Você está na página 1de 31

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2019.0000973224

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº


1082747-88.2017.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes T. DA C.
R. Z. e S. B. DE S. - H. S. L., são apelados L. Z. N. e F. Z..

ACORDAM, em 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de


São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Rejeitaram as preliminares e Deram provimento
aos recursos. V. U. Os 2º e 3º Juízes Declaram Votos Concordantes .", de conformidade
com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores EDSON


LUIZ DE QUEIROZ (Presidente sem voto), PIVA RODRIGUES E GALDINO
TOLEDO JÚNIOR.

São Paulo, 19 de novembro de 2019.

[ANGELA LOPES]
[Relatora]
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

VOTO Nº 6321
Apelação n. 1082747-88.2017.8.26.0100
Origem: 42ª Vara Cível do Foro Central
Juiz: Dr. Marcelo do Amaral Perino
Apelante: T.C.R.Z.
Apelado: L.Z.N. e outros

OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER - PREVENÇÃO DE


MAGISTRADO, LEGITIMIDADE 'AD CAUSAM',
COMPETÊNCIA DA VARA CÍVEL COMUM e
CERCEAMENTO DE DEFESA - Preliminares suscitadas por
ambos os apelantes rejeitadas - Designação do Juiz Substituto
em Segundo Grau vigente à época da distribuição do recurso de
agravo de instrumento cessada, afigurando-se correto o
reconhecimento da prevenção do Órgão - Hospital Sírio
Libanês que é parte legítima para responder à demanda, vez
que foi formulada, pelos autores, pretensão contra este, visando
ao não-cumprimento do contrato - Hospital, ademais, que será
diretamente afetado pela coisa julgada formada nestes autos
'Legitimidade ad causam' dos autores reconhecida - Desfecho
da demanda que tem potencial de afetar sua esfera de direitos,
em especial, sucessórios Competência do Juízo Cível
Comum, dada a diferença entre embrião e nascituro, conforme
estabelecido pela ADI 3510 Ausência de cerceamento de
defesa pelo julgamento antecipado da lide Desnecessidade de
novas provas, a par da prova documental já produzida nestes
autos Ausência de nulidade PRELIMINARES
REJEITADAS

AÇÃO MOVIDA PELOS FILHOS DO 'DE CUJUS'


CONTRA SEU CÔNJUGE E HOSPITAL, PARA OBSTAR
A IMPLANTAÇÃO DE EMBRIÃO DO FALECIDO
Sentença que comporta reforma Constatação da suficiência
da manifestação de vontade carreada no documento de fls.
86/87, consubstanciado em contrato hospitalar denominado
“Declaração de opção de encaminhamento de material
criopreservado em caso de doença incapacitante, morte,
separação ou não utilização no prazo de 3 anos ou 5 anos”
Contratantes que acordaram que, em caso de morte de um
deles, todos os embriões congelados seriam mantidos sob
custódia do outro, ao invés de descartados ou doados -
Confiança dos embriões ao parceiro viúvo que representa
autorização para a continuidade do procedimento, a critério do
sobrevivente, sendo embriões criopreservados inservíveis a
outra finalidade que não implantação em útero materno para
desenvolvimento Contrato celebrado com o hospital com
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

múltiplas escolhas, fáceis, objetivas e simples, impassíveis de


gerar qualquer confusão ou desentendimento para os
contratantes Ausência, outrossim, de lei que preveja forma
específica para manifestação da vontade - Provimento 63/2017,
do Conselho Nacional de Justiça, que ostenta caráter infralegal
e é, ademais, flexível quanto à forma da manifestação de
vontade, permitindo se dê por instrumento privado, caso dos
autos - Inversão do ônus pela sucumbência RECURSOS
PROVIDOS.

Trata-se de ação proposta por L.Z.N. e F.Z. em face de


T.C.R.Z. e SOCIEDADE BENEFICENTE DE SENHORAS HOSPITAL SÍRIO
LIBANÊS, objetivando, em resumo o reconhecimento e declaração da inexistência do
direito de utilização 'post mortem' dos embriões deixados por J.L.Z., seu genitor, que
se encontram sob a custódia do Hospital Sírio Libanês, proibindo os corréus de
implantá-los.

Sobreveio sentença de procedência, cujo relatório se


adota, para, confirmando a tutela de urgência antecedente, proibir que os
demandados realizem a implantação do material biológico do falecido J.L.Z.,
notadamente, os dois embriões que se encontram sob custódia do HOSPITAL SÍRIO
LIBANÊS. Pela sucumbência, a verba honorária a cargo dos réus foi arbitrada em R$
30.000,00, a ser rateado pelos vencidos (fls. 648/660).

Apela a ré T.C.R.Z., sustentando, preliminarmente,


ilegitimidade ativa dos autores, não lhes assistindo direito de contestar o planejamento
familiar do casal, pelo que deve ser julgado extinto o processo, sem análise de seu
mérito. Ainda, de forma preliminar, deduz que a questão deveria ter sido enfrentada
pelo Juízo da Família, uma vez que os embriões são futuros nascituros “e, uma vez
nascidos, adquirirem sua personalidade jurídica, questão atinente a estado, a
sucessão, seus acessórios e incidentes, não sendo o Juízo Civil competente para
processar e julgar a ação”. (fl. 704, 'in verbis'). Conclui, assim, pela incompetência,
citando precedentes que tratam da proteção aos direitos do nascituro. Aduz, no mais,
nulidade da sentença pelo julgamento antecipado da lide, pelo que pretendia
comprovar a vontade de J.L. de gerar filhos consigo. Reclama ter sido a sentença
proferida 'de surpresa', o que é vedado pelo ordenamento jurídico.
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

No mérito, defende a improcedência da demanda, vez


que o julgado atenta contra a dignidade humana, a vontade dos genitores e o direito
ao planejamento familiar. Insiste haver autorização expressa de J.L. para implantação
dos embriões, consubstanciado no instrumento contratual firmado com o corréu
Hospital Sírio Libanês, cabendo considerar a existência, outrossim, de concessão de
custódia, em seu favor, dos embriões, ressaltando o fato de que o marido se
submeteu a técnicas cirúrgicas para obtenção de espermatozoides, a evidenciar sua
vontade (fls. 678/739).

