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1. Introdução
Entre as decisões difíceis que se impõem para pessoas com problemas com álcool e
outras drogas, seus familiares e os profissionais que os atendem, uma se refere à necessidade de
resolver em determinado momento se há necessidade de internação ou se aquele que usa drogas
pode dar continuidade ao seu tratamento em atendimento ambulatorial. No Brasil, a assistência
para estes problemas é realizada, atualmente, em uma série de serviços ambulatoriais ou de
internação com características diferentes entre si, com múltipla complexidade de recursos
(equipe, recursos físicos, equipamento, técnicas e orientação do tratamento) e que podem ser
indicados para determinados pacientes e não para outros. Para um mesmo paciente, a internação
pode ser necessária em determinado momento do processo terapêutico e contra-indicada em
outro. A noção de que as pessoas que têm problema com substâncias psicoativas constituem um
grupo heterogêneo com histórias de vida particulares, comprometimentos físicos diversos e
ambiente social e cultural diferentes nos faz compreender de que não há “receita de bolo” que
funcione de forma igual para todos. Há necessidade de contemplar com recursos terapêuticos
mais ou menos complexos pacientes com situações de maior ou menor gravidade (Dias, 2001).
Assim, deve ser ampliado o conhecimento para determinar que fatores podem fazer pressupor
que para determinado paciente tal ou qual serviço pode ser mais indicado em um dado momento.
Neste capítulo, apresentamos uma revisão da literatura sobre critérios para indicação de
tratamento ambulatorial ou sob internação para usuários de álcool ou outras drogas.
1.1 Definição de internação e de tratamento ambulatorial
Na revisão de Finney e colaboradores (1996), tratamento sob internação foi definido
como as intervenções terapêuticas oferecidas num local em que o paciente reside permanecendo
24 horas por dia. Por sua vez, o tratamento ambulatorial é definido como as intervenções
oferecidas quando os pacientes não permanecem à noite. Por esta definição, seriam ambulatoriais
Doutor em Psiquiatria pela UFRJ. Coordenador do Programa de Estudos e Assistência ao Uso Indevido de Drogas
da UFRJ- PROJAD-IPUB/UFRJ.
serviços como existem na França, nos quais, como veremos adiante, os pacientes permanecem
fora durante o dia, retornando à noite.
Entre as diferenças entre o tratamento sob internação e o ambulatorial encontram-se:
custo; recursos de maior ou menor complexidade; necessidade de contenção; afastamento ou não
da família, do local de moradia e do trabalho e conseqüentemente de fatores que podem estar
ligados direta ou indiretamente ao consumo de drogas. Além disso, no caso da realidade
brasileira atual, muitas vezes optar por um tratamento ambulatorial significa manter o paciente
na proximidade do tráfico.
O estudo do DATOS foi financiado pelo NIDA (National Institute of Drug Abuse), teve
dimensão nacional que incluiu uma amostra final de cerca de 3.000 pacientes de 1991 a 1993 e
teve a proposição de avaliar os resultados do tratamento prestado, sem, no entanto, diferençar os
serviços ambulatoriais dos sob internação. Os critérios de avaliação de resultado foram o
consumo semanal e diário de drogas nos 12 meses antes do tratamento e 12 depois do
tratamento; problemas com a lei; estar ou não empregado; pensamentos ou tentativa de suicídio.
Segundo este estudo, o consumo de cocaína diminuiu dramaticamente para os pacientes tratados
com os quatro tipos de tratamento. Também houve redução no consumo de heroína e maconha.
Houve diminuição no envolvimento com problemas legais e diminuição nos pensamentos e
tentativas de suicídio. Um dos achados importantes é que os programas de internação curta
(menos de 30 dias) resultaram em diminuição importante no consumo de drogas. O padrão de
consumo de drogas e a ocorrência de comorbidades influenciavam a adesão ao tratamento
(Muller e Wyman, 1997).
1
ASAM Patient Placement Criteria for the Treatment of Substance-Related Disorders, (Second
Edition – Revised): (ASAM PPC-2R) (Gastfriend e McLellan, 1997).
Ambulatorial; Nível II Ambulatório Intensivo/ Hospitalização Parcial; Nível III Internação
Hospitalar ou Residencial; Nível IV Tratamento Hospitalar Clínico Intensivo.
Dentro de cada nível há outros níveis específicos de cuidado de acordo com a gravidade.
Nos critérios da ASAM, para cada sub-nível, são descritos os serviços, instalações, pessoal de
saúde e critérios de admissão. São definidas seis dimensões, que levadas em consideração vão
indicar a gravidade de cada caso: intoxicação/abstinência; condições biomédicas e complicações;
condições e complicações emocionais, comportamentais e cognitivas; prontidão para a mudança;
recaída, uso contínuo ou contínuo potencial de problemas; ambiente de recuperação. Por
exemplo, para a dimensão intoxicação/abstinência são definidos cinco níveis de gravidade, cada
um deles exigindo serviços de complexidade diferente.
