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Table of Contents

Folha de rosto

Ficha catalográ fica

Créditos

Sumá rio

Introduçã o

Primeira liçã o – Vida e obra

Segunda liçã o – O que é justiça para Rawls

Terceira liçã o – A justiça como igualdade

Quarta liçã o – A razã o pú blica como conceito político e jurídico

Quinta liçã o – O conceito de afirmative actions e o papel construtivo do judiciá rio

Sexta liçã o – Rawls e a ideia de liberdade

Sétima liçã o – Um debate com os comunitaristas: liberdade ou engajamento?

Oitava liçã o – A democracia em questã o no pensamento de Rawls

Nona liçã o – A questã o do Direito Internacional em Rawls

Décima liçã o – A herança de Rawls: um pensamento democrá tico e discursivo

Conclusã o

Referências
Pá gina de coleçã o

Textos de capa
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Lima, Newton de Oliveira


10 liçõ es sobre Rawls / Newton de Oliveira Lima. – Petró polis, RJ : Vozes, 2019. – (Coleçã o 10 Liçõ es)

Bibliografia
ISBN 978-85-326-6253-8 – Ediçã o digital

1. Justiça – Teoria 2. Rawls, John, 1921-2002. Teoria da Justiça 3. Sociologia – Filosofia


I. Título. II. Série.

18-22842CDD-300.1

Índices para catá logo sistemá tico:


1. Soiciologia : Filosofia     300.1

Iolanda Rodrigues Biode – Bibliotecá ria – CRB-8/10014


© 2019, Editora Vozes Ltda.
Rua Frei Luís, 100
25689-900 Petró polis, RJ
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ISBN 978-85-326-6253-8 – Ediçã o digital

Editado conforme o novo acordo ortográ fico.


SUMÁ RIO

Introdução

Primeira liçã o – Vida e obra

Segunda liçã o – O que é justiça para Rawls

Terceira liçã o – A justiça como igualdade

Quarta liçã o – A razã o pú blica como conceito político e jurídico

Quinta liçã o – O conceito de afirmative actions e o papel construtivo do judiciá rio

Sexta lição – Rawls e a ideia de liberdade

Sétima liçã o – Um debate com os comunitaristas: liberdade ou engajamento?

Oitava lição – A democracia em questã o no pensamento de Rawls

Nona liçã o – A questã o do Direito Internacional em Rawls

Décima liçã o – A herança de Rawls: um pensamento democrá tico e discursivo

Conclusão

Referências
INTRODUÇÃ O

Regimes que nã o optam pela liberdade e pela igualdade da populaçã o carecem de


legitimidade e geram fortes conflitos de poder ao privar seus cidadã os desses dois
importantes paradigmas de justiça. O pensamento de John Rawls tem grande importâ ncia
em contextos assim.

Quando um povo se despede da justiça como igualdade e da liberdade política e nã o


tolera diferentes grupos que concorrem ao poder, isso se torna um reforço para o poder do
Estado. No século XX, o Estado se agigantou e tal fato nã o necessariamente implicou em
melhoria nas condiçõ es de vida das pessoas. A intervençã o estatal gerou um poder muitas
vezes centralizador e tornou o cidadã o dependente de recompensas, como a distribuiçã o de
renda, a prestaçã o de serviços pú blicos, entre outras. O papel do cidadã o na construçã o de
um modelo de justiça foi minimizado, e o filó sofo norte-americano John Rawls, professor da
Universidade de Harvard, foi um dos grandes pensadores que alertaram para esse
problema.

A defesa dos princípios da liberdade e da igualdade como centrais no sistema jurídico, e


do princípio da justiça como equidade como fundamento de qualquer instituiçã o social [1],
fez de Rawls um dos grandes defensores da liberdade política igualitá ria. Suas ideias
tiveram consequências teó ricas vastas, mas também apropriaçõ es prá ticas importantes,
com a implementaçã o de modelos de políticas pú blicas que resgatassem da desigualdade
camadas marginalizadas da populaçã o (indivíduos sem acesso ao trabalho digno, pessoas
sem educaçã o bá sica etc.), de cooperaçã o entre Estado e cidadã o para desenvolvimento de
cooperativas de deliberaçã o pú blica, de gestã o pú blica participativa e de orçamento
participativo, entre outras.

O liberalismo político e a teoria da justiça desenvolvidos por Rawls representam


marcos para a Filosofia Política, a Ciência Política e a Filosofia do Direito. Seu pensamento e
suas finalidades igualitá rias inspiraram diversas correntes na Filosofia e na Ciência Política,
e também movimentos pelos direitos civis e políticos igualitá rios, primeiro nos Estados
Unidos da América e depois em outras naçõ es.

Por essas razõ es, já se vê a importâ ncia da filosofia de Rawls. Assim, pretendemos
realizar uma leitura precisa do seu pensamento, analisando o nú cleo de suas ideias.
Buscaremos também mostrar os debates filosó ficos de Rawls com grandes nomes do
mundo intelectual contemporâ neo, como Habermas, Nagel, Sandel, Nozick, dentre outros,
que o fizeram mudar pontos de sua teoria e procurar novos horizontes para o liberalismo
político (cf. principalmente as liçõ es sexta e sétima).

O conceito de liberalismo político leva em conta a moral e a política de um povo para a


implementaçã o do conjunto de liberdades bá sicas (direito de ir e vir, crença livre, voto
etc.), nã o o reduzindo meramente a um sistema de defesa de liberdades econô micas (livre
iniciativa, livre produçã o e livre circulaçã o de bens). A finalidade do pensamento de Rawls
é planejar um modelo no qual liberdade e igualdade consigam conviver em uma sociedade
cada vez mais plural e distanciada de conceitos absolutos (uma religiã o, uma moral, uma
arte ou mesmo um direito comuns), mas centrada na força de laços políticos e jurídicos
integradores. O objetivo ú ltimo é garantir a todos o direito de se expressar e de crer
naquilo que cada qual decide, sem esquecer que o fim das instituiçõ es é garantir a
oportunidade de progresso moral e material a todos.

Rawls[2] defende que somente a justiça social assegura a igualdade de oportunidades aos
indivíduos, deixando-os em um patamar de liberdade igual capaz de favorecer a
cooperaçã o social. Nã o há como se conceber a ideia de justiça de modo abstrato sem que se
tenha critérios de distribuiçã o de bens e garantia de direitos a serviço dos valores e
princípios constitucionais de um povo. O pensamento de Rawls marcou um esforço de
democratizaçã o do Estado e contemplou o problema da justiça, questã o central para uma
Filosofia do Direito que pensa a aproximaçã o entre o cidadã o e Estado.

O justo para Rawls deve deixar de ser aquele saber da consciência de um juiz ou do
soberano privilegiado e se tornar o procedimento de justificaçã o racional e pú blico, com a
tolerâ ncia à s diferenças, a partir do esforço de argumentaçã o pelos cidadã os como fator
fundamental. O fim da argumentaçã o jurídica em Rawls é a construçã o de um
procedimento de justificativa de posiçõ es políticas plurais (i.e., que envolva os diversos
setores da sociedade) e tolerantes, que seja capaz de deliberar com base nos princípios de
justiça (igualdade, cooperaçã o e liberdade). Essa mudança na forma de fundamentaçã o do
justo, tornando-o político e igualitá rio, mostra a verdadeira revoluçã o que Rawls apregoa
na estrutura da justiça, alargando o cará ter participativo do cidadã o na fundamentaçã o da
justiça, incluindo aqueles que tradicionalmente nã o estavam inclusos no processo de
formaçã o do justo, as chamadas “minorias”, os grupos marginalizados e nã o dominantes da
sociedade.

Rawls transforma a justiça de um saber de poucos virtuosos em um procedimento


democrá tico acessível a todos, com as posiçõ es pú blicas sendo justificadas com base em
argumentos postos pela liberdade de cada pessoa de discursar livre e igualmente e de
buscar o consenso em torno dos princípios de justiça [3]. Para Rawls, a ideia era suspender a
concepçã o de valores prévios de cada pessoa, por meio do famoso “véu da ignorâ ncia” (cf.
as liçõ es quarta e sexta), de modo que o procedimento construtivo da justiça deixe de ter
direcionamentos prévios de valores dominantes[4], abrindo espaço para a livre discussã o de
fins políticos nas instituiçõ es.

O problema da democracia como procedimento também surge, dado que a democracia


nã o pode permanecer como algo imposto por sá bios portadores da justiça ou por elites
sociais, mas deve ser construída pelo discurso dos cidadã os perante as instituiçõ es. Na
democracia devem ser respeitados os princípios previstos na Constituiçã o, os quais
precisam ser assegurados por um tribunal constitucional (cf. liçã o oitava).

Rawls defende ainda a ideia de uma cultura de paz e de democracia em nível global e,
assim como Immanuel Kant[5], uma cultura cosmopolita (universal), onde um conjunto de
povos tolerantes e livres tende a se associar a fim de sedimentar um esforço em torno de
objetivos comuns de paz e tolerâ ncia. Sem isso, o esforço de pacificaçã o e os direitos
humanos estariam enfraquecidos diante do fenô meno da globalizaçã o, do terrorismo e das
guerras entre naçõ es. É o que Rawls desenvolve em uma de suas ú ltimas obras, O Direito
dos Povos, como se pode observar na nona liçã o.

Esses sã o os pontos centrais introdutó rios que desenvolveremos nas liçõ es e que
representam uma visã o geral dos temas basilares do pensamento de John Rawls.
[1]. RAWLS, J. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2002b, p. 3. Entende-se por “justiça como equidade” a
busca da igualdade em cada caso particular.

[2]. Ibid., p. 5.

[3]. RAWLS, J. Justiça e democracia. Sã o Paulo: Martins Fontes, 2002a, p. 57.

[4]. Ibid.

[5]. KANT, I. A paz perpétua e outros opúsculos. Lisboa: Ed. 70, 2004, p. 23ss. Kant defendeu a ideia de uma federaçã o de
naçõ es como nú cleo do Direito Cosmopolita, que teria a finalidade de pacificaçã o universal pela implementaçã o do direito
de hospitalidade entre os povos (qualquer pessoa poderia, para Kant, circular livremente por qualquer país), dever dos
Estados de abolirem exércitos permanentes, e republicanizaçã o dos Estados por meio da instauração em cada qual de
uma Constituiçã o votada por um parlamento eleito pelo povo (democrá tica).
PRIMEIRA LIÇÃ O

Vida e obra

John Rawls (nasceu em Baltimore, Maryland, EUA, 21/02/1921 – faleceu em Lexington,


Massachusetts, EUA, 24/11/2002) foi um dos mais relevantes filó sofos morais e políticos
do século XX. Praticamente a Filosofia Política no pó s-II Guerra Mundial renasce sob a
influência de Rawls e de seu trabalho reconstrutivo de um conceito central: a ideia de
“contrato político”, que forma uma sociedade com fins de promover a justiça social e a
liberdade política do cidadã o. Com o fim da II Guerra e diante de toda a desumanizaçã o
ocorrida, procurava-se repensar a noçã o de liberdade individual. Rawls, ao publicar Uma
teoria da justiça em 1971, retomou o valor da liberdade associando-o, porém, a outro valor:
o da igualdade.

Fato marcante na trajetó ria de Rawls – que moldou sua formaçã o e que o situou no
paradigma de defesa da liberdade e dos direitos civis – foi a influência de seu pai William
Lee Rawls, advogado do Partido Democrata. Rawls teve só lida formaçã o filosó fica,
bacharelando-se em Filosofia em Princeton (1943), especialmente em filosofia moral, á rea
na qual concentrou seu Ph.D. pela Universidade de Princeton (1950), onde também
lecionou. Depois tornou-se catedrá tico na Universidade Cornell (1953), e em seguida no
Massachusetts Institute of Technology (1960), até que se fixou em 1962 na Universidade de
Harvard.

Sua esposa, Margareth Warfield Fox, foi uma grande contribuidora de sua obra,
ajudando-o em seus escritos e incentivando sua participaçã o em movimentos de
reivindicaçõ es de direitos.

Como dito, sua primeira grande publicaçã o foi Uma teoria da justiça, em 1971. Nesta
obra ele apresenta um programa de justiça aplicá vel para uma sociedade democrá tica,
cujos valores centrais definidores do justo sã o a liberdade e a igualdade. Ele frisa
principalmente a necessidade de uma teoria da distribuiçã o de bens com fins sociais, de
bens primá rios (aqueles necessá rios à sobrevivência imediata) e secundá rios (os que
servem para os indivíduos se desenvolverem integralmente) – sem igualdade, a liberdade
“clá ssica” do liberalismo, formada no século XVIII, perde o sentido no pó s-II Guerra
Mundial (1945).

As críticas que Rawls recebeu sobre sua teoria da justiça foram respondidas ao longo
das décadas de 70, 80 e 90 do século XX com espírito construtivo e colaborador. Rawls
seguiu refletindo e atualizando sua obra, procurando absorver as críticas e colaboraçõ es
num sentido reformista de suas ideias.

Rawls foi um professor que marcou o destino da Universidade de Harvard, onde


exerceu a parte mais importante de sua carreira acadêmica. Notabilizou-se como um
defensor das causas politicamente corretas, dos direitos humanos e das minorias. Lecionou
em Harvard de 1962 a 1991, data em que se aposentou.

