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Tratamento Ambulatorial versus Internação

Marcelo Santos Cruz, MD, PhD.

1. Introdução
Entre as decisões difíceis que se impõem para pessoas com problemas com álcool e
outras drogas, seus familiares e os profissionais que os atendem, uma se refere à necessidade de
resolver em determinado momento se há necessidade de internação ou se aquele que usa drogas
pode dar continuidade ao seu tratamento em atendimento ambulatorial. No Brasil, a assistência
para estes problemas é realizada, atualmente, em uma série de serviços ambulatoriais ou de
internação com características diferentes entre si, com múltipla complexidade de recursos
(equipe, recursos físicos, equipamento, técnicas e orientação do tratamento) e que podem ser
indicados para determinados pacientes e não para outros. Para um mesmo paciente, a internação
pode ser necessária em determinado momento do processo terapêutico e contra-indicada em
outro. A noção de que as pessoas que têm problema com substâncias psicoativas constituem um
grupo heterogêneo com histórias de vida particulares, comprometimentos físicos diversos e
ambiente social e cultural diferentes nos faz compreender de que não há “receita de bolo” que
funcione de forma igual para todos. Há necessidade de contemplar com recursos terapêuticos
mais ou menos complexos pacientes com situações de maior ou menor gravidade (Dias, 2001).
Assim, deve ser ampliado o conhecimento para determinar que fatores podem fazer pressupor
que para determinado paciente tal ou qual serviço pode ser mais indicado em um dado momento.
Neste capítulo, apresentamos uma revisão da literatura sobre critérios para indicação de
tratamento ambulatorial ou sob internação para usuários de álcool ou outras drogas.
1.1 Definição de internação e de tratamento ambulatorial
Na revisão de Finney e colaboradores (1996), tratamento sob internação foi definido
como as intervenções terapêuticas oferecidas num local em que o paciente reside permanecendo
24 horas por dia. Por sua vez, o tratamento ambulatorial é definido como as intervenções
oferecidas quando os pacientes não permanecem à noite. Por esta definição, seriam ambulatoriais


Doutor em Psiquiatria pela UFRJ. Coordenador do Programa de Estudos e Assistência ao Uso Indevido de Drogas
da UFRJ- PROJAD-IPUB/UFRJ.
serviços como existem na França, nos quais, como veremos adiante, os pacientes permanecem
fora durante o dia, retornando à noite.
Entre as diferenças entre o tratamento sob internação e o ambulatorial encontram-se:
custo; recursos de maior ou menor complexidade; necessidade de contenção; afastamento ou não
da família, do local de moradia e do trabalho e conseqüentemente de fatores que podem estar
ligados direta ou indiretamente ao consumo de drogas. Além disso, no caso da realidade
brasileira atual, muitas vezes optar por um tratamento ambulatorial significa manter o paciente
na proximidade do tráfico.

