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1 DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado

FICHA TÉCNICA

Título do projeto:
Democracia e crime organizado: os poderes fáticos
das organizações criminosas e sua relação com o Estado

Autores:
Glaucia Marinho, Lena Azevedo e Sandra Carvalho (Justiça Global)
Fausto Salvadori e Josmar Jozino (Ponte Jornalismo)

Revisão
Marilene de Paula

Projeto gráfico e diagramação:


Beto Paixão
fb.com/bpstudiodesign
betopaixao.jf@gmail.com

Fundação Heinrich Böll


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Licença CC BY-NC-AS 4.0

M338d

Marinho, Glaucia
Democracia e crime organizado: os poderes fáticos das organizações
criminosas e sua relação com o Estado. Glaucia Marinho, Lena Azevedo,
Sandra Carvalho, Josmar Jozino, Fausto Salvadori.
Rio de Janeiro: Fundação Heinrich.
Böll, 2019.
82 p.

ISBN 978-85-62669-35-4

1. Crime organizado – Rio de Janeiro. 2. Crime organizado – São Paulo.


3. Crime organizado – Pernambuco. 4. Crime organizado – Ceará. 5. Crime
organizado – Estado. I. Azevedo, Lena. II. Carvalho, Sandra. III. Jozino,
Josmar. IV. Salvadori, Fausto. V. Título.

CDD 364.106
PREFÁCIO

A América Latina é o continente mais desigual na distribui-


ção de riquezas e renda no mundo. É um continente marca-
do pela política de elites que se perpetuam no poder, mas
também de muitas lutas sociais, desafiando em ciclos cons-
tantes essas elites. Todo o continente é formalmente demo-
crático. Há eleições livres, divisão de poderes e liberdade de
imprensa. Formalmente. Mas quanta democracia realmente
se encontra nesses diferentes países quando se olha mais de
perto? As políticas realizadas, as leis e decretos beneficiam
a quem? Quem controla os médios de comunicação, quanto
de política se encontra no sistema de Justiça? Os sistemas
de educação formam realmente cidadãs e cidadãos capazes
de monitorar as instituições estatais? E quem controla a eco-
nomia, quem controla as armas? Como se incentiva de fato
a mobilidade social? Como fortalecer uma participação mais
ampla dos setores populares na sociedade como um todo?

O Brasil tem melhorado seus números ligados a garantia dos


direitos humanos ao longo das últimas décadas. Mesmo as-
sim, em anos recentes o jogo democrático parece de novo
favorecer completamente as elites excludentes de antes,
com um desmonte institucional e estrutural nas áreas sociais
que buscavam ampliar a igualdade, acessos e justiça. Como
foi possível que o jogo virou dessa forma tão rapidamente?
Quais as estruturas de poder que se mantinham e cresceram?
São perguntas a serem respondidas ao longo dos próximos
anos e pesquisas.

Outro aspecto importante que marca a situação no mundo


e na América Latina desde a caída do muro de Berlim, em
1989: com a crescente globalização e o triunfo do neolibe-
ralismo, cresceram também estruturas ilegais em dimensões
pouco conhecidas anteriormente. Com vazios de poder pela
caída do socialismo, aproveitando lacunas nas regulamenta-
ções entre um país e outro na globalização e quantidades
incontroláveis de mercadoria movidas entre os países por
um estado só, se estabeleceram redes e organizações que se
aproveitaram dessas lacunas e cresceram tanto como um ne-
gócio, como quanto uma política que atua na linha tênue (já
não tão fina) entre o legal e o ilegal. Com os anos estas redes
e estruturas estão formando um verdadeiro poder nos es-
tados. Influenciam a política e a economia com o único ob-
jetivo de obter lucro para eles mesmos. Não têm nenhuma
noção de sociedade, não pagam impostos, não dependem
de votos. Geralmente geram estruturas autoritárias para se
manter no poder dentro das democracias, na América Lati-
na e também no Brasil.

Achamos que para lidar com esse fenômeno, é importante


entender bem mais como funcionam essas redes e estruturas.
É difícil, porque o acesso a dados é limitado, incerto e muitas
vezes perigoso. Temos que aprender a fazer novas perguntas,
novas aproximações. Mas vale a pena tentar.

A publicação Democracia e crime organizado: os poderes


fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Es-
tado olha umas das facetas desses poderes fácticos: qual
o papel do Estado em relação às principais organizações
criminosas no Brasil. Os autores Glaucia Marinho, Lena Aze-
vedo e Sandra Carvalho, da Justiça Global, e Josmar Jozino
e Fausto Salvadori, da Ponte Jornalismo têm acompanhado
o tema ao longo de muitos anos e nos trazem os caminhos
que percorreram as duas principais facções criminosas do
Brasil: o Primeiro Comando da Capital, grupo originário de
São Paulo e o Comando Vermelho, do Rio de Janeiro. Os au-
tores nos contam que de pequenos grupos ocultos no inte-
rior das prisões, os grandes grupos criminosos brasileiros se
transformaram em organizações capazes de controlar o co-
mércio internacional de drogas, ameaçar ou matar autorida-
des e impor o controle territorial em comunidades negras e
pobres por todo país. Como surgiram esses grupos e como
conquistaram tanto espaço e poder? As reflexões presentes
na publicação são um convite para responder essas e outras
questões. Boa leitura a todes!

Annette von Schönfeld


Diretora Fundação Heinrich Böll – Rio de Janeiro

Marilene de Paula
Coordenadora de Programas
Fundação Heinrich Böll - Rio de Janeiro
SUMÁRIO
Introdução: no coração do poder 7

1. Rio de Janeiro: pioneiro das facções, berço das milícias 11


Comando Vermelho: os que a Anistia não perdoou 11
As outras gerações do Comando Vermelho 14
O TCP e o fim anunciado da ADA, a “milícia sem militares” 15
Povo de Israel: a facção inusitada 17
Milícias: a face ilegal do Estado 18
O longo braço das milícias 22

2. São Paulo: PCC, do Carandiru para o mundo 25


Cadeia: guarda o que o sistema não quis 25
Os pais do monstro 27
Promessa cumprida 29
A facção sai das sombras 29
A reação legal do governo 30
Além dos muros das prisões 31
A reação ilegal do Estado 32
Expansão 33
O racha 34
Crescendo nas lacunas do Estado 35
Redução nos homicídios 37
Xeque-mate: Machadinho e Pedrosa 38
Os ataques do PCC em maio de 2006 40
Os piores crimes de maio de 2006: a reação do Estado 41
Na mídia: um sequestro por um manifesto 43
P2 de Venceslau: “o escritório do Partido do Crime” 43
Xeque-mates 45
A Rota na rua – contra o PCC 45
Os conflitos de 2012 47
3. Pernambuco: o pacto que quase funcionou 50

4. Ceará: das gangues às facções 54


No começo eram as gangues 54
Acordos e desacordos 55
Massacres de meninos, vilipêndio de meninas 56
A importância econômica do Ceará para as facções 59
O papel do Estado 61

5. Crime organizado hoje: conflito transnacional 63


Expansão pela fronteira: o “Projeto Paraguai” 63
Expansão no norte 64
PCC x CV: Rompimento e guerra 65
Guerra fora, guerra dentro 68
O PCC hoje 69

6. Considerações finais 73

7. Recomendações 76
Cronologia 78

Referências bibliográficas 80
Livros e estudos 80
Conteúdo jornalístico 81
INTRODUÇÃO

NO CORAÇÃO
DO PODER

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Na manhã de 4 de fevereiro de 2019, ves- denominação genérica de uma quinta. A
tindo terno, gravata e camisa em tons inspiração, segundo Moro, veio do Códi-
sobre tons de azul, o ministro Sérgio go Penal italiano, que, no artigo 416-bis,
Fernando Moro, titular do chamado “su- sobre as associações do tipo mafiosas,
perministério” da Justiça e Segurança mencionava a Camorra, a Máfia de Nápo-
Pública do governo Jair Bolsonaro (PSL), les, e a ‘Ndrangheta, a Máfia da Calábria2.
apresentou o seu Anteprojeto de Lei An-
ticrime, um pacote de propostas de mu- “Art...............................................................
danças na legislação penal brasileira. O § 1o Considera-se organização crimi-
ministro já falava por cerca de 25 minutos nosa a associação de 4 (quatro) ou
quando declarou: mais pessoas estruturalmente ordena-
“Bem, nós temos as nossas organizações da e caracterizada pela divisão de ta-
criminosas, algumas conhecidas nominal- refas, ainda que informalmente, e que:
mente. Vamos então deixar claro na lei, I - tenham objetivo de obter, direta ou
como se diz, ‘cristal clear’, que estas or- indiretamente, vantagem de qualquer
ganizações são organizações criminosas, natureza, mediante a prática de infra-
também com o objetivo de um efeito pre- ções penais cujas penas máximas se-
ventivo.” jam superiores a 4 (quatro) anos;
Em seguida, Sergio Moro leu uma pro- II - sejam de caráter transnacional; ou
posta de alteração da lei de organizações
criminosas (Lei Federal nº 12.850/2013). III - se valham da violência ou da for-
A proposta mexia pouco nas definições 2 Codice Penale, art. 416-bis. Associazioni di tipo mafioso
anche straniere. “(...) Le disposizioni del presente articolo
legais, mas chamou a atenção de diver- si applicano anche alla camorra, alla ‘ndrangheta e alle al-
sos juristas1 ao levar para a letra da lei o tre associazioni, comunque localmente denominate, anche
nome de quatro facções criminosas e a straniere, che valendosi della forza intimidatrice del vin-
colo associativo perseguono scopi corrispondenti a quelli
delle associazioni di tipo mafioso.” Disponível em <https://
7

1 Cf. SEMER (2019) e STRECK (2019). lexscripta.it/codici/codice-penale/articolo-416-bis>


ça de intimidação do vínculo associa- de minimizar sua importância. “O PCC é
tivo para adquirir, de modo direto ou uma organização falida e desmantelada”
indireto, o controle sobre a atividade que “não morde mais ninguém”, declarou
criminal ou sobre a atividade eco- em 2002 o delegado Godofredo Bitten-
nômica, como o Primeiro Comando court, diretor do Deic (Departamento de
da Capital, Comando Vermelho, Fa- Investigações sobre o Crime Organiza-
mília do Norte, Terceiro Comando do)4. Antonio Ferreira Pinto, que ocupou
Puro, Amigo dos Amigos, Milícias, os cargos de secretário da Administra-
ou outras associações como local- ção Penitenciária entre 2006 e 2009
mente denominadas. (grifo nosso) e da Segurança Pública entre 2009 e
2012, durante os governos de Geraldo

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“O final significa que o rol não é exaus- Alckmin, José Serra e Alberto Goldman,
tivo. Não é possível nominar todas. Nós seguiu uma linha parecida. “O PCC são
nominamos algumas mais conhecidas no máximo 30 presos influentes que
e de alcance nacional, como o PCC e o exercem algum poder de decisão e es-
Comando Vermelho”, continuou o minis- tão cumprindo pena em um só presídio,
tro de azul, após a leitura do trecho. Em em Presidente Venceslau”, declarou em
seguida, explicou por que escolheu no- 20115. Ferreira Pinto continuou na mesma
mear as facções criminosas no texto le- toada após deixar o cargo: “Continuo di-
gal: “Isso pode ter efeito importante que zendo que as figuras proeminentes não
manda o recado que essas organizações chegam a 30. Há um exagero com rela-
estão fora da lei”. ção à facção. Eles são cruéis, mas não
Pode ser considerado um marco. O dia são intelectuais, não são estrategistas”,
em que o superministro da Justiça, na Es- reiterou três anos depois6.
planada dos Ministérios da capital federal, No Rio de Janeiro, os governos locais
diante de um auditório que reunia gover- também procuravam minimizar o pa-
nadores e secretários de Segurança Pú- pel do crime organizado e, sempre que
blica de todo o país, mencionou, na fala possível, tentavam ocultar suas ações da
e por escrito, o nome de diversas facções opinião pública. O governador Moreira
criminosas brasileiras. A atitude do minis- Franco chegou a esconder que havia so-
tro deixava clara uma reviravolta, ocorrida frido dois ataques do Comando Verme-
nos últimos anos, na postura das autorida- lho. “Poderia ter ido à televisão e fatura-
des diante dos grupos criminosos. do politicamente. Eu me colocaria como
“Tudo isso não passa de ficção. Em São vítima do crime organizado. Mas pensei
Paulo não existe crime organizado”, afir- melhor. Admitir isso era absurdo. Signifi-
mava em 1997 João Benedicto de Azeve- cava dizer que o poder público, na figura
do Marques, secretário de Administração 4 PENTEADO, Gilmar; SILVA, Alessandra. Polícia de SP
Penitenciária do governo Mário Covas, anuncia “falência” do PCC. Folha de S.Paulo. São Paulo,
28/11/2002. Disponível em <https://www1.folha.uol.com.
numa época em que o PCC — a primeira br/fsp/cotidian/ff2811200201.htm>
facção nomeada por Moro em seu discur- 5 PINTO, Ferreira. ‘PCC se resume a 30 líderes em pre-
so de 2019 — já contava com quatro anos sídio’, diz secretário. Entrevista concedida a Bruno Paes
Manso. O Estado de S. Paulo, 12/5/2011. Disponível em <
de existência3. Nas décadas seguintes, https://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,pcc-se
quando as rebeliões em massa dos pre- -resume-a-30-lideres-em-venceslau-diz-antonio-ferreira
-pinto,717986>
sídios e os atentados praticados nas ruas
tornaram impossível negar a existência 6 PINTO, Ferreira. Ferreira Pinto: “O Estado não
pode abrir mão da sua autoridade”. Agência Pública,
das facções, a estratégia passou a ser a 22/5/2014. Entrevista concedida a Fausto Salvadori
e William Cardoso. Disponível em <https://apublica.
3 JOZINO, Josmar. Cobras e lagartos: a verdadeira his- org/2014/05/ferreira-pinto-o-estado-nao-pode-abrir
8

tória do PCC. São Paulo: Objetiva, 2004. -mao-de-sua-autoridade>


do próprio governador, estava vulnerável cional de drogas, ameaçar e matar auto-
a uma ação armada”, afirmou7. ridades e impor o controle territorial em
comunidades pobres — e o surgimento
A postura de silenciar ou minimizar o pa- das entidades paramilitares conhecidas
pel das facções foi adotada também por como milícias, que evoluíram dos antigos
parte do jornalismo, incluindo aí as nume- grupos de extermínio para desembocar
rosas TVs, rádios e jornais dos maiores em organizações altamente imbricadas
grupos de comunicação do País, Globo em diversos níveis do Estado, com cone-
e Record, que adotam a prática de não xões que chegam à família do atual presi-
mencionar em suas reportagens o nome dente da República9.
de grupos criminosos brasileiros, por

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acreditar que nomear é dar força. Para analisar como se deu a expansão
do crime organizado e qual foi o papel
As declarações do ministro Sérgio Moro do Estado nesse processo, pesquisado-
representaram, assim, um ponto de vira- res e jornalistas que acompanham há dé-
da, ao fazer questão de dizer em voz alta e cadas o cenário do crime organizado se
escrever em letra impressa nomes que as propuseram a contar essa história desde
autoridades estatais e parte do jornalismo o começo, no Rio de Janeiro, berço das
vinham procurando evitar. A nova atitude primeiras facções criminosas modernas e
em relação ao crime organizado foi se- também das milícias. Em seguida, vamos
guida também pelo governador paulista a São Paulo, berço do Primeiro Comando
João Doria (PSDB). Na breve coletiva de da Capital, a mais influente e poderosa
imprensa em que anunciou a transferência das facções. Saindo da região Centro-Sul,
da cúpula do Primeiro Comando da Capi- avançamos para o Nordeste, onde abor-
tal para presídios federais, em 13 de feve- damos o cenário do crime organizado em
reiro de 2019, Doria mencionou o nome Pernambuco e no Ceará.
do PCC e do “líder Marcola”, referindo-se
a Marco Willians Herbas Camacho8. O capítulo seguinte analisa as origens do
complexo cenário atual do crime organi-
O objetivo deste estudo é olhar para a his- zado, provocado em grande medida pela
tória dos principais grupos do crime or- expansão nacional e internacional do
ganizado brasileiro, buscando entender PCC, que estimulou a multiplicação de
como surgiram e conquistaram tanto es- facções locais, as quais passaram a assu-
paço e poder a ponto de se tornarem uma mir posições de aliadas, inimigas ou gru-
força de importância real na vida nacional, pos neutros em relação à facção paulista,
que as autoridades máximas do Estado numa dinâmica complexa de acordos e
brasileiro já não podem mais ignorar ou embates que afeta diretamente as vidas
minimizar, como faziam há poucos anos. de milhões de pessoas.
Pretendemos descrever como se deu a A compreensão de como se dá a evolu-
evolução das facções — que, de peque- ção das facções e milícias, a relação entre
nos grupos ocultos no interior das pri- cada uma, seus conflitos e acordos, bem
sões, transformaram-se em organizações como o papel do Estado nesse processo,
capazes de controlar o comércio interna- com todas as contradições dessa relação,
é fundamental para a criação de políticas
7 AMORIM, Carlos. Comando Vermelho: A história do
crime organizado. Rio de Janeiro: Record, 1993.
públicas que sejam efetivas e consigam
fazer algo melhor do que aquilo que tem
8 Governo de SP realiza operação para transferência de
presos. Portal do Governo de SP, 13/2/2019. Disponível 9 OLIVEIRA, Cecília. As ligações dos Bolsonaros com as
em <http://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/confira- milícias. The Intercept Brasil, 22/1/2019. Disponível em
coletiva-de-imprensa-do-governador-de-sp-sobre-a- < https://theintercept.com/2019/01/22/bolsonaros-mi-
9

transferencia-de-presos> licias/>
sido a grande tradição brasileira na área de de guerra, que frequentemente os leva a
segurança pública, a de colocar agentes cometer crimes piores do que aqueles dos
públicos nas ruas movidos por uma lógica criminosos que deveriam combater.

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1

RIO DE JANEIRO:
PIONEIRO DAS

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FACÇÕES, BERÇO
DAS MILÍCIAS
COMANDO VERMELHO: tes de banco comuns) e a necessida-
OS QUE A ANISTIA NÃO PERDOOU de de organizar os companheiros, su-
O Comando Vermelho surgiu no Insti- perando diferenças trazidas da rua,
tuto Penal Candido Mendes, chamado estabelecendo um modo de vida que
também de Caldeirão do Diabo, na Ilha permitisse liberar nossas energias
Grande, no estado do Rio de Janeiro, para o confronto com a repressão e
em 1979. William da Silva Lima, um dos a luta pela liberdade. Temia que eu
fundadores da facção, falecido em 1º de desse força para os mais renitentes
agosto de 2019, aos 76 anos, lembra que a essa organização, que diziam ser
partiu de Nelson Nogueira dos Santos a meus amigos”. (LIMA, 2001)
proposta de estabelecer normas de con-
A formação original do Comando Ver-
vivência dentro do presídio10. Lima, que
melho era basicamente de assaltantes
já tinha passado pela unidade prisional
de banco, profissão que Lima afirma-
e era reconhecido também como uma
va ser nada rentável na época. Era uma
liderança, foi procurado por Santos, um
preso culto, que gostava de ler, escrever, atividade que demandava muito plane-
ouvir música clássica, era responsável jamento, algo difícil de executar, envol-
pela redação de documentos e, por isso via muita gente e o lucro, segundo ele,
mesmo, considerado também um líder só dava para sobreviver até o próximo
na Ilha Grande. roubo.

“No primeiro banho de sol, pudemos O professor formado em história e mes-


conversar longamente. Ele discorreu tre em filosofia Eduardo Migowski, ao
sobre as dificuldades do Fundão (ala contrário de Lima, ressalta que o “assalto
onde ficavam confinados os assaltan- a banco era uma prática comum entre a
guerrilha de esquerda, e muito lucrativa”
10 LIMA, William da Silva. 400 contra 1 – uma história
do Comando Vermelho, 2ª ed. São Paulo: Labortexto
e que, por tal motivo, “esse tipo de cri-
11

Editorial, 2001. me era enquadrado dentro da legislação


de exceção (Lei de Segurança Nacional A pesquisadora afirma que os assaltos a
– LSN) e, pelo princípio da simetria en- banco e sequestros já estavam previstos
tre as penas, guerrilheiros de esquerda no Decreto-Lei nº 510/1969 como crimes
e bandidos comuns eram jogados nesse contra a segurança nacional, especifi-
mesmo espaço”11. cados no artigo 25, mas as penas eram
consideradas leves, de 2 a 6 anos de re-
“É interessante notar que a simetria era
clusão. A partir do sequestro do embaixa-
apenas em relação à punição, e os be-
dor americano Charles Burke Elbrick, em
nefícios concedidos aos presos políticos
setembro de 1969, a Junta Militar que go-
não chegavam aos demais. Tal contradi-
vernava o país na ausência do presidente
ção gerou uma revolta e um sentimento

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Costa e Silva, afastado por motivo de saú-
de injustiça muito grande entre os pre-
de, resolveu endurecer as regras e, no final
sos. E foram esses homens que forma-
daquele mesmo mês, editou o Decreto-Lei
ram a ‘Falange da LSN (Lei de Segurança
Nacional)’, que depois seria conhecida nº 898/1969, conhecido como a nova Lei
como Falange Vermelha e, por fim, como de Segurança Nacional, prevendo inclusi-
Comando Vermelho”, recorda. ve prisão perpétua e pena de morte, como
expresso nos artigos 27 e 28.
A inclusão de assaltantes comuns na Lei
de Segurança Nacional (LSN) cumpria a Diferente da lenda, a convivência entre
função de invisibilizar as prisões políticas, presos políticos e os assaltantes comuns
como explica a historiadora Cátia Faria12. não era exatamente confortável. William
da Silva Lima lembra que os primeiros pe-
“A segunda questão é discutir a re- diram para ficar em uma ala isolada, se-
cusa da ditadura em admitir a exis- parada dos chamados bandidos comuns.
tência de presos políticos. Ao fazê-lo
possibilitou que assaltantes de ban- “Para esvaziar a luta pela anistia, a
cos sem engajamento político-parti- ditadura negava a existência de pre-
dário fossem enquadrados junto com sos políticos no país. Nesse contexto,
os guerrilheiros na Lei de Segurança interessados em garantir sua visibili-
Nacional (LSN) de 1969. [...] Não ad- dade para a opinião pública nacional
mitindo a existência de presos políti- e internacional, os membros das or-
cos no Brasil a ditadura também não ganizações armadas dos anos 70 lu-
reconhecia o caráter político de sua tavam para isolar-se da massa, com-
prisão. À legislação que descaracte- portamento considerado elitista por
rizava as ações armadas praticadas nós. Seu discurso era coerente, mas
pelos guerrilheiros somava-se o total frágil: a existência ou não de pre-
desprezo pela condição dos presos sos políticos no Brasil não seria uma
políticos obrigando-os a travar uma questão decidida pelo fato de eles
série de lutas dentro das cadeias para estarem isolados, mas pela força do
terem sua identidade de presos polí- movimento de oposição à ditadura.
ticos reconhecida.” (FARIA, 2005) O desejo de isolamento indicava, en-
tre eles, a hegemonia da classe mé-
11 MIGOWSKI, Eduardo. As origens do Comando Ver- dia, cujos espaços de reintegração no
melho explicam por que o Brasil é tão violento. Voyager, sistema voltavam a se abrir, no con-
15/1/2018. Disponível em <https://voyager1.net/socieda-
de/origens-do-comando-vermelho> texto da política de distensão do regi-
12 FARIA, Cátia. Revolucionários, Bandidos e Margi-
me. Nós não tínhamos essa perspec-
nais - Presos políticos e comuns sob a ditadura militar. tiva, nem nos seria dada essa chance.
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Nosso caminho só podia ser o oposto:
12

Pós-Graduação em História (PPGH) da Universidade


Federal Fluminense (UFF). Niteroi (RJ): 2005. a integração na massa carcerária e
a luta pela liberdade, contando com “Na minha pesquisa trabalhei muito
nossos próprios meios”. (LIMA, 2001) como a criação do Comando Vermelho,
que se dá através de uma parceria pú-
O historiador e advogado João Marcelo
blico-privada, entre o Estado e a mídia e
Dias, autor de uma tese sobre a origem
também interesses de segurança pública
do Comando Vermelho, complemen-
na manutenção de uma política profun-
ta que o lema Paz, Justiça e Liberdade,
damente bélica. O Comando Vermelho
que é o da facção, já era usado há muito
acaba virando o monstro (eu sempre uso
tempo dentro da cadeia, que tinha àque-
a metáfora do Frankenstein), que depois
la época grupos que se autoprotegiam
sai pra aterrorizar a vila. É um pouco isso.
e rivalizavam uns com os outros, como

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Com o fim do regime militar, era preciso
a Falange do Jacaré e a própria Falange
ter um inimigo novo. O medo do comu-
Vermelha (posteriormente CV)13.
nismo estava acabando, estava saindo de
“O Comando Vermelho começa como moda. Não à toa que quem batiza o Co-
uma organização que visa à proteção mando Vermelho é o diretor do presídio
dos presos enquanto uma classe. Essa é de Ilha Grande (o capitão Nelson Salmon)
a grande diferença dele para os outros e esse nome é cirurgicamente construído
movimentos no sistema prisional. Sem- – comando dá uma ideia de centralidade,
pre existiu movimento de resistência no de unidade militar e vermelho traz esse
sistema prisional, mas esse é o pulo do medo todo do comunismo e essa lenda
gato do Comando Vermelho: acabou a urbana que criaram, de que foram os pre-
opressão de preso contra preso. A partir sos políticos que ensinaram a eles a se or-
de agora preso não bate em preso, preso ganizar, e isso vem pra tratar esse medo.
não estupra preso, preso não rouba pre- William fala muito disso no livro dele, até
so. Quem tem problema lá fora, resolve mesmo o título do livro, que é ‘400 con-
lá fora, aqui todo mundo é preso.” tra 1’, expressa como essa figura do Co-
A solidariedade entre detentos devia for- mando Vermelho serviu para alimentar
talecê-los para alcançar o objetivo final, essa política bélica do Estado e esse en-
que era a liberdade (fuga). Nas ruas, os durecimento”, explica o historiador.
que conseguiam fugir deveriam manter Embora enquadrados na Lei de Seguran-
o compromisso de ajudar os que ficaram ça Nacional, os assaltantes de banco co-
no presídio. Para isso, foi criada uma “cai- muns não foram alcançados pela Lei da
xinha” para financiar a fuga de outros. Anistia (Lei Federal nº 6.683/1979), pro-
João Marcelo Dias atribui o nome da fac- mulgada em 28 de agosto de 1979, con-
ção (Comando Vermelho) e o aumento forme PEREIRA e MARVILLA (2005):
da repressão sobre os bandidos comuns
“O governo também realizou seus
à necessidade do governo de criar um
estudos e constatou que, entre 1969
outro inimigo interno, em substituição ao
e maio de 1979, foram condenadas
fantasma do “perigo comunista” que a di-
no Supremo Tribunal Militar (STM) 98
tadura havia usado para justificar perse-
pessoas por atos terroristas, 466 por
guições, torturas e mortes.
assaltos a banco (incluídos os assal-
13 William da Silva Lima já lia textos de esquerda, antes
mesmo do ingresso de presos políticos no presídio.
tantes comuns, pois a lei não fazia
Dessa literatura e do breve convívio com integrantes da distinção). Constatou-se que exis-
luta armada, antes que eles pedissem para não convi-
ver mais com os “bandidos comuns”, surgiu o primeiro
tiam ainda 217 pessoas condenadas
nome “Falange Vermelha”. André Torres, outro fundador por organizarem partidos políticos
do Comando Vermelho, diz que a primeira denominação
considerados ilegais, e 280 por filia-
13

do coletivo foi Grupo União, algo que não é citado em


nenhum estudo sobre a origem da facção. ção a partidos ilegais ou grupos con-
siderados subversivos. Os estudos também e é um dos fundadores do PDT
permitiram ainda estimar que 90% (conhecido como o único preso comum
dos cinco mil punidos por atos re- que virou preso político nessa época e,
volucionários não tiveram processos liberado, chegou a trabalhar na adminis-
instaurados nem culpa formada. Esti- tração penitenciária do governo Brizola).
mativas mais abrangentes estimaram Eram basicamente assaltantes de banco,
em cerca de doze mil pessoas as que além de Rogério Lemgruber (o Bagu-
foram punidas e perseguidas pelo lhão), que era como se fosse o braço ar-
regime militar, entre os anos 1964 e mado, o cara conhecido por ser o mais
1979.” (Grifo nosso) (p. 105-106) 14 violento, por assim dizer16”.