A Sociedade Beneficente das Senhoras Hospital Sírio


Libanês também apela. Preliminarmente, deduz haver prevenção do Desembargador
Relator José Aparício Coelho Prado Neto, em razão do julgamento do agravo de
instrumento 2178467-74.2017.8.26.00000. No mais, aponta sua falta de interesse na
presente lide, vez que não estão sendo discutidas cláusulas do contrato entabulado
pelo 'de cujus' e T.C.R.Z., não havendo necessidade, por parte dos autores, de mover
ação contra o Hospital, que não possui autonomia para realizar qualquer
procedimento sem a solicitação expressa dos contratantes. Refere que “não daria
início ao cumprimento do contrato espontaneamente inexistindo, pois, pretensão
resistida”. Esclarece que sofreria os mesmos efeitos se fosse meramente terceiro em
ação ajuizada contra a corré T. Deduz ser, ainda, parte ilegítima para responder à
demanda, certo que a obrigação do Hospital é de guarda e conservação do material
biológico, tratando-se, em verdade, de mero depositário. Por fim, aponta a
impossibilidade de sua condenação ao pagamento de honorários advocatícios, que
devem, pelo princípio da causalidade, ser imputados aos apelados. Subsidiariamente,
impugna o valor dos honorários advocatícios, por excessivos, já que o processo teve
tramitação curta, sendo julgado em menos de um ano. (fls. 744/754).

Recursos processados e respondidos a fls. 762/810 e


824/834.

Remetidos os autos a este E. Tribunal, foi constatado


haver prevenção do Órgão, sendo, pois, atribuída relatoria a esta Magistrada (fl. 843).
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Sobreveio, então, petição dos autores suscitando haver


prevenção do Desembargador José Aparício Coelho Prado Neto (fls. 851/860), com o
que discordou a corré T.C.R.Z. (fls. 861/862).

Nova discussão a respeito da prevenção, ou não, do


Nobre Desembargador seguiu-se às fls. 864/867 e 877/8789.

É o relatório.

Cuida-se de ação movida por L.Z.N. e F.Z.N. contra


T.C.R.Z. e Sociedade Beneficente de Senhoras Hospital Sírio Libanês.

Para tanto, esclareceram ser filhos de J.L.Z., empresário


de renome e fortuna, que aos seus mais de 70 anos de idade contraiu terceiro
matrimônio com a corré T.C.R.Z., que, à época, contava com apenas 30 anos de
idade, observado o regime de separação absoluta e obrigatória de bens.

Observaram que embora saudável, nos últimos anos, o


pai começou a apresentar sinais de senilidade, demonstrando falhas de memória e,
em certas ocasiões, confusão mental.

Relataram que em 03/02/2017, J.L.Z. faleceu de forma


inesperada e súbita, decorrência de um aneurisma da aorta.

Em meio a imbróglio envolvendo o inventário do genitor,


descreveram surpresa ao receberem a notícia de que em 2015, este, com a esposa,
teria realizado fertilização 'in vitro', procedimento que resultou em alguns embriões.
Explicaram que a surpresa decorreu do fato de que J.L.Z. sempre externou desejo de
não mais ter filhos. Destarte, ajuizaram ação para exibição dos documentos, contra o
Hospital Sírio Libanês, a fim de verificar a veracidade da informação.

Nada obstante, enquanto ainda aguardavam exibição dos


documentos, houve manifestação da ré, nos autos do inventário, de que estaria
ultimando os procedimentos necessários à implantação de dois embriões, pelo que
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

pleitearam a concessão de tutela de urgência, em caráter antecedente, nestes autos,


para fins de obstar tal providência.

Defendem aqui a impossibilidade de utilização de


material biológico de pessoa falecida para fins de reprodução assistida e,
subsidiariamente, a necessidade de anuência expressa e específica do 'de cujus' para
realização do procedimento, constante de escritura ou testamento, o que inexiste no
caso concreto, pelo que pedem seja proibida a ultimação do contrato.

Pois bem.

1 Da ausência de prevenção ao relator do agravo de


instrumento 2178467-74.2017.8.26.00000, Desembargador José Aparício Coelho
Prado Neto.

Primeiramente, anota-se que a presente lide teve seu


início na forma de pedido de tutela de urgência, em caráter antecedente, movida por
L.Z.N. e F.Z. com finalidade de obstar a implantação dos embriões gerados a partir de
material genético de seu genitor e da corré T.C.R.Z., atualmente armazenados junto
ao corréu Hospital Sírio Libanês.

O pedido de tutela de urgência foi deferido às fls.


103/104, o que gerou, por parte dos autores, pedido de emenda, prosseguindo a
presente ação pelo rito ordinário, nos termos do art. 303 do CPC.

Já a corré T.C., inconformada com o teor da decisão


antecipatória, interpôs agravo de instrumento, distribuído a esta Corte em 14/09/2017,
sob o nº 2178467-74.2017.8.26.00000, à relatoria do Desembargador José Aparício
Coelho Prado Neto, que, à época, ocupava vaga de Juiz em Segundo Grau auxiliar
da 9ª Câmara de Direito Privado, consoante publicação do Diário de Justiça
Eletrônico em 26/04/2017, nos termos do art. 281 do Regimento Interno desta Corte
Paulista, pelo que vinculado a tal designação:

'Art. 281. Os magistrados removidos ao cargo de Juiz


PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Substituto em 2º Grau, a partir da vigência deste Regimento, não terão mais cadeira
definida nas Câmaras e passarão a substituir ou auxiliar os desembargadores
nos órgãos julgadores, por designação dos Presidentes das Seções, depois de
colocados à disposição pelo Presidente do Tribunal.