2. Exemplos de sistemas de assistência a usuários de drogas e a integração entre


serviços de internação e ambulatoriais
2.1 Serviços do sistema brasileiro de assistência a usuários de drogas
Em abril de 2002, o Ministério da Saúde lançou o Programa Nacional de Atenção
Comunitária Integrada a Usuários de Álcool e outras Drogas (Ministério da Saúde, 2002a), com
os objetivos principais de articular as ações federais estaduais e municipais, organizar e
implantar rede de serviços para pacientes com dependência e/ou uso prejudicial de álcool e
outras drogas. Esta ação seguiu-se à publicação de normas para implantação e cadastramento de
Centros de Atenção Psicossocial para o Atendimento de Pacientes com Transtornos Causados
pelo Uso Prejudicial e/ou Dependência de Álcool e Outras Drogas (CAPS AD) (Ministério da
Saúde, 2002b) que têm a tarefa de prestar assistência especializada extra-hospitalar e servir como
articulador da rede de serviços neste campo. A assistência oferecida nos CAPS AD inclui:
a - atendimento individual (medicamentoso, psicoterápico, de orientação, entre outros);
b - atendimento em grupos (psicoterapia, grupo operativo, atividades de suporte social, etc);
c - atendimento em oficinas terapêuticas;
d - visitas e atendimentos domiciliares;
e - atendimento à família;
f - atividades comunitárias enfocando a integração do usuário de drogas na comunidade e sua
inserção familiar e social;
g – refeições diárias.
h - atendimento de desintoxicação.
Esta rede é concebida como descentralizada, com forte inserção social e integrando
serviços com complexidade diversa, além de se articular com as demais redes de atenção à saúde
e recursos sociais. Como um todo, pacientes com problemas com drogas são atendidos em
serviços públicos, privados e organizações não governamentais como:
Extra-hospitalares: CAPS AD, Centros de Atenção Psicossocial (CAPS geral),
ambulatórios, oficinas terapêuticas, grupos de mútua ajuda, serviços comunitários de saúde como
o Programa de Saúde da Família (PSF) e o Programa de Agentes Comunitários (PACs).
Internação: emergência psiquiátrica, emergência clínica, hospitais psiquiátricos,
enfermarias de psiquiatria em hospitais gerais, clínicas especializadas em tratamento de
dependência de drogas (públicas e privadas), comunidades terapêuticas.
2.2 Serviços do sistema francês
Segundo Magalhães (1991), o sistema francês de assistência a usuários de drogas é
baseado em uma visão sobre a complexidade das questões relativas ao uso de drogas que não
propõe soluções únicas. Neste sistema, como concorda Costa (1986), a diversidade de serviços
de atendimento é um dos um de seus aspectos mais importantes.
Serviços do sistema francês (Magalhães, 1991):
1- Clubes e equipes especializadas em prevenção. Grupos que trabalham nas ruas, nas
praças, metrôs e nas proximidades de bares e cafés, principalmente em contato com a
população marginalizada. Usa princípios das estratégias de redução de danos como a
distribuição de seringas descartáveis e o encaminhamento para serviços de tratamento
para dependência.
2- Centros de acolhimento, orientação e consultas para toxicômanos. São serviços,
principalmente, ambulatoriais que contam com equipe multiprofissional e que realizam
encaminhamento para outros serviços, mantendo o acompanhamento do caso e servindo
como referência.
3- Hospitais-dia com oficinas terapêuticas.
4- Tratamento ambulatorial de substituição com metadona.
5- Centros médicos e centros hospitalares especializados. Principalmente para
desintoxicação em serviços especializados ou em hospitais gerais. A internação para
desintoxicação dura cerca de uma a duas semanas e as regras são rígidas.
6- Centros de alojamento especializado. Locais para estadia de curta duração após a
desintoxicação, permitindo a elaboração de um projeto a longo prazo e a re-inserção
social. Constituem um hospital-noite, pois os pacientes saem durante o dia para
trabalhar ou estudar.
7- Centros de pós-cura. Estada de 6 meses a um ano com a assistência de equipe
especializada para pequenos grupos com cerca de dez pacientes que se responsabilizam
pelos serviços da própria casa como fazer as compras, a limpeza e a comida. Além das
atividades terapêuticas como os grupos operativos e atendimento individual, no caso dos
serviços que funcionam na periferia dos grandes centros ou na área rural, os pacientes
cuidam de hortas e estufas, criação de animais, oficinas de marcenaria e serviços de
manutenção como pintura, hidráulica e eletricidade. A prática de esporte e os cursos
profissionalizantes também são estimulados. Os centros de pós-cura franceses
apresentam algumas semelhanças com as comunidades terapêuticas brasileiras, mas ao
contrário da experiência brasileira, muitos serviços franceses não têm orientação
religiosa, não havendo interferência da equipe na vida afetiva e sexual dos pacientes,
não sendo rara a constituição de casais. Em geral, se localizam fora dos grandes centros
visando o afastamento do local de origem do paciente.
8- Famílias de acolhimento. A família recebe uma quantia para hospedar, por períodos de
seis a oito meses, o jovem que mantém acompanhamento profissional.
9- Apartamentos terapêuticos. Para pacientes que passaram pelas demais fases de tratamento
e já estão mais estáveis.
10- Serviços para assistência às toxicomanias nas prisões.
11- Associações de pais.
12- Centros de terapia familiar
13- Outras iniciativas locais. Como, por exemplo, os centros mãe-criança para toxicômanas
HIV positivas e seus bebês.
2.3 Serviços do sistema norte-americano
O sistema norte-americano também é descentralizado, ou seja, é composto por múltiplas
unidades de serviço complementares com complexidade diversa (Samet e colaboradores, 2001).
Um resumo explicativo das quatro modalidades de serviços mais utilizadas nos Estados Unidos é
encontrado na descrição de Mueller e Wyman (1997) sobre o estudo DATOS (“Drug Abuse
Treatment Outcomes”). As formas de tratamento mais comuns são programas ambulatoriais de
metadona; programas residenciais de longa duração; programas ambulatoriais livres de drogas e
programas de internação de curta duração.
Os programas de metadona administram este fármaco para reduzir a avidez pela heroína,
oferecem aconselhamento de psicológico e vocacional e ajudam os pacientes a acessar os
serviços de apoio social e de saúde. Estes programas funcionam estabilizando os pacientes.
Alguns pacientes ficam em uso de metadona por longos períodos e outros conseguem
interromper.
Programas residenciais de longa duração oferecem tratamento 24 horas visando à
abstinência em comunidades com conselheiros e outros usuários em recuperação. Os pacientes
em geral ficam vários meses e até um ano ou mais. Alguns destes programas são chamados de
comunidades terapêuticas.
Programas ambulatoriais livres de drogas compreendem uma ampla gama de abordagens
incluindo grupos de resolução de problemas, terapias especializadas como psicoterapia orientada
para o “insight”, terapia cognitiva-comportamental e programas de doze passos. Pacientes podem
ficar por meses ou mais.
Programas de internação de curta duração mantém os pacientes por até 30 dias. A maioria
dos programas visa a estabilização médica, a abstinência e mudanças no estilo de vida. A equipe
é principalmente formada por profissionais médicos e conselheiros treinados.

O estudo do DATOS foi financiado pelo NIDA (National Institute of Drug Abuse), teve
dimensão nacional que incluiu uma amostra final de cerca de 3.000 pacientes de 1991 a 1993 e
teve a proposição de avaliar os resultados do tratamento prestado, sem, no entanto, diferençar os
serviços ambulatoriais dos sob internação. Os critérios de avaliação de resultado foram o
consumo semanal e diário de drogas nos 12 meses antes do tratamento e 12 depois do
tratamento; problemas com a lei; estar ou não empregado; pensamentos ou tentativa de suicídio.
Segundo este estudo, o consumo de cocaína diminuiu dramaticamente para os pacientes tratados
com os quatro tipos de tratamento. Também houve redução no consumo de heroína e maconha.
Houve diminuição no envolvimento com problemas legais e diminuição nos pensamentos e
tentativas de suicídio. Um dos achados importantes é que os programas de internação curta
(menos de 30 dias) resultaram em diminuição importante no consumo de drogas. O padrão de
consumo de drogas e a ocorrência de comorbidades influenciavam a adesão ao tratamento
(Muller e Wyman, 1997).

Nos EUA na década de noventa, ocorreu importante modificação da direção da atenção


aos pacientes com problemas com álcool e outras drogas com diminuição do número de unidades
de internação e aumento dos serviços ambulatoriais. O tempo médio de internação nos serviços
hospitalares para veteranos caiu para 20 dias e nos serviços residenciais para 60 dias (Humphreys
e colaboradores, 1999). Os serviços extra-hospitalares tiveram um aumento no número de horas
de serviço oferecidas e muitos hospitais de internação foram transformados em hospitais-dia.
Houve uma diminuição no número total de profissionais empregados (médicos e psicólogos)
apesar do aumento do número de enfermeiros.