Embora este sistema seja um importante ponto de partida, pois parece refletir a
experiência clínica, uma série de estudos posteriores tem tido dificuldades para demonstrar com
clareza que os pacientes encaminhados de acordo com os critérios ASAM tenham melhores
resultados do que os encaminhados sem tais critérios (Melnick e colaboradores, 2001). Este fato
tem produzido como efeito a realização de muitos novos estudos que procuram definir quais as
características dos pacientes e dos serviços que indicam que determinados pacientes devem
preferencialmente ser encaminhados para certos serviços num processo que os norte-americanos
chamam de “matching” e que tem sido traduzido entre nós como pareamento.
2
No original “respite”.
Na comparação de resultados de tratamento de pacientes atendidos em internação, em
atendimento ambulatorial intensivo e ambulatorial padrão, não foram encontradas diferenças
significativas (Rychtarik e colaboradores, 2000). Com as três modalidades de tratamento houve
diminuição significativa nos padrões de consumo do álcool, embora os que estiveram internados
tenham tido menos episódios de prisão depois do tratamento. Neste estudo foi considerado
tratamento ambulatorial intensivo: sessões diárias durante 28 dias de grupos de AA, prevenção
de recaída, entrevista motivacional, terapia individual e de família e outras. Foi considerado
tratamento não-intensivo: duas sessões individuais e duas de grupo por semana, além de duas
reuniões de AA por semana. Contrariando a recomendação de Finney e colaboradores (1996),
não foi encontrada diferença entre os tratamentos ambulatoriais padrão e intensivo. Estudo mais
recente sobre a influência da duração e da quantidade de tratamento ambulatorial nos resultados
constatou que pacientes que permaneciam em tratamento por mais tempo tinham melhores
resultados em um ano no que se refere ao consumo de drogas e funcionamento social, mas não
foi encontrada relação entre a quantidade de tratamento e os resultados (Moos e colaboradores,
2001). Portanto, persiste a indefinição entre a superioridade dos tratamentos ambulatoriais
intensivos sobre os menos intensivos que tem menores custos.
No que se refere ao modelo ou orientação, comparando quatro modalidades de
abordagem terapêutica para pacientes internados em serviços residenciais (diferenciar de
comunidades terapêuticas) (comunidade terapêutica, reabilitação psicossocial, 12 passos e
indiferenciado) Moos e colaboradores (1999) encontraram melhores resultados na avaliação de
um ano naqueles com tratamento mais diretamente orientado (os 3 primeiros). Pacientes que
recebiam períodos mais prolongados de tratamento e aqueles que completavam o tratamento
também tinham melhores resultados. Estes resultados incluíam tanto os pacientes com apenas
problemas com substâncias com e sem comorbidades.
Programas de tratamento sob internação fazem exigências diferentes para os pacientes
que apresentam e os que não apresentam comorbidades. Quando os pacientes têm mais
problemas com drogas do que problemas psiquiátricos, os programas são mais exigentes: tem
uma política de maior exigência para o funcionamento e controlam mais os internos, oferecem
menos serviços de saúde, têm menos recursos dirigidos para a segurança da saúde e menos
atividades sociais e recreacionais (Timko e colaboradores, 2000). Os pacientes destes programas
com maior exigência percebem que há maiores expectativas sobre eles e mais pressão para que
se relacionem mais, definam objetivos e se organizem. Estes pacientes se engajam mais em
atividades pela própria iniciativa e participam mais de serviços de tratamento e eventos
organizados pelo programa. As abordagens para usuários de drogas e para pacientes psiquiátricos
são diferentes em muitos aspectos. Por exemplo, o tratamento de usuários de drogas
freqüentemente inclui a expectativa de desenvolvimento de responsabilidade individual, o
confronto da negação dos problemas com as drogas e a abstinência, enquanto o tratamento para
outros problemas psiquiátricos envolve mais apoio e empatia além do tratamento farmacológico.
Compreensivamente, a maior participação no tratamento dos pacientes internados em
programas residenciais (não hospitalares) prediz melhores resultados (Moos e colaboradores,
1997). As características dos programas que se associam a maior participação dos pacientes são:
alta expectativa sobre o funcionamento do paciente, políticas claras, programa estruturado, alta
proporção da equipe em recuperação de problemas com drogas, mais ênfase no tratamento
psicossocial. Maior expectativa no funcionamento e uma orientação de tratamento forte aumenta
a participação entre os pacientes que funcionam melhor, enquanto a existência de programa de
apoio e a maior estruturação do programa aumentavam a participação entre os mais
comprometidos.
