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CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ERGONOMIA

(Pós-Graduação Lato Sensu - 540 hs)

FUNDAÇÃO COPPETEC
GRUPO DE ERGONOMIA E NOVAS TECNOLOGIAS

AET II ANÁLISE GLOBAL


Prof. Mario Cesar Vidal D.Ing.
Profa. Egle Setti D.Sc.

APOIOS
PROGRAMA DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO - COPPE/UFRJ
PROGRAMA DE ENGENHARIA MECÂNICA - COPPE
DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA INDUSTRIAL - EE/UFRJ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA - FAU/UFRJ
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ERGONOMIA - ABERGO
PETRÓLEO BRASILEIRO S/A - PETROBRAS
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Prof. Mario Cesar Rodriguez Vidal D.Ing.

Sumário

MÉTODOS DE ANÁLISE GLOBAL .......................................................................................................................3


1. ESTUDOS PRELIMINARES À ANÁLISE ERGONÔMICA DO TRABALHO .........................................................................4
1.1 Contingências e Contexto da empresa ...........................................................................................................4
1.2 Estudo da população de trabalho ..................................................................................................................5
1.3 Bases do funcionamento global da unidade produtiva....................................................................................5
1.4 Análise do fluxo de produção ........................................................................................................................6

2. LEVANTAMENTO AMBIENTAL (MAPA DE RISCOS)...................................................................................................7


2.1 A confecção do Mapa de Riscos ....................................................................................................................8
2.2 Descrição das tarefas....................................................................................................................................9
2.3 Descrição dos Produtos, Materiais e Resíduos ..............................................................................................9
2.4 Tabela Grupos de Risco x Locais x Sintomas x Doenças/Acidentes.................................................................9
2.5 Construção formal de um Mapa de Riscos ...................................................................................................10
2.6 Alguns problemas........................................................................................................................................10

3. LISTAS DE VERIFICAÇÃO SISTEMÁTICA (CHECK-POINTS) .....................................................................................10

4. OS ROTEIROS DE INSPEÇÃO DINÂMICA ................................................................................................................11

5. O MÉTODO DE AÇÃO DISCURSIVA OU CONVERSA-AÇÃO® ....................................................................................11


5.1 Bases e Pressupostos da idéia de Conversa-ação.........................................................................................12
5.2 Construção de uma metodologia de Conversa-ação.....................................................................................16

6. UM EXEMPLO DE CONVERSA-AÇÃO (CASE) ........................................................................................................19

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Métodos de Análise Global

Por métodos de análise global estamos indicando alguns estudos que permitirão ao
ergonomista situar sua intervenção no contexto da empresa. São, por assim dizer, métodos de
reconhecimento do terreno onde a ação ergonômica deverá produzir seus feitos.

A utilidade dos métodos globais está em permitir uma base para avaliações custo-benefício
e para ações de sensibilização da estrutura de gestão induzindo um programa de providencias
necessárias, algumas delas urgentes. Um método global deve ser prático no sentido de se contrapor
a longas e exaustivas auditorias, ou mesmo a inspeções de rotina de difícil realização que acabam
por serem relegadas ou descontinuadas. Porém eles devem se constituir em aplicações de
conhecimentos, experiências e vivências, de gestores, técnicos e operadores para que tenham a
efetividade de um método da Boa Ergonomia. Nesse quadro se trata em geral de instrumentos de
natureza participativa ou que requerem algum nível de envolvimento das pessoas na empresa.
Dividiremos esses métodos em três grupos: (i) métodos de mapeamento, (ii) métodos de
levantamentos orientados e (iii) métodos de clarificação de problemas pouco estruturados.

O primeiro grupo é basicamente integrado pelos Métodos de Mapeamento. Integram o grupo


os Estudos Preliminares também conhecidos Análise Ergonômica Global e pelo Levantamento
Ambiental, também denominado de Mapa de Riscos. Os Estudos Preliminares são integrador por
um conjunto de técnicas básicas de Engenharia de Produção e que possui utilidade para várias
aplicações gerenciais e não apenas para contextualizar uma intervenção ergonômica. O Mapa de
Riscos tem alguns de seus aspectos constitutivos normalizados através das Normas
Regulamentadoras de número 9 e 15 . Este método se encaixa muito bem nesta classificação de
métodos globais dado que o meio-ambiente de trabalho não pode ser circunscrito a um posto ou
fragmento de um processo de produção. A utilidade deste método está em que o ambiente físico é
um fator determinante do trabalho e de percepção bastante imediata ( o que não significa que o
tratamento das questões ambientais dos locais de trabalho seja simples, ao contrário em geral
requerem conhecimentos especializados e compromissos projetuais de alta criatividade). Ele pode
ser considerado como uma aplicação focada da Análise global.
O segundo grupo tem como característica básica e diferenciadora o fato de seu sucesso se
apoiar na experiência do consultor e, através dele, na literatura especializada sobre o assunto, sendo
muito preocupante seu emprego por pessoas sem um preparo adequado. O primeiro desta segunda
faixa é o método de Verificação Sistemática (Checkpoints) que permite elencar alguns pontos de
mudança ergonômica num processo de características conhecidas. Ampliando o escopo do
levantamento ambiental, alguns checkpoints permitem focar problemas de natureza cognitiva e
organizacional (sem é claro, apontar nem as mudanças, nem o caminho de sua elaboração). Este
método é intensamente disseminado na comunidade dos ergonomistas e mesmo dos interessados em
Ergonomia. O segundo método é voltado para a avaliação macroergonômica de processos
organizacionais. Trata-se do instrumento de Pesquisa de Clima Organizacional. Este método, de
fundamentação estatística, permite fotografar uma organização e caracterizar alguns de seus
sintomas. Dado que existe uma certa bibliográfica a esse respeito, não abordaremos especificamente
nesta obra. Tal como os checkpoints, a utilidade dos instrumentos de pesquisa de clima
organizacional fica restrita a um pré-diagnóstico que vai requerer algumas verificações
complementares para instruir uma ação ergonômica. Essa limitação de utilidade é, entretanto
largamente compensada pela praticidade do instrumento, sobretudo no tratamento de dados e

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geração de relatórios.
O terceiro grupo é composto de alternativas aos métodos orientados, de grande utilidade nos
casos de mapeamento de problemas pouco estruturados e em situações difusas. Estes métodos de
clarificação, nossa contribuição a esse problema, são os Roteiros Dinâmicos e a Metodologia de
Conversa-ação. Os Roteiros Dinâmicos podem ser entendidos como listas de verificação abertas
que são empregadas mediante uma metodologia especial de coleta de dados Nos roteiros dinâmicos
ao invés de tópicos se colocam temas para observação e registro, que poderão ser acrescidos de
outros temas ao longo da análise global. O uso de roteiros dinâmicos requer uma competência em
pesquisa, além de uma boa dose de sensibilidade do analista. A Conversa-Ação é uma metodologia
de roteirização dinâmica que se baseia em interações planejadas e conduzidas de forma metódica
pelos analistas, como instrumento de coleta de dados. Este método, dada sua característica
fortemente situada, tem como contrapartida a existência do acesso do analista a pessoas e locais
físicos da organização.

1. Estudos preliminares à Análise Ergonômica do Trabalho


Os estudos preliminares se dividem em quatro rubricas:

• contingências,
• população de trabalhadores,
• funcionamento e
• fluxo de produção.

Vejamos em detalhe essas rubricas:

1.1 Contingências e Contexto da empresa

O primeiro exame a ser realizado é o de situação da empresa, o que se subdivide em quatro


tópicos ao menos: o produto e o mercado, um histórico da empresa, características geográficas e
características gerais sobre a organização e sua posição tecnológica. O quadro 1 reúne algumas das
questões básicas a serem formuladas para este exame.