Em 02/02/2018, contudo, houve nova designação do


Magistrado, coincidentemente, para a mesma Câmara, contudo, nova designação, a
saber: “Dr. JOSÉ APARICIO COELHO PRADO NETO, para integrar, 9ª Câmara de
Direito Privado a partir de 02/02/2018, em substituição ao Des. Alexandre Alves
Lazzarini, sem prejuízo de responder pelos processos que lhe foram distribuídos
até 01/02/2018, cessando a designação anterior.”

Embora tenha permanecido na 9ª Câmara de Direito


Privado, o que poderia sequer ter acontecido, houve cessação da designação
anterior, pelo que passou a responder somente pelos processos já distribuídos para
si até a data, mais aqueles concernentes à cadeira assumida, em substituição do
Desembargador Alexandre Lazzarini.

Nota-se que a prevenção, nos termos do art. 281, não


diz respeito a processos distribuídos na origem, até 01/02/2018, mas, sim, os recursos
que lhe tenham sido distribuídos até a data, pelos quais responde até a baixa.
Eventuais prevenções geradas por ele permaneceram vinculadas ao Órgão, nos
termos do 'caput' do art. 105 do Regimento Interno deste Tribunal Paulista.

“Art. 105. A Câmara ou Grupo que primeiro conhecer


de uma causa, ainda que não apreciado o mérito, ou de qualquer incidente, terá a
competência preventa para os feitos originários conexos e para todos os
recursos, na causa principal, cautelar ou acessória, incidente, oriunda de outro,
conexa ou continente, derivadas do mesmo ato, fato, contrato ou relação jurídica, e
nos processos de execução dos respectivos julgados.”

Uma vez que o presente recurso veio distribuído a esta


Corte somente em 05/08/2018, quando o Desembargador José Aparício já estava
respondendo por nova cadeira, reconhece-se prevenção da Câmara, e não do
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Magistrado.

Observa-se, por oportuno, que a distribuição ao mesmo


relator, dentro da mesma Câmara, depende da ocupação de mesma cadeira, o que
não é a hipótese dos autos, tendo havido modificação da designação do
Desembargador José Aparício, conforme acima explicado:

“Art. 105, § 3º O relator do primeiro recurso


protocolado no tribunal terá a competência preventa para os recursos
subsequentes no mesmo processo ou em processos conexos, enquanto compuser
ou auxiliar a Câmara ou o Grupo, segundo a cadeira do tempo da distribuição.”

Tudo consignado, não há vício na distribuição do


presente recurso.

No sentido da prevenção da Câmara e da quebra da


prevenção do Magistrado por nova designação / promoção:

'CONFLITO DE COMPETÊNCIA - Apelação -


Prevenção da Câmara suscitada em face de julgamento anterior de agravo de
instrumento tirado na mesma lide - Incidência da regra do art. 105, caput, do
Regimento Interno desta Corte - Irrelevância do fato do Relator daquele recurso,
Juiz Substituto, não mais possuir assento na Câmara - Incidência da Súmula 158
deste Tribunal - Conflito procedente - Reconhecimento da competência da C. 7a
Câmara de Direito Privado (suscitada). (TJSP - Turma Especial - Privado 1 - Conflito
de Competência Cível nº 0031466-51.2019.8.26.0000 Des. Relator: Galdino Toledo
Júnior j. 10 de outubro de 2019.)

Conflito de Competência Recurso distribuído


primitivamente, por sorteio, a Juiz Substituto em Segundo Grau deste Tribunal,
quando ainda integrava a 9ª Câmara de Direito Público Cessação da designação
por promoção Circunstância que não interfere na prevenção do órgão
fracionário e não rompe a vinculação das cadeiras auxiliadas Inteligência do
art. 105, "caput" e § 3º, do RITJSP Precedentes da Turma Especial da Seção de
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Direito Público - Competência da 9ª Câmara de Direito Público (suscitada). (TJSP -


Turma Especial Publico - e Conflito de Competência nº 0003481-44.2018.8.26.0000
Des. Relator: Antonio Moliterno j. 30 de novembro de 2018).

Superada tal questão, passa-se às demais preliminares


arguidas nos recursos.

2 Do interesse e legitimidade do corréu Hospital


Sírio Libanês para compor o polo passivo da presente demanda:

Com efeito, em que pese o Hospital alegar que não


possui interesse processual ou legitimidade para figurar como réu nestes autos,
tratando-se de mero depositário do material biológico, afigura-se correta sua
manutenção no polo passivo da lide, uma vez que foram formuladas, pelos autores,
pretensões contrárias aos interesses acordados no contrato firmado com a corré
T.C.R.Z, os quais lhe dizem respeito, a saber:

“(...) seja a presente ação julgada procedente para (i)


reconhecer e declarar judicialmente a inexistência do direito de utilização 'post
mortem' dos embriões deixados pelo Sr. J.L.Z. que se encontram sob a custódia do
Hospital Sírio Libanês, seja em razão do exposto nos itens 14 e 15 supra, seja ainda
ante a inexistência de consentimento expresso e específico do Sr. J.L.Z. para a
implantação dos embriões depois de seu falecimento e/ou, ainda, (ii) proibir os
corréus de implantar os embriões deixados pelo de cujus após a sua morte -
tornando, assim, definitiva a tutela provisória de urgência cautelar.” (fl. 130)

Assim, adequada a inclusão de ambos os contratantes


no polo passivo da demanda, mesmo porque o nosocômio réu admitiu que bastaria,
para que prosseguisse com a prestação de seus serviços, de solicitação
expressa da corré T.

E de acordo com os autores, ao exporem sua causa de


pedir remota, a T. já estava já tomando as medidas necessárias à implantação
dos embriões, o que necessariamente demanda atuação do Hospital.
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

No mais, o Hospital será diretamente afetado pela coisa


julgada, vez que poderá ser expressamente proibido de dar continuidade a obrigação
que assumiu, sendo efetivamente pertinente lhe seja facultada apresentação de
defesa nestes autos.

Destarte, fica rejeitada preliminar neste sentido.

3 Da legitimidade ativa dos autores e da


competência da Vara Cível para processamento da lide.

