiente escolar (BATISTA, 2013; DIAZ,
SOUZA, 2010, GARCIA, 2009; SILVA, BARRETO, 2012; SILVA, SALLES, 2010)

Nessa perspectiva, Fante (2005) afirma que o bullying está relacionado a um conjunto de
atividades:

agressivas, intencionais e repetitivas que ocorrem sem motivação evidente, adotadas


por um ou mais alunos contra outro(s), causando dor, angústia e sofrimento.
Insultos, intimidação, apelidos cruéis, gozações que magoam profundamente,
acusações injustas, atuação de grupos que hostilizam, ridicularizam e infernizam a
vida de outros alunos levando-os a exclusão, além de danos físicos, morais e
materiais, são algumas das manifestações do comportamento bullying (2005, p. 29).

Lamentavelmente, as abordagens sobre as temáticas de gênero e da promoção ao respeito


à diversidade sexual conquistadas nos primeiros planos nacional, estaduais e municipais de
educação, foram retiradas dos atuais planos por setores fundamentalistas presentes no poder
legislativo. Essa exclusão da diversidade/diferença nega o dever do Estado em atender as
demandas e a promoção de direitos às mulheres e à comunidade de lésbicas, gays, bissexuais
e transgêneros (travestis e transexuais - LGBT). O silêncio/invisibilidade da diferença nas
questões de gênero e homossexualidade reforça a prática social da violência contra a
comunidade LGBT e o lugar da instituição educacional como reprodutivista da desigualdade
de gênero e LGBTfobia.
Outra grande perda em relação ao respeito aos direitos humanos e à cidadania é
descaracterização do Estado brasileiro como laico, por meio da publicação, no Diário Oficial
de Pernambuco, do Projeto de Lei elaborado pela bancada evangélica que proíbe o ensino de
qualquer temática relacionada às questões de gênero, no âmbito educacional.
Reforçando o contexto acima de violação dos direitos humanos e desrespeito à
diversidade/diferença, o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos
Humanos fez uma pesquisa e expõe que Pernambuco ocupa o segundo lugar, no país, em
números de mortes de pessoas LGBT. Esse número ficam ainda mais gritante ao articular a
categoria raça (JORNAL EXTRA DE PERNAMBUCO, 2016).

63
O termo clássico utilizado na literatura é homofobia definida como atitudes de hostilidades contra as/os
homossexuais (In BORRILLO, Daniel, Homofobia: história e crítica de um preconceito, 2010). No entanto, com
a finalidade de marcar as violências especificas sofridas por lésbicas e pessoas transgêneros (travestis e
transexuais), esse campo de produção de conhecimento tem empregado os termos lesbofobia e transfobia.
Outro aspecto que destacamos diz respeito ao racismo praticado no cotidiano
educacional, presente da Educação Infantil à Pós-Graduação. Tal prática resulta de um
processo histórico da constituição de um Estado racista promovendo uma política de
branqueamento; do mito de uma democracia racial que perpetua um processo de exclusão,
sobretudo, na interseccionalidade entre os marcadores sociais de classe social, raça/etnia,
gênero e sexualidade (BATISTA, 2013; MATTOS, 2011).
No entanto, não há apenas notícias negativas. Em resposta a tais violações dos direitos
humanos, foi publicada, no Diário Oficial da União, a Lei nº 13.185/2015 que combate o
bullying na sociedade brasileira, colocando a escola como um local privilegiado em promover
uma educação antibullying. A referida lei centra suas ações no combate às intimidações
sistemáticas (bullying) que podem ser compreendidas como:
todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem
motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas,
com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em
uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas (BRASIL, 2015).

Ao eleger a instituição educacional como principal lugar de processo de socialização de


uma cultura antibullying, a Lei nº 13.185/2015 indica que a escola tem o dever de:
prevenir e combater a prática da intimidação sistemática (bullying) (...); capacitar
docentes e equipes pedagógicas para a implementação das ações de discussão,
prevenção, orientação e solução do problema; implementar e disseminar campanhas
de educação, conscientização e informação; instituir práticas de conduta e orientação
de pais, familiares e responsáveis diante da identificação de vítimas e agressores;
integrar os meios de comunicação de massa com as escolas e a sociedade, como
forma de identificação e conscientização do problema e forma de preveni-lo e
combatê-lo (...) (BRASIL, 2015).

Considerando tais aspectos, a escola, como instituição social e promotora de uma


educação em e para os direitos humanos, tem o dever de oferecer um ambiente de incentivo às
equidades de gênero e respeito às diferenças sexuais, dentre outras. Nesse aspecto, a pesquisa
tem como objetivos específicos: a) analisar, na EREM de Caruaru/PE, a prática pedagógica,
na sala de aula do componente disciplinar dos direitos humanos sobre as temáticas de gênero,
sexualidade e etnia-raça; b) averiguar, na EREM de Vitória de Santo Antão/PE, a prática
pedagógica do grupo de estudo sobre gênero em relação das temáticas de gênero, sexualidade
e etnia-raça.

METODOLOGIA
Como se trata de uma investigação acerca da: a) análise, em uma das escolas de
referências, a prática pedagógica, na sala de aula do componente disciplinar dos direitos
humanos sobre as temáticas de gênero, sexualidade e etnia-raça; e de b) averiguar, na segunda
escola de referência, a prática pedagógica do grupo de estudo sobre gênero em relação das
temáticas de gênero, sexualidade e etnia-raça, escolhemos as técnicas de coletas de dados:
entrevista semiestruturada, conversas informais, observação e análise documental.
Essas técnicas possibilitam o acesso ao mundo subjetivo (GASKELL, 2011) das
interações das práticas pedagógicas tanto na sala de aula como no grupo de estudo sobre
gênero entre docente-discente e discente-discente. A partir desses dados, pode-se mapear uma
possível construção de uma cultura de fortalecimento dos direitos humanos com o respeito e
aprendizado com as diferenças em um ambiente democrático.
Sabido que a pesquisa ainda não está concluída, a realização de gravação das
entrevistas com os dois docentes ainda está para ser realizado. Tal ação tem a finalidade de
registrar o máximo de informação possível para posteriores averiguações. Desse modo, além
de estarmos mais livres no momento da gravação para fazermos observações escritas de
situações que escapem ao recurso da gravação em áudio, também poderemos ter uma melhor
interação com nosso entrevistado, pois ficaremos mais atentos ao conteúdo das suas
verbalizações. Assim, especularemos temas do discurso dos entrevistados que surgiram no
momento da realização da entrevista e que nos parecerão importantes para apreensão da
realidade socialmente construídas nesses dois espaços pedagógicos.

RESULTADOS E DISCUSSÕES
De início, sabendo que a interseccionalidade permite analisar a estrutura social e as
representações simbólicas, com o intuito de compreender a dinâmica da dominação social
injusta. Nesse contexto, destacamos a importância da interseccionalidade para mapear
relações de dominação específicas em que apenas a utilização de uma categoria: gênero,
etnia/raça ou sexualidade não dá conta das especificidades das relações de poder que
compõem a intersecção desses marcadores sociais.
Diante disso, no primeiro ponto sobre os resultados parciais, trazemos as visitas que
foram feitas a Escola de Referências de Ensino Médio (EREM) de Caruaru. Como
mencionado, nessa escola analisar-se-á a prática pedagógica, na sala de aula do componente
disciplinar dos Direitos Humanos sobre a interseccionalidade (gênero, sexualidade e etnia
raça).

Em uma conversa informal realizada com a docente, a referida comentou que trabalha
as temáticas de gênero e diversidade em suas aulas. No entanto, achava difícil trabalhar essa
temática devido às resistências e preconceitos ainda persistentes. Em seguida, disponibilizou-
me os componentes curriculares de Direitos Humanos, dos três anos do Ensino Médio, no
qual analisaremos a seguir.

A análise desse documento nos serve para observar o planejamento do conteúdo


programático da referida disciplina e em que anos a temática de gênero e diversidade são as
mais ou menos abordadas e quais as concepções sobre essas temáticas. É importante ressaltar
que nessa primeira aproximação com a EREM, de Caruaru destacamos em negrito os
conteúdos programáticas que podem estar relacionados com a interseccionalidade (gênero,
sexualidade e etnia/raça). O conteúdo programático está disposto da seguinte maneira:

COMPONENTE CURRICULAR DO ENSINO MÉDIO DE DIREITOS HUMANOS- EREM DE


CARUARU (2016)

2º ano 3º ano
1º ano

História da declaração universal Violação dos direitos humanos


Violência de gênero
dos direitos humanos na américa latina

Casa comum, nossa


responsabilidade – tema da Pedofilia digital Lei da adoção
campanha da fraternidade

Corrupção, tranparencia e
Dia internacional da mulher Justiça ecológica
fiscalização.
Violação dos direitos humanos Educação para relações étnico
na américa latina – artigos da raciais Tráfico humano
declaração universal dos direitos
humanos
Direitos humanos durante e pós-
A dignidade humana Direitos trabalhistas
ditadura militar

Educação escolar e
A sociedade humana e a
reafirmação da cultura Direitos trabalhistas
alteridade
indígena
A relação entre ética e moral e as
Politicas públicas para o idoso Inclusão social
práticas de humanização

As identidades nas Ética e ordem democrática de Estatuto da criança e do


diversidades sociais e culturais direito adolescente – eca

Relações de poder e
S.o.s. Cidadania Educação fiscal
desigualdades sociais

Declaração dos direitos Lei das cotas raciais Estatuto do idoso


ciganos

A história dos ciganos no Meio ambiente como patrimônio


Exploração sexual de menores
brasil humano

Direitos e questões legais das


Estatuto do torcedor Combate ao bullying no brasil
pessoas com deficiência

Alienação parental Uso consciente de redes sociais Trabalho infantil

Bullying e exclusão social Redução da maior idade penal

Relações de casamento
Lei seca: causas e consequências
homoafetivos
Comportamento seguro e
Direito a saúde – o futuro do sus
preventivo no trânsito

Eca – estatuto da criança e do


adolescente

Código de defesa do consumidor

Assim, como visto, no 1º e no 3º ano há em sua totalidade um maior trabalho com os


assuntos de gênero, sexualidade e etnia-raça. Destacamos ainda, que apenas observar o
conteúdo programático não nos permite apreender sobre a prática pedagógica, quais as
concepções desses conteúdos em relação ao gênero, etnia/raça, e sexualidade nem se os
conteúdos são abordados separadamente ou em sua interseccionalidade.

No segundo ponto sobre os resultados parciais está a segunda EREM visitada que foi
na cidade de Vitória de Santo Antão. Nessa escola há um núcleo de estudo de gênero, que será
o alvo de pesquisa. Vale ressaltar que nem todas as EREM têm núcleo de estudo de gênero,
mas todas as escolas têm a disciplina de Direitos Humanos.

Segundo a professora que dirige esse núcleo e ministra as disciplinas de Direitos


Humanos e História, nessa escola, os alunos dos terceiros anos são os responsáveis pelo
trabalho com o núcleo. Além disso, as aulas de Direitos Humanos e História se articulam com
o projeto.

Nas visitas que foi feito na EREM, em outubro e novembro de 2016, os alunos
estavam se preparando para uma apresentação de uma atividade para concluir a matéria de
Direitos Humanos e o encerramento das atividades do Núcleo de Estudos de Gênero daquele
ano. Na atividade observada, os discentes abordaram a temática do reconhecimento da
inserção da mulher na economia, no mercado de trabalho e na política.

Outro ponto a ser destacados pelos alunos foi os motivos do número de mulheres que
sofrem agressões físicas, sexuais, e simbólicas ainda serem tão grandes. Tal denúncia da
violência contra a mulher foi contextualizada com a importância da Lei Maria da Penha. Logo
em seguida, os apresentadores começaram a abordar sobre A dependência financeira e falta de
estrutura familiar.

Como prática pedagógica, os alunos do Núcleo de Gênero realizaram breves


encenações para exemplificar os tipos de violência que são práticos contra as mulheres:
violência patrimonial, psicológica, moral, física e sexual. Tal atividade suscitou
questionamentos por porte dos alunos e alunas que assistiam as apresentações no sentido de
uma desnaturalização das desigualdades de gênero.

No ano de 2017, o componente curricular do terceiro ano foi disponibilizado, no qual


será exposto a seguir:

Conteúdos Programáticos da I Unidade Competências


 A exclusão socioeconômica da  Compreender o legado que a escravidão
população afrodescendente no trouxe a população afrodescendente no
Brasil Brasil
 Conhecendo a legislação: a lei  Conhecer e defender as leis que proíbem o
contra o racismo racismo.

Conteúdos programáticos da II Unidade Competências


 Os conceitos de gênero e de  Analisar os conceitos de gênero e comparar
relações de gênero a valorização do homem e da mulher na
 Enfrentamento da violência sociedade atual.
contra a mulher  Entender as estratégias das autoridades para
enfrentar a violência contra a mulher.

Conteúdos Programáticos da III Unidade Competências


 As relações de gênero e o  Caracterizar as desigualdades entre homens
mundo do trabalho e mulheres no mercado de trabalho.
 Definir um bom ambiente de trabalho onde
homens e mulheres possa desenvolver uma
relação harmoniosa no ambiente de trabalho.

Conteúdos Programáticos da IV Unidade Competências


 Conhecendo a Legislação: Lei  Mostrar os principais aspectos da lei e as
Maria da Penha possíveis mudanças na sociedade brasileira.
 Discutir os prós e contra da lei na relação
entre os gêneros.

Na I unidade, como visto, o assunto tratado foi racismo. O dia que teve destaque da
referida temática foi 24 de março de 2017. A sala estava dividida em quatro grupos para uma
dinâmica, no qual tinha como tema o Racismo e as Políticas Públicas afrodescendentes para o
combate. Durante o debate, um dos grupos que não concordava com as cotas proferiu o
seguinte discurso: ―Não concordo com as cotas raciais. Pois, por que um negro tem mais
―vantagens‖ que um branco? Ao invés de cotas para negros, eu acharia melhor cotas sociais,
no qual o pobre seria o beneficiário dessa política‖. Diante do que já se havia debatido sobre a
história do Brasil em relação à dívida social para com os negros, mesmo depois da
escravatura, que perpetuou a permanência da população afrobrasileira nas camadas mais
baixas da sociedade; a professora frisou sobre a importância da promoção de uma política
equitativa de inclusão por meio das cotas.

Em seguida, a docente fez a seguinte pergunta: ―Vocês sabem que vocês podem estar
falando de vocês mesmos?‖ E completou: ―Aqui nessa sala pode ter negros e pobres que vêm
de uma família que não teve oportunidades, vítimas ainda do sistema que não deu
oportunidades para o negro desde a abolição da escravatura‖.

Nessa associação, podemos notar que a professora fez uma intersecção das categorias
raça e classe, no entanto o racismo ligado ao gênero e a sexualidade, por exemplo, não foram
mencionados em nenhum momento.

Na II unidade, a professora iniciou fazendo a diferenciação dos conceitos de gênero


versus sexo. Para a docente, gênero é o que define ser homem ou ser mulher na sociedade,
sendo influenciadas por questões culturais, políticas, religiosas dentre outras. Ela dá como
exemplo a diferenciação do que era ser mulher no século XVI e atualmente. Já sexo, a
professora o define como algo ligado a genitália, ou seja, macho e fêmea.

Analisando parcialmente esse início de discussão sobre gênero. Vale ressaltar que não
foi apresentado as tendências atuais no campo de produção sobre gênero e sexualidade em
que especifica que o sexo também é uma criação sociocultural ( BUTLER, 2003). Logo,
podemos analisar que a professora diferenciou de maneira clássica a distinção entre sexo e
gênero. No entanto, até o momento questões ligadas às intersecções das categorias de
diferenciação relacionadas à desigualdade e ao preconceito não foram abordadas.

CONCLUSÕES
Dependendo da variabilidade histórica e social, o conceito de gênero, sexualidade
respeito e racismo podem sofrer modificações motivando ações de combate a essas violências
e desigualdades.
Assim, retomando a análise da prática pedagógica exposta nesse artigo sobre as duas
professoras, podemos concluir que a inserção de temas que promovem uma educação para o
respeito às desigualdades está sendo incluída tanto nos planos pedagógicos como em suas
práticas docentes. No entanto, se faz necessário a intensificação sobre esses debates, para que
assim a sociedade vá atenuando o preconceito, discriminação, sexismo, misoginia e
LGBTfobia que por séculos se faz presente.

Para isso, primeiramente, é importante o reconhecimento do Estado da necessidade da


discussão desses assuntos, para que a partir desse reconhecimento promova políticas públicas
por meio de programas, projetos, capacitação para professores entre outras iniciativas que
fomentaria a destituição da cultura heteronormativa. Logo, a partir dessa promoção de
políticas públicas, juntamente com a prática pedagógica do discente, o bullying nas escolas
seria combatido e atenuado, uma vez que o homem ocidental, branco, heterossexual não seria
o padrão a ser seguido, aceitando assim, as múltiplas diferenças.

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Pós-Graduação em Educação, Florianópolis, V. 7, n. 12, jun/Dez, 2013.

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e propostas de prevenção. In Educar em Revista, Curitiba, n. especial 2, 2010.
“COM SEDAS MATEI, E COM FERROS MORRI”-
PROBLEMATIZANDO A INVISIBILIDADE TRANSEXUAL

Claudeni Maria de Lima 64


José Kleberson Rodrigues de Almeida Ananias65

Resumo: Um dos traços característicos da contemporaneidade é o fato de que as formas como as


manifestações da sexualidade são encaradas possibilitou a alteração sobre a maneira de experienciar as
Performances Sexuais e as Sexualidades como um todo. Em decorrência do crescente debate acerca da
realização de cirurgias de Transgenitalização, bem como a crescente procura por tratamentos
hormonais, que lançaram um olhar diferenciado para o fenômeno da Transexualidade. Este trabalho
tem como proposta central investigar a Invisibilidade Trans no Campo da Educação e a relação entre
transexualidade e violência de gênero, através da história de Gisberta, transexual brasileira assassinada
em Portugal em 2006, cuja história e assassinato não foram divulgados no Brasil. Apesar disso, seu
caso inspirou o compositor português Pedro Abrunhosa na criação da Balada de Gisberta gravada no
Brasil por Maria Bethânia em 2010. Visando a afirmação dos Direitos Humanos, esperamos,
evidentemente, contribuir com a compreensão do fenômeno trans. Além de problematizarmos a
necessidade de políticas públicas que possibilitem a diminuição da Violência de gênero como um todo
e, especialmente, com a problemática da Invisibilidade Trans. Fomentando o diálogo e a pesquisa
acerca da Transfobia e da Violência de Gênero, ressaltando o Poder da Educação na elaboração desses
fenômenos.

Palavras-chaves: Transfobia, Violência de Gênero, Transexualidade, Educação.

Introdução

Uma das características marcantes da atualidade é a constatação de que os


comportamentos e práticas sexuais têm gerado inúmeras inquietações de ordem jurídica, ética,
moral e social. O debate sobre a sexualidade tem sido fomentado em diferentes contextos
sociais, tendo inclusive conquistado espaço na mídia e ampliado a problematização no meio
acadêmico. Contemporaneamente temos acompanhado o desenvolvimento de debates,
pesquisas e estudos pertinentes à relação de encontro e desencontro entre o sexo dito
biológico e as performances sexuais.
Este trabalho traz reflexões pertinentes à problemática dos sexos, dos gêneros, das
sexualidades e das performances sexuais, no que tange à relação estabelecida pela
comunidade brasileira e portuguesa entre Transexualidade e Violência de Gênero, com o
intuito de refletir a respeito da Invisibilidade Transexual no campo da educação. Para
estabelecer essas relações, buscamos no primeiro capítulo, situarmos historicamente o

64
E-mail: Claudenilima@gmail.com. Aluna da Especialização em Gestão Pública do Instituto Federal de
Pernambuco, Psicóloga Especialista em Saúde Mental e Coletiva pela UNIFAVIP Devry.
65
E-mail: Klebersonpsicanalise@hotmail.com. Aluno do Mestrado em Literatura e Interculturalidade da
Universidade Estadual da Paraíba, Psicólogo do Centro de Referência em Assistência Social de Cachoeirinha-
Pernambuco.
surgimento do conceito de Transexualidade, realizando um pequeno esboço histórico a
respeito da invenção da categoria como tal.
No segundo capítulo, retratamos o Caso Gisberta a partir de um recorte biográfico, que
relata um pouco de sua trajetória no Brasil e assassinato em Portugal. Com o intuito de
realizarmos uma síntese a respeito dos aspectos jurídicos do combate a Transfobia em
Portugal e no Brasil. Por sua vez, no terceiro capítulo, lançamos um olhar crítico sobre os
Direitos Humanos, com o intuito de refletir a respeito do fenômeno da Invisibilidade
Transexual no campo da Educação, ressaltando o papel da Escola na ressignificação da
violência de gênero. Além de problematizarmos os recentes retrocessos sofridos pelo campo
da diversidade na política nacional de educação.
Para tanto, realizamos uma análise bibliográfica da obra de autores que buscam
elucidar questões pertinentes ao fenômeno transexual, como Márcia Arán e Berenice Bento.
Além de filósofos contemporâneos que lançam um olhar diferenciado para a problemática dos
gêneros e das performances sexuais como Configurações de Poder e domínio sobre os
Corpos, tais como Judith Butler e Michel Foucault. Finalmente, nos debruçamos sobre os
escritos de Guacira Lopes Louro, a fim de refletir acerca das implicações do fenômeno
transexual no campo da Educação.
Compreendendo, portanto, que a Transexualidade não corresponde a desvio de
comportamento e que a Psicologia deve colaborar com a erradicação dos preconceitos e
discriminações oriundos das questões relacionadas às práticas sexuais ou performances como
um todo. Esperamos, contudo, que este trabalho contribua com a discussão acadêmica e social
em torno da problemática transexual, ressaltando a evidência desse fenômeno, dando
subsídios necessários aos profissionais que trabalham ou estudam direta ou indiretamente com
esta temática.

Metodologia

A perspectiva metodológica abordada pelo trabalho segue os parâmetros da pesquisa


qualitativa, apresentada por Minayo (1994, p.21), como:
Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser
quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo dos significados, motivos,
aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais
profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos
à operacionalização de variáveis.

O estudo qualitativo, portanto, mostrou-se mais adequado a essa pesquisa por se tratar
de uma questão de caráter social. Nesse sentido Gamson (2006) destaca a relação entre
pesquisas de gênero e o método qualitativo, especialmente pelos aspectos da visibilidade e de
enfrentamento da autodeterminação.
O presente estudo caracteriza-se como uma pesquisa bibliográfica que de acordo com
Fonseca (2002), consiste em um levantamento de dados de trabalhos já publicados, como
artigos científicos, livros e revistas periódicas. Essa revisão bibliográfica iniciou-se a partir da
compreensão sócio-histórica da transexualidade, perpassando pela história de Gisberta e os
reflexos da transfobia nas sociedades lusófonas, até a problematização do papel da Educação
na ressignificação da violência de gênero e promoção de políticas afirmativas sobre
identidades de gênero. A pesquisa documental também se fez necessária no levantamento de
dados, especialmente sobre Gisberta, a consulta ocorreu em jornais portugueses
disponibilizados online.

Capítulo 1: Algumas reflexões sobre o surgimento da categoria Transexual

Para adentrarmos a problematização sobre a transexualidade é necessário antes de


qualquer coisa, retomar alguns conceitos, dentre eles a diferenciação entre sexo e gênero e,
consequentemente, entre orientação sexual e identidade de gênero para posteriormente
enveredar nas especificidades da categoria transexual. Inicialmente não existia diferenciação
entre sexo e gênero, pois o determinismo biológico era hegemônico. Essa máxima vigorou no
Ocidente até meados do século XX quando alguns pesquisadores iniciaram uma distinção
entre os termos, aspecto que justifica a utilização da conceituação de gênero como algo
recente e não necessariamente consensual. Entre os nomes que deram uma contribuição para a
distinção de sexo e gênero destacamos os trabalhos de Margaret Mead e Simone de Beauvoir.
Antes do trabalho dessas duas pensadoras a definição de gênero estava atrelada ao sexo
biológico em que o ser homem ou ser mulher era equivalente a ser macho ou ser fêmea, pois o
determinismo biológico era sobreposto aos aspectos culturais.
A naturalização do sexo biológico era hegemônica no pensamento ocidental até então,
foi Margaret Mead quem inicialmente defendeu que as concepções de gênero não eram da
ordem biológica e sim cultural. Mead (1988) desenvolveu pesquisas em sociedades tidas
como primitivas na Oceania, nas quais os papéis associados aos gêneros não eram
determinados pelo sexo. Concluiu assim que ao contrário do que se supunha até então, não era
o sexo que definia o papel social dos gêneros, esses seriam na verdade frutos de uma
construção cultural.
Nesse período, vale ressaltar a contribuição de Simone de Beauvoir (1980, p. 9) ao
afirmar: ―Ninguém nasce mulher: torna-se mulher‖. Beauvoir rompeu, portanto, com o
determinismo biológico sobre gênero, e seu paradigma passou a influenciar várias esferas,
com destaque para acadêmica, política e social, nas quais o seu modelo passou a ser adotado.
Emergindo então uma dicotomia sexo/biológico e gênero/cultural, modelo sustentado até o
fim do século XX, época em que passou a ser questionado. Judith Butler (2010) é a principal
expoente da crítica ao modelo de Beauvoir, ao enfatizar a importância do rompimento do
modelo sexo/gênero afirmando que ambos sofrem influência da cultura e, que, ao contrário do
que se pensava, não existem identidades sexuais, mas performances. Dá ênfase à influência da
cultura sobre o registro da dimensão de corpo tido como pré-determinado até então.
Ainda sobre a conceituação de gênero, Scott (1990, p.21) definiu como: ―[...] um
elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, e
o gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder.‖ Ao correlacionar gênero
com relações sociais e de poder, a autora dialoga com Foucault (1984; 1985; 1988), o autor
problematiza a influência do gênero e da sexualidade na estruturação da sociedade. Essa
relação foi potencializada pela categorização que conduziu posteriormente as conceituações
sobre orientação sexual e identidade de gênero.
Sendo, portanto, essa uma experiência recente na história da humanidade, como
destaca Foucault (1988), as práticas sexuais precederam as respectivas categorizações. Essa
classificação foi fortemente influenciada pela moral judaico-cristã e posteriormente pelas
ideias iluministas. Práticas que fugissem a norma heterossexual passaram a ser condenadas
moralmente graças ao poder político exercido pela Igreja Católica no Ocidente, que evoluiu
para criminalização legal nos tribunais da Santa Inquisição. O marco da proibição da
homossexualidade no mundo Ocidental, segundo Bomfim (2011) foi o Concílio de Latrão de
1179, que determinou sua criminalização. A causa para tamanha perseguição e controle da
sexualidade ocorreu devido à estreita ligação entre Igreja e Estado, a moral cristã era
determinante na ordem social e influenciava desde a educação até o campo jurídico.
Esse contexto reflete diretamente no início da categorização das práticas sexuais,
consequentemente a categorização deu origem à conceituação de identidade sexual, que
gradativamente evoluiu para concepção de orientação sexual. Dessa forma se originou a
categoria homossexual, e seguindo a mesma lógica de classificação surgiram novas
nomenclaturas na tentativa de abarcar as várias possibilidades de viver a sexualidade. Porém,
posteriormente a criminalização das práticas sexuais tidas como desviantes, tornou-se
emergente a patologização das mesmas pelo discurso médico. O discurso científico foi
determinante na categorização das práticas sexuais, como podemos evidenciar na própria
origem do termo homossexualismo66. O termo foi cunhado para fins diagnósticos, por Richard
Von Krafft-Ebing em 1886. (TONIETTE, 2005).
O termo homossexual popularizou-se, ainda segundo Toniette (2005), Krafft-Ebing
classificava o homossexualismo no campo das parafilias, fator determinante para adoção do
termo pelos manuais médicos. O processo de patologização da sexualidade fora do contexto
heterossexual foi concluído com a inclusão do homossexualismo no CID-Classificação
Internacional de Doenças. Segundo Laurenti (1984), na sua 6ª revisão em 1948 o CID incluiu
o homossexualismo como desvio sexual, mantendo a mesma classificação nas revisões de
1955, 1965 e 1975. O mesmo caminho foi adotado pelo DSM-Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais, já em sua primeira edição em 1952 incluiu o
homossexualismo como desvio sexual, mantendo a catalogação na segunda edição de 1968.
(RUSSO; VENÂNCIO, 2006).
Gradativamente o movimento por direitos dos homossexuais tornou-se emergente,
esse crescimento conduziu a questionamentos sobre a patologização dos homossexuais,
logrando conquistas do movimento homossexual nesse campo. A primeira mudança ocorreu
em 1973, no DSM-II que na sua reedição excluiu o homossexualismo como patologia. De
acordo com Toniette (2005) essa alteração levou a mudança da nomenclatura para
homossexualidade abolindo o sufixo que conotava doença. Essa mudança só seria aderida
pela OMS, através do CID em 17 de maio de 1990, no lançamento da 10ª revisão do manual.
Passemos então a conceituação de identidade de gênero, e posteriormente da
transexualidade. As primeiras pesquisas sobre identidade de gênero e a transexualidade datam
do século XIX, na Europa, especificamente na Alemanha. O conceito de identidade de gênero,
segundo Barbosa (2013) foi utilizado inicialmente por John Money. Nesse período o
advogado Karl-Heinrich Ulrichs desenvolveu uma intensa militância na luta pelos direitos dos
homossexuais, e paralelamente começou a pesquisar sobre o campo da sexualidade. Chegando
a conceituar sobre o Terceiro Sexo, termo relacionado não apenas aos homossexuais como as
experiências associadas à identidade de gênero. (FERREIRA, 2013).
Contemporaneamente a Karl-Heinrich Ulrichs o médico alemão Magnus Hirschfeld
também foi um defensor do conceito de Terceiro Sexo, como um termo genérico que buscava
abarcar as experiências paralelas à heterossexualidade e a homossexualidade. O que evidencia

66
Atualmente utiliza-se o termo Homossexualidade, para referir-se às práticas e/ou atração sexual entre pessoas
do mesmo sexo, uma vez que o sufixo ismo que denota doença. Mas como o trabalho remete nesse trecho a um
recorte histórico, iremos pontualmente utilizar esse termo.
que a conceituação de identidade de gênero se estabeleceu na tentativa de abarcar
experiências que estavam à margem da orientação sexual. A categorização que busca
classificar e relacionar os sujeitos por uma ligação identitária posterior à definição de
orientação sexual passou a abarcar o campo fronteiriço do gênero. Especialmente dos que não
se adequavam ao gênero atribuído no nascimento, como veremos na sequência há uma
correlação do saber médico nessa categorização, como ocorreu no campo das orientações
sexuais.
No que diz respeito ao campo da transexualidade, segundo Arán (2009), Magnus
Hirschfeld foi o primeiro a utilizar o termo transexualismo, ainda na primeira década do
século XX. Também foi o responsável em 1923, por uma das primeiras cirurgias de
transgenitalização que se tem conhecimento, realizada no pintor dinamarquês Einar Wegener,
que veio a adotar o nome de Lili Elbe. O caso de Lili Elbe é para muitos o primeiro de
transgenitalização que se tem conhecimento, mas Arán (2006) defende que Feliz Abraham,
aluno de Magnus, em 1921 já havia realizado a primeira cirurgia de transgenitalização da
história, em um paciente conhecido como Rudolf.
Como há poucos registros sobre o caso de Rudolf, e o início das pesquisas no campo
da transgenitalização era marcado pela experimentação e clandestinidade, alguns autores
como Castel (2001) defendem que Rudolf era na verdade um pseudônimo de Lili Elbe. Sendo
a dinamarquesa a primeira transexual da história a passar por uma readequação de gênero.
Paralelamente a essa discussão do marco inicial da transgenitalização, o procedimento só viria
a ganhar visibilidade nos anos 50, depois da cirurgia de Christine Jorgensen.
Jorgensen foi militar na Segunda Guerra Mundial e, depois de sua volta para os
Estados Unidos, toma conhecimento da possibilidade de ―mudar de sexo‖ através do
trabalho do endocrinologista dinamarquês Christian Hamburguer sobre hormônios
femininos. (LEITE JR., 2009 apud BARBOSA, 2013, p. 359- 360).

A cirurgia de Christine Jorgensen ganhou muita repercursão na mídia, dando


visibilidade ao procedimento de transgenitalização até então restrito ao caráter experimental
na Europa. Posteriormente ao período de experimentação e aperfeiçoamento de técnicas
cirúrgicas, tem início um período de sistematização e produção de conhecimento sobre o
transexualismo67. Nesse período destaca-se a contribuição de Harry Benjamin, responsável
pela definição moderna do termo transexualismo. Segundo Arán (2006), o Caso Christine
Jorgensen influenciou diretamente Benjamin na categorização do transexualismo, chegando a
desenvolver uma escala de classificação da orientação sexual, utilizada como critério de
diagnóstico.
67
O uso do termo não é consensual, tendo em vista que o mesmo tem conotação patologizante.
Dessa forma paralelamente a categorização do transexualismo ocorreu sua
patologização. Nesse sentido, Arán et al. (2009) destacam que Harry Benjamin foi o
responsável pela nosologia psiquiátrica que transformaria o transexualismo na categoria
psiquiátrica de disforia de gênero. O termo disforia de gênero por sua vez foi conceituado por
John Money como resgata Bento e Pelúcio (2012). Diante desse discurso científico
desenvolvido sobre o fenômeno da transexualidade, ocorreu o mesmo caminho já percorrido
pela homossexualidade de ingresso nos manuais de diagnóstico médico. Como destacam Arán
et al. (2009), nos anos 80, o DSM-IV catalogou o transexualismo, como transtorno de
identidade de gênero. Por sua vez o CID-10 apresenta o transexualismo como transtorno da
identidade sexual, como destacam Bento e Pelúcio (2012).
Contemporaneamente a questão mais urgente no campo da transexualidade é a
despatologização. Nesse sentido Bento e Pelúdio (2012) tecem uma análise pela via do
empoderamento como movimento de mudança da via da patologização. As autoras defendem
o gênero politizado como uma alternativa de saída do paradigma diagnóstico, nessa defesa
elencam aspectos que vão além da despatologização formal. As autoras (ibidem) destacam a
necessidade da retirada da transexualidade do DSM e do CID, além de uma inserção social e
laboral da população trans, uma visão ampla de despatologização. Em consonância com a
política internacional de Direitos Humanos e dialogando com o movimento LGBT.

Capítulo 2: Algunas reflexões sobre Transfobia e Violência de Gênero a partir do Caso


Gisberta

Gisberta é uma personagem envolta em uma aura de mistério e tragédia, existindo


pouca informação a seu respeito. Dessa forma, a tarefa de retratá-la é antes de tudo
desafiadora, principalmente porque buscamos retratar a mulher além das manchetes
ensanguentadas que envolveram os relatos de sua morte. Seguimos, então, na tentativa de
trazer à tona Gisberta, que nascida em São Paulo Gisberto Salce Junior, imigrou para Portugal
nos anos 80, fixando residência na cidade do Porto, norte de Portugal e segundo centro urbano
do país.
Sua imigração estava ligada diretamente ao intuito de arrecadar recursos para uma
cirurgia de transgenitalização. Chegou a realizar performances de transformismo,
caracterizada como Daniela Mercury, em boates daquela cidade. Adentrou, gradativamente,
na prostituição, profissão que veio a se tornar sua principal fonte de renda e subsistência.
Nesse período Gisberta contraiu HIV-AIDS, Hepatite C e Tuberculose, além da Dependência
Química que deterioraram sua saúde, nessa época aparentemente o objetivo de fazer a cirurgia
de transgenitalização foi deixado de lado. Sua saúde fragilizada conduziu-a a uma série de
serviços de Redução de Danos como o Espaço Pessoa e a Associação Abraço. Durante esse
período foi internada em uma comunidade terapêutica, de onde veio a fugir posteriormente.
(DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 2006a; G1, 2008).
A situação de vulnerabilidade social foi agravada, com sua saúde cada vez mais
deteriorada, exercer a função de profissional do sexo tornou-se impraticável. Com os recursos
cada vez mais escassos, Gisberta passou a morar no subsolo de uma construção abandonada.
Seria esse o local que marcaria definitivamente sua trajetória, aos 46 anos, seu caminho
cruzou com o de treze rapazes atendidos pela Oficina de São José68, uma instituição ligada à
Igreja Católica e vizinha ao prédio em que se abrigava.
Esses mesmos jovens tornariam-se seus agressores, e em 22 de fevereiro de 2006, seu
corpo foi encontrado em um fosso no subsolo de seu prédio. Segundo o Diário de Notícias
(2006b), o crime ocorreu entre os dias 18 e 19 de fevereiro. A perícia concluiu que Gisberta
foi torturada por dois dias e jogada ao terceiro dia num fosso de quinze metros de
profundidade. Permaneceu agonizando por 48 horas, e teve o óbito registrado por afogamento,
durante os dias de tortura sofreu violência física e sexual. Seus agressores, 13 jovens entre 12
e 16 anos, depois de dias de tortura acreditavam que Gisberta já estava morta, cogitaram atear
fogo em seu corpo, desistindo, posteriormente, com o intuito de não chamar atenção com as
chamas, decisão que os levou a optar pelo fosso. O caso foi descoberto depois de um dos
adolescentes ter comentado a respeito do crime.
A tarefa de retratá-la para além das manchetes, talvez não esteja ao nosso alcance,
porém Gisberta foi descrita pelos que conviveram com ela como uma mulher doce, bonita,
feminina, educada e inofensiva. (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 2006a). Se não é possível retratar
Gisberta para além do Caso, que esse registro valha para preservar sua memória. Nesse
sentido, é importante destacar a repercussão no campo jurídico do Caso Gisberta. ―Os 13
jovens foram condenados por crimes de ofensas à integridade física ou profanação de cadáver.
O Ministério Público acabou por deixar cair a acusação de homicídio (...)‖ (DIÁRIO DE
NOTÍCIAS, 2009).
A punição branda para os adolescentes que cometeram o homicídio de Gisberta, só
evidencia a invisibilidade da transfobia. Somados os estereótipos que nossa personagem
representava, o veredito passa a ter outro sentido: ―Gisberta era brasileira, imigrante ilegal,

68
Instituição de abrigo de crianças e adolescentes que funcionou até 2010, mantida pela Diocese do Porto.
Associada a uma série de denúncias de abuso sexual contra os internos, os crimes só foram investigados depois
da intensa cobertura do Caso Gisberta. (OLIVEIRA; DIAS, 2012).
transexual, prostituta, sem-abrigo, toxicodependente e soropositiva.‖ (FIGUEIREDO, 2007,
p.5). Não é mais da doce e inofensiva Gisberta que estamos falando, e sim de uma narrativa
que engloba uma série de sujeitos, sob o rotúlo de nonperson, ou seja, não-pessoa.
(ORWELL, 2003 apud FIGUEIREDO, 2007). O que vem a justificar não apenas a violência
sofrida por Gisberta, como também a incoerência da punição reservada aos seus assassinos
diante da gravidade do crime.
A definição de nonperson aproxima-se da concepção de Corpos Abjetos defendida por
Butler (PRINS; MEIJER, 2002), pessoas classificadas como à margem da condição humana.
Não sendo reconhecidas como tal, podem ser submetidas a qualquer forma de violência. O
registro dessas pessoas para sociedade estaria distante, impossibilitando qualquer gesto de
empatia. As transexuais têm transitado nessa lacuna de não pertencimento, seja na
comunidade LGBT, ou, na sociedade em geral na qual vigora a norma cisgênero. O que as
têm deixado em situação de extrema vulnerabilidade, esse estranhamento representado pelos
conceitos de nonperson e corpos abjetos é apenas uma tentativa de compreensão, para que um
caso de tamanha barbárie não ter tido uma resposta jurídica convincente.
Para esclarecer possibilidades e desdobramentos que o Caso Gisberta suscitou no
âmbito jurídico faz-se necessário apresentar um breve recorte da legislação sobre homofobia
vigente em Portugal. O Código Penal de Portugal estabelece agravo penal motivado por
discriminação em função do sexo ou orientação sexual da vítima, no caso de homicídio
qualificado ou ofensa à integridade física qualificada, isso é equivalente à tentativa de
homicídio ou lesão corporal grave aqui no Brasil. (LIMA, 2014).
Esse avanço apesar de recente data de 2007 (LIMA, 2014), chama nossa atenção para
o processo de mudança e adequação do Estado Português em relação à proteção dos direitos
da população LGBT. Mesmo não existindo uma legislação específica para os crimes de
homofobia, outros dispositivos asseguram à proteção dessa população. A Constituição
portuguesa estabelece a não discriminação por orientação sexual, ou identidade de gênero.
(LIMA, 2014). O Código Penal, também assegura responsabilização em função da
discriminação racial, religiosa ou sexual.
O Brasil por sua vez, não possui uma legislação específica sobre os crimes associados
à homofobia. Nem mesmo leis mais genéricas que possam servir de respaldo para um agravo
na pena, quando o crime for motivado pela orientação sexual ou identidade de gênero da
vítima. Tramitou na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 122/2006 intitulado de lei anti-
homofobia, que propõe a criminalização do preconceito motivado pela orientação sexual e
pela identidade de gênero. O projeto busca equiparar a homofobia e a transfobia ao crime de
Racismo já criminalizado pela Lei 7716/89. O projeto de Lei 122/2006 foi batizado como Lei
Alexandre Ivo69. O projeto tramita atualmente no Senado, depois de várias alterações no seu
texto inicial e enfrenta resistência da bancada conservadora e de seguimentos da sociedade.
(BOMFIM, 2011).
Diante desse cenário, podemos colocar que a situação de ambos os países do ponto de
vista jurídico merece aperfeiçoamento. Portugal ainda demanda uma legislação específica,
que criminalize a homofobia. Não podemos opinar sobre a aplicação da lei vigente no Caso
Gisberta, tendo em vista que os adolescentes foram julgados antes da regulamentação do
agravo pela orientação sexual. Reafirmamos que a mesma lei foi aprovada em 2007, e o
julgamento do Caso Gisberta ocorreu em 2006. E por sua vez, o Brasil ainda engatinha no
tema por não criminalizar a homofobia, e sequer punir como agravo os casos de violência
motivados por homofobia ou transfobia.
Esses aspectos representam um atraso para os dois países, tendo em vista que ambos
exercem extrema influência sobre as demais nações lusófonas. Como lideranças no âmbito
econômico, político, cultural e social da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
CPLP70, tinham o dever de exercer seu papel na luta e na defesa dos Direitos Humanos na
comunidade. Das nações membros da CPLP, muitas ainda criminalizam a homossexualidade
como ocorre em Angola e Moçambique, dessa forma podemos imaginar a vulnerabilidade da
população transexual nessas nações.
Para finalizar esse ciclo do Caso Gisberta como crônica da transfobia, vale destacar a
repercursão do mesmo no âmbito cultural. O Caso foi tão impactante na sociedade
portuguesa, que acabou sensibilizando o cantor e compositor Pedro Abrunhosa, na autoria da
música Balada de Gisberta. A interpretação mais célebre da música ficou registrada na voz da
cantora brasileira Maria Bethânia no ano de 2010, em seu trabalho Amor, Festa e Devoção.