• Produto e Mercado: Setor de atividade e importância sócio-econômica da empresa. Qual a


clientela, como está em termos de competição ? A firma é única no mercado ou existem
muitos concorrentes ? Qual o mix de produção ( fábrica muitas coisas diferentes?), que
materiais emprega, existe alguma coisa em termos de qualidade de produto estabelecida ?
Existem variação sazonal da produção ?
• História da firma: sua origem, tempo de existência, sua evolução, suas estratégias atuais;
• Elementos de Geografia: Localização, tecido industrial (existem outras firmas por perto?
existem serviços próximos e quais são eles?);
• Organização Geral e Tecnologia - Qual a tecnologia empregada ? existem firmas de
tecnologia mais avançada por perto ? concorrentes ? Estudo do processo, do fluxo; quais as
características básicas do processo técnico, automação, informatização, robótica, partes
convencionais etc. ?

Quadro 1: Contexto e contingências do funcionamento da empresa

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1.2 Estudo da população de trabalho

Um aspecto fundamental do levantamento que merece um destaque à parte é o estudo da


população de trabalho. Afinal, a produção se faz com pessoas e necessita-se saber muito sobre essas
pessoas. Saber:

• Qual sua repartição por sexo e por faixa etária?


• Quantos são no total e distribuídos entre os turnos e divisões da firma ?
• Onde moram e como vêm para o serviço ?
• Qual o grau de instrução e de escolaridade ?
• Qual a forma de formação profissional e de qualificação para os diversos postos ?
• Qual o tempo de permanência na firma e na profissão ?
• Existem muitas faltas e licenças médicas ?
• Quais as doenças e problemas de saúde que existem junto a essa população ?
• Existe muita rotatividade deste pessoal ?
• Qual o regime salarial? Existem prêmios e outros benefícios ?
• Há sindicato específico da categoria ? É forte ? Quantos sindicalizados ?
Quadro 2: Dados sobre a população de trabalho

Esses dados estão geralmente dispersos em vários setores da firma ou na cabeça de algumas
pessoas. É um importante trabalho organizá-los de forma coerente de forma a que se possa
visualizar com quem se trabalha efetivamente.

Esta mini-demografia ocupacional poucas vezes existe de forma estruturada na empresa e


quando isso ocorre se encontra em setores muito particulares. No entanto, bem organizada a Análise
da População de Trabalhadores causa um grande impacto e, desta forma, deve ser utilizado
meticulosamente como passo metodológico de compreensão e de “venda do peixe” da intervenção
ergonômica. Porém, como todo estudo com finalidades gerenciais, deve-se tomar muito cuidado em
sua elaboração, pois dependendo dos resultados a que se chegar, podem surgir revelações
embaraçantes que levem a uma longa discussão e a uma destruição do que fora construído até então.
A prevenção para este problema esta numa postura básica de Ergonomista - Jamais se esquecer das
passagens da instrução da demanda e sempre fazer os documentos e análises circularem
primeiramente pelo Grupo de Ação Ergonômica.

1.3 Bases do funcionamento global da unidade produtiva

O objetivo, aqui, é o de situar-se no contexto no qual a empresa funciona, para que se tenha
um maior aprofundamento dos aspectos subjacentes à demanda e permita detalhar a metodologia do
estudo ou da intervenção, situando de forma mais clara as dificuldades e exigências da intervenção
solicitada. Naturalmente, esse estudo tem uma caraterística de levantamento e informação, além de
permitir ao grupo de Ação Ergonômica possuir uma visão de conjunto dos processos da organização
importantes para uma consolidação do grupo, em geral formado por pessoas de setores diferentes e,
por isso mesmo, com visões parciais da organização. Este levantamento das bases do
funcionamento aparece como nivelador dos conhecimentos das pessoas do GAE acerca da
organização.

Estas bases podem ser esquematicamente subdividas nas seguintes dimensões: econômicas,
sociais, legislativas, geográficas e técnicas. O quadro três topifica alguns desses dados.

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Dimensões Objeto/Objetivo

Econômica • Posicionamento da empresa no mercado


• Momento comercial (concorrência forte ou fraca)
Social • Evolução da população de trabalhadores da empresa;
• Dados coletivos sobre a saúde do trabalhador;
• Políticas sociais já tentadas;
Legislativa • Regulamentação de atividade específica;
• Zoneamento urbano e vizinhanças;
• Gerenciamento ambiental;
• Ações do Ministério Publico, DRT’s, etc.
Geográfica • Variações climáticas (chuva/sol, frio/calor etc.);
• Localização e Acessibilidade;
• Transporte dos operários;
Técnica • Descrição das etapas técnicas do processo produtivo;
• Terminologia, vocabulários e jargões da firma;
• Objetivos quantitativos de produção;
Ambiental • Espaços, acessos e circulação;
• Ruídos e Vibrações;
• Iluminação e claridade;
• Ambiente térmico, Poeiras e Ventilação;
• Outros riscos ambientais;

Organizacional • Programas já realizados (Qualidade, Gestão ambiental, PROERGO)


• Reestruturações recentes (terceirizações, reengenharias, PDI. PDV, etc)
• Mudanças de Local, Re-layouts, etc.
Quadro 3: Estudo do funcionamento global de uma empresa ou situação

Com esta análise pode-se sintetizar, complementar e orientar os primeiros estudos de


conjunto, no caso de uma pequena ou média empresa. Deve ser detalhado no caso de uma instalação
industrial específica de um grupo (por exemplo uma refinaria do sistema PETROBRÁS, uma das
fábricas do grupo VOLKSWAGEN, uma agência bancária...). Seja como for, este estudo poderá
produzir efeitos similares aos apontados no estudo da população de trabalho e, tal como lá, deve-se
tomar as precauções de praxe: o fórum de depuração e formatação do estudo para a organização é o
Grupo de Ação Ergonômica.

1.4 Análise do fluxo de produção

Trata-se de um estudo clássico de engenharia de métodos que, aqui deve ser sintetizado ao
extremo, quer dizer, que se evidenciem os principais fluxos de materiais, informações e pessoas no
espaço de produção. Os mapofluxogramas, esquemas de deslocamento plotados sobre a planta baixa
da instalação ou da seção fornecem um excelente descritivos. Neste tipo de representação gráfica se
utiliza a convenção ASME1:

1
ASME = American Society of Mechanical Engineering. Esta pictografia é a recomendada pela OIT. Maiores detalhes
podem ser obtidos em BARNES, R.M. Estudo e medida do Trabalho, Ed. Edgard Blucher, São Paulo

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Figura 1: Mapofluxograma do andamento de um processo em uma Repartição Pública

Símbolo Significado Símbolo Significado


Transportes Espera

Operação Estocagem

Inspeção

Quadro 4: Símbolos ASME para codificação de fluxo de produção

2. Levantamento ambiental (Mapa de riscos)


O Levantamento Ambiental, também conhecido como Mapa de Riscos, corresponde ao
detalhamento e aprofundamento da exploração ambiental que se faz na Análise Global. O Mapa de
Risco em si mesmo foi desenvolvido por sindicalistas de indústrias do ramo metal-mecânico do
norte da Itália, com o objetivo de instrumentar estratégias sindicais de acompanhamento dos
ambientes de trabalho. A idéia inicial era a de promover uma conscientização do trabalhador sobre
o ambiente e através disso mantê-lo mobilizado para as reivindicações de melhoria de condições de
trabalho. Inserido no processo de reforma sanitária italiana, foi regulamentado através da Lei no 833
de 23/09/78 que instituiu o Serviço Sanitário Nacional em seu art. 20o (ODDONE et alii,1986). No
Brasil o tema ambiente de trabalho é tratado pela Norma Regulamentadora Número 09 (Riscos
Ambientais) da Portaria no 3214/78 do MTb tendo sido inserida pela portaria 05 de 17/08/1992 do
Ministério do Trabalho (Mtb).
Nos dias de hoje o Levantamento Ambiental ou Mapa de Riscos tem importância num
contexto de intervenção ergonômica mas não necessariamente é uma atividade típica de
Ergonomistas. Nos termos da NR-52 a construção do Mapa de Risco é de responsabilidade da CIPA
(Comissão Interna de Prevenção de Acidentes) que deve desenvolver atividades que possibilitem a

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Reza a NR5 em seu artigo 5.16, inciso (o),na redação da portaria # 25 de 29/12/94 que a CIPA tem como uma de suas
atribuições...elaborar, ouvidos os trabalhadores de todos os setores do estabelecimento e com a colaboração do
SESMT, quando houver, o MAPA DE RISCOS, com base nas orientações constantes do anexo IV, devendo o mesmo
ser refeito a cada gestão da CIPA. Os grifos são nossos e eles chamam a atenção para o caráter participativo e
educativo que o regulamento em pauta pretende imbuir à Sociedade .