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No presídio de Ilha Grande, de acordo
com William da Silva, existiam 120 de- AS OUTRAS GERAÇÕES
tentos enquadrados na LSN por assaltos, DO COMANDO VERMELHO
sendo 30 presos políticos e o restante
chamados de comuns. Nos anos seguintes, o CV se consolidou
como a principal facção criminosa do Rio
A Lei de Anistia incluía ressalvas no 2º pa- de Janeiro e a maior do Brasil — pelo me-
rágrafo do Artigo 1º, impedindo autores de nos, até a entrada em cena do paulista
assaltos de serem anistiados: “Excetuam- Primeiro Comando da Capital. No início
se dos benefícios da anistia os que foram da década de 1980, passou a dominar
condenados pela prática de crimes de pontos de venda de drogas nas favelas.
terrorismo, assalto, sequestro e atentado Segundo Amorim (1993), o CV chegou a
pessoal”. Ainda assim, os presos políticos dominar cerca de 90% das favelas cario-
condenados pela prática qualificada de cas em 1990.
“crimes de terrorismo” acabaram conquis-
Entre os crimes de maior repercussão co-
tando a liberdade, mesmo condicional,
metidos por membros do CV, está a mor-
“por outros expedientes jurídicos, como
te do jornalista Tim Lopes, da Globo, em
os indultos posteriores à Lei de Anistia”
2 de junho de 2002, no Complexo do Ale-
(PEREIRA & MARVILLA, 2005, p. 107).
mão, por ordem do líder do morro Elias
João Marcelo Dias diz que, “com a anistia Pereira da Silva, o Elias Maluco, que aca-
dos presos da Lei de Segurança Nacional, bou condenado a 28 anos e 6 meses de
esses que permanecem na cadeia ficam reclusão pelo crime.
como fundadores dessa organização: siderar qualquer tipo de roubo (assalto) como crime po-
lítico. Embora este não tenha sido o caso dele, já que os
William, Zé Bigode [José Jorge Salda- assaltos que cometeu durante a fuga foram cometidos
nha], Nanai [Apolinário de Souza], o An- para angariar fundos para a guerrilha rural do Movimen-
dré Borges15, que estava em Ilha Grande to Armado Revolucionário, em 1969. Retornou à prisão
e, após cumprir o restante dos 21 anos de prisão, foi
14 PEREIRA, Valter P. e MARVILLA, Miguel (org.). Di- libertado através do expediente de unificação e redução
taduras não são eternas - Memórias da resistência ao de penas, poucos meses antes da Lei de Anistia, que
Golpe de 1964, no Espírito Santo. Vitória (ES): Flor&- não o beneficiou, como não o fez à maior parte dos
Cultura: Assembleia Legislativa do Estado do Espírito presos políticos do país, pelas condições expressas na
Santo, 2005. lei.” (SÜSSEKIND, 2014, p.153).
15 Sobre André Borges, SÜSSEKIND lembra que: “En- 16 Atualmente, o Comando Vermelho também utiliza a
trou na prisão no ano de 1958, aos 23 anos, como preso sigla CVRL (Comando Vermelho Rogério Lemgruber),
comum. Em maio de 1969 fugiu com presos políticos, em referência às origens da facção. Segundo João
já integrado às atividades da organização Movimento Marcelo Dias, “o final do nome dele é retomado no final
Armado Revolucionário – MAR. A fuga e os assaltos a dos anos 80, início dos anos 90, com o surgimento do
banco que passou a praticar fizeram com que, quando CVJ (Comando Vermelho Jovem), que é basicamente a
foi recapturado, em outubro 1969, houvesse adquirido ala do Comando Vermelho que trouxe toda essa nova
a condição jurídica de preso político, que manteve até geração, que hoje em dia já é velha, como Fernandinho
sua soltura, em 1979. Essa alteração em sua condição Beira Mar, Marcinho VP, esse pessoal que está na [pe-
14

processual correspondeu às mencionadas mudanças na nitenciária] federal tentando voltar pro Rio agora, algo
Lei de Segurança Nacional - LSN, que passou a con- que dificilmente ocorrerá”.
O Comando Vermelho não conseguiu e de Wilson Witzel (PSC) para o governo
conquistar uma hegemonia como a do do Rio de Janeiro está, de certa forma,
Primeiro Comando da Capital (PCC) em encurtando a distância entre o passado
São Paulo, pois sempre se viu envolvido e presente.
em conflitos internos e com grupos rivais,
como o Terceiro Comando Puro (TCP) e “O que a gente percebe é que essa gera-
a Amigo dos Amigos (ADA),que frequen- ção antiga, que traz um grau de politiza-
temente descambavam para confrontos ção, de discurso, que tem consciência do
sangrentos, com impacto na taxa de ho- mercado (de militarização e armamento)
micídios do Rio. que é mobilizada por conta da existên-
cia deles, isso está voltando à tona, espe-

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A facção também foi prejudicada pela cialmente nesse último ano. Eu trabalho
implantação das Unidades de Polícia Pa- na Defensoria Pública e fazemos fiscali-
cificadora, iniciada pelo governo flumi- zação direto (pelo menos duas por mês)
nense a partir de dezembro de 2008. Até e na maioria das unidades se percebe
2014, o governo implantou 38 UPPs. Sau- que está voltando essa coisa do Coman-
dadas como a solução para o problema do Vermelho enquanto uma resistência,
das facções criminosas no Rio, as UPPs se muito pincelado, muito de leve, mas está
mostraram apenas mais uma variação da voltando. Até a garotada mais nova está
estratégia de ocupar bairros pobres com recorrendo aos mais antigos, para saber
forças militarizadas, nada muito diferente como é que faz, porque voltaram a ser
do que o Estado brasileiro vem fazendo alvo enlouquecidamente – esse governa-
pelo menos desde a Guerra de Canudos dor eleito no Rio (Witzel) disse que quem
(1897-1898). O fracasso do modelo ficou aparecer com fuzil vai tomar tiro na ca-
evidente em 2013, com a repercussão
beça. Então, eles estão vendo o cerco se
nacional da tragédia do ajudante de pe-
fechar novamente, assim como foi quan-
dreiro Amarildo Dias de Souza, que desa-
do o Comando Vermelho foi criado, com
pareceu após ser levado por policiais da
objetivo de enfrentar a opressão dentro
UPP da Rocinha.
do sistema prisional”, avalia Dias.
Hoje, a segunda geração do Comando
Vermelho está há mais de uma década
trancafiada em presídios federais, como O TCP E O FIM ANUNCIADO DA
Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho ADA, A “MILÍCIA SEM MILITARES”
Beira-Mar, atualmente em Porto Velho Tanto o Comando Vermelho quanto o
(RO), condenado a mais de 300 anos, e Terceiro Comando (TC), desdobramento
Márcio dos Santos Nepomuceno, o Marci-
da Falange do Jacaré, já existiam na dé-
nho VP, sentenciado a 48 anos de reclu-
cada de 1970 dentro do sistema prisional
são, atualmente no Presídio Federal de
carioca. O Terceiro Comando Puro (TCP)
Mossoró (RN).
surge em 2002, no conjunto de favelas da
A geração atual é formada por jovens, Maré, zona norte do Rio de Janeiro, a par-
um pouco distante da concepção políti- tir de um racha do TC. A facção era pe-
ca que orientou a criação do Comando quena e só ampliou seu poder após uma
Vermelho, de resistência e enfrentamen- revolta no presídio Bangu 1, no Complexo
to ao Estado, considerado opressor e res- de Gericinó, em 11 de setembro de 2002.
ponsável pelas torturas e maus tratos em O motim foi liderado por Fernandinho
presídios. A ampliação da repressão poli- Beira-Mar, que ordenou o assassinato de
cial, incentivada pela eleição de Jair Bol- desafetos, dentre eles Ernaldo Pinto de
15

sonaro (PSL) à Presidência da República, Medeiros, o Uê, um dos fundadores da


facção ADA (Amigos dos Amigos). A eliminado. Então, isso sempre vai refrear
chacina em Gericinó, que teve outros três e diminuir muito o ímpeto do tráfico nes-
membros da ADA mortos, além de Uê, le- sas áreas”, explica Alves em entrevista à
vou integrantes do TC a passarem para o Justiça Global em agosto de 2018.
Terceiro Comando Puro e ADA17.
A ADA também surgiu dentro dos presídios
Atualmente, o Terceiro Comando Puro do Rio, entre 1994 e 1998, segundo o pes-
está em 12 favelas na cidade do Rio de quisador João Marcelo Dias, em entrevista
Janeiro, perdendo em território apenas à Justiça Global em agosto de 2018, “origi-
para o CV18. O TCP tem acordo com as nalmente como um grupo que não brigava
milícias em diversas comunidades, seja com um nem outro (TC e CV)”. “Eles não

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no “aluguel” de territórios ou na divisão tinham território algum. A ADA passa a ter
de percentuais arrecadados com o trá- um lugar aí quando conquista a Rocinha.
fico de drogas com milicianos. É menos Antes disso era um grupo que negociava
comum, mas o Comando Vermelho tam- com Terceiro Comando e o Comando Ver-
bém mantém parceria com milícias em melho e funcionava como intermediário
determinados territórios19, como explica junto ao Estado. De todas as facções, é a
José Cláudio Souza Alves, professor de que tem mais proximidade com o Estado.
sociologia da Universidade Federal Ru- Aquelas questões todas de caveirão ser-
ral do Rio de Janeiro (UFRRJ), que es- vindo de Uber para invasão de facções em
tuda grupos de extermínio e milícias há áreas de grupos rivais [aluguel do veículo
25 anos e é autor do livro Dos Barões ao blindado das polícias, o Caveirão, por tra-
extermínio: – uma história de violência na ficantes], quem negocia isso sempre é a
Baixada Fluminense. ADA. Eles têm essa proximidade toda com
o Estado. A ADA é quase que uma milícia
“Em 2006, 2007, o Terceiro Comando de
sem militares, por assim dizer. Tem a mes-
Parada de Lucas [zona norte do Rio] ti-
ma relação promíscua com o Estado e as
nha tomado Vigário Geral do Comando
forças de segurança, mas está acabando.
Vermelho e as duas favelas juntas esta-
Em questão de dois anos não vai existir
vam alugadas pela milícia para o TCP.
mais ADA no Rio de Janeiro”, avalia.
Isso era uma coisa consolidada nessa
época. Talvez a novidade, a metamorfose A ADA está em extinção. Até dezembro
seja o tráfico começando com essas prá- de 2018, seus 2.049 integrantes estavam
ticas milicianas, como cobrança de taxa espalhados em três unidades prisionais
de segurança, transporte clandestino, cariocas. Após perder o controle da Ro-
venda de bujão a gás, gatonet [venda ile- cinha e gradativamente de outras 18 fave-
gal de serviços de TV a cabo]. Com essas las para o CV, milícias e TCP (OLIVEIRA,
práticas, que estão aparecendo de qua- 2018), integrantes da ADA, incluindo a
tro anos pra cá, as facções começaram liderança Antônio Bonfim Lopes (Nem),
a perceber que podem ganhar mais. Só preso em uma unidade prisional fede-
que o tráfico tem menos força, por que ral de Rondônia, migraram para o TCP e
não conta com o apoio do Estado. O Es- nos bastidores do sistema prisional a in-
tado o transforma em um inimigo a ser formação é de que Celso Luís Rodrigues
17 Um dos fundadores do ADA, Celso Luís Rodrigues (Celsinho da Vila Vintém) está em nego-
(Celsinho da Vila Vintém), para não ser morto pelo CV,
teria traído os companheiros e selado acordo com o CV.
ciação para retornar ao Comando Verme-
lho, primeira facção que integrou.
18 OLIVEIRA, Cecília e EIRAS, Yuri. O fim de uma facção.
The Intercept Brasil. 13/12/2018. Disponível em <https://
theintercept.com/2018/12/13/o-fim-de-uma-faccao/> A derrocada da ADA começou na Roci-
nha. O sucessor de Nem, Rogério Avelino
16

19 BERTOLOTTO, Rodrigo. Milícias S.A. Uol Tab,


17/4/2018. Disponível em <https://tab.uol.com.br/milicias> da Silva, o Rogério 157, em 2017, migrou
para o Comando Vermelho20. Na guerra estavam lotadas com esses fuzis”, conta
que se seguiu, Nem se aliou ao PCC para João Marcelo Dias.
tentar retomar o controle da Rocinha21.
Não deu certo. Após intensa disputa en-
tra ADA, que dominava a parte de bai- POVO DE ISRAEL:
xo da favela, e os seguidores de Rogério A FACÇÃO INUSITADA
157, na parte de cima, o CV tomou de vez
O Rio de Janeiro tem 45 presídios, com
a Rocinha.
28.688 vagas para 51.728 presos. Do total
A parceria entre PCC e ADA não durou de unidades, 33 estão superlotadas. Das
muito, mas disparou uma corrida arma- 22 unidades do Complexo prisional de

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mentista, insuflada pela dissidência en- Gericinó, em Bangu, Zona Oeste do Rio
tre PCC e CV nos estados (veja mais no de Janeiro, 10 são ocupadas pelo Coman-
quarto capítulo deste trabalho). “Nesse do Vermelho, que tem o maior contin-
negócio de fecha parceria com um, fecha gente de presos no Estado, respondendo
com outro, está todo mundo se arman- por 42,03%. (GLOBONEWS, 2018)
do. Nunca entrou tanto fuzil no Rio de Ja-
A segunda filiação da população prisio-
neiro como nos últimos dois anos. Não à
nal do estado é identificada como neutra,
toa, temos visto notícias, cada vez mais,
mas não é exatamente assim, como expli-
de pessoas assaltando padarias com fu-
ca o pesquisador João Marcelo Dias. “Eles
zil. E isso acontece por um motivo muito
eram chamados antes de presos de segu-
simples: você se prepara para uma guer-
ro, só que foi criada a categoria seguro do
ra, essa guerra não acontece, aí o garoto
seguro. Os presos originalmente de seguro
que é 157 [assaltante], quando ele acor-
já viraram uma facção, que só existe den-
da de manhã e passa na boca pra pegar
tro do sistema prisional do Rio de Janeiro,
a arma que ele aluga, há dois anos que
que é o Povo de Israel. Eram presos não
ele passa lá alugando uma .40, uma .380
aceitos em facção nenhuma – sabe aquele
para fazer o roubo dele na rua, e vendo
golpe do falso sequestro, que alguém liga
aquelas caixas de fuzil paradas lá. ‘Quan-
pra alguém como se fosse um parente se-
to é que a pistola pra alugar?’ ‘R$ 350.’ ‘E
questrado? São eles. Facção não faz isso.
aquele fuzil ali?’ ‘R$ 450.’ ‘Pô, hoje eu vou
Se você perguntar em cadeia de CV, TCP
de fuzil.’ E as próprias facções precisam
ou ADA o que os detentos pensam disso,
colocar esse fuzil pra jogo. A guerra não
vão dizer que ganhar dinheiro em cima de
chegou, eles se armaram – o Comando
sofrimento da mãe dos outros é coisa de
Vermelho, principalmente, trouxe muito
‘vacilão’. Esses presos não tinham onde
fuzil pra fora, eles tinham esquemas in-
ficar, por que não eram aceitos. Em sua
clusive nos EUA, que abriram uma loja lá
e estavam montando um fuzil Frankens- grande maioria, além do falso sequestro,
tein que eles chamam (apesar de ser um são presos por crimes sexuais – os mais
fuzil Frankenstein, deixou as polícias aqui violentos não são aceitos em organização
chocadas pela qualidade, alguns funcio- criminosa alguma.”
nam melhor do que os originais que os Conforme Dias, esses internos se juntam
policiais têm aqui) – e as bocas de fumo inicialmente virando o seguro do seguro
20 DECLERCQ, Marie. Tudo o que sabemos sobre os em Água Santa, no Presídio Ary Franco
conflitos na Rocinha. Vice Brasil. 27/9/2017. Disponível
em <https://www.vice.com/pt_br/article/kz7n83/tudo- (unidade hoje que abriga Comando Ver-
que-sabemos-sobre-os-conflitos-na-rocinha> melho e presos federais), onde antes ha-
21 O Dia. MP atesta união de PCC com Nem da Rocinha. via galerias divididas entre ADA, CV, TCP e
O Dia. 13/07/2018. Disponível em <https://odia.ig.com.
eles. “Essa área onde esses ‘neutros’ fica-
17

br/rio-de-janeiro/2018/07/5557333-mp-atesta-uniao-de
-pcc-com-nem-da-rocinha.html> vam era conhecida como Faixa de Gaza.
Eles foram expulsos dali e ficaram peregri- já que encaminhou a presa para a mesma
nando pelo sistema, em busca de sua terra cela após o depoimento sob tortura.
prometida. Por isso, eles se autodenomi-
O Povo de Israel tem cerca de 18 mil de-
naram Povo de Israel, que depois foi abre-
tentos espalhados em 11 unidades.
viado para Rael. Mas eles não têm territó-
rio do lado de fora, não operam boca de
fumo, é uma facção que existe única e ex- MILÍCIAS:
clusivamente dentro do sistema prisional”, A FACE ILEGAL DO ESTADO
explica. João Marcelo Dias afirma que “as
pessoas que não pertencem ou não são O professor José Cláudio Souza Alves,
da UFRRJ, conta em entrevista à Justiça

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aceitas pelas facções são absorvidas pelo
Povo de Israel”. Isso explica o crescimento Global em agosto de 2018, que, no início
dessa facção inusitada dentro do sistema dos anos 2000, mídia e pesquisadores
prisional fluminense. começaram a tratar do fenômeno milícia
como algo novo. Políticos, como o prefei-
Uma outra pessoa que há décadas reali- to Cesar Maia, elogiavam e incentivavam
za visitas em unidades e prefere não ser a milícia, inclusive com recursos a centros
identificada explica que essa movimenta- comunitários sabidamente controlados
ção do Povo de Israel começou a ser per- por milicianos, e dando legenda para que
cebida há dois anos. Sem preocupação criminosos se candidatassem, um com-
com ocupação de território, e realizando portamento típico de “sócio”, conforme
os golpes de falso sequestro a partir da denunciou o deputado estadual Marcelo
cadeia, o grupo não tem uma organização Freixo22. Na imprensa era comum ler re-
externa. A junção dessas pessoas rejeita- portagens positivas sobre esse agrupa-
das por todas as facções parece ter a fun- mento que, “em tese”, estava impedindo
ção de autoproteção dentro do sistema. ou expulsando o tráfico de drogas em
diversas áreas do Rio de Janeiro. A ima-
“O Povo de Israel é muito organizado. Se gem da milícia na opinião pública se al-
o cara faz uma bobagem em uma cadeia tera drasticamente quando, em maio de
neutra, quando ele chega em outra unida- 2008, dois jornalistas e um motorista do
de da facção todo mundo já sabe quem jornal O Dia23 que realizavam uma maté-
é ele. Tinha uma travesti em uma unidade ria sobre as milícias na comunidade do
de Japeri e essa unidade tinha muita ex- Batan, na zona oeste, foram brutalmente
torsão e extorquiram a mãe de um promo- torturados por milicianos24.
tor. Essa travesti estava em uma cela do
coletivo e o promotor resolveu fazer uma Para Alves, as milícias nada mais são do
vistoria na unidade. Quem tinha a voz fe- que a continuidade das atividades dos
minina que supostamente teria extorquido grupos de extermínio, com forte atuação
por celular a mãe do promotor? Ela, que na Baixada Fluminense entre as décadas
foi levada para ‘interrogatório’. Bateram de 1970 e 1980.
muito mesmo e ela acabou entregando 22 LIMA, Luciana. Poder Público foi “sócio” das milí-
cias no Rio, avalia presidente de CPI. Agência Brasil.
quem era. Quando voltou, foi pra mesma 28/8/2008. Disponível em <http://memoria.ebc.com.
unidade, mesma galeria, mesmo coletivo, br/agenciabrasil/noticia/2008-08-28/poder-publico-
foi-%E2%80%9Csocio%E2%80%9D-das-milicias-no
que fez barbaridades. Ela tinha silicone no -rio-avalia-presidente-de-cpi>
rosto, no seio. Ficou toda deformada, foi 23 CLAUDINO (2011) e AMÂNCIO (2019).
estuprada por vários presos. Depois disso, 24 BORBA, Allan. Tortura a jornalistas em 2008 joga luz
foi transferida para uma unidade do Co- sobre atuação das milícias no Rio. O Globo, 30/01/2018.
Disponível em <https://acervo.oglobo.globo.com/em-
mando Vermelho, onde vive isolada”, rela-
18

destaque/tortura-jornalistas-em-2008-joga-luz-sobre-a-
ta, lembrando a ação ilegal do promotor, tuacao-das-milicias-no-rio-22344403>
“São cinco décadas de grupos de exter- 2008, devido ao tratamento mais crítico
mínio, 20 anos de milícias nessa região da mídia e ao apelo social pós-tortura de
[Baixada Fluminense], que vai gerar uma jornalistas, foram indiciadas 226 pessoas.
concepção de sociedade que é essa: tota- A lista incluía oito policiais civis, 67 poli-
litária, que executa, que faz o discurso de ciais militares, três bombeiros, dois agen-
‘bandido bom é bandido morto’, de que tes penitenciários, dois militares das For-
‘milícia protege’ – o tráfico é sempre vis- ças Armadas, cinco militares de órgãos
to como grande inimigo que tem de ser não-identificados e 130 não-policiais ou
liquidado. Nessa lógica, devem ser mor- militares, além de dois deputados e sete
tos pretos, pobres, favelados, miseráveis, vereadores25.

DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado
transformados em inimigos da nação.
Desde o final de 1967, se observa a cons- O indiciamento por si só não foi capaz de
trução desse projeto de Brasil”, detalha. deter o crescimento da organização cri-
minosa. Dez anos após a CPI, em abril de
Para o pesquisador da UFRRJ, o que uni- 2018, o então presidente da comissão, de-
fica milícia e grupos de extermínio, den- putado estadual Marcelo Freixo (PSOL),
tre outras características, é o fato de seus e o relator, Gilberto Palmares (PT) disse-
integrantes serem o Estado em sua face ram que as milícias expandiram suas ati-
ilegal. Souza explica que não é gratuito vidades para outros territórios porque o
a milícia se instalar em áreas com pouca Estado não cumpriu o que determinava o
oferta de serviços públicos, em tese mais
relatório. Para Freixo:
precarizadas e distantes. “Essa ausência
do Estado é a presença dele. Esse precá- Os sucessivos governos do Rio não
rio é a própria presença do Estado pro- tiraram das milícias o domínio territo-
positadamente. Ele constitui essa estru- rial e as fontes de riqueza econômica.
tura de poder na qual não cumpre o seu A milícia é um grupo criminoso que
papel de realização de políticas sociais busca dinheiro, busca riqueza através
adequadas. É o consolidar a estrutura de de seu controle territorial. Os contro-
poder nas mãos desses outros grupos. O les das vans, do ‘gatonet’, do gás, da
próprio Estado consolidou essa dimen- extorsão direta não foram retirados
são ilegal do seu funcionamento e do seu das milícias. Houve a prisão dos líde-
poder. É você estar presente, garantindo res milicianos por meio de uma ação
aquela estrutura de poder que vai funcio- conjunta da CPI, do Ministério Pú-
nar. A dissolução do Estado é a consoli- blico e da Polícia Civil, mas milícia é
dação do Estado ilegal. Estado ilegal que máfia. Depois das prisões, não se fez
é montado, perpetuado a partir dos gru- aquilo que o relatório sugeria, que era
pos”, afirma. aquela retirada do poder econômico.
É preciso, entretanto, observar a evo- Eles continuaram ganhando dinheiro
lução dos grupos de extermínio para as e isso gerou a conquista de mais ter-
milícias. É uma ampliação de negócios. ritórios. Hoje existem mais territórios
Em comum, muitas características, como controlados pela milícia do que pelo
estabelecer limites territoriais, o uso da próprio varejo da droga”26.
força, a execução sumária de qualquer 25 BORBA (2018) e ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO
ESTADO DO RIO DE JANEIRO (2008).  
pessoa que se contraponha aos seus
26 COSTA, Flávio. Omissão do Estado permitiu avanço
negócios e, principalmente, ter em seus das milícias nos últimos 10 anos, dizem Freixo e relator
quadros agentes públicos, o que os tor- da CPI. Uol, 17/04/2018. Disponível em <https://noticias.
uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2018/04/17/em-
na quase intocáveis, como observa Alves.
19

dez-anos-governos-do-rio-permitiram-avanco-das-mili-
Como resultado da CPI das Milícias, de cias-dizem-freixo-e-relator-da-cpi.htm>
Se em 2008 o relatório da CPI das Milícias Em depoimento à CPI das Milícias, ins-
indicava 171 comunidades sob comando taurada em 2008 na Assembleia Legisla-
de milicianos, dez anos depois, em 2018, tiva do Rio de Janeiro, após o episódio
levantamento feito pelo site G127, com dos jornalistas na zona oeste, o delega-
base em dados da Secretaria de Segu- do Claudio Ferraz narrou a situação de
rança Pública do Rio de Janeiro, IBGE, Campo Grande, uma das regiões pionei-
Ministério Público Estadual e Polícia Civil, ras na ação do grupamento criminoso.
revelou a expansão desses grupos para “Há patrulhamento de viaturas com 25,
37 bairros da cidade e 165 favelas, do- 30 homens uniformizados, de fuzil, com
minando cerca de 2 milhões de pessoas, sistema de comunicação, sob o coman-
do de milicianos denunciados. Há regis-

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uma área estimada em 348 Km2 na zona
oeste, Baixada Fluminense e Itaguaí, mu- tros de práticas semelhantes em Volta
nicípio a 69 km do Rio de Janeiro. Redonda, na Região dos Lagos, em Ma-
caé, em diversas comunidades grandes,
Em 2008, José Claudio de Souza Alves já pequenas, desde que tenham condições
apontava a migração de atividades dos de produção de impostos informais, por-
grupos de extermínio para as milícias, a que já existem casos de comunidades
ampliação do poder político e de ocu- que foram tomadas e depois abandona-
pação de territórios também na capital, das. Existem também registros de comu-
com o uso da força. nidades que foram vendidas como uma
fazenda de porteira fechada, com terre-
“Enquanto a Baixada, na sua socia-
no, insumos, equipamentos e os animais,
bilidade mais simplificada pela frá- que são assim considerados. A venda é
gil existência de uma classe média, feita para o tráfico ou para quem tem in-
possibilitou a construção política do teresse” (ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO
‘mata, mas faz’, o Rio de Janeiro re- ESTADO DO RIO DE JANEIRO, 2008).
passou para o aparato policial o pa-
pel de mediador na economia política E não era só a comercialização de áreas.
do crime. Os anos 90 viram os mata- José Claudio de Souza Alves lembra:
dores cansarem-se de prestar serviço
“Uma década e meia foi necessária
para os políticos locais e assumirem
para a gestação dos grupos de ex-
eles mesmos o poder, sendo agora o
termínio/milícia organizados pelo
dono da voz e não apenas um cabo aparato policial. O acúmulo de co-
eleitoral, o mesmo parece surgir ago- nhecimento obtido pela participação
ra no Rio de Janeiro. direta nos negócios do crime em cada
Cansados de serem apenas media- área foi determinante para o sucesso
dores na economia política do cri- desse projeto. Cada acordo que en-
me que gera bilhões no Rio de Ja- volvia a permanência do tráfico e a
neiro, membros do aparato policial obtenção de propina, cada sequestro
passam a estabelecer o seu próprio de traficante com recebimento de
controle das áreas, a partir do que resgate, cada operação para dar en-
trada de uma facção na área de outra
passou a se denominar de milícias.”
facção para ampliar o seu mercado,
(ALVES, 2008)
pavimentou o caminho dos grupos
27 GRANDIN, Felipe; COELHO, Henrique; MARTINS,
Marco Antônio; SATRIANO, Nicolás. Franquia do crime: de extermínio/milícias à atual hege-
2 milhões de pessoas no RJ estão em áreas sob influ- monia em determinadas regiões.
ência de milícias. G1, 14/3/2018. Disponível em <https://
g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/franquia-do-cri-
Cada assassinato de traficante que
20

me-2-milhoes-de-pessoas-no-rj-estao-em-areas-sob-in-
fluencia-de-milicias.ghtml> favorecesse mudanças na geopolíti-
ca do tráfico de drogas e garantisse, coisa, por que as milícias têm toda uma
inclusive, o recebimento de dinheiro base de atuação, em termos econômicos,
por parte do maior número possível bem diversificada, já que criaram um por-
de facções, isto é, ganhar ao favore- tfólio de serviços e bens que estão ge-
cer a entrada de uma facção numa renciando: transporte clandestino, venda
determinada área, matando os líderes de gás, gatonet, taxa de segurança, inva-
rivais num primeiro momento, para são e comercialização de imóveis... Ven-
depois permitir a retomada da área dem de tudo, só não vendem o oxigênio
pela facção inicialmente derrotada, que se respira por que não descobriram
recebendo dinheiro também dessa a fórmula de comercializar isso. Nisso

DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado
facção, fez parte de um acúmulo de eles se diferenciam muito dos grupos de
informações e conhecimento que, extermínio, que sempre focaram na exe-
estruturados numa geopolítica da cução sumária e naqueles que pagaram
economia do crime no Rio de Janei- para obter esse tipo de serviço – a elimi-
ro, possibilita agora as novas feições nação de pessoas na Baixada. Mas, por
desse mercado.” (ALVES, 2008) exemplo, a projeção política é a mesma,
os matadores se elegeram nos anos 1990,
O fato de a milícia ser o próprio Estado os milicianos se elegem no ano 2000, a
garante informações privilegiadas, usa- intocabilidade – os grupos de extermínio,
das para expandir seus negócios. O pes- assim como os milicianos não são inves-
quisador cita como exemplo o acesso tigados e nem presos, ou sofrem algum
aos dados do cadastro geral de imóveis tipo de retaliação, já que, na composição
de uma das prefeituras da Baixada Flu- desses grupos, você tem a própria base
minense. “Você tem uma operação por da polícia funcionando, por dentro da es-
dentro da estrutura oficial política. Por trutura do Estado. Então, essa dimensão
exemplo, em Duque de Caxias existe o estatal, ilegal e criminosa é muito forte
registro geral de imóveis, de terras que nos dois grupos. A novidade econômi-
são da União. Tem milicianos que vão le- ca das milícias é que dá a elas uma di-
vantar, no cadastro geral de imóveis da mensão mais poderosa, mais ampla, mais
prefeitura, os imóveis que estão irregula- organizada e que começa a montar um
res, sem pagamento há muito tempo de cenário de uma situação [articulação]
IPTU. Esse miliciano começa a pagar o em expansão em grande escala e negó-
IPTU, parcela a dívida, quita e pede para cios dos mais diversos – até combustível
transferir para o nome dele aquele imó- clandestino os caras vendem, produzem
vel. A prefeitura transfere. É um processo em destilaria, roubam petróleo cru lá em
simples isso. Aí depois aquele proprietá- [Duque de] Caxias – tem um grupo espe-
rio não vai ter nunca coragem de exigir cializado nisso”, ressalta.
aquele imóvel de volta, porque está con-
trolado militarmente. Sem essa conexão Ao tratar da escala de negócios da milícia,
direta com a estrutura do Estado, não ha- Souza se refere às articulações políticas,
veria milícia na atuação que ela tem hoje. ao fato de tanto os grupos de extermínio
É determinante. Por isso que eu digo, que quanto as milícias serem constituídos por
não é paralelo, é o Estado”, explica. agentes do Estado. “Sérgio Cabral [ex-go-
vernador do Rio de Janeiro, atualmente
Ainda que milícias sejam continuidade preso] foi o que realizou isso, mas já num
dos grupos de extermínio, o pesquisador patamar mega, no topo. Você tem esca-
da UFRRJ aponta diferenciações entre as las. Em escalas menores você vai chegar
formas de atuação dos agrupamentos. “É ao prefeito – a milícia que atua naquela
21

claro que não dá pra dizer que é a mesma localidade, nessas áreas onde o próprio
Estado consolidou essa dimensão ilegal O LONGO BRAÇO DAS MILÍCIAS
do seu funcionamento e do seu poder.
E a escala se ampliou em 2019, chegan-
Como ele é ilegal, é muito mais poderoso,
do às imediações do Palácio do Planal-
mais forte, não tem como você fugir. Não
to. O Ministério Público Estadual do Rio
há respeito a nenhuma normativa, regra,
de Janeiro, com base em informações
ou lei. É simplesmente a execução sumá-
do Conselho de Controle de Atividades
ria, no limite. Nessa cidade onde estamos
Financeiras (Coaf), coloca a família do
[Seropédica] teve quatro assassinatos
Presidente da República, Jair Bolsona-
políticos recentes, que podem ser colo-
ro, sob suspeita de ligações estreitas
cados na conta da estrutura do poder lo-
com a milícia.
cal associado à milícia. É isso: a presença

DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado
de um Estado ilegal e um poder consoli- A denúncia surgiu em janeiro de 2019,
dado há muito tempo”, aponta. desdobramento da operação “Furna da
Onça”, realizada em dezembro de 2018
Embora a Secretaria de Estado de Admi-
para investigar movimentações finan-
nistração Penitenciária (SEAP) contabili-
ceiras atípicas na Assembleia Legis-
ze o Presídio Evaristo de Moraes (Galpão
lativa do Rio de Janeiro e que levou à
da Quinta) como neutra, todos os entre-
prisão dez deputados estaduais. O Coaf
vistados afirmam que a milícia comanda
apontou movimentação fora dos parâ-
o Galpão da Quinta informalmente. Tra-
metros legais em uma conta no nome
ta-se de um artifício para evitar oficializar
de um ex-assessor do então deputado
que exista um controle por organização
estadual e hoje senador Flávio Bolsona-
criminosa na unidade. “Existem muitas
ro (PSL-RJ) – filho mais velho do atual
milícias e não se autodenominar unidade
presidente Jair Bolsonaro – entre janei-
específica evita que milicianos de outros
ro de 2016 e janeiro de 2017. Fabrício
grupos sejam enviados para lá”. Além dis-
José Carlos de Queiroz, PM que atuava
so, segundo a fonte do sistema prisional,
no gabinete do então deputado esta-
os que estão na Quinta podem tocar seus
dual Flávio Bolsonaro, mesmo com um
negócios internos, como venda de dro-
salário de R$ 8.517 e mais R$ 12,6 mil
gas, e externos – muitas transferências
pagos pela Polícia Militar, movimentou
são realizadas sem um controle de quem
em um ano (de janeiro de 2016 a janeiro
entrou ou saiu da unidade e por onde es-
de 2017) R$ 1,2 milhão, e outros R$ 5,8
teve, dizem os entrevistados. A irregulari-
milhões entre 2014 e 2015, repassando
dade e a movimentação ilegal de presos
inclusive um cheque de R$ 24 mil para
não permite saber, por exemplo, se deter-
a primeira-dama, Michelle Bolsonaro.
minado presidiário saiu da unidade para
O Coaf também identificou transações
cometer um crime na rua e retornou sem
bancárias atípicas de Flávio Bolsonaro,
ser “notado”. Em tese, ele tem o álibi de
que somaram R$ 632 mil, entre agosto
estar oficialmente detido em um presídio.
de 2017 e janeiro de 2018, valores acima
Irregularidade semelhante foi investigada
da sua capacidade financeira.
pela Vara de Execuções Penais sobre um
esquema de desvios de alimentos e sa- Os indícios de proximidade de Bolsonaro
ídas irregulares de internos no Presídio e sua família com as milícias vão além. Em
Milton Dias Moreira, em Japeri, registrado 2003, o então deputado federal Jair Bolso-
como neutro pela SEAP, com anuência da naro elogiou a ação de um grupo de exter-
direção da unidade, conforme denúncia mínio que cobrava R$ 50 para matar jovens
noticiada em outubro de 201728.
31/10/2017. Disponível em <https://g1.globo.com/rio-de-
22