Capítulo 3: Reflexões sobre os Direitos Humanos e a Invisibilidade Transexual no


campo da Educação.

A ascensão da burguesia e a Revolução Francesa influenciaram diretamente a


construção de um ideal de liberdade entre os homens baseado na ideia de direito natural. Esse
paradigma veio a substituir aquele sustentado na superioridade da nobreza e subserviência das
forças de trabalho. Dessa forma, as primeiras concepções acerca dos Direitos Humanos
surgiram na modernidade e foram representadas principalmente pela Constituição

69
Jovem morto e torturado aos 14 anos, por três homens no estado do Rio de Janeiro, devido a sua orientação sexual.
70
Comunidade formada por nações lusófonas.
norteamericana e pela Declaração dos Direitos do Homem da Revolução Francesa. (JELIN,
1994).
Nesse sentido, o campo dos Direitos Humanos no Direito Internacional tornou-se
emergente apenas após a Segunda Guerra Mundial, como reflexo das barbáries do Regime
Nazista. Depois do Holocausto a questão das minorias esteve em pauta, tornando-se
necessário um dispositivo jurídico que assegurasse proteção mínima para toda a humanidade.
A criação da Organização das Nações Unidas – ONU - em 1945 viabilizou essa normatização,
tendo em vista que as resoluções da ONU são deliberativas e devem ser seguidas pelos países-
membros.
A demanda por uma normatização que assegurasse o mínimo de proteção para os
homens e o surgimento da ONU culminou na Declaração Universal dos Direitos Humanos,
em 1948 (JELIN, 1994), tornando-se o maior símbolo de avanço e integração universal do
período pós-guerra, representando um momento de apogeu ideológico da ONU como
instituição. Por sua vez, no texto da Declaração dos Direitos Humanos é evidenciado no artigo
primeiro que ―Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos
[...]‖ (ONU, 1948). Essa premissa em si serve de parâmetro para problematização da
invisibilidade e vulnerabilidade dos transexuais, que tem seus direitos violados.
Para compreender como ocorre essa violação é necessário tipificar as formas de
discriminação relacionadas à orientação sexual e identidade de gênero. Para conceituação
vamos nos ater à origem e significado dos termos homofobia e transfobia. Segundo Rios
(2007), o conceito de homofobia surgiu nos anos 60 como fruto de uma pesquisa do psicólogo
americano George Weinberg. Nessa pesquisa, George buscou classificar o comportamento de
hostilidade em relação aos homens homossexuais com o uso termo homofobia. Ainda de
acordo com Rios (2007), outras formas associadas à discriminação por orientação sexual
como a lesbofobia (lésbicas), ou identidade de gênero como a transfobia (transexuais),
seguiram o mesmo modelo de classificação estabelecido inicialmente por Weinberg.
Adentrando no âmbito da educação, a diversidade sexual ainda enfrenta muitos
desafios, mas o maior aparentemente é romper com a invisibilidade. Nesse sentido Louro
(1997, p.67-68, aspas da autora) pontua;
Ao não se falar a respeito deles e delas, talvez se pretenda "eliminá-los/as", ou, pelo
menos, se pretenda evitar que os alunos e as alunas "normais" os/as conheçam e
possam desejá-los/as. Aqui o silenciamento — a ausência da fala — aparece como
uma espécie de garantia da "norma".

A escola nesse sentido se apresenta como uma ferramenta de controle a serviço da


reprodução do discurso heteronormativo e cisgênero. Não apenas alunos são vítimas desse
silenciamento, mas professores trans ou homossexuais, também estão vulneráveis a essa
posição marginalizada. Nesse contexto Junqueira (2012) defende a existência de uma
Pedagogia do armário, para ilustrar o controle dos gêneros e da sexualidade na educação.
Mesmo que algumas iniciativas no campo da Educação, foram implementadas no
intuito de reduzir desigualdades e promover políticas afirmativas no campo de gênero no país.
Tais como o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (BRASIL, 2006), o Prêmio
Construindo a Igualdade de Gênero (BRASIL, 2007) e a Rede de Educação para a
Diversidade (BRASIL, 2014) são algumas dessas iniciativas que representam, além de uma
possibilidade de ressignificação, uma reação à invisibilidade do debate sobre gênero na
escola.
Porém ainda não existe uma política unificada que assegure o nome social para
estudantes transexuais nos estabelecimentos de ensino. Além disso, temos enfrentado uma
imensa onda de retrocessos que tem colocado em risco a continuidade de políticas afirmativas
no campo de gênero na educação. Recentemente o Ministério da Educação retirou todas as
menções a Identidade de Gênero e Orientação Sexual da nova Base Nacional Curricular. Mais
uma vez a diversidade é silenciada do contexto escolar, recolocada no armário.
Aparentemente além de uma Pedagogia do armário como defendida por Junqueira (2012),
temos uma Pedagogia dos invisíveis.

In (conclusões) e Considerações Finais

As identidades humanas num sentido geral são compreendidas a partir da união e


entrelaçamento de uma série de características do sujeito, que envolvem, inclusive, atributos
de sua história individual. Partindo desse princípio comungamos com Arán (2006) quando
esta afirma que a Transexualidade é correspondente ao sentimento de não pertencimento ao
sexo biológico equivalente, ocasionando, por isso, diversas formas de sofrimento ao sujeito.
A identidade de gênero dos indivíduos, portanto, não é ancorada na suposta natureza
que o sexo anatômico parece exibir, mas adquirida socialmente a partir de performances que
fazem relativizar as noções de homem o e mulher como um todo. Por esta razão, a
Transexualidade representa um contraste diante da suposta imposição da natureza e, por isso
mesmo, força motriz da problematização das identidades. Uma vez que as normas de gênero
exigem uma identidade construída a partir da tríade gênero-sexo-desejo. Os sujeitos não
subordinados à referida norma adquirem o status de não humanos, nonpersons, o que os
sujeitam a diversas formas de violências, entre elas aquelas ditas físicas e simbólicas.
A respeito da Transexualidade, conforme vimos através deste trabalho, o ódio pode
chegar a atitudes radicais de privação destes sujeitos ao direito à vida, em decorrência da
Violência de Gênero e da chamada Transfobia. Esperamos, contudo, ter contribuído a partir
deste trabalho com as questões referentes à problemática transexual, bem como com a
necessidade de criação de leis que reafirmem os Direitos Humanos tidos como universais,
mas nem sempre respeitados. Além de fomentar o debate sobre a Transexualidade no campo
da Educação.

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O PANORAMA DE VIOLÊNCIA CONTRA A COMUNIDADE LGBT NO
BRASIL E A IMPRESCINDIBILIDADE DE INSERÇÃO DA LGBTFOBIA
COMO CRIME NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO

Alan Jósimo de Santana Galvão, Universidade Federal de Campina Grande (alanjosimo@gmail.com).

RESUMO: Consta-se, no Brasil, que indivíduos que têm uma orientação sexual diversa do padrão
heteronormativo imposto pela sociedade, como gays, lésbicas e bissexuais, e pessoas com identidade
de gênero diversa do seu sexo nascimento, ou seja, transexuais, são vítimas, de maneira corriqueira, de
crimes de ódio, isto é, infrações motivadas exclusivamente pela intolerância contra a comunidade
LGBT. Diante deste contexto de acentuadas violações aos direitos humanos de tal grupo, o presente
artigo almejou discorrer sobre o atual panorama de violência contra a comunidade LGBT no Brasil e a
consequente imprescindibilidade de inserção da LGBTfobia como crime no ordenamento jurídico
pátrio. Para a consecução de tal objetivo, foi utilizada a pesquisa de referenciais escritos, constando-se,
ao fim, que criminalizar a LGBTfobia é um dever do legislador, tendo em conta o mandamento
constitucional de que a lei deve punir quaisquer discriminações atentatórias dos direitos e liberdades
individuais, servindo, ainda, para reprimir as usais violações à dignidade humana que as pessoas gays,
lésbicas, bissexuais e transexuais sofrem no território pátrio e combater o preconceito e a
discriminação motivados unicamente pela orientação sexual e/ou identidade de gênero das vítimas.
Palavras-chaves: Violência, crimes de ódio, LGBTfobia, criminalização.

1. INTRODUÇÃO

A violência contra a comunidade LGBT no Brasil é uma horrenda realidade que


produz vítimas todos os dias. Unicamente por causa de suas orientações sexuais e/ou
identidades de gênero, milhares de indivíduos têm suas existências dilaceradas
cotidianamente, sendo assassinados ou agredidos de forma bárbara. O Poder Público,
responsável pela proteção social dos cidadãos, pouco ou nada faz para reverter referido
cenário de desvalorização da vida humana. Omissão esta que coopera para o agravamento
deste panorama de acentuada selvageria direcionada às pessoas lésbicas, gays, bissexuais e
transexuais.
Dados do Grupo Gay da Bahia, uma das principais organizações de cidadania LGBT
nacional, explicitam que, em 2016, 343 pessoas morreram em homicídios com teor
LGBTfóbico, o que compreende uma morte a cada 25 horas (CANOFRE, 2017). Por sua vez,
o Relatório de Violência Homofóbica no Brasil, do Ministério das Mulheres, da Igualdade
Racial e dos Direitos Humanos, constatou que, em 2013, ocorreram 3.398 violações
relacionadas à população LGBT no território pátrio (ROSA, 2016). Ademais, segundo
pesquisa da organização Transgender Europe, o Brasil é o pais que mais mata transexuais do
mundo, sendo registradas, entre janeiro de 2008 e março de 2014, 604 mortes (CAZARRÉ,
2015).
Torna-se, assim, evidente que, no território pátrio, a LGBTfobia, ou seja, o ódio contra
gays, lésbicas, bissexuais e transexuais (LEMOS; BRANCO, 2015), tem sido fator que
contribui para a violação da dignidade das pessoas que fazem parte da população LGBT.
Ademais, representa uma clara discriminação dos direitos e liberdades fundamentais, o que,
conforme o artigo 5º, inciso XLI, da Constituição Federal, deve ser objeto de punição pela lei
penal, criminalizando-se, deste modo, quaisquer condutas que atentem contra a liberdade de
orientação e identidade sexual das pessoas (BRASIL, 1998).
Deste modo, tendo em vista que, no território pátrio, gays, lésbicas, bissexuais e
transexuais são vítimas, de modo contínuo, de crimes de ódio, isto é, infrações ensejadas
exclusivamente pela intolerância contra indivíduos da comunidade LGBT, verifica-se a
exacerbada necessidade de se abordar acerca do cenário de violência contra a comunidade
LGBT no Brasil e a necessidade de criminalização da LGBTfobia.
Sendo assim, esta pesquisa contribuirá nos estudos concernentes à violência contra a
comunidade LGBT, tornando possível a elucidação de mecanismos que visem coibir
supracitada situação calamitosa. Evidencia-se, deste modo, que este levantamento é de suma
relevância para as Ciências Jurídicas, uma vez que o Direito, como instrumento para regular
as relações sociais, deve estar atento às demandas da sociedade como um todo, protegendo de
maneira eficaz os interesses da coletividade. Com isso, possibilitar um ambiente em que os
seres humanos não sejam objeto das mais diversas violações e tenham seus direitos
resguardados deve ser uma prioridade de um Estado Democrático de Direito, logo, a
explanação relativamente a esta temática assume papel fundamental.

2. METODOLOGIA

Para se discorrer acerca do objetivo do presente estudo, foi utilizada a pesquisa


bibliográfica, a qual, conforme Marina de Andrade Marconi e Eva Maria Lakatos (2003),
compreende toda a bibliografia pública em relação à temática em análise, tais como
publicações avulsas, boletins, revistas, jornais, pesquisas, livros, teses, monografias, entre
outros.
3. NOÇÕES DE GÊNERO, IDENTIDADE DE GÊNERO E ORIENTAÇÃO SEXUAL

Averígua-se que gênero é a construção social do sexo, sendo este qualificado como
uma caracterização anatômica e fisiológica do ser humano (SILVA, 2016). Nos dizeres de
Izquierdo (1990), gênero é obra cultural, modelo de comportamento que diz respeito às
definições concernentes ao ser masculino ou feminino, ou seja, a exteriorização destes
caracteres perante a sociedade.
Por sua vez, identidade de gênero é o modo como o indivíduo, de forma independente
do seu sexo biológico, se autopercebe (ANDRADE NETO; ALVES, 2015). Jaqueline Gomes
de Jesus (2012) deixa claro que a definição do que é homem ou mulher não é pertinente aos
cromossomos ou a conformação genital, mas a auto-percepção e a maneira com que o
indivíduo se expressa socialmente. No que concerne a tal, verifica-se que a pessoa transexual
apresenta percepção de que a definição sexual que lhe é atribuída está caracterizada pela
dissonância da realidade, isto é, não lhe é própria (MIZRAHI, 2006), identificando-se, assim,
com o gênero oposto do seu sexo de nascimento.
No que diz respeito à orientação sexual, esta é conceito ligado ao interesse afetivo-
sexual de determinado sujeito (CUNHA, 2014). Pode ser compreendida como a forma com
que o indivíduo manifesta sua sexualidade, sendo heterossexual, homossexual, bissexual ou
assexual (MALUF, 2010). Refere-se ao sexo ou ao gênero objeto de desejo de uma pessoa,
não implicando consciência, intenção ou quaisquer opções (SILVA, 2016).

4. O PANORAMA DE VIOLÊNCIA CONTRA A COMUNIDADE LGBT NO BRASIL

Percebe-se, no Brasil, que pessoas que possuem uma identidade de gênero diversa do
seu sexo de nascimento, ou seja, transexuais, e indivíduos que têm orientação sexual que se
afasta da heteronormatividade imposta pela sociedade tradicional, como lésbicas, gays e
bissexuais, sofrem diariamente com a chamada LGBTfobia, a qual, conforme Lemos e Branco
(2015), pode ser entendida como a atitude marcada pela hostilidade geral, psicológica e
social, contra o ser humano que sente desejo afetivo-sexual por indivíduos do mesmo sexo ou
de ambos, havendo, também, rejeição àqueles que não se resignam com a identidade de
gênero preestabelecida para o seu sexo biológico. Neste contexto de ódio descomunal contra a
comunidade LGBT, além de um preconceito nefasto, mortes, agressões, torturas, violência
psicológica e outras violações tornam-se frequentes.
Em 2015, canais como Disque 100 e Humaniza Redes registraram 1.983 queixas de
violações aos direitos humanos contra a população LGBT brasileira. De acordo com a
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 23% das vítimas são gays, 12%
travestis, 10% lésbicas, 9% transexuais e 2% bissexuais. Das denúncias, 47% foram de
pessoas entre 18 e 30 anos (LUIZ, 2016).
Os assassinatos contra a comunidade LGBT não param de crescer no Brasil. Em 2000,
foram 130. Em 2010, 260. Após 5 anos, em 2015, 318 morreram em virtude de crimes de
ódio. As estatísticas deixam claro que a inércia do Poder Público em buscar reverter o quadro
de violência LGBTfóbica contribui de maneira acentuada com o aumento da selvageria
direcionada à pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transexuais no território brasileiro. Deste
modo, em 2016, segundo levantamento do Grupo Gay da Bahia, o número de homicídios
bateu recorde histórico, chegando a 343, o que representa um óbito a cada 25 horas. São
Paulo, com 49 vítimas, é o estado que mais registrou mortes no ano supracitado. Em termos
regionais, o Norte lidera o número de assassinatos por habitantes, sendo computados 3,02
homicídios para cada um milhão de pessoas (ALVIM, 2017). Das vítimas, 32% tinham entre
19 a 30 anos e 20,6% eram menores de 18. Das mortes, 173 foram de gays, 144 de trans e
travestis, 10 de lésbicas, 4 de bissexuais e 12 de heterossexuais que estavam em um
relacionamento com pessoas trans ou que morreram por defender LGBTs. A pesquisa
constatou, ainda, que, proporcionalmente, uma mulher trans tem 14 vezes mais chances de ser
assassinada do que um homem cisgênero gay (CANOFRE, 2017).
O modo de execução dos assassinatos deixa claro o teor de crime de ódio nos casos
apurados. Por exemplo, o bacharel Helmiton Figueiredo, de 30 anos, foi morto com 60
facadas em Cabo de Santo Agostinho, Pernambuco. Bruno C. Xavier teve sua vida dizimada
em Diadema, São Paulo, sendo esquartejado e cimentado em seu apartamento. Pablo Garcez,
em Manaus, teve seu tronco e braços decepados. Além da morte bárbara, todos estes têm em
comum o fato de terem suas vidas dilaceradas pelo único fato fazerem parte da comunidade
LGBT (TALENTO, 2016).
Eduardo Michels, coordenador do banco de dados da pesquisa do GGB, indica que a
realidade deve ultrapassar em muito tais estimativas, tendo em vista que os números apurados
são construídos a partir de notícias em geral e, ademais, familiares das vítimas, policiais e
delegados, sem provas ou base teórica, descartam de modo precoce a presença de LGBTfobia
em muitos desses assassinatos (TALENTO, 2016). Luiz Mott, fundador do GGB, enfatiza
que, como não há levantamentos governamentais sobre crimes de ódio, muitos casos acabam
sendo deixados de lado e que as próprias delegacias não têm sistema ou protocolo para a
inserção de termos relativos a sexualidade em seus boletins, dificultando, por conseguinte, a
obtenção de dados e as investigações (CANOFRE, 2017).
Na mesma linha, a violência contra transexuais no Brasil coloca o país no topo do
ranking dos que mais matam pessoas trans no mundo, fazendo com que a expectativa de vida
destas não passe dos 35 anos. Neste cenário de exacerbada brutalidade, dados da Associação
Nacional de Transexuais e Travestis do Brasil mostram que 40% dos assassinatos de
indivíduos trans registrados no mundo ocorrem em solo brasileiro (JORNAL DO
COMÉRCIO, 2016).
As ocorrências evidenciam a crueldade por trás destes homicídios. Em 2014, no Rio
de Janeiro, uma menina trans de 8 anos foi espancada até a morte pelo pai, que visava ensiná-
la a se comportar como homem. Na zona leste de São Paulo, Laura Vermont, com um tiro em
seu braço esquerdo e a cabeça ensanguentada, foi encontrada jogada na rua por seus próprios
pais. No hospital, com 18 anos, não resistiu e morreu em consequência de um traumatismo
craniano. Policiais militares foram os responsáveis pelo tiro que pôs fim a vida de Laura.
Segundo estes, o disparo foi motivado pela resistência da mesma. Contudo, o laudo
necroscópico aponta que o projétil partiu de baixo para cima, o que indica a possibilidade dela
já estar rendida no momento do ataque. Ainda, cinco rapazes foram acusados de espancar a
jovem e acabaram por confessar a prática do delito, mas respondem em liberdade (CARTA
CAPITAL, 2015). Natylla Mota Barreto, de 21 anos, ao chegar ao hospital após ser atacada
com socos, chutes e facadas, foi novamente vítima de agressão. Três mulheres e um homem
chutaram-na no rosto, verbalizando, também, inúmeras ofensas transfóbicas. Funcionários,
enfermeiras, seguranças e direção do local estão sendo investigados pelo crime de
prevaricação (CELESTINO, 2016).

5. A CRIMINALIZAÇÃO DA LGBTFOBIA NO BRASIL COMO FORMA DE


PROTEÇÃO DA COMUNIDADE LGBT E CONSEQUENTE REPRESSÃO DOS
AGENTES CRIMINOSOS

Diante do quadro de cristalina violação aos direitos humanos da comunidade LGBT no


Brasil, onde pessoas morrem e são lesionadas porque são homossexuais, bissexuais,
transexuais etc., torna-se inegável a impreterível necessidade de tipificação da LGBTfobia
como crime, fazendo com que a proteção penal destes indivíduos seja efetiva e coibindo a
prática de crimes de ódio.
Verifica-se que a liberdade sexual, de identidade sexual, de gênero, orientação e
prática sexual é uma liberdade fundamental, estando ligada ao direito à intimidade, isto é, à
autonomia privada, a qual possibilita que o sujeito tenha a garantia de fazer suas próprias
escolhas e se identificar de quaisquer formas sem a intervenção do Estado, podendo amar,
agir, viver, ser e conviver da maneira que lhe aprouver (GONÇALVES, 2015).
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XLI, é categórica ao afirmar que a lei
deve punir qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais
(BRASIL, 1988). Deste modo, conforme Luiz Carlos Gonçalves (2015), nestas ordens de
criminalização, a Carta Magna determina ao Poder Legislativo que tipifique comportamentos,
reduzindo seu espaço de discricionariedade, ou seja, não cabe ao legislador decidir se é ou não
conveniente utilizar o Direito Penal. Logo, opções ideológicas ou meras convicções pessoais
não serviriam como justificativas para o descumprimento de uma ordem direta da
Constituição. A partir de supracitado imperativo do artigo 5º, inciso XLI, reconhece-se um
mandado constitucional de criminalização de condutas ofensivas à liberdade de orientação e
identidade sexual. Portanto, a inserção da LGBTfobia como crime no ordenamento jurídico
pátrio encontra fundamento na Lei Maior.
Tem-se que a dignidade da pessoa humana é, segundo postulado do artigo 1º, inciso
III, da Constituição Federal, um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito
(BRASIL, 1988). Neste sentido, como qualquer ser humano tem ao seu alcance a garantia de
proteção desta, podendo utilizá-la como meio para assegurar o respeito às diferenças e à livre
manifestação dos seus desejos, qualquer ato que atente contra referido preceito deve ser
objeto de repressão. Com isso, criminalizar a LGBTfobia é uma forma de garantir o resguardo
da dignidade das pessoas gays, lésbicas, transexuais e bissexuais (PINTO, 2011).
Nota-se que qualquer discriminação baseada na orientação sexual ou identidade de
gênero do indivíduo representa evidente desrespeito à dignidade humana, o que infringe um
dos mais basilares princípios da Carta Magna, devendo tais práticas serem punidas no âmbito
do Direito Penal, tendo em vista o agravante de que foram realizadas em decorrência
unicamente do ódio contra pessoas da comunidade LGBT. Ser alvo de ofensas, desrespeitos,
agressões e assassinatos obsta o pleno exercício de uma vida digna, logo, em um panorama
em que tais atos são corriqueiros, o Estado possui o claro dever de atuar para reverter esta
situação danosa (PINTO, 2011).
Como inexiste tipo penal para a LGBTfobia no Brasil, torna-se dificultoso analisar o
real panorama dos crimes LGBTfóbicos no território pátrio, uma vez que isto contribui para
que muitas das ocorrências de assassinatos, agressões físicas e discriminações que possuem
natureza de crime de ódio contra a orientação sexual e/ou identidade de gênero das vítimas
não sejam registradas como tal. Sendo assim, percebe-se que não a criminalização influi
diretamente na falta de dados sobre a violência contra LGBTs, a qual se mostra como um
acentuado obstáculo para a instituição de políticas públicas que visem coibir referido quadro
(GIUSTI; FARAH, 2016).

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do fato de que, no Brasil, pessoas lésbicas, bissexuais, gays e transexuais são
vítimas das mais diversas formais de violência unicamente em decorrência de suas
orientações sexuais e/ou identidades de gênero, verifica-se que o Estado, como responsável
pelo resguardo dos direitos e garantias de todos os cidadãos, deve atuar de modo a coibir
referido panorama marcado por acentuada violação à dignidade dos indivíduos da
comunidade LGBT.
Averígua-se que, em 2016, foram registrados 343 óbitos de indivíduos pertencentes a
supracitado grupo, o que representa uma morte a cada 25 horas. Homicídios estes motivados
pela intolerância, discriminação e ódio. Ademais, destaca-se que a realidade ultrapassa, em
muito, tal estimativa, uma vez que as delegacias não possuem suporte para incluir em suas
ocorrências termos ligados à sexualidade e identidade de gênero, o que obsta a obtenção de
dados e investigações. Outrossim, familiares das vítimas, policiais e delegados, de modo
precoce, com ausência de instrumentos probatórios, afastam a presença da LGBTfobia em
muitos destes assassinatos.
Criminalizar a LGBTfobia, portanto, mais do que uma impreterível necessidade diante
do panorama de acentuada violência contra a comunidade LGBT no Brasil, é um dever do
legislador, tendo em conta o mandamento constitucional de que a lei deve punir quaisquer
discriminações atentatórias dos direitos e liberdades individuais. Referida tipificação,
também, serve para reprimir as usais violações à dignidade humana que as pessoas gays,
lésbicas, bissexuais e transexuais sofrem no território pátrio. É, ainda, meio para combater o
preconceito e a discriminação motivados unicamente pela orientação sexual e/ou identidade
de gênero das vítimas, o que contribuirá para a coibição dos crimes de ódio, apuração dos
delitos e consequente efetiva proteção dos indivíduos LGBTs.

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2017.
O RECONHECIMENTO DO NOME SOCIAL DE PESSOAS TRANS NA
REDE DE ENSINO MUNICIPAL DE CARUARU

Antônio Alves de Santana, tonyufcg@hotmail.com UFPE

Resumo do artigo: O presente trabalho explora a categoria gênero na perspectiva dos direitos
humanos no que se refere ao reconhecimento do nome social por pessoas trans na educação. A ideia
central é compreender a relação da luta pelo reconhecimento do nome social como elemento
constitutivo das identidades de transexuais e travestis no espaço escolar no município de Caruaru.
Ressalta-se que o reconhecimento e uso do nome social, já se configura como direito adquirido com
base em algumas normativas legais. O decreto o Decreto N° 050, de 27 de Maio de 2014, por
exemplo, que dispõe sobre a inclusão e uso do nome social de pessoas travestis e transexuais nos
registros municipais relativos a serviços público municipal. O reconhecimento e o uso nome social por
pessoas trans nos espaços públicos e privados, garantem o mínimo de dignidade desses/as cidadãs/ãos,
o respeito a sua identidade de gênero e assegura algum respeito à pessoa humana.

Palavra-chave: pessoas trans; nome social; bases legais

O RECONHECIMENTO DO NOME SOCIAL DE PESSOAS TRANS NA


REDE DE ENSINO MUNICIPAL DE CARUARU
Antônio Alves de Santana

1.Introdução
O presente trabalho explora a categoria gênero na perspectiva dos direitos humanos no
que se refere ao reconhecimento do nome social por pessoas trans na educação. O nome social
é usado por pessoas que não se identificam com o seu sexo biológico, ou seja, necessitam ser
tratadas de acordo com sua orientação sexual e de gênero. A ideia central é compreender a
relação da luta pelo reconhecimento do nome social, como elemento constitutivo das
identidades de transexuais e travestis no espaço escolar no município de Caruaru.
A cidade de Caruaru é marcada por discursos conservadores e preconceituosos
historicamente construídos e reproduzidos na trajetória social brasileira, onde o estigma, a
segregação e a discriminação se tornaram instrumentos de poder que subalternizam e limitam
culturalmente e socialmente a cidadania de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais
(LGBT), sobretudo as pessoas trans que, nesse cenário de intensa violência, são alvos
recorrentes da discriminação social.
O não reconhecimento do direito ao nome social pelas instituições educativas,
infelizmente acaba contribuindo para com o processo perverso, que invisibiliza e segrega
todos/as aqueles/as que apresentam identidades de gênero que fogem aos padrões de
normalização estabelecidos pela sociedade ou como alguns autores preferem chamar,
dissidentes de gênero e sexualidade.
Diante destas questões pretendemos responder ao seguinte problema: Quais os
desafios que as pessoas trans enfrentam para o reconhecimento do nome social na escola?
Com base no nosso problema, tivemos por objetivo geral analisar como as escolas da rede
Pública de Ensino Municipal em Caruaru/Pernambuco se posicionam sobre o direito ao nome
social de pessoas trans. Para tanto, elencamos como objetivos específicos (1) Levantar a
legislação vigente que assegura o uso do nome social das pessoas trans na educação; (2)
Recuperar a história do movimento trans e as reivindicações no campo da educação e (3)
Analisar experiências escolares envolvendo o nome social de estudantes trans de Caruaru.
Considerando os objetivos do nosso trabalho, a metodologia utilizada lançou mão do
diálogo com autores/as que discutem a problemática do nome social de pessoas trans como
Bento (2014), Hogemann (2014), entre outros/as. Fizemos uso de abordagem qualitativa de
pesquisa, documental, bibliográfica e entrevistas semiestruturadas com alunos/as trans,
delimitamos entrevistar 2(duas) mulheres trans e 1(um) homem trans matriculados/as na rede
de Ensino Municipal de Caruaru.
O ineditismo desse tipo de pesquisa em Caruaru demonstra sua importância para o
campo teórico de gênero, sexualidade e educação na Perspectiva dos direitos humanos,
visando romper o silenciamento, a exclusão, a violência e a ―eliminação social‖ que tem
acompanhado a trajetória das pessoas trans. A contribuição do nosso trabalho para a
sociedade é a sistematização dos marcos legais que amparam e acolhem as reivindicações por
direitos sociais, presente na pauta de reivindicações do movimento LGBT no cenário nacional
e local. O reconhecimento e o uso nome social por pessoas trans nos espaços públicos e
privados garantem o mínimo de dignidade desses/as cidadãs/ãos, o respeito a sua identidade
de gênero e assegura algum respeito à pessoa humana.

1.1 Transexualidade e nome social: uma discussão teórica

O desafio de reconhecer-se como homem e mulher em meio a uma sociedade plural e


complexa a qual estamos inseridos apresenta um conceito para além do que foi posto
historicamente e socialmente estabelecido no que se refere a ser homem e mulher. Há uma
infinidade de conceitos e preconceitos em torno da homossexualidade dentro de uma
complexidade de identidades sexuais e identidades de gênero. A nossa sociedade tende a
designar e moldar tipos de papéis sociais aos indivíduos ―machos‖, e algumas classes de
papéis sociais específico para as ―fêmeas‖. São macho e fêmea no senso comum, aqueles/as
que se comportam socialmente de formas convencionalmente masculinas ou femininas dentro
dos padrões hegemônicos tão cultivados e valorizados ainda em nossa sociedade.
Nesse sentido podemos entender que a homossexualidade como a existência e manifestação
do desejo sexual por uma pessoa do mesmo sexo. Ou seja, a orientação sexual se apresenta de
forma ―subjetiva‖ sendo parte constitutiva das identidades ―... É desejo ou atração por pessoas
do mesmo sexo, seja homem ou mulher‖ (MEIRA.2002,p32).
A partir desse contexto, podemos afirmar que a orientação sexual é ambivalente, e
vale ressaltar que necessariamente os papéis dos indivíduos não são os mesmos
desempenhados nas relações heterossexuais. Ora, com isso não pretendemos reafirmar a ideia
da reprodução dos papéis sexuais nas relações, sejam elas homossexuais ou heterossexuais,
mas dar maior sustentabilidade à ideia de orientação sexual ambivalente no campo da
sexualidade na contemporaneidade, assim é preciso compreender efetivamente diversidade
sexual e de gênero através de suas múltiplas configurações indenitárias.
Nesta perspectiva entendemos que o critério que define a identidade não é o sexo
biológico, não é a genitália, nem os corpos, mas o sentir-se homem, mulher ou possuir um
gênero neutro. A transexual ou transgênero encontra-se em trânsito entre os dois gêneros: o
biológico e o psicológico. É o caso do sargento Fabiane Portela, que conseguiu definir sua
identidade humana, marcada pela divergência entre sua sexualidade anatômica e a
psicológica.
Fabiane [...] ‗Tinha vontade de usar roupas femininas, ser delicada, mais sensitiva e
intuitiva‘, lembra. Ela acreditava que os sentimentos eram parte da adolescência e passariam.
No entanto, o problema aumentou, gradativamente, até um ponto em que se tornou impossível
conviver com o antagonismo. ‗Na verdade, era uma mulher presa a um corpo masculino.
‗Sofri muito para me conscientizar disso‘. (ALVES, 2008, p 10).

O caso do sargento Fabiane não é muito diferente de outras pessoas transexuais ou


transgêneros que além de sofrerem com a dificuldade de relacionar sua identidade sexual e
social, são vítimas, constantemente, do preconceito e da discriminação por parte da sociedade
mais conservadora que reproduz estereótipos sociais em relação à diversidade sexual e de
gênero. Para melhor compreender essa questão das subjetividades, como também a
materialização das identidades sexuais, Louro(2004) nos apresenta a contribuição da teoria
Queer como subsídio para situarmos a condição em que se encontram os grupos
―minoritários‖ na sociedade. ―Queer pode se traduzido por estranho, talvez ridículo,
excêntrico, raro, extraordinário. Mas a expressão também se constitui na forma pejorativa
com que são designados homens e mulheres homossexuais.‖ (LOURO, 2001, p. 546).
O nome possui funções diversas em meio à sociedade que caracteriza e individualiza o
indivíduo por meio deste. Nesse sentido vale ressaltar que travestis e transexuais buscam o
reconhecimento do nome social, como garantia do direito a representação/reconhecimento da
sua identidade de gênero como também em vários aspectos da vida em sociedade. E essa
mesma sociedade cerceia a população trans por meio de estigmas colocando-a na categoria de
marginalizadas/os, devido a sua ―anormalidade‖, fruto do estereotipo de quem não
corresponde ao sexo biológico. Diante dessa problemática, Berence Bento (2014) nos
apresenta a conceituação de nome social.
No Brasil, no entanto, há uma criatividade inédita no cenário internacional: inventou-
se o nome social para pessoas trans. São normas que regulam o respeito à identidade de
gênero em esferas micro: nas repartições públicas, em algumas universidades, em bancos.
Assim, nas universidades que aprovaram a utilização do nome social, os estudantes trans terão
sua identidade de gênero respeitada.‖(BENTO,2014,p.166).
O reconhecimento do nome social de pessoas trans representa um avanço significativo,
uma conquista não apenas de travestis e transexuais como de toda comunidade LGBTT fruto
das muitas lutas desse movimento social, que tem como cerne uma pauta de reivindicações
voltadas para construção de políticas públicas para promoção da igualdade social na
perspectiva dos direitos humanos.
Por outro lado, percebemos que o uso do nome social, ainda não apresenta uma
legitimidade no sentido universal no que se refere ao reconhecimento para além de algumas
instituições que preveem a sua utilização, ou seja, o não reconhecimento em outras esferas da
sociedade coloca a pessoa trans em situação de vulnerabilidade por estar inserido/a e um
processo de cidadania que não é plena. É o que Bento (2014) classifica de cidadania precária.
A cidadania precária representa uma dupla negação: nega a condição humana e de
cidadão/cidadã de sujeitos que carregam no corpo determinadas marcas. Essa dupla negação
está historicamente assentada nos corpos das mulheres, dos/as negros/as, das lésbicas, dos
gays e das pessoas trans (travestis, transexuais, e transgêneros). (BENTO, 2014, p.167).
Percebamos como a população excluída, ditas ―minorias‖, tem seus direitos negados
na sociedade, por isso que o nome social representa um grande avanço, mas que precisa
ganhar maior capilaridade no cenário nacional em todas esferas sociais para que as pessoas
trans não só tenham acesso ao seu nome social nos espaços escolares. Para Bento (2014),
mudar sem alterar substancialmente nada na vida da população mais excluídas da cidadania
nacional. Assim, por exemplo, uma estudante transexual terá seu nome feminino na chamada
escolar, mas no mercado de trabalho e em todas as outras dimensões da vida terá que
continuar se submetendo a todas as situações vexatórias e humilhantes e portar documentos
em completa dissonância com suas performances de gênero. (BENTO, 2014, p. 175).
Desta forma, compreendemos que a população LGBTT, em especial as travestis e
transexuais, desejam uma cidadania efetivamente plena em direitos e igualdade social. A
emancipação da pessoa trans passa pela escola como direito humano à educação e seu
reconhecimento como pessoa humana e sua identidade precisam ser respeitados em todos os
espaços da sociedade.

2.1 Bases normativas e marcos legais do nome social de pessoas trans no Brasil

O nome social de travestis e transexuais representa uma grande conquista dos


movimentos sociais no campo dos direitos humanos, no que diz respeito ao reconhecimento
da pessoa trans. Travestis e transexuais, pessoas que possuem identidade de gênero
diferenciadas do seu sexo, a necessidade do reconhecimento como uma pessoa fruto de
interações sociais e políticas. Assim, o nome social apresenta/promove uma construção pela
defesa dos direitos e da cidadania.
A partir dessas concepções sobre o uso do nome social na perspectiva da necessidade
de assegurar direitos sociais ,se faz necessário levantar em que medida o arcabouço legal
brasileiro prevê o reconhecimento do nome social na vida pública e privada. Destacamos a
Constituição Federal Brasileira (1988), que apresenta em seu artigo 3º, inciso IV, a seguinte
premissa: constitui-se ―objetivo fundamental da República Federativa do Brasil a promoção
do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, e quaisquer outras
formas de descriminação‖. Nessa perspectiva a fim de garantir a todos/as o respeito e a
cidadania é preciso assegurar o direito à educação. A LDB (Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional) 1996:
Art. 2º. A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de
liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento
do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 3º. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
Todos e todas têm direito à educação no que estabelece a Declaração Universal do
Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (1948), Constituição Federal (1988),
como também a LDB(1996). Porem, é preciso perceber que a LDB reitera os princípios da
Constituição, no que se refere ao Art. 3º inciso I, que reforça a necessidade de assegurar
condições de acesso e permanência na escola. Nesse cenário, compreendemos que travestis e
transexuais, em virtude do preconceito da discriminação e da transfobia sofrida no espaço da
escola, abandonam a escola em virtude desses fatores envolvendo estigma e violência, ficando
de fora do processo de ensino e aprendizagem formal institucional que não consegue
assegurar o acesso e permanência como também o direito à educação e a qualificação
profissional e cidadã.
O Projeto de Lei N.º 8.035, de 2010 , que prova o Plano Nacional de Educação para o
decênio 2011-2020 traça metas e estratégias no campo da educação brasileira para os
próximos dez anos, orientando as políticas educacionais em todos os níveis. Uma das metas
que representava avanço significativo no trato das questões de gênero, diversidade e
orientação sexual. Estava contido no artigo 2º cujo conteúdo previa superação das
desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da igualdade racial, regional, de gênero
e de orientação sexual; (PNE,2010). No entanto, seu teor foi retirado a partir da ação política
de parlamentares conservadores que em sua maioria compõe a bancada cristã no Congresso
Nacional. Deputados Federais como Marco Feliciano (PSC-SP), Marcos Rogério (PDT-RO),
entre outros, protagonizam o retrocesso de conquistas e direitos civis e sociais da população
LGBT.
No campo da educação na perspectiva dos direitos humanos destacamos o PNEDH
(Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos) que representa uma conquistas dos
movimentos sociais em termos de políticas públicas, e reitera o compromisso do Governo
Federal em ampliar e democratizar a legitimidade da cidadania, justiça social por uma
sociedade mais inclusiva. O PNEDH (2007) ao apresentar os princípios norteadores da
Educação em Direitos Humanos (EDH) na educação básica destaca:
A Educação em Direitos Humanos deve estruturar-se na diversidade cultural e
ambiental, garantindo a cidadania, o acesso ao ensino, permanência e conclusão, a equidade
(étnico-racial, religiosa, cultural, territorial, físico-individual, geracional, de gênero, de
orientação sexual, de opção política, de nacionalidade, dentre outras) e a qualidade da
educação. (BRASIL, 2006)
Como podemos perceber, a EDH busca ampliar o acesso e permanência de todos/as
aqueles/as que compõem a comunidade escolar por meio de um processo de inclusão dos
sujeitos em especial aqueles/as que são potencialmente estigmatizados/as excluídos na escola
por não representarem/reproduzirem padrões identitários hegemônicos.
Para Oliveira (2011), o Brasil no âmbito do Poder Executivo Federal, tem
apresentado uma posição de rompimento com padrões patriarcais e conservadores e isso se
fomenta para sociedade civil de forma mais pertinente por meio de campanhas que efetivam
as necessidades de visibilidade da pauta do Movimento LGBT.
O governo federal em parceria com a sociedade civil organizada lançou, em 2004, o
―Brasil sem homofobia‖, programa de combate à violência e à discriminação contra lésbicas,
gays, bissexuais e transgêneros – LGBT. Diversas ações foram desenvolvidas tendo em vista
a formação de profissionais da educação no campo da diversidade sexual, dos direitos de
LGBT e do enfrentamento da homofobia na escola. (OLIVEIRA, 2011 p. 1).