3. A decisão: Internação ou Ambulatório?


Em revisão sobre os esforços dos serviços norte-americanos para o estabelecimento de
critérios de encaminhamento para cada tipo de serviço, Gastfriend e McLellan (1997)
descreveram os fatores do paciente que devem ser levados em consideração para a decisão sobre
a necessidade de tratamento em regime de internação ou ambulatorial:
Fatores demográficos: sexo, idade.
Fatores ligados à relação com a droga: tipo de droga, gravidade da síndrome de
abstinência, da intoxicação, gravidade da dependência.
Comorbidades: clínicas e psiquiátrica
Fatores relacionados à inserção social: presença ou não de suporte familiar, de moradia,
da relação com a vizinhança, população de rua, presença ou não de emprego.

Os critérios da Associação Americana de Medicina de Dependências (ASAM) foram


criados com o objetivo de alcançar as necessidades dos pacientes com comorbidades, dos
adolescentes e para o esclarecimento do nível de complexidade do serviço de assistência. Em
2001, foi lançada sua versão revisada1. A nova versão provê indicações para adultos e para
adolescentes em cinco níveis de cuidado: Nível 0,5 Intervenção Breve; Nível I Tratamento

1
ASAM Patient Placement Criteria for the Treatment of Substance-Related Disorders, (Second
Edition – Revised): (ASAM PPC-2R) (Gastfriend e McLellan, 1997).
Ambulatorial; Nível II Ambulatório Intensivo/ Hospitalização Parcial; Nível III Internação
Hospitalar ou Residencial; Nível IV Tratamento Hospitalar Clínico Intensivo.
Dentro de cada nível há outros níveis específicos de cuidado de acordo com a gravidade.
Nos critérios da ASAM, para cada sub-nível, são descritos os serviços, instalações, pessoal de
saúde e critérios de admissão. São definidas seis dimensões, que levadas em consideração vão
indicar a gravidade de cada caso: intoxicação/abstinência; condições biomédicas e complicações;
condições e complicações emocionais, comportamentais e cognitivas; prontidão para a mudança;
recaída, uso contínuo ou contínuo potencial de problemas; ambiente de recuperação. Por
exemplo, para a dimensão intoxicação/abstinência são definidos cinco níveis de gravidade, cada
um deles exigindo serviços de complexidade diferente.
Embora este sistema seja um importante ponto de partida, pois parece refletir a
experiência clínica, uma série de estudos posteriores tem tido dificuldades para demonstrar com
clareza que os pacientes encaminhados de acordo com os critérios ASAM tenham melhores
resultados do que os encaminhados sem tais critérios (Melnick e colaboradores, 2001). Este fato
tem produzido como efeito a realização de muitos novos estudos que procuram definir quais as
características dos pacientes e dos serviços que indicam que determinados pacientes devem
preferencialmente ser encaminhados para certos serviços num processo que os norte-americanos
chamam de “matching” e que tem sido traduzido entre nós como pareamento.

3.1 Razões para internação e razões para tratamento ambulatorial.


• Razões para a internação (Finney e colaboradores, 1996): 1) Oferece um repouso que a)
afasta o paciente do ambiente que perpetua o seu abuso de álcool e/ou b) permite os esforços
para a consolidação da abstinência; 2) prove um ambiente que resulta em mais tratamento
porque a) é menos provável que os pacientes abandonem o tratamento; b) o tratamento é
mais intenso e/ou c) os pacientes são mais efetivamente ligados ao pós-tratamento; 3) provê
atendimento médico/psiquiátrico e/ou suporte emocional para pacientes que de outra forma
não teriam acesso; 4) sugere aos pacientes que seu problema é mais grave do que se o
tratamento oferecido fosse ambulatorial. Poderíamos acrescentar que também são indicações
para internação: 6) tratamento dos quadros graves de intoxicação; 7) tratamento dos quadros
graves de abstinência; 8) tratamento dos quadros graves de agudização de sintomas de
comorbidades psiquiátricas (como sintomas psicóticos persistentes e depressão com risco de
suicídio); tratamento dos quadros graves de comorbidades clínicas (por exemplo, pancreatite
aguda, insuficiência hepática); 9) Risco grave de auto ou hetero-agressão.

• Razões para o tratamento ambulatorial (Finney e colaboradores, 1996): 1) É mais fácil


avaliar os antecedentes ambientais, cognitivos e emocionais dos episódios de beber (ou de usar
outras drogas); 2) permite que o paciente teste suas estratégias para lidar com as situações ao
tempo em que recebe suporte para isso; 3) mobiliza recursos de apoio do ambiente natural do
paciente (serviços de saúde de seu território, grupos de auto-ajuda, família); 4) a transição entre
serviços ambulatoriais (por exemplo, entre uma desintoxicação ambulatorial e um hospital-dia)
seria menos problemática. 5) O custo do tratamento ambulatorial é muito menor do que sob
internação (Harrison & Asche, 1999).