28 FREIRE, Felipe; TELES, Lília. Imagens mostram janeiro/noticia/imagens-mostram-irregularidades-em


irregularidades em presídio em Japeri, no RJ. RJTV, -presidio-em-japeri-no-rj.ghtml>
da periferia de Salvador (BA), afirmando tam a tirania desses agrupamentos, de
que “enquanto o Estado não tiver coragem quem não consegue pagar a extorsão im-
de adotar a pena de morte, o crime de ex- posta, de políticos que atrapalhem seus
termínio será muito bem-vindo” e convi- negócios ou de quem os contrata. A lógi-
dando os matadores a virem para o Rio29. ca da execução sumária, seja por iniciati-
va própria da milícia, ou via contratante,
O nome da família mais associado às é desde sempre o ponto comum entre
milícias é o do filho mais velho. Quando essas organizações criminosas, formada
foi deputado estadual, Flávio Bolsona- por agentes do Estado. Portanto, como
ro votou contra a instalação da CPI das lembra José Claudio de Souza Alves e
Milícias e chegou a sugerir a legalização outros entrevistados, não há nenhum in-

DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado
do trabalho dos milicianos30. Além disso, teresse em investigações que solucionem
empregou em seu gabinete, até 2018, a crimes cometidos por milicianos.
mãe e a mulher ex-capitão da PM Adriano
Magalhães da Nóbrega, suspeito de atuar A participação de milicianos é uma das
como chefe de milícia31. Apesar das acu- principais hipóteses para o assassinato
da vereadora do PSOL, Marielle Franco,
sações que pairavam sobre ele, Nóbrega
e de seu motorista, Anderson Gomes, em
chegou a ser homenageado por Flávio
14 de março de 2018, em plena interven-
na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio
ção federal militar. Marielle, mulher negra
de Janeiro). Não foi o único. Entre 2003
e bissexual, criada no conjunto de fave-
e 2018, o deputado aprovou moções e
las da Maré, antes de se tornar vereadora
medalhas para 19 policiais militares, três
trabalhou com o deputado Marcelo Frei-
policiais civis e um tenente-coronel da re-
xo na Comissão de Direitos Humanos e
serva do Exército que eram acusados de
assessorou a CPI das Milícias, em 2008.
crimes como homicídio, lavagem de di-
nheiro, sequestro, organização criminosa As investigações sobre a morte de Ma-
ou fraudes em licitações32. rielle demoraram mais do que a de qual-
quer outro caso de repercussão envol-
Grupos de extermínio e milícias são a vendo a execução de um militante de
mesma face do Estado ilegal. Uma de direitos humanos33. Ao longo do inquéri-
suas práticas corriqueiras é a morte de to, não faltaram pistas falsas e suspeitas
pessoas que os incomodem, sejam de de que policiais poderiam estar ocultan-
membros da comunidade que não acei- do a identidade dos verdadeiros matado-
29 CASTRO, Lúcio de. Bolsonaro fomentou grupo de res. Essa suspeita levou a Polícia Federal
extermínio que cobrava R$ 50 para matar jovens da
periferia. Disponível em: http://agenciasportlight.com. a entrar em cena, para fazer “a investiga-
br/index.php/2018/10/11/bolsonaro-fomentou-grupo- ção da investigação” da Polícia Civil.
de-exterminio-que-cobrava-r-50-para-matar-jovens-
da-periferia>
As autoridades só apontaram os pos-
30 O DIA. Deputado quer legalizar milícias no Rio. O síveis autores do crime em 12 de março
Dia, 16/3/2007. Disponível em < https://www.terra.com.
br/noticias/brasil/politica/deputado-quer-legalizar-mi- de 2019, dois dias antes de o duplo ho-
licias-no-rio,f2fe24d51491139f856ce9e94d4a88bc1m7u- micídio completar um ano. Uma ação da
nakr.html>
Polícia Civil, em conjunto com o Gaeco
31 ALBUQUERQUE, Ana Luiza; NOGUEIRA, Ítalo; BAR-
BON, Júlia. Flávio Bolsonaro empregou mãe e mulher
(Grupo de Atuação Especial de Comba-
de ex-PM do Rio suspeito de chefiar milícia. Folha de te ao Crime Organizado), do Ministério
S.Paulo, 22/1/2019. Disponível em < https://www1.folha.
uol.com.br/poder/2019/01/flavio-bolsonaro-empregou
Público Estadual, prendeu dois suspeitos
-mae-e-mulher-de-capitao-preso-em-operacao-contra-
milicias.shtml> 33 CRUZ, Maria Teresa. Tempo de investigação da morte
de Marielle já supera o de outros casos parecidos. Ponte
32 MAZZA, Luigi. Flávio, os condenados e os condecora- Jornalismo, 28/8/2018. Disponível em <https://ponte.
23

dos. Piauí, 22/2/2019. Disponível em < https://piaui.folha. org/tempo-de-investigacao-de-caso-marielle-ja-supera


uol.com.br/flavio-os-condenados-e-os-condecorados/ > -o-de-outros-casos-parecidos/>
pelo crime: o sargento reformado da Po-
lícia Militar Ronnie Lessa e o ex-PM Elcio
Vieira de Queiroz. Ambos afirmam que
são inocentes. Lessa morava no Vivendas
da Barra, mesmo condomínio da Barra de
Tijuca, bairro de classe média alta do Rio,
onde o presidente Jair Bolsonaro tem
uma casa.

Segundo reportagem34 de O Globo, Les-


sa até então era um PM ficha limpa, que

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nunca havia sido investigado, embora “os
corredores das delegacias conhecessem a
fama do sargento reformado”, “associada
a crimes de mando”. Quando ainda estava
na polícia, Lessa trabalhou como guarda-
costas do bicheiro Rogério Andrade. Foi a
serviço do contraventor que o PM perdeu
a perna num atentado, em 2009, o que o
obrigou a se aposentar por invalidez. Na
reserva, teria entrado para uma organiza-
ção de matadores de aluguel.

Segundo as promotoras, Lessa estaria no


banco de trás do carro que emparelhou
ao lado do automóvel onde estavam Ma-
rielle e Anderson e disparou 13 tiros. Na
direção, estaria Élcio Vieira Queiroz, po-
licial militar expulso da corporação em
2011, após ser denunciado pela Operação
Guilhotina, da Polícia Federal, que acusou
45 policiais de integrarem uma quadrilha
envolvida em diversos crimes, inclusive a
venda de armas para traficantes.

Como o perfil dos dois acusados presos é


o de criminosos de aluguel, especialistas
em segurança pública, ativistas e a famí-
lia de Marielle acreditam que o crime teve
um mandante, ainda por ser descoberto,
e transformaram em lema a pergunta:
quem mandou matar Marielle?

34 ARAÚJO, Vera, OTÁVIO, Chico e LEAL, Arthur.


PM Ronnie Lessa, preso acusado de matar Marielle, é
conhecido por ser exímio atirador e por sua frieza. O
Globo, 12/3/2019. Disponível em <https://oglobo.globo.
com/rio/pm-ronnie-lessa-preso-acusado-de-matar-ma-
24

rielle-conhecido-por-ser-eximio-atirador-por-sua-frie-
za-23514910>
2

SÃO PAULO:
PCC, DO CARANDIRU

DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado
PARA O MUNDO
CADEIA: GUARDA O QUE Capital, grupo que, em sua origem, rei-
O SISTEMA NÃO QUIS vindicava para si o papel de consequên-
cia e vingança em relação à pior chacina
“Só pelo sofrimento que somos obri-
da história das prisões brasileiras: o mas-
gados a passar nesse lugar constituí-
sacre do Carandiru, ocorrido em 2 de ou-
do de ódio, raiva e saudades é onde
tubro de 1992, quando policiais militares
temos mais forças pra nos tornar mais
executaram a tiros 111 detentos.
terroristas do que já somos e através
do nosso instinto e força de vontade e Um dos piores crimes praticados na his-
onde lutaremos e sobreviveremos em tória do sistema prisional em todo o mun-
qualquer lugar, pois de lealdade vive- do, o massacre calou fundo nas consciên-
mos para conseguirmos a nossa meta, cias dos detentos de todo o país e ainda
que é a paz, justiça e liberdade. E com foi além, impactando também os jovens
a união de nossos irmãos espalhados negros das periferias das grandes cida-
pelo sistema e apoiados pelos que des, inclusive aqueles que nunca haviam
estão do lado de fora faremos o nº 1 pisado numa cadeia, mas sabiam que sua
da mídia terrorista brasileira. Não so- idade e a cor da sua pele os transforma-
mos os melhores nem os piores, pois vam em alvos em potencial da violência
somos isso que a própria sociedade estatal. “Cada vez que acontece uma coi-
criou. Primeiro Comando da Capital”. sa assim, a gente sente a opressão do
Estado; sente que a gente não vale nada
A mensagem estava pichada, com tinta
para o sistema; vimos o sistema mostran-
spray da cor preta, na parede de um som-
do suas facas”, definiu o escritor Ferréz,
brio corredor no Pavilhão 9 da Casa de
agitador cultural da zona sul de São Pau-
Detenção de São Paulo, no Complexo do
lo e um dos pioneiros dos movimentos de
Carandiru, zona norte da capital paulis-
literatura periférica35.
ta, em 2002, um pouco antes de o maior
presídio da América Latina ser implodido O Massacre do Carandiru passou a fazer
pelo governo paulista. parte do cenário artístico nacional, pre-
35 SEREZA, Haroldo Ceravolo. Massacre do Caran-
O autor anônimo celebrava os valores, a
25

diru influencia cultura até hoje. O Estado de S.Paulo,


fama e o temor do Primeiro Comando da 2/10/2002
sente em livros como Estação Carandiru, sar Augusto Roriz Silva, o Cesinha; Mizael
de Drauzio Varella, no filme de sucesso Aparecido da Silva, o Miza; José Márcio
que inspirou, dirigido por Hector Baben- Felício, o Geleião; Wander Eduardo Fer-
co, e em uma das canções mais conhe- reira, o Eduardo Cara Gorda; Antônio
cidas do hip hop nacional, Diário de um Carlos da Paixão, o Paixão; Isaías Moreira
detento, composta pelos Racionais a par- do Nascimento, o Isaías Esquisito; e Ade-
tir de uma letra de Jocenir, que na época mar dos Santos, o Dafé. Os presos Marco
cumpria pena no Carandiru. Até hoje, é Willians Herbas Camacho, o Marcola, tam-
difícil encontrar moleque das quebradas bém conhecido como Playboy, e Idemir
que não saiba de cor versos como “Ca- Carlos Ambrósio, o Sombra, não participa-
ram da fundação do PCC no dia do jogo,

DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado
dáveres no poço, no pátio interno/ Adolf
Hitler sorri no inferno”, sobre as circuns- pois estavam em outro raio do presídio na-
tâncias terríveis em que 111 homens per- quele 31 de agosto e não saíram para o ba-
deram suas vidas. nho de sol. Permaneceram trancados em
suas celas. Ambos, porém, foram idealiza-
A canção trazia o lamento e a revolta dos dores da facção criminosa e sempre foram
grupos marginalizados em relação a uma reverenciados pela população carcerária.
ferida que, àquela altura, já havia se tor-
nado mítica. “O massacre do Carandiru Mizael idealizou como emblema da fac-
foi o nosso 11 de Setembro, são o que o ção, o Yin e Yang, as duas forças do uni-
ataque às torres gêmeas foram para os verso, que, conforme a filosofia oriental
EUA”, define Ferréz. taoísta, representam o equilíbrio das coi-
sas, como o bem e o mal, o positivo e o
Se foi tão marcante para quem estava negativo, a vida e a morte, a alegria e a
nas ruas, dá para imaginar o que signi- tristeza, a justiça e a injustiça. Mizael tam-
ficou o massacre para quem vivia nas bém escreveu os 16 artigos do primeiro
prisões. Com aquelas mortes, o Estado estatuto do PCC. O massacre do Carandi-
havia deixado claro que podia executar ru é lembrado em um desses artigos, que
impunemente quantos presos quisesse. A pregava a necessidade de união entre
vida de ninguém atrás dos muros valeria os detentos para evitar outras matanças
nada enquanto eles não se unissem para como a do Carandiru, “massacre esse que
garantir a própria sobrevivência. jamais será esquecido na consciência da
sociedade brasileira” (JOZINO, 2004).
Pelo menos, foi uma das lições tirada do
episódio por um grupo de presos reuni- “Sofrimento, ódio, raiva e saudades”,
dos na Casa de Custódia e Tratamento “aquilo que a própria sociedade criou”. O
de Taubaté, o Piranhão. Foi ali, em 31 de autor anônimo daquela pichação do Pa-
agosto de 1993, menos de um ano após o vilhão 9 reafirmava uma noção que volta
Massacre do Carandiru, que surgiu o Pri- e meia reaparece nas falas de pessoas li-
meiro Comando da Capital. gadas ao PCC: a de que o grupo surge,
se desenvolve e afronta a autoridade do
A fundação aconteceu durante uma par- Estado como uma resposta às violências
tida de futebol entre presos do interior do próprio Estado.
e da capital paulista. Os fundadores do
PCC jogavam no time da capital. Por isso, Não é à toa, portanto, que o PCC surja
a facção passou a se chamar Primeiro um ano após o massacre do Carandiru, e
Comando da Capital. que seu berço tenha sido a Casa de Cus-
tódia e Tratamento de Taubaté, conside-
Os oito fundadores do PCC foram Antô- rada uma unidade de castigo pela massa
26

nio Carlos dos Santos, o Bicho Feio; Cé- carcerária, que apelidava o local de Ca-
verna, Fábrica de Monstros e Campo de OS PAIS DO MONSTRO
Concentração, por causa dos relatos de
O massacre do Carandiru foi chocante,
todo tipo de maus-tratos praticados na-
mas não foi uma exceção. A morte da-
quela unidade, incluindo torturas, espan-
queles 111 detentos foi apenas a manifes-
camentos e longos períodos sem direito
a receber visitas. tação mais visível de longo processo de
massacre cotidiano praticado pelo Esta-
“Era extremamente idealista e de cará- do contra os seus prisioneiros. Um dia em
ter ideológico a existência do PCC. E ele que o governo decidiu tirar várias vidas
nasceu porque achavam que os presos de uma vez, em vez de deixar que mor-
de 1993 estavam sendo injustiçados no ressem aos poucos, vítimas das más con-

DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado
Presídio de Segurança Máxima de Tauba- dições de saúde, homicídios ou suicídios.
té”, afirma o delegado Ruy Ferraz Fontes,
responsável por diversas investigações Os números disponíveis sobre as mortes
sobre a facção36. nas prisões são escassos e fragmentados,
mas o que deixam ver apontam para uma
Uma declaração atribuída a Idemir Carlos
realidade digna de campos de extermínio.
Ambrósio, o Sombra, um dos fundado-
Dados obtidos pela Ponte Jornalismo por
res do PCC, deixa ainda mais clara a ideia
meio da Lei de Acesso à Informação (LAI)
de que o grupo surgiu como filho bas-
apontaram que, entre janeiro de 2014 e
tardo da atuação do Estado. “O PCC foi
fundado por nove pessoas. Oito presos junho de 2015, foram registradas 721 mor-
e o senhor”, disse Sombra a José Ismael tes de detentos nos presídios paulistas37.
Pedrosa, que dirigia a Casa de Custódia Outra consulta, feita pelo jornal O Globo
e Tratamento de Taubaté, quando a uni- também por meio da LAI, apontou que
dade se tornou um conhecido centro de 6.368 pessoas morreram nas prisões bra-
torturas, e que também tinha seu nome sileiras entre 2014 e 2017 – o equivalente
relacionado ao Massacre do Carandiru: a 57 massacres do Carandiru38.
ele era o diretor-geral da Casa de Deten-
Os números sobre os mortos nas prisões
ção na época da matança.
incluem homicídios e suicídios, gente que
O 15º artigo do Estatuto escrito por Mi- mata e que se mata, mas o mais comum é
zael advertia: “A prioridade do Coman- gente que apenas morre: a causa de mor-
do no momento é pressionar o governo te mais comum é o que o Estado chama
do Estado a desativar aquele Campo de de “morte natural”. Que não são tão na-
Concentração, anexo à Casa de Custódia turais assim, como afirma a pesquisadora
e Tratamento de Taubaté, onde surgiu a Camila Nunes Dias: “as ‘mortes naturais’
semente e as raízes do Comando no meio são compostas majoritariamente por ca-
de tantas lutas inglórias e tantos sofri- sos de negligência no atendimento médi-
mentos atrozes”.
co e pela inexistência de atenção à saúde
Além da destruição da unidade de Tauba- do preso”39.
té, o estatuto também prometia a morte 37 ADORNO, Luís. Em um ano e meio, 721 detentos morre-
ram no Estado de São Paulo. Ponte Jornalismo. 29/2/2016.
do seu então diretor José Ismael Pedrosa. Disponível em <https://ponte.org/em-um-ano-e-meio-
721-detentos-morreram-no-estado-de-sao-paulo>
Com o tempo, as duas promessas seriam
38 MELLO, Igor e CASTRO, Juliana. Cadeia de Omis-
cumpridas. sões. O Globo, 24/6/2018.
36 Depoimento à CPI das Organizações Criminosas do 39 DIAS, Camila Nunes. “A ‘morte natural’ de presos em
Tráfico de Armas, em 17/5/2005. Disponível em <http:// SP: o Estado mata, deixando morrer.” Ponte Jornalismo,
www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/ 1/3/2016. Disponível em <https://ponte.org/a-morte-na-
27

comissoes-temporarias/parlamentar-de-inquerito/52-le- tural-de-presos-em-sao-paulo-o-estado-mata-simples-
gislatura/cpiarmas/notas/nt170505.pdf> mente-deixando-morrer/>
O cotidiano de brutalidades enfrenta- ficar em cela individual e que é dever do
do pelos presos adiciona uma série de Estado a recuperação e a ressocializa-
penalidades não escritas, e ilegais, aos ção do presidiário.
detentos. A progressão de pena depen-
O Estado, porém, é o primeiro a não cum-
de de provocação dos advogados, algo
prir a lei. A antiga Casa de Detenção, o
a que muitos presos não têm acesso, já
maior presídio latino-americano, constru-
que o serviço de assistência judiciária é
ído para abrigar 3.000 presos, chegou a
precário. Presos que já cumpriram a pena
manter em seus pavilhões aproximada-
apodrecem atrás das grades por não ter
mente 7.000 homens, mais do que o do-
recursos para pagar advogados e acom-
bro da capacidade. Para os presidiários, a

DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado
panhar os processos.
unidade era realmente “um lugar consti-
A superlotação é outro drama da população tuído de ódio e raiva”.
carcerária. Nos anos 1990, as delegacias e
Nos anos 1990, quando surgiu o PCC, es-
cadeias públicas, em celas que cabiam cin-
ses locais que desrespeitavam direitos
co presos viviam amontados até 50. Muitos
e condenavam milhares a uma pena de
tinham de dormir em redes improvisadas.
morte informal, viviam o início de um lon-
O excesso de detentos num mesmo xadrez
go ciclo de expansão no território paulis-
de no máximo 12 metros quadrados nas de- ta, uma tendência que depois se espalha-
legacias, principalmente, gerava, constan- ria pelo país. São Paulo dava início à era
temente, rebeliões violentas, com presos do encarceramento em massa, uma ten-
mortos e policiais feitos reféns. dência que depois se tornaria nacional.
Quando a situação era controlada, os A taxa de encarceramento nacional, que
amotinados eram obrigados a ficar nus, era de 65,2 por 100 mil habitantes em
sentados com as mãos sobre a cabeça 1988, saltou para 258,1 em 2016. São Pau-
no pátio da carceragem. Em seguida ti- lo, berço do PCC, prendeu mais do que
nha início a sessão de tortura. Há casos qualquer outro lugar: se em 1988 eram 51
de detentos que foram brutalmente es- presos por 100 mil habitantes nas prisões
pancados e torturados, inclusive com paulistas40, em 2016 a taxa saltou para
choques elétricos. Alguns não resistiram. 352,5 por 100 mil.
Na virada do século, as carceragens de A superlotação aparece em 78% das uni-
quase todas as delegacias em São Pau- dades prisionais do país, conforme o Le-
lo foram desativadas, e os presos sem vantamento Nacional de Informações Pe-
condenação passaram a ser acomodados nitenciárias (Infopen), ligado ao Ministério
nos atuais Centros de Detenção Provisó- da Justiça e Segurança Pública41. Entre os
rias. Em celas com capacidade para 12 quatro países com mais pessoas presas
homens estão confinados 70 e até 80 de- (EUA, Rússia, China e Brasil), o Brasil é
tentos. Presos provisórios ficam mistura- o único que continua aumentando o en-
dos a condenados. Reincidentes e primá- carceramento nas últimas duas décadas,
rios também convivem lado a lado. Não conforme o projeto Carceirópolis42.
há critério de separação.
40 DIAS, Camila Nunes. PCC: Hegemonia nas prisões e
Criada em 1984, com o objetivo de me- monopólio da violência. São Paulo: Saraiva, 2013.
lhorar as condições de vida dos de- 41 Infopen - Levantamento Nacional de Informações
tentos, a Lei de Execução Penal (Lei nº Penitenciárias. Disponível em < http://dados.mj.gov.br/
dataset/infopen-levantamento-nacional-de-informacoes
7210/1984) diz que o preso provisório -penitenciarias >
deve ficar separado de preso condena-
28

42 Carceirópolis. Disponível em <https://carceropolis.


do. Diz também que os presos têm de org.br/dados>
Longe de conseguir diminuir os crimes, o para outras unidades. Mulheres dos rebe-
encarceramento em massa se mostraria lados disseram à época que as autorida-
eficiente para convocar mais braços desti- des do sistema prisional tinham feito um
nados ao exército das facções criminosas. acordo e garantido que os rebelados não
seriam mandados de volta para Taubaté,
caso o presídio fosse reconstruído.
PROMESSA CUMPRIDA
Nagashi Furukawa era o secretário esta-
A primeira promessa registrada no esta- dual da Administração Penitenciária. Ele
tuto do PCC foi parcialmente cumprida sempre negou ter feito qualquer acordo
em 17 de dezembro de 2000. Neste dia, com os presos apontados como líde-

DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado
ocorreu a pior e mais sangrenta rebelião res da rebelião. A Casa de Custódia de
registrada na Casa de Custódia de Tauba-
Taubaté foi rapidamente reconstruída.
té. Nove inimigos do grupo foram execu-
tados, sendo três deles decapitados. A
degola dos inimigos, instituída por Cesi-
nha no presídio de Avaré, havia se torna- A FACÇÃO SAI DAS SOMBRAS
do uma marca dos fundadores do PCC na Em 15 de fevereiro de 2001, uma série
luta contra seus rivais. de transferências desagradou as lideran-
ças do PCC. Sombra e sua turma foram
A Casa de Custódia foi parcialmente des-
mandados de volta para o Piranhão, em
truída. Os presos quebraram paredes, ar-
Taubaté. Marcola foi transferido na mes-
rebentaram janelas e arrancaram grades.
ma data para a Penitenciária de Charque-
A cabeça de um dos mortos, Antônio
adas, no Rio Grande do Sul.
Carlos dos Santos, o Bicho Feio, um dos
oito fundadores do PCC, foi arremessada Outros líderes do PCC foram levados para
em direção à juíza corregedora Sueli Ze- penitenciárias de Avaré e Presidente Ven-
raik Armani, quando ela tentava negociar ceslau, no interior paulista. Cesinha, Ge-
a rendição dos amotinados e a libertação leião e Mizael permaneciam no presídio
de agentes mantidos reféns. Antes disso, de Piraquaral, no Paraná. Autoridades do
os presos rebelados haviam jogado bola sistema prisional alegaram que as trans-
com a cabeça. ferências aconteceram porque, em 13 e 14
Bicho Feio passou a ser considerado ini- de fevereiro, o PCC havia mandado matar
migo do PCC depois que ajudou outros seis presos do grupo rival Seita Satânica,
presos a criar uma facção rival, o Coman- na Casa de Detenção.
do Revolucionário Brasileiro da Crimina- A resposta do PCC em represália às trans-
lidade (CRBC), na Penitenciária José Pa-
ferência de Sombra e Marcola foi imedia-
rada Neto, em Guarulhos, na Grande SP.
ta. E maior do que tudo o que o sistema
Ele foi excluído do PCC e jurado de morte
prisional paulista tinha visto até então.
pelos rivais.
Graças ao uso de telefone celular nas
No dia da rebelião em Taubaté, Marcola e
prisões e de centrais telefônicas monta-
Sombra estavam na unidade e, segundo
das pelo PCC e operadas por mulheres
autoridades do sistema prisional, lidera-
de detentos, a facção criminosa realizou
ram o sangrento motim. Ambos sempre
uma megarrebelião no sistema prisional
negaram.
paulista. O telefone celular passou a ser
Com a Casa de Custódia e Tratamento de considerado uma das mais importantes
Taubaté parcialmente destruída, o gover- armas da facção criminosa. Para o Deic
29

no paulista teve de transferir os presos (Departamento de Investigações sobre o


Crime Organizado), unidade de elite da O governo de São Paulo não se deu por
Polícia Civil, o equipamento de telefonia vencido. Para punir os chefões de facções
móvel em poder dos presos representava criminosas, líderes de rebeliões e auto-
mais perigo do que um fuzil. res de faltas graves no sistema prisional,
o secretário da Administração Peniten-
Três dias após as remoções das lideran- ciária, Nagashi Furukawa, adotou uma
ças, em 18 de fevereiro de 2001, as re- drástica medida. Em 5 de maio de 2001,
beliões atingiram simultaneamente 25 Furukawa criou, por meio de portaria, o
penitenciárias e quatro cadeias públicas. temido RDD (Regime Disciplinar Diferen-
Era domingo, dia de visita. Nos presídios ciado), instalado a princípio nas Peniten-
rebelados, ao menos sete mil parentes ciárias 1 de Avaré e na Casa de Custódia

DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado
de presos se recusaram ou não puderam e Tratamento de Taubaté.
deixar a prisão. O motim deixou saldo de
14 presidiários mortos e 19 agentes peni- No RDD, o preso fica trancado em cela in-
tenciários feridos. dividual 22 horas por dia. O banho de sol é
de duas horas. O detento não tem acesso
A megarrebelião teve repercussão mundial. a rádio, TV, jornal e revistas. A visita íntima
Depois disso, as autoridades governamen- é proibida. A conversa com advogados é
tais não puderam mais voltar a dizer que o feita no parlatório e é gravada. Presidiários
grupo era uma ficção e admitiram a existên- e parentes ficam separados por uma tela
cia do PCC. A partir de fevereiro de 2001, o nos dias de visita. O castigo é pelo prazo
grupo nunca mais deixou de ser manchete de um ano. A partir da experiência paulis-
nas mídias nacional e estrangeira. ta, o governo federal regulamentou, dois
anos depois, o regime da “tranca dura”
A megarrebelião foi a primeira grande
por meio da Lei nº 10.792/2003.
afronta ao estado democrático de direito
no Brasil. Mas não a última. E nem seria Na visão de diversos estudiosos e mi-
a pior. litantes dos direitos humanos, o RDD é
sinônimo de tortura. Para a médica psi-
quiatra Guanaíra Rodrigues do Amaral,
A REAÇÃO LEGAL DO GOVERNO representante da FI-ACAT (Federação
O êxito da rebelião em série proporcio- Internacional das Ação dos Cristãos
para a Abolição da Tortura) para Amé-
nou ao PCC a conquista da simpatia de
rica Latina, o RDD é “tortura sistemáti-
milhares de presidiários. A massa carce-
ca, mental e psicológica”43. Em parecer
rária passou a respeitar e a acreditar mais
elaborado a pedido da ONG Conectas,
na organização criminosa.
o Conselho Regional de Psicologia de
Segundo agentes penitenciários, no São Paulo afirma que “a imposição do
Complexo do Carandiru o PCC ganhou ao RDD potencializa os efeitos da prisão,
menos 2 mil adeptos nos primeiros dias não ressocializa, não garante direi-
após o grande motim. A semente do Par- tos e traz danos psicológicos e físicos
tido do Crime rapidamente se espalhou que podem ser irreversíveis às pesso-
por todos os presídios de São Paulo. as submetidas a este tipo de regime
de sanção disciplinar” e conclui “que
A facção também ganhou simpatizantes o Regime Disciplinar Diferenciado tem
em outros Estados, principalmente no se mostrado totalmente ineficaz, além
Paraná, Rio Grande do Sul, Mato Grosso de reproduzir e perpetuar sofrimento
do Sul, Rio de Janeiro e Bahia, por cau-
43 AMARAL, Guanaíra Rodrigues do. A Tortura no RDD.
sa da remoção dos chefes do grupo para
30

Observatório das Violências Policiais, 12/9/2005. Dispo-


aqueles Estados. nível em < http://www.ovp-sp.org/artg_guanaira.htm >
psíquico, afrontando diretamente os des. Na tarde de 16 de junho, após seis dias
Direitos Humanos” 44. de rebelião, os reféns foram libertados e o
governo paranaense transferiu para São
Nem mesmo as violações de direitos,
Paulo 13 dos 23 integrantes do PCC que
agora dentro da lei, que o Estado passou
comandaram o movimento.
a praticar, contudo, conseguiram intimi-
dar a cúpula do PCC, que havia nascido Nesse grupo estavam Mizael, Cesinha e
do massacre do Carandiru e das torturas Geleião. Eles foram levados para a Peni-
da Casa de Custódia de Taubaté. tenciária 1 de Avaré. Os dois últimos não
ficaram muito tempo lá. Foram encami-
nhados para presídios do Rio Grande do

DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado
ALÉM DOS MUROS DAS PRISÕES Sul e Santa Catarina. Os dois Estados não
Entre 2001 e 2006, o PCC promoveu uma queriam custodiá-los. Por isso, o destino
série de rebeliões nos presídios paulistas. de ambos foi o presídio de Bangu 1, no
A partir de 2002, os ataques ultrapassa- Rio de Janeiro.
ram os muros das prisões e foram para as Marcola também foi submetido a um turis-
ruas, na forma de atentados contra pré- mo forçado. Do Rio Grande do Sul foi re-
dios de órgãos públicos e agentes das movido para a Penitenciária da Papuda, em
forças de segurança. Brasília. Depois para Unaí, em Minas Gerais
Os primeiros ataques buscavam reivindi- e em pouco tempo retornou à Papuda.
car que as lideranças do PCC fossem le- No aniversário de um ano da megarrebe-
vadas de volta para a cidade São Paulo. lião, em 18 de fevereiro de 2002, o PCC
Um mês depois da instituição do RDD em comandou novamente rebeliões e brigas
Avaré e Taubaté, os presos Cesinha, Ge- com grupos rivais em oito presídios. Em
leião e Mizael comandaram uma rebelião 24 horas, foram mortos 15 presos.
em Piraquara (SP). O motim teve início na
manhã de 6 de junho de 2001, após ten- Pela primeira vez, os ataques chegaram
tativa de fuga em um caminhão de lixo. às ruas. O alvo foi o prédio da Secretaria
Estadual da Administração Penitenciária,
Os rebelados fizeram 26 agentes peni-
na região central de São Paulo, onde in-
tenciários reféns. O trio do PCC reivindi-
tegrantes da facção lançaram uma gra-
cava a transferência para São Paulo. Eles
nada. A explosão feriu, levemente, quatro
mostravam o rosto à imprensa pela pri-
pessoas. Dois dias depois, outra granada
meira vez. Um detento armado de estile-
idêntica foi jogada no mesmo prédio, sem
te matou um funcionário. Por conta disso
deixar feridos. Outra explosão ocorreu no
as negociações fracassaram.
prédio do Instituto de Previdência Muni-
Mais uma vez as centrais telefônicas foram cipal (Iprem), situado a 200 metros do
acionadas pela organização criminosa. Mi- Departamento de Investigações sobre o
zael, Cesinha e Geleião, usando telefones Crime Organizado (Deic), da Polícia Civil.
celulares, pediam orientações para seus
Em 19 de fevereiro, o Fórum de São Vi-
advogados. Falavam sobre a rebelião com
cente, na Baixada Santista, foi metralha-
suas mulheres e também com presos de
do. Doze presos estavam em audiência e
outras cadeias. O impasse nas negocia-
um em julgamento. Houve pânico e cor-
ções preocupava amotinados e autorida-
reria. O advogado Antônio José da Silva
44 Conselho Regional de Psicologia de São Paulo. Pare- foi atingido pelos disparos e morreu.
cer do CRP SP sobre o Regime Disciplinar Diferenciado
(RDD). Disponível em <http://www.crpsp.org.br/arqui-
Segundo a Polícia Civil, Geleião, Cesinha,
31

vos/conteudo_pendrive/parecer-CRP-sobre-o-regime-
disciplinar-diferenciado.pdf> Julio César Guedes de Moraes, o Julinho
Carambola, preso no Mato Grosso do Sul discriminações de raça, sexo e religião.
e José Eduardo Moura da Silva, o Ban- Os trabalhos deveriam sempre ser co-
dejão, preso em Curitiba, assumiram os ordenados por um delegado da Polícia
atentados. Os quatro foram acusados de Civil. Porém, por ordem da SSP, o Gradi
mandar explodir as granadas na SAP por passou a ter coordenação da Polícia Mi-
causa de suas transferências para outros litar e acabou se desviando de suas atri-
estados. Eles reivindicaram o retorno buições, cometendo, assim, uma série de
para presídios de São Paulo. arbitrariedades até hoje impunes.
O PCC virou manchete novamente. Os O Gradi Militar foi responsável pela
líderes da organização ameaçaram dar morte de 12 integrantes do PCC na ro-

DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado
continuidade aos ataques. Além da trans- dovia Senador José Ermírio de Moraes,
ferência de seus chefes, o Partido do Cri- a Castelinho, em 5 de março de 2002,
me também reivindicava o fim do RDD. no episódio conhecido como Operação
O governo paulista se assustou mais uma Castelinho. Segundo o Ministério Públi-
vez e resolveu ceder. Na madrugada de co Estadual de São Paulo, para realizá-la,
22 de fevereiro de 2002, Carambola foi o Gradi Militar, com autorização judicial,
removido para São Paulo. Algumas horas recrutou desafetos do PCC nas prisões e
depois, chegava Geleião. os infiltrou, junto com PMs disfarçados
de bandidos, com assaltantes da facção
As autoridades prometeram trazer de criminosa em liberdade.
volta Cesinha, confinado em Bangu 1,
Marcola, preso na Papuda, e Bandejão, Os presos infiltrados e os PMs disfarça-
em Curitiba. Mesmo assim, os atentados dos convenceram 12 integrantes do PCC
continuaram no mês de março. E com a roubar um avião-pagador que nun-
maior intensidade. Além de atacar a per- ca existiu, na cidade de Sorocaba. Em
manência de alguns de seus líderes em 5 de março, a quadrilha foi atraída para
presídios longe do Estado de São Paulo, uma emboscada. Os integrantes do PCC
a facção se levantava em protesto con- foram mortos no pedágio da rodovia
tra a morte de 12 seus homens, vítimas Castelinho, onde dezenas de homens
do que o Ministério Público do Estado de da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de
São Paulo chamaria de uma “a maior far- Aguiar), unidade de elite da PM e do CP-
sa já protagonizada pela polícia de São Choque (Comando de Policiamento de
Paulo”: a Operação Castelinho. Choque) os aguardavam.