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participação de todos os trabalhadores na empresa (inclusive os contratados por firmas externas ou


terceirizadas), de tal forma que o diagnóstico das condições ambientais de trabalho que dele
resultem, assim como as recomendações de melhoria reflitam o conhecimento tácito de que
disponham os trabalhadores.
Este objetivo técnico pode ser ampliado e promover um benefício ampliado se empregado
com certos cuidados metodológicos referentes à forma de participação e de envolvimento,
erigindo-se em um significativo processo educativo e organizacional. Nessas condições o
levantamento ambiental possibilita que as pessoas envolvidas reflitam sobre o seu próprio trabalho
e aprendam sobre o trabalho dos colegas, superando a fragmentação do processo de trabalho
encontrado nas empresas. Com esta perspectiva o mapa de riscos não se limita à verificação
normativa de parâmetros ambientais e suas implicações codificadas mas, se possível, inclui
discussões em grupo, análise dos casos de acidentes e doenças e outras atividades dessa natureza.
Alguns autores assinalam que, desta forma as trabalhadoras e os trabalhadores poderão identificar
os problemas comuns a todos e os problemas que são específicos de cada local de trabalho,
facilitando a formação de uma visão mais completa e integral do quadro de condições de trabalho
da empresa (Simoni,1992; Mattos & Freitas,1993). Estudos mais recentes tem demonstrado o
retorno de investimentos nessa perspectiva participativa (HENDRICK, 1997, OSHA, 1999).

2.1 A confecção do Mapa de Riscos

O Mapa de Risco tem como resultado principal uma esquematização, em planta baixa com
uma codificação que apresente um destaque proporcional aos riscos encontrados. Este instrumento
deve permitir à empresa de elaborar um Plano de Prevenção de Riscos Ambientais, de acordo com a
forma estabelecida pelas Normas Regulamentadoras de número 4, anexo IV, e número 9, artigo
9.2.
Podem existir várias fontes geradoras de um mesmo agente de risco e o seu efeito
abranger todo o local de trabalho, cada fonte será identificada por um círculo e na margem do Mapa
de Risco será colocado um círculo com o mesmo número, com o objetivo de mostrar que a ação
desse agente se dá por todo o ambiente. Por exemplo, em uma Galvanoplastia os vapores exalados
de alguns tanques irão se espalhar por toda área de trabalho.
Quando houver em um mesmo local riscos diferentes com a mesma gravidade a
representação poderá ser feita utilizando-se um único círculo, dividindo-o em setores com as cores
correspondentes. Os riscos com a mesma gravidade em um mesmo local poderão ter um mesmo
número no Mapa de Risco, a fim de facilitar a sua identificação no Quadro (no no Mapa).
Poderá ocorrer situações em que a fonte do risco não é material, sendo de difícil
identificação espacial. Neste caso, o procedimento adotado será semelhante ao da situação anterior.
Por exemplo, se o arranjo físico (layout) for inadequado, não haverá forma de localizar o círculo
em um ponto específico no Mapa, logo o círculo ficará na margem do Mapa de Risco.

Os dados para a confecção deste documentos normalizados se obtêm por um procedimento


similar aos Estudos Preliminares, em suas etapas iniciais quando se buscará:
a) Descrição do Fluxo de Produção
b) Descrição dos Equipamentos e Instalações
c) Descrição das Equipes de Trabalho

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A essas etapas genéricas de todos os estudos e projetos industriais se acrescentam três


levantamentos específicos, quais sejam:

d) Descrição das Tarefas dos Trabalhadores


e) Descrição dos Produtos, Materiais e Resíduos
f) Tabela Grupos de Risco x Locais x Sintomas x Doenças/Acidentes.

2.2 Descrição das tarefas

A descrição normalmente indicada para os mapas de riscos não deve ser confundida com a
modelagem operante obtida pela Análise Ergonômica do Trabalho. A natureza e uso de modelos
descritivos, aqui, tem a finalidade precípua de situar um posto ou um conjunto de postos análogos
na estrutura de funcionamento da empresa, conquanto as modelagens operantes tem uma finalidade
de instruir mudanças no posto de trabalho entendido como um conjunto integrado de interfaces de
diversas naturezas (físicas, cognitivas e organizacionais). Este tipo de modelos descritivos pode ser
estabelecido por dois caminhos complementares:
• mediante uma descrição superficial centrada nas tarefas, assinalando o que existe de
procedimentos e métodos formais nos locais inspecionados;
• mediante uma descrição mais aprofundada, com base na análise ergonômica do trabalho, nos
locais onde uma perícia mais elaborada seja necessária.
Nas análises superficiais serão identificadas as tarefas executadas por cada trabalhador, os
locais onde são exercidas e suas freqüências de realização. Nas análises mais aprofundadas
considerações mais especificamente ergonômicas acerca da variabilidade de modos operatórios e
das circunstâncias onde ocorre podem vir a ser necessárias. Empresas com um maior grau de
organização documental dispõem dos registros necessários para a elaboração destes dados. Em
outros casos caberá aos agentes elaborar esses dados na forma de um documento ou Caderno.

2.3 Descrição dos Produtos, Materiais e Resíduos

O inventário de riscos em que se constitui o mapa de riscos requer uma criteriosa listagem
de matérias-primas e insumos, produtos intermediários em processamento e resíduos provenientes
da produção. Com tais elementos é possível fazer uso de bancos de dados toxicológicos e identificar
possíveis fatores endêmicos.
O inventário atualizado é informação relevante que deve ser tão bem documentada quanto
possível e atualizada a cada mudança nos itens que a compõem. No caso de sua inexistência o
ergonomista deverá recomendar à empresa que forme um quadro simplificado e que o distribua para
todos os setores da empresa.

2.4 Tabela Grupos de Risco x Locais x Sintomas x Doenças/Acidentes

A NR-9 estabelece 5 grupos de riscos ambientais. Esta tabela sintetiza o quadro das
condições de trabalho do processo de produção estudado.

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GRUPOS LOCAIS SINTOMAS DOENÇAS/ACIDENTES


GRUPO I Agentes Químicos
GRUPO II Agentes Físicos
GRUPO III Agentes Biológicos
GRUPO IV Agentes Ergonômicos3
GRUPO V Agentes Mecânicos

2.5 Construção formal de um Mapa de Riscos

A construção formal de um mapa de riscos pode ser no bojo da realização de um PPRA -


Plano de Prevenção de Riscos Ambientais, seja pelo pessoal da empresa, seja mediante a
contratação de uma consultoria técnica especializada. As etapas básicas são as mesmas e, em geral,
são utilizados instrumentos típicos de consultoria, como tabelas e planilhas informatizadas. O
procedimento alternativo é a construção do mapa de risco pelos próprios trabalhadores, o que
apresenta um grande interesse como processo de conscientização.