3.2. Fatores dos serviços


As razões mais importantes para a modificação dos sistemas de assistência a usuários de
drogas definindo-os como redes de serviços em que a internação não tem o papel central são a
dispersão de gravidade dos casos que exigem serviços de complexidade maior ou menor e a
constatação de que os resultados da internação não são, de uma forma geral, superiores aos do
tratamento ambulatorial. A revisão das publicações sobre a comparação de resultados de
tratamento sob internação versus ambulatorial desde estudos de 1986 até os mais recentes não
encontra superioridade do tratamento sob internação e o tratamento ambulatorial tem custo
menor (Harrison & Asche, 1999). Em artigo em revisaram 14 estudos sobre os resultados de
tratamento de pacientes tratados em regime de internação ou ambulatorial para problemas com o
álcool, Finney e colaboradores (1996) já assinalavam que “revisões prévias concluíram que não
há evidências da superioridade do tratamento sob internação sobre o tratamento ambulatorial”.
Assinalavam, no entanto, que alguns pacientes podem se beneficiar mais do tratamento sob
internação.
Quais seriam, então, os fatores do tratamento que poderiam propiciar melhores
resultados? Mesmo em países em que há mais homogeneidade de serviços e orientação do
tratamento, encontra-se enorme variabilidade (Alterman e McLellan, 1993). São apontados como
possíveis fatores relevantes para o resultado de tratamento não apenas a natureza, qualidade e
ambiente do tratamento, mas inclusive a quantidade (número de consultas, sessões de terapia,
reuniões de mútua ajuda, atividades recreacionais, de terapia ocupacional, realização de exames
etc). A quantidade de tratamento em um dado intervalo de tempo é o que outros autores têm
chamado de intensidade de tratamento. Neste estudo, Alterman e McLellan se surpreenderam
com a escassez de atividades dirigidas para os problemas de trabalho e para os problemas sociais
e familiares já que estes pacientes freqüentemente têm muitos problemas nestas áreas. Também
foi interessante como resultado do estudo o achado que nem sempre o serviço de internação
oferecia mais tratamento. Em algumas áreas, o hospital-dia oferecia mais. O estudo mostra
também que características da instituição (como por exemplo, a existência de maior número de
dependentes de álcool em recuperação na equipe, ou a ocorrência de grupos de AA e não de NA)
produziam modalidades distintas de tratamento. Assim, fatores como a duração, a intensidade de
tratamento, orientação (modelo), exigência sobre os pacientes, distância da residência e outras
características dos serviços têm sido foco de estudos para definir quais os fatores associados aos
melhores resultados.
No estudo da relação custo-benefício de internações para 38.863 usuários de drogas,
menor número de pacientes era re-admitido por problemas com drogas dentro de 6 meses quando
o programa era menor e tinha duração de internação mais longa (Barnett e Swindle,1997). No
entanto, havia pouca diferença (3,3%) de melhora de resultados quando o tempo de internação
era de 28 dias em comparação com a internação por 21 dias, com uma importante diminuição do
custo no período mais curto. Os custos eram maiores quando o programa era menor, tinha
previsão de duração de internação mais longa e tinha maior proporção de profissionais por
paciente. Os autores recomendam a diminuição da duração da internação para 21 dias e a
diminuição da proporção de profissionais por paciente, sendo que os programas menores
diminuem o custo, mas reduzem o acesso.
Na revisão de Finney e colaboradores (1996), melhores resultados eram alcançados por
pacientes que recebiam tratamento mais intensivo, mas a intensidade do tratamento,
isoladamente, não seria suficiente, mas sim quando associada a características ainda por
esclarecer do ambiente de tratamento. Outro aspecto estudado é a possível função de uma
internação curta anterior à continuidade do tratamento. Neste sentido, pacientes que estiveram
em tratamento em comunidades terapêuticas que tiveram uma internação hospitalar
imediatamente antes da sua entrada na comunidade terapêutica tinham maior chance de estarem
empregados um ano depois do que aqueles que não tiveram este período de internação hospitalar
prévia19. Entre os que entraram diretamente em comunidade terapêutica sem uma internação
anterior, aqueles com comorbidades psiquiátricas tinham maior chance de estar usando drogas ou
álcool e menor chance de completar o tratamento. Os pacientes que não tinham passado por uma
internação anterior tinham também mais sintomas psiquiátricos e menos probabilidade de
estarem empregados. No mesmo sentido, Finney e colaboradores chamam a atenção sobre a
possibilidade de que um período de afastamento tenha um papel importante no tratamento. No
caso dos estudos em que o tratamento sob internação alcançava resultado melhor do que o
ambulatorial, os pacientes tratados ambulatorialmente não tinham recebido nenhum tempo de
repouso (como um período de desintoxicação) sob internação. Há que se interrogar se este
período que os autores chamam de repouso2 não apresenta a mesma função encontrada em
modelos de orientação tão diferente quanto a utilizada nos serviços de influência francesa
(dirigida para o “insight”) quanto no modelo cognitivo comportamental de inspiração norte-
americana. Em ambos os modelos, períodos de internação em torno de 15 dias são muitas vezes
utilizados tendo como justificativa o tratamento dos quadros de intoxicação e abstinência,
embora freqüentemente o tratamento das alterações fisiológicas nem sempre explique
integralmente os benefícios do período de afastamento. O que aqui se interroga é se, para alguns
pacientes, a internação não poderia ter outra função além de possibilitar tratar as alterações
fisiológicas. Assim, o afastamento por um período de não mais de 15 dias poderia servir, em
determinados casos, como uma forma de corte de formas compulsivas de relacionar consigo
mesmo, com os outros e com a droga, viabilizando uma parada para lidar com a própria vida de
uma nova maneira.
No mesmo sentido, pacientes que estiveram em tratamento em comunidades terapêuticas
que tiveram uma internação hospitalar imediatamente antes da sua entrada na comunidade
terapêutica tinham maior chance de estarem empregados um ano depois do que aqueles que não
tiveram este período de internação hospitalar prévia (Moos e colaboradores, 2000). Entre os que
entraram diretamente em comunidade terapêutica sem uma internação anterior, aqueles com
comorbidades psiquiátricas tinham maior chance de estar usando drogas ou álcool e menor
chance de completar o tratamento. Os pacientes que não tinham passado por uma internação
anterior tinham também mais sintomas psiquiátricos e menos probabilidade de estarem
empregados.