Realizada quase um ano após a morte do


A REAÇÃO ILEGAL DO ESTADO governador Mário Covas, o massacre da
Castelinho marcou uma forte mudança
Para conter o PCC, o governo de São Pau- nos rumos da política de segurança pú-
lo, por meio da SSP (Secretaria Estadual da
blica do governo do PSDB. O novo go-
Segurança Pública), aliou-se ao Dipo (De-
vernador, Geraldo Alckmin, ao lado do
partamento de Inquéritos Policiais e Polícia
secretário de Segurança Pública Saulo de
Judiciária) e à Vara das Execuções de São
Abreu Castro Filho, abandonou as polí-
Paulo para autorizar o Gradi (Grupo de Re-
ticas de controle da violência de Estado
pressão e Análise aos Delitos de Intolerân-
implantadas por Covas, como o afasta-
cia) a investigar as ações da facção.
mento automático de policiais envolvidos
O Gradi havia sido criado em março de em mortes, e abraçou de vez a truculên-
2000 com um objetivo bem diferente: cia policial, numa tendência seguida por
32

combater crimes de intolerância, como todos os seus sucessores.


Apesar da violência, a operação Casteli- retirada dos desafetos do PCC das prisões
nho revelou-se um sucesso de crítica e de para serem colaboradores do Gradi, era
público. O Jornal da Tarde publicou uma secretário da Administração Penitenciária.
página inteira só com cartas de leitores
elogiosas à chacina, e jornalistas respei- As ações do Gradi só acirraram os con-
tados saudaram o morticínio, entre eles flitos entre o PCC e a Polícia Militar, es-
Clóvis Rossi: “Para ser bem cru: se é para pecialmente com PMs da Rota, a tropa
morrer alguém, é preferível que morram apontada pela Ouvidoria das Polícias
bandidos a que morram policiais”45. como a mais letal da instituição.

O então vice-prefeito de São Paulo, na A violência ilegal do governo levou a uma

DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado
época, Hélio Bicudo, que já havia de- escalada da violência do PCC — o que se
nunciado os crimes do grupo paramilitar mostraria uma constante nas relações
Esquadrão da Morte durante a ditadura entre Estado e crime organizado em São
militar, não acreditou na versão oficial. Paulo. No mês seguinte à Operação Cas-
Investigou o caso e denunciou a farsa telinho, em março de 2002, o PCC atacou
à Comissão Interamericana de Direitos fóruns criminais em Itaquera e Guaiana-
Humanos da OEA (Organização dos Es- zes, na zona leste da capital paulista.
tados Americanos). Bicudo descobriu No interior do estado, membros da fac-
outras ações semelhantes do Gradi que ção atacaram uma companhia da Polícia
terminaram com mortes de crimino- Militar em Campinas e, na cidade vizinha
sos. Em todas elas, os policiais haviam de Sumaré, a Delegacia de Polícia Civil de
infiltrado presos desafetos do PCC nas Sumaré foi metralhada. Um investigador
ações, acompanhados por PMs disfarça- e um escrivão morreram. Um carcereiro
dos de bandidos. também foi baleado, mas sobreviveu.
O Ministério Público classificou a Operação Em alguns dos ataques, o PCC deixou
Castelinho de “farsa macabra” e denunciou faixas com a seguinte frase: “Isso é pelos
53 policiais e dois presos infiltrados pelo 12 mortos em Sorocaba”. Em outra faixa,
crime. “A Operação Castelinho foi a maior havia a sigla PCC e a inscrição 15.3.3, que
farsa já protagonizada pela polícia de São corresponde à ordem das letras P, C, C no
Paulo”, afirmou, na época, o promotor Car- alfabeto.
los Cardoso, assessor de Direitos Humanos
do Ministério Público de São Paulo. Coincidência ou não, os ataques cessaram
após a remoção de Marcola para o estado
A Operação Castelinho, porém, terminou de São Paulo. Ele foi transferido para a Pe-
impune. Em 4 de novembro de 2014, o nitenciária de Araraquara em 17 de abril.
juiz Hélio Vilaça Furukawa, da 2ª Vara Cri- Outro líder, Bandejão, foi levado para a
minal de Itu, absolveu a todos. Penitenciária de Avaré em 28 de agosto.
“A enérgica reação foi necessária em ra- Os líderes da facção se sentiram vitorio-
zão da quantidade de criminosos envolvi- sos. Eles, que a princípio alegavam ter
dos e do grande armamento transporta- criado o PCC para lutar contra as opres-
do. A conduta dos policiais foi de acordo sões no sistema prisional, tinham agora
com o que se espera de profissionais dili- consciência do crescimento do grupo.
gentes e zelosos”, escreveu na sentença o
juiz, que é filho de Nagashi Furukawa, que,
à época do episódio da Castelinho e da EXPANSÃO
45 ROSSI, Clóvis. A guerra e os mortos. Folha de S.Pau-
Após se revelar para o público, em 2001,
33

lo, 12/3/2002. Disponível em <https://www1.folha.uol.


com.br/fsp/opiniao/fz1203200204.htm > o PCC entrou em um momento de ex-
pansão, “caracterizado pela visibilidade criminosos apontados como líderes do
da organização e a ampliação de seu do- PCC e outros criminosos envolvidos nos
mínio, assim como pelas ações do Esta- ataques cometidos pela facção contra as
do com o objetivo de promover sua de- forças de segurança.
sarticulação, após quase uma década de
Marcola, Cesinha, Geleião e ao menos ou-
completa indiferença em relação a sua
tros 50 chefes da organização foram in-
existência” (DIAS, 2013, p. 220).
ternados para cumprir um ano de castigo
As prisões paulistas dominadas pelo Par- no RDD. O novo “campo de concentração”
tido do Crime iam se tornando verdadei- agora era o CRP de Presidente Bernardes.
ros escritórios do crime. As condições

DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado
O PCC prometeu não poupar esforços
de superlotação e falta de assistências
para tentar desativar o CRP de Presiden-
médica e jurídica só favoreciam o cresci-
te Bernardes, assim como fez com a Casa
mento do PCC.
de Custódia e Tratamento de Taubaté. E
As condições das famílias de presos pio- mais uma vez a organização iria impor o
raram ainda mais quando o Estado pas- terror para alcançar seus objetivos.
sou a construir novas prisões no interior
do estado, algumas a mais de 600 qui-
lômetros de distância da capital. Sem O RACHA
condições de arcar com os custos para
Poucos meses depois das internações no
visitar seus filhos, maridos e pais apri-
RDD, o PCC sofreu um grande racha en-
sionados, muitos familiares aceitaram a
tre suas lideranças. Uma guerra interna
ajuda do PCC, que, até hoje, banca com
opôs Marcola a outras antigas lideranças,
ônibus modernos a viagem dos visitantes
que acabaram mortas ou expulsas. Ao fi-
para as longínquas prisões do interior.
nal, o PCC jamais seria o mesmo.
A interiorização das prisões permitiu que
Uma das primeiras vítimas do racha foi
o governo Geraldo Alckmin pudesse de-
Sombra. Idealizador da criação do PCC e
sativar, em dezembro de 2002, a Casa de
um dos presos mais reverenciados no sis-
Detenção do Complexo Carandiru – dez
tema prisional paulista, acabou morto no
anos depois, ela seria implodida.
banho de sol, em 27 de julho de 2001, na
Meses antes, em 2 de abril, o governo Casa de Custódia e Tratamento de Tauba-
havia inaugurado o CRP (Centro de Re- té. Outra liderança foi Mizael, que havia
adaptação Penitenciária) de Presidente escrito o estatuto da facção, e terminou
Bernardes. O CRP foi construído para iso- executado por sete presos, também du-
lar os chefes das organizações crimino- rante o banho de sol, na Penitenciária 2
sas. Na unidade vigora a “tranca dura” do de Presidente Venceslau, em 19 de feve-
RDD. Os líderes do PCC chamam o presí- reiro de 2002.
dio de “Big Brother”, por causa do sofisti-
Outro a se desentender com Marcola foi
cado sistema de vigilância por câmeras, e
um amigo de infância dele: Cesinha, filho
também de “cemitério dos vivos”, porque
de pais de classe média condenado a 153
ficar um dia lá é como ser enterrado ain-
anos por roubos e homicídios, que havia
da com vida.
atuado como trombadinha ao lado de
Com capacidade para 160 vagas, o CRP Marco quando os dois eram crianças. Ele
começou a receber seus primeiros pre- estava preso desde 1987. Tanto ele como
sos a partir de 9 de abril de 2002. Na lis- Geleião haviam assumido parte dos aten-
34

ta dos transferidos estavam nomes dos tados contra prédios públicos e policiais.
Geleião delatou vários parceiros de crime mado por um grupo de presos e conduzi-
e isso desagradou Marcola e seus amigos. do até o pátio. Os presidiários o executa-
Para agravar a situação, a advogada Ana ram em poucos minutos.
Maria Olivatto, ex-mulher de Marcola, foi
Depois da morte de Cesinha, Geleião pas-
assassinada em Guarulhos, na Grande SP,
sou a ser o único fundador vivo do PCC.
em 23 de outubro de 2002.
Ele continua jurado de morte e é consi-
O Deic apontou Aurinete Carlos Félix da derado como uma espécie de “troféu” no
Silva, a Netinha, mulher de Cesinha, como sistema carcerário. O PCC promete re-
a mandante do crime — informação con- compensas por toda a vida a quem con-
firmada por Geleião em depoimento à seguir matá-lo. Geleião hoje cumpre pena

DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado
Justiça. A vingança não tardou. Lauro na Penitenciária Federal de Campo Gran-
Gomes Gabriel, o Ceará, e Erenita Galvão de (MS). Está no cárcere desde 197946.
Guedes, a Lili Carabina, irmãos de Aurine-
te, acusados de executar a ex-mulher de
Marcola, acabaram mortos a tiros. CRESCENDO NAS
LACUNAS DO ESTADO
Cesinha e Geleião foram expulsos do PCC
e condenados à morte. Para não serem Depois que o poder mudou de mãos no
assassinados, ambos foram isolados du- PCC, a facção passou a ser mais respei-
rante alguns anos em uma penitenciária tada e admirada pela massa carcerária.
exclusiva para estupradores, na cidade Os novos chefes proibiram o consumo de
de Osvaldo Cruz, no oeste paulista. Lá, crack nas prisões para evitar mortes por
fundaram uma facção rival ao PCC: o Ter- dívidas de drogas. Também proibiram a
ceiro Comando da Capital. Essa organi- violência sexual. Acabaram ainda com a
zação, entretanto, nunca teve qualquer extorsão praticada contra presidiários e
expressão, tanto no sistema prisional familiares de presos.
quanto nas ruas. Dezenas de seus mem-
A partir de 2003, o PCC passou a dominar
bros, que nunca foram muitos, termina-
95% dos presídios paulistas, segundo esti-
ram assassinados.
mativas do Ministério Público. No mesmo
Com isso, o poder mudou de mãos. Se- ano, as rebeliões praticamente desapare-
gundo o Ministério Público, Marcola as- ceram do sistema prisional paulista.
sumiu o comando e passou a ser o líder
O PCC adotou o mesmo princípio, descrito
máximo do grupo. Ele nega isso até hoje.
por João Marcelo Dias a respeito do Co-
Quatro anos após o racha, a nova lideran- mando Vermelho, de “proteção dos presos
ça mostrou que não havia se esquecido enquanto uma classe”, que levou a facção
dos únicos dois desafetos que permane- a adotar políticas de convivência, que in-
ciam vivos. Em 13 de agosto de 2006, Ce- cluíam a proibição de estupros entre os
sinha foi morto a golpes de faca, estiletes presos e do uso do crack, entre outras.
e espetos de pau na Penitenciária 1 de
O Primeiro Comando da Capital sempre
Avaré, a mesma onde havia dado início
soube preencher as lacunas deixadas pelo
à prática de degola dos inimigos, que se
Estado para aumentar o seu prestígio e
tornaria uma marca do PCC em seus pri-
assim ganhar novos adeptos e simpati-
meiros anos.
zantes dentro e fora do sistema prisional.
Cesinha recebia a visita de sua mulher, 46 JOZINO, Josmar. Geleião, único fundador do PCC
vivo, vai completar 40 anos preso. Ponte Jornalismo,
Aurinete Carlos Félix, a Netinha, na P1 de
35

14/01/2019. Disponível em < https://ponte.org/geleiao-uni-


Avaré. O casal estava na cela. Ele foi cha- co-fundador-do-pcc-vivo-vai-completar-40-anos-preso/>
Fazem parte dessas brechas estatais as seus integrantes na entrega do “jumbo”,
construções de presídios a centenas de a sacola semanal contendo alimentos e
quilômetros de distância da Capital; falta produtos de higiene e limpeza.
de remédios e de produtos de higiene e
No início dos anos 2000 era comum a
de limpeza nas prisões; ausências de as-
falta de sabonete, creme dental e até pa-
sistências médica, psicológica, odontoló-
pel higiênico para os presos. O Estado
gica e jurídica para os presos.
não fornecia produtos como detergente
A incompetência e as práticas “duras” e água sanitária para a limpeza das ce-
adotadas pelo governo na administração las superlotadas. Quando parentes de
dos presídios e no combate ao crime or- presos não tinham dinheiro para a aqui-

DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado
ganizado gerado dentro das prisões con- sição dessas mercadorias básicas, era o
tribuíram para o fortalecimento e a hege- Primeiro Comando da Capital que provi-
monia do PCC nas unidades prisionais. denciava a entrega desses artigos para
os detentos ligados à organização, prin-
A principal facção criminosa do País supriu cipalmente nos CDPs.
com maior intensidade as necessidades da
massa carcerária a partir da desativação da O PCC também banca até hoje advoga-
Casa de Detenção, no Carandiru, em 2002. dos para os seus “associados leais”, pre-
Com a implosão do até então maior presí- sos a serviço do grupo. Quando alguém
dio da América Latina, o governo paulista da facção morre em “combate” com as
passou a enfrentar o problema da super- forças de segurança, o grupo paga até
lotação das prisões em todo o Estado. Fo- pensão alimentícia para a família do cri-
ram construídos novos CDPs (Centros de minoso morto.
Detenção Provisória) e penitenciárias, mas Esse “assistencialismo” só contribuiu para
o problema continuou, porque o ritmo do o PCC impor sua hegemonia não só entre
encarceramento aumentou. a massa carcerária, mas também em mui-
Boa parte das unidades prisionais foi inau- tos bairros carentes, principalmente no
gurada no interior. Milhares de presos fo- Estado de São Paulo, onde a facção goza
ram transferidos para prisões distantes da de certo respeito.
Capital. Ficaram longe das famílias. Muitas Além de jumbos e cestas básicas, o PCC
mães e mulheres de detentos, geralmen- também ajuda parentes de presos em
te muito pobres, não tinham dinheiro para datas comemorativas, como a Páscoa e o
visitar toda semana o filho ou marido en- Dia das Crianças. No final dos anos 1990,
carcerado. A insatisfação era geral. a facção fretou uma carreta carregada de
brinquedos e de refrigerantes.
Muitas famílias não tinham como arcar com
as despesas de viagem de ônibus e com a Os produtos foram entregues na Peni-
hospedagem em pensões. O PCC agiu rá- tenciária do Estado, no Carandiru, num
pido. Comprou até ônibus para o transpor- dia de visita, durante a festa do Dia das
te dos visitantes. A viagem de familiares de Crianças. A facção também costumava
presidiários é grátis até hoje para as cida- comprar ovos de Páscoa e chocolates
des de Avaré, Presidente Bernardes e Pre- para os parentes dos presidiários.
sidente Venceslau, onde estão recolhidos
os líderes da organização criminosa. Até aparelhos de televisão o PCC comprou
em uma grande loja de eletrodomésticos
O PCC também distribui cestas básicas na cidade de Avaré. Os produtos foram
para os parentes de presos mais caren- destinados aos presos da Penitenciária 1 e
36

tes. Nas prisões, a facção também ajuda entregues poucos meses antes da abertu-
ra dos jogos da Copa do Mundo de 2006. lência física nos conflitos interpessoais e,
Eram 26 TVs de 14 polegadas. assim, possibilitaram a imposição da paz
nestes territórios”.
Na Penitenciária 2 de Presidente Vences-
lau, o PCC financiou centenas de con- As próprias comunidades, na ausência
sultas com médicos particulares para os de figuras do Estado nas quais pudessem
seus “associados” recolhidos naquela confiar, passaram a enxergar nos trafican-
prisão. A facção pagou também diversos tes as autoridades a quem procurar para
exames e até implantes dentários. resolver diversos problemas, de crimes a
traições conjugais. Parte destes conflitos
poderiam terminar nos “tribunais do cri-

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REDUÇÃO NOS HOMICÍDIOS me”, uma imitação de julgamento condu-
zido pelos criminosos, que podem resul-
Foi nesse período que o PCC, que até en-
tar em diversas punições, inclusive morte,
tão tinha o roubo como principal ativida-
mas tudo com a autorização da facção.
de, voltou-se para o tráfico de drogas. A
chegada do crime organizado mudou o Um relato de um desses julgamentos
panorama do tráfico em São Paulo, que mostra como eles podem inclusive evi-
em nada lembrava a presença dos gran- tar mortes. Segundo o relato, em uma
des grupos do crime organizado que do- comunidade um marido traído procurou
minavam as favelas cariocas. os chefes do tráfico local, ligado ao PCC,
porque desejava matar o amante da es-
O tráfico nas quebradas paulistas até en-
posa. Montado o “tribunal do crime”, os
tão era desorganizado e fragmentado,
magistrados improvisados ouviram tanto
com “revendedores individuais autôno-
a mulher quanto o amante e se convence-
mos, vivendo à beira da extinção, operan- ram de que os dois haviam feito sexo por
do com margens de lucro ínfimas e inca- livre vontade, sem abuso nem arrependi-
pazes de gerar qualquer superávit para mento. O “erro”, portanto, era dos dois. Os
investir em estoques, armamento, funcio- traficantes deram duas opções ao traído:
nários etc.”47. A desorganização estimu- ou autorizava que os criminosos matas-
lava as disputas entre pequenos grupos sem tanto o amante quanto a esposa, ou
varejistas, que frequentemente terminava perdoava a ambos e encerrava o assunto.
em morte. Aos prantos, o homem escolheu a segun-
Como não havia outros grupos crimi- da opção e o conflito terminou “pacifica-
nosos organizados operando no varejo do”, sem derramamento de sangue.
de drogas em São Paulo, o PCC logo se A partir de 1999, São Paulo passa por uma
impôs como uma facção hegemônica. vertiginosa queda no número de homicí-
Como quem está no comando gosta de dios. Naquele ano, a taxa do crime havia
ordem, o PCC tratou de assumir um pa- atingido o patamar mais alto da história,
pel de pacificador de conflitos nos bair- de 44 mortes para cada 100 mil habitan-
ros pobres onde seus pontos de venda tes. Desde então, não parou mais de cair,
de drogas estavam instalados. Segundo até chegar no atual panorama de 9,5 mor-
DIAS (2013), o PCC “desenvolveu meca- tes por 100 mil (BUENO & LIMA (2019).
nismos de ‘controle social’ que produzi-
riam uma drástica redução do uso da vio- Não faltam especialistas que sustentem
47 LESSING, Benjamin. As facções cariocas em
a tese — extremamente embaraçosa para
perspectiva comparativa. Novos estudos - CE- os governantes — de que a transforma-
BRAP. 2008, n.80, pp.43-62. Disponível em <http://
ção do PCC em facção hegemônica no
37

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
d=S0101-33002008000100004&lng=en&nrm=iso> mundo do crime contribuiu para a redu-
ção dos homicídios no estado, que esteve nefícios aos presidiários da região Oes-
na contramão do observado no restante te do Estado. Detentos chegaram a dizer
do país. Um outro estudo48, ainda em an- que ele fazia vista grossa às sindicâncias
damento, que cruzou dados do Infocrim abertas para apurar espancamentos nas
(banco de dados de crimes da Secretaria penitenciárias daquela área. Afirmaram
de Segurança Pública do Estado de São ainda que os processos e os benefícios de
Paulo) com indicadores de criminalidade muitos presos demoravam meses e anos
por favela na capital paulista, concluiu para serem analisados. Os presos alega-
que a entrada do PCC em uma favela vam que muitos condenados que já deve-
gera redução nos homicídios não apenas riam estar em liberdade continuavam na

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naquele território, mas também em seu cadeia por causa dessa morosidade.
entorno direto.
Agentes penitenciários desconfiavam
Nada disso, contudo, permite falar do que algo grave iria acontecer na segun-
PCC como uma força positiva. Seus mem- da quinzena de março, porque ouviram
bros são apenas criminosos pragmáticos. detentos comentando nas prisões que o
Se os homicídios desorganizados das PCC queria realizar uma “festa” no dia 15
periferias ou as rebeliões generalizadas de março de 2003. A data não foi esco-
nas prisões atrapalham seus negócios, a lhida por coincidência. Ela representava
facção busca controlá-los. Sempre que a a numeração da facção, ou seja, o 15.3.3.
violência for necessária para ampliar seus
lucros, atingir os inimigos e conquistar O “algo grave”, contudo, aconteceu um
mais poder, o PCC vai usá-la com a habi- dia antes, no final da tarde de 14 de março
tual crueldade e covardia. de 2003. Era uma sexta-feira quente. Fa-
zia 30 graus no município de Presidente
Prudente. O juiz-corregedor encerrou o
XEQUE-MATE: expediente por volta das 18h30. Naquele
MACHADINHO E PEDROSA dia, ele estava sem a escolta. Na rua José
Maria Armond, Vila Roberta, bem perto
Foi assim em 2003. Descontente com o do prédio do Fórum Criminal, o magistra-
RDD, regime de castigo que a organiza- do sofreu uma emboscada.
ção criminosa classifica até hoje de “cruel
e desumano”, o PCC resolveu atacar um O juiz foi executado com tiros na cabeça e
membro do Judiciário. O alvo escolhido no peito. Ele tinha 47 anos e era pai de dois
foi o juiz-corregedor dos Presídios da Re- filhos, frutos de seu primeiro casamento.
gião Oeste, Antonio José Machado Dias.
Ele era responsável por dezenas de pri- Cinco homens acusados de envolvimen-
sões da região, incluindo o CRP de Presi- to na morte de Machadinho foram iden-
dente Bernardes e as Penitenciárias 1 e 2 tificados, presos, julgados e condenados
de Presidente Venceslau. Nessas unidades pela Justiça. Segundo a Polícia Civil, to-
estavam recolhidos homens do primeiro, dos são integrantes do PCC.
segundo e terceiro escalões do PCC. O tribunal do júri também condenou
Machadinho, como era chamado carinho- Marcola e Julinho Carambola a 29 anos
samente pelos amigos, era o responsável de prisão cada um, em regime fechado,
pelas transferências e concessões de be- pelo homicídio do juiz. Ambos foram
48 BIDERMAN, C. et al. Pax Monopolista and Crime: the
apontados como mandantes do crime.
case of the Emergence of The Pimeiro Comando da Ca- Porém, sempre negaram e alegaram ino-
pital in São Paulo. Working papers, Domestic Violence,
cência. Os jurados entenderam que não
38

7.15.2104, n.2014/03, CAF Development Bank of Latin


America. havia possibilidade de o assassinato ter
ocorrido sem a anuência dos dois acusa- de seus líderes no RDD e realizou outra
dos, considerados líderes da facção, com onda de atentados em São Paulo. A data
agravantes de motivo fútil e emboscada. escolhida foi 2 de novembro, feriado de
Finados. Em 43 horas foram registrados
O Ministério Público apurou que os exe-
17 atentados contra postos fixos de po-
cutores do crime recebem até hoje uma
liciamento. Os alvos foram viaturas e ba-
espécie de “pensão vitalícia” do PCC,
ses comunitárias. Houve ainda uma ten-
como forma de pagamento pelo assas-
tativa de resgate de presos. Dois policiais
sinato do magistrado. A facção também
militares, um agente penitenciário e um
bancou para os assassinos as despesas
detento foram assassinados. Dois guar-
com advogados de defesa durante toda

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das civis metropolitanos e sete policiais
a fase do processo judicial.
militares ficaram feridos.
O ataque chocou policiais, funcionários
Os presos Júlio César Guedes de Moraes,
do sistema prisional, políticos e autori-
o Julinho Carambola, e Sandro Henrique
dades do Ministério Público e do Poder
da Silva Santos, o Gulu, foram acusados
Judiciário. E também fez diversos co-
de autorizar os atentados de dentro do
mentaristas lembrarem as ações da or-
CRP de Presidente Bernardes. O objetivo
ganização mafiosa Cosa Nostra, que em
era forçar o governo a diminuir a rigidez
1992 matou dois juízes (equivalente aos
do RDD. O envolvimento deles nos ata-
promotores brasileiros), Giovanni Falco-
ques, porém, não ficou comprovado.
ne e Paolo Borsellino, que investigavam
a organização. Uma nova ofensiva da facção aconteceu
em 23 de outubro de 2005 e chocou pro-
Alguns líderes do PCC cumpriam casti-
fundamente as autoridades do sistema
go no CRP de Presidente Bernardes no
prisional paulista. O alvo do PCC des-
dia em que Machadinho foi executado.
sa vez foi José Ismael Pedrosa, 70 anos,
Marcola estava na Penitenciária 1 de Ava-
considerado até então o inimigo número
ré. Um mês depois da morte do juiz, ele
1 da facção. Naquele dia, o País fazia a
foi removido para o CRP, a prisão tran-
votação do referendo sobre a proibição
ca dura. Marcola era o único líder do PCC
da comercialização de armas de fogo e
que ainda não havia sido removido para
munições no Brasil. O crime organizado
o “Big Brother”.
escolheu a data porque sabia que haveria
Depois do assassinato do juiz-correge- um número menor de policiais nas ruas e
dor, a Justiça transferiu para São Paulo também para debochar das autoridades.
os processos de execução dos presos do
Pedrosa estava aposentado havia dois
CRP de Presidente Bernardes, Penitenci-
anos e sete meses, mas o PCC não havia
árias 1 e 2 de Presidente Venceslau e Pe-
se esquecido dele. A facção havia decre-
nitenciária 1 de Avaré.
tado sua pena de morte por ter dirigido
Os presos da alta cúpula do Primeiro a Casa de Detenção na época do Massa-
Comando da Capital ficaram recolhidos cre do Carandiru e a Casa de Custódia e
nessas unidades ao longo dos 16 anos Tratamento de Taubaté, berço do PCC,
seguintes. A Justiça tomou essa decisão quando o local se tornou, segundo os
para evitar outras mortes de juízes no in- presos, um conhecido centro de torturas.
terior paulista.
O grupo criminoso esperou Pedrosa se
Oito meses após o assassinato de Ma- aposentar. E isso porque sabia que ele,
chadinho, em novembro de 2003, o PCC mesmo jurado de morte, não tinha pro-
39

continuava insatisfeito com o isolamento teção do Estado. Jamais recebeu escolta


ou carro blindado, diferentemente de ou- go em RDD em Presidente Bernardes. No
tras autoridades ameaçadas pela facção. início de 2006, Marcola e outros chefes
da facção foram transferidos para a Peni-
Naquele 23 de outubro, Pedrosa acordou
tenciária 1 de Avaré. A saída da liderança
bem cedo. Pela manhã visitou seus fami-
do PCC do RDD de Presidente Bernardes
liares e amigos mais íntimos. Beijou os fi-
trouxe uma calmaria ao sistema prisional.
lhos e netos. À tarde foi cumprir o dever
A paz, no entanto, não durou muito tempo
cívico. Votou “sim” no referendo, para que
e foi interrompida em maio daquele ano.
os brasileiros continuassem a ter o direito
de comprar armas. A maioria dos brasilei- O serviço de inteligência da SAP recebeu
ros – 63,94% - também optou pelo sim. informações de que poderia haver uma re-