2.6 Alguns problemas

Apesar de ser uma praxe normativa a definição dos conceitos utilizados em seu corpo,
na NR-09 não está bem definido os conceitos de risco, agentes bem como os critérios de gradação
de gravidade. MATTOS (1992) propõe que os riscos e/ou agentes, devam ser caracterizados
segundo:
(a) natureza da fonte de risco,
(b) área de alcance ou ação,
(c) a relação com o exercício da atividade e com o tipo de lesão.
A gradação da gravidade dos riscos devera ser objeto de uma busca criteriosa de
benchmarkings e sua análise de sensibilidade para o contexto da empresa. MATTOS & SIMONI
(1983) sugerem três critérios de gravidade dos riscos, quais sejam:
i) possibilidade de morte iminente;
ii) ocorrência de acidentes e doenças com lesões irreversíveis; e
iii)quantidade de pessoas expostas aos agentes.

3. Listas de Verificação Sistemática (Check-points)


Para situações já suficientemente mapeadas, pode-se recorrer às Listas de Verificação de
Riscos. Muitos ergonomistas empregam listas de verificação ergonômica estabelecidas com base
em sua própria experiência ou por consulta à documentação de quem trabalhou em um projeto de
natureza similar.
As listas de verificação são instrumentos relativamente simplificados e que apresentam um

3
Os agentes ergonômicos tal como aqui entendidos se restringem aos aspectos posturais da atividade de trabalho. Neste
sentido há uma redução do conceito de ergonomia e mesmo uma certa contradição com o texto e a essência mesmo da
NR-17. Alias não é esse o único problema de incompatibilidade desta NR com outras normas do mesmo corpo
normativo: as cores que codificam grupo de risco são conflitantes com os códigos de cores para Sinalização de
Segurança indicados na NR-26.

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resultado claro e imediato. Seu maior problema reside exatamente no fato de se basearem em
experiências já vivenciadas e codificadas pelos autores das listas. Como nem sempre se pode
garantir que os problemas da atividade sejam os mesmos, as Listas de Verificação encontram aqui,
um sério handicap.
O mais criterioso seria que o ergonomista, aproveitando os elementos oriundos da Instrução
da Demanda, e com base em referências científicas, estabeleça uma Lista e limitando seu emprego a
uma varredura inicial exploratória, algo como uma boa lavagem num carro para verificar onde
aparecem pontos de corrosão que requeiram um tratamento mais específico. Em anexo
apresentamos algumas listas e protocolos de verificação, além de um checkpoint desenvolvido pelo
GENTE/COPPE para levantamento preliminar de questões relativas à incidência de LER/DORT em
ambientes de escritório.

4. Os Roteiros de Inspeção Dinâmica


Face aos limites das Listas de Verificação, alguns ergonomistas empregam uma solução
intermediária, que chamamos de Roteiros. Estes se assemelham às Listas de Verificação em sua
estrutura básica, mas diferem no uso por comportarem customizações - adequação a uma situação
específica - que tem a finalidade de instruir uma análise ergonômica do trabalho mais focada e
orientada em determinados aspectos ou situações verificadas.
Os roteiros podem substituir a uma AET, nos casos onde os procedimentos de observação
situada, por alguma razão se tornem inviáveis. Na roteirização, algumas passagens observacionais
podem ser substituídas por entrevistas semi-abertas. Da mesma forma um conteúdo não previsto
poderá ser agregado ao roteiro inicialmente delineado.
A recomendação do uso de roteiros esta no rigor metodológico a ser empregado: cada coleta
de dados roteirizada deve ser feita por ao menos duas pessoas que, posteriormente, confrontarão
seus dados. Para tanto deve ser observado o preceito de construção de relatórios que consiste no
seguinte:
a) Cada observador aplica o roteiro, sendo esta observação transcrita no mesmo dia da
observação (relatório a quente ou hot report)
b) O relatório a quente individual é revisto pela pessoa no dia seguinte;
c) No segundo dia subsequente os relatórios são confrontados em reunião nominal (onde
cada item é inventariado e não se admite discutir o dado de cada um). Ao cabo do
inventário é feita uma consolidação e a observação é dada como encerrada, gerando-se um
documento de trabalho.
d) No caso de algum dos observadores haver acrescentado um novo campo ao roteiro,
caberá a este realizar uma pequena nota técnica justificativa.
No anexo II apresentamos um roteiro genérico empregado nas consultorias, cursos e
treinamentos do GENTE/COPPE.

5. O método de Ação Discursiva ou Conversa-ação®

Por Conversa-ação nomeamos o método desenvolvido para dar conta do problema


metodológico de uma mesma equipe que realiza interações bastantes distintas, e que devem
convergir para um relatório comum, um escrito único que sintetize diferentes experiências e
transmita distintas vivências. Eis a problemática que originou este método de Conversa-ação.

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5.1 Bases e Pressupostos da idéia de Conversa-ação

As conversas, ou mais rigorosamente falando, as interações numa Análise Ergonômica do


Trabalho não se dão por acaso e fortuitamente e, se assim fosse, a AET perderia vários de seus
espaços de importância. Na verdade, conduzir uma conversa e ser conduzido pelo interlocutor é o
obvio em análise do trabalho. Este método propõe uma formalização que possa fazer avançar
técnicas de interação em análise do trabalho levando em conta tais interveniências e sistematizá-la à
luz da experiência do GENTE/COPPE, estabelecidas em realidades empíricas diferenciadas tais
como a Construção (Gualberto, 1990; Ferraz, 1991, Nunes, 1993, Figueiredo, 1995), Bancos (
Feitosa et al., 1993), Pesca ( Vidal et col., 1992), Processamento de Dados (Boueri, 1992, Romeiro,
1992, De Medeiros, 1995); Refinarias (Duarte, 1994, Palmer, 1999), Hospitais (Crucker, 1997,
Gomes, 1999); Centros de Controle de Vôo ( Boueri, 1997), Bancos (Vidal e col., 1998); Grupos
de Pesquisa e Desenvolvimento (Alvarez, 1999); Centrais de Atendimento (Echternacht, 1998,
Frigeri, 2000).

5.1.1 Ideologias discursivas


A metodologia de Analise Ergonômica do Trabalho é inteiramente pautada por modelagens
e interações. Assim é importante frisar que a proposta desse método se aplica mais precisamente nas
etapas de instrução da demanda e da análise global. Embora possa ser estendido às demais fases
da intervenção, nestas duas etapas ocorrem fatos de interação típicos, dos quais comentarei três
deles, a saber: os prejulgamentos topológicos, a objetividade suspeita e a ideologia defensiva do
responsável setorial.
Os prejulgamentos topológicos denotam o fato de que as pessoas intervenientes partem,
elas, de uma série de pré-julgamentos estabelecidos por seu próprio campo de competências4. Isto é
uma certa constante na atuação de consultores e especialistas, de tenderem para os métodos e
soluções que já dominam, conhecem e antevêem. Esta postura, por assim dizer algorítmica e
corporativa, corresponde à formação escolar, técnica e cultural e se inscreve numa banda
semiconsciente, para a qual se deve estar atento, muito atento, em termos de intervenção em
Ergonomia. Cabe uma ressalva, que é a indigência das esquematizações existentes5 sobre as
pessoas em atividade e suas decorrências em termos de projeto de situações de trabalho. A partir
desta indigência, as necessidades dela decorrentes comportam várias formas e tipos de intervenção
ergonômica, favorecendo a prática de preconceitos, algoritmos metodológicos e até fórmulas
“generalizantes”. No entanto, este não é o encaminhamento que tomam as intervenções
ergonômicas, mais significativas, exemplares e à gênese de importantes desenvolvimentos da
disciplina. Citemos, por exemplo uma intervenção numa agência de notícias (Durafforg et al, 1980)
a qual, a partir de uma demanda de relayout6, acabou esbarrando numa fronteira de conhecimentos
em Linguística Aplicada ( a forma como os jornalistas decompunham e recompunham as matérias
noticiosas, fato que as teorias existentes de estrutura da linguagem não davam conta à época da
pesquisa).
Uma excessiva objetividade é suspeita porque a formulação de problemas do trabalho pelos
demandantes jamais é tão objetiva e clara como gostaríamos, até porque isto seria negar a
necessidade do diagnóstico e suas diversas anamnéses. Cabe, pertinentemente, questionar por que

4
Topos = campo
5
Esta esquematização indigente deriva de um problema mais complexo, que é o das representações inadequadas como
veremos mais adiante
6
Relayout é um termo técnico em engenharia de produção que significa um remanejamento do espaço para que o
trabalho seja melhor executado e que os resultados da ativade fluam de uma forma mais eficiente. Rearranjo é uma
tradução bastante próxima deste sentido, embora não veicule o significado pleno que não se limita a questões de
organização espacial, mas também a critérios econômicos e organizacionais.