A distância entre o local de moradia e o do serviço de assistência extra-hospitalar é um
fator limitante para a continuidade do tratamento (Schimtt e colaboradores, 2003). Pacientes que
moram mais longe têm menor probabilidade de manterem o tratamento após a alta.
4. Comunicabilidade
A continuidade de tratamento ambulatorial após a alta da internação é essencial para
alcance dos melhores resultados (Brennan e colaboradores, 2001). Para que isto ocorra é
fundamental que as unidades do sistema se comuniquem. No entanto, a assistência à saúde em
geral, à saúde mental e aos usuários de álcool e outras drogas é realizada por sistemas com pouca
comunicação entre si (Samet e colaboradores, 2001). Este fato provoca dificuldades para
realização de diagnóstico precoce e encaminhamento, incompreensão e interferência indevida na
prescrição realizada por colega de outra área e os pacientes fazem mal uso dos recursos de saúde
como privilegiar os atendimentos em serviços de emergência ao invés dos ambulatoriais. Além
3
No original: “Perhaps inpatient treatment is most appropriate for substance abusers with severe medical
complications, for those who are actively suicidal, psychotic or demented and those for whom continued use poses a
significant risk to the safety of others”.
dos benefícios para pacientes e prestadores de serviço uma melhor ligação entre os serviços
diminuiria os custos com a saúde, diminuiria a duplicação de serviços, melhoraria os resultados
de tratamento com populações específicas. A integração de serviços também facilita o tratamento
de pacientes com comorbidades, além de aumentar o acesso e a adesão ao tratamento. O sucesso
do encaminhamento bem feito é a chave para o sistema descentralizado de assistência (Samet e
colaboradores, 2001). As dificuldades de organização e a baixa motivação para o tratamento
tornam a qualidade do sistema de referência e contra-referência ainda mais importante. Além do
aprimoramento da comunicação entre os serviços, o desenvolvimento de novas estratégias por
meio de visitas com abordagem específica para o encaminhamento de cada paciente tem se
mostrado efetivo na ligação entre os serviços de internação e os ambulatoriais (Samet e
colaboradores, 2003).
5. Conclusão
A experiência acumulada até aqui demonstra que a existência de uma rede
descentralizada com ênfase nos serviços extra-hospitalares é essencial já que o tratamento sob
internação não é melhor do que o ambulatorial e tem custo muito maior. No entanto, para
determinados pacientes a internação é indicada. São indicações claras as complicações médicas
graves, tentativas ou idéias consistentes de suicídio, quadros psicóticos ou demência graves e as
situações em que o uso contínuo traga um risco significativo para a segurança do paciente e de
outros.
Os resultados dos estudos que mostram que a internação não é, de forma geral, superior
ao tratamento ambulatorial são importantes para modificar uma idéia muito comum no
imaginário social brasileiro: a de que a dependência tem uma natureza estritamente biológica e
que é sempre necessária (e, ao mesmo tempo, suficiente) a internação, pois ultrapassada a
abstinência tudo está resolvido. Esta idéia se articula com uma concepção segundo a qual as
drogas são substâncias tóxicas que tornam o indivíduo doente quando o invadem e para a cura,
como no modelo das doenças infecciosas, basta eliminar do corpo o agente invasor. Essa maneira
de pensar embasa a idéia popular de desintoxicação.
Por outro lado, em determinados casos o afastamento pode ser necessário mesmo que não
haja um quadro grave de abstinência ou intoxicação. Trata-se dos casos em que os pacientes não
conseguem interromper o uso apesar de seus esforços no tratamento ambulatorial. Uma hipótese
a ser verificada é que, nestes casos, a internação possibilita a interrupção não só do uso, mas
também de outras formas compulsivas de interação. A relação com a família, vizinhos, colegas e
chefia de trabalho e com o grupo com quem o paciente usa drogas pode ficar, em determinadas
ocasiões, aprisionada num padrão de repetições sucessivas que incluem cobranças,
compromissos, punições, ressentimentos, novos compromissos não cumpridos. Dentro dessa
situação e, freqüentemente esgotado por repetidos períodos de intoxicação e abstinência, pode
ser muito difícil para um usuário encontrar meios de interromper esse ciclo.
Novos estudos que reflitam a realidade brasileira são necessários para que se amplie o
conhecimento sobre os indicadores sobre as melhores escolhas de serviços para cada paciente.
Entre os fatores a serem estudados encontram-se as características dos pacientes e dos serviços
que são responsáveis pelos efeitos do tratamento (Finney e colaboradores, 1996). Finalmente, é
importante que os serviços sejam constituídos de acordo com as necessidades dos pacientes, ao
invés de se interrogar diante dos recursos existentes em que serviço certo paciente se encaixa
melhor (Gastfriend e McLellan, 1997).
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