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belião em série nos presídios. Na tentativa
Eram 17 horas quando Pedrosa dirigia
de evitar uma nova megarrebelião, como a
seu carro, um Honda Civic, no centro
de fevereiro de 2001, o secretário Nagashi
de Taubaté, bem perto do consultório
Furukawa decidiu isolar 765 homens do pri-
onde sua filha, uma ginecologista, havia
meiro, segundo e terceiro escalões do PCC
sido sequestrada em 17 de abril de 2001
na Penitenciária 2 de Presidente Venceslau.
a mando de líderes do PCC. A intenção
do PCC naquela época era usar a filha A P2 de Venceslau havia sido destruída no
de Pedrosa como moeda de troca. Ela ano anterior. E agora era reinaugurada com
só seria libertada se o governo soltasse a chegada dos 765 homens do PCC. O isola-
alguns líderes do PCC presos na Casa mento desses presos, realizado às vésperas
de Custódia e Tratamento de Taubaté. do Dia das Mães, data sagrada no sistema
A Polícia Civil, no entanto, agiu rápido. prisional, provocou uma onda de ataques
Conseguiu localizar o cativeiro da filha do crime organizado até então inédita.
de Pedrosa e a resgatou ilesa. A facção
havia dado o seu primeiro recado para o Além da transferência dos presos, a deci-
ex-diretor-geral da Casa de Detenção e são do PCC pela rebelião foi motivada por
do anexo de Taubaté. uma série de extorsões praticados por
policiais civis de Suzano, na Grande São
O segundo e último recado chegou na- Paulo, contra mulheres de líderes do pri-
quele final de tarde na forma de 11 dis- meiro escalão do PCC e contra o enteado
paros de pistola calibre 380, todos à de Marcola, filho de sua primeira mulher,
queima-roupa. Pedrosa chegou morto ao a advogada Ana Maria Olivatto. Rodrigo
Hospital Regional do Vale do Paraíba. Olivatto Morais havia sido sequestrado
A Polícia Civil identificou e prendeu três ho- por policiais civis e mantido em cativeiro
mens pelo crime. Todos foram condenados. numa delegacia de Suzano em março de
2005. Os policiais sequestradores exigi-
O Estado nunca providenciou a José Is- ram R$ 1 milhão para libertá-lo. Após ne-
mael Pedrosa a segurança da qual ele gociações, eles concordaram em receber
necessitava, já que era declarado inimigo R$ 300 mil e soltaram Rodrigo.
mortal do PCC. Mas resolveu homenageá
-lo, depois de morto, batizando o CRP de Entre 12 e 20 de maio, a população de
Presidente Bernardes com o nome dele. São Paulo viveu uma semana de inten-
so terror. O PCC matou 42 agentes pú-
blicos, a maioria policiais militares, além
OS ATAQUES DO de policiais civis, agentes penitenciários
PCC EM MAIO DE 2006 e guardas municipais. Integrantes da fac-
Na época do assassinato de Pedrosa, im- ção criminosa se rebelaram em 74 dos
40

portantes líderes do PCC cumpriam casti- 105 presídios de regime fechado no Es-
tado. Os amotinados fizeram 300 reféns. ção que partiram os piores crimes do perí-
O movimento teve adesão de presidiários odo. A maioria das ilegalidades e violências
no Mato Grosso do Sul e no Paraná. partiu justamente de quem deveria garan-
tir o império da lei e deter o monopólio da
Na segunda-feira, 15 de maio, no terceiro violência legítima, ou seja, o Estado.
dia dos ataques, o transporte público parou.
As aulas foram suspensas nas escolas esta- Enquanto os ataques do PCC mataram 42
duais e municipais e também em colégios agentes públicos, uma onda de ataques
particulares. Traficantes de drogas decreta- praticada na sequência multiplicou por dez
ram toque de recolher em diversos bairros o número de mortos, ao provocar a morte
da periferia. Foram queimados 56 ônibus. de 452 civis. Uma boa parte desses ataques

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Delegacias, prédios públicos e postos ban- foi realizada não por criminosos, mas por
cários foram alvos de ataques com bombas policiais, fosse agindo às claras, por meio
caseiras e granadas. A Avenida Paulista, de execuções registradas como “resistência
centro financeiro da capital, por onde pas- seguida de morte”, fosse usando máscaras
sam milhares de pessoas por dia, ficou de- e atuando como grupos de extermínio.
serta. Ninguém queria se arriscar nas ruas.
São Paulo parecia uma cidade fantasma. Análises de estudiosos e denúncias de
entidades de direitos humanos apontam
O governo de São Paulo, para tentar pôr que as centenas de mortes de civis foram
um fim aos atentados, negociou com os uma reação aos ataques do PCC. Isso sig-
chefões do Primeiro Comando da Capital. nifica que, em dez dias, as forças de se-
O então governador em exercício, Cláudio gurança do Estado de São Paulo, em ple-
Lembro, disponibilizou um avião governa- no período democrático, produziram um
mental, com autoridades a bordo, para fa- número de mortos que a ditadura militar
zer acordo com os rebelados. O avião saiu levou 20 anos para produzir.
de São Paulo com destino a Presidente
Prudente. Entre os passageiros estavam Na reunião de emergência convocada
um delegado da Polícia Civil, um coronel para lidar com os ataques do PCC, na noi-
da Polícia Militar e uma advogada. Segui- te do primeiro dia de ataques, em 12 de
ram de carro até Presidente Bernardes, maio, o secretário de Segurança Pública
e, no CRP, pediram para chamar Marco Saulo Castro de Abreu Filho deu a ordem:
Willians Herbas Camacho, o Marcola. “Distribua os armamentos de grosso cali-
bre e vamos partir para cima”49. O resul-
O preso e outros chefes do PCC tinham tado aparece na linha temporal dos ata-
sido internados no RDD logo nos primei- ques: enquanto a maioria das mortes de
ros dias de ataque da facção às forças de agentes públicos se concentrou nos dias
segurança, em represália aos atentados. 12 e 13 e cessaram no dia 18, as mortes de
Depois da conversa dos representantes civis se intensificaram entre os dias 14 e 17
do governo de São Paulo com o presidiá- e continuaram a ocorrer até 21 de maio50.
rio, os ataques cessaram. As rebeliões nos
74 presídios também acabaram. Até hoje “A conclusão principal que se pode de-
o governo nega que tenha feito acordo rivar é que as mortes de civis não acon-
com o crime organizado. teceram fundamentalmente durante os

49 Conforme relato do secretário de Administração Pe-


nitenciária Nagashi Furukawa, mencionado em JUSTIÇA
OS PIORES CRIMES DE MAIO GLOBAL; INTERNATIONAL HUMAN RIGHTS CLINIC
DE 2006: A REAÇÃO DO ESTADO (2011).
50 CARAMANTE, André (org.). Mães em Luta: Dez anos
Apesar da violência dos ataques realizados
41

dos Crimes de Maio de 2006. São Paulo: Nós por Nós,


pelo PCC em maio de 2006, não foi da fac- 2016.
ataques a policiais, como consequência Foi o caso de Ana Paula Santos, grávida
da defesa destes últimos, mas em inter- de nove meses, e de seu marido, Eddie
venções posteriores, que poderíamos Joey de Oliveira, assassinados por um
qualificar como represálias”, escreveu o grupo de encapuzados. Segundo teste-
pesquisador Ignacio Cano, do Laborató- munhas, Ana Paula havia arrancado o ca-
rio de Análise da Violência da Universida- puz de um dos matadores e reconhecido
de do Estado do Rio de Janeiro51. que era policial militar. Os assassinos ati-
raram na cabeça e nas costas de Eddie e
Em seu estudo, Cano identificou indí- depois dispararam na barriga da sua es-
cios do envolvimento de policiais farda- posa, dizendo “filho de bandido, bandido
dos ou encapuzados em 122 execuções, é”. A cesárea de Ana Paula estava marca-

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ocorridas em supostos confrontos ou por da para o dia seguinte. Segundo os lau-
ações de grupos de extermínio. Um es- dos médicos, o bebê, de 48 centímetros,
tudo anterior, feito a pedido do Condepe foi baleado dentro do útero, na mão e no
(Conselho Estadual de Defesa dos Direi- joelho esquerdo. A menina, nunca nasci-
tos da Pessoa Humana) a partir dos da- da, se chamaria Bianca.
dos compilados pelo Cremeps (Conselho
Ana Paula era a caçula de Vera Lúcia dos
Regional de Medicina do Estado de São
Santos. Dias após perder a filha, o genro e
Paulo), indicou que havia indícios de exe-
uma neta que não chegou a nascer, Vera
cução em 60% a 70% em 124 homicídios
foi procurada por outras duas mães, que
registrados pela polícia como “resistên-
também tiveram os filhos mortos naque-
cia seguida de morte”52.
le maio de 2006 em Santos. Uma delas
Embora muito mais numerosos do que os era Débora Maria da Silva, mãe de Edson
ataques do PCC, as matanças realizadas Rogério Silva dos Santos, um gari encon-
pelo Estado em maio de 2006 permane- trado morto com cinco tiros logo após
ceram desconhecidas por boa parte da passar por uma abordagem policial, em
opinião pública, como costuma ocorrer Santos (SP). Rogério levava no bolso o
no Brasil quando as vítimas da violên- holerite do trabalho, que ficou manchado
cia são negras e pobres. Recentemente, de sangue. A outra era Ednalva Santos,
uma reportagem da revista Veja recordou mãe do balconista Marcos Rebello Filho,
brevemente o episódio, afirmando que, morto na saída de uma lan house com
“como reação à execução de agentes de nove tiros disparados por encapuzados.
segurança, a polícia matou a sangue-frio Juntas, Débora, Ednalva e Vera fundaram
dezenas de integrantes do PCC”. Mas as as Mães de Maio, que se tornou um dos
mortes chegaram às centenas, e em mui- principais grupos de defesa dos direitos
tas delas, as vítimas não tinham nada a humanos do Brasil, empenhado em com-
ver com o PCC. Diversos relatos dão con- bater a violência de Estado. Uma de suas
ta de que diversas pessoas foram mortas lutas é para que as violências de 2006
apenas por terem passagem pela polícia “sejam reconhecidas como os Crimes de
ou por estarem andando na rua quando a Maio, e não como ataques do PCC”, como
polícia havia decretado um toque de re- afirma Débora.
colher no local.
Até hoje, a maioria dos crimes do período
51 CANO, Ignácio; ALVADIA, Alberto. Análise dos im-
pactos dos ataques do PCC em São Paulo em maio de praticados pela polícia e pelos grupos de
2006. Rio de Janeiro: Laboratório de Análise da Violên- extermínio permanece impune. Uma das
cia (LAV-UERJ), 2008.
fundadoras das Mães de Maio, Vera Lúcia,
52 FIGUEIREDO, Ricardo Molina de. “Relatório prelimi-
morreu no ano passado, sem ver justiça.
42

nar – casos apresentados como resistência seguida


de morte”. In: Crimes de Maio. Condepe, 2006. Foi em maio.
NA MÍDIA: UM SEQUESTRO cruel com os presos, inconstitucional,
POR UM MANIFESTO que fere o estado democrático de direito
e inverte a lógica da execução penal”. O
O PCC não parava de agir. Na manhã de
interlocutor afirmou que os integrantes
12 de agosto de 2006, homens da facção
do PCC queriam um sistema carcerário
sequestraram o repórter Guilherme Por-
com condições humanas melhores. E re-
tanova e o auxiliar técnico Alexandre Co-
clamou que os presos sofriam humilha-
elho Calado, funcionários da Rede Globo.
ções e espancamentos. Ele pediu, ainda,
A repercussão do sequestro foi imediata e
um mutirão judicial para analisar a situ-
noticiada mundialmente. O PCC assumiu a
ação processual de muitos sentenciados
autoria do sequestro e ameaçou matar os

DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado
que já deveriam estar em liberdade. Res-
dois funcionários da Rede Globo, caso suas
saltou que o sistema prisional brasileiro
exigências não fossem atendidas. À noite,
é um depósito humano e que os presos
os sequestradores libertaram Calado nas
são jogados nas prisões como animais.
imediações da emissora de TV. O auxiliar
O encapuzado encerrou o comunicado
técnico sofreu várias ameaças de morte no
pedindo que providências fossem toma-
cativeiro e foi liberado com uma missão:
das, pois o PCC não iria ficar de braços
entregar um DVD aos seus superiores.
cruzados no sistema prisional. Acrescen-
Portanova permanecia em poder dos cri- tou ainda que a luta do PCC era contra
minosos. A facção ameaçou matá-lo, se os governantes e policiais. Por fim, adver-
o conteúdo do DVD não fosse divulgado tiu: “Não mexam com nossas famílias que
pela tevê. Diretores da Rede Globo fica- não mexeremos com as de vocês. A luta
ram tensos e preocupados, mas procu- é nóis (sic) e vocês”.
ravam deixar claro que a prioridade era
Duas horas depois da divulgação do DVD,
garantir a integridade física de Guilher-
o repórter sequestrado foi libertado.
me Portanova. A emissora consultou or-
ganismos internacionais para decidir se
atendia ou não à exigência do PCC.
P2 DE VENCESLAU: “O ESCRITÓRIO
O conteúdo do DVD foi levado ar à 0h30 DO PARTIDO DO CRIME”
do dia 13 de agosto de 2006, um domin- Marcola e sua turma continuaram cum-
go. O âncora César Tralli explicou que prindo castigo no CRP de Presidente
Portanova continuava em poder de se- Bernardes, sob a tranca-dura do RDD.
questradores e que a condição para a li- Mesmo isolados em celas individuais, os
bertação dele era a divulgação, na ínte-
líderes da facção conseguiram articular
gra, do DVD. O vídeo tinha três minutos e
seus planos.
meio. As imagens mostravam um homem
encapuzado, segurando um papel e len- No dia 5 de novembro de 2006, ao me-
do as reivindicações do Partido do Crime. nos 40 dos 61 presidiários iniciaram uma
Ao fundo aparecia a seguinte pichação greve de fome. Os demais não aderiram
em letras maiúsculas e escrita com tinta ao movimento, pois ficaram encarrega-
preta: “O PCC luta pela justiça”. dos de passar informações para os fami-
liares nos dias de visita.
O encapuzado iniciou a leitura informan-
do que era do PCC e que aquele foi o A greve foi em protesto contra a ins-
único meio encontrado para transmitir o talação de chapas de aço, tela e vidro
recado da facção à sociedade e ao go- nas janelas das celas, impedindo quase
verno. A primeira crítica foi ao RDD, ao que totalmente a entrada de ar. Muitos
43

qual classificou de “regime de castigo detentos tiveram de ser atendidos na


enfermaria por causa de problemas res- nematográficos, mandava matar inimigos
piratórios. Algumas celas tinham sido e criava novas células53.
reformadas. O cheiro de tinta era forte
Tudo isso era feito graças ao uso do te-
em muitas delas e isso causou os pro-
lefone celular nas celas, que circulava à
blemas de saúde nos presidiários. Mar-
vontade nas celas. A tolerância em rela-
cola foi um dos grevistas.
ção ao uso dos celulares nasceu de uma
O movimento durou 13 dias e terminou estratégia adotada pelas autoridades,
em 17 de novembro de 2006. Ninguém foi que achavam que seria mais útil intercep-
punido. A SAP atendeu parcialmente as tar e monitorar as conversas dos presos
reivindicações dos grevistas. Foram ins- para saber o que o PCC estava planejan-

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talados quatro exaustores eólicos (ven- do do que apreender os aparelhos.
tiladores) nos pavilhões onde ficavam as
Sob a coordenação do Gaeco de Presi-
celas dos grevistas. dente Prudente, policiais militares conti-
Após essas ações, o CRP de Presiden- nuaram, durante mais dois anos, intercep-
te Bernardes ficou praticamente vazio. tando as ligações telefônicas dos líderes
Pouca gente era removida para o RDD. do PCC presos na P2 de Venceslau. A PM
Para especialistas da área de segurança e a Rota monitoravam as conversas dos
pública e para agentes penitenciários, o chefões da facção criminosa.
governo e a SAP tinham medo de pedir a A estratégia do Gaeco de Presidente
internação de líderes do PCC no Regime Prudente, porém, foi como um tiro que
Disciplinar Diferenciado. O temor era de saiu pela culatra. Com o telefone celular,
novos ataques, rebeliões e destruições os chefões do PCC controlaram todos os
de presídios. negócios ilícitos da organização, dentro
do escritório-sede do grupo, na P2 de
A P2 de Presidente Venceslau acabou
Venceslau. Montaram a Sintonia dos Gra-
por se tornar o escritório-sede do PCC no
vatas, formada por ao menos 40 advo-
sistema prisional paulista.
gados, para cuidar de processos judiciais,
As regras de disciplina locais eram du- da defesa de seus integrantes e de outros
ras. As visitas ficavam trancadas nas ce- assuntos de interesse da organização, e
las. Ninguém era poupado. Nem idosos e a Sintonia dos Outros Estados e Países,
crianças. Quando saíam do xadrez para o encarregada de gerenciar os negócios do
pátio, os presos eram rigorosamente vi- PCC fora de São Paulo e até no exterior.
giados por homens do GIR armados de
O telefone móvel havia se mostrado uma
escopetas, pistolas, espingardas calibre
das principais armas em poder da maior
12 e acompanhados por cães ferozes. O facção criminosa brasileira. E com a coni-
banho de sol era de três horas. vência do Ministério Público, mais espe-
Apesar da dureza, a P2 de Presidente cificamente do Gaeco de Presidente Pru-
Venceslau ainda tinha regras menos rígi- dente e sua central de escutas telefônicas
das do que o RDD de Presidente Bernar- operada por policiais militares.
des ou do que os presídios que o governo Somente em janeiro de 2014 o governo
federal havia começado a inaugurar em instalou bloqueador de celular na P2 de
2006. Assim, depois que foi isolada na Venceslau. Por sua vez, o Gaeco conse-
P2, naquele mesmo ano, a liderança do 53 JOZINO, Josmar; CRUZ, Maria Teresa. Como o Gover-
PCC passou a comandar da prisão os ne- no de SP assistiu a uma penitenciária virar sede do PCC.
Ponte Jornalismo, 14/12/2018. Disponível em < https://
gócios ilícitos da organização. Controlava
44

ponte.org/como-o-governo-de-sp-assistiu-uma-peniten-
o tráfico de drogas, planejava assaltos ci- ciaria-virar-sede-do-pcc>
guiu desarticular os integrantes das no- dos pela Justiça. Na época, agentes pe-
vas células criadas pelo PCC, em duas nitenciários realizaram protesto em cinco
operações, a Ethos, contra os advogados unidades prisionais.
da facção, e a Echelon, contra a Sintonia
Foi de dentro da P2 de Venceslau que o
dos Outros Estados e Países.
PCC planejou a morte de mais um fun-
Mas já era tarde. O PCC havia consolida- cionário do sistema prisional. A ação foi
do seu poder. A essa altura, a hegemonia considerada como mais uma forma de in-
do Partido do Crime era nacional e trans- timidar e amedrontar as autoridades pri-
nacional. sionais por causa das regras de disciplina
naquela unidade e também no CRP de

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Presidente Bernardes.
XEQUE-MATES
A vítima escolhida pelo grupo crimino-
E foi de dentro da P2 de Venceslau que so foi o agente penitenciário Denilson
o PCC planejou outras mortes. A vítima Dantas Jerônimo, de 36 anos. Ele havia
seguinte seria o diretor-geral do CDP de trabalhado um mês na P2 de Venceslau,
Mauá, Wellington Segura. Os detentos de 1º de dezembro a 31 de dezembro de
afirmavam que ele tratava mal as mu- 2007. Denilson também foi integrante de
lheres e mães de presidiários. Também um grupo odiado pelos detentos, o GIR,
diziam que Segura agredia os detentos Grupo de Intervenção Rápida, formado
com tapas no rosto e usava armas para por agentes penitenciários para controlar
dar coronhadas na cabeça dos presos. rebeliões e revistar celas atrás de armas
Mas, para a SAP, Segura era um funcio- e drogas. E trabalhava no CRP de Presi-
nário exemplar e trabalhava com a finali- dente Bernardes, a cadeia “tranca dura”
dade de garantir a segurança da unidade. ou “cemitério dos vivos”.
Os torres (chefes) do PCC no CDP de Na noite de 3 de maio de 2009, Jerôni-
Mauá telefonaram para os líderes da fac- mo foi baleado na frente de casa, quando
ção na P2 de Venceslau e relataram os voltava de um show de música sertaneja,
casos de agressões. Em um julgamento e morreu a caminho do hospital.
rápido, o Tribunal do Crime, instalado na
P2 de Presidente Venceslau, condenou O autor do assassinato foi identificado
Segura à “pena capital”. Era mais um xe- e preso em 27 de maio de 2010. A Po-
que-mate, como são chamadas as sen- lícia Civil chegou até o acusado graças
tença de morte decretadas pela facção. ao depoimento de um importante líder
do PCC, outrora reverenciado pela massa
Segura foi executado com 22 tiros na noi- carcerária e pela liderança da facção cri-
te de 26 de janeiro de 2007, dentro de minosa. Depois desse depoimento pres-
seu carro, no Parque Santista. A Polícia tado à Justiça, a antiga liderança acabou
Civil conseguiu chegar aos autores do excluída do grupo. Não satisfeito com a
crime graças às investigações e às escu- exclusão, o PCC ainda matou a mulher
tas telefônicas autorizadas pela Justiça. dele como vingança pela delação. Ela foi
executada a tiros na frente da filha, uma
Numa das ligações interceptadas pelos
criança. Era mais um xeque-mate.
policiais, um interlocutor conversa com
um parceiro usando o seguinte código:
“O baile funk foi feito”. Era o aviso de que
o diretor-geral do CDP de Mauá estava
A ROTA NA RUA – CONTRA O PCC
morto. Os envolvidos na morte de Segura Os homens da tropa de elite da PM rece-
45

foram identificados, julgados e condena- beram “carta branca” para investigar as


ações do Primeiro Comando da Capital. na avenida Tiradentes, região central de
A autorização partiu do então secretário São Paulo. Foi assim que policias militares
estadual da Segurança Pública, Antônio da Rota começaram a seguir os passos de
Ferreira Pinto. vários integrantes do Primeiro Comando
da Capital que estavam em liberdade ou
Antes de assumir esse cargo, em março
foragidos no Estado de São Paulo. Vários
de 2009, ele era secretário estadual da
deles acabaram mortos.
Administração Penitenciária. O convite
para comandar a SAP havia sido feito Um deles era Fábio Fernandes da Silva,
em maio de 2006, logo depois da maior o Vampirinho, conhecido assaltante de
onda de ataques promovida pelo PCC em bancos e de joalherias. Ele sempre foi

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São Paulo. muito conceituado e respeitado no mun-
do do crime. Na noite de 17 de maio de
O governador Geraldo Alckmin apostava
2010, Vampirinho, enquanto dirigia uma
suas fichas em Ferreira Pinto. E por isso
BMW vermelha na Radial Leste, na capital
o convidou para assumir a SSP. No lugar
paulista, foi fechado por uma picape ver-
dele, na SAP, foi nomeado o adjunto Lou-
melha no momento em que uma viatura
rival Gomes.
da Rota se aproximava. Poucos minutos
Na década de 90, quando o PCC surgiu, depois da colisão, quatro tiros foram dis-
ambos trabalhavam, no sistema prisional. parados. Vampirinho estava morto.
Ferreira Pinto era secretário-adjunto da
A namorada de Vampirinho, uma jovem
SAP e Gomes chefiava a Coesp (Coorde-
de 26 anos, que estava no carro com ele,
nadoria Estadual dos Estabelecimentos
deu dois depoimentos sobre o crime. No
Penais). Agentes penitenciários afirmam
primeiro, disse que Vampirinho estaria ar-
que os dois nada fizeram à época para
mado no momento em que foi baleado.
impedir o crescimento do Primeiro Co-
Na segunda vez, a moça deixou claro que
mando da Capital.
o namorado não estava armado e que foi
Ao assumir o cargo de chefão da SSP, uma executado pelos PMs. A jovem afirmou
das primeiras medidas de Antônio Ferrei- que havia se sentido coagida pelos poli-
ra Pinto foi a escolha do tenente-coronel ciais militares a mentir.
Paulo Telhada para comandar a Rota.
Os boinas pretas, como são chamados os
Paralelamente, uma central de escutas policiais militares da Rota, mataram ou-
telefônicas foi montada na sede do CPI- tros líderes do PCC em circunstâncias se-
8 (Comando de Policiamento Militar do melhantes, sempre alegando que houve
Interior-8) sediado em Presidente Pru- resistência e troca de tiros.
dente. PMs daquela unidade foram au-
Outra vítima dos PMs da Rota foi Fábio
torizados a monitorar os presos do PCC,
Santos de Oliveira, 25 anos, o Gordex,
principalmente a liderança da facção re-
parceiro de Vampirinho, morto na ma-
colhida na P2 de Venceslau.
drugada de 2 de setembro de 2010 em
Ferreira Pinto havia colocado a Polícia Itaquera, na zona leste da capital.
Militar à frente das ações de investigação
O rapaz foi acusado de ter tentado ma-
e combate ao crime organizado, deixan-
tar o tenente-coronel Telhada, então
do de lado a Polícia Civil.
comandante da Rota, praticamente um
As informações detalhadas das intercep- mês antes, em 31 de julho. O suposto
tações eram repassadas para a Base To- atentado aconteceu em frente à casa do
46

bias de Aguiar, quartel-general da Rota, oficial da PM, na zona norte. Na ocasião,


Telhada contou à polícia que saía de sua que Vampirinho e Gordex foram executa-
residência com seu veículo Mitsubishi dos por homens da Rota.
Pajero, quando um homem em um Cor-
O então tenente-coronel Telhada chegou
sa passou atirando. Segundo ele, havia
a dizer em entrevista coletiva que reco-
dois desconhecidos no carro. O atirador
disparou 11 vezes. Nenhum tiro acertou o nheceu Gordex como o homem que ten-
tenente-coronel. tou matá-lo. O nome do comandante da
Rota estava em evidência e em constante
Na madrugada seguinte, a Rota anuncia- destaque na mídia. Por isso, ele passou
va à imprensa que o quartel da tropa, na a ser considerado uma espécie de herói
avenida Tiradentes, também havia sido para alguns setores da sociedade e não

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alvo de ataque a tiros. Os PMs que cuida- teve dificuldades para se eleger ao cargo
vam da segurança do prédio informaram de vereador por São Paulo, nas eleições
que mataram um suspeito. municipais de 2012, e, dois anos depois,
para deputado estadual. Foi um dos par-
A Rota chegou a dizer que o suspeito
lamentares mais votados.
morto era integrante do crime organiza-
do. A Polícia Civil, no entanto, apurou que Na gestão de Telhada à frente da Rota, os
o morto não pertencia a nenhuma facção boinas pretas mataram outros líderes do
criminosa e trabalhava com a hipótese de PCC em diversas ações. Os milicianos in-
que não houve nenhum atentado contra vadiram o sítio de Roberto Soriano, o Ti-
o quartel, mas sim uma farsa. riça, em Itatiba, no Interior, na tarde de 7
de maio de 2011. A ação foi coordenada
Os PMs que admitiram ter matado o suspei-
pelo então major Dimas Mecca. Ele tam-
to foram denunciados à Justiça pelo Minis-
bém participou da Operação Castelinho.
tério Público, por homicídio, e vão a júri po-
Foi eleito deputado estadual por São Pau-
pular. O processo continua em andamento.
lo nas eleições gerais no ano passado. No
Tanto Vampirinho quanto Gordex tiveram sítio de Itatiba foram mortos três homens
várias ligações interceptadas por PMs de e presos outros quatro. Os PMs novamen-
Presidente Prudente, a serviço do Gaeco, te alegaram que houve troca de tiros.
do Ministério Público Estadual, daquela
Um dos mortos era Ilson Rodrigues de
cidade. As informações sobre as escutas
Oliveira, o Teia, braço direito de Tiriça,
eram sempre repassadas aos PMs da Rota.
apontado como o segundo homem na
Também foi dessa maneira que os boinas hierarquia do PCC. Tiriça havia passado
pretas passaram a seguir os passos de pela P2 de Presidente Venceslau.
Gordex. Na madrugada de 2 de setembro
Em 18 de novembro de 2011, Telhada se
de 2010, os PMs da Rota seguiram o carro
aposentou e deixou o comando da Rota.
dele na avenida Jacu Pêssego.
Em seu lugar assumiu o tenente-coronel
Gordex foi perseguido até o prédio onde Salvador Modesto Madia, um dos 116 PMs
morava, em Itaquera. Ele foi morto a tiros. acusados de participar do Massacre do Ca-
Os PMs alegaram que ele resistiu à prisão. randiru. A Rota não parou de matar os inte-
As fitas do circuito de câmeras do edifí- grantes do PCC sob o comando de Madia.
cio foram levadas pelos PMs.

Os policiais acusados de envolvimento na


morte de Gordex também foram denun-
OS CONFLITOS DE 2012
ciados por homicídio e vão a júri popular. O segundo semestre de 2012 foi marca-
47

Para a Polícia Civil, não havia dúvidas de do por um novo conflito entre a polícia e
o crime organizado, o mais grave desde havia parado na rodovia porque um dos
maio de 2006. Um conflito em que, mais policiais estava com cãibras. A versão
uma vez, os moradores dos bairros peri- convenceu o tribunal do júri por duas
féricos foram as maiores vítimas e as for- vezes. Primeiro, os três PMs foram ab-
ças de segurança do Estado, os principais solvidos num julgamento realizado cinco
matadores. meses após o crime. A pedido do Minis-
tério Público o julgamento foi anulado, e
O governo de São Paulo, sob o comando um novo júri ocorreu em 2014. Uma das
do governador Geraldo Alckmin (PSDB), testemunhas de defesa foi o empresário
prosseguia com a política de usar infor- e apresentador de tevê Roberto Justus,
mações obtidas nos grampos telefônicos

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que se manifestou a favor do sargento
feitos pelo Ministério Público na P2 de Nogueira, afirmando que o acusado fazia
Venceslau para assassinar lideranças do a segurança de sua família havia mais de
PCC nas ruas. 15 anos. Todos terminaram inocentados.
Em 12 de abril de 2012, os boinas pretas Independente das decisões da justiça, o
da Rota mataram o traficante Marcos Au- PCC havia dado seu veredito dias após a
rélio do Patrocínio, o Nego Cora, chefe morte de Minhano, abrindo a temporada
do PCC na Favela de Paraisópolis. Mas a de caça aos policiais militares. Na P2 de
gota d’água, para o PCC, veio no mês se- Presidente Venceslau, Tiriça prometeu vin-
guinte, na noite de 28 de maio de 2012, gar as mortes de seus parceiros. Segundo
quando a Rota matou seis homens em o Gaeco de Presidente Prudente, um bi-
um bar na Penha, zona leste. lhete escrito por Tiriça, contendo nomes
de PMs da Rota que deveriam ser mortos,
Entre os mortos estava Anderson Minha-
foi encontrado na P2 de Venceslau.
no, homem forte do PCC. Baleado no bar,
Minhano foi socorrido por três policiais O número de policiais militares assassina-
militares da Rota e levado para um pron- dos disparou. Segundo dados publicados
to-socorro em Guarulhos, onde chegou no Diário Oficial, 88 PMs da ativa foram
morto. É que, no meio do trajeto entre o mortos no Estado de São Paulo em 2012,
bar e o hospital, os policiais haviam feito contra 56 no ano anterior. Incluindo os da
uma parada. Uma testemunha viu a via- reserva, foram 106 no total.
tura da Rota parada no acostamento da
Rodovia Ayrton Senna e ligou 190. Na li- Dessa vez, os ataques deslanchados pelo
gação, contou o que viu: “Ai, mais tiro, ai, PCC naquele ano foram mais discretos
meu Deus! Ele está atirando e vai atirar e direcionados do que os de 2006. Não
de novo. Ai, misericórdia! Ai, Jesus, mais houve rebeliões nos presídios nem ata-
tiro! Isso é à queima-roupa, mesmo, viu”. ques a prédios públicos. As ações ocor-
riam nas ruas, quase que exclusivamente
Mesmo o ex-secretário Ferreira Pinto ad- contra policiais militares sozinhos. Po-
mite que a Rota praticou um crime nesse diam ser confundidas com assaltos.
episódio. “Assim que fiquei sabendo, li-
guei para o comandante-geral da PM e fa- As vítimas eram mortas em seu horário
lei: ‘prende os caras’. Para mim, aquilo foi de folga, pelo único motivo de serem
uma execução”, declarou (PINTO, 2014). policiais militares. Uma delas, a soldado
Marta Umbelina da Silva de Moraes, uma
A defesa dos PMs negou o crime, dizen- PM de perfil administrativo, levou dez ti-
do que a testemunha não teria condições ros ao chegar em casa, na Vila Brasilân-
de visualizar uma execução da distância dia, zona norte da capital, diante da filha
48

em que estava, e alegou que a viatura de 11 anos, em 3 de novembro.