À luz desses avanços, o Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoções


dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais mais conhecido por
Conselho Nacional LGBT, por meio do Projeto de Decreto Legislativo N.º 26, de 2015
orienta sobre o uso do nome social:
Art. 3° O campo "nome social" deve ser inserido nos formulários e sistemas de informação
utilizados nos procedimentos de seleção, inscrição, matrícula, registro de frequência,
avaliação e similares.
Todos/as têm direitos e deveres; direito à educação, ao trabalho, a cidadania. Mas
para aqueles/as transexuais conquistarem a cidadania plena ainda é um desafio e nesse sentido
o uso do nome social representa o direito ao reconhecimento da identidade da pessoa trans
nesses espaços que se apresenta de forma ―experimental‖, institucionalizado de forma efetiva
na escola.
O estado de Pernambuco, também possui uma normativa específica que trata do nosso
objeto de estudo. Trata-se Decreto Nº 35.051, de 25 de Maio de 2010 que Dispõe sobre a
inclusão e uso do nome social.
Art. 1º Fica assegurado aos servidores públicos, no âmbito da administração pública
estadual direta, autárquica e fundacional, o uso do nome social adotado por travestis e
transexuais.
Apesar desse documento representar significativo avanço no campo do direitos
humanos e nas diversas esferas públicas, é preciso ampliar as reflexões sobre o uso do nome
social, não apenas nas instituições públicas. O município de Caruaru também apresenta
avanços na promoção de direitos das pessoas trans, no combate à discriminação e à tranfobia.
Esse município, situado no Agreste do Estado, possui uma Assessoria de Políticas LGBT no
âmbito do governo municipal (vinculada à Secretaria Especial da Mulher e de Direitos
Humanos). A partir da ação dessa estrutura governamental, cuja competência é a de elaborar
políticas públicas transversais para o segmento LGBT, instituiu-se o Decreto N° 050, de 27 de
Maio de 2014, que dispõe sobre a inclusão e uso do nome social de pessoas travestis e
transexuais nos registros municipais relativos a serviços públicos prestados no âmbito da
Administração Pública Direta e Indireta. O documento prevê o reconhecimento do nome
social na esfera pública municipal numa perspectiva de inclusão. A seguir o seu teor:
Art. 1° Os órgãos e entidades da Administração Municipal Direta e Indireta devem
incluir e usar o nome social das pessoas travestis e transexuais em todos os registros
municipais relativos aos serviços públicos sob sua responsabilidade, como fichas de cadastro,
formulários, prontuários, registros escolares, e outros documentos congêneres.

O uso do nome social é o princípio do reconhecimento da identidade trans e assegura o


direito ao acesso e permanência na escola na rede Municipal de Caruaru. Vale ressaltar que é
preciso ampliar a discussão para outros/as os sujeitos/as da educação (professores/as,
funcionários/as e gestão escolar), a fim de efetivar o direito à identidade de gênero como ação
legítima para o acesso à educação e qualificação, para o enfrentamento da transfobia, e
inserção no mercado de trabalho e promoção da igualdade social.

3.1 A pessoa trans em Caruaru: conquistas e desafios

A cidade de Caruaru foi a pioneira no Agreste pernambucano, no que diz respeito ao


reconhecimento dos direitos da população LGBT, atendendo a pauta de reivindicações desse
segmento ao aceso e permanência no espaço escolar. Para melhor compreender a dimensão
sobre o reconhecimento do uso nome social na rede Municipal de Educação de Caruaru
realizamos entrevistas não estruturadas, com 3 (três) pessoas trans; sendo 2(duas) mulheres
trans e 1(um) homem trans devidamente matriculados na rede de ensino deste município. A
escola é um espaço de socialização e acima de tudo, representa um instrumento de extrema
importância que pode tanto produzir/reproduzir/descontruir conhecimento como também
contribuir com a formação mais crítica-reflexiva dos/as sujeitos/as. A análise das falas das
pessoas entrevistadas apresentam experiências positivas e negativas na escola, na construção
indenitária e a identificação de gênero de pessoas trans.
[...] desde os 13 anos que uso o nome social, que eu pedi para me chamar por esse nome
Bianca e todo mundo me chama, meus colegas de sala e todo mundo que eu conheço. Eu não
tive, sofri nenhum preconceito, mas agora eu tive umas amigas minhas que são trans, elas
acabaram desistindo por causa do preconceito e ai elas acabaram se prostituindo porque não
teve outra escolha da escola porque todo mundo na escola ficava com preconceito na escola ai
elas acabaram indo pro caminho errado [...] (Entrevistada nº 1, Bianca mulher trans ).
O depoimento da primeira mulher trans que entrevistamos sintetiza a discussão à cerca
das experiências positivas relatadas pela mesma no que se refere ao uso do nome social.
Bianca (nome fictício) nos esclarece que não sofreu nenhum tipo de preconceito no espaço da
escola e que foi acolhida pelos professores e colegas, ao mesmo tempo em que nos relata fatos
de experiências negativas vivenciadas por suas amigas trans que acabaram abandonando a
escola.
[...] eu acho que o nome social é o que nos identifica como pessoas trans pela questão da
nossa identidade de gênero né, se antigamente se o usava o nome de guerra só que esse nome
de guerra, eu acho que é uma coisa ultrapassada e um pouco pesada né. Então o nome social é
onde a gente se identifica socialmente como mulher trans ou como homem trans e assim, a
gente exige que seja respeitado pela nossa identidade de gênero né porque é muito difícil a
gente chegar num lugar e ser chamado pelo nome civil então assim é muito difícil. [...] logo
quando eu fui me matricular, assim, creio que a senhora que foi fazer a minha matricula não
estava sabendo um pouco sobre a questão do uso do nome social, mas depois que comecei a
falar com ela, ai ela foi colocou o nome social na frente e entre parêntese o nome civil;
Natasha (nome fictício) nossa segunda entrevistada, ressalta a importância do uso do nome
social para pessoas trans na escola, como instrumente normativo que assegura o
reconhecimento do sua identidade de mulher trans, como pessoa portadora de direitos
,considerando que a dignidade humana é princípio fundamental do estado e dever da escola
assegurar o respeito à diversidade sexual e de gênero como também potencializar estratégia
que potencializem o uso do nome social.
[...]o que me fez ter um pouco de evasão escolar de desistir foi a questão que não tinha
respeito, naquela época era algo diferente, ai após quando eu vim da Europa uma vez ai eu vi
que eu era capaz de voltar a estudar e que o governo atual me proporcionava tudo isso
novamente (...) Retornei fiz uma matrícula no PROJOVEM, conclui, então hoje pra o ensino
médio é de total importância por assim dentro de Caruaru tem algumas trans que estão na
escola e os professores agora estão acostumados nós pessoas trans na escola tem casos
homens trans em algumas escolas. (Natascha, mulher trans)
A nossa entrevistada apresenta uma fala de empoderamnete da discussão sobre o uso
do nome social como possibilidade de emancipação da cidadania de acesso à educação e da
qualificação profissional, percebemos em discurso um recorte histórico que se destaca na
atualidade como momento de grandes conquistas para população LGBT no país e politicas
públicas de inclusão social.
[...]nome social é muito importante porque a pessoa é tratada realmente como a pessoa se
mostra ao mundo, não necessariamente, que a pessoa tem que fazer alguma mudança
corporal pra poder se identificar como trans, no meu caso como eu transpareço um identidade
masculina se alguém me chamar pelo meu nome de registro em qualquer lugar, ai vai ser um
constrangimento. (Miguel homem trans).
A nossa terceira entrevista foi realizada com um homem trans o Miguel (nome
fictício). Percebemos que ele sofreu resistência na escola tanto por parte de alguns professores
como também da gestão escolar no que se refere ao uso do nome social pelo mesmo. É
preciso ampliar as discursões sobre o nome social de pessoas trans, é de fundamental
importância que todos/as professores/as conheçam a legitimidade do uso do nome social para
assim, ampliar e assegurar o direito à educação e promoção dos direitos humanos.

Considerações Finais

O presente trabalho teve por objetivo contribuir com as discursões sobre as questões
de gênero e políticas públicas de reconhecimento das novas demandas identitárias fruto da
pauta de reivindicações do movimento LGBT. O reconhecimento do nome social por pessoas
trans na rede de Ensino Municipal em Caruaru representa um grande passo, uma conquista
como também um desafio para emancipação da cidadania plena de pessoas trans na
sociedade.
A nossa pesquisa se deu por meio de leituras referentes ao tema e por meio de
entrevistas individuais realizadas com pessoas trans, a partir dai foi possível estabelecer uma
discursão de forma crítica sobre o olhar na educação no campo dos direitos humanos que visa
não apenas a igualdade de direitos, mas também o reconhecimento da diversidade sexual e de
gênero como uma questão social complexa, mas legítima. Assim, podemos concluir que são
grandes os desafios que as pessoas trans enfrentam para o reconhecimento do nome social na
escola, mas certamente há significativos avanços para promover a inclusão de todos/as e
assegurar o direito à educação.
Por outro lado, identificamos a necessidade de ampliar as discursões sobre as questões
gênero e diversidade, ou seja, formação continuada para todos/as profissionais da rede
municipal, a fim de perceber o decreto como instrumento de inclusão enquanto direito da
pessoa travestir e transexual e reconhecer a legitimidade do uso do nome social, ―quebrando‖
a resistência dos profissionais de educação em reconhecer o uso do nome social como direito
de travestis e transexuais. Compreendemos que a escola pública é um espaço de ensino
aprendizagem para todos/as, ou seja, necessita que as diversas esferas do poder público
colaborem para construção da igualdade e no combate das mais diversas formas de violências
e discriminação que acomete a população LGBT, ou seja, promover uma educação
efetivamente laica, mais igualitária e menos excludente.

REFERÊNCIAS
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2015.
A CONDIÇÃO DAS MULHERES LATINOAMERICANAS E A
IMPORTÂNCIA DA ARTICULAÇÃO ENTRE O FEMINISMO E O
EDUCAR EM DIREITOS HUMANOS

Tânia Lúcia Farias Dias, tanialfdias@gmail.com, UFPE.


Celma Fernanda de Almeida e Silva, cftav@uol.com.br, UFPE.
Fernanda Camila Fonseca Silva dos Santos, fnscfernanda@gmail.com UFPE.

Resumo do artigo: A América Latina foi construída com base em diversas formas de violência
como colonizações e ditaduras, que fazem a região possuir especificidades que não podem ser
comparadas a realidades como a europeia e/ou norte-americana. As mulheres são submetidas
a uma subalternização que se alastra nas mais diversas fases, regiões e momentos históricos,
de modo que em meio aos acontecimentos da América Latina foram violadas de forma
específica considerando sua condição de mulher, o que torna, em tais contextos, ainda mais
importante uma atuação do movimento feminista. A educação em direitos humanos propõe
uma educação para a sociedade baseada no respeito aos direitos humanos, para prevenir o
retorno a realidades tão cruéis a grande parte da população. Nesse sentido, o presente trabalho
questiona quais as contribuições da educação em direitos humanos para o movimento
feminista no contexto das América Latina, e se propõe a realizar tal análise através de
pesquisa bibliográfica.

Palavras chave: Movimentos Sociais Latino-Americanos, Feminismo Latino-Americano,


Educação em Direitos Humanos.

Introdução

A América Latina teve sua história construída por diferentes formas de violência como
a colonização, as ditaduras, as crises econômicas e políticas, entre outras, que fazem com que
seus países possuam especificidades que não podem ser comparadas a realidades mais
hegemônicas como europeia e/ou norte-americana.
Por se situarem em condições de subalternização na sociedade, independente do país
ao qual pertencem, as mulheres foram submetidas a violências muito específicas em meio aos
acontecimentos da América Latina. A colonização dizimou povos indígenas, mas, as mulheres
além de terem seu trabalho explorado e sua população dizimada, eram estupradas
constantemente pelos colonizadores, assim como em seguida as escravas também o eram.
Posteriormente ao período colonial, em contexto de ditaduras, as mulheres também
eram estupradas, tinham seus corpos violados de maneira física, moral e psicológica. E
quando não eram presas, torturadas e mortas, sofriam por seus companheiros e familiares.
Esses e outros acontecimentos fazem não apenas a realidade latino-americana distinta de
demais regiões, mas, e principalmente, a realidade das mulheres inseridas em tal contexto
político.
Assim, no que se refere ao feminismo, considerando tais especificidades dos países
latino-americanos, de acordo com estudiosas (STERNBACH; et al., 1992), o movimento se
desenvolve nos anos de 1970 (em alguns casos nos anos 1960), em meio aos regimes militares
e democracias nominais, de modo a nasceram como movimentos de oposição que
questionavam não apenas o patriarcado e a dominação machista, como também a exploração e
opressão econômica, social e política.
Nessa perspectiva, ao considerar esse desenvolvimento particular latino-americano,
não apenas do movimento feminista, mas de movimentos sociais na região, Bringel (2010),
afirma que se tornaram necessárias abordagens teóricas mais plurais e inclusivas sem que
houvessem perdas nos enfoques clássicos. Assim, o autor defende a importância de uma
―epistemologia alternativa‖ que questione o caráter patriarcal, racista, capitalista e
eurocêntrico do conhecimento.
Ao entender a importância da construção de uma epistemologia própria latino-
americana, deve ser entendido a necessidade de uma articulação entre teoria e prática para o
fortalecimento dos movimentos sociais, e a maneira a qual tais estratégias se articulam, seria
através da produção de conhecimento orientada para a ação (BRINGEL, 2010).
É nessa perspectiva das especificidades da América Latina que a educação em direitos
humanos (EDH) se desenvolve na região, quase como uma necessidade, com o intuito de
educar na promoção do respeito à toda a população, de prevenir guerras, assim como a
desigualdade, o retorno a golpes e ditaduras, entre outras. (ZENAIDE 2014).
Diante desse contexto, e considerando a escassez de trabalhos que abordem a
necessária articulação entre feminismo e direitos humanos, o presente artigo busca abordar as
contribuições da educação em direitos humanos para o movimento feminista no contexto da
América Latina.
O trabalho está estruturado em três partes mais as considerações finais. Na primeira se
apresenta a metodologia utilizada. Na segunda se aborda as principais questões teóricas
referentes ao tema de estudo. Na terceira se discute, no contexto latino-americano, as
potencialidades de diálogo e articulação entre estes dois campos – EDH e feminismo.

1. Procedimentos metodológicos
Para fundamentar o processo metodológico do trabalho a opção foi pelo estudo de
natureza qualitativa (STAKE, 2011; LUDKE; ANDRÉ). De acordo com Stake (2011), a
pesquisa qualitativa, também definida como pesquisa interpretativa, é aquela que depende
muito da definição e da redefinição dos observadores sobre os significados daquilo que veem
e ouvem e lida em detalhes com algumas das complexidades da experiência humana.
Como metodologia de trabalho foi realizada uma revisão bibliográfica, entendendo tal
procedimento como um método de pesquisa que ―prevê o levantamento das obras,
principalmente livros e artigos científicos, fundamentais para o estudo em questão, a partir das
palavras-chaves elencadas como representantes do assunto‖ (GAIO; et al., 2008, p.155). As
palavras-chave utilizadas foram: movimentos sociais latino-americanos; feminismo latino-
americano e educação em direitos humanos.
Com base neste parâmetro, buscou-se identificar obras relevantes neste campo
temático, de autores brasileiros e latino-americanos, que pudessem contribuir com o objetivo
do estudo e aportar reflexões para o avanço na inter-relação entre feminismo e direitos
humanos, por meio das contribuições da EDH.

2. Compreendendo a situação e especificidades latino-americanas


A colonização na América Latina teve como consequência expressões da questão
social como desigualdades, fome, pobreza, miséria. Os países colonizados tiveram
desrespeitados sua própria alteridade, cultura, costumes, hábitos etc. O que fez com que o
pensamento, assim como a própria filosofia dos países colonizados fosse desenvolvido
partindo da produção de conhecimento dos países colonizadores europeus, e posteriormente
norte-americanos (DUSSEL, 1977).
Todos os reflexos negativos da colonização da América Latina são encobertos através
de uma produção de conhecimento que não reconhece as lutas sociais, e a liberdade para a
América Latina. O que torna necessária a construção de um conhecimento de libertação do
pensamento dominante. Uma epistême própria, baseada na realidade latino-americana e que
considera suas especificidades resultante da colonização e ditaduras, que tem como objetivo
responder questionamentos próprios de sua realidade (DUSSEL, 1977).
Autores latino-americanos como Bringel (2010), apontam que em 1960 e 1970 houve
um maior compromisso acadêmico latino-americanos com sua própria realidade política e
social, ocorrendo em 1980 uma especialização do saber e profissionalização das ciências
sociais. No entanto, tal desenvolvimento acadêmico vem junto com uma distância do
compromisso militante e, em 1990, com as políticas neoliberais, ocorrem transformações no
cenário universitário: universidades privadas, valorização do quantitativo, burocratização,
tecnificação da atividade intelectual.
O que fez com que uma ―epistemologia alternativa‖, que questionasse o caráter
patriarcal, racista, capitalista e eurocêntrico do conhecimento não tivesse muita força até
metade dos anos 90, com a ação de movimentos sociais como de mulheres e negros, além de
projetos intelectuais coletivos direcionados para o sul global como modernidade/colonialidade
(BRINGEL, 2010).
Tais projetos buscam romper o monopólio das universidades e centros de pesquisa
científica na produção de conhecimentos, incorporando diálogo com movimentos sociais e
outros atores sociais (BRINGEL, 2010). O que se defende é a importância e a ideia de um
intelectual anfíbio, baseado no conceito de Maristella Suampa, que diz respeito ao indivíduo
que é capaz de articular os mundos sem mudar a natureza e maximizar as oportunidades que
cada mundo tem a oferecer.
No que se refere às especificidades da América Latina, é importante contextualizar
historicamente seus acontecimentos não apenas para entender a forma como a região foi
constituída de fato, mas, e principalmente, para entender quais as consequências que
permanecem até hoje tanto na vida dos indivíduos, quanto nas mais diversas instituições
latino-americanas, assim como no intuito de despertar uma memória do que aconteceu para
que não ocorra novamente.
As democracias latino-americanas são marcadas por diversas dificuldades,
relacionadas ao não suprimento de necessidades sociais da população, como também pelo fato
de que não encontraram alternativas econômicas e políticas aos desafios contemporâneos e à
reconstrução de mecanismos de convivência e regulação pacifica dos conflitos (MIRZA,
2006).
Com a colonização e, consequentemente, o genocídio e escravização de povos
indígenas e africanos, além das violações aos direitos humanos realizadas nos períodos
ditatoriais, a América Latina foi submetida à criação de mentalidades subjetiva e
objetivamente racistas, excludentes e autoritárias, tanto na formação cultural quanto em suas
instituições. A partir desse passado de dívida histórica com os povos africanos e indígenas,
sua respectiva violação dos direitos humanos, assim como em relação à violência sofrida
pelas mulheres, torna-se necessário ―educar para o nunca mais‖ (ZENAIDE, 2014;
(CANDAU; SACAVINO, 2013).
De acordo com Zenaide (2014), a educação em direitos humanos significa, de maneira
mais ampla, educar os cidadãos no sentido da promoção ao respeito à população, para
prevenir guerras e desigualdades, assim como evitar o retorno a golpes militares e ditaduras.
Em 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, ocorre um direcionamento no
que diz respeito à importância dessa educação como uma forma de prevenir malefícios contra
a humanidade e conferir certa autonomia aos sujeitos. Entre os países da América Latina,
segundo a autora, a educação em direitos humanos surge em contexto de lutas e movimentos
sociais contra os regimes ditatoriais, de maneira a não dissociar da luta por direitos civis e
políticos a luta por direitos econômicos, sociais e culturais.
Desenvolvida, assim, a partir de um contexto de repressão e ditadura, apresenta em seu
horizonte uma nova forma de se fazer um projeto sócio-político-pedagógico, desenvolvido
através da necessidade de se respeitar e preservar os indivíduos. Se baseando no passado, para
tornar o presente mais igualitário e cidadão para os indivíduos, para nunca mais se repetir
episódios de tortura e violação dos direitos humanos (ZENAIDE, 2014).
Os objetivos da educação em direitos humanos, se caracterizam por:
afetar a ―naturalidade‖ e ―normalidade‖ das violações trazidas pelos processos de
colonização e ditaduras; ter uma intervenção sistemática na formação de valores e
hábitos promotores da dignidade e das liberdades fundamentais; fortalecer as
estratégias dos movimentos sociais e a dimensão axiológica da ação transformadora;
promover o pluralismo político, fortalecer o regime democrático e o respeito aos
direitos humanos; erradicar e transformar o autoritarismo institucional; educar a
sociedade e os agentes públicos para a relação entre direitos humanos e democracia;
combater todas as formas de violações e discriminações; promover o direito à
memória e à verdade para que violência e tortura nunca mais aconteçam (ZENAIDE,
2014, p. 38).
Outro objetivo e dimensão da educação em direitos humanos na América Latina é a
tentativa de associar a luta por direitos civis a políticos e econômicos, assim como sociais e
culturais. Na tentativa de tensionar a relação entre os direitos humanos e justiça social,
juntamente com o neoliberalismo, tentando desmistificar violações sistemáticas a tais direitos,
que naturalizam relações de opressão e desigualdades entre indivíduos.
Apesar de que ainda hoje na América Latina a principal forma de atuação da educação
em direitos humanos ser a educação não formal, a partir da década de 1990 foi ganhando
força na esfera do ensino formal à medida em que foi se percebendo a importância em
incorporar a prática dos direitos humanos ao âmbito de uma educação sistemática, tornando-
se a opção mais adequada para avançar no reconhecimento e na vigência dos direitos
humanos e da democracia (TAVARES, 2012).
No que se refere à sua forma de atuação, de acordo com Zenaide (2014), a educação
em direitos humanos se constitui como um processo teórico prático, abrangendo experiências
não formais à inserção no processo formal de ensino, trazendo à tona a ideia do intelectual
anfíbio.
Tendo dito isto, a educação em direitos humanos configura-se como uma política
pública necessária para se alcançar a democracia plena e o Estado de direito, e tem como
finalidade construir uma cultura de respeito aos direitos humanos (TAVARES, 2012).
Além disso, a educação em direitos humanos traz a possibilidade de erradicar boa
parte da violência institucionalizada contra os cidadãos, visto que são as instituições as
principais responsáveis pela violação dos direitos humanos. Se a sociedade é a principal
responsável por criar uma realidade favorável à execução dos direitos humanos (LAGARDE,
2012), a educação em direitos humanos seria uma forma dessa viabilização.
É um direito saber em que mundo vivemos como mulheres, que oportunidades
temos e de que direitos gozamos (...) outro direito humano inalienável é o direito de
lutar para eliminar a opressão de gênero. Saber o que é favorável para nosso
desenvolvimento, e o que é um obstáculo na vida (...) é um direito educativo dotar as
mulheres de recursos para eliminar nas próprias vidas a desigualdade (LAGARDE,
2012, p.105)
Assim como a colonização trouxe especificidades para o contexto político e social da
América Latina, não poderia ser diferente em relação às mulheres e ao movimento feminista.
É perceptível a forma como o feminismo latino-americano se distingue tanto em pautas
quanto em ações, em relação ao movimento da Europa e América do Norte, que seria o mais
hegemônico. O movimento feminista no Brasil, por exemplo, necessitou adaptar-se às
especificidades já abordadas, unindo ―as lutas pela transformação das subordinações das
mulheres com as transformações da sociedade e da política‖ (VARGAS, 2002, p. 2).
O feminismo latino-americano e, principalmente o brasileiro, se caracterizam por estar
mais atrelados à academia. O que trouxe a realidade específica de mulheres latino-americanas
para dento de instituições de ensino, potencializando a práxis do movimento. Esta nova forma
de produção de conhecimento, assim como a teoria decolonial, vem tentando romper com
certos saberes e epistêmes hegemônicos, trazendo pautas mais específicas e libertadoras para
as mulheres daqui, ―gerando novas categorias de análises, novas visibilidades, novas
linguagens para nomear o que até então não tinha nome‖ (VARGAS, 2002, p.3).
Uma das maiores especificidades pela qual a América Latina, além da colonização, foi
o período ditatorial pelo qual a maioria de seus países passaram. Tal período trouxe não só
uma dura distinção política, histórica e social em relação a países com regimes democráticos,
mas também em relação ao movimento feminista.
Se em regimes democráticos as mulheres já são subordinadas nos mais diversos
espaços nos quais estão inseridas (na Europa e América do Norte, por exemplo), nesse difícil
período a situação veio a piorar para elas. Isso fez com que o movimento no Brasil começasse
a ―ligar a falta de democracia no público com sua condição no privado‖ (VARGAS, 2002,
p.3), e diferentemente do lema ―o pessoal é político‖, que foi fruto da segunda onda do
movimento feminista na Europa e Estados Unidos, o lema aqui era ―democracia no país e na
casa‖ que ―expressava o caráter político do pessoal‖ (VARGAS, 2002, p.3).
Além de ter que ir de encontro a um regime autoritário e opressor, as militantes
também precisaram ir de encontro aos próprios segmentos de esquerda que lutavam contra a
ditadura. Até na esquerda mais revolucionária, o feminismo significava, assim como para o
resto da sociedade naquela época, algo sem seriedade, não científico etc. O movimento de
liberação da ditadura estava mais preocupado em erradicar a sociedade de classes que a
subordinação feminina (COSTA, 1998).
Por ir de encontro a tudo isso, as feministas começaram a se tornarem indispensáveis
nas lutas por espaços democráticos tanto no sentido local, quanto global (VARGAS, 2002) e,
porque não, em uma efetivação plena da educação em direitos humanos.

3. Tecendo as potencialidades: EDH e feminismo


No que se refere à articulação entre o movimento feminista e uma educação em
direitos humanos, através da revisão bibliográfica como resultados foram encontradas
características, que serão melhores explicitadas a seguir, sendo elas: uma educação em
direitos humanos que auxilie a desmistificar a imagem negativa atribuída ao movimento; a
importância da memória para evitar que as atrocidades realizadas contra as mulheres ocorram
novamente; a defesa de uma formação em direitos humanos integral, que considere todos os
aspectos dos indivíduos, inclusive a situação de subalternização das mulheres; o
questionamento naturalidade ou normalidade das opressões; e os desafios impostos ainda hoje
à aplicação de uma educação em direitos humanos, assim como a difícil realidade das
mulheres até os dias atuais.
A imagem negativa atribuída ao movimento, na América Latina, diz respeito ao fato
de que o feminismo de desenvolve em meio aos regimes militares e democracias nominais,
como movimento de oposição, junto aos demais setores de esquerda, sendo vistos como
mulheres de classe média que se interessavam em problemas ―irrelevantes‖, já que o
feminismo era interpretado enquanto produto de problemas existentes nos países altamente
desenvolvidos, mas não nas sociedades ―subdesenvolvidas‖.
Outros afirmavam que o movimento feminista seria desnecessário, uma vez que as
mulheres só conquistariam a liberação através do socialismo, que após estabelecido acabaria
com a opressão de sexo. Na opinião da maioria dos homens de esquerda haviam dois tipos de
feminismo: o bom, que privilegiava a luta de classes; e o ruim, que seria um feminismo
―importado‖ de ódio ao homem e que não tinha espaço na América Latina (STERNBACH; et
al., 1992).
Remetendo não apenas a um contexto internacional de criminalização do movimento
feminista, a América Latina é marcada por uma visão negativa consequente desse
posicionamento dos segmentos de esquerda, o que faz com que uma educação em direitos
humanos que se proponha a propagar a relevância do movimento feminista, torne-se de
extrema importância. Principalmente quando levada em consideração a condição de
subalternização à qual as mulheres ainda são submetidas.
A educação em direitos humanos vai além de conhecimentos específicos sobre direitos
humanos ou de atividades pontuais, se configura como uma educação política, se propõe a
uma formação integral dos indivíduos, e por isso, deve ser o eixo do processo educacional em
qualquer sociedade democrática (TAVARES, 2012). ―A educação pode ser responsável por
forjar consciências e moldá-las conforme conveniências políticas, também a educação passa a
ser responsável politicamente pelos resultados que se tem na articulação da vida social‖
(BITTAR, 2007, p.314).
Embora existam normas e documentos que preveem a importância da educação em
direitos humanos, diversos desafios são impostos a sua efetivação de fato, como falta de
institucionalização de sua prática, insuficiência de formação para profissionais na área,
ausência de materiais didático‑pedagógicos, entre outros fatores que limitam sua inserção na
sociedade (TAVARES, 2012).
Nessa mesma perspectiva, de acordo com Zenaide (2014), os avanços legislativos,
jurídicos e institucionais não conseguiram alterar a violência institucional como padrão
cultural, principalmente no que diz respeito aos segmentos sociais excluídos. Assim, segundo
a autora, se configura de extrema importância a responsabilização e memória das lutas de
resistências, nas atividades culturais, nos projetos de arquivos, uma vez que retomar ao
passado, pretende-se repensar o presente e o que significaram os anos de tortura e violação
dos direitos humanos, assim como as violações dos direitos das mulheres.
A educação que prepara para a emancipação deve ser, sobretudo, uma educação que
não simplesmente formula, ao nível abstrato, problemas, para a análise da
responsabilidade individual ante os destinos coletivos futuros. Por isso, a
necessidade de que a educação para os direitos humanos, se emancipatória, vise,
acima de tudo, a produção do enraizamento, porque se trata de um modelo
compromissório (BITTAR, 2007, p. 317).
Nesse sentido, uma educação em direitos humanos comprometida com os direitos das
mulheres torna-se de grande importância para uma mudança no que diz respeito a essa
realidade de subordinação ao qual ainda são inseridas.
Especificamente no Brasil, com o advento do feminismo acadêmico já abordado aqui,
começa-se a discutir a mulher enquanto protagonista da luta contra a ditadura, assim como
sujeito de opressões específicas (SARTI, 2004). Consequentemente,
emana uma nova concepção de cidadania fundamentada na ideia do reconhecimento
e da ampliação de direitos da população feminina, incluindo os civis, políticos,
sociais, culturais, além dos sexuais e reprodutivos. Enfim, o reconhecimento dos
direitos humanos das mulheres (EPPING; PRÁ, 2012, p. 33-34).
O que faz com que as mulheres ―tenham contribuído não só à democratização do
Estado, se não à sua ampliação ao estender o estado de direito‖ (LAGARDE, 2012, p. 92). É,
também, graças ao movimento feminista e, independentemente de sua má reputação, que
mesmo mulheres que ainda se declaram antifeministas desfrutam de direitos conquistados
pelas feministas. Direitos estes que tornam as mulheres enquanto sujeitos de direitos, e não
apenas com responsabilidades e obrigações sociais, que fazem com que as mulheres
contemporâneas sejam o resultado desse longo processo de construção de direitos para as
mulheres (LAGARDE, 2012).
No entanto, com todo o desenvolvimento do movimento feminista e suas conquistas,
ainda se tem, diariamente, violações em todos os níveis dos direitos das mulheres. Por ter o
movimento feminista estado sempre em contato com a sociedade civil, percebe-se uma
necessidade de uma agenda que contemple a educação em direitos humanos para se efetivar
essa aquisição de direitos para as mulheres.
Em relação à educação em direitos humanos, um de seus objetivos de acordo com
Zenaide (2014), diz respeito à questão de afetar a ―naturalidade‖ e ―normalidade‖ das
violações trazidas pelos processos de colonização e ditaduras. Ainda nos dias atuais, o
movimento feminista é considerado ultrapassado, por já ter conquistado pautas como o voto,
ou por questionar situações ―naturais‖ como a questão do estupro, visto por muitos como
resultado do ―instinto natural dos homens‖. Com uma educação em direitos humanos baseada
em pautas feministas, essa naturalidade perde lugar.
Além disso, os direitos humanos também buscam ―ampliar a democracia com a
construção ético-política de normas e mecanismos que eliminem formas de dominação e de
violência, e preservar a integridade das pessoas‖ (LAGARDE, 2012, p.92), assemelhando-se
assim à agenda política feminista. Mesmo que a filosofia dos direitos humanos esteja ligada
ao que o movimento feminista busca, é preciso se ter em mente que, como a declaração de
direitos humanos de 1948, suas práticas não são universais (LAGARDE, 2012). Torna-se
necessário na esfera dos direitos humanos, assim como o feminismo latino-americano, levar
em consideração especificidades das mulheres.
Uma dessas especificidades é a questão de que o Brasil, de acordo com um estudo 71
feito pela ONG internacional Save The Children, é um dos piores países do mundo para se
nascer mulher, estando atrás de todos os países da América do Sul. As principais causas para
tal posição, são altos índices de casamento infantil e gravidez de meninas adolescentes.
Este fato, além de ser vergonhoso para o país, aponta para a forma como a vida social
em sua prática está distante dos princípios éticos dos direitos humanos (LAGARDE, 2012), o
que remete para a necessidade da educação em direitos humanos para tentar reverter tal
situação e trazer realmente a universalidade destes direitos para as mulheres e,
principalmente, as latino-americanas porque ―não temos direitos humanos estabelecidos e
reconhecidos de maneira universal‖ (LAGARDE, 2012, p.96).

Considerações finais:
Conforme discutido anteriormente, a América Latina foi submetida a diversas formas
de violência como a colonização, as ditaduras, as crises econômicas e políticas, entre outras,
que fazem com que seus países possuam especificidades que reverberam em suas populações
até os dias de hoje.
No que se refere às mulheres latino-americanas, estas, foram submetidas a violências
ainda mais específicas, uma vez que eram estupradas, tinham seus corpos violados de maneira
física, moral, psicológica, etc. Isso fez com que o movimento feminista se desenvolvesse em
tais contextos de maneira distinta de outras realidades mais hegemônicas como europeia e/ou
norte-americana.
Ao entender essas especificidades latino-americanas, diversos autores defendem a
importância de uma construção do conhecimento próprio, que considere tais especificidades
da região. Essa construção do conhecimento, em meio aos movimentos sociais latino-
americanos, deve vir articulada a uma prática social, ou seja, a ação deve vir orientada pela
teoria construída a partir de contextos específicos.
Parte-se das especificidades da América Latina para a possível aplicação e defesa da
educação em direitos humanos, que tem por objetivo promover o respeito à população, assim
como prevenir o retorno a realidades como colonizações e, consequentemente o genocídio e
escravização de povos indígenas e africanos, e a volta a períodos ditatoriais, responsáveis por
diversas formas de violação aos direitos humanos.

71
http://www.savethechildren.org/atf/cf/%7B9def2ebe10ae432c9bd0df91d2eba74a%7D/EVERY%20LAST%20G
IRL%20REPORT%20FINAL.PDF Acesso em 15/11/16
Nesse sentido, ao entender a realidade das mulheres latino-americanas em meio às
consequências de suas especificidades, após o que foi abordado no presente trabalho, foi
possível concluir a importância de uma educação em direitos humanos articulada ao
movimento feminista.
Foi possível perceber a necessidade de uma educação em direitos humanos que auxilie
a desmistificar a imagem negativa atribuída ao movimento; a importância da memória para
evitar que as atrocidades realizadas contra as mulheres ocorram novamente; a defesa de uma
formação em direitos humanos integral, que considere todos os aspectos dos indivíduos,
inclusive a situação de subalternização das mulheres; o questionamento a naturalidade ou
normalidade das opressões; e os desafios impostos ainda hoje à aplicação de uma educação
em direitos humanos, assim como a difícil realidade das mulheres até os dias atuais.
Assim, apesar dos desafios impostos diariamente a quem se propõe a educar para os
direitos humanos como a falta de recursos, os desafios impostos pelo senso comum, a
carência de profissionais qualificados, entre outros, é importante ressaltar a importância de
sua articulação ao movimento feminista, ao considerar a realidade de constante violação de
direitos aos quais as mulheres latino-americanas são submetidas até os dias atuais.
É por meio do processo da educação que os indivíduos serão educados para respeitar
todos os outros, independentemente do sexo, da raça, da sexualidade, ou de qualquer outra
especificidade que for. O que traz mais uma vez a necessidade dessa educação em direitos
humanos e latino-americana, que vai de encontro à construção do conhecimento mais
hegemônica que por muitas vezes ignora nossas especificidades e, principalmente,
especificidades de mulheres que aqui vivem.

REFERÊNCIAS
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pesquisa: A metodologia em questão‖. In: Roberta Gaio (Org). Metodologia de Pesquisa e
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ZENAIDE, Nazaré. A linha do tempo da educação em direitos humanos na América Latina.
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Latina. João Pessoa, Editora UFPB, 2014, p. 29-60.
METODOLOGIAS ATIVAS E EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS:
VIVÊNCIAS NO AMBIENTE ESCOLAR A PARTIR DO JOGO “E SE
FOSSE VOCÊ ?”

Marcela Melo de Carvalho


marcelacarvalho@leaosampaio.edu.br
UNILEÃO, Mestre em História Social PUC RJ.

Maria Eduarda Nunes de Souza


eduardans2@outlook.com
UFCA, Graduanda em Administração Pública

Resumo

O presente trabalho visa apresentar um relato de experiência acerca do projeto ―E se fosse você ?‖
realizado na rede pública estadual de Juazeiro do Norte, CE. O projeto trabalhou a questão das
diversidades presentes no ambiente escolar a partir de um jogo de tabuleiro, onde os alunos deveriam
desenvolver a empatia – já que lhes eram apresentadas situações de conflito no ambiente escolar
envolvendo preconceitos e diversidades as quais eles deveriam se colocar naquela situação e
soulucioná-la. Tal projeto além de trabalhar contra o preconceito e o bullying escolar, visou o debate,
a troca de informações e conhecimentos, além de atuar na esfera da educação e da promoção dos
Direitos Humanos.
Palavras-chaves: diversidade, educação, jogos, metodologia ativa, Direitos Humanos.

Introdução

O presente artigo tem a intenção de apresentar uma experiência exitosa no âmbito da


Educação em Direitos Humanos, aplicada em escolas na cidade de Juazeiro do Norte, CE, no
ano de 2015. Tal experiência visa trabalhar diversidades presentes na nossa sociedade e ser
um agente na luta contra os preconceitos e o bullying, a partir de um jogo de tabuleiro
chamado ―E se fosse você?‖, com alunos, professores e gestores de Ensino Médio, podendo
ser estendido a qualquer outro membro da comunidade escolar e demais membros da
sociedade.