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razões se é chamado para intervir sobre um problema que já estaria definido, uma vez que a
Ergonomia vai bem mais além de um conjunto de limitadas prescrições técnicas de caráter genérico.
Pelo contrário, é exatamente uma definição clara e orientada que permitirá uma boa Instrução da
Demanda. Para tanto,é necessário um tratamento linguístico, no nível discursivo (falas e textos
organizacionais interpretados coerentemente). Assim fazendo estaremos contextualizando as
certezas veiculadas à observação da situação e às contingências onde aparecem. O forte e
característico da Ergonomia, na acepção que adotamos, da ergonomia situada (Vidal, 1993) está no
fato de construir, conjuntamente uma formulação de problemas, sua origem na variabilidade ( de
componentes situacionais, contextuais, de pessoas e da organização) e sua negociação quanto às
necessidades e desideratos, donde a estranheza que traz uma definição fechada, pronta e acabada de
problemas a considerar.

Finalmente, e isso é essencial, a fala comporta subjetividades de fundo psíquico


Notadamente em situações onde problemas se manifestam e existem responsáveis pelo bom
funcionamento. Neste aspecto vale frisar que a evidenciação de problemas e suas causas deflagra
atitudes de defesa da parte dos responsáveis e, algumas vezes no próprio conjunto de trabalhadores,
numa manifestação intrigante de sprit-de-corps. Este último ponto é bastante sensível, pois sua
percepção inadequada é basicamente predisponente a um processo abortivo em intervenções
ergonômicas e que cristaliza as duas primeiras dificuldades, tanto reforçando as preconcepções
topológicas como resistindo a examinar definições que podem até ser um bom início, mas que
deixam a desejar enquanto problemática7.

5.1.2 Definindo as bases

A atuação coletiva de uma equipe de consultores ou pesquisadores se aplica ao seguinte


quadro interacional: interações múltiplas, sincronizadas, tematicamente distintas; com parceiros
que têm diferenças sociais, técnicas e geográficas; num ambiente instável e mutável segundo
contingências e variações de difícil percepção.
Trata-se de interações múltiplas, onde cada um dos quatro integrantes se dirige a um
interlocutor ou, na pior das hipóteses, cada dois interagem com um dos trabalhadores. Isto ocorre
num mesmo espaço de tempo e para uma mesma situação. Constituem-se, pois, depoimentos sobre
o mesmo fragmento do universo aos quais podemos fazer uma previsão de uma forte similaridade
de conteúdos, sobretudo num recorte de situação de intervenção ou de pesquisa bem delimitado.
Nestes casos o resultado de interações sincronizadas, revela-se absolutamente díspar, parecendo
que haveria existido troca de registro de visitas distintas. Na verdade, pode ocorrer uma atratividade
para um assunto de maior interesse que acabe produzindo uma tematização da interação,
sublinhando a importância de procedimentos de regulação neste método.
Combinadas com as interações sincronizadas ocorrem interlocuções com parceiros onde o
início de interação se constitui num jogo comportamental de estudo mútuo. As distâncias sociais
entre interlocutores, comentadas mais adiante, as diferenças técnicas - com confrontações
discursivas freqüentes entre ergonomistas e trabalhadores, sobretudo nas demandas de explicação -
e geográficas, onde modos de falar e ouvir se distinguem de forma notável aparece como o grande
momento da técnica. Tratando adequadamente cada um dos elementos de aproximação e de
distanciamento - social, técnico e geográfico - mediante um rigor do registros de conversação, com

7
Vemos aqui a necessidade do caráter global que deva ter a exploração do funcionamento da empresa, no sentido de
que o diagnóstico aponte não apenas os pontos a intervir, mas também a problemática cientifica e tecnológica
subjacente ao estudo, estando nisso de acordo com Theureau (1993) que preconiza um programa tecnológico
associado a uma intervenção mais consistente e com Daniellou (1992, cap.7) onde a passagem à teoria científica é tão
própria à Ergonomia como sua manifestação no plano da tecnologia.

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quem, onde, quando e sobre que, é possível obter uma grande riqueza do material empírico obtido e
das modelagens dele decorrentes.

5.1.3 Desideratos e preceitos da Conversa-ação

Por se tratar de propor um método devo colocar as expectativas de que me cercava para
formular uma proposta. Três elementos me chamaram mais à atenção no quadro de uma pesquisa de
campo ou de uma intervenção, quais sejam:

• a falta inconsciente de vontade de aprender algo novo - que significa, na pratica científica
a atitude soberba onde a pessoa se julga detentora de um saber ao qual bastaria enriquecê-
lo de exemplificações extraídas de uma intervenção superficial. Isto é relativamente
comum quanto mais premente se torna a necessidade de resultados que, assim produzidos
quase sempre beiram a mediocridade;

• a necessidade de combinar o conhecimento existente com o que se apreende na


intervenção - o antídoto da soberba deve ser diretamente coerente com sua intensidade, no
caso em que se consiga trabalhar com a dose de humildade adequada. O risco está na
invalidação e na baixa valoração que se dá a resultados brutos mas de grande fertilidade.
Latour e Woolgan (1986) mesmo admitindo a inobservância parcial de registros gravados
sustentam a pertinência da coleta de interações verbais para compreensão de aspectos
culturais da vida num laboratório. No caso que vivenciamos, assinalar a potência dos dados
empíricos colhidos era uma tarefa típica de coordenação da equipe. Para tanto
estabelecemos o cuidado relativo à forma de anotação e registro, vinculando-a a uma
garantia de qualidade do relatório futuro;

• a importância de identificar e nomear preconceitos - reconhecer uma realidade


preestabelecida é tarefa simples e gratificante, admitir estar fazendo-o é exatamente o
oposto. Na essência do método, introduzimos a técnica de duplo registro. A técnica simples
é uma recomendação de uso do caderno de notas onde numa folha se descrevia sem
adjetivação ou valoração deixando a outra folha contígua para uma apreciação livre. A
manipulação deste material foi dividida em dois momentos, o primeiro da fração
inadjetivada e a segunda introduzindo os qualificativos da segunda folha, referenciando-se
o autor e o contexto de adjetivação.

5.1.4 Distinção entre observação pura e as interações

A observação do trabalho real em situação se constituiu no grande diferencial da corrente


ergonômica contemporânea e ela sugere que o ergonomista, ao observar o real deve cuidar dos
limites do recorte admissível. A observação é um método necessário, porém se torna insuficiente.
Esta insuficiência consiste em dois aspectos: (i) no viés em que o trabalhador é objeto e não sujeito
cooperante da intervenção e; (ii) mesmo cuidadosamente preparada, a observação pura é ainda
pouco sensível aos fenômenos engendrados pela variabilidade organizacional, já que o trabalhador,,
face a estes fenômenos, desenvolve estratégias de regulação e de antecipação capazes de mascarar
as manifestações observáveis e de atender ao que dele espera a organização, embora nem sempre
isto possa ser considerado publicável ou mesmo comentável. Tais estratégias freqüentemente
cruzam as fronteiras do socialmente admissível e, por serem comportamentos operatórios não
conseguem ser escamoteados ou dissimulados.
Já a conversa-ação, enquanto objeto de estudo, se coloca desde logo na perspectiva do ser

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humano como sujeito de interações sociais que se acrescentam aos planos biológicos, cognitivos e
psíquicos das atividades de trabalho (Lacoste, 1992, Daniellou, 1992), tornando a observação um
recurso suplementar às suas próprias técnicas de elucidação da influência do contexto sobre o agir,
aqui refletidos no aspecto da expressão verbal. É por este caminho que julgamos que o problema
metodológico sustenta o interesse por conceitos e métodos advindos da sociolinguística interacional
para a Análise Ergonômica do Trabalho. Conversar, comunicar, cooperar, abrem uma outra
perspectiva para a Análise Ergonômica do Trabalho .