Foi consultado por movimentos sociais, foi ativista político e deu promissoras
contribuiçõ es no campo da pesquisa da É tica, do Direito e da Política. Sua perspectiva foi de
uma inovaçã o de paradigmas para um mundo mais justo e igualitá rio.

No campo jurídico, Rawls se posicionou em defesa da justiça como equidade (justiça


para o caso concreto), em seus princípios da liberdade igual (tratar, no contrato político,
todos os indivíduos previamente como iguais aos outros, com o direito de acesso aos bens
existentes em uma sociedade) e da liberdade da diferença (reconhecer as condiçõ es
pessoais especiais e peculiares a cada indivíduo). Pelo princípio da liberdade igual,
pressupõ e-se que sociedades razoá veis preservem as liberdades de todos como condiçã o
necessá ria, mas nã o suficiente, para uma ordem social justa. Ou seja, nã o basta assegurar
liberdades individuais sem uma funçã o social para as mesmas. Já as exigências de justiça
como equidade para todos deverã o ser discutidas publicamente, e apenas critérios
distributivos previstos em lei e efetivados por via judicial, como resposta a fins políticos
dos cidadã os, poderã o atender à necessidade de equilíbrio social igualitá rio, nã o apenas de
liberdade individual – indo além das liberdades bá sicas e buscando igualdade entre os
indivíduos.

O principal livro no qual Rawls sistematiza sua posiçã o constitucional é O liberalismo


político, de 1993[6], um verdadeiro marco na defesa de uma democracia sustentada na
promoçã o da igualdade. Nessa obra, coloca-se a possibilidade de resolver conflitos políticos
por meio do tribunal constitucional (a corte que julga as disputas constitucionais como
ú ltima instâ ncia)[7], decidindo pela efetivaçã o de direitos constitucionais que promovam a
igualdade entre os cidadã os.
Outra ideia fundamental é que o liberalismo nã o pode mais ser “abrangente” como o
liberalismo “clá ssico” de John Stuart Mill ou de Immanuel Kant nos séculos XIX e XVIII,
respectivamente. As defesas racionais da liberdade nã o possuem sentido se nã o forem
consideradas as diferenças entre as pessoas, ao invés de se pretender instaurar uma
liberdade universal e padronizada para todos.

No campo político, Rawls se notabilizou como defensor de liberdades bá sicas expressas,


como o direito à crença, ao trabalho, ao voto, entre outras. Essas liberdades mencionadas
sã o a base do desenvolvimento moral e político das pessoas, mas deve haver também uma
promoçã o de outras condiçõ es a um patamar qualitativo de igualdade (combate à pobreza
a partir de açõ es do governo, por exemplo).

Assim, a liberdade política no liberalismo político de Rawls nã o possui fundamentaçã o


puramente racional ou moral, mas é um conceito de liberdade completamente baseado na
experiência e na realidade política da sociedade. Para Rawls, junto com a liberdade política,
as necessidades de distribuiçã o de bens e a resoluçã o de valores em conflito devem
encontrar um “equilíbrio refletido” politicamente através de um “consenso sobreposto”
(acordo sobre posiçõ es diferentes que se acomodam).

Na verdade, Rawls[8] mostra que o liberalismo político nã o defende uma ú nica visã o de
um Bem Maior a ser atingido pela razã o universal, mas compreende que as concepçõ es de
bem sã o conflitantes entre si. Saber tolerar a diferença entre as maneiras de se conceber
bens, e distribuir com igualdade e cooperaçã o esses bens, evita a imposiçã o de ideias de
justiça a partir de tiranias institucionais[9].

Em 2002, publicou o livro Justiça como equidade – uma reformulação, reunindo uma
série de reflexõ es que sintetizam posiçõ es previstas nos escritos acima detalhados. A obra
está incompleta por causa da saú de já debilitada do filó sofo, que viria a falecer ainda em
2002. Ele morreu sendo reconhecido como um dos maiores defensores da liberdade
igualitá ria no mundo.
[6]. Publicado pela Columbia University Press, que o reeditou em 1996 e 2005 com importantes reformulaçõ es do autor.

[7]. RAWLS, J. O liberalismo político. Sã o Paulo: Martins Fontes, 2012, p. 272ss.

[8]. RAWLS, J. Justiça e democracia. Sã o Paulo: Martins Fontes, 2002a, p. 238.

[9]. Ibid., p. 337.


SEGUNDA LIÇÃ O

O que é justiça para Rawls

Pretendemos mostrar nesta segunda liçã o os aspectos centrais da temá tica que foi o
objeto da obra de Rawls de 1971 (Uma teoria da justiça), temá tica pela qual ele ficou
mundialmente conhecido: sua aná lise da justiça como conceito político. Ele reformulou o
conceito de justiça para se tornar algo situado além da busca de liberdade e igualdade, mas
frisando sua base política na luta efetiva e histó rica das forças sociais em conflito.

Justiça nã o seria algo com base moral como imaginou Austin, pensador inglês do século
XIX, o qual proclamou que a Constituiçã o seria a “moral positivada em leis”. A justiça, para
Rawls, também nã o deveria apelar para a relatividade moral do justo e sua encampaçã o
pelo Estado, como propô s o jurista austríaco Hans Kelsen[10] – essa teoria de Kelsen
reduziria a justiça a um sentimento ou valor completamente subjetivo e emocional, apenas
um ponto de vista do sujeito que só encontraria força se posta na legalidade.

Para Rawls, a justiça deve servir como meio para a interpretaçã o dos princípios
constitucionais elegidos livremente por uma sociedade razoá vel (tolerante com as
diferenças entre os grupos sociais) e dentro de condiçõ es histó ricas decorrentes de lutas
políticas. Rawls confere um cará ter objetivo ao justo, que nã o se presta a interpretaçõ es
relativas à vontade de um mero grupo político isolado, mas transforma a justiça em
produto de um discurso que depende de condiçõ es políticas para se efetivar.

Rawls jamais apelou para uma justiça que fosse além dos limites constitucionais.
Democracia constitucional para ele é democracia limitada à s condiçõ es pelas quais o pacto
constitucional foi estabelecido. Esse é o pró prio marco no qual se encontram os sujeitos
para acordarem o pacto político fundante de uma sociedade.

Partindo de Kant e de Aristó teles, Rawls amplia a noçã o da justiça desses filó sofos: ela é
virtude das instituiçõ es como colocou Aristó teles[11], mas nã o pode ser caracterizada como
essencialmente um valor moral universal, mas um valor político que emerge da vontade de
cada sociedade política; a justiça também visa à igualdade e à liberdade entre os indivíduos
como defendeu Kant, porém sem caracterizar-se como racionalidade abstrata, devendo ser
assumida a partir de seu significado político concreto em uma dada sociedade e por seus
grupos políticos como eles a propõ em como perspectiva de poder na defesa de suas
posiçõ es perante as instituiçõ es pú blicas (judiciá rio, legislativo etc.).

A justiça é essencialmente um critério jurídico e político de distribuiçã o de bens


primá rios, definidos pelos indivíduos livres de uma sociedade e de acordo com critérios
razoá veis para sua planificaçã o de vida[12]. Rawls lista riquezas, rendas, direitos pessoais e
oportunidades, bem como a noçã o de valor pró prio dos indivíduos (dignidade das pessoas)
como bens primá rios[13]. O problema mais profundo seria como definir critérios para
associar tal lista de bens à queles que correspondam aos interesses dos grupos sociais
menos favorecidos política e economicamente[14]. Ele parte da ideia de posiçã o original
entre pessoas livres e iguais que podem chegar a um acordo político que reja a sociedade a
partir da utilizaçã o de princípios racionais, portanto, um acordo discursivo (racional) – nã o
com base em intuiçõ es e sentimentos, mas na ideia de exposiçã o de seus valores em
instâ ncias pú blicas deliberativas a fim de justificar suas pretensõ es de poder.

Rawls acredita que pessoas livres e iguais poderiam entrar em um acordo em uma
posiçã o original a partir de dois princípios bá sicos. O primeiro é o princípio da liberdade
igual ou básica, que implica na justiça formal como um pressuposto de sociedades
razoá veis a caminho da igualdade substancial [15]. Esse princípio se caracteriza pela
interpretaçã o da lei por tribunais legítimos e pelo cumprimento das sentenças por
indivíduos que detém liberdade de ir e vir, de votar, de crer, direito de expressã o, de
reuniã o e à propriedade privada etc.[16]

Já o princípio da diferença indica que essas liberdades bá sicas abrangidas pelo princípio
da liberdade igual e exercitadas livremente nas sociedades pluralistas e tolerantes possam
ser encaminhadas, por exigência da igualdade material e através dos programas políticos, a
um sentido de cooperaçã o social e, por conseguinte, na busca de igualdade entre os agentes
sociais[17].

O “equilíbrio reflexivo” de uma sociedade razoá vel consiste, portanto, em conjugar


esses dois princípios acima expostos e realizar o fim de uma igualdade material com justiça
substancial, e nã o apenas justiça formal, sendo isso uma expectativa do Estado de Direito
no cumprimento das leis. Justiça substancial tutela as grandes questõ es sociais que
envolvem a necessá ria busca de igualdade e está sujeita ao princípio da decisã o judicial.
Seu desafio é promover a melhoria das condiçõ es materiais de vida das pessoas
(distribuiçã o justa da propriedade, garantia de serviços sociais bá sicos a todos, entre
outras)[18].

Na estrutura social, as pessoas agem buscando maximizaçã o e eficá cia, mas nem sempre
a açã o realizada beneficia a todos. A justiça como equidade busca encontrar soluçõ es
implementadoras de uma cooperaçã o social e isso tornaria a açã o individual mais eficaz,
pois criaria melhores condiçõ es sociais de desenvolvimento humano e melhoraria a vida
cotidiana dos indivíduos[19]. Ensina Rawls:
Na justiça como equidade, a sociedade é interpretada como um empreendimento
cooperativo para a vantagem de todos. A estrutura bá sica é um sistema pú blico de regras
que define um esquema de atividades que conduz os homens a agirem juntos no intuito de
produzir uma quantidade maior de benefícios, atribuindo a cada um certos direitos
reconhecidos a uma parte dos produtos. O que uma pessoa faz depende do que as regras
pú blicas determinam a respeito do que ela tem direito de fazer, e os direitos de uma pessoa
dependem do que ela faz. Alcança-se a distribuiçã o que resulta desses princípios honrando
os direitos determinados pelo que as pessoas se comprometem a fazer à luz dessas
expectativas legítimas[20].

Quando se pensa na ideia de as expectativas de açã o serem feitas em torno de


princípios de justiça, percebe-se que entra em cena a questã o do procedimento. É preciso
pensar “um padrã o independente para decidir qual resultado é justo e um procedimento
que com certeza conduzirá a ele”[21]. O justo tem por fim a igualdade, porém sem a
justificaçã o discursiva (perante as instituiçõ es) de critérios de distribuiçã o de bens
primá rios nã o se podem definir critérios de justiça efetivos.

Nesse aspecto, a igualdade equitativa de oportunidades, conferida na estrutura bá sica


da sociedade a determinados sujeitos, deve ocorrer através de uma justiça procedimental
que defina critérios de oportunizaçã o de direitos e que ataque pontos específicos de
desigualdade, fugindo de complexidades mais amplas (estruturas que a justiça como
equidade nã o pode de imediato atacar e modificar, como o sistema geral de acú mulo de
capital) e contextualizada à aplicaçã o de um procedimento de justificaçã o de distribuiçã o
de bens primá rios[22].

A democracia como exercício de uma prá tica igualitá ria e tolerante deve propiciar as
condiçõ es de debate na esfera pú blica. Sem essa prá xis democrá tico-política, a justiça como
equidade seria apenas mais uma doutrina moral abrangente. Ela deve enfrentar os
problemas de estruturaçã o de mecanismos de concessã o e distribuiçã o equitativa de bens
primá rios a partir da construçã o de consenso sobreposto (que significa que partes devem
ceder para outras terem algum ganho de bens), um debate pú blico em que os interesses
comuns devem ser afirmados com a eventual reduçã o e controle de interesses particulares
de grupos privilegiados política e economicamente[23].

O conceito de justiça de Rawls depende, portanto, dessa série de condiçõ es de


complexidade social (escassez de bens, por exemplo) que, somada ao problema da escolha
dos princípios na posiçã o original (uma racionalidade que deve manter o ideal de um pacto
razoá vel que possa ser reconstruído e justificado em diversos momentos e
circunstâ ncias[24]), desá gua na busca da igualdade como sua meta maior e na manutençã o da
liberdade como sua condiçã o necessá ria.

Possibilitar o acesso aos bens primá rios a todos é a condiçã o bá sica que Rawls requer
para a cooperaçã o social equitativa, a condiçã o mínima do suprimento das necessidades de
subsistência e existência de indivíduos nã o apenas livres conforme o Direito legalista, mas
dignos na acepçã o ampla de moralidade humana enquanto garantia da dignidade de todos.
Erradicar o nã o acesso a bens primá rios é objetivo de qualquer sociedade razoá vel que
queira caminhar à finalidade da justiça nã o apenas formal, mas substantiva (igualitá ria).