2
No original “respite”.
Na comparação de resultados de tratamento de pacientes atendidos em internação, em
atendimento ambulatorial intensivo e ambulatorial padrão, não foram encontradas diferenças
significativas (Rychtarik e colaboradores, 2000). Com as três modalidades de tratamento houve
diminuição significativa nos padrões de consumo do álcool, embora os que estiveram internados
tenham tido menos episódios de prisão depois do tratamento. Neste estudo foi considerado
tratamento ambulatorial intensivo: sessões diárias durante 28 dias de grupos de AA, prevenção
de recaída, entrevista motivacional, terapia individual e de família e outras. Foi considerado
tratamento não-intensivo: duas sessões individuais e duas de grupo por semana, além de duas
reuniões de AA por semana. Contrariando a recomendação de Finney e colaboradores (1996),
não foi encontrada diferença entre os tratamentos ambulatoriais padrão e intensivo. Estudo mais
recente sobre a influência da duração e da quantidade de tratamento ambulatorial nos resultados
constatou que pacientes que permaneciam em tratamento por mais tempo tinham melhores
resultados em um ano no que se refere ao consumo de drogas e funcionamento social, mas não
foi encontrada relação entre a quantidade de tratamento e os resultados (Moos e colaboradores,
2001). Portanto, persiste a indefinição entre a superioridade dos tratamentos ambulatoriais
intensivos sobre os menos intensivos que tem menores custos.
No que se refere ao modelo ou orientação, comparando quatro modalidades de
abordagem terapêutica para pacientes internados em serviços residenciais (diferenciar de
comunidades terapêuticas) (comunidade terapêutica, reabilitação psicossocial, 12 passos e
indiferenciado) Moos e colaboradores (1999) encontraram melhores resultados na avaliação de
um ano naqueles com tratamento mais diretamente orientado (os 3 primeiros). Pacientes que
recebiam períodos mais prolongados de tratamento e aqueles que completavam o tratamento
também tinham melhores resultados. Estes resultados incluíam tanto os pacientes com apenas
problemas com substâncias com e sem comorbidades.
Programas de tratamento sob internação fazem exigências diferentes para os pacientes
que apresentam e os que não apresentam comorbidades. Quando os pacientes têm mais
problemas com drogas do que problemas psiquiátricos, os programas são mais exigentes: tem
uma política de maior exigência para o funcionamento e controlam mais os internos, oferecem
menos serviços de saúde, têm menos recursos dirigidos para a segurança da saúde e menos
atividades sociais e recreacionais (Timko e colaboradores, 2000). Os pacientes destes programas
com maior exigência percebem que há maiores expectativas sobre eles e mais pressão para que
se relacionem mais, definam objetivos e se organizem. Estes pacientes se engajam mais em
atividades pela própria iniciativa e participam mais de serviços de tratamento e eventos
organizados pelo programa. As abordagens para usuários de drogas e para pacientes psiquiátricos
são diferentes em muitos aspectos. Por exemplo, o tratamento de usuários de drogas
freqüentemente inclui a expectativa de desenvolvimento de responsabilidade individual, o
confronto da negação dos problemas com as drogas e a abstinência, enquanto o tratamento para
outros problemas psiquiátricos envolve mais apoio e empatia além do tratamento farmacológico.
Compreensivamente, a maior participação no tratamento dos pacientes internados em
programas residenciais (não hospitalares) prediz melhores resultados (Moos e colaboradores,
1997). As características dos programas que se associam a maior participação dos pacientes são:
alta expectativa sobre o funcionamento do paciente, políticas claras, programa estruturado, alta
proporção da equipe em recuperação de problemas com drogas, mais ênfase no tratamento
psicossocial. Maior expectativa no funcionamento e uma orientação de tratamento forte aumenta
a participação entre os pacientes que funcionam melhor, enquanto a existência de programa de
apoio e a maior estruturação do programa aumentavam a participação entre os mais
comprometidos.
A distância entre o local de moradia e o do serviço de assistência extra-hospitalar é um
fator limitante para a continuidade do tratamento (Schimtt e colaboradores, 2003). Pacientes que
moram mais longe têm menor probabilidade de manterem o tratamento após a alta.