Toda pesquisa requer escolhas e caminhos a serem percorridos, e com esta pesquisa não foi
diferente. Por uma questão de recorte temático e para melhor aproveitamento da experiência
pedagógica, optamos por trabalhar com as diversidades religiosa, étnica, sexual e de gênero.
Nesse sentido, surgiu a ideia de se trabalhar tais temáticas através de um jogo vem na intenção de
abordar tais assuntos tidos como tabus, de forma dinâmica, interativa e lúdica, aplicando uma
metodologia ativa de aprendizagem, a partir da qual o aprendizado se dá a partir de problemas e
situações reais – nesse caso, os preconceitos no ambiente escolar.
A ideia do projeto surge de uma necessidade percebida nas escolas, que é a questão do
preconceito: 92 % das pessoas que participaram do projeto – dentre alunos, professores e núcleo
gestor - afirmam já terem presenciado alguma situação de preconceito na escola. Sendo assim,
nossa intenção é a de que o jogo atue como um material de apoio a professores e alunos, dentro e
fora de sala de aula.
Embora esses temas estejam presentes em nosso dia-a-dia na escola e em nossa sociedade,
fala-se muito pouco sobre eles e os motivos são diversos – falta de informação, medo,
preconceito, falta de interesse, dentre outros. Acreditamos que o silêncio também é um lugar de
fala, e nesse caso, o silêncio grita. Grita sobre a violência, o preconceito, a falta de informação
que faz com que jovens sofram, morram, matem sem nem saber o que fazer ou como ou a quem
pedir ajuda.
A escola enquanto formadora de cidadãos críticos tem o dever de educar e informar esses
jovens sobre as diferenças, a tolerância e o respeito. Nesse sentido, corroboramos com Maria
Victoria Benevides que defende a necessidade de uma educação em Direitos Humanos, a partir de
um trabalho de educação continuada, a educação para a mudança e a educação compreensiva, no
sentido de ser compartilhada e de atingir tanto a razão quanto a emoção 72. Aliado a tais questões,
acreditamos que o uso de metodologias ativas no ambiente escolar podem ser um ponto de partida
para avançar nesse processo mais de reflexão, de integração cognitiva, de generalização, de
reelaboração de novas práticas. Se queremos que os alunos sejam proativos, precisamos adotar
metodologias em que os alunos se envolvam em atividades cada vez mais complexas, em que
tenham que tomar decisões e avaliar os resultados, com apoio de materiais relevantes. Se

72 BENEVIDES, Maria Victoria. Educação em Direitos Humanos: De que se trata? In BARBOSA, Raquel
Lazzari Leite (org.). Formação de educadores: desafios e perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 2003, p. 15.
queremos que sejam criativos, eles precisam experimentar inúmeras novas possibilidades de
mostrar sua iniciativa.
Para Maria Victoria Benevides,

(...) Em primeiro lugar, o aprendizado deve estar ligado à vivência do valor da


igualdade em dignidade e direitos para todos e deve propiciar o desenvolvimento de
sentimentos e atitudes de cooperação e solidariedade. Ao mesmo tempo, a educação
para a tolerância se impõe como um valor ativo vinculado à solidariedade e não
apenas como tolerância passiva da mera aceitação do outro, com o qual pudesse não
estar solidário. Em seguida, o aprendizado deve levar ao desenvolvimento da
capacidade de se perceber as consequências pessoais e sociais de cada escolha. Ou
seja, deve levar ao senso de responsabilidade. Esse processo educativo deve, ainda,
visar à formação do cidadão participante, crítico, responsável e comprometido com a
mudança daquelas práticas e condições da sociedade que violam ou negam os direitos
humanos. Mais ainda, deve visar à formação de personalidades autônomas, intelectual
e afetivamente, sujeitos de deveres e de direitos, capazes de julgar, escolher, tomar
decisões, serem responsáveis e prontos para exigir que não apenas seus direitos, mas
73
também os direitos dos outros sejam respeitados e cumpridos .

Esperamos assim, estar contribuindo de alguma forma para a formação de uma sociedade
mais humana, mais acolhedora, mais respeitosa e mais plural.

Metodologia

Inicialmente foram aplicados questionários com alunos, professores e membros do


núcleo gestor de 03 escolas profissionais estaduais da nossa região para fundamentar nossa
hipótese - EEEP Aderson Borges de Carvalho, EEEP Professor Moreira de Sousa, EEEP
Raimundo Saraiva Coelho. Foram abordados 130 alunos, 35 professores/núcleo gestor, que
responderam os questionários de forma anônima. A única identificação se dava em relação a
idade, sexo e categoria professor/aluno/gestor.
Para que os mesmos se sentissem a vontade ao responderem o questionário, foram
abordadas várias pessoas ao mesmo tempo, de forma que cada um respondesse seu próprio
questionário ao invés de serem entrevistados. No questionário haviam questões fechadas e
abertas e se referiam a coleta de dados sobre preconceito no ambiente escolar: Você já sofreu

73 Idem.
preconceito na escola? Já presenciou algum tipo de preconceito? Como sua escola aborda a
questão do preconceito?
Tanto para o levantamento de dados, como no estudo de análise de conteúdo desse
material, optamos por trabalhar com o método de análise denominado ―investigação por
métodos mistos" (mixed methods) – também conhecido como ―triangulação‖. A investigação
por métodos mistos é uma integração de métodos qualitativos e quantitativos num único
estudo, com o objetivo de obter uma visão mais abrangente e uma compreensão mais
profunda do ―fenômeno‖ em estudo, ora atribuindo mais peso a um do que a outro, ora
iniciando-se com um e concluindo-se com outro, sem um marco rígido quanto a isso74.
Enveredamos por essa via de investigação, por considerá-la mais adequada aos nossos
objetivos, já que o método misto inclui estratégias de recolha de dados (questionários,
entrevistas, observações, quantificações), métodos de investigação (experiências, relatos
pessoais) e em nossa pesquisa seria imprescindível termos um levantamento em números
(quantitativo), para mostrar, em números reais, a quantidade de casos de preconceito nas
escolas, o quanto as omissões são gritantes: 86% dos alunos participantes do projeto afirmam
já ter sofrido algum tipo de preconceito na escola; 75% afirmam que seus professores não
abordam temáticas relacionadas a diversidade étnica, religiosa, de gênero ou sexual. O que
fizemos aqui nada mais foi do que quantificar a realidade vivida e percebida por todos nós
que fazemos parte da comunidade escolar. Por outro lado mostrar os números não seria
suficiente, era preciso dar voz a essas pessoas, ouvir suas histórias, e ajudá-las de alguma
forma, por isso a preocupação em utilizar esse material qualitativo, não só no intuito de
coletar os dados, mas também para utilizá-las no jogo ―E se fosse você?‖ como situações.
Como uma das intenções do projeto é a busca do conhecimento e da informação para
desmistificar preconceitos, realizamos algumas visitas técnicas na cidade de Juazeiro do
Norte. No que se refere a religiosidade, visitamos o terreiro de candomblé Ilê Alaketu Ijobá
Asé Logun y Oyá, localizado no bairro Pedrinhas – Aeroporto, onde conversamos com o
sacerdote do terreiro, Pai Isaac. Posteriormente fizemos outras visitas a este terreiro a convite
do sacerdote, para conversarmos com a juventude do terreiro e aplicarmos o jogo; visitamos o
budista Luan Luna; o GEFIS Grupo Espírita da Fraternidade Irmã Sheilla, no bairro Vila
Fátima, onde fomos recebidos por Gandhi Morais, e o Grupo Jovem Católico da Paróquia de
São Miguel. Em todas essas visitas priorizamos conhecer cada uma dessas religiões através da

74 Nosso questionário foi montado de acordo com o modelo recomendado por John Creswell, onde usamos
perguntas fechadas (objetivas) e abertas (discursivas). CRESWELL, JOHN W. Projeto de Pesquisa: Métodos
Qualitativo, Quantitativo e Misto; Tradução Magda Lopes. 3 ed. Porto Alegre: ARTMED, 2010.
visão de seus adeptos e ouvimos diversos relatos sobre o preconceito religioso que sofrem –
dentro e fora do ambiente escolar – e como lidam com essa questão75. Vale ressaltar que a
cidade, Juazeiro do Norte, é extremamente católica, devido a devoção ao Padre Cícero e
muitas vezes outras denominações religiosas não são bem aceitas por grande parte da
população.
Nosso contato com os movimentos sociais LGBT se deu com o Grupo Akuenda a
Diversidade, e seu representante Pablo Soares e com a Associação Beneficente Madre Maria
Villac (ABEMAVI) e seu representante Ronildo Oliveira. Em um de nossos encontros
tivemos a oportunidade de conhecer a professora Brenda Vlazacj, transexual, que muito
contribuiu com o projeto ao nos contar sobre sua experiência enquanto ativista, professora de
adolescentes e sobre a sua adequação sexual – nome dado ao processo de transição da
identidade masculina para feminina ou vice-versa.
Já com o movimento negro, conhecemos as meninas do Negras Simoas, (Jessica
Diniz, Karina Cardoso e Karla Alves) ativistas não só do movimento negro, mas que também
lutam pela equidade de gênero e contra a lesbofobia e bifobia.
Destacamos também os encontros e as discussões traçadas dentro do LIEV –
Laboratório Interdisciplinar de Estudos da Violência - e da UNILEÃO – Centro Universitário
Dr. Leão Sampaio - e com o professor do curso de Enfermagem da URCA – Universidade
Regional do Cariri - e pesquisador de gênero e ativista LGBT, Glauberto Quirino.
A partir do levantamento dessas informações iniciamos a construção e aplicação do jogo
―E se fosse você?‖– maneira pelo qual aplicamos nossa metodologia ativa. Nossa sugestão é
de que as partidas sejam jogadas por 04 equipes ou por até 04 duplas que disputam entre si,
para que assim haja a troca de ideias, o debate.
No jogo são apresentadas situações cotidianas do ambiente escolar as quais os
jogadores deverão "solucionar". Essas situações foram selecionadas a partir de um
levantamento de situações reais envolvendo pessoas na faixa etária do nosso público alvo -
alunos de Ensino Médio, entre 14 e 18 anos, professores e gestores - a partir de pesquisas na
mídia (tv, jornais, internet e nos questionários respondidos pelos alunos, professores e
gestores). Tivemos o cuidado de preservar a identidade dos envolvidos, modificando detalhes
como nomes e cidade. A intenção é que o jogador, se colocando na pele daquele seu

75 Sobre essa temática, embora envolvendo outra faixa etária, recomendamos a leitura de SOUSA, K. Entre a
escola e a religião: Desafios para crianças de candomblé em Juazeiro do Norte. 2010. 145 f. Dissertação
(Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação. UFC, Fortaleza. 2010.
.
personagem, solucione, debata, se depare com uma situação de conflito sob uma ótica
diferente de seu habitual. A partir da experiência do jogo, ao se colocar nas situações
apresentadas, o jogador é estimulado a pensar a partir de outra perspectiva, ao tentar
solucionar a situação que lhe foi apresentada. Não existe uma resposta correta. A intenção
aqui é o debate, a discussão e ―o se colocar no lugar do outro‖. O aplicador do jogo lerá a
situação até um certo ponto, quando será colocada a questão ―E se fosse você?‖, o que faria,
como reagiria? Depois de um breve debate, a equipe dará a sua solução para o caso, e em
seguida, será lido o desfecho real da situação.
No decorrer do jogo, o jogador irá acumulando estrelas, que o farão subir de nível
(Primário, Secundário, Graduado, Especialista, Mestrado e Doutorado), ganhando o jogo
quem primeiro alcançar o grau Doutorado ou se alguma equipe retirar no baralho ―NOTÍCIA‖
a carta que encerra a partida – nesse caso ganhará a equipe que estiver com o grau mais
avançado. O jogador poderá conseguir estrelas ao cair na casa ―ESTRELA‖ do tabuleiro, onde
ele irá rodar a roleta para saber se ganha ou perde estrelas; e ao responder alguma situação,
quando cair na casa ―E SE FOSSE VOCÊ?‖. Existem ainda a casa ―PRISÃO‖ e ―VÁ PARA
A PRISÃO‖, que deixa o jogador uma rodada sem jogar. O baralho ―NOTÍCIA‖ trará
informações histórias, culturais, estatísticas, legislativas, curiosidades sobre as diversidades
citadas, podendo ser boas ou ruins.
Nosso grande desafio em uma segunda etapa do projeto foi confeccionar um tabuleiro
na versão gigante, como uma forma de estimular mais ainda a participação de alunos e
professores no projeto. A ideia era que pudéssemos visitar as escolas de nossa região com esta
versão gigante, e até mesmo realizar uma espécie de competição entre as escolas – ambos os
objetivos conseguiram ser alcançados. A metragem do tabuleiro (7 X 9 m) foi escolhida para
que coubesse no refeitório ou quadra das escolas. Cada casa do tabuleiro ficou medindo,
aproximadamente 1 X 0,70 m, e tentamos reproduzir ao máximo o tabuleiro pequeno em
versão gigante.

Resultados e Discussões

O início e o desenvolvimento da pesquisa, em todas as suas etapas (levantamento de dados,


teste da hipótese, entrevistas, aplicação do jogo) aconteceram ao longo do ano de 2015 na EEEP
Aderson Borges de Carvalho, na EEEP Professor Moreira de Sousa, na turma de EJA Projovem
Campo, da EEF Maria do Socorro Cardoso, localizada no sítio Palmeirinha e com os jovens do
terreiro de candomblé Ilê Alaketu Ijobá Asé Logun y Oyá - todos localizados em Juazeiro do
Norte - além de testes informais com grupos de amigos. Fomos também convidados pelo Prof.
Dr. Glauberto Quirino a levar o jogo para a turma do 5º período do curso de Enfermagem da
Universidade Regional do Cariri (URCA), localizada no Crato, em sua disciplina ―Gênero,
Sexualidade e Saúde Reprodutiva‖, onde além de testarmos a hipótese em um outro público-alvo
– alunos de Ensino Superior -, discutimos sobre a aplicação do jogo no ambiente escolar e na
comunidade.
Inicialmente o teste da hipótese foi feito com alunos voluntários na nossa própria escola,
apresentando situações e promovendo o debate, sem o tabuleiro. A intenção era perceber se as
situações estavam sendo colocadas de forma clara aos alunos, para que o jogo pudesse fluir de
acordo com a nossa hipótese. O teste foi muito bem sucedido, e então partimos para o teste com o
jogo na íntegra (situações + tabuleiro), igualmente bem sucedido. Foi quando surgiu a
oportunidade de aplicar o jogo em uma aula de Sociologia na EEEP Aderson Borges de Carvalho,
cujo tema era movimentos raciais, de gênero e LGBT, em que o professor da disciplina propôs
um debate sobre os temas – uma oportunidade da aplicação prática do jogo em um cotidiano de
sala de aula. O jogo teve um excelente andamento e debates calorosos. Alunos e professor se
mostraram entusiasmados com a dinâmica do jogo e pediram para repetir a experiência em outras
oportunidades.
Como parte do desenvolvimento do projeto, confeccionamos junto aos alunos murais com
informações sobre alguns conceitos trabalhados ao longo do projeto, além de dados estatísticos e
as legislação referente a eles: machismo, sexismo, misoginia, racismo, injúria racial, intolerância
religiosa, transexual, transgênero, dentre outros. Levamos esse mural para todas os espaços onde
o jogo foi aplicado.
Além disso, promovemos na EEEP Aderson Borges de Carvalho uma ―Semana da
Diversidade‖, onde contamos com a presença da EEP Professor Moreira de Sousa e da EEEP
Otília Correia Saraiva. Ao longo da semana, houveram oficinas de fotografia, concursos de
dança, paródias, vídeos, exibição de curtas, palestras com lideranças religiosas e ativistas dos
movimentos racial e LGBT da nossa região.
No dia da culminância do evento, promovemos uma partida do jogo em versão gigante
entre as escolas, na qual os alunos eram as peças em movimento no tabuleiro. A ―competição‖
foi vencida pela EEEP Professor Moreira de Sousa, e posteriormente houve uma visita a essa
escola para a aplicação de uma oficina/formação com os alunos e professores participantes
para transformar esses alunos em agentes multiplicadores. Em seguida, aplicou-se o jogo
gigante na escola, ação essa conduzida pelos alunos multiplicadores do Moreira de Sousa.
Na página seguinte apresentamos os dados e gráficos colhidos ao longo do projeto, em
todas as escolas participantes:

JÁ PRESENCIOU OU TEM
CONHECIMENTO DE ALGUÉM QUANDO É CABÍVEL, O(A) PROFESSOR(A)
QUE SOFREU ALGUM TIPO DE ABORDA EM SUAS AULAS QUESTÕES
PRECONCEITO? SOBRE AS DIVERSIDADES DE GÊNERO,
ETNIA, SEXUAL E RELIGIOSA?
8%
SIM 48%
52% SIM
NÃO
92% NÃO

RESULTADOS - ALUNOS

VOCÊ IDENTIFICA ALGUM TIPO JÁ SOFREU ALGUM TIPO DE


DE PRECONCEITO NA ESCOLA? PRECONCEITO SEXUAL, ETNICO,
RELIGIOSO OU DE GÊNERO?

30 %
14 %
SIM
70 % NÃO SIM
NÃO
86 %
RESULTADOS – PROFESSORES E GESTÃO

VOCÊ UTILIZARIA O JOGO


VOCÊ IDENTIFICA ALGUM TIPO JÁ SOFREU ALGUM TIPO DE
COMO FERRAMENTA DE APOIO
DE PRECONCEITO NA ESCOLA? PRECONCEITO SEXUAL, ETNICO,
PARA SUAS AULAS ?
RELIGIOSO OU DE GÊNERO?
0
16%
SIM 48 %
SIM
NÃO NÃO
84 % SIM 56 %
[VALO NÃO
R] %

JÁ PRESENCIOU OU TEM
CONHECIMENTO DE ALGUÉM
QUE SOFREU ALGUM TIPO DE
PRECONCEITO?
VOCÊ ACREDITA QUE O JOGO
13 % FACILITA A ABORDAGEM DE
CERTOS ASSUNTOS
SIM
NAS AULAS ?
NÃO
87 %

FEEDBACK
100 %

VOCÊ ACREDITA QUE


TRABALHAR COM O JOGO NAS
AULAS INCENTIVARIA UMA
MAIOR PARTCIPAÇÃO DOS
ALUNOS NAS AULAS ?

100 %

É CABÍVEL VOCÊ ENQUANTO


EDUCADOR(A) INCLUI QUESTÕES SOBRE
A DIVERSIDADE ETNICA, RELIGIOSA,
SEXUAL E/OU DE GÊNERO?

59 % SIM
41 % NÃO
Considerações Finais

A receptividade do jogo foi muito boa, não houve nenhuma declaração ou repercussão
negativa nesse sentido. Alunos e professores que participaram da experiência concordaram
que introduzir a dinâmica através de um jogo facilitou a introdução de assuntos considerados
tabus e delicados e mesmo alunos tidos como mais inibidos, se motivaram a expressar sua
opinião e se inserir no debate. Os professores afirmaram ainda que o jogo seria um excelente
instrumento para auxiliá-los nas aulas, já que a falta de uma formação específica, de
informação e até de incentivo colaboram negativamente para o desenvolvimento de tais
temáticas no ambiente escolar. Muitos alunos se mostraram mais receptivos e curiosos sobre o
tema, e algumas informações trazidas pelo jogo não eram de conhecimento da maioria dos
jogadores – o que reforça o caráter informativo do projeto.
Para termos um feedback em relação a hipótese do projeto, a opinião, receptividade de
docentes e discentes e sugestões sobre o jogo, aplicamos um questionário para todos os alunos
e professores que participaram das partidas. Esses questionários também foram respondidos
de forma anônima, e houve uma aceitação geral e excelente receptividade da metodologia,
tanto por alunos e professores.
Ao comparar dados anteriores e posteriores a aplicação do jogo, vimos que nossos
objetivos – debate, esclarecimento, troca de informações, incentivo para se trabalhar as
temáticas ligadas a diversidade em sala de aula – foram atingidos com sucesso, visto que
muitas vezes os próprios alunos pedem para que o jogo seja aplicado em algumas aulas.
Compreendemos que não se faz uma educação de qualidade sem uma educação
cidadã, uma educação que valorize as diversidades. Espera-se, portanto, que uma prática
educativa de enfrentamento das desigualdades e valorização da diversidade vá além, seja
capaz de promover diálogos, a convivência e o engajamento na promoção da igualdade. Não
se trata, simplesmente, de desenvolver metodologias para trabalhar a diversidade e tampouco
com ―os diversos‖. É repensar as relações que se dão no ambiente escolar na perspectiva do
respeito à diversidade e de construção da igualdade, contribuindo para a superação dos
preconceitos nas relações entre pessoas, independente de gênero, sexualidade, religião, etnia
para a qualidade da educação. É no ambiente escolar que os estudantes podem construir suas
identidades individuais e de grupo, podem exercitar o direito e o respeito às diferenças.
Nas palavras de Maria Victoria Benevides,

A Educação em Direitos Humanos é essencialmente a formação de uma cultura de


respeito à dignidade humana através da promoção e da vivência dos valores da
liberdade, da justiça, da igualdade, da solidariedade, da cooperação, da tolerância e da
paz. Portanto, a formação desta cultura significa criar, influenciar, compartilhar e
consolidar mentalidades, costumes, atitudes, hábitos e comportamentos que decorrem,
todos, daqueles valores essenciais citados – os quais devem se transformar em
76
práticas .

Nesse sentido, nossa intenção é colaborar na desconstrução de preconceitos e


estereótipos, na construção do conhecimento e na formação de jovens cidadãos críticos,
disseminadores do respeito e da tolerância. Que a escola não silencie sobre o preconceito,
nem sobre seus desdobramentos. Que não faça da diversidade, o diferente, o exótico, que está
à margem, mas sim algo que existe, que está ali presente em nosso dia-a-dia. Afinal, somos
todos diversos, somos plurais. Somos humanos.

Referências Bibliográficas

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diversidade – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada,
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Liberdade Religiosa no Estado Democrático de Direito: Questões históricas, filosóficas e
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PINSKY, Jaime. As doze faces do preconceito. São Paulo, Editora Contexto, 2009.

RIBEIRO, P. et. al. (Orgs.). Corpo, Gênero e Sexualidade: Discutindo práticas educativas.
Rio Grande: FURG, 2007.
SUICÍDIO E PORNOGRAFIA DE VINGANÇA

Bruno Moraes Arraes Sampaio¹


Marcela Melo de Carvalho²77

RESUMO

Este artigo tem, como foco, discutir a influência de fotos e vídeos íntimos expostos nas
redes sociais por ex parceirxs, no suicídio de alguns jovens, analisando essa exposição como
uma ruptura de valores até então construídos pelas vítimas no convívio social, familiar e
escolar. Ressalta a pressão de valores de um grupo social no psicológico de crianças,
adolescentes e mulheres, que buscam o suicídio com a finalidade de destruir a vergonha, dor,
desonra e humilhação causadas pelas postagens dessas imagens e vídeos, e não de destruir a
própria vida. O estudo reflete uma nova forma de violência de gênero, que surge no final do
século XX e início do século XXI, através das redes sociais e seu poder de alta escala de
compartilhamento. Buscando construir este artigo por meio de referenciais teóricos de Émile
Durkheim, Michel Foucault e Simone Beauvoir, que trazem em suas obras a influência da
sociedade nas tomadas de decisões dos indivíduos, análise das instituições e estudos sobre
sexualidade, feminismo, gênero, violência e educação.

Palavras-chaves: suicídio, violência, educação, vulnerabilidade, gênero.

INTRODUÇÃO

77
Graduando em Direito do Centro Universitário Dr. Leão Sampaio (UNILEÃO) b.arraes@icloud.com
² Mestre em História Social da Cultura PUC-RJ. Professora do Centro Universitário Dr. Leão Sampaio
(UNILEÃO) marcelamcarvalho@gmail.com
Em um tempo anterior, a mulher era vista pela sociedade como um ser inferior ao
homem, sendo assim, suas ações acabavam por ter uma certa limitação. Na atualidade, as
mulheres vêm lutando para que haja uma maior valorização do seu gênero, porém, ainda traz
consigo raízes de um passado não muito remoto, repleto de várias formas de preconceitos.
A violência pode ser considerada uma das práticas que mais acometem as pessoas do
gênero feminino, violência essa, que chega a ser tão grave a ponto de mulheres atentarem
contra a própria vida.
A presente pesquisa tem como objetivo analisar como a pornografia de vingança,
considerada uma violência contra mulher, pode contribuir para à ação do suicídio.
Compreendendo responder, não só a questão feminina, mas do suicídio em si, suas formas de
cometimento, formas de evitá-lo, causas e consequências não só para o agente mas para
outros indivíduos que, de alguma forma, fazem parte do processo.

SUICÍDIO

Suicídio é a ação de subtrair a própria vida, ação essa que tem graves implicações
sociais. A maioria das pessoas que realizam esse ato, sofrem de problemas psicológicos por
meio de estresses agudos e experiências de vida. Essa prática é utilizada como um modo de
escapatória, fuga da realidade, é um estado interior chamado de ambivalência, a busca de
atenção.
A Universidade de Campinas realizou um estudo onde foi possível observar que
―(...)17% dos brasileiros, em algum momento, pensaram seriamente em dar um fim à própria
vida, e desses, 4,8% chegaram a elaborar um plano para isso(...)"
Na visão de Émile Durkheim o indivíduo quer acabar com a dor que sente, e então,
retira a própria vida. Seus estudos afirmam que esta ação é mais que um ato individual, e sim
um fato social. Durkheim traz em sua obra, três conceitos.

O Suicídio egoísta é um ato que se reveste de individualismo extremado. É o tipo de


suicídio que predomina nas sociedades modernas e é geralmente praticado por
aqueles indivíduos que não estão devidamente integrados à sociedade e geralmente
se encontram isolados dos grupos sociais. Suicídio altruísta é um ato em que o
indivíduo está tomado pela obediência e força coercitiva do coletivo, seja ele um
grupo social restrito ao qual pertence ou mesmo a sociedade como um todo. O
Suicídio anômico, representa mais propriamente uma mudança abrupta na taxa
normal de suicídio, geralmente marcado por uma vertiginosa ascensão do número de
suicídios que ocorrem em períodos de crises sociais.

Essa prática está presente em todas as sociedades independente do tempo e espaço,


assim, sendo um fenômeno universal diretamente influenciado pela moral, religião e
economia de cada grupo social ao qual o indivíduo está inserido pois, são os fatos sociais que
vão interferir na tomada de decisão de cada sujeito, seja em sentir-se inferior ou superior ao
grupo, por fugir dos padrões impostos, por ter condutas diferenciadas e condenadas pela
coletividade, ações contrárias aos costumes, cultura, ou que o envergonhe diante das
instituições ou grupos sociais.
A cada quarenta segundos uma pessoa se mata no mundo, estimando quase um milhão
de pessoas por ano, esse número sofre um acréscimo considerável quando se compreende que
esse ato atinge indiretamente outras pessoas que fazem parte do vínculo afetivo-familiar dos
suicidados.
Causar a própria morte é um mecanismo da ação humana que veio a ter maior foco na
contemporaneidade, pois, nesse período social o hábito de se criar mecanismos para que se
torne tudo mais fácil e prático ocasionou diversos outros contextos de insatisfação. Para toda e
cada situação, é criada uma nova forma de se agilizá-la, tornando a sociedade sedentária.
Sendo assim, há o pensamento de que dar fim aos problemas da forma mais rápida e prática é
apenas por meio do suicídio.
Pensar em suicídio é uma coisa que faz parte da natureza humana, e é estimulada pela
possibilidade de escolha. O impulso também é uma reação natural, porém, é mais comum nas
pessoas que estão exaustas por dentro e emocionalmente fragilizadas diante de situações que
despertam possibilidade de suicídio.
Outro estudioso das instituições sociais, Michel Foucault, traz que as instituições
disciplinam os membros para que tenham condutas de acordo com os valores impostos pela
sociedade. Para Foucault, existe uma grande relação de poder sobre o homem através de um
contrato fictício que o conduz a ser homem íntegro de acordo com as crenças e hábitos sociais
e, a quebra desse contrato, ou seja, o homem agindo contra as regras sociais, seria o que leva
esse à depressão, e consequentemente, ao suicídio.
Relacionando o índice de suicídio ao gênero é visto que homens se matam mais, já as
mulheres estão em maior número no quesito de tentativas. Em questão do método utilizado,
para os homens foi utilizado em maior número as armas de fogo, e as mulheres, enforcamento
ou estrangulamento, e para ambos há ingestão de medicamentos.
O suicídio atinge em maior número aos jovens. O período conhecido como aquele em
que o adolescente irá construir a sua identidade tendo como referência o seu meio social e
influência da família, em meio as primeiras pressões sociais e o amadurecimento psicológico
e biológico, o torna mais susceptível a conflitos emocionais.
Algumas ferramentas são instituídas tendo como objetivo a prevenção do risco e das
tentativas de suicídios. O CVV (Centro de Valorização da Vida), grupo de voluntários,
oferecem apoio emocional gratuito, serviços por meio de telefonia, atendimento presencial,
internet, e recomendam a ajuda de profissionais da área, para auxilio.
A pessoa que tenta tirar a própria vida se vê isolada de tal maneira que não vê outra
saída senão o suicídio, desta forma, faz-se importante a presença de profissionais capacitados
para auxiliá-las no que for preciso e disponíveis para apenas escutá-la.
O suicídio virou uma das piores consequências que se possa ter do mundo virtual, após
o avanço tecnológico do século XX e com a chegada das redes sociais, a intimidade das
pessoas passou a ter um círculo cada vez mais diminuto. Na proporção que cada usuário cria
uma conta nessas redes, maior a necessidade que se tem em publicar fotos, vídeos e
comentários sobre política, economia, eventos, e principalmente expor sua vida pessoal. Sem
abster-se de postagens de partes intimas do corpo para pessoas com quem trocam mensagens,
fotos ou vídeos.
Em uma sociedade cada vez mais individualista e capitalista, os indivíduos buscam
formas de se interligar com outros, a fim de garantir diálogos e buscar conquistas como meio
de saciar uma solidão imposta pela tecnologia. A troca de ―nudes‖ fica mais reincidente entre
casais, que tratam como uma forma de admirar o seu companheiro, mas o grande problema do
envio dessas imagens é o perigo de ser publicada em alta escala, após o rompimento do
relacionamento.
A razão para tal fator ser causador de índices alarmantes, do principal motivo de
suicídio entre jovens em sua maioria mulheres que tiveram sua intimidade, imagem e
dignidade ferida por ex parceiros, que, após o termino da relação, não apagaram os arquivos e
sim espalharam nas redes sociais, gerando um litígio emocional para as vítimas e suas
famílias, sendo desmoralizadas diante a sociedade.
É inevitável para uma jovem conseguir manter seu ego por tais acontecimentos não
somente pelo o ciclo de convivência social mais principalmente por sua família. As vítimas
sentem-se envergonhadas por sua intimidade ter sido lançada ao mundo e comentada por
desconhecidos, familiares, amigos, colegas ou apenas conhecidos. Passando a ser difamada e
consequentemente excluída da sociedade por ter adotado ações diferente dos valores do
grupo. O conflito emocional e desesperador é o que leva a cometer suicídio por sentir-se uma
pessoa imoral, indigna, envergonhada e rejeitada pela sociedade.
Pesquisas feitas pelo Pro-Aim (Programa de Aprimoramento das Informações de
Mortalidade) na cidade de São Paulo, mostram que o suicídio é a segunda maior causa de
morte entre mulheres de 15 a 29 anos, ficando atrás apenas dos homicídios. Dentre esses
casos, os motivos são vários, sendo um deles, as formas de violência psicológica cometidas
sobre elas. Uma das principais é a chamada ―Pornografia de Vingança. ‖

PORNOGRAFIA DE VINGANÇA

A questão cultural como forte provedor da violência na pornografia de vingança, é


crucial para o entendimento de todo contexto. Sabe-se que o machismo é e sempre foi um dos
males dos tempos, onde a virilidade é algo desejado, já que a mulher, de acordo com diversos
fatos culturais é ressaltada por sua inferioridade biológica e intelectual. Simone de Beauvoir
escreveu sobre tal assunto, explanando o porquê dessa construção simbólica da superioridade
masculina desenvolvida a partir de entendimentos biológicos para Beauvoir (1967, p. 174):

A mulher é mais fraca do que o homem; ela possui menos força musculas, menos
glóbulos vermelhos, menor capacidade respiratória; corre menos depressa, ergue
pesos menos pesados, não há quase nenhum esporte em que possa competir com ele;
não pode enfrentar o macho na luta.

Essa desproporção entre os sexos fomentou ainda mais com o adentramento do


patriarcado nas questões sexuais da mulher, onde a diminuiu a apenas um objeto, devendo
apenas reproduzir e não sentir prazer, ou seja, qualquer escolha que fugisse desse propósito,
transformava a figura feminina num ser sem valor e corrompido. São marginalizadas
historicamente e culturalmente, pois, são criadas por outras mulheres que foram criadas em
uma sociedade machista e misógina, sendo a reprodução do machismo mais uma forma de
provar que essa virilidade e o predomínio da valorização do macho estão longe de serem
apagadas. Para isso, Beauvoir (1967) afirma em seu discurso sobre essa construção social que
―o opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplice entre os próprios oprimidos‖. Porém, a
partir de constantes movimentos sociais, essa ruptura entre a mulher destinada apenas a
reprodução e a mulher emancipada e empoderada abriu espaços para uma nova ótica
feminina, mas, devido a essas transformações de cunho feminista, o seio social resolveu
então, puni-las por desobedeceram aos princípios sexistas.
Em aplicativos próprios para mandar fotos intimas, no caso do snapchat encontramos
o poder de usar o corpo para o envio de nudes, palavra já abrasileirada pelos internautas.
Algumas vítimas, em sua maioria mulheres, com suas fotos expostas para uma sociedade,
muitas vezes machista, atuam de forma inadequada tentando o suicídio. Dessa forma, sob uma
visão ampla e contemporânea, cabe analisar as situações evidenciadas pela pornografia de
vingança.
Utilizada principalmente pelos homens que tentam constranger suas ex ou atuais
parceiras, a pornografia de vingança é um termo vindo dos Estados Unidos, mais conhecido
como porn reveng.

De maneira geral, o termo é utilizado com o intuito de dar status de crime a


situações que são apresentadas, grosso modo, como uma nova e tecnológica faceta
da violência contra as mulheres, sendo necessários, por isso, enfrentamentos
políticos específicos e elaboração de soluções jurídicas mais rigorosas. (LINS, s.d.)

Homens utilizam-se dessa circunstância para reproduzir chantagens sobre a exposição


de fotos e vídeos íntimos, que servirão de embasamento para futuras ameaças. De acordo com
a organização EndRevengePorn (2014), foi constatado que: das pessoas que foram
entrevistadas, 90% eram mulheres, vítimas desse tipo de vingança. E uma vez na rede, é quase
impossível impedir sua repercussão e reparar seus danos.
Exposição, medo, humilhação e vergonha começam a fazer parte da vida dessas
garotas, não conseguindo lidar com a pressão e situação de serem julgadas e perseguidas. A
partir daí a existência passa a ser questionada e torna-se um grande fardo lidar com os
acontecimentos.
Analisa-se antes de tudo a visão do homem sobre a mulher, quando atribui-se a culpa
do estupro, das fotos intimas que foram vazadas se não tivessem sido tiradas à mulher, apenas
demonstra-se a falta de conhecimento sobre o assunto. E quanto à liberdade de expressão, que
é um direito Constitucional? Tirar fotos íntimas é sim um direito carimbado, porém, não é
direito a exposição delas por outrem. ―IX - é livre a expressão da atividade intelectual,
artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; ‖ (Art. 5, inc.
IX da Constituição Federal de 88).
Podemos perceber que algumas das campanhas acerca de violação da privacidade e
estupro não são direcionadas aos homens, que são os principais agentes desses crimes, ou
seja, culpam a vítima por serem um ―alvo fácil‖.
Perante uma sociedade que reconhece, diferencia e diminui corpos para uma
construção social e cultural, entende-se que sob a visão da violência de gênero, estudada por
Simone de Beauvoir, podemos perceber que a pornografia de vingança é um instrumento de
reafirmação do poder masculino, que de início admite um resgate a sua autoridade prescrita
pelo machismo.
A mulher quando foge dos seus ―deveres‖ de puritana, como perder a virgindade, ser
recatada e mostrar que é do lar, é socialmente punida, reflexo da cultura de dominação
masculina, onde tem que ceder aos seus avanços e recuar diante da repressão.
É comum, casos em que o alvo, em geral, são garotas jovens e vítimas de alguém
próximo e que as conheciam muito. Quem vaza a foto ou vídeo comumente é o homem,
ficando somente para mulher o peso de lidar com o julgamento da sociedade, e muitas vezes
essas jovens não suportam o sofrimento e não encontram forças para continuar vivendo.
Casos como o da adolescente de 16 anos, Giana Fabi, de Veranópolis em que teve
fotos íntimas vazadas por um amigo, tirada no momento que ela mostrava os seios em um
aplicativo de comunicação com vídeo. E depois de ter conhecimento sobre o vazamento,
Giana afirmou que não se tornaria estorvo de ninguém e não suportaria ter que conviver com
a vergonha e assim acabou tirando a própria vida.
Outro caso foi o da jovem de 17 anos, Júlia Rebeca, no litoral do Piauí. Ela teve um
vídeo seu íntimo vazado no aplicativo whatsapp onde se relaciona com um rapaz e outra
adolescente, após o compartilhamento do vídeo a jovem entrou em uma profunda depressão e
se suicidou.
São diversos casos como esses em que a sociedade se depara com um problema, o
crescente número de jovens que são expostas tendo fotos e vídeos de momentos íntimos
divulgados por outros, que geralmente são homens e se relacionam com elas. Diante dessas e
outras diversas histórias, e com intuito de dar uma atenção necessária a essa problemática, o
deputado federal Romário Faria, apresentou um projeto de lei que torna crime a divulgação
indevida de material íntimo78.

78
http://Revistamarieclaire.Globo.com/mulheres-do-mundo/noticia/2013/11/pornografia-de-revanche-nossa-
sociedade-julga-mulheres-como-se-o-sexo-denegrisse-a-honra-diz-romario
Os casos têm se tornado cada vez mais frequentes. Além das notícias que repercutem
na mídia, há incidência em pessoas próximas. Como legislador, toda vez que diagnosticamos
um problema, tentamos pensar numa solução.

Um projeto que, segundo o Deputado Federal em questão, já teve 80% de aprovação


da sociedade, pois o intuito de tornar crime esse ato de vazar fotos íntimas de pessoas é punir
o criminoso que se aproveita pela vulnerabilidade gerada pela confiança que lhe foi dada pela
vítima, e fazendo com que esses agentes não fiquem impunes, pois seu ato traz consequências
trágicas as vítimas quando expostas.

METODOLOGIA

A presente pesquisa qualitativa tem por base o levantamento bibliográfico que segundo
Lakatos:
(...) permite compreender que, se de um lado a resolução de um problema pode ser
obtido através dela, por outro, tanto a pesquisa de laboratório quanto à de campo
(documentação direta) exigem, como premissa, o levantamento do estudo da questão
que se propõe a analisar e solucionar. A pesquisa bibliográfica pode, portanto, ser
considerada também como o primeiro passo de toda pesquisa científica.
(LAKATOS, 1992, p.44)

A abordagem da pesquisa é qualitativa, pois tem por objetivo principal interpretar o


fenômeno observado e compreender de forma mais profunda seu significado, qual seja: o
fenômeno do suicídio e a pornografia de vingança.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O intuito desta pesquisa é fazer uma análise mínima acerca da relação existente entre a
prática do suicídio e a pornografia de vingança a fim de proporcionar uma melhor
compreensão sobre os aspectos que englobam essa questão.
A problematização do gênero acerca dessa nova violência contemporânea, que atinge
na sua maioria mulheres, crianças e adolescentes, faz-se necessária devido ao ápice de
surgimento de suicídio sendo resultado de um constrangimento psicológico, avaliados em
decorrência das relações de poder, advindas do patriarcado ao longo dos anos, moldando
então, as experiências de vida em cada geração.
A respeito do aumento de casos de cyberbullying ocorridos no âmbito escolar e
acadêmico, vale ressaltar a responsabilidade cabível aos pais, gestores e professores no
que diz respeito a uma melhor orientação sobre os riscos e consequências oriundas de tais
abusos.

CONCLUSÃO

Na sociedade contemporânea, com o avanço da tecnologia e com as várias formas de


comunicação, que podem ter, ou não, o anonimato, a vulnerabilidade de ter sua vida exposta
faz com que aumentem o número de casos de violência virtual, como nos casos da
"pornografia de vingança", que tem um maior êxito sobre o gênero feminino.
Em consequência dessa causa, o suicídio é um fato que faz parte da atualidade como
um problema a ser diagnosticado, a quantidade de pessoas que o cometem ou tentam cometê-
lo é marcante. Também é sabido que, o respeito pela intimidade é algo constatado na
Constituição Federal, sendo assim referente a todos.
Portanto, em virtude dos fatos mencionados na referente pesquisa, deve-se
disponibilizar uma atenção especial a essa problemática, com a utilização de campanhas e
outras formas de repassar para a população que a privacidade e o respeito são essenciais, e
acompanhamentos psicológicos para aqueles que acreditam no suicídio como uma saída
viável para tal questão.

REFERÊNCIAS

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QUINTANEIRO, Tânia; BARBOSA, Maria L. de; OLIVEIRA, Márcia G. M. de.


Um Toque de Clássicos: MARX,DURKHEIM, WEBER, 2. ED. Belo Horizonte: ED. UFMG,
2003.
ELA É O HERÓI: RELAÇÕES DE GÊNERO E PROTAGONISMO
FEMININO NAS PRINCESAS DA DISNEY

Hannah Damaris Torres de Lima Silva (hannah.damaris@gmail.com, graduanda em Psicologia pela


DeVry/UNIFAVIP ).