Toda pessoa vive num mundo social que a leva a interargir com outros (...)Nestes
contatos tende a exteriorizar uma linha de conduta (...) E como os demais
participantes supõem nesta pessoa uma posição mais ou menos intencional(...) se
ela quiser se adaptar à s reações [ de seus interlocutores] deve considerar a
impressão que os outros fizeram a seu respeito.
(Goffman,1974, p. 9).

5.1.5 Um problema de fundo: A interação e as distâncias sociais

O emprego de métodos de análise do trabalho baseados em práticas discursivas faz


imediatamente emergir uma dificuldade, qual seja, a distância social entre trabalhadores, gerentes e
ergonomistas, conforme o aponta Simoni (1994)8. Tais distâncias são criações sociais, no sentido de
que elas se inscrevem na perspectiva dos rituais (no sentido de relações interpessoais
estereotipadas) e cerimoniais assinalados por Goffman (op. cit.), sobretudo cristalizando a
diferenciação das comunidades discursivas presentes e influenteas na situação que se estuda: a
comunidade gerencial, que detém a normatividade da linguagem que veicula e é veiculada pelo
trabalho prescrito, e a comunidade de operadores que fundamentaria outras linguagens de ofício,
além das corruptelas da linguagem formal.
Seja como for, nas situações de interação ocorrerá a influência incontornável deste fato
social, criado e atuante, trazendo para a análise de conteúdo a noção etnometodologica do contexto,
onde as comunidades se expressam em termos local e situadamente possíveis: representantes da
gerência e ergonomistas em negociação, ergonomistas e trabalhadores em interação de pesquisa
direta, interferência de um representante de outra comunidade numa interação em curso, ou com os
três tipos de atores presentes numa reunião.
O traço significativo é a percepção do trabalhador como objeto de estudo - suas
características, seus comportamentos e suas comunicações/cooperações - o trabalhador como
sujeito ativo - seus interesses e seus resguardos, suas revelações e seus segredos, isso dentro de uma
perspectiva que definiremos como o duplo aspecto da negociação e da associação . Negociação da
intervenção - que apenas se inicia nos primeiros contatos, mas que prossegue forte e explicitamente
durante a Instrução da Demanda e continuará de forma velada e presente ao longo do restante da
intervenção, devendo ser renovada, reforçada em determinadas passagens cruciais - e Associação
entre objetivos - dos ergonomistas e dos agentes sociais entre si validando objetos e formando
critérios de avaliação da intervenção ergonômica9.
8
Ver texto nesta coletânea
9
Nesse ponto tocamos num aspecto delicadíssimo da ergonomia que é o chamado duplo registro de interveniente,
terapeuta de representações sobre o trabalho e de cientista formalizando e propondo modelos falsificáveis numa certa
opção paradigmática. No primeiro caso os critérios são de natureza social e de pertinência a um universo socialmente
estabelecido, estrutura frente à qual o ergonomista estaria apenas em seu limiar. No segundo caso, as regras da
cientificidade estabelecidas desde muito sofrem a complexidade adicional da natureza absolutamente transdisciplinar
dos objetos e modelos teóricos construídos a partir da A.E.T. Essa discussão epistemológica, por sinal, é o debate da
atualidade na ergonomia mundial.

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Devido a esta construção complexa de objetos, objetivos e critérios, as interações na prática


ergonômica acabam por cotejar um importante implícito, uma subjacência determinante da
tecnologia e sua organização vinculada, as representações do sistema de produção.

5.1.6 Um problema de gênese: as representações e a concepção da tecnologia e os enunciados


discursivos disponíveis

Nesta formulação temos o cruzamento de dois processos historicamente constituídos, da


produção do discurso do(s) trabalhador(es) acerca de seu trabalho e do contexto onde as interações
têm lugar, incluindo-se como componente contextual as representações dos concebedores da
tecnologia.

Quanto ao primeiro aspecto vale transcrever o que é colocado por Daniellou (1992):
“A representação que um sujeito constrói de uma dada situação se ancora numa
biografia que é, entre outras coisas, uma história social. Ë durante esta história
que a pessoa adquiriu as palavras e enunciados para descrever as passagens
constantes de seu trabalho e poder interagir com os demais quanto a elas.(...)
possibilidade de simbolizar uma situação e poder reportá-la em termos discursivos
com outros.
(...)
Fazemos a hipótese de que a existência de enunciados disponíveis para
simbolizar representações acerca do trabalho desempenha um importante papel
para a construção de representações para o trabalhador(...).

Quanto a nós acrescentamos o valor desses enunciados para a organização como um todo e
não unicamente para os trabalhadores. A articulação com o contexto historicamente constituído que
é a organização nos indica que os enunciados disponíveis são permeados por representações de
caráter dominante, como o trabalho “manual”, “repetitivo”, “desqualificado” etc. Além disso, a
confrontação entre comunidades discursivas em diferentes pólos de poder inibe o grau de
disponibilidade de certos enunciados e, por aí, fazendo com que representações equivocadas
prevaleçam sobre aquelas que seriam mais pertinentes para a projetação da tecnologia. Foi possível,
como veremos mais adiante, demonstrar que existem diferenciações discursivas significativas com
as variações contextuais presença/ausência da chefia ou a identificação regional motivante.

5.2 Construção de uma metodologia de Conversa-ação

5.2.1 Uma tipologia das formas de Conversa-ação


O quadro abaixo resume as tipologias de situações de conversa que realizaram-se no curso
da situação mencionada. Os tipos de interação foram categorizados em Contextuais, Relacionais e
Depurativos.

Contextuais Relacionais Depurativas


Escorregadas Escuta respeitosa Roda-de-conversa
Convergência gradual Negativas Análise coletiva
Conversa vigiada Omissões Verbalização a quente
Dispersão de assunto Invalidação Relatório consensualizado
Mudança de rumo Positivação Rede de elaboração
Quadro 5 Uma tipologia das formas de conversa-ação para análise global em ergonomia situada.

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Chamamos de conversas contextualizadas àquelas cujos traços mais marcantes se situam


no conjuntos de fenômenos que operam no plano externo aos conteúdos da interação -permitindo
por aí uma análise inicial das estruturas técnicas, econômicas e sociais sob as quais a intervenção
ergonômica se processa.

As categorias relacionais reagrupam as situações nas quais os traços dizem respeito à


evocação dos conteúdos do trabalho real, e aqui vale assinalar que este contraste sempre aparece na
fala dos trabalhadores, indicando níveis e zonas de percepção do fenômeno do distanciamento entre
prescrição e realidade.

As categorias depurativas reúnem as conversas que permitem passar da interação às


modelagens. Aqui se incluem tanto as restituições evocadas em Guérin et al. (1991) mas também as
formas de conversa internas à equipe, como reflexo da complexidade objetiva da situação em
estudo. Vale assinalar que estas formas de conversa, tratam de verbalizações sobre as condições de
exercício da atividade de trabalho e suas consequências. Ela pode ser feita da forma aqui
apresentada, visando à análise global, cuja pergunta-chave é: o que se passa neste lugar ?