É sabido que a aferição da legitimidade ativa se dá no


caso concreto, diante da análise do objeto litigioso.

Nos termos da preciosa lição de Cândido Rangel


Dinamarco:

“Ela (legitimidade ad causam) depende sempre de uma


necessária relação entre o sujeito e a causa e traduz-se na relevância que o resultado
desta virá a ter sobre a sua esfera de direitos, seja para favorecê-la ou para restringi-
la. Sempre que a procedência de uma demanda seja apta a melhorar o patrimônio ou
a vida do autor, ele será parte legítima; sempre que ela for apta a atuar sobre a vida
ou patrimônio do réu, também este será parte legítima (legitimidade ativa ou passiva,
conforme o caso). Daí conceituar-se essa condição da ação como relação de legítima
adequação entre o sujeito e a causa.” (in Instituição de direito processual civil: volume
II, Cândido Rangel Dinamarco 7ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2017).

No específico caso desses autos, contrariamente ao que


alega a apelante T., não pretendem os autores contestar seu direito, de forma
genérica, a um livre planejamento familiar, mas, sim, obstar cumprimento de um
específico contrato, firmado com o Hospital corréu, para fins de implantação de dois
embriões de seu genitor, já falecido, certo que a providência trará, caso bem
sucedida, induvidosa consequência em sua esfera de direitos, em especial,
sucessórios e patrimoniais.
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Destarte, reconhece-se a legitimidade dos autores,


observada sua qualidade de herdeiros de J.L.Z.

No mais, descabe falar em competência da Vara de


Família e Sucessões, vez que embrião e nascituro, para efeitos da legislação pátria,
não se confundem, já tendo a diferenciação entre ambos sido tratada de forma
contundente quando do julgamento da ADI 3510 pelo E. Supremo Tribunal Federal,
acórdão já citado em mais de uma oportunidade no decorrer deste processo, vez que
condutor de conceitos primordiais à compreensão jurídica da questão.

Tal distinção, bem como a competência para resolução


dos conflitos que envolvam a figura do embrião, é tratada logo na ementa do
indigitado acórdão, pelo que convém a transcrição do seguinte excerto:

“(...) Mas as três realidades não se confundem: o


embrião é o embrião, o feto é o feto e a pessoa humana é a pessoa humana. Donde
não existir pessoa humana embrionária, mas embrião de pessoa humana. O embrião
referido na Lei de Biossegurança ("in vitro" apenas) não é uma vida a caminho de
outra vida virginalmente nova, porquanto lhe faltam possibilidades de ganhar as
primeiras terminações nervosas, sem as quais o ser humano não tem factibilidade
como projeto de vida autônoma e irrepetível. O Direito infraconstitucional protege por
modo variado cada etapa do desenvolvimento biológico do ser humano. Os
momentos da vida humana anteriores ao nascimento devem ser objeto de
proteção pelo direito comum. O embrião pré-implanto é um bem a ser protegido,
mas não uma pessoa no sentido biográfico a que se refere a Constituição.”(STF
Tribunal Pleno - Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.510 / Distrito Federal
Ministro Relator: Ayres Britto j. 29/05/2008).

A complementar tal raciocínio, prossegue o Nobre


Relator Ayres Britto: “É constitucional a proposição de que toda gestação humana
principia com um embrião igualmente humano, claro, mas nem todo embrião humano
desencadeia uma gestação igualmente humana, em se tratando de experimento "in
vitro". Situação em que deixam de coincidir concepção e nascituro, pelo menos
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

enquanto o ovócito (óvulo já fecundado) não for introduzido no colo do útero feminino.
O modo de irromper em laboratório e permanecer confinado "in vitro" é, para o
embrião, insuscetível de progressão reprodutiva. Isto sem prejuízo do reconhecimento
de que o zigoto assim extra-corporalmente produzido e também extra-corporalmente
cultivado e armazenado é entidade embrionária do ser humano. Não, porém, ser
humano em estado de embrião.”

Destarte, acertadamente o MM. Magistrado de Primeira


Instância manteve a competência para julgamento da demanda na 42ª Vara Cível do
Foro Central, não se tratando de questão afeta a Direito de Família, tampouco
Sucessões.

4 Do cerceamento de defesa e nulidade por decisão


surpresa.

Descabe a arguição de cerceamento de defesa, ou


decisão surpresa, arguidas por T.C.R.Z.

Isso porque o julgamento antecipado da lide prescinde de


qualquer aviso prévio, bastando inexistam mais ou novas provas a serem produzidas,
predicado da própria natureza da causa, possibilidade contemplada no Código de
Processo Civil.

No caso 'sub judice', toda a prova pertinente é


documental, sequer tendo a corré esclarecendo quais outras provas pretendia
produzir, ressaltando-se que o objeto da lide é, tão somente, a possibilidade de
prosseguimento da implantação dos embriões, 'post mortem'.

E nesse contexto, não se está em busca de prova de que


J.L.Z. nutria o desejo, em vida, de ter filhos com T.C.R.Z., o que é presumido, dada a
própria realização da inseminação artificial, com submissão, inclusive, a procedimento
cirúrgico de aspiração de espermatozoides para tal propósito (fls. 40 e seguintes).

Objeto de prova relevante é, tão somente, a persistência


PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

de tal vontade após sua morte, o que certamente não seria alcançado por meio de
prova testemunhal.

Destarte, não se reconhece a ocorrência de cerceamento


de defesa a macular a r. sentença.

5 - Do mérito.

Tudo considerado, passa-se ao mérito da questão. E


aqui, os recursos comportam provimento.

Primeiramente, anota-se que a questão 'sub judice' cinge-


se à existência, ou não, de autorização expressa de J.L.Z. para implantação dos
embriões gerados com a então esposa, T.C.R.Z., mesmo após sua morte.

O debate de outras questões, como o exato momento em


que se inicia a vida humana, ou a natureza jurídica dos embriões, ou a aplicação do
conceito amplo ou restrito de nascituro não são pertinentes, bastando que se defina
se há óbice à continuidade da relação contratual estabelecida entre os réus.