Resumo do artigo: Este trabalho teve como objetivo geral verificar os estágios da Jornada do Herói
de Campbell nas Princesas da Disney, discutindo a representação de gênero e o protagonismo
feminino nas veiculações infantis, entendendo estas últimas como meios de construção de educação.
Compreendendo gênero como um constructo social foram realizadas reflexões sobre a produção social
do protagonismo de gênero, para tal a figura do herói foi utilizada como instrumento de verificação do
protagonismo das personagens. Foi possível indagar se as Princesas da Disney estariam
configuradas também na estrutura de heroínas, visto que são protagonistas de seus filmes. Os
dados encontrados foram analisados estabelecendo relação entre as ações ativas e passivas
observadas nas narrativas dos filmes analisados. Diante dos dados encontrados pode-se
concluir que a maior parte das princesa têm sua trajetória configurada com a mesma estrutura
da Jornada do Herói, protagonizando as narrativas. No entanto no que se refere ao caráter
ativo durante o ápice da história a maioria delas ocupa papel de passividade, precisando ser
salva, ou ainda estando a mercê de acontecimentos totalmente alheios a si mesma. Observou-
se também a evolução dos padrões de atividade das personagens em linha histórica.

Palavras-chave: Heroísmo, Princesas Disney, Protagonismo de gênero.

INTRODUÇÃO:

Este trabalho teve como objetivo geral verificar os estágios da Jornada do Herói
(CAMPBELL, 2004) nas Princesas da Disney, discutindo a representação de gênero e o
protagonismo feminino (LOURO, 1997) nas veiculações infantis, entendendo estas últimas
como meios de construção de educação (GONNET, 2004).

Discutir gênero é adentrar um terreno fértil e plural. Diante a pluralidade de sentidos


que o termo ‗gênero‘ em si mesmo carrega (LOURO, 1997), este trabalho se fundamenta na
perspectiva de gênero como constructo social. Segundo Louro (1997) a discussão em torno da
temática gênero, têm crescido significativamente nas últimas décadas. Este trabalho foca nas
representações de gênero para o público infantil entendendo a mídia como um meio de
educação externo de acordo com Gonnet (2004), tendo como objeto de análise as Princesas da
Disney e sua relação com o protagonismo (heroísmo) de suas histórias.

Para Louro (1997) a cisão entre os gêneros masculino e feminino acabou por criar um
universo feminino invisível, ao passo que o universo masculino é constituído daquelas
atividades externas, ativas e visíveis. O universo feminino é composto de atividades veladas,
discretas, passivas e internas muitas vezes ao ambiente doméstico. Em muitos cenários
segundo este autor o pape da mulher é secundário, ―de apoio‖ ou coadjuvante. A ideia de
protagonismo está, portanto, em alguma medida distante do mundo feminino. Louro (1997)
menciona ainda que os estudos feministas e seu caráter político tornaram possível a
compreensão acerca das vidas femininas e suas múltiplas facetas, bem como a construção
social do ser mulher.

Partindo da construção social de gênero é possível perceber o papel da


escola/educação nestes processos, uma vez que esta constitui um meio de inserção social
primária segundo Miranda (1994). Para Miranda a educação constitui também o processo de
socialização da criança e portanto sua construção de sujeito. Assim os meios de educação e
transmissão de informação são concebidos como construtores do sujeito, sendo também por
este construídos ao passo de seu desenvolvimento (MIRANDA, 1994). Deste modo vários são
os meios de educação existentes e transmissão de informação, capazes de corroborar com o
desenvolvimento do sujeito (LOURO, 1997).

Gonnet (2004) propõe a mídia com um meio de educação, uma vez que esta cruza o
caminho da educação no sentido de produzir e divulgar informação. Segundo Setton a mídia é
uma matriz de cultura originando representações e socialização (SETTON, 2013). Diante
disto os papeis representados por esta via de informação são relevantes constructos do
desenvolvimento do sujeitos consumidores das tais. Para trabalhar a perspectiva de
representação de gênero na educação ao público infantil, este trabalho tomou como objeto de
análise as Princesas da Disney, como veículos de representação de gênero estabelecendo
relação com heróis.

Em sentido lexicográfico Princesa significa ―1-Herdeira presuntiva de uma coroa. 2 -


Filha ou mulher de um príncipe. 3 - Filha de família reinante. 4 - Soberana de um principado.
5 - Soberana, rainha, imperatriz. 6 - A primeira e mais distinta e excelente pessoa ou coisa
personalizada de uma série ou espécie‖ (‹https://dicionariodoaurelio.com/princesa›. Acesso
em: 11 Maio. 2017). Neste último pode-se ver uma semelhança com o conceito de Herói:

1-Pessoa de grande coragem ou autora de grandes feitos. 2 - Personagem nascida de


um ser divino e de outro mortal. 3 - Personagem principal. 4 - Pessoa ou
personagem de ficção que tem atributos físicos ou morais muito positivos. 5 - Pessoa
que provoca admiração. 6 - Pessoa que é o centro das atenções. 7 - Pessoa que se
destaca pelo seu proceder escandaloso ou incorreto. 8 - Pessoa que é o centro das
atenções (‹https://dicionariodoaurelio.com/heroi›. Acesso em: 11 Maio. 2017).

Para Campbell (2004) o herói é aquele que protagoniza sua própria história, tomando o
papel central no espaço e no tempo da narrativa, distinguindo-se dos demais. Assim o
conceito de herói Campbelliano está intimamente relacionado à atividade de caráter relevante
para o enredo, isto é, aquelas ações capazes de mudar o curso da história e que indiciam seu
autor como potente e distinto, como agente principal da situação mediante a importância de
suas decisões/ações.

A partir destas definições pode-se indagar se as Princesas da Disney estariam


configuradas também na estrutura de heroínas, visto que são protagonistas de seus filmes.
Para Campbell o Herói passa por um ciclo de acontecimentos específicos que são
denominados Jornada do Herói (CAMPBELL, 2004). De acordo com Campbell (2004) esta
jornada é composta de estágios que configuram situações em caráter geral que estruturam um
herói como protagonista da narrativa. Estes estágios podem ser verificados nas animações
respectivas das Princesas estudadas.

MÉTODO:

Este trabalho é fruto de uma pesquisa documental de caráter exploratório que buscou
observar os filmes de animação da Disney sobre princesas a fim de verificar o papel de
protagonismo exercido pelas mesmas em seus respectivos filmes mediante a Jornada do Herói
proposta por Campbell (2004). Os dados coletados foram tratados mediante métodos
comparativos, estabelecendo paralelos entre a teoria e o objeto de pesquisa, de modo
descritivo e analítico, mediante observação do fenômeno e descoberta de relações.

Para efeito desta pesquisa foram analisadas as princesas da que integram a franquia
―Princesas Disney‖ acrescidas das últimas personagens do gênero lançadas no Brasil até 2016
que ainda não integram a franquia. No total foram analisadas 13 princesas, sendo elas: Branca
de Neve, Cinderela, Aurora, Ariel, Bela, Jasmim, Pocahontas, Mulan,Tiana, Rapunzel,
Mérida, Anna e Elsa. Estas personagens foram analisadas de acordo com as etapas descritas
por Campbell como compondo a Jornada do Herói a fim de configurar a atuação como
também papéis heroicos no sentido de protagonismo.

As princesas foram, em ordem cronológica de lançamento, observadas em suas etapas


presentes nas animações estabelecendo paralelos entre as etapas ou estágios da Jornada do
Herói descritas na obra de Campbell (2004). Foram delimitados os momentos da longa-
metragem em as situações podem ser identificadas com os estágios descritos Campbell. Sendo
estas etapas seccionadas em três fases: A Partida, a Iniciação e o Retorno; onde a primeira é
compostas de 5 estágios, e as últimas compostas por 6 estágios cada.

Estas etapas são respectivamente: A PARTIDA:1. O chamado da aventura: O


momento em que algo de incomum acontece quebrando a rotina habitual do protagonista. 2. A
recusa do chamado: O temor, receio ou ansiedade do protagonista diante do desafio, ou do
inesperado. 3. O auxílio sobrenatural: A intervenção de forças externas ao herói e seu mundo
comum e inesperadas. 4. A passagem pelo primeiro limiar: O adentrar num mundo novo, a
saída de sua zona de conforto e segurança 5. O ventre da baleia: Período de testes no mundo
novo, aprendizado de regras deste mundo exterior e formação de aliados e oponentes
(CAMPBELL, 2004).

A INICIAÇÃO: 1. O caminho de provas: Sequência de provas e sucessos do herói. 2.


O encontro com a deusa: Uma recuperação do estado infantil de benção, ou uma conexão com
sua missão nata 3. A mulher como tentação: a mulher ou o gênero feminino como distração
ou desvio do rumo heroico. 4. A sintonia com o pai: A conexão e sintonia com a honra, a lei,
o sentido de pai e filiação. 5. A apoteose: momento em que o herói é imbuído e investido de
poder e potência. 6. A bênção última: Função e meta de missão reafirmados (CAMPBELL,
2004).

O RETORNO: 1. A recusa do retorno: A vontade de permanecer no mundo exterior,


ou ter o mundo comum negado a si. 2. A fuga mágica: Meio surpreendente pelo qual o herói
escapa na última hora 3. O resgate com auxílio externo: Última intervenção sobrenatural e/ou
externa em prol do herói. 4. A passagem pelo limiar do retorno: A saída do mundo exterior
em direção ao mundo comum novamente. 5. Senhor dos dois mundos: O herói traz o segredo
da vida ou do sucesso e passa a ter certo domínio em ambos os mundo uma vez que ele
conheceu o mundo exterior. 6. Liberdade para viver: Agora o protagonista será em essência si
mesmo, respeitado como personagem central da história usufruindo da benção última
(CAMPBELL, 2004).

RESULTADOS E DISCURSÃO:

Após as correlações entre a história narrada nos filmes das Princesas e possíveis
configurações heroicas das protagonistas, elas foram observadas quanto ao protagonismo de
gênero e os papeis ativo/passivo em seus próprios enredos ainda de acordo com o conceito de
herói Campbelliano. Cada princesa foi analisada de acordo com os estágios da Jornada do
Herói:

Branca de Neve

Branca de Neve (1937) é vista em primeira instância em suas atividades costumeiras


executando a limpeza do castelo por ordem da rainha. O início do filme traz um panorama
inicial do dia a dia da princesa, em seu mundo comum. Dar-se início então a Partida no
momento em que algo de incomum acontece: Quando a rainha envia o caçador com o intuito
de matar a Branca de Neve ela é compelida a fugir para a floresta. Diante da ameaça à própria
vida instaura-se o ‗chamado à aventura‘, logo em seguida a princesa é vista a chorar
angustiada sentada ao chão da floresta, este poderia ser entendido como um momento de
‗recusa ao chamado‘ no sentido de negação. Após o choro angustiado da princesa o cenário
torna-se iluminado e os animaizinhos da floresta aproximação como que magicamente neste
momento a princesa encontra forças para levantar e prosseguir sua trilha no meio da floresta,
o que pode caracterizar ‗o auxilio sobrenatural‘. Imbuída de ingenuidade a Branca de Neve ao
encontrar a pequena casa dos anões: entra e começa e realizar atividades domésticas de
limpeza e cozinha, ao entrar na casa ela está adentrando ‗o primeiro limiar‘ que lhe tornará
possível todo o desenrolar da trama. Ao estar com os anões a princesa passa pelo estágio que
Campbell denominou como ‗o ventre da baleia‘, onde ela aprende a viver efetivamente na
floresta com aliados (anões) e inimigos (a rainha).

Após algum tempo vivendo com os anões chegam as ‗provas‘, isto é, o momento em
que no filme os anões saem a trabalho e a princesa é instruída a ter cuidado com estranhos
(regras do ‗mundo mágico‘, floresta). Neste momento percebe-se que a rainha transformada
em bruxa aproxima-se e ao induzir a princesa a comer da maçã torna-se uma metáfora a
tentação do herói, que neste caso também apresenta-se figurado por uma mulher. A partir
daqui observa-se que curiosamente o ato de comer a fruta, movido por ingenuidade e
inocência é também um ato de ‗quebra de sintonia com o pai‘ e descumprimento das ‗regras‘
do mundo em agora está inserida a princesa.

A princesa então entra em ―sono de morte‖ como é descrito no longa. Passado algum
tempo surge o Príncipe Encantado como ‗resgate com auxílio externo‘ e com um beijo de
‗amor verdadeiro‘ traz a princesa de volta. A qual sai da floresta, passando pelo ‗limiar do
retorno‘ e volta a seu mundo que é a vida no castelo, agora como esposa do príncipe (senhora
de dois mundos) alcançando aquela ‗liberdade para viver‘ que é almejada pela protagonista ao
início do filme.

Cinderela

O filme Cinderela (1950) apresenta nas cenas iniciais a protagonista no exercício de


suas atividades diárias que assim como a princesa anterior também constituem-se de tarefas
domésticas de limpeza por ordem de um madrasta. A normalidade do dia a dia é quebrada
com a chegada do convite para o baile (o chamado para a ventura). Por alguns instantes a
personagem raciocina a impossibilidade de comparecimento (a recusa do chamado), diante da
falta de vestido para o evento. Neste momento os amigos-animais da personagem, ratos, e
pássaros, intervém (o auxílio sobrenatural) e confeccionam um vestido para Cinderela. Ao
receber o vestido, que representa a inserção da personagem no mundo externo ao seu (o
primeiro limiar), bem com ficam claros os aliados e os adversários (o ventre da baleia).

Após isso Cinderela passa pelo ―caminho de provas‖ (atritos com as irmãs e
madrasta). No momento crítico a personagem tem um encontro com a fada madrinha e sai
revitalizada o que pode ser configurado tanto como ―encontro com a deusa‖ como ―apoteose‖.
Ao fim da magia que confere a personagem a possiblidade de ir ao baile existe uma ―benção
última‖ seguida também de um advertência/lei mediante a qual a personagem manterá
sintonia com a ordem dada.

Estando no baile a personagem fica envolta pelo mundo exterior e apresenta felicidade
e realização, sendo lembrada da advertência/lei apenas quando ao som das 12 badalas da meia
noite (recusa do retorno). Deste ponto em diante ao invés de apresentar uma ―fuga mágica‖ a
magia se desfaz ao longo da fuga. Ao retornar a sua vida cotidiana, a personagem é buscada
por ordem do príncipe e é encontrada graças ao ―resgate com auxílio externo‖ dos
animaizinhos que intervém salvando a personagem. Ela passa então pelo ―segundo limiar‖
voltando ao mundo exterior (castelo). E passando a ser Princesa (senhora de dois mundos)
ganhando a tão almejada ao início do filme ―liberdade para viver‖.

Aurora

No filme A Bela Adormecida que narra a história de Aurora (1959), o enredo inicia
com a celebração do nascimento da personagem, um ponto de partida como uma gênese da
história. O chamado para a aventura acontece quando a protagonista é vista em suas
atividades diárias e a rotina é quebrada com a iminência de seu 16º aniversário. Ao tomar
ciência de quem é, a princesa recusa o chamado em virtude de sua recente paixão pelo jovem
desconhecido da floresta, mesmo assim ela segue seu dever atravessando o primeiro limiar em
direção ao castelo (ambiente externo à floresta onde crescera). Não foi observada a presença
dos demais estágio na narrativa, os eventos seguem a ordem cronológica do destino estando
dispostos em um formato linear e não sofrendo influência da princesa. Ao fim do filme
encontra-se o voo mágico, o modo inesperado pelo qual a protagonista é liberta, também é
creditado ao destino, visto que esta lamenta estar apaixonada por um jovem e prometida em
casamento ao príncipe Felipe até que descobre ser o mesmo homem. Os atos de heroísmo e
salvamento neste filme também são feitos do príncipe Felipe.

Ariel

A animação A pequena sereia, lançada em 1989, inicia com a apresentação do mundo


cotidiano da personagem Ariel. A personagem assim como suas precedentes mesmo em seu
mundo comum mantém expectativas e anseios relacionados ao futuro e uma certa liberdade.
Neste caso a personagem já mantém o desejo de ir ao mundo exterior, colecionando coisas
deste. As ações da princesa são repreendidas pelo pai desta e pode ser observada uma busca
por parte da própria em direção ao mundo exterior ao seu. O chamado a aventura nesta
animação aparece quando Ariel salva o príncipe Eric de um naufrágio e apaixona-se por este,
aumentando significativamente o seu desejo de conhecer o mundo dos humanos.

A recusa momentânea deste chamado pode ser observada quando ela volta para o mar
deixando o príncipe na praia. Após conflitos com o pai a princesa torna mais forte sua decisão
de ir ao encontro do príncipe. Para realizar seus objetivos ela vai em busca da Bruxa do mar e
consegue assim o auxílio sobrenatural, a princesa então passa pelo primeiro limiar ao sair do
mar para encontrar o príncipe. Os três dias que a princesa passa no mundo dos humanos
configuram o período no ‗ventre da baleia‘ em que ela conta com seus amigos do mar e tem
de lidar com oponentes e desventuras passando também pelo caminho de provas.

A figura feminina entra em cena como rival da personagem quando a Bruxa do mar
disfarçada de humana e com a própria voz da Princesa intenta roubar o par romântico desta. A
voz da Princesa estabelece uma conexão com seu estado inicial e ao mesmo tempo a figura
representa um desvio do rumo heroico que a personagem deve seguir. No momento de
criticidade e ação a personagem toma a decisão de salvar o príncipe (que está enfeitiçado) e
reunindo toda força de que dispõe (aliados) ela salva o príncipe atingindo o ponto mais crítico
da narrativa, ficando ela própria em perigo. Neste momento o pai da princesa surge (sintonia
com o pai) e reunindo poderes ele (apoteose) ele salva a princesa ficando em perigo, e o
príncipe efetua este salvamento final, sendo este o ato heroico que salva o mundo comum da
princesa.

Recuperada a normalidade, a princesa manifesta o desejo de permanecer no mundo


exterior com o príncipe (recusa ao retorno). O pai da princesa então intervém de modo
inesperado (auxilio externo) concedendo-lhe pernas, assim ela tem agora condições de
pertencer ao mundo exterior também, isto é, passa a ser ―senhora de dois mundos‖, o filme
termina com a celebração do casamento da princesa afirmando a ―liberdade para viver‖ que
fora almejada no início do filme.

Bela

Bela (1991) inicia a trama da animação em seu contexto diário, efetuando suas
atividades comuns. Os eventos que se seguem constroem o chamado para ao aventura, que
tem seu ponto máximo quando Bela precisa escolher sair da vila para salvar seu pai, a recusa
ao chamado pode identificada durante a ida, mediante os medos manifestos pela personagem,
embora ela mantenha-se firme na decisão de ir. A personagem passa pelo primeiro limiar
entrando no castelo na floresta saindo de seu mundo habitual. E mesmo durante a estadia dela
no castelo pode-se ver a recusa ao chamado, nas cenas que apresentam a personagem em seu
quarto no castelo chorando e angustiada. É durante sua estadia no castelo que Bela recebe
ajuda sobrenatural dos seres do castelo que são mágicos e aprende as ―regras do mundo
mágico‖, isto é, as proibições impostas pela fera e as possibilidades (ventre da baleia).

Quando a personagem mantém um contato mais próximo com a fera, dá-se início à
sucessão de conquistas graduais no sentido de ―educar‖ a fera, e dar-lhe modos. A sintonia
com o pai é vista no momento em que a personagem deixa o castelo da fera para salvar seu
pai. No momento de maior tensão em que a fera é vista sendo atacada pelos homens do
mundo convencional da Bela. Ela própria efetua o ato heroico que traz a fera de volta a vida
(a grande conquista).

Nesta animação não há retorno, a personagem fica definitivamente no mundo da fera e


este por sua vez é que se transforma. O voo mágico acontece quando tudo é transformado
incluindo os demais personagens são transformados: acontece neste caso uma fusão entre o
mundo comum e o mundo mágico. A princesa agora é ―senhora de dois mundos‖ e tem
liberdade para viver seus sonhos e objetivos.
Jasmim

A princesa Jasmim (1992) aparece no filme que leva o nome de seu par romântico
(Aladim), sendo este o protagonista do filme. Apesar da animação ser protagonizada pelo
personagem Aladim, neste trabalho foi feito um recorte da história referente à princesa em
virtude dela compor o rol de Princesas Disney. Ao aparecer, Jasmim é apresentada em suas
atividades diárias de princesa, o chamado para a aventura se manifesta com a emergência da
obrigatoriedade de casar-se e o desejo de conhecer o mundo fora do palácio.

Apesar do breve temor (recusa ao chamado) a princesa sai do castelo para o mundo
exterior (travessia do primeiro limiar). Uma vez no mundo exterior a princesa passa pelo
estágio do ―ventre da baleia‖ passando a tomar conhecimento das regras do mundo exterior,
bem como fazendo vínculos e aliados (Aladim e Abu). A princesa então retorna ao palácio ao
revelar sua identidade para salvar o rapaz (Aladim). Ela então passa pelo caminho de provas
que neste caso consiste num período de tristeza, decepção e culpa. A princesa, que é de
espirito forte e vontade firme, mantém-se leal a suas próprias convicções e obtém êxito
também com o uso da estratégia.

O heroísmo que garante o sucesso do ápice da trama é atribuído ao Aladim, e Jasmim


aparece como coadjuvante. Após a princesa recusa o retorno o estado inicial às regras do
palácio (casamento obrigatório) e o escape inesperado é obtido quando o Sudão muda estas
regras permitindo então a união da Princesa e seu amado e garantindo-lhe assim a liberdade
para viver um amor genuíno.

Pocahontas

Pocahontas (1995) abre a cena com a manifestação de atividades habituais da


personagem. Por ocasião da chegada dos europeus que aportam próximo a aldeia, instaura-se
a curiosidade de Pocahontas em relação ao mundo exterior ao seu e configura o chamado a
aventura. Ela recusa este chamado inicialmente, manifestando medo e confusão. E buscando
conselho da vovó Willow (figura mágica) ela consegue o auxílio sobrenatural.

Ela atravessa o primeiro limiar conhecendo e aprendendo sobre o mundo exterior em


companhia de John Smith. Durante o período que pode ser descrito como o ventre da baleia a
personagem aprende coisas do mundo exterior e ensina coisas de seu mundo para Smith,
desse modo acontece uma troca de aprendizado, onde a personagem é também ativa. O ponto
crucial do enredo se dá quando Smith é condenado a morte, a Princesa então consulta a vovó
Willow obtendo desta forma auxilio sobrenatural e sintonia com as forças da natureza
(sintonia com o Pai simbolicamente).

A princesa salva seu amado, e este por sua vez salva o pai da princesa garantindo a paz
entre os dois povos (grande conquista) de uma forma inesperada e garantindo à personagem o
retorno a suas atividades cotidianas (voo mágico). Pocahontas recusa o retorno a situação
inicial, mas com a partida de Smith ela permanece em sua tribo agora como senhora de dois
mundos e conhecedora da paz entre povos.

Mulan

Mulan (1998) é vista em seu cotidiano, em sua lida que já apresenta desde o início
certo grau de desconformidade com os papeis atribuídos a seu gênero. A normalidade do
cotidiano é quebrada quando seu pai é convocado pelo exército e ela decide tomar seu lugar.
As cenas seguintes apresentam um misto de receio e coragem que dialogam com a recusa ao
chamado no sentido do medo diante do desafio desconhecido. Mulan parte e a ajuda
sobrenatural aparece na figura de Mushu (um pequeno dragão, enviado pelos ancestrais para
sua proteção). A travessia do primeiro limiar ocorre quando ela se disfarça de homem e sai de
seu lar e conforto e entrar para o exército. No exército ela aprende as normas deste mundo
exterior ao seu, bem como faz aliados e inimigos (o ventre da baleia), é também aí que ela
passa por uma sucessão de superações e conquistas (o caminho de provas).

Ao fim desta sucessão de conquistas no treinamento, vêm a aparente vitória contra o


exército inimigo, incluindo o salvamento do capitão Lee Shang que será seu par romântico.
Neste ponto da história em que o gênero feminino protagoniza dois dos estágios de Campbell
(O encontro com a deusa, A mulher como tentação) a questão do gênero da protagonista é
revelado com sendo um problema dentro do exército e em virtude disto ela é abandonada, por
misericórdia quando de acordo com a lei do exército deveria ser morta. É curioso observar
que no momento crítico em que a heroína está prestes a desistir, e abandonada seu senso de
dever e patriotismo permanece inabalável e ao ter ciência de que os inimigos ainda estão
vivos ela decide mais uma vez salvar seus aliados a manutenção deste dever pode ser um
paralelo com o estabelecimento de sintonia com o pai e o cumprimento de missão.

Neste momento em que Mulan toma esta decisão, Mushu (representando ajuda
sobrenatural) põe-se ao seu lado, bem como os amigos que ela fez no exército incluindo o
Capitão Lee Shang. Vê-se aí o estabelecimento de aliança e o uso de todos os recursos do
herói. Segue-se a batalha final onde todos os poderes da heroína são testados e ela obtém
vitória salvando a todos incluindo o Capitão Lee Shang. Nas cenas de maior ação nos
momentos finais ela revela ao arquinimigo ser mulher e tê-lo derrotado antes. Ao final de seu
ato heroico ela recebe a honra do imperador e de todo o povo, bem como um título de heroína
que a integrou ao rol de Princesas Disney.

Tiana

O filme inicia ambientando a gênese da história, e evidenciando as caraterísticas que


serão cruciais na personagem: disciplina e esforço pessoal. A rotina no mundo comum de
Tiana (2009) já conta com contratempos e desventuras, ela é quebrada quando a princesa
encontra o sapo falante, ela recusa o chamado de beija-lo inicialmente, quando o beija ela
atravessa o primeiro limiar saindo de seu mundo humano ao transformar-se em anfíbio.

A figura da mãe de Tiana representa ao mesmo tempo o encontro com a deusa (uma
benção da infância) e uma ligação com seu passado. Durante todo o filme percebe-se a
sintonia com o pai que ela estabelece através da realização do sonho deste e manutenção de
seus ideais. O estágio da barriga da baleia acontece quando a personagem começa a
compreender as regras do mundo externo e a fazer amigos. E o auxílio sobrenatural corre por
meio da magia através da personagem Mama Odie, nas florestas e pântanos a princesa passa
pelas estrada de provas vivenciando aventuras.

Tiana é tentada pelo Mestre das Sombras, mas num momento de memória mantém a
sintonia com o pai e reunindo toda sua força de caráter e propósito (apoteose) e obtém êxito (a
grande conquista). De modo inesperado e por intervenção mágica (voo mágico e auxilio
externo através da Mama Odie) quando Tiana casa com o príncipe-sapo eles são
transformados em humanos novamente. Assim ela volta a seu mundo (travessia do limiar de
retorno) e agora acompanhada pelo príncipe, sendo agora senhora de dois mundos, e abre o
restaurante realizando o seu sonho (liberdade para viver).

Rapunzel

O filme Enrolados lançado em 2010 traz a história de Rapunzel assim como Aurora
inicia com o princípio da história; situando o nascimento da princesa no contexto histórico
antes de mostrar o mundo comum dos afazeres habituais da princesa. O chamado para a
aventura surge quando José Bezerra aparece na torre quebrando a rotina causando grande
receio e temor que seriam a recusa ao chamado, no entanto este chamado é atendido quando
ela atravessa o primeiro limiar saindo da torre que é sua zona de segurança e adentrando o
mundo exterior.

Uma vez fora da torre ela passa a assimilar as regras do mundo exterior com José
Bezerra que lhe transmite algum conhecimento sobre a vida fora da torre, ao mesmo tempo
pode-se observar em várias cenas a temeridade da personagem (a recusa ao chamado). Neste
novo ambiente (fora da torre) a princesa passa por uma série de aventuras e desventuras (o
caminho de provas) até que a figura da Gothel surge causando uma situação de crise que
requererá da personagem a reunião de todos os esforços a recursos adquiridos (a grande
conquista), aqui também a personagem recobra alguma memória e estabelece certo grau de
sintonia com seu passado.

O ponto mais crítico da história, no entanto, é protagonizado por José Bezerra ao


realizar o ato heroico que garante a liberdade da princesa. Neste ponto da história o voo
mágico, isto é, a maneira inesperada pela qual existe escapatória (neste caso para o par
romântico, uma vez que este se sacrificou por ela) é a magia das lágrimas da princesa (até
então desconhecida pela mesma). A princesa agora livre atravessa o segundo limiar, não como
retorno à torre, mas como retorno ao palácio (sua real origem), e recupera seu estado original
de benção infantil, atingindo a ―liberdade para viver‖.

Merida

Merida cuja história é narrada no filme Valente lançado em 2012, já é apresentada


quebrando estereótipos de gênero e recusando o costume cultural a respeito dos casamentos
arranjados. O chamado a aventura se dá quando ela tem a oportunidade de mudar sua mãe
através de magia e acaba transformando a mãe em um urso, a recusa ao chamado se dá de
modo peculiar neste filme pois a personagem tenta desfazer o ocorrido de modo rápido e só
após não conseguir embarca na aventura. O auxílio sobrenatural vem por meio da bruxa que
ela encontra na floresta.

A travessia do primeiro limiar ocorre quando ela e sua mãe-urso entram na floresta em
busca de solucionar o erro, lá elas passam pelo caminho de provas que é ao mesmo tempo um
período de reconexão com a mãe (sintonia). No momento de maior perigo Merida consegue
reunir toda força, coragem e intuição de que dispõe (apoteose) e salva as mãe e irmãos
(grande conquista). Após o ato de heroísmo o filme retrata a harmonia restaurada no reino e a
Princesa como senhora de dois mundos e livre para viver suas próprias escolhas conciliando
seu caminho e seu afeto e relação com a mãe (liberdade para viver).
Anna

Anna, juntamente com sua irmã Elza tendo uma franquia própria (Frozen, 2013), não
integram a franquia Princesas Disney, porém foram incluídas nesta lista por enquadrarem-se
no gênero sendo princesas e da Disney. Anna é apresentada inicialmente em sua infância
como um ponto de partida que oferece subsidio como uma gênesis para a história. O chamado
para a aventura aparece quando por ocasião da manifestação de poderes e fuga inesperada de
Elza ela decide ir em busca de sua irmã. Nesta narrativa a princesa manifesta receio em
atender o chamado a aventura, mas não o evita.

O auxílio externo e inesperado nesta história advém de Kristoff, Sven e Olaf que não
pertencem ao mundo comum da protagonista. Ela ultrapassa o primeiro limiar ao sair de seu
reino para as terras geladas. Uma vez no mundo exterior ela passa a agir de acordo com as
normas deste conforme aprende com Kristoff (a ventre da baleia), o caminho de provas pode
ser percebido na trajetória de aventuras até acalcarem o castelo de gelo de Elza. Anna então é
atingida pela irmã acidentalmente e expulsa do castelo em seguida. Ela conhece os trolls, este
encontro com os trolls também pode ser visto com uma referência àquela benção da infância
por estabelecer ligação direta com o passado da personagem.

Anna é levada para Arendelle onde descobre a fraude do homem com quem pretendia
se casar, no momento crucial da história Anna passa pela apoteose quando supera seu próprio
sofrimento e salva sua irmã (grande conquista) se sacrificando por ela, ato este que por
configurar-se como ―amor verdadeiro‖ também salva a própria Anna imediatamente, sendo
também o estágio do voo mágico. O filme então mostra o reino restaurado e a relação das
irmãs reconciliada, Anna então é senhora de dois mundo conciliando sua relação restaurada
com a irmã e seu amor, Kristoff, (liberdade para viver).

Elsa

Elza (2013), inicia o filme inserida em seu mundo normal, o chamado para a aventura
em Elza surge de modo acidental e ela é compelida a sair de seu mundo comum, quando
expõe seus poderes e congela seu próprio reino, ela então foge passando pelo primeiro limiar,
com medo e temeridade (recusa ao chamado). A intervenção sobrenatural surge como fruto da
magia da própria Elza, o mundo exterior neste caso é muito peculiar pois é a própria expansão
e manifestação da princesa. Ao adentrar esse mundo que é em suma sua liberdade, Elza
manifesta-se satisfeita e realizada, porém solitária, logo não há oponentes ou aliados e nem
adequação às regras uma vez que essas são determinadas por suas próprias ações, o estágio do
ventre da baleia ocorre de modo singular.

Quando sua irmã aparece em seu castelo pode-se perceber uma ligação com o passado
e a figura feminina como ponte entre o presente e a ―benção da infância‖. Depois de
acidentalmente atingir sua irmã no coração Elsa é ainda capturada pelo duque e levada de
volta para Arendelle. O caminho de provas para Elsa na volta para o reino é também um
período de culpa e medo. No momento em que é ameaçada e acusada pelo príncipe Hans, Elsa
manifesta seu poder novamente, ainda sem controle (apoteose), e o ato de maior heroísmo é
realizado por sua irmã que salva-a. Neste momento Elsa descobre o segredo de controlar seu
poder: o amor (a grande conquista). O filme então apresenta o recuperação odo reino e da
relação das irmãs e Elsa passa a ser senhora de dois mundos (seu mundo pessoal e o reino de
Arendelle) e ganha a liberdade para viver.

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Diante dos dados encontrados pode-se concluir que a maior parte das princesa têm sua
trajetória configurada com a mesma estrutura da jornada do herói, sendo protagonistas de seus
filmes. No entanto no que se refere ao caráter ativo durante o ápice da história a maioria delas
ocupa papel de passividade, precisando ser salva, ou ainda estando a mercê de acontecimentos
totalmente alheios a si mesma, não tendo assim ação influente ou relevante para o curso da
trama.

Foi possível observar que 8 das princesas (Branca de Neve, Cinderela, Aurora, Ariel,
Pocahontas, Jasmim, Mulan, Rapunzel) têm a ideia de liberdade associada diretamente à
liberdade de escolha de parceiro e o ―final feliz‖ está em paralelo ao casamento em 8 (Branca
de Neve, Cinderela, Aurora, Ariel, Jasmim, Mulan, Rapunzel, Tiana). Dentre as princesas
analisadas 6 apresentaram como parte do chamado a aventura questões relacionadas aos
papeis de gênero de suas culturas e mostram-se rompendo com estereótipos de gênero (Bela,
Pocahontas, Mulan, Jasmim, Tiana, Merida).

Os achados dialogam com a teoria no sentido de afirmarem os papeis de passividade


feminina descritos por Louro (1998) na maioria dos casos, em especial nos momento cruciais
e nos atos que determinam mudanças substanciais no enredo. Pode-se observar também que
ao longo dos anos o padrão de princesa mudou e o caráter ativo das personagens ampliou-se
tornando possível ver também princesas heroínas cujos atos não só determinam sua história
como também a de outros personagens.
REFERÊNCIAS:

ALADDIN, Dicionário: Ron Clements e John Musker, Produção: Walt Disney Feature
Animation, 1992.

AURÉLIO, Dicionário. Disponível em: ‹https://dicionariodoaurelio.com/princesa›. Acesso


em: 11 May. 2017

A BELA ADORMECIDA, Direção: Les Clark, Eric Larson e Wolfgang Reitherman,


Produção: Walt Disney, 1959.

A BELA E A FERA, Direção: Gary Trousdal e Kirk Wise, Produção: Walt Disney Animation
Studios, 1991.

A PEQUENA SEREIA, Direção: Ron Clements e John Musker, Produção: Walt Disney
Animation Studios, 1989.

A PRINCESA E O SAPO, Direção: Ron Clements e John Musker, Produção: Walt Disney
Animation Studios, 2009.

BRANCA DE NEVE e os sete anões. Direção: David Hand, Produção: Walt Disney, 1937.

CAMPBELL, Joseph. Herói de Mil Faces, O. Cholsamaj Fundacion, 2004.

CINDERELA. Direção: Clyde Geronimi, Hamilton Luske e Wilfred Jackson, Produção: Walt
Disney, 1950.

ENROLADOS, Direção: Nathan Greno e Byron Howard, Produção: Walt Disney Animation
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FROZEN Uma aventura congelante, Direção: Chris Buck e Jennifer Lee, Produção: Walt
Disney Animation Studios, 2013.

GONNET, Jacques. Educação e mídia. Edicoes Loyola, 2004.

LOURO, Guacira Lopes. Gênero, Sexualidade E Educação: Uma Perspectiva Pós-


Estruturalista. 1998.

MIRANDA, Marilia Gouvea de. O processo de socialização na escola: a evolução da


condição social da criança. Editora brasiliense, 1994.

POCAHONTAS, Direção: Mike Gabriel e Eric Goldberg, Produção: Walt Disney Feature
Animation, 1995.
SETTON, Maria Graça. Mídia e educação. Editora Contexto, 2013.

VALENTE, Direção: Mark Andrews e Brenda Chapman, Produção: Pixar Animation Studios,
2012.
“AS MENINAS SUPER PODEROSAS” UMA ANÁLISE DAS
RELAÇÕES DE GÊNERO NOS DESENHOS ANIMADOS INFANTIS

Jéssica Ribeiro de Oliveira, joliver.jro@gmail.com, Universidade Federal de Pernambuco – UFPE,


Licencianda em Pedagogia.
Caroline Leite Borges de Oliveira, carol.lbo98@gmail.com, Universidade Federal de Pernambuco –
UFPE, Licencianda em Pedagogia.
Mikaela Vieira da Silva, mikaelasilva2012@gmail.com, Universidade Federal de Pernambuco –
UFPE, Licencianda em Pedagogia.
Orientadora: Profa. Dra. Rosângela Tenório de Carvalho, rosangelatc@gmail.com,
Docente/Pesquisadora do Depto de Métodos e Técnicas de Ensino – DMTE – CE – UFPE

Resumo: Este trabalho tem como foco a análise das relações de gênero do desenho animado infantil
―As Meninas Super Poderosas‖ na ótica do movimento de contracultura. Produzido pela Cartoon
Network nos Estados Unidos, lançado no final dos anos 90 e início dos anos 2000, ganhando um
reboot no ano de 2016. Entretanto, para analisarmos o discurso implícito do desenho animado infantil,
precisamos buscar na teoria as relações estabelecidas entre a mídia e sua influência cultural. A partir
da década de 50, com a popularização do rádio, o currículo que antes era relacionado à apenas textos
escritos, passa a não ser mais exclusividade da escola. A veiculação da cultura pelos meios de
comunicação de massa, apesar de gerar uma maior visibilidade de expressões culturais de grupos
dominados, desencadeou também um predomínio de formas dominantes com objetivo de
homogeneizar os padrões da cultura. Nesse período em que o desenho é lançado, na década de 90,
onde as identidades de gênero, não são respeitadas, sendo sempre estereotipadas através de diversos
materiais pedagógicos e culturais, dentro e fora da sala de aula, tais preconceitos passaram a ser
amplamente difundidos e internalizados na sociedade, determinando papéis de homens e mulheres na
convivência social.