Como em maio de 2006, os ataques do do hospital ou de “socorrer” cadáveres
PCC foram violentos e covardes. E, tam- ao pronto-socorro apenas para prejudi-
bém como ocorreu em maio de 2006, a car a perícia.
resposta do Estado conseguiu ser mais
A resolução foi assinada quatro dias de-
criminosa do que a dos criminosos. As
pois de um grupo de encapuzados come-
periferias da Grande São Paulo passaram
ter uma chacina com 14 mortos no Jardim
a ser assombradas pela ação de grupos
Rosana, na zona sul da capital. Ninguém
de extermínio, que se manifestavam na
foi punido pelo crime54.
forma de homens encapuzados que, de
motocicleta ou automóvel, passavam ati- Ao longo dos anos seguintes, as chaci-
rando aleatoriamente em moradores de

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nas praticadas por grupo de extermínio
bairros pobres. Os matadores encapuza- como retaliação às mortes de policiais
dos apareciam horas depois nas imedia- se tornaram corriqueiras. Foi a dinâmica
ções de onde um PM houvesse sido bale- que deu origem à maior chacina da histó-
ado ou morto (SALVADORI; CARDOSO, ria de São Paulo, a de Osasco e Barueri,
2014 e DIAS, 2015). ocorrida em 2015, com 23 mortos. A ma-
tança teria sido motivada pelas mortes
Dois dias após a morte de Marta Umbe-
de um PM e de um guarda civil, ocorridas
lina, por exemplo, a dois quilômetros do
dias antes.
local onde ela havia sido baleada, um Cel-
ta prateado se aproximou de um grupo E o PCC? Os crimes de 2012 tiveram
de jovens em uma esquina e disparou ale- consequências para a facção. Tiriça, que
atoriamente. Dos três baleados, apenas teria ordenado os ataques, foi enviado
um sobreviveu. O crime ocorreu a cerca para o Presídio Federal de Rondônia, em
de 100 metros de onde estava uma via- Porto Velho, em novembro de 2012, jun-
tura policial. tamente com Francisco Antonio Cesário
da Silva, o Piauí.
O padrão de ataques em vingança contra
a morte de policiais se repetiu ao longo Tiriça e Piauí foram os primeiros presos
de todo o semestre. Era uma vingança do alto escalão do PCC a serem removi-
simbólica, pensada para mandar um re- dos para uma prisão federal. Por muitos
cado. As vítimas dos grupos de exter- anos, seriam os únicos.
mínio frequentemente não tinham qual-
quer relação com as mortes dos policiais.
Haviam cometido apenas o crime de ser
pobre e morar próximo ao local onde um
PM havia sido abatido.

A onda de violência só chegou ao fim de-


pois que Ferreira Pinto deixou o cargo,
em novembro de 2012, e foi substituído
por Fernando Grella Vieira, o primeiro
secretário da Segurança Pública em dez
anos a tentar adotar algumas medidas,
ainda que tímidas, na direção da redução
da violência policial. A principal foi a Re-
54 CARAMANTE, André. Após três anos, chacina do
solução nº 5, de 8 de janeiro de 2013, que Jardim Rosana vira símbolo da impunidade da PM de
proibiu policiais de resgatarem baleados SP. Ponte Jornalismo, 20/1/2016. Disponível em <https://
ponte.org/reportagem-especial-apos-tres-anos-chaci-
em supostos confrontos, para evitar as
49

na-do-jardim-rosana-vira-simbolo-da-impunidade-da
práticas de executar feridos a caminho -pm-de-sao-paulo/>
3

PERNAMBUCO:
O PACTO QUE

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QUASE FUNCIONOU
Quando os homicídios explodiram na re- mentado, em 2008, o estado registrou
gião Nordeste, a partir da década pas- 4.634 homicídios. O número começou a
sada, o estado de Pernambuco primeiro cair e, em 2013, atingiu o ponto mais bai-
se mostrou uma bem vinda exceção, que xo da década, com 3.100 mortes56.
contrariou a tendência geral e conseguiu
Implementado em 2008, o Pacto pela
reduzir seus crimes contra a vida, por
Vida se baseava no Compstat, da cidade
meio de políticas públicas integradas e
de Nova York, uma ferramenta de gestão
vontade política. Num segundo momen-
de polícia, baseada em território e voltada
to, porém, a tendência se reverteu e os
para a resolução de problemas por meio
pernambucanos viram os homicídios au-
de evidências e informações. O progra-
mentarem em seu estado como no res-
ma buscava “um incremento da identifi-
tante da região.
cação e detenção de pessoas envolvidas
Os estados do Nordeste se tornaram a na produção de mortes violentas ou pas-
capital do homicídio no país. Conside- síveis de serem mortas”, segundo estu-
rando apenas o grupo mais atingido por do57 de Jean Daudelin e de José Luiz Rat-
esse crime, os adolescentes, o índice de ton, coordenador do Núcleo de Estudos
assassinatos dobrou em relação a 2005 e Pesquisas em Políticas de Segurança
e, em 2014, chegou a 6,5 — ou seja, para da Universidade Federal de Pernambu-
cada mil adolescentes que completam co, que foi assessor especial do governo
12 anos, mais de 6 são mortos antes de Campos na construção do programa de
completarem 19 anos55. segurança pública.

Com o programa Pacto pela Vida, o go- O Pacto pela Vida introduzia uma novi-
verno Eduardo Campos, do PSB (2007- dade na gestão de segurança pública ao
2012), conseguiu contrariar as estatísticas 56 PASSOS, Paula. Por que o ‘Pacto Pela Vida’ em
da região. Quando o programa foi imple- Pernambuco fracassou. Ponte Jornalismo, 18/3/2019.
Disponível em <https://ponte.org/por-que-o-pacto-pe-
55 NAÇÕES UNIDAS. UNICEF: homicídios de adoles- la-vida-em-pernambuco-fracassou>
centes batem recorde; Nordeste registra índices mais
altos de violência. Nações Unidas do Brasil, 11/10/2017. 57 RATTON, José Luiz; DAUDELIN, Jean. Construction
Disponível em <https://nacoesunidas.org/unicef-homici- and Deconstruction of a Homicide Reduction Policy: The
50

dios-de-adolescentes-batem-recorde-nordeste-registra Case of Pact for Life in Pernambuco, Brazil. International


-indices-mais-altos-de-violencia/> Journal of Criminology and Sociology,2018, 7, 173-183.
deslocar o poder para uma instância não consolidação de facções para se aliar ou
-policial, a Secretaria de Planejamento fazer oposição ao PCC.
do Governo (SEPLAG), ligada diretamen-
A prisão do assaltante e traficante de
te ao governador do estado. A partir da
drogas Sidney Romualdo, em Recife, em
Seplag, o programa buscava integrar as
julho de 2005, foi o primeiro indício da
Polícias Militar e Civil, além do Judiciário
presença de integrantes do PCC em ter-
e do Ministério Público, para investir na
ras pernambucanas. Nascido na Paraíba,
identificação e repressão de grupos cri-
mas criado em Diadema, na Grande SP,
minosos que matavam em Pernambuco,
Sidney Romualdo foi preso com outros
fossem traficantes ou policiais.
dois homens na capital pernambucana

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A política integrada também buscou iden- sob a acusação de envolvimento no se-
tificar e punir os matadores, por meio da questro do gerente de uma agência do
expansão e do fortalecimento do Depar- Banco do Brasil em Natal (RN).
tamento de Homicídios e Proteção à Pes-
O criminoso foi levado para a Peni-
soa (DHPP). Com isso, o Estado buscava
tenciária Barreto Campelo, em Itamara-
o envio de uma mensagem de que matar
cá. No ano seguinte, ele foi ouvido por
deixa de ser um bom negócio porque a
deputados da CPI do Tráfico de Armas.
chance de ser preso aumentou muito.
Segundo os parlamentares, Sidney Ro-
A partir de 2013, porém, o programa co- mualdo foi escolhido pelo líder do PCC,
meçou a fazer água, por conta da resistên- Marco Willians Herbas Camacho, para co-
cias das corporações policiais em relação ordenar uma importante missão em Per-
ao controle externo de sua atividade e das nambuco. Os deputados federais apura-
preparações do governador Eduardo Cam- ram que ele foi designado para recrutar
pos para as eleições presidenciais de 2014, jovens sem antecedentes criminais para a
na qual seria um dos candidatos. A política prática dos mais variados crimes no Nor-
de segurança pública não conseguiu mais deste, especialmente tráfico de drogas e
caminhar com as próprias pernas sem a roubos a bancos e carros-fortes.
presença da “liderança carismática” do go-
Para o então sub-relator da CPI do Tráfi-
vernador Campos, mesmo porque o Pac-
co de Armas, Raul Jungmann, que anos
to Pela Vida não tinha feito toda sua lição
depois se tornaria ministro da Defesa e
de casa. Ações fundamentais para manter
da Segurança Pública do governo Michel
a queda nos homicídios deixaram de ser
Temer (PMDB), o PCC decidiu marcar a
realizadas, entre elas os investimentos em
presença da facção em Pernambuco por
políticas de prevenção da violência nos
dois motivos: o Estado é o maior produtor
territórios mais pobres, como a proteção
de maconha no País e também um gran-
social de usuários de drogas em situação
de entreposto de armas procedentes do
de vulnerabilidade (RATTON, 2018).
Suriname. Na época, Jungmann afirmou
Dali para a frente, tudo piorou. Em 2017, que o PCC já contava com 41 integrantes
Pernambuco registrou 5.426 mortes, um em Pernambuco.
aumento de 75% na comparação com 2013.
A Polícia Civil pernambucana descobriu
Ao lado desse processo, Pernambuco que Sidney Romualdo tinha planos para
também sofria com o impacto da expan- incendiar ônibus, matar policiais, bombei-
são do Primeiro Comando da Capital pe- ros e agentes penitenciários e comandar
los estados do Nordeste, um movimento rebeliões em presídios do Estado. O obje-
que gerava reações no crime organiza- tivo era impor o terror em Pernambuco e,
51

do local, estimulando o surgimento ou a com isso, conseguir a hegemonia do PCC


nas prisões e nas ruas e ainda comandar são, de um total, de 75, além de outros 55
o tráfico de drogas e de armas naquele de busca e apreensão.
Estado. A receita era a mesma que a fac-
ção havia aplicado em São Paulo, seu es- Azevedo não chegou a ser preso naquela
tado de origem, a partir de 2001. ocasião. Segundo o Gaeco, ele era subor-
dinado à célula do PCC conhecida como
Além de Sidney Romualdo, os deputados Sintonia dos Outros Estados e Países. Os
da CPI do Tráfico de Armas ouviram outros chefes desse setor eram Cláudio Barba-
dois presos em Pernambuco: Robson Bar- rá da Silva, o Barbará, e Célio Marcelo da
bosa, de São Paulo, e Michel Prathynny, de Silva, o Bin Laden. Ambos são homens
Caruaru, também foram apontados pelos do primeiro escalão do PCC e cumpriam

DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado
parlamentares como integrantes do PCC. pena na Penitenciária 2 de Presidente
Venceslau, no mesmo raio onde Marcola,
Segundo o presidente do Sindasp (Sindi-
o líder máximo do grupo, estava recolhi-
cato dos Agentes de Segurança Peniten-
do. Os três foram transferidos para presí-
ciária de Pernambuco), João Batista de
dios federais.
Carvalho Filho, em entrevista em 18 de fe-
vereiro de 2019, existem hoje quatro fac- O Gaeco interceptou várias ligações te-
ções criminosas no Estado. Três delas são lefônicas de Azevedo. E apurou que ele
nacionais: PCC, de São Paulo, Comando ocupava o cargo de “ponteiro” no PCC,
Vermelho, do Rio de Janeiro, e Okaida, da ou seja, era o responsável pelos batismos
Paraíba. A quarta organização criminosa dos novos integrantes da facção. Outras
de Pernambuco é estadual e se chama atribuições de Azevedo eram fazer o elo
Bonde dos Cachorros. Segundo Carvalho entre a liderança da organização e agen-
Filho, o PCC tem integrantes em todos tes públicos que demonstravam disposi-
os 23 presídios pernambucanos. O Esta- ção para colaborar com o grupo crimino-
do abriga 32.505 detentos, sendo 19.500 so, além de controlar o tráfico de drogas
condenados e 13.005 provisórios. Do to- e executar inimigos do PCC.
tal, 31.090 são homens e 1.415, mulheres.
Após ser preso, Azevedo disse, em depoi-
Sidney Romualdo não foi o único integran- mento à Polícia Federal, que fugiu para
te da cúpula paulista do PCC a ser pre- Caruaru depois de ficar escondido em
so em Pernambuco. Renato Carvalho de Campinas, no interior de São Paulo. Ele se
Azevedo, 28 anos, o Fuzil, foi detido em 18 refugiou porque era procurado por poli-
de dezembro do ano passado em Caruaru, ciais responsáveis pela operação Echelon.
no agreste pernambucano. O Ministério
Público do Estado de São Paulo considera Com Azevedo os agentes apreenderam
Azevedo como um criminoso de altíssima uma pistola calibre 380, dois carregado-
periculosidade. Ele foi preso em uma ação res, munição, quatro facas, seis aparelhos
conjunta da Polícia Federal e das Polícias de telefone celular, 70 gramas de maco-
Militares pernambucana e paulista. nha, além de três carros e uma moto com
chassis adulterados. No depoimento, o tra-
Azevedo era investigado pelo Gaeco de ficante de drogas acrescentou aos agentes
Presidente Prudente. Ele foi denuncia- federais que “perdeu a conta de quantas
do pelo Ministério Público na operação pessoas assassinou com arma de fogo ou
Echelon, que investigou a atuação de in- por enforcamento a mando do PCC”.
tegrantes do PCC fora de São Paulo e do
Brasil. A operação foi deflagrada em ju- Contra o criminoso, havia quatro manda-
nho do ano passado em 14 Estados. Os dos de prisões em aberto. Ele foi acusa-
52

agentes cumpriram 63 mandados de pri- do pelos crimes de porte ilegal de arma,


posse de drogas, lavagem de dinheiro e conha e também por sediar um importan-
ocultação de bens. Segundo agentes fe- te porto, usado pela facção para exportar
derais, Azevedo contou ainda que recebia cocaína à África e à Europa e importar
ajuda financeira do Primeiro Comando da armas do Suriname.
Capital para seu sustento. Foi a terceira
vez que o criminoso acabou preso. Em 2011, uma investigação da Polícia Fe-
deral constatou que as rotas do narco-
Para o promotor Lincoln Gakiya, do Gae- tráfico se voltavam cada vez mais para
co de Presidente Prudente, em entrevista os portos brasileiros. No mesmo ano, os
realizada em Presidente Prudente, em 12
agentes apreenderam 530 kg de cocaí-
de dezembro de 2018, integrantes do PCC

DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado
na no porto pernambucano de Suape. O
preferem ficar escondidos nas capitais
destino da droga seria a África. A cocaína
nordestinas por causa do grande número
estava escondida em contêineres onde
de turistas, o que dificulta uma possível
captura do foragido. Mas esse não é o úni- havia carregamentos de gesso. O Porto
co motivo. Segundo o promotor, o deslo- de Suape é considerado o mais movi-
camento dos integrantes da facção para mentado do Nordeste.
as regiões nordestinas visa principalmen- Policiais federais responsáveis pela inves-
te a conquista de territórios para o forta-
tigação suspeitavam, na época, que a co-
lecimento do tráfico de drogas.
caína teria vindo da Colômbia, passando
O Estado de Pernambuco é importante pelo Caribe, e que do porto de Suape se-
para o PCC por causa do Polígono da Ma- guiria para o continente africano.

53
4

CEARÁ:
DAS GANGUES

DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado
ÀS FACÇÕES
NO COMEÇO ERAM AS GANGUES demonstrar, publicamente, que ‘se ga-
rantem’, compartilhando códigos cons-
O cenário do crime organizado no Ceará titutivos de uma linguagem própria e
começou a mudar há cerca de dez anos, maneiras peculiares de estabelecer suas
com a chegada ao estado das facções relações dentro e fora do seu território.
nacionais ligadas ao tráfico de drogas e As gangues se encontravam nas ruas ou
armas, que ampliavam seu poderio para em bailes funks para trocar socos, pedra-
além de suas fronteiras originais de São das e, no máximo, ‘[...] alguém se armava
Paulo e Rio de Janeiro. Nos territórios pe- com um pedaço de pau e ferro’, explicou
riféricos e empobrecidos de Fortaleza, as um morador do Conjunto Ceará. Esses
facções encontraram gangues formadas grupos eram compostos por ‘cabras-ma-
por jovens, que após esse encontro pas- chos’, que ‘se garantiam’ e afirmavam sua
sariam por uma profunda transformação. masculinidade diante de outros homens,
heterossexuais e viris”58.
As gangues de Fortaleza aparentemen-
te surgiram na década de 90, a partir de Dentre os fatores de surgimento ou ex-
coletivos de jovens, divididos por bairros pansão das gangues destacam-se pro-
e que cultivavam “rixas”. Uma gangue de cessos de exclusão social, cultura da
um determinado bairro tinha rixa com ou- violência, crescimento urbano rápido e
tro bairro, e assim por diante. O domínio desordenado, desorganização comunitá-
sobre o território era o fundamento de ria, dinâmicas violentas e dificuldades de
todas as ações. O uso de uma linguagem construção da identidade pessoal.
própria, de pichações e tatuagens eram Ao se instalarem no Ceará, as facções
meios de identificação não só de seus nacionais trouxeram novas modalidades
membros, mas das áreas pertencentes a de crime, como assaltos a bancos, explo-
cada uma das gangues. sões de caixas eletrônicos, que resulta-
De acordo com PAIVA (2019), “as perife- 58 PAIVA, Luiz Fábio S. Aqui não tem gangue, tem fac-
rias de Fortaleza, nos anos de 1990, eram ção: as transformações sociais do crime em Fortaleza,
Brasil. Cad. CRH. 2019, vol.32, n.85, pp.165-184. Disponí-
povoadas por ‘gangues’ – grupos de jo-
54

vel em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_art-
vens que criavam seus repertórios para text&pid=S0103-49792019000100165>
ram, ao longo da última década, em um do homens jovens, na faixa etária entre
incremento significativo da violência no 21 e 24 anos, mas ao longo dos anos essa
estado. Modalidades criminosas que en- faixa etária foi abaixando e hoje está em
volvem planejamento e recursos financei- torno dos 18 anos. Para Renato, “os grupos
ros permitiram ampliar o poder de fogo, armados têm uma capacidade de arregi-
o poder da corrupção e a expansão do mentar esses jovens nos territórios, onde
mercado de drogas. Territórios domina- a tríade algum dinheiro, pertencimento e
dos por gangues, ainda que com pouco poder é muito forte”. O deputado atribui
potencial de fogo (poucas armas, homicí- também o aumento dos homicídios ao
dios e drogas ilícitas), ficaram suscetíveis mercado de armas e ilícitos, que adentra
ao recrutamento dessas organizações os territórios periféricos e se integra, pou-

DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado
criminosas mais estruturadas, com arma- co a pouco, à dinâmica das gangues.
mento pesado e com uma circulação de
dinheiro muito maior. Muitas delas acaba- Em depoimento ao Conselho Nacional de
ram aderindo às facções. Direitos Humanos, em 8 de abril de 2019,
dois jovens, integrantes de uma ONG que
A juventude nesses territórios empobreci- atua em um bairro periférico de Fortale-
dos tinha e continua tendo poucas opor- za, relataram situações que expressam
tunidades. A participação em gangues e, esse fenômeno: “O projeto da ONG co-
posteriormente nas facções criminosas meçou em 2011 quando 43 jovens de gan-
muitas vezes lhes rendia sentimento de gues aterrorizavam a comunidade. Em
pertencimento e de prestígio. Por outro dois anos 36 jovens foram assassinados
lado, significou para milhares de jovens no bairro. Era briga entre gangues e fac-
uma vida extremamente curta, como se ções rivais”. Vivia-se um cenário brutal de
evidencia nas estatísticas de homicídios. violência, com o crescimento vertiginoso
de homicídios.
De acordo com o Atlas da Violência
201959, publicado pelo Instituto de Pes-
quisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo
ACORDOS E DESACORDOS
Fórum Brasileiro de Segurança Pública
(FBSP), a taxa de homicídios no Ceará Esse cenário vai se alterando a partir de
subiu de 23,2 mortes por 100 mil habitan- meados de 2016. Há uma reconfiguração
tes, em 2007 para 60,2 mortes em uma da criminalidade no Estado, com novas for-
década — uma alta de 159,7%. Em 2017, o mas de envolvimento, estratégias, domina-
Ceará foi o estado com maior crescimen- ção e controle social por parte das facções
to na taxa de homicídio. Ainda segundo o nacionais já existentes no Ceará: PCC (Pri-
Atlas da Violência, o percentual de homi- meiro Comando da Capital), CV (Comando
cídios por faixa etária de 15 a 29 anos de Vermelho) e FDN (Família do Norte).
idade apresentou aumento de 214,1% no
À medida que as facções nacionais ga-
período de 10 anos.
nharam maior visibilidade no estado, os
O deputado estadual Renato Roseno homicídios passaram a variar fortemente
(PSOL/CE)60, chama esse fenômeno de em seus índices. Depois de o número to-
nordestinização dos homicídios. Segun- tal de mortes violentas intencionais saltar
do ele, os homicídios começaram atingin- de 3.566, em 2016, para 5.329 em 2017,
a tendência se inverteu e os homicídios
59 Atlas da violência 2019. Brasília: Rio de Janeiro: São caíram para 4.788 em 2018, conforme o
Paulo: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Fórum Anuário da Segurança Pública 201961, do
Brasileiro de Segurança Pública.
55

60 Entrevista do Deputado Renato Roseno à equipe da 61 BUENO, Samira e LIMA, Renato Sérgio de (coord.).
Justiça Global, em agosto de 2018. Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019. Fórum
FBSP. “O Ceará também é um caso em- nacional entre os dois grupos. No Ceará,
blemático dessas guerras, em que as ta- somou-se a esse rompimento a amplia-
xas de homicídio oscilaram para cima e ção das ações da facção local GDE (Guar-
para baixo, nos últimos anos, a depender diões do Estado), que se coloca em resis-
do conflito entre as facções do estado tência ao comando das demais facções,
(CV, PCC, GDE)”, afirma o Anuário. com o discurso de ser local, autônoma e
independente das facções nacionais.62
A redução de homicídios registrada no
último ano não foi fruto de políticas pú- O GDE ganhou a simpatia de muitos jo-
blicas. A queda está mais associada a vens que antes integravam as gangues e
acordos firmados entre as facções que que passaram a ver na facção um forte

DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado
antes se matavam entre si. atrativo de pertencimento, potencializa-
do pelo fato de os Guardiões não cobra-
“A proibição de assaltos foi a primeira rem mensalidade, como, por exemplo, fa-
marca significativa do trabalho das fac- zia o PCC. A expansão do GDE também
ções nas periferias. Produziu como efeito se deu dentro do sistema prisional.
a ideia de que as comunidades estavam
seguras e livres de assaltos. Proliferaram No cenário nacional, a ruptura entre PCC
pichações com a sentença ‘se roubar na e CV faz eclodir uma guerra violenta, den-
favela morre’ e se criou a ideia de que as tro e fora dos presídios. No Ceará, as or-
facções protegiam a comunidade, evitan- ganizações se reorganizam diante desse
do os roubos aos moradores. Ao mesmo cenário, polarizando as parcerias. O GDE
tempo, os limites territoriais herdados se aliou ao PCC, num claro interesse de
dos tempos das gangues foram desfei- mão dupla. Se por um lado o GDE tinha
tos. As facções tornaram possível que simpatia da juventude nas comunidades
moradores de uma comunidade, que era e trazia o sentimento de pertencimento
inimiga de outra, pudessem circular e local, o PCC tinha atuação nacional e in-
conviver uns com os outros. Durante um ternacional, poder de ampliação dos ne-
certo tempo a dinâmica das facções no gócios (armas e drogas) e de expansão
Ceará foi de uma certa aliança, se falava de rotas internacionais. As duas facções
em ‘pacificação’ das facções no estado. se aliaram em oposição à outra aliança
Por outro lado, as novas regras impostas, que se consolidou nacionalmente e no
resultaram em uma sistemática de tor- Ceará, Comando Vermelho e Família do
tura, ameaças, espancamentos e assas- Norte. Os conflitos decorrentes dessas
sinatos de jovens que as quebravam. O alianças resultaram e continuam a resul-
sentimento nas periferias era: as ‘guerras’ tar em massacres violentos dentro do sis-
acabaram, e a vida se tornou mais tran- tema prisional de alguns estados do Nor-
quila” (PAIVA, 2019). te e Nordeste do Brasil.

A chamada “pacificação” teve vida curta.


Ainda no primeiro semestre de 2016, as
MASSACRES DE MENINOS,
principais facções envolvidas no acordo
VILIPÊNDIO DE MENINAS
entraram em conflito. O assassinato do
traficante Jorge Rafaat pôs fim à alian- No Ceará os efeitos não foram menos
ça de 23 anos entre o Primeiro Comando
62 PAIVA, Luiz Fábio S. Dinâmicas das violências em
da Capital e o Comando Vermelho (veja tempos de facções criminosas no Ceará: Cada vida
mais no cap. 5) e deu início a um conflito importa. Relatório do segundo semestre de 2017 do
Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na
Adolescência. Fortaleza: Comitê Cearense pela Preven-
Brasileiro de Segurança Pública, 2019. Disponível em ção de Homicídios na Adolescência, 2018. Disponível
56

<http://www.forumseguranca.org.br/publicacoes/13-a- em <http://cadavidaimporta.com.br/wp-content/uplo-
nuario-brasileiro-de-seguranca-publica/> ads/2018/05/Relato%CC%81rio-2017.2-CORRIGIDO.pdf>
perversos. A rivalidade entre as facções É nesse contexto que surge a “decreta-
ganha proporções de guerra e de elimina- ção”. Decretar, anunciar a morte de al-
ção do inimigo. Os territórios voltaram a guém do grupo rival, ou de pessoas que
ser divididos entre os do GDE/PCC e FDN/ se julgue “simpatizante” da facção rival.
CV, impondo uma dura rotina aos morado- Muitas vezes essas decretações se dão
res dessa comunidade, que passam a ser via redes sociais, em grupos de WhatsA-
proibidos de pisar em território de outra pp. De acordo com o deputado Roseno,
facção. Assim, uma família que mora em são situações de ameaças que se concre-
território dominado pela facção GDE/PCC tizam. “Temos centenas de prints de mor-
e tem parentes em área dominada por tes que foram anunciadas via rede sociais

DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado
FDN/CV está impedida de visitá-los. Mais e que poderiam ter sido evitadas”.
grave ainda, um morador residente de área
dominada por determinadas facções não Exemplo dessa prática verificou-se em
pode ter acesso a serviços e equipamentos chacina ocorrida no dia 23 de fevereiro
públicos (escolas, creches, postos de saú- de 2017, no bairro Bom Jardim, em For-
de, equipamentos de saúde) que estão em taleza, que deixou 5 mortos. De acordo
área dominada pela facção rival. com a Polícia Civil, no dia 20 de feve-
reiro o ataque havia sido anunciado nas
Essa situação é bem evidenciada em de- redes sociais. No dia do crime um grupo
poimento de uma mãe, C.M.P., ao Con- invadiu um apartamento atirando, houve
selho Nacional de Direitos Humanos em troca de tiros e o saldo foi de dois mor-
abril de 2019. De acordo com o relato,
tos entre o grupo invasor e 2 mortes no
teve seu filho assassinado no dia 25 de
outro grupo.63
fevereiro de 2018, por volta das 17h30,
em uma rua próxima a sua residência. Ela Um lado ainda mais perverso dessa lógi-
diz que ouviu os tiros, mas que jamais ca de eliminação dos inimigos tem viti-
pensou que a vítima fosse seu filho. Logo mado, segundo Roseno, de forma extre-
após os tiros, ouviu sirenes das viaturas mamente cruel, mulheres e jovens que
de polícias, que fizeram o isolamento. têm vínculo com homens das facções e
Estava em casa quando um conhecido são conhecidas como “marmitas”. Entre
de seu filho foi avisá-la de que ele havia 2016 e 2017, houve um aumento de 196%
sido alvejado. Quando chegou ao local no número de meninas de 10 a 19 anos
ele já estava sem vida. Logo depois che- assassinadas no Estado, segundo os da-
gou o rabecão do Instituto Médico Le- dos sistematizados pelo Comitê Cearen-
gal para levar o corpo. A mãe conta que se de Prevenção aos Homicídios na Ado-
seu filho era caseiro da casa de praia em lescência. Em 2018, até 26 de dezembro,
que moravam juntos. Um ano antes, seu 106 meninas daquela faixa etária haviam
outro filho havia passado pelo sistema morrido de maneira violenta no Ceará.
socioeducativo por 10 meses, e, quando Considerando apenas Fortaleza, o au-
saiu, ela o tirou do estado com medo de mento foi de 417%, indo de 6 meninas as-
que fosse assassinado. Foi então morar sassinadas em 2016 para 31 em 2017. Em
com esse filho na casa de praia na qual 2018, foram registradas 56 meninas de 10
ele era caseiro. Segundo relata, o filho a 19 anos mortas em Fortaleza. Antes da
não tinha qualquer envolvimento com
explosão de mortes de meninas em 2017,
facções, era um rapaz muito tranquilo,
que pouco saía de casa. Ao final desaba- 63 G1. Confronto que deixou 5 mortes em Fortaleza
fou: “Ele foi morto porque nós moramos foi anunciado no Facebook. 23/2/2017.Disponível em
<http://g1.globo.com/ceara/noticia/2017/02/confronto-
em área de GDE e ele visitava o pai que
57

que-deixou-5-mortes-em-fortaleza-foi-anunciado-no-
morava em área de CV”. facebook.html>
os números vinham caindo pelo menos pulsão de moradores de apartamentos
desde 201464. de condomínios do programa governa-
mental federal Minha Casa, Minha Vida,
O deputado relata que os grupos expõem
fenômeno também verificado em outros
nas redes sociais as fotos das meninas estados da federação. De acordo com a
decretadas e posteriormente a morte e Defensoria Pública do Ceará, entre no-
fotos de seus corpos mutilados, tortura- vembro de 2017 e julho de 2018, 131 famí-
dos. O ataque às meninas, segundo Ro- lias tiveram que deixar suas casas de for-
seno, também reflete o machismo, o ra- ma violenta em Fortaleza, o que afetou
cismo e suas vulnerabilidades agravadas diretamente 524 pessoas.

DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado
pelas condições de gênero.65
Em reunião com a Defensoria Pública, o
O monitoramento que o Fórum Cearense CNDH foi informado que há uma subno-
de Mulheres realiza no Estado corrobora ticação dos casos, uma vez que muitas
as informações e percepções de Roseno. famílias não denunciam por medo. “As
Muitos homicídios são cometidos com vi- pessoas temem que os tentáculos da or-
lipêndio ao corpo e sobretudo com ata- ganização acabem as alcançando. Então,
ques aos sinais padronizados de feminili- elas querem ir para o lugar mais longe
dade: raspar os cabelos, decepar os seios possível. A ameaça às vezes é implícita,
e o próprio estupro anterior à morte. mas é notório que muitos que denuncia-
ram chegam a ser perseguidos”, conti-
Ao analisar os homicídios no Ceará ve- nua. “Quando as pessoas saem de casa
rifica-se que o aumento ou diminuição e nos procuram, é porque ficou inviável
desses índices pouco estão relacionados viver daquela forma. Muita gente nem
com políticas públicas preventivas ou de confia na polícia. E, se denunciam, estão
enfrentamento à violência. O governo exercendo com coragem”, informaram os
do Ceará, ao longo de décadas, como defensores públicos. Também relataram
outros governos, ignorou solenemente, casos extremos que chegaram à Defen-
primeiro, a existências das gangues de soria, como o de pessoas queimadas vi-
jovens, e, depois, a chegada das facções vas ou executadas por resistirem em dei-
e suas inserções dentro e fora do siste- xar suas moradias.
ma prisional.
Além de perderem as casas, os morado-
Um outro grave problema relacionado à res ficam impedidos de se cadastrar em
presença das facções criminosas ligadas outros programas habitacionais e, como
ao tráfico de drogas e armas diz respeito são obrigados a mudar de endereço,
ao desrespeito ao direito à moradia. Essa muitas vezes acabam tirando os filhos da
situação foi relatada ao Conselho Nacio- escola, aumentando a evasão escolar. O
nal de Direitos Humanos (CNDH) durante Ministério Público do Ceará (MPCE) e o
a missão que realizou no estado em abril Ministério Público Federal (MPF), entra-
de 2019. Os primeiros casos começam a ram com ação civil pública ajuizada con-
ser registrados ainda em 2015, com a ex- tra a Caixa Econômica Federal e o Estado
do Ceará em julho de 2018, requerendo a
64 RIBEIRO, Dillyane de Souza. As meninas e a necro-
reintegração de posse das moradias to-
política no Ceará. Justificando, 16/1/2019. Disponível em madas pelas facções criminosas. No en-
<http://www.justificando.com/2019/01/16/as-meninas-e
-a-necropolitica-no-ceara>
tanto, por medo de retaliações, quando a
reintegração de posse é autorizada judi-
58

65 Entrevista do deputado Renato Roseno à equipe da


Justiça Global. cialmente, moradores não retornam.
A IMPORTÂNCIA ECONÔMICA do país, para ingresso de drogas no Bra-
DO CEARÁ PARA AS FACÇÕES sil, utilizando os rios Japurá, Içá e Negro,
que interligam a Colômbia e a Venezuela
As organizações criminosas ligadas ao trá- ao Brasil, e que está sob controle da Fa-
fico internacional de drogas têm no Ceará mília do Norte e do Comando Vermelho,
um importante entreposto para escoamen- frente ao domínio do PCC da rota a partir
to de drogas e armas, seja via marítima, do Paraguai. Parte das matanças ocorri-
terrestre ou aérea. Sua localização geo- das em 2016 e 2019 no sistema prisional
gráfica e a baixa fiscalização em relação a de estados do Norte e Nordeste tem liga-
centros urbanos como São Paulo e Rio de ção com a disputa dessa rota, cujo esco-
Janeiro, tornaram o Ceará um estado inte- amento é justamente o estado do Ceará.

DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado
ressante para as facções. Além do escoa-
mento em âmbito nacional, as drogas são O Paraguai é um dos maiores fornece-
armazenadas e posteriormente enviadas dores de maconha para o Brasil. Após
para o exterior, chegando à Europa.
no Peru e na Colômbia. A região se transformou em um
Atualmente uma das principais rotas é a importante canal para a entrada de maconha produzida,
do Solimões66, trajeto que corta o Norte principalmente, na Colômbia. Cf. PRAZERES, Leandro.
CV e Família do Norte exploram nova rota de tráfico
66 O Estado do Amazonas é um conhecido “corredor” de maconha na Amazônia. Uol, 26/2/2018. Disponível
para o escoamento de cocaína. A chamada “rota do em < https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noti-
Solimões”, com mais de 20 anos de utilização, é uma cias/2018/02/26/cv-e-familia-do-norte-exploram-nova
das principais portas de entrada da cocaína produzida -rota-de-trafico-de-maconha-na-amazonia.htm >

59

Legenda - Arte: Junião/Ponte Jornalismo (fonte: Uol)


o assassinato de Jorge Rafaat, o PCC, lia do Norte para garantir o monopó-
que antes atuava em conjunto com o lio dessa rota. O que está no front das
CV na exploração da rota paraguaia do facções atualmente, e está relacionado
tráfico de drogas, passou a dominar a à sua expansão nos estados do Norte
rota sozinho, rompendo com o Coman- e Nordeste e o aumento de chacinas
do Vermelho. Esse por sua vez, viu na dentro e fora dos presídios, é a dispu-
maconha colombiana sua alternativa de ta dessas rotas, extremamente valiosas
acesso à droga, aliando-se com a Famí- economicamente falando.

DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado

Legenda -
Arte: Junião/
Ponte
60

Jornalismo
(fonte: Uol)
Nessa disputa, o PCC, através de uma Itapajé. O crime nas Cajazeiras, perife-
aliança com a Família de Coari (FDC), ria de Fortaleza, vitimou 14 pessoas que
grupo local da cidade que fica a 363 km estavam dentro e nos arredores da festa
da capital amazonense, tem patrocinado “Forró do Gago”.
a pirataria no rio Solimões, o que tornou
a cidade como a “capital dos piratas”67. De acordo com o então Secretário de Se-
A estratégia do PCC de financiar a pira- gurança Pública e Defesa Social, André
taria na rota do narcotráfico dominada Costa, “o Estado vive uma ‘epidemia de
pelas facções rivais tem gerado prejuízos homicídios’ devido às disputas declara-
financeiros à FDN e ao CV, aumentado a das entre as facções criminosas”. Confor-
violência no médio Solimões. Nesse sen- me o secretário, “a responsabilidade por

DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado
tido, é importante registrar que o tráfi- esta ‘epidemia’ deve ser compartilhada
co de drogas e sua disputa de rotas tem com a União, já que dentro dela há parti-
afetado cada vez mais povos indígenas, cipação direta de organizações crimino-
quilombolas e outras comunidades tradi- sas que atuam em todos os Estados do
cionais no Norte e Nordeste do país. Brasil”. Costa chama o governo federal
para assumir a sua responsabilidade no
A entrada na Amazônia é algo que sem- enfrentamento às facções: “Esse pico de
pre esteve no radar do PCC, de acordo violência é em todo o País. Se nós temos
com autoridades ouvidas em matéria pu- problema no Ceará envolvendo facções
blicada pela Sputnik Brasil: “Comuns até que atuam em todos os lugares do Bra-
mesmo em São Paulo na década de 1990, sil, fica claro que não tem como esses es-
as disputas por pontos de comércio de tados agirem em conjunto se não for o
drogas ao longo das rotas do tráfico que governo federal atuando nesse processo.
resultam em muitos homicídios – tanto Todo crime internacionalizado e interes-
em Manaus como em outros estados do tadualizado é competência da União in-
Norte e Nordeste, como Belém (Pará) e vestigar’, disse Costa (MELO, 2018).
Fortaleza (Ceará) – integram o processo”.
(ARAÚJO, 2018). O ano de 2019 irrompe extremamente
violento no estado do Ceará. Logo no se-
gundo dia de janeiro, ataques a prédios
públicos, queima de ônibus, explosão de
O PAPEL DO ESTADO
uma bomba em viaduto, assolaram For-
O ano de 2018 já começou extremamen- taleza, aumentando ainda mais o clima
te violento no estado do Ceará. Janeiro de insegurança.
apresentou aumento de 38,1% no índice
de homicídios, em comparação ao mes- Os ataques teriam acontecido em retalia-
mo período em 2017, quando comparado ção a falas do recém empossado secre-
a igual período do ano anterior.68 tário da Administração Penitenciária, Luis
Mauro Albuquerque. Em seu primeiro dis-
Além disso, janeiro de 2018 contabilizou curso público o secretário anunciou que
três chacinas: Maranguape, Cajazeiras e não mais separaria as unidades prisionais
por facções e que todas elas seriam mis-
67 ARAÚJO, Thiago de. Narcosul, o cartel do PCC que
cresce na Amazônia e pode ser o 1° transnacional do
turadas.69 O anúncio foi visto pelas fac-
mundo. Sputnik Brasil, 19/9/2018. Disponível em <ht- ções rivais como uma ameaça velada e
tps://br.sputniknews.com/brasil/2018091912245895-nar-
cosul-pcc-trafico/>
surtiu um efeito surpreendente. Um pac-
to de não agressão entre as facções:
68 MELO, Emanoela Campelo de. Índice de homicídios
no Ceará cresce 38,1%. Diário do Nordeste, 10/2/2018. 69 STABILE, Arthur. Ataques ao governo unem facções
Disponível em <https://diariodonordeste.verdesmares. rivais no Ceará. Ponte Jornalismo, 6/1/2019. Disponível
61

com.br/editorias/seguranca/indice-de-homicidios-no- em <https://ponte.org/ataques-ao-governo-unem-fac-
ceara-cresce-38-1-1.1893142> coes-rivais-no-ceara>
“Meus irmãos GDE, nós pede humilde- a explosão de dinamite na base de um
mente que vocês entendam que se che- viaduto, numa clara e evidente demons-
gar qualquer liderança, PCC ou CV na tração de força das facções em relação
nossas cadeias, que os irmãos acolham ao Estado.
e der tratamento de um bandido a eles,
A resposta governamental foi convocar
der água, comida, escova, pasta, roupas e
a Força Nacional de Segurança Pública
lençol”, diz trecho de um salve atribuído
e receber apoio de alguns governos es-
à cúpula do GDE. “Em cima desta situ-
taduais com ampliação da força policial.
ação vamos dá essa trégua porquê é o
Essa ação tem um efeito midiático com
está que está fazendo isso proposital-
uma presença mais massiva das forças de

DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado
mente no intuito de nós se matar. Como
segurança nas ruas, passando um senti-
nós sabemos disso e da intenção do es-
mento de ampliação da segurança para
tado judiciário, nós não iremos satisfazer
os cidadãos.
a vontade do estado. Iremos recebê-los
os nossos inimigos com a dignidade de No entanto, está longe de enfrentar o
bandido e esperamos o mesmo feedback problema real da articulação das facções
do lado deles” (STABILE, 2019). criminosas no Brasil. As medidas são de
sufocamento bélico, quando seria preciso
Um trecho de outro texto divulgado pela
articular estratégias mais amplas de sufo-
Ponte Jornalismo expressa:
camento econômico dessas facções, bus-
“Não iremos tolerar opressão e nem mu- car a desarticulação das rotas nacionais e
dança alguma dentro do sistema. Se não internacionais da entrada de drogas e ar-
estiverem acreditando vão pagar um pre- mas, com uma investigação de inteligên-
ço muito alto. Porque não vamos aceitar cia mais ampla, nacional, que seja capaz
regime de carrasco de braços cruzados de atuar em cada um dos pilares que sus-
não(...) Assim que vocês mexer com qual- tentam o crime organizado, e não somen-
quer um de qualquer facção, a ordem é te na ação bélica das polícias nas áreas
pra tocar o terror geral, tacar fogo em periféricas dos grandes centros urbanos.
bancos, correios, delegacias e derrubar
Além disso, faltam ações de médio e
pontes e viadutos. Vamos deixar o esta-
longo prazo, como a construção de uma
do num estado de calamidade pública.”
nova política de drogas que vá além da
Ameaça feita, ameaça cumprida. Na pri- fracassada “guerra às drogas” e a ado-
meira semana do ano o Ceará registrou ção de políticas públicas que não tor-
mais de 150 ataques, de incêndios e ti- nem a juventude tão facilmente seduzi-
ros contra prédios públicos e bancos e da pelas facções.
62
5

CRIME ORGANIZADO
HOJE: CONFLITO

DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado
TRANSNACIONAL
O cenário atual do crime organizado no estava bem mais estruturada, inclusive
Brasil foi profundamente marcado pelo nos demais estados da Federação.
rompimento entre o PCC e o Comando
Vermelho, que durante décadas foram
aliados históricos. EXPANSÃO PELA FRONTEIRA:
O “PROJETO PARAGUAI”
Na sua fundação, em agosto de 1993, o
PCC adotou o slogan do CV: “Paz, Justi- O domínio do PCC sobre o comércio de
ça e Liberdade”. A aliança entre ambos drogas nos países da América do Sul era
se fortaleceu em 2002, quando Geleião consequência de um plano de expansão
e Cesinha ficaram recolhidos no Presídio da facção paulista. Um dos primeiros si-
de Bangu 1, no Rio, junto com a liderança nais desse projeto foi registrado pelas
do grupo fluminense. autoridades em 29 de fevereiro de 2008.
Nesse dia, os policiais militares da Rota
Luís Fernando da Costa, o Fernandinho pretenderam Wagner Roberto Rapo-
Beira-Mar, líder máximo do CV, era um so Olzon, o Fusca, ao lado de Christian
dos aliados de Cesinha e Geleião. E tam- Francisco de Souza, na avenida Guilher-
bém manteve a amizade com Marcola e me Cotching, Vila Maria, zona norte da
outros chefes do PCC, em 2003, quan- cidade de São Paulo.
do ficou preso com eles no CRP de Pre-
sidente Bernardes. Beira-Mar também No dia da prisão, os PMs alegaram que
havia se refugiado no Paraguai antes de faziam uma abordagem de rotina. Na ver-
ser recapturado. Lá, conviveu com trafi- dade, a prisão era mais uma ação da par-
cantes de drogas e negociou a compra ceria entre a Rota e o Gaeco (Grupo de
de cocaína e de armas para o Comando Atuação Especial de Combate ao Crime
Vermelho. Organizado, do Ministério Público Esta-
dual), de Presidente Prudente, que vinha
Assim como o PCC, o CV também tinha monitorando as ligações telefônicas dos
integrantes no Paraguai para estruturar a dois homens. Com a dupla, os PMs afir-
comercialização e distribuição de entor- maram ter apreendido R$ 674.633,00,
63

pecentes. A facção paulista, entretanto, um tijolo de maconha, cocaína, anota-


ções caracterizando possível lavagem de pelo Gaeco de Presidente Prudente gra-
dinheiro e planilha de pagamentos com varam conversas de líderes do PCC, entre
prenomes de 20 pessoas, a maioria ad- eles de Tiriça, negociando a compra de
vogados. Mas o que mais chamou a aten- drogas e ordenando a realização de pa-
ção dos PMs da Rota e do delegado da gamentos para o fornecedor Capilo.
Polícia Federal responsável pelo registro
Havia informações de que Capilo tinha
da prisão em flagrante foi uma carta en-
inclusive sido batizado pelo PCC. Porém,
contrada com Fusca.
Téia se desentendeu com ele em meados
A correspondência, escrita a lápis, tinha de abril de 2011. Em telefonema feito a Ti-
sete páginas e se referia à viagem que o riça, interceptado pelo Gaeco, o brasilei-

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tesoureiro do PCC havia feito à Bolívia. ro reclamou do paraguaio, afirmando que
Fusca narrava que tinha mantido encon- ele era um mau pagador.
tro com outros integrantes do PCC para
Téia pediu a exclusão de Capilo da fac-
negociar a compra de cocaína, fuzis e até
ção. A princípio, a cúpula do Primeiro Co-
de explosivos C-4, com grande poder de
mando da Capital foi contra a expulsão
destruição. O tesoureiro explicava na cor-
do paraguaio das fileiras do grupo crimi-
respondência que, enquanto esteve na
noso, e orientou o braço direito de Tiriça
Bolívia, na casa de um grande trafican-
a retornar ao Brasil. Dias depois, em 5 de
te, distribuidor de drogas e armas para o
maio de 2011, Téia foi morto por policiais
PCC, conheceu um colombiano que disse
militares da Rota no sítio de Indaiatu-
ser das Farc (Forças Armadas Revolucio-
ba, no interior de São Paulo. Nessa altu-
nárias da Colômbia) e técnico em bom-
ra, porém, o PCC já havia mandado Luís
bas e explosivos.
Henrique Fernandes, o LH, ao Paraguai
Era o começo do “Projeto Paraguai”, o para substituí-lo.
plano de expansão do PCC para a Amé-
Em território paraguaio, LH constatou
rica do Sul. Depois da prisão de Fusca, a
que Téia não estava mentindo em relação
facção enviou outros emissários para os
à conduta de Capilo. A liderança do PCC,
países da fronteira, principalmente Para-
consultada na P2 de Presidente Vences-
guai e Bolívia. A missão deles era adqui-
lau, decidiu então excluí-lo da facção. LH
rir mais drogas e armas para a organiza-
seria morto anos depois.
ção criminosa.
O PCC passou a negociar a compra de
No começo de 2011, Roberto Soriano, o
drogas com o megatraficante brasileiro
Tiriça – uma liderança importante da fac-
Jorge Rafaat. A facção criminosa de São
ção, que no ano seguinte seria respon-
Paulo descobriu, porém, que Rafaat fazia
sável pelo “salve” que deflagrou os ata-
jogo duplo. Ele também comercializava
ques de 2012, mencionados no capítulo
drogas com o Comando Vermelho.
3 – encarregou seu braço direito, Ilson
Rodrigues de Oliveira, o Téia, de viajar Até então, CV e PCC eram grandes alia-
ao Paraguai, com a tarefa de consolidar dos históricos. Isso iria mudar.
a atuação do grupo no tráfico internacio-
nal de drogas. Ele negociava a compra de
entorpecentes com o paraguaio Carlos EXPANSÃO NO NORTE
Antônio Caballero, conhecido como Ca-
Ao mesmo tempo em que avançava nas
pilo ou Baixinho da Kaiser.
fronteiras do país, o PCC não poupava
Um ano antes da ida de Téia para o Para- esforços para manter a sua hegemonia
64

guai, as escutas telefônicas coordenadas na região norte do Brasil, por causa da


chamada “Rota do Solimões”, a principal Europa pelos portos dessas cidades, as
porta de entrada de cocaína produzida mais próximas com a África e o Velho
no Peru e na Colômbia. Continente.

Outro objetivo do PCC era ampliar seu Um levantamento realizado pelo Gaeco
domínio nas capitais do Nordeste, espe- de Presidente Prudente em novembro de
cialmente em Fortaleza, Recife e Natal. E 2012 já sinalizava o crescimento do PCC
isso para poder exportar drogas para a nessas regiões.

Presença do PCC além de São Paulo (em 2012)

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Regiões Nordeste e Norte do Brasil
Estado Em presídios Nas ruas
Rio Grande do Norte 92 17
Alagoas 86 15
Pernambuco 56 4
Ceará 48 19
Bahia 48 21
Sergipe 35 6
Paraíba 25 2
Maranhão 6 2
Piauí 7 0
Tocantins 12 0
Amazonas 9 3
Acre 5 3
Pará 2 3
Outros países
Paraguai 11 19
Bolívia 4 13
2.398 é o número total de integrantes do PCC
Em São Paulo, 90% das unidades prisionais são dominadas pelo PCC
Fonte: Gaeco de Presidente Prudente

O Gaeco apurou ainda que, naquele pe- braço direito do traficante Carlos Antô-
ríodo, o preso Samuel Augustino Roque nio Caballero, o Capilo.
dos Santos, o Tio Pec, recolhido na Peni-
tenciária 1 de Avaré, exercia, simultanea-
mente, no PCC, a chefia da Sintonia dos PCC X CV: ROMPIMENTO E GUERRA
Estados e também a Sintonia de Outros A expansão territorial do PCC em todo o
65

Países. Ele era ainda apontado como o Brasil, nas fronteiras do país e nas regiões
Norte e Nordeste, preocupava o Comando A carnificina nos presídios teve início em
Vermelho. A facção criminosa já enfrenta- 17 de outubro de 2016, quatro meses após
va grandes prejuízos com o tráfico de dro- o assassinato de Jorge Rafaat. Detentos
gas desde 2008, quando o governo federal do PCC executaram 18 rivais da FDN em
instalou as UPPS (Unidades de Polícia Pa- presídios de Roraima e Rondônia. Os vio-
cificadora) nas favelas do Rio de Janeiro. lentos motins tiveram repercussão inter-
nacional e chocaram o Brasil e o mundo.
A ocupação policial nos morros cariocas
prejudicou a venda de drogas. E acirrou Meses depois, veio o contra-ataque. Em
ainda mais o conflito interno entre o CV e 6 de janeiro de 2017, integrantes do PCC
organizações criminosas rivais, principal- se rebelaram em uma prisão de Boa

DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado
mente com a ADA (Amigo dos Amigos), Vista e mataram 33 rivais. Oito dias de-
a nova aliada do PCC. pois, integrantes do PCC voltaram a ma-
tar. Dessa vez, executaram 26 membros
Em 15 de junho de 2016, o traficante Jorge da FDN no presídio de Alcaçuz, no Rio
Rafaat foi executado com tiros de metra- Grande do Norte.
lhadora de calibre 50 na cidade de Pedro
Juan Caballero. As investigações iniciais No dia 23 de janeiro de 2017, presos da
da polícia paraguaia apontavam que ele FDN assassinaram 56 detentos da fac-
foi assassinado a mando do PCC. ção paulista em Manaus. Na maioria
desses presídios, as vítimas foram deca-
O acusado pelo homícidio, Elton Leonel pitadas. Os rebelados tiraram fotos dos
Rumich da Silva, o Galã, apontado como corpos mutilados e postaram as ima-
homem do PCC, foi preso no Rio de Ja- gens em redes sociais, graças ao uso de
neiro em fevereiro de 2018. Ele estava na telefone celular.
zona sul carioca, fazendo uma tatuagem,
Nos primeiros 15 dias de janeiro de 2017, o
quando policiais o capturaram.
número de presos assassinados em presí-
A morte de Rafaat pôs fim à aliança de 23 dios chegava a 130. A briga de facções
anos entre o Primeiro Comando da Ca- dentro do sistema prisional (e também
pital e o Comando Vermelho. O conflito fora, com registros de chacina) passa
deixou baixas dos dois lados no Paraguai. pela disputa dos chamados “batismos”
E também daria início a uma guerra san- de presos pelas facções em unidades de
grenta entre as duas organizações nas todo o país e controle do mercado inter-
ruas e nas prisões de diversas cidades no e rotas internacionais do tráfico70.
brasileiras. Os antigos aliados agora eram
“Quando aconteceu a briga mesmo, em
inimigos mortais. todos os presídios do Rio de Janeiro con-
O conflito se estendeu até as cidades do siderados do Comando Vermelho tinha
Norte e Nordeste do País. Ali os estados gente do PCC. A cúpula do Comando
não conseguiram evitar as mortes. Nas Vermelho deu prazo até dezembro [de
prisões de Roraima, Rondônia, Amazo- 2016] para retirar todo mundo que era
nas, Acre, Amapá e Pará, o Comando PCC das unidades. E aí é que as pesso-
Vermelho se uniu à Família do Norte, a as foram para outra unidade de Bangu,
FDN, a terceira maior facção do país. Na com toda aquela situação: sem direito à
região Nordeste, o CV fez alianças com visita e não sabiam ao certo onde iriam
ficar. Muita gente do PCC acabou indo
presidiários do Sindicato do Crime e
para unidade neutra. Nesse meio arranjo,
também com outros grupos criminosos
70 DIAS, Camila Nunes; MANSO, Bruno Paes. A guerra
declarados como inimigos do Primeiro
66

- a ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil. São


Comando da Capital. Paulo: Todavia, 2018.
não tinha onde colocar o povo do PCC, Rio por 90 do Comando Vermelho que
aí uma parte ficou no Bangu 4. Aconte- estavam em prisões de São Paulo73.
ceu uma outra briga entre Celsinho da
Vila Vintém e o Gordo (Cristiano Rocha O pesquisador João Marcelo Dias, que faz
Clemente), ambos da ADA, por causa do parte do Núcleo do Sistema Penitenciário
Arafat, de Costa Barros”, afirma uma fon- da Defensoria Pública do Estado do Rio de
te do sistema prisional. A disputa na Ro- Janeiro, afirma que ficaram poucos presos
cinha, em setembro de 2017, deflagrou o do PCC no sistema prisional carioca.
desmantelamento da ADA71. Mesmo pre- “Atualmente o PCC está sem parceria com
so em Bangu 1, Carlos José da Silva Fer- ninguém no Rio. Estão tentando se arti-
nandes, o Arafat, que chefiava à distância

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cular. Houve um episódio há umas três ou
o Complexo da Pedreira, no bairro Costa quatro semanas [novembro de 2018] no
Barros, mudou para o Terceiro Comando Bangu 4, que hoje abriga presos do Ter-
Puro, enfraquecendo ainda mais a facção. ceiro Comando Puro. Foi noticiado como
Segundo essa fonte, a briga entre Celsi- rebelião. Na verdade, partiu de mais ou
nho da Vila Vintém e Gordo causou uma menos 60 presos do PCC, numa área de
ruptura na facção. seguro que estavam sendo ameaçados
“Celsinho deu um prazo para quem de morte constantemente pelos homens
estivesse com ele seria ADA e quem do TCP. Estavam pedindo transferência,
não estivesse seria do grupo dos ‘tra- quando viram que não iam mais conse-
íra’. Quem não estava com ele veio e guir, na primeira oportunidade agarraram
aí ficou PCC e ADA no Bangu 4. Foi aí um guarda, uma enfermeira e um outro
que começou a conversa de apoio do preso que era um faxina. No motim [em
PCC na Rocinha72. Teve uma conversa Bangu 4], eles estavam num seguro com
das lideranças, do Celsinho, Arafat, que 60 homens, mas desses só cinco ou seis
decidiram quem voltava ou não para a eram mesmo PCC, o resto falou que era
ADA. Desse jeito, juntaram a ADA toda para sair dali. Esses cinco ou seis são ex-
de novo. Os que não voltaram foram tremamente inteligentes e articulados.
para unidades neutras. Nesse momen- São caras perigosos e que vão ter êxito
to começou a conversa do PCC com o se derem tempo para eles. Se continuar
Terceiro Comando Puro e a proposta caminhando assim, a gente fecha 2019
de união das duas facções, que seria o com pelo menos uma cadeia do PCC no
TCA. Não durou muito, nem dois me- Rio de Janeiro”, prevê Dias.
ses”, explica a fonte. Segundo ele, com o motim, eles conse-
Após a tentativa frustrada, integrantes do guiram transferência primeiro para o Pre-
PCC foram novamente transferidos para sídio Tiago Teles de Castro Domingues,
uma unidade neutra. Até que, no final de em São Gonçalo, que é uma unidade neu-
novembro de 2017, a Coordenação de tra. Atualmente, estão em Bangu I, que
Acompanhamento de Execução Penal da é segurança máxima. “O que eles estão
Secretaria de Estado de Administração tentando agora é a entrada nesses presí-
Penitenciária do Rio de Janeiro (SEAP) dios sem facção, que vão tentar dominar.
trocou 67 presos do PCC que estavam no Por que mandaram pro Rio homens que
são especialistas nisso [batismo], em do-
71 HERINGER (2017) e OLIVEIRA (2018).
73 ADORNO, Luís. Troca de presos do PCC e Comando
72 MARTINS, Marco Antônio. Facção paulista se une a Vermelho ocorreu para evitar “assassinatos violentos”.
quadrilhas do RJ que tentam tomar tráfico na Rocinha. Uol, 4/12/2017. Disponível em < https://noticias.uol.com.
G1, 1/3/2018. Disponível em <https://g1.globo.com/rj/rio- br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/12/04/troca-de-pre-
67

de-janeiro/noticia/faccao-paulista-se-une-a-quadrilhas- sos-do-pcc-e-comando-vermelho-entre-rio-e-sp-ocor-
do-rj-que-tentam-tomar-trafico-na-rocinha.ghtml> reu-por-guerra-declarada.htm>
minar unidade prisional. É gente que tem Gegê do Mangue saiu da prisão em liber-
experiência em rebelião, em motim, sabe dade condicional no início de fevereiro de
exatamente o que fazer – são caras que 2017. A Justiça o soltou mesmo sabendo
falam na maior tranquilidade que é isso que ele teria de enfrentar um júri no dia
mesmo. Tinha um que estava no Patrícia 20 daquele mês. A acusação: mandar ma-
Acioli, em São Gonçalo, antes de voltar tar um preso na P2 de Venceslau. Promo-
pra Bangu, que já era frente de galeria [li- tores do Gaeco ficaram revoltados com a
derança] lá. Se deixassem ele mais seis decisão judicial. Tinham plena convicção
meses, o presídio ia virar PCC, mas aca- de que Gegê do Mangue não se apresen-
bou voltando pra Bangu”. taria ao julgamento. Ele jamais apareceu.

DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado
Outra fonte revela que, no final de 2018, As autoridades policiais acreditam que a
dupla Paca-Gegê ficou refugiada no Pa-
muitas pessoas, especialmente mulheres,
raguai e na Bolívia antes de seguir para
estariam na capital carioca comerciali-
o Ceará. Mas, em Fortaleza, a capital do
zando drogas para serem presas e fazer
estado, ambos se deram muito mal.
“batismo” no sistema prisional. Vale res-
saltar que as unidades femininas não têm Segundo o Ministério Público do Estado
separação por facção, o que em tese po- do Ceará, Gegê e Paca levavam uma vida
deria ser um caminho para o PCC conse- de luxo em Fortaleza. Eles tinham com-
guir entrar no sistema prisional carioca. prado, em nome de “laranja”, uma man-
são no valor de R$ 2 milhões no bairro
nobre de Alphaville Porto das Dunas.
GUERRA FORA, GUERRA DENTRO Também adquiriram imóveis no condo-
mínio Alphaville Eusébio e apartamentos
Em algumas das regiões onde PCC e CV – um por andar – em outra área caríssima
travaram guerra em virtude das disputas da capital cearense, o bairro Cocó. Com-
pelo controle da rota de tráfico de dro- praram ainda mansão na praia do Uruaú,
gas, o número de homicídios aumentou em Beberibe, a 80 km de Fortaleza, ava-
assustadoramente. A situação mais grave liada em R$ 1,1 milhão. As investigações
foi verificada no Ceará. Os assassinatos apontaram que Gegê e Paca fretaram até
aumentaram 50,7% no período de 2016 avião para seus familiares passarem as
para 2017. Foram 5.133 mortes, represen- férias escolares e de fim de ano em uma
tando uma taxa de 83,48 homicídios para das mansões, situada à beira-mar.
100 mil habitantes.
Os Gaecos de São Paulo e do Ceará acre-
No território cearense, o PCC se uniu à fac- ditam que Gegê do Mangue e Paca com-
ção GDE (Guardiões do Estado) para en- praram os luxuosos imóveis com dinheiro
frentar a coligação do Comando Vermelho. desviado dos cofres do Primeiro Coman-
Dois homens da cúpula da organização do da Capital e, por isso, foram “decreta-
paulista puderam acompanhar de perto, dos à morte” pelo Tribunal do Crime da
por algum tempo, a situação no Ceará. organização74.