Pois bem.

É incontroverso que havia, entre J.L.Z. e T.C.R.Z.,


vontade de procriação em vida, tanto que submeteram-se ao procedimento de
fertilização 'in vitro'.

E embora os autores tenham referido, a princípio, dúvida


a respeito de tal informação (pelo que inclusive teriam ajuizado ação de exibição de
documentos), é certo que eles próprios juntaram os instrumentos contratuais obtidos
junto ao Hospital, não questionando, diga-se, em momento algum, sua autenticidade e
veracidade. Destarte, reconhecem como legítima a assinatura do pai nos documentos
de fls. 81 e seguintes, denominados 'Orientação e esclarecimentos sobre o
Procedimento de Reprodução Humana' e 'Declaração de opção de encaminhamento
de material criopreservado em caso de doença incapacitante, morte, separação ou
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

não utilização no prazo de 3 anos ou 5 anos.'.

Isso esclarecido, ressalva-se a possibilidade jurídica de


fertilização 'in vitro' mesmo quando falecido o genitor, o que decorre de permissivo
legal contido no Art. 1.597, III do Código Civil.

O que resta, como já dito, é saber se no específico caso


destes autos, houve manifestação incontroversa de vontade do genitor de ser pai
após sua morte, permitindo à esposa a continuidade do procedimento.

Nas palavras de Maria Berenice Dias:

“(...) A tendência é reconhecer que, ainda que o


cônjuge ou companheiro tenha fornecido o sêmen, não se presume o
consentimento para a inseminação depois de sua morte. Somente se houve
expressa autorização para que a implantação do óvulo fecundado ocorra após a
sua morte, é possível realizá-la. Nesta hipótese o filho será registrado como seu e
terá direito sucessório.
Sem autorização expressa, os embriões devem ser
eliminados, pois não se pode presumir que alguém queira ser pai depois de
morto. É necessário respeitar o princípio da autonomia da vontade. Resolução
do Conselho Federal de Medicina exige autorização prévia específica do falecido.”
(in Manual de direito das famílias de acordo com o novo CPC, Maria Berenice Dias,
11ª ed.rev.atual.e ampl., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2016, p.
396/397).

A necessidade de autorização expressa do 'de cujus',


consta, ainda, de normas éticas que permeiam o exercício da medicina, certo que tal
exigência consta das Resoluções 2.121/2015 e 2.168/2017 do CFM, a saber:

“VIII - REPRODUÇÃO ASSISTIDA POST-MORTEM É


permitida a reprodução assistida post-mortem desde que haja autorização prévia
específica do(a) falecido(a) para o uso do material biológico criopreservado, de
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

acordo com a legislação vigente. (Redação de ambas as Resoluções, 2.121/2015 e


2.168/2017 do Conselho Federal de Medicina).

E é pela via do documento intitulado 'Declaração de


opção de encaminhamento de material criopreservado em caso de doença
incapacitante, morte, separação ou não utilização no prazo de 3 anos ou 5 anos'
que o 'de cujus' conferiu expressa e induvidosa autorização à esposa, T.C.R.Z., para
que desse continuidade ao tratamento, implantando os embriões, se assim o
desejasse, na eventualidade de sua morte.

O formulário, em papel timbrado do Hospital e cuja


veracidade não foi questionada, é formado por hipóteses para as quais incidem
múltiplas escolhas, fáceis, objetivas e simples, impassíveis de gerar qualquer
confusão ou desentendimento ao consumidor, com orientação expressa, em
cabeçalho, no sentido de que 'O casal deverá preencher um único formulário de
comum acordo' (fl. 86).

Por exemplo: de acordo com tal formulário, em caso de


separação ou doença incapacitante, os pré-embriões foram destinados à custódia da
mulher, embora pudessem ter sido atribuídos ao homem/parceiro, descartados ou
doados.

Já no caso de morte de um dos cônjuges, o que


efetivamente aconteceu, tem-se que o casal concordou em “manter todos os
embriões congelados sob custódia do cônjuge sobrevivente”.

Podiam ter escolhido descarte ou doação destes, o que


representariam nítida vontade de interrupção do procedimento se falecido um deles.
Não o fizeram.

Escolheram que permaneceria com o outro a custódia


dos embriões, a entregar-lhe plena disposição destes, o que, de todo,
expressamente autoriza continuidade do procedimento.
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

O fato de a manifestação de vontade ter sido trazida em


contrato do tipo 'padrão' ou 'adesão' não se mostra, de todo, problemática, vez que
este foi redigido de forma clara e precisa, não sendo verossímil imaginar tenha havido
qualquer confusão quanto à real consequência das opções assinaladas pelos
contraentes.

E que não se diga que a autorização precisava ter sido


formulada por instrumento público, vez que inexiste lei que assim preveja.

Não se ignora a existência do Provimento 63/2017, do


Conselho Nacional de Justiça (Provimento voltado à instituição de “modelos únicos de
certidão de nascimento, de casamento e de óbito, a serem adotadas pelos ofícios de
registro civil das pessoas naturais, e dispõe sobre o reconhecimento voluntário e a
averbação da paternidade e maternidade socioafetiva no Livro “A” e sobre o registro
de nascimento e emissão da respectiva certidão dos filhos havidos por reprodução
assistida”), a qual prevê:

“Art. 17, III, § 2º Nas hipóteses de reprodução assistida


post mortem, além dos documentos elencados nos incisos do caput deste artigo,
conforme o caso, deverá ser apresentado termo de autorização prévia específica do
falecido ou falecida para uso do material biológico preservado, lavrado por
instrumento público ou particular com firma reconhecida.”