Palavra-chave: Currículo, Cultura, Identidade, Gênero

Introdução: Este trabalho tem como foco a análise das relações de gênero do desenho
animado infantil ―As Meninas Super Poderosas‖ na ótica do movimento de contracultura, As
Meninas Super Poderosas é um desenho criado por Craig McCraken, produzido pela Cartoon
Network nos Estados Unidos, lançado no final dos anos 90 e início dos anos 2000, ganhando
um reboot no ano de 2016.
Entretanto, para analisarmos o conteúdo implícito do desenho animado infantil,
precisamos buscar na teoria as relações estabelecidas entre a mídia e sua influência cultural.
Conforme Sloterdijk (apud Carvalho 2015, p.74) as mídias são ―os meios comunitários e
comunicativos pelos quais os homens se formam a si mesmos para o que podem, e o que vão,
se tornar‖. Silva (2000) em um de seus escritos vai nos dizer que é através da representação
que a identidade se une aos sistemas de poder. Quem tem o poder da representação define e
determina a identidade.
Para Carvalho (2015) a representatividade é importante para a construção das
identidades e da produção da diferença cultural. Nos desenhos animados infantis, preocupa-
nos as implicações na formação das crianças que consomem essa mídia. Os desenhos
animados podem ser problematizados como pedagogias culturais, ou seja, um artefato cultural
no qual está envolvido na transmissão de atitudes e valores.
A partir da década de 50, com a popularização do rádio, o currículo que antes era relacionado
a apenas textos escritos, passa a não ser mais exclusividade da escola. Com a veiculação da
cultura pelos meios de comunicação de massa, apesar de gerar uma maior visibilidade de
expressões culturais de grupos dominados, houve também um predomínio de formas
dominantes com objetivo de homogeneizar os padrões da cultura. Isto fica evidente com o que
diz Silva: ―A cultura é um campo de produção de significados no qual os diferentes grupos
sociais, situados em posições diferentes de poder, lutam pela imposição de seus significados à
sociedade mais ampla.‖ (SILVA, 2010, p.133-134). Desse modo, surgem os Estudos Culturais
que são um campo de estudos a fim de analisar os conhecimentos transmitidos pelas
diferentes formas culturais e seu sistema de significação, que possui vínculo com as relações
de poder, questionando assim, os interesses dominantes submersos na cultura de massa.
Porém, é apenas nos anos 90 que os estudos culturais ganham força, no contexto do
surgimento da pós-modernidade e efervescência dos movimentos sociais.
Como uma das categorias de pesquisa atual dos Estudos Culturais, está gênero e sexualidade.
―O termo ―gênero‖ faz referência aos aspectos socialmente construídos do processo de
identificação sexual‖ (SILVA, 2010, p.91). Dessa forma, os desenhos infantis, transmitem
valores e significados que povoam o imaginário das crianças, influenciando a construção de
suas noções de sexualidade, assim como diz Teresa de Lauretis: ―o gênero como
representação e como auto representação, é produto de diferentes tecnologias sociais como o
cinema, por exemplo, e de discursos, epistemologias e práticas críticas institucionalizadas,
bem como das práticas da vida cotidiana‖. (LAURETIS, 1994:2008)
Analisamos assim, alguns episódios do desenho animado: As Meninas Super Poderosas, da
animação original da década de 90 e do reboot de 2016, por ter feito bastante sucesso no
mundo nas últimas décadas, e voltar às telas na atualidade.
Portanto, como estudantes de Pedagogia, investigamos criticamente as imagens e
mensagens veiculadas ao público infantil, que contribuem para a construção da representação
de infância atual a fim de compreender elementos da cultura contemporânea.
Resultados e discussão: Inicialmente foi feito um estudo bibliográfico, buscamos
compreender o que nos diz a literatura e o que os episódios nos revelariam. The Powerpuff
Girls, no Brasil As Meninas Superpoderosas desenho animado criado por Craig McCracken e
produzido pela Cartoon Network, final da década de 90 e início dos anos 2000 as meninas
superpoderosas tornam-se uma febre nos Estados Unidos, tendo sua estreia em Novembro de
1998 e último episódio exibido em Março de 2005. O desenho conta com, 78 episódios, dois
curtas, um especial de Natal e um filme. Em 2016 a série tem um retorno à TV, tendo uma
repaginada tecnológica, ganhando um visual mais moderno. Além dos desenhos animados a
marca The Powerpuff Girls produz diversos produtos de consumo como brinquedos,
lancheiras, bolsas e etc. destinados ao público infantil, onde o foco do mercado se concentra
nas meninas.
O desenho descreve a história de três garotas com super poderes: Florzinha (Blossom),
Lindinha (Bubbles) e Docinho (Buttercup) que moram na cidade Towsville. Sendo criadas
pelo professor Utônio79 com o intuito de criar a ―garota perfeita‖, a receita contém ―açúcar,
especiarias e tudo que há de bom‖, porém o professor deixa cair acidentalmente Elemento X
na receita, gerando as meninas com superpoderes.
Florzinha é a líder do grupo, bastante organizada e confiante, batalhadora, inteligente e apesar
de sua delicadeza possui bastante força. Lindinha é meiga, destemida, apesar de ter medo do
escuro, inocente e observadora. Docinho é a competitiva, possui bastante atitude, apesar de
não demonstrar tanto, ela é bastante sensível, se escondendo muitas vezes por traz de sua
personalidade forte e aparentemente agressiva.
A receita na qual as meninas foram criadas pode até nos remeter a uma análise
negativa, considerando que açúcar e tudo que há de bom são ingredientes considerados
tipicamente femininos, por efeito da construção da identidade feminina, em uma sociedade
machista, onde a mulher assume um papel passivo ligado a sentimentalismo, fragilidade e
submissão. Desconsiderando que a humanidade, independentemente de sua identidade de
gênero, pode ser capaz de possuir tanto características boas quanto ruins, negativas ou
positivas. Apesar disso as meninas trazem de um modo bastante peculiar diversas situações
onde tentam quebrar tais estereótipos.
Nesse período em que o desenho é lançado, ainda que na década de 90, onde as
identidades de gênero, não são respeitadas, sendo sempre estereotipadas através de diversos

79
Professor Utônio: Além de ser o cientista responsável pela criação das meninas superpoderosas, representa
uma figura paterna para elas.
materiais pedagógicos e culturais, dentro e fora da sala de aula, tais estereótipos, que colocam
a mulher no lugar de subserviência e passividade, excluindo-a da construção das
subjetividades de sua própria identidade, passaram a ser amplamente difundidos e
internalizados na sociedade, determinando papéis de homens e mulheres na convivência
social.
As teorias pós-critica do currículo passam a direcionar, um olhar mais atento a esses
objetos pedagógicos e culturais, pois não se tratava mais de garantir o acesso igualitário às
instituições e sim de como o conhecimento estava sendo transmitido. Como afirma Silva ―não
se trata mais simplesmente de ganhar acesso às instituições e formas de conhecimento do
patriarcado mas de transformá-las radicalmente para refletir os interesses e as experiências
das mulheres.‖ (SILVA, 2005 p.93). Deste modo, se analisarmos alguns dos episódios das
meninas super poderosas na década de 90 e nos anos 2000, poderemos perceber algumas
tentativas em que o autor preocupa-se em quebrar diversos padrões internalizados e que a
pedagogia crítica tenta analisar e transformar.
No episódio (79) intitulado ―Somente Membros,‖ se inicia com a transmissão do
grande evento da Associação Mundial dos Super Homens, ao vivo pela televisão a toda
população. Um evento que reúne os maiores super heróis – homens e fortes (entre eles um
intitulado de Machista e outro, o principal dos heróis, de Capitalista).
A desconstrução de que as meninas superpoderosas não poderiam fazer parte dessa
associação como membro começa quando elas passam por testes de força, velocidade e
heroísmo e vencem todos os testes. A idéia de que a força é um atributo masculino, é
desconstruída por Docinho quando ela mostra ter mais força que o super herói mais forte,
porém elas são impedidas de entrar por serem apenas ―menininhas‖ e segundo os membros da
associação elas deveriam estar em casa aprendendo a serem mamães.

―A abordagem desta concepção sobre o desenvolvimento das identidades masculinas e


femininas é um processo essencialmente cognitivo. Ou seja, a compreensão que
meninos e meninas possuem sobre si e o que isto significa nos ambientes específicos
de aprendizagem é o estopim que subjaz às diferença dos comportamentos entre os
sexos.‖ (FONTES, 2014)

Ainda no episódio ―Somente Membros‖ as Meninas Superpoderosas desconstroem o


ideal que a masculinidade está associada ao poder e a força que somente os homens devem
ter. Através da fala dos personagens podemos observar que em nossa sociedade os homens e
mulheres têm uma delimitação de papeis que são socialmente construídos, aos homens cabem
ser fortes e heróis, as mulheres serem doces e do lar, porém o desenho traz uma desconstrução
dessa ideia, pois o professor que criou as meninas é pai solteiro quebrando com a estrutura
tradicional de família, além disso, é responsável pelos afazeres domésticos tidos como
femininos. Isso pode ser claramente visto quando no mesmo episódio um dos super heróis
tenta ensinar sobre identidade de gênero às meninas e se surpreende com as respostas
delas. ―Existem algumas funções desempenhadas só por homens ou por mulheres, certo?
Peguem a sua família como exemplo. Quem trabalha fora e sustenta a casa?‖, perguntou-lhes
o homem. ―Nosso pai‖, responderam. ―Exato! E quem cozinha?‖. ―O papai‖. ―Quem lava as
roupas? Quem lava a louça? Quem faz bolo?‖. ―O papai‖ (…) ―Quem corta a grama e lava o
carro?‖. ―A lindinha.‖. O episódio segue com o ataque de um vilão ao evento e só as Meninas
Superpoderosas poderiam salvar os heróis derrotados. Elas os salvam e eles pedem para fazer
parte do clube das Meninas Superpoderosas. O episódio encerra com o coração das meninas
superpoderosas, que aparece no final de cada episódio, e os heróis vestidos de heroínas ou
mulheres.

Imagem 1: Professor Utônio lavando os pratos (à direita), Super Herói Capitalista líder da liga dos Super
Homens (à esquerda). Fonte: acervo do google.

Durante o episódio intitulado como Meninos desordeiros (23), o personagem Macaco


Louco80 cria três meninos, com o objetivo de derrotarem as meninas superpoderosas,
chamados de Os meninos desordeiros.
No início do episódio, ao obter a receita da criação das meninas com o professor
Utônio, o Macaco Louco considera os ingredientes muito femininos e, para tanto, ele deve

80
Macaco Louco: Originalmente criado pelo professor Utônio. Ao se expor ao Elemento X, torna-se o vilão.
buscar outros para criar os meninos. Além disso, os nomes dos três personagens masculinos
fazem menção a características atribuídas à masculinidade (fortão, durão e explosão), em
contraposição ao nome das meninas que fazem menção à feminilidade (florzinha, lindinha e
docinho). Apesar das meninas super poderosas serem meninas fortes, seguras e super heroínas
há uma contradição quando elas aparecem frágeis e infantilizadas para derrotá-los, utilizando
seus ―poderes femininos‖, representados em seus comportamentos, gestos e posturas. Essas
representações evidenciam os discursos sobre como se espera que seja uma mulher.
Ao encontrar as meninas superpoderosas, os meninos desordeiros são surpreendidos
pelos superpoderes e a não submissão delas à força deles. Em outro episódio (100), eles
retornam mais resistentes, e quando as meninas ressaltam a masculinidade deles, eles se
tornam maiores e mais poderosos, e ao contrário ele diminuem de tamanho.
Além disso, no episódio Brinquedos de meninos (103), Lindinha se transveste de
menino para tentar se passar por um deles, o que ocorre constantemente durante a série. Já no
episódio Disputa de paternidade (125), em Townsville está se comemorando o dia dos pais
gerando uma disputa entre os vilões: Macaco Louco e Ele81, para saber quem é o pai dos
meninos, sendo no final decidido serem ambos os pais. Apesar de esses episódios
desconstruírem alguns conceitos, ainda assim as personagens são bastante diminuídas, ficando
claro através do tempo da luta, que se estende por maior parte do episódio.
Do mesmo modo o episódio ―De igual para igual‖ (70), uma vilã feminina, chamada
mulher fatal, surge na cidade, com a imagem de defesa das mulheres. Entretanto, ela se revela
femista ao longo do episódio ao abordar diversas vezes que as mulheres são melhores que os
homens, e portanto estes as oprime. Ela questiona que na cidade não há vilãs, e que as super
heroínas acabam sendo extensões de super heróis já existentes. Isto fica claro na cena em que
a vilã questiona as meninas se há alguma super heroína em exceção, e a única de quem se
lembram, é da Mulher Maravilha.
Além disso, essa vilã apenas rouba moedas de Susan B. Anthony, que foi uma
importante feminista que lutou pelos direitos das mulheres no século XIX. Durante o episódio
as meninas acabam acreditando na vilã e passa a oprimir os homens/meninos, até que em um
82
determinado momento, outras personagens femininas como a professora Keane e a Srta.
Belo83, promovem uma conversa para falar com as meninas que a injustiça existe, mas

81
Ele: É considerado o vilão mais mal de todos. Faz uma alusão a um diabo homossexual. Possui a voz, em
certos momentos, fina e aguda e em outros, grossa e perversa. Usa vestido e bota.
82
Professora Keane: É a professora da “Escola Carvalhinho”, que é o lugar onde as meninas estudam.
83
Srta. Belo: É a assistente do prefeito. Possui cabelos ruivos e uma voz sedutora. Apesar dos personagens
dizerem que ela possui um rosto bonito, ele não é mostrado no desenho.
devemos buscar a igualdade lutando pelos direitos de todos, e não apenas de um lado. Apesar
de ser um episódio que, trata claramente a questão do feminismo, a vilã torna-se bastante
estereotipada por ser loira e ter o corpo dito ―ideal‖.

Imagem 2: Lindinha e Florzinha com a vilã Mulher Fatal.


Fonte: Acervo do google

Os novos episódios, lançados em 2016, continuam trazendo diversas questões sobre


gênero, e de modo muito mais enfático, levantando novos questionamentos acerca da
temática. Apesar de no passado a série trazer em diversos episódios, personagens masculinos
e femininos constantemente travestidos, imitando personagens do sexo oposto, na nova
temporada de 2016, no quinto episódio intitulado Chifre, Doce Chifre, as meninas mais uma
vez nos surpreendem num debate mais amplo ao levantarem a Bandeira do gênero trans no
episódio, contando a história do Pônei Denny, que quer ser um unicórnio. Durante o episódio,
Lindinha ajuda seu amigo Denny, que tem a convicção de ser um unicórnio apesar de ter um
corpo de pônei. Para mudar de corpo, ele aceita fazer parte de um experimento do professor
Utônio, apesar dos riscos. No fim, a mãe de Denny conta que ele é um unicórnio, não
revelando antes pois ―era necessário ele passar por uma fase de descobertas‖. Desse modo, o
autor levanta a questão de como nos enxergamos e de como a sociedade nos enxerga, e que
esses conceitos não são construídos biologicamente.

―Concebida originalmente para questionar a formulação de que a biologia é o destino,


a distinção entre o sexo e gênero atende à tese de que, por mais que o sexo pareça
intratável em termos biológicos, o gênero é culturalmente construído:
consequentemente, não é nem o resultado casual do sexo, nem tampouco tão
aparentemente fixo quanto o sexo.‖ (BUTLER, 2008, p.24)
Imagem 3: Lindinha com seu amigo unicórnio Denny.
Fonte: Acervo do Google.

É preciso salientar que, a discussão sobre gênero não se restringe as identidades de


masculino e feminino.

"O conceito de gênero foi criado precisamente para enfatizar o fato de que as
identidades masculina e feminina são histórica e socialmente produzidas. É suficiente
observar como sua definição varia ao longo da história e entre as diferentes sociedades
para compreender que elas não tem nada de fixo, de essencial ou de natural." (SILVA,
2010, p.105-106).

Imagem 4: Professor Utônio vestindo-se de mulher e se maquiando (à esquerda e no centro), Florzinha e


Lindinha imitando a Senhorita Belo e o Prefeito.

Além disso, As Meninas Super Poderosas opõem-se aos contos de fadas por ter como
personagens principais meninas que são fortes e inteligentes. Isso é claramente visto quando
Docinho não aceita ser chamada de princesa no episódio 06, intitulado O garotão. "Não me
chame de Princesa!", diz docinho ao garotão machista.
Imagem 5: Garotão machista irritado com Docinho e mostrando sua força na barba (à esquerda), Lindinha,
Docinho e Florzinha se preparando para entrar em confronto com o Garotão Machista.

O desenho se preocupou em mostrar por meio de uma narrativa atualizada e


contemporânea questões de gênero indo contra a cultura machista e preconceituosa. Por se
tratar de uma animação presente na vida das crianças, seu ―currículo‖ introduz uma
perspectiva feminista sendo um diferencial entre os desenhos infantis destinados ao público
feminino: geralmente fúteis e ilusórios. Segundo Giroux "os significados dos desenhos
animados opera em vários registros, mas um dos mais persuasivos é o papel que eles
desempenham como as novas ‗máquinas de ensino‘, como produtores de cultura‖ (GIROUX
2004.p.89).

Conclusões: Ainda que no passado as meninas abordem diversas discussões, não apenas sobre
gênero, mas questões que envolvem ensinamentos sobre moral, respeito ao próximo e
companheirismo, deixam a desejar em alguns aspectos sobre o papel das mulheres na cidade
de Townsville.
As únicas personagens femininas do desenho além das próprias meninas se resumem
à senhorita Belo, que é secretária do prefeito e sua função é ajudar o prefeito em todas as
situações da prefeitura sempre ficando à sombra deste, além de ter o corpo estereotipadamente
sensualizado através de suas curvas, e a professora que aparece sempre em episódios que se
passam na escola. Resumindo assim atividades a que mulheres estão predestinadas, caso não
possuam superpoderes como é o caso das personagens principais.
Na temporada 2016, a senhorita Belo retorna à série abandonando o prefeito e,
o avisa através de um bilhete, que vai tirar as férias nunca tiradas antes, deixando claro que
não mais se submeterá aos caprichos e mimos deste.
A nova temporada ainda é muito recente, lançada em abril de 2016, conta até então com 39
episódios reproduzidos no Brasil, e já se pode ver através deles que Craig McCracken traz de
volta as meninas superpoderosas com perfil de luta política e pedagógica muito mais social,
direcionada para as discussões de identidade de gênero de modo muito mais contundente,
apesar do recorte social geral não abordar questões de classe e raça.
As representações contidas na série deixam claro que o autor não pretende silenciar
ou intimidar as lutas de gênero tão presentes no cenário político atual, deixando explícita sua
intenção em usar a cultura como Pedagogia ao reproduzir discussões sobre a identidade
social dos gêneros no desenho.

Referências Bibliográficas

CARVALHO, Rosângela Tenório de. Lili a garota atômica: representação da mulher.


In: Textura. V. 17. Nº 34. Maio/Agosto 2015. Pg. 71-98.

BELLONI, M.L. O que é mídia-educação. Campinas, SP: Autores associados, 2001.

BUTLER, Judith P. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade/Judith


Butler; tradução, Renato Aguiar. – 2°ed. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

FONTES, J. C. M. Identidades de gênero nos espaços da imagem: processos de aprendizagem. 2014.


(Apresentação de Trabalho/Simpósio).
GIROUX, Henry. Memória e pedagogia no maravilhoso mundo da Disney. In: SILVA, Tomaz Tadeu
da (Org.) Alienígenas na sala de aula. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.
GIROUX, Henry A. Os filmes da Disney são bons para seus filhos? In: STEINBERG, Shirley
R; KINCHELOE, Joe L. (org.). Cultura infantil: a construção corporativa de infância. 2. Ed.
Trad. George Japiassú Bricio. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2004, p.87-108.

LAURETIS, Teresa de. ―A Tecnologia do gênero‖. In: Tendências e Impasses. O feminismo


como criticada cultura. TJ, Rocco, 1994.

SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do


currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais /
Tomaz Tadeu da Silva (org.), Stuart Hall, Kathryn Woodward. – Petrópolis. RJ: Vozes, 2000.
REVENGE PORN: UMA ANÁLISE SOBRE AS PRÁTICAS
VIOLADORAS À DIGNIDADE SEXUAL FEMININA

Joanne Suzanil de Lima Alves, graduada em Direito no Centro Universitário do Vale do Ipojuca -
DeVry|UNIFAVIP. Extensionista no DHiálogos: ―Ciclo de Debates Sobre Sociedade e Direitos
Humanos‖. Pesquisadora voluntária e extensionista no GEPIDH Mércia Albuquerque. E-mail:
jsuzanil@gmail.com

Maria Simone Gonzaga de Oliveira, aluna Especial do Mestrado em Direitos Humanos – UFPE.
Graduada em Direito pelo Centro Universitário do Vale do Ipojuca – UNIFAVIP|DeVry. MBA em
Gestão Pública pelo Centro Universitário do Vale do Ipojuca – UNIFAVIP|DeVry. Pesquisadora e
extensionista no GEPIDH Mércia Albuquerque. Extensionista no DHiálogos: ―Ciclo de Debates Sobre
Sociedade e Direitos Humanos‖.E-mail: Simone.gonzaga@outlook.com.br

Raissa Braga Campelo, mestre em Gestão Empresarial pela Faculdade de Boa Viagem, Especialista
em Ciências Criminais pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus, Graduada em Direito pela
Associação Caruaruense de Ensino Superior ASCES, Docente no Centro Universitário do Vale do
Ipojuca.

RESUMO

Entre os novos desafios da globalização, encontra-se, lidar com determinadas condutas difundidas no
ciberespaço, tal qual a violência de gênero na figura da pornografia de vingança Foram estudadas as
interfaces entre gênero e a pornografia de vingança, fundamentada a partir de Beauvoir (1970), Neto e
Gurgel (2014). Foi utilizado o método de pesquisa fenomenológico, abordagem qualitativa, tipo de
pesquisa descritiva e exploratória, coleta de dados bibliográfica e exploração dos dados através da
análise de conteúdo. Fora verificado que a globalização e a consequente consolidação da sociedade da
informação e evolução digital, pressionaram o direito penal a evoluir para atender os anseios e
necessidades do novo contexto social, no entanto, apesar do desenvolvimento do Direito Penal em
relação ao crime no ciberespaço, este ainda não é suficiente no combate às dificuldades encontradas,
como a incapacidade técnica de apuração dos crimes virtuais, o surgimento de novas condutas
criminosas, e principalmente, a garantia dos direitos sociais de cada indivíduo.

Palavras-chave: Pornografia de vingança, Violência de gênero, Ciberespaço, Globalização.

INTRODUÇÃO

A evolução tecnológica originou o informacionalismo, que consequentemente se


tornou base da nova sociedade, onde a comunicação aberta e a liberdade individual se
tornaram supremas.
Com a globalização a tecnologia passou a representar papel principal em todos os
aspectos no contexto social atual, estruturando uma nova concepção de sociedade, a sociedade
em rede, onde a tecnologia da informação caracteriza-se como peça chave para o
desenvolvimento social, cultural e econômico.
Apesar de todos os benefícios proporcionados pela evolução tecnológica à sociedade,
o universo virtual, especificamente, por proporcionar essa comunicação fluida a nível global,
também proporciona ao mundo do crime uma atuação silenciosa e muitas vezes quase
inalcançável pelo direito penal, visto a vastidão encontrada no ciberespaço, e, principalmente,
nas suas profundezas.
Com o ambiente favorável, graças à consolidação da internet, para a expansão das
atividades criminosas, não apenas foi facilitado o cometimento de crimes, como também o
surgimento de uma infinidade deles. A Revenge Porn ou, traduzindo, Pornografia de
Vingança é vista como mais um fruto ruim gerado da mecânica do crime na internet, que se
apresenta como prejudicial à dignidade, à honra e a imagem da pessoa humana.
No respectivo trabalho foi analisado acerca da perspectiva da globalização, a
evolução das práticas que violam a liberdade sexual da mulher, observando a conduta da
Revenge Porn, como mais uma destas práticas abusivas e atentatórias contra a mulher.
Observa-se que tal prática é consequência da sociedade patriarcal e machista em que
vivemos e aliada a ausência de normativa específica que buscasse coibir a propagação desta
conduta atentatória à figura feminina.
Este artigo tem como objetivo analisar a conduta da Pornografia de vingança no
ciberespaço como violadora da dignidade sexual feminina, verificando-se também as decisões
judiciais acerca do tema estudado.
O presente artigo tem como problemática compreender a abordagem do crime de
Pornografia de Vingança sob a ótica da violência contra a mulher.
Para concluir, resta evidenciado que quando exposto o material íntimo, não é
causado apenas prejuízo a moral da vítima, mas sim a todo o seu cotidiano, pois são abaladas
suas relações pessoais, profissionais e, principalmente, seu estado psicológico. Trata-se de
situação que pode causar prejuízo, na maioria das vezes, permanente.

METODOLOGIA

O método de pesquisa utilizado será o do estudo fenomenológico, buscando relatar


os fenômenos como acontecem na realidade social e como estes são interpretados, analisando-
se as várias interpretações.
De acordo com Gil:

Nas pesquisas realizadas sob o enfoque fenomenológico, o pesquisador preocupa-se


em mostrar e esclarecer o que é dado. Não procura explicar mediante leis, nem
deduzir com base em princípios, mas considera imediatamente o que está presente
na consciência dos sujeitos (1999, p.32).

Para o pesquisador que aborda esse método em sua pesquisa, o que importa é
proporcionar uma descrição direta da experiência ―o modo como o conhecimento se dá‖ (GIL,
1999, p.33).

Será desenvolvida a pesquisa dentro da abordagem qualitativa, analisando o


problema através de uma investigação mais profunda, constando-se alta carga de
subjetividade.

A pesquisa será descritiva, uma vez que será pautada na técnica de coleta de dados
através da análise documental, observando, registrando e analisando o fenômeno pesquisado,
uma vez que ―as pesquisas descritivas têm como objetivo primordial a descrição das
características de determinada população ou fenômeno ou, então, o estabelecimento de
relações entre variáveis‖ (GIL, 2008, p.42).

Ainda de acordo com Gil (2008, p.42) a pesquisa exploratória busca ―proporcionar
maior familiaridade com o problema (explicitá-lo). Pode envolver levantamento bibliográfico,
entrevistas com pessoas experientes no problema pesquisado. Geralmente, assume a forma de
pesquisa bibliográfica e estudo de caso‖.

A técnica utilizada para análise de dados será a análise de conteúdo, visto ser
conduzida a pesquisa com descrição sistemática de dados para se chegar a uma compreensão
maior do objeto pesquisado.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Práticas Criminosas Violadoras à Liberdade Sexual no Ciberespaço

A falta de fronteiras do mundo virtual não permite a atuação eficaz, onde ―leis
materiais e processuais dos Estados, concebidas para atuarem dentro de limites territoriais,
perdem a efetividade‖ (BADDAUY, 2009, p. 1763).
Pode ser verificado que os meios virtuais são utilizados muitas vezes com a ideia
deturpada de propagar a liberdade de expressão, mas, no entanto, acabam violando o direito à
intimidade e a privacidade do outro. Os direitos da personalidade se encontram desprotegidos
e vulneráveis diante da difícil tarefa de limitar o que é privado e o que é público no mundo
virtual.
Com o desenvolvimento das mídias digitais, e em especial a internet, ―O Estado
perdeu o controle da informação, importante forma de conter as forças criminosas, o que
fragilizou a segurança internacional‖ (MARWELL, 2011, P. 04). A globalização tecnológica
deu margem ao surgimento de uma diversidade de crimes, onde qualquer indivíduo pode se
tornar vítima ou criminoso.

De acordo com Bruno:


A consolidação da internet, a tecnologia da informação e a globalização tecnológica,
tem nos trazido inúmeros benefícios e possibilidades no dia a dia, mas nem todo
avanço da tecnologia está livre de contratempos, especialmente quando somado a
estupidez humana, e esse é também o caso da web, pois estamos nos deparando com
incontáveis malefícios diretamente ligados a dignidade, a intimidade, a honra e a
imagem da pessoa humana (2015, p. 01).

De acordo com Gasparian ―A questão da privacidade, no mundo virtual, adquire


então uma dimensão maior: a privacidade na Internet é mais privativa do que no mundo real, e
sua violação representa um enorme dano, como se a invasão operasse no ego da própria
pessoa‖ (2003, p. 37).
A pornografia de vingança surgiu como a mais nova e popular espécie de crime
cometida através das mídias digitais. A pornografia de vingança apresenta-se como a
divulgação não consentida de material íntimo, fotografia ou vídeo, de conotação sexual,
divulgado na internet por parceiros ou ex-parceiros (CITRON; FRANKS apud
GUIMARÃES; DRESCH, 2014).
Diante deste debate, é importante frisar que por trás da pornografia de vingança há
um problema cultural e bem mais antigo que a globalização, sendo este a violência de gênero,
e mais precisamente, a violação à liberdade sexual feminina.
Toda essa situação de subordinação da mulher ao homem advém da história de Adão
e Eva. O homem veio primeiro, por isso deve comandar a mulher, pois esta veio
posteriormente e, principalmente, por ela ter sido criada de uma parte do seu corpo, a costela.
Ainda, a mulher é julgada como fraca, pois de acordo com a história bíblica, Eva fora a
responsável por comer da maçã da árvore proibida, e fazer com que Adão também provasse
do fruto, o que levou a expulsão de ambos do paraíso.
A mulher desde o seu nascimento, tem sua sexualidade ―anulada‖, enquanto ao
homem tem seu extinto sexual estimulado com o intuito de transforma-lo em macho alfa.
Beauvoir (1970) comenta em sua obra sobre a reação de pais e familiares acerca dos genitais
de seu filho do sexo masculino ao nascer, de sua preocupação com o tamanho do órgão sexual
e as brincadeiras tecidas, enquanto em relação à criança do sexo feminino, ―Nem mães nem
amas têm reverência e ternura por suas partes genitais; não chamam a atenção desse órgão
secreto de que só se vê o invólucro e não se deixar pegar; em certo sentido a menina não tem
sexo‖ (BEAUVOIR, 1970, p. 14).
A menina é direcionada a ser a mãe perfeita, a dona de casa perfeita, a esposa
perfeita, isso acontece na sua infância no momento que ela ganha uma boneca, uma cozinha
de brinquedo entre outros utensílios do lar que a estimulam a uma vida doméstica. Também, a
garota é impulsionada a anular a sua sexualidade, é empurrada ao ideal de repressão dos seus
impulsos sexuais, pois atender a eles é tido como repugnante, denegri sua imagem, e, no
entanto, deve ser garantida a postura moral exigida dela.
Perdura a imagem da qual a mulher deve ser submissa ao homem, pois ela é
condicionada a pensar que é o ―sexo frágil‖, que não é capaz de tomar decisões sem o aval de
um homem. Por isso que ainda muitas mulheres se posicionam de forma machista em relação
à mulher vítima da pornografia de vingança.
Como suscitado por Beauvoir:
Na boca do homem o epíteto ―fêmea‖ soa como um insulto; no entanto, ele mesmo
não se envergonha da sua animalidade, sente-se antes orgulhoso se lhe chamam
―macho‖. O termo "fêmea" é pejorativo, não porque enraíze a mulher na Natureza,
mas porque a confina no seu sexo (1970, p. 25).

Diante do discutido até agora, faz-se necessário um esclarecimento conceitual sobre


do que se trata a violência de gênero. Primeiramente, deve ser esclarecido o conceito de
gênero.
O gênero deve ser compreendido como a maneira de produzir, através da cultura, as
diversidades biológicas, bem como se dá os tratos de poder e social (NETO; GURGEL,
2014). O que os autores procuram esclarecer é que, o gênero não significa a diferença
biológica entre homem e mulher, vai além disso, pois trata-se da diferença cultural que foi
construída entre ambos.
Entender o gênero como uma construção cultural, implica superar os binarismos
baseados no sexo, isto é, nas diferenças físicas e biológicas entre macho e fêmea,
que opõem o feminino ao masculino, geralmente não em um plano de igualdade,
mas sim em uma ordem de hierarquia (NETO; GURGEL apud SCOTT, 2000, p.
13).

A violência de gênero não se encontra ligado a discriminar alguém simplesmente


pelo fato da diferença biológica, mas sim por uma questão cultural, onde é visto na grande
maioria das vezes a preponderância do pensamento masculino, em detrimento do feminino, o
que leva de fato a desigualdade das relações entre homens e mulheres.
E como a identidade de gênero é uma construção cultural, esta com o passar dos
tempos e a transformação cultural, consequentemente, vai havendo a modificação das formas
de propagar a discriminação, o que faz com que a violência de gênero seja realizada por
diversas formas e mecanismos (SÁ NETO; GURGEL, 2014).
A violência contra a mulher é tida como violação aos direitos humanos, visto ser,
ainda de acordo com o pensamento de Sá Neto e Gurgel (2014, p. 15): ―produto da
discriminação histórica, que a sua vez propicia e promove outros cenários de discriminação
baseados em relações desiguais de poder, que reproduzem ideias de superioridade do
masculino‖.
É inegável que a violência de gênero é algo cultural e vem atravessando os séculos
como algo normal na sociedade, no entanto, o que pode ser verificado é que com o tempo essa
conduta foi aprimorando a forma de se propagar. É observado que:
Em poucos anos, e com o aumento do uso da internet e dos telefones celulares, os
casos de violência contra as mulheres no ciberespaço ou com o uso de novos
dispositivos tecnológicos aumentam diariamente e suas consequências para a vida e
a liberdade das mulheres não são menos graves nem perigosas que na vida real
(PLOU, 2013, p.121).

Pode ser afirmado que a violência de gênero, o controle do homem sobre a mulher e
essa relação desigual dominam qualquer espaço. Não diferente seria o espaço virtual, sendo
este utilizado como o novo mecanismo para se exercer essa dominação, praticando-se a
violência de gênero através do mundo virtual da mesma maneira que ocorre no mundo real
(TRINDADE apud PLOU, 2013).
Neste diapasão, percebe-se que a pornografia de vingança, na era da informação e
tecnologia, representa mais uma violação à intimidade da mulher ―como ato de violência de
gênero‖ (GUIMARÃES; DRESCH, 2014, p. 06).
No entanto, é preciso esclarecer que a pornografia de vingança não se trata de
conduta que fere apenas os direitos da mulher, apesar de na grande maioria dos casos esta ser
a vítima, os homens também podem se encontrarem no papel de vítima (TRINDADE, 2015).
Ainda de acordo com Trindade (2015), 90% das mulheres são vítimas da Revenge
Porn, isso segundo pesquisa requisitada pela campanha ―End Revenge Porn‖ 84.
Para Trindade (2015, p.01) ―O substantivo ―vingança‖ está no termo, pois,
inicialmente, a RP tratava-se da reação a um possível término de um relacionamento
duradouro‖. Ou seja, o termo vingança se encontra na nomenclatura, pois se entende que a
84
A campanha é uma das ações do Ciber Civil Rights Initiative – instituição criada por um grupo de
profissionais norte-americanas (da área jurídica, da psicologia, entre outras) para auxiliar mulheres que são alvo
de Revenge Porn e de outras ações que ferem os direitos civis, sobretudo a privacidade na rede (TRINDADE,
2015, p. 4).
divulgação deste tipo de material é realizada como retaliação pelo término ao ex-parceiro,
com o qual teve uma relação longa. Contudo, deve ser destacado que esses relacionamentos,
nem sempre se tratam de relações duradouras, pois podem decorrer de uma relação casual,
muitas vezes de uma noite só.

Análise de decisões judiciais: tratamento dado aos casos de pornografia de


vingança

No Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, foi analisada apelação criminal de réu


condenado pelos crimes de injuria e difamação por ter divulgado imagens intimas, de
conotação sexual, na internet de sua ex-namorada, como forma de retaliação por esta ter
acabado o relacionamento de aproximadamente 3 (três) anos. Vejamos:
Comete os crimes de difamação e de injúria qualificadas pelo emprego de meio que
facilita a sua propagação - arts. 139 e 140, c.c. 141, II do CP - o agente que posta na
Internet imagens eróticas e não autorizadas de ex-namorada, bem como textos
fazendo-a passar por prostituta. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Criminal nº
756.367-3).

Visto não haver a tipificação da conduta, o Tribunal de Justiça do Paraná ainda se


pronunciou na apelação criminal nº 756.367-3, afirmando que:

Hoje, o Supremo Tribunal Federal agasalhou a doutrina, aceita que o magistrado


observe os avanços para adaptar o texto da lei aos fatos criminosos que surgem com
o avanço do modernismo, vícios, tecnologia, moral etc. Igualmente, na mesma
esteira, observamos o gravame praticado pelo primeiro qualificado que mesmo
tendo convivido em relacionamento íntimo com a vítima, feriu os princípios
constitucionais dos cidadãos abusando da mesma e de sua boa índole. Em várias
oportunidades, a vítima fora usada para que o mesmo criasse material que lhe
difamasse perante o periódico onde trabalhava (TJ-PR, Relator: Lilian Romero, Data
de Julgamento: 07/07/2011, 2ª Câmara Criminal).

Esse caso analisado pelo Tribunal teve como vítima uma jornalista conhecida na
cidade de Maringá, e os danos sofridos por esta foram muito além do constrangimento de ter
sua intimidade revelada, pois além de ter sua imagem vinculada como prostituta, esta perdeu a
guarda de seu filho mais novo e o emprego. Vale destacar que o ex-namorado da vítima teve
como cúmplice um assistente técnico que prestava serviços de manutenção dos computadores
da empresa do réu.
Visto todas as consequências extremamente graves, sofridas pela vítima, bem como
comprovada a materialidade e autoria da conduta por parte do réu, o então apelante, o
Tribunal de Justiça do Paraná manteve a pena estipulada na sentença condenatória, culminada
em 1 (um) ano, 11 (onze) meses e 20 (vinte) dias de detenção, mais 88 (oitenta e oito) dias-
multa, cumprido com regime inicial aberto, no entanto revertida a pena a restritiva de direito,
o réu pagará através de prestação de serviços a comunidade e também com o pagamento
mensal do valor de R$1.200,00 (um mil e duzentos reais) destinados a vítima pelo período
estipulado da pena.
Como observado, a pena estipulada ao réu foi ínfima diante dos danos ocasionados a
vítima, uma vez que está foi afetada em seu âmbito familiar, profissional e social, isso
demonstra a necessidade da devida tipificação da conduta, e com buscar meios mais efetivos
de coibir essa conduta, visto que a penalidade imposta não atua repressivamente e mal cobre
os prejuízos causados à vítima.
Verificar-se-á que na maioria das vezes a conduta não é punida no âmbito penal,
sendo tratado como mero caso de danos morais, como é verificado em decisão proferida pelo
Tribunal de Justiça do Rio Grande do sul. Vejamos:
RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. UTILIZAÇÃO
DESAUTORIZADA E INADEQUADA DE IMAGEM. USO VEXATÓRIO,
OFENSIVO A REPUTAÇÃO. Hipótese em que a imagem, captada sem
autorização, e ainda que consentida fosse, foi divulgada na internet. Tudo isto,
obviamente, sem a autorização e o conhecimento da dona da imagem. Inegável a
ofensa à honra. Poder-se-ia dizer que o uso, no caso, foi inadequado e desautorizado,
dando ensejo, por estas duas razões, à indenização pelos danos que a exposição
causou. A lei tutela o direito à imagem, mormente quando o uso é abusivo e
ofensivo à reputação, causando... (TJ-RS, Relator: Marilene Bonzanini Bernardi,
Data de Julgamento: 12/12/2012, Nona Câmara Cível).

Com isso, verifica-se que a pornografia de vingança no Brasil é enquadrada como


apenas mais uma conduta ofensiva à honra, não se obtendo então a penalização almejada
pelas vítimas, pois independente do quantum estabelecido em nível de indenização, a situação
vexatória enfrentada pelas vítimas e a repercussão trazida as suas vidas, é de impossível
reparação financeira.
Além disso, foi divulgada decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais de
apelação cível nº 1.0701.09.250262-7/001 em 2ª instância onde são constatados argumentos
absurdos utilizados pelos desembargadores para justificarem seus votos que analisaram o
caso.
Trata de ação de danos morais, movida uma mulher que teve imagens íntimas
divulgadas na internet por um ex-namorado. Em primeira instância foi atribuída indenização
no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais). No entanto, em segunda instância a indenização
acabou sendo diminuída ao valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
O que mais causou indignação não foi apenas a diminuição considerável do quantum
da indenização, mas, principalmente, a justificativa machista e retrógrada utilizada como
fundamento para a atribuição deste valor de indenização.
O relator responsável, desembargador José Marcos Rodrigues vieira, primeiramente,
estabeleceu a diminuição da quantia da indenização ao valor de R$ 75.000,00 (setenta e cinco
mil reais), contudo, a sugestão não foi acatada pelo Revisor, o Desembargador Francisco
Batista de Abreu que foi responsável pela considerável diminuição do valor.
Basicamente, a vítima foi considerada culpada pela divulgação das imagens íntimas.
O revisor justifica seu posicionamento afirmando que:
A vítima dessa divulgação foi à autora embora tenha concorrido de forma bem
acentuada e preponderante. Ligou seu webcam, direcionou-a para suas partes
íntimas. Fez poses. Dialogou com o réu por algum tempo. Tinha consciência do que
fazia e do risco que corria (Voto do revisor Francisco Batista de Abreu. 16ª Câmara
Cível. Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Ap. Cív. 1.0701.09.250262-7/001,
Relator José Marcos Vieira, julgado em 11 de junho de 2014).

Continua as acusações contra a vítima, fazendo questionamentos acerca da moral da


apelada, relatando o revisor que, ―Dúvidas existem quanto a moral a ser protegida. Moral é
postura absoluta. É regra de postura de conduta - Não se admite sua relativização. Quem tem
moral a tem por inteiro‖ (Voto do revisor Francisco Batista de Abreu. 16ª Câmara Cível.
Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Ap. Cív. 1.0701.09.250262-7/001, Relator José Marcos
Vieira, julgado em 11 de junho de 2014).
Ao Tribunal não cabia julgar a vítima, sua conduta não estava para ser julgada, o que
o magistrado deveria analisar, com vista ao princípio da imparcialidade do magistrado, era a
conduta ofensiva e abusiva que sofrera a vítima, e não julgar um ato de confiança depositado
em uma pessoa errada. Afirma o Revisor que:
As fotos em momento algum foram sensuais. As fotos em posições ginecológicas
que exibem a mais absoluta intimidade da mulher não são sensuais. Fotos sensuais
são exibíveis, não agridem e não assustam. Fotos sensuais são aquelas que provocam
a imaginação de como são formas femininas. Em avaliação menos amarga, mais
branda podem ser eróticas. São poses que não se tiram fotos. São poses voláteis para
consideradas imediata evaporação. São poses para um quarto fechado, no escuro,
ainda que para um namorado, mas verdadeiro. Não para um ex-namorado por um
curto período de um ano. Não para ex-namorado de um namoro de ano. Não foram
fotos tiradas em momento íntimo de um casal ainda que namorados. E não vale
afirmar quebra de confiança. O namoro foi curto e a distância. Passageiro. Nada
sério (Voto do revisor Francisco Batista de Abreu. 16ª Câmara Cível. Tribunal de
Justiça de Minas Gerais, Ap. Cív. 1.0701.09.250262-7/001, Relator José Marcos
Vieira, julgado em 11 de junho de 2014).