O mecanismo do “véu da ignorâ ncia” é uma forma de a posiçã o original sob o acordo
que funda a justiça afastar o descompromisso com a construçã o da justiça igualitá ria, pois
os possíveis interesses egoístas sã o previamente suspensos. E o fim do acordo pode versar
sobre um consenso em benefício de todos, dentro do diá logo formador dos objetivos
comuns construídos como razã o pú blica perante as instituiçõ es judiciais e políticas. Na
reformulaçã o da justiça como equidade levada a cabo em 2002, Rawls faz sua construçã o
depender de uma concepçã o política exercida perante as instituiçõ es[25] – esse é o nú cleo do
conceito de justiça como equidade de Rawls.
[10]. KELSEN, H. O que é Justiça? Sã o Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 22. É irracional a natureza humana, e nã o se possui
uma regra racional que a comande. Logo, o problema dos valores é o pró prio conflito inerente aos mesmos.

[11]. RAWLS, J. Uma teoria da justiça. Op. cit., p. 473. Rawls interpreta o princípio aristotélico de busca do Bem Maior pelo
ser humano como um princípio de defesa do interesse particular do Bem (por grupos ou indivíduos que integram a
sociedade) e nã o como uma virtude moral universal (justiça) que comanda a comunidade, mas justiça política que está
presente quando se discutem procedimentos que propiciem açõ es que garantam igualdade e liberdade para as pessoas
através da ação das instituiçõ es pú blicas.

[12]. Ibid., p. 98.

[13]. Ibid.

[14]. Ibid., p. 99.

[15]. Ibid., p. 62ss.

[16]. Ibid., p. 65.

[17]. Ibid., p. 64ss.


[18]. Ibid., p. 62-63.

[19]. Ibid., p. 84ss.

[20]. Ibid., p. 90.

[21]. Ibid., p. 91.

[22]. Ibid., p. 93.

[23]. RAWLS, J. Justiça como equidade – Uma reformulaçã o. Sã o Paulo: Martins Fontes, 2003, p. XVIII.

[24]. RAWLS, J. Uma teoria da justiça. Op. cit., p. 149.

[25]. RAWLS, J. Justiça como equidade... Op. cit., p. XIX.


TERCEIRA LIÇÃ O

A justiça como igualdade

Centralizando o conceito de justiça na ideia de equidade, isto é, que visa à igualdade e


mantém a liberdade, e operando através de escolhas e procedimentos vinculantes aos
partícipes, tomados como isentos na posiçã o original com a figura do “véu da ignorâ ncia”
de seus pró prios valores individuais, estaremos perto de sintetizar uma definiçã o de justiça
para Rawls.

Nesta liçã o, almejamos trazer a compreensã o do conceito de equidade desenvolvido por


Rawls a partir da busca da igualdade na sociedade multicultural e pluralista. Ele nã o aceita
a justiça como um valor “abrangente” da razã o, mas equitativo e ligado aos problemas de
igualdade na sociedade.

O conceito de equidade (fairness), aplicado ao procedimento construtivista do Direito,


desenvolve um instrumento de concessã o dos bens primá rios. Foi nesse ponto que a teoria
de Rawls foi criticada por juristas, principalmente Hebert Hart, que propunha um modelo
procedimentalista e construtivista de direitos a partir de uma concepçã o de valores
político-jurídicos abertos (tolerâ ncia, igualdade, razoabilidade) e nã o de “razõ es
abrangentes” do liberalismo “clá ssico” (de Kant e de Stuart Mill, por exemplo).

Hart criticou[26] o processo de escolha de liberdades fundamentais pelos cidadã os na


posiçã o original como nã o fundamentado, e que a aplicaçã o dos princípios de justiça
escolhidos por eles à s diversas instâ ncias de poder também nã o estaria bem fundamentada
em Uma teoria da justiça (1971).

Rawls concorda com Hart quando este ataca a classificaçã o “liberdades” sem especificá -
las como “liberdades fundamentais”. Parece abstrato se falar de “liberdades” sem vinculá -
las a uma Constituiçã o histó rica e a um processo histó rico-constitucional de garantias de
direitos, nã o fazendo depender o conceito de liberdade ao que uma determinada tradiçã o
ou ordem constitucional define como sendo “fundamental”[27].
A seleçã o de princípios fundamentais, em uma sociedade representativamente igual
onde pessoas pudessem agir conforme o princípio da igualdade, nã o significaria nada se a
escolha dos princípios de justiça nã o fosse livre e comum. Sem liberdade igual presente na
posiçã o original nã o se geraria normatividade vá lida nessa suposta sociedade. Sociedades
onde haja ditaduras políticas, estruturadas em processos de comunicaçã o de massa e
propaganda ideoló gica, produzem a ilusã o coletiva de prosperidade e igualdade, e nem por
isso os cidadã os sã o livres. Uma aná lise política de suas instituiçõ es mostra que nã o existe
de fato igualdade, ou ela só se dá em níveis que interessam ao poder central do regime.

A igualdade depende da liberdade absolutamente nã o coagida que estabeleceu suas


condiçõ es e limites, e o respeito mú tuo nã o deve se vincular a outra esfera que nã o a da
liberdade igual como legitimaçã o. Volta-se a Kant quando se afirma a liberdade igual como
fundadora do pacto político, que Rawls chama de “posiçã o original”. Kant, na introduçã o à
“Doutrina do Direito”[28], define o conceito de Direito como a limitaçã o recíproca de arbítrios
em funçã o de uma lei jurídica. É o princípio da liberdade igual e, como tal, pressupõ e a
tomada de uma decisã o comum de fundaçã o do pacto, e nã o a qualquer princípio de justiça
ou moral prévio ao pacto.

A posiçã o acerca da escolha dos princípios e liberdades fundamentais depende da


liberdade igual, sendo a liberdade a razã o de ser do pacto e do processo de escolha de
princípios. Se Rawls voltasse a qualquer concepçã o histó rica de valores ou bens antes da
“posiçã o original”, estaria em contradiçã o com o contratualismo kantiano ao qual se filia,
como observa Werle[29]. Isso já responde à objeçã o de Hart de nã o fundamentaçã o da
escolha das liberdades na “posiçã o original” simplesmente porque nã o deve haver
fundamentaçã o para além da esfera da deliberaçã o racional sobre qualquer princípio
condutor do pacto político.

Essa deliberaçã o é pluralista, reconstrutiva de sentidos e nã o vinculada, a priori, a


qualquer tradiçã o, mas ao acordo sobre princípios de justiça; é o cará ter procedimental e
construtivo de uma justiça como equidade. Fazer tabula rasa quanto a qualquer tradiçã o
constitucional direcionadora significa ter ausência de fundamento e é, ao mesmo tempo, o
fundamento “aberto” da justiça igualitá ria de Rawls. A liberdade de fundamentar é propor
razõ es tolerantes para se aceitar qualquer tradiçã o de defesa de liberdades e legitimar
qualquer projeto de poder em uma democracia deliberativa.

O que há de “fundamental” nessas liberdades originá rias e na escolha dos princípios de


justiça é seu cará ter nã o coativo para com os membros do pacto, uma fundamentaçã o na
pró pria liberdade de pensar e deliberar, e nã o em tradiçõ es constitucionais empíricas como
quis Hart. Rawls defende que as liberdades políticas sã o fundamentais para proteger outras
liberdades, mas ele as coloca como cooriginais na escolha dos sujeitos na formaçã o do
pacto político.

Existe uma prioridade da liberdade em relaçã o à igualdade quanto a esta ser uma
possibilidade daquela e produto de uma escolha que já pressupõ e a autonomia da
liberdade – mas nem por isso deixa a igualdade de ser um sustentá culo do pacto. Pelo
contrá rio, Rawls dimensiona a igualdade a um patamar de eficá cia na coesã o social, e a
justiça como cooperaçã o presente no princípio da diferença. Pessoas livres e iguais no
â mbito de procedimentos pú blicos buscam, mediante acordos e debates, uma acepçã o
comum de bem, mas que seja construída discursivamente para respeitar as diversas visõ es
de mundo[30].

A ideia de bem implica uma decisã o da sociedade acerca de finalidades que atinjam um
modo de vida considerado uma vida boa, e saber se isso será atingido para todos depende
sempre de como se definem os papéis de cooperaçã o social dos indivíduos. Se um indivíduo
tem como cooperar para o resto da vida com construçõ es de uma finalidade pú blica, ou se
seu papel será circunscrito a elementos transitó rios de instituiçõ es sociais, isso depende da
decisã o livre de cada um[31].

O fato é que o conceito de pessoa humana é o mediador da ideia de igualdade e da


discussã o das condiçõ es de desenvolvimento da cooperaçã o social[32]. Com isso, Rawls dá
um passo além do liberalismo clá ssico: ele recria a ideia de pessoa em funçã o de uma
definiçã o política proveniente da razã o pú blica, isto é, pensa na possibilidade de um acordo
livre em torno das condiçõ es de justiça como igualdade enquanto necessá rias à
subsistência do pró prio indivíduo. Sem igualdade construída jurídica e politicamente nã o
existe qualquer conceito de pessoa, que nã o é mais metafísico mas é político. Nã o existe um
conceito de “natureza humana” metafísico ou essencialista, mas dependente de condiçõ es
políticas.

Cidadã os juridicamente iguais de uma sociedade livre e tolerante, que pretendem


igualdade material e aceitam as deliberaçõ es pú blicas em torno da ideia de construçã o de
direitos, sã o razoá veis em admitir uma restriçã o justificada de seus pró prios direitos em
funçã o da igualdade[33]. Esse é o pró prio cerne constitutivo de uma justiça como equidade
que é, antes de tudo, um procedimento de distribuiçã o razoá vel de direitos no â mbito da
razã o pú blica. Essa distribuiçã o é exercida perante instituiçõ es, circundada por questõ es
políticas que sã o objeto de deliberaçõ es razoá veis, e nã o por qualquer decisã o política
populista que infrinja os limites do tolerá vel publicamente e da legalidade.
Todavia, nas instâ ncias pú blicas de deliberaçã o, algumas concepçõ es de bem serã o nã o
publicizadas. Isso ocorre porque o “véu da ignorâ ncia”, como ponto de partida sobre a
discussã o de bem pú blico, inevitavelmente encobrirá algumas concepçõ es de bem de
indivíduos que nã o consigam defender publicamente suas posiçõ es, ou aquelas que sejam
rechaçadas no processo de discussã o[34].

Por isso, Rawls[35] requer, como condiçã o de igualdade para toda acepçã o de bem
pú blico, a ideia de pessoa. Deve ocorrer o norteamento de quais as condiçõ es bá sicas de
liberdade e igualdade devam ser possíveis para atender a todos, mesmo os incapazes de se
posicionar na luta pela conquista de direitos. Sã o necessá rias condiçõ es razoá veis de como
se escolhem meios eficazes de garantir bens primá rios para que os planos de vida
individuais possam se desenvolver[36]. Dentro desse programa de açã o, a definiçã o de
liberdades fundamentais seria a proposiçã o razoá vel de uma lista mínima dessas
liberdades como consenso sobre condiçõ es de garantia de igualdade e respeito digno e
tolerante entre os indivíduos[37]:

1) Liberdade fundamental de consciência e de pensamento, capaz de projetar as


finalidades de atingir bens a partir da avaliaçã o dos pró prios indivíduos.

2) Liberdade de locomoçã o.

3) Possibilidade de qualquer cidadã o exercer cargos e funçõ es pú blicas.

4) Direito à renda e à riqueza como condiçõ es necessá rias de exercício de qualquer


liberdade.

5) Autoconfiança e respeito mú tuo entre indivíduos no â mbito de instituiçõ es sociais


bá sicas; fomento a instituiçõ es que possam assegurar a cooperaçã o social.

A ideia de igualdade para Rawls é vinculada à democracia, e princípios de justiça devem


ser justificados de modo pú blico, criticá vel e eficaz em sua aplicaçã o[38]. O â mbito de
aplicaçã o deve ser razoá vel e as liberdades bá sicas acima relatadas nã o sã o absolutas:
entram em conflito entre si, devendo ser considerado o caso concreto, de acordo com as
necessidades dos indivíduos envolvidos na situaçã o e mediante o processo de justificaçã o
pú blica da escolha de uma liberdade em relaçã o à outra, e a quem deve ser conferida
determinada liberdade. O rol de liberdades bá sicas definido em Uma teoria da justiça
(1971) é abstrato e enumerativo[39]; Rawls faz a autocrítica em Justiça como equidade – uma
reformulaçã o (2002) e diz que o importante é a concretizaçã o razoá vel e nã o a classificaçã o
abstrata de liberdades bá sicas.
O afastamento da ideologia manipuladora sobre as razõ es pú blicas de escolha de
princípios de justiça é uma meta da sociedade, como almejou Karl Marx [40], mas o avanço da
publicidade das razõ es nas instituiçõ es já é um avanço democrá tico[41], pois estabiliza as
conquistas de direitos mediante a obtençã o da igualdade e da tolerâ ncia.
[26]. RAWLS, J. O liberalismo político. Op. cit., p. 344.

[27]. Ibid., p. 346.

[28]. KANT, I. A metafísica dos costumes. Princípios metafísicos da doutrina do Direito. Lisboa: Fundaçã o Calouste
Gulbenkian, 2005, p. 34.