Todavia, não se pode perder de vista: a) o caráter


infralegal da norma acima referida; b) que o próprio parágrafo é flexível quanto à
forma da manifestação de vontade, pelo que expressamente consigna que esta
poderá ser feita por instrumento público ou privado, “conforme o caso”, c) na hipótese
de documento particular, o 'reconhecimento de firma' tem finalidade única de elidir
eventual dúvida quanto à autenticidade da manifestação de vontade. E no caso destes
autos, não há questionamento a respeito da legitimidade da assinatura de J.L.Z. no
contrato de fls. 86 e seguintes, no qual houve opção pela entrega da custódia dos
embriões à parceira.

A respeito do reconhecimento de firma, chama-se


PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

atenção para o movimento de desburocratização dos procedimentos, o que se nota,


por exemplo, no art. 9º do Decreto 9.094/2017, que, ao regulamentar a Lei nº
13.460/2017 (que dispõe sobre participação, proteção e defesa dos direitos do usuário
dos serviços públicos da administração pública) assim dispôs:

“Art. 9º Exceto se existir dúvida fundada quanto à


autenticidade ou previsão legal, fica dispensado o reconhecimento de firma e a
autenticação de cópia dos documentos expedidos no País e destinados a fazer prova
junto a órgãos e entidades do Poder Executivo federal.”

Tudo considerado, vale lembrar que, a respeito dos


negócios jurídicos, a lei civil expressamente previu:

Art. 107 do Código Civil: A validade da declaração de


vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a
exigir”.

Destarte, deve ser garantido a T.C.R.Z. o direito de


dispor dos embriões a ela confiados, implantando-os em seu ventre, medida que
concretiza, também, vontade de seu falecido marido.

O provimento do recurso da corré T.C.R.Z. conduz ao


provimento do recurso do Hospital, com inversão do ônus pela sucumbência.

Ficam os autores responsáveis pelo pagamento de


honorários advocatícios aos patronos de ambos os réus, no mesmo montante
disciplinado na r. sentença, de R$ 30.000,00, sendo 70% deste valor destinado aos
patronos da corré T.C.R.Z., dada a maior extensão e complexidade de seu trabalho
de postulação e defesa nestes autos, e 30% aos patronos do Hospital, distribuição
que atende aos requisitos do art. 85, §2º e 8º do CPC.

Ficam as partes intimadas desde logo que, havendo


interposição de embargos de declaração contra o presente acórdão, que se
manifestem no próprio recurso sobre eventual oposição ao julgamento virtual,
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

nos termos do artigo 1º da Resolução nº 549/2011, com a redação alterada pela


Resolução nº 772/2017 do Órgão Especial deste E. Tribunal de Justiça. No silêncio,
os autos serão automaticamente incluídos no julgamento virtual.

Do exposto, pelo meu voto, afastadas as preliminares,


dou provimento aos recursos.

ANGELA LOPES
Relatora
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

APELAÇÃO Nº 1082747-88.2017.8.26.0100

APELANTE: T.C.R.Z.

APELADO: L.Z.N. e outros

COMARCA: São Paulo Foro Central Cível

VOTO: 35314

DECLARAÇÃO DE VOTO CONVERGENTE

1. Esclareço que meu voto, em preliminar, assentou-se em


texto constitucional, qual seja:

“Art. 96. Compete privativamente:


I - aos tribunais:

a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com


observância das normas de processo e das garantias processuais das partes,
dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos
jurisdicionais e administrativos”

2. Não fez outra coisa o Tribunal de Justiça de São Paulo a


não ser dar cumprimento à norma acima, dispondo no sentido de aplicar o artigo 105
“caput” e seu parágrafo terceiro do Regimento Interno à hipótese dos autos.

3. Bem compreendido esse artigo, o apelo foi distribuído


em 05.08.2018 por prevenção ao Órgão, não se podendo falar em prevenção do juiz
que, à época de distribuição do Agravo de Instrumento nº 2178467-74 2017.8.26.00
(14.09.2017), atuava desde 26.04.2017 como Juiz Auxiliar da Nona Câmara de Direito
Privado.

4. Nenhuma alteração da prefixada competência do Órgão


(cf. item 2, RI, artigo 105) pode ser cogitada a partir da designação do Juiz Auxiliar
José Aparício Coelho Prado Neto como substituto do Desembargador Alexandre Aves
Lazzarini, eis que continuou responsável pelos processos que lhe foram distribuídos
até 01.02.2018, onde se insere o prefalado Agravo de Instrumento e respectivos
Embargos de Declaração.

5. As normas citadas do Regimento Interno são, a meu


PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

ver, tipicamente relativas ao “funcionamento dos Tribunais” [competência de juízes


auxiliares, competência de juízes em substituição, afastamento de Desembargador para
atuar em Câmaras Especiais, mantendo ou não no cargo existente no Órgão etc.].

6. Normas processuais não vinculam o Tribunal nesses


particulares ajustamentos internos. Vale o conceito de que “o regimento interno dos
tribunais é lei material. Na taxinomia das normas jurídicas o regimento interno dos
tribunais se equipara à lei.” [ Nelson Nery Junior &Rosa Maria de Andrade Nery,
“Constituição Federal Comentada e legislação constitucional atualizada até
10.04.2006” SP RT, 2006, p.273 ]

7. “Tollitur quaestio”!

8. Aos demais aspectos da causa, não tenho como opor o


meu sentimento em sentido contrário ao deduzido pela E. Relatora ao dar provimento
aos recursos.

9. De fato, ante as circunstâncias fático-jurídicas retratadas


nos autos não se vislumbra óbice a que a requerida, ora apelante, tenha assegurado seu
direito de dar continuidade ao tratamento, implantando os embriões, se assim o desejar.

10. A vontade do de cujus em tal sentido restou expressa e


induvidosamente manifestada ao optar por “manter todos os embriões congelados sob
custódia do cônjuge sobrevivente” na “Declaração de opção de encaminhamento de
material criopreservado em caso de doença incapacitante, morte, separação ou não
utilização no prazo de 3 anos ou 5 anos”.

11. O nosocômio réu, ressalte-se, corrobora a


possibilidade de a apelante proceder ao implante dos embriões lastreada nos contratos
consigo já firmados, ao consignar que “foi demonstrado que Hospital Sírio Libanês não
possui ingerência ou responsabilidade pela destinação do material biológico
criopreservado e, portanto, devendo os Autores direcionarem seus pleitos a quem
detém a custódia dos embriões, ou seja, a viúva Sr. Taciana.”