Porém, o que fica bastante claro é que ao invés de buscar diminuir ou exaurir os
danos advindos da conduta violadora, o magistrado preocupou-se em analisar a postura moral
e a falta ou não de amor próprio da apelada, ao afirmar que ―A imagem da autora na sua
forma grosseira demonstra não ter ela amor-próprio e autoestima‖ (colocar voto do revisor).
Pelo exposto pode ser afirmado que o arcaísmo presente nesta decisão é assombroso,
que não foi observado a proteção constitucional à intimidade e à honra da pessoa, ou melhor,
neste caso, o que não foi respeitado na decisão do magistrado, foi a honra e intimidade da
mulher, podendo concluir que a decisão está impregnada de fundamentação machista e
desrespeitosa.
Por todo o observado, é visualizado que por mais que seja feita a adequação da
pornografia de vingança a outros tipos penais, e que haja a responsabilização no âmbito cível
da conduta, pelo que fora apresentado, nota-se que o modo em que são solucionados os casos,
não se mostra eficazes para reprimir o ato violador, e muito menos, reparar as consequências
sofridas pelas vítimas, e com isso, é averiguada a necessidade da tipificação da Revenge Porn
ou Pornografia de Vingança, para que haja mecanismos mais eficazes de combate e punição
da conduta.
Contudo, vale salientar que o problema que foi percebido não se encontra apenas na
não atualização legislativa em relação à pornografia de vingança, o problema antes de
qualquer coisa é cultural, e, principalmente, moral.

CONCLUSÕES

No espaço virtual surgiram novas condutas criminosas, dentre estas, se verificou a


figura da Revenge Porn, ou como intitulada no Brasil, pornografia de vingança. Essa conduta
se caracteriza por ser atentatória à imagem, à honra, à privacidade, e, principalmente, à
dignidade sexual da mulher.
Verificado que grande parte das vítimas são pessoas do sexo feminino, constatou-se
ao analisar a história da mulher perante a sociedade, que desde os primórdios a mulher é
subjulgada ao patamar da inferioridade, da submissão em relação ao homem, sendo
condicionada a se anular em sua sexualidade.
Atos de violação desta espécie ocorrem há décadas, e hoje, se encontra configurado
no espaço virtual na figura da pornografia de vingança, visto que a conduta de divulgar vídeos
ou imagens íntimas da mulher, de expor a intimidade sexual desta, ainda hoje, perante a
sociedade, é algo que a exclui, reprime e marginaliza, causando danos muitas vezes
irreversíveis em sua vida, mesmo se encontrando esta na condição de vítima.
Ao que diz respeito às decisões dos Tribunais sobre a pornografia de vingança, fora
analisado acórdão onde, nos votos proferidos por desembargadores, foram realizadas duras
críticas à conduta moral da mulher que se permite filmar ou tirar fotos íntimas. Com isso,
restou-se confirmado que, infelizmente, o pensamento machista e, consequentemente,
repressor a liberdade sexual feminina, é persistente também nas Cortes do País, ou mais
precisamente, na cabeça dos magistrados.
Diante do exposto, conclui-se que no Brasil muito tem que se evoluir, não se
restringindo esta evolução apenas ao que diz respeito às técnicas para coibir o crime virtual,
mas também a evolução de pensamento, visto que o mais preocupante não é o universo
virtual, mas sim, a utilização deste espaço por pessoas de pensamentos machistas, retrógrados
e sem senso de moralidade.

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Anais... São Paulo: USP, 2015. p. 01-11.
GENDER FACES - CONSERVADORISMO E LUTAS DE GÊNERO EM
ESPAÇOS DIGITAIS: RETRATOS DE ATIVISMO

Autor – Claudio matheus da silva Gomes, cmg824@hotmail.com, UNIFAVIP Devry.

Resumo

Indivíduos da comunidade LGBT e mulheres em suas resistências por igualdade, sempre foram
sufocados por um Brasil onde qualquer sinal ativismo foi reprimido. Passaram-se séculos para que
mulheres não fossem vistas como submissas e inferiores ao gênero masculino e a homossexualidade
não fosse tratada como uma doença. Com a internet tais grupos ganharam espaços estratégicos de
resistência às opressões, a força do meio virtual deu a eles um pilar para propagação de ideais, e poder
de luta cívica e cultural. Ao passo que isso aconteceu, páginas voltadas a este tipo de propagação
como a do Grupo Gay da Bahia, e a Women‘s March Global surgiram. A primeira tem como objetivos
a luta contra a homofobia, informar sobre a homossexualidade e conscientizar sobre os direitos
LGBT(Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais), suas publicações discutem todos estes pontos a fim
de contribuir para a comunidade homoafetiva no Brasil. A segunda se posiciona pela defesa dos
direitos e da segurança das mulheres e suas famílias, incentivando a igualdade e diversidade entre
estas, e se mostra como uma das mais relevantes quando se diz respeito aos direitos femininos.
Objetiva-se com este trabalho estudar as experiências supracitadas, com base nos escritos de Langner,
Ihering e Saffioti.
Palavras-chave: Mulheres. LGBT. Internet. Militância. Empoderamento.
Introdução

O Brasil tem um histórico machista e homofóbico enorme, desde a colonização


mulheres tem sido colocadas em posições submissas ao homem, e de menor importância
frente à sociedade, tendo que ficar caladas e aceitar de bom grado tudo que lhes era imposto.
Nos períodos Colonial e Imperial do Brasil soava como deboche falar em uma mulher
governante, cientista ou capitã, pois se entendia que estas nasciam para única e
exclusivamente servir a família, ser a figura materna, sua obrigação não podia passar disso,
vez que mais do que tal função seria de impossível realização para o sexo feminino. Dentre os
escravos, em alguns momentos, um homem negro tinha mais valor mercantil do que uma
mulher negra, provando que no que cerne a época colonial não importava o poder econômico,
o gênero feminino era sempre subestimado e censurado. Este era tratado como objeto da
população masculina, ou seja, se não fosse útil para dar filhos ou prazer sexual não servia para
nada e poderia ser descartado a qualquer momento. A esfera de objetificação e
pormenorização criada em voltada das mulheres, as suprimia de falar e lutar pelo que era justo
para si, havendo pouquíssimas que o faziam. Além disso, a propagação do que era aceito no
âmbito social da época era dominada por homens que disseminavam comentários contrários
ao empoderamento feminino, assim como os meios políticos, onde nunca foi permitida a
participação das mulheres, calando-as assim por uma segunda vertente expressiva.

Os homossexuais do Brasil colonial e Imperial eram desconhecidos pela


população,fala-se desta forma, pois aqueles que existiam suprimiam tal característica, ou
apenas não a demonstravam, casando com mulheres e até tendo filhos para não levantar
qualquer suspeita sobre sua sexualidade, o motivo para essas ações era o medo da retaliação,
vez que naquele tempo a homo afetividade era considerada uma abominação, e aqueles que
tinham o suposto problema eram rejeitados severamente pela sociedade, ou no mínimo
isolados moralmente. Com esse desconhecimento deduz-se que estes estavam numa situação
de expressionismo tão reprimida quanto a das mulheres, pois além de não falar tinham que
negar quem eram não havendo qualquer possibilidade de luta. No período do Brasil República
tanto a população LGBT quanto o gênero feminino começaram a passos longos e tortuosos
ganhar espaço na mídia, e os primeiros sinais de ativismo destes dois grupos surgiram. Com a
conquista com do voto feminino em 1932 (CASTELO, 2014) e o estouro das Drag Queens em
1950 (MAHAWASALA, 2016), as mulheres que durante séculos se calaram e os
homoafetivos que mascaravam sua sexualidade despontaram gradualmente no que cerne a
militância através de meios de comunicação. A imprensa que contava com o jornal impresso e
agora o rádio e televisão ainda continuava machista e com aversão a homossexuais, porém já
era possível notar uma brecha a informação destes grupos que nos períodos passados não
existia. Caminhadas por direitos femininos e manifestações homoafetivas aos poucos eram
retratadas nos canais de TV, assim como conflitos entre estes grupos e outros eram falados no
rádio, e ainda no jornal timidamente uma mulher ou outra podia fazer um texto de cunho
militante feminino. Num ritmo lento estes agrupamentos minoritários foram ganhando seu
espaço nos meios de comunicação, e sua luta começava a tomar força, fazendo sua resistência
ser notada pela comunidade brasileira.

Em 1997 ocorreu um fator decisivo para a disseminação do ativismo destes grupos, a


explosão da internet no Brasil, iniciava-se uma nova era onde todos estavam conectados, e
constantemente compartilhando informação, caracterizando um novo impulso informático que
permeava a sociedade, fazendo possível a discussão de ideias, a transferência de
conhecimento de modo onipresente, ligando pessoas e mais pessoas numa cadeia
informacional. Novos meios de se comunicar dentro do espaço virtual foram nascendo dentre
estes cabe destacar os blogs, sites e as famosas redes sociais como o extinto Orkut, o
Facebook, e o Twitter, trazendo-nos ao Brasil contemporâneo. Todas estas ligações
comunicacionais que permeavam o Brasil deram as mulheres e a população LGBT uma
capacidade de reação sem precedentes, onde espalhar suas ideias tornou-se mais fácil e mais
convincente, visto que a grande maioria da população encontrava-se conectada. Desta forma
páginas virtuais que tratavam exclusivamente de assuntos de cunho feminino e homoafetivo
começaram a tomar forma, perdendo a limitação que um dia a sociedade impôs afinal tudo se
tornou mais aberto, assim não sendo mais incomum ver uma comunidade virtual de lésbicas
ou bissexuais, por exemplo, discutindo sobre pontos comuns a seu nicho social ou ver
mulheres se mobilizando para ir contra aquilo que as constrangia ou pormenorizava.

Com a internet emergiu a resistência por direitos que chamamos de ativismo, pelo qual
muitos conflitos foram vencidos, porém o conservadorismo sempre se fez presente durante
toda essa trajetória, seja por aqueles do início da formação do país, os extremistas do Brasil
República ou os conservadoristas modernos de hoje, a negação a aceitar novos grupos na
população nunca deixou de existir, seja esta em maior ou menor quantidade, e no meio digital
não foi diferente. Com a ascensão e fortalecimento destes dois agrupamentos sociais, houve
uma grande quantidade de pessoas que não estavam contentes com o fato deles estar
ganhando espaço na mídia e no país, passando isso para seus descendentes pelo tempo.

Logo faz-se necessário trazer tal temática para uma apreciação tanto jurídica como social,
visto que como acima tratado, os aspectos da propagação do gênero feminino e da população
LGBT vem tomando dos meios comunicacionais de forma a na contemporaneidade estar
fortemente presente no meio virtual, este por sua vez novo se comparado a outras invenções
humanas, necessitando de regulação necessária pelo estado, que é o responsável supremo por
garantir a harmonia social. Já na gama da sociedade, é necessário tratar do proposto, visto que
a população ainda encontra-se muito desinformada e introvertida em relação aos direitos
destes grupos vulneráveis, além de existir grande preconceito e resistência em desfavor dos
mesmos, sendo estas apenas possíveis de ser superadas com discussão e desenvolvimento
conjunto de todos. Objetiva-se com este trabalho estudar experiências de ativismo de gênero
no meio virtual, no que diz respeito a militância e liberdade de expressão cultural e política,
ainda arguindo sobre as causas e consequências do ativismo LGBT e feminino na internet, e
suas reflexões no mundo real.

Metodologia, Resultados e Discussão


Para a consecução deste trabalho será utilizada no que se trata dos objetivos utilizar-
se-á de pesquisa exploratória e descritiva para a produção do trabalho sendo esta caracterizada
por proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou
a construir hipóteses, envolvendo por exemplo levantamento bibliográfico e análise de
exemplos que estimulem a compreensão. Esta também exige do investigador uma série de
informações sobre o que deseja pesquisar, pretendendo descrever os fatos e fenômenos de
determinada realidade (SILVEIRA e GERHARDT, 2009).

No que diz respeito aos procedimentos será utilizada a pesquisa documental, na qual
serão usadas pesquisas estatísticas, como número de pessoas de pessoas LGBT e do gênero
feminino que sofrem ataques na internet, a taxa crescimento de páginas e grupos virtuais dos
mesmos na internet, entre outras. O pesquisador de campo, além das observações efetuadas,
deve lidar com tradições orais. Estas tendem, ao longo das gerações, a adquirir elementos
fantasiosos, transformando-se geralmente em lendas e mitos, logo os documentos seriam a
forma de retificar e reposicionar essas tradições. É necessário para cada tipo de fonte
fornecedora de dados, o investigador conhecer meios e técnicas para testar tanto a validade
quanto a fidedignidade das informações (LAKATOS, 2003).

Outro tipo de pesquisa neste mesmo viés que também será utilizada é a bibliográfica,
nesta por sua vez, através de doutrinadores específicos no que diz respeito ao assunto serão
trazidas visões e conceitos dos três fatores principais do presente trabalho, luta, internet e
evolução social, assim buscando mesclar definições e corroborar teorias, de modo a
possibilitar produção teórica multifacetada e progressiva, que a se desenrolar permita o pleno
entendimento do que se pretende defender. Tal tipo de pesquisa oferece meios para definir,
resolver, não somente problemas já conhecidos, como também explorar novas áreas onde os
problemas não se cristalizaram suficientemente e tem por objetivo permitir ao pesquisador o
reforço paralelo na análise de suas pesquisas ou manipulação de suas informações
(LAKATOS, 2003). Além disso, entende-se que qualquer trabalho científico inicia-se com
uma pesquisa bibliográfica, vez que este permite ao pesquisador conhecer o que já se estudou
sobre o assunto (SILVEIRA e GERHARDT, 2009).

As pesquisas discutidas acima serão catalisadas por meio de uma abordagem


qualitativa, que tem como intuito o levantamento de dados sobre as motivações dos grupos
supracitados, tentando assim compreender e interpretar seu comportamento, suas opiniões e
expectativas frente a expansão virtual ocorrida, assim focando no caráter subjetivo dos grupos
estudados, e as experiências de cada um, trazendo suas semelhanças e diferenças. Na pesquisa
qualitativa, o cientista é ao mesmo tempo o sujeito e o objeto de suas pesquisas, sendo o
desenvolvimento destas imprevisível e o conhecimento do pesquisador parcial e limitado. O
objetivo da abordagem em questão é de produzir informações aprofundadas e ilustrativas, não
importando seu tamanho, mas sua capacidade de produzir novas informações (SILVEIRA e
GERHARDT, 2009).

Ativismo e Militância: Relação unus alterum faciem

Ao passo que o advento da internet proporcionou pontos estratégicos para a afirmação


e defesa dos direitos femininos e LGBTs, houve uma explosão virtual no que diz respeito a
militância feminina e homoafetiva, pessoas destes grupos construíram de certa forma uma
base de defesa dos seus direitos sejam estes já positivados ou ainda em fase de
desenvolvimento (LANGNER, ZULIANI e MENDONÇA, 2015), e até direitos que nem
chegaram no devido processo legislativo, mas que através desses sites, páginas, blogs, entre
outros meios de propagação de ideologias da internet ganham força e abrangência para o
mesmo seja possível, assim tais grupos minoritários aderiram a sua luta social uma rede de
conexão sem precedentes, que possibilitou o reconhecimento e a luta por este.

As ações supracitadas ocorrem a partir de um comportamento social em especial, o


ativismo, expressão utilizada constantemente hoje, mas pouco definida nas discussões que
utilizam de seus efeitos. Quando há um déficit jurídico dentro da sociedade em relação, o
grupo atingido por este tende, devido a situações de rejeição e sofrimento, buscar através de
atos políticos, jurídicos, cívicos, ultrapassando a teoria, ir em busca de meios para suprir tal
lacuna, transformando assim a realidade em que se encontra, ou seja, surge um ideia de
necessidade que leva o grupo a lutar para mudar seu próprio estado perante a sociedade
(FRASER, 2001, apud AVRITZER, 2007), tal ideia pauta-se diretamente nas dimensões do
ser, vez que o meio que influenciará o movimento, ao construir o indivíduo e submete-lo ao
lugar em que se encontra. Segundo Honneth(2001, apud AVRITZER, 2007), o ser humano se
encontra numa luta constante por reconhecimento, vez que este que o caracterizará como
membro efetivo da sociedade, pois se o próximo não reconhece o outro nas suas
características e no seu interior, não existe a mais remota possibilidade de este ser considerado
semelhante, e de se estabelecer um meio de harmonia. Desta forma, entende-se que a partir do
exterior afirma-se o interior, como exemplo, não como saber se alguém é radicalista, se a
sociedade na sua maioria busca-se a ser pacifista, e vice-versa, em outras palavras o ser não
produz nada só, é necessário estar em conjunto para que haja o ―existir‖ humano.
A militância, por sua vez, caracteriza-se por ações como a finalidade de defender uma
determinada causa, ou seja, militar em função de uma ideologia, usando das mais diversas
ações, sejam elas virtuais ou físicas, de grande ou pequeno patamar. Desta forma, chega-se a
relação profunda entre esta e o ativismo, quando percebe-se que o último, traduz uma ação
para modificar uma situação através de atos práticos e o outro consiste respectivamente
nestas ações que serão necessárias, também saindo apenas da especulação teórica, isto é, a
militância é o instrumento do ativismo, pois não é possível realizar proposições ativistas sem
militar, sem por um instante parar de permear o teórico e passar para realizar o que neste se
discute. Tal relação marca-se pela expressão unus alterum faciem, o seja, um é a face do
outro, indissolúveis, desde que surgem, sendo eles as causas de toda mudança relacionada a
direitos sócias dentro de uma comunidade, visto que esta apenas progride(DURKHEIM, 1889
apud QUINTANEIRO, DE OLIVEIRA e DE OLIVEIRA, 2003), com o conflito social,
evoluindo toda vez que há um embate, seja tal evolução teórica, no sentido de não repeti-lo ou
prática, significando a última que deve haver uma reiteração do ato quando necessário. Assim,
deduz-se que os elementos acima discutidos, são os principais causadores das lutas de gênero,
pois são as categorias contidas nessas lutas que necessitam mudar sua situação perante a
comunidade que a rodeia, e mesmo que inconscientemente, acabam sendo influenciados por
tais condutas sociais, de modo que a necessidade de ascender dentro de um sistema, no qual
ainda não se é totalmente aceito, se torna maior até mesmo do que a própria condição pessoal
em que se encontra, isto é, a que nível econômico o indivíduo está ou em que lugar se
encontra, revelando que muitas vezes o liame social que liga a população LGBT ou o gênero
feminino vai mais além de parâmetros físicos, estaria num nível de auto-reconhecimento e
reciprocidade, tal liame só se amplifica com o meio cibernético, que cada vez mais tem
proporcionado plataformas de expressão ideológica e defesa de pensamentos, permitindo além
disso uma conexão a nível erga omnes, juntando mais e mais indivíduos a suas respectivas
causas e entrando para o que pode-se chamar de próxima geração da luta social.

Páginas em destaque

Das várias organizações e movimentos virtuais defensores das Lésbicas, Gays, Bissexuais e
Transexuais e das mulheres, duas em especial chamam atenção pela sua abrangência e
importância na militância de seus respectivos grupos, assim como na divulgação de dados
importantes a suas comunidades, e o incentivo a busca por direitos e luta para superação de
momentos de extrema conturbação.

Grupo gay da Bahia


A página do grupo Gay da Bahia tem como objetivos defender os direitos à cidadania de gays,
lésbicas, travestis e transexuais denunciando e combatendo todas as manifestações de
homofobia e discriminação sexual, divulgar informações sobre a homossexualidade e
promover o estabelecimento de cursos de educação sexual em todas as escolas com a
finalidade de acabar coma a ignorância através de um discurso cientificamente e
politicamente correto, além de conscientizar a população LGBT sobre a necessidade de lutar
por seus direitos civis, bem como dar acesso a informações e apoio sobre sexo seguro,
doenças sexualmente transmissíveis e AIDS. Suas publicações visam discutir todos estes
pontos a fim de contribuir para a comunidade homoafetiva no Brasil. Desta forma é possível
ver a atuação do grupo em questão em várias gamas sociais LGBT, como por exemplo nas
pesquisas relacionadas ao grande número de mortes na população homossexual, campo em
que tem se mostrado muito presente, ao fornecer dados precisos e constantemente atualizados,
como nenhum outro meio virtual faz, revelando informações como o número de mortos e as
causas relacionadas a cada quantitativo, fazendo perceber por exemplo que é muito mais
comum suicídios motivados pelo fato de ser homossexual, do que por ódio proveniente da
família ou de amigos, confirmando assim a crise de aceitação que há em relação a ser
homoafetivo, e o medo constante que aqueles que se percebem como tal sentem, medo esse
vindo do âmbito extremamente conservador que existe hoje. Também é comum nas postagens
da página a ser discutida, incentivos a aniquilação do vírus do HIV, vez que é uma das
doenças que mais atinge a população homossexual, vez que a maioria de seus membros não
tem uma instrução correta e específica para estes de como proceder no ato sexual, causando
assim uma grande propagação da doença entre os mesmos, fruto de um tabu imposto por
grande massa social, ao alegar que falar em sexo homoafetivo vai contra os valores da família,
e pormenoriza os bons costumes pautados no núcleo familiar heterossexual, esquecendo que a
vida do ser humano vale mais que um simples ato reiterado arcaico.

Por fim verifica-se um esforço imenso do grupo Gay da Bahia de fazer com que os membros
do grupo social aqui abordado, conheçam o que podem fazer para se defender de modo
correto e eficiente, estimulando a busca pela implementação de direitos civis para estes, e
mobilizando consequente massas para o embate político e cívico (IHERING, 1909). Desta
maneira através dos meios virtuais que possui o grupo discutido busca melhorar a situação
social de todos que são parte da comunidade LGBT, porém isso não significa que a mesma o
faz sem ter que enfrentar desafios. A página diariamente sofre preconceito e discriminação,
como xingamentos, e até mesmo mobilizações extremistas-conservadoras pactuando para
enfraquecer ou dizima-la, além dos constantes ataques proferidos por alguns membros
cristãos protestantes de relevância social, mas por meio de divulgação de dados, e militância
continua a propagar suas ideias, servindo como mais um pilar de apoio a lésbicas,
homossexuais e transexuais.

Dentre suas muitas atribuições o Grupo Gay da Bahia se destaca por ser um pioneiro na
exposição online de números relacionados a violência contra a população formada por
Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais, revelando uma realidade deplorável e chamando
atenção para informações chocantes, a exemplo destes dados, segue abaixo uma tabela como
números públicas pela organização em seus site, no ano de 2016.

Tabela 1 – Perfil das vítimas LGBT's mortas no Brasil em 2016

Porcentagem Perfil

1% Bissexuais

3% Lésbicas

4% T-lovers

42% Transexuais

50% Homossexuais

GGB: Dados de homícidios LGBT

Women's March

A segunda página denominada Women‘s March Global se posiciona pela defesa dos direitos e
da segurança das mulheres e suas famílias, incentivando a igualdade e diversidade entre estas,
esta defende um movimento que recentemente vem ganhando o mundo se mostrando como
uma das mais relevantes quando se diz respeito aos direitos femininos. Pautada sob uma
manifestação física e por meio de postagens, vídeos e notícias internacionais, esta busca
reafirmar os direitos femininos, trazendo por arrastamento outras minorias como
homossexuais e negros. Assim a página por meio de campanhas e encontros marcados
virtualmente pugna pela segurança das mulheres, vez que nos dias de hoje com a objetificação
das mulheres e uma segregação sexista tornou-se corriqueiro ver o espancamento ou a morte
de mulheres quando não se assentam no papel que a massa machista a colocou, não sendo
possível por exemplo uma mulher andar sozinha tarde da noite sem que seja no mínimo
ameaçada de estupro ou de qualquer outro tipo de violência física, ou até mesmo seja
humilhada por termos de baixo calão. O medo instalou-se no sexo feminino de forma que ir a
um estacionamento ou acampar desacompanhada gera espanto e desconfiança, de forma que
tais aspectos não são inerentes a idade ou orientação sexual, mas sim ao fato de ser do sexo
feminino.

Tabela 2 – Número de afiliados efetivos da Women's March a nível Global

Quantidade País

120, 597 Europa

320,876 América do Norte

43,130 América do Sul

5,398 África do Sul

2,705 Ásia

WMG: Dados de afiliação político-social

Outro ponto abordado pela Women‘s March seja pelo site, ou outros meios virtuais é a
diversidade feminina, pois atualmente como fruto de uma idolatria ao tipo perfeito de mulher,
que seria a caucasiana, magra e não muito alta, mulheres tem se submetido a procedimentos
estéticos drásticos e muitas vezes danosos a saúde, incentivados principalmente pela
divulgação de propagandas na internet que remetem a um único tipo de beleza, situação essa
que encontra seu ápice na adolescência, levando muitas vezes a separação de garotas de
grupos sociais por não estarem nos padrões sociais empurrados pela comunidade (SAFFIOTI,
1987). Desta forma o grupo acima citado, por meio de vídeos e movimentos publicitários
virtuais incentiva a pluralidade de corpos, etnias e estilos, de modo a criar uma sociedade
mais humana e menos artificial. Ainda cabe ressaltar que é comum ver links que noticiam
acontecimentos marcantes nas marchas como a queima de bonecos de opressores ao sexo
feminino ou o levantamento simultâneo de bandeiras de apoio a causa além do suporte de
personalidades importantes ao movimento, sejam estas de cunho político, como Hillary
Clinton ou artístico como Madona, ambos tipos de acontecimentos repercutem fortemente na
internet dando a Women‘s March mais força a cada dia.

Expansão Social e Conservadorismo: Relação qui facit ut alius

As lutas de gênero no âmbito virtual produzem diversas consequências sobre a sociedade,


algumas destas evidentes, e outras que necessitam de um olhar mais sistêmico e neutro para se
perceber de forma clara e concisa, porém, todas advém do caráter histórico abordado
anteriormente aqui, e se equiparam em sua malignidade e benignidade. Como primeiro ponto,
a expansão social se mostra como uma consequência direta do Ativismo e da Militância já
discutidos, pois ao mesmo ritmo que estes acontecem, tal expansão se propaga, e novos meios
e campos são atingidos pela comunidade Lésbica, Homossexual, Bissexual, e Transexual e
pelas mulheres, tanto no meio real como na internet. Nas redes sociais, nos dias de hoje é
muito comum ver páginas não só de cunho ativista e político como as detalhadas acima, mas
de humor, de saúde, de beleza, dentre outros segmentos fundadas por indivíduos da
comunidade LGBT e pelas mulheres, caracterizando um aumento drástico se comparado aos
primeiros anos após o estabelecimento da internet, ou seja, o espaço atingido por este grupo
social é alvo de um expansionismo constante, que com a característica imparável do
compartilhamento informacional do meio cibernético. Além dos meios de lazer, empresas
criadas por mulheres e lésbicas, gays, bissexuais e transexuais tem crescido muito no que diz
respeito a divulgação virtual, ou seja, o tabu sobre a dominação masculina e heterossexual em
canais importantes no geral está sendo quebrado pouco a pouco e a inserção destas minorias
está se tornando comum (SAFFIOTI, 1987).

A expansão social física propriamente dita, recebe direta influencia da virtual, pois num
mundo como o deste século, internet e realidade andam de mãos dadas, de forma que os
embates cibernéticos trazem reflete quase que instantaneamente no mundo
palpável(LANGNER, ZULIANI e MENDONÇA, 2015). Logo, os grupos sociais em questão
usam deste meio para luta cívica, discutindo pautas, marcando manifestações, desenvolvendo
problemáticas e até mesmo construindo novos meios de interação entre si, estas ações
influenciando diretamente em atos no mundo real, vez que é possível reunir milhões em
determinados lugares, apenas criando eventos em sites, ou impulsionar projetos de leis
compartilhando links e escrevendo depoimentos, esses últimos cumprindo um papel
importantes ao ser um dos mais importantes no momento de trazer pessoas para a causa.
Outrossim, com o aumento da propagação de ideias de luta LGBT e feminina, aqueles que
participam destes grupos tendem a se sentir livres para expressar suas ideias no mundo real,
seja por meio de vestimenta, de conversas com amigos ou família, ou até mesmo dentre as
discussões da vida acadêmica e da profissional, bem como tal aumento também proporciona
um número maior de ligações in vita reali, por que alguém que não tinha conhecimento de
uma organização ou grupo que o engloba por perto, acaba por ter e seguir de longe ou filiar-se
este, e até entrar em contato com outras pessoas em sua localidade que apesar de não ser de
uma organização, divide com este o fato de serem do mesmo grupo social, nascendo assim
uma infinita possibilidade de redes.

Um mal cresce paralelo a expansão social físico-virtual, o conservadorismo, caracterizado por


condutas que não admitem qualquer tipo de mudança que leve a sair de determinados padrões
já estabelecidos, formando assim um campo de estagnação. Quando a maioria da sociedade
motivada por costumes econômicos e sociais estabelecidos pela elite, rejeita todo desvio
desses costumes, pode-se dizer que a mesma está impregnada pelo conservadorismo. Fala-se
da elite pois segundo Marx(1867 apud QUINTANEIRO, DE OLIVEIRA e DE OLIVEIRA,
2003) a economia e consequentemente a padronização social, a parte que nos interessa, eram
controlados pela burguesia, e olhando para o passado em todos os períodos a parte mais rica
da sociedade ditava o que era certo ou não. Assim, mesmo após várias mudanças de
organização econômica, estigmas e esteriótipos insistem em permanecer nas entranhas da
comunidade como uma patologia social.

As mulheres que no modelo conservador nascem para apenas cuidar do lar, e dos filhos, bem
como ser submissa ao homem aceitando todas suas decisões de bom grado, são reprimidas
quando usam as redes sociais para buscar o contrário, sendo vítimas constantes de
xingamentos e repressões violentas que atentam contra a dignidade humana, e acabam por
evidenciar quão diferente a população cria homens e mulheres(SAFFIOTI,1987), censurando
as últimas por buscar ter os mesmo direitos que o gênero masculino tem, revelando deste
modo o machismo e o sexismo presente no meio cibernético, mesmo com o constante
amadurecimento de ideias. No que diz respeito aos homoafetivos, lésbicas, bissexuais e
transexuais, estes por incrível que pareça ainda são tratados como se possuíssem distúrbios
mentais por ter sexualidade diferenciada da heterossexual ignorando o reconhecimento da
dignidade coletiva na qual não importa o ser humano ou sua condição, sua dignidade será
pautada em seus atos em relação a sociedade não sua condição física ou cultural(MAURER,
STARCK, SARLET, SEELMAN, NAEPTER, HABERLE, NIRSTE, e NEUMANN, 2013),
poreḿ a tradicional relação homem-mulher fixa-se como uma rocha no pensamento involátil
da comunidade como um todo, e desvios deste são condenados, de maneira que quando há
militância em pro deste na internet, surge um repudio brutal, justificado pelos defensores dos
moldes conservadores como atos para defesa do núcleo familiar padrão formado por um
homem, uma mulher e filhos.

Dimensões da dignidade nas lutas de gênero: Relação assertio


A dignidade divide-se em inúmeras dimensões, aqui tratar-se-á das duas principais, que são a
ontológica e a comunicativa e relacional(MAURER, STARCK, SARLET, SEELMAN,
NAEPTER, HABERLE, NIRSTE, e NEUMANN, 2013), que se ligam num nível maior que
as outras aos esforços da comunidade LGBT e do gênero feminino na mídia cibernética. A
dimensão ontológica diz respeito a dignidade como qualidade intrínseca do ser, vez que já se
nasce com ela, e a mesma é inalienável, e irrenunciável, de modo que todos a tem por igual,
esta não estando condicionada a estado constituído pela sociedade, como a sexualidade ou
estado biológico, como o gênero, mas pautada no reconhecimento do indivíduo como pessoa,
mesmo que não se porte como a maioria dos seus semelhantes, sendo a busca por tal
reconhecimento o objetivo maior das lutas de gênero aqui discutidas e a internet sua maior
arma para que haja a concretização do perseguido.

A dimensão comunicativa e relacional, trata da intersubjetividade na qual se encontra a


dignidade, pois para possuí-la no seu mais pleno alcance a dimensão ontológica não basta, é
necessário que haja o reconhecimento por todos para que haja a efetivação da dignidade, vez
que o ser humano não se encontra sozinho, este está em constante relação com os outros, não
podendo separar-se destes. A pluralidade aqui trazida relaciona-se com o cenário de
intolerância que se concretiza nos dias atuais, pois para tratar do valor próprio de cada um na
sociedade é necessário que haja uma interação entre as pessoas, esta resulta em relações
interpessoais que tem como característica fundamental a recíproca, ou seja, as trocas de
consideração e respeito que tornam o indivíduo racional(MAURER, STARCK, SARLET,
SEELMAN, NAEPTER, HABERLE, NIRSTE, e NEUMANN, 2013), e quando essas não
existem ou são reduzidas como se vê na relação LGBT e mulheres com o resto da sociedade,
não há um vínculo de dignidade efetivo.

Assim percebe-se que ambas as dimensões devem se complementar, não é possível apenas
reconhecer a dignidade em si de maneira ontológica, já embutida na personalidade sócio-
jurídica, é necessário haver o reconhecimento desta pelo outro, estabelecendo-a por meio da
comunicação, buscando relacionar-se num ciclo de ações sinalagmáticas, abandonando
esteriótipos e pré-compreensões arcaicas, alcançando assim o verdadeiro ápice da dignidade.

Conclusão e Referências

O ativismo e a militância proporcionadores das mudanças vistas neste artigo, devem continuar
emergindo ao passo que a evolução cibernética continua, de forma a manter tal meio como
forte aliado para sua propagação, vez que agora que iniciado e extremamente agarrado a
sociedade tem a chance de através das lutas de gênero fazer como quem milita utilizando
deste ascenda e conquiste igualdade e dignidade, está última tanto no campo individual como
coletivo, incentivando a busca incansável pelo ―eu‖ e pelo ―nós‖ dentro de um contexto
permeado da ideia de que nascemos já com dignidade, esta deve ser respeitada e protegida,
pois como seres humanos compartilha-se de uma máxima universal de que todos são dignos
não importando sua origem ou transformações(MAURER, STARCK, SARLET, SEELMAN,
NAEPTER, HABERLE, NIRSTE, e NEUMANN, 2013).

As páginas virtuais em destaque analisadas, Grupo Gay da Bahia e Women's March, assim
como outras, representam grandes suportes para a luta contra a ignorância e o
conservadorismo, pois desbravam caminhos que são alvo de críticas duras por maioria da
comunidade global, sendo de grande importância para a evolução da sociedade e a defesa dos
direitos humanos, vez que tratam não só de assuntos políticos mas de temas como doenças
sexualmente transmissíveis e diversidade cultural, proporcionando um ponto de partida para
discussões mais profundas, além de servir como apoio sócio-pessoal para seus respectivos
grupos. Essas organizações por meio da internet confirmam que certamente o meio virtual
trouxe em si uma espada acompanhada de um escudo para estruturar o gênero feminino e a
população LGBT, que com evolução informática para qual o mundo caminha com certeza
serão um fator de enorme relevância para aceitação e ascensão sociocultural de tais grupos
sociais (IHERING, 1909).

O conservadorismo ao entrar em embate com a expansão social tende a aumentar pois são
forças opostas que brigam, sendo o resultado da disputa incerto, para isso entende-se que
compreender as experiências da população LGBT(Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais)
e das mulheres no meio virtual é de grande importância, vez que ao faze-lo absorvendo todos
os traços de sua funcionalidade e constância, cria-se uma base teórica com tais
comportamentos e a partir desta, nascem premissas para a criação de dispositivos que servirão
como suporte para a propagação dessas experiências(ROXIN, 1993), bem como regular
possíveis situações hostis que apareçam durante essas experiências, assegurando o direito de
expressão e de luta cívica. Há então de certa forma uma mutação jurídica no que se trata do
sujeito, pois o direito que antes tratava apenas de relações in vita reali tem que mudar sua
forma de produzir normas e aplicá-las, agora pensando de uma perspectiva temporal e
espacial não palpável, além do fato de que compreender identidades nesse novo meio tornasse
mais trabalhoso, vez que tudo pode ser mudado a cada segundo, resultando assim num campo
de atuação escorregadio, no qual dever se ter cautela. Porém, também pode se mostrar como
uma ótima oportunidade para que aconteça uma renovação do sistema jurídico de forma a
abranger as tecnologias e costumes de agora, abrindo precedentes para novos direitos. Desta
forma o direito deve cumprir com seu propósito maior o de garantir a harmonia social e
produzir uma legislação erga omnes, que atinja a população de forma garantista e igual
seguindo os parâmetros da equidade e da proporcionalidade, visto que há uma lacuna
significativa em relação aos direitos na internet, principalmente no que se trata dos grupos
discutidos neste trabalho devendo os poderes legislativo, judiciário e executivo trabalharem
em conjunto para seu preenchimento.

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“MASCULINIDADE HEGEMÔNICA E OS REFLEXOS DA
CONSTRUÇÃO DO “HOMEM DE VERDADE”: UMA ANÁLISE DA
ANIMAÇÃO “MINHA VIDA DE JOÃO”

Gabriel Carlos da Silva Carneiro Maranhão, gabrielcarlos_@hotmail.com, mestrando em Direitos


Humanos pela Universidade Federal de Pernambuco (PPGDH -UFPE), advogado e jornalista
Marina Reis de Souza Guerra de Andrade Lima, marina.rs@gmail.com, mestranda em Direitos
Humanos pela Universidade Federal de Pernambuco (PPGDH -UFPE), psicóloga
Tatiana Craveiro de Souza, tatianacraveiro@hotmail.com, mestranda em Direitos Humanos pela
Universidade Federal de Pernambuco (PPGDH -UFPE), assistente social

Resumo: o presente artigo visa perceber os meandros da masculinidade hegemônica, a partir da


diferenciação de gênero e dos marcos regulatórios da sexualidade em torno do masculino. Além disso,
busca-se, através da análise do vídeo educativo ―Minha Vida de João‖, despertar a discussão sobre o
estabelecimento de condutas e comportamentos de gênero socialmente construídos e constantemente
reforçados pelos indivíduos e instituições, desde a infância até a fase adulta. O intuito é problematizar
como esse padrão pode causar sofrimento ao homem, principalmente àqueles que não se enquadram
no estereótipo da masculinidade hegemônica. Desta forma, pretende-se construir um olhar mais amplo
acerca dos reflexos de uma sociedade machista e heteronormativa, expondo alguns dos efeitos
perversos da imposição da superioridade do ―macho‖.
Palavras-chave: Gênero, Sexualidade, Masculinidade.

INTRODUÇÃO

―Eu sou homem com ‗H‘, com ‗H‘ sou muito homem (...) cabra macho prá danar‖. Com
esse trecho da música ―Homem com H‖, na famosa interpretação de Ney Matogrosso,
sintetiza-se o ideal de masculinidade construído por meio dos estereótipos de gênero e
constantemente exigido pela sociedade. O ―H‖ de homem reforça a existência de um modelo
masculino hegemônico, superior, privilegiado, que não abre mão do status que lhe foi
atribuído, e, por isso, rechaça comportamentos que sejam próximos do feminino ou de uma
masculinidade contra-hegemônica.
Esse modelo de masculinidade é bastante discutido por conta das relações hierárquicas
de gênero, pois afeta negativamente as mulheres. Entretanto, ao contrário do que se possa
pensar, a manutenção dos paradigmas da superioridade masculina provoca suas reações
adversas também entre os homens.
Sendo assim, a ideia central deste trabalho é discutir, através dos estudos teóricos
sobre a masculinidade e da análise dos exemplos e discursos trazidos pelo curta-metragem
―Minha Vida de João‖, como a imposição do modelo masculino hegemônico repercute na
vida dos indivíduos que, mesmo homens, ―ousam contrariar‖ esse padrão hegemônico.