[29]. WERLE, D.L. Justiça e democracia – Ensaios sobre Jü rgen Habermas e John Rawls. Sã o Paulo: Esfera Pú blica, 2008, p.
55ss.

[30]. RAWLS, J. O liberalismo político. Op. cit., p. 358.

[31]. Ibid., p. 360.

[32]. Ibid.

[33]. Ibid., p. 363.

[34]. Ibid., p. 364.

[35]. Ibid.

[36]. Ibid.

[37]. Ibid., p. 365. Essa listagem de liberdades fundamentais presente em O liberalismo político amplia o esboço dos bens
primá rios definidos em Uma teoria da justiça, como expomos na segunda liçã o da presente obra.

[38]. RAWLS, J. Justiça como equidade... Op. cit., p. 121.

[39]. Ibid., p. 157ss.

[40]. Ibid., p.171.

[41]. Ibid., p. 172.


QUARTA LIÇÃ O

A razã o pú blica como conceito político e jurídico

O objetivo desta quarta liçã o é trazer a compreensã o de como Rawls trabalhou o


conceito de razã o pú blica enquanto objetivo político de um povo, e como as instituiçõ es
podem absorver tais pretensõ es políticas na estrutura do Direito estatal.

O cará ter pú blico da racionalidade implica uma mudança da ideia de justiça como
processo individual de pensamento para seu deslocamento a um patamar institucional. O
problema político assume contornos dentro do Direito e o problema moral tem que se
nortear nã o somente pelos valores dos indivíduos, mas pelos limites que a razã o pú blica vai
constituindo diante do reconhecimento das metas de grupos plurais na sociedade.

Racionalidade pú blica, para Rawls, é a capacidade de fala do cidadã o perante as


instituiçõ es. O grande elemento de legitimaçã o do Estado é sua capacidade de aceitar a
presença do cidadã o participando de suas instâ ncias de poder. E isso nã o pode ser feito a
partir de uma visã o racional abrangente como política dominante, mas pela absorçã o das
condiçõ es de discussã o pú blica mediante o reconhecimento dos diversos discursos das
minorias políticas (mulheres, negros, indígenas, dentre outros).

Os conflitos entre grupos ideologicamente diversos e suas pretensõ es de poder sã o


tutelados pelo mediador de conflitos na razã o pú blica, que é o Estado de Direito. Em seu
â mbito, resolvem-se as pretensõ es de poder dos grupos sociais. Democracia nã o é somente
a ideia do parlamento e sua produçã o de leis, mas a possibilidade de promoçã o da
igualdade, a qual nã o pode ser feita apenas pela legalidade e sua aplicaçã o pela açã o do
poder executivo.

Um movimento de valorizaçã o da Constituiçã o ganha força depois do fim da II Guerra


Mundial. Nesse movimento, a interpretaçã o do Direito ocorre prioritariamente a partir do
Direito Pú blico (direito constitucional, penal, tributá rio etc.), e a interpretaçã o jurídica é
vinculada à pretensã o do judiciá rio de ampliar os direitos constitucionais do cidadã o. A
tradiçã o político-jurídica americana deu à Suprema Corte um papel central na construçã o
da democracia constitucional. A obra de Rawls, assim como a do filó sofo do Direito norte-
americano Ronald Dworkin (1931-2013), reflete essa preocupaçã o com a funçã o ativista do
judiciá rio na democracia.

Para Dworkin, o juiz nã o pode adotar qualquer concepçã o política como justificativa de
sua decisã o, mas uma que seja defensá vel perante a razã o pú blica desenvolvida no â mbito
das instituiçõ es pú blicas e nã o simplesmente usar sua intuiçã o sobre o que seja o justo [42].
Para Rawls, um dos critérios de justificaçã o das decisõ es é que o juiz perceba o que o
“homem médio” pensa, isto é, observe a base social da razoabilidade, a ponderaçã o
decorrente da opiniã o média comum sobre as questõ es políticas polêmicas (direito ao
aborto, à liberdade religiosa etc.)[43]. Depois, vem a escolha de princípios de justiça pelo
magistrado (prioridade do bem comum, dos direitos humanos, da dignidade humana etc.)
e, posteriormente, a construçã o da razoabilidade estrita no contexto da decisã o (uma
argumentaçã o acerca do justo para a questã o concreta que está sendo julgada)[44].

Ao cará ter jurídico-político do tribunal constitucional Rawls denomina de nú cleo da


razã o pú blica[45]. O filó sofo argumenta sobre o cará ter equilibrador do tribunal
constitucional, sendo a voz de aná lise da Constituiçã o e a possibilidade de expressã o das
razõ es pú blicas de uma populaçã o e de resguardo das minorias políticas em suas
pretensõ es de direitos. A legitimaçã o do judiciá rio constitucional está em sintetizar o
cará ter político das manifestaçõ es de livre expressã o por direitos da populaçã o, as decisõ es
de poder e o cará ter jurídico dos limites de concessã o de direitos exigidos. Ao interpretar a
Constituiçã o, o judiciá rio constitucional juridifica a política e a democracia, tornando-as
está veis.

Para Rawls, a funçã o de assegurar um “consenso sobreposto” através do “equilíbrio


reflexivo” dos cidadã os com suas instituiçõ es é garantida por decisõ es razoá veis, que sejam
conformes aos princípios de justiça e à s liberdades fundamentais [46]. O “consenso
sobreposto” é um consenso que se forma pela acomodaçã o de posiçõ es diferentes, que
cedem, em parte, suas pretensõ es de poder e formam um “equilíbrio reflexivo” nã o só entre
os cidadã os, mas entre estes e a suprema corte constitucional.

A funçã o da Suprema Corte, para Rawls[47], nã o é a de interpretar a Constituiçã o de modo


unilateral, mas sim de ser aberta à vontade do povo sobre quais sã o os sentidos das normas
constitucionais, percebendo o que o povo incorpora à s suas instituiçõ es em termos de
valores e direcionamentos políticos. Os valores formados pelo “consenso sobreposto” sã o o
que a Suprema Corte deve tomar como base para decidir, mesmo porque a Carta Magna e
suas normas sã o modificadas pelo procedimento de emendas constitucionais, as quais
atualizam os valores da Constituiçã o conforme o desenvolvimento histó rico da vida social e
política da naçã o[48].

Sem uma corte constitucional a razã o pú blica do liberalismo político nã o teria eficá cia,
pois os conflitos desagregariam o objetivo de uma cooperaçã o centrada no princípio da
diferença (diversidade dos grupos sociais e seu direito à igualdade jurídica). Na verdade,
para Rawls, a liberdade e a igualdade só podem cooperar diante da manifestaçã o dos
princípios de justiça (o da diferença e o da liberdade igual) – sem isso, perante a razã o
pú blica, os ideais de tolerâ ncia sã o inseguros. Logo, a democracia constitucional e o
liberalismo estariam ameaçados.
[42]. DWORKIN, R. Levando os direitos a sério. Sã o Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 137.

[43]. LIMA, N. O. Jurisdição constitucional e construção de direitos fundamentais no Brasil e nos Estados Unidos . São Paulo:
MP, 2009, p. 190ss.

[44]. Ibid., p. 191ss.

[45]. RAWLS, J. O liberalismo político. Op. cit., p. 272.

[46]. LIMA, N.O. Jurisdição constitucional... Op. cit., p. 191ss.

[47]. RAWLS, J. O liberalismo político. Op. cit., p. 281.

[48]. Ibid.
QUINTA LIÇÃ O

O conceito de afirmative actions e o papel construtivo


do judiciário

A obra de Rawls reforça o conceito de açõ es afirmativas (afirmative actions)


desenvolvido pela açã o política do executivo e implementado pelos tribunais como meio
político-jurídico de garantia de equidade entre os grupos sociais. Segundo esse conceito, o
Estado perfaz açõ es de promoçã o social de igualdade a partir de políticas pú blicas para
assegurar (afirmar) direitos de grupos marginalizados ou carentes. Essas açõ es estatais em
prol da igualdade passam a ser comuns a partir da década de 60 do séc. XX nos Estados
Unidos, nos governos John Kennedy e Lyndon Johnson.

Os limites e a funçã o do judiciá rio na interpretaçã o dos princípios assomam como de


fundamental importâ ncia. Rawls defende uma reflexã o das decisõ es pelos juízes com base
em valores políticos que visam à igualdade, pois o judiciá rio pode construir direitos
interpretando a Constituiçã o. O ativismo judicial, movimento de interpretaçã o da lei pelos
juízes com vistas ao preenchimento de espaços de ausência de legalidade (lacunas), é uma
tradiçã o importante na doutrina jurídica e na prá tica dos tribunais dos Estados Unidos.
Recebeu formulaçã o teó rica a partir da superaçã o da doutrina do stare decisis (a vinculaçã o
do juiz aos precedentes de decisõ es anteriores), facultando ao juiz a possibilidade de
justificar a modificaçã o da aplicaçã o da lei em decorrência da necessidade de concretizar
valores atuais a que o Direito deve dar uma resposta [49]. Isso, propriamente, é o movimento
de ativismo judicial ou construçã o (construcion) na jurisprudência norte-americana.

Com base nessa tradiçã o de ativismo judicial, a Suprema Corte atuou historicamente no
sentido de concretizar dispositivos da Constituiçã o interpretando-a política e moralmente.

Rawls denomina como construtivismo um método de acomodaçã o de interesses


políticos que usa a razoabilidade como método de reflexã o discursiva do cidadã o[50]. Este
atua perante as instituiçõ es no sentido de assegurar suas pretensõ es de modo tolerante
com as pretensõ es dos demais cidadã os, realizando a formaçã o do “consenso sobreposto”
através do exercício de razõ es justificá veis publicamente, selecionando doutrinas
razoá veis[51].

As açõ es afirmativas sã o um meio de realizar políticas pú blicas que promovam


igualdade. Rawls quis que a construçã o judicial dessas políticas, isto é, quando o judiciá rio
intervém e obriga o executivo a implementá -las, ampliando os efeitos da lei pela
interpretaçã o do caso concreto, fosse feita pelo construtivismo político como meio do
liberalismo político.

O efeito do liberalismo político sobre o judiciá rio seria uma reconstruçã o do sentido da
legalidade com mais tolerâ ncia sobre sua aplicaçã o. Isso nã o implica na quebra da
legalidade ou no abandono da segurança jurídica (previsibilidade das decisõ es judiciais
conforme a lei), mas em sua proximidade das necessidades prá ticas de efetivaçã o do
Direito. Duas concepçõ es teó ricas jurídicas nã o sã o aceitá veis para Rawls: o Direito como
convençã o, um conjunto de proposiçõ es linguísticas coerentes e com significado específico
ao que o sistema jurídico define como vá lido; e o formalismo, que é a concepçã o de que o
Direito é autô nomo em relaçã o à Política e à Moral, nã o mais prestando contas ao conjunto
dos conflitos políticos e sociais, fundamentado na “pura forma” das normas (objetos
linguísticos com uma racionalidade organizativa pró pria, portanto, puramente formais).

Para a promoçã o da igualdade Rawls objetiva um judiciá rio ativista. O fim do Direito é
servir à Política como busca da igualdade, e nã o aferrar-se a um formalismo abstrato.
Rawls, ao vincular Direito e Política, abriu espaço para a justificaçã o da experiência do
judiciá rio com as açõ es pú blicas de promoçã o da igualdade e de extensã o de direitos
fundamentais a grupos marginalizados.
[49]. LIMA, N.O. Jurisdição constitucional... Op. cit., p. 118ss.

[50]. RAWLS, J. O liberalismo político. Op. cit., p. 150.

[51]. Ibid., p. 152.


SEXTA LIÇÃ O

Rawls e a ideia de liberdade

Tanto o direito de se expressar quanto a açã o livre protegida pela lei sã o previamente
resguardados pelo Estado conforme o pacto constitucional. Esses dois princípios servem de
base para conceber as pessoas como entes morais livres e iguais que, a partir de uma
“posiçã o original”, podem arrazoar perante a razã o pú blica, mantendo seus valores sob um
“véu da ignorâ ncia” e evitando o comprometimento com valores substanciais (a exemplo
de uma sabedoria de vida comum ou valores religiosos enquanto fontes de moralidade
pú blica).

Liberdade (individual) e igualdade (jurídica) sã o dois valores que se afiguram como


importantes desde a Revoluçã o Francesa. O valor absoluto do indivíduo no liberalismo
clá ssico entra em questionamento com a crise da economia capitalista em 1929, que
desperta a política de expansã o do Estado passando a colocar a igualdade em foco, o que se
tornou mais premente pela questã o de se garantir acesso a bens primá rios.

Longe de voltar ao liberalismo clá ssico, com a sua defesa da razã o positivada do Estado
jurídico e com uma laicidade impositiva sobre minorias religiosas, Rawls coloca o
liberalismo em outro patamar. Para ele a missã o do Estado, ao preservar o “contrato
original”, passa a ser um liberalismo político que defende a tolerâ ncia com crenças
religiosas diversas da cató lica[52].