12. Pelo exposto, acompanho a Relatora.

PIVA RODRIGUES

2º Juiz
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Apelação Cível nº 1082747-88.2017.8.26.0100


Comarca de São Paulo
Apelantes: T. C. R. Z e outra
Apelados: L. Z. N. e outra
Voto nº 26.900

DECLARAÇÃO DE VOTO CONVERGENTE

1. Peço vênia para, após examinar os

autos, depois de bem lançadas sustentações orais pelos

patronos dos litigantes, manifestar meu entendimento em prol

da solução alvitrada pela D. Desembargadora Relatora Ângela

Lopes.

2. Explico.

Pelo meu pensar, daria provimento ao

apelo da Sociedade Beneficente das Senhoras Hospital Sírio

Libanês para extinguir a lide, sem resolução de mérito, com

relação a esta, por reconhecer falta de interesse processual dos

autores contra essa entidade.

Isto porque, em nenhum momento a

entidade mantenedora do Hospital Sírio Libanês se mostrou


PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

interessada na defesa de qualquer dos polos litigantes, mas

manifestou claramente sua intenção de apenas respeitar aquilo

que fosse decidido pelo Poder Judiciário, limitando-se, até então,

a cumprir sua obrigação contratual de guarda e conservação do

material biológico, na condição de depositário deste.

Por esse motivo, data venia , daria

provimento ao apelo dessa entidade ré, para o fim acima, mas

como o voto da Ilustre Relatora Sorteada, ao final, julga

improcedente a lide, situação que não altera, na prática, o

resultado da causa em relação a essa apelante no que toca à

distribuição dos encargos da sucumbência, opto por acompanha-

la inteiramente, com respaldo na recomendação contida no

artigo 488, do Código de Processo Civil: “ Desde que possível, o

juiz resolverá o mérito sempre que a decisão for favorável à

parte a quem aproveitaria eventual pronunciamento nos termos

do art. 485 ”.

No mais, observo que se trata de ação

declaratória, na qual os apelados buscam o reconhecimento de

inexistência de autorização do autor da herança, ainda em vida,

para que a apelante T. C. R. Z pudesse realizar a implantação de

embriões que se encontram guardados no Hospital Sírio Libanês,

fruto de procedimento prévio realizado pelo de cujus .

Nesse passo, ressalto que a própria


PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

inclusão, aparentemente desnecessária, da entidade

mantenedora do nosocômio no polo passivo da lide, já

demonstra a ciência dos recorridos de lá havia documentos

hábeis a permitir a realização de procedimento médico, daí

porque a necessidade de torná-los inválidos, mediante

impugnação da anuência prévia concedida pelo falecido, para

que este pudesse se realizar mesmo após sua morte.

Certamente recearam os apelados que o

hospital corréu, de posse de documentos firmados sob sua

própria orientação, reconhecesse-os como suficientes para a

providência, recusando-se a obedecer, sem ordem judicial,

eventual oposição dos herdeiros dos falecidos.

Dada a natureza declaratória negativa do

pleito, por óbvio, cabe aos autores a prova do fato constitutivo

de seu direito (artigo 373, I, do CPC), ou, por analogia, de um

suposto preenchimento abusivo de um documento (artigo 429, I,

do mesmo diploma legal).

Não se desincumbiram estes, contudo,

sob minha ótica, desse mister, sendo inviável o acolhimento dos

argumentos expendidos na peça inicial.

Com efeito, não se discute que para a

utilização do embrião criopreservado post mortem é

indispensável a existência de autorização prévia e inequívoca.


PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Porém, enquanto cabe aos doutrinadores

nacionais e estrangeiros divagar sobre aquilo que entendem e

reconhecem como autorização prévia e inequívoca, analisando

apenas situações teóricas e imaginárias, ao julgador cabe o

exame do caso concreto dos autos e ante os fatos nele expostos

extrair sua conclusão, em face do vácuo legal a respeito.

Em outras palavras a doutrina traz

impressões próprias de cada autor, mas baseadas em casos

hipotéticos, cuja solução nem sempre se amolda a situação real

das partes envolvidas.

De outro modo, não se diga que o

Provimento 63/2017, do C. Conselho Nacional de Justiça, que

como bem observado pela ilustre Desembargadora Relatora

sorteada foi editado com o escopo de instituir “ modelos únicos

de certidão de nascimento, de casamento e de óbito, a serem

adotadas pelos ofícios de registro civil das pessoas naturais, e

dispõe sobre o reconhecimento voluntário e a averbação da

paternidade e maternidade socioafetiva no Livro “A” e sobre o

registro de nascimento e emissão da respectiva certidão dos

filhos havidos por reprodução assistida ”, preencha esse vazio

legal e discipline de forma irretorquível o procedimento em

casos como o dos autos.

Isto porque, por mais importante que se


PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

considere esse Órgão, não detém este, ainda, o poder de

legislar, mas simplesmente de editar normas administrativas e,

como se sabe, o artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal

dispõe claramente que: “ ninguém será obrigado a fazer ou

deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei ”.

A mesma conclusão é aplicável às

Resoluções do Conselho Federal de Medicina, por mais louváveis

que sejam a intenção dos responsáveis por sua edição.

Importa sob o tema ressaltar, de

qualquer maneira, que nenhuma conduta antiética ou ilícita sob

esse ponto de vista (das resoluções do CFM), foram imputadas

ao hospital coletor do material, o que atesta a correta

observância destas.

Aliás, possível também o

reconhecimento de que o autor da herança desconhecia a

existência dessa norma administrativa oriunda do E. Conselho

Nacional de Justiça, pois segundo o artigo 3º, da Lei de

Introdução às normas do Direito Brasileiro, “ ninguém se escusa

de cumprir a lei , alegando que não a conhece ” (grifo inexistente

no original).