METODOLOGIA

Para a construção do presente artigo, utilizou-se como método o levantamento


bibliográfico sobre o tema da masculinidade hegemônica atrelada à diferenciação de gênero e
à sexualidade. A pesquisa foi construída através da leitura e discussão de livros e publicações
acadêmicas em materiais físicos e virtuais (internet).
Num segundo momento, foi realizada a análise e problematização do vídeo educativo
―Minha Vida de João‖ à luz das teorias supracitadas, através da descrição inicial de cada uma
das cenas da animação. Posteriormente, foram selecionadas as cenas que mais elucidavam a
temática desenvolvida neste trabalho e, a partir daí, construiu-se a intersecção entre o aporte
teórico e a narrativa da animação citada para o desenvolvimento deste trabalho.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 A construção dos papéis sociais de gênero

As diferenças físicas nos corpos de homens e mulheres são óbvias. Segundo Cabral e
Diaz (1998), sexo refere-se às características biológicas, ou seja, àquelas específicas dos
aparelhos reprodutores femininos e masculinos, ao seu funcionamento e aos caracteres
sexuais secundários decorrentes dos hormônios que diferenciam, sexualmente, machos e
fêmeas. O sexo tem a ver com as funções orgânicas, uma questão física.
Entretanto, ao longo da história, atribuiu-se valor às diferenças físicas e, interpretou-
se essas diferenças de modo simbólico, estabelecendo significados e relações de poder,
definindo uma hierarquização, comportamentos e papéis sociais baseados no sexo. A essa
identidade socialmente construída, denominou-se gênero.
Então, quando se discute sobre o significado de ser homem ou mulher, em geral, tal
significado está menos atrelado ao conceito de sexo, do ponto de vista biológico, do que ao de
gênero. Scott (1989, p. 14) afirma que ―o gênero é um elemento constitutivo de relações
sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é um primeiro
modo de dar significado às relações de poder‖ e acrescenta, ―o gênero é o primeiro campo do
meio social no seio do qual ou por meio do qual o poder é articulado‖ (SCOTT, 1989, p. 16).
A respeito do tema, Saffioti revisita sua obra ao dizer que, a rigor:

Embora não haja formulado o conceito de gênero, Simone de Beauvoir mostra que
só lhe faltava a palavra, pois em sua famosa frase – ‗Ninguém nasce mulher, mas
torna-se mulher‘ – estão os fundamentos do conceito de gênero. Lutando contra o
essencialismo biológico (...) enveredou pela ação da sociedade na transformação do
bebê em mulher ou em homem, tendo sido a precursora do conceito de gênero.
(SAFFIOTI, 2004, p. 107)

Diante disso, é preciso, então, tentar estabelecer como uma criança vem a pensar em
si própria como ―menino‖ ou ―menina‖ e como as crianças desenvolvem a ideia de que é
masculino comportar-se de uma forma e feminino comportar-se de outra.
Retratando brevemente essa construção social baseada no gênero, pode-se observar
que esta perpassa as diferentes dimensões da vida, moldando e domesticando os diferentes
sexos. Assim, desde a concepção no ventre materno, ou mesmo ainda no imaginário dos
genitores e de familiares, vão sendo idealizados os estilos de comportamentos dos meninos e
meninas, geralmente, reproduzindo modelos estereotipados, inspirados na ideia artificial de
masculino e feminino.
É algo comum, ao se descobrir o sexo do bebê, que o enxoval da criança passe a
utilizar as cores referenciadas ao sexo do bebê, sendo, rosa para menina e azul para menino.
Outro fato comum é, durante a gestação, atribuir-se maior vivacidade e vitalidade ao bebê de
sexo masculino e passividade ao bebê de sexo feminino.
As diferentes formas de socialização (educação formal e informal) seguem
condicionando os seres humanos de acordo com o gênero. Dessa forma, há representação de
gênero nos brinquedos: as meninas são estimuladas a brincadeiras de "casinha" com
panelinhas e bonecas, que representam o espaço privado, as futuras atribuições dos afazeres
domésticos e de cuidado com a prole, já o menino é estimulado a brinquedos como bola,
carrinhos, aviõezinhos, que representam o mundo do público. Serão os futuros carros que ele
irá dirigir ou aviões que ele irá pilotar; além de armas e brincadeiras de bater, para estimular a
ousadia, agressividade e coragem.
Então, socialmente, são produzidos e reproduzidos papéis e comportamentos
predeterminados de tal forma que pareça ―natural‖ uma hierarquia entre homens e mulheres,
moldando padrões de masculinidade e feminilidade construídos social e culturalmente, numa
determinada sociedade.
Pode-se citar, dentre as características atribuídas à masculinidade: força, coragem,
insensibilidade, desorganização, rudeza, agressividade, racionalidade, seriedade, domínio do
espaço público. No que diz respeito aos atributos da feminilidade, destacam-se: fragilidade,
medo, sensibilidade, organização, delicadeza, doçura, intuição, futilidade e domínio do espaço
privado. Assim é que meninos e meninas crescem condicionados aos papeis de gênero,
reproduzem o modelo aprendido, naturalizam a hierarquia e sofrem as repercussões dos
comportamentos limitadores.
Sobre a construção do estereótipo do homem, Gay, coloca que:

A identidade sexual e de gênero do homem vitoriano, estava intrinsecamente ligada


à representação do seu papel na sociedade. Os traços que os descreviam, voltavam-
se para a forma de se vestir, a forma de andar, a maneira de se comportar, a
entonação de voz, etc., assim como também era ressaltado a forma física, a
musculatura, os contornos do corpo masculino, a elegância, o vigor físico e a beleza,
e por fim, as qualidades psicológicas do homem como a agilidade, a coragem, a
distinção, a bravura, o heroísmo (...). A sociedade masculinista burguesa, dado essa
premissa, construía, assim, a nova imagem de homem. (GAY apud SILVA, 2000,
p.12)

Ainda sobre a construção dos papeis sociais, Connell (1995, p.118) define
masculinidade como sendo ―uma configuração de prática em torno da posição dos homens na
estrutura das relações de gênero‖. Destaca ainda que existe ―mais de uma configuração em
qualquer ordem de gênero de uma sociedade‖, entretanto, dentre as diversas masculinidades,
existiria uma que se apresentaria como sua forma ―hegemônica‖, aquela que corresponderia a
um ideal de masculinidade.
Além disso, segundo Connell (2013, p. 245), ―essa masculinidade hegemônica foi
entendida como um padrão de práticas que possibilitou que a dominação dos homens sobre as
mulheres continuasse‖.

A masculinidade hegemônica se distinguiu de outras masculinidades, especialmente


das masculinidades subordinadas. A masculinidade hegemônica não se assumiu
normal num sentido estatístico; apenas uma minoria dos homens talvez a adote. Mas
certamente ela é normativa. Ela incorpora a forma mais honrada de ser um homem,
ela exige que todos os outros homens se posicionem em relação a ela e legitima
ideologicamente a subordinação global das mulheres aos homens. (CONNELL,
2013, p. 245)

Ressalte-se que "masculinidade hegemônica" deriva da teoria da hegemonia cultural,


do teórico marxista Antônio Gramsci, que analisa as relações de poder entre as classes sociais
de uma sociedade. Então, por analogia, nos anos 1980 utilizou-se esse termo para as relações
de gênero, por entender que seja estabelecida uma dinâmica cultural por meio da qual um
grupo social reivindica e sustenta uma posição de hierarquia social.
3.2 A animação “Minha Vida de João” e os reflexos da masculinidade hegemônica

A animação ―Minha Vida de João‖, elaborada pelas ONGs Instituto Promundo (Rio de
Janeiro), Instituto PAPAI (Recife), ECOS (São Paulo) e Salud y Género (México) ilustra, de
maneira didática, os reflexos da masculinidade hegemônica, e expõe ao expectador a
influência do pensamento machista e sexista na vida do personagem principal, João, desde a
sua infância até a vida adulta.
Apesar de não possuir diálogos, o curta-metragem apresenta os estereótipos atribuídos
ao masculino e ao feminino e como os marcos regulatórios de gêneros impõem ao indivíduo
que sua conduta social esteja em consonância com o sexo biológico, dentro da lógica binária
homem/mulher.
Logo no início do curta-metragem, João aparece, ainda bebê, nos braços da mãe que,
ao mesmo tempo, cozinha e cuida dele, enquanto o pai assiste a um jogo de futebol na
televisão. Em um segundo momento, João engatinha até o pai e a cena mostra os dois
brincando.
A cena é interrompida por um ―lápis com borracha‖ que apaga a cena de pai e filho e
recoloca o menino nos braços da mãe. A metáfora do ―apagar‖ durante todo o filme é
utilizada várias vezes para situar o público sobre uma situação hipotética que poderia/deveria
acontecer, mas que, no contexto de uma sociedade baseada nos papeis de gênero, não ocorre.
Já por esta primeira cena, é possível problematizar a delimitação das performances de
gênero que são frequentemente atribuídos ao homem e a mulher dentro do contexto familiar.
A cena acima descrita ilustra perfeitamente como à mulher/mãe é imputado o papel
dos cuidados domésticos e dos filhos, enquanto ao homem/pai é destinado o status de
provedor do lar, sendo assim, a casa corresponde para o homem um espaço de descanso, lazer.
Avançando na narrativa do documentário, João aparece brincando de bola na rua,
quando passa ao seu lado uma mulher e ele a acompanha com o olhar.
Em seguida, vê-se a imagem de uma sombra de João de frente ao espelho vestindo
saltos altos. Aqui o ―lápis apagador‖ entra em cena novamente e desconstrói a imagem. Fica
claro, portanto, o efeito da masculinidade hegemônica que não permite ao homem qualquer
aproximação com a feminilidade, pois isso põe em xeque a suposta superioridade do homem
em relação à mulher. Qualquer traço que possa associar um indivíduo do sexo masculino às
representações simbólicas do feminino fere a lógica da hierarquização do homem em relação
à mulher.
Saindo do ambiente familiar, o documentário também trata das relações de João com
os amigos ainda na fase da infância. Em meio a uma festa com os colegas, João esbarra com
outro menino e a aproximação dos corpos entre crianças do mesmo sexo é logo substituída
pelo ―lápis apagador‖ que desenha no lugar uma menina.
Da mesma forma, as brincadeiras de infância também são discutidas durante o filme:
João aparece brincando de boneca com outra menina e logo o ―corretor‖ trata de substituí-la
por uma arma de brinquedo apontada para a criança do sexo feminino.
A partir dessas duas cenas, fica evidente como, desde os primeiros anos de vida, os
marcos regulatórios da sexualidade delimitam aquilo que é ―de menino‖ e ―de menina‖ e cria
os preconceitos e estereótipos: o menino não pode de forma alguma ter contato físico com
outro homem. Da mesma forma, também não pode brincar de boneca, pois segundo as ―regras
sociais‖ não se espera tal comportamento de uma criança do sexo masculino.
Desde cedo, portanto, os comportamentos são medidos pela régua da masculinidade e,
assim, a liberdade de quem não se adequa aos padrões atribuídos aos gêneros é tolhida e
vigiada. A respeito do medo de intersecção entre o masculino e o feminino, discorre o
psicólogo Sérgio Gomes da Silva no trabalho ―Masculinidade na história: a construção
cultural da diferença entre os sexos‖:

Sob a ameaça de uma feminilidade inerente a alguns homens, decorrente do medo de


tornarem-se homossexuais, e diante da obrigatoriedade de por a prova o seu sexo
forte, os homens tiveram que cultivar mais do que nunca a sua masculinidade e a sua
virilidade, caracterizando também a primeira crise da identidade masculina.
(SILVA, 2000, p. 11).

Há, portanto, a imposição de um padrão sexista e heterossexual que não tolera a


existência de uma flexibilização das performances de gênero e marginaliza aqueles que não se
adequam a categorização homem/mulher ou macho/fêmea. Segundo o pensamento do
professor Sandro Cozza Sayão, no artigo ―Saber, poder e sexualidade: pensando o
contemporâneo a partir de Foucault e Nietzsche‖:

A sexualidade aceita no discurso é a sexualidade normatizada e adequada às


estruturas vigentes, que não põe em cheque (sic) ou mesmo questiona as regras
determinadas pelo modelo heteronormativo que tem foco na reprodução. Em outras
palavras, há uma inaptidão de falar abertamente da multiplicidade e da dinamicidade
que aí incide, como se fosse possível pensar qualquer questão humana sem
considerar que nesta todas as regras ou modelos são sempre absurdamente
insuficientes e precários. (SAYÃO, 2014, p.134)

Pode-se dizer, assim, que, desde a infância, a criança é estimulada rechaçar tudo que
possa ser contrário ao padrão da heterossexualidade. Aqueles que arriscam romper com essa
lógica passam a ser tidos como ameaças ao ―império da masculinidade‖. As regras e condutas
atribuídas à masculinidade hegemônica, portanto, modelam as relações entre os indivíduos até
mesmo quando crianças, fase em que o indivíduo nem mesmo tem consciência do sistema
regulatório que o enquadra de acordo com o sexo que nasceu.
Outro ponto trazido pelo filme é a relação da masculinidade e violência. O masculino
sempre está associado ao uso da força como forma de opressão. A ―lei do mais forte‖
determina a intensa realidade de competição entre os indivíduos do sexo masculino. A força,
entre os homens, é tida como meio principal para manutenção da hierarquização.
Aquele que não entra na lógica violenta do ―macho‖ é tido como ―fracote‖,
―menininha‖, sendo inferiorizado pelos seus pares. Isso ocasiona algumas das situações de
bullying no ambiente escolar.
Ao falar sobre a adolescência de João, o documentário enfoca o despertar do desejo
sexual e as descobertas amorosas do personagem. Neste ponto, é interessante destacar que o
protagonista é motivo de chacota dos amigos por estar apaixonado e por demonstrar seus
sentimentos. Isso porque expressar emoções é tido como algo que não pode ser atribuído ao
homem, pois denota fraqueza e falta de controle.
Ao masculino, num contexto ainda fortemente machista, incumbe a racionalidade e
frieza. Daí advém a célebre frase ―os homens não choram‖. Ao falar sobre sentimentos e
comportamentos, o antropólogo Marcel de Almeida Freitas (2002, p.38), no artigo
―Masculinidade Hegemônica na Cultura Brasileira‖, conclui:

assim sendo, esta masculinidade hegemônica reproduz para o interior da


‗masculinidade‘ (conceito generalizante) as relações hierárquicas de dominação que
estruturam a idéia (sic) de gênero na interação entre masculinidade/s dominante/s e
feminilidade/s subalterna/s.

E acrescenta: ―assim, surgem algumas dificuldades na vida dos homens, pois a sua
experiência social é justamente o diálogo por vezes difícil entre a complexidade polimorfa dos
seus sentimentos e comportamentos e o maniqueísmo dos padrões (...)‖ (FREITAS, 2002,
p.38).
Na parte final do vídeo educativo, a história demonstra como a masculinidade
construída na fase da infância e adolescência repercute na vida adulta com a reprodução de
comportamentos que insistem em colocar o masculino em patamar de superioridade com o
feminino. Ao corresponder ao padrão de ―homem de verdade‖, João acaba repetindo atitudes
praticadas pelo seu pai. Em uma cena, João briga com a sua companheira e relembra as
discussões que os seus pais tinham dentro de casa e que ele foi testemunha.
Isso é a prova que os padrões de masculinidade que são imputados constantemente ao
longo de todo desenvolvimento da criança correspondem a mecanismos de perpetuação da
opressão desenvolvida pela masculinidade hegemônica. Sobre esse sistema de opressão em
torno da sexualidade, bem discorre Prado e Junqueira, num trecho extraído do artigo
―Homofobia, hierarquização e humilhação social‖:

A perpetuação e sofisticação desse sistema de opressão não podem ser


compreendidas se não levarmos em conta a existência de instituições que, ao longo
da história, estruturam-se em pressupostos fortemente tributários de um conjunto
dinâmico de valores, normas e crenças responsável por reduzir a figura do ―outro‖
(considerado estranho, inferior, infeliz, pecador, doente, pervertido, criminoso ou
contagioso) todos aqueles/as que não se sintonizassem com os arsenais cujas
referências eram e ainda são centradas no adulto, masculino, branco, heterossexual,
cristão, burguês, física e mentalmente ―normal‖. (2011, p. 52)

Neste diapasão, o controle sobre a sexualidade e as relações de gênero ou mesmo as


relações entre indivíduos do sexo masculino é constantemente reforçado pelas pressões
sociais. A partir da imposição da masculinidade, portanto, se estratificam os comportamentos
de gênero e são consolidados os efeitos nocivos de uma performance de gênero hegemônica
do masculino criada para perpetuar as desigualdades não só entre homens e mulheres, mas
também entre homens e homens.

3.3 Resultados: os danos aos meninos e homens a partir da imposição de uma


masculinidade hegemônica

O debruçar-se sobre a masculinidade extrapola o simples levantamento de estereótipos


sociais e culturais; hão de ser consideradas, também, as discussões sobre os preconceitos e as
imposições que envolvem a elaboração e a vivência da masculinidade e suas possíveis
repercussões na vida dos meninos/homens.
Pimenta e Natividade (2012) observam que, a fim de que o projeto de masculinidade
seja concretizado, o movimento de socialização dos homens, iniciado na infância, deve
compreender posturas de cerceamento emocional (não chorar, não demonstrar medo,
insegurança ou afeto) e exaltação das capacidades exteriores (força, competência, virilidade).
Não raro, as características do ser ―másculo‖ começam a ser atribuídas aos meninos antes
mesmo de seu nascimento.
Ao refletir sobre o tema, Silva (2006) traz seu entendimento acerca da crise da
masculinidade contemporânea e a apresenta como decorrente de um conflito identitário
vivenciado pelo homem. Para o autor, o referido conflito constitui-se tanto da tentativa de
preservação da identidade de gênero hegemônica, quanto da impossibilidade de conservar
essa hegemonia, no que se refere às subjetividades da maioria dos homens. Resta àqueles que
não se ajustam a tais padrões, mudar suas condutas, papéis e desejos ou arcar com seu
inerente sofrimento psíquico.
Além disso, as características atribuídas à masculinidade implicam em condutas
violentas ou arriscadas e, conforme defende Albuquerque Junior:

(...) investe na afirmação da agressividade, da competição, da força, da valentia, do


heroísmo, da coragem como valores culturais a serem cultivados e exaltados. A
masculinidade se vê associada, normalmente, a práticas onde a tônica é a violência,
a falta de cuidado com o outro e consigo mesmo. Ao masculino são associados a
aventura e o risco, que levam os homens a se colocarem em situações e a
promoverem práticas que os expõem à morte, aos acidentes e ao dano físico e
psicológico, em maior número do que aquelas situações em que se envolvem as
mulheres (2010, p. 28).

O potencial de letalidade da masculinidade, tal como indica o autor supracitado, é


ratificado por dados revelados pelo Ministério da Saúde, na cartilha Saúde Brasil 2013 (2014),
na qual é possível verificar que os homicídios e os acidentes de transporte, consideradas
causas externas de morte, predominam como razões de óbito para homens na faixa etária de
20 a 39 anos, em todas as regiões do Brasil.
Nesse ponto, é interessante destacar a análise que Separavich e Canesqui (2013) fazem
sobre carros e armas, símbolos do poder masculino na cultura ocidental: o primeiro, além de
conferir status social, também faz referência à autonomia e liberdade de ir e vir, enquanto as
armas reforçam o poder de submissão dos outros, inclusive sobre a vida desses.
Há entre os homens, uma constante competição, desconfiança e necessidade de
afirmação da masculinidade, como se esta fosse uma característica que, para se ter, fosse
preciso eliminar no outro, o que é explícito desde as brincadeiras entre meninos às conversas
de adultos. Nas palavras de Albuquerque Junior (2010, p. 29), na tentativa de assegurar a sua
masculinidade, o homem tem que ―desqualificar, rebaixar, vencer, derrotar, feminilizar um
outro homem‖ e, consequentemente, deve estar alerta e pronto para defender-se dessas
mesmas ameaças, o que transforma sua vida num permanente estado de estresse.
Em relação aos padrões corporais masculinos socialmente valorizados e desejados,
ressalta-se o sujeito forte, musculoso e sexualmente disponível. Assim sendo, com o objetivo
de conquistar o físico e a virilidade pregados como ideais, observa-se um crescente número de
jovens que fazem uso de drogas vasoativas orais, como o Viagra, e de anabolizantes, o que
pode colocar suas vidas em risco.
Ademais, a vida sexual dos homens tende a iniciar-se cada vez mais precocemente,
como uma resposta à pressão oferecida pelos seus pares e como prova de que, de fato, são
―homens‖. No entanto, nem sempre há responsabilidade em relação à prevenção de doenças
sexualmente transmissíveis e graves prejuízos à saúde podem ocorrer em função de tal
descuido (SEPARAVICH e CANESQUI, 2013).
Albuquerque Júnior (2010, p. 25), no que se refere ao corpo masculino, oferece uma
importante e simbólica reflexão ao afirmar que ―o masculino, o macho, define-se, justamente,
por uma relação de profundo controle, de censura, de apagamento do corpo‖, corpo este que
pretende ser inatingível aos afetos externos, contido em si mesmo.
O significado do que é ―ser homem‖ na contemporaneidade, ante às exigências sociais,
imposições e cobranças, talvez seja o resultado da inserção do homem na cultura à qual faz
parte, onde precisa
(...) moldar-se, sustentando ou criticando, aderindo ou rejeitando, integrando-se ou
afastando-se, obedecendo ou resistindo às regras impostas pela cultura e definidas
como normas, conformando características, comportamentos e papéis que não
necessariamente sejam aqueles que condizem com aquilo que ele almeja para si
enquanto traços identificatórios. (SILVA, 2006, p.120)

Aos meninos e homens frutos dos padrões estereotipados, é presumível uma vida
emocional empobrecida, permeada de dores, conflitos, renúncia e castração, como sinaliza
Albuquerque Júnior (2010), que ainda chama atenção para a necessidade de se debater os
custos que a masculinidade hegemônica impõe aos homens, às mulheres, às crianças e à
sociedade como um todo, pois, o poder dos homens no mundo tem um custo para todos nós.

CONCLUSÃO

Desde a infância, os meninos são instigados a valorizar as características que os levem


a ser ―um homem de verdade‖ e, até a fase adulta, a construção desta masculinidade é
profundamente rigorosa. Assim, não perdoa aqueles que destoam das características
frequentemente atribuídas ao masculino: força física, racionalidade, controle das emoções, e
assim por diante.
Nesta ótica, a masculinidade, desde sempre, foi o principal vetor de opressão e, como
abordamos neste artigo, fica evidente o quão perversa a construção desse estereótipo pode ser
também para os próprios indivíduos do sexo masculino, principalmente para aqueles que não
se enquadram no papel de ―machão‖.
A identificação das consequências nefastas do padrão de dominação do homem é, por
assim dizer, um primeiro passo para quebrar com a lógica de subalternidade e de opressão que
a masculinidade hegemônica impõe no seio da sociedade. Só a partir do questionamento do
que é ser um ―homem de verdade‖, é possível abrir os olhos para a realidade de múltiplas
expressões de identidade de gênero, inclusive a masculina, tendo cada um delas sua
importância, sem a necessidade de estarem colocadas em patamares hierárquicos.

REFERÊNCIAS

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#PRIMEIROASSÉDIO: COMUNICAÇÃO E MOBILIZAÇÃO
POLÍTICA DAS MULHERES NAS REDES SOCIAIS ONLINE

Autor: Ligyane Tavares dos Reis, ligys.tav@gmail.com UFRN, graduanda de Ciências Sociais.

Resumo do artigo:
Reconhecendo a importância do Movimento Social Feminista para diversas transformações sociais ao
longo do tempo, e em concernência com a dimensão e amplitude possibilitada pela internet a partir da
demarcação feita no contexto do ativismo virtual, este artigo se propõe a tarefa de buscar compreender
a inter-relação entre a sociedade, as novas tecnologias da informação e, sobretudo, analisar como a
militância feminista se constitui e se estrutura quando essa relação social é transferida para as redes
sociais online. Para tanto, o projeto toma como recorte inicial a proposta de acompanhar a mobilização
política das mulheres na campanha de hasthtag #primeiroassédio, identificando a necessidade de
reflexão e pesquisa sobre essa nova forma de atuação política, convívio social e tecnológico.

Palavras-chave: feminismo, hashtag, assédio, comunicação, redes sociais.

Introdução
No campo de estudos das Ciências Sociais não é raro que algum momento o enfoque
em processos de comunicação - dinâmicas culturais de linguagem, modificações nos meios de
interação - ao passo que as sociedades são transpassadas por transformações tecnológicas na
comunicação, nas formas de integração (escrita, oral e audiovisual) e na contemporaneidade
pela criação e desenvolvimento de redes interativas (CASTELLS, 1999), a relação entre
cultura e tecnologia estreita-se cada vez mais, uma vez que nesse processo de interpretação de
signos culturais há a reformulação da ideia de tempo e espaço. Falando em termos atuais, a
mudança mais significativa em relação à interação social e política são aquelas possibilitadas
pelo ciberespaço, sobretudo as mediadas pela internet, sendo propícia e muito profícua no
sentido de articulação e mobilização de diversos movimentos sociais. Através dos
compartilhamentos em rede, os sujeitos tem se identificado com as causas reivindicadas e,
cada vez mais, acompanham blogs, fanpages e perfis de grupos ou indivíduos engajados com
as mais diversas questões políticas que permeiam a sociedade.
Neste artigo, a proposta é refletir sobre a mobilização política das mulheres ao usar a
hashtag em campanhas de cunho feminista, por reconhecer a necessidade de reflexão e
pesquisa sobre essa nova forma de ativismo, convívio social e tecnológico. Acompanhar
como as relações militantes, suas expressões e práticas, são travadas socialmente online,
estejam elas, ou não, conectadas à militância offline, pode propiciar uma melhor compreensão
do manejo dessas novas tecnologias da informação pelas mulheres na contemporaneidade,
como também das suas contribuições e entraves para a atuação do Movimento Feminista. Para
tanto, vamos discorrer sobre o alcance dessa forma de atuação política tomando como objeto
de análise a campanha #primeiroassédio.

Metodologia
O principal método utilizado foi a análise do conteúdo a partir de uma abordagem
sociológica articulada à pesquisa bibliográfica, sendo a principal fonte de informação a página
virtual do Think Olga, coletivo impulsionador da campanha #primeiroassédio,

Discussão
A Internet, até pouco tempo, era assinalada como apenas mais um meio de
comunicação, no entanto, sua organização em rede tornou-se a base tecnológica para a
estrutura do que chamamos de Era da Informação. Qualquer esfera da sociedade que
comporte relações sociais e compartilhe valores e objetivos comuns entre pessoas ou
organizações é uma rede social. E para falarmos de rede social, é importante compreender que
o termo se refere ao significado mais amplo de rede, que independe de sua relação ou não
com a internet.

A influência das redes baseadas na Internet vai além do número de


seus usuários: diz respeito também à qualidade do uso. Atividades
econômicas, sociais, políticas, e culturais essenciais por todo o
planeta que estão sendo estruturadas pela Internet e em torno dela
(Castells, 2003, p.8)

Deste modo, a concepção de rede converge para o campo do ciberespaço ao incorporar


o sentido das relações sociais online, que vão muito além do espaço físico, onde as ações são
articuladas para facilitar e promover a comunicação dos usuários.
É nessa perspectiva, que Santaella extrai de Umberto Eco a compreensão que os
processos culturais só funcionam culturalmente porque são processos de comunicação, ou
seja, não há cultura sem comunicação (SANTAELLA, 2010). Em sintonia com este
pensamento, Castells acrescenta que as diferentes características atribuídas à comunicação no
ciberespaço, modificaram os referenciais da cultura, o que implica em distinguir os contextos
no interior dos quais os atores participam da comunicação (CASTELLS, 1999). Ou seja, a
vida associada às novas experiências tecnológicas proporcionou novas maneiras de fazer e de
pensar a cultura.
Deste modo, essas novas relações foram redimensionando funções e papéis sociais, de
tal modo, que a revolução não foi somente tecnológica, mas também antropológica, uma vez
que possibilitou diferentes configurações entre indivíduos e ambiente. Nesse contexto, os
variados movimentos sociais congregam e solidificam o ciberespaço como um espaço político
e de transformação social a partir da mobilização e disseminação de ideias, sobretudo, nas
redes sociais online. Sobre isso, podemos considerar que:

Os movimentos e organizações da sociedade civil encontraram


na internet um meio capaz de fornecer as condições necessárias
para a criação de canais informativos e comunicativos
alternativos aos grandes meios de comunicação de massa.
Nestes espaços, atores da sociedade civil podem interagir
através da troca de informações e percepções sobre
determinadas questões. Como caixas de ressonância, são
capazes de trazer para a esfera pública questões que até então
estavam silenciadas. Com a internet se constroem espaços para
que estas questões sejam tematizadas, articuladas e
publicizadas, tornando possível a sua visibilidade no espaço
público através da produção e distribuição de informações de
forma mais democrática e menos controlada em relação à mídia
tradicional. (Ação Coletiva com a Internet: Reflexões a partir da
AVAAZ, Castañeda, 2014, p.4)

Tal interação tem possibilitado um ambiente significativo, repleto de conexões e


propício para a articulação e mobilização dos movimentos sociais e de diversas ações políticas
coletivas referentes aos conflitos entre atores da sociedade.

A internet fornece a base material que permite a esses movimentos


engajarem-se na produção de uma nova sociedade. Ao fazê-lo eles
transformam por sua vez a Internet: de ferramenta organizacional para
as empresas ela se converte também numa alavanca de transformação
social - embora nem sempre nos termos buscados pelos movimentos
sociais, e nem sempre, aliás, em defesa dos valores que você e eu
compartilharíamos necessariamente. (CASTELLS, 2003, p.119)

Para o autor, a formação e atuação dos movimentos sociais na história do Brasil


sempre se deram no espaço público, ou seja, qualquer espaço que reúne o público seja esse
espaço físico, urbano ou virtual. Sem a necessidade da tutela das organizações tradicionais, as
populações possuem mais oportunidades de organização, debate e intervenção (CASTELLS,
2003). Nesse sentido, as redes sociais online tornaram-se mais uma possibilidade de espaço
público, transcendendo o conceito de tempo e espaço geográfico, fenômeno que compõe a
virtualidade real como elemento substancial da sociedade, onde o cotidiano dos indivíduos
está tão conectado que a rede se configura como parte inerente à vida. O virtual nada mais é
que o devir, isto é, aquilo que em potência já constitui o ser e as questões que lhe movem,
assim sendo, não se opõe ao real, uma vez que ―o virtual só eclode com a entrada da
subjetividade humana no circuito‖ (LÉVY, 1996).

Estamos em um mundo de redes sociais. Hoje as pessoas relacionam


sua vida física com sua realidade na rede. Estão integradas. Não é uma
virtualidade em nossa vida, é nossa realidade que se fez virtual. Essa é
uma mudança fundamental. O que a internet permitiu é a
autoconstrução das redes de relação, da organização social e das redes
de pensamento. (CASTELLS, 2010)

Nesse contexto, as redes sociais caracterizam-se pontualmente como um sistema


complexo e agenciador de subjetividades, compreendendo a subjetividade a partir da visão de
Guattari que conceitua o termo como ―um território que se constrói com base em outros
territórios‖, ou seja, a subjetividade como produto da coletivização (SANTAELLA, 2010).
Partindo dessa premissa, nos remetemos à década de 70, na qual o feminismo,
movimento escolhido como objeto de estudo deste artigo, passou a articular a dimensão da
subjetividade à luta política contra a opressão social histórica da mulher.

ao definir o político de tal maneira que acomodasse as novas


concepções de opressão, toda atividade que perpetuasse a dominação
masculina passou a ser considerada como política. Nesse sentido, a
política passava a envolver qualquer relação de poder,
independentemente de estar ou não relacionada com a esfera pública.
(...) Essa redefinição do político tem uma importância enorme. Em
termos de prática política, as feministas procuraram desvendar a
multiplicidade de relações de poder presentes em todos os aspectos da
vida social e isto as levou a tentar agir nas mais diversas esferas.
(PISCITELLI, 2002, p.5-6)

Esse foco contemporâneo dado às questões políticas intrínsecas à vida das mulheres
reflete-se notadamente no contexto político virtual feminista, principalmente, a partir das
mobilizações e campanhas desenvolvidas online. O uso das hashtags em campanhas políticas
coletivas dentro das redes sociais online tem sido uma das mais significativas práticas
políticas desenvolvidas no ciberespaço.
A hashtag, conhecida também como jogo da velha ou cerquilha, já estava presente em
artefatos tecnológicos mais antigos, como a calculadora e a máquina de escrever, no entanto,
foi nas redes sociais contemporâneas que o símbolo passou a exercer um papel fundamental
enquanto código de comunicação de massa. O microblog Twitter foi a primeira rede social a
utilizar as hashtags, posteriormente, o Facebook e o Instagram também aderiram, usando-as
como palavras chaves que indexam os assuntos em pauta, ou seja, elas assumem a função de
hiperlink, assim ao clicar ou pesquisar determinada hashtag temos acesso a todas as postagens
publicadas sobre ela. No entanto, para além da indexação, o uso das hashtags permite aos
indivíduos que compõem o ciberespaço exteriorizar ideais, preferências, indignações e
posicionamentos sobre temas variados. Nesse sentido, é possível afirmar que nas
manifestações políticas fomentadas dentro das redes sociais online, o papel das hashtags
consiste, sobretudo, em agrupar esses atores virtuais por meio do compartilhamento comum.
A primeira campanha feminista de hashtag de alcance massivo foi a
#EuNãoMereçoSerEstuprada. A campanha emergiu no início do ano de 2014, um dia após o
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), divulgar que 65% dos brasileiros
acreditavam que a mulher que mostra o corpo merece ser estuprada. Dias depois, o IPEA
divulgou uma nota informando que o resultado divulgado estava errado: o certo era 26% e não
65% que apoiaram os ―ataques‖ às mulheres, ainda assim, muitos movimentos feministas
brasileiros acreditam que o Instituto só assumiu essa postura devido a tamanha repercussão da
campanha. A partir daí, outras mulheres, organizações e coletivos passaram a lançar outras
campanhas, como exemplos: #agoraéquesãoelas85, #nãotiraobatomvermelho86 e
87
#meuamigosecreto . Mesmo realizando uma breve análise, é possível identificar
subjetividades que atravessam as questões políticas reclamadas nessas campanhas, que vão
desde questionar a compreensão cultural que culpabiliza a vítima pela violência sofrida,
discutir relacionamentos abusivos, até debater a invisibilidade das mulheres nos espaços de
produção de informação e conteúdo.
Os meios de comunicação de massa, de maneira geral, não abrem espaço para esses
debates. Muitas vezes, ainda reforçam em suas programações cotidianas a lógica desigual de
poder presente nas relações de gênero. Em contrapartida, o movimento feminista descobriu no
ciberespaço um meio de promover a desmistificação de tabus históricos como a cultura do
estupro e a erotização infantil, que naturalizam a violência de gênero, a fim de levar a
sociedade a refletir sobre casos como o de Valentina.
O caso despontou como polêmica nas redes em 20 de Outubro de 2015, na estreia do
programa MasterChef Júnior, no qual crianças entre 9 e 13 anos eram desafiadas a mostrar
suas habilidades culinárias. Durante o programa, vários comentários de assédio foram
direcionados, através do Twitter, à participante Valentina: ―A culpa da pedofilia é dessa
molecada gostosa‖, ―Essa Valentina fazendo esses pratos: que vagabunda!‖ e ―Com 14 anos
ela vai virar secretária de filme pornô‖. Esses foram alguns dos tuítes encaminhados por
homens adultos à uma menina de 12 anos.

85
Campanha cuja ideia consistia em dar visibilidade à exclusão das mulheres na fala pública, incentivando os
homens que possuem espaço na mídia a cederem suas colunas durante uma semana à mulheres ativistas
feministas para escrever e publicar sobre seus direitos e questões de gênero.
86
Surgiu a partir de um vídeo da youtuber Jout Jout listando comportamentos que caracterizam um
relacionamento abusivo, a campanha tinha o objetivo de incentivar as mulheres a não se calar diante dessas
situações.
87
A campanha que fazia referência à brincadeira típica de final de ano e tinha o objetivo principal de expor e
denunciar práticas machistas de colegas e conhecidos.
Impactadas e indignadas com os comentários, várias ativistas e coletivos feministas se
manifestaram sobre o ocorrido. O coletivo feminista Think Olga, criado em abril de 2013 com
a missão de empoderar mulheres por meio da informação, lançou a campanha
#primeiroassédio no Twitter com o objetivo de mobilizar e encorajar as mulheres a contar
sobre a primeira vez que foram assediadas, em pouco tempo a campanha chegou ao Facebook
onde mais mulheres relataram suas experiências.

Resultados e Conclusões
Cinco dias após o início da campanha, a hashtag já havia sido replicada mais de 82
mil vezes só no Twitter. No mês de dezembro, esse número chegava a mais de 250 mil. De
acordo com o Google Trends, foram mais de 11 milhões de buscas relacionadas à campanha,
na qual usuários procuravam saber o que era assédio, como ele acontece em casa e no
trabalho, etc. A repercussão foi tanta que até mesmo órgãos públicos como o portal do
Governo Federal e a Unicef também aderiram à hashtag aproveitando o assunto em pauta
para reforçar suas campanhas contra a violência sexual infantil.
Os dados do IPEA estimam que das 500 mil mulheres vítimas de estupro a cada ano
no país, 70% são crianças e adolescentes – sendo 51% menores de 13 anos. Confirmando esse
percentual, a campanha #primeiroassédio revelou que a maioria das mulheres e meninas
participantes tiveram sua primeira experiência de assédio entre 9 e 10 anos. Juliana de Faria ,
fundadora do Think Olga, pontua que foi possível notar que a pedofilia está mais próxima do
que costuma-se imaginar e a partir da identificação de palavras como ―casa‖, ―pai‖ e ―escola‖
como as mais usadas nos tuítes da campanha, ela afirma que a maioria dos assédios infantis
acontecem dentro de uma relação de confiança, o que comprova a existência de uma cultura
do estupro presente no cotidiano das mulheres desde a infância (Think Olga, 2015).
Recentemente o BBC Trending, blog da BBC, falou sobre os casos mais comentados
nas redes sociais e contou a história da campanha brasileira #primeiroassédio, o que levou
mulheres da Grã-Bretanha, Estados Unidos, Chile, Portugal e Holanda a também contar suas
histórias de assédio usando a hashtag #firstharassment. Juliana afirma que essa repercussão
só "comprova que falamos sobre um problema universal". Em relação à importância de relatar
o primeiro assédio, ela afirma que trata-se de se apoderar da própria história, pois assim ―a
vítima se reconhece como vítima‖ e pontua que esse passo é fundamental para enxergar que a
opressão é, de fato, uma opressão e não ―parte da vida‖, perceber com clareza que existe um
culpado, e que não é a mulher vítima de assédio. Luíse Bello, publicitária e gerente de
conteúdo da comunidade Think Olga, complementa afirmando que ―falar é mostra que [o
problema] existe, é usar nossa voz para mostrar que acontece sim, que incomoda sim, e que
nenhuma criança merece passar por isso‖ (Think Olga, 2015).

Máximo aborda em sua tese a ideia de uma nova comunicação que compreende a
noção de participação e assimila a comunicação como performance da cultura e conclui que
―comunicar é, acima de tudo, pôr em comum, compartilhar, estar em relação‘ (MÁXIMO,
2006). A autora soma a essa compreensão o conceito de expressão exposto por Bruner

expressão nunca é um texto fixo e isolado; ela envolve, sempre, uma


atividade processual, uma forma verbal, uma ação enraizada e,
sobretudo, uma situação social particular. Em outras palavras, uma
expressão é a experiência falada, colocada em forma compartilhável,
num ato interpretativo através do qual impomos significados sobre o
fluxo da memória, iluminando algumas causas e descontando outras.
(apud Máximo, 2006, p.102).

Assim, as expressões dos outros são entendidas a partir de nossas próprias


experiências, uma articulação intersubjetiva daquilo que vivemos, deste modo, a forma como
as mulheres narram suas experiências e a adesão de ordem mundial à campanha
#primeiroassédio corroboram com essa compreensão. É possível inferir que essas mulheres
encontraram na experiência umas das outras o sentimento de pertença a partir do lugar de
vítima de assédio sexual infantil, reconhecendo-se e dispondo-se, a partir daí, a expressar sua
própria experiência. Neste sentido, ao articular algo vivido de forma comunicada,
compartilhada, a mulher torna-se um agente consciente dessa experiência, ―que não só se
engaja, mas molda a ação e assim constrói a si mesmo e ao mundo‖ (apud Máximo, 2006,
p.105).
As redes sociais online tem desempenhado um importante papel na difusão dos
movimentos sociais atuais, englobando diversas pautas que eram antes negligenciadas e a luta
pelo fim da violência contra a mulher tem assumido esse campo como solo fértil para
influenciar mudanças estruturais e sociais. Ao participar ativamente do desenrolar de uma
campanha como a #primeiroassédio, as mulheres deslocam seu discurso e sua relação com a
linguagem para a rede, emergindo assim, um espaço outro, capaz de transformar suas
experiências em armas políticas contemporâneas de transformação social.
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Tese - Departamento de Pós Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura
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<https://webmanario.com/2010/09/26/castells-a-rede-social-nao-e-uma-virtualidade -em-
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LÉVY, Pierre. O que é virtual? Rio de Janeiro: Editora 34, 1996.


MÁXIMO, Maria Elisa. Blogs: o eu encena, o eu em rede: cotidiano, performance e
reciprocidade nas redes sociotécnicas. Tese - Departamento de Pós-Graduação em
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