O liberalismo político rawlsiano, diferentemente, quer um contrato político construído


a partir da razã o pú blica, onde as pretensõ es de legitimaçã o sã o tolerantes e nã o aparecem
como grandes valores dominantes. Rawls se filia à tradiçã o do laicismo (defesa da
liberdade de pensamento frente à Igreja), na qual as liberdades religiosas de crença e culto
sã o liberdades políticas constituídas como proteçã o aos indivíduos na Modernidade (séc.
XV em diante) e a partir da Reforma protestante (1517) e sua defesa da liberdade de crença
e de consciência[53].
O Estado de Direito é a expressã o da construçã o laica do poder. A contribuiçã o do
humanismo para a política na Modernidade foi decisiva, uma vez que construiu uma nova
imagem do ser humano, que agora deveria buscar um sentido para a vida na razã o. Picco
della Mirandola[54] concebeu o homem como fora da cadeia dos seres criados por Deus: dos
vermes aos anjos, o homem estaria sem funçã o específica na natureza. O homem, portanto,
é um ser que busca o conhecimento como atividade à parte da ordem natural, estando em
funçã o da organizaçã o da pró pria liberdade em defesa de sua dignidade.

Essa laicidade é produto do humanismo, concebido como posiçã o de centralidade do ser


humano na Histó ria, o ser humano concedendo a si mesmo sentido à sua existência. A
destituiçã o da religiã o do ló cus central que ocupava significou exatamente a fortaleza do
humanismo como centro de cultura pó s-religiosa. O Estado emerge como o nú cleo da
possibilidade de retomada do poder dos príncipes em oposiçã o ao poder da Igreja, a qual
reduzira o espaço pú blico à sua atividade de pregaçã o religiosa.

Já o Direito Natural moderno colocou o indivíduo no gozo de direitos naturais


(proibiçã o da tortura, proteçã o à liberdade de açã o e de propriedade), conseguindo-se
associar Direito à liberdade. O Estado absolutista foi atacado pela pretensã o burguesa de
condenar a legitimaçã o divina da soberania (autoridade do monarca) e a maneira de
entender o vínculo político contratual (submissã o do sú dito ao monarca).

A cultura iluminista, sucedendo o Direito Natural, atacou o conceito de poder “divino”


pela consumaçã o de uma esfera pú blica laica e literá ria, a qual foi criando uma
emancipaçã o gradual do sujeito aos poderes constituídos e foi fazendo o cidadã o deixar de
se imaginar como mero sú dito do rei. A consequência da perda de legitimidade da
monarquia foi o abalo do fundamento político da soberania do Estado absolutista.

O poder soberano passou a ser entendido como titularizado nã o pelo monarca, mas pelo
“povo”, que antes estava submetido à lei como um vínculo político nã o questioná vel porque
aderira ao pacto sem reserva de direitos [55], além dos direitos mínimos de existência
corporal e de liberdade de locomoçã o[56] e outros “direitos naturais” (vida, propriedade e
liberdade).

A ideia de uma soberania popular sobre o vínculo político é algo que ocorre na luta
política pela proteçã o jurídica dos direitos civis. Aos “direitos naturais” do Estado de
Direito incorporam-se liberdades como a de expressã o, de crença, de sufrá gio livre e o
devido processo legal, isto é, o direito de ser julgado por um juiz imparcial e dentro de um
processo baseado na lei.
Desse modo, a luta burguesa pelos direitos civis como bandeira de conquista do Estado
é que caracterizará , em um primeiro momento, o denominado Estado de Direito. Este nã o
possui uma matriz comum de fundamentaçã o, por ser um processo que depende do cará ter
nacional de cada Estado europeu, mas se unifica juridicamente no conceito de supremacia
da lei sobre todos, inclusive sobre o monarca, nã o mais soberano. Doravante, na luta pela
edificaçã o do Estado de Direito a partir do séc. XVIII com a soberania do “povo”, a postura
denominada de liberal – na linha de desenvolvimento que procede de John Locke – foi
caracterizada pela busca da inserçã o no Estado dos direitos civis, expressã o jurídica dos
“direitos naturais”.

A ideia de um Estado liberal implica a possibilidade de participaçã o dos indivíduos na


formulaçã o da lei dentro do processo legislativo. A matriz dessa ideia é inglesa, sendo
Locke seu mentor na fundamentaçã o de um poder legislativo que expressa a vontade do
povo com a soberania absoluta. O Estado de Direito que protegerá a ideia de uma soberania
parlamentar com a “Revoluçã o Gloriosa” e seu consequente parlamentarismo moná rquico,
centrado na ideia de representaçã o política do povo no parlamento, terá implicaçõ es no
pensamento sobre o Estado na França, especificamente na recepçã o feita por Jean-Jacques
Rousseau, com a noçã o de “vontade geral” enquanto expressã o de um poder irresistível da
soberania popular.

Por outro lado, o Direito resulta numa ordem social que assegura, para o cumprimento
da norma jurídica, a prescriçã o de conduta negativa e de sançã o punitiva e ainda o emprego
da força física contra o indivíduo descumpridor da norma[57].

A coaçã o jurídica (temor à lei) origina um dado psicoló gico em sua estrutura
(atemorizaçã o do agente eventualmente descumpridor da norma). Existe a possibilidade de
puniçã o com restriçã o da liberdade ou de outros direitos ao descumpridor da lei (coerçã o,
uso da força do Estado contra quem descumprir a lei). Na verdade, o sistema de coerência
das normas do Direito estatal serviria para assegurar o poder político efetivo do soberano
legítimo, o qual seria reconhecido pelo poder supremo do povo e limitado pela lei.

Todavia, o liberalismo político de Rawls, embora parta da tradiçã o contratualista liberal


que se aferrou à ideia de uma natureza humana individualista e propriamente racional e
seus efeitos de poder jurídico, deve ser conduzido pela ideia de um “véu da ignorâ ncia” que
coloque as pretensõ es de poder submetidas à discussã o pú blica.

Longe de ser a racionalidade política uma razã o abstrata e impositiva, passa a ser meio
razoá vel de construçã o de discursos políticos em que a mediaçã o da publicidade e da
equidade (fairness) está em buscar a justiça das instituiçõ es, evitando a tirania de razõ es
universais que pudessem submeter os homens a “modelos” de humanidade e de Estado
“fortes” ou “abrangentes”.

Ao negar o conceito de “natureza humana racional”, Rawls atualiza a “justiça política”


aristotélica deixando-a com o viés discursivo de assegurar condiçõ es políticas razoá veis,
buscando um “equilíbrio reflexivo” entre os setores da sociedade em torno do consenso
sobre valores comuns institucionalizados.

A obra de Rawls, segundo o filó sofo alemã o Wolfgang Kersting[58], praticamente


promove o renascimento da Filosofia Política ao reapresentar o contratualismo filosó fico,
ligando-o à ideia de justiça como a virtude política mais importante das instituiçõ es. A
Filosofia do Direito de Rawls defende o debate sobre o justo como razoá vel e nã o como
simplesmente racional. A Ciência Política deve a Rawls a proposiçã o do liberalismo
apartado da ideia do mero individualismo.

Houve uma descontinuidade da obra rawlsiana quanto à tradiçã o liberal. Essa


descontinuidade ocorreu no seu debate com Nozick, a partir da publicaçã o por este de
Anarquia, Estado e Utopia (1974) como resposta a Rawls ao defender um “Estado mínimo”
e de princípios de justiça baseados na titularidade histó rica dos detentores do Direito e nã o
em princípios interventivos para igualizar as pessoas conforme a “posiçã o original”[59].

Rawls tentou responder com uma visã o mais integral de liberalismo que a mera defesa
de uma reduçã o do poder do Estado. As instituiçõ es sociais nã o devem ser simplesmente
aceitas pelas pessoas; estas devem construir um consenso sobre a legitimidade das
instituiçõ es com base em argumentos defendidos perante o pú blico [60]. Isso é um liberalismo
aproximado da democracia deliberativa contra o liberalismo individualista de Robert
Nozick, pois a questã o nã o é simplesmente reduzir a intervençã o estatal, mas deliberar
publicamente sobre sua açã o.

Para Rawls se o Estado, conforme a deliberaçã o pú blica, for requisitado, deve intervir e
assegurar a justiça como equidade. Liberdade sem justiça tornaria o pacto político inú til ao
cidadã o, na medida em que a reduçã o das desigualdades é um dos elementos de
legitimaçã o política e um dos aspectos que possibilitam a convivência na busca de debelar a
violência.

Já ao argumento de Nozick de que sua teoria nã o possui base em direitos com titulares
histó ricos e, por isso, seria arbitrá ria, Rawls responde que a sociedade é um sistema
dinâ mico e pluralista onde as posiçõ es mudam e as titularidades de direitos sã o
reconstruídas. Veja-se, por exemplo, o caso das instituiçõ es religiosas e sua necessidade de
adequar direitos religiosos tradicionais ao modo de vida republicano atual, a fim de que
possam coexistir com a sociedade plural e democrá tica[61].
[52]. LIMA, N.O. Jurisdição constitucional... Op. cit., p. 118s.

[53]. RAWLS, J. O liberalismo político. Op. cit., p. XXVI.

[54]. PICCO DELLA MIRANDOLA, G. Oratio [Disponível em:


http://www.brown.edu/Departments/Italian_Studies/pico/oratio.html – Acesso em 02/03/2016].

[55]. A noçã o de direitos naturais é possibilitada pela filosofia de Locke na medida em que é uma faculdade individual
portar tais direitos no “estado de natureza” (figura racional hipotética, nã o histó rica), e quando da fundaçã o da sociedade
civil (pacto político de fundação do “estado civil”) colocá -los sob tutela do Estado para sua segurança (LOCKE, J. Dois
tratados sobre o governo civil. Livro II. Sã o Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 468).

[56]. HOBBES, T. Do cidadão. Sã o Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 134, aponta que diante da quebra do pacto social o
homem volta ao “estado de natureza”, a uma liberdade natural e selvagem. Ao contrá rio de Locke, Hobbes entendia nã o
existir um direito à revolta do sú dito em caso de descumprimento do pacto pelo soberano; para ele toda revoluçã o seria
proibida.

[57]. KELSEN, H. Teoria pura do Direito. Coimbra: Armênio Amado, 1984, p. 62.

[58]. KERSTING, W. Liberdade bem-ordenada – Filosofia do Direito e do Estado de Immanuel Kant. 3. ed. revista e
ampliada. Porto Alegre: Fabris, 2012, p. 40.

[59]. NOZICK, R. Anarquia, Estado e Utopia. São Paulo: Martins Fontes, 2011, p. 243: Rawls pretende substituir a noçã o de
concorrência entre indivíduos pela de incentivos estatais para igualizaçã o; segundo Nozick, ele nã o acredita na força do
mérito e labor individuais. Para Nozick (op. cit., p. 260ss.), Rawls nã o leva em conta a titularidade histó rica de direitos
(quem os possui em um Estado de Direito) e como eles se tornam a base da justiça no Estado, pois sua teoria da posição
original é arbitrá ria quanto à escolha dos princípios de justiça, e ele nã o definiria com segurança que escolheria esses
princípios para colocá -los como base da construçã o do Estado.

[60]. RAWLS, J. O liberalismo político. Op. cit., p. 509.

[61]. Ibid., p. 261.


SÉ TIMA LIÇÃ O

Um debate com os comunitaristas: liberdade ou


engajamento?

A ideia de participaçã o cidadã na razã o pú blica para Rawls nã o é uma virtude de


indivíduos isolados ou de mentes privilegiadas, mas se constitui na construçã o de espaços
de luta político-discursiva perante as instituiçõ es. Isso será caracterizado como “equilíbrio
reflexivo” entre sociedade civil e instituiçõ es. A discussã o pú blica exige o reconhecimento
de um pluralismo que mantenha todos no limite da correçã o do discurso (politicamente
correto), evitando posiçõ es unilaterais ou radicais a ponto de fugir da tolerâ ncia exigida
por uma democracia constitucional que tende à justiça política.

A teoria da supremacia do Direito Pú blico no séc. XX teve como ideologia política


complementar a socialdemocracia ou formas socialistas que admitiam a necessidade de
uma estrutura estatal como algo que se conforma ao sistema econô mico e sua expansã o
para atender demandas sociais. Com efeito, sem um Direito Pú blico fortalecido e um Direito
Privado subordinado ao Estado, nã o seria possível desenvolver as políticas pú blicas
necessá rias ao combate dos efeitos da crise do capitalismo de 1929.

Discordamos, todavia, do argumento que o Welfare State ou Estado de Bem-Estar Social


seria o motivador de Rawls, pois ele é um contratualista: o pacto político na posiçã o
original funda a pretensã o de requerer direitos pelos cidadã os. O contrato é regulató rio do
Estado, indica a finalidade que deve ser seguida a partir da livre doaçã o de consentimento
e, assim, com a possibilidade de aceitaçã o da coerçã o estatal (possibilidade do uso da força
para aplicar a lei) dentro dos limites da lei e da proteçã o à dignidade do indivíduo.