Um deles era Rogério Jeremias de Simo- No dia 15 de fevereiro de 2018, os dois ho-
mens, até então reverenciados pelo PCC
ne, o Gegê do Mangue, até então consi-
e integrantes da alta cúpula da facção,
derado o número 2 do PCC, atrás apenas
foram mortos a tiros no bairro Lagoa En-
de Marcola. O outro era o velho parcei-
ro dele: Fabiano Alves de Souza, o Paca. 74 JOZINO, Josmar. MP cogita desvio de dinheiro para
morte de líderes do PCC. Ponte Jornalismo, 20/2/2018.
Ambos haviam cumprido pena juntos na
68

Disponível em < https://ponte.org/mp-cogita-desvio-de-


Penitenciária 2 de Presidente Venceslau. dinheiro-para-morte-de-lideres-do-pcc>
cantada, perto de uma aldeia indígena no depois de ter matado Paca e Gegê, ele
município de Aquiraz, região metropoli- foi assassinado com tiros de fuzil no Ta-
tana de Fortaleza75. Ambos foram atraí- tuapé, zona leste da cidade de São Pau-
dos para uma emboscada. Os mentores lo. Os motivos do crime ainda não foram
e autores do duplo assassinato utilizaram descobertos.77
até um helicóptero, pilotado por Felipe
Ramos Morais, homem que já prestou vá- Há suspeitas também de que Cabelo Duro
rios serviços para o PCC. foi executado por Eduardo Aparecido de
Almeida, o Pisca, e Marcelo Moreira Prado,
A Polícia Civil do Ceará apurou que as o Exu ou Sem querer. Isso também não foi
mortes de Gegê e Paca foram planejadas provado. Pisca e Sem Querer foram pre-

DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado
por Gilberto Aparecido dos Santos, o Fu- sos em 18 de julho de 2018 em Assunção,
minho, um megatraficante, “dono da Fa- no Paraguai. Eles também viviam em uma
vela de Heliópolis”, a maior de São Paulo, luxuosa mansão. Para o Gaeco de Presi-
e braço direito de Marcola, e por Wag- dente Prudente, o PCC mandou os dois ao
ner Ferreira da Silva, o Cabelo Duro, tra- Paraguai para dar continuidade aos traba-
ficante do Guarujá, na Baixada Santista. lhos de Gegê do Mangue e de Paca.
A informação estava em um bilhete apre-
endido na Penitenciária 2 de Presidente Fuminho permanece como um dos crimi-
Venceslau, o “escritório” do PCC76. Mar- nosos mais procurados pela polícia brasi-
cola e Fuminho cumpriram pena na Casa leira. O braço direito de Marcola é aponta-
de Detenção de São Paulo, no Carandiru. do também como o principal traficante de
Eles fugiram juntos do presídio em 12 de drogas do Primeiro Comando da Capital.
janeiro de 1999. Fuminho até hoje não foi As mortes de Gegê e Paca levantaram es-
recapturado. peculações de que possíveis conflitos inter-
Policiais civis cearenses descobriram, ain- nos poderiam tomar conta do PCC e minar
da, que Cabelo Duro participou das execu- a autoridade de Marcola. Até os dias atuais,
ções de Gegê e de Paca juntamente com contudo, isso ainda não foi registrado.
André Luís da Costa Lopes, o Andrezinho
da Baixada, Erick Machado Santos, o Ne- O PCC HOJE
guinho Rick da Baixada, Carlenilto Pereira O Primeiro Comando da Capital exerce
Maltas, o Ceará, e Ronaldo Pereira Costa. hoje um papel empresarial. O comando
Fuminho, Andrezinho, Erick, Carlenilto e da divisão está dividido em vários depar-
Ronaldo foram denunciados à Justiça do tamentos, chamados de Sintonias, cria-
Ceará pelas mortes de Gegê e de Paca. dos dentro da P2 de Venceslau.
Até fevereiro de 2019, estavam foragidos.
As Sintonias funcionam nas prisões e nas
O piloto Felipe se entregou à polícia em ruas como células e foram criadas para
Goiás e entrou num programa de delação descentralizar as tarefas e também para
premiada. Cabelo Duro não chegou a ser dificultar as investigações sobre os seus
denunciado por um motivo: uma semana envolvidos. Entre essas células, a princi-
75 STABILE, Arthur; JOZINO, Josmar. Líderes do PCC
pal é a Final Geral, composta por um con-
são mortos no Ceará; MP aponta guerra interna na selho deliberativo. Segundo o Gaeco de
facção. Ponte Jornalismo, 18/2/2018. Disponível em Presidente Prudente, Marcola é o presi-
<https://ponte.org/lideres-do-pcc-sao-mortos-no-ceara
-mp-aponta-guerra-interna-na-faccao/> dente desse conselho, o número 1.
76 JOZINO, Josmar; CRUZ, Maria Teresa. Bilhete indica 77 STABILE, Arthur; JOZINO, Josmar. Dupla executa ‘afi-
que PCC ordenou as mortes de Gegê e Paca. Ponte lhado’ no PCC de Gegê do Mangue, suspeito de matar
Jornalismo, 22/2/2018. Disponível em < https://ponte. padrinho. Ponte Jornalismo, 23/2/2018. Disponível em
69

org/bilhete-indica-que-pcc-ordenou-as-mortes-de-ge- <https://ponte.org/dupla-mata-afilhado-de-gege-do
ge-e-paca/> -mangue-suspeito-de-matar-padrinho>
O PCC criou também a Sintonia Geral dos financiar viagens aéreas e terrestres de
Outros Estados, responsável pela admi- integrantes do PCC para outros países
nistração, organização e difusão do gru- do Mercosul e estados da Federação; ad-
po em todos os estados da Federação. quirir telefones celulares, computadores
Esse setor é encarregado de disseminar e outros equipamentos de informática de
os ideais da facção e de batizar novos in- última geração.
tegrantes.
O promotor de Justiça Lincoln Gakiya,
A Sintonia dos Outros Países tem como coordenador do Gaeco de Presidente
meta expandir os negócios do PCC no Prudente, afirma que, antes das mortes
Paraguai, Bolívia, Colômbia e Peru. Esses de Gegê e de Paca, Fuminho exportava

DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado
países são importantes fornecedores de para a Europa, via portos de Santos, do
drogas para o crime organizado no Brasil. Nordeste e de Santa Catarina, uma to-
nelada de cocaína por mês. “O quilo da
A missão da Sintonia dos Gravatas, que
cocaína no mercado internacional está
reúne advogados, é atuar na defesa dos
em torno de US$ 25 mil. Faça as contas e
integrantes da facção. Tantos dos que
veja quanto a facção criminosa arrecada
estão presos como daqueles em liberda-
mensalmente só com as drogas exporta-
de. A Sintonia dos Ônibus cuida dos alu-
das por esse traficante”, sugere.
guéis, fretes e compra de coletivos para
transportar parentes dos detentos às uni- Gakiya diz, ainda, que o PCC tem hege-
dades prisionais do interior de São Paulo. monia em todo o território nacional. Um
mapa das facções criminosas no País, fei-
Já a Sintonia dos Financeiros, sempre
to pelo Gaeco de Presidente Prudente,
composta por homens ou mulheres da
mostra que o PCC é aliado de 34 organi-
mais alta confiança da cúpula do PCC,
zações criminosas no Brasil e inimigo de
tem a responsabilidade de administrar e
outros 21 grupos.
controlar o caixa da organização crimi-
nosa. O dinheiro arrecadado vem de ri- Para o promotor de Justiça, o PCC se en-
fas vendidas nas prisões e nas ruas para contra no estágio de uma pré-máfia. “Só
membros do PCC, da contribuição men- não é uma máfia ainda porque não faz
sal (conhecida como cebola) de cerca lavagem de dinheiro no exterior. Mas já
de R$ 1.000,00, paga pelos membros do está caminhando para isso”, prevê.
PCC, e, sobretudo, do lucro arrecadado
O poder do PCC se tornou tão intimida-
com o tráfico de drogas.
dor, especialmente após os ataques de
Investigações do Gaeco de Presidente 2006 e 2012, que o receio de uma possí-
Prudente apuraram que o PCC arreca- vel reação violenta fez o governo paulista
dava, em 2018, o equivalente a R$ 400 manter a cúpula da facção reunida no seu
milhões por ano. Esse faturamento, ain- “escritório do crime” da P2 de Presidente
da segundo o Ministério Público Estadu- Venceslau, em vez de fazer como outros
al, colocaria o PCC entre as 500 maiores estados, que usualmente preferem enviar
empresa do País. as lideranças do crime organizado local
para o Sistema Penitenciário Federal.
Com essa arrecadação, é possível pagar
advogados, contadores, tesoureiros e até Criados em 2006, os presídios federais
doleiros contratados pelo grupo. É pos- permitem, em princípio, um controle mais
sível ainda comprar armas, veículos, he- rígido do que os estaduais. Mesmo as-
licópteros; aumentar a frota de ônibus sim, passaram anos sem receber presos
70

para transportar familiares de presos; da cúpula do PCC. Houve uma exceção:


DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado
Arte: Junião/Ponte Jornalismo

Roberto Soriano, o Tiriça, enviado para federais, entre setembro de 2016 e abril
o Sistema Penitenciário Federal após os do ano seguinte — entre elas, a psicóloga
ataques de 2012. Essa exceção foi o que Melissa Almeida, morta diante da filha de
bastou para provocar problemas inéditos 10 meses, em Cascavel, no Paraná.
naquelas unidades.
O governo paulista mudou sua política
Em 2013, Tiriça foi responsável pelo pri- em 13 de fevereiro de 2019. Neste dia,
meiro motim de uma unidade federal, em após acerto entre os governos estadual
Porto Velho. Mais tarde, em protesto con- e federal, a Justiça de São Paulo determi-
tra a manutenção de Tiriça no sistema, a nou a transferência de Marcola e outras
cúpula da facção teria decretado a mor- 21 lideranças da Penitenciária 2 de Presi-
71

te de três funcionários de penitenciárias dente Venceslau para os presídios fede-


rais de Mossoró, no Rio Grande do Norte,
e Porto Velho, em Rondônia, e Brasília78.
A gota d´água que levou o governo de
João Doria (PSDB) a optar pela transfe-
rência da cúpula do PCC foi a descoberta
de um plano de resgate de presos na P2
de Venceslau, que envolveria um avião
LJ35 – LearJet, com capacidade para 10
pessoas, segundo o Ministério Público
Estadual79.

DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado
A inédita transferência dos líderes do
PCC gerou o temor de que a facção re-
prisasse os ataques de maio de 2006.
Os dias foram passando e a retaliação
do Partido do Crime não veio. Uma boa
notícia? Talvez. Acontece que, para ex-
plicar porque o PCC dessa vez não rea-
giu com a mesma de violência de 13 anos
atrás, uma das hipóteses é a de que a
facção, hoje, já estaria tão firmemente
estruturada que poderia continuar a fun-
cionar mesmo com o isolamento de suas
lideranças. Em outras palavras, longe de
apontar uma fraqueza, a postura passi-
va diante da transferência talvez reflita o
fortalecimento do PCC, que não teria re-
agido com violência simplesmente por-
que não precisa mais disso.

78 JOZINO, Josmar; CRUZ, Maria Teresa. Marcola e ou-


tros integrantes da cúpula do PCC são transferidos para
presídios federais. Ponte Jornalismo, 13/2/2019. Dispo-
nível em <https://ponte.org/lider-do-pcc-preso-no-inte-
rior-de-sp-sera-transferido-para-presidio-federal/>
79 JOZINO, Josmar; CRUZ, Maria Teresa. Plano de fuga
com avião pilotado por iraniano motivou transferência
de líder do PCC. Ponte Jornalismo, 13/2/2019. Disponível
em < https://ponte.org/gota-dagua-para-transferencia-
72

de-lideres-do-pcc-foi-plano-de-fuga-com-aviao-pilota-
do-por-iraniano/>
6

CONSIDERAÇÕES
FINAIS

DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado
Na abertura dessa publicação, chamamos Comando da Capital e do Comando Ver-
a atenção para como houve uma mudan- melho, quando se trata de falar de ações,
ça de postura das autoridades diante do acabam propondo as mesmas soluções
cenário do crime organizado. Em vez de de sempre para combater o problema,
fingir que as facções criminosas não exis- valendo-se de uma lógica de guerra que
tiam ou minimizar sua importância, gover- privilegia mais repressão, mais encarce-
nadores de estados e o governo federal ramento e mais violações aos direitos
passaram a mencionar seus nomes, che- humanos. Exatamente a mesma política
gando ao ponto de o ministro da Justiça que, como esperamos ter demonstrado
Sergio Moro sugerir eternizar os nomes de nos capítulos anteriores, levou ao surgi-
algumas dessas facções na letra da lei. mento e à expansão do crime organiza-
do no Brasil.
Tomada isoladamente, é uma atitude que
poderia ser considerada uma boa nova, Nesse contexto, mesmo o que poderia
pois parece indicar um objetivo real de ser visto como uma boa notícia — o reco-
encarar o problema como ele é para po- nhecimento de que o problema das fac-
der enfrentá-lo da melhor maneira. Po- ções criminosas é real e deve ser enfren-
deria. Como também poderia ser con- tado —acaba por se mostrar no oposto
siderada positiva a intenção, anunciada disso. Afinal, trata-se do contexto em que
por Moro, de criar uma estratégia nacio- o país testemunha a chegada ao poder
nal de combate a essas facções — tarefa de um movimento de extrema direita, que
que historicamente havia ficado a cargo tem como uma de suas características a
dos governos estaduais, que se encarre- busca por inimigos imaginários contra
gavam de levar aos trancos e barrancos quem busca travar uma guerra “santa”.
a tarefa inglória de enfrentar, dentro de Afinal, tanto o presidente Jair Bolsonaro
seus limites territoriais, grupos que espa- como vários de seus ministros passam os
lhavam sua influência por todo o Brasil e, dias denunciando conspirações nebulo-
mais recentemente, também para outros sas envolvendo conceitos vagos que bus-
países. Poderia. cam combater: o “comunismo”, a “ideolo-
gia de gênero”, o “globalismo”, o Foro de
Quando se olha para o conjunto das po-
São Paulo, os “fake news” da mídia.
líticas públicas, contudo, nota-se que as
mesmas autoridades que agora dizem A atitude de nomear o crime organiza-
73

com todas letras os nomes do Primeiro do, nesse caso, corre o risco de atender à
velha estratégia dos governantes que se incluindo detenções ilegais, sequestros,
valem da figura de inimigos, reais ou ima- armações, torturas e execuções extraju-
ginários, capaz de estimular um clima de diciais em massa, como as que o governo
medo e caça às bruxas que justifiquem a de São Paulo cometeu no Carandiru, na
adoção de medidas excepcionais de des- Castelinho e em maio de 2006, não hou-
truição de garantias individuais e perse- ve medida “dura” que o Brasil não hou-
guição aos grupos mais socialmente vul- vesse adotado.
neráveis. Algo que, no Brasil, obedece a
A impressão é de que nem Moro ou tam-
uma longa tradição. A ameaça de uma in-
pouco Bolsonaro conhecem a história
surgência monarquista que nunca existiu
das facções criminosas no Brasil, como

DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado
levou o presidente Prudente de Moraes,
se formaram e cresceram apesar — e,
em 1897, a arrasar até o último dos 50 mil
muitas vezes, por causa — da violência
habitantes de Canudos, a segunda maior
do Estado brasileiro. Longe de ser um re-
cidade da Bahia na época. O espectro do
médio, a violência estatal, praticada sem
comunismo, um dos mais duradouros e
restrições nem preocupação com lega-
versáteis, justificou todo tipo de crime e
lidade ou direitos humanos, está na raiz
perseguição em nome da liberdade, do
das condições que levaram à explosão
falso Plano Cohen que serviu de justifi-
dessas facções no Brasil.
cativa para o golpe que deu origem ao
Estado Novo, em 1937, até as execuções É preciso superar a propaganda governa-
e torturas praticadas pela última ditadura mental e o senso comum que tratam o
militar de 1964-1985. combate ao crime organizado como uma
luta do bem contra o mal, em que o Esta-
O Estado agora olha para as facções
do, representante da ordem, da paz e do
criminosas e as chama pelo nome, mas
progresso, trava um combate civilizató-
prefere combatê-las usando os mesmos rio contra grupos violentos que desafiam
remédios de sempre, e sem reconhecer sua autoridade legítima colocando o país
sua responsabilidade no surgimento do no rumo da barbárie.
problema. Tanto no plano de governo de
Bolsonaro como no Anteprojeto de Lei O passado e o presente da relação entre
Anticrime de Sergio Moro, as ferramentas o Estado e o crime organizado revelam
propostas de combate ao crime organiza- uma realidade que desmente essa cari-
do não envolvem nada além de mais en- catura. Estado e crime organizado estão
carceramento e mais repressão, inclusive permanentemente conectados, numa
ampliando as possibilidades de inocentar relação tensa e explosiva, porém cons-
ou diminuir a pena de policiais que ma- tante. Para começar, o crime organizado
tarem suspeitos80. Parecem ignorar como no Brasil surge diretamente das ações e
o punitivismo e a violência foram a mar- omissões do Estado. As maiores facções
ca, desde sempre, de todas as políticas nasceram no ventre do Estado: nas pri-
no combate aos delitos dos mais pobres sões, onde as violências praticadas dire-
no Brasil e que, se essas políticas não de- tamente contra os corpos e as vidas dos
ram certo, nunca foi por falta de dureza. detentos, ou indiretamente, por meio
De medidas legais, como as restrições do desrespeito aos direitos mais bási-
à progressão de pena, até a adoção de cos, forneceram o combustível necessá-
políticas típicas do terrorismo de Estado, rio para que as facções explodissem. Ao
80 STABILE, Arthur; VASCONCELOS, Paloma. Por que se expandir, o crime organizado amplia
o pacote anticrime de Moro só serve para atacar negros suas relações com o Estado, por meio
e pobres. Ponte Jornalismo, 5/5/2019. Disponível em
da corrupção de agentes e também de
74

<https://ponte.org/entenda-8-pontos-do-projeto-anti-
crime-do-ministro-sergio-moro> acordos tácitos, que as forças de segu-
rança permanentemente são forçadas pública via as milícias como um mal me-
a assumir no contexto da “guerra às nor no combate ao narcotráfico, hoje já
drogas”, esse conflito impossível de ser ficou bastante claro que são um proble-
vencido. E, ao combater as facções que ma muito pior, porque cometem os mes-
ajudou a criar, o Estado brasileiro fre- mos crimes, mas são muito mais difíceis
quentemente adota estratégias de uso de serem combatidas, por causa de suas
da força que utilizam um grau de bar- extensas imbricações com o Estado, que,
bárie que não deve nada ao crime or- hoje, chegam até a família do presidente
ganizado. da República.

O papel dos governos como agentes da Entender que o respeito aos direitos hu-

DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado
necropolítica sobre populações negras manos e busca por justiça social não são
e pobres fica ainda mais evidente quan- empecilhos no combate ao crime orga-
do se examina as milícias, formadas jus- nizado, mas parte fundamental de qual-
tamente por agentes estatais e paraes- quer política que busque ser efetiva, é o
tatais. Se inicialmente parte da opinião grande desafio dos tempos que correm.

75
RECOMENDAÇÕES riências com redução de danos, como a
realizada pelo programa De Braços Aber-
tos, da Prefeitura de São Paulo, e as expe-
Na busca de políticas públicas que con- riências com descriminalização de subs-
sigam enfrentar a expansão do crime or- tâncias realizadas em Uruguai, Portugal e
ganizado e dos grupos paramilitares no estados norte-americanos.
Brasil, garantindo o respeito à democra-
cia e aos direitos humanos, sem o qual
o próprio Estado se torna apenas mais • Por uma política nacional,
uma entre outras gangues de crimino- e transnacional, de combate
sos, apresentamos a seguir uma série de

DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado
ao crime organizado
recomendações que, esperamos, sirvam
como ponto de partida para o debate A maior parte do efetivo policial brasileiro
em torno de soluções reais, que tomem está reunido nas Polícias Militares e Civis
como ponto de partida o conhecimento estaduais, subordinadas aos governado-
aprofundado dos problemas e o diálogo res locais, que enfrentam grandes dificul-
permanente com os mais diversos seto- dades para atuar fora de seus territórios.
res da sociedade, principalmente os mais Trata-se de um modelo que logo de saí-
fragilizados. da revela enorme desvantagem para en-
frentar as redes do crime organizado, que
sempre montaram estruturas capazes de
• Fim da guerra às drogas superar os limites estaduais e que há anos
ultrapassaram também as fronteiras nacio-
O modelo proibicionista e militarizado de nais. Recentemente, a Polícia Federal tem
combate às drogas adotado pela maior desenvolvido ações de combate ao crime
parte dos países do mundo no século organizado, o que é um avanço, porém in-
passado, e que se intensificou a partir dos suficiente. O combate efetivo às facções
anos 1970, mostrou-se um fracasso reco- criminosas e grupos paramilitares passa
nhecido por diversos estudos, entre eles por ações integradas capazes de somar os
um relatório da International Drug Poli- esforços dos diversos atores da segurança
cy Consortium (IDPC), rede formada por pública envolvidos no Brasil, incluindo aí a
177 ONGs, que apontou como as políticas Polícia Federal, as polícias estaduais e os
de “guerra às drogas” não conseguiram Ministérios Públicos Estaduais e Federal.
diminuir a produção nem o consumo de
substâncias ilegais e ainda provocou pre-
juízos mundiais para os direitos humanos,
• Estratégia específica de combate
a saúde, a educação e o desenvolvimen-
aos grupos paramilitares
to81 dos países.
As milícias não são um grupo criminoso
Trazendo essas lições para o Brasil, as
como outro qualquer, que possam ser
autoridades precisam compreender que
combatidas por uma política genérica
não pode haver um combate efetivo ao
de enfrentamento às facções criminosas,
crime organizado sem uma discussão
como sugere o pacote anticrime do mi-
que questione o atual modelo de guerra
nistro Sérgio Moro. Ao contrário. Os gru-
às drogas e analise com atenção as expe-
pos paramilitares conhecidos como milí-
81 International Drug Policy Consortium Publication. cias “não são um poder paralelo, são o
Taking stock: A decade of drug policy - A civil society Estado”, como costuma afirmar o profes-
shadow report. 2018. Disponível em < https://idpc.net/
sor José Cláudio Souza Alves, tanto nes-
76

publications/2018/10/taking-stock-a-decade-of-drug
-policy-a-civil-society-shadow-report> te como em outros trabalhos. Com essa
formulação, Alves destaca que os grupos territórios vulneráveis, frequentemente
paramilitares reúnem uma capacidade de apelando para as prisões sem provas e as
corromper as estruturas do Estado de Di- execuções extrajudiciais de negros e po-
reito que é muito maior do que a de qual- bres (SOARES, 2019). Afastadas das ruas
quer grupo criminoso tradicional, por e desprovidas de estrutura, as polícias ci-
operar de dentro para fora das estruturas vis se vêm às voltas com uma capacidade
estatais. Por causa de seu potencial cor- de investigação muito reduzida e espe-
rosivo muito maior, e da dificuldade que cialmente ineficiente contra um problema
o Estado naturalmente enfrenta ao lidar complexo como as facções criminosas ou
com estruturas corruptas dentro de si, os os grupos paramilitares.

DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado
grupos paramilitares precisam de políti-
Dentre as possíveis propostas de redis-
cas próprias de enfrentamento. Para pen-
cussão do modelo de policiamento brasi-
sá-las, um caminho interessante é analisar
leiro, um bom ponto de partida para um
com atenção as experiências ocorridas
debate é a Proposta de Emenda Consti-
na Colômbia, país que enfrentou proces-
tucional n. 51 (PEC-51), do senador Lin-
so parecido nas últimas décadas.
denbergh Farias (PT/RJ), que prevê um
remodelamento do artigo 144 e a criação
de polícias civis de ciclo único, responsá-
• Reforma das polícias
veis tanto pelo policiamento de rua como
É impossível falar em aprimorar o traba- pela investigação.
lho de investigação do crime realizado
no Brasil sem enfrentar a questão do
modelo de policiamento existente no • Redução do encarceramento de massa
País, que não tem paralelo em países
Não é coincidência que um dos países
democráticos e é fonte permanente de
que mais investiu em políticas de en-
ineficiência, autoritarismo e abusos aos
carceramento em massa, a ponto de se
direitos humanos. Previsto no artigo 144
reunir a terceira maior população carce-
da Constituição Federal, o modelo de
rária do planeta, tenha testemunhado o
segurança pública brasileiro construiu a
surgimento de diversas facções crimi-
existência de duas forças policiais, uma
nosas a partir de suas prisões. Como es-
civil, destinada à investigação, e outra
peramos ter demonstrado nesse traba-
militar, que é força auxiliar do Exército
lho, no Brasil o crime organizado surge
e destinada ao policiamento ostensivo,
nas celas, nas quais as condições degra-
que reúne maior efetivo e recebe a maior
dantes estimulam a reação organizada
parte dos investimentos.
dos detentos como estratégia de sobre-
A ênfase ao policiamento ostensivo mili- vivência, e nas celas montam os seus
tarizado privilegia as prisões em flagrante, exércitos, contando com um vasto con-
motivadas principalmente por questões tingente humano de gente torturada e
relacionadas ao consumo ou ao pequeno cheia de ódio. Fonte de aumento da cri-
comércio de drogas, que é o que está ao minalidade e do poder do crime organi-
alcance efetivo do patrulhamento de rua. zado, o encarceramento em massa pre-
Nesse contexto, “os grupos sociais mais cisa ser revisto, por meio tanto de uma
vulneráveis, no quadro maior das desi- nova política para drogas como por uma
gualdades brasileiras e do racismo estru- revisão dos critérios para a decretação
tural”, se tornam os principais alvos dos de prisões cautelares, uma exceção le-
policiais, que tendem “a atuar como tro- gal que os tribunais transformaram em
77

pa de ocupação e enfrentar inimigos” nos regra para os réus negros e pobres.


CRONOLOGIA do Puro (TCP), a partir de um racha do Ter-
ceiro Comando, surgido nos anos 70.

1979: Presos do Instituto Penal Candi- 5/3/2002: Policiais militares matam 12


do Mendes, na Ilha Grande (RJ), criam a integrantes do PCC na rodovia Senador
Falange da LSN, que depois se tornaria José Ermírio de Moraes, a Castelinho. Cha-
Falange Vermelha e, por fim, Comando cina ocorreu após PMs do Gradi (Grupo de
Vermelho. Repressão e Análise aos Delitos de Into-
lerância) infiltrarem criminosos e policiais
2/10/1992: Massacre do Carandiru: po- disfarçados na facção e convencê-los a
liciais militares matam a tiros 111 presos roubar um avião-pagador que não existia.

DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado
na Casa de Detenção do Carandiru, em
São Paulo. 2002: Desativação da Casa de Detenção
do Complexo Carandiru. Dez anos de-
1993: Criação do Primeiro Comando da Ca- pois, ela seria implodida.
pital na Casa de Custódia de Taubaté (SP).
2/4/2002: Governo inaugura o CRP
1994-1998: A Associação Amigos dos (Centro de Readaptação Penitenciária)
Amigos, ADA, se organiza nos presídios de Presidente Bernardes para isolar as li-
fluminenses. Ela se torna a facção crimi- deranças do PCC.
nosa mais próxima do Estado.
1994: Ernaldo Pinto de Medeiros, o Uê,
18/2/2001: Primeira grande ação pública deixa o Comando Vermelho após matar
do PCC. Megarrebelião atinge simulta- seu parceiro Orlando da Conceição, o Or-
neamente 25 penitenciárias e quatro ca- lando Jogador.
deias públicas. Autoridades são obriga-
das a reconhecer a existência da facção. 11/9/2002: Fernandinho Beira-Mar, do
CV, lidera revolta que leva à morte de Uê
18/2 e 19/2/2002: Pela primeira vez, PCC e outros rivais no presídio Bangu 1. Cha-
realiza ataques fora das prisões. Explode cina leva integrantes do TC a passaram
granadas em dois prédios públicos da para o Terceiro Comando Puro e ADA.
capital paulista e metralha um fórum em
São Vicente (SP), deixando um morto. 14/3/2003: Antonio José Machado Dias,
o Machadinho, juiz-corregedor dos Pre-
5/1/2001: Por meio de portaria, o secretá- sídios da Região Oeste de São Paulo, é
rio de Administração Penitenciária Nagashi assassinado pelo PCC. Para evitar novas
Furukawa cria o RDD (Regime Disciplinar mortes de juízes, a Justiça transfere os
Diferenciado), um sistema de isolamento processos de execução das lideranças da
que passa a ser largamente utilizado con- facção para a capital paulista.
tra presos do crime organizado.
2/11/2003: Contra a aplicação do RDD, o
27/7/2001: Morte de um dos principais PCC deflagra série de 17 atentados con-
líderes do PCC, Idemir Carlos Ambrósio, tra a polícia, que termina com a morte de
o Sombra, na Casa de Custódia e Trata- dois policiais militares, um agente peni-
mento de Taubaté. Tem início um racha tenciário e um detento.
interno que vai terminar com a consoli-
dação da liderança de Marcola e a ado- 1º/12/2003: Lei federal nº 10.792/2003
ção pela facção de uma orientação mais regulamenta o Regime Discliplinar Dife-
empresarial. renciado (RDD).

2002: No conjunto de favelas da Maré, na 3/2005: Policiais civis sequestram e tor-


78

zona norte do Rio, surge o Terceiro Coman- turam Rodrigo Olivatto Morais, enteado
de Marcola. Ele é libertado após o paga- da Secretaria da Administração Peniten-
mento de resgate de R$ 300 mil. ciária, absolve os 55 réus da Operação
Castelinho.
23/10/2005: Um atentado do PCC mata
José Ismael Pedrosa. Ele havia dirigido a 15/6/2016: Jorge Rafaat, que dominava
Casa de Detenção durante o Massacre do as rotas do tráfico na fronteira entre Bra-
Carandiru e a Casa de Custódia e Trata- sil e Paraguai, é assassinado em Pedro
mento de Taubaté, quando a unidade se Juan Caballero.
tornou conhecida pela prática de tortu-
ras, que estimularam um grupo de presos 15/2/2018: Importantes lideranças do
a criar o PCC, em 1993. PCC, Gegê do Mangue e Paca são assassi-

DEMOCRACIA E CRIME ORGANIZADO | Os poderes fáticos das organizações criminosas e sua relação com o Estado
nados no Ceará. Mortes levantam suspei-
12/5/2006: Após a transferência de 765 ta de um possível racha contra Marcola
presos para a P2 de Presidente Venceslau, dentro da facção, que não se confirmou.
o PCC dá início a uma série de ataques.
14/5/2018: A vereadora Marielle Franco
21/5/2006: A reação do Estado, por (Psol) e o motorista Anderson Gomes
meio de policiais fardados e de grupos são assassinados no centro do Rio. Mili-
de extermínio, deixa 452 mortos em dez cianos são suspeitos do crime.
dias. Já os mortos pelo PCC chegam ao
total de 42. 6/12/2018: Relatório do Coaf (Conselho
de Controle de Atividades Financeiras)
12/8/2006: Sequestro do jornalista Gui- aponta movimentação atípica de R$ 1,2
lherme Portanova, da Globo, por homens milhão, no ano anterior, nas contas de
do PCC. Ele é libertado no dia seguinte, Fabrício Queiroz, que trabalhava como
após a emissora transmitir uma declara- funcionário no gabinete de Flávio Bolso-
ção gravada da facção. naro, filho do presidente Jair Bolsonaro.
Revelação começa a escancarar ligações
13/8/2006: Morte de Cesinha, conse-
da família Bolsonaro com as milícias.
quência tardia do racha do PCC de 2001.
13/2/2019: Marcola e outros 21 presos
14/5/2008: Milicianos torturam dois jor-
são transferidos para presídios federais
nalistas e um motorista do jornal O Dia.
— em princípio, capazes de garantir mais
Crime abala visão positiva que a opinião
isolamento do que os estaduais. É a pri-
pública tinha das milícias.
meira vez que São Paulo adota essa me-
28/5/2012: Policiais da Rota matam An- dida contra a cúpula da facção.
derson Minhano, do PCC. Essa e outras
12/3/2019: Polícia Civil e Ministério Público
mortes levam a facção a iniciar uma série
Estadual prendem o PM da reserva Ronnie
de ataques contra policiais que se esten-
Lessa e o ex-PM Elcio Queiroz, acusados
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DEMOCRACIA E CRIME
ORGANIZADO
Os poderes fáticos das organizações criminosas
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Glaucia Marinho | Lena Azevedo | Sandra Carvalho


Josmar Jozino | Fausto Salvadori

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