3.3 Fatores dos pacientes


3.3.1Fatores demográficos
3.3.1.1. Idade
3.3.1.1.1 Adolescentes
Adolescentes usuários de drogas não constituem um grupo homogêneo (Kaminer e
colaboradores, 1998). Pelo contrário, há sub-grupos que podem ser definidos pelas comorbidades
que apresentam, tipos e padrões do uso de drogas e idade de início de uso. No Brasil e em países
onde a rede de assistência para usuários de droga se encontra bem mais organizada, como há
baixa disponibilidade de recursos de internação especializada para adolescentes usuários de
drogas, eles freqüentemente são internados em serviços psiquiátricos. Nos Estados Unidos, por
exemplo, entre crianças e adolescentes internados em hospitais psiquiátricos, 26% dos meninos e
37% das meninas tinham problemas com drogas além dos seus problemas psiquiátricos (Weiner
e colaboradores, 2001). Os menores com problemas com drogas apresentavam freqüência maior
de risco de suicídio, comportamento delinqüente e fuga da instituição. Para muitos destes jovens,
a internação em serviços psiquiátricos sem programas especializados em drogas ou em serviços
especializados para problemas com drogas que não serviços específicos para adolescentes talvez
possa trazer mais dificuldades do que soluções. De fato, como afirmam Gastfriend e McLellan
(1997), o uso de drogas para muitos adolescentes pode ser somente parte de um rito de
passagem, este grupo, em geral, têm quadros menos graves, com duração mais curta e menos
conseqüências clínicas. Desta forma, geralmente, os adolescentes necessitam recursos menos
complexos, com maior envolvimento da família no tratamento e em serviços diferentes dos
adultos.
3.3.1.1.2. Idosos
Dependentes de álcool com déficits cognitivos apresentam melhores resultados em
tratamento sob internação do que ambulatorial (Rychtarik e colaboradores, 2000). Além disso,
pacientes idosos, dependentes do álcool e que tenham alguma doença física apresentam maior
dificuldade de dar continuidade ao tratamento ambulatorial após a alta de período de internação
(Brennan e colaboradores, 2001). No grupo estudado, menos de 30% comparecia a pelo menos
uma consulta ambulatorial até 4 anos após a alta. Os que procuravam tratamento ambulatorial
logo após a alta (dentro de 90 dias) tinham maior chance de re-internação. No entanto, aqueles
que receberam algum tratamento ambulatorial após a alta da internação psiquiátrica
apresentavam uma menor mortalidade depois de quatro anos.
3.3.1.2. Sexo
Mulheres usuárias de drogas sofrem mais do estigma social, negação, isolamento e
carência financeira do que homens, além de terem repercussões físicas de forma mais rápida
(Gastfriend e McLellan, 1997). A gravidez e o contágio de doenças transmissíveis pelo uso
injetável de drogas e da mãe para o bebê trazem problemas adicionais (Magalhães, 1991).
3.3.2. Comorbidades
A ocorrência de outros diagnósticos psiquiátricos é tão freqüente que uma das questões
mais importantes da organização da rede de assistência é a necessidade de adequação dos
serviços e de capacitação dos seus profissionais para que sejam melhor atendidos os pacientes
com problemas com o álcool e outras drogas que possuam outros problemas psiquiátricos(CRUZ
e colaboradores, no prelo). No Brasil, deve-se questionar se os muitos serviços de internação
especializados têm estrutura para atendimento de pacientes com duplo diagnóstico. Mesmo em
países com serviços organizados há mais tempo muitos serviços não atendem usuários de drogas
com outros diagnósticos psiquiátricos. Freqüentemente, pacientes de serviços de saúde mental
comumente não têm seus problemas com drogas identificados assim como usuários de drogas de
serviços especializados que apresentam outros transtornos mentais não têm estes quadros
percebidos pelas equipes destes serviços (CRUZ e colaboradores, no prelo). Pacientes com
problemas com drogas atendidos por serviços psiquiátricos e por serviços especializados na
assistência de usuários de drogas têm características diferentes. Quadros como a esquizofrenia e
transtorno bipolar são muito mais freqüentes nos serviços psiquiátricos; transtornos de ansiedade,
de humor depressivo e de personalidade, mais comuns nos especializados para usuários de
drogas. Os usuários de drogas atendidos nos serviços especializados têm mais problemas
médicos, com mais freqüência, já foram casados e têm filhos (Primm e colaboradores, 2000).
No caso de pacientes com comorbidades psiquiátricas com quadros agudos (por exemplo,
em surto psicótico), mas não tão graves que necessitem contenção, os serviços não hospitalares
também podem ser uma alternativa. Um estudo com pacientes com pacientes com problemas
psiquiátricos diversos sendo mais da metade deles usuários de drogas não encontrou diferenças
significativas nos resultados do tratamento quando o tratamento era realizado em serviços
residenciais de curta duração ou em hospitais psiquiátricos (Hawthorne e colaboradores, 1999).
Neste estudo, o resultado do tratamento avaliado foi a melhora do quadro psiquiátrico. Como
esperado, a internação em serviços residenciais tinha menor custo financeiro do que a internação
em hospitais psiquiátricos.
No que se refere ao tratamento de usuários de drogas com comorbidades, entre os
serviços de internação norte-americanos uma pequena proporção (cerca de 14% dos serviços
para internação de veteranos usuários de drogas) é especializada em casos com comorbidades
(Swindle e colaboradores, 1995). Os que não são especializados em comorbidades podem ter ou
não serviços específicos para os pacientes com comorbidades. Serviços especializados em
comorbidades atendem pacientes mais graves (principalmente com esquizofrenia e transtorno
bipolar), têm maior taxa de re-internações, períodos de internação mais longos (média de 30 dias,
ao invés de 19 dias nos serviços padrões para usuários de drogas), prescrevem mais medicações,
têm maior complacência para recaídas e para a não adesão às medicações prescritas (Swindle e
colaboradores, 1995). Estes serviços são menores (em média 19 leitos contra 31 dos serviços
padrão) e contam com maior proporção de psiquiatras e enfermeiros. Entre as sugestões para a
abordagem dos casos de comorbidades encontra-se a utilização de estratégias mais tolerantes e
persuasivas do que as que visam o confronto na definição de objetivos do tratamento (Swindle e
colaboradores, 1995). Também é indicada a integração dos recursos psiquiátricos com aqueles
dirigidos para a assistência dos problemas relacionados ao uso de drogas, como o esforço para a
realização de diagnósticos (principalmente os de quadros psicóticos e transtornos do humor), a
adequada utilização de medicação psiquiátrica e a utilização de terapia psicoterápica, além das
estratégias de prevenção de recaída e aconselhamento sobre drogas. Entre as recomendações para
maior tolerância, sugere-se que não haja exigência de abstinência, mesmo que a abstinência seja
um objetivo a longo prazo (Swindle e colaboradores, 1995). Estes autores sugerem também a
utilização de grupos terapêuticos em que os companheiros podem servir como modelo, o que
talvez tenha semelhança com o que apontamos anteriormente como a função especular em grupo
de usuários de drogas (CRUZ e colaboradores, 1999). No que se refere ao estudo sobre os
determinantes da re-internação para os pacientes com comorbidades, períodos mais longos de
internação (média de 41 dias) são associados a menores taxas de re-internação (Swindle e
colaboradores, 1995). O fato dos pacientes receberem atendimento psiquiátrico ambulatorial logo
após a alta também é determinante de menos re-internação. Os autores não encontraram
superioridade de um tipo de orientação de tratamento sobre outra, mas sugerem que programas
com muitos tipos de orientação podem ser menos adequados para pacientes com comorbidades.
O estudo também conclui que de forma geral não há necessidades de serviços especializados em
duplo diagnóstico, mas que os pacientes com comorbidades recebam tratamento adequado pelo
tempo suficiente e que sejam imediatamente atendidos no ambulatório.