A discó rdia entre liberdade e Estado, mediante o contraponto entre liberdade política e
instituiçõ es, foi recomposto por Rawls concebendo a cidadania como açã o de requerimento
de direitos pelo cidadã o e na implementaçã o da justiça como equidade pelas instituiçõ es
pú blicas. Isto é, o cerne do liberalismo político de Rawls é a autorizaçã o pelo cidadã o dos
princípios de justiça através da razã o pú blica (debate pú blico sobre ideias)[62].
A democracia constitucional é construída sobre a tradiçã o liberal de proteçã o a direitos.
Rawls defende que existe um grau de liberdade dos indivíduos em relaçã o ao sistema
jurídico, pois nã o é possível para o ordenamento conseguir regular a totalidade da vontade
humana, havendo sempre um campo de ausência de coaçã o. Dessa forma, reforça a tradiçã o
liberal de proteçã o dos direitos à liberdade de crença religiosa, à liberdade de expressã o, à
liberdade de ir e vir, enfim, defende a limitaçã o do poder estatal pelo Direito Constitucional.

Uma tradiçã o nos Estados Unidos da América que se opõ e ao liberalismo político de
Rawls é o comunitarismo. Este parte da “tradiçã o atlâ ntica” do republicanismo e, segundo
Poccock[63], tem em vista principalmente a busca por “valores comunitá rios”, e nã o a
autoconstruçã o democrá tica a partir de uma postura procedimental como a proteçã o
jurídica de direitos racionais dos indivíduos na tradiçã o liberal. Estado e comunidade sã o
entrelaçados na tradiçã o comunitarista.

Para o comunitarismo devem ser identificados os valores políticos e morais constantes


e tradicionais que sã o o fim dos indivíduos. E essas pessoas nã o sã o apenas debatedoras
sobre o que querem na razã o pú blica, mas portadoras de virtudes político-morais
“abrangentes”, que encampem o bem comum através do Estado como algo prioritá rio para
sua comunidade[64].

A construçã o de valores na Modernidade indicará a disputa entre substancialismo e


procedimentalismo democrá ticos no processo de construçã o do Estado Moderno[65]. Na
defesa da democracia em Rawls, o pró prio republicanismo é instrumento na razã o pú blica
contra os comunitaristas ao defender valores liberais abertos (liberdade de expressã o, de
pensamento, laicidade) e nã o valores “substanciais” vinculados à s tradiçõ es das
comunidades locais.

A forma universal da moralidade como objetivo da razã o expressa nã o somente a


racionalidade principioló gica de Kant (ética e direito formais erguidos por meio do uso da
razã o pelos cidadã os)[66], mas a possibilidade de uma razã o linguística (acessível a todos,
uma razã o comum à s pessoas em sociedade). A crise da racionalidade dos valores pela
falência dos fundamentos absolutos fez emergir os conflitos: o confronto de posiçõ es é
posto pela pró pria crise das grandes narrativas sobre o fundamento dos valores (os valores
religiosos, por exemplo).

Rawls adere a uma razoabilidade como método de defesa de valores tolerantes


politicamente, mas admite o uso da razã o discursiva pelos indivíduos e seus direitos à
liberdade de expressã o e pensamento. Mantém seu compromisso com o liberalismo, mas o
amplia em torno de um método que encampa a tolerâ ncia com os valores das minorias
políticas.

Para os comunitaristas, a razã o continua a revelar intuitivamente virtudes. Eles tendem


a afastar a crise da razã o no séc. XX (as diversas interpretaçõ es relativistas sobre moral, a
crise do Estado pelos governos ditatoriais etc.) e a liberdade de expressã o por toda a
sociedade e priorizam as tradiçõ es de valores das comunidades. Nesse sentido, para Rawls
o uso da linguagem é fundamental na razã o pú blica, assim como o uso livre da razã o por
todos perante as instituiçõ es. Isso possibilita a escolha razoá vel e democrá tica de bens
primá rios e princípios de justiça em face das instituiçõ es pú blicas.

Para comunitaristas como Michel Walzer, sã o as comunidades, em suas tradiçõ es e


entendimentos comuns compartilhados, que devem definir o que sã o os bens primá rios[67].
Para ele, Rawls amplia essa funçã o à sociedade e à s instituiçõ es muito gerais sem
especificar se as famílias concretas em suas comunidades querem esses bens definidos
como prioritá rios em suas vidas. Segundo Walzer, justiça e comunidade sã o
copertencentes[68].

Já Michel Sandel entende que a crítica de Rawls ao conceito de pessoa natural e sua
substituiçã o por uma definiçã o de justiça e de política através das instituiçõ es fere a ideia
de bem moral afeito a cada pessoa e seus méritos. Para Sandel, ao identificar efetividade da
justiça com as instituiçõ es pú blicas, Rawls impossibilitou a relaçã o entre justiça e mérito
pessoal e as pessoas deixam de ter um valor intrínseco em sua dignidade[69].

De acordo com Rawls, essa ideia comunitarista de valores comuns nã o se sobrepõ e à


ideia de uma justiça desenvolvida nas instituiçõ es da sociedade democrá tica. A justiça
como equidade confia no cará ter pú blico e político e nã o particular do justo [70]. Os cidadã os,
para o liberalismo político, acreditam na ideia de fazer justiça um ao outro dentro de
arranjos sociais nas instituiçõ es pú blicas[71]. Rawls confia na ideia de sociedade democrá tica
e nã o de comunidade, a qual, inclusive, pode ser abandonada pelo indivíduo, enquanto a
sociedade nã o[72].

A sociedade democrá tica concebida pelo liberalismo político integra mais amplamente
a vida humana que a comunidade e forma valores políticos exercitados mediante um
Direito Pú blico a fim de manter o objetivo de que as pessoas sejam livres e iguais perante a
lei. Através da confiança no Direito e na tolerâ ncia política da sociedade democrá tica
realiza-se a igualdade, o que nã o ocorre por meio da manutençã o do status quo de
comunidades e seus ideais de justiça.
O Direito liberal político é necessá rio para combater o bairrismo de uma justiça
comunitá ria. Justiça como equidade, para Rawls, depende de um cará ter normativo e
universalizante dos princípios de justiça que sã o escolhidos, confiando na razã o pú blica
discursiva e nã o em tradiçõ es de justiça que contêm um potencial de virtudes perenes que
muitas vezes nã o admitem a igualdade de minorias em seu â mbito. Daí a crítica de Rawls à
ideia de “natureza humana”, que pode ser eventualmente discriminató ria contra quem se
rebelar contra a suposta “essência humana”. Para Rawls, o conceito de pessoa e seu valor
dependem de uma defesa perante o Direito e do valor político (liberal ou socialista)
agregado a essa defesa[73].

O liberalismo político, ao admitir o “véu da ignorâ ncia” para os contratantes, confia na


discussã o pú blica e na justiça das instituiçõ es como critérios políticos de definiçã o de
méritos e valores dos indivíduos, e nã o em uma justiça pressuposta decorrente dos valores
tradicionais de uma comunidade que pode nã o ser tolerante com as diferenças entre os
grupos ou indivíduos que a compõ em. Eventualmente nã o admite ou nã o convive bem com
certos grupos ou minorias sociais[74].

A ideia de um pluralismo razoá vel somente se desenvolve em uma sociedade


democrá tica que possui razã o pú blica e faz consensos que, embora nã o perfeitos – porque
alguém deve sempre ceder em parte suas razõ es (consenso sobreposto) –, sã o constituídos
visando à ideia de igualdade perante o Direito [75], no â mbito do qual os juízes devem adotar
a razoabilidade como método de resoluçã o de conflitos.
[62]. RAWLS, J. Justiça como equidade... Op. cit., p. 271.

[63]. A repú blica tem por fim o bem comum; os cidadãos dirigem suas açõ es conforme esse bem. Maquiavel louvava as
virtudes dos antigos romanos, que protegiam a coisa pú blica. O objetivo era controlar a fortuna (acaso). Cf. POCCOCK,
J.G.A. The Maquiavellian Moment. Nova Jersey: Princenton University Press, 1975, p. 201ss.

[64]. GARGARELLA, R. As teorias da justiça depois de Rawls. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 149ss.

[65]. DAHL, R. A democracia e seus críticos. Sã o Paulo: Martins Fontes, 2012, p. 257. Os liberais sã o procedimentalistas e os
comunitaristas sã o substancialistas. O controle pú blico sobre os processos de poder, quer sejam jurídicos ou políticos, é o
que assegura a existência da democracia pelo Estado para o comunitarismo, com base na visã o de que todo cidadã o com
sua liberdade participativa se corresponsabiliza pela comunidade. Isso pressupõ e também a ideia de adesão do cidadã o a
valores substantivos (morais, religiosos, políticos) da comunidade a que se pertence. Por isso o comunitarismo em geral é
substancialista, concebe uma substâ ncia ou essência ética da comunidade. Já os procedimentalistas acreditam na
autonomia do Direito e sua separaçã o da moral e de virtudes comunitá rias, confiando nos processos pú blicos de produçã o
de discurso com a garantia de direitos fundamentais ao cidadã o. Política é uma luta de interesses guiada pelos
procedimentos jurídicos e seus limites constitucionais. Essa tradiçã o remonta a Kant, que defendeu uma limitaçã o da açã o
política pelo Direito, como dito em A paz perpétua e outros opúsculos (Lisboa: Ed. 70, 2004, p. 56).

[66]. RAWLS, J. O liberalismo político. Op. cit., p. 121.

[67]. GARGARELLA, R. As teorias da justiça depois de Rawls. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 151.
[68]. Ibid.

[69]. SANDEL, M. O liberalismo e os limites da justiça. Lisboa: Fundaçã o Calouste Gulbenkian, 2005, p. 126.

[70]. RAWLS, J. Justiça como equidade... Op. cit., p. 28.

[71]. Ibid.

[72]. Ibid.

[73]. Ibid., p. 33-34.

[74]. Ibid., p. 29.

[75]. Ibid., p. 28-29.


OITAVA LIÇÃ O

A democracia em questã o no pensamento de Rawls

O que é democracia para Rawls? Nesta liçã o discutiremos o conceito de democracia


deliberativa segundo Rawls, dentro da noçã o de um consenso construído como
sobreposiçã o de interesses de grupos políticos em disputa, que funcionam com base em
posiçõ es construtivistas em constante diá logo e em argumentos juridicamente
(constitucionalmente) consistentes, o chamado “consenso sobreposto” (overlaping
consensus). Pretende-se mostrar que democracia deliberativa (como autodeterminaçã o dos
grupos políticos na gerência de suas questõ es de poder) e democracia constitucional
(prá ticas democrá ticas com base em açõ es constitucionalmente sustentá veis) sã o
interdependentes em Rawls.

Para Rawls[76], a Histó ria relata uma série de doutrinas abrangentes sensatas, a exemplo
do liberalismo e da tradiçã o de defesa da justiça, que conseguem estabelecer paradigmas
(igualdade jurídica, por exemplo) contra ataques de representantes de outros grupos de
doutrinas (a exemplo de racistas ou fascistas). Com isso, surgem posiçõ es de composiçã o
de conflitos que tornam viá vel o progresso social ao invés de abalá -lo.

Um exemplo é o caso da acomodaçã o, ainda que conflituosa, entre os paradigmas liberal


e cristã o de vida, que a priori poderiam se excluir pela intolerâ ncia religiosa com o
individualismo, mas que encontram na liberdade e na razã o pontos de equilíbrio[77]. O
religioso, para viver na sociedade democrá tica, pluralista e razoá vel do liberalismo político
rawlsiano, deve admitir o direito à liberdade do indivíduo laico – o critério de razoabilidade
para que o cristianismo possa ser aceito como doutrina abrangente é o reconhecimento da
liberdade de crença, portanto, a aceitaçã o de uma liberdade fundamental do outro [78]. Nã o se
pode impedir a liberdade de juízo do outro; sua atividade reflexiva autô noma e sua
garantia jurídica sã o a liberdade de expressã o e de consciência[79].

Os critérios de razoabilidade sã o expressos dentro de um acordo moral e uma


estabilidade do “consenso sobreposto”[80], de acordo com Rawls. A fim de que o consenso
seja vá lido, é preciso pensar um acordo moral que aproxime diferenças, o que pode ser
exemplificado pelas lutas entre cató licos e protestantes desde o século XVI: somente
quando houve consenso em torno de elementos da moral cristã comum e pode-se exercer a
liberdade de crença dentro de limites morais e institucionais, foi que se conseguiu
assegurar a convivência entre posiçõ es religiosas diferentes[81].

Questã o crucial é encontrar a simetria entre as mais variadas concepçõ es de bem e a


justiça[82]. Para Rawls[83], as variadas concepçõ es de bem das doutrinas abrangentes devem
ser compatíveis com os princípios da justiça (diferença e liberdade igual) e com o
ordenamento constitucional; para conquistarem adeptos, devem estar nos limites do
pluralismo razoá vel (tolerâ ncia respeitosa com as posiçõ es ideoló gicas diferentes em uma
sociedade). A natureza da democracia é, portanto, a base que possibilita o liberalismo
político. Mas qual democracia se espera para o liberalismo político de Rawls?