Sendo assim, despicienda qualquer

discussão acerca da necessidade de que o autor da herança

deixe prévia autorização escrita, com firma reconhecida, ou por


PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

instrumento público, ou lavrasse um testamento novo,

especificamente para esse fim.

A respeito, vale anotar, como já o fez o

voto da Desembargadora Relatora sorteada, a exigência de firma

reconhecida ou instrumento público, se relaciona com a

necessidade de certeza de que a autorização foi mesma

subscrita pelo falecido, dúvida que não ocorre nos autos, pois

em nenhum momento foi colocada em dúvida a assinatura de

cujus nos documentos em poder do hospital depositário dos

embriões.

Não se olvide, igualmente, que segundo

o artigo 104, do Código Civil, a validade do negócio jurídico

requer a capacidade do agente, ponto não contrariado nos autos,

embora levemente levantado na peça inicial, talvez somente para

mais impressionar o juiz a quo responsável pela análise do

pedido de tutela de urgência (fl. 2); objeto lícito, tema que

também não se discute; e, forma prescrita ou não defesa em lei,

questão cujo debate é despiciendo, ante o vácuo legal, como já

referido.

Nessas condições, deve o julgador, livre

das amarras genéricas advindas do posicionamento de

doutrinadores, ou de legislação alienígena, analisar, como já

referido acima, apenas os fatos específicos dos autos, segundo


PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

sua livre convicção.

O primeiro ponto que se leva em conta,

em prol da tese defendida pela apelante é a de que, nenhum

homem, em qualquer idade, no pleno gozo de suas faculdades

mentais, se disporia a submeter a um procedimento médico

muito invasivo, para permitir a retirada de espermatozoides, se

não pensasse seriamente em ter filhos naturais.

Note-se que o documento de fl. 89,

registra que o então paciente era portador de infertilidade, o que

explica a opção pelo procedimento.

É certo que o apelado já possuía outros

filhos, os autores da ação, mas estes, sem demérito dessa

condição, não são seus filhos biológicos, mas adotivos.

Esse fato deve ser considerado como

fator relevante para que o autor da herança, ainda que já na

chamada terceira idade, mas sendo casado com uma mulher

jovem, decidisse deixar um sucessor biológico.

Talvez o falecido tenha dito

anteriormente que não queria mais ter filhos, mas qual a certeza

de que, em face do novo casamento, não alterou seu

pensamento ? Porque prevalecer a presunção em contrário dos

autores, em oposição aos atos efetivos de seu pai.

Com a maxima venia , não é razoável


PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

aceitar o argumento de que o falecido o fez apenas para agradar

sua nova esposa, como se fosse um mimo. Um homem nessa

fase da vida e com todo o conhecimento que amealhou nos

relacionamentos anteriores, certamente não se submeteria a esse

incômodo, que sempre acarreta riscos, basta ver as inúmeras

advertências contidas no Termo de consentimento que teve que

firmar em prol do hospital em que este se realizou (fls. 93/94),

apenas para agradar sua jovem esposa.

Diz-se que, se o desejo do autor da

herança era ter um filho, por que não cuidou de implantar logo

os embriões ? Quem sabe, porém, os reais motivos que o

levaram a isso. Deve essa negativa ser presumida, em confronto

com todos os demais elementos materiais concretos presentes

nos autos ?

Sabe-se que o autor da herança faleceu

inesperadamente quando em viagem ao exterior, para onde

havia viajado para a prática de atividade esportiva. Não era um

homem doente, com a morte próxima previsível (fls. 2), mas de

saúde física inabalável, posto que razoável também concluir que

este aguardava outro momento de sua vida para realizar o ato,

pois não imaginava que viria a óbito tão cedo.

Em contrapartida a todas as dúvidas

imaginadas pelos autores, apenas com apoio em suas


PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

suposições, alavancadas por divergências com a conduta da

apelada quanto ao andamento do inventário do de cujus (fl. 3),

existe nos autos documento (fl. 133), no qual o varão optou por

“ manter todos os pré-embriões congelados sob custódia da

mulher ”, em caso de separação do casal (item 4), de sua doença

incapacitante (item 5), ou mesmo na hipótese de óbito de um

dos cônjuges (item 6).

Ora, se a opção no caso de morte de

ambos os cônjuges (fl. 134 item 7) era a de descartar todos os

pré-embriões, qual o motivo, ou objetivo, de permiti-lo que este

permanecesse em poder da cônjuge, no caso apenas da morte

do varão ?

Certamente, a conclusão lógica que se

impõe, é a de permitir a cônjuge a decisão de implantar, ou não,

os embriões, na esperança de que deles consiga gerar um filho

de seu falecido marido.

Por isso, em face de todas essas

evidências possível sim presumir (como em contraposição seria

apenas possível presumir sua inexistência), que o falecido, ao

concordar com a entrega dos pré-embriões a cônjuge, no caso

de sua morte, pretendeu autorizar sua implantação posterior,

não sendo razoável outra conclusão, em face da expressa opção

conferida no documento de fl. 133.


PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Por fim, também como argumento

filosófico, na dúvida, preferível conceder a oportunidade à vida,

a, na incerteza, evita-la, apenas para garantir aos autores melhor

proveito do patrimônio que lhes foi deixado de herança pelo de

cujus .

3. Ante o exposto, meu voto, igualmente

dá provimento aos recursos.

Galdino Toledo Júnior


3º Juiz
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Este documento é cópia do original que recebeu as seguintes assinaturas digitais:

Pg. inicial Pg. final Categoria Nome do assinante Confirmação


1 18 Acórdãos ANGELA MORENO PACHECO DE REZENDE F16EF38
Eletrônicos LOPES
19 20 Declarações de WALTER PIVA RODRIGUES F29ECAA
Votos
21 30 Declarações de GALDINO TOLEDO JUNIOR F29C9F8
Votos

Para conferir o original acesse o site:


https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informando o processo
1082747-88.2017.8.26.0100 e o código de confirmação da tabela acima.

Você também pode gostar