3.3.3. Gravidade da relação com a droga, intoxicação e abstinência


O padrão do consumo de drogas, o tipo de droga utilizada, a ocorrência de quadros de
intoxicação ou abstinência mais ou menos grave são indicadores da necessidade de tratamento
sob internação ou ambulatorial. Casos de dependência do tabaco, consumo de álcool com riscos
e abuso leve de outras drogas podem ser atendidos em serviços de atenção primária com
benefícios pela integração dos serviços de atenção à saúde geral, à saúde mental e de abuso de
drogas (Samet e colaboradores, 2001). Bons resultados podem ser obtidos com usuários de
drogas ou álcool pouco motivados para tratamento da dependência e que apresentando outros
problemas clínicos quando atendidos em serviços de atenção primária que utiliza uma
abordagem que não exige abstinência. Mesmo a realização em serviços de atenção primária de
intervenções breves, entre elas fornecer os resultados de exames como a gama-gt como
marcadores para as mudanças no padrão de consumo de álcool se mostra efetiva para bebedores
problemas (Samet e colaboradores, 2001). Por outro lado, pacientes com quadros de uso de
álcool mais graves se beneficiam mais da internação enquanto aqueles com envolvimento mais
leve com o álcool apresentam melhor resultado com o tratamento ambulatorial (Rychtarik e
colaboradores, 2000). Quadros de abstinência do álcool são motivo freqüente de atendimento em
emergências psiquiátricas ou gerais e podem necessitar de recursos clínicos mais complexos
como descrito em outra parte desta publicação. Este e outros depressores do sistema nervoso
central menos usados no Brasil como os opióides e os benzodiazepínicos podem produzir desde
quadros de intoxicação ou abstinência brandos ou de intensidade moderada, que podem ser
tratados adequadamente de forma ambulatorial, em CAPS AD ou em unidades ambulatoriais
especializadas em desintoxicação, até quadros graves que devem ser tratados em serviços de
emergência com acesso a recursos clínicos. O Ministério da Saúde estuda atualmente a
normatização da remuneração pelo SUS do atendimento de casos graves de intoxicação e
abstinência em hospitais gerais.
Outra indicação possível de internação é quando o paciente apresenta idéias ou tentativa
de suicídio. Harrison e Asche (1999) compararam os resultados de tratamento de 2476 adultos
tratados em ambulatório ou sob internação com o método Minnesota em 183 programas e não
encontraram diferença em relação ao resultado (abstinência com indicador de resultado) a não
ser nos casos 16% em que havia tentativa ou idéias suicidas. Nestes casos, o tratamento sob
internação foi superior ao ambulatorial.
3.3.4. Suporte Social
Na revisão de Finney e colaboradores (1996) de 14 estudos que comparam os resultados
de tratamento sob internação ou ambulatorial, pacientes com menor estabilidade social seriam
favorecidos pelo tratamento sob internação. Pacientes com mais problemas de vida adicionais
aos relacionados ao uso do álcool (aí incluídos as comorbidades médicas e psiquiátricas e
problemas sociais) teriam mais benefícios da internação. Na realidade, segundo Melnick e
colaboradores (2001), estas características indicam pior prognóstico seja para tratamento
ambulatorial seja sob internação. Estes autores afirmam que se deve recomendar tratamento
ambulatorial para pacientes com suficientes recursos sociais e sem graves problemas médicos ou
psiquiátricos. Melnick e colaboradores (2001) sugerem também que se deve promover o
desenvolvimento e disponibilidade de opções de tratamento ambulatorial intensivas com menos
custos e no caso de internação que não seja em ambiente hospitalar, mas sim em serviços
residenciais não-médicos. Indicam que sejam mantidas as opções de tratamento sob internação
para pacientes com condições médicas/psiquiátricas graves e opções residenciais para aqueles
com poucos recursos e ou ambiente que dificulte a abstinência.
Segundo Melnick e colaboradores (2001), são características que devem ser usadas para o
pareamento dos pacientes por modalidade de tratamento porque comprovadamente determinam
resultados diferentes: fatores econômicos e sociais, gravidade da dependência da droga,
gravidade do quadro psiquiátrico, funcionamento cognitivo e serviços de tratamento. Pacientes
com alta gravidade de uso de drogas, envolvimento criminal, de famílias que usam drogas e
desemprego têm melhores resultados em tratamento sob internação (Melnick e colaboradores,
2001). Segundo estes autores, é possível, examinando cada paciente quanto ao padrão do uso de
drogas, história passada de duração da abstinência, suporte e situação social, habilitação para o
trabalho e motivação para o tratamento identificar aqueles que evoluem melhor sob internação.
Em estudo realizado por estes autores utilizando estes critérios, os pacientes encaminhados para
tratamento ambulatorial ou sob internação em comunidades terapêuticas tinham chance maior de
se manter em tratamento por 12 meses ou mais e completar o tratamento, sugerindo a capacidade
do protocolo de fornecer critérios para encaminhamento.
Um estudo de validação da dimensão psicossocial dos critérios da ASAM mostrou que
embora os critérios sejam largamente utilizados nos EUA para determinação de encaminhamento
para tratamento ambulatorial ou sob internação, não conseguem predizer os resultados
alcançados (McKay e colaboradores, 1997). Os critérios avaliados foram: aceitação do
tratamento pelo paciente, potencial de recaída, problemas psiquiátricos ou emocionais presentes
e qualidade do ambiente após o tratamento. Avaliou-se um grupo de pacientes em tratamento
ambulatorial ou sob internação. Os pacientes foram encaminhados sem levar em consideração os
critérios. Depois, foi determinado quantos pacientes preenchiam (pareados) ou não (não-
pareados) os critérios de encaminhamento da ASAM. O estudo mostrou que os não havia
diferença de evolução entre os pacientes cujo encaminhamento concordava com os critérios da
ASAM (pareados) para internação ou ambulatório e aqueles cujo encaminhamento não
concordava (não-pareados). Além disso, pacientes usuários de álcool que de acordo com os
critérios ASAM deveriam se encaminhados para internação não evoluíam melhor quando
internados do que aqueles encaminhados para tratamento ambulatorial intensivo. Os pacientes
usuários de cocaína que segundo os critérios deveriam ser internados evoluíam apenas um pouco
melhor quando internados do que aqueles que preenchiam os mesmos critérios e que eram
tratados em ambulatório intensivo e a diferença não foi estatisticamente significativa. O estudo
não incluiu as demais dimensões (médica, suporte social) dos critérios ASAM. Na discussão dos
limites dos critérios, os autores sugerem que outros fatores como o ambiente (familiar, social)
após o tratamento, participação em grupos de mútua ajuda, humor positivo, manutenção do
compromisso com a abstinência, podem determinar a evolução de forma mais ampla e não
determinada diretamente pelo tratamento, seja ambulatorial ou sob internação. Na discussão
sugerem que os resultados encontrados parecem indicar que usuários de cocaína com quadros
muito graves podem realmente precisar de um período curto de internação seguida de um
tratamento ambulatorial intensivo mais longo. Sugerem, além disso, que a maioria dos pacientes
dependentes de cocaína sem problemas médicos graves devem ser tratados em regime
ambulatorial intensivo. Afirmam que “Talvez, tratamento sob internação seja mais apropriado
para usuários de drogas com complicações médicas graves, para aqueles que são ativamente
suicidas, com quadros psicóticos ou demenciados e aqueles para os quais o uso contínuo traga
um risco significativo para a segurança de outros”3 .