O filó sofo norte-americano admite a necessidade de justificaçã o perante as instâ ncias


pú blicas das pretensõ es de realizaçã o de direitos [84]. No entanto, o que consiste para Rawls
tais “visõ es sobre direitos”, essencialmente, é a reconstruçã o da pró pria ideia de sociedade.
Passa a ser a sociedade uma organizaçã o permeada pela pluralidade das vozes sociais e nã o
uma ordem de poderes de domínio de relaçõ es sociais – a ordem plural em Rawls é a
pró pria vida da sociedade, que nã o pode admitir um centro de poder centralizador e
ordenador, mas uma diversidade de instâ ncias de deliberaçã o. O ú nico centro aceitá vel,
pois, é onde se realiza a razã o pú blica, é a jurisdiçã o constitucional e seu nú cleo, o tribunal
constitucional, onde os conflitos das visõ es de mundo podem ser resolvidos pelo Direito
dentro de ponderaçõ es razoá veis (equitativas e tolerantes).

Nã o há como se pensar uma sociedade cujo fim é ser conduzida por uma razã o
abrangente do poder de uma instituiçã o ordenadora, mas é renovada pelo exercício de um
poder difuso de cidadã os que lutam livremente por suas bandeiras políticas através de um
Direito que se constró i pelos procedimentos discursivos. O objetivo da igualdade é tornar-
se a balança das questõ es sociais, de julgamento equilibrado das situaçõ es fá ticas de
desigualdade mediante o uso dos princípios de justiça livremente escolhidos pelo cidadã o.

A democracia para Rawls, segundo Goyard-Fabre[85], é assegurar uma igualdade


democrá tica para todos os cidadã os. A igualdade seria uma “ideia reguladora” da vida
social, assim como a liberdade, reconstruindo o modelo de ideias de Kant que serve de
parâ metro para o julgamento das açõ es sociais[86].

Rawls admite a falência dos valores absolutos e repropõ e um sistema de justificaçã o


pú blica que dê conta do pluralismo e do multiculturalismo [87]. A democracia em Rawls é um
procedimento de justificaçã o de valores nã o absolutos e a possibilidade do uso do discurso
pú blico por todos; é o “fato do pluralismo” tomado em sua acepçã o linguística: o uso de
razõ es de justificaçã o para obter direitos perante o Estado.

Assim, pode-se colocar que a democracia para Rawls se caracteriza pela ideia de uma
liberdade política do cidadã o; pela busca de uma igualdade entre os cidadã os nã o apenas
no plano jurídico, mas no plano material (econô mico e social); e também na busca por uma
democracia procedimental e tolerante, onde se construam princípios de justiça
(cooperaçã o, equidade, participaçã o cidadã , tolerâ ncia e pluralidade).

O conceito de democracia em Rawls tenta congregar elementos liberais e socialistas tais


como liberdade e igualdade e, ao mesmo tempo, busca transcendê-los em prol de uma
concepçã o de valores referenciados politicamente com base na deliberaçã o perante as
instituiçõ es pú blicas, onde os elementos podem se combinar e se colocar como sintéticos
dependendo da decisã o que as pessoas conduzirem livremente.
[76]. Ibid., p. 272ss.

[77]. Ibid.

[78]. Ibid.

[79]. Ibid.

[80]. Ibid.

[81]. Ibid., p. 274-275.

[82]. Ibid., p. 288.

[83]. Ibid., p. 231-232.

[84]. Ibid., p. 509.

[85]. GOYARD-FABRE, S. Os fundamentos da ordem jurídica. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 311.

[86]. Ibid., p. 313.

[87]. BONIFÁ CIO, A.C. & LIMA, N.O. A abordagem axioló gica de John Rawls como meio de instrumentalizaçã o dos valores
constitucionais. Revista da Esmarn, vol. 7, n. 1, 2008, p. 4. Natal.
NONA LIÇÃ O

A questã o do Direito Internacional em Rawls

Focaremos nesta liçã o em um texto de Rawls, O Direito dos Povos de 1999. Rawls propõ e
um modelo de pacificaçã o de conflitos internacionais a partir de “virtudes liberais” –
tolerâ ncia, legalidade e respeito adotados por “povos liberais”, capazes de pensar soluçõ es
nã o beligerantes aos conflitos. No espaço pú blico internacional deve vigorar um modelo de
soluçã o razoá vel de conflitos onde as pretensõ es de poder possam mediar posiçõ es via uma
postura tolerante e capaz de assegurar os contratos firmados e a dignidade humana de
todos os povos.

Para Rawls, a ideia de um “Direito dos Povos” (Law of Peoples) é um projeto filosó fico-
político que visa estabelecer condiçõ es normativas de proteçã o à tolerâ ncia entre os povos
que, mediante reformas das prá ticas políticas, podem se tornar “povos liberais”. Existem
povos que já estã o com essas condiçõ es a caminho, democracias constitucionais onde a
ideia de contrato político se tornou a base da legitimaçã o jurídica, pressupondo uma
posiçã o original em que as pessoas escolheram estar em um regime de liberdade.

A ideia de Rawls é aná loga à “Paz Perpétua” de Kant: ambos partem de um contrato
racional pressuposto, mas Rawls nã o coloca a escolha das condiçõ es políticas originais a
cargo de Estados, mas de povos, que considera mais afeita a uma concepçã o comunitarista
e de dignificaçã o da pessoa humana e nã o do ente pú blico estatal. Kant mencionava na “Paz
Perpétua” um “acordo entre Estados” a fim de formar o “fundo jurídico de pacificaçã o”
(phoedus pacificum)[88].

O nú cleo jurídico de normas que protege as condiçõ es de paz entre os povos constitui
para Rawls[89] a meta que devem atingir para se caracterizarem como “povos decentes e
liberais” (que respeitam a paz e a dignidade humana universal, além da liberdade
individual e da igualdade entre seus integrantes), que buscam fundar uma “Sociedade
Mundial de Povos Liberais”[90].
No plano de O Direito dos Povos há uma segunda ocorrência da “posiçã o original”, visto
que a primeira foi a que fundou o pró prio Estado nacional: os povos estã o com a
incumbência de fundarem um novo contrato político internacional, e se situam na ideia de
uma projeçã o de normas de regulaçã o de interesses diferentes que razoavelmente devem
ser tolerantes, evitando a pressuposta tendência “natural” para a guerra entre os povos
(Rawls segue essa hipó tese de Rousseau)[91].

O “Direito dos Povos” é uma “utopia realista” na visã o de Rawls[92]: pressupõ e que povos
amantes de liberdade e igualdade já estabeleceram princípios internos de justiça pú blica
razoá vel, tolerante e igualitá ria, e que possam alargar sua capacidade de razoabilidade
normatizadora para outros povos “decentes”, embora nã o propriamente liberais[93]. Da
tolerâ ncia interna dos Estados dos povos liberais projetam-se normas para a “Sociedade
Mundial de Povos Liberais”. O realismo está em considerar a tolerâ ncia que já existe nas
naçõ es liberais, e que ela possa ser a base de construçã o de consenso com outros povos
liberais e com povos “decentes” “nã o liberais”[94]. Já o cará ter “utó pico” está em que o
“Direito dos Povos” pressupõ e um alto quantitativo de princípios jurídicos abstratos que
seriam transnacionais[95].

O “Direito dos Povos” deve ser construído pressupondo um ideal de razã o pú blica
aná logo ao ideal de razã o pú blica interno a cada naçã o: deve ser a institucionalizaçã o dos
princípios escolhidos como base da sociedade; é a consideraçã o da ideia contratualista da
“posiçã o original” de modo ampliado como modelo de representaçã o política[96].

No plano internacional, a “Sociedade Liberal” deverá ser instituída como uma projeçã o
de normas jurídicas para submeter as construçõ es do fanatismo e da utopia política anti-
humanitá ria, como a utopia nazista de Hitler e seus delírios de se conceber como um
emissá rio de Cristo que estava a perseguir por ordem divina os judeus [97]. Entre a utopia que
impulsiona o liberalismo político para projetar fins justos e tolerantes para todos os seres
humanos e naçõ es e as utopias fascistas ou os fanatismos religiosos intolerantes, como o
“Massacre do Dia de Sã o Bartolomeu (1572)” cometido contra os protestantes na França [98],
é razoá vel optar pela primeira. A aposta de Rawls é na tolerâ ncia como motivaçã o do
Direito Internacional e nos direitos humanos como sua finalidade.

O movimento político possibilitador da “Sociedade Mundial de Povos Liberais” deve


começar na construçã o das democracias constitucionais em cada naçã o, segundo o projeto
de republicanizaçã o universal e reformista de cada constituiçã o dos Estados traçado por
Kant na “Paz Perpétua” (1795)[99].
Assim como no plano interno das naçõ es o “Direito dos Povos” exige a escolha de
princípios bá sicos que fundam a sociedade internacional, Rawls considera que o consenso
tolerante dos povos liberais e decentes poderia projetar [100]:

1) Liberdade e independência dos povos;

2) Sinceridade na firmaçã o dos pactos, respeitando os tratados e acordos firmados;

3) Igualdade entre todos os povos;

4) Dever de nã o intervençã o na autonomia de cada povo;

5) Autodefesa e prioridade do pacifismo.

Sociedades liberais reconheceriam esses princípios como bá sicos na estrutura


contratual internacional e, de um ponto de vista universal, seriam o fundamento de
qualquer discurso sobre direitos humanos, que sã o o ponto de convergência dos
ordenamentos jurídicos internacionais[101]. E exatamente por esse motivo Estados que
desrespeitam os direitos humanos sã o intolerantes e devem ser considerados Estados “fora
da lei”[102]. Povos decentes (mesmo povos hierá rquicos “nã o liberais”) têm direito à guerra
de autodefesa[103] contra povos “fora da lei”. Esse é um aspecto realista do “Direito dos
Povos”.

Direitos humanos sã o diferentes de direitos constitucionais dos Estados. Eles possuem


um efeito moral sobre todo e qualquer ordenamento jurídico limitando violaçõ es à
dignidade humana, quer a lei os preveja ou nã o explicitamente. Eles fazem parte da
essência do “Direito dos Povos”[104].

Rawls[105] enumera os direitos humanos em seus atributos centrais (previstos na


“Declaraçã o Universal dos Direitos Humanos” de 1948): direito a liberdade, vida, segurança
pessoal, proibiçã o de tortura e tratamento degradante ou cruel. Depois identifica os
direitos humanos erigidos a partir de convençã o entre os Estados, como os que proíbem o
apartheid e o genocídio (previstos na convençã o de 1948 contra o genocídio e na de 1973
contra o apartheid). E por fim cogita os direitos humanos liberais estabelecidos em algumas
cartas, como o art. I da “Declaraçã o Universal dos Direitos Humanos” de 1948: igualdade,
liberdade e espírito de fraternidade; ou direitos institucionais, como nos artigos 22 (que
prevê a segurança pessoal) e 23 (que prevê pagamento igual por trabalho igual) da
“Declaraçã o Universal dos Direitos Humanos” de 1948.

A questã o de que o “Direito dos Povos” vale sobre Estados “fora da lei” é problemá tica
no contexto do pensamento de Rawls; é justa uma guerra contra Estados “fora da lei” que
estejam desrespeitando a segurança e a liberdade de povos decentes e liberais [106],
distinguindo claramente que a guerra é contra o Estado e nã o contra o povo desse Estado.
Os direitos humanos para Rawls devem servir de meio de pacificaçã o e educaçã o
humanitá ria no pó s-guerra, inclusive aos militares do Estado “fora da lei” [107], e
desestimulam as razõ es de beligerâ ncia entre os povos dado que indicam que a tolerâ ncia e
o pacifismo sã o base da cultura política dos povos decentes e liberais[108].

A concepçã o de Direito Internacional de Rawls representa o fechamento de seu sistema


jurídico-político, que em analogia com o pensamento de Kant dá uma resposta aos
problemas de legitimaçã o interna e exterior do Estado, pois quando se concebe o contrato
jurídico em um plano universal de validade (foro da razã o pú blica do “Direito dos Povos”) a
finalidade do Direito assume uma dimensã o cosmopolita e humanitá ria, facultando a todos
os povos assimilarem em seus governos os fins do liberalismo político, que sã o a tolerâ ncia
e a decência.
[88]. RAWLS, J. O Direito dos Povos. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 12. Segue-se a sugestã o de Stuart Mill de distinguir
entre povos e Estados, uma vez que os primeiros possuem cultura e valores e os Estados sã o entes abstratos de Direito
(pessoas jurídicas). Cf. Rawls (op. cit., p. 32ss.), isso nã o significa que as decisõ es de governo que fundem condiçõ es de
cooperaçã o internacional sã o ilegítimas, mas o ideal para Rawls é que a deliberaçã o pú blica possa influir nessa decisã o.

[89]. Ibid., p. 7ss.

[90]. Ibid.

[91]. Ibid., p. 8.

[92]. Ibid., p. 15.

[93]. Ibid., p. 18.

[94]. Alguns povos podem ser “hierá rquicos e decentes”, isto é, podem nã o ser democracias liberais, mas, embora
possuam um poder centralizador, nã o são intolerantes ou belicosos, respeitam limites humanitá rios e praticam tolerâ ncia
em certo grau. Rawls faz uma utopia e projeta um país imaginá rio com o qual povos liberais decentes poderiam dialogar
reformando prá ticas e formando acordos graduais, o “Casanistã o”. Cf. RAWLS, J. O Direito dos Povos. Op. cit., p. 101ss.

[95]. Ibid., p. 23.

[96]. Ibid., p. 39.

[97]. Ibid., p. 26-27.