5.2.2 Roteirizando a Conversa-ação

A pergunta-chave para esta construção metodológica especifica é: Como interagir, se


permitindo descobrir ao mesmo tempo que confirmar hipóteses e/ou suspeitas já existentes ? Assim
optou-se que o ergonomista se "deixe levar" até certo ponto, no sentido de descobrir e de permitir
que algo novo apareça ao longo da conversa-ação. Entretanto, sempre existe o objetivo da
intervenção, algumas colocações primárias etc. Na instrução da demanda parte-se de uma demanda
genérica, numa problemática de difícil associação imediata com as questões motivantes para os
interlocutores, donde a maior relevância que toma a negociação da interação, para o que o método
adota a metáfora do “bote”. O problema metodológico, aqui, é o saber encetar a conversa
precavendo-se do efeito borboleta10. O “bote” ou a aproximação inicial deve ser extremamente
cuidadoso, tal como no jogo de xadrez onde um erro de abertura leva a uma derrota inevitável. No
jogo comportamental da Conversa-ação, ocorre o risco de que a busca de uma empatia descuidada
leva a assuntos palatáveis porém pouco producentes.

O caminho preconizado é a composição de um roteiro de conversa com as dúvidas e


principais questões a serem encaminhadas. Este roteiro deve conter poucos itens e é um instrumento
utilizado no sentido de entabular uma "conversa com finalidade", que deve permitir ampliar e
aprofundar a comunicação. Do ponto de vista de manuseio, o roteiro deve ser memorizado e a
pragmática de conversação é o oportunismo cuidadoso, ou seja, estimular um assunto, quando ele
surge, sem forçar seu surgimento, nem tampouco insistir caso se perceba alguma hesitação da parte
do interlocutor. Da mesma forma, deve-se adotar uma atitude tolerante na interação acerca de
assuntos aparentemente desinteressantes, já que o fluxo da conversação é, por definição,
desconhecido. Chamamos a esta configuração de duas por cinco, simbolizando, metaforicamente,
que se deva estar preparado para em duas horas de conversa obter-se cinco minutos de informação
relevante.

10
O efeito borboleta é uma noção da teoria do caos que foi descrita por Cleick (1987) como sendo o fato de que a
combinação teoricamente possível de inúmeros fatores meteorológicos pode fazer a ligação entre um bater de asas de
uma borboleta em Hong Kong e um tufão na Califórnia. Significa dizer que no interior de um sistema, mínimos
elementos de entrada podem gerar repercussões macroscópicas. Ora, considerando a interação como um sistema
progressivo de entendimentos/desentendimentos o efeito borboleta é uma realidade tangível.

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5.2.3 Entre a ética e a Epistemologia: escolhendo interlocutores e o modo de falar com cada um

Além de questões de regras de conduta do conversante, o roteiro de conversa antecipa um


mapa de interações desejadas, ou seja, tentando localizar interlocutores privilegiados e antecipar
suas características. Esta escolha deve lógica, distribuída, simétrica e reflexiva.
Numa acepção puramente técnica, a escolha de interlocutores tem uma lógica e deve advir
dos primeiros passos de análise global, quando um mapa do fluxo de material ou de informações
localize interlocutores privilegiados, geralmente localizados em postos chave. Abrahão (1986)
estuda o posto de mestre-destilador em destilarias autônomas de álcool como forma de confrontar
realidades antropotecnológicas distintas; num outro estudo (Vidal, 1985) centrei o estudo do
trabalho em construção sobre o coletivo de pedreiros no sentido de que era nesta grupo de oficiais
que se realiza a máxima centralidade do processo construtivo; Feitosa (1995) se centra na
funcionária do protocolo para analisar a trajetória e evolução dos escritos administrativos. Nesta
perspectiva os exemplos são numerosos.

A segunda questão enfoca o status hierárquico dos interlocutores, questão que, esta sim,
podemos responder da seguinte forma: que agentes e que práticas poderemos versar juntos (con-
versar)? O método recomenda que esta escolha seja tão distribuída quanto possível, ao longo dos
níveis da organização. Neste caso a escolha recai por pessoas que, de diferentes pontos de vista e de
lugares hierárquicos diferenciados podem evocar a atividade já devidamente observada e face à qual
poderão ser autoconfrontados numa análise sistemática. Uma técnica simples daí derivada é coletar
propósitos verbais (descrições da atividade por agentes que dela participem) de por exemplo um
chefe e dois subordinados. As falas oriundas de atores diferenciados são freqüentemente
complementares e não necessariamente conflitantes. Seus discursos, até onde pudemos constatar,
apresentam um caráter de complementaridade que permite praticar a desconfiança necessária sem
perda do valor intrínseco de uma escuta respeitosa. A possibilidade desta escolha é a própria
medida do grau de liberdade existente na intervenção e seu próprio exercício já ajuda a entender o
contexto da empresa onde ocorre. Em muitas passagens a possibilidade de conversar é
extremamente colocada em dificuldade ou usada como recurso de boicote à intervenção. Ferreira
(1995), chega ao extremo de desenvolver formas de Conversa-ação tendo como ponto de partida a
impossibilidade de conversas em situação.
Numa outra ordem de idéias está o problema da simetria, colocado por Bloor (apud Latour e
Woolgar, 1986), que estabelece que toda explicação epistemológica deve explicar o sucesso e o
insucesso na investigação. Este pensamento, à raiz da obra de Lévi-Strauss (1962), tenta nos
resguardar de discriminar os vencidos dando a impressão de valorizá-los. E isto se torna tão forte
quanto nos aproximamos do detalhe, do coletivo, da situação. Quem seriam os deserdados da
história da evolução tecnológica e o que teriam que dizer ? Numa situação quem detêm a decisão e
quem dela esta alijado? Quais as formas de imposição e de resistências que encontramos numa
realidade da produção?
A última reflexão neste item é a reflexividade, a entrevista guiada por fatos de identidade,
nisto residindo uma terceira fonte de escolha de interlocução. A empatia criada pelo fato de
identidade como facilitador da conversa é efetiva (engenheiros com engenheiros, arquitetos com
projetistas, identidades de gênero e assim por diante). A reflexividade na Conversa-ação significa a
percepção de atributos de cada interlocutor numa interação e a busca de atributos comuns
facilitadores.

5.2.4 Os resultados de uma Conversa-ação

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Como ordenar e sistematizar a diversidade de resultados obtidos ? Nesse sentido aplica-se


os mesmos preceitos estabelecidos para as observações dinâmicas: os relatórios a quente e à frio.
Os elementos obtidos por cada um dos conversantes devem ser compartilhados com o grupo
logo em seguida à visita, formando um segundo momento de conversa, um metadebate sobre a
intervenção. Em outros termos, este segundo momento de conversa propicia o afinamento do
quadro contextual da intervenção ou pesquisa, que vem a ser o objetivo tácito da Análise Global
em Ergonomia. Assim, cada pessoa do grupo deve produzir, logo após a visita, um relatório
instantâneo e individual de observação restringindo-se ao aspecto descritivo (documentação visual
e pictórica do processo de trabalho), mas também da coleta de propósitos verbais hierarquizados, ou
seja, fazendo tão sistematicamente como seja possível numa primeira abordagem a posição
hierárquica do interlocutor11. Preparados os relatórios individuais, a equipe deve se reunir para
compartilhar as descrições. Isto permite uma interação especifica entre a equipe e um relatório
final - escrito único convergente do trabalho em equipe - pode ser elaborado sob forma
monográfica.

A pergunta seguinte, respectiva a uma generalização do método é: quais os cuidados à priori


para evitar sobretarefas, retrabalhos e outros problemas deste tipo no uso do método ?

Os relatórios definitivos de cada visita, assim confeccionados, devem se tornar a prática


corrente da equipe, tendo o tempo entre a visita e sua confecção operacional, não superar uma
semana entre um e outro evento. Para isso concorre o aprofundamento conceitual e a maior clareza
nas questões básicas da intervenção ou da pesquisa. Entretanto esta mesma rapidez é discutível
numa intervenção específica, sobretudo na análise da demanda onde cada passo deve ser
meticulosamente construído. Permanece aqui o debate entre o emprego preferencial dos métodos
quick and dirty a que faz alusão Wisner (1994) e o tratamento aprofundado de uma realidade que é
o apanágio da AET, sua utilidade e seu charme.

6. Um exemplo de Conversa-ação (case)

Todos os bons métodos de pesquisa e consultoria nascem da necessidade de ergonomistas e


consultores em superar um obstáculo na pesquisa ou na intervenção, Assim não poderia deixar de
ser com este método. Em março de 1989 iniciávamos uma perspectiva pioneira, o primeiro projeto
integrado do Programa de Engenharia de Produção da COPPE: um projeto de pesquisa acerca de
uma questão, as dificuldades de disseminação de componentes industrializados para construção
civil. Dada a amplitude do problema, selecionamos casos e articulamos uma série de visitas a
escritórios e canteiros de obra para conversar com as pessoas, especialmente com os trabalhadores
que certamente nos informariam bastante sobre as dificuldades da difusão da tecnologia em apreço.
Listamos um total de 52 empresas, escritórios e canteiros no Rio de Janeiro e São Paulo, e
acabamos visitando umas 38 situações.
Tudo nos parecia ser simples, fácil e despretensioso. Porém como ergonomistas o viés dado
ao trabalho e às condições de trabalho - as representações existentes - eram mais fortes do que
supúnhamos. Qual não foi nossa surpresa ao ver que isso incomodava as pessoas que havíamos
contatado como um grupo de engenharia de produção - o que também éramos - e sobretudo aos seus

11
O caráter apenas indicativo desta sistematicidade se prende ao caráter sociológico da estrutura de poder numa
empresa. Numa fase de análise da demanda e muitas vezes durante uma boa parte da análise global não é evidente a
percepção da organização informal onde os laços de poder, alianças e temores apareçam de forma inequívoca.
Entretanto, a posição hierárquica traz uma vertente lingüística bastante mais captável já que é através da linguagem
que o enquadramento da pessoa na organização prescrita aparece de forma evidente e evidenciável.

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superiores. Foi quando descobrimos que a pesquisa situada, mesmo exploratória se pautava por
embarreiramentos de diversas ordens.

Buscar ver e ouvir os trabalhadores e suas condições de trabalho provoca desconfianças,


sobretudo ao se tratar de inovação tecnológica. Houve um canteiro que a visita foi marcada durante
uma folga do pessoal. A conversa foi impedida. Num outro caso, com um fabricante de
componentes, a menção da intenção do grupo em estudar o trabalho fez com que a conversa
passasse a ser escamoteada. O grupo, então, realizou um esclarecimento progressivo da
importância dos fatores humanos. Isto dissipou as desconfianças, com a visita ganho em qualidade e
clima. Sorrisos aliviados e piadas tolas corroboraram esta sensação de ganho.
Numa outra visita, a negociação estava difícil. Nem o charme professoral do coordenador, já
então com um mínimo domínio da linguagem do setor, nem a ponderada argumentação do
engenheiro de segurança fazia passar nossos propósitos de uma forma aceita. Recorremos ao
sofisticado linguajar da Engenharia de Produção contemporânea e foi quando utilizamos jargões e
códigos profissionais desta disciplina- o que nos inseria na lógica empresarial mas também na
lógica profissional dos gerentes - que conseguimos, in limine, visitas acompanhadas (com a
presença constrangedora de um superior hierárquico que, tomava à frente do ergonomista e do
entrevistado na colocação de perguntas aos trabalhadores que ele mesmo escolhia). Para fazer frente
a este obstáculo na intervenção, adotamos a estratégia da dispersão momentânea, que consistia em,
sempre que possível, no espalhamento do grupo para estabelecer outros contextos de conversação
com determinados interlocutores, notadamente aqueles cuja conversa vigiada não tivesse sido
convincente ou quando, por algum meio, a própria pessoa nos assinalava ser obrigada a expressar-se
naqueles termos.
Quem fala com quem ? Logo de início reproduziu-se a situação do problema adolescente de
alocação de dois rapazes e duas moças num pequeno veículo. No nosso caso, a relação de
interlocução assumia um valor metodológico. Efetivamente, escalávamos determinadas pessoas do
grupo para conversar com determinados trabalhadores e gerentes. Com aquele Mestre-de-obra,
nordestino, há tantos anos longe de sua terra, mobilizamos nossos paraibanos; para um engenheiro
altivo, a vez era dos nossos estagiários de engenharia de produção e seu vocabulário sofisticado; os
projetistas eram “atacados” pelos arquitetos, seu linguajar comum e seus desenhos em papel
manteiga com lapiseira Caran d’Ache HB 0.5. Diligentes e desconfiados empresários se tornavam
interlocutores do coordenador da equipe e seu adjunto.
Se nestes casos houve um fundamento de conversa baseado na identidade, seja ela de
origem geográfica ou contextual, em outras passagens a pesquisa de campo se deu sob o signo da
desarmonia, próprio da controvérsia, enfim sob dificuldades de diversas ordens, e cujas
repercussões se traduziram por dados mais relativos ao contexto do que ao conteúdo da atividade de
trabalho. Nessas circunstâncias foi freqüente ocorrer a situação de visita acompanhada, que já
descrevemos mais acima, criando assim um monólogo bastante distanciado da realidade subjetiva
dos envolvidos na conversação. Assim o maior registro não era o da fala e de seu conteúdo, mas em
que o contexto engendrava não-ditos e indizíveis da parte dos nossos interlocutores de fala limitada.

Algumas vezes o que falávamos soava mal, muito mal. Havíamos tocado em pontos que
faziam com as pessoas se recolhessem, desfazendo um clima de conversa duramente atingido. Uma
escorregada imperdoável! As bases teóricas da Ação Ergonômica nos informa acerca do conceito
de ideologia defensiva (Dejours, 1980), segundo o qual uma pessoa ou um grupo não menciona
fatos que os remetem ao sofrimento ou constrangimento. A prática nos mostrava quão agudo era seu
efeito, sendo que éramos, então protagonistas de um fato de que somente conhecíamos a
modelagem teórica. As manifestações da ideologia defensiva que enfrentamos se caracterizaram

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AET II – Análise Global
Prof. Mario Cesar Rodriguez Vidal D.Ing.

basicamente por alterações no rumo da conversa de diversos tipos: negações, desvios, omissões e
transferencias do poder-falar.
As negações de fatores de periculosidade mais ou menos visíveis denotam um temor
agudo escamoteado. Numa conversa-ação sobre o risco de morte num canteiro de pré-fabricação
pesada, ao perguntarmos mais detalhes sobre a morte de um colega, a reação do interlocutor, foi a
de uma série de negativas sobre a real periculosidade daquela situação de trabalho, ao mesmo
tempo em que ressaltou uma série de aspectos positivos daquela ocupação e naquele local. Com
isto, percebemos que na narrativa passara a apresentar uma série de omissões defensivas.
Na evolução desta conversação o próprio mestre de obras se declarou incompetente
(invalidação) para responder certas questões ali colocadas, transferindo o poder-falar para o
jovem engenheiro responsável, muito embora o ponto de conversação já atingido nos permitia
identificar esta declaração de incompetência como uma defesa. É neste instante que o ergonomista
deve intervir, de forma a não destruir o nível de relação já alcançado. Para tanto fizemos um desvio
de conversa rumo a aspectos positivos do trabalho, para retornarmos a uma interação leve entre o
entrevistado e o grupo, uma positivação da conversa (CRU (1991), recurso muito empregado em
Psicologia Dinâmica.
A posição metodológica adotada foi a de não intervir diretamente sobre o fluir da
conversação a menos da constatação do risco de ruptura trazido à tona pelas manifestações da
ideologia defensiva, acima categorizadas. Isto porém nos chamou a atenção para a necessidade de
prepararmo-nos para a conversa. Descobrimos, talvez não da maneira mais agradável, a
importância do preparo para as interações de pesquisa, do valor do silêncio tático e da importância
da escuta. Nascia o método de conversa-ação.
A pesquisa foi integralmente realizada e muitos de seus resultados circularam entre as
empresas e nas diversas comunicações que fizemos para congressos e revistas especializadas.

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