4. Comunicabilidade
A continuidade de tratamento ambulatorial após a alta da internação é essencial para
alcance dos melhores resultados (Brennan e colaboradores, 2001). Para que isto ocorra é
fundamental que as unidades do sistema se comuniquem. No entanto, a assistência à saúde em
geral, à saúde mental e aos usuários de álcool e outras drogas é realizada por sistemas com pouca
comunicação entre si (Samet e colaboradores, 2001). Este fato provoca dificuldades para
realização de diagnóstico precoce e encaminhamento, incompreensão e interferência indevida na
prescrição realizada por colega de outra área e os pacientes fazem mal uso dos recursos de saúde
como privilegiar os atendimentos em serviços de emergência ao invés dos ambulatoriais. Além

3
No original: “Perhaps inpatient treatment is most appropriate for substance abusers with severe medical
complications, for those who are actively suicidal, psychotic or demented and those for whom continued use poses a
significant risk to the safety of others”.
dos benefícios para pacientes e prestadores de serviço uma melhor ligação entre os serviços
diminuiria os custos com a saúde, diminuiria a duplicação de serviços, melhoraria os resultados
de tratamento com populações específicas. A integração de serviços também facilita o tratamento
de pacientes com comorbidades, além de aumentar o acesso e a adesão ao tratamento. O sucesso
do encaminhamento bem feito é a chave para o sistema descentralizado de assistência (Samet e
colaboradores, 2001). As dificuldades de organização e a baixa motivação para o tratamento
tornam a qualidade do sistema de referência e contra-referência ainda mais importante. Além do
aprimoramento da comunicação entre os serviços, o desenvolvimento de novas estratégias por
meio de visitas com abordagem específica para o encaminhamento de cada paciente tem se
mostrado efetivo na ligação entre os serviços de internação e os ambulatoriais (Samet e
colaboradores, 2003).
5. Conclusão
A experiência acumulada até aqui demonstra que a existência de uma rede
descentralizada com ênfase nos serviços extra-hospitalares é essencial já que o tratamento sob
internação não é melhor do que o ambulatorial e tem custo muito maior. No entanto, para
determinados pacientes a internação é indicada. São indicações claras as complicações médicas
graves, tentativas ou idéias consistentes de suicídio, quadros psicóticos ou demência graves e as
situações em que o uso contínuo traga um risco significativo para a segurança do paciente e de
outros.
Os resultados dos estudos que mostram que a internação não é, de forma geral, superior
ao tratamento ambulatorial são importantes para modificar uma idéia muito comum no
imaginário social brasileiro: a de que a dependência tem uma natureza estritamente biológica e
que é sempre necessária (e, ao mesmo tempo, suficiente) a internação, pois ultrapassada a
abstinência tudo está resolvido. Esta idéia se articula com uma concepção segundo a qual as
drogas são substâncias tóxicas que tornam o indivíduo doente quando o invadem e para a cura,
como no modelo das doenças infecciosas, basta eliminar do corpo o agente invasor. Essa maneira
de pensar embasa a idéia popular de desintoxicação.

Por outro lado, em determinados casos o afastamento pode ser necessário mesmo que não
haja um quadro grave de abstinência ou intoxicação. Trata-se dos casos em que os pacientes não
conseguem interromper o uso apesar de seus esforços no tratamento ambulatorial. Uma hipótese
a ser verificada é que, nestes casos, a internação possibilita a interrupção não só do uso, mas
também de outras formas compulsivas de interação. A relação com a família, vizinhos, colegas e
chefia de trabalho e com o grupo com quem o paciente usa drogas pode ficar, em determinadas
ocasiões, aprisionada num padrão de repetições sucessivas que incluem cobranças,
compromissos, punições, ressentimentos, novos compromissos não cumpridos. Dentro dessa
situação e, freqüentemente esgotado por repetidos períodos de intoxicação e abstinência, pode
ser muito difícil para um usuário encontrar meios de interromper esse ciclo.

Novos estudos que reflitam a realidade brasileira são necessários para que se amplie o
conhecimento sobre os indicadores sobre as melhores escolhas de serviços para cada paciente.
Entre os fatores a serem estudados encontram-se as características dos pacientes e dos serviços
que são responsáveis pelos efeitos do tratamento (Finney e colaboradores, 1996). Finalmente, é
importante que os serviços sejam constituídos de acordo com as necessidades dos pacientes, ao
invés de se interrogar diante dos recursos existentes em que serviço certo paciente se encaixa
melhor (Gastfriend e McLellan, 1997).

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