[98]. Ibid., p. 28.

[99]. Ibid., p. 30.

[100]. Ibid., p. 47.

[101]. Ibid., p. 107.

[102]. Ibid., p. 118.

[103]. Ibid., p. 121.

[104]. Ibid., p. 105.


[105]. Ibid., p. 104.

[106]. Ibid., p. 124.

[107]. Ibid., p. 126.

[108]. Ibid., p. 104.


DÉ CIMA LIÇÃ O

A herança de Rawls: um pensamento democrá tico e


discursivo

O ponto central desta ú ltima liçã o é demonstrar que o pensamento de Rawls indica o
fundamento da ideia de pluralismo e de tolerâ ncia para além de qualquer espécie de
modelo de Estado em que nã o se tenha o respeito com a dignidade humana e a liberdade
dos indivíduos. Ao buscar que a igualdade das minorias seja reconhecida em suas
pretensõ es de direitos, Rawls mostrou que a Política, além de ser contratual, deve ser
igualitarista – sem isso nã o se tem a justiça, cujo meio é a busca equitativa (razoá vel) dos
conflitos.

O ataque a Rawls pelos liberais conservadores se deveu, em grande parte, ao cará ter
dialético e sintético de sua teoria, colocando em diá logo elementos socialistas e liberais,
confiando na mediaçã o do discurso razoá vel do politicamente correto como forma de
assegurar a síntese dos elementos do debate político e de reconciliar as posiçõ es
conflitantes, tal como confessa Rawls sua inspiraçã o na dialética de Hegel[109].

Ao relacionar o Direito à Política igualitarista, Rawls foi acusado de subverter a ideia


liberal do direito kantiano, onde a forma jurídica se impunha sobre a política. Todavia, na
verdade, o que Rawls fez foi dar ao Direito uma teleologia: a justiça como equidade.

Antes de Rawls, a ideia de justiça estava praticamente esquecida e desacreditada no


meio jusfilosó fico do pó s-II Guerra Mundial[110]. Sua teoria contratualista volta a focar na
liberdade e na igualdade como elementos constitutivos do valor do justo, nã o mais pelo
jusnaturalismo nem por virtudes simplesmente morais, mas por virtudes liberais de
tolerâ ncia e razoabilidade, resgatando a tradiçã o lockeana do contratualismo como meio de
açã o política legitimadora do Direito.

Com Rawls, a tradiçã o contratualista se renova na ideia de procedimentalismo e de


discurso pú blico: a possibilidade de constituir uma Política racional nos moldes kantianos,
mas sem o mero formalismo e racionalismo abrangentes, com a razoabilidade e a tolerâ ncia
como compassos do elemento jurídico; o elemento jurídico nã o mais “puro” como norma,
mas imbricado com a Política enquanto elemento de uma virtude política de engajamento
em torno de um Direito axioló gico e liberal; e um Direito axioló gico e liberal nã o mais
isento ou supostamente “neutro” do liberalismo clá ssico, porém a reconstruçã o de sua
legitimidade pela açã o construtiva do cidadã o e do juiz ao usarem o procedimento
discursivo-argumentativo conforme o ordenamento jurídico para justificarem suas
posiçõ es.

O princípio da participaçã o dos indivíduos também reaparece. Isso ocorre através do


discurso construtor de valores, e nã o simplesmente da “democracia formal”, com o direito
de votar e com a sujeiçã o formal do cidadã o e do juiz – este ú ltimo nã o é apenas a “boca da
lei” como quis Montesquieu, mas um construtor de valores dentro do â mbito da lei quando
ela for insuficiente para regular os casos concretos.

A herança de Rawls é a abertura discursiva do Direito ao preenchimento de seu sentido


valorativo, sem desrespeitar seus limites constitucionais de autorizaçã o de açã o, mas
através dos procedimentos discursivos sobre o Direito. Este deve ser reconstruído em sua
legitimaçã o a cada momento em que um cidadã o ou um juiz agem politicamente sob a
perspectiva de concretizar valores, o cidadã o propondo açõ es e o juiz julgando em funçã o
da igualdade democrá tica das bandeiras políticas (o pluralismo razoá vel de Rawls como
direcionamento da açã o judicial e da participaçã o política do cidadã o).

Rawls, ao conceber o “véu da ignorâ ncia”, coloca-nos a par de uma visã o do valor
político como nã o destrutivo do Direito, mas suscetível de suspensã o no momento de
formaçã o do contrato pú blico. Partindo do radicalismo dos pró prios valores, nã o se terá um
horizonte de construçã o tolerante do Direito. Exercer a virtude da tolerâ ncia é meio de
despotencializaçã o dos conflitos. Pode-se discursar sobre a aplicaçã o das normas jurídicas
com base nos princípios da liberdade e da igualdade, onde o pluralismo inicial do pacto
político e a necessidade de cooperaçã o social sã o primordiais para a construçã o da justiça
como equidade em sua dimensã o político-liberal como a finalidade do Direito.
[109]. RAWLS, J. Justiça como equidade... Op. cit., p. 4.

[110]. O realismo jurídico de Alf Ross, ao dizer que a justiça seria apenas um elemento de justificaçã o da decisã o de poder
do juiz ao construir a norma; e o normativismo de Kelsen, ao defender a justiça como valor subjetivo e relativo a cada
cultura – ambos os ideá rios reduziram a importâ ncia do discurso sobre a justiça e negaram a objetividade jurídica de seu
valor.
CONCLUSÃ O

Propor o debate sobre a obra de Rawls significa recapitular a trajetó ria da perspectiva
liberal e preparar a consecuçã o da igualdade democrá tica. Desde uma crítica do liberalismo
clá ssico como carente de um ideal de justiça política, desde a proposiçã o do contratualismo
como meio de reconstruir a legitimaçã o do Direito pela Política participativa, desde a
proposiçã o de princípios de liberdade igual e de cooperaçã o como base efetivadora da
justiça, Rawls estabelece uma crítica à insuficiência da moralidade política “neutra” na
interpretaçã o da Constituiçã o enquanto nú cleo do ordenamento jurídico democrá tico.

Ao defender a razoabilidade e o pluralismo como perspectivas de concretizaçã o da


justiça, Rawls dá um passo além do que se fez até entã o como legitimidade política. O
pró prio poder de justificaçã o com argumentos acessíveis a todos perante a razã o pú blica
passa a ser coconstruído pela sociedade civil e nã o apenas pelo Estado, e esse é o
mecanismo do procedimentalismo democrá tico como exercitador de razõ es pú blicas
perante as instituiçõ es.

O mais surpreendente é o espírito democrá tico liberal que permeia toda a obra de
Rawls. Esse espírito o faz progredir na luta pelo politicamente correto desde a base de sua
construçã o, na escolha dos princípios de justiça sob o “véu da ignorâ ncia”, na posiçã o
original para a formaçã o do “consenso sobreposto”, e nos instrumentos da razoabilidade e
da tolerâ ncia que concretizam a doutrina do pluralismo razoá vel de valores no â mbito do
liberalismo político.

O compromisso com a democracia pluralista e com a liberdade igual é o signo pelo qual
o liberalismo político deve viver. Uma justa e equitativa ordenaçã o social nã o é apenas um
sonho de Rawls, pois é possível maximizar o bem comum através do Estado nã o tolerando
arbitrariedades e injustiças, aperfeiçoando as instituiçõ es nacionais e os acordos entre
povos livres e decentes, a fim de assegurar a paz com justiça igualitá ria para os seres
humanos. Sem demagogia, agressõ es ideoló gicas, radicalismos ou populismo, e com sua
defesa da justiça igualitá ria, Rawls pretendeu demarcar a transiçã o para uma nova fase
política de tolerâ ncia e de cooperaçã o humanitá rias como fins das instituiçõ es e como
prá ticas dos indivíduos nas sociedades livres.
REFERÊ NCIAS

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WERLE, D.L. Justiça e democracia – Ensaios sobre Jü rgen Habermas e John Rawls. Sã o
Paulo: Esfera Pú blica, 2008.
COLEÇÃO 10 LIÇÕES
Coordenador: Flamarion Tavares Leite

– 10 lições sobre Kant


Flamarion Tavares Leite

– 10 lições sobre Marx


Fernando Magalhães

– 10 lições sobre Maquiavel


Vinícius Soares de Campos Barros

– 10 lições sobre Bodin


Alberto Ribeiro G. de Barros

– 10 lições sobre Hegel


Deyve Redyson

– 10 lições sobre Schopenhauer


Fernando J.S. Monteiro

– 10 lições sobre Santo Agostinho


Marcos Roberto Nunes Costa

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André Constantino Yazbek

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Rômulo de Araújo Lima

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Luciano Oliveira

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Agassiz Almeida Filho

– 10 lições sobre Hobbes


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Roberto S. Kahlmeyer-Mertens

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André Chagas

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Luciano Albino
– 10 lições sobre Bobbio
Giuseppe Tosi

– 10 lições sobre Luhmann


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Roberto S. Kahlmeyer-Mertens

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Ari Fernando Maia, Divino José da Silva e Sinésio Ferraz Bueno

– 10 lições sobre Wittgenstein


Gerson Francisco de Arruda Jú nior

– 10 lições sobre Nietzsche


João Evangelista Tude de Melo Neto

– 10 lições sobre Pascal


Ricardo Vinícius Ibañ ez Mantovani

– 10 lições sobre Sloterdijk


Paulo Ghiraldelli Júnior

– 10 lições sobre Bourdieu


José Marciano Monteiro

– 10 lições sobre Merleau-Ponty


Iraquitan de Oliveira Caminha

– 10 lições sobre Rawls


Newton de Oliveira Lima
TEXTOS DE CAPA

Contracapa
Temário:

• Rawls: vida e obra

• O que é justiça para Rawls

• A justiça como igualdade

• A razã o pú blica como conceito político e jurídico

• O conceito de afirmative actions e o papel construtivo do judiciá rio

• Rawls e a ideia de liberdade

• Um debate com os comunitaristas: liberdade ou engajamento?

• A democracia em questã o no pensamento de Rawls

• A questã o do Direito Internacional em Rawls

• A herança de Rawls: um pensamento democrá tico e discursivo


Orelhas
A obra do filó sofo norte-americano John Rawls (1921-2002) é um marco na linhagem
liberal, representa a tentativa de legitimar o Estado de Direito a partir do debate pú blico
acessível a todos. Estudar a filosofia de Rawls é um esforço de reflexã o sobre a liberdade e a
igualdade, construídas através da participaçã o pú blica no debate político e jurídico,
afastando a violência como açã o política. Rawls concebeu a “razã o pú blica” como via de
acesso ao poder, ele foi uma voz a favor da liberdade e da tolerâ ncia em um mundo
marcado pela intolerâ ncia. Sua obra é de um valor imprescindível para a defesa da
liberdade dos povos e um convite para o cidadã o refletir sobre sua responsabilidade com a
política.
Newton de Oliveira Lima: professor adjunto do Centro de Ciências Jurídicas e do
Programa de Pó s-Graduaçã o em Direito da Universidade Federal da Paraíba. Pesquisa nas
á reas de Filosofia do Direito, Filosofia Política e Filosofia dos Valores. Possui vá rios artigos
científicos, capítulos de livros e quatro livros publicados: Romantismo e Neoclassicismo:
liberdade versus formalismo na arte contemporânea; Teoria dos valores jurídicos: o
neokantismo e o pensamento de Gustav Radbruch; Jurisdição constitucional e construção de
direitos fundamentais no Brasil e nos Estados Unidos; O Estado de Direito em Kant e Kelsen
(sua tese de doutorado em Filosofia).
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minimizar a dificuldade dessa tarefa que as 10 liçõ es aqui presentes objetivam expor, em
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palavra. É possível recorrer a estes estratagemas, lícitos e ilícitos, para 'obter' razã o, e
defendê-la quando ela estiver do nosso lado ou conquistá -la quando estiver do lado do
adversá rio. Com frieza classificató ria, Schopenhauer indica 'os caminhos oblíquos e os
truques de que se serve a natureza humana em geral para ocultar seus defeitos'.

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desaquecimento. Religiõ es tradicionais estã o perdendo adeptos para novas igrejas que
trocam o discurso do pecado pelo encorajamento e autoajuda. As instituiçõ es políticas e
empresariais mudaram o sistema de puniçã o, hierarquia e combate ao concorrente pelas
positividades do estímulo, eficiência e reconhecimento social pela superaçã o das pró prias
limitaçõ es. Byung-Chul Han mostra que a sociedade disciplinar e repressora do século XX
descrita por Michel Foucault perde espaço para uma nova forma de organizaçã o coercitiva:
a violência neuronal. As pessoas se cobram cada vez mais para apresentar resultados -
tornando elas mesmas vigilantes e carrascas de suas açõ es. Em uma época onde
poderíamos trabalhar menos e ganhar mais, a ideologia da positividade opera uma
inversã o perversa: nos submetemos a trabalhar mais e a receber menos. Essa onda do "eu
consigo" e do "yes, we can" tem gerado um aumento significativo de doenças como
depressã o, transtornos de personalidade, síndromes como hiperatividade e burnout. Este
livro transcende o campo filosó fico e pode ajudar educadores, psicó logos e gestores a
entender os novos problemas do século